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RECURSOS HÍDRICOS E SANEAMENTO MASATO KOBIYAMA ALINE DE ALMEIDA MOTA CLÁUDIA WEBER CORSEUIL

RECURSOS HÍDRICOS E SANEAMENTO - labhidro.ufsc.br · Ao ler o livro Recursos Hídricos e Saneamento percebe-se como a água é importante e ao mesmo tempo como muitos de nós a desprezamos

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  • RECURSOS HDRICOS E SANEAMENTO

    MASATO KOBIYAMA

    ALINE DE ALMEIDA MOTA

    CLUDIA WEBER CORSEUIL

  • MASATO KOBIYAMA

    ALINE DE ALMEIDA MOTA

    CLUDIA WEBER CORSEUIL

    RECURSOS HDRICOS E SANEAMENTO

    1 Edio

    Curitiba - PR

    2008

  • ii

    Capa

    Camila de Almeida Mota

    1 edio

    1 impresso 2008

    _______________________________________________________________

    Kobiyama, Masato Recursos hdricos e saneamento / Masato Kobiyama, Aline

    de Almeida Mota, Cludia Weber Corseuil Curitiba: Ed. Organic Trading, 2008.

    160p. Inclui bibliografia ISBN - 978-85-87755-04-9

    1. Recursos hdricos. 2. Saneamento. 3. Ruralizao. _______________________________________________________________

    Reservado todos os direitos de reproduo total ou parcial pela

    Editora Organic Trading

    Impresso no Brasil

    2008

  • iii

    AUTORES

    Masato Kobiyama

    Professor Associado II, Departamento de Engenharia Sanitria e Ambiental (ENS),

    Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Caixa Postal 476, Florianpolis SC,

    CEP 88040-900, (48)3721-7749, [email protected]

    Aline de Almeida Mota

    Acadmica do Curso de Graduao em Engenharia Sanitria e Ambiental,

    Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Caixa Postal 476, Florianpolis SC,

    CEP 88040-900, [email protected]

    Cludia Weber Corseuil

    Professora, Departamento de Engenharia Sanitria e Ambiental (ENS), Universidade

    Federal de Santa Catarina (UFSC), Caixa Postal 476, Florianpolis SC, CEP 88040-

    900, (48)3721-7749, [email protected]

  • iv

  • v

    Sumrio

    AUTORES.......................................................................................................iii

    APRESENTAO........................................................................................vii

    PREFCIO ..................................................................................................... ix

    ABREVIAES............................................................................................xii

    1. INTRODUO ........................................................................................... 1

    2. RECURSOS HDRICOS ............................................................................ 7

    2.1. GUA.................................................................................................. 7

    2.2. USO DOS RECURSOS HDRICOS ................................................... 9

    2.3. DISTRIBUIO DOS RECURSOS HDRICOS ............................. 12

    3. REAS URBANAS E RURAIS ............................................................... 15

    4. SANEAMENTO......................................................................................... 19

    4.1. SANEAMENTO BSICO................................................................. 19

    4.2. SANEAMENTO AMBIENTAL........................................................ 26

    4.3. RELAO ENTRE SANEAMENTO E RECURSOS HDRICOS.. 27

    5. TCNICAS DE SANEAMENTO ............................................................ 29

    5.1. FOSSA SPTICA E SUMIDOURO ................................................. 30

    5.2. SISTEMA WETLAND ....................................................................... 33

    5.3. APROVEITAMENTO DE GUA DA CHUVA.............................. 35

    5.4. COMPOSTAGEM............................................................................. 39

    6. CONCEITOS BSICOS DA HIDROLOGIA ........................................ 43

    6.1. DEFINIO ...................................................................................... 43

    6.2. BACIAS HIDROGRFICAS............................................................ 44

    6.3. PRINCPIOS HIDROLGICOS DOS RECURSOS HDRICOS..... 46

    7. PRESERVAO DE MANANCIAIS..................................................... 55

    7.1. CONCEITO ....................................................................................... 55

  • vi

    7.2. ZONA RIPRIA................................................................................ 57

    7.2.1. Termologia ............................................................................. 57

    7.2.2. Tamanho da zona ripria....................................................... 68

    7.2.3. Processos geobiohidrolgicos na da zona ripria................. 73

    7.2.4. Cdigo Florestal e sua aplicao .......................................... 88

    7.3. FLORESTA X GUA....................................................................... 95

    8. GERENCIAMENTO DE RECURSOS HDRICOS ............................ 107

    8.1. APLICAO DA HIDROLOGIA NO GERENCIAMENTO........ 107

    8.2. BACIA-ESCOLA ............................................................................ 110

    8.3. REDE DE BACIAS-ESCOLA: ESTUDO DE CASO..................... 113

    9. ASPECTOS FILOSFICOS.................................................................. 129

    9.1. SMALL IS BEAUTIFUL E SEUS ORIUNDOS ASPECTOS....... 129

    9.2. APLICAO................................................................................... 133

    9.3. REA RURAL ................................................................................ 137

    10. CONCLUSES...................................................................................... 139

    REFERNCIAS........................................................................................... 141

    POSFCIO .................................................................................................. 157

  • vii

    APRESENTAO

    gua. Dois tomos de hidrognio e um de oxignio. Parece to

    simples para algo que vital. Mistrio e paradoxo da simplicidade e

    complexidade da vida. Parece to simples colet-la e utiliz-la. Talvez por isso

    nem todos ainda se preocupem com ela. Aos incautos, o descuido com a gua

    poder comprometer nossa existncia.

    Ao ler o livro Recursos Hdricos e Saneamento percebe-se como a

    gua importante e ao mesmo tempo como muitos de ns a desprezamos ao

    utiliz-la com desperdcio e ao polu-la e contamin-la.

    Como colocam os autores, a gua bela. Belo tambm este livro que

    percorre com destreza os assuntos relacionados gua. De leitura fcil,

    apresenta ao leitor conceitos e aplicaes. Perpassa por temas espinhosos para

    alguns e belos para outros de forma suave, didtica e elegante.

    Ensina como usar a gua, como no polu-la ou contamin-la e se

    poluda ou contaminada como trat-la. Inter-relaciona recursos hdricos e

    saneamento e demonstra que no so entidades excludentes como

    normalmente so consideradas.

    Examina a presso sobre os recursos hdricos decorrente da maior

    demanda em regies com escassez ou que caminham para a escassez em

    decorrncia o aumento da populao.

    Apresenta tcnicas de saneamento para tratamento de esgoto, introduz

    os conceitos de hidrologia, de alterao do ciclo hidrolgico pelo avano de

    reas urbanizadas sobre o ambiente terrestre, ressalta a indissociabilidade entre

    qualidade da gua e uso da terra e ensina como implementar medidas

  • viii

    preventivas para a manuteno da qualidade e da quantidade de gua nos

    mananciais destacando o servio ambiental das florestas.

    D-nos lio de filosofia, algo raro na engenharia. Aos que esto com

    esse livro em mos, boa leitura, aproveitem o conhecimento nele contido e,

    mais importante, exaltem-se em aplic-los.

    Dr. Luiz Antonio Daniel

    Professor da Escola de Engenharia de So Carlos

    Universidade de So Paulo

  • ix

    PREFCIO

    Todos os autores do presente livro pertencem ao Grupo de Estudo de

    Bacias Hidrogrficas que est no Laboratrio de Hidrologia (LabHidro:

    www.labhidro.ufsc.br) de Departamento de Engenharia Sanitria e Ambiental

    (ENS) da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Pelo fato de

    viverem no mundo da engenharia sanitria, diretamente e indiretamente tm

    pensado no saneamento cotidianamente.

    Sem saneamento, ns, seres humanos, no podemos ter boa qualidade

    da vida, conseqentemente no podemos viver com felicidade. Embora o

    saneamento tenha sido discutido extensa e intensamente hoje em dia no Brasil,

    seu avano ainda no observado. Por isso, os autores do presente livro

    tentaram elabor-lo de maneira bem didtica para explicar o que deve ser feito

    para melhoria do saneamento.

    Nos dias 14 e 15 de agosto de 2008, os dois primeiros autores do livro

    participaram do evento Seminrio Municipal de Saneamento no municpio

    de Rio Negrinho/SC, organizado pelo Ncleo de Meio Ambiente da

    Associao de Comrcio e Indstria de Rio Negrinho (ACIRNE). Para esta

    participao, dois artigos Recursos Hdricos e Saneamento e Saneamento

    Rural (Kobiyama & Mota, 2008; Kobiyama et al., 2008) foram elaborados, e

    tambm seus respectivos materiais para apresentaes orais.

    O presente livro foi produzido com base nesses dois artigos. Portanto,

    o agradecimento especial cabe advogada Camila Gessner, organizadora

    principal do seminrio acima mencionado. Sem o convite para participao

    com palestras no seminrio, o presente livro no existiria hoje.

  • x

    Na elaborao do livro, alguns tpicos foram adicionados, sendo

    alguns bastante avanados. Portanto podem servir para pesquisadores e alunos

    de ps-graduao. E outros para alunos de graduao e tambm tcnicos que

    trabalham com saneamento e/ou gerenciamento de recursos hdricos. Apesar

    disso, a princpio, o presente livro serve para todas as pessoas que esto

    preocupadas e interessadas com o saneamento e recursos hdricos.

    Os autores agradecem aos membros do LabHidro/UFSC. Sem o apoio

    cotidiano deles o presente trabalho no existiria. Tambm agradecem

    Battistella Florestas e Companhia Volta Grande de Papel pelo apoio

    realizao dos estudos hidrossedimentolgicos na regio de Rio Negrinho. O

    presente livro faz parte dos projetos Monitoramento e modelagem

    Hidrossedimentolgica da Bacia Hidrogrfica do Alto Rio Negro Regio Sul

    Brasileira financiado pelo MCT/FINEP CT-Hidro Bacias Representativas

    04/2005 e Estudo tcnico-participativo de viabilidade para o abastecimento

    de gua no municpio de Rio Negrinho/SC financiado pelo MCT/CNPq/CT-

    Hidro/CT-Agronegcio 05/2006. Alm disso, agradecem ao amigo Dr. Luiz

    Antonio Daniel, professor de saneamento do Departamento de Hidrulica e

    Saneamento da Universidade de So Paulo pela contribuio com a bela

    apresentao para o livro.

    Os autores ficaro bastante gratificados e satisfeitos se a motivao

    dos leitores for despertada com o presente livro. Para incentivar a leitura o

    acesso a este material livre. Ento os autores disponibilizam o presente livro

    no site do LabHidro (citado inicialmente). E tambm pretendem estudar ainda

    mais este assunto. Portanto, as crticas sobre o livro sero bem-vindas. Caso

    tenham opinies sobre isso, pedimos aos leitores que faam contato com os

    autores.

  • xi

    Enfim, informam que este ano de 2008 especial para o Curso de

    graduao em Engenharia Sanitria e Ambiental da UFSC por duas razes. O

    primeiro motivo que o curso faz aniversrio de 30 anos. O segundo que

    2008 foi declarado o Ano Internacional do Saneamento pela Organizao das

    Naes Unidas. Nesse ano comemorativo, os autores conseguiram publicar um

    livro relacionado ao saneamento. Isto d alegria especial aos autores. Ento,

    dedicam o presente livro a todos que passaram, e esto passando pelo curso.

