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PROVA ESCRITA
DE
DIREITO PENAL E PROCESSUAL PENAL
Via Profissional
34.º CURSO DE FORMAÇÃO PARA OS TRIBUNAIS JUDICIAIS
PROVA ESCRITA DE
DIREITO PENAL E PROCESSUAL PENAL
AVISO DE ABERTURA: AVISO N.º 15620/2017, PUBLICADO EM D.R. 2.ª
SÉRIE, N.º 249, DE 29 DE DEZEMBRO DE 2017
DATA: 1 DE MARÇO DE 2018
2.ª CHAMADA
HORA: 14H15M (DE ACORDO COM O DISPOSTO NO ART.º 12.º DO
REGULAMENTO INTERNO DO CENTRO DE ESTUDOS JUDICIÁRIOS, O TEMPO DE
DURAÇÃO DA PROVA INICIA-SE DECORRIDOS 15 MINUTOS APÓS A HORA
DESIGNADA)
DURAÇÃO DA PROVA: 4 HORAS
PROVA ESCRITA DE
DIREITO PENAL E PROCESSUAL PENAL
Via Profissional – 2.ª Chamada – 01 de março de 2018
1 – Para a presente prova disponibiliza-se as partes relevantes do seguinte
conjunto de peças processuais:
I - Acusação
II - Requerimento de Abertura de Instrução
III - Elementos recolhidos no Inquérito
1. Auto de Notícia
2. Auto de Inquirição de Testemunha
3. Auto de Inquirição de Testemunha
4. Auto de Inquirição de Testemunha
5. Auto de Inquirição de Testemunha
6. Auto de Interrogatório de Arguido e Auto de Constituição de Arguido
7. Relatório da Perícia de Avaliação do Dano Corporal em Direito Penal
8. Auto de Busca Domiciliária e Apreensão
9. Termo de Autorização de Busca
10. Auto de Visionamento de Imagens
11. Auto de Denúncia
12. Documento
13. Documento – Informação Clínica
14. Certificado de Registo Criminal
15. Documento - Certidão do teor
16. Documentos - Contratos de Trabalho
IV - Elementos Resultantes das Diligências Instrutórias
A. Auto de Inquirição de Testemunha
B. Auto de Inquirição de Testemunha
2 - Deve considerar-se:
I - que não houve oposição dos sujeitos processuais nem foi solicitado prazo suplementar (no caso de entender que, da instrução, resulta alteração da qualificação jurídica dos factos ou alteração não substancial destes);
II - na Instrução e por decisão do Juiz de Instrução Criminal, foi oficiosamente determinada a audição de Berto Brito e Carla Costa.
3 - A presente prova consiste na elaboração de uma Decisão Instrutória a ser proferida nos Autos de Instrução com o NUIPC 1234/17.4PAFAR, devendo ser apreciadas todas as questões suscitadas no Requerimento de Abertura de Instrução ou que sejam de conhecimento oficioso.
4 - Apesar de a prova consistir na elaboração de uma Decisão Instrutória, não poderá conter qualquer assinatura, ainda que fictícia, pelo que, no final da peça, os/as candidatos/as só deverão escrever as palavras seguintes:
“Data”
“Assinatura”.
5 - Cotação: 20 valores
I - A Cotação reporta-se às questões suscitadas no Requerimento de Abertura de Instrução que deverão ser objeto de decisão:
A.
1.) e 2.) – 2 valores
3) e 4) – 3 valores
5) e 6) – 3 valores
B.
7) e 8) – 5 valores
C.
9) a 12) – 3,5 valores
II – Componentes estruturais da decisão – 3,5 valores.
6 - A atribuição da cotação máxima nesta prova pressupõe um tratamento completo das várias questões suscitadas ou de conhecimento oficioso, que deverá ser coerente e corretamente fundamentado e com indicação dos preceitos legais aplicáveis.
7 - A peça processual elaborada pelo/a candidato/a que padeça dos vícios de nulidade ou inexistência é susceptível de ser penalizada até um máximo de 3 valores.
8 - Na apreciação da prova relevarão, nomeadamente, a pertinência do conteúdo, a qualidade da informação transmitida em relação à questão colocada, a organização da exposição, a capacidade de argumentação e de síntese e o domínio da língua portuguesa.
9 - Os erros ortográficos serão considerados negativamente: 0,25 por cada um, até um máximo de 3 valores.
10 - Os/as candidatos/as que na realização da prova não pretendam utilizar a grafia do "Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa" (aprovado pela Resolução da Assembleia da República n.º 26/91 e ratificado pelo Decreto do Presidente da República n.º 43/91, ambos de 23 de agosto), deverão declará-lo expressamente no quadro "Observações" da folha de rosto que lhes será entregue, escrevendo "Considero que o Acordo Ortográfico aprovado pela Resolução da Assembleia da República n.º 26/91, não está em vigor com carácter de obrigatoriedade", sendo a prova corrigida nesse pressuposto.
11 - As folhas em que a prova é redigida não podem conter qualquer elemento identificativo do/a candidato/a (a identificação constará apenas do destacável da folha de rosto), sob pena de anulação da prova.
O Ministério Público deduz acusação para julgamento em processo comum e
perante Tribunal Colectivo contra:
Ana Andrade Anes, solteira, enfermeira auxiliar, filha de
Adeodato Anes e de Alzira Andrade, nascida a 25 de
Maio de 1975 na freguesia da Sé, Faro, titular do CC n.º
12345678, emitido pelo Arquivo de Identificação de
Faro, residente na Rua Francisco José, Lote 4 – 5º Esq.,
Urbanização dos Plátanos, Faro
1.) A arguida Ana Anes viveu em comunhão de cama, habitação e mesa com Berto Brito, desde
meados de 2005 até 4 de Setembro de 2017.
2.) Residiram na Rua Francisco José, Lote 4 – 5º Esq., Urbanização dos Plátanos, Faro,
correspondente a fracção adquirida com recurso a crédito bancário e em que são mutuários a
arguida e o indicado Berto, outorgantes na escritura pública de compra e venda do imóvel.
