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Reescrevendo a Educação: propostas para

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apoio

um projeto

Fundação Victor Civita

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Prefácio, 6

Introdução, 8

Parte 1 – Analfabetismo funcional, 11

Capítulo 1 Analfabetismo e a inviabilidade do Brasil, 13

Gustavo Ioschpe

Capítulo 2 Analfabetismo e alfabetismo funcional no Brasil, 26

Vera Masagão Ribeiro

Parte 2 – Formação de professores, 39

Capítulo 3 Formação e invenção do professor no século XXI, 41

Cristovam Buarque

Capítulo 4 Formação de professores, 52

Guilherme Peirão Leal

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Capítulo 5 Formação docente: recusar o pedagocídio, 62 Mario Sergio Cortella

Parte 3 – Educação infantil, 75

Capítulo 6 Alfabetização, educação infantil e acesso à cultura

escrita: as possibilidades da escola de nove anos, 77

Telma Weisz

Capítulo 7 Educação infantil: conquistas e desafios, 91

Maria Malta Campos

Parte 4 – Ensino médio, 105

Capítulo 8 Desencontros do ensino médio, 107

Claudio de Moura Castro

Capítulo 9 Educar para a emancipação digital, 125

Gilson Schwartz

Parte 5 – Avaliação e qualidade do ensino, 137

Capítulo 10 Todos pela Educação, 139

Jorge Gerdau Johannpeter

Capítulo 11 Avaliação a serviço da qualidade educativa, 148

Paulo Renato Souza

Parte 6 – As propostas eleitas pela sociedade, 169

Parte 7 – Reescrevendo a Educação: propostas para um Brasil melhor, 173

Apêndice, 181

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Ninguém mais discute que nossa educação está mal, muito mal. Ou

nós encontramos caminhos para superar esse problema ou vamos per-

der mais algumas gerações de brasileiros. Sem educação de qualidade,

não há qualquer possibilidade de o Brasil participar competitivamente

do mundo globalizado. E nem de alcançar o tão almejado crescimento

sustentável. Pois essas duas coisas, e a condição de país desenvolvido,

dependem fundamentalmente do preparo, do conhecimento e da capa-

cidade da sua população para lidar com uma torrente de informações e

mudanças cada vez mais aceleradas.

A boa notícia é que o Brasil finalmente acordou para a gravidade des-

sa questão – e hoje os 52 milhões de jovens matriculados na educação in-

fantil, no ensino fundamental e no ensino médio recebem mais atenção e

recursos do que em décadas passadas. Da mesma forma, iniciativas como

o Reescrevendo a Educação: propostas para um Brasil melhor são uma

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demonstração de que empresários, intelectuais, sindicalistas e cidadãos dos mais variados campos do espectro político compreenderam que não basta culpar o governo (qualquer governo) pelo fracasso do ensino. Ou-tro importante projeto nessa direção é o Compromisso Todos pela Educa-

ção, lançado em setembro e do qual o Grupo Abril participa ativamente. Nossos estudantes não vão aprender mais sem o efetivo envolvimento da sociedade (e de seus pais) no dia-a-dia da escola.

Eu me orgulho de afirmar que a Editora Ática e a Editora Scipione, responsáveis pelo Reescrevendo a Educação, e a Fundação Victor Civita, que apoiou essa iniciativa, estão engajadas, de corpo e alma, pela edu-cação no Brasil. Isso está no DNA do Grupo Abril há mais de 50 anos.

Nossa missão estabelece que estejamos empenhados em contribuir para

a difusão de informação, cultura e entretenimento e para o progresso da

educação. Isto se manifesta em tudo que fazemos, desde a publicação

de Veja, Superinteressante e Bravo! até as páginas de nossos livros didá-

ticos e publicações como Nova escola e Veja na sala de aula.

Este livro que você tem em mãos é uma contribuição para a discus-

são dos caminhos da educação no Brasil. Espero que ele possa servir

de inspiração para pais, professores, alunos e, sobretudo, para o novo

presidente da República e sua equipe avançarem na melhoria acelerada

do ensino no país. Só assim, juntos, poderemos construir esse futuro

melhor que tanto queremos.

ROBERTO CIVITA

Presidente Executivo e Editor do Grupo Abril

Outubro de 2006

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Encontrar soluções efetivas para a melhoria da educação básica no Bra-

sil. Esse foi o norte de nossa iniciativa, desde a concepção do Reescre-

vendo a Educação: propostas para um Brasil melhor.

Baseado no debate dos principais temas relacionados com a quali-

dade do ensino nas escolas, o Reescrevendo a Educação: propostas para

um Brasil melhor traz em sua essência a inquietação compartilhada por

toda a sociedade brasileira: o que, afinal, é preciso ser feito para que

crianças e adolescentes encontrem nas salas de aula práticas de qualida-

de, que levem ao aprendizado efetivo?

Para buscarmos essa resposta, um longo caminho foi percorrido.

Após um ano de trabalho, chegamos a algumas alternativas, apresenta-

das neste livro, sobre as quais depositamos nossas esperanças de que,

num futuro próximo, possamos finalmente contar com políticas públicas

assertivas, desenvolvidas pelos próximos governos.

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Para chegarmos até aqui, primeiro fomos em busca de um apoiador de peso. A Fundação Victor Civita, com todo seu know-how sobre edu-cação, complementou nosso conhecimento e ajudou-nos na definição e no planejamento do trabalho. Em seguida, selecionamos nomes expres-sivos do cenário nacional, pessoas reconhecidamente engajadas na edu-cação do país, e propusemos a elas que participassem conosco dessa jornada. Cada um dos onze notáveis – entre eles, doutores, empresários, economistas, políticos e, claro, educadores – apresentou soluções para os principais aspectos relacionados ao Analfabetismo funcional, à For-mação de professores, à Educação infantil, ao Ensino médio e à Avalia-ção e qualidade do ensino.

O grande valor do Reescrevendo a Educação, entretanto, está na validação dessas alternativas pela sociedade interessada no tema, que debateu os textos e suas propostas em chats de debates e fóruns de opi-nião, por meio do site www.reescrevendoaeducacao.com.br.

Dessa forma, além de mostrarmos aqui os pensamentos de um gru-po de intelectuais acerca do tema, temos nas páginas a seguir o reflexo da voz da sociedade brasileira, que anseia pela educação de qualidade.

JOÃO ARINOS RIBEIRO DOS SANTOS

Diretor Geral da Editora Ática e da Editora Scipione

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Analfabetismo funcional

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1Analfabetismo e a inviabilidade do Brasil

Gustavo Ioschpe

Sumário executivoPor meio de uma análise profunda do sistema de ensino brasileiro, Gus-

tavo Ioschpe escancara as causas do atraso educacional que ainda apri-

siona nossas escolas em plena Era do Conhecimento. Sem hesitar, o autor

trata de tirar dos alunos a culpa pelo aprendizado deficiente e a confe-

re a “um sistema inepto”. Formado magna cum lauda na University of

Pennsylvania – Strategic Management (B. S., Wharton School) e Ciência

Política (B. A., College of Arts and Sciences), o mestre em Desenvolvimen-

to Econômico e Economia Internacional retrata uma de suas maiores

preocupações no que se refere à educação no país. “A formação dos pro-

fessores alfabetizadores é débil e improvisada”, diz. Trata-se, segundo

ele, de um processo enfraquecido desde sua origem. Ao mesmo tempo que

denuncia, o texto apresenta propostas para mudanças efetivas. Entre

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elas, as alterações nas grades curriculares dos docentes e a divulgação

maciça, por parte do governo, de resultados alcançados pelas escolas

que possibilite a conscientização popular.

Você, que consegue ler este texto, pode se deixar tomar por uma

alegria melancólica. A razão pela alegria é que o digno leitor faz parte

de um seleto clube: no Brasil, apenas 26% da população consegue ler e

entender algo maior do que uma notinha ou um texto curto e simples.

A melancolia deve vir pelo mesmo motivo: saber que mora em um país

onde, às portas do século XXI, em plena Era do Conhecimento, quase

três quartos da população é funcionalmente analfabeta.1

Atualmente, países como Estados Unidos, Finlândia e Coréia do Sul

ostentam taxas de matrícula no ensino universitário beirando os 90%.2

Enquanto eles universalizam o ensino superior, nós universalizamos o

analfabetismo funcional. Nessa toada, só conseguiremos competir com

esses países na produção de commodities agrícolas a baixo custo. Ou

viramos uma autarquia. De um jeito ou de outro, o País do Futuro ruma

de volta ao passado e despede-se do sonho de fazer parte do mundo

desenvolvido.

Nossa debilidade no quesito alfabetização não é causada pelas ex-

centricidades da língua portuguesa nem por deficiências inatas de nos-

sos alunos, mesmo os mais pobres. É unicamente resultado de um sis-

tema educacional inepto.

De 48 países seguidos de perto pela Unesco e OCDE, temos de lon-

ge a taxa mais alta de repetentes na 1ª série do ensino fundamental: 32%

– contra praticamente zero dos países da OCDE, 1% da Rússia e China

1 Fonte: INAF, 2005. 5º Indicador Nacional de Alfabetismo Funcional. http://www.ipm.org.br/an_ind_INAF_5.php 2 Fonte: World Development Indicators

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e 4% da Índia.3 Ou seja, enquanto nos outros países a primeira série é

quase que um rito de passagem, no Brasil ela é um matadouro: de cara,

já condena um terço da população ao atraso e seus efeitos deletérios

sobre a auto-estima das crianças.

Por que ostentamos esse fracasso redundante? Antes de mais nada, é

preciso desconstruir alguns mitos costumeiramente usados para explicar

nossa falência.

Em primeiro lugar, a culpa pelo fracasso escolar não é dos alunos.

Parece óbvio, mas não é: entrevistados, 77% dos professores declara-

ram ser o desinteresse do aluno a razão de sua repetência. Apenas 5%

identificam a má qualidade do ensino como causa do fracasso.4 Não se

sabe se por estafa ou cinismo, mas a maioria de nossos mestres parece

não notar que o desinteresse do aluno é conseqüência, e não causa, de

nosso atraso educacional.

A pobreza dos alunos e suas famílias tampouco pode ser usada para

desculpar nossa carência educacional. A Coréia, por exemplo, era mais

pobre do que o Brasil na década de 1960, e assim mesmo iniciou um

salto qualitativo em seu ensino, que muito contribuiu para alçar o país

à posição de liderança no cenário internacional.

A falta de vagas nas escolas também não pode mais ser apontada co-

mo fator importante. Já temos taxas de atendimento próximas de 100%

na 1ª série do ensino fundamental. O problema não é mais atrair alunos,

mas fazer com que permaneçam na escola. Para isso, a chave é uma

educação de qualidade.

Nossa baixa qualidade não é igualmente causada pela suposta baixa

remuneração de nossos professores nem pelo nível de investimento do

Brasil em sua educação.

O professor do ensino primário brasileiro ganha 1,6 vezes o PIB per

capita do país. Nos países da OCDE, esse valor é de 1,3 vezes. Na Ar-

gentina, Chile e Uruguai, países com sistemas educacionais muito me-

lhores que o nosso, esse valor é de 0,85, 1,25 e 0,75 vezes, respectiva-

3 Fonte: UNESCO, http://stats.uis.unesco.org/TableViewer/tableView.aspx?ReportId=16. Dados re-ferentes a 2002.4 Fonte: OLIVEIRA, João Batista Araújo e; SCHWARTZMAN, Simon. A escola vista por dentro. Alfa Educativa, 2002.

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mente – todos inferiores ao salário do professor brasileiro.5 O professor

brasileiro não é mal pago por ser professor, mas por ser brasileiro. Vi-

vemos em um país pobre. Querer comparar nossos salários, em valores

absolutos, com aqueles de países ricos é capcioso. O governo brasilei-

ro tampouco gasta insuficientemente em educação. Gastamos 4% do

PIB, contra 4,9% dos países da OCDE. Apesar de gastarmos um pouco

menos, deixamos uma fatia bem maior de alunos fora das escolas, e os

que estão dentro recebem uma educação pior. Gastamos o mesmo que

Argentina e Chile, e mais do que o Japão.6

Se essas tão surradas causas não passam de miragem, a que pode-

mos atribuir nossa performance tão pífia? A resposta é simples: o pro-

fessor não sabe ensinar. Sob essa superfície aparentemente translúcida,

correntes turvas se agitam.

A constatação de que o professor não sabe ensinar é praticamente

inescapável dados os resultados de nossos alunos, qualquer que seja a

medida: taxas de repetência e evasão, performance em testes nacionais

ou internacionais. Felizmente, temos ainda evidência mais direta. Quan-

do professores e alunos de 4ª série foram testados, notou-se que o nível

de conhecimento dos mestres era semelhante ao de seus aprendizes e

que poucos dominavam o conteúdo que ensinavam. A formação dos

professores alfabetizadores é débil e improvisada: mais de 80% afirma-

ram ter aprendido “na prática” ou “com a experiência”. Apesar de 85%

dos professores se declararem prontos para alfabetizar, sua performance

em provas desmente essa impressão: em teste de 9 conceitos de alfabe-

tização, só 3 tiveram índice de acerto superior a 60% dentre os membros

da rede pública. Um grande número de professores acredita que o alu-

no pode ser alfabetizado até a 4ª série ou que a idade em que se dá a

alfabetização não importa(!).7

Levemos então a pergunta um passo adiante: por que tamanho des-

preparo entre nossos alfabetizadores?

Uma razão é que os melhores professores não querem ensinar na

primeira série, preferindo as idades mais avançadas, idéia que é relatada

5 Fonte: OECD, Education at a Glance 2005. Tabela D3.1. Dados referentes a 2003.6 Fonte: Ibidem, Tabela B2.1a. Dados referentes a 2002.7 Fonte: Oliveira e Schwartzman, 2002.

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em conversas com docentes ou publicações sobre o fracasso escolar.8

Dá-se uma inversão de prioridade: colocamos os melhores professores em campo quando o jogo já está praticamente perdido.

Desperdiçamos o talento desses professores com alunos cuja capaci-dade de aprendizado foi severamente comprometida por uma fundação claudicante. Com uma alfabetização incompetente, o aluno dificilmente conseguirá aprender o necessário – e exprimir seu conhecimento em provas – para progredir aos níveis mais avançados do ensino.

Outra razão perversa é que o viés ideológico que faz a cabeça de nossos professores – e de seus professores e autores prediletos – prega que “preparar” o aluno com “competências” para que tenha sucesso em sua vida é como que compactuar com o demo. O discurso do profes-sorado vê o ensino como ferramenta de conscientização do aluno para sua mobilização social e conseqüente engajamento na luta para mudar o mundo, derrotando a besta-fera do capitalismo e sua mutação ainda mais abominável, o neoliberalismo. Os professores se vêem não como instru-tores ou condutores de um processo acadêmico ou da busca pelo saber. Não, companheiro! Os professores são baluartes da revolução vindoura, os últimos elementos de resistência tratando de preservar a bondade in-trínseca do homem ante a bestialidade da sociedade industrial.

Não se trata aqui de especulação ou impressões casuais, mas de resultado inclusive de censos. Em pesquisa da Unesco, por exemplo, 75% dos professores declararam ver a igualdade como valor superior à liberdade. 55% discordam da idéia de que a atividade docente deve ser politicamente neutra. Para 72% dos professores, “formar cidadãos cons-cientes” é uma das finalidades mais importantes da educação. Nessa lista, “proporcionar conhecimentos básicos [ao aluno]” recebeu o apoio de apenas 8,9% dos entrevistados, enquanto “formar para o trabalho” só foi apontada por 8,3%.9

Essa coloração ideológica tem três vantagens importantes para seus fiéis. Em primeiro lugar, é totalmente subjetiva. Quem há de dizer se alguém está efetivamente criando um cidadão crítico e consciente? É

8 Cf., por exemplo, PATTO, Maria Helena. A produção do fracasso escolar. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2000.9 Fonte: O perfil dos professores brasileiros: o que fazem, o que pensam, o que almejam...Unesco, 2004.

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impossível, não há teste para isso. Segundo, ela permite descartar pe-

remptoriamente qualquer acusação de incompetência ou proposta de

mudança: quem quer resultados tangíveis e mensuráveis está certamen-

te a serviço de Washington, e boa gente não é. Raramente há argumen-

tação factual nessa área: aos números se contrapõem tertúlias. Quando

estas se esgotam, parte-se para o ataque ad hominem. Terceiro, impede

qualquer mudança pontual. A educação é um processo “holístico”, e

analisar seus diversos componentes é um “reducionismo” imperdoável.

Não é possível mudar uma parte quando o sistema todo está podre, é o

que eles parecem dizer. Não é possível comparar a educação brasileira

com aquela dos países desenvolvidos, pois eles estão no centro do ca-

pitalismo e nós somos periféricos.

Comparar com outros países periféricos também é uma má idéia, já

que qualquer aluno de 5ª série propriamente doutrinado sabe que nossa

herança escravocrata e patrimonialista nos torna singulares no concerto

das nações. Para mudar a educação, seria necessário mudar o país. E

como é impossível mudar o país sem mudar nossa educação, temos aí a

receita para o imobilismo eterno.

Miseravelmente, essa situação encontra-se em estado de equilíbrio.

Apesar de nossa falência educacional, a cisão de classes do país faz com

que os pais das crianças ricas coloquem seus filhos nas escolas privadas

e se despreocupem da educação do país, e que os pais pobres estejam

satisfeitos que seus filhos tenham a oportunidade que eles não tiveram:

a de freqüentar a escola. Esses pais estão geralmente satisfeitos com a

qualidade da educação dos filhos – por não terem ferramentas para real-

mente avaliar essa qualidade – e costumam culpar os filhos, e não seus

professores, por sua incapacidade de aprender. Intocada, a situação po-

de perdurar indefinidamente. Como mudá-la?

Em primeiro lugar, conscientizando a população brasileira da im-

portância da educação para a viabilidade do país neste novo século e,

especialmente, expondo o tamanho de nossa fragilidade e insucesso

nessa área.

Essas não são tarefas para governantes – em última análise, respon-

sáveis pelo atual estado de coisas – mas para a sociedade civil. Estou

convencido de que o poder público só atuará para a resolução de nossa

crise educacional quando for instado a tanto por seus eleitores. Esgotou-

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se o período em que as batalhas da educação eram consensuais e bené-

ficas a todos. Quem poderia se opor à construção de mais escolas, mais

vagas, oferecimento de merendas e livros didáticos? Ninguém. Hoje, a

batalha da educação envolve entrar em batalhas políticas indigestas, ba-

ter de frente com o poderoso establishment educacional. Por isso, me

arrisco a dizer que qualquer tentativa de reforma fracassará se não for

respaldada por um clamor popular pela educação.

A mudança segue o seguinte roteiro. Primeiro, conscientização social

gerando pressão popular. Segundo, criação de mecanismos de avaliação

da performance da alfabetização no país. Terceiro, divulgação pública de

seus resultados e estabelecimento de benchmarks de sistemas alfabeti-

zadores. Quarto, instituição de um sistema de incentivos que premie os

agentes educacionais competentes e puna os ineptos. Quinto, um amplo

pacote de mudanças que aproxime os ineptos da performance das esco-

las-benchmark. Sexto e último, atenção especial para as escolas com os

piores índices de desempenho. Especificamente, isso significa o seguinte:

■ Criação e replicação de várias campanhas como esta que se inicia,

mobilizando formadores de opinião pela reforma na educação, fa-

zendo com que elas se estendam até a ponta: a população carente,

cujos filhos estão nas escolas públicas das áreas periféricas. Sem o

apoio deles, nada será feito.

■ Alteração dos sistemas de testes nacionais de educação para a inclu-

são da primeira série. Hoje, temos o SAEB, feito por amostragem, na

4ª, 8ª e 11ª séries. Temos o ENEM, de participação espontânea, que

mede os conhecimentos dos concluintes do ensino médio. E foi cria-

do o ProvaBrasil, de abrangência universal, para 4ª e 8ª séries. Ou

seja, temos dois testes para 4ª e 8ª e dois para o fim do ensino mé-

dio, mas nenhum para o momento mais crítico e basilar da educação

brasileira, que é a 1ª série. O SAEB ou, de preferência, o ProvaBrasil

poderia abandonar uma de suas séries e passar a cobrir a 1ª série,

medindo unicamente, assim, a alfabetização.

■ Os resultados desse teste deveriam ser publicados nacionalmente,

em cada escola de cada município. Essa divulgação não apenas ser-

viria como um poderoso instrumento de pressão para toda a popu-

lação – finalmente, o pai poderia saber se a escola do filho é melhor

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ou pior que a escola da vizinhança ou da cidade ao lado e, assim,

cobrar providências de seus professores, diretores e prefeitos – co-

mo também facilmente identificar as escolas de sucesso. Há muitos

professores e escolas excelentes, mesmo em locais de pobreza agu-

da, e sua identificação (e replicação) seria um bálsamo para localida-

des que não conseguem desenvolver um método de sucesso.

■ Criação do que eu chamo de Lei da Responsabilidade Educacional.

Atualmente, os municípios recebem recursos para a educação quan-

do não atingem um patamar mínimo de investimento por aluno. Não

só criamos um mecanismo de incentivo perverso, que premia os que

menos investem, como abre-se assim a porta a todo tipo de irregula-

ridades e desvios. Precisamos de um sistema que premie resultados,

não meios. Assim, a LRE determinaria que as prefeituras receberiam

recursos para a educação de acordo com sua melhoria, ano a ano,

em dois quesitos: taxa de repetência e performance nos testes nacio-

nais (SAEB ou ProvaBrasil). Quem mais melhora de um ano para o

outro, mais dinheiro recebe. Os índices de melhoria e recebimento

deveriam também ser tornados públicos, nacionalmente. Junto com

a pressão popular, o incentivo financeiro é a peça que falta para que

os governantes se comprometam com uma educação de resultados.

Criada essa mudança institucional e de mentalidade, que medidas

objetivas deveriam ser tomadas para que melhorasse o rendimento em

sala de aula? Haverá grande variabilidade, dada a heterogeneidade do

sistema brasileiro, mas algumas diretivas são generalizáveis. São elas:

■ Profunda alteração no currículo e estrutura dos cursos destinados a

formação de professores. Hoje, nossas universidades de pedagogia

são povoadas por filósofos do ensino. Craques nas últimas teorias

pedagógicas em voga na Espanha ou Inglaterra, capazes de anali-

sar as diferenças da semiótica de Piaget e Vygotsky. Deixemos essa

agenda para os programas de PhD. Na graduação, precisamos ensi-

nar a ensinar. Precisamos que o futuro professor saiba menos teoria

e mais prática, menos discussão e mais ação. As pesquisas empíricas

internacionais apontam que o conhecimento do professor da matéria

que ensina é fundamental para o sucesso do aluno, assim como o

são algumas práticas de aula: passar e corrigir dever de casa, avaliar

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os alunos constantemente, usar o tempo de aula para exposição e explicação, não cópia do quadro-negro ou exercícios. O professor precisa saber mais sobre o que funciona e aprender a implementar as receitas de sucesso.

■ Como decorrência dessa orientação curricular, vamos rever o méto-do de alfabetização usado no país. 70% dos professores que dizem seguir algum método alfabetizador optam pelo modelo construtivis-ta10, quando o método fônico vem se mostrando empiricamente su-perior em todos os países estudados. Precisamos de treinamento no método fônico para os professores já em campo. Treinar professores em alfabetização não é uma tarefa de outro mundo. Os programas de aceleração do ensino, por exemplo, demonstraram ser possível ter melhoras significativas em um curto espaço de tempo e com cus-tos suportáveis.

■ Reestruturação do plano de carreira do magistério e sua estrutura de incentivos, passando a estimular de forma pecuniária e não-pecuniá-ria a ida dos melhores professores para as séries iniciais das escolas com maiores dificuldades.

Quando a escola estiver fazendo a sua parte, ela poderá passar a en-volver mais a comunidade. Não se podem culpar os pais pelos fracassos educacionais dos filhos, mas sabe-se que há muito que os pais podem fazer para ajudar o aprendizado de suas crianças. Reverter o quadro atual em que nossas crianças passam mais tempo assistindo televisão do que fazendo deveres de casa, por exemplo.11 Aqueles que lêem, que incentivem os filhos a ler. Pesquisas mostram que as mães, mais do que as professoras, são as principais responsáveis pela criação do hábito da leitura nas crianças.12

Finalmente, precisamos calibrar este sistema mais meritocrático e orientado a resultados com uma atenção especial às escolas ou localida-des que não dão certo. O Chile tem um programa que pode nos servir de exemplo. Nele, as 900 escolas com o pior desempenho no teste de

avaliação nacional recebem atenção redobrada do Ministério da Educa-

10 Fonte: Oliveira e Schwartzman, 2002.11 Ibidem.12 Fonte: INAF, 2005.

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ção do país, sendo supervisionadas quinzenalmente. Os colégios atendi-

dos têm melhorado mais do que a média nacional.13 Esse é – e deve ser

– um programa divulgado ao público. Ajudará os administradores sérios

que sofrem com grandes dificuldades e carências, e constrangerá os que

fazem mau uso dos recursos públicos.

Desnecessário dizer que a implementação de uma mudança radical

no sistema educacional brasileiro, especialmente em suas primeiras sé-

ries, é emergencial. Já estamos em apuros pelos próximos 20 ou 30 anos

por causa da geração que está em nossas escolas agora ou que acaba

de sair delas. Se esses apuros perdurarem por 50 ou 100 anos, é difícil

prever que Brasil restará para ser resgatado, mas os contornos gerais são

claros: será um país pobre, atrasado, desesperançado e com seu tecido

social em frangalhos por décadas de exclusão. Quando a escola ensina,

é o trampolim para as estrelas. Quando se torna apenas um alojamento

para tirar crianças das ruas ou de suas casas, transforma-se na mais po-

derosa ferramenta de transmissão intergeracional de desigualdades, uma

máquina de moer sonhos.

Resgatar nosso sistema educacional é tarefa importante demais para

ser deixada apenas nas mãos de políticos e educadores. É dever de Esta-

do, é elemento fundamental da Nação, é parte inimputável da cidadania.

É a tarefa mais urgente e importante que nos espera neste século que se

inicia. Não é condição suficiente para que cumpramos nosso destino his-

tórico, mas é indispensável. É a nossa obrigação para com nossos compa-

triotas, os que já se vão e os que ainda não vieram. Não podemos falhar.

Principais propostasSão grandes os desafios a serem superados por governantes e toda a sociedade

civil para transformar o panorama educacional do Brasil, que continua figurando

entre os mais problemáticos países do mundo no quesito alfabetização infantil.

13 Cf. http://www.mineduc.cl/index2.php?id_portal=17&id_seccion=838&id_contenido=703.

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O primeiro passo que pode ser dado para institucionalizar e nacionalizar o en-

sino de qualidade é modificar o sistema de financiamento educacional, fazendo

com que as transferências entre União, estados e municípios sejam baseadas na

melhora da educação apresentada pelas escolas em relação ao ano anterior.

Um segundo passo, que merece especial atenção quando pensamos em reduzir

os índices de analfabetismo funcional, está relacionado à formação do “professor

alfabetizador”. Os cursos devem ter menos teoria pedagógica e mais ênfase em

práticas de sala de aula que têm apresentado êxito no aprendizado dos alunos.

Os mestres do Brasil precisam aprender a ensinar.

Proposta 1 Criar a Lei da Responsabilidade Educacional

Com a Lei da Responsabilidade Educacional (LRE), seria alterada a maneira por

meio da qual estados e municípios recebem recursos para a educação. Sai o

critério baseado na “necessidade” e entra o de resultados. Assim, o montante re-

cebido será proporcional à melhoria da qualidade da educação apresentada pelas

escolas públicas, de um ano para outro. Essa performance, por sua vez, será me-

dida por um índice composto de duas variáveis já existentes: diminuição de taxa

de repetência e progresso em exames como o SAEB ou ProvaBrasil.

Dessa forma, quem melhora mais recebe mais recursos, ou seja, a distribuição

da verba não depende do índice total alcançado por cada localidade, mas sim de

seu desempenho em relação à sua própria performance no ano anterior. Estados

e municípios teriam, finalmente, um incentivo financeiro para implementar um sis-

tema educacional de qualidade.

Vale destacar que a utilização desses indicadores para compor a avaliação da

LRE contribuiria para a transparência do processo, justamente porque eles são

livres de qualquer subjetividade. A cada ano, o Ministério da Educação (MEC)

divulgaria publicamente uma listagem com a performance de cada estado e mu-

nicípio, e com o montante de verbas a ser transferido a cada um. Além disso,

seria ideal adicionar aos atuais testes do MEC uma versão que mensurasse

o aprendizado no final da 1ª série do ensino fundamental, com o objetivo de

identificar eventuais carências do processo de alfabetização. Isso porque falhas

no aprendizado da leitura e da escrita provocam graves dificuldades na vida do

aluno.

Essa estrutura de incentivo e financiamento fará com que as autoridades locais

atuem com foco em resultados. Elas direcionarão a prática de suas escolas para o

objetivo social esperado, que é o aprendizado do aluno. Os recursos recebidos não

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serão determinados, a priori, para qualquer tipo de gasto específico. Isso porque

cada cidade ou estado sabe, melhor do que a União, quais são suas característi-

cas e necessidades educacionais.

Por outro lado, cabe ao governo federal publicar os índices dessa avaliação, de

forma que a população consiga acompanhar a performance de sua cidade e es-

tado e, conseqüentemente, a quantia da verba a eles destinada. Informada sobre

essa situação, a comunidade tem a possibilidade de exercer uma pressão popular

junto aos poderes públicos, reivindicando um ensino cada vez melhor.

Proposta 2 Alterar o currículo e a estrutura dos cursos destinados à formação de professores

Quando falamos em promover mudanças na formação dos educadores do país,

são três os principais pontos a serem considerados. O primeiro reside na equi-

vocada prioridade dada ao ensino demasiadamente teórico – quando a ênfase

deveria estar nas práticas efetivas do trabalho na sala de aula. Menos teoria

e mais conhecimento específico das matérias – de Português, Matemática e

História, por exemplo. O segundo aspecto, de origem mais técnica, diz respeito

ao fato de que os docentes precisam sair de suas graduações prontos para

ensinar, especialmente os professores de 1ª série, que devem saber alfabetizar

corretamente. Por esse motivo, é necessário ter, em sua graduação, conteúdo

com foco nas práticas de ensino que dão resultado, adequado à realidade bra-

sileira que o professor encontrará quando for para a escola. Dessa forma, os

mestres podem começar seus trabalhos cientes e munidos do que realmente

funciona para a busca do aprendizado ao final da 1ª série. O terceiro item, por

sua vez, refere-se a um currículo carente de carga horária prática. No Brasil, o

conteúdo sempre foi predominantemente acadêmico, ao contrário do que ocorre

em países desenvolvidos. Diante disso, é imprescindível rever a programação

dos cursos, que deixa o futuro educador submerso na teoria e dissociado da

realidade. Ele precisa, desde o início de sua graduação, estar em contato com

atividades práticas e de convívio na sala de aula. Em especial, os professores

alfabetizadores.

Inicialmente, essa mudança curricular deve ser feita no âmbito das universi-

dades públicas. Consideradas as líderes intelectuais do país, essas ilhas de re-

ferência e de reprodução do saber servirão de exemplo para outras instituições,

provocando uma alteração progressiva em todo o sistema de graduação de pro-

fessores.

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Sobre o autor do artigoGustavo Ioschpe. Formado magna cum lauda na University of Pennsylvania – Strategic Management (B.S., Wharton School), Ciência Política (B.A., College of Arts and Sciences). Mestre em Desenvolvimento Econômico e Economia Internacional – Yale University. Autor de Como passar no vestibular da UFRGS (1995), Vestibular não é o bicho (1996; 2. ed. 1997) e A ignorância custa um mundo – O valor da educação no desenvolvimento do Brasil (2004). Co-autor de diversos outros livros. Colunista da Folha de S. Paulo (1996-2000), Folha On-line (2000-01), Gazeta Vargas (FGV-SP, 2002) e revista Educação (desde 2005). Autor de artigos publicados, inter alia, em Folha de S. Paulo, O Estado de S. Paulo, O Globo, Zero Hora, Carta Capital e Istoé. Consultor de projeto do Banco Mundial/PNUD para o Ministério da Educação do Brasil sobre financiamento internacional de educação (desde 2005). Vencedor do Prêmio Jabuti 2005 com o livro A ignorância custa um mundo – O valor da educação no desenvolvimento do Brasil e recipiente de menção honrosa do Senado Federal pelo mesmo título. Fundador e presidente da G7 Investimentos. Conselheiro da Ioschpe-Maxion S.A. e Fundação Ioschpe.

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Sumário executivoNa década de 1970, a Unesco já definia o conceito de alfabetização

funcional como “a capacidade de uso das habilidades de leitura e es-

crita para o desenvolvimento dos indivíduos ao longo da vida”. A partir

dessa constatação, e com base nas inúmeras dificuldades encontradas

em identificar quantos são, de fato, os analfabetos funcionais do nosso

país, Vera Masagão Ribeiro traz à tona em seu artigo uma preocupa-

ção que deve ser compartilhada por todas as esferas do governo e pela

sociedade civil: mais do que implementar “políticas voltadas à supera-

ção da pobreza e da exclusão (...), é preciso melhorar o desempenho

dos sistemas de ensino e elevar a qualificação da força de trabalho em

todos os níveis”. Vera é doutora em Educação pela Pontifícia Univer-

sidade Católica de São Paulo, coordenadora e pesquisadora da Orga-

2Analfabetismo e alfabetismo funcional no Brasil

Vera Masagão Ribeiro

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nização Não-Governamental Ação Educativa e coordenadora da pes-

quisa INAF (Indicador Nacional de Alfabetismo Funcional). É a essa

última, aliás, que a autora recorre para expor com propriedade os nú-

meros e estágios do alfabetismo funcional da população, confirman-

do a importância da educação básica e do estímulo pós-escolarização

para todos os brasileiros.

A definição sobre o que é analfabetismo vem sofrendo revisões

nas últimas décadas. Em 1958, a Unesco definia como alfabetizada

uma pessoa capaz de ler ou escrever um enunciado simples, relacio-

nado a sua vida diária. Vinte anos depois, a Unesco sugeriu a adoção

do conceito de alfabetismo funcional. É considerada alfabetizada fun-

cional a pessoa capaz de utilizar a leitura e escrita para fazer frente

às demandas de seu contexto social e de usar essas habilidades para

continuar aprendendo e se desenvolvendo ao longo da vida. Em todo

o mundo, a modernização das sociedades, o desenvolvimento tecnoló-

gico, a ampliação da participação social e política colocam demandas

cada vez maiores com relação às habilidades de leitura e escrita. A

questão não é mais apenas saber se as pessoas conseguem ou não ler

e escrever, mas também o que elas são capazes de fazer com essas ha-

bilidades. Isso quer dizer que, além da preocupação com o analfabe-

tismo, problema que ainda persiste nos países mais pobres e também

no Brasil, emerge a preocupação com o alfabetismo, ou seja, com as

capacidades e os usos efetivos da leitura e escrita nas diferentes esfe-

ras da vida social.

A capacidade de utilizar a linguagem escrita para informar-se, ex-

pressar-se, documentar, planejar e aprender cada vez mais é um dos

principais legados da educação básica. A toda a sociedade e, em espe-

cial, aos educadores e responsáveis pelas políticas educacionais, inte-

ressa saber em que medida os sistemas escolares vêm respondendo às

exigências do mundo moderno em relação ao alfabetismo e, além da

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escolarização, que condições são necessárias para que todos os adultos

tenham oportunidades de continuar a se desenvolver pessoal e profis-

sionalmente.

No meio educacional brasileiro, letramento é o termo que vem sen-

do usado para designar esse conceito de alfabetismo, que corresponde

ao literacy, do inglês, ou ao littératie, do francês, ou ainda ao literacia,

em Portugal.

Índices e critérios de medidaNo século XX, as taxas de analfabetismo entre os brasileiros com 15

anos ou mais decresceram de 65% em 1920 para 13% em 2000. Esse

decréscimo resulta da expansão paulatina dos sistemas de ensino pú-

blico, ampliando o acesso à educação primária. O Instituto Brasileiro

de Geografia e Estatística (IBGE), tal como se faz em outros países,

sempre apurou os índices de analfabetismo com base na auto-avalia-

ção da população recenseada sobre sua capacidade de ler e escrever.

Pergunta-se se a pessoa sabe ler e escrever uma mensagem simples.

Seguindo recomendações da Unesco, na década de 1990, o IBGE pas-

sou a divulgar também índices de analfabetismo funcional, tomando

como base não a auto-avaliação dos respondentes, mas o número de

séries escolares concluídas. Pelo critério adotado, são analfabetas fun-

cionais as pessoas com menos de quatro anos de escolaridade. Com

isso, o índice de analfabetismo funcional no Brasil chega perto dos

27%, segundo o Censo 2000.

Mas ter sido aprovado na 4ª série garante o alfabetismo funcional?

A pergunta não tem resposta categórica, pois o conceito é relativo, de-

pendente das demandas de leitura e escrita existentes nos contextos e

das expectativas que a sociedade coloca quanto às competências mí-

nimas que todos deveriam ter. É por isso que, enquanto nos países

menos desenvolvidos se toma o critério de quatro séries escolares, na

América do Norte e na Europa tomam-se oito ou nove séries como pata-

mar mínimo para se atingir o alfabetismo funcional. E, mesmo já tendo

estendido a escolaridade de oito ou até 12 séries para praticamente to-

da a população, muitos países norte-americanos e europeus continuam

preocupados com o nível de alfabetismo da população, tendo em vista,

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principalmente, as exigências de competitividade no mercado globali-

zado. O grau de escolaridade atingido já não satisfaz como critério de

alfabetismo. Por um lado, é cada vez mais patente que os resultados de

aprendizagem dos sistemas de ensino são muito desiguais e, além dis-

so, os governos estão interessados em saber quanto a população adulta

encontra oportunidades de desenvolver as habilidades adquiridas na

escola, mantendo a capacidade de aprender.

