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1 de 28 Só cai quem quer? O trabalhador deve ser protegido, ou saber se proteger? Antonio Fernando Navarro 1 Apresentação: Com este título, só cai quem quer, iniciamos mais um artigo de divulgação de assuntos associados à Segurança do Trabalho e ou SMS, como sugestão para que os colegas possam empreendê-los em suas empresas, desta vez envolvendo as atividades em altura, sob novo enfoque. Pode soar estranha a afirmativa de que a queda de altura dependa da própria pessoa, já que só cai quem quer... Quando colocamos a interrogação ao final não nos apressamos em afirmar isso, mas sim questionar o porquê, em um trabalho perigoso, onde os riscos são tão evidentes, ainda há pessoas caindo e se ferindo gravemente ou indo a óbito. Percorrermos ruas e obras, e para onde miramos o olhar percebemos uma enorme quantidade de problemas existentes, seja envolvendo as estruturas de suportação dos trabalhadores para a realização dos trabalhos em altura, falta de avisos ou sinalizações de segurança, falta de utilização dos Equipamentos de Proteção Individual – EPI ou inexistência de Equipamentos de Proteção Coletiva – EPC, e, principalmente, trabalhadores que não se dão conta dos riscos que podem estar expostos, pois não empregam dispositivos de segurança necessários para “apará-los” nas quedas, e mesmo evitar que essas ocorram. Todos esses problemas podem ser denominados como “não conformidades” ou não atendimentos às determinações de legislações específicas. Isso quer dizer que quando uma não conformidade passa a existir é porque alguém deixou de cumprir uma norma ou procedimento. Também entrevistamos e aplicamos questionários a empregados das empresas em vários momentos e por várias razões, cujos resultados parciais encontram-se aqui apresentados. Convém ressaltar que nem toda a atividade que envolve a realização de serviços em altura conduz a acidentes pessoais. Como temos continuamente tratado do tema – riscos – em nossos artigos, buscamos alertar a todos que o acidente não ocorre sem que antes existam “avisos”, nem sempre percebidos. Uma não conformidade recorrente é um aviso. Um operário não qualificado em uma atividade perigosa é um aviso, a ocorrência de desvios ou quase acidentes são avisos. Até mesmo por isso, não adianta nada identificar todos os riscos existentes após a ocorrência 1 Antonio Fernando Navarro é Físico, Matemático, Engenheiro Civil, Engenheiro de Segurança do Trabalho, Mestre em Saúde e Meio Ambiente, professor dos cursos de Ciências Atuariais e de especialização em Engenharia de Segurança do Trabalho da Universidade Federal Fluminense – UFF, tendo atuado em atividades de Gerenciamento de Riscos industriais por mais de 30 anos.

Só cai quem quer?

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Pretende-se apresentar uma outra maneira de interpretrar-se os desvios cometidos durante a realização de atividades em altura e o que precisa ser empreendido pelos profissionais de SMS.

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Só cai quem quer? O trabalhador deve ser protegido, ou saber se proteger?

Antonio Fernando Navarro1

Apresentação:

Com este título, só cai quem quer, iniciamos mais um artigo de divulgação de assuntos

associados à Segurança do Trabalho e ou SMS, como sugestão para que os colegas possam

empreendê-los em suas empresas, desta vez envolvendo as atividades em altura, sob novo enfoque.

Pode soar estranha a afirmativa de que a queda de altura dependa da própria pessoa, já

que só cai quem quer... Quando colocamos a interrogação ao final não nos apressamos em afirmar

isso, mas sim questionar o porquê, em um trabalho perigoso, onde os riscos são tão evidentes, ainda

há pessoas caindo e se ferindo gravemente ou indo a óbito.

Percorrermos ruas e obras, e para onde miramos o olhar percebemos uma enorme

quantidade de problemas existentes, seja envolvendo as estruturas de suportação dos trabalhadores

para a realização dos trabalhos em altura, falta de avisos ou sinalizações de segurança, falta de

utilização dos Equipamentos de Proteção Individual – EPI ou inexistência de Equipamentos de

Proteção Coletiva – EPC, e, principalmente, trabalhadores que não se dão conta dos riscos que

podem estar expostos, pois não empregam dispositivos de segurança necessários para “apará-los”

nas quedas, e mesmo evitar que essas ocorram. Todos esses problemas podem ser denominados

como “não conformidades” ou não atendimentos às determinações de legislações específicas. Isso

quer dizer que quando uma não conformidade passa a existir é porque alguém deixou de cumprir

uma norma ou procedimento. Também entrevistamos e aplicamos questionários a empregados das

empresas em vários momentos e por várias razões, cujos resultados parciais encontram-se aqui

apresentados.

Convém ressaltar que nem toda a atividade que envolve a realização de serviços em

altura conduz a acidentes pessoais. Como temos continuamente tratado do tema – riscos – em

nossos artigos, buscamos alertar a todos que o acidente não ocorre sem que antes existam “avisos”,

nem sempre percebidos. Uma não conformidade recorrente é um aviso. Um operário não

qualificado em uma atividade perigosa é um aviso, a ocorrência de desvios ou quase acidentes são

avisos. Até mesmo por isso, não adianta nada identificar todos os riscos existentes após a ocorrência

1 Antonio Fernando Navarro é Físico, Matemático, Engenheiro Civil, Engenheiro de Segurança do Trabalho, Mestre em Saúde e

Meio Ambiente, professor dos cursos de Ciências Atuariais e de especialização em Engenharia de Segurança do Trabalho da

Universidade Federal Fluminense – UFF, tendo atuado em atividades de Gerenciamento de Riscos industriais por mais de 30 anos.

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dos acidentes ou durante a análise da causa dos mesmos, pois o acidente já ocorreu!!! Não podemos

mudar o que já ocorreu e tão pouco podemos retornar o tempo. Podemos sim, evitar novas

ocorrências, com nosso trabalho, esforço, persistência e ação. Ação é a palavra chave de todo o

processo. Certa vez alguém nos disse: devemos parar de ficar apenas no planejamento e passar para

a “planejação”. A palavra talvez não exista nos dicionários, mas pode significar identificar e agir,

simultaneamente. Somente assim vidas poderão ser poupadas. Prevenção se faz com antecipações

de ações.

As legislações específicas definem as atividades em altura como aquelas realizadas

acima de dois metros do nível do chão. Completamos informando que esse parâmetro é o indicado

desde que no plano considerado como referência não existam vãos ou depressões. Se o trabalhador

estiver sobre um pequeno banco de madeira executando um serviço na borda de uma laje do 10º

pavimento de um prédio, não importa mais a altura do pequeno banco, mas sim o quanto o

trabalhador se encontre no nível do chão ou do nível do piso mais baixo.

Palavras-Chave: Quedas de alturas, trabalhos em altura, falta de percepção dos trabalhadores dos

riscos.

Presentación

Bajo este título, sólo queda que quiere más, comenzamos un artículo de difusión de las

acciones de seguridad del trabajo, tales como sugerencia a los colegas que trabajan en el área de

SMS puede llevar a cabo en sus empresas, esta vez con el tema: las actividades en altura. Puede

sonar extraño para que la propia de una persona depende de la caída, desde sólo caídas que quiere.

Cuando ponemos el signo de interrogación al final nosotros no se apresuren a decir esto, pero

pregunta por qué un trabajo peligroso, donde los riesgos son tan evidentes, todavía hay personas y si

seriamente herida o acudir a la muerte.

Cuando utilice escaleras distribuido pelas obras, industriales o no, un montón de no

atender a lo que es requerido por ley, para la protección del trabajador. Algunas fotografías

presentadas en este texto se ilustran mejor as situaciones que, para un desconocedor en materia de

seguridad laboral, sin duda, ha de tener condiciones de identificar varios riesgos que conducen a la

caída del trabajador. ¿Dentro de esta visión, es casi siempre la pregunta: quién es el culpable de lo

están viendo? ¿Podrá ser o encargado de los servicios? ¿Puede ser el propietario del contratista o la

empresa? ¿Fue un descuido del trabajador? El hacer preguntas como "banales defectos o errores"

ahora existen. Desde el momento en que el defecto existe, basta apenas acompañar-se o movimiento

dos ponteiros do relógio para que ocurra un accidente. Si, porque entre o momento em que a falla

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detectada es detectada até a ocorrência do acidente basta apenas o transcurso do tiempo. O

accidente depende de frecuencia con que los trabajadores están expuestos, da cantidad de veces que

se utilizan los sistemas, pudendo acrecentar o grado de utilización y la forma de cómo se utiliza el

equipo.

La realización de trabajos en altura no debe considerarse como un mal necesario. Es

parte de un proceso de construcción, mantenimiento o conservación. Para intercambiar una lámpara

que se apaga utilizamos para substituí-la una cadera de salón. Después de la sustitución retomamos

la cadera en el lugar. Cuando fincamos sobre la cadera ni nos damos cuenta para comprobar si es

apta a soportar nuestro peso o donde ponemos puede haber algún riesgo que non identificamos. A

cadera puede quedar-se e nosotros quedamos juntos.

Palabras clave: Caídas de alturas, trabajo en alturas, falta de percepción de los trabajadores dos

riesgos del trabajo.

