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CLARICEANA 2020 III Encontro de Pesquisadores de Clarice Lispector 100 anos de Clarice Lispector Faculdade de Letras Pós-Graduação em Ciência da Literatura Laboratório de Edição e-mail: [email protected] url: https://fortuna.labedicao.com/clariceana.html PROGRAMAÇÃO & CADERNO DE RESUMOS Todas as apresentações poderão ser assistidas no canal do youtube do evento: https://www.youtube.com/channel/UCp8h6UKUgEAboGFJrfQ5hgg I. Programação | II. Resumos

PROGRAMAÇÃO & CADERNO DE RESUMOS · 2020. 12. 6. · Crítica e arquivo em Benedito Nunes: Guimarães Rosa e Clarice Lispector em artigo inédito em português (1969) Sílvio Augusto

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PROGRAMAÇÃO & CADERNO DE RESUMOS

Todas as apresentações poderão ser assistidas no canal do youtube do evento: https://www.youtube.com/channel/UCp8h6UKUgEAboGFJrfQ5hgg

I. Programação | II. Resumos

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I.

07/1211hconferência

Les Invisibles – Ver com o corpo inteiro – pensar escrever : tomar contaNadia Setti :: Un. Paris-8

14h “A rede perdera o sentido e estar num bonde era um fio partido. [...] O mal estava feito”

Morder deus em bagos: uma leitura para protagonistas de Clarice Lispector e Alice Sampaio Graziela Campana Drago : : UFRJUma leitura das colunas de Tereza Quadros, máscara de Clarice LispectorTânia Sandroni : : USP

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Entre rosas, pitangas e meninas: a trajetória de amadurecimento no conto "Cem anos dePerdão", de Clarice LispectorAmanda Angelozzi Silva : : USP

16h“Tudo isso aconteceria se tivesse a sorte de "ninguém olhar para ela".”

Metáfora corporal em A hora da estrelaValber Eccard Lins Cordeiro : : UFRRJPinto, a coisa nascida: considerações sobre “A legião estrangeira”Maria Júlia Santana Valério : : UFRJSapatos e ritmo dos passos: notas sobre Preciosidade Iara Machado Pinheiro : : USP

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08/12

11hconferência

Michel Riaudel :: Sorbonne Un.Marília Librandi :: Un. de Princeton

14h“A crítica me abateu bastante; tudo o que diz é verdade; Ao lado disso que ele diz eé verdade, ele não me compreendeu.”

Crítica e arquivo em Benedito Nunes: Guimarães Rosa e Clarice Lispector em artigoinédito em português (1969)Sílvio Augusto de Oliveira Holanda : : UFPAVozes da crítica em torno de O lustre, de Clarice Lispector

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Mariângela Alonso : : USPQuase nos laços de família: a hora de “Devaneio e embriaguez duma rapariga”Amanda Dib da Silva de Almeida Ferreira : : UFRJ

16h “Liberdade é pouco. O que eu desejo ainda não tem nome”

(Entre)lugares de fala: diálogos de Clarice Lispector e Conceição EvaristoIsadora Pessoa Fernandes : : UFFLer cortando: gesto de escrita e rasura em Objeto Gritante de Clarice LispectorMarcela Gomes de Aguilar Cruz : : UFMGUm olhar sobre desobediência e liberdadeTainá Hilana Oliveira Pinto : : UnB

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09/12

11hconferência

Ouve-me, ouve o meu silêncio: Clarice ou de como se diz o indizívelEttore Finazzi-Agrò :: Un. Roma La Sapienza

14“O mundo que não via perigo em ser nu.”

Silêncio de estrela na infinita cidade: entre “Mineirinho” e A hora da estrela, algumashipóteses de Clarice Lispector sob perspectiva pós-colonialGabriel das Chagas Alves Pereira de Souza : : UFRJA fauna extinta é uma legião: do homem ao animal no texto de LispectorMarcella Assis de Moraes : : UFRJClarice Lispector e as analogias animais do feminino

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Renata Coutinho Villon : : UFRJ

16h“Mas estou tentando escrever-te com o corpo todo”

Clarice e a mensagem inescritívelAna Maria Vasconcelos Martins de Castro : : UnicampÁgua-Viva (Depois de Clarice): por uma literatura expandida na instalação deShirley Paes LemeAndré Arçari : : UFRJMineirinho: reflexões envoltas em perplexidades, (in)justiças e extermíniosMeire Oliveira Silva : : UNIOESTE

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10/12 – quinta-feira

11hconferência

Flavia Trocolli :: UFRJJoão Camillo Penna :: UFRJ & Belinda Mandelbaum :: USP

14h“há desencontro entre os seres que se perdem uns aos outros entre palavras quequase não dizem mais nada”

"Quem sabe escrevo por não saber pintar?": literatura e artes visuais em ClariceLispectorGabriele Costa Viana : : UFRJ

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Por detrás da devoção: a presença da empregada doméstica na obra de ClariceLispectorPatrícia Ferreira Alexandre de Lima : : UFPRTraição ou desenvolvimento? A questão da trama e da alteridade em dois romances deClarice Lispector.Rafael Iatzaki Rigoni : : UFPR

16h “seus cabelos de manhã lavados e secos ao sol do pequeno terraço estavam da sedacastanha mais antiga — bonita? não, mulher”

A expêriencia do feminino no corpo através dos escritos de Clarice LispectorIsabela Otechar Barbosa : : Un. Paris 8Vestígios judaicos em produções de Clarice LispectorThiago Cavalcante Jeronimo : : Un. Presb. Mackenzie"A menor mulher do mundo" como terceira pessoa: uma leitura de Clarice interpeladapela questão da alteridade em LévinasRochelle de Sousa Guimarães : : Un. degli Studi di Roma "Tor Vergata"

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11/12 – sexta-feira

11hConferência

Djulia Justen :: UFSCClara Rowland :: Un. Nova de Lisboa

15hConferência

Mariela Méndez :: Un. De Richmond7Jaime Ginzburg :: USP

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Comunicações por vídeo

Beijos afins: “O primeiro beijo” de Clarice e “O beijo” de TchekhovAndre Klojda : : UFRJ

O sacrifício da carne: uma leitura do conto "O Corpo", de Clarice LispectorAnna Carolina Deodato da Silva : : UFRJ

Objetos-pessoas e Pessoas-objetos: uma leitura comparativa da personificação do relógioSveglia no conto “O relatório da coisa” com a objetivação de Macabéa em A Hora daEstrela.Antonio gerson bezerra de medeiros : : PUC-Rio

A grande ferida do outro – o olhar clariciano para a "criada”.Diego Nascimento Araújo : : UFC

Linhas que se entrelaçam: escrita e experiência visual em uma crônica de ClariceLispector Fani Conceição Adorne : : IFSUL

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O sorriso da pequena florGeovanny Luz dos Anjos Santos : : UFRJ

O Livro dos prazeres: o mal-estar da existência na tela do cinemaIsabela Domingues Allaman : : UFMS

Eppur si muove: fuga e não-lugar em "A Maçã no Escuro", de Clarice LispectorLaís Maria Álvares Rosal Botler : : The Hebrew Un. of Jerusalem

Clarice e Ponge entre objetos Luanna Guimarães Belmont : : UFRJ

Figurações da mulher negra e do continente africano nos contos “A menor mulher domundo”, de Clarice Lispector e “Jumping Monkey Hill”, de Chimamanda Adichie Maria Iracilda G. C. Bonifácio & Luciana Rosa Costa : : PUC – RS

As mãos de Clarice: entre a literatura e a esculturaMariana Silva Bijotti : : USP

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"A palavra é meu domínio sobre o mundo': um estudo sobre a circulação da obra deClarice Lispector em Portugal Natalia de Santanna Guerellus : : Sorbonne Un./Un. Jean Moulin

Se eu fosse eu: Percursos de uma aula sobre Clarice Lispector Nuno Brito : : UC – Santa Barbara

Criação e filosofia em Clarice LispectorPamela Zacharias : : Unicamp

A técnica de entrevista em Clarice Lispector, dez anos depoisPaulo Felipe Costa e Silva : : UniFAl

Encontro trágico de dois esquecidos: poesia, morte e espetáculo em Manuel Bandeira eClarice LispectorTiago Marcenes Ferreira da Silva : : IFB

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II. Caderno de Resumos

Entre rosas, pitangas e meninas: a trajetória de amadurecimento no conto "Cem anos dePerdão", de Clarice LispectorAmanda Angelozzi Silva : : USP

Um aspecto que une os escritos de Clarice Lispector é a investigação dos meandros dasubjetividade humana. Desde sua primeira publicação, a busca pelo selvagem coração foiuma das temáticas que esteve às voltas de sua obra. Entretanto, essa busca engendra umaimpossibilidade, já que acessar o que se esquiva (o núcleo, o cerne, o neutro, a coisa, entreoutras nomeações presentes na obra) implica lidar com a distância e o intervalo inevitáveisentre o ser e a palavra. Assim, o âmago somente pode ser vislumbrado a partir deencontros mobilizadores, os quais as personagens são submetidas nas narrativasclaricianas. O outro atravessa a trajetória das personagens revelando algo que estava,propositalmente ou não, encoberto pela rotina dos dias. Esse desencobrir o que não éconhecido, trazendo-o à tona, é um procedimento presente e essencial na obra da escritoraem sua investigação do núcleo do selvagem coração. Em suma: o âmago só se manifesta

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no encontro (ou confronto) com o de fora.Entre os elementos da esfera do “de fora” que compõem o mundo visível e perceptível aossentidos do sujeito clariciano está o mundo vegetal. A potência dos encontros botânicosque as personagens vivenciam possibilitam que a autora tateie o subterrâneo do ser.Permeia a obra de Clarice Lispector uma flora diversa e ainda pouco investigada pelacrítica, tendo como matriz o Jardim Botânico do conto “Amor”. Outros jardins tambémse tornam palco de acontecimentos primordiais nas narrativas claricianas, como é o casodo jardim do conto “Cem anos de perdão”, sobre o qual pretendemos nos debruçar nestaComunicação Oral.Proporemos uma análise do conto buscando demonstrar que nele figura uma jornada deamadurecimento da personagem protagonista, que transitará do mundo infantil para omundo adulto. O que desencadeia o processo é a visão de uma rosa em um jardimenquanto ela brinca com uma amiga na rua. A narrativa acompanha aspectos do desejo, do corpo feminino e da puberdade nessatrajetória de maturação da menina através de um enredo complexo em dois planos. Assimcomo as raízes crescem nas profundezas e, mesmo que invisíveis, sustentam troncosinteiros, o conto é estruturado em duas tramas: a primeira, chamaremos de “dassuperfícies”, tratando do que é explícito do texto - o roubo da rosa -; a segunda,chamaremos “dos subterrâneos”, tratando do que é implícito: o amadurecimento damenina e suas investidas no mundo adulto, sua menarca e iniciação sexual. A Comunicação Oral é fruto de mestrado em desenvolvimento sobre a figuração dabotânica na obra clariciana e terá como objetivo desenvolver a análise do conto à luz de

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reflexões psicanalíticas e também com apoio da fortuna crítica da autora. Pretende-serefletir sobre o desenvolvimento da subjetividade da menina, a descoberta do corpo, osplanos da submissão e transgressão e os caminhos para que o desejo possa ser vivenciado eexercido. Analisaremos esses processos no conto não apenas na cena da rosa, mas tambémem seu emblemático desfecho, propondo uma leitura para a cena das pitangas nosentornos da Igreja.

