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PSICOTERAPIA DINÂMICA DAS PATOLOGIAS LEVES DE PERSONALIDADE Eve Caligor Otto F. Kernberg John F. Clarkin

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PSICOTERAPIA DINÂMICA DAS PATOLOGIAS LEVES DE PERSONALIDADE Eve Caligor • Otto F. Kernberg • John F. Clarkin

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C153p Caligor, Eve.

Psicoterapia dinâmica das patologias leves de personalidade

[recurso eletrônico] / Eve Caligor, Otto F. Kernberg, John F.

Clarkin ; tradução Sandra Maria Mallmann da Rosa. – Dados

eletrônicos. – Porto Alegre : Artmed, 2008.

Editado também como livro impresso em 2008.

ISBN 978-85-363-1723-6

1. Psicoterapias. 2. Patologias leves de personalidade. I.

Kernberg, Otto. II. Clarkin, John F. III. Título.

CDU 615.851

Catalogação na publicação: Renata de Souza Borges CRB-10/Prov-021/08

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2008

Eve Caligor • Otto F. Kernberg • John F. Clarkin

Tradução:Sandra Maria Mallmann da Rosa

Consultoria, supervisão e revisão técnica desta edição:Antônio Carlos S. Marques da Rosa e Jacó Zaslavsky

Psiquiatras, Professores e Supervisores convidados do Cursode Especialização em Psicoterapia de Orientação Analítico do

Departamento de Psiquiatria e Medicina Legal da FAMED/UFRGS.

PSICOTERAPIA DINÂMICADAS PATOLOGIAS LEVES DE PERSONALIDADE

Versão impressadesta obra: 2008

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Obra originalmente publicada sob o títuloHandbook of dynamic psychotherapy for higher level personality pathologyISBN 978-1-58562-212-2

First published in the United State by American Psychiatric Publishing Inc.,Washington D.C. and London, UK.Originalmente publicado nos Estados Unidos pela American Psychiatric PublishingInc., Washington D.C. e Londres, RU.

© American Psychiatric Publishing, Inc. 2007. All rights reserved. Todos os direitosreservados.

Capa

eg. design/Evelyn Grumach

Preparação do original

Maria Lúcia Badejo

Supervisão editorial

Mônica Ballejo Canto

Projeto e editoraçãoArmazém Digital Editoração Eletrônica – Roberto Carlos Moreira Vieira

Reservados todos os direitos de publicação, em língua portuguesa, àARTMED® EDITORA S.A.Av. Jerônimo de Ornelas, 670 - Santana90040-340 Porto Alegre RSFone (51) 3027-7000 Fax (51) 3027-7070

É proibida a duplicação ou reprodução deste volume, no todo ou em parte,sob quaisquer formas ou por quaisquer meios (eletrônico, mecânico, gravação,fotocópia, distribuição na Web e outros), sem permissão expressa da Editora.

SÃO PAULOAv. Angélica, 1091 - Higienópolis01227-100 São Paulo SPFone (11) 3665-1100 Fax (11) 3667-1333

SAC 0800 703-3444

IMPRESSO NO BRASILPRINTED IN BRAZIL

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Autores

Eve Caligor, M.D., Professora Clínica de Psiquiatria na Columbia UniversityCollege of Physicians and Surgeons, Nova York. Analista Didata e Supervisorae Diretora da Divisão de Psicoterapia Dinâmica no Centro de Treinamento ePesquisa Psicanalítica da Columbia University, na cidade de Nova York.

Otto F. Kernberg, M.D., Diretor do Instituto de Transtornos de Personalidadeno Hospital Presbiteriano de Nova York, Divisão de Westchester. Professor dePsiquiatria na Joan and Sanford I. Weill Medical College e Escola de Gra-duação em Ciências Médicas da Cornell University, Nova York. Analista Didatae Supervisor no Centro de Treinamento e Pesquisa Psicanalítica da ColumbiaUniversity. Foi presidente da Associação Psicanalítica Internacional.

John F. Clarkin, Ph.D., Co-Diretor do Instituto de Transtornos de Personalida-de no Hospital Presbiteriano de Nova York, Divisão de Westchester. ProfessorClínico de Psicologia Psiquiátrica na Joan and Sanford I. Weill Medical Collegee Escola de Graduação em Ciências Médicas da Cornell University Nova York.Foi presidente da Sociedade Internacional para Pesquisa em Psicoterapia.

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Prefácio

Este livro descreve uma forma específica de tratamento psicodinâmico daspatologias de personalidade, que chamamos de psicoterapia dinâmica das pa-tologias leves de personalidade* (PDPLP). O tratamento é baseado na teoriapsicodinâmica contemporânea das relações objetais, cujo enfoque está na for-ma como a vida psicológica de um indivíduo está organizada em torno depadrões de relacionamento internalizados, chamados de relações objetais in-ternas. Neste tratamento, exploramos e, por fim, modificamos os padrões derelacionamento internalizados pelo paciente à medida que eles são encenadosnas suas relações atuais. Para os leitores que estão pouco familiarizados com ateoria das relações objetais, dedicamos os três primeiros capítulos deste ma-nual à apresentação da teoria que fundamenta este tratamento.

O modelo de tratamento descrito neste livro é produto da psicoterapiafocada na transferência (PFT). A PFT é um tratamento psicodinâmico para apersonalidade borderline que foi desenvolvido e testado empiricamente no Ins-tituto de Transtornos de Personalidade, da Sanford Weill Cornell MedicalCollege. A PFT é singular dentre os tratamentos psicodinâmicos de longa du-ração nos seguintes aspectos:

1. foi desenvolvida para tratar uma forma específica de psicopatologia;2. as técnicas da PFT estão claramente descritas num manual de tratamento;3. a PFT foi estudada empiricamente.

Quando ensinávamos a PFT no Centro de Treinamento e Pesquisa daColumbia University, nos deparamos com a ausência de um tratamento com-

* N de R.T.: Leves refere-se à utilização de mecanismos defensivos mais evoluídos, nocontexto de um nível neurótico de organização de personalidade. Por questão de clare-za, em português preferiu-se “patologias leves de personalidade” à forma original Higher

level personality pathology.

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parável à PFT para as patologias leves de personalidade. Este livro pretendepreencher essa lacuna, oferecendo uma ampla descrição de uma abordagembaseada na teoria das relações objetais para o tratamento de pacientes comtranstornos de personalidade, inscrita num modelo integrado de personali-dade.

Este livro é direcionado aos estudantes de psicoterapia e também aosclínicos mais experientes. Embora tenhamos descrito o tratamento da formamais clara e específica possível, não há dúvida de que um material deste tipoprecisa ser até certo ponto sofisticado, caso pretenda ser útil. Para beneficiaraqueles que estão se iniciando no aprendizado da psicoterapia dinâmica, ex-plicamos de maneira clara e específica a teoria em que está fundamentada aPDPLP, bem como seus elementos básicos. Quando descrevemos os objetivos,estratégias e táticas da PDPLP, auxiliamos o leitor a se familiarizar com osfundamentos da abordagem técnica que define o tratamento e ilustramos nos-sa descrição do tratamento com extenso material clínico. Para os clínicos maisexperientes, oferecemos uma síntese integrada e, até certo ponto, inovadoradas abordagens psicodinâmicas contemporâneas da patologia de personalidadee da psicoterapia psicodinâmica. Esperamos que os clínicos leiam em profun-didade, assimilem a abordagem que aqui descrevemos e a implementem deuma forma que seja compatível com seu estilo individual, com sua experiênciaclínica e com sua população de pacientes.

Para o leitor que quiser estudar um tópico particular em maior profundi-dade, apresentamos uma seleção de leituras recomendadas ao final de cadacapítulo. Sempre que possível, incluímos tanto as leituras que são elaboraçõesrelativamente acessíveis sobre as idéias que apresentamos no capítulo prece-dente, como também leituras mais difíceis e sofisticadas, pelo fato de teremcontribuído significativamente para nossa compreensão de um tópico particular.

O desenvolvimento desse tipo de tratamento e deste livro aconteceu pormeio de um esforço de colaboração. Iniciamos com um grupo de estudos, umtrabalho de parceria entre o Instituto de Transtornos de Personalidade, daSanford Weill Cornell Medical College e o Centro de Treinamento e PesquisaPsicanalítica da Columbia University. Os participantes foram Drs. ElizabethAuchincloss, Eve Caligor, John Clarkin, Diana Diamond, Eric Fertuck, PamelaFoelsch, Otto Kernberg e Frank Yeomans. Nossas idéias se desenvolveram ain-da mais quando compartilhamos nossa abordagem com os candidatos do Cen-tro de Treinamento e Pesquisa Psicanalítica da Columbia University e os resi-dentes do Instituto Psiquiátrico de Nova York; os dois grupos de estudantesfizeram questionamentos e críticas estimulantes, que muito contribuíram parao desenvolvimento das idéias apresentadas neste livro.

Além disso, reconhecemos com gratidão a ajuda dos colegas que genero-samente emprestaram seu tempo e conhecimentos. Os Drs. Lucy LaFargue eSteven Roose ajudaram a dar forma aos capítulos no decorrer do trabalho, eos Drs. Daniel Richter e Bret Rutherford fizeram comentários reflexivos sobre

viii Prefácio

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os primeiros esboços deste livro. A Sra. Gina Atkinson nos prestou assistênciaeditorial.

O leitor descobrirá que os capítulos não estão organizados em ordemcronológica, por exemplo começando com a avaliação e a fase inicial e che-gando até o témino. Ao invés disso, organizamos o livro e escolhemos a se-qüência dos capítulos de modo a auxiliar o leitor a desenvolver a melhor com-preensão possível sobre o tratamento – tanto a técnica psicoterápica específicada PDPLP, quanto os fundamentos desta técnica. Nossa ênfase principal nãoestá na resposta a perguntas específicas sobre “O que eu faço quando...” Pelocontrário, nosso objetivo é habilitar o leitor a responder por si mesmo à per-gunta “Como é que eu faço para decidir de forma sistemática sobre o que fazeragora?”

O livro está dividido em três partes. Após um capítulo introdutório, aprimeira parte do livro enfoca nosso modelo teórico da personalidade e dapatologia de personalidade. Começamos por uma minuciosa introdução à teo-ria, pois um entendimento sólido do nosso modelo de patologia de personali-dade e do funcionamento mental é uma fundamentação valiosa, se não essen-cial, para que se possa aprender a realizar o tratamento que descrevemos nes-te livro.

A segunda parte do livro oferece uma explicação em profundidade sobreo tratamento, iniciando por uma visão geral, apresentando os elementos bási-cos da PDPLP e o nosso modelo de como funciona o tratamento. Logo apósdescrevemos as estratégias da PDPLP, que organizam o tratamento como umtodo, e o setting do tratamento, que serve não só como palco, mas tambémcomo continente da técnica psicoterápica que descrevemos nos capítulos se-guintes. Nos dois capítulos finais dessa parte abordamos as características téc-nicas específicas do tratamento – as técnicas que o terapeuta utiliza a cadamomento na sessão e as táticas que o guiam na decisão de quando e comointervir.

Na terceira e última parte do livro abordamos a avaliação e as situaçõesespeciais. Embora um tratamento comece pela avaliação, optamos por colocaro capítulo sobre a avaliação no final do livro porque a tomada de decisãoracional no que se refere à avaliação do paciente e o planejamento do trata-mento estão baseados num amplo conhecimento não só da patologia da per-sonalidade como também do tratamento psicoterápico. Depois de abordarmosa avaliação do paciente, retomamos a discussão de aspectos especiais específi-cos das diferentes fases do tratamento. Encerramos com um capítulo sobre acombinação da PDPLP com o manejo medicamentoso e outras formas de tra-tamento.

Antes de nos debruçarmos sobre o texto, queremos fazer um comentáriosobre a natureza do material clínico que será apresentado. Ao escrever sobre asituação clínica, o escritor sempre fica dividido entre o desejo de apresentarum material clínico verdadeiro e realista e a necessidade de proteger o sigilo

Prefácio ix

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do paciente. Descobrimos que, mesmo quando as identidades dos pacientessão preservadas, é impossível apresentar um material clínico de forma precisae ao mesmo tempo respeitar o sigilo do paciente; na melhor das hipóteses, ospacientes cujas sessões são citadas reconhecem o material clínico. Em conse-qüência, optamos por não apresentar pacientes reais neste livro, nem um ma-terial clínico real. Ao invés disso, cada vinheta clínica que apresentamos é umcompósito de vários pacientes que já tratamos e/ou de tratamentos que super-visionamos durante muitos anos.

Finalmente, o leitor irá observar que utilizamos “ele” quando podería-mos utilizar de forma mais precisa “ela” ou “ela ou ele”. Embora não esteja-mos inteiramente satisfeitos com a escolha, utilizamos coerentemente os pro-nomes masculinos para que possamos escrever da forma mais clara possível,com o objetivo de fazer com que um material relativamente difícil seja maisfácil de ser lido.

x Prefácio

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Sumário

Prefácio .................................................................................................................................... vii

1. Introdução e visão geral .................................................................................................. 13

Parte I

Compreensão teórica das patologias leves de personalidade

2. Uma abordagem psicodinâmica da patologia de personalidade ................................ 23

3. Relações objetais internas, organização mental e experiênciasubjetiva na patologia de personalidade ....................................................................... 51

Parte II

Tratamento psicoterapêutico das patologias leves de personalidade

4. Elementos básicos .......................................................................................................... 75

5. As estratégias e o setting do tratamento .................................................................... 100

6. As técnicas, parte I: escutando o paciente ................................................................. 125

7. As técnicas, parte II: intervenção ................................................................................. 138

8. As táticas ........................................................................................................................ 162

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Parte III

Avaliação do paciente, fases do tratamentoe combinação da PDPLP com outros tratamentos

9. Avaliação do paciente e planejamento diferenciado do tratamento ........................ 189

10. As fases do tratamento ................................................................................................. 220

11. Combinação da PDPLP com o manejo medicamentosoe outras formas de tratamento .................................................................................... 249

12. Comentários finais ......................................................................................................... 266

Referências ............................................................................................................................ 271Índice ...................................................................................................................................... 277

12 Sumário

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Introdução e visão geral

Este livro descreve uma técnica psicoterápica para o tratamento das patolo-gias de personalidade. Nosso objetivo é apresentar uma abordagem de psicote-rapia que seja de utilidade para os clínicos mais experientes e que tambémpossa ser usada para o treinamento clínico. Embora este seja principalmenteum livro-texto de técnica psicoterápica, dedicado ao clínico psicodinâmico,nosso objetivo é apresentar uma abordagem psicoterápica que seja suficiente-mente sistemática, clara e específica para que também seja útil como um ma-nual de tratamento (Caligor, 2005) num contexto de pesquisa.

Apresentamos uma abordagem psicodinâmica contemporânea para acompreensão e tratamento dos traços de personalidade inflexíveis e mal-adapta-tivos que caracterizam as patologias leves de personalidade. Estamos descre-vendo um tratamento psicodinâmico de duas sessões semanais e de duraçãorelativamente longa (1-4 anos). Um tratamento deste tipo não pode ser redu-zido a uma série de passos a serem seguidos de maneira padronizada porqualquer terapeuta que esteja tratando qualquer paciente. Ao contrário, defi-nimos e explicamos uma série de princípios clínicos que podem ser aplicadosem diferentes situações clínicas; o tratamento que estamos descrevendo incluias diferenças individuais, assim como as similaridades que caracterizam nos-sos pacientes e os terapeutas que os tratam.

Existem várias maneiras de entender as patologias de personalidade. Asabordagens psicodinâmica, neurobiológica, interpessoal e cognitiva são as quemais se salientam (Lenzenweger e Clarkin, 2005). A abordagem de tratamen-to descrita aqui está baseada numa abordagem psicodinâmica da personalida-de, conforme foi desenvolvida por Kernberg (1975, 1976, 1980, 1984, 1992,2004a, 2004b), e é profundamente influenciada pela teoria psicodinâmica das

Capítulo 1Capítulo 1

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relações objetais. Utilizando esse modelo, Clarkin, Yeomans e Kernberg escre-veram um manual para o tratamento psicodinâmico de pacientes com trans-torno de personalidade borderline (Clarkin et al., 2006).

OS PACIENTES

Pacientes com diferentes formas de psicopatologia se beneficiarão comas diferentes abordagens de tratamento (Beutler et al., 2000). Em conseqüên-cia, os tratamentos psicoterápicos devem ser adequados à psicopatologia e aosrecursos psicológicos dos pacientes a serem tratados. O tratamento descrito éconcebido para tratar a patologia leve de personalidade. Os pacientes queapresentam este tipo de psicopatologia constituem um subgrupo relativamen-te saudável de pacientes dentro de um grupo maior de pacientes com patolo-gia de personalidade.

Em contraste com os transtornos de personalidade mais graves enfatizadosno DSM-IV-TR (American Psychiatric Association, 2000, publicado pela Artmed),os indivíduos com patologia leves de personalidade são em sua maioria capa-zes de se adaptar às demandas da realidade. Esses indivíduos possuem umsenso de self relativamente estável, capacidade de estabelecer e manter pelomenos alguns relacionamentos e habilidade de perseguir seus objetivos e tra-balhar de forma mais ou menos consistente ao longo do tempo. Entretanto, aspessoas com alguma patologia leve de personalidade são, apesar disso, seria-mente comprometidas em áreas centrais de funcionamento. Especificamente,esses indivíduos podem ser incapazes de estabelecer relações íntimas e/oupodem considerar suas amizades insatisfatórias. Podem ser incapazes de tra-balhar num nível compatível com seu treinamento e habilidades, ou podemser compelidos a dedicar-se inteiramente ao trabalho, negligenciando os rela-cionamentos e outros interesses. As pessoas com patologias leves de persona-lidade podem ter dificuldade em pedir ajuda aos amigos ou colegas quandoprecisam e/ou podem achar difícil fazer uso desta ajuda quando ela é ofereci-da. Esses indivíduos não são capazes de funcionar no nível máximo da suacapacidade e, com freqüência, padecem de sintomas de ansiedade e depres-são, bem como de uma infelicidade generalizada e uma diminuída satisfaçãocom a vida.

VISÃO GERAL DA PSICOTERAPIA DINÂMICA DASPATOLOGIAS LEVES DE PERSONALIDADE (PDPLP)

A PDPLP é uma aplicação clínica da teoria psicodinâmica contemporâneadas relações objetais, concebida especificamente para tratar a rigidez que ca-racteriza a patologia leve de personalidade. Dentro de um referencial psicodinâ-

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Psicoterapia dinâmica das patologias leves de personalidade 15

mico, os traços de rigidez da personalidade e a personalidade mal-adaptativasão compreendidos como manifestações de operações defensivas do pacientequando interagem com fatores de temperamento. As defesas possibilitam queo paciente evite os aspectos dolorosos e ameaçadores da sua vida interna,dissociando-os da experiência consciente que tem de si mesmo. Como as defe-sas servem a funções importantes, os pacientes não chegam facilmente ao insightdessas operações defensivas e dos conflitos a elas subjacentes.

A PDPLP é concebida para auxiliar os pacientes a ter consciência das suasoperações defensivas e conflitos psicológicos. A abordagem global é estabele-cer um relacionamento especial entre terapeuta e paciente, que facilite oafloramento dos conflitos à consciência, onde são expressos nos relaciona-mentos do paciente, incluindo o relacionamento com o terapeuta. Trazer àconsciência os conflitos inconscientes possibilita que terapeuta e paciente tra-balhem em conjunto para auxiliar o paciente a:

1. compreender as funções servidas pelas operações defensivas rígidas;2. tolerar a consciência emocional dos aspectos inaceitáveis da sua vida

interna que foram dissociados defensivamente.

Quando o paciente for capaz de experimentar integralmente as imagensconflituosas que tem de si mesmo e dos outros e puder assimilar essas imagensna sua experiência consciente, diminuirá a sua necessidade de manter rigida-mente as operações defensivas. Esse processo introduzirá maior flexibilidadeàs operações defensivas do paciente, diminuirá a rigidez da personalidade eirá aprofundar e ampliar sua experiência emocional. Na PDPLP não temos opropósito de abordar todos os conflitos do paciente e áreas com funcionamen-to mal-adaptativo; ao contrário, a PDPLP focaliza as áreas de conflito e rigidezassociadas às queixas apresentadas pelo paciente e os objetivos do tratamentomutuamente acordados entre paciente e terapeuta.

É difícil predizer que ritmo terá este trabalho, e haverá muitas variações,dependendo do grau de rigidez das defesas do paciente, da habilidade doterapeuta e da prontidão e capacidade de auto-observação do paciente. Assim,não podemos afirmar para o leitor que uma intervenção em particular aconte-cerá na sessão 4 ou na sessão 40. Ao invés disso, oferecemos um conjunto detécnicas baseadas em princípios clínicos fundamentais e uma progressão edesdobramentos esperados do tratamento. Para possibilitar que o leitor apren-da a realizar um tratamento desse tipo, que é bastante flexível e variável noseu curso e de duração relativamente longa, apresentamos uma descrição cla-ra de objetivos, estratégias, táticas e técnicas de tratamento. O terapeuta queentender os objetivos e as estratégias do tratamento, assim como o modelo dofuncionamento mental e a mudança terapêutica sobre a qual o tratamentoestá construído, estará na melhor posição possível para realizar o trabalho deforma efetiva.

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16 Caligor, Kernberg & Clarkin

Rigidez da personalidade, conflitos inconscientes1

e relações objetais internas na PDPLP

Dentro de um referêncial psicodinâmico, os conflitos psicológicos sãovistos como organizados em torno de desejos, necessidades ou temores quesão intensos e altamente motivados, aos quais nos referimos como motivaçõesconflitantes. As motivações que comumente estão envolvidas em conflitos in-cluem as relacionadas com desejo sexual, ódio, sadismo, competição, poder,autonomia e auto-estima, bem como o desejo de ser amado, admirado oucuidado. No modelo psicodinâmico, as motivações conflitantes são afastadasda consciência porque a sua expressão poderia ser dolorosa ou ameaçadora,levando a sentimentos desagradáveis, como ansiedade, culpa, medo, depres-são ou vergonha. Por exemplo, o indivíduo pode pensar “Quando eu sou mes-quinho, isso me transforma numa pessoa má.”, ou “Se eu buscar amor e apoioem alguém, serei humilhado.”. As operações defensivas que funcionam paramanter fora da consciência essas motivações potencialmente ameaçadoras in-troduzem rigidez no funcionamento da personalidade.

As motivações conflitantes podem ser conceituadas em termos de ima-gens de relações desejadas, necessitadas ou temidas, ou padrões de relaciona-mentos internalizados (Kernberg, 1992). No exemplo, “ser mesquinho” podeser vivenciado em termos de um self que é hostil e prejudicial a alguém menosforte, enquanto que o desejo de ser cuidado pode ser representado como umself feliz e dependente, sendo nutrido por uma mãe cuidadosa. Assim, a rigi-dez da personalidade resultante do conflito psicológico pode ser entendidacomo uma necessidade de defender-se da consciência de padrões de relacio-namento internalizados que são dolorosos e ameaçadores e dos estados afetivosa eles associados.

Na teoria psicodinâmica das relações objetais, os padrões de relaciona-mento internalizados são vistos como organizadores essenciais do funciona-mento psicológico. Esses padrões de relacionamento são chamados de relaçõesobjetais internas e são entendidos como uma imagem do self que interage com

1 O termo inconsciente foi sugerido por Sigmund Freud para referir-se a aspectos daexperiência psicológica que são inteiramente inacessíveis à consciência. Este uso dotermo enfatiza o papel que a repressão e as defesas relacionadas desempenham na vidapsicológica. Entretanto, neste livro, utilizamos o termo num sentido mais geral, parafazer referência a todos os aspectos da experiência psicológica que no momento atualestão, defensivamente, dissociados da consciência. Assim, quando utilizamos o termoinconsciente incluímos não apenas os aspectos da experiência interna que estão repri-midos, mas também pensamentos, sentimentos e percepções que são seletivamentedeixados de lado ou cujo significado é negado ou não admitido.

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Psicoterapia dinâmica das patologias leves de personalidade 17

outra pessoa (chamada de objeto2 ), vinculada a um estado afetivo particular.É de interesse saber que outras disciplinas desenvolveram construções muitosimilares; a teoria do apego enfatiza o importante papel desempenhado pelosmodelos de funcionamento interno como organizadores da atividade mental(Bretherton, 1995; Fonagy, 2001); a teoria cognitivo-comportamental refere-se a esquemas cognitivos (Beck et al., 1979; Clark et al., 1999); a neurociênciacognitiva encara essas estruturas como “redes neurais associativas” (Gabbard,2001; Westen e Gabbard, 2002).

Kernberg (1976) sugere que as relações objetais internas são derivadasdas interações com pessoas significativas e investidas emocionalmente, queforam internalizadas durante o desenvolvimento e organizadas para formarestruturas permanentes de memória. Nesse contexto, o termo estrutura refere-se a um padrão de funções psicológicas que é estável, ativado repetitiva epermanentemente, que organiza a conduta, as percepções e a experiência sub-jetiva do indivíduo. Embora sejam formadas por relacionamentos passados, asrelações objetais internas não têm necessariamente uma correspondência deum para um com as interações reais passadas com os outros significativos. Aoinvés disso, as representações internas do self e do outro refletem uma combi-nação de aspectos das relações passadas reais (interpessoais) e fantasiadas,bem como as defesas em relação a ambos os aspectos. Embora as relações comos objetos internos tenham a tendência de ser relativamente estáveis ao longodo tempo, elas são potencialmente modificáveis.

Estratégias, táticas e técnicas da PDPLP

As estratégias de um tratamento são o arcabouço que organiza o trata-mento como um todo, com o objetivo de alcançar as metas. Na PDPLP, a estra-tégia básica utilizada para alcançar o objetivo de reduzir a rigidez da persona-lidade é trazer para dentro do tratamento os padrões de relacionamentointernalizados que estão subjacentes às queixas apresentadas pelo paciente,de modo que possam ser identificados, explorados e elaborados. Na PDPLP, ospadrões de relacionamento conflituosos são trabalhados no contexto dos rela-cionamentos atuais importantes para o paciente, incluindo a relação com oterapeuta. O setting do tratamento e a relação psicoterápica são planejadosespecificamente para promover a emergência na consciência dos conflitos in-conscientes e os padrões de relacionamento.

2 Na terminologia psicanalítica, a palavra objeto é usada, por razões históricas e, decerta forma, infelizmente, para referir-se a uma pessoa com quem o sujeito tem umrelacionamento. Da mesma forma, o termo objeto interno é usado para referir-se àrepresentação ou presença do outro no interior da mente do sujeito.

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18 Caligor, Kernberg & Clarkin

As táticas são princípios que o terapeuta utiliza para orientar a tomadade decisão em cada sessão no tocante a quando, onde e como intervir. Na PDPLPo terapeuta identifica, em cada sessão, o assunto dominante afetivamente quese expressa na comunicação verbal e não-verbal do paciente, complementadapela experiência emocional do terapeuta nas suas interações com o paciente.

Após identificar o assunto dominante, ou o “tema prioritário”, o terapeutafaz uma conexão com o conflito dominante inconsciente que esse tema repre-senta e descreve as representações do self e do outro que estão associadas aesse conflito. Quando o conflito é definido, ele é explorado sistematicamente,num movimento que vai desde os aspectos conscientes da experiência até osaspectos que são menos acessíveis à consciência, e desde as defesas até ospadrões de relacionamento subjacentes e conflituosos. Quando um conflitoentra em foco, o terapeuta interpretará esse conflito em função da sua relaçãocom as queixas apresentadas pelo paciente e com os objetivos do tratamento.

Em uma dada sessão em PDPLP, o assunto dominante afetivamente poderecair sobre a relação com o terapeuta ou uma relação com outra pessoa quenão o terapeuta. À medida que o tratamento progride, existe uma focalizaçãocrescente na relação com o terapeuta, e ela pode ser conectada a outras rela-ções importantes, passadas e presentes. Esse triângulo (Malan, 2004), forma-do por transferência, relações presentes e relações importantes do desenvolvi-mento no passado, vem servir como uma janela para que se visualizem asrelações objetais internas atuais do paciente e os conflitos inconscientes.

As técnicas são as ferramentas que o terapeuta emprega na interação como paciente – métodos específicos que o terapeuta utiliza, momento a momento,em cada sessão, quando escuta o paciente e quando faz alguma intervenção.As técnicas empregadas pelo terapeuta na PDPLP são a continência, o uso dacontratransferência, a análise da resistência, a interpretação dos conflitos psico-lógicos e uma forma especial de “escuta” psicoterápica. A PDPLP não faz usode técnicas suportivas, como o encorajamento ou o aconselhamento. Na PDPLP,a utilização de técnicas suportivas representa um desvio da neutralidade técnica.

QUAIS TRATAMENTOS PARA QUAIS PACIENTES?

Os pacientes com patologias leves de personalidade têm um prognósticofavorável e, provavelmente, poderão se beneficiar com várias abordagens detratamento, abrangendo desde os tratamentos de apoio ou focais de curtaduração, num extremo do espectro, até a psicanálise no outro extremo doespectro. Os tratamentos de apoio e focais baseados na psicodinâmica centram-se no alívio relativamente rápido dos sintomas; a alteração da personalidadesubjacente não é geralmente um objetivo. Em contraste, o objetivo da psicaná-lise é modificar a personalidade do paciente de forma relativamente abrangente,

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Psicoterapia dinâmica das patologias leves de personalidade 19

proporcionando a oportunidade de elaborar todas as áreas principais do con-flito inconsciente num tratamento intensivo, durante o curso de muitos anos.

Assim como a psicanálise, o tratamento descrito neste livro é concebidopara modificar a rigidez da personalidade. Entretanto, o tratamento é diferen-te da psicanálise na medida em que é projetado para focalizar áreas específi-cas do conflito e não se apóia tão fortemente na interpretação da transferênciaquanto a psicanálise. Essa modificação dos objetivos e as técnicas psicanalíti-cas clássicas são compatíveis com um tratamento de duração mais curta (ge-ralmente 1 – 4 anos) e de menor intensidade do que a psicanálise (duas ses-sões semanais).

Os pacientes com patologia leve de personalidade que possuem um trans-torno afetivo ou de ansiedade concomitante podem se beneficiar com terapiascognitivo-comportamentais e interpessoais (TCC, TIP), com psicoterapiapsicodinâmica breve (PPB) (Lambert e Ogles, 2004), e também com medica-ção. Estes tratamentos foram concebidos especificamente para tratar transtor-nos de ansiedade e depressão. As PPBs são tratamentos com um tempo limita-do, baseados em princípios psicodinâmicos que estão organizados em torno deum sintoma, conflito ou padrão de relacionamento específico. Tanto a TCCquanto a TIP são tratamentos não-psicodinâmicos que têm o foco nos padrõesde resposta do indivíduo a estímulos ambientais de vários tipos. Os tratamen-tos cognitivo-comportamentais enfocam e tentam modificar os comportamen-tos repetitivos e os padrões de cognição que são mal-adaptativos. A psicoterapiainterpessoal enfoca e tenta modificar os padrões interpessoais mal-adaptativose melhorar as relações interpessoais atuais do paciente.

A pergunta sobre quais as formas de psicoterapia mais apropriadas paradeterminados pacientes é importante e controvertida. Em nossa experiência,quando os pacientes com patologia de personalidade são vistos na consulta, atomada de decisão é freqüentemente turvada pela confusão entre os planos detratamento que objetivam melhorar os sintomas e aqueles que objetivam me-lhorar os traços de personalidade mal-adaptados. Como muitos, se não a maio-ria, dos pacientes com patologia leve de personalidade que se apresentampara tratamento vêm inicialmente em busca de alívio dos sintomas, faz-se ne-cessária uma consideração muito clara a respeito dos objetivos do tratamento.É importante que se formule um plano de tratamento que seja compatível comos objetivos do paciente, e o terapeuta deve assegurar-se de que o pacientecompreende inteiramente e aprova o plano de tratamento antes de iniciá-lo.Na formulação de um plano, é necessário distinguir-se entre tratamentos queobjetivam melhorar os sintomas e a PDPLP, que tem como objetivo melhorar asmanifestações da rigidez da personalidade.

Não achamos que a PDPLP seja o tratamento mais eficiente ou o melhortratamento para muitos dos transtornos que trazem os pacientes ao tratamen-to – como os transtornos depressivos, transtornos de ansiedade, abuso de subs-

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tâncias, transtornos alimentares ou disfunção sexual. Ao mesmo tempo, estáclaro que os tratamentos tradicionais para estas desordens não são planejadospara tratar a estrutura subjacente da personalidade em que o transtorno estáinserido. Em conseqüência, para os pacientes com patologia leve de personali-dade que apresentam sintomas para os quais existem tratamentos estabeleci-dos com eficácia documentada, a otimização do tratamento incluirá uma dis-cussão explícita dos objetivos do tratamento e uma compreensão clara sobre oque os tratamentos disponíveis podem oferecer. Com freqüência, combinar otratamento sintomático com a PDPLP, seja seqüencial ou concomitantemente,será a solução mais prática e o plano de tratamento melhor estruturado paraatender às necessidades destes pacientes. Discutimos a combinação da PDPLPcom a administração medicamentosa e outras formas de terapia no Capítulo11 deste livro.

Nem todos os pacientes com patologia de personalidade que buscam aju-da estão interessados num tratamento intensivo e de duração relativamentelonga como a PDPLP, e alguns pacientes com uma patologia de personalidaderelativamente leve podem não precisar da PDPLP. A decisão quanto a empre-ender ou não uma PDPLP é pessoal, e deve ser tomada pelo paciente durantea consulta com seu terapeuta. Contudo, para a maioria dos pacientes que es-tão interessados no tratamento da patologia leve de personalidade recomen-damos a PDPLP. Acreditamos que a PDPLP oferece a uma ampla gama de pa-cientes a oportunidade de modificar o funcionamento mal-adaptativo da per-sonalidade, de forma que possam melhorar permanentemente a sua qualida-de de vida.

LEITURAS SUGERIDAS

Clarkin JO, Yeomans FO, Kernberg OF: Psychotherapy for Borderline Personality. Washing-ton, DC, American Psychiatric Publishing, 2006

Gabbard GO: What can neuroscience teach us about transference? Can J Psychoanal 9:1-18,2001

Kernberg OF: Psychoanalytic object relations theories, in Contemporary Controversies inPsychoanalytic Theory, Techniques, and Their Applications. New Haven, CT, Yale UniversityPress, 2004, pp 26-47

Leichsenring F, Leibing E: The effectiveness of psychodynamic therapy and cognitive behaviortherapy in the treatment of personality disorders: a meta-analysis. Am J Psychiatry 160:1223-1232, 2003

Ogden TH: Internal object relations, in Matrix of the Mind: Object Relations and thePsychoanalytic Dialogue (1986). North vale, NJ,]asonAronson, 1993, pp 133-165

Rockland L: Supportive Therapy: A Psychodynamic Approach. New York, Basic Books, 1989

Sandler J, SandIer AM: A theory of internal object relations, in Internal Objects Revisited.Madison, CT, International Universities Press, 1998, pp 121-140

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Psicoterapia dinâmica das patologias leves de personalidade 21

Parte I

COMPREENSÃO TEÓRICADAS PATOLOGIAS LEVES

DE PERSONALIDADE

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Uma abordagem psicodinâmicada patologia de personalidade

Neste capítulo, apresentamos uma abordagem psicodinâmica das patologiasde personalidade. Descrevemos a psicopatologia que a psicoterapia dinâmicadas patologias leves de personalidade (PDPLP) se propõe a tratar e definimosa população de pacientes que tem maior probabilidade de se beneficiar comeste tratamento. Enfocamos em particular a rigidez que caracteriza a patolo-gia leve de personalidade e descrevemos a apresentação clínica da rigidez dapersonalidade nessa população de pacientes. Também exploramos o espectrodas operações defensivas associadas à rigidez da personalidade. Concluímos ocapítulo com uma introdução ao conflito inconsciente e à relação entre o con-flito inconsciente e as relações com os objetos internos na patologia de perso-nalidade.

PERSONALIDADE E PATOLOGIA DE PERSONALIDADE

Definição de personalidade e patologia de personalidade

Personalidade refere-se à organização dinâmica de padrões constantes decomportamento, cognição, emoção, motivação e formas de se relacionar comos outros característicos de um indivíduo. A personalidade de um indivíduo éparte integrante da sua experiência consigo mesmo e com o mundo – a talponto que ele pode ter dificuldade de se imaginar sendo diferente. As relaçõesentre os padrões de comportamento, cognição, emoção e interpessoais quesão organizados para compor a personalidade de um indivíduo são chamadas

Capítulo 2Capítulo 2

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24 Caligor, Kernberg & Clarkin

de traços de personalidade. Os clínicos psicodinâmicos usam por vezes os ter-mos caráter e traços de caráter para se referirem àqueles aspectos da persona-lidade que são determinados predominantemente pelos fatores psicológicos ede desenvolvimento, em contraste com os que refletem fatores predominante-mente de temperamento.

Uma descrição da personalidade incluirá:

1. a natureza e o nível de organização dos traços de personalidade;2. o grau de flexibilidade ou rigidez com os quais os traços de personali-

dade são ativados no decorrer das situações;3. até que ponto os traços de personalidade são adaptativos ou até onde

interferem no funcionamento e provocam angústia;4. a natureza dos valores éticos e dos ideais do indivíduo;5. sua forma costumeira de adaptação (ou falha na adaptação) aos

estressores psicossociais.

Esses componentes diretamente observáveis do funcionamento da perso-nalidade compreendem as características descritivas da personalidade e da pa-tologia da personalidade de um indivíduo.

Na personalidade normal, os traços de personalidade não são extremos,e são ativados de forma flexível e adaptativa nas diferentes situações. Nestecontexto, podemos dizer que, na ausência de uma psicopatologia, um indiví-duo possui um “estilo” particular de personalidade, por exemplo, obsessivo-compulsivo ou histriônico. Quando os traços de personalidade se tornam maisextremos e são ativados de forma mais inflexível no decorrer das situações,vamos avançando de um funcionamento normal da personalidade em direçãoa graus crescentes de patologia de personalidade, até que, no extremo maisgrave do espectro, os traços de personalidade tornam-se gritantemente mal-adaptativos e com um funcionamento disruptivo. Independentemente da pa-tologia de personalidade ser relativamente leve ou mais grave, ela está pordefinição associada a algum grau de angústia e/ou prejuízo no funcionamentosocial ou ocupacional. A patologia de personalidade é relativamente estávelao longo do tempo, tendo sua aparição no início da idade adulta.

O objetivo da PDPLP é direcionar-se para os aspectos da personalidadeque são predominantemente de origem psicológica, refletindo a ativação in-flexível e mal-adaptativa das operações defensivas do paciente. Contudo, éimportante observar que nem toda a rigidez da personalidade é determinadapsicologicamente. Ao contrário, muitos aspectos da personalidade, por exem-plo a timidez ou a busca de estímulos, refletem fatores de temperamento combase genética. Além disso, alguns traços de personalidade que podem parecerrefletir uma rigidez do caráter, como um ponto de vista depressivo ou umatendência a ruminações ansiosas, podem de fato ser a expressão de uma doen-ça afetiva não diagnosticada ou um transtorno de ansiedade.

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Psicoterapia dinâmica das patologias leves de personalidade 25

Uma descrição psicodinâmica dapersonalidade e da patologia de personalidade

A partir de uma perspectiva psicodinâmica, uma descrição abrangente dapatologia de personalidade incluirá:

1. as características descritivas do transtorno;2. uma formulação a respeito da organização estrutural subjacente às

características descritivas;3. uma teoria sobre a psicodinâmica do paciente, que dê um significado

às características descritivas e estruturais da personalidade do paciente.

A avaliação das características descritivas fornece informações a respeitodas queixas e problemas atuais, dos traços mal-adaptativos da personalidade edas relações com os outros, e pode ser utilizada para formular-se um diagnósticodescritivo (isto é, o tipo de diagnóstico feito através do DSM-IV-TR [AmericanPsychiatric Association, 2000]). Uma formulação estrutural (descrita abaixo etambém no Capítulo 9, “Avaliação do Paciente e Planejamento Diferenciadodo Tratamento Diferencial”) proporciona informações a respeito da gravidadeda patologia da personalidade sob a ótica da experiência que o indivíduo temde si mesmo e dos outros que lhe são significativos, das relações objetais, ope-rações defensivas e do teste de realidade (Kernberg, 1984). Ao mesmo tempo,as avaliações descritiva e estrutural oferecem ao clínico uma apreciação claradas dificuldades objetivas e subjetivas do paciente e fornecem as informaçõesnecessárias para fazer-se um diagnóstico e nortear o plano de tratamento.

Embora as avaliações descritiva e estrutural sejam suficientes para sefazer um diagnóstico, uma descrição abrangente da psicodinâmica da psi-copatologia também incluirá o conhecimento das motivações inconscientes eos conflitos psicológicos subjacentes ao transtorno. Isso porque os modelospsicodinâmicos da mente e do tratamento pressupõem a idéia de que muito doque as pessoas fazem e sentem é motivado inconscientemente. É trazendo àtona os conflitos inconscientes subjacentes aos sentimentos manifestos e con-dutas do paciente que o terapeuta psicodinâmico dará significado às dificulda-des aparentemente irracionais que trazem o paciente ao tratamento. E é atra-vés da exploração e elaboração dos significados e motivações subjacentes queo terapeuta psicodinâmico ajudará o paciente a desenvolver maior flexibilida-de e adaptação.

PATOLOGIA LEVE DE PERSONALIDADE

O tratamento descrito neste livro é concebido para tratar a rigidez dapersonalidade, que se manifesta através de traços de personalidade inflexíveis

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26 Caligor, Kernberg & Clarkin

e mal-adaptativos e dos sintomas associados, em pacientes que apresentam oque chamamos de patologia leve de personalidade. Na seção a seguir defini-mos esta população de pacientes a partir de três perspectivas diferentes. Inicia-mos pelas considerações diagnósticas. A seguir, detalhamos as característicasdescritivas da patologia leve de personalidade, detendo-nos no papel dos tra-ços de personalidade mal-adaptativos. Por fim, discutimos como esse grupo depacientes pode ser definido utilizando-se a abordagem psicodinâmica e estru-tural de Kernberg (1984) para a classificação da patologia de personalidade.

Características diagnósticasda patologia leve de personalidade

Os pacientes que a PDPLP se propõe a tratar formam uma subpopulaçãorelativamente saudável em meio aos indivíduos com patologia de personalida-de. Embora alguns preencham os critérios para o transtorno de personalidadedo DSM-IV-TR, muitos deles não os preenchem. Ao contrário, a maioria dospacientes com patologia leve de personalidade apresenta um diagnóstico cli-nicamente significativo, porém “abaixo do limite de classificação” do diagnós-tico do DSM-IV-TR ou, então, uma patologia que se inclui de forma incompletano Eixo II do DSM-IV-TR.

O Eixo II do DSM-IV-TR fornece o diagnóstico de transtorno de persona-lidade em categorias. Para cada transtorno de personalidade, os traços de per-sonalidade tendem a agrupar-se em constelações familiares que são listadascomo critérios diagnósticos, e o diagnóstico particular de um transtorno depersonalidade é feito quando o indivíduo preenche um número específico decritérios (por exemplo, cinco de nove para transtorno de personalidadeborderline). O ponto de corte para se diagnosticar um transtorno de personali-dade é até certo ponto arbitrário (isto é, se um indivíduo preenche x critérios,possui um transtorno de personalidade, e se preenche x-1 critérios, ele nãopossui o transtorno), e o grupo de trabalho do DSM-IV escolheu limites relati-vamente altos para satisfazer o diagnóstico (Widiger, 1993). O resultado é quemuitas formas mais leves de transtornos de personalidade e de patologias depersonalidade se incluem de forma incompleta no Eixo II do DSM-IV-TR. Aescassa abrangência que a classificação atual do Eixo II do DSM apresentapara as várias formas de patologia de personalidade recebeu atenção em ou-tros trabalhos (Westen e Arkowitz-Westen, 1988; Widiger e Mullins-Sweatt,2005).

Existem evidências de que a patologia leve de personalidade é comum eclinicamente significativa. Westen e Arkowitz-Westen (1998) pesquisaram umaamostra de 238 psiquiatras e psicólogos, os quais relataram que 60% dos pacien-tes que se apresentam com patologia de personalidade clinicamente significa-tiva não podiam ser diagnosticados através da utilização do DSM-IV-TR. Há

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evidências de que os níveis que estão abaixo do limite de classificação dostranstornos de personalidade do DSM afetam a saúde mental e a adaptaçãosocial (Skodol et al., 2005; Widiger, 1993), e uma pesquisa que encara a pato-logia de personalidade como parte de um continuum dos traços normais dapersonalidade sugere que mesmo um funcionamento de personalidade relati-vamente mal-adaptativo pode influenciar de forma desfavorável a adaptaçãoe a qualidade de vida (Costa e Widiger, 1994; Kendler et al., 2004).

Alguns pacientes que apresentam uma patologia leve de personalidadepreenchem os critérios para um dos transtornos de personalidade do DSM-IV-TR (Quadro 2.1). Especificamente, o transtorno de personalidade obsessivo-compulsiva, o transtorno de personalidade depressiva, descrito no Apêndice Bdo DSM-IV-TR e um subgrupo de pacientes com funcionamento relativamentealto, classificados no DSM-IV-TR como transtornos de personalidade histriônica,evitativa e dependente, constituem um grupo de transtornos do Eixo II doDSM-IV-TR. Outros pacientes com patologias leves de personalidade apresen-tam uma variedade de traços de caráter listados no Eixo II do DSM-IV-TR,porém possuem um número insuficiente de tais traços para preencher os crité-rios diagnósticos para um transtorno de personalidade. Esses pacientes podemser diagnosticados como portadores de transtornos de personalidade “abaixodo limite da classificação”, segundo o atual sistema do DSM, ou como porta-dores de “traços” de transtorno de personalidade caso apenas alguns poucoscritérios estejam presentes (Oldham e Skodol, 2000). Por fim, muitos pacien-tes com patologias leves de personalidade apresentam traços de personalida-de mal-adaptativos que são descritos de forma incompleta no atual sistemadiagnóstico do DSM-IV-TR, embora sejam comumente encontrados na práticaclínica. Incluímos aqui problemas com intimidade e compromisso, timidez,baixa auto-estima, desvalorização dos outros e inibições no trabalho.

Quadro 2.1Transtornos de Personalidade do DSM-IV-TR diagnosticadosem pacientes com patologias leves de personalidade

Transtorno de Personalidade Evitativa

Transtorno de Personalidade Dependente

Transtorno de Personalidade Depressiva (critérios de pesquisa)

Transtorno de Personalidade Histriônica

Transtorno de Personalidade Obsessivo-Compulsiva

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28 Caligor, Kernberg & Clarkin

O Manual de Diagnóstico Psicanalítico (Psychoanalytic Diagnostic Manual –PDM – Grupo de Trabalho, 2006) apresenta uma abordagem psicanalítica con-temporânea da patologia de personalidade e dos transtornos de personalida-de. Este livro apresenta uma perspectiva dimensional sobre a patologia depersonalidade, que é atualmente adotada por muitos psicanalistas clínicos, etambém fornece uma descrição com orientação psicodinâmica dos transtornosde personalidade mais comumente identificados. Dentro dessa estruturadiagnóstica psicanalítica, muitos pacientes com patologias leves de personali-dade encaixam-se no grupo dos “transtornos neuróticos de personalidade”. Ostranstornos neuróticos de personalidade constituem uma classe de transtor-nos de personalidade relativamente leves, num continuum com a personalida-de normal, porém caracterizados por estilos de personalidade que são excessi-vamente rígidos. Os transtornos neuróticos de personalidade mais comumentedescritos são o transtorno de personalidade obsessiva e/ou compulsiva, o trans-torno de personalidade histérica (que é uma versão com funcionamento maisalto e menos extremo do transtorno de personalidade histriônica) e o transtor-no de personalidade depressiva ou depressivo-masoquista (PDM – Grupo deTrabalho, 2006).

Características descritivas dapatologia leve de personalidade

O fenômeno-chave observável que está associado à patologias leve depersonalidade é a inflexibilidade ou rigidez. A rigidez da personalidade mani-festa-se como um conjunto de traços de personalidade ou como um “estilo”particular de personalidade que é acionado de maneira inflexível no decorrerde uma variedade de situações. A rigidez da personalidade também pode ser acausa de sintomas psicológicos. Quando falamos de rigidez no contexto dapatologia da personalidade, isto implica que os traços de personalidade sãoaté certo ponto mal-adaptativos ou motivo de angústia para o indivíduo compatologia de personalidade e/ou para as pessoas ao seu redor.

Quando os traços de personalidade são rígidos, eles são automática erepetidamente ativados, independente de serem ou não adaptativos ou apro-priados a uma dada situação, e os esforços conscientes para contê-los ou alterá-los tipicamente geram ansiedade. Os traços de personalidade são consistentese estáveis em todas as situações e ao longo do tempo, e são resistentes a mu-danças resultantes da experiência, aprendizagem, circunstâncias novas ou es-colhas. No extremo menos grave do espectro, tais traços de personalidadepodem ser egossintônicos; embora visíveis para os outros, eles são tipicamenteinvisíveis para a pessoa que os exibe. Nos casos mais graves de rigidez dapersonalidade, os traços são abertamente patológicos, e com freqüência o indi-víduo perceberá que certos traços interferem na sua resposta às demandas do

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ambiente e às suas necessidades internas. Entretanto, o indivíduo, mesmo quan-do está consciente e preocupado com os traços mal-adaptativos, pode desco-brir que é incapaz de modificá-los. Ao contrário, ele pode dar-se conta de queestá cometendo os mesmo erros repetidamente, apesar dos conselhos que re-cebe e dos seus próprios esforços.

Além dos traços de personalidade mal-adaptativos, a patologia leve depersonalidade pode ser associada a uma ampla variedade de sintomas quepodem incluir sintomas físicos, perturbações do humor, transtornos do pen-samento e ativação anormal ou inibição da conduta. Exemplos comuns desintomas físicos que podem resultar de causas psicológicas incluem fadigapsicogênica, sintomas conversivos e disfunção erétil. Os sintomas emocionaisincluem ansiedade e depressão leve. Os sintomas cognitivos comuns que podemacompanhar a rigidez da personalidade são as preocupações hipocondríacas eos sentimentos compulsivos e intrusivos de pesar. Os transtornos da condutaincluem inibições sexuais e a evitação de situações que possam gerar ansiedade.

ILUSTRAÇÃO CLÍNICA DE RIGIDEZ DA PERSONALIDADE

Um jovem obtinha muito prazer em ser simpático e sempre queria agra-dar nas suas interações com os outros. Ele não estava inteiramente cons-ciente destes traços de personalidade, e certamente não os experienciavacomo um problema, até que se tornou advogado e lhe disseram, ao ava-liarem seu trabalho, que precisava ser mais confrontador no tribunal.Em resposta, o jovem resolveu alterar seu comportamento. Todos os dias,antes de entrar no tribunal, ele dizia a si mesmo que se conduziria deforma mais confrontadora. Contudo, quando estava no tribunal e sedefrontava com um adversário, este homem sentia-se invariavelmenteansioso. Logo em seguida ele se dava conta de que estava agindo confor-me o usual, de maneira afável e conciliadora.

Características estruturais dapatologia leve de personalidade

O modelo de psicopatologia e o tratamento descritos aqui são derivadosda teoria dos transtornos de personalidade desenvolvidos por Kernberg (1975,1976, 1980, 1984, 2004a, 2004b), baseada na teoria psicodinâmica das rela-ções objetais. A abordagem de Kernberg sobre a personalidade focaliza-se nas“estruturas” psicológicas consideradas como base das características descriti-vas do funcionamento da personalidade normal e da psicopatologia de perso-nalidade. Num esquema de referência psicodinâmico, as estruturas psicológicassão entendidas como padrões de funcionamento estáveis e duradouros quesão repetitivamente ativados em circunstâncias particulares. As estruturas psi-cológicas organizam a conduta, as percepções e a experiência subjetiva doindivíduo.

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30 Caligor, Kernberg & Clarkin

No modelo de Kernberg, as relações com os objetos internos (apresenta-das no Capítulo 1, na seção “Visão geral da PDPLP”), cada uma constituindouma representação do self interagindo com a representação de outra pessoa eassociada a um estado afetivo particular, são as estruturas psicológicas maisbásicas. Kernberg sugere que os grupos de relações com os objetos internosque servem a funções correlatas são organizados para formar estruturas psico-lógicas de uma ordem superior. Kernberg (2006) detém-se em particular naidentidade, a estrutura psicológica de ordem superior responsável pelo sensode self do indivíduo e também pela sua percepção dos outros significativos.Kernberg contrasta a formação da identidade normal com a da identidadepatológica, a qual, conforme Erikson (1956), ele chama de síndrome de difu-são da identidade (Akhtar, 1992).

Na identidade normal, as relações com os objetos internos estão integradase organizadas para constituir um senso de self estável e coerente, em que osdiferentes aspectos da experiência do self são ativados de maneira fluida nodecorrer de diferentes situações e estados emocionais. No contexto da iden-tidade normal, a experiência do indivíduo em relação às outras pessoas signi-ficativas também está relativamente bem-integrada e estável, e o indivíduotem a capacidade de reunir os diferentes aspectos de uma outra pessoa paraformar uma imagem coerente e “inteira” do outro. Em contraste, na síndromede difusão da identidade, as relações com o objeto interno responsáveis pelosenso de self do indivíduo e dos outros indivíduos significativos estão poucointegradas e organizadas de uma maneira frágil em relação à outra. O resulta-do quanto à formação da identidade é uma série de experiências de self quesão contraditórias, relativamente incoerentes e instáveis, na ausência de um“núcleo” de senso de self integrado e consistente. No contexto da difusão daidentidade, a experiência do indivíduo em relação aos outros indivíduos signi-ficativos também está fragilmente integrada, fragmentada e instável.

Kernberg divide o universo da patologia de personalidade em dois gru-pos principais de transtornos, ou “níveis de organização da personalidade”,baseados na gravidade da patologia estrutural. No nível menos grave, os pa-cientes são caracterizados pela rigidez da personalidade mal-adaptativa, nocontexto da identidade normal. No nível mais grave, os pacientes apresentamrigidez extrema e altamente mal-adaptativa da personalidade, no contexto deuma patologia de identidade clinicamente significativa.

Kernberg ainda distingue os pacientes com identidade normal, ou conso-lidada, daqueles com patologia de identidade, com base na natureza das suasoperações defensivas dominantes e na estabilidade do seu teste de realidade(Quadro 2.2). Em suma, no grupo mais saudável, encontramos rigidez mal-adaptativa da personalidade no contexto de

1. uma identidade normal;

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Psicoterapia dinâmica das patologias leves de personalidade 31

2. com a predominância de operações defensivas leves, baseadas na re-pressão;3

3. teste de realidade intacto.

Estas características definem o “nível neurótico de organização da perso-nalidade” (NPO – Neurotic Level of Personality Organization) no sistema declassificação de Kernberg. No grupo mais grave, os pacientes apresentam rigi-dez da personalidade gravemente mal-adaptativa no contexto de

1. uma patologia de identidade clinicamente significativa;2. com predominância de operações defensivas de nível inferior basea-

das na cisão;

Quadro 2.2Diagnóstico estrutural: três níveis de organização da personalidade

Nível de organização da personalidade

Normal Neurótico Borderline

Identidade Consolidada Consolidada Poucoconsolidada

Defesas Predominam Defesas baseadas Defesas baseadasdefesas predominantemente predominantementemaduras na repressão na dissociação

Rigidez Adaptação flexível Rigidez Rigidez grave

Teste de Intacto e estável Intacto e estável Essencialmenterealidade intacto, mas se

deteriora numcontexto deintensidadeafetiva

A capacidade deler com exatidãoos estadosinternos dosoutros estácomprometida

3 Mais adiante, neste mesmo capítulo, discutimos a classificação das operações defen-sivas e o papel que a repressão e as defesas baseadas na cisão desempenham na pato-logia de personalidade.

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3. teste de realidade variável, em que o teste de realidade normal estáaparentemente intacto, mas a capacidade mais sutil de perceber ade-quadamente o estado interno dos outros está prejudicada.

Estas características definem o “nível borderline de organização da perso-nalidade” (BPO – Borderline Personality Organization).4

Embora o Quadro 2.2 apresente a classificação de Kernberg dos níveisneurótico e borderline de organização da personalidade em forma de catego-rias, na prática esse sistema diagnóstico oferece uma avaliação dimensional dapatologia de personalidade. No extremo mais saudável do espectro estão osindivíduos com identidade normal, com defesas de nível predominantementesuperior e teste de realidade estável; no extremo mais grave do espectro encon-tram-se aqueles com patologia grave da identidade, defesas de nível predomi-nantemente inferior e teste de realidade alterado. No intervalo entre os dois,encontramos uma ampla variação da psicopatologia. Isto significa dizer que aclassificação de Kernberg é conceitualizada de forma mais precisa quando des-creve um espectro contínuo da patologia de personalidade, baseado na patologiada formação da identidade, operações defensivas e teste de realidade. Comoresultado, a demarcação entre os níveis de organização neurótico e borderlineda personalidade não se traduz em categorias, e existem pacientes com patolo-gia muito leve de identidade que se apresentam com características mescladas.

O sistema de classificação de Kernberg, baseado na gravidade da patolo-gia das relações objetais, pode ser combinado com o Eixo II do DSM-IV-TRpara localizar a patologia de personalidade num espaço bidimensional, con-forme ilustrado na Figura 2.1. A patologia leve de personalidade, conforme adefinimos, corresponde ao nível neurótico de organização da personalidadede Kernberg, e também a patologia de personalidade, que se localiza na tran-sição entre os níveis NPO e BPO (isto é, pacientes com patologia leve de iden-tidade que possuem uma combinação de defesas superiores e inferiores). Emcontraste, a maioria dos pacientes com transtornos de personalidade do DSM-IV-TR encaixam-se no nível borderline de organização da personalidade deKernberg.

4 Desejamos esclarecer a distinção entre o transtorno de personalidade borderline (BPD –Borderline Personality Disorder) do DSM-IV-TR e o nível borderline de organização dapersonalidade (BPO – Borderline Personality Organization). O BPD é um transtornoespecífico de personalidade, diagnosticado com base numa constelação de característi-cas descritivas. O BPO é uma categoria muito mais abrangente, baseada em caracterís-ticas estruturais – em particular, a patologia da formação da identidade. O diagnósticode BPO inclui o de BPD do DSM-IV-TR, assim como o dos transtornos graves de perso-nalidade. Remetemos o leitor à Figura 2.1 para maior esclarecimento das relaçõesentre as categorias diagnósticas do Eixo II do DSM-IV-TR e o nível de organização dapersonalidade.

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Psicoterapia dinâmica das patologias leves de personalidade 33

Identidade no contexto clínico

A identidade normal está associada a uma experiência de self e dos ou-tros indivíduos significativos que é contínua no transcorrer do tempo e dassituações, e a uma capacidade de perceber os atributos e a experiência internados outros de uma forma que expresse complexidade, sutileza e profundida-de. A identidade normal também está associada à capacidade de investir, aolongo do tempo, em interesses profissionais, intelectuais e recreativos e a “sa-ber o que quer”, no que tange aos seus próprios valores, opiniões, gostos ecrenças. O tratamento descrito neste livro é direcionado a pacientes que apre-sentam patologia de personalidade no contexto de uma identidade relativa-mente bem consolidada. Nossa técnica psicoterápica está baseada no pressu-posto de que o paciente possui capacidades psicológicas essenciais que estão

Figura 2.1Relação entre o nível de organização da personalidade e os diagnósticos do Eixo II do DSM-IV-TR.A gravidade varia da mais leve, no topo do diagrama, até a extremamente grave, na base. As setas verticais indicam asfaixas de gravidade para cada transtorno de personalidade do DSM-IV-TR.

Introvertido Extrovertido

Gravidade

leve

Patologiasleves de

personalidade

Nívelneurótico deorganização dapersonalidade

Obsessivo-compulsivo Depressivo Histérico

Alto nívelde

organização dapersonalidade

borderline

Evitativo Dependente Histriônico

Narcisista

ParanóideBaixo nível

deorganização dapersonalidade

borderline

Transtorno dapersonalidade

borderlineEsquizóide

Esquizotípico Anti-social

Psicoseatípica

Gravidade

extrema

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associadas à consolidação da identidade e que podem estar afetadas em pacien-tes com patologia de identidade clinicamente significativa. Incluímos aqui acapacidade de comprometer-se e de investir em um tratamento de longo pra-zo, uma capacidade relativamente bem desenvolvida de auto-observação eauto-reflexão, uma capacidade de estabelecer e manter uma relação terapêu-tica com relativa facilidade, um reconhecimento da natureza simbólica do pen-samento e um controle adequado dos impulsos.

Os pacientes com patologia de identidade clinicamente significativa apre-sentam uma experiência marcada de maneira diferente de si mesmos e domundo. A patologia de identidade clinicamente significativa está associada auma percepção de si mesmo e a uma experiência dos outros indivíduos signi-ficativos que é fragmentada e instável no tempo e nas diferentes situações. Aexperiência subjetiva que o indivíduo tem dos outros tende a ser pouco dife-renciada, faltando sutileza e profundidade, e é mais ou menos polarizada (“pretoe branco”) e/ou superficial. Os gostos, opiniões e valores são inconsistentes,tipicamente adotados dos outros que fazem parte do ambiente, e podem mu-dar fácil e dramaticamente com as mudanças que ocorrem no seu meio. Oindivíduo com patologia de identidade com freqüência carece de uma capaci-dade de “ler” os outros de forma precisa e pode ser incapaz de responder comtato e adequadamente a sinais sociais sutis. A identidade fragilmente conso-lidada está associada a uma escassez de investimentos significativos na buscaprofissional, intelectual e recreativa. Embora seja mais claramente evidenteno transtorno de personalidade borderline do DSM-IV-TR, algum grau de pa-tologia de identidade caracteriza todos os transtornos graves de personali-dade. No contexto clínico, a patologia de identidade está tipicamente associa-da a uma alta taxa de abandono do tratamento, a um prejuízo na capacidadede auto-reflexão, a dificuldade em manter uma aliança terapêutica, a umatendência para o pensamento concreto com a possibilidade de comprometi-mento transitório do teste de realidade e a uma tendência à atuação impulsiva(acting out).

RIGIDEZ DA PERSONALIDADE

A patologia leve de personalidade existe num continuum com a persona-lidade normal. Em ambos os grupos vemos a consolidação da personalidadeno contexto de um teste de realidade intacto e estável. Entretanto, onde ve-mos na personalidade normal um funcionamento adaptativo e flexível, na pa-tologia leve de personalidade encontramos a rigidez mal-adaptativa da perso-nalidade.

Os traços de personalidade são em parte formados por constelações dedefesas específicas que o indivíduo tende a utilizar automatica e repetitivamente

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em circunstâncias particulares. O funcionamento adaptativo e flexível encon-trado na personalidade normal reflete a flexibilidade das operações defensi-vas “saudáveis” ou “maduras”. De forma semelhante, a rigidez que caracterizaa patologia leve de personalidade reflete a relativa inflexibilidade das opera-ções defensivas predominantes; além das operações defensivas flexíveis eadaptativas características da personalidade normal, os indivíduos com pato-logia leve de personalidade contam com defesas de “nível neurótico” baseadasna repressão, em conjunto com operações defensivas de “distorção da ima-gem” baseadas na dissociação. São a relativa estabilidade e a inflexibilidadedas defesas neuróticas e de distorção da imagem, quando empregadas no con-texto da consolidação da identidade, as responsáveis pela rigidez leve da per-sonalidade.

Em contraste, na patologia de personalidade mais grave (isto é, no nívelborderline de organização da personalidade de Kernberg, compreendendo amaioria dos transtornos de personalidade do Eixo II do DSM-IV-TR; ver Figura2.1), encontramos rigidez da personalidade no contexto da patologia de iden-tidade. A rigidez da personalidade no contexto da patologia de identidade écaracterizada por padrões de comportamento e traços de personalidade extre-mamente mal-adaptativos, contraditórios, instáveis e com freqüência social-mente inadequados.

Traços de personalidade inibidores e reativos

Nas patologias leves de personalidade, os traços de personalidade mal-adaptativos podem se apresentar como inibições dos comportamentos nor-mais (“padrões inibidores do comportamento”) ou como um exagero de certoscomportamentos (padrões “reativos” de comportamento), e muitos pacientesapresentam uma combinação dos dois. No caso dos traços de personalidadeinibidores, vemos a ausência de padrões de comportamento que seriam espe-rados ou apropriados numa dada situação. Por exemplo, um indivíduo comconflitos em torno da agressão competitiva pode adotar uma atitude geral depassividade, tanto na sua vida pessoal quanto na profissional. Esse indivíduoprovavelmente seria visto pelos outros como fraco e não-confiável, alguémque não irá avançar mesmo quando convocado a fazê-lo, e mesmo quandogostaria de fazê-lo. No caso dos traços de personalidade reativos, vemos apresença de padrões de conduta que não estão necessariamente adequados auma dada situação. Voltando ao nosso exemplo, ao invés de ser passiva, estamesma pessoa poderia habitualmente estar no controle de tudo e de todoscom quem estivesse envolvida. É provável que esse indivíduo passasse boaparte do seu tempo preocupado e ansioso, e repetidamente poderia ficar sur-preso quando descobrisse que os outros se afastam devido ao seu comporta-

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mento controlador. Entretanto, mesmo quando ele tenta recuar, percebe-seincapaz de fazê-lo.

Os traços de personalidade inibidores e reativos vistos na patologia depersonalidade podem ser contrastados com os traços de personalidadesublimatórios típicos da personalidade normal. Na sublimação, as motivaçõesconflitantes são direcionadas de forma adaptativa e construtiva, e tambémrelativamente flexível, para dentro das áreas de funcionamento não-conflitantes.Se retomarmos o exemplo acima, um indivíduo com personalidade normalpoderia lidar com os conflitos que envolvem agressão competitiva assumindocom habitual freqüência uma atitude assertiva, efetiva e firme. Esse indivíduoprovavelmente seria admirado pelos outros e seria visto como uma pessoa desucesso e alguém com quem se pode contar. Além disso, em ambientes em quea assertividade poderia ser inadequada, uma personalidade normal teria capa-cidade de controlar seus desejos de ser mais assertivo e modificaria a sua con-duta de uma forma adequada à situação.

Apresentação clínica da rigidez dapersonalidade na patologia leve de personalidade

A rigidez da personalidade no contexto da patologia leve de personalida-de manifesta-se como uma incapacidade de adaptar-se com serenidade às fon-tes internas e externas de ansiedade ou conflito (“estressores”). Em algumaspessoas, a rigidez se manifesta como uma dificuldade em “tolerar os golpes davida” ou “rir das adversidades”. Ou então, quando as coisas dão errado ou nãosaem conforme planejado, estes indivíduos tendem a preocupar-se excessiva-mente e de maneira improdutiva. Em geral continuam a pensar num proble-ma ou desapontamento mesmo quando não há nada mais que possa ser feito,encontrando dificuldade em simplesmente “deixar para lá” ou “deixar a solu-ção para o dia seguinte”. Estas pessoas com freqüência precisam sentir-se “nocontrole” e, em conseqüência, quando se defrontam com um problema, ten-dem à auto-acusação. Além disso, elas têm dificuldade de deixar as coisasacontecerem por si ou de abandonar algo ou modificar o curso no meio docaminho.

Por outro lado, a rigidez leve da personalidade pode apresentar-se comouma “despreocupada” negligência das emoções desagradáveis associadas asituações dolorosas ou conflitantes. As emoções dolorosas e as circunstânciasque as estimulam podem ser vivenciadas de maneira transitória e depois es-quecidas, ou até mesmo ser inteiramente desconsideradas. Estas pessoas po-dem falhar em perceber ou assumir a responsabilidade pelo impacto que pro-vocam nos outros. Ao invés de ruminar a respeito de um problema, as pessoasdo grupo provavelmente esquecerão que ele existe ou irão racionalizar que ele

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não tem importância e, diante de situações estressantes ou conflitantes, insis-tirão em afirmar que tudo está bem.

Outras manifestações comuns de rigidez da patologia leve de personali-dade são as inibições em relação à sexualidade, intimidade e sucesso profissio-nal. Estas áreas com funcionamento abaixo do ideal são tipicamente motivode frustração e desapontamento para os indivíduos que, apesar dos seus me-lhores esforços, percebem-se incapazes de fazer mudanças nestas áreas. Asinibições podem se apresentar nas áreas de conflito sob a forma de uma auto-avaliação distorcida. Por exemplo, um paciente pode considerar que não temsucesso, quando na realidade é bem-sucedido, ou pode se achar sem atrativos,quando de fato é muito atraente. Em geral os pacientes com rigidez leve dapersonalidade com freqüência têm dificuldade de ver a si mesmos na sua tota-lidade, como os outros os vêem, apegando-se tipicamente a uma visãoindevidamente negativa ou infantil de si mesmos, apesar de anos de feedbackexterno lhes mostrarem o contrário.

ILUSTRAÇÕES CLÍNICAS DE RIGIDEZ DAPERSONALIDADE NA PATOLOGIA LEVE DE PERSONALIDADE

Uma profissional, em conflito com a busca das suas próprias necessida-des em oposição às dos outros e perfeccionista em relação ao seu traba-lho como consultora financeira, estava tendo dificuldade para engravidar.Muito embora tenha prometido a si mesma e ao seu terapeuta que com-pareceria às consultas com o médico que tratava a sua infertilidade, jáque era intensa a sua agenda de trabalho, sempre que havia algum con-flito com as necessidades dos clientes ela se sentia ansiosa até o pontode cancelar sua consulta com o médico. Esta funcionária altamente va-lorizada sempre desempenhou seu trabalho da melhor forma possível, enão conseguia se imaginar agindo de forma diferente. Mesmo assim,freqüentemente duvidava do seu nível de desempenho e permanecianum estado crônico de ansiedade, ao ponto de seus superiores começa-rem a encará-la como “descuidada”.

Outra paciente, sócia de uma grande firma de advocacia, sentia-serotineiramente ansiosa e sem ação quando confrontada com situaçõesdifíceis na sua vida pessoal. Ela tentava lidar com a ansiedade pedindoque seu marido lhe reassegurasse, repetidamente, que tudo ficaria bem.Ao fazer isso, a paciente sentia-se irracional e infantil, mas quando ten-tava restringir seus pedidos de reasseguramento, sentia-se muito apreen-siva. Apesar do sucesso profissional, na vida pessoal esta paciente sen-tia-se com pouco valor – nas suas próprias palavras, “dispensável” – ape-sar do amor e da clara admiração de seu marido e filhos.

Um homem de negócios, em terapia há um ano e apaixonado pelaprimeira vez, deu-se conta de que ficava deprimido e ansioso sempreque as coisas ficavam mais afetuosas ou íntimas com sua namorada. Eleconseguia prever que isso iria acontecer, mas não conseguia evitá-lo.Nesses momentos, entrava em pânico com a preocupação de que sua

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namorada pudesse estar perdendo o interesse por ele ou estivesse fler-tando com outro homem. Esse medo era exacerbado pela sua dificulda-de em manter a ereção durante a relação sexual.

Pacientes com patologias leves de personalidade apresentam alguma com-binação dos tipos de comportamentos, pensamentos e sentimentos que acaba-mos de descrever. Mais comumente, os pacientes vistos em consulta queixam-se de sintomas de ansiedade ou depressão, juntamente com a dificuldade demanter relacionamentos íntimos de longa duração ou desempenhar todo oseu potencial no trabalho. Talvez a apresentação inicial mais comum seja a deuma pessoa com sucesso profissional, que tem amizades satisfatórias, mas nãoconsegue estabelecer um relacionamento íntimo de longa duração com seuparceiro. Estes pacientes desejam casar, mas constatam que são incapazes deatingir este objetivo. Não raramente, os pacientes que fazem parte deste grupotambém apresentam sintomas na área sexual.

Outra apresentação comum é a do paciente que tem bom desempenhono trabalho, mas que sente que alguma coisa o está freando ou interferindo nabusca integral das suas ambições ou na realização de todo o seu potencial.Alguns pacientes desse grupo podem ser extremamente bem-sucedidos, em-bora não consigam desfrutar ou “apropriar-se” dos seus sucessos. Com fre-qüência os pacientes que apresentam dificuldades relacionadas com o traba-lho têm dificuldades para trabalhar de forma tranqüila e eficiente com seussuperiores ou têm uma relação conturbada com seus colegas de trabalho. Ospacientes que apresentam problemas relacionados com o trabalho tambémpodem ou não apresentar sintomas sexuais ou problemas em manter relacio-namentos duradouros.

OPERAÇÕES DEFENSIVAS E RIGIDEZ DA PERSONALIDADE

As defesas são respostas psicológicas automáticas de um indivíduo aestressores internos ou externos ou a um conflito emocional (Perry e Bond,2005). Todas as operações defensivas funcionam para alterar a experiênciasubjetiva, com o objetivo de evitar o sofrimento emocional. Embora apresente-mos aqui uma lista dos mecanismos de defesa comumente descritos, existeuma concordância geral de que são ilimitadas as formas pelas quais um indiví-duo consegue organizar defensivamente a sua experiência interna e externa.Também existe um consenso de que as defesas podem ser agrupadas e ordena-das de forma hierárquica; num extremo do espectro encontram-se as defesasmais sadias, que são mais flexíveis e adaptativas, e no outro extremo do espec-tro estão as defesas mais patológicas, que são altamente inflexíveis e mal-adaptativas (Perry e Bond, 2005; Vaillant, 1992). As defesas que se encontramno extremo mais adaptado do espectro envolvem pouca ou nenhuma distorçãoda realidade interna ou externa, e quando as defesas tornam-se mais rígidas e

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mal-adaptativas, envolvem graus crescentes de distorção da realidade (Vaillant,1992).

Existe uma certa concordância entre os pesquisadores no que se refere acomo as defesas podem ser agrupadas e ordenadas hierarquicamente com baseno nível de adaptação (Perry e Bond 2005). Este consenso está representadona Escala de Funcionamento Defensivo5, no Apêndice B do DSM-IV-TR. Kernberg(1976) apresentou uma abordagem à classificação das defesas, que as divideem três grupos:

1. defesas maduras;2. defesas “neuróticas” ou baseadas na repressão;3. defesas “primitivas” ou baseadas na cisão.

Esta classificação é compatível em muitos aspectos com o atual consensoda comunidade de pesquisa sobre os mecanismos psicológicos que estãosubjacentes às operações defensivas (Quadro 2.3).

As defesas maduras, ou saudáveis, envolvem uma distorção mínima darealidade interna e externa e estão associadas a um funcionamento flexível eadaptativo da personalidade normal. As defesas de nível neurótico evitam osofrimento reprimindo, ou banindo da consciência, aspectos da experiênciapsicológica do sujeito que são conflitantes ou fonte potencial de desconfortoemocional. As defesas “primitivas”, ou de distorção da imagem, não expulsamda consciência os conteúdos mentais per se, mas, ao invés disso, comparti-mentalizam ou mantêm uma distância entre os conteúdos mentais conscientesque estão em conflito um com o outro, ou cuja aproximação geraria descon-forto psicológico (Kernberg, 1976).

Na patologia leve de personalidade, as defesas de nível neurótico e dedistorção da imagem mantêm automaticamente e de forma fixa certos aspec-tos da experiência interna e externa dissociados da percepção consciente, eeste processo introduz rigidez ao funcionamento da personalidade.

Defesas maduras: adaptação e enfrentamento

As defesas maduras são melhor descritas como mecanismos de enfrenta-mento adaptativos e flexíveis que capacitam o indivíduo a lidar com situações

5 A Escala de Funcionamento Defensivo, no Apêndice B do DSM-IV-TR, refere-se àsdefesas maduras como “alto nível adaptativo” das defesas e às defesas neuróticas como“nível das inibições mentais (formação de compromisso)” das defesas. As defesas basea-das na dissociação ou na distorção da imagem, conforme definidas por Kernberg, estãodivididas no DSM-IV-TR em “nível de leve distorção da imagem” e “nível de importantedistorção da imagem”.

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que provocam ansiedade com um mínimo de sofrimento emocional (Vaillant,1993). As defesas maduras não barram da consciência algum aspecto de umconflito, nem mantêm distância entre os aspectos da vida emocional que estãoem conflito. As defesas maduras permitem a entrada na percepção subjetivade todos os aspectos de uma situação ansiogênica, com pouca ou nenhumadistorção, mas de forma a otimizar o enfrentamento. Supressão, antecipação,altruísmo, humor e sublimação são exemplos de defesas maduras. A supressãoenvolve a atitude intencional e adaptativa de deixar de lado um pensamentoou sentimento particular até o momento em que possa ser tomada uma atitu-de construtiva. A antecipação envolve o planejamento antecipado como formade lidar com situações potencialmente estressantes. O altruísmo envolve aobtenção de satisfação pessoal através da ajuda aos outros. O humor envolve acapacidade de ver os aspectos cômicos de uma situação estressante, como for-ma de reduzir o desconforto e criar uma distância útil dos eventos imediatos.A sublimação envolve o redirecionamento construtivo e criativo das motiva-

Quadro 2.3Classificação das defesas

Defesas maduras: adaptação e enfrentamento saudáveis

SupressãoAntecipaçãoAltruísmoHumorSublimação

Defesas neuróticas (baseadas na repressão): aspectos conflitantes daexperiência interna são banidos da consciência

RepressãoFormação reativaProjeção neuróticaDeslocamentoIsolamento do afetoIntelectualização

Defesas de distorção da imagem (baseadas na dissociação): aspectosda experiência consciente são dissociados para evitar o conflito

CisãoIdealização primitivaDesvalorizaçãoIdentificação projetivaControle onipotenteNegação primitiva

Observe que as defesas de distorção da imagem são freqüentementemencionadas como defesas “primitivas” na literatura psicanalítica.

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ções conflitantes para áreas de funcionamento não-conflitante, e é uma carac-terística central da adaptação normal.

Defesas neuróticas: aspectos conflitantes daexperiência interna são banidos da consciência

Todas as defesas neuróticas dependem em algum grau da repressão; al-gum aspecto da experiência do sujeito é dissociado e seu acesso à consciênciaé barrado (Kernberg, 1976). Nas definições clássicas de repressão, o pensa-mento ou idéia em conflito é reprimido, embora o afeto possa permanecerconsciente. Assim, alguém que reprime a raiva de sua esposa não irá lembrarda discussão com ela ou de por que está bravo, mas pode sentir uma irritabi-lidade inexplicável a caminho de casa, ao voltar do trabalho. Em outras formasde repressão, o afeto pode ser reprimido enquanto a idéia permanece cons-ciente. Aqui, uma pessoa pode expressar insatisfação com seu cônjuge de ma-neira racional e controlada emocionalmente, sem a consciência de que hajapoderosos sentimentos vinculados ao conteúdo do seu discurso. Ou então afe-to e pensamento podem ser ambos reprimidos, sendo substituídos por padrõesdefensivos de comportamento. Aqui, uma pessoa pode automática e habitual-mente evitar a expressão de afeto em relação a sua esposa, ou pode expressarsua afeição de maneira excessiva – em cada um dos casos sem a consciência deque guarda raiva ou pensamentos críticos em relação a ela.

Apesar das variadas formas que as defesas repressivas podem assumir,todas as defesas neuróticas envolvem repressão ou o banimento da consciên-cia de algum aspecto da experiência subjetiva. Na repressão clássica, a idéia éreprimida, enquanto no isolamento do afeto é o afeto que é reprimido. A inte-lectualização é similar ao isolamento – o afeto é reprimido, enquanto o indivíduose detém em idéias abstratas. Na formação reativa, tanto o afeto quanto a idéiasão banidos e substituídos pelos seus opostos. Na projeção neurótica, é a cone-xão entre o sujeito e seus motivos e sentimentos que é reprimida, e no desloca-mento, é reprimida a conexão entre um motivo ou sentimento e um objeto emparticular. A racionalização apóia a repressão ao fornecer explicações aparen-temente racionais para condutas que possuem raízes inconscientes.

Em suma, todas as defesas de nível neurótico evitam sentimentos desa-gradáveis, como ansiedade, depressão, vergonha, culpa e medo, reprimindoou mantendo afastados da consciência os aspectos da experiência psicológicado sujeito que são conflitantes ou fonte de desconforto emocional. Como tal,as defesas de nível neurótico alteram a realidade interna do sujeito, mas tipi-camente o fazem sem distorcer de maneira grosseira o senso de realidadeexterna do sujeito. Embora as defesas neuróticas sejam responsáveis pela rigi-dez da personalidade, influenciando os processos cognitivos e levando adistorções sutis da experiência, e possam causar desconforto ou sofrimento,

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elas tipicamente não levam a condutas extremamente anormais ou pertur-badoras. Na psicoterapia, as defesas de nível neurótico apresentam-se comotraços de personalidade, defesas de caráter e omissões não-intencionais oualterações no fluxo das comunicações do paciente.

Defesas de distorção da imagem: aspectos da experiênciaconsciente são dissociados para evitar o conflito

Enquanto as defesas neuróticas fazem uso da repressão, as defesas dedistorção da imagem fazem uso da dissociação, ou “cisão” (splitting), paraevitar o conflito psicológico e o sofrimento emocional.6 Quando utilizamos ostermos dissociação e cisão referimo-nos a um processo psicológico em que épermitido que dois aspectos da experiência que estão em conflito possam emer-gir inteiramente à consciência, porém não ao mesmo tempo nem junto com amesma relação objetal (Kernberg, 1976). Por exemplo, uma mulher pode serassertiva e eficiente na sua vida profissional, mas excessivamente submissa epassiva no seu casamento. O que vemos como resultado das defesas de distorçãoda imagem é que as motivações conflituosas e os aspectos da experiência doself são compartimentalizados ou “cindidos”. Assim, embora nada seja repri-mido quando as defesas dissociativas são empregadas, os aspectos conflitantesda experiência psicológica não são vivenciados de forma simultânea em rela-ção ao self, e neste processo o conflito é evitado.

Na literatura psicodinâmica, os termos dissociação e cisão (splitting) sãoutilizados mais ou menos de forma intercambiável. A cisão é utilizada commais freqüência para referir-se à dissociação de aspectos da experiência quesão idealizados e persecutórios, ou de amor e ódio, enquanto a dissociação éutilizada mais freqüentemente quando nos referimos a manter separados ou-tros aspectos da experiência do self (por exemplo, motivações sexuais e dedependência) que estão em conflito.

As defesas baseadas na cisão foram inicialmente descritas por MelanieKlein (1946, 1952) e incluem – além da própria cisão – idealização, desvalori-zação, identificação projetiva, controle onipotente e negação primitiva. Kleinsugeriu que a predominância desta constelação de operações defensivas é umacaracterística central do que ela chamou de “posição esquizoparanóide”, um

6 Queremos deixar claro que a dissociação como operação defensiva deve ser distinguidados estados dissociativos, que envolvem a encenação (enacetment) de experiências men-tais complexas, envolvendo algum grau de redução da consciência. Os estadosdissociativos envolvem a operação defensiva da dissociação, mas também um estadoalterado de consciência; a dissociação como operação defensiva não envolve um esta-do alterado de consciência.

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nível de desenvolvimento psicológico e organização mental que ela considera-va muito primitivo e característico de pacientes com psicopatologia grave. Emconseqüência, ela se referia ao grupo de defesas baseadas na cisão como defe-sas primitivas, e as contrastava com as defesas neuróticas clássicas que estãobaseadas na repressão.

Muitas das idéias de Klein continuam a ser úteis e são compatíveis com osavanços no estudo teórico e empírico dos transtornos graves da personalidade(Kernberg e Caligor, 2005; Lenzenweger et al., 2001), e a concepção das defe-sas primitivas permanece central no constructo de Kernberg (1975) sobre onível borderline de organização da personalidade. Entretanto, desde a épocadas contribuições originais de Klein, tem havido um reconhecimento crescentede que, embora as defesas baseadas na cisão sejam características dos trans-tornos mais graves de personalidade, uma variedade de defesas dissociativas ebaseadas na cisão também são rotineiramente empregadas na patologia levede personalidade (Bion, 1962b; Joseph, 1987; La Farge, 2000; Rangell, 1982;Steiner, 1992).

Cisão e dissociação nos transtornos graves de personalidade

Kernberg (1984) sugere que a cisão (à qual também se refere como disso-ciação primitiva), é a defesa prototípica encontrada em pacientes com transtor-nos graves de personalidade, que tendem a compartimentalizar as experiên-cias do self e dos outros que se encontram em conflito. Neste grupo de pacien-tes, a cisão relaciona-se mais comumente à dissociação mútua entre os setoresda experiência coloridos positivamente e idealizados e os aspectos da expe-riência coloridos negativamente e persecutórios. O que vemos como resultadosão relações objetais vivenciadas como “totalmente boas” ou “totalmente más”– amorosas, gratificantes e seguras por um lado, ou agressivas, frustrantes eameaçadoras por outro.

