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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU” PROJETO A VEZ DO MESTRE OS EQUÍVOCOS NO USO DAS TERMINOLOGIAS POSITIVISMO COMTIANO E EPISTEMOLOGIA POPPERIANA NAS FACULDADES DE LETRAS POR: SUZANA FERREIRA DO NASCIMENTO Orientador Prof. CARLOS ALBERTO CEREJA DE BARROS Rio de Janeiro 2009

PROJETO A VEZ DO MESTRE · 2009-10-22 · obras de Augusto Comte e Karl Popper em livros, artigos, teses de doutorado e mestrado na disciplina Métodos empíricos para práticas discursivas

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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES

PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”

PROJETO A VEZ DO MESTRE

OS EQUÍVOCOS NO USO DAS TERMINOLOGIAS POSITIVISMO

COMTIANO E EPISTEMOLOGIA POPPERIANA NAS

FACULDADES DE LETRAS

POR: SUZANA FERREIRA DO NASCIMENTO

Orientador

Prof. CARLOS ALBERTO CEREJA DE BARROS

Rio de Janeiro

2009

2

UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES

PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”

PROJETO A VEZ DO MESTRE

OS EQUÍVOCOS NO USO DAS TERMINOLOGIAS POSITIVISMO

COMTIANO E EPISTEMOLOGIA POPPERIANA NAS

FACULDADES DE LETRAS

Apresentação de monografia à Universidade

Candido Mendes como requisito parcial para

obtenção do grau de especialista em Docência do

Ensino Superior.

Por: Suzana Ferreira do Nascimento.

3

AGRADECIMENTOS

Aos amigos e professores das turmas

C037 e C040, Projeto ―A Vez do

Mestre‖, principalmente a minha amiga

Cynthia que esteve comigo marcando a

minha vida, ao orientador Prof. Carlos

Cereja pela paciência e à Profª Dr.

Sonia Zyngier pelos seus

ensinamentos empíricos e constante

disponibilidade.

4

DEDICATÓRIA

Dedico essa monografia a Deus que me

encheu da Sua sabedoria, ao meu marido

Judson e ao meu filho Levi, que

pacientemente entenderam o meu

afastamento e me apoiaram

sobremaneira, aos meus pais Arlindo e

Clemilda pelos ensinamentos que levarei

por toda a minha vida e à minha irmã

Livia, que sempre apoiou meus estudos.

5

RESUMO

Neste trabalho, realizarei uma revisão bibliográfica da obra de Augusto

Comte e Karl Popper a fim de apontar as principais divergências na teorização

científica desses autores e estabelecer bases teóricas para a utilização de

métodos empíricos nas Faculdades de Letras. A epistemologia científica de

Popper contém diferenças cruciais em relação ao positivismo no que tange à

construção do conhecimento e sua validade. Observa-se que suas idéias

marcam, na verdade, uma ruptura com o verificacionismo e o indutivismo –

traços marcantes do pensamento positivista. Desta forma, considera-se que a

tradicional associação que se realiza entre os métodos empíricos quantitativos

e o positivismo, deva ser reconsiderada à luz das idéias de Karl Popper. O uso

de métodos empíricos em estudos literários dentro das Faculdades de Letras

não implica necessariamente no estabelecimento de ‗verdades absolutas‘,

como na perspectiva comtiana. Eles, na verdade, permitem uma coleta de

dados mais sistemática e descritiva que auxilia o pesquisador no

desenvolvimento de uma visão mais clara de seu tema de estudo. Entretanto,

os dados não transmitem por si a verdade dos fatos, uma vez que serão

submetidos à análise do pesquisador e que apontam para resultados

provisórios, passíveis de serem refutados ou corroborados através de estudos

posteriores. A coleta desses dados pode ser feita de uma forma quantitativa ou

qualitativa; porém o que vem realmente ocorrendo nas pesquisas é uma base

mista que agrega os dois tipos de dados e que permite uma análise mais

completa dos mesmos. Esse trabalho mostra que a aplicação de métodos

empíricos na literatura já vem sendo utilizada nas Faculdades de Letras, ainda

que em escala reduzida, permitindo a redução do viés pessoal do pesquisador

e favorecendo a criação de novas teorias quando as anteriores forem

refutadas.

6

METODOLOGIA

Este trabalho foi realizado através de uma revisão bibliográfica das

obras de Augusto Comte e Karl Popper em livros, artigos, teses de doutorado e

mestrado na disciplina Métodos empíricos para práticas discursivas

transculturais, ministrado pela Profª Dr. Sonia Zyngier na Faculdade de Letras

da Universidade Federal do Rio de Janeiro.

O material pesquisado apresenta dados quantitativos e qualitativos

referentes ao uso dos métodos empíricos na parte literária que já vem sendo

feito através da Conscientização Literária, proposta por Zyngier (1994), que a

define como percepção pelo leitor dos recursos lingüísticos responsáveis por

efeitos estilísticos produzidos a partir da leitura de textos literários.

De acordo com a autora, o leitor possui um papel ativo na criação de

significado e podendo, inclusive, avaliar seu próprio processo de leitura. Nesta

perspectiva, pretende-se verificar se o aluno que tem esta experiência não irá

somente desenvolver habilidades que o permitam entender como um texto foi

construído, mas também investigar se durante o processo ele passará a sentir

prazer em ler textos literários e escrever seus próprios.

7

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO 08

CAPÍTULO I - Positivismo Comtiano 10

CAPÍTULO II - Epistemologia Popperiana 20

CAPÍTULO III – Complexidade e reducionismo na área de Letras 27

CAPÍTULO IV – As formas de se fazer pesquisa 33

CONCLUSÃO 39

ANEXOS 42

BIBLIOGRAFIA CONSULTADA e CITADA 43

ÍNDICE 45

FOLHA DE AVALIAÇÃO 46

8

INTRODUÇÃO

No meio acadêmico das Faculdades de Letras nota-se que existe um

grande receio da comunidade científica quando se fala na realização de

estudos empíricos literários. Provavelmente isso ocorra devido a um embate

constante do conceito de ciência e o seu critério de demarcação. Essa

discussão assume diferentes magnitudes a depender do foco qualitativo ou

quantitativo que se fará uso na pesquisa delineada pelo pesquisador. Uma das

grandes questões levantadas pelos acadêmicos é o fato de se julgar positivista

qualquer tentativa de se fazer estudos científicos nos meandros literários.

Nessa perspectiva, o objetivo desse artigo é o de pontuar uma reflexão de que

o emprego do termo Positivismo Comtiano é impreciso como denominação

para Epistemologia Popperiana; considerado por muitos como neo-positivismo.

O positivismo Comtiano trabalhava com um processo indutivo onde cada

caso confirmado elevava o grau de probabilidade de uma teoria. Assim, as leis

científicas são prováveis no mais alto grau que se possa conceber a ponto de

não se distinguir da certeza. Popper rompe com esse traço indutivo, que era o

critério de demarcação entre a ciência e a não ciência, e propõe o processo

dedutivo. Ao contrário da concepção positivista de Comte, a concepção

hipotético-dedutiva de Popper implica num repensar do conhecimento posto de

onde surge um problema. Pode-se perceber que Popper deu atenção especial

às teorias, e esse foi um dos seus maiores legados para a epistemologia

contemporânea. Os fatos se constituem em um norte sinérgico a ser

respeitado a fim de reduzir a subjetividade do processo, porém eles não são

postos em um lugar que efetive uma prostração teórica eterna. A ruptura

proposta dá condição à ciência de negar o que está posto, ou de assumi-lo

como provisório, em vez de trabalhar apenas para a comprovação ou

manutenção de ―verdades‖. Há uma mudança no processo de investigação: no

positivismo Comtiano, o processo de investigação é indutivo; enquanto, na

epistemologia Popperiana, o processo de investigação é dedutivo.

9

Essa monografia demonstrará que não se trata apenas de escapar das

críticas, mas de um rótulo agregador de dissimilitudes carregado de

estereótipos mais pejorativos do que elucidativos, que empregam os termos

Positivismo Comtiano e Epistemologia Popperiana como sinônimos, o que se

pode ver claramente pelas explicações acima dadas que não o são. Dito de

outra forma, os conhecimentos produzidos nas diversas abordagens possuem

critérios de realidade distintos, mas uns não são melhores ou piores do que os

outros; são olhares diferentes sobre um mesmo objeto de pesquisa que no

caso das Faculdades de Letras são os estudos literários. Estudos esses que

podem caracterizar uma mudança nos paradigmas curriculares dentro das

Faculdades de Letras se passarem a ser abordados de um prisma diferente

do que os são atualmente. Essa mudança poderia causar inclusive um impacto

nos estudos literários como vem sendo feitos até hoje baseados na simplória

análise histórica e biográfica dos textos e dos autores.