Com esse tipo de preocupação, na década de 1990, muitos países

desenvolvidos começaram a realizar pesquisas amostrais para verificar

de forma direta, por meio da aplicação de testes, os níveis de habilida-

des de leitura e escrita da população adulta. O principal programa inter-

nacional é articulado pelo OCDE, o International Adult Literacy Survey,

do qual participam mais de 40 países. Nesses estudos, o foco não é o

analfabetismo, mas a insuficiência das habilidades de leitura e escrita

da população alfabetizada. A dicotomia analfabeto x alfabetizado cede

lugar para o interesse em determinar e comparar níveis de habilidade

de leitura e escrita.

Na América Latina e no Brasil, em particular, a questão tem carac-

terísticas específicas e mais complexas. Aqui, enfrentamos ao mesmo

tempo os problemas novos e os antigos. O analfabetismo absoluto ain-

da atinge milhões de brasileiros e precisa ser solucionado com políti-

cas voltadas à superação da pobreza e da exclusão. Ao mesmo tempo,

é preciso melhorar o desempenho dos sistemas de ensino e elevar a

qualificação da força de trabalho em todos os níveis, tendo em vista a

participação nos setores de ponta da economia mundializada e o forta-

lecimento das instituições democráticas.

O INAF – Indicador Nacional de Alfabetismo FuncionalA iniciativa de criar um Indicador Nacional de Alfabetismo Funcional no

Brasil, medindo diretamente as habilidades da população por meio de tes-

tes, foi tomada por duas organizações não-governamentais, a Ação Edu-

cativa e o Instituto Paulo Montenegro. Criado em 2001, o objetivo desse

indicador, o INAF, é gerar informações que ajudem a dimensionar e com-

preender o fenômeno, fomentem o debate público sobre ele e orientem a

formulação de políticas educacionais e propostas pedagógicas. Quais são

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as habilidades de leitura e escrita dos brasileiros? Quantos anos de es-

colaridade e que tipo de ação educacional garantem níveis satisfatórios

de alfabetismo? Que outras condições favorecem o desenvolvimento de

tais habilidades ao longo da vida?

Para responder a perguntas como essas, o INAF aplica anualmen-

te testes de habilidades em amostras de 2 mil pessoas, representativas

da população entre 15 e 64 anos, além de questionários que apuram

o background educacional dos respondentes, seus hábitos e práticas

de leitura e escrita em diversos contextos de vivência. Em 2001, 2003 e

2005, focalizaram-se as habilidades de leitura e escrita; em 2002 e 2004,

foi a vez das habilidades matemáticas, já que esse novo conceito de al-

fabetismo compreende também a capacidade de processar informações

numéricas presentes no dia-a-dia, no comércio, no trabalho ou nas pá-

ginas dos jornais.

Diferentemente dos estudos internacionais, o INAF ainda opera com

o conceito de analfabetismo, já que esse é um problema que persiste

no Brasil. Além disso, entretanto, distingue três níveis de habilidades na

população alfabetizada: o nível rudimentar, o básico e o pleno. Ainda

que os três níveis tenham algum grau de funcionalidade, ou seja, cor-

respondam a habilidades que as pessoas podem aplicar em determina-

dos contextos, somente o nível pleno pode ser considerado satisfatório,

aquele que permite que a pessoa possa utilizar com autonomia a leitura

e a matemática como meios de informação e aprendizagem.

Leitura Habilidades matemáticas

Analfabetismo Não domina as habilidades medidas.

Não domina as habilidades medidas.

Alfabetismo Nível Rudimentar

Localiza uma informação simples em enunciados de uma só frase, um anúncio ou chamada de capa de revista, por exemplo.

Lê e escreve números de uso freqüente: preços, horários, números de telefone. Mede um comprimento com fita métrica, consulta um calendário.

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Leitura Habilidades matemáticas

Alfabetismo Nível Básico

Localiza uma informação em textos curtos ou médios (uma carta ou notícia, por exemplo), mesmo que seja necessário realizar inferências simples.

Lê números maiores, compara preços, conta dinheiro e faz troco. Resolve problemas envolvendo uma operação.

Alfabetismo Nível Pleno

Localiza mais de um item de informação em textos mais longos, compara informação contida em diferentes textos, estabelece relações entre as informações (causa/efeito, regra geral/caso, opinião/fato). Reconhece a informação textual mesmo que contradiga o senso comum.

Consegue resolver problemas que envolvem seqüências de operações, por exemplo, cálculo de proporção ou percentual de desconto. Interpreta informação oferecida em gráficos, tabelas e mapas.

Desde a primeira medição realizada pelo INAF, a distribuição desses

níveis na população brasileira vem se mantendo mais ou menos estável.

Tanto em leitura quanto nas habilidades matemáticas, verificou-se uma

ligeira diminuição nos níveis mais baixos que, na leitura, correspondeu

a uma melhora apenas no nível básico (ver quadro a seguir). O analfa-

betismo matemático, ou seja, a incapacidade de ler números familiares,

é menor que o analfabetismo em leitura (2% contra 7% nas últimas me-

dições). Provavelmente, isso ocorre porque o sistema numérico é mais

simples que o alfabético e porque a leitura de números é mais fortemen-

te imposta pela vida diária. O que merece mais atenção, entretanto, são

os percentuais próximos de 30% de pessoas que se encontram no nível

rudimentar de domínio das habilidades, tanto em leitura quanto em ma-

temática: só conseguem ler palavras e frases, só lêem números familiares

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sem fazer operações elementares. Surpreendente e sem dúvida também

preocupante é o fato de que só cerca de um quarto da população atin-

ge o nível pleno de domínio das habilidades medidas, tanto em leitura

quanto em matemática.

Resultados do INAF: habilidades de leitura e habilidades matemáticas

Leitura e escrita Matemática

2001 2003 2005 Diferença 2001 − 2005

2002 2004 Diferença 2002 − 2004

Analfabeto 39% 38% 37% –2 pp 33% 32% –1 pp

Alfabetizado Nível Rudimentar

31% 30% 30% –1 pp 32% 29% –3 pp

Alfabetizado Nível Básico

34% 37% 38% +4 pp 44% 46% +2 pp

Alfabetizado Nível Pleno

26% 25% 26% – 21% 23% +2 pp

Assim como os estudos internacionais, o INAF comprova que a dura-

ção da escolaridade é o principal determinante das habilidades de leitura

e escrita da população. No caso das habilidades de leitura, por exemplo,

constata-se que, entre as pessoas que seriam consideradas alfabetizadas

funcionais por não terem a 4ª série completa, um quarto está na condi-

ção de analfabetismo absoluto. Entre as que têm de 4ª série a 7a série, o

nível rudimentar somado ao analfabetismo ainda é a situação majoritária.

Se algum patamar de escolaridade precisa ser usado como indicador de

alfabetismo funcional, o correto seria tomar a 8ª série como mínimo, pois

só entre pessoas com esse grau de ensino temos mais de 80% que atin-

gem pelo menos o nível básico de habilidade em leitura. Com relação à

matemática, os resultados são semelhantes. Oito anos de ensino funda-

mental correspondem também ao que a Constituição garante como direi-

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Nível de alfabetismo funcional por anos de estudo (%)

to de todos os cidadãos e deve ser a referência quando o país estabelece metas para superar o analfabetismo e a exclusão educacional.

Analfabeto

Nível rudimentar

Nível básico

Nível pleno

80%

90%

100%

70%

60%

50%

40%

30%

20%

10%

0%

sem

escola

ridade

1 a

3 a

nos

4 a

7 a

nos

8 a

10

anos

11

anos o

u m

ais

73

22

5 1

15

58

26

11

44

42

4

32

51

16

57

36

7

O acesso à informação e à aprendizagem Correlacionando os resultados dos testes com as declarações dos sujei-

tos sobre suas práticas de leitura e escrita, podemos ter a dimensão do

que os níveis de alfabetismo significam em termos de participação em

práticas culturais, acesso à informação e aos postos de trabalho mais

qualificados. Por exemplo, o INAF constatou que a maioria dos alfabeti-

zados no nível rudimentar e básico não costuma ler livros (29% e 16%)

ou só lêem um tipo de livro (42%), geralmente a Bíblia ou livros religio-

sos. Só entre pessoas alfabetizadas no nível pleno temos uma maioria de

leitores que diversifica seus interesses: 33% costumam ler dois gêneros

e 34% três ou mais gêneros, incluindo, além dos religiosos, as obras de

ficção, biografia e história, ensaios e livros técnicos, entre outros.

Ao lado dos impressos, os meios informatizados se impõem cada vez

mais como meio de comunicação e informação. O uso de computadores

ainda é restrito a um quarto da população brasileira, do qual 82% aces-

sam a internet e 70% enviam e recebem e-mail. Como era de se esperar,

o uso do computador é inexpressivo entre os analfabetos e alfabetiza-

dos no nível rudimentar. Entretanto, entre as pessoas mais escolarizadas,

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cujo acesso é maior, seu uso mostrou ter uma influência destacada no

desenvolvimento das habilidades de leitura. Enquanto 44% dos alfabeti-

zados no nível pleno afirmam usar computador todos ou quase todos os

dias, entre os de nível básico esse percentual é de 26%.

A realização de cursos, para além do ensino formal, também é um

fator de promoção das habilidades de leitura e escrita. A educação con-

tinuada é um setor em que os países desenvolvidos têm feito grandes

investimentos, conscientes de que, na sociedade contemporânea, é essen-

cial renovar constantemente os conhecimentos. Os estudos internacionais

mostram que, em países como Suíça, Estados Unidos, Noruega e Canadá,

aproximadamente 50% da população adulta participou de algum progra-

ma educativo nos doze meses anteriores aos levantamentos. Segundo o

INAF, a freqüência a cursos vem aumentando lentamente no Brasil, mas

ainda é uma prática muito restrita. Em 2005, havia 44% de pessoas entre

15 e 64 anos que nunca tinham feito um curso além do ensino formal e

só 16% haviam feito algum nos 12 meses anteriores à entrevista.

Os compromissos necessários para um Brasil alfabetizadoOs dados sobre o alfabetismo funcional confirmam que a educação bá-

sica é o pilar fundamental para promover a leitura, o acesso à informa-

ção, a cultura e a aprendizagem ao longo de toda a vida. Assim, para

que tenhamos um Brasil com níveis satisfatórios de participação social

e competitividade no mundo globalizado, um primeiro compromisso a

ser reafirmado é com a extensão do ensino fundamental de pelo menos

oito anos a todos os brasileiros, independentemente da faixa etária, com

oferta flexível e diversificada aos jovens e adultos que não puderam rea-

lizá-lo na idade adequada.

É preciso também reconhecer que os resultados da escolarização em

termos de aprendizagem ainda são muito insuficientes e que um eixo

norteador para a melhoria pedagógica na educação básica deve ser o

aprimoramento do trabalho sobre a leitura e a escrita. É preciso superar

a visão de que esse é um problema apenas dos professores alfabetiza-

dores e dos professores de Português. Grande parte das aprendizagens

escolares depende da capacidade de processar informações escritas,

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verbais e numéricas, relacionando-as com imagens, gráficos etc. Todos

os educadores precisam atuar de forma coordenada na promoção des-

sas habilidades, contando com referências claras quanto a estratégias e

estágios de progressão desejáveis ao longo do processo, para que os

avanços possam ser monitorados. Com apoio dos gestores, todos os

professores devem agir sistemática e intensivamente no sentido de de-

senvolver nos alunos hábitos e procedimentos de leitura para estudo,

lazer e informação, assim como proporcionar o acesso e a manipulação

das fontes: bibliotecas com bons acervos de livros, revistas e jornais,

computador e internet.

Finalmente, é preciso reconhecer que a promoção do alfabetismo

não é tarefa só da escola. Os países que já conseguiram garantir o aces-

so universal à educação básica estão conscientes de que é necessário

também que os jovens e adultos encontrem, depois da escolarização,

oportunidades e estímulos para continuar aprendendo e desenvolven-

do as suas habilidades. Os programas de dinamização de bibliotecas

e inclusão digital são fundamentais e devem ser levados a sério pelas

políticas públicas. Para a população empregada, o próprio local de tra-

balho pode ser potencializado como espaço de aprendizagem e, nesse

caso, os empresários têm uma participação importante nos compromis-

sos a ser assumidos. As empresas podem oferecer e incentivar o uso de

acervos de jornais, revistas e livros, assim como de terminais de acesso

à internet para fins de pesquisa, além de ampliar as oportunidades de

participação em programas educativos relacionados ao desenvolvimen-

to pessoal e profissional dos trabalhadores, dando especial atenção aos

que têm menor qualificação e necessitam de mais apoio para superar a

exclusão cultural.

Principais propostasSer um alfabetizado funcional significa utilizar as habilidades de leitura e escrita

como ferramentas de compreensão do mundo. Consideradas fundamentais para

a vida de qualquer cidadão, tais aptidões permitem que as pessoas enfrentem as

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demandas da sociedade e se mantenham em constante aprendizado. Com isso,

nos tornamos capazes de lidar melhor com as mais variadas circunstâncias do

dia-a-dia e nos situar dentro de novos contextos.

O analfabeto – que não lê e não escreve – e o analfabeto funcional – que lê e

escreve apenas coisas muito simples – ficam cada vez mais à margem do mundo

moderno, pois uma efetiva participação social exige usos mais sofisticados da lín-

gua escrita. Compreender esse cenário é o primeiro passo rumo a uma educação

efetiva – e para todos. Os governos são os principais responsáveis por instituir a

alfabetização funcional no país. No entanto, as empresas e organizações comuni-

tárias também podem oferecer oportunidades para que trabalhadores e cidadãos

usem mais a língua escrita e mantenham-se informados. Afinal, dentro ou fora da

escola, é imprescindível que as pessoas continuem motivadas para seguir apren-

dendo, refletindo, inventando e ampliando seu universo cultural.

Proposta Criar programas de dinamização de bibliotecas e inclusão digital

A função dos programas de dinamização de bibliotecas e inclusão digital é criar

oportunidades para jovens e adultos, e estimulá-los a se manter em contato per-

manente com fontes do saber, para que, assim, continuem adquirindo conheci-

mento, mesmo após a escolarização. Esse aprendizado deve ser cultivado tanto

nas redes educativas quanto nas empresas e na vida comunitária.

Nas redes de ensino, além de equipar ambientes propícios com acervos im-

pressos e acesso à internet, tornando-os verdadeiros espaços do conhecimento, é

essencial incorporar a freqüência a esses locais na rotina da escola. Isso significa

estabelecer dias e horários fixos, como parte da grade curricular, para realização

de atividades e pesquisas relativas às áreas de estudo. A utilização desses am-

bientes não pode depender da boa vontade de um professor mais motivado a fazer

uma aula “diferenciada”.

Fora das escolas, por sua vez, as atividades devem ser marcadas pela sinergia

das bibliotecas e centros de inclusão digital com a comunidade que atendem. Para

serem dinâmicos, esses ambientes multimídia precisam fazer sentido na vida dos

cidadãos. De que maneira? Identificando junto às organizações locais – jovens

e pessoas da terceira idade, sindicatos, cooperativas, movimentos culturais etc.

– quais as fontes de informação mais necessárias para cada grupo.

Também é fundamental que as ações priorizem os conceitos relacionados ao al-

fabetismo, ou seja, o acesso à informação e seu processamento, no sentido mais

amplo. Os espaços devem trabalhar com uma visão multimídia – e não somente

de leitura literária.

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Nesse sentido, o governo federal deveria incentivar estados e municípios a

implementar ações que integrem os mundos do impresso e do digital. Como?

Equipando as bibliotecas com pontos de internet e incentivando os centros de

inclusão digital a criarem seus acervos de obras de referência impressa, por

exemplo.

A soma do acervo tradicional das bibliotecas e dos terminais ligados à web é

por si só um atrativo para esses centros de leitura e de produção de conhecimen-

to, ampliando possibilidades de pesquisa, descoberta e intercâmbio. Ter acesso

a esse vasto e rico universo, sem dúvida, representa uma oportunidade única de

aprendizado.

Sobre a autora do artigoVera Masagão Ribeiro. Doutora em Educação pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. É coordenadora e pesquisadora da Organização Não-Governamental Ação Educativa, sediada em São Paulo. Coordena desde 2001 a pesquisa INAF – Indicador Nacional de Alfabetismo Funcional, uma parceria com o Instituto Paulo Montenegro. Coordenou diversas pesquisas sobre alfabetização de adultos e avaliações de programas educativos. É autora de livros e artigos especializados sobre o tema, assim como de manuais pedagógicos para educadores de adultos. Em 2004 recebeu o prêmio Jabuti pela obra Letramento no Bra-sil (Global Editora, 2003). Entre as suas publicações, destacam-se: Alfabetismo e atitudes (Papirus, 1999) e Educação de Jovens e Adultos: novos leitores, novas leituras (ALB, Ação Educativa, Mercado de Letras, 2001).

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Formação de professores

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Sumário executivoCristovam Buarque, ex-ministro da Educação, engenheiro mecânico

formado pela Universidade Federal de Pernambuco e doutor em Eco-

nomia pela Sorbonne, de Paris, enxerga os tempos atuais como desa-

fiadores para os profissionais da educação. Acredita que, mais do que

nunca, o professor terá de se preparar para uma maratona em que

pensamento, conhecimento e métodos empregados evoluem e transfor-

mam-se a uma velocidade vertiginosa. Isso sem falar no aluno que, ao

contrário de tempos atrás, não é mais considerado uma mera tábula

rasa a ser escrita pelo professor. Segundo Buarque, hoje ele já ingressa

na escola com uma carga de informação considerável e segue se atu-

alizando a cada segundo. No artigo a seguir, o especialista demonstra

que, mais do que aprender a usar a tecnologia a serviço da educação,

3Formação e invenção do professor no século XXI

Cristovam Buarque

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o professor precisa se reinventar para enfrentar esse e outros tantos

desafios típicos dos tempos modernos – que alteram radicalmente a di-

nâmica da aprendizagem. Os novos valores e a nova mentalidade dos

jovens estudantes bem como os avanços da tecnologia e da mídia são

alguns exemplos disso.

A escola começou com apenas alguns alunos ao redor de um pro-

fessor. Sem quadro-negro, sem livros: um professor e um pequeno gru-

po de alunos. Ao longo de séculos, essa estrutura evoluiu, sem jamais

deixar de estar centrada no professor.

No século XXI, o professor continuará sendo o centro do processo

pedagógico, mas de uma forma diferente. Longe daquele tutor rodeado

de cinco ou seis alunos, o professor será o maestro, o arquiteto e o en-

genheiro de um espetáculo composto por alunos em número variado de

até milhões. Alunos espalhados pelo mundo inteiro, em endereços geo-

gráficos desconhecidos e que podem também desconhecer onde está o

professor, que usará os modernos equipamentos de teleinformática para

melhor interagir com eles.

Essa mutação demorou, mas em nenhum momento ocorreu com

tanta rapidez e força quanto nos últimos anos. Passaram-se mais de

2000 anos, desde o início da escola, para que fosse inventado o quadro-

negro. Essa foi a primeira grande invenção revolucionária do processo

educacional, ao lado da imprensa e da biblioteca. Graças a ela, foi pos-

sível ampliar o número de alunos para algumas dezenas. Depois, o mi-

crofone ampliou para até centenas.

Foram, porém, o rádio e a televisão que permitiram ampliar a assis-

tência; a informática permitiu a aula interativa para milhões de alunos.

Além disso, foram as modernas técnicas de programação visual que

transformaram o quadro-negro em um monitor em que as imagens se

movem, adquirem três dimensões, penetram nos objetos estudados, jo-

gam com o imaginário de cada aluno.

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Essa revolução no equipamento pedagógico ocorrida nos últimos 20

anos está inventando um novo profissional, que ainda vai continuar se

chamando professor, mas já não se encaixa no tipo anterior. Mesmo as-

sim, ele continuará sendo o centro do processo pedagógico.

Por isso, o mais importante desafio da educação contemporânea é

formar o professor. Mais até: inventar um novo tipo de professor.

Pelo lado dos equipamentos já disponíveis, o professor terá de se

reformar, se reinventar. Para ser um bom professor, ele precisará ser ca-

paz de oferecer o máximo de recursos a seus alunos. Da mesma maneira

que não se imaginava, no século XX, um professor sem quadro-negro,

no século XXI não se pode conceber um professor que não disponha

nem se beneficie dos recursos modernos que facilitam o aprendizado,

como televisão, computador, vídeo, programação visual, informática.

O professor dos próximos anos terá de se adaptar à evolução que está

ocorrendo nos equipamentos pedagógicos.

Além disso, ele precisa se adaptar à nova dinâmica com a qual o

conhecimento avança, em uma velocidade nunca ocorrida no passado.

O conteúdo que ele conhece e transmite exigirá uma nova formação,

porque o conhecimento hoje evolui de maneira muito mais rápida do

que há até pouco tempo. O professor era a pessoa que conhecia deter-

minado assunto e possuía uma habilidade inata ou adquirida para usar

sua fala, seu quadro-negro, sua memória, talvez um pouco de seu caris-

ma, para transmitir seu conhecimento aos alunos. Até recentemente, ao

longo de sua vida profissional, evoluíam muito pouco o quadro-negro e

o conteúdo do seu conhecimento.

Dois movimentos do mundo atual forçam o professor a uma adap-

tação, uma transformação, uma reinvenção: por um lado, os novos

equipamentos; por outro, uma dinâmica de evolução no conteúdo. Faz

pouco tempo, o saber de um professor tinha valor atualizado até sua

aposentadoria. O conhecimento durava e os equipamentos eram os

mesmos. Hoje, esse conhecimento fica obsoleto muito rapidamente, e a

teleinformática oferece novos produtos a cada dia. Ao longo de sua vida

profissional o professor tem de passar por diversas rupturas no conhe-

cimento dos equipamentos. Antes, o conhecimento e os equipamentos

eram estoques adquiridos, agora são fluxos a serem dominados constan-

temente, por meio de uma formação pedagógica permanente.

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Além da dinâmica no conhecimento e da modernidade dos equi-

pamentos, três outras realidades obrigam o professor a se reformar: a

mente dos alunos, iniciados e viciados nos monitores da televisão e dos

computadores, a ausência das famílias e a presença da mídia.

O aluno contemporâneo não é mais uma tábula rasa a ser escrita pe-

lo professor. Desde a mais tenra idade, ele aprende a cada dia, por meio

das informações que recebe constantemente, e quando vai à escola tem

dados adicionais, além dos que recebeu na véspera em sala de aula. O

magistério ocorre dentro da escola, com professor, e fora dela, com a

mídia. E esses dois setores nem sempre, ou raramente, colaboram um

com o outro. Na maior parte dos casos, eles se opõem, se negam, a mí-

dia disseminando ou dizimando o que o professor ensina.

Essa dificuldade não seria tão grave se o mundo moderno mantives-

se a tradição da família, especialmente a mãe, os avós e tios, os irmãos

mais velhos e até os vizinhos participando da grande aventura do ensi-

no. Mas a cada dia diminui essa integração. As mães trabalham fora, os

irmãos estão isolados nas ruas, nos videogames, às vezes no crime, os

vizinhos são desconhecidos e muitas vezes desconfiados. (E o pai?)

A formação do professor enfrenta, portanto, cinco desafios:

■ os novos equipamentos,

■ a dinâmica do conhecimento,

■ a presença da mídia,

■ a ausência da família,

■ o conhecimento precoce e a priori dos alunos.

Por isso, nunca foi tão fundamental a formação do professor.

Primeiro, mais do que formado, ele tem de ser reformado, reinventa-

do, para servir ao processo de aprendizagem do futuro. Os professores

terão de mudar muito mais do que mudaram no tempo em que o uso

do quadro-negro começou a se generalizar. Diz-se que foi um esco-

cês, James Pillans (1778-1864), quem inventou o quadro-negro e o giz

colorido, para ensinar geografia. Não se pode imaginar o aprendizado

da geografia sem os desenhos nos quadros. O mesmo acontecerá no

futuro: não se poderá imaginar o aprendizado de idiomas, física, biolo-

gia ou qualquer outra disciplina sem os recursos que a teleinformática

oferece.

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Para se reformar e se adaptar ao uso dos sistemas de computação, o

professor vai deixar de ser um artesão da transmissão do saber, baseado

apenas na própria capacidade, e terá de trabalhar em grupo, com pro-

gramadores visuais, analistas de sistema, profissionais de informática e

outras especialidades que surgirão nos próximos anos e décadas.

Não será impossível que, para diferenciar o professor do século

XXI de todos os anteriores, surja até mesmo um novo nome para iden-

tificá-lo.

Segundo, o professor terá de ser capaz de reaprender permanente-

mente, não apenas as técnicas de programação visual e de informática,

mas também o conteúdo de suas matérias. Porque o pensamento evolui

muito rapidamente e se espalha mais rapidamente ainda. O professor do

futuro estudará sua matéria, aprendendo-a permanentemente, simultane-

amente ligado com a criação do saber, ou não mais saberá sua disciplina,

ficará obsoleto. De outra, se ele demorar a aprender, seus alunos apren-

derão antes dele, seja pela televisão ou pela navegação na internet.

O professor estará sempre em formação, ou não será professor.

Terceiro, ele terá de saber utilizar a mídia aberta, não apenas para

contrabalançar os prejuízos que ela provoca no aprendizado, como tam-

bém para tirar proveito dos programas educacionais que ela tem. A pro-

gramação da televisão aberta e a cabo terá de ser levada em conta como

parte da escola e para isso o professor deverá estar preparado.

Essa reformulação do professor, mais do que sua formação, exigirá

uma modificação na escola e em seus administradores.

O salário do professor terá de aumentar consideravelmente, ou a es-

cola não será capaz de manter esse novo profissional. Para ter um bom

professor, vai ser preciso atrair profissionais que não apenas conhecerão

suas disciplinas, mas também saberão manusear com facilidade todas as

técnicas de programação visual e conhecerão o idioma de outros profis-

sionais da área da informática, o que vai exigir salários crescentes.

O professor terá de ser cobrado não apenas por sua formação e pelo

aprendizado permanente, continuado, on-line, de sua área, mas também

por sua dedicação ao magistério. O salário não poderá ser aumentado

apenas com base nos diplomas que adquira, porque os diplomas terão

prazo de validade, mas também nos resultados obtidos, na avaliação do

aprendizado de seus alunos.

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Além dos salários elevados, os professores só poderão exercer suas

funções se cada escola dispuser de equipamentos modernos. Da mesma

forma que desde o século XIX não se pode imaginar uma escola sem

quadro-negro, não se pode, no século XXI, imaginar uma escola sem

um sofisticado conjunto de equipamentos de teleinformática à disposi-

ção do professor.

Para que isso seja possível, os órgãos de administração da educação

precisam necessariamente manter um sistema permanente de formação

para os professores, para atualizar tanto o conteúdo de suas disciplinas

quanto as novas técnicas pedagógicas. A formação deve ser permanen-

te, continuada, diária; é preciso criar sistemas de sabáticas para que os

professores disponham de tempo integral, por algumas semanas ou me-

ses, a cada ano, para sua dupla atualização: na disciplina que ensinam

e nas técnicas de ensino.

No caso específico do Brasil, isso vai exigir mudanças substanciais

na administração da escola pública.

Primeiro, será necessário criar um Ministério da Educação Básica.

Enquanto o MEC cuidar simultaneamente do ensino básico e do ensino

superior, essa última área dominará totalmente o uso de recursos e as

preocupações dos dirigentes nacionais. Em tais condições, o governo

federal continuará cuidando do ensino superior e relegando o ensino

básico aos municípios e estados. O resultado será uma educação pobre

e desigual. Pobre porque os estados e municípios têm poucos recursos.

E desigual porque no Brasil a diferença de renda entre os municípios

chega a ser de quase 40 vezes. Além do Ministério da Educação Básica,

será preciso criar junto à Presidência da República uma Agência Nacio-

nal de Proteção da Criança, que coordene as ações de todos os ministé-

rios e monitore, apóie e invista no desenvolvimento das crianças, desde

seu nascimento até o final do ensino médio.

A formação do professor brasileiro será uma tarefa nacional, ou não

ocorrerá. É preciso nacionalizar a formação do professor, suas regras,

seus instrumentos e, obviamente, suas compensações. Será preciso um

salário federal, cursos e concursos federais e monitoramento e avaliação

federais. Não é possível que a educação de uma criança brasileira seja

feita por um professor selecionado por critérios municipais e estaduais

e remunerado pelo município ou estado. É preciso que haja um padrão

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mínimo, tanto para a formação quanto para o salário e a avaliação do

trabalho do professor.

Segundo, da mesma forma, será preciso que haja um padrão mínimo

de edificações e de equipamentos para cada uma das 180 mil escolas

do Brasil. O Brasil não pode ter uma boa educação e professores bem

formados se entre 20 mil e 30 mil dessas escolas não contam sequer com

banheiro ou energia elétrica. Tampouco se essas escolas não têm acesso

a computador, televisão, programas de informática, CD/DVD, TV edu-

cativa, antena parabólica, internet. Esse padrão mínimo de edificação e

equipamento tem de ser financiado e fiscalizado pela União. Nenhum

estado, nem mesmo entre os ricos, dispõe de recursos suficientes e a

desigualdade entre eles sacrificaria mortalmente a educação das crianças

das regiões mais pobres.

Terceiro, além dos padrões mínimos de salários, da formação, da

dedicação e de edificações e equipamentos, é preciso que os quase 2

milhões de professores do Brasil sejam formados para transmitir conteú-

dos que sigam padrões mínimos em todas as classes de todas as escolas

do Brasil, seja qual for a cidade onde o aluno tenha nascido ou estude,

seja qual for a classe social da sua família. De nada adiantará formar

professores se eles não forem bem remunerados, mas de nada adiantará

formar e remunerar bem se eles não contarem com os equipamentos

necessários. E também de nada servirá se os alunos continuarem a che-

gar à 4ª série sem saber ler e escrever; sem saber matemática; sem que

haja um padrão mínimo de conteúdo para cada classe em cada escola,

em todas as cidades do Brasil.

Quarto, a cada ano o governo federal deverá, por meio do Congres-

so Nacional, aprovar uma lei com as metas educacionais para aquele

ano. E será preciso que as autoridades cumpram essas metas. Assim

como o Brasil tem uma Lei de Responsabilidade Fiscal, é preciso haver

uma Lei de Responsabilidade Educacional. Por meio delas se defini-

rão as metas a serem atendidas pelos prefeitos, governadores e pelo

ministro da Educação Básica. Com essas metas, será possível inclusi-

ve reduzir gastos, porque, em vez de exigir dos prefeitos que gastem

muito, se exigirá que façam muito. Apesar do avanço que significou

a vinculação de gastos para a educação, essa lei provocou um desvio

de sua intenção quando foi outorgada, porque o bom prefeito passou

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a ser o que gasta muito com educação, independentemente dos resul-

tados obtidos. O bom prefeito deve ser aquele que faz muito – o que

deve ser medido pelo aprendizado de seus alunos –, mesmo gastando

menos.

Quinto, nada disso poderá ser feito sem que o governo federal in-

vista mais em Educação Básica. Hoje, dos 60 bilhões de reais gastos

com Educação Básica no Brasil, o governo federal entra com apenas

6 bilhões de reais. O Fundeb pouco vai mudar, ao elevar ligeiramen-

te esse valor. O governo federal precisa gastar, desde já, no mínimo

7 bilhões de reais a mais, por ano, com educação. Esses 7 bilhões de

reais correspondem a apenas 1% da receita da União. Um valor per-

feitamente viável.

Sexto, esses recursos pouco adiantarão se não vierem acompanha-

dos de mudanças na criação de um Sistema Único de Educação, ou da

Nacionalização da Educação Brasileira, e se elas não vierem acompa-

nhadas de pelo menos sete instrumentos essenciais:

a. criação de um Ministério da Educação Básica e de uma Agência Na-

cional de Proteção da Criança;

b. consolidação da Universidade Aberta do Brasil, com cursos dirigidos

à formação permanente dos professores;

c. assinatura de convênios com o repasse de reservas do Ministério da

Educação Básica para o Ministério do Ensino Superior, para que as

universidades promovam cursos de licenciatura e de formação con-

tinuada de professores;

d. garantia de vagas automáticas nas universidades para professores

concursados ou aprovados em cursos de licenciatura ou especialida-

de nas áreas pedagógicas;

e. pagamento de bolsas integrais aos alunos de licenciatura e pedago-

gia que estudem em universidades e em faculdades privadas com

qualidade comprovada;

f. criação de uma rede de institutos superiores federais, estaduais e

municipais de educação, para a formação de professores, indepen-

dente da estrutura universitária tradicional;

g. recriação do sistema de inspetoria federal de Educação Básica.

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Principais propostasEmbora o professor do século XXI continue sendo o centro do processo pedagó-

gico, a realidade tem mostrado que a educação verdadeira precisa ser resultado

da combinação de diversos elementos, a começar por um governo que pague

bem os professores. Estes, por sua vez, devem atuar com competência no seu

próprio aperfeiçoamento, para lecionar cada vez melhor. Já as crianças, apoiadas

pela família, também têm de fazer sua parte, dedicando-se aos estudos. A mídia

deve veicular conteúdos de qualidade, pedagógicos ou não, uma vez que suas

mensagens complementam e contribuem para o aprendizado fora das escolas.

Enfim, essa é a situação ideal. Entretanto, sabemos que a educação brasileira

não funciona como uma engrenagem. O que vemos hoje, aliás, é justamente o

contrário. Os professores não se envolvem, os alunos não estudam, a família não

atenta para a situação e a TV deseduca. Esse ciclo precisa ser quebrado com o

envolvimento de todos.

Para reverter esse quadro adverso, é necessário mudar substancialmente a

administração de toda a educação brasileira. E, então, promover o aprendizado

permanente das crianças. Esse não é um processo que trará resultados de um

dia para o outro. De qualquer forma, é preciso começar logo. Os primeiros avan-

ços seriam sentidos em um prazo de dois anos. Para isso, também é importante

estabelecer metas que garantam a continuidade das boas práticas em educação.

Sabe por que o Brasil conseguiu auto-suficiência em petróleo? Porque há 50 anos

a Petrobras recebe apoio do governo de maneira ininterrupta. É uma pena que

sejamos tão sérios para tirar petróleo do fundo do mar e não igualmente dedica-

dos para desenvolver a energia guardada no cérebro de cada cidadão. No Brasil,

há espaço apenas para a economia. A educação ainda é vista, no máximo, como

instrumento para o crescimento dessa área.

Proposta Focar os trabalhos do Ministério da Educação no ensino básico, dissociando sua atuação do ensino superior Pelo fato de o ensino básico e o ensino superior estarem submetidos ao mesmo

órgão, a pouca atenção dedicada ao primeiro passa despercebida diante de ações

e “conquistas” obtidas pelo segundo. Inauguração de universidades, criação de

novos cursos e incentivos a pesquisas importantes no país camuflam a realidade

da educação de base. Para evitar esse descaso, o ponto principal da proposta é

separar a atuação do governo federal. Tal medida pode ser atendida pela disso-

ciação dos trabalhos do MEC: o Ministério da Educação atuaria exclusivamente

na educação infantil, no ensino fundamental e no médio – considerando que a

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educação básica é uma responsabilidade que deve ser assumida pelo executivo

nacional – e o Ministério da Ciência e Tecnologia passaria a assumir o controle

do ensino superior e a ser chamado de Ministério do Ensino Superior, Ciência e

Tecnologia.

Além disso, o Ministro da Educação Básica – bem como governadores e pre-

feitos – também deverá cumprir as metas estabelecidas por uma Lei de Respon-

sabilidade Educacional. Assim, torna-se possível medir os gastos com foco nas

realizações propriamente ditas. As exigências recairão sobre o “fazer muito”, e

não sobre o quanto se gasta, diminuindo a margem para o desvio de verbas. Não

podemos nos deixar desanimar pela corrupção que assola a aplicação dos recur-

sos, porque é justamente a educação que vai ajudar o Brasil a sair desse ciclo

vicioso e ilegal. No entanto, é urgente um investimento maior por parte do governo

federal, pois prefeitos e governadores não têm mais como financiar essa área.

Já a criação do Ministério da Educação Básica deve vir seguida pela estrutura-

ção, junto à Presidência da República, de uma Agência Nacional de Proteção da

Criança. Pode-se argumentar que já existem ministérios e agências demais vincu-

lados ao governo. Entretanto, não se trata de criar outra máquina que despenda

ainda mais dinheiro do orçamento da União, e sim um órgão que dê todo o res-

paldo à formação das crianças brasileiras. Observemos um exemplo de sucesso

dessa estrutura: no Sri Lanka, uma agência com essas características cuidou para

que não faltassem boas escolas, mesmo depois do arrasador tsunami. Em poucas

semanas, todas as unidades de ensino estavam funcionando, inclusive as mais

destruídas, e os órfãos, recebendo o apoio de que precisavam. No Brasil, se uma

tragédia desse nível acontecesse hoje, certamente o governo federal não teria a

que instituição recorrer e “lavaria suas mãos”, relegando a culpa da situação à

morte dos pais e às autoridades locais, pouco preparadas para lidar com situa-

ções de contingência.

Se, no entanto, considerarmos que o assunto economia merece tantos minis-

térios – Fazenda, Planejamento, Agricultura, Indústria e Comércio – por que à edu-

cação resta somente um? Modesta, a estrutura não condiz com a complexidade

da questão para o Brasil, principalmente se levarmos em conta o estágio precário

do ensino público, que deve fornecer os alicerces educacionais para a maioria da

população.

