Psicofisiologia_Aula8_Emocoes

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Psicofisiologia_Aula8_Emocoes

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  • PSICOFISIOLOGIASUMRIOS DESENVOLVIDOS Ano Lectivo 2014-15

    Regente: J. Marques-Teixeira

  • Mecanismos de Inteeraco com o meioSistema das Emoes

    Introduo

    Os fenmenos emocionais que acompanham a maior parte das manifestaes da actividade dos organismos reflectem, sob a forma de experincias directas, o significado das situa-es e dos fenmenos, servindo como um dos principais elementos de regulao da actividade psicolgica, dirigidas para a satisfao actual das diferentes necessidades. Por isso, a emoo crtica para a sobrevivncia de organismos complexos equipados para a processarem. Na verdade, a emoo a expresso mais complexa dos sistemas de regu-lao homeosttica, operando segundo os processos de aproximao e de afastamento. As emoes protegem os organismos, no s porque os protegem dos predadores (p. exemplo, afastando-os), mas tambm porque os guia no sen-tido de obterem comida ou sexo. Deste modo, as emoes operam, muitas vezes, como mecanismos bsicos para as

    tomadas de deciso sem o contributo da razo (isto , sem ter de entrar com decises deliberadas dos factos, opes, resultados e regras de lgica).

    H evidncia suficiente para se considerar que os outros ma-mferos so criaturas afectivas. Provavelmente, todos os ver-tebrados que apresentem comportamentos instintivo-emoci-onais fortes tambm experienciam afectos (Pankseep, 1990, 2005, 2007). As emoes ocorrem, tipicamente, quando nos apercebemos de alteraes muito significativas na nossa situao, caracterizadas por modificaes que interrompem, de modo significativo ou que melhoram uma situao vivida. No , por isso, a presena ou a ausncia de circunstncias familiares ou desfavorveis que geram emoes, mas antes a avaliao dessas circunstncias como envolvendo uma modificao substancial. Segundo a perspectiva psicofisiol-gica, as emoes consistem em padres de respostas fisio-

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  • lgicas, sendo comportamentos especficos das diferentes espcies, e acompanhadas por sentimentos nos primatas humanos, muito embora sejam os comportamentos, e no a experincia privada, que tm consequncias para a sobrevi-vncia e a reproduo.

    O que , ento, uma emoo? H mais de 90 definies de emoo propostas ao longo do sc. XX. Em termos muito gerais pode dizer-se que uma emoo e a sua experincia so as expresses de mais alta ordem da bio-regulao em organismos complexos. De acordo com Damsio (1998), os termos emoo e sentimento so muitas vezes considera-dos sinnimos, o que no est correcto. A designao emo-o dever ser usada para designar um conjunto de respos-tas desencadeadas a partir de partes do crebro para o cor-po e para outras partes do crebro por vias neuronais e hu-morais. O resultado final de tais respostas um estado emo-cional definido em relao a alteraes corporais (incluindo as viscerais) especficas. O termo sentimento deve ser usa-do para descrever um estado mental complexo (mais dura-doiro e menos intenso) que resulta do estado emocional.

    Esse estado mental inclui (a) a representao das altera-es que ocorreram no orga-nismo e que so assinala-das pelas estruturas que representam o organismo no SNC; (b) um conjunto de alteraes nos processos cognitivos causados por si-nais secundrios s interac-es entre estruturas do c-

    rebro. Mas em 1986, Simonov tinha uma perspectiva muito mais complexa que esta considerando, como Leontrev e Su-dakov, que as emoes reflectem, sob a forma de experin-cia directa, o significado dos fenmenos e situaes e consti-tuem um dos principais mecanismos de regulao interna da actividade psicolgica e do comportamento dirigido para a satisfao das necessidades actuais (motivaes). Deste modo, Simonov reala a funo essencial da emoo: orga-nizao.

    importante, no entanto, salientar que as emoes no nos foram a responder de certa maneira, apenas proporcionan-do uma maior probabilidade de que uma determinada respos-

    ta ocorra. Esta maleabilidade permite um outro movimento regulador, em sentido inverso, do que at aqui temos vindo a desenvolver: isto , permite que o indivduo regule as suas prprias emoes. Quando estamos com medo podemos correr, mas nem sempre isso acontece. Quando estamos encolerizados podemos bater em algo ou algum, mas nem sempre isso acontece.