Quase nos laços de família: a hora de “Devaneio e embriaguez duma rapariga”Amanda Dib da Silva de Almeida Ferreira : : UFRJ

Clarice Lispector, em a “Explicação”, espécie de justificativa do livro A via crucis do corpo,diz: “Uma pessoa leu meus contos e disse que aquilo não era literatura, era lixo.Concordo. Mas há hora para tudo. Há também a hora do lixo” (Lispector, 1998, p. 12).Ao ler os contos da obra publicada em 1974, entende-se que “a hora do lixo” é a formacomo a literatura é tratada quando o corpo é inserido na narrativa. O corpo que buscaprazer, o corpo envelhecido, o corpo fora do pudor. Norteado por essas questões, otrabalho pretende ler “Devaneio e embriaguez duma rapariga”, conto primogênito deLaços de família, a partir do que se entende por “a hora do lixo”. O conto traz umapersonagem que goza constantemente da sua imagem, delicia-se com o próprio corpo edos prazeres que ele a oferece. As experiências provocadas pelo álcool guiam a narrativaquando a jovem-moça vai a Praça Tiradentes; neste momento, ela sente-se“profundamente lançada numa vida baixa e revolucionante (...) profundeza daquela

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segurança de quem tem um corpo” (Lispector, 2016, p. 139). Ao longo da leitura decontos de Clarice de Lispector, a pesquisa entende que ter um corpo, mais precisamente oconto ganhar um corpo, lança-o na “vida baixa” e na “hora do lixo”. Em “Devaneio eembriaguez duma rapariga”, há uma jovem que quer se deliciar e não recusa asinterferências provocadas pelo desejo, distanciando-a das outras personagens do livro, quesão lançadas ao cumprimento dos papeis sociais, consagrados, pela instituição familiar.Dessa forma, o trabalho também busca tecer relações entre a “rapariga” e as personagensde Laços de família e as de A via crucis do corpo, obra em que encontramos o ponto departida para pensar o corpo na obra de Lispector.

Clarice e a mensagem inescritívelAna Maria Vasconcelos Martins de Castro : : Unicamp

Eduardo Viveiros de Castro, em seu estudo “Rosa e Clarice, a fera e o fora” (2018),aponta que, ressecando o próprio código, a linguagem clariceana se desgasta “de modo atransmitir uma mensagem inescritível”. Essa escrita em enigma é percebida já na ocasiãoda publicação do primeiro romance de Clarice Lispector, Perto do coração selvagem(1943), quando Antonio Candido afirmou que se tratava de uma “tentativaimpressionante para levar a nossa língua canhestra a domínios pouco explorados”. Assim,este trabalho pretende abordar como o esgarçamento da linguagem, força motriz de suaobra, torna-se o modo clariceano de “inexprimir o exprimível” – para citar a epígrafebarthesiana sobre a tarefa do escritor, tão bem escolhida por Olga de Sá (1993) para abrir

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seu estudo sobre a autora. Partindo das noções de gagueira como procedimento literário(Deleuze) e gesto como isso que toma o lugar de um intervalo suprimido, umapossibilidade que a fratura assume, não de recompor-se em inteireza, mas de apresentar-seenquanto tal, tornando visível uma medialidade impossível (Agamben), percorreremos oesgarçamento da linguagem próprio da escrita de Clarice Lispector em direção a umestranhamento radical. É através dessas fissuras do texto que Clarice questiona comopassar para o leitor, por meio da linguagem, aquilo que não é nomeável (o it de Água viva,por exemplo). No inquietante “Como se chama?”, texto da seção “Fundo de gaveta” de Alegião estrangeira (1964), lemos: “o único modo de chamar é perguntar: como se chama?Até hoje só consegui nomear com a própria pergunta. Qual é o nome? E este é o nome”.Onipresente na obra clariceana, o esgarçamento da linguagem será aqui pensado comogesto dessa escrita gaguejante – um modo mesmo de mostrar, face à ruína da tarefa dedizer, aquilo que a falibilidade do nome não alcança.

Água-Viva (Depois de Clarice): por uma literatura expandida na instalação de Shirley PaesLemeAndré Arçari : : UFRJ

Tendo como ponto de partida a instalação realizada pela artista plástica/visual Shirley PaesLeme para o Museu Vale (2012), apresentada sob o título homônimo do livro escrito porClarice Lispector, o objetivo dessa comunicação é levantar aspectos dialógicos entre ambasproduções, convergindo o fazer artístico com o literário. Nesse sentido, pensamos que a

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produção de Shirley Paes Leme faz ver a possibilidade de conceber uma produção deescrita em território expandido.Esta relação de proximidade, que tenciona a obra da artista paulistana, não se dá apenasna ordem do discurso, cujo título nos remete de imediato ao texto de Lispector, mas sedesvela efetivamente a partir de sua apropriação, quando Paes Leme fragmenta tal texto,que já traz um fluxo de consciência, para por nas paredes do espaço expositivo umconjunto de frases que ora se justapõem, ora se sobrepõem — somadas a telas pintadascom tinta fabricada com a água do mangue fervida, frases escritas ora com a mesma tintanas paredes da grande sala, ora com resina transparente em espelhos em grandesdimensões—, desvelando uma camada visual à escrita de Água-Viva. Paes Leme aindarecobre por completo uma pequena sala com metal espelhado e todo o piso da galeriacentral, preenchendo-o com um metal espelhado, para fazer ver esse presenteinapreensível a que tanto Lispector ressalta em sua escrita.Dai lembramos ao entrar na instalação que, para Clarice, o agora não é um momentoisolado, mas uma presença pura e constante, uma roda que abarca passado e futuro, capazde confluir continuidade e circularidade. É o fugaz que ela chamará de “instante-já”. Emsuas palavras, ela diz “Sou um ser concomitante: reúno em mim o tempo passado, opresente e o futuro, o tempo que lateja no tique-taque dos relógios.”. Um texto queescorre e que nos lembra: somos o que fomos e o que queremos.Na literatura expandida de Paes Leme, esses espelhos são uma estratégia de convocação doespectador à participação corpórea para ver em vertigem, ver redobrado, no chão que éteto, no metal espelhado que é água, num jogo óptico de reflexão e refração luminosa tão

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brilhante como a superfície marítima. Na grande parede de fundo do galpão de 800m2 doMuseu Vale, a artista nos oferece ainda uma imagem de uma câmera de monitoramento(CCTV) que aponta para o exterior, projetando a visão que temos das águas da Baía deVitória, uma imagem constante, sempre atualizada, infinita e circular, como o presenteque Lispector nos oferece. Aqui podemos até pensar na ideia heterotópica do espelho quenos apresenta Foucault, e que a própria Shirley nos relembra em diálogos, um lugarvirtual onde somos projetados, mas que efetivamente não nos encontramos.Assim, como numa fita de möbius, os jogos vertiginosos e as estratégias site-specificfriccionadas por Paes Leme em Água-Viva não apenas atualizam o livro o qual criaanalogia, mas o reterritorializa, de lá pra cá (depois de Clarice), em uma pluralidade desentidos que fazem ver as relações tênues entre arte contemporânea e literatura expandida.

Beijos afins: “O primeiro beijo” de Clarice e “O beijo” de TchekhovAndre Klojda : : UFRJ

Neste trabalho, abordamos dois contos cuja correlação vai além dos títulos: “O primeirobeijo” de Clarice Lispector, e “O beijo” de Anton Tchekhov. Aldridge (2011) reconheceque, na literatura comparada, a matéria é mais importante do que o método, e a afinidadeconsiste nas semelhanças de estilo, estrutura, tom ou ideia entre duas obras que não têmoutros vínculos. Identificamos que as narrativas em questão, além de utilizarem o motivodo beijo, irmanam-se em dois aspectos complementares: no rompimento dapreponderância da lógica cronológica e na primazia das reflexões sobre as ações. Mesmo

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sem haver direta relação entre os contos, distantes quanto à época, ao estilo e mesmo àextensão, divisamos pontos nos quais as mundividências artísticas se encontram. Aliteratura comprova-se, portanto, como “função específica do espírito humano”(PICHOIS; ROUSSEAU, 2011, p.233).

O sacrifício da carne: uma leitura do conto "O Corpo", de Clarice LispectorAnna Carolina Deodato da Silva : : UFRJ

Em O Corpo, um dos treze contos a compor o livro A Via Crucis do Corpo (1998),Clarice Lispector apresenta um casamento incomum, formado por um homem bígamo eas duas companheiras. Permeada por um erotismo lascivo e pitoresco, a relação entre ostrês se constrói a partir dos êxtases corporais provocados por meio das atividades de “baixoventre” – sexual e alimentar. Comumente vistas como temáticas desconexas, a sexualidadee a arte de comer se aproximam em determinados aspectos. O primeiro deles seria aligação pelo prazer proporcionado pelas duas atividades. Sugere-se que o prazer advindoda alimentação tenha sido uma forte influência, dentre outras funções humanas, nocomportamento sexual. Ambas atividades se relacionam também na transformaçãoacarretada ao longo do tempo, visto que a medida em que o sexo deixa de ser umaatividade mecânica, tornando-se uma experiência prolongada e voltada para o prazer, aalimentação também passa de uma mera atividade nutricional à Gastronomia (BONA,2013). No conto, a tensão atrelada às atividades eróticas é crescente até resultar emassassinato, um sacrifício necessário à continuação da vida. Baseada na obra O Erotismo

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(2017) de George Bataille, e no ensaio Sobre comidas e mulheres (2001), do antropólogobrasileiro Roberto DaMatta, proponho uma leitura crítica acerca do simbolismoincorporado às atividades eróticas exercidas no conto, assim como seu impacto nodesenvolvimento das personagens femininas no decorrer do enredo.

Objetos-pessoas e Pessoas-objetos: uma leitura comparativa da personificação do relógio Svegliano conto “O relatório da coisa” com a objetivação de Macabéa em A Hora da Estrela.Antonio gerson bezerra de medeiros : : PUC-Rio

Originalmente publicado na revista Senhor como Objeto: anticonto e depois com o títulode O relatório da coisa no Jornal do Brasil, esse conto, ou anticonto geométrico, comoClarice Lispector o definiu, tem como tema um objeto, um relógio da marca Sveglia. Notranscorrer do “relatório”, esse relógio é cada vez menos coisa para ir adquirindo umapersonificação, causando um estranhamento no leitor. Sveglia é nomeado pelo narrador do conto como “o Objeto, é a Coisa, com letramaiúscula.” (p. 495) Da mesma forma como ocorre com os nomes próprios, a presença daletra maiúscula em a “Coisa” é uma das características que tornam o Sveglia um objeto-pessoa. Não falta nem mesmo alma a ele: “Mas apossei-me de sua infernal almatranquila.” (p. 494) A proposta desta comunicação é a de apresentar um estudo comparativo, ainda em fase dedesenvolvimento, destas duas obras. A leitura concomitante de ambos os textos possibilitaao leitor a construção de paralelos que ajudarão a compreender umas das facetas da

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personagem Macabéa, ou seja, a sua objetivação no modo como é apresentada pelonarrador Rodrigo S.M.Há também um trecho nesse conto que guarda algo de germinal do que viria a ser tornarMacabéa. É uma hipótese plausível, já que o conto é anterior à novela. Tive uma empregada por sete dias, chamada Severina, e que tinha passado fome emcriança. Perguntei-lhe se estava triste. Disse que não era alegre nem triste: era assimmesmo. Ela era Sveglia. Mas eu não era e não pude suportar a ausência de sentimento. (p.499)Em ambos os personagens, seja no objeto-pessoa (Sveglia) ou na pessoa-objeto (Macabéa),coexistem certa apatia ou desconhecimento de seus próprios sentimentos.Outro ponto em comum em ambos os textos é o fato de que, assim como Sveglia matou anarradora, “Adeus, Sveglia. Adeus para nunca sempre. Parte de mim você já matou.” (p.502), Macabéa também matou seu narrador: “Macabéa me matou.” (p. 109) Quando esse conto foi publicado no jornal, Clarice escreveu um prefácio em que contavaque, na época da publicação original, Nelson Coelho afirmou que ela tentara matar aescritora. A resposta de Clarice foi: ‘Acho que queria fazer um anticonto, umaantiliteratura. Como se assim eu desmistificasse a ficção.” (p. 652-653)Esse procedimento artístico será retomado na escrita metalinguística (metarromance,como afirma Nádia Gotlib) de A hora da estrela, em que o processo de escrita, de criaçãode uma personagem é visto de dentro, com todas as inseguranças, ansiedades, incertezas emaravilhas que a experiência de tentar ser o outro provoca.Portanto, existem muitos pontos em comum entre as duas obras estudadas. Essas

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semelhanças estão presentes tanto nas características em comum do processo depersonificação de Sveglia e de objetivação de Macabéa, quanto no procedimento de escritaoriginal de ambos os textos, no qual a proposta inicial de afastamento fracassa, “mata suanarradora”, justamente pela inevitável identificação que ocorre nessa experiência de ser ooutro.