    Os autores

    REFERNCIAS

    Kobiyama, M.; Mota, A.A. Recursos hdricos e saneamento. In: Seminrio Saneamento Ambiental (2008: Rio Negrinho), Rio Negrinho: ACIRNE, Anais, 2008. 33p. CD-rom. Kobiyama, M.; Mota, A.A.; Corceuil, C.W. Saneamento rural. In: Seminrio Saneamento Ambiental (2008: Rio Negrinho), Rio Negrinho: ACIRNE, Anais, 2008. 24p. CD-rom.

  • xii

    ABREVIAES

    ABAL: Associao Brasileira do Alumnio ANA: Agncia Nacional de gua APP: rea de preservao permanente CNPq: Conselho Nacional de Desenvolvimento Cientfico e Tecnolgico CONAMA: Conselho Nacional do Meio Ambiente DBO: Demanda Bioqumica de Oxignio DQO: Demanda Qumica de Oxignio FINEP: Financiadora de Estudos e Projetos IBGE: Instituto Nacional de Geografia e Estatstica NBR: Norma Brasileira OMS: Organizao Mundial de Sade (World Health Organization WHO) PESR/SC: Programa Estadual de Saneamento Rural de Santa Catarina PNSR: Projeto Nacional de Saneamento Rural PNMH: Programa Nacional de Microbacias Hidrogrficas PRONAF: Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar PRORURAL: Programa Nacional de Saneamento Rural SAMAE: Servio Autnomo Municipal de gua e Esgoto SC: Estado de Santa Catarina

  • xiii

    SNIS: Sistema Nacional de Informaes sobre Saneamento SS: sedimento em suspenso UNESCO: United Nation Educational, Scientific and Cultutal Organization

  • xiv

  • 1

    1. INTRODUO

    "A histria do mundo , essencialmente, histria de

    idias."

    H. G. Wells

    "Se queremos progredir, no devemos repetir a histria,

    mas fazer uma histria nova."

    Mahatma Gandhi

    Segundo OMS (1946), a sade definida como um estado de

    completo bem-estar fsico, mental e social, e no apenas a ausncia de doena.

    Pela definio, fica bem claro que sem sade cada indivduo no consegue

    alcanar a felicidade, e conseqentemente uma boa qualidade da vida. Um dos

    fatores que influenciam na garantia da sade o saneamento. Embora existam

    vrios conceitos e definies para o saneamento, o presente trabalho o define

    como o conjunto de medidas que promovem nveis crescentes de salubridade e

    suas condies resultantes. Alm disso, a idia de sade como direito de cada

    cidado surgiu nos anos 80 (Borja & Moraes, 2005). Portanto, cada indivduo

    possui direito de ter condies de saneamento adequadas no seu ambiente.

    A gua uma das substncias mais importantes do Planeta Terra, pois,

    dela depende a maioria dos processos fsicos, qumicos e biolgicos nos

    ecossistemas. Para o homem a gua sempre foi determinante no ritmo de sua

    evoluo. Ao longo da histria da humanidade as primeiras grandes

  • 2

    civilizaes se desenvolveram s margens de rios (Tigre e Eufrates na

    Mesopotmia, Nilo no Egito, Indus na ndia, e Amarelo na China) de onde

    garantiam o abastecimento de gua e, conseqentemente, seu desenvolvimento

    social e econmico.

    A presena de vrias obras nessas regies evidencia que o ser humano

    tinha algum conhecimento sobre gua. Segundo Biswas (1970), a evidncia

    mais antiga das obras hidrulicas foi um canal para irrigao construdo no

    Egito na poca do rei Escorpio (aproximadamente 3200 a.C.) Desde ento, o

    ser humano vem tentando controlar os recursos hdricos.

    O advogado francs Pierre Perrault (1608-1680) realizou medies

    pluviomtricas e fluviomtricas no rio Sena, e concluiu que a vazo do rio

    Sena no resultou da gua subterrnea oriunda do mar, mas sim da gua da

    chuva. Assim, ele publicou o livro De lorigine des fontaines (A origem das

    fontes) em 1674 (Biswas, 1970). Esse trabalho considerado como o primeiro

    da hidrologia quantitativa. A UNESCO considera que o ano 1674 o ano do

    nascimento da hidrologia. Ento, a partir desse ano a hidrologia vem sendo

    cada vez mais conhecida e estudada pela sociedade.

    A histria da humanidade mostra que o avano da hidrologia resulta

    do avano das obras relacionadas aos recursos hdricos. Tambm, o avano das

    obras resulta do avano da hidrologia. Assim, a cincia e a tecnologia

    relacionadas aos recursos hdricos vm interagindo entre si e se desenvolvendo.

    Entretanto, hoje existem srios problemas relacionados aos recursos

    hdricos e conseqentemente ao saneamento. Porque existem tantos

    problemas? Porque existe uma enorme preocupao sobre os recursos hdricos

    e o saneamento? Para responder parcialmente a essas questes, o presente livro

  • 3

    apresenta conceitos bsicos e tcnicas de saneamento e de recursos hdricos, e

    algumas atividades que tm sido realizadas na regio do municpio de Rio

    Negrinho/SC e umas idias filosficas sobre esses aspectos.

    A Figura 1.1 apresenta o esquema estrutural do livro. Como observado

    nesta figura, a filosofia que engloba todos os assuntos tratados pelo livro.

    Mesmo que as cincias e tecnologias sejam excelentes, se a filosofia adotada

    no for correta, no ser possvel obter o desenvolvimento sustentvel.

    Portanto, deseja-se que os leitores analisem o captulo 9 do livro com maior

    ateno.

    Figura 1.1 Estrutura do livro. (Nota-se que os nmeros na figura indicam os respectivos captulos do livro)

  • 4

    Mesmo que o livro tenha nascido por conta do intuito de debater sobre

    saneamento, os recursos hdricos so o enfoque principal do livro. Por isso,

    esses preciosos recursos naturais so tratados no Captulo 2. Neste captulo,

    esto descritas algumas caractersticas da gua.

    Os espaos onde a sociedade atua podem ser classificados de diversas

    maneiras. Uma das maneiras mais comuns pode ser que os espaos so

    classificados em dois tipos de reas: rea urbana e rural. O Captulo 3 descreve

    a diferena entre as duas reas, e introduz um novo conceito, o da ruralizao.

    Tanto para rea urbana quanto para rural, a importncia da ruralizao

    discutida.

    Os conceitos e as tcnicas so tratados nos Captulos 4 e 5,

    respectivamente. A relao entre o saneamento e os recursos hdricos

    discutida e as tcnicas adequadas no saneamento so tambm recomendadas

    no contexto de gerenciamento de recursos hdricos.

    O Captulo 6 apresenta os conceitos bsicos da hidrologia que base

    principal para gerenciamento de recursos hdricos. As trs principais

    caractersticas dos recursos hdricos em relao hidrologia so analisadas.

    A condio favorvel ao desenvolvimento sustentvel depende da

    obteno de mananciais preservados. Ento, o Captulo 7 define o manancial e

    tambm discute os conceitos relacionados zona ripria (mata ciliar). Por fim,

    a relao entre os recursos florestais e hdricos (assunto principal para a

    hidrologia florestal) apresentada.

    Aps entender a hidrologia, se torna mais fcil gerenciar os recursos

    hdricos (Captulo 8). Introduzindo a rede de bacias-escola, esse captulo

  • 5

    apresenta atividades desenvolvidas na regio adjacente ao municpio de Rio

    Negrinho/SC, isto , Bacia do Alto Rio Negro.

    Finalmente, os aspectos filosficos, que representam a contedo mais

    relevante do livro, so discutidos no Captulo 9. Sendo o principal, o conceito

    de Small is beautiful de Schumacher (1983), Simple is beautiful, Slow is

    beautiful e Science is beautiful tambm so discutidos com relao aos

    aspectos hidrolgicos.

    Cada captulo praticamente independente dos outros. Portanto, os

    leitores podem realizar a leitura em ordem aleatria, iniciando-a em qualquer

    captulo. Entretanto, para compreender a inteno dos autores, recomenda-se

    que leiam o livro do inicio ao fim.

  • 6

  • 7

    2. RECURSOS HDRICOS

    ... a gua para o mundo, o mesmo que o sangue para o

    nosso corpo e, sem dvida, mais: ela circula segundo regras

    fixas, tanto no interior quanto no exterior da Terra, ela cai

    em chuva e neve, ela surge do solo, corre em rios, e depois

    retornam aos vastos reservatrios que so os oceanos e

    mares que nos cercam por todos os lados ...

    Leonardo Da Vinci

    2.1. GUA

    A gua extremamente linda, saborosa, importante e interessante.

    indiscutvel e inexplicvel a beleza de gotas de gua cristalina e das cascatas

    de elevada vazo. A gua simplesmente linda! E quando linda, normalmente

    saborosa tambm.

    Alm disso, a gua muito interessante. O tpico exemplo interessante

    da gua a variao da sua densidade com a temperatura (Figura 2.1).

    Normalmente, uma substncia qualquer reduz sua densidade com o aumento

    da temperatura. A gua tambm se comporta quando a temperatura est maior

    do que 4oC. A parte interessante da gua na fase lquida ocorre na faixa de 0oC

    at 4oC. Nesta faixa, ela aumenta sua densidade com o aumento da temperatura.

    um intervalo de apenas 4oC. Entretanto, com esse comportamento, na regio

  • 8

    fria a temperatura da gua no fundo de lagos est de 4oC. E a formao de

    gelos ocorre na superfcie da gua nos lagos, no no fundo.

    Figura 2.1 Variao da densidade da gua nas fases slida e lquida.

    Este fenmeno extremamente importante no ecossistema aqutico

    frio. Se acontecesse a formao de gelo no fundo do lago, seria muito difcil

    manter as atividades biolgicas desse ecossistema.

    Embora uma substncia normalmente aumente sua densidade na

    transformao da fase lquida para a slida, a densidade da gua bem maior

    do que a do gelo. Por isso, pode-se ver o gelo flutuando na gua no copo e a

    geleira no oceano. Aqui, apresentou-se apenas a densidade da gua. Mas ela

    possui outras caractersticas fsico-qumicas tambm muito interessantes.

    SLIDO

    LQUIDO

  • 9

    Embora bem reconhecido, a gua muito importante tambm. dito

    que 70% do corpo humano constitui-se de gua, e que o ser humano pode

    morrer se no beber gua por 4 dias. Assim, a gua to importante e

    conseqentemente chamada recursos hdricos.

    2.2. USO DOS RECURSOS HDRICOS

    Os recursos hdricos so compreendidos como fontes de valor

    econmico essencial para a sobrevivncia e desenvolvimento dos seres vivos.

    Eles so abundantes na natureza e, por isso, durante muitos anos se pensou que

    a falta de gua potvel era impossvel. Isso causou certa despreocupao com a

    preservao desse recurso e as sociedades modernas continuaram a se

    desenvolver formando grandes centros urbanos a qualquer custo, deixando de

    lado a preocupao com a possvel contaminao do meio ambiente.