Sobre o autor do artigoCristovam Buarque. É engenheiro mecânico, formado pela Universidade Federal de Per-nambuco, e doutor em Economia pela Sorbonne, de Paris. Entre 1973 e 1979, trabalhou no

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Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), em Washington, e desde 1979 é professor da Universidade de Brasília, da qual foi reitor de 1985 a 1989. Entre 1995 e 1998, governou o Distrito Federal (DF). Dentre as diversas soluções criativas para combater a pobreza imagi-nadas pelo professor Cristovam e implantadas pelo governador Cristovam, a mais conhecida no Brasil e no exterior é a Bolsa-Escola, responsável por uma revolução na educação e na luta pela erradicação da pobreza.

Em 2002, elegeu-se senador com a maior votação dada a um político no Distrito Federal. É presidente da Comissão de Direitos Humanos do Senado e membro do Instituto de Educa-ção da Unesco. Em 2003, assumiu o Ministério da Educação (MEC) e permaneceu no cargo até janeiro de 2004. Filiou-se ao PDT em setembro de 2005.

Ao longo de sua carreira, Cristovam publicou mais de 20 livros e sempre colaborou com jornais e revistas de larga circulação. Também trabalhou como consultor de diversos organismos nacionais e internacionais do sistema das Nações Unidas. Foi Presidente do Conselho da Universidade para a Paz das Nações Unidas, membro do Conselho Presidencial que elaborou a proposta de Constituição (Constituinte, 1987) e integrante da Comissão Presidencial para a Alimentação, fundada por Betinho.

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Sumário executivoAs questões relativas à formação do professor brasileiro e à complexi-

dade da educação no país são expostas com propriedade por Guilher-

me Leal, co-presidente do Conselho de Administração da Natura, que

traz em seu artigo a visão de quem acredita em uma educação públi-

ca de qualidade e aposta na participação dos diversos segmentos da

sociedade para que isso se torne realidade. Em especial, do segmento

corporativo. O apoio e a mobilização da iniciativa privada, segundo

o autor, demonstram que o setor não aceita mais esperar, de braços

cruzados, que os governos contornem os crescentes problemas relacio-

nados à educação no Brasil. Dois pontos merecem destaque em seu

texto. O primeiro se refere à necessidade de valorização e avaliação

contínua do professor – assim como de todos os outros profissionais do

4Formação de professores

Guilherme Peirão Leal

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mercado – como forma de promover o aperfeiçoamento e a reciclagem

das técnicas e conteúdos de ensino. O segundo destaca que somente

o envolvimento e a pressão popular poderão deflagrar uma atuação

comprometida das autoridades na busca de uma educação de alto ní-

vel para nossas crianças e adolescentes.

O professorÉ inquestionável o papel primordial do professor na qualidade da edu-

cação de crianças, jovens e adultos que freqüentam escolas, pois sobre

ele está diretamente colocada a responsabilidade de ensinar, e é isso o

que dele se espera.

A nós, cabe reconhecer o fundamental papel da educação no desen-

volvimento social, cultural e econômico de nosso país e garantir que com

este entendimento se atue; é isso o que se espera de nós, sociedade.

É nesse contexto que devemos pensar a formação de professores,

pois não há cursos de capacitação que resolvam nossos problemas e nos

permitam superar a situação atual se não houver compromisso e envol-

vimento de todos com a educação.

Ensinar é tarefa complexa e para exercê-la é preciso que se tenha

conhecimento e habilidade para compartilhá-los de maneira positi-

va, fazendo com que os alunos possam aprender. Aprender significa

adquirir propriedade sobre conceitos, de maneira contextualizada, es-

tabelecendo relações e construindo autonomia, de maneira a habilitar-

se para a busca, aquisição e uso de novos conhecimentos ao longo de

toda a vida.

Para os professores, acessar conteúdos num mundo onde a geração

e circulação do conhecimento são intensas implica um contínuo contato

com conceitos e a constante possibilidade de reflexão sobre a prática,

para que possam construir e utilizar dinâmicas que favoreçam o apren-

dizado, além de saber identificar dificuldades e promover inserções que

ajudem os alunos a superar desafios. Daí a importância de uma boa

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formação, não só inicial, como também continuada, que pode disponi-

bilizar essas oportunidades aos professores.

Além da habilidade em lidar com a complexa equação que envolve

o processo de ensino-aprendizagem de conteúdos e a construção do

conhecimento, desempenhar positivamente a função de professor pres-

supõe comprometimento e envolvimento com a tarefa de ensinar e com

seus alunos. Essas facetas implicam lidar com aspectos que permeiam

as relações entre as pessoas – empatia, simpatia, desconsideração, esti-

ma, desconfiança, confiança, autoridade, desrespeito, respeito, crenças

e valores, entre outros que apenas quem vive o cotidiano da sala de aula

pode com propriedade relatar.

Identificar e atrair profissionais com vocação e conhecimento ne-

cessários ao bom desempenho da tarefa do professor exige compro-

metimento de todo o setor educacional, considerando a valorização da

profissão, condições de trabalho, qualidade de vida e uma remuneração

que corresponda à importância da função. Além disso, para reter e de-

senvolver bons profissionais, é preciso estimulá-los, dar condições de

aperfeiçoamento, avaliá-los e premiá-los por desempenho. Nesse sen-

tido, a avaliação deve ser continuada e seus resultados utilizados co-

mo apoio ao desenvolvimento profissional e não como instrumento de

constrangimento.

A educaçãoA educação é instrumento fundamental para rompermos a perpetuação

da injustiça social. O Brasil só poderá superar a inaceitável situação de

desigualdade na distribuição de renda se romper com a desigualdade de

acesso às oportunidades. Nesse sentido, o acesso à educação de quali-

dade é condicionante para o acesso às oportunidades.

Além do impacto positivo sobre a distribuição de renda, sabemos

que a melhoria da educação eleva a produtividade da economia, am-

pliando conseqüentemente a competitividade externa de um país, fator

fundamental no atual contexto de globalização.

Países reconhecidos pela sua competitividade investem pesadamen-

te na educação, para que no futuro seu diferencial competitivo não

esteja apoiado em mão-de-obra barata. Promover o desenvolvimento

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sustentável para o Brasil pressupõe voltar esforços para a melhoria da

nossa educação.

O perfil do professor e da sua atuação envolve fatores – conheci-

mento, habilidade, comprometimento e envolvimento – que são

também fundamentais ao se pensar a educação.

Há hoje bons estudos nacionais e internacionais que nos possi-

bilitam ter conhecimento sobre o que faz diferença nessa área. Por

exemplo, sabe-se que para atuar de maneira efetiva na qualidade, há

que se considerar muito além do conhecimento e do envolvimento do

professor. Infra-estrutura, ambiente da escola, recursos educacionais,

perfil do diretor, gestão, participação da comunidade e inserção do

poder público são alguns dos pontos que incidem sobre os resultados

e que precisam ser também pensados, trabalhados e disponibilizados

de maneira integrada.

É direito da sociedade o acesso à educação de qualidade e dever

do Estado ofertá-la. Para efetivamente exigir e garantir esse direito, é

preciso que a sociedade tenha conhecimento e compreensão sobre o

que isso significa, sobre o que pode fazer a diferença. Assim, é fun-

damental o acesso às informações relacionadas ao tema, com lingua-

gens e meios acessíveis a todos. O conhecimento produzido precisa ser

compartilhado, esmiuçado, experimentado, disseminado, relacionado e

aprofundado.

Teremos bons resultados se a sociedade entender qual o papel de

cada um, o que exigir, o que cobrar e como ajudar.

O retrato da situação atual comprova que ainda nos falta habilida-

de para atuar positivamente na educação. Conhecer outras experiências

pode nos ajudar a entender o “como fazer”.

Diversos países conquistam avanços significativos desenvolvendo

ações na educação. Precisamos conhecer o que e como fazem, quais

os resultados, como superam os desafios e verificar se há possibilidade

de ajustar as suas experiências às nossas características e diversidades.

Há também positivas experiências no Brasil que podem ensinar a outros

um pouco de nós; é preciso organizar e disseminar o conhecimento que

elas produzem e, se possível, adaptá-las para que sejam “replicadas”.

Só com comprometimento será possível promover mudanças na

educação. Os avanços quantitativos observados na educação nacional

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nos últimos dez anos refletem um certo comprometimento, porém os

índices sobre a situação de escolarização e aprendizagem comprovam

que é preciso muito mais. O compromisso urgente é o esforço de per-

manência dos alunos nas escolas por um período além dos oito anos

de escolarização obrigatória do ensino fundamental, com a garantia da

oferta de educação de qualidade.

Estabelecer a educação básica como prioridade é uma boa maneira

de demonstrar comprometimento, especialmente se for explicitado na

distribuição dos recursos públicos. O Brasil gasta hoje aproximadamente

5% do PIB em educação, o que é significativo se comparado inclusive a

outros países cujo desempenho educacional é superior ao nosso. Entre-

tanto, 60% dos recursos federais para educação são gastos com o ensino

superior, sobre o qual o investimento por aluno é dez vezes maior se

comparado ao investimento por aluno na educação básica.1

Uma boa formação universitária é certamente necessária se pre-

tendermos competir e nos destacar positivamente nos diferentes mer-

cados. Sabemos que, para tal, investimentos no ensino superior são

fundamentais. Entretanto, é preciso superar os problemas da educação

na sua base, inclusive para garantir qualidade também na formação

superior.

Para isso, é importante considerar inclusive o apoio das instituições

do ensino superior na formação dos professores da educação básica.

Com honrosas e exemplares exceções, a participação das universidades

no desenvolvimento da educação básica ainda não reflete todo o poten-

cial de contribuição que efetivamente podem dar sobre esse tema.

Para garantir que as mudanças gerem impacto efetivo na qualidade da

educação, é essencial o envolvimento da sociedade, capaz de pressionar

pela atuação dos governos. A pressão social apenas acontece quando a

sociedade conhece seus direitos, valoriza-os e passa a exigi-los.

Assim, a sociedade precisa reconhecer a educação como instrumen-

to de acesso e de desenvolvimento, tomando consciência do forte im-

pacto que ela pode exercer na vida das pessoas.

1 SCHWARTZMAN, Simon. “Educação: a nova geração de reformas”. In: GIAMBIAGI, Fabio; REIS, José Guilherme; URANI, André (org.). Reformas no Brasil: balanço e agenda. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2004.

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Promover um forte movimento que disponibilize informações, sen-

sibilize, conscientize e possibilite o envolvimento dos diferentes setores

nessa empreitada é responsabilidade que deve envolver empresários,

artistas, intelectuais, ONGs, veículos de comunicação e todos os que

compreendem o valor da educação.

Outros países estabeleceram a educação como prioridade, com o

comprometimento e o envolvimento dos governos e da sociedade. Os

resultados dos esforços se traduzem em desenvolvimento social, cultural

e econômico.

É verdade que há no Brasil, como que pairando no ar, o sentimen-

to de que a educação de qualidade é fundamental; porém, isso precisa

ser traduzido, tornar-se compromisso e ações concretas. Senão, o que

estamos promovendo é apenas a angústia do nosso povo, que já não

consegue ver com clareza um sentido para estudar, além de estarmos

piorando a auto-estima dos que atuam diretamente na educação pública

e não conseguem melhorá-la por falta de instrumentos adequados.

Experiência concretaJá há no Brasil inúmeras instituições e pessoas engajadas nesse com-

promisso, que nos possibilitam ter contato com ações concretas que se

mostraram efetivas.

Uma das boas experiências em educação pública e que envolve

positivamente o compromisso e o envolvimento dos diferentes setores

acontece na região da Chapada Diamantina: o Projeto Chapada.

Localizado no interior da Bahia, numa região caracterizada pelo

baixo desenvolvimento social e econômico, o Projeto Chapada come-

çou em 1999, pequeno, numa sala de aula e com uma professora. Mas

também começou grande, em compromisso e em envolvimento, tan-

to daquela professora como da ONG e da empresa que acreditaram e

apoiaram o trabalho com recursos financeiros e conhecimento técnico

e pedagógico.

Ao longo do tempo, o projeto foi ganhando corpo com a adesão e o

compromisso de outras escolas e outros municípios; hoje atinge mais de

5 mil professores, 387 coordenadores e 280 diretores, beneficiando mais

de 100 mil alunos do ensino fundamental de 27 municípios da região.

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Com o compromisso intenso das redes municipais de ensino, além

do apoio constante de especialistas da área e da participação ativa de

ONGs, contando com financiamento compartilhado de empresa priva-

da, em sete anos observaram-se melhorias significativas no desempenho

dos sistemas de ensino – evasão e repetência – e no desempenho dos

alunos.

Além dos positivos resultados observados em indicadores levanta-

dos numa avaliação externa, relatos de professores, diretores e secre-

tários municipais de educação mostram que há hoje um compromisso

maior da comunidade e do poder público com a educação. Os professo-

res também relatam que se vêem mais conscientes de sua função e com

melhores ferramentas pessoais para ensinar seus alunos.

Mães de alunos percebem mudanças positivas nas crianças, colocan-

do que seus filhos adquiriram o prazer pela leitura e estabeleceram uma

relação construtiva com a escola. Com isso, dizem elas, também vêem

hoje a educação de um jeito diferente, melhor, mais construtivo.

Atuando de maneira crescente e consistente na formação continua-

da de professores, diretores de escola e gestores públicos da educação,

com a presença de liderança, a mobilização da sociedade e o com-

prometimento do poder público, o Projeto Chapada nos ensina que é

possível promover mudanças positivas na educação e na maneira de a

sociedade se relacionar.

Com seus sete anos de existência, o Chapada já passou por mais

de uma eleição e continua lá, crescendo e nos ensinando. Para garan-

tir a continuidade da ação, a qual já mostrava bons frutos, no período

que antecede as eleições foram organizados fóruns municipais, com

diversos representantes da sociedade civil, que produziram uma sín-

tese de compromissos com a educação e a entregaram a cada candi-

dato, que por sua vez se comprometeu a assumi-los. Isso foi fruto da

valorização da educação naquela região, conquistada também com o

apoio do Chapada e hoje, de maneira muito positiva, de domínio da

sociedade.

Esse é um exemplo de que uma grande mobilização da sociedade

em favor da educação, apoiada em professores com mais e melhor for-

mação, torna possível transformar realidades, por mais complexas que

elas possam parecer.

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O grande desafio como nação é promover uma grande articulação

que garanta o envolvimento da sociedade civil – empresas, ONGs e as-

sociações – e do poder público no compromisso com a efetiva melhoria

da qualidade da educação básica.

Principais propostasApostar que apenas a formação e a qualificação dos professores darão conta dos

grandes desafios da educação pública no nosso país é minimizar a complexidade

desse cenário. Por isso, é fundamental que as políticas públicas considerem o

dinamismo do processo educacional, além de aspectos sociais e econômicos da

população à qual as ações se destinam. Práticas pontuais e não integradas ten-

dem a obter baixos impactos na qualidade do ensino e, conseqüentemente, pouca

efetividade dos gastos públicos nessa área.

Um importante aspecto a ser considerado refere-se à articulação positiva entre

os governos, no que diz respeito ao esclarecimento da população e à prestação

de contas. Nesse sentido, uma importante contribuição da esfera federal seria

compartilhar com os sistemas de ensino, as escolas e toda a sociedade dados

e informações obtidos nos levantamentos e avaliações que realizam sobre a si-

tuação da educação. Essas informações são importante instrumento no apoio à

elaboração de políticas locais, à ação das escolas e à participação das famílias no

processo educacional de seus filhos e na cobrança de iniciativas que contribuam

para melhores resultados. Além disso, precisam ser apresentadas à sociedade,

em especial às comunidades atendidas pela rede pública, informações claras e

transparentes sobre o uso dos recursos financeiros, incluindo as melhores formas

de sua aplicação.

Outro ponto relevante diz respeito à necessidade de os poderes públicos com-

preenderem e respeitarem as peculiaridades da população atendida pelo ensino

gratuito em cada cidade. Seria um grande equívoco das políticas educacionais

desconsiderar as diversidades sociais, culturais e econômicas observadas de

norte a sul do Brasil. Nesse sentido, o poder local e suas unidades escolares

devem considerar as características de sua comunidade, além de identificar as

necessidades pedagógicas e de infra-estrutura para o aprendizado dos alunos.

Quanto maior a autonomia local, maiores as chances de se atingirem resultados

positivos.

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Proposta 1 Promover formação continuada de professores, diretores de escola e gestores públicos da educaçãoA reflexão em torno do papel do educador não pode deixar de passar por uma

premissa fundamental: o professor é um profissional. Isso significa que apenas

a garantia de emprego não basta para que ele desenvolva suas atividades plena-

mente. A fim de que as redes de ensino atraiam e retenham bons profissionais,

são necessários estímulo constante e condições adequadas de trabalho, além de

cursos de aperfeiçoamento e reconhecimento por desempenho, assim como ocor-

re em outros setores do mercado de trabalho. Essa dinâmica também se aplicaria

a toda a cadeia que incide no aprendizado dos alunos: diretores, assistentes,

secretários, coordenadores etc.

No que tange à formação dos professores, muitos avanços já foram promovidos

pela legislação. A Lei de Diretrizes e Bases define como obrigatória, por exemplo,

a formação inicial e apresenta um prazo para que os sistemas de ensino se en-

quadrem a essa exigência. Quanto à formação continuada, vale destacar que é

impossível generalizar o processo, pois as etapas da educação têm prerrogativas

variadas, que também devem ser consideradas. Cada município, bairro ou escola

pode requerer do professor um conhecimento ou uma habilidade específica.

Proposta 2 Criar fóruns locais, antes das eleições, para a produção de um documento que apresente os compromissos educacionais que a comunidade espera dos candidatosO objetivo do apoio à organização de fóruns, que devem ser realizados no período

anterior às eleições, seria produzir um documento que contemplasse os com-

promissos com a educação: o que a população espera que seja prioritariamente

considerado pelos futuros governantes. Ele deve ser democrático e representativo,

com a participação ativa dos diversos setores da sociedade.

O embrião para esse modelo de fórum já foi instituído em parte das escolas.

Trata-se do trabalho realizado pelas “associações”, que levam à pauta de discus-

são, entre professores, pais, alunos, coordenadores pedagógicos e outros fun-

cionários, questões importantes, que precisam ser definidas democraticamente.

Dessa maneira, a tomada de decisão torna-se legítima, uma vez que condiz com a

realidade escolar e considera todos os envolvidos.

Para que haja uma mobilização social mais ampla e o produto desses debates

seja efetivamente positivo, cabe a todos promover a conscientização sobre o pa-

pel e o valor da educação. Nesse sentido, o governo federal pode – juntamente

com municípios, estados e setores da sociedade – disponibilizar informações que

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apóiem a construção dessa consciência. Conhecendo a dinâmica da aprendizagem

e a complexidade da educação, a população poderá formular e sugerir propostas

pautadas em informações reais, cobrar resultados e pressionar, de maneira res-

ponsável, os governos para oferta de educação pública gratuita e de qualidade.

Sobre o autor do artigoGuilherme Peirão Leal, 56 anos, é co-presidente do Conselho de Administração e um dos principais acionistas da Natura Cosméticos S.A. É bacharel em Administração de Empresas pela Universidade de São Paulo e possui cursos de extensão no INSEAD e HBS.

Além de sua atuação na Natura, Guilherme Leal tem participado da criação e do desen-volvimento de diversas organizações da sociedade civil. Em 1998 ajudou a fundar o Instituto Ethos de Empresas e Responsabilidade Social e foi seu primeiro Presidente do Conselho Deliberativo. Participa ainda da Fundação Abrinq pelos Direitos da Criança (ex-presiden-te e atual membro do Conselho Deliberativo); Instituto Akatu pelo Consumo Consciente (fundador e membro do Conselho Diretor); Consea – Conselho de Segurança Alimentar e Nutricional da Presidência da República (ex–conselheiro); FUNBIO – Fundo Brasileiro para a Biodiversidade (membro do Conselho Diretor); WWF-Brasil (membro do Conselho Diretor); ABVD – Associação das Empresas de Venda Direta (fundador e ex-presidente durante oito anos); IEDI – Instituto de Estudos do Desenvolvimento Industrial (ex-conselheiro); Centro de Tecnologia Empresarial / Fundação Dom Cabral (ex-presidente do Conselho); CEAL – Conse-lho de Empresários da América Latina (conselheiro); Grupo O Estado de S. Paulo (ex-membro do Conselho Consultivo); Nueva Holding Inc. (membro do Board of Directors). Atualmente está ajudando a criar a ESCAS – Escola Superior de Conservação Ambiental e Sustentabili-dade, uma parceria entre o IPÊ – Instituto de Pesquisas Ecológicas – e a Natura.

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Sumário executivoEm um texto conciso e bem-humorado, o filósofo e professor titular do De-

partamento de Teologia e Ciências da Religião e da Pós-Graduação em

Educação da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, Mario Sergio

Cortella, retoma algumas idéias propostas no seu livro A escola e o co-nhecimento (Cortez) para explicar a gênese da crise educacional brasilei-

ra. O articulista passeia pela História do Brasil e usa o modelo econômico

e o processo de urbanização assistidos nos últimos 40 anos para explicar

as razões que, em sua opinião, justificam o colapso da educação. Assim,

recusa-se “a incriminar com exclusividade os professores pelas múltiplas

fontes e dimensões do fracasso escolar no país” – o que, em um neologis-

mo, chama de “pedagocídio”. Para Cortella, é inadequado desvincular

crise escolar e injustiça social, assim como rotular a escola pública como

5Formação docente: recusar o pedagocídio

Mario Sergio Cortella

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ruim e a privada como boa, uma vez que o que difere uma da outra é o perfil social, cultural e econômico do aluno que a freqüenta. O especialis-ta afirma ainda que só com investimentos do governo e das elites a nação decolará rumo ao desenvolvimento econômico.

Todas as vezes que se começa a discutir a Educação no Brasil, seus desatinos, transtornos e putrefações, um certo desalento invade variados territórios mentais e, melancolicamente, pessoas suspiram: “É, a escola pública do passado é que era boa; temos de resgatar aquela qualidade de ensino e a dedicação dos professores”.

Resgatar! Resgatar a cidadania, resgatar a democracia, resgatar a qua-lidade da escola! Já ouviu ou leu isso?

Mera ilusão; o verbo supõe que algo já existiu e é preciso ir à busca e trazer de volta o que um dia já esteve presente. Ora, cidadania não é mera garantia de direitos formais, assim como democracia não se esgota em sufrágios eventuais nem qualidade da escola deve ser confundida com privilégio.

Insista-se: em uma democracia cidadã, é indispensável sempre pen-sar em qualidade social, o que, evidentemente, exige quantidade total; em uma sociedade na qual se deseje vivência igualitária, qualidade sem quantidade não é qualidade, é privilégio.

Ainda não tivemos cidadania, democracia e qualidade socialmente distribuídas e eqüitativamente apropriadas e, desse modo, a nossa tarefa é construir e não resgatar. Se quisermos colocar a formação de profes-sores como um elemento essencial nesse projeto de construção de um futuro coletivamente digno, temos de ir até algumas causas mais profun-das e visitar um pouco a gênese de determinados equívocos.

Calma lá! Não é tão simples escolher um único culpado...Costumo começar várias reflexões com colegas docentes, especialmente

aquelas e aqueles que atuam na educação básica, lembrando de forma

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caricatural uma das frases mais proclamadas por nós: “Os alunos de

hoje não são mais os mesmos!”. Após algumas repetições mais teatrais

da mesma exclamação, ressalto que isso é algo óbvio por completo. Di-

go eu: “É claro que os alunos de hoje não são mais os mesmos! Até aí,

quem isso fala demonstra apenas um pouco de sanidade mental”. Na

seqüência, completo: “Maluco é quem, isso constatando, continua a dar

aulas do mesmo modo que dava há 15 ou 20 anos”...

O desejado acontece, muitas são as risadas autocomplacentes e, em

meio a esse humor voluntário, vem uma certa clareza sobre o distancia-

mento entre a nossa formação como docentes e o perfil e a natureza dos

discentes com os quais partilhamos a atividade pedagógica.

É quase imediato, então, concluir: “Está vendo! Se os professores e

as professoras tivessem consciência disso, tudo seria diferente. Mas, não!

Continuam, porque são descompromissados, a fazer tudo como sempre

fizeram; só podia fracassar mesmo a Educação brasileira”.

Nessa hora, cautela com as conclusões fáceis e explicações superfi-

ciais! Não dá para somente psicologizar ou psicanalisar a questão, pro-

curando na subjetividade do docente a fonte dos malefícios; isso tam-

bém importa, mas é menos substantivo do que os fatos originados da

análise sociológica, política, econômica e, portanto, histórica. Do con-

trário, somos tentados a, rapidamente, incriminar com exclusividade os

professores pelas múltiplas fontes e dimensões do fracasso escolar no

Brasil, que prefiro – criando um neologismo meio torto – chamar de

pedagocídio.

Nesse ofício pedagocida, é bastante interessante o papel que vem

sendo exercido por alguns “achologistas” que, sem nunca terem atuado

de fato na educação escolar, e apenas porque escolas freqüentaram ou

freqüentam, passaram a oferecer cenários educacionais oníricos, desde

que, claro, se consiga “converter” os professores e resgatar “a pureza de

um trabalho que perdeu a sua alma nos últimos anos”. Nessa empreitada

pouco epistêmica e bastante doxológica, confundem autores com atores

e protegem um privatismo meramente mercantil.

Pior ainda, há vários intelectuais ligados à Educação que se vêm

prestando à tarefa de escrever livros cujo foco central é desmoralizar e

tripudiar sobre a escola (mormente a pública), sob o pretexto de fazer

uma crítica salvacionista. Outro dia, ao ser perguntado em entrevista

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(Direcional, maio/2006) se não estaríamos vivendo o fim da escola,

respondi:

“Ao contrário, até não gosto de alguns pensadores e educadores que

hoje banalizam e desprezam a escola. Falam continuamente contra a

escola e fazem aquilo que rejeito, que é a necropsia da escola. Eu não

gosto de fazer necropsia da escola, mas de fazer biopsia da escola. A

biopsia seria pegar aquilo que vivo está, examinar o que contém de pro-

blemas, para mantê-lo vivo. Já a necropsia serve apenas para identificar

a causa mortis. Isso de nada resolve. O desprezo pela escola formal ser-

ve imensamente às elites. Como essas elites têm acesso a outras formas

de cultura letrada, a escola de uma certa maneira é muito secundária na

formação desses jovens”.

Na mesma conversa, ao ser indagado sobre as comparações entre a

escola pública e a escola particular, disse algo que há muitos anos de-

fendo: “A questão séria no nosso país não é a escola pública versus a

escola particular, mas é a escola boa versus a escola ruim. Quem entrar

no circuito escola pública versus escola privada está entrando numa ar-

madilha tonta. Escolas boas e ruins nós temos em ambos os campos. (...)

O que diferencia a escola pública da particular é o tipo de aluno que a

freqüenta. Inclusive porque uma parcela significativa dos professores da

rede pública dá aula também na rede privada. O aluno que ingressa na

escola pública é vitimado no cotidiano social por incapacidade econô-

mica, por dificuldade de acesso a outras fontes de informação, por uma

estrutura familiar depauperada. Elevar a condição desse aluno é elevar

a condição da escola também”.

O povo vai à escola: uma solução problemática?Ué – pode-se replicar –, mas no passado a escola pública não era uma

referência de qualidade, superando qualquer dicotomia? E os alunos

não eram igualmente pobres, mesclados com os que tinham melhores

condições financeiras? Onde perdemos, então, essa qualidade?

Por incrível que pareça, nunca a perdemos, pois não existia como

tal; o que aconteceu foi algo aparentemente contraditório: a escola pú-

blica, nos últimos 40 anos, tornou-se pública! Em outras palavras, a

escola passou a ter, de forma acelerada e contínua, grandes massas po-

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pulacionais dentro dela e, nessa fase, nós docentes não estávamos pre-

parados, e as elites predatórias não estavam interessadas no problema.

Para nos ajudar a entender melhor a gênese da crise atual, retomo

aqui, em forma de decálogo, excertos literais rearranjados (para não ter

de apenas escrever de outro modo aquilo que atende à análise) de des-

crição por mim feita no livro A escola e o conhecimento (Cortez):

1. A crise da Educação tem sido inerente à vida nacional porque não

atingimos ainda patamares mínimos de uma justiça social compatí-

vel com a riqueza produzida pelo país e usufruída por uma minoria.

Não é, evidentemente, “privilégio” da Educação; todos os setores

sociais vivem sucessivas e contínuas crises.

2. A crise educacional tem raízes estruturais históricas e se manifesta

de formas diversas em conjunturas específicas: confronto do ensino

laico x ensino confessional, conteúdos e metodologias, adequação

a novas ideologias, democratização do acesso, gestão democrática,

educação geral x formação especial, educação de jovens e adultos,

escolaridade reduzida, público x privado, baixa qualidade de ensino,

movimentos corporativos carecendo de greves constantes e prolon-

gadas, despreparo dos educadores, evasão e retenção escolar; esses

e outros motivos de crise ganham agudização episódica em oportu-

nidades variadas por todo este século em nosso país.

3. Os últimos 40 anos da história brasileira foram marcados por um

fenômeno de conseqüências profundas e múltiplas: um acelerado

processo de urbanização que acabou por transferir a maioria abso-

luta de nossa população das áreas rurais para as cidades. Há 30 anos,

pouco mais de 30% dos brasileiros viviam nas cidades e, conseqüen-

temente, a demanda por serviços públicos nos setores de educação,

saúde, habitação, infra-estrutura urbana etc. ficava bastante restrita.

4. Os cidadãos não-proprietários que viviam nas áreas rurais, mor-

mente em um país predominantemente latifundiário, não tinham

adequadas condições de organização para alavancar reivindica-

ções, seja por estarem submetidos a um rígido controle político/

econômico, seja pela própria distribuição populacional mais isola-

da e menos concentrada; ademais, do ponto de vista da produtivi-

dade do trabalho e da lucratividade do capital, a escolarização dos

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trabalhadores, por exemplo, não era (como ainda hoje pouco o é)

um pré-requisito básico.

5. O modelo econômico implantado no país a partir de 1964 privile-

giou a organização de condições para a produção capitalista indus-

trial e, assim, o poder político central (atendendo aos interesses das

elites) direcionou os investimentos públicos para grandes obras de

infra-estrutura: estradas, hidrelétricas, meios de comunicação etc.; o

financiamento para essa política e para a aquisição de equipamentos

e tecnologias foi obtido com empréstimos no exterior (pelo Estado

ou por particulares com o aval do Estado) e levou a um brutal endi-

vidamento do país, retirando, cada dia mais, os recursos necessários

para investimentos nos setores sociais.

6. Ora, a aceleração da industrialização capitalista exige a concentração

dos meios de produção e, claro, dos trabalhadores, gerando uma

urbanização crescente e desorganizada; a ausência de uma reforma

agrária efetiva, as benesses de incentivos fiscais aos grandes proprie-

tários, a prioridade ao plantio de produtos agrícolas de colheita me-

cânica para exportação, a hegemonia monocultural para fabricação

de álcool combustível (ocupando extensas áreas antes destinadas ao

cultivo de alimentos), tudo isso e muito mais contribuiu para a ex-

pulsão da população rural em direção aos centros urbanos.

7. Ao mesmo tempo, e não por coincidência, os investimentos nos

setores sociais foram reduzidos drasticamente, não acompanhando

minimamente as novas necessidades urbanas decorrentes do modelo

econômico; disso, dois fatos emergiram: o colapso de serviços pú-

blicos como educação e saúde (com seu inchaço despreparado) e a

progressiva ocupação deles pelo setor privado da economia.

8. Na Educação, alguns dos efeitos foram desastrosos: demanda explo-

siva (sem um preparo suficiente da rede física), degradação do ins-

trumental didático/pedagógico nas unidades escolares (reduzindo a

eficácia da prática educativa), ingresso massivo de educadores sem

formação apropriada (com queda violenta da qualidade de ensino

no momento em que as camadas populares vão chegando de fato à

escola), diminuição acentuada das condições salariais dos educado-

res (multiplicando jornadas de trabalho e prejudicando ainda mais

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a preparação), imposição de projeto de profissionalização discen-

te universal e compulsória (desorganizando momentaneamente o já

frágil sistema educacional existente), domínio dos setores privatistas

nas instâncias normatizadoras (embaraçando a recuperação da Edu-

cação pública), centralização excessiva dos recursos orçamentários

(submetendo-os ao controle político exclusivo e favorecendo a cor-

rupção e o esperdício).

9. Fortalece-se a percepção de que, no momento em que as classes

trabalhadoras passam a freqüentar mais amiúde os bancos escolares,

os paradigmas pedagógicos em execução são insuficientes para dar

conta plenamente desse direito social e democrático. A qualidade

tem que ser tratada com a quantidade; não pode ser revigorado o

antigo e discricionário dilema da quantidade x qualidade e a de-

mocratização do acesso e da permanência deve ser absorvida

como um sinal de qualidade social.

10. Essa qualidade social, por sua vez, carece de uma tradução em quali-

dade de ensino e, assim, a formação do educador necessita abranger

o elemento técnico de especialização em uma área do saber (e a ca-

pacitação contínua) e também a dimensão pedagógica da capacida-

de de ensinar; a discussão sobre tal dimensão envolve ainda temas

mais amplos como a democratização da relação professor/aluno, a

democratização da relação dos educadores entre si e com as instân-

cias dirigentes, a gestão democrática englobando as comunidades e,

por fim, como objetivo político/social mais equânime, a democrati-

zação do saber.

E agora? O que fazer?Não sabemos? Será que ainda temos de insistir mais? Não é tão compli-

cado; para começo de conversa, os docentes precisam de atualização

científica (a ser feita em parceria com universidades públicas e comu-

nitárias), acesso a tecnologias de ensino/aprendizagem (com equipa-

mentos gratuitos nas escolas e nas casas, pois elas são extensão usual

do local de trabalho), educação continuada (com reuniões semanais

de grupos de formação por área de conhecimento nas escolas e em

agrupamentos de escolas), melhores condições salariais (para permitir

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dedicação mais exclusiva e por mais tempo a comunidades escolares),

instalações prediais que comportem as necessidades de escolarização/

lazer/saúde das pessoas ali presentes.

Com que dinheiro tudo isso? Ora, não se afirma que a educação es-

colar é fator decisivo para o desenvolvimento econômico? Se nosso país,

com a miserabilidade escolar que ainda (mas não para sempre) apresen-

ta, consegue ficar entre as 12 maiores economias do planeta, imagine

se resolvermos (em emenda constitucional) aplicar paulatinamente (1

ponto percentual a mais por ano) até atingirmos 10% do PIB (em vez

dos atuais 4%) até 2012? Quem perderá?

Ninguém. Será o melhor investimento financeiro que as elites pode-

rão fazer, com retorno comprovado já em outras nações; será a melhor

recompensa para a maioria de uma população que, mesmo não escola-

rizada a contento, já consegue patamares de sucesso econômico como

nação a ponto de superar outros 180 países filiados à ONU.

Por que não? Ou deveremos sempre oferecer razão a Darcy Ribeiro,

quando, em julho de 1977, na cerimônia de abertura da Reunião Anual

da SBPC, realizada naquele ano na PUC-SP, afirmou enfaticamente que

“a crise da Educação no Brasil não é uma crise; é um projeto”.

Principais propostasGarantir melhores salários significa acreditar na jornada única de trabalho dos

professores, para que eles possam otimizar seu tempo na escola – e fora dela

– e tenham um preparo mais adequado e mais condizente com o que se espera

do sistema de ensino do nosso país. Não se trata de estabelecermos aqui uma

relação automática entre remuneração e qualidade educacional. Aumentar os sa-

lários desses profissionais não é, afinal, suficiente para promover a melhoria do

ensino, mas sem dúvida constitui um elemento necessário para que alcancemos

tal finalidade.

Para isso, o que não faltam são discursos que defendam a verdadeira educação

de qualidade no país. Agora, no entanto, mais do que nunca, é preciso deixar de la-

do a teoria e partir para a prática. Como? Injetando mais recursos na educação bá-

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sica do Brasil, levando em conta que o aumento do percentual do PIB direcionado

a essa área não determina necessariamente o deficit de outros segmentos impor-

tantes. Basta dar seqüência à reforma tributária, que já se iniciou, e estabelecer

mecanismos que bloqueiem, ou pelo menos minimizem, os processos de evasão

fiscal. Não se utiliza o tempo todo o argumento de que a educação faz crescer a

economia e engrandece a nação? Pois é. A educação tem o poder de alavancar a

saúde, a assistência social, a habitação, mesmo que de forma indireta.

Também não é raro ouvirmos que o problema do país não está na falta de

dinheiro para a educação, e sim em seu mau uso. Uma meia-verdade, digamos.

Em geral, a verba é mal gasta, sem dúvida, mas a quantia é pequena, se conside-

rarmos as múltiplas demandas da área. A partir dessa questão, vale refletir sobre

o fato de que, nos países desenvolvidos, os 4% do PIB investidos na educação

são suficientes, já que eles têm uma realidade muito além da nossa. Para os que

ainda contam com uma educação pública em situação de miserabilidade, como

é o caso do Brasil, é necessário uma overdose financeira, acompanhada de uma

política emergencial, que consiga nos tirar de vez da “UTI pedagógica”.

Proposta 1Melhorar as condições salariais, que permitam dedicação exclusiva e ajudem a reter por mais tempo os professores nas comunidades escolares

Para compensarem os baixos salários e obterem uma remuneração mais adequa-

da, não é de hoje que os professores vêm adotando jornadas diárias de trabalho

que prevêem sua atuação em duas ou até três escolas diferentes. Essa multiplica-

ção de jornadas revela uma depauperação das condições de trabalho da categoria.

A prática fica explícita, inclusive, na própria constituição. O magistério é a única pro-

fissão que permite dois empregos públicos, ao lado da medicina (desde que uma

das atividades seja a docência). As condições salariais precárias do professorado,

leia-se, são reconhecidas pela própria legislação.