10

CAPÍTULO I

POSITIVISMO COMTIANO

―O universo não apresenta qualquer

evidência de uma mente dirigente, pois

todos os bons intelectos têm repetido,

desde o tempo de Bacon, que não pode

haver qualquer conhecimento real senão

aquele baseado em fatos observáveis‖.

(Comte, 1852)

Quando se fala historicamente, descreve-se o positivismo como um

movimento de pensamento que dominou parte da cultura européia (filosofia,

artes, literatura) de aproximadamente 1840 até a 1ª Guerra Mundial. O termo

foi cunhado devido ao período de paz reinante na Europa e à expansão

colonial na África e Ásia, que gerou um clima de entusiasmo em torno da idéia

de progresso humano e social irrefreável.

Os feitos da revolução industrial, de acordo com Reale (1981),

ocorreram em concomitância e tiveram grande influência na transformação

social. A multiplicação das grandes cidades, o aumento da produção e da

riqueza, a quebra do equilíbrio cidade-campo e a superação das grandes

doenças infecciosas pela Medicina são alguns exemplos que fundamentavam

essa crença. É preciso observar que não se tratava de um otimismo ingênuo

que ignorava os subprodutos do desenvolvimento industrial. Os males sociais

apontados pelo marxismo (proletariado, concentração financeira nas mãos de

poucos, intensa jornada de trabalho) possuíam outra interpretação, aos olhos

dos positivistas eram fenômenos transitórios elimináveis pelo crescimento do

saber, da educação popular e da riqueza (Reale: 1981, p. 296). Assim,

predominava a idéia de que era possível que a ciência elaborasse instrumen-

tos para debelar todos os problemas da humanidade, até porque, e

principalmente, o modo de produção era fortemente influenciado pela ciência.

11

Enquanto corrente filosófica, o positivismo influenciou diferentes

produções humanas e situou-se em tradições culturais distintas: França

(inseriu-se no racionalismo) - de Descartes a Auguste Comte; Inglaterra

(tradição empirista e utilitarista) - John Stuart Mill e Herbert Spencer; Alemanha

(cientificismo e monismo materialista) - Ernst Heckel e Jakob Moleschott; Itália

(naturalismo renascentista) - Roberto Ardigò, e demarcou, antes de tudo, o

espírito da época. No entanto, apesar das diversificações apresentadas, o

positivismo apresenta similitudes que permitem identificá-lo como movimento

de pensamento. Tais convergências podem ser enumeradas da seguinte

forma:

• ao contrário do idealismo, o positivismo reivindica o primado da

ciência: nós conhecemos somente aquilo que as ciências naturais nos

dão a conhecer - o único método de conhecimento é o das ciências

naturais;

• esse método (leis causais e domínio sobre os fatos) pode ser utilizado

para o estudo da sociedade;

• afirma a unidade do método científico e o primado desse método como

instrumento cognoscitivo;

• exalta a ciência como o único meio em condições de resolver, ao longo

do tempo, todos os problemas humanos e sociais;

• pronuncia-se pela "divindade" do fato, o que induziu alguns estudiosos

a interpretarem o positivismo como parte integrante da mentalidade

romântica;

• toma alguns aspectos da tradição iluminista: a tendência a considerar

os fatos empíricos como a única base do verdadeiro conhecimento, a

fé na racionalidade científica como solução dos problemas da

humanidade e a confiança acrítica, leviana e superficial na estabilidade

e no crescimento sem obstáculos da ciência.

A obra de Auguste Comte, por ser um marco do positivismo, pode

auxiliar a entender as características que influenciaram alguns preceitos que

são encontrados nas ciências até hoje.

12

1.1 – A biografia de Augusto Comte

Isidore Auguste Marie François Xavier Comte (Montpellier, 19 de janeiro

de 1798 — Paris, 5 de setembro de 1857) foi um filósofo francês, fundador da

Sociologia e do Positivismo.

Nascido em Montpellier, no Sul da França, Augusto Comte desde cedo

revelou uma grande capacidade intelectual e uma prodigiosa memória. Seu

interesse pelas ciências naturais era conjugado pelas questões históricas e

sociais e, com 16 anos, em 1814, ingressou na Escola Politécnica de Paris. No

período de 1817-1824 foi secretário do conde Henri de Saint-Simon (1760-

1825), expoente do socialismo utópico; todavia, como Saint-Simon apropriava-

se dos escritos de seus discípulos para si e como dava ênfase apenas à

economia na interpretação dos problemas sociais, Comte rompeu com ele,

passando a desenvolver autonomamente suas reflexões. São dessa época

algumas fórmulas fundamentais: "Tudo é relativo, eis o único princípio

absoluto" (1819) e "Todas as concepções humanas passam por três estádios

sucessivos - teológico, metafísico e positivo - com uma velocidade proporcional

à velocidade dos fenômenos correspondentes" (1822) .Essa é a famosa "lei

dos três estados".

Comte trabalhava intensamente na criação de uma filosofia positiva

quando, em virtude de problemas conjugais, sofreu um colapso nervoso, em

1826. Recuperado, mergulhou na redação do Curso de filosofia positiva

(posteriormente, em 1848, renomeado para Sistema de filosofia positiva), que

lhe tomou doze anos.

Em 1842, por criticar a corporação universitária francesa, perdeu o

emprego de examinador de admissão à Escola Politécnica e começou a ser

ajudado por admiradores, como o pensador inglês John Stuart Mill (1806-

1873). No mesmo ano, Comte separou-se de Caroline Massin, após 17 anos

de casamento. Em 1845, apaixonou-se por Clotilde de Vaux, que morreria no

ano seguinte. Entre 1851 e 1854 Comte redigiu o Sistema de política positiva,

13

em que extraiu algumas das principais conseqüências de sua concepção de

mundo não-teológica e não-metafisica, propondo uma interpretação pura e

plenamente humana para a sociedade e sugerindo soluções para os

problemas sociais; no volume final dessa obra, apresentou as instituições

principais de sua Religião da Humanidade. Em 1856, publicou o livro Síntese

subjetiva, primeiro e único volume de uma série de quatro dedicados a tratar

de questões específicas das sociedades humanas: lógica, indústria,

pedagogia, psicologia, mas faleceu, possivelmente de câncer, em 5 de

setembro de 1857, em Paris.

Todavia, é importante notar que uma grande confusão terminológica

ocorre com a obra de Comte e seu Positivismo: ele não tem nenhuma ou

pouca relação com o chamado Positivismo Jurídico, ou Juspositivismo, de

Hans Kelsen; com a Psicologia positivista, ou behaviorismo/

comportamentalismo, de Watson e Skinner; com o Neopositivismo, do Círculo

de Viena, de Otto Neurath, Carnap e seus diversos associados, nem com

tantos outros "positivismos" de outras áreas do conhecimento.

1.2 – A filosofia positivista de Comte

A filosofia positiva de Comte nega que a explicação dos fenômenos

naturais, assim como sociais que provenha de um só princípio. A visão positiva

dos fatos abandona a consideração das causas dos fenômenos (Deus ou

natureza) e pesquisa suas leis, vistas como relações abstratas e constantes

entre fenômenos observáveis.

Adotando os critérios histórico e sistemático, outras ciências abstratas

antes da Sociologia, segundo Comte, atingiram a positividade: a Matemática, a

Astronomia, a Física, a Química e a Biologia. Assim como nessas ciências, em

sua nova ciência inicialmente chamada de física social e posteriormente

Sociologia, Comte usaria a observação, a experimentação, da comparação e a

classificação como métodos - resumidas na filiação histórica - para a compre-

14

ensão; isto é, para conhecimento, da realidade social. Comte afirmou que os

fenômenos sociais podem e devem ser percebidos como os outros fenômenos

da natureza, ou seja, como obedecendo a leis gerais; entrentanto, sempre

insistiu e argumentou que isso não equivale a reduzir os fenômenos sociais a

outros fenômenos naturais. Fazer isso seria cometer o erro teórico e

espistemológico do materialismo. A fundação da Sociologia implica que os

fenômenos sociais são um tipo específico de realidade teórica e que devem

ser explicados em termos sociais.

Em 1852 Comte instituiu uma sétima ciência, a Moral, cujo âmbito de

pesquisa é a constituição psicológica do indivíduo e suas interações sociais.

