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1 A Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho - ANAMATRA tem debatido as grandes questões nacionais e participado do processo legislativo como fonte reconhecidamente qualificada, oferecendo subsídios técnicos aos parlamentares que discutiram os projetos de alteração da Legislação do Trabalho e de Reformas do Poder Judiciário e da Previdência Social. Ao adotar postura desvinculada da ordem meramente corporativista, a ANAMATRA forjou propósitos associativos que se confundem com os interesses maiores da sociedade brasileira, sendo permitido relacionar, nesta introdução, uma pequena amostra de nossa pauta de atuação que contém, dentre outros temas, a defesa do equilíbrio jurídico da relação entre o trabalho e o capital, a luta constante para o aperfeiçoamento da prestação jurisdicional, que se concretiza através do fortalecimento da magistratura, da moralização do serviço público judiciário e da simplificação do processo judicial. Tal histórico credencia a entidade a tomar a iniciativa de sensibilizar os integrantes do Parlamento para alguns aspectos fundamentais, ainda não suficientemente discutidos, da Proposta de Emenda à Constituição n. 40/2003 (Reforma da Previdência), e reivindicar que inconsistencias pontuais do Projeto sejam solucionadas e conformadas às aspirações da sociedade de garantir a solidez do Estado brasileiro e das funções típicas que o caracterizam, como é o caso da magistratura. Instrumentaliza-se a iniciativa através da confecção deste livreto, que tem a finalidade de trazer à reflexão do Parlamentar pensamentos de cunho jurídico, econômico e político construídos sob a perspectiva do Estado e de suas estruturas fundamentais, apresentando, para tanto, a breve síntese de um profundo estudo técnico da autoria do Professor Guilherme Guimarães Feliciano e a reprodução de vários artigos de personalidades reconhecidas no cenário político e científico nacional, que apontam acertos e desacertos do modelo de Previdenciária Social Pública proposto pelo Governo Federal. APRESENTAÇÃO Grijalbo Fernandes Coutinho Presidente da Anamatra

reforma da PREVIDÊNCIA APRESENTAÇÃO · A Reforma da Previdência (PEC 40/2003) e a Questão das Carreiras Típicas de Estado Guilherme Guimarães Feliciano* A Reforma da Previdência

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A Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho - ANAMATRA temdebatido as grandes questões nacionais e participado do processo legislativo comofonte reconhecidamente qualificada, oferecendo subsídios técnicos aos parlamentaresque discutiram os projetos de alteração da Legislação do Trabalho e de Reformas doPoder Judiciário e da Previdência Social.

Ao adotar postura desvinculada da ordem meramente corporativista, a ANAMATRAforjou propósitos associativos que se confundem com os interesses maiores dasociedade brasileira, sendo permitido relacionar, nesta introdução, uma pequenaamostra de nossa pauta de atuação que contém, dentre outros temas, a defesa doequilíbrio jurídico da relação entre o trabalho e o capital, a luta constante para oaperfeiçoamento da prestação jurisdicional, que se concretiza através do fortalecimentoda magistratura, da moralização do serviço público judiciário e da simplificação doprocesso judicial.

Tal histórico credencia a entidade a tomar a iniciativa de sensibilizar os integrantesdo Parlamento para alguns aspectos fundamentais, ainda não suficientementediscutidos, da Proposta de Emenda à Constituição n. 40/2003 (Reforma da Previdência),e reivindicar que inconsistencias pontuais do Projeto sejam solucionadas e conformadasàs aspirações da sociedade de garantir a solidez do Estado brasileiro e das funçõestípicas que o caracterizam, como é o caso da magistratura.

Instrumentaliza-se a iniciativa através da confecção deste livreto, que tem a finalidadede trazer à reflexão do Parlamentar pensamentos de cunho jurídico, econômico epolítico construídos sob a perspectiva do Estado e de suas estruturas fundamentais,apresentando, para tanto, a breve síntese de um profundo estudo técnico da autoriado Professor Guilherme Guimarães Feliciano e a reprodução de vários artigos depersonalidades reconhecidas no cenário político e científico nacional, que apontamacertos e desacertos do modelo de Previdenciária Social Pública proposto peloGoverno Federal.

