21
265 Educação e Pesquisa, São Paulo, v.35, n.2, p. 265-285, maio/ago. 2009 Reconhecer os alunos para reinventar a escola: da afirmação de uma necessidade aos equívocos de um desejo Rui Trindade Universidade do Porto Resumo O Movimento da Escola Moderna Portuguesa — MEM — consti- tui-se, neste artigo, como um objecto de reflexão teórica cuja pertinência deriva da necessidade de se reflectir, por meio desse movimento, os propósitos, as reivindicações e os sentidos dos projectos de mediação curricular e didáctica de todos aqueles que reivindicam, de forma explícita, o seu distanciamento conceptual e praxeológico face ao campo das pedagogias da instrução. É tendo em vista esse propósito que se começa por identificar os eixos estruturantes do campo das pedagogias da aprendizagem a partir da leitura das obras de alguns dos pedagogos mais emblemáticos do Movimento da Educação Nova, confrontando-os, posteriormente, com o legado pedagó- gico do MEM, de forma a poderem interpelar-se, num primeiro momento, as zonas de luz e de sombra que atravessam, hoje, os discursos pedagógicos, curriculares e didácticos que reivindicam a sua pertença ao campo atrás referenciado e, num segundo momento, a reflectir-se sobre as respostas que no seio do MEM se foram construindo, de forma a cumprirem-se os desígnios de um projecto educacional que se caracteriza por valorizar os alu- nos como interlocutores e produtores de cultura. Palavras-chave Aprendizagem — Mediações didácticas — Pedagogia da comunicação. Correspondência Rui Trindade Fac. de Psicologia e de Ciências da Educação Universidade do Porto Rua Dr. Manuel Pereira da Silva 4200-392 – Porto – PORTUGAL e-mail: [email protected]

Reconhecer os alunos para reinventar a escola : da ... · (1963; 1966; 2002)6, Roger Cousinet (1945; 1959; 1978) ou Robert Dottrens (1974; 1974a; 1974b) para cumprir a primeira das

  • Upload
    others

  • View
    3

  • Download
    0

Embed Size (px)

Citation preview

Page 1: Reconhecer os alunos para reinventar a escola : da ... · (1963; 1966; 2002)6, Roger Cousinet (1945; 1959; 1978) ou Robert Dottrens (1974; 1974a; 1974b) para cumprir a primeira das

265Educação e Pesquisa, São Paulo, v.35, n.2, p. 265-285, maio/ago. 2009

Reconhecer os alunos para reinventar a escola: daafirmação de uma necessidade aos equívocos de umdesejo

Rui TrindadeUniversidade do Porto

Resumo

O Movimento da Escola Moderna Portuguesa — MEM — consti-tui-se, neste artigo, como um objecto de reflexão teórica cujapertinência deriva da necessidade de se reflectir, por meio dessemovimento, os propósitos, as reivindicações e os sentidos dosprojectos de mediação curricular e didáctica de todos aquelesque reivindicam, de forma explícita, o seu distanciamentoconceptual e praxeológico face ao campo das pedagogias dainstrução. É tendo em vista esse propósito que se começa poridentificar os eixos estruturantes do campo das pedagogias daaprendizagem a partir da leitura das obras de alguns dospedagogos mais emblemáticos do Movimento da EducaçãoNova, confrontando-os, posteriormente, com o legado pedagó-gico do MEM, de forma a poderem interpelar-se, num primeiromomento, as zonas de luz e de sombra que atravessam, hoje, osdiscursos pedagógicos, curriculares e didácticos que reivindicama sua pertença ao campo atrás referenciado e, num segundomomento, a reflectir-se sobre as respostas que no seio do MEMse foram construindo, de forma a cumprirem-se os desígnios deum projecto educacional que se caracteriza por valorizar os alu-nos como interlocutores e produtores de cultura.

Palavras-chave

Aprendizagem — Mediações didácticas — Pedagogia da comunicação.

CorrespondênciaRui TrindadeFac. de Psicologia e de Ciências daEducaçãoUniversidade do PortoRua Dr. Manuel Pereira da Silva4200-392 – Porto – PORTUGALe-mail: [email protected]

Page 2: Reconhecer os alunos para reinventar a escola : da ... · (1963; 1966; 2002)6, Roger Cousinet (1945; 1959; 1978) ou Robert Dottrens (1974; 1974a; 1974b) para cumprir a primeira das

Educação e Pesquisa, São Paulo, v.35, n.2, p. 265-285, maio/ago. 2009266

Recognizing the students in order to reinvent theschool: from the affirmation of a need to the misleads of adesire

Rui TrindadeUniversidade do Porto

Abstract

In this article, the Portuguese Modern School Movement (MEM)constitutes an object of theoretical reflection, its pertinencederiving from the need to reflect, by means of this movement,upon the goals, the demands and the meaning of educational andcurricular mediation projects of all those who explicitly claimtheir praxological and conceptual separation from the field ofinstruction pedagogies. With such purpose in mind, we start byidentifying the main principles in the field of pedagogies oflearning by reading the works of some of the most emblematicpedagogues of the New Education Movement, and we proceed bycontrasting them with the MEM pedagogical legacy. As a result,in a first instance, we can expose the current areas of light andshadow crossed by educational, curricular and pedagogicaldiscourses that allegedly belong to the field of pedagogies oflearning, and secondly we can reflect upon the adjustmentsdeveloped within MEM in order to meet the objectives of aneducational project characterized by recognizing students asmediators and producers of culture.

Keywords

Learning — Educational mediation — Pedagogy of communication.

Contact:Rui TrindadeFac. de Psicologia e de Ciências daEducaçãoUniversidade do PortoRua Dr. Manuel Pereira da Silva4200-392 – Porto – PORTUGALe-mail: [email protected]

Page 3: Reconhecer os alunos para reinventar a escola : da ... · (1963; 1966; 2002)6, Roger Cousinet (1945; 1959; 1978) ou Robert Dottrens (1974; 1974a; 1974b) para cumprir a primeira das

267Educação e Pesquisa, São Paulo, v.35, n.2, p. 265-285, maio/ago. 2009

Neste artigo, visa promover-se um confron-to entre o património pedagógico e didáctico doMovimento da Escola Moderna Portuguesa —MEM — com os pressupostos e os propósitos quesustentam a afirmação e o desenvolvimento docampo que podemos designar como o das peda-gogias da aprendizagem (Altet, 1999). O que sepretende, como finalidade última dessa reflexão,é, afinal, abordar até que ponto esse patrimóniopermitiu superar alguns dos eventuais equívocos,contradições e ambiguidades desse campo apartir do legado do Movimento da EducaçãoNova1 em função do qual aquele campo foi sen-do erigido.

A importância do MEM como movimentopedagógico influente pode ser compreendida,num primeiro momento, por declarações deacadémicos tão respeitados como Albano Estre-la (1992) — “tem sido em Portugal a organiza-ção mais coerente na formação de professores”(p. 19) — ou António Nóvoa (1992) — “eles [osassociados do MEM] são portadores do que háde melhor na pedagogia portuguesa” (p. 26).Trata-se de afirmações que corroboram a inten-sa actividade de associados do movimento eminiciativas pedagógicas no seio do sistemaeducativo português como, por exemplo, aparticipação em grupos de trabalho relaciona-dos com o 1º Ciclo do Ensino Básico que oDepartamento de Educação Básica do Ministé-rio da Educação promoveu; a participação noorganismo estatal responsável, em Portugal, pelaformação contínua de professores (ConselhoCientífico-Pedagógico da Formação Contínua); aparticipação na produção de materiais de apoioaos novos programas do 1º Ciclo e às novasorientações curriculares da Educação Pré-Esco-lar; a colaboração na revisão dos currículosnacionais desse 1º Ciclo; a consultadoria presta-da à Inspecção-Geral de Ensino ou, entre outras,o contributo público no âmbito das discussõese reflexões relacionadas com a construção deuma escola mais inclusiva.

A opção por eleger o património peda-gógico e didáctico do MEM como instrumen-to de interpelação não aconteceu por acaso ou

de forma arbitrária. Em primeiro lugar, esse éum movimento pedagógico que se enquadra,tal como o já referido Movimento da EducaçãoNova, num campo educativo onde se visa cons-truir um paradigma pedagógico alternativoàquele que as pedagogias da instrução confi-guraram. Em segundo lugar, o MEM, comoassociação pedagógica, tem uma existênciaactiva e reconhecida, na sociedade portuguesa,há mais de 30 anos, disponibilizando, por issoou em função disso, de um património rico,diversificado e pertinente que poderá ser en-tendido como um património de referência emfunção do qual podemos interpelar quer oMovimento da Educação Nova, quer o própriocampo das pedagogias da aprendizagem, tan-to do ponto de vista das suas potencialidades,como das suas vulnerabilidades. É, assim, ten-do em conta essas duas propriedades que sejustifica o papel que se atribui ao MEM nesteartigo. Um papel em função do qual se constróiuma reflexão que se encontra organizada emduas partes: uma primeira onde se confere visi-bilidade às zonas de luz e sombra, no domínio dareflexão pedagógica e didáctica, dos discursos dealguns dos pedagogos mais emblemáticos quepodem ser identificados com o Movimento daEducação Nova, de forma a identificarem-se aspropriedades estruturantes do campo das peda-gogias da aprendizagem; e uma segunda parte naqual se reflecte sobre os sentidos das propostasdo MEM no domínio em causa, de forma a com-preender-se até que ponto, e como, é que nessemovimento, por um lado, se foram confirmando,ignorando ou rejeitando os pressupostos e asrespostas que alicerçam aquele mesmo campo e,por outro, quais as alternativas que, quer doponto de vista conceptual, quer do ponto de vistada acção pedagógica e didáctica, se foram cons-truindo no seio desse movimento.

Em última análise, o que se pretende édiscutir se as implicações do reconhecimento

1. Movimento da Educação Nova será a designação, em língua portugue-sa, que neste artigo se utilizará para me referir à Ligue Internationale pourl’ Éducation Nouvelle e aos pedagogos que se relacionam ou são relacio-nados com o movimento pedagógico que esta constituiu.

Page 4: Reconhecer os alunos para reinventar a escola : da ... · (1963; 1966; 2002)6, Roger Cousinet (1945; 1959; 1978) ou Robert Dottrens (1974; 1974a; 1974b) para cumprir a primeira das

268 Rui TRINDADE. Reconhecer os alunos para reinventar a escola:...

dos alunos como condição inegociável de umprojecto de formação adequado aos desafios, àsexigências e aos valores que balizam a vida emsociedades que se reivindicam como democráticase que, simultaneamente, vivem processos de mu-tação económica e cultural inéditos, conduz-nos aentender os alunos como seres autossuficientes oumesmo se é, só por si, o reconhecimento destescomo actores educativos que poderá ser entendi-do como a pedra de toque de um tal projecto. Emsuma, a questão que atravessa e determina este ar-tigo é aquela por meio da qual se pergunta se oparadigma da aprendizagem é a alternativa aoparadigma pedagógico da instrução. Será, pois,essa a questão mais decisiva a que tentarei respon-der com a reflexão que me proponho realizarmediante a escrita deste texto.