Pode-se dizer que o conhecimento positivo busca "ver para prever, a fim

de prover"; ou seja, conhecer a realidade para saber o que acontecerá a partir

de nossas ações, para que o ser humano possa melhorar sua realidade. Dessa

forma, a previsão científica caracteriza o pensamento positivo.

O espírito positivo, segundo Comte, tem a ciência como investigação do

real. No social e no político, o espírito positivo passaria o poder espiritual para

o controle dos "filósofos positivos", cujo poder é, nos termos comtianos,

exclusivamente baseado nas opiniões e no aconselhamento, constituindo a

sociedade civil e afastando-se a ação política prática desse poder espiritual - o

que afasta o risco de tecnocracia; chamada, nos termos comtianos, de

"pedantocracia".

O método positivo, em termos gerais, caracteriza-se pela observação.

Entretanto , deve-se perceber que cada ciência, ou melhor , cada tipo de

fenômeno tem suas particularidades, de modo que o método específico de

observação para cada fenômeno será diferente. Além disso, a observação

conjuga-se com a imaginação: ambas fazem parte da compreensão da

realidade e são igualmente importantes, mas a relação entre ambas muda

quando se passa da teologia para a positividade. Assim, para Comte, não é

possível fazer ciência sem a imaginação, isto é, sem uma ativa participação da

15

subjetividade individual e, por assim dizer, coletiva: o importante é que essa

subjetividade seja a todo instante confrontada com a realidade, isto é, com a

objetividade.

1.3 – A metodologia científica de Comte

Para Comte há um método geral para a ciência, observação subordinando

a imaginação, mas não um método único para todas as ciências; além disso, a

compreensão da realidade lida sempre com uma relação contínua entre o

abstrato e o concreto, entre o objetivo e o subjetivo. As conclusões a que

Comte chega, segundo ele, só são possíveis com o estudo da Humanidade

como um todo, o que implica a fundação da Sociologia, que, para ele, é

necessariamente histórica.

Além da realidade, outros princípios caracterizam o Positivismo: o

relativismo, o espírito de conjunto ,hoje em dia também chamado de holismo, e

a preocupação com o bem público coletivo e individual. Na verdade, na obra

Apelo aos conservadores, Comte apresenta sete definições para o termo

positivo: real, útil, certo, preciso, relativo, orgânico e simpático.

O alicerce fundamental da obra comtiana é, indiscutivelmente, a Lei dos

Três Estados, tendo como precursores nessa idéia seminal os pensadores

Condorcet e, antes dele, Turgot.

Segundo o Marquês de Condorcet, a humanidade avança de uma época

bárbara e mística para outra civilizada e esclarecida, em melhoramentos

contínuos e, em princípio, infindáveis - sendo essa marcha o que explicaria a

marcha da história.

A partir da percepção do progresso humano, Comte formulou a Lei dos

Três Estados. Observando a evolução das concepções intelectuais da

humanidade, Comte percebeu que essa evolução passa por três estados teó-

16

ricos diferentes: o estado 'teológico' ou 'fictício', o estado 'metafísico' ou

'abstrato' e o estado 'científico' ou 'positivo', em que:

No primeiro, os fatos observados são explicados pelo sobrenatural, por

entidades cuja vontade arbitrária comanda a realidade. Assim, busca-se

o absoluto e as causas primeiras e finais (De onde vim? Para onde

vou?). A fase teológica tem várias subfases: o fetichismo, o politeísmo, o

monoteísmo.

No segundo, já se passa a pesquisar diretamente a realidade, mas

ainda há a presença do sobrenatural, de modo que a metafísica é uma

transição entre a teologia e a positividade. O que a caracteriza são as

abstrações personificadas, de caráter ainda absoluto: a Natureza, o

Povo, o Capital.

No terceiro, ocorre o apogeu do que os dois anteriores prepararam

progressivamente. Neste, os fatos são explicados segundo leis gerais

abstratas, de ordem inteiramente positiva, em que se deixa de lado o

absoluto, que é inacessível, e busca-se o relativo. A par disso, atividade

pacífica e industrial torna-se preponderante, com as diversas nações

colaborando entre si.

É importante notar que cada um desses estágios representa fases

necessárias da evolução humana, em que a forma de compreender a realidade

conjuga-se com a estrutura social de cada sociedade e contribuindo para o

desenvolvimento do ser humano e de cada sociedade.

Dessa forma, cada uma dessas fases tem suas abstrações, suas

observações e sua imaginação; o que muda é a forma como cada um desses

elementos conjuga-se com os demais. Da mesma forma, como cada um dos

estágios é uma forma totalizante de compreender o ser humano e a realidade,

cada uma delas consiste em uma forma de filosofar, isto é, todas elas

engendram filosofias.

17

Comte estava preocupado com a resolução das crises sociais e políticas, e

acreditava que o caminho consistia no conhecimento dos fatos sociais e

políticos. Esse conhecimento somente pode ser adquirido ao se submeter à

sociedade a um estudo rigoroso/pesquisa científica. Por esse motivo, toma

como tarefa urgente desenvolver a chamada física social ou Sociologia

científica.

Para Comte, a ciência tem como objetivo, pesquisar as leis que regem os

fenômenos: só o conhecimento das leis dos fenômenos, cujo resultado

constante é o de fazer com que possamos prevê-los, evidentemente pode nos

levar, na vida ativa, a modificá-los em nosso benefício. Esse talvez seja o

ponto mais prático da filosofia positivista. Mais em Stuart Mill que em Comte,

essa forma de pensar se concretiza no utilitarismo. Nessa perspectiva, a lei é

necessária para prever, e a previsão é necessária para agir sobre a natureza

fornecendo ao homem o domínio sobre esta última - "ciência, logo previsão;

previsão, logo ação" (Comte, 1988).

Contudo, seria errôneo afirmar que Comte concebe que a ciência esteja

essencialmente voltada para os conhecimentos práticos. Ao contrário, ele

defende a natureza teórica dos conhecimentos científicos, distinguindo-os dos

conhecimentos técnico-práticos. A relação entre a teoria, explicação das leis, e

o fato é essencial. Segundo Comte (1988, p.65), "... a verdadeira ciência (...)

consiste essencialmente de leis e não mais de fatos, embora estes sejam

indispensáveis para o seu estabelecimento e sua sanção". Em conseqüência,

consiste em leis controladas com base nos fatos, excluindo-se, da ciência, toda

busca de essências e causas últimas metafísicas.

Por coerência, a Sociologia, como física social, baseia-se no

conhecimento feito de leis provadas com base nos fatos. Para a Sociologia,

através do raciocínio e da observação, é possível estabelecer as leis dos

fenômenos sociais, como a Física pode estabelecer as leis que guiam os

fenômenos físicos.

18

Em Comte, os caminhos para alcançar o conhecimento sociológico são a

observação, o experimento altera o nexo normal dos acontecimentos e o

método comparativo estuda as analogias e as diferenças entre as diversas

sociedades e os seus estados de desenvolvimento. É possível identificar, em

Comte, os seguintes princípios positivistas: busca pelas leis que regem os

fenômenos; o fato que aparece como supremo e essencial a elaboração das

leis; a busca da objetividade; as exclusões de explicações metafísicas para o

fenômeno e a observação junto com o experimento tornam-se instrumentos

para alcançar o conhecimento. Todos esses princípios influenciam a ciência

tradicional bem como contribuem às ciências sociais ao sugerir uma física

social.

Da mesma forma, outros autores, como Florestan Fernandes, marcaram

suas tentativas de fundamentar uma sociologia científica, atribuindo o caráter

de ciência às áreas de humanidades (Oliva, 1997).

Como outros sistemas filosóficos, o positivismo está demarcado

temporalmente e parece pouco adequado pressupor que ele sobreviva hoje,

mesmo com rótulos mais modernos, como "neopositivismo".

Apesar de circunscrito historicamente, não se nega que o positivismo

influencie o modelo hegemônico de ciência. Contudo, é factível considerar que

a epistemologia atual das ciências sociais seja positivista?

Para responder à questão formulada, é pertinente discutir o critério de

demarcação do positivismo e a ruptura proposta por Popper, bem como o

sentido de investigação (indutivo x dedutivo), uma vez que marcam uma

diferença crucial no que tange à construção do conhecimento e sua validade. A

relevância de Popper, nesta discussão, é determinada pela influência que a

conduta de investigação científica por ele proposta exerceu tanto nas áreas

humanas quanto nas exatas, marcando uma ruptura com o verificacionismo e

o indutivismo - traços marcantes do pensamento positivista. Popper apresenta,

19

então, a perspectiva da objetividade que pode ser compreendida como

resultado do seu método científico-social, o que aponta também para uma

unificação do seu pensamento, consubstanciada na falibilidade, no

racionalismo crítico e na característica evolucionária do conhecimento. Mas, a

contribuição de Popper se estende também para a aplicação do seu método

científico-social tanto às práticas científicas, com a análise situacional, quanto

às práticas sociais, com a tecnologia social gradual.