APRESENTAÇÃO

Grijalbo Fernandes CoutinhoPresidente da Anamatra

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A Reforma da Previdência (PEC 40/2003) ea Questão das Carreiras Típicas de Estado

Guilherme Guimarães Feliciano*

A Reforma da Previdência ora proposta pelogoverno do Presidente Luiz Inácio Lula da Silva - asegunda em cinco anos - fulmina garantias detransição que haviam sido instituídas pela EmendaConstitucional n. 20/98 (a primeira Reforma daPrevidência, pós-88/91) e fere de morte diversosdireitos que, até então, eram inerentes aos cargos ecarreiras do serviço público.

Cuida-se, aqui, da PEC 40/2003 (em tramitaçãolegislativa desde abril de 2003), que foi consideradaconstitucional pela Comissão de Constituição e Justiçada Câmara dos Deputados, com a aprovação dorelatório do Deputado Maurício Rands (PT-PE). Aadmissibilidade constitucional diz respeito a todos osseus dispositivos (inclusive os mais polêmicos, como ataxação dos proventos de aposentadoria dos atuaisinativos), que sofreram duas alterações pontuaissugeridas pelo próprio relator. Encaminha-se, agora,para a Comissão Especial da Câmara, instalada em11.06.2003, que é composta por trinta e oitodeputados, seguindo a proporcionalidade das bancadas.Nessa comissão, a PEC 40/2003 - cujo relator será oDeputado José Pimentel (PT-CE) - será examinada emseu mérito, agregando-se-lhe, se o caso, novasalterações. Após, a PEC 40/2003 irá ao plenário daCâmara, para votação em dois turnos, e em seguidapara o Senado Federal.

Dentre as diversas alterações “in pejus” alvitradaspela PEC 40/03, quatro se destacam pelo grau deruptura com o modelo de regime previdenciáriohistoricamente destinado aos quadros profissionais doEstado: o fim da paridade entre ativos e inativos,a extinção da aposentadoria com proventosintegrais, a taxação dos proventos deaposentadoria e pensões, e a redução percentualdas pensões. Trata-se de direitos que distinguem oscargos e as carreiras públicas dos postos disponíveisno setor privado, justificando a elevada procura e, porconseqüência, a qualificação daqueles quadros(sobretudo nas carreiras típicas de Estado, como amagistratura e o Ministério Público), bem como doserviço público por eles proporcionado. Não por outra

razão, eliminar tais direitos pode significar osucateamento paulatino do próprio serviço público. Ainsegurança jurídica, de outra parte, emerge a todaevidência: não se sabe quais serão os índices deatualização dos proventos de aposentadoria e daspensões; não se sabe como será feito o cálculo dobenefício-médio, e sequer se sabe qual será o períodode contribuição considerado na média aritmética; nãose sabe se haverá, para o servidor público, um “fatorprevidenciário”, como há para os trabalhadores dainiciativa privada (vide, supra, nota n. 10); não se sabe,enfim, qual será o efetivo redutor das pensões (a PEC40/2003 estatui que as pensões serão de até 70% dobenefício-médio, como já observado).

É justa, portanto, a grita que as classes laboriosasdo serviço público ensaiam dirigir (ou que já dirigem)às instâncias parlamentares e ao Poder Executivofederal, no sentido de garantir seus direitos históricosde seguridade social. Mesma grita, aliás, faz-se ouvir naFrança e na Alemanha, cujas lideranças - encabeçadas,respectivamente, pelo presidente Chirac e pelo premierSchröeder - propõem, a seu modo, modificaçõesigualmente sensíveis nos sistemas públicos deprevidência social, com aviltamento de direitoshistóricos das carreiras do serviço público. Nadaobstante, e conquanto aparentem identidade, a posiçãobrasileira é bem mais frágil e delicada que a posição dofuncionalismo franco-germânico: em duas frases -ambas do jornalista Clóvis Rossi -, “na Europa, a discussãose dá em torno da tentativa de preservar o máximo possívelum Estado de bem-estar social invejável. No Brasil, queestá a anos-luz de qualquer coisa realmente invejável(natureza [e futebol?] à parte), discute-se apenas oaspecto contábil da coisa”.