A identificação projetiva envolve a cisão de aspectos da experiência inter-na do sujeito e a sua projeção para o interior de outra pessoa, de modo que osaspectos projetados do self são vivenciados como parte da outra pessoa. Aomesmo tempo, o indivíduo que está utilizando a identificação projetiva iráinteragir com a outra pessoa para obter respostas que sejam coerentes com oque foi projetado. (Isto quer dizer que na identificação projetiva, as projeçõestendem a ser atualizadas.) A idealização é uma forma de cisão que envolve veros outros como totalmente bons, com o objetivo de evitar ansiedades associa-das a sentimentos negativos. A idealização muitas vezes é acompanhada peloseu oposto, a desvalorização. No controle onipotente, um self grandioso contro-la magicamente um outro depreciado e emocionalmente degradado. A nega-ção primitiva apóia a cisão, mantendo uma indiferença pelos aspectos do mun-do interno e externo que são contraditórios ou com um potencial ameaçado-

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res. Quando a negação primitiva é empregada, o indivíduo está cognitiva-mente consciente de uma experiência ameaçadora, mas esta consciência falhaem manifestar a reação emocional correspondente.

Nos transtornos graves de personalidade, as defesas baseadas na cisãosão responsáveis por experiências do self e do outro que são extremamentepolarizadas, irrealistas, superficiais e intensamente carregadas afetivamente.Além disso, as defesas baseadas na cisão, no contexto da patologia de persona-lidade, são tipicamente instáveis e com freqüência levam a uma rápida e caó-tica vivência alternante entre experiências idealizadas e persecutórias do self edo outro (Kernberg, 1984). Desta forma, as defesas primitivas causam umaflagrante distorção da realidade interpessoal. Além disso, as defesas primitivastipicamente apresentam manifestações no comportamento e freqüentementeresultam em condutas perturbadoras no individuo com patologia grave depersonalidade.

Cisão e dissociação napatologia leve de personalidade

As defesas baseadas na cisão e na dissociação também desempenham umpapel importante na patologia leve de personalidade e no seu tratamento.Contudo, em contraste com a situação que ocorre nos transtornos graves depersonalidade, agora estamos vendo o impacto da cisão e da dissociação naexperiência psicológica de um indivíduo que possui uma identidade consoli-dada e um senso de self relativamente bem integrado. Neste contexto, o quevemos mais comumente é a dissociação, ou cisão, do senso dominante do self,de motivações e aspectos da experiência do self que são conflitantes. Como nostranstornos graves de personalidade, na patologia leve a cisão e a dissociaçãosão apoiadas pela negação; o indivíduo nega a importância dos aspectosdissociados da experiência consciente que são incompatíveis com seu sensodominante de self.

Na patologia leve de personalidade, a cisão e a dissociação são menosextremas e mais estáveis do que na patologia mais grave de personalidade, etipicamente não levam a experiências de realidade interna e externa intensa-mente polarizadas, rapidamente alternantes e afetivamente carregadas, quesão características dos transtornos graves de personalidade. Assim, na patolo-gia leve de personalidade, a cisão e a dissociação não estão tipicamente asso-ciadas a estados mentais “primitivos”, mas à segregação de aspectos da expe-riência psicológica que estão em conflito e à dissociação mais ou menos está-vel de motivações conflitantes da experiência dominante do self. Especifica-mente, na patologia leve de personalidade as operações defensivas baseadasna cisão são mais comumente responsáveis pela rigidez da personalidade epelas versões excessivamente simplificadas e unidimensionais da experiência,

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em que as motivações e visões do self que estão em conflito não são vivenciadasde maneira simultânea.

ILUSTRAÇÃO CLÍNICA DE DEFESAS BASEADASNA CISÃO NA PATOLOGIA LEVE DE PERSONALIDADE

Como exemplo comumente encontrado de operações defensivas basea-das na cisão e que estão em jogo na patologia leves de personalidade,podemos considerar um homem casado com conflitos sexuais. Este ho-mem pode utilizar defesas baseadas na repressão para evitar seus confli-tos sexuais, por exemplo, projetando seu desejo sexual em sua esposa,ao mesmo tempo em que vivencia a si mesmo como desprovido de dese-jo e submetido aos desejos sexuais dela. Ou então ele pode usar defesasbaseadas na dissociação para cindir as relações objetais sexuais, por umlado, das relações objetais amorosas e dependentes, por outro. Por exem-plo, este homem pode desfrutar das relações sexuais com sua esposasomente quando está em férias num quarto de hotel longe de casa e dascrianças, enquanto permanece sexualmente impotente em casa. Nestecaso, diríamos que este paciente dissociou seu relacionamento sexualcom sua esposa das suas relações dependentes e familiares com ela. Ouentão, este homem pode reservar toda sua atividade sexual para suaamante, por quem não sente nenhuma ternura, enquanto mantém umrelacionamento de amor, porém assexuado, com sua esposa. Além disso,ele pode negar que sua relação com a amante tenha qualquer conse-qüência, encarando-a “simplesmente” como uma forma de satisfazer seuapetite sexual e não tendo nada a ver com o seu relacionamento comsua esposa. Neste caso, poderíamos dizer que o paciente dissociou ter-nura e sexualidade graças à encenação destas no contexto de relaciona-mentos diferentes. Em qualquer um dos casos, tenha este homem rela-ções sexuais somente com sua esposa durante as férias ou somente comsua amante, ele terá evitado quaisquer sentimentos de ansiedade, cul-pa, vergonha ou temor que estejam associados em sua mente à vivênciade motivações sexuais e motivações amorosas, ambas ao mesmo tempoe em relação à mesma pessoa.

CONFLITO INCONSCIENTE

Num referencial psicodinâmico, os traços de personalidade mal-adapta-tivos e os sintomas psicológicos são entendidos como reflexo de uma interaçãoentre predisposições inatas de temperamento e conflitos inconscientes cujasorigens residem na história pessoal do sujeito. A partir do nascimento, asinterações com os outros indivíduos significativos, que são carregadas de afetoe coloridas pelos fatores de temperamento, são internalizadas para formarpadrões internalizados de relacionamento, ou relações objetais internas. Ospadrões internalizados de relacionamento que representam áreas de conflito

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são ativamente mantidos fora da consciência pelas operações defensivas doindivíduo e são cindidas da experiência do self consciente da pessoa.7 Assim,as defesas protegem o indivíduo dos aspectos dolorosos ou ameaçadores dasua vida interna, porém com o ônus do desenvolvimento de uma rigidez dapersonalidade (e por vezes também sintomas). Enfim, é a dificuldade do indi-víduo para tolerar a consciência e a aceitação de certos aspectos da sua expe-riência psicológica consciente e inconsciente que levam à rigidez que caracte-riza a patologia leve de personalidade.

Conflito e estrutura

Conforme descrito no Capítulo 1 (“Introdução e Visão Geral”), os confli-tos inconscientes estão organizados em torno de desejos, necessidades e temo-res poderosos – chamados de motivações conflitantes, ou, em terminologia psi-canalítica clássica, impulsos – que são mantidos fora da percepção conscienteou dissociados do senso dominante do self porque a sua expressão seria dolo-rosa, ameaçadora ou moralmente inaceitável para o indivíduo. Além de dese-jo, necessidade ou temor conflitante, um conflito inconsciente é composto poroperações defensivas criadas para evitar a consciência ou expressão das moti-vações conflitantes. Os afetos dolorosos – incluindo culpa, perda, ansiedade,medo, depressão e vergonha – estão associados à encenação de relações objetaisconflitantes, e estes afetos negativos funcionam para motivar a defesa.

As motivações conflitantes são vivenciadas como imagens de relaçõesdesejadas, necessitadas ou temidas e são representadas mentalmente comopadrões de relacionamentos internalizados intensamente carregados emocio-nalmente, ou como relações objetais internas (Kernberg, 1992), compreen-dendo uma imagem de self interagindo com uma imagem de outra pessoa.

7 Queremos esclarecer que, quando falamos de relações objetais internas cindidas daexperiência dominante do self, estamos nos referindo à cisão não apenas de aspectos dosenso de self do indivíduo, mas também de aspectos da sua experiência do mundo aoseu redor, de modo a evitar conflito e afetos negativos. Isto significa dizer que a expe-riência de self, intimamente ligada à construção da identidade, é determinada pelasrepresentações que o sujeito tem dos outros, bem como pelas representações do self.

Assim, quando falamos de experiência dominante do self, incluímos tanto a visão que oindivíduo tem de si mesmo quanto do mundo em que vive, incluindo os outros indiví-duos significativos. Por exemplo, em resposta a conflitos envolvendo agressão, o indiví-duo pode defensivamente cindir a consciência dos próprios sentimentos de raiva (“Eunão sou uma pessoa hostil.”) e/ou cindir a percepção de raiva nos seus objetos (“Eunão sinto hostilidade das pessoas que amo.”).

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Tipicamente, são as relações objetais internas eróticas, exibicionistas, amoro-sas, dependentes, agressivas, competitivas, de auto-promoção e sádicas queestão envolvidas no conflito psicológico.

Como a encenação destes padrões de relacionamento intensamente car-regados afetivamente está associada a afetos dolorosos, as relações objetaisassociadas às motivações conflitantes são reprimidas ou então dissociadas, enão fazem parte do senso dominante de self.

Assim como as motivações conflitantes, as defesas e ansiedades tambémsão vivenciadas e representadas como padrões de relacionamento internaliza-dos, ou relações com os objetos internos (Kernberg, 1992). O que vemos clini-camente é que a encenação dos padrões de relacionamento defensivos funcio-na para manter as relações objetais conflitantes fora da consciência oudissociadas do senso de self dominante; por exemplo, considere a jovem mu-lher que apresenta inibições sexuais e problemas com a intimidade. Para estamulher, a excitação é uma motivação conflitante que está ligada a um padrãode relacionamento internalizado de uma menina sedutora em relação a umafigura paterna excitada. Como isso é moralmente inaceitável, essa relação ob-jetal erótica é reprimida. Além disso, a repressão em andamento dessa relaçãoobjetal erótica está vinculada à ativação e encenação de um padrão de relacio-namento defensivo – por exemplo, de uma menina sexualmente indiferente euma figura paterna cuidadora. Essa relação objetal defensiva será vivenciadaconscientemente e fará parte do senso dominante do self da paciente. A expe-riência que a paciente tem de si mesma como uma garota sexualmente indife-rente em relação a uma figura paterna cuidadora irá provavelmente colorir asua experiência romântica, bem como sua experiência em relação ao seuterapeuta no início do tratamento.

Além da motivação conflitante e das defesas, um conflito inconscientetambém é composto por relações objetais que significam os “perigos” associa-dos à encenação das motivações conflitantes. Os perigos antecipados estãovinculados a afetos negativos – tipicamente ansiedade, culpa, perda, depres-são, medo ou vergonha – que funcionam para motivar a defesa. A constelaçãode afetos negativos associados aos conflitos inconscientes que motivam a defe-sa são por vezes chamados de afetos sinais ou “ansiedade” associada ao confli-to, e são às vezes citados como motivação para a defesa. Embora possam pare-cer um tanto abstratos, na prática os afetos e os padrões de relacionamentoque significam perigos associados à expressão das motivações conflitantes po-dem ser facilmente identificados no setting clínico.

Para ilustrar este ponto, voltemos à paciente recém descrita, que temconflitos que envolvem desejos sexuais reprimidos. Para esta paciente, pode-ríamos descobrir que os afetos que motivam a defesa são a depressão e a per-da, associados a uma relação entre o objeto interno de uma mãe desaprovadorae rejeitadora e uma jovem que não se sente amada. Sempre que a motivação

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conflitante começar a romper a defesa, isto é, sempre que esta paciente perce-ber a possibilidade de excitação sexual, ela se sentirá inexplicavelmente de-primida e solitária. Esta experiência afetiva corresponde à ativação de um pa-drão de relacionamento interno de uma mãe que rejeita e uma criança solitá-ria. Não raro, somente o afeto será consciente para a paciente, que permanecesem perceber a ligação entre seu estado afetivo, seus desejos sexuais reprimi-dos e rejeição fantasiada de uma figura materna. No tratamento, os sentimen-tos de solidão e depressão podem ser observados pelo terapeuta (se não pelapaciente) ao acompanhar suas reações de fuga ao conhecer um novo homem.Estes “afetos sinais” (Freud 1959 [1926]) estarão ligados à possibilidade deexcitação sexual e à ativação de um padrão de relacionamento doloroso comuma figura materna que rejeita.

ILUSTRAÇÃO CLÍNICA DE CONFLITO INCONSCIENTE

Na fase inicial da sua terapia, uma paciente criou uma visão idealizadado seu terapeuta, da mesma forma como mantinha uma visão idealiza-da de sua mãe e de seu marido. Este padrão de relacionamentointernalizado, de uma criança bem cuidada e de um cuidador amoroso,foi associado a uma experiência afetiva de calor humano, tranqüilizaçãoe segurança. Esta experiência consciente servia a uma função defensiva,protegendo a paciente da percepção de uma experiência diferente decolocar-se nas mãos de um cuidador. No curso do tratamento, a imagemde uma criança magoada e negligenciada e de uma mãe crítica, egoístae competitiva começou a emergir no tratamento, associada a sentimen-tos de raiva e medo por parte da paciente. A paciente conseguiu aperce-ber-se da ansiedade diante da possibilidade de ver o terapeuta e seuchefe atual desta maneira, e também trouxe memórias da infância deexperiências com seus pais, em que eles lhe pareciam críticos e egoístas.

Quando essas ansiedades foram elaboradas e a paciente adquiriumelhores condições de tolerar a percepção dos aspectos negativos daspessoas de quem dependia, começou a desenvolver uma conscientizaçãodos seus próprios sentimentos críticos, competitivos e egoístas dire-cionados para sua mãe, seu chefe e por fim seu terapeuta. Inicialmente,quando a paciente começou a perceber vagamente seus sentimentos crí-ticos, competitivos e egoístas, sentiu-se ansiosa e culpada, afetos que oterapeuta auxiliou-a a relacionar com uma imagem de si mesma comouma criança má que estava sendo criticada e punida legitimamente. Àmedida que essas ansiedades foram exploradas e elaboradas, a pacientetornou-se mais capaz de tolerar as imagens anteriormente inconscientesde si mesma como uma pessoa competitiva, crítica e egoísta.

Como resultado da exploração e elaboração dos conflitos desta pa-ciente que envolviam sentimentos críticos, competitivos e egoístas, elanão mais precisava idealizar de forma rígida seus cuidadores e pessoascom autoridade, nem voltar-se para o passado para evitar seus própriossentimentos críticos e competitivos. Ela tornou-se mais competitiva e

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mais capaz de ver e tolerar os aspectos egoístas, críticos e competitivosdas pessoas à sua volta.

Relações objetais e defesa: “estratificação” e “inversão de papéis”

No Capítulo 3 (“Relações Objetais Internas, Organização Mental e Expe-riência Subjetiva na Patologia de Personalidade”), discutiremos em maioresdetalhes a relação entre as relações com os objetos internos e a defesa, mas aesta altura gostaríamos de abordar um outro tópico. O exemplo clínico recémapresentado ilustra duas formas diferentes em que a encenação das relaçõescom os objetos internos pode servir a funções defensivas. Primeiramente, nes-ta vinheta, a experiência consciente da paciente de uma criança bem cuidadae de um cuidador amoroso apóia a repressão de um relacionamento de cuida-dos negligentes. Na terminologia clássica, poderíamos pensar nisso como umprocesso que envolve uma combinação de cisão ou idealização e repressão. Aomesmo tempo, dentro de um esquema de referência teórica das relaçõesobjetais, este processo poderia ser entendido em termos da estratificação dasrelações objetais internas, de modo que a encenação de uma relação objetaldefensiva apóia a repressão das relações subjacentes com os objetos internosque são mais ameaçadoras e, tipicamente, mais próximas da expressão dasmotivações conflitantes.

Segundo, a experiência inicial que a paciente tinha dos outros como crí-ticos, egoístas e competitivos a protegia contra a percepção de sentimentoscríticos, egoístas e competitivos dentro de si própria. Esta operação defensiva,incluída dentro de uma única relação objetal, pode ser descrita em termos deprojeção dos impulsos agressivos. Acrescentaríamos que, no esquema referencialde uma teoria das relações objetais, podemos entender este processo não so-mente em termos de projeção, mas também em termos de uma inversão depapéis, em que os sentimentos e motivações inaceitáveis (em nosso exemplo,desejos agressivos de criticar e competir) estão representados conscientemen-te, mas são dissociados do self e atribuídos a uma representação do objeto,enquanto a paciente se identifica com o objeto dos seus impulsos agoraprojetados. (Em nosso exemplo, a paciente se identifica como uma vítima daagressão, que é ingênua e confiante, ao invés de perceber a si mesma comoalguém que abriga impulsos agressivos em relação a alguém que é ingênuo econfiante.) Como nas descrições clássicas da projeção em nível neurótico, aconexão entre os sentimentos e motivações que a paciente projetou e a corres-pondente representação do self estão reprimidas. O que desejamos acrescentaré o reconhecimento de que a paciente está não somente se livrando de certasmotivações conflitantes, mas também está, ao mesmo tempo, identificando-secom outras (em nosso exemplo, motivações para confiar de forma ingênua).

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LEITURAS SUGERIDAS

Akhtar S: Broken Structures: Severe Personality Disorders and Their Treatment. North vale,NJ, Jason Aronson, 1992

Kernberg OF: Identity: recent findings and clinical implications. Psychoanal Q 65:969-1004,2006

Kernberg OF: Projection and projective identification: developmental and clinical aspects,in Aggression in Personality Disorders and Perversions. New Haven, CT, Yale UniversityPress, 1992, pp 159-174

Kernberg OF, Caligor E: A psychoanalytic theory of personality disorders, in Major Theoriesof Personality Disorder, 2nd Edition. Edited by Clarkin JF, Lenzen- wegerMF. New York,Guilford Press, 2005, pp 115-156

McWilliams N: Psychoanalytic Diagnosis: Understanding Personality Structure in the ClinicalProcess. New York, Guilford, 1994

Mischel W, Shoda Y: Integrating dispositions and processing dynamics within a unified theoryof personality: the cognitive-affective personality system, in Handbook of Personality: Theoryand Research, 2nd Edition. Edited by Pervin LA, John OP. New York, Guilford, 1999, pp 197-218

PDM Task Force: Psychodynamic Diagnostic Manual, Personality Patterns and Disorders.Silver Spring, MD, Alliance of Psychoanalytic Organizations, 2006

Shapiro D: Neurotic Styles. New York, Basic Books, 1965

Vaillant G: The Wisdom of me Ego. Cambridge, MA, Harvard University Press, 1993

Westen D, Gabbard G, Blagov P: Back to the future: personality structure as a context forpsychopathology, in Personality and Psychopathology. Edited by Kruger RF, TackettJL. NewYork, Guilford, 2006, pp 335-384

Zetzel ER: The so-called good hysteric. Int J Psychoanal 49:256-260, 1968

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Relações objetais internas,organização mental e experiência

subjetiva na patologia de personalidade

Discutimos neste capítulo a relação entre as relações com os objetos internose a patologia de personalidade. Conforme discutido no Capítulo 2 (“Uma Abor-dagem Psicodinâmica da Patologia de Personalidade”), na patologia leve depersonalidade a identidade está consolidada e as relações com os objetos in-ternos e a experiência dominante do self estão relativamente bem integradas eestáveis. Esta organização estrutural corresponde a uma capacidade bem de-senvolvida de auto-reflexão e a uma experiência do self e dos outros significa-tivos relativamente realista e estável. Nas áreas de conflito, contudo, as rela-ções com os objetos internos tendem a ser bem menos integradas e as repre-sentações conflituosas do self e dos outros estão cindidas da experiência domi-nante do self. Além disso, nas áreas de conflito, a capacidade de auto-reflexãofreqüentemente está até certo ponto prejudicada.

Neste capítulo fazemos uma ligação entre a qualidade relativamente mal-integrada das relações de objeto conflitantes e as operações defensivas e des-crevemos uma variedade de formas pelas quais as relações objetais são utiliza-das para servir a funções defensivas. A psicoterapia dinâmica da patologia levede personalidade (PDPLP) é concebida para promover a integração das rela-ções objetais internas conflitantes, um processo por vezes chamado de mudan-ça estrutural. Vinculamos a integração progressiva das relações com os objetosinternos e a mudança estrutural na patologia leve de personalidade à elabora-ção (working through) dos conflitos característicos da “posição depressiva”(Klein, 1935). Quando os conflitos depressivos são elaborados e a ambivalênciaé tolerada, observamos uma crescente integração das relações com os objetosinternos e uma diminuição na rigidez da personalidade.

Capítulo 3Capítulo 3

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REPRESENTAÇÕES DO SELF E DOS OUTROSE RIGIDEZ DA PERSONALIDADE

Em nosso modelo, os conflitos inconscientes e as operações defensivasestão incluídos na vida mental em forma de padrões de relacionamento interna-lizados (Kernberg, 1992). Conforme descrevemos, a partir de uma perspectivaestrutural, o paciente com patologia leve de personalidade apresenta rigidezda personalidade no contexto da consolidação da identidade. A consolidaçãoda identidade implica integração das representações do self e dos objetos cons-cientes e pré-conscientes do paciente para formar uma experiência estável,porém fluida, do self e dos outros indivíduos significativos. Ao mesmo tempo,o paciente com patologia leve de personalidade luta contra aspectos particula-res da sua experiência consciente e inconsciente de si mesmo e dos outros quenão são compatíveis com seu senso global de si mesmo e do mundo. Estasexperiências conflitantes do self e dos outros, juntamente com os afetos asso-ciados, são cindidas da experiência dominante do self e permanecem relati-vamente resistentes a mudanças ou à influência ambiental. As operações defen-sivas que mantêm essas relações objetais fora da percepção consciente intro-duzem rigidez no funcionamento da personalidade, e os contextos que ativamas representações conflituosas do self e do outro estimularão a ansiedade.

Representações do self e dos outros e experiênciasubjetiva na patologia de personalidade

As relações com os objetos internos, derivadas do passado mas ativas nopresente, dão colorido à experiência da realidade interna e externa. No pacientecom patologia leves de personalidade, as relações com os objetos internos queestão mais próximas da consciência são relativamente complexas, bem inte-gradas e bem diferenciadas. Na vida diária, existe um “encaixe” relativamentebom entre a realidade objetiva, externa e a experiência subjetiva do paciente,enquanto representada nas relações com os objetos internos ativadas em umdado momento. Em conseqüência, existe uma distorção limitada da realidadeexterna e uma capacidade relativamente sofisticada de perceber com maisprecisão a experiência interna dos outros (empatia).

Entretanto, nas áreas de conflito, o mundo interno do paciente com patologialeve de personalidade é relativamente rígido e fixo, e a sua experiência da realida-de externa será colorida e, até certo ponto, distorcida pelas suas necessidadesdefensivas. Em conseqüência, nas áreas de conflito, a experiência interna dopaciente irá corresponder à realidade externa de forma menos fiel e flexível doque a sua experiência em áreas que não estão em conflito. Além do mais, nasáreas de conflito, as representações internas do self do paciente e dos outrosserão menos integradas, menos diferenciadas e mais extremas do que é caracte-

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rístico do seu nível usual de integração, e os afetos associados a essas represen-tações serão tipicamente mais intensos e ameaçadores.

Em suma, no paciente com patologia leve de personalidade, a encenaçãodas relações objetais internas conflitantes levará com freqüência a uma distorçãosutil da experiência que o paciente tem de si mesmo, do mundo e das outraspessoas. A PDPLP é concebida para promover a emergência na consciência detais representações conflituosas do self e do objeto. Durante o curso do trata-mento, a ativação das relações objetais conflitantes e a sua encenação nasrelações atuais, incluindo a relação com o terapeuta, apresentam o caminhoprincipal para acesso ao mundo interno do paciente.

A organização mental do paciente com patologia leve de personalidadepode ser contrastada com a do paciente com patologia mais grave de persona-lidade, para quem a identidade não está completamente consolidada e as re-presentações do self e dos outros são instáveis, mal-integradas e polarizadas.Esta situação interna, típica dos transtornos graves de personalidade, leva adistorções crônicas e grosseiras da experiência que o indivíduo tem do self edos outros (Kernberg, 1984). Em contraste com a patologia leve de personali-dade, onde as relações objetais mais primitivas ou extremas estão reprimidas,na patologia mais grave de personalidade elas estão dissociadas e inteiramen-te acessíveis à consciência. Na terapia com pacientes com transtorno grave depersonalidade, a ativação dessas relações objetais internas leva a uma rápidadistorção da relação com o terapeuta. A PDPLP é concebida para conter aatuação (acting out), ao mesmo tempo em que promove a integração das re-presentações dissociadas do self e dos outros através da interpretação e dacontinência (Clarkin et al., 2006).

Auto-reflexão e patologia de personalidade

O paciente com patologia leve de personalidade possui uma capacidaderelativamente bem desenvolvida de auto-reflexão; assim, quando um pacientecom patologia leve de personalidade encena uma relação objetal interna con-flitante, ele está ao mesmo tempo consciente de que está fazendo isso. Issoacontece porque, no indivíduo com patologia leve de personalidade, o sensoorganizado do self, correspondente à consolidação da identidade, funciona comoum observador ou uma “terceira parte” implícita em relação à ativação das rela-ções objetais internas conflitantes. Numa sessão de terapia, é com o self observa-dor do paciente que o terapeuta conversa e, em essência, com quem ele se alia.É formada uma aliança entre o self observador do paciente e o terapeuta nopapel de observador do paciente com a intenção de ajudá-lo (Kernberg, 2004b).

Em contraste, as pessoas com patologia grave de personalidade possuemtipicamente uma capacidade mais limitada de auto-reflexão, especialmenteno contexto de estados afetivos intensos. Quando é ativada uma relação objetal

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particular, o individuo ficará imediata e inteiramente envolvido na encenaçãoda relação objetal diádica, e a experiência subjetiva não terá a qualidade daauto-observação ou a qualidade “triangular” que está associada à auto-cons-ciência. Conseqüentemente, os pacientes com patologia grave de personalida-de podem ter dificuldade em distinguir entre o terapeuta como este é vivenciadona transferência e o terapeuta no seu papel de ajuda, de observador, especial-mente no contexto de estados afetivos intensamente carregados. Em conse-qüência, no paciente com um transtorno grave de personalidade, a aliançaentre o terapeuta e o paciente será mais tênue e menos estável do que nopaciente com patologia leve de personalidade (Bender, 2005).

Embora as pessoas com patologia leves de personalidade sejam geral-mente capazes de refletir sobre si mesmas, a capacidade de auto-reflexão émais frágil nas áreas de conflito. Isto quer dizer que quando os conflitos sãoativados e os afetos se intensificam, o pensamento se torna mais concreto e aexperiência, mais imediata. Quando o pensamento fica mais concreto, a capa-cidade de perceber a natureza simbólica das representações mentais e de re-fletir sobre elas pode ficar comprometida.8

No tratamento, como os conflitos inconscientes são ativados, o terapeutaobservador irá unir-se à parte observadora enfraquecida do self do paciente afim de encorajar a auto-observação e a auto-reflexão. Esse processo, repetidoinúmeras vezes em cada sessão e ao longo do tratamento, irá auxiliar o pacientea desenvolver uma maior capacidade de auto-reflexão, mesmo em face deansiedade e de conflitos inconscientes. Durante o curso do tratamento, à me-dida que os conflitos são elaborados, a capacidade do paciente para a auto-reflexão se fortalecerá e ele dependerá menos intensamente do terapeuta parafacilitar a auto-exploração.

ILUSTRAÇÃO CLÍNICA DE AUMENTO NA CAPACIDADE DE AUTO-REFLEXÃO

Um cientista pesquisador chegou ao tratamento queixando-se de pro-blemas com a auto-estima. Embora tivesse capacidade para a auto-refle-xão em muitos aspectos do seu mundo interno, quando se tratava de seusenso de inferioridade e defeitos, seu pensamento tornava-se mais con-creto. Mantendo esta atitude em relação a si mesmo, no início do trata-mento este homem estava convencido secretamente de que era “o piorpaciente” no consultório do seu terapeuta. Na verdade, estava tão con-vencido disto que levou meses para dividir esta preocupação com seuterapeuta. Enquanto conseguia manter a possibilidade de que isso nãofosse verdade, ao mesmo tempo ele realmente acreditava que deveria

8 Com a expressão perceber a natureza simbólica das representações mentais, queremosdizer reconhecer que os pensamentos representam coisas, em contraste com vivenciá-las como coisas. Por exemplo, o pensamento sobre um cão em particular correspondeàquele cão, mas não é equivalente ao próprio cão.

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ser o mais refratário dos pacientes do seu terapeuta. Com o passar dotempo, o terapeuta deste paciente convidou-o a explorar o significadoda sua visão de si mesmo ao invés de simplesmente aceitá-la como umfato concreto. Quando os conflitos do paciente sobre sua auto-estimaforam sendo elaborados, ele parou de pensar em si como o “pior pacien-te” do seu terapeuta.

Entretanto, vários meses depois o paciente viu-se mais uma vez expe-rienciando a si mesmo daquela maneira. Nesse momento, teve uma atitu-de diferente em relação à sua autocondenação do que tivera no início daterapia. Agora conseguia ter consciência de que aquilo que estava pensan-do e sentindo refletia o seu estado mental, muito mais do que um fatomaterial – que estava experienciando uma representação particular doself, ativada num momento particular e por uma razão particular. Istolhe possibilitou refletir sobre o significado do pensamento, ao invés devivenciá-lo como uma realidade concreta, como ocorrera anteriormente.

O desenvolvimento passado e a psicoterapiada patologia de personalidade

É complexa a relação entre a história e o desenvolvimento passado dopaciente e as relações objetais internalizadas ativadas durante o curso da psico-terapia. Os pacientes com patologia leve de personalidade apresentam um lequede representações do self que são conscientes, pré-conscientes e inconscientesem relação aos pais e outras pessoas importantes da sua vida passada e presenteque serão ativadas durante o curso do tratamento. Estas representações são,com freqüência, coerentes e críveis, particularmente no início do tratamento.Isto contrasta de forma marcante com a situação de pacientes com patologiagrave de personalidade, os quais tipicamente se apresentam com representa-ções do self e do objeto que são instáveis, polarizadas e fantásticas.

Contudo, no tratamento do paciente com patologia leve de personalida-de, é importante que o terapeuta entenda que a visão consciente que o pacien-te tem das suas relações com seus primeiros cuidadores e outras figuras signi-ficativas não corresponde necessariamente a um reflexo fiel e historicamenteválido da realidade externa. Ao contrário, essas imagens de relacionamentossão entendidas como construções, compromissos entre memória (enquantoafetada pelo estágio do desenvolvimento), fantasia e defesa, coloridos pelascircunstâncias atuais (Kernberg, 1992). Além disso, as relações atuais do pacien-te, suas experiências com os outros, incluindo o terapeuta durante o tratamen-to, são encaradas como construções igualmente complexas e fluidas. No de-correr de uma terapia, o paciente irá vivenciar um amplo conjunto de imagensdesses relacionamentos, alguns de amor e alguns de ódio, alguns sexuais, al-guns do desenvolvimento, alguns relativamente maduros e alguns aparente-mente mais primitivos ou infantis (Schafer, 1985).

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Relações objetais e experiência subjetivana patologia de personalidade

Em suma, o grau de rigidez versus a flexibilidade das operações defensi-vas da pessoa, bem como a qualidade e o grau de integração das relaçõesobjetais internas incluídos na sua vida interna, irão determinar sua experiênciasubjetiva da realidade interna e externa. A personalidade normal está livrepara vivenciar um amplo leque de relações objetais ativadas por circunstân-cias internas e externas. O indivíduo com patologia leve de personalidade, emcontraste, deve defender-se com rigidez contra as experiências conscientes einconscientes do self e dos outros que estão associadas às áreas de conflito.Para fazer isso, o paciente mantém um estado em que os aspectos conflitantesdo self e dos outros são reprimidos ou dissociados e não fazem parte da suaexperiência dominante. As situações que ativam estas relações objetais repelidasirão gerar ansiedade e uma distorção defensiva da realidade interna e externa.

Na PDPLP, utilizamos o setting do tratamento em conjunto com a análiseda resistência para ativar as relações objetais conflitantes, auxiliando, assim, opaciente e o terapeuta a terem acesso a experiências inconscientes do self e dosoutros e as operações defensivas associadas.

RELAÇÕES OBJETAIS INTERNAS E OPERAÇÕESDEFENSIVAS NA PATOLOGIA DE PERSONALIDADE

Nossa técnica psicoterápica está centrada na análise das relações com osobjetos internos ativadas, momento a momento, no setting do tratamento. Épor isso que as relações com os objetos internos ativadas pelas situaçõesconflitantes da vida atual do paciente e na situação do tratamento oferecemuma janela para que se penetre no mundo interno do paciente e, por fim, nasua vida inconsciente. Quando as relações do paciente com os objetos internosvêm à tona nos seus relacionamentos atuais – incluindo a relação com o tera-peuta – vêm à luz as motivações conflitantes, defesas e ansiedades subjacentesà rigidez da personalidade e os sintomas associados.

Conforme já descrevemos, num conflito inconsciente tanto as defesasquanto as motivações inconscientes são representadas e subjetivamente viven-ciadas como padrões de relacionamento internalizados, vinculados a fantasiasinconscientes sobre relacionamentos desejados ou temidos. As representaçõesdo self e dos outros que servem a funções defensivas estarão relativamenteacessíveis à consciência, enquanto as relações objetais menos integradas e maiscarregadas afetivamente associadas à expressão de motivações inconscientesserão reprimidas ou dissociadas.

Durante o curso do tratamento, esperamos desvendar e elaborar os con-flitos, começando pela exploração dos padrões de relacionamento que são

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mobilizados defensivamente e vamo-nos encaminhando em direção às rela-ções objetais com maior grau de conflito. À medida que paciente e terapeutacomeçam a entender as funções expressivas e defensivas de uma dada relaçãocom um objeto interno, outros padrões de relacionamento internalizados, contraos quais o paciente anteriormente se defendia, virão à luz. Desta forma, quan-do o tratamento progride, paciente e terapeuta desenvolvem uma crescentecompreensão complexa e profunda das dificuldades e ansiedades presentes dopaciente.

A encenação de uma relação objetal particular pode servir a funções de-fensivas de várias maneiras. Primeiro, a encenação de uma relação defensivacom o objeto interno pode apoiar a repressão de outras relações objetais inter-nas mais conflitantes. Isto é o que vemos na repressão propriamente dita. Se-gundo, a encenação de relações objetais internalizadas funciona como umaformação de compromisso, ao ponto em que as motivações inaceitáveis sãoatribuídas a uma representação do objeto, ao mesmo tempo em que são cindidasda respectiva representação do self. Isso é o que vemos na projeção neurótica.Terceiro, a encenação de uma relação objetal conflitante pode servir a umafunção defensiva até o ponto em que a encenação dessa relação objetal perma-neça mal-integrada à experiência dominante do self. Isto é o que vemos nacisão ou dissociação.

Todos os três processos defensivos que acabamos de descrever envolvemum distanciamento das motivações conflitantes do self. Ao mesmo tempo, acar-retam um distanciamento ou separação das motivações conflitantes das outrasmotivações com as quais estão em conflito. O foco sobre a relação entre asmotivações conflitantes e a experiência do self está refletido nos objetivos daPDPLP. O foco sobre a relação entre as motivações conflitantes e as outrasmotivações menos conflitantes está refletido nas estratégias e táticas da PDPLPe no nosso modelo subjacente de como funciona o tratamento. Desenvolvere-mos estas idéias nas próximas páginas.

Repressão: estratificação das relações objetais internas

O processo pelo qual a encenação das relações objetais internas que es-tão mais próximas da consciência defende contra a consciência ou a encena-ção de outras relações objetais internas mais ameaçadoras é um exemplo derepressão propriamente dita. A repressão pode ser pensada em termos de“estratificação” das relações objetais internalizadas. Por estratificação quere-mos nos referir à situação dinâmica em que as relações objetais internalizadasna superfície da consciência ou próximas dela protegem contra a ativação decamadas subjacentes de conteúdos mentais inconscientes. Tanto as defesasquanto as motivações inaceitáveis estão representadas como relações objetaisinternalizadas que estão associadas a fantasias inconscientes em relação a re-lacionamentos desejados e temidos. Em conseqüência, quando um paciente

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usa a repressão para defender-se contra um conflito inconsciente, o que pode-mos observar são comportamentos que refletem a encenação de relações obje-tais defensivas. A encenação dessas relações objetais defensivas funciona paramanter a repressão das relações objetais internas conflitantes que estão maisproximamente vinculadas à expressão de desejos, necessidades e temoresconflitantes.

ILUSTRAÇÃO CLÍNICA DE ESTRATIFICAÇÃODAS RELAÇÕES OBJETAIS INTERNAS

Considere o jovem que habitualmente deseja agradar. Este homem estáencenando um padrão de relacionamento internalizado de um self in-fantil que deseja agradar a um genitor atencioso. Esta relação com oobjeto interno, ativada automática e rotineiramente, serve para evitar aconsciência de outras visões do self e dos outros que são mais ameaçado-ras (“conflituosas”) e mais próximas da expressão das motivaçõesconflitantes. Por exemplo, a encenação da relação objetal internalizadado self infantil que quer agradar e do genitor atencioso pode servir comodefesa contra a ativação de uma relação objetal interna que compreen-de uma criança zangada e um genitor sádico. Ao mesmo tempo, a ativa-ção de todo este conflito, tanto a defesa quanto o impulso, no final tam-bém funciona como defesa contra a ativação de outros conflitos. Porexemplo, se este homem estivesse em terapia, poderia acontecer que asua ansiedade com relação à raiva e o sadismo o defendesse contra con-flitos sexuais, talvez vivenciados como uma relação entre um genitorsedutor e um self infantil superestimulado.

A projeção apóia a repressão: inversãode papéis e relações objetais internas

Uma outra forma pela qual a encenação de uma relação objetal internapode apoiar a repressão é atribuindo motivações inaceitáveis a uma represen-tação do objeto enquanto é reprimida a conexão entre essas motivações ina-ceitáveis e o self. Esta operação defensiva pode ser distinguida da repressãopropriamente dita – a qual nos referimos como estratificação – na qual umamotivação conflitante é inteiramente banida da consciência. Ao invés disso,uma motivação conflitante não é banida da consciência, mas da experiênciaconsciente do self.

Este processo envolve projeção, na medida em que a motivação conflitantefoi cindida ou dissociada da experiência do self e atribuída a um objeto, erepressão, na medida em que o sujeito reprimiu toda a consciência da conexãoentre o self e o impulso inaceitável. Em essência, o paciente cindiu as motiva-ções conflitantes, atribuindo a motivação mais conflitante a uma representa-ção do objeto enquanto se identificou com as menos conflitantes. Quando esta

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relação objetal for encenada, o paciente irá experienciar que seu próprio im-pulso projetado está vindo em sua direção, proveniente de um objeto, ao mes-mo tempo em que assume conscientemente a atitude da representação disso-ciada do objeto. Como as motivações conflitantes do paciente são vivenciadascomo provenientes de um objeto e dirigidas para o paciente, enquanto o paci-ente se identifica conscientemente com o objeto, esta operação defensiva podeser entendida como uma forma de inversão de papéis. A projeção pode sercontrastada com a identificação projetiva na medida em que na projeção nãoexiste consciência emocional do impulso que é projetado, nem uma induçãoconsciente do impulso no objeto (Kernberg, 1992).

ILUSTRAÇÃO CLÍNICA DE INVERSÃO DE PAPÉIS

Considere a jovem que habitualmente encena uma relação objetal inter-na de um self inocente, amoroso, não-sexual em relação a um objetosexual e sedutor. Nessa relação objetal, todo o interesse sexual e sedu-ção são atribuídos a uma representação do objeto, enquanto a represen-tação do self não tem conexão com estes impulsos. A experiência cons-ciente de self desta mulher é de amor e ingenuidade sexual, talvez asso-ciada a sentir-se numa posição infantil. Esta experiência de self a defen-de contra a consciência dos seus sentimentos sexuais.

Podemos ver que incluída na relação objetal encontra-se uma ex-pressão do interesse sexual da paciente e seus desejos de ser sedutora,embora estes estejam inteiramente dissociados do self amoroso e ingênuo,e sejam experienciados como provenientes do objeto. Como resultado,podemos encarar essa relação com o objeto interno como uma expres-são encoberta, e uma defesa contra, os impulsos sexuais e sedutores daprópria paciente. (Isto é o que significa o termo formação de compromis-so.) Embora esta paciente não consiga manter seus desejos sexuais intei-ramente fora da consciência, não tem consciência nenhuma da sua co-nexão com eles.

No início do tratamento, o paciente com rigidez leve da personalidadeestará predominantemente identificado com um dos lados de um determina-do padrão de relacionamento interno. Ao final de um tratamento bem-suce-dido, o paciente passará a tolerar a consciência da sua identificação com am-bos os lados do relacionamento. Por exemplo, na ilustração clínica acima, apaciente estava inicialmente identificada com a representação de self ingênua,amorosa e infantil; durante o curso do seu tratamento, ela passou a tolerartambém a consciência da sua identificação com seu self sexual e sedutor. Apartir desta posição mais tolerante, ela foi capaz de observar as funções defen-sivas servidas pela sua identificação com cada metade da relação objetal. Emessência, identificar-se com uma criança ingênua e amorosa a defendia contraas ansiedades associadas à sexualidade, enquanto que identificar-se com afigura sexual a defendia contra as ansiedades associadas a vulnerabilidade eamor.

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Um paciente perceberá que determinada posição provoca mais ansieda-de, outro, o contrário. No decorrer do tratamento devemos ver emergir naconsciência as identificações do paciente com ambos os lados do relaciona-mento, embora isso não vá necessariamente acontecer imediatamente. Quan-do essas identificações variadas emergirem e forem elaboradas, o pacienteestará livre para ter uma experiência de self mais variada e fluida. Por exem-plo, a paciente que se apresenta com ingenuidade deve ser livre para usufruirseus impulsos sexuais e sedutores, e não deve precisar mais separar avulnerabilidade e o amor da sexualidade, deixando-a, assim, com uma maiorcapacidade de vivenciar e desfrutar o amor erótico.

Da projeção à integração

A operação defensiva que acabamos de ilustrar é conceitualizada comouma forma de projeção. Em nosso exemplo, as necessidades e desejos sexuaisinaceitáveis, junto com os aspectos de self vinculados a motivações eróticas,estão dissociados da experiência do self e projetados para o interior de umobjeto. Nesta formulação, a ênfase está nos conteúdos da projeção do pacien-te. Contudo, nosso exemplo clínico ilustra como este tipo de manobra defensi-va tipicamente envolve não apenas a projeção de motivações inaceitáveis e osestados emocionais associados, como também a segregação de diferentes gru-pos de motivações que estão em conflito. Em essência, estamos sugerindo quena projeção vemos não apenas a atribuição de uma motivação conflitante aum objeto, mas também a segregação de dois grupos de motivações, um dosquais é conflitante, dentro de uma relação objetal.

Retornando ao nosso exemplo por um momento, estamos sugerindo queo problema desta paciente não é descrito de maneira adequada pela observa-ção de que ela considera inaceitáveis os seus desejos sexuais e, portanto, pre-cisa excluí-los. Ao invés disso, uma descrição mais completa incluiria a dificul-dade particular da paciente de integrar as necessidades e os relacionamentossexuais com as necessidades e relações de dependência; sua estratégia defen-siva não é simplesmente livrar-se das motivações sexuais inaceitáveis, mas, aoinvés disso, garantir que as motivações sexuais permaneçam segregadas dasnecessidades de dependência. Na configuração inicial, esta jovem contém to-das as necessidades de dependência que estão incluídas nas suas relações ro-mânticas dentro de si mesma, enquanto que todas as necessidades sexuaisestão contidas no interior do objeto. Ela está livre da sexualidade, enquantoque ele (o objeto) está inteiramente livre das necessidades de dependência.

O que estamos sugerindo é que, dentro de um esquema que tem comoreferencial teórico as relações objetais, pode ser de utilidade pensar-se menosna projeção e mais na compartimentalização ou segregação, incluídas numaúnica relação objetal, de motivações que estão em conflito. Esta visão é coerente

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com o que vemos clinicamente quando as defesas de um paciente começam aficar menos rígidas. Tipicamente, o que vemos primeiro é uma inversão de pa-péis – a mudança de uma paciente ingênua e um objeto sexual para uma pacien-te sexual em relação com um objeto ingênuo. (Kernberg, 1992). Isto significadizer que, mesmo que a paciente agora esteja mais apta para tolerar a consciên-cia das suas necessidades sexuais, somente é seguro fazê-lo num contexto emque a sua sexualidade e necessidades de dependência permaneçam segregadas.Somente depois de se trabalharem as identificações do paciente com os doislados dissociados (o sexual e o de dependência) e a maneira pela qual umaidentificação se defende contra a outra e também se defende contra a ansiedadeda experiência simultânea dos dois grupos de motivações conflitantes, é queveremos a crescente integração e a redução na rigidez da personalidade.

Para esta paciente ficar livre das inibições sexuais e românticas, ela nãoapenas terá que tolerar a consciência do seu próprio desejo sexual, mas, alémdisso, terá que desfazer a separação entre as motivações sexuais e de depen-dência e integrar as duas. Esta mudança seria representada como uma relaçãoobjetal internalizada de um self amoroso, dependente e sexual em relação aum objeto amoroso e sexual. A integração dos impulsos sexuais e de depen-dência reside, desta forma, na adaptação da paciente às fantasias e ansiedadesassociadas aos conflitos edípicos.

Cisão e dissociação na patologialeve de personalidade

Além das defesas baseadas na repressão, os pacientes com patologia levede personalidade também dependem das defesas baseadas na dissociação oucisão quando estão em face de um conflito inconsciente. A cisão e a dissociaçãosão em alguns aspectos similares à projeção, na medida em que as motivaçõesque estão em conflito umas com as outras, juntamente com os aspectos asso-ciados da experiência do self, são mantidas à parte. Entretanto, enquanto aprojeção pode ser entendida em termos de segregação das motivações dentrode uma única relação objetal, as defesas baseadas na cisão podem ser con-ceitualizadas em termos de segregação de motivações conflitantes entre dife-rentes relações objetais. E enquanto a projeção envolve a repressão da cone-xão entre um impulso e o self, e também entre dois impulsos, a cisão e a disso-ciação não envolvem repressão, nem implicam uma separação completa daconexão entre os impulsos conflitantes e o self.

Na patologia leve de personalidade, a cisão e a dissociação envolvem aseparação de duas motivações que estão em conflito, associando cada uma aum grupo diferente de relações objetais internas, e assegurando que não hajaconexão entre as relações objetais dissociadas. Em contraste com a projeção,na cisão e na dissociação nada é reprimido – ambos os grupos de relações

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objetais são vivenciados conscientemente. O que vemos clinicamente é que,enquanto as motivações conflitantes são vivenciadas de maneira consciente eencenadas, elas permanecem ao mesmo tempo cindidas das outras motiva-ções e dos aspectos da experiência do self com os quais estão em conflito. Esteprocesso evita os perigos psicológicos associados à integração das motivaçõesque estão em conflito e, ao mesmo tempo, assegura que a expressão das moti-vações conflitantes não seja completamente integrada à experiência do self. Ospacientes com freqüência dissociam a dependência da agressão, amor e/oudependência da sexualidade, e agressão do amor e da ternura.

ILUSTRAÇÃO CLÍNICA DE CISÃO E DISSOCIAÇÃONA PATOLOGIA LEVE DE PERSONALIDADE

Para ilustrar o impacto da dissociação e da cisão sobre o funcionamentoda experiência interna e externa na patologia leve de personalidade,voltemos ao exemplo clínico da jovem com conflitos que envolviam seusdesejos eróticos. Em nossa discussão inicial sobre esta paciente, ilus-trando o uso da projeção, ela se percebia como uma pessoa amorosa edependente, livre de desejos sexuais, em relação a uma pessoa sexualsem necessidades de dependência. Em contraste, se esta paciente fosseapoiar-se predominantemente na cisão ao invés de na projeção paralidar com seus conflitos sexuais, veríamos um grupo de relações objetaisem que ela encena necessidades e desejos amorosos e de dependêncialivres de implicações eróticas, e um outro grupo, separado, de relaçõesobjetais em que ela encena a excitação e a sedução erótica. Na sua vidaexterior, a paciente conseguia gratificar seus desejos sexuais, mas ape-nas até o ponto em que conseguisse manter uma separação entre asrelações objetais dependentes e eróticas.

CONFLITOS EDÍPICOS

Já discutimos as características descritivas e estruturais da patologia depersonalidade. Neste ponto, voltamos ao tópico da psicodinâmica. Quandoutilizamos o termo psicodinâmica ou quando discutimos a “dinâmica” de umpaciente em particular, estamos nos referindo à natureza e às origens desenvol-vimentais dos conflitos que estão associados à patologia de personalidade dopaciente. Podemos conceitualizar os conflitos psicológicos centrais comumenteencontrados nas pessoas com patologia leve de personalidade em termos deduas categorias de ansiedades predominantes. O primeiro grupo de conflitospode ser conceitualizado em termos de relações objetais diádicas; estes confli-tos estão organizados em torno de temores de ser vulnerável e depender econfiar nos outros. O segundo grupo de conflitos pode ser conceitualizado emtermos de relações objetais triádicas; esses conflitos estão em geral organiza-dos em torno de temores a respeito de competição com alguém para obter

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algo ou alguém que ambas as partes desejam. As relações objetais triádicas eos conflitos triádicos estão geralmente associados à dinâmica edípica.

Conflitos triangulares e o complexo de Édipo

A marca característica do desenvolvimento edípico e do conflito edípicoé que ele é triádico, com o que queremos dizer que a relação do self com umapessoa amada, desejada ou de quem se precisa está inextricavelmente vincula-da psicologicamente a um terceiro. O protótipo das relações objetais internastriádicas é a relação entre a criança e os dois genitores como um casal. Osobstáculos desenvolvimentais da situação edípica implicam nos adaptarmos aviver num mundo em que as pessoas que amamos e de quem precisamos pos-suem relações com outros que nos excluem. A capacidade de perceber e de-frontar-se com este dilema está baseada na consciência da existência de umself com uma vida interior subjetiva, de outra pessoa separada do self e nãocontrolada pelo self, e de um terceiro elemento. Esta constelação significa umnível relativamente maduro de desenvolvimento psíquico e cognitivo, e estátipicamente associada à capacidade de auto-observação e auto-reflexão.

Nos conflitos edípicos, sexuais, dependentes, competitivos e agressivos,os desejos, necessidades e temores estão vinculados a fantasias infantis deseparar o casal parental para receber a atenção exclusiva de um ou de ambosos pais, excluindo e triunfando sobre o outro genitor e/ou sobre outros mem-bros da família. Em conseqüência, as necessidades e desejos sexuais, de de-pendência, competitivos e agressivos e as fantasias às quais eles estão vincula-dos são conflituosos, e a encenação das relações objetais associada à expres-são das motivações sexuais, dependentes e agressivas levarão a sentimentosde culpa e perda, acompanhados de fantasias de uma vingança temida.

Por exemplo, para a menina edípica, as fantasias de possuir o pai comoseu objeto de amor também envolvem fantasias de afastar, triunfar sobre e,talvez, eliminar a mãe. Na medida em que a menina retém uma imagem posi-tiva de sua mãe em face dos seus sentimentos de rivalidade, ela é confrontadacom um conflito doloroso. O desejo de gratificar seus impulsos sexuais e sádi-cos, juntamente com seus desejos competitivos e narcísicos de possuir o pai,estão em conflito com o seu amor pela mãe, sua dependência da mãe e seutemor pela vingança da mãe.

No adulto, este conflito pode permanecer sem ser resolvido e enterrado.As situações conectadas ao conflito edípico, particularmente a intimidade se-xual e disputas competitivas, irão estimular ansiedade, culpa e temor. É devi-do à relação inconsciente existente entre o amor sexual e as fantasias infantisde triunfo incestuoso, que provocam culpa, que os pacientes com conflitosedípicos importantes têm dificuldade para integrar a sexualidade passionalcom ternura e amor.

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Conflitos diádicos e dependência

Embora os conflitos triangulares muitas vezes demonstrem ser a dinâmi-ca central em pacientes com patologia leve de personalidade, esses pacientestambém chegam ao tratamento com conflitos diádicos. Em contraste com osconflitos triangulares que envolvem viver num mundo em que dependemosdos outros, ao mesmo tempo em que reconhecemos que eles possuem necessi-dades e relacionamentos com os outros que nos excluem, os conflitos diádicostipicamente envolvem os altos e baixos da dependência dos outros per se, sematenção a terceiros. O protótipo da relação diádica é a interação entre a crian-ça pequena e o seu cuidador e, em particular, as experiências da criança desatisfação e frustração naquele relacionamento. A forma como são organiza-dos os conflitos diádicos estará relacionada com a capacidade do indivíduopara estabelecer relacionamentos de confiança e dependência. Os conflitosdiádicos são por vezes conceitualizados como pré-edípicos – referindo-se àcriança em relação a um genitor como cuidador, em contraste com a criançaem relação ao casal parental.

Nos conflitos triangulares, a gratificação implica tirar alguma coisa dealguém que a deseje, e a frustração e a privação são vivenciadas em termos deoutra pessoa obter “alguma coisa que eu quero”. Em contraste, nos conflitosdiádicos a gratificação é vivenciada em termos de obter “alguma coisa que euquero” de “alguém que sempre me dará o que eu quero”, e a frustração e aprivação são vivenciadas em termos de não obter “o que eu quero” de “alguémque não quer me dar o que eu quero”. Como não há triangulação, todo o amorestimulado e significado pela gratificação, assim como a raiva estimulada pelafrustração, são focalizados num único objeto, que é vivenciado como inteira-mente responsável por qualquer coisa que aconteça na relação. Por exemplo, aexperiência da garotinha com a mãe gera representações de uma mãe amadaque alimenta e protege a criança, bem como representações contraditórias deuma mãe indisponível ou distraída que gera frustração e inveja.

Os conflitos diádicos e triangulares são tipicamente condensados e com-petem um com o outro. Os conflitos que envolvem dependência e confiançatornam difícil negociar os conflitos triangulares e a situação edípica; ao mes-mo tempo, vivenciar uma situação em termos de necessidades e conflitosdiádicos pode servir como forma de evitar ansiedades triangulares de níveledípico sobre competição e sexualidade. Como resultado, enquanto o focodinâmico principal da PDPLP é geralmente um conflito triangular, os conflitosnão-resolvidos referentes à dependência podem compor o palco principal emqualquer fase do tratamento. A ativação das relações objetais diádicas no tra-tamento será por vezes utilizada defensivamente para evitar o conflito de ní-vel edípico, assim como a ativação do material de nível edípico será por vezesutilizada como defesa contra a emergência de conflitos diádicos que envolvemdependência e confiança.

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A posição depressiva

Sigmund Freud introduziu o constructo do complexo de Édipo (Freud,1953 [1900]) e, por fim, fez dele a pedra fundamental da sua teoria do confli-to psicológico e patologia. Klein desenvolveu ainda mais a nossa compreensãodos conflitos triangulares do conflito de nível edípico, integrando o complexode Édipo ao seu constructo da posição depressiva (Klein, 1953). Na posiçãodepressiva, o sujeito começa a tolerar a ambivalência, adquirindo uma cons-ciência da hostilidade em relação aos e provenientes dos objetos amados. Aconsciência da ambivalência leva inicialmente a depressão, dor, perda, culpa eremorso e ao desejo de fazer a reparação. Por fim, o indivíduo assume a res-ponsabilidade e faz o luto pelo dano que causou em fantasia aos seus objetos,quando, então, passa a tolerar a consciência emocional da perda das imagensideais de si mesmo e dos objetos (Segal, 1964).

A elaboração das ansiedades depressivas possibilita ao individuo assumira responsabilidade pelos seus impulsos destrutivos, agressivos e sexuais, aomesmo tempo em que tolera a consciência destes impulsos nos outros; a esta-belecer relações mutuamente dependentes; e a sentir amor e preocupaçãopelos outros, que são vivenciados como separados e complexos. Além disso, acapacidade de experienciar os outros como separados está intimamente ligadaà capacidade para o pensamento simbólico (Spillius, 1994).

Klein contrasta a posição depressiva com a posição esquizoparanóide mais“primitiva” (Klein, 1964), em que a ambivalência não é tolerada, predomina acisão e as relações objetais positivas e de amor, e as negativas e agressivas sãomantidas separadas. Enquanto as ansiedades centrais da posição depressivatêm a ver com culpa em relação ao próprio potencial destrutivo ou prejudicial,as ansiedades da posição esquizoparanóide são vivenciadas como vindo emdireção ao sujeito, ao invés de saindo dele, e têm a ver com temores de aniqui-lação. Na posição esquizoparanóide, as fronteiras do ego são relativamenteporosas, e os objetos são controlados; o pensamento é concreto e onipotente.

As visões contemporâneas sobre as posições esquizoparanóide e depressivaenfatizam que estas são duas formas de organizar-se a experiência psicológi-ca; as duas posições são conceitualizadas como dois estados mentais diferen-tes que existem num equilíbrio mais ou menos estável dentro de todos nós(Bion, 1963; Steiner, 1992). Cada posição está associada ao seu próprio con-junto de ansiedades e operações defensivas. Além disso, as duas posições im-plicam diferentes graus de integração das estruturas psicológicas; as estrutu-ras psicológicas pouco integradas e os objetos cindidos ou “parciais” predomi-nam na posição esquizoparanóide, e as estruturas psicológicas mais bem inte-gradas e os objetos “totais” predominam na posição depressiva.

A estruturação da organização defensiva do paciente num nível esquizopa-ranóide ou depressivo diferencia os pacientes com patologia grave da perso-nalidade dos pacientes com patologia leve de personalidade. Isto significa di-

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zer que, a partir de uma perspectiva estrutural, a organização psicológica daposição esquizoparanóide corresponde ao mundo interno do paciente compatologia grave de personalidade, enquanto a posição depressiva correspondeà organização do mundo interno do paciente com patologia leve de personali-dade. A partir de uma perspectiva dinâmica, entretanto, o paciente com pato-logia leve de personalidade movimenta-se entre as orientações depressiva eparanóide, e as flutuações constantes entre um modo paranóide e depressivode funcionamento são características da psicoterapia destes pacientes. Quan-do o tratamento tem sucesso, vemos a elaboração repetida e progressiva dosciclos de ansiedades paranóides e depressivas que possibilitam que o pacientefaça uma mudança gradual em direção a um modo do funcionamento maissolidamente depressivo.

Assim, o que vemos clinicamente, no nível da experiência momento amomento, é que o paciente se movimentará entre formas paranóides edepressivas de organizar a sua experiência. Isto significa que, no contexto daidentidade consolidada e de um nível geral de funcionamento depressivo, opaciente com patologia leve de personalidade apresentará uma considerávelvariabilidade e fluidez no que se refere ao grau de integração dos seus objetosinternos, ao grau em que é capaz de assumir a responsabilidade pelos seuspróprios impulsos, ao grau em que experimenta culpa e preocupação ao invésde paranóia e medo, e ao grau em que é capaz de manter uma capacidade deobservar-se e de pensar simbolicamente.

A partir de uma perspectiva psicodinâmica, o foco da PDPLP envolveprimariamente a elaboração das ansiedades paranóides e depressivas prove-nientes de conflitos relacionados com motivações sexuais, de dependência eagressivas e necessidades narcísicas. Esta elaboração é alcançada trazendo osconflitos à consciência, onde as relações objetais internas conflitantes podemser exploradas juntamente com as ansiedades e defesas associadas à encena-ção das relações objetais conflitantes. Quando o paciente tiver a oportunidadede experienciar conscientemente e compreender seus conflitos quando estessão ativados de maneira progressiva e encenados no aqui-e-agora, quando forcapaz de assumir a responsabilidade pelas motivações conflitantes, experi-mentar culpa, perda e preocupação, ele irá elaborar as ansiedades paranóidese depressivas. Neste processo, o paciente chegará a um acordo com os aspec-tos de si mesmo juntamente com aspectos dos seus outros indivíduos significa-tivos, passados e presentes, que são dolorosos e/ou que são incompatíveis comseu senso dominante de si mesmo e do mundo.

ILUSTRAÇÃO CLÍNICA DE ANSIEDADESPARANÓIDES E DEPRESSIVAS NA PDPLP

Um homem de meia-idade chega ao tratamento queixando-se de frus-tração com sua incapacidade para evoluir profissionalmente. Nas pri-meiras semanas de tratamento, o terapeuta assinalou com freqüência ao

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paciente a atitude passiva que ele estava assumindo em relação ao trata-mento e em relação ao terapeuta. Em resposta, o paciente sentiu que oterapeuta estava criticando-o, e começou a preocupar-se com a possibi-lidade de que o terapeuta não gostasse dele. (Esta atitude inicial porparte do paciente em relação ao terapeuta demonstrava que ele assumiauma orientação predominantemente paranóide na fase inicial do trata-mento.) Havia uma qualidade um tanto concreta na experiência do pa-ciente, e ele sentiu-se zangado com o terapeuta por não ser mais apoiadore tranqüilizador.

Nesse ponto, terapeuta e paciente foram capazes de identificar umarelação objetal com um genitor poderoso, crítico e rejeitador em relaçãoa uma criança zangada e amedrontada, uma relação objetal que foi ati-vada na transferência. O paciente ficou impressionado com essa formu-lação. Quando refletiu sobre ela, lembrou-se, choroso, de uma série deinterações dolorosas com seu pai desde a tenra infância. O paciente tam-bém refletiu sobre o fato de ter sentido o terapeuta como tão frio ecrítico quando isto parecia injustificado e, mais no final da sessão, ques-tionou-se sobre o que havia feito para que ficasse tão desconfiado com oterapeuta. (Aqui vemos que o paciente alternou para uma orientaçãopredominantemente depressiva.)

Quando o paciente chegou para sua sessão seguinte, o terapeutaimediatamente observou uma mudança na sua atitude. O paciente esta-va claramente irritado com o terapeuta e altamente crítico em relação aqualquer intervenção que o terapeuta tentasse fazer. Quando o terapeutaassinalou isto, o paciente respondeu que agora o terapeuta deveria estarzangado porque estava sendo crítico com ele. (Entre a sessão anterior ea sessão atual, o paciente tinha se afastado das ansiedades depressivasexpressadas no final da sessão anterior até assumir mais uma vez umaorientação paranóide em relação ao terapeuta.) O terapeuta pensou arespeito do que estava acontecendo e, então, assinalou que eles pare-ciam ter voltado à mesma relação que haviam explorado na sessão ante-rior, com a diferença de que agora estavam com os papéis invertidos:agora o paciente estava se sentindo crítico e rejeitador, enquanto previaque o terapeuta, por sua vez, deveria estar zangado. O terapeuta assina-lou também que, em ambas as configurações, a relação dominante entreeles era de hostilidade.

Quando o paciente considerou seus comentários, começou a parecermenos irritável. Neste ponto, o terapeuta prosseguiu relembrando o pa-ciente da mudança que eles haviam tido no final da última sessão. Co-mentou que as coisas sobre as quais haviam falado tinham sido tocantese aparentemente muito significativas para o paciente naquele momen-to, mas que neste momento aqueles sentimentos pareciam ter sido com-pletamente perdidos. O paciente reconheceu que de fato havia esqueci-do o final da última sessão. O terapeuta continuou também relembrandoque ele havia expressado preocupação consigo mesmo, ao mesmo tem-po em que vivenciou o terapeuta como prestativo, e sugeriu que talvez ofoco atual do paciente na hostilidade e crítica mútuas serviam paraprotegê-lo de alguns dos sentimentos mais ternos que ele tinha começa-

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do a sentir no final da sessão anterior. (Em termos psicodinâmicos, oterapeuta estava sugerindo que o paciente havia recuado defensivamen-te de uma orientação depressiva para uma orientação paranóide com oobjetivo de defender-se contra as ansiedades depressivas que emergiam;em particular, ansiedades associadas a sentimentos de ternura, vulne-rabilidade e preocupação).

MUDANÇA ESTRUTURAL

O objetivo último da PDPLP, diminuir a rigidez da personalidade, corres-ponde a alterações na organização mental do paciente. Especificamente, dimi-nuir a rigidez da personalidade e direcionar-se para um modo de funciona-mento psicológico mais flexível e adaptativo corresponde à integração pro-gressiva das estruturas psicológicas. A integração progressiva das estruturaspsicológicas reflete-se tanto na qualidade das relações objetais conflitantesquanto na sua organização em relação ao senso de self dominante. Quando osconflitos psicológicos são elaborados, vemos alterações na qualidade das rela-ções objetais conflitantes, tais que as representações tornam-se menos unidimen-sionais (mais complexas e melhor diferenciadas) e os afetos associados ficammenos intensos e também melhor diferenciados. Ao mesmo tempo, vemos al-terações na organização das relações objetais internas conflitantes, tais que seunem às representações não-conflituosas do self e do objeto que compreen-dem o senso dominante do self do paciente. Essas mudanças estruturaiscorrespondem a uma capacidade aumentada de experienciar emocionalmentee representar de maneira simbólica as relações objetais internas conflitantes,de modo que elas passam a fazer parte da experiência de self.

Integração das relações objetais internas

A partir de uma perspectiva estrutural, a elaboração do conflito psicoló-gico resulta na assimilação das relações objetais conflitantes para o interior daexperiência consciente do self. Como parte deste processo, podemos observaruma série de mudanças relacionadas na qualidade das relações objetais queestão estreitamente vinculadas à expressão das motivações conflitantes. Quandoas relações objetais conflitantes ficam mais integradas à experiência conscien-te do self, elas se tornam mais “complexas”; por complexidade queremos dizera atribuição de mais de uma motivação a uma única relação ou representaçãoobjetal. Associadas à maior complexidade e à crescente integração, vemosmudanças na qualidade das representações mentais do self e dos outros, demodo que elas ficam mais diferenciadas, ou seja, adquirem uma maior sutilezade representação e se tornam mais realistas. Além disso, quando as relaçõesobjetais conflitantes ficam mais integradas, vemos mudanças na qualidade da

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experiência afetiva associada à encenação dessas relações objetais, de modoque os afetos ficam mais diferenciados, melhor modulados e menos intensos.

Como resultado da integração das relações objetais conflitantes, as moti-vações agressivas e os sentimentos de raiva, por exemplo, podem ser represen-tados na mesma relação objetal junto com as motivações amorosas e os senti-mentos de ternura, e neste processo os impulsos agressivos ficam menos amea-çadores e menos carregados afetivamente. Igualmente, os desejos sexuaispodem coexistir com os sentimentos amorosos e de ternura e os desejos dedependência, e no processo podem se tornar menos ameaçadores e “impulsi-vos”. A integração vai significar, por exemplo, que a criança amorosa e depen-dente agora pode, às vezes, ser crítica, e que o genitor crítico e rejeitadortambém pode sentir-se amoroso e dependente. Igualmente, a criança amorosae dependente também pode ter sentimentos eróticos em relação ao seu cuidador,e o cuidador amoroso pode tolerar a consciência de sentimentos amorosos eeróticos em relação ao seu filho, ou que uma única pessoa que ama podeassumir o lugar tanto de “madona” quanto de “piranha”.

Quando as representações do self e dos outros ficam mais complexas,menos ameaçadoras e menos carregadas afetivamente, elas podem ser assimi-ladas à massa de representações que compreendem a experiência subjetiva deself do paciente. Em conseqüência, as mudanças na qualidade das relaçõesobjetais conflitantes também corresponderão a mudanças na sua relação como senso dominante do self. Quando as relações objetais ficam mais integradas,as experiências do self e dos outros que foram previamente cindidas podemagora ser toleradas e assimiladas a um senso global de self e do mundo que sãocapazes de conter e administrar de forma flexível e adaptativa as pressões pelaexpressão das motivações conflitantes. O processo de integração progressivadas relações objetais conflitantes e a sua assimilação ao senso dominante doself representam uma mudança estrutural na organização mental do paciente;isto é o que queremos dizer com mudança estrutural na PDPLP.

ILUSTRAÇÃO CLÍNICA DE MUDANÇA TERAPÊUTICA

Como exemplo das mudanças estruturais e dinâmicas que esperamosver durante o curso de uma terapia de sucesso, considere a dona-de-casa de meia-idade que está inibida quanto a lançar-se no mercado detrabalho. Antes da sua terapia, em situações competitivas ela vivenciavarigidamente a si mesma e aos outros como puramente bem-intenciona-dos ou então como impiedosos e merecedores de desprezo. Além disso,ela precisava constantemente evitar, distorcer ou retirar a alegria deexperiências que pudessem acarretar sentimentos de sucesso ou poder.

Durante sua terapia, ficou claro que na mente da paciente a possibi-lidade de sucesso competitivo na arena profissional ou sexual estavaassociada a uma relação objetal interna de um genitor poderoso,impiedoso e triunfante que interagia com um self infantil puramentebem-intencionado, porém frágil e indefeso. Este padrão de relaciona-

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mento internalizado estava intimamente ligado a uma experiência dodesenvolvimento que a paciente havia tido com sua mãe, uma mulherde negócios bem-sucedida a quem a paciente durante muito tempo te-meu e inconscientemente odiou. Através da terapia, a paciente tornou-se consciente dos sentimentos competitivos e hostis em relação a suamãe, junto a uma identificação com uma representação competitiva ehostil do objeto materno, anteriormente reprimidos.

Com o prosseguimento do trabalho, ela conseguiu integrar melhoressas representações e os afetos associados de prazer no triunfo, às suasrepresentações das partes amorosas dela mesma e da sua mãe. Essasrepresentações mais integradas de sucesso e poder puderam ser assimi-ladas a sua experiência dominante de self. Como resultado, a pacientedesenvolveu a capacidade de aproveitar os prazeres da competição en-quanto desenvolvia uma imagem de si mesma e dos outros mais comple-xa, flexível e com menos crítica nas situações competitivas.

Ambivalência

A ambivalência pode ser definida como a capacidade de tolerar a cons-ciência de motivações conflitantes que estão direcionadas simultaneamentepara o mesmo objeto. O que está implícito no que descrevemos até aqui é queo processo de integração que constitui mudança estrutural na patologia levede personalidade está embasado no desenvolvimento do sujeito no tocante auma maior capacidade de tolerar a ambivalência. As relações objetais internasintegradas são, por definição, ambivalentes. A ambivalência implica que o su-jeito está consciente de e é capaz de lidar com e integrar as partes agressiva,sexual, exibicionista, competitiva, de auto-promoção, amorosa e dependentede si mesmo e dos seus objetos que estão em conflito.

Os kleinianos contemporâneos pensam o processo de passar a tolerar aambivalência como “elaboração da posição depressiva” (Hinshelwood, 1991).Este é um constructo que é central nas abordagens kleinianas contemporâneasda psicopatologia e tratamento. No modelo kleiniano, assim como no modeloda Psicologia do Ego, a dinâmica central nos conflitos triangulares é a dificul-dade do indivíduo de tolerar a percepção de desejos agressivos e sexuais con-flitantes. Contudo, para os kleinianos, o problema subjacente é uma incapaci-dade de integrar completamente as motivações amorosas e agressivas (Segal,1964). A agressão em relação a alguém amado não é tolerada. Igualmente, namedida em que um relacionamento sexual está vinculado ao triunfo competi-tivo num triângulo, inconscientemente ligado a objetos primários que sãoamados e necessitados, os sentimentos sexuais também não são tolerados nummundo amoroso e dependente, e a competição se torna problemática.

No modelo kleiniano, a elaboração da posição depressiva implica que osujeito vivencie emocionalmente e assuma responsabilidade integral pelos seussentimentos agressivos e sexuais, enquanto reconhece suas necessidades de

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dependência, ao mesmo tempo em que permanece, psicologicamente, nummundo moral em que o amor predomina. A ansiedade central da posiçãodepressiva é a percepção inicial de que o sujeito abriga motivações agressivasem relação aos objetos amados e necessitados, que são vivenciados como au-tônomos e separados do self (Segal, 1964). Quando essas motivações não sãomais dissociadas, projetadas, negadas ou reprimidas, mas, ao invés disso, sãoexperimentadas conscientemente como parte do self em termos de relaçõesdesejadas, necessitadas e temidas, o indivíduo pode vir a assumir a responsa-bilidade pela sua agressão e seus desejos de triunfo.

Este é o primeiro passo no processo de integração das motivações agres-sivas e sexuais que anteriormente estavam cindidas, transformando-se em as-pectos amorosos, ternos e dependentes da experiência do self e dos outros.Nesse processo, os impulsos agressivos e sexuais ficam menos ameaçadores,menos carregados afetivamente e menos concretos; os desejos e temores se-xuais e agressivos, juntamente com as fantasias associadas à encenação deles,vêm a ser vivenciados mais como pensamentos, sentimentos, desejos e temo-res, e menos como atitudes que já foram tomadas. Assumir a responsabilidadepela destrutividade e pelos desejos de triunfo sexual implica tolerar a culpa,remorso, perda e depressão associados ao reconhecimento da própriadestrutividade, aceitando as realidades da triangulação e exclusão e elaboran-do a perda da esperança de uma relação idealizada que pode ser inteiramenteprotegida da agressão e da triangulação. Este é o processo de luto (Steiner,1996). Como parte desse processo, o sujeito faz a reparação daqueles a quemdanificou em fantasia.

Enquanto a abordagem kleiniana enfatiza a dificuldade de vivenciar si-multaneamente sentimentos amorosos e agressivos em relação a um únicoobjeto e de integrar ao “ego”, ou self, as relações objetais sexuais e agressivasconflitantes, nós mantemos uma perspectiva um pouco mais abrangente.Enfatizamos a dificuldade de elaborar os conflitos entre o amor e a agressão,mas também de integrar cada uma destas motivações às necessidades de de-pendência, e também às necessidades pertinentes à manutenção de sentimen-tos de autonomia e auto-estima. Além disso, colocamos maior ênfase na expe-riência do paciente de um senso de self relativamente bem organizado e bemintegrado, do qual as relações objetais conflitantes foram cindidas, sendo queo objetivo explícito do tratamento é integrar estas relações objetais conflitantesna experiência de self consciente e central do paciente. Em conseqüência, osobjetivos da PDPLP – desfazer a dissociação e a projeção de modo que asmotivações conflitantes sejam integradas coerentemente à experiência de selfdominante do paciente – são similares, mas também até certo ponto diferentesda construção kleiniana sobre a elaboração da posição depressiva.

A partir de uma perspectiva dinâmica, os objetivos, estratégias, táticas etécnicas da PDPLP funcionam para estimular as ansiedades relativas à vivênciasimultânea de motivações conflitantes dentro de uma única relação objetal, ao

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mesmo tempo em que ajudam o paciente a tolerar, explorar e vir a entenderessas ansiedades e, finalmente, elaborá-las. Desta forma, as mudanças estrutu-rais causadas pela PDPLP também estão associadas a alterações dinâmicas noequilíbrio mental do paciente. Como parte do processo de integração, o pacientetorna-se capaz de tolerar a percepção das motivações conflitantes e as repre-sentações do self e dos outros que foram anteriormente reprimidas ou disso-ciadas. Estas motivações e representações passam a fazer parte da experiênciasubjetiva do paciente quando ele desenvolve a capacidade de lidar com asmotivações conflitantes de uma maneira que elas não dependam da repressão,projeção, cisão, dissociação ou negação.

Quando o paciente não precisa mais restringir a experiência interna paraevitar as ansiedades associadas à ativação das relações objetais conflitantes,ele pode se tornar menos rígido e inibido e fica livre para aproveitar umagama muito maior de experiências quando as suas operações defensivas setornam mais flexíveis. Isso representa uma mudança dinâmica no funciona-mento mental do paciente. É esse processo de incremento da integração dasestruturas psicológicas – associado ao aumento da flexibilidade das operaçõesmentais – que impulsiona o paciente com patologia de personalidade em dire-ção a uma variação normal de funcionamento durante o decorrer do trata-mento.

LEITURAS SUGERIDAS

Britton R: The Oedipus situation and the depressive position, in Clinical Lectures on Kleinand Bion. London, Routledge, 1992, pp 34-45

Greenberg J: Introduction: toward a new Oedipus complex, in Oedipus and Beyond: AClinical Theory. Cambridge, MA, Harvard University Press, 1991, pp 1-20

Kernberg OF: Object relations theory in clinical practice, in Aggression in Personality Disordersand Perversions. New Haven, CT, Yale University Press, 1992, pp 87-102

Ogden TH: Between the paranoid-schizoid and the depressive positions, in Matrix of theMind: Object Relations and the Psychoanalytic Dialogue (1986). Northvale, New Jersey,Jason Aronson, 1993, pp 101-129

Ogden TH; The depressive position and the birth of the historical subject, in Matrix of theMind: Object Relations and the Psychoanalytic Dialogue (1986). North vale, NJ, JasonAronson, 1993, pp 67-99

Schafer R: The contemporary Kleinians of London. Psychoanal Q 63:409-432, 1994. Reprintedin Schafer R: Introduction: the contemporary Kleinians of London, in The ContemporaryKleinians of London. Madison, CT, Interna- tional Universities Press, 1997, pp 1-25

Schafer R: The interpretation of psychic reality, developmental influences, and unconsciouscommunication. J Am Psychoanal Assoc 33:537-554, 1985

Segal H: An Introduction to the WorkofMelanie Klein. New York, Basic Books, 1964

Spillius EB: Development in Kleinian thought: overview and personal view. PsychoanalyticInquiry 14:324-364, 1994

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Parte II

TRATAMENTO PSICOTERAPÊUTICODAS PATOLOGIAS LEVES

DE PERSONALIDADE

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Elementos básicos

Na primeira parte deste capítulo, apresentamos uma visão geral das tarefasterapêuticas básicas da psicoterapia dinâmica das patologias leves de persona-lidade (PDPLP), visando apresentar uma visão geral do tratamento e tambémintroduzir os constructos que serão discutidos em detalhes nos capítulos se-guintes. A seguir abordamos o tópico da transferência, um constructo centralpara os modelos psicodinâmicos de tratamento. Explicamos como a transfe-rência é conceitualizada dentro da estrutura da teoria das relações objetais edescrevemos como integramos o constructo da transferência na nossa aborda-gem da psicoterapia baseada nas relações objetais. Concluímos o capítulo comuma discussão do nosso modelo de mudança – o que esperamos ver mudar emnossos pacientes como resultado da PDPLP e como pensamos que a técnicapsicoterapêutica descrita neste volume leva a essas mudanças.

AS TAREFAS BÁSICAS

A primeira tarefa da PDPLP é criar um setting que facilite a emergênciaconsciente das relações objetais internas conflitantes que estão subjacentesaos conflitos dos pacientes. A segunda tarefa é explorar e interpretar as ansie-dades, defesas e motivações que estão incluídas nas representações conflitantesdo self e do outro que são afetivamente dominantes numa dada sessão. A ter-ceira tarefa é auxiliar o paciente a elaborar os conflitos que foram interpreta-dos, à medida que eles são repetidamente ativados e encenados nos relaciona-mentos atuais do paciente e nas suas interações com o terapeuta. No processode elaboração, enfatizamos as ligações entre os conflitos centrais do pacientee os objetivos do tratamento. As tarefas básicas da PDPLP estão resumidas noQuadro 4.1.

Capítulo 4Capítulo 4

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Trazer as relações objetais conflitantes para dentro do tratamento

O setting do tratamento refere-se às características constantes do trata-mento. O setting do tratamento contém a relação psicoterapêutica, um relacio-namento único estabelecido entre paciente e terapeuta, designado para pro-mover a ativação e exploração das relações objetais conflitantes do paciente.Este último processo é facilitado pela análise da resistência. A estrutura dotratamento define as condições para o tratamento e os respectivos papéis doterapeuta e do paciente no tratamento.

Estrutura do tratamento

A estrutura do tratamento é uma característica que define qualquer tipode psicoterapia e proporciona uma estrutura para o tratamento que é mutua-mente acordada. A estrutura do tratamento define os respectivos papéis dopaciente e do terapeuta. Também estabelece a freqüência e duração das ses-sões, as combinações a respeito dos horários e do pagamento e as expectativasa respeito dos contatos, por telefone ou pessoalmente, entre paciente e terapeutaque estejam fora dos encontros regularmente agendados. A estrutura do trata-mento deve ser estabelecida formalmente e ser mutuamente acordada pelopaciente e terapeuta antes que o tratamento se inicie. A concordância mútuaentre paciente e terapeuta que estabelece a estrutura do tratamento éfreqüentemente chamada de contrato do tratamento (Clarkin et al., 2006;Etchegoyen, 1991).

Relação psicoterapêutica

Dentro do contexto de uma estrutura confiável proporcionada pelo settingdo tratamento, terapeuta e paciente da PDPLP estabelecem uma relação espe-cial, ou relação objetal, a qual chamamos de relação psicoterapêutica. A rela-

Quadro 4.1As tarefas básicas da psicoterapia dinâmica das patologias leves de personalidade (PDPLP)

Tarefa 1 Trazer as relações objetais conflitantes para dentro do tratamento

Tarefa 2 Explorar e interpretar os conflitos inconscientes

Tarefa 3 Elaborar enquanto se enfatizam os objetivos do tratamento

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ção psicoterapêutica é uma relação altamente especializada, na qual uma par-te, o paciente, é encorajada a comunicar suas necessidades internas da manei-ra mais completa possível, enquanto o outro participante, o terapeuta, se abs-tém de fazer o mesmo. O papel do terapeuta é utilizar sua experiência paraampliar e aprofundar a autoconsciência do paciente. Para esse fim, o terapeutaestá completamente engajado num esforço contínuo para compreender as co-municações verbais e não-verbais do paciente, bem como a contratransferência.A relação psicoterapêutica é estabelecida pelo terapeuta durante a fase deabertura do tratamento e é o contexto necessário dentro do qual a técnicapsicoterapêutica descrita neste livro poderá ser implementada.

Aliança terapêutica

A aliança terapêutica (Bender, 2005; Orlinsky et al., 1994) é um componen-te importante da relação psicoterapêutica. Ela é a relação estabelecida entre aparte observadora do self do paciente que quer e é capaz de fazer uso da ajudae o terapeuta no seu papel de especialista disposto a ajudar (Gutheil e Havens,1979). A aliança reflete, por um lado, a expectativa realista do paciente de queo terapeuta tenha algo a oferecer a partir do seu treinamento, conhecimento einteresse e, por outro lado, o compromisso do terapeuta de ajudar o paciente,fazendo uso da compreensão do paciente que ele irá desenvolvendo. A maio-ria dos pacientes com patologia leve de personalidade tem condições de esta-belecer uma aliança com relativa facilidade nas fases iniciais do tratamento(Bender, 2005; Gibbons et al., 2003; Piper et al., 1991).

Neutralidade técnica

Quando o terapeuta da PDPLP estabelece uma aliança terapêutica com opaciente, ele mantém o que tem sido chamado de postura “neutra” (Levy eInterbitzin, 1992; Moore e Fine, 1995). Queremos enfatizar que neutralidadetécnica não implica que o terapeuta seja impassível ou indiferente ao progres-so do paciente. Pelo contrário, a atitude do terapeuta em relação ao pacientedeve refletir um interesse pelo bem-estar do paciente e uma disponibilidadepara ajudar, combinada a uma atitude de acolhimento e interesse (Schafer,1983); quando falamos em neutralidade técnica, não estamos nos referindo àatitude do terapeuta em relação ao paciente, mas à atitude do terapeuta emrelação aos conflitos do paciente. A neutralidade técnica requer que o terapeutaevite o envolvimento ativo ou tome partido nos conflitos do paciente e abste-nha-se de intervenções suportivas, como dar conselhos ou tentar intervir navida do paciente. Ao invés disso, a atitude neutra do terapeuta esforça-se paraser tão aberta quanto possível a todos os aspectos dos conflitos e condutas dopaciente e por manter o compromisso de compreender a vida interna do pa-

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ciente da forma mais completa possível. Para isso, o terapeuta neutro se alia àparte do paciente que tem a capacidade de auto-observação (Kernberg, 2004b).A neutralidade técnica é um aspecto essencial na postura do terapeuta daPDPS no contexto da relação psicoterapêutica.

Apoio e técnicas suportivas

Em psicoterapia, as técnicas suportivas são intervenções que fortalecemdiretamente as defesas adaptativas do paciente e o auxiliam a lidar com asdemandas do ambiente. Dar conselhos, ensinar habilidades para lidar comsituações, apoiar o teste de realidade e fazer intervenções no ambiente sãoexemplos de técnicas suportivas. As técnicas suportivas formam a espinha dorsalda psicoterapia de apoio (ver Rockland, 1989 para uma excelente discussãosobre a psicoterapia suportiva psicodinamicamente informada) e podem serespecialmente úteis para pacientes com transtornos agudos ou crônicos doEixo I (American Psychiatric Association, 2000).

