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Universidade Federal do Rio de Janeiro PROJAD/IPUB/UFRJ Curso de Atualização para Profissionais da Rede Intersetorial de Prevenção e Cuidado Dirigidos à População Usuária de Crack e Outras Drogas PROJETO DE INTERVENÇÃO Potencializando os Recursos Terapêuticos para pacientes com indicação de tratamento intensivo e/ou atendimento diário: Rediscutindo as Oficinas do CAPS ad RAUL SEIXAS

Projeto de Intervenção Lido Com Alterações

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CapSAd psicologia

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Universidade Federal do Rio de Janeiro

PROJAD/IPUB/UFRJ

Curso de Atualizao para Profissionais da Rede Intersetorial de Preveno e Cuidado Dirigidos Populao Usuria de Crack e Outras Drogas

PROJETO DE INTERVENO

Potencializando os Recursos Teraputicos para pacientes

com indicao de tratamento intensivo e/ou atendimento dirio:

Rediscutindo as Oficinas do CAPS ad RAUL SEIXAS

Orientadora: Claudia Tallenberg

Aluna: Rita de Cssia Paiva RietraAgosto/2012

I) INTRODUO:

O CAPS-ad Raul Seixas foi o primeiro CAPS voltado para a ateno populao com sofrimento psquico devido ao uso de substncias psicoativas da cidade do Rio de Janeiro. Iniciou seu funcionamento em janeiro de 2003, mas foi inaugurado oficialmente em agosto de 2004. Foi criado para atender crianas e adolescentes que faziam uso indevido de drogas. At o ano de 2008, era o nico servio municipal na modalidade CAPS voltado para a ateno a esta populao e, por ser o nico servio especializado, era referncia para todo o municpio. Atualmente atende a populao adulta residente na rea Programtica 3.2, e menores de 18 anos, residentes nas reas Programticas 3.2 e 3.3. (Cludia, a diretora vai me passar o quantitativo populacional para o qual o Caps referncia.)

O CAPS ad Raul Seixas composto por uma equipe multidisciplinar formada, atualmente, por um mdico clnico, duas mdicas psiquiatras, uma assistente social, duas terapeutas ocupacionais, uma professora de teatro, seis psiclogos, duas enfermeiras, quatro tcnicas de enfermagem e dois oficineiros. O CAPS recebe, tambm, a cada ano, residentes e estagirios de sade mental que variam em nmero e em formao profissional.

O trabalho no CAPS ad se baseia na escuta de cada sujeito, procurando entender o que est para alm da queixa com relao droga. O foco do tratamento o sujeito e no a droga em si. (Marques,Niccio e Pessoa, 2009)

O usurio que chega ao CAPS ad pode vir de forma espontnea ou por encaminhamento de outros servios de sade, dispositivos sociais ou pela justia.

Todo paciente que procura o servio acolhido individualmente. Neste primeiro momento de contato com o servio oferecida uma escuta da demanda e do sofrimento manifesto pelo usurio, sendo ento iniciado o processo de avaliao de como o paciente ser acompanhado pela instituio. Aps o acolhimento, o paciente agendado para o Grupo de Recepo. Este Grupo realizado uma vez por semana e tem a durao de 3 a 4 encontros. Nos casos mais graves, so marcadas novas avaliaes individuais. Levando-se em conta a gravidade do caso, o perfil do paciente, o ambiente em que vive, isto , a partir da histria de cada um, de sua singularidade, desenhado seu projeto teraputico no CAPS. O projeto teraputico o conjunto de condutas e recursos de tratamento articulados a partir da histria singular de cada sujeito. Este projeto uma construo permanente, sendo revisto ao longo do tratamento e podendo incluir diversas modalidades de atendimento, como atendimento individual ou em grupos teraputicos, alm de oficinas teraputicas. Dependendo da gravidade do caso, o tratamento pode ser intensivo (para os pacientes que necessitam de acompanhamento dirio); semi-intensivo (destinado aos pacientes que necessitam de acompanhamento frequente, mas no precisam estar diariamente no servio) e no-intensivo (para aqueles que podem ter uma frequncia menor). (Idem, 2009).