3.) Entre 2010 e 2015, durante a vivência em comum com a arguida, o ofendido Berto sempre
explorou um estabelecimento de venda de jornais, revistas e tabaco e, nesse período, quando
chegava a casa, a arguida exigia-lhe todo o dinheiro proveniente desse trabalho.
4.) Quando Berto se recusava a entregar todas essas quantias à arguida, esta desferia-lhe
bofetadas na cara e discutia com o mesmo para o pressionar a entregar-lhe tais montantes,
apelidando-o de “frouxo”, “imprestável” e dizendo que andava “metido com todas”.
5.) A arguida sabia que, ao actuar na residência comum com o ofendido, ampliava o
sentimento de receio deste, visto que violava o espaço reservado da vida privada do casal.
6.) Berto Brito, apesar de sofrer continuadamente estes comportamentos desde data não
concretamente apurada mas pelo menos entre 2010 e 2015, por medo, nunca apresentou
queixa, tendo mesmo declarado neste processo que não desejava procedimento criminal.
7.) A arguida praticou estes actos de forma consciente e livre, querendo provocar no
companheiro mau estar psicológico, lesões físicas, bem como atormentá-lo e diminuí-lo
ACUSAÇÃO
enquanto homem e então companheiro, o que conseguiu, bem sabendo que o seu
comportamento era proibido e punido pela lei penal.
8.) No dia 4 de Setembro de 2017, cerca das 20.00h, Berto chegou a casa após um dia de
trabalho na loja de venda de jornais, revistas e tabaco que explorava no centro da cidade de
Faro.
9.) Sabendo a arguida que Berto traria algum dinheiro referente ao apuro de caixa desse dia,
exigiu ao mesmo a entrega de todo esse dinheiro como o fizera pelo menos no período de
2010 a 2015.
10.) Ao que Berto entregou € 100,00 à arguida, afirmando-lhe que ficaria com € 25,00 para os
seus gastos pessoais.
11.) A arguida, não satisfeita com a resposta e por pretender a quantia total de € 125,00,
munida de objecto não apurado mas com características cortantes, dirigiu-se a Berto - que se
encontrava apenas vestido com cuecas e que se deslocava para a casa de banho com o
objectivo de tomar banho - e, sem que nada o fizesse prever, agarrou-o na zona dos testículos
e desferiu, com o dito objecto, um golpe na região genital de Berto, cortando-o no pénis e
escroto numa extensão de 6 cm.
12.) Berto vestiu-se e saiu de casa, a fim de procurar ajuda e, por sangrar profusamente,
deslocou-se ao café “Amparo”, existente em frente ao prédio do casal, ali referindo, por
vergonha, que se tinha ferido acidentalmente na zona genital ao cair da bicicleta em que
habitualmente se deslocava de e para o trabalho.
13.) Por manifestar necessidade urgente de receber tratamento hospitalar foi accionado o
número de emergência 112 e enviada uma ambulância do INEM que transportou o ofendido
para o Centro Hospitalar do Algarve – Hospital de Faro, onde recebeu pronta assistência
médica.
14.) Como consequência directa e necessária desta conduta da arguida, o ofendido Berto
sofreu as seguintes lesões:
No períneo: ferida linear regular na base do pénis com 6 cm suturada com 8 pontos de seda.
No pénis: edema e equimose arroxeada de todo o órgão.
Testículo esquerdo: várias escoriações, duas das quais com pontos de sutura de seda e edema
testicular.
15.) Tais lesões determinaram ao ofendido 25 (vinte cinco) dias de doença, com afectação da
capacidade de trabalho geral e profissional assim como, por seccionamento do epidídimo, de
forma permanente e irreversível, a perda da função de procriação.
16.) Ao actuar como actuou no dia 4 de Setembro de 2017 a arguida fê-lo de forma livre,
deliberada e consciente, com o propósito concretizado de molestar o corpo e a saúde do
ofendido, pretendendo com tal actuação atingir um órgão importante e causar-lhe os
ferimentos verificados;
17.) Sabia que a sua conduta era proibida e punida por lei penal.
18.) Após alta hospitalar concedida no dia 6 de Setembro de 2017, Berto passou a viver junto
da sua mãe, na cidade de Faro, por temer futuras reacções da arguida, deslocando-se à fracção
onde aquela continuou a residir, no dia 11 de Setembro de 2017, a fim de daí retirar os seus
pertences pessoais.
19.) A arguida, desde 2000, desempenha as funções de enfermeira auxiliar no serviço de
urologia e transplantação renal do Centro Hospitalar do Algarve – Hospital de Faro, por
contrato de trabalho público, ali trabalhando também, como enfermeira, Carla Costa.
20.) Por via dos contactos proporcionados pelo trabalho a arguida e Carla Costa
desenvolveram uma relação de amizade e, pelo menos desde 2010, esta passou a ser visita
regular na casa da arguida e de Berto Brito.
21.) Berto Brito e Carla Costa, na sequência da convivência e dos contactos que foram
mantendo, também desenvolveram uma forte relação de amizade e, a partir de meados de
2011, passaram a nutrir sentimentos de amor um pelo outro e, pelo menos em duas ocasiões,
envolveram-se sexualmente.
22.) A arguida, por desconfiar que a relação entre Berto e Carla ia para além da amizade e
entendendo que esta era uma má influência para aquele, movida pelo ciúme, pensou em
prejudicá-la no serviço onde ambas trabalhavam.
23.) Na concretização desse desiderato, naquele mesmo dia 4 de Setembro de 2017, cerca das
15.00h a arguida notou que estava ao cuidado e sob custódia do serviço um rim humano,
proveniente de recolha autorizada em cadáver efectuada no hospital, órgão viável para
ulterior transplante em beneficiário compatível de acordo com os critérios de preferência.
24.) O órgão encontrava-se acondicionado em arca refrigerada, depositado em sala de acesso
condicionado nas instalações do Centro Hospitalar do Algarve – Hospital de Faro.
25.) A abertura da porta da sala era feita através de leitor de cartões com banda magnética na
qual estava inserida informação referente ao respectivo titular e permissões de acesso.
