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ara algumas pes- soas a morte lhes cai bem. Deixam de ser simples hu- manos e se transfor- mam em mitos, alcançando su- cesso e reconhecimento maiores até do que em vida. Yasser Arafat na Palestina, John Ke- nnedy nos Estados Unidos, Vla- dimir Lênin na ex-União So- viética e Getúlio Va rgas no Brasil são exemplos que fazem um m e ro ditado popular virar reali- dade. Suas trajetórias de políti- cos carismáticos lhes deram prestígio, mas que só se tor- naram inabaláveis depois que saíram da vida para entrar na História. Mortes de governantes, no entan- to, trazem conseqüências impor- tantes para o futuro dos países. Em alguns, a repercussão é maior do que as mudanças, em outros, o rumo da política é alterado de forma brusca. Nas democracias e ditaduras os efeitos são diferentes, assim como em territórios com go- vernos populistas e Estados que sequer existem no mapa. Esperada ou não, a morte de um líder políti- co sempre causa impacto, nunca passa despercebida. O líder de um Estado sem território Fundador da Fatah, movimen- to político de luta dos palestinos, Yasser Arafat despontou como um dos seus líderes nos anos 1950. A Palestina estava quase caindo no esquecimento. Já não possuía território, nem constava no mapa, desmembrada por Israel, Egito e Jordânia. A Fatah, na década seguinte, ganhou projeção e deixou de ser um simples movimento. Numa demonstração de liderança, to- mou a direção da Organização pela Libertação da Palestina (OLP), que passou a ficar sob seu controle. Arafat ainda é considerado o mais importante líder palestino, além de símbolo de uma batalha contra a ocupação israelense. Apontado pelos Estados Unidos como o principal obstáculo no processo de paz recebeu, ironica- mente, o prêmio Nobel da Paz com o ex-primeiro ministro israe- lense Yitzhak Rabin. Sem Arafat à frente da causa palestina, as negociações com Israel e os inter- mediários norte-americanos po- dem ser facilitadas. Sempre relutante quando o assunto era ceder poderes, Arafat não preparou um sucessor. Especulam-se os nomes de Mahmoud Abbas e Ahmed Qu- reia, para exercer sua função de liderança, mas será difícil encon- trar alguém com tanto carisma. ARTHUR SEIXAS, DANIELE TORRES, ISABEL MOTTA E MARIA PAULA ZOMMER Julho/Dezembro 2004 8 Quando a morte cai bem Arafat:mártir dos palestinos Governantes políticos que se transformaram em mitos A morte de Arafat marcou o fim de uma era de resistência para a criação de um Estado palestino no Oriente Médio

Quando a m o rt e cai bem - PUC-Rio

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Page 1: Quando a m o rt e cai bem - PUC-Rio

ara algumas pes-soas a morte lhescai bem. Deixam

de ser simples hu-manos e se transfor-

mam em mitos, alcançando su-cesso e reconhecimento maiore saté do que em vida. Ya s s e rArafat na Palestina, John Ke-nnedy nos Estados Unidos, Vla-dimir Lênin na ex-União So-viética e Getúlio Va rgas no Brasilsão exemplos que fazem umm e ro ditado popular virar re a l i-dade. Suas trajetórias de políti-cos carismáticos lhes deramp restígio, mas que só se tor-naram inabaláveis depois quesaíram da vida para entrar naHistória.

M o rtes de governantes, no entan-to, trazem conseqüências impor-tantes para o futuro dos países. Emalguns, a re p e rcussão é maior doque as mudanças, em outros, orumo da política é alterado def o rma brusca. Nas democracias editaduras os efeitos são difere n t e s ,assim como em territórios com go-v e rnos populistas e Estados quesequer existem no mapa. Esperadaou não, a morte de um líder políti-co sempre causa impacto, nuncapassa despercebida.

O líder de um Estado sem território

Fundador da Fatah, movimen-

to político de luta dos palestinos,Yasser Arafat despontou comoum dos seus líderes nos anos1950. A Palestina estava quasecaindo no esquecimento. Já nãopossuía território, nem constavano mapa, desmembrada porIsrael, Egito e Jordânia.