    Esta possibilidade auto-reguladora das emoes por parte do indivduo resulta do facto de as emoes serem desenca-deadas por mecanismos variados quanto aos factores de ecloso. Algumas vezes, as emoes so desencadeadas quase automaticamente, como acontece quando fugimos cheios de medo de uma serpente (Le Doux, 1996). Mas ou-tras vezes, as emoes emergem apenas aps uma anlise considervel, como acontece quando vamos ficando cada vez mais encolerizados depois de ouvirmos algum dizer mal de um amigo (Frijda, 1986). A ideia segundo a qual as emoes no fazem parte da razo baseou-se numa falsa interpretao da natureza quer das emoes, quer da razo. De facto, as emoes no so apenas reaces e, muito embora tenham uma histria evolutiva que precede em cen-tenas de milhes de anos o aparecimento dos seres huma-nos, acabaram por evoluir de mos dadas com a evoluo da razo e da racionali-dade. O resultado des-te processo evolutivo foi a sua constituio como processos com-plexos ancorados si-multaneamente nos domnios biolgico e psicolgico do ser hu-mano.

    No conjunto da vida ps-quica, as emoes fazem parte dagrande categoria do afecto (Figura 1) e tm uma estrutura complexa, constituda por 3 ramos: um, inscrito no domnio biolgico, constituindo o ramo neuropsicolgico; outro, ins-crito na complexa musculatura facial, constituindo o ramo expressivo; e um outro, inscrito na natureza simblica dos fenmenos psicolgicos, constituindo o ramo fenomnico (Figura 2).

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    Figura 1 - Integrao das emoes na vida psquica.

    Figura 2 - Estrutura de uma emoo

  • Caracterizao e descrio das emoes

    Caracterizao das emoes

    De acordo com William James (1890), as emoes enquanto experincias psicolgicas, apresentam qualidades nicas que as distinguem de outros estados mentais. Em 1 lugar, ao contrrio da maior parte dos estados psicolgicos, as emoes so corporalizadas e manifestam-se em padres de expresso facial, de comportamento e de activao auto-nmica, reconhecveis e estereotipados. Em 2 lugar, elas so menos susceptveis s nossas intenes do que outros estados psicolgicos, dado que so desencadeadas, fre-quentemente, antes e em oposio s deliberaes racio-nais que lhes dizem respeito (James, 1890). Finalmente, e o mais importante, as emoes so menos encapsuladas do que outros estados psicolgicos, como decorre dos seus efeitos globais em praticamente todos os aspectos da cogni-o. Isto exemplificado atravs do facto de, quando se est triste, o mundo parecer mais sombrio, ter-se mais difi-culdade na concentrao e tornar-se mais selectivos naquilo que se recorda. Para alm destas qualidades, no h dvida que as emoes apresentam uma intensidade e uma dura-o e algumas apresentam mesmo uma localizao. Assim

    descrevem-se, actual-mente, as seguintes caractersticas das emoes (Figura 3):

    (1)intensidade: grau de activao de uma determinada emoo; (2) parcialidade: foca-gem numa rea restri-ta e expresso de

    uma perspectiva pessoal e interessada; (3) valncia: com sinal positivo ou de aproximao ou com sinal negativo ou de afastamento; (4) intencionalidade: direco do com-portamento activado por um estado emocional (compo-nente cognitivo informao acerca das circunstncias, avaliativo significado pessoal das informaes, e motiva-cional - desejos e prontido para manter ou alterar as cir-cunstncias passadas, presentes ou futuras); (5) conte-do: tipo de emoo desencadeada (ex., medo, vergonha, culpa, etc.); (6) localizao: agregado, mais ou menos cor-poralmente localizado, das manifestaes corporais que

    acompanham o estado emocional activado; (7) durao: tempo de activao do estado emocional; (8) instabilida-de: zona de desequilbrio comportamental e psicolgico.