26.) Apenas por força das suas funções e para o exercício delas, a arguida e a Carla Costa eram
titulares de cartões com permissões de acesso.
27.) Aproveitando-se da ausência da Carla Costa, naquele momento em período de descanso,
a arguida, sabendo que aquela mantinha o seu cartão de acesso no seu cacifo pessoal do
vestiário do serviço, ali se dirigiu e, do indicado cacifo, retirou uma carteira contendo
documentos de identificação pessoal de Carla Costa (cartão de cidadão e carta de condução), o
cartão de serviço que permitia o acesso à sala de depósito de material para transplante e oito
notas de € 20,00 (vinte euros), emitidas pelo Banco Central Europeu, apoderando-se da dita
carteira e do seu conteúdo.
28.) Na posse do cartão de acesso emitido em nome de Carla Costa, pelas 15h 17m e 13s desse
mesmo dia 4 de Setembro de 2017, a arguida passou pelo leitor existente o cartão contendo as
informações pessoais e permissões reportadas à titular, desta forma, como se de Carla Costa
se tratasse, desbloqueando o acesso à sala onde se encontrava depositado o órgão humano,
apoderando-se do mesmo e abandonando as instalações do hospital.
29.) Em virtude da actuação da arguida foi comprometida a cadeia de custódia e a refrigeração
do órgão, tornando-o imprestável para transplante.
30.) A arguida agiu voluntária, livre e conscientemente, querendo fazer sua a carteira e
respectivo conteúdo, assim como o órgão humano destinado a transplante, sabendo que o
fazia sem autorização e contra a vontade, respectivamente, da respectiva proprietária e da
administração do hospital, sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei
penal.
Com as descritas condutas cometeu a arguida, em autoria material e em concurso
efectivo:
- 1 (um) crime de violência doméstica, p. e p. pelo art.º 152º n.º 1 al. b) e 2 do Cód.
Penal;
- 1 (um) crime de ofensa à integridade física grave, p. e p. pelo art.º 144º al. b) do Cód.
Penal;
- 2 (dois) crimes de furto, p. e p. pelo art.º 203º n.º 1 do Cód. Penal.
*
PROVA:
Testemunhal
- José Firmino de Sousa, casado, agente da PSP (…) [1]
- Berto Brito, solteiro (…) [2]
- Belmira Borges, casada, (…) [3]
- Delmina Darques, viúva, (…) [4]
- Carla Costa, divorciada, (…)[5]
Pericial
- Relatório médico-legal de fls. (…) [7]
Documental
- Informação clínica de fls. (…) [13]
- Auto de Busca e Apreensão de fls. (…) [8]
- Auto de Visionamento de Imagens de fls. (…) [10]
- Informação e listagem de fls. (…) [12]
- Certidão de fls. (…) [15]
- Contratos de fls. (…) [16]
- Certificado de Registo Criminal de fls. (…) [14]
Estatuto coactivo: Promovo que a arguida aguarde os ulteriores termos do processo
sujeita às obrigações decorrentes do termo de identidade e residência, já prestado, medida de
coacção que se nos afigura adequada, suficiente e proporcional por não se verificarem, nos
autos, os requisitos gerais previstos no art.º 204º do Cód. Proc. Penal.
(…)
Faro, 10 de Novembro de 2017
O Procurador-Adjunto
JJ
Proc. n.º 1234/17.4PAFAR
Exmo. Sr. Juiz de Instrução Criminal de Faro
Ana Andrade Anes, arguida nos autos supra identificados, notificada da
acusação, vem requerer a abertura da instrução nos termos e com os
seguintes fundamentos:
A) Das nulidades/proibições de prova
1.) O pretenso juízo indiciário que sustenta a acusação e no que tange
aos crimes de violência doméstica e ofensa à integridade física grave decorre
das declarações prestadas por Berto Brito.
2.) Berto Brito era, à época, companheiro da ora arguida e aqui
requerente pelo que, previamente à prestação de depoimento, teria que ser
advertido nos termos e para os efeitos previstos no art.º 134º n.º 2 do Cód. Proc.
Penal, o que não sucedeu, o que implica a proibição de valoração do seu
depoimento, nos termos do art.º 126º n.º 2 al. a) do mesmo diploma legal, o
que se pretende ver declarado.
3.) Também no que concerne à pretensa subtracção do rim humano –
conduta que, como se afirmará, se considera atípica – os indícios recolhidos
fundam-se nas imagens obtidas por câmara de vigilância existente na sala de
REQUERIMENTO DE ABERTURA DE INSTRUÇÃO
depósito do material para transplante e no resultado da busca domiciliária
realizada no dia 11 de Setembro.
4.) Ora a captação de imagens não se encontrava, como devia,
anunciada, sendo ilegítima e insusceptível de valoração;
5.) A busca domiciliária é nula, porquanto efectuada sem autorização
judicial (art.º 177º n.º 1 do Cód. Proc. Penal), sendo que o consentimento então
prestado por Berto Brito para a sua realização é inidóneo já que aquele havia
cessado a coabitação.
6.) Sendo consequentemente nulas as apreensões ocorridas no decurso
da mesma.
B) Da ausência de indícios
7.) Considerando o atrás exposto e não podendo ser considerados os
seguintes meios de prova/de obtenção de prova:
- Declarações de Berto Brito
- Imagens de CCTV
- Busca domiciliária e apreensão
Não há, por conseguinte, quaisquer indícios que sustentem a imputação dos
crimes constantes da acusação pública.
8.) A acusação funda-se, tão-somente, em meros elementos
circunstanciais, especulativos, em clara dissonância com o imperativo da
presunção de inocência e dos deveres de legalidade e objectividade que
devem nortear a actuação do MP: - nada do que se refere ter ocorrido no
domicílio do casal pode ser atestado por meios válidos e atendíveis, as lesões
verificadas em Berto Brito terão resultado (como o próprio terá afirmado
perante terceiros e em espaço público) de um acidente com o velocípede e
o desaparecimento de um órgão em meio hospitalar ou a pretensa
subtracção de uma carteira também não são assacáveis à arguida, quando o
registo da entrada na sala de depósito convoca, antes, a participação de
Carla Costa.