Discussão da questão

No subtítulo “O trabalhador deve ser protegido, ou saber se proteger?” tratamos de uma

dualidade: a primeira a que o trabalhador deva ser protegido, o que pressupõe a existência de um

curador para que o proteja, assim como, e até mesmo por essa razão, que o trabalhador não tem total

condição de se proteger. A segunda pressupõe que o trabalhador deva ter meios e saber se proteger.

Essa derivação do tema principal bem que poderia ser um capítulo a parte, já que se têm condições,

pelos relatos dos acidentes e observações dos profissionais executando suas atividades, que talvez

seja o caso de existirem as duas situações fundidas em uma só. Nossas legislações sobre o assunto

quase que orientam os especialistas à Curatela, quando na verdade deveriam orientar para que os

programas de capacitação profissional fossem bons o suficiente e pudessem, em extremo, prescindir

da existência de profissionais que permanecessem nas frentes de serviços orientando, ou melhor,

chamando à atenção de forma contínua, dos erros cometidos pelos trabalhadores.

Uma das primeiras ressalvas importantes neste momento é a de que, através de

continuado processo de avaliação de riscos e de resultados, por dezenas de anos, foi-nos possível

identificar que em 70% dos casos de acidentes envolvendo a realização de atividades em altura as

quedas dos trabalhadores não se davam devido aos próprios trabalhadores, mas sim devido ao

ambiente do trabalho. (AFANP, 2006 palestra ministrada no Terminal de Paranaguá)

Em nossa frase, extraída de apresentações realizadas em 2006 começamos a descontruir

a ideia de que o trabalhador sempre é o culpado de tudo. A imputação da culpa pode significar a

transferência da responsabilidade a outrem, mesmo que esse não seja verdadeiramente o culpado.

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Não pretendemos avaliar a questão pelo viés jurídico e das responsabilidades envolvidas, mas sim, e

tão somente, avaliar o quanto pode ser feito para se mudar um quadro de acidentes que nunca

diminui, tornando a atividade realizada em altura uma das mais perigosas.

Outro ponto a ser explorado é que depois que um trabalhador sofre um acidente, o

MEDO passa a dominá-lo mais fortemente. Se antes ele era confiante, despreocupado demais, ao

sofrer um acidente passa a relembrar o que passou e assim vem o medo de novas ocorrências. O

medo não é um problema e sim uma solução, pois o medo nos faz refletir, repensar e pesar os prós e

os contra. O medo nos prepara para novas ações. Acaba-se o destemor ou a falta do temor.

Entretanto, o medo não é algo que já o tenhamos pré-concebido em nossas mentes. Ele pode ser

derivado de experimentações ruins, de relatos que ouvimos e que, de alguma forma, nos causou

algum tipo de apreensão, de alguma situação ou fato que presenciamos ou lemos. Assim, passamos

a ter medo nas cidades grandes, como Rio de Janeiro e São Paulo, de caminharmos nas ruas centrais

à pé. Lemos nas bancas de jornais notícias sobre a violência urbana. Mesmo que a violência não

tenha nos atingido a notícia já nos contaminou. Em uma obra, se olharmos para todos os lados com

um olhar técnico poderemos certamente identificar não um, mas vários locais perigosos. Alguns são

explicitados nos programas de treinamento, como as carpintarias, principalmente pela serra circular,

ou a central de armação, pelos relatos de pessoas que tiveram partes do corpo perfuradas pelas

extremidades das ferragens ou mutiladas pelos discos de corte. A realização de trabalhos em altura é

um dos temas recorrentes nas palestras de segurança e briefings. Alguém algum dia disse uma frase

interessante: aquele que frequentava obras e nunca se feriu, mesmo que ligeiramente, é aquele que

nunca saiu dos escritórios. A desgraça de alguns termina virando assunto nos treinamentos. Muitos

dos que tiveram esse tipo de treinamento, com a exposição de fotos de pessoas mortas ou mutiladas,

passaram a ter “medo” daquilo que poderia lhes ocorrer. Porém, com o anos, e nada tendo ocorrido

de ruim a sensação de medo vai desaparecendo de suas mentes, a ponto de substituírem o medo pela

auto confiança, tão “perigosa quanto o excesso de medo. O excesso de confiança ou de medo afasta

a percepção do trabalhador dos riscos que estão ao seu redor. Não são os riscos que se aproximam

ou que procuram os trabalhadores, mas sim o contrário.

Quanto aos 30% restantes, uma parcela desse percentual pode ser atribuída à pressa,

autoconfiança ou mesmo a ignorância do tema. Poucas vezes os trabalhadores nos disseram que

não tinham preocupação para com sua própria segurança. Isso ocorreu com menos de 1% dos

entrevistados. Ao serem direcionados para a equipe de saúde os médicos detectavam prenúncios de

depressão, principalmente devido a questões familiares, e, para muitos, de saudades da família

distante, sacrifício esse para poder obter um salário maior. (AFANP, 2006)

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Um dos primeiros aspectos a considerar quando se aborda este tema é aquele que diz

respeito ao enquadramento legal, o qual determina proteções específicas para os trabalhos

realizados acima de dois metros do nível do chão. As empresas, não generalizando, tendem a

cumprir exclusivamente o que a norma determina. Muitas dessas empresas chegam a “copiar” as

normas e transformá-las em procedimentos internos, quando na verdade a filosofia do legislador é a

de oferecer às empresas os requisitos mínimos de segurança a serem desenvolvidos e postos em

prática, não se impedindo que as empresas os ampliem sempre a favor da segurança dos

trabalhadores. Pinçando-se alguns dos aspectos contidos na NR-35, relacionados ao nosso tema,

temos:

35.1.2 Considera-se trabalho em altura toda atividade executada acima de 2,00 m (dois metros) do

nível inferior, onde haja risco de queda. (grifo nosso)

Fotografia 1

Nesta foto do arquivo de AFANP2 (2010) o trabalhador posicionou uma tábua sobre parte de um

andaime a uma altura de 110 cm. A altura é considerada inferior em relação à altura máxima de 200

cm para que sejam estabelecidas as medidas de proteção. O que se percebeu durante uma visita à

obra é a de que a atividade ocorria na terceira laje da edificação e próxima à borda da mesma.

Destarte inúmeros outros riscos e faltas de cumprimento às normas foram observados no mesmo

local, envolvendo a mesma atividade e pessoas.

Se a norma fosse interpretada ao “pé da letra” o trabalhador não precisaria de proteção

complementar. Mas, levando-se em consideração as várias hipóteses de ocorrência do principal

risco – queda - percebe-se que, ao subir para andares superiores ao nível do solo o trabalhador já

deveria estar com seu cinto de segurança, devendo prender o talabarte em estrutura segura que não

2 AFANP – Antonio Fernando de Araujo Navarro Pereira, ou Antonio Fernando Navarro.

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fosse aquela onde estará realizando suas atividades. De que adiantaria o trabalhador prender-se à

própria estrutura sobre a qual esteja trabalhando? Se essa cair certamente o trabalhador cairá junto.

Em projetos de engenharia mais modernos já são previstos pontos de amarração

(atracação) de linhas de vida3 presos à estrutura da edificação durante a concretagem da mesma.

Esses pontos podem ser empregados durante a construção e depois retirados ou mantidos para

utilização posterior em manutenções corriqueiras. Quase sempre esses pontos de fixação suportam

uma carga mínima de 1.500 kg e ficam em locais de acesso a telhados, caixas d’água, beirais e

outros onde o trabalhador possa correr mais riscos de queda do que nos demais. Essa especificação

de carga mínima dependerá da quantidade de trabalhadores que podem estar conectados ao mesmo

ponto. Considerando-se o peso médio de uma pessoa de 70 kg, a carga de segurança para cada uma

será de cinco vezes esse peso, ou seja: 5 x 70 kg = 350 kg. Com a capacidade prevista de 1.500 kg

poder-se-ia considera a utilização simultânea por até quatro pessoas acrescido do peso de 100 kg

para as ferramentas e equipamentos utilizados. Recomenda-se que os trabalhadores não fiquem

presos a um único ponto de atracação.

Da física tradicional temos alguns conceitos como ilustrados a seguir. Na primeira

hipótese consideramos que um corpo é abandonado do alto de um prédio em queda livre, e

percebemos que em quatro segundos chegou ao chão. Se quisermos saber a altura de onde o corpo

foi abandonado e qual a velocidade com que chegou ao solo, basta aplicarem-se fórmulas simples

que levam em consideração o valor da força de gravidade “G”, como sendo de 9,8 m/ss. Assim, a

velocidade com que o corpo chega ao chão será de:

V = Vo + g x t V = Velocidade final. Vo = Velocidade inicial, quase sempre zero, já que o corpo é abandonado no espaço. G = Força da Gravidade terrestre t = tempo despendido durante a queda V = 0 + 9,8 x 4 V = 39,2 m/s

Se quisermos saber qual a altura que o corpo foi abandonado em queda livre, poderemos

aplicar outra fórmula também simples, como:

3 Linha de vida é uma corda ou cabo de aço, presa firmemente em suas duas extremidades, posicionada sobre o

trabalhador, onde ele e seus colegas podem fixar os ganchos dos talabartes de seus cintos de segurança. A linha de

vida deve ser projetada para suportar com folga o peso daqueles que possam estar fixados à ela. Denomina-se linha de

vida porque se espera que se o trabalhador estiver nela fixado, mesmo que venha a cair ainda continuará com vida,

pois a linha suportará sua queda. O coeficiente mínimo de segurança aplicado no dimensionamento da capacidade de

suportação da linha de vida deve ser igual ou superior a cinco vezes o peso total dos eventuais trabalhadores que a

utilizarão. Outro aspecto importante é que os pontos de fixação da linha de vida não podem ser aqueles da estrutura

onde o trabalhador se encontra. Seria um contrassenso fixar uma linha de vida em um andaime onde o trabalhador

está trabalhando. Se o andaime vier a cair o trabalhador será puxado para baixo pela linha de vida, neste caso, linha

de morte.

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V² = Vo² + 2 x g x h (39,2)² = 0² + 9,8 x 2 x h 1.536,64 = 0 + 19,6h 1536,64 = 19,6h h = 1.536,64/19,6 h = 78,4 metros

Para calcularmos a força com que o corpo chega ao solo, utilizamos a fórmula: f = m x

g x h, ou seja, a força de impacto é igual ao produto da massa do corpo, vezes a massa, vezes a

força da gravidade e vezes a altura. A força, neste caso é dada em Newton, sendo 1 N = 9,807 kgf.

Desta maneira, o calculo dos suportes dependerá da quantidade de carga que será

suportada e do peso que isso representará se cair ao chão.

Fotografia 2

Nesta fotografia, do arquivo pessoal de AFANP (2010) tem-se um trabalhador galgando

uma plataforma de trabalho improvisada, apoiada na platibanda4 da edificação. Além da postura

imprópria, já que o trabalhador acabava de subir, ainda segurava em uma das mãos uma furadeira

elétrica. Iria realizar trabalho de fixação de brise-soleil metálicos (expressão francesa cuja tradução

literal seria quebra-sol) à frente das janelas. Mesmo que a plataforma tenha sido bem construída e a

laje possua capacidade de suportação do peso extra, a proteção que o trabalhador deveria ter na

fachada, construída por finas toras de eucalipto pregadas em cruz e sem telas de proteção

possibilitam que se o trabalhador se desequilibrar terá grande chance de cair nove metros abaixo.

Ao apoiar-se nessa estrutura improvisada a mesma cederá ao peso do trabalhador, podendo

colapsar-se.

Um dos maiores riscos observados na fotografia 2 é que o trabalhador “galgou” a

plataforma de trabalho. Na posição em que se encontra a plataforma poderia rotacionar levando o

4 Platibanda é o prolongamento da laje de piso para além dos limites externos das paredes de alvenaria. Podem se

destinar ao apoio dos trabalhadores em atividades de manutenção externa das fachadas ou mesmo como brise soleil.

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trabalhador ao chão. Esse risco é o denominado “risco invisível”, já que as atenções se voltam

para a existência da plataforma, o que é uma irregularidade, e da maneira como está posicionada,

afora o fato de ser uma estrutura improvisada. Nossa visão deve estar voltada para todos os

detalhes e não apenas para aquele mais visível.

O risco da atividade realizada em altura

Quando identificamos um trabalhador “pronto para cair”, tal qual fruta madura, surgem

algumas dúvidas, representadas por acusações: quem é o culpado por aquilo que estamos vendo?

Será o encarregado dos serviços? O dono da empresa? Ou, quem sabe, um descuido do trabalhador?

Os questionamentos passam a ser mais contundentes na medida em que “erros ou falhas banais”

passam a ser vistos com mais frequência, associados a ocorrências de acidentes.

A simples existência de uma falha das medidas de segurança ou falta de cumprimento

de regras pode significar que, basta apenas o movimento dos ponteiros do relógio do tempo para

que o acidente ocorra. Esse tempo existente entre a percepção da falha e a ocorrência do acidente

pode ser resultante da frequência com que os trabalhadores ficam expostos, quantidade de vezes

em que os sistemas são empregados, dos modos como os equipamentos são utilizados. Nessas

condições, o tempo de exposição ao risco pelo trabalhador é diretamente proporcional à

possibilidade de ocorrência de acidentes. (AFANP, 2009 em palestra para profissionais de

segurança na cidade de Petrópolis/RJ).

A realização de trabalhos em altura não deve ser considerada como um mal necessário.

Faz parte de processos de construção, manutenção ou conservação. Lógico é que por ser tratar de

atividade onde o “perigo” encontra-se implícito, o ideal seria substituir o trabalhador por um

equipamento que realizasse a atividade a contento. Em uma obra industrial onde participamos como

Engenheiro Sênior de QSMS, foi içada uma torre de 104 metros. Para a montagem de seus

componentes internos (bandejamentos) o gerente do empreendimento resolveu que essa atividade

poderia ser realizada com a torre posicionada sobre calços, na horizontal, reduzindo os riscos para

os trabalhadores. Na mesma obra, para a montagem de duas esferas de gás, de cerca de 1.600 m3, as

partes já vinham pré-montadas, reduzindo a exposição dos trabalhadores.

Para a troca de uma lâmpada queimada podemos utilizar como recurso a cadeira da sala,

sempre mais fácil de obtê-la (disponível) e mais próxima de nós do que a escada de mão, algumas

vezes escondida atrás da porta do banheiro da empregada. Substituímos a lâmpada queimada e

colocamos a cadeira de volta a seu lugar. Quando posicionamos a cadeira nem nos damos conta de

avaliar se ela pode ou não suportar nosso peso, se apresenta algum problema estrutural, ou se onde a

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posicionamos possa existir algum risco “oculto” que não foi percebido por nós, como quando a

colocamos mais distante do que o necessário, ou há vários objetos entre a cadeira e a lâmpada, a

janela próxima está aberta e não tem grade, entre outras situações ou identificações de problemas

não avaliados prematuramente. É interessante observar que muitos dos operários que se acidentam

não reconhecem o que causou o acidente5. Isso passa a ser complexo na medida em que pode

representar a ausência de uma avaliação consistente.

Tratar do tema Trabalhos em Altura e suas consequências pode ser uma atividade

difícil, se não quisermos ser redundantes aos inúmeros artigos existente abordando a questão.

Existem artigos que tratam da discussão de normas, outros das medidas preventivas ou aqueles que

apresentam estatísticas, somente para ilustração. Nossa proposta, contudo, é a da apresentação para

discussão do tema, iniciando-a de maneira provocativa. Sabe-se que muitos de nós temos medo de

ficar observando o horizonte através de janelas em prédios altos. Outros nem sequer se aproximam

das janelas em andares altos, como no trigésimo andar. Por outro lado, há fotografias de

empregadas domésticas em pé sobre o peitoril das janelas limpando os vidros a 15 metros do chão.

O que isso pode ter de comum? Será que o trabalhador não tem o conhecimento do risco e das

medidas de proteção que deve utilizar ou a empregada doméstica não tem o menor conhecimento do

risco ou o menor valor pela vida? Entendemos que deva ter valor pela vida, pois que é importante

para a sobrevivência de sua família. Mas então, por que não avalia os riscos de cair? Nós também

tínhamos as nossas dúvidas e nunca gostamos de ficar observando a cidade de uma janela no

décimo quinto andar de um prédio.

Assim, resolvemos verificar se isso também poderia se dar com trabalhadores de uma

empresa de construção civil. Entrevistamos trabalhadores que nos disseram que sua confiança vinha

de suas crenças religiosas6. Outros nos disseram que prestavam atenção no que faziam, ou que

faziam daquela forma há muito tempo, ou seja, tinham experiência (SIC). Inúmeros são os

exemplos de acidentados que, ao serem entrevistados, afirmavam que já trabalhavam “daquela

forma” há mais de 20 anos. Para tirarmos nossas dúvidas posicionamos junto a uma parede de um

5 Entre 2001 a 2002 entrevistamos 86 trabalhadores que haviam sofrido algum tipo de acidente ao longo de suas atividades, não

necessariamente naquela empresa onde estávamos implantando um sistema da qualidade (PBQP-H). Desses pudemos identificar

que menos de 10% sabiam perfeitamente o que tinha provocado seus acidentes ou guardavam alguma lembrança do que tinham

feito que tivesse provocado o acidente do trabalho. Negar o acidente é uma atitude do trabalhador para “esconder” uma fraqueza,

já que o acidente pode ser associado a isso. Assim, o trabalhador prefere muitas vezes, dizer que não se lembra do acidente, que

aceitar o fato que se acidentou e que pode ter contribuído para a ocorrência do acidente. 6 Em uma empresa prestadora de serviços especializada na montagem de esquadrias, com um efetivo na obra em que

trabalhávamos de 18 pessoas, em 2002, cujo proprietário seguia uma crença religiosa e somente contratava trabalhadores que

frequentavam sua Igreja, os trabalhadores chegaram a nos dizer que nada ocorreria com eles, porque oravam antes de iniciar suas

atividades e ao final. Desse grupo, quatro já haviam sofrido acidentes anteriores. Mesmo assim, repetiam que Deus estava com eles

e nada lhes ocorreria enquanto acreditassem. Nossa pesquisa não foi motivada pela crença das pessoas, e sim pelo fato de que a

atividade era perigosa e as pessoas não demonstravam preocupação com suas seguranças.

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galpão industrial uma escada de mão, de madeira, de montante único, que poderia ser utilizada em

serviços de manutenção7. A escada não tinha dois dos degraus. Propositalmente não fixamos

nenhum aviso proibindo o uso da mesma. Apenas ficamos observando. Durante nossas observações,

que foram feitas ao longo de uma semana, 15 pessoas, de um contingente de 140 funcionários,

tiraram a escada de junto à parede, levaram-na onde iriam utilizá-la e a posicionaram para a

realização de atividades de manutenção. Quando tinham acabado de posicionar a escada nós

interrompíamos a atividade para alertar os trabalhadores. Destacamos que três dos trabalhadores

disseram que pegaram a escada porque imaginavam que a equipe de manutenção da empresa já

tinha providenciado os reparos necessários8, o que era uma norma da empresa. Mas, não existia

qualquer tipo de aviso informando estar o equipamento “OK” para o uso, o que também era uma

norma da empresa, de fixar as etiquetas do mês informando terem aqueles itens sido verificados e

aprovados pela equipe de SMS.

Esse teste serviu não só para a aplicação de várias palestras de segurança, meio

ambiente e saúde ocupacional, como também para comprovar que as pessoas não se davam conta

que poderiam estar transportando um dispositivo com falhas e que esse dispositivo terminaria sendo

o “gatilho” para o acidente. Ao nos lembrar desse episódio resolvemos apresentar o texto com o

título: Só cai quem quer?

O que faz com que uma pessoa não perceba o risco a que está exposta? Os profissionais

de segurança e os psicólogos têm pela frente um vasto campo de pesquisa. Na realização de nossas

atividades identificamos pessoas que gostavam de se exibir para os colegas, como corajosas,

pessoas que realmente não tinham condições de identificar os riscos, pessoas que ficavam focadas

somente naquilo que iriam fazer. Por exemplo, chegamos a fotografar um operador de guindaste,

guiando a lança com um controle manual, que se preocupava tanto com o posicionamento das

cargas que nem se lembrava que poderia estar, algumas vezes, sob a própria carga transportada,

constituída por ferragens presas por cintas, como na fotografia 3 (acervo pessoal de AFANP 2010).

7 A ideia vem do princípio que o trabalhador busca sempre as ferramentas ou os meios para executar seu trabalho que estejam mais

próximos de si. Se o encarregado solicita que o trabalhador deixe temporariamente de executar uma atividade para concluir outra

dificilmente ele irá retornar ao almoxarifado para pegar as ferramentas mais apropriadas. Em nossas pesquisas realizadas durante

um ano, 2006, em um canteiro de obras, para verificação das razões dos acidentes causados pela improvisação das ferramentas,

descobrimos que, de cada 10 trabalhadores quatro continuavam suas atividades e realizavam as demais com as mesmas

ferramentas. 8 Em muitas empresas que trabalhavam sob-rigoroso sistema de gestão, é comum que as equipes de SMS inspecionem

periodicamente os equipamentos e ferramentas e apliquem etiquetas com a “cor do bimestre” assegurando aos trabalhadores que

esses podem empregar os dispositivos com segurança. Nessas empresas é comum os trabalhadores interagirem com o almoxarife,

encarregados e profissionais de SMS. Uma ferramenta pode ter sido inspecionada em um instante e, pelo uso inadequado, ter sido

danificada no momento seguinte, permanecendo nela a etiqueta que “aprovou” seu uso.

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Fotografia 3

Foto de arquivo pessoal de AFANP – 2010, com trabalhador sentado à beira da

forma da viga de borda, com o controle da movimentação da lança do guindaste em suas mãos, e a

atenção voltada para o posicionamento da carga.

Exemplos de identificação dos riscos

O risco deixa de existir, ou passa a ser mitigado, quando há planejamento da

atividade. No planejamento discutem-se as estratégias, logística, procedimentos, proteções e riscos,

entre outras questões também importantes. É nessa fase, sem riscos, que se discutem os riscos. Ë

bom esclarecer que uma coisa é eliminar um risco – algo bem difícil – outra, de mitigá-lo – quando

são empregados meios que atenuam os efeitos dos mesmos, principalmente sobre o ser humano.

Mitigam-se riscos quando se fornece o EPI – equipamento de proteção individual correto. Outra

maneira de identificação dos riscos é através do reconhecimento dos padrões de comportamento dos

trabalhadores. Em algumas obras isso é possível, pois que há um tempo maior de interação entre os

trabalhadores e seus encarregados. Em outras atividades isto não é possível. Quando o for, seria

importante se aquele se se propõem a executar um trabalho em altura está realmente preparado para

tal, em todos os aspectos, inclusive naqueles relacionados às questões relativas à normalidade. Digo

isso porque muitas vezes, em nossas atividades de gestão das tarefas relacionadas com SMS alguém

dizia que quem se prestava a executar um serviço em altura não era normal. O que é ser uma pessoa

normal?

Em um artigo bastante interessante redigido pelo Dr. Dirceu Zorzetto Filho, sob o título

“O normal e o patológico em Psiquiatria”, publicado pela Revista Psiquiatria em 2000, obtido no

site: http://www.oocities.org/medpucpr97/psiqui/psiqui.htm. Pela adequação e pertinência do

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conceito, para continuarmos nossos comentários é importante citar o comentário do douto professor

em sua íntegra, como:

[...] Existe uma longa e desgastante discussão quanto a natureza do psiquismo/mente. Uma corrente da psicologia, psicanálise e filosofia entende os fenômenos psíquicos como algo que extrapola os limites do físico e orgânico; postula que a atividade psíquica não teria uma sede, um "órgão" biológico a que estivesse vinculada. ...

Normalidade Psíquica:

O conceito de normalidade psíquica é questão de grande controvérsia. Obviamente quando se trata de casos extremos, cujas alterações comportamentais e mentais são de intensidade acentuada e de longa duração, o delineamento das fronteiras entre o normal e patológico não é tão problemático. No entanto, existem situações limítrofes em que a diferença entre os comportamentos e formas de sentir normais e patológicas é muito tênue. ... Apresentam-se em seguida os principais critérios de normalidade utilizados em psicopatologia:

1. Normalidade como ausência de doença: O primeiro critério que geralmente se utiliza é o de saúde como “ausência de sintomas, de somais ou de doenças”. ... Normal, do ponto de vista psicopatológico, seria, então, aquele indivíduo que simplesmente não é portador de transtorno mental definido. ... 2. Normalidade ideal: A normalidade aqui é tomada como certa “utopia”. Estabelece-se arbitrariamente uma norma ideal, o que é supostamente “sadio”, mais “evoluído”. Tal norma depende, portanto, de critérios socioculturais e ideológicos, e, no mais das vezes, dogmáticos e doutrinários. Exemplos de tais conceitos de normalidade são aqueles baseados na adaptação do indivíduo às normas morais e políticas de determinada sociedade. 3. Normalidade estatística: A normalidade estatística identifica norma e frequência. É um conceito de normalidade que se aplica especialmente a fenômenos quantitativos, com determinada distribuição estatística na população geral (como peso, altura, tensão arterial, horas de sono, quantidade de sintomas ansiosos, etc.). ... 4. Normalidade como bem estar: A Organização Mundial da Saúde (OMS) definiu, em 1958, a saúde como o completo bem-estar físico, mental e social, e não simplesmente como ausência de doença. É um conceito criticável por ser muito vasto e impreciso, pois bem-estar físico, mental e social é tão utópico que poucas pessoas se encaixariam na categoria “saudáveis”. 5. Normalidade funcional: Tal conceito irá assentar-se sobre aspectos funcionais e não necessariamente quantitativos. O fenômeno é considerado patológico a partir do momento em que é disfuncional, provoca sofrimento para o próprio indivíduo ou para seu grupo social. 6. Normalidade como processo: Neste caso, mais do que uma visão estática, consideram-se os aspectos dinâmicos do desenvolvimento psicossocial, das desestruturações e reestruturações ao longo do tempo, de crises, de mudanças próprias a certos períodos etários. Este conceito é particularmente útil em psiquiatria infantil e de adolescentes, assim como em psiquiatria geriátrica. 7. Normalidade subjetiva: Aqui é dada maior ênfase à percepção subjetiva do próprio indivíduo em relação ao seu estado de saúde, às suas vivências subjetivas. O ponto falho deste critério é que muitos indivíduos que se sentem bem, “muito saudáveis e felizes”, como no caso de pessoas em fase maníaca, apresentam de fato um transtorno mental grave. 8. Normalidade como liberdade: Alguns autores de orientação fenomenológica e existencial propõem conceituar a doença mental como perda da liberdade existencial. Desta forma, a saúde de liberdade sobre o mundo e sobre o próprio destino. A doença mental é constrangimento do ser, é fechamento, fossilização das possibilidades existenciais. Portanto,

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de modo geral, pode-se concluir que os critérios de normalidade e de doença em psicopatologia variam consideravelmente em função dos fenômenos específicos com os quais trabalhamos e, também, de acordo com as opções filosóficas do profissional. ... O que é um "distúrbio mental"? ... Brendan Maher assinala três critérios que permitem considerar uma conduta como patológica e necessitada de ajuda terapêutica. Esses critérios implicariam na existência de: 1) Angústia pessoal intensa: a pessoa sofre um intenso e desagradável desconforto emocional, insatisfação com sua vida e sofrimento emocional subjetivo que a leva a solicitar ajuda especializada; 2) Condutas incapacitantes: atitudes que prejudicam o desenvolvimento das potencialidades do indivíduo e comprometem seu desempenho pessoal, profissional e social, tais como o comportamento dependente, passivo, agressivo e fóbico; 3) Contato deficiente com a realidade: caracteriza-se pela compreensão distorcida da realidade socialmente compartilhada, levando a procedimentos inadequados e às vezes perigosos para o indivíduo ou para outras pessoas. [...]

Há que se cobrar normalidade de um trabalhador que esteja prestes a inspecionar a

fundação de uma estrutura a 15 metros de profundidade, sem que ele próprio se dê conta dos riscos

a que estará exposto, ou tenha sido adequadamente notificado e se encontre protegido para o

exercício da atividade? Ainda pode se cobrar um comportamento normal de uma pessoa que nunca

andou de avião e irá ser lançada de um parapente, acompanhada por um instrutor? Talvez os

exemplos sejam absurdos e talvez estejamos confundindo normalidade com ansiedade, medo,

angustia, ou mais. Especialmente nas atividades laborais mister se faz destacar para o trabalhador

todos os riscos a que ele estará exposto e fornecer os equipamentos ou dispositivos de segurança,

ensinando-o a emprega-los. O trabalhador é amparado pela Lei, inclusive em norma da OIT nº 155

aceita pelo Governo Brasileiro, a aceitar ou recusar-se trabalhar em atividades para as quais não se

sinta seguro ou preparado. Se olharmos ao nosso redor nas cidades em que residimos, iremos

perceber “muitas coisas erradas”, como por exemplo: a patroa que pede à sua empregada para

limpar as janelas do apartamento no 18º andar. Um dos casos bizarros que tivemos conhecimento

foi o de uma empregada doméstica que estava concluindo um curso de técnica de segurança do

trabalho e que propôs à sua patroa limpar os vidros da janela de um apartamento no 14º andar. A

patroa relutou e a empregada disse que estava habilitada e que tinha um cinto de segurança e o

prenderia no “varal” da cortina da janela. Felizmente a patroa não concordou com tamanha

insanidade. Mas, não há tantas patroas assim com essa percepção.

Os exemplos de guerreiros indo à guerra, em condições normais, não existem, ou talvez

somente em revista de quadrinhos, o velho e antigo Gibi, quando então os super-heróis não tinham

medo de nada. O medo, palavra tão temida, é importante para nós e nos faz refletir, ousar menos,

compreender mais, arriscar menos, perceber mais claramente. O medo nos chama a atenção para o

perigo. Assim, dizer que uma pessoa não é normal só porque não tem medo passa a ser uma falácia.

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Nos filmes que tratam da guerra no Vietnam, com o exército americano, via-se que

muitos dos soldados recorriam às drogas para não se abaterem nas frentes de batalha. Infelizmente,

o ambiente somado ao uso contínuo de drogas deixou para trás uma legião de pessoas doentes.

Ora, todas essas questões suscitadas anteriormente nos remetem a um cenário que não é

o habitual para um técnico ou engenheiro de segurança do trabalho, com formações básicas em

ciências exatas. Há que se compreender que tanto o ambiente de trabalho quanto o trabalhador

devem ser percebidos como um todo e não como partes de um todo. Esse todo pode ter reações

internas ou endógenas e exóginas. Essas reações podem afetar comportamentos, ações, ritmos de

trabalho, enfim, podem afetar pequenas partes daquele todo. Por exemplo, se o cronograma de

entrega de um serviço estiver comprometido por alguma razão, passa a ser natural que o nível

estratégico da organização cobre dos demais níveis celeridade nas ações. Essa reação, sob

determinadas circunstâncias, não está contida no planejamento da empresa, como um “plano b”.

Desta maneira, alguns trabalhadores passam a ser mais pressionados do que outros, já que as

atividades de obras são processos encadeados, onde a continuidade de um depende da conclusão da

etapa anterior. Assim, os que estão submetidos a maiores pressões podem ser representados ou estar

sendo representados nas fotografias apresentadas neste texto. Desta maneira, algumas das posturas

percebidas podem ser fruto de pressões excessivas e não o resultado da “normalidade” de um

trabalho ou daquele trabalhador, especificamente.

Em um dos relatos de investigação de acidentes no trabalho apontados entre os três,

dentro de um universo de 200, citados anteriormente, chamou-nos a atenção aquele onde o

trabalhador, preocupado com sua própria segurança na execução de um serviço ousou ter medo dos

resultados ou das consequências de sua exposição. Pressionado pelo Encarregado, também dito

Feitor, em muitas obras, ou Capataz, ou Mestre de Obra, realizou a tarefa e sofreu o acidente tão

temido. Nas análises não se pôs em cheque a palavra do Capataz, antigo na empresa, mas sim a do

empregado recém-admitido. Ou seja, alguém tinha de ser o culpado e para isso apontaram o dedo

para o empregado. Fácil, não?

Entre todas as atividades Perigosas existentes em um local de trabalho, os trabalhos em

altura são sempre os que apresentam maiores e mais gravosos riscos aos trabalhadores. Pode

parecer óbvio a todos que trabalhar em altura não é algo seguro. Aqui se confunde propositalmente

o Perigo com a Segurança. O que faz com que passe a existir Segurança em atividades perigosas é o

adequado planejamento e o emprego de dispositivos de proteção específicos. O trabalhador pode

estar montando uma antena no alto de uma torre a mais de 400 metros de altura, estar realizando

uma atividade perigosa, estar sujeito a inúmeros riscos, mas estar realizando a atividade com

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segurança. Quando se expande o conceito de segurança inserem-se temas como competências,

habilidades, atitudes, medidas de prevenção, procedimentos, supervisão, e mais um corolário de

medidas importantes. Quando o Homem se aventurou a viajar para fora do Planeta Terra sabia de

antemão que isso seria uma atividade Perigosa. Até o quanto o conhecimento técnico da época o

permitia, foi-lhes oferecido o que se tinha de melhor em termos de segurança. Quanto mais perigosa

for a atividade maiores e melhores serão os níveis de proteção, com o que chamamos de

redundâncias, onde a falha de um dos dispositivos aciona, de imediato, outro dispositivo. Essa

concepção de redundâncias fez com que nas atividades de construção e montagem se passasse a

exigir o duplo talabarte nos cintos de segurança. Isso porque, na transposição de um obstáculo o

trabalhador sempre teria pelo menos um dos talabartes presos a alguma estrutura e não cairia.

Para nós, os riscos podem parecer óbvios. Todavia, isso nem sempre é percebido pelo

próprio trabalhador. Vejamos alguns exemplos bem simples:

I) Risco: pregar uma tábua, utilizando pregos, martelo e tábua.

Consequências previsíveis:

1. Impacto do martelo no dorso da mão ou em dedos; 2. O prego pode se desprender e atingir o trabalhador ou outras pessoas próximas; 3. O prego pode atingir o nó da madeira (parte mais dura) e soltar-se; 4. O prego pode quebrar-se e ferir o trabalhador; 5. O cabo do martelo pode atingir o trabalhador enquanto esse o utilize para remover o prego

que tenha sido entortado; 6. Uma lasca da madeira que será pregada pode se soltar e penetrar na pele do trabalhador; 7. O trabalhador pode cair enquanto transporta a tábua; 8. O trabalhador pode ferir a mão por uma farpa que se desprenda do cabo do martelo; 9. O trabalhador pode ferir o rosto, outra parte do corpo a outra pessoa se o martelo soltar-se

do cabo. II) Risco: substituição de uma lâmpada de rosca queimada.

Consequências previsíveis:

1. Prensagem dos dedos ao abrir a escada de mão; 2. O bulbo da lâmpada pode se soltar do soquete e ao quebrar-se cortar a mão ou o rosto do

trabalhador; 3. O trabalhador pode quebrar a lâmpada ao liberá-la da rosca, lesionando a mão; 4. O trabalhador poderá levar um choque elétrico por não ter desligado o interruptor ou não ter

verificado a tensão na linha e na identificação da faze; 5. O trabalhador poderá sofrer uma descarga elétrica pelo fato do condutor elétrico haver se

soltado do parafuso que o prende; 6. O trabalhador poderá escorregar do degrau na escada e cair ao chão; 7. Os pés da escada podem escorregar no piso, liso ou sobre tapetes derrubando o trabalhador;

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8. A lâmpada trocada pode cair ao chão e os estilhaços do vidro atingirem o próprio trabalhador ou a terceiros;

9. O trabalhador poderá sofrer acidentes ao transportar a escada para o local onde a utilizará; 10. Pode ocorrer a queda de ferramentas de trabalho levadas pelo trabalhador.

Identificando riscos na realização de trabalhos em altura

Qualquer que seja a atividade humana teremos sempre perigos e também riscos

associados. Nos trabalhos em altura os riscos passam a ser em maior número e a possibilidade de

atingirem a terceiros também.

Para quem realiza um trabalho muitas vezes ao dia, o reconhecimento do risco passa a

ser mais difícil do que para quem o realiza somente uma vez. Quem o faz por várias vezes termina

não mais identificando os riscos, ou o que é pior, aceitando-os como normais para aquele tipo de

trabalho. Até mesmo por essa razão, dos trabalhadores não conseguirem diferenciar o que poderia

ser natural daquilo que tem o potencial de causar lesões, os acidentes continuam ocorrendo. Na

realização de trabalhos em altura, o que para os estudiosos é claramente identificado como perigo e

riscos consequentes, para o trabalhador não passa de algo a que ele já se acostumou e deixou de “ter

medo”.

A falta de medo é algo perigoso, quando se trata de questões relacionadas à prevenção

dos riscos. Se o medo deixa de existir os níveis de prevenção ou de proteção passam a não ser mais

necessários ou são reduzidos e as pessoas deixam de se preocupar com sua própria segurança,

passando a se preocupar somente com a execução da atividade.

Em uma abordagem psicológica a falta do medo aproxima o trabalhador do acidente.

Por exemplo, ainda considerando a realização de um trabalho em altura – perigoso - identifica-se

um risco que pode ser o da queda do trabalhador. A queda não se dá espontaneamente.

De cada 100 trabalhos realizados em altura, não há 100 acidentes do trabalho. Isso

significa que não basta apenas que alguém esteja realizando uma atividade para que,

necessariamente, sofra um acidente. O que é motivo de preocupações é o acidente que causa lesão

ao trabalhador. Podem ocorrer acidentes que o trabalhador nada sofra. Quando o acidente se

manifesta essa manifestação pode ser o resultado de uma ou várias ações, como por exemplo:

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Roseta de Riscos (AFANP, 2012)

Para que o exemplo seja mais bem consolidado no processo de aprendizagem, compararemos o

modelo acima com uma fotografia obtida em uma obra (AFANP-2011).

Fotografia 4 (AFANP – 2011)

Risco de queda9 (1) (2) (3) (4)

Na foto 4 vê-se o encarregado no alto de uma edificação de seis lajes de piso, circulando por toda a

borda do prédio, em sua fachada externa, avaliando a qualidade dos serviços em execução e

9 (1) significa um pequeno risco; (2) representa um risco médio; (3) corresponde a um risco elevado e (4) significa um risco

gravíssimo.

Queda do

trabalhador

Desatenção

Falha dos

dispositivos de

proteção

Falta de

proteção

Fatores

externos

Fatores

ambientais

Falta de

procedimentos

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repassando informações a seus empregados. Utilizando nossa “roseta de riscos” como parâmetro

para o entendimento da questão, tem-se:

• Queda do trabalhador – evento mais provável de ocorrer, pois o encarregado se encontra em

situação de risco, sem fazer uso de qualquer dispositivo de segurança e nem perceber que a

mudança súbita de posição corporal poderá conduzi-lo a uma queda. Sua postura física e

posição, com quase metade do pé direito para fora da borda da fachada passa a representar alto

risco. Poder-se-ia dizer que ele passa a todos uma impressão de segurança e conhecimento.

Também passa a imagem de destemor, ou ausência de medo de altura, a impressão de quem

está acostumado a essa atividade e não se preocupa com a questão. O risco atribuído é o de

grau máximo “4”.

• Desatenção – a desatenção surge com o fato de que o encarregado não se apercebe do que

pode ocorrer com ele. Ele aborda o trabalhador que se encontra em um nível de trabalho

logo abaixo, mas não percebe que tanto ele quanto o trabalhador encontram-se em uma

postura de quem assume o risco. Assim, ele se encontra desatento não só ao ambiente como

um todo, mas também nos perigos e riscos ao redor.

• Falha ou falta dos dispositivos de proteção – a falha ou falta dos dispositivos de proteção,

aqui com o significado de algo que possibilita que o trabalhador execute sua atividade com

segurança e se sinta seguro, pode ser representada pela ausência de uma barreira física que

isole o local. No nível inferior o trabalhador está inadequadamente suportado pelo beiral da

laje, sem mais nada, já que a estrutura de toras de madeira seria insuficiente para evitar a

queda do mesmo.

• Falta de proteção – normalmente entendem-se como dispositivos de proteção todos aqueles

fixados ou não no local de trabalho que são dimensionados para evitar a ocorrência do

acidente, neste caso, a queda de uma pessoa. Para que essa ocorra são necessários dois

movimentos dos corpos (relembrando da Física básica), sendo o primeiro na direção

horizontal e sentido do interior para o exterior do prédio. O segundo movimento é na direção

vertical e sentido segundo a orientação da força de gravidade, para baixo. Os dispositivos de

proteção devem ser capazes de reagir e barrar os deslocamentos nessas direções e sentidos,

evitando a queda dos trabalhadores. O dimensionamento dos mesmos deve levar em

consideração os movimentos associados à força de impacto, ou seja, a quantidade de

movimento. Quanto maior for a quantidade de movimentos maior será a quantidade de

dispositivos de proteção. Dessa maneira, e com essa visão, pode se associar o dispositivo de

proteção a uma barreira para que não ocorra o movimento. Essa visão deve ser entendida

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como aquela onde os dispositivos são coletivos ou gerais. Também há os dispositivos

individuais, quando a exposição aos riscos é limitada a uma ou poucas pessoas.

• Fatores externos – os fatores externos são os mais difíceis de serem controlados, avaliados

ou mitigados. Podem ser representados como: aqueles inerentes às forças da natureza, como

ventos, chuvas; pessoas que passam nas proximidades; movimentação de veículos, entre

outros. O barulho da campainha de um celular pode deixar o empregado desatento. O

assobio de alguém chamando um colega pode deixar o empregado momentaneamente

desatento.

• Fatores ambientais – os fatores ambientais estão associados ao ambiente de trabalho. O

encarregado pode estar naquele momento e naquele local com o objetivo de pressionar o

empregado a concluir sua atividade, ou corrigir um problema que esteja ocorrendo com certa

frequência. Também associado ao fator ambiental, pode-se associar o fato do encarregado

não estar empregando os dispositivos de segurança, que tem a possibilidade de encontrar-se

associado à pressa no repasse da orientação, por exemplo.

• Falta de procedimentos – a falta de procedimentos é um dos fatores mais discutidos e um

dos menos prováveis. Percebe-se que se a empresa não possui seus próprios procedimentos

pode e deve seguir minimamente o que diz a norma regulamentadora, que tem o poder de

Lei. Assim, não se trata da inexistência de procedimentos, mas sim na falta do cumprimento

desses.

Concluindo a análise, a queda do trabalhador pode ocorrer pela associação de dois ou

mais fatores. Durante 15 anos analisamos acidentes envolvendo trabalhos em altura. Durante esse

período revimos 37 acidentes. Do total 610 conduziram ao óbito do trabalhador, destacando-se que

em um acidente o óbito foi agravado pela precária assistência médica. Com a retirada desses seis

casos, restaram-nos 31 acidentes a comentar. As causas principais observadas foram:

Qde de acidentes Causa raiz Causas associadas

10 Desatenção Falha dos dispositivos de proteção Fatores externos Fatores ambientais

08 Falha dos dispositivos de proteção Falta de proteção

10

Em um dos acidentes fatais o trabalhador ajustava o piso de uma estrutura de andaimes internos no interior de um tanque,

empregada para que trabalhadores fizessem a manutenção interna do tanque. Naquela fase a atividade se restringia a inspeção e

limpeza do teto. O trabalhador arrastava pesados pranchões de madeira, com bordas em encaixes metálicos, removendo-os de um

local para outro. Em um determinado momento, pisou em falso e caiu de uma altura de 12 metros. O trabalhador foi

imediatamente removido para atendimento hospitalar externo. Foi colocado na maca da ambulância ainda com o cinto de

segurança e, enrolado em seu corpo, o talabarte. O dispositivo não o salvou porque não estava preso a uma linha de vida. E isso

ocorreu porque não tinha sido instalada a linha de vida. Pela falta de uma linha de vida três crianças ficaram sem seu pai. O

trabalhador havia sido treinado, tinha assistido uma palestra matinal sobre a importância do emprego dos talabartes e de como os

devia prender em uma linha de vida. O trabalhador tinha assinado a lista de presença e tinha sido orientado adequadamente para a

emissão da Ordem de Serviço. Mas, isso tudo não impediu sua queda.

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Fatores externos Falta de procedimentos Falta de supervisão

07 Fatores ambientais

Desatenção Falta de supervisão Falta de proteção Falta de procedimentos

06 Falta de proteção

Desatenção Falta de supervisão Falha dos dispositivos de proteção Falta de procedimentos

Um dos acidentes poderia ter como causa principal o exibicionismo, que bem poderia ser o caso

apresentado na fotografia 4. As fotografias a seguir apresentam casos em que os trabalhadores

assumiam elevados riscos de queda, pelas razões mais diversas.

Foto 5 (Arquivo pessoal de AFANP, 2010)

Situação observada : Carpinteiro deslocando-se sobre aba de forma de concreto armado, recém concretada, para iniciar a montagem do tablado de fundo de fôrma da laje.

Risco : Queda de altura superior a três metros. Proteção por EPI : O trabalhador está carregando cinto de segurança adequado para o

trabalho, porém sem conecta-lo a uma linha de vida. Condições ambientais : Desfavoráveis, pela dificuldade de locomoção e obstruções diversas a

serem transpostas.

Risco de queda (1) (2) (3) (4)

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Foto 6 (Arquivo pessoal de AFANP, 2010)

Situação observada : Três carpinteiros verticalizando uma fôrma de pilar, empurrando as escoras para prender a lateral da fôrma.

Risco : Ao empurrarem a escora poderiam derrubar seu companheiro que segurava o prumo, e que estava apoiado sobre a ferragem existente.

Proteção por EPI : Nenhum dos trabalhadores chegou a atracar o talabarte de seus cintos de segurança.

Condições ambientais : As mais desfavoráveis possíveis, não só pela movimentação da lança do guindaste ao lado como também pelo prazo exigido para a conclusão das atividades.

Risco de queda (1) (2) (3) (4)

Foto 7 (Arquivo pessoal de AFANP, 2011)

Situação observada : Carpinteiro removendo com a “unha” do martelo pedaços da fôrma de borda do beiral.

Risco : Queda do local com altura equivalente a dois pavimentos em função do esforço empregado e da postura adotada para a realização da atividade.

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Proteção por EPI : O trabalhador não atracou o talabarte de seu cinto de segurança a um ponto da estrutura que pudesse suportar sua queda livre.

Condições ambientais : Desfavoráveis em função das obstruções do ambiente e das exigências para a conclusão das tarefas.

Risco de queda (1) (2) (3) (4)

Foto 8 (Arquivo pessoal de AFANP, 2010)

Situação observada : Armador prendendo a ferragem longitudinal de um pilar com os estribos, apoiado a pequena taboa apoiada sobre uma seção incompleta de um andaime.

Risco : Queda de altura equivalente a 150cm. Proteção por EPI : O trabalhador não portava cinto de segurança e confiava que a pequena

altura, mesmo sobre a terceira laje da edificação não representasse maiores riscos.

Condições ambientais : As condições ambientes não propiciavam a ocorrência de acidentes.

Risco de queda (1) (2) (3) (4)

Foto 9 (Arquivo pessoal de AFANP, 2010)

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Situação observada : Um carpinteiro e um ajudante sobre a platibanda de uma edificação, a oito metros acima do nível do solo. O ajudante segura uma escada improvisada enquanto o carpinteiro sobe. Segurando-se na própria escada e em uma escora metálica que prende uma peça de madeira que servirá de apoio para o fundo da laje de piso.

Risco : O ajudante pode não suportar o peso de seu colega e a escada cair, derrubando o carpinteiro. O carpinteiro pode se desequilibrar se a escora movimentar-se de sua posição e cair da escada.

Proteção por EPI : Nenhum dos dois funcionários prendia os talabartes a linhas de vida, e assim, encontravam-se expostos a irem ao chão sem a proteção dos dispositivos de proteção.

Condições ambientais : Favoráveis à ocorrência de um acidente, pela precariedade dos meios empregados para que o carpinteiro ajustasse a posição das peças de suportação do fundo da laje e prendesse as escoras metálicas.

Risco de queda (1) (2) (3) (4)

Legislação aplicada

Recentemente foi inserida uma norma específica, parte extraída da NR-18, que tomou o nome de

NR-35 Trabalho em Altura, publicada através da Portaria SIT nº 313, de 22 de março de 2012 e

publicada no DOU de 27/03/2012, entrando em vigor em 27/09/2012, havendo a exceção relativa ao

capítulo 3 (Treinamento e Capacitação), que entrará em vigor em 27/03/2013. Alguns de seus

principais aspectos, com destaques nossos e aplicados ao presente texto, são:

35.1. Objetivo e Campo de Aplicação 35.1.1 Esta Norma estabelece os requisitos mínimos e as medidas de proteção para o trabalho em altura, envolvendo o planejamento, a organização e a execução, de forma a garantir a segurança e a saúde dos trabalhadores envolvidos direta ou indiretamente com esta atividade. 35.1.3 Esta norma se complementa com as normas técnicas oficiais estabelecidas pelos Órgãos competentes e, na ausência ou omissão dessas, com as normas internacionais aplicáveis. 35.2.1 Cabe ao empregador: d) assegurar a realização de avaliação prévia das condições no local do trabalho em altura, pelo estudo, planejamento e implementação das ações e das medidas complementares de segurança aplicáveis; f) garantir aos trabalhadores informações atualizadas sobre os riscos e as medidas de controle; g) garantir que qualquer trabalho em altura só se inicie depois de adotadas as medidas de proteção definidas nesta Norma; h) assegurar a suspensão dos trabalhos em altura quando verificar situação ou condição de risco não prevista, cuja eliminação ou neutralização imediata não seja possível; 35.2.2 Cabe aos trabalhadores: c) interromper suas atividades exercendo o direito de recusa, sempre que constatarem evidências de riscos graves e iminentes para sua segurança e saúde ou a de outras pessoas, comunicando imediatamente o fato a seu superior hierárquico, que diligenciará as medidas cabíveis; d) zelar pela sua segurança e saúde e a de outras pessoas que possam ser afetadas por suas ações ou omissões no trabalho. 4.Planejamento, Organização e Execução 35.4.1 Todo trabalho em altura deve ser planejado, organizado e executado por trabalhador capacitado e autorizado. 35.4.1.1 Considera-se trabalhador autorizado para trabalho em altura aquele capacitado, cujo estado de saúde foi avaliado, tendo sido considerado apto para executar essa atividade e que possua anuência formal da empresa. 35.4.1.2 Cabe ao empregador avaliar o estado de saúde dos trabalhadores que exercem atividades em altura, garantindo que:

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c) seja realizado exame médico voltado às patologias que poderão originar mal súbito e queda de altura, considerando também os fatores psicossociais. 35.4.2No planejamento do trabalho devem ser adotadas, de acordo com a seguinte hierarquia: a) medidas para evitar o trabalho em altura, sempre que existir meio alternativo de execução; b) medidas que eliminem o risco de queda dos trabalhadores, na impossibilidade de execução do trabalho de outra forma; c) medidas que minimizem as consequências da queda, quando o risco de queda não puder ser eliminado. 35.4.4 A execução do serviço deve considerar as influências externas que possam alterar as condições do local de trabalho já previstas na análise de risco. 35.4.5.1 A Análise de Risco deve, além dos riscos inerentes ao trabalho em altura, considerar: c) o estabelecimento dos sistemas e pontos de ancoragem; e) a seleção, inspeção, forma de utilização e limitação de uso dos sistemas de proteção coletiva e individual, atendendo às normas técnicas vigentes, às orientações dos fabricantes e aos princípios da redução do impacto e dos fatores de queda; f) o risco de queda de materiais e ferramentas; g) os trabalhos simultâneos que apresentem riscos específicos; h) o atendimento aos requisitos de segurança e saúde contidos nas demais normas regulamentadoras; i) os riscos adicionais; j) as condições impeditivas; k) as situações de emergência e o planejamento do resgate e primeiros socorros, de forma a reduzir o tempo da suspensão inerte do trabalhador; l) a necessidade de sistema de comunicação; m) a forma de supervisão.

Conclusão

Os exemplos representados através de fotografias na realização de atividades de

construção civil nos fazem retornar para a pergunta utilizada como título: Só cai quem quer? A

impressão que se tem é que realmente, nas condições apresentadas os trabalhadores realizavam

atividades perigosas, encontravam-se expostos a vários riscos, entre os quais o de queda, não se

protegiam corretamente, apesar de alguns estarem utilizando cintos de segurança, e teriam, em uma

avaliação simples, uma enorme probabilidade de sofrerem acidentes. A empresa avaliada durante

dezoito meses chegou a ter um efetivo de 140 pessoas. Muitas dessas eram contratadas para

serviços de curta duração. A empresa tinha técnico de segurança do trabalho no canteiro de obras,

porém ocupando-se de atividades administrativas, havia o acompanhamento por um engenheiro

externo e nenhum acidente foi relatado oficialmente. TODOS os trabalhadores abordados nessas

fotografias alegaram que estavam concluindo uma atividade, ou estavam realizando uma atividade

de curta duração, ou tinham experiência suficiente para não se acidentarem, como no caso do

encarregado. Também TODOS alegaram não ter conhecimento de exigências legais de proteção e

sequer foram formalmente orientados a esse respeito. Daqueles funcionários fotografados, 80%

disseram que os EPIs atrapalhavam muito a mobilidade podendo ser causadores de acidentes do

trabalho. Alguns sequer chegavam a utilizar todos os EPIs determinados para a função. Um caso

que precisa ser destacado à parte, na conclusão, e que põe em terra todos os ensinamentos

repassados nos cursos de capacitação de técnicos de segurança e de engenheiros de segurança do

trabalho é representado pela foto 10:

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Foto 10 (Arquivo pessoal de AFANP, 2011)

A fotografia 10 ilustra um pouco da cultura da empresa e da pessoa. No caso presente

tem-se um pedreiro iniciando a atividade de reboco de uma parede, na quarta laje do prédio. O

pedreiro chegou ao local com capacete, bota de segurança e cinto de segurança do tipo paraquedista

(pode ser observado que o cinto de segurança está mal posicionado, que o olhal onde o talabarte

encontra-se preso não é uma argola de aço e sim uma placa plástica). Foi informado que a

fiscalização iria ao local. Como a empresa não tinha posicionado nenhuma linha de vida no local e

tendo o encarregado avisado para que o trabalhador prendesse a extremidade do talabarte em algum

local, improvisaram, com um vergalhão, um ponto de apoio, inseriram-na no orifício do tijolo,

dobraram as extremidades do lado oposto e o trabalhador pôde iniciar suas atividades.

Aquela improvisação com toda a certeza não teria condições de suportar o peso do

trabalhador em queda livre. A “armação” não foi descoberta pela fiscalização, já que o trabalhador

ficou com a colher de pedreiro retirando as arestas da massa de assentamento. Também não era a

prática da fiscalização observar áreas de riscos, mas sim o andamento da obra (cronograma) como

um todo.

Se nem o trabalhador tem o conhecimento dos riscos que corre, ou não os percebe, até

mesmo por falta de uma adequada orientação, verbal, inclusive, pela enorme quantidade de

analfabetos funcionais trabalhando nas obras, devido à falta de mão-de-obra qualificada, se nem a

empresa se preocupa o suficiente com a questão, será que um simples orifício de um tijolo de argila

de oito furos, medindo 20 x20 x 10 cm poderá suportar o peso de um homem em queda livre? Com

certeza não. Será que esse trabalhador poderia ter se recusado a realizar aquela atividade, como

previsto na norma da OIT 15511 a qual o Brasil aderiu e que possibilita que o trabalhador recuse a

11 Convenção da OIT nº 155

I — Aprovada na 67ª reunião da Conferência Internacional do Trabalho (Genebra — 1981), entrou em vigor no plano internacional

em 11.8.83, tendo sido aprovada pelo Decreto Legislativo nº 2, de 17.3.92, do Congresso Nacional, ratificado de 18 de maio de

1992, promulgado em 29.9.94, através do Decreto nº 1.254, com vigência a partir de 18 de maio de 1993.

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continuidade de suas atividades por não se sentir seguro? A resposta pela fotografia apresentada

podia ser NÃO. Nesse cenário, que a bem da verdade é relativamente simples por não se tratar de

uma obra industrial, podem ser previstos vários e vários acidentes.

Vivemos um momento ímpar na indústria da construção, com centenas de

empreendimentos sendo construídos simultaneamente e uma enorme demanda por profissionais.

Para a formação de um ajudante estima-se que seria necessário pelo menos uns dois meses. Para a

formação de um pedreiro nossa estimativa é de seis meses, já que para que o profissional seja

pedreiro não basta simplesmente alinhar um tijolo sobre o outro. Ele deve verificar a qualidade da

massa, o prumo da parede, a conexão alvenaria estrutura, e uma série de outras questões relativas ao

seu ofício, que por não serem identificadas pelo profissional terminam por sobrecarregar os

encarregados das obras. Para a formação de um encarregado estima-se ser necessário um tempo

mínimo de pelo menos dezoito meses.

A razão do título do artigo: Só cai quem quer? Ainda deverá continuar com um ponto de

interrogação ao final, pois não somente as empresas que atuam 100% neste cenário, mas também

trabalhadores inexperientes, trabalhadores que não aceitam proteções, trabalhadores que se acham

mais experientes do que as normas, enfim, há um grande desafio pela frente para se reverterem

questões como essa. E aqui, “arranha-se” apenas a superfície do grande cenário que é o da

insegurança dos trabalhadores nas obras.

Tem-se ainda muito trabalho pela frente, não só de fiscalização como também, e,

sobretudo, de conscientização dos trabalhadores. Enquanto os profissionais de SMS não estiverem

de mãos dadas com os profissionais de psicologia e de sociologia para a compreensão dos

ambientes, mesmo com toda a boa técnica existente ainda se encontrarão situações como as

apresentadas. Acresce-se ao já comentado que a NR-35, que entrou em vigor em 27 de setembro

deste ano, passa a exigir maior controle e qualificação dos trabalhadores. Caso essas medidas já

estivessem em vigor, já que são as medidas de segurança mínimas necessárias, muitas dessas

fotografias apresentadas não deveriam estar compondo o presente artigo.

Art. 9 — O controle da aplicação das leis e dos regulamentos relativos à segurança, a higiene e o meio-ambiente de trabalho deverá

estar assegurado por um sistema de inspeção das leis ou dos regulamentos.

Art. 10 — Deverão ser adotadas medidas para orientar os empregadores e os trabalhadores com o objetivo de ajudá-los a

cumprirem com suas obrigações legais.

Art. 13 — Em conformidade com a prática e as condições nacionais deverá ser protegido, de conseqüências injustificadas, todo

trabalhador que julgar necessário interromper uma situação de trabalho por considerar, por motivos razoáveis, que ela envolve um

perigo iminente e grave para sua vida ou sua saúde.

Art. 16 — 1. Deverá ser exigido dos empregadores que, na medida em que for razoável e possível, garantam que os locais de

trabalho, o maquinário, os equipamentos e as operações e processos que estiverem sob seu controle são seguros e não envolvem

risco algum para a segurança e a saúde dos trabalhadores.

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Há um aspecto importante não pode ser deixado de lado. Existe um enorme contingente

de profissionais que se “sujeitam” a todo o tipo de trabalho, sem que tenham qualificações para tal.

Muitas empresas passam ao largo da valorização profissional, pois que, além de onerar os custos

operacionais das mesmas, os trabalhadores, infelizmente, não reconhecem esses esforços e trocam

de empresa por variações de salário de cem reais.

Recentemente (mar./nov. 2010) fizemos uma pesquisa, abrangendo profissionais semi

qualificados da indústria da construção civil (ajudantes, pedreiros e armadores), operários que

trabalhavam em empresas que construíam os prédios de alguns dos Campi da UFF, pesquisa essa

com perguntas fechadas e um campo específico para que os funcionários das empresas pudessem

fazer seus comentários, onde em duas das perguntas formuladas, abordávamos “por quanto” os

trabalhadores trocariam de empresa. Sessenta profissionais daqueles abordados, em número de

aproximadamente 110 pessoas, entre contratados diretos e empregados de empresas subcontratadas,

nos responderam:

26 trabalhadores (43% dos respondentes) nos disseram que se a empresa fornecesse uma boa cesta

básica eles trocariam de emprego.

38 trabalhadores (63% dos respondentes) disseram que se a emprega pagasse adicional de

periculosidade (correspondente a 30% do salário básico) eles trocariam de empresa (nessa ocasião

transitavam pelos Campi veículos conclamando trabalhadores a sair das empresas para serem

contratados para atuar nas obras do COMPERJ).

15 trabalhadores (25% dos respondentes) disseram que, para eles a qualidade dos EPIs não tinha a

menor importância.

50 trabalhadores (83% dos respondentes) disseram que o trabalho perigoso não os incomodava

desde que recebessem mais.

Na composição dessas respostas conseguiu-se identificar que, para aqueles profissionais

menos qualificados, mais importante que um bom ambiente de trabalho ou a atenção da empresa

para com a sua segurança, era o salário. Também pôde se concluir que quase a metade daqueles que

responderam não tinham nenhuma restrição quanto ao tipo de trabalho que realizavam, mas

gostariam de estar recebendo um salário melhor para executar aquele tipo de serviço. Quanto à

questão de EPIs não entendiam ser uma questão importante. Cremos que essas respostas,

especificamente quanto a EPI tenham sido dadas em virtude de se tratarem de obras relativamente

simples, com prédios de até cinco pavimentos para uso escolar. Não procuramos saber, à época, se

esse percentual poderia ser alterado caso se tratasse de obras industriais. Também é relevante

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associar-se o fato do turnover ser da ordem de 40% e do tempo de execução dos serviços ser

estimado para 14 meses.

Diante deste cenário os problemas de SMS (Segurança, Meio Ambiente e Saúde)

deixam de ser um cenário técnico dos especialistas na área para ser um ambiente onde passa a ser

importante a visão de Assistentes Sociais, Psicólogos, Sociólogos, Antropólogos, enfim, há que se

ter o concurso da multidisciplinariedade na interpretação dessas questões. Da mesma maneira os

profissionais devem auxiliar os especialistas na área de segurança do trabalho para que se possa

chegar à tão sonhada resposta à pergunta: Só cai quem quer?

Passa a ser “normal” que em uma Conclusão possam se ter os elementos finais que

contribuam não só para o entendimento da questão, como também para responder a

questionamentos apresentados em objetivos específicos ou idéias que sejam inovadoras e

importantes para o tema. Contudo, em nossa conclusão não temos o encerramento da questão e nem

nos propusemos a isso. Inicialmente porque estamos tratando de algo até então inimaginável, de um

profissional de segurança do trabalho passar a ter uma maior compreensão das atitudes e atos dos

empregados. Em segundo lugar porque na imensa maioria das empresas, os profissionais de

segurança do trabalho não fazem parte do board decisório do planejamento das ações e muito

menos do estabelecimento de ações alternativas ou planos A, B, C, ... Resta a esses profissionais

corrigir os problemas depois de percebidos. Essa é a realidade atual para muitas empresas de

pequeno e médio porte que se aventuram a executar obras, principalmente civis. Assim, talvez essa

possa ser a contribuição maior, de as empresas formularem seus objetivos e metas baseados na

cultura coletiva e no pensamento coletivo, que leve em consideração as nuances de cada um dos

cenários que possam se apresentar adiante.