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PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO Registro: 2017.0000664200 ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos estes autos de Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas nº 0023203-35.2016.8.26.0000, da Comarca de Piracicaba, em que é requerente MM JUIZ DE DIREITO DA 5ª VARA CIVEL DA COMARCA DE PIRACICABA. ACORDAM, em Turma Especial - Privado 1 do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: "Por unanimidade, deliberaram a apreciar o mérito e fixar as seguintes teses jurídicas da causa piloto que se processa em Primeira Instância. TEMA 01: É válido o prazo de tolerância, não superior a cento e oitenta dias estabelecido no compromisso de venda e compra para entrega de imóvel em construção, desde que previsto em cláusula contratual expressa, clara e inteligível. Tese jurídica proposta pelo Relator e aprovada por maioria simples de votos: É valido o prazo de tolerância, não superior a cento e oitenta dias corridos estabelecido no compromisso de venda e compra para entrega de imóvel em construção, desde que previsto em cláusula contratual expressa, clara e inteligível. Vencidos os Desembargadores Elcio Trujillo, Luis Mario Galbetti, Carlos Alberto Garbi e Beretta da Silveira. TEMA 02: Admite-se que o prazo de entrega da unidade autônoma tenha termo inicial da data de obtenção do financiamento pelo adquirente, desde que a cláusula contratual seja redigida de modo claro e não ultrapasse seis meses da data do registro da incorporação (art. 34, Lei 4.491/64).Tese jurídica proposta pelo Relator rejeitada, vencidos os Desembargadores Francisco Loureiro (Relator), Percival Nogueira, James Siano, Galdino Toledo, Álvaro Passos, Luis Mario Galbetti e Mary Grun. Tese jurídica aprovada por maioria simples de votos, conforme a proposta do Desembargador Carlos Alberto Garbi: Na aquisição de unidades autônomas futuras, financiadas na forma associativa, o contrato deverá estabelecer de forma expressa, clara e inteligível o prazo certo para formação do grupo de adquirentes e para entrega do imóvel. Vencidos os Desembargadores Donegá Morandini, Piva Rodrigues, James Siano e Fábio Quadros. TEMA 03: Alegação de que a multa contratual, prevista em desfavor do promissário comprador, deve ser aplicada por reciprocidade e isonomia, à hipótese de inadimplemento da promitente vendedora. Por unanimidade, deram por prejudicado em razão da afetação do tema pelo Superior Tribunal de Justiça (REsps 1614721/DF e 1631485/DF, Tema 971), nos termos do disposto no art. 976, parágrafo 4º, do CPC. TEMA 04: Indenização por danos morais em virtude do atraso na entrega das unidades autônomas aos promitentes compradores. Por unanimidade, rejeitaram o estabelecimento de qualquer tese em razão do tema envolver necessariamente matéria fática ao exame de cada caso concreto. TEMA 05: O atraso da prestação de entrega de imóvel objeto de compromisso de compra e venda gera obrigação da alienante indenizar o adquirente pela privação injusta do uso do bem. O uso pode ser calculado economicamente pela

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PODER JUDICIÁRIOTRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

Registro: 2017.0000664200

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas nº 0023203-35.2016.8.26.0000, da Comarca de Piracicaba, em que é requerente MM JUIZ DE DIREITO DA 5ª VARA CIVEL DA COMARCA DE PIRACICABA.

ACORDAM, em Turma Especial - Privado 1 do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: "Por unanimidade, deliberaram a apreciar o mérito e fixar as seguintes teses jurídicas da causa piloto que se processa em Primeira Instância.

TEMA 01: É válido o prazo de tolerância, não superior a cento e oitenta dias estabelecido no compromisso de venda e compra para entrega de imóvel em construção, desde que previsto em cláusula contratual expressa, clara e inteligível. Tese jurídica proposta pelo Relator e aprovada por maioria simples de votos: É valido o prazo de tolerância, não superior a cento e oitenta dias corridos estabelecido no compromisso de venda e compra para entrega de imóvel em construção, desde que previsto em cláusula contratual expressa, clara e inteligível. Vencidos os Desembargadores Elcio Trujillo, Luis Mario Galbetti, Carlos Alberto Garbi e Beretta da Silveira.

TEMA 02: Admite-se que o prazo de entrega da unidade autônoma tenha termo inicial da data de obtenção do financiamento pelo adquirente, desde que a cláusula contratual seja redigida de modo claro e não ultrapasse seis meses da data do registro da incorporação (art. 34, Lei 4.491/64).Tese jurídica proposta pelo Relator rejeitada, vencidos os Desembargadores Francisco Loureiro (Relator), Percival Nogueira, James Siano, Galdino Toledo, Álvaro Passos, Luis Mario Galbetti e Mary Grun. Tese jurídica aprovada por maioria simples de votos, conforme a proposta do Desembargador Carlos Alberto Garbi: Na aquisição de unidades autônomas futuras, financiadas na forma associativa, o contrato deverá estabelecer de forma expressa, clara e inteligível o prazo certo para formação do grupo de adquirentes e para entrega do imóvel. Vencidos os Desembargadores Donegá Morandini, Piva Rodrigues, James Siano e Fábio Quadros.

TEMA 03: Alegação de que a multa contratual, prevista em desfavor do promissário comprador, deve ser aplicada por reciprocidade e isonomia, à hipótese de inadimplemento da promitente vendedora. Por unanimidade, deram por prejudicado em razão da afetação do tema pelo Superior Tribunal de Justiça (REsps 1614721/DF e 1631485/DF, Tema 971), nos termos do disposto no art. 976, parágrafo 4º, do CPC.

TEMA 04: Indenização por danos morais em virtude do atraso na entrega das unidades autônomas aos promitentes compradores. Por unanimidade, rejeitaram o estabelecimento de qualquer tese em razão do tema envolver necessariamente matéria fática ao exame de cada caso concreto.

TEMA 05: O atraso da prestação de entrega de imóvel objeto de compromisso de compra e venda gera obrigação da alienante indenizar o adquirente pela privação injusta do uso do bem. O uso pode ser calculado economicamente pela

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medida de um aluguel, que é o valor correspondente ao que deixou de receber, ou teve de pagar para fazer uso de imóvel semelhante, com termo final na data da disponibilização da posse direta ao adquirente da unidade autônoma já regularizada". Tese jurídica proposta pelo Relator e aprovada por maioria simples de votos: O atraso da prestação de entrega de imóvel objeto de compromisso de compra e venda gera obrigação da alienante indenizar o adquirente pela privação injusta do uso do bem. O uso será obtido economicamente pela medida de um aluguel, que pode ser calculado em percentual sobre o valor atualizado do contrato, correspondente ao que deixou de receber, ou teve de pagar para fazer uso de imóvel semelhante, com termo final na data da disponibilização da posse direta ao adquirente da unidade autônoma já regularizada. Vencidos os Desembargadores Grava Brazil e Donegá Morandini

TEMA 06: É ilícito o repasse dos juros de obra ou juros de evolução da obra, após o prazo ajustado no contrato para entrega das chaves de unidade autônoma, incluído o período de tolerância. Tese jurídica proposta pelo Relator e aprovada por unanimidade: "É ilícito o repasse dos "juros de obra", ou "juros de evolução de obra", ou taxa de evolução da obra", ou outros encargos equivalentes após o prazo ajustado no contrato para entrega das chaves da unidade autônoma, incluído período de tole", de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores DONEGÁ MORANDINI (Presidente), ELCIO TRUJILLO, JOSÉ ROBERTO FURQUIM CABELLA, LUIS MARIO GALBETTI, CARLOS ALBERTO GARBI, MARY GRÜN, GRAVA BRAZIL, PERCIVAL NOGUEIRA, BERETTA DA SILVEIRA, PIVA RODRIGUES, NATAN ZELINSCHI DE ARRUDA, SILVÉRIO DA SILVA, JAMES SIANO, GALDINO TOLEDO JÚNIOR E ALVARO PASSOS.

São Paulo, 31 de agosto de 2017

FRANCISCO LOUREIRO

RELATOR

Assinatura Eletrônica

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Processo nº: 0023203-35.2016.8.26.0000

Classe: Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas

Assunto: Promessa de Compra e Venda

Órgão Julgador: Turma Especial Direito Privado 1

Partes: Requerente MM JUIZ DE DIREITO DA 5ª VARA

CIVEL DA COMARCA DE PIRACICABA

Interessados:

- Júnior de Moura Ataíde

- MVR Engenharia e Participações S/A

- Parque Piazza Navona incorporações SPE Ltda.

- Associação Brasileira de Incorporadoras Imobiliárias ABRAINC

- Câmara Brasileira da Indústria da Construção CBIC

- Fundação de Proteção e Defesa do Consumidor do governo do

Estado de São Paulo Procon/SP

- Ordem dos Advogados do Brasil Seção de São Paulo

- Sindicato das Empresas de Compra e Venda, Locação e

Administração de Imóveis Residenciais e Comerciais de são Paulo

SECOVI

- Sindicato da Indústria da construção Civil de Grandes Estruturas

do Estado de São Paulo - SINDUSCON-SP

Foro/Vara de origem: Foro de Piracicaba - 5ª. Vara C

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VOTO Nº 31361

INCIDENTE DE RESOLUÇÃO DE DEMANDAS REPETITIVAS. TEMAS RELACIONADOS AOS REQUISITOS E EFEITOS DO ATRASO DE ENTREGA DE UNIDADES AUTÔNOMAS EM CONSTRUÇÃO.TEMAS APROVADOS PELA TURMA JULGADORATema no. 01 - “É válido o prazo de tolerância, não superior a cento e oitenta dias corridos estabelecido no compromisso de venda e compra para entrega de imóvel em construção, desde que previsto em cláusula contratual expressa, clara e inteligível”.

Tema no. 02 “Na aquisição de unidades autônomas futuras, financiadas na forma associativa, o contrato deverá estabelecer de forma expressa, clara e inteligível o prazo certo para a formação do grupo de adquirentes e para a entrega do imóvel.”Tema no. 05 “O atraso da prestação de entrega de imóvel objeto de compromisso de compra e venda gera obrigação da alienante indenizar o adquirente pela privação injusta do uso do bem. O uso será obtido economicamente pela medida de um aluguel, que pode ser calculado em percentual sobre o valor atualizado do contrato, correspondente ao que deixou de receber, ou teve de pagar para fazer uso de imóvel semelhante, com termo final na data da disponibilização da posse direta ao adquirente da unidade autônoma já regularizada”

Tema 06 - “É ilícito o repasse dos "juros de obra", ou “juros de evolução da obra”, ou “taxa de evolução da obra”, ou outros encargos equivalentes após o prazo ajustado no contrato para entrega das chaves da unidade autônoma, incluído período de tolerância”.

Tema 07 - “A restituição de valores pagos em excesso pelo promissário comprador em contratos de compromisso de compra e venda far-se-á de modo simples, salvo má-fé do promitente vendedor”.

Tema 08 - “O descumprimento do prazo de entrega de imóvel objeto de compromisso de venda e compra, computado o período de tolerância, não faz cessar a incidência de correção monetária, mas tão somente dos juros e da multa contratual sobre o saldo devedor. Devem ser substituídos indexadores setoriais, que refletem a variação do custo da construção civil, por outros indexadores gerais, salvo quando estes

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últimos forem mais gravosos ao consumidor”.

Tema 09 - “Não se aplica a multa prevista no artigo 35, parágrafo 5º. da L. 4.591/64 para os casos de atraso de entrega das unidades autônomas aos promissários compradores”.

TEMAS PREJUDICADOS OU REJEITADOSTema 03 “Alegação de que a multa contratual, prevista em desfavor do promissário comprador, deve ser aplicada por reciprocidade e isonomia, à hipótese de inadimplemento da promitente vendedora”.

Tema 04 “Indenização por danos morais em virtude do atraso da entrega das unidades autônomas aos promitentes compradores”.

Cuida-se de incidente de resolução de demandas

repetitivas (arts. 976/987 NCPC) instaurado a requerimento do MM. Juiz

de Direito Mauro Antonini, Titular da 5ª. Vara Cível da Comarca de

Piracicaba, utilizando como caso paradigma ação indenizatória por atraso

de entrega de unidade autônoma futura, em contrato de compromisso de

compra e venda.

Propõe o MM. Juiz de Direito que as questões

repetitivas objeto do presente pedido de resolução, comuns a milhares de

ações similares que se processam em todo o Estado de São Paulo,

abordem os seguintes temas:

I. Alegação de nulidade da cláusula de tolerância de 180 dias

para além do termo final previsto no contrato;

II. Alegação de nulidade de previsão de prazo alternativo de

tolerância para a entrega de determinado número de meses

(em regra 24 meses) após a assinatura do contrato de

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financiamento;

III. Alegação de que a multa contratual, prevista em desfavor do

promissário comprador, deve ser aplicada por reciprocidade e

isonomia, à hipótese de inadimplemento da promitente

vendedora,

IV. Indenização por danos morais em virtude do atraso da entrega

das unidades autônomas aos promitentes compradores;

V. Indenização por perdas e danos, representada pelo valor

locativo que o comprador poderia ter auferido durante o

período de atraso;

VI. Ilicitude da taxa de evolução de obra;

VII.Restituição dos valores pagos em excesso de forma simples

ou em dobro;

VIII.Congelamento do saldo devedor enquanto a unidade

autônoma não for entregue aos adquirentes;

IX. Aplicação da multa do art. 35 , parágrafo 5º., da L. 4.591/64 ao

incorporador inadimplente;

Entende o MM. Juiz de Direito proponente que

existe o risco de sentenças contraditórias geradoras de insegurança

jurídica, de modo que a fixação de precedente de natureza vinculativa

traria inúmeros benefícios aos jurisdicionados e à própria celeridade que

se espera do Poder Judiciário.