Os usurios menores de 18 anos so avaliados individualmente por um tcnico, para evitar a exposio da criana ou adolescente. As propostas teraputicas oferecidas so atendimentos individuais, grupos, alm de oficina de teatro apenas com adolescentes.

Alguns pacientes que chegam para acolhimento no CAPS apresentam transtornos psiquitricos associados ao uso de drogas. Nesses casos, dizemos que o paciente apresenta uma comorbidade.

Segundo Marcio Barbeito, o conceito de comorbidade foi cunhado por Feinsten para definir qualquer entidade clnica adicional que tivesse existido ou que pudesse ocorrer durante o curso clnico de um paciente, cuja doena ndex estivesse sob estudo. Desde ento, o termo vem sendo cada vez mais utilizado no meio mdico, devido a sua importncia para a avaliao do prognstico e definio de condutas teraputicas. Ainda segundo Barbeito, h uma negligncia ou uma baixa deteco de problemas relacionados ao abuso de drogas em pacientes com outros problemas clnicos ou psiquitricos. O inverso, ou seja, a tendncia a atribuir tudo ao problema com as drogas e no realizar diagnsticos de comorbidade tambm ocorre, principalmente porque os sintomas se interpem. A negligncia na deteco e abordagem adequadas de outros diagnsticos mdicos ou psiquitricos em pacientes usurios de drogas pode ser decisiva para a boa evoluo dos casos. (Barbeito, M. sem referencia)

Quando pacientes com comorbidade so acolhidos no CAPS, a primeira preocupao tentar identificar o que preponderante no seu sofrimento psquico e qual o papel da droga em sua vida. Essa identificao feita para que se possa definir qual o melhor encaminhamento para o caso. Alguns pacientes psicticos que usam drogas como forma de lidar com o mal estar causado pelos sintomas, ou tm grande precariedade em estabelecer laos, podem se beneficiar do tratamento num CAPS II. Outros pacientes fazem um uso mais intenso e tem uma identificao muito forte com a droga e, dessa forma, podem se beneficiar do tratamento no CAPS ad.

Alguns pacientes, principalmente os que apresentam comorbidade, ausncia ou fragilidade de laos familiares e sociais, ou esto em situao de rua, costumam frequentar o CAPS todos os dias e participam do que chamado convivncia. Na convivncia, os pacientes participam das oficinas do dia (desde que faam parte do projeto teraputico) e fazem as refeies (caf da manh, almoo e lanche).

Rita, aqui trago uma questo: Da forma como vc escreveu ( ou se isto mesmo que acontece na prtica) , me parece ter uma ambigidade quanto ao que se denomina convivncia.Convivncia, da forma como est descrita , parece ser um projeto teraputico mais intensivo, demandando uma maior freqncia no Caps,e aproveitando a REF conceitual da Toya, uma outra relao com os espaos do Caps e com o tempo.Amplia-se o tempo do cuidado para se mediar a relao intensiva que o usurio tem com certos objetos, espaos e tempos mais instantaneizados.S que abaixo, vc fala da convivncia, como o espao da varanda, um espao no institucionalizado, menos funcional, com menos contorno , mais fluido . Na minha compreenso so duas coisas diferentes que se articulam. Numa oferta mais intensiva de cuidado, a convivncia, este espao entre, zona de indeterminao Tb se amplia.Conviver significa trato dirio, familiaridade, intimidade . Isto nos d algumas pistas deste lugar ou no no da convivncia.a Convivncia produz esta inquietao na equipe , a desestabiliza, exatamente pq um espao entre, de indeterminao, daquilo ainda no dado, sem funo pr-fixada, e por isto prenhe de virtualidades.Por exemplo, existem alguns municpios e Estados que apresentam centro de convivncia para alem do Caps. Mas o CC aberto, para toda comunidade, estimulando a convivncia, um viver comum , com muita gente diferente.

Quando o paciente apresenta um agravamento do quadro, seja por aumento no padro de consumo, seja por estar se colocando em risco, ou por alguma situao social ou pessoal ele precisa de um acompanhamento mais intensivo e, assim, seu projeto ampliado e ele passa a frequentar a convivncia.