O Movimento da EducaçãoNova: zonas de luz e sombra de umprojecto de reflexão pedagógica edidáctica

Neste artigo, o Movimento da EducaçãoNova será abordado por via dos textos originaisde alguns dos pedagogos que são identificadoscomo referências maiores desse movimento. Talcomo já se anunciou, pretende-se, por meio daleitura e da análise desses textos, identificar,num primeiro momento, o que poderão serconsiderados os eixos invariantes do campodas pedagogias da aprendizagem para, numsegundo momento, os interpelarmos e confron-tarmos com os discursos que se têm vindo aconstruir no seio do MEM. Recorri, por isso, àleitura de textos da autoria de pedagogos tãoprestigiados e reconhecidos como AdolpheFerrière (1934)2, Édouard Claparède (1931;1959; 1972)3, Maria Montessori ([s.d.]; 1958)4,Jean-Ovide Decroly (1932; 1965)5, John Dewey(1963; 1966; 2002)6, Roger Cousinet (1945;1959; 1978) ou Robert Dottrens (1974; 1974a;1974b) para cumprir a primeira das finalidadesenunciadas, e foi a partir dessa leitura quepude identificar aqueles eixos que, suportados

por uma racionalidade pedagógica de tipopuerocêntrico, configuram um campo de preo-cupações educativas que, em larga medida, sedefine em função da valorização do acto deaprender em detrimento do acto de ensinar e darecusa veemente da denominada escola tradi-cional e do paradigma do instruir. Pode consi-derar-se, assim, que os discursos analisados seconstroem em função quer de um atitude derecusa, quer de uma atitude de afirmação peda-gógica, o que significa, então, que tais discur-sos adquirem visibilidade pública, num primeiromomento, como discursos que se caracterizampor denunciarem (Fernandes, 2003):

a) o estatuto de menorização a que a Esco-la sujeita os seus alunos;b) a normatividade metodológica e a unici-dade do método;c) os programas de estudos estandartizadose geridos de forma burocrática;d) as limitações da instrução como modode formação. (p. 58-59)

Num segundo momento, os discursosem questão, em articulação com as denúnci-as atrás referenciadas, tendem a caracterizar-se por uma dimensão afirmativa, por meio daqual (Fernandes, 2003):

a) consideram que os alunos deverão cons-tituir o centro de gravidade dos projectosde educação escolar;b) afirmam os interesses e as necessidadesdestes alunos como os vectores fundamen-tais da construção e gestão dos programasescolares;c) valorizam os dispositivos de mediação

2. Recorre-se também a um artigo de Hameline (1994) e um outro deHameline, Jornod e Belkaid (1995), nos quais há referências à obra e àreflexão de Ferrière.3. Recorre-se também a um texto de Hameline (1994a) sobre essepedagogo.4. Recorre-se a um trabalho de Böhm (1996) sobre a pedagoga italiana.5. Importa valorizar a obra de uma colaboradora que lhe é próxima,Amélie Hamaïde (1932), e um trabalho de Dubreucq (1994).6. Recorre-se a outros textos originais do pedagogo americano contidasna obra de Deledalle (1995).

Page 5: Reconhecer os alunos para reinventar a escola : da ... · (1963; 1966; 2002)6, Roger Cousinet (1945; 1959; 1978) ou Robert Dottrens (1974; 1974a; 1974b) para cumprir a primeira das

269Educação e Pesquisa, São Paulo, v.35, n.2, p. 265-285, maio/ago. 2009

pedagógica que são capazes de potenciaras aprendizagens dos alunos, de forma arecusar-se liminarmente as intenções e asacções instrutivas dos professores. (p. 101)

“Estudar, compreender e depois agir;transformar a escola; não permitir que se impo-nha de fora para dentro, ao corpo e à alma dacriança, uma educação que é muitas vezes umadeformação” (Ferrière, 1934, p. XIX). Eis a so-lução que esse autor encontra para responderà questão que ele próprio nos coloca quandose interroga sobre o “que devemos nós fazer,horrorizados com os processos coercitivos dopassado que violentam a natureza humana?”(p. XIX). Uma solução que de algum modo iden-tifica, como se constata, o propósito nuclear detodos aqueles que afirmam a sua pertença aocampo das pedagogias da aprendizagem, a qualdeverá ser entendida, então, como uma reivin-dicação que se referencia não por oposição àescola como instituição educativa, mas às con-cepções e às práticas derivadas da abordagemtradicional do modelo de educação escolar.

É a recusa de uma escola, subordinada aum tal modelo, que está presente no discurso deMaria Montessori (s.d.)7, quando a pedagogaitaliana denuncia de forma veemente uma escolaonde as crianças se encontravam

[...] fechadas e escravizadas, expostas a umtormento a que a sociedade as obriga. O pei-to estreito, que dá predisposição para a tu-berculose, era originado pela permanência aídurante longas horas, curvadas sobre as car-teiras, a ler e a escrever; a coluna vertebralcurvava-se devido a essa posição forçada, amiopia era devida ao prolongado esforço doolhar, sem luz suficiente, e, finalmente, todoo corpo se deformava e era quase asfixiadopor longas permanências em locais com redu-zido espaço e fechados. (p. 366)

Uma escola que não só se mostrava in-capaz de compreender o sofrimento daquelasmuitas crianças que aí entravam “totalmente

fatigadas pelo trabalho da manhã” (Montessori,s.d., p. 367), como ainda contribuía para agra-var esse mesmo sofrimento quando as obriga-va ao confronto com um mestre que “procura-va despertar o interesse daquelas criançasexaustas por meio de castigos e impelindo-as àobediência com ameaças” (p. 367). Castigos tãohumilhantes como os de “pendurar cartazesinfamantes nas costas, colocar orelhas de bur-ro, ou expor o aluno numa verdadeira picota,de forma a que quem passe diante dele se riae o insulte” (p. 368-369) ou tão dolorososcomo os de obrigar as crianças a “permanecerde pé durante horas seguidas, com a cara vol-tada para um canto da aula” (p. 369). É con-tra o insustentável projecto de uma escola ondeos alunos se comprimem “no meio de instru-mentos que degradam o corpo e o espírito: ascarteiras, as recompensas e as punições exteri-ores, de forma a reduzi-los à disciplina da imo-bilidade e do silêncio” (Montessori, 1958, p. 20)que essa autora se bate, a exemplo de todos ospedagogos que são relacionados com o Movi-mento da Educação Nova. Um projecto que, paraalém disso, permite que se conduza os alunossem outro objectivo que não seja o de se “ver-ter maquinalmente o conteúdo dos programasno seu espírito: programas compilados nos mi-nistérios e impostos por via das leis” (p. 20).

É o percurso que vai da denúncia e darecusa da desumanidade que a escola tradicio-nal dá mostras à necessidade de se reconheceros alunos como seres tão singulares quanto ca-pazes que justifica, de algum modo, o recurso àobra de Rousseau como reflexão de referênciade muitos dos pedagogos do Movimento daEducação Nova. “J. J. Rousseau foi talvez oprimeiro que descobriu o valor próprio da ju-ventude”, revelando-se, assim, “no seu Émile, oprofeta da Escola Activa” (Ferrière, 1934, p.15), e expressando, por essa via, a importânciae a influência dele no que Claparéde (1931),um dia, designará por revolução copernicianada educação.

7. Essa tradução se fez a partir da primeira versão italiana, editada em 1938.

Page 6: Reconhecer os alunos para reinventar a escola : da ... · (1963; 1966; 2002)6, Roger Cousinet (1945; 1959; 1978) ou Robert Dottrens (1974; 1974a; 1974b) para cumprir a primeira das

270 Rui TRINDADE. Reconhecer os alunos para reinventar a escola:...

Uma influência que se começa a fazersentir no momento em que Rousseau, para alémde definir a criança como um ser distinto doadulto, um ser a respeitar na sua especificidadee virtualidades próprias, define, mais do que isso,a importância da infância no âmbito do processode sobrevivência da espécie humana e do modocomo contribui para que o homem e a mulheradultos se afirmem como tal. A evocação deRousseau que Cousinet (1978) realiza paracomprovar a tese da especificidade da infânciaface aos adultos é, desse ponto de vista, ine-quívoca e clara. As crianças, para Rousseau,“têm por assim dizer uma gramática da suaidade, cuja sintaxe é constituída por regras maisgerais do que a nossa e que, se se lhe prestassea devida atenção, se ficaria espantado com aexactidão com que empregam determinadasanalogias, talvez viciosas, mas muito regularese que apenas são chocantes pela sua rigidez ouporque o uso as não admite” (p. 27-28). ÉClaparède (1931) quem no-lo recorda quandotranscreve as palavras de Rousseau:

Suponhamos que uma criança possuía ànascença a estatura e a força de um ho-mem feito; este homem-menino seria umperfeito imbecil, um autómato, uma estátuaimóvel e quase insensível. Não veria bem,não compreenderia nada [...]. Este Homemformado de uma vez só não saberia tam-bém erguer-se sobre os seus pés, faltar-lhe-ia o tempo bastante para aprender aequilibrar-se [...]. Sentiria a inquietação dasnecessidades sem as conhecer. (p. 101)

Não se entenda, contudo, que a funçãoda infância se circunscreve a ser uma via deacesso que conduz à idade adulta. A infância,para os rousseaunianos do Movimento da Edu-cação Nova — que não pode ser caracterizadocomo um movimento rousseauniano, ainda queRousseau constitua uma figura de referência ea propósito da influência que este exerceu naobra e na reflexão de muitos pedagogos dessemovimento —, não é uma adultez imperfeita

nem tampouco pode ser definida como umtempo de preparação. Pelo contrário, tem umvalor próprio, “um valor positivo” (Cousinet,1978) e que, por isso,

[...] não se deve manter os olhos da criançapostos no fim desse caminho nem guiá-la paraque o percorra o mais rapidamente possível,antes pelo contrário deve permitir-se que nelese demore o mais que puder. (p. 29-30)

A afirmação desse novo estatuto da in-fância, constituindo um dos contributos maisrelevantes que se atribui a Rousseau, não é aúnica expressão da influência que este exerceusobre a obra dos pedagogos do Movimento daEducação Nova. A Natureza que é uma referên-cia axial sobre a qual se constrói a obra desteassume, igualmente, um papel relevante nosdiscursos e nas práticas desses pedagogos querem função do reconhecimento de uma ordemsubjacente ao desenvolvimento da criança quea Natureza fixou (Claparède, 1931; Ferrière,1934; Montessori, [s.d.]; 1958; Cousinet, 1945;1978), quer em função da valorização da Na-tureza como espaço e recurso educativo, o queconstitui uma das imagens de marca do Movi-mento da Educação Nova, sendo por isso reite-radamente valorizada nos textos de alguns dosseus pedagogos de referência (Montessori, 1958;Cousinet, 1978) e assumida como condiçãoeducativa quer no âmbito da definição de Esco-la Nova que Ferrière propôs — “Internato famili-ar, situado no campo, onde a experiência da cri-ança serve de base à educação intelectual peloemprego dos trabalhos manuais e à educaçãomoral, pela prática de um sistema de autonomiarelativa dos escolares” (Rocha, 1988, p. 87, grifosmeus) —, quer no domínio da fundação de esco-las concretas que alguns dos pedagogos relacio-nados com esse movimento protagonizaram. Ocaso da escola fundada por Decroly em Bruxelas,na Rua de L’Ermitage, é provavelmente um doscasos mais emblemáticos. Criada em 1907, aEscola L’Ermitage é transferida em 1926 para umazona campestre dos arredores da cidade, de for-

Page 7: Reconhecer os alunos para reinventar a escola : da ... · (1963; 1966; 2002)6, Roger Cousinet (1945; 1959; 1978) ou Robert Dottrens (1974; 1974a; 1974b) para cumprir a primeira das

271Educação e Pesquisa, São Paulo, v.35, n.2, p. 265-285, maio/ago. 2009

ma a respeitar-se, por essa via, os “princípios quea fundamentam” (Hamaïde, 1932, p. 26).