    O problema que as guas de superfcies e subterrneas, utilizadas

    para o abastecimento humano, esto mal distribudas e, atualmente, a sua

    escassez em vrios locais tem chamado a ateno dos governantes em todo o

    mundo, pois, a falta dgua j atinge milhes de pessoas, o que desacelera e

    limita o desenvolvimento social e econmico dos pases. Isso acontece,

    principalmente, pelo aumento crescente da populao mundial que

    conseqentemente ocasiona uma excessiva extrao dos recursos hdricos, sem

    permitir que as devidas reposies naturais tenham tempo para acontecer.

    Tambm preocupante a elevada contaminao dos corpos hdricos, que

    recebem altas cargas de esgotos urbanos, efluentes industriais, resduos slidos

  • 10

    e agrotxicos que somados s baixas vazes, diminuem a capacidade de

    recuperao e impedem o estabelecimento do equilbrio natural.

    Os aqferos, apesar de estarem mais protegidos, quando

    contaminados, apresentam autodepurao muito lenta e o seu equilbrio fica

    ainda mais difcil de ser alcanado. Atualmente as guas subterrneas so

    muito utilizadas para abastecimento pblico, j que possuem tima qualidade e

    valor acessvel e, alm disso, so essenciais na manuteno de mangues e do

    nvel de gua dos rios, pois atuam como escoamentos de base.

    Em geral, so dados trs usos dos recursos hdricos (Tabela 2.1).

    Tabela 2.1 Usos dos recursos hdricos. Uso Municipal Industrial Agrcola Total Descrio Casa

    Escola Hospital Restaurante

    Fbrica Lavagem Resfriamento

    Irrigao Animal

    Brasil* 26% 18% 56% 100% Mundo** 8% 23% 69% 100%

    *: ANA (2007); **: UNESCO (2008)

    Atualmente os diversos e numerosos usos da gua esto contribuindo

    para sua escassez e contaminao. Entre eles pode-se citar: o abastecimento

    pblico, as prticas agrcolas, a gerao de energia eltrica e as atividades de

    lazer.

    O abastecimento de gua um dos usos que mais consomem os

    recursos hdricos, principalmente onde ocorre o processo de expanso urbana.

    Com o crescimento dos centros urbanos as redes de distribuio de gua se

  • 11

    estendem e o consumo aumenta, tanto pela populao, como pelo comrcio e

    as indstrias locais que necessitam aumentar suas produes para atender as

    crescentes necessidades da comunidade.

    As prticas agrcolas tambm so grandes consumidoras de gua,

    principalmente para as atividades de irrigao. Acredita-se que as mudanas

    climticas esto provocando muitas alteraes nos regimes de chuvas que,

    muitas vezes, no coincidem com os perodos de crescimento das culturas.

    Com isso, os prejuzos na produo agrcola so freqentes, gerando grandes

    variaes nos preos dos produtos e conseqentemente enormes disputas

    econmicas. A produo de monoculturas, como soja e trigo, por exemplo, s

    tem rentabilidade significativa quando plantadas em grande escala e isso s

    possvel atravs de investimentos na irrigao. Essa prtica, quando feita de

    maneira incorreta provoca a poluio dos rios e riachos que drenam e

    abastecem as lavouras, pois recebem as guas de lavagem das culturas que

    sofreram tratamento com agrotxicos e fertilizantes.

    A gerao de energia eltrica um grande desafio para a humanidade.

    Muitos rios, quando sofrem represamento, adquirem grandes vazes de forma

    a moverem com mais eficincia dispositivos geradores de energia eltrica.

    Com o crescimento populacional e o avano da tecnologia, a dependncia

    desse recurso muito grande e as usinas hidroeltricas so as alternativas que

    mais suprem essa necessidade. Conseqentemente a construo de uma usina

    hidroeltrica exige uma destruio significativa do meio ambiente, causando

    um grande desequilbrio ambiental, sendo os recursos hdricos os mais

    prejudicados, pois sofrem mudanas nos seus ecossistemas transformando rios

    em lagos, comprometendo a qualidade de suas guas.

  • 12

    A natureza sempre foi inspiradora da qualidade de vida dos homens e

    os recursos hdricos fazem parte disso sendo nos dias de hoje ainda mais

    procurados. As atividades de lazer como banhos de cachoeiras, esportes

    aquticos, pesca, etc., so freqentes nos momentos livres das pessoas, que

    buscam atravs disso fugir das constantes rotinas urbanas. Para que no se

    perca a possibilidade de realizao dessas atividades, principalmente para as

    futuras geraes, fundamental a preservao da qualidade das guas.

    Portanto, preservar os recursos hdricos, com usos e gerenciamentos

    inteligentes, no deve ser apenas uma necessidade do ser humano e sim uma

    forma de manter o equilbrio de todo o meio ambiente e de sua prpria vida.

    2.3. DISTRIBUIO DOS RECURSOS HDRICOS

    Observando o planeta Terra, pensa-se que h muita gua. Mas, toda a

    gua no mundo pode ser aproveitada? A resposta NO. Pois, a quantidade

    de gua contaminada est aumentando em todas as partes do mundo. A gua

    quando excessivamente contaminada no pode mais ser aproveitada, ento,

    no pode ser mais considerado como recurso hdrico. Portanto, pode-se dizer

    que no mundo existe uma quantidade abundantemente de gua, mas poucos

    recursos hdricos. Estes preciosos recursos faltaro no futuro, como

    conseqncia das atividades humanas que vm sendo realizadas de forma

    inadequada.

    Existem diversos estudos sobre a quantidade de vrios tipos de gua

    no mundo. E encontra-se uma pequena divergncia entre esses estudos.

    Entretanto, analisando esses dados, criou-se a Tabela 2.2. Estima-se que 97,5%

  • 13

    da gua do planeta compem os oceanos e mares. Sendo assim, apenas 2,5%

    da gua existente doce e encontra-se distribuda em diversos locais. Observa-

    se que a quantidade de gua doce disponvel pequena, se comparada

    quantidade total de gua do planeta. Alm disso, a maior parte encontra-se em

    formas no prontamente disponveis ao homem (geleiras).

    Tabela 2.2 - Quantidade de guas e seus tempos de circulao.

    Volume (103 km)

    Taxa (%)

    Quantidade transportada (103 km/ano)

    Tempo de circulao (ano)

    Oceano 1.349.929,0 97,50 418 3229 Glaciar 24.230,0 1,75 2,5 9692

    gua subterrnea 10.100,0 0,73 12 841 gua do solo 25,0 0,0018 76 0,3

    Lagos 219,0 0,016 38 5,7 Rios 1,2 0,00009 35 0,034 (= 13 dias)

    Fauna e flora 1,2 0,00009 - - Vapor na atmosfera 12,6 0,0009 483 0,026 (= 10 dias)

    Total 1.384.518,0 100

    O tempo de circulao aquele no qual o sistema consegue

    naturalmente substituir toda a poro de gua, e pode ser estimado pela razo

    entre o volume total e a quantidade transportada. Esse tempo para os rios no

    mundo aproximadamente 13 dias. Obviamente, este valor mdio, e

    depende do tamanho (comprimento) de cada rio. Mas de qualquer maneira, o

    tempo de circulao para os rios bastante curto. Isto significa que os rios

    alcanam uma limpeza natural rapidamente. Por outro lado, o tempo de

    circulao para a gua subterrnea 841 anos, e bem maior do que a

    expectativa mdia de vida do ser humano. Ento, pode-se dizer que, uma vez

    poluda a gua subterrnea, algumas geraes da comunidade humana no

  • 14

    conseguem despolu-la. Por isso, a maior ateno deve ser colocada na

    preservao das guas subterrneas.

  • 15

    3. REAS URBANAS E RURAIS

    "Qualquer pessoa pode ser boa no campo."

    Oscar Wilde

    "No fique to ocupado ou viva to apressadamente que

    voc no possa ouvir a msica do campo ou a sinfonia que

    glorifica a floresta."

    Dale Carnegie

    A agricultura a arte de saber esperar.

    Riccardo Bacchelli

    H vrios critrios para classificar o ambiente ou o espao, um deles

    separar as reas em urbanas e rurais. Segundo Instituto de Economia (2007)

    que realizou o Projeto Rurbano, as reas urbanas so definidas como aquelas

    efetivamente urbanizadas dentro dos limites do permetro urbano dos

    municpios. Essas compreendem as reas com construes, arruamentos e

    intensa ocupao urbana; as reas afetadas por transformaes decorrentes do

    desenvolvimento urbano, tais como, reas de lazer, aterros, entre outros; as

    reas reservadas expanso urbana e adjacente s reas anteriores. As reas

    que no satisfazem essas condies so classificadas como rurais.

    Este tipo de classificao muitas vezes til, pois as atividades

    humanas dependem das caractersticas da rea. Isto , as caractersticas

    ambientais so diferentes entre reas urbanas e rurais, sendo assim, cada rea

  • 16

    necessita de aes humanas especficas adequadas e diferenciadas. Por

    exemplo, embora sua finalidade principal seja a mesma, as tcnicas detalhadas

    de drenagem urbana e rural so diferentes.

    A populao tambm pode ser classificada como urbana e rural. Com

    essa viso, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatstica (IBGE) vem

    realizando a pesquisa demogrfica no Brasil desde 1940. Uma anlise simples

    dos dados obtidos e disponibilizados pelo IBGE mostra a evoluo da

    populao no Brasil em termos de reas urbana e rural (Figura 3.1). Essa

    figura mostra que a populao urbana ultrapassou a rural na dcada de 60 no

    Brasil, sendo hoje aquela populao cinco vezes maior do que esta.

    Figura 3.1- Evoluo da populao no Brasil.

    A ao humana predominante no sistema urbano, provocando

    mudanas intensas e rpidas (Mota, 1999). Muitas vezes, a urbanizao destri

    parcialmente ou totalmente ecossistemas importantes, causando impactos

  • 17

    negativos sobre a flora e fauna, bem como, prejuzos s atividades humanas

    com danos scio-econmicos. Assim, o sistema urbano tem caractersticas

    diferentes dos ecossistemas naturais.

    Kobiyama (2000) definiu a urbanizao como o conjunto de trs

    aes: (1) retirada da vegetao e do solo, (2) revestimento do terreno com

    concreto e asfalto, e (3) rejeio de gua (escoar a gua da chuva o mais rpido

    possvel). Na hidrologia, o grau de urbanizao avaliado atravs da taxa de

    reas impermeabilizadas. Portanto, aparentemente a urbanizao em excesso e

    sem controle apresenta efeitos hidrologicamente negativos. Assim, as reas

    urbanas vm freqentemente sofrendo inundaes. Procurando um maior

    conforto, a populao passou a viver em um meio totalmente inorgnico, de

    concreto, no qual os rios se tornaram o lugar de destino da gua pluvial (uma

    espcie de aterro sanitrio para gua). Dessa maneira, as cidades vm

    abandonando os preciosos recursos hdricos, crescendo economicamente e

    demograficamente sem planejamento. A atitude de rejeitar a gua da chuva

    agravou ainda mais o problema da falta e excesso da gua. Ironicamente,

    quanto mais avana a drenagem urbana na cidade, mais freqentemente

    ocorrem racionamentos e inundaes.