    O desenvolvimento ps-natal fundamental para o adequa-do reconhecimento emocional, de modo que a experincia de certas emoes (nomeadamente o medo) ao longo do desenvolvimento tem um papel fundamental na aquisio do conhecimento conceptual dessas emoes. Seria a repeti-o de um acontecimento indutor de uma activao lmbica semelhante ao longo do desenvolvimento que, na interaco entre o processamento cortical e a difuso vegetativa e so-mtica dessa activao, conduz emergncia gradual de uma sensao emocional distinta, caracterstica e conscien-te (Figura 4).

    Descrio e classificao das emoes primrias

    Uma emoo ser considerada primria se: (1) tambm exis-tir noutras espcies animais; (2) tiver uma base biolgica es-pecfica e inata em termos da organizao cerebral; (3) se desenvolver muito precocemente; (4) for irredutvel, isto , no for composta por duas ou mais emoes mais simples; (5) tiver um padro de expresso neuromuscular - manifesta-do na expresso facial, postura ou gestos - sugerindo ser universal para os humanos. Os 4 primeiros critrios so con-dies necessrias para considerar uma emoo como sen-do primria, enquanto que o 5 critrio suficiente mas no necessrio.

    Tomkins-Izard (Izard, 1977; Tomkins, 1962,1963) definiram 10 emoes primrias, agrupadas em 4 eixos ou factores (Figura 5): Factor 1 - Adaptao social positiva (emoes - interesse e alegria); Factor 2 - Expectativa (emoes - surpre-

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    Figura 3 - Caractersticas das emoes

    Figura 4 - Desenvolvimento e aprendizagem dos estados emocio-nais.

    Desenvolvimento das capacidades cognitivas, modulando e complexificando as emoes

    Acontecimento indutor de uma activao

    preponderante das estruturas lmbicas

    Acontecimento indutor de uma

    activao lmbica semelhante

    Acontecimento indutor de uma

    activao lmbica semelhante

    Acontecimento indutor de uma

    activao lmbica semelhante

    - Estmulos endgenos ou externos

    - Actividade interna

    Estruturas lmbicas

    ACTIVAO

    Estruturas corticais

    CONSCINCIA Abstrao

    categorizao

    Corpo

    Sensaes Somato-sensoriais

    Processo d

    e aprendiz

    agem e

    tratamento c

    ognitivo

    (abstraco

    , categoriza

    o, consci

    ncia)

    Emergncia gradual de uma sensao

    emocional distinta, caracterstica e

    consciente Aces vegetativas Aces motoras

    Nota: as emoes seriam produzidas a nvel lmbico, mas a percepo subjectiva cortical resultaria do seu efeito perifrico ao nvel do corpo.

  • sa e angstia); Factor 3 - Trade da hostilidade (emoes - desprezo, nojo, clera); Factor 4 - Fuga (emoo - medo) e Factor 5 - Responsabilizao (emoes - vergonha e culpa).

    O interesse e a alegria so as duas motivaes primrias de tonalidade agradvel, sendo o interesse despertado pela no-vidade ou modificao do meio e est na base da motivao para aprender e a alegria por estmulos positivos. A surpresa despertada pela ocorrncia sbita e inesperada, enquanto que a angstia originada por uma separao. A clera re-sulta da imposio de restries de ordem fsica ou psicol-gica ou da interferncia com a actividade que vise a obten-o de uma finalidade, o nojo despertado pela observao de matria deteriorada ou de eventos que traduzam uma de-gradao dos valores sociais aceites e o desprezo desper-tado por todas as situaes em que o indivduo subjectiva-mente se aperceba de uma necessidade de se sentir superi-or. O medo despertado por um aumento bastante rpido na estimulao neuronal consequente a perigo real ou imagi-nrio. A vergonha e a culpa resultam de um aumento rpido da ateno sobre o prprio.