Em contraste, o terapeuta da PDPLP não faz uso rotineiro de técnicas su-portivas. Acreditamos que esta abordagem, embora diferente do que muitosoutros recomendam (por exemplo, Gabbard, 2004), é sensata e útil dentro daestrutura terapêutica da PDPLP. É sensato que o terapeuta da PDPLP se abstenhade fazer intervenções suportivas porque os pacientes com patologia leve depersonalidade possuem em geral recursos psicológicos e apoio psicossocial sufi-cientes para obter fora da terapia e de forma independente do terapeuta o apoioemocional e ambiental de que necessitam. E esta abordagem é útil, porque aabstenção de fazer intervenções suportivas possibilita que o terapeuta da PDPLPfuncione de maneira mais eficiente como um observador das batalhas internasdo paciente, ao invés de desempenhar um papel ativo nelas.

Dito isso, queremos esclarecer a distinção entre um paciente sentir-seemocionalmente apoiado por um terapeuta e um terapeuta fazer uso de técni-cas suportivas. Embora o terapeuta da PDPLP não faça tipicamente uso detécnicas suportivas, os pacientes geralmente vivenciam a PDPLP e o terapeutada PDPLP como extremamente apoiadores; a estrutura consistente e confiáveldo tratamento, o comprometimento, interesse e preocupação do terapeuta e asua atitude de aceitação e não-julgamento em relação ao paciente criam umambiente intrinsecamente suportivo para o paciente, para suas necessidadesinternas e o seu desejo de ser compreendido e de obter ajuda.

O terapeuta como observador participante

Na PDPLP, o terapeuta mantém uma atitude neutra quando formula umaintervenção. Entretanto, nas suas reações internas ao paciente, ao invés de

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esforçar-se pela neutralidade, o terapeuta faz um esforço para abrir-se o maispossível ao paciente e aos pensamentos e sentimentos estimulados dentro delepelo paciente. A habilidade do terapeuta da PDPLP em manter uma atitudetecnicamente neutra depende da sua capacidade de abrir-se para o paciente eobservar suas interações com o paciente, refletindo sobre os sentimentos par-ticulares que são estimulados nele pelas comunicações verbais e não-verbaisdo paciente. Assim, o terapeuta da PDPLP é tanto participante quanto obser-vador (Sullivan, 1970), interagindo com o paciente e permitindo que o pacienteo afete internamente, e então recuando e refletindo sobre o que está aconte-cendo na sessão.

Comunicação livre e aberta

Na PDPLP, o papel do paciente é falar de forma não-estruturada, tão livree abertamente quanto possível, sobre tudo o que vier à sua mente quandoestiver na sua sessão de terapia – um processo por vezes chamado de livreassociação (Moore e Fine, 1995). Na PDPLP, pedimos que o paciente deixe delado, por um momento, uma agenda específica e, em vez disso, permita quesua mente vagueie de maneira livre. O fundamental para esta abordagem éque ela é uma forma altamente efetiva de trazer para dentro do tratamento asrelações objetais conflitantes do paciente, seja através das comunicações ver-bais e não-verbais do paciente, seja através das resistências à comunicaçãoaberta e livre (Busch, 1995; A. Freud, 1937).

Análise da resistência e defesa

O setting do tratamento e a neutralidade do terapeuta promovem a ativa-ção de relações objetais conflitantes do paciente. Em conseqüência, existe umatendência a que os padrões de relacionamento vinculados a esses conflitossejam encenados, e uma tendência oposta a que eles sejam reprimidos ou seformem defesas contra eles. No tratamento, as forças dentro do paciente que odefendem contra a atuação das relações objetais conflitantes (isto é, as opera-ções defensivas do paciente) são ativadas de forma automática e encenadascomo relações objetais defensivas.

A ativação e a atuação das operações defensivas do paciente na psico-terapia é chamada de “resistência” (Moore e Fine, 1995). Utilizamos o termoresistência porque as operações defensivas do paciente serão manifestadas comoalgum tipo de resistência à comunicação aberta ou à auto-observação. O ter-mo resistência não implica que o paciente esteja resistindo de maneira conscienteou trabalhando intencionalmente contra o tratamento. As resistências, assimcomo as operações defensivas em geral, são automáticas, em grande parte

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inconscientes e tipicamente invisíveis para o paciente, mesmo que elas sejammuito aparentes para o terapeuta. Análise da resistência refere-se à identifica-ção, exploração e interpretação das relações objetais defensivas do paciente àmedida que elas são ativadas e atuadas no tratamento.

Interpretação do conflito inconsciente

As interpretações trazem à consciência do paciente um conflito que estásendo ativado e vivenciado de forma inconsciente, encenado fora da consciênciado paciente, ou expresso através de sintomas. As interpretações fazem conexõesentre as defesas, as motivações para a defesa e as relações objetais contra asquais o paciente está se defendendo. O processo de interpretação começarápelas discrepâncias ou contradições no que o paciente está dizendo e fazendo,e levará à explicitação de hipóteses a respeito das discrepâncias ou contradi-ções observadas, de modo que possam vir a fazer algum sentido (Kernberg,1984).

O processo interpretativo

Os passos iniciais no processo interpretativo envolvem a clarificação e aconfrontação. A clarificação significa a busca do terapeuta pela clarificação daexperiência subjetiva do paciente. Há um direcionamento para as áreas commaior imprecisão, até que tanto o paciente quanto o terapeuta tenham umacompreensão clara sobre o que foi dito, ou até que o paciente sinta-se perplexocom alguma contradição subjacente em um pensamento seu que foi trazido àluz. A confrontação envolve a colaboração do terapeuta na clarificação dasinformações, expressas nas comunicações verbais ou não-verbais do paciente,que são contraditórias ou não se encaixam, e a apresentação cuidadosa aopaciente de um material que garanta maior exploração e entendimento. Asconfrontações apontam implicitamente a ativação de operações defensivas dopaciente e integram as comunicações verbais e não-verbais (Etchegoyen, 1991).

A interpretação propriamente dita segue a clarificação e a confrontação eenvolve a elaboração de uma hipótese a respeito do conflito inconsciente queestá sendo defendido. Uma interpretação “completa” irá descrever a defesa, aansiedade que motiva a defesa e a motivação conflitante subjacente contra aqual está ocorrendo a defesa. Entretanto, as interpretações são oferecidas commais freqüência ao paciente em porções menores, passo-a-passo; a interpreta-ção é melhor compreendida como um processo, iniciando pela clarificação econfrontação, encaminhando-se para a identificação das relações objetais de-fensivas, seguida pela exploração das ansiedades que motivam a defesa e por

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fim chegando à exploração das relações objetais conflitantes subjacentes con-tra as quais se dá a defesa.

Interpretação da transferência

Na PDPLP, as interpretações são, de preferência, feitas no aqui e agora,focalizando no que Joseph Sandler (1987) chamou de “inconsciente atual”.Isto significa que a maioria das interpretações concentram-se nas ansiedadesatuais do paciente à medida que são ativadas na sua vida diária e no tratamen-to. Algumas vezes as relações objetais conflitantes serão encenadas e interpre-tadas em relação aos relacionamentos interpessoais atuais do paciente. Outrasvezes, as relações objetais internalizadas do paciente podem ser encenadas einterpretadas em relação ao terapeuta. Neste último caso, a interpretação queo terapeuta faz será uma interpretação da transferência. Por vezes as relaçõesobjetais conflitantes serão encenadas de maneira paralela na vida interpessoaldo paciente e na transferência. Esta situação proporciona ao terapeuta a opor-tunidade de interpretar a ligação entre as relações objetais internalizadas confli-tantes do paciente, suas dificuldade atuais e a transferência.

Interpretação “genética”

No tratamento de pacientes com patologia leve de personalidade, é fácilvincularem-se os conflitos atualmente ativos na terapia a relacionamentos eeventos importantes do passado do desenvolvimento do paciente. Interpreta-ções deste tipo, que fazem ligações com a historia inicial do paciente, são àsvezes chamadas de interpretações genéticas. O foco prematuro ou excessivo naligação dos conflitos atuais com o passado do paciente deve, de maneira geral,ser evitado, pois pode emprestar uma qualidade excessivamente intelectualizadaàs sessões e irá proteger o paciente de vivenciar conflitos de forma imediata eafetivamente significativa. Em contraste, durante as fases posteriores do trata-mento, as interpretações que fazem conexões entre a historia inicial do pa-ciente e suas dificuldades e conflitos atuais podem ajudar a aprofundar a ex-periência emocional das relações objetais conflitantes do paciente que já fo-ram interpretadas e, até certo ponto, elaboradas.

Insight

Uma interpretação auxilia o paciente a tomar consciência e dar sentido aalgum aspecto da sua vida interna que foi mantido fora da consciência. Como

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na PDPLP nós sempre interpretamos os conflitos que atualmente estão sendoencenados ou contra os quais o paciente está ativamente se defendendo, asinterpretações ajudam o paciente a dar sentido a alguma coisa que ele estáexperimentando ativamente (ou tentando não vivenciar) no momento. É estacombinação de experiência emocional e compreensão intelectual (Moore andFine, 1995), no contexto de uma preocupação em relação ao que recém foicompreendido, que chamamos de insight. O insight, embora geralmente sejaútil aos pacientes, proporcionando sentimentos de alívio ou auto-entendimen-to, não provoca as mudanças estruturais e dinâmicas que são os objetivos daPDPLP. É o processo de elaboração que traduz o insight em mudança da perso-nalidade.

Continência

O termo continência foi introduzido por Wilfred Bion (1962a). Num sen-tido geral, continência refere-se à capacidade de pensar para amenizar os es-tados afetivos (Bion, 1959, 1962a, 1962b). Continência implica que o sujeitopode experienciar integralmente uma emoção sem ser controlado por aquelaexperiência ou ter que partir imediatamente para a ação; continência implicaliberdade emocional e consciência de si mesmo. Na PDPLP, o terapeuta contémsuas próprias reações emocionais em relação ao paciente e à transferência e,nesse processo, auxilia o paciente a conter melhor as ansiedades ativadas notratamento. Acreditamos que, assim como a interpretação, a continência porparte do terapeuta possui um potencial terapêutico e é um elemento essencialtanto para o desenvolvimento do insight quanto para o processo de elaboração.

Em contraste com a interpretação, que é um processo explícito, a conti-nência é um componente implícito da interação entre paciente e terapeutaenquanto exploram e chegam à compreensão do mundo interno do paciente.Na PDPLP, o terapeuta ajuda o paciente a colocar em palavras as experiênciascarregadas afetivamente e a refletir sobre elas. O terapeuta “continente” res-ponde emocionalmente – internamente – às suas interações com o paciente eentão reflete sobre tudo o que o paciente está comunicando, tanto verbal quantonão-verbal. Na sua resposta à comunicação do paciente – seja na forma deuma intervenção verbal ou não-verbal – o terapeuta auxilia o paciente a con-ter as ansiedades estimuladas na terapia. O terapeuta consegue realizar issoao comunicar que está registrando com precisão o que o paciente está sentin-do e comunicando, enquanto ao mesmo tempo mantém a capacidade de ob-

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servar e refletir sobre seu estado interno e o do paciente (Bion, 1962b, Fonagye Target, 2003; Kernberg, 2004b).

Elaboração e o processo de mudança

O processo de elaboração envolve a repetida ativação, atuação, continênciae interpretação de um conflito particular numa variedade de contextos dife-rentes e durante o curso do tratamento (Fenichel, 1941; Sandler et al., 1992).Na verdade, a maior parte do trabalho em PDPLP envolve o processo de elabo-ração; depois que os conflitos centrais e as relações objetais associadas foramidentificados, eles são repetidamente encenados e explorados durante o cursodo tratamento. Este processo de ativação repetida, atuação e interpretação deum dado conflito e a ligação com as várias relações objetais a ele associadasajudarão o paciente a atingir uma compreensão mais profunda e emocio-nalmente significativa de si mesmo. Além disso, acreditamos, é o trabalho deelaboração que possibilita a ligação entre o insight e a mudança terapêutica.

A elaboração depende da capacidade do terapeuta de conter as ansiedadesativadas na transferência-contratransferência, e também do desenvolvimentoda capacidade do paciente para conter e experimentar emocionalmente asansiedades associadas à ativação das relações objetais conflitantes e aos esta-dos mentais associados. Neste processo, o paciente poderá perceber o papeldas suas identificações com as duas metades de uma relação objetal particular,bem como as formas pelas quais a ativação de uma relação objetal interna ouconflito particular apóia a repressão de outras. Por fim, o paciente conseguirátolerar e assumir a responsabilidade pela percepção emocional dos aspectosde si mesmo e dos seus objetos internos que anteriormente estavam reprimidos.

No processo de elaboração na PDPLP, focalizamos as áreas de dificuldadepredominantes no paciente, conforme identificado nas queixas atuais e nosobjetivos do tratamento. Isto significa que enquanto o paciente é incentivado apermitir que sua mente vagueie livremente sem dar atenção aos objetivos dotratamento, o terapeuta mantém os objetivos do tratamento em mente. Quan-do as relações objetais conflitantes são encenadas no tratamento e os conflitoscentrais do paciente entram em foco, o terapeuta estará se perguntando: “Quala relação entre as relações objetais que estão sendo exploradas atualmente eos objetivos do tratamento?” No processo de elaboração, o terapeuta irá foca-lizar suas interpretações na relação entre os conflitos que estão sendo encena-dos e os objetivos do tratamento mutuamente acordados, voltando-se para a

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rigidez da personalidade em áreas localizadas do funcionamento mal-adaptativo, enquanto deixa intocadas áreas de funcionamento que estão rela-tivamente comprometidas.

O QUE É TRANSFERÊNCIA E QUAL OPAPEL QUE ELA DESEMPENHA NA PDPLP?

O termo transferência tem uma história longa e complexa (para visõescontemporâneas, ver Etchegoyen, 1991; Harris, 2005; Joseph, 1987; Smith,2003). Acreditamos que o termo pode ser definido de forma significativa somen-te dentro da estrutura de um modelo particular da mente e do tratamento.

Transferência e relações objetais internas

Dentro do referencial das relações objetais utilizado neste livro, o termotransferência refere-se à expressão, no presente, de padrões de interação deri-vados de relações significativas no passado. Estes padrões de interação refle-tem a ativação das relações objetais internas do paciente em relação a umapessoa na sua vida atual. Em particular, experiências e relacionamentospatogênicos do passado que influenciaram de forma profunda a estrutura dapersonalidade, em conjunto com defesas mobilizadas em relação a estas expe-riências, tendem a ser encenadas nas relações interpessoais atuais e também adominar os acontecimentos na transferência (Kernberg, 1992).

Em nosso modelo, as interações precoces, significativas e emocionalmentecarregadas, assim como as fantasias e defesas associadas, são organizadas namente na forma de estruturas de recordações ou padrões de relacionamentointernalizados aos quais chamamos de relações objetais internas. Essas estrutu-ras psicológicas funcionam como esquemas latentes – formas pelas quais oindivíduo pode organizar sua experiência – que serão ativados em contextosparticulares (Kernberg e Caligor, 2005). Uma vez ativadas, as relações objetaisinternas vão colorir a experiência subjetiva do indivíduo e o levarão a agir esentir de maneiras que correspondam às relações objetais internas ativadasatualmente. Pensamos neste processo em termos de “encenação” ou “exter-nalização” das relações objetais internas que o indivíduo faz em sua vida diá-ria. Quando as relações objetais internas são encenadas, as estruturas psicoló-gicas são atualizadas. É a este processo que nos referimos quando utilizamos otermo transferência.

O uso do termo transferência é reservado para ocasiões em que as re-lações objetais internas do paciente são atualizadas em relação ao terapeuta.O termo também pode ser usado de forma mais abrangente para referir-se àatuação das relações objetais internas do paciente nas suas interações com

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outra pessoa, sem limitar isto à pessoa do terapeuta. Quando utilizada destaforma, a transferência refere-se ao processo geral em que as relações objetaisinternalizadas, especialmente as relações objetais conflitantes, tendem a seratualizadas ou defensivamente externadas nas relações interpessoais. A par-tir desta perspectiva, a transferência para o terapeuta é apenas um caso es-pecial de um fenômeno mais generalizado em que as estruturas psicológicassão atualizadas, ou “encenadas”, na vida interpessoal. Para maior clareza, va-mos restringir nosso uso do termo transferência ao seu significado mais especí-fico, como referência às relações objetais que são encenadas em relação aoterapeuta.

Westen e Gabbard (2002) abordaram o constructo da transferência apartir da perspectiva da neurociência. Estes autores sugeriram que as repre-sentações mentais e as relações objetais internas são codificadas no nível docérebro na forma de “redes neurais associativas”. Estas são redes de neurôniosque estão organizadas uma em relação à outra e em relação a outras estrutu-ras neurais, de modo que os neurônios de uma rede associativa particularserão prontamente ativados, de forma previsível e simultânea, em resposta aum conjunto particular de estímulos. Neste modelo, que é similar e compatívelcom o nosso, as representações e transferências existem como potenciais queestão distribuídos através de uma rede de unidades neurais que são ativadassimultaneamente para produzir a representação (Gabbard, 2001).

Encenação na transferência

Neste livro, utilizamos o termo encenar (enact) e encenação (enactment)para nos referirmos à forma como um indivíduo “externaliza” ou traz à vidasuas relações objetais internas na sua vida interpessoal. O termo encenar utili-zado desta forma descreve o processo pelo qual as relações objetais internas,que são esquemas latentes ou formas potenciais de organizar a experiência,são atualizadas como pensamentos, sentimentos e ações. Quando utilizamosencenar desta forma, estamos falando a partir da perspectiva do paciente. Esteuso do termo é um pouco diferente da forma como os termos encenação natransferência e encenação na transferência-contratransferência são geralmenteutilizados na literatura psicanalítica.

Na literatura psicanalítica, o termo encenação na transferência chama aten-ção não só para a experiência e conduta do paciente, mas também do tera-peuta (Moore e Fine, 1995). Especificamente, a encenação na transferênciaimplica que o comportamento do terapeuta reflete sua participação ativa narealização da transferência em suas interações com o paciente. Assim, quandoos analistas falam de “encenação na transferência” (isto é, distinguindo-a da“transferência”), é para enfatizar as formas pelas quais o terapeuta é um par-ticipante ativo na expressão da transferência do paciente (Steiner, 2006).

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A distinção entre o uso psicanalítico atual de encenação na transferência ea forma um tanto diferente em que temos utilizado o termo encenação chamaatenção para uma área de ambigüidade em relação ao grau em que o terapeutada PDPLP participa de maneira ativa da encenação na transferência do pacien-te. A partir da nossa perspectiva, quando um paciente encena uma relaçãoobjetal interna, essa relação objetal interna é “vivida” pelo paciente, indepen-dente do grau ou natureza da participação da outra pessoa. Por exemplo, seum homem é caracterologicamente submisso, segundo nossa perspectiva eleestá encenando uma relação objetal particular, independente de como respon-dem aqueles a quem está se submetendo. Ao mesmo tempo, a pessoa a quemele está se submetendo sempre terá algum tipo de reação, de modo que aencenação sempre envolverá o comportamento de ambas as partes.

A partir desta perspectiva, a PDPLP é caracterizada por um fluxo cons-tante de encenações, da mesma forma que o são todas as relações interpessoais.Isso parece ser simples. Entretanto, quando consideramos a dinâmica da ence-nação no contexto da relação psicoterapêutica, o grau em que um terapeutaneutro participa ativamente ou não na expressão das necessidades internas dopaciente e das suas relações objetais defensivas passa a ser uma consideraçãoimportante.

O objetivo da relação psicoterapêutica é criar um ambiente ideal dentrodo qual se possa explorar e compreender a vida interior do paciente. Esteobjetivo está embasado na condição de que o terapeuta esteja emocionalmen-te disponível e seja responsivo ao paciente. Além disso, paciente e terapeutaestão constantemente interagindo, de modo que, a menos que o terapeuta sejaum robô, não é possível – nem desejável – evitar as encenações transferências-contratransferências. Ao mesmo tempo, acreditamos que quando o terapeutacontrola as suas próprias inclinações a participar no que o paciente está “acio-nando” e mantém uma atitude mais neutra, a tendência será ficar em destaquea necessidade que o paciente tem de encenar relações objetais particulares,facilitando a identificação e exploração destas relações objetais no tratamen-to; quando o terapeuta não atualiza ativamente as expectativas transferenciaisdo paciente, e é provável que o paciente perceba que tem expectativas de queo terapeuta comporte-se de uma determinada maneira.

Na PDPLP, o terapeuta lida com a tensão entre estar emocionalmentedisponível e manter a neutralidade, conduzindo-se de forma responsiva, po-rém controlada, em relação ao paciente, ao mesmo tempo em que presta mui-ta atenção à contratransferência. Esta é uma atitude que Joseph Sandler (1976)descreveu como role-responsiveness. Às vezes o terapeuta perceberá que estátentado a interagir com o paciente de uma maneira particular antes de agir.Outras vezes, o terapeuta só perceberá a sua tendência a interagir com umpaciente de uma forma particular após o fato. Em ambos os casos, o terapeutapode utilizar as reflexões sobre suas interações com o paciente para compreen-

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der melhor o que está acontecendo no tratamento e formular uma descriçãodas relações objetais encenadas na transferência.

Encenação e atuação

A encenação na transferência implica que o paciente expresse na transfe-rência as relações objetais ativadas, independentemente de estar ou não cons-ciente de estar fazendo isso. Em contraste, utilizamos o termo atuação (actingout) para nos referirmos à situação em que o paciente parte para a ação, nãopara expressar as relações objetais conflitantes ativadas em relação ao terapeuta,mas, ao contrário, para bloquear a consciência emocional delas. Neste proces-so, o paciente evita qualquer desconforto que esteja associado ao conflitosubjacente. Quando a atuação é utilizada como operação defensiva geral, opaciente se volta para a ação para fazer com que desapareçam os afetos dolo-rosos associados ao conflito psicológico. Quando utilizamos o termo atuaçãono contexto do tratamento, isto implica que o paciente se volta para a açãonão simplesmente para fazer desaparecer os afetos dolorosos, mas tambémcomo uma alternativa à exploração reflexiva dos afetos dolorosos no trata-mento (Etchegoyen, 1991).

Por exemplo, se os sentimentos sexuais de uma paciente pelo seu terapeutasão expressos de uma forma sutilmente sedutora que envolve uma mudançaem seu horário, pensamos em termos de encenação. Em contraste, se a pacien-te não está consciente ou nega que tenha sentimentos eróticos pelo terapeuta,mas encontra uma razão para faltar a sua próxima sessão, ela está atuando.No caso da atuação, ao invés de expressar e explorar seus sentimentos eróti-cos, a paciente age como se pudesse fazer com que seus sentimentos eróticospelo terapeuta desaparecessem ao assegurar-se de que não terá um contatofrente-a-frente com ele.

Se esta mesma paciente sai da sua sessão de terapia, volta para o traba-lho e flerta com seu chefe, sem ter consciência de que seu comportamento temalguma coisa a ver com seu terapeuta e nenhum reconhecimento da naturezaconflitante de flertar com um homem numa posição de autoridade, podería-mos dizer que ela está não só atuando em relação aos seus sentimentos sexuaispelo seu terapeuta, como também encenando-os. Este último exemplo ilustraque a atuação e a encenação são distintas apenas em teoria. Na prática, aatuação envolve algum grau de encenação e, em algum nível, a encenaçãocom freqüência envolve simultaneamente a expressão de uma relação objetale a tentativa de evitar fazer contato emocional com ela.

Pensamos em atuação, encenação na transferência e pensamentostransferenciais como parte de um continuum. Num extremo, na atuação pura,a conduta do paciente encobre a relação objetal ativada no tratamento e evita

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os afetos associados a um conflito particular, como no caso da paciente quecancela uma sessão ao invés de entrar em contato emocional com o terapeutaou de expressar os sentimentos eróticos em relação a ele. Na metade docontinuum, na encenação, as relações objetais ativadas no tratamento são ex-pressas na conduta, e desta forma são levadas ao nível de experiência emocio-nal – mas freqüentemente, pelo menos inicialmente, sem consciência delas.Um pouco mais adiante no continuum podemos ver encenações em que o pa-ciente está vivenciando conscientemente as relações objetais que estão sendoencenadas no tratamento, ou em que o paciente está sutilmente encenando asrelações objetais que emergem nas suas associações livres e na comunicaçãoverbal. E, finalmente, no outro extremo do continuum, vemos os pensamentostransferenciais, em que as relações objetais ativadas no tratamento são ex-pressas em pensamentos – por exemplo, na forma de uma livre associação,memória ou fantasia – mas não são encenadas de forma aparente.

O papel central da transferência na PDPLP

Na PDPLP, facilitamos a ativação das relações objetais internas conflitantesdo paciente no tratamento. Em contraste com o tratamento psicanalítico, ondea ênfase é colocada na exploração das relações objetais internas do pacientequando são encenadas em relação ao analista, na PDPLP o grau em que opaciente “trabalha na transferência” é muito variável. O que observamos é quealguns pacientes vivenciam prontamente as relações objetais internalizadasem relação ao terapeuta, enquanto outros defendem-se muito para não fazerisso. No caso do primeiro grupo de pacientes, a análise das relações objetaisconflitantes do paciente pode se dar num grau significativo em termos da trans-ferência do paciente para o terapeuta. No caso do segundo grupo de pacien-tes, a mesma análise será feita predominantemente com base nas interaçõesdo paciente com outras pessoas na sua vida. A diferença entre os dois gruposde pacientes é o grau em que as relações objetais internas conflitantes podemser vivenciadas e exploradas em relação ao terapeuta e até que ponto existemdefesas contra essa experiência.

No caso do paciente que encena com mais facilidade tais conflitos emrelação ao terapeuta, estamos analisando a transferência do paciente para oterapeuta, enquanto no segundo caso estamos analisando as “transferências”do paciente em relação a outras pessoas da sua vida, junto com suas defesascontra a vivência destas transferências em relação ao terapeuta. A análise dasrelações objetais encenadas nas relações externas prepara o caminho para aexploração das mesmas relações objetais quando posteriormente o paciente asencena em relação ao terapeuta no tratamento. Num dado momento, oterapeuta decidirá se vai enfocar a transferência ou as relações fora da transfe-rência com base no material que for afetivamente dominante.

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A transferência para o terapeuta não é qualitativamente diferente dastransferências que o paciente vivencia em relação às outras pessoas que não oterapeuta. Entretanto, na vida diária do paciente, suas expectativas transferen-ciais em relação aos outros serão neutralizadas pelas respostas socialmenteadequadas das pessoas à sua volta. Em contraste, na PDPLP as transferênciasdo paciente para o terapeuta terão destaque e serão intensificadas como resul-tado da postura do terapeuta de manter uma atitude neutra.

Assim, as transferências para o terapeuta são de interesse particular naPDPLP porque essas encenações possibilitam que o terapeuta experimente eexplore os conflitos do paciente com uma rapidez, intensidade e clareza queficam a desejar quando os conflitos são explorados em outro lugar. Além disso,acreditamos que “a elaboração da transferência”, um processo em que o tera-peuta funciona como participante e observador, é um componente importantedo processo terapêutico na PDPLP. Não há dúvida de que outras pessoas quenão o terapeuta funcionam como objetos transferenciais para o paciente, eque o trabalho terapêutico efetivo pode ser feito através da análise dos pa-drões de relacionamento do paciente que são encenados com pessoas impor-tantes da sua vida. Contudo, a neutralidade do terapeuta, juntamente com suacapacidade de abrir-se para o paciente, ao mesmo tempo em que contém suasreações e reflete sobre elas, distingue a relação transferencial com o terapeutade outras relações que o paciente possa ter.

Desenvolvimentos da transferência napatologia leve de personalidade

No centro das visões contemporâneas sobre a transferência reside a no-ção da revivescência do paciente, ou externalização no presente, de padrõesde interação derivados de relações significativas do passado. Assim, na PDPLP,o paciente terá a experiência de que suas relações objetais internas estão lite-ralmente ganhando vida nas suas interações pessoais com o terapeuta e comos outros na sua vida atual. Na PDPLP, a consciência subjetiva da transferêncianão emerge tipicamente como uma abstração intelectual, mas como uma ex-periência real em que as representações transferenciais do self e dos outros,em maior ou menor grau, vêm dominar a experiência que o paciente tem dopresente interpessoal. Às vezes o desenvolvimento da transferência vai emer-gir na forma de pensamentos e/ou sentimentos que o paciente tem durantesua sessão, seja em relação ao terapeuta ou, inicialmente, em relação a outraspessoas da sua vida. Outras vezes, as transferências serão encenadas pelo pa-ciente sem que ele esteja consciente de estar fazendo isso. Estamos falandoaqui sobre a identificação de relações objetais inseridas no comportamento dopaciente – por exemplo, no tom como ele fala, na sua atitude em relação aoterapeuta e em relação a suas próprias comunicações, na sua linguagem cor-

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poral ou na “atmosfera” da sessão. Em conseqüência, ao avaliar o que estáacontecendo “na transferência”, o terapeuta irá prestar atenção não apenas aoconteúdo das comunicações verbais e associações livres do paciente, mas tam-bém às comunicações não-verbais do paciente e à contratransferência. Estamossugerindo que o terapeuta deve pensar não somente em termos de “O que opaciente está me comunicando neste momento?”, mas também de “O que opaciente está fazendo comigo neste momento?”.

Pacientes com patologia leve de personalidade tendem a desenvolver trans-ferências de forma lenta, gradual e relativamente sistemática. As defesas decaráter estáveis e relativamente adaptativas que são características da patolo-gia leve de personalidade deixam o indivíduo defendido de forma eficientecontra a emergência na consciência das relações objetais internas reprimidasou dissociadas, seja em relação ao terapeuta ou em relação aos outros na vidado paciente. Além do mais, como estes indivíduos possuem condições de “ler”os outros de maneira sensível e acurada, eles utilizam de maneira constante eautomática sinais interpessoais sutis para corrigir distorções defensivas nassuas interações interpessoais. Na vida diária, o indivíduo com patologia levede personalidade utiliza seus trunfos psicológicos para limitar com eficiência ograu em que suas interações interpessoais são distorcidas por seus conflitosinconscientes, e fará a mesma coisa no setting do tratamento.

Nas fases iniciais do tratamento, os desenvolvimentos da transferênciarefletem a ativação das defesas de caráter do paciente no tratamento. As relaçõesobjetais internas ligadas mais de perto às motivações conflitantes subjacentessão ativadas com o passar do tempo, à medida que o tratamento progride e asrelações objetais defensivas são exploradas e interpretadas. No tratamento depacientes com patologia leve de personalidade, as transferências tendem a serrelativamente estáveis, e um ou dois paradigmas da transferência irão tipica-mente dominar o material clínico num dado ponto do tratamento. Com fre-qüência, o paciente se identificará de forma consistente com uma representaçãodo self (geralmente um self infantil) durante um longo período de tempo, aomesmo tempo em que atribui ao terapeuta a representação objetal corres-pondente.

Em suma, no setting psicoterapêutico, o paciente com patologia leve depersonalidade está relativamente bem defendido contra a emergência de suasrelações objetais internas inconscientes, seja em relação ao terapeuta ou emrelação a outras pessoas da vida do paciente. Quando aspectos das relaçõesobjetais conflitantes são ativados na transferência, os efeitos são em geral sutise facilmente racionalizados pelo paciente. Em conseqüência, na psicoterapia énecessário que sejam dados passos específicos para facilitar a emergência e aexploração das relações objetais internas conflitantes do paciente no trata-mento. Em particular, ao tratar de pacientes com patologia leve de personali-dade, contamos com sessões com a freqüência de duas vezes por semana, coma atmosfera de segurança proporcionada pelo setting do tratamento, neutrali-

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dade técnica e a análise da resistência para promover a encenação no trata-mento das relações objetais internas do paciente.

MECANISMOS DE MUDANÇA E A TEORIA DA TÉCNICA NA PDPLP

Antes de passarmos para uma descrição detalhada da técnica psicotera-pêutica, revisaremos rapidamente, de forma esquemática, o material que abor-damos até agora e que pertence ao nosso modelo de patologia de personalida-de e os objetivos da PDPLP. Além disso, apresentaremos aqui nossas hipótesesatuais a respeito dos mecanismos de mudança em PDPLP.

Objetivos do tratamento

• O objetivo geral da PDPLP é aumentar a flexibilidade e adaptação dofuncionamento mental e das respostas às fontes internas e externasde ansiedade, isto é, diminuir a rigidez da personalidade em áreasfocais de funcionamento na patologia leve de personalidade.

• Estruturalmente, esta mudança corresponde à integração dos aspec-tos conflitantes cindidos (reprimidos e/ou dissociados) da vida inter-na à experiência de self dominante do paciente.

Modelo de organização mental

• Os pacientes com patologia leve de personalidade têm uma experiên-cia de self consciente relativamente bem consolidada, que acomodauma variedade de estados afetivos, motivações, desejos e temores;contudo, os aspectos da experiência subjetiva que são conflitantes sãocindidos do senso de self consciente do paciente e permanecem repri-midos ou dissociados.

• Nas áreas de conflito, a experiência psicológica é mais concreta, éafetivamente mais intensamente carregada e não é tão integrada/émenos ambivalente do que é a experiência mental nas áreas de fun-cionamento não-conflitantes.

• No modelo que estamos utilizando, os conflitos psicológicos – ansie-dades, defesas e motivações conflitantes – são representados comogrupos de relações objetais internas desejadas, temidas ou necessita-das e pelas fantasias associadas que podem ser conscientes, pré-cons-cientes ou inconscientes.

• A encenação das relações objetais defensivas apóia a repressão e/oudissociação das motivações conflitantes e ansiedades associadas.

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• Neste modelo, a rigidez da personalidade reflete a encenação habi-tual das relações objetais defensivas com o objetivo de manter umasituação psicológica em que as motivações conflitantes são excluídasda experiência de self consciente, permanecendo reprimidas ou disso-ciadas do senso dominante do self.

Mudança estrutural

• Quando os conflitos são elaborados, vemos um movimento que evoluidesde a rigidez até um funcionamento mais flexível e adaptativo nasáreas de conflito. Esta mudança corresponde a alterações nas caracte-rísticas das relações objetais conflitantes e na sua relação com a expe-riência subjetiva e o senso dominante do self.

• Especificamente, quando os conflitos são elaborados, as relaçõesobjetais internas conflitantes tornam-se menos concretas (isto é, sãovivenciadas conscientemente como pensamentos, sentimentos, dese-jos, temores), menos carregadas afetivamente e mais complexas (istoé, as representações do self e dos outros estão associadas a mais deuma motivação, refletindo o aumento da capacidade de tolerar aambivalência em áreas de conflito) e as representações tornam-se maisdiferenciadas, com maior sutileza de representação.

• Estas mudanças correspondem à assimilação gradual das relaçõesobjetais conflitantes e da experiência afetiva associada à experiênciado self consciente, de modo que as relações objetais conflitantes estãoagora confortavelmente contidas dentro de um senso global de umself satisfatório e responsável, que vive num mundo predominante-mente satisfatório, porém complexo.

Dinâmica da mudança

• As relações objetais conflitantes e os afetos associados tornam-se aces-síveis à consciência (freqüentemente as relações objetais conflitantessão inicialmente encenadas de forma projetada ou invertida).

• As relações objetais conflitantes são entendidas como parte do self(isto é, não são mais projetadas, dissociadas ou negadas) e tambémrefletem identificações com vínculos objetais precoces.

• O paciente aceita a perda das imagens ideais de si mesmo e dos seusobjetos.

• É feito o luto pelas perdas e a culpa é elaborada.• O paciente passa a tolerar a ambivalência nas áreas de conflito e de-

senvolve uma capacidade mais profunda de preocupação (em con-traste com a culpa) com seus objetos e consigo mesmo.

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Processo global do tratamento

Esquematicamente, o processo global do tratamento pode ser conceitua-lizado em termos de dois passos abrangentes:

• PASSO 1 – Desfazer a repressão e a dissociação: as relações objetaisconflitantes e os afetos associados emergem para a experiência cons-ciente do self.

• PASSO 2 – Elaboração/processo de luto: o paciente tolera a consciênciadas relações objetais conflitantes, explora as ansiedades e fantasias asso-ciadas, elabora a culpa e a perda e faz a reparação. Este processo possi-bilita ao paciente tolerar melhor a ambivalência nas áreas de conflito.

Teoria da técnica e mecanismos de mudança

A utilização deste modelo, nossa “teoria da técnica”, que examinaremosem detalhes nos capítulos seguintes, deve dar conta de como a técnica daPDPLP atinge os seguintes objetivos:

• Ajudar o paciente a tornar-se consciente das relações objetais inter-nalizadas conflitantes que estão reprimidas ou dissociadas.

• Ajudar o paciente a assumir a responsabilidade pelos aspectos da suaexperiência interna que ele reprimiu, projetou, dissociou ou negou.

• Ajudar o paciente a tolerar e fazer o luto pela perda das imagensideais do self e do outro.

• Levar à modificação das relações objetais dolorosas, anteriormentereprimidas ou dissociadas, de modo que elas possam ser vivenciadasintegralmente, toleradas conscientemente e assimiladas à experiên-cia de self do paciente.

MECANISMOS DE MUDANÇA: INTERPRETAÇÃO E CONTINÊNCIA

Nossa teoria dos “mecanismos de mudança” deve dar conta de como atécnica psicoterapêutica atinge os objetivos que acabamos de descrever. Nesteponto estamos perguntando: o que é que o terapeuta da PDPLP faz com opaciente e lhe oferece, possibilitando que este tolere a consciência de e assu-ma a responsabilidade por aspectos da sua vida interna que sente como intole-ráveis, e assimile estes motivos e fantasias intoleráveis ao seu senso global desi mesmo e dos outros significativos?

Hoje é amplamente reconhecido que existem múltiplas maneiras por meiodas quais as psicoterapias psicodinâmicas facilitam a mudança, e também éaceito em geral que diferentes elementos terapêuticos trabalham em sinergia

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(Gabbard e Westen, 2003). Os modelos mais contemporâneos de mudança emtratamento psicodinâmico enfatizam a importância da relação entre terapeutae paciente como um elemento terapêutico essencial, assim como o valor daauto-compreensão na facilitação da mudança (Gabbard, 2004).

Em nossa abordagem à questão da mudança terapêutica, também en-fatizamos os papéis centrais e recíprocos desempenhados pela relação do pacien-te com o terapeuta e da compreensão que o paciente tem de si mesmo. Orga-nizamos nossa discussão em torno dos constructos de “continência” e “inter-pretação”. Continência é um processo que está incluído na relação entre pacientee terapeuta. A interpretação é um processo que aprofunda a auto-compreen-são do paciente. Entretanto, mesmo que dividamos nossa discussão sobre amudança terapêutica em dois mecanismos de ação separados, a continência ea interpretação são distinguíveis apenas na teoria. Na prática, ambos os pro-cessos acontecem de maneira simultanea e com freqüência servem para refor-çar um ao outro. Uma interpretação útil freqüentemente terá uma função con-tinente e também possibilitará o insight; da mesma forma, intervenções quelevam à interpretação em geral reduzem a ansiedade através da continência,criando um setting em que o paciente está aberto para ouvir e fazer uso dainterpretação que vem a seguir.

Além do mais, deixando à parte as considerações a respeito da participa-ção do terapeuta e examinando a do paciente, podemos ver que a capacidadedo paciente de fazer uso de uma interpretação e desenvolver o insight estábaseada no desenvolvimento da sua capacidade de conter aspectos da expe-riência psicológica que anteriormente não conseguia conter. Assim, o desen-volvimento da capacidade do paciente para conter as motivações conflitantese as relações objetais em áreas focais de funcionamento é um objetivo da PDPLP.De fato, sugerimos que a capacidade de conter relações objetais conflitantes evivenciá-las integralmente sem ser controlado por elas é o correlato subjetivo dosobjetivos estruturais (“integração”) e dinâmicos (“adaptação flexível”) da PDPLP.

É nossa hipótese que a combinação da continência com o insight é que levaà mudança terapêutica. Interpretação sem continência leva à discussão intelectualda psicodinâmica, freqüentemente sem redução significativa da rigidez da perso-nalidade. Por outro lado, continência sem interpretação e insight deixa o pacientedependente do terapeuta como um objeto externo; acreditamos que interpreta-ção e insight são componentes cruciais do processo de elaboração, permitindo queo paciente obtenha ganhos que irão perdurar e continuarão a se desenvolver de-pois que o tratamento terminar (Sandell et al., 2000).

Mecanismo 1: continência

• Continência cognitiva do afeto: a clarificação e a confrontação colo-cam em palavras os aspectos mais ameaçadores da experiência psico-

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lógica do paciente, ajudando a conter cognitivamente os afetos consi-derados ameaçadores e intensos associados às relações objetais con-flitantes.

• Função continente do terapeuta neutro e tolerante: o terapeuta “me-taboliza” as projeções do paciente. Com isso queremos dizer que o te-rapeuta permite que o paciente o afete internamente, ao mesmo tempoem que se contém de atuar as projeções do paciente, e então refletesobre a interação, assumindo a responsabilidade por seus impulsos. Oque emerge na mente do terapeuta é uma versão mais integrada, me-nos carregada afetivamente, menos ameaçadora e mais reflexiva dasrelações objetais projetadas pelo paciente, as quais o terapeuta comu-nica ao paciente. Esta forma de continência acontece tanto verbalmen-te, via interpretação, quanto não-verbalmente, através das funções con-tinentes do setting do tratamento e da relação terapêutica.

• Função continente da interpretação: as motivações conflitantes e asansiedades associadas são relativamente concretas – é como se viven-ciar conscientemente um desejo ou motivação conflitante fosse equi-valente a atuá-lo e, portanto, experienciar desejo é por si só tremen-damente ameaçador. Além disso, o sujeito tende a vivenciar motiva-ções conflitantes com um imediatismo que o deixa menos capaz doque se pudesse observar-se e refletir sobre seus sentimentos. Igual-mente, as ansiedades inconscientes também possuem uma qualidadeconcreta. (O resultado é uma experiência do tipo expressado por afir-mações como “Eu sou mau em virtude do que estou pensando ousentindo” e “Você está zangado e me desaprova.”) Quando as motiva-ções conflitantes e as ansiedades associadas tornam-se conscientes,são descritas e exploradas em palavras e, por fim, interpretadas emtermos de significados e funções e fantasias subjacentes, elas se trans-formam em pensamentos e sentimentos ao invés de “coisas” concre-tas. Isto é, elas se tornam aspectos mais claramente “simbólicos” daexperiência interna que podem ser observados pelo paciente (e assimpodem tornar-se “triangulares”).

• Função continente da interpretação da transferência: as relações objetaisconflitantes e as ansiedades associadas são freqüentemente projetadas,de modo que o terapeuta na transferência passa a incorporar o que opaciente teme em si mesmo. Colocar em palavras a experiência trans-ferencial que o paciente tem do terapeuta, na forma de “interpretaçõescentradas no terapeuta” (Steiner, 1994) proporciona uma forma espe-cial de continência, comunicando de forma implícita que o terapeutapode tolerar ser e sentir o que o paciente não pode tolerar em si mesmo.

• Continência como um facilitador do insight: como resultado da conti-nência do analista em relação às projeções do paciente, as experiênciassubjetivas associadas à ativação das relações objetais conflitantes tor-

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nam-se menos perturbadoras, menos concretas e menos ameaçadoras;desta maneira, a continência possibilita que o paciente desenvolva in-sight, o que implica tolerar de maneira consciente, representar cogni-tivamente e, por fim, assumir a responsabilidade por partes do self quenum momento anterior eram reprimidas, projetadas, dissociadas ounegadas.

Mecanismo 2: interpretação9

• Prestar atenção: a clarificação e a confrontação chamam a atençãopara aspectos da experiência consciente que foram dissociados, igno-rados ou negados.

• Interpretação das operações defensivas, levando à egodistonia: a identi-ficação e exploração dos modos habituais de funcionamento propor-cionam uma perspectiva nova sobre os traços de personalidade e asdefesas de caráter; as defesas se tornam visíveis para o paciente e, porfim, egodistônicas.

• Identificação do paciente com o ego observador do terapeuta: as inter-venções do terapeuta refletem e exprimem sua capacidade de obser-var e refletir sobre as interações entre terapeuta e paciente. A identi-ficação do paciente com esta capacidade do terapeuta fortalece o egoobservador do paciente e melhora sua capacidade de refletir sobresua experiência interna nas áreas de conflito.

• O poder da “luz do dia”: as relações objetais conflitantes e as ansieda-des e fantasias associadas, freqüentemente derivadas da infância pre-coce, estão cindidas da experiência do self consciente do adulto; quandoas relações objetais conflitantes e as fantasias associadas transformam-se no foco da atenção consciente e são descritas, exploradas e com-preendidas a partir de uma perspectiva adulta e atual, elas se tornammenos ameaçadoras.

• Interpretação apoiando a simbolização: conforme descrito acima, quan-do as ansiedades são interpretadas e compreendidas pelo pacienteem termos de significados, funções e origens, elas ficam menos con-cretas e são por fim encaradas como pensamentos – representaçõesda experiência mental – e não como uma realidade material.

• Interpretação que exprime a inevitabilidade do conflito: tanto os com-ponentes cognitivos quanto afetivos do insight e da elaboração envol-vem tolerar a consciência e, por fim, a aceitação da inevitabilidadedos aspectos conflituosos da experiência do self.

9 Utilizamos o termo interpretação para nos referirmos a todo o processo interpretativo,incluindo a clarificação, confrontação e a interpretação propriamente dita.

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• Ligação dos conflitos atuais com o desenvolvimento passado para faci-litar a elaboração: depois que as relações objetais conflitantes foramcontidas, exploradas e, até certo ponto, elaboradas, a compreensãodas origens das fantasias e dos conflitos inconscientes no transcursodo desenvolvimento, assim como a sua relação com os sintomas atuaise os traços de personalidade, diminui a ansiedade, aumenta as habili-dades e introduz maior flexibilidade.

No Quadro 4.2 apresentamos uma visão geral do processo terapêutico daPDPLP. A tabela apresenta uma descrição das tarefas centrais do terapeutadurante o tempo do tratamento. As tarefas do terapeuta aparecem na tabelana coluna da esquerda, na ordem em que são implementadas durante o cursodo tratamento, começando pelo topo, até o final da página. A coluna da es-querda no Quadro 4.2 descreve os desenvolvimentos esperados no processoterapêutico como resultado das intervenções do terapeuta. Esses desenvolvi-mentos são descritos em termos de mudanças na experiência interna e nascapacidades do paciente.

Quadro 4.2O processo terapêutico na PDPLP

Terapeuta Paciente

Desenvolvimento da aliançaterapêutica

Capacidade aumentada para a auto-observação e auto-reflexão

Desenvolvimento da capacidade para acomunicação livre e aberta

Ativação e encenação das defesas decaráter e ansiedades subjacentes notratamento

As defesas de caráter tornam-seegodistônicas e as ansiedadessubjacentes emergem na consciência

Estabelecimento do esquema detratamentoEstabelecimento da relação terapêuticae da neutralidade técnicaObservação e reflexão sobre aexperiência psicológica do pacienteColoca em palavras a experiênciasubjetiva do pacienteUtilização da contratransferência

Análise da resistência promove acomunicação livre e aberta

Continência das ansiedades e estadosafetivos estimulados no tratamento

Identificação e exploração das relaçõesobjetais defensivas

(Continua)

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Quadro 4.2O processo terapêutico na PDPLP (continuação)

Terapeuta Paciente

Continência contínua no contextoda exploração e interpretação dasansiedades ativadas no tratamentoInterpretação do conflito inconscienteIdentificação e exploração dasmotivações conflitantes ativadas notratamento

Interpretação sistemática e elaboração

Os estados afetivos conectados aansiedades e motivações conflitantes sãomodificados pela continência e metabo-lização do terapeuta, ao invés de atualizaras ansiedades e projeções do paciente

Os estados afetivos conectados aansiedades e motivações conflitantessão contidos pela elaboração cognitiva

Capacidade aumentada de perceber anatureza simbólica da experiênciapsicológica nas áreas de conflito

Os estados afetivos conectados aansiedades e motivações conflitantessão modificados pela interpretação einsight quando as ansiedades e desejosinconscientes são entendidos

A interpretação das defesas e dasrelações objetais subjacentes facilita oaprofundamento da compreensão daexperiência psicológica como simbólica,tornando mais fácil tolerar a consciênciadas relações objetais conflitantes eassumir a responsabilidade por elas

O paciente é capaz de assumir aresponsabilidade pelas suas motivaçõesconflitantes, elaborar a culpa e a perda efazer a reparação

O paciente passa a ser capaz de tolerar aambivalência nas áreas de conflito e deconter as relações objetais conflitantesdentro do seu senso de self

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Psicoterapia dinâmica das patologias leves de personalidade 99

LEITURAS SUGERIDAS

Cooper A: Changes in psychoanalytic ideas: transference interpretation. J Am PsychoanalAssoc 35:77-98, 1987

Fosshage J: Toward reconceptualizing transference: theoretical and clinical considerations.Int J Psychoanal 75:265-280, 1994

Freud S: The dynamics of transference (1912), in The Standard Edition of the CompletePsychological Works of Sigmund Freud, Vol 12. Edited and translated by Strachey J. London,Hogarth Press, 1958, pp 99-108

Freud S: Observations on transference-love (1915), in The Standard Edition of the Comple-te Psychological Works of Sigmund Freud, Vol 12. Edited and translated by Strachey J.London, Hogarth Press, 1958, pp 159-171

Gabbard GO, Westen D: Rethinking therapeutic action. Int J Psychoanal 84:823-841,2003

Gill M: Analysis of transference. J Am Psychoanal Assoc 27:263-288, 1979

Harris A: Transference, countertransference and the real relationship, in The AmericanPsychiatric Publishing Textbook of Psychoanalysis. Washington, DC, American PsychiatricPublishing, 2005, pp 201-216

Hogland P, Amlo S, Marble A, et al: Analysis of the patient-therapist relationship in dynamicpsychotherapy: an experimental study of transference interpretation. Am J Psychiatry163:1739-1746, 2006

Joseph B: Transference: the total situation. Int J Psychoanal 66:447-454, 1985

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As estratégias e osetting do tratamento

Este capítulo apresenta as estratégias da psicoterapia dinâmica das patologiasleves de personalidade (PDPLP) e descreve a estrutura do tratamento. As “es-tratégias de tratamento” referem-se aos objetivos de longo prazo do tratamen-to e aos princípios técnicos fundamentais subjacentes ao tratamento como umtodo. As estratégias definem a abordagem terapêutica que o terapeuta empre-ga para auxiliar o paciente a avançar em direção à integração progressiva dasrelações objetais conflitantes. As estratégias de tratamento da PDPLP estãoinseridas no modelo da mente e do conflito inconsciente que já apresentamos.As estratégias do tratamento estão refletidas nas táticas que guiam a tomadade decisão em relação às intervenções em cada hora do tratamento. As técni-cas são as formas coerentes em que as intervenções são construídas e aplicadasdurante todo o tratamento. As estratégias, táticas e técnicas da PDPLP defi-nem uma teoria da técnica psicoterapêutica.

O setting do tratamento da PDPLP é concebido para possibilitar que tera-peuta e paciente implementem as estratégias do tratamento; o setting psicote-rapêutico proporciona um contexto dentro do qual a nossa teoria da técnicatransforma-se em um tratamento. Na PDPLP, o setting psicoterapêutico cria umambiente estável e previsível para a terapia, ao mesmo tempo em que fomentauma atmosfera de segurança. Na segunda metade deste capítulo, discutimos osetting do tratamento e a “estrutura do tratamento”. A estrutura do tratamentodefine as condições necessárias para o tratamento e os respectivos papéis dopaciente e do terapeuta. A estrutura do tratamento contém a relação psicotera-pêutica, um veículo essencial para o tratamento. Discutimos as funções e ascaracterísticas específicas da estrutura do tratamento e a relação psicoterapêutica.Também apresentamos a aliança terapêutica, um aspecto da relação entre pacientee terapeuta que desempenha um papel central em todas as formas de psicoterapia.

Capítulo 5Capítulo 5

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VISÃO GERAL DAS ESTRATÉGIAS

O objetivo primordial da PDPLP é introduzir um maior grau de flexibili-dade nos aspectos das operações defensivas do paciente que são responsáveispelos sintomas e traços de personalidade mal-adaptativos. Isto é alcançado,primeiro, auxiliando-se o paciente a tolerar conscientemente a percepção dasrelações objetais reprimidas e dissociadas conectadas às queixas apresentadase, segundo, auxiliando-o a assimilar essas relações objetais conflitantes dentrodo seu senso de self dominante, para que elas passem a fazer parte da suaexperiência subjetiva.

A estratégia que empregamos na PDPLP é explorar as relações objetaisencenadas no tratamento. Começamos pelas relações objetais ativadas defen-sivamente e avançamos em direção às relações objetais mais ameaçadoras eafetivamente carregadas contra as quais o paciente está se defendendo. Nesteprocesso, as relações objetais conflitantes que estão subjacentes às queixasapresentadas pelo paciente são trazidas à consciência, e os conflitos incluídosnas representações conflitantes do self e dos outros podem ser explorados,interpretados e elaborados.

As relações objetais conflitantes tendem a ser ativadas e encenadas nosrelacionamentos interpessoais atuais. Como resultado, ao escutar seu pacien-te, o terapeuta da PDPLP terá condições de identificar um ou dois padrões derelacionamento que se salientam em uma dada sessão, encenados nas descri-ções que o paciente faz das suas interações com os outros e/ou nas interaçõesdo paciente com o terapeuta. Após identificar as relações objetais dominantesna sessão, o terapeuta as descreverá e ajudará o paciente a explorar os confli-tos que fazem parte dessas relações objetais. Quando os conflitos forem ence-nados, explorados e interpretados repetidamente ao longo do tempo, as rela-ções objetais associadas a estes conflitos serão modificadas, tornando-se maisintegradas e menos ameaçadoras, de modo que possam ser assimiladas à ex-periência dominante de self do paciente.

Ao mesmo tempo em que o terapeuta explora os conflitos incluídos nasrelações objetais do paciente, ele mantém em mente os objetivos do tratamen-to. Na PDPLP, focamos a relação entre os conflitos do paciente e os objetivosdo tratamento, direcionando nossa atenção para a rigidez da personalidadeem áreas localizadas de funcionamento mal-adaptativo, enquanto deixamosintocadas as áreas com funcionamento aparentemente inalterado.

Ao fazer interpretações, o terapeuta focaliza o relacionamento entre asrelações objetais conflitantes que estão sendo encenadas e os objetivos dopaciente. As estratégias utilizadas na PDPLP (Quadro 5.1) podem ser concei-tualizadas em termos de quatro tarefas seqüenciais, as quais descrevemos aseguir.

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ESTRATÉGIA 1: DEFINIR AS RELAÇÕES OBJETAIS DOMINANTES

A primeira estratégia em PDPLP é definir as representações dominantesdo self e dos outros que estão ativas na sessão. Embora possa ser tentadorpensar nas representações mentais como entidades concretas, é importantelembrar que elas não o são. Ao contrário, as representações mentais e as rela-ções objetais internas são uma forma habitual de a pessoa organizar sua expe-riência de si mesma e sua realidade interna e externa. As relações objetaisinternas não podem ser observadas diretamente, e a natureza das representa-ções do self e dos outros que estão ativas em um dado momento só podem serinferidas a partir das formas como elas modelam os pensamentos, sentimentose comportamentos do paciente, em particular a sua experiência em relaçãoaos outros e as interações com eles. Na PDPLP, fazemos inferências a respeitodo mundo dos objetos internos do paciente com base nas suas comunicaçõesverbais e não-verbais. Quando tentamos definir as representações do self e dosobjetos que são dominantes atualmente, prestamos especial atenção às descri-ções que o paciente faz das suas interações interpessoais, atentando para ospadrões de relacionamento ativados nas interações do paciente com os outros,incluindo as interações do paciente com o terapeuta.

Passo 1: Identificar as relações objetais dominantes

Enquanto escuta e interage com seu paciente, o terapeuta de PDPLP vaiconstruindo hipóteses a respeito das relações objetais internas que estão sen-do encenadas. Neste estágio, pode ser útil que o terapeuta imagine uma ima-gem de duas pessoas em interação, cada uma desempenhando um papel par-

Quadro 5.1Estratégias da psicoterapia dinâmica das patologias leves de personalidade (PDPLP)

Estratégia 1 Definir as relações objetais dominantes

Estratégia 2 Explorar e interpretar os conflitos e defesas incluídos nasrelações objetais dominantes

Estratégia 3 Limitar o foco aos objetivos do tratamento

Estratégia 4 Elaborar os conflitos identificados, integrando as relaçõesobjetais conflitantes à experiência do self consciente dopaciente

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ticular. Tipicamente, o paciente estará identificado predominantemente comum papel particular em um dado padrão de relacionamento conflitante, em-bora às vezes a sua identificação com ambos os lados do padrão de relaciona-mento (ou com todos os três, no caso de padrões triádicos de relacionamento)possa estar bem próxima da consciência. Este tipo de flexibilidade, entretanto,é visto mais geralmente em fases posteriores do tratamento ou depois de umconflito particular ter sido elaborado até certo ponto.

Na PDPLP, queremos que nossas descrições das representações mentaisdo paciente sejam tão específicas e precisas quanto possível. Para identificarcom precisão as representações do self e do objeto que estão ativas no momen-to, o terapeuta precisará ter informações consideráveis a respeito dos senti-mentos, desejos e temores do paciente, junto com suas experiências atuais eexpectativas em relação à terapia e ao terapeuta. O terapeuta reúne essasinformações ouvindo com atenção o que o paciente está dizendo, observandoas interações não-verbais entre paciente e terapeuta e acompanhando cuidado-samente as suas próprias reações particulares ao paciente na sessão (Kernberg,1992). Estas informações serão integradas ao conhecimento anterior que oterapeuta tem do paciente, incluindo seus problemas presentes e sua históriadesenvolvimental.

Quando o terapeuta percebe que uma relação objetal particular está come-çando a entrar em foco, ele pedirá mais detalhes a respeito da pessoa ouinteração que o paciente está descrevendo. Se alguma coisa não ficar clara, oterapeuta poderá compartilhar sua incerteza com o paciente, ao mesmo tempoem que lhe pede para ajudá-lo a resolver essa lacuna na compreensão doterapeuta. Se a relação objetal que está entrando em foco está sendo encenadana interação com o terapeuta, este pode explorar a natureza da experiênciaque o paciente tem da interação entre eles. Quando um padrão de relacionamen-to particular está entrando em foco, é geralmente útil que o terapeuta descre-va para o paciente alguns dos aspectos que aparentemente caracterizam asrepresentações que estão sendo encenadas, para ver se o terapeuta está tendouma compreensão precisa a respeito das comunicações do paciente.

ILUSTRAÇÃO CLÍNICA DE IDENTIFICAÇÃODA RELAÇÃO OBJETAL DOMINANTE

Uma profissional de 34 anos, amada por amigos e colegas, porém soltei-ra e ansiando por um casamento e filhos, chegou ao tratamento recla-mando de insatisfação na sua vida romântica. A paciente estava apaixo-nada por um colega durante os últimos dois anos, um homem quefreqüentemente passava algum tempo com ela e flertava com ela, masque não tinha interesse sério nela como parceira romântica. A pacientesabia que a relação não era boa para ela e que provavelmente não evo-luiria, mas não conseguia romper. Os amigos insistiam para que o esque-

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cesse, mas ela não conseguia seguir seus conselhos. Outros homens ha-viam se aproximado dela, mas ela não os achava interessantes.

Pela insistência dos amigos, a paciente iniciou o tratamento. Ela seencontrava em tratamento há vários meses e passava a maior parte dasessão descrevendo o encontro da noite anterior com seu colega. Seguiadizendo que mesmo que ainda desejasse estar com ele, ultimamentedescobrira que não conseguia desfrutar integralmente do tempo em queestavam juntos. Estava muito consciente do fato de que ele não lhe davasua atenção integral nem sua afeição integral. Sentia que embora eletivesse mais para dar, não o daria a ela.

A paciente reconheceu que estava começando a vivenciar que essehomem estava se afastando afetivamente dela, e por vezes ela se pegavaimaginando se isso era algo que ele estava fazendo de propósito. En-quanto ouvia, o terapeuta observou um tom de frustração na voz dapaciente. À medida que a paciente descrevia sua experiência com o cole-ga, o terapeuta identificou a relação objetal dominante que estava sen-do ativada na sessão.

Passo 2: nomear os atores

Depois que o terapeuta tem uma opinião sobre a relação objetal que estásendo encenada, ele irá compartilhar essa impressão com o paciente. Geral-mente o ideal é fazer isso no ponto em que o paciente aludiu repetidamente auma relação objetal ou a um tema particular numa sessão, ou quando varia-ções de uma relação objetal particular emergiram em mais de uma forma. Ouentão o terapeuta deve intervir quando notar que o padrão de relacionamentodominante nas comunicações verbais do paciente está sendo encenado simul-taneamente nas interações do paciente com o terapeuta.

Para decidir quando intervir, o terapeuta presta atenção ao estado afetivodo paciente. É mais efetivo descrever uma relação objetal particular quando opaciente está se sentindo envolvido emocionalmente em algum aspecto dainteração que o terapeuta está nomeando. A principal exceção a esta regra éque geralmente não é ideal “nomear os atores” num momento de pico deintensidade afetiva. Se uma relação objetal entra em foco no momento em queos afetos do paciente estão extremamente intensos, recomendamos que oterapeuta espere até que o paciente esteja mais calmo antes de tentar esclare-cer as representações subjacentes do self e do objeto que estão sendo encena-das. Isto porque afetos muito intensos com freqüência comprometem a capaci-dade de auto-reflexão. Quando o paciente não mais se sentir “arrebatado”, eleestará mais aberto para ouvir a descrição das relações objetais que estãosubjacentes à intensidade da sua experiência afetiva.

Ao nomear os “atores” num padrão de relacionamento particular, a atitu-de do terapeuta é de não-julgamento. Seu objetivo é ser receptivo a todos osaspectos da experiência do paciente e não expressar nem crítica nem aprovação.

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O terapeuta mantém esta atitude mesmo quando um papel particular é objeti-vamente censurável ou desejável. Por exemplo, ao abordar o padrão de relacio-namento do self frustrado – a paciente –, e do objeto que se afasta – o homem –, oterapeuta descreverá os atributos dos dois atores sem dar a entender que onamorado seja mau ou que a paciente deve ser admirada ou digna de pena. Aonomear os atores, o terapeuta também é não-autoritário. O terapeuta estáapresentando uma hipótese, que deve ser testada e refinada com base na res-posta do paciente, não uma verdade que deve ser aceita pelo paciente. Comeste espírito, é útil que o terapeuta compartilhe com o paciente o pensamentoque o levou a essa hipótese (Busch, 1996).

Ao descrever uma relação objetal para um paciente, o terapeuta deveprocurar incluir na sua descrição alguns detalhes particulares que caracteri-zem especificamente os atores e o que está acontecendo entre eles. Utilizar alinguagem do próprio paciente pode ser muito útil nesse aspecto e pode darvida às representações do self e do outro de uma forma vívida e emocional-mente rica. Para ilustrar esta abordagem, voltemos à sessão descrita acima,em que nossa paciente descreve estar tendo dificuldades em aproveitar o tem-po com seu amigo.

ILUSTRAÇÃO CLÍNICA DE NOMEAÇÃO DOS ATORES

Após ouvir a paciente, clarificar sua experiência da noite anterior e ex-plorar suas reflexões sobre aquela noite, o terapeuta faz uma tentativade descrever os atores. Por exemplo, o terapeuta pode dizer à paciente:“Parece que você está tendo uma experiência particular das suasinterações com este homem. Mesmo que essa não seja a verdadeira in-tenção dele, parece que você está começando a sentir que ele está seafastando de você propositalmente, quase como se ele quisesse frustrarvocê. Esta é uma descrição precisa de como você se sente?”.

Se esta impressão se mostrar correta, o terapeuta pode continuar anomear os atores. Ele pode sugerir à paciente: “É como se você tivesse nasua mente uma imagem particular de duas pessoas em interação. Umapessoa está à espera de amor e atenção de alguém importante para ela. Aoutra pessoa não está totalmente disponível e, além disso, está secretamenteconsciente de que está se afastando e frustrando a primeira pessoa”.

Passo 3: Acompanhar a reação do paciente

Depois de apresentar uma hipótese particular a respeito da relação objetalatualmente ativa, o terapeuta vai atentar cuidadosamente para a reação dopaciente aos seus comentários. Ao ouvir uma resposta do paciente, o terapeutavai se preocupar menos com a concordância ou discordância manifesta dopaciente e mais com as associações e comportamento seguintes do paciente. O

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terapeuta pode ouvir o material que se segue como expressões das reações dopaciente à intervenção do terapeuta. Caso, durante esse processo, vier a perce-ber de que sua interferência não foi correta, o terapeuta deverá sentir-se livrepara reconhecer isto e fornecer uma impressão revisada quando ela emergir.

Uma caracterização correta da relação objetal dominante pode levar avários desenvolvimentos possíveis. Às vezes o paciente irá admitir, com convic-ção emocional, o reconhecimento do que o terapeuta está descrevendo. Opaciente pode descrever de forma espontânea outras interações que mostramum padrão similar, ou pode responder associando com material ou memóriasrelacionadas à relação objetal que o terapeuta descreveu. Este processo podeacrescentar novas dimensões à relação objetal em questão. Por exemplo, nos-sa paciente com problemas de relacionamento pode espontaneamente fazerassociações com um padrão infantil de interações frustrantes com um irmão.Ou então um artigo no jornal a respeito de mães que negligenciam seus filhospode vir à mente, sugerindo que o relacionamento frustrante com seu namo-rado está conectado a uma imagem de um genitor e uma criança em interação.

Por vezes um paciente responderá à caracterização correta da relaçãoobjetal dominante encenando a relação com o terapeuta; a paciente que estamosdescrevendo poderia responder reclamando do quanto é frustrante estar nestetipo de terapia, em que ela recebe tão pouco feedback ou orientação do terapeuta.

Outras vezes, o paciente pode responder fazendo associações com a relaçãoobjetal descrita, mas invertendo os papéis. Nesta situação, nossa paciente pode-ria começar a falar sobre uma história em que alguém a acusava de ter umcomportamento distante ou frustrante, ou fazer associações com uma lembrançavergonhosa de infância de importunar um animalzinho da família. Ou a pa-ciente pode inverter os papéis em relação ao terapeuta – por exemplo, igno-rando a intervenção do terapeuta ou comunicando, de um jeito implicante,que ela tem algo em sua mente que não está compartilhando com ele. Às vezesuma caracterização correta levará a uma ativação repentina de uma relaçãoobjetal diferente que reflete outros aspectos do conflito atual – por exemplo,imagens do self e do outro que estão mais próximas dos impulsos contra osquais está se defendendo ou que representam a ansiedade que motiva a defesa.

ESTRATÉGIA 2: OBSERVAR E INTERPRETAR OS CONFLITOSINCLUÍDOS NAS RELAÇÕES OBJETAIS DOMINANTES

Já mencionamos que a primeira estratégia da PDPLP é identificar, des-crever e explorar as relações objetais que são dominantes nas comunicaçõesverbais e não-verbais do paciente. A estratégia seguinte do terapeuta é desen-volver uma hipótese a respeito dos conflitos psicológicos incluídos nas rela-ções objetais que foram descritas e exploradas, e compartilhar essa hipótesecom o paciente em forma de interpretação.

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Na patologia leve de personalidade, as relações objetais internas associa-das às motivações conflitantes, sejam elas desejos, necessidades ou temores,estão muitas vezes fora da consciência do paciente, e tendem a permanecerassim. A organização defensiva do paciente, que envolve a encenação e vivênciaconsciente de uma constelação particular de relações objetais numa configu-ração particular, também é bastante estável. Como resultado, no curso normaldos eventos, o paciente encenará defensivamente as relações objetais inter-nas, ao mesmo tempo em que permanece amplamente, se não inteiramente,sem consciência das motivações conflitantes e relações objetais associadas, atéque sejam ativadas e exploradas no tratamento.

Conforme descrevemos, existe uma variedade de maneiras pelas quais asrelações objetais internalizadas podem ser utilizadas como defesa contra oconflito psicológico. Primeiro, a encenação de relações objetais relativamenteaceitáveis pode ser usada de maneira defensiva, para apoiar a repressão dasmotivações dos conflitos subjacentes. Segundo, a encenação de alguma relaçãoobjetal interna em que uma necessidade, desejo ou temor ameaçador é atribuídaa uma representação objetal, enquanto é dissociada do self, serve como umaformação de compromisso em relação ao impulso ameaçador. Terceiro, a ence-nação de relações objetais conflitantes que estão cindidas ou dissociadas daexperiência de self dominante permite a expressão das motivações conflitantes,ao mesmo tempo em que evita as ansiedades associadas ao conflito subjacente.

Voltando ao nosso exemplo da paciente com problemas de relacionamento,encontramos próxima à consciência e várias vezes encenada uma relação objetalentre um self dependente e amoroso e um objeto indisponível e abandonador,associada a sentimentos de frustração. A encenação deste padrão de relacio-namento apóia a repressão das relações objetais subjacentes que são mais ame-açadoras e estão vinculadas mais de perto à expressão de desejos eróticossubjacentes com colorido edipiano. A encenação do padrão de relacionamentode um self dependente e um objeto abandonados serve, além disso, como umaformação de compromisso em relação aos impulsos da paciente de frustrar eabandonar alguém mais vulnerável. Enfim, a encenação do padrão de relacio-namento entre um self abandonador e um objeto dependente, ao mesmo tem-po em que dissocia estas relações objetais da experiência de self dominante enega o seu significado, permite que o paciente expresse motivações de frustrare abandonar, ao mesmo tempo em que evita o conflito.

Passo 1: identificar e explorar asrelações objetais internas defensivas

O primeiro passo ao explorar-se um conflito é identificar, descrever eexplorar a relação objetal dominante na sessão – começando por nomear osatores, conforme descrito acima. Em nosso exemplo, o terapeuta ajudou a

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paciente a perceber que ela encena várias vezes uma situação em que se sentecomo uma criança dependente, necessitada e amorosa em relação a um objetoindisponível que a abandona, e que isto leva a sentimentos crônicos de frustra-ção. Depois que a sua encenação defensiva é identificada e explorada, tantonas relações interpessoais da paciente, quanto, talvez, também em relação aoterapeuta, ela pode ser identificada como servindo a funções defensivas. Comisso queremos dizer que a paciente começará a perceber que ela repete osmovimentos, constrói esta situação, seja na fantasia ou na realidade.

A identificação e exploração das relações objetais defensivas à medidaque são encenadas na vida interpessoal do paciente e na transferência levarãoa mudanças na atitude do paciente em relação a essas encenações defensivas.Primeiro, o paciente terá consciência de aspectos do seu comportamento aosquais não havia prestado atenção antes, e segundo, terá a consciência de queele é um participante ativo na criação das situações interpessoais em que elerepetidamente “se descobre”. Retornando à nossa paciente, ela conseguirá per-ceber que ser dependente e frustrada não é uma coisa que acontece inteira-mente “à” paciente, mas que, ao invés disso, é uma experiência interpessoal daqual ela participa ativa e repetidamente na sua criação.

Quando o paciente perceber que está, embora sem saber, ativa e automa-ticamente colocando-se em situações particulares, isto em geral levará à curio-sidade por parte do paciente quanto ao que estaria motivando o seu comporta-mento. Quando o paciente consegue perceber as formas pelas quais ele faz ascoisas que o levam a sentir-se de determinada maneira, muitas vezes o terapeutalevantará a questão de por que o paciente estaria escolhendo fazer as coisasassim. Voltando ao nosso exemplo clínico, o terapeuta ajudaria a paciente aconsiderar a questão de por que ela estaria escolhendo, sem ter consciênciadisto e além do seu controle, colocar-se numa posição tão cronicamente frus-trante.

Como resultado da identificação e exploração de um conjunto particularde relações objetais defensivas, a paciente ficará curiosa sobre por que ela secomporta assim e poderá perceber que sua conduta é guiada por motivaçõesque estão fora da sua consciência. Ao mesmo tempo, a encenação do padrãode relacionamento defensivo se tornará não só mais visível para a paciente(isto é, se tornará “egodistônico”), como também menos eficiente em protegera paciente da consciência das ansiedades e motivações contra as quais está sedefendendo.

Passo 2: identificar e exploraras relações objetais conflitantes

Quando as defesas do paciente ficam mais visíveis e menos rígidas, elasse tornam menos eficientes em manter os conflitos subjacentes inteiramente

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fora da percepção consciente do paciente. Neste contexto, os padrões de rela-cionamento que são derivativos das ansiedades e conflitos contra os quais sedá a defesa começarão a aparecer nas comunicações verbais e não-verbais dopaciente. Isto abre a porta para a identificação e exploração das relações objetaisantes reprimidas ou dissociadas. Tipicamente, as relações objetais contra asquais foram criadas defesas estarão mais proximamente ou diretamente vin-culadas à expressão de motivações conflitantes do que estão as relações objetaisativadas de forma defensiva. Quando os conjuntos de relações objetais asso-ciadas a uma necessidade, temor ou desejo particular estiverem identificadase descritas, o terapeuta poderá começar a formular hipóteses a respeito danatureza dos conflitos centrais do paciente, compartilhando-as com o pacien-te na forma de interpretações preliminares.

ILUSTRAÇÃO CLÍNICA DE IDENTIFICAÇÃO EEXPLORAÇÃO DAS RELAÇÕES OBJETAIS CONFLITANTES

Após passar várias sessões explorando sua tendência a colocar-se naposição de sentir-se dependente e frustrada, a paciente anteriormentedescrita contou ao terapeuta que havia sido convidada para sair poroutro homem, um antigo admirador. O terapeuta observou que quandoela falava do homem e do seu convite, seu tom era de rejeição. Na atitu-de da paciente em relação ao seu admirador, o terapeuta identificouuma encenação de um padrão de relacionamento que eles haviam ex-plorado no tratamento, mas com os papéis invertidos.

O terapeuta assinalou isto e descreveu o padrão de relacionamentono qual, quando defrontada com alguém que percebe que a admira, apaciente vivencia a pessoa como “carente” e é estimulada a conduzir-sede forma abandonadora e, por fim, frustrante. Em resposta, a pacientereconheceu um antigo padrão em que, sem pensar, colocava-se silencio-sa e polidamente inacessível a seus admiradores, deixando-os sentirem-se rejeitados e frustrados pela sua falta de interesse. Isto era algo a seurespeito de que a paciente estava vagamente consciente, mas nunca ti-nha realmente pensado sobre isso até agora; parecia que não tinha nadaa ver com sua visão global de si mesma. No tratamento, terapeuta epaciente exploraram este aspecto das interações da paciente com os ho-mens. Eles ligaram os sentimentos de autocrítica e mau-humor que apaciente freqüentemente vivenciava em resposta ao recebimento de aten-ção dos homens com seus próprios impulsos de ser frustrante e afastar-se de alguém que ela percebia como carente.

Quando um paciente elabora os aspectos mais acessíveis de uma conste-lação particular de conflitos, outros aspectos do conflito reprimidos de formamais profunda serão ativados e serão detectáveis no material. Por exemplo,primeiro a paciente que descrevemos começou a elaborar suas motivaçõesconflitantes de frustrar as pessoas a quem encarava como menos fortes do queela. Quando ficou mais tolerante a estes motivos, começou a ter consciência

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da ansiedade e culpa associadas que sentia ao permitir sentir-se mais desejá-vel sexualmente. Por fim, sua culpa e ansiedade mostraram estar ligadas adesejos inaceitáveis de utilizar seus atrativos sexuais para sentir-se poderosa.

Neste contexto, o terapeuta pode assinalar que ao vivenciar a si mesmacomo frustrada ou como frustrante, a paciente tinha evitado qualquer ansie-dade que poderia sentir caso percebesse a si mesma como desejável sexual-mente para um homem desejável. A exploração desta ansiedade abriu a portapara revelar desejos e fantasias inconscientes e inaceitáveis de receber atençãoe admiração de um homem poderoso, enquanto excluía e triunfava sobre umamulher menos desejável. Aqui, os impulsos da relação objetal interna envolviama situação triangular de um self sexualmente poderoso que recebe prazero-samente a atenção de um homem poderoso, enquanto exclui e humilha umamulher menos desejável. Quando chegou ao tratamento, a paciente se defen-dia contra a encenação de sua relação objetal altamente conflitante, intima-mente ligada a impulsos edípicos competitivos e sádicos, sentindo-se comouma criança amorosa e frustrada.

As relações objetais internas associadas à expressão de desejos, necessi-dades e temores inconscientes tendem a ser altamente carregadas afetivamente,e as representações envolvidas podem ser muito ameaçadoras ao paciente.Estas relações objetais internas e as fantasias associadas ficarão em grandeparte, se não inteiramente, fora da consciência do paciente até que sejam reve-ladas e exploradas no tratamento. É trabalho do terapeuta na PDPLP descre-ver e explorar essas relações objetais e estados afetivos ameaçadores a partirde uma posição técnica de neutralidade, ao mesmo tempo em que reconheceansiedade, medo, culpa, perda ou vergonha associados à sua expressão. Estaatitude por parte do terapeuta ajudará o paciente a tolerar e conter a consciênciadolorosa de aspectos ameaçadores da sua vida interna que anteriormente ha-viam sido rejeitados da experiência do self consciente.

ESTRATÉGIA 3: LIMITAR O FOCO AOS OBJETIVOS DO TRATAMENTO

Conforme já foi discutido, a PDPLP é um tratamento organizado em tor-no de objetivos específicos de tratamento, cuja combinação é feita como parteintegrante do processo da consulta. Na PDPLP, modificamos a técnica psicana-lítica padrão, restringindo os objetivos do tratamento da PDPLP em relaçãoaos da psicanálise. Isso faz com que seja possível conduzirem-se tratamentosbem-sucedidos que sejam mais curtos e menos intensivos do que a psicanálise,sendo, entretanto, efetivos numa área específica de funcionamento. Enquantoo tratamento psicanalítico irá explorar de forma abrangente a vida interna eos conflitos do paciente, a PDPLP irá explorar os conflitos centrais deste, comênfase na relação de tais conflitos com os problemas presentes do paciente eos objetivos do tratamento. Enquanto o tratamento psicanalítico está orienta-

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do em direção à integração das relações objetais conflitantes responsáveis pelarigidez da personalidade em geral, a PDPLP está orientada em direção àintegração das relações objetais conflitantes em áreas circunscritas de funcio-namento. Em conseqüência, quando o terapeuta explora as relações objetaisdominantes, ele sempre tem um olhar sobre a realidade atual do paciente,suas queixas presentes e objetivos do tratamento.

Enfatizar a relação entre os conflitoscentrais e os objetivos do tratamento

Todo paciente possui conflitos centrais ou dominantes que serão encena-dos no tratamento. Estes conflitos afetam o paciente em muitas áreas de fun-cionamento – em algumas áreas de forma muito intensa, em outras de manei-ra mais sutil. Na PDPLP, quando um conflito particular entra em foco, o terapeutaestará pensando consigo mesmo: “Como esses padrões de relacionamentopodem se relacionar com os problemas atuais do paciente e os objetivos dotratamento?”. Ao explorar um conflito com o paciente, o terapeuta vai en-fatizar a relação entre aquele conflito e a rigidez da personalidade do pacientenas áreas circunscritas designadas nos objetivos do tratamento. Este processooferece a oportunidade de desenvolver uma compreensão mais profunda dosproblemas que trouxeram o paciente ao tratamento e elaborar as ansiedadessubjacentes às queixas atuais, através da focalização terapêutica em áreas defuncionamento de preocupação particular para o paciente – enquanto dei-xam-se sem explorar as áreas com funcionamento relativamente intacto.

Voltando à nossa paciente com o relacionamento frustrante: para focali-zar os objetivos do tratamento, o terapeuta irá enfatizar a relação entre asrelações objetais ativadas no tratamento e a dificuldade da paciente para con-seguir intimidade com um parceiro adequado. Estas mesmas relações objetaispoderiam ser fácil e precisamente vinculadas a conflitos competitivos da pacien-te sobre sucesso no seu local de trabalho, bem como à sua tendência a exigirde si mesma padrões excessivamente altos. Entretanto, ao explorar as relaçõesobjetais dominantes e os conflitos nelas incluídos, o terapeuta enfatizou deforma coerente os conflitos da paciente que envolviam a intimidade, ao passoque deixou relativamente sem atenção os conflitos relacionados que envol-viam o sucesso profissional e a autocrítica.

A estratégia de enfatizar a ligação entre os conflitos centrais do pacientee os objetivos do tratamento pode ser a tarefa terapêutica em PDPLP que re-quer de forma mais intensa o que é em geral chamado de “julgamento clínico”.Contudo, uma premissa central da nossa abordagem geral é que é possíveloperacionalizarem-se os princípios subjacentes ao julgamento clínico. Nestecontexto particular, a tarefa que requer um “julgamento clínico” é proporcio-nar um timing e uma ênfase que sejam adequados à tática de focalizar as áreas

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circunscritas de rigidez da personalidade, interpretando a relação entre osconflitos dominantes no tratamento e os objetivos do tratamento.

Quais são as implicações técnicas da “focalização” do terapeuta nas suasinterpretações? Em que ponto do processo de análise de um conflito particularo terapeuta deve introduzir os objetivos do tratamento? Com que intensidade,num dado momento, o terapeuta deve enfatizar a ligação entre o conflito do-minante e os objetivos do tratamento? Estas são questões que exploraremosem profundidade no Capítulo 8, “As Táticas”. Em geral, é o processo de “elabo-ração” que oferece a oportunidade de enfocar a relação entre os conflitos cen-trais e os objetivos do tratamento.

ESTRATÉGIA 4: ELABORAR OS CONFLITOS IDENTIFICADOS –INTEGRAÇÃO DAS RELAÇÕES OBJETAIS CONFLITANTES ÀEXPERIÊNCIA DE SELF CONSCIENTE DO PACIENTE

A estratégia final da PDPLP é promover a assimilação das relações objetaisconflitantes à experiência subjetiva do paciente e ao seu senso de self domi-nante. Para a paciente sobre quem vimos discutindo, isto significaria primeiropassar a tolerar a consciência dos seus desejos de frustrar e abandonar, aceitaresses desejos como seus e integrá-los a um senso de si mesma como uma pes-soa complexa, com motivações e temores complexos. Segundo, de forma simi-lar, a paciente teria consciência e passaria a tolerar seus desejos de triunfarsexualmente. Quando for capaz de tolerar a consciência de seus desejos defrustrar, a paciente não mais precisará colocar-se na defensiva e na posição deser frustrada. Quando ela se tornar consciente dos seus desejos de triunfarsexualmente e for capaz de integrar melhor essas relações objetais e assimilá-las à sua experiência dominante de self, estará livre para desfrutar admiração,amor e atenção sexual de um homem a quem admire. Seus desejos pelo triun-fo edípico, agora inseridos no senso global que tem de si mesma como umapessoa amorosa e decente, poderão ser expressos e desfrutados como parte dasua vida erótica.

Elaboração e o processo de mudança

Na PDPLP, a integração das relações objetais internalizadas não resultada pura interpretação ou até mesmo do insight. Em vez disso, a integração éfruto da repetição da encenação, da continência, exploração e interpretação,de forma emocionalmente significativa, das defesas e ansiedades associadas àexpressão das relações objetais conflitantes. Este é o processo de elaboração.Neste processo, é necessário encenar e explorar as relações objetais que repre-sentam as defesas e ansiedades associadas à expressão de uma motivação

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conflitante particular, a partir de uma variedade de perspectivas e numa varie-dade de contextos. Tipicamente, este processo transcorre durante meses e éentão seguido de uma ativação intermitente e de maior elaboração do mesmoconjunto de relações objetais internas durante o curso do tratamento.

Na PDPLP, esperamos que um conflito particular seja ativado e encenadomuitas vezes no tratamento, por vezes aparentemente deixado em repousopara reaparecer num outro contexto. Em cada uma dessas ocasiões, as rela-ções objetais internas que representam o lado defensivo de um conflito serãoexploradas e interpretadas, e o paciente começará a tolerar a consciência dasrelações objetais subjacentes contra as quais se defende. Com o passar do tem-po, quando as relações objetais associadas aos conflitos centrais forem maisfamiliares ao paciente e terapeuta e estiverem sendo gradativamente mais to-leradas pelo paciente, torna-se possível identificar e interpretar um conflitoparticular com crescente facilidade e num período mais condensado de tem-po. À medida que o tratamento progride, o conflito inicialmente analisado nodecorrer de semanas ou mesmo meses poderá ser explorado e interpretado aolongo de uma única sessão.