A Fatah, na década seguinte,ganhou projeção e deixou de serum simples movimento. Numademonstração de liderança, to-mou a direção da Organizaçãopela Libertação da Palestina(OLP), que passou a ficar sob seucontrole.

Arafat ainda é considerado omais importante líder palestino,além de símbolo de uma batalhacontra a ocupação israelense.Apontado pelos Estados Unidoscomo o principal obstáculo noprocesso de paz recebeu, ironica-mente, o prêmio Nobel da Pazcom o ex-primeiro ministro israe-

lense Yitzhak Rabin. Sem Arafatà frente da causa palestina, asnegociações com Israel e os inter-mediários norte-americanos po-dem ser facilitadas.

Sempre relutante quando oassunto era ceder poderes, Arafatnão preparou um sucessor.Especulam-se os nomes deMahmoud Abbas e Ahmed Qu-reia, para exercer sua função deliderança, mas será difícil encon-trar alguém com tanto carisma.

ARTHUR SEIXAS, DANIELE TORRES, ISABEL MOTTA E MARIA PAULA ZOMMER

Julho/Dezembro 20048

Quando a m o rt e cai bem

Arafat:mártir dos palestinos

Governantes políticos que se transformaram em mitos

A morte de Arafatmarcou o fim de uma

era de resistênciapara a criação de

um Estado palestinono Oriente Médio

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A autoridade em um Estadodemocrático

O assassinato de John Fitz-gerald Kennedy, em 22 de novem-b ro de 1963, talvez tenha sido ofato de maior re p e rcussão nosmeios de comunicação de massa.Mesmo os atentados de 11 des e t e m b ro, embora muito maistrágicos e de conseqüências políti-cas graves e abrangentes, nãop a recem superar em impactoemocional junto ao público domundo inteiro as cenas dramáti-cas do presidente nort e - a m e r i-cano sendo baleado em Dallas.

Kennedy era de uma típicafamília de imigrantes que rapida-mente alcançou fortuna e in-fluência. De excelente aparência,herói da 2ª Guerra Mundial ecom brilhante carreira de depu-tado e senador, Kennedy foi indi-cado pelo Partido Democrata àseleições presidenciais de 1960, echegou ao cargo máximo do go-v e rno ainda jovem, com 43 anos.“Não pergunte o que seu paíspode fazer por você, pergunte oque você pode fazer por seu país”,disse no discurso de posse queempolgou o povo e sugeriu umaperspectiva ainda maior de podere riqueza para os Estados Unidos.

Suas propostas de avanços naárea social, em especial as quediziam respeito aos direitos civis,favoreciam alguma mobilizaçãopopular. Mas o Congresso aindaresistia à aprovação de leis queefetivamente apontassem para aigualdade racial e melhoria dascondições de vida dos mais po-bres. Já na área externa, os in-teresses do complexo industrial-militar permitiam ao govern otirar proveito junto à opinião

pública dos efeitos espetacularesdo programa espacial, com aviagem, em 1962, do primeiroastronauta americano.

As circunstâncias de sua mortechocaram os norte-americanos eo mundo inteiro. Os acenos deKennedy na limusine aberta, amultidão festejando nas ruas avisita a Dallas, no Texas, as trêsseqüências de disparos que atin-giram o presidente, a corrida dosseguranças e batedores atônitossão imagens inesquecíveis. O

grandioso funeral e o filho de trêsanos batendo continência à pas-sagem do caixão do pai con-tribuíram para criar o mito.

O grande interesse pelo fatocontinuou sendo aguçado pelasdiversas especulações – até hojenão esclarecidas – sobre a autoriados disparos, e de teorias conspi-ratórias envolvendo a CIA, gover-nos estrangeiros e até a máfia. Osuposto assassino, Lee Oswald,também foi morto logo a seguirpor um obscuro dono de boate.As investigações perm a n e c e r ã osob sigilo até 2038.

A partir de Kennedy começa aficar pouco nítida a divisão dospolíticos americanos em liberaise conserv a d o res: os part i d o sDemocrata e Republicano fica-ram cada vez mais parecidos. Emplena guerra fria, poucos se lem-bram que foi o democrata Ke-nnedy quem isolou Cuba eempurrou os Estados Unidos paraa trágica guerra do Vietnã.