A grande ferida do outro – o olhar clariciano para a "criada”.Diego Nascimento Araújo : : UFC

A literatura como um resultado do tempo e da época em que se inscreve proporciona umimportante painel de análise do pensamento da sociedade. Assim, este trabalho se propõea observar como Clarice Lispector (que escreveu entre a década de 40 a 70) constrói ostrabalhadores do lar chamadas pela época de criadas. O termo em si já levanta umaproblemática porque esses profissionais são subjugados “inferiores” por não ter nenhumaformação, são geralmente oriundas das classes baixas e por muitas vezes não possuemnenhum vínculo empregatício. O que me interessa é pensar como as narradoras claricianasrefletem esse olhar sobre o outro que discursivamente é silenciado dentro do texto, quemfala é geralmente a patroa num lugar privilegiado. Desta forma, analiso o conto “ACriada” presente no livro A felicidade Clandestina (1971) e a crônica “Por detrás dadevoção” do livro A Descoberta do Mundo (1984). A escolha se faz porque nos doistextos as narradoras descrevem suas criadas de uma forma muito peculiar, estranha, comofiguras exóticas e, às vezes, perigosas. Essa questão social na literatura que aqui chamo de a

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grande ferida do outro é bastante estudado pela pesquisadora Regina Dalcastagnè, por issouso para corroborar com o corpus desta pesquisa os livros da autora: Entre fronteiras ecercado de armadilhas (2005) e Literatura brasileira contemporânea: um territóriocontestado (2012). Com isso, a obra de Clarice Lispector nos provoca a repensar espaços,a contestar o lugar do subalterno na literatura.

Linhas que se entrelaçam: escrita e experiência visual em uma crônica de Clarice Lispector Fani Conceição Adorne : : IFSUL

Este trabalho reflete sobre a relação entre desenhar e escrever proposta por ClariceLispector na crônica Temas que morrem, publicada em 24 de maio de 1969 no Jornal doBrasil. As associações entre palavra e linha, o tema e a abstração, tela, pinceis e cores, gritoe mudez, claro e escuro, ver, esquecer e saber, original, cópia, invenção e reinvenção,sensações, impulsos, “engage”, entre outras recolhidas da crônica, revelam umainteressante concepção sobre a arte visual e tocam o tema da representação e produção deimagens no cruzamento de linguagens . O texto de Clarice vai do desenho à pintura,como se deslizasse de uma coisa para outra sem estabelecer a fronteira que usualmente sefaz entre o ato de desenhar ligado à linha e ao contorno e o ato de pintar associado aopreenchimento, à mancha e à cor. Embora a faceta de pintora seja algo posto no campodo amadorismo por estudiosos como Ivan Hegenberg, a escritora se debruçou sobre aprodução de imagens como atesta a crônica em análise, estabelecendo conexões entre oato da escrita, do desenho e da pintura que estão longe de serem triviais. Mesmo que

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Clarice reconheça que lhe faltasse o dom para as artes visuais, é possível reconhecer umapercepção sobre esse fazer inseparável de uma experiência, mesmo que os quadrosefetivamente produzidos, não satisfaçam certos padrões de qualidade instituídos, algo queé reconhecido pela própria autora e pelos pesquisadores que estudam sua produçãopictórica. A ideia de concepções teóricas codificadas nas obras de escritores ou expressasem suas falas é algo estudado pela Semiótica de Greimas, como assinala Luiz Tatit (2010).Peter Burke (2017) chama a atenção para o testemunho mudo das imagens, enquantoClarice faz menção à mudez como elemento essencial para dizer certas coisas. Mesmo adistinção comumente feita entre figurativo e abstrato no campo visual também éproblematizado por ela. O presente trabalho parte de uma análise semântico-lexical deuma crônica da autora, gênero propício à construção de um efeito de proximidade com oleitor, para refletir sobre a relação que se estabelece entre a escrita e o desenhoaproximando esse tema do cotidiano.

Silêncio de estrela na infinita cidade: entre “Mineirinho” e A hora da estrela, algumashipóteses de Clarice Lispector sob perspectiva pós-colonialGabriel das Chagas Alves Pereira de Souza : : UFRJ

É comum encontrar apontamentos na tradição crítica que reforcem a ideia de que ClariceLispector se afastou da discussão social em sua ficção. No entanto, um olhar atento à obraclariceana revela textos como a crônica “Mineirinho” e o romance A hora da estrela, cujasbases se dão em uma reflexão sobre as desigualdades de seu tempo. Diante disso, este

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trabalho almeja entrelaçar ambas as obras a partir de uma abordagem pós-colonial. Comose pretende demonstrar, as duas narrativas lidam com a insuficiência de uma certalinguagem perseguida por quem narra. No caso da crônica, almeja-se pensar o corpo deMineirinho como interrupção dessa linguagem, sufocamento que a voz narrativa tentacontornar quando, de súbito, é atingida pelo último dos treze tiros que matam o jovemcriminoso. Já na história de Macabéa, a leitura traçada passa, sobretudo, pelo encontrofinal com a cartomante, no qual a protagonista nordestina teme dizer e, assim como onarrador Rodrigo S.M., vê-se diante de uma tentativa falha de desenvolver umalinguagem que lhe fosse própria. Em ambos os casos, está-se diante de um sujeitoperiférico posto de forma central na cena, ainda que representem possibilidadesdivergentes de entendimento da periferia. A pesquisa pretende demonstrar, portanto, quea obra de Clarice Lispector, diferente da suposta “alienação” por vezes a ela atribuída,pode operar como discurso contra-hegemônico e de dimensão social. Para tanto, serãoutilizados, como ferramenta teórica, os estudos da intelectual indiana Gayatri Spivaksobre subalternidade, a noção de enquadramento a partir dos estudos da filósofa JudithButler e a relação entre linguagem e colonialismo desenvolvida pelo teórico Frantz Fanon.

"Quem sabe escrevo por não saber pintar?": literatura e artes visuais em Clarice LispectorGabriele Costa Viana : : UFRJ

A escrita não era a única paixão de Clarice Lispector. A pintura ocupou um importanteespaço na vida da autora, principalmente a partir da década de 1970. Lispector, muitas

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vezes questionou-se sobre o escrever, alegando que sua verdadeira vocação era pintar:"Quem sabe escrevo por não saber pintar?" (LISPECTOR, apud SOUSA, 2012, p. 374).O fascínio pelas artes visuais manifestou- se em personagens da literatura lispectoriana,como a artista de Um sopro de vida: a escultora de A paixão segundo G.H; e,principalmente, a pintora de Água viva.

Este estudo empreende uma análise comparativa da narrativa de Água viva, de 1973, e daspinturas de Lispector, mais especificamente os quadros "A gruta", de 1975 (técnica mistasobre madeira, 40 x 50 cm), e "Medo", também 1975 (técnica mista sobre madeira, 30 x40 cm), ambos pertencentes ao Arquivo-Museu da Literatura Brasileira, da FundaçãoCasa de Rui Barbosa. O primeiro quadro apresenta a peculiaridade de ter sido pintadoprimeiro pela personagem; e, anos depois, pela autora; já segundo trata de um sentimentovivamente descrito na obra literária. Ao longo da narrativa, os gestos de escrever e depintar alternam-se; ora se pinta, ora se escreve. Além disso, Água viva também pode sercompreendido como "livro de artista", conforme o entendimento de Burry (1995) –caderno de anotações e de esboços, espaço de experimentação e de ensaio para uma obra,que por vezes torna-se a obra em si – da produção pictórica de Lispector.

Segundo Ricardo Iannace (2009), o fato de Lispector criar uma personagem que pintaquadros que ela própria havia pintado revela uma simbiose entre a ficção e o real, quepossibilita o questionamento dos limites entre a ficção e as experiências pessoais da autora.Este estudo pretende enxergar como, tanto em Água Viva quanto em outros escritos, os

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atos de pintar e escrever por vezes mesclam-se e se fundem, compartilhando temas,procedimentos, motivações, inspirações.

O sorriso da pequena florGeovanny Luz dos Anjos Santos : : UFRJ

Essa comunicação tem como tema central a leitura e análise de “A menor mulher domundo”, conto que está presente no livro intitulado Laços de família publicado em 1960.As narrativas dessa coletânea giram em torno da esfera familiar, muito centradas em umcotidiano sem eventos extraordinários, mas que por algum ocorrido resulta sempre emuma experiência epifânica. Essa característica nas obras claricianas é analisada por Olga deSá, pesquisadora a qual recorro para suporte teórico nessa análise. “A menor mulher domundo” é, talvez, o conto mais destoante dessa obra pois ele não se enquadra na temáticadas outras narrativas, que, no geral, se voltam para o universo de mulheres de classemédia, moradoras de grandes cidades. De forma geral, essa narrativa trata do encontro deum explorador e uma pequena pigmeia, além disso, como um suposto opressor se vêencurralado diante da subjetividade de outro ser humano que até então era animalizado.A metodologia dessa análise é pesquisa bibliográfica e o corpus teórico é constituído peloslivros A escritura de Clarice Lispector de Olga de Sá e Quadros de guerra: quando a vida épassível de luto? De Judith Butler. Os textos teóricos entram nessa análise com opropósito de corroborarem com a hipótese apresentada. Esse trabalho, então, tem ointuito de analisar a epifania clariciana no conto “A menor mulher do mundo”,

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observando que a alteração da retratação de mulheres burguesas por uma mulher africanagera discussões que vão além do gênero, incidindo também em temas raciais.

Morder deus em bagos: uma leitura para protagonistas de Clarice Lispector e Alice Sampaio Graziela Campana Drago : : UFRJ

Quem é Lóri – diante de Ulisses? Talvez se pergunte “aquele Ulisses?”, mas não sepergunta “aquela Lóri?”. O nome do herói grego em sua acepção latina remete aincontáveis associações desde a literatura clássica até apropriações analíticas e artísticasmodernas. Haveria opções de nomes femininos de ressonância similar, desde Penélope aHelena, talvez Beatriz ou Madalena. A escolha da autora, no entanto, é dar ao homem onome de um herói grego e a mulher como uma desconhecida para a história, umaincógnita. Enquanto Ulisses é professor de filosofia no ensino superior, Lóri é professorade português no ensino básico. Uma aprendizagem ou O livro dos prazeres de Clarice Lispector tem algo em comumcom O aquário (1963) de Alice Sampaio, nesse sentido. O romance da escritoraportuguesa tem como protagonista a jovem Maga, cujo antagonista é Albert, o Fausto. Nolugar de um nome que faça alusão a grandes feiticeiras da literatura como Morgana ouCirce, o nome é a sua própria qualificação (de fazer magia), atividade na qual Fausto éreconhecido como mestre em diversas versões lendárias. Aqui buscaremos um diálogoentre as personagens Lóri e Maga, especialmente através de suas buscas pelo

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conhecimento e pelo prazer concomitantemente no contato sensual com o mundo. Iremos percorrer algumas interpretações feministas para essas personagens em relação aseus pares e no mundo próprio que constroem à medida que, de diferentes formas, elastendem a “superar o homem obsoleto”* e criar uma relação profunda com o “Prazer-de-Existir”. Para esta análise, convidaremos passagens de Simone de Beauvoir, Hélène Cixouse Norma Telles, ponderando brevemente sobre a época de publicação e as possibilidadesde recepção dessas obras literárias na atualidade, considerando as vozes críticas quedançam no mesmo ritmo das produções femininas.