Em geral, costuma-se remunerar o educador somente pela execução de seu

trabalho. Ou seja, pelo número de horas que ele permanece em sala de aula.

Mas é necessário levar em conta que, além de lecionar, ele precisa planejar e

preparar as aulas, e corrigir lições e provas. Dessa forma, aumentar os salários

significa permitir que o docente concentre sua carga horária em uma só escola,

o que resulta em um trabalho mais completo. Em primeiro lugar, o profissional

tem a possibilidade de se dedicar a um público específico. Em segundo, o menor

número de alunos lhe garante mais tempo livre para se concentrar em atividade

fora das salas de aula. E, em terceiro, com uma jornada de tempo integral – que

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pressupõe alterações no seu contrato –, o professor consegue acumular horas de

trabalho coletivo. Afinal, a educação não é um processo individual, e a atuação

pedagógica só funciona se as ações estiverem inseridas em um processo global

de planejamento escolar.

Com isso, incrementos nos salários possibilitariam uma jornada de tempo inte-

gral, de 40 horas semanais: 20 em sala de aula, 10 na escola (em trabalho cole-

tivo com os colegas e atendimento de alunos ou pais) e mais 10 em local de livre

escolha (um tempo dedicado ao estudo, à pesquisa e a outras práticas capazes

de aperfeiçoar sua formação). Ao contrário do que acontece hoje: os docentes não

têm sequer 10% da carga horária semanal para preparação de aulas, reuniões e

outras atividades.

Outro ponto que merece destaque refere-se à importância do estímulo aos

professores, para que eles dêem continuidade a sua graduação – por meio de

mestrado, doutorado ou especialização – e sejam recompensados por isso. Esse

incentivo à maior qualificação só funcionará, entretanto, se estiver intimamente

ligado a uma política pública de favorecimento e facilitação da presença do educa-

dor em cursos dessa natureza.

Enfim, a proposta revela a preocupação com a perda de qualidade provenien-

te da fragmentação do trabalho docente. A situação das próprias universidades

exemplifica essa questão. É sabido, afinal, que a qualidade do ensino é melhor na-

quelas que contam com maior número de professores em tempo integral. Medidas

como essas, porém, dificilmente seriam implementadas de uma hora para outra,

mesmo que houvesse recursos, pois exigem a adaptação de toda a rede pública,

uma vez que requer a contratação de quantidade extra de educadores. Seja como

for, traça-se um horizonte favorável para que o país busque a boa educação à qual

sua população tem direito.

Proposta 2 Criar uma emenda constitucional que aumente gradualmente o investimento em educação

O executivo federal apresentaria ao poder legislativo uma Proposta de Emenda

Constitucional (PEC) que estabelecesse a aplicação de 1% a mais do PIB a ca-

da ano, até atingirmos, em 2012, o patamar de 10% (em vez dos atuais 4%). A

elevação desse índice acompanharia, de forma automática, o aumento da arre-

cadação fiscal.

Os impactos dessa proposta, que visa elevar a condição geral da educação,

poderiam ser sentidos na ampliação das possibilidades de financiamento, no me-

lhor aparelhamento da estrutura educacional (incluindo as tecnologias de ensino

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e aprendizagem à disposição tanto na escola quanto na casa do professor, onde

ele dá continuidade ao seu trabalho) e na melhoria das condições salariais. Inclui-

se nesse contexto a maior atenção aos adultos analfabetos, que por muito tempo

têm sido marginalizados pelo sistema de ensino. O argumento usado, nesse caso,

é o de que essa população, mais velha, não necessita de grandes habilidades nos

campos da leitura e da escrita. Esquece-se, no entanto, que famílias alfabetizadas

e, portanto, com maior nível de escolaridade têm influência decisiva na educação

de crianças e jovens.

Para assegurar sua eficácia, essa medida exige um controle rigoroso por parte

das estruturas de fiscalização, a exemplo do Tribunal de Contas da União, dos

órgãos que atuam junto aos três níveis dos poderes legislativos e dos conselhos

municipais de educação, que, embora previstos na Lei de Diretrizes e Bases, apa-

recem de forma difusa. Constituídos por grupos de cidadãos de uma determinada

localidade, os conselhos garantiriam o acompanhamento da verba destinada às

escolas. Atuariam como parte de uma gestão democrática ligada ao Conselho

Nacional de Educação e outras entidades estaduais e municipais, que hoje não

cumprem a contento a tarefa controladora. Essas instâncias fiscalizadoras, por

sua vez, poderiam transformar a aplicação de recursos em relatórios obrigatórios

de prestação de contas à população.

Sobre o autor do artigoMario Sergio Cortella. Filósofo, com mestrado e doutorado em Educação pela PUC-SP, na qual é professor titular do Departamento de Teologia e Ciências da Religião e da Pós-Gra-duação em Educação (Currículo), além de professor convidado da Fundação Dom Cabral e do GVpec da FGV-SP. Foi Secretário Municipal de Educação de São Paulo (1991-1992) e é autor, entre outros livros, de A escola e o conhecimento (São Paulo: Cortez, 2005. 9. ed.); Nos labirintos da moral, com Yves de La Taille (Campinas: Papirus, 2005. 2. ed.); Não es-pere pelo epitáfio: Provocações filosóficas (Rio de Janeiro: Vozes, 2005.); e Não nascemos prontos! (Rio de Janeiro: Vozes, 2006.).

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Educação infantil

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Sumário executivoNo texto elaborado exclusivamente para o projeto Reescrevendo a Edu-cação, Telma Weisz aborda o “desmoronamento de certezas”, que há

tempos vem fazendo parte da história da educação no país e, por isso

mesmo, abrindo caminho para revelações interessantes sobre o aprendi-

zado infantil. Por meio de exemplos práticos, o leitor identificará os di-

ferentes estágios de alfabetização das crianças brasileiras e poderá cons-

tatar a importância da mudança de foco – do “como se ensina” para o

“como se aprende”. A autora ressalta que as escolas não podem mais se

eximir da responsabilidade de dar todo o apoio às crianças, sobretudo

às pobres e carentes, que em geral não têm em casa as mesmas oportuni-

dades de leitura e escrita das classes média e alta. São elas, portanto, que

mais dependem de um ensino infantil de qualidade. Esses são alguns dos

6Alfabetização, educação infantil e acesso à cultura escrita: as possibilidades da escola de nove anos

Telma Weisz

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principais destaques do artigo da doutora em Psicologia da Aprendiza-

gem e do Desenvolvimento, uma das autoras dos Parâmetros Curricula-

res Nacionais de Língua Portuguesa e co-responsável pela concepção do

Programa de Formação de Professores Alfabetizadores (PROFA).

Nestes tempos em que o país parece ter finalmente acordado para a questão da qualidade da educação e o tema começa a encontrar espaço na mídia, ainda que de forma um tanto superficial, penso que é importan-te deixar aqui registrado que, apesar de ainda ser muito ruim, a educação brasileira vem melhorando e não piorando, como a leitura de jornais e revistas parece, atualmente, dar a impressão. Quem se dá ao trabalho de olhar de perto vê um grande esforço, tanto de profissionais quanto de instituições, para melhorar a qualidade do ensino. Praticamente todos os sistemas públicos de educação têm desenvolvido programas de formação em serviço, de atualização profissional para seus professores e técnicos. Mas, como sabem as pessoas que vivem o cotidiano da educação pública, problemas desse tamanho não têm solução simples nem fácil.

Desde que dispomos de estatísticas educacionais confiáveis – e lá se vão mais de 50 anos –, temos dados que mostram que cerca de 50% das crianças matriculadas nas escolas brasileiras são reprovadas na pas-sagem da 1ª para a 2ª série.

Taxa de reprovação ao final da 1ª série do ensino fundamental

(IBGE/INEP)1

1956 1987 1988 1989 1990 1991 1992 1993 1994 1995 1996

56,6% 51% 52% 49% 48% 48% 48% 49% 46% 46% 41%

1 Os 10% que ganhamos entre 1987 e 1996 podem ter mais a ver com a introdução dos ciclos em al-guns estados (São Paulo e Minas Gerais, por exemplo) do que com a melhoria na qualidade do ensino.

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As tentativas de explicação para esses números falavam de proble-

mas de aprendizagem que se justificariam ora em função de carência

nutricional, ora de falta de estímulo intelectual, de carência cultural, de

problemas psiconeurológicos ou mesmo de uma hipotética deficiência

lingüística. Todas dos alunos. Quanto à escola, ao ensino, aí não se en-

xergavam deficiências. A única coisa que se tinha clara é que o nó do

problema era a alfabetização: o fracasso localizava-se na aprendizagem

da leitura e da escrita.

A publicação, em espanhol, do livro Los sistemas de escritura en el

desarrollo del niño, em 1979 – que em português recebeu o nome de

Psicogênese da língua escrita2 –, revelou que as explicações para um

fracasso dessa envergadura tratavam de naturalizar – ainda que não

fosse essa a intenção de seus autores – o que era, na verdade, um ge-

nocídio intelectual praticado pela escola. Isso porque o conjunto das

investigações psicolingüísticas descritas e analisadas nesse livro mostrou

resultados que nos permitiram compreender o que se escondia atrás dos

nossos escandalosos números.

A psicogênese da língua escrita – uma descrição do processo através

do qual a escrita se constitui em objeto de conhecimento para a criança

– pôde tornar-se observável porque foram mudadas, radicalmente, as

perguntas que estavam na origem dos estudos anteriores sobre a aqui-

sição da leitura e da escrita. Tradicionalmente, as investigações sobre

as questões da alfabetização costumavam girar em torno das seguintes

questões: “como se deve ensinar a ler e escrever?” Ou, mais especifi-

camente, “qual o melhor método de alfabetização?”. A crença implícita

era a de que o processo de alfabetização começava e acabava entre as

quatro paredes da sala de aula e que a aplicação correta do método ade-

quado garantiria ao professor o controle do processo de alfabetização

de todos os alunos.

As pesquisas na linha psicogenética deslocaram o foco de investi-

gação do “como se ensina” para o “como se aprende” e colocaram no

centro dessa aprendizagem a criança ativa e inteligente que Piaget tão

2 FERREIRO, Emilia e TEBEROSKY, Ana. Psicogênese da língua escrita. Porto Alegre: ARTMED, 1986.

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bem descreveu. Um sujeito que pensa, que elabora hipóteses sobre o

modo de funcionamento da escrita porque ela está presente no mundo

onde vive, que se esforça por compreender para que serve e como se

constitui esse objeto, que aprende os usos e formas da linguagem usada

para escrever ao mesmo tempo que compreende a natureza alfabética

do sistema de escrita em português. Essa idéia – a de que o aprendiz

precisa pensar sobre a escrita para se alfabetizar – era mais que nova.

Era, do ponto de vista científico, revolucionária.

Até então supúnhamos que a alfabetização era uma aprendizagem

estritamente escolar e que as crianças só aprendiam o que o professor

lhes ensinava. Assim, primeiro o professor devia ensinar as letras e/ou

sílabas escritas e seus respectivos sons e, se e quando essas correspon-

dências estivessem memorizadas, os alunos seriam capazes de ler e de

escrever. Supúnhamos também que, se o professor ensinava e a criança

não aprendia, ela é que tinha problemas de aprendizagem. E que as

crianças que não se alfabetizavam precisavam de tratamento clínico,

psicológico ou psicopedagógico.

Como foi que certezas aparentemente tão bem estabelecidas des-

moronaram? Desmoronaram porque a mudança no foco das pesquisas

mostrou um elemento completamente novo: as crianças tinham idéias

sobre a escrita muito antes de serem autorizadas pela escola a aprender.

Essas idéias assumiam formas inesperadas. Em lugar de irem acumulan-

do as informações oferecidas pela escola, elas pareciam “inventar”3 for-

mas surpreendentes de escrever. E essas formas de escrever apareciam

dentro de uma ordem precisa.

Os limites deste artigo não nos permitem uma descrição exaustiva

da evolução das hipóteses infantis sobre a escrita. Vamos, então, analisar

um pequeno número de produções seqüenciadas e remeter o leitor in-

teressado à bibliografia. Essas escritas foram produzidas sob ditado, em

diferentes datas, numa atividade em que a professora tinha o objetivo

de documentar o percurso de cada aluno da classe. A professora pediu

que cada aluno lesse o que escreveu a cada nova palavra ditada. Essa

3 Os pesquisadores americanos que encontraram e registraram esse tipo de escrita chamaram-na “invented spelling”.

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leitura está indicada embaixo de cada escrita, os traços indicam o que o

aluno apontou à medida que lia.

Produção seqüenciada 1: Bruno, Escola Municipal, 1ª série

Bruno começou o ano letivo com uma concepção de escrita que chamamos silábica. Ele está convencido de que a cada emissão sono-ra, a cada sílaba falada, corresponde uma letra. Em maio ele já não usava mais uma letra por sílaba de forma sistemática, escrevia o LA de lapiseira e o CA de caderno alfabeticamente. Essa escrita é conhecida como silábico-alfabética. Dizia-se que as crianças que produziam esse tipo de escrita “comiam” letras e precisavam de atendimento clínico. Mas, como podemos ver na seqüência, Bruno não está comendo letras, mas agregando.

Produção seqüenciada 2: Mateus, Escola Municipal, 1ª série

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Mateus, diferentemente de Bruno, começou o ano sem saber que as

letras correspondem a emissões sonoras. Para ele, bastava um encadea-

mento de letras para escrever algo. Com exceção de um V na escrita de

pelicano, um B na de cobra e um N na de rã, quase todo o seu repertó-

rio vinha do seu nome. Mas isso não significa que ele escrevia qualquer

coisa, muito pelo contrário. Ele exigia que não aparecessem letras re-

petidas na mesma palavra e que nenhuma escrita tivesse menos de três

letras. Essas exigências (que as investigações mostraram que definem

as condições de legibilidade consideradas necessárias pelas crianças)

são muito interessantes. São exigências de natureza lógica e como tal

se impõem. Mesmo que contrariem frontalmente a realidade, pois em

português existem muitas palavras com apenas uma ou duas letras. São

muito raras as crianças que, como Bruno, aceitam escrever uma única

letra para o monossílabo ditado. E, mesmo essas, o fazem com grande

constrangimento, pois isso implica violar a lógica da diferenciação entre

a parte e o todo.

Comparando a evolução das escritas de Bruno e Mateus, vemos algo

que as pesquisas longitudinais já nos haviam ensinado: o desempenho

final está diretamente relacionado com o ponto de partida. Mateus che-

gou em maio à conceitualização da escrita com que Bruno começara

o ano (escrita silábica com valor sonoro convencional). Em outubro, a

escrita de Bruno era inteiramente alfabética e quase não tinha erros de

ortografia, enquanto na de Mateus ainda faltavam letras e nem todas es-

tavam adequadamente usadas.

A avaliação do desempenho escolar desses dois alunos será com-

pletamente diferente se o foco estiver no produto final ou no processo.

Com o foco no produto, como é o habitual, Mateus seria reprovado.

Todo o esforço que se pode constatar observando a evolução de sua

escrita seria desconsiderado, exatamente quando lhe falta tão pouco.

Como acabamos de ver, aquelas escritas sem pé nem cabeça – que

costumam ser produzidas pelas crianças e que pareciam indicar aos pro-

fessores a existência de “problemas de alfabetização” – correspondem à

parte mais interessante do processo através do qual um sujeito pensan-

te desvela o sistema de escrita. E essa revelação, no começo dos anos

1980, nos deixou, literalmente, em estado de choque. Que, rapidamen-

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te, se transformou em estado de graça. Verificar nas salas de aula que

essas escritas estranhas apareciam em algum momento do processo de

alfabetização tanto das crianças ricas quanto das pobres também foi um

choque. O impacto que essas idéias tiveram na educação definiu uma

espécie de marco divisor: um antes e um depois na história da alfabeti-

zação escolar.

Antes, quando pensávamos que para se alfabetizar bastava memo-

rizar as correspondências entre letras e sons (não que isso não seja

necessário, apenas não é suficiente), não tínhamos como considerar as

diferenças de desempenho dos alunos a não ser atribuindo aos que não

chegavam alfabetizados ao final da 1ª série algum tipo de deficit – o que

justificava as reiteradas repetências que conduziam à desistência. Atual-

mente, compreendemos como isso nos levou a fazer da escola um po-

deroso instrumento de exclusão social – ainda que com a melhor das in-

tenções. Mas, como sabemos, de boas intenções o inferno anda cheio.

Educação infantil e alfabetizaçãoUma questão que ainda parece estar posta é: deve-se ou não ensinar a

ler e escrever na educação infantil? Se isso ainda é uma questão, talvez

seja porque ela está mal formulada. Quem sabe a pergunta deveria ser:

deve-se ou não aprender a ler e escrever na educação infantil?

Essa diferença faz sentido quando concebemos a alfabetização como

um processo no qual o aprendiz vai construindo e reconstruindo suas

idéias sobre o sistema de escrita. Um longo processo que não ocorre só

na escola, mas também na vida e no mundo, pois a escrita está por toda

parte no meio urbano. Portanto, desse ponto de vista, aprender ou não

a ler e escrever na educação infantil passa a ter um significado muito di-

ferente. Passa a significar não só ter acesso à informação sobre a escrita

dentro de situações de aprendizagem intencionalmente planejadas pela

professora para ajudar a criança a avançar em seu processo de alfabe-

tização, mas também ter ou não oportunidade de participar, de alguma

forma, de práticas sociais mediadas pela escrita.

Mas quem aprende e quem não aprende a ler e escrever na educa-

ção infantil? Os filhos da classe média e alta aprendem a ler na educação

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infantil. Sempre aprenderam. Quando são ensinados, como atualmen-

te, e mesmo quando não eram ensinados, como antigamente (aprender

aqui não significa passar diretamente de um estado de analfabeto para

um de alfabetizado). Por quê? Porque vivem imersos em um cotidiano

cheio do que chamamos hoje de eventos de cultura escrita. Uma família

de classe média, mesmo quando não composta por leitores de livros,

realiza uma grande quantidade de práticas sociais mediadas pela escri-

ta: vive e circula em lugares que têm placas com o nome da rua (e as

crianças observam os adultos utilizando essa informação); recebe e en-

via correspondências; consulta listas telefônicas e agendas; lê jornais e

revistas para se informar ou se divertir (as crianças observam os adultos

utilizando essas informações e são freqüentemente as beneficiárias de-

las). As crianças de classe média costumam receber informação sobre

como seu nome é escrito (em letra de forma) e, freqüentemente, os dos

pais e irmãos. Recebem jogos com letras para brincar, possuem livros

de histórias mesmo que não saibam ler e, principalmente, costumam ter

adultos que lêem para elas. E agora, além de tudo isso, crianças cada

vez menores têm acesso ao computador e, principalmente, ao proces-

sador de textos.

Os pais que garantem todas essas oportunidades não estão, com is-

so, se propondo a ensinar nada. Essas práticas fazem parte do mundo

onde eles vivem: o mundo letrado. Um mundo que a maior parte das

escolas públicas de educação infantil não deixa entrar (ou tenta substi-

tuir por uma caricatura das práticas tradicionais de cópia e memorização

de padrões silábicos, práticas que são e continuam sendo hegemônicas

na escola fundamental).

Também não se trata de adiantar a escolarização, de trazer para a

educação infantil as práticas do ensino fundamental. Os espanhóis di-

zem que “la letra con sangre entra”, e este parece um bom retrato da

alfabetização que se faz na maioria das classes de 1a série: mecânica

e sem sentido, uma tortura para crianças ativas e reflexivas. Ninguém

em sã consciência proporia trazer isso para a educação infantil. O con-

tato das crianças tanto com a escrita quanto com a linguagem que se

usa para escrever (que é um direito de todas as crianças, embora só

as das camadas mais abastadas da sociedade o usufruam) não precisa

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e não deve ser, nem de longe, semelhante ao ba-be-bi-bo-bu das 1as

séries. E os textos que vamos oferecer a elas não precisam nem de-

vem se parecer em nada com os pseudotextos, os “IVO VIU A UVA”

das cartilhas. O que precisamos compreender é que o processo de

alfabetização é longo e começa assim que a criança se encontra com

material impresso, desde que alguém diga a ela o que está escrito. E

que a maioria das crianças que estão na escola pública depende quase

exclusivamente das oportunidades escolares para ter acesso ao mundo

da cultura escrita. Esse acesso tem um papel decisivo em suas possi-

bilidades de sucesso escolar. E é preciso deixar claro que fazer entrar

a língua escrita na educação infantil não significa propor uma linha

de educação compensatória. Todas as crianças, ricas ou pobres, têm

direito a aprender tanto o sistema alfabético de escrita em português

como a linguagem escrita.

Alfabetização e linguagem escritaO que chamamos dar acesso desde cedo à escrita e à linguagem que se

usa para escrever vai bem além da reflexão sobre o modo de funcio-

namento do sistema de escrita, de chegar à escrita alfabética. A leitura

diária de histórias pela professora e o contato sistemático com mate-

rial impresso fazem uma diferença significativa no desenvolvimento da

competência leitora e escritora dos alunos. Trazer para dentro da escola

as práticas sociais de leitura que existem nas famílias letradas pode fazer

uma enorme diferença.

Michele, a autora do texto seguinte, uma menina de 11 anos que em

1986 estava repetindo pela quinta vez a 1ª série, foi avaliada como anal-

fabeta pela escola.4 Como veremos, não é que ela não saiba escrever.

O que ela não sabe – e a escola não foi capaz de lhe ensinar – é que

a língua que se usa para escrever não é a mesma que se usa para con-

versar. (Observem que é preciso ler em voz alta para poder entender o

que Michele escreveu.)

4 Esse material faz parte de uma pesquisa realizada pelo Instituto de Psicologia da USP. O proje-to acompanhou uma classe de multirrepetentes que a escola avaliava como tendo problemas de aprendizagem e seu objetivo era compreender o que causava um fracasso dessa dimensão.

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A escola de nove anos e o fracasso na aprendizagem da leitura e da escritaEstender a escola obrigatória em um ano e começá-la aos 6 anos de

idade é uma decisão que já deveria ter sido tomada há muito tempo. O

Brasil era o único país do mundo que começava a escola regular aos

7 anos. Tínhamos (na verdade ainda temos) uma visão maturacionista

dessa questão. Da mesma forma como mantínhamos as crianças da edu-

cação infantil pública o mais longe possível da leitura e da escrita, agora,

com a escola de nove anos, estamos preocupados com a possibilidade

de as crianças de 6 anos não estarem em condições de se alfabetizar. No

entanto, se tratarmos os dois primeiros anos – que corresponderiam ao

pré e à 1ª série – como um continuum, um ciclo, sem reprovação entre

eles, podemos fazer um bem enorme à multidão de Mateus e Micheles

deste país.

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Há três anos temos trabalhado na elaboração das provas de 1ª e

2ª séries para o Saresp (Sistema de Avaliação de Rendimento Escolar

do Estado de São Paulo).5 O que temos encontrado não são mais os

50% de fracasso que tínhamos antes. No primeiro ano (2003) cerca

de 25% dos alunos haviam chegado ao final da 1ª série sem escrever

alfabeticamente. Quando se avaliam centenas de milhares de crianças

(aproximadamente 350.000), não se consegue saber em que ponto

do processo estava cada uma das que ainda não tinham alcançado

a escrita convencional. Para compreender o que acontecia com es-

ses alunos fizemos outra avaliação por amostragem, que nos permi-

tiu olhá-los mais de perto. Esses 25% eram compostos por 7% que

escreviam silábico-alfabeticamente (como Mateus em outubro) e 9%

de forma silábica com valor sonoro convencional (como Mateus em

maio). Crianças que precisavam apenas de mais um pouco de tempo

de ensino para escrever alfabeticamente. E apenas 9% pareciam não

ter feito progresso significativo em um ano. Para essas crianças – um

quarto dos alunos da 1ª série –, um ano a mais teria feito uma enorme

diferença.

Os filhos das classes média e alta já têm, há décadas, uma escola de

nove anos. O pré das escolas privadas da elite é, na prática, a 1ª série

de uma escola de nove anos. Só que para poucos.

Para que a escola pública brasileira possa deixar de funcionar co-

mo o instrumento de exclusão social que ela é, ainda hoje, é essencial

que assuma sua responsabilidade com todos os alunos. Que ofereça a

todas as crianças o tempo e a qualidade da alfabetização das escolas

da elite – cujas crianças desde os 3 anos vivem mergulhadas na cultu-

ra escrita. Responsabilidade que é tanto maior quanto mais pobres e

oriundos de comunidades com pouca escolaridade forem os alunos.

Pois são esses – os que não contam com outras instâncias de acesso à

leitura e à escrita – os que mais dependem da escola.

5 Esse sistema avalia todos os alunos, da 1ª série do ensino fundamental até o 3º ano do ensino médio, e não apenas uma amostra. Isso permite a avaliação de cada aluno, de cada classe, de cada escola e tem por objetivo orientar as reformulações pedagógicas necessárias.

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Principais propostasCrianças na idade de 0 a 6 anos têm de cursar a educação infantil, pressuposto

básico para o progresso educacional do país. Mas só isso, é claro, não basta.

Também é necessário atrair e contratar professores minimamente qualificados

e que estejam de fato familiarizados com o conteúdo do ensino obrigatório. As

autoridades, por sua vez, precisam definir e implementar políticas públicas de

longo prazo e avaliá-las continuamente, além de garantir a perenidade das boas

práticas, mesmo que herdadas de governos adversários. O “vamos começar tudo

de novo”, a cada início de gestão, cansa, desestimula e pode provocar a perda das

conquistas, além de demandar um tempo precioso. O avanço se dará quando tra-

tarmos a educação como uma política de Estado – e não somente de um governo,

ou partido, específico.

Do mesmo modo, é imprescindível que a sociedade faça sua parte e participe

da melhoria da educação. O ideal seria que a população de um município, por

exemplo, acompanhasse as realizações de suas escolas e cobrasse delas alta

performance e bons resultados, exigindo do governo local condições para tal.

Uma das mais imprescindíveis mudanças no ensino infantil implica a adoção de

um novo foco pelas escolas. O “o que ensinar” deve incluir o “como ensinar”, e esse,

por sua vez, precisa estar condicionado ao “como o aluno aprende”. O que temos até

hoje na maioria das escolas brasileiras é um ensino cego, no qual o professor repro-

duz os métodos assimilados durante sua formação, que ignoram a maneira como as

crianças – na realidade – aprendem. Quando isso acontece, o aluno não aprende e é

reprovado ao final da primeira ou chega à 5ª série sem saber ler e escrever (como se

verifica, sobretudo, nas famílias mais pobres), o senso comum atribui a culpa a ele e

não à maneira pela qual está sendo “ensinado”. Vítimas históricas de uma exclusão

consentida por pais, professores e outros tantos envolvidos com o sistema educa-

cional, as crianças que apresentam dificuldades com os métodos utilizados pelos

professores não têm quem as socorra e estão fadadas ao fracasso educacional. A

escola brasileira não se responsabiliza por elas e tampouco é avaliada por sua falha

ao não ensiná-las.

Para evitar que isso ocorra, as escolas têm a obrigação, ao receberem crian-

ças provenientes de estratos pouco letrados, de oferecer atividades que supram

algumas das práticas sociais que compõem o mundo da cultura escrita, em geral

ausentes do seu convívio familiar. Cabe aos mestres, ainda, respeitar o ritmo

de cada aluno na absorção de informações e lidar com essa diversidade nas

salas de aula, em vez de rejeitá-la, como acontece quando os “mais fracos” são

agrupados em salas especiais. Dessa forma, aproveita-se a diferença em favor

do desenvolvimento coletivo.

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Proposta 1Trazer para dentro das escolas as práticas sociais de leitura das famílias letradas

As instituições de educação infantil têm autonomia e poder suficientes para assu-

mir o compromisso de incluir em seu projeto pedagógico atividades relacionadas

à escrita e às práticas sociais de leitura. Para tanto, os governos devem executar

aquilo que está contemplado nos Parâmetros Curriculares Nacionais. Ou, mais es-

pecificamente, nos Referenciais Curriculares Nacionais para a educação infantil.

Todas as informações necessárias ao desenvolvimento de um trabalho interessan-

te em leitura e escrita para essa fase estão nesse documento.

Não raro, porém, encontramos posicionamentos divergentes a respeito do tra-

balho realizado pelas pré-escolas. Por um lado, há ainda quem diga, por exemplo,

que essa é uma etapa sem verdadeiras demandas de conteúdo. Por outro, feliz-

mente muitos crêem na importância de uma programação educacional completa

voltada para as crianças, com atividades que favoreçam a inserção no mundo da

cultura escrita desde cedo. Do contrário, as diferenças sociais, já enfrentadas por

elas em sua própria história de vida, e em seu dia-a-dia, tendem a se aprofundar

ainda mais. Diante disso, os profissionais da cadeia educativa devem parar de

protestar contra a “falta de estímulo” dos pais e do governo, e chamar para si

suas verdadeiras responsabilidades. As famílias pobres, afinal de contas, em ge-

ral não têm condições de oferecer às suas crianças algo que simplesmente des-

conhecem, ou que não faz parte do seu cotidiano, diferentemente das de classe

média ou alta, que proporcionam a seus filhos contato direto com livros e eventos

culturais. Pertencer a “famílias letradas” não corresponde à realidade da maioria

desfavorecida de crianças do nosso país.

Proposta 2 Tratar o pré e a 1ª série do ensino fundamental como um continuum

Encarar o último estágio da antiga educação infantil – que hoje na escola de 9

anos corresponde à primeira série do ensino fundamental – e a antiga 1ª série

– agora 2ª série – como um continuum evitaria a antecipação da reprovação e a

interrupção do aprendizado – e, conseqüentemente, da alfabetização. Ao encarar

o processo como algo contínuo, a criança ganha tempo para concluir seu pró-

prio ciclo e manter-se no processo individual de desenvolvimento, otimizando seu

aprendizado. Isso é imprescindível no nosso país, em que as crianças de famílias

iletradas necessitam de mais tempo que as da classe média para completar sua

alfabetização. O que acontece hoje é que – por entender-se a pré-escola apenas

como um tempo de socialização e não dedicado ao ensino dos conteúdos –, no

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momento em que a criança está quase ingressando no tão almejado universo da

leitura e da escrita, vê-se obrigada a recomeçar todo o processo, sendo tratada

como se não tivesse aprendido nada até então.

Para que essa continuidade funcione, entretanto, são indispensáveis o acompa-

nhamento e a avaliação, tanto pelo professor quanto pela escola e pela Secretaria

da Educação, ao longo desses dois anos. Isso para que o aluno receba suporte pe-

dagógico, principalmente quando a avaliação mostrar defasagem ou dificuldades.

As escolas públicas deveriam, assim, seguir o exemplo das instituições privadas:

prover as crianças de todo o apoio necessário, para que não se sintam “abando-

nadas” durante o percurso e o encerrem devidamente alfabetizadas. Mas, para

isso, elas precisam estar convencidas de que todas as crianças são capazes. O

que nem sempre é o que elas pensam.

Sobre a autora do artigoTelma Weisz é doutora em Psicologia da Aprendizagem e do Desenvolvimento pelo Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo. É uma das autoras dos Parâmetros Curricula-res Nacionais de Língua Portuguesa e concebeu – como consultora do Ministério da Educa-ção – o Programa de Formação de Professores Alfabetizadores – PROFA, cuja implementação nacional supervisionou durante os anos de 2001 e 2002.

Atualmente desenvolve o mesmo programa, sob o nome Letra e Vida, na Secretaria de Estado da Educação de São Paulo, e presta assessoria ao Saresp (Sistema de Avaliação do Rendimento Escolar do Estado de São Paulo) na concepção das provas e na análise do desempenho dos alunos das 1as e 2as séries de todas as escolas estaduais e parte das municipais e particulares do estado de São Paulo.

É coordenadora e professora do curso de Especialização em Alfabetização (Pós-Gradua-ção Lato Sensu) no Instituto Superior de Educação Vera Cruz e autora do livro O diálogo entre o ensino e a aprendizagem (São Paulo: Ática).

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Sumário executivoA pedagoga e doutora em Sociologia Maria Malta Campos traça um amplo

panorama do país no que se refere ao tema educação infantil e aponta as

perspectivas futuras do setor. A autora acredita na crescente valorização

dessa fase, embora apresente com realismo o longo caminho a ser percorri-

do para se chegar às condições ideais de ensino de nossas crianças meno-

res. Com um artigo rico em referências internacionais e dados estatísticos,

Maria Malta Campos apresenta os progressos no que se refere à legislação,

ainda que não sejam praticados em sua totalidade. Seus argumentos re-

velam também uma de suas maiores preocupações: o desperdício dos anos

que antecedem a pré-alfabetização. Além disso, destaca que os governos

não podem mais se ausentar de suas responsabilidades e devem garantir

recursos destinados exclusivamente a extinguir esse cenário.

7Educação infantil: conquistas e desafios

Maria Malta Campos

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Nos países que levam a educação a sério, o ensino das crianças

pequenas, nos anos anteriores ao ingresso na escola primária, também

é considerado um assunto que deve ser cuidado.

Para dar um exemplo, na França, as chamadas escolas maternais,

criadas como parte do sistema nacional de educação em 1881, hoje rece-

bem quase toda a população infantil na faixa dos 3 aos 5 anos de idade,

sendo 80% delas em estabelecimentos públicos. A mais recente reforma

no sistema de formação de professores, introduzida em 1991/1992, exi-

ge um curso equivalente ao mestrado para a docência nessas escolas:

dois anos de formação após o diploma universitário. Os professores de

educação infantil, da mesma forma que seus colegas do ensino elemen-

tar e secundário, são classificados no mais alto grau do serviço público

francês, a categoria A (Unesco, 2006).

Os motivos que justificam a crescente importância que vem sendo

conferida à educação infantil são de diversas naturezas. Em primeiro

lugar, decorrem das profundas mudanças ocorridas no papel da mulher

na sociedade moderna, e as conseqüentes transformações nos arranjos

familiares que envolvem a proteção, o cuidado e a educação dos filhos.

Em segundo, são reflexo das condições de vida nas cidades, onde agora

vive a maioria das populações das nações industrializadas, que provo-

caram grandes mudanças na forma como as crianças vivem sua infância.

Em terceiro, estão fundamentados na evolução das pesquisas científicas

sobre o desenvolvimento infantil, as quais apontam a enorme importân-

cia dos primeiros anos de vida para o desenvolvimento físico, cognitivo,

afetivo e social dos seres humanos, assim como nos estudos que cons-

tatam que a freqüência a boas pré-escolas melhora significativamente o

aproveitamento das crianças na escola primária, especialmente no caso

de alunos de baixa renda.1 Finalmente, indicam o reconhecimento, no

plano internacional, dos direitos da criança, que incluem o direito à

educação de qualidade desde os primeiros anos de vida. Direitos esses

que vêm sendo conquistados e reafirmados graças à mobilização das

1 Ver pesquisa em andamento no Reino Unido, conduzida pela Universidade de Londres. (The EPPE Project).

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mulheres, dos educadores e de todos aqueles que desejam viver em so-

ciedades mais justas e democráticas.

No Brasil, a Constituição de 1988 e a Lei de Diretrizes e Bases da

Educação promulgada em 1996 definem a educação infantil como um

direito da criança de 0 a 6 anos de idade e como parte integrante do

sistema educacional, constituindo a primeira etapa da educação bá-

sica, composta também pelo ensino fundamental – obrigatório – e

médio.

Essa definição legal introduziu mudanças importantes: primeiro,

agregou as creches para crianças de 0 a 3 anos aos sistemas educacio-

nais; segundo, definiu como formação mínima para os professores o

curso de magistério no nível médio e, como meta, a formação em nível

superior; terceiro, estabeleceu claramente a responsabilidade do setor

público com respeito à oferta de vagas na educação infantil, respeitando

a opção das famílias, ou seja, sem o caráter obrigatório que caracteri-

za o ensino fundamental; e quarto, adotou um critério universal – o da

idade – para diferenciar a creche da pré-escola, esta última dirigida às

crianças entre 4 e 6 anos de idade. A legislação também determinou que

os municípios devem, prioritariamente, atender à educação infantil e ao

ensino fundamental.

1. A realidade do atendimento no país1.1. Antecedentes

Como sabemos, em nosso país nem sempre a realidade corresponde ao

que determina a lei. No entanto, no caso da educação infantil, pode-se

dizer que a realidade andou mais depressa do que as definições legais,

no sentido de que o atendimento em creches e pré-escolas cresceu sig-

nificativamente antes mesmo de a legislação educacional preocupar-se

com elas.

Por um lado, as famílias de classe média buscaram matricular seus

filhos com idades cada vez menores em instituições particulares; por

outro lado, foram implantados diversos programas governamentais diri-

gidos à população mais pobre, como, por exemplo, as creches casulo da

antiga LBA – Legião Brasileira de Assistência. A partir do final da década

de 1970, a demanda e o protagonismo das famílias trabalhadoras come-

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çaram a se fazer sentir de forma mais visível, por meio dos movimentos

sociais urbanos que reivindicavam creches.

Na cidade de São Paulo, na década de 1930, o então secretário de

Cultura, Mário de Andrade, criou os Parques Infantis, localizados nos

bairros operários, que atendiam crianças em período integral, com uma

proposta educacional, cultural e ambiental bastante inovadora. Essas

instituições foram o embrião das atuais EMEIS – Escolas Municipais de

Educação Infantil, a maioria delas funcionando em três turnos diários,

que atendem hoje cerca de 270 mil crianças de 4 a 6 anos.

Outra origem importante são as creches no local de trabalho, algu-

mas bastante antigas, fundadas em indústrias têxteis e outras criadas na

década de 1980, inclusive em órgãos públicos. A legislação trabalhista

da década de 1930 previa essa modalidade, mas ela nunca se tornou

uma realidade na maioria das empresas.