    Criticando a situao em que o avano da urbanizao aumenta os

    problemas ambientais, Kobiyama (2000) props a ruralizao no meio urbano,

    como processo contrrio urbanizao, e a definiu como a convivncia com as

    plantas, terra e gua da chuva ou, conjunto das aes de recuperao da

    vegetao, da terra e da gua com seus aproveitamentos e convivncia em

    harmonia. Essa ruralizao pode ser considerada como nova fase para o

    desenvolvimento urbano (Figura 3.2).

  • 18

    Figura 3.2 - Ruralizao para o desenvolvimento sustentvel.

    Nesse contexto, a rea rural pode ser considerada como exemplo de

    onde realmente valorizam a convivncia com plantas, terra e gua. Para ter o

    melhor saneamento, as sociedades rurais devem aproveitar ainda mais esses

    trs elementos. Alm disso, valorizar essa oportunidade de contato ntimo com

    a natureza. E as sociedades urbanas precisam buscar vegetao, terra e gua e

    traz-las s urbanas.

    Devido maioria populacional, nos dias de hoje a rea urbana recebe,

    geralmente, maior ateno dos governos Federal, Estadual e Municipal. Porm,

    no presente livro o enfoque para rea rural, pois se acredita que a soluo se

    encontra no ambiente rural. Justamente por isso, o presente livro valoriza e

    discute a descentralizao do saneamento.

  • 19

    4. SANEAMENTO

    "Quando agredida, a natureza no se defende. Apenas se

    vinga."

    Albert Einstein

    4.1. SANEAMENTO BSICO

    O saneamento bsico definido como o conjunto de servios e aes

    com o objetivo de alcanar nveis crescentes de salubridade ambiental, nas

    condies que maximizem a promoo e a melhoria das condies de vida nos

    meios urbano e rural, segundo projeto de lei federal 5.296/2005 que estabelece

    o marco regulatrio para o saneamento. Alm disso, especifica os quatro

    conjuntos de servios pblicos que o constituem: abastecimento de gua, o

    esgotamento sanitrio, o manejo de resduos slidos e o manejo de guas

    pluviais. Embora exista esta enumerao dos servios, no se deve restringir a

    busca pela segurana sanitria e o bem-estar ambiental da populao a apenas

    estas atividades.

    A complexidade do funcionamento e dos processos necessrios para

    manuteno da vida humana, segundo o modelo econmico capitalista,

    principalmente no permetro urbano, torna essencial a implantao, execuo,

    e manuteno de um sistema saneamento bsico eficaz (Figura 4.1). Essas

  • 20

    aes vm garantir a integridade e qualidade do meio ambiente para as

    geraes atuais e futuras.

    Precipitao

    Consumo de gua

    Consumo

    Resduos slidos

    Escoamento

    Esgoto

    Centro urbano

    Figura 4.1 - Modelo explicativo para demanda e produo de resduos.

    O abastecimento de gua consiste em produzir gua potvel a partir de

    uma fonte de gua bruta e distribu-la sem interrupes e com o mnimo

    possvel de falhas (Figura 4.2). A captao de gua bruta pode ser feita, tanto

    de um manancial superficial (cursos dgua, lagos e represas), quanto de um

    manancial de gua subterrnea.

  • 21

    Figura 4.2 - Sistema de abastecimento de gua, com captao em curso de gua. (1-Estao Elevatria)

    A necessidade de gua para atender as necessidades da populao

    surgiu a partir do desenvolvimento da agricultura que passou a demandar gua

    para a irrigao. Ainda existem, na Mesopotmia e no Egito, runas de canais

    de irrigao, considerados as primeiras obras para controlar o fluxo da gua

    (Tsutiya, 2006). Apesar de esse setor ser to antigo, ainda existem muitos

    desafios, como: atender a 100% da populao, pois, muitas pessoas no so

    atendidas por redes de abastecimento; melhorar a qualidade da gua

    distribuda, j que muitas vezes os padres de potabilidade no so alcanados,

    e ainda, diminuir as perdas, principalmente na rede de distribuio, onde, em

    alguns casos, perde-se at 60% da gua j tratada e potvel.

    A gua depois de consumida d origem ao que chamamos de esgoto,

    que pode ser classificado de trs formas: domstico, industrial e pluvial. Assim,

    o uso da gua nas residncias, seja para higiene pessoal, preparao de

    alimentos e limpeza em geral, d origem ao esgoto domstico. Nas indstrias,

    os processos produtivos acabam por gerar o esgoto industrial. E quando chove,

    a gua carreia poluentes atmosfricos, escorre por telhados, ruas e caladas

  • 22

    limpando a cidade, originando o que chamamos de esgoto pluvial, que possui

    alta carga poluente, sendo que muitas vezes, impossvel conter seu fluxo para

    trat-lo. Conseqentemente, esse fluxo acaba poluindo os corpos dgua

    (Figura 4.3).

    O esgotamento sanitrio compreende as aes de coleta, tratamento e

    disposio dos efluentes produzidos nos domiclios e em processos produtivos

    cabveis. O objetivo preservar o meio ambiente impedindo, que as guas

    poludas pelo homem durante os processos anteriormente citados, contaminem

    os corpos de gua. Na Figura 4.3 pode-se notar a importncia do esgotamento

    sanitrio que, assim como garante a integridade do manancial, tambm

    possibilita que este seja utilizado para abastecimento de gua.

    Figura 4.3 - Ciclo de uso da gua e gerao de esgoto.

  • 23

    A primeira evidncia de sistema de esgoto planejado e implantado que

    se tem notcia a Cloaca Mxima de Roma, construda no sculo VI a.C. Sua

    funo era essencial, pois controlava a malria atravs da drenagem superficial

    (Tsutiya & Sobrinho, 1999). Apesar de h muito tempo o homem j conhecer a

    importncia do esgotamento sanitrio, ainda hoje contamos com um sistema

    deficiente e majoritariamente inexistente (apenas 48,3% da populao urbana

    brasileira conta com coleta e tratamento de esgotos).

    So produzidas cerca de 160 toneladas de lixo por dia no Brasil, sendo

    que 20% da populao no tm seus resduos coletados. A coleta no permetro

    urbano tem uma abrangncia de pouco mais que 90%, considerando uma

    freqncia de duas a trs vezes por semana (SNIS, 2006).

    O manejo de resduos slidos configura os servios de coleta,

    tratamento e/ou disposio final dos resduos slidos. Esses servios so muito

    importantes, pois sem tratamento e disposio final adequada dos resduos,

    pode ocorrer a contaminao do solo e dos corpos hdricos, disseminao de

    doenas e poluio atmosfrica pelo gs metano.

    Hoje em dia, os resduos podem seguir diversos destinos, como: lixes,

    incinerao, aterros sanitrios, aterros controlados, centros de triagem de

    materiais reciclveis e compostveis. Nos lixes o resduo deixado a cu

    aberto sem nenhum controle, por isso, configura a maneira mais primitiva de

    disposio do lixo. No caso dos aterros controlados feito o recobrimento do

    lixo com terra. Com informaes do SNIS (2005) construiu-se a Tabela 4.1,

    em que observa-se o modo mais utilizado atualmente para disposio do lixo

    domiciliar: o aterro sanitrio. Nos aterros sanitrios o solo impermeabilizado

  • 24

    e o lixo compactado e depois recoberto com terra. Alm disso, existe

    tratamento dos efluentes gasosos e lquidos e o controle de animais.

    Tabela 4.1 - Disposio dos resduos slidos urbanos. Destino dos resduos slidos (%) Aterro sanitrio 39,4 Aterro controlado 32,4

    Lixes 28,2

    O problema que todo aterro, ou local para disposio de resduos

    possui uma capacidade limite de acomodao do lixo. Sendo assim, a

    necessidade de reduo da gerao de lixo evidente. Neste contexto, so

    importantes as atividades de triagem dos resduos slidos, pois com esta

    atividade feita a separao entre lixo seco, de acordo com sua composio, e

    lixo mido (orgnico) que em seguida pode ser tratado utilizando a

    compostagem. A reciclagem dos materiais secos contribui para a diminuio

    da: (i) quantidade de lixo enviada para os aterros sanitrios, (ii) extrao de

    recursos naturais, (iii) consumo de energia, entre outros. No Brasil, quase

    metade da massa recuperada de materiais reciclveis papel e em segundo

    lugar os plsticos (Figura 4.4). O provvel motivo para isso o valor

    econmico desses materiais e a quantidade de resduos produzidos. Segundo

    ABAL (2004) o Brasil o primeiro em reciclagem de alumnio (89% da

    produo em 2003), apesar disso a massa produzida menor que a de papel.

    Por essa razo, a massa de metais reciclada no maior que a dos outros

    materiais.

  • 25

    Figura 4.4 - Massa de materiais reciclveis recuperados.

    O manejo de guas pluviais consiste no conjunto de intervenes

    estruturais e no estruturais, com o objetivo de controlar o escoamento

    superficial nas cidades (Bernardes et al., 2006), evitando assim desastres

    naturais relacionados ao excesso de gua e doenas decorrentes de inundaes.

    No contexto de sade pblica, o manejo de guas pluviais uma

    atividade muito importante. notvel que as inundaes podem acarretar

    contaminaes, quando os poos e fossas spticas se rompem e transbordam

    espalhando os detritos que antes estavam alojados. Em conseqncia disso,

    ocorre por toda a regio a proliferao de moscas e roedores que so vetores

    de muitas doenas (Assar,1971).

    As aes que visam a efetivao de condies adequadas de

    saneamento dependem no somente do poder pblico, mas tambm da

  • 26

    comunidade. A coleta seletiva, por exemplo, tem resultados muito mais

    significativos quando a prpria populao separa seus resduos (Figura 4.5).

    Figura 4.5 - Importncia da participao da comunidade na adequao das condies de saneamento.

    4.2. SANEAMENTO AMBIENTAL

    A realidade em que se vive hoje requer uma maior integrao entre

    rea urbana e rural, para que se possa alcanar a to almejada sustentabilidade.

    Neste contexto, importante que fique claro o conceito de saneamento

    ambiental, um domnio muito mais amplo que o saneamento bsico. Para que

    simplificar e legalizar os servios pblicos que garantem a integridade

    sanitria do ambiente onde vive a populao, foi criado o conceito de

    saneamento bsico. Este conceito como definido anteriormente engloba os

    servios de abastecimento de gua, o esgotamento sanitrio, o manejo de

  • 27

    resduos slidos e de guas pluviais. Entretanto, essa simplificao no garante

    que se alcancem os nveis crescentes de salubridade ambiental, previstos pelo

    saneamento ambiental que consiste no s nos servios enumerados no

    saneamento bsico, mas tambm, no que diz respeito ao controle de doenas,

    garantindo sade pblica.

    Quando se trata do saneamento bsico, a filosofia se baseia no fato de

    que o ser humano o foco principal do sistema ou ecossistema. Normalmente

    pensa-se que somente as tecnologias podem melhorar o saneamento bsico.