Sobre os aspectos do texto, o foco estará sobre as protagonistas, 1) em relação aos seusantagonistas na percepção do relacionamento amoroso formador para a mulherheterossexual; 2) em suas buscas por conhecimento e prazer, simbolizadas na figura dofruto proibido; 3) a superação do homem amado como ídolo, levando em conta umainterpretação para a estranha pontuação ao início e ao final de Uma aprendizagem efinalmente; 4) o encontro com deus a partir da sensibilidade.

Embora os objetivos sejam numerados, espera-se que estes itens apareçam combinados nasanálises e comentários da comunicação, afinal, o tempo será breve e a jornada dessaspersonagens revela e contempla a simultaneidade com que a vida se tece em dúvida edescoberta, ao propiciar a percepção de si em uma ordenação do tempo sublimada deartificialidade.

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*A expressão é da artista visual Luze Prints e do artista Oriundo, de São Paulo.

Sapatos e ritmo dos passos: notas sobre Preciosidade Iara Machado Pinheiro : : USP

No ensaio O vertiginoso relance, Gilda de Mello e Souza tece alguns comentários arespeito de A maçã no escuro. Antes de chegar propriamente ao romance de ClariceLispector, a crítica propõe um certo escopo de olhar comum à escrita feminina: a visão demíope. Privadas por tanto tempo dos espaços públicos, as mulheres teriam desenvolvido ahabilidade de notar os detalhes dos espaços internos, de modo que a aparência deinsignificância fosse desvelada por um “olhar baixo” responsável por fazer as coisaspróximas adquirirem “uma luminosa nitidez de contornos” (SOUZA, 1963, p. 79). Com as palavras da crítica tento me aproximar do conto Preciosidade, da coletânea Laçosde Família (1960), sobretudo porque nessa narrativa o olhar baixo delimita o campo devisão da história: desde o início a condução do narrador leva o olhar do leitor ao chão e oconvida a reparar nos movimentos humanos pelos pés e nas coisas pela perspectiva debaixo. O enredo da menina, redimensionada por um encontro fortuito com estranhos narua, será lido pela imagem dos sapatos, pelo recorte de visão que eles delimitam e pelamaneira que eles figuram na narrativa. Após ser atropelada por uma experiência semnome, a personagem pede aos pais novos sapatos, uns que não façam barulho. Algumacoisa da vivência inédita faz com que os antigos calçados sejam inadequados para os passos

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que os pés da menina deveriam seguir dali para frente. Aqui tento pensar sobre aparticularidade da compressão do inefável nos sapatos, qual a natureza da metonímia emquestão?Com o amparo de fragmentos do ensaio Os sapatos rotos (1945), de Natalia Ginzburg, ede um dos capítulos que formam A amiga genial (2011), de Elena Ferrante, estacomunicação propõe uma leitura de Preciosidade pautada na reincidência dos sapatoscomo imagens de transições e mediações entre o íntimo e o externo. O caminho deinterpretação seria o de tomar os sapatos no conto de Clarice como o necessário edoloroso deslocamento da casa como referência única de autoridade e o peso deresponsabilidade imbuída na liberdade.

O Livro dos prazeres: o mal-estar da existência na tela do cinemaIsabela Domingues Allaman : : UFMS

O movimento adaptativo vai além da reprodução de uma obra em outro sistema delinguagem, ele é a construção de uma travessia entre duas narrativas que se dialogam comsuas semelhanças e individualidades. No caso de adaptações cinematográficas de textosliterários podemos encontrar diferentes expressões estéticas para uma mesma narrativa,mas mantendo importantes elementos da obra. Tal transposição acontece como umatradução, que tem a função de garantir o fluxo de trocas simbólicas para um outrosistema, suprimindo alguns elementos e inserindo outros. Dessa forma, o presente artigotem com o objetivo abordar as relações existentes entre Uma Aprendizagem ou O Livro

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dos Prazeres, de Clarice Lispector e o filme O Livro dos Prazeres, dirigido Marcela Lordy,que traz na narrativa um mergulho nas profundezas da alma, com olhar melancólico sobrea existência. Para fundamentar a base teórica do trabalho serão utilizadas a Teoria daAdaptação e Estudos de Tradução, a partir do embasamento teóricos de autores comoLinda Hutcheon, Robert Stam, e Paul Ricouer.

A expêriencia do feminino no corpo através dos escritos de Clarice LispectorIsabela Otechar Barbosa : : Un. Paris 8

Este trabalho é o fruto de minha dissertação do primeiro ano de Mestrado em CiênciasHumanas e Sociais, com especialização em Psicanálise na "Université Paris 8 - VincennesSaint Denis". Ele nasceu de reflexões sobre a trajetória do feminino no corpo. Afeminilidade é posta em relação à singularidade e a sua própria condição inventiva. Assim,a experiência do feminino no corpo se refere à vivência singular da posição feminina e asua ressonância no que faz o corpo da mulher. Tanto num trabalho de análise orientadopela Psicanálise quanto na literatura, essa experiência pode ser evocada. Neste trabalho, osescritos de Clarice Lispector são utilizados para analisar a experiência vivida do femininono corpo. Os romances escolhidos foram "Uma aprendizagem ou o livro dos prazeres" e"Água Viva". A partir das perspectivas psicanalíticas de Sigmund Freud e Jacques Lacan,foram estudadas as noções de corpo e de feminino na Psicanálise. Em articulação a estasnoções, através do romance "Uma aprendizagem ou o livro dos prazeres", é desenvolvida aforma como a mulher experimenta o feminino no corpo a partir da imagem que dá

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consistência, da palavra do Outro com o afeto dos significantes, dos eventos do gozofeminino (noção da Psicanálise Lacaniana) e do amor. Diante do enigma do corpofeminino, a escrita se mostra como uma solução singular. Com o intuito de desenvolvereste ponto, evoco o romance "Água Viva", no qual Clarice Lispector convoca seu corpoenquanto escreve. Neste romance, diante de uma experiência que vai além do dito, anarradora encontra uma saída singular para a inconsistência de seu corpo e de sua posiçãofeminina através da escrita. Esta escrita afeta reflexivamente o ser e o corpo através dasonoridade de palavras que escapam ao simbólico. A música e o silêncio da escrita literáriade Clarice Lispector nos permite refletir sobre uma criação singular, a qual cada mulherencontra nas vivências e reverberações da trajetória do feminino em seu corpo.

(Entre)lugares de fala: diálogos de Clarice Lispector e Conceição EvaristoIsadora Pessoa Fernandes : : UFF

Celebrando o centenário de Clarice Lispector, a presente comunicação visa estabelecer umdiálogo entre seu último romance publicado em vida, “A Hora da Estrela”, e a maisrecente obra de uma autora que tem se revelado como uma das mais marcantes vozes daliteratura brasileira do século XXI: Conceição Evaristo e seu “Canção para ninar meninogrande”, por meio dos pontos em que ambas as obras se encontram: a discussão dofeminino pela ótica do narrador masculino, em Lispector; e a discussão do masculino pelaótica de uma narradora feminina, em Evaristo. Partindo da assertiva de Rodrigo SM deque teria de ser ele ou homem o narrador, pois mulheres poderiam chorar piegas (2012,

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p.12), será feito o contraste entre o narrador de A Hora da Estrela e a narradora deCanção para ninar menino grande, verificando como ambos lidam com o embate entrenarradores e personagens, bem como o compromisso com a narrativa, e os laçosestabelecidos entre memória, narrativa e narrados. Para tanto, será utilizado um quadroteórico que dialoga o pensamento de Alexandre Nodari em seu "Lugar da Escuta" e o deDjamila Ribeiro, em seu "Lugar de Fala" para pensar as perspectivas adotadas pelosnarradores em questão.

Eppur si muove: fuga e não-lugar em "A Maçã no Escuro", de Clarice LispectorLaís Maria Álvares Rosal Botler : : The Hebrew Un. of Jerusalem

A presente comunicação, parte de minha pesquisa de doutorado intitulada "Lugares enão-lugares na narrativa de Clarice Lispector", propõe analisar os papéis do deslocamentoe dos não-lugares na configuração do espaço literário e na caracterização do protagonistaMartim, no romance A Maçã no Escuro, da escritora brasileira Clarice Lispector. Oespaço narrativo tem sido estudado na obra de Clarice Lispector por diferentes vieses e, defato, a importância da noção espacial em sua obra pode ser percebida desde o título demuitos de seus textos. Buscando fugir das dicotomias comumente adotadas nessasanálises, tomarei o conceito de não-lugar cunhado por Marc Augé (1995) como ponto departida. De acordo com o autor, em um contexto de supermodernidade, em que há umexcesso de tempo, espaço e ego, há o surgimento de espaços que não podem serrelacionados à ideia de identidade, relação ou história: os não-lugares. Além disso, como

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Sá (2012) sugere, os não-lugares estão diretamente relacionados ao deslocamento depessoas, objetos e ideias. A partir dessa perspectiva, refletirei sobre como o protagonistainterage com e é modificado pelos não-lugares presentes no texto e sobre como seusdeslocamentos no espaço narrativo, devido à fuga, interferem na percepção dos espaçosenquanto lugares ou não-lugares. Desde a tomada do corpo como um espaço e um não-lugar até a construção de novos significados para os diferentes espaços, vê-se que umanova definição do que é espaço vai sendo construída no romance, de maneira diretamenteligada aos personagens, às mudanças que ocorrem neles e às interações que os personagensestabelecem com os espaços, sendo modificados por esses espaços e transformando-os, emuma via de mão dupla. Essa construção não se dá de maneira dicotômica, e sim flexível econectada às complexidades que envolvem as diferentes questões de desenvolvimentoindividual que os personagens abordam.

Clarice e Ponge entre objetos Luanna Guimarães Belmont : : UFRJ

Clarice e Ponge desafiam objetos como se, diante de seu mistério, ou de sua fragilidade, aspalavras saíssem mais fortes, depois que se alimentam daquilo que procuram nas coisas.Em “O partido das coisas”, o poeta francês perscruta os objetos e os seres separando suaspartes, procurando neles a fronteira entre a vida e a morte. Na iminência do desfazimento,reencontra a razão do objeto como um efeito analítico. Clarice, por outro lado, cria umaespécie de redoma de proteção, como se as palavras pudessem preservar o mistério das

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coisas, dando a elas alguma resistência contra o desfazimento, ainda que apenas aqueleperpetrado pelo pensamento. “Tomo cuidado para não pensar demais. Faz mal àspalavras”, reconhece Clarice em “História de coisa”, enquanto perscruta um telefone. Epoderíamos perguntar: faz mal também aos objetos? Ao seu modo, Ponge não temia testara resistência das coisas ao pensamento e às palavras. É este paralelo Ponge-Clarice emtorno dos objetos que pretendemos esmiuçar nessa comunicação.