Sem conceder,
C) Da qualificação jurídica dos factos:
9.) Ainda que, por mera hipótese, se considerasse existirem indícios,
imputa o MP à requerente, entre outros, a prática de um crime de violência
doméstica, p. e p. pelo art.º 152º n.º 1 al. b) e 2 do Cód. Penal, punível com
pena de prisão de 2 a 5 anos e um crime de ofensa à integridade física grave,
p. e p. pelo art.º 144º al. b) do Cód. Penal, punível com pena de prisão de 2 a
10 anos;
10.) Mesmo que a arguida tivesse praticado os factos que lhe são
imputados - o que não se concede - no limite teria praticado apenas um
crime de violência doméstica, p. e p. pelo art.º 152º n.ºs 1 al. b), 2 e 3 al. a) do
Cód. Penal, punível com pena de prisão de 2 a 8 anos, não havendo qualquer
fundamento que justifique a dupla relevância atribuída às condutas
assacadas à arguida e dirigidas ao seu ex-companheiro, quando a invocada
prática do crime de violência doméstica pressupõe a reiteração das condutas
ao longo da vivência comum;
11.) Se assim não se entendesse as condutas reportadas ao período
entre 2010 e 2015 não integrariam a prática de um crime de violência
doméstica. Pela sua pouca gravidade, ainda que a arguida as tivesse
perpetrado, tratar-se-ia, no limite, de crimes de ofensa à integridade física
simples e injúria, não tendo o pretenso ofendido apresentado
tempestivamente queixa (estando já extinto o respectivo direito) nem
deduzido acusação particular, carecendo o MP de legitimidade.
12.) Quanto aos factos referentes ao dia 4 de Setembro e
alegadamente ocorridos no Hospital de Faro, a conduta assacada à arguida
e referente à subtracção de um rim não integra a imputada prática de um
crime de furto. O órgão humano não é “coisa móvel” susceptível de
apropriação, sendo a subsunção jurídica proposta pelo MP claramente
violadora dos princípios da legalidade e da tipicidade, recorrendo
ilegitimamente à analogia num exercício claramente inconstitucional.
Por todo o exposto e na procedência dos argumentos de facto e de
direito esgrimidos, face à completa ausência de indícios, deverá, a final, ser
proferido despacho de não pronúncia, como é de elementar JUSTIÇA
ASSINATURA – Dr. TT (advogado)
1. Auto de Notícia
Data: 2017.09.04
Local: Café “Amparo”, sito na Rua Francisco José, Lote 5 – Loja B, Urbanização
dos Plátanos, Faro.
Autuante: José Firmino de Sousa – agente principal da PSP
Extrato: “Aos 4 dias do mês de Setembro de 2017, pelas 21.00h, quando me
encontrava de serviço (…) fui contactado via rádio no sentido de acorrer ao café “Amparo”, sito
na morada supra referida, porquanto ali se encontraria um indivíduo ferido, tendo sido
mobilizados, via número de emergência, meios de socorro (ambulância medicalizada e viatura
VMER) (…). Chegado ao local, pelas 21.15h, ainda ali se encontrava Berto Brito, que
apresentava sinais de ferimentos na zona do baixo-ventre, sangrando profusamente e
alegando que havia sofrido uma queda quando tripulava um velocípede sem motor. Não foi
possível recolher outros elementos junto do identificado indivíduo dado que, à minha chegada,
foi transportado para o hospital de Faro a fim de receber tratamento emergente. Fui abordado
por Belmira Borges, acima melhor identificada e gerente do estabelecimento que me referiu ter
convocado os meios de socorro via 112 e telefonado para esta polícia dado que, cerca de 20m
antes, o referido Berto ali havia comparecido a pedir ajuda, com sinais evidentes de se
encontrar ferido (sangue na zona dos genitais), afirmando ter sofrido uma queda de bicicleta, o
que lhe pareceu suspeito dado que não havia qualquer bicicleta na rua nem o mencionado
Berto apresentava outros ferimentos visíveis, como escoriações nos membros, que fossem
compatíveis com uma queda (…)”.
2. Auto de Inquirição de testemunha
Data: 2017.09.20
Testemunha: Berto Brito
ELEMENTOS CONSTANTES DO INQUÉRITO
Foi informado que, caso declare ou ateste falsamente à autoridade pública ou a
funcionário no exercício das suas funções identidade, estado ou outra qualidade a que a lei
atribui efeitos jurídicos, próprios ou alheios, o poderá fazer incorrer em responsabilidade penal
Verificam-se as condições do art.º 134º n.º 1 do Cód. Proc. Penal? - Não
Extrato: “Em Maio de 2005, depois de terem namorado cerca de 6 meses,
passou a viver com Ana Anes, na morada acima referida em fracção por ambos adquirida com
recurso a crédito bancário (…). Durante os primeiros cinco anos mantiveram sempre um bom
relacionamento, sem grandes divergências a reportar, apenas com algumas pequenas
discussões, como será comum entre os casais. A partir de 2010, quando o depoente começou a
explorar um estabelecimento de venda de jornais, revistas e tabacos, sito na cidade de Faro,
talvez por ter conseguido alguma autonomia económica e deixado de depender do vencimento
da então companheira como enfermeira auxiliar, aquela começou a interpelá-lo quase
diariamente, exigindo-lhe o dinheiro do apuro de caixa, dizendo que até então o depoente
vivera “à sua conta”. Foi-se tornando cada vez mais agressiva e constante nas exigências quase
diárias de dinheiro, dirigindo-se ao depoente num tom de voz ríspido e elevado, o que fazia
com que geralmente lhe entregasse parte ou mesmo a totalidade do dinheiro que conseguia
com a sua actividade comercial, dinheiro esse que a companheira administrava como entendia.