    Sistemas neuronais na base das emoes

    Segundo o modelo neuronal, as 7 interaces apresentadas na Figura 6 so consideradas como sendo caractersticas de todos os sistemas neuronais emocionais primrios. Seguin-do a numerao da figura temos a seguinte descrio: (1) Poucos estmulos sensoriais podem aceder, incondicional-mente, aos sistemas emocionais, mas a maior parte dos im-

    pulsos so aprendidos ao longo do desenvolvimento; (2) os sistemas emocionais podem promover repostas comporta-mentais instintivas coerentes, bem como (3) modular as en-tradas sensoriais. (4) Os sistemas emocionais tm compo-nentes de retroaco positiva que conseguem sustentar a activao emocional aps terem desaparecido os aconteci-mentos precipitantes. Mas tambm (5) podem ser modula-dos por entradas cognitivas e (6) podem modificar as activi-dades cognitivas. Neste esquema no esto includos os cri-trios segundo os quais os sistemas emocionais criam esta-dos afectivos, mas assumido que a activao de todo o circuito executivo para cada emoo essencial para a ela-borao, no crebro, dos sentimentos emocionais, eventual-mente atravs da interaco com outros circuitos subneocor-ticais ligados auto-representao organsmica visceral (Pankseep, 1988).

    Uma outra questo importante a seguinte: como temos conscincia de que o sistema das emoes se tornou acti-vo? Dito de outro modo, como temos conscincia que esta-mos a vivenciar uma emoo? Vrios estudos e teorias tm sido desenvolvidas para responder a esta questo e a con-cluso que podemos retirar desses estudos a seguinte: o mecanismo de conscincia o mesmo para estados subjec-tivos emocionais e no emocionais, sendo esses estados distinguidos uns dos outros pelos circuitos neuronais que esto a influenciar a conscincia num determinado momen-to. Muitos autores propuseram que a conscincia tem algo a ver com o espao de trabalho mental onde as coisas podem ser comparadas, contrastadas e mentalmente manipuladas (ver, p.e., Baars, 2005, Dahaene et al., 2006, entre outros). A operatividade deste espao de trabalho descrita em ter-mos de memria de trabalho (Baddeley, 2000) que inclui (1) a capacidade para integrar informao vinda de modalida-

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    Figura 5 - Emoes primrias segundo Tomkins-Izard.

    +!

    -!

    Figura 6 - Definio neuronal de um sistema de emoes

    Alguns estmulos sensoriais acedem, incondicionalmente, aos

    sistemas emocionais; a maior parte so aprendidos ao longo do

    desenvolvimento repostas comportamentais instintivas coerentes

    Modulao das entradas sensoriais

    conseguem sustentar a activao emocional aps terem

    desaparecido os acontecimentos precipitantes

    Modulao pelas actividades cognitivas

    Modulao das actividades cognitivas

  • des sensoriais diferentes com a memria de longo termo para formar representaes unificadas, (2) para manter a re-presentao temporariamente num estado activo e (3) para usar a representao no controlo da actividade mental e do comportamento. Vrios estudos em humanos e em primatas no humanos apontam para o crtice pr-frontal, especial-mente as reas pr-frontais dorsolaterais como estando en-volvidas nos processos da memria de trabalho (ver, p.e., Fuster, 2000; Miller & Cohen, 2001; Muller & Knight, 2006). Os estmulos apresentados e as representaes memoriza-das so integradas na memria de trabalho atravs das inter-aces entre as reas pr-frontais, dos sistemas de proces-samento sensorial e dos sistemas de de memria explcita ou declarativa de longo termo (que envolvem o hipocampo e as reas relacionadas do lobo temporal). A memria de tra-balho pode envolver interaces entre diferentes reas pr-frontais, incluindo o crtice cingulado anterior, o crtice insu-lar e o crtice rbito-frontal, bem como o crtice pr-frontal dorsolateral (p.e., Curtis, 2006). O tipo de processos que en-tram em funcionamento se um estmulo tiver uma carga afec-tiva (isto , poder desencadear o medo) so do mesmo tipo que so postos em marcha para estmulos sem essa carga afectiva; no entanto, a memria de trabalho permite-nos to-mar conhecimento do facto de o circuito do medo ter sido activado. Esta informao, quando adicionada informao perceptiva e mnsica acerca do objecto ou acontecimento, poder ser a condio necessria para a experincia subjec-tiva de um estado emocional de medo, ou seja, um sentimen-to (Figura 7).

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    Figura 7 - Estruturas neuronais envolvidas nas emoes