Ler cortando: gesto de escrita e rasura em Objeto Gritante de Clarice LispectorMarcela Gomes de Aguilar Cruz : : UFMG

Em versão datiloscrita/manuscrita de Objeto gritante (1971) da escritora ClariceLispector, encontramos um Roteiro (LISPECTOR, 2019), em que destacam-se algunstópicos assinalados pela escritora, a saber: “rever (e recopiar o que for necessário), copiaras páginas soltas de anotações, ler cortando o que não serve, esperar o enredo, escreversem prêmio, abolir a crítica que seca tudo.” (LISPECTOR, 2019, p. 98, grifo meu). Sabe-se que o trabalho de edição realizado pela escritora no material datiloscrito de Objetogritante (1971) durou cerca de três anos e culminou em versão que chegou a público sobo título Água viva (1973). Tomando como objeto o datiloscrito/manuscrito e as inscrições e modificações textuaisnele contidas, buscaremos desenvolver a hipótese de que o corte (teceremos umaaproximação entre corte e leitura), a rasura e as inscrições caligráficas no corpo do texto,nos dão mostras não apenas das operações textuais e do processo de escrita de Clarice

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Lispector, mas também dão testemunho do gozo do corpo implicado no trabalho deescrita. Ao admitirmos com Barthes (1982) que “a essência da escritura não é nem uma formanem um uso, mas apenas um gesto, o gesto que a produz, deixando-a correr”(BARTHES, 1982, p. 144) ou que “a escritura é a mão que pesa, avança ou se arrasta,sempre no mesmo sentido, em suma, a mão que trabalha” (BARTHES, 1982, p.200), ecom Agamben (2018) que: “no gesto, cada corpo, uma vez liberado de sua relaçãovoluntária com um fim, seja orgânico ou social, pode, pela primeira vez, explorar, sondare mostrar todas as possibilidades de que é capaz” (AGAMBEN, 2018, p. 6), comopodemos pensar a relação entre o gesto de escrita e o gozo? Segundo Agamben, “no gestoo homem não comunica um escopo ou um significado mais ou menos cifrado, mas suaprópria essência linguística, a pura comunicabilidade daquele ato liberado de todo fim”(AGAMBEN, 2018, p. 3). A ausência de finalidade (ato que visaria a um fimdeterminado) nos dá pistas para investigar o gozo do corpo do escritor e os efeitos de gozoda leitura que podem ser colhidos em textos que têm essa marca (texto de gozo, comodefine Barthes em O prazer do texto, 2015), como é o caso de Objeto gritante (1971) deClarice. Ao pensar o gesto, o corte (leitura) e a rasura como elementos que demonstram omovimento e deslocamento da mão que trabalha (BARTHES, 1982), nos serviremos doescrito do psicanalista Jacques Lacan Lituraterra (1971), para pensar na noção de letra emsua dimensão de rasura (litura): “Rasura de traço algum que seja anterior, é isso que dolitoral faz terra. Litura pura é o literal. Produzi-la é reproduzir essa metade ímpar com que

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o sujeito subsiste”. (LACAN, 1971, p. 21). Nas palavras de Porge (2019) lemos a seguintedefinição de rasura: “(...)O rastro que falta, cujo lugar é assumido pela rasura, é o de umgozo. Um gozo ligado à ruptura do semblante”. (PORGE, 2019, p. 167).

A fauna extinta é uma legião: do homem ao animal no texto de LispectorMarcella Assis de Moraes : : UFRJ

Esta apresentação se debruça sobre uma questão eminente na obra de Clarice Lispector –a importância da presença da natureza e, em particular, dos animais, que, em seus textos,deixam de se estabelecer apenas como cenários e figurações laterais que constituiriam certaatmosfera narrativa para avançar até o argumento central que muitas vezes seus textosbuscam de fato desenvolver. Esse assunto pode ser tomado desde a perspectiva de umencontro fortuito com o outro – veja-se, por exemplo, a pujança da natureza na mesa fartade “A repartição dos pães”, em "A legião estrangeira" –, até o conflituoso face a face como olhar animal – veja-se “O búfalo”, em "Laços de família", ou a barata em "A paixãosegundo G.H.", obras em que o olhar sobre o animal (e, consequentemente, a percepçãodo olhar que o animal nos dirige) impõe a desorganização do olhar humano, dascategorias segundo as quais ele seleciona aquilo que é ou não visível sob o escopo de suavisibilidade – até o comportamento imitativo que busca emular a natureza dos animaiscomo parte de um processo de criação de uma nova natureza – veja-se o caso de Martim,em "A maçã no escuro", cujo percurso conduz à completa desestabilização, não apenas daseparação entre homem e animal, entre aquele que raciocina e fala e aquele que apenas

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emite ruídos, como propõe Aristóteles, mas até mesmo às instâncias que definiriam o queé um ato e o que é latência, o que é realização e o que é pensamento, o que é concretude eo que é abstração – no limite, a reflexão aqui pode circundar o terreno da política: o quesignifica agir? O texto clariceano pensa vigorosamente, junto com Martim, sobre afragilidade dos limites que protegeriam o humano como essência e propriedade, cujasuspensão poderia muito facilmente deixá-lo desguarnecido, sob a imposição de recriar omundo: “Tanto que Martim já estava começando a se perturbar – ele era um homem,mas restava algo inquieto: que é que um homem faz?” (LISPECTOR, 1978, p. 99).

Figurações da mulher negra e do continente africano nos contos “A menor mulher do mundo”,de Clarice Lispector e “Jumping Monkey Hill”, de Chimamanda Adichie Maria Iracilda G. C. Bonifácio & Luciana Rosa Costa : : PUC – RS

Neste trabalho, temos como objetivo realizar uma análise comparada dos contos “Amenor mulher do mundo”, da escritora brasileira Clarice Lispector (1990), e JumpingMonkey Hill, da escritora nigeriana Chimamanda Ngozi Adichie (2017), a partir dasrelações de identidade e alteridade, a fim de refletir sobre os estereótipos construídos emtorno da figura da mulher negra e as figurações do continente africano na literatura. Otexto de Clarice Lispector gira em torno de uma expedição de um explorador francês auma longínqua tribo de pigmeus no Congo, em que ocorre o inusitado encontro dohomem branco “civilizado” com a “menor mulher do mundo”, descrita como uma negra,selvagem, que estava grávida. O homem, Marcel Prete, então, tira uma foto da mulher, a

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quem apelidara de Pequena Flor. A foto é publicada em tamanho real no jornal dedomingo, gerando diferentes reações dos leitores, que são narradas após uma interrupçãoda narrativa para descrever os diversos julgamentos sobre a imagem da pequena pigmeia.A narrativa de Chimamanda Adichie, por sua vez, é protagonizada por Ujunwa, umamulher nigeriana selecionada, juntamente com um grupo de outros jovens escritores, paraparticipar de um Workshop para Escritores Africanos. O objetivo do encontro é escreveralguns contos para uma publicação premiada. Pessoas de diferentes países e personalidadesdiversas são selecionados para passarem duas semanas em um resort chamado JumpingMonkey Hill, majoritariamente frequentado por brancos. O anfitrião do Workshop,Edward Campbel, é um inglês que se considera um exímio conhecedor de África,sobrepujando até mesmo os próprios africanos. A narrativa passa, então, a percorrer umaprofunda reflexão sobre o preconceito racial, a opressão vivida pela mulher negra, além depermitir uma reflexão sobre os conflitos em torno da relação com o Outro. O referencialteórico do trabalho dialoga com o viés dos Estudos Culturais, mais especificamente com opós-colonialismo e o feminismo, a partir de autores como Bhabha (1998), Kristeva(1994); Landowski (2002) e Ribeiro (2019). Constatamos que em ambos os contos, apercepção sobre o continente africano e seus habitantes ainda parte de uma visãoestereotipada, que relega a mulher negra ao status de outro do outro. Tanto na obra deClarice Lispector quando na de Chimamanda Adichie, observamos a denúncia tanto aopressão sofrida pelas mulheres em uma sociedade patriarcal, quanto a reprodução depreconceitos que diminuem e inferiorizam sua própria condição de mulher. Nos contosem análise, temos um desfecho revelador, visto que tanto a “Pequena Flor” quanto a

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“Escritora Nigeriana”, ao final, conseguem gozar do prazer que poucas mulheresconseguem alçar: o de conquistar sua autonomia e de possuir a si mesma.

Pinto, a coisa nascida: considerações sobre “A legião estrangeira”Maria Júlia Santana Valério : : UFRJ

As galinhas ocupam um lugar de destaque na obra de Clarice Lispector. “Eu entendo umagalinha perfeitamente”, diz a escritora a um jornalista, “quero dizer, a vida íntima de umagalinha, eu sei como é”. Entre as galinhas de Joana, de Perto do coração selvagem, agalinha-mãe salva pela dádiva da maternidade no conto “Uma galinha” e as galinhasamadas (mas não amantes) de “Uma história de tanto amor”, há o pinto que aparece noconto “A legião estrangeira”. Emoldurando o texto, o pinto natalino chega à narradoracomo um presente, aproximando-se da “criança divina”, como diz Wisnik, e trazendo àtona a família de Ofélia, há muito esquecida. Se os pais eram pessoas distantes, Ofélia erauma menina adultilizada, inflada de conselhos e dicas, que se fazia presente na vida danarradora. Um dia, na Páscoa, a menina se depara com um pinto nascido e, através de seuencontro com o próprio desejo, retira o véu de mulher formada, de “seus oito anos altivose bem vividos” e nasce enquanto criança. Sendo assim, o presente trabalho pretendeanalisar intersecções entre o nascimento do pinto (que seria, por natureza, “a coisanascida”) e o (re)nascimento de Ofélia-criança no conto “A legião estrangeira”.As mãos de Clarice: entre a literatura e a esculturaMariana Silva Bijotti : : USP

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As artes plásticas influenciaram toda a carreira e a vida pessoal de Clarice Lispector.Dentre suas crônicas, encontram-se textos nos quais a autora deixa clara sua preferênciapela pintura e pelo desenho; em suas entrevistas, no papel de entrevistadora, Claricedemonstra curiosidade sobre o processo criativo de diversos artistas, sejam eles escritores,pintores, escultores, entre outros. O mesmo ocorre em seus romances, dentre os quais háuma quantidade considerável de narrativas que apresentam personagens artistas ou que, aomenos, se interessam por algum ramo da arte: Perto do coração selvagem, no qual Joanase inclina à arte da palavra; O lustre, no qual a personagem Virgínia faz bonecos de barro,uma possível aproximação com a escultura, e A paixão segundo G.H., no qual aprotagonista é de fato uma escultora; Água viva, no qual tem-se uma narradora pintora; eA hora da estrela e Um sopro de vida, que apresentam narradores escritores e, no últimocaso, outra personagem feminina que se interessa tanto pelas artes visuais como, também,pela música. O recorte desta fala se dará no interesse clariceano especificamente pela escultura – tendoem vista o notado desejo da autora: além de manifestar um anseio por não usar amediação das palavras (como citado na crônica "Lembrança da feitura de um romance":"viveria, não usaria palavras" – e, assim, se tivesse a vocação e o dom necessários, seguiriano caminho das artes visuais), Clarice demonstrava uma preferência de, se possível,"trabalhar sempre com as mãos" – como ela disse ao entrevistar o escultor Bruno Giorgi:"Se fosse eu, preferia trabalhar sempre com as mãos". A escultura é a modalidade artísticaem que há a maior mobilização das mãos em contato profundo com o material a ser

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transformado em arte; e há, como já apontado, uma narradora escultora em sua obra, queparece realizar, portanto, tal desejo de Clarice: G.H.. Ainda, na crônica "Uma portaabstrata", Clarice define que ao escrever uma literatura (ao menos aparentemente)abstrata, ou menos literária, ela teria a sensação de "tocar na própria coisa" e, emcomparação, ela complementa: "É como se eu esculpisse". Dessa maneira, é possívelnotar, mesmo que brevemente, o papel das mãos e da arte escultórica para Clarice e parasua literatura, que se desdobra em G.H., uma escultora que também usa as mãos para, dealguma forma, realizar sua escrita: ao imaginar seu leitor – na verdade, a mão decepadadele, desejando, nesse pacto, que ele a dê a mão; e até para escrever efetivamente seurelato, já que, conforme essa protagonista: "Nossas mãos são grossas e cheias de palavras". Isto posto, o que se deseja nessa comunicação é explorar o papel das mãos na escrita deClarice (ficcional ou não), examinando seu desejo interartístico sobretudo em relação àescultura, culminando em uma breve análise de A paixão segundo G.H., romance no qualesse papel parece ficar mais evidente; traçando, assim, uma possível influência desse tipode arte na narrativa da protagonista.