    Mas, no sculo XX observou-se que o desenvolvimento do saneamento bem

    limitado utilizando somente as tecnologias. Isto fez com que, naturalmente,

    fosse dada mais ateno ao meio ambiente.

    A meta final de ambos os saneamentos, bsico e ambiental, a mesma.

    Porm, enquanto o saneamento bsico possui uma viso mais antropocntrica

    e conseqentemente tecnolgica, o saneamento ambiental procura a

    preservao do ambiente, papis dos organismos no tratamento de resduos,

    etc. Assim, o saneamento ambiental enfatiza o aproveitamento do meio

    ambiente para obter o bom saneamento. Nesse sentido, o saneamento

    ambiental possui alta potencialidade na contribuio para alcance do

    desenvolvimento sustentvel.

    4.3. RELAO ENTRE SANEAMENTO E RECURSOS

    HDRICOS

    A qualidade de vida da populao depende diretamente do saneamento.

    Este consiste quase que totalmente em aes relacionadas gua, como

  • 28

    abastecimento de gua, manejo de guas pluviais e tambm aquelas que

    garantem a integridade dos mananciais, como esgotamento sanitrio e manejo

    de resduos slidos. evidente que as aes de saneamento possuem relao

    com os recursos hdricos qualitativamente e/ou quantitativamente. Ento a

    obteno de boas condies de saneamento requer o gerenciamento adequado

    dos recursos hdricos que, por sua vez, engloba aes de saneamento bsico.

    Segundo Lanna (2004), as funes da engenharia de recursos hdricos

    so as adequaes espaciais, temporais, qualitativas e quantitativas dos

    padres de disponibilidade aos das necessidades hdricas. Sem essas

    adequaes, no possvel melhorar o saneamento.

  • 29

    5. TCNICAS DE SANEAMENTO

    "A natureza fez o homem feliz e bom, mas a sociedade

    deprava-o e torna-o miservel."

    Jean-Jacques Rousseau

    No perodo de 1986 a 1990, o Programa Nacional de Saneamento

    Rural (PRORURAL) foi elaborado pelo Instituto de Planejamento Econmico

    e Social atravs do Projeto Nacional de Saneamento Rural (PNSR). O

    programa foi lanado em 1990 e implementado em 1991 (Lacerda, 1995). O

    objetivo do programa "desenvolver uma ao sistemtica e vigorosa no

    campo de saneamento rural, objetivando a melhoria da qualidade de vida da

    populao rural carente de servios adequados de saneamento" (Ministrio da

    Sade & Ministrio da Ao Social, 1990). Para apoiar o saneamento rural,

    ainda existem diversos projetos e programas, por exemplo, Programa Nacional

    de Fortalecimento da Agricultura Familiar (PRONAF), Programa Nacional de

    Educao Sanitria em Defesa Agropecuria, Programa de Combate Pobreza

    Rural. No caso do estado de Santa Catarina, foi criado o Programa Estadual de

    Saneamento Rural de Santa Catarina (PESR/SC).

    Assim, vm sendo obtidos avanos significativos no contexto do

    saneamento rural. Aqui sero discutidas algumas tcnicas muito teis para

    tratamento e disposio de efluentes e resduos, bem como obteno de gua

  • 30

    no meio rural principalmente. Aps a descrio, ser apresentado o aspecto

    filosfico.

    5.1. FOSSA SPTICA E SUMIDOURO

    evidente que o despejo de esgoto sanitrio sem tratamento nos

    mananciais piora a qualidade da gua. Este fato j foi comprovado por muitos

    autores, um exemplo Valente et al. (1997), que concluram que o despejo do

    esgoto sanitrio proveniente da cidade de Botucatu torna invivel o uso da

    gua dos rios da regio para abastecimento. Sendo assim, importante tratar e

    dispor adequadamente o esgoto. Na rea rural, se torna mais complicada essa

    questo, devido ao afastamento em relao s estaes de tratamento de esgoto

    o que tornaria a rede coletora muito extensa. Neste contexto, uma soluo seria

    a descentralizao do tratamento do esgoto domstico, com a implantao de,

    por exemplo, fossas spticas e sumidouros, privadas de vrios tipos (de buraco,

    tubular, estanque, de fermentao, qumica).

    A fossa sptica uma caixa dimensionada para deter os esgotos

    domsticos por tempo pr-determinado suficiente para que ocorra

    sedimentao dos slidos, reteno de gorduras, reduo da carga orgnica e

    diminuio da quantidade de patgenos. Aps o processo de sedimentao, o

    efluente lquido (livre de slidos) disposto em poos absorventes, conhecidos

    como sumidouros. Nesta etapa, o efluente infiltra no solo, caracterizando um

    processo de filtrao bem lenta. No caso de solos com taxa de absoro muito

    baixa, no devem ser empregadas as valas de filtrao como escrito na NBR-

    7229/93. indiscutvel que a implantao de fossas spticas e sumidouros

  • 31

    trazem benefcios, como: evitar a contaminao das guas superficiais e

    subterrneas; eliminar a ocorrncia de efluentes correndo a cu aberto;

    diminuir a incidncia de doenas veiculadas pelo esgoto.

    O sumidouro deve ser localizado a uma distncia mnima de 20 metros

    de qualquer fonte de gua subterrnea de acordo com as prescries mnimas

    estabelecidas pela NB-41/81 (Figura 5.1). Esta norma rege a construo e

    instalao de fossas spticas e disposio dos efluentes finais. Para o

    dimensionamento deve-se seguir os procedimentos adequados de clculo.

    Alm disso, estabelece tambm que as paredes do sumidouro devem ser

    revestidas com tijolos furados e no fundo uma camada de cascalho, pedra brita

    ou coque de pelo menos 50 cm de espessura.

    Figura 5.1 - Esquema simplificado da posio do sumidouro de acordo com a NB 41/81.

    Existem alguns detalhes importantes dos procedimentos de

    manuteno e operao deste sistema, um deles a limpeza do tanque sptico,

  • 32

    que deve ser no mximo com intervalos de 5 anos. Antes da limpeza ela deve

    ser mantida aberta para evaso do gs produzido e danoso sade. O lodo

    retirado deve ser enterrado em local adequado e o adubo futuramente gerado,

    somente deve ser utilizado aps um ano (perodo de maturao segurana

    para a sade).

    Apesar de ser considerado um procedimento acessvel e simples de

    disposio e tratamento de esgoto domstico, para construo de fossa sptica

    e sumidouro (ou valas de infiltrao) deve ser feito um projeto, levando em

    considerao as NBRs relacionadas (Figuras 5.2 e 5.3). Estes clculos devem

    levar em considerao o nmero de pessoas que vivem na residncia a ser

    atendida, a distncia at a captao de gua e os detalhes construtivos. Com

    um planejamento adequado, este sistema tem todos os requisitos para ser

    muito eficiente na preservao dos mananciais.

    Figura 5.2 - Corte esquemtico de uma fossa sptica.

  • 33

    (a) (b)

    Figura 5.3 - Disposio final e/ou tratamento do efluente de fossa sptica. (a) Sumidouro; e (b) vala de infiltrao.

    5.2. SISTEMA WETLAND

    O termo wetland pode ser traduzido do ingls como banhado, ou

    literalmente terra mida. Na natureza so zonas de transio entre os

    ecossistemas terrestres e aquticos. sabido que, geralmente, essas reas

    (entre ambiente aqutico e terrestre) apresentam alta variabilidade nos

    processos constituintes, e conseqentemente possuem importante papel

    ecolgico. Segundo Kent (1994) existem dois fatores essenciais para

    caracterizao destas zonas, (i) superfcie coberta por gua (sempre ou

    intermitente) e (ii) desenvolvimento de vegetao de solo mido. Nas reas de

    wetland encontrada vegetao emergente. Alm disso, muitos autores j

    comprovaram a capacidade dessas zonas em melhorar a qualidade da gua,

    possuindo caracterstica de depurao da gua (Kent, 1994).

    A princpio, essas reas naturais foram utilizadas para depurao de

    esgotos, e posteriormente, serviram como inspirao para o ser humano que

  • 34

    passou a construir esses sistemas para tratamento de esgoto, chamados

    wetlands. Essas tcnicas apresentam eficincia comprovada de degradao da

    matria orgnica, precipitao do fosfato e remoo do nitrognio por

    nitrificao e denitrificao microbiana (Philippi & Sezerino, 2004). Alm

    disso, tambm ocorre sedimentao e filtrao de slidos suspensos,

    eliminao de metais e patgenos. Esses sistemas podem ser chamados

    tambm de filtros plantados com macrfitas. A execuo simples, se constri

    uma espcie de tanque diretamente no solo impermeabilizado com manta

    plstica ou revestido de alvenaria (dependendo da profundidade do lenol

    fretico), preenche-se com o material filtrante ou material de recheio (brita,

    areia, cascalho) para que servira como suporte para as macrfitas (vegetao

    prpria para essas zonas). A Figura 5.4 mostra um esquema de um tipo de

    sistema wetland.

    Figura 5.4 - Esquema representativo do corte longitudinal do sistema de wetland.

    A escolha do material de recheio parte importante na construo do

    sistema. Ele deve ser capaz de manter ao longo do tempo boas condies de

  • 35

    fluxo e se possvel tambm possuir caractersticas adsorventes. So vrias as

    plantas que podem ser utilizadas, mas existem caractersticas que devem ser

    consideradas, como: tolerncia a altas taxas de poluentes, produtividade,

    adaptao s condies climticas do local, entre outras. A rizosfera uma

    regio muito importante onde h o contato entre meio filtrante e as razes.

    Outra importante parte integrante do sistema a fauna associada, ou seja, os

    microorganismos que podem ser autotrficos e heterotrficos.

    Para comprovao da eficincia dos sistemas wetland foram

    monitoradas algumas unidades por Philippi & Sezerino (2004). As

    porcentagens de remoo so muito altas (entre 69 e 99%) para os parmetros

    de DQO, DBO, amnia, entre outros, apesar disso, muitas vezes, no se obtm

    concentraes aceitveis para o lanamento em corpos hdricos devido s altas

    concentraes no incio do tratamento. importante ressaltar que cada

    efluente ter um sistema com material de recheio, plantas e microorganismos

    adequados. Alm disso, a maior aplicao do sistema wetland para ps-

    tratamento, como por exemplo, do efluente de fossa sptica, no descartando a

    possibilidade de aplicao apenas daquele sistema.

    5.3. APROVEITAMENTO DE GUA DA CHUVA

    Porque ocorre falta e excesso de gua (racionamento e inundao) na

    mesma regio? Para responder a essa questo, um grupo de diversos

    profissionais japoneses (Group Raindrops, 2002) escreveu um livro como a

    concluso da Conferncia Internacional de Tquio sobre Aproveitamento de

    gua da Chuva organizada pelo mesmo. Quando falta gua, geralmente

  • 36

    constri-se barragens para represar rios a montante. Isso ocasiona a destruio

    de importantes reas florestais, agrcolas, arqueolgicas e residenciais.

