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1 A REFORMA PSIQUIÁTRICA NO BRASIL: UM NOVO OLHAR SOBRE O PARADIGMA DA SAÚDE MENTAL 1 JOSÉ FERREIRA DE MESQUITA 2 MARIA SALET FERREIRA NOVELLINO 3 MARIA TAVARES CAVALCANTI 4 Resumo A Reforma Psiquiátrica no Brasil deve ser entendida como um processo político e social complexo. Na década de 70 são registradas várias denúncias quanto à política brasileira de saúde mental em relação à política de privatização da assistência psiquiátrica por parte da previdência social, quanto às condições (públicas e privadas) de atendimento psiquiátrico à população. É nesse contexto, no fim da década citada, que surge pequenos núcleos estaduais, principalmente nos estados de São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais. Estes constituem o Movimento de Trabalhadores em Saúde Mental (MTSM). No Rio de Janeiro, em 1978, eclode o movimento dos trabalhadores da Divisão Nacional de Saúde Mental (DINSAM) e coloca em xeque a política psiquiátrica exercida no país. A questão psiquiátrica é colocada em pauta, em vista disto, tais movimentos fazem ver à sociedade como os loucos representam a radicalidade da opressão e da violência imposta pelo estado autoritário. A Reforma busca coletivamente construir uma crítica ao chamado saber psiquiátrico e ao modelo hospitalocêntrico na assistência às pessoas com transtornos mentais. Palavras chave: Saúde Mental; Reforma Psiquiátrica; Luta Antimanicomial; Lei Federal 10.216/2001. 1 Trabalho apresentado no XVII Encontro Nacional de Estudos Populacionais, ABEP, realizado em Caxambu - MG Brasil, de 20 a 24 de setembro de 2010. 2 Cientista Social UERJ, Especialista em Filosofia Contemporânea UERJ, Mestrando em Estudos Populacionais e Pesquisa Social ENCE. [email protected] 3 Doutora em Ciência da Informação pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. Atualmente é Pesquisadora Titular I e Professora do programa de pós-graduação da Escola Nacional de Ciências Estatísticas. [email protected] 4 Pós-doutora na área de epidemiologia psiquiátrica na Universidade de Columbia, Nova York. Professora adjunta do departamento de psiquiatria da faculdade de medicina da UFRJ, Chefe do departamento de Psiquiatria e Medicina Legal da Faculdade de Medicina da UFRJ. [email protected]

Reforma Psi

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Reforma Psiquiátrica no Brasil

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    A REFORMA PSIQUITRICA NO BRASIL:

    UM NOVO OLHAR SOBRE O PARADIGMA DA SADE MENTAL 1

    JOS FERREIRA DE MESQUITA 2

    MARIA SALET FERREIRA NOVELLINO 3

    MARIA TAVARES CAVALCANTI 4

    Resumo

    A Reforma Psiquitrica no Brasil deve ser entendida como um processo poltico e social

    complexo. Na dcada de 70 so registradas vrias denncias quanto poltica brasileira

    de sade mental em relao poltica de privatizao da assistncia psiquitrica por

    parte da previdncia social, quanto s condies (pblicas e privadas) de atendimento

    psiquitrico populao. nesse contexto, no fim da dcada citada, que surge pequenos

    ncleos estaduais, principalmente nos estados de So Paulo, Rio de Janeiro e Minas

    Gerais. Estes constituem o Movimento de Trabalhadores em Sade Mental (MTSM).

    No Rio de Janeiro, em 1978, eclode o movimento dos trabalhadores da Diviso

    Nacional de Sade Mental (DINSAM) e coloca em xeque a poltica psiquitrica

    exercida no pas. A questo psiquitrica colocada em pauta, em vista disto, tais

    movimentos fazem ver sociedade como os loucos representam a radicalidade da

    opresso e da violncia imposta pelo estado autoritrio. A Reforma busca coletivamente

    construir uma crtica ao chamado saber psiquitrico e ao modelo hospitalocntrico na

    assistncia s pessoas com transtornos mentais.