Vozes da crítica em torno de O lustre, de Clarice LispectorMariângela Alonso : : USP

No ano em que celebramos o centenário de nascimento de Clarice Lispector, parece restarinsuficiente a avaliação crítica em torno de seu segundo romance, O lustre. Desse modo, apresente pesquisa pretende resgatar ensaios e artigos científicos acerca da recepção desse

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livro, publicado em 1946. Embora seja constantemente comparado a Perto do coraçãoselvagem, primeiro livro da autora, O lustre apresenta uma escrita complexa, ao contráriode uma escrita fluida e derramada, conforme apontado pela crítica de Álvaro Lins, SérgioMilliet e Gilda de Mello e Souza, estudiosos que na ocasião do lançamento da obra e apartir de certa rigidez normativa a equipararam ao livro de estreia, contribuindo com aherança lacunar da crítica. Constantemente, os estudos atuais têm tomado por base aleitura canônica destes críticos, desconhecendo um grande número de textos que dãocorpo à fortuna crítica da obra, os quais compõem o espólio de Clarice Lispectorlocalizado na Fundação Casa de Rui Barbosa, Rio de Janeiro. Assim, recuperamos ensaiose artigos pouco conhecidos, os quais apresentam outras leituras e vieses emitidos no calordo lançamento da obra e não foram resgatados pelos críticos na avaliação de O lustre. É ocaso dos textos de Maurício Vasques, Almeida Salles, Guilherme Figueiredo, ReinaldoMoura, entre outros. Com base nas proposições de tais autores, procuraremos elucidarpontos cegos da crítica, relativizando algumas afirmações dos críticos canônicos aoprocurarmos outros aspectos presentes na obra. O decurso compreende o final da décadade 40 até a atualidade. Nossa proposta consiste basicamente no esclarecimento do lugarque O lustre ocupa no horizonte ficcional de Clarice Lispector.

Mineirinho: reflexões envoltas em perplexidades, (in)justiças e extermíniosMeire Oliveira Silva : : UNIOESTE

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A crônica Mineirinho, de Clarice Lispector, faz parte da coletânea Para não esquecer(1999), mas teve sua primeira publicação na Revista Senhor, periódico no qual a autorapublicava desde 1958, em sua volta ao Brasil. E, talvez, este texto configure-se como umdos maiores gritos da escritora em relação aos direitos humanos. Assim, questiona comperplexidade por que a violência é estruturalmente aceita em uma sociedade sob a égidefalaz de justiça a desvelar hipocrisias. Por meio de um discurso que desconsidera aexistência de alguns indivíduos, perpetua-se uma sociedade desigual e profundamenteatrelada a extermínios sobretudo em relação à grande parcela invisibilizada da populaçãopara quem os direitos de reconhecimento de humanidade são continuamente negados.Desse modo, pode-se compreender a necessidade de uma literatura humanizadora(CANDIDO, 2004) que está no cerne dessa crônica ao tratar do assassinato de JoséMiranda Rosa, em 1962. De maneira espetacular, sua perseguição e morte com 13 tirosdizem respeito a uma formação social ancorada em sucessivos destroços históricos deorigens colonial e escravocrata. A necropolítica, que condena os corpos e os mata quandonão se subalternizam dóceis e úteis (FOUCAULT, 1997), permanece arraigada nos maisdiversos contextos sociais. Dessa maneira, não apenas o corpo, mas a linguagem falha e ésilenciada. A crônica alerta para a necessidade de uma outra expressão para condensar aangústia de uma narradora cuja revolta reverbera-se em alteridade e busca de respostas. Ahumanidade de Mineirinho foi posta à prova, mas emergiu junto à sua impotência emface de uma sociedade que, para se livrar do indivíduo que “mata muito”, optaarbitrariamente por exercer seu “crime particular”, cujos autores são, mais do que “sonsosessenciais”, o retrato dos cidadãos unidos diante de um bem comum a fim de cunhar o

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estado de exceção de uma nação afeita aos aniquilamentos. A atualidade da escritaclariceana se irmana assim a cada dor contida nas múltiplas existências desprezadas pelasnormas sociais.

"A palavra é meu domínio sobre o mundo': um estudo sobre a circulação da obra de ClariceLispector em Portugal Natalia de Santanna Guerellus : : Sorbonne Un./Un. Jean Moulin

Em 1968, Clarice Lispector publicou no caderno B do Jornal do Brasil a crônicaintitulada "Declaração de amor": "Eu nasci para escrever, a palavra é meu domínio sobreo mundo", diz. Dominar, e mesmo criar o mundo através do manejo cuidadoso dapalavra foi uma de suas grandes habilidades. Outra, ainda, foi tê-lo feito em línguaportuguesa: “A língua portuguesa é um verdadeiro desafio para quem escreve. Sobretudopara quem escreve tirando das coisas e das pessoas a primeira capa de superficialismo”(Jornal do Brasil, 11/05/1968, caderno b, p. 02). O domínio foi tal que sua obraultrapassou as fronteiras do Brasil, sendo hoje publicada em quase todos os continentes.Minha proposta, nesta direção, junta-se a outros trabalhos recentes sobre a circulação daautora brasileira no exterior. Procuro, neste sentido, refletir sobre esta expansão editorialda obra de Clarice Lispector, analisando sua circulação e recepção em Portugal, país quepartilha com a autora uma mesma herança: a língua. Começo, assim propondo umpanorama da bibliografia voltada para a circulação e recepção da obra da escritorabrasileira em âmbito internacional ; analiso, em seguida, estes mesmos fenômenos em

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Portugal, onde a questão da tradução não tem a mesma importância que em outros países.Para fazê-lo, parto de um primeiro levantamento realizado pela professora portuguesaJoana Matos Frias em 1995, ampliando a baliza temporal e a análise feita por ela. Baseio-me, para isto, em dois conjuntos de documentos diferentes, além da bibliografiaespecializada : primeiramente, lanço um olhar sobre as publicações da obra de ClariceLispector em Portugal a fim de identificar seus canais de circulação ; num segundomomento, volto-me para as leituras de Lispector em Portugal, dando especial atenção aopapel dos mediadores. O trabalho pretende, assim, contribuir de maneira original àhistória transatlântica dos escritos a partir do exemplo do Brasil e aos estudos específicossobre Clarice Lispector. Ele é igualmente parte de um projeto de pós-doutorado cujoresultado foi publicado em língua francesa e está disponível em:https://journals.openedition.org/framespa/7284

Se eu fosse eu: Percursos de uma aula sobre Clarice Lispector Nuno Brito : : UC – Santa Barbara

O objetivo desta apresentação é exemplificar e demonstrar algumas das aproximaçõespedagógicas à criação literária de Clarice Lispector nas aulas de Português: GramáticaAvançada e Composição (aulas lecionadas em português), e Portuguese: Artistic aproachesto the Portuguese speaking countries (aula lecionada em inglês). Para isto parte-sesobretudo do texto “Se eu fosse eu” de Clarice Lispector e de um exercício de escritacriativa, assim como de um exercício visual elaborados pelos estudantes. A concretização

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destes exercícios revela uma aproximação mais intensa à criação literária de ClariceLispector e mostram uma reflexividade que se faz a partir de dentro (de um pensar o textona criação do próprio texto e na interface com a imagem visual). Esta apresentaçãoprocura ainda aprofundar alguns elementos essenciais deste texto, dos desafios da suatradução para inglês, assim como a sua implementação na sala de aula em contextos deensino na língua, da literatura e da cultura.

Criação e filosofia em Clarice LispectorPamela Zacharias : : Unicamp

“[...] não podemos nos esquecer que Clarice é a mais deleuziana das escritoras. É umamaneira na verdade de dizer que ela faz filosofia, eu realmente acho, eu concordo, ela é amais deleuziana das escritoras.” (CASTRO, 2013)

Sabe-se que Clarice Lispector é uma escritora já há muito estudada, não apenas no campoda literatura, mas também em outros. Sua obra tem uma potência múltipla e plural, quepotencializa discussões, análises e reflexões em variadas áreas, como a psicanálise e afilosofia, por exemplo. No campo filosófico, há a clássica abordagem existencialista queBenedito Nunes (1966) faz de textos da autora, aproximando a experiência da náusea naobra clariceana da náusea descrita por Jean-Paul Sartre e apoiando também sua análise nasteorias de Heidegger e Kierkegaard. Além das reconhecidas leituras de Benedito Nunes, encontramos outros estudos que

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III Encontro de Pesquisadores de Clarice Lispector100 anos de Clarice Lispector

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aproximam os escritos de Clarice Lispector da filosofia. Há algumas interpretaçõesespinozistas do seu primeiro romance "Perto do coração selvagem" (1943), especialmenteporque a autora afirmou ter estudado a obra de Espinoza durante a escrita do livro. Maisrecentemente, há também análises que aproximam a literatura clariceana do pensamentodos autores Gilles Deleuze e Félix Guattari, como, por exemplo, "Clarice Lispector: aescrita bailarina" (2004), artigo de Daniel Lins, e "A escritura nômade de ClariceLispector" (2001), livro fruto da tese de doutoramento de Simoni Curi, dentre outros.É nesse campo teórico, deleuze-guattariano, que se insere a abordagem que estaapresentação faz da obra da escritora. Contudo, para além de pensar uma escrita que nãose fixa, que é fluxo (por isso bailarina e nômade como propõem os autores citados), estetrabalho propõe pensar as sensações de conceitos e os conceitos de sensação na literaturade Clarice Lispector, entendendo seus textos como um campo para agenciamentospossíveis com a filosofia. Essa abordagem se faz considerando os escritos de Clarice comomobilizadores de pensamento e a epifania de suas personagens como problema que secoloca ao leitor e que o leva para fora da recognição. Aposta-se, portanto, em uma potência conceitual na obra de Clarice, considerando quemuitos de seus escritos possuem uma força filosófica ao criarem elementos híbridos, que,para além se configurarem como seres sensoriais, aproximam-se do que Gilles Deleuze eFélix Guattari chamam de conceito. Esta apresentação propõe-se a mapear alguns desseselementos, abordando pontos de ressonância entre a escrita de Clarice Lispector e afilosofia de Gilles Deleuze e Félix Guattari. Planos de composição e de imanência, epersonagens estéticos e conceituais muitas vezes se atravessam e coexistem nos escritos de

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Clarice, compondo uma literatura híbrida, com uma potência que imprime nopensamento um movimento e cria seres sensoriais e conceituais que se tornam agentes deum fazer filosófico.

Por detrás da devoção: a presença da empregada doméstica na obra de Clarice LispectorPatrícia Ferreira Alexandre de Lima : : UFPR

O estudo tem como objeto a figuração da empregada doméstica na obra de ClariceLispector, pretende refletir as relações provenientes de um passado escravocrata brasileiroque desemboca na forma como se dá a contratação de empregadas domésticas até hoje. Adoméstica está presente em contos e romances de Clarice, e ainda, em crônicas quepublicou no Jornal do Brasil. Vamos nos deter a uma análise mais próxima das domésticasAugusta, do conto “Um dia a menos” e Janair, do romance A paixão segundo G.H.Sabemos que o trabalho doméstico também engloba o gênero masculino, entretanto,nesta abordagem, instituímos como recorte o trabalho doméstico desenvolvido apenas pormulheres por dois motivos: o primeiro está ligado a própria figuração na obra de Clarice,em que as personagens são do sexo feminino, o segundo se refere ao fato de o trabalhodoméstico ser realizado majoritariamente por mulheres. Esperamos, desta forma, por meioda abordagem da obra de uma escritora que foi tantas vezes cobrada por não ter umaescrita engajada socialmente, contribuir para o debate acerca das relações que precarizam edesvalorizam o trabalho doméstico no Brasil.