    Portanto, os membros desse grupo propuseram a construo de milhares de

    mini-tanques (cisternas) em reas urbanas, em vez, de gigantes represas. Eles

    justificaram isso, pelo fato de que, em Tquio, a quantidade de gua que cai na

    forma de chuva, maior que aquela consumida pela populao.

    Kobiyama et al. (2005 e 2007b) apresentaram as vantagens e as

    desvantagens do aproveitamento da chuva em relao a trs aspectos:

    econmicos, sociais e ambientais (Tabela 5.1). Dentre as desvantagens

    apontadas, uma em especial tende a ser desconsiderada com o passar dos anos,

    o alto custo inicial para o investimento, dependendo da tecnologia

    empregada. Esse custo tende a diminuir com o aumento da produo de

    equipamentos especficos, como filtros e demais acessrios, pela concorrncia

    dos fabricantes e pelo surgimento de tecnologias mais simples. Ainda, o gasto

    com energia eltrica pode no ocorrer, se a topografia do terreno permitir e se

    o sistema for desenvolvido de modo a funcionar no todo ou em parte por

    gravidade.

  • 37

    Tabela 5.1 - Vantagens e Desvantagens do aproveitamento da gua da chuva. Aspecto Vantagens Desvantagens

    Econmico

    Reduo do gasto mensal com gua e esgoto. Aumento da renda familiar mensal, aps retorno do investimento inicial. Garantia da qualidade de vida pela certeza da no falta de gua e seus inconvenientes.

    Dependendo da tecnologia empregada, pode ter alto custo inicial. Pode aumentar o gasto com energia eltrica.

    Social Melhora da imagem perante a sociedade, rgos ambientais, etc.

    No

    Ambiental

    Preservao dos recursos hdricos, principalmente dos mananciais superficiais. Contribui na conteno de enxurradas que provocam alagamentos e enchentes.

    No

    Kobiyama et al. (2007b) realizaram a anlise custo-benefcio de vrios

    casos. Todos os casos mostraram que o sistema de aproveitamento de gua traz

    benefcios. A Tabela 5.2 apresenta o investimento, o tempo de retorno e o

    ganho anual relacionado com seu respectivo projeto.

  • 38

    Tabela 5.2 - Economia pelo aproveitamento da gua da chuva.

    Projeto (Local) Investimento Ganho anual Tempo de retorno

    Biblioteca Central (UFSC)

    US$ 41.750,00 US$ 15.000,00 2 anos e 8 meses

    Schulz (Joinville) R$ 180.353,02 R$ 100.000,00 2 anos

    Centro Tecnolgico (UFSC)

    R$ 35.931,05 R$ 332,70 9 anos

    (Modificao de Kobiyama et al., 2007b)

    Outra vantagem do sistema de aproveitamento de gua da chuva a

    grande contribuio para a educao ambiental (Kobiyama & Hansen, 1998).

    As pessoas percebem diretamente, todos os dias, fontes de gua e bem perto de

    onde residem. Quando observam a reduo do armazenamento da gua no

    sistema, comeam naturalmente economizar gua. Nas pessoas que convivem

    com o sistema despertado maior interesse em fenmenos hidrolgicos e,

    conseqentemente, elas comeam a respeitar os recursos hdricos ainda mais.

    Isto a verdadeira educao ambiental.

    Kobiyama et al. (1998b) enfatizaram a importncia da educao

    ambiental para preservao de mananciais. Segundo Lee (1993), uma das

    concluses da Dcada Internacional de Abastecimento de gua e Saneamento

    (1980-1990) que, apenas a tecnologia no suficiente e o fator humano

    (educao ambiental) indispensvel. Assim, o subproduto do aproveitamento

    de gua da chuva, ou seja, a realizao da educao ambiental pode ser a

    maior vantagem do mesmo.

  • 39

    No Brasil, existem ainda ensaios com relao a esse assunto, por

    exemplo, Dacach (1979) e Silva et al. (1984 e 1988). A forma com que se faz

    o aproveitamento de gua de chuva varia com o tipo de rea e clima. Assim,

    cada local deve realizar um ensaio prtico, objetivando obter dados bsicos

    para uma implementao adequada. Aqui nota-se que Kobiyama (2000)

    mencionou que a realizao do aproveitamento de gua uma das tpicas

    aes na ruralizao.

    5.4. COMPOSTAGEM

    A disposio dos resduos slidos configura um cenrio problemtico

    nos dias de hoje devido a vrios fatores, um dos principais a falta de espao

    fsico adequado para criao de aterros sanitrios. Segundo IBGE (2000),

    apenas 13,3% dos domiclios brasileiros da rea rural contam com servio de

    coleta de lixo. Alm disso, mesmo que fosse vivel transportar os resduos da

    rea rural at os aterros, obviamente o custo de se alocar e tratar os mesmos no

    prprio local de gerao muito menor. A compostagem uma tcnica que

    atende perfeitamente as necessidades da populao rural, onde a maior frao

    dos resduos orgnica.

    Existem vrias maneiras de separar os resduos, a mais simples entre

    lixo seco e mido (inorgnico e orgnico, respectivamente). O correto

    instruir a populao a separe dessa maneira, e atualmente, tambm existem os

    centros de triagem que realizam a separao fina dos resduos. Os materiais

    como plsticos, papis, metais, vidro, em geral, podem ser reciclados, e os

    ditos orgnicos podem ser usados na compostagem.

  • 40

    A compostagem uma tcnica simples que, atravs da decomposio

    natural dos resduos slidos orgnicos, produz o que chamamos de composto

    (Figura 5.5). Este composto pode ser utilizado como adubo, desde que, se

    tomem alguns cuidados com o lixo que utilizado.

    A execuo e a manuteno da compostagem so simples, porm deve

    ser constante e intermitente. Primeiramente deve-se optar por um local de fcil

    acesso, com solo de boa drenagem e protegido de ventos intensos e insolao.

    Neste local, deve ser feita uma camada de material vegetal seco com 15 a 20

    cm de profundidade. Esta camada garante a absoro do excesso de gua e a

    circulao de ar. Em seguida, deve-se regar a camada, sem encharcar. Na

    segunda camada j podem ser colocados os restos de alimentos e os resduos a

    serem decompostos.

    importante estar atento para cada detalhe da fase de execuo, por

    exemplo, a forma das pilhas deve atingir no mximo 1,5 m de altura e pode ter

    seo triangular ou trapezoidal. Em pocas chuvosas, indicado utilizar a

    forma triangular, e j em pocas secas, a trapezoidal, pois facilita a penetrao

    da gua reduzindo a necessidade de rega. A pilha deve ser coberta,

    protegendo-a da chuva e de ventos intensos, com exceo da base.

    A decomposio total do composto ocorre em, aproximadamente, 3 a

    4 meses. Neste perodo so feitos 2 a 3 revolvimentos. Esse procedimento

    importante para o controle da temperatura, sendo essencial para o bom

    funcionamento dessa tcnica e para a produo de um composto de qualidade.

    A utilizao deste composto traz muitas vantagens para agricultura,

    melhorando a produtividade das culturas.

  • 41

    Os microorganismos anaerbios e aerbios so os verdadeiros

    operrios da tcnica de compostagem. Entre eles esto os fungos, protozorios

    e insetos. Existem vrios mitos com relao a essa tcnica, dentre eles que as

    composteiras atraem roedores e produzem odores desagradveis, mas isso s

    acontece se a tcnica for aplicada de forma incorreta, sem tomar as devidas

    precaues.

    Figura 5.5 Fluxograma da entrada e sada de produtos na compostagem.

    Resduos orgnicos gua

    Gs Carbnico (CO2)

    Microorganismos

    Calor (energia)

    Composto estabilizado

    + Oxignio

    (O2)

    +

  • 42

  • 43

    6. CONCEITOS BSICOS DA HIDROLOGIA

    "A natureza tem para tudo o seu objetivo."

    Aristteles

    6.1. DEFINIO

    A hidrologia a cincia (logia) da gua (hidro). Segundo UNESCO

    (1964), Hydrology is the science which deals with the waters of the earth,

    their occurrence, circulation and distribution on the planet, their physical and

    chemical properties and their interactions with the physical and biological

    environment, including their responses to human activity. Hydrology is a field

    which covers the entire history of the cycle of water on the earth. Ento,

    internacionalmente a hidrologia definida como a cincia que lida com a gua

    da Terra, sua ocorrncia, circulao e distribuio no planeta, suas

    propriedades fsicas e qumicas e sua interao com o ambiente fsico e

    biolgico, incluindo suas respostas para a atividade humana. A hidrologia o

    campo que cobre a inteira histria do ciclo da gua na terra.

    A hidrologia trata dos processos fsicos relacionados gua que

    ocorrem no meio natural. O ser humano, por sua vez, cria tecnologias de modo

    a adequar sua ocupao no ambiente, por isso a quantificao da

    disponibilidade hdrica utilizada para o planejamento e o gerenciamento dos

    recursos hdricos. Aprimorando e possibilitando assim, atividades como,

  • 44

    abastecimento de gua, agricultura com a irrigao e a dessedentao de

    animais, aqicultura, navegao, gerao de energia eltrica, recreao e lazer

    e preservao da fauna e flora.

    6.2. BACIAS HIDROGRFICAS

    Hoje em dia, consenso que deve ser feito o manejo de (micro) bacias

    hidrogrficas. A bacia hidrogrfica uma rea geogrfica, que compreende

    todas as nascentes de um rio principal e de seus rios afluentes, juntamente com

    as reas ao redor desses rios. Em outras palavras, uma regio sobre a terra,

    na qual o escoamento superficial em qualquer ponto converge para um nico

    ponto fixo, chamado exutrio (Figura 6.1).

    Freqentemente o termo microbacia hidrogrfica empregado para

    designar uma bacia de pequena extenso (rea). Entretanto, o tamanho algo

    relativo, pois depende daquilo que se toma como referncia. Para realizar o

    Programa Nacional de Microbacias Hidrogrficas (PNMH), o Ministrio da

    Agricultura (1987), definiu a microbacia hidrogrfica como, uma rea

    fisiogrfica drenada por um curso de gua ou por um sistema de cursos de

    gua conectados e que convergem, direta ou indiretamente, para um leito ou

    para um espelho da gua, constituindo uma unidade ideal para o planejamento

    integrado do manejo dos recursos naturais no meio ambiente por ela definido.

    Nesta definio, no consta a diferena entre bacia e microbacia. Assim,

    bacias e microbacias apresentam caractersticas iguais, sendo que a nica

    diferena entre elas seu tamanho.

  • 45

    Figura 6.1 - Exemplo de bacia hidrogrfica.

  • 46

    O fluxo de matrias, como solo, gua, nutrientes e poluentes,

    coordenado dentro dos contornos da bacia, em uma dinmica estabelecida pelo

    comportamento da gua nesta unidade. Portanto, a bacia hidrogrfica a

    unidade ideal (tima) para o gerenciamento integrado dos recursos naturais,

    inclusive hdricos. Dessa maneira, as atividades rurais como a agricultura, o

    reflorestamento e a pecuria tambm devem ser tratadas em nvel de bacia

    hidrogrfica.