Essa concepção de uma ordem naturalprévia, a partir da qual se deve definir a educa-ção da criança e que justifica, por exemplo, queFerrière (1934) afirme que “a criança cresce comouma plântula em conformidade com leis que lhesão próprias” (p. 5), é uma concepção que, noâmbito do Movimento da Educação Nova, tantoé partilhada, se bem que de forma distinta nostextos de alguns dos seus pedagogos, como éigualmente relativizada nos textos produzidos poroutros. Dewey (1966), que se insere nessa últimacategoria, assume uma posição bastante relevan-te. Clarificando a posição de Rousseau, para quem,segundo a sua opinião, “é suposto que a Natu-reza forneça a lei e as finalidades do desenvolvi-mento, daí que seja necessário seguir e confor-mar-se com os seus caminhos” (p. 112), consideraque, por um lado, esta é uma abordagem compontos positivos, já que denuncia o erro daque-les que definem as finalidades educativas sem terem consideração o potencial de desenvolvimen-to humano das crianças. Por outro lado, mostra-se uma concepção algo vulnerável quando onatural, como categoria normativa, não só seconfunde com o físico, como permite tambémque se defenda que nada temos a ver com oprocesso de desenvolvimento das crianças, jáque aquilo que é necessário é que a Naturezapossa realizar o seu trabalho. Daí que Deweyafirme ser necessário que “os escritos de Rousseausejam cuidadosamente estudados”, que “sejamlidos nas suas entrelinhas” (p. 113) e que sejamtambém confrontados com outras intervençõesprotagonizadas pelo próprio Rousseau.

Embora se compreenda, no âmbito dopensamento de Rousseau, que a valorização daexistência de uma ordem natural prévia é umargumento decorrente da afirmação do Homemcomo um ser natural, cuja degenerescênciacomo ser social provém, nessa perspectiva, daruptura que se foi estabelecendo, à medida quea civilização humana evoluía, entre o ser huma-no e a Natureza (Soetärd, 1994), há que reco-nhecer que, pelo menos do ponto de vista das

suas implicações educativas, tal afirmação nãopoderá ser nem desvalorizada nem iludidaquando se aborda quer as obras daqueles quese situam no campo das pedagogias da apren-dizagem, quer, em particular, as obras daque-les que se situam no âmbito do Movimento daEducação Nova. A valorização de uma ordemnatural prévia ao desenvolvimento da criança,entendida como o garante desse mesmo desen-volvimento, comprova que esta nunca foi umaquestão pacífica no seio desse. Se se afirma aposição de Dewey quanto à problemática emapreço, importa referenciar, também, a perspectivade Maria Montessori e a leitura que esta faz daobra de Rousseau, por via da influência exercidapor Itard na sua própria obra, poderemos, então,concluir que nos encontramos perante uma pro-blemática que não é recente. Referindo-se a Itard,Montessori (1958) escrevia:

[...] ele acreditava na omnipotência da edu-cação, contrariamente ao princípio de J. J.Rousseau que anunciou, antes da Revolu-ção: “Tudo está bem quando sai das mãosdo Autor das coisas, tudo degenera nasmãos do Homem”. (p. 52)

Nesse momento, contudo, importa apenasreferir a sua centralidade no seio da reflexão pro-duzida pelos pedagogos desse movimento porforça da influência da obra de Rousseau, querpara acusar a educação tradicional de desrespei-tar e agredir a natureza da criança8, quer paraafirmar alguns dos princípios estruturantes do seuprojecto educacional e legitimar muitas das solu-ções pedagógicas que propuseram, embora sedeva reconhecer, como o faz Michel Soetärd(1994) que a leitura de Rousseau por parte dospedagogos do Movimento da Educação Novanem sempre se encontra isenta de mal-entendi-

8. Talvez seja esse o momento de reconhecer, neste trabalho, que a va-lorização da existência de uma ordem natural prévia ao desenvolvimentoda criança pode ser entendida, apesar dos seus eventuais equívocos, comoa expressão de um discurso reactivo contra os desmandos pedagógicos ehumanos das práticas que tinham lugar nas escolas e às quais os pedagogosdo Movimento da Educação Nova se opuseram, em alguns casos, de formabastante voluntarista e inflamada.

Page 8: Reconhecer os alunos para reinventar a escola : da ... · (1963; 1966; 2002)6, Roger Cousinet (1945; 1959; 1978) ou Robert Dottrens (1974; 1974a; 1974b) para cumprir a primeira das

272 Rui TRINDADE. Reconhecer os alunos para reinventar a escola:...

dos que têm a ver, “indubitavelmente, com opretenso naturalismo de Rousseau” (p. 35).

Haja, ou não haja, uma leitura imediatistade Rousseau por parte de alguns daquelespedagogos, o que é certo é que quer a afirma-ção da infância como um período específico davida dos seres humanos, quer a afirmação daexistência de uma ordem natural que importarespeitar ou reconhecer em cada criança, seconverteram, ambas, em duas afirmações nu-cleares no âmbito do Movimento da EducaçãoNova, cuja importância tem a ver, entre outrascoisas, pelo modo como contribuíram para aemergência do conceito de “educação negati-va” (Claparède, 1931; Soetärd, 1994). Concei-to esse que, para além de constituir mais umcontributo no âmbito do processo de denúnciada escola tradicional, se configurou tambémcomo um dos desafios pedagógicos mais am-biciosos que se colocaram aos pedagogos doMovimento da Educação Nova e, em geral, atodos os que integram o campo das pedagogiasda aprendizagem.

A afirmação de um projecto que se definecomo de educação negativa é o corolário daafirmação da centralidade da criança no âmbitode qualquer processo de carácter educativo econstitui a resposta ao desafio que Soetärd (1994)faz quando se questiona sobre o jogo de forçasque se estabelece entre o adulto e a criança.

Será que eu vou transformar, a qualquermomento, o meu poder sobre a criançanuma atitude, num acto, que por uma in-terposta instituição, vai fazer do outro ins-trumento da minha vontade ou irei usaresse mesmo poder no sentido de promovera sua liberdade? (p. 30)

Numa perspectiva rousseauniana, a res-posta a essa questão, segundo Soetärd, passapor reconhecer que toda a arte do pedagogoconsistirá em “manifestar a sua força respeitan-do a vontade da criança, quer dizer, evitandoditar-lhe tudo o que ela deverá fazer” (p. 30).É esse, então, o sentido de uma “educação

negativa”, o qual encontra legitimidade, comoafirma Claparède (1931), na necessidade derespeitar a “ordem da Natureza” (p. 107), talcomo Rousseau o defende quando escreve:

Deixai agir a Natureza antes de vos atreverdesa agir em seu lugar, de tentar contrariar assuas operações [...]. A natureza possui, parafortificar o corpo e o fazer crescer, meios quenão deveremos contrariar. (p. 107)

Daí que Claparède conclua que “nada émais prejudicial do que intervenções intempestivas;mais vale nada fazer do que fazer mal; assim, nadúvida, abstém-te” (p. 107). Mais vale nada fazer.Um nada fazer que merece ser esclarecido, sobre-tudo, quando parece ser esta a divisa que melhorconsubstancia o conceito de “educação negativa”.

“Jovem professor, imploro-te uma artedifícil, a de governar sem preceitos e a de tudofazer não fazendo nada” (Rousseau apudSoetärd, 1994, p. 30). Pode concluir-se daquique uma “educação negativa” implica obriga-toriamente a negação do papel, como educa-dores, dos professores e dos adultos, em geral?A haver negação, negam-se, sobretudo, as in-tervenções educativas excessivas que se afir-mam de fora para dentro; as intervenções queimpedem ou perturbam o desenvolvimento dacriança. Daí que mais do que concluir que a“educação negativa” nega, penso que seria maisadequado constatar que ela afirma. Afirma, deforma talvez demasiado optimista, como a criançaé potencialmente capaz de cumprir os desígniosda Natureza — na versão rousseauniana — ou daVida — na versão montessoriana (Montessori,1958), desde que não a impeçam de o fazer. Éesse não impedir, é essa recusa do professor e doadulto como um obstáculo educativo que o con-ceito de “educação negativa” pretende e permi-te valorizar. Desse modo, conclui-se que, deacordo com esse conceito, educar não consis-te tanto em recusar intervir, mas mais em recu-sar intervir de forma abusiva. Isto é, de inter-vir substituindo os alunos nas tarefas que só aeles dizem respeito, fazendo por eles o que só

Page 9: Reconhecer os alunos para reinventar a escola : da ... · (1963; 1966; 2002)6, Roger Cousinet (1945; 1959; 1978) ou Robert Dottrens (1974; 1974a; 1974b) para cumprir a primeira das

273Educação e Pesquisa, São Paulo, v.35, n.2, p. 265-285, maio/ago. 2009

a eles compete fazer, impondo-lhes um ritmode aprendizagem que lhes é estranho, desvalo-rizando os seus interesses e as suas necessida-des ou subestimando a importância de estimulare valorizar as suas experiências pessoais aosmais diversos níveis.

Será John Dewey que ampliará o campoargumentativo em função do qual se defende anecessidade de se transitar do paradigma da ins-trução para o paradigma da aprendizagem. Fê-lo a partir de outros referenciais que importa va-lorizar, porque, de algum modo, são percursoresde uma leitura na qual parece que já se assume,ainda que de forma algo implícita, alguns dosparadoxos que sustentam o campo das pedago-gias da aprendizagem. É que a transformaçãoeducativa das escolas, para Dewey (2002), temmais a ver com a necessidade de relacionar taltransformação com as “mudanças na situaçãosocial e o esforço para satisfazer as necessida-des da nova sociedade que está a formar-se, àimagem do que sucede com as alterações queassistimos nos campos da indústria e do comér-cio” (p. 18), do que propriamente com a neces-sidade de se exaltar o reconhecimento da na-tureza singular das crianças como factorpotenciador de tal transformação.