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A técnica de entrevista em Clarice Lispector, dez anos depoisPaulo Felipe Costa e Silva : : UniFAl

Clarice Lispector (1920-1977) deixou a seus leitores vasta produção destinada à imprensa.Se somados, por exemplo, os trabalhos como repórter e tradutora nos anos 1940, ascolunas de página feminina, as crônicas e os fragmentos encontrados em Senhor e noJornal do Brasil, bem como as séries de entrevista, compreendemos um período de quasequarenta anos de atuação clariciana no jornalismo brasileiro – não sendo, portanto,elemento episódico na trajetória da autora de Perto do coração selvagem (1943).Conforme consideram Nádia Batella Gotlib e Aparecida Maria Nunes (2006) a respeitodessa atividade, em linhas gerais, encontraremos uma Clarice que, em uma condiçãoambígua de ser escritora e ser jornalista – e também de ser e não ser jornalista –, conservatemas e motivos da ficção em suas produções para o jornal e desempenha os gênerosjornalísticos de maneira peculiar.Concentrando-nos na entrevistadora Clarice Lispector, desde a primeira “conversa” quepublica, como repórter de Vamos ler!, em 1940, até as duas séries de “diálogos possíveis”publicadas pela Bloch Editores – 60 entrevistas em Manchete (1968-1969) e outras 27 emFatos & Fotos/Gente (1976-1977) –, tal peculiaridade no fazer jornalístico de Claricepode ser observada na maneira eminentemente pessoal de compor os textos de entrevista.A autora de De corpo inteiro (1975) não se coloca à margem no jogo de perguntas-e-respostas: ela evidencia seus interesses e opiniões e confronta-os com os do entrevistado, afim de encontrar respostas para as próprias inquietações – estas, muitas vezes, em relação

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de proximidade com os “temas e motivos” de seus textos ficcionais.Esta comunicação, portanto, tem por objetivo discutir o modo de entrevistar clariciano,revisando algumas reflexões acerca desse assunto nos três projetos de Iniciação Científicaque realizamos, entre 2010 e 2014, sob a orientação da pesquisadora Aparecida MariaNunes. Como corpus de trabalho, selecionamos duas conversas publicadas originalmenteem Fatos & Fotos/Gente: com o cronista Rubem Braga e com o ator Jece Valadão. Aotrazer para análise a produção jornalística de Clarice Lispector neste evento,intencionamos contribuir com a divulgação de trabalhos acadêmicos sobre a escritorarealizados no Brasil na última década – o título deste trabalho rememora o primeiro artigoque publicamos, em 2010 –, bem como trazer para o público em geral algumasconsiderações em torno de uma Clarice controversa, ambígua, “com a ponta dos dedos”,mas não menos intensa no contato consigo e com o outro.

Traição ou desenvolvimento? A questão da trama e da alteridade em dois romances de ClariceLispector.Rafael Iatzaki Rigoni : : UFPR

Neste trabalho analisaremos aspectos da obra A Paixão Segundo G.H.(1964) e A Hora daEstrela (1977) procurando estabelecer relações entre as duas obras partindo das propostasde Luís Bueno (2001) em resposta ao artigo de Silviano Santiago (1998), no qualSantiago apresenta a escritora como inauguradora de uma nova tradição na literaturabrasileira e vê na obra de 1977 um desvio de seu projeto literário. Procuramos apontar de

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que forma os romances de Clarice figuram e estabelecem uma relação com a alteridade apartir de uma lógica organizacional particular e de que forma a questão do enredo éabordado em ambas obras e, por último, questiona-se se os romances podem ser vistoscomo estágios de um mesmo projeto literário, não antípodas da trajetória da autora, damesma forma que a autora pode ser vista como pertencente a uma tradição que vinha sedesenvolvendo no cenário brasileiro e não como um “meteoro” que cruzou o nosso céu. Silviano Santiago em artigo afirma que Clarice Lispector trouxe à literatura ficcionalbrasileira uma “aula inaugural”, pois apresenta uma obra que não depende de uma tramapara alcançar o estatuto de grande literatura. Segundo o crítico, a ficção brasileira anteriordependia de uma “trama novelesca oitocentista” que de maneira direta ou indireta estariarelacionada a um evento e/ou acontecimento importante “da formação colonial e dodesenvolvimento nacional”. Clarice teria possibilitado que as ações e acontecimentos doromance pudessem ser considerados e analisados em si mesmos, sem serem meramenteconsiderados e estudados como formas de “emoção privada que estava sendo desnudadapela escrita” (SANTIAGO 1998). Contudo, para o crítico, A Hora da Estrela seria uma“traição” ao projeto, pois o romance se “travestia” da tradição a qual Clarice se opôs. Luís Bueno comenta o texto de Santiago e indica uma leitura questionável de nossatradição romanesca por parte dele e outros críticos. Em seu texto Bueno (2001) questionaas categorias estanques de romance regionalista e romance intimista por meio de umaanálise da trama de algumas obras e da fortuna crítica de alguns romancistas da década de1930. Em seguida, o autor indica uma série de escritores e obras que abriram caminhopara que uma literatura como a de Clarice fosse possível. Indicando assim a relação que a

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autora estabeleceria com uma tradição já existente no Brasil e rompendo com a ideia deque a autora de Paixão Segundo G. H. fosse uma estrela solitária em nossos trópicos, massim elemento integrante de uma constelação bem consolidada em nossa literatura, masrejeitada e excluída por parte de certa crítica literária. Procura-se, desta forma, analisar pormeio de uma leitura aproximativa se a A Hora da Estrela pode ser vista como evolução doprojeto literário de Clarice ou se apresenta como oposta ao projeto representado por aPaixão Segundo G. H.; devemos ler a obra como “traição” ao projeto ou não? Por último,procuraremos analisar os lastros com a tradição brasileira na obra de Clarice.

Clarice Lispector e as analogias animais do femininoRenata Coutinho Villon : : UFRJ

Jean-Christophe Bailly, em seu livro Le parti pris des animaux (2013), diz que aanimalidade engloba tanto uma zona de exclusão quanto uma zona de inclusão, no quediz respeito a nós: “o homem não escapa à animalidade, ele sucumbe a ela”, mas aomesmo tempo e “apesar de tudo, [o homem] é o que sai ou o que tende a sair daanimalidade” (2013, p 43, tradução minha). Essa relação de dupla via entre humanidade eanimalidade, em que um adentra e se confunde ao outro, também foi estudada porJacques Derrida em seu livro O animal que logo sou (2002), além de ser abordada nasmais diversas obras literárias. Em Aprendendo a viver, Clarice Lispector escreve: “não ternascido bicho parece ser uma de minhas secretas nostalgias. Eles às vezes clamam do longede muitas gerações e eu não posso responder senão ficando desassossegada. É o chamado”

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(2004, p. 104). Esse chamado dos animais a Clarice parece atestar um ponto deidentificação entre animal e mulher, o que parece se evidenciar ainda mais a partir dasanalogias animais do feminino que abundam em sua obra — figuras animais que parecemse relacionar, de certa forma, com a figura da mulher, ou que despertam a identificaçãoentre mulher e animal. O presente trabalho busca, então, analisar tais figuras animais naobra clariciana e essa possível identificação feminina, partindo da galinha do conto “Umagalinha”, presente em Laços de Família (1960). Concluo que o corpo feminino pode ser,assim como os animais, tantas vezes fetichizado, retalhado, submetido aos caprichos deoutrem e reduzido à sua carne. Mas, citando Clarissa Pinkola Estés, “não se trata dospedaços e partes de carne feminina idolatrados por alguns em algumas culturas; mas, sim,um corpo inteiro de mulher, que pode amamentar, fazer amor, dançar e cantar, dar à luz esangrar sem morrer” (2018, p. 191).

"A menor mulher do mundo" como terceira pessoa: uma leitura de Clarice interpelada pelaquestão da alteridade em LévinasRochelle de Sousa Guimarães : : Un. degli Studi di Roma "Tor Vergata"

“Escura como um macaco”, diria o explorador francês Marcel Pretre à civilização sobre adescoberta da menor mulher do mundo. A imagem constituída pelo como, recurso daausência, dessa mulher revela o indício de uma alteridade que resiste à percepçãototalizante. O como é tentativa de significar aquilo que não se pode representar. Ela podeser dita, na linguagem dominante, pelos significantes “uma mulher de 45 centímetros,

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madura, negra, calada”; significantes que marcam a diferença, mas que retornam àunidade do Eu da consciência ocidental que dissolve o outro na identidade do si mesmo,isto é, que nomeiam o outro (aquilo que não-é) no mesmo (aquilo que é). O conto, noentanto, insiste no irrepresentável: ela é a menor mulher do mundo. A intenção destetrabalho é retomar o conto indicado em diálogo com o inteiramente Outro, o Outrem,do filósofo Emmanuel Lévinas. Outro que não é dessemelhança, mas é terceira pessoa –ele – que não se define na ipseidade, aliás, que escapa à toda definição, porque está fora doalcance da revelação/dissimulação. Isso, em Lévinas, quer dizer que o Outrem, fora daunidade do Eu, não pode ser objeto da compreensão (desvelamento); o Outrem é naausência, ausência que não é ocultação (já que ocultar implica esconder um fenômeno),mas que significa como “um pensamento que pensa mais do pensa ou faz melhor quepensar”. A significância é da ordem do vestígio. E, como em um crime que se pretendeperfeito, o vestígio é a marca que sobra para além da intencionalidade e que descompõeirreparavelmente a ordem. Nesse sentido, propõe-se pensar o conto em três momentosdisjuntivos provocados pela mulher. O primeiro concentra-se no contato inicial entre oexplorador e a menor mulher: Marcel, como homem da razão, diante da vertigemdaquela pequenez, sente necessidade de nomear, de explicar, de analisar a intangibilidadedesse Outro, de “classificá-la entre as realidades reconhecíveis” e, no instante em que areconhece como Pequena Flor, ela “coçou-se onde uma pessoa não se coça”; o segundo sededica à imagem, às representações de Maria Flor: de dentro dos apartamentos civilizados,da grandeza universalista que tudo assimila, a mulher é pensada e dita pela linguagem docolonizador, mas é apenas naquilo que permanece de impensável e indizível que ela

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sobrevive, resiste a virar comida, como na floresta. As erosões e fraturas provocadas pelamenor mulher são os vestígios da alteridade; o terceiro explora a dimensão do riso: “É quea menor mulher do mundo estava rindo”. O riso é a sensação inefável de quem escapa àferocidade do Eu que fagocita toda alteridade. O riso permanece, no conto, comoinclassificável. Em síntese, a proposta aqui levantada pressupõe uma “outridade” que sósignifica como vestígio, como resto, como desdito.