Nesses termos, a nova Reforma da Previdência fazentranhar, nas instituições do serviço público, sério riscode insegurança jurídica e social para o futuro próximo.Problema de tal magnitude põe-se ao intérprete, commaior relevo e inquietação, quando se trata da situaçãojurídica dos magistrados e dos membros do MinistérioPúblico, uma vez que em tudo foram equiparados,desde a EC 20/98, aos servidores públicos em geral,

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inclusive por força do artigo 8o, §2o, daquelaEmenda - mesmo naquilo em que, a olhos vistos,discrepam entre si.

Não se advoga, aqui, a distinção injustificável deprivilégios entre classes análogas de servidores. Diz-se,apenas, daquilo que efetivamente distingue servidores“stricto sensu” de agentes políticos, e se integra, comoprerrogativa de Estado, aos próprios pilares do EstadoDemocrático de Direito, entre cujas finalidades está asegurança (jurídica e social), nos termos do próprioPreâmbulo da Constituição Federal de 05.10.1988.

Aliás, os mesmos fundamentos que autorizam otratamento diferenciado dos servidores públicos militaresem matéria previdenciária, nos termos do artigo 142,§3o, X, da Constituição Federal, e do artigo 7o, in fine, daPEC 40/03, dão igual ensejo, quiçá com maior razão, aotratamento diferenciado dos membros da PoderJudiciário (magistrados) e do Ministério Público, comvistas à instituição de um regime especial de previdênciasocial, com unidade gestora autônoma e fundos próprios.

Os magistrados e os membros do MinistérioPúblico são, como dito, agentes políticos, cujacondição jurídica não pode ser assimilada à dosservidores públicos em geral (incluídos os militares).Esses desempenham serviços públicos, cumprindopapel instrumental ou funcional em relação ao Estadoque os investe; já aqueles exercem poder político epersonificam o serviço público que lhes está afeto,mantendo com a República, que representam (oupresentam, na feliz expressão de Pontes de Miranda)perante o jurisdicionado, relação de ordem estruturalou essencial. Retirar-lhes, para agora ou adiante,garantias típicas da carreira como a irredutibilidadede subsídios (prejudicada, por via oblíqua, com ataxação de membros inativos e o fim da paridadeentre ativos e inativos) e a aposentadoria comproventos integrais (amesquinhada com a instituiçãodo benefício-base), representa ameaça imediata àqualidade dos quadros técnicos do Poder Judiciárioe do Ministério Público e, a médio e longo prazos,fissuras nos próprios pilares do Estado Democráticode Direito, em face da deterioração paulatina dafunção jurisdicional (exercida por pessoas cada vezmenos qualificadas) e de previsíveis compromissosdo agente público com interesses alheios à dignidadede seu cargo (por conta de atividades remuneradasparalelas, ação de corruptores e outras mazelas quea perspectiva do aviltamento da qualidade de vidafará campear).

Há de se ter em conta que as carreiras típicas deEstado, como são a Magistratura e o MinistérioPúblico, exigem de seus agentes privações e rigorespouco encontradiços em outras carreiras públicas,como a alteração freqüente de domicílio, o deverde residir na sede de sua comarca (artigo 35, V, daLei Complementar n. 35/79 - Lei Orgânica daMagistratura, ou LOMAN), a dedicação exclusivacom proibição de exercício de outras atividadesprofissionais (à exceção de um cargo ou função demagistério, ut artigo 95, par. único, II, da ConstituiçãoFederal, e artigo 36, I e II, da LOMAN), a vedaçãode atividade político-partidária (artigo 95, par. único,III, da Constituição Federal), a reserva social e aconduta social e pessoal irrepreensíveis (artigo 35,VIII, da LOMAN), a acessibilidade diária aodestinatário direto de suas decisões (artigo 35, IV, infine, da LOMAN), as limitações ao direito deexpressão (artigo 36, III, da LOMAN) e a sujeiçãodiuturna à fiscalização do jurisdicionado, entreoutras. Tantas especificidades reclamaram,historicamente, a instituição de um regime deprevidência próprio, adequado às idiossincrasiasdesses agentes políticos, mas com aptidão paracarrear-lhes, em contrapartida àqueles rigores eprivações, atrativos como a vitaliciedade, aintegralidade de proventos e a redução do tempode serviço (cfr., p. ex., o artigo 8o, §3o, da EmendaConstitucional n. 20, de 15.12.1998) - que sãoprerrogativas, e não privilégios, porque se encerram,por um lado, vantagens pessoais, por outro garantemaos cidadãos a isenção e a imparcialidade dos quededicam sua vida ao mister da Justiça.