Foi acolhida, em sede de juízo de admissibilidade

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e por maioria de votos, a proposta de instauração do incidente de

resolução de demandas repetitivas, na forma dos artigos 976 e seguintes

do NCPC (fls. 243/272).

A decisão que admitiu a instauração do incidente,

também por maioria de votos, não determinou a suspensão de todos os

processos que versam sobre os temas repetitivos.

Houve divulgação e publicidade do incidente,

mediante publicação de editais e registro em banco eletrônico de dados

do TJSP e CNJ (art. 979, par. 1º. NCPC e 192 RITJSP).

Determinou-se a oitiva das partes do processo do

qual se extraiu o incidente, no prazo de 15 dias (art. 983 NCPC).

Manifestaram-se nos autos:

a) Associação Brasileira de Incorporadoras Imobiliárias ABRAINC

(fls. 292/333 e documentos de fls. 350/429);

b) Câmara Brasileira da Indústria da Construção CBIC ( fls. 430/437

e documentos de fls. 444/459);

c) MVR Engenharia e Participações S/A e Parque Piazza Navona

incorporações STE Ltda. (fls. 460/500);

d) Fundação de Proteção e Defesa do Consumidor do governo do

Estado de São Paulo Procon/SP (fls. 534/583);

e) Ordem dos Advogados do Brasil Seção de São Paulo Comissão

de Direito Urbanístico (fls. 584/606);

f) Sindicato das Empresas de Compra e Venda, Locação e

Administração de Imóveis Residenciais e Comerciais de são Paulo

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SECOVI (fls. 607/638);

g) Sindicato da Indústria da construção Civil de Grandes Estruturas

do Estado de São Paulo - SINDUSCON-SP (fls.703/767);

Foram as entidades de classe e demais

intervenientes admitidos como amicus curiae.

A Procuradoria Geral de Justiça ofereceu

parecer (fls. 507/533).

Foi publicado edital e lançado o registro do

IRDR nos bancos eletrônicos de dados do TJSP e do CNJ (art. 979, par.

1º. NCPC e 192 RITJSP).

O MM. Juiz de Direito Mauro Antonini, Titular da

5ª. Vara Cível da Comarca de Piracicaba, que requereu a instauração do

presente incidente, juntou aos autos caso idêntico relativo ao mesmo

empreendimento imobiliário, uma vez que o original perdeu objeto por

força de transação celebrada entre as partes litigantes.

É o relatório.

I - Do cabimento do IRDR

1. Não há óbice à análise de mérito do presente

IRDR.

As inúmeras manifestações colhidas dos autos

são uníssonas quanto ao conhecimento e processamento do presente

incidente, pois presentes preenchidos que se encontram os dois

requisitos cumulativos previstos no artigo 976 do NCPC, a saber:

I - efetiva repetição de processos que contenham

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controvérsias sobre o mesmo tema;

II - risco de ofensa à isonomia e segurança

jurídica.

Não há dúvida alguma que os nove temas

suscitados são objeto de milhares de demandas semelhantes que correm

no Estado de são Paulo, algumas delas já sumuladas por este Tribunal

de Justiça, tal a frequência de sua incidência.

Presente também o risco de ofensa à isonomia

e segurança jurídica. Repito aqui o que já deliberou a Turma julgadora

por ocasião da decisão de admissibilidade do incidente. Sem embargo de

parte dos temas objeto deste incidente de resolução de demandas

repetitivas já se encontrar sumulado pelo Tribunal de Justiça de São

Paulo, persiste a utilidade e a necessidade de recebimento e

processamento do presente feito.

Isso porque não se confundem os efeitos dos

verbetes sumulados de jurisprudência do Tribunal de Justiça de São

Paulo com os efeitos da decisão que julga incidente de resolução de

demandas repetitivas.

As sumulas de jurisprudência apenas indicam o

entendimento prevalecente do Tribunal de Justiça estadual, sem

qualquer efeito vinculativo ou consequências processuais mais

expressivas.

Já a decisão do incidente de resolução de

demandas repetitivas, de acordo com o novo Código de Processo Civil,

além do efeito vinculativo, gera expressiva gama de consequências

processuais, dentre as quais:

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a) A possibilidade de o juiz julgar liminarmente improcedente o

pedido que contrariar o entendimento firmado em incidente de

resolução (artigo 332, III, NCPC);

b) A possibilidade de o juiz conceder tutela de evidencia se as

alegações de fato puderem ser comprovadas por documentos e

houver tese firmada em julgamento de casos repetitivos (art.

311, II,NCPC);

c) A possibilidade de se promover execução provisória sem

prestar caução (art. 521, IV, “e”, NCPC);

d) A possibilidade de se negar provimento a recurso de apelação

por decisão monocrática (art. 932, IV, “c”, NCPC)

2. Destaco que no curso do processamento do

presente IRDR ocorreu a extinção do processo paradigma, por força de

transação celebrada entre as partes.

Levando em conta, porém, a existência de dezenas de

casos idênticos em curso perante a Comarca de Piracicaba, tendo por

objeto o mesmo contrato-tipo e unidades autônomas situadas no mesmo

condomínio edilício, se procedeu à alteração do caso paradigma.

Caso idêntico ao anterior foi encaminhado pelo MM.

Juiz de Direito Mauro Antonini, da 5ª. Vara Cível da Comarca de

Piracicaba. O feito caso-piloto diz respeito à unidade no mesmo

edifício, e as teses jurídicas discutidas são rigorosamente iguais às da

demanda original.

3. Uma palavra apenas sobre a possibilidade de

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processamento e julgamento de IRDR suscitado por Juiz de Direito de

Primeiro Grau, tal como permite a regra expressa do artigo 977, I, do

código de Processo Civil.

A questão, a rigor, já se encontra superada pelo

Acórdão que, por maioria de votos, admitiu o processamento do IRDR.

O artigo 978, parágrafo único, do Código de Processo

Civil dispõe que “o órgão colegiado incumbido de julgar o incidente e de

fixar a tese jurídica julgará igualmente o recurso, a remessa necessária

ou o processo de competência originária de onde se originou o

incidente”.

Discute-se em sede doutrinária se o incidente de IRDR

se encontra vinculado a uma “causa-piloto”, com julgamento de situação

concreta, ou, ao contrário, de decisão abstrata de uma tese jurídica, a

partir de situação padrão (cfr. Sofia Temer, Incidente de Resolução de

demandas repetitivas, Juspodium, Salvador, p. 66-67; Alexandre

Freitas Câmara, O novo processo Civil Brasileiro, Atlas, p. 479; Kátia

Regina Souza, Julgamento de casos repetitivos no CPC de 2.015,

tese de mestrado aprovada na FDUSP, orientada pelo Des. Walter

Piva Rodrigues, p; 42 e seguintes).

Sucede que no caso em exame, como acima

mencionado, a “causa-piloto” se encontra ainda em Primeira Instância,

razão pela qual, embora possam ser apreciadas as circunstâncias do

caso concreto, não há como julga-la diretamente neste incidente, pena

de supressão de um Grau de jurisdição.

A proposta que se faz à Turma Julgadora é a

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conciliação das duas correntes doutrinárias “causa piloto” e decisão

abstrata de tese jurídica - mediante cisão cognitiva do incidente. Far-se á

o julgamento segundo as teses jurídicas do caso-piloto concreto. As

teses firmadas servirão ao MM. Juiz de Direito para julgar a demanda,

sem o risco de supressão de instancia.

Diga-se que essa cisão cognitiva é ínsita ao IRDR. Na

lição de autorizada doutrina, “há, portanto, uma cisão cognitiva ainda

que virtual e não física , firmando-se a tese jurídica no procedimento

incidental em que haverá se reproduzido o “modelo” que melhor

represente a controvérsia jurídica que se repete em dezenas ou milhares

de pretensões. A tese jurídica será aplicada em seguida às demandas

repetitivas, por ocasião do julgamento propriamente dito da causa

perante o juízo em que tramitar o processo, momento este em que será

feita também a análise e julgamento das questões éticas e das questões

jurídicas não comuns pelo juízo competente, esgotando-se a análise da

pretensão ou demanda propriamente dita” (Aluisio Gonçalves de

Castro Mendes e Sofia Temer, O incidente de resolução de

demandas repetitivas no novo Código de Processo Civil, Revista de

Processo, vol.243, maio de 2.015, Editora RT, p. 290).

A questão da aparente contradição entre a

possibilidade legal de o IRDR ser suscitado por Juiz de Primeiro Grau e a

supressão de instancia causada pelo julgamento direto perante o

Tribunal de Justiça é solucionada pelos autores acima citados:

“O primeiro é que a formação perante o segundo grau de

incidente com origem em processo sem decisão de primeiro grau

criaria hipótese de avocação de causa, deslocamento de

competência ou criação de competência originária, sem respaldo

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constitucional. A preocupação é válida e consistente. Não obstante,

se admitirmos a natureza objetiva do incidente (sobre a qual

discorremos no item 4.1. acima), com a cisão cognitiva para a

fixação de tese e não julgamento da causa propriamente dita, tal

problema poderia ser contornado, porque o tribunal apenas fixaria

uma norma jurídica abstrata, retomando-se o julgamento da

demanda perante o juízo originário, sem, portanto, o deslocamento

de competência da para julgamento da causa propriamente dita”

(obra citada, p. 298).

A proposta que se faz à Turma Julgadora,

portanto, é no sentido de apreciação do mérito e fixação das teses

jurídicas da causa-piloto que se processa em Primeira Instancia.

Com o escopo de evitar a avocação do

processo e supressão de instancia, as teses jurídicas firmadas serão

aplicadas pelo MM. Juiz de Direito ao caso concreto sob sua jurisdição.

4. Um dos temas propostos deve ser prima facie

excluído, por imperativo legal, do julgamento do presente IRDR, em

atenção ao disposto no artigo 976, parágrafo 2º., do CPC.

Trata-se do tema 03 alínea “c” acima, do

seguinte teor:

“Alegação de que a multa contratual, prevista em

desfavor do promissário comprador, deve ser aplicada

por reciprocidade e isonomia, à hipótese de

inadimplemento da promitente vendedora”.

O Superior Tribunal de Justiça. em data recente,

afetou exatamente a mesma tese em regime dos recursos repetitivos

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(REsps 1614721/DF e 1631485/DF - Tema 971), Relator o Ministro

Paulo de Tarso Sanseverino. Para fins de confronto, reproduzo o tema

afetado:

“Possibilidade ou não de inversão, em desfavor da

construtora (fornecedor), da cláusula penal estipulada

exclusivamente para o adquirente (consumidor), nos

casos de inadimplência da construtora em virtude de

atraso na entrega de imóvel em construção objeto de

contrato ou de promessa de compra e venda”

Proponho, desde logo, a exclusão do tema 3

(alínea c), pois, na forma do artigo 976, parágrafo 4º. do CPC, “incabível

o incidente de resolução de demandas repetitivas quando um dos

tribunais superiores, no âmbito de sua respectiva competência, já tiver

afetado o recurso para definição de tese sobre questão de direito material

ou processual repetitiva”.

Quanto aos demais temas, o cabimento de

alguns deles despertou controvérsia por ocasião da decisão de

admissibilidade do incidente, inclusive com dissensão de parte da Turma

Julgadora. Surgiram, na ocasião, diversas e proveitosas discussões entre

os julgadores, em especial quanto ao exato conteúdo dos temas objeto

do incidente.

Tais discussões se encontram resumidas no culto

voto em separado lançado pelo Eminente Desembargador Grava Brasil.

Prevaleceu por votação da maioria, porém, o entendimento de que o

julgamento de mérito dos temas objeto do incidente é que proporcionará

a exata redação e o limite dos enunciados.

Cabe à Turma Especial Julgadora redigir com

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precisão, modular, restringir, ou rejeitar os temas propostos e já

admitidos em sede de juízo provisório.

Entendo mais apropriado, com o objetivo de

ordenar a discussão e o próprio Acórdão, que o cabimento e a redação

dos enunciados sejam apreciados em itens separados.

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II Temas objeto do IRDR

Tema no. 1 - Alegação de nulidade da

cláusula de tolerância de 180 dias para além do termo final previsto

no contrato

O primeiro tema é conhecido e tem

jurisprudência sedimentada deste Tribunal de Justiça, cristalizada na

Súmula 164, cujo verbete contém:

“É válido o prazo de tolerância não superior a cento e

oitenta dias, para entrega de imóvel em construção,

estabelecido no compromisso de venda e compra, desde que

previsto em cláusula contratual expressa, clara e inteligível”.

Nada impede a rediscussão do tema, própria ao

incidente de resolução de demandas repetitivas, cujos efeitos são mais

amplos do que a simples súmula de jurisprudência majoritária. A súmula,

de resto, foi questionada por alguns dos amicus curiae e pela

Procuradoria Geral da Justiça, em suas manifestações.