Crítica e arquivo em Benedito Nunes: Guimarães Rosa e Clarice Lispector em artigo inéditoem português (1969)Sílvio Augusto de Oliveira Holanda : : UFPA

A presente comunicação é um estudo da contribuição de Benedito Nunes para a críticarosiana, “Aspetti della prosa brasiliana contemporanea” (1969), material proveniente doarquivo pessoal daquele pensador. Quanto a Guimarães Rosa, o professor paraense trouxeuma interpretação original, cujos contornos se desenham entre a dimensão imagético-poética e o nível conceitual das especulações filosóficas, planos esses articulados por umaconstante interpelação da própria linguagem, à luz de pensadores como Heidegger,Merleau-Ponty, Ingarden e Sartre. Os textos publicados em jornais e revistas datam doperíodo que vai de 1957 a 2007, perfazendo cinco décadas de produção ensaística. Noque tange a Clarice Lispector, o artigo “Aspetti della prosa brasiliana contemporanea”(Aut Aut, Milano, n. 109-110, p. 116-123, Gennaio-Marzo, 1969) foi publicado após oprimeiro livro clariceano de Benedito Nunes, O mundo de Clarice Lispector (1966), e

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apresenta-nos a escritora de A paixão segundo G. H. como um dos extremos da prosabrasileira. O texto de 1969, que não foi republicado em livro ou traduzido em português,tendo seu autor perdido a redação original em vernáculo, insere-se no âmbito das relaçõesentre literatura e filosofia e propõe uma interlocução com Heidegger e Sartre, sob aperspectiva da abertura da linguagem e do silêncio. Como afirma o crítico, ao comparar osdois autores aqui discutidos, “Guimarães Rosa traz uma linguagem ascendente, que elevao real a um nível de percepção exata: vem-nos assim revelada, através de todos os entes, ariqueza analó¬gica do ser, à qual se referiam os filósofos escolásticos. Em oposição a esseestilo, que podemos definir de valorização [valorizzazione], a prosa de Clarice Lispector,caracterizada por um estilo de desgaste [logoramento], que tende a empobrecer os estratossignificantes da linguagem e do ser.” (NUNES, 1969, p. 122).

Um olhar sobre desobediência e liberdadeTainá Hilana Oliveira Pinto : : UnB

O conto “Os obedientes” que compõe o livro de 1964, “A legião estrangeira”, é nossoponto de partida para uma reflexão sobre o poeta e a liberdade. Reflexão que pretendeconstruir-se entre dois campos: literatura e psicanálise. Neste conto o leitor se depara comuma espécie de história sem acontecimentos, parece que na nada acontece no mornocotidiano conjugal desse casal anônimo de meia-idade do qual não chegamos a saber nemmesmo os nomes. Trata-se de um casal qualquer, comum, banal que sem nenhumobjetivo de ir longe demais começa a “tentar viver mais intensamente”, entretanto da

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iniciativa de “tentar viver” não surge nada além de uma “constante verificação de receita edespesa”. Economia que em nada lhes favorece conseguir distinguir o que era do que nãoera “essencial”. E o ponto que nos parece crucial: isso não chegava a formar uma situaçãopara o casal. Ou seja, não era algo que cada um pudesse contar nem mesmo a si: “Epessoas precisam tanto poder contar a história delas mesmas. Eles não tinham o quecontar”. Era noite, fechavam os olhos e dormiam agitados. Mas na verdade tambémestavam calmos. Por que: “não conduzir”, “não inventar”, “não errar” lhes era um pontode honra tacitamente assumido. Dessa forma tinham a consciência nobre de serem “duaspessoas entre milhões iguais”; cumpriam o papel de serem “pessoas anônimas”; ou de “serum igual” e pertencer a uma casta. Assim: “eles nunca se lembrariam de desobedecer”.Então, nas ultimas linhas do conto, o leitor é violentamente lançado no vão de umacontecimento súbito e sem bordas: “A mulher, tendo dado uma mordida numa maçã,sentiu quebrar-se um dente da frente” é assim que “em vez de ir ao dentista” ela “jogou-sepela janela do apartamento”. Em ultima instância o que o conto parece sugerir é queobediência mata. Cumprir o papel de ser um anônimo, retirar nobreza e dignidadeexistencial (satisfação narcísica) do fato de “ser um igual” e assim pertencer a uma casta,nos custa vida. E é justamente isso, a vida, que não aparece e nem cabe na “constanteverificação de receita e despesa”. Apesar de sugerir-se um caminho sem risco, sem erros, eeconomicamente seguro, a obediência por fim revela custar-nos o mais essencial. Além denão salvar ninguém do risco de uma súbita passagem ao ato. Pelo contrário, a obediênciatalvez nos exponha aos severos e insaciáveis imperativos do supereu. Saber desobedecer, oulembrar-se de desobedecer, revela-se então uma questão de sobrevivência e a ela o poeta

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nos parece atento. Quando o casal falava de alguém excêntrico, diziam com certabenevolência: “Ah, esse leva vida de poeta”. O poeta talvez seja esse que em nome do viverrompa vez ou outra com os mandamentos tácitos da obediência: não conduzir, nãoinventar, não errar. É este ponto de ruptura e conquista de alguma margem de liberdadeque desejamos explorar.

Uma leitura das colunas de Tereza Quadros, máscara de Clarice LispectorTânia Sandroni : : USP

Em 1952, Clarice Lispector produziu a coluna feminina “Entre mulheres” no jornalComício, sob a máscara de Tereza Quadros. Ao lado de receitas e conselhos comuns nodiscurso hegemônico da imprensa feminina, a colunista publicou textos com discursoanticonvencional, que tematizam a emancipação feminina. Esses textos incluíam crônicasde autoria própria e transcrição de trechos de outros autores. Na nossa pesquisa dedoutorado, identificamos que a principal fonte de inspiração para Clarice Lispector foi olivro O segundo sexo, de Simone de Beauvoir, publicado em 1949 na França e sótraduzido no Brasil em 1960. Além de citar um trecho da própria escritora francesa, acolunista retirou da obra outras referências e trechos de terceiros. Dessa forma, ao mesmotempo em que ratificava o estereótipo da mulher burguesa da década de 1950, comconselhos sobre o universo doméstico, Clarice Lispector subvertia esse mesmo estereótipo,com textos que abordam a emancipação feminina. Pretende-se realizar uma leitura dealguns textos da página “Entre mulheres” de modo a mostrar a ambivalência da colunista.

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Vestígios judaicos em produções de Clarice LispectorThiago Cavalcante Jeronimo : : Un. Presb. Mackenzie

Considerando entrevistas e produções ficcionais de Clarice Lispector (1920-1977),objetiva-se nesta comunicação analisar de que forma duas personagens da autora sãoconstituídas em harmonia ou em desarmonia no tocante à religião judaica. Para tanto,marcam-se para corpus de investigação dois textos de Lispector em que personagens –nomeadamente judias – são materializadas em ficção, isto é, o conto “Onde estivestes denoite”, lançado no volume homônimo, em 1974, e o conto “A mosca no mel (ou a invejade si)”, publicado na revista paulista Mais, em 1975, e incorporado por Aparecida MariaNunes, em 2006, no compêndio Correio Feminino. São inúmeras as inferências ouapropriações da Bíblia na poética clariciana – Antigo Testamento e Novo Testamento –,contudo, a escolha dos dois contos supracitados se justifica porque dentro de toda a obraficcional de Lispector, estes são os únicos textos em que duas personagens estãoexplicitamente atreladas/nomeadas ao judaísmo. Tendo em vista que a escritura deClarice Lispector não se deixa prender a dogmas, rasas definições ou gêneros estanques,percebe-se que os contos postos em análises acentuam “o processo contracorrentes”(alcunha utilizada por Grob-Lima) comum à ficcionista; ou seja, embora Clarice seaproprie de passagens bíblicas ou regras religiosas para registrar vestígios do judaísmonessas narrativas, a ironia e criticidade sobem à materialização do discurso narrativo erasuram a expressão religiosa como modelo a ser propagado. Clarice Lispector evidenciou

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um refratamento à marcha hipócrita da manipulação religiosa em seu trabalho artístico,isto porque o conto “Onde estivestes de noite” tonifica a personagem masculina judia emuma ecumênica orgia sexual, evidenciado a decomposição do sublime frente à condiçãoprecária da humanidade; por sua vez, o conto “A mosca no mel (ou a inveja de si)”, aomaterializar sua “bela judia italiana”, a converte, não sem acentuada ironia, aocatolicismo, enclausurando-a em um convento das clarissas de pés descalços. Osresultados obtidos nas análises que serão apresentadas apontam que a escrita de Lispectorse ergue em proeminentes críticas a aspectos religiosos, sejam os judaicos, os cristãos, osespiritualistas, dentre outros. Entre os teóricos que sustentam as interpretações estendidasem análises neste trabalho, destacam-se as contribuições de Amós Óz e Faina Óz-Salzberger, Bernadete Grob-Lima, Berta Waldman, Carlos Mendes de Sousa, FredericoLourenço, Nádia Battella Gotlib e Regina Igel.

Encontro trágico de dois esquecidos: poesia, morte e espetáculo em Manuel Bandeira e ClariceLispectorTiago Marcenes Ferreira da Silva : : IFB

O presente trabalho propõe, a partir de uma leitura comparativa entre o “Poema tirado deuma notícia de jornal”, integrante da obra Libertinagem (1930), de Manuel Bandeira, e anovela A hora da estrela (1977), de Clarice Lispector, uma investigação da capacidade derepresentação da realidade, de modo a configurarem-se esteticamente como leitura einterpretação do mundo, em seu modo, próximo, mas, ao mesmo tempo, distinto, de

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iluminarem as contradições sociais ocultadas pela vida cotidiana, na qual o mundo doespetáculo e da alienação coopta o destino cruel de indivíduos - deslocados, silenciados eofendidos -, como João Gostoso e Macabéa, reduzindo-os a dados estatísticos e notícias,destituídos de sua humanidade. Nesse sentido, discute-se como no poema de Bandeira ena narrativa de Lispector encontram-se típicos personagens marginalizados, desprovidosde relevância e representatividade social, trazidos ao conhecimento do leitor e do públicoa partir de um destino trágico comum, o qual não só expõe duas vidas ignoradas, mastambém se constituem como mote para uma reflexão de como, por meio da literatura, arealidade se dá a ver na sua inteireza contraditória e problemática.

Metáfora corporal em A hora da estrelaValber Eccard Lins Cordeiro : : UFRRJ

Este trabalho tem como objetivo expor a hipótese de que o corpo ficcional da personagemMacabea, de A hora da estrela (1977), de Clarice Lispector, construído a partir deoperações metafóricas, é capaz de produzir subjetividades, desejos, devires, afetos,memória social (PÊCHEUX, 2020), e propulsiona representatividades culturais dos anosde 1970 (SAMINO; STEEN, 2008). Nesse sentido, temos o corpo de Macabeametaforizando o estigma do migrante nordestino e a imagem feminina subalternizada, jáque é silenciada pelo narrador masculino Rodrigo S. M. Para efetivar nossa hipótese, anível historiográfico, vimos como a metáfora aparece na Poética e Retórica, de Aristóteles,para compararmos o conceito e confrontá-lo com a teoria contemporânea, privilegiando,

Page 66: PROGRAMAÇÃO & CADERNO DE RESUMOS · 2020. 12. 6. · Crítica e arquivo em Benedito Nunes: Guimarães Rosa e Clarice Lispector em artigo inédito em português (1969) Sílvio Augusto

CLARICEANA 2020

III Encontro de Pesquisadores de Clarice Lispector100 anos de Clarice Lispector

Faculdade de LetrasPós-Graduação em Ciência da LiteraturaLaboratório de Ediçãoe-mail: [email protected]: https://fortuna.labedicao.com/clariceana.html

assim, as ideias desenvolvidas sobre a metáfora por Pêcheux (2020), Lakoff (1992), LuizCosta Lima (2015) e YU (2008). ). Destaca-se a relevância desta pesquisa por suaabordagem investigativa, colocando o corpo enquanto lugar metafórico e ficcional, porconseguinte como representação cultural e espaço de inserção desse corpo subalterno emdiferentes contextos, além de relacionar as teorias desenvolvidas em relação às personagensde Clarice Lispector.