Suprimir essas prerrogativas - tanto mais quandose demonstra que, do ponto de vista atuarial, aprevidência própria dos juízes sustenta-se por simesma, com suas próprias entradas - é expedientedemagógico que consuma um perigoso retrocessohistórico. As carreiras típicas de Estado não podemprescindir de um regime especial de previdênciasocial, sob pena de que - parafraseando Luiza NagibEluf em recente artigo de veiculação nacional - aretração do “risco Brasil”, em acepção econômica,deflagre, como já vem deflagrando, alarmantesincrementos no risco social brasileiro.

Guilherme Guimarães Feliciano é Juiz doTrabalho Substituto (15a Região) e professor da

Faculdade de Direito da Universidade de Taubaté

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Carreiras AtropeladasJosé Arthur Giannotti*

Preocupa a maneira ríspida e exaltada com queo governo Lula está reagindo à malcriada reaçãodos servidores públicos à reforma da Previdência.Que esses servidores têm recebido vantagensinadmissíveis num Estado justo e moderno, queas classes médias, no mundo inteiro, estão sendooprimidas pelo feroz capitalismo contemporâneo,tudo isso é sabido. Mas não é fazendo com queengulam pela goela abaixo esse fantástico arrochoque as melhores soluções pol ít icas serãoencontradas.

N a d aparece maisadequado queo ministro JoséDirceu fazerconvergirem noC o n g r e s s oNacional asn e g o c i a ç õ e ssobre areforma daP r e v i d ê n c i a .Por definição,não é al i quedevem seentender as diversas partes interessadas de umasociedade? Basta, porém, atentar para a maneiracomo o governo tem cooptado sua maioria noCongresso para perceber que a manobra visacercear o diálogo e impor a reforma tal como elajá está configurada. O governo só pretende tolerarmudanças cosméticas.

No entanto esse projeto de reforma tem o víciode redesenhar o funcionalismo sem levar em contaa especificidade das carreiras de Estado. Todos nóssabemos que a reforma é absolutamentenecessária, que ceder em muitos pontos poderesultar numa colcha de retalhos, desvirtuando osentido do projeto. Mas, também, se o governonão ceder em nada, considerando-se a

instabi l idade das decisões do Congresso,acostumado a ora dar no prego, ora na ferradura,pode transformar os serviços públicos nummonstro de sete cabeças.

Veja-se a fortíssima pressão do Poder Judiciáriopara ficar fora da reforma. No final das contas,não se trata apenas de equilibrar despesas ereceitas, de cortar privilégios escandalosos de quegozam certos funcionários. É um abuso ofuncionário se aposentar precocemente, o inativo

r e c e b e rmais do queo servidorda ativa, queintegre noseu saláriov a n t a g e n stemporáriase assim pordiante. Mas,p a r ac o r r i g i re s s a sdistorções,não cabee s q u e c e r

que se está redesenhando o mapa dofuncionalismo público, logo, do funcionamento dopróprio Estado.

Diante das resistências que se avolumam, opresidente Lula se exalta e resvala para opopulismo. Tem carradas de razão ao reclamar dasaposentadorias precoces dos funcionários maisqualificados, mas perde o pé quando declara: “Nãoposso aceitar que alguém se aposente com R$ 17mil por mês, se 40 milhões não têm oportunidadede trabalhar” (Folha, 18/6/03). Quem não serevolta diante dessa exclusão? Quem não lamentaa vergonhosa distribuição de renda do país?Infelizmente, nada disso vai desaparecer pordecreto e, se quisermos fazer com que diminuam

É fácil fazer aflorar

o preconceito de que os

funcionários públicos são

vagabundos e privilegiados

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as diferenças, será preciso reaparelhar o Estado,dotá-lo de instrumentos para, ao menos,compensar as desigualdades inerentes aodesenvolvimento capitalista. Como reforçar,porém, esse Estado sem formar uma burocraciaestável e competente?