Quando o depoente colocava alguma objecção Ana Anes reagia com violência, geralmente
começando aos gritos, apelidando o depoente de frouxo, imprestável, entre outros insultos,
afirmando que lhe era infiel, que andava “metido com todas” e, não raras vezes, partia para a
violência física, geralmente esbofeteando o depoente no rosto. Com o tempo as discussões
passaram a ser quase diárias e o depoente, com medo, deixou de lhe fazer frente ou colocar
qualquer objecção às pretensões de Ana Anes, receando ser agredido e sentindo-lhe
envergonhado e humilhado com os nomes que aquela lhe dirigia e que seriam ouvidos pelos
vizinhos.
Não raras vezes apresentava equimoses no rosto, fruto das bofetadas que Ana Anes lhe
desferia mas, por vergonha e porque gostava da sua companheira, nunca apresentou queixa.
Quando os clientes do estabelecimento o interpelavam, procurando saber o porquê das marcas
no rosto, o depoente referia que tinha caído ou que acidentalmente embatera com a cara
nalgum objecto.
Dada a actuação de Ana Anes o depoente passou a chegar a casa o mais tarde
possível, arranjando sempre algo para fazer na tabacaria pois sabia que, ao chegar, iria ser
confrontado, haveria discussão, gritos, insultos e, não raras vezes, agressões nos sobreditos
termos, passando a andar angustiado e receoso, evitando cruzar-se com os vizinhos e sentindo-
se observado pelos clientes do seu estabelecimento dadas as marcas físicas que por vezes
apresentava.
Naquele período e porque se sentia deprimido, começou a sentir-se próximo de Carla
Costa, colega de trabalho da sua companheira e visita da casa, com quem acabou por se
envolver emocionalmente e, pelo menos por duas vezes, também sexualmente. Era uma pessoa
que oferecia carinho ao depoente e a quem acabou por confidenciar tudo o que se passava em
casa.
Nos últimos dois anos Ana Anes passou a tratar o depoente com mais urbanidade,
sendo menos frequentes as discussões. O depoente deixou de questionar as exigências de
dinheiro e a companheira passou a trabalhar por turnos, tornando mais reduzido o período em
que tinham que conviver na fracção. Embora ainda temeroso estes últimos dois anos foram,
para si, anos de alguma tranquilidade, sem agressões físicas de que se recorde.
No pretérito dia 4 do corrente mês de Setembro, cerca das 20.00h, o depoente chegou
a casa depois de mais um dia de trabalho. Aí for abordado pela companheira Ana Anes, que se
lhe dirigiu de uma forma mais ríspida, como o fazia no passado, exigindo-lhe dinheiro,
deixando o depoente intranquilo. Por receio entregou-lhe € 100,00, reservando para si € 25,00
dado que, depois de tomar banho e jantar ainda pretendia ir ao centro comercial adquirir um
DVD para visionar ao serão. A companheira não terá gostado do facto do depoente não lhe ter
entregado a totalidade do apuro do dia pelo que foi ter consigo à casa de banho, onde o
declarante se encontrava apenas em cuecas e, sem que nada o fizesse prever, munida de algo
que trazia escondido atrás das costas, com esse objecto atingiu-o na zona genital, cortando-o e
provocando imediatamente abundante sangramento. Perante isto vestiu-se e saiu
rapidamente a fim de pedir ajuda, dirigindo-se ao café existente em frente à sua casa onde
pediu que chamassem o 112. Por vergonha disse que tinha caído da bicicleta onde
habitualmente se desloca (…).
Saiu de casa definitivamente no passado dia 11, data em que foi ao apartamento
recolher os seus pertences, passando a residir junto da sua mãe. Desde então não tem tido
contactos com a companheira, com quem não pretende voltar a viver. No entanto e em
homenagem à longa vivência comum, não pretende procedimento criminal (…)”
3. Auto de Inquirição de testemunha
Data: 2017.09.27
Testemunha: Belmira Borges
Foi informada que, caso declare ou ateste falsamente à autoridade pública ou a
funcionário no exercício das suas funções identidade, estado ou outra qualidade a que a lei
atribui efeitos jurídicos, próprios ou alheios, o poderá fazer incorrer em responsabilidade penal
Verificam-se as condições do art.º 134º n.º 1 do Cód. Proc. Penal? - Não
Extrato: “É gerente da sociedade “Comer Bem, Lda.”, que explora o
estabelecimento de bebidas “Pastelaria – Café – Amparo”, sito na Rua Francisco José, Lote 5 –
Loja B, Urbanização dos Plátanos, Faro. No dia 2017.09.04, à hora do jantar, cerca das
20.00/20.30h, entrou no seu estabelecimento o Sr. Berto Brito, pessoa que conhece há cerca de
10 anos por ser cliente habitual e residir no prédio em frente. O referido Berto apresentava
muito sangue na zona dos órgãos genitais, aparentando estar em sofrimento e muito agitado.
Pediu ajuda, referindo que tinha acabado de cair quando circulava de bicicleta, o que a
depoente estranhou dado o tipo de lesão que apresentava e o ar comprometido e acabrunhado
que aparentava. De imediato ligou para a PSP, dando conta do sucedido, tendo sido
reencaminhada para o INEM, tendo solicitado a presença de uma ambulância que
efectivamente chegou cerca de 15m ou 20m após esta chamada. Enquanto aguardavam pelo
socorro procurou confortar o seu vizinho e tentar perceber o que efectivamente sucedera,
mantendo aquele que havia caído mas não se encontrando nas imediações qualquer bicicleta
nem apresentando aquele lesões equivalentes como escoriações ou “esfoladelas” por abrasão.
(…)”.