Para esse autor, tais necessidades são umaconsequência da revolução industrial, “uma re-volução tão rápida, tão extensa e tão completa”(p. 19) que é inconcebível pensar que esta “nãoafectará a educação senão dum modo formal esuperficial” (p. 20). “O que ocorreu foi uma mu-dança radical das condições de vida, e só umamudança igualmente radical no campo da educa-ção produzirá resultados palpáveis” (p. 22). Nessesentido, e tendo em conta que aquilo que “impe-de a escola dos nossos dias de se organizar comouma unidade social natural é exactamente a au-sência desta componente de actividade comum eprodutiva” (p. 24), importa, então, compreendera necessidade da mudança e da extensão desta,já que nas salas de aula, das escolas subordina-das a uma racionalidade pedagógica tradicional,“faltam o motivo e o cimento da organização so-cial” (p. 24), o que leva Dewey a concluir:

[...] ponto de vista ético, a trágica debilida-de da escola de hoje reside na sua ambiçãode preparar os futuros membros do tecidosocial num meio em que as condições doespírito social faltam visivelmente. (p. 24)

Acusação que especifica, posteriormen-te, quando afirma que “o trabalho escolar con-siste apenas em decorar as lições” e “a assistên-cia mútua, em vez de ser a forma mais naturalde cooperação e associação, torna-se num es-forço clandestino para aliviar o parceiro dosdeveres que lhe incumbem” (p. 25), de tal for-ma que “o facto de uma criança ajudar outranas suas tarefas passou a ser considerado umdelito” (p. 25). Daí que a mudança seja não sónecessária como imprescindível. Uma mudançaque, entre outras coisas, terá que afectar

[...] os nossos métodos escolares e, emgrande medida, os nossos programas deestudos [...], heranças do período em queera de importância fulcral a aprendizagem eo domínio de certos símbolos, que faculta-vam a única via de acesso ao saber. (p. 33)

Uma mudança que afecte, também, ocírculo vicioso descrito por Dewey, quandodemonstra como a

[...] uniformidade mecânica dos programase dos métodos cria uma espécie de imobili-dade uniforme que contribui, por sua vez,para perpetuar essa uniformidade dos pro-gramas e das recitações. (p. 62)

Condição da falta de sentido da actividadedos alunos na escola e do mal-estar crescente queo clima repressivo, gerado por essa uniformidadeforçada, explica, na medida em que ao contribuirpara ignorar ou para contrariar os interesses dosalunos, acaba por estimular a sua afirmação pormeio de caminhos mais ou menos proibidos(Dewey, 1963). Eis-nos perante uma reflexão denatureza distinta das anteriores, não tanto quantoàs implicações pedagógicas destas, mas mais

Page 10: Reconhecer os alunos para reinventar a escola : da ... · (1963; 1966; 2002)6, Roger Cousinet (1945; 1959; 1978) ou Robert Dottrens (1974; 1974a; 1974b) para cumprir a primeira das

274 Rui TRINDADE. Reconhecer os alunos para reinventar a escola:...

quanto aos seus fundamentos epistemológicos econceptuais. Uma reflexão que não partilha, pelomenos, de alguns dos paradoxos nucleares quemarcam as leituras de muitos dos pedagogosque se relacionam com o Movimento da Edu-cação Nova, as quais determinam, afinal, osequívocos do próprio campo das pedagogiasda aprendizagem.

Para Dewey (2002), a transformação pe-dagógica que este preconiza tem mais a vercom a necessidade de as escolas reconhecereme valorizarem “a força em desenvolvimento ine-rente à experiência presente da criança” (p. 167)do que obrigar as escolas “a adaptar a marchado seu ensino à marcha natural da evoluçãopsicológica” (Claparède, 1972, p. 200). Isto é,na reflexão que Dewey nos propõe, a possibi-lidade de se gerarem actividades significativasno âmbito das escolas passa, então, por reco-nhecer o sentido social e cultural de taisactividades, as quais obrigam os alunos a con-frontar e a interpelar a sua experiência no pre-sente, tendo como referência as experiências dahumanidade de que são parte integrante. Peseos equívocos da reflexão de Dewey — nomea-damente a “lógica do alargamento progressivo”(Roldão, 1994, p. 73) que é um dos traçosmarcantes da sua abordagem pedagógica ou oempirismo epistemológico que, por vezes, dámostra, particularmente quando define “o ‘sabercomo fazer’ como o primeiro passo necessário noprocesso de aquisição de conhecimentos” (p. 73)—, importa reconhecer que tal reflexão permiteenfrentar alguns dos paradoxos que afectam ocampo das pedagogias da aprendizagem, no qualse evidencia, como paradoxo nuclear, aquele apartir da qual se defende que o processo dehumanização, construído em qualquer circunstân-cia por meio de artifícios culturais cuja finalida-de consiste em promover a desnaturalização doser humano, deve respeitar uma Natureza contraa qual, e em certa medida, esse processo seconstrói. Paradoxo esse que sustenta um outroque permite evidenciar que, por sua vez e naperspectiva em causa, o reconhecimento das sin-gularidades humanas, entendido como condição

de uma educação mais adequada à humanida-de das crianças, deriva da necessidade de se re-conhecer a ordem inquestionável, invariante e uni-versal que a Natureza legitimaria. Um propósitoque nos permite considerar que, mais do que o re-conhecimento das singularidades dos indivíduos, oque parece interessar os subscritores de tal pers-pectiva são, afinal, as invariâncias humanas.

É a partir, assim, dos dois paradoxos aca-bados de enunciar que podemos identificar umterceiro, já implícito nos anteriores, por meio doqual se visa encontrar na natureza da criança afonte de legitimação de uma acção educativamais humana, a qual, por isso mesmo, tende aser definida como uma acção educativa que nãoé susceptível de ser questionada.

A natureza da criança constitui-se, dessemodo, como um recurso argumentativo, suficien-temente central e potente que, mais do que oresultado da observação de crianças que agemlivremente e sem constrangimentos, é acima detudo a expressão de opções teóricas prévias que,veja-se o caso da reflexão proposta por MariaMontessori, traduzem o compromisso entre obiologismo dos seus “instintos-guia”9 ou dos seus“períodos sensíveis” (Montessori, s.d., p. 74) e acosmogonia religiosa que a leva a afirmar que“logo que se descubra as leis do desenvolvimentoda criança, descobrir-se-á o espírito e a sabedo-ria de Deus que age na criança” (Montessori apudBöhm, 1996, p. 156).

O recurso aos “instintos-guia” para sereferir à dimensão cósmica da vida, ilustra ine-quivocamente esse pressuposto.

A estes ‘instintos-guia’ está ligada a própriaexistência da vida, na sua elevada funçãocósmica e, embora sejam reacções em facedo meio, constituem delicadas sensibilida-des internas, ‘dentro da vida’, tal como opensamento puro é uma característica to-

9. “Neste campo, a biologia conseguiu mostrar o aspecto criador e con-servador da espécie, descobrindo os instintos que guiam interiormente osseres vivos e que, para os distinguir do conjunto de instintos impulsivosreferentes às reacções imediatas do ser, em face do meio, se podem cha-mar ‘instintos-guia’.” (Montessori, s.d., p. 347)

Page 11: Reconhecer os alunos para reinventar a escola : da ... · (1963; 1966; 2002)6, Roger Cousinet (1945; 1959; 1978) ou Robert Dottrens (1974; 1974a; 1974b) para cumprir a primeira das

275Educação e Pesquisa, São Paulo, v.35, n.2, p. 265-285, maio/ago. 2009

talmente interior da mente. Prosseguindo acomparação, poder-se-iam considerar ospensamentos divinos que se elaboram noíntimo dos seres vivos que depois impelemestes a actuar em acções no meio exterior.(Montessori, s.d.; p. 348)

Montessori (s.d.) recorre à noção de pe-ríodos sensíveis, inspirando-se na obra do bió-logo Hugo de Vries, para caracterizar, de algummodo, o seu investimento. Daí que afirme:

Foi o sábio holandês Hugo De Vries quemdescobriu os períodos sensíveis nos animais,mas fomos nós nas nossas escolas, na vidadas crianças e na família que ca-racterizámosestes períodos sensíveis no crescimento in-fantil e os utilizamos na educação. (p. 74)

É que para a pedagoga italiana os “pe-ríodos sensíveis são muito poderosos: são aforça excitante da Natureza criadora” (p. 109),sendo necessário tê-los em consideração comofactor educativo, já que são eles que permitemcompreender que tudo se deve fazer “tranquilae inadvertidamente, até que as condições doambiente exterior correspondam às suas [dacriança] necessidades internas” (p. 83). É que,constata ela, do mesmo modo que “o adulto, doexterior, não tem qualquer influência” (p. 77)sobre esses diversos períodos, também a crian-ça, caso não possa “actuar segundo as directrizesdo seu período sensível” (p. 77), corre o risco deperder “a oportunidade de uma conquista natu-ral” (p. 77) e, se isso acontece, corre mesmo orisco de a perder para sempre.

Dessa forma, um pressuposto que seconstitui como um dos equívocos centrais deuma parte considerável do património de refle-xões que os pedagogos do Movimento daEducação Nova foram construindo, o qual serevela mediante a tentativa de identificar comoobra da Natureza, é uma obra, por via disso,indiscutível, que não é mais do que uma obrahumana, necessariamente contingente, produ-to do tempo e do espaço em que a gerámos.

A rede de paradoxos completa-se, porfim, quando nos confrontamos com a obra deDecroly, a qual assenta numa afirmação nucle-ar — a de que é “da criança que tudo irradia”(Decroly apud Dubreucq, 1994, p. 267) — quesustenta e legitima, por exemplo, o dispositivodos “centros de interesse” (Hamaïde, 1932;Decroly; Hamaïde, 1932; Decroly, 1965) emfunção do qual Decroly assume a pretensão deorganizar os programas de estudo e de traba-lho nas escolas, respeitando os interesses e asnecessidades dos alunos, como se estes fossemseres autossuficientes, tal como se infere daafirmação de Cousinet (1945) quando afirmaque “as crianças sabem perguntar com preci-são, tiverem mesmo necessidade disso, informa-ções ou conselhos” (p. 58), até porque, para oreferido pedagogo, só se “deve ensinar as cri-anças se, ao fazê-lo, se responder a uma neces-sidade da sua natureza. Ensina-se porque elasdesejam ser ensinadas” (p. 13).