Por mais escandalosa que seja a diferença entreos baixos e os altos salários pagos no Brasil, comsalários medianos só teremos funcionáriosmedianos, os melhores talentos orientando-separa o setor privado. Não há dúvida de que nemtodos têm a disposição para competir no mercado,que ainda há pessoas imbuídas do espírito público,mas elas nada podem fazer se o sistema criarforças que as expulsem dele.

Num artigo muito revelador, publicado nestaFolha, Luiz Nassif comparou os currículos dospresidentes dos bancos centrais estrangeiros ebrasi leiros e mostrou que a maioria dosestrangeiros provém da própria burocracia estatal,enquanto os brasileiros são cooptados nasinstituições financeiras privadas. Não é de esperarque esses funcionários “ad hoc” vejam a economiasobretudo do ponto de vista financeiro, deixandode lado seu funcionamento real? Além do mais,tem sido uma constante economistas trabalharemno setor público contentando-se com baixossalários, por considerarem essa situação umaespécie de investimento, qualificando-os paraposições superiores nas empresas privadas. Emresumo, só teremos uma burocracia estável ecompetente se ela for remunerada por saláriosrazoáveis.

A definição dos tetos é outra ameaça. Comoestá, inviabiliza o serviço em regime de tempointegral e retalha a burocracia nacional emcompartimentos estanques. Já foi um errosubmeter todos os funcionários a um regimeúnico, mas estratificá-los conforme servem a esteou aquele poder ou a este ou aquele Estado meparece erro ainda maior. É a proposta daComissão de Constituição e Justiça para resolvera difícil questão dos tetos dos vencimentossuperiores. Diversidade aplaudida pelo governoe enaltecida pelos governadores “et pour cause”.Já a Constituição de 88 distingue os tetos federaisdos tetos estaduais, mas cuida para que osfuncionários possam circular entre os poderes,

ao determinar que “os vencimentos dos cargosdo Poder Legislativo e do Poder Judiciário nãopoderão ser superiores aos pagos pelo PoderExecutivo” (art. 37, XII).

É sabido que os salários, aposentadorias epensões do Poder Judiciário são muito maiselevados que os do Executivo, já que o primeiropossui capacidade de voz e de pressão muitosuperior à dos outros dois poderes. No entanto amultiplicação dos tetos simplesmente legaliza essadiferença e termina por feudalizar o Estado. Porque um planejador ou um pesquisador de umEstado cujo governador, instalado em seu palácio,faz voto de pobreza não podem ganhar mais doque ele? Por que gravar na Constituição essaexigência? Se há que reformá-la, não seria melhorconceder aos Estados a tarefa de definir suaspróprias políticas salariais? Como está, a propostada comissão acarretará, como um dos efeitosperversos, o reforço das fundações universitárias,com suas próprias escalas salariais, muitodiferentes daquela que vale para a universidade.Isso, segundo o pensamento petista, nãoterminaria por privat izar essa mesmauniversidade? E a pesquisa básica, impossível deser realizada nas fundações, seria relegada aofundo do poço?

Não há dúvida de que os funcionários sãotrabalhadores como quaisquer outros, nãopodendo ser beneficiados com vantagensescandalosas; mas também não há dúvida de que,num país dilacerado por uma distribuição de rendadas mais injustas, eles não devem servir dealavanca para corrigir essa injustiça. É fácil fazeraflorar o preconceito de que os funcionáriospúblicos são vagabundos e privilegiados e seaproveitar dele para resolver problemas de caixa.Fernando Henrique Cardoso pagou caro por umafrase infeliz; Lula nos fará pagar caro por seupróprio preconceito?