    Palavras chave: Sade Mental; Reforma Psiquitrica; Luta Antimanicomial; Lei Federal

    10.216/2001.

    1 Trabalho apresentado no XVII Encontro Nacional de Estudos Populacionais, ABEP, realizado em

    Caxambu - MG Brasil, de 20 a 24 de setembro de 2010. 2 Cientista Social UERJ, Especialista em Filosofia Contempornea UERJ, Mestrando em

    Estudos Populacionais e Pesquisa Social ENCE. [email protected] 3 Doutora em Cincia da Informao pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. Atualmente

    Pesquisadora Titular I e Professora do programa de ps-graduao da Escola Nacional de Cincias

    Estatsticas. [email protected]

    4 Ps-doutora na rea de epidemiologia psiquitrica na Universidade de Columbia, Nova York.

    Professora adjunta do departamento de psiquiatria da faculdade de medicina da UFRJ, Chefe do

    departamento de Psiquiatria e Medicina Legal da Faculdade de Medicina da UFRJ.

    [email protected]

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    A REFORMA PSIQUITRICA NO BRASIL:

    UM NOVO OLHAR SOBRE O PARADIGMA DA SADE MENTAL

    JOS FERREIRA DE MESQUITA

    MARIA SALET FERREIRA NOVELLINO

    MARIA TAVARES CAVALCANTI

    INTRODUO

    A Reforma Psiquitrica no Brasil deve ser entendida como um processo poltico

    e social complexo, tendo em vista, ser o mesmo uma combinao de atores, instituies

    e foras de diferentes origens, e que incide em territrios 5 diversos, nos governos

    federal, estadual e municipal, nas universidades, no mercado dos servios de sade, nos

    conselhos profissionais, nas associaes de pessoas com transtornos mentais e de seus

    familiares, nos movimentos sociais, e nos territrios do imaginrio social e da opinio

    pblica. (BRASIL, 2005). 6 O movimento pela Reforma Psiquitrica tem incio no

    Brasil no final dos anos setenta. Este movimento tinha como bandeira a luta pelos

    direitos dos pacientes psiquitricos em nosso pas. O que implicava na superao do

    modelo anterior, o qual no mais satisfazia a sociedade.

    O processo da Reforma Psiquitrica divide-se em duas fases: a primeira de 1978

    a 1991 compreende uma crtica ao modelo hospitalocntrico, enquanto a segunda, de

    1992 aos dias atuais destaca-se pela implantao de uma rede de servios extra-

    hospitalares.

    O modelo mais adotado para conter a loucura foi o asilo. Britto apud Mesquita

    (2008:3) 7 informa que no Brasil a instituio da psiquiatria encontra-se relacionado

    5 Grifo nosso Territrio a designao no apenas de uma rea geogrfica, mas das pessoas, das

    instituies, das redes e dos cenrios nos quais se do vida comunitria.

    6 - BRASIL, Ministrio da Sade Reforma Psiquitrica e Poltica de Sade Mental no Brasil

    Conferncia Regional de Reforma dos Servios de Sade Mental: 15 anos Depois de Caracas. Braslia,

    07 a 10 de novembro de 2005.

    7 MESQUITA, J. F. de Quem Disse Que Lugar de Louco no Hospcio? Um estudo sobre os Servios

    Residenciais Teraputicos, Trabalho apresentado no XVI Encontro Nacional de Estudos Populacionais,

    ABEP, realizado em Caxambu- MG Brasil, de 29 de setembro a 03 de outubro de 2008.

  • 3

    vinda da Famlia Real Portuguesa em 1808. Foi nesta poca que foram construidos os

    primeiros asilos que funcionavam como depsitos de doentes, mendigos, deliquentes e

    criminosos, removendo-os da sociedade, com o objetivo de colocar ordem na

    urbanizao, disciplinando a sociedade e sendo, dessa forma, compatvel ao

    desenvolvimento mercantil e as novas polticas do sculo XIX.