É a partir desse tipo de posicionamentoque se explica o mal-estar que se faz sentir nocampo das pedagogias da aprendizagem quan-do aí se debate a influência educativa comouma problemática de carácter pedagógico. Éque, como afirma Claparède (1972), se é neces-sário “fazer corresponder os interesses de cadagrau de ensino aos interesses naturais que ca-racterizam os diversos estádios da evoluçãoinfantil” (p. 232), então, mais do que exerceruma influência, aqueles que educam devempermitir que os alunos possam autorregular assuas aprendizagens e os percursos que condu-zem a elas. Nesse sentido, no campo das peda-gogias da aprendizagem, a problemática darelação educativa tende a obscurecer a da in-fluência educativa, quando eclipsa o papel dopatrimónio cultural como um dos polos dasacções educativas a promover. O paradoxo,nesse caso, tem a ver, então e em primeirolugar, com o facto de se promover uma con-cepção em que a aprendizagem dos alunostende a ser identificada como uma operaçãoque, pelo menos do ponto de vista dos discur-sos de uma parte significativa dos pedagogos

Page 12: Reconhecer os alunos para reinventar a escola : da ... · (1963; 1966; 2002)6, Roger Cousinet (1945; 1959; 1978) ou Robert Dottrens (1974; 1974a; 1974b) para cumprir a primeira das

276 Rui TRINDADE. Reconhecer os alunos para reinventar a escola:...

do Movimento da Educação Nova, por meio dosquais se enunciam os fundamentos e os princípi-os das suas propostas educacionais, se circuns-creve essa aprendizagem a uma espécie de mo-mento de autorrevelação, em função do qual osalunos se consciencializariam dos seus interesses,das suas necessidades e, consequentemente, dassuas possibilidades de reflectir e de agir. O para-doxo, assim e em segundo lugar, tem a ver, porisso, com o modo como tal abordagem desvalo-riza a qualidade do contacto com o patrimóniocultural de que hoje dispomos, sobretudo quan-do esse contacto se transforma num confronto, eeste, porque podendo conflituar com aqueles in-teresses e necessidades, tenderia, por um lado, aimpedir aquelas aprendizagens e, por outro, a serignorado igualmente como uma condição neces-sária à sua ocorrência.

Até que ponto é que esses paradoxos semantêm como alguns dos eixos pedagógicosestruturantes do campo das pedagogias daaprendizagem? Quais as respostas que, eventu-almente, se foram construindo para enfrentartais paradoxos?

São essas duas questões, entre outraspassíveis de ser evocadas, que justificam o pro-pósito, já anunciado neste artigo, de analisar aspropostas de reflexão e de acção pedagógica doMEM, de forma a compreender-se até que pon-to, e como, é que nesse movimento, por um lado,se foram confirmando, ignorando ou rejeitando ospressupostos e as respostas que alicerçam oscampos das pedagogias da aprendizagem e, poroutro, quais as alternativas que, quer do ponto devista conceptual, quer do ponto de vista da acçãopedagógica e didáctica, se foram construindo noseio de tal movimento.

O MEM e o seu contributo paraa interpelação do campo daspedagogias da aprendizagem

Foi a partir da leitura e análise de textosproduzidos no âmbito do MEM – (i) 200 arti-gos incluídos em todos boletins e revistas “Es-cola Moderna”, propriedade do movimento e

publicados desde o seu primeiro número até2003; (ii) 2 monografias; (iii) 7 textos de apoio;(iv) 4 Cadernos de Formação Cooperada; (v) 7textos incluídos num quinto Caderno de For-mação Cooperada; e (vi) 24 obras que foramobjecto de publicações no exterior do MEM —que um tal empreendimento foi realizado, per-mitindo concluir que o contributo daquelesque intervêm a partir daquele movimento se fezsentir, em larga medida, em função:

a) da afirmação de uma racionalidade pedagó-gica de tipo sociocêntrico dos projectos de edu-cação escolar que contrasta com a abordagempuerocêntrica dos pedagogos do Movimento daEducação Nova;b) da afirmação da escola como um espaçode interlocução cultural;c) da valorização das aprendizagens dos alu-nos como condição da afirmação, não docampo das pedagogias da aprendizagem, masdo campo das pedagogias da comunicação.

A abordagem de uma racionalidade so-ciocêntrica dos projectos de educação escolarque constitui, hoje, uma das imagens de mar-ca do MEM ocorre, de forma implícita, emfunção da importância que as técnicas Freinetassumiram na configuração inicial das práticaspedagógicas dos professores relacionados comaquele movimento (Fernandes, 2003) e, poste-riormente, afirma-se de forma explícita quer soba influência da reflexão de Fernand Oury (1977;1977a; 1977b; 1977c; 1978; 1988) e da correnteda pedagogia institucional que este foi animan-do, quer do peso que, sobretudo, as obras deVygotsky (1978; 1987; 1998) e Bruner (1990;2000; 2002) assumem, hoje, como referênciasteóricas e metateóricas do tipo de abordagenseducativas que, actualmente, caracterizam asleituras e as acções pedagógicas que se desen-volvem sob a égide do MEM. A influência des-ses dois autores sobre o ideário e a configura-ção do modelo pedagógico do MEM faz-se porvia directa, mas também por meio de outros in-vestigadores que encontram neles as referênci-

Page 13: Reconhecer os alunos para reinventar a escola : da ... · (1963; 1966; 2002)6, Roger Cousinet (1945; 1959; 1978) ou Robert Dottrens (1974; 1974a; 1974b) para cumprir a primeira das

277Educação e Pesquisa, São Paulo, v.35, n.2, p. 265-285, maio/ago. 2009

as nucleares da reflexão educativa que produ-zem, os quais, no seu conjunto, contribuempara configurar o que podemos designar porabordagem socioconstrutivista no campo daEducação. Nesse caso, não nos podemos esque-cer, por isso, do contributo de investigadorescomo, entre outros, Harry Daniels (2003), ClotildePontecorvo (2005) ou Barbara Rogoff (2005).

É a assunção de uma racionalidade pe-dagógica de tipo sociocêntrico que permite queno seio do movimento em causa se afirme quenão são os alunos, individualmente considera-dos, que deverão constituir o eixo pedagógiconuclear dos projectos de formação que têmlugar nas escolas, mas a organização social dotrabalho de aprendizagem, a qual, por isso,deverá contribuir para a construção de comu-nidades de aprendizagem onde cada um apren-de à medida que os outros aprendem e se sabeque todas as aprendizagens são pessoais, ain-da que ninguém aprenda sozinho. São essascomunidades de aprendizagem que suportam,justificam e potenciam o processo de formaçãosingular de cada um dos membros dessa comu-nidade à medida que estes participam, apren-dendo, assim, a participar quer na gestão co-operada dos planos curriculares de turma, dasactividades ou do espaço e do tempo de traba-lho nas salas de aula, quer nos momentos, nosprocedimentos e nas estratégias de hetero eautorregulação tanto dos compromissos decarácter académico e comportamental que seestabelecem no âmbito desses contextos edu-cativos, como das actividades e dos aconteci-mentos que aí ocorrem.

É num texto da autoria de Sérgio Niza(1998), um dos fundadores do movimento,justamente intitulado A organização social dotrabalho de aprendizagem no 1º Ciclo do En-sino Básico, que se revela de forma inequívo-ca a importância estratégica que a abordagemsociocêntrica assume, hoje, para o MEM,balizando a reflexão que, sob a sua égide, seconstrói quer sobre a organização do trabalhopedagógico, quer sobre os processos e as es-tratégias de mediação curricular e didáctica,

quer, em geral, sobre os sentidos dos projectosde educação escolar. É nesse texto que, nosubcapítulo Construindo a formação democrática,Niza identifica os três eixos estruturantes domodelo pedagógico do MEM, por meio dos quaisse consubstancia a já referida racionalidadesociocêntrica, a saber: (i) “os circuitos de comu-nicação” (p. 78); (ii) “as estruturas de cooperaçãoeducativa” (p. 79); e (iii) “a participação democrá-tica directa” (p. 82), os quais sustentam tanto omodo como se organiza temporalmente o traba-lho na sala de aula e o próprio espaço que estaconstitui, como o “sistema de pilotagem do tra-balho de cooperação educativa” (p. 91), onde seenquadram: (i) os instrumentos de planeamento,dos quais os planos semanais, os diários ou,entre outros, os individuais de trabalho são re-ferências exemplares destes; (ii) os instrumentosde pilotagem, dos quais se referem os projectoscurriculares de turma, os mapas de tarefas ou osregistos das actividades realizadas; e (iii) os ins-trumentos de avaliação que se utilizam (Niza,1998), os quais, no seu conjunto, sustentam

[...] uma observação formativa que guia(pilota), controla e regula, com a participa-ção directa dos alunos e do professor, deforma sustentada, o desenvolvimento dotrabalho de aprendizagem suscitado pelosprogramas curriculares, pelos alunos, peloprofessor ou por outros colaboradores daturma. (p. 94)

Pode considerar-se que a racionalidadesociocêntrica que assume um posicionamentoestratégico nuclear no âmbito da configuraçãodo modelo pedagógico do MEM não poderáser dissociada da afirmação da escola como umespaço de interlocução cultural. É que essaracionalidade, sustentáculo do Movimento daEducação Nova, ao alimentar a crença de quea educação das crianças não deveria contrari-ar a ordem natural que determinava a ordemdo seu desenvolvimento, prescrevendo-se, poressa via, a nova ordem educativa a respeitar,tendia a estabelecer uma tensão improdutiva e

Page 14: Reconhecer os alunos para reinventar a escola : da ... · (1963; 1966; 2002)6, Roger Cousinet (1945; 1959; 1978) ou Robert Dottrens (1974; 1974a; 1974b) para cumprir a primeira das

278 Rui TRINDADE. Reconhecer os alunos para reinventar a escola:...

equívoca entre Natureza e Cultura, definindo-se,ainda que de forma nem sempre explícita, umarelação que tenderia a privilegiar a relaçãoNatureza-Educação em detrimento da relaçãoCultura-Educação.

Com a afirmação de uma racionalidadepedagógica de tipo sociocêntrico, é esse últimoeixo que se passa a privilegiar, sem que isso possasignificar que os alunos passem a ocupar umasituação subalterna como actores educativos ouque, por isso, estes possam ser desvalorizadoscomo seres detentores de saberes e de inteligên-cia. Eles são entendidos como um dos polosincontornáveis de um processo mais amplo dediálogo, em função do qual se transita de umarelação naturalizada com o saber para a constru-ção de uma relação de interlocução com essemesmo saber. Assim, a relação que os alunosestabelecem com o património cultural deixa deser legitimada em função de argumentos pormeio dos quais se enaltece o respeito pela suanatureza específica como condição do estabe-lecimento de uma relação harmoniosa entreambos. Mais do que respeitar o desenvolvimen-to psicológico como o eixo em função do qualse legitima o sentido das acções de naturezaeducativa que têm lugar nas escolas, o que sedefende, agora, é a necessidade de os proces-sos de educação escolar respeitarem “os proces-sos sociais autênticos da construção da cultu-ra nas ciências, na arte e no quotidiano” (Niza,1996, p. 143). Nesse sentido, o desenvolvimen-to psicológico é uma variável a considerar,entre outras possíveis, no momento em que nospermite compreender melhor os contornos es-pecíficos de uma relação que é marcada pelassingularidades dos alunos e as particularidadesepistemológicas e conceptuais dos saberes comos quais estes se têm que relacionar, quercomo condição que justifica qualquer actoeducativo, quer como condição do seu desen-volvimento e afirmação como pessoa.