20

CAPÍTULO II

EPISTEMOLOGIA POPPERIANA

―Não é possível discutir racionalmente

com alguém que prefere matar-nos a ser

convencido pelos nossos argumentos‖.

(Popper, 1975)

Alguns autores consideram Popper, ainda hoje, um filósofo da ciência

cuja origem se debruça sobre os mesmos problemas que interessavam aos

adeptos do positivismo lógico. Uma vez que os positivistas lógicos estavam

determinados a afastar a metafísica do procedimento científico, eles se

preocupavam com a questão do significado, que, em última instância, traz

como critério de demarcação, a sua suscetibilidade de verificação empírica

(Magee, 1973).

Conforme dito anteriormente, uma característica que marca uma

diferença fundamental de Popper para com o positivismo lógico é a superação

do verificacionismo. Ele propõe uma metodologia que privilegia o experimento

a partir de hipóteses elaboradas com base no conhecimento científico

produzido e acumulado. Nesse sentido, "... Popper jamais foi um positivista de

qualquer matiz; ao contrário, foi um antipositivista decidido, o homem que,

desde o princípio, adiantou os argumentos que produziram, depois de um

tempo excessivamente longo, o esfacelamento do positivismo lógico" (Magee,

1973, pp. 50-51), e nem poderia sê-lo, uma vez que, ao longo de sua obra,

busca demonstrar a fragilidade de solidificar uma ciência baseada no acúmulo

de dados e em verdades absolutas.

Por esse motivo, Popper propõe a falseabilidade como novo critério de

demarcação científica. O conhecimento passa a ter uma natureza provisória,

ou seja, não é possível demonstrar que aquilo que sabemos é verdadeiro, mas

é sempre possível que o conhecimento se revele falso. Nada, na ciência,

estápermanentemente estabelecido ou é inalterável. É a partir da experimenta-

21

ção de hipóteses refutáveis, negando ou aceitando-as, que a teoria é

construída.

Segundo Popper (1972), as teorias não são corpos de fatos impessoais

a respeito do mundo, mas produtos do espírito humano. Essa característica as

transforma em conquistas individuais surpreendentes, contudo, a criação

científica não pode se dar tão livremente quanto à criação artística. É preciso

ter um minucioso confronto com a experiência. Uma teoria deve, antes de tudo,

propiciar solução para um problema que nos interesse. Deve mostrar-se

compatível com todas as observações feitas e incluir as teorias anteriores

contradizendo suas falhas e apontando soluções.

A teoria do conhecimento de Popper está intimamente associada a uma

teoria da evolução (Magee, 1973, p. 58). A eliminação dos erros redunda na

chamada seleção natural - ou seja, o organismo/teoria não sobrevive na

ausência de uma transformação necessária ou em virtude de uma

transformação errada, bem como na ausência de controles que modifiquem ou

suprimam transformações inadequadas. Tais transformações somente podem

ocorrer em um processo que teste a teoria, ou parte delas, e não em um que

busque a sua comprovação.

No processo indutivo, cada caso confirmador eleva o seu grau de

probabilidade. Assim, as leis científicas são prováveis no mais alto grau que se

possa conceber a ponto de não se distinguir da certeza, por isso Popper rompe

com o traço indutivo, que era o critério de demarcação entre a ciência e a não

ciência, e propõe o dedutivo.

2.1 – A biografia de Karl Popper

Karl Popper (Viena, 28 de Julho de 1902 — Londres, 17 de Setembro de

1994) foi um filósofo da ciência austríaco naturalizado britânico. É considerado

como o filósofo mais influente do século XX a tematizar a ciência. Foi também

22

um filósofo social e político de estatura considerável, um grande defensor da

democracia liberal e um oponente implacável do totalitarismo.

Ele é talvez melhor conhecido pela sua defesa do falsificacionismo

como um critério da demarcação entre a ciência e a não-ciência, e pela sua

defesa da sociedade aberta

Nascido numa família de classe rica de origem judaica secularizada, foi

educado na Universidade de Viena. Concluiu o doutoramento em filosofia em

1928 e ensinou numa escola secundária entre 1930 e 1936. Em 1937, a

ascensão do Nazismo levou-o a emigrar para a Nova Zelândia, onde ele foi

professor de filosofia em Canterbury University College, Christchurch. Em

1946, foi viver na Inglaterra, tornando-se assistente de lógica e de método

científico na London School of Economics, onde foi nomeado professor em

1949. Foi nomeado cavaleiro da Rainha Isabel II em 1965, e eleito para a

sociedade real em 1976. Reformou-se da vida académica em 1969, apesar de

ter permanecido activo intelectualmente até à sua morte em 1994. Recebeu a

insígnia de Companheiro de Honra em 1982.

Popper recebeu vários prémios e honras no seu campo, incluindo o

prémio Lippincott da associação americana de ciência política, o prémio

Sonning, e o estatuto de membro na sociedade real, na academia britânica,

London School of Economics, Kings College de Londres e o Darwin College de

Cambridge.

2.2 – A epistemologia de Karl Popper

Popper cunhou o termo Racionalismo Crítico para descrever a sua

filosofia. Esta designação é significante e é um indício da sua rejeição do

empirismo clássico e do observacionalismo-indutivista da ciência, que disso

resulta. Apesar disso, alguns acadêmicos, incluindo Ernest Gellner, defendem

23

que Popper, não obstante não se ter visto como um positivista, se encontra

claramente mais próximo desta via do que da tradição metafísica ou dedutiva.

Popper argumentou que a teoria científica será sempre conjetural e

provisória. Não é possível confirmar a veracidade de uma teoria pela simples

constatação de que os resultados de uma previsão efetuada com base naquela

teoria se verificaram. Essa teoria deverá gozar apenas do estatuto de uma

teoria, não ou ainda não, contrariada pelos fatos.

O que a experiência e as observações do mundo real podem e devem

tentar fazer é encontrar provas da falsidade daquela teoria. Este processo de

confronto da teoria com as observações poderá provar a falsidade da teoria em

análise. Nesse caso há que eliminar essa teoria que se provou falsa e procurar

uma outra teoria para explicar o fenomeno em análise.

Alguns consideram este aspecto primordial para a definição da ciência.

Chegando a afirmar que científico é apenas aquilo que se sujeita a este

confronto com os fatos. Ou seja: afirmam que só é científica aquela teoria que

possa ser falseável, refutável. Existem críticas contundentes quanto a esse

aspecto. Essas remanescem no bojo da própria Filosofia que Popper propõe. E

por que? Ao afirmar que toda e qualquer teoria deve ser falseável, isso se

aplica à própria teoria da falseabilidade popperiana. Portanto, a falseabilidade

deve ser falseável em si mesma. Diante dessa evidente necessidade, sob a

pena de sua teoria ser não-universal e portanto derrogada pela sua imprecisão

poderá existir proposições, em que a falseabilidade não é aplicável. Nos dias

de hoje, verifica-se que o falsificacionismo popperiano não é princípio de

exclusão, mas tão somente de atribuição de graus de confiança ao objeto

passível do crivo científico.

Para Popper a verdade é inalcançável, todavia devemos nos aproximar

dela por tentativas. O estado atual da ciência é sempre provisório. Ao

encontrarmos uma teoria ainda não refutada pelos fatos e pelas observações,

24

devemos nos perguntar, será que é mesmo assim ? Ou será que posso

demonstrar que ela é falsa ? Einstein é o melhor exemplo de um cientista que

rompeu com as teorias da física estabelecidas.

Popper debruçou-se intensamente com a teoria Marxista e com a

filosofia que lhe é subjacente, de Hegel, retirando-lhes qualquer estatuto

científico. O mesmo em relação à psicanálise, cujas teorias subjacentes não

são falseáveis, refutáveis.O seu trabalho científico foi influenciado pelo seu

estudo da teoria da relatividade de Albert Einstein.

Ao observar o processo de construção do conhecimento, nota-se que a

concepção hipotético-dedutiva de Popper se diferencia pelo papel que o dado

empírico assume (Feijó, 2003). Ao contrário da concepção positivista, somente

após uma análise da teoria, que implica um repensar do conhecimento posto,

surge um problema. Este deve ser convertido em proposições testáveis,

elaborando-se um delineamento/experimento e, somente então, vai-se ao

empírico.