    BRITTO apud MESQUITA (2008:3) 8 nos explica:

    Com o relevante crescimento da populao, a Cidade passou a se deparar

    com alguns problemas e, dentre eles, a presena dos loucos pelas ruas. O

    destino deles era a priso ou a Santa Casa de Misericrdia, que era um local

    de amparo, de caridade, no um local de cura. L, os alienados recebiam um

    tratamento diferenciado dos outros internos. Os insanos ficavam amontoados em pores, sofrendo represses fsicas quando agitados, sem

    contar com assistncia mdica, expostos ao contgio por doenas infecciosas

    e subnutridos. Interessante observar que naquele momento, o recolhimento

    do louco no possua uma atitude de tratamento teraputico, mas, sim, de

    salvaguardar a ordem pblica.

    A psiquiatria nasce, no Brasil com o desgnio de resguardar a populao contra

    os exageros da loucura, ou seja, no havia finalidade em buscar uma cura para aqueles

    acometidos de transtornos mentais, mais sim, exclu-los do seio da sociedade para que

    esta no se sentisse amofinada. ROCHA (1989, p.13) 9. Portanto, a questo principal era

    o isolamento dos doentes mentais e no com um tratamento. o Hospcio D. Pedro II

    que, em 1852, passa a internar os doentes mentais e a tir-los do convvio em sociedade.

    (ROCHA 1989:15) 10. Este mesmo autor enfatiza que a psiquiatria que cria espao

    prprio para o enclausuramento do louco capaz de domin-lo e submete-lo. Estes

    lugares de clausura eram os hospitais psiquitricos tambm denominados asilos,

    hospcios e manicmios.

    8 - MESQUITA, J. F. de Quem Disse Que Lugar de Louco no Hospcio? Um estudo sobre os Servios

    Residenciais Teraputicos, Trabalho apresentado no XVI Encontro Nacional de Estudos Populacionais,

    ABEP, realizado em Caxambu- MG Brasil, de 29 de setembro a 03 de outubro de 2008.

    9 ROCHA, Gilberto S. Introduo ao nascimento da psicanlise no Brasil. Rio de Janeiro,Forense

    Universitria, 1989.

    10 - ROCHA, Gilberto S. Introduo ao nascimento da psicanlise no Brasil. Rio de Janeiro, Forense

    Universitria, 1989.

  • 4

    Com o fim da Segunda Guerra Mundial, comea a surgir o modelo manicomial

    brasileiro, principalmente os manicmios privados. Nos anos 60, com a criao do

    Instituto Nacional de Previdncia Social (INPS), o Estado passa a utilizar os servios

    psiquitricos do setor privado. Dessa forma, cria-se uma indstria para o

    enfrentamento da loucura (Amarante, 1995:13). 11

    O modelo asilar ou hospitalocntrico continua predominante at o final do

    primeiro meado do sculo XX. At que em 1961, o mdico italiano Franco Basglia12

    assume a direo do Hospital Psiquitrico de Gorizia, na Itlia. No campo das relaes

    entre a coletividade e a insanidade, ele assumia uma atitude crtica para com a

    psiquiatria clssica e hospitalar, por esta se centrar no princpio do insulamento do

    alienado. Ele defendia, ao contrrio, que o doente mental voltasse a viver com sua

    famlia. Sua atitude inicial foi aperfeioar a qualidade de hospedaria e o cuidado tcnico

    aos internos no hospital em que dirigia. Essas normas e o pensamento de Franco

    Basglia influenciam, entre outros, o Brasil, fazendo ressurgir diversas discusses que

    tratavam da desinstitucionalizao do portador de sofrimento mental e da humanizao

    do tratamento a essas pessoas, com o objetivo de promover a re-insero social.