Não vejo razão, no entanto, para qualquer

alteração substancial ao que contém a Súmula 164, acima transcrita,

pelas razões que passo a expor.

Por força de norma cogente prevista no art. 43,

II, da Lei n. 4.591/64, deverá constar obrigatoriamente do contrato de

compromisso de venda e compra em incorporação imobiliária o prazo de

entrega da obra e o dever de o incorporador indenizar os adquirentes,

caso não conclua a edificação, ou a retarde sem justificativa.

Logo, violaria não somente as regras relativas à

incorporação imobiliária, como também as do Código de Defesa do

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Consumidor um contrato em que a prestação de entrega da unidade

fosse de prazo indeterminado, ou cominasse isenção de pena pelo

inadimplemento. No dizer de Melhin Namem Chalhub, qualquer que

seja a modalidade de contrato celebrado entre incorporador e

adquirentes, uma das cláusulas essenciais é a que indica “o regime da

construção, as condições de execução da obra, o prazo de conclusão e

suas eventuais prorrogações, com a estipulação de penalidades para o

caso de inadimplemento das obrigações do incorporador” (Melhin

Namem Chalhub. Da incorporação imobiliária. 3. ed. atual. Rio de

Janeiro: Renovar, 2010, p. 180).

Os contratos de compromisso e de venda e

compra de unidade futura, regidos pela L. 4.591/64, normalmente são de

consumo e de adesão. São de consumo, porque, salvo casos específicos

de investidores qualificados ou de pessoas jurídicas com expertise na

área da construção civil, existe hipossuficiência técnica ou econômica

dos adquirentes. São de adesão, porque o incorporador redige

unilateralmente o contrato e dá pouco ou nenhum espaço ao adquirente

para inserir alterações.

Existe antiga prática, que de tão usada e aceita

no meio social já se converteu em fonte normativa subsidiária - usos e

costumes - de inserir no contrato cláusula segundo a qual a

incorporadora/construtora tem a seu favor um prazo de tolerância

adicional de seis meses para entrega da obra. Discute-se a abusividade

de tal cláusula à luz do Código de Defesa do Consumidor, ou seja, se

não criaria desvantagem excessiva ao consumidor por ter de aguardar o

prazo suplementar para receber a prestação principal.

O entendimento amplamente majoritário do

Tribunal de Justiça de São Paulo é no sentido de não se reconhecer a

abusividade da cláusula, desde que clara e expressa, de prazo adicional

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de tolerância para entrega da obra, mas que não exceda tempo razoável

e proporcional à complexidade da prestação.

Os argumentos que se colocam em favor de tal

interpretação são de duas ordens.

Primeiro, o fato de tal cláusula ser habitual e já

incorporada nos usos e costumes de quem adquire unidades na planta,

de tal modo que não colhe de surpresa o consumidor e nem viola a sua

boa-fé objetiva. É praxe arraigada e aceita pelo mercado imobiliário.

Some-se a isso a exigência de ser a cláusula expressa, de modo a

informar e esclarecer o adquirente de possível retardo.

Segundo, como constou de Acórdão deste

Tribunal de Justiça “porque a construção de imóveis depende de diversos

fatores e, por vezes, encontra obstáculos no seu regular

desenvolvimento, tais como a dificuldade na aquisição de materiais, na

contratação de mão de obra, ou na obtenção de autorizações pelo Poder

Público, como também empecilhos decorrentes de alterações climáticas

que não eram previsíveis. E, porque tais circunstâncias efetivamente

influem no tempo necessário à conclusão das obras do empreendimento,

é plenamente justificável que o contrato preveja a prorrogação do prazo

de entrega” (TJSP, Apelação Cível 0028017-92.2012.8.26.0562, 4ª

Câmara de Direito Privado, Rel. Milton Carvalho, j. em 25/07/2013; no

mesmo sentido, entre centenas de outros, Apelação n.

0145194-42.2011.8.26.0100, 6ª Câmara de Direito Privado, Rel. Des.

Alexandre Lazzarini, j. em 06/09/2012; Apelação n.

0193649-38.2011.8.26.0100, 4ª Câmara de Direito Privado, Rel. Des.

Maia da Cunha, j. em 16/08/2012; Apelação n.

0041930-33.2011.8.26.0577, 4ª Câmara de Direito Privado, Rel. Des.

Natan Zelinschi de Arruda, j. em 19/07/2012; Apelação n.

0102851-31.2011.8.26.0100, 9ª Câmara de Direito Privado, Rel. Lucila

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Toledo, j. em 22/05/2012; Apelação n. 9090857-03.2004.8.26.0000, 9ª

Câmara de Direito Privado, Rel. Des. Viviani Nicolau, j. em

25/05/2010; Apelação n. 0022882-40.2011.8.26.0011; TJSP, 3ª Câmara

de Direito Privado, Rel. Donegá Morandini, j. 29/01/2013; TJSP, AC

0035314-56.2013.8.26.0000, 8ª Câmara de Direito Privado, Rel. Pedro

de Alcântara da Silva Leme Filho, j. 31/07/2013; Apelação n.

0017961-18.2012.8.26.0071, 6ª Câmara de Direito Privado, Rel. Fortes

Barbosa, j. 01/08/2013).

Disso decorre que se a cláusula que regula o

prazo de tolerância é expressa, clara e usual, já incorporada e absorvida

pelos usos e costumes, não há razão para o reconhecimento de sua

abusividade e nulidade.

Além disso, a cláusula de tolerância é

proporcional e adequada ao grau de complexidade da prestação de

construção e entrega de unidades autônomas em incorporação

imobiliária, bem como aos múltiplos fatores que podem provocar o seu

retardo controlado.

Existe reconheço corrente deste Tribunal de

Justiça que admite a licitude do prazo de tolerância, desde que motivado

e demonstrada a razão do atraso. Dizendo de outro modo, insuficiente

alegar que não foi possível concluir a obra no prazo inicial, e que o uso

do prazo complementar previsto em contrato se faz necessário. Deve ser

invocada e demonstrada a existência de fatos não imputáveis ao

empreendedor que justifiquem o atraso

Tome-se como exemplo, entre outros, o

Acórdão proferido pela 10ª. Câmara de Direito Privado, Apelação cível nº

1019144-12.2015.8.26.0100, Rel. Des. Carlos Alberto Garbi, j. 9 de maio

de 2017, cuja ementa, na parte que interessa ao tema, contém:

“O prazo de tolerância se dá, justamente, em razão da

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imprevisibilidade de ocorrências que podem comprometer o

andamento das obras. Prometido à venda o imóvel com a

estipulação de prazo certo para a sua entrega, deve o

compromissário vendedor, que tem recebido as prestações

pactuadas, entregá-lo no prazo previsto, não podendo se

eximir de cumprir a obrigação contratualmente assumida

perante os compromissários compradores. A cláusula que

prevê o prazo de tolerância para a entrega das obras coloca

o compromissário comprador em desvantagem exagerada e,

à luz do princípio da boa-fé e de acordo com o previsto no

art. 51 do CDC, não deve ser levada em consideração para

indicar o termo inicial da mora da vendedora”.

O Eminente Desembargador Carlos Alberto Garbi, em

posição endossada pelo não menos Eminente Desembargador Beretta

da Silveira, escreveu culto voto parcialmente divergente, no qual

sustenta, em abono à tese já posta em anteriores Acórdãos, que o prazo

denominado de “tolerância” não afasta a mora dos empreendedores

imobiliários.

Entendem que os empreendedores já se encontram em

mora, que somente se afasta caso demonstrada uma das eximentes de

responsabilidade civil caso fortuito ou força maior. Escoado o prazo de

tolerância, a mora se converteria em inadimplemento absoluto do

vendedor.

Com o devido respeito, o termo “tolerância” não exprime

com precisão a natureza da cláusula. Isso porque tolerância significa

indulgência, condescendência do credor. Na verdade, o que ajustaram as

partes desde que mediante cláusula clara e expressa foi um prazo

complementar para entrega da obra. Logo, o adquirente não é

indulgente, nem condescendente após o prazo inicial. Aguarda por mais

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seis meses porque assim se obrigou, por força de cláusula negocial.

Também não me seduz a tese posta no voto divergente,

pelo viés da abusividade do prazo complementar em relações de

consumo. Não vejo violação ao dever de informação, nem frustração de

justas expectativas do adquirente. Isso porque a cláusula que prevê o

prazo de tolerância deve ser clara e expressa. Além disso, os usos e

costumes se encarregaram essa a função dessa fonte normativa

secundária de tornar tal prazo socialmente aceito e já incorporado nas

expectativas e na confiança dos contratantes.

Não vejo sentido, finalmente, na alegação de que o prazo de

tolerância configuraria mora, e o seu escoamento a converteria em

inadimplemento absoluto. Sabido que o que distingue as duas situações,

na clássica lição de Agostinho Alvim: “há inadimplemento absoluto

quando não mais subsiste para o credor a possibilidade de receber a

prestação; há mora quando persiste essa possibilidade” (Da Inexecução

das Obrigações e suas Consequências, Edição Saraiva, 1.959, p. 46).

Há, assim, falta imputável ao devedor, que torna irrecuperável o

cumprimento da prestação, ainda que tardio. A obrigação, pois, não foi

cumprida, nem poderá mais sê-lo. Não parece ser esse o caso de atraso

na entrega de unidades autônomas, uma vez que a prestação remanesce

naturalmente útil ao credor, ainda após o escoamento do prazo de

tolerância.

Destaco que o Superior Tribunal de Justiça, em dezenas de

decisões monocráticas, tem admitido a licitude dos prazos adicionais

ou de tolerância. Lembro que não se enfrentou o tema de modo direto,

mas tão somente para negar provimento a agravos tirados contra

decisões que indeferiram o processamento de recursos especiais, com

fundamento nas Súmulas números 5 e 7 daquela Corte Superior. Confira-

se:

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“Observa-se que foi pactuada a entrega da unidade para o mês de

outubro de 2010, com prazo de tolerância de 180 (cento e oitenta

dias). Aludidos prazos encontram-se dentro do limite razoável de

tolerância para entrega da obra, conforme praxe utilizada pelas

empresas da construção civil”.

(REsp 1472803, Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, j

09/06/2017; no mesmo sentido, AgInt no AREsp 761627 / SP,

Ministro MOURA RIBEIRO, j. 01/12/2016, entre dezenas de

outros)

Entre as duas correntes admissão e rejeição do prazo de

tolerância, preferível a primeira, expressa na Súmula 164 deste Tribunal,

que não exige a prova de fatos não imputáveis ao incorporador. Admitir a

segunda corrente significaria investigar matéria fática complexa em

milhares de casos repetitivos, a exigir produção de prova técnica com

alto custo e injustificável atraso na entrega da prestação jurisdicional.

De outro lado, a adoção da corrente expressa na

Súmula 164 deste Tribunal de Justiça, que admite a cláusula de

tolerância sem necessidade de prova de fatos não imputáveis ao

incorporador, tem exatamente a função de mitigar os múltiplos fatores

que podem provocar o retardamento de obra de grande porte.

Logo, se tais fatores já se encontram embutidos

no prazo adicional de tolerância, não pode o empreendedor servir-se das

mesmas escusas como excludentes de responsabilidade civil, se nem o

prazo suplementar é respeitado.

Isso porque o prazo adicional de tolerância

posto no contrato por cláusula negocial, como acima visto, tem

exatamente a função de criar em favor do empreendedor certa

elasticidade, levando em conta os naturais percalços que podem ocorrer

em um empreendimento de grande porte. Não faria sentido que, escoado

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o prazo adicional, as mesmas razões fossem invocadas para elidir o

inadimplemento da prestação de entrega da unidade ao adquirente.

Exatamente por essa razão o Tribunal de Justiça

de São Paulo editou a Súmula no. Súmula 161, cujo verbete contém:

“Não constitui hipótese de caso fortuito ou de força maior, a

ocorrência de chuvas em excesso, falta de mão de obra,

aquecimento do mercado, embargo do empreendimento ou,

ainda, entraves administrativos. Essas justificativas encerram

“res inter alios acta” em relação ao compromissário

adquirente”.

O entendimento do Tribunal de Justiça é no

sentido que, escoado o prazo de tolerância, desde que ajustado de modo

expresso e claro, eventual escassez de materiais ou de mão de obra não

constituem excludentes de responsabilidade civil. Na lição clássica de

Agostinho Alvim, trata-se de fortuito interno ligado à própria atividade

geradora do dano, ou à pessoa do devedor e, por isso, leva à

responsabilidade do causador do evento. Somente o fortuito externo, ou

força maior, é que exoneraria o devedor, mas exigiria fato exógeno, que

não se liga à pessoa ou empresa por nenhum laço de conexidade. Se a

responsabilidade se funda na culpa, é suficiente o caso fortuito para

exonerar o devedor. Todavia, se a responsabilidade se funda no risco, tal

como ocorre em relações de consumo, então o simples caso fortuito não

o exonerará, mas será mister a força maior, ou, como alguns dizem, o

fortuito externo (Agostinho Alvim. Da inexecução das obrigações e

suas consequências. São Paulo: Saraiva, 1949, p. 291). Isso porque

se insere entre os riscos com os quais deve arcar aquele que, no

exercício da autonomia privada, gera situações potencialmente lesivas à

sociedade (Gustavo Tepedino, Heloisa Helena Barboza e Maria

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Celina Bodin de Moraes. Código Civil interpretado conforme a

Constituição. Rio de Janeiro: Renovar, 2004. v. I, p. 706).