Pode-se perceber que Popper deu atenção especial às teorias, e esse

foi um dos seus legados para a epistemologia contemporânea. Os fatos se

constituem em um norte sinérgico a ser respeitado a fim de reduzir a

subjetividade do processo, porém eles não são postos em um lugar que efetive

uma prostração teórica.

A ruptura proposta, calcada no papel da teoria, em particular da

hipótese, dá condição à ciência de negar o que está posto, ou de assumi-lo

como provisório, em vez de trabalhar sempre em prol da comprovação e da

manutenção de verdades. Há efetivamente uma mudança no processo de

investigação, entre o positivismo, indutiva e a epistemologia contemporânea,

dedutiva.

25

Ainda que a epistemologia contemporânea tenha, no seu fundamento,

uma ruptura, ela possui características herdadas do positivismo. Tais

características não são suficientes para denominar de positivistas diferentes

concepções de produção do conhecimento em ciências sociais.

Repare as diferenças entre o Positivismo Comtiano e a Epistemologia

Popperiana (Anexo 1).

2.3– A metodologia científica de Popper

Ao observar o processo de construção do conhecimento, nota-se que a

concepção hipotético-dedutiva de Popper se diferencia pelo papel que o dado

empírico assume. Ao contrário da concepção positivista, somente após uma

análise da teoria, que implica um repensar do conhecimento posto, surge um

problema. Este deve ser convertido em proposições testáveis, elaborando-se

um delineamento/experimento e, somente então, vai-se ao empírico.

Pode-se perceber que Popper deu atenção especial às teorias, e esse

foi um dos seus legados para a epistemologia contemporânea. Os fatos se

constituem em um norte sinérgico a ser respeitado a fim de reduzir a

subjetividade do processo, porém eles não são postos em um lugar que efetive

uma prostração teórica.

A ruptura proposta, calcada no papel da teoria, em particular da

hipótese, dá condição à ciência de negar o que está posto, ou de assumi-lo

como provisório, em vez de trabalhar sempre em prol da comprovação e da

manutenção de verdades. Há efetivamente uma mudança no processo de

investigação, entre o positivismo, indutiva, e a epistemologia contemporânea,

dedutiva. Ainda que a epistemologia contemporânea tenha, no seu

fundamento, uma ruptura, ela possui características herdadas do positivismo.

Tais características não são suficientes para denominar de positivistas

diferentes concepções de produção do conhecimento em ciências sociais.

26

Para Popper, o entendimento errôneo do seu método de avaliar e julgar

teorias testáveis são decorrentes da falta de ligação entre o problema de

demarcação e o problema da indução, somente apresentado no Pós-Escrito

em 1983. Popper com seu critério falsificacionista procurou um método de

testar uma teoria e não de procurar verificações, como sugeriam os

positivistas. Para Popper, o falsificacionismo era antes uma questão ideológica

do que uma preocupação essencialmente empírica.

27

CAPÍTULO III

COMPLEXIDADE E REDUCIONISMO

NA ÁREA DE LETRAS

O eixo principal das críticas relativas à complexidade trata da

simplificação, a priori, do objeto de estudo, e estão presentes nas obras de

Gonzáles Rey (1997) e Feyerabend (1985), quer dita dessa forma, quer

buscando explicitar os princípios positivistas. Essa simplificação implica

separar os fenômenos em variáveis cujas relações devem ser testadas.

Um dos pontos mais relevantes nas críticas dirigidas à epistemologia

contemporânea diz respeito ao número de elementos, em diversos níveis, que

se integram para formar um determinado fenômeno.

No caso da literatura, a complexidade se manifesta, uma vez que seu

objeto é um sujeito em inter-relação com outros sujeitos e/ou com seu

ambiente. Segundo Koch (1981), as características dos eventos psicológicos,

como sua multideterminação, ambigüidade do ser humano e do ambiente

contribuem para essa complexidade. Assim, elaborar recortes onde algumas

variáveis são controladas e outras manipuladas para teste permitem propor

modelos explicativos, porém pouco representativos da realidade.

Para Feyerabend (1985), um meio complexo, onde há elementos

surpreendentes e imprevistos, reclama procedimentos complexos e desafia

uma análise apoiada em regras que foram estabelecidas de antemão. A

interpretação que subjaz a essa afirmação é que qualquer tentativa, nesse

sentido, tende, necessariamente, a ser reducionista, levando a explicações

parciais, e deve ignorar elementos relevantes à compreensão do fato.

Pode-se verificar, também, que esse reducionismo marca uma diferença

essencial no que tange ao papel da teoria na construção do conhecimento. Na

epistemologia contemporânea, a teoria é o local onde as relações entre variá-

28

veis são discutidas em função do problema. Nesse contexto, de acordo com

Gonzáles Rey (1997), a teoria deve estar presente como instrumento do

investigador em todo o processo interpretativo, porém não como conjunto de

categorias a priori, capazes de dar conta dos processos únicos e imprevistos

que aparecem na investigação.

Percebe-se que as críticas assumem que a complexidade do fenômeno

não pode ser contemplada estudando suas partes e depois tentando juntar as

peças como em um mosaico. O interessante é que, a partir da compreensão

da profundidade dessa crítica, é possível resgatar o valor da teoria e da

complexidade para a epistemologia contemporânea. A teoria, vista como um

conjunto de enunciados que explicam o fenômeno e que foram submetidos a

testes experimentais ou verificações, fornece uma base sólida para a

delimitação das variáveis e a elaboração das hipóteses. Logo, embora o

método permita que a sua hipótese seja gratuita, ou seja, possa estar calcada

em um aspecto metafísico ou na realidade, via de regra, é uma teoria que guia

os problemas de pesquisa. A simplificação, ou melhor, o recorte, é feito antes

da investigação, mas não antes de se possuir uma base sólida, seja de uma

revisão bibliográfica, seja de um estudo preliminar.

Com relação à complexidade, a pós-modernidade presta um favor ao

aconselhar repetidamente que uma investigação deve estar atenta a esse

aspecto. Todavia, a maneira pela qual a ciência contemporânea a realiza é, de

fato, lenta. Trata-se de juntar novos elementos às descobertas feitas, não

como um mosaico, mas estabelecendo também as inter-relações entre as

diversas variáveis no contexto abarcando seus diferentes níveis. A diversidade

dos fenômenos que envolvem o sujeito como objeto é vasta, logo, vasta deve

ser a forma de abordá-lo para abraçá-lo em muitas dimensões.

Uma última palavra sobre o reducionismo: um olhar amplo para

contemplar toda a complexidade é também reducionista, uma vez que a busca

pelo todo ignora as relações entre as variantes/variáveis que constituem o

29

objeto. Essa talvez seja a crítica mais contundente, já que reúne, ao mesmo

tempo, a questão da tentativa de obter conhecimentos objetivos do fenômeno,

que implica, na verdade, reduzir a subjetividade e trata do papel que as idéias

assumem na produção do conhecimento.

No que tange à objetividade, uma indagação perpassa todos os

argumentos: como pode o pesquisador manter a imparcialidade, se o contato

com o sujeito investigado, por si mesmo, altera a percepção, as atitudes e o

comportamento de ambos?

De acordo com Gonzáles Rey (1999, p. 32) se alguém investiga

sistemas muito objetivos implicitamente segue o princípio da objetividade,

porém os investigadores sociais se encontram com objetos que são sujeitos

com a mesma capacidade distincional e objetivadoras que eles mesmos. É

explícita aqui a idéia de que a presença do pesquisador, ou mesmo a sua

intervenção em qualquer que seja o nível, exerce influência sobre o objeto.

Ao considerar que não há como eliminar essa influência, que, em todo

caso, possui um caminho de duplo sentido, ou seja, o pesquisador também

está sujeito a ela, é coerente acreditar que a objetividade almejada fica

comprometida, talvez seja uma meta inatingível. Um dos caminhos possíveis

para resolver essa questão é buscar suprimir, ou melhor, reduzir a

subjetividade/viés do investigador. No entanto, critica-se a redução do espaço

que este tem para produzir idéias e descartam-se elementos que surgem no

decorrer da investigação. Então, a produção teórica se torna limitada, pois o

empírico assume um lugar de destaque, determinando uma supressão da

elaboração intelectual para explicar os fatos e concatená-los com outras

expressões do mundo. Nesse sentido, tem sido o empirismo característico da

epistemologia positivista um dos fatores que tem impedido aos investigadores

qualitativos ver que o ponto forte de uma representação metodológica

alternativa é precisamente reconhecer o status das idéias, da produção teórica

30

como atributo essencial da produção do conhecimento. Isso supõe outorgar

um lugar diferente ao empírico na compreensão da ciência.