* José Arthur Giannotti é professor emérito daFaculdade de Filosofia, Letras e Ciências

Humanas da USP e coordenador do Cebrap(Centro Brasileiro de Análise e Planejamento)

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O Sofisma PrevidenciárioCESAR MAIA*

As propostas firmadas pelo presidente daRepública e a grande maioria dos governadoressobre o sistema previdenciário são, comoargumento, sofismas que têm por objetivo nãoaquilo que se diz, mas usar os aposentados e viúvascomo bode expiatório para reduzir o déficitpúblico, que está longe de ser explicado pelasexceções expostas. Estando no l imite dacapacidade de tributar em geral, eles criam novosexpedientes que ampliam a carga tributária -sóque, agora, focada. Os argumentos são frágeis eperigosos, a começar pelos próprios números dodéficit previdenciário que exaltam.

No final de 1998, oCongresso Nacionallegis lou sobre os i s t e m ap r e v i d e n c i á r i opúblico, e essa lei nemsequer foi respeitadapelo próprio governofederal. Destaco doispontos: o primeiro,que proíbe o setorpúblico em geral deincluir no gastoprevidenciário o gastoassistencial. Pois é opróprio governofederal que transfereao INSS despesas assistenciais suas com não-contribuintes da Previdência e que, hoje,representam quase a metade do gastoefetivamente previdenciário. Aquele é gasto fiscalmesclado com previdenciário para i ludir odimensionamento do déficit e exponenciar osproblemas previdenciários. O segundo é aobrigação, não cumprida pelo setor público emtodos os níveis, de transferir efetivamente, comoencargos patronais, o dobro da contribuição dosservidores. A Prefeitura do Rio tem respeitadoessa legislação.

Além disso, desde a Constituição de 1988,exige-se um encontro de contas entre o INSS e osetor públ ico, de forma que o descontoprevidenciário realizado durante anos por umainstância possa ser transferido a outra, que arcarácom os proventos de aposentadoria. Além domais, dever-se-ia calcular o quanto de receitasprevidenciárias foi desviado sem volta parafinanciamento de programas de desenvolvimentoeconômico e social e que, portanto, deveriam sercontabilizadas como responsabilidade fiscal eretransferidas à Previdência. Este é, talvez, omaior “esqueleto” existente, que nunca foi

contabilizado e quevem desde os anos50, quando aPrevidência Socialera fortementesuperavitária frentea uma população deperfil etário muitomais jovem.

Somente a partirdo corretodimensionamentodo déf ic i tprevidenciário seriapossível conhecerseu efetivo déficit,visando a um estudo

atuarial capaz de indicar o esforço financeiro alongo prazo que caberia a empregadores eempregados e à sociedade. Da forma que aquestão vem sendo posta, trata-se levianamentede misturar o déficit conjuntural de caixa do setorpúbl ico com o estrutural do sistemaprevidenciário, criando novas fontes de receita ereduzindo despesas, para dar fôlego fiscal aosmandatos dos governantes.

Outro ponto central do sofisma previdenciárioé o irresponsável e liberalóide argumento segundo

A proposta de tetolinear em cinco ou

dez saláriosmínimos, como se

discute, é um brutalarrocho salarial

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o qual as previdências do setor público estatutárioe do setor privado e público não-estatutáriodevem ser tratadas da mesma maneira. Como épossível imaginar que funções que constituem ospilares do Estado moderno, pois são seusmonopólios absolutos - e falo do uso da força, daaplicação das leis e da cobrança de tributos -possam ter seu corpo de servidores submetido àmesma lógica previdenciária privada, se cabe a elesa fiscalização e punição desse setor privado?

Há, ainda, mais um elemento da proposta - estede fácil exploração política - que fala da idademínima para a aposentadoria. A opinião públicatermina se dobrando à demagogia. Em primeirolugar, porque esse argumento é contraditório aoargumento básico de equilíbrio atuarial via sistemade capitalização. Em segundo lugar, no caso dosetor público, as categorias não podem, no casodo setor público, ser tratadas de uma mesmamaneira. Exemplo disso é o magistério, cujatipicidade no caso de regência continuada exigeum tempo de serviço menor e, pelascircunstâncias, leva a uma idade menor na médiadas aposentadorias.