4. Auto de Inquirição de testemunha
Data: 2017.09.30
Testemunha: Delmina Darques
Foi informada que, caso declare ou ateste falsamente à autoridade pública ou a
funcionário no exercício das suas funções identidade, estado ou outra qualidade a que a lei
atribui efeitos jurídicos, próprios ou alheios, o poderá fazer incorrer em responsabilidade penal
Verificam-se as condições do art.º 134º n.º 1 do Cód. Proc. Penal? - Não
Extrato: “É vizinha de Berto Brito e da companheira deste, Ana Anes, residindo
no 4º Esq. do mesmo prédio. Conhece o casal desde o dia em que foram para ali residir, ou
seja, há cerca de 12 anos. É reformada e passa grande parte do dia em casa. Nunca teve
qualquer desentendimento com os seus vizinhos de cima mas, pelo menos numa ocasião,
acabou por ir bater à porta do 5º Esq. dados os gritos que dali provinham e que impediam a
depoente de descansar. Este episódio ocorreu há cerca de 7 anos, numa época em que o
falecido marido da depoente se encontrava doente e necessitado de repouso. Ainda assim os
gritos e as discussões não cessaram e frequentemente ouvia a sua vizinha Ana Anes a gritar
com o companheiro, assim como sons que pareciam objectos a cair. Embora não conseguisse
perceber tudo o que a vizinha dizia lembra-se de escutar muitas vezes a expressão “frouxo”,
sendo frequente cruzar-se com o vizinho no elevador e vê-lo de óculos escuros em dias com
pouco sol ou com marcas no rosto. Em sua opinião o Sr. Berto Brito era agredido mas nunca
conversou com ele sobre isso até porque é um homem e quando os casais se dão mal é
geralmente a mulher que sai prejudicada. No último par de anos tudo lhe pareceu mais
tranquilo no andar de cima, cessando quase por completo aqueles barulhos que até aí eram
quase diários. No entanto no passado dia 4, por volta da hora do jantar, ouviu novamente a
vizinha a gritar, o que a fez recordar do passado. Passado cerca de 15m sentiu o seu vizinho a
sair. Foi espreitar à janela e viu-se a dirigir-se ao café em frente, a cambalear (…)”.
5. Auto de Inquirição de testemunha
Data: 2017.09.27
Testemunha: Carla Costa
Foi informada que, caso declare ou ateste falsamente à autoridade pública ou a
funcionário no exercício das suas funções identidade, estado ou outra qualidade a que a lei
atribui efeitos jurídicos, próprios ou alheios, o poderá fazer incorrer em responsabilidade penal
Verificam-se as condições do art.º 134º n.º 1 do Cód. Proc. Penal? - Não
Extrato: “É colega de trabalho de Ana Anes e amiga de Berto Brito, com quem
manteve um relacionamento amoroso. Conhece Ana Anes em virtude de serem ambas
enfermeiras no hospital de Faro. Por força do relacionamento profissional mantido com Ana
Anes ficaram amigas, começando a frequentar a casa desta, local onde conheceu o Berto Brito.
Pelo menos desde 2010 que é visita da casa do casal, sendo frequentemente convidada para
jantares que retribuía também na sua própria casa. Por força deste contacto ficou bastante
próxima de Berto Brito, parecendo-lhe que aquele não era feliz no seu relacionamento com a
Ana Anes. Notava-lhe uma tristeza da qual procurou saber a origem vindo o mesmo a
confidenciar-lhe que não era feliz na relação, sendo maltratado, querendo com isto dizer que
não raras vezes o Berto lhe confidenciava que era insultado pela Ana, que o apelidava de
“frouxo” e “imprestável”, lhe imputava relacionamentos extraconjugais, lhe exigia a entrega do
dinheiro que ganhava, chegando a agredi-lo, geralmente à bofetada.
Com o tempo os sentimentos que nutria por Berto Brito e ele por si foram evoluindo e
chegaram a relacionar-se sexualmente. Os sentimentos românticos ter-se-ão iniciado em
meados de 2011.
Nos últimos dois anos notou que o Berto se reaproximou de Ana, andando
aparentemente mais tranquilo e mais distante de si. No entanto sabe que a Ana, por
mensagens que detectou no telemóvel do Berto, passou a desconfiar da depoente e,
recentemente, no mês passado, disse que “já sabia de tudo”, ameaçando que iria “fazer a vida
negra” à depoente.
No dia 4 do corrente mês de Setembro, após o almoço, a depoente teve a tarde livre
pelo que se ausentou do serviço de urologia e transplantes onde é enfermeira e a Ana Anes
enfermeira auxiliar. Soube que, na sua ausência, alguém entrou na posse do seu cartão de
acesso à sala refrigerada onde são colocados os órgãos para transplante. O cartão encontrava-
se na carteira da depoente e fora por si deixada no seu cacifo pessoal. Com o dito cartão e
através de passagem no leitor de banda magnética, foi franqueado o acesso à referida sala e
dali retirado um rim que acabara de ser depositado para ulterior transplante. Embora fazendo
uso do seu cartão – ficando a entrada registada em seu nome no sistema – não foi a depoente
a utilizá-lo, vindo posteriormente a saber que fora a Ana Anes a fazê-lo, possivelmente para
prejudicar a depoente, como prometera, já que o rim veio a ser encontrado em casa daquela e
já sem condições para o fim a que se destinava (transplante).
Para além do cartão de acesso, a carteira continha ainda o cartão de cidadão, a carta
de condução e € 160,00 em notas de € 20,00, dinheiro que levantara para, ao fim da tarde,
pagar a explicadora da sua filha.
A carteira e os documentos de identificação foram recuperados, em casa da Ana Anes,
mas continua prejudicada em € 160,00. Por estes factos deseja procedimento criminal contra
a referida Ana Anes. (…)”
6. Auto de interrogatório de arguido e Auto de constituição de arguido
Data: 2017.09.20
Arguida: Ana Andrade Anes
Extrato: “Não desejou prestar declarações”
7. Relatório da perícia de avaliação do dano corporal em direito penal
Data: 2017.10.30
Entidade emissora: Instituto Nacional de Medicina Legal e Ciências Forenses
Extrato: “Exame objectivo: No períneo - ferida linear regular na base do pénis
com 6 cm suturada com 8 pontos de seda. No pénis - edema e equimose arroxeada de todo o
órgão. Testículo esquerdo - várias escoriações, duas das quais com pontos de sutura de seda e
edema testicular. (…) Conclusões: As lesões atrás descritas terão resultado da acção de objecto
cortante ou actuando como tal e determinaram um período de doença fixável em 25 (vinte
cinco) dias para a cura, com afectação da capacidade de trabalho geral e profissional assim
como, por seccionamento do epidídimo, de forma permanente e irreversível, a perda da função
de procriação. (…)”
8. Auto de busca domiciliária e apreensão
Data: 2017.09.11
Entidade que preside: Polícia de Segurança Pública
Local da diligência: Rua Rua Francisco José, Lote 4 – 5º Esq., Urbanização dos
Plátanos, Faro
Extrato: “Aos onze dias de mês de Setembro (…) na sequência do Termo de
Autorização de Busca Domiciliária de Berto Brito (…) procedi à busca domiciliária à residência
sita (…). Assim, pelas 17.00h, na companhia das testemunhas policiais identificadas no
presente Auto, entrámos na referida residência, tendo a porta de entrada sido aberta
livremente pelo visado (…). Refira-se que no interior da residência apenas se encontrava Berto
Brito, tendo sido elucidado da possibilidade de assistir à busca, fazer-se acompanhar ou
substituir por pessoa da sua confiança, conforme o preceituado no art.º 176º do Cód. Proc.