Embora esse raciocínio seja circular, é preciso considerar que a

subjetividade deve retomar espaço, uma vez que, se o pesquisador não pode

ter acesso direto ao fenômeno, tudo o que ele conhece é fruto da

interpretação, logo, é fruto também de um processo de maturação do

pesquisador no que tange ao seu psiquismo e sua história. Feyerabend (1985)

faz essa relação quando ressalta que a história da ciência não consiste apenas

de fatos. Contêm idéias, interpretações de fatos, problemas criados por

interpretações conflitantes, erros. Uma análise mais profunda mostra que a

ciência não conhece fatos nus, pois os fatos de que tomamos conhecimento já

são vistos sob certos ângulos essencialmente ideativos. Assim, mais que

atribuir ao sujeito e/ou ao pesquisador uma singularidade, é necessário tornar

a subjetividade foco da investigação, isso porque a singularidade não aparece

como uma exceção no domínio da subjetividade: ela é um momento qualitativo

constituinte da subjetividade.

Na mesma linha de raciocínio, a busca pela objetividade faz com que os

pesquisadores tentem garanti-la por meio de um delineamento reducionista e

pelo desenvolvimento de instrumentos padronizados em que a estatística

procura garantir fatores como validade e confiabilidade. Gonzáles Rey (1997)

aponta limitações nesses instrumentos, afirmando que as diferenças de

processos psíquicos complexos, tais como criatividade e aprendizagem, não

podem ser definidas através de modelos quantitativos que consideram o

estudado como uma entidade homogênea, que variam somente em atributos

pontuais abordados pelos testes psicológicos.

Novamente as críticas efetuadas são pertinentes e devem ser

consideradas. No entanto, tais considerações não passam ao largo dos

pesquisadores adeptos da ciência contemporânea. Ao contrário, não se busca

negar a intencionalidade dos sujeitos nem desconsiderar as diferenças intra e

31

interindividuais, mas considerar que existem padrões de comportamentos entre

esses sujeitos singulares. O próprio êxito dessa dicotomia sujeito-objeto dá

mostras da sua eficácia. Essa dicotomia não é cega às influências da

subjetividade dos sujeitos; esta é considerada nas margens de erro e nos

mecanismos metodológicos que os detectam. Admite-se, hoje, que os testes

não garantem uma medida segura para a previsão ou análise do

comportamento e/ou atitude do sujeito. Continua-se, no entanto, tentando

desenvolver novos instrumentos e técnicas que reduzam esses efeitos e

garantam um conhecimento que permita agir para melhorar a vida dos sujeitos.

Contudo, ainda que todos os estudos que foram realizados segundo

esse método de construção do conhecimento tivessem fracassado, faz parte

do mecanismo científico o falseamento e a identificação de falhas e erros e a

sua superação por um novo estudo ou modelo mais factível.

A rigidez metodológica está relacionada ao delineamento elaborado

para garantir uma intervenção objetiva e para que as relações entre as

variáveis possam ser consideradas verdadeiras.

De certa forma, os problemas dessa inflexibilidade já foram abordados

anteriormente, como: a exclusão de elementos relevantes à compreensão do

fenômeno que são ignorados no decorrer da pesquisa, o reducionismo do

fenômeno em variáveis e a restrição das idéias, que leva à elaboração de

microteorias ignorando a complexidade do fenômeno; no entanto, um aspecto

desse tema merece destaque, dado o problema posto: a própria rigidez leva o

pesquisador a elaborar táticas que possam flexibilizar suas ações a fim de

conduzir a investigação. Feyerabend (1985) assume que não há uma só regra,

embora plausível e bem fundamentada na epistemologia, que deixe de ser

violada em algum momento, não eventos acidentais ou desatenção, ao

contrário, são necessários para o progresso. Esse argumento pode sugerir, em

um primeiro momento, que a objetividade almejada não é alcançada, e mais,

32

que o conhecimento produzido sob esse modelo pode ser refutado no sentido

de não controlar as variáveis envolvidas no fenômeno.

Vale destacar, todavia, que qualquer rigidez mencionada se deve à

tentativa de não mudar o sentido de investigação mantendo controle sobre as

variáveis em análise. Não se pode confundir esse controle com a negação

obtusa de que outras variáveis, aparentes ou não, sejam determinantes do

fenômeno. A inclusão destas deve ser feita em outro momento. Nada impede

que os outros determinantes sejam mencionados na discussão ou que se

proceda a um segundo plano de pesquisa em inter-relação com o principal

para verificar correlações.

Aliás, esse caráter do acaso, permeia o avanço científico. O mérito do

pesquisador, nesse caso, é ser criativo o suficiente para estudar a nova

variante sem descaracterizar seu delineamento e aproveitar os resultados para

evoluir uma nova pesquisa.

De fato, o aspecto inflexível é mais uma tentativa de manter coesão

interna e sistematização, a fim de não dar lugar a argumento como o de

Feyerabend (1985), que, ao falar sobre as limitações de todas as

metodologias, afirma que a única regra que sobrevive é qualquer coisa serve.

É ingenuidade acreditar que existam regras gerais que permitam falsear ou

corroborar alguma coisa, independentemente do contexto. A criatividade para

investigar, em quaisquer metodologias, variáveis intrínsecas aos sujeitos é um

requisito importante na formação de bons pesquisadores que delineiem

pesquisas empíricas colaborativas e verídicas.

33

CAPÍTULO IV

AS FORMAS DE SE FAZER PESQUISA

Uma vez definido o tema da pesquisa, deve-se escolher a forma como

esta será realizada: uma pesquisa quantitativa ou uma pesquisa qualitativa.

Uma não substitui a outra: elas se complementam.

As pesquisas qualitativas são exploratórias, ou seja, estimulam os

entrevistados a pensarem livremente sobre algum tema, objeto ou conceito.

Elas fazem emergir aspectos subjetivos e atingem motivações não explícitas,

ou mesmo conscientes, de maneira espontânea. São usadas quando se busca

percepções e entendimento sobre a natureza geral de uma questão, abrindo

espaço para a interpretação. Parte de questionamentos como: ―Qual conceito

novo de leitura deveria ser criado para aprimorar a leitura entre jovens?‖ e

―Qual é o melhor posicionamento de comunicação para essa nova criação

literária?‖, por exemplo.

Já as pesquisas quantitativas são mais adequadas para apurar opiniões

e atitudes explícitas e conscientes dos entrevistados, pois utilizam

instrumentos estruturados (questionários). Devem ser representativas de um

determinado universo de modo que seus dados possam ser generalizados e

projetados para aquele universo. Seu objetivo é mensurar e permitir o teste de

hipóteses, já que os resultados são mais concretos e, consequentemente,

menos passíveis de erros de interpretação. Em muitos casos geram índices

que podem ser comparados ao longo do tempo, permitindo traçar um histórico

da informação.

Nas pesquisas de cunho quantitativo, a amostra pode ser desenhada

caso a caso ou fixa. O primeiro caso trata de pesquisas Ad hoc, ou seja,

projetos finitos realizados sob encomenda, que atendem a objetivos

específicos definidos pelo cliente em conjunto com uma equipe de estatística,

como por exemplo, o IBOPE. Já no segundo caso, enquadram-se as pesquisas

contínuas do tipo painel, como por exemplo, os painéis de consumidores.

34

Estes permitem avaliar, ao longo do tempo, as mudanças ocorridas no

comportamento do consumidor frente às marcas e/ou categorias de produtos.

Dado o seu caráter exploratório as pesquisas qualitativas não

pretendem generalizar as suas informações, não havendo, portanto,

preocupação em projetar os seus resultados para população. Abordam-se, em

geral, pequenos grupos de entrevistados. Já nas quantitativas, trabalha-se com

amostras maiores de entrevistados para garantir maior precisão dos resultados

finais, que serão projetados para a população pesquisada.

Normalmente, as informações são coletadas por meio de um roteiro nas

pesquisas qualitativas. As opiniões dos participantes são gravadas e

posteriormente analisadas. Nas quantitativas, por sua vez, os dados são

colhidos por meio de um questionário estruturado com perguntas claras e

objetivas, focando naquilo que se quer analisar, já que devem garantir a

uniformidade de entendimento dos entrevistados e conseqüentemente a

padronização dos resultados. O questionário é o instrumento mais utilizado

para esse tipo de pesquisa.