Tolerar a consciência das relações objetais internas do conflito prepara ocaminho para assumir a responsabilidade pelos aspectos do conflito do self epara o luto pelas perdas associadas ao reconhecimento dos conflitos psicológi-cos. O resultado é que o indivíduo tolera, de maneira consciente, a percepçãodas motivações do conflito e ansiedades associadas e é capaz de lidar com elasde uma forma flexível, que não implique repressão, dissociação, projeção ounegação. É o processo de encenação repetida e a elaboração de um conflitodurante o curso de todo o tratamento – acompanhado de uma capacidadeprogressiva de tolerar, conter e assumir a responsabilidade pelas relaçõesobjetais do conflito e ansiedades e fantasias associadas – que leva à mudançaestrutural.

No processo de elaboração, o terapeuta enfatiza a relação entre os confli-tos centrais e os objetivos do tratamento, dando menos ênfase às formas comoos conflitos centrais afetam outras áreas de funcionamento. Além disso, espe-ramos que, em algum ponto do processo de elaboração, aspectos dos conflitoscentrais sejam elaborados na transferência. Mesmo com pacientes que são al-tamente resistentes a interpretações transferenciais, o processo de elaboraçãoquase sempre oferece a oportunidade de fazer uma ligação significativa entreos conflitos dominantes do paciente e sua experiência do e/ou do comporta-mento com o terapeuta.

O SETTING DO TRATAMENTO E A ESTRUTURA DO TRATAMENTO

O setting do tratamento da PDPLP é concebido para possibilitar queterapeuta e paciente implementem as estratégias do tratamento. O setting psico-

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terapêutico proporciona um ambiente estável e confiável para o tratamento,ao mesmo tempo em que estimula uma atmosfera de segurança. A estruturado tratamento define as condições necessárias para o tratamento. A estruturaestabelece as respectivas tarefas do paciente e do terapeuta no tratamento,assim como a estrutura firme e previsível do setting terapêutico. A estrutura dotratamento é um acordo mútuo entre paciente e terapeuta antes do tratamen-to começar. As combinações entre terapeuta e paciente que estabelecem a es-trutura do tratamento é freqüentemente chamada de contrato de tratamento(Clarkin et al., 2006; Etchegoyen, 1991).

Conforme iremos descrever no Capítulo 9 (“Avaliação do Paciente e Pla-nejamento Diferenciado do Tratamento”), antes de iniciar o tratamento oterapeuta realizará uma consulta completa. Este processo inclui que o terapeuta

1. faça uma avaliação diagnóstica;2. partilhe a sua impressão diagnóstica com o paciente;3. clarifique os objetivos de tratamento do paciente;4. discuta as opções de tratamento.

No processo de discussão das opções de tratamento, o terapeuta apresen-tará uma descrição da PDPLP. (Apresentamos uma descrição detalhada do pro-cesso de consulta no Capítulo 9.) Se ao final da consulta o paciente decidir quedeseja iniciar a PDPLP, o terapeuta apresenta a estrutura do tratamento, incluin-do as combinações concretas e os respectivos papéis do paciente e do terapeuta.

O estabelecimento da estrutura do tratamento é parte importante do pro-cesso de início do tratamento. A discussão da estrutura possibilita que o pa-ciente inicie o tratamento com uma expectativa clara do que o tratamentoimplica e uma compreensão clara sobre os respectivos papéis do paciente e doterapeuta, num processo concebido para habilitar o paciente a atingir seusobjetivos específicos no tratamento. A estrutura do tratamento e o contrato dotratamento servem a uma variedade de funções na fase inicial e durante todoo curso do tratamento, e a manutenção da estrutura do tratamento é umaresponsabilidade essencial de ambos – paciente e terapeuta – na PDPLP. Quan-do existe uma perturbação na estrutura do tratamento, a análise da perturba-ção passa a ser um tema prioritário na sessão.

As funções da estrutura do tratamento na PDPLP

Antes de iniciar o tratamento, o terapeuta irá discutir o contrato de trata-mento com o paciente. A apresentação da estrutura do tratamento durante aconsulta em geral trará à luz eventuais ansiedades que o paciente tenha emrelação a dar início ao tratamento. Estas ansiedades serão ativadas na transfe-rência e/ou tocarão nos conflitos centrais do paciente. Se um paciente expres-

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sa interesse pela PDPLP, mas depois não consegue ou não está disposto a con-cordar com o contrato de tratamento, a exploração das suas preocupações arespeito da estrutura do tratamento pode esclarecer as ansiedades subjacentesàs queixas que ele apresenta. Neste contexto, a capacidade do terapeuta paraclarificar e explorar com tato, empatia e neutralidade os temores ativados pelaconcordância com a estrutura do tratamento ajudará a solidificar a aliança detratamento, e também auxiliará o paciente a conter sua ansiedade. A explora-ção da relutância de um paciente em concordar com a estrutura do tratamentotambém possibilitará ao terapeuta distinguir entre o paciente que estáambivalente sobre o tratamento e precisa de ajuda para elaborar suas ansieda-des quanto a iniciar a PDPLP e o paciente que, no momento, não está indicadopara a PDPLP, devido a seu nível atual de motivação para o tratamento ou àscircunstâncias da sua vida atual.

ILUSTRAÇÃO CLÍNICA DE ESTABELECIMENTODA ESTRUTURA DO TRATAMENTO

Uma mulher de 55 anos, recentemente divorciada após um casamentolongo e infeliz, apresentava “problemas com os relacionamentos”. A pa-ciente estava interessada na PDPLP até que compreendeu que o tra-tamento não poderia ser realizado com a freqüência de uma vez porsemana. Sua reação inicial foi ter uma opinião firme de que a recomen-dação do consultor de fazer um tratamento de duas vezes por semanaera ultrajante e seria “impossível” dadas as demandas do seu horário detrabalho.

Ao invés de tomar a reação da paciente simplesmente num sentidoliteral, o terapeuta tentou ajudá-la a esclarecer os pensamentos e senti-mentos que estavam por trás da sua reação tão forte à sugestão de umafreqüência de duas vezes por semana. Quando o terapeuta encorajou apaciente a refletir sobre sua dificuldade em considerar um tratamentode duas vezes por semana e a auxiliou a explorar o que ela imaginavaque aconteceria em tal tratamento, o que surgiu foi que a paciente pre-sumiu que o terapeuta insistiria para que ela viesse em horários conve-nientes para ele e não prestaria atenção às demandas dos horários dela.Terapeuta e paciente puderam esclarecer a expectativa consciente, po-rém não-examinada, da paciente de que a única maneira pela qual elapoderia obter ajuda para os seus problemas seria submetendo-se intei-ramente a uma figura poderosa, neste caso o terapeuta, abdicando com-pletamente das suas necessidades. O terapeuta pôde facilmente vincu-lar esta expectativa a um padrão de relacionamento que tinha sido ence-nado cronicamente no casamento da paciente.

O processo de estabelecimento e a explicação clara da estrutura do trata-mento antes de iniciá-lo podem facilitar a formação de uma aliança de trata-mento (a aliança de tratamento é discutida mais adiante neste capítulo). Adescrição da estrutura e a explicação das razões para aspectos da estrutura

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que possam não ser auto-evidentes também auxilia a desmistificar o processopsicoterapêutico, conquistando a participação integral e ativa do paciente. Emessência, os pacientes podem fazer apenas o que são solicitados a fazer, e ofazem de forma mais efetiva se entendem as razões do que estão fazendo. Oexame cuidadoso e a explicação das razões para o contrato de tratamentopodem facilitar que o paciente transite de forma mais eficiente pelas tarefas dafase de abertura do tratamento (descritas no Capítulo 10, “As Fases do Trata-mento”).

Quando o tratamento se inicia, a estrutura do tratamento serve à impor-tante função de prover um setting confiável e coerente na sua estrutura e queseja previsível no que diz respeito aos papéis desempenhados pelo terapeuta epelo paciente. Esta coerência e previsibilidade fazem parte da atmosfera desegurança proporcionada pelo setting psicoterapêutico. Somente quando osetting é objetivamente “seguro” é que parece razoável ao paciente abrir-separa o terapeuta e tentar examinar sua experiência interna e ansiedades napresença do terapeuta.

Durante o tempo de tratamento, a estrutura deste oferece um settingfirme e um conjunto de expectativas quanto a sua condução que vão ressaltarmesmo os desvios mais sutis do “assunto habitual” e tornarão possível perce-ber que os desvios da estrutura têm um significado. Isto quer dizer que naPDPLP a relação do paciente com a estrutura do tratamento e o contrato detratamento é dupla. Por um lado, o paciente aceita conscientemente o contra-to de tratamento e as tarefas do paciente e do terapeuta na relação psicote-rapêutica, conforme o terapeuta as explicou. Por outro lado, o paciente invaria-velmente encontrará dificuldades em manter a estrutura do tratamento. Nos-sa abordagem geral é que quanto mais claro for para o paciente o entendimen-to das condições de tratamento, assim como as razões para estruturar o trata-mento na forma em que o fazemos, mais fácil será explorar os significados dosdesejos do paciente de modificar a estrutura depois que o tratamento tivercomeçado. Da mesma forma, uma estrutura claramente definida auxiliará oterapeuta a identificar contratransferências sutis, expressas como desejos dese desviar de alguma forma ou modificar a estrutura do tratamento.

A manutenção da integridade da estrutura do tratamento é um compo-nente essencial de qualquer forma de tratamento. Na PDPLP, se a integridadeda estrutura for violada, seja intencionalmente ou involuntariamente, pelopaciente ou pelo terapeuta, a exploração dos significados do desvio transfor-ma-se num tema prioritário na sessão.

Características específicas da estrutura do tratamento na PDPLP

A estrutura do tratamento define as combinações concretas do tratamen-to e as respectivas tarefas do paciente e do terapeuta na relação psicoterapêutica.

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As combinações concretas a serem discutidas antes do início do tratamentoincluem a freqüência e duração das sessões, combinações sobre horários epagamento e expectativas a respeito dos contatos, por telefone ou pessoais,entre paciente e terapeuta fora dos encontros regularmente agendados.

Na PDPLP, as sessões têm a freqüência de duas vezes por semana, geral-mente duram 45 ou 50 minutos e começam e terminam no horário. Paciente eterapeuta sentam-se frente a frente, em cadeiras confortáveis. Os encontrossão em geral agendados para o mesmo dia e hora de cada semana, mas istopode ser modificado se houver necessidade de acomodar os horários do pa-ciente e do terapeuta. O importante é que os procedimentos padrão quanto aoagendamento de horários sejam estabelecidos no início do tratamento e queos encontros sejam agendados com antecedência e não quando necessário ouna última hora, exceto em circunstâncias extraordinárias. As chamadas tele-fônicas e o contato entre as sessões é limitado a mudanças de horário e emer-gências; os pacientes são incentivados a discutir na sessão mesmo os assuntosurgentes, ao invés de telefonar entre as sessões.

Todo terapeuta deve ter combinações padrão para lidar com a logísticano tratamento que possa explicar claramente ao paciente antes de iniciar otratamento. Os procedimentos devem incluir como os encontros são agendadose reagendados, como o paciente será cobrado e as expectativas com relação aopagamento, como contatar o terapeuta e o que o paciente pode esperar comrelação aos procedimentos do terapeuta para retornar suas chamadas telefô-nicas. A razão para se estabelecerem procedimentos padrão é permitir que oterapeuta perceba de maneira rápida quando sentir-se tentado a modificar asua abordagem usual. Este reconhecimento por parte do terapeuta abre, en-tão, uma porta para o uso da contratransferência como fonte de informação arespeito do que está acontecendo na situação clínica atual.

Além de especificar as combinações concretas do tratamento, o contratode tratamento também define as respectivas tarefas do terapeuta e do pacientena terapia. Na PDPLP é tarefa do paciente comparecer às sessões com regulari-dade, lidar com a logística da forma descrita pelo terapeuta no início do trata-mento e falar tão aberta e livremente quanto possível sobre o que está se passan-do em sua mente durante as sessões. É tarefa do terapeuta aderir às combina-ções logísticas acertadas no início do tratamento e, uma vez iniciado o trata-mento, ouvir o paciente com atenção e intervir quando houver oportunidade deaprofundar a compreensão do paciente quanto à sua situação interna.

Apresentação da estrutura do tratamento eos respectivos papéis do paciente e terapeuta

Ao apresentar a estrutura do tratamento, o terapeuta pode começar ex-plicando como a logística é administrada e as responsabilidades do paciente e

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do terapeuta em relação a como os encontros são agendados e reagendados,como o paciente será cobrado e as expectativas com relação ao pagamento,como contatar o terapeuta e como o terapeuta retorna os chamados telefôni-cos. Depois que estes aspectos foram introduzidos, o terapeuta irá se direcionarpara a descrição dos respectivos papéis do paciente e do terapeuta nas sessões.Recomendamos que ao apresentar a estrutura do tratamento o terapeuta peçaque o paciente faça perguntas e também ofereça explicações para a estruturaçãodo tratamento da maneira que ele está sugerindo. Esta abordagem incentivauma atmosfera de colaboração quando se inicia o tratamento.

Cada terapeuta deve desenvolver sua própria maneira de apresentar osrespectivos papéis do paciente e do terapeuta no tratamento. Como exemplo,o terapeuta poderia dizer algo como:

Deixe-me explicar o papel que cada um de nós irá desempenhar nassuas sessões. Seu papel é comparecer às sessões com regularidade efalar o mais aberta e livremente que conseguir quando estiver aqui, semse basear numa agenda preparada, prestando atenção especial às difi-culdades que o trouxeram ao tratamento. Estou lhe pedindo quase queliteralmente para tentar dizer tudo o que vier à sua mente e tambémcompartilhar comigo qualquer dificuldade que possa ter ao fazer isso.Estou sugerindo que trabalhemos desta forma porque é a melhor manei-ra que conheço para ter conhecimento dos pensamentos e sentimentosque, fora da sua consciência, estão subjacentes às suas dificuldades.

Por vezes, você poderá achar que os pensamentos que você tem nasessão parecem triviais ou embaraçosos, mas eu o incentivaria a partilhá-los mesmo assim. Da mesma maneira, se você tiver pensamentos ouperguntas a meu respeito, eu o incentivaria a também partilhá-los comi-go, mesmo quando eles possam não ser o tipo de coisa que alguém fala-ria numa relação social comum. As coisas sobre as quais você se vê pen-sando quando está vindo ou saindo das suas sessões também podem serúteis de explorar, como podem ser os sonhos, devaneios e fantasias quevocê tem entre as sessões.

O que estou pedindo que você faça não é fácil, e por vezes vocêachará que não está se sentindo confortável em ser tão aberto ou nãosaberá o que dizer. Isto não seria surpreendente; a menos que você játenha estado em terapia antes, você nunca tentou se comunicar comalguém desta forma e com o objetivo expresso de saber mais a seu res-peito. De fato, saber o que está interferindo no seu pensamento e comu-nicação livre e aberta é parte importante da terapia e nos ajudará acompreender melhor como a sua mente funciona.

Quando você achar que está com dificuldades, eu farei o que puderpara ajudá-lo a entender o que está se colocando no caminho. Se não forassim, meu trabalho é ouvir com atenção e compartilhar meus pensa-mentos quando eu perceber que tenho algo a acrescentar que ajudará aaprofundar a nossa compreensão dos padrões de pensamento, compor-tamento e fantasias que estão subjacentes às suas dificuldades. Você verá

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que haverá momentos em que eu falarei muito e outras vezes em que euficarei relativamente silencioso. Você também verá que eu poderei nemsempre responder às suas perguntas. Isto não é ser rude ou desencorajara sua curiosidade, mas objetiva focalizar sobre quais são os pensamen-tos e sentimentos que estão por trás da pergunta. Enfim, quero destacarque tudo o que você me disser aqui é confidencial. Quais as perguntasque você tem sobre o que eu acabei de dizer?”

A RELAÇÃO PSICOTERAPÊUTICA

Dentro da estrutura confiável do setting do tratamento, terapeuta e pa-ciente estabelecem uma relação especial, ou relação objetal, à qual chamamosrelação psicoterapêutica. A relação psicoterapêutica é uma relação única ealtamente especializada, diferente de qualquer outra. Na relação psicotera-pêutica, o papel do paciente é comunicar suas necessidades internas da ma-neira mais aberta e completa possível, enquanto que o terapeuta se abstémde fazer isso. É papel do terapeuta utilizar seus conhecimentos para ampliare aprofundar a auto-consciência do paciente, ao mesmo tempo em que man-tém uma atitude de respeito pela autonomia do paciente e preocupação comseu bem-estar. A relação psicoterapêutica é estabelecida pelo terapeuta comoparte do contrato de tratamento e é uma característica essencial da estruturada PDPLP.

As funções da relação psicoterapêutica na PDPLP

A relação psicoterapêutica é o contexto necessário dentro do qual o tra-tamento descrito neste livro pode ser oferecido. Assim como os aspectoslogísticos do setting do tratamento, a relação psicoterapêutica pode ser vistacomo servindo a uma dupla função. Primeiro, ela proporciona ao paciente aexperiência de estar numa relação altamente consistente, previsível, de não-julgamento e focada quase que com exclusividade nas necessidades do pacien-te. Estes aspectos do setting psicoterapêutico, juntamente com a natureza pre-visível e consistente do tratamento, contribuem para o “background de segu-rança” (Sandler, 1959, 2003) que possibilita que o paciente abra-se de manei-ra gradual para o terapeuta e facilite a exploração de aspectos da experiênciainterna do paciente em que ele anteriormente foi incapaz de prestar atenção.

Além de oferecer um setting consistente e confiável para o tratamento, arelação psicoterapêutica também fornece a relação “objetiva” que inevitavel-mente será distorcida pela transferência e operações defensivas do paciente. Ocontrato de tratamento estabelece uma relação interpessoal objetiva e realistaentre um paciente que precisa de ajuda e a deseja e um terapeuta que ele

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confia que tenha conhecimento e experiência para lhe prestar ajuda (Kernberg,2004b; Loewald, 1960). Quando o tratamento avança, a emergência das rela-ções objetais internas do paciente leva a distorções desta experiência da relaçãoentre paciente e terapeuta, e essas distorções serão encenadas em relação aoterapeuta. Isto quer dizer que uma vez que o paciente aceita conscientementea relação psicoterapêutica como uma condição para o tratamento, ele começaa distorcer sutilmente aquela relação com base nas suas transferências e ope-rações defensivas. Quando estas distorções da relação psicoterapêutica tor-nam-se visíveis no tratamento, elas passam a ser um foco de exploração.

Em suma, a relação psicoterapêutica, junto com as características con-fiáveis do setting do tratamento, funciona para oferecer não somente um am-biente “seguro” dentro do qual as relações objetais internas do paciente po-dem se revelar, como também uma relação objetiva que será distorcida comoresultado da emergência das relações objetais do paciente. Quando essasdistorções são identificadas, elas são implicitamente vistas em comparaçãocom a relação entre paciente e terapeuta como foi inicialmente definida nocontrato de tratamento. Dessa forma, a relação realista entre paciente eterapeuta estabelecida no início do tratamento serve como um ponto de refe-rência para paciente e terapeuta no curso do tratamento.

Características específicas da relação psicoterapêutica na PDPLP

A relação psicoterapêutica é definida pelas respectivas tarefas do pacien-te e do terapeuta no tratamento. O papel do paciente é comunicar seus pensa-mentos e sentimentos quando eles emergem na sessão, dizendo tudo o quevier à mente sem censurar ou preparar uma agenda. Ele é convidado a falar deuma forma não-estruturada, o mais livre e abertamente possível. Assim, em-bora a terapia tenha objetivos definidos, numa dada sessão da PDPLP pedimosao paciente que coloque de lado qualquer agenda específica e permita que suamente vagueie de forma livre. O terapeuta pode explicar que pensar e comuni-car da maneira que ele está convidando o paciente a fazer é diferente do dis-curso social comum e que pode parecer, de início, estranho. Haverá vezes emque o paciente poderá achar difícil comunicar-se aberta e livremente, e nessesmomentos o terapeuta fará o que puder para ajudar.

O papel do terapeuta é ouvir com atenção e contribuir como puder paraaumentar a compreensão que o paciente tem de si, e especialmente dos pro-cessos inconscientes que estão subjacentes às queixas apresentadas. O terapeutapode acrescentar que na PDPLP não faz parte do papel do terapeuta dar con-selhos ou encorajamento ou falar de si mesmo, como aconteceria numa rela-ção comum. O terapeuta pode explicar que ao se abster de assumir uma atitu-de abertamente apoiadora, ele está aumentando as suas condições de ajudar opaciente a melhor compreender a si mesmo e aos seus problemas.

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DESVIOS DA ESTRUTURA DO TRATAMENTO

Por um lado, o paciente na PDPLP aceita de maneira consciente o contra-to de tratamento, suas tarefas e as do terapeuta quando o terapeuta as explica.Por outro lado, ele invariavelmente encontrará dificuldades em manter intei-ramente o contrato de tratamento. Em particular, os pacientes acham difíciladerir aos papéis designados ao paciente e ao terapeuta no contrato de trata-mento. Além disso, muito embora os pacientes com patologia leves de perso-nalidade sejam geralmente confiáveis quanto ao agendamento de horários,comparecimento às sessões e pagamento dos honorários, na PDPLP eles nemsempre irão aderir às combinações feitas no contrato de tratamento. Na verda-de, é esperado que em algum momento do tratamento a maioria dos pacientesvá de alguma forma se desviar da estrutura combinada.

As funções dos desvios da estrutura do tratamento na PDPLP

Como já discutimos, é importante que o terapeuta de PDPLP descrevacom clareza a estrutura do tratamento ao paciente antes de iniciar a terapia. Aênfase que colocamos na explicação clara e específica da estrutura do trata-mento não quer dizer que seja necessário aderir rigidamente a uma estruturaparticular de tratamento na PDPLP, ou que estamos interessados em controlaro comportamento do paciente per se. Ao contrário, o terapeuta da PDPLP tor-na a estrutura explícita para criar um setting em que os desvios da estruturapossam ser encarados com algum significado. Na PDPLP, os desvios da estrutu-ra do tratamento trazem para dentro do tratamento as representações objetaisconflitantes do self e dos objetos do paciente, na forma de comportamentos.Uma estrutura de tratamento bem-definida serve ao propósito de realçar mes-mo os mais sutis desvios por parte do paciente ou do terapeuta. Os desvios daestrutura são geralmente o primeiro sinal dos temas de transferência econtratransferência que estão emergindo no tratamento.

Características específicas dos desviosda estrutura do tratamento em PDPLP

Os desvios da estrutura do tratamento acontecem de muitas maneiras.Os exemplos que apresentamos abaixo ilustram desvios por parte do pacientee do terapeuta em relação às combinações feitas sobre o tratamento. Resis-tências mais sutis e universais em manter os respectivos papéis de paciente eterapeuta irão surgir e desaparecer durante o curso de todo o tratamento emPDPLP. Referimo-nos aqui, por exemplo, às dificuldades de comunicar-se aber-tamente com o terapeuta (discutidas no Capítulo 10, em relação à fase de

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inicial do tratamento) e aos convites ao terapeuta para se desviar do seupapel usual, sendo, por exemplo, mais diretivo ou mais apoiador (discutidocom relação à neutralidade técnica no Capítulo 7, “As Técnicas, Parte II –Intervenção”).

Os desvios em relação às combinações do tratamento, conforme definema estrutura do tratamento, surgem numa variedade de formas. Os desvios co-mumente encontrados incluem cancelamentos freqüentes (diminuindo efetiva-mente a freqüência das sessões), atrasos crônicos (diminuindo efetivamente aduração das sessões), solicitações freqüentes de mudanças de horário, chamadastelefônicas freqüentes e atraso no pagamento. É natural que um paciente pos-sa ocasionalmente se atrasar, cancelar sessões ou atrasar o pagamento. Entre-tanto, se estes comportamentos forem recorrentes ou freqüentes, é provávelque sejam expressões de relações objetais que estão sendo ativadas na transfe-rência, e, se for este o caso, o desvio da estrutura deve tornar-se um foco deexploração. Mentir, tentar fazer contato social ou contato físico com o terapeuta,vir às sessões drogado ou bêbado e invadir a privacidade do terapeuta são osdesvios da estrutura do tratamento mais comumente encontrados em pacien-tes com transtornos graves de personalidade, mas estes também são, raramen-te, vistos em pacientes com patologias leves de personalidade.

ILUSTRAÇÕES CLÍNICAS DE DESVIO DA ESTRUTURA DO TRATAMENTO

Depois de estar em terapia por seis meses, uma paciente começou achegar alguns minutos atrasada às suas sessões, justificando que as de-mandas do trabalho estavam dificultando que chegasse na hora. Quan-do a terapeuta comentou o comportamento da paciente e começou aexplorar seu significado, a paciente parou de se atrasar. Assim que vol-tou a chegar na hora, a paciente se viu esperando pela terapeuta na salade espera. Lá sentada, a paciente percebeu um forte desejo de ver suaterapeuta e de ficar fisicamente perto dela, sentimentos que ela haviaconseguido manter à distância quando se atrasava. Ao mesmo tempo, apaciente se apercebeu que temia que a terapeuta achasse seus senti-mentos desagradáveis, e que se a terapeuta soubesse como a paciente sesentia, ela provavelmente seria tentada a rejeitá-la.

Nesta situação, a relação com a terapeuta havia ativado uma relaçãoobjetal de uma criança necessitada e dependente com um genitor indiferentee que rejeita, associada a sentimentos de vergonha. Chegando atrasada, a pa-ciente estava se defendendo contra a consciência desta relação objetal. Quan-do a terapeuta explorou com a paciente o seu desvio da estrutura do tratamen-to, esta relação objetal emergiu à consciência e pôde ser elaborada no trata-mento.

Outra terapeuta percebeu que havia deixado passar vários minutos dofinal do horário de uma sessão com uma paciente em particular. Isso era

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incomum para a terapeuta, que tipicamente iniciava e terminava as ses-sões no horário. Quando a terapeuta percebeu o que estava fazendo erefletiu sobre isso, deu-se conta de que a paciente fizera com que dealguma forma sentisse que não estava lhe dando o suficiente. Tendo issoem mente, a terapeuta percebeu que a paciente fazia acusações simila-res, sempre muito sutilmente, nas descrições dos seus amigos e mem-bros da família; eles nunca davam à paciente o que ela precisava. Nesteponto, a terapeuta pôde identificar a relação objetal de um self frustradoem interação com um objeto distante, encenada tanto dentro quantofora do tratamento.

Este exemplo ilustra que quando um terapeuta tem procedimentos pa-drão, por exemplo, para iniciar e terminar as sessões, chamarão atenção mes-mo as menores tendências por parte do terapeuta de comportar-se de maneiradiferente com um paciente em particular. A tendência do terapeuta a modifi-car sua maneira usual de trabalhar é uma forma de encenação da transferên-cia-contratransferência. O reconhecimento do terapeuta de que está tentadoou inclinado a modificar sua prática padrão com um paciente em particularproporciona a oportunidade de refletir a respeito e, por fim, identificar e ex-plorar as relações objetais que estão sendo encenadas no tratamento.

A ALIANÇA TERAPÊUTICA

A aliança terapêutica, ou aliança de tratamento, é a relação de trabalhoestabelecida entre o terapeuta no papel descrito acima e a parte do pacienteque possui a capacidade de auto-observação e possui expectativas realistas dereceber e fazer uso da ajuda do terapeuta. Assim, a aliança terapêutica é umarelação não-conflitante e positiva, estabelecida entre paciente e terapeuta. Aqualidade da aliança terapêutica foi associada aos resultados do tratamentonuma variedade de formas de psicoterapia (Horvath e Greenberg, 1994;Horvath e Symonds, 1991; Orlinsky et al., 1994).

Pacientes com patologias leves de personalidade em geral são capazes deestabelecer uma aliança terapêutica estável nas fases iniciais do tratamento(Gibbons et al., 2003; Marmar et al., 1986; Piper et al., 1991). Na PDPLP, odesenvolvimento de uma aliança é estimulado pela estrutura e confiabilidadeda estrutura do tratamento, juntamente com o interesse, compreensão e dis-ponibilidade para ouvir do terapeuta. Para os pacientes que têm maior dificul-dade em estabelecer uma aliança, a identificação e exploração precoce dossentimentos negativos sobre a terapia e o terapeuta auxiliarão, assim como amanutenção por parte do terapeuta de uma atitude relativamente ativa(Luborsky, 1984). (Discutimos melhor este processo na discussão da fase deabertura do tratamento, no Capítulo 10.) O terapeuta da PDPLP não faz inter-venções apoiadoras para promover a consolidação de uma aliança.

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Ao mesmo tempo em que a aliança terapêutica é uma relação realista ede ajuda, ela também está baseada nas transferências precoces com oscuidadores em quem se confiava (Kernberg, 2004b). Assim, inserida na alian-ça terapêutica está uma forma especial de transferência positiva “benigna”,que promove o progresso do tratamento e não funciona como resistência. Atransferência positiva benigna como parte da aliança terapêutica pode serdistinguida das idealizações defensivas que o paciente faz do terapeuta, cujafunção é evitar a ansiedade e desviar a expressão das motivações do conflitoem relação ao terapeuta. Na PDPLP, as transferências idealizadas são identi-ficadas, exploradas e interpretadas como defesas contra ansiedades subjacentes.Em contraste, a transferência positiva subjacente à aliança de tratamento égeralmente deixada livre e é utilizada para apoiar a exploração das relaçõesobjetais conflitantes do paciente.

LEITURAS SUGERIDAS

Ackerman S, Hilsenroth M: A review of therapist characteristics and techniques positivelyimpacting the therapeutic alliance. Clin Psychol Rev 23:1-33, 2003

Bender DS: Therapeutic alliance, in The American Psychiatric Publishing Textbook ofPersonality Disorders. Edited by Oldham JM, Skodol AE, Bender DS. Washington, DC,American Psychiatric Publishing, 2005, pp 405-420

Clarkin JF, Yeomans FE, and Kernberg OF: Assessment phase, II: treatment contracting, inPsychotherapy for Borderline Personality: Focusing on Object Relations. Washington, DC,American Psychiatric Publishing, 2006, pp 209-252

Freud S: Remembering, repeating and working-through (1914), in The Standard Edition ofthe Complete Psychological Works of Sigmund Freud, Vol 12. Edited and translated byStrachey J. London, Hogarth Press, 1958, pp 147-156

Langs R: The therapeutic relationship and deviations in technique. Int J Psychoanal Psychother4:106-141, 1975

Martin D, Garske J, Davis M: Relation of the therapeutic alliance with other outcome andother variables: a meta-analytic review. J Consult Clin Psychol 68:438-450, 2000

Samstag LW (ed): Working alliance: current status and future directions. Psychotherapy:Theory, Research, Practice, Training (special edition) 45:257-307, 2006

Sandler J, Dare C, Holder A, et al: Working through, in The Patient and the Analyst, 2ndEdition Madison, CT, International Universities Press, 1992, pp 121-132

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As técnicas, Parte I

Escutando o paciente

Neste capítulo e no próximo, descreveremos as técnicas psicoterapêuticasempregadas pelo terapeuta em psicoterapia dinâmica das patologias levesde personalidade (PDPLP). As técnicas são os métodos específicos que oterapeuta utiliza a cada a momento quando escuta o paciente e quando fazuma intervenção. Neste capítulo descrevemos as técnicas envolvidas na for-ma especial de escuta que o terapeuta da PDPLP emprega nos seus pensa-mentos privados para “ouvir” as comunicações verbais e não-verbais do pacien-te. No Capítulo 7 descrevemos as técnicas que o terapeuta emprega paratransformar seus pensamentos mais internos em intervenções verbais queele apresenta ao paciente.

ESCUTANDO O PACIENTE

Se fôssemos olhar a transcrição de uma sessão de PDPLP, poderíamosdiscernir uma série de aspectos e conflitos importantes que estão expressos nomaterial. Se assistíssemos ao vídeo da mesma sessão, provavelmente se apre-sentariam questões adicionais. Na PDPLP, algumas questões são introduzidasatravés das coisas que o paciente diz, e outras emergem através da comunicaçãonão-verbal. Existem aspectos que o paciente tem consciência de estar trazendoà sessão, e há questões que o paciente está se defendendo de reconhecer. NaPDPLP, o terapeuta abre-se para receber da maneira mais completa possível ascomunicações mais díspares apresentadas pelo paciente, verbal e não-verbal-mente, intencionalmente e fora da sua consciência, numa dada sessão.

Na PDPLP, “escutar” o paciente significa não apenas ouvir o conteúdo daspalavras deste, mas também captar as comunicações que estão inseridas emseu comportamento e nas interações dele com o terapeuta. Incluímos aqui o

Capítulo 6Capítulo 6

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tom de voz do paciente, a linguagem do seu corpo e expressões faciais, suaatitude em relação ao terapeuta e ao tratamento e as discrepâncias entre estesvários canais de comunicação. Escuta também significa ouvir as associaçõesdo paciente e as resistências que fazem parte do material.

Ao escutar o paciente em PDPLP, o terapeuta deseja determinar qual orelacionamento específico que está sendo encenado nas comunicações verbaise não-verbais dele, e também contra o que esta relação o está defendendo. Aoconsiderar estas questões, o terapeuta irá se perguntar: “Qual é a relação queestá implícita nas coisas que o paciente está me contando hoje?”, “Qual a rela-ção que está implícita na sua interação comigo?”, “Qual é a relação entre aforma como o paciente está agindo e o que está dizendo?” e “Como as relaçõesobjetais encenadas no momento se relacionam com as sessões e acontecimen-tos anteriores na vida do paciente?”. Através desse processo, o terapeuta dáatenção às suas próprias reações internas em relação ao paciente, consideran-do: “Como estou me sentindo em relação a este paciente?” e “Como o pacienteestá fazendo eu me sentir hoje?”.

OUVINDO AS COMUNICAÇÕES VERBAIS DO PACIENTE

A escuta dos padrões de relacionamentonas comunicações verbais do paciente

Na PDPLP, o setting do tratamento e a relação terapêutica tendem a ativarrelações objetais conflitantes do paciente, as quais são então encenadas nasessão. Tipicamente, um ou dois padrões de relacionamento podem ser vistosdurante uma dada sessão. Talvez a maneira mais comum de um paciente trazeruma relação objetal particular para dentro do tratamento seja descrevendouma interação pessoal no curso da sua comunicação aberta com o terapeuta.O paciente descreverá uma interação da qual ele faz parte, mas às vezes opadrão de relacionamento dominante descrito não envolverá o paciente dire-tamente. De qualquer forma, o terapeuta vai presumir que o paciente estáidentificado em algum nível com uma ou duas (ou, no caso de um padrão derelacionamento triádico, todas as três) posições da relação objetal.

ILUSTRAÇÃO CLÍNICA DE ESCUTA DOS PADRÕES DE RELACIONAMENTO

Um paciente descreveu ter passado na rua por um menino e seu pai. Opai estava criticando o menino em voz alta, num tom que soava hostil eameaçador para o paciente. O menino parecia magoado e assustado. Aodescrever a cena, o paciente comentou sobre o sentimento que teve deproteger a criança. Os padrões de relacionamento encenados são o deuma criança assustada em relação a um pai zangado e crítico, e de umgenitor protetor em relação a uma criança vulnerável e assustada. En-

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contra-se implícita uma relação entre uma criança e um genitor que nãointervém nem protege. Nesta vinheta, o paciente está conscientementeidentificando em si mesmo o desejo de se introduzir como um terceiropara proteger a criança.

Mais tarde na sessão, descreveu um filme em que a mãe expõe repe-tidamente seus filhos a situações perigosas. O terapeuta escutou maisuma vez o padrão de relacionamento de uma criança assustada expostaao perigo, que precisa de um terceiro para protegê-la, mas não o tem.Nesta versão, o foco está menos na relação objetal encenada pelo pai e ofilho na rua, representando o perigo, e mais na falha em proteger. Aoescutar o paciente, fica claro para o terapeuta que as descrições que elefez do filme e do pai e seu filho na rua estão trazendo o mesmo grupo derelações objetais para dentro do tratamento, e que esses padrões de re-lacionamento são um tema recorrente na sessão.

Com que papel o paciente está identificado conscientemente?

Depois que o terapeuta identifica os padrões de relacionamento que pa-recem ser dominantes nas comunicações verbais do paciente, o terapeuta co-meça a pensar sobre com qual parte ou partes o paciente está atualmenteidentificado conscientemente em uma determinada relação objetal. No exem-plo acima, o paciente conta ao terapeuta que está identificado com um genitorprotetor, e além disso ele provavelmente está consciente de que se identificacom um genitor que falha em proteger. Também é possível que o pacienteesteja, ou possa se tornar com facilidade, consciente da sua identificação comuma criança assustada, em perigo e desprotegida. Ele provavelmente está menosconsciente da ansiedade a respeito da sua própria hostilidade e sadismo, re-presentados na imagem do pai e nos perigos potenciais aos quais as criançasdo filme estavam expostas.

Que papel o paciente está atribuindo ao terapeuta?

Além de considerar os papéis com os quais o paciente está identificado, oterapeuta também se questionará sempre: “Quais são os papéis nos quais opaciente está consciente e inconscientemente vivenciando o terapeuta?” Ten-do esta pergunta em mente, o terapeuta pode ficar atento ao que está sendoencenado na transferência, independente de o relacionamento do paciente serdireto ou não com o terapeuta e com as relações objetais que ele está descre-vendo. Ao ouvir os padrões de relacionamento nas comunicações do paciente,o terapeuta pode se perguntar: “Como eu me encaixo nisso?”, “Como o pa-ciente está me vivenciando atualmente?” e “Como o paciente está tentandonão me vivenciar atualmente?” Neste exemplo em particular, poderíamos in-dagar: “O terapeuta é visto como um genitor protetor ou talvez como um

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genitor que expõe o paciente ao perigo sem protegê-lo suficientemente? Opaciente está tentando evitar vivenciar o terapeuta como um pai hostil e amea-çador ou, talvez, como uma criança assustada e vulnerável?”

Escutando as associações do paciente

Como já descrevemos, na PDPLP o papel do paciente é falar de umaforma não-estruturada, tão livre e abertamente quanto possível, sobre qual-quer coisa que vier à sua mente enquanto está na sua sessão. Quando umpaciente fala livremente e permite que sua mente vagueie, ele transitará natu-ralmente pelos pensamentos que estão ligados ou associados na sua mente.Por vezes estas ligações serão conscientes e óbvias; outras vezes, as ligaçõesentre os pensamentos do paciente não serão aparentes para o paciente até queo terapeuta aponte uma conexão. Referimo-nos a essas ligações como associa-ções; com isso queremos nos referir às conexões que podemos fazer entre co-municações aparentemente não-relacionadas que vêm à mente do pacientedurante o decorrer de uma sessão. Podemos utilizar as associações do pacientepara saber mais sobre as relações objetais internas ativadas atualmente no seumundo interno. Enquanto o terapeuta escuta, está sempre pensando: “Quaissão os diferentes padrões que o paciente está descrevendo nesta sessão, e comoeles se encaixam uns nos outros?”

ILUSTRAÇÕES CLÍNICAS DE ESCUTA DAS ASSOCIAÇÕES DO PACIENTE

Uma jovem profissional liberal apresentou-se ao tratamento com dificulda-des conjugais. Numa sessão, aos dois meses de tratamento, a pacientereclamava sobre seu marido, que parecia totalmente dedicado ao trabalho.Quando ele vinha para casa, parecia não notá-la, nem aos deliciosos jan-tares que ela preparava. A paciente sentia que ele nem mesmo se importa-va se ela estava lá ou não; ele queria apenas se dedicar aos seus e-mails.

Mais tarde na sessão, a paciente descreveu uma reunião recente dafamília. Como sempre, sua mãe deu atenção à irmã mais nova da pacienteenquanto ela se sentiu ignorada. A mãe parecia ter-se esquecido de to-dos os esforços que a paciente havia empreendido para planejar esteencontro da família. O terapeuta ouviu as duas histórias, sobre o maridoe a mãe, como associações, que eram ligadas e representavam a mesmarelação objetal. Com base nas associações da paciente, o terapeuta suge-riu à paciente que, nas suas dificuldades com o marido, parecia que elaestava se sentindo como uma criança negligenciada, tentando agradar eobter atenção de uma mãe distraída que estava preocupada demais comoutras coisas para notá-la. Embora a paciente não estivesse conscientede uma ligação entre seus sentimentos em relação ao marido e suasdificuldades de toda uma vida com sua mãe, assim que a terapeuta cha-mou atenção para o fato, isto fez sentido para ela.

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Um outro paciente apresentou-se ao tratamento com inibições rela-cionadas ao sucesso profissional. Entrou numa sessão, muito excitado,contando ao terapeuta que lhe tinha sido oferecida uma promoção queesperava há muito tempo. O paciente desfrutou sua boa sorte por ape-nas alguns minutos da sessão, e então continuou a falar sobre outrascoisas. Ao escutar, o terapeuta deu-se conta de que o paciente começoua falar sobre uma série de infortúnios que tinham acontecido a pessoascom quem ele se importava; o paciente relatou que o filho do seu irmãoestava doente e que a noiva do seu colega de quarto havia rompido onoivado. A seguir o paciente falou sobre o dia, quatro anos antes, emque a inscrição de sua irmã para a escola de Direito havia sido rejeitada.Continuando a ouvir as associações do paciente, o terapeuta inferiu umaligação entre um self que tinha sucesso e estava entusiasmado e umobjeto que estava derrotado, machucado e infeliz. Este último padrão derelacionamento estava conectado a sentimentos de tristeza e culpa emrelação ao sucesso.

“ESCUTANDO” AS COMUNICAÇÕES NÃO-VERBAIS DO PACIENTE

Numa sessão de PDPLP, paciente e terapeuta estão sempre interagindo; opaciente está sempre dizendo ou fazendo alguma coisa, e o terapeuta estásempre respondendo ao paciente – às vezes visivelmente e outras vezes inter-namente; às vezes de maneira verbal e também não-verbal. A contínua inte-ração entre terapeuta e paciente está associada a reações emocionais por partede ambos os participantes. O terapeuta da PDPLP procura abrir-se o mais pos-sível ao impacto das comunicações verbais e não-verbais do paciente, permi-tindo que este o afete internamente.

Neste processo, o terapeuta se identifica transitoriamente com a expe-riência subjetiva do paciente e com as relações objetais internalizadas que sãoencenadas pelo paciente. O terapeuta então recolhe-se e reflete sobre sua pró-pria experiência interna a respeito da interação com o paciente. Ao alternarentre essas duas atitudes em relação a suas interações com o paciente, eleestabelece a si mesmo como um “observador participante” na sessão.

Consideramos que os sentimentos induzidos no terapeuta pelas palavrase comportamento do paciente refletem comunicações conscientes e incons-cientes do paciente. Embora as respostas internas do terapeuta às comunica-ções do paciente reflitam sempre aspectos das suas necessidades, as respostasdo terapeuta também refletirão as necessidades do paciente, bem como asrespostas do terapeuta a elas. Tendo tudo isso em mente, o terapeuta “escuta”e então reflete sobre o que ele pode aprender sobre o paciente a partir das suasreações internas a ele. Com uma razoável experiência clínica e supervisão, amaioria dos terapeutas aprende a selecionar e a fazer uso das suas reações aopaciente como um canal através do qual pode “ouvir” muitas das questõeslevantadas na sessão. A capacidade do terapeuta de fazer uso integral das suas

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reações internas ao paciente pode ser melhorada através da sua própria expe-riência como paciente em psicoterapia.

Fazendo uso da contratransferência

Implícito na postura do terapeuta como um observador participante estáo reconhecimento da importância da contratransferência. Utilizamos o termocontratransferência no sentido amplo, para incluir todas as respostas emocio-nais do terapeuta ao paciente (Kernberg, 1975). Quando o termo é utilizadodesta forma, a contratransferência será co-determinada:

1. pelas transferências do paciente para o terapeuta;2. pela situação de vida do paciente;3. pelas transferências do terapeuta para o paciente;4. pela situação de vida do terapeuta.

Na PDPLP, presume-se que o terapeuta tenha um fluxo constante de rea-ções emocionais ao paciente. É função do terapeuta na PDPLP monitorar cons-tantemente a sua contratransferência.

Na PDPLP, os sentimentos que o paciente provoca no terapeuta são iguaisem importância a qualquer coisa que o paciente possa comunicar em palavrasa respeito da sua situação interna atual. Isto se dá porque uma das muitasformas pelas quais os pacientes se defendem na PDPLP é através da induçãode atitudes e sentimentos no terapeuta. Por exemplo, um paciente que teme ossentimentos eróticos pode induzir irritação, distanciamento ou tédio por partedo terapeuta. Um paciente com medo de ser criticado pode ser muito insi-nuante ou comportar-se de maneira a agradar o terapeuta. Ou um pacienteque teme a sua raiva pode induzir no terapeuta sentimentos de irritação oumesmo de raiva, ao mesmo tempo em que ele próprio permanece calmo, ouum paciente que teme seus desejos eróticos pode comportar-se de forma sedu-tora sem se dar conta de estar fazendo isso. Em cada uma dessas situações, opaciente está induzindo uma resposta no terapeuta com o objetivo de reduzira própria ansiedade.

Pacientes com patologia leve de personalidade podem afetar seus tera-peutas de maneiras tão sutis e socialmente adequadas que estas podem serquase imperceptíveis inicialmente. Em geral o paciente não está consciente doque está fazendo, e pode levar algum tempo para que o terapeuta tambémperceba isso. Em conseqüência, o terapeuta de PDPLP sempre presta uma aten-ção cuidadosa às suas reações ao paciente e à sua conduta em relação aopaciente e tenta compreender ambas em função das relações objetais domi-nantes que estão sendo encenadas atualmente no tratamento. No início dotratamento, os sentimentos que os pacientes induzem nos seus terapeutas são

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tipicamente expressões de uma relação objetal defensiva, assim como os indu-zidos pelos pacientes que eram sexualmente inibidos ou temiam ser criticados,conforme descrito acima. Posteriormente no tratamento, é mais provável quevejamos um paciente induzir sentimentos no terapeuta que são uma expressãomais direta da relação objetal contra a qual está se defendendo – por exemplo,o paciente que induz raiva no seu terapeuta, enquanto permanece sem a cons-ciência dos seus próprios sentimentos de raiva, ou o paciente que se comportade forma sedutora sem se dar conta de estar fazendo isso. Contratransferênciasdeste tipo requerem que o terapeuta tolere a identificação com o pacientequando ele está sob o controle de motivações conflitantes, agressivas, sexuaise dependentes.

Para que possa fazer uso da contratransferência, o terapeuta da PDPLPpermite que o paciente o “mobilize” internamente, estimulando afetos e re-presentações internas que fazem parte do fluxo constante das encenações quecaracterizam o tratamento. Em uma determinada sessão, e a cada momentodentro da sessão, o terapeuta da PDPLP vai se identificar transitoriamentecom a representação de self do paciente ou com as representações objetais queestão sendo encenadas no tratamento, a serviço do aprofundamento da suacompreensão sobre os conflitos do paciente. Nesse momento, o terapeuta per-mite-se sentir investido por um aspecto do mundo interno do paciente emrelação a um outro e estar empaticamente afinado com ele.

Identificações concordantes ecomplementares na contratransferência

A partir desta perspectiva, a contratransferência do terapeuta pode serclassificada como “identificação concordante na contratransferência” ou “iden-tificação complementar na contratransferência” (Racker, 1957). As identifica-ções concordantes na contratransferência envolvem a identificação do terapeutacom a experiência afetiva subjetiva atual do paciente, isto é, com as partes domundo dos objetos internos do paciente que este está atualmente vivenciandocomo partes de si mesmo. Quando a contratransferência é concordante, avivência interna do terapeuta é semelhante à do paciente. Por exemplo, se apaciente diz: “Não consigo encontrar um dos brincos da minha avó que a mi-nha mãe me deu”, o terapeuta pode sentir-se triste. Isto representaria umacontratransferência concordante, em cujo caso o terapeuta poderia dizer: “Pa-rece que a sua incapacidade de encontrar o brinco da sua avó provocou senti-mentos de perda”.

Quando as identificações na contratransferência são complementares, oterapeuta se identifica com a representação do self ou do objeto que acom-panha a representação com a qual o paciente está identificado – se o pacien-te está identificado conscientemente com uma representação do self, o tera-

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peuta se identifica com a representação objetal correspondente, enquanto seo paciente se identifica com uma representação do objeto, o terapeuta se iden-tifica com a representação do self do paciente. As identificações complemen-tares fornecem informações a respeito de aspectos da experiência subjetivaatual do paciente que ele está vivenciando como vindo de fora em direção aele, ao invés de sentir que estão emergindo de dentro dele. Voltando ao nossoexemplo da paciente que não consegue encontrar seu brinco, quando ouve apaciente o terapeuta pode sentir-se crítico. Nesse caso, poderia dizer: “Ficopensando se você está preocupada que sua mãe vá ficar zangada ou criticá-lapor você ter perdido o brinco”, ou: “Fico pensando se você não está com medode que eu possa ser crítico por você ter perdido um dos brincos que sua mãelhe deu”.

Como conseqüência da identificação concordante, o terapeuta se identi-fica com a experiência subjetiva central do paciente. Esta é a origem da empatiausual, em que o terapeuta é capaz de colocar-se “na pele do paciente” e imaginasentir o que o paciente está vivenciando conscientemente. Em contraste, sobas condições da identificação complementar, o terapeuta se identifica com osobjetos do paciente. Em conseqüência, no caso das identificações complemen-tares, o terapeuta está empatizando com aspectos da experiência do pacienteque estão atualmente dissociados, reprimidos ou projetados. Assim, a empatiatotal do terapeuta não somente se dá com a experiência subjetiva do paciente,como também com o que o paciente não consegue tolerar vivenciar. Esta visãoda empatia do terapeuta ultrapassa a empatia usual no sentido social.

A contratranferência pode refletir asnecessidades e conflitos do terapeuta

As origens da contratransferência são a transferência do paciente para oterapeuta, a situação de vida do paciente, as transferências do terapeuta parao paciente e a situação de vida do terapeuta. Em conseqüência, quando oterapeuta da PDPLP monitora as suas reações ao paciente, ele também man-tém uma atitude aberta em relação à exploração da origem das suas reações.Especificamente, o terapeuta sempre estará se perguntando até que ponto assuas reações ao paciente fornecem dados a respeito do mundo interno do pa-ciente e até que ponto elas dizem mais a respeito das suas necessidades e dosconflitos atuais do que sobre os do paciente. A necessidade de estar abertodesta forma fica especialmente clara quando um paciente comenta sobre ocomportamento do terapeuta.

Por exemplo, não raro os pacientes fazem afirmações como: “Eu possover que você está zangado” ou “Você parece cansado hoje”. Nesses momentos,é importante que o terapeuta considere o que a percepção do paciente podedizer a respeito de ambas as coisas, a situação emocional atual do terapeuta e

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a do paciente, ao invés de simplesmente focalizar em uma ou em outra. Se aobservação do paciente for uma observação acurada, é útil que o terapeutareconheça isso de forma direta, ao mesmo tempo em que se abstém de daruma explicação ou desculpa. O reconhecimento honesto de uma realidadecompartilhada ajuda a manter uma aliança de tratamento realista entreterapeuta e paciente. Contudo, uma vez reconhecida esta realidade comparti-lhada, o terapeuta deve ajudar o paciente a explorar sua experiência da suainteração com o terapeuta.

Por exemplo, se o paciente observa que o terapeuta ficou sonolento du-rante uma sessão e comenta sobre isso, ele pode responder: “Você está certo,eu realmente me sinto sonolento. O que você pensa, o que significa para vocêeu ter ficado sonolento?” Uma intervenção deste tipo não é fácil de ser feitasem ficar defensivo, e lidar desta forma com nosso próprio acting out parcialrequer um alto grau de responsabilidade profissional e honestidade. Além doreconhecimento da exatidão das percepções do paciente, em geral não reco-mendamos uma maior auto-exposição por parte do terapeuta.

Contendo a contratransferência

Na PDPLP, muitas das identificações concordantes e complementares nacontratransferência do terapeuta são transitórias e estão sujeitas a reflexãopor parte do terapeuta. Depois de se permitir responder internamente ao pa-ciente, o terapeuta da PDPLP assume a posição de observador. A partir desseponto de vista privilegiado, o terapeuta observa, como um terceiro, a relaçãoobjetal ativada na sua mente em resposta às suas interações com o paciente. Éeste processo de “triangulação” que possibilita que o terapeuta utilize a con-tratransferência para melhorar a sua compreensão das relações objetais atuaisdominantes no tratamento. A capacidade de triangular assim é a pedra angulardo que chamamos de continência (containment) (Bion, 1962a).

A continência é um processo complexo que se pode pensar como aconte-cendo em vários passos, embora na prática os passos que descrevemos possamser sobrepostos um ao outro. No sentido mais geral, continência refere-se àcapacidade de pensamento e auto-reflexão para modificar conteúdos mentais,especialmente conteúdos mentais intensamente carregados afetivamente. Conti-nência implica a capacidade de vivenciar por inteiro uma emoção sem sercontrolado por essa vivência ou ter que partir imediatamente para a ação;continência implica liberdade emocional e autoconsciência. Em psicoterapia,a continência sempre vem após uma interação entre terapeuta e paciente naqual o paciente afeta internamente o terapeuta, estimulando afetos e ativandorepresentações do self e dos outros no mundo interno do terapeuta.

A seguir, o terapeuta “continente” assume o papel de observador e refletesobre o que foi estimulado nele em sua interação com o paciente. Finalmente,

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o terapeuta faz uso da experiência para fazer inferências a respeito das rela-ções objetais internas que estão sendo ativadas no paciente e encenadas notratamento. Neste processo, o terapeuta “contém”, e de alguma maneira mo-difica, a experiência interna estimulada nele pelo paciente.

A continência possibilita que o terapeuta faça uso da contratransferênciacomo uma fonte valiosa de informações sobre as relações objetais que atual-mente estão sendo encenadas no tratamento e permite que ele empatize comtodas as partes do paciente e com todos os lados de um dado conflito. A conti-nência requer que o terapeuta seja responsivo e contido. O terapeuta “conti-nente” precisa ter liberdade emocional para responder internamente ao pacien-te, em conjunto com o comedimento para adiar a reação a estas respostas, atéque tenha tido a oportunidade de refletir sobre elas. Outra maneira de se dizerisso é que o terapeuta continente é responsivo internamente, mas não é reativointerpessoalmente, substituindo ação e reação pela auto-observação e refle-xão. A continência pode levar à interpretação, mas não necessariamente.

ILUSTRAÇÃO CLÍNICA DE UTILIZAÇÃO DA CONTRATRANFERÊNCIA

A paciente era uma profissional de 45 anos, solteira e sem filhos. Elafalava longamente sobre seu maravilhoso fim de semana com o namora-do, enfocando o ótimo sexo e a grande diversão, as pessoas animadas eos lugares bonitos. À medida que a sessão progredia, a paciente foi fi-cando cada vez mais entusiasmada. Seu tom de voz tornou-se estriden-te; ela falava e ria em voz alta enquanto contava histórias engraçadas deuma forma extremamente animada.

Inicialmente, a terapeuta (vários anos mais jovem do que a paciente)foi afetada pelo humor da paciente, sentindo-se entusiasmada e comvontade de rir junto com a paciente. (Este é um exemplo de identifica-ção concordante na contratransferência.) Entretanto, à medida que con-tinuou acompanhando a paciente, começou a sentir-se diminuída e des-moralizada, e viu-se pensando que a paciente tinha coisas que ela nuncateria. (Esta é uma identificação complementar na contratransferência.)

Refletindo sobre as suas respostas às comunicações verbais e não-verbais da paciente, a terapeuta identificou uma relação objetal de umapessoa excitada que “tinha tudo” e de uma pessoa excluída e inferiorque sente inveja. Pensando mais um pouco sobre isso, a terapeuta perce-beu como tinha se sentido exageradamente diminuída. Lembrou-se dainveja que a paciente havia sentido no passado em relação a ela, que apaciente sabia que era casada e tinha filhos.

Quando a terapeuta refletiu sobre o que estava sendo encenado nasessão e o porquê disso, foi se sentindo mais calma diante do estilo ma-níaco da paciente, e foi capaz de empatizar com os sentimentos doloro-sos subjacentes à excitação desta. Na continuidade da sessão, a pacientetambém começou a se acalmar e ficou mais auto-reflexiva.

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Falhas na continência

A capacidade do terapeuta de conter a contratransferência distingue acontratransferência que serve como um veículo para a compreensão do mun-do interno do paciente da contratransferência que age como um veículo paralimitar ou mesmo interromper o processo terapêutico. Além disso, há vezesem que a capacidade do terapeuta para conter os afetos do paciente nacontratransferência pode ser uma intervenção terapêutica por si só. Em con-traste, quando um terapeuta é cronicamente incapaz de conter uma contra-transferência particular e, além disso, é incapaz de refletir sobre as falhas nacontinência, a contratransferência pode colocar restrições à capacidade doterapeuta de compreender a situação interna do paciente.

Em particular, as encenações contratransferenciais sutis, porém crônicas,em geral expressas na forma como o terapeuta mantém uma atitude particularem relação ao paciente ou algum sentimento duradouro em relação a ele,podem ser difíceis de ser diagnosticadas pelo terapeuta. Exemplos comuns sãoos pacientes que tendemos a ver de uma forma especial – por exemplo, comoparticularmente necessitados ou vulneráveis ou desejáveis. Contratransferênciascrônicas deste tipo são egossintônicas para o terapeuta e também para o pa-ciente. Em conseqüência, as reações contratransferenciais crônicas podem serencenadas por longos períodos de tempo sem que sejam notadas pelo terapeuta.A contratransferência não examinada, tanto aguda quanto crônica, provocapontos cegos no terapeuta e dificultarão que ele entenda ou empatize comaspectos particulares da experiência consciente e inconsciente do paciente.

ILUSTRAÇÃO CLÍNICA DE FALHAS NA CONTINÊNCIA

Voltemos à vinheta da paciente de 45 anos, solteira e sem filhos, discuti-da anteriormente. A paciente estimulou na terapeuta sentimentos ini-ciais de excitação e, posteriormente, de menos valia. Se a terapeuta ti-vesse falhado em conter suas respostas à paciente, ela poderia ter sejuntado à paciente na excitação maníaca, identificando-se com a repre-sentação consciente do self da paciente e negando a relação objetal do-lorosa que estava sendo cindida. Nesta situação, a terapeuta entraria emconluio com os esforços defensivos da paciente para evitar a consciênciadas relações objetais subjacentes. Ou então poderia ter-se perdido nosseus próprios sentimentos de inveja e desmoralização, permitindo queestes interferissem na sua capacidade de refletir sobre como e por queela se sentia daquela forma em relação à paciente. Isto poderia deixar aterapeuta com um ponto cego, sem condições de empatizar com os sen-timentos subjacentes da paciente de inveja e inferioridade, e poderialevar a terapeuta a se afastar da paciente.

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Também podemos usar esta paciente e sua terapeuta para ilustrar asfalhas na continência das reações contratransferenciais crônicas. Acres-centaremos neste ponto que esta paciente em particular era uma pessoaque causava muito boa impressão. Ela era bem-sucedida profissional-mente, numa profissão de destaque e de grande influência. Além disso,tinha um tipo físico atraente e sempre estava vestida com elegância. Aterapeuta tinha grande admiração pelas coisas que a paciente havia con-seguido alcançar, e também pela maneira atraente como ela se apresen-tava. Foi somente depois que a paciente estava em tratamento por quaseum ano que a terapeuta tornou-se inteiramente consciente da formasutil pela qual sua admiração pela paciente limitava a sua capacidade deempatizar totalmente com a parte da paciente que se sentia pequena,deixada de lado e triste. Como é típico das reações contratransferenciaissutis e crônicas, a atitude implícita da terapeuta em relação à pacienteencenava uma relação objetal que era familiar e egossintônica, tantopara a paciente quanto para a terapeuta, portanto foi com facilidade quea atitude da terapeuta permaneceu em grande parte sem ser notadadurante um longo tempo.

Embora a atitude da terapeuta fosse consciente, ela não tinha sidoexplorada por inteiro. Foi somente depois que o tratamento se aprofundoue que a paciente começou a revelar abertamente sua sensação crônicasubjacente de tristeza e isolamento que a terapeuta percebeu o impactoque a sua atitude em relação à paciente havia tido sobre a sua capacida-de de empatizar com a situação interna da mesma.

Tolerando a incerteza

Um componente intrínseco da capacidade do terapeuta da PDPLP paraouvir e escutar seu paciente é sua capacidade de tolerar a incerteza. Pode serque não fique claro numa dada sessão, ou por vezes até mesmo durante ocurso de várias sessões, qual aspecto é dominante no tratamento ou o que estáacontecendo na transferência-contratransferência. Geralmente leva tempo paraas coisas cristalizarem, e um certo grau de incerteza por parte do terapeuta,durante grande parte do tempo, é algo que deve ser esperado.

A sensação de não saber pode gerar ansiedade – especialmente noterapeuta menos experiente, que pode achar que outra pessoa com mais habi-lidades teria uma compreensão mais clara sobre o que está acontecendo. Estaansiedade praticamente esperada deve ser contida da melhor maneira possí-vel. Para isso, pode ser útil que o terapeuta lembre-se de que a expectativa desempre entender o que está acontecendo é uma exigência absurda consigomesmo. Ao mesmo tempo, ele deve considerar se existe algo acontecendo nopaciente ou na contratransferência que esteja deixando o terapeuta particu-larmente ansioso por “saber” o que está acontecendo. É preferível esperar ever a incerteza que surge, além de considerar se existe um significado especí-fico para a incerteza ou confusão vivenciado numa sessão, ao invés de fazer

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uma formulação prematura num esforço para acabar com a incerteza e a ansie-dade. É bom que às vezes o terapeuta reconheça para o paciente que ele aindanão tem clareza a respeito do que está acontecendo e que uma compreensãomais clara irá emergir com o tempo.

Se um terapeuta raramente tem incertezas, isso provavelmente refleteque ele está abordando o material com idéias pré-concebidas a respeito do queestá acontecendo e que está ouvindo o que o paciente tem a dizer com umaescuta que visa adequá-lo às suas próprias expectativas. Mesmo que seja rela-tivamente sutil, a incapacidade do terapeuta de tolerar não saber, com umapropensão a ouvir as comunicações do paciente como uma validação do queele “já sabe”, é uma forma de acting out contratransferencial, freqüentementeligada a uma lealdade excessiva do terapeuta a uma teoria particular. Emboraa teoria sempre nos informe inconscientemente e até certo ponto direcione anossa escuta, devemos fazer tudo o que for possível para manter uma menteaberta.

LEITURAS SUGERIDAS

Britton R: Naming and containing, in Belief and Imagination. London, Routledge, 1998, pp19-28

Busch F: Free association, in The Ego at the Center of Analytic Technique. Northvale, NJ,Jason Aronson, 1995, pp 49-70

Kernberg OF: Acute and chronic countertransference reactions, in Aggressivity, Narcissismand Self-Destructiveness in the Psychotherapeutic Relationship. New Haven, CT, YaleUniversity Press, 2004, pp 167-183

Langs R: Therapeutic misalliances. Int J Psychoanal Psychother 4:77-105, 1975

Lowenstein RM: Some considerations on free association. JAm Psychoanal Assoc 11:451-473, 1963

Ogden TH: The concept of projective identification (1982), in Projective Identification andPsychotherapeutic Technique. Northvale, NJ, Jason Aronson, 1993, pp 11-38

Racker H: The meanings and uses of countertransference. Psychoanal Q 26:303- 357, 1957

Sandler J, SandIer AM: On role-responsiveness, in Internal Objects Revisited. London,International Universities Press, 1998, pp 47-56

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As técnicas, Parte II

Intervenção

Já descrevemos as técnicas que o terapeuta utiliza na psicoterapia dinâmicadas patologias leves de personalidade (PDPLP) para escutar e entender ascomunicações verbais e não-verbais do paciente. Após escutar, o terapeuta iráformular uma intervenção. Na PDPLP, as principais intervenções verbais feitaspelo terapeuta envolvem a análise da resistência e a interpretação do conflitoinconsciente. Ao fazer intervenções verbais, o terapeuta tenta intervir a partirde uma posição de neutralidade técnica.

NEUTRALIDADE TÉCNICA

Quando dizemos que o terapeuta da PDPLP mantém uma “neutralidadetécnica”, queremos dizer que o terapeuta evita utilizar técnicas suportivas eevita tomar partido nos conflitos do paciente. As técnicas suportivas muitasvezes empregadas em psicoterapia incluem dar conselhos, ensinar habilidadespara lidar com as situações e intervir diretamente na vida do paciente. “Nãotomar partido” significa que o terapeuta evita falar por um dos lados do confli-to do paciente em relação aos outros.

Em contraste com a PDPLP, muitas formas de psicoterapia dinâmica em-pregam uma combinação de técnicas suportivas e expressivas, e o terapeutanão mantém uma atitude neutra (Gabbard, 2004). Nestes tratamentos, oterapeuta emprega técnicas suportivas em uma “escala contínua”, dependen-do das necessidades clínicas do paciente em um momento particular do trata-mento. Entretanto, em nossa experiência, é preferível que se faça uma distin-ção entre as técnicas de psicoterapia suportivas (Rockland, 1989) e explora-tórias, e que se restrinja à utilização de intervenções suportivas quando for

Capítulo 7Capítulo 7

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prescrita a terapia exploratória. Na PDPLP, a neutralidade técnica facilita aativação no tratamento das relações objetais internas conflitantes e aumenta acapacidade do terapeuta de explorar efetivamente e interpretar os padrões derelacionamento expressivos e defensivos que são encenados no tratamento.

Definição de neutralidade técnica

Ao mesmo tempo em que a neutralidade técnica é central para a técnica daPDPLP, ela é um constructo problemático e controverso que deve ser usado demaneira flexível caso se deseje integrá-la à compreensão dinâmica das interaçõescomplexas e do fluxo constante de encenações que acontecem entre paciente eterapeuta. Nossa visão no que concerne à manutenção da neutralidade técnica éde que o terapeuta formula suas intervenções verbais a partir de uma posiçãotecnicamente neutra, restringe-se nas suas interações com o paciente, monitoraa contratransferência e mantém uma consciência de que, no microprocesso dassuas interações com o paciente, haverá um fluxo constante de encenações dasquais ele irá participar de forma mais ou menos ativa.

A partir de uma perspectiva teórica, a neutralidade técnica implica que oterapeuta mantém uma atitude que evita tomar partido de qualquer uma dasmotivações conflitantes dentro do paciente (Apfelbaum, 2005; Moore e Fine,1995). Ao invés de ficar envolvido nos conflitos do paciente, o terapeuta neu-tro está interessado em ajudar o paciente a identificar e explorar seus conflitose a fazer isso de maneira imparcial, a partir de uma variedade de perspectivas(Levy e Inderbitzin, 1992). Como os conflitos psicológicos estão organizadosem torno de relações objetais internas, a neutralidade implica que o terapeutase abstenha de apoiar ou rejeitar motivações associadas às representaçõesconflitantes do self e dos objetos ativadas no mundo interno do paciente. Porexemplo, se um paciente está reclamando do quanto seu chefe é injusto econtrolador, o terapeuta neutro irá se abster de criticar o chefe ou apontar aopaciente o quanto ele está sendo injusto, mas, ao invés disso, tentará esclare-cer a relação objetal que está sendo encenada nas interações do paciente comseu chefe.

A neutralidade técnica requer que o terapeuta esteja aberto tanto quantopossível a um amplo leque de motivações conflitantes e ansiedades dentro dopaciente, ao mesmo tempo em que mantém uma atitude de aceitação, não-julgamento e apartidarismo (Schafer, 1983). Ao invés de ser investido dosmotivos ou atitudes associados a uma ou outra das relações objetais internasconflitantes do paciente ou rejeita-lo, ou de apoiar as demandas da realidade,o terapeuta neutro alia-se à parte do paciente que tem capacidade de auto-observação. Com o passar do tempo, essa aliança ajudará a fortalecer a ca-pacidade de auto-observação e auto-reflexão do paciente (Kernberg, 2004b).

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O terapeuta neutro e a parte auto-observadora do paciente trabalhamjuntos, com o objetivo compartilhado de compreender a vida interna e a expe-riência subjetiva do paciente da forma mais completa possível.

Neutralidade técnica e expectativas sociais

Estabelecer e manter a neutralidade técnica significa que o terapeuta daPDPLP adota e mantém uma atitude em relação às comunicações e conflitosdo paciente. Esta é diferente da que é tomada por qualquer outra pessoa navida do paciente. Ao ouvir alguém discutir um problema, pensaremos em ter-mos de “Como eu posso fazer essa pessoa sentir-se melhor?” ou “Como euposso ajudá-la a resolver este problema?” ou “Esta pessoa está fazendo a coisacerta?” Em contraste, o terapeuta neutro pensará: “Como eu posso entenderde forma mais completa o que o paciente está dizendo e fazendo?” Este desviodas normas sociais pode parecer estranho ou ser desconfortável para o pacien-te, em especial no início do tratamento, e por vezes também pode ser des-confortável para os terapeutas, particularmente os que não tiverem muita ex-periência em trabalhar desta forma com os pacientes.

Pode ser útil ter em mente que recomendar a PDPS a um paciente impli-ca que o terapeuta acredita que a PDPLP é a forma mais efetiva de aliviar osofrimento do paciente. Se a PDPLP for o tratamento de escolha, isto querdizer que é no melhor interesse do paciente que o terapeuta deve aderir àtécnica da PDPLP, dando ao paciente a oportunidade de se beneficiar da formamais completa possível de tudo o que a PDPLP pode oferecer. Neste sentido, amanutenção da neutralidade técnica é uma expressão do interesse do terapeutapelo paciente. Quando um terapeuta da PDPLP se abstém de dar o tipo deapoio ou o conselho que o paciente deseja num dado momento, ele o faz coma expectativa de que uma atitude neutra é o que será mais útil para o pacienteno final das contas.

Qualidade das interações entre o terapeuta neutro e o paciente

O termo neutralidade pode trazer a preocupação de que estejamos suge-rindo que o terapeuta em PDPLP assuma uma atitude de relativa indiferençaao paciente ou que tente esconder sua personalidade e adote uma atitudebranda quando estiver no seu papel de profissional. Isto realmente não é ver-dade. Quando falamos de “neutralidade”, não estamos nos referindo a umaatitude do terapeuta em relação ao paciente ou ao seu comportamentointerpessoal em relação a ele. Ao contrário, “neutralidade técnica” refere-se àatitude do terapeuta em relação aos conflitos internos do paciente.

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Neutralidade técnica não implica que o terapeuta seja indiferente nas suasinterações com o paciente, nem implica que seja indiferente ao progresso dopaciente. Ao contrário, na PDPLP o terapeuta deve ser responsivo e genuíno, aoinvés de rígido e robotizado, e sua atitude em relação ao paciente deve refletirinteresse por ele e pelo seu bem-estar. O terapeuta neutro mantém uma atitudeprofissional que comunica cordialidade e interesse enquanto respeita a autono-mia do paciente. Ao mesmo tempo, também é verdade que, embora precise seremocionalmente responsivo ao paciente, um terapeuta que é excessivamenteresponsivo ou solícito provavelmente irá invadir a liberdade do paciente de ex-plorar de uma forma mais completa os conflitos ativados no tratamento.

O que sugerimos é que o terapeuta seja responsivo, mas também reserva-do na sua atitude e comportamento em relação ao paciente. A PDPLP nãopoderá ser efetiva se o terapeuta estiver rotineiramente atuando e comunican-do as suas próprias necessidades no tratamento do paciente. Por fim, o pacien-te será capaz de perceber se o terapeuta está ou não genuinamente interessa-do pelo seu bem-estar e comprometido em deixar de lado as suas própriasnecessidades em benefício do tratamento. Quando o paciente percebe que issonão é verdadeiro, o tratamento não será um lugar “seguro” para o pacienteexplorar seu mundo interno.

ILUSTRAÇÃO CLÍNICA DE NEUTRALIDADE TÉCNICA

Como exemplo simples de como um terapeuta mantém uma atitudeneutra, considere o paciente que se queixa, em princípio de forma jus-tificada, sobre sua esposa crítica e distante. Ao fazer isso, ele está des-crevendo uma representação do self e uma representação de objeto. Umterapeuta neutro não fica do lado da experiência do self do paciente –por exemplo, expressando simpatia pelo paciente ou crítica à esposado paciente. Nem o terapeuta neutro fica ao lado da representação doobjeto do paciente – por exemplo, assinalando ao paciente que ele estásendo injusto ou maldoso com sua esposa. Nem o terapeuta ficará aolado das demandas da realidade, aconselhando o paciente quanto àmelhor maneira de lidar com sua esposa ou tentando entender quemestá errado.

Ao contrário, um terapeuta neutro ouvirá a descrição e queixas dopaciente com sua escuta voltada para as seguintes questões:

• “O que isto me diz a respeito da experiência interna do paciente edas relações objetais internas ativas no tratamento neste mo-mento?”

• “Que relação objetal o paciente está encenando com sua esposa?”• “Que relação objetal o paciente está encenando comigo ao recla-

mar de sua esposa?• “Contra qual relação objetal o paciente está se defendendo nas

suas interações com sua esposa e comigo?”

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Desvios da neutralidade técnica

Os desvios da neutralidade técnica, se forem crônicos e não forem trata-dos abertamente, podem interferir no surgimento integral dos conflitos dopaciente no tratamento, e será menos provável que eles possam ser elabora-dos na transferência. Em essência, ao tomar partido de uma representaçãoparticular do self ou objeto, ou do lado defensivo ou expressivo de um conflito,o terapeuta está ativamente desempenhando um papel ou atuando (playingout) um aspecto do mundo interno do paciente na relação entre paciente eterapeuta. Encenações deste tipo tendem a ser resistentes à interpretação e, aomesmo tempo, podem impedir o surgimento de outras relações objetais notratamento. Igualmente, se o terapeuta tomar partido ativamente ou falar pe-las partes do paciente motivadas em atender às demandas da realidade daforma mais efetiva possível, o terapeuta poderá deixar submersas aquelas par-tes do paciente que estão motivadas a fazê-lo de outra maneira.

Como exemplo de desvio da neutralidade, imagine que o terapeuta sejaativa e rotineiramente apoiador do paciente descrito acima e seja crítico com aesposa do paciente. Nesta situação, o “apoio” do terapeuta (e neste processo,às defesas do paciente) pode tornar mais difícil que o paciente tenha consciên-cia de que, na sua atitude crítica em relação a sua esposa, ele mesmo está seidentificando com a representação objetal crítica e distante que ele vem expe-rienciando em relação a sua esposa (uma forma de inversão de papéis). Umdesvio da neutralidade desse tipo também pode fechar a oportunidade paraque os conflitos com a esposa sejam ativados na transferência. Em contraste,se o terapeuta for neutro, o paciente terá espaço para se questionar se o te-rapeuta também será crítico com ele ou negará amor e apoio, ou poderá per-ceber que está sendo crítico com o terapeuta. A exploração destas questões irátornar mais acessível as relações objetais internas e as representações do self edo objeto ativas nos conflitos do paciente com sua esposa.

Em suma, os desvios da neutralidade podem interferir na conscientizaçãode todos os lados dos conflitos do paciente, e também diminuirão a probabili-dade de estes serem trabalhados na transferência. Os desvios crônicos ou nãopercebidos por parte do terapeuta podem levar a um impasse terapêutico.

ILUSTRAÇÃO CLÍNICA DO ESTABELECIMENTO DEUMA ATITUDE NEUTRA NO INÍCIO DO TRATAMENTO

Como exemplo de como e por que o terapeuta da PDPLP estabelece umaatitude neutra no início do tratamento, voltemos à mulher de 34 anos,discutida no Capítulo 5 (“As Estratégias e o Setting do Tratamento”), queestava presa a um relacionamento frustrante com um colega de traba-lho. No momento em que veio para consulta e iniciou o tratamento, apaciente entendia que o relacionamento não era bom para ela e que erabem provável que não fosse evoluir, mas mesmo assim ela se sentia inca-

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paz de romper. Seus amigos estavam insistindo para que desistisse dessehomem e fosse adiante, mas ela não conseguia seguir seus conselhos.Outros homens tinham se aproximado dela, mas ela não os achava inte-ressantes.

Se, no início, o terapeuta não mantivesse uma neutralidade técnicae, ao invés disso, optasse por assumir uma atitude apoiadora, ele pode-ria abordar esta situação em termos de “Como eu posso conseguir queesta paciente abandone esse relacionamento?”. Ao assumir esta atitude,o terapeuta estaria tomando o partido da parte da paciente que querromper, bem como das demandas apresentadas pela realidade de queela tem 34 anos e deseja casar e ter uma família. Utilizando essa aborda-gem, o terapeuta estaria influenciando a paciente, como fazem os ou-tros, dando a entender que esse homem está unicamente frustrando-a –ela sabe que ele não vai casar com ela – e que continuar com ele poderácomprometer suas chances de casar-se e ter uma família.

É possível que o terapeuta que não é neutro use a sua autoridadepara intrometer-se e tirar a paciente de um mau relacionamento. O pro-blema, entretanto, é que esta abordagem não dará à paciente a oportu-nidade de compreender primeiramente por que ela está nessa relação,nem a deixará com menos probabilidade de repetir a mesma situação nofuturo. O terapeuta que não é neutro ou é “apoiador” poderá ter sucessoem fazer com que a paciente deixe o namorado, mas provavelmente nãoa ajudará a resolver seu problema subjacente.

Em contraste com o terapeuta não-neutro, que pensa: “Como eu possofazer com que ela rompa?”, o terapeuta da PDPLP pensa: “Como euposso entender o fato de ela continuar?”. Uma atitude neutra irá focali-zar na exposição e na exploração, da forma mais completa possível, dasrelações objetais conflitantes incluídas e contra as quais a paciente sedefende através do relacionamento com esse homem. Quando esses con-flitos forem elaborados, a paciente obterá maior flexibilidade e liberda-de para escolher se continua ou não a relação com esse homem ou esco-lhe um tipo diferente de homem no futuro.

Nas fases iniciais do tratamento, o terapeuta neutro em PDPLP aju-daria esta paciente a conscientizar-se de que existe uma divisão dentrodela. Parte dela, apoiada por seus amigos, quer deixar a relação e seguirem frente. Outra parte quer permanecer com esse homem e continua aser atraída por ele. O terapeuta ajudará a paciente a interessar-se maispor esse conflito e compreendê-lo e, ao mesmo tempo, irá se abster depressionar a paciente para romper ou para ficar com ele. Ao fazer isso, oterapeuta não está tomando partido no conflito da paciente e está, aomesmo tempo, apoiando a capacidade de auto-observação da paciente.Isso vai facilitar que ela traga as relações objetais conflitantes subjacentespara dentro do tratamento.

Em contraste, quando o terapeuta apoiador condena o namorado dapaciente e a incentiva a desistir da relação, o terapeuta está falando pore tomando partido de uma parte da paciente contra outra. Ao invés deapoiar a capacidade de auto-observação da paciente, a atitude do tera-peuta suportivo apóia ativamente a repressão e dissociação das relações

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objetais que atraem a paciente para esse homem. Embora isto possadeixar a paciente muito menos conflituada e ansiosa, isso se dá às custasde uma menor probabilidade de que, no final das contas, ela tenha aoportunidade de entender as motivações complexas que estão subjacentesàs suas escolhas românticas.

INTERPRETAÇÃO

A interpretação e elaboração do conflito inconsciente, junto com a análi-se da resistência, são as principais intervenções terapêuticas verbais feitas naPDPLP. As interpretações trazem à percepção consciente do paciente uma rela-ção objetal conflitante que está sendo ativada e também experienciada incons-cientemente – encenada fora da consciência do paciente – ou expressa atravésde sintomas. Além disso, as interpretações fazem conexões ou lançam luz so-bre o material contra o qual o paciente pode estar em luta ou que o pacientepode estar evitando.

O processo de interpretação iniciará a partir da observação de omissões,discrepâncias ou contradições no que o paciente está dizendo ou fazendo, elevará a hipóteses explícitas a respeito dessas observações, de modo que sepossa encontrar um sentido nelas. A análise da resistência envolve a explora-ção e interpretação das operações defensivas à medida que elas são encenadasno tratamento. A elaboração envolve uma série de interpretações em que umconflito particular é repetidamente experienciado e interpretado a partir devárias perspectivas e numa variedade de contextos durante um período detempo. Conforme já observado, na PDPLP as interpretações são feitas a partirde uma posição de neutralidade técnica.

O processo interpretativo

A interpretação é melhor entendida como um processo (Sandler et al.,1992). Os passos iniciais no processo interpretativo envolvem tipicamente cla-rificação e confrontação. A clarificação envolve a busca do terapeuta pela cla-rificação da experiência subjetiva do paciente. As áreas mais vagas recebematenção até que paciente e terapeuta tenham uma compreensão clara do queestá sendo dito, ou até que o paciente sinta-se intrigado com uma contradiçãosubjacente no seu pensamento que tenha sido trazida à luz.

Além de apontar para aspectos da experiência mental que foram reprimi-dos, a clarificação freqüentemente funciona para chamar a atenção do pacien-te para aspectos da sua experiência subjetiva que, embora acessível à cons-ciência, foram dissociados, negados ou não confessados. Desta forma, a clari-ficação chama a atenção do paciente para aspectos da sua experiência subjeti-

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va aos quais ele evitou prestar atenção ou pensar. O processo de clarificaçãoleva de forma natural à confrontação, que envolve juntar as informações clari-ficadas que são contraditórias, conflituosas ou não se encaixam, e entãoapresentá-las ao paciente com o material que precisa de maior exploração ecompreensão. Na confrontação o terapeuta chama a atenção do paciente parauma área de conflito e defesa, enfocando e aprofundando a investigação du-rante este processo contínuo.

Esperamos que esteja claro que a palavra confrontação é utilizada aquino sentido de ser “confrontado com uma realidade dolorosa”. A “confronta-ção” não é usada como seria num contexto militar ou político para sugerir umchoque agressivo de forças. Ao contrário, a confrontação envolve um assinala-mento cuidadoso e atencioso do terapeuta quanto aos aspectos das comunica-ções verbais e não-verbais do paciente que requerem maior consideração. Aconfrontação pode envolver o direcionamento para as discrepâncias entre ascomunicações verbais do paciente na sessão e as informações que o terapeutajá recebeu em sessões anteriores. As confrontações também podem focar asdiscrepâncias entre as comunicações verbais e não-verbais – por exemplo,quando um paciente discute um material doloroso num tom leve e casual.

A interpretação propriamente dita vem depois e é construída sobre a cla-rificação e a confrontação. A interpretação envolve fazer uma ligação entre ocomportamento consciente e observado do paciente, seus pensamentos e sen-timentos e os fatores inconscientes que podem estar subjacentes a eles. Emessência, quando o terapeuta faz uma interpretação, ele está apresentando aopaciente uma hipótese a respeito dos conflitos psicológicos inconscientes oudissociados que podem explicar aspectos do discurso e comportamentos dopaciente que na superfície parecem ilógicos ou mal-adaptativos. O objetivo deuma interpretação é dar sentido a aspectos da experiência e do comportamen-to do paciente e, nesse processo, aprofundar a compreensão que o pacientetem da sua vida interior. Uma interpretação “completa” descreveria a defesa, aansiedade que motiva a defesa e o desejo, necessidade ou temor subjacentecontra o qual o paciente se defende, com cada um destes elementos descritocomo uma relação objetal interna. Entretanto, como já dissemos, a interpreta-ção é um processo, e as interpretações são tipicamente oferecidas em partes,dando ao paciente oportunidade de assimilar as intervenções do terapeuta deforma gradual.

ILUSTRAÇÃO CLÍNICA DE INTERPRETAÇÃO

Um homem de negócios de meia-idade, em tratamento havia seis me-ses, contou uma história sobre seu sócio ter mentido para ele. Para oterapeuta, estava claro que o paciente estava sendo crítico e zangadocom seu sócio, mas parecia que ele não estava consciente disso ou prefe-ria não reconhecer que tinha sentimentos de raiva. O terapeuta pergun-tou sobre seus sentimentos a respeito do comportamento do seu sócio

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(clarificação). O paciente continuou não reconhecendo seus sentimen-tos negativos.