A indesejada das gentes 9

John Kennedy Jr. com a família no funeral do pai bate continência

O grandioso funeral eo filho de três anos

batendo continênciaà passagem docaixão do pai

contribuíram paracriar o mito Kennedy

Page 3: Quando a m o rt e cai bem - PUC-Rio

O líder de um Estado ditatorialNa antiga União Soviética, sob

uma temperatura de 30 grausnegativos, cerca de 900 mil pes-soas postadas numa fila quedurou quatro dias, foram dar oúltimo adeus ao maior líder re-volucionário do século XX, o fun-dador do primeiro Estado socia-lista do mundo, Vladimir IlitchLênin. Tr a b a l h a d o res se re u n i-ram para homenageá-lo no dia21 de janeiro de 1924, data desua morte, que completou 80anos em 2004. Seu corpo, embal-samado, foi exposto à visitaçãopública no Kremlin.

Após sua morte, foi Josef Stálinquem transformou Lênin em umícone da Revolução Russa, ex-pondo seu corpo em um mau-soléu em Moscou. Os demaislíderes bolchevistas, conscientesde que não gozavam da mesmapopularidade de Lênin, deraminício a um culto de sua me-mória, de caráter quase religioso.Os ensinamentos revolucionáriosde Lênin passaram a ter o mesmoprestígio que as idéias do pen-sador alemão Karl Marx, autor,entre outros livros, de O Capital edo Manifesto do Partido Comunista.

A morte de Lênin provocouuma violenta luta pelo poder

entre Leon Trótsky e Josef Stálin.Enquanto o povo russo desfilavadiante do corpo embalsamado deLênin, Stálin e Trótsky come-çavam o duelo para a sucessão.

Com o apoio da maioria doPartido Comunista, Stálin ven-ceu. Trotsky foi expulso do par-tido em 1927 e dois anos depois,do país. A ascensão de Stálin aopoder soviético anulou a perspec-tiva internacionalista do movi-mento socialista. O objetivo daTerceira Internacional, fundadapor Lênin, era apoiar a Revo-lução Russa e promover a re-volução socialista nos outro spaíses por meio de partidos co-munistas centralizados e fiéis aMoscou. Stálin assumiu o con-trole sobre a atividade dos par-tidos comunistas em todo omundo e a Internacional passoua refletir as guinadas políticas daUnião Soviética.

O chefe de um govern op o p u l i s ta

Era o dia 24 de agosto de 1954.Ainda não havia televisão noBrasil. O grande meio de comuni-cação era o rádio. Apro x i m a d a-mente às 9h, pessoas espalhadaspelo país inteiro ouviram, curiosas,o sinal característico do “Repórt e rEsso” em edição extraord i n á r i a .Era uma notícia bombástica, dei m p o rtância histórica: o então pre-sidente Getúlio Va rgas se mataracom um tiro no coração.

Enquanto o vice-presidente Ca-fé Filho assumia a presidência noPalácio das Laranjeiras diante deum salão praticamente vazio,m i l h a res de cidadãos corr i a mpara o Palácio do Catete para darseu último adeus a Getúlio Var-

gas. Uma multidão acompanhouo cortejo ao Aero p o rto SantosDumont, no centro da cidade. Delá, o corpo seria transferido paraa cidade de São Borja, onde Ge-túlio nasceu.

Começava assim um períodonovo na vida brasileira, mas nemde longe aquilo que os adver-sários de Getúlio imaginaram.Com o suicídio, Getúlio Vargasforçou um recuo da oposição e,ao mesmo tempo, uniu forçaspolíticas que estiveram com eleem diferentes etapas de sua vidapública. Todas as correntes naci-onalistas passaram a usar a car-ta-testamento como uma espéciede bandeira. Os dois partidos cri-ados por Getúlio para formaremuma aliança, PSD e PTB, conhe-ceriam o seu maior ponto de con-vergência elegendo, em seguida,Juscelino Kubitscheck e João Gou-lart para a presidência e vice-presidência da República, respec-tivamente.

O velho caudilho havia de-monstrado, mais uma vez, suaenorme capacidade de avançar eretroceder, recuar e causar im-pacto, transformando a fraquezade seu último ato numa força ca-rismática sem tamanho.

Julho/Dezembro 200410

Getúlio: o suicídio como ato políticoLênin: líder da revolução socialista