Essa a razão pela qual não endosso a divergência

parcial manifestada pelos Eminentes Desembargadores Carlos Alberto

Garbi e Beretta da Silveira. Se o próprio Tribunal de Justiça sumulou

entendimento no sentido de que entraves administrativos, excesso de

chuvas, falta de material ou de mão de obra constituem fortuitos internos,

inerentes ao próprio risco da atividade, não faz sentido se exija a prova

de sua ocorrência para afastar os efeitos da mora durante o denominado

prazo de tolerância.

Finalmente, entendo adequada a observação lançada

pelo Eminente Desembargador Donegá Morandini, no sentido de fazer

constar que o prazo de tolerância de até 180 dias tem por objeto dias

corridos. A inserção de tal qualificadora afasta a possibilidade

encontrável em alguns contratos que o prazo se conta em dias uteis, a

ensejar indevida e pouco clara extensão. Incorporo, portanto, a sugestão

para que do enunciado conste que o prazo se conta em dias corridos.

Em resumo, proponho que o tema de número 1 receba

enunciado coincidente com o da Súmula 164 do Tribunal de Justiça de

São Paulo:

“É válido o prazo de tolerância, não superior a cento e

oitenta dias corridos, estabelecido no compromisso de

venda e compra para entrega de imóvel em construção,

desde que previsto em cláusula contratual expressa,

clara e inteligível”.

Tema no. 2 - Alegação de nulidade de

previsão de prazo alternativo de tolerância para a entrega de

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determinado número de meses (em regra 24 meses) após a

assinatura do contrato de financiamento

Cabe inicialmente decidir se o tema merece

apreciação de mérito.

A tese em exame despertou, por ocasião da

decisão de admissibilidade do incidente, dissensão levantada com

judiciosos argumentos pelo Desembargador Grava Brazil. Entendeu S.

Exa. que não deveria o IRDR prosseguir “sobre a referida controvérsia,

que, embora diga com cláusula inserta no contrato firmado entre

comprador e construtora, seu reflexo no crédito associativo e, assim, no

próprio PMCMV, é inconteste e não pode ser olvidado”.

Acrescentou que o tema guarda relação e

desperta “possível interesse da CEF, da União Federal e sobre a

necessidade de intervenção do Ministério Público Federal, da Defensoria

Pública Federal e da Advocacia Geral da União, trazendo para o âmbito

do IRDR a indesejável discussão sobre a competência e o impasse de se

dar prosseguimento ao incidente na Justiça Estadual, sem a

possibilidade de sua remessa à Justiça Federal, visto que as demandas

repetitivas se materializam aqui e não lá”.

Não resta dúvida que os denominados “prazos

alternativos” de entrega da obra, com termo inicial contado da aprovação

de financiamento relacionado ao Programa Minha Casa Minha Vida -

PMCMV, têm peculiaridades que devem consideradas pela Turma

Julgadora para aferir a sua licitude e eventual abusividade.

Tal circunstância, porém, não constitui óbice à

admissão da tese, que preenche os requisitos do artigo 976 do NCPC, a

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saber: a) efetiva repetição de processos que contenham controvérsias

sobre o mesmo tema; b) risco de ofensa à isonomia e segurança jurídica.

Também não vejo óbice quanto ao fato de os

muitos dos contratos que preveem prazos alternativos de entrega se

sujeitarem às regras especiais do Programa Minha Casa Minha Vida.

Isso não desfigura a sua natureza de contrato de compromisso de

compra e venda celebrado entre o empreendedor e o adquirente

consumidor, e nem impede a edição de enunciado, que levará em conta

a operação econômica entabulada entre as partes.

Não há interesse direto da Caixa Econômica

Federal, ou da União Federal, a justificar a intervenção do Ministério

Público Federal e da Advocacia Geral da União, com consequente

deslocamento da competência para a Justiça Federal.

Isso porque não se discute aqui a validade dos

contratos de financiamento, muito menos a exigibilidade dos créditos

garantidos pela CEF ou outros agentes financeiros. A discussão está

circunscrita à validade de cláusulas apostas em contratos preliminares

(anteriores ao financiamento) celebrados entre a

construtora/incorporadora e o adquirente, e os efeitos de eventual

abusividade, especialmente a pretensão indenizatória.

Não faz sentido que as demandas repetitivas que

versem sobre suposta abusividade de prazos alternativos de entrega de

unidades, geradoras do presente incidente, sejam julgadas às centenas

pela Justiça Comum, mas a decisão de caráter vinculativo, que fará

cessar a incerteza jurídica, seja decidida pela Justiça Federal.

Acrescento que eventual pretensão indenizatória

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se dará exclusivamente entre promitentes compradores e os

empreendedores imobiliários, sem qualquer reflexo direto no contrato de

financiamento.

O contrato de financiamento não é afetado pela

suposta abusividade dos prazos alternativos de entrega das unidades

autônomas.

O prazo ajustado no contrato de financiamento

será respeitado, e o mútuo não é invalidado, ou alterado diretamente por

suposta abusividade na cláusula que fixa prazos alternativos para

entrega das unidades autônomas.

Eventuais prejuízos decorrentes do atraso de

entrega das unidades serão cobrados somente da empreendedora

imobiliária em razão de cláusula obscura ou alternativa, violadora dos

deveres de esclarecimento e de informação nas relações de consumo.

A questão foi apanhada de modo preciso pelo

Eminente Procurador de Justiça David Cury Júnior, que em seu parecer

fez constar a seguinte passagem:

“Com a devida vênia, não há reflexo para o agente

financeiro em face da referida cláusula, capaz de justificar a sua

presença no incidente, por se tratar de estipulação em contrato

bilateral de venda e compra, sem imposição de quaisquer ônus

àquele, não atingido pelas suas disposições, tanto que o Superior

Tribunal de Justiça declarou a incompetência da Justiça Federal e

a ilegitimidade passiva da Caixa Econômica Federal em caso de

atraso de entrega de imóvel financiado pelo Programa Minha Casa

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Minha Vida (REsp 1462665, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, j.

07/20/2015).

Nesse sentido também tem se pronunciado esse

Tribunal de Justiça, ao admitir ser a empresa pública (CEF) mera

gestora dos recursos financeiros do referido programa habitacional,

sendo a questão de fundo, relativa à entrega do bem imóvel, objeto

do contrato principal de compra e venda, e não do pacto adjeto de

mútuo (Apelação n. 1006264-02.2015.8.26.0451, 6ª Câmara de

Direito Privado, Rel. Des. Vito Guglielmi, j. 18/02/2016)”.

Eventual regime jurídico distinto dos imóveis

adquiridos pelo programa Minha Casa Minha Vida (PMCMV), cujo preço

é solvido quase ou integralmente por financiamento subsidiado e por

liberação do FGTS, não implica óbice à fixação do tema controverso,

mas tão somente prudência na redação do enunciado.

Proponho a admissão e conhecimento do tema.

No que se refere à questão de fundo, fiquei

vencido em minha proposição original. Prevaleceu, por maioria de votos,

a dissensão aberta pelo Eminente Desembargador Carlos Alberto Garbi.

Os excelentes como de hábito - fundamentos

que embasam a tese vencedora devem ser buscados no voto em

separado de S. Exa., Desembargador Carlos Alberto Garbi.

Exponho as razões que me levaram a emitir o voto

quanto à tese no. 02, na qual fiquei vencido.

Entendi que deve ser feita necessária distinção

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entre os contratos de compromisso de compra e venda regulados

somente pela Lei 4.591/64, objeto de financiamento privado a taxas de

mercado, e os contratos de compromisso de compra e venda regulados e

objeto de financiamento pelo Programa Minha Casa Minha Vida

PMCMV - Lei n.11.977/2009, Instrução Normativa n. 35/2012, do

Ministério das Cidades, e Resolução n.723/13, do CCFGTS.

Nos primeiros, o financiamento somente é tomado

pelo adquirente após a conclusão da obra, instituição do condomínio

edilício e atribuição da unidade autônoma, esta ofertada em garantia ao

agente financeiro credor. Durante a obra, eventual financiamento é

tomado pela construtora/incorporadora.

Nos segundos, se admite que o financiamento

seja contraído diretamente pelo adquirente junto à CEF ou outras

instituições financeiras no início ou no curso das obras do

empreendimento, antes de sua conclusão e instituição do condomínio

edilício.

No regime dos contratos regidos pelo Programa

Minha Casa Minha Vida PMCMV normalmente o adquirente

despende quantia módica de sinal e inicio de pagamento, ou às vezes

nem isso. Para a viabilização do empreendimento mediante

financiamento junto à Caixa Econômica Federal, se faz necessária a

reunião de número mínimo de contratos de compromisso de compra e

venda firmados. Somente depois de atingido determinado patamar de

vendas é que a alienante consegue obter o financiamento necessário

para a consecução do empreendimento.

A L. 4.591/64, em seu artigo 34, faculta ao

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incorporador desistir da realização do empreendimento, se verificar que

não há condições de mercado para absorver as unidades e sustentar o

custo da construção. Esse prazo máximo de carência é de 180 dias, com

termo inicial da data do registro da incorporação (Melhin Namen

Chalhub, Da Incorporação Imobiliária, 3ª. Edição Renovar, p. 57).

Essa a razão pela qual a fixação do prazo de

entrega com termo inicial a partir da obtenção do financiamento, se

estipulada de modo claro e objetivo, se mostra adequada à própria

operação econômica entabulada entre as partes e o agente financeiro,

desde que não ultrapasse seis meses contados do registro da

incorporação.

Em outras palavras, a reunião do grupo e a

aprovação e obtenção do financiamento junto à instituição financeira

deve ser feita dentro de certo prazo. Ultrapassado este, ou a

incorporadora desiste do empreendimento (art. 34 L. 4.591/64), ou

levantará a obra com recursos próprios, e fará durante o seu curso as

promessas de venda aos adquirentes.

Dizendo de outro modo, se admite que o termo

inicial do prazo de entrega da obra seja fixado por cláusula clara e

compreensível na data de obtenção do financiamento pelo promissário

comprador. Esse prazo, porém, não pode ultrapassar seis meses da data

do registro da incorporação imobiliária.

Admitir o contrário, ou seja, que o prazo de entrega

das unidades tivesse termo inicial a cada contrato de financiamento a ser

obtido pelos promissários compradores, sem limite máximo temporal,

provocaria situação inusitada. Basta imaginar a hipótese de os

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financiamentos a diversos adquirentes serem liberados em datas

distintas, alguns no início e outros durante as obras. Em um mesmo

empreendimento imobiliário um edifício de apartamentos - teríamos

prazos diferentes de entrega de unidades autônomas vinculadas entre si.

Mais ainda. Poderá ocorrer a situação de o grupo de

adquirentes que viabilizará a construção do empreendimento imobiliário

demorar anos para ser formado e obter o financiamento. Nessa hipótese,

a entrega das unidades autônomas seria vinculada a termo incerto, que

mais se aproxima de condição resolutiva, criando situação de incerteza e

de falta de transparência incompatível com as relações de consumo.

O contrato em exame da causa-piloto é padrão e

contém cláusula de prazo de entrega da obra similar ao de centenas de

outros

O contrato regula o prazo de entrega da unidade

futura em duas cláusulas distintas.

No quadro resumo, a cláusula tem o seguinte teor:

No corpo do contrato de compromisso de venda e

compra, novamente o prazo de entrega tem expressa regulação, do

seguinte teor:

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Não há propriamente prazos alternativos de

entrega ou da celebração do contrato, ou da obtenção do

financiamento mas sim menção estimativa da data da celebração do

contrato, e subordinação à data da obtenção do financiamento.

O Superior Tribunal de Justiça, em

pronunciamentos monocráticos de seus Eminentes Ministros, afirmou

que a cláusula contendo prazos alternativos não é abusiva, desde que

redigida de modo claro. O fundamento é que antes da obtenção do

financiamento, utilizado para solver o preço, não está obrigada a

construtora a entregar as chaves aos adquirentes (AREsp 773333, j.

18/02/2016, min. Luis Felipe Salomão; AREsp 1015921 Ministro

MOURA RIBEIRO, 07/12/2016).

Já o Tribunal de Justiça de São Paulo, em

jurisprudência majoritária, considera abusiva a cláusula que contém

prazos alternativos, ou prazo subordinado à obtenção de financiamento

(6ª. Câmara de Direito Privado, APEL .Nº: 1004023-96.2015.8.26.0114,

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Rel. Eduardo Sandeville; 10ª. Câmara de Direito Privado, Apelação

nº 1044709-68.2016.8.26.0576, Rel. Carlos Alberto Garbi, 2ª. Câmara

de Direito Privado, Apelação Cível no.1003278-19.2015.8.26.0114,

Rel. Des. Alcides Leopoldo e Silva; 1ª. Câmara de Direito Privado,

Apelação nº 1018538-45.2014.8.26.0576, Rel. Francisco Loureiro, 1ª

Câmara de Direito Privado; 3ª. Câmara de Direito Privado, Apelação

Nº 1009711-42.2014.8.26.0577, Rel. Beretta da Silveira, entre outros).

Parece que a virtude está em adotar solução

intermediária.