Assim, quando a atual Constituição e depois a nova LDB foram vota-

das, a oferta de educação infantil já era significativa, porém organizada

de forma caótica, com diversos órgãos oficiais atuando paralelamente,

com preocupações predominantemente assistenciais, de forma descon-

tínua no tempo e levando a percursos escolares distintos para crianças

de diferentes grupos sociais, sendo as creches geralmente voltadas para

as famílias mais pobres, administradas por entidades filantrópicas ou

comunitárias conveniadas com diversos órgãos públicos, as crianças ali

permanecendo até o ingresso no ensino primário, muitas vezes em con-

dições precárias e sem nenhuma programação pedagógica.

1.2. O atendimento em números

De um total de 21 milhões de crianças de 0 a 6 anos no país, 38% esta-

vam matriculadas na educação infantil em 2003, de acordo com o IBGE.

A porcentagem de crianças matriculadas era bem mais alta na faixa de 4

a 6 anos: 68%, em comparação com 12% na faixa de 0 a 3 anos de idade

(IBGE, 2004).

Se considerarmos somente a faixa correspondente à pré-escola, essa

porcentagem nos coloca acima de países como a China e o Peru, mas

abaixo de México, Chile, Coréia do Sul, Suécia e França, por exemplo

(Unesco/OCDE, 2005).

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Os números também revelam que o acesso à Educação Infantil no Brasil não é eqüitativo: as crianças de famílias com maior renda, brancas, com mães de escolaridade mais alta, que trabalham, residentes na zona urbana, estão matriculadas em proporções significativamente superiores às de famílias mais pobres, negras, com mães de escolaridade baixa e/ou residentes na zona rural, entre outros atributos (Kappel, 2005).

A Tabela 1 mostra que a porcentagem de crianças escolarizadas, nas duas faixas etárias, é menor justamente para as famílias de renda mais baixa.

Tabela 1. Taxas de escolarização de crianças de 0 a 6 anos segundo a faixa de renda familiar mensal per capita em salários mínimos (Brasil, 2003)

Renda familiar per capita 0-3 anos 4-6 anos

Até meio salário mínimo 8,0% 60,8%

Mais de 3 salários mínimos 28,3% 94,6%

Fonte: IBGE, Síntese de Indicadores Sociais, 2004, p. 202-203.

A LDB abriu a possibilidade de as crianças de 6 anos serem matri-culadas na 1ª série do ensino fundamental. A realidade vem mostrando essa tendência: em 2001, 25% das crianças de 6 anos já estavam cursan-do a 1ª série no país, percentual que vem crescendo nos últimos anos. Infelizmente, também é verdade que parcela significativa de crianças de 7 anos e mais continuava indevidamente retida na pré-escola: 627 mil na faixa de 7 a 9 anos e 38 mil com mais de 9 anos! (Kappel, 2005.)

No início de 2006, foi aprovada uma nova lei, que aumentou de 8 para 9 anos a duração do ensino fundamental, determinando seu início aos 6 anos e não mais aos 7 anos. Os sistemas e as escolas estão tentan-do adaptar-se a essa diretriz. Essa mudança deverá levar à universaliza-ção do atendimento na faixa dos 6 anos, porém apresentando o risco de antecipar a nociva experiência da repetência para crianças menores de 7 anos, nas redes e escolas que ainda não adotaram o sistema de ciclos

de aprendizagem.

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1.3. A qualidade da educação infantil

Os sérios problemas de qualidade que são registrados na educação infan-

til significam um grande desafio, pois as crianças pequenas constituem o

segmento etário mais frágil e indefeso com relação a condições adversas

de cuidado e educação. No caso da faixa mais próxima do nascimento, são

crianças que ainda não falam e não se locomovem sozinhas, e que nem

sempre conseguem manifestar seu descontentamento aos responsáveis.

Existe ainda uma quantidade indefinida de instituições funcionando

à margem dos sistemas educacionais, fora da supervisão oficial e nem

mesmo contabilizadas nas estatísticas. Mesmo no caso daquelas cobertas

pelos Censos Escolares do MEC, uma parte expressiva não conta com as

condições mínimas de infra-estrutura definidas no PNE – Plano Nacional

de Educação.

Outro importante indicador de qualidade, a qualificação dos profes-

sores, também revela problemas: em 2002, 64% das funções docentes na

pré-escola tinham nível médio e apenas 23% nível superior de formação.

Para a creche a situação é bem mais precária e ainda não está bem re-

tratada nas estatísticas oficiais. Como exemplo, na cidade de São Paulo,

que conta com a maior e mais consolidada rede pública de creches do

país, em 2001, 50% das educadoras de creche tinham menos que o nível

médio de escolaridade (MEC, 2006).

Entretanto, mesmo no caso dos professores formados em nível mé-

dio e superior, a qualificação para o trabalho com crianças pequenas,

especialmente em período integral, continua bastante insuficiente e ina-

dequada, como mostra um levantamento sobre pesquisas recentes reali-

zadas no país (Campos, Füllgraf e Wiggers, 2006).

1.4. Desafios que permanecem

A comissão da Unesco/OCDE2 que realizou em 2005 um diagnóstico so-

bre a educação infantil no Brasil concluiu que as mudanças legais intro-

2 Essas duas organizações internacionais vêm realizando diversos diagnósticos sobre a educação infantil no mundo. O Brasil foi incluído em estudo comparativo que também cobriu a Indonésia, o Casaquistão e o Quênia. O projeto incluiu uma visita de quatro especialistas internacionais ao Brasil; esta autora atuou como especialista nacional convidada junto à comissão, participando dos estudos preparatórios, da visita e da redação do relatório final (Unesco/OCDE, 2005).

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duzidas na década de 1990 foram bastante positivas, porém constatou a

permanência de problemas sérios no acesso e na qualidade da educação

infantil em nosso país, os quais resumimos a seguir:

a. A transição das creches para os sistemas educacionais não se com-

pletou e representa um difícil desafio para os setores públicos res-

ponsáveis. Constata-se uma sobreposição de ação da área de as-

sistência social, que ainda responde por instituições comunitárias

conveniadas e nem sempre trabalha em colaboração com a área

educacional.

b. O financiamento da educação infantil é insuficiente em grande par-

te dos municípios e a população atendida não conta com recursos

próprios para suprir os custos desses serviços. O gasto médio por

criança/ano na pré-escola no Brasil é muito inferior ao registrado

em países como Argentina, Uruguai, Chile e México, e quase um

quarto menos do que a média dos países que integram a OCDE.

Essas constatações levaram a comissão a recomendar um aumento

dos investimentos federais na educação infantil, com o objetivo de

suprir as carências quantitativas e qualitativas e de exercer um papel

equalizador sobre as enormes desigualdades observadas no país.

c. A despeito dos esforços promovidos pelo MEC e pelo Conselho Na-

cional de Educação em orientar o trabalho das redes e instituições

no que diz respeito às instalações, materiais, pessoal, cuidados com

a saúde, proporção adulto/criança de acordo com os grupos de ida-

de, currículo e gestão das unidades, a fiscalização e supervisão das

creches e pré-escolas é falha e situações de risco para as crianças

permanecem em muitos casos, nos diversos tipos de atendimento:

público, conveniado e particular.

d. A situação das creches é quase sempre pior do que aquela encon-

trada nas pré-escolas; as creches comunitárias, que atendem aos

segmentos mais pobres da população, são justamente aquelas que

apresentam as piores condições de funcionamento, muitas delas

contando apenas com os parcos recursos da própria comunidade.

e. Os governos estaduais têm se mostrado omissos em relação a suas

responsabilidades quanto à educação infantil, tanto na função de

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apoio aos municípios mais pobres, como em seu papel legal es-

pecífico na formação de professores de creche em nível médio e

superior e na supervisão do atendimento naqueles municípios que

não constituíram seus sistemas de educação próprios e integram o

sistema estadual.

f. Mesmo reconhecendo que já é significativa a porcentagem de pro-

fessores formados na educação infantil, a comissão verificou que os

currículos dos cursos de formação, tanto no nível médio como no

superior, reservam pouco espaço para conhecimentos sobre o de-

senvolvimento infantil na faixa de 0 a 6 anos de idade, e os estágios

geralmente não cobrem a prática do trabalho em creches.

g. A comissão identificou como problema sério a pequena preocupa-

ção que constatou nas escolas com a programação de atividades

com as crianças, avaliada como pouco diversificada, rígida e presa a

rotinas empobrecidas, levando à ociosidade e representando pouco

estímulo a seu desenvolvimento motor, cognitivo, afetivo, cultural e

social. Os documentos oficiais sobre currículo são pouco divulgados

e suas orientações são quase sempre ignoradas.

h. Foi também apontada a insuficiente integração entre a pré-escola e

a 1ª série do ensino fundamental, dificuldade que coloca em risco

o aproveitamento das crianças nessa importante etapa de sua esco-

laridade.

2. Perspectivas para o futuroA realidade educacional brasileira representa hoje um enorme desafio.

Sem enfrentá-lo de forma responsável, o país terá dificuldades em supe-

rar suas inaceitáveis desigualdades sociais e consolidar sua democracia.

A importância da educação infantil nesse contexto não pode mais

ser ignorada. Porém, o que os anos recentes mostraram é que o cobertor

continua pequeno para as necessidades educacionais como um todo e

as reformas introduzidas muitas vezes levam a que esse mesmo cobertor

seja puxado para lá e para cá, sempre deixando a descoberto partes im-

portantes da educação. Por exemplo, ao priorizar a universalização do

ensino fundamental, o governo anterior implantou o Fundef, engenhosa

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subvinculação das verbas estaduais e municipais já existentes reservadas à educação; porém, sem aumentar o tamanho do cobertor, acabou pre-judicando outros níveis de ensino, como a educação infantil, o ensino médio e o ensino superior. Atualmente, o projeto de um novo fundo, o Fundeb, em discussão no Congresso, pretende corrigir esses problemas; no entanto, se novamente o cobertor não for aumentado significativa-mente, corre-se o risco de retrocessos no ensino fundamental e de pou-cos progressos na educação infantil.

Mas é no momento da implementação das definições legais que a educação acaba levando a pior, seja por falhas na supervisão, cor-rupção ou uso inadequado dos recursos. Na competição por recursos e atenção das autoridades e da opinião pública, a educação infantil, principalmente aquela dirigida às crianças mais pobres, entra sempre em desvantagem. Ainda predomina uma visão de que para a criança pequena qualquer coisa serve: não se valoriza o profissional que tra-balha com ela, não se julga que livros, materiais pedagógicos e brin-quedos são necessários no dia-a-dia e não existe preocupação com crianças passando longas horas em ambientes insalubres, longe do contato com a natureza e forçadas a contínuos períodos de ociosidade. No fundo, muitos ainda culpam as mães por matricularem seus filhos em creches, acreditando que estariam melhor em casa, junto a suas famílias, esquecendo-se das péssimas condições de vida que parcela significativa delas enfrenta.

Mas existem grupos e setores importantes que lutam para transfor-mar em realidade as conquistas legais: os Fóruns Municipais e Estaduais de Educação Infantil e o MIEIB – Movimento Interfóruns de Educação Infantil do Brasil, assim como a Campanha Nacional pelo Direito à Edu-cação, são exemplos desses esforços. Outras organizações, como a Un-dime – União Nacional dos Dirigentes Municipais de Ensino, a Anped – Associação Nacional de Pós-graduação e Pesquisa em Educação, sin-dicatos e entidades da sociedade civil também têm se mobilizado em favor da educação infantil. O desafio está posto e a sociedade brasileira possui condições para enfrentá-lo no presente.

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Referências bibliográficasCAMPOS, Maria M.; FÜLLGRAF, Jodete; e WIGGERS, Verena. “A qualidade da educação infan-

til brasileira: alguns resultados de pesquisa”. Cadernos de pesquisa, v. 36, n. 127, jan./abr. 2006, p. 87-128.

The EPPE – Effective Provision of Pre-school Education Project. University of London. www.ioe.ac.uk/projects/eppe

IBGE. Síntese de Indicadores Sociais, 2004. Rio de Janeiro: IBGE, 2004.

KAPPEL, Dolores B. “As crianças de 0 a 6 anos no contexto sociodemográfico nacional”. In: KRAMER, Sonia. Profissionais de educação infantil: gestão e formação. São Paulo: Ática, 2005. p. 181-203.

MEC, Secretaria de Educação Infantil e Fundamental. Parâmetros de qualidade para a educa-ção infantil. Brasília: MEC, 2006. (Disponível no portal do MEC.)

UNESCO/OECD Early childhood Policy Review Project. Policy Review Report: Early child-hood care and education in Brazil. Paris: UNESCO, 2005. (Versão preliminar.)

UNESCO. The training and working conditions of pre-school teachers in France. UNESCO Policy Brief on Early Childhood. 2006. (No prelo.)

Principais propostasSão inúmeros os estudos que comprovam a importância da educação infantil co-

mo primeira etapa da educação básica, demonstrando seus efeitos positivos para

o desenvolvimento integral das crianças e para seu futuro desempenho escolar.

Nossas leis já reconhecem isso e, portanto, para melhorar a educação infantil

no Brasil, é fundamental não perder mais tempo com novidades legislativas ou

programáticas. O essencial agora é convergir esforços para colocar em prática o

que já está regulamentado e bem estruturado no papel. Mais especificamente,

na LDB e no Plano Nacional de Educação, o qual especifica metas quantitativas e

qualitativas para um prazo de 10 anos.

Temos de contar com uma política consistente ao longo do tempo e trabalhar

com a realidade: no mundo moderno, a quantidade e a velocidade de informações

são enormes, vertiginosas, o que estimula as crianças a aprenderem muito, e muito

rapidamente, desde cedo. Valorizar a educação infantil é reconhecer a importância

estratégica dessa etapa da vida do ser humano, no que diz respeito ao desenvolvi-

mento da linguagem, da criatividade, das habilidades motoras, cognitivas e também

da sociabilidade e da afetividade. Começar de fato o trabalho educacional somente

aos 7 anos de idade pode ser muito tarde. Diante desse contexto, eis uma oportu-

nidade de ouro para que o sistema educacional leve a sério suas responsabilidades

e crie as condições necessárias para a melhoria da educação infantil.

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Proposta 1Concluir a transição das creches para o sistema educacional

Historicamente, as creches no Brasil têm focado sua ação na proteção e na ali-

mentação das crianças, no trabalho comunitário e em contornar eventuais dificul-

dades das famílias. A verba para isso vinha da área de assistência social, que em

geral não prioriza a dimensão pedagógica e acaba subestimando essa fase crucial

do aprendizado.

A partir dessa constatação, é indispensável que o governo federal invista na

formação das crianças na faixa etária de 0 a 3 anos que freqüentam creches,

incluindo-as de fato no conjunto de suas ações de política educacional. Só assim

essas instituições poderão finalmente contar com profissionais especializados,

estrutura e programação pedagógica adequadas. O projeto de um novo fundo de

manutenção e desenvolvimento do ensino básico, o Fundeb, ainda não votado

no Congresso, pode representar um avanço nessa direção. Esse fundo prevê o

financiamento do ensino básico como um todo, ou seja, incluindo a educação

infantil, o ensino fundamental e médio e não só o ensino fundamental, como

acontece com o Fundef, instituído em 1996 por um prazo de 10 anos (que se

esgota este ano).

Proposta 2Adequar os cursos de graduação de professores

Hoje, o conhecimento sobre as práticas especificamente voltadas à educação

infantil está pulverizado nas disciplinas curriculares básicas dos cursos de Ma-

gistério e Pedagogia. Assuntos como psicologia do desenvolvimento, saúde da

criança e práticas educativas com crianças de 0 a 3 anos, entre outros, deveriam

fazer parte da formação inicial dos professores, mas ocupam muito pouco espaço

nos currículos. O ideal, aliás, é que toda a cadeia envolvida com a educação in-

fantil detenha esses conhecimentos – de técnicos das secretarias de educação a

diretores de escolas, coordenadores pedagógicos e orientadores, passando pelos

auxiliares e funcionários operacionais. Para que isso ocorra, porém, é preciso que

os poderes públicos trabalhem de forma ativa e articulada.

Os estados, que respondem pelos cursos de magistério e de graduação para

professores, deveriam incentivar a inclusão de disciplinas relacionadas à prática

da educação infantil na grade curricular das escolas, faculdades e universidades

– levando em conta as características e necessidades das crianças de 0 a 3 e de 4

a 6 anos. Os municípios, responsáveis pelos programas de formação continuada,

por sua vez, deveriam contribuir para a reciclagem do conhecimento através da

formação em serviço.

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Considerando a autonomia das autoridades locais, cabe ao governo federal es-

timular esse movimento por meio do desenvolvimento de materiais de orientação

e, ainda, do apoio aos sistemas de supervisão, exigindo das autoridades locais o

aperfeiçoamento da programação pedagógica para educadores e crianças.

Sobre a autora do artigoMaria Malta Campos. Nascida em São Paulo, é licenciada em Pedagogia e tem doutorado em Sociologia, obtido na Universidade de São Paulo, em 1983, com uma tese sobre mo-vimentos sociais por educação. Já realizou estágios de pós-doutorado na Universidade de Stanford, na Califórnia, com apoio de uma bolsa Fulbright, e na Universidade de Londres. A partir de meados da década de 1970, estuda, pesquisa e atua no campo da educação infantil (pré-escolas e creches para crianças de 0 a 6 anos de idade) e da educação básica. É pesquisadora do Departamento de Pesquisas Educacionais da Fundação Carlos Chagas e professora do Programa de Pós-graduação em Educação – Currículo da PUC de São Paulo, fazendo parte da linha de pesquisa sobre políticas e reformas educacionais. Participou do grupo que criou, no início dos anos 1980, o Conselho Estadual da Condição Feminina de São Paulo. Foi presidente da ANPED – Associação Nacional de Pós-graduação e Pesquisa em Educação entre 1995 e 1999. É a atual presidente da ONG Ação Educativa. Participa do Conselho Consultivo da Fundação Abrinq. Tem diversos trabalhos publicados em revistas acadêmicas, bem como capítulos de livros, entre os quais Child care in context, organizado por M. Lamb e colaboradores; L’infanzia negata, de E. Kosminski e colaboradores; e Images of childhood, organizado por C. P. Hwang e colaboradores. É co-autora, entre outros, dos li-vros Creches e Pré-escolas no Brasil e Creches e Pré-escolas no Hemisfério Norte, publicados no Brasil.

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Ensino médio

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Sumário executivoDoutor em Economia pela Universidade de Vanderbilt, nos Estados Uni-

dos, e colunista de Veja, Claudio de Moura Castro questiona no artigo

a seguir o que considera os dilemas atuais do ensino médio. Vítima de

uma escola “descentralizada, heterogênea e superficial”, o aluno bra-

sileiro, segundo ele, não consegue enxergar sua realidade naquilo que

estuda. Faltam estímulo e razão para se desenvolver e seguir adiante,

justamente numa fase da vida “em que se burilam o espírito de cidada-

nia e a identidade cultural”. Para corroborar seus pensamentos, Moura

Castro aponta as falhas e os méritos da educação nos quatro cantos do

globo e descreve as alternativas praticadas em diversos países para supe-

rar e resolver problemas específicos do ensino médio. Para o especialista,

o que mudam são as fórmulas encontradas para lidar com as divergên-

8Desencontros do ensino médio

Claudio de Moura Castro

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108

cias insolúveis de objetivos. Cada país tem a sua, o que reflete sua histó-ria e cultura.

Faz um par de anos recebi um e-mail de um aluno. Não precisei de muita argúcia para perceber que se tratava de um aluno talentoso. Nessa mensagem, ele fez o melhor diagnóstico que conheço do ensino médio.

Segundo ele, quando cursava o Fundamental, estudava coisas inte-ressantes. Saindo da escola e caminhando pela rua ou pelos campos, observava na vida real o que havia aprendido na escola. Ao galgar o Médio, passou a estudar o dobro do tempo. Mas olhando na rua, não via nada do que havia aprendido. Era tudo abstrato e distante do mundo real. Estava frustrado.

Por tudo que sabemos, o Médio é o grau mais desengonçado. Está no meio do caminho. Recebe uma diversidade crescente de alunos e não sabe o que fazer com eles. Tem demasiados papéis. Sem muito me-do de errar, pode-se dizer que é um nível em crise permanente. Entra ano, sai ano, em algum lugar do mundo há protestos ou propostas de revirar tudo de cabeça para baixo.

Um problema que vem se agravando é a presença no Médio de alu-nos que preferiam não estar na escola. Os mais jovens não têm opção nem autonomia. Já o Superior é só para quem quer. No Médio, há uma pressão familiar crescente. Nos países mais avançados, há a obrigatorie-dade. Portanto, o Médio recebe muitos alunos que não têm afinidades com a vida escolar ou com os estudos, mas são obrigados a freqüentar aulas. E isso, na idade de maior turbulência pessoal, impulsionada pelos hormônios em ebulição. Obviamente, as revoluções existenciais e hor-monais criam ainda mais problemas para a escola.

Papéis clássicos do MédioO Médio está em uma encruzilhada, está encurralado. Abaixo, há o Fun-

damental, que é o mínimo de educação para uma sociedade moderna.

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Tem uma agenda bem simples de ensinar os rudimentos da educação.

O Superior é profissionalizante e recruta quem, mais ou menos, sabe o

que quer.

O Médio precisa arredondar a formação inicial do aluno – embora

não se saiba muito bem como se faz isso. Precisa dar ao aluno uma

cultura mínima nas ciências e nas humanidades. Precisa ensinar a ler

e escrever, de preferência, em mais de uma língua. Precisa fixar os va-

lores. De fato, é nesse nível que se burilam o espírito de cidadania e a

identidade cultural.

Até aí, vamos, apesar de já ser uma agenda ambiciosa. O problema

é que, em todos os países, alguns graduados do Médio vão para o Su-

perior, outros vão para o mercado de trabalho – com ou sem formação

específica. São três destinos diferentes. Como lidar com tal variedade de

objetivos?

Em poucos países de Primeiro Mundo, a metade da coorte chega a

atingir o Superior. Na maioria, a proporção é bem menor. Curioso notar

que, no Brasil, a proporção de graduados do Médio indo para o Supe-

rior está acima de 50%, emparelhada com pouquíssimos outros países.

Isso porque o Médio sempre foi muito pequeno, em grande parte por

receber alunos de um Fundamental em que apenas um pouco mais da

metade da coorte consegue se formar.

Portanto, o dilema mais grave do Médio é entre preparar para o tra-

balho ou preparar para o Superior. São coisas bem díspares e, quando

nada, competem seriamente pelo tempo do aluno. Mas são ainda maio-

res as distâncias entre os valores e atitudes que são funcionais em cada

uma dessas opções.

Preparar para o trabalho pode levar a duas vertentes totalmente dis-

tintas. A mais óbvia é a formação profissional. Isso requer entrar em um

outro mundo, distante do mundo da escola. Não apenas diferente, mas

com práticas e valores incompatíveis. Pelo menos em tese, o objetivo

seria ensinar a fazer, preparando para tarefas bem definidas do mundo

real. É o império da prática, do conhecimento voltado para a aplica-

ção concreta. Para que funcione bem, a preparação requer proximidade

com as empresas e os negócios.

E há também a enorme vertente dos que vão diretamente para o

mercado de trabalho, apenas com o que aprenderam no Médio. No Bra-

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sil, é quase a metade dos que se formam. O que ensinar a eles? É correto

dizer que devemos ensinar coisas práticas – o que não é o mesmo que

ensinar uma profissão. De fato, a experiência de pelo menos um século

demonstrou que ensinar uma profissão requer a criação de um ambien-

te total, onde as atividades profissionais e os valores possam vicejar.

Ordem, limpeza imaculada, perfeição no gesto são valores do trabalho

muito distantes daqueles que permeiam as escolas acadêmicas. Não se

ensina profissão em um cantinho da escola.

O que significa então ensinar coisas práticas? Costuma-se dizer que

não há nada mais prático do que uma boa teoria. Estamos diante de

uma contradição? Pelo contrário, pensar corretamente é a mais universal

das competências, serve para tudo. Para entender a questão, é preciso

registrar a ambigüidade da palavra “prática”. Aprender a limar uma su-

perfície, até que se torne perfeitamente plana, é uma prática útil para

um mecânico ajustador. Essa é uma acepção correta da palavra.

Mas vejamos uma outra, também correta. A noção de densidade

dos corpos é um princípio da física que utilizamos no nosso cotidiano,

para entender o mundo que nos cerca. O conceito cabe em um par de

linhas. O ensino tradicional transmite essa noção e passa para o capítu-

lo seguinte. Só que apenas alguns poucos gênios entendem realmente

o que é densidade. Para que o aluno médio entenda, é preciso que

pese, que meça, que compare, que reflita, que aplique o conceito em

situações diferentes das apresentadas em aula. A escolha do exemplo

não foi casual. Foram feitos experimentos controlados com alunos que,

após todas as explicações convencionais, viram um clipe do Indiana

Jones trocando o crânio de ouro por uma sacola. Em seguida, tiveram

de calcular o peso da sacola, a partir do tamanho de um crânio e da

densidade do ouro. Testes subseqüentes mostraram que o “grupo do

Indiana Jones” sabia o que era densidade, o outro não. Através do cli-

pe e do problema, o ensino foi contextualizado, aproximando-se do

mundo dos alunos.

Nessa segunda acepção, a prática é o outro lado da teoria. Na ciên-

cia, não há teoria sem prática. O ensino prático é aquele que usa ampla-

mente as aplicações do mundo real para consolidar o aprendizado das

teorias mais centrais da nossa civilização. Uma escola deve proporcionar

amplas oportunidades para usar as mãos, mas nesse processo não deve

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perder a oportunidade de transformar as manualidades (no caso, medir

o crânio do colega) em exercícios com igual conteúdo intelectual. Como

dito, isso é diferente de ensinar ofícios.

Aceitemos que o papel da escola seja ensinar boas teorias. Mas, para

que funcione, é preciso que o aprendizado não apenas seja prático, mas

seja profundo e que, de fato, o aluno domine com intimidade o que es-

tá sendo aprendido. Nada mais útil do que tais ferramentas analíticas. O

dilema é que, para entrar no Superior, o aluno é bombardeado com tal

pletora de conhecimentos que não há tempo para aprender nada com a

profundidade necessária. Ou seja, o ensino acadêmico para o mundo do

vestibular é diferente do ensino, também acadêmico, para o mundo real.

Somem-se a isso as diferenças de aptidão de cada aluno para as discipli-

nas mais acadêmicas e abstratas.

O quarto papel do Médio é preparar para o ensino superior, é vol-

tar-se para o mundo acadêmico. É o mundo da escola olhando para o

seu próprio umbigo. É o conhecimento sem meta clara de utilização. Na

melhor das hipóteses, é movido pela beleza das idéias. Mas a melhor

das hipóteses é frágil diante da pressão para aprender o que quer que

seja pedido nos exames para ingresso no Superior. Sem falsos pudores,

a maioria das escolas voltadas para admissão nas universidades de pres-

tígio só mira o seu ensino no que se exige, seja nos Jardins paulistas, na

Rive Droite, em Tóquio ou Seul. E não podem deixar de fazê-lo.

Portanto, ao Médio pede-se que forme cidadãos cultos e conscien-

tes, pede-se que prepare os graduados para exercer ofícios ou para

trabalhar sem qualquer formação adicional. E, finalmente, pede-se que

prepare para o ingresso no ensino superior. A existência inelutável des-

ses quatro objetivos conflitantes é universal. Não há país sério onde esse

não seja o principal conflito do Médio. O que mudam são as fórmulas

encontradas para lidar com essas divergências insolúveis de objetivos.

Cada país tem a sua, refletindo sua história e cultura. E, na maioria dos

casos, a fórmula jamais agrada a todos.

O ensino médio: em cada país, um modeloNão há outro nível de educação em que as soluções sejam mais diversas

e disparatadas. O currículo do Fundamental é praticamente o mesmo,

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seja em Cingapura, seja no Chile ou no Chade. O Superior é sempre di-

versificado, mas as alternativas são bastante parecidas e convergentes.

No Médio, os países mais bem-sucedidos do globo optaram por

caminhos diferentes. E o grande divisor de águas é o que fazer com o

lado acadêmico para os que prosseguirão na escola (no nível pós-secun-

dário) versus aqueles que receberão uma formação profissional ou irão

diretamente para o mercado de trabalho.

A essa clivagem, tão profunda nas suas conseqüências, alguns países

adicionam outra: as diferenças de exigências e de ambição no curso. Há

vertentes mais fáceis e aplicadas (o que não quer dizer profissionalizan-

tes) e há vertentes acadêmicas, mais teóricas e difíceis.

Podemos começar com o primeiro corte analítico. Pouquíssimos pa-

íses adotam uma única escola, acolhendo a todos os alunos do Médio.

A maioria dos países, seguindo a tradição européia, tem múltiplos mo-

delos de escola, de forma tal que cada uma atenda a alunos com um

determinado perfil.

Os inventores da escola única foram os Estados Unidos, com suas

comprehensive high schools, criadas no início do século XX. Todos os

alunos de uma determinada área geográfica devem ir para a mesma e

única escola. Contudo, dentro de cada escola, há oferta diversificada,

com disciplinas preparando para o Superior e outras de formação pro-

fissional.

Além disso, a mesma disciplina pode ser oferecida com níveis dife-

rentes de exigências. Há também disciplinas acadêmicas de cunho mais

aplicado, para os menos afeitos à abstração. E há as muito mais abstra-

tas, para outro perfil de alunos. Cada aluno pode escolher seu cardápio

de cursos, de acordo com suas preferências e aptidões. Pobres e ricos,

futuros filósofos, médicos, carpinteiros e bancários vão para a mesma

escola. É o ideal democrático americano em ação. Uns aprendem a sol-

dar, outros estudam os diálogos de Platão ou até sânscrito.

O outro modelo tem origem claramente européia, embora haja se

alastrado mundo afora. Consiste em criar uma escola para cada tipo de

aluno. Tomemos a França, como exemplo clássico. Há vários baccalau-

réats conduzindo a um diploma médio. Alguns privilegiam as matemá-

ticas, outros as letras, outros as ciências biológicas, e assim por diante.

Uns são mais aplicados, outros menos. Mas não são profissionalizantes

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– esta é uma diferença delicada, mas importante. São os caminhos pri-

vilegiados para as universidades, com alguma tendência para que cada

perfil de bac leve aos cursos superiores correspondentes. Mas há várias

outras trilhas. Algumas podem dar um acesso mais dificultado ao Su-

perior. Outras começam no nível Médio e o ultrapassam (Lycée techni-

que). E há aquelas que não dão acesso ao Superior (como o Certificat

d’Aptitude Professionnel). Ou seja, ao longo do caminho aparecem vá-

rias trilhas alternativas, de acordo com a aptidão dos alunos para as-

suntos práticos ou para as abstrações de uma trajetória acadêmica. Mas

também é diferente o grau de dificuldade e de esforço requerido em

cada trajetória.

Na Suíça, além da opção profissional – mencionada adiante –, há

dois cursos acadêmicos. Um é mais exigente e dá acesso à universidade

tradicional. Outro é mais fácil e mais aplicado, facultando apenas acesso

a cursos como Serviço Social ou Enfermagem. Modelo semelhante existe

na Alemanha, com a Hauptschule, a Real Schule e o Gymnasium.

Não é necessário aqui explicar cada um desses percursos, pois o

único objetivo de mencioná-los é chamar a atenção para a existência de

um sistema de múltiplas bifurcações.

É importante registrar que as boas escolas profissionais têm claríssi-

mo seu compromisso de preparar para o exercício da profissão corres-

pondente. Seus vínculos com as empresas são íntimos e sua “pontaria”

para as posições existentes no mercado é o critério de êxito. Mas como

no mundo profissional contemporâneo as “práticas” profissionais reque-

rem uma boa base teórica, esta não pode faltar nas boas escolas voltadas

para o mercado.

Na teoria, o sistema americano exalta as glórias da democracia. Na

prática, tem mais problemas do que soluções. A convivência de classes

sociais diversas na mesma escola é imaculada na teoria, mas alimenta

tensões e preconceitos. Os alunos mais fracos (que são os mais pobres)

são tangidos para as oficinas, a fim de aprender um ofício. E, diante dos

outros que vão para a universidade, são discriminados. Os academica-

mente mais fortes fazem as matemáticas e ciências que preparam para as

universidades de primeira linha. E todos sabem quem é quem. O precon-

ceito e o desdém da própria escola pela formação profissional erodem

sua eficácia. O resultado é que o país progressivamente transferiu sua

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formação profissional para os community colleges, que hoje matriculam

7 milhões de alunos. Nas high schools, a formação profissional tende a

virar um hobby e costuma ser amadorística. Retomando o exemplo an-

terior, os diálogos de Platão podem despertar o interesse pela filosofia.

Em contraste, algumas noções de solda não são formação profissional

e tendem a ser vistas como atividades depreciadas pelo ethos da escola.

Portanto, o aluno não sai nem soldador nem filósofo. Movimentos como

o Tech Prep, School to Work e outros tentam remendar o modelo, dando

mais realismo à formação profissional (via uma contextualização robus-

ta) e mostrando seu vínculo entre as matérias acadêmicas e as teóricas.

Mas, ipso facto, confirmam as críticas ao modelo clássico americano.

O sistema europeu admite as diferenças entre os alunos e constrói

escolas diferentes para cada perfil. No caso mais radical de Alemanha,

Áustria e Suíça, a partir da 10ª série, dois terços da faixa etária vão pa-

ra o sistema de aprendizagem (nas empresas, complementado por um

dia na escola). Para eles, o acesso à universidade está barrado – só será

possível voltando à escola por mais um ou dois anos. Os alunos fazem

opções mais cedo – com os riscos de enganos –, mas vão para ambien-

tes criados para que possam render o máximo na sua preparação. Os

instrutores são profissionais da área e os ideais acadêmicos não são

exaltados.

A comprehensive high school é cada vez mais adotada na Europa

(com o nome polyvalent, na França). Contudo, são versões suaves. Man-

tém-se a idéia de níveis diferentes de dificuldade nas disciplinas centrais

(língua, matemática e ciências naturais), há classes “atrasadas” e clas-

ses “adiantadas”, há diferenciação curricular entre escolas e caminhos

opcionais para cada aluno. Mas raramente se oferece nelas a formação

profissional. A aquisição de um ofício se dá em instituições diferentes

e, quase sempre, que negam ou dificultam o acesso ao ensino superior.

Ou seja, é comprehensive, mas não tanto, admitindo a existência de sis-

temas paralelos – o que sempre foi a marca européia. Note-se que na

Inglaterra apenas 33% da faixa etária obtêm um diploma de secundário

tradicional (na França, é a metade).

Resumindo, nas comprehensive high schools americanas, vão todos

para a mesma escola e, uma vez lá dentro, são separados em programas

diferentes, de acordo com aptidões e preferências. Na Europa, a triagem

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se faz antes de entrar na escola. De acordo com o perfil de cada um,

haverá uma escola mais apropriada, uma delas podendo até ser uma

comprehensive, com múltiplas opções internas.

A Europa aceita a diversidade e trabalha com ela, especializando as

escolas. Os Estados Unidos fingem que não existe e criam um sistema

que termina por desprestigiar a formação profissional – a ponto de ter

sido praticamente expulsa delas.

Modelo brasileiroDiante desses dois modelos (com todas as suas variantes), o Brasil op-

tou por um terceiro. Temos um sistema único. Nem as opções entre es-

colas e nem as opções dentro da escola.

Na teoria, todos freqüentam a mesma escola e, dentro delas, não há

diferenciação. As disciplinas cursadas são as mesmas. Pela regra, não

pode haver classes “adiantadas” ou “atrasadas”. Quase não há discipli-

nas opcionais. Todos estudam sob o mesmo currículo oficial do MEC.

Ao final, todos recebem um diploma obrigatoriamente aceito em qual-

quer curso superior. Na teoria, é o sistema mais democrático de todos.

Mas, e na prática? Quem sabe será o mais injusto? Dá para descon-

fiar, quando a solução tupiniquim é diferente de todas as outras.

No presente ensaio, dedicaremos pouco espaço para os proble-

mas convencionais de operação de uma escola, tais como professores

despreparados, falta de disciplina e de vontade de impô-la, adminis-

tração amadorística das escolas privadas, pobreza generalizada e falta

de accountability nas escolas públicas. Isso tudo existe e é grave. Mas

já é bem conhecido. A ênfase aqui será na discussão dos modelos e

opções.

Dilemas verde-amarelosOs problemas com o nosso ensino médio começam com a invencível

heterogeneidade e fraqueza do ensino fundamental. Chegam ao Médio

alunos de excelente nível e outros meramente alfabetizados. E como a

matrícula no Médio triplicou nos últimos dez anos, é inevitável que ele

reproduza a heterogeneidade do Fundamental.

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Como bem sabemos, as piores deficiências estão no ensino do por-

tuguês, das matemáticas e das ciências naturais. Os alunos chegam com

péssima base e há um deficit crônico de professores capazes de ensinar

corretamente tais disciplinas. Só esse problema já seria mais do que su-

ficiente para dar pesadelos em quem se preocupe com a qualidade da

educação no Brasil.

Como só há um modelo de escola, todos devem seguir o mesmo

currículo. Na prática, acontece outra coisa. Temos Parâmetros Curricula-

res Nacionais muito flexíveis e amplos. Sendo amplos demais, não são

bons guias para a maioria das escolas. As escolas públicas, necessitadas

de uma boa orientação sobre o que ensinar, ficam bastante perdidas

diante das idéias pouco explícitas dos PCNs. Na prática, ninguém sabe o

que deve ser ensinado, e as autoridades não sabem o que foi ensinado

– ao contrário da Inglaterra, onde o assunto de cada aula é determinado

centralmente.