II) DESCRIO DA SITUAO PROBLEMA E JUSTIFICATIVA

Atualmente, o CAPS-ad Raul Seixas oferece as seguintes modalidades de atendimento: atendimentos individuais, grupos teraputicos, oficina de teatro, oficina do corpo, oficina de artesanato, oficina de barro-gravura, oficina de msica e oficina de vdeo. Esses dispositivos so indicados durante o grupo de recepo e vo constituir o projeto teraputico de cada paciente.

A maioria das oficinas percebida pelos profissionais como mais apropriadas para pacientes que apresentam comorbidade. Para os pacientes sem comorbidade, so privilegiados os atendimentos individuais ou mesmo os grupos teraputicos. Desse modo, quando os pacientes sem comorbidade precisam de um cuidado mais intensivo, ou seja, precisam ter seu projeto teraputico ampliado, os profissionais no sabem para que dispositivos teraputicos encaminhar. como se o CAPS precisasse de duas convivncias distintas, que atendessem a perfis de pacientes distintos. A convivncia um tema frequentemente discutido pela equipe do CAPS. Normalmente, os profissionais esto muito ocupados com os atendimentos e acolhimentos e a convivncia mediada pelos estagirios, quando h estagirios.

Os pacientes da convivncia, sempre que no h atividades, gostam de ficar na varanda, localizada na entrada do CAPS. Neste espao, os pacientes fumam e conversam sobre vrias coisas, inclusive sobre o que no dito nos atendimentos. Compartilham alegrias, tristezas e a enorme vontade de usar drogas. Algumas combinaes (ou mesmo atuaes) so feitas ali, como escapadas para fazer uso durante ou aps o perodo de funcionamento do Caps. Da a importncia da mediao para que algo possa se produzir nesse espao.

Quando cheguei ao CAPS tive como funo estar na convivncia e, para garantir isso, no faria outras atividades. Passava o dia com os pacientes, entre conversas, jogos de damas e pingue-pongue. A preocupao da equipe era no deixar esse espao sem a mediao de um profissional, algum para recolher os efeitos do tratamento e dos encontros que ali se davam. Neste perodo, alm dos pacientes da convivncia, o CAPS recebeu alguns pacientes que precisaram ter seu projeto intensificado, mas no havia dispositivos para onde encaminh-los, que no as oficinas. Espaos que inclussem os dois pacientes eram percebidos como no interessantes para os pacientes sem comorbidade, considerando-se a baixa tolerncia destes. Foi criado ento um grupo de acolhimento para esses pacientes, onde os pacientes com comorbidade no participavam. Algumas vezes parecia haver uma confuso com relao ao que se percebia como necessidade de oferta teraputica a ser criada: dispositivos para os pacientes com comorbidade ou dispositivos para os pacientes com o projeto intensificado?

Nessa ocasio, no entanto, o CAPS contava com um nmero muito reduzido de profissionais e no foi possvel permanecer nesse lugar. No era a primeira vez que um profissional responsvel pela convivncia era absorvido pelas outras atividades do CAPS.

Depois de aproximadamente um ano, foi solicitado que eu conduzisse um grupo, chamado Grupo de Reflexo, porque a tcnica responsvel teria que desenvolver outro trabalho no CAPS, e que retomasse a Oficina de Vdeo, que estava sendo solicitada pelos pacientes da convivncia.

Num dos primeiros filmes exibidos, escolhido pelos pacientes que estavam na oficina (participantes da convivncia), houve uma grande mobilizao. O filme chamava-se Algum para Dividir os Sonhos e contava a histria de um paciente psiquitrico que, aps a alta de um hospital, passava por um abrigo. L, ele fazia uma amizade muito intensa com um morador de rua. Os personagens passavam por situaes muito presentes na vida dos personagens: delrios, alucinaes, situao de rua, maus tratos nos abrigos e os laos estabelecidos nessa trajetria. Durante e depois do filme, conversamos a respeito das impresses de cada um. Foi possvel falar das identificaes com os personagens e de suas prprias histrias e experincias com a loucura, com a rua, com os abrigos. A equipe do dia posterior foi sinalizada a respeito da mobilizao causada com o filme, para que ficasse atenta e pudesse recolher os efeitos e trabalhar as questes trazidas. Um dos pacientes disse que ficou pensando muito no filme, pois, se continuasse como estava, poderia acabar como um dos personagens e no queria isso para ele.A partir desse filme, percebi que essa oficina poderia ser muito mais do que uma simples exibio de filmes, uma sesso de pipoca para distrao ou ocupao do tempo dos pacientes da convivncia. Que ela poderia ser um dispositivo teraputico potente no apenas para os pacientes da convivncia.