    A REFORMA PSIQUITRICA NO BRASIL

    Na dcada de 70 so registradas vrias denncias quanto poltica brasileira de

    sade mental em relao poltica de privatizao da assistncia psiquitrica por parte

    da previdncia social, quanto s condies (pblicas e privadas) de atendimento

    psiquitrico populao. nesse contexto, que no fim da dcada citada, que surge a

    questo da reforma psiquitrica no Brasil. Pequenos ncleos estaduais, principalmente

    nos estados de So Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais constituem o Movimento de

    Trabalhadores em Sade Mental (MTSM). No Rio de Janeiro, em 1978, eclode o

    movimento dos trabalhadores da Diviso Nacional de Sade Mental (DINSAM) e

    coloca em xeque a poltica psiquitrica exercida no pas. A questo psiquitrica

    colocada em pauta: ... tais movimentos fazem ver sociedade como os loucos

    11

    AMARANTE, P. D. de C., (coordenador) Loucos pela vida: a trajetria da reforma psiquitrica na Brasil. Rio de Janeiro, FIOCRUZ, 1995.

    12

    - Quem foi Franco Basaglia in: http://www.ifb.org.br/franco_basaglia.htm

  • 5

    representam a radicalidade da opresso e da violncia imposta pelo estado

    autoritrio. (Rotelli et al, 1992: 48) 13.

    Na dcada de 80, ocorrem vrios encontros, preparatrios para a I Conferncia

    Nacional de Sade Mental (I CNSM), que ocorreu em 1987 os quais recomendam a

    priorizao de investimentos nos servios extra-hospitalares e multiprofissionais como

    oposio tendncia hospitalocntrica. No final de 1987 realiza-se o II Congresso

    Nacional do MTSM em Bauru, SP, no qual se concretiza o Movimento de Luta

    Antimanicomial e construdo o lema por uma sociedade sem manicmios 14. Nesse

    congresso amplia-se o sentido poltico-conceitual acerca do antimanicomial.

    AMARANTES (1995:82) explica:

    Enfim, a nova etapa (...) consolidada no Congresso de Bauru, repercutiu em

    muitos mbitos: no modelo assistencial, na ao cultural e na ao jurdico-

    poltica. No mbito do modelo assistencial, esta trajetria marcada pelo

    surgimento de novas modalidades de ateno, que passaram a representar

    uma alternativa real ao modelo psiquitrico tradicional... 15

    .

    No ano de 1989, um ano aps a criao do SUS Sistema nico de Sade d

    entrada no Congresso Nacional o Projeto de Lei do deputado Paulo Delgado (PT/MG).

    O qual prope a regulamentao dos direitos da pessoa com transtornos mentais e a

    extino progressiva dos hospcios no pas. Porm, cabe enfatizar que somente no ano

    de 2001, aps 12 anos de tramitao no Congresso Nacional, que a Lei Paulo Delgado

    aprovada no pas. A concordncia, no entanto, uma emenda do Projeto de Lei original,

    que traz alteraes importantes no texto normativo.

    Assim, a Lei Federal 10.216/2001 redireciona o amparo em sade mental,

    privilegiando o oferecimento de tratamento em servios de base comunitria, dispe

    sobre a proteo e os direitos das pessoas com transtornos mentais, no entanto, no

    estabelece estruturas claras para a progressiva extino dos manicmios. Ainda assim, a

    13 - ROTELLI, F. et al, 1992. Reformas Psiquitricas na Itlia e no Brasil: aspectos histricos e

    metodolgicos, Psiquiatria sem hospcios - contribuies ao estudo da reforma psiquitrica (Bezerra, B. et

    al orgs) Rio de Janeiro, Relume-Dumar, 41-55.

    14 - Grifo Nosso.

    15 - AMARANTE, P. D. de C., (coordenador), Loucos pela vida: a trajetria da reforma psiquitrica na

    Brasil. Rio de Janeiro, FIOCRUZ, 1995.

  • 6

    publicao da lei 10.216 impe novo impulso e novo ritmo para o processo de Reforma

    Psiquitrica no Brasil, pois mesmo antes de sua aprovao, suas conseqncias j eram

    visveis por meio de diferentes aes, tais como a de criao das SRTs e de programas,

    tal como De volta pra casa 16. Novas modalidades para o tratamento do usurio de

    sade mental foram postas em prtica.