Nas escolas privadas – que poderiam melhor decifrar os Parâmetros

– reina supremo o verdadeiro currículo: o vestibular da universidade fe-

deral mais próxima. Isso vale tanto naquelas onde alguns poucos alunos

poderiam almejar aprovação em uma carreira competitiva como na vasta

maioria que irá para carreiras cujo ingresso é mais fácil.

Por tudo que sabemos de teoria cognitiva, o preço de ensinar de-

mais é os alunos aprenderem de menos. Não deve ser por outra razão

que todos os países educacionalmente bem-sucedidos têm graus de exi-

gência diferentes para os alunos cursando o Médio – ou cursando níveis

equivalentes de escolaridade. Pagamos caro pelo ineditismo da nossa

decisão de criar um modelo de escola única.

Os vestibulares das federais (e das estaduais paulistas e paranaenses)

são calibrados para escolher, dentre o 1% de melhor desempenho, quais

irão ingressar em Medicina. Por isso, são exames difíceis e detalhados.

Entram em minudências e cobrem uma enormidade de temas. O resulta-

do é inevitável. A extensão do que se pede nos vestibulares migra para o

que acontece nas salas de aula do Médio. Se os pais dos alunos das esco-

las privadas souberem que a escola não está ensinando tudo o que pode

cair no vestibular, o mundo vem abaixo. Na prática, o inchaço curricular

impede que haja qualquer profundidade no tratamento do que é ensina-

do. Como resultado, o aprendizado é superficial e de pouca conseqüên-

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cia. Não há tempo para aplicar o que foi aprendido, portanto, não chega

mesmo a ser aprendido. É o ensino escravizado ao vestibular.

Como em poucos estados há aferição de qualidade ao fim do Médio,

nem sequer sabemos o que foi aprendido em cada escola. Temos ape-

nas a amostragem do Saeb – que nos dá péssimas notícias para o ensino

dos estados e do país. Mas, mesmo nos estados que aplicam testes em

todas as escolas, tais resultados não são analisados.

Como foi dito, nas privadas prevalece o excesso de ambição do

vestibular. Também nas escolas públicas todos têm o mesmo currículo,

como se fosse possível que todos aprendessem o mesmo. Como isso é

impossível, aprende-se muito pouco, pois se perde o foco.

Trapalhadas do ensino técnicoA única exceção à nossa solução única é o ensino técnico. Mas, ainda

assim, contém todo o currículo convencional do Médio, sem conces-

sões. Ou seja, é um Médio com um Técnico a ele aposto.

Comparado com qualquer país industrializado, seu porte é ínfimo,

estando bem abaixo de 10% da matrícula no nível Médio. Na maior par-

te dos países, pelo menos 30% dos alunos dessa faixa etária estão em

escolas técnicas ou profissionais. No Brasil, além do seu porte estreito,

esse tem sido um nível de ensino cronicamente problemático, sobretudo

no caso da rede federal de escolas técnicas.

Com as melhores intenções, nos idos de 1960, houve uma tentativa

séria e cara de criar uma ampla rede de escolas técnicas federais. Mas,

diante da escassez de escolas acadêmicas públicas e gratuitas, essas es-

colas foram cooptadas pelas elites brasileiras, que nelas viam uma forma

eficaz e barata de preparar-se para os vestibulares mais competitivos. O

resultado foi bastante bem documentado. Os alunos que passavam nos

“vestibulinhos” vinham de classes sociais que não tinham interesse al-

gum na formação profissional oferecida.

Na prática, as escolas negavam o acesso àqueles de classe mais mo-

desta que se interessariam pelas profissões técnicas ensinadas, ao mesmo

tempo que davam acesso a uma elite apenas interessada nos vestibula-

res. Como resultado, os mais pobres eram alijados e as empresas ficavam

sem os profissionais treinados. Era o pior dos mundos.

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Em 1996, foi isolada a parte técnica da acadêmica, para que os alu-

nos interessados no ensino técnico não fossem eliminados pelos outros

de classe mais alta – que apenas buscavam um Médio de qualidade. A

rede federal tentou, de todos os modos, escapulir desse processo de

democratização de acesso e de recuperação da sua missão original de

escola técnica.

Não encontrei nenhuma pesquisa mostrando o que realmente ocor-

reu na rede federal – e talvez não seja por acaso. Contudo, na Rede

Paula Souza (de São Paulo), aconteceu o que se previa e esperava. Ou

seja, houve uma queda abrupta na classe social dos alunos dos cursos

técnicos. Isso significou que, finalmente, os alunos cursando os técnicos

eram aqueles mais modestos, que pretendiam ser técnicos. Portanto, um

resultado que combina eficiência com eqüidade. De fato, há da ordem

de 30 candidatos por vaga e um bom aproveitamento dos graduados na

profissão ensinada.

É curioso notar que o melhor programa técnico do MEC, o do CEFET

do Paraná, criou um curso técnico não-profissionalizante – quase uma

contradição em termos. Estaria voltado para dar uma preparação de na-

tureza geral. Tal formação só serviria para preparar os graduados para

entrar no meio do caminho dos seus próprios cursos de tecnólogos ou

engenharia. A presunção é que tal curso foi criado com o objetivo – não

confesso – de recuperar o elitismo anterior dos seus técnicos. Isto por-

que é fácil imaginar o pouco interesse que teriam alunos mais pobres

por um curso técnico não-profissionalizante.

Nos últimos anos, o MEC voltou a integrar os cursos acadêmicos aos

profissionais. As razões parecem ser de duas naturezas. Uma delas é

puramente ideológica. A secretaria do MEC incumbida de cuidar de en-

sino técnico passou a ser dominada por um grupo que, há muitos anos,

defende as idéias criadas por Gramsci e englobadas sob o termo “poli-

tecnia”. Seus defensores pregam uma escola técnica única e integrada,

ensinando, ao mesmo tempo, as ciências e as humanidades e preparan-

do para o trabalho.

Embora isso não seja admitido por seus defensores, a única escola

próxima da politecnia, no mundo real, são as comprehensive high scho-

ols americanas. E a tentativa de reproduzi-las fora dos Estados Unidos

constitui-se, talvez, no caso mais consistente de fracasso do ensino téc-

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nico. Financiadas pelo Banco Mundial, foram experimentadas em mui-

tos países. Mas a avaliação do próprio banco revelou o mais retumbante

malogro, virando a caricatura do seu modelo americano – que no país

de origem já não é tão bem-sucedido assim.

A outra razão para a volta do curso integrado é a predisposição das

escolas técnicas federais para ter alunos academicamente muito fortes,

como os tinha antes. Tal como não havia bons dados antes, não os há

agora. Mas tudo indica que as escolas não se conformaram com a queda

de nível acadêmico inerente à separação, pois os cursos técnicos, sem

o acadêmico junto, teriam se tornado menos atraentes para os alunos

academicamente mais fortes.

Diante dos protestos de outras instituições e de alguns estados (co-

mo São Paulo), o MEC desistiu de obrigar todos à integração. Mas a lei

foi aprovada, em benefício das escolas federais.

É interessante notar que a integração legal, plasmada na nova lei,

é perfeitamente desnecessária. Como vinham fazendo as escolas do

SENAI e do SESI, quem quiser obter resultados idênticos basta acertar

os horários para que o ciclo acadêmico não conflite com o ciclo técni-

co-profissional. Como a duração é determinada pela LDB, é indiferen-

te se é integrado ou não, não muda a carga – que pode ser o mínimo

exigido por lei (1.800 horas) ou o usual (2.400 horas). Ou seja, a lei

ou é ideológica ou é para permitir às federais não oferecerem mais o

técnico desvinculado do acadêmico. Ao integrar, todos os candidatos

ao técnico passam a ter a mesma porta de entrada do acadêmico, vol-

tando ao elitismo anterior.

Pior dos mundosNosso Médio herda todos os problemas de qualidade do Fundamental e

soma a eles um modelo inédito no mundo. Tanto quanto pude verificar,

o Brasil tem um sistema realmente único. Não há caminhos alternati-

vos, nem entre escolas com perfis diferentes (modelo europeu), nem a

possibilidade de trilhar trajetórias divergentes dentro da mesma escola

(modelo americano).

Não temos uma medida de qualidade na saída do Médio (como o bac,

o Abitur, o maturitate ou o A-Level, na Europa, bem como os testes de

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saída recém-criados em alguns estados americanos). Portanto, nem medi-

mos corretamente o que sai no fim da linha nem barramos a saída para os

que não atingem um certo limiar de domínio dos conteúdos ensinados.

Menos ainda podemos avaliar o prejuízo resultante de tentar ensinar um

mesmo currículo para alunos com aptidões e preparo muito diferentes.

Temos uma escola única que não consegue oferecer aos alunos aca-

demicamente menos aptos uma educação sólida e no nível em que pos-

sam beneficiar-se dela. Soterramos com um entulho curricular os que

freqüentam escolas onde a maioria está interessada em um vestibular de

universidade pública.

Na rede técnica federal, parece que vamos voltar a um sistema hiper-

elitista, em que os alunos mais modestos, interessados em um ensino

profissional, têm que competir com alunos de elite, interessados apenas

nos vestibulares. Como resultado, provavelmente, teremos de volta um

pseudo-ensino técnico.

E agora, como escapar dos enganos do passado?Eu poderia discorrer longamente sobre as múltiplas saídas para o nosso

ensino médio. Mas não estou convencido de que tal discussão tenha

maiores conseqüências. Isso porque a sociedade brasileira e, em parti-

cular, a comunidade dos pais e educadores não digeriram o tamanho do

problema o bastante para discutir seriamente as opções. Nesse momen-

to, o prioritário é entender a natureza e a gravidade da questão.

Não obstante, algumas grandes linhas podem ser sugeridas, justamen-

te por serem compatíveis com praticamente quaisquer rumos futuros.

1. É imperativo repensar maneiras de escapar do currículo único. Não

caberia aqui fazer propostas concretas, mas é difícil imaginar qual-

quer modelo pior do que o presente.

2. Os currículos do Médio precisam ser claramente explicitados. É pre-

ciso propor que seja ensinado o que a maioria dos alunos, realisti-

camente, pode aprender e não o que os educadores gostariam que

aprendessem. Sem tal clareza, não é possível cobrar resultados. Há

até quem sugira serem os currículos mais simples do Supletivo muito

mais apropriados para o nosso Médio.

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3. Em todo o ciclo básico, o papel do setor público na preparação de

professores e na sua seleção para o Magistério tem de ser reformu-

lado, dado o fato singular de que afeta tudo o mais. Em particular,

o ensino de português é o ensino da língua e das ferramentas pa-

ra pensar: vocabulário, mapas semânticos, organização de idéias,

sua ordenação em hierarquias (classificações), definições, induções

e inferências. Sem isso, o aluno não pode pensar analiticamente.

Obviamente, tudo isso passa pela formação dos professores, dos

programas de ensino, materiais etc. O caso mais grave é a evasão

nas licenciaturas das universidades públicas em ciências naturais e

matemáticas, que chega a 95%. Como resultado, os futuros professo-

res freqüentam cursos privados. Como são alunos muito pobres, as

mensalidades que podem arcar são modestas. Assim sendo, recebem

educação de segunda. Daí a baixa qualidade dos mestres que estão

nas salas de aula, oriundos predominantemente de cursos fracos.

4. Os vestibulares nas públicas deveriam ter apenas uma prova do tipo

Enem, Saeb ou equivalente (embora, em uma segunda fase, certos

cursos pudessem adotar critérios adicionais). Com isso, seriam privi-

legiadas as perguntas em que o domínio de minudências curriculares

não seja necessário. Prevalece nesses testes a capacidade de análise

e síntese. Contudo, há um desafio legal para a adoção, por exem-

plo, do Enem, dada a autonomia das universidades públicas – cujos

exames vestibulares são muito lucrativos. Mas o MEC pode oferecer

fundos adicionais para quem adotar um teste desse tipo como crité-

rio único.

5. Progressivamente, deveria ser instituído um exame de conclusão do

Médio. Essa é uma fórmula universal na Europa e crescentemente

abraçada nos Estados Unidos. Não há problemas de natureza técni-

ca em tal exame. Embora a logística de um exame desse tipo não

seja simples, é um campo onde o Brasil já tem considerável experi-

ência. O Enem é uma possibilidade. Embora tenha sido concebido

originalmente com essa intenção, não é o ideal, por não se referir

explicitamente aos conteúdos a ser ensinados no Médio. O proble-

ma politicamente delicado é a fixação de um mínimo, abaixo do

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qual o aluno não recebe o diploma. Internacionalmente, não é um

problema novo. Mas nem por isso deixa de ser delicado. No EJA há

um exame para se conquistar um diploma. Não deixa de ser irônico

que somente em uma modalidade de ensino desprestigiada existe o

exame que deveria existir no ensino regular.

6. O MEC deveria seriamente repensar o que quer das suas escolas

técnicas. E deveria também decidir que papel terá na expansão da

rede de escolas técnicas e tecnológicas. No quadro presente, os seus

cursos prometem voltar a ser inócuos, por não preparar pessoas que

irão exercer uma profissão. E os cenários de expansão da rede fede-

ral são muito limitados, pelo custo-aluno excessivo dos seus gradu-

ados. Repetir-se-á o que aconteceu com o Superior.

As medidas sugeridas acima são emergenciais e periféricas. Não afe-

tam a filosofia ou ideologia do Médio, onde estão os grandes impasses.

É preciso resolver o que fazer com um sistema único que, na teoria,

oferece a mesma escola para todos. Só no Brasil existe tal sistema. Só o

Brasil paga o preço dessa utopia impossível.

Principais propostasO setor público precisa olhar para a formação do professor como algo que deve

coincidir com a realidade escolar. Pensando nisso, emerge a preocupação com o

ensino do Português, do qual dependem todas as outras disciplinas. Os docentes

precisam ter em sua graduação ênfase nessa matéria. E com urgência. Não é

mais possível tolerar o deficit crônico com relação à nossa língua pátria. O grande

desastre da educação brasileira ainda está no fato de os alunos não aprenderem

a ler, e muito menos a escrever, mesmo após percorrerem as diversas séries dos

ensinos fundamental e médio.

Para melhorar a educação no país, há de se considerar também a necessi-

dade de reformulação dos sistemas de vestibulares, utilizados para promover o

ingresso dos estudantes nas universidades públicas. Em geral, os métodos são

direcionados para a avaliação de detalhes dessa ou daquela teoria, quando o mais

importante seria analisar questões centrais de raciocínio.

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Proposta 1 Dar especial ênfase ao Português na formação do professor

A leitura e a escrita são imprescindíveis para o aprendizado de todas as discipli-

nas. O ensino do Português, portanto, representa o verdadeiro carro-chefe da edu-

cação básica, pois fornece as ferramentas necessárias para que o aluno consiga

pensar de forma analítica. A partir dessa constatação, fica clara a necessidade de

exigir mais atenção do setor público no que se refere à formação dos docentes

dedicados à língua portuguesa. O que aconteceu nos últimos tempos foi exata-

mente o oposto. Por via de uma portaria ministerial, deu-se ao curso de Pedagogia

uma posição quase monopolista na formação do professor das séries iniciais. O

problema maior reside no fato de um curso com essas características formar um

docente enciclopedista, pesquisador, multidisciplinar. Ou seja, “um verdadeiro pen-

sador dos grandes problemas da humanidade”. Ainda que fosse possível conceber

tal “super-homem”, ele estaria longe do dia-a-dia e das demandas das escolas.

Por isso, é imperativo que a formação dos professores – em especial, daqueles

que lecionam nos primeiros anos – priorize o Português, com foco na leitura e na

redação.

Uma das soluções para reverter essa situação contraditória é assegurar que o

professor dê o exemplo e tenha a leitura como uma prática habitual e prazerosa.

E, ainda, que redija com fluência e seja capaz de transmitir essa habilidade aos

alunos de todas as suas turmas.

Proposta 2 Utilizar como critério de ingresso nas universidades públicas os resultados de uma prova do tipo Enem, Saeb ou equivalente

O objetivo dessa proposta é provocar a mudança de foco dos vestibulares, fazendo

com que esses instrumentos de avaliação deixem de lado as minúcias disciplina-

res e invistam na capacidade analítica dos estudantes. O impacto dessa medida

vai além do ingresso dos jovens no ensino superior. Tem a ver com o direciona-

mento de esforços de todos os alunos para atividades que melhorem e acelerem

seu desenvolvimento intelectual. E, para tal, é necessário que os professores,

apoiados pelo sistema escolar, passem a exercitar nos discentes o raciocínio – e

não somente a memória. O governo pode, inclusive, criar incentivos financeiros,

ou de outra ordem, para as instituições que adotarem esse modelo de teste, que

privilegia a análise e não a “decoreba”.

Hoje, vale destacar, todos os vestibulares são classificatórios. Isso significa

que a maioria dos que ingressam nas faculdades e universidades públicas não

está necessariamente preparada para tanto. Ao contrário do que ocorre, por exem-

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plo, com os exames da OAB, que exige nível mínimo de aprovação. Se formos

analisar mais friamente, não seria exagero afirmar que dentre os aprovados estão

“semi-analfabetos” vindos do ensino médio, que provavelmente concorreram com

gente em piores condições. Infelizmente, trata-se de uma política consolidada há

décadas e que passa à margem dos fóruns de discussão.

Além disso, em muitos cursos superiores, sobretudo os privados, não raro há

mais vagas que alunos. Por isso, o vestibular não é mais do que uma “liturgia de

pouco significado prático”. Em outras palavras: o que se pede nas provas é irrele-

vante. Já para as universidades mais concorridas, no caso, as públicas, a adoção

do Enem seria de grande conveniência, pois constitui um vestibular mais simplifi-

cado e livre de custos, uma vez que não há necessidade de mais uma estrutura

para avaliação.

Sobre o autor do artigoClaudio de Moura Castro é formado em Economia pela UFMG, com mestrado pela Uni-versidade de Yale. Iniciou o programa de doutoramento em Economia na Universidade da Califórnia, em Berkeley, terminando na Universidade de Vanderbilt. Ensinou nos programas de mestrado da PUC-Rio, Fundação Getúlio Vargas, Universidade de Chicago, Universidade de Brasília, Universidade de Genebra e Universidade da Borgonha, em Dijon.

Trabalhou no IPEA/INPES e foi coordenador técnico do programa ECIEL, passando em seguida a diretor geral da CAPES. Foi também secretário executivo do CNRH/IPEA. No ex-terior, foi chefe da Divisão de Políticas de Formação da OIT (Genebra), Economista Sênior de Recursos Humanos do Banco Mundial, passando para o BID como chefe da Divisão de Programas Sociais. Ao aposentar-se do BID em fins do ano 2001, assumiu a posição de presidente do conselho consultivo da Faculdade Pitágoras.

Autor de mais de trinta e cinco livros e mais de trezentos artigos científicos, é articulista da revista Veja e membro do conselho do Instituto Social Maria Telles – ISMART.

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9Educar para a emancipação digital

Gilson Schwartz

Sumário executivoA estrutura escolar – em especial, o ensino médio – deve fazer frente

às demandas decorrentes de um mundo dominado pela tecnologia da

informação. Esse novo paradigma, pautado na formação de redes que

conectam espaços de aprendizado – e de vida – para a construção de

projetos colaborativos, acaba aumentando as oportunidades de empre-

go e renda. Diante disso, o grande alicerce da chamada sociedade do

conhecimento atende pelo nome de emancipação digital. É o que diz o

economista e sociólogo Gilson Schwartz, professor do Departamento de

Cinema, Televisão e Rádio da Escola de Comunicações e Artes da Uni-

versidade de São Paulo – ECA/USP e presidente da comissão de pesquisa

dessa unidade. O conceito de emancipação, segundo ele, representa um

fenômeno que transcende as premissas dos projetos de inclusão, retra-

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tando não somente o acesso dos cidadãos à informática, mas também os

“meios de conhecimento para o controle dos processos produtivos de con-

teúdo digital”. Escolas, professores e alunos, portanto, devem aprender a

trabalhar com foco na interatividade para participarem mais ativamen-

te da sociedade do conhecimento, tema que permeia o artigo abaixo.

A partir dos anos 90 do século passado, os movimentos globais de

acumulação de capital associados às transformações tecnológicas, em

especial à difusão de redes digitais de informação e comunicação, rea-

briram o debate sobre o futuro do trabalho e a busca de soluções práti-

cas capazes de aprimorar as condições de emprego e renda dos traba-

lhadores. A escola, sobretudo o ensino médio, passou a enfrentar mais

um desafio, universalmente aceito como o da “inclusão digital”.

A agenda brasileira de inclusão digital começou a se delinear no fi-

nal da década de 1990, quando foram publicados o Livro Verde e o Livro

Branco do Programa da Sociedade de Informação (SOCINFO), pelo Mi-

nistério da Ciência e Tecnologia (Takahashi, 2000). Esse programa consi-

dera a universalização do acesso às Tecnologias da Informação e Comuni-

cação (TICs) uma condição para a construção da chamada “Sociedade da

Informação”, para a redução de desigualdades sociais e para a promoção

de novos mecanismos de geração de renda e redução do desemprego.

Naquela formulação, destacamos três linhas de ação:

a. mercado, trabalho e oportunidades: oferta de novas formas de

trabalho, por meio do uso intensivo de tecnologias de informação e

comunicação;

b. universalização de serviços e formação para a cidadania: a pro-

moção de modelos de acesso coletivo ou compartilhado à internet;

o fomento a projetos que promovam a cidadania e a coesão social;

c. educação na sociedade da informação: certificação em tecnolo-

gias de informação e comunicação em larga escala.

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Entre alternativas macroeconômicas e políticas públicas voltadas à qualificação profissional do trabalhador e à geração de empregos, desta-cam-se as iniciativas de inclusão digital, definidas por Silveira e Cassino (2003, p.18) como “no mínimo, acesso ao computador e aos conheci-mentos básicos para utilizá-lo”. Ainda segundo Silveira e Cassino (2003), começa a existir um consenso com relação à inclusão digital que a vin-cula “ao acesso à rede mundial de computadores (...) que dependeria de alguns elementos (...) o computador, o telefone, o provimento de acesso e a formação básica em softwares aplicativos”.

Atualmente, grande parte das iniciativas no país tem foco na univer-salização dos serviços e formação para a cidadania. Esse é o caso de telecentros, infocentros e outras iniciativas que disponibilizam, gratuita-mente, ambientes onde os alunos encontram computadores conectados à internet e monitores treinados para proporcionar uma formação bá-sica na utilização dessas ferramentas. Programas governamentais como ProInfo e GESAC ou patrocinados pela iniciativa privada (como o “Ami-gos da Escola”) têm dado ênfase crescente à integração da escola ao mundo das redes digitais e mesmo à difusão de competências na criação e gestão de conteúdos audiovisuais digitais.

Da inclusão à emancipação digitalMesmo ao promover o acesso coletivo à internet e a formação básica na utilização de ferramentas tecnológicas, os efeitos dessas ações para a melhoria das condições de aprendizado e de acesso a oportunidades de emprego e renda dos participantes é um tema em aberto – faltam in-dicadores, tudo parece esgotar-se após o esforço de instalação de equi-pamentos e determinação de padrões tecnológicos (software livre ou proprietário, estações com multimídia e infra-estrutura para educação a distância, etc.).

O programa Governo Eletrônico – Serviço de Atendimento ao Cida-dão (GESAC) previa a instalação de 56.650 pontos de acesso à internet até o final de 2004, podendo beneficiar até 95 milhões de brasileiros ca-rentes; porém, auditoria realizada pela Controladoria Geral da República constatou que, no final de 2004, haviam sido instalados 3.200 pontos, dos quais apenas 4% apresentavam condições adequadas de acesso à

internet, possuindo entre 6 e 10 computadores instalados.

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Outra iniciativa, a utilização do Fundo de Universalização dos Ser-

viços de Telecomunicações (FUST) em projetos capazes de gerar ren-

da efetiva para seus participantes, não obteve sucesso e os recursos

do fundo, estimados em mais de R$ 4 bilhões em 2006, permanecem

ociosos.

Finalmente, a discussão sobre o padrão a ser adotado para a confor-

mação do Sistema Brasileiro de TV Digital (SBTVD) também não apre-

senta resultados concretos até o momento e permanecem dúvidas sobre

a sua efetividade no sentido de promover a democratização do acesso

aos serviços interativos de telecomunicações e a geração tanto de con-

teúdos diversificados, com ênfase educacional, quanto de renda para as

populações menos favorecidas.

É evidente que o marco regulatório da inclusão digital ficou incon-

cluso no país, com graves conseqüências do ponto de vista da execução

de políticas públicas pertinentes, ainda que algumas iniciativas inova-

doras tenham afinal surgido, tais como os Pontos de Cultura, Casa Bra-

sil e telecentros de empresas e bancos estatais. Falta, em resumo, uma

política nacional que dê seguimento crítico aos elementos lançados no

governo anterior.

É a insatisfação com esse padrão de inclusão digital que nos leva a

propor o conceito de emancipação digital como forma de potenciali-

zar os resultados obtidos pelos projetos tradicionais de inclusão digital

ou mesmo para redesenhá-los.

Processos de emancipação digital buscam promover o deslocamento

do paradigma da “sociedade da informação” para um que tenha a “so-

ciedade do conhecimento” como horizonte, fazendo do acesso apenas

um dos elos, necessário mas insuficiente, na cadeia produtiva de infor-

mação que poderá dar sustentabilidade à emancipação econômica, so-

cial e cultural dos cidadãos.

Nesse modelo, capaz de organizar a produção e a demanda por

bens e serviços produzidos digitalmente pelas comunidades atendi-

das por programas de inclusão digital, as populações menos favoreci-

das passam a ter não apenas acesso, mas os meios de conhecimento

(software, hardware e conhecimento) para o controle dos processos

produtivos de conteúdo digital (os meios de produção de valor na

sociedade do conhecimento, do entretenimento e das artes audiovi-

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suais). Nesse contexto, os cidadãos conseguem emancipar-se, ou seja,

agir individual e coletivamente em função de projetos de desenvolvi-

mento humano. É evidente o papel crítico que as escolas, sobretudo

as do ensino médio, podem desempenhar nesse modelo, abrindo-se

para as redes, para a comunidade e para a interação entre políticas

educacionais e outras políticas públicas (saúde, segurança, moradia,

empreendedorismo, gênero, etc.).

Educar para a emancipação digitalSe pretendemos superar o marco da “sociedade da informação” para

efetivamente integrar nossa sociedade no paradigma global da “socie-

dade do conhecimento”, escolas, professores e alunos precisam ir além

do uso passivo das novas tecnologias. O imperativo é formar redes,

conectando espaços de aprendizado e de vida para a construção

colaborativa de conhecimentos que ampliem as oportunidades de

emprego e renda.

Esse é o objetivo definido pela Cidade do Conhecimento, inicia-

tiva criada no Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São

Paulo (www.cidade.usp.br), que completa cinco anos em 2006 e se

associa a outras da mesma USP voltadas à digitalização, como o portal

Saber (www.saber.usp.br), lançado também em 2001.

O resultado dessas redes onde são incubados projetos de pesquisa,

ação e comunicação é um novo espaço de produção de conhecimento,

ciência e cultura, desdobramento inovador da universidade pública por

meio de parcerias com entidades do governo, da iniciativa privada e do

terceiro setor. A escola, sobretudo o ensino médio, é convidada a ir além

de suas habituais rotinas de relacionamento interno e externo. Desde

2001, em cinco edições anuais, o programa “Educar na Sociedade da In-

formação” produziu 25 módulos temáticos, certificando cerca de 2.500

professores, sobretudo da rede pública.

Esse novo espaço público de aprendizado coletivo é construído

por meio de uma engenharia de mídias organizadas pelos interesses de

emancipação de todos os que são integrados pelo aprendizado perma-

nente voltado à solução de problemas sociais, ambientais, econômicos,

culturais e educacionais. O ferramental tecnológico está presente de

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modo transversal, mas subordinado aos conteúdos em cada um desses

vetores de resolução de problemas.

Nesse contrato colaborativo, mudam todos, o tempo todo: a escola,

o governo, a organização não-governamental e a empresa privada. É

uma proposta de mudança social movida pela ampliação do acesso a

canais de produção e expressão de conhecimento, em todas as áreas do

saber e da arte, da economia e da cultura. Mas não se trata de acesso à

tecnologia e sim de acesso a ambientes de incubação de projetos, bus-

cando soluções que exigem conhecimentos em diversas áreas, integran-

do colaboradores remotos em várias disciplinas e instituições.

Para a USP, o projeto tem caráter experimental, com base em finan-

ciamento público e convênios com secretarias de Educação, entre outras

agências. Em cinco anos, no entanto, já chegou ao ponto de funcionar

como estratégia de ampliação de “poros”, de canais de entrada e de sa-

ída para a maior universidade do país. É um embrião de novas formas

de produção e certificação do saber que poderão contribuir para a de-

mocratização do conhecimento na sociedade brasileira.

O uso intensivo de mídias digitais interativas é posto na Cidade do

Conhecimento a serviço de uma estratégia mais ampla, de importância

decisiva para a afirmação de um projeto nacional de desenvolvimento:

a transformação da economia e da sociedade pela democratização dos

meios de produção de conhecimento.

Projetos, programas e eventosEm cinco anos, a Cidade do Conhecimento desenvolveu e apoiou

dezenas de projetos e programas em formatos variados, sempre se si-

tuando no horizonte das políticas públicas de inclusão e emancipação

digital, realizando inúmeros eventos, na USP ou em parceria com outras

organizações públicas e privadas (IBM, SEBRAE, SUCESU, CONIP).

A conexão entre escola e comunidade é o desafio motivador da Re-

de Pipa Sabe (inaugurada em dezembro de 2003, com apoio da Secreta-

ria de Educação a Distância do MEC): o objetivo do projeto é jogar uma

“rede” sobre a praia da Pipa e região, no Rio Grande do Norte, puxando

talentos, revelando-os em ondas de oficinas e incubando projetos, em-

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preendimentos, produtos e serviços capazes de liderar uma revolução

cognitiva na cadeia produtiva do turismo local.

Dessa forma, o projeto promove, por meio da produção de educa-

ção, cultura, ciência e tecnologia, conhecimento e sabedorias populares,

uma reengenharia das cadeias produtivas em favor da geração de opor-

tunidades de emprego, renda e investimentos na localidade da Pipa e

região, enriquecendo o calendário turístico local de forma sustentável,

com ênfase no uso das novas mídias digitais (indústria do audiovisual,

educação a distância, comércio eletrônico, comunidades de prática e

microfinanças).

Um dos resultados mais inovadores tem sido a publicação, pioneira,

da produção digital da escola pública e da comunidade artística local no

mercado de conteúdos para telefonia celular. Conteúdos com certifica-

ção sócio-educacional já estão disponíveis em todas as operadoras do

país, gerando renda, aumentando a auto-estima e reforçando a identida-

de local dos protagonistas num projeto que atualmente recebe o apoio

da FINEP (Financiadora de Estudos e Projetos, do Ministério da Ciência

e Tecnologia).

O programa Educar na Sociedade da Informação é o canal de

acesso direto para a Cidade do Conhecimento da USP oferecido a pro-

fessores e outros profissionais do ensino médio e do fundamental, edu-

cadores em organizações públicas, privadas e do terceiro setor.

A partir de 2006, o programa entra em nova fase, ganha novo nome

(Educar para a Emancipação Digital) e inaugura parcerias com em-

presas privadas e organizações da sociedade civil com projetos na área

educacional. Os módulos oferecidos lidam com o tema geral “Imagem

e Conhecimento”, organizando comunidades de usuários de softwares e

outras tecnologias educacionais já presentes no mercado brasileiro.

Mais que um curso de atualização com pesquisadores de destaque

da USP e de outras organizações, é um espaço para a formação de re-

des de contatos com profissionais que lideram iniciativas educacionais,

projetos de pesquisa e ações sociais fazendo uso inteligente das novas

tecnologias de informação e comunicação. A dinâmica do programa in-

clui a realização de encontros presenciais, dinâmicas de grupo usando a

internet e a telefonia celular e a realização de projetos específicos.

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Paulo Freire digitalPara Paulo Freire, a preocupação com a leitura do mundo precede a

preocupação com a leitura das palavras. Nesses tempos de obsessão

com o desafio da superação do “analfabetismo digital”, essa herança in-

telectual merece atenção.

“Na linguagem corrente”, afirma Vera Masagão Ribeiro, “o termo

‘analfabeto’ significa outras coisas além de ‘não saber ler e escrever’; é

um qualitativo fortemente estigmatizante que carrega outros sentidos co-

mo ‘ignorância’, ‘burrice’, ‘chaga’, ‘cegueira’ e ‘subdesenvolvimento’”.1

A visão de Paulo Freire está centrada na formação da identidade de

um sujeito capaz de problematizar o mundo em que vive e, assim, dar

sentido tanto ao objeto de conhecimento quanto ao processo de produ-

zir (e não apenas “receber”) informação. Ou seja, “o educador já não é

apenas aquele que educa, mas o que, enquanto educa, é educado, em

diálogo com o educando, que, ao ser educado, também educa. Ambos,

assim, se tornam sujeitos do processo em que crescem juntos e em que

‘argumentos de autoridade’ já não valem”.2 Ou seja, é preciso recusar a

“educação bancária”, em que “a educação se torna um ato de depositar,

em que os educandos são os depositários e o educador, o depositante”.

Fácil de dizer, difícil de fazer: resta saber se as redes digitais, com seu

caráter não-linear, colaborativo e aberto, podem dar nova densidade ao

desafio pedagógico freireano.

A educação como prática de emancipação digital exige uma aguda

consciência em relação à natureza cultural das máquinas e suas lingua-

gens, assim como atuação permanente na capacitação de cada indivíduo

para a criação de conteúdo digital, estágio que se poderá alcançar ape-

nas na medida em que simultaneamente ocorrer a crítica dos conteúdos

já publicados na rede global (sobretudo na era dos blogs) e um compro-

misso com o livre acesso a informações em todas as áreas. A emancipa-

ção digital depende da ampliação e do adensamento das redes públicas

de projetos de produção de conhecimento.

Infelizmente, não é o que se vê, clica e escuta por aí.

1 RIBEIRO,Vera Masagão (org.). Letramento no Brasil. São Paulo: Global, 2003. p. 10.2 FREIRE, Paulo. A importância do ato de ler. São Paulo: Cortez, 1992. . A Pedagogia do Oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2002.

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Referências bibliográficasSCHWARTZ, G. “Educação digital para emancipação social”. Jornal da USP, Universidade de

São Paulo, p. 2-2, 21/11/2005.

SILVEIRA, S. A.; CASSINO, J. Software livre e inclusão digital. São Paulo: Conrad, 2003.

TAKAHASHI, T. Sociedade da Informação no Brasil: Livro Verde. Brasília: Ministério da Ciên-cia e Tecnologia, 2000. Disponível em www.socinfo.org.br.

Principais propostasA “emancipação digital” é essencial para que os indivíduos não somente contro-

lem seus processos produtivos digitais, mas também possam sustentar sua auto-

nomia nas demais esferas da vida. Vai além, portanto, das premissas da maioria

dos projetos de mera “inclusão” digital, ou seja, que dão prioridade ao acesso à

informação por meio eletrônico.

A emancipação dá relevo à competência autoral dos indivíduos que hoje são

tratados apenas como consumidores da produção de terceiros. Um bom exemplo

disso é o próprio Reescrevendo a Educação, constituído por uma interface de au-

toria distribuída, na qual as pessoas submetem seus comentários e dissertações.

Tornam-se, ao mesmo tempo, objeto e sujeito na criação de conteúdo.

Diante da emancipação digital, surge a necessidade de os agentes do mercado

editorial repensarem seus modelos de negócio, em busca de estratégias merca-

dológicas alternativas, que se adaptem à nova realidade. Na área da música, por

exemplo, isso já vem acontecendo. As gravadoras assistiram à mudança de perfil

dos consumidores de CDs, graças ao compartilhamento de músicas pela internet.

Muitas delas sobreviveram e continuam competitivas, porque souberam identificar

a tempo nichos de mercado diferentes, que correspondem à nova vocação do mer-

cado. Os jornais também já fizeram isso. As versões on-line estão aí, e o jornalista

que não tem um blog está desatualizado. Isso demonstra que tanto as instituições

quanto as personalidades vêm tomando consciência da emergência de um público

que supera a leitura passiva e cria ou seleciona o que ler e, mais do que isso, inter-

fere nesse conteúdo.

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Proposta Ampliar os projetos de produção colaborativa de conhecimento nas redes públicas, para promover processos de emancipação digital nas escolas

Com a emancipação digital, o espaço de aprendizado ganha uma nova configura-

ção, baseada na democratização de autorias de conteúdo. A tecnologia contribui

para que professor e aluno produzam o material didático por meio de projetos

coletivos.

O primeiro passo para implementar esse conceito de forma estruturada nas

redes públicas, principalmente no ensino médio, é criar situações pedagógicas ino-

vadoras. Isso exige do governo, porém, mudanças políticas na área da educação,

que compreendam a importância da participação do próprio “cliente” ou “público-

alvo” (alunos e professores) no processo de produção de conteúdo.

A tecnologia abre espaço para esse movimento ascendente, ou de “baixo para

cima”, o que requer novas estratégias e provoca modificações na própria cadeia

produtiva dos materiais didáticos.

Contudo, a emancipação não significa dar uma autonomia absoluta para que o

aluno produza seus próprios conteúdos e, sim, para que ele passe a ter a opor-

tunidade de usufruir e participar ativamente de comunidades de produção de co-

nhecimento disponíveis na web, ampliando seu contato com espaços de saber

compartilhado.

Promover a emancipação digital nas escolas exige investimento na capacitação

de professores que permita sua adaptação ao novo modelo. E, ainda, requer uma

divisão dos recursos federais consumidos pela aquisição de livros com outras

estratégias educacionais, focadas na tecnologia. Para isso, é necessário que o

governo federal atue fortemente nesse novo contexto, avaliando, inclusive, os con-

teúdos disponibilizados.