Ao formular uma interpretação desse conflito, o terapeuta poderiadizer ao paciente: “Estou surpreso com a ausência de raiva ou críticaquando você descreve a situação com seu sócio. Seria muito natural teresses sentimentos, embora pareça que você tenta evitá-los” (confronta-ção). O terapeuta poderia então parar para esclarecer se isto era algoque o paciente entendia. Se o paciente admitisse que sua raiva estavaevidentemente ausente, o terapeuta poderia continuar a sugerir umapossível motivação para tal comportamento. Por exemplo, o terapeutapoderia dizer algo como: “Pode ser que você evite os sentimentos nega-tivos porque teme que eles possam levar ao afastamento das outras pes-soas e que você evite sentir-se crítico com seu sócio porque você se pre-ocupa que isso possa provocar o afastamento dele, ou até mesmo queacabe com a sociedade?”.

Nesta interpretação, o terapeuta começou confrontando uma contradi-ção – seria natural estar zangado, mas o paciente não estava. Continuou, en-tão, a descrever a motivação do paciente para a defesa, experienciada comouma ansiedade e representada como uma relação objetal interna de um selfcrítico que teme a perda do amor e um objeto que responde à crítica ou raivaafastando-se. As motivações do conflito foram a raiva e o desejo do pacientede criticar, o que permaneceu totalmente fora da consciência.

Ao fazer uma interpretação, o terapeuta está ciente de que uma relaçãoobjetal descrita numa intervenção inicial também serve para se defender con-tra a encenação da relação objetal complementar – isto é, a mesma relaçãoobjetal com os papéis invertidos. (Por exemplo, poderíamos basicamente ver aencenação de uma relação objetal interna de um objeto zangado em reaçãocom um self que se afasta.) Os passos finais de qualquer processo interpretativoenvolvem a capacidade de trazer à tona estas ligações. Entretanto, devido àrigidez das operações defensivas na patologia leve de personalidade, podedemorar algum tempo antes que a identificação do paciente com a representa-ção do objeto possa ser feita.10

De fato, não é raro que o terapeuta se afaste para explorar e interpretaroutros conflitos subjacentes, indicando como a relação objetal original defen-de contra a ativação destes conflitos, antes de retornar às interpretações ante-

10 Isto é muito diferente da situação no tratamento de pacientes com patologia maisgrave de personalidade, em que o paciente tipicamente avança e recua na identificaçãocom as duas metades de uma relação objetal, e a interpretação de uma relação objetalcomo defesa contra o seu inverso é usualmente feita muito rapidamente.

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riores, agora com os papéis invertidos. Entretanto, no final, para que o pacien-te tenha sucesso em integrar uma relação objetal conflitante ao seu sensoconsciente de self, ele terá que conseguir tolerar a sua identificação com am-bos os lados de tal relação objetal. Auxiliar o paciente a elaborar o conflitocomo foi originalmente formulado, e oferecer a oportunidade de elaborar ou-tros conflitos relacionados, ajuda o paciente a tolerar a consciência da suaidentificação com o que foi originalmente atribuído a uma representação doobjeto.

Interpretação da superfície até a profundidade

Em geral, a forma mais cuidadosa de formular uma interpretação é co-meçar direcionando-se à defesa e à motivação do paciente para a defesa e, sódepois de feito isso, dirigir-se à motivação conflitante subjacente contra a qualo paciente está se defendendo. Esta abordagem da interpretação é às vezeschamada de princípio dinâmico da interpretação (Fenichel, 1941). O princípiodinâmico direciona o terapeuta para começar interpretando o material queserve a funções defensivas e então ir em direção ao material contra o qual estáse dando a defesa. Como as relações objetais que servem a funções defensivasestarão mais perto da consciência, enquanto as relações objetais contra asquais se dá a defesa estarão mãos distantes da “superfície” da consciência, estaabordagem é às vezes chamada de interpretação “da superfície até a profun-didade”.

Mantendo este princípio dinâmico, em nosso exemplo o terapeuta come-çou suas interpretações assinalando que o paciente parecia estar rejeitando ossentimentos negativos. O terapeuta vinculou esta observação a uma hipótesesobre a motivação para esta evitação defensiva – a saber, que o paciente tinhamedo de que os sentimentos negativos levassem ao isolamento social. Ao vin-cular defesa e motivação desse modo, o terapeuta diminuiu a possibilidade deque o paciente sentisse que ele o estava criticando por “evitar sua raiva” ousimplesmente acusando-o de estar zangado, e aumentou a possibilidade de opaciente sentir que o terapeuta entendeu o dilema que ele enfrentava.

No processo de identificação da defesa e de sugestão de uma motivaçãopara a defesa, o terapeuta apontou de maneira implícita que o paciente pos-suía sentimentos de raiva e crítica que estava reprimindo ou falhando em reco-nhecer. Contudo, a ênfase da interpretação está na experiência do paciente deque é uma necessidade psicológica evitar a sua raiva. Na PDPLP, nosso focoseria a compreensão de por que é tão importante para o paciente evitar senti-mentos de raiva, e a identificação das várias formas de que o paciente lançamão para evitar o reconhecimento da raiva; o foco da investigação não é “des-nudar” ou salientar a raiva do paciente per se (Busch, 1995, 1996).

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Interpretação da transferência

A interpretação descrita na subseção anterior – identificação da defesa,da ansiedade que motiva a defesa e da motivação conflitante – é consideradauma interpretação completa que não envolve uma representação do terapeutaou uma referência a ele. Num outro momento da sessão, ou mais adiante notratamento, o terapeuta pode utilizar essa compreensão do conflito incons-ciente ativado pela mentira do sócio para esclarecer o comportamento do pa-ciente em relação ao terapeuta. Por exemplo, o terapeuta pode observar quequando ele tem que alterar um horário ou cancelar sessões, mesmo quando asalterações parecem ser inconvenientes para o paciente, este paciente é sempreconciliador e excessivamente complacente. Esta observação pode levar oterapeuta a dar-se conta de que, em essência, a mesma relação objetal encena-da em relação ao sócio está sendo encenada também na transferência. Caso játivesse feito a interpretação sobre o sócio, o terapeuta agora estaria em condi-ções de vincular isso à relação com o terapeuta, fazendo uma interpretação datransferência.

Novamente, o terapeuta poderia começar assinalando que seria razoávelsob aquelas circunstâncias que o paciente se sentisse irritado, desta vez com oterapeuta, e indicar a semelhança com outras situações em que o pacientetinha evitado sentir-se zangado. O terapeuta poderia continuar dizendo algodo tipo: “Quem sabe você está tentando evitar sentimentos críticos em relaçãoa mim porque, na sua mente, tendo sentimentos negativos por mim você correo risco de que eu me afaste ou não queira trabalhar com você, assim comoteme que seus sentimentos críticos levem ao final da sociedade e ao afasta-mento do seu sócio?”.

Na PDPLP, existe uma grande variação – tanto entre os pacientes quantodentro de um dado tratamento no transcurso do tempo – quanto ao grau emque as relações objetais internas são encenadas em relação ao terapeuta. Paraalguns pacientes, a relação com o terapeuta se transforma num veículo impor-tante para a expressão do mundo interno do paciente, enquanto para muitospacientes a relação com o terapeuta está relativamente protegida e as relaçõesobjetais conflitantes são encenadas de forma mais visível em relação aos outros.

Relação entre as interpretações transferenciais e extratransferenciais

Na PDPLP, as interpretações são feitas de forma apropriada tanto transfe-renciais quanto extratransferencialmente. Tipicamente, o mesmo conflito serárepetidamente ativado e interpretado numa variedade de formas fora da trans-ferência, e também por vezes será encenado na transferência. No processo deelaboração na terapia, sempre que possível são feitas ligações entre as expe-

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riências extratransferenciais e transferenciais. Este processo de repetida ativa-ção e interpretação de um conflito, e a ligação entre as várias representaçõesde um dado conflito quando ele é ativado nas relações interpessoais atuaisdo paciente e na sua relação com o terapeuta, auxiliarão o paciente a alcan-çar uma experiência mais profunda e emocionalmente significativa dos seusconflitos.

Às vezes, enquanto explora um conflito encenado na vida interpessoaldo paciente, o terapeuta pode detectar que o mesmo conflito está sendo ativa-do na transferência, mas com manifestações que são sutis demais para apre-sentar ao paciente de uma forma significativa ou convincente. Nessa situação,achamos que se analisarmos em detalhes o conflito quando ele está sendoencenado fora da transferência isto poderá preparar o terreno para analisar omesmo conflito na transferência. Há duas razões para isso. Primeiramente, jáque o paciente está alerta em relação a um conflito e à encenação repetitivadas relações objetais conflitantes e defensivas específicas, quando o terapeutavoltar a atenção para a transferência ele estará revisitando um padrão fami-liar, demonstrando que isso está acontecendo “também aqui”. Para muitospacientes, isso é mais fácil de entender e mais aceitável do que fazer da rela-ção no tratamento um foco primário de investigação. Além disso, o processode clarificação, confrontação e exploração de um determinado conflito quan-do é encenado fora da transferência geralmente serve para estimular ou inten-sificar a encenação do mesmo conflito na transferência.

Como regra, quando o mesmo conflito é ativado de forma simultânea natransferência e extratransferencialmente, começamos a interpretação por ondeo conflito está mais próximo da consciência. Se uma determinada relação objetalé experienciada conscientemente, tanto em relação ao terapeuta quanto emrelação aos outros na vida do paciente, começamos nossa exploração em qual-quer área que esteja mais investida de afeto.

Interpretação e o passado do paciente

Na PDPLP, as interpretações são feitas com base no aqui e agora. Istosignifica que a maioria das interpretações estão focadas nas ansiedades atuaisdo paciente, na medida em que são ativadas e experienciadas na sua vidadiária e no tratamento. Por vezes será fácil proporem-se ligações entre as rela-ções objetais conflitantes atuais e os relacionamentos e eventos importantesdo desenvolvimento passado do paciente. Interpretações deste tipo, que fazemligações com o passado, são muitas vezes chamadas de interpretações genéticas.

No tratamento de pacientes com patologia leve de personalidade, o focoprematuro ou excessivo no passado, utilizando a experiência presente e cons-ciente do paciente com os objetos primitivos e da história do seu desenvolvi-

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mento, pode levar a uma interação excessivamente intelectual, “pseudo-psica-nalítica” entre paciente e terapeuta, até certo ponto afastada da emergênciada experiência afetiva atual do paciente. Isso irá proteger o paciente deexperienciar os conflitos de uma forma imediata e afetivamente significativa.Além disso, o uso excessivo ou prematuro de interpretações genéticas podeinterferir na emergência de relações objetais internalizadas mais profunda-mente reprimidas. Em contraste, durante as fases posteriores do tratamento, ainterpretação genética pode colaborar para aprofundar mais a experiênciaemocional do paciente quanto às relações objetais conflitantes que já foraminterpretadas e até certo ponto elaboradas.

ILUSTRAÇÃO CLÍNICA DE VINCULAÇÃO DAINTERPRETAÇÃO COM O DESENVOLVIMENTO PASSADO

Como exemplo de uma interpretação genética, voltemos ao homem quetemia sentir-se crítico em relação ao sócio. Ao retratar inicialmente suahistória, o paciente descreveu uma infância feliz e uma relação de amorcom ambos os pais. Entretanto, durante o curso do tratamento, relatousentimentos de isolamento doloroso durante a latência e o início da ado-lescência. Lembrou de ter sentido que seu pai afastou-se dele duranteaqueles anos, e que imaginou que seus sentimentos críticos haviam sidoos responsáveis pelo afastamento do seu pai.

Uma interpretação genética poderia ser feita neste ponto, fazendoreferência a uma relação objetal de um self crítico e um sócio distancia-do e que rejeita. O terapeuta poderia sugerir que talvez o paciente te-messe que seus sentimentos críticos ou de raiva pudessem levar ao isola-mento doloroso que ele sentiu quando criança em relação a seu pai.Desta forma, o terapeuta poderia fazer uma ligação entre a relação objetalde um self crítico e um objeto distanciado e as representações de experi-ências precoces com o pai, que haviam sido reprimidas ou não admitidasporque provocavam ansiedade ou dor.

Neste exemplo, a fantasia infantil do paciente de ter levado o pai a seafastar devido à sua crítica raivosa defendia contra uma experiência mais do-lorosa de ter-se sentido afastado e desamparado devido à raiva do pai. A situa-ção com o sócio e com a alteração de horário proposta pelo terapeuta estimu-lou sentimentos de raiva em relação a alguém de quem o paciente sentia-sedependente e o deixou temeroso de terminar isolado como resultado dos seussentimentos críticos. Entretanto, subjacentes a essas preocupações, encontra-vam-se preocupações quanto a ser dependente de alguém que poderia ficarzangado e crítico. Estamos aqui chamando a atenção para o fato de que, mes-mo quando apresentamos a hipótese sobre as raízes infantis de um conflitoatual do paciente, fazemos isso sabendo que não estamos reconstruindo even-tos históricos que “explicam” os conflitos atuais do paciente e a rigidez da suapersonalidade. Ao invés disso, quando fazemos interpretações em relação ao

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passado do paciente, estamos criando conexões que fazem sentido em relaçãoa uma parte de um quadro complexo, conexões que serão trabalhadas e revi-sadas durante todo o curso do tratamento.

ANÁLISE DA RESISTÊNCIA

No curso natural dos acontecimentos, as relações objetais conflitantes dopaciente serão ativadas na sua vida diária e na sua relação com o terapeutaneutro. Uma vez ativadas, existe uma tensão entre a tendência a encenar asrelações objetais conflitantes que foram ativadas e a tendência oposta de re-primir ainda mais ou então defender-se contra sua expressão direta. Análise daresistência refere-se ao processo de exploração e interpretação das operaçõesdefensivas do paciente à medida que são ativadas e encenadas no tratamento.

Resistência e análise da defesa

O termo resistência é utilizado para referir-se às operações defensivas dopaciente quando são expressas na terapia (Moore e Fine, 1995) porque, tipica-mente, as operações defensivas do paciente serão expressas na forma de al-gum tipo de resistência à comunicação aberta ou à auto-observação. Em es-sência, o paciente resiste à conscientização de aspectos da sua experiência deself que são conflituosos; a presença da resistência reflete que o paciente sevoltou para a repressão, cisão, negação ou repúdio em face do conflito psico-lógico. O que essas operações defensivas têm em comum é um sentimento de“não querer ver”.

O termo resistência não deve ser tomado para dar a entender que o pacienteestá resistindo conscientemente ou trabalhando de maneira intencional con-tra o tratamento. As resistências, assim como as operações defensivas em ge-ral, são automáticas e em grande parte inconscientes, e serão tipicamente invi-síveis para o paciente, mesmo que sejam muito aparentes para o terapeuta. Asresistências são mecanismos auto-protetores por parte do paciente, e funcio-nam para evitar os afetos negativos de ansiedade, culpa, medo, depressão,desapontamento, perda e vergonha que estão associados à ativação e encena-ção de relações objetais conflitantes.

A análise da resistência refere-se à identificação, exploração e, por fim,interpretação das ansiedades e defesas ativadas no tratamento e encenadas natransferência. A análise da resistência não implica atacar, forçar a aceitação deou fazer cair por terra os mecanismos auto-protetores do paciente. Ao contrá-rio, a análise da resistência implica empatizar com a ansiedade do paciente,enquanto se exploram e trabalham as relações objetais conflitantes inseridasnas suas operações defensivas.

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Os pacientes em geral experienciam a resistência como algo que interfe-re ou dificulta a comunicação livre e aberta com o terapeuta. O paciente podedizer que se sente trancado ou que não sabe sobre o que falar, ou pode parecerque está evitando alguma coisa, seja de propósito ou sem se dar conta do queestá fazendo. Ele pode mudar de assunto ou negligenciar as implicações dealguma coisa que estava dizendo. Os terapeutas podem identificar a presençada resistência perguntando-se se alguma coisa parece estar interferindo nacomunicação aberta e livre do paciente durante a sessão. Acontecem silênciosfreqüentes ou o paciente está tendo dificuldade de decidir sobre o que falar?Se o paciente está falando, existem coisas que parecem ser omitidas ou evita-das? Se a resposta a alguma dessas perguntas for sim, a prioridade na sessão éexplorar a experiência consciente e inconsciente do paciente de comunicar-secom o terapeuta.

Resistência e interpretação

Seguindo as regras gerais da interpretação, a análise da resistência seinicia pela superfície, com a clarificação da experiência do paciente seguidapelo assinalamento do terapeuta de que algo parece estar faltando ou sendonegado nas comunicações verbais do paciente (confrontação). Esta interven-ção será seguida pela exploração da motivação para isso e o significado daomissão. A abordagem do terapeuta é primeiramente apontar uma área dedificuldade ou de evitação aparente. Por exemplo, ele pode dizer: “Você faloumuito sobre seu relacionamento com sua esposa, mas eu observei que vocênão disse nada a respeito da sua vida sexual” ou “Você me contou tudo sobre amãe maravilhosa que ela tem sido, mas praticamente nada sobre as limitaçõesdela”. Ou o terapeuta pode comentar sobre o estilo de comunicação do pacien-te, por exemplo: “Eu observei que sempre que você começa a falar sobre suasambições parece hesitar antes de falar”. Tendo identificado e confrontado umaárea de resistência, o terapeuta explora com o paciente a ansiedade subjacentea sua dificuldade de comunicação.

A presença da resistência implica que o paciente está evitando a ansieda-de associada aos conflitos que estão sendo ativados no tratamento. Quando asresistências são exploradas, a ansiedade que o paciente está experienciando –ou, mais precisamente, a ansiedade que o paciente está automaticamente ten-tando evitar experienciar – será encenada na transferência. Por exemplo, opaciente que evita falar sobre seu relacionamento sexual com a esposa podetemer que, se for mais aberto, o terapeuta não aprovará sua vida sexual ou vaiquerer se intrometer, ou terá um prazer lascivo ao ouvir a respeito das práticassexuais de outras pessoas. Com a paciente que só fala de forma favorável so-bre sua mãe, pode emergir que ela acredite que o terapeuta desaprova asmulheres que criticam suas mães. O paciente que hesita antes de reconhecer

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suas ambições pode temer que o terapeuta o veja como agressivo ou ganancio-so se ele falar abertamente sobre suas ambições. Cada uma dessas ansiedadespode ser descrita em termos de uma relação objetal que o paciente resisteexperienciar em relação ao terapeuta. Assim, a análise da resistência podetrazer rapidamente as ansiedades e operações defensivas do paciente para atransferência.

Ao analisar uma resistência, começamos indicando que alguma coisaparece estar bloqueando a comunicação aberta ou a autoconsciência, e entãocontinuamos sugerindo que isso deve ser motivado por algum tipo de ansieda-de. Em essência, perguntamos ao paciente: “Se você fosse falar aqui aberta elivremente sobre os aspectos da sua experiência interna que você parece estarevitando, esquecendo ou perdendo de vista, o que teme que aconteça?”. Àsvezes os pacientes irão suprimir intencionalmente ou esconder aspectos dosseus pensamentos e sentimentos enquanto em outras vezes as resistências se-rão inconscientes e só receberão a atenção do paciente através da atividade doterapeuta.

Independentemente das resistências serem conscientes ou inconscientes,a análise da resistência começa com o assinalamento de que uma operaçãodefensiva foi ativada, seguido pela exploração da motivação para a defesa.Isto levará, por fim, à revelação e exploração das motivações do conflito subja-centes contra as quais está havendo uma defesa, encenada como uma relaçãoobjetal na transferência. Em essência, as resistências são relações objetais, as-sociadas a uma ansiedade específica, que são ativadas no setting do tratamen-to e encenadas na transferência.

ILUSTRAÇÃO CLÍNICA DE ANÁLISE DA RESISTÊNCIA

Como exemplo de análise da resistência, voltemos à nossa profissionalliberal de 34 anos discutida anteriormente neste capítulo, que estavapresa a um relacionamento frustrante com um homem indisponível. Apaciente estava descrevendo uma situação em que tinha sido escolhidapara liderar o projeto para uma causa importante. A indicação veio dire-tamente de um colega mais velho da sua empresa, um homem muitoinfluente e carismático, por volta dos seus 60 anos, que tinha uma rela-ção paternal, embora um tanto sedutora, com ela. A paciente continuoua dizer que estava certa de que tinha sido escolhida para este trabalhoporque era verão, e ninguém mais queria assumir um projeto tão grandeque iria interferir nas férias. Ela estava pensando que talvez devessecancelar antecipadamente seus planos de férias para evitar qualquerconflito. A paciente confidenciou ao terapeuta que se percebeu sentin-do-se ressentida, que seu chefe não se preocupava com as necessidadesdela e que havia sido escolhida devido à sua dificuldade em dizer não.

A reação inicial interna do terapeuta foi sentir-se protetor com apaciente e preocupar-se por ela estar permitindo ser explorada pelo seuchefe poderoso e tão admirado. Contudo, quando ouviu mais um pouco,

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foi surpreendido pela negação da paciente sobre o significado da suaindicação em relação ao seu status na empresa e aos olhos do seu chefe.O terapeuta pediu uma clarificação e, de fato, o que surgiu foi que apaciente tinha sido escolhida para esta importante tarefa dentre um gran-de número de colegas, muitos deles mais velhos do que ela, embora elanão tivesse de fato pensado nisso. Quando o terapeuta questionou mais,tornou-se evidente que a indicação era uma declaração pública por par-te do seu chefe de que ele a via como um membro importante e valiosopara a empresa, mais uma recompensa do que um sinal de exploração.O terapeuta foi surpreendido pela aparente negação que a paciente fezde tudo isso no seu relato inicial da história. Ao mesmo tempo, ele ob-servou a sua própria reação inicial de lamentar pela paciente e ser pro-tetor com ela, em vez de admirar o seu sucesso.

O terapeuta compreendeu a omissão da paciente como uma formade resistência. Comentou sobre essa omissão, sugerindo que parecia queela tinha alguma ansiedade quanto a ser vista como bem-sucedida. Emresposta, a paciente reconheceu que entendia o que ele estava dizendo,mas que nunca havia pensado sobre o lado positivo da indicação. Per-guntou ao terapeuta se ele achava que isso era estranho, e acrescentouque esperava que o terapeuta não pensasse que ela estava tentando seexibir ao contar-lhe sobre a indicação. Neste ponto, o terapeuta podefazer a interpretação de que reconhecer seus sucessos parecia deixar apaciente ansiosa, porque fazia com que achasse que o terapeuta poderiavê-la como exibicionista.

Nessa vinheta, a resistência da paciente ficou aparente na discrepânciaentre a forma como ela a princípio apresentou a história e o quadro maiscomplexo que emergiu com o tempo. (Observe que o material emergiu somen-te porque o terapeuta não levou ao pé da letra o que a paciente disse, usando,em vez disso, o bom senso para destacar aspectos da sua narração da históriaque não faziam sentido e pediu esclarecimento). A resistência da pacientetambém foi manifestada na contratransferência do terapeuta; ele de início viua paciente como vulnerável e como alguém de quem estavam potencialmentetirando vantagem, ao invés de receber de modo triunfante o reconhecimentodos seus talentos.

Para esta paciente, as omissões na narração da história funcionavam comoresistência ao reconhecimento integral, tanto para ela mesma quanto para oterapeuta, de uma imagem de si como uma pessoa competitiva e bem sucedi-da. A ansiedade que motivava a sua resistência era a de que, se ela se mostras-se interessada no sucesso e capaz de alcançá-lo, seria vista como exibicionista.A partir da perspectiva da resistência à transferência, a paciente estava resistin-do à ativação e encenação na transferência do padrão de relacionamento deuma jovem vencedora que gosta de “mostrar sua competência” a um homemmais velho admirador. Em vez disso, ela encenou a relação objetal defensivade uma criança vulnerável e facilmente explorada em relação a um genitor

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compreensivo e protetor. Esta relação objetal a protegia da ansiedade de serdesaprovada, o que ela associava ao seu desejo de exibir seus sucessos.

Na PDPLP a análise da resistência à comunicação livre e aberta sempreirá partir das omissões defensivas (por exemplo, esta paciente omitiu o reco-nhecimento do seu sucesso) avançando até as relações objetais que represen-tam a motivação para a defesa (por exemplo, a paciente temia que o terapeutaa desaprovasse como exibicionista), por fim chegando até as relações objetaisimpulsivas subjacentes (por exemplo, a paciente desejava triunfantemente“mostrar sua competência” ao terapeuta).

ANÁLISE DO CARÁTER

Neste ponto gostaríamos de apresentar outra forma de resistência comfreqüência encontrada na PDPLP, à qual iremos nos referir como resistência decaráter. Na PDPLP, os traços de personalidade defensivos do paciente, ou defe-sas de caráter, são rapidamente encenados no tratamento, daí sua função comoresistências de caráter. Até agora, discutimos as resistências com o significadode barricadas ou omissões no conteúdo das comunicações verbais do pacienteao terapeuta. Resistências desse tipo podem ser conceitualizadas como umaforma de “não ver”, em que os conteúdos mentais conflitantes são reprimidos,negados ou não confessados para evitar a ansiedade.

Em contraste, as resistências de caráter não envolvem omissões ligadas àrepressão, cisão ou negação. Em vez disso, as resistências de caráter envolvemencenações vinculadas à ativação das defesas de caráter do paciente no trata-mento. Na PDPLP, os traços de caráter do paciente assumirão um significadoquando forem encenados na transferência como uma relação objetal defensi-va particular. Assim, em vez de omitir os conteúdos mentais para evitar aansiedade, as resistências de caráter envolvem a encenação de uma relaçãoobjetal defensiva para bloquear a possibilidade de emergir a ansiedade.

Análise do caráter e análise da defesa

Em psicoterapia, os traços de caráter ou defesas de caráter se manifes-tam como uma atitude característica ou como um conjunto de comportamen-tos por parte do paciente que serão encenados no tratamento e em relação aoterapeuta para afastar a ansiedade. Como as defesas de caráter são egossin-tônicas, o paciente tipicamente não terá consciência de estar encenando-ascomo resistência no tratamento. Além disso, como tudo o que o paciente esti-ver fazendo no tratamento também é o que ele faz rotineiramente na sua vidadiária, mesmo quando o terapeuta assinala esta atitude ou comportamento, opaciente pode não ter curiosidade a respeito da observação do terapeuta, des-

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cartando-a com uma atitude do tipo “é assim que eu sou”. Tipicamente, seráexigido muito esforço por parte do terapeuta, chamando a atenção para essecomportamento ou atitude, para que comece a perceber que existe algumacoisa importante a considerar com relação ao significado do seu comporta-mento.

ILUSTRAÇÃO CLÍNICA DE RESISTÊNCIA DE CARÁTER

Voltemos ao paciente já apresentado neste capítulo, que tinha dificulda-de em expressar raiva por sua parceira. O paciente sempre falava emtom muito baixo nas sessões de psicoterapia. A princípio, o terapeutanão deu muita atenção a isso e simplesmente pedia que ele repetisse oque tinha dito ou que falasse um pouco mais alto. Entretanto, quando ocomportamento persistiu, o terapeuta começou a se dar conta do hábitoque o paciente tinha de falar em tom muito baixo. O terapeuta questio-nou o paciente sobre este comportamento e ele respondeu que isto era“apenas um hábito”.

Quando o terapeuta questionou ainda mais, o paciente explicou quetodos os seus amigos haviam observado sua tendência a murmurar eque as pessoas estavam sempre lhe pedindo para falar mais alto. Quan-do o terapeuta continuou a expressar curiosidade sobre as comunica-ções inaudíveis do paciente, pediu que o terapeuta não “desse bola paraisso”, e garantiu-lhe que tentaria falar mais alto. Foi somente com opassar do tempo que o paciente se apercebeu da natureza automática einvoluntária do seu comportamento e do fato de que, mesmo que pre-tendesse falar mais alto, ele invariavelmente não o fazia. Neste ponto,pela primeira vez, o paciente começou a sentir-se curioso a respeito doseu comportamento.

A curiosidade por parte do paciente implica que ele desenvolveu algumtipo de compreensão de que o que está fazendo é “motivado” e tem um signi-ficado, em vez de ser simplesmente um “hábito”. Esta consciência por parte dopaciente coloca o terapeuta em posição de oferecer uma hipótese provisória arespeito da ansiedade que o comportamento tem a intenção de afastar. Porexemplo, o terapeuta do paciente que falava de forma inaudível sugeriu quetalvez ele falasse tão suavemente por medo de que, se fosse falar em voz alta,poderia parecer “agressivo demais”. Em essência, na mente inconsciente dopaciente, falar baixo prevenia a possibilidade de ser visto como agressivo.

Resistências de caráter e resistências clássicas

A vinheta descrita na subseção anterior ilustra a relação entre as resistên-cias clássicas e as resistências de caráter, por um lado, e entre a “análise daresistência” e a “análise do caráter”, por outro. De início descrevemos uma“resistência clássica”, em que havia um bloqueio nas comunicações verbais do

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paciente, refletindo a ativação da repressão ou negação em relação à expres-são de hostilidade. Confrontar essa resistência envolvia assinalar e exploraruma omissão, o que levou à identificação e exploração da ansiedade que mo-tivava a defesa, encenada como uma relação objetal de um terapeuta que seafastaria de um paciente zangado ou crítico.

Em contraste, a resistência de caráter não se manifestava como um blo-queio ou uma ausência, mas como um comportamento ou atitude que afastavaa ansiedade. Falando sotto voce (voz macia), ele experienciava a si mesmocomo alguém incapaz de comunicar raiva. A confrontação desta resistênciaenvolvia que o terapeuta assinalasse diversas vezes ao paciente que ele estavafazendo uma coisa digna de curiosidade. Somente depois que a encenação daresistência de caráter tornou-se egodistônica é que houve espaço para a conside-ração do que estava motivando o comportamento, e somente nesse ponto foipossível identificar-se a ansiedade que motivava o comportamento do paciente:a de que se ele falasse alto, se conscientizaria do seu medo de parecer agressi-vo aos olhos do terapeuta. A diferença entre as duas formas de resistência éque, enquanto a omissão apenas “deletava” a percepção da ansiedade do pacien-te quanto a sentir-se zangado ou crítico, a resistência de caráter funcionavapara reassegurar o paciente de que não havia necessidade de ficar ansioso,negando em sua mente a possibilidade de ser visto como agressivo.

A abordagem geral do trabalho com resistências de caráter é, primeiro,chamar a atenção do paciente para elas, ressaltando a natureza pouco realistaou inesperada da atitude ou comportamento do paciente. Este processo, quepode exigir tempo e uma repetida confrontação por parte do terapeuta, deixa-rá as defesas de caráter mais visíveis, ou menos egossintônicas, para o pacien-te. Quando o paciente se apercebe e fica curioso a respeito do seu comporta-mento, o próximo passo é explorar as ansiedades que motivam a resistência decaráter. Nesse ponto a abordagem da resistência de caráter e da resistência àlivre associação irão convergir, e então será dada atenção às ansiedades quemotivam o comportamento defensivo do paciente.

INTERPRETAÇÃO E CONTINÊNCIA

Em nossa discussão da contratransferência, consideramos o processo decontinência (containment) a partir da perspectiva da capacidade do terapeutade conter os afetos e relações objetais nele ativadas pelas comunicações ver-bais e não-verbais do paciente. Aqui, a continência da contratransferência pro-porciona ao terapeuta informações a respeito das relações objetais que estãosendo encenadas no tratamento, enquanto impede a atuação (acting out) dacontratransferência. A partir dessa posição estratégica, a continência é umprocesso que acontece na mente do terapeuta e que funciona como um passopreliminar em direção à interpretação.

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Entretanto, existe uma outra perspectiva a respeito da continência. Nes-sa visão, a continência é encarada como uma interação interpessoal que acon-tece entre paciente e terapeuta e que, por si só, possui um potencial terapêutico(Bion, 1959, 1962a, 1962b; Britton, 1998; Ogden, 1982; Steiner, 1994). Antesde concluir nossa discussão das técnicas da PDPLP, gostaríamos de comentar asegunda visão do papel da continência em psicoterapia.

Continência, triangulação e integração

Conforme já descrevemos, a continência começa quando o paciente in-duz afetos e ativa relações objetais no terapeuta que de alguma maneiraespelham ou complementam as dele. O terapeuta contém suas reações ao pa-ciente refletindo sobre elas e, ao fazer isso, evita responder apenas espelhandoo estado afetivo do paciente ou complementando-o – por exemplo, ao respon-der à hostilidade do paciente com hostilidade, por um lado, ou com medo, poroutro. Assim, continência implica dois processos. Primeiro, o terapeuta deveser capaz de “ler” corretamente o estado afetivo do paciente. Esse processoreflete a abertura do terapeuta ao paciente, expressa na capacidade do terapeutade ser receptivo emocionalmente, permitindo que as relações objetais encena-das no tratamento o afetem internamente. Segundo, o terapeuta também devede alguma forma observar o que está sendo encenado na transferência-contratranferência, com isso criando sutilmente uma distância entre ele e asituação imediata.

A capacidade do terapeuta de desempenhar ambas as tarefas – por umlado, perceber corretamente e experienciar emocionalmente as relações objetaisinternalizadas encenadas no tratamento e, por outro, refletir sobre sua expe-riência interna – irá assegurar que, embora a sua experiência emocional cor-responda à do paciente, ela não será exatamente congruente com a do pacien-te. Como resultado do processo de continência, o terapeuta responde, masnão simplesmente “na mesma moeda” às projeções do paciente; o terapeutaacrescenta uma nova perspectiva (Kernberg, 2004b).

Pensamos neste processo de duas partes como uma forma de “trian-gulação” dentro da mente do terapeuta em que, por um lado, ele se identificacom o self ou as representações objetais do paciente e, por outro, utiliza suacapacidade interna de auto-observação para refletir sobre sua experiência. Essacapacidade por parte do terapeuta – ler adequadamente e empatizar com opaciente, ao mesmo tempo em que mantém um senso de diferenciação dele –é implicitamente comunicada ao paciente. Fonagy e Target (2003) descreve-ram esse aspecto da continência em função do “assinalamento” que o terapeutafaz do estado afetivo do paciente, comunicando que ele avalia a situação emo-cional do paciente e é afetado por ela, mas não compartilha inteiramente aexperiência do paciente e não é dominado por ela. Tais autores vincularam

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este processo ao desenvolvimento da capacidade, tanto desenvolvimental nacriança pequena quanto clínica no paciente adulto, de refletir sobre a expe-riência afetiva.

Estamos descrevendo a capacidade do terapeuta continente de refletir devolta para o paciente um reconhecimento acurado do estado emocional deste,e também uma perspectiva implícita sobre tal experiência. A capacidade doterapeuta para, desta forma, servir a uma função continente para o paciente éde particular importância em contextos em que o estado afetivo do paciente éintenso e as relações objetais associadas são em especial ameaçadoras. Porexemplo, se o paciente está intensamente zangado ou amedrontado, ou seestá se sentindo sexualmente estimulado na sessão, a capacidade do terapeutade conter e metabolizar a experiência afetiva do paciente torna-se extrema-mente importante. Na sua função continente, o terapeuta cria na sua menteuma versão muito mais integrada da experiência do paciente, auxiliando-o atolerar e modular melhor os estados afetivos potencialmente opressivos (Bion,1959, 1962a, 1962b).

“Interpretação centrada no terapeuta” e continência

Quando a ativação afetiva é intensa, o pensamento pode se tornar maisconcreto e pode ser difícil para o paciente entender o significado das palavrasdo terapeuta. Por exemplo, se um paciente está se sentindo enraivecido e oterapeuta faz uma interpretação adequada sobre a sua hostilidade ou sobre ostemores do paciente em relação à sua própria hostilidade, ele pode se sentiratacado pelo terapeuta. Igualmente, se o terapeuta interpretar as ansiedadesdo paciente quanto a ter sentimentos sexuais, o paciente poderá sentir que oterapeuta está sendo abertamente sedutor, independente do real conteúdo doque o este está dizendo. Em essência, em situações deste tipo, as relaçõesobjetais ativadas no tratamento são experienciadas como se estivessem real-mente sendo vividas interpessoalmente com o terapeuta.

Embora situações deste tipo sejam muito comumente encontradas nostratamentos de pacientes com transtornos graves de personalidade, elas tam-bém podem ser vistas em pacientes com patologia leve de personalidade. NaPDPLP, a capacidade do terapeuta de conter as relações objetais encenadas natransferência pode ajudar o paciente a converter uma experiência afetiva in-tensa e ameaçadora, sobre a qual ele tem capacidade limitada para refletir, emuma experiência afetiva mais modulada, que deixa muito mais espaço para aauto-reflexão.

Nos momentos em que são ativadas no tratamento a relações objetaismuito carregadas afetivamente, em geral é melhor que o terapeuta inicie porcolocar em palavras a experiência do paciente. Por exemplo, o terapeuta po-deria dizer: “Você está com raiva do seu irmão”. Igualmente, quando relações

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objetais muito carregadas são encenadas em relação ao terapeuta, em geral émelhor fazer uma “interpretação centrada no terapeuta” (Steiner, 1994) – naqual este apenas comenta a experiência que o paciente tem dele. Por exemplo,o terapeuta pode dizer: “Você sente que eu estou lhe atacando”, ou “Quandoeu faço comentários sobre sentimentos sexuais na sessão, isto confunde você eo faz sentir que eu estou tentando seduzi-lo”. As interpretações centradas noterapeuta servem a uma função continente, auxiliando o paciente a tolerarexperiências afetivas muito dolorosas, através do registro preciso do que estásentindo e colocando isso em palavras; as palavras do terapeuta apresentamao paciente uma versão mais integrada das experiências internas intensamen-te carregadas afetivamente e relativamente mal-integradas, as quais o pacien-te não foi capaz de tolerar. Ao mesmo tempo, está implícita numa interpreta-ção centrada no terapeuta a demonstração de que o terapeuta pode tolerar oque o paciente não consegue tolerar experienciar e que, em comparação como paciente, o terapeuta não é arrebatado na transferência-contratransferênciae é capaz de refletir sobre o que está acontecendo entre eles.

Em outros momentos de alta intensidade afetiva, o terapeuta pode optarpor não fazer uma interpretação. Aqui, a função continente do terapeuta serácomunicada ao paciente de forma não-verbal através do seu tom de voz eexpressão facial. Nesta situação, a capacidade do terapeuta de permitir serafetado pelo estado emocional do paciente, sem espelhar para este afetos deintensidade similar e sem atuar na contratransferência, pode ajudar o pacien-te a tolerar melhor seus próprios afetos.

Continência como um processo terapêutico

Na PDPLP, tanto as interpretações quanto as formas não-interpretativasde continência comunicam implicitamente que o terapeuta consegue tolerar oque o paciente está experienciando e projetando sem que seja de maneirageral ameaçado ou fique oprimido ou perdido na experiência. De fato, estaatitude reproduz o que o terapeuta espera ajudar o paciente a atingir; tornar-se apto a tolerar a consciência de relações objetais ameaçadoras e muito carre-gadas afetivamente, ao mesmo tempo em que mantém a capacidade de refle-tir sobre elas. Esta capacidade possibilitará ao paciente explorar sua experiên-cia interna quando as relações objetais muito conflitantes forem ativadas eencenadas no tratamento. Por fim, a capacidade de conter – de tolerar a cons-ciência das relações objetais conflitantes e estados afetivos muito carregados,e depois refletir sobre eles sem necessariamente agir automaticamente sobreeles ou tentar fazê-los desaparecer – corresponde ao objetivo geral da PDPLP,de integrar as experiências conflituosas do self e dos outros ao senso dominan-te do self.

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A perspectiva que apresentamos sobre continência sugere que sempreque o terapeuta fizer uma interpretação significativa ao paciente que está afe-tivamente envolvido o terapeuta estará servindo como um “continente” e tam-bém como um “interprete” da experiência mental do paciente. A partir destaperspectiva, as interpretações tanto explicam quanto contêm, e a explicaçãofunciona como uma forma de continência. Os aspectos explanatórios da inter-pretação, comunicados no significado das palavras do terapeuta, funcionampara conter estados afetivos intensos e relações objetais ameaçadoras, colo-cando os sentimentos em palavras e oferecendo uma perspectiva adicional àexperiência emocional do paciente.

Acreditamos que em PDPLP as funções explanatórias e continentes dainterpretação trabalham juntas para promover o tipo de integração das rela-ções objetais conflitantes, que é o objetivo do tratamento. Em nossa teoriada técnica, focalizamos explicitamente a exploração e interpretação das re-lações objetais conflitantes afetivamente carregadas, com o objetivo de pro-mover a integração. Entretanto, a função continente da relação psicoterapêu-tica está implícita na técnica da PDPLP. Junto à interpretação, a atitude neu-tra do terapeuta e sua escuta, preocupação, comedimento e “assinalamento”servem todas a uma função continente, ajudando o paciente a tolerar aconsciência das relações objetais conflitantes muito ameaçadoras e afetiva-mente carregadas e integrá-las melhor. Por fim, esperamos melhorar a capa-cidade do paciente de conter suas próprias relações objetais conflitantes –em essência, realizando a função já desempenhada pelo “terapeuta continente”.

LEITURAS SUGERIDAS

Kernberg OF: Convergences and divergences in contemporary psychoanalytic technique, inContemporary Controversies in Psychoanalytic Theory, Techniques, and Their Applications.New Haven, CT, Yale University Press, 2004, pp 267-284

LaFarge L: Interpretation and containment. Int J Psychoanalysis 81:67-84, 2000

Levy ST, Inderbitzin LB: Neutrality, interpretation and therapeutic intent. JAm PsychoanalAssn 40:989-1011, 1992

Reich A: Character Analysis. New York, Noonday Press, 1949

Samberg E, Marcus E: Process, resistance, and interpretation, in The American PsychiatricPublishing Textbook of Psychoanalysis. Edited by Person ES, Cooper AM, Gabbard GO. Wa-shington, DC, American Psychiatric Publishing, 2005, pp 229-240

Schafer R: Resisting and empathizing, in The Analytic Attitude. New York, Basic Books,1983, pp 66-81

Schafer R: The analysis of resistance, in The Analytic Attitude. New York, Basic Books,1983, pp 162-182

Steiner J: Patient-centered and analyst-centered interpretations. Psychoanalytic Inquiry14:406-422, 1994

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As táticas

Até aqui descrevemos a estratégia global que o terapeuta utiliza na psicote-rapia dinâmica das patologias leves de personalidade (PDPLP) para promovera integração das relações objetais conflitantes, com o objetivo de reduzir arigidez da personalidade em áreas específicas de funcionamento, e o setting dotratamento dentro do qual estas estratégias são implementadas. Também jádescrevemos as técnicas específicas empregadas pelo terapeuta a cada mo-mento para atingir este objetivo. Agora iremos nos dedicar às táticas da PDPLP.

Conceitualmente, as táticas formam uma ligação entre as estratégias dotratamento como um todo e as intervenções feitas a cada momento peloterapeuta. Na prática, estas táticas guiam o terapeuta em cada sessão quandoele decide como implementar as técnicas, descritas no capítulo anterior, paraatingir os objetivos centrais do tratamento. As táticas norteiam a tomada dedecisão com relação a onde, quando e como intervir (Quadro 8.1).

Quadro 8.1Táticas da psicoterapia dinâmica das patologias leves de personalidade (PDPLP)

Tática 1 Identificação de um “tema prioritário”: onde intervir

Tática 2 Definição do conflito

Tática 3 Análise sistemática do conflito dominante, desde a defesaaté a motivação do conflito

Tática 4 Análise da relação entre o conflito dominante e os objetivos dotratamento

Capítulo 8Capítulo 8

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TÁTICA 1: ONDE INTERVIR –IDENTIFICAÇÃO DE UM TEMA PRIORITÁRIO

Na PDPLP, cada sessão terá uma ou duas questões que, se recuássemos eouvíssemos a sessão, emergiriam como temas organizadores. Referimo-nos aeste material como o tema prioritário (priority theme) ou questão central (cen-tral issue) da sessão. Algumas das comunicações do paciente apresentarão aquestão central e outro material irá defender contra ela, mas, uma vez que oterapeuta tenha identificado o terma prioritário da sessão, o material irá seadequar conceitualmente. A questão central ou tema prioritário é similar aoconceito de Bion (1967b) de fato selecionado.

Na PDPLP, algumas questões são introduzidas pelas coisas que o pacientediz, e outras através da comunicação não-verbal. Existem questões que o pa-ciente está consciente de trazer à sessão, e também há questões que o pacienteestá se defendendo de reconhecer. A primeira tática do terapeuta da PDPLP éselecionar um tema prioritário para a sessão e identificar as relações objetaisdominantes que fazem parte daquele tema. O tema prioritário corresponderáaos conflitos dominantes e relações objetais conflitantes encenadas ou defen-didas na sessão. Em conseqüência, ao selecionar um tema prioritário, procura-mos por indicações da ativação do conflito inconsciente.

Para escolher um tema prioritário para a sessão e o momento imediato, oterapeuta primeiro considera se o paciente está se comunicando aberta e livre-mente. Caso esteja, o terapeuta a seguir considera qual material está sendo defato dominante nas comunicações verbais e não-verbais do paciente. Se o temaprioritário permanece obscuro, o terapeuta pode se perguntar quais são asrelações objetais predominantes que estão sendo encenadas na transferência,seguido pelo que está sendo estimulado na contratransferência.

Resistência à comunicação livre e aberta

Ao tentar determinar um tema prioritário, o terapeuta deve sempre co-meçar perguntando-se se alguma coisa parece estar interferindo na comunica-ção aberta e livre do paciente com o terapeuta. O paciente parece estar reten-do informações? Ele está tendo dificuldade em falar livremente? Se a respostaa uma dessas perguntas for sim, o terapeuta poderá inferir que os conflitosassociados à dificuldade do paciente em se comunicar são a questão central dasessão no momento. Isto quer dizer que, quando o paciente não está se comu-nicando abertamente, seu comportamento é motivado pelos assuntos que re-fletem a ativação de relações objetais conflitantes. Neste contexto, a explora-ção da dificuldade do paciente em ser aberto com o terapeuta transforma-seno tema prioritário da sessão.

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Dominância afetiva

Se o paciente está falando livremente, o terapeuta volta sua atenção paraas comunicações verbais e não-verbais do paciente para identificar um temaprioritário. Ao determinar que material buscar, o terapeuta é guiado pelo prin-cípio da dominância afetiva, também chamado de princípio econômico da inter-pretação (Fenichel, 1941). O princípio da dominância afetiva direciona o te-rapeuta para intervir em relação ao material em que o paciente investiu maisafeto. A razão para esta abordagem é que a ativação de conteúdos mentaisconflitantes estimula afetos, assim como as defesas contra esses afetos. Comoresultado, o que buscamos é o investimento afetivo para sinalizar a ativaçãodas relações objetais conflitantes.

É importante compreender que a dominância afetiva reflete o investi-mento afetivo ou emocional no material em questão e que ela nem sempreestará acompanhada por uma demonstração aberta de emoção. De fato, àsvezes a dominância afetiva está refletida no fracasso do paciente em expressara emoção esperada, indicando que a ativação das relações objetais conflitantesestá estimulando operações defensivas e que o afeto está sendo suprimido,reprimido ou dissociado. Por exemplo, um paciente pode descrever uma expe-riência assustadora de uma maneira calma e objetiva. Outras vezes, adominância afetiva está refletida no conteúdo das comunicações do paciente,por exemplo, na descrição repetitiva de relações objetais particulares ou nassuas comunicações não-verbais.

Quando um afeto significativo acompanha uma discussão que aparentaser bem-refletida sobre um assunto particular, isto sugere que o material queestá sendo considerado é afetivamente dominante na sessão. Por exemplo, seum paciente está lembrando de quando embalou os pertences de sua filhapara levá-la para a faculdade e, ao dividir essas lembranças com o terapeuta,fica choroso, podemos inferir que os conflitos que são expressos na sua recor-dação chorosa da saída de casa da sua filha são provavelmente afetivamentedominantes no momento.

Ao contrário, quando chama a atenção o fato de o afeto estar ausente nadiscussão de um paciente sobre um tópico particular, isso também significauma dominância afetiva. Aqui, a ausência de emoção indica que a ativação dasrelações objetais conflitantes está estimulando operações defensivas. Por exem-plo, se um paciente está falando de forma aparentemente livre e aberta sobreos problemas conjugais que o trouxeram ao tratamento, porém está fazendoisso de uma maneira que parece distante do material e está emocionalmenteindiferente, podemos inferir que os conflitos ativados na discussão dos proble-mas conjugais estão intensamente investidos de afeto. Da mesma forma, se oafeto do paciente é discordante do material que ele está discutindo, isso tam-bém é sugestivo de dominância afetiva. Neste caso, o terapeuta deveria pedir

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ao paciente para esclarecer a aparente incongruência. Por exemplo, o terapeutapoderia dizer algo do tipo: “Você está falando de problemas penosos no seucasamento, problemas que o trouxeram ao tratamento, no entanto não parecepreocupado. Na verdade, seu jeito é quase alegre. O que você pensa sobreisso?”.

Às vezes a dominância afetiva será sinalizada menos pela presença ouausência de expressão afetiva e mais pelo conteúdo das comunicações do pa-ciente. Aqui, podemos ver a descrição repetitiva de um ou dois temas ou cons-telações de relações objetais, em diferentes formas e contextos, durante o de-senrolar da sessão. Às vezes uma das relações objetais será encenada tambémna transferência.

Ao procurar a dominância afetiva nas comunicações do paciente, oterapeuta deve ter em mente que na PDPLP a ativação do conflito inconscientenem sempre é expressa exclusiva ou mesmo predominantemente através dacomunicação verbal. Não é raro que relações objetais ativadas defensivamentesejam comunicadas através de gestos sutis de comportamento ou que sejamexpressas e encenadas na qualidade da interação entre paciente e terapeuta.Por exemplo, poderia ser mais importante que o terapeuta focasse o fato deque o paciente está tendo dificuldade em fazer contato visual ou que pareceabertamente insinuante do que focar no conteúdo do que o paciente está di-zendo. Na verdade, quando o comportamento do paciente é incongruente comsuas palavras e a dominância afetiva não está clara, é provável que o compor-tamento seja mais importante do que o conteúdo e que ele deve ser exploradoprimeiro.

Abordagens adicionais para a seleção de um tema prioritário

Às vezes será difícil determinar a dominância afetiva. Quando este for ocaso, sugerimos que o terapeuta reconsidere com cuidado se o paciente está secomunicando aberta e livremente, refreando-se ou tendo dificuldades. Se nãohouver bloqueios aparentes à comunicação, sugerimos que considere a seguiro que poderia estar acontecendo na transferência, conforme refletido nos co-mentários e comportamento do paciente. Se as coisas ainda permaneceremobscuras, pode ser útil considerar cuidadosamente a contratransferência por-que ela pode servir como um guia até a defesa, ansiedade e afeto escondidos.Se ainda não tiver emergido algum tema significativo, o terapeuta deve conti-nuar a escutar e avaliar o fluxo contínuo do material, esperando até que seapresente um tema afetivamente dominante.

Não é incomum que o terapeuta encontre dificuldades em estabelecertemas afetivamente dominantes em conjunturas particulares do tratamento.Contudo, se isso acontecer muitas vezes e durante um longo período de tem-

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po, pode refletir a supressão consciente do material por parte do paciente. Seeste for o caso, a supressão feita pelo paciente será o tema prioritário da ses-são. Nesta situação, o terapeuta deve explorar as operações defensivas do pa-ciente, definindo os conflitos e ansiedades subjacentes à dificuldade do pa-ciente no que se refere à comunicação aberta nas sessões.

Durante os períodos em que um tema prioritário não pode ser identifica-do e o terapeuta está tendo dificuldade em organizar o material de formasignificativa, pode ser tentador escolher um tema de modo arbitrário. Reco-mendamos com veemência que não se faça isso. Se o terapeuta direcionar asessão desta forma, isto provavelmente levará apenas a uma exploração intelec-tualizada do material. Se o terapeuta tiver paciência e não se intrometer nemdirecionar a sessão, limitando suas intervenções apenas à análise da resistên-cia, o tema dominante por fim entrará em foco.

Em suma, no que diz respeito a escolher um tema prioritário, uma análi-se combinada das comunicações do paciente sobre seus pensamentos e senti-mentos, as observações do terapeuta sobre o que o paciente diz e faz e o exa-me da contratransferência devem levar à determinação da questão mais im-portante no momento.

TÁTICA 2: DEFINIÇÃO DO CONFLITO

Tendo identificado o tema prioritário, o terapeuta deseja definir o confli-to que essa questão representa. Isto é conseguido ao se identificarem as rela-ções objetais que representam a questão prioritária e então considerar-se suasfunções defensivas e expressivas. Quando o terapeuta recebe as comunicaçõesverbais e não-verbais do paciente, constrói na sua mente descrições das rela-ções objetais internas que representam as comunicações do paciente em tornodo tema prioritário. O terapeuta experiente em PDPLP faz isso de maneiraautomática, escutando as comunicações do paciente em termos de padrões derelacionamento. O terapeuta menos experiente pode fazer um esforço cons-ciente para transformar as comunicações verbais e não-verbais em relaçõesobjetais padronizadas.

Identificação da defesa

Depois que o terapeuta definiu o leque de relações objetais associadasao tema prioritário, ele agora deverá considerar como elas se encaixam noque diz respeito ao conflito e à defesa. Quando o terapeuta considera essasrelações objetais, a primeira pergunta que ele se faz é: “Onde está a de-fesa?”. Como já discutimos, os padrões de relacionamento que servem aospropósitos defensivos serão conscientes, estarão próximos da superfície da

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experiência psicológica do paciente e serão aceitáveis para o paciente. Oterapeuta pode fazer uso disso para identificar os padrões de relacionamen-to defensivamente ativados na sessão ao considerar as questões: “Quais sãoas imagens dominantes do self e dos outros que o paciente está descreven-do?” e “Como o paciente está vivenciando conscientemente a si mesmo nasessão?”.

Identificação da ansiedade que motiva adefesa e a motivação conflitante subjacente

Após definir um leque de relações objetais associadas ao tema prioritárioda sessão, e depois de ter localizado as relações objetais defensivas entre elas,o terapeuta constrói então hipóteses a respeito do conflito contra o qual estáse dando a defesa. Definir um conflito implica identificar a defesa, a ansiedadeque motiva a defesa – isto é, os perigos psicológicos associados à expressão dasmotivações conflitantes ou à sua emergência na consciência – e a motivaçãoconflitante subjacente, expressa como uma relação muito motivada, desejada,temida ou necessitada. Tudo estará incluído nas relações objetais associadasao conflito.

Em um movimento da superfície até a profundidade, depois de identifi-car as relações objetais defensivas, o terapeuta considera a ansiedade que motivaa defesa. A ansiedade que motiva a defesa refere-se aos afetos e preocupaçõesque o paciente espera evitar ao encenar padrões defensivos de relacionamen-to. Tais ansiedades estarão em geral relativamente acessíveis à consciência; senão forem conscientes no momento, elas terão sido no passado e parecerãofamiliares ao paciente quando identificadas. Para identificar a ansiedade quemotiva a defesa, o terapeuta pode se perguntar: “Que sentimentos e preocupa-ções o paciente está evitando ao experienciar a si mesmo ou a um objeto daforma como os construiu na relação objetal defensiva?”; “O que o pacientesentiria se tivesse que encarar a si mesmo ou ao objeto de maneira diferentenesta situação?” e “O que ele sentiria se os papéis fossem invertidos?”.

Depois de identificar a ansiedade que motiva a defesa, o terapeuta podeir adiante e considerar a motivação conflitante ou o padrão de relacionamentosubjacente ao conflito dominante. A motivação conflitante será o aspecto deum dado conflito que está menos acessível ao paciente. Aqui, o terapeuta con-sidera: “O que existe dentro do paciente que ele mais teme neste momento?” e“O que o paciente está tentando sepultar como resultado das suas operaçõesdefensivas?”. Cada uma das perguntas que o terapeuta se faz no processo dedefinição de um conflito pode ser respondida pela descrição de uma relaçãoobjetal. Nos seus esforços por definir o conflito, o terapeuta vai lançar mão doseu entendimento dinâmico e estrutural da vida interna do paciente, juntocom sua contratransferência.

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Por que agora?

Ao definir o conflito encenado ou contra o qual se dá a defesa no trata-mento, o terapeuta deve sempre estar se perguntando: “Por que este conflitoestá sendo ativado agora?”. Ao considerar essa pergunta, o terapeuta deve terem mente os acontecimentos recentes na vida do paciente e no seu tratamen-to. Os acontecimentos da vida ativarão conflitos e defesas que serão encena-dos no tratamento. Ao mesmo tempo, os conflitos e defesas ativados pelo tra-tamento podem precipitar acontecimentos na vida diária do paciente. Em con-seqüência, ter em mente as realidades da situação de vida do paciente propor-cionará um contexto ao terapeuta quando este tentar reunir os dados coletadosa partir das considerações afetivas, dinâmicas e estruturais.

Do mesmo modo, ter em mente o material que foi discutido na sessãoanterior ou na penúltima sessão também ajudará a guiar o terapeuta quandoeste abordar o material que o paciente apresenta numa dada sessão. Na PDPLP,existe um processo de sessão a sessão que tende a tornar-se mais autônomo emenos guiado pelos acontecimentos do dia-a-dia quando o tratamento progride.Neste processo, a terapia assume vida própria, e o terapeuta pode com fre-qüência entender melhor os conflitos e defesas encenados numa dada sessãocomo reações ou como continuação do material explorado nas sessões ante-riores. Da mesma forma que os eventos da vida estimulam conflito e defesa,isso também ocorre com os eventos recentes do tratamento. É importante queo terapeuta tenha em mente que mudanças na estrutura – por exemplo, inter-rupções para férias ou até mesmo um único encontro não realizado ou umamudança no horário da sessão – podem às vezes estimular reações intensas.

ILUSTRAÇÃO CLÍNICA DE SELEÇÃO DE UM TEMAPRIORITÁRIO E IDENTIFICAÇÃO DO CONFLITO

Voltemos à paciente discutida na sessão sobre contratransferência, noCapítulo 6 (“As Técnicas, Parte I: Escutando o Paciente”). A paciente tem45 anos, é bem-sucedida na vida profissional e é solteira. Está em trata-mento há seis meses. Ela tem mantido uma relação positiva e um tantoidealizada com a terapeuta. A paciente tende a sentir-se deprimida seperde uma sessão de terapia. A terapeuta assinalou isto, mas a pacientenão quer acreditar que os horários das suas sessões tenham alguma coi-sa a ver com as suas flutuações de humor. Na verdade, ela quase nuncapensa na terapeuta ou sobre o tratamento entre as sessões.

Na sessão que descrevemos, a paciente havia falado com entusiasmosobre os detalhes de um maravilhoso fim-de-semana com seu novonamorado. Seu tom era entusiasmado e ela estava rindo, aparentemen-te tendo muita alegria em compartilhar isso com a terapeuta, como sefalasse com uma amiga íntima ou uma colega que vivesse fins-de-sema-na igualmente excitantes. De início, a terapeuta foi contagiada pelo hu-mor maníaco da paciente, sentindo-se entusiasmada e com vontade de

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rir junto com ela. Entretanto, quando a terapeuta continuou a ouvir,começou a sentir-se diminuída e desmoralizada. Percebeu que estavapensando em como a paciente tinha coisas que ela própria nunca teria eque, em comparação com a vida da paciente, a sua parecia sem graça echata.

A terapeuta percebeu que o tema prioritário na sessão era o contras-te entre a idealização e a excitação mútuas da parte inicial da sessão e osentimento crescente de desmoralização que as substituiu na contratrans-ferência. Isto a mobilizou, assim como o contraste entre como a pacientese sentia na sessão e como se sentia quando perdia uma sessão. Aterapeuta continuou, na sua mente, a descrever a relação objetal quehavia identificado nas comunicações da paciente. Primeiro, havia o ca-sal animado encenado na sessão. Havia a paciente dependente, que pre-cisava da terapeuta que a nutria para manter o seu humor. Havia a pacien-te que não queria reconhecer sentir-se dependente e não pensava naterapeuta entre as sessões. Por fim, havia uma relação objetal experien-ciada na contratransferência – a de alguém que “tinha tudo” enquanto aoutra sentia-se inferior e excluída. Neste último padrão de relaciona-mento, a hostilidade era negada por ambas as partes.

A seguir, a terapeuta se perguntou: “Onde está a defesa?” Ela identi-ficou a relação objetal do casal excitado e a atmosfera contagiante deexcitação que caracterizou grande parte da sessão, refletindo a ativaçãodas defesas “maníacas” da paciente. Refletiu sobre a relação que eraencenada, de duas pessoas muito íntimas arrebatadas pela excitação decompartilhar sucessos que ambas apreciavam. A terapeuta observou que,nesta relação objetal, self e objeto eram mais parecidos do que diferen-tes, como duas amigas dividindo suas experiências. Não havia um sensode relação médico-paciente ou uma relação dependente de nenhum tipo.A paciente experienciava de modo consciente esta relação objetal, ence-nada com a terapeuta.

A consideração sobre as defesas maníacas da paciente levou aterapeuta até as ansiedades que motivam as operações defensivas da pa-ciente. Estava claro que a paciente estava fazendo o que podia para evi-tar o reconhecimento dos sentimentos de dependência. A terapeuta con-siderou: “O que a paciente sentiria se tivesse que reconhecer sentir-sedependente de mim?”. A terapeuta fez uma ligação com sua experiênciana contratransferência de sentir-se excluída e inferior. Levantou a hipó-tese de que a atitude defensiva da paciente tinha sido motivada pelaansiedade e sentimentos dolorosos associados a estar numa posição de-pendente, a qual, para a paciente, era experienciada como se necessitas-se de alguém que tinha tudo e que, por sua vez, não precisava dela, earriscando sentir-se inferior e indesejada. Estas ansiedades estavam bempróximas da superfície, e a terapeuta antecipou que assim que a pacien-te se acalmasse e estivesse menos protegida pelas suas defesas, esta re-lação objetal dolorosa se tornaria acessível.

A terapeuta considerou então a motivação subjacente e por que elaera conflitante. A paciente parecia estar evitando experienciar a si mes-ma numa relação em que estivesse vulnerável e dependente em relação

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a uma figura de quem desejava amor e cuidados, com o risco de dor ehumilhação. Com base no conhecimento prévio que possuía da pacientee da sua história, a terapeuta inferiu que sepultadas mais profundamen-te estavam as representações de relações dependentes, coloridas pelainveja e pelo sadismo.

Nesse ponto a terapeuta considerou: “Por que agora?”. Ela pensouno apego crescente da paciente ao seu novo namorado. Pensou tambémnas suas férias de verão, que estavam se aproximando, o que interrom-peria o tratamento por várias semanas. De modo aparente, as duas situa-ções estavam estimulando ansiedades na paciente com relação a sentir-se deixada para trás, dependente e excluída.

A essas alturas a terapeuta considerou-se em condições suficientespara definir o conflito ativo no tratamento. Obviamente, o investimentocrescente da paciente no relacionamento com o namorado e no seu tra-tamento, junto com a antecipação da saída em férias da terapeuta, haviamintensificado os conflitos em torno da dependência. Mais próximas dasuperfície e às vezes conscientes estavam as ansiedades que motivavamas operações defensivas da paciente. Referimo-nos aqui aos sentimentosda paciente de ser deixada para trás, ser excluída e inferior. A defesacontra essas preocupações era a utilização de defesas maníacas que ne-gavam a exclusão, dependência ou diferença entre paciente e terapeuta.Menos acessível à paciente estavam as relações objetais mais agressivase invejosas associadas a relações objetais dependentes.

Neste ponto, a terapeuta pensou sobre qual seria a melhor forma deintervir.

TÁTICA 3: ANÁLISE SISTEMÁTICA DO CONFLITO DOMINANTE

A análise sistemática do conflito inconsciente é a pedra angular da PDPLP,e virtualmente tudo neste manual trata de como empregar essa tática. Descre-vemos aqui os princípios gerais que guiam a abordagem do terapeuta.

Conforme já discutimos, a PDPLP está incluída num modelo de menteem que as relações objetais são ativadas e encenadas de acordo com as neces-sidades defensivas do paciente. A encenação das relações objetais defensivasapóia a repressão das relações objetais subjacentes. As relações objetais defen-sivas são em geral relativamente realistas, não ameaçadoras e egossintônicas.Em contraste, as relações objetais mais diretamente vinculadas a desejos, ne-cessidades e temores subjacentes são em geral menos realistas, mais ameaça-doras e mais carregadas de afeto.

A abordagem geral em PDPLP é analisar de modo sistemático as relaçõesobjetais encenadas no tratamento, começando com aquelas ativadas a serviçoda defesa. Neste processo, trazemos à tona representações do self e do outroque foram reprimidas e/ou dissociadas da experiência consciente do self do

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paciente. Quando as funções defensivas de uma relação objetal interna parti-cular são elaboradas e interpretadas, o conflito subjacente entrará no foco.

Princípios que norteiam a análise do conflito –da superfície até a profundidade

Na PDPLP, sempre começamos nossas intervenções com o material queestá mais próximo da consciência e avançamos em direção ao material que émenos acessível. Este princípio é chamado de princípio dinâmico da interpreta-ção (Fenichel, 1941). Este princípio define que ao analisar-se um conflito deve-se pensar em termos de quais elementos são defensivos e contra quais está sedando a defesa e intervir primeiro no nível do material que é defensivo. Estaabordagem é com freqüência descrita em termos de movimentação, metafori-camente falando, desde a superfície até a profundidade. Isto é assim porque,por definição, as relações objetais internalizadas defensivas estão mais pertoda consciência e são relativamente aceitáveis para o paciente, enquanto asrelações objetais contra as quais se criaram as defesas são mais conflitantes emais difíceis de tolerar conscientemente. Ao intervir, iniciamos pela superfície,explorando as representações relativamente aceitáveis que estão sendo ence-nadas, e nos movemos, tanto na sessão quanto no curso de todo o tratamento,em direção à exploração de aspectos da experiência psicológica mais profun-damente reprimidos e inaceitáveis.

Princípios que norteiam a análise do conflito –dissociação antes da repressão

Muitos pacientes com patologia leve de personalidade apresentam pa-drões defensivos de relacionamento que refletem a utilização de defesas basea-das na cisão. Neste contexto, em geral é melhor confrontar e explorar adissociação e a negação antes de analisar as operações defensivas que estãobaseadas na repressão. Isto está de acordo com nossa abordagem geral deiniciar pelas relações objetais que estão mais próximas da consciência. Quan-do a dissociação das motivações conflitantes for confrontada e explorada, osconflitos e ansiedades associadas evitados pela dissociação irão emergir.

Como exemplo da abordagem que estamos recomendando, considere amulher de negócios que apresenta queixas sobre uma incapacidade de se afir-mar com seu namorado. Esta paciente possui e dirige um grande e bem-suce-dido negócio, onde tem muitas pessoas reportando-se a ela, e é uma líderenérgica que não foge da confrontação. Na sua vida social, sempre foi também

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assertiva, assumindo com freqüência um papel de liderança entre seus ami-gos. Entretanto, pela primeira vez, ela está apaixonada. O que descobriu – e oque a traz ao tratamento – é que quando está sozinha em casa com seu namo-rado, ela se vê tímida de uma forma incomum e temerosa de afirmar-se, mes-mo de uma forma mais neutra e aparentemente sensata.

No tratamento desta paciente, começaríamos confrontando seu uso dadissociação. Isto implicaria descrever relações objetais associadas com a expe-riência hsbitual de self da paciente e apontar como este senso de si mesma emrelação aos outros contrasta de forma gritante com a forma como ela se sentee comporta-se com o namorado. Poderíamos, além disso, assinalar até queponto ela nega a diferença dramática que existe na maneira como se comportaquando está sozinha em casa com o namorado. Após definir e explorar asrelações objetais associadas a estes dois aspectos dissociados da experiênciada paciente, sugeriríamos a ela que a dissociação do seu self amoroso do seuself usual de mulher de negócios deve protegê-la da ansiedade; é como se elativesse medo de introduzir seu self costumeiro, assertivo e poderoso nasinterações com seu namorado.

Quando o terapeuta confrontar de modo consistente a dissociação e ne-gação e auxiliar a paciente a explorar as funções servidas desta forma pelacompartimentalização da sua experiência interna, as defesas da paciente fica-rão menos egossintônicas e, ao mesmo tempo, menos eficientes. Isso dará es-paço para que se comece a exploração das ansiedades subjacentes que foramevitadas pela dissociação – neste caso, as preocupações da paciente sobre serpoderosa no contexto de relações dependentes e, por fim, sua ansiedade porestar numa posição dependente.

Na ausência de uso evidente de defesas dissociativas, nos voltamos paraa análise das defesas baseadas na repressão. Ao analisar as defesas dissociativas,procuramos a polarização das motivações conflitantes entre as relações objetaisconflitantes, juntamente com a negação do significado das relações objetaisconscientes que são conflitantes. Em contraste, quando analisamos as defesasbaseadas na repressão, pode ser útil considerar-se até que ponto as motiva-ções conflitantes estão polarizadas dentro das relações objetais conflitantesencenadas no tratamento. Esta combinação reflete a utilização da projeçãoneurótica. Neste contexto, podemos observar uma qualidade polarizada naexperiência consciente que o paciente tem de si mesmo na interação com osoutros. Podemos ver uma relação objetal defensiva, por exemplo, em que oobjeto é muito poderoso e o self é dependente e fraco, ou o objeto é muitosexual e o self é indiferente e sem interesse sexual. Nesse meio tempo, o pa-ciente não tem consciência de sentir-se poderoso ou de ter sentimentos sexuais.

Guiados mais uma vez pelo princípio de iniciar pelo material que é cons-ciente, nesta situação tipicamente começamos nossa intervenção direcionando-nos para a qualidade polarizada das representações que colore a experiência

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subjetiva da paciente. O terapeuta primeiro ajuda a paciente a caracterizar asrepresentações do self e dos objetos que estão sendo encenadas, juntamentecom os diferentes grupos de motivações associadas a cada papel. A seguir,mostra à paciente o quanto uma representação ou relação objetal interna époderosa, ou muito sexual, enquanto a outra representação não é assim, mas,em vez disso, está associada a um grupo de motivações muito diferente.

Após descrever as relações objetais relevantes, focalizar na qualidade pola-rizada das representações e na segregação das motivações, o terapeuta iráintroduzir a idéia de que a experiência repetitiva que o paciente tem de simesmo num padrão de relacionamento particular é uma construção, em vezde uma visão razoável da realidade externa. O reconhecimento do paciente deque ele está organizando sua experiência de uma forma particular, emboradolorosa ou mal-adaptativa, abre caminho para a exploração das funções de-fensivas servidas pela encenação repetitiva dessas relações objetais. O passofinal é definir o conflito subjacente associado às operações defensivas que fo-ram identificadas.

Se não houver utilização aparente da dissociação ou projeção nas relaçõesobjetais defensivas que estão sendo encenadas na sessão, nos voltamos para aanálise da repressão em si. Aqui, consideramos as maneiras pelas quais ospadrões de relacionamento que o paciente está encenando funcionam paraapoiar a repressão de outras relações objetais que são mais conflitantes. Comosempre, começamos pela caracterização das representações e motivações asso-ciadas às relações objetais defensivas e, no processo, chamamos a atenção dopaciente sobre a forma repetitiva e rígida como ele constrói sua experiênciapara encenar esses padrões de relacionamento particulares. O reconhecimentogradual do paciente de que ele está organizando ativamente sua experiênciade uma forma particular abre caminho para a exploração das funções defensi-vas servidas pela encenação repetitiva dessas relações objetais. Com o tempo,junto com a análise da resistência, isso abrirá uma porta para uma exploraçãodas relações objetais subjacente mais intensamente conflitantes que foram re-primidas em virtude das relações objetais que estão sendo encenadas.

ILUSTRAÇÃO CLÍNICA DA ANÁLISE SISTEMÁTICA DO CONFLITO DOMINANTE

Consideremos o profissional liberal de 40 anos, com conflitos em tornoda raiva e autoridade. O paciente apresentou-se com a queixa de sentir-se inadequado no que diz respeito a poder e dinheiro, em especial emrelação às conquistas dos seus amigos. Na consulta inicial, ficou claroque o paciente era razoavelmente bem-sucedido na sua profissão, po-rém inibido na busca de oportunidades que seriam mais lucrativas ou ocolocariam numa posição mais influente.

Numa sessão, o paciente apresentou uma série de situações da se-mana anterior em que não tinha conseguido se afirmar ou ir atrás de

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oportunidades que estimulassem seu avanço profissional. Ao contrário,ele havia permitido que se aproveitassem dele, e sentiu-se um perdedor.O terapeuta identificou as inibições do paciente, sua submissão e o sen-timento de ser um perdedor como o assunto prioritário; o paciente ence-nou uma relação objetal de um perdedor que se submetia constante-mente a uma figura de autoridade superior e poderosa. Esta era a rela-ção objetal mais próxima da consciência e funcionava como uma defesade caráter.

O terapeuta respondeu à descrição que o paciente fez de si mesmocomentando: “É como se você tivesse uma imagem particular de si mes-mo interagindo com alguém que você vê como poderoso, e você encenaesse enredo repetidas vezes. Você se vê como um perdedor, alguém queé inferior e fraco. Então você racionaliza que, partindo do princípio deque você deve ser submisso, não existe uma maneira, de forma alguma,de poder nem mesmo considerar a possibilidade de ser assertivo. Vocêdiz a si mesmo que só iria se humilhar se tentasse isso”.

O paciente interrompeu o terapeuta, dizendo: “Ouvir você dizer issosó me faz sentir pior, como se você estivesse me dizendo que eu sou umperdedor! E o fato de eu ver um terapeuta duas vezes por semana me fazainda mais perdedor”.

Neste ponto, o terapeuta teve que decidir se confrontava a encena-ção na transferência ou, em vez disso, identificava para o paciente asfunções defensivas servidas pelo padrão de relacionamento de um“perdedor” inferior em relação a alguém mais poderoso. Ele sabia que seapontasse ao paciente que ele estava experienciando exatamente a si-tuação com o terapeuta que o terapeuta estava descrevendo, o pacientesó iria se sentir criticado e humilhado. Em conseqüência, decidiu espe-rar para fazer esta intervenção, na expectativa de que, com o tempo, opaciente estivesse mais aberto a isso.

Em vez disso, o terapeuta disse: “No meu modo de ver, você se sentecomo um perdedor porque é assim que você precisa ver. Você precisasentir que eu o vejo como um perdedor e que seus esforços para melho-rar ou avançar apenas denotam fraqueza e levam à humilhação. Eu achoque você precisa ver as coisas desta maneira porque, embora doloroso,isto protege você; mantém você em segurança”.

O paciente respondeu dizendo que agora sentia como se o terapeutasó estivesse tentando fazê-lo sentir-se melhor – como se o terapeutaestivesse dizendo: “Você não é realmente um perdedor – você só achaque é um perdedor”.

O terapeuta respondeu: “Esta é exatamente a minha opinião. É comose você fizesse de tudo para se apegar à imagem de si mesmo como umperdedor”. O paciente pareceu refletir mais e então perguntou por que oterapeuta achava que ele se considerava seguro como um perdedor quan-do isso o deixava tão infeliz. O terapeuta respondeu: “Esta é uma boapergunta. O que eu observo é como a sua imagem é polarizada, a ima-gem de si mesmo em relação a alguém a quem você vê numa posição depoder ou autoridade. Uma das pessoas é muito poderosa e está no co-mando; a outra, muito fraca e submissa, uma perdedora. É como se você

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tivesse medo de se enxergar tendo uma gota de assertividade, isso semfalar em poder, ou de se ver como qualquer outra coisa a não ser umperdedor – como se isso pudesse ser perigoso ou amedrontasse você”.

O paciente pensou em como se sentiu quando encontrou com seuchefe no inicio daquele dia: intimidado, como sempre, embora, na ver-dade, ele não achasse que este homem fosse grande coisa. Ele tinhaprometido a si mesmo que aproveitaria o encontro para levantar o as-sunto de uma promoção prometida há muito tempo. Entretanto, maisuma vez, havia deixado que seu chefe fosse evasivo. Seu chefe direcionoua conversa para como o orçamento estava apertado, e o paciente sentiu-se inibido em retornar ao seu assunto. Imaginou que se reivindicasseiria parecer “presunçoso e ganancioso”.

O terapeuta respondeu ao comentário mostrando que parecia queuma razão para que o paciente tendesse a se enxergar como fraco, sub-misso e um perdedor era que ele temia parecer presunçoso e gananciosose fosse mais assertivo. Acrescentou que “presunçoso e ganancioso” eraa mesma descrição que o paciente com freqüência utilizava em relaçãoao seu chefe. Era como se, na mente do paciente, quem quer que fosse ochefe ou tivesse o poder se tornaria, nas palavras dele, “um idiota egoís-ta e ganancioso”. A única alternativa era sentir-se fraco. O paciente re-conheceu que isto era uma preocupação habitual e consciente. Prova-velmente não era realista, mas era algo com que ele sempre se preocu-pou. Era como se ele achasse que se “transformaria” na sua mãe.

Naquela noite, o paciente teve um pesadelo em que assistia a umhomem atacar verbalmente uma mulher. O homem parecia estar beiran-do a violência física. Talvez ele pudesse matá-la! O paciente estava te-mendo por si e ao mesmo tempo sentia-se culpado por não ser capaz deproteger a mulher. Tentou se aproximar da mulher, mas a porta estavatrancada. Mas talvez ele não estivesse se esforçando o suficiente porqueestava com medo. Será que ele deveria telefonar para Emergência?

O terapeuta notou que, incluída no conteúdo manifesto do sonho,havia uma relação objetal subjacente ao chefe egoísta e ganancioso e operdedor frágil. A relação objetal representada no sonho e, sob outrosaspectos, fora da consciência do paciente, refletia melhor o sadismo dopaciente e seu temor de perder o controle do que demonstrava o mate-rial já discutido no tratamento. No padrão de relacionamento retratadopelo sonho, o paciente temia que ele ou seu objeto se tornasse sádico eagressivo e, na verdade, perigoso. O terapeuta avaliou que, embora oconflito estivesse diretamente representado no sonho, a relação objetalsádica ainda estava, sob outros aspectos, bem afastada da consciênciado paciente. (A manifestação mais próxima na sessão foi a expectativado paciente de que o terapeuta o humilharia).

Depois de ouvir as associações do paciente, o terapeuta fez uma in-terpretação relacionada com as ansiedades subjacentes do paciente arespeito do seu sadismo: “Eu suspeito de que este sonho seja uma res-posta à nossa sessão de ontem e à nossa discussão sobre ficar ansiosoquando você se vê como poderoso. Embora essas preocupações estejammuito fora da sua consciência, o seu sonho sugere que você tem medo

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de ter poder, pelo menos em parte, porque na sua mente, o poder leva auma ameaçadora perda do controle. É como se você tivesse esses impul-sos dentro de si que precisam ser mantidos em sigilo. Você sente que seesses impulsos forem desencadeados você não conseguirá proteger asoutras pessoas da sua raiva e violência potencial”.

O terapeuta fez esta interpretação com a expectativa de que ela teriapouco impacto, porque o material já não estava ativo além da sua repre-sentação no sonho. Também previu, contudo, que as preocupações dopaciente a respeito do seu sadismo e sobre ser tratado sadicamente emer-giriam com o tempo de uma forma mais significativa afetivamente e queele então teria condições de voltar a fazer referência ao sonho e à inter-pretação feita naquele momento.

Esta vinheta ilustra a abordagem de confrontação e interpretação da pro-jeção e a segregação defensiva das motivações conflitantes inseridas numaúnica relação objetal. O paciente havia separado o poder da dependência,assim se fez totalmente desprovido de poder. O terapeuta começou assinalan-do que o paciente atribuía todo o poder da relação à outra pessoa, deixando-seinteiramente frágil, dependente e submisso. Abordou então a natureza defen-siva dessa relação objetal e, a seguir, identificou a ansiedade motivadora dadefesa: o temor de que, se o paciente fosse poderoso, também se tornariapresunçoso e ganancioso. O próximo passo seria explorar o impulso subjacentee os perigos associados à sua expressão, conforme representado no materialdo sonho, mas que sob outros aspectos era inconsciente.

Por enquanto, o terapeuta previu que se continuasse a confrontar e inter-pretar a dissociação na relação objetal poderoso-submisso e também buscasseoportunidades de mostrar como essa relação objetal era encenada na transfe-rência, a representação poderosa e a representação dependente ficariam me-nos separadas. Nesse contexto, o paciente aos poucos seria capaz de ver-secomo outra coisa além de um fraco Esta alteração abriria o paciente para tor-nar-se mais consciente (isto é, mais ansioso a respeito) das relações objetaissubjacentes representantes do seu sadismo e agressão.

Embora as ansiedades do paciente quanto ao seu sadismo e sua incapaci-dade de proteger da sua agressão as partes vulneráveis de si mesmo e dosoutros estivessem bem representadas no conteúdo manifesto do seu sonho,este material não estava vivo afetivamente na sessão. Na PDPLP, não é incomumque os conflitos inconscientes se apresentem no começo do tratamento, comfreqüência de forma muito clara, no material onírico. Embora seja útil comen-tar-se sobre as relações objetais e ansiedades representadas no sonho, nãoesperamos que essas interpretações levem a muito mais do que uma compreen-são intelectual. Somente quando o conflito estiver ativado no momento e esti-ver sendo encenado na vida do paciente e no tratamento é que a sua interpre-tação será significativa e levará ao insight.

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TÁTICA 4: ANÁLISE DA RELAÇÃO ENTRE O CONFLITODOMINANTE E OS OBJETIVOS DO TRATAMENTO

Já abordamos as táticas que o terapeuta da PDPLP utiliza para receber ascomunicações verbais e não-verbais do paciente, para identificar um fato sele-cionado e um conflito dominante, para definir esse conflito em termos de rela-ções objetais dominantes e para analisar sistematicamente as relações objetaisdefensivas e impulsivas associadas ao conflito identificado. Neste ponto, con-sideraremos o papel desempenhado pelos objetivos do tratamento em PDPLPe as táticas empregadas para atingir essas metas da forma mais eficiente eefetiva possível.

Conforme já discutimos, a PDPLP é um tratamento organizado em tornode objetivos específicos contratados como parte do processo de consulta. Nes-te sentido, a PDPLP é um tratamento focalizado, que está orientado na direçãodas relações objetais conflitantes, com o objetivo de reduzir a rigidez da perso-nalidade em áreas circunscritas de funcionamento, definidas pelas queixas apre-sentadas pelo paciente e pelos objetivos do tratamento.

Trazer os conflitos centrais para o foco antesde fazer ligações com os objetivos do tratamento

A PDPLP se baseia na comunicação livre e aberta e na análise da resistên-cia a partir de uma posição de neutralidade técnica com o objetivo de con-seguir acesso aos conflitos inconscientes e às relações objetais internas do pa-ciente. Para este fim, o paciente é incentivado a falar da forma mais livre eaberta possível, dizendo tudo o que vier à mente sem censurar ou seguir umaagenda particular. Deve ficar claro que esta abordagem é incompatível comuma abordagem focal, como a empregada em psicoterapia dinâmica breve. Naterapia dinâmica breve, antes de iniciar o tratamento o terapeuta instrui opaciente a orientar seus comentários em torno do foco do tratamento e, umavez iniciado o tratamento, o terapeuta interpreta o desvio que o paciente fazdo foco como uma resistência em aderir ao esquema focal do tratamento. Emcontraste, na PDPLP, a primeira decisão tática feita em relação aos objetivos dotratamento é que o paciente irá se focalizar na exploração das suas relaçõesobjetais internas e nas operações defensivas à medida que elas forem sendoencenadas no tratamento, sem atenção aos objetivos do tratamento.

A segunda decisão tática em relação aos objetivos do tratamento tem aver com a determinação do ponto em que o terapeuta deve introduzir a discus-são dos objetivos do tratamento. Na PDPLP começamos pela exploração com-pleta de um dado conflito no aqui e agora, sem tentar vinculá-lo aos objetivos

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do tratamento ou aos problemas apresentados. Neste processo, nem o pacien-te nem o terapeuta estão pensando: “Como eu posso entender os problemasque o paciente está apresentando?”. Ao invés disso, a questão é: “Como euposso entender os conflitos que estão sendo encenados no tratamento?”. Atéeste ponto, os objetivos do tratamento não afetam a abordagem tática doterapeuta. Entretanto, uma vez que um conflito particular entra em foco, osobjetivos do tratamento transformam-se na parte proeminente do pensamentodo terapeuta. Daí em diante, uma das táticas do terapeuta será analisar a rela-ção entre o conflito dominante que está sendo encenado no tratamento e osobjetivos do tratamento.

Cada paciente tem conflitos centrais ou dominantes que o afetam emmuitas áreas de funcionamento. Algumas áreas de funcionamento serão intensae obviamente afetadas por um dado conflito, enquanto outras serão afetadasde modo muito mais sutil. Na PDPLP focamos os conflitos centrais do pacientena medida em que eles pertencem àquelas áreas prejudicadas que são de maiorpreocupação para ele. Fazemos a ligação dos conflitos dominantes, quandoeles entram em foco no tratamento, com as queixas apresentadas pelo pacien-te ou com os objetivos do tratamento como parte do processo de interpretaçãoe elaboração.