De um lado, não se pode esquecer da lição de

Enzo Roppo, para quem, embora seja o contrato um conceito jurídico,

reflete uma realidade exterior a si próprio, porque sempre traduz uma

operação econômica (O Contrato, Almedina, ps. 7 e seguintes). Os

compromissos de compra e venda ligados ao Programa Minha Casa

Minha Vida são dotados de circunstancias especiais, porque o

financiamento abrange quase a totalidade do preço e é obtido

diretamente pelo adquirente no início ou durante as obras.

De outro lado, não se pode tolerar a inserção de

cláusulas obscuras em contrato de consumo, com prazos alternativos, ou

meramente estimativos, que subordinam o termo inicial do prazo de

entrega da unidade à data incerta (obtenção de financiamento), que não

se sabe quando e nem se ocorrerá.

Recebi e refleti sobre propostas divergentes

apresentadas em bem redigidos votos pelos Eminentes

Desembargadores Carlos Alberto Garbi, Beretta da Silveira, Donegá

Morandini e Grava Brazil.

PODER JUDICIÁRIOTRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

Não tenho dúvida que a construção e a

comercialização de unidades futuras mediante obtenção de crédito

associativo junto ao PMCMV são feitas mediante circunstâncias

econômicas peculiares, que devem necessariamente refletir sobre as

cláusulas contratuais.

De um lado, razoável admitir que o termo inicial

do prazo de entrega da obra somente passe a fluir a contar da obtenção

do financiamento, que viabilizará o empreendimento. De outro lado, tal

termo, ainda que conste de cláusula clara e expressa, não pode ser

incerto, pena de vincular o consumidor adquirente a empreendimento por

tempo indefinido.

Há necessidade de se fixar um prazo máximo e

certo de entrega da obra. O Desembargador Donegá Morandini propõe o

prazo de 30 meses contado da assinatura do contrato. Os

Desembargadores Carlos Alberto Garbi, Beretta Filho e Grava Brazil

apenas exigem que a cláusula seja clara quanto ao prazo de formação

do grupo, sem, no entanto, fixar termo máximo.

Entendo que deve ser fixado prazo máximo

certo. Isso porque insuficiente a clareza da cláusula, se o prazo for

indeterminado, ou de tal modo extenso que vincule os adquirentes de

modo perene, sem a certeza da viabilidade do empreendimento.

De outro lado, o prazo certo não pode ser

fixado de modo aleatório, ou simplesmente por equidade pelo Tribunal,

ainda mais em caráter normativo. Essa a razão pela qual elegi um prazo

expressamente previsto no art. 34 da L. 4.591/64 (seis meses) usado

para desistência por parte do incorporador de empreendimentos

PODER JUDICIÁRIOTRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

imobiliários.

Pondera o Des. Carlos Alberto Garbi e com

razão - que tal prazo do artigo 34 somente incide nos casos em que

existe cláusula expressa permitindo ao empreendedor desistir da

incorporação. É verdade que em muitos casos de empreendimentos do

PMCMV o contrato preliminar não tem cláusula expressa de desistência.

A ausência de aludida cláusula, porém, não pode servir para que o

empreendedor possa postergar a viabilidade da incorporação ou mesmo

a entrega da obra por prazo indeterminado.

Reitero a inadequação da fixação de prazos

ainda que mediante cláusula expressa e clara em termo incerto, qual

seja, a data da obtenção do financiamento. Isso porque, repito, seriam

frequentes os casos nos quais os financiamentos ou a formação do grupo

poderia levar anos, ou, pior, as liberações ocorrerem em datas diferentes

(o que é comum), levando a prazos distintos de entrega de unidades em

um mesmo edifício.

Propus solução intermediária, que ficou vencida

durante a sessão de conferencia de votos, que concilia as duas

necessidades, com a seguinte redação para a tese:

“Admite-se que o prazo de entrega da unidade autônoma

tenha termo inicial da data de obtenção do

financiamento pelo adquirente, desde que a cláusula

contratual seja redigida de modo claro e não ultrapasse

seis meses contados da data do registro da

incorporação (art. 34 L. 4.591/64)”

A tese vencedora, que adotou a dissensão

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aberta pelo Eminente Desembargador Carlos Alberto Garbi, recebeu a

seguinte redação:

“Na aquisição de unidades autônomas futuras,

financiadas na forma associativa, o contrato deverá

estabelecer de forma expressa, clara e inteligível o prazo

certo para a formação do grupo de adquirentes e para a

entrega do imóvel.”

Mais uma vez lembro que os fundamentos que

levaram a Turma Julgadora a adotar tal deve devem ser buscados no

voto em separado do Desembargador Carlos Alberto Garbi.

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Tema 04 - Indenização por danos morais em virtude do atraso

da entrega das unidades autônomas aos promitentes

compradores.

O tema em exame foi objeto de acesa discussão

no julgamento que admitiu o processamento do IRDR.

Isso porque a indenização por danos morais

envolve necessário exame das circunstâncias de cada um dos casos

concretos submetidos à apreciação judicial. Sabido que o

inadimplemento de obrigações pode gerar, ou não, pretensão

indenizatória por danos morais.

Podem os danos morais ter origem tanto na

responsabilidade contratual como na extracontratual. O simples

inadimplemento não gera, por si só, dano moral. Exige-se que o

inadimplemento provoque diretamente atentado ao bem-estar psicofísico

do indivíduo, vale dizer, deve apresentar uma certa magnitude para ser

reconhecido como dano extrapatrimonial. Leva-se em conta, assim,

apenas os efeitos do inadimplemento contratual que, por sua natureza ou

gravidade, atinjam bens da personalidade ou provoquem sofrimento

negativo intenso e diferenciado ao credor.

A ocorrência de dano moral não se verifica pela

origem da responsabilidade (aquiliana ou contratual), mas sim pelo

resultado, ou seja, pela natureza do interesse violado do ofendido.

Em mera sede de admissibilidade, se permitiu o

processamento do incidente de resolução quanto a tal tema. Ficou claro,

na ocasião, que naquele momento se permitia a indagação se o

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inadimplemento da prestação de entrega de unidades autônomas poderia

em tese gerar danos morais, caso violados direitos da personalidade ou

causassem sofrimento intenso ao credor.

Sucede que ao enfrentar o mérito do incidente,

após reflexão mais profunda sobre a tese, cheguei à conclusão no

sentido oposto, qual seja, o da inadequação de fixar enunciado sobre

cabimento de indenização de danos morais, que geraria mais dúvidas do

que benefícios aos operadores do direito.

A razão de tal conclusão é simples. As situações

concretas que podem em tese gerar danos morais, porque infinitas e

fáticas, não caberiam em simples enunciado.

Poderia ser elaborado enunciado de conteúdo

absolutamente genérico, como por exemplo, “se o inadimplemento

causar violação à direitos da personalidade, ou à dignidade da pessoa

humana, caberão danos morais”. Sucede que o enunciado, além de

exprimir obviedade, em rigorosamente nada serviria para evitar novos

conflitos, ou contribuir para a segurança jurídica.

O enunciado acima mencionado remeteria os

Juízes à necessária verificação fática e investigação acerca de o

inadimplemento ter causado violação a direitos fundamentais ou a

direitos da personalidade, a cada caso concreto.

Poderia o enunciado gerar ainda efeito contrário,

qial seja, o de sugerir de modo equivocado que todo e qualquer

inadimplemento na entrega de unidades autônomas gera violação a

direitos fundamentais, a fomentar novos litígios e demandas infundadas.

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O tema relativo a danos morais em hipótese de

inadimplemento de entrega de unidades autônomas passa

necessariamente pela análise das circunstâncias de cada caso concreto,

e se mostra rebelde à possibilidade de tese normativa sobre questão de

direito.

Essa a razão pela qual entendo inadequada a

edição de enunciado para tratar de danos morais em casos de atraso na

entrega de unidades autônomas.

Proponho à Turma Julgadora a rejeição de fixação

de tese para a questão do inadimplemento da prestação de entrega de

unidades autônomas gerar danos morais aos adquirentes.

Tema 05 - Indenização por perdas e danos,

representada pelo valor locativo que o comprador poderia ter

auferido durante o período de atraso

O tema de número 05 versa sobre matéria

amplamente conhecida e discutida por este Tribunal de Justiça de São

Paulo, objeto de duas súmulas de jurisprudência:

Súmula 162: Descumprido o prazo para a entrega do imóvel objeto

do compromisso de venda e compra, é cabível a condenação da

vendedora por lucros cessantes, havendo a presunção de prejuízo

do adquirente, independentemente da finalidade do negócio.

Súmula 160: A expedição do habite-se, quando não coincidir com

a imediata disponibilização física do imóvel ao promitente

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comprador, não afasta a mora contratual atribuída à vendedora.

Diversas entidades e associações admitidas como

amicus curiae reavivam a discussão e defendem que a Súmula 162 do

Tribunal de Justiça, acima transcrita, na verdade condena os

empreendedores imobiliários ao pagamento de danos meramente

hipotéticos, diante da ausência de prova concreta de que os adquirentes

conseguiriam locar suas unidades a terceiros, ou delas tirar frutos

imediatos.

Não há razão para alterar o entendimento

sumulado deste Tribunal de Justiça. O inadimplemento da prestação de

entrega da unidade autônoma gera perdas e danos indenizáveis ao

adquirente. No dizer de Melhim Namem Chalhub, “o inadimplemento do

incorporador, relativo ao injusto retardamento da conclusão da obra,

causa prejuízos representados pela subtração dos legítimos resultados

do investimento realizado pelos adquirentes, resultados esses que

correspondem à percepção da renda de aluguéis da unidade imobiliária

adquirida ou à utilização dessa unidade, notadamente para moradia

própria ou para desenvolvimento de negócio próprio” (Melhin Namem

Chalhub. Da incorporação imobiliária. 3ª. Edição atualizada Renovar.

Rio de Janeiro, 2.010, p. 357).

Há entendimento torrencial do Superior Tribunal de

Justiça no sentido de que “a jurisprudência desta Casa é pacífica no

sentido de que, descumprido o prazo para entrega do imóvel objeto do

compromisso de compra e venda, é cabível a condenação por lucros

cessantes. Nesse caso, há presunção de prejuízo do promitente-

comprador, cabendo ao vendedor, para se eximir do dever de indenizar,

fazer prova de que a mora contratual não lhe é imputável”. (AgInt no

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AREsp 986711 / DF, Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, j. 15/12/2016;

AgRg no REsp. nº 1.202.506/RJ 3ª Turma rel. Min. Sidnei Beneti j.

07/02/2012 Dje 24/02/2012; REsp. nº 808.446/RJ 3ª Turma rel. Min.

Castro Filho j. 24/08/2006 DJU 23/10/2006, p. 312, entre dezenas de

outros)

Embora o precedente acima citado se refira à

existência de uma presunção da existência de dano, talvez o mais

correto fosse assentar a existência de uma probabilidade de prejuízo

decorrente do atraso da entrega de bem por natureza frugífero.

O inadimplemento da prestação de entrega da

unidade autônoma ao adquirente normalmente gera danos indenizáveis.

Podem ocorrer danos emergentes e lucros cessantes.

No caso do atraso na entrega de unidades

autônomas, alguns danos emergentes desde logo são lembrados. O

pagamento de aluguel em imóvel distinto, enquanto se aguarda a entrega

da unidade prometida, é o mais evidente, e deve perdurar não somente

até a citação, ou mesmo a sentença, mas até a efetiva entrega das

chaves ao adquirente, momento em que poderá este desfazer o

contrato de locação.

Podem ocorrer também lucros cessantes. Lucros

cessantes nada mais são do que os ganhos de que ficou o credor privado

em virtude do evento danoso. Em termos diversos, é a exclusão de um

ganho que era ou poderia ser esperado, atual ou futuramente, se o fato

danoso não houvesse ocorrido (Jorge Cesa Ferreira da Silva.

Inadimplemento das obrigações, Editora RT, São Paulo, 2007, p.

164).

A título de ilustração, o Código Civil Alemão (BGB), no

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§ 252, 2ª alínea, de modo muito mais preciso do que o Código Civil

Brasileiro, define o lucro cessante como “o que, em conformidade com o

transcurso normal das coisas ou em razão de especiais circunstâncias,

notadamente medidas e providências adotadas, podia, com

probabilidade, ser esperado”.

A definição se ajusta perfeitamente à situação em

exame. De acordo com o curso natural das coisas, natural e provável que

bens frugíferos, com origem em investimentos elevados dos adquirentes,

geram vantagens aos seus titulares.

O termo lucros cessantes, embora consolidado por

quase um século de uso, induz a certo equívoco conceitual. O mais

comum deles é pressupor que se exija um ganho pretérito constante e

habitual, que foi interrompido pelo ato ilícito. O exemplo clássico é o do

taxista que sofre uma colisão em seu veículo, e calcula a féria que deixou

de ganhar com base no rendimento médio passado (Gisela Sampaio da

Cruz Guedes. Lucros cessantes do bom senso ao postulado

normativo da razoabilidade, Editora RT, São Paulo, 2.011, p. 72).