Penal, tendo este optado por assistir à diligência. Foi então dado início à busca propriamente
dita, sendo percorridas todas as dependências do imóvel a buscar, nada tendo sido encontrado.
Todavia, ainda no interior da referida habitação, Berto Brito entregou-nos uma caixa em
material tipo esferovite, de cor laranja, contendo no seu interior um órgão aparentemente
humano, assim como uma carteira de cor azul contendo um cartão plástico com banda
magnética, emitido pelo Hospital de Faro, um cartão de cidadão e carta de condução, tudo em
nome de Carla Costa (…), objectos por si encontrados no quarto de dormir e que foram
apreendidos por esta polícia (…)”
9. Termo de autorização de busca
Extrato: “Para os efeitos constantes na al. b) do n.º 5 do art.º 174º do Cód.
Proc. Penal eu Berto Brito (…) declaro que autorizo os agentes da PSP da Esquadra de
Investigação Criminal da (…) de Faro, a passar busca em: Rua Francisco José, Lote 4 – 5º Esq.,
Urbanização dos Plátanos, Faro, com observância das formalidades legais. Mais declaro que
dei esta autorização voluntária e conscientemente, pelo que vou assinar o presente Termo de
Autorização de Busca. Faro, 11 de Setembro de 2017. O Autorizante: Berto Brito (assinatura)”
10. Auto de visionamento de imagens
Data: 2017.09.10
Entidade: Polícia de Segurança Pública – Divisão de Investigação Criminal
Extrato: “Nesta data foi efectuado o visionamento do suporte de CDR,
proveniente do sistema de videovigilância instalado no Centro Hospitalar do Algarve – Hospital
de Faro e referentes aos movimentos referentes ao dia 04 de Setembro de 2017. No decorrer
do visionamento pode verificar-se, através das imagens captadas pela câmara n.º 1, a acção
da suspeita Ana Andrade Anes, ao passar um cartão no leitor de banda magnética existente na
porta de acesso à sala de depósito de material para transplante e, por via das imagens
captadas pela câmara n.º 2, existente no interior da referida sala, a mesma suspeita a pegar
numa arca própria para acondicionamento de material biológico e a dirigir-se à porta, sendo
visível, agora pela câmara n.º 1, que aquela abandonou o local transportando a referida arca.
Junto se envia folha de suporte com os fotogramas da suspeita e o respectivo CDR (…)”
11. Auto de denúncia
Data: 2017.09.05
Denunciante: Fernando Freitas – Presidente do Conselho de Administração do
Centro Hospitalar do Algarve – Hospital de Faro
Extrato: “No dia de ontem – 4 de Setembro – cerca das 15.00h, das instalações
do Hospital de Faro, foi retirado um rim humano que se encontrava acondicionado em arca
refrigerada depositada na sala de material para transplantes do Serviço de Urologia e que
havia sido nesse dia retirado de cadáver para ulterior transplante. (…) Deseja procedimento
criminal contra a autora da subtracção sendo perceptível, do visionamento das imagens, a
entrada no espaço da Sra. Enfermeira Auxiliar Ana Andrade Anes cuja cópia da fotografia
existente no serviço de recursos humanos se junta”.
12. Documento
Extrato: “Exmos. Senhores:
Na sequência do pedido que nos foi dirigido a coberto do Ofício n.º (…) dessa polícia,
enviamos por esta via cópia em CDR das imagens recolhidas pelo nosso sistema de
videovigilância (CCTV) e referentes ao dia 4 de Setembro de 2017. Mais remeto a listagem
extraída dos registos informáticos de acesso à sala de depósito de material para transplante,
alcançando-se a existência de um acesso no dia 4 de Setembro de 2017, pelas 13h 30m 25s
com o cartão de utilizador atribuído ao Dr. Gualter Guedes, Director de Serviço e que se reporta
à entrada para depósito de um rim humano recolhido na sequência de decesso recente e
destinado a ulterior transplante em beneficiário compatível e, pelas 15h 17m e 13s do mesmo
dia o registo subsequente através da utilização do cartão atribuído à Sra. Enfermeira Carla
Costa, inexistindo qualquer outro acesso registado por esta via até às 16h 40m e 18s, agora
novamente através do cartão atribuído ao Dr. Gualter Guedes que, em sequência, comunicou o
desaparecimento do dito órgão humano (…)
Com os melhores cumprimentos, Faro, 6 de Setembro de 2017, Fernando Freitas,
Presidente do Conselho de Administração do Centro Hospitalar do Algarve – EPE”.
13. Documento – Informação Clínica
Entidade emissora: Centro Hospitalar do Algarve EPE – Hospital de Faro
Extrato: “Relatório resumo de episódio de urgência (…)
Nome do paciente: Berto Brito (…)
Data de admissão: 21:35h 04-Set.-2017
Queixa: Refere queda de bicicleta
Tipo de triagem: Entrou via urgência – INEM
(…)
Alta para domicílio em 13.00h - 2017.09.06 (…)”.