Em suma, comparando as propostas doMovimento da Educação Nova com as propos-tas do MEM, pode afirmar-se que, de um talconfronto, se anuncia uma transição fundamen-

tal do campo das pedagogias da aprendizagempara o campo das pedagogias da comunicação(Fernandes, 2003). Uma transição que não visapôr em causa o facto do acto de aprendercontinuar, nesse âmbito, a constituir uma fina-lidade nuclear da acção educativa que temlugar nas escolas, mas tão somente a enquadrá-lo num espaço conceptual cuja arquitecturaquanto aos seus fundamentos e pressupostospedagógicos é distinta. Um espaço conceptualque obriga a repensar o papel dos alunos, o dosprofessores e, igualmente, o do património desaberes já constituído que, nesse processo dereorientação pedagógica, ocupa um lugar de-cisivo no modo como influencia e baliza quera reflexão sobre os outros polos da relaçãoeducativa, quer a própria reflexão sobre asimplicações educativas de um tal processo.

Ainda que uma análise mais ponderadanos aconselhe a uma leitura prudente das obrase dos contributos dos pedagogos do Movimen-to da Educação Nova, de forma a evitarem-seconclusões precipitadas, não tanto sobre osfundamentos e os pressupostos do ideário pe-dagógico daquele movimento, mas sobre assuas reflexões e propostas didácticas, importareconhecer que, no seio do MEM, podem-seidentificar alguns contributos decisivos paraenfrentar os equívocos, os paradoxos e as zonasde ambiguidade que foram sendo identificadascomo propriedades dos discursos quer do Mo-vimento da Educação Nova, quer do própriocampo das pedagogias da aprendizagem. Esseconfronto — entre a natureza da reflexão que ageneralidade dos pedagogos do Movimento daEducação Nova produz sobre os fundamentos eos pressupostos que sustentam o ideário pedagó-gico e a natureza da reflexão e das propostasdidácticas que esses mesmos pedagogos produ-zem — é um factor que não poderá ser desvalo-rizado quando se analisa o contributo pedagógicodesse movimento. É que nem sempre a reflexãosobre os pressupostos e os fundamentos pedagó-gicos que esses pedagogos defendem coincidecom os sentidos das propostas de intervençãoque por si são propostas. Ainda que sejam de-

Page 15: Reconhecer os alunos para reinventar a escola : da ... · (1963; 1966; 2002)6, Roger Cousinet (1945; 1959; 1978) ou Robert Dottrens (1974; 1974a; 1974b) para cumprir a primeira das

279Educação e Pesquisa, São Paulo, v.35, n.2, p. 265-285, maio/ago. 2009

fensores de uma racionalidade pedagógica detipo puerocêntrico, em função da qual tendema iludir ou a ignorar, como objecto de reflexãoteórica, a importância e o peso da influênciaeducativa exercida pelos professores não dei-xam posteriormente, no domínio do espaçodedicado à operacionalização de um tal ideário,de propor dispositivos de acção pedagógicaque são, em si, manifestações de influênciaeducativa, tal como é o caso, por exemplo, daorganização minuciosa do trabalho queMontessori (1958) defende para as suas Casasdei Bambini; das propostas de Cousinet (1945)face ao trabalho livre de grupo; da própriametodologia de projecto que nos foi legadapor Kilpatrick (2006); do sistema Winnetka deficheiros autocorrectivos de Washburne (1934)ou do Plano Dalton que Parkhurst (1922) de-senvolveu para promover a individualização doensino. Isso significa que os pedagogos doMovimento da Educação Nova e, em geral,aqueles que se situam no campo das pedago-gias da aprendizagem não foram capazes, porrazões várias, de conferir visibilidade teórica amuitas das iniciativas que propuseram e con-cretizaram, o que, constituindo uma das vulne-rabilidades do seu legado, não justifica, contu-do, algumas das leituras simplistas que tendema desvalorizar o património pedagógico queforam construindo por via quer da generosida-de e da perseverança que deram mostras, emtermos dos fundamentos e dos pressupostosque sustentam os seus ideários pedagógicos,quer também do ponto de vista da sua intuiçãoe, sobretudo, da centralidade que atribuíram àreflexão pedagógica como condição do exercí-cio da função docente.

Assim, se para aqueles que se situam nes-se campo o acto de educar tende a ser entendidocomo um contributo para o desenvolvimento in-tegral dos alunos, o que passa, em larga medida,por favorecer o seu processo de autoeducação,para o MEM e para o que já designei, neste arti-go, por campo da pedagogia da comunicação,educar é permitir que alguém se afirme comopessoa, mediante as experiências pessoais e soci-

ais que a partilha e a apropriação de um dadopatrimónio cultural suscita. Nesse sentido, privile-gia-se o acto educativo como um acto de inter-educação, sem que se ponha em causa, contudo,a dimensão autoeducativa desse mesmo acto. Oque acaba por distinguir os dois campos tem maisa ver com o facto de se reconhecer, no campo daspedagogias da comunicação, que os momentos deautoeducação, entendidos como o corolário da-quele acto, são possíveis como momentos quederivam e dependem do facto de se entender oacto de educar como um acto de diálogo, de in-terpelação e até de confronto com os outros,directamente ou por meio do património que nosfoi legado. Sendo, no mínimo, pouco rigorosoafirmar que, no campo das pedagogias da apren-dizagem, se desvaloriza a interacção com os ou-tros e com o património cultural disponível, vale apena reconhecer que o que distingue a reflexãonesse campo daquela que se produz no campo daspedagogias da comunicação não é tanto essa des-valorização, mas o estatuto pedagógico que emcada um dos campos referidos assume essainteracção e, sobretudo, o modo como tal in-teracção é objecto de explicitação teórica no se-gundo dos campos enunciados.

É a partir dessa constatação que nospodemos confrontar com o peso que os interes-ses e as necessidades dos alunos assumem nasreflexões pedagógicas que se produzem nos doiscampos que tenho vindo a invocar. Para aque-les que se situam no campo das pedagogias daaprendizagem, o acto educativo deve partir dasconcepções, dos interesses e das necessidadesdos alunos como factores capazes de suscitaraprendizagens significativas, enquanto que, nocampo das pedagogias da comunicação, a valo-rização das concepções dos interesses e dasnecessidades dos alunos é condição necessária,mas não é condição suficiente para promover ealimentar tais aprendizagens.

É perante esses dois cenários pedagógi-cos que o papel dos professores tende a serabordado de forma distinta. No caso do cam-po das pedagogias da aprendizagem, os do-centes são entendidos, do ponto de vista das

Page 16: Reconhecer os alunos para reinventar a escola : da ... · (1963; 1966; 2002)6, Roger Cousinet (1945; 1959; 1978) ou Robert Dottrens (1974; 1974a; 1974b) para cumprir a primeira das

280 Rui TRINDADE. Reconhecer os alunos para reinventar a escola:...

formulações que tendem a captar a sua actividade,como organizadores de ambientes de aprendiza-gem, uma função que não é recusada por aque-les que se situam no campo das pedagogias dacomunicação, ainda que não seja entendida comofunção subordinante, mas subordinada. Para estes,os professores são organizadores de ambientes deaprendizagem porque deverão ser entendidos,acima de tudo, como interlocutores qualificados(Cosme, 2006), contribuindo, assim, quer para pro-mover uma tal organização, quer para que os seusalunos se apropriem e participem tanto na confi-guração dessa organização, como assumam, a seumodo e também, o papel de interlocutores. En-quanto que para os primeiros o papel do pro-fessor se restringe, pelo menos em termosdiscursivos, ao de um animador de aprendiza-gens, desafiando, criando ambientes de traba-lho, incentivando e promovendo a partilha,para os segundos, tal papel não só deixa deficar circunscrito ao acto de ensinar, como,sobretudo, se configura de forma mais comple-xa e ampliada, ensinando quando for caso dis-so, organizando, desafiando, propondo, apoian-do a encontrar e a gerir recursos culturais ouestimulando a reflexão dos alunos. Trata-se, sequisermos, de uma consequência derivada daassunção de uma consciência estratégica darelação tendencialmente tensa que se estabele-ce entre o conhecimento pessoal dos alunos e oque é tido por conhecido por meio da cultura,o que contrasta com a consciência ingénua evoluntarista que, no campo das pedagogias daaprendizagem, tende a configurar a relação entreos alunos e o património cultural de que pode-mos dispor como uma relação mais ou menosharmoniosa e distendida.

De algum modo, encontra-se na dimen-são da reflexão pedagógica acabada de enun-ciar um dos aspectos mais marcantes das diver-gências que se podem estabelecer entre os doiscampos em confronto. É que enquanto para ocampo da pedagogia da comunicação as apren-dizagens dos alunos não poderão ser assegu-radas pela actividade docente dos professores,os quais só se poderão comprometer a partici-

par activamente na gestão do processo decomunicação que poderá criar as condiçõespara que tais aprendizagens ocorram, paraaqueles que se situam no outro campo peda-gógico a que nos temos vindo a referir, asaprendizagens só são possíveis se os professo-res não impedirem os alunos de as realizar,correndo-se até o risco de circunscrever o olharsobre os professores aos momentos em que asua acção tende a ser vista, sobretudo, comoum obstáculo à aprendizagem dos seus alunos.

Retoma-se, assim e por essa via, o deba-te sobre a problemática da influência educativacomo problemática pedagógica primeira, já queé em torno desta que se pode compreendermelhor a necessidade de se transitar do campoda pedagogia da aprendizagem para o campoda pedagogia da comunicação, como respostaalternativa às limitações, aos equívocos e àscontradições do paradigma do instruir.

A problemática da influênciaeducativa: uma problemática ainterpelar

Face ao exposto, pode concluir-se que é,em larga medida, pelo modo como os campospedagógicos da aprendizagem e da comunicaçãoenfrentam a problemática da influência educativaque se pode estabelecer o eixo de fractura que ossepara. É que enquanto para o primeiro tal pro-blemática não é objecto de uma preocupaçãoteórica explícita, sendo até expressão de algunsdos equívocos mais marcantes desse campo pe-dagógico, para o segundo, essa é uma questãoem aberto que, de algum modo, constitui umindicador do imenso e intenso trabalho de refle-xão que há para fazer para se configurar a acçãoeducativa como um processo de comunicação,sobretudo quando se sabe que tal processo, noâmbito da educação escolar, não acontece poracaso nem segundo a vontade estrita daquelesque nele se encontram envolvidos. Uma ilusão quea racionalidade pedocêntrica acalentou no mo-mento em que contornou, em termos de reflexãoteórica, a problemática do confronto com o patri-

Page 17: Reconhecer os alunos para reinventar a escola : da ... · (1963; 1966; 2002)6, Roger Cousinet (1945; 1959; 1978) ou Robert Dottrens (1974; 1974a; 1974b) para cumprir a primeira das

281Educação e Pesquisa, São Paulo, v.35, n.2, p. 265-285, maio/ago. 2009

mónio cultural e das possibilidades de os alunos seapropriarem e recriarem esse património como seestivéssemos perante um acontecimento inevitável.

Chegou, pois, o momento de afirmar quea aprendizagem de quem quer que seja deriva,sobretudo, de uma possibilidade que se ofere-ce, mais do que um propósito que se determi-na. Uma possibilidade que pode ser concretiza-da em função da oportunidade que um actoeducativo, organizado tão intencionalmentequanto possível como um acto de comunica-ção, pode suscitar e animar. Embora se ponhaem causa, nesse paradigma pedagógico, aomnipotência do professor como uma entida-de que determina o saber do aluno, não se põeem causa a possibilidade de o primeiro se as-sumir como um personagem incontornável noâmbito do processo de aprendizagem do se-gundo, desde que se compreenda os limites eaté o paradoxo de uma intervenção que obri-ga esse primeiro a fazer algo por esse segun-do, sabendo, contudo, que não o pode fazerpor ele. Embora se ponha em causa o vitalismodos alunos, uma das imagens de marca doMovimento da Educação Nova, que os condu-ziria na descoberta dos meandros do labirinto,por meio do qual eles poderiam aceder aos ins-trumentos da cultura e ao desenvolvimento decompetências que lhes permitirão construir-se eafirmar-se como pessoas, não se põe em causanem o seu protagonismo nem a necessidade dese ter em conta a singularidade dos percursos aque esse mesmo protagonismo os conduz.

É urgente, por isso, que se reconheçaque é o modo como, no âmbito da educaçãoescolar, o professor investe na construção deum processo de comunicação com os seus alu-nos que determina a possibilidade de estesaprenderem. Constata-se, assim, de acordo comessa perspectiva, que a problemática da influ-ência educativa deixa de ser uma problemáticasubentendida e restrita. Uma problemática que,como fez o Movimento da Educação Nova, oufoi iludida como uma problemática pedagógi-ca ou, pior do que isso, foi considerada comouma questão que dizia respeito, apenas, àque-

les que se identificam com o paradigma dainstrução. No campo das pedagogias da comuni-cação, não só não se ilude a importância da pro-blemática da influência educativa como, sobretu-do, o reconhecimento desta não implica que serecuse o protagonismo dos alunos como umacondição das aprendizagens que estes deverãoefectuar, ainda que tal protagonismo seja, na ver-dade, entendido como um coprotagonismo que sedesenvolve em função de um património culturalque tanto o baliza como o potencia, deixando dese entender, nesse âmbito, o espaço de acçãodocente como o espaço do demiurgo ou o doparceiro que vai no lugar-do-morto (Houssaye,1996), de forma a que a perda da centralidadepedagógica que o professor detinha no seio doparadigma da instrução possa constituir umaoportunidade de os professores passarem aassumir uma maior importância educativa, de-corrente do seu contributo para a promoçãoactiva de um processo de comunicação, enten-dido como condição necessária à realização dasaprendizagens dos seus alunos.

Um processo que pode ser melhor com-preendido em torno da noção de “momentopedagógico” que Philippe Meirieu (2002) desen-volveu, revelando-nos, por um lado, a complexi-dade dos desafios que se colocam a todos aque-les que não se identificam com o paradigma dainstrução e demonstrando, por outro, que não éa influência educativa que importa problematizar,mas o modo como esta é exercida.

Face a um aluno que tem direito a resistirà acção dos educadores, o que tanto pode serentendido como um acto cultural como umamanifestação de inteligência, o que interessadiscutir é como é que esses educadores reco-nhecem, interpretam e agem perante um actotão inevitável.

Nas abordagens pedagógicas mais con-servadoras, tal manifestação de resistência de-veria ser objecto de um processo de aniquila-ção, enquanto no campo das pedagogias daaprendizagem, pelo menos nos discursos queenformam um tal campo, a resistência teria queser objecto de exaltação, na medida em que

Page 18: Reconhecer os alunos para reinventar a escola : da ... · (1963; 1966; 2002)6, Roger Cousinet (1945; 1959; 1978) ou Robert Dottrens (1974; 1974a; 1974b) para cumprir a primeira das

282 Rui TRINDADE. Reconhecer os alunos para reinventar a escola:...

tenderia a mostrar aos educadores a direcção docaminho a seguir. Para aqueles que se situamno espaço das pedagogias da comunicação, etendo por referência a já referida reflexão deMeirieu (2002) a partir da noção de “momentopedagógico”, a resistência do alunos a aprendernão confina os professores a exercer o poder quedetêm sobre eles, mas a tomar consciência danecessidade de estabelecer diálogos mais oumenos singulares com sujeitos únicos que en-frentam perplexidades originais face a objectosculturais que obrigam os professores a

[...] explorar sem tréguas os obstáculos ineren-tes ao seu próprio discurso, circunscrever asformulações aproximativas, buscar incansavel-mente exemplos e dispositivos novos, multipli-car as reformulações inventivas. (p. 80)

São esses diálogos que se podem trans-formar em encontros, os quais permitam

[...] oferecer um objecto de saber de que ooutro possa apoderar-se, para examiná-lo,para pegá-lo nas mãos, para manipulá-lo,para apropriar-se dele ou desvirtuá-lo, en-fim, para pôr “algo de si nele”. (p. 80)

Encontros esses que não são a expressãode intenções educativas colonizadoras nem po-deriam resultar de qualquer processo de demissãoeducativa, já que só acontecem quando o profes-sor tiver “multiplicado os ‘pontos de apoio’ eaberto perspectivas que constituirão os meios parao aluno exercer a sua inteligência” (p. 80).

Que influência educativa é essa? Não écertamente a influência tutelar que tipifica osdiscursos e as acções que têm lugar na dita es-

cola tradicional, mas é certamente uma influên-cia que se define em função quer da organiza-ção dos espaços e dos tempos educativos, querdos instrumentos de regulação que se utilizame que estimulam os alunos a utilizar, quer dosdispositivos de interacção relacional e curricularque se propõem. Eis-nos, assim, perante umdesafio que, de algum modo, é afectado aindatanto pela sedução que o empirismo pedagógi-co ainda consegue exercer no campo educativo,como, sobretudo, pela ambiguidade, pela ausên-cia de sustentabilidade ou pela incompletude dasreflexões sobre o estatuto e as especificidadesepistemológicas dos saberes especializadoscomo instrumentos pedagógicos de referênciado processo de construção e legitimação dossaberes escolares. Provavelmente, e à medidaque formos produzindo reflexões cada vez maisfundamentadas e coerentes, a problemática quea influência educativa constitui poderá adquiriroutra visibilidade e impacto pedagógico, aindaque importe reconhecer o caminho já percorri-do. Um caminho que, pelo menos, permite queentendamos os alunos como seres que, no seiodas escolas, estabelecem, a partir daquilo quesão e que sabem, diálogos, por vezes confron-tos, com aquilo que os outros ali fisicamentepresentes são e sabem. Diálogos esses, seja qualfor a forma que possam assumir, que se desen-volvem num dado ambiente cultural e tendopor referência o património que outros, que alise encontram fisicamente ausentes, lhes lega-ram para que, assim, o que eles já são e jásabem possa adquirir uma outra amplitude ecoerência, de forma a que os referidos diálogospossam constituir, enfim, momentos necessári-os ao seu processo de construção e de afirma-ção como pessoas.

Page 19: Reconhecer os alunos para reinventar a escola : da ... · (1963; 1966; 2002)6, Roger Cousinet (1945; 1959; 1978) ou Robert Dottrens (1974; 1974a; 1974b) para cumprir a primeira das

283Educação e Pesquisa, São Paulo, v.35, n.2, p. 265-285, maio/ago. 2009

Referências bibliograficas

ALTET, M. As pedaAs pedaAs pedaAs pedaAs pedagoggoggoggoggogias da aias da aias da aias da aias da aprendizaprendizaprendizaprendizaprendizagemgemgemgemgem. Lisboa: Instituto Piaget, 1999.

BÖHM, W. Maria Montessori. In: HOUSSAYE, J. (Org.). Quinze pedaQuinze pedaQuinze pedaQuinze pedaQuinze pedagoguesgoguesgoguesgoguesgogues: leur influence aujourd’hui. Paris: Armand Colin, 1996.p. 149-166.

BRUNER, J. S. Actos de significado Actos de significado Actos de significado Actos de significado Actos de significado: para uma psicologia cultural. Lisboa: Edições 70, 1990.

_____. Cultura da educaçãoCultura da educaçãoCultura da educaçãoCultura da educaçãoCultura da educação. Lisboa: Edições 70, 2000.

_____. Realidade mental, mundos possíveisRealidade mental, mundos possíveisRealidade mental, mundos possíveisRealidade mental, mundos possíveisRealidade mental, mundos possíveis. Porto Alegre: Artmed, 2002.

CLAPAREDE, E. LLLLL’éduca’éduca’éduca’éduca’éducation ftion ftion ftion ftion fonctionelleonctionelleonctionelleonctionelleonctionelle. Neuchatel: Delachaux & Niestlé, 1931.

_____. A escola sob medidaA escola sob medidaA escola sob medidaA escola sob medidaA escola sob medida. Rio de Janeiro: Fundo de Cultura, 1959.

_____. Psychologie de l’enfant et pédagogie expérimentale IPsychologie de l’enfant et pédagogie expérimentale IPsychologie de l’enfant et pédagogie expérimentale IPsychologie de l’enfant et pédagogie expérimentale IPsychologie de l’enfant et pédagogie expérimentale I: le développment mental. Neuchatel: Delachaux & Niestlé, 1972.

COSME, A. Ser professor numa escola e num tempo de incertezasSer professor numa escola e num tempo de incertezasSer professor numa escola e num tempo de incertezasSer professor numa escola e num tempo de incertezasSer professor numa escola e num tempo de incertezas: desafios, exigências e dilemas profissionais. 2006. Tese(Doutorado)– Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade do Porto, Porto, 2006. (Documento policopiado).

COUSINET, R. Une méthode de traUne méthode de traUne méthode de traUne méthode de traUne méthode de travail libre par gvail libre par gvail libre par gvail libre par gvail libre par groupesroupesroupesroupesroupes. Paris: Les Éditions du Cerf, 1945.

_____. PédaPédaPédaPédaPédagoggoggoggoggogie de l’aie de l’aie de l’aie de l’aie de l’apprentissapprentissapprentissapprentissapprentissagegegegege. Paris: PUF, 1959.

_____. A educação novaA educação novaA educação novaA educação novaA educação nova. Lisboa: Moraes, 1978.

DANIELS, H. Vygotsky e a pedagogiaVygotsky e a pedagogiaVygotsky e a pedagogiaVygotsky e a pedagogiaVygotsky e a pedagogia. São Paulo: Loyola, 2003.

DECROLY, O. La function de globalisa La function de globalisa La function de globalisa La function de globalisa La function de globalisation et l’enseignementtion et l’enseignementtion et l’enseignementtion et l’enseignementtion et l’enseignement. Bruxelles: Desoer, 1965.

DECROLY, O.; HAMAÏDE, A. Le calcul et la mesure au premier degLe calcul et la mesure au premier degLe calcul et la mesure au premier degLe calcul et la mesure au premier degLe calcul et la mesure au premier degré de l’école Decrolré de l’école Decrolré de l’école Decrolré de l’école Decrolré de l’école Decrolyyyyy. Neuchâtel: Delachaux & Niestlé, 1932.

DELEDALLE, G. John DeweJohn DeweJohn DeweJohn DeweJohn Deweyyyyy. Paris: PUF, 1995.

DEWEY, J. Experience and educaExperience and educaExperience and educaExperience and educaExperience and educationtiontiontiontion. New York: Macmillan, 1963.

_____. Democracy and educaDemocracy and educaDemocracy and educaDemocracy and educaDemocracy and educationtiontiontiontion. New York: Macmillan, 1966.

_____. A escola e a sociedadeA escola e a sociedadeA escola e a sociedadeA escola e a sociedadeA escola e a sociedade: a criança e o currículo. Lisboa: Relógio d’Água, 2002.

DOTTRENS, R. Educar e instruir I Educar e instruir I Educar e instruir I Educar e instruir I Educar e instruir I. Lisboa: Estampa, 1974.

_____. Educar e instruir II Educar e instruir II Educar e instruir II Educar e instruir II Educar e instruir II. Lisboa: Estampa, 1974a.

_____. Educar e Instruir IIIEducar e Instruir IIIEducar e Instruir IIIEducar e Instruir IIIEducar e Instruir III. Lisboa: Estampa, 1974b.

DUBREUCQ, F. Jean-Ovyde Decroly (1871-1932). In: MORSY, Z. (Coord.). Penseurs de l’éducaPenseurs de l’éducaPenseurs de l’éducaPenseurs de l’éducaPenseurs de l’éducationtiontiontiontion. Paris: Éditions UNESCO(Révue trimestrielle de l’éducation), 1994. p. 161-173.

ESTRELA, A. O Movimento da Escola Moderna e a formação de professores. In: VILHENA, G.; SOARES, J.; HENRIQUE, M. (Orgs.).Nos 25 anos do Movimento da Escola Moderna PortuguesaNos 25 anos do Movimento da Escola Moderna PortuguesaNos 25 anos do Movimento da Escola Moderna PortuguesaNos 25 anos do Movimento da Escola Moderna PortuguesaNos 25 anos do Movimento da Escola Moderna Portuguesa, 1992. p. 19-23

FERNANDES, R. E. T. Escola e infEscola e infEscola e infEscola e infEscola e influência educaluência educaluência educaluência educaluência educativativativativativa: o estatuto dos discursos didácticos inovadores no 1º Ciclo do Ensino Básicoem Portugal. 2003. Tese (Doutorado)– Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade do Porto, Porto(Documento policopiado), 2003.

FERRIÈRE, A. A escola activaA escola activaA escola activaA escola activaA escola activa. Porto: Editora Educação Nacional, 1934.

Page 20: Reconhecer os alunos para reinventar a escola : da ... · (1963; 1966; 2002)6, Roger Cousinet (1945; 1959; 1978) ou Robert Dottrens (1974; 1974a; 1974b) para cumprir a primeira das

284 Rui TRINDADE. Reconhecer os alunos para reinventar a escola:...

HAMAÏDE, A. La méthode DécrolLa méthode DécrolLa méthode DécrolLa méthode DécrolLa méthode Décrolyyyyy. Neuchatel: Delachaux & Niestlé, 1932.

HAMELINE, D. Adolphe Ferrière. In: HOUSSAYE, J. (Org.). Quinze pédaQuinze pédaQuinze pédaQuinze pédaQuinze pédagoguesgoguesgoguesgoguesgogues: leur influence aujourd’hui. Paris: Armand Colin,1994. p. 181-195.

_____. Édouard Claparède. In: HOUSSAYE, J. (Org.). Quinze pédaQuinze pédaQuinze pédaQuinze pédaQuinze pédagoguesgoguesgoguesgoguesgogues: leur influence aujourd’hui. Paris: Armand Colin, 1994a.p. 161-173.

HAMELINE, D.; JORNOD, A.; BELKAID, M. LLLLL’école active’école active’école active’école active’école active: textes fondateurs. Paris: PUF, 1995.

HOUSSAYE, J. Le triangle pédagogique ou comment compreendre la situation pédagogique. In: HOUSSAYE, J. (Dir.). La pédaLa pédaLa pédaLa pédaLa pédagoggoggoggoggogieieieieie:une encyclopédie pour aujourd’hui. Paris: ESF, 1996. p. 13-24.

KILPATRICK, W. O método de projectoO método de projectoO método de projectoO método de projectoO método de projecto. Mangualde: Pedago, 2006.

MEIRIEU, P. A pedaA pedaA pedaA pedaA pedagoggoggoggoggogia entre o Dizer e o Fazeria entre o Dizer e o Fazeria entre o Dizer e o Fazeria entre o Dizer e o Fazeria entre o Dizer e o Fazer. Porto Alegre: Artmed, 2002.

MONTESSORI, M. A criançaA criançaA criançaA criançaA criança. Lisboa: Portugália, [s.d.].

_____. PédaPédaPédaPédaPédagoggoggoggoggogie scientifiqueie scientifiqueie scientifiqueie scientifiqueie scientifique: la découverte de l’enfant. Paris: Desclée de Brouwer, 1958.

NIZA, S. O modelo curricular da educação pré-escolar da Escola Moderna Portuguesa. In: FORMOSINHO, J. O. (Org.). ModelosModelosModelosModelosModeloscurriculares para a educação de infânciacurriculares para a educação de infânciacurriculares para a educação de infânciacurriculares para a educação de infânciacurriculares para a educação de infância. Porto: Porto Editora, 1996. p. 139-159.

_____. A organização social do trabalho de aprendizagem no 1º Ciclo do Ensino Básico. InovaçãoInovaçãoInovaçãoInovaçãoInovação, v. 11, p. 77- 98, 1998.

NÓVOA, A. Comunicação do representante da sociedade portuguesa de Ciências da Educação. In: VILHENA, G.; SOARES, J.;HENRIQUE, M. (Orgs.). Nos 25 anos do Movimento da Escola Moderna Portuguesa Nos 25 anos do Movimento da Escola Moderna Portuguesa Nos 25 anos do Movimento da Escola Moderna Portuguesa Nos 25 anos do Movimento da Escola Moderna Portuguesa Nos 25 anos do Movimento da Escola Moderna Portuguesa, 1992. p. 25-26.

OURY, F.; VASQUEZ, A. Da classe cooperaDa classe cooperaDa classe cooperaDa classe cooperaDa classe cooperativa à pedativa à pedativa à pedativa à pedativa à pedagoggoggoggoggogia institucional Iia institucional Iia institucional Iia institucional Iia institucional I. Lisboa: Estampa, 1977.

_____. Da classe cooperativa à pedagogia institucional IIDa classe cooperativa à pedagogia institucional IIDa classe cooperativa à pedagogia institucional IIDa classe cooperativa à pedagogia institucional IIDa classe cooperativa à pedagogia institucional II. Lisboa: Estampa, 1977a.

_____. Da classe cooperativa à pedagogia institucional IIIDa classe cooperativa à pedagogia institucional IIIDa classe cooperativa à pedagogia institucional IIIDa classe cooperativa à pedagogia institucional IIIDa classe cooperativa à pedagogia institucional III. Lisboa: Estampa, 1977b.

_____. Da classe cooperaDa classe cooperaDa classe cooperaDa classe cooperaDa classe cooperativa à pedativa à pedativa à pedativa à pedativa à pedagoggoggoggoggogia institucional IVia institucional IVia institucional IVia institucional IVia institucional IV. Lisboa: Estampa, 1977c.

_____. Da classe cooperaDa classe cooperaDa classe cooperaDa classe cooperaDa classe cooperativa à pedativa à pedativa à pedativa à pedativa à pedagoggoggoggoggogia institucional ia institucional ia institucional ia institucional ia institucional VVVVV. Lisboa: Estampa, 1978.

_____. Vers une pedagogie institutionelle? Vers une pedagogie institutionelle? Vers une pedagogie institutionelle? Vers une pedagogie institutionelle? Vers une pedagogie institutionelle? Vigneux: Matrice, 1988.

PARKHURST, H. Educa Educa Educa Educa Education on the Dalton Plantion on the Dalton Plantion on the Dalton Plantion on the Dalton Plantion on the Dalton Plan. Whitefish: Kessinger Publishing, 1922.

PONTECORVO, C. et al. Discutindo se aprende Discutindo se aprende Discutindo se aprende Discutindo se aprende Discutindo se aprende: interacção social, conhecimento e escola. Porto Alegre: Artmed, 2005.

ROCHA, F. Correntes pedaCorrentes pedaCorrentes pedaCorrentes pedaCorrentes pedagóggóggóggóggógicas contemporâneasicas contemporâneasicas contemporâneasicas contemporâneasicas contemporâneas. Aveiro: Estante, 1988. Colecção Ciências da Educação e DesenvolvimentoHumano.

ROGOFF, B. A naA naA naA naA natureza cultural do desenvolvimento humanotureza cultural do desenvolvimento humanotureza cultural do desenvolvimento humanotureza cultural do desenvolvimento humanotureza cultural do desenvolvimento humano. Porto Alegre: Artmed, 2005.

ROLDÃO, M. C. O pensamento concreto da criançaO pensamento concreto da criançaO pensamento concreto da criançaO pensamento concreto da criançaO pensamento concreto da criança: uma perspectiva do currículo a questionar. Lisboa: Instituto de InovaçãoEducacional, 1994.

SOETÄRD, M. Jean-Jacques Rousseau. In: HOUSSAYE, J. (Org.). Quinze pedaQuinze pedaQuinze pedaQuinze pedaQuinze pedagoguesgoguesgoguesgoguesgogues: leur influence aujourd’hui. Paris: ArmandColin, 1994. p. 23-36.

WASHBURNE, C. La escuela individualizadaLa escuela individualizadaLa escuela individualizadaLa escuela individualizadaLa escuela individualizada. Madrid: Pi y Margall, 1934.

VYGOTSKY, L. S. Mind in society Mind in society Mind in society Mind in society Mind in society: the development of higher psychological processes. Cambridge: Harvard University Press, 1978.

Page 21: Reconhecer os alunos para reinventar a escola : da ... · (1963; 1966; 2002)6, Roger Cousinet (1945; 1959; 1978) ou Robert Dottrens (1974; 1974a; 1974b) para cumprir a primeira das

285Educação e Pesquisa, São Paulo, v.35, n.2, p. 265-285, maio/ago. 2009

_____. Pensamento e linguagemPensamento e linguagemPensamento e linguagemPensamento e linguagemPensamento e linguagem. São Paulo: Martins Fontes, 1987.

_____. A formação social da menteA formação social da menteA formação social da menteA formação social da menteA formação social da mente. São Paulo: Martins Fontes, 1998.

Recebido em 17.11.08

Aprovado em 05.05.08

Rui Trindade é professor do Grupo de Ciências da Educação da Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação daUniversidade do Porto, onde integra, como investigador, o Centro de Investigação e Intervenção Educativas (CIIE). Doutor emCiências da Educação, desenvolve trabalho como docente e no domínio da pesquisa na área dos Estudos sobre Aprendizagem,Organização e Gestão do Trabalho Pedagógico e Pedagogia no Ensino Superior.