    A Luta Antimanicomial possibilitou o desenvolvimento de pontos extremamente

    importantes para a desinstitucionalizao da loucura. Podemos destacar aqui o

    surgimento de relevantes servios de atendimentos Extra-Hospitalares oriundos da

    Reforma Psiquitrica: Ncleo de Ateno Psico-social (NAPS); Centro de Atendimento

    Psico-social (CAPs I, CAPs II, CAPs III, CAPsi, CAPsad); Centro de Ateno Diria

    (CADs); Hospitais Dias (HDs); Centros de Convivncia e Cultura.

    O Grfico 1 nos ajuda visualizar a expanso dos CAPs ao longo dos ltimos

    anos. Ressaltamos que em 2002, com 424 CAPs, tnhamos 21% da populao coberta

    em sade mental; em junho de 2009 chegamos a 57% de cobertura, um aumento

    significativo enquanto instrumento da desinstitucionalizao psiquitrica.

    16 O Programa de Volta para Casa foi institudo pelo Presidente Lula, por meio da assinatura da Lei

    Federal 10.708 de 31 de julho de 2003 e dispe sobre a regulamentao do auxlio-reabilitao

    psicossocial a pacientes que tenham permanecido em longas internaes psiquitricas. O objetivo deste

    programa contribuir efetivamente para o processo de insero social dessas pessoas, incentivando a

    organizao de uma rede ampla e diversificada de recursos assistenciais e de cuidados, facilitadora do

    convvio social, capaz de assegurar o bem-estar global e estimular o exerccio pleno de seus direitos civis,

    polticos e de cidadania. Alm disso, o De Volta para Casa atende ao disposto na Lei 10.216 que determina que os pacientes longamente internados ou para os quais se caracteriza a situao de grave

    dependncia institucional, sejam objeto de poltica especfica de alta planejada e reabilitao psicossocial

    assistida. Em parceria com a Caixa Econmica Federal, o programa conta hoje com mais de 2600

    beneficirios em todo o territrio nacional, os quais recebem mensalmente em suas prprias contas

    bancrias o valor de R$240,00. Em conjunto com o Programa de Reduo de Leitos Hospitalares de longa

    permanncia e os Servios Residenciais Teraputicos, o Programa de Volta para Casa forma o trip

    essencial para o efetivo processo de desinstitucionalizao e resgate da cidadania das pessoas acometidas

    por transtornos mentais submetidas privao da liberdade nos hospitais psiquitricos brasileiros. O

    auxlio-reabilitao psicossocial, institudo pelo Programa de Volta para Casa, tambm tem um carter

    indenizatrio queles que, por falta de alternativas, foram submetidos a tratamentos aviltantes e privados

    de seus direitos bsicos de cidadania. http://www.ccs.saude.gov.br/VPC/programa.html Acessado em

    06/03/2010.

  • 7

    Grfico 1: Expanso dos CAPs - 1998 4 de junho de 2009

    148

    179

    208 29

    5424 50

    0 605

    738

    1011

    1153

    1326 13

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    0

    200

    400

    600

    800

    1000

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    1400

    1600

    Anos

    Qu

    an

    tid

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    e C

    AP

    s

    1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009

    Fonte:Brasil, Ministrio da Sade, Sade Mental em Dados, Ano IV, n 6, Junho de 2009.

    A Lei Paulo Delgado foi criticada, sobretudo por proprietrios de hospitais e

    clnicas privadas conveniadas ao SUS, nas quais se localizavam a maior parte dos leitos

    para o atendimento dos doentes mentais. Em 1985, Segundo dados do Ministrio da

    Sade. 80% dos leitos psiquitricos eram contratados enquanto somente 20% eram

    internaes na rede pblica. (BRASIL, 2005) 17

    .