Focalização nos objetivos do tratamentocomo parte do processo de elaboração

Conforme descrevemos, acreditamos que é o processo de elaboração quenós acreditamos levar à mudança na psicoterapia dinâmica. No trabalho deelaboração, um conflito é encenado muitas vezes e analisado em diferentescontextos e a partir de diferentes perspectivas, levando a uma crescente com-preensão, profunda e complexa, do conflito particular e das suas ligações comoutros conflitos. Na PDPLP o terapeuta enfatiza as queixas apresentadas pelopaciente e os objetivos do tratamento como um contexto para o trabalho deelaboração. Quando um conflito entra em foco, o terapeuta levanta a questão:“Como este conflito poderia estar relacionado com os problemas apresentadospelo paciente e os objetivos do tratamento?” Quando um conflito é encenadodiversas vezes durante o curso do tratamento, o terapeuta terá muitas oportu-nidades de explorar e interpretar a relação entre aquele conflito e os objetivosdo tratamento.

Esta tática requer que o terapeuta tome decisões sobre como e quandocolocar ênfase adequada na ligação entre o atual conflito dominante no trata-mento e os objetivos do tratamento. Em que ponto do processo de análise deum conflito particular o terapeuta deve introduzir os objetivos do tratamento?

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Com que intensidade, num dado momento, o terapeuta deve enfatizar a liga-ção entre o conflito dominante e estes objetivos?

Quando introduzir os objetivos do tratamento

Existem pontos de referência implícitos que os terapeutas experientesem PDPLP usam ao decidir quando fazer e quando não fazer ligação entre omaterial dinâmico encenado e explorado numa sessão e as queixas apresenta-das pelo paciente. Antes de mais nada, o terapeuta sempre deve ter em menteque a sua maior prioridade é compreender os conflitos centrais do paciente.Tendo isso em mente, o terapeuta vai analisar as relações objetais conflitantesencenadas no tratamento em suas funções defensivas, até que o conflito cen-tral entre em foco. Neste processo, o terapeuta não seleciona material ou con-flitos para explorar, e nem o paciente. A revelação dos conflitos do paciente éuma parte orgânica do tratamento.

É somente depois que um conflito e as relações objetais associadas foramdescritas e exploradas com clareza, que o terapeuta volta sua atenção para ageração de hipóteses sobre como o conflito pode se relacionar com as queixasapresentadas pelo paciente. Este esforço é facilitado pelo fato inevitável deque, sejam quais forem os problemas trazidos pelo paciente ao tratamento,eles continuarão durante o tratamento. Contudo, mesmo depois que um con-flito entrou em foco e que o terapeuta está pronto para vincular o conflito emquestão aos objetivos do tratamento, ele não o faz levantando a questão deforma inesperada ou forçando a questão de uma forma artificial. Ao invésdisso, mantém o olhar atento a situações em que as ligações com os objetivosdo tratamento se apresentam de forma natural e significativa. O terapeutaespera por oportunidades, ele não as cria. Na verdade, às vezes o terapeutaopta por não focalizar ou buscar certos aspectos, mas escolhe buscar outrosaspectos de forma menos ativa.

Para ilustrar a abordagem tática adotada pelo terapeuta em PDPLP – istoé, estar aberto a todos os aspectos das comunicações do paciente e ao mesmotempo organizar suas intervenções para se dedicar a metas específicas do tra-tamento – voltemos aos dois pacientes cujos tratamentos discutimos há pouco.

PRIMEIRA ILUSTRAÇÃO CLÍNICA DE FOCALIZAÇÃONOS OBJETIVOS DO TRATAMENTO

A profissional liberal, solteira, com conflitos em torno da dependência, aquem já descrevemos neste capítulo (para ilustrar a tática de escolha deum tema prioritário) apresentou-se ao tratamento após ter levado o forade um homem que com quem havia se envolvido por muitos anos. De-

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pois do término do relacionamento, o ex-amante da paciente emergiucomo manipulador e indigno de confiança até um grau que ela nuncahavia imaginado. A paciente veio para o tratamento querendo entendercomo havia escolhido um homem como aquele, para livrar-se da perdaangustiante da relação e para fazer o que fosse necessário para conse-guir se envolver com um homem mais adequado no futuro. Não há dú-vida de que esta paciente tinha outras áreas de dificuldade onde haviaformado compromissos ou não estava necessariamente funcionando bem,mas seus prejuízos ou eram relativamente limitados naquelas áreas ounão causavam uma preocupação particular para ela.

Por exemplo, em sua vida profissional, embora fosse muito bem-sucedida, ela várias vezes deixava de cumprir prazos importantes ou deexecutar por completo iniciativas importantes e, em conseqüência disso,sua reputação havia sofrido um certo abalo. Além do mais, em momen-tos estressantes, tinha tendência a atacar as pessoas que trabalhavampara ela de forma muito inapropriada para o contexto. Ela estava satis-feita com suas amizades, mas era vista como uma “dominadora” pelosque eram mais próximos, e era afastada de seus irmãos. Durante o pro-cesso de consulta, paciente e terapeuta concordaram que estas áreasadicionais de funcionamento estavam claramente afetadas pelos seusconflitos e seriam trabalhadas com sucesso se ela optasse por focalizá-las. Entretanto, a paciente decidiu que se sentia confortável nessas árease optou por focalizar as suas dificuldades amorosas.

Quando os conflitos da paciente entraram em foco, o terapeuta osvinculou de modo consistente às suas dificuldades com intimidade e suaescolha anterior de um homem. Por exemplo, quando as relações objetaismais paranóides que tinham sido expressas emergiram no tratamento epuderam ser entendidas, o terapeuta fez uma ligação entre elas e o relacio-namento da paciente com seu ex-namorado. O terapeuta começou mos-trando como as fantasias da paciente sobre os perigos inerentes nas rela-ções dependentes haviam sido atualizados no seu relacionamento com onamorado. Esta intervenção abriu caminho para a paciente explorar comoseus conflitos em torno da dependência e inveja a haviam, sem que ti-vesse consciência, atraído para um homem com quem na verdade podiarepresentar algumas das coisas que ela mais temia inconscientemente.

Em outro momento do tratamento, a paciente pôde entender e assumira responsabilidade pelas partes mais exploradoras e sádicas de si mesmaquando eram ativadas nas relações dependentes e íntimas. Esta relaçãoobjetal foi explorada, mais uma vez em relação à escolha que a pacientefez de um homem. Assumir a responsabilidade pelas partes exploradorasde si mesma significava que ela não mais seria atraída por parceiros quelhe possibilitassem externalizar essas partes de si mesma. Além disso, elanão precisava mais proteger-se da possibilidade de um relacionamentobaseado numa dependência genuína e mútua (“madura”) escolhendo umparceiro inadequado ou pouco confiável. O terapeuta fez muitas interpreta-ções desse tipo quando as relações objetais conflitantes da paciente foramlevadas ao tratamento e elaboradas. O terapeuta mostrou, por exemplo,que manter um relacionamento com um homem como seu ex-namorado

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servia, em última análise, para protegê-la da dor de ser sádica com al-guém que ela amava muito e que era merecedor do seu amor.

SEGUNDA ILUSTRAÇÃO CLÍNICA DEFOCALIZAÇÃO NOS OBJETIVOS DO TRATAMENTO

Como outro exemplo, voltemos ao paciente que veio a tratamento sen-tindo-se um perdedor, incapaz de se afirmar ou de buscar de modo ativoo poder e ter o sucesso financeiro desejado. O paciente possuía outrasáreas de dificuldade além da auto-estima e avanço profissional. Por exem-plo, ele tinha há muito tempo inibições sexuais que optou por não traba-lhar na terapia. Também estava feliz em manter um relacionamento umtanto distante com sua esposa, que também parecia satisfeita com essearranjo. Por fim, este paciente estava tendo dificuldades em lidar com asdemandas dos cuidados aos seus pais idosos. Alguma ou todas essasáreas de conflito poderiam ter recebido prioridade no tratamento; con-tudo, o paciente optou por focalizar seus conflitos em torno do poder nasua vida profissional.

Quando os conflitos do paciente entraram em foco, o terapeutaenfatizou as ligações entre as relações objetais que estavam sendo ence-nadas e as inibições do paciente em relação a poder, autoridade e di-nheiro, ao mesmo tempo em que prestava menos atenção às suas inibi-ções em relação a sexualidade e intimidade. Por exemplo, quando asansiedades do paciente a respeito do seu sadismo entraram em foco, oterapeuta sugeriu que o paciente tinha medo de estar numa posição depoder porque temia perder o controle e atacar as pessoas menos podero-sas ou mais vulneráveis do que ele. Da mesma forma, quando o pacienterespondeu ao sucesso pessoal e profissional sentindo-se ansioso ou cul-pado, o terapeuta enfatizou de novo, a ligação entre as inibições dopaciente em relação a dinheiro e sucesso no local de trabalho. Embora oterapeuta comentasse sobre as ligações entre os conflitos do paciente esua relação emocional distanciada e sexualmente inibida com sua espo-sa, essas ligações não eram enfatizadas no processo de elaboração. Emsuma, quando um conflito particular entrava em foco, o terapeutaenfatizava como isso se relacionava com as inibições do paciente no quediz respeito a busca profissional e avanço financeiro, e dava menos aten-ção à exploração de como esses mesmos conflitos deixavam o pacienteinibido também em outras áreas.

Comentários sobre as ilustrações clínicas

Nos dois exemplos clínicos apresentados, o terapeuta começou trazendopara o foco os conflitos centrais do paciente. Os conflitos da primeira pacientegiravam em torno de dependência e intimidade, enquanto os conflitos do se-gundo paciente giravam em torno de poder e sadismo. Em ambos os casos, taisconflitos influenciavam muitos aspectos do funcionamento dos pacientes. Issohavia sido discutido durante o processo de consulta, e terapeuta e paciente

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haviam combinado focalizar uma área particular de dificuldade que era depreocupação especial para o paciente. A primeira paciente desejava ser capazde ter um relacionamento romântico satisfatório, e o segundo desejava desfru-tar de poder e dinheiro. Quando os conflitos centrais dos pacientes entraramem foco, seus terapeutas começaram a ficar atentos para a oportunidade devincular os conflitos que estavam sendo encenados aos objetivos do tratamen-to e às queixas apresentadas.

O processo de vincular os conflitos dominantes do paciente aos objetivosdo tratamento requer controle por parte do terapeuta. Com freqüência é ten-tador introduzir prematuramente os objetivos do tratamento antes que o con-flito dominante tenha ficado suficientemente claro. Além disso, alguns tera-peutas encontram dificuldade em deixar passar oportunidades de seguir porcaminhos de potencial benefício terapêutico – por exemplo, as inibições daprimeira paciente no ambiente de trabalho ou os sintomas sexuais do segundopaciente – apenas porque estas áreas de benefício potencial não fazem partedos objetivos do tratamento. Embora outras áreas de dificuldade devam serdiscutidas e exploradas até certo ponto, o terapeuta não deve enfatizá-las damesma maneira que faz com os objetivos do tratamento.

Evitação dos objetivos do tratamento

Na prática, em PDPLP, em geral acontece de uma forma bastante naturalque os objetivos do tratamento recebam mais atenção do que outras áreas dedificuldade. Isto se dá porque é mais provável que o paciente aproveite mais asintervenções do terapeuta quando elas são pertinentes às áreas de funciona-mento que são de maior interesse para ele. Se durante um longo período detempo o paciente optar por focalizar em outras áreas que não são os objetivosdo tratamento, o terapeuta precisa avaliar se isto representa uma mudançanas prioridades do paciente. Se os objetivos do paciente para o tratamentotiverem mudado, isso deve ser discutido explicitamente, junto com o questio-namento sobre se os objetivos do tratamento devem ser revisados.

Se as prioridades do paciente de fato não mudaram, o terapeuta deveinterpretar a evitação que o paciente faz dos objetivos do tratamento comouma forma de resistência. Ele pode assinalar que, por razões não muito claras,o paciente está escolhendo evitar a exploração de suas dificuldades naquelasáreas de funcionamento que são de maior importância para ele. Considera-seque este comportamento é acionado por uma ansiedade de algum tipo quepode ser explorada e, por fim, entendida em termos dos conflitos do paciente.Invariavelmente, a exploração das ansiedades do paciente com relação àfocalização nos objetivos do tratamento que ele mesmo selecionou terá rela-ção direta com a dinâmica e as relações objetais conflitantes subjacentes àsqueixas apresentadas por ele e aos objetivos do tratamento.

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Alguns pacientes resistirão ativa e consistentemente em abordar os obje-tivos do tratamento durante longos períodos de tempo. Estes pacientes podemdiscutir seus conflitos centrais em profundidade, mas se afastarão consistente-mente ou se desviarão dos esforços do terapeuta em focalizar o problema queos levou ao tratamento. Esta situação clínica requer que o terapeuta seja bas-tante ativo e persistente. A tática aqui é primeiro chamar a atenção do pacientepara sua resistência em dar atenção às questões que o trouxeram ao tratamentoe ajudá-lo a explorar sua motivação para fazer isso. Se o paciente persistir emesquivar-se destas intervenções, o terapeuta pode então levar adiante a suaintervenção inicial, enfocando e explorando as formas pelas quais o pacienterejeitou os esforços do terapeuta em introduzir os objetivos do tratamento.

Em resposta à atividade do terapeuta em tal situação, o paciente podesentir que o terapeuta está se desviando do seu papel usual ao “insistir tanto”.Tipicamente, ele vai experienciar a atividade do terapeuta sob um ângulo parti-cular – por exemplo, sentindo que o terapeuta está sendo crítico, sedutor ou oestá rejeitando. Na verdade, não é raro que o terapeuta tenha sentimentoscomplementares – por exemplo, questionar-se se está sendo insistente demaisou se está controlando a sessão, ou se, talvez, está se desviando de uma posiçãode neutralidade na sua atividade. O desafio do terapeuta é conter sua ansiedadequanto a forçar o paciente e controlar qualquer inclinação que possa ter derecuar e ficar passivo. Em vez disso, o terapeuta pode – enquanto mantémuma posição de neutralidade – ajudar ativamente o paciente a explorar suasreações à atividade do terapeuta. Neste processo, quase sempre aconteceráque algum aspecto do conflito do paciente tenha sido encenado na transferência.

ILUSTRAÇÃO CLÍNICA DE UM PACIENTE QUE EVITAOS OBJETIVOS DO TRATAMENTO

Um estudante de 25 anos chegou ao tratamento queixando-se de dificul-dades em concluir sua tese de doutorado. O paciente passou os seis pri-meiros meses da terapia explorando seu relacionamento problemáticocom um pai crítico e rejeitador, de quem era financeiramente dependente.No início do tratamento, ele havia mantido uma visão idealizada do seupai e da relação deles. Entretanto, ainda nos primeiros meses de tratamen-to, começou a desenvolver uma visão mais complexa e realista da suarelação com seu pai, em que reconhecia a hostilidade mútua entre eles.

Com seis meses de tratamento, o paciente estava se sentindo muitomelhor consigo mesmo e se dando melhor com sua namorada. Contudo,sempre que o terapeuta levantava a questão da tese, o paciente falavasobre ela em termos gerais, durante uma sessão ou duas, e depois iaadiante falando de outras coisas. Por um lado, na superfície, o tratamen-to parecia estar indo bem, e não havia dúvida de que os conflitos dopaciente com seu pai estavam muito ligados à sua dificuldade com atese. Por outro lado, o terapeuta dava-se conta de que o paciente evitavafocalizar a tese de uma maneira que o ajudasse a desenvolver uma maior

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compreensão das questões específicas envolvidas. O terapeuta observouque, na contratransferência, ele também tinha se sentido tentado a sedeixar ficar numa exploração “sem objetivos” dos conflitos centrais dopaciente.

Após refletir sobre isso, o terapeuta decidiu compartilhar suas observa-ções com o paciente. Começou relembrando que o paciente tinha idopara o tratamento queixando-se de dificuldade para concluir suas exigên-cias acadêmicas e os objetivos do tratamento foram organizados em tornode uma melhor compreensão das suas dificuldades nesta área. Assinalouentão que, embora eles tivessem abordado muitas questões importantesna terapia e o paciente estivesse claramente obtendo ganhos, o tópicoda dissertação havia sido de uma maneira geral negligenciado. O tera-peuta continuou a sugerir que o que estava acontecendo no tratamentorefletia o que estava acontecendo na vida do paciente – isto é, tudoparecia estar indo bem, mas ele não estava conseguindo avançar profis-sionalmente.

Ao invés de receber os comentários na sua maneira usual e agradá-vel, o paciente olhou furiosamente para o terapeuta, ficando em silên-cio. Quando exploraram o silencio e a hostilidade, que não eram carac-terísticos do paciente, o que emergiu foi que ele teve uma reação muitonegativa aos comentários do terapeuta. O paciente explicou, e recla-mou, que o terapeuta estava deixando-o dolorosamente deprimido aoagir exatamente como seu pai fazia. Pai e terapeuta pareciam só notar ascoisas em que o paciente falhava em fazer e só se preocupavam com seuavanço profissional, não se importando com a sua felicidade.

Quando ouviu o paciente e superou as expressões de desapontamen-to, crítica e hostilidade deste, o terapeuta começou a perceber que esta-va se desculpando, como se tivesse magoado o paciente. Quando refle-tiu sobre sua reação, ocorreu-lhe que havia evitado o confronto com opaciente antes que a sua relutância fizesse com que este se sentisse malinterpretado, crítico ou zangado.

O terapeuta identificou a relação objetal encenada na transferênciacomo uma relação entre um pai exigente e crítico que reivindicava im-placavelmente que seu filho tivesse sucesso e um filho que desejava evi-tar o conflito. Notou que esta era a primeira vez que o paciente haviaexperienciado conscientemente o terapeuta como parecido com seu pai,e percebeu como seus esforços para “introduzir o foco” haviam estimu-lado uma reação tão violenta no paciente; era como se uma transferên-cia latente tivesse emergido com força total quando o terapeuta con-frontou a resistência do paciente em abordar os objetivos do tratamen-to. O terapeuta também foi surpreendido pela inversão de papéis que seseguiu rapidamente à sua intervenção, e refletiu sobre como, nacontratransferência, quando recebeu a crítica do paciente, ele prova-velmente sentiu-se como o paciente se sentia quando era castigado porseu pai.

Paciente e terapeuta passaram várias sessões explorando o que tinhasido encenado no tratamento. Com o tempo, ambos vieram a perceberque, de algumas maneiras, o paciente vinha usando o tratamento para

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sentir-se melhor sem ter que abordar seus temores em torno do sucessoe da competição. Ao mesmo tempo, o paciente estava passivamente serebelando contra, enquanto mantinha simultaneamente a dependênciade um pai controlador na transferência. Tanto a rebelião do pacientequanto a sua dependência funcionavam para manter esta identificaçãocom seu pai fora do tratamento e também para manter sua hostilidadecrítica fora da transferência. Este episódio foi o início de uma explora-ção frutífera da relutância do paciente em utilizar o tratamento paraabordar suas ansiedades a respeito da dissertação e, por fim, a sua relu-tância em concluí-la e seguir adiante com sua vida.

O que acontece aos pacientes que funcionamem áreas fora dos objetivos do tratamento?

Antes de encerrar esta seção, vamos nos dedicar à questão do que acon-tece ao paciente em PDPLP que funciona naquelas áreas que não estão incluí-das nos objetivos do tratamento. Retornando às nossas duas ilustrações clíni-cas, estamos pensando no comportamento mal-adaptativo da mulher solteirano seu local de trabalho e nas inibições do paciente submisso em relação aoamor e à intimidade. Estas áreas de dificuldade, embora não incluídas nosobjetivos do tratamento, estão muito relacionadas a eles, na medida em quesão manifestações dos mesmos conflitos centrais. Em conseqüência, com fre-qüência vemos algum grau de melhora nas áreas de funcionamento que seestendem além daquelas designadas pelos objetivos do tratamento, como par-te de um efeito cascata. Em geral, quanto menos grave a rigidez da personali-dade do paciente, mais provavelmente veremos benefícios terapêuticos emáreas de funcionamento que não estão incluídas nos objetivos do tratamento.Entretanto, em pacientes com graus maiores de rigidez da personalidade, osganhos obtidos em áreas fora dos objetivos do tratamento são menos marcantesdo que os obtidos em relação aos objetivos do tratamento. O fato de o trata-mento não melhorar ou até mesmo não abordar todas as dificuldades do pa-ciente é uma realidade que será confrontada e elaborada durante a fase determinação de todo o tratamento em PDPLP.

LEITURAS SUGERIDAS

Busch F: The ego and its significance in analytic interventions. J Am Psychoanal Assoc44:1073-1099, 1996

Fenichel O: Problems of Psychoanalytic Technique. New York; Psychoanalytic Quarterly, 1941

Levy ST, Inderbitzin LE: Interpretation, in The Technique and Practice of Psychoanalysis,Vol 2. Edited by Sugarman A, Nemiroff RA, Greenson DP. Madison, CT, InternationalUniversities Press, 1992, pp 101-116

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Parte III

AVALIAÇÃO DO PACIENTE, FASESDO TRATAMENTO E COMBINAÇÃO DAPDPLP COM OUTROS TRATAMENTOS

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Avaliação do paciente e planejamentodiferenciado do tratamento

A avaliação do paciente e o planejamento do tratamento fazem parte da fasede consulta na psicoterapia dinâmica das patologias leves de personalidade(PDPLP). A avaliação do paciente envolve a caracterização:

1. dos sintomas presentes e traços de personalidade patológicos;2. do funcionamento geral da personalidade;3. do nível de organização da personalidade do paciente.

Uma avaliação diagnóstica abrangente, incluindo o diagnóstico do DSM-IV-TR Eixo I e Eixo II e o diagnóstico estrutural, prepara o terreno para o planode tratamento. O planejamento diferenciado do tratamento envolve:

1. compartilhar as impressões diagnósticas com o paciente;2. definir os objetivos do tratamento;3. descrever as opções de tratamento e seus riscos e benefícios relativos;4. ajudar o paciente a chegar a uma decisão informada com relação a

como proceder – uma decisão que reflita os objetivos e necessidadespessoais do paciente e os conhecimentos do terapeuta.

Geralmente é possível concluir o processo de consulta em uma únicaentrevista de 1 hora e 30 minutos. Entretanto, muitos clínicos preferem que opaciente retorne para uma segunda sessão de 45 minutos para concluir a dis-cussão do plano de tratamento. Um segundo encontro com o paciente emconsulta tem a vantagem de permitir que paciente e terapeuta tenham tempopara refletir sobre a entrevista inicial e, então, utilizar o segundo encontro

Capítulo 9Capítulo 9

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para tratar de aspectos da situação interna e externa do paciente que possamter sido omitidos ou mal explorados na consulta inicial. Além disso, um segun-do encontro proporciona a oportunidade de explorar as reações do paciente àentrevista inicial. Alguns pacientes, em geral aqueles com problemas mais com-plexos ou sobre quem existe uma incerteza quanto ao diagnóstico, podemrequerer duas sessões de acompanhamento após o encontro inicial para que aconsulta seja concluída e seja determinado um plano de tratamento.

AVALIAÇÃO DO PACIENTE E A ENTREVISTA DIAGNÓSTICA

Em nossa abordagem da avaliação do paciente, os sintomas apresenta-dos e os traços patológicos de personalidade são conceituados como integran-tes de uma organização da personalidade particular. Em nossa entrevistadiagnóstica, os sintomas apresentados e os traços patológicos de personalida-de são claramente caracterizados, levando a um diagnóstico descritivo, e aorganização da personalidade é explorada em profundidade, levando a umdiagnóstico estrutural. Nossa entrevista é diretiva – fazendo perguntas especí-ficas ao paciente e baseando-nos na clarificação, e até certo ponto na confron-tação, das comunicações do paciente – e enfoca o aqui e agora, tanto na situa-ção de vida atual do paciente quanto nas suas interações atuais com o entre-vistador, em contraste com o seu passado.

Tendo em vista clareza e economia, dividimos nossa discussão sobre aavaliação do paciente em duas partes (Quadro 9.1). Primeiro esboçamos osdados que nossa entrevista se propõe a fornecer, descrevendo as informaçõesque o clínico deve ter para fazer um diagnóstico. A seguir, descrevemos ométodo pelo qual são coletados os dados, o qual é derivado da EntrevistaEstrutural de Kernberg (Kernberg, 1984).

Quadro 9.1Avaliação do paciente

Os dados: áreas de conteúdo

Sintomas apresentados e traços patológicos de personalidadeFuncionamento geral da personalidadeNível de organização da personalidade/diagnóstico estrutural

O método: fontes de informação

História psiquiátricaComunicação não-verbalClarificação e confrontaçãoContratransferência

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ENTREVISTA DIAGNÓSTICA: OS DADOS

Diagnóstico descritivo

A avaliação do paciente começa com a identificação e caracterização dossintomas e traços patológicos de personalidade que trouxeram o paciente atratamento, seguida por uma avaliação completa e sistemática de todos ossintomas. Esta parte da consulta envolve a coleta dos dados que faria parte dequalquer avaliação psiquiátrica em geral. Se existe história de tratamento an-terior, medicação e/ou hospitalização, essas informações são examinadas, as-sim como a história médica do paciente, história de abuso de substância ehistoria familiar de doença psiquiátrica.

Com as dificuldades do paciente tendo sido caracterizadas, a fase seguin-te da consulta é dedicada à exploração da personalidade do paciente, enfocandoo grau em que os sintomas e os traços patológicos de personalidade interferemno funcionamento da personalidade. Em que grau os sintomas e traços patoló-gicos de personalidade do paciente interferem nos seus relacionamentos? Eletem um parceiro? Ele ou ela já esteve apaixonado? Qual a natureza dos seusrelacionamentos mais íntimos? Se ele tem filhos, qual é a natureza das suasrelações com eles? Ele tem amigos e tem mantido as amizades com o passar dotempo?

Também perguntamos sobre o funcionamento no trabalho. O paciente temuma carreira? Em caso negativo, por que não? Ele tem objetivos realistas parauma carreira? O seu nível de emprego está coerente com seu nível de educaçãoe suas habilidades? Ele desempenha bem seu trabalho? Ele se dá bem ou desen-volve problemas interpessoais com seus colegas, chefes e/ou empregados?

Finalmente, perguntamos a respeito dos seus interesses pessoais e sobreo que o paciente faz com seu tempo livre. Ele tem atividades em que investe ouem que permaneceu por muito tempo? Ele consegue obter prazer do seu tempolivre?

Após acumular estas informações, o terapeuta tem os dados necessáriospara fazer ou excluir um diagnóstico pelo DSM-IV-TR, Eixo I e Eixo II.

Diagnóstico estrutural: avaliação da organização da personalidade

Pode haver grande variedade dentro de uma categoria de diagnósticodescritivo no que diz respeito à gravidade da patologia de personalidade. (Porexemplo, alguns pacientes com transtorno de personalidade histriônica possuemapenas patologia leve da identidade e das relações objetais e funcionam muitobem, enquanto outros possuem uma patologia de funcionamento que é maisgrave e perturbada.) Portanto, a avaliação diagnóstica irá enfocar os aspectosestruturais e também descritivos do funcionamento da personalidade.

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Conforme descrito no Capítulo 2 (“Uma Abordagem Psicodinâmica daPatologia de Personalidade”), a partir de uma perspectiva estrutural, os pa-cientes com patologias leves de personalidade encaixam-se no nível neuróticode organização da personalidade de Kernberg ou na área de transição entre osníveis neurótico e borderline de organização da personalidade. As dimensõesdo funcionamento da personalidade avaliadas como parte da avaliação estru-tural estão resumidas na Quadro 9.2. Lembramos o leitor de que, embora asdimensões relevantes no funcionamento da personalidade estejam represen-tadas em categorias na Quadro 9.2, elas são de fato contínuas.

Embora recomendemos a avaliação sistemática da organização da perso-nalidade, o entrevistador experiente pode com freqüência fazer uma avaliaçãoda consolidação da identidade com base na sua experiência subjetiva geraldurante a entrevista. Especificamente, a experiência interna integrada do pa-ciente com patologias leves de personalidade emprestará clareza e um enten-dimento relativamente fácil da realidade interpessoal e da história passadaque o paciente apresenta, e será relativamente fácil para o entrevistadorempatizar com o paciente, com seus conflitos e sua descrição dos outros indi-víduos significativos. Em contraste, embora o paciente com patologia maisgrave da personalidade possa melhorar sua conduta mais realista durante aentrevista, ele ao mesmo tempo deixa claro o vazio, o caos e a confusão na suasituação de vida e relações objetais, deixando o entrevistador com uma sensa-ção de confusão e compreensão incompleta, dificultando que este empatizecom o paciente e seus outros indivíduos significativos.

Identidade: senso de self e dos outros

Ao avaliar um paciente que apresenta uma patologia de personalidadeno contexto de um teste de realidade relativamente intacto (isto é, um trans-torno psicótico foi excluído), o clínico irá enfocar as características clínicasque refletem a consolidação da identidade versus a patologia da identidadepara distinguir entre patologia leve de personalidade e patologia grave depersonalidade. Em particular, avaliamos o grau em que o senso de si mesmo edos outros do indivíduo é complexo, realista e estável versus superficial oupolarizado, irrealista e instável. Em menor grau, a formação da identidadetambém estará refletida no grau em que um indivíduo possui capacidade deinvestir em metas profissionais e pessoais de longo prazo e em relações ínti-mas amorosas e sexuais.

Quando são vistos em consulta, os pacientes com identidade consolidadasão capazes de fornecer informações sobre si mesmos com sutileza e profundi-dade, de forma que permita ao entrevistador rapidamente tomar conhecimen-to de muitas áreas da vida do paciente. Durante uma consulta de 1 hora e 30minutos, o entrevistador desenvolverá rapidamente uma impressão progressi-

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vamente clara e detalhada sobre a experiência interna e o funcionamento ex-terno do paciente, incluindo tanto os pontos fortes quanto as fragilidades, demaneira coerente com a impressão geral que o entrevistador tem do paciente.No paciente com identidade consolidada, as aparentes distorções na auto-per-cepção ou auto-apresentação e os aspectos pouco integrados da experiênciade self estarão limitados a áreas específicas de conflito – por exemplo, umpaciente de sucesso pode não gostar de ser avaliado pelos seus empregados,ou um profissional sério e responsável sob outros aspectos pode rotineiramen-te colocar sua reputação em perigo visitando prostitutas quando viaja a negó-cios. Igualmente, quando o paciente descreve suas relações com os outros, aspessoas importantes em sua vida surgirão como indivíduos tridimensionais,realistas, compreensíveis e complexos.

Em contraste, o paciente com identidade frágil consolidada provavel-mente deixará o entrevistador com uma sensação vaga ou confusa quanto aoseu funcionamento em vários aspectos da vida diária. As informações que opaciente dá sobre si mesmo serão tipicamente vagas, superficiais e interna-mente inconsistentes, de modo que será difícil para o entrevistador desenvol-ver uma impressão clara da experiência interna do paciente ou do seu funcio-namento interno. Por exemplo, um paciente pode descrever-se como cronica-mente suicida e tomado pela ansiedade, embora na frase seguinte afirme quepossui uma vida profissional de grande sucesso, ou pode descrever-se como“muito extrovertido e sociável”, embora não tenha amigos na cidade em quevive. Igualmente, no contexto da patologia da identidade, as descrições dopaciente sobre as pessoas no seu mundo tendem a ser superficiais e poucodiferenciadas, em “preto e branco” ou como caricaturas, e internamente in-consistentes.

Qualidade das relações objetais internas e externas

Quando investigamos a qualidade das relações objetais, estamos interes-sados na concepção do paciente sobre a natureza básica das relações íntimas esua capacidade de avaliar e preocupar-se com as necessidades e sentimentosdos outros. Ele encara as relações em termos de atendimento às necessidades,isto é, em termos de quem obtém o quê do relacionamento e que pessoa ganhamais, ou ele possui um senso de reciprocidade entre o dar e o receber? O sensoestável e integrado do self e dos outros visto em pacientes com identidadeconsolidada está associado a uma capacidade para relações objetais caracteri-zadas pela preocupação com as necessidades dos outros, independentementedas necessidades do self; capacidade para reciprocidade entre o dar e o rece-ber e capacidade de depender dos outros, como também dos outros depende-rem dele. As relações interpessoais são estáveis em qualidade e mantidas como passar do tempo, marcadas pela confiança e respeito pelo outro como indiví-

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duo. Quanto ao grau em que existe uma perturbação no funcionamentointerpessoal, este está limitado a áreas de conflito específicas.

Em contraste, a patologia da identidade está tipicamente associada a umavisão de que os relacionamentos devem atender às próprias necessidades, emque o paciente conceitualiza os relacionamentos em termos do quanto eleganha e do quanto ele dá, e tem uma capacidade limitada de preocupar-secom as necessidades dos outros, independente das suas próprias necessidadese desejos. No paciente com patologia grave de personalidade, as relaçõesinterpessoais íntimas são tipicamente instáveis, com freqüência caóticas, colo-ridas por desconfiança e hostilidade e carecendo de intimidade.

Defesas e rigidez da personalidade

Nos transtornos graves de personalidade, as defesas de distorção da ima-gem ou baseadas na cisão afetam o comportamento do paciente e tambémlevam à distorção e instabilidade da experiência interpessoal. Em conseqüên-cia, a predominância das defesas baseadas na cisão, características do pacien-te com patologia grave de personalidade, em geral é relativamente fácil de seridentificada durante o curso da entrevista diagnóstica. O senso polarizado einstável de self e dos outros e os traços de personalidade contraditórios (porexemplo, uma recatada professora de ensino fundamental que ganha um di-nheiro extra trabalhando como stripper), que com freqüência são característi-cas centrais dos transtornos graves de personalidade, refletem o impacto dasoperações defensivas baseadas na cisão sobre a experiência interna do pacien-te e seu funcionamento externo. Além disso, durante a consulta, o pacientecom patologia da identidade irá empregar operações defensivas que envolvemcontrolar o entrevistador de alguma maneira; em particular, a identificaçãoprojetiva, o controle onipotente e a idealização/desvalorização podem ser iden-tificados na contratransferência juntamente com a avaliação de um pacientecom patologia grave de personalidade.

Em contraste, as defesas do paciente com patologia leve de personalida-de podem ser mais difíceis de se identificar numa entrevista diagnóstica, por-que têm menor probabilidade de afetar o comportamento do paciente ou aexperiência do entrevistador. Em conseqüência, tendemos a inferir ao invés deobservar a predominância de defesas neuróticas quando vemos rigidez da per-sonalidade junto com um senso consolidado estável, integrado e realista doself e dos outros. Conforme descrito no Capítulo 2, a rigidez da personalidadeestará refletida numa história de padrões de comportamento repetitivos e mal-adaptativos dos quais o paciente não tem consciência ou não consegue mudar.Na entrevista, os traços de personalidade mal-adaptativos, tais como uma ne-cessidade excessiva de agradar ou uma necessidade de sentir-se no controle,serão encenados nas interações do paciente com o entrevistador.

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Psicoterapia dinâmica das patologias leves de personalidade 197

Funcionamento ético

Além de examinar a identidade e as defesas, ao avaliar a organização dapersonalidade, também avaliamos o funcionamento ético do paciente(Kernberg, 1984). Esta avaliação é tipicamente menos importante em pacien-tes com patologia leve de personalidade, em quem encontramos sistemas devalores e um funcionamento moral internalizados bem integrados e estáveis;a patologia do funcionamento moral em pacientes com patologia leve de per-sonalidade manifesta-se tipicamente como inflexibilidade e com freqüência écaracterizada por uma tendência à autocrítica excessiva e elevados padrõesinternos inadequados.

Em contraste, em pacientes com patologia da identidade, o funciona-mento moral é mais variável – os sistemas de valores não estão totalmenteinternalizados e a patologia do funcionamento moral é comum (Kernberg,1984). A patologia da moralidade em pacientes com patologia de identidadecom freqüência se manifesta como a combinação de um funcionamento muitograve ou rígido que coexiste com “lacunas” ou déficits em outras áreas dofuncionamento moral (por exemplo, um membro do clero é dedicado a servira Deus e à comunidade, porém explora os outros comodamente para obterganhos pessoais). Na prática, a presença de padrões de comportamento anti-social e a sua relativa gravidade refletem o grau da patologia dos sistemaséticos e dos valores internalizados do paciente. Numa avaliação do pacientecom patologia grave de personalidade, a avaliação do funcionamento éticopassa a ser uma consideração importante no planejamento diferenciado dotratamento e no prognóstico (Clarkin et al., 2006).

ENTREVISTA DIAGNÓSTICA: O MÉTODO

Ao avaliar um paciente, o clínico psicodinâmico não se baseia unicamen-te no que o paciente conta ao entrevistador sobre si mesmo. Além disso, oentrevistador observa com muita atenção o comportamento do paciente, asinterações do paciente com o entrevistador e a forma como o paciente faz oentrevistador sentir-se na contratransferência. Para aprofundar sua compre-ensão da organização da personalidade e rigidez da personalidade do pacien-te, o entrevistador pedirá clarificações da experiência subjetiva do pacientequando as informações forem vagas, pouco claras ou aparentemente ausentes,e assinalará com delicadeza as omissões (confrontação) na narrativa do pa-ciente ou as inconsistências nas suas comunicações verbais e não-verbais. Es-pecificamente, o entrevistador vai perguntar ao paciente como ele entendeessas inconsistências e como ele se sente a respeito delas, e o entrevistador iráencorajar o paciente a fornecer informações adicionais que possam esclarecero que estava ocorrendo.

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Ao mesmo tempo, o terapeuta prestará muita atenção a como o pacienteresponde a essas intervenções. Tipicamente, intervenções desse tipo levarão auma maior ativação das operações defensivas do paciente e a ampliar a expres-são das mesmas nas interações do paciente com o entrevistador, onde elaspoderão ser mais exploradas. Esta seqüência desafia o paciente a refletir sobreseus comportamentos e motivações e a explorá-los, e dá ao entrevistador aoportunidade de avaliar a capacidade do paciente para fazer isso. Por fim, oterapeuta combinará o que ouve a respeito da experiência subjetiva do pacien-te e o que observa no comportamento e nas interações do paciente com eledurante a entrevista, para que possa fazer inferências sobre o nível de organi-zação da personalidade do paciente.

A avaliação clínica pode ser conceitualizada como uma árvore de decisão(Figura 9.1). Em cada nível de investigação, as informações são obtidas e uti-lizadas para gerar hipóteses que guiarão e enfocarão a abordagem no próximonível de investigação.

Figura 9.1Árvore de decisão para avaliação do paciente.

Angústia sintomática

Áreas de função e disfunção

Consolidação da identidade e operações defensivas

Nível neurótico deorganização da personalidade

Nível deorganização da personalidade

borderline

Grau e extensão darigidez da personalidade

Funcionamento ético/Sociopatia

Objetivos do tratamentofocal não-focalversus

Agressão/Impulsividade

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Avaliação dos problemas atuais,do funcionamento da personalidade edo nível de organização da personalidade

A entrevista estrutural

A entrevista estrutural, desenvolvida por Kernberg (1984), é uma entre-vista clínica que pode ser administrada por um clínico experiente em aproxi-madamente 90 minutos. A entrevista é planejada para distinguir a organiza-ção borderline da personalidade da organização neurótica da personalidade,por um lado, e as formas sutis de psicose, por outro, ao mesmo tempo em quese obtém o tipo de informações descritivas sobre os sintomas e traços de perso-nalidade que são fornecidos por uma entrevista psiquiátrica geral.

A entrevista estrutural é estruturada de forma livre e baseia-se no julga-mento clínico e na habilidade do entrevistador. Ela enfoca os sintomas dopaciente e os traços patológicos de personalidade, as dificuldades associadas aeles, a capacidade do paciente de refletir sobre suas dificuldades e as formasparticulares em que seus problemas são manifestados em suas interações como entrevistador. Na entrevista, o médico irá eventualmente afastar-se da ex-ploração das dificuldades do paciente e da natureza das suas relações com osoutros significativos, com o objetivo de fazer uso da clarificação e confronta-ção, empregadas para realçar e explorar as operações defensivas e os aspectosconflitantes ativados na interação paciente-entrevistador. Este processo pro-porciona ao entrevistador dados adicionais que irão complementar o que opaciente apresenta na sua narrativa, e possibilitará que o clínico exclua umadoença psicótica e busque o diagnóstico diferencial entre nível neurótico versusnível borderline de organização da personalidade.

Esta abordagem, de obter informações sobre as dificuldades presentes eo funcionamento enquanto periodicamente se confrontam as operações de-fensivas do paciente, possibilita que o entrevistador coloque em destaque apatologia descritiva com a qual o paciente se apresenta enquanto simultanea-mente avalia a organização da personalidade subjacente.

Fase I

A entrevista estrutural tem início com a investigação sobre as dificulda-des atuais do paciente. O entrevistador começa com uma solicitação de infor-mações, dizendo algo como: “Por favor, conte-me o que lhe trouxe a esta en-trevista. Qual é a natureza das suas dificuldades e quais são suas expectativasquanto ao que o tratamento pode fazer por você?”. Esta abertura dá ao pacien-te a oportunidade de discutir seus sintomas, suas principais razões para ir aotratamento e outras dificuldades que esteja experienciando na sua vida atual.

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Ao ouvir o paciente, o entrevistador pode avaliar a consciência que o pacientetem da sua patologia, sua apreciação da necessidade de tratamento e o grauem que suas expectativas sobre o tratamento são realistas ou irrealistas. Asfalhas no teste de realidade e os transtornos do pensamento tipicamente fica-rão aparentes rapidamente, enquanto o paciente se esforça (ou falha no esfor-ço) para responder a esta solicitação de informações, que é complexa, abstratae não-estruturada. Além do mais, pacientes com difusão da identidade comfreqüência se identificarão respondendo à investigação inicial com uma apre-sentação descuidada e caótica das suas dificuldades, situação de vida e expec-tativas quanto ao tratamento.

Se o paciente responde à solicitação inicial de informações de uma formafácil de acompanhar e compreender, descrevendo com clareza seus sintomas eproblemas atuais e respondendo adequadamente à solicitação de clarificaçãodo entrevistador, a primeira parte da entrevista vai quase parecer uma entre-vista psiquiátrica geral. Em contraste, se as respostas do paciente a esta inves-tigação inicial e/ou seu comportamento na entrevista forem pouco organiza-dos, peculiares ou confusos, o entrevistador conseqüentemente focalizará aatenção nesta área.

O objetivo aqui é distinguir entre um paciente com doença psicótica, porum lado, e um paciente com patologia da identidade, por outro. O entrevistadorcomeçará apontando áreas que são vagas ou apresentam contradição, pedin-do esclarecimentos e investigando se o paciente consegue entender ou não aconfusão do entrevistador. Em resposta a este tipo de intervenção, pacientescom difusão da identidade ficarão tipicamente mais ansiosos, mas tambémserão capazes de responder às perguntas do entrevistador e empatizar com aconfusão dele, e comumente ficarão mais organizados no processo. Em con-traste, pacientes com transtornos psicóticos terão dificuldade de acompanhara linha de investigação e de compreender a confusão do entrevistador, ao mesmotempo em que ficarão cada vez mais desorganizados.

Fase II

Depois que as dificuldades atuais foram discutidas e exploradas e (seaplicável) um processo psicótico foi excluído, a fase seguinte da entrevistaestrutural envolve a investigação a respeito da personalidade do paciente. Oentrevistador pode começar com uma afirmação como: “Eu já tenho uma per-cepção clara dos sintomas e dificuldades que o trazem ao tratamento. Vocêpode me falar agora sobre como você funciona na sua vida diária e como assuas dificuldades interferem ou não no seu funcionamento?”.

Se, ao apresentar mais dados sobre si mesmo, o paciente fornecer infor-mações que o entrevistador não consiga juntar na sua mente – particularmen-te dados contraditórios que não se encaixam na imagem interna do paciente e

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da sua vida que o entrevistador está construindo – é levantada a possibilidadede um diagnóstico de patologia da identidade. Esta é uma outra conjuntura naentrevista em que é indicada uma sondagem cuidadosa das contradições po-tenciais ou aparentes, para avaliar até que ponto as auto-imagens contraditó-rias estão presentes, ou até que ponto o paciente apresenta uma concepção desi mesmo que seja sólida e bem integrada. O objetivo é distinguir entre patologialeve de personalidade, em que os aspectos conflitantes do funcionamento es-tão cindidos de uma experiência central do self, e difusão da identidade, emque existe uma qualidade de experiência do self globalmente dissociada. Naprática, esta distinção é em geral feita com relativa facilidade.

Em pacientes com patologia leve de personalidade de nível superior, em-bora muitas vezes encontremos áreas periféricas de experiência do self que sãocontraditórias, elas são cindidas e contraditórias a uma área central bem inte-grada de experiência subjetiva vinculada a um senso de self dominante e está-vel. Assim, embora não esperemos total harmonia no paciente com patologialeve de personalidade, esperamos ver uma integração subjetiva central doautoconceito, a qual o terapeuta pode utilizar para empatizar com o pacientee para construir uma imagem interna deste na sua mente. Nesse contexto,quando se exploram as áreas contraditórias da experiência ou do funciona-mento, fica claro que o paciente as experiencia como alheias ao ego, ou “ego-distônicas”, e elas são vistas como não se adequando à imagem sob outrosaspectos integrada que ele tem de si mesmo. Este tipo de informação comfreqüência serve como uma janela para visualizar o interior dos conflitos e/oudificuldades interpessoais do paciente, porém tal situação é diferente daquelavista na difusão da identidade, em que não há experiência de self integrada,central e dominante.

Em contraste, quando exploramos áreas de contradição aparente nascomunicações dos pacientes com patologia significativa da identidade, pode-mos identificar múltiplos aspectos contraditórios do funcionamento e da ex-periência de self na ausência de um senso de self subjacente ou central. Estespacientes estão bem conscientes de que a sua experiência de self é inconsisten-te, internamente contraditória e muitas vezes caótica. Na verdade, é comumque os pacientes com patologia da identidade clinicamente significativa, quandoconfrontados com áreas de inconsistência, queixem-se de não ter um senso deself autêntico, estável ou integrado, ou de uma confusão quanto a quais aspec-tos da sua experiência interna são “realmente eu”.

Fase III

O passo final na entrevista estrutural é obter qualquer outra informaçãoadicional que ainda possa ser necessária para esclarecer a natureza da conso-lidação da identidade do paciente. Tipicamente, grande parte das informações

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necessárias para determinar o nível de organização da personalidade do pa-ciente terá sido apresentada no curso da exploração da natureza das dificuldadese do funcionamento da personalidade do paciente. Por exemplo, no contextoda descrição dos problemas atuais com os empregados, um paciente forneceráinformações ao entrevistador a respeito das representações que o pacientetem dos outros em áreas de conflito. Da mesma forma, ao ouvir o pacientedescrever suas dificuldades conjugais e sexuais crônicas, o entrevistador pode-rá obter informações a respeito da qualidade das relações objetais do paciente.

Entretanto, para saber mais sobre a experiência interna do paciente eidentificar formas mais sutis de patologia da identidade, bem como uma pato-logia narcisista mais integrada, será útil neste ponto da entrevista avaliar dire-tamente o grau de integração do senso do self do paciente e seu senso dosoutros. O entrevistador pode introduzir esta fase da entrevista dizendo algocomo: “Neste ponto eu gostaria de mudar um pouco, e ouvir mais sobre vocêcomo pessoa, a forma como você percebe a si mesmo, a forma como vocêsente que os outros percebem você, qualquer coisa que você ache que seria útilpara que eu tenha uma percepção verdadeira de você como pessoa”.

Esta declaração convoca o paciente à auto-reflexão e a apresentar umavisão integrada da sua experiência interna e do seu funcionamento externo.Em conseqüência, pacientes com patologia da identidade terão particular difi-culdade em responder a esta linha de investigação. Quando o paciente tiverdificuldade, o entrevistador deve estimular o paciente, encorajando-o a am-pliar e aprofundar sua descrição de si mesmo, por exemplo, assinalando que opaciente parece estar enfatizando as coisas em que ele é bom, mas existemáreas em que ele encontra mais dificuldade. Ou, talvez, assinalando que opaciente fez um bom trabalho ao descrever como os outros o vêem, mas dissepouco sobre como ele se sente por dentro a respeito de si mesmo.

Tendo explorado o grau de integração do senso de self do paciente, oentrevistador pode, pela última vez, revisitar a experiência que o paciente temdas pessoas no seu mundo. Nesta fase da entrevista, focalizamos os relaciona-mentos mais íntimos do paciente, pois em pacientes com transtornos gravesde personalidade – que carecem de uma imagem estável e integrada das pes-soas na sua vida – os déficits no senso que o paciente tem dos outros sãotipicamente mais pronunciados com as pessoas que são importantes para opaciente. Além disso, os pacientes narcisistas mais integrados que possuemum senso de self relativamente estável podem ser claramente identificadosneste ponto da entrevista devido à ausência de sutileza e profundidade nassuas descrições dos outros, achados que são mais marcantes quando o pacien-te está descrevendo as pessoas com quem está mais intimamente envolvido.

O entrevistador pode abrir esta fase da investigação dizendo algo do tipo:“Agora eu gostaria de pedir que você me conte alguma coisa sobre as pessoasque são mais importantes na sua vida atual. Você poderia me dizer algumacoisa sobre elas, de modo que, devido ao nosso tempo limitado aqui, eu possa

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Psicoterapia dinâmica das patologias leves de personalidade 203

formar uma impressão autêntica e viva delas?”. Se o paciente estiver encon-trando dificuldade, o entrevistador pode incentivá-lo pedindo-lhe especifica-mente para identificar a pessoa de quem ele é mais íntimo, e então convidar opaciente a descrever a pessoa, como ele faria se estivesse escrevendo um pará-grafo sobre ela numa história.

Patologia narcisista

É na exploração do grau de integração do senso que o paciente tem dosoutros e do grau de patologia nas suas relações objetais que a patologianarcisista pode ser diagnosticada com mais facilidade. Isto se dá porque ospacientes com transtorno de personalidade narcisista podem apresentar difi-culdades relacionadas à rigidez da personalidade no contexto de um sensode self relativamente estável, às vezes tornando difícil, nas fases iniciais daentrevista, distinguir um paciente com um transtorno de personalidade nar-cisista de um paciente com patologia leve de personalidade. No entanto,nesta fase final da entrevista, em que o paciente é convidado a descrever aspessoas próximas a ele, o paciente com patologia narcisista fornecerá descri-ções dos outros com chamativa falta de sutileza e profundidade, até um pon-to bastante incoerente com seu nível aparentemente alto de funcionamentoe senso estável de self. Este achado será tipicamente prenunciado no inícioda entrevista no contexto da exploração das relações objetais do paciente, asquais são explicitamente encaradas em termos de satisfação das necessida-des na personalidade narcisista.

História passada

Depois de termos um quadro claro das dificuldades atuais, do funciona-mento da personalidade e do nível de organização da personalidade do pacien-te, investigamos rapidamente a respeito do seu passado enquanto relaciona-do com suas dificuldades atuais. Aqui obtemos informações sobre a históriapassada do paciente e suas relações atuais e passadas com os pais e irmãos.Em pacientes com patologia leve de personalidade, as informações referen-tes ao passado do paciente surgem naturalmente a partir da exploração dasua personalidade atual. Neste contexto, a descrição que o paciente faz dasua história e da sua família de origem irá aprofundar a compreensão que oentrevistador tem do paciente e irá tipicamente possibilitar que o entrevistadordesenvolva hipóteses preliminares a respeito da natureza e origens dos con-flitos do paciente.

Em contraste, no paciente com patologia da identidade, as informaçõessobre o passado em geral estão tão contaminadas pelas dificuldades de perso-nalidade atuais do paciente que dificultam saber como utilizar as informações

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que o paciente fornece; as descrições que o paciente faz do seu passado sãotão caóticas, confusas e internamente contraditórias quanto são suas descri-ções de sua vida atual. Como resultado, em pacientes com patologia grave depersonalidade, a avaliação cuidadosa da vida atual, da consolidação da identi-dade e da qualidade das relações objetais do paciente fornece os dados neces-sários para a avaliação da patologia de personalidade, e é preferível explorar opassado somente em linhas gerais, sem tentar clarificar ou confrontar as ca-racterizações do paciente sobre suas experiências passadas.

ILUSTRAÇÃO CLÍNICA DE ASPECTOS DA ENTREVISTA ESTRUTURAL

A srta. P. era uma mulher miúda, de 32 anos, com o cabelo pelos ombros,de aparência agradável, embora um tanto sem graça, vestindo-se comroupas casuais e não usando maquiagem. Parecia mais nova do que aidade declarada. Ela estabeleceu um bom contato visual com oentrevistador e respondeu às suas perguntas de forma refletida.

Em resposta à investigação inicial do terapeuta, a srta. P. explicouque durante os três meses anteriores vinha se sentindo “deprimida”. Elanão tinha uma boa explicação para isso. Uma amiga próxima tinha sebeneficiado muito com a psicoterapia e a srta. P. explicou que estavacuriosa em saber se ela também poderia ser ajudada.

Na entrevista, o humor da srta. P. era reativo, e seu afeto estavacheio de raiva. Não havia sintomas neurovegetativos de depressão enenhum funcionamento prejudicado como resultado do seu humor de-primido. Não havia história anterior de depressão. Quando o entrevistadorperguntou à srta. P. o que havia mudado na vida dela, se é que havia,mais ou menos três meses antes, a srta. P. respondeu que seu noivo haviase mudado para a cidade em que ela vivia, e que eles estavam morandojuntos. Acrescentou que não havia razão para que isso a tivesse deixadodeprimida; ela estava feliz e confortável com o relacionamento com seunamorado.

Depois que o terapeuta achou que já havia caracterizado bem os sinto-mas presentes da srta. P., perguntou como seu humor deprimido haviaafetado, se é que havia, o seu funcionamento na vida profissional e social.A srta. P. respondeu que era atriz, que vinha participando de testes e que,ultimamente, percebera que estava se sentindo excessivamente inibidaneles. Ela explicou que até certo ponto isto sempre fora um problema,mas que recentemente estava tendo mais dificuldades do que o usual.

Até aqui o entrevistador não tinha ouvido quase nada sobre a vidaprofissional da srta. P. Ele ficou um tanto surpreso ao saber que a srta. P.era atriz, e sua reação inicial foi pensar que ela buscava uma carreirapara a qual parecia não ser muito adequada; ele teve dificuldade em veresta jovem retraída e um tanto sem graça como alguém que pudesse vira ser bem-sucedida como artista.

O entrevistador perguntou à srta. P. se ela estava trabalhando e comose sustentava. A srta. P. respondeu que no momento estava desemprega-

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da. Ela havia participado de uma série na televisão durante os dois últi-mos anos, mas havia optado por não renovar seu contrato para perse-guir um sonho de muito tempo, que era trabalhar no teatro. Era nestecontexto que ela estava encontrando dificuldade para realizar os testes.

Quando investigou mais a respeito da vida profissional da srta. P., oentrevistador começou a perceber que ela era uma espécie de celebrida-de. Na verdade, ele havia assistido certa ocasião à série de televisão queela descreveu, um programa popular inovador e de sucesso entre osespectadores adolescentes, e agora podia identificar a srta. P. como ajovem moderna que era a personagem central do programa. Quando oentrevistador tentou entender a sua resposta meio confusa à srta. P.,reconheceu que sua atitude refletia não apenas a forma como ela contousua história – omitindo detalhes que teriam permitido que ele se aperce-besse no começo da entrevista do nível das realizações profissionais dela–, mas também a sua apresentação um tanto inibida e pueril, que pare-cia incoerente com o status de estrela e também com o papel que elarepresentava de forma tão convincente na televisão.

Neste ponto, a paciente explicou que o problema que estava tendonas audições era de fato grande parte do motivo de ela ter decididovisitar o terapeuta; embora as pessoas para quem estivesse fazendo asaudições estivessem familiarizadas com seu nome e seu trabalho, ela sevia atuando como uma iniciante infantil nas suas audições. O terapeutafez mais perguntas e verificou que a srta. P. não se sentia ansiosa portrabalhar em frente às câmeras ou para platéias ao vivo, porém semprehavia tido dificuldade com os testes. Ela percebia que seu problema ha-via ficado mais pronunciado há pouco, e acreditava que seu comporta-mento poderia minar a oportunidade de conseguir o papel que desejava.

O entrevistador pediu detalhes (clarificação) sobre a experiência dasrta. P. quando fazia os testes e as circunstâncias particulares que a dei-xavam ansiosa. Ela explicou que ficava muito mais ansiosa fazendo tes-tes para trabalhar no teatro do que havia ficado para trabalhar na televi-são. A televisão tinha sido um compromisso e os testes para trabalhos noteatro pareciam ser uma carga muito mais pesada. Além disso, ela esta-va consciente de que tinha muito mais dificuldade em apresentar-se paradiretores do sexo masculino que ela admirava e que eram muito respei-tados na indústria. O que mais lhe chamava atenção era o fato de oshomens com quem se sentia mais desconfortável serem aqueles que elasabia que a viam como talentosa e como alguém com que eles gostariamde trabalhar. Com esses homens, ela sentia como se estivesse “encolhen-do” quando entrava no teste, justo quando ela mais precisava brilhar.Achava que no final acabava parecendo uma tola; era muito frustrante.Ela havia saído de seu último teste sentindo-se humilhada.

O terapeuta continuou a investigar mais a respeito da vida românti-ca e social da srta. P.; ela descreveu um relacionamento de cinco anoscom seu namorado atual. Eles tinham um relacionamento apoiador eagradável, embora a srta. P. achasse que ela e o namorado com freqüên-cia pareciam mais irmãos do que amantes. Acrescentou que achava que

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206 Caligor, Kernberg & Clarkin

os dois eram um tanto inibidos sexualmente. Quando o terapeuta ques-tionou mais, o que surgiu foi que ela já tivera encontros mais apaixona-dos com outros homens a quem ela se sentia menos vinculada emocio-nalmente, mas encarava seu relacionamento sexual com o namoradocomo satisfatório.

A srta. P. tinha muitos amigos trabalhando no teatro e outro grupode amigos da universidade que agora viviam na mesma cidade que ela.Ela estava de modo geral contente com sua situação de vida; queriaapenas conseguir relaxar e aproveitar mais as coisas, e, mais que tudo,sentir-se mais confortável e comportar-se de forma mais apropriada emseus testes.

Nesse ponto, o terapeuta considerou que provavelmente a srta. P.apresentava uma rigidez de personalidade no contexto de uma patolo-gia leve de personalidade e uma identidade relativamente bem consoli-dada. A impressão diagnóstica era coerente com a forma refletida e or-ganizada com que ela apresentava a si mesma e as suas dificuldades, aaparente estabilidade e profundidade dos seus relacionamentos íntimose sociais e sua capacidade de comprometer-se com uma carreira. Alémdisso, a reação pessoal do terapeuta a ela – de crescente respeito e admi-ração, juntamente com uma sensação de aprofundamento da compre-ensão da sua personalidade e dos seus conflitos – era coerente com umapatologia leve de personalidade.

Ao mesmo tempo, o entrevistador surpreendeu-se com a aparentedissociação entre, por um lado, o sucesso profissional da srta. P. e a ma-neira como ela se comportava e se sentia quando representava e, poroutro lado, a forma como ela se sentia e atuava em testes e até certoponto havia atuado também na entrevista. O entrevistador queria ava-liar se essa incoerência refletia conflitos em torno do exibicionismo ecompetição cindidos de um self dominante, ou se as dificuldades da srta.P. eram manifestações de patologia leve da identidade. O entrevistadorcompartilhou com ela sua dificuldade de unir o fato de ela ficar tãoconfortável apresentando-se à frente de um teatro cheio, mesmo sozi-nha no palco, com o desconforto e inibição que ela sentia ao fazer umteste diante de um grupo pequeno.

A srta. P. concordou que isto era desconcertante, e contou ao terapeutaque esta era uma coisa que ela havia tentado muito entender, mas foraem vão. Além do mais, ela havia trabalhado com seu agente e seu em-presário, sem sucesso, para se sentir mais autoconfiante nas suas audi-ções. No que se refere aos desencadeantes específicos do seu comporta-mento infantil, a única coisa que conseguiu identificar foi a conexãoentre sua ansiedade e o teste diante de um homem poderoso a quem elaadmirava. Acrescentou que provavelmente era “algum tipo de coisa como pai”.

Para aprofundar mais a compreensão da srta. P. sobre seus conflitose sua visão de si mesma, o entrevistador pediu que ela se descrevesse. Apaciente respondeu que pensava em si como uma pessoa prática, combons valores, e disse que era bondosa e conscienciosa. Quando mais

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Psicoterapia dinâmica das patologias leves de personalidade 207

jovem, tivera sérios problemas com a auto-estima e com freqüência secolocava em segundo plano em relação aos seus amigos mais extroverti-dos. Embora não fosse mais tímida, a srta. P. sentia que mesmo agorasua visão de si mesma não estava de acordo com as suas conquistas.Quando questionada sobre o que queria dizer com isso, explicou que,embora entendesse que tinha uma carreira de sucesso e que seu nomeera muito conhecido, ela não se sentia realizada. Além disso, ainda ti-nha uma tendência a se ver à sombra dos outros; somente quando esta-va representando é que ela se via como merecedora de atenção especial.O terapeuta perguntou à srta. P. se ela se via como uma pessoa competi-tiva. Ela respondeu que não, embora estivesse consciente de que os ou-tros muitas vezes se sentiam competitivos com ela, e recentemente elativesse começado a perceber que talvez fosse mais competitiva do quegostaria de reconhecer.

O terapeuta percebeu que já tinha um entendimento claro das queixasda srta. P., de sua personalidade e da organização de sua personalidade.Ela apresentava sentimentos de depressão na ausência de doença afetiva,possivelmente atendendo aos critérios de uma reação de ajustamento.Os estressores recentes incluíam deixar a televisão para ir em busca dasua ambição de trabalhar no palco e ir morar com o namorado. Ela nãopreenchia os critérios para um transtorno de personalidade do DSM-IV-TR. Suas queixas presentes refletiam rigidez da personalidade organiza-da em torno de uma auto-exposição defensiva em que ela se sentia eagia como uma menina auto-desaprovadora. Ela apresentava problemascom a auto-estima e conflitos em torno do exibicionismo e da competi-ção incluídos num nível neurótico de organização da personalidade.

Encerrando a avaliação dos problemas atuais,do funcionamento da personalidade e donível de organização da personalidade

Quando estiver encerrada a avaliação dos problemas atuais, do funcio-namento da personalidade e do nível de organização da personalidade, atingi-mos um galho na árvore de decisão diagnóstica (Figura 9.1). Se o pacientepossui uma identidade relativamente bem consolidada, o passo seguinte noprocesso de avaliação será avaliar a gravidade da rigidez de sua personalida-de. Na patologia leve de personalidade, é a gravidade da rigidez da personali-dade, junto com a motivação do paciente e as expectativas quanto ao trata-mento, que serão importantes para guiar o planejamento do tratamento. Se opaciente apresenta uma patologia significativa da identidade, o próximo passoserá avaliar o funcionamento ético do paciente e até que ponto a agressãopatológica se infiltra no funcionamento da personalidade. Para a discussão daavaliação do paciente com patologia grave de personalidade, remetemos oleitor a Clarkin, Yeomans e Kernberg (2006).

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208 Caligor, Kernberg & Clarkin

Devemos observar aqui que, antes de encerrar a fase de avaliação daconsulta, será útil perguntar ao paciente se existem coisas que foram deixadasde fora ou pouco abordadas na entrevista e que são importantes que o entrevis-tador saiba a respeito ele.

Avaliação da gravidade da rigidez da personalidade

Após ter sido feito o diagnóstico de patologia leve de personalidade, opróximo passo será avaliar a gravidade da rigidez da personalidade do paciente.A gravidade da rigidez da personalidade pode ser conceitualizada através detrês dimensões, até certo ponto sobrepostas (Quadro 9.3).

1. Grau de rigidez: numa amplitude que varia desde relativamente flexí-vel, no extremo menos grave do espectro, até altamente inflexível nooutro.

2. Grau em que a rigidez é mal-adaptativa: numa amplitude que variadesde traços de personalidade levemente mal-adaptativos ou levemen-te inapropriados, num extremo do espectro, até traços de personali-dade altamente mal-adaptativos e altamente inapropriados no outro.

3. Grau em que a rigidez afeta globalmente o funcionamento da personali-dade: numa amplitude que varia desde manifestações de rigidez dapersonalidade relativamente focais que afetam de forma adversa prin-cipalmente uma área de funcionamento, no extremo menos grave doespectro, até rigidez global da personalidade em que os traços depersonalidade mal-adaptativos afetam adversamente muitas ou atémesmo todas as áreas de funcionamento.

Quando a rigidez da personalidade é altamente inflexível, o paciente re-latará que é incapaz de anular ou alterar seus padrões de comportamento

Quadro 9.3Avaliação da gravidade da rigidez da personalidade

O quanto são rígidos os traços de personalidade mal-adaptativos do paciente?(Relativamente flexíveis – Altamente inflexíveis)

O quanto são extremos os traços de personalidade mal-adaptativos do paciente?(Levemente mal-adaptativos ou perceptíveis – Altamente mal-adaptativose inapropriados)

O quanto são globais os traços mal-adaptaivos do paciente?(Relativamente focais, afetando uma área importante de funcionamento –Infiltrando-se em todas as áreas de funcionamento)

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Psicoterapia dinâmica das patologias leves de personalidade 209

mal-adaptativos, mesmo quando está consciente deles e se esforça para mudá-los. Assim, por exemplo, a srta. P, a atriz descrita na seção anterior, não conse-guia mudar a forma como se sentia por dentro e como se comportava inter-pessoalmente nas suas audições, não importando o quanto tentasse e não im-portando quantas vezes ela demonstrasse a si mesma que sua atitude infan-til era desnecessária. Em contraste, se a rigidez da sua personalidade fossemenos inflexível, ela teria conseguido modificar seu comportamento nas audi-ções, talvez praticando como ser mais assertiva ou seguindo os conselhos dosamigos. Mesmo que ainda se sentisse como uma criança pequena internamen-te, se os seus traços de personalidade fossem menos rígidos, ela teria conse-guido modificar seu comportamento para que ele fosse mais apropriado.

Quando a rigidez da personalidade é altamente mal-adaptativa, os pa-drões de comportamento que o paciente não consegue mudar são muito ina-dequados e interferem no funcionamento, pelo menos em determinados con-textos. A srta. P. apresentava traços de personalidade que eram apenas umpouco mal-adaptativos; embora seu comportamento fosse inapropriado, eraimprovável que isso afastasse totalmente os diretores e produtores com quemela se sentia desconfortável. Em contraste, se a atriz precisasse compulsiva-mente manter o controle nas situações que a deixavam ansiosa, e em respostaao estresse do teste dissesse a todos o que fazer, criticando e rejeitando adireção dada por aqueles que o estavam coordenando, seu comportamentoseria altamente mal-adaptativo – socialmente muito mais inapropriado do quea representação infantil da srta. P, e muito mais provável de garantir que elanão conseguisse os papéis desejados.

Por fim, consideramos o grau em que a rigidez da personalidade é global,afetando a personalidade de forma adversa em muitas ou na maioria das áreasde funcionamento, versus uma rigidez da personalidade mais focal, levando acomportamentos que são mal-adaptativos em apenas uma ou poucas áreas defuncionamento.

Voltando à srta. P. como o caso em questão, até aqui parece que a suapropensão a assumir uma auto-representação infantil tornou-se um problemasignificativo, sobretudo no contexto dos testes. Embora ela tivesse claramenteuma tendência a retrair-se e a se comportar e sentir-se “infantil” como partedo seu estilo interpessoal, parecia que em muitos contextos o seu comporta-mento não era tão inapropriado, nem suficientemente significativo para lhecausar angústia.

Avaliação dos tipos de personalidade epatologias leves de personalidade

Após avaliar a organização da personalidade, fazer um diagnóstico depatologia leve de personalidade e concluir a avaliação da gravidade da rigidez

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210 Caligor, Kernberg & Clarkin

da personalidade, o clínico pode avaliar se o paciente apresenta um dos trans-tornos leves de personalidade comumente encontrados, ou se apresenta umquadro misto. Esta avaliação é feita com base nos traços de personalidade dopaciente, complementada pela resposta do clínico ao paciente na contra-transferência e pela sua avaliação dos conflitos centrais do paciente.

Conforme descrito no Capítulo 2, alguns pacientes diagnosticados compatologia leve de personalidade apresentam um dos “transtornos neuróticosde personalidade” descritos na literatura psicanalítica. As personalidades ob-sessivo-compulsiva, histérica e depressiva masoquista ou depressiva são as maiscomumente descritas (Kernberg, 1984; PDM Task Force, 2006). (Os transtor-nos de personalidade obsessivo-compulsiva e depressiva também estão incluí-dos no DSM-IV-TR). Outros pacientes com patologia leve de personalidadepreenchem os critérios para os transtornos de personalidade histriônica, de-pendente ou evitativa do DSM-IV-TR. Enquanto muitos pacientes que preen-chem os critérios do DSM-IV-TR para estes transtornos de personalidade têmuma patologia de personalidade mais grave, um subgrupo pequeno e relativa-mente saudável de pacientes nestes grupos de diagnóstico tem uma patologialeve de personalidade. Os pacientes com patologias leves de personalidadeque atendem aos critérios do DSM-IV-TR para transtorno de personalidadehistriônico, dependente ou evitativo tipicamente apresentam patologia levede identidade, que se manifesta como um certo grau de superficialidade ouleve instabilidade no senso do self e/ou dos outros no contexto de uma capaci-dade para formar relacionamentos mutuamente dependentes. Estruturalmen-te, estes pacientes são mais bem descritos como tendo uma organização dapersonalidade que se situa na área de transição entre os níveis borderline eneurótico de Kernberg.

O Quadro 9.4 apresenta um resumo dos transtornos leves de personali-dade. Para uma discussão abrangente das características descritiva, psicodi-nâmica e clínica dos transtornos leves de personalidade, remetemos o leitor aolivro de Nancy McWilliams, Psychoanalytic Diagnosis: Understanding PersonalityStructure in the Clinical Process (1994) e ao Psychodinamic Diagnostic Manual,publicado por Alliance of Psychoanalytic Organizations (PDM Task Force, 2006).

PLANEJAMENTO DIFERENCIAL DO TRATAMENTO

A primeira metade da consulta está organizada em torno da obtençãodas informações necessárias para fazer um diagnóstico pelo DSM-IV-TR e umdiagnóstico estrutural. A segunda metade da consulta envolve:

1. compartilhar a impressão diagnóstica com o paciente;2. determinar os objetivos do tratamento;

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212 Caligor, Kernberg & Clarkin

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Psicoterapia dinâmica das patologias leves de personalidade 213

3. examinar as opções de tratamento disponíveis e seus respectivos be-nefícios;

4. ajudar o paciente a fazer uma escolha informada com respeito ao tipode tratamento(s) a seguir.

Compartilhar a impressão diagnóstica

A segunda metade da consulta começa com o entrevistador comparti-lhando sua impressão diagnóstica com o paciente. É importante que o terapeutaexamine tanto os sintomas e transtornos do Eixo I como as patologias de per-sonalidade. A descrição que o terapeuta faz das dificuldades do paciente e adiscussão das questões diagnósticas devem ser o mais claras e específicas pos-sível, e o terapeuta deve evitar a utilização de termos técnicos ou jargão.

Nossa recomendação é que, ao discutir os aspectos diagnósticos, oterapeuta primeiro apresente um resumo dos sintomas e traços mal-adaptativosdo paciente, investigando com o paciente se a formulação parece precisa e seexiste algo que o paciente gostaria de acrescentar ou modificar.

Em contraste com transtornos como a depressão maior ou o transtornodo pânico, para os quais existem critérios diagnósticos claros aos quais omédico pode se reportar, quando se trata de discutir a patologia de persona-lidade com o paciente, o médico tem que se apoiar mais na sua própria des-crição e conceitualização dessa patologia. Quando o médico está discutindoa rigidez leve de personalidade com um paciente, em geral não é necessárioidentificar um tipo específico de personalidade ou utilizar o termo “transtor-no de personalidade”, o que pode confundir ou ofender os pacientes. Em vezdisso, recomendamos que o médico explique o constructo de rigidez da per-sonalidade e como ela se relaciona com os problemas presentes e traços depersonalidade mal-adaptativos do paciente. Para os pacientes que apresen-tam patologia grave de personalidade, a discussão será organizada em tornodo constructo da identidade, ajudando o paciente a conceitualizar seus pro-blemas a partir da perspectiva de que tem um senso de self incompletamenteconsolidado e instável.

ILUSTRAÇÃO CLÍNICA DE COMO COMPARTILHAR A IMPRESSÃO DIAGNÓSTICA

Como exemplo de como um terapeuta poderia encaminhar o com-partilhamento da sua impressão diagnóstica, voltemos à atriz entrevis-tada antes neste capítulo, a srta. P. Após entrevistar a paciente, o médicopoderia dizer algo do tipo:

“Para mim soa como se você estivesse descrevendo dois problemas,que podem ou não estar relacionados. Primeiro, você está se sentin-do um tanto deprimida, mais ainda do que está acostumada a sesentir, e não está claro o que está desencadeando a mudança no seu

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humor. Eu não acho que você tenha uma depressão ‘clínica’, quenecessariamente requeira tratamento específico. Isto mais parecealgum tipo de reação de ajustamento, talvez em resposta a tentarperseguir seu sonho de atuar no palco. As suas dificuldades atuaistambém podem ter a ver com o fato de ter ido morar com seu namo-rado. Sei que você está feliz por estar vivendo com ele e que as coisasestão indo bem. Mesmo assim, é possível que, fora da sua consciên-cia, exista alguma coisa quanto a dar esse passo, quanto ao que sig-nifica para você estar indo morar com ele, que esteja perturbandovocê. Até aqui, o que eu estou dizendo faz sentido para você?”.

Se a paciente indica que está acompanhando o que o terapeuta estádizendo e que parece plausível para ela, ele pode continuar dizendoalgo como:

“Você descreveu um segundo problema, que parece ser mais crônicodo que o humor depressivo, tendo a ver com o modo como você se vêe como você se apresenta em certas circunstâncias. Eu suspeito queeste problema esteja ligado ao declínio recente do seu humor, embo-ra possa não ser. Na minha maneira de ver, embora você entendaque é uma artista de sucesso e madura, quando entra em um teste,você tende a sentir-se como uma menininha. Estes sentimentos sãoaparentemente mais agudos quando você está fazendo um teste parao teatro, mais do que para a televisão, e em especial quando o testeé diante de homens que você admira e que também a admiram. Alémdo mais, esta dificuldade parece fazer parte de um padrão mais geralem que você mantém uma imagem infantil de si mesma. Embora istonão pareça causar problemas na maioria dos contextos, suspeito quevocê fique ansiosa porque esta tendência pode se tornar mais pro-nunciada.”

Aqui, o terapeuta poderia fazer uma pausa para ver se a paciente está“com” ele. Se parecer que a paciente está acompanhando e concordando,ele pode continuar a compartilhar o que pensa sobre esta dificuldade:

“Eu penso no tipo de problemas que você está tendo nos seus testesem termos do que podemos chamar de ‘rigidez’ em sua personalida-de. Por rigidez eu quero dizer que você não consegue ajustar seucomportamento da forma que gostaria e que faria sentido. Ao con-trário, você continua a fazer a mesma coisa repetidamente, apesardos seus melhores esforços para comportar-se de maneira diferente.Tipicamente, uma rigidez da personalidade deste tipo é impulsiona-da por forças psicológicas que estão fora da consciência. Isto querdizer que, por razões das quais não está consciente, você é automá-tica e involuntariamente levada a sentir e, até certo ponto, a agircomo uma criança quando está fazendo um teste. Você é levada afazer isso, mesmo entendendo que este comportamento não é apro-priado, e mesmo que você preferisse, conscientemente, comportar-se de forma diferente.”

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Psicoterapia dinâmica das patologias leves de personalidade 215

Determinação dos objetivos do tratamento

Muitos pacientes têm objetivos de tratamento específicos e relativamen-te limitados, apesar das suas descrições de amplas áreas de dificuldade duran-te a avaliação. Por exemplo, poderíamos ver um paciente com ataques de pâ-nico, no contexto de rigidez grave e altamente mal-adaptativa da personalida-de, que deseja tratamento apenas para seus ataques de pânico; ou poderíamosver um paciente com rigidez global e grave da personalidade, afetando múlti-plas áreas de funcionamento, mas cujo objetivo de tratamento seja lidar deforma mais eficiente com as pessoas a quem ele se reporta no trabalho.

Ao contrário, muitos pacientes possuem expectativas aparentemente in-finitas e altamente irrealistas do que pode ser alcançado na psicoterapia. Porexemplo, poderíamos ver uma paciente que é globalmente inibida e contra-producente ao ponto de interferir no seu funcionamento profissional, amoro-so e social, e que vem para a terapia esperando tornar-se extrovertida e assertivaem todas as suas interações, “como a minha mãe”. Assim, é responsabilidadedo terapeuta ajudar o paciente a determinar exatamente para quê ele estáprocurando tratamento – isto é, o que ele espera ver melhorado na época emque encerar o tratamento. Além do mais, o terapeuta não deve concordar comobjetivos de tratamento que sejam simplesmente irrealistas, como, por exem-plo, no caso da paciente que gostaria de mudar sua personalidade e ficar maisparecida com sua mãe.

Ao selecionar os objetivos do tratamento, é importante que o terapeutaajude o paciente a decidir quais são seus objetivos pessoais – que aspectos dasua situação são suficientemente perturbadores para que se justifique o trata-mento. Antes de estabelecer os objetivos do tratamento, o terapeuta deve ocu-par algum tempo esclarecendo em detalhes o impacto da rigidez da personali-dade no funcionamento do paciente. Quando existirem áreas de disfunçãoaparentemente significativas com as quais o paciente não está manifestamen-te incomodado, o médico deve chamar a atenção do paciente para isso e ex-plorar as implicações da posição que o paciente está assumindo ao não incluirnos objetivos do tratamento as áreas particularmente significativas de funcio-namento mal-adaptativo.

ILUSTRAÇÃO CLÍNICA DE DETERMINAÇÃO DOS OBJETIVOS DO TRATAMENTO

Como exemplo do amplo leque de objetivos de tratamento que um de-terminado paciente pode ter, retornemos à srta. P. Primeiro, conformedescrevemos, o terapeuta ajudou a srta. P. a formular a natureza dassuas dificuldades. A seguir, ele a ajudou a clarificar, entre as áreas dedificuldade descritas, quais as que a fizeram procurar tratamento. Porexemplo, é possível que alguém como a srta. P. apresentasse preocupa-

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ções predominantes com seu humor deprimido. Como alternativa, oterapeuta poderia tentar saber se ela teria interesse no tratamento devi-do a inibições sexuais. No caso da srta. P, o médico conseguiu determi-nar um objetivo de tratamento claro e relativamente específico. O obje-tivo da srta. P. era modificar sua necessidade de sentir-se e comportar-secomo uma menininha em situações em que este comportamento eramais pronunciado e mais mal-adaptativo, principalmente nos testes, mastambém no seu relacionamento com o noivo.

Discussão das opções de tratamento

A natureza dos objetivos do paciente determina as opções de tratamento.É função do terapeuta facilitar ao paciente a tomada de decisão informada eautônoma, guiada pelo conhecimento e recomendações do terapeuta, mas,em última análise, determinada pelas necessidades e desejos do paciente, con-forme refletido nos seus objetivos pessoais e nível de motivação para o trata-mento. O passo seguinte do terapeuta é examinar as possíveis opções de trata-mento, junto aos benefícios potenciais, custos e riscos de cada abordagem detratamento. Por exemplo, para um paciente com rigidez de personalidade, umtratamento rápido, de apoio ou cognitivo-comportamental será menos inten-sivo em relação ao tempo, menos caro e talvez menos estressante do que aPDPLP, mas necessariamente terá objetivos menos ambiciosos. Os elementosenvolvidos na tomada de decisão informada para a psicoterapia estão descri-tos no Quadro 9.5.

Para pacientes com patologia leve de personalidade que apresentam quei-xas relacionadas à rigidez da personalidade, as opções de tratamento incluem:

1. psicoterapia de curta duração, focal, psicodinâmica;2. psicoterapia de apoio;3. terapia comportamental;4. tratamento cognitivo-comportamental;5. PDPLP;6. psicanálise.

Se o objetivo do paciente for modificar uma rigidez de personalidaderelativamente flexível que é especialmente perturbadora ou mal-adaptativaem áreas focais de funcionamento, dependendo da queixa específica do pacien-te, um tratamento focal, suportivo, comportamental ou cognitivo-comporta-mental poderá ser suficiente. Quando a rigidez da personalidade for mais in-flexível, os tratamentos menos intensivos serão provavelmente menos efeti-vos, e acreditamos que a PDPLP se torne a opção mais claramente indicada.Além disso, quando os traços de personalidade tornam-se progressivamente

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mal-adaptativos, existe uma crescente razão e motivação para o tratamentointensivo.

Nos casos para os quais está indicada a PDPLP, quanto mais focal for aárea em que os traços de personalidade são mal-adaptativos e afetam negati-vamente o funcionamento, mais provavelmente a PDPLP terá sucesso. Quan-do a rigidez da personalidade se torna mais global e causa grave prejuízo emmuitas ou todas as áreas de funcionamento, o terapeuta pode considerar arecomendação de psicanálise. Ou, se um paciente que apresenta rigidez globale relativamente grave de personalidade for capaz de escolher um objetivoespecífico, a PDPLP será uma recomendação sensata de tratamento.

É papel do terapeuta compartilhar honestamente com o paciente a suaavaliação de que tratamentos irão se direcionar para quais aspectos da patologiado paciente, bem como os custos, em termos de tempo, dinheiro e efeitos colateraispotenciais das opções de tratamento disponíveis. Ao recomendar a PDPLP, oterapeuta deve descrever os benefícios potenciais, bem como os custos e riscospotenciais do tratamento, junto a informações sobre o curso esperado que terá arigidez da personalidade do paciente sem o tratamento.

Para descrever a PDPLP, o terapeuta pode dizer algo como:

“A PDPLP é um tratamento concebido para nos ajudar a saber mais arespeito dos aspectos da sua experiência interna que estão subjacentesaos problemas que trouxeram você ao tratamento. Algumas das ansie-dades e preocupações que influenciam seu comportamento podem serconscientes, enquanto outras estão provavelmente fora da sua percep-ção consciente. O tratamento implica você falar aberta e honestamentesobre o que está na sua mente enquanto você está nas sessões, pois esta

Quadro 9.5Consentimento informado para terapia dinâmica

O objetivo do processo de consentimento informado é facilitar a tomada de decisãoautônoma. O consentimento informado implica:

• Discussão do diagnóstico do paciente e uma formulação das dificuldades dopaciente

• Discussão do curso, etiologia e sintomas associados às queixas presentes dopaciente

• Discussão do resultado esperado se o paciente não seguir o tratamento• Discussão da PDPLP e dos riscos e benefícios associados à PDPLP, incluindo a

duração esperada do tratamento e possíveis efeitos colaterais (por exemplo,aumento temporário na ansiedade ou outros sintomas)

• Discussão dos tratamentos alternativos significativos com seus riscos ebenefícios concomitantes

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é a forma mais eficiente que conhecemos de saber mais sobre a sua vidainterior. Meu papel é ajudá-lo a identificar os padrões de pensamento,comportamento e fantasias que estão subjacentes às suas dificuldades.A idéia geral é que quando você entender melhor os temores e ansieda-des dentro de você que estão direcionando seu comportamento, vocêserá capaz de lidar com eles de uma forma mais flexível e adaptativa.”

Além disso, o terapeuta deve explicar que a PDPLP é um tratamento deduas sessões semanais que tem tipicamente a duração de um a quatro anos.Há poucos riscos sérios associados ao tratamento, embora o tratamento possaprovocar sentimentos intensos e o paciente possa experienciar ansiedade au-mentada ou outros sintomas como “efeitos colaterais” transitórios em váriosmomentos durante o tratamento. O paciente deve entender que, embora oterapeuta recomende a PDPLP, existem outras opções de tratamento, cada umcom seu perfil de motivos e de risco/benefício.

Avaliação estruturada

Num contexto clínico, recomendamos a entrevista clínica que descreve-mos neste capítulo. Contudo, um contexto de pesquisa requer uma aborda-gem mais estruturada, para assegurar que os pacientes sejam avaliados demaneira uniforme e que as avaliações diagnósticas sejam confiáveis entre osdiferentes avaliadores e diferentes ambientes. Para atender a estas demandase facilitar a avaliação da organização da personalidade em testes de pesquisaclínica, desenvolvemos a Entrevista Estruturada para a Organização da Perso-nalidade (Structured Interview for Personality Organization – STIPO), queestá disponível, em inglês, no site www.borderlinedisorders.com. O formatosemi-estruturado de entrevista da STIPO apresenta uma forma padronizadade reunir informações sobre a organização da personalidade e pontuá-la obje-tivamente.