Nem sempre, porém, se exige a prova de ganhos

pretéritos que deixaram de se projetar para o futuro em razão do ato

ilícito como pressuposto dos lucros cessantes. Os exemplos mais

frequentes são exatamente os imóveis que deixaram de ser entregues

nas datas convencionadas. Há entendimento absolutamente

sedimentado no Superior Tribunal de Justiça, no sentido de que “não

entregue pela vendedora imóvel residencial na data contratualmente

ajustada, o comprador faz jus ao recebimento, a título de lucros

cessantes, dos aluguéis que poderia ter recebido e se viu privado pelo

atraso. (STJ, AgRg no Ag 692543/RJ, Rel. Min. Humberto Gomes de

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Barros, j. 09.09.2007, entre dezenas de outros).

Não resta dúvida que a prova dos danos emergentes é

mais exigente do que a dos lucros cessantes. O dano emergente deve

ser provado em toda a sua extensão, ao passo que o lucro cessante “não

comporta essa prova absoluta e admite ilações ou presunções, pois que

tratamos de fatos não sensíveis, mas prováveis” (Manoel Ignacio

Carvalho de Mendonça. Doutrina e prática das obrigações, Ed.

Francisco Alves, 1.911, Rio de Janeiro, vol 2, p. 58).

O que se exige é tão somente uma probabilidade objetiva,

que resulte do curso normal das coisas, e das circunstancias do caso concreto

(Agostinho Alvim. Da Inexecução das Obrigações e suas Consequências,

Saraiva, 1.949, p. 204).

Julgado do Superior Tribunal de Justiça que bem

apanhou o tema da prova dos lucros cessantes fixou o seguinte: “A

inexecução do contrato pelo promitente-vendedor, que não entrega o

imóvel na data estipulada, causa, além do dano emergente, figurado nos

valores das parcelas pagas pelo promitente-comprador, lucros cessantes

a título de alugueres que poderia o imóvel ter rendido se tivesse sido

entregue na data contratada. Trata-se de situação que, vinda da

experiência comum, não necessita de prova (art. 335 do Código de

Processo Civil). Recurso não conhecido.” (STJ, REsp 644984/RJ, Rel.

Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 16/08/2005, DJ

05/09/2005, p. 402).

Não prevalece, por isso, entendimento minoritário dos

tribunais no sentido de que, apesar do atraso das obras, sem prova

concreta de que os adquirentes deixaram de lucrar, inexiste indenização

a ser paga. Para tal corrente, são arguidos prejuízos hipotéticos e não

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concretos. Tal tese se ressente de dois defeitos. O primeiro é o de exigir

prova cabal dos lucros cessantes, esquecendo-se que são eles, por

natureza, sempre abstratos e calcados em juízo de probabilidade e de

razoabilidade. O segundo é o de esquecer que como a unidade não foi

entregue, jamais o adquirente poderia provar que a teria locado a

terceiros. Isso porque, salvo exceções, não se locam imóveis na planta,

mas somente imóveis prontos.

Os lucros cessantes, assim, são essencialmente os

frutos que os adquirentes receberiam se o imóvel tivesse sido entregue

na data prevista. Podem ser fixados em liquidação de sentença, ou, de

modo mais célere e direto, mediante fixação equivalente à remuneração

que a unidade geraria, em montante próximo a 0,5% do valor do imóvel.

Confira-se, entre outros, precedente do Tribunal de

Justiça de São Paulo a respeito do cálculo:

“Lucros Cessantes. A indenização por lucros cessantes

corresponde à privação injusta do uso do bem e encontra

fundamento na percepção dos frutos que lhe foi subtraída pela

demora no cumprimento da obrigação. O uso pode ser calculado

economicamente pela medida de um aluguel, que é o valor

correspondente ao que deixou de receber ou teve que pagar para

fazer uso de imóvel semelhante. A base de cálculo da reparação

por lucros cessantes ou percepção dos frutos deve ser fixada em

percentual equivalente a 0,5% sobre o valor atualizado do imóvel”

(TJSP, Apelação nº 0003647-67.2012.8.26.0071, Rel. Carlos

Alberto Garbi, j. 23/04/2013).

Arguem amicus curiae que na realidade o tema

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em exame não versa sobre lucros cessantes, mas sim sobre perda de

uma chance.

É bom lembrar que as figuras dos lucros

cessantes e da perda de uma chance não se confundem. Do ponto de

vista teórico, é possível perceber que essas duas facetas do dano

patrimonial são intrinsecamente diferentes.

Na perda de uma chance, há um dano

emergente, uma vez que a chance em si considerada já se encontra no

patrimônio do lesado no momento em que se verifica o evento danoso.

Nesse sentido, a perda de chance caracteriza-se como lesão ao próprio

direito patrimonial do lesado, sendo um dano certo. A consequência é

que a perda de uma chance deixa de figurar na categoria dos lucros

cessantes e se desloca para a categoria dos danos emergentes, o que

parece tecnicamente mais aceitável (Gisela Sampaio da Cruz Guedes,

Lucros Cessantes, 2011, p. 120-121).

Não é por acaso que Maurizio Bocchiola,

citado por Gisela Sampaio da Cruz Guedes, defende que a perda de

uma chance não pode ser considerada lucro cessante, pois, nesses

casos, não se deve conceder a indenização pela vantagem perdida, mas,

sim, pela perda da possibilidade de se conseguir essa vantagem,

possibilidade esta que já integrava o patrimônio do lesado (Gisela

Sampaio da Cruz Guedes, obra citada, p. 123).

Em termos diversos, a perda de uma chance se

situa no plano dos danos emergentes, uma vez que a chance

propriamente dita já integra o patrimônio do lesado à época do evento

danoso, de modo que o dano é certo. Por outro lado, os lucros cessantes

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configuram dano provável, indemonstrável, que deve ser aferido por meio

do que ordinariamente acontece, isto é, com base no transcurso normal

das coisas.

É por isso que os lucros cessantes são

indenizados por inteiro, enquanto a chance perdida é indenizada tão

somente na proporção de sua probabilidade.

Não há, pois, como admitir a confusão entre as

duas figuras.

O termo final da indenização dos lucros cessantes,

tal como sumulado por este Tribunal de Justiça, corresponde à entrega

física e jurídica da unidade ao adquirente.

Isso porque a prestação assumida pelo

incorporador não é somente a de entrega física da unidade autônoma,

mas também a de sua entrega jurídica. Não basta a mera obtenção do

habite-se, mas também a entrega das chaves. O habite-se apenas atesta

a regularidade administrativa do empreendimento, é averbado junto ao

Oficial de Registro Imobiliário para a subsequente instituição do

condomínio edilício. Somente então poderá ser outorgada escritura de

venda e compra e transferência do domínio da unidade autônoma já

especificada. A perfeição jurídica da unidade também se compreende

nos deveres do incorporador.

Gera o negócio jurídico complexo de incorporação

imobiliária múltiplos deveres ao incorporador. Gera tanto obrigações de fazer,

tais como promover a construção do edifício, obter o habite-se, averbar a

construção, instituir o condomínio edilício e outorgar a escritura definitiva,

como obrigações de dar, tal como a entregar a unidade ao adquirente (Melhin

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Namem Chalhub. Da incorporação imobiliária. 3ª. Edição atualizada

Renovar. Rio de Janeiro, 2.010, p. 357).

Destaco que o Eminente Desembargador Grava

Brazil, lançou bem redigido voto divergente em relação ao tema em exame.

Propõe S. Exa., secundado por manifestações dos não menos Eminentes

Desembargadores Donegá Morandini e Beretta Filho, que os lucros cessantes

devem ser contados ao montante de 0,5% ao mês sobre o capital

desembolsado, e não sobre o valor da unidade autônoma cuja entrega

atrasou.

Apesar dos judiciosos argumentos postos nos votos

dissidentes, me permito refutá-los. Reitero que os lucros cessantes devem ser

calculados sobre o valor da unidade em atraso. A razão disso é simples e

técnica: a prestação inadimplida não é de devolução do capital já pago, ou

seja, não há prestação pecuniária, tal como ocorre nas hipóteses de resolução

do contrato, com retorno das partes ao status quo ante. Aqui o adquirente

deseja o cumprimento do contrato, e não a sua extinção. A prestação

inadimplida é de entrega da unidade autônoma por inteiro. Logo, os frutos não

podem e não devem corresponder ao capital já despendido, mas sim ao que

renderia a unidade, se tivesse esta sido entregue no prazo ajustado.

Repito que há desvio de ótica no cálculo das perdas e

danos incidentes apenas sobre o capital já investido pelo adquirente. Isso

porque o prejuízo do comprador não diz respeito aos juros sobre aquilo que já

gastou, mas sim pela privação do uso de unidade que não recebeu no prazo.

Finalmente, como o caso não envolve prestação

pecuniária inadimplida - mas sim prestação de entrega de uma unidade

imobiliária não me parece adequado que enunciado de natureza normativa

precifique as perdas e danos em rígidos 0,5% ao mês. Sabido que o mercado

imobiliário é volúvel, de modo que alugueis não recebidos podem flutuar ao

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longo do tempo, de acordo com o momento econômico do país. Em tempos de

economia aquecida e escassez de imóveis, alugueis sobem, e movimento

inverso ocorre em momentos de crise.

Essa a razão pela a qual as perdas e danos devem

ser calculadas sobre o valor da unidade cuja prestação de entrega foi

inadimplida, sem fixação de percentual determinado,

Diante do acima exposto, proponho enunciado que

englobe as duas Súmulas de jurisprudência deste Tribunal de Justiça:

“O atraso da prestação de entrega de imóvel objeto de

compromisso de compra e venda gera obrigação da alienante

indenizar o adquirente pela privação injusta do uso do bem. O uso

será obtido economicamente pela medida de um aluguel, que pode

ser calculado em percentual sobre o valor atualizado do contrato,

correspondente ao que deixou de receber, ou teve de pagar para

fazer uso de imóvel semelhante, com termo final na data da

disponibilização da posse direta ao adquirente da unidade

autônoma já regularizada”

Tema no 06 - Ilicitude da taxa de evolução de

obra.

Por ocasião do julgamento da admissibilidade

do presente IRDR, o tema da ilicitude dos denominados “juros de obra”

despertou polêmica e voto dissidente do Eminente Desembargador

Grava Brazil. Entendeu S. Exa., em judiciosas razões, que a

cobrança de tal verba está vinculada a contratos do Programa Minha

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Casa Minha Vida, com interesse direto da Caixa Econômica Federal. A

competência para exame da matéria, por consequência, seria da Justiça

Federal.

Repete-se o que já foi dito no tema no. 02

acima. O interesse da CEF no repasse dos “juros de obra” é meramente

reflexo, ou indireto, sem força suficiente para deslocar a competência do

julgamento do presente incidente.

Isso porque a discussão sobre a licitude ou

ilicitude do repasse dos juros de obra se trava exclusivamente entre os

empreendedores imobiliários e os adquirentes de unidades autônomas,

sem qualquer repercussão econômica sobre o agente financeiro.

Em outras palavras, não se discute a licitude de

cláusula inserta no contrato de financiamento, que permite a cobrança de

referido encargo. O que se discute é tão somente a licitude do repasse

de tal encargo do empreendedor imobiliário para o adquirente de unidade

futura.

Disso decorre que eventual ilicitude do repasse

do encargo se resolverá em perdas e danos entre o adquirente e o

empreendedor imobiliário. Não há condenação do agente financeiro e

nem invalidade da cláusula inserta no contrato de mútuo.

Essa a razão, aliás, pela qual centenas ou

milhares de casos nos quais se discute a licitude de referido repasse

foram e são julgados pela Justiça Comum, sem deslocamento para a

Justiça Federal. Não faria sentido que os casos concretos e singulares

fossem julgados pela Justiça Comum, mas o IRDR que visa uniformizar e

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dar segurança jurídica aos contendores fosse julgado pela Justiça

Federal.

Passo ao mérito do tema 06.

Não há qualquer ilicitude no repasse aos

adquirentes de unidades futuras dos denominados “juros de obra” ou

“juros de evolução de obra” ou “taxa de evolução de obra” durante o

período acordado pelas partes no contrato de construção do

empreendimento imobiliário.

Nos empreendimentos do SFH ou do Programa

Minha Casa Minha Vida, nos quais o promissário comprador durante a

construção assume financiamento perante a instituição financeira, a

cobrança de encargos segue regime peculiar.

Como explica de modo didático voto do

Desembargador Carlos Alberto de Salles, no julgamento da apelação nº

1007481-89.2013.8.26.0309:

“No que diz respeito à taxa de evolução da obra, tampouco assiste

razão à ré. Ainda que esses valores tenham sido cobrados e

recebidos pela Caixa Econômica Federal em consonância com

contrato de financiamento celebrado entre esta e os autores, a ré

deve restituir os consumidores os valores pagos durante o período

de sua mora. Em razão do modo como o contrato de financiamento

durante a obra é redigido, congela-se o valor a financiar, e, até que

a obra seja concluída, o consumidor paga apenas “encargos

relativos a juros e atualização monetária”. Somente depois da

individualização da matrícula é que se passa à amortização do

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débito propriamente. Assim, evidente que, quanto mais tempo a

conclusão atrasar, mais os consumidores teriam de pagar a título

de taxas de “evolução da obra” ou “fase de obras”. Acolher a

pretensão da ré, portanto, equivaleria a repassar ao consumidor

encargos decorrentes exclusivamente da mora da vendedora, aos

quais os compradores não deram causa e que estão

completamente fora de seu controle o que não se pode admitir”

(TJSP j. 27/03/2015).