Neste mesmo perodo, assisti aula: As aes e articulaes territoriais: intervenes na/da cultura, com a professora Thoya Lindner que apresentou importantes ferramentas para o trabalho no CAPS. Durante a aula, ela mostrou como as mudanas na relao espao/tempo podem produzir mudanas na subjetividade. Partindo da histria da reforma psiquitrica, ela mostrou a mudana na relao espao/tempo determinada pela mudana do modelo de tratamento. No hospital, o espao destacado do panorama da cidade, fechado em muros. O tempo no tem cadncia, congelado, eternamente o mesmo. Com a reforma, os pacientes passam a habitar o territrio e os profissionais passam a ter que mudar o espao de interveno. So criados os servios territoriais, as oficinas ganham uma perspectiva clnica e surgem os acompanhantes teraputicos. Na clnica das toxicomanias, a relao espao/tempo costuma ficar restrita s drogas. O espao se restringe ao do acesso a droga, onde sujeito circula no eixo droga/casa/tratamento, ou ao de evitar o acesso (desvio do caminho que leva a droga/casa/ tratamento). O tempo o da urgncia, do instantneo, seja na busca ilusria do prazer, seja no aplacamento das dificuldades. Ela faz duas oficinas no Projad, que trabalham exatamente essas questes. Uma delas de fotografia com latas, com recursos bem diferentes das atuais cmeras digitais, que mostram instantaneamente como saiu a foto. Na oficina, tem que esperar a luz que entra na lata, o tempo de fazer a foto, o tempo da revelao. A outra o Ncleo de Atividades Culturais. Toda semana, os pacientes se renem para decidirem o passeio que ser realizado pelo grupo. Nos passeios, os pacientes so acompanhados de dois acompanhantes teraputicos. Aproveitando a riqueza de ofertas de programas culturais gratuitos da cidade e da meia entrada com a apresentao do Rio Card, os pacientes tem a oportunidade de conhecer lugares que no faziam parte de suas vidas. Ela citou um paciente que passava por um museu diariamente, no caminho para o trabalho, e nunca se deu conta de que era um museu. Citou, tambm, um paciente que vive numa comunidade e nunca saiu de l, no conhece nem os locais mais comuns para qualquer carioca. Esse paciente passa pelo ptio, se aproxima do grupo, se interessa pelo passeio, mas nunca conseguiu ir.

A partir dessa aula, comecei a pensar que essas categorias poderiam ser usadas para potencializar os dispositivos teraputicos do CAPS, em particular na Oficina de Vdeo e, com isso, tentar responder a questo que pode ser enunciada da seguinte forma: que espaos podem ser construdos para acolher a diferentes demandas e que sejam produtores/indutores de sentido para seus participantes?III) OBJETIVOS:

GERAL:

Identificar possibilidades de potencializar a oficina de Vdeo para permitir a ampliao de seus objetivos, de seu funcionamento e de sua clientela, permitindo o acolhimento de diferentes demandas e sendo produtora/indutora de sentido para os seus participantes.

ESPECFICOS:

- Tomar a Oficina de Vdeo como um espao potencialmente teraputico, de discusso e participao dos usurios, atentando para os efeitos clnicos que sero suscitados com o filme e com a discusso.

- Tornar a Oficina de vdeo mais permevel a novos projetos, como passeios fora do CAPS e exibio de filmes com proposta de discusso posterior, que sejam anunciados durante a semana para todos os pacientes, entre outras.IV) MARCO TERICO:V) METODOLOGIA:

- Utilizar o espao de superviso clnico institucional para discutir a oficina de vdeo e seu potencial teraputico com os profissionais do CAPS, para que seja considerada no momento de construo dos projetos teraputicos de pacientes novos, no necessariamente com comorbidade ou necessidade de tratamento intensivo.