No entanto um tema que o presidente e osgovernadores evitaram diz respeito ao equilíbrioestrutural do sistema: a enorme taxa deinformalidade na economia. Esta afeta aPrevidência nas duas pontas do tempo - seja pelamenor captação conjuntural, seja por transformarem gasto assistencial a longo prazo o que deveriaser um gasto previdenciário coberto porcontribuições.

A responsabilidade social e fiscal exigiria quenão se tratasse um assunto complexo como estede afogadilho, regado a muqueca com molho decamarão.

Apenas duas medidas deveriam ser adotadas acurto prazo. Uma delas seria aconstitucional ização detalhada do tetoremuneratório no setor público, que, por falta deprecisão, tem sido ultrapassado por reiteradasdecisões judicia is . A outra seria aproporcionalização da paridade na aposentadoriae pensão, incorporando ao direito sobre osproventos o tempo de serviço em queefetivamente ocorreu.

A proposta de teto linear em cinco ou dezsalários mínimos, como se discute, é um brutalarrocho salarial que nada tem a ver com cálculosatuariais e equilíbrio previdenciário, mas com osufoco de caixa de um setor público quase sempreadministrado apenas para as próximas eleições.Os sof ismas inclusos na retórica usadaimpressionam os meios de comunicação e, atravésdeles, uma sociedade sacri f icada por umaeconomia que enfrenta um longo ciclo deestagnação e que, de boa fé, está sempre prontaa acreditar no bode expiatório do dia.

* Cesar Epitácio Maia é prefeito, peloPFL, do Rio de Janeiro. Foi prefeito da

mesma cidade de 1993 a 96.

Artigo publicado no jornalFolha de São Paulo em 28/04/2003

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“Não há déficit nosistema da Previdência”,

diz economistaRAFAEL CARIELLO, da Folha de S.Paulo*

Para a economista Laura Tavares Soares, o governo apresenta a conta errada paratentar justificar a reforma previdenciária.

Os números conferem, mas ela fala que é um erro isolar o déficit da Previdência,quando essa deveria ser considerada dentro da seguridade social -sistema concebido pelaConstituição de 1988, que reúne as contas da Saúde, da Assistência Social e Previdência.

Tomada em seu conjunto, a seguridade é superavitária e estável. Em vez de cortarcustos, a reforma deveria, diz Laura, incorporar mais beneficiados. Tal como está, aproposta do governo redundaria no empobrecimento da classe média e noenfraquecimento do Estado, diz a economista.

privado, porque aumentou o desemprego e ainformalidade. No público, porque não se contratahá pelo menos dez anos.

Folha - Mas considerada só contribuiçãocontra gasto previdenciário há déficit.

Laura - Você não pode chamar isso de déficit. Osistema é f inanciado por um conjunto decontribuições. Quando pego o sistema da seguridadesocial, em 2002, toda a receita deu R$ 193,6 bilhões.Se você pegar todos os gastos dos ministérios —eestou incluindo, num conceito amplo, Trabalho,Saúde, Previdência e Assistência Social—, incluindoativos e inativos, a despesa deu R$ 142 bilhões. Umsuperávit de R$ 51,6 bilhões.

Com a Desvinculação da Receita da União [DRU],que retira linearmente 20% dos ministérios, anopassado foram desvinculados em torno de R$ 36bilhões. Mesmo assim, sobram R$ 15 bilhões. Osistema de seguridade social é superavitário. A culpa

Folha - A sra. defende, contra o argumentodo governo de déficit na Previdência, que aseguridade social é superavitária. O que issoquer dizer?

Laura Tavares Soares - O conceito de déficitestá errado. Você pode ter desequilíbrio no regimepúblico, mas o déficit não existe. A partir daConstituição de 88, nós fomos precursores nosentido de bolar um sistema que tivesse umfinanciamento que fosse além da folha de salários.No mundo inteiro, a Previdência financiada por folhade salário entrou em crise porque o mundo dotrabalho entrou em crise. Em 88, ficou claríssimoque essa fonte não era suficiente. Ampliou-se aseguridade social tem que ser financiada por todaa soc iedade e por uma mult ip l ic idade decontribuições sociais. Todos os cálculos feitos dedéficit são baseados naquilo que os trabalhadorescontribuem versus o gasto com aposentadorias. Essecálculo vai dar desequilíbrio, não porque aumentouo gasto, mas porque diminuiu a receita. No setor

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[do desequilíbrio] não é que a população envelheceu,a culpa é que não temos como incorporar os ativos.