Disso decorre que o repasse dos chamados

“juros de obra” ou “taxa de evolução de obra” é lícito e perfeitamente

afinado com a operação econômica do contrato durante o curso do prazo

de entrega da unidade.

Escoado tal prazo, incluído aí o período de

tolerância ajustado no contrato, o repasse se torna automaticamente

ilícito.

Isso porque, como explicou o Desembargador

Cláudio Godoy, quando do julgamento do recurso de Apelação nº

4003537-91.2013.8.26.0482, em 11.08.2015:

“Com efeito, no contrato de mútuo firmado com a CEF para

quitação do saldo devedor (fls. 60/89), previu-se que o pagamento

dos encargos mensais seria devido a partir do mês subsequente ao

da contratação, respondendo o mutuário pelo pagamento de juros

e de correção monetária durante a construção (cláusula 7ª, I, 'a'

fls. 65), assim ainda antes do início da exigibilidade das parcelas

de amortização do saldo devedor, após o término da obra.

Neste contexto, não há que se falar em devolução, tout court, de

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valores pagos, afinal, ao mutuante, assim revertidos em favor do

promissário. E menos ainda se autoriza, na mesma esteira,

nenhuma correção, mero fator de repotenciação.

Porém, diante do retardo no cumprimento da obrigação afeta à ré

de concluir as obras, privou-se o promissário da possibilidade de

iniciar a amortização do principal do mútuo já contratado.

E aí o ponto nodal a salientar. Como previsto no contrato de

financiamento (cláusulas 7ª, I e par. 3º, e 12ª), no período das

obras, ou chamado de produção, portanto antes que regularizado o

término da construção, os pagamentos pelo adquirente eram tão

somente de juros, e calculados sobre o saldo devedor, sem

amortização do capital. O denominado retorno do valor mutuado,

assim a sua amortização, apenas se poderia dar após a conclusão

regular das obras.

O resultado é que o retardo da fornecedora retirou do consumidor a

possibilidade de, mais cedo, amortizar o capital e, com isso, reduzir

o saldo devedor sobre o qual calculados os juros do financiamento.

Por conseguinte, nem a totalidade dos juros pagos deve ser

devolvida, porque encargos de financiamento efetivamente

tomado, disponibilizados os recursos, mas nem, por isso, nenhum

importe de juros se deve devolver.

A ré deverá devolver a diferença entre os juros pagos e os que

seriam devidos se não houvesse atraso e se, assim, o capital

pudesse ter sido mais cedo amortizado, diminuindo a base de

cálculo dos mesmos acréscimos. Tudo a apurar em liquidação.”

Essa é a posição adotada de modo pacífico no

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Tribunal de Justiça de São Paulo.

Não há ilicitude do repasse dos juros de obra

durante o período de construção do empreendimento previsto no

contrato. Escoado o prazo de entrega, computado o período de

tolerância, os pagamentos que serviriam para amortização do principal

são usados para abater juros do financiamento, em prejuízo do

adquirente (Apelação nº 1025469-80.2014.8.26.0506, Donegá

Morandini, j 5 de junho de 2017 TJSP - Ap.

1016150-34.2013.8.26.0309 - rel. Des. Alexandre Coelho - j.

05/11/2015; TJSP - Ap. 0007884- 98.2012.8.26.0248 - rel. Des. Natan

Zelinschi de Arruda - j. 12/03/2015; TJSP - Ap.

4009305-73.2013.8.26.0554 - rel. Des. Donegá Morandini - j.

06/11/2014; TJSP - Ap. 1004650-68.2013.8.26.0309 - rel. Viviani

Nicolau - j. 27/11/2014).

Também o Superior Tribunal de Justiça

encampou tal posição, ao fixar:

“Os "juros de obra" pagos após o prazo de previsão de

entrega das chaves, deverão ser ressarcidos pela

construtora ao consumidor”. (AResp 718080, Rel. Min.

Maria Isabel Gallotti, j. 08/06/2016).

Recebi os votos parcialmente divergentes dos

Eminentes Desembargadores Carlos Alberto Garbi, Grava Brazil, Donegá

Morandini e Beretta da Silveira.

Parte das dissensões se refere apenas à

redação. Têm integral razão os Eminentes Magistrados ao propor que o

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enunciado encampe a expressão “ou outros encargos equivalentes”, de

modo a permitir que a decisão normativa abarque todas as verbas que os

empreendedores possam pretender cobrar sob a mesma causa, apenas

com nomes distintos.

No que se refere à substituição da expressão

“entrega das chaves” por entrega da “unidade autônoma”, entendo que a

melhor solução é a proposta pelo Eminente Des. Beretta da Silvelra, que

soma os dois termos.

Não me parece adequada a proposta do Des.

Grava Brazil, de simples substituição de uma expressão (entrega das

chaves) por outra (entrega da unidade autônoma). Isso porque muitas

incorporadoras entendem que a unidade já está entregue com a mera

expedição do habite-se. Sucede que entre tal data e a transferência da

posse direta ao adquirente, após a instituição do condomínio edilício

junto ao Oficial do Registro de Imóveis e vistoria da unidade, decorrem

semanas, ou mesmo meses. Pondera o Eminente Desembargador que

muitas vezes o próprio adquirente deixa indevidamente de receber as

chaves. Claro que em tal caso estamos diante de moras sucessivas

primeiro do empreendedor e em seguida do adquirente hipótese fática

não contemplada no enunciado.

Essa a razão pela qual entendo que o

enunciado, para maior clareza, possa abranger as expressões entrega

das chaves e da unidade autônoma.

Proponho o seguinte enunciado:

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Tema 06 - “É ilícito o repasse dos "juros de obra", ou

“juros de evolução da obra”, ou “taxa de evolução da

obra”, ou outros encargos equivalentes, após o prazo

ajustado no contrato para entrega das chaves da

unidade autônoma, incluído período de tolerância”.

Tema 07- Restituição dos valores pagos em

excesso de forma simples ou em dobro

As vendas ou promessas de venda de unidades

autônomas futuras normalmente tipificam relações de consumo.

Nada impede, porém, que investidores do ramo

imobiliário, ou mesmo pessoas jurídicas, adquiram unidades autônomas

como investimento, ou como ativo permanente para consecução de suas

atividades sociais.

Dois podem ser os regimes jurídicos que regulam

a devolução de quantias indevidamente cobradas ou pagas nos contratos

de aquisição de unidades autônomas futuras: direito comum (art. 940

CC) e relação de consumo (art. 42, par. único CDC).

No que se refere ao regime de direito comum, o

artigo 940 do Código Civil tem jurisprudência sedimentada e objeto de

antiga Súmula, no sentido de que a cobrança excessiva, mas de boa-fé,

não dá lugar à devolução em dobro. Confira-se a súmula 159 do

Supremo Tribunal Federal: “Cobrança excessiva, mas de boa-fé, não dá

lugar às sanções do art. 1.531 do CC “ [CC de 1.916].

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No que se refere ao regime do Código de Defesa

do Consumidor, o artigo 42, parágrafo único, dispõe que “o consumidor,

cobrado em quantia indevida tem direito à repetição do indébito, por valor

igual ao dobro do que pagou em excesso, acrescido de correção

monetária e juros legais, salvo hipótese de engano justificável”.

Embora a doutrina consumerista de modo

unânime dispense o dolo (ou mesmo a culpa) do fornecedor para a

aplicação da sanção da restituição em dobro, não é este o entendimento

da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça.

Afirma a doutrina consumerista que o fornecedor

somente se exime da sanção se provar engano justificável, não

proveniente de dolo ou mesmo de culpa (Sérgio Cavalieri Filho,

Programa de Direito do Consumidor, Atlas, p. 170; Antônio Herman

de Vasconcellos e Benjamin, Código Brasileiro de Defesa do

Consumidor comentado pelos autores do anteprojeto, 10ª. Edição

Gen Forense, p. 410).

A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça,

porém, se pacificou no sentido contrário, de exigir, ainda nas relações de

consumo, o dolo do fornecedor para justificar a devolução em dobro,

especialmente se o pagamento tem causa em cláusula contratual.

Confira-se, entre dezenas de outros, os seguintes

precedentes:

“A jurisprudência desta Corte Superior firmou o entendimento de

que para se determinar a repetição do indébito em dobro deve

estar comprovada a má-fé, o abuso ou leviandade, como

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determinam os arts. 940 do Código Civil e 42, parágrafo único, do

Código de Defesa do Consumidor, o que não ficou comprovado na

presente hipótese, tornando imperiosa a determinação de que a

repetição se dê de forma simples. Acórdão recorrido em harmonia

com a jurisprudência deste Tribunal. Aplicação da Súmula 83/STJ”.

(AgRg no AREsp 606.522/RS, Rel. Ministro MARCO AURÉLIO

BELLIZZE, Terceira Turma, DJe 13/5/2016; AgRg no AREsp

605.634/RS, Rel. Ministro MARCO BUZZI, QUARTA TURMA,

DJe 25.11.2016; AgInt no AREsp 779.575/PB, Rel. Ministra

MARIA ISABEL GALLOTTI, QUARTA TURMA, DJe 21.10.2016;

REsp 1539815 / DF, Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE;

REsp nº 1.032.952/SP, Rel.: Min. NANCY ANDRIGHI,

Terceira Turma; DJe 26/3/2009; AgInt no REsp 1449237 / PR,

Ministro MOURA RIBEIRO, j. 25/04/2017).

Fixou o Superior Tribunal de Justiça que nem

toda cobrança com origem em cláusula contratual ilícita se reputa de má-

fé. A própria discussão sobre a validade da cláusula consensualmente

acordada e executada pelas partes, de algum modo, afasta o dolo do

contratante. (STJ REsp 1300032, Min. Mauro Campbell, julgado em

07.03.201; REsp 1060001/DF, Rel. Ministro MASSAMI UYEDA,

TERCEIRA TURMA, DJe 24.2.2011; AgRg no AREsp 268.154/RJ, Rel.

Min. Luís Felipe Salomão, j. em 11.02.2014 pela 4ª T.; AgRg no REsp

1199273/SP, Rel. Ministro SIDNEI BENETI, TERCEIRA TURMA,

julgado em 09/08/2011, DJe 19/08/2011).

O Tribunal de Justiça de São Paulo seguiu na

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mesma direção do Superior Tribunal de Justiça. O entendimento é

praticamente pacífico no sentido da devolução simples da cobrança e

pagamento em excesso, salvo dolo do fornecedor (TJSP - 1ª Câmara de

Direito Privado - Apelação nº 1115157-10.2014.8.26.0100 - Rel. Rui

Cascaldi j. 08/05/2017; 3ª. Câmara de Direito Privado, Apelação Cível

nº 1004349-21.2016.8.26.0664, Rel. Donegá Morandini, j. 5 de junho

de 2017; Apelação nº 1008399-33.2016.8.26.0004, Rel. Natan

Zelinschi, j. 18 de maio de 2017; Ap. 1004115-54.2016.8.26.0077, Rel.

Des. Elcio Trujillo, j. em 07.02.2017 10ª Câm.; Apelação nº

1028166-03.2014.8.26.0562, Rel. Des. MARY GRÜN).

Diante do torrencial entendimento do Tribunal

de Justiça de são Paulo e do Superior Tribunal de Justiça a respeito do

tema, proponho o seguinte enunciado:

Tema 07 - “A restituição de valores pagos em

excesso pelo promissário comprador em contratos de compromisso

de compra e venda far-se-á de modo simples, salvo má-fé do

promitente vendedor”.

Tema 08

Congelamento do saldo devedor enquanto a

unidade autônoma não for entregue aos adquirentes;

O tema em exame diz respeito ao congelamento

do saldo devedor do preço das unidades autônomas cujo prazo de

entrega foi excedido, computado o período de tolerância.

A respeito do assunto, dispõe a Súmula 163 do

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Tribunal de Justiça de são Paulo:

“O descumprimento do prazo de entrega do imóvel objeto do

compromisso de venda e compra não cessa a incidência de

correção monetária, mas tão somente dos encargos contratuais

sobre o saldo devedor”.

Se a incorporadora deixa de entregar a unidade

autônoma no prazo previsto, pode o adquirente sustar as parcelas do preço

que se vencerem no mesmo prazo e em datas posteriores a tal prestação, com

fundamento no artigo 477 do Código Civil (exceptio non adimpleti contractus).

A exigibilidade das parcelas do preço fica suspensa

até a correspondente entrega das chaves. Cumprida a prestação devida pelo

incorporador, porém, imediatamente cessa a causa da exceptio non adimpleti

contractus, de modo que retoma o contrato a sua vida normal.

A suspensão da exigibilidade das parcelas do

preço, contudo, não paralisa a incidência da mera atualização monetária sobre

o saldo devedor. Os valores das parcelas devem ser atualizados desde a data

de vencimento prevista no contrato até o efetivo pagamento, como simples

modo de preservação do valor real ou de troca da moeda.

Sabido que a correção monetária nada acrescenta

à dívida, mas apenas impede a sua corrosão. Disso decorre que mesmo o

alienante em mora faz jus à atualização da parcela faltante do preço, pois sua

corrosão consistiria pena não prevista em lei. (REsp 1.391.770, 1ª Turma,

DJe de 09/04/2014. No mesmo sentido: REsp 1.202.514/RS, 3ª Turma,

minha relatoria, DJe de 30/06/2011 e AgRg no REsp 780.581/GO, 4ª

Turma, DJe de 19/10/2010).