- Durante a oficina, construir, com os pacientes, formas de ir alm da materialidade da oficina e de seus objetivos, como propostas de atividades fora do espao do CAPS. VI) CONSTRUO DO PROJETO, RESULTADOS E DISCUSSO:

O primeiro passo no desenvolvimento deste trabalho foi levar para a reunio de equipe a proposta de um projeto de interveno, como trabalho de concluso do curso e a ideia de abordar as oficinas, embora ainda no tivesse muito claro no que iria me deter.

Neste espao de superviso, falei da aula sobre as relaes espao/tempo e como essas ferramentas poderiam instrumentalizar nosso dia a dia. Foi sugerido, ento que eu aproveitasse a oficina de vdeo para o desenvolvimento de atividades fora do CAPS, como idas ao cinema, por exemplo.

Algum tempo depois, foi colocada a mesma questo que j vinha direcionando a abordagem desse projeto: o que oferecer aos pacientes da convivncia, que atenda aos pacientes com comorbidade e aos sem comorbidade?

A Oficina de Vdeo vem sendo realizada as segundas feiras, s 14 horas, e, durante um longo perodo, vinha contando com a participao de um paciente, apenas. Sua presena era muito rica, percebamos sua vontade de estar ali tanto durante o filme, quanto nas discusses. Mesmo os pacientes que solicitaram a retomada da oficina, no conseguiam ficar no CAPS, a tarde, para participar. Propus, durante a reunio de equipe, a mudana no horrio da oficina, j que essa era a justificativa dos pacientes para a no participao. Durante a discusso, foi lembrado que algumas oficinas no CAPS demoram a contar com a presena de pacientes e foi sugerido uma conversa com os pacientes para implic-los em suas prprias demandas.

Como esse espao poderia atender aos objetivos propostos acima com to baixa frequncia? Como poderia se constituir num espao de acolhimento e que viabilizasse propostas extra muros?

Tambm nas segundas, s 9:30, vinha sendo realizado o grupo de Reflexo. Como a maioria dos pacientes que participavam deste grupo apresentavam comorbidade e ficavam na convivncia, passei a falar da oficina de vdeo e a convid-los a participar.

O Grupo de Reflexo foi criado por uma tcnica do CAPS e funcionava da seguinte maneira: era oferecido o jornal de domingo ou uma revista para que os pacientes escolhessem uma notcia para ser discutida pelo grupo. O objetivo era propiciar o contato com o que estava acontecendo no mundo, tirar um pouco o foco da droga e buscar novas discusses.

Quando comecei a fazer o grupo, percebi que os pacientes no estavam muito interessados no jornal ou em discutir as notcias. Parecia que escolhiam uma manchete aleatoriamente, liam para o grupo e comeavam a falar de outros assuntos de seus interesses. Como se dissessem: isso que voc quer que eu faa? Est bem, eu leio, mas vamos logo com isso para eu poder falar do que me interessa de verdade. Acho que no por acaso, algumas vezes, eu esqueci de levar o jornal. Cheguei a perguntar o que eles estavam achando do formato da oficina, mas no houve sugestes para a retirada do jornal. O formato se manteve, mas o grupo parecia cada vez mais um grupo teraputico e de discusso de acontecimentos do cotidiano. Os pacientes traziam problemas pessoais, vivncias de preconceito, entre outros assuntos. O nico assunto sempre presente era o futebol. Num dos meus esquecimentos do jornal, sugeri que a discusso de alguma notcia poderia partir deles, de alguma matria que tivessem lido e que quisessem levar para o grupo, e que eu no levaria mais o jornal. Eles concordaram.

Vinha mantendo a propaganda da oficina de vdeo no grupo de reflexo. Na reunio de equipe, conversamos algumas vezes sobre a oficina de vdeo e o grupo de reflexo.