    TENRIO (2002:38) 18

    aponta para dois grandes marcos da dcada de 80, no

    que tange Reforma Psiquitrica: a inaugurao do primeiro CAPS na Cidade de So

    Paulo e a Interveno Pblica na Casa de Sade Anchieta (Santos-SP) a qual funcionava

    com 145% de ocupao (290 leitos com 470 internados). O internamento asilar no

    representava a exclusiva perspectiva para esta classe da populao a qual tinha seus

    direitos cerceados, impedida de ir e vir, em internaes infindveis onde os usurios em

    diversos casos perdiam suas referencia com familiares e grupos afetivos. Efetivando-se

    acima de tudo em perda da autonomia destes.

    A Reforma destaca-se ento enquanto um movimento com a finalidade de

    intervir no ento modelo vigente, buscando o fim da mercantilizao da loucura para

    17

    - BRASIL, Ministrio da Sade Reforma Psiquitrica e Poltica de Sade Mental no Brasil Conferncia Regional de Reforma dos Servios de Sade Mental: 15 anos Depois de Caracas. Braslia,

    07 a 10 de novembro de 2005.

    18

    - TENRIO, Fernando A Reforma psiquitrica brasileira, da dcada de 1980 aos dias atuais: histria e conceitos. Histria, Cincias, Sade Manguinhos, Rio de Janeiro, vol. 9(1): 25-59, jan. abr. 2002:38.

  • 8

    assim poder [...] construir coletivamente uma critica ao chamado saber psiquitrico e

    ao modelo hospitalocntrico na assistncia s pessoas com transtornos mentais. [...]

    (BRASIL, 2005, P.2) 19

    . Em 1990, o Brasil torna-se signatrio da Declarao de

    Caracas 20

    a qual prope a reestruturao da assistncia psiquitrica.

    19

    - BRASIL, Ministrio da Sade Reforma Psiquitrica e Poltica de Sade Mental no Brasil Conferncia Regional de Reforma dos Servios de Sade Mental: 15 anos Depois de Caracas. Braslia,

    07 a 10 de novembro de 2005.

    20

    DECLARAO DE CARACAS. Documento que marca as reformas na ateno sade mental nas Amricas. As organizaes, associaes, autoridades de sade, profissionais de sade mental,

    legisladores e juristas reunidos na Conferncia Regional para a Reestruturao da Assistncia Psiquitrica

    dentro dos Sistemas Locais de Sade, VERIFICANDO, 1. Que a assistncia psiquitrica convencional

    no permite alcanar objetivos compatveis com um atendimento comunitrio, descentralizado,

    participativo, integral, contnuo e preventivo; 2. Que o hospital psiquitrico, como nica modalidade

    assistencial, impede alcanar os objetivos j mencionados ao: a) isolar o doente do seu meio, gerando,

    dessa forma, maior incapacidade social; b) criar condies desfavorveis que pem em perigo os direitos

    humanos e civis do enfermo; c) requerer a maior parte dos recursos humanos e financeiros destinados

    pelos pases aos servios de sade mental; e d) fornecer ensino insuficientemente vinculado com as

    necessidades de sade mental das populaes, dos servios de sade e outros setores.

    CONSIDERANDO, 1. Que o Atendimento Primrio de Sade a estratgia adotada pela Organizao

    Mundial de Sade e pela Organizao Pan-americana de Sade e referendada pelos pases membros para

    alcanar a meta de Sade Para Todos, no ano 2000; 2. Que os Sistemas Locais de Sade (SILOS) foram

    estabelecidos pelos pases da regio para facilitar o alcance dessa meta, pois oferecem melhores

    condies para desenvolver programas baseados nas necessidades da populao de forma descentralizada,

    participativa e preventiva; 3. Que os programas de Sade Mental e Psiquiatria devem adaptar-se aos

    princpios e orientaes que fundamentam essas estratgias e os modelos de organizao da assistncia

    sade. DECLARAM 1. Que a reestruturao da assistncia psiquitrica ligada ao Atendimento Primrio

    da Sade, no quadro dos Sistemas Locais de Sade, permite a promoo de modelos alternativos,

    centrados na comunidade e dentro de suas redes sociais; 2. Que a reestruturao da assistncia

    psiquitrica na regio implica em reviso crtica do papel hegemnico e centralizador do hospital