Embora a STIPO tenha sido desenvolvida com propósito de pesquisa,descobrimos que também pode servir como um instrumento educacional mui-to útil. Para o clínico que é relativamente novo em avaliação estrutural e en-trevista psicodinâmica, a STIPO oferece uma série de perguntas específicas eprovas de seguimento que podem ser utilizadas para avaliar as dimensões dapersonalidade que são relevantes para avaliar o nível de organização da per-sonalidade.

Outros autores estudaram a avaliação sistemática de pacientes que apre-sentam patologia de personalidade. A entrevista das relações objetais de Piper(ver Piper e Duncan, 1999) foi usada para avaliar pacientes, e descobriu-seque pode prognosticar respostas a diferentes formas de psicoterapia breve.Westen e Schedler (1999a, 1999b) desenvolveram o Procedimento de Avalia-

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ção Schedler-Westen (Schedler-Westen Assessment Procedure – SWAP), uminstrumento que utiliza a metodologia ‘Q-sort’ para avaliar com confiabilidadea personalidade e a patologia de personalidade. O SWAP é pontuado com basenas descrições que os pacientes fazem de si mesmos e dos outros, captadas emnarrativas interpessoais nas entrevistas clínicas ou nas sessões de terapia.

LEITURAS SUGERIDAS

Abraham K: Contributions to the theory of the anal character (1921), in Selected Papers ofKarl Abraham, MD. London, Hogarth Press, 1942, pp 370-392

American Psychiatric Association: Resource Document on Principles of Informed Consent inPsychiatry. J Am Acad Psychiatry Law 25:121-125, 1997

Beahrs JO, Gutheil TG: Informed consent in psychotherapy. Am J Psychiatry 158:4-10, 2001

Easser BR, Lesser S: Hysterical personality: a re-evaluation. Psychoanal Q 34:390-405, 1965

Kernberg OF: The structural interview, in Severe Personality Disorders. New Haven, CT,Yale University Press, 1984, pp 27-51

Kernberg OF: Hysterical and histrionic personality disorders, in Aggression in PersonalityDisorders and Perversions. New Haven, CT, Yale University Press, 1992, pp 52-66

Laughlin HP: The Neuroses. New York, Appleton-Century Crofts, 1967

MacKinnon RA, Michels R, Buckley PJ: The Psychiatric Interview in Clinical Practice, 2ndEdition. Washington, DC, American Psychiatric Publishing, 2006

Westen D, Schedler J: Revising and assessing Axis II, Part I: developing a clinically andempirically valid assessment method. Am J Psychiatry 156:258-272, 1999

Westen D, Schedler J: Revising and assessing Axis II, Part II: toward an empirically basedand clinically useful classification of personality disorders. Am J Psychiatry, 156:273-285,1999

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As fases do tratamento

Uma psicoterapia dinâmica pode ser pensada como tendo uma fase de aber-tura, uma fase intermediária e uma fase de término. Embora estas três fasesnão sejam rigidamente demarcadas e fluam gradualmente de uma até a se-guinte, existem características de cada uma que podem ser descritas e utiliza-das para conceitualizar o curso do tratamento. Neste capítulo discutiremos astrês fases da psicoterapia dinâmica do transtorno leve de personalidade (PDPLP)e os aspectos clínicos que comumente surgem em cada uma das fases do trata-mento.

A FASE DE ABERTURA DA PDPLP

A fase de abertura da PDPLP pode ter a duração de vários meses até umano, dependendo da afinidade do paciente com o trabalho num tratamentoexploratório e da habilidade do terapeuta. As tarefas iniciais da fase de abertu-ra são explorar as resistências iniciais à comunicação livre e aberta, solidificara aliança de tratamento, explorar as resistências de caráter iniciais e identifi-car as relações objetais defensivas dominantes. Ao final da fase de abertura, osconflitos centrais e as relações objetais associadas terão sido identificados.Como resultado do trabalho da fase de abertura, o paciente alcança um entendi-mento mais profundo dos processos mentais dinâmicos inconscientes, junta-mente com uma capacidade crescente de auto-observação em áreas de conflito.

Exploração das resistências iniciaisà comunicação livre e aberta

Cada paciente vai responder de forma diferente e característica à solici-tação de comunicar-se aberta e livremente com o terapeuta. Alguns têm uma

Capítulo 10Capítulo 10

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dificuldade especial em vir para a sessão sem uma agenda preparada; outrosencontram dificuldade em saber sobre o que falar em resposta à solicitaçãonão-estruturada de “dizer o que vem à mente”; e alguns acham particularmen-te difícil tolerar os silêncios. O terapeuta da PDPLP prestará cuidadosa aten-ção à forma como o paciente responde à natureza de forma íntima e relativanão-estruturada do setting do tratamento. As intervenções iniciais vão se deterna clarificação e exploração das ansiedades estimuladas pela fase de aberturado tratamento, com particular atenção à análise da resistência, enfocando tan-to a resistência à comunicação livre e aberta, quanto as resistências de caráter.A exploração das resistências conscientes e inconscientes do paciente à comu-nicação aberta possibilitará que o terapeuta identifique e descreva as relaçõesobjetais que estão sendo encenadas no tratamento.

ILUSTRAÇÕES CLÍNICAS DE EXPLORAÇÃO DASRESISTÊNCIAS INICIAIS À COMUNICAÇÃO LIVRE E ABERTA

Como exemplo de resistência inicial à comunicação livre e aberta, consi-dere o paciente que, nas sessões iniciais do tratamento, de maneira roti-neira entrava no consultório do terapeuta, sentava-se e imediatamentecomeçava a falar de forma muito detalhada sobre o seu dia. Seu tom eramuito sério, e ele continuava a falar quase que sem interrupção durantetoda sua hora. Nas sessões de abertura do tratamento, o terapeuta espe-rou para ver se o paciente relaxava. Quando o comportamento do pacientecontinuou sem mudanças, decidiu intervir.

O terapeuta interrompeu o paciente para dizer que estava tendo aimpressão de que ele estava um tanto ansioso nas suas sessões e pareciaque o modo como lidava com esta ansiedade era vir para a sessão erelatar sistematicamente os acontecimentos recentes, deixando poucotempo para a reflexão. A resposta inicial do paciente ao terapeuta foi deque ele estava tentando dar ao terapeuta a maior quantidade de infor-mações possível, de uma maneira clara e detalhada. Depois disso, per-guntou: não era aquilo que o terapeuta desejava?

Parecia claro que o paciente se sentira criticado. De fato, com a dis-cussão posterior, o que apareceu foi que ele havia pré-selecionado cui-dadosamente o material a ser discutido em cada sessão, como que en-saiando de maneira antecipada o que iria dizer. Quando o terapeutaajudou o paciente a explorar sua motivação para fazer isto, o que emer-giu foi que seu comportamento era motivado por uma preocupação deque se não preenchesse o tempo com informações, o terapeuta ficariadesgostoso ou crítico com ele, ou acharia que o ele não estava trabalhan-do duro o suficiente ou que não “estava fazendo certo”. A exploraçãodessas ansiedades possibilitou que o terapeuta descrevesse uma relaçãoobjetal de um self infantil, temeroso de ser criticado ou manifestamentedesejoso de agradar, em relação com um genitor rígido, exigente e críti-co, uma relação objetal que estava sendo encenada nas sessões. Tornarexplícita esta relação objetal auxiliou o paciente a relaxar e a comuni-car-se de maneira um pouco mais espontânea e confortável com o

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terapeuta. Ao mesmo tempo, a exploração desta transferência inicialserviu como uma porta de entrada para a exploração dos conflitos dopaciente em relação a figuras de autoridade.

Outra paciente que tinha dificuldade de se comunicar sem impedimen-tos queixou-se de que achava “impossível” saber o que dizer na sessão.Os silêncios que se seguiam estavam repletos de ansiedade para ela.Depois de algum tempo, o terapeuta sugeriu que talvez ela desejasseque o terapeuta fosse mais ativo e lhe dissesse sobre o que falar, comouma forma de diminuir sua ansiedade, e que se fosse assim, ela deveriaestar se perguntando por que o terapeuta não estava fazendo nada paraajudá-la quando isto seria relativamente fácil.

A paciente concordou que, de fato, estes eram os pensamentos queela vinha tendo. Quando estas resistências iniciais foram mais explora-das, ficou claro que o setting não-estruturado do tratamento, juntamen-te com o ato de buscar ajuda, haviam ativado uma relação objetal de umself infantil carente em relação a uma figura materna distante e egoísta.Como no exemplo anterior, quando esta relação objetal, agora ativadana transferência, foi identificada e explorada, a paciente se sentiu me-nos paralisada na sessão e foi capaz de associar e comunicar-se de formamais livre. Neste processo, terapeuta e paciente começaram a vincularesta relação objetal a dificuldades recorrentes que a paciente enfrentavana sua vida íntima.

Solidificação da aliança terapêutica

Os pacientes com patologia leve de personalidade trazem para o trata-mento uma capacidade bem desenvolvida de formar uma aliança terapêuticacom um profissional interessado e prestativo11 (Bender, 2005; Gibbons et al.,2003; Piper et al., 1991). Assim, em PDPLP, a aliança de tratamento é tipica-mente estabelecida com facilidade e de forma natural nos contatos iniciaisentre terapeuta e paciente. Além do mais, a análise das resistências iniciais àcomunicação livre e aberta irá fortalecer o desenvolvimento da aliança à me-dida que o paciente se unir ao terapeuta para explorar as respostas iniciais dopaciente ao setting do tratamento.

Existe, contudo, um grupo de pacientes com patologias leves de perso-nalidade que possui um certo grau de dificuldade em solidificar uma aliançade tratamento. Para esses pacientes, o setting do tratamento ativa de manei-

11 Isto contrasta muito com a situação encontrada em pacientes com patologias maisgraves de personalidade, em que a aliança inicial de tratamento é tipicamente instávele muitas vezes construída sobre a idealização do terapeuta.

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ra rápida e de forma relativamente intensa relações objetais defensivas mui-to mal-adaptativas que colorem fortemente a experiência que o paciente temda relação terapêutica na fase inicial do tratamento. Por fim, este tipo dedistorção da relação terapêutica transforma-se na base para a análise datransferência. Entretanto, para pacientes com maior rigidez da personalida-de cujos conflitos são imediatamente acionados pela situação do tratamen-to, as transferências negativas iniciais e bastante fortes irão distorcer a rela-ção com o terapeuta de forma mais rápida e mais intensa do que é tipica-mente visto em pacientes com patologia leve de personalidade. Estas rea-ções transferenciais iniciais podem interferir no desenvolvimento natural deuma aliança terapêutica.

O terapeuta na PDPLP lida com esse desenvolvimento ao identificar eexplorar ativamente essas transferências. Este processo ajudará a promover aaliança de tratamento ao facilitar a habilidade do paciente de observar e, as-sim, distanciar-se, até certo ponto, das transferências negativas que colorem arelação de tratamento. Em essência, a análise das transferências negativasiniciais ajuda o paciente a distinguir de maneira mais clara entre o terapeutaque o auxilia no seu papel profissional e o objeto da transferência negativa.

ILUSTRAÇÃO CLÍNICA DE EXPLORAÇÃO DA DIFICULDADEDE ESTABELECER UMA ALIANÇA TERAPÊUTICA

Como exemplo de um paciente que teve dificuldades de estabelecer umaaliança terapêutica, considere o paciente que, desde as fases mais ini-ciais da consulta, estava constantemente corrigindo o terapeuta e en-trando em disputa de forças para identificar se o terapeuta havia com-preendido de forma precisa o que havia lhe contado sobre si. Pareciaque o paciente tinha pouca fé na capacidade do terapeuta para entendê-lo, e temia estar se colocando nas mãos de um médico descapacitado.

O terapeuta não achava que a aliança terapêutica estava se desen-volvendo. Na contratransferência, sentia-se atacado de forma crítica edesvalorizado pelo paciente. Ele se perguntava se o paciente iria aban-donar o tratamento. O paciente tinha vindo inicialmente ao tratamentoqueixando-se de dificuldade em se dar bem com seu chefe, a quem opaciente considerava crítico e desvalorizador, e também com seus su-bordinados, os quais o paciente achava incompetentes. O terapeuta con-seguiu descrever na sua mente a relação objetal que estava sendo ence-nada: uma parte, numa posição dominante, era crítica e desvalorizadora,enquanto a outra, numa posição subordinada, sentia-se incompetente etemia ser rejeitada. O terapeuta observou como ele mesmo passava deuma posição em que se sentia criticado e incompetente para outra emque se sentia desvalorizador e rejeitador em relação ao paciente. Inferiuque o comportamento desagradável do paciente poderia em parte sermotivado pelos seus temores de ser desvalorizado e criticado peloterapeuta e, talvez, por ele mesmo.

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Durante as sessões seguintes, o terapeuta compartilhou com o pa-ciente o seu entendimento da relação objetal que estava sendo encena-da e a vinculou às dificuldades do paciente com seu chefe e seus empre-gados. Fez isso a partir de uma posição de neutralidade técnica, comuni-cando de forma clara o seu interesse pelo paciente, ao mesmo tempo emque mantinha uma atitude respeitosa, não-crítica e de não-desvaloriza-ção em resposta à não-aceitação inicial do paciente. O terapeuta descre-veu a atitude crítica e desvalorizadora do paciente e sua aparente preo-cupação de que ele fosse incompetente e não tivesse nada a oferecer aopaciente.

O terapeuta também assinalou que o paciente tinha vindo até oterapeuta em busca de ajuda. Se ele realmente achava que o terapeutapossivelmente não o entenderia, o paciente iria preferir escolher outroterapeuta. Contudo, se o paciente achasse que o terapeuta poderia teralguma coisa a oferecer, faria sentido tentar entender por que tratava oterapeuta da forma como fazia e explorar como isso poderia se relacio-nar com os problemas que o tinham trazido ao tratamento.

Quando o terapeuta manteve uma atitude de curiosidade e interes-se, não desvalorizando nem criticando o paciente, este começou a refle-tir sobre seus comentários, reconhecendo que o terapeuta abordara umponto válido e considerando que talvez o terapeuta realmente soubesseo que estava fazendo. Quando esta resistência de caráter inicial foi tra-balhada, paciente e terapeuta desenvolveram um consenso para traba-lhar juntos e compreender as forças no paciente que poderiam interferirno tratamento e no seu sentimento quanto a ser ajudado pelo terapeuta.

A fase de abertura do tratamento é tipicamente mais longa com pacien-tes que têm mais dificuldade de solidificar a aliança. Com estes pacientes,deve ser dedicado um tempo nas fases iniciais do tratamento para identificar,e até certo ponto elaborar, as resistências iniciais que interferem no estabeleci-mento de uma aliança entre o self observador do paciente e o terapeuta na suafunção. Em contraste, para os pacientes que formam uma aliança de maneiramais natural, a fase de abertura passa muito mais rápido e fácil, porque opaciente consegue colaborar com o terapeuta para identificar e explorar suasansiedades e resistências quanto a submergir no tratamento e na relação te-rapêutica.

Transferência positiva

Já ilustramos como as transferências negativas podem interferir precoce-mente na solidificação da aliança terapêutica na fase de abertura da PDPLP.Em contraste, as transferências positivas precoces promovem e apóiam o de-senvolvimento da aliança. Em conseqüência, em PDPLP, nós tipicamente nãoexploramos ou analisamos o que geralmente é referido como “transferênciaspositivas benignas” – transferências relativamente não-conflitantes em rela-

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ção ao terapeuta que auxilia. Ao invés de analisar estas transferências, emPDPLP nós as utilizamos para promover a aliança e facilitar a exploração dasrelações objetais conflitantes do paciente.

As transferências positivas benignas devem ser distinguidas das transfe-rências aparentemente positivas que estão sendo utilizadas de maneira defen-siva. O terapeuta na PDPLP pode fazer esta distinção se considerar que astransferências positivas mobilizadas de maneira defensiva – aquelas que de-fendem contra a ativação de relações objetais conflitantes dependentes, agres-sivas e eróticas – tendem a ser mais muito carregadas afetivamente, menosintegradas e mais idealizadas do que as transferências positivas benignas, quepossuem uma qualidade mais neutra. Em PDPLP, as transferências idealizadassão analisadas através da utilização da abordagem padrão para a análise dasrelações objetais defensivas.

Exploração das resistências de caráter iniciais

Já descrevemos o papel central da análise da resistência na técnica daPDPLP no Capítulo 7 (“As Técnicas, Parte II: Intervenção”). Se definirmos re-sistência como a ativação das operações defensivas do paciente no tratamentoe, em particular, na transferência, o que se conclui é que veremos rotineira-mente a encenação das defesas de caráter do paciente nas suas interaçõesinterpessoais com o terapeuta, especialmente na fase de abertura do trata-mento.

Ambos os exemplos apresentados anteriormente neste capítulo – o pa-ciente sério que sempre vinha preparado e o paciente briguento que era sem-pre rejeitador e crítico – ilustram como os pacientes podem ativar e encenarrapidamente suas defesas de caráter em relação ao terapeuta. Estes dois pa-cientes estavam fazendo na sessão o que estavam habituados a fazer fora dasessão. A encenação das defesas de caráter do paciente na fase de abertura dotratamento possibilita que o terapeuta em PDPLP descreva e explore as relaçõesobjetais que fazem parte dos traços de caráter mal-adaptativos do paciente e,por fim, identifique os conflitos subjacentes às queixas principais do paciente.

Em suma, nas fases iniciais da PDPLP identificamos as formas recorren-tes e mal-adaptativas com que o paciente enfrenta o mundo e interage com osoutros à medida que elas são encenadas, tanto dentro quanto fora do trata-mento. Isto possibilita descreverem-se as relações objetais incluídas nessescomportamentos e explorar como a sua encenação automática e habitual fun-ciona para afastar os conflitos centrais subjacentes. A análise das relaçõesobjetais defensivas dominantes prepara o caminho para a identificação dosconflitos centrais do paciente e para a utilização das estratégias, técnicas etáticas que descrevemos na Parte II deste livro para analisar os conflitossubjacentes às queixas presentes do paciente.

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Marcadores de mudança e transiçãopara a fase intermediária

Os pacientes com patologia leve de personalidade tipicamente vêm paratratamento com uma capacidade muito bem desenvolvida de auto-observa-ção. Entretanto, em áreas de conflito, a auto-observação está tipicamente maislimitada, atrapalhada pelas operações defensivas do paciente. Na fase de aber-tura da PDPLP, os pacientes desenvolvem uma capacidade maior de introspecçãoe de observação dos seus próprios pensamentos, sentimentos e comportamen-tos nas áreas de conflito. Esta mudança pode ser entendida em termos defortalecimento da capacidade de auto-observação e de introspecção do paci-ente como resultado da exploração que o terapeuta faz da vida interna dopaciente a partir de uma posição de neutralidade técnica. O incremento dacapacidade de auto-observação e introspecção que é encontrado na fase deabertura da PDPLP é tipicamente acompanhado por uma percepção aumenta-da da fantasia e de outros pensamentos transitórios que o paciente não haviaconsiderado ou não tinha registrado de maneira consciente no passado porestarem relacionados com o conflito.

Durante a fase de abertura, os pacientes se familiarizam com a idéiade “motivação inconsciente”. Este desenvolvimento é decorrente da explo-ração cuidadosa e sistemática que o terapeuta faz das operações defensi-vas e das ansiedades subjacentes do paciente. Os pacientes começam aperceber que muitos dos traços de comportamento mal-adaptativos e pen-samentos repetitivos, sentimentos e experiências emocionais que os trou-xeram ao tratamento têm uma motivação e um significado, e então come-çam a questionar as racionalizações habituais a respeito dos seus traços depersonalidade e comportamentos mal-adaptativos, que passam a ser maisegodistônicos.

Quando os pacientes transitam pela fase de abertura, começam a de-senvolver a capacidade de tolerar a percepção de aspectos anteriormentedissociados e reprimidos das suas vidas internas e a refletir sobre as experiên-cias conflituosas do self e dos outros. A emergência na consciência de repre-sentações mentais reprimidas e dissociadas é facilitada pelas intervençõesdo terapeuta – especificamente a clarificação, confrontação e análise da re-sistência a partir de uma posição de neutralidade técnica. A capacidade dopaciente para tolerar a consciência das relações objetais conflitantes é apoia-da pela atitude tolerante e de aceitação do terapeuta. O surgimento de umacapacidade melhorada de tolerar a consciência das relações objetaisconflitantes é um sinal inicial de diminuição na rigidez da personalidade e éum dos marcadores da transição para a fase intermediária. Esta capacidadepode ser acompanhada por uma capacidade crescente de trabalhar na trans-ferência.

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A FASE INTERMEDIÁRIA DA PDPLP

A fase intermediária da PDPLP pode ter uma duração de um a três anos.As tarefas predominantes da fase intermediária correspondem às estratégiasde tratamento descritas no Capítulo 5 (“As Estratégias e o Setting do Trata-mento”). Como a maior parte deste manual é dedicada à descrição destasestratégias e de como implementá-las, fazemos aqui apenas um breve comen-tário sobre as tarefas centrais da fase intermediária, enfatizando os desenvol-vimentos clínicos típicos vistos nessa fase.

Exploração e elaboração das relações objetaisque definem os conflitos centrais

Como resultado do trabalho da fase de abertura do tratamento, o pacien-te que está entrando na fase intermediária possui uma visão da natureza dosseus conflitos centrais. As relações objetais defensivas foram exploradas, e asrelações objetais conflitantes correspondentes às motivações inconscientes,ansiedades e fantasias subjacentes às dificuldades que trouxeram o pacienteao tratamento já foram identificadas. A tarefa principal na fase intermediáriaé elaborar os conflitos centrais como relações objetais conflitantes que sãoencenadas no tratamento e nas interações diárias do paciente com os outros.

O termo elaborar (working through) refere-se à encenação, identificaçãoe exploração repetidas de uma constelação particular de relações objetais,durante um período de tempo e dentro de uma variedade de contextos. Oprocesso de elaboração começa na fase intermediária do tratamento, continuana fase de término e é concluído pelo paciente, trabalhando de forma inde-pendente do terapeuta, após o término. Entretanto, a maior parte da elabora-ção acontece na fase intermediária da PDPLP. Em suma, as tarefas centrais dafase intermediária da PDPLP são a exploração e elaboração das relações objetaisconflitantes e ansiedades associadas subjacentes às queixas atuais do paciente,de modo que possam ser integradas de forma mais flexível à experiência sub-jetiva do paciente. É o processo de elaboração através dos conflitos centraisem relação aos objetivos do tratamento que leva à redução da rigidez da per-sonalidade e à melhora sintomática.

Capacidade de tolerar conteúdos mentaise afetos mais “primitivos”

As relações objetais que emergem no início da PDPLP são predominante-mente defensivas, muito acessíveis à consciência e relativamente bem-integra-

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das. Além do mais, quando as motivações conflitantes subjacentes e ansieda-des associadas são representadas no início do tratamento, será de uma forma“sensata” ou “civilizada”. Estas representações são descritas mais precisamen-te como derivativos do conflito subjacente e geralmente não assumem a formade expressões diretas ou representações de motivações conflitantes e ansieda-des subjacentes. Em contraste, quando o paciente ingressa na fase interme-diária e a atravessa, as relações objetais que vieram à tona representam deforma mais direta as motivações conflitantes e defesas associadas.

Durante a fase intermediária da PDPLP o paciente obtém maior acesso àsua vida interna e fica mais tolerante à percepção de partes do seu mundointerno que são inaceitáveis e foram repelidas. Como resultado, as relaçõesobjetais mobilizadas durante esta parte intermediária do tratamento podemser mais polarizadas, mais unidimensionais e menos diferenciadas (no que serefere ao conteúdo e à qualidade da representação das relações objetais inter-nas que são encenadas) e mais concreta e afetivamente carregadas (no que serefere à qualidade da experiência associada às relações objetais internas quesão encenadas) do que aquelas vistas anteriormente. A capacidade do pacien-te de tolerar a percepção de uma gama mais ampla de experiência psicológicaé apoiada pela atitude tolerante e de aceitação do terapeuta continente, quan-do as relações objetais ameaçadoras e conflitantes são encenadas no trata-mento e colocadas em palavras.

O processo em que o paciente em PDPLP vai aumentando sua capacidadede tolerar a percepção dos aspectos da sua vida interior anteriormente repri-midos, inaceitáveis e muitas vezes carregados é em alguns momentos chama-do de “regressão terapêutica” ou “aprofundamento” do tratamento. As rela-ções objetais que agora se tornam conscientes e são encenadas no tratamentosão menos integradas, ou mais “primitivas”, do que é típico da experiênciaconsciente do indivíduo com patologia leve de personalidade. Paradoxalmen-te, esta mudança “regressiva” em direção às relações objetais e afetos integra-dos de forma mais frágil significa a progressão do tratamento na fase interme-diária, quando o paciente passa a ter acesso a conteúdos mentais antes inaces-síveis. A regressão terapêutica e o aprofundamento do tratamento são caracte-rísticas marcantes da fase intermediária da PDPLP.

Intensificação da transferência e fococrescente no trabalho na transferência

Alguns pacientes com patologia leve de personalidade de nível superiortêm uma grande afinidade com o trabalho na transferência, enquanto outrosnão desenvolvem facilmente ou não fazem uso dos sentimentos transferenciais.Contudo, embora o tempo necessário possa variar, a maioria dos pacientes

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desenvolve uma capacidade crescente de fazer uso da transferência à medidaque progridem na fase intermediária do tratamento.

Esta facilidade reflete a capacidade crescente de tolerar a percepção demotivações e representações do conflito; os pacientes trabalham de forma maiseficiente e confortável com o material transferencial quando ficam menos te-merosos de experienciar desejos, necessidades e temores conflituosos agressi-vos, dependentes e eróticos. Quando o paciente em PDPLP transita pela faseintermediária e o tratamento se aprofunda, as relações objetais antes reprimi-das tornam-se acessíveis à consciência e são muitas vezes encenadas na trans-ferência. As relações objetais encenadas na transferência na fase intermediáriada PDPLP tendem a ser muito mais carregadas afetivamente do que as transfe-rências ativadas mais no início do tratamento.

Comentários adicionais sobre a elaboração das relaçõesobjetais que definem os conflitos centrais: ansiedadesparanóides antes das ansiedades depressivas

O tópico das várias fases do tratamento levanta a questão de se existeuma ordem particular em que tipicamente exploramos os conflitos do pacien-te em PDPLP. Em primeiro lugar, é preciso ser dito que existe uma enormevariação no que diz respeito à ordem em que os conflitos se revelam no trata-mento, variando de paciente para paciente e dependendo de quais são os con-flitos mais ameaçadores para um determinado paciente. Em segundo lugar, jádescrevemos como é que, no momento em que se deve decidir quando intervir,as regras da dominância afetiva e do trabalho desde a superfície até a profun-didade irão nortear as intervenções do terapeuta.

Contudo, na fase intermediária, quando os conflitos centrais do pacientejá foram identificados e explorados e estão sendo elaborados em relação àsqueixas atuais, o terapeuta freqüentemente irá se deparar numa determinadasessão com dois grupos de ansiedades, ambas sendo encenadas no tratamentoe ambas conscientes. A encenação de um grupo de ansiedades defende contraa ativação do outro e vice-versa. Nesta situação, cabe ao terapeuta decidir qualgrupo de ansiedades será encarado como primário num dado momento e qualserá visto como defensivo.

Quando confrontados com a encenação de dois grupos diferentes de an-siedades, uma usada para defender contra a outra, em geral é preferível elabo-rarem-se as ansiedades paranóides antes de nos dirigirmos às ansiedadesdepressivas. Conforme discutido no Capítulo 3, uma orientação paranóide im-plica que aspectos ameaçadores do mundo interno do paciente são cindidosda experiência do self e projetados para dentro de um objeto. Como resultado,o paciente sente-se em perigo em relação a um objeto percebido como amea-

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çador sob algum aspecto. A responsabilidade e a culpa estão localizadas exter-namente, e o afeto dominante é o medo. Em contraste, uma orientação depressivaimplica uma capacidade de conter as motivações conflitantes e estados emo-cionais ao invés de projetá-los. Aqui o paciente não teme por si, mas pelos seusobjetos que estão em perigo como resultado das motivações agressivas e quese servem do próprio paciente. Os afetos dominantes associados à ansiedadedepressiva são a culpa e a perda, quase sempre junto com um desejo de fazera reparação.

As ansiedades paranóides estão associadas a imagens relativamente po-larizadas ou unidimensionais, totalmente boas ou totalmente más do self e dosoutros. Isto quer dizer que, se eu tenho uma orientação paranóide, a pessoa aquem eu temo e odeio está separada da pessoa a quem eu amo e em quemconfio; se eu me sinto com ódio ou sou competitivo, é porque o objeto daminha hostilidade merece ser odiado ou derrotado. (Observe que não existeconflito enquanto eu mantenho a separação entre os dois grupos de relaçõesobjetais – de amor e de ódio.) As ansiedades depressivas, por outro lado, estãoassociadas a experiências do self e dos outros muito bem integradas ou am-bivalentes; a pessoa em relação a quem eu sou potencialmente destrutivo tam-bém é alguém que eu amo e em quem confio; eu sou uma pessoa que tantoama quanto é destrutiva, assim como o meu objeto. (Observe que o conflito éinevitável neste contexto.)

A elaboração das ansiedades paranóides e o encaminhamento para umaorientação mais predominantemente depressiva aumentam a capacidade dopaciente de manter uma imagem de si mesmo e dos outros cada vez maisprofunda, estável e complexa. Como a culpa e o luto são experienciados maisem relação aos objetos totais ambivalentes (Klein, 1935; Steiner, 1993), di-recionar-se na terapia para as ansiedades paranóides antes das ansiedadesdepressivas facilita a elaboração das ansiedades depressivas. Em contraste, seas ansiedades depressivas forem abordadas antes que as ansiedades paranóidessejam exploradas, existe um risco de que as ansiedades paranóides simples-mente “fiquem encobertas”. Nesta situação, os conflitos paranóides podemficar muito inacessíveis à exploração, ao mesmo tempo em que interferem naelaboração completa das ansiedades depressivas.

A regra de direcionar-se para as ansiedades paranóides antes das depres-sivas aplica-se tanto ao micro-processo dentro de uma dada sessão quanto aomacroprocesso durante meses e até mesmo anos de tratamento. Num nívelmacro, quando as ansiedades paranóides são elaboradas durante a fase inter-mediária, as ansiedades depressivas vão se tornando gradualmente o foco maisconsistente do tratamento. Num nível micro, quando as ansiedades paranóidese depressivas centrais do paciente e as relações objetais associadas já foramidentificadas e exploradas no tratamento, o paciente tenderá a oscilar entre asdinâmicas paranóide e depressiva como parte do processo de elaboração. As-sim, embora a trajetória global do tratamento deva ser mais solidamente

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estabelecida num nível de funcionamento depressivo nas áreas de conflito,durante o curso do tratamento, a cada momento e a cada sessão, os pacientestipicamente oscilarão entre as orientações depressiva e paranóide.

ILUSTRAÇÃO CLÍNICA DE EXPLORAÇÃO DAS ANSIEDADESPARANÓIDES ANTES DAS ANSIEDADES DEPRESSIVAS

Uma estudante de Direito de 25 anos apresentou-se após rodar no exa-me da Ordem. Durante os meses de abertura do tratamento, ela assu-miu uma atitude em relação à terapeuta que era infantil e ao mesmotempo sedutora. Esta relação objetal foi explorada e compreendida ini-cialmente em termos dos temores da paciente de uma figura maternaque era competitiva e quase que destrutiva. Quando essas ansiedadesforam elaboradas em parte, a paciente conscientizou-se do grau em queela mesma sentia-se competitiva com sua mãe e com sua colega de quar-to. A paciente reconheceu tristemente que até certo ponto sentia prazerem saber que a mãe sempre quis e nunca teve uma profissão, enquantoela estava na expectativa de uma carreira e que, igualmente, sua colegade quarto estava triste sem um parceiro, enquanto que a paciente estavanum envolvimento feliz com um homem novo.

Com nove meses de terapia, a paciente aceitou a proposta de casa-mento do homem com quem estava namorando. Nas semanas seguin-tes, a terapeuta notou que a paciente estava ficando diferente em rela-ção a ela de uma forma que lembrava seu comportamento durante osmeses de abertura do tratamento. A terapeuta assinalou isto para a pa-ciente, que reconheceu ter percebido o desejo de agradar e de colocar aterapeuta num nível acima dela. Ela suspeitava que isso tivesse algo aver com seu noivado recente e de alguma forma com sua mãe.

Quando a terapeuta ouviu a paciente, considerou como iria intervir.Ela poderia focalizar as defesas contra as ansiedades depressivas e aculpa, vinculando o comportamento submisso da paciente aos seus es-forços para não parecer ou não se sentir com sorte demais por temerdeixá-las menos felizes – sua mãe, sua colega de quarto e talvez tambéma terapeuta – sentindo-se mal. Por outro lado, a terapeuta poderia enfocaras defesas contra as ansiedades paranóides, vinculando o comportamentosubmisso da paciente aos seus esforços para afastar um ataque retaliadorvindo de uma figura materna em sua essência “má”, que se ressentia dafelicidade e sucesso da paciente. Os dois grupos de dinâmicas estavamclaramente ativos e já haviam sido explorados. Ambos os grupos de con-flitos estavam carregados afetivamente e eram muito acessíveis à cons-ciência.

Seguindo o princípio de ocupar-se das ansiedades paranóides antesdas depressivas, a terapeuta optou por começar abordando as preocupa-ções da paciente quanto a ser atacada por sua mãe ou pela terapeutaressentida de alguma forma. O entendimento da terapeuta era de que aexploração e maior elaboração da versão paranóide da luta competitivada paciente com uma figura materna a ajudaria a conter melhor seuspróprios desejos competitivos e hostis, e ao mesmo tempo lhe facilitaria

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a manutenção de uma visão mais integrada e ambivalente de sua mãe,que reconhecesse a vulnerabilidade da mãe em face à agressão da pa-ciente. A capacidade de apegar-se mais a uma imagem ambivalente dasua relação com sua mãe facilitaria, por sua vez, que a paciente elabo-rasse as ansiedades depressivas num nível mais profundo do que seriapossível se a terapeuta passasse por cima das preocupações paranóides ese voltasse imediatamente para as defesas contra as ansiedadesdepressivas.

As ansiedades depressivas defendemcontra as paranóides: a “defesa moral”

Já discutimos como, no paciente com patologia leve de personalidade,uma orientação paranóide pode ser ativada nos níveis micro e macro paradefender contra as ansiedades depressivas. Agora gostaríamos de comentarsobre um tipo particular de defesa de caráter em que as relações objetais e asansiedades depressivas são encenadas para defender contra a ativação dasrelações objetais paranóides, por um lado, e contra a perda de uma relaçãocuidadora idealizada, por outro. Esta operação defensiva foi descrita inicial-mente por Ronald Fairbairn (1943), um analista escocês que referiu-se a estefenômeno como “defesa moral” ou “defesa do superego”. Fairbairn estava, emessência, fazendo a observação de que, às vezes, os sentimentos proeminentese conscientes de culpa, perda, inferioridade, autocrítica e “maldade” não refle-tem ansiedades depressivas em relação a conflitos edípicos ou depressivos,mas podem ser entendidos como relações objetais defensivas que apóiam arepressão de ansiedades paranóides associadas a relações objetais dependentes.

A teoria de Fairbairn sobre a defesa moral surgiu da observação de crian-ças que haviam sido abusadas por seus cuidadores. Fairbairn observou que,muito mais freqüentemente, ao invés de acusar seus cuidadores por seremabusadores, essas crianças tendiam a idealizá-los, ao mesmo tempo em que osviam como “maus”. Por um lado, esta situação psicológica traduz para a expe-riência consciente da criança que o abuso é “minha culpa” e, portanto, dealguma forma está “sob meu controle”. Por outro lado, esta experiência depres-siva consciente do self e dos outros funciona para apoiar a repressão das ansie-dades paranóides associadas a ser dependente de cuidadores insensíveis, in-disponíveis, caóticos, cruéis, ou exploradores. Em essência, a experiência dacriança é: “Eu sou de alguma maneira mau ou inadequado, o que explica porque eu sou tratado mal por um cuidador que não é mau”.

A elaboração de Fairbairn sobre essa compreensão é de que a criançaestá muito motivada a ver seus pais como bons em sua essência, o que é aná-logo, psicologicamente, a viver num mundo em que prevalece a bondade e asanidade. Então, ao assumir que está errada, a criança pode criar ou proteger

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uma relação de cuidados idealizada, enquanto reprime com sucesso os aspec-tos paranóides daquela relação. Esta situação psicológica proporciona à crian-ça uma fantasia de controle. Ao invés de sentir que “Eu sou uma vítima inde-fesa das pessoas que deveriam me amar e cuidar de mim, mas aparentementenão o fazem”, a criança prefere pensar: “Eu sou uma criança má que merece osmaus-tratos, mas se algum dia eu fizer certo, serei amada”.

Embora a idéia de defesa moral tenha surgido das observações de crian-ças que tinham sido abusadas, esta constelação de defesas pode ser encontra-da num amplo leque de pacientes que se protegem da percepção da indiferen-ça ou hostilidade parental. Em pacientes com patologia leve de personalidade,a defesa moral muitas vezes se apresenta na forma de sentimentos de depres-são e problemas com a auto-estima, refletindo a predominância de relaçõesobjetais conscientes e defensivas em torno de uma visão do self como impossí-vel de ser amado ou que dá motivos para não ser amado. Tipicamente, estasrepresentações do self são muito discordantes de como os outros se sentem arespeito do paciente, e também de como o terapeuta experiencia o paciente nacontratransferência. Em essência, muitas vezes estes pacientes são pessoas bon-dosas, dedicadas e decentes que parecem estar totalmente atoladas num la-maçal e que investem em odiar a si mesmas, não como a expressão de umaculpa inconsciente, mas como um esforço altamente motivado para manteruma imagem de um mundo são e bondoso de objetos bons, que está livre dasansiedades paranóides.

Se considerarmos a defesa moral a partir de uma perspectiva do modelode conflito inconsciente descrito neste manual, podemos descrever como asrelações objetais defensivas e auto-acusadoras apóiam a repressão das ansie-dades paranóides enquanto mantêm a crença numa relação cuidadora ideali-zada. A motivação conflitante subjacente aqui é o desejo de ser uma criançaamada e gratificada que é o foco da atenção de um cuidador amoroso. Ospacientes que se apóiam na defesa moral não conseguem tolerar experienciarde forma consciente a encenação desta relação objetal dependente, em gran-de medida prazerosa e muito desejada. Quando um paciente destes começa aexperienciar a si mesmo como merecedor de uma atenção amorosa, ocorre aativação das ansiedades paranóides (“o meu cuidador me odeia e abusa demim”) e seguem-se sentimentos dolorosos de perda (“o meu cuidador nuncapoderia me amar como eu gostaria de ser amado”), sentimentos que sob ou-tros aspectos são inconscientes.

Estes afetos dolorosos motivam a intensificação de relações objetais de-fensivas quando o paciente recorre a insistir veementemente na sua própria“maldade”. No ponto em que esta defesa falha em apoiar a repressão das an-siedades paranóides, o paciente irá experienciar de forma consciente repre-sentações malignas dos relacionamentos cuidadores associados a sentimentosde medo e hostilidade e, por fim, sentimentos dolorosos de perda.

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O que vemos de maneira clínica é que, quando a experiência defensivado paciente é desafiada – seja na vida, em ocasiões em que ele deve reconhe-cer que é amado de verdade, ou no tratamento, quando sua autoflagelação éconfrontada como defensiva – ele responde tornando-se ainda mais autocrítico,num esforço para apoiar a repressão das relações objetais paranóides queameaçam emergir para a consciência assim que ele começar a questionar a sua“maldade” ou indignidade. Quando os esforços defensivos terminam falhando,o paciente pode ter pensamentos e sentimentos francamente paranóides quandoas relações objetais paranóides-dependentes subjacentes emergem à consciênciae são encenadas nas relações interpessoais atuais do paciente. Assim, a elabo-ração da defesa moral implica tolerância do paciente à consciência destas re-lações objetais paranóides e, por fim, a elaboração de identificações com am-bos os lados desta relação objetal, em conjunção com o luto pela perda deimagens muito valorizadas e idealizadas de relacionamentos com os cuidadores.

A abordagem técnica utilizada na PDPLP quando as ansiedades depressivasapóiam a repressão das relações objetais paranóides e dependentes não é dife-rente da abordagem que já descrevemos para a análise dos conflitos depressivose paranóides mais simples. Contudo, esta é uma situação clínica em que émuito importante que o terapeuta não deixe que a teoria o direcione, mas, aoinvés disso, mantenha a mente aberta a tudo o que o paciente está comunicando.

Pode ser tentador para o terapeuta, por exemplo, considerar imediata-mente que a autocrítica do paciente reflete uma culpa inconsciente. No con-texto da defesa moral, contudo, a sugestão de que a culpa inconsciente é acausa principal da autocrítica do paciente pode levar o terapeuta a fazer inter-pretações incorretas. As interpretações que têm como objetivo a identificaçãoda culpa inconsciente apoiarão a repressão das relações objetais paranóidessubjacentes ao invés de permitir que tais relações objetais venham à tona naconsciência, onde poderão dar ao paciente a oportunidade de elaborar as an-siedades associadas ao desejo de sentir-se como uma criança amada.

ILUSTRAÇÃO CLÍNICA DE DEFESA MORAL

Uma dona-de-casa de 50 anos, casada e mãe de filhos crescidos, apre-sentou-se ao tratamento após ter sido atacada e rejeitada de forma ines-perada e inexplicável pela sua melhor amiga de muitos anos. A pacientechegou ao tratamento deprimida. Descreveu como o episódio reforçou avisão que tinha de si durante toda a sua vida como a de uma pessoa“dispensável” e que, apesar dos conselhos de seu marido, ela não podiadeixar de sentir que de alguma maneira havia feito algo errado.

A paciente havia dedicado a maior parte da sua vida adulta a cuidardos outros: seus filhos, marido e pais idosos, uma irmã com uma doençacrônica, vários outros parentes e um amplo círculo de amigos. Entretan-to, explicou ao terapeuta que se sentia “sem valor” e acreditava que

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poderia “desaparecer e ninguém perceberia”. A paciente procurou trata-mento apenas porque seu marido insistiu para que buscasse ajuda. Omarido também insistiu em comparecer à entrevista inicial, antecipandoque ela iria se apresentar com uma visão muito desvalorizada para difi-cultar ao terapeuta a apreciação da natureza altamente irrealista e de-fensiva da visão desvalorizada e autocrítica que tinha de si mesma.

A transferência durante os meses de abertura do tratamento foi ca-racterizada pela encenação de uma relação objetal de uma garotinha“dispensável”, agradecida por qualquer cuidado e atenção que pudessereceber de uma figura materna que foi idealizada como dedicada, cúm-plice e “importante”, apesar de ao mesmo tempo ser alguém que não seimportava com as necessidades da menininha. Durante esse período, oterapeuta assinalou o investimento da paciente na manutenção destavisão das coisas – por exemplo, ao minimizar sempre os seus sucessos eimportância para os outros, ao mesmo tempo em que não conseguiaobservar nem reconhecer os defeitos potenciais ou limitações dos ou-tros, incluindo o terapeuta. O terapeuta também apontou que sempreque havia uma abertura nessa visão do mundo blindada de forma defen-siva, a paciente ficava ansiosa e autocrítica.

Quando estava em tratamento havia seis meses, a paciente foi esco-lhida para receber um prêmio em reconhecimento aos seus serviços parauma organização nacional e, ao mesmo tempo, recebeu a oferta de umaposição administrativa muito influente e assalariada na mesma organi-zação. A resposta inicial da paciente foi sentir-se “lisonjeada” e “indig-na”, e resolveu que iria recusar a oferta. Seu marido, entretanto, insistiuque ela era de longe a pessoa melhor qualificada para o trabalho, e quenão queria ouvir falar de ela recusar. A paciente considerou, então, apossibilidade de aceitar a posição.

Pela primeira vez na vida, começou a sentir-se muito paranóide. Des-creveu ao seu terapeuta o sentimento de que seu marido desejava queela assumisse o emprego só por causa do dinheiro que iria ganhar. Re-pentinamente, ela o via como um “explorador” ao invés de “protetor”.De igual forma, a paciente sentia que o terapeuta não tinha um interessegenuíno em ajudá-la, mas que na verdade estava pensando nos seusproblemas pessoais enquanto ela falava com ele. Embora às vezes tives-se a percepção de que estava sendo injusta, esses pensamentos sobreseu marido e o terapeuta estavam muito carregados afetivamente e pa-reciam críveis para a paciente. Essa reação super intensa ia e vinha du-rante o curso de vários dias antes de se dissipar.

A paciente e seu terapeuta passaram os meses seguintes analisandoe elaborando o conflito que havia sido ativado pelos sucessos da pacien-te e o sentimento de ser admirada e amada. O que surgiu foi que, duran-te sua “reação”, a experiência subjetiva da paciente tinha sido inundadapor uma relação paranóide de uma figura materna egoísta, insensível eexploradora de quem a paciente era dependente. A encenação destarelação objetal estava associada a sentimentos de hostilidade, medo efranca paranóia. Estas relações objetais paranóides que haviam ultra-

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passado as rígidas defesas depressivas tinham sido, até agora, quase queinconscientes.

Quando esta relação objetal foi identificada, explorada e elaborada,ela foi vinculada ao relacionamento da paciente com uma mãe que ha-via se preocupado com a irmã da paciente, que tinha uma doença crôni-ca. A paciente sempre havia idealizado a mãe como “uma santa” e tinhaassumido de maneira consciente que havia tido uma infância feliz sob oscuidados de uma mãe que havia lhe dado tudo o que ela razoavelmentetinha direito de pedir. Contudo, ao longo do tempo, sentimentos profun-damente sepultados de ter sido negligenciada e por vezes tratada comcrueldade por sua mãe começaram a emergir, e parecia que o problemaentre as duas ia muito além do fato da sua mãe ter-se preocupado com airmã doente havia tempo, negligenciando a paciente.

Durante os meses seguintes, a paciente passou a aceitar que fazendouma retrospectiva o comportamento da sua mãe durante sua infância edurante boa parte da idade adulta tinha sido com freqüência visivel-mente hostil. Na verdade, o que surgiu foi que os parentes e amigoshaviam comentado sobre isso ao longo dos anos, mas a paciente nãotinha o registro da atitude da sua mãe, nem acolhera os comentários dosque estavam à sua volta. Ela entendeu que a hostilidade e ressentimentoda sua mãe e seu próprio ressentimento e hostilidade recíprocos emrelação a ela eram realidades psicológicas que ela não havia conseguidotolerar e, ao invés disso, havia cindido e reprimido. A repressão dasrelações objetais paranóides tinha sido apoiada pelo apego à relaçãoobjetal defensiva de uma mãe boa com uma filha dispensável, permitin-do, assim, a continuidade da esperança quanto a uma relação de cuida-dos idealizada.

Quando pacientes deste tipo são tratados em PDPLP, boa parte do proces-so de elaboração envolve tolerar e fazer o luto pela perda de imagens idealiza-das das relações dependentes. Este processo será acompanhado por uma capa-cidade crescente por parte do paciente de experienciar de maneira realista etolerar a agressão e o ressentimento direcionados a ou vindos de pessoas aquem o paciente ama e de quem depende. Por fim, o paciente terá um novosenso de merecimento de amor e cuidados.

Embora a ativação e encenação das relações objetais paranóides possa serdramática, e a elaboração das ansiedades paranóides possa ser desafiadora eleve tempo, a ansiedade central com a qual este grupo de pacientes luta é aperda dolorosa de uma mãe ideal e atenciosa ou de outro cuidador em relação aum self ideal que está livre de agressão e é merecedor integral de amor e atenção.

Reação terapêutica negativa

O termo reação terapêutica negativa descreve uma situação em que opaciente tem um ganho terapêutico e então reage tornando-se mais sintomático,

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ansioso ou deprimido ou desfazendo os ganhos atingidos (Sandler et al., 1992).Embora as reações terapêuticas negativas possam ocorrer em qualquer fase dotratamento, elas são mais comuns na fase intermediária do tratamento da pa-tologia leve de personalidade, quando o paciente começa a desenvolver umsenso realista da ajuda proporcionada pelo terapeuta e pelo tratamento.

Em pacientes com patologia leve de personalidade, a dinâmica da reaçãoterapêutica negativa geralmente tem a ver com a culpa do paciente, conscien-te ou inconsciente, por receber ajuda ou obter ganhos. É comum que os pa-cientes não se sintam merecedores da ajuda do terapeuta ou que se preocu-pem que qualquer ganho obtido vai acontecer de alguma forma à custa dosoutros ou “deixará para trás” pessoas com quem o paciente se importa. Asreações terapêuticas negativas deste tipo, que refletem ansiedades depressivas,precisam ser trabalhadas de forma meticulosa – para alguns pacientes, muitasvezes – durante o curso da fase intermediária e serão trabalhadas mais umavez durante o término.

As reações terapêuticas negativas nem sempre são resultado dos confli-tos depressivos, e é importante ter em mente que às vezes elas refletem defe-sas contra as ansiedades paranóides. Neste contexto, o reconhecimento dopaciente de que o terapeuta o auxiliou ou tem alguma coisa significativa alhe oferecer pode fazer com que o terapeuta pareça “poderoso demais” aosolhos do paciente. Em conseqüência, a ajuda do terapeuta pode estimularsentimentos de inferioridade, inveja ou hostilidade, assim como temores deser explorado ou controlado, acompanhados de impulsos de desfazer quais-quer ganhos que tenham sido obtidos. As reações terapêuticas negativas re-sultantes das ansiedades paranóides associadas à inveja são comuns em pa-cientes com transtornos graves de personalidade e em pacientes narcisistasem particular. Embora menos comum, esta forma de reação terapêutica ne-gativa também pode ser vista em pacientes com patologia leve de personali-dade. Pacientes com patologia leve de personalidade e com conflitos narci-sistas proeminentes são especialmente propensos a reações terapêuticas ne-gativas como resultado da inveja.

ILUSTRAÇÃO CLÍNICA DE REAÇÕES TERAPÊUTICAS NEGATIVAS

Para ilustrar as duas formas de reação terapêutica negativa e como elaspodem se apresentar na PDPLP, voltemos ao paciente antes descrito nes-te capítulo, que era tão difícil e questionador na fase de abertura do seutratamento, encenando a relação objetal de um superior crítico edesvalorizador e um subordinado incompetente. Na parte inicial da faseintermediária do tratamento deste paciente, foi-lhe dito durante a suaavaliação de desempenho que ele estava fazendo um trabalho melhorcomo gerente. O paciente sentiu-se satisfeito, mas entrou na sessão da-quela tarde questionando se as coisas não estariam andando lentas de-mais no tratamento e se um terapeuta diferente ou um tipo diferente de

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tratamento não seria mais eficiente. Queixou-se de que tinha se sentidodeprimido. Quando a sessão progrediu, começou a sentir-se um tantoparanóide em relação ao terapeuta, e perguntou-se por que o terapeutanão havia levantado a possibilidade de uma mudança no tratamento etambém por que não havia respondido de forma direta aos comentáriosdo paciente quanto a fazer uma mudança.

Em resposta, o terapeuta assinalou a aparente contradição entre aatitude atual do paciente em relação ao terapeuta e o tratamento, porum lado, e a sua avaliação positiva no trabalho, por outro. Parecia que otratamento estava ajudando o paciente com as dificuldades pelas quaisele tinha vindo buscar ajuda, embora bem neste momento se mostrasseespecialmente insatisfeito. O terapeuta continuou a sugerir que talvez, ede maneira paradoxal, ele não estivesse feliz em sua plenitude ao desco-brir que o terapeuta tinha sido capaz de ajudá-lo. Quando o pacienteindicou que não discordava, o terapeuta continuou a sugerir que talveza situação tenha feito com que ele sentisse que o terapeuta era “podero-so demais”. Era quase como se a ajuda do terapeuta deixasse o pacientesentindo-se diminuído, como se o terapeuta estivesse “se exibindo” aoser capaz de ajudá-lo com uma coisa que ele não tinha conseguido fazersozinho.

O terapeuta também levantou a possibilidade de que os ganhos al-cançados recentemente no tratamento não apenas deixaram o pacientesentindo-se deprimido em relação a si mesmo, como também desconfia-do do terapeuta. Afinal de contas, se o terapeuta tinha “coisas boas” aoferecer, por que ele não as tinha compartilhado de forma mais eficien-te? O paciente reconheceu que, de passagem, havia tido este pensamen-to; além do mais, quando pensou nisso, ele se deu conta de que naqueledia tinha se sentido desconfiado em relação ao terapeuta.

Depois disso, na fase intermediária do tratamento, o paciente maisuma vez recebeu uma avaliação de desempenho positiva no trabalho.Os seis meses anteriores do seu tratamento tinham sido dedicados àcompreensão e elaboração dos seus sentimentos conflituosos em rela-ção ao seu chefe. Durante sua avaliação, o chefe comentou sobre o quantohavia gostado de trabalhar com o paciente. O chefe continuou, dizendoque o paciente tinha sido muito recomendado para uma promoção.

No dia seguinte, o paciente chegou à sessão para contar a boa notí-cia, mas também para dizer que de repente estava se sentindo deprimi-do – pelo menos tão deprimido quanto estava quando chegou para tra-tamento. Questionou mais uma vez se o tratamento estava ajudando defato, e mais para o final da sessão anunciou que havia decidido encerraro tratamento. Afinal de contas, sem dúvida ele já havia atingido tudo oque poderia.

Uma vez mais, o terapeuta vinculou o humor depressivo atual dopaciente e sua atitude niilista em relação ao seu tratamento aos progres-sos favoráveis no trabalho. Sugeriu que talvez o paciente estivesse sesentindo deprimido agora e desejando encerrar o tratamento porque,fora da sua consciência, ele se sentia culpado ou não merecedor da aju-da que estava recebendo na terapia. O paciente imediatamente comen-

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tou que tinha conseguido desfrutar as palavras de incentivo do seu che-fe apenas por um minuto, e depois começou a se preocupar que a pro-moção o colocaria em posição de competição com seu chefe – e também,talvez, de ganhar mais dinheiro do que o terapeuta jamais conseguiriaganhar.

Elaboração dos antecedentes desenvolvimentaisdas relações objetais conflitantes

No Capítulo 7 (“As Técnicas, Parte II: Intervenção”), ao apresentarmos oprocesso de interpretação, comentamos que na PDPLP não enfatizamos as in-terpretações “genéticas” que vinculam os conflitos atuais à história inicial dopaciente, mas que, ao invés disso, de forma geral focamos as relações objetaisconflitantes conforme são encenadas no aqui e agora, tanto na vida atual dopaciente quanto no tratamento. Entretanto, quando um paciente ingressa nafase intermediária e os conflitos centrais são elaborados, pode ser útil vincula-rem-se as relações objetais que estão sendo elaboradas no aqui e agora a figu-ras e experiências importantes na história do desenvolvimento do paciente.Enquanto a interpretação prematura do papel do passado geralmente leva adiscussões intelectualizadas com benefício terapêutico limitado, as interpreta-ções oportunas que vinculam a história inicial do paciente às relações objetaisque estão vivas no tratamento podem proporcionar profundidade e um signi-ficado adicional ao processo de elaboração.

Assim, na fase intermediária da PDPLP, a identificação e exploração dasligações entre as relações objetais que definem os conflitos centrais do pacien-te e as figuras e acontecimentos importantes na história do seu desenvolvi-mento passam a fazer parte do processo de elaboração.

Marcadores de mudança e transição para a fase de término

Enquanto que nas partes iniciais da fase intermediária pode-se levar vá-rias sessões para identificar e explorar de maneira integral um dado conflito eas relações objetais associadas, no final da fase intermediária vemos freqüente-mente a encenação e análise de todo um conflito, defesa, ansiedade e motiva-ção conflitante, ou mesmo de vários conflitos centrais, dentro de uma únicasessão. Esta mudança reflete a diminuição da rigidez da personalidade, demodo que os vários componentes de um conflito estão prontamente acessíveisà consciência, e também a familiaridade do paciente e terapeuta com as rela-ções objetais defensivas e impulsivas dominantes associadas aos conflitos cen-trais do paciente, de modo que elas podem ser identificadas com relativa rapi-dez e facilidade. Além disso, tipicamente encontramos um aumento na capaci-

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dade do paciente de observar, refletir sobre e elaborar de forma independenteos conflitos que estão sendo encenados, geralmente com pouca necessidadede intervenção do terapeuta, quando o paciente está se encaminhado para aúltima parte da fase intermediária e em direção à término.

Na fase intermediária do tratamento, as relações objetais associadas aosconflitos subjacentes às queixas atuais do paciente são encenadas e elaboradasde forma incessante. Como resultado deste processo, as relações objetais confli-tantes vão se tornando mais integradas e menos ameaçadoras de forma gradual,e assumem um colorido mais ambivalente e, de maneira geral, mais positivo.Assim, enquanto na parte inicial e intermediária da PDPLP a emergência derelações objetais integradas de maneira mais frágil é uma indicação da pro-gressão do tratamento, no final da fase intermediária o progresso é marcadopela integração gradual das representações e afetos associados às relaçõesobjetais conflitantes. Essas relações objetais mais integradas são toleradas cons-cientemente pelo paciente e reconhecidas como aspectos conflitantes da suaexperiência de self. Este processo anuncia a transição da fase intermediáriapara a de término.

A FASE DE TÉRMINO

A fase de término tem a duração típica de três a seis meses e começaquando paciente e terapeuta decidem encerrar o tratamento. O objetivo dafase de término é consolidar os ganhos conseguidos durante o tratamento eelaborar as ansiedades ativadas pela perspectiva de término. Durante o cursodo tratamento, as observações a respeito dos ganhos e a realização de progres-sos para atingir os objetivos do tratamento preparam o paciente para o térmi-no ajudando-o a manter a consciência de que o tratamento irá de fato se en-cerrar e que os objetivos do tratamento são finitos. A forma como as separa-ções, perdas, desapontamentos e sucessos foram tratados durante o curso dotratamento, acrescidas as informações recebidas quanto à natureza dos confli-tos do paciente nessas áreas, também terão impacto sobre o grau de prontidãocom o que paciente enfrentará os desafios apresentados pela fase de término.

Indicações para o término

As indicações para o término da PDPLP são determinadas pelos objetivosdefinidos no início do tratamento. Quando esses objetivos foram atingidos, ouse aproximam da satisfação do paciente, e quando esses ganhos são estáveis, éhora de se considerar o término. A melhora sintomática como resultado dotratamento deve corresponder a mudança na personalidade (isto é, diminui-

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ção na rigidez da personalidade) em áreas de funcionamento vinculadas àsqueixas atuais do paciente. O uso decrescente da rigidez da personalidade,juntamente com os objetivos do tratamento como critérios para o término, irádistinguir os verdadeiros ganhos terapêuticos da “cura transferencial”, em queexiste uma melhora sintomática na ausência de mudança na personalidade.No caso da cura transferencial, a melhora do paciente depende do contatocontínuo com o terapeuta, enquanto os ganhos que refletem mudança na per-sonalidade são relativamente estáveis e serão mantidos ou ainda poderão con-tinuar a se desenvolver após o término.

Muitos pacientes, se não a maioria, ficam sintomáticos em algum pontona fase de término e pode parecer que perderam os ganhos que foram alcança-dos no tratamento. Esta aparente regressão deve ser tratada como um aspectoquase que rotineiro na elaboração da fase de término e não necessariamentecomo uma indicação para reconsiderar-se o término do tratamento.

O momento do término

O assunto do término pode ser introduzido pelo paciente ou pelo tera-peuta. Alguns pacientes levantam este tópico durante o curso do tratamento.Quando o fazem de maneira prematura, seus comentários refletem tipicamen-te reações às relações objetais ativadas na transferência. A sugestão prematurado paciente de encerrar o tratamento deve ser explorada e analisada, exata-mente como seria qualquer outro material clínico.

Em contraste, nas últimas partes da fase intermediária, quando os objeti-vos do tratamento foram atingidos num grau significativo, torna-se mais apro-priado discutir o término em termos realistas. É importante que o terapeuta dePDPLP tenha em mente que, independente de ser o paciente ou o terapeutaquem levanta o tópico, e mesmo que o paciente esteja confortável com a idéiade que é hora de encerrar o tratamento, a discussão do término como umapossibilidade real irá provocar reações no paciente. Antes de seguir em frentee definir uma data para o encerramento, paciente e terapeuta deverão explo-rar o que significa para o paciente encerrar o tratamento, dando particularatenção às fantasias transferenciais vinculadas a essa discussão.

Recomendamos a definição de uma data de término com pelo menos trêsmeses, e não mais de seis meses, antes do encerramento real, sendo que ostratamentos mais longos se beneficiam com uma fase de término mais longa.Menos de três meses geralmente não é um tempo suficiente para consolidar osganhos e elaborar as questões estimuladas pelo encerramento do tratamento.Por outro lado, se for definida uma data com muito tempo de antecedência, aperspectiva do término fica tão distante que o paciente não consegue se foca-lizar de maneira realistica no encerramento.

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Análise das separações durante o tratamento

A análise das respostas do paciente às separações do terapeuta duranteos fins-de-semana, férias e doenças durante o curso do tratamento irá predizeras reações do paciente ao término. As respostas do paciente à separação doterapeuta podem ser descritas ao longo de um espectro de graus de integração –desde paranóides, passando pelas depressivas, até as normais. As reações nor-mais à separação do terapeuta incluem tristeza, sentimento de perda e luto.Dependendo das circunstâncias, uma reação normal à separação também podeincluir um sentimento de liberdade, de bem-estar e de olhar antecipadamentepara o futuro.

As reações depressivas à separação são dominadas por intensa tristeza eidealização do terapeuta, quase sempre junto com sentimentos de culpa,desmerecimento e uma tendência a apegar-se à relação. Fantasias de ser res-ponsável por ter afastado ou exaurido o terapeuta também são comuns.

Em contraste, as respostas paranóides à separação do terapeuta sãomarcadas por ansiedade grave, de forma que, ao invés de tristeza, o pacienteexperiencia intensa ansiedade e medo de abandono. Existe uma tendência aver o terapeuta como um objeto “mau” que está abandonando, atacando oufrustrando o paciente.

Durante o curso do tratamento, o terapeuta explora as reações do pacienteàs interrupções no tratamento. A análise repetitiva destas reações levará o paci-ente de uma reação mais paranóide ou depressiva em direção a uma reaçãonormal, e irá prepará-lo para o término. Quando os pacientes apresentam umamistura de reações paranóides e depressivas à separação, as reações paranóidesdevem ser analisadas antes das depressivas; conforme discutido anteriormente,a análise das relações objetais paranóides facilitará a elaboração mais completae bem-sucedida dos conflitos depressivos. Na PDPLP, os elementos paranóidesnas reações do paciente às separações podem às vezes dar a oportunidade deexplorar e elaborar relações objetais mais “primitivas” que, de outra maneira,estariam reprimidas demais para serem acessadas no tratamento.

ILUSTRAÇÃO CLÍNICA DE ANSIEDADES ESTIMULADASPELA SEPARAÇÃO DO TERAPEUTA

Como exemplo de emergência das relações objetais paranóides reprimi-das num paciente com patologia leve de personalidade em resposta àseparação do terapeuta, descrevemos uma vinheta do tratamento deuma jovem mulher com depressão leve, que apresentava graves inibi-ções sexuais e problemas com a auto-estima. No tratamento, os conflitosdepressivos em torno de temas competitivos sexuais e agressivos foramencenados e analisados. O terapeuta fez interpretações em relação àculpa da paciente a respeito de triunfos edípicos imaginados e da suanecessidade defensiva de ver a si mesma de uma forma desvalorizada. O

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terapeuta encontrou poucas evidências manifestas de relações objetaisparanóides na fase de abertura do tratamento.

Com uns 10 meses de tratamento, o terapeuta tirou quatro semanasde férias planejadas. Mais ou menos na metade deste período de inter-rupção, a paciente ficou agudamente paranóide em relação ao seu mari-do. Ela o experienciava como egoísta e insensível, alguém que a explora-va e não tinha nenhuma preocupação com o seu bem-estar. Ela estavaenraivecida. Entretanto, ao mesmo tempo estava consciente de que seussentimentos não eram sensatos e eram diferentes de qualquer coisa queela havia experienciado durante os cinco anos de um casamento relati-vamente feliz.

Com o retorno do terapeuta, foi possível analisar a relação objetal deuma figura materna insensível e egoísta em relação a uma criançaenraivecida, a qual tinha sido ativada pela saída do terapeuta. Esta rela-ção objetal paranóide, que estava subjacente aos conflitos da pacienteem torno da competição, havia estado inteiramente inconsciente até serativada pela separação do terapeuta. A elaboração das preocupaçõesparanóides que foram ativadas pela saída do terapeuta facilitaram a sub-seqüente elaboração bem-sucedida dos conflitos edípicos.

Como exemplo de uma reação normal à separação, descrevemos ou-tro paciente que se aproximava do fim de um tratamento de sucesso. Elecomeçou a falar sobre encerrar o tratamento vários meses antes dasférias de verão do terapeuta. A data para o encerramento ainda nãoestava definida, mas o paciente continuava a achar que queria dar umfechamento às coisas. Na véspera das férias do terapeuta, o pacienteobservou que, embora previsse que sentiria falta do terapeuta e do tra-tamento, como já havia acontecido durante as interrupções do trata-mento no passado, ele se sentia menos amedrontado e menos necessita-do a esse respeito. De certa forma ele estava ansioso pela oportunidadede ver como seria não ter o terapeuta para se apoiar, e que como elegeralmente via o terapeuta no início da manhã, também previa comprazer mais manhãs de tempo livre na cama com sua namorada.

Em contraste, durante as férias do terapeuta no verão anterior, estemesmo paciente tinha percebido que se sentia carente antes de oterapeuta partir, e havia tido o pensamento de que o terapeuta poderiaestar ansioso por ter uma trégua das “lamúrias” do paciente. Duranteaquela interrupção, o paciente tinha se sentido deprimido e autocríticoe estava convencido de que estava se saindo mal no trabalho. A conexãoentre esses afetos e a ausência do terapeuta não ficaram evidentes parao paciente até que o terapeuta mostrou isso após o seu retorno.

Separação no final do tratamento

No momento em que o paciente com patologia leve de personalidade seaproxima do término, terapeuta e paciente terão tido muitas oportunidadesde analisar as respostas do paciente às separações do terapeuta. Tipicamente,

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em PDPLP, vemos uma mistura de reações normais e depressivas ao término.As reações depressivas ao término devem ser analisadas sistematicamente eelaboradas no transcurso dos meses anteriores ao encerramento do tratamen-to. Não recomendamos o encerramento do tratamento se a experiência deseparações do paciente permanecer predominantemente paranóide. Emboranão sejam incomuns reações paranóides transitórias à separação, as reaçõesparanóides persistentes e predominantes são indicadores para uma maior ela-boração das ansiedades paranóides na continuação do tratamento.

Até aqui nos detivemos nas reações típicas dos pacientes à separação doterapeuta no término, a partir da perspectiva da perda. Entretanto, as reaçõestípicas ao término da PDPLP envolvem não apenas a experiência da perda, mastambém reações ao sucesso. É comum, se não universal, que pacientes que en-cerram tratamentos bem-sucedidos tenham pelo menos uma leve preocupaçãode que estão de alguma maneira magoando o terapeuta ao irem embora. Ospacientes podem imaginar que o terapeuta vai sentir-se sozinho, deixado paratrás ou velho com a ausência do paciente, ou que ele dependa da renda provenien-te do paciente e ficará sobrecarregado financeiramente pelo afastamento bem-sucedido do mesmo. A análise destas fantasias durante a fase de término ofereceuma última oportunidade para elaborar os conflitos depressivos na transferên-cia e ajudará a consolidar os ganhos conseguidos no tratamento.

Ambivalência na fase de término

Além de observar e consolidar os ganhos, os pacientes em fase de térmi-no da PDPLP também devem considerar o que não foi atingido no tratamento.Eles devem reconhecer e fazer o luto não só pela perda do terapeuta comotambém pela perda de uma versão ideal do que era esperado que alcançassemno tratamento. Mesmo quando os objetivos do tratamento são atingidos comsucesso, o paciente na fase de término é confrontado com a realidade de quesua personalidade e seu comportamento continuam não sendo perfeitos. Acapacidade de elaborar tanto os desapontamentos quanto os ganhos de umtratamento de sucesso em PDPLP implica que o paciente tenha atingido umsenso de si confortavelmente integrado.

A elaboração dos desapontamentos também envolve defrontar-se com odesapontamento com o terapeuta e o tratamento. A capacidade de manter umavisão geral positiva do terapeuta enquanto mantém a consciência das suas limi-tações implica uma atitude ambivalente por parte do paciente em relação aoterapeuta. Em um término de sucesso, os sentimentos de desapontamento eressentimento podem estar contidos dentro de uma visão mais geral da relaçãoterapêutica, caracterizada pela ajuda que o terapeuta proporcionou.

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Manutenção da estrutura do tratamento durante o término

Recomendamos a manutenção de uma estrutura de duas vezes por sema-na durante o final do tratamento. O desejo por parte do paciente ou do terapeutade reduzir as sessões ou de “desmamar” o paciente do tratamento reflete odesejo de mitigar as ansiedades estimuladas pelo final do tratamento e a sepa-ração do terapeuta. Em PDPLP, isto é o que não queremos fazer; ao contrário,queremos permitir que estas ansiedades apareçam para que possam ser explo-radas e elaboradas. Este processo facilita que o paciente funcione bem sem oterapeuta na fase posterior ao término e também oferece uma oportunidadeimportante de consolidar os ganhos do tratamento.

Também recomendamos a manutenção da relação terapêutica, sem aban-donar a neutralidade técnica ou alterar a forma como paciente e terapeutainteragem, quando o tratamento chega ao fim. Dito isso, acrescentamos que éinevitável que a relação entre paciente e terapeuta assuma uma qualidademais realista quando o tratamento chega ao fim e as transferências são elabo-radas. Entretanto, além desta evolução natural na relação terapêutica, nãorecomendamos que o terapeuta altere seu papel ou assuma uma atitude maisamistosa ou abertamente apoiadora em relação ao paciente durante as sema-nas finais de tratamento. Nas sessões finais, é apropriado que o terapeuta res-salte os ganhos que foram atingidos e comunique todos os sentimentos positi-vos que ele tem quanto a ter trabalhado com o paciente.

Reações do terapeuta o término com o paciente

É natural que o terapeuta experiencie uma reação de luto ao final de umtratamento de PDPLP – ainda mais se foi especialmente longo ou gratificante.Além disso, preocupações depressivas por parte do terapeuta não são incomunsno término. Quando os pacientes expressam e elaboram seu desapontamentono tratamento, não é raro que os terapeutas sintam-se culpados. Sentimentosde remorso ou autocrítica – como os de que o terapeuta poderia ter feito umtrabalho melhor ou que talvez outra pessoa pudesse tê-lo feito – são particu-larmente comuns entre os terapeutas inexperientes. Assim como o paciente, oterapeuta deve adaptar-se ao que não foi atingido no tratamento.

Término prematuro

Alguns pacientes desejam encerrar o tratamento antes que os objetivosdo tratamento tenham sido atingidos. Nesta situação, o terapeuta deve explo-

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rar as motivações do paciente para sair e vinculá-las a ansiedades que estãosendo ativadas atualmente no tratamento, prestando atenção especial à trans-ferência. Se o paciente persistir em querer sair do tratamento, o terapeutadeve fazer com ele uma avaliação realista do que foi alcançado, o que não foialcançado e o que poderia ser esperado de um trabalho posterior.

Se o paciente persistir em querer encerrar o tratamento de maneira pre-matura, o terapeuta deve evitar entrar numa luta de poder. É apropriado queo terapeuta seja franco sobre suas reservas quanto a encerrar naquele momen-to e então estabeleça uma data acordada entre ambos para deixarem de seencontrar, sendo ideal, no mínimo, um mês de antecedência. O terapeuta podeexplicar ao paciente que é útil estabelecer-se este período de tempo para fazerum fechamento nas coisas e consolidar os ganhos. O terapeuta também deveexplicar que “a porta está aberta” caso o paciente ache que gostaria de conti-nuar o tratamento em algum momento no futuro.

Contato pós-término

Se o paciente não levantar a questão de um futuro contato entre terapeutae paciente após o final do tratamento, é apropriado que o terapeuta o faça.Não é raro que os pacientes achem que não “devem” ou que não é “permitido”fazer contato com o terapeuta no futuro, e que fazer isso indicaria uma falhano tratamento. O terapeuta deve informar que está à disposição do paciente eque ficaria feliz em ter notícias dele no futuro, caso surja a necessidade.

Alguns pacientes irão perguntar sobre encontrar-se socialmente com oterapeuta, por exemplo encontrá-lo para almoçar, depois de terminado o tra-tamento. Recomendamos de forma enfática que o terapeuta de PDPLP eviteter relação social com os pacientes após o término.

IMPASSE TERAPÊUTICO

Alguns tratamentos não evoluem até o término. Ao invés disso, eles pare-cem ficar atolados em algum ponto da fase intermediária. Às vezes terapeutae paciente começam a sentir como se estivessem trancados dentro de umadiscordância fundamental ou um problema de comunicação que não pode seranalisado e elaborado com sucesso. Outras vezes, o que no início parecia estarsendo elaborado começa a dar a impressão de estar andando em círculos; omesmo material aparece repetidamente e pode ser explorado, porém este pro-cesso não leva a nenhum lugar novo e o tratamento não progride. Não é

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incomum que situações deste tipo surjam durante o curso do tratamento edurem várias sessões ou até mesmo várias semanas. Contudo, se a situaçãopersistir por um período de meses, começamos a pensar em termos de um“impasse terapêutico”.

Causas comuns de impasse terapêutico

É necessário que o terapeuta diagnostique a causa principal de um impasseterapêutico prolongado antes de decidir como proceder. Às vezes um impassereflete uma encenação crônica da transferência-contratransferência que nãofoi identificada pelo terapeuta ou suficientemente elaborada (Schlesinger,2005). Em conseqüência, as mesmas relações objetais são encenadas muitasvezes como forma de evitar a ativação dos conflitos subjacentes – em detri-mento do progresso do tratamento. Outras causas comuns de impassesterapêuticos em PDPLP são os transtornos do Eixo I e diagnósticos incorretosdo nível de organização da personalidade do paciente que não foram diagnos-ticados, foram diagnosticados de maneira incorreta ou tratados inadequada-mente. Os ganhos secundários não diagnosticados também podem levar aestase, embora seja menos comum encontrar isto no tratamento de pacientescom patologia leve de personalidade do que no de pacientes com patologiamais grave de personalidade.

Quando o processo psicoterápico está emperrado, o que quase sempresurge é que contratransferências crônicas estão interferindo na capacidade doterapeuta de diagnosticar o que realmente está acontecendo no tratamento.Ou então o terapeuta pode compreender de forma correta o que está aconte-cendo, mas sente-se de alguma forma restringido na contratransferência, nãoconseguindo assim fazer uso efetivo da sua compreensão para fazer o trata-mento avançar. Em conseqüência, se um tratamento fica emperrado por umperíodo de vários meses e o terapeuta não consegue esclarecer a causa doproblema ou não consegue ajudar o paciente na elaboração, a consulta a umcolega será sempre indicada e geralmente de grande ajuda.

LEITURAS SUGERIDAS

Fairbairn R: The repression and the return ofbad objects (with special reference to the “WarNeuroses”) (1943), in Psychoanalytic Studies of Personality. London, Routledge, 1952, pp59-81

Freud S: Recommendations to physicians practicing psychoanalysis (1912), in The StandardEdition of the Complete Psychological Works of Sigmund Freud, Vol 12. Edited and translatedby Strachey J. London, Hogarth Press, 1958, pp 109-120

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248 Caligor, Kernberg & Clarkin

Gray P: On helping analysands observe intrapsychic activity, in The Ego and Analysis ofDefense, 2nd Edition. New York, Jason Aronson, 2005, pp 63-86

Klein M: On the criteria for terminating a psycho-analysis. Int J Psychoanal 31:78-80, 1950

Rosenfeld H: Negative therapeutic reaction. Reported in the transactions of the TopekaAnalytic Society. Bull Menninger Clin 34:180-192, 1970

Sandler J, Dare C, Holder H: The negative therapeutic reaction, in The Patient and theAnalyst, 2nd Edition. Madison, CT, futernational Universities Press, 1992, pp 121-132

Schafer R: The termination of brief psychoanalytic psychotherapy. futernational Journal ofPsychoanalytic Psychotherapy 2:135-148, 1973

Schlesinger HJ: Endings and Beginnings: On Terminating Psychotherapy and Psychoanalysis.Hillsdale, NJ, Analytic Press, 2005

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Combinação da PDPLP como manejo medicamentoso e

outras formas de tratamento

Os pacientes com patologias leves de personalidade que são vistos em con-sulta podem apresentar uma variedade de sintomas ou problemas de relacio-namento. Em particular, são comuns os sintomas de depressão e ansiedade,problemas conjugais, sintomas sexuais e várias formas de abuso de substâncias.Como a psicoterapia dinâmica das patologias leves de personalidade (PDPLP)não é um tratamento para sintomas específicos ou transtornos do Eixo I doDSM-IV-TR (American Psychiatric Association, 2000), esses pacientes reque-rem uma avaliação diagnóstica cuidadosa para determinar se existem indica-ções para intervenção psicofarmacológica ou psicoterapia orientada para osintoma ou orientada para o problema, em vez de ou em combinação com aPDPLP. Dependendo da natureza das dificuldades do paciente, a PDPLP podeàs vezes ser vantajosamente combinada com a administração de medicação,terapia de casal, terapia sexual, terapia de grupo, terapia comportamental,terapia cognitivo-comportamental (TCC) e programas dos 12 passos.

Neste capítulo, enfocaremos o manejo com pacientes que apresentampatologias leves de personalidade clinicamente significativa e um transtornodo Eixo I ou problemas de relacionamento que possam justificar atenção espe-cífica. Enfocamos, em primeiro lugar, as estratégias para a combinação daPDPLP com o controle psicofarmacológico da depressão. Além disso, aborda-mos o manejo de pacientes com transtornos de ansiedade e comentamos deforma breve sobre a combinação da PDPLP com outras formas de psicoterapiapara problemas conjugais, sexuais e interpessoais.

Capítulo 11Capítulo 11

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COMBINAÇÃO DA PDPLP COM TRATAMENTOS PARA DEPRESSÃO

Grande parte dos pacientes com patologias leves de personalidade vistosem consulta queixam-se de “depressão”. O diagnóstico diferencial para pa-cientes que apresentam queixas de humor depressivo inclui depressão maior,distimia, depressão sem outra especificação, transtornos bipolares, reações deajustamento com humor depressivo, reações de luto patológico, depressão se-cundária a doença física, disforia crônica como parte de um transtorno depersonalidade do DSM-IV-TR, e afeto deprimido associado à patologia leve depersonalidade.

Se durante a consulta inicial um paciente confirmar os sintomas depres-sivos, o terapetuta deverá fazer uma avaliação cuidadosa para doençadepressiva. Não raro, os pacientes apresentarão uma combinação complexade doença afetiva, co-morbidade com rigidez da personalidade e estresorespsicossociais significativos, todos os quais parecem contribuir para o atual humordepressivo do paciente. Contudo, independentemente da impressão doterapeuta a respeito da etiologia dos sintomas depressivos do paciente, o diag-nóstico de doença afetiva é feito com base nas características descritivas dadoença do paciente.

A depressão tende a ser recorrente e o tratamento adequado e oportunoreduz o risco de recorrência (Dubovsky et al., 2003). Como resultado, quandoum paciente recebe o diagnóstico de doença depressiva e patologia leve depersonalidade, o controle da depressão é a prioridade clínica mais imediata.Quando a impressão diagnóstica é de depressão maior ou distimia no DSM-IV-TR, juntamente com rigidez clinicamente significativa da personalidade, oterapeuta deve compartilhar esta impressão com o paciente, examinar as op-ções de tratamento e, junto com ele, formular um plano de tratamento.

Uma variedade de tratamentos demonstrou eficácia para depressão maiore distimia. Além das medicações antidepressivas, muitas psicoterapias orienta-das para os sintomas foram desenvolvidas e se mostraram efetivas no trata-mento da depressão. A TCC é a psicoterapia para a depressão que já foi maisamplamente estudada, mas a terapia interpessoal (TI) e, em menor grau, apsicoterapia dinâmica breve também se mostraram efetivas (Beutler et al.,2000; Lambert e Ogles, 2004; Leichsenring, 2001).

Em contraste com a medicação antidepressiva e as psicoterapias orienta-das para o sintoma, a PDPLP não foi sistematicamente estudada como umtratamento para doenças afetivas, e existem poucos dados empíricos para apoiara sua eficácia. Baseados nisso, não recomendamos a PDPLP como um trata-mento para depressão até que as opções padrão de tratamento tenham seesgotado. Ao mesmo tempo, os tratamentos para depressão não são concebi-dos para tratar a rigidez da personalidade. Em conseqüência, para o pacientecom doença depressiva no contexto de rigidez clinicamente significativa leve

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de personalidade, geralmente recomendamos a combinação de medicaçãoantidepressiva com a PDPLP.

Tratando os transtornos depresivos: tratamento seqüencial

Ao tratar o paciente que apresenta doença depressiva no contexto deuma patologia leve de personalidade clinicamente significativa, recomenda-mos o tratamento seqüencial. Especificamente, recomendamos iniciar o trata-mento da depressão antes de nos direcionarmos para a patologia de persona-lidade subjacente. Fazemos esta recomendação, em parte, porque o que pare-ce ser rigidez da personalidade pode melhorar quando os sintomas afetivos seresolverem (Dubovsky et al., 2003). Em outros casos, o paciente fica satisfeitoquando a doença afetiva é tratada, porque a rigidez da personalidade é relati-vamente leve ou não está perturbando o paciente. Ou então, em casos em quea rigidez da personalidade é clinicamente significativa, quando os sintomasdepressivos se resolvem, paciente e terapeuta podem ver de forma mais claraas maneiras em que a rigidez da personalidade e os padrões de comportamen-to mal-adaptativo continuam a causar angústia e a interferir no funcionamentoe satisfação na vida do paciente. Nesta situação, quando os sintomas afetivosmelhoram, torna-se apropriado identificar os objetivos específicos do trata-mento e começar a trajetória da PDPLP.

O objetivo da administração medicamentosa é obter uma completa re-missão dos sintomas ou então alcançar a melhor resposta possível à medica-ção. Como menos de 50% dos pacientes deprimidos atingem a remissão com oprimeiro inibidor de reingestão de serotonina seletiva (SSRI) prescrito (Thaseet al., 2001), muitos pacientes precisarão de administração contínua de medi-camentos, que envolva uma mudança de medicamento ou aumento no trata-mento originalmente prescrito. Além do mais, quando a medicação foi prescri-ta e houve uma resposta parcial, não podemos presumir que os sintomas resi-duais da depressão reflitam a rigidez da personalidade até que uma estratégiapsicofarmacológica sistemática tenha sido esgotada. Como resultado, o trata-mento seqüencial com freqüência significará iniciar um programa de testescom a medicação, obtendo a remissão parcial dos sintomas e começando aPDPLP enquanto se continua a otimização do manejo medicamentoso dos sin-tomas depressivos.

A alternativa ao tratamento seqüencial da doença depressiva e da pato-logia leve de personalidade é estabelecer objetivos de tratamento e iniciar aPDPLP enquanto simultaneamente se começa o tratamento farmacológico paraa depressão. O problema com esta abordagem é que os objetivos do tratamen-to podem mudar ou até mesmo desaparecer quando a depressão tiver remis-são. Além do mais, pacientes deprimidos freqüentemente não conseguem fa-

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zer uso integral da PDPLP e se darão melhor com uma abordagem psico-terapêutica mais estruturada adequada ao manejo dos sintomas, até que ossintomas afetivos comecem a entrar em remissão.

Quando o tratamento seqüencial é iniciado, a medicação pode ser pres-crita pelo terapeuta em PDPLP (se ele for psiquiatra), enquanto atende o pacien-te em sessões semanais ou bissemanais. Nestas sessões, terapeuta e pacientepodem se conhecer e começar a estabelecer uma aliança de trabalho, enquan-to focalizam o enfrentamento da depressão, o manejo dos sintomas, o monitora-mento dos efeitos colaterais da medicação e a reposta ao tratamento. No casode uma depressão sem complicações que responde ao SSRI, quando os sinto-mas da depressão entram em remissão, os objetivos da PDPLP podem ser esta-belecidos e é iniciada a trajetória da terapia.