14. Certificado de Registo Criminal
Data: 2017.11.04
Entidade emissora: Ministério da Justiça – Direção-Geral da Administração da
Justiça – Sistema de Informação de Identificação Criminal
Extrato: “Ana Andrade Anes (…) Nada consta acerca da pessoa acima
identificada”
15. Documento - Certidão do teor
Registo da fração com aquisição a favor de Berto Brito e Ana Andrade Anes e hipoteca
a favor de instituição bancária.
16. Contratos de trabalho
Cópia dos contratos de trabalho de Ana Andrade Anes e Carla Costa, com as respetivas
categorias profissionais
A. Auto de inquirição de testemunha
Data: 2017.12.05
Testemunha: Carla Costa
Foi informada que, caso declare ou ateste falsamente à autoridade pública ou a
funcionário no exercício das suas funções identidade, estado ou outra qualidade a que a lei
atribui efeitos jurídicos, próprios ou alheios, o poderá fazer incorrer em responsabilidade penal
Verificam-se as condições do art.º 134º n.º 1 do Cód. Proc. Penal? - Não
Extrato: “Mantém as declarações por si prestadas. Quer esclarecer que a
carteira que lhe foi subtraída se encontrava no seu cacifo pessoal, estando o acesso àquele
receptáculo protegido por fechadura. Embora não seja uma fechadura muito segura a verdade
é que foi utilizado um objecto para arrombar a porta já que a madeira desta estava fendida
como se alguém tivesse utilizado um objecto para fazer de alavanca e quebrar o fecho.
Continua a desejar procedimento criminal (…)”
B. Auto de Inquirição de testemunha
Data: 2017.12.05
Testemunha: Berto Brito
Foi informado que, caso declare ou ateste falsamente à autoridade pública ou a
funcionário no exercício das suas funções identidade, estado ou outra qualidade a que a lei
atribui efeitos jurídicos, próprios ou alheios, o poderá fazer incorrer em responsabilidade penal
Verificam-se as condições do art.º 134º n.º 1 do Cód. Proc. Penal? – Sim,
tendo declarado que viveu em condições análogas às dos cônjuges com a arguida.
Foi advertido da possibilidade de recusar prestar depoimento tendo
declarado que pretende depôr.
Extrato: “Como já referiu anteriormente, em Maio de 2005, passou a viver com
Ana Anes. Durante os primeiros cinco anos mantiveram sempre um bom relacionamento, sem
ELEMENTOS RESULTANTES DAS DILIGÊNCIAS INSTRUTÓRIAS
grandes divergências. A partir de 2010, quando o depoente começou a explorar um
estabelecimento de venda de jornais, revistas e tabacos, sito na cidade de Faro, a arguida
começou a interpelá-lo quase diariamente, exigindo-lhe o dinheiro do apuro de caixa,
tornando-se cada vez mais agressiva e constante nas exigências quase diárias de dinheiro. A
arguida falava com o depoente num tom de voz ríspido e elevado, com uma postura muito
agressiva e enervada, o que fazia com que o depoente geralmente cedesse e lhe entregasse
parte ou mesmo a totalidade do dinheiro que conseguia com a sua actividade até porque, se
recusasse a então companheira reagia com muita violência, aos gritos que se ouviam no prédio
todo, apelidando o depoente de frouxo e imprestável, afirmando que lhe era infiel, que andava
“metido com todas” e, não raras vezes, partia para a violência física, geralmente esbofeteando
o depoente no rosto. Com o tempo as discussões passaram a ser quase diárias e o depoente
deixou simplesmente de lhe fazer frente ou colocar qualquer objecção, receando ser agredido.
Tinha a clara percepção que os vizinhos ouviam, sentindo-se vexado, humilhado, tendo que
esconder as marcas que às vezes a arguida lhe deixava no rosto.
Naquele período e porque se sentia triste, começou a ficar cada vez mais próximo de
Carla Costa, colega de trabalho da sua companheira e visita da casa, com quem acabou por se
envolver emocionalmente, passando a confidenciar-lhe tudo o que se passava.
Nos últimos dois anos Ana Anes passou a tratar o depoente com mais urbanidade,
sendo menos frequentes as discussões, achando o depoente que a relação ainda poderia voltar
a funcionar, tendo esperança de voltar a ser feliz.
No pretérito dia 4 do corrente mês de Setembro, cerca das 20.00h, o depoente chegou
a casa depois de mais um dia de trabalho. Aí for abordado pela companheira Ana Anes, que se
lhe dirigiu de uma forma mais ríspida, recordando-lhe o passado. Exigiu ao depoente a entrega
do apuro de caixa. Por receio, e porque já sabia do que a arguida era capaz, entregou-lhe €
100,00, reservando para si € 25,00 dado que, depois de tomar banho e jantar ainda pretendia
ir ao centro comercial adquirir um DVD. A companheira não terá gostado do facto do depoente
não lhe ter dispensado todo o dinheiro pelo que foi ter consigo à casa de banho, onde o
declarante se encontrava apenas em cuecas e, sem que nada o fizesse prever, munida de algo
que trazia escondido atrás das costas (suspeitando que seria uma tesoura) com esse objecto
atingiu-o na zona genital, cortando-o e provocando imediatamente abundante sangramento.
Perante isto vestiu-se e saiu rapidamente a fim de pedir ajuda, dirigindo-se ao café existente
em frente à sua casa onde pediu que chamassem o 112. Por vergonha disse que tinha caído da
bicicleta onde habitualmente se desloca (…).
Saiu de casa definitivamente no passado dia 11, data em que foi ao apartamento
recolher os seus pertences, passando a residir junto da sua mãe. Desde então não tem tido
contactos com a companheira, com quem não pretende voltar a viver. Nesse dia 11, quando se
encontrava no apartamento a recolher as suas coisas, apareceram uns agentes da PSP que
pretendiam fazer uma busca. O depoente franqueou-lhes a entrada, dado que o apartamento
também é seu. Quando estava a recolher as suas roupas no quarto encontrou a carteira da
Carla Costa e uma pequena arca refrigerada, objectos que entregou aos agentes e que lhe
referiram que era precisamente o que procuravam.
Mantém que - em homenagem à longa vivência comum e porque pretende refazer a
sua vida de forma tranquila - não pretende procedimento criminal (…)”