Os principais meios para se conseguir as informações desejadas em

uma pesquisa qualitativa são as entrevistas em profundidade ou as discussões

em grupo. Para as discussões em grupo, as pessoas são convidadas para um

bate-papo realizado em salas especiais com gravação em áudio e vídeo. As

entrevistas em profundidade são pré-agendadas com os entrevistados e a sua

aplicação é individual, em local reservado. Tal procedimento garante a

concentração do respondente e minimiza a dispersão.

Nas pesquisas quantitativas, a forma de abordagem dos entrevistados

varia de acordo com o desenho do projeto. Pode requerer um desenho

amostral probabilístico ou por cotas previamente estabelecidas (sexo, classe,

idade, atividade, localização geográfica entre outros). A abordagem também

será função do público pesquisado. Assim as entrevistas podem ser realizadas

35

pessoalmente, por telefone, pela internet, por correio. O importante é que as

entrevistas sejam aplicadas individualmente e sigam as regras de seleção da

amostra.

As informações colhidas nas abordagens qualitativas são analisadas de

acordo com o roteiro aplicado e registradas em relatório, destacando opiniões,

comentários e frases mais relevantes que surgiram. Por outro lado, o relatório

das pesquisas quantitativas, além das interpretações e conclusões, deve

mostrar tabelas de percentuais e gráficos e utilizam para isso sistemas de

coleta de dados como, por exemplo, o SPSS (Statistical Package for the Social

Sciences). Esse é um dos softwares aplicativos de coleta de dados muito

utilizado em pesquisas na área de Letras por ser um pacote de apoio a tomada

de decisão que inclui: aplicação analítica, Data Mining, Text Mining e

Estatística que transformam os dados em informações importantes que

proporcionam uma coleta de dados bastante ampla e confiável capaz de ser

replicada a um público maior. Um dos usos importantes deste software é para

realizar pesquisa de mercado.

Quando se fala de pesquisa científica deve-se considerar que a

pesquisa qualitativa não se preocupa com representatividade numérica, mas

sim com o aprofundamento da compreensão de um grupo social, de uma

organização etc. Os pesquisadores que adotam a abordagem qualitativa se

opõem ao pressuposto que defende um modelo único de pesquisa para todas

as ciências, já que as ciências sociais têm sua especificidade, o que pressupõe

uma metodologia própria. Assim, os pesquisadores qualitativos recusam o

modelo positivista aplicado ao estudo da vida social, uma vez que o pesquisa-

dor não pode fazer julgamentos nem permitir que seus preconceitos e crenças

contaminem a pesquisa.

Os pesquisadores que utilizam os métodos qualitativos buscam explicar

o porquê das coisas, exprimindo o que convém ser feito, mas não quantificam

os valores e as trocas simbólicas nem se submetem à prova de fatos, pois os

36

dados analisados são não-métricos (suscitados e de interação) e se valem de

diferentes abordagens.

Em relação aos problemas teórico-metodológicos, na pesquisa

qualitativa, o cientista é ao mesmo tempo o sujeito e o objeto de suas

pesquisas. O desenvolvimento da pesquisa é imprevisível. O conhecimento do

pesquisador é parcial e limitado.

Quando se considera os procedimentos metodológicos a observação

participante se faz através da participação na vida cotidiana do grupo ou da

organização que estuda; entrevistas ou conversa para descobrir as

interpretações sobre as situações que observou, podendo comparar e

interpretar as respostas dadas em diferentes momentos e situações.

Na coleta de dados a investigação descritiva (fonte direta de dados é o

ambiente natural); os materiais registrados são revistos na sua totalidade pelo

investigador. Os dados são recolhidos em situação natural e complementados

pela informação que se obtém através do contato direto; transcrições de

entrevistas, notas de campo, fotografias, vídeos, documentos pessoais,

memorandos e outros registros oficiais; supremacia do processo em

detrimento do produto; familiaridade com o ambiente, pessoas e outras fontes

de dados, adquiridos principalmente através da observação direta, do estudo

de caso da entrevista, além da história de vida, entre outros.

As características da pesquisa qualitativa baseiam-se na objetivação do

fenômeno, na hierarquização das ações: descrever, compreender, explicar, na

precisão das relações entre o global e o local em determinado fenômeno, na,

observância das diferenças entre o mundo social e o mundo natural, no

respeito ao caráter interativo entre os objetivos buscados pelos investigadores,

suas orientações teóricas e seus dados empíricos, na busca de resultados os

mais fidedignos possíveis, na oposição ao pressuposto que defende um

modelo único de pesquisa para todas as ciências.

37

É evidente que, como qualquer pesquisa, existem limites e riscos que

mesmo que minimizados podem surgir como: a excessiva confiança no

investigador enquanto instrumento de coleta de dados, a reflexão exaustiva

acerca das notas de campo pode representar uma forma de tentar dar conta

do objeto estudado, além de controlar o efeito do observador, a falta de

detalhes sobre os processos através dos quais suas conclusões foram

alcançadas, a falta de observância de aspectos diferentes sob enfoques

diferentes, a certeza do próprio pesquisador com relação a seus dados, a

sensação de dominar profundamente o seu objeto de estudo e o envolvimento

do pesquisador na sua situação (ou com sujeitos) pesquisada.

No tipo de abordagem quantitativa, os pesquisadores buscam exprimir

as relações de dependência funcional entre variáveis para tratarem do como

dos fenômenos. Eles procuram identificar os elementos constituintes do objeto

estudado, estabelecendo a estrutura e a evolução das relações entre os

elementos. Seus dados são métricos (medidas, comparação/padrão/metro) e

as abordagens são experimental, hipotético-dedutiva, verificatória. Eles têm

como base as metateorias formalizantes e descritivas. Isso cria as vantagens

de automaticidade que gera a maior precisão e o controle do viés do

pesquisador.

Conforme características, limites e vantagens das abordagens acima

citadas, acreditamos que a melhor forma de se pesquisar é através da integra-

ção entre os métodos quantitativos e qualitativos, o que tecnicamente chama-

se de pesquisa de base mista, pois para analisar-se com fidedignidade uma

situação dada é necessário o uso de dados estatísticos e outros dados

quantitativos, e também da análise qualitativa dos dados obtidos por meio de

instrumentos quantitativos, entre outros cuidados para se evitar o viés, fruto da

subjetividade que encerra uma pesquisa, a exemplo da subjetividade do

pesquisador.

38

Considerando-se que a subjetividade do pesquisador sempre está

presente, mesmo nas pesquisas quantitativas, o melhor procedimento a tomar

é fazer um cruzamento de dados, podendo assim obter uma melhor

compreensão do problema estudado, As vantagens de se integrar os dois

métodos está, de um lado, na explicitação de todos os passos da pesquisa, de

outro, na oportunidade de prevenir a interferência da subjetividade do

pesquisador nas conclusões obtidas.

Outros cuidados devem ser tomados para que uma pesquisa chegue a

seu termo e seja aceita nos meios científicos, a exemplo da correção e adapta-

ção dos instrumentos de pesquisa durante todo o processo, intervenção,

através de instrumentação para a obtenção de resultados mais confiáveis, e

manuseio de forma responsável de objetos e acontecimentos, entre outros.

Buscando-se uma excelência em pesquisa, o pesquisador deve levar

em consideração as possíveis dificuldades a serem enfrentadas ao

desenvolver a pesquisa. Nesse particular, sua experiência e maturidade são

fatores determinantes para que a pesquisa seja bem-sucedida.

Além da consciência do papel do pesquisador frente às exigências do

projeto, deve-se buscar o controle da subjetividade, levando os sujeitos a

expressarem livremente suas opiniões, respeitando os valores e

responsabilidades do pesquisador para consigo e para com a sua profissão,

fazendo interpretações através de um esquema conceitual, respeitando a

expressão de opiniões, crenças, atitudes e preconceitos.

Com relação ao procedimento ético em pesquisa, é necessário buscar o

consentimento informado e proteção dos sujeitos contra qualquer espécie de

danos, dar importância central à intencionalidade dos atores, à complexidade e

à fluidez dos processos implicados no desenvolvimento da ação social.

39

CONCLUSÃO

O positivismo Comtiano trabalha com um processo indutivo onde cada

caso confirmado eleva o grau de probabilidade de uma teoria. Assim, as leis

científicas são prováveis no mais alto grau que se possa conceber a ponto de

não se distinguir da certeza. Popper rompe com esse traço indutivo, que era o

critério de demarcação entre a ciência e a não ciência, e propõe o processo

dedutivo. Ao contrário da concepção positivista de Comte, a concepção

hipotético-dedutiva de Popper implica num repensar do conhecimento posto de

onde surge um problema.