Sobre o autor do artigoGilson Schwartz é economista e sociólogo, com mestrado e doutorado (1993) em Eco-nomia na Unicamp. Professor de Economia da Informação do Departamento de Cinema, Televisão e Rádio da Escola de Comunicações e Artes da USP e presidente da comissão de pesquisa do CTR da mesma instituição. Criador e diretor da Cidade do Conhecimento (www.cidade.usp.br), centro de pesquisa e extensão da Universidade de São Paulo, que desde 1999 promove a incubação de redes de projetos por meio de sistemas de informação para a inteligência coletiva, desenvolvimento de mídias como TV digital e telefonia celular, educação a distância e governo eletrônico. Responsável por programas como: Educar na Sociedade da Informação, com a Secretaria de Estado da Educação de São Paulo e a Secretaria Muni-cipal de Educação de São Paulo; Dicionário do Trabalho Vivo, com a Secretaria de Emprego

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e Relações de Trabalho do Estado de São Paulo; SEBRAE-Cidade; Rede Pipa Sabe, com a Caixa Econômica Federal, Casa Civil da Presidência da República (ITI) e extensão financiada pela FINEP-Ministério da Ciência e Tecnologia; Rede do Maciço, com o Banco do Nordeste do Brasil; e a pesquisa sobre certificação digital e indicadores de inclusão socioeconômica, em curso, financiada pelo Instituto Nacional de Tecnologia da Informação (ITI), Casa Civil e Presidência da República. Autor do capítulo “Tecnologia de Informação e Comunicação (TICs) e redes digitais”, no Indicadores, Ciência e Tecnologia em São Paulo – 2004, publicado pela FAPESP, e dos livros O capital em jogo e Profissões do futuro. Jornalista e articulista do jornal Folha de S. Paulo desde 1983. Assessor da presidência do BNDES entre dezembro de 2004 e junho de 2005. Atuou como coordenador do grupo de trabalho Gestão do Conheci-mento e Mídias Digitais, na assessoria da presidência. Foi secretário executivo do Conselho Estadual de Política Industrial e Comercial (COINCO) da Secretaria de Ciência e Tecnologia do Estado de São Paulo (gestão Franco Montoro) e fundador da Sociedade Latino-Americana de História da Ciência e da Tecnologia.

Participou, ao lado de Renato Janine Ribeiro, da criação do projeto Humanidades na Fa-culdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP.

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Avaliação e qualidade do ensino

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Sumário executivoPresidente do Grupo Gerdau, empresa que hoje ocupa a 13ª posi-

ção entre os maiores produtores siderúrgicos do mundo, Jorge Gerdau

Johannpeter transmite no artigo a seguir a sua convicção de que a ini-

ciativa privada pode contribuir – e muito – para a educação brasileira.

Com entusiasmo, o autor apresenta a relação entre a gestão das empre-

sas e a das escolas, considerando a equação “fazer mais com menos”.

Dessa forma, torna-se fácil identificar como o mundo empresarial tem

condições de favorecer o sistema de ensino, a partir de sua experiência

de “administração de recursos” versus “qualidade do produto final”. En-

tretanto, Gerdau ressalta os papéis dos demais agentes nesse contexto,

pois somente “com a participação de todos os brasileiros é possível criar

um ambiente favorável à educação”. Para ilustrar essa combinação de

10Todos pela Educação

Jorge Gerdau Johannpeter

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sucesso, o autor fala sobre o projeto Compromisso Todos pela Educação,

que, assim como este Reescrevendo a Educação: propostas para um Bra-

sil melhor, acredita na importância da mobilização social para mudar

a triste realidade do nosso ensino. Além de Jorge Gerdau, participam

dessa iniciativa, lançada em setembro de 2006, educadores, economis-

tas e gestores públicos da educação.

O Brasil não pode mais esperar. A única forma de competirmos

globalmente é garantindo uma educação de qualidade para todos. Hoje

o país vive uma oportunidade. Um importante movimento está sendo

construído: o Compromisso Todos pela Educação, um projeto que pre-

tende mobilizar toda a sociedade brasileira para o tema da educação,

de forma integrada e sinérgica, numa proposta única para o Brasil. Uma

rara e valiosa conjugação de propósitos, visando a uma agenda comum,

acima de interesses de classe, corporativistas ou político-partidários.

O Compromisso Todos pela Educação nasce com a missão de tornar

efetiva a educação para todas as crianças e jovens. O desafio de real-

mente democratizar o acesso à educação mobiliza empresários e edu-

cadores de todo o país. É um pacto pela autonomia do brasileiro, pela

conquista de cidadania.

Com metas definidas e propósitos estabelecidos, o compromisso

pretende mobilizar a sociedade para que, em 2022, bicentenário da In-

dependência do Brasil, sejam garantidas condições de acesso, perma-

nência, conclusão e sucesso escolar para as crianças e jovens brasileiros,

de forma que:

■ toda criança e todo jovem de 4 a 17 anos estejam na escola;

■ toda criança de 8 anos saiba ler e escrever;

■ todo aluno aprenda o que é apropriado para a sua série;

■ todo aluno conclua o ensino fundamental e o médio;

■ o investimento na educação básica seja, no mínimo, equivalente a

5% do PIB e bem gerido.

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Há muito que fazer. Os brasileiros passam em média 4,9 anos de su-

as vidas na escola. Na Costa Rica, a escolaridade média é de 6,1 anos; na

Argentina, de 8,8; e nos Estados Unidos, de 12,1. Com isso, a situação do

ensino médio é alarmante. Apenas 22% da população completaram esse

nível de ensino, enquanto na Argentina mais de metade da população

conclui o ensino médio, na Coréia do Sul, 82%, e nos Estados Unidos, o

índice chega a 91%. A população brasileira deveria atingir, pelo menos,

o ensino médio para assegurar seu espaço no mercado.

As estatísticas precisam mudar. Apenas 86% dos brasileiros com mais

de 15 anos são alfabetizados, segundo dados do Banco Mundial (2002).

Estamos abaixo de países como Argentina e Espanha, com percentuais

de alfabetização de mais de 97%, do Chile, da Costa Rica e da Venezue-

la, com cerca de 95%, e de boa parte dos países asiáticos, como Coréia,

China e Tailândia, com índices de alfabetização que superam a casa dos

90%. Os números refletem uma triste realidade. No Brasil, um presidiá-

rio vale mais que um estudante. Enquanto o país investe pouco mais de

500 dólares por aluno ao ano, o mesmo valor é desembolsado todo mês

para manter um detento na cadeia.

E ainda desejamos ser competitivos em tempos de acirrada concor-

rência mundial!

Como competir globalmente se boa parte de nossa população mal

lê ou escreve? Como garantir segurança pública sem dar atenção à edu-

cação? Realidades como essas deveriam causar indignação a cada um

de nós. Um país que não tem condições de estabelecer uma educação

de qualidade não pode crescer economicamente, nem gerar inovação,

tecnologia ou conhecimento. É preciso formar um forte capital social e

reforçar a capacidade competitiva e inovadora do Brasil.

Afinal, de quem é a culpa?

A responsabilidade é de toda a sociedade e, em especial, da elite. E

não interessa que elite: empresarial, acadêmica, política, sindical. Ela é

elite porque foi educada e se capacitou. No entanto, observa de forma

passiva a má-formação de milhões de brasileiros, contribuindo com a

desigualdade de oportunidades. Destrói a base da democracia. Prejudica

o desenvolvimento sustentado. Prejudica o capital social. Cava um abis-

mo sem precedentes, cujo legado será pago pelas gerações futuras.

Mas os empresários podem ajudar a mudar essa realidade.

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Qual é um dos maiores patrimônios que um empresário tem? A sua

competência gerencial.

Qual é um dos maiores problemas que existe na atuação de gover-

nos e organizações sociais? A pouca competência ou conhecimento em

gestão.

Uma das principais contribuições que as empresas podem dar à

educação é promover a melhoria da gestão das instituições de ensi-

no. A gestão pela qualidade permite fazer mais com menos e o Brasil

precisa dessa solução para construir uma nação forte, potencializando

ao máximo cada real investido em educação. Só assim formaremos

brasileiros cidadãos, capazes de ler e de realmente compreender o

que lêem, de se inserir no mercado de trabalho e de contribuir com o

crescimento do país.

A educação é fator-chave para dar condições para a igualdade de

oportunidades. É, sem dúvida, o melhor passaporte para a ascensão so-

cial. Em 1990, 84% dos jovens entre 13 e 17 anos pertencentes à cama-

da mais rica da população estavam matriculados em escolas, enquanto

apenas 39% dos adolescentes menos favorecidos da mesma faixa etária

tinham vagas asseguradas em instituições de ensino. Em 10 anos, os per-

centuais mudaram para 96% de matriculados entre os mais ricos e 81%

entre os mais pobres. O abismo diminui, mas é preciso fazer mais.

Para alcançarmos o desenvolvimento sustentável é necessário o for-

talecimento do capital social no país. É esse capital que ajuda a manter a

coesão social, o que leva a uma sociedade mais aberta e democrática. Re-

flete também o grau de confiança existente entre os diversos atores sociais

que formam as comunidades e a sua capacidade de estabelecer relações

de cooperação e associação em torno de interesses comuns. As comuni-

dades não se tornam cívicas por serem ricas. Na realidade, ocorre o opos-

to: enriquecem por serem cívicas. O fortalecimento do capital social pode

nos indicar fórmulas novas de estratégias de desenvolvimento.

As diversas lideranças da sociedade devem, cada vez mais, ter a

consciência da importância de trabalhar na construção desse capital so-

cial. Infelizmente, em nosso país há uma tendência em desrespeitar esse

conceito. O dia-a-dia de nossos noticiários bem o demonstra. Temos a

obrigação de construir um país melhor, institucionalmente mais organi-

zado e ético.

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Por que pensar em temas como capital social e sustentabilidade

quando se propõem melhorias em educação?

Porque é realmente só com a visão de sustentabilidade e de capital

social que podemos almejar uma sociedade melhor para o país. Os ní-

veis de sustentabilidade e de capital social de uma nação são proporcio-

nais à qualidade de sua educação.

Essa relação permanente e integrada entre educação, capital social

e sustentabilidade forma o processo crítico do desenvolvimento social

e, como todo processo, deve ser gerenciado com a melhor metodologia

de qualidade. Como explica o professor Vicente Falconi – o único brasi-

leiro escolhido como uma das “21 vozes do século XXI” pela American

Society for Quality –, um processo necessita ser conduzido com a maior

sinergia possível entre os fatores conhecimento, liderança e metodolo-

gia. De nada adianta ter conhecimento sem liderança para conduzi-lo.

Assim como de nada adianta ter conhecimento e liderança sem uma

metodologia, um sistema de gestão que permita a busca da eficácia. Li-

deranças brilhantes sem ter um sistema de gestão também não chegam

a resultados.

A gestão está na base da construção do capital social, do desenvol-

vimento sustentável e da formação de lideranças. E o alicerce de toda

essa estrutura está nas mentes e nos corações dos professores. É na va-

lorização dos mestres que se promoverá a real melhoria da educação.

E essa valorização profissional passa também pela capacitação. Investir

no professor é investir em um preceito básico da qualidade: a busca da

melhoria contínua. É o aperfeiçoamento constante em temas acadêmi-

cos e ferramentas de gestão que permitirá a formação de jovens mais

bem preparados para o mercado e para a vida. O professor é o gestor e

o agente da mudança. E precisa ser reconhecido por sua missão funda-

mental na construção do país, com salários dignos e valorização profis-

sional por mérito e competência.

Pessoas não são mão-de-obra. Em nenhuma empresa deveria ser

utilizada a expressão “mão-de-obra” para se referir aos trabalhadores.

Independentemente do tipo de atividade, as empresas não precisam da

mão das pessoas, precisam da inteligência e da emoção. Profissionais

preparados, com consciência de sua responsabilidade social e de suas

potencialidades, são fundamentais para a construção do crescimento

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econômico e de uma sociedade melhor. Para isso, basta que tenham

oportunidades. Só se constrói uma democracia ao oferecer igualdade

de oportunidades. E a empresa não pode se abster de seu papel nessa

construção, que é de toda a sociedade.

Devemos ter uma atitude de indignação com a nossa baixa qualidade

de ensino, cuja demanda é dramática e exige o envolvimento de toda a

população. São vários os desafios. O Compromisso Todos pela Educação

é uma oportunidade para encontrar algumas das soluções. Convido todos

a aderirem a esse movimento. O projeto, como o próprio nome diz, é de

todos e precisa estar próximo das pessoas. Se os esforços forem coorde-

nados, será possível alcançar mais. Empresários, educadores, lideranças

de organizações do terceiro setor e associações de classe, representantes

de governos, jornalistas, pesquisadores e especialistas já aderiram e estão

juntando esforços para garantir uma educação melhor para todos.

O que os pais podem fazer para garantir uma boa educação para

seus filhos?

Quem depois dos pais é essencial nesse processo?

Pais e professores têm o poder de garantir um futuro melhor para as

próximas gerações. A parceria desses dois atores sociais é fundamental

para garantir uma educação de qualidade. Você, pai ou mãe, aprenda a

ver o professor como parceiro, que atua em conjunto para formar cida-

dãos mais preparados, mostrando aos seus filhos que é preciso respeitar

os professores. Garanta que seu filho permaneça na escola, participe

das reuniões, converse com o diretor e mantenha-se informado sobre a

qualidade de ensino da instituição (além de exigir o comprometimento

dos gestores públicos).

Você, empresário, também tem um papel fundamental ao oferecer

sua experiência em gestão para escolas e órgãos públicos, acompanhar

a aplicação de recursos na educação, apoiar projetos na área e incenti-

var o desenvolvimento educacional de seus colaboradores. E você, ges-

tor público, também não pode se abster de sua função básica de garantir

o uso eficiente e ético dos recursos destinados pelo Estado.

Com a participação de todos os brasileiros é possível criar um am-

biente favorável à educação, promovendo atividades que levem as pes-

soas a pensar na importância do saber e do conhecimento para construir

um país melhor. O Brasil não pode mais esperar.

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Principais propostasA responsável pela educação em qualquer nação é a sociedade. Por isso, cada

cidadão brasileiro tem de se preocupar com a qualidade do ensino praticado nas

escolas e, mais do que isso, estar disposto a participar de movimentos que pro-

piciem melhorias contínuas no setor. Somente a partir dessa grande mobilização

será possível garantir a desejada qualidade de ensino para todas as crianças e

adolescentes.

Para que isso aconteça, é importante que a educação se torne uma paixão

nacional, a exemplo do futebol. Todos precisam estar conscientes do significado

de uma boa educação.

A proposta do Compromisso Todos pela Educação é a união dos esforços da

sociedade civil em prol de uma única causa comum: a efetivação do direito à

educação pública de qualidade no Brasil. Cada um de nós faz a diferença em um

projeto como esse. Por isso, todos devem sentir-se convocados para essa impor-

tante missão.

PropostaToda a sociedade civil deve se mobilizar em prol da melhoria da educação básicaCom base na premissa de que todos são co-responsáveis pela qualidade da edu-

cação, devemos definir e entender o papel de cada setor da sociedade nessa em-

preitada. Aos gestores públicos, representantes do povo e encarregados diretos

da educação, cabe cumprir a legislação vigente e dar continuidade às políticas

que já estão dando certo. Para aperfeiçoar os programas e promover conscienti-

zação geral, eles devem se valer dos resultados das avaliações externas e de sua

divulgação permanente. É essencial que esses mesmos gestores promovam a ca-

pacitação dos professores e diretores das redes públicas de ensino e assegurem

a autonomia administrativa, financeira e pedagógica de cada escola. Além disso,

precisam estabelecer diretrizes claras, que constem em um plano de metas.

As secretarias da educação têm um papel igualmente importante nesse contex-

to. Por conhecer a fundo a realidade de seus respectivos municípios e estados,

devem ser capazes de gerir todo o sistema, de articular recursos, de supervisionar

as escolas – sempre com foco em resultados – e garantir um sistema de avaliação

voltado para a eqüidade do ensino oferecido por cada unidade. Ao mesmo tempo,

é de sua responsabilidade fornecer às escolas todo o apoio para que consigam

alcançar as metas previamente definidas.

Em paralelo, todos os envolvidos com a rede escolar podem fazer sua parte. A

família precisa adotar uma postura interessada e exigente com relação à educa-

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ção de seus filhos. E isso não se limita às cobranças, mas a fazer aquilo que é

de sua alçada. Como, por exemplo, evitar que as crianças faltem às aulas, atentar

para seu desempenho e manter um relacionamento constante e sadio com os

docentes e com os outros pais. E, ainda, participar das reuniões, perguntar sobre

o funcionamento da escola e manter-se a par de seus resultados em relação às

demais unidades de ensino.

Professores e diretores, por sua vez, podem realizar melhorias contínuas nas

suas atividades, visando à qualidade da educação. Os primeiros podem fazê-las

ao planejar as aulas, exigir condições para sua formação permanente, ensinar

os alunos a estudar, abrir um canal de comunicação com os pais, incentivar o

hábito da leitura e encarar a diversidade como fator que promove o aprendizado.

Os diretores, no seu papel de liderança democrática da escola, devem atuar de

forma articulada com a secretaria de educação e utilizar os sistemas de avaliação

externos. Assim, responsabilizam-se pela qualidade de ensino da sua unidade e

pelo aprendizado efetivo dos alunos.

O trabalho da mídia é fundamental para promover uma mobilização maciça da

sociedade. Os processos de comunicação, em suas mais diversas formas, devem

incorporar propostas que procurem sensibilizar a população permanentemente

para a importância da qualidade na educação. O assunto pode ser trabalhado

tanto na mídia de massa quanto em ações pontuais, como um tema transversal

que percorre as diversas áreas de atividade.

Mesmo aqueles que não estão diretamente vinculados ao dia-a-dia das escolas

podem contribuir. É o caso das empresas que, ao compartilharem sua experiência

de gestão, ajudariam as escolas e os órgãos públicos a otimizar os recursos e

melhorar a qualidade do ensino, reforçando a importância de criar metodologias

adaptadas a esse novo contexto. Eis o grande avanço que a participação das

empresas pode oferecer para o cenário educacional. A iniciativa privada pode, no

seu âmbito, incentivar a educação de seus funcionários e incluir o tema educação

nas diversas situações organizacionais. Também é interessante que as compa-

nhias promovam a divulgação da causa em suas publicações e em seus materiais

institucionais e promocionais, de forma a estimular o debate e a conscientização

sobre o assunto.

Sobre o autor do artigoDesde 1983, Jorge Gerdau Johannpeter preside o Grupo Gerdau, maior produtor de aços longos do continente americano. Sob sua liderança, a companhia tornou-se uma empresa internacional, que hoje ocupa a 13ª posição, de acordo com o ranking do Metal Bulletin so-bre os maiores produtores siderúrgicos do mundo.

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Na época em que assumiu o comando do grupo, o aço Gerdau era produzido em seis usi-nas, sendo cinco no Brasil e uma no Uruguai, as quais produziam 1,3 milhão de toneladas por ano. Em vinte e três anos, o Grupo Gerdau conquistou uma nova dimensão frente ao cenário siderúrgico: são 30 plantas siderúrgicas distribuídas na Argentina (1), no Brasil (11), no Canadá (3), no Chile (1), na Colômbia (2), nos Estados Unidos (11), no Uruguai (1), além de participações societárias na Espanha e nos Estados Unidos. Em 2005, essas operações responderam pela produção de 13,7 milhões de toneladas de aço.

Ao longo desse período, o faturamento evoluiu de US$ 456 milhões em 1983 para US$ 10,9 bilhões em 2005 e o número de colaboradores passou de nove mil para mais de 25 mil pessoas.

Jorge Gerdau Johannpeter também tem forte atuação na busca para o aumento da qua-lidade de vida nas Américas, especialmente no Brasil, país onde reside. Coordena a Ação Empresarial, um dos mais ativos movimentos para a busca da execução de reformas estru-turais necessárias para o crescimento brasileiro, além de liderar um movimento na área de qualidade total focado no aumento da eficiência das empresas e do setor estatal no estado do Rio Grande do Sul, o Programa Gaúcho da Qualidade e Produtividade. Integra ainda a Fun-dação Nacional da Qualidade (FNQ). É presidente fundador do Movimento Brasil Competitivo (MBC), resultado de uma articulação em âmbito nacional entre empresas e governo, cujo objetivo é a melhoria da competitividade pública e privada no país. Representa a American Society for Quality (ASQ) no Brasil, entidade que busca o aperfeiçoamento dos resultados dos negócios a partir da troca de conhecimentos.

É membro do conselho diretor e do comitê executivo do International Iron and Steel Institute (IISI), do conselho do Instituto Brasileiro de Siderurgia (IBS), do qual foi presidente durante duas gestões, do conselho de administração da Petrobras e do Conselho de Desen-volvimento Econômico e Social do governo federal.

Sua atuação lhe conferiu inúmeros títulos de destaque empresarial, além de ser reconhe-cido como forte incentivador da cultura, do trabalho voluntário, do empreendedorismo e de projetos voltados à educação, à saúde, ao esporte e à pesquisa científica e tecnológica.

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Sumário executivoA avaliação educacional ganhou maior dimensão nos últimos anos por-

que possibilita a análise das próprias instituições educacionais e da efi-

cácia de políticas nessa área. Dentro desse contexto, é com grande otimis-

mo que o autor apresenta as características de um sistema de avaliação

moderno, bem como os efeitos e as múltiplas possibilidades atribuídas a

essa ferramenta. Ex-ministro da Educação e hoje sócio fundador de uma

consultoria dedicada ao assessoramento em assuntos estratégicos e eco-

nômicos do setor, Paulo Renato Souza percorre os sistemas de avaliação

que integram a história do ensino básico e superior brasileiros e faz refe-

rência às experiências bem-sucedidas de outros países. Aproveita também

para dissecar as reais vantagens desse instrumento que, apesar de caro,

permite comparações em vários níveis – algo considerado fundamental

11Avaliação a serviço da qualidade educativa

Paulo Renato Souza

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para conhecermos o quão distante estamos do ideal nessa área. O autor

aponta que, uma vez identificadas nossas maiores debilidades, torna-se

possível traçar políticas cada vez mais consistentes e assertivas.

Avaliar os alunos sempre fez parte do processo educativo. As esco-las o fazem há séculos. Entretanto, nos últimos 15 ou 20 anos desenvol-veu-se no mundo todo uma nova ciência: a avaliação educacional com o objetivo de analisar a evolução das escolas e dos sistemas educacionais. Esse é um passo gigantesco para a formulação e avaliação das políticas educativas. Passou a ser possível medir objetivamente a eficácia dos sis-temas, das escolas, dos diretores e dos professores em relação ao que é um dos objetivos centrais da educação: a aprendizagem dos alunos.1 Através da avaliação do desempenho dos alunos se procura avaliar as próprias instituições educacionais e a eficácia de políticas nessa área.

Vários conceitos e técnicas tiveram de ser formulados e aperfeiçoa-dos nas últimas décadas para permitir o nascimento dessa nova ciência. Em primeiro lugar, foi preciso adotar conceitos universais sobre a pró-pria aprendizagem. Para esses efeitos, seria inútil medir a aprendizagem dos conteúdos escolares, uma vez que eles podem variar entre países e sistemas de ensino ou mesmo entre escolas. Adotaram-se aqui os con-ceitos que não são novos na educação, mas que foram aperfeiçoados e passaram a ser objetivamente medidos: as habilidades e competências cognitivas desenvolvidas pelos alunos como resultado do processo edu-cativo. Em segundo lugar, foi necessário desenvolver teorias e técnicas de medição dessas habilidades e competências que permitissem com-parações intertemporais e interespaciais. Nesse aspecto destacaram-se os esforços desenvolvidos sobretudo nos Estados Unidos, associados

1 Obviamente a escola não deve se resumir a isso. A educação integral da criança e do jovem é uma tarefa da família e da escola. Neste sentido, é essencial que a escola tenha muito clara sua missão também no desenvolvimento dos princípios éticos e morais e do respeito pelo outro, assim como no desenvolvimento da responsabilidade social da pessoa.

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inicialmente aos testes dos indivíduos interessados em ter acesso a de-

terminados níveis educativos, em especial ao ensino superior ou à pós-

graduação. Esses esforços culminaram na chamada Teoria de Resposta

ao Item – TRI – complexa num primeiro momento para neófitos, mas

que possui uma simplicidade notável de interpretação uma vez que se

alcança a sua compreensão. Em terceiro lugar, está a própria evolução

dos computadores e da capacidade de processamento e armazenamento

de dados. Sem isso, seria impossível reunir os elementos para o desen-

volvimento dessa ciência: a formulação teórica associada à possibilidade

de comprovação empírica.

Essa ciência foi desenvolvida também como parte do esforço para

repensar a educação e os sistemas educacionais na chamada era do co-

nhecimento. Já se foi o tempo em que as pessoas podiam estudar até

os 20 ou 25 anos de idade e viver toda a vida com os conhecimentos

adquiridos. Vivemos a era do conhecimento e nesse mundo é preciso

aprender durante toda a vida. O conhecimento evolui numa velocidade

sem precedentes, a tecnologia dá saltos cada vez mais freqüentes e é

preciso acompanhar essas mudanças para estar inserido na sociedade.

A sociedade exige dos sistemas educacionais o oferecimento de opor-

tunidades de educação permanentes ao longo da vida das pessoas. Tra-

balhar, consumir e participar da vida social exigem, agora, que a pessoa

tenha acesso à educação ao longo da vida.

Nessa nova situação, o papel da escola de educação básica muda

radicalmente em relação ao passado. É verdade que a escola básica

deve continuar a cuidar da educação durante uma determinada etapa

da vida das pessoas, mas sua função e seus objetivos são totalmente

distintos dos que, erroneamente, prevaleciam no passado. Antes, a es-

cola de educação básica podia pretender transmitir o conhecimento e

até mesmo a “decoreba” era um instrumento freqüentemente utilizado.

Hoje isso não é mais possível. Nessa etapa da vida, é essencial que a

escola passe a ensinar as crianças e os jovens simplesmente a aprender.

Desenvolver o raciocínio, o pensamento crítico, a capacidade de pensar,

de analisar e criticar, tais devem ser os grandes objetivos pedagógicos da

escola na era do conhecimento. A “interdisciplinaridade”, a contextuali-

zação do conhecimento e o desenvolvimento de habilidades e compe-

tências substituíram os velhos conteúdos de disciplinas estanques. Ler

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muito e escrever muito, essas são duas velhas práticas pedagógicas que

têm uma atualidade cada vez maior e mais do que nunca devem estar

presentes na escola.

É nesse contexto amplo e universal que a OCDE – a organização de

cooperação e desenvolvimento que reúne os países mais desenvolvidos

do mundo – decidiu lançar sua própria avaliação educacional: o Pisa.

Chamam a atenção algumas características importantes desse sistema.

Em primeiro lugar, o público-alvo: testam-se jovens de 15 anos de ida-

de, independentemente de sua escolaridade. Na verdade, procura-se

determinar se os países estão preparando adequadamente a população

para viver nessa nova era do conhecimento: o jovem nessa idade deve

ter amadurecida sua capacidade de aprender ao longo da vida. Os resul-

tados comparativos servem como alerta para os países sobre a eficácia

de seus sistemas educativos. Em segundo lugar, o conteúdo dos testes.

No primeiro, realizado no ano 2000, avaliou-se apenas um item: a com-

preensão leitora. No segundo, realizado em 2003, novamente a simplici-

dade do objetivo: avaliou-se o raciocínio matemático. No corrente ano,

serão testados os fundamentos do pensamento científico. Ou seja, os

organismos de coordenação dos países mais desenvolvidos estão sinali-

zando claramente ao mundo quais são os objetivos centrais dos proces-

sos educacionais no nível básico: o desenvolvimento de competências e

habilidades básicas na área do raciocínio e da aprendizagem.

Nesse contexto, assume importância crucial a montagem de sistemas

nacionais de avaliação e de informações educacionais para subsidiar a

elaboração de diagnósticos sobre a realidade educacional do Brasil e

orientar a formulação de políticas nacionais voltadas para a promoção

da eqüidade e a melhoria da qualidade. Os objetivos da avaliação edu-

cacional no ensino básico devem ser: medir o desempenho dos alunos

em relação ao desenvolvimento de suas habilidades e competências e

aos níveis de aprendizagem esperados; relacionar o desempenho dos

alunos com fatores socioeconômicos, comportamentais, pedagógicos e

de organização da escola; desenhar políticas educacionais para melho-

rar o desempenho dos alunos; subsidiar o trabalho de planejamento dos

sistemas de ensino e subsidiar o trabalho de planejamento escolar.

A partir de 1995, o Brasil logrou criar um satisfatório sistema de

avaliação e informação da educação por meio da reestruturação do

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Inep (Instituto Nacional de Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira)

e com a realização de censos variados e testes de desempenho em

todos os níveis de ensino. Criou uma cultura de avaliação, absorvida

pela sociedade e referência para os gestores e analistas da educação

brasileira.

A avaliação do ensino básico no BrasilO sistema de avaliação do ensino básico em nosso país contempla três

instrumentos de âmbito nacional: o Saeb, o Enem e, desde 2005, tam-

bém a chamada Prova Brasil. O Saeb e o Enem foram criados durante o

período em que ocupei o Ministério da Educação e se destinam a ava-

liar habilidades e competências dos alunos. O primeiro é aplicado nos

alunos de final dos ciclos educativos e o segundo é oferecido aos alu-

nos que concluem o ensino médio. Em ambos, a concepção das provas

guarda total relação com os mesmos princípios que nortearam a elabo-

ração do Pisa: a aferição das habilidades e competências cognitivas de-

senvolvidas pelos alunos. No caso do Saeb, estão presentes também os

conceitos básicos dos Parâmetros Curriculares Nacionais e, no do Enem,

os princípios da reforma do ensino médio.

Para efeito de identificação de problemas e formulação de políticas,

a avaliação no ensino básico não deve ser realizada em todas as séries,

nem em todos os anos. Cada um dos ciclos que compõem o ensino

básico – 1ª a 4ª séries e 5ª a 8ª do ensino fundamental mais o ensino

médio – possui objetivos, conteúdos curriculares e práticas pedagógicas

específicos e bem conhecidos. Dado o caráter descentralizado de nosso

sistema de ensino, é possível que alguns conteúdos específicos sejam

vistos em distintas séries dentro de um mesmo ciclo em diferentes esta-

dos ou mesmo municípios. O importante é que no conjunto de cada ci-

clo os objetivos educacionais sejam alcançados. Não foi por outra razão

que o Saeb definiu como meta avaliar os alunos das séries finais desses

ciclos: 4ª e 8ª séries do ensino fundamental e 3ª série do ensino médio.

Com esses resultados, é perfeitamente possível identificar as deficiências

e problemas de cada ciclo e desenhar as políticas para atacá-los.

Num país das dimensões do Brasil, a avaliação no ensino básico feita

pelo governo federal não deve ser universal, escola por escola. Para o

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dirigente nacional, o importante é identificar os problemas e deficiências

dos diferentes sistemas de ensino para que as autoridades responsáveis

nas outras instâncias federativas programem as medidas cabíveis. No

plano federal, é importante que a avaliação produza um diagnóstico

preciso e rigoroso dos problemas para cada sistema de ensino – estadual

ou municipal – e para cada unidade da federação. Para isso, o mais ade-

quado é um sistema de amostragem que pode ser cientificamente defi-

nido e no qual questões como formulação dos itens da prova, sigilo da

prova, homogeneidade da correção etc. podem ser rigorosamente con-

troladas. Isso nem sempre é possível num exame que envolve centenas

de milhares de escolas e dezenas de milhões de alunos. Num sistema

de aplicação universal para um país das nossas dimensões é impossível

evitar que falhas nesses aspectos levem a uma perda de precisão nos

resultados obtidos, anulando os benefícios do processo de avaliação.

Essa é precisamente minha dúvida principal em relação à chamada Pro-

va Brasil, realizada pelo MEC pela primeira vez no ano passado. Além

disso, em sua divulgação foram comparados os resultados por sistemas

de ensino, o que é tecnicamente errado, pois a adesão ao sistema foi

voluntária por parte das escolas e sistemas educacionais.

Não obstante, é altamente desejável que os responsáveis diretos pe-

los sistemas de ensino básico – estados e municípios – realizem avalia-

ções universais de suas escolas, aplicando testes em todos os alunos de

4ª e 8ª séries do ensino fundamental e 3ª do médio, anualmente se pos-

sível. Os objetivos nesse caso são totalmente diversos dos que animam

o governo federal na avaliação do ensino básico. Aos gestores desses

sistemas cabe conhecer em detalhes os problemas e deficiências de cada

uma de suas escolas e isso só pode ser identificado com uma aplicação

universal a todos os alunos. Aqui a amostragem não cabe porque se

quer conhecer cada escola e diferenciá-la das demais.

É unânime o reconhecimento dos avanços de nosso país na inclusão

de crianças e jovens na escola no período 1995-2002. Nesse curto perí-

odo de tempo fomos capazes de universalizar o acesso à educação para

as crianças de 7 a 14 anos, saltando de 87% para 97% a escolarização

dessa faixa etária em apenas sete anos. A inclusão deu-se especialmente

entre os mais pobres e as crianças das regiões mais carentes. De outro

lado, as taxas de repetência e evasão escolar se reduziram, melhorando

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a distorção idade/série. Como conseqüência, mais estudantes estão con-

cluindo o ensino fundamental e o ensino médio.

A experiência internacional ensina que em períodos de forte incor-

poração de novos segmentos populacionais à escola deve-se esperar

uma queda apreciável nos índices de desempenho dos alunos do con-

junto do sistema educacional. Isso não significa que o sistema tenha pio-

rado em termos de qualidade com o ingresso de alunos provenientes de

famílias mais humildes e menos instruídas. Desde logo, os novos inte-

grantes do sistema estão muito melhor do que estavam antes de ingres-

sarem na escola, pois estão aprendendo. Seu desempenho inicial, po-

rém, é inferior em relação aos demais alunos que já estavam na escola e

que provêm de famílias mais educadas. Como conseqüência, a média do

novo conjunto de estudantes é menor do que a existente antes da incor-

poração maciça dos novos alunos. Esse efeito precisa ser compensado

com melhorias nos demais fatores que influenciam o desempenho dos

alunos vinculados ao funcionamento da escola, como a qualificação de

professores, a qualidade do material didático ou os métodos de ensino.

Os dados do Saeb analisados em cada um dos anos em que se reali-

zou o exame mostram uma situação lamentável e inaceitável dos índices

de desempenho dos alunos medidos pelas habilidades e competências

esperadas para cada nível de ensino. Em geral, nos testes de português

e matemática nos anos finais dos ciclos educativos, somente cerca de

10% dos alunos apresentaram resultados satisfatórios em relação aos ní-

veis esperados para sua série. Esse percentual é praticamente invariável

em todas as regiões brasileiras. A diferença entre elas está na proporção

em que se dividem os outros 90%: no Sul e Sudeste a participação dos

alunos que apresentam nível intermediário é maior do que os do nível

crítico, o contrário do que ocorre nas demais regiões do país.

Por outro lado, os indicadores de desempenho dos alunos mostrados

pela série dos exames do Saeb tomados a cada dois anos entre 1995 e

2001 apresentaram uma evolução levemente negativa, apesar dos avan-

ços notáveis que se verificaram nas condições de funcionamento das

escolas no Brasil. Dado o ritmo de incorporação de novos segmentos à

escola, a queda, contudo, foi muito menor do que se poderia esperar.

Rigorosamente, naquele período, os níveis de proficiência dos alunos

se mantiveram dentro dos mesmos intervalos de confiança da amostra,

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com uma ligeira tendência negativa. Os dados do Saeb 2003 revelam

uma inversão dessa tendência, pois os indicadores de desempenho pas-

saram a sinalizar uma leve tendência positiva. Esta é realmente uma boa

notícia. Mais cedo do que poderíamos esperar, o desempenho médio

dos alunos em português e matemática começa a melhorar.

Ao comentar os resultados ruins do exame de 1999 eu expressava,

na ocasião, a certeza de que as futuras avaliações iriam mostrar uma

evolução positiva. Essa convicção estava assentada no fato de estarmos

implementando todas as medidas que o próprio Saeb identificava como

importantes para melhorar o desempenho dos alunos. Através do Saeb

ficou claro que o nível de formação de professores influenciava direta-

mente na aprendizagem dos alunos e por isso implementamos políticas

que praticamente eliminaram os professores leigos de nossos sistemas

de ensino e elevaram a proporção dos professores com nível superior

de 43% para 62% do total. Observamos que a leitura tinha enorme im-

pacto no desempenho dos alunos e distribuímos coleções de livros para

todos os alunos de 4ª e 5ª séries do ensino fundamental. Além disso,

desenvolvemos programas de treinamento usando os Parâmetros Cur-

riculares Nacionais para que 600 mil professores aprendessem a usar a

leitura como parte do processo de ensino e aprendizagem. Revelou-se

que um dos mais graves problemas da aprendizagem é a repetência e

a defasagem idade/série e foram definidos os programas de aceleração

escolar. Pelo Saeb pudemos avaliar a importância da participação dos

pais na escola e estimulamos a criação das Associações de Pais e Mestres

e promovemos o Dia Nacional da Família na Escola.

O Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) tem como ênfase a

avaliação do perfil de saída dos egressos desse nível de ensino. Ele

tem um duplo objetivo. O principal é proporcionar uma avaliação do

desempenho dos alunos, ao término da escolaridade básica, segundo

uma estrutura de competências associadas aos conteúdos disciplinares

que se espera tenha sido incorporada pelo aluno para fazer frente aos

crescentes desafios da vida moderna. Ao mesmo tempo em que serve

como auto-avaliação para milhares de jovens estudantes, o Enem per-

mite ao poder público dimensionar e localizar as lacunas que debilitam

o processo de formação dos jovens e dificultam sua realização pessoal

e sua inserção no processo de produção da sociedade. O outro objetivo

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declarado do exame é sinalizar para todas as escolas de ensino médio

do país o conteúdo da reforma do ensino médio e as habilidades e com-

petências que, na visão do ministério, deveriam estar desenvolvidas nos

alunos ao final do ensino básico.