Aos poucos, o Grupo de Reflexo foi recebendo mais pacientes, novos ou antigos, que tinham ou no a necessidade de um projeto intensivo. Nem sempre se tratava de pacientes com comorbidade, como era, inicialmente, sua principal clientela. O grupo que contava com 4 a 5 pacientes, no mximo, passou a contar com 10 ou mais pacientes. O formato, aberto a receber o que fosse trazido no momento, se manteve. Algumas vezes parecia um grupo teraputico, algumas vezes um grupo de discusso de uma situao. Quando saiu a reportagem que abordou a Reduo de Danos e o trabalho do CAPS como aconselhamento plantao de maconha em casa, esse assunto foi levado para a oficina pelos pacientes, que estavam preocupados com as implicaes polticas dessa notcia no funcionamento do CAPS.

Numa reunio, quando conversvamos sobre o formato do grupo, comentamos sobre a variedade de assuntos e da clientela e sobre os comentrios frequentes sobre futebol. Foi sugerido pela supervisora que se construsse, no grupo, um projeto que envolvesse o futebol.

Percebi, ento, que o grupo de reflexo estava se constituindo no espao proposto nesse projeto. Um espao poroso e que conseguia acolher a singularidade de vrios pacientes. Aberto a novas propostas, esse grupo poderia iniciar as atividades extra muros e contemplar uma explorao no territrio.

J conversamos sobre visitar o Engenho, nosso vizinho e, a partir da, surgiram propostas de passeios a Paquet, Centro Cultural Banco do Brasil, Museu de Arte Moderna e ao Centro Cultural recm inaugurado no Mier, tambm muito prximo ao CAPS.

Durante a reunio de equipe, quando falamos dessas propostas, outros profissionais se interessaram em participar e, com isso, pensamos em integrar o Oficineiro de Msica e mais uma psicloga, alm das estagiarias que participam destes grupos. Foi proposto, ento, que a discusso sobre o lugar a ser visitado ocorresse no grupo de reflexo e que o horrio de sada fosse o da Oficina de Vdeo, para que inclusse os pacientes da Oficina de Msica.

Acredito que todas as ferramentas oferecidas pelo curso e principalmente pela superviso na orientao dos projetos permitiram que o incmodo e as inquietaes vividas no dia a dia do servio se tornassem possibilidades de transformao de nossa prtica. Mais do que isso, essas ferramentas instrumentalizaram e ainda iro instrumentalizar novas ideias e a ampliao do olhar para os dispositivos teraputicos do CAPS.

BIBLIOGRAFIA:

- BARBEITO, Marcio Moreno Barbeito. O Conceito de Comorbidades e suas Implicaes na Clnica das Toxicomanias.

- Benevides de Barros, Regina D.. Clnica Grupal. Em Revista de Psicologia/UFF, n.7, 1996- MARQUES, Cristiane Mazza; NICACIO, Erimaldo Matias e PESSOA, Juliana Caramore. O Envolvimento de Adolescentes com o Trfico de Drogas: Reflexes a partir da Experincia do CAPS-ad Raul Seixas. Em: FERNANDES, Fernando Lannes (org.). Redes de Valorizao da Vida, Observatrio de Favelas, 2009. P. 97 a 110.

- MARTINS, Andr. Biopoltica: o poder mdico e a autonomia do paciente em uma nova concepo de sade - Interface - Comunicao, Sade, Educao, v.8, n.14, p.21-32, set.2003-fev.2004. - MOSENA, Thoya Lindner. As aes e articulaes territoriais: intervenes na/da cultura AP 3.1 - Bonsucesso, Brs de Pina, Complexo do Alemo, Cordovil, Ilha do Governador, Jardim Amrica, Manguinhos, Mar, Olaria, Parada de Lucas, Penha Circular, Penha, Ramos e Vigrio Geral.

AP 3.2 - Abolio, gua Santa, Cachambi, Del Castilho, Encantado, Engenho da Rainha, Engenho de Dentro, Engenho Novo,Higienpolis, Inhama, Jacar, Jacarezinho, Lins de Vasconcelos, Maria da Graa, Mier, Piedade, Pilares, Riachuelo, Rocha, Sampaio, So Francisco Xavier, Todos os Santos e Toms Coelho.