Existe posição absolutamente pacificada no

Superior Tribunal de Justiça no sentido que a mora na entrega das

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chaves pela construtora não constitui causa de suspensão da correção

monetária do saldo devedor, mas tão somente de substituição do

indexador, do Índice Nacional da Construção Civil (INCC) pelo Índice

Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), salvo quando o INCC

for menor e, portanto, mais favorável ao consumidor, devendo incidir

depois do vencimento do prazo, incluindo o de tolerância (REsp 1454139

/ RJ, 3ª. T., Rel. Min. Nancy Andrighi, j. 03/06/2014).

A razão desse posicionamento é simples, ainda

segundo o entendimento tranquilo do Superior Tribunal de Justiça:

“Nesse contexto, salvo melhor juízo, o fato de o

vendedor encontrar-se em mora no cumprimento da sua obrigação,

no caso a entrega do imóvel, não justifica a suspensão da cláusula

de correção monetária do saldo devedor, na medida em que

inexiste equivalência econômica entre as duas obrigações/direitos”.

“Em outras palavras, o prejuízo decorrente do

atraso na conclusão da obra não guarda correspondência como o

valor da correção monetária do saldo devedor para o período de

inadimplência”. (AREsp 667623 Ministra NANCY ANDRIGHI, j.

12/06/2017).

No que se refere aos juros, ou a eventual cláusula

penal sobre as parcelas sustadas do preço, a situação é outra. Claro que a

mora do incorporador exclui a mora simultânea dos adquirentes, de modo que

não incidem os juros e a multa das parcelas em suspenso por força do atraso

na entrega das unidades autônomas.

Enquanto não ocorrer a efetiva entrega das chaves

aos adquirentes, com consequente imissão na posse direta da unidade

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autônoma, eventuais impostos, taxas, tarifas e despesas condominiais são de

exclusiva responsabilidade do incorporador.

O que se pode discutir e decidir, em caráter

normativo, é a troca do indexador após o vencimento do prazo de

entrega das unidades autônomas, computado o período de tolerância.

Há entendimento pacífico do Tribunal de Justiça

de São Paulo e do Superior Tribunal de Justiça que “não se aplica o

INCC como índice de correção após à entrega da obra” (AgRg no REsp

579.160/DF, 4ª Turma, DJe de 25/10/2012. No mesmo sentido: AgRg

no Ag 1.349.113/PE, 3ª Turma, DJe de 19/08/2011).

Seguindo nessa mesma linha de raciocínio e

considerando que o mutuário não pode ser prejudicado por

descumprimento contratual imputável exclusivamente à construtora,

afigura-se igualmente inaplicável o INCC para correção do saldo devedor

após o transcurso da data limite para entrega da obra. (STJ, EDcl no

REsp 1.629.427/RJ, 3ª Turma, DJe de 01/02/2017; AgInt nos EDcl no

AREsp 897.311/RJ, 3ª Turma, DJe de 07/11/2016; REsp 1.454.139/RJ;

3ª Turma, DJe de 17/06/201).

Propõe-se, à vista do que acima se expos, o

seguinte enunciado, que apenas consolida e estende a Súmula 163

deste Tribunal de Justiça de São Paulo:

Tema 08 - “O descumprimento do prazo de entrega de

imóvel objeto de compromisso de venda e compra,

computado o período de tolerância, não faz cessar a

incidência de correção monetária, mas tão somente dos

juros e multa contratual sobre o saldo devedor. Devem

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ser substituídos indexadores setoriais, que refletem a

variação do custo da construção civil, por outros

indexadores gerais, salvo quando estes últimos forem

mais gravosos ao consumidor”

Tema 09

Aplicação da multa do art. 35 , parágrafo 5º., da

L. 4.591/64 ao incorporador inadimplente

Dispõe o artigo 35 da L. 4.591/64:

Art. 35. O incorporador terá o prazo máximo de 45

dias, a contar do termo final do prazo de carência, se houver, para

promover a celebração do competente contrato relativo à fração

ideal de terreno, e, bem assim, do contrato de construção e da

Convenção do condomínio, de acordo com discriminação

constante da alínea "i", do art. 32

.......................................................................

§ 5º Na hipótese do parágrafo anterior, o

incorporador incorrerá também na multa de 50% sobre a quantia

que efetivamente tiver recebido, cobrável por via executiva, em

favor do adquirente ou candidato à aquisição”

Verifica-se de imediato que o artigo 35 da L.

4.591/64 se aplica aos casos de irregularidade do registro da

incorporação imobiliária, ou negativa de celebração dos contratos de

compromisso de compra e venda com os adquirentes que dispõem de

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simples reservas de unidades.

Sabido que pode o incorporador estipular prazo de

carência, desde que o faça expressamente, para fins de desistência do

empreendimento, na hipótese de sua inviabilidade econômica (art. 34 da

L. 4.591/64).

Se não houver prazo de carência expressamente

fixado, ou ultrapassado o prazo de carência sem denúncia da

incorporação, tem o incorporador a obrigação de, em 60 dias, celebrar

com os adquirentes os contratos correspondentes (compromisso de

compra e venda, construção, etc) (Melhin Namen Chalhub, Da

Incorporação Imobiliária, 3ª. Edição Renovar, p. 163/164)

Em outras palavras, na primeira fase da

incorporação surge o direito do adquirente, com correlata obrigação

imposta ao incorporador, de celebrar o contrato preliminar. A violação a

esse direito é regulada pelo artigo 35, acima transcrito, e gera a pesada

multa de 50% sobre o valor que o adquirente já tiver pago (Caio Mário

da Silva Pereira, Condomínio e Incorporações, 10ª. Edição, Forense,

p. 275/278).

Não contempla a norma do artigo 35 da L.

4.591/64, portanto, a hipótese de atraso de entrega das unidades

autônomas já compromissadas aos adquirentes, mas sim a negativa da

celebração do próprio contrato preliminar.

São duas hipóteses completamente distintas. A

primeira, prevista no artigo 35 da L. 4.591, na fase inicial da incorporação

imobiliária, de recusa do incorporador celebrar o próprio contrato de

compromisso de compra e venda, após o prazo de desistência do

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empreendimento. A segunda, de incorporação imobiliária regular, com

contratos de compromisso de compra e venda já celebrados, cuja

execução, consistente da entrega das unidades autônomas, ter atrasado

por várias causas.

Não há como estender a multa legal prevista para

a fase inicial da incorporação para hipótese radicalmente distinta, que diz

respeito ao atraso na estrega das unidades aos adquirentes.

O Eminente Desembargador Donegá Morandini

propôs inicialmente a redação de enunciado admitindo a incidência da

referida multa, para as hipóteses de ausência do próprio registro da

incorporação imobiliária. A proposição foi posteriormente retirada, mas

merece algumas considerações.

É verdade que a proposição do Eminente Juiz

Mauro Antonini, que provocou a suscitação do incidente, foi genérica a

respeito. Sucede que, compulsando os autos do caso paradigma, se

constata que a incorporação se encontra regularmente registrada, e o

que almejam os adquirentes é a extensão da multa do artigo 35 para a

hipótese de atraso da entrega da unidade.

Não resta dúvida que a falta do próprio registro da

incorporação faz incidir a multa prevista expressamente no artigo 35 da

L. 4.591/64 para a situação, mas sobre tal questão não paira dúvida,

diante da absoluta clareza da lei.

O que se discute é a extensão da multa prevista

para a ausência de registro da incorporação, para situação de atraso da

entrega da obra, e penso que o enunciado deve elucidar somente tal

dúvida.

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Proponho o seguinte enunciado a respeito da tese:

Tema 09 - “Não se aplica a multa prevista no artigo 35,

parágrafo 5º. da L. 4.591/64 para os casos de atraso de

entrega das unidades autônomas aos promissários

compradores”.

Conclusão

Proponho o julgamento do presente Incidente de

Resolução de Demandas Repetitivas para que, na forma do artigo 985 do

Código de Processo Civil, as teses aprovadas sejam aplicadas a todos os

processos individuais e coletivos pendentes, ou casos futuros que

versem sobre as mesmas questões de direito no Estado de São Paulo,

inclusive nos Juizados Especiais.

Não é o caso de se determinar a suspensão dos

processos em curso, tema já deliberado por ocasião da decisão que

admitiu o IRDR, e por mais de uma razão: (i) primeiro, porque as teses

ora firmadas referendam súmulas de jurisprudência deste Tribunal de

Justiça, com alteração apenas de redação; (ii) segundo, porque se

escoou o prazo ânuo do art. 980 do NCPC.

Eventuais recursos especial ou extraordinário

serão dotados de efeito suspensivo dos efeitos deste Acórdão (art. 987

NCPC), sem que isso implique, porém, a paralisação de processos cujo

prosseguimento foi autorizado por esta Turma Julgadora ao admitir o

incidente.

O julgamento da causa-piloto será realizado pelo

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MM. Juiz de Direito da 5ª. Vara Cível de Piracicaba, à luz das teses ora

aprovadas, com o escopo de evitar avocação de processo e supressão

de instancia.

Resultado do julgamento do incidente de

resolução de demandas repetitivas:

(i) Dar por prejudicada a tese de no. 03

“Alegação de que a multa contratual,

prevista em desfavor do promissário

comprador, deve ser aplicada por

reciprocidade e isonomia, à hipótese de

inadimplemento da promitente

vendedora”, porque afetada pelo Superior

Tribunal de Justiça (REsps 1614721/DF e

1631485/DF - Tema 971));

(ii) Rejeitar a tese no. 04 “Indenização por

danos morais em virtude do atraso da

entrega das unidades autônomas aos

promitentes compradores”, por envolver

necessariamente matéria fática ao exame

de cada caso concreto;

(iii) Aprovar as seguintes teses, mediante

adoção dos enunciados abaixo:

Tema no. 01 - “É válido o prazo de

tolerância, não superior a cento e oitenta

dias corridos estabelecido no

compromisso de venda e compra para

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entrega de imóvel em construção, desde

que previsto em cláusula contratual

expressa, clara e inteligível”.

Tema no. 02 “Na aquisição de unidades

autônomas futuras, financiadas na forma

associativa, o contrato deverá

estabelecer de forma expressa, clara e

inteligível o prazo certo para a formação

do grupo de adquirentes e para a entrega

do imóvel”

Tema no. 05 “O atraso da prestação de

entrega de imóvel objeto de

compromisso de compra e venda gera

obrigação da alienante indenizar o

adquirente pela privação injusta do uso

do bem. O uso será obtido

economicamente pela medida de um

aluguel, que pode ser calculado em

percentual sobre o valor atualizado do

contrato, correspondente ao que deixou

de receber, ou teve de pagar para fazer

uso de imóvel semelhante, com termo

final na data da disponibilização da

posse direta ao adquirente da unidade

autônoma já regularizada”

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Tema 06 - “É ilícito o repasse dos "juros

de obra", ou “juros de evolução da obra”,

ou “taxa de evolução da obra”, ou outros

encargos equivalentes após o prazo

ajustado no contrato para entrega das

chaves da unidade autônoma, incluído

período de tolerância”

Tema 07 - “A restituição de valores

pagos em excesso pelo promissário

comprador em contratos de

compromisso de compra e venda far-se-á

de modo simples, salvo má-fé do

promitente vendedor”

Tema 08 - “O descumprimento do prazo

de entrega de imóvel objeto de

compromisso de venda e compra,

computado o período de tolerância, não

faz cessar a incidência de correção

monetária, mas tão somente dos juros e

multa contratual sobre o saldo devedor.

Devem ser substituídos indexadores

setoriais, que refletem a variação do

custo da construção civil por outros

indexadores gerais, salvo quando estes

últimos forem mais gravosos ao

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consumidor”

Tema 09 - “Não se aplica a multa prevista

no artigo 35, parágrafo 5º. da L. 4.591/64

para os casos de atraso de entrega das

unidades autônomas aos promissários

compradores”.

FRANCISCO LOUREIRO

Relator

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DECLARAÇÃO DE VOTO

INCIDENTE DE RESOLUÇÃO DE DEMANDAS REPETITIVAS Nº:

0023203-35.2016.8.26.0000

REQUERENTE: MM JUIZ DE DIREITO DA 5ª VARA CÍVEL DA COMARCA DE

PIRACICABA

INTERESSADOS: JUNIOR DE MOURA ATAÍDE, M.R.V. ENGENHARIA E

PARTICIPAÇÕES S/A, PARQUE PIAZZA NAVONA INCORPORAÇÕES SPE LLTDA.,

ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE INCORPORADORAS IMOBILIÁRIAS - ABRAINC,

CÂMARA BRASILEIRA DA INDÚSTRIA DA CONSTRUÇÃO-CBIC, FUNDAÇÃO DE

PROTEÇÃO E DEFESA DO CONSUMIDOR DO GOVERNO DO ESTADO DE SÃO

PAULO - PROCON/SP, ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL - SEÇÃO DE SÃO

PAULO E SIND. DAS EMPRESAS DE COMPRA VENDA LOCAÇÃO E

ADMINISTRAÇÃO DE IMÓVEIS RESIDENCIAIS E COMERCIAIS DE SÃO PAULO-

SECOVI-SP

COMARCA: PIRACICABA

JUIZ PROLATOR: MAURO ANTONINI