Folha - O dinheiro da desvinculação dareceita é retirado para fazer superávitprimário?

Laura - Exatamente.

Folha - Mesmo assim sobra?

Laura - Sobra. É um sucesso a seguridade socialbrasi leira. Não só porque inclui os que nãocontribuem e que estão fora do mercado, comotambém porque é um sucesso do ponto de vista dofinanciamento. Ela é estável.

Folha - Se é um sucesso, era possível incluirmais gente?

Laura - Perfeitamente. Faço questão que essaparte entre. Como? Se tirar tudo, ainda sobram R$15 bilhões. No projeto original do Fome Zero, deque participei na época que era do InstitutoCidadania, propusemos ampliar para ostrabalhadores informais urbanos o que existe paraos rurais - que recebessem uma aposentadoriaindependentemente de sua capacidade contributiva.Tem dinheiro para isso.

Folha - O que mais a sra. acha que há deproblemático na reforma?

Laura - Primeiro, a Previdência complementar.É uma tendência mundial. O mundo está fazendopressão para ter fundo de pensão.

Folha - E a regra de transição?

Laura - Outro problema. Mas queria deixar claroque a reforma do Fernando Henrique Cardoso, de 98,foi de uma brutal perversidade contra os trabalhadoresdo setor privado. Faço questão que isso apareça.Porque ele está posando de bonzinho, dizendo que elenão fez tanta maldade quanto o Lula... Fez! Obrigouos trabalhadores do setor privado a trabalharem maistempo para receber o mesmo benefício. O que gostariade lamentar é que essa reforma poderia corrigir isso.Você não pode só pensar no servidor.

Folha - Que a aposentadoria fosse portempo de contribuição?

Laura - Isso, sobretudo para os baixos salários.Não dá para ter uma regra linear nesse país paratudo. É preciso uma regra para os baixos saláriose até uma regra regional. A reforma atual deixouisso como está e introduziu um cálculo do benefíciopara o servidor perverso. Exemplo concreto: umaauxiliar de enfermagem que trabalha e que jácontribuiu por 30 anos. Vai ter que esperar até os55 anos e ter a aposentadoria calculada pelamédia [de todos os salários]. Vai ter uma perdaestimada de 30% a 40% da aposentadoria .Pequeno detalhe: essas pessoas não ganham nemR$ 1.000. Disse isso ao relator: se vocês achamque estão fazendo justiça social...

Folha - Esses são os principais problemas?

Laura - São. A crise da Previdência foi causadapela crise econômica, e não o contrário. Qual é atese? Se eu não reformar a Previdência, não resolvoo problema econômico do país. É o contrário. Essareforma não vai resolver o problema fiscal e nãovai fazer justiça. E pode botar aí: a professoraLaura é contra os privilégios. Como é que eumoralizo o serviço público? Teto salarial. Nenhumservidor pode ganhar mais que o presidente daRepública.

Folha - Quais são as consequências sociaisdessa reforma?

Laura - Consequências sérias. Vai empobrecera classe média baixa. E isso é algo que aconteceuem toda a América Latina: perda de renda familiare desmonte do Estado. As carreiras exclusivas doEstado (Legislativo e Judiciário) vão se preservar,e aqueles que estão ralando, trabalhadores dasaúde e educação, vão para o brejo. Somos aminoria —toda hora o [ministro Ricardo] Berzoinid iz i s so- , mas somos os que atendemos apopulação pobre.

* Matéria publicada no jornal Folha de São Paulode 22/06/2003

Page 13: reforma da PREVIDÊNCIA APRESENTAÇÃO · A Reforma da Previdência (PEC 40/2003) e a Questão das Carreiras Típicas de Estado Guilherme Guimarães Feliciano* A Reforma da Previdência

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Esta é uma publicação da Anamatra,com base em textos de ampla divulgação.

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