Na última edição do Enem, em 2005, cometeram-se dois grandes equí-

vocos: um na prova, outro na divulgação dos resultados. Na prova, aban-

donou-se o conceito de avaliação de habilidades e competências bási-

cas, aumentando a avaliação de conteúdos esperados no ensino médio.2

Por outro lado, na divulgação dos resultados, cometeu-se um grave erro

metodológico ao comparar escolas e mesmo sistemas de ensino a partir

dos resultados do Enem. Esse exame é individual e facultativo e não há

nenhuma base científica para a comparação entre escolas ou sistemas de

ensino. Caiu-se na tentação do sensacionalismo tão ao gosto de deter-

minados segmentos da imprensa e tão prejudicial ao verdadeiro aprimo-

ramento da educação em nosso país, que exige em primeiro lugar rigor

científico nas análises, especialmente por parte da autoridade pública.

O Brasil decidiu voluntariamente participar do Pisa. A participação

brasileira tem vários significados importantes, além daqueles gerados

pelos números e resultados. Em primeiro lugar, a própria decisão de en-

trar num estudo onde estão os países avançados. Ao decidir participar

de tal empreitada, há que se considerar a maturidade do país em cum-

prir rigorosamente os roteiros metodológicos, em analisar profissional-

mente as informações obtidas e em produzir um documento realista e

competente. Não são poucos os países que decidem não divulgar dados

de pesquisa considerados como desfavoráveis. Revela ainda um grau de

maturidade das autoridades educacionais, cujo desempenho não pode

ser medido pela expectativa de resolver todos os problemas da educa-

ção básica em um país federativo. Mostra também sua honestidade inte-

lectual, realismo e competência para gerar dados de qualidade, analisar

serenamente o estado da nossa educação e tirar lições e implicações

para políticas procedentes.

Os resultados do Pisa permitirão que as instâncias encarregadas de

formular e tomar decisões sobre políticas educacionais em todos os ní-

2 Aparentemente, esse aspecto será solucionado no exame de 2006, a julgar pelo retorno à equipe técnica de pessoas comprometidas com a concepção original do Enem.

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veis de governo possam comparar o desempenho do seu sistema edu-cacional com os demais países participantes. Nesse sentido, os resulta-dos do Pisa servirão como base para o aperfeiçoamento da avaliação e monitoramento da efetividade dos sistemas educacionais, tendo como parâmetro os padrões internacionais e, a partir daí, traçar horizontes am-biciosos de como deve ser a formulação de políticas públicas em todas as áreas em nosso país.

A montagem desse sistema, em nosso país, produziu significativa mudança no eixo do debate educacional e na própria orientação das políticas públicas para o setor. Colocou em evidência temas prioritários como a questão da eqüidade na distribuição dos recursos públicos e nas condições de oferta, a qualidade do ensino, a formação inicial e con-tinuada de professores, a autonomia da escola e o modelo de gestão, entre outros. Serviu ainda para atender à exigência da sociedade de mais transparência das instituições públicas e, em particular, dos estabeleci-mentos de ensino.

A simples observação do recente debate sobre indicadores educacio-nais, que passa a destacar cada vez mais os indicadores de qualidade, mostra as transformações por que vêm passando a produção de infor-mações a respeito da situação dos diferentes níveis dos sistemas de en-sino. Esses resultados vêm sendo obtidos a partir de pesquisas empíricas extremamente sofisticadas e que exploram bases quantitativas extensas para desenvolver análises qualitativas sobre o desempenho dos alunos. Ultrapassada a etapa de desenvolver diagnósticos considerando apenas os indicadores de acesso, a grande preocupação dos sistemas de pro-dução de informações educacionais relaciona-se ao desenvolvimento de indicadores que informem sobre a eficiência dos sistemas e seu grau de efetividade, ou seja:

1. Quais as características do percurso escolar dos alunos? Quanto tem-po levam em média para concluir a escolaridade obrigatória? Quais os fatores que explicam as altas taxas de repetência e de abandono escolar? Como se comporta o fluxo do sistema?

2. O que os alunos são capazes de fazer? Quais os padrões desejáveis que deveriam ser atingidos para que os alunos desenvolvam as com-petências e habilidades básicas exigidas para o exercício da plena

cidadania? O que caracteriza a escola efetiva?

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3. Como anda o desempenho dos sistemas de ensino? Quais as lições

extraídas dos resultados das avaliações que permitem reorientar

ações e políticas dirigidas à promoção da eqüidade e da contínua

melhoria da qualidade dos diferentes níveis de ensino?

A tendência ao aprimoramento dos mecanismos de avaliação con-

comitante aos processos de reforma no campo educacional está clara-

mente associada ao novo papel da educação na formação do cidadão

do próximo milênio.

A avaliação no ensino superior de graduação no BrasilA avaliação do ensino superior é complexa, difícil e cara. Envolve as-

pectos institucionais; a qualidade e a quantidade dos livros, equipa-

mentos e materiais; a qualificação e dedicação de seus professores; a

eficiência no uso dos recursos públicos; a produção acadêmica e cien-

tífica; a contribuição para a reflexão crítica do desenvolvimento da so-

ciedade; a qualidade dos cursos de graduação e dos profissionais que

forma; a qualidade dos cursos de pós-graduação; a produção de teses

e sua contribuição ao desenvolvimento científico e tecnológico do país;

e a contribuição da extensão universitária para o desenvolvimento e o

bem-estar da sociedade.

O sistema de avaliação do ensino superior no âmbito dos cursos de

graduação é relativamente novo em nosso país. Foi criado nos últimos

10 anos inspirado claramente no modelo de avaliação da pós-gradua-

ção, que existe há quase 30 anos. A avaliação na graduação é muito

complicada pela dificuldade de construir indicadores objetivos sobre

a qualidade do ensino que resistam a interpretações subjetivas. Alguns

indicadores indiretos – a relação professor/aluno, o tempo médio de

graduação, a freqüência dos alunos, as taxas de evasão escolar etc.

– podem e devem ser utilizados. Outros, entretanto, como a produção

científica da instituição, têm relação muito indireta com a qualidade dos

cursos de graduação. O que interessa saber é o resultado do processo

de ensino e pesquisa no ensino superior. O resultado da pós-graduação

pode ser avaliado objetivamente pela produção científica. Na graduação

é preciso avaliar a aprendizagem dos alunos.

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Não há como negar que o Exame Nacional de Cursos, o Provão, te-

ve um impacto revolucionário no sistema de ensino superior de nosso

país, assegurando que sua expansão se desse também com um apreci-

ável aumento na qualidade do conjunto do sistema. A partir do exame,

passamos a dispor de mecanismos muito transparentes de informação à

sociedade que se constituíram em poderoso sinalizador sobre a qualida-

de de cada um dos cursos superiores de nosso país.

Alguns debates surgidos durante a implantação e divulgação dos

resultados do Provão tiveram um interesse técnico importante. Muitos,

e principalmente os meios de comunicação, demandavam insistente-

mente que divulgássemos os valores absolutos das notas dos alunos

e não os cinco conceitos relativos (de A a E). A razão para usar os

conceitos relativos estava ligada à origem da própria concepção do

exame: seu objetivo não era a elevação geral da qualidade do ensino

superior, mas a redução de sua heterogeneidade. Tínhamos boas insti-

tuições e elas deviam servir de referência para as demais. Outro tema

recorrente em todos os anúncios de resultados para a imprensa eram

as médias nacionais, em geral baixas, obtidas nas várias carreiras. Não

me cansava de explicar que as notas médias nacionais dependiam da

dificuldade da prova e que não havia critério para uma calibragem

adequada que viesse a permitir uma comparação entre os resultados

das diferentes carreiras ou mesmo a comparação de resultados de um

ano para o outro.

Um debate importante se deu em torno da questão do valor agre-

gado. Muitas instituições privadas alegavam que suas diferenças com

as que obtinham os conceitos A ou B não se devia à qualidade de seus

cursos, mas às diferenças iniciais na qualidade de preparação de seus

alunos antes de ingressarem na faculdade. As boas instituições recru-

tam os melhores alunos e isso explicaria as diferenças registradas. É um

argumento importante e que poderia ser objetivamente testado usando

hoje os resultados obtidos no Enem há quatro ou cinco anos pelos mes-

mos alunos que estão concluindo o ensino superior em cada faculdade.

Como sabemos, a esmagadora maioria dos alunos que cursam o ensino

superior prestaram em seu momento o Enem.

Além do exame propriamente dito, os mesmos alunos deviam res-

ponder a um questionário no qual informavam tanto seus dados pessoais

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e familiares, inclusive de caráter socioeconômico, quanto expressavam

suas opiniões sobre o curso feito: a infra-estrutura acadêmica, a quali-

dade dos professores, o nível de exigência a que foram submetidos. Por

outro lado, estabeleceu-se a segunda parte da avaliação por meio de um

sistema mais tradicional. Criou-se, também para os cursos de graduação,

um sistema de peer reviews, muito semelhante ao vigente na pós-gradu-

ação e inspirado nas experiências internacionais de avaliação por meio

de comissões de professores pertencentes a outras instituições e que

possuam um alto nível de formação.

No passado, fiscais burocratas do Ministério da Educação davam a

opinião técnica para a abertura de uma instituição ou o reconhecimen-

to de um curso; essas tarefas passaram a ser cumpridas por professores

doutores de nossas melhores instituições, que têm independência até

para dizer que um curso de uma instituição pública precisa melhorar.

Por meio das visitas in loco, analisam-se todas as condições acadêmicas

de funcionamento da instituição: a qualificação docente, a infra-estru-

tura e a organização didático-pedagógica. Esse segundo componente

tinha um peso igual ao do exame no processo e seus resultados eram

analisados conjuntamente para subsidiar as decisões de governo, em es-

pecial durante o processo de renovação da acreditação das instituições.

Os resultados dos pareceres das comissões de professores que avaliam

as condições de ensino tinham em geral uma alta correlação com os re-

sultados do Provão. Isso demonstra a pertinência do exame e comprova

o acerto da sociedade em geral ao tomar os resultados do exame como

um indicador da qualidade dos cursos superiores.

Entre 1994 e 2003, a matrícula nos cursos superiores cresceu 135%

e o número de cursos oferecidos passou de 6 mil para 17 mil. Seria

normal esperar que essa rápida expansão provocasse desarranjos no

sistema. Que a qualificação média dos professores caísse; que a infra-

estrutura física das instituições (laboratórios e bibliotecas principalmen-

te) não acompanhasse a expansão; que as avaliações periódicas mos-

trassem deterioração nos itens avaliados. O contrário foi observado. No

seu conjunto, as novas faculdades criadas a partir do Provão tiveram

melhor desempenho que as antigas nos resultados do exame. Houve

uma apreciável melhoria em vários itens de qualidade dos cursos (pro-

fessores, bibliotecas, laboratórios, tecnologia etc.), segundo a opinião

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dos alunos medida pelas pesquisas aplicadas junto com o Provão entre

1996 e 2002. O mesmo pode ser comprovado pela leitura dos relatórios

das comissões que analisaram as condições de ensino nas instituições

ao longo de todo o período. A qualificação dos docentes melhorou sig-

nificativamente em todos os segmentos do ensino superior. No ensino

particular, onde seu número quase triplicou, a proporção de mestres e

doutores passou de 25% para 51%. Esse aumento deveu-se, entre outras

coisas, à divulgação anual dos dados colhidos junto com o Provão sobre

esse aspecto em particular. Por outro lado, não há sequer um indicador

de qualidade de nosso ensino superior que tenha mostrado evolução

negativa nesse período.

Na minha visão, a reação e mobilização da sociedade a partir dos

resultados tornados públicos anualmente e disponibilizados na inter-

net explica toda essa evolução positiva. Observamos um sem-número

de casos de instituições em que, por pressão de alunos e professores,

desencadearam-se processos de revisão curricular, de modernização de

métodos de ensino, de ampliação de bibliotecas, de reequipamento de

laboratórios e de renovação do corpo docente. As empresas, por outro

lado, passaram a considerar o resultado da avaliação nos processos de

seleção de pessoal. De sua parte, os alunos que buscavam ingressar no

ensino superior passaram a levar em conta os resultados do Provão na

escolha da faculdade a cursar: a procura nos vestibulares, medida pela

relação candidato/vaga, caiu 40% nos cursos com pior avaliação, en-

quanto aumentou 20% nos que obtiveram os melhores conceitos.

Infelizmente isso tudo se perdeu nos dois últimos anos, pois seu

sucedâneo – o Enade – não cumpre nenhuma das funções do antigo

exame. Três são as diferenças cruciais:

1. O Provão era obrigatório e aplicado a todos os alunos que conclu-

íam o ensino superior. Eles recebiam um certificado privado com

seu resultado, comparando-o com o da média de sua turma e a mé-

dia geral do país em sua carreira. Toda a sociedade, portanto, sabia

que os profissionais formados a partir de determinado ano eram

possuidores desse certificado. Isso garantia que todos fizessem a

prova com o máximo empenho, seja porque eles poderiam querer

exibir esse documento como parte de seu currículo, seja porque

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ele podia ser solicitado no futuro em algum processo seletivo. A

certeza de que todos os alunos de cada instituição fazem a prova

com o mesmo empenho é condição essencial para que qualquer

exame tenha qualquer validade como elemento de avaliação com-

parativa de cursos. O Enade faz uma amostra dos alunos aos quais

se aplica o exame. Assim, não é mais possível saber se qualquer

profissional prestou ou não o exame. Assim sendo, o aluno não

tem mais estímulo para empenhar-se a fundo na prova e os resul-

tados carecem, portanto, de qualquer poder de avaliação compara-

tiva entre instituições.3

2. O Provão era aplicado aos alunos dos últimos anos e, portanto, dava

uma indicação da qualidade do conjunto do curso. Agora, no Enade,

se aplica exatamente o mesmo exame aos alunos do primeiro e do

último ano de cada curso. No primeiro ano de realização do exame,

se divulgou a média das duas notas. Dessa forma, o resultado do

Enade não representa nem a qualidade dos alunos que entram nem

dos que saem das faculdades e, portanto, o resultado do exame não

tem qualquer significado estatístico ou avaliativo. Para fazer frente a

essa crítica, no corrente ano calculou-se um suposto “valor agrega-

do” medido pela diferença entre as médias dos alunos do primeiro

e do último ano. Cientificamente essa comparação carece de todo

significado interpretativo. Nada assegura que os alunos que estão ho-

je ingressando numa determinada instituição representam o mesmo

segmento de alunos que ingressaram quatro ou cinco anos antes. A

pretendida medição do valor agregado por cada instituição deveria

ser feita pela comparação dos resultados do Provão com os obtidos

no Enem pelos mesmos alunos na época de seu ingresso na facul-

dade. O exame para os alunos do primeiro ano é, assim, totalmente

desnecessário.

3. O Provão era anual e o Enade é trienal. Um aumento na periodici-

dade do exame seria justificável se nosso sistema de ensino superior

fosse estável, apresentando uma baixa taxa de expansão. Sabemos

3 Além disso, há algo perverso contra os bons alunos no novo sistema. Hoje os bons alunos de cursos mal avaliados têm como demonstrá-lo. Podem exibir seu certificado para mostrar que seu desempenho é melhor do que o de sua instituição. No novo sistema esses alunos estarão estigma-tizados pela nota média de suas faculdades.

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que não é esse o caso. Os cursos novos podem demorar um tempo

muito grande para serem avaliados no sistema de triênios.

Avaliar para quê?A palavra avaliação talvez esconda mais significados do que revela. Uma

manifestação da falta de familiaridade da nossa sociedade com a avalia-

ção do ensino é a falta de percepção acerca de seus múltiplos usos. Os

progressos em usar tais resultados de forma mais criativa não acompa-

nharam o esforço de criar sistemas de avaliação. O uso dos resultados

ainda deixa muito a desejar. Aqui estamos falando tanto de um uso téc-

nico por parte das secretarias de Educação como de um uso político, em

que a sociedade civil usa os resultados para pressionar por mudanças. E

que ambos levem à implantação de medidas que tornem a escola brasi-

leira capaz de oferecer a cada criança que a ela chega um bom ensino.

Indicadores relativos à efetividade das ações governamentais cons-

tituem hoje instrumento fundamental para mensurar a qualidade e o

alcance das políticas públicas e contribuem para a tomada de decisões.

São ainda mais relevantes tendo em vista o necessário debate e busca de

soluções para a questão da qualidade da educação. O desafio é a me-

lhoria da qualidade da educação básica, em especial no sistema público.

As avaliações de desempenho dos alunos do ensino básico em todo o

Brasil apontam nessa direção.

A grande novidade do nosso tempo é que foram desenvolvidos ins-

trumentos de medição que criaram métricas universais para avaliar obje-

tivamente a qualidade do ensino. Hoje é possível saber se os alunos de

uma pequena escola pública do nosso interior estão atingindo os objeti-

vos de aprendizagem que se espera nos sistemas educativos dos países

mais avançados do mundo. A formação do cidadão capaz de viver num

mundo global foi um dos objetivos acrescentados recentemente pela

sociedade aos sistemas educacionais.

Entretanto, avaliação não é panacéia. É um instrumento caro que

precisa ser corretamente aplicado e interpretado. Duas perguntas devem

ser respondidas antes de aplicar qualquer processo educativo: o que

avaliar? E para que avaliar? As respostas a essas questões devem indicar

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o método avaliativo: o instrumento a ser utilizado, o caráter amostral ou

censitário do processo e os alcances das interpretações dos resultados

obtidos. Penso ter deixado claro que muitas vezes as autoridades edu-

cacionais caem na tentação da simplificação e do sensacionalismo ao di-

vulgar interpretações dos dados de avaliações que superam largamente

o conteúdo efetivo dos instrumentos e metodologias que se utilizaram

no processo. Por outro lado, é preciso ter em mente que o desempenho

dos alunos é um dos aspectos do processo educacional, mas não é o

único, como se mencionou mais acima.

Principais propostasMelhorar os índices de desempenho dos alunos deve tornar-se uma verdadeira

obsessão das escolas. Para que isso ocorra, é urgente que o sistema de ensino

recoloque a avaliação no centro de suas atividades e passe a considerá-la como

uma ferramenta imprescindível e integrada ao dia-a-dia letivo – com vistas ao su-

cesso do trabalho pedagógico. O que infelizmente observamos no ensino público

brasileiro nas últimas décadas, no entanto, é que praticamente abandonaram-se a

avaliação e o foco no aprendizado efetivo dos alunos.

Hoje, é possível fixar parâmetros sobre a qualidade do ensino nas escolas, tan-

to em escala nacional e internacional quanto ao longo dos anos. Isso porque exis-

tem métricas universais, que analisam e medem as habilidades e competências

dos alunos. Trata-se de um elemento novo na educação, que deve ser levado a

sério: os responsáveis pelo ensino no país precisam promover o retorno definitivo

da avaliação na escola, dentro dos princípios mais modernos de mensuração de

desempenho, como os que estão sendo utilizados no Pisa, no Saeb e no Enem.

Ciente de seus resultados, cada escola pode comparar e avaliar o quão distante

está em relação ao que é esperado – e ao que é ideal. Para tanto, é necessário

que o governo também providencie uma ampla divulgação de todos esses índices.

Por unidade. Por cidade. Por estado. Quando tais condições se tornam públicas,

afinal, a comunidade pode participar mais ativamente dos processos e reivindicar

transformações de forma mais eficiente. Aí estão incluídos aqueles pais que, em-

bora humildes e pouco escolarizados, conseguirão finalmente brigar por um futuro

melhor para seus filhos.

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PropostaCriar sistemas de avaliação estaduais e municipais, com base numa metodologia definida pelo governo federal, e utilizar seus resultados para a formulação de políticas públicas

São duas as metas de uma avaliação profunda do sistema de ensino. A primeira

é promover a comparação das unidades, com base em um parâmetro mundial

que determina qual o nível mínimo de qualidade a ser alcançado pelas escolas. A

segunda, e não menos importante, é a formulação de políticas públicas eficazes,

que atendam às verdadeiras demandas da educação brasileira. Somente com a

utilização de dados reais, que embasem as determinações do governo, evoluire-

mos do estágio atual para outro, mais avançado.

Para chegarmos lá, o ideal seria que estados e municípios utilizassem uma

metodologia, a ser definida pelo próprio governo federal, dentro dos critérios uni-

versais de avaliação. A partir daí, teriam autonomia para criar suas próprias pro-

vas e a estrutura para sua aplicação. Em linhas gerais, as autoridades federais

poderiam, assim, convergir esforços para as avaliações gerais e comparativas de

sistemas, o que não lhes tiraria a possibilidade de estimular, financiar e apoiar

tecnicamente as instâncias locais na execução de seus testes.

Diante disso, cabe a seguinte pergunta: quais índices devem ser avaliados para

que possamos reverter toda essa estrutura para a qualidade do ensino? A respos-

ta é simples. Devem ser medidos a compreensão leitora e o raciocínio matemático,

algo tido como essencial para a formação da criança e do cidadão. É sempre bom

atentar para o fato de que as estruturas e os métodos que avaliam essas duas

habilidades são hoje perfeitamente conhecidos e cientificamente comprovados.

O sistema escolar precisa valer-se dessa condição favorável e não desperdiçar a

oportunidade de avaliar e entender as dificuldades de suas crianças.

Por meio desse diagnóstico, concluído graças à adoção de práticas de avaliação

eficientes, torna-se possível formular políticas públicas mais adequadas, que con-

templem, por exemplo, a carreira do professor, a condição predial das escolas e a

busca incessante pela melhoria do desempenho dos alunos. Dessa forma, todos

os elementos integrantes da realidade escolar passarão a caminhar, juntos – e em

um mesmo sentido.

Sobre o autor do artigoPaulo Renato Souza é o sócio fundador da empresa de consultoria brasileira Paulo Renato Souza Consultores, dedicada ao assessoramento de clientes privados, públicos e entidades não-governamentais em assuntos estratégicos e econômicos do setor educacional. Com anterioridade a essa posição, o professor Paulo Renato foi Ministro da Educação do Brasil

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durante o governo do presidente Fernando Henrique Cardoso, de 1995 a 2002. Antes disso ocupou numerosos cargos públicos e executivos no Brasil e no exterior, incluindo gerente de operações do Banco Interamericano de Desenvolvimento − BID, em Washington D.C., reitor da Universidade Estadual de Campinas − UNICAMP e Secretário da Educação do Estado de São Paulo. Durante os anos 1970, ele serviu à Organização Internacional do Trabalho − OIT, como diretor associado do Programa Regional do Emprego para a América Latina e o Caribe e outras agências das Nações Unidas.

O professor Paulo Renato Souza é economista formado pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul, obteve o seu mestrado na Universidade do Chile e o doutorado na Universidade Estadual de Campinas − UNICAMP, onde também se tornou professor titular de Economia.

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As propostas eleitas pela sociedade

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O grande diferencial do Reescrevendo a Educação: propostas para

um Brasil melhor foi a participação ativa da sociedade. Tal envolvimen-to legitimou essa iniciativa.

Desde o início, todas as propostas dos articulistas foram debati-das pelo público interessado, por meio de diversas ferramentas de interação. E, na eleição das principais alternativas para a melhoria da educação, a participação também foi intensa. Cada um dos 23671 par-ticipantes pôde votar em, no máximo, cinco propostas e elegeram as apresentações abaixo, que apontam alguns caminhos para uma edu-cação de qualidade.

Sabemos, entretanto, que apenas o trabalho efetivo nessas três dire-ções não será o bastante. Essas propostas não podem ser entendidas de forma isolada. Todas estão associadas a um contexto muito mais amplo, apresentado nos textos deste livro.

Uma verdadeira revolução do ensino brasileiro só ocorrerá com a realização de ações concretas, direcionadas aos diversos aspectos que envolvem a educação do país.

Proposta 1Melhorar as condições salariais, que permitam dedicação exclu-siva e ajudem a reter por mais tempo os professores nas comu-nidades escolares. (14,5%)2

Proposta 2Alterar o currículo e a estrutura dos cursos destinados à forma-ção de professores. (9,7%)

Proposta 3Promover formação continuada de professores, diretores de es-cola e gestores públicos da educação. (9,5%)

1 Número de participantes até a data de 23/10/06.2 Valor baseado no total de 11026 votos, também extraído na data acima.

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Reescrevendo a Educação: propostas para um Brasil melhor

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A editora Ática e a editora Scipione sempre estiveram compro-

metidas com a qualidade do ensino brasileiro. Suas histórias e suas

publicações refletem esse compromisso. Por esse motivo, e diante do

atual cenário do ensino brasileiro, era latente a inquietação para se

fazer algo mais. Foi assim – a partir desse sentimento e por saber de

sua responsabilidade como agentes de mudança do setor educacio-

nal – que as editoras decidiram assumir uma posição proativa e de

vanguarda: descobrir caminhos para a melhoria da educação, com

base na opinião de especialistas e da sociedade.

O Reescrevendo a Educação: propostas para um Brasil melhor foi

concebido em outubro de 2005. Durante cinco meses realizaram-se o

planejamento e a análise de todas as ações que envolveriam o projeto:

seleção dos temas, seleção dos articulistas e convite a eles, definição

do cronograma de divulgação, seleção de mailing, entre outras. Seu

lançamento aconteceu em abril de 2006 e, desde então, mais de 89 mil

pessoas envolveram-se nessa iniciativa.

Foram escolhidos para análise cinco temas: analfabetismo funcional,

formação de professores, educação infantil, ensino médio e avaliação e

qualidade do ensino. Sobre cada um deles, foram divulgados ao menos

dois artigos, escritos por nomes expressivos do cenário nacional, enga-

jados na melhoria da qualidade do ensino brasileiro. Quinzenalmente,

o texto de um autor era encaminhado para todo o banco de dados do

site www.reescrevendoaeducacao.com.br. Após uma semana de divul-

gação, o articulista participava de um chat de debate com pessoas in-

teressadas no assunto tratado em seu texto. Além disso, um fórum de

opinião ficava disponível, a fim de que a sociedade pudesse aprofundar

com cada autor alguns pontos do artigo e avaliar a relevância das pro-

postas apresentadas.

Todo esse debate está consolidado neste livro. Nos capítulos que

abordam os temas do projeto, estão disponíveis os textos de cada autor

na íntegra, bem como um aprofundamento dos pontos de destaque, fei-

to com base em entrevistas individuais.

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Nos gráficos a seguir, encontram-se alguns dados que ilustram os re-

sultados do Reescrevendo a Educação: propostas para um Brasil melhor.Vale lembrar que o projeto não pára por aqui. Ele continuará exis-

tindo, para ampliar cada vez mais o debate acerca do tema e, assim, colaborar para a melhoria de nossa educação.

Visitas ao siteNeste gráfico, estão demonstrados quatro parâmetros de avaliação das visitas feitas ao site. O primeiro, “Visitantes únicos”, consolida o total de pessoas que acessaram o site ao longo dos trabalhos. O dado seguinte, “Número de visitas”, é o resultado de todas as visitas feitas ao site. Já o dado referente a “Páginas visitadas” representa a quantidade de pági-nas do portal que foram acessadas ao longo do período. Por último, a quantidade de “Hits” mostra o total de cliques que foram dados no site, independentemente do destino (interno ou externo ao próprio site).

247.777 345.655

1.168.558

4.567.378

Visitantes únicos

Número de visitas

Páginas visitadas

Hits

Considerando que 248 mil pessoas representam a população total de alguns municípios do país, esses números, além de expressivos, ilustram como a sociedade brasileira está atenta à importância da educação no desenvolvimento da nação.

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Participação nos chats e fórunsNo gráfico a seguir, é possível verificar o número de pessoas que participaram dos chats de debate (263), a quantidade de comentários registrados nos fóruns de opinião (1.052) e o total de pessoas que vi-sualizaram os debates dos fóruns (37.134).

Número de participantes nos chats

Número de participações nos fóruns

Número de visualizações nos fóruns

20.000

22.500

25.000

27.500

30.000

32.500

35.000

37.500

40.000

17.500

15.000

12.500

10.000

7.500

5.000

2.500

0

2631.052

37.134

A capacidade de multiplicação do conteúdo gerado por meio dos debates foi significativa: 1.052 contribuições visualizadas mais de 37 mil vezes.

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Acesso aos artigosO projeto reuniu 89 mil pessoas em seu banco de dados. Cerca de 34,2% dos artigos enviados a esse grupo por e-mail foram lidos. Este número pode ser superior, pois não contempla o total de leitores não cadastra-dos que acessaram os textos diretamente no site.

40.000

35.000

30.000

25.000

20.000

15.000

10.000

5.000

0

Artigos

1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11

32.140 32.117

35.803

28.624 28.610 28.099

22.40123.283

31.456

35.268 36.937

Analfabetismo e a inviabilidadedo Brasil

Analfabetismo e alfabetismo funcional no Brasil

Formação de professores

Formação docente: recusar o pedagocídio

Formação e invenção do professor no século XXI

Alfabetização, educação infantil e acesso à cultura escrita: as possibilidades da escola de nove anos

Educação infantil: conquistas e desafios

Desencontros do ensino médio

Educar para a emancipação digital

Todos pela Educação

Avaliação a serviço da qualidade educativa

1

3

5

7

9

11

2

4

6

8

10

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Editora ÁticaO embrião da Editora Ática começou a ser formado em 1956, com a

iniciativa de um grupo de estudantes da USP, que fundou o Curso de

Madureza Santa Inês. O sucesso fez com que, em 1962, fosse necessário

criar um departamento voltado totalmente para a publicação do mate-

rial de apoio. Finalmente, em 1965, surgiu o plano de criar uma editora

para divulgar os textos do Santa Inês também para outras escolas. Assim

nascia a Ática. Ao longo de suas quatro décadas de existência, ela vem

introduzindo práticas, conceitos e técnicas inovadoras. Uma dessas ino-

vações foi o livro do professor, com textos de orientação didática, pro-

postas de dinâmica de grupo e planejamento dos conteúdos, além das

respostas aos exercícios dos alunos.

Editora ScipioneA Editora Scipione foi adquirida do professor Scipione Di Pierro Netto

em setembro de 1983 e, desde então, desenvolve produtos didáticos

e paradidáticos, de autores renomados, brasileiros e estrangeiros. A

preocupação em acompanhar as mudanças e necessidades do cenário

educacional sempre norteou sua atuação. Dessa forma, a Scipione se

consolidou como uma editora inovadora e parceira dos professores,

lançando grandes sucessos pedagógicos e literatura de qualidade para

os mercados público e privado.

A Editora Abril adquiriu, em fevereiro de 2004, a Editora Ática e a

Editora Scipione. Há anos, as duas editoras juntas são líderes no merca-

do de livros didáticos e paradidáticos da rede privada, lugar que con-

servam até hoje.

O sucesso das publicações da Ática e da Scipione deve-se, sobretu-

do, ao trabalho de centenas de profissionais e autores que, conscientes

de sua responsabilidade social e comprometidos com a educação e a

cultura nacionais, produzem livros com qualidade técnica e informações

corretas, atualizadas e livres de preconceitos.

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AgradecimentosJoão Arinos Ribeiro dos Santos, diretor geral da Editora Ática e da Edito-ra Scipione, em nome do Reescrevendo a Educação: propostas para um Brasil melhor, agradece a todos os envolvidos na criação, no planeja-mento e na execução desse trabalho:

■ Ao presidente executivo e editor do Grupo Abril, sr. Roberto Civita, que incentivou a realização deste projeto desde o início.

■ Ao diretor de Relações Institucionais do Grupo Abril, sr. Sidnei Basi-le, e sua equipe – Meire Fidelis e Mena Pires – cujo apoio irrestrito foi essencial para o perfeito desenvolvimento dos trabalhos.

■ À equipe de marketing da Editora Ática e da Editora Scipione, repre-sentada por seu diretor Emerson W. Santos, pela gerente de comu-nicação e produto Fernanda Medeiros e pela analista de marketing Amanda Aggio.

■ À Fundação Victor Civita, representada por sua vice-presidente Clau-dia Costin, pelo diretor executivo David Saad e pela coordenadora pedagógica Regina Scarpa, que forneceram seu apoio e pleno co-nhecimento em educação.

■ À equipe da Ketchum Estratégia Agência de Relações Públicas – Flá-vio Schmidt, Thatiana Cappellano e Jéssica Caridá – responsável por toda a coordenação e desenvolvimento dos trabalhos.

Nosso especial agradecimento a todos os articulistas e suas equipes, que se engajaram em mais este movimento em prol da melhoria da edu-cação no país:Claudio de Moura Castro, Cristovam Buarque, Gilson Schwartz, Guilher-me Peirão Leal, Gustavo Ioschpe, Jorge Gerdau Johannpeter, Maria Malta Campos, Mario Sergio Cortella, Paulo Renato Souza, Telma Weisz e Vera Masagão Ribeiro.

Agradecemos também a todos que contribuíram diretamente para a consolidação desta iniciativa por meio de seu trabalho, sem o qual não seria possível a realização de importantes etapas:Ângela Rehen (Grupo Abril); Simone Sousa e Daniela Ota (Editora Abril); Sâmia Rios, Marisa Martin e equipe (Editora Scipione); Vera Sou-

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za e Miriam Sinzato (Editora Ática e Editora Scipione); Heloísa Ungaro; Fábio Vedovelli (VedSa Internet); Letícia Colombini, Raquel Sant’Anna Tengan, Tereza Bilotta, Shirli Waldmann Laragnoit, Renata Paragano, Cássia Yonashiro, Manoela Lopez e Gabriele Caran Fiorese (Ketchum Estratégia Agência de Relações Públicas); Edílson Parra (Parra Publi-cidade); José Carlos Jorqueira, Elizabete Queiroz e Marcelo Massayasu Y. Picazzio (Flor de Acácia Gráfica e Editora); Ederaldo Kosa (Linhas e Laudas); e Jarra (Unittá Propaganda).

A toda a sociedade, representada pelas pessoas abaixo, que parti-cipou ativamente desse processo, por meio dos chats de debates e do fórum de opiniões, pelo envio de seus textos para publicação no site ou pela resposta às nossas pesquisas – nosso mais sincero agradecimento, na certeza de que juntos traçamos um excelente caminho rumo à me-lhoria da educação brasileira:José Henrique Manhães Neves (Amália Rodrigues/BA); Anatália Oliveira (Barreiras/BA); Maria Ednar de Sousa Façanha (Fortaleza/CE); Maria Giselda Viana de Freitas (Quixeramobim/CE); Alexandre Serwy (Brasí-lia/DF); Elisa Geralda Feitosa (Ceilândia/DF); Veronica Batista Pinheiro de Holanda (Gama/DF); Márcia Aparecida Marques de Oliveira (Cuia-bá/MT); Geraldo Flávio Jeff Silveira (Passos/MG); Edna Julia de Araújo Cury (Uberaba/MG); Rosemary dos Santos (Duque de Caxias/RJ); Cássia Ravena Mulin de Assis Medel (Rio de Janeiro/RJ); Verônica de Araújo Ozório (Rio de Janeiro/RJ); Daisy France Gonçalves Silva Baraúna (Rio de Janeiro/RJ); Sonia Husid (Rio de Janeiro/RJ); Antonio F. P. Mac dowell (Rio de Janeiro/RJ); Guaraciara Pouzada de Lavor Lopes (Volta Redon-da/RJ); Maria do Rosário Carvalho (Natal/RN); Elaine Teresa Manica Rabaiolli (Encantado/RS); Márcia Testoni (Rodeio/SC); Jacinta Niehues Schlickmann (São Ludgero/SC); Geison Gunnar Gomes (Caçapava/SP); Carlos Henrique Tretel (Piracicaba/SP); Fábio Silva de Souza (Ribeirão Preto/SP); Antônio Carlos Tórtoro (Ribeirão Preto/SP); Suely Boesso (Ri-beirão Preto/SP); Rosane Aparecida Ribeiro Bonsegno (Santos/SP); San-dra Nogueira Viana (São Paulo/SP); Lucy Mara Aravechia Zanella (São Paulo/SP); Silas Correa Leite (São Paulo/SP); Adriana Meyer Torres (São Paulo/SP); Alexandre Soares (São Paulo/SP); Marli Oliveira (São Pau-lo/SP); Marcelo Serra Granja (São Paulo/SP); Maderly Padovezi Rocha (Votuporanga/SP).

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Comitê Executivo do ProjetoCláudia CostinMeire Fidelis Emerson W. SantosJoão Arinos Ribeiro dos SantosSidnei BasileKetchum Estratégia Agência de Relações Públicas

Coordenação e execuçãoKetchum Estratégia Agência de Relações Públicas

Editora Scipione – Produção do livroGerência editorialSâmia Rios

Revisão de provas Ana Paula Ribeiro, Amanda Valentin, Érika Ramires e Michele de Paula Tessaroto

Edição de arteMarisa Iniesta Martin

Programação visual de capa e mioloEstúdio Graal

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

Reescrevendo a educação / organização de Emerson Santos. – São Paulo: Scipione, 2006.

1. Alfabetização 2. Analfabetismo – Brasil 3. Avaliação educacional 4. Educação – Brasil 5. Educação infantil 6. Ensino – Qualidade 7. Ensino médio I. Santos, Emerson.

06-7753 CDD-370.981

Índices para catálogo sistemático:1. Brasil: Qualidade no ensino: Educação 370.9812. Brasil: Ensino: Qualidade: Educação 370.981

ISBN 85-262-6455-9

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Este livro foi composto em Garamond, e impresso em papel off-set 90g.

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