    Alm disso, atualmente, o manejo integrado de bacias vem sendo

    enfatizado. Na fase inicial da ao de utilizar as bacias, como objeto de estudo,

    ela era considerada como um sistema fsico. Por isso, o manejo de bacias era

    sinnimo de conservao ou manjo do solo. Mas, os estudos avanaram e foi

    notado que a bacia inclui, alm do solo e gua, a flora e a fauna. Hoje,

    considera-se a bacia hidrogrfica composta por corpos de gua de todos os

    tipos (arroios, rios, banhados, lagos, entre outros), solo, subsolo, rocha,

    atmosfera, fauna, flora, espao construdo e sociedade. Assim, se faz

    necessrio o conceito de Manejo Integrado de Bacias Hidrogrficas.

    6.3. PRINCPIOS HIDROLGICOS DOS RECURSOS

    HDRICOS

    Todo tipo de gua se movimenta em qualquer lugar no mundo. Nas

    trs fases em que pode ser encontrada (gasosa, lquida e slida), circula no

    mundo. A circulao que a gua realiza chamada de ciclo da gua ou ciclo

    hidrolgico, objeto principal da hidrologia (Figura 6.2). Os componentes desse

    ciclo denominam-se os processos hidrolgicos. Entre eles, a condensao,

  • 47

    precipitao, interceptao, infiltrao, deteno, percolao, escoamentos

    superficiais e subsuperficiais, escoamento subterrneo, escoamento fluvial e

    evapotranspirao (evaporao + transpirao) so os de maior relevncia. O

    objetivo da hidrologia quantificar os volumes de gua armazenados nos

    componentes terrestres e as quantidades transportadas de gua entre eles.

    Figura 6.2 - Ciclo hidrolgico (em bacia hidrogrfica)

    A gua est em constante movimento sob diferentes estados, formando

    um ciclo, e assim est em constante renovao, compondo rios, lagos, chuvas,

    nuvens, oceanos, neve, etc., ao mesmo tempo em que consumida pelos seres

    vivos. A gua um recurso natural renovvel, ao contrrio de recursos que vo

    se esgotando medida que so consumidos, como exemplo dos minerais e do

  • 48

    petrleo. Por isso, a primeira grande caracterstica hidrolgica dos recursos

    hdricos essa circulao totalmente natural.

    A gua da chuva que cai na vegetao e no solo atravessa acima e

    dentro dos mesmos e sofre reaes bioqumicas. Assim, a qualidade da gua se

    altera. evidente que a qualidade da gua subterrnea bem diferente daquela

    do rio. Isso porque a gua subterrnea passou muito tempo em contato com o

    solo e as rochas, e no processo de infiltrao foi sendo filtrada.

    Devido ao ciclo hidrolgico, ocorre a variabilidade (ou

    heterogeneidade) espacial dos recursos hdricos. A concentrao da gua no

    planeta Terra no de forma uniforme, ou seja, h regies, pases, que

    possuem mais gua do que outros, de acordo com o clima, vegetao e

    caractersticas prprias do local. O Brasil, por exemplo, um pas que possui

    bastante gua na forma de rios. Grande parte da extenso territorial do pas se

    caracteriza por ser de clima tropical, e por isso chove bem mais que em outros

    locais do mundo, como o Egito, onde tem pouca gua e chove menos.

    O tipo de vegetao existente em uma regio est intimamente ligado

    variabilidade espacial dos recursos hdricos do mesmo. No Brasil, ocorrem

    formaes como a Floresta Amaznica, Caatinga, Cerrado, Floresta Atlntica,

    entre outras. A distribuio da vegetao coincide com o clima da regio

    (Figura 6.3).

  • 49

    Figura 6.3 - Mapa do Brasil: (a) Vegetao; e (b) Clima

  • 50

    Essa variabilidade pode ser encontrada localmente. A Figura 6.4

    mostra, por meio de isoietas, a variao espacial da precipitao na regio do

    municpio de Rio Negrinho. Isoietas so linhas que unem locais com o mesmo

    valor de precipitao.

    Doutor Pedrinho

    Jos Boiteux

    Rio dos Cedros

    Corup

    So Bento do Sul

    Mafra

    Itaipolis

    Benedito Novo

    Rio Negrinho

    620000 630000 640000 650000 660000 670000

    7030000

    7040000

    7050000

    7060000

    7070000

    7080000

    7090000

    0m 10000m 20000m

    Localizao das Estaes Pluviomtricas Utilizadas

    Mapa de Isoeietas Diviso Poltica dos MunicpiosLegenda:

    IsoerosividadeMunicpio de Rio Negrinho

    e Vizinhana

    620000 630000 640000 650000 660000 670000

    7030000

    7040000

    7050000

    7060000

    7070000

    7080000

    7090000

    620000 630000 640000 650000 660000 670000

    7030000

    7040000

    7050000

    7060000

    7070000

    7080000

    7090000

    Figura 6.4 - Mapa com isoietas traadas para regio do municpio de Rio Negrinho-SC.

  • 51

    Atualmente, a transposio da bacia do rio So Francisco est gerando

    polmica nacional. Por conta da maneira como essa discusso est sendo

    exposta pela mdia, muitas pessoas acreditam que a transposio das bacias

    hidrogrficas no pode ser feita! Isto acaba criando uma generalidade, onde se

    acredita que a transposio de qualquer bacia tem que ser proibida!!!!

    Entretanto, essa proibio sem base cientfica, e acaba prejudicando a prpria

    sobrevivncia do homem. Como existe a variabilidade espacial dos recursos

    hdricos devido ao ciclo hidrolgico natural, muitas vezes imprescindvel que

    se faa uma transposio de bacias para, por exemplo, garantir o

    abastecimento de gua em uma regio.

    Aqui, deve-se deixar bem claro que, neste momento, os autores do

    presente livro no apiam a transposio do rio So Francisco, pois a bacia

    to grande que se torna muito difcil avaliar o impacto ambiental da

    transposio sem que se faa estudos mais aprofundados. Desta forma,

    enquanto no se sabe o impacto ambiental dessa transposio, a obra no deve

    ser executada.

    O ciclo hidrolgico gera tambm a variabilidade (ou heterogeneidade)

    temporal dos recursos hdricos. De acordo com a poca do ano a quantidade de

    gua tambm varia. Assim, tm meses que chove mais do que outros.

    Realizando-se uma simples anlise dos dados de precipitao e vazo

    do municpio de Rio Negro/PR, disponibilizados pela Agncia Nacional das

    guas (ANA), obtm-se os comportamentos mensal e anual da precipitao e

    da vazo na bacia do rio Negro (Figura 6.5.). Observa-se que nos meses de

    abril, julho e agosto ocorre pouca pluviosidade, j nos meses de janeiro a

    maro aumenta. H muita variao em anos subseqentes.

  • 52

    (a)

    (b)

    Figura 6.5 - Comportamento da precipitao e vazo para a regio de Rio Negro/PR. (a) Variao mensal; e (b) variao anual. (P1 e P2 so

    precipitaes obtidas nas estaes Rio Negro (Cdigo 02649006) e Rio Negro (Cdigo 02649021), respectivamente e Q vazo obtida da estao Rio Negro

    (Cdigo 65100000)).

  • 53

    Assim, pode-se dizer que os trs princpios hidrolgicos dos recursos

    hdricos so: (1) ciclo hidrolgico que ocorre naturalmente; (2) variabilidade

    espacial; e (3) variabilidade temporal. Esses princpios regem sua

    disponibilidade em cada regio e, assim, acabam por influenciar muito no

    gerenciamento de recursos hdricos.

  • 54

  • 55

    7. PRESERVAO DE MANANCIAIS

    "Para dar ordens natureza preciso

    saber obedec-la"

    Francis Bacon

    7.1. CONCEITO

    Devido ao fluxo contnuo dos cursos dgua, as influncias de

    qualquer atividade atingem sempre as partes jusantes. Baseados nessas

    influncias, Grant et al. (1984) criaram o conceito dos efeitos cumulativos

    ou efeitos jusantes. Na rea de ecologia fluvial, Vannote et al. (1980) j

    tinham falado sobre o conceito de contnuo fluvial. Isto implica que

    qualquer local manancial e todas as atividades em qualquer local tm seus

    reflexos, pelo menos, na parte jusante da bacia.

    A respeito destes efeitos no Japo, a relao entre o desmatamento e a

    produo pesqueira vem sendo seriamente discutida. Por exemplo, Matsunaga

    (1994) mostrou, atravs de monitoramento, que aumentos das reas de

    desmatamento e reflorestamento causaram reduo e aumento da produo

    pesqueira no mar, respectivamente. Ento, existe uma forte conexo entre as

    nascentes do rio, encostas e o mar. Isto indica que no se pode tratar um

    problema pontualmente dentro da bacia, mas sim considerando a bacia inteira.

  • 56

    Dentro de uma bacia, locais de rios nascentes so normalmente

    considerados como mananciais. Estes locais devem ser protegidos com

    florestas e quando a prtica agrcola for permitida, deve ser utilizada a tcnica

    de agricultura orgnica.

    Os mananciais so locais que disponham de gua em condies

    sanitrias adequadas, de maneira que possa suprir totalmente ou parcialmente a

    demanda e que seja permitida a retirada para uso. Na escolha de uma rea

    como manancial, deve-se considerar a quantidade e a qualidade da gua que

    ele dispe, assim como a viabilidade econmica para a sua utilizao. Podem

    existir vrias formas de mananciais, tais como: poos, fontes, audes, lagos,

    rios, etc.

    Hoje em dia, a maior parte da populao vive em zonas costeiras que

    so partes finais da bacia hidrogrfica. Assim, h grande possibilidade de que

    a gua seja usada e despejada na parte jusante e novamente utilizada pelos

    moradores costeiros, pois a gua chega at l, devido a seu ciclo dentro da

    bacia.

    Dessa maneira, pode-se dizer que qualquer lugar potencialmente

    manancial. Em reas de mananciais, onde permitido o uso agrcola das terras,

    deve ser dada preferncia ao cultivo orgnico. Ento, pode-se dizer que em

    qualquer lugar que seja praticada agricultura, deve ser executada a agricultura

    orgnica para no contaminar os recursos hdricos.

  • 57

    7.2. ZONA RIPRIA

    7.2.1. Termologia

    A faixa de vegetao ao longo dos rios , sem dvida, uma das partes

    mais importantes dos mananciais e deve ser protegida (ou recuperada) para a

    conservao do ambiente fluvial. Esta faixa de vegetao ou rea recebe

    denominaes de zona ripria, mata ciliar, floresta de galeria, entre outros, nas

    sociedades, ambas, comum e cientfica. Tomando como base a imprensa falada

    e escrita, assim como atividades de educao ambiental, pode-se dizer que o

    termo mata ciliar mais popular na sociedade brasileira.

    Procurando apenas termos utilizados para este assunto (tal vegetao e

    tal rea), nota-se que h diversidade dos termos. Esta diversidade implica, e

    resulta da complexidade deste assunto. Entretanto, para fazer cincia, deve-se

    que uniformizar alguns termos tcnicos.