Se o paciente não quiser tomar medicação e os sintomas não forem graves,TCC, TI e STDP serão as alternativas à administração medicamentosa. Nestecontexto, após concluir o curso de uma terapia para a depressão, clínico e pa-ciente poderão reavaliar a necessidade e a motivação do paciente para a PDPLP.

No início do trabalho com um paciente para quem o tratamento específi-co para a depressão e a PDPLP são aparentemente indicados, é importante queo terapeuta seja explícito com o paciente sobre os diferentes objetivos para asduas abordagens de tratamento, as diferentes formas como os tratamentosfuncionam e as diferenças entre uma terapia orientada para os sintomas, quetipicamente acompanha as fases iniciais de administração medicamentosa, porum lado, e a PDPLP por outro – incluindo o papel e atitude do terapeuta e aestrutura de tempo para o tratamento. Nos casos em que a depressão está emremissão com a medicação e é iniciada a PDPLP, a mudança para a PDPLP deveser explicitada. As mudanças envolverão mudar para duas sessões semanais,revisar os objetivos do tratamento e introduzir os respectivos papéis do terapeutae do paciente na relação psicoterapêutica. Como parte da obtenção do consen-timento informado para o tratamento, o terapeuta deve explicar que a PDPLPnão demonstrou eficácia para o tratamento de doenças afetivas, enquanto amedicação antidepressiva, TCC, TI e STDP atendem a este critério.

ILUSTRAÇÃO CLÍNICA DE TRATAMENTO SEQÜENCIAL

Um professor universitário de 39 anos, casado, solicitou uma “psicoterapiaorientada para o insight” dois meses após ter perdido uma promoçãoacadêmica. Na consulta inicial, o paciente descreveu-se como “inunda-do” por auto-recriminações e “incapaz de lidar” com seus sentimentosde fracasso e desapontamento. Além disso, ele estava se isolando social-mente e queixava-se de pouco apetite e insônia. O paciente havia tidoum episódio similar quando estava na universidade, e foi tratado comsucesso com medicação antidepressiva.

Depois de uma cuidadosa avaliação, a terapeuta fez o diagnóstico detranstorno depressivo maior, recorrente. Explicou ao paciente que acha-

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va que ele estava deprimido, que esta era uma recorrência do que haviaacontecido na universidade, e que seus sintomas provavelmente respon-deriam bem à medicação. Explicou também que a PDPLP não é um tra-tamento concebido para tratar a depressão, mas se ele preferisse terapiaalém da medicação, ela poderia encaminhá-lo a um colega para TCC. Aterapeuta também compartilhou sua impressão de que o paciente teriaoutras áreas de dificuldade – áreas relacionadas com sua personalidadee que não eram atribuíveis a sua depressão – que poderiam se beneficiarcom a PDPLP, mas que era difícil fazer esta avaliação com certeza en-quanto ele estava deprimido. Sugeriu que ele fosse tratado da depressãoe depois reavaliado para possível indicação de PDPLP.

O paciente concordou com uma tentativa de medicação enquanto seencontrava todas as semanas com a terapeuta. Nas sessões semanais, aterapeuta avaliou o paciente quanto à resposta à medicação e aos efeitoscolaterais. Ela também o incentivou a usar esse tempo para ajudá-la aconhecê-lo melhor e a desenvolver uma melhor compreensão dos acon-tecimentos que tinham se dado perto da época de início da sua depres-são. No início, o paciente se deteve nos seus sentimentos de depressão ena dificuldade de lidar com as auto-recriminações. A terapeuta ouviuatentamente, sugeriu ao paciente que seus pensamentos de autocríticaestavam sendo exacerbados pela depressão e lembrou que em poucotempo ele deveria estar sentindo o efeito da medicação. Quando o paci-ente começou a sentir-se menos agitado e deprimido, começou a falarmais a respeito de áreas da sua vida que eram fonte de frustração. Nes-sas sessões, a terapeuta observou que o paciente, agora menos deprimi-do, conseguia falar sobre suas recentes dificuldades acadêmicas de for-ma mais reflexiva e menos agressiva quanto à autocrítica do que na faseinicial de consulta.

Depois de estar sob efeito de medicação durante seis meses, o pa-ciente chegou a uma sessão dizendo que tinha se dado conta de queestava se sentindo muito melhor, quase seu “eu usual”. Ele continuavadesapontado por ter perdido a promoção, mas tinha esperança de serpromovido no ano seguinte. Ao mesmo tempo, estava fazendo sonda-gens sobre oportunidades entre outros colegas da área. O paciente tam-bém refletiu sobre sua incapacidade de lidar com o fracasso percebidona época em que chegou à terapeuta. Ele achava que isso não era típicodo seu jeito de ser; embora perfeccionista, já resistira a desapontamen-tos anteriores com muito maior eqüanimidade. Atribuía sua dificuldade,até certo ponto, à sua depressão.

A terapeuta disse que compartilhava a impressão dele de que suadepressão parecia estar em remissão. Continuou dizendo que isto leva-va a questionar se havia aspectos mais crônicos da sua personalidade oufuncionamento que o estavam atrapalhando ou se as coisas pareciamestar indo bem. O paciente respondeu que, embora estivesse se sentindomelhor e mais autoconfiante, a exploração sobre os acontecimentos quelevaram à sua promoção fracassada tinham-no deixado preocupado quan-to às formas pelas quais ele poderia ter contribuído para seus revesesprofissionais, tanto recentemente quanto no passado.

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Pela primeira vez o paciente reconheceu para a terapeuta a sua cons-ciência de que ele não tinha lidado de forma eficiente com a política dodepartamento nos meses recentes, mesmo sabendo que isto poderia afe-tar suas possibilidades de promoção. Ao ouvir isso, a terapeuta relembrouo paciente de que apesar de um histórico global de sucessos em muitasáreas da sua vida, ele tinha desde a adolescência uma propensão a sem-pre chegar em segundo, nunca obtendo o primeiro lugar. A terapeutasugeriu que poderia haver uma ligação entre essa parte da história e seucomportamento em sua vida profissional, e que talvez ele tivesse senti-mentos complicados quanto a competir e vencer. O paciente reconheceuter pensado nisso, e ela falou sobre sua preocupação de que sua aparen-te dificuldade o tenha levado a formas sutis de auto-sabotagem que pos-sam ter limitado seu avanço profissional durante anos.

A terapeuta sugeriu que esta dificuldade com a competição era algoque ele poderia trabalhar na PDPLP se estivesse motivado a fazê-lo. Ex-plicou o seu entendimento de como a PDPLP poderia ser útil para ele.Depois que a terapeuta respondeu as perguntas do paciente sobre o tra-tamento, ele expressou interesse em continuar. Juntos, paciente eterapeuta estabeleceram objetivos de tratamento e combinaram come-çar a se encontrar duas vezes por semana.

A terapeuta explicou ao paciente que eles estariam fazendo, até cer-to ponto, uma mudança no papel que cada um vinha desempenhandonas sessões até aquele ponto. Ela o incentivou a permitir que sua mentevagasse livremente e discutisse tudo o que viesse à mente de uma formamenos estruturada do que ele vinha fazendo quando sua atenção estavamuito focalizada na sua depressão. Ela também explicou que ele pode-ria achar que ela estava sendo mais reflexiva e até certo ponto menosativa do que tinha sido nas partes iniciais do tratamento, quando sededicava a ajudá-lo a aprofundar o conhecimento dele sobre sua vidainterior. A terapeuta acrescentou que, mesmo que eles ficassem menosfocados na depressão em si, tanto paciente quanto terapeuta precisa-riam estar alertas a possíveis sinais de recorrência dos sintomasdepressivos e à necessidade de fazer alterações na medicação.

Além do tratamento seqüencial: administraçãode medicamentos durante a PDPLP

Quando um paciente que está em PDPLP também está recebendo medi-cação antidepressiva, é importante que o terapeuta se mantenha a par da situa-ção dos sintomas depressivos do paciente durante o curso do tratamento. Muitospacientes precisarão de um ajuste constante no regime de medicação paraotimizar o tratamento da doença depressiva (Rush et al., 2006). Além do mais,mesmo quando os sintomas depressivos estiverem em total remissão, ainda énecessário continuar a avaliar o paciente quanto aos efeitos colaterais de lon-go prazo dos medicamentos e à recorrência dos sintomas. A necessidade deque o terapeuta não perca de vista o curso da doença afetiva se aplica inde-

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pendentemente de ser o próprio terapeuta ou um outro médico quem estáprescrevendo e monitorando a medicação.

O terapeuta em PDPLP que está monitorando o desenvolvimento e otratamento da doença afetiva de seu paciente se defronta com demandas doconflito quando o escuta, avalia o que está acontecendo no tratamento e for-mula suas intervenções. No seu papel como terapeuta em PDPLP que estátratando um paciente com patologia leve de personalidade, o terapeuta faz aescuta das relações objetais que estão sendo encenadas na sessão e pensa emtermos de significados inconscientes, motivações e defesas inseridos nas co-municações relativamente não-estruturadas do paciente. Neste contexto, asintervenções do terapeuta objetivam um aprofundamento na compreensãoque o paciente tem da sua vida interior. Em contraste, em seu papel como umprestador de cuidados em saúde que trata um paciente com doença depressiva,o terapeuta escuta e investiga ativamente a fenomenologia dos sintomas e osefeitos colaterais e pensa em termos de remissão adequada ou parcial dossintomas, efeitos colaterais e recorrência. Suas intervenções objetivam amelhoria dos sintomas e algum efeito colateral.

Escutando o paciente

O terapeuta em PDPLP que trata um paciente com doença afetiva é cha-mado a abraçar duas formas diferentes de escuta e interação com seu pacien-te. Por exemplo, considere o terapeuta em sessão com um paciente que estáevidentemente irritável, primeiramente queixando-se de sua esposa e amigose, por fim, sentindo-se aborrecido com o terapeuta. O terapeuta em PDPLP emsua função psicoterápica notará e experienciará a irritabilidade do paciente etentará clarificar as relações objetais encenadas no tratamento. Entretanto, seo paciente tiver uma doença afetiva, o terapeuta deverá deixar espaço na suamente para alterar as estruturas de referência e considerar se o paciente podeestar irritável porque sua doença afetiva está sendo tratada de maneira inade-quada ou porque ele está tendo efeitos colaterais da sua medicação. A primei-ra, uma estrutura de referência psicodinâmica, requer que o terapeuta ouça asassociações do paciente, explore o que ele está pensando e sentindo e façauma interpretação quando for apropriado. A segunda estrutura de referência,baseada na fenomenologia e no modelo médico, requer que o terapeuta avaliede forma ativa os sintomas do paciente e recomende uma mudança na medi-cação ou solicite uma consulta com um farmacologista, quando apropriado.

Para de fato tratar um paciente com doença depressiva em PDPLP, o te-rapeuta deve ser capaz de manter em mente dois modelos muito diferentes detratamento. Isto exige que o terapeuta focalize sua mente tanto na psicodi-nâmica quanto na fenomenologia e alterne entre as duas formas de escutar epensar a respeito dos pensamentos, sentimentos e comportamentos do seu

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paciente. A necessidade de ter em mente estes dois modelos aplica-se inde-pendentemente de o terapeuta ser médico e de quem está fazendo o controlemedicamentoso.

No início do tratamento, quando o manejo da depressão é com freqüên-cia mais ativo, a situação pode exigirr que o terapeuta oscile entre as duasestruturas de referência – escutar dentro do contexto de uma estruturapsicodinâmica e se voltar para a consideração da fenomenologia – e entãodecidir em que nível irá intervir. Mais adiante no tratamento, quando o con-trole da doença afetiva não mais estiver em primeiro plano, o terapeuta terámaior liberdade para se focalizar de forma mais consistente no modelopsicodinâmico de patologia e tratamento. Entretanto, durante o curso do tra-tamento o terapeuta de PDPLP que trata um paciente com doença depressivaprecisa estar aberto a ouvir e pensar a respeito das coisas que seu paciente estádizendo, fazendo e experienciando, não apenas em termos da psicodinâmicado paciente e da organização subjacente da personalidade, mas também comomanifestações da sua doença afetiva.

Intervenção

O paciente com doença afetiva não vai dizer de maniera espontânea aoterapeuta tudo o que ele precisa saber a respeito dos sintomas e efeitoscolaterais. Em conseqüência, o terapeuta deve fazer uma investigação ativa esistemática sobre o curso da doença afetiva, não somente na consulta inicialou na fase de abertura, mas também em vários momentos durante o curso dotratamento. A necessidade de realizar uma avaliação e o monitoramento con-tínuo da doença afetiva durante a PDPLP vai exigir que o terapeuta muitasvezes interaja com seu paciente de forma mais estruturada e diretiva do que étípico do papel do terapeuta em PDPLP, definindo uma agenda e solicitando deforma sistemática que o paciente dê informações específicas. Quando o te-rapeuta prevê a necessidade de interagir com um paciente em PDPLP no to-cante aos sintomas e controle medicamentoso, em geral é melhor que faça issono início de uma sessão, sempre que possível. Entretanto, o paciente podetrazer o manejo da doença afetiva para o centro do palco em algum ponto deuma sessão, seja diretamente, descrevendo sintomas ou efeitos colaterais, ouindiretamente, revelando aspectos da sua experiência ou comportamento quena mente do terapeuta justifiquem uma avaliação mais detalhada.

Do mesmo modo que o terapeuta em PDPLP que trata pacientes comdoença afetiva deve alternar entre as duas formas de escuta do seu paciente,ele também deve alternar entre duas formas diferentes de avanço e recuo aointeragir com o paciente para obter dados e fazer intervenções. Contudo, emcontraste com o que ocorre quando o terapeuta muda as estruturas de referên-cia ao ouvir o paciente, quando ele alterna entre as duas formas de interven-

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ção, isto será imediatamente perceptível para o paciente. Além disso, emborapossa ser tentador considerar-se que as interações em torno da doença afetivasejam “médicas” e, portanto, de certa forma “não façam parte da terapia”, estaé uma distinção que não existe na mente inconsciente do paciente – nem na doterapeuta, para dizer a verdade.

As interações relativas ao monitoramento da doença afetiva terão impac-to na transferência e tipicamente também na contratransferência. Em con-seqüência, quando interage com seu paciente no que se refere ao controle damedicação, o terapeuta de PDPLP deve estar atento ao fato de que está parti-cipando de encenações que terão significados específicos para o paciente, combase na dinâmica do paciente e do que está acontecendo no tratamento. Asencenações relacionadas com o monitoramento da doença afetiva devem sertratadas do mesmo modo que seria qualquer outra forma de encenação; oterapeuta deve estar pronto para explorar a experiência que o paciente temdas relações objetais incluídas nas interações entre eles. Quando estiver envol-vido um farmacologista, a exploração das reações do paciente a este profissio-nal freqüentemente também trarão um esclarecimento sobre as relações objetaisque estão sendo encenadas no tratamento, assim como aquelas contra as quaisele está se defendendo.

ILUSTRAÇÃO CLÍNICA DE QUESTÕES LEVANTADAS PELOMONITORAMENTO DA MEDICAÇÃO DURANTE A PDPLP

Uma profissional liberal de 55 anos estava em PDPLP havia seis mesescom um terapeuta do sexo masculino que recentemente havia termina-do a sua formação. Na apresentação inicial, a paciente estava deprimidae havia começado com um SSRI, com o qual atingiu total remissão dosseus sintomas.

A paciente chegou à sessão numa manhã de segunda-feira, ficou emsilêncio por um momento, e então começou a queixar-se de estar sesentindo “gorda e sem atrativos”. O terapeuta ficou pensando se a visãoque a paciente tinha de si como sem atrativos seria um retorno à atmos-fera erótica que ele havia percebido no final da sessão anterior. Simulta-neamente, o terapeuta olhou para a paciente e notou pela primeira vezque, de fato, ela havia aumentado peso de forma considerável.

O terapeuta perguntou sobre o ganho de peso. A paciente contouque tinha aumentado cinco quilos num período de dois meses. Conti-nuou dizendo que nunca tivera problemas de peso anteriormente, masque desta vez simplesmente não conseguia baixar de peso. O terapeutalevantou a possibilidade de que o peso que a paciente ganhara pudesseestar relacionado com a medicação que estava tomando. Ela respondeuque havia pesquisado muito na internet no mês anterior e achava muitoprovável que a medicação fosse responsável pelo seu problema de peso.O terapeuta discutiu as opções de tratamento com a paciente, e elesdecidiram mudar para um antidepressivo diferente, que teria uma me-nor probabilidade de lhe provocar ganho de peso. Também combinaram

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que a paciente iria se pesar semanalmente e passar as informações parao terapeuta.

O terapeuta percebeu que se sentiu inquieto e um tanto culpado.Começou a pensar que deveria ter se questionado de maneira mais ativaa respeito dos efeitos colaterais de longo prazo, e estava preocupado pornão ter percebido antes o ganho de peso da paciente. Também estavaincomodado pelo fato da paciente ter pesquisado sobre os efeitoscolaterais dos antidepressivos durante algum tempo sem que mencio-nasse isso ao terapeuta. O terapeuta a questionou sobre isto. A pacienterespondeu que sentiu-se culpada em trazer o assunto para o terapeuta.A medicação realmente a tinha ajudado, e ela não queria fazer com queele se sentisse mal; quando exploraram as preocupações da paciente,tornou-se aparente que ela temia que, se falasse sobre os efeitos colaterais,o terapeuta se sentisse criticado. Eles identificaram uma relação objetalde um genitor muito irritável e narcisisticamente vulnerável que precisaestar no controle ao interagir com um filho que tenta agradá-lo. Estarelação objetal colaborou para que a paciente mantivesse escondidos osseus próprios sentimentos críticos em relação ao terapeuta. “Queixar-se” provocaria culpa e também seria arriscado, porque ameaçaria colocá-la em contato com estes sentimentos inaceitáveis e agressivos.

O terapeuta refletiu, então, sobre o porquê de a paciente ter levanta-do o assunto do peso naquela sessão em particular. Ele se perguntou sea relação objetal que haviam explorado, refletindo a ansiedade da pa-ciente quanto a fazer com que o terapeuta se sentisse criticado por ela,estaria sendo uma defesa contra sentimentos e ansiedades por provocarque ele se sentisse sexualmente excitado por ela. Talvez a relutância dapaciente em levantar a questão do seu peso refletisse uma ansiedadepor chamar a atenção do terapeuta para o seu corpo. O terapeuta entãopensou sobre seus próprios sentimentos de culpa na sessão anterior.Ocorreu-lhe que sua falha em perceber o ganho de peso da pacientepoderia refletir sua própria ansiedade quanto a focalizar-se no corpo deuma mulher com idade tão próxima à de sua mãe. Talvez ele estivessedesconfortável com a emergência da transferência-contratransferênciaerótica a um ponto em que não estivesse totalmente consciente.

Surgimento de depressão durante a PDPLP

Alguns pacientes que iniciam PDPLP têm uma história de doença depres-siva, mas não estão deprimidos no momento em que iniciam o tratamento.Alguns estarão com medicação de manutenção ou profilática. Como a doençaafetiva tende a ser recorrente (Dubovsky et al., 2003), não é raro que pacien-tes deste grupo, particularmente os que não estão com medicação, fiquemdeprimidos durante o curso do tratamento. Em conseqüência, ao tratar pacien-tes com história de doença afetiva, o terapeuta deve ter em mente a possibi-lidade de recorrência durante o curso da terapia. Além disso, durante a fase de

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consulta e antes de iniciar a PDPLP com um paciente com história de doençaafetiva, é prudente discutir-se com o paciente a possibilidade de recorrência.

Caso, durante o curso da PDPLP, o terapeuta ou o paciente fique preocu-pado que o paciente possa estar ficando deprimido, isto requer uma avaliaçãocuidadosa e sistemática dos sintomas. Se o diagnóstico for de doença depressiva,o terapeuta deve primeiro explicar claramente ao paciente o que o levou aconcluir que esteja ficando deprimido e então discutir com o paciente as op-ções de tratamento. Quando a medicação antidepressiva for iniciada ou ajus-tada durante o curso da PDPLP, é importante dar atenção ao que significa parao paciente a inclusão de medicação no tratamento ou o monitoramento damedicação.

ILUSTRAÇÃO CLÍNICA DE SURGIMENTO DE DEPRESSÃO DURANTE A PDPLP

Um pouco antes de seu trigésimo aniversário, uma profissional liberalapresentou queixas de ansiedade pela preocupação de que nunca se ca-saria. Ela contou à terapeuta que estava interessada em entender me-lhor por que não tinha conseguido ficar noiva, apesar de ter mantidovários relacionamentos de longa duração.

Na apresentação inicial, ela parecia ansiosa e preocupada. Descre-veu dificuldade para dormir e uma tendência a ir para a cama à noitecom pensamentos ansiosos sobre tornar-se uma “solteirona numa cadei-ra de balanço, cercada de gatos”. Negou ter outros sintomas de depres-são e explicou que não se via como deprimida. Embora a paciente esti-vesse alegre e demonstrasse uma variada gama de emoções durante aconsulta, a terapeuta observou que ela chorou várias vezes durante ocurso da sua primeira visita. A mãe da paciente havia tido depressão,mas a paciente nunca tinha sido tratada por depressão. Seu pai haviamorrido num acidente de carro quando a paciente tinha 18 meses devida.

A terapeuta explicou à paciente que parecia que ela tinha pelo me-nos um problema, e possivelmente dois. Primeiro, como a própria pa-ciente havia observado, ela parecia ter problemas com relacionamentosíntimos, particularmente para firmar um compromisso de longo prazocom um homem. A terapeuta sugeriu que mesmo que ela tivesse tidomotivos aparentemente razoáveis para romper com cada namorado, erapossível que também houvesse motivações menos racionais fora da suaconsciência que poderiam estar guiando seu comportamento e interfe-rindo no seu comprometimento com um parceiro. Explicou que a PDPLPera um tratamento que poderia ajudá-la a alcançar um melhor entendi-mento do que estava motivando seu comportamento, com o objetivo decapacitá-la a fazer boas escolhas para si no futuro.

A terapeuta continuou dizendo que achava que ela poderia ter tam-bém um outro problema. A paciente não se considerava deprimida, mas,do ponto de vista da terapeuta, seu sentimento de pânico, suas rumina-ções ansiosas e a facilidade com que chorava sugeriam que a paciente

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estava ficando deprimida. À luz da história familiar, esta era uma possi-bilidade real. A terapeuta continuou a explicar que se, de fato, a pacien-te viesse a ficar deprimida, provavelmente seria necessário um trata-mento específico; a PDPLP não seria necessariamente suficiente.

A paciente foi bastante inflexível ao afirmar que não se sentia depri-mida. Disse à terapeuta que a simples decisão de procurar tratamento jálhe havia deixado sentindo-se melhor, e estava certa de que se entrassenum bom relacionamento e se comprometesse, iria se sentir muito bem.Ela tinha visto as depressões recorrentes de sua mãe e sabia que não sesentia da maneira como a mãe se sentia. A terapeuta reconheceu a suadúvida sobre se a ansiedade e o choro fácil da paciente representavamuma reação transitória a sua situação de vida e à aproximação do seuaniversário – uma situação que se resolveria por si só – ou se eram visí-veis sintomas precursores da emergência de um episódio depressivo queexigisse tratamento. Elas discutiram as opções e combinaram iniciar aPDPLP enquanto continuavam a observar o humor da paciente. A paci-ente permaneceu inflexível ao dizer que não estava deprimida e que sesentiria muito bem se tivesse um namorado.

Durante as seis semanas seguintes, a terapeuta observou que duran-te as duas sessões semanais da paciente ela não conseguia falar de for-ma livre ou realmente falar sobre outra coisa na sessão que não fosseseu pânico quanto a nunca se casar, e esta situação não mudou com otempo. A paciente estava muito ansiosa e, com o passar das semanas,tornou-se cada vez mais chorosa. A terapeuta observou que a pacienteparecia estar perdendo peso e começava a fazer alusões a não querer sesocializar e a sentir-se marginalizada no trabalho. Neste ponto, aterapeuta levantou mais uma vez a questão da depressão e discutiu coma paciente a sua impressão de que ela parecia estar deprimida e tambémque ela parecia ter medo de reconhecer isto como uma possibilidade.

Em resposta, a paciente começou a falar sobre seu temor de ficarincapacitada pela doença mental, como sua mãe tinha ficado. A terapeutaassinalou que ficar deprimida não significava que a paciente ficaria in-capacitada; sua mãe sempre recusara tratamento, e era muito provávelque, se ela se permitisse ser tratada, seus sintomas desaparecessem.Devido aos sentimentos complexos da paciente quanto a submeter-se aum tratamento para depressão, a terapeuta recomendou uma consultacom uma colega sua, especialista em farmacologia altamente afinadacom as questões psicodinâmicas, que poderia fazer uma avaliaçãodiagnóstica e dar uma segunda opinião. A paciente concordou, e aterapeuta fez o diagnóstico de transtorno depressivo maior associado aansiedade proeminente; ela também explorou com tato e empatia a an-siedade da paciente a respeito da medicação. No final, a paciente con-cordou com a tentativa de um SSRI, o qual foi prescrito pela terapeuta.

A paciente continuou a ver a terapeuta duas vezes por semana. Oconteúdo das suas sessões mudou do seu pânico quanto ao casamentopara seu medo de ter a doença da mãe e ficar incapacitada como estahavia ficado. No espaço de dois meses sua ansiedade diminuiu, e elaestava menos chorosa. Começou a assumir uma atitude mais realista em

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relação ao seu futuro; reconheceu que aos 30 anos ainda tinha tempopara se casar e iniciar uma família, e que sua doença afetiva não precisa-ria seguir o mesmo curso destrutivo que havia caracterizado a doençade sua mãe.

Quando a paciente ficou menos ansiosa e deprimida, ao mesmo tem-po aceitando mais o fato de ter uma doença afetiva, também ficou maisauto-reflexiva. Terapeuta e paciente concordaram que a paciente, agorasob medicação, poderia se beneficiar com a PDPLP. Elas reestruturaramo objetivo do tratamento em termos de compreensão das motivaçõessubjacentes ao seu fracasso em se casar, em particular como essas moti-vações se relacionavam com seus sentimentos complexos em relação asua mãe cronicamente deprimida.

Tratamento “combinado”

Um psiquiatra que trata com PDPLP um paciente com patologia leve depersonalidade e doença afetiva atual defronta-se com a questão de “combi-nar” o tratamento com outro terapeuta ou farmacologista ou então desempe-nhar os dois papéis, funcionando como farmacologista e terapeuta do pacien-te. Esta é uma decisão complexa que deverá ser tomada avaliando caso a caso.Embora sempre haja exceções às generalizações, em nossa experiência compacientes com patologia leve de personalidade tratados simultaneamente comadministração medicamentosa e PDPLP, quando a resposta à medicação é boae os efeitos colaterais são poucos, não há necessidade de combinar o trata-mento dessa forma. Em contraste, quando a administração da medicação ficamais complexa e consome mais tempo, requerendo vários testes com medica-mentos para otimizar a resposta, pode ser desejável envolver um farmacologista.Na prática, a maioria dos psiquiatras funciona com seus pacientes tanto comofarmacologista quanto como terapeuta, enquanto os terapeutas não-médicosnão têm opção senão realizar um tratamento dividido.

Existem vantagens e desvantagens tanto nos tratamentos combinadosquanto nos realizados por um único clínico. As vantagens de um único clíni-co funcionar como terapeuta e farmacologista são em parte práticas – o pa-ciente é poupado da despesa de ver dois profissionais, e o terapeuta poupa otempo que precisaria para manter um contato telefônico contínuo com ooutro profissional. De uma perspectiva clínica, o tratamento combinado rea-lizado por um único clínico geralmente facilitará a análise das implicaçõestransferenciais da administração da medicação. Os pacientes farão transfe-rências para um farmacologista que poderão ficar dissociadas das outras trans-ferências para o terapeuta. Quando os dois grupos de transferências sãoativados em relação a um único clínico, pode ser mais fácil para o terapeutatrazer os dois grupos de sentimentos para dentro do tratamento, onde elespoderão ser elaborados.

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Além disso, sob o ponto de vista da otimização do manejo medicamentoso,um terapeuta-farmacologista que se encontra com o paciente duas vezes porsemana está potencialmente em vantagem porque pode, de forma consistentee oportuna, obter informações relevantes para as decisões acerca da adminis-tração da medicação, incluindo como o paciente está passando, a presença deefeitos colaterais e a relação entre as flutuações nos sintomas e os aconte-cimentos na vida do paciente e no tratamento. Entretanto, isto pode ser umafaca de dois gumes; o psiquiatra que ocupa tanto o papel de farmacologistaquanto o de terapeuta só obterá essas informações se perguntar sistemati-camente.

Lado a lado com as vantagens de um único clínico funcionando comoterapeuta e farmacologista estão os desafios significativos enfrentados peloclínico que desempenha os dois papéis. Conforme já discutimos, para funcio-nar como terapeuta e farmacologista, o clínico deve se alternar entre duasformas diferentes de escuta e de intervenção com o paciente. Sob a perspecti-va da terapia, existe o risco de que o terapeuta se volte para um modelo médi-co, em detrimento dos aspectos dinâmicos que estão sendo encenados no tra-tamento. A partir da perspectiva da farmacologia, existe o risco de que oterapeuta se sinta compelido pelo seu papel como terapeuta a focar de formaconsistente e integral o manejo médico.

Embora os tratamentos combinados tenham as suas vantagens e, apesarde tudo, sejam uma prática padrão entre os não-psiquiatras, eles apresentamao terapeuta desafios adicionais inerentes ao fato de fazer parte de uma equi-pe de tratamento. Especificamente, quando alguém que não o terapeuta éresponsável pelo controle da medicação, cabe ao terapeuta manter-se a par docurso e do controle da doença afetiva do paciente, estabelecer e manter umalinha aberta de comunicação com o farmacologista e administrar as transfe-rências que estão divididas entre o terapeuta e o farmacologista. Estes desafiosse tornam mais difíceis de lidar quando o terapeuta tem sentimentos confusosquanto a envolver um farmacologista ou quanto à necessidade de ir além deum modelo de tratamento puramente psicodinâmico. Os desafios inerentes aqualquer tratamento dividido podem ser administrados de forma mais efetivae satisfatória por meio do contato freqüente e contínuo entre um terapeutaque esteja filosófica e clinicamente confortável com a farmacologia e um far-macologista que valorize e tenha respeito pela psicodinâmica e, em particular,pelo papel da transferência na relação do paciente com ambos, terapeuta efarmacologista.

Quando os tratamentos forem combinados, recomendamos que o tera-peuta estabeleça um relacionamento contínuo com um farmacologista quefaça a administração medicamentosa de todos os pacientes daquele terapeuta.Isso possibilita que terapeuta e farmacologista desenvolvam com o tempo umaforma efetiva e eficiente de trabalhar juntos, ensinando um ao outro e organi-zando as suas comunicações.

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COMBINAÇÃO DA PDPLP COM TRATAMENTOSPARA TRANSTORNOS DE ANSIEDADE

Assim como os sintomas depressivos, os sintomas de ansiedade são co-muns em pacientes com patologias leves de personalidade. O diagnóstico dife-rencial para os sintomas de ansiedade nesta população inclui transtorno dopânico, transtorno de ansiedade generalizada, fobia social, fobia simples (porexemplo, medo de voar ou claustrofobia), transtorno obsessivo-compulsivo,transtorno de ansiedade sem outra especificação, reação de ajustamento comansiedade, ansiedade secundária a doença física ou medicação e ansiedadeassociada a rigidez leve da personalidade. Se durante a consulta inicial o pacien-te queixar-se de ansiedade, o terapeuta deve fazer uma avaliação cuidadosapara transtornos de ansiedade, doenças físicas e reações de ajustamento, jun-tamente com a avaliação da rigidez da personalidade e estressores psicossociais.

Nossas recomendações para lidar com pacientes com patologias leves depersonalidade com co-morbidade com transtornos de ansiedade são essencial-mente as mesmas que as descritas para o manejo de pacientes com doençadepressiva, e aqui fazemos apenas um breve comentário sobre aspectos espe-cíficos dos transtornos de ansiedade. Enfatizamos mais uma vez as vantagensdo tratamento seqüencial, começando com a otimização do tratamento daansiedade e depois reavaliando a necessidade e a motivação do paciente paraa psicoterapia dinâmica para tratar a rigidez de personalidade residual.

Quando um paciente apresenta um transtorno de ansiedade no contextode uma patologia leve de personalidade clinicamente significativa, o terapeutadeve explicar ao paciente que existe uma variedade de medicamentos e trata-mentos cognitivo-comportamentais que demonstraram eficácia para transtor-nos de ansiedade específicos. Em contraste, a PDPLP não foi estudada sistema-ticamente como um tratamento para a ansiedade, e os estudos existentes nãooferecem apoio empírico para a eficácia de psicoterapias dinâmicas não-estruturadas ao tratamento de transtornos de ansiedade (Hollander and Simeon,2003). Ao mesmo tempo, os tratamentos para transtornos de ansiedade nãosão concebidos para tratar a patologia de personalidade. Mesmo quando ossintomas de ansiedade são tratados até a remissão, os problemas interpessoais,profissionais ou sexuais resultantes da patologia leve de personalidade podemcontinuar a ser um problema que requeira um tratamento adicional.

Ao tratar um paciente com patologia de personalidade com co-morbidadecom um transtorno de ansiedade, é importante que o terapeuta de PDPLPtenha em mente que a PDPLP pode, transitoriamente, provocar ansiedade empontos particulares do tratamento. Em conseqüência, quando um pacientecujos sintomas de ansiedade foram bem controlados torna-se mais sintomáti-co durante a PDPLP, o clínico terá que distinguir entre uma recorrência dotranstorno de ansiedade do paciente que precise de tratamento específico porum lado e uma ansiedade transitória estimulada pela PDPLP por outro. Neste

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contexto, achamos que geralmente é melhor não ter pressa em alterar a admi-nistração do transtorno de ansiedade do paciente se os sintomas de ansiedadenão forem graves. Ao invés disso, antes de fazer qualquer alteração, o clínicopode esperar para ver se os sintomas se resolvem espontaneamente com opassar das semanas, enquanto continua a avaliar a gravidade dos sintomas dopaciente e a explorar os precipitantes imediatos da ansiedade do paciente.

Como no tratamento da depressão em pacientes com co-morbidade compatologia leve de personalidade, quando os sintomas de ansiedade precisamser administrados predominantemente com medicação, é nossa recomenda-ção que as decisões sobre “combinar” ou não o tratamento sejam tomadasnuma avaliação caso a caso. Em contraste, quando o plano de tratamentoinclui tratamento seqüencial com TCC ou terapia comportamental para umtranstorno de ansiedade seguido pela PDPLP, recomendamos que terapeutasdiferentes realizem cada um dos dois tratamentos. Se for clinicamente indica-do, a manutenção da TCC ou terapia comportamental para um transtorno deansiedade pode ser continuada enquanto o paciente estiver em PDPLP.

COMBINAÇÃO DA PDPLP COM TERAPIA SEXUAL,TERAPIA DE CASAL OU TERAPIA DE GRUPO

Muitos pacientes com patologia leve de personalidade apresentam sinto-mas sexuais ou problemas conjugais. Para alguns pacientes deste grupo, aPDPLP combinada com terapia sexual ou de casal pode ser uma abordagemideal. De igual forma, pacientes com patologias leves de personalidade queapresentam inibições sociais ou habilidades interpessoais pobres podem sebeneficiar do treinamento da assertividade ou habilidades sociais, terapia porexposição ou psicoterapia de grupo juntamente com a PDPLP.

A combinação da PDPLP com estas outras formas mais diretivas depsicoterapia possibilita que os pacientes enfrentem diretamente os sintomas ecomportamentos relacionais mal-adaptativos de maneira focalizada e orienta-da para a solução, ao mesmo tempo em que se exploram as bases psicológicasdos comportamentos sintomáticos com o terapeuta na PDPLP. Por exemplo,um paciente pode fazer uso do feedback que lhe foi dado numa terapia degrupo para facilitar no seu tratamento individual a exploração dos conflitospsicológicos subjacentes aos comportamentos interpessoais mal-adaptativosque ele está procurando mudar. Igualmente, as ansiedades que são estimula-das pela terapia sexual ou pelo treinamento da assertividade podem ser explo-radas proveitosamente em PDPLP. Para alguns pacientes uma abordagem com-binada deste tipo pode ser mais efetiva e mais eficiente do que o tratamentosozinho ou até mesmo do que dois tratamentos em seqüência. Como no casoem que os tratamentos são divididos entre um farmacologista e um terapeuta

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de PDPLP, a comunicação aberta e regular entre os terapeutas do paciente seráaltamente vantajosa. Pacientes com história de abuso de substâncias que estãomantendo a sobriedade de forma estável através da participação num progra-ma de 12 passos podem se beneficiar da combinação do tratamento contínuodos 12 passos com a PDPLP.

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Comentários finais

A psicoterapia dinâmica das patologias leves de personalidade (PDPLP) éresultado da psicoterapia focada na transferência (PFT). Enquanto a PDPLP foidesenvolvida para tratar a patologia leve de personalidade, a PFT é um trata-mento psicodinâmico para transtornos graves da personalidade. Os dois trata-mentos são psicoterapias dinâmicas de duas vezes por semana provenientesda teoria contemporânea psicodinâmica das relações objetais. Juntos, forne-cem uma abordagem integrada para seu tratamento, oferecendo estratégiaspara o tratamento da patologia de personalidade ao longo de um amplo es-pectro de gravidade. Encorajamos os leitores a tomarem conhecimento deambos. Aqueles interessados em saber mais sobre o Instituto de Transtornosde Personalidade podem visitar o site, em inglês, www.borderlinedisorders.com.

DIAGNÓSTICO, ESTRUTURA E TRATAMENTODA PATOLOGIA DE PERSONALIDADE

Nossa abordagem da psicoterapia dinâmica não é “tamanho único”. Aocontrário, nossa estratégia tem sido desenvolver tratamentos que se adaptema psicopatologias específicas e às necessidades clínicas de populações particu-lares e claramente definidas de pacientes. A avaliação cuidadosa da psicopa-tologia de um paciente e das suas características psicológicas precede e direcionao planejamento diferencial do tratamento.

O constructo da avaliação “estrutural” da personalidade desenvolvidopor Kernberg (1984) oferece uma abordagem ao diagnóstico psicodinâmicoque é concebido para guiar o planejamento do tratamento psicoterápico. Estaabordagem de avaliação diagnóstica avalia a natureza das estruturas psicoló-gicas que organizam a experiência e o comportamento do indivíduo. Baseadosnos constructos das relações objetais internalizadas e da identidade, e focali-

Capítulo 12Capítulo 12

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zando o grau de consolidação da identidade versus patologia da identidade, osclínicos podem classificar os pacientes de acordo com a gravidade da patolo-gia de personalidade, conforme refletido na sua capacidade de estabelecer emanter experiências realistas estáveis e significativas de si mesmos e dos ou-tros significativos.

Nossa abordagem de tratamento da patologia de personalidade está or-ganizada em torno da modificação das estruturas psicológicas. Esperamos queas mudanças nas estruturas psicológicas, focalizadas na identidade e nas ope-rações defensivas, reflitam-se na alteração sintomática e comportamental, bemcomo na melhoria do senso geral de bem-estar e desfrute da vida. Nossa abor-dagem de tratamento das patologias leves de personalidade, onde a patologiada identidade está ausente ou é relativamente leve, busca integrar aspectosconflituosos da experiência do self a um senso de self que já está mais bemconsolidado. Nossa abordagem de tratamento dos transtornos de personalida-de mais graves, onde a patologia da identidade é clinicamente significativa,busca promover a consolidação da identidade. Em ambos os tratamentos, fo-calizamos os padrões dominantes de relações internalizadas do paciente, ex-plorando as formas pelas quais estes padrões organizam a experiência que opaciente tem de si mesmo e do mundo.

PESQUISA

Antes que se possa estudar a eficácia de um tratamento em particular, épreciso assegurar que o tratamento em estudo esteja realmente sendo realiza-do (isto é chamado de adesão ao tratamento) e que ele esteja sendo realizadode uma forma razoavelmente competente. O advento dos manuais de trata-mento, na década de 1960, os quais forneceram uma descrição detalhada deum tratamento em particular, juntamente com escalas de avaliação para aadesão ao tratamento e competência, prepararam o caminho para uma abor-dagem da pesquisa em psicoterapia mais sofisticada e empiricamente sólidado que estava disponível anteriormente (Luborsky e DeRubeis, 1984).

Embora a maioria das psicoterapias até agora abordadas em manuaissejam tratamentos de curta duração, o manual da PFT demonstrou a viabilida-de de se fazerem manuais de psicoterapias de maior duração e mais comple-xas, de base psicodinâmica. O manual da PFT foi utilizado pelo nosso grupopara estudar o tratamento psicoterápico do transtorno de personalidadeborderline (TBP). Numa testagem clínica aleatória controlada, 90 pacientesforam encaminhados a um ano de PFT, de terapia comportamental dialética,um tratamento cognitivo-comportamental para TBP, ou de uma psicoterapiasuportiva. Os pacientes em todas as células de tratamento tiveram ganhossignificativos numa variedade de medidas de resultados em depressão, ajusta-

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mento social e funcionamento global. A PFT e a terapia comportamentaldialética, mas não a psicoterapia suportiva, reduziram significativamente orisco de suicídio (Clarkin JF, Levy KN, Lenzenweger MF, Kernberg OF: “ThePersonality Disorders Institute/Borderline Personality Disorders ResearchFoundation Randomized Control Trial of Borderline Personality Disorder: Treat-ment Outcome,” 2005; em revisão). O funcionamento reflexivo, uma medidaintimamente vinculada à capacidade de valorizar e entender a natureza dospensamentos e sentimentos internos – tanto os próprios quanto os dos ou-tros12 – melhoraram significativamente no grupo da PFT, mas não nos gruposde terapia comportamental dialética ou de tratamento suportivo (Levy et al.,2006). A análise completa dos dados deste estudo será publicada em breve, eo acompanhamento de longo prazo dos pacientes é contínuo. Temos a hipóte-se de que as mudanças no funcionamento reflexivo espelham as mudançasnas estruturas psicológicas subjacentes em pacientes com TBP. Em particular,propomos que o crescimento do funcionamento reflexivo encontrado nestegrupo de pacientes tratados com PFT corresponde a mudanças nas relaçõesobjetais internas e a melhora da patologia da identidade.

Esperamos que a descrição da PDPLP que apresentamos neste volume faci-lite a pesquisa empírica quanto à eficiência da psicoterapia dinâmica para otratamento dos transtornos de personalidade do Grupo C e outros tipos de pato-logias leves de personalidade, da mesma forma como o manual de PFT facilitoua pesquisa empírica na investigação de tratamentos dinâmicos para o TBP.

TREINAMENTO

Embora esperemos que este livro seja utilizado para estudar psicoterapia,nossa expectativa é que ele seja usado com mais freqüência para o treinamentode clínicos. Achamos que nossa abordagem, que oferece um modelo integradode psicopatologia vinculado a uma teoria definida da técnica psicoterápica e damudança terapêutica, é muito útil para estudantes de psicoterapia psicodinâmica.Entretanto, a psicoterapia não pode ser aprendida lendo-se um livro, não impor-tando o quanto ele possa ser bom. A leitura atenta de um livro-texto ou de ummanual de tratamento é um primeiro passo, mas o trabalho clínico contínuo sobsupervisão de um clínico experiente é geralmente necessário se um estudantequiser aprender a praticar um tratamento psicoterápico de forma competente.Acreditamos que a supervisão em grupo pode proporcionar benefícios adicio-nais, não apenas otimizando o uso do tempo dos nossos clínicos e supervisores

12 Esta capacidade é chamada de mentalização, e considera-se que os déficits na capacidadede mentalização desempenham um papel central no estabelecimento e manutenção dostraços de personalidade mal-adaptativos associados ao TBP (Bateman e Fonagy, 2004).

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mais experientes, como também expondo os trainees (supervisionandos) a umleque mais amplo de pacientes e de situações clínicas do que eles poderiamencontrar de outra maneira na sua prática clínica.

IMPLEMENTAÇÃO FLEXÍVEL

Atentos às necessidades de pesquisa e treinamento, tentamos apresentara nossa abordagem de psicoterapia dinâmica das patologias leves de persona-lidade de uma forma que seja o mais clara, sistemática e detalhada possível.Contudo, o setting clínico não exige uma aderência estrita a uma teoria outécnica particular. De fato, acreditamos que os clínicos mais eficientes são tipi-camente aqueles que implementam de maneira consistente uma abordagempsicoterápica particular, mas de uma forma que seja flexível ao invés de rígidae que permita algum grau de desvio da técnica padrão para acomodar as ne-cessidades clínicas particulares de cada paciente. Os desvios transitórios datécnica padrão são esperados, ou então corre-se o risco de realizar um trata-mento perfeitamente aderente, mas ineficiente, porque falha em responderadequadamente ao paciente individual. (Poderíamos dizer que esse tratamen-to é realizado de uma forma aderente, mas não necessariamente competente.)

A necessidade de implementação flexível é uma razão pela qual escolhe-mos enfatizar os princípios da técnica psicoterápica, de forma especial as es-tratégias e táticas de tratamento, ao invés de intervenções específicas. Nossoobjetivo não é deixar o leitor com um imperativo de aderir rigidamente àtécnica psicoterápica descrita neste manual. Ao contrário, nossa esperança édeixar ao leitor uma maneira coerente de pensar a respeito da psicoterapiadinâmica. Se fizemos bem o nosso trabalho, proporcionamos ao leitor umaestrutura conceitual sistemática para a qual podemos nos voltar quando refle-timos sobre como facilitar o processo clínico num dado momento ou comootimizar os benefícios terapêuticos a longo prazo. Em suma, esperamos quequando os clínicos de todos os níveis de experiência entenderem e fizerem usodos princípios gerais e estratégias técnicas deste livro, desenvolvam a sua ver-são pessoal do tratamento que descrevemos.

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276 Referências

Page 271: Psicoterapia Dinâmica das Patologias Leves de Personalidade - Caligor - Ker_.pdf

Índice

A

Abordagens do tratamento psicoterápico, 18-20Adesão ao tratamento, 267Administração medicamentosa

para depressão, 251-252depressão que surge durante a PDPLP,

258-261durante a PDPLP, 254-258tratamento dividido, 260-263tratamento seqüencial com PDPLP, 252-254

para transtornos de ansiedade, 262-264Afetos-sinal, 47Agendamento dos encontros, 115-118Agressividade, 48-50Aliança das Organizações Psicanalíticas, 210Aliança terapêutica, 77, 114-115, 122-124

dificuldade no estabelecimento da, 223-225patologia grave de personalidade e, 222solidificação durante a fase de abertura do

tratamento, 222-225Altruísmo, 39-40Ambivalência, 63-65, 69-72

definição de, 69na fase de término do tratamento,

243-245no modelo kleiniano, 70-72

Análise da resistência, 18, 79-80, 97, 119, 144-145,151-152, 154-155, 163-164

análise do caráter e, 157na fase de abertura do tratamento,

220-222

Análise do conflito, 170-177. Ver também

Interpretação; Elaboraçãoansiedades paranóides antes das ansiedades

depressivas na, 228-232da superfície até a profundidade, 146-148,

170-171dissociação antes da repressão na, 171-173

Ansiedade, 14, 24, 28-29, 35-38, 48-49, 250,259-260, 262-263

PDPLP combinada com tratamentos para,262-264

que motiva a defesa, 167, 169surgindo durante a PDPLP, 263-264

Antecipação, 39-40Aprofundamento do tratamento, 228-229Árvore de decisão para avaliação do paciente,

198-199Assertividade, 35-36, 42, 171, 173-175Atraso às sessões do tratamento, 121-123Atuação (acting out), 86-88Auto-estima, 27, 54-55, 206, 233Auto-observação e auto-reflexão, 51, 53-55,

139-140, 225-227Avaliação descritiva, 25Avaliação diagnóstica, 25, 189, 267Avaliação do paciente, 25, 189-191

árvore de decisão para, 198-199entrevista diagnóstica, 190-191, 210

(Ver também Entrevista diagnóstica)estruturada, 218

Avaliação estrutural da personalidade, 25, 190-192,193-194, 195

patologias leves de personalidade, 29-31, 51,193-194

transtornos graves de personalidade, 193-194

Os números das páginas impressas em negrito, referem-se à figuras ou tabelas.

Page 272: Psicoterapia Dinâmica das Patologias Leves de Personalidade - Caligor - Ker_.pdf

278 Índice

BBion, W., 82, 163-164Busca de incentivo, 24

CCaráter, 24Chamadas telefônicas, 115-118, 121-122Cisão, 40, 42, 48-49, 57-58

confrontação da dissociação antes dadepressão, 171-173

em transtornos graves de personalidade, 43-44na patologia leve de personalidade,

44-45, 61-62Clarificação, 80, 95-96, 144-146, 151-152,

197-198, 205Clarkin, J.O., 14Comunicação

dominância afetiva e, 163-165escutando o paciente, 18, 119-121, 125-136

para associações, 128-129para padrões de relacionamento, 126-128

livre e aberta, 79, 117-121análise da resistência à, 18, 79-80, 97, 119,

151-155, 163-164, 220-222não-verbal, reações do terapeuta à, 126, 129-136

contendo a contratransferência, 133-136contratransferência como reflexo das

necessidades e conflitos do terapeuta,132-133

fazendo uso da contratransferência, 130-131identificações concordantes e

complementares na contratransferência,131-132

tolerância à incerteza, 136omissões ou inconsistências na, 197-198

Comunicações não-verbaisreações do terapeuta às, 126, 129-136.

Ver também ContratransferênciaConfidencialidade, 119Conflito inconsciente e, 233-234

elaboração e, 235-236Conflitos diádicos, 62-64Conflitos edípicos, 61-68Conflitos pré-edípicos, 63-64Conflitos triangulares, 62-64, 70Conflitos, inconscientes, 15-18, 23, 45-50, 92

“afetos-sinal” associados a, 47análise sistemática dos, 170-177auto-reflexão em áreas de, 51, 54defesa moral e, 233-234definição do conflito representado pelo tema

prioritário, 166-170determinação da razão para a ativação no

momento atual, 167-169edípicos, 61-68

elaboração dos, 66-68, 70, 82-84, 92-93, 98,111-113

estrutura e, 45-47interpretação dos, 18, 80-82nos sonhos, 174-177operações defensivas e, 56-62padrões de relacionamento e, 17-18, 45-46relações objetais internas e, 53sexuais, 58-62

Confrontação, 80, 95-96, 144-146, 151-152,197-198

da dissociação antes da repressão, 171-173Consentimento informado, 216-217, 253Consultas

agendamento de, 115-118atraso para as, 121-123cancelamento de, 121-122reações a interrupção das, 168-169

Consultas canceladas, 121-122Contato pós-término, 245-246Conteúdos mentais e afetos “primitivos”,

227-229Continência cognitiva do afeto, 82, 95-96Continência, 18, 82, 95-97, 157-161

cognitiva, do afeto, 82, 95-96como facilitadora do insight, 96como função da interpretação da

transferência, 95-96como função do terapeuta neutro e tolerante,

82, 95-96, 157-158como processo terapêutico, 160-161da contratransferência, 133-134, 158

falha da, 134-136definição de, 82interpretação e, 82, 94-96, 159-160processo de duas partes, 158

Contrato de tratamento, 113-115não-aderência ao, 120-121

Contratransferência, 18, 83-84, 97, 117-118,122-123, 154-155

aliança terapêutica e, 223como reflexo das necessidades e conflitos do

terapeuta, 132-133continência da, 133-134, 158

falha de, 134-136crônica, 135definição de, 130fazendo uso da, 130-131identificação concordante e

complementar na, 131-132impasse terapêutico e, 246-247na escolha do tema prioritário, 165no tratamento de pacientes com doença

afetiva, 256, 258

Page 273: Psicoterapia Dinâmica das Patologias Leves de Personalidade - Caligor - Ker_.pdf

Índice 279origens da, 130, 132reações do terapeuta às comunicações

não-verbais do paciente, 129, 136reações não examinadas, 135-136triangulação e, 133, 158-159

Controledo comportamento, 35-36onipotente, 40, 42

Cura transferencial, 240-241

DDefesa do superego, 232Defesa moral, 232-236

interpretações imprecisas e, 234teoria de Fairbairn da, 232-233

Defesas de distorção da imagem, 33-34, 39, 40,42-43

cisão e dissociação em transtornos graves depersonalidade, 43-44, 53

cisão e dissociação na patologia leve depersonalidade, 44-45, 61-62

Defesas maduras, 39-42Defesas neuróticas, 33-34, 39-42Defesas primitivas, 40, 43Dependência, 63-64, 107, 169-170, 179-180Depressão, 14, 24, 28, 38, 203-204, 213-214, 233,

238-239, 250administração de medicação durante a

PDPLP, 254-258combinação da PDPLP com tratamentos para,

251, 262-263diagnóstico diferencial de, 251recorrente, 251, 253-254, 259-260surgimento da depressão durante a PDPLP,

258-261tratamento dividido, 260-263tratamento seqüencial, 252-254

Desapontamento com o terapeuta e com otratamento, 244-245

Deslocamento, 40-42Desvalorização, 27, 40, 42Desvios da estrutura do tratamento, 114-116,

120-123características específicas na PDPLP, 121-123funções dos, 120-122reações aos, 168-169

Diagnóstico descritivo, 25, 190-191Difusão da identidade, 29-30Disfunção erétil, 28, 38Dissociação, 42, 56-57

confrontação antes da repressão, 171-173em transtornos graves de personalidade,

43-44, 53

nas patologias leves de personalidade, 44-45,61-62

versus estados dissociativos, 42Distimia, 251Dominância afetiva, 163-165DSM-IV-TR, 14, 25-26, 189-191, 207

depressão maior no, 251características centrais dos transtornos

comumente diagnosticadosem pacientes com patologia leve de

personalidade, 209-210, 211-212patologia da identidade e, 33-34relação com os níveis de organização da

personalidade de Kernberg, 31transtornos abaixo do limite de

classificação, 26-27Escala de Funcionamento Defensivo no, 39transtornos do Eixo II no, 26-27

EDuração do tratamento, 13, 15, 115-116, 218EEOP (Entrevista Estruturada para a

Organização da Personalidade), 218Egodistonia, 96, 108, 157Elaboração, 66-68, 70, 82-84, 92-93, 98,

111-113, 144-145das ansiedades paranóides antes das

ansiedades depressivas, 228-232das relações objetais que definem os conflitos

centrais, 226-228dos antecedentes desenvolvimentais das relações

objetais conflitantes, 238-240foco nos objetivos do tratamento no processo

de, 178-179ligações entre as experiências

extratransferenciais etransferenciais na, 148-149

processo de mudança e, 112-113Empatia, 52, 132, 136Encenação

acting out e, 86-88de relações objetais internas, 84, 101definição de, 85-86transferência, 85-87

Entrevista diagnóstica, 190-191, 210dados da, 190-191, 197-198

defesas e rigidez da personalidade, 196-197diagnóstico descritivo, 25, 190-191diagnóstico estrutural, 190-192, 195,193-194

funcionamento ético, 196-198identidade, 192, 195qualidade das relações objetais internas e

externas, 195-197

Page 274: Psicoterapia Dinâmica das Patologias Leves de Personalidade - Caligor - Ker_.pdf

280 Índice

métodos de, 197-198, 210avaliação da gravidade da rigidez da

personalidade, 207-209, 208avaliação dos tipos de personalidade e

patologias leves de personalidade denível superior, 209-210

encerrando a avaliação inicial dosproblemas presentes e dofuncionamento da personalidade, 207

Entrevista Estrutural, 198-199, 207Entrevista Estruturada para a Organização da

Personalidade (EEOP), 218Entrevista Estrutural, 190-191, 198-199,

207, 267aplicação da, 203-207fase I da, 199-202fase II da, 201-202fase III da, 202-203foco da, 199-200história passada na, 203-204patologia narcisista e, 202-203

Envolvimento do farmacologista, 257,260-263

Erikson, E., 29Escala de Funcionamento Defensivo, 39Escutando o paciente, 18, 119-121, 125-136

com doença afetiva, 255-256para associações, 128-129“ouvindo” as comunicações não-verbais, 126,

129-136contendo a contratransferência, 133-136contratransferência como reflexo das

necessidades e conflitos do terapeuta,132-133

fazendo uso da contratransferência,130-131

identificações concordantese complementares nacontratransferência, 131-132

reações do terapeuta ao paciente, 129-130tolerando a incerteza, 136

para padrões de relacionamento,126-127

papéis atribuídos ao paciente e aoterapeuta, 127-128

Esquemas cognitivos, 17Estados afetivos intensamente carregados, 160-161Estilo de personalidade, 24Estratégias de tratamento, 17, 100-124, 162, 251

definição das, 100definição das relações objetais

dominantes, 102-106acompanhar a reação do paciente, 105-106identificação da relação objetal dominante,

102-104nomear os atores, 104-105

elaboração através dos conflitos identificadose processo de mudança, 112-113

limitar o foco aos objetivos dotratamento, 110-111

enfatizar a relação com os conflitoscentrais, 110-111

observar e interpretar os conflitos incluídosnas relações

identificação e exploração das relaçõesobjetais conflitantes, 108-110

identificação e exploração das relaçõesobjetais internasdefensivas, 107-108

objetais dominantes, 106-110visão geral das, 101-102

Estratificação, das relações objetais internas, 50,57-58

Estrutura do tratamento, 76, 97, 100,113-119

aliança terapêutica e, 124apresentação da, 117-119características específicas na PDPLP, 115-118definição de, 113desvios da, 114-116, 120-123

características específicas na PDPLP, 121-123funções dos, 120-122reações aos, 168-169

explicar para o paciente, 113-115, 120-121funções da, 114-116manutenção da integridade da, 115-116,

244-245Expectativas sociais e neutralidade técnica,

139-140

F

Fadiga, psicogênica, 28Fairbairn, R., 232-233Fase de abertura do tratamento, 220-227

duração da, 220, 224-225exploração da resistência inicial à

comunicação livre e aberta durante,220-222

exploração das resistências de caráter iniciaisdurante a, 225-226

marcadores de mudança e transição para afase intermediária, 225-227

solidificar a aliança terapêutica durante a,222-225

tarefas da, 220transferência positiva durante a, 224-226

Fase de término do tratamento, 240-241, 245-246ambivalência na, 243-245análise das separações durante o tratamento,

241-244contato pós-término, 245-246

Page 275: Psicoterapia Dinâmica das Patologias Leves de Personalidade - Caligor - Ker_.pdf

Índice 281indicações para a, 240-241manutenção da estrutura do tratamento

durante a, 244-245momento da, 240-242reações do terapeuta à, 244-246separação no final do tratamento, 243-244término prematuro, 245-246transição da fase intermediária para a, 239-240versus impasse terapêutico, 246-247

Fase intermediária do tratamento, 226-227,239-240

capacidade de tolerar conteúdos mentais eafetos “primitivos” durante a, 227-229

defesa moral durante a, 232-236duração da, 226-227exploração das ansiedades paranóides antes

das ansiedades depressivas durante a,228-232

exploração dos antecedentesdesenvolvimentais das relações objetaisconflitantes na, 238-240

exploração e elaboração das relações objetaisque definem os conflitos centraisdurante a, 226-228

intensificação da transferência e fococrescente sobre o trabalho na transfe-rência durante a, 228-229

marcadores de mudança e transição para afase de término, 239-240

reação terapêutica negativa durante a,236-239

tarefas da, 226-227transição da fase de abertura para a,

225-227Fases do tratamento, 220, 246-247

fase de abertura, 220, 226-227fase de término, 240-246fase intermediária, 226-227, 239-240impasse terapêutico, 246-247

Fato selecionado, 163-164Fatores de temperamento, 15, 24, 45Força da “luz do dia”, 96Formação de compromisso, 59Formação reativa, 40-42Formulação estrutural, 25Freqüência das sessões de tratamento, 13, 114-116,

218, 244-245Freud, S., 16, 63-64Frustração, em conflitos diádicos e triangulares,

63-64

Função do terapeuta como observadorparticipante, 79, 96, 129, 130

Funcionamento ético, 196-198Funcionamento no trabalho

avaliação do, 190-191problemas relacionados com o, 27-29, 36-38,

69, 129, 180, 205-207,213-214, 237-239

GGabbard, G., 99Ganhos secundários, 246-247Gratificação, em conflitos diádicos

e triangulares, 63-64

HHipocondria, 28Humor, 40-42

IIdealização, 40, 42, 48-49Identidade, 29-30, 267

avaliação da, 192, 195consolidação da, 51-52, 192, 195nível de organização da personalidade e,

29-31, 192, 195no contexto clínico, 31-34normal, 29, 31-32

Identificaçãodo paciente com o ego observador do

terapeuta, 96projetiva, 40, 42, 59

Identificaçõescomplementares na

contratransferência, 131-132concordantes na

contratransferência, 131, 132Impasse terapêutico, 246-247Implementação flexível da PDPLP, 269Impressão diagnóstica, compartilhando com o

paciente, 210-215Impulsos, 45-46Inconscientes, conflitos. Ver Conflitos;

motivações conflitantesInibidores seletivos da recaptação da serotonina

(SSRIs), 252-253, 257Insight, 81-82, 94-96

continência como facilitadora do, 96Integração, das relações objetais internas, 68-69,

112, 146-147Intelectualização, 40, 41-42Interpretação, 18, 80-82, 94-99, 97-98, 102,

144-145, 150-151apoiando a simbolização, 96

Page 276: Psicoterapia Dinâmica das Patologias Leves de Personalidade - Caligor - Ker_.pdf

282 Índice

completa, 145-148continência e, 82, 94-96, 159-160da superfície até a profundidade, 146-148,

170-171das operações defensivas, 96força da “luz do dia”, 96funções da, 144-145genética, 81, 149-151insight e, 81-82ligações com o passado desenvolvimental, 81,

98, 149-151para exprimir a inevitabilidade do conflito, 98princípio dinâmico da, 147-148, 170-171princípio econômico da, 164processo de, 80, 144-147

clarificação no, 80, 144-146confrontação no, 80, 144-146

resistência e, 151-153transferência, 81, 95-96, 113, 147-149

função continente da, 95-96relação com as interpretações

extratransferenciais, 148-150Interpretações genéticas, 81, 149-151Intervenções, 138-161

análise da resistência, 18, 79-80, 97, 119,144-145, 150-155, 163-164, 220-222

análise do caráter, 154-157elaboração dos conflitos inconscientes, 66-68,

70, 82-84, 92-93, 98, 111-113, 144-145interpretação, 18, 80-82, 94-97, 97-98, 102,

144-145, 150-151neutralidade técnica, 18, 77-78, 86-87, 138,

144-145, 223no tratamento de pacientes com doença

afetiva, 256-257Inversão de papéis, 50, 58-60Investimentos, 193-194Irritabilidade, 67-68, 255Isolamento do afeto, 40-42

JJulgamento clínico, 111

KKernberg, O.F., 14, 17, 26

classificação das defesas, 39classificação dos níveis de organização da

personalidade, 30-31, 192, 193-194,195, 198

entrevista estrutural para, 176,198-199, 207, 267

relação com os transtornos depersonalidade do DSM-IV-TR, 31

modelo de relações objetais internas, 29Klein, M., 42-43, 63-65

LLogística do tratamento, 115-118Luto, 70, 93, 113, 241-242, 245-246

MManuais de tratamento, 266, 267McWilliams, N., 210Mentalização, no transtorno de

personalidade borderline, 268Modelos de funcionamento interno, 16Modelos psicodinâmicos, 25, 29, 62Motivação para a defesa, 47Motivações conflitantes do paciente, 16, 45-47

cisão e dissociação, 61-62defesas subjacentes, 167, 169desenvolvimento da capacidade de tolerar a

consciência de, 71-72,94-95, 101, 112-113, 226-227

conteúdos mentais e afetos“primitivos”, 227-229

identificação e exploração das, 97, 101,108-110

fora dos objetivos do tratamento, 182-184manutenção da neutralidade técnica em

relação às, 18, 77-78, 86-87, 138,144-145

operações defensivas e, 56-59relação com os objetivos do tratamento,

110-113, 177-185segregação das, 60, 125-126

Motivações sexuais, inaceitáveis,58-62

Mudança estrutural, 52, 67-68, 71-72, 92dinâmica da, 92-93

Mudanças dinâmicas no equilíbrio mental dopaciente, 71-72

NNBP. Ver Nível borderline de organização da

personalidadeNegação, primitiva, 40, 42

confrontação da, 171-172Neurociência cognitiva, 17, 84Neutralidade técnica, 18, 77-78, 86-87, 138-

144, 223definição de, 138-140desvios da, 142estabelecimento no início do

tratamento, 142-145evitar a utilização de técnicas

suportivas, 18, 78, 120-121,138-139, 142-143

expectativas sociais e, 139-140

Page 277: Psicoterapia Dinâmica das Patologias Leves de Personalidade - Caligor - Ker_.pdf

Índice 283qualidade das comunicações

terapeuta-paciente, 139-142Neutralidade. Ver Neutralidade técnicaNível borderline de organização da

personalidade, 30-31, 31, 33-34, 43,192, 195, 198

entrevista estrutural para diagnóstico do,198-199, 207

Nível neurótico de organização da personalidade(NOP), 30-31, 31, 192, 195, 198-199

entrevista estrutural para diagnóstico do,198-199, 207

NOP. Ver Nível neurótico de organização dapersonalidade

O

Objetivos do tratamento, 15-19, 24, 71-72, 83-84,91, 101, 162

como foco durante o processo de elaboração,178-179

decisões táticas em relação aos, 178deterrminação dos, 215-216evitação do paciente dos, 182-184funcionamento do paciente em áreas fora

dos, 183-185quando trazer para dentro das sessões de

tratamento, 179-181relação entre os conflitos centrais e os,

110-113, 177-185Objetivos. Ver Objetivos do tratamentoObjeto, definido, 17Opções de tratamento, discussão com o

paciente, 113-114, 216-218Operações defensivas, 16, 23, 24, 30,

38-45, 51, 267. Ver também defesas

específicas

análise da resistência e, 79-80, 151-155avaliação das, 193-194, 196-197classificação das, 39, 40classificação de Kernberg das, 39confrontação da dissociação antes da

repressão, 171-173defesa representada pelo tema prioritário,

166-167defesas de caráter, 154-157distorção da imagem (baseada na cisão),

33-34, 39, 40, 42-43, 196-197cisão e dissociação em transtornos graves

de personalidade, 43-44, 53cisão e dissociação na patologia leve de

personalidade, 44-45, 61-62em transtornos graves de

personalidade, 43-44, 196-197função das, 15, 38

identificação da ansiedade que motiva as,167, 169

identificação e exploração das, 96, 97, 107-108maduras, 39-40, 41-42motivação conflitante subjacente para, 167, 169nas patologias leves de personalidade, 196-197neuróticas, 33-34, 39-40, 41-42primitivas, 40, 43relações objetais internas e, 48-50, 56-62rigidez da personalidade e, 33-34,

38-45, 52

PPadrões de comportamento inibidores, 35-36Padrões reativos de comportamento, 35-36Pagamento pelos serviços, 115-116, 121-122Papéis do paciente e do terapeuta no

tratamento, 117-121Passado desenvolvimental

elaboração das relações objetais conflitantesrelacionadas ao, 238-240

na Entrevista Estrutural, 203-204psicoterapia da patologia de

personalidade e, 55-56Vinculações interpretativas ao, 81, 98, 149-151

Passividade, 35-36, 42Patologia de identidade, 29-34, 31,

195-197rigidez da personalidade e, 35-36, 52transtornos leves de personalidade e, 209-210,

211-212

Patologia de personalidade, 13-14, 23-50abordagem ao diagnóstico da, estrutura e

tratamento da, 266-267compartilhar a impressão diagnóstica com o

paciente, 210-215descrição psicodinâmica da, 25estabilidade da, 24experiência subjetiva na, 56gravidade da, 24-25, 30idade de aparecimento da, 24leve, 14-15, 25, 33-34 (Ver também

Patologias leves de personalidade)operações defensivas na, 56-62passado desenvolvimental e

psicoterapia da, 55-56relações objetais internas e, 51, 71-72representações do self e dos outros e

experiência subjetiva na, 52-53Patologia narcisista, 202-203Patologias leves de personalidade, 14-15, 25,

33-34abordagens de tratamento psicoterápico da,

18-20auto-reflexão e, 53-54

Page 278: Psicoterapia Dinâmica das Patologias Leves de Personalidade - Caligor - Ker_.pdf

284 Índice

características descritivas da, 28-29características do diagnóstico de,

26-27características estruturais da, 29-31, 51,

193-194

cisão e dissociação na, 44-45, 61-62desenvolvimentos da transferência na, 89-91entrevista estrutural no diagnóstico da,

198-199, 207modelo de organização mental na, 91-92operações defensivas e, 196-197organização depressiva e esquizo-paranóide

e, 64-66passado desenvolvimental e

psicoterapia da, 55-56prognóstico da, 18relações objetais internas na, 52-53rigidez da personalidade e, 33-34, 45, 52sintomas da, 28transtornos de personalidade do

DSM-IV-TR em pessoas com,209-210, 211-212

tratamento da depressão em pacientes com,251, 262-263

tratamento de transtornos de ansiedade empacientes com, 262-264

PDPLP. Ver Psicoterapia Dinâmica das PatologiasLeves de Personalidade

Perfeccionismo, 36-37Personalidade. Ver também Traços de

personalidadeclassificação de Kernberg dos níveis

de organização da personalidade,30-31, 192, 193-194, 195, 198

definição de, 23-24Entrevista Estrutural para, 190-191, 198-199,

207relação com os transtornos de

personalidade no DSM-IV-TR, 31Pesquisa, 267-268PFT. Ver Psicoterapia focada na transferênciaPiper, W.E., 218Planejamento do tratamento, 19, 25,

189-191, 210-218compartilhar a impressão diagnóstica com o

paciente, 210-215determinação dos objetivos do

tratamento, 215-216discussão das opções de tratamento, 113-114,

216-218Planejamento. Ver Planejamento do tratamentoPosição depressiva, 52, 63-68, 230

ansiedades depressivas que defendem contraas paranóides, 232-236

elaboração, 66-68, 70

exploração das ansiedades paranóides antesdas ansiedades depressivas, 228-232

Posição esquizoparanóide, 43, 64-68, 230exploração das ansiedades paranóides antes

das ansiedades depressivas, 228-232PPB. Ver Psicoterapia psicodinâmica brevePrincípio dinâmico da interpretação,

147-148, 170-171Princípio econômico da interpretação, 164Privação, em conflitos diádicos e

triangulares, 63-64Procedimento de Avaliação Schedler-Westen

(SWAP), 218Procedimentos de pagamento, 115-116Processo de consulta, 113-114, 189-191Processo de tratamento, 93Processo terapêutico, 97-98, 98-99Programas dos 24 passos, 250, 264-265Projeção, neurótica, 40, 41-42, 57-59, 172Psicanálise, 18-19, 88, 110, 216Psicoterapia dinâmica das patologias leves de

personalidade(PDPLP), vii-ixagendamento de encontros para, 115-116aliança terapêutica na, 77, 114-115,

122-124, 222-225análise da resistência na, 18, 79-80, 119,

144-145, 151-155, 163-164, 220-222base teórica da, viicombinações logísticas para, 115-118combinada com outras formas de tratamento,

19-20, 250-265para depressão, 251-263para transtornos de ansiedade, 262terapias sexuais, terapia de casal ou

terapia de grupo, 263-265comparada com a psicanálise, 18-19, 88, 110comunicação livre e aberta na, 79, 117-121consentimento informado para, 216, 217contrato de tratamento na, 113-115custos da, 217definição de, 14descrição para o paciente, 217desenvolvimento da, viiiduração da, 13, 15, 115-116, 218estratégias da, 17, 100-124, 102estrutura do tratamento na, 76, 100, 113-119

desvios da, 114-116, 120-123evitando o uso de técnicas suportivas na, 18,

78, 120-121, 138-139, 142, 143exploração da relutância do paciente em

entrar em, 114-115fases

de abertura, 220-227de término, 240-241, 245-246intermediária, 226-227, 239-240

Page 279: Psicoterapia Dinâmica das Patologias Leves de Personalidade - Caligor - Ker_.pdf

Índice 285freqüência das sessões na, 13, 114-116, 218,

244-245impasse terapêutico na, 246-247implementação flexível da, 269indicações para, 216-217insight produzido pela, 81-82interpretação da transferência na, 81, 95-96,

113, 147-150manutenção da neutralidade técnica na, 18,

77-78, 86-87, 138-145, 223mecanismos de mudança na, 93-99

continência, 18, 82, 94-96, 157-161interpretação, 18, 80-82, 94-99,

144-151objetivos da, 24, 71-72, 91, 101papéis do paciente e do terapeuta na, 117-121pesquisa sobre, 268processo de tratamento, 93processo terapêutico da, 97-98, 98-99reação terapêutica negativa na,

236-239relação psicoterapêutica na, 77, 85-87, 94-95,

114-116, 119-121responsividade do papel do terapeuta na,

86-87, 141ritmo da, 15seleção do paciente para, 18-20setting do tratamento na, 75, 76,

100-101, 113segurança da, 100, 114-115, 120

supervisão da, 268-269táticas da, 17-18, 100, 162-185, 162tarefas básicas da, 75, 76, 83-84

elaboração e processo de mudança, 52, 66,71-72, 82-84, 92-93

interpretação do conflitoinconsciente, 80-82

trazer as relações objetaisconflitantes para dentro do tratamento,76-80

técnicas de, 18, 100intervenção, 138, 150-151ouvindo o paciente, 18, 119-121, 125, 136

teoria da técnica da, 93terapeuta como observador participante na,

79, 96, 129, 130transferência na, 83-84, 91treinamento para, 268-269visão geral da, 14-18

Psicoterapia focada na transferência (PFT), vii,266-268

Psicoterapia psicodinâmica de curta duração(PPB), 19, 216

para depressão, 252-253Psicoterapia suportiva, 216

para transtorno de personalidade borderline, 268

Psychoanalytic Diagnosis: Understanding

Personality Structure in the Clinical

Process (McWilliams), 210Psychoanalytic Diagnostic Manual (PDM Task

Force), 27, 210

Q

Qualidade das relações objetais, 193-194, 195-197

Questão central. Ver Tema prioritário para asessão de tratamento

R

Racionalização, 41-42Raiva, 41-42, 45-46, 173Reação

de ajustamento, 207, 213-214terapêutica negativa, 236-239

Redes de associações neurais, 17, 84Regressão terapêutica, 228-229Relação psicoterapêutica, 15, 77, 85-87, 94-95,

97, 114-116, 119-121características específicas na PDPLP, 120-121funções da, 119-120manutenção até o término, 244-245

Relacionamento social com o paciente após otérmino, 245-246

Relações interpessoais, 14, 15, 38, 195-197Relações objetais internas, 16-17, 29, 267

avaliação da qualidade das, 193-194,195-197

cindidas da experiência dominante do self,45-46, 51-52

como estruturas permanentes de memória, 17como redes neurais de associação, 17, 84complexidade das, 68conflitantes, 45-47, 53-54

elaboração dos antecedentesdesenvolvimentais das, 238-240

diferenciação das, 68dominantes (centrais)

definição de, 102-106exploração e elaboração das,

226-228observação e interpretação dos conflitos

incluídos nas, 106-110e capacidade para tolerar conteúdos mentais

e afetos mais “primitivos”, 227-229em transtornos graves de

personalidade, 53encenação das, 84, 101

análise sistemática da, 170-177estabilidade das, 17extratificação das, 50, 57-58

Page 280: Psicoterapia Dinâmica das Patologias Leves de Personalidade - Caligor - Ker_.pdf

286 Índice

fazer inferências sobre, 102integração das, 68-69, 112, 146-147intensamente carregadas emocionalmente, 160-

161, 170mudanças na qualidade das, 67-68na patologia leve de personalidade,

52-53operações defensivas e, 48-50, 56-62, 79-80organização das, 29patologia de personalidade e, 51, 71-72transferência e, 83-84

Relações sexuais, 28, 36-38, 45, 47, 206Repressão, 16, 30, 39, 40, 41-42, 48-49, 50, 53,

56-58, 170confrontação da dissociação antes da, 171-173definição de, 16

Resistência de caráter, 154-157análise do caráter e, 155-156exploração na fase de abertura do tratamento,

225-226resistências clássicas e, 157

Resistência, 79-80, 150-155análise da, 18, 79-80, 97, 119, 144-145,

151-155, 163-164na fase de abertura do tratamento, 220-222

à transferência, 154-155de caráter, 154-157

análise do caráter e, 155-156resistências clássicas e, 157

definição de, 79, 150-151função da, 151-152interpretação e, 151-153

Responsividade do papel do terapeuta,86-87, 141

Respostas depressivas a separações do terapeuta,241-244

durante o tratamento, 241-244no final do tratamento, 243-244

Respostas paranóides às separações doterapeuta, 241-244

durante o tratamento, 241-243no final do tratamento, 243-244

Rigidez da personalidade, 15-18, 23, 28-29,33-34, 45, 92, 193-194, 196-197,206-207

abordagem no tratamento, 101apresentação clínica da, 35-38avaliação da gravidade da, 207, 208conflito inconsciente e, 45curso esperado sem o tratamento, 217depressão e, 251devido a fatores de temperamento, 24explicação ao paciente, 210, 213-215global, 207-209mal-adaptativa, 207-209

operações defensivas e, 38-45, 52(Ver também Operações defensivas)

patologia da identidade e, 30, 31, 52terapia para diminuição da, 67-68

Risco de suicídio, no transtorno depersonalidade borderline, 268

SSandler, J., 81, 86-87Satisfação na vida, 14Segurança do setting psicoterapêutico, 100,

114-115, 120Senso de self e dos outros, 192, 193-194, 195

Ver também IdentidadeSeparação do terapeuta, 241-244

durante o tratamento, 241-244no final do tratamento, 243-244

Setting do tratamento, 75, 76, 100-101, 113,162

segurança do, 100, 114-115, 120Setting psicoterápico, 75, 76, 100-101, 113, 162

segurança do, 100, 114-115, 120Simbolização, 54, 96Sintomas

cognitivos, 28conversivos, 28emocionais, 28físicos, 28

Sistema de valores internalizado, 193-194Sonhos, 174-177SSRIs. Ver Inibidores seletivos da

recaptação da serotoninaSublimação, 35-36, 40-42Submissão, 42, 171-173, 231-232Supervisão da PDPLP, 268-269Supressão, 39-40SWAP (Procedimento de Avaliação

Schedler-Westen), 218

T

Táticas de tratamento, 17-18, 100, 162-185,164, 251

análise da relação entre o conflito dominantee os objetivos do tratamento, 177-185

análise sistemática do conflito dominante,170-177

como ligação entre as estratégias e asintervenções, 162

definição do conflito, 166-170identificação do tema prioritário, 162-166

TCC. Ver Terapiacognitivo-comportamental

Técnicas de tratamento, 18, 100, 269

Page 281: Psicoterapia Dinâmica das Patologias Leves de Personalidade - Caligor - Ker_.pdf

Índice 287escutando o paciente, 18, 100, 120-121,

125-136intervenção, 138-161

Técnicas suportivas, evitar o uso de, 18, 78,120-121, 138-139, 142-143. Ver

também Neutralidade técnicaTema prioritário para a sessão de tratamento,

162-166abordagens adicionais para a seleção do,

165-166definição do conflito representado pelo,

166-170dominância afetiva e, 163-165resistência à comunicação livre e aberta e,

163-164 (Ver também Análise daresistência)

Teoriacognitivo-comportamental, 16-17das relações objetais, vii, 14, 16, 29.

Ver também Relações objetais internasdo vínculo, 16

Terapia antidepressiva, 252-253durante a PDPLP, 254-258para depressão que surge durante a PDPLP,

258-261tratamento dividido para, 260-263tratamento seqüencial com PDPLP,

252-254Terapia cognitivo-comportamental (TCC), 19,

216, 250para depressão, 251, 253para transtorno de personalidade borderline,

268para transtornos de ansiedade, 262-264

Terapiacomportamental, 216, 250de casal, 250, 263-264de exposição, 263-264de grupo, 250, 263-265dialética, 268interpessoal (TI), 19na depressão, 251-253para transtornos de ansiedade,

263-264sexual, 250, 263-265

Término prematuro, 245-246Teste de realidade, 30, 31, 33-34, 192, 193-194,

195Timidez, 24, 27, 206Trabalhando na transferência, 228-229Traços de personalidade, 24

avaliação estrutural dos, 25, 190-192,193-194, 195

contraditórios, 196-197definição de, 24

estabilidade dos, 28exploração na entrevista diagnóstica, 190-191inibidores, 35-36mal-adaptativos, 24-27, 28, 196-197narcisistas, 202-203operações defensivas e, 33-34reativos, 35-36rígidos, 28 (Ver também Rigidez da

personalidade)sublimatórios, 35-36

Transferência, 75, 83-84, 91, 114aliança terapêutica e, 223definição de, 83-84desenvolvimentos na patologia leve de

personalidade, 89-91desvios da estrutura do tratamento e,

121-122durante a fase de abertura do tratamento

negativa, 223-225positiva, 224-226

intensificação da, na fase intermediária dotratamento, 228-229

na escolha do tema prioritário, 165no tratamento de pacientes com doença

afetiva, 256Papel central na PDPLP, 88-89relação psicoterapêutica, 120relações objetais internas e, 83-84resistência à, 154-155trabalho na, 228-229

Transtorno borderline de personalidade (TBP), 14mentalização no, 268patologia de identidade no, 33-34psicoterapias para, 267-268

efeito sobre o funcionamento reflexivo, 268efeito sobre o risco de suicídio, 268psicoterapia focada na transferência, vii,

267-268versus nível borderline de organização da

personalidade, 30Transtornos de comportamento, 28Transtorno de personalidade

dependente, 27, 209, 211-212depressiva, 27, 209, 211-212depressivo-masoquista, 27, 209evitativa, 27, 209, 211-212histérica, 27, 209, 211-212histriônica, 27, 209, 211-212obsessivo-compulsivo, 27, 209, 211-212

Transtornos de personalidadeauto-reflexão e, 54características centrais dos transtornos

comumente diagnosticados empacientes com patologias leves depersonalidade, 209-210, 211-212

Page 282: Psicoterapia Dinâmica das Patologias Leves de Personalidade - Caligor - Ker_.pdf

288 Índice

características estruturais dos,193-194

cisão e dissociação nos, 43-44classificação no DSM-IV-TR de, 26-27

patologia da identidade e, 33-34relação com os níveis de organização da

personalidade de Kernberg, 31transtornos abaixo do limite de

classificação, 26-27em Psychoanalytic Diagnosis:

Understanding Personality Structure in

the Clinical Process, 210em Psychoanalytic Diagnostic Manual,

27, 210neuróticos, 27operações defensivas e, 196-197por abuso de substâncias, 264-265posições depressiva e

esquizoparanóide e, 64-65

psicoterapia focada na transferência para,vii, 266-268

relações objetais internas na, 53Tratamento combinado

para pacientes com depressão, 260-263para pacientes com transtornos de

ansiedade, 263-264Treinamento da assertividade, 263-265Treinamento em habilidades sociais, 263-264Treinamento em PDPLP, 268-269Triangulação, contratransferência e, 133, 158-159

WWesten, D., 99, 218

YYeomans, 14

Page 283: Psicoterapia Dinâmica das Patologias Leves de Personalidade - Caligor - Ker_.pdf

Os autores apresentam uma abordagem prática ao método específico de tratamento chamado “psicoterapia dinâmica das patologias leves de personalidade (PDPLP)”, que oferece para uma variedade de pacientes a oportunidade de modificar o funcionamento desadaptativo de modo que possam melhorar permanentemente a sua qualidade de vida.

“Este livro explica a teoria, descreve os pacientes e discute tudo o que um terapeuta pode desejar – sempre com exemplos clínicos e conexões com a teoria que os fundamenta.”Robert MichelsM.D., Professor de Medicina e Psiquiatria da Walsh McDermolt University, Cornell University

“Este livro é uma excelente contribuição do grupo de Kernberg. É uma apresentação elegante, clara e coerente de uma visão das relações objetais sobre a psicopatologia leve de personalidade, vinculada a uma estratégia psicoterápica para orientar os terapeutas, passo a passo, no seu trabalho com pacientes complexos.”John M. Oldham M.D., Professor da Faculdade Baylor de Medicina, Houston, Texas

PSICOTERAPIA DINÂMICA DAS PATOLOGIAS LEVES DE PERSONALIDADE Eve Caligor • Otto F. Kernberg • John F. Clarkin