    psiquitrico na prestao de servios; 3. Que os recursos, cuidados e tratamentos dados devem: a)

    salvaguardar, invariavelmente, a dignidade pessoal e os direitos humanos e civis; b) estar baseados em

    critrios racionais e tecnicamente adequados; c) propiciar a permanncia do enfermo em seu meio

    comunitrio; 4. Que as legislaes dos pases devem ajustar-se de modo que: a) assegurem o respeito aos

    direitos humanos e civis dos doentes mentais; b) promovam a organizao de servios comunitrios de

    sade mental que garantam seu cumprimento; 5. Que a capacitao dos recursos humanos em Sade

    Mental e Psiquiatria deve fazer-se apontando para um modelo, cujo eixo passa pelo servio de sade

    comunitria e propicia a internao psiquitrica nos hospitais gerais, de acordo com os princpios que

    regem e fundamentam essa reestruturao; 6. Que as organizaes, associaes e demais participantes

    desta Conferncia se comprometam solidariamente a advogar e desenvolver, em seus pases, programas

    que promovam a Reestruturao da Assistncia Psiquitrica e a vigilncia e defesa dos direitos humanos

    dos doentes mentais, de acordo com as legislaes nacionais e respectivos compromissos internacionais.

    Para o que SOLICITAM Aos Ministrios da Sade e da Justia, aos Parlamentos, aos Sistemas de

    Seguridade Social e outros prestadores de servios, organizaes profissionais, associaes de usurios,

    universidades e outros centros de capacitao e aos meios de comunicao que apiem a Reestruturao

    da Assistncia Psiquitrica, assegurando, assim, o xito no seu desenvolvimento para o benefcio das

    populaes da regio. APROVADA POR ACLAMAO PELA CONFERNCIA, EM SUA LTIMA

    SESSO DE TRABALHO NO DIA 14 DE NOVEMBRO DE 1990.

    http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/declaracao_caracas.pdf acessado em 21/03/2010.

  • 9

    CONSIDERAES FINAIS

    A Reforma ficou tambm conhecida como o Movimento de Luta

    Antimanicomial, tendo como meta a desinstitucionalizao do manicmio,

    compreendida como um conjunto de transformaes de prtica, saberes, valores

    culturais e sociais. no cotidiano da vida das instituies, dos servios e das relaes

    inter-pessoais que o processo da Reforma Psiquitrica avana, marcado por impasses,

    tenses, conflitos e desafios. A Reforma destaca-se ento enquanto um movimento com

    a finalidade de intervir no ento modelo vigente, buscando o fim da mercantilizao da

    loucura para assim poder construir coletivamente uma critica ao chamado saber

    psiquitrico e ao modelo hospitalocntrico na assistncia s pessoas com transtornos

    mentais.

    BIBLIOGRAFIA

    AMARANTE, P. D. de C., (coordenador), - Loucos pela vida: a trajetria da reforma

    psiquitrica na Brasil. Rio de Janeiro, FIOCRUZ, 1995.

    BRASIL, Ministrio da Sade Reforma Psiquitrica e Poltica de Sade Mental no Brasil Conferncia Regional de Reforma dos Servios de Sade Mental: 15 anos Depois de Caracas. Braslia, 07 a 10 de novembro de 2005.

    Brasil, Ministrio da Sade Sade Mental em Dados, Ano IV, n 6, Junho de 2009

    MESQUITA, J. F. de Quem Disse Que Lugar de Louco no Hospcio? Um estudo sobre os Servios Residenciais Teraputicos, Trabalho apresentado no XVI Encontro

    Nacional de Estudos Populacionais, ABEP, realizado em Caxambu- MG Brasil, de 29 de setembro a 03 de outubro de 2008.

    ROCHA, Gilberto S. Introduo ao nascimento da psicanlise no Brasil. Rio de Janeiro, Forense Universitria, 1989.

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    reforma psiquitrica (Bezerra, B. et al orgs) Rio de Janeiro, Relume-Dumar,

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