Pode-se perceber que Popper deu atenção especial às teorias, e esse

foi um dos seus maiores legados para a epistemologia contemporânea. Os

fatos devem ser respeitados a fim de reduzir a subjetividade do processo,

porém eles não são postos em um lugar que estabeleça uma prostração

teórica eterna. A ruptura proposta dá condição à ciência de negar o que está

posto, ou de assumi-lo como provisório, em vez de trabalhar apenas para a

comprovação ou manutenção de verdades eternas e irrefutáveis. Há uma

mudança no processo de investigação: no positivismo Comtiano, o processo

de investigação é indutivo; enquanto, na epistemologia Popperiana, o processo

de investigação é dedutivo.

O positivismo Comtiano e a epistemologia Popperiana possuem

algumas semelhanças como: a busca pela objetividade, que pressupõe uma

neutralidade por parte do pesquisador em relação ao seu objeto de estudo; e

também, a utilização de instrumentos voltados à quantificação, que, ao

fornecer informações objetivas, leva à pretensão de centrar no fato-dado o

papel principal na construção do conhecimento. Essas semelhanças, porém de

nada invalidam as diferenças importantes e marcantes discutidas

anteriormente. Quando os acadêmicos das Faculdades de Letras equiparam

Comte a Popper e conseqüentemente desmerecem e desdenham do fazer

estudos empíricos dentro da área de literatura, estão não somente equivoca-

40

dos teoricamente como também inflexíveis a possibilidade de tais estudos

serem possíveis.

O positivismo comtiano apresentava alguns problemas como método

científico. Ele simplesmente não era compatível com novas idéias que vinham

ganhando espaço como a teoria da evolução através da seleção natural. Era

fato que essas teorias não podiam ser embasadas em observações empíricas

já que seus enunciados tratavam de coisas que demoram muito tempo para

ocorrer ou que são pequenas demais para serem observadas.

A solução veio com Karl Popper e seu racionislismo crítico. Popper

negava o caráter cumulativo do conhecimento científico e argumentava que

não era possível saber se uma teoria estava mais próxima da verdade do que

outra. Popper então propôs uma mudança de visão, alegava que seria muito

mais acertado tentar falsear a teoria do que verificar sua legitimidade. Para tal,

Popper acreditava que toda hipótese deveria passar por severos testes de

verificação de seus enunciados, se a hipótese resistisse a uma tentativa de

demonstrar que ela era falsa ganhava o status de teoria.

A teoria então era considerada como a mais aceita para explicar

determinado evento ou fenômeno e continuava válida até que uma nova teoria

fosse proposta. Quando isso acontecia, segundo Popper, a teoria anterior

deveria então ser descartada e substituída pela nova teoria. Definiu-se então o

conceito de força de uma teoria. Quanto mais ela resistisse ao processo de

falseamento, mais forte ela se tornava.

Pelo racionalismo crítico era possível aceitar hipóteses que trabalhavam

com previsões que não poderiam ser testadas de forma empírica. Um exemplo

disso é a própria seleção natural que, grosso modo, diz que a diversidade

biológica do planeta é explicada pela evolução de espécies partindo de outras

já existentes de acordo com modificações aleatórias selecionadas pelo meio

ambiente. Pelo positivismo comtiano seria necessário observar o surgimento

41

de uma nova espécie para que a hipótese da seleção natural fosse

considerada válida ganhando o status de teoria. Pelo racionalismo crítico

poderíamos nos valer de algumas previsões da hipótese para fazer um teste

na tentativa de falsear a teoria. Por exemplo, uma das previsões da seleção

natural é a existência de fósseis de animais intermediários entre duas espécies

existentes. É fato conhecido a quantidade de fósseis encontrados que

corroboram com essa previsão, portanto a seleção natural passou pelo teste

de falseamento de uma de suas previsões.

Essa monografia buscou demonstrar que não se trata apenas de

escapar das críticas, mas de um rótulo agregador de dissimilitudes carregado

de estereótipos mais pejorativos do que elucidativos que empregam os termos

Positivismo Comtiano e Epistemologia Popperiana como sinônimos, o que se

pode ver claramente pelas explicações dadas que não o são. Dito de outra

forma, os conhecimentos produzidos nas diversas abordagens possuem

critérios de realidade distintos, mas uns não são melhores ou piores do que os

outros; são olhares diferentes sobre um mesmo objeto de pesquisa. Só

sabemos que não sabemos, porém não devemos nunca parar de conjecturar.

42

ANEXOS

ANEXO 1

Esse gráfico demonstra de forma clara as diferenças entre o Positivismo

Comtiano e a Epistemologia Popperiana.

43

BIBLIOGRAFIA CONSULTADA E CITADA

CHAUÍ, M. Convite à Filosofia. São Paulo: Editora Ática, 1999.

COMTE, A. Curso de Filosofia Positiva. São Paulo: Nova Cultural, 1988.

FEARN, N. Aprendendo a Filosofar em 25 Lições. Do Poço de Tales à

Desconstrução de Derrida. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2004.

FEIJÓ, R. Metodologia e Filosofia da Ciência: Aplicação na Teoria Social e

Estudo de Caso. São Paulo: Editora Atlas, 2003.

FEYERABEND, P. Contra o Método. Rio de Janeiro: F. Alves Editora, 1985.

GLASERSFELD, E. Despedida de la Objetividad. Editorial Gedisa:Barcelona,

1994.

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Desafios. São Paulo: EDUC, 1999(a).

GONZÁLES REY, F. La Afectividade desde una Perspectiva de la Subjetividad.

Psicologia:Teoria e Pesquisa,Brasília, v. 15, nº 2, pp.127-134, 1999(b).

GONZÁLES REY, F. Epistemología Cualitativa y Subjetividad. São Paulo:

EDUC, 1997.

KOCH, S. The Nature and Limits of Psychological Knowledge. Lessons of a

Century Qua "Science". American Psychologist, Wasghington-DC, 36(3),

pp.257-269, 1981.

MAGEE, B. As Idéias de Popper. São Paulo: Editora da Universidade de São

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MORIN, E. Introdução ao Pensamento Complexo. Lisboa: Instituto Piaget,

1991.

OLIVA, A. Ciência e Ideologia. Florestan Fernandes e a Formação das

Ciências Sociais no Brasil. Porto Alegre: EDIPUC, 1997.

PEREIRA, J. C. R. Epistemologia e Liberalismo. Uma Introdução à Filosofia de

Karl R. Popper. Porto Alegre: EDIPUC, 1993.

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REALE, G. História da Filosofia. O Positivismo. São Paulo: Paulus, 1981.

44

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empirical research methods for the Humanities. Cambridge: Cambridge

Scholars Publishing, 2007.

ZYNGIER, S. At the crossroads of language and literature: literary awareness,

stylistics, and the acquisition of literary skills in an EFLit context. 1994. 626 f.

Dissertation (PhD in Applied Linguistics) – School of English, University of

Birmingham, Birmingham.

45

ÍNDICE

FOLHA DE ROSTO 2

AGRADECIMENTO 3

DEDICATÓRIA 4

RESUMO 5

METODOLOGIA 6

SUMÁRIO 7

INTRODUÇÃO 8

CAPÍTULO I

POSITIVISMO COMTIANO 10

1.1 – A biografia de Augusto Comte 12

1.2 – A filosofia positivista de Comte 13

1.3 – A metodologia científica de Comte 15

CAPÌTULO II

EPISTEMOLOGIA POPPERIANA 20

2.1 – A biografia de Karl Popper 21

2.2 – A epistemologia de Karl Popper 22

1.3 – A metodologia científica de Karl Popper 25

CAPÍTULO III

COMPLEXIDADE E REDUCIONISMO NA ÁREA DE LETRAS 27

CAPÍTULO IV

AS FORMAS DE SE FAZER PESQUISA 33

CONCLUSÃO 39

ANEXOS – ANEXO 1 42

BIBLIOGRAFIA CONSULTADA E CITADA 43

ÍNDICE 45

FOLHA DE AVALIAÇÃO 46

46

FOLHA DE AVALIAÇÃO

Nome da Instituição: UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES - PROJETO A

VEZ DO MESTRE PÓS-GRADUAÇÃO “LATU SENSO”

Título da Monografia: OS EQUÍVOCOS NO USO DAS TERMINOLOGIAS

POSITIVISMO COMTIANO E EPISTEMOLOGIA POPPERIANA NAS

FACULDADES DE LETRAS.

Autor: SUZANA FERREIRA DO NASCIMENTO

Data da entrega: RIO DE JANEIRO, 23 DE SETEMBRO DE 2009.

Avaliado por:

Conceito: