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Licenciatura em ciências · USP/ Univesp
15.1 Introdução15.2 A Teoria de ácidos e bases de Arrhenius
15.2.1 Propriedades gerais de soluções aquosas de ácidos e bases15.2.2 Ácidos fortes e ácidos fracos de Arrhenius15.2.3 Bases fortes e fracas de Arrhenius15.2.4 Reações entre Ácidos e Bases de Arrhenius
15.3 A Teoria de Brønsted-Lowry15.3.1 A auto ionização da água15.3.2 Anfóteros: substâncias que se comportam como ácidos e como bases15.3.3 Hidrólise de sais em solução Aquosa
15.4 Aplicando ConceitosReferências
Guilherme A. MarsonAna Cláudia Kasseboehmer
ÁCIDOS E BASES15 Quím
ica
235
Química
Licenciatura em Ciências · USP/Univesp · Módulo 2
15.1 IntroduçãoAcidez e basicidade são conceitos centrais na Química. Através deles descrevemos e explicamos
o comportamento químico de inúmeras substâncias. No mundo contemporâneo, ácidos, bases e
sais são compostos de grande aplicação. Por exemplo, a produção de ácido sulfúrico (H2SO
4) e de
ácido fosfórico (H3PO
4) é indispensável, pois estes ácidos são utilizados na produção de fertilizantes
e em muitos outros processos. No organismo, ocorrem inúmeras reações entre ácidos e bases, e
a quantidade destas substâncias é controlada rigorosamente em diversos compartimentos: o estô-
mago é mantido em meio ácido pela produção constante de ácido clorídrico; centímetros depois,
no duodeno, o ácido estomacal é neutralizado parcialmente por bases que atuam também como
detergentes; no sangue, o transporte de gás carbônico dos tecidos ao pulmão se dá por um rigoroso
controle da quantidade de bicarbonato e ácido carbônico.Por fim, a acidez entre as membranas da
mitocôndria é o motor para a produção de energia da célula. Nesta aula, estudaremos duas teorias
que explicam a acidez e a basicidade da maioria das substâncias químicas conhecidas.
15.2 A Teoria de ácidos e bases de ArrheniusSvante Arrhenius (1859-1927), ao final do séc XIX, sistematizou o conhecimento acumulado
pela comunidade científica e definiu:
Reações ácido-base (neutralização) são as combinações de íons H+ com íons OH− origi-
nando moléculas de H2O.
2H OH H O+ -+ →
A teoria de Arrhenius é um marco na química, pois não só explica satisfatoriamente o
comportamento das reações de ácidos com hidróxidos de cátions metálicos, mas contribuiu
Ácido é uma substância que contém hidrogênio e produz H
3O+, o íon hidrônio, em solução aquosa.
Base é uma substância que contém o grupo OH (hidroxila) e produz íons hidróxido, OH-, em solução aquosa.
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15 Ácidos e bases
Licenciatura em Ciências · USP/Univesp · Módulo 2
significativamente para o pensamento químico do fim do século XIX, lançando as bases para as
teorias ácido-base mais abrangentes que viriam posteriormente.
As propriedades químicas das substâncias aparecem quando essas substâncias entram em contato
com outras. O cloreto de hidrogênio HCl, representado na Figura 15.1, quando puro é um gás
e não apresenta propriedades ácidas. Apenas ao interagir com a água, sofre ionização – libera o íon
hidrônio H3O+ e o íon cloreto Cl−. A presença do íon H
3O+ ou simplificando H+ é que possibilita
que a solução resultante apresente propriedades ácidas.
Os íons H+ em solução existem como espécies hidratadas, rodeadas por algumas moléculas de água. Na maioria das soluções, geralmente representamos o íon H+ hidratado como o íon hidrônio, H
3O+, espécie
que confere às suas soluções aquosas as propriedades características ácidas.
H++ H O
H
HH + O
H
15.2.1 Propriedades gerais de soluções aquosas de ácidos e bases
A formação do íon H+ na ionização dos ácidos de Arrhenius confere às soluções aquosas de
ácidos certas características:
1. Conduzem corrente elétrica, devido à ionização total ou parcial.
2. Têm um gosto azedo a exemplo do vinagre (5% de ácido acético) e do suco de limão
(ácido cítrico).
Figura 15.1: Ionização do cloreto de hidrogênio na presença de água formando os íons hidrônio H3O+ e cloreto Cl−.
/ Fonte: modificado do Banco de Imagens LENAQ/UFSCar.
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Química
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3. Alteram a cor de corantes específicos usados para identificar ácidos e bases, os indica-
dores. O suco de repolho roxo tem esta propriedade, assim como corantes sintéticos
como o vermelho de metila (vermelho em meio ácido) e a fenolftaleína (muda de
violeta para incolor em meio ácido).
4. Reagem com metais como alumínio, ferro, zinco, magnésio e outros para liberar gás
hidrogênio, H2.
Ex: Fe(s) +2 H+(aq) → Fe+2
(aq) + H2(g)
5. Reagem com óxidos metálicos como óxidos de ferro (Fe2O
3 e FeO), alumínio (Al
2O
3)
e cálcio (CaO) e óxidos de outros metais.
Ex: CaO(s) + 2 H+(aq) → Ca+2
(aq) + H2O(l)
6. Reagem com sais de ácidos mais fracos ou ácidos mais voláteis para formar um ácido
mais fraco ou mais volátil e um sal novo.
Ex: CaCO3(s) + 2 H+(aq) → Ca+2
(aq) + H2CO3(aq) → Ca+2(aq) + H2O(l) + CO2(g)
Ex: Na2S(s) + 2 H+(aq) → 2 Na+
(aq) + H2S(g)
Assim como os ácidos apresentam em comum a produção de íons H+, nas soluções de bases
de Arrhenius encontramos íons OH− (hidróxido), o que lhes confere propriedades peculiares:
1. As soluções aquosas de bases fortes conduzem corrente elétrica porque seus íons
estão dissociados.
2. Têm um gosto amargo.
3. Assim como os ácidos, mudam as cores dos muitos indicadores: mudam o azul de
bromotimol de amarelo para azul e fenolftaleína de incolor para rosa.
4. Reagem com ácidos para formar sais e, na maioria dos casos, água.
Ex: ( ) ( ) ( ) ( )2aq aq aq lNaOH HCl NaCl H O
Base + ácido sal + água
+ → +
→
238
15 Ácidos e bases
Licenciatura em Ciências · USP/Univesp · Módulo 2
15.2.2 Ácidos fortes e ácidos fracos de Arrhenius
Dizemos que um ácido é forte quando mais de 85% das moléculas dissolvidas sofrem ionização,
em solução aquosa diluída. Os ácidos fortes mais comuns e os ânions que originam quando
ionizados em água estão listados na Tabela 15.1.
Tabela 15.1: Ácidos fortes comuns e os respectivos ânions formados em solução aquosa. / Fonte: Vogel, 2002.
Ácidos Fortes comuns Ânions dos ácidos fortesFórmula Nome Fórmula Nome
HCl Ácido Clorídrico Cl− Íon Cloreto
HBr Ácido Bromídrico Br− Íon Brometo
HI Ácido Iodídrico I− Íon Iodeto
HNO3 Ácido Nítrico NO3− Íon Nitrato
HClO4 Ácido Perclórico ClO4− Íon Perclorato
HClO3 Ácido Clórico ClO3− Íon Clorato
H2SO4 Ácido SulfúricoHSO4
− Íon Hidrogênio Sulfato
SO42− Íon Sulfato
Para fins práticos, podemos assumir que são fracos os ácidos que ionizam até 5% de suas moléculas
em solução aquosa diluída. Alguns ácidos fracos comuns e seus ânions estão listados na Tabela 15.2.
Tabela 15.2: Ácidos fracos comuns e seus ânions. / Fonte: Vogel, 2002.
Ácidos Fracos comuns Ânions dos ácidos fracosFórmula Nome Fórmula Nome
HF Ácido Fluorídrico F− Íon Fluoreto
CH3COOH Ácido Acético CH3COO− Íon Acetato
HCN Ácido Cianídrico CN− Íon Cianeto
HNO2 Ácido Nitroso NO2− Íon Nitrito
H2CO3 Ácido Carbônico HCO3− Íon Hidrogênio Carbonato
CO32− Íon Carbonato
H2SO3* Ácido Sulfuroso HSO3− Íon Hidrogênio Sulfito
SO32− Íon Sulfito
H3PO4 Ácido Fosfórico H2PO4− Íon Di-hidrogênio fosfato
HPO42− Íon Hidrogênio fosfato
PO43− Íon Fosfato
(COOH)2 Ácido Oxálico H(COO)2− Íon Hidrogênio Oxalato
(COO)22− Íon Oxalato
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Os denominados ácidos fracos são aqueles em que o reagente não se ioniza completamente.
Estabelece-se, dessa forma, um equilíbrio químico, como estudamos na aula anterior. O exemplo
mais conhecido de ácido fraco é o ácido acético, presente no vinagre (5% de ácido acético em massa):
3 (aq) (aq) 3 (aq)CH COOH H CH COO+ -+
O ácido acético é apenas 0,5% ionizado em uma solução de 5%. Portanto, 95% das molé-
culas de ácido acético encontram-se apenas dissolvidas. O ácido acético pode ser classificado
como um ácido orgânico. Os ácidos orgânicos contêm grupo funcional carboxila, -COOH
ou -CO2H. Ao ionizar-se, a ligação O-H do grupo carboxila destes ácidos é quebrada como
mostrado na reação abaixo:
(aq)(aq) (aq)H
H3C CO
OH3C C
O
O-� + H+
Outro ácido fraco importante é o ácido carbônico, H2CO
3. Este ácido não existe como tal.
Em soluções aquosas se decompõem rapidamente em água e gás carbônico, ou reage com a
água originando íons bicarbonato (HCO3−):
2 2 2 3
2 3 3
CO H O H CO
H CO HCO H- +
+
+
A força dos ácidos pode ser discutida em termos da facilidade de quebrar ligações H-X
(onde X originará o ânion) e da estabilidade dos íons resultantes na solução. Um exemplo típico
é a força relativa dos ácidos derivados de halogênios. O HF é um ácido fraco, apresentando-se
pouco ionizado em água:
(aq) 2 (l) 3 (aq) (aq)HF H O H O F+ -+ +
Já os outros ácidos derivados de halogênios (HCl, HBr, HI) são fortes, ionizando plena-
mente. O motivo se deve ao fato da ligação H-F ser significativamente mais forte do que as
ligações H-Cl, H-Br, e H-I. Consequentemente, estes últimos três ácidos ionizam muita mais
facilmente do que o HF:
240
15 Ácidos e bases
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(aq) 2 (l) 3 (aq) (aq)HX H O H O X X Cl,Br, I+ -+ → + =
Além disso, o íon fluoreto, F−, resultante da ionização do HF é um íon pequeno e altamente
carregado que provoca um aumento da ordenação das moléculas de água (diminuindo a entropia), o
que desfavorece o processo em relação aos íons formados na ionização dos ácidos dos outros haletos.
Existem ácidos importantes que podem sofrer duas ionizações, isto é, possuem dois átomos
de hidrogênio cujas ligações podem ser rompidas formando íons H+ em solução aquosa.
Um caso notório é o caso do ácido sulfúrico, que ioniza em dois passos:
2 4(aq) (aq) 4 (aq)
24 (aq) (aq) 4 (aq)
Passo 1: H SO H HSO
Passo 2: HSO H SO
+ -
- + -
→ +
+
As espécies moleculares e iônicas envolvidas no caso do ácido sulfúrico têm suas fórmulas
estruturais mostradas a seguir:
S
O
OH
OHO
ácido sulfúrico, H2SO4
S
O
OH
O-
O
íon hidrogênio sulfato HSO4-
S
O
O-
O-
O
149 pm
íon sulfato, SO42-
O ácido sulfúrico apresenta forças de ligação diferentes para cada H ionizável. No passo 1,
comporta-se como um ácido forte e no passo 2, como um ácido fraco. Por esta razão, em soluções
aquosas de ácido sulfúrico encontraremos grande abundância de H+ e HSO4-, mas menor quan-
tidade de íons sulfato, proporcionalmente.
Outro exemplo célebre de ácidos com múltiplas ionizações são os ácidos carbônico e
fosfórico. Porém, no caso destes ácidos, todas as ionizações parciais tem caráter de ácido fraco:
Ácido carbônico
2 2 2 3 3
23 3
CO H O H CO HCO H
HCO CO H
- +
- - +
+ +
+
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Química
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Ácido fosfórico (H3PO4)
( ) ( ) ( )3 2 44 aq aq aqH PO H H PO+ -+
( ) ( ) ( )
( ) ( ) ( )
22 4 4aq aq aq
2 34 4aq aq aq
H PO H HPO
HPO H PO
- + -
- + -
+
+
15.2.3 Bases fortes e fracas de Arrhenius
Observe a Figura 15.2 na qual está representada uma partícula de hidróxido de sódio.
Ela é um composto iônico formado pelos íons Na+ e OH−. Em contato com a água, ocorre a
dissociação desses íons deixando-os livre em solução. Neste caso, a solução resultante passa a
apresentar propriedades básicas.
Neste momento referimo-nos como base essencialmente aos hidróxidos de íons metálicos.
As bases fortes são solúveis em água e estão dissociadas completamente em solução aquosa diluída.
São os hidróxidos dos metais alcalinos (Grupo IA) e alguns dos alcalinos terrosos (espécies mais
pesadas do Grupo IIA). O exemplo mais típico é o hidróxido de sódio, conhecido no comércio
como soda cáustica. Outras bases fortes tem comportamento muito similar e estão listadas na
Tabela 15.3.
2H O(s) (aq) (aq)NaOH Na OH+ -→ +
2H O(s) (aq) (aq)NaOH Na OH+ -→ +
Figura 15.2: Representação simbólica e submicroscópica da dissociação de uma molécula de NaOH. / Fonte: modificado do Banco de Imagens LENAQ/UFSCar.
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15 Ácidos e bases
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Tabela 15.3: Fórmula e nome de Bases fortes comuns. / Fonte: modificado de Vogel, 2002.
Grupo IA Grupo IIALiOH Hidróxido de Lítio
NaOH Hidróxido de Sódio
KOH Hidróxido de Potássio Ca(OH)2 Hidróxido de Cálcio
RbOH Hidróxido de Rubídio Sr(OH)2 Hidróxido de Estrôncio
CsOH Hidróxido de Césio Ba(OH)2 Hidróxido de Bário
Bases de outros metais também formam hidróxidos iônicos, porém, geralmente muito pouco
solúveis, sendo em termos práticos considerados insolúveis em água. É o caso de hidróxidos
como Fe(OH)2, Fe(OH)
3, Cu(OH)
2 e Cd(OH)
2.
Há também bases fracas resultantes de compostos moleculares, os quais reagem com a água
originando íon hidróxido. O caso mais notório é o da amônia, que reage com água originando
o cátion amônio (NH4+) e o íon hidróxido:
3(aq) 2 (l) 4 (aq) (aq)NH H O NH OH+ -+ +
15.2.4 Reações entre Ácidos e Bases de Arrhenius
O íon que caracteriza a acidez de uma solução é o cátion hidrônio H3O+. Já o ânion
hidróxido OH− caracteriza uma solução básica. O que ocorre quando essas duas soluções
são misturadas?
Observe a Figura 15.3 que representa as partículas de HCl e NaOH. Quando as soluções
dessas substâncias são misturadas, os íons H+ (bolinha cinza) e OH− (bolinhas vermelha e cinza)
interagem por possuírem cargas opostas. A interação desses íons resulta em uma transformação
química em que o produto formado é H2O. Como essa substância é extremamente estável,
a reação completa-se e não entra em equilíbrio. Dessa forma, se a quantidade de íons H+ for
estequiometricamente equivalente à de OH− dizemos que esses íons foram neutralizados, pois
a solução resultante não apresentará características ácidas nem básicas.
243
Química
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Já se ao final da reação, todos os íons H+ tiverem sido neutralizados pelos íons OH−, mas
se ainda restarem íons OH−, a solução resultante apresentará somente propriedades básicas.
O inverso também é verdadeiro se ao íon que estiver em maior quantidade for o íon H+.
O produto da reação entre um ácido e uma base de Arrhenius é um sal é água:
NaOH(aq) + HCl(aq) → NaCl(aq) + H2O(l)
Base + ácido → sal + água
O sal formado contém o cátion proveniente da base e o ânion proveniente do ácido ioni-
zado. Tanto ácidos e bases fortes como ácidos e bases fracas reagem entre si originando sempre
um sal, e água. Vejamos alguns exemplos.
O ácido acético, CH3COOH, reage com hidróxido de sódio, NaOH, para produzir acetato
de sódio, NaCH3COO e água:
3 (aq) (aq) 3 (aq) 2 (l)CH COOH NaOH NaCH COO H O+ → +
ou
3 (aq) (aq) 3 (aq) 2 (l)CH COOH OH CH COO H O- -+ → +
Figura 15.3: Representação simbólica e submicroscópica da interação entre HCl e NaOH que resulta em uma transformação química em que se forma um sal e água. / Fonte: modificado do Banco de Imagens LENAQ/UFSCar.
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15 Ácidos e bases
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O ácido iodídrico reage com o hidróxido de chumbo (II) originando água e o sal pouco
solúvel cloreto de chumbo II:
Pb(OH)2(s) + HI(aq) → PbI2(s) + H2O(l)
Neste caso, onde temos um reagente e um produto pouco solúveis, a equação iônica líquida é:
Pb(OH)2(s) + H+(aq) + I-
(aq) → PbI2(s) + H2O(l)
15.3 A Teoria de Brønsted-LowryNo início do século vinte, dois químicos propuseram de forma independente uma nova
teoria para explicar o comportamento de ácidos e bases. J.N. Brønsted (1879-1947) e T.M.
Lowry (1874-1936), partiram das ideias de Arrhenius e apresentaram uma teoria conhecida
hoje como teoria de Brønsted ou a Teoria de Brønsted-Lowry. Esta teoria expande as ideias de
Arrhenius e focaliza o comportamento de ácidos e bases em função de sua habilidade de doar
ou receber íons H+, inclusive em sistemas não aquosos.
Na Teoria de Brønsted-Lowry um ácido é definido como um doador de prótons (H+) e uma base é definida como um aceptor de prótons.
Note que o H+ é denominado próton, pois, de fato, é o próton o produto da remoção de
um elétron do átomo de H. Nesta teoria, ácido é qualquer molécula ou íon que contenha
hidrogênio e que seja capaz de liberar um próton, H+; e base é qualquer molécula ou íon que
aceite esse próton. Então:
Na Teoria de Brønsted-Lowry uma reação ácido-base é a transferência de um próton de um ácido para uma base.
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Química
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Observe na Figura 15.4 que o cloreto de hidrogênio HCl possui o átomo de hidrogênio
em uma ligação covalente polar. Ao interagir com a amônia NH3, que possui um par de elétrons
livres e que pode atrair o próton. A substância que doa o próton é chamada de ácido e a que
recebe é chamada de base.
Esse referencial coloca a ionização de ácidos em água estudada por Arrhenius como um caso
particular de uma reação ácido-base de Brönsted-Lowry em que o ácido é o doador de prótons
e a base é a água:
(aq) (aq) (aq)
2 (l) (aq) 3
2 (l) (aq) 3
Passo 1 HCl H Cl (Descrição de Arrhenius)
Passo 2 H O H H O
________________________________Global H O HCl H O
+ -
+ +
+
→ +
+ →
+ → + (aq)Cl (Descrição de Brønsted-Lowry)-
Note, na Figura 15.4, que o cátion resultante dessa interação é o íon amônio NH4+ que
possui um próton ligado fracamente ao nitrogênio. O ânion por sua vez é o cloreto Cl− que
possui um par de elétrons livres simbolizado pela carga negativa no símbolo Cl−. Desse modo,
podemos considerar também essa interação ácido-base. O cátion amônio pode doar um próton
quando passa a ser chamado de ácido conjugado. O ânion cloreto ao receber esse próton passa
a ser chamado de base conjugada.
Figura 15.4: Representação simbólica e submicroscópica da interação entre HCl e NH3 que resulta na transferência de um próton do HCl para a NH3. / Fonte: modificado do Banco de Imagens LENAQ/UFSCar.
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15 Ácidos e bases
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Essa interação ocorre com ácidos e bases fracas. No caso da ionização de ácidos fracos como
o HF usamos uma seta dupla para indicar que a reação ácido-base é reversível.
O caso dos eletrólitos fracos como o HF nos permite explorar outro ponto importante desta
teoria. Reações ácido-base de Brønsted-Lowry podem ser compreendidas em termos de pares
conjugados de ácidos e bases. No caso do HF, o HF (ácido 2) e o fluoreto, F- (base 2), são um par
ácido-base conjugado, e a H2O (base 1) e o H
3O+ (ácido 1) são o outro par. Na reação de ioni-
zação, HF e H2O atuam como ácido e base, respectivamente. No processo inverso, o íon hidrônio,
H3O+ age como ácido doando prótons para o F−, que atua como base recebendo prótons.
Na dissolução do HF, os íons H+ podem ser recebidos por duas bases, F− ou H2O. O fato de
que o HF é apenas parcialmente ionizado indica que o F− é uma base mais forte do que a H2O,
isto é, a maior parte dos íons H+ liberados reagem novamente com F− restabelecendo a ligação
covalente H-F. No caso de ácidos fortes como o HCl, o Cl− uma base mais fraca do que a H2O,
portanto o próton (H+) permanece ligado à água formando o íon hidrônio. Então, fica claro
que ácidos fortes (como o HCl) originam bases conjugadas fracas (como o Cl−) e que bases
fortes (como o F−) originam ácidos conjugados fracos comparativamente.
O caso da ionização da amônia em água vale a pena ser examinado a luz da teoria de
Brönsted-Lowry. A amônia é uma base fraca de Brönsted-Lowry (aceptora de prótons), e a água
um ácido (doador de prótons). Na reação inversa, o íon amônio, NH4+, é o ácido conjugado de
NH3, doando prótons para o íon hidróxido, OH−, a base conjugada da água:
Os casos do HF e do NH3 indicam que a água pode atuar ora como ácido doador de
prótons, ora como base aceptora de prótons, com implicações muito importantes discutidas nas
aulas a seguir.
15.3.1 A auto ionização da água
Experimentos de condutometria em equipamentos sensíveis permitem caracterizar a água
como meio condutor de eletricidade de modo muito mais preciso que o teste da lâmpada
ácido1 base2ácido2base1
2 (l) (aq) 3 (aq)
1 2 1 2
H O HF H O F
base Ácido Ácido base
+ -+ +
ácido2base1 ácido1base2
3(aq) 2 (l) 4 (aq) (aq)
1 2 1 2
NH H O NH OH
base Ácido Ácido base
+ -+ +
247
Química
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apresentado no início deste texto. Tais experimentos indicam que a água pura conduz corrente
elétrica. A explicação deste fato é que água pode reagir consigo mesma, sendo que uma
molécula de água atua como ácido de Brönsted, doando um próton e se convertendo em íon
hidróxido (OH−). A outra molécula de água que recebe o próton atua como base de Brönsted,
e origina um íon hidrônio H3O+. O processo é conhecido como auto-ionização da água,
sendo representado abaixo:
+H + +O
H H
H O
H
H -O
HH O
ácido2 ácido1base2base1
H+ transferido
H+ transferido
�
De forma simplificada, a auto ionização da água pode assim ser escrita:
2 (l) (aq) (aq)H O H OH+ -+
15.3.2 Anfóteros: substâncias que se comportam como ácidos e como bases
A teoria de Brønsted nos permite identificar substâncias como a água, que atuam tanto
como ácido (doador de prótons) quanto como base (aceptor de prótons). Tais substâncias são
denominadas anfóteros. Esse também é o caso de vários hidróxidos metálicos insolúveis, sendo
um dos casos mais notáveis o caso do hidróxido de alumínio, Al(OH)3, substância sólida que
tende a formar géis em meio aquoso sem dissolver-se.
Al(OH)3 como base
Al(OH)3(s) + HCl(aq) → Al(Cl)3(aq) + H2O(l)
Al(OH)3 + H+(aq) → Al3+
(aq) + H2O(l)
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15 Ácidos e bases
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Al(OH)3 como ácido
Al(OH)3(s) + NaOH(aq) → [Al(OH)4]-(aq) + H2O(l)
Al(OH)3 + OH-(aq) → [Al(OH)4]
-(aq) + Na+
(aq)
A Tabela 15.4 apresenta outros hidróxidos metálicos que, assim como o hidróxido de
alumínio, apresentam propriedades de ácido e de base:
Tabela 15.4: Hidróxidos anfotéricos comuns. / Fonte: Vogel, 2002.
Íon do metal ou metaloide
Hidróxido anfotérico insolúvel
Íon complexo formado em excesso de base forte
Be2+ Be(OH)2 [Be(OH)4]2−
Al3+ Al(OH)3 [Al(OH)4]−
Cr3+ Cr(OH)3 [Cr(OH)4]−
Zn2+ Zn(OH)2 [Zn(OH)4]2−
Sn2+ Sn(OH)2 [Sn(OH)3]−
Sn4+ Sn(OH)4 [Sn(OH)6]2−
Pb2+ Pb(OH)2 [Pb(OH)4]2−
As3+ As(OH)3 [As(OH)4]−
Sb3+ Sb(OH)3 [Sb(OH)4]−
Si4+ Si(OH)4 SiO44− e SiO3
2−
Co2+ Co(OH)2 [Co(OH)4]2−
Cu2+ Cu(OH)2 [Cu(OH)4]2-
15.3.3 Hidrólise de sais em solução Aquosa
Não só as soluções aquosas de ácidos apresentam propriedades ácidas e não só as soluções
básicas apresentam propriedades básicas. Soluções de sais contendo ânions de ácidos fracos
apresentam propriedades básicas, e soluções de cátions de bases fracas apresentam propriedades
ácidas. Este comportamento é conhecido como hidrólise de sais e pode ser explicado com a
teoria de Brønsted-Lowry. Consideremos dois casos:
a. Hidrólise básica de uma solução de acetato de sódio.
Sendo um ácido fraco, a reação de ionização do ácido acético é reversível, logo, numa
solução de acetato de sódio, podemos ter a reação inversa à ionização. Neste caso o acetato atua
249
Química
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como uma base de Brønsted, tomando um próton da água e gerando íons OH−, o que resulta
num comportamento básico da solução:
( ) ( ) ( )
( ) ( ) ( )
3 2 2 3 2l aq aq
3 2 2 3 2l aq aq
CH CO Na H O CH CO H NaOH ou
CH CO H O CH CO H OH--
+ +
+ +
Processos semelhantes ocorrem com outros ânions derivados da ionização de ácidos fracos
como carbonato (CO32−), sulfeto (S2−) e fosfato (PO
43−).
b. Hidrólise ácida de uma solução de cloreto de amônio.
( ) ( ) ( )
( ) ( ) ( ) ( )
4 2 4aq l aq
4 2 3aq l 3 aq aq
NH Cl H O NH Cl
NH H O NH H O
+ -
+ +
+ +
+ +
Outros sais de cátions como Fe2+, Cu2+ e Al3+ também exibem comportamento semelhante.
15.4 Aplicando Conceitos
Exemplos
• ExEmplo 01Qual o sal formado na reação estequiométrica para neutralização total de ácido fosfórico, H
3PO
4,
com hidróxido de potássio, KOH?
→ REsolução:O sal produzido na reação contém o cátion, K+, provindo da base, e o ânion, PO
43−, provindo do
ácido. Logo, o sal é o K3PO
4. A reação em suas diferentes formas é a seguinte:
a. 3 4(aq) (aq) 3 4(aq) 2 (l)H PO 3 KOH K PO 3 H O+ → +
b. ( ) ( ) 33 4(aq) (aq) 4 (aq) 2 (l)H PO 3 K aq OH aq 3 K PO 3 H O+ - + - + + → + +
c. 33 4(aq) (aq) 4 (aq) 2 (l)H PO 3 OH PO 3 H O- -+ → +
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15 Ácidos e bases
Licenciatura em Ciências · USP/Univesp · Módulo 2
• ExEmplo 2Qual o volume em litros e mililitros de uma solução 0,124 M de NaOH necessário para reagir com 30,0 mL de solução 0,100 M de H
2SO
4 segundo a reação a seguir?
2 4 2 4 2H SO 2 NaOH Na SO 2 H O+ → +
→ REsolução:
V × M = mols de soluto0,030 L × 0,100 M = 0,003 mols de H2SO4
A razão molar é:
H2SO4 : NaOH
1 mol : 2 mols
Resolvendo a proporção, temos:
( ) 2 4
2 4
0,003 mols H SOmol NaOH ? = 2 mol NaOH 0,006 mols NaOH
1 mol H SO× =
Conhecendo o número de mols de NaOH necessários, podemos calcular o volume da solução de NaOH de concentração 0,124 M:
V × M = mols de soluto
V × 0,124 M = 0,006 mols de NaOH
V = 0,048 L ou 48,0 mL de solução de NaOH
Este tipo de cálculo será importante nas reações ácido-base em que se empregam técnicas de titulação. Titulação é um método analítico volumétrico, no qual o volume de um reagente conhecido é adicio-nado ao volume de outro reagente conhecido até ocorrer o ponto de viragem”
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Química
Licenciatura em Ciências · USP/Univesp · Módulo 2
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