    Em ingls, a floresta (vegetao) que ocupa o espao prximo ao rio

    se chama riparian forest (vegetation). Segundo Gregory & Ashkenas (1990), o

    termo riparian (ripria) derivado do latina, e significa banco de areia ou de

    terra depositada junto margem dos rios e/ou terra perto da gua e

    simplesmente refere-se rea prxima ao corpo da gua.

    A Tabela 7.1 apresenta diversos termos utilizados em idiomas como o

    ingls, portugus e japons. Nota-se uma enorme diversidade da terminologia.

    Mesmo quando empregam termos iguais, os autores definem de diferentes

    maneira, por exemplo, Gregory et al. (1991) e Georgia Adopt-A-Stream

  • 58

    (2002) para a zona ripria e Schiavini (1997) e Barbosa (1997) para a floresta

    de galeria.

    Alm disso, a terminologia possui uma regionalidade. Por exemplo, no

    Cerrado o termo de mata (floresta) de galeria mais comum, e em plancie

    sulina usa-se mata de fecho ou de anteparo (Mantovani, 1989).

    Mencionando diversos nomes, Barbosa (1996) comentou que os termos mais

    utilizados pelos tcnicos e cientistas no Brasil so floresta ciliar e floresta de

    galeria.

    Rodrigues (2000) fez outro comentrio. Segundo ele, o termo floresta

    (ou mata) ripria mais comumente usado para floresta ocorrente ao longo do

    curso da gua em regies onde a floresta cobre as vertentes (interflvios). Na

    legislao brasileira, o termo floresta (ou mata) ciliar vem sendo utilizada de

    forma extremamente genrica. O mesmo autor definiu a formao ribeirinha e,

    ainda, a classificou em trs categorias: formao ribeirinha com influncia

    fluvial permanente; formao ribeirinha com influncia fluvial sazonal; e

    formao ribeirinha sem influncia fluvial.

  • 59

    Tabela 7.1 - Termos empregados para zona ripria. (a)ingls; (b)portugus; e

    (c)japons.

    (a) Autor(es) Termo utilizado Definio Dillaha et al. (1989)

    Faixa vegetal de filtragem (vegetative filter strip)

    rea de vegetao estabelecida para remover sedimentos e outros poluentes a partir do escoamento superficial atravs de filtragem, deposio, infiltrao, adsoro, absoro, decomposio, e volatilizao.

    Gregory & Ashkenas (1990)

    rea ripria Ecossistema aqutico (EA) e pores do ecossistema terrestre (ET) prximas ao EA, que diretamente afetam ou so afetados pelo EA. Inclui rios, lagos, banhados, plancie de inundao, uma parte de vertente.

    Gregory & Ashkenas (1990)

    Zona de manejo riprio rea especificamente estabelecida para objetivos do manejo riprio. Est dentro da rea ripria, mas no necessariamente inclui toda parte da mesma.

    Gregory et al. (1991)

    Zona ripria Interface entre ecossistemas terrestre e aqutico. ectono. Estende-se horizontalmente at o limite que a inundao alcana, e verticalmente at o topo da copa da vegetao. reconhecida como corredor para movimento de animais dentro do sistema de drenagem.

    Bren (1993) Zona ripria rea de maior proximidade dos rios

    Hupp & Osterkamp (1996)

    Zona ripria Uma parte da biosfera inundada e suportada pela paisagem fluvial atual. Inclui barranco, plancie de inundao

  • 60

    Continuao Tabela 7.1 (a)

    Autor(es) Termo utilizado Definio NRCS (1997) Armazenamento

    florestal ripariano (Riparian Forest buffer)

    rea de rvores e arbustos, localizada prxima de rios, lagos, lagoas e banhados.

    Bren (1997) Armazenamento do rio (Stream buffer)

    rea adjacente ao rio, a partir da qual o desamamento no permitido.

    Bren (1998) Faixa de armazenamento (Buffer strip)

    rea de terra ao longo do rio, protegida da prtica de uso do solo na bacia hidrogrfica, para proteger o rio dos impactos de montantes.

    Georgia Adopt-A-Stream (2002)

    Zona ripria rea de vegetao (natural) em torno do corpo de gua.

    McKergow et al. (2003)

    rea ripria Terra bem prxima a rios, podendo potencialmente minimizar impactos da agricultura sobre os mesmos. Minimizar impactos da agricultura sobre rios.

    Webb & Erskine (2003)

    Zona ripria Conjunto de canal, barraco e plancie de inundao.

  • 61

    (b) Autor(es) Termo utilizado Definio Salvador (1987) Floresta ripcola ou ciliar Vegetao arbrea das margens

    dos rios, que desempenha funes ecolgicas e hidrolgicas importantes em uma bacia hidrogrfica.

    Mantovani (1989)

    Floresta ripria Formaes com particularidade florstica, em funo das cheias peridicas, variveis em intensidade, durao e freqncia e da flutuao do lenol fretico.

    Mantovani (1989)

    Floresta de condensao Floresta situada no fundo de vales, em condies mesoclimticas que favorecem a condensao e a permanncia de neblina nas primeiras horas do dia, ao menos em algum perodo do ano.

    Mantovani (1989)

    Mata aluvial Floresta que se situa sobre aluvies

    Mantovani (1989)

    Floresta paludosa ou de vrzea

    Floresta que se situa em vrzeas

    Rodrigues (1991)

    Floresta ripria Faixa de vegetao sob as interferncias diretas da presena de gua em algum perodo do ano.

    Rodrigues (1992)

    Mata ciliar Qualquer formao s margens de cursos da gua, incluindo as matas riprias, de galeria e at de brejo, quando se tem um curso da gua bem definido.

    Torres et al. (1992)

    Floresta de brejo Floresta sobre solos permanentemente encharcados, com fluxo constante de gua superficial.

    Schiavini (1997)

    Floresta de galeria Florestas situadas nas faixas marginais dos cursos da gua, formando uma galeria. Dessa maneira, um caso especial da floresta ciliar.

  • 62

    Continuao Tabela 7.1 (b)

    Autor(es) Termo utilizado Definio Barbosa (1997) Floresta de galeria Formaes vegetais

    caractersticas de margens de corpos da gua com espcies altamente tolerantes e resistentes ao excesso da gua no solo.

    Brazo & Santos (1997)

    reas das formaes pioneiras com influncia fluvial ou lacustre (vegetao aluvial)

    reas de acumulao dos cursos de gua, lagoas e assemelhados, que constituem os termos aluviais sujeitos ou no a inundaes peridicas.

    Souza (1999) Vegetao ripria Toda e qualquer vegetao de margem, no apenas a que est relacionada ao corpo da gua, seja este natural ou criado pelo homem.

    Rodrigues (2000)

    Formao ribeirinha Formao vegetal e fitogeogrfica em reas de entorno de cursos de gua, definindo uma condio ecotonal (ectono ciliar).

    Dias (2001) reas de preservao permanente ciliares

    reas com qualquer formao s margens de cursos da gua (ciliares), legalmente protegidas, de acordo com o Cdigo Florestal.

    Selles et al. (2001)

    Mata ciliar Faixa de mata na margem da gua.

  • 63

    (c) Autor(es) Termo utilizado Definio Ohta & Takahashi (1999)

    Zona ripria Ecossistema aqutico, tais como rios e lagoas, e ecossistema terrestre que influencia diretamente os mesmos.

    The Japan Society of Erosion Control Engineering (2000)

    Zona ripria Zona prxima a rios, lagos, pntanos, etc. Esta zona influencia fortemente a transferncia de energia, nutrientes, sedimentos etc. entre os ecossistemas terrestre e aqutico. Incluem plancie, vertente, vegetao, e a estrutura subterrnea onde a gua subterrnea se movimenta.

    The Japan Society of Erosion Control Engineering (2000)

    Zona de armazenamento (buffer)

    Zona que minimiza efeitos fsicos, qumicos e biolgicos dos usos da terra sobre outros ambientes vizinhos.

    The Japan Society of Erosion Control Engineering (2000)

    Zona de manejo riprio. Zona florestal protegida, em torno de rios e lagoas, pela legislao.

    NRCS (1997) classificou a rea mais detalhadamente com critrio de

    geomorfologia e uso da terra (Figura 7.1). Nesta figura, a Zona 3 considerada

    como faixa de filtragem que exclusivamente para reduzir a quantidade dos

    sedimentos e solutos (fertilidade e agrotxicos) que vm da rea de cultivos e

    entram no rio.

  • 64

    Figura 7.1 - Zoneamento da faixa de armazenamento (Fonte: NRCS, 1997).

    No caso da proposta de Gregory & Ashkenas (1990), a zona de manejo

    riprio no coincide com a ripria. Isso natural, pois para melhorar a

    condio da zona ripria, o manejo deve ser efetuado no somente nela, mas

    tambm em seu redor (Figura 7.2). Nesta figura, a zona ripria coincide com a

    plancie de inundao.

  • 65

    Figura 7.2 - Zona de manejo riprio (Fonte: Gregory & Ashkenas, 1990)

    Analisando os termos e suas respectivas definies, aqui se colocam

    alguns comentrios. Comparando mata e floresta, observa-se que o termo

    mata mais utilizado para o aspecto geral de vegetao e, literalmente, mais

    empregado que vegetao. Neste caso, floresta j implica existncia de rvores

    de grande porte, e tambm d uma conotao mais cientfica do que mata.

    Vegetao um termo geral que inclui no somente floresta, mas tambm

    arbustos e gramneas.

    O termo ciliar originado de clios, significando ento, proteo.

    Neste sentido, floresta utilizada para quebra-vento poderia ser mata ciliar

    tambm. Entretanto, ripria significa prximo ao corpo de gua, e leva em

    considerao conceito de distncia e gua. Portanto, o termo ripria mais

    correto do que ciliar para o presente assunto do livro.

  • 66

    Na literatura em ingls, encontram-se os termos filter (filtragem) e

    buffer (tampo e armazenamento). Estes indicam mais a funo que floresta

    ripria possui. Os termos faixa e rea do impresso de conceito de bi-

    dimenso horizontal. Nesse sentido, a zona ripria pode ser tambm

    bidimensional.

    De fato, precisa-se tratar o espao de forma tridimensional incluindo

    vegetao (rvore, arbusto, ervas, gramneas, entre outros), solo e rio (corpo da

    gua). Com esse objetivo, que o presente livro recomenda o uso do termo

    zona ripria, que trata o espao acima descrito. Resumindo, a zona ripria

    definida como um espao tridimensional que contm vegetao, solo e rio. Sua

    extenso horizontalmente at o alcance de inundao e verticalmente do

    regolito (abaixo) at o topo da copa da floresta (acima). A determinao desta

    extenso horizontal e vertical semelhante de Gregory et al. (1991). A

    plancie de inundao , geralmente, uma superfcie plana e inundada, em

    mdia, uma vez por 1 a 3 anos (Hupp & Osterkamp, 1996). Na parte de baixo

    da superfcie, o leito do rio, a zona ripria inclui a zona hyporheic que

    segundo Stanford & Ward (1988), um espao importante para ecologia dos

    organismos aquticos no fundo do canal.

    Takahashi & Ohta (1999) definiram a zona hyporheic como aquela

    onde gua fluvial entra por baixo do leito do canal e a condio hidrulica da

    gua fica entre as das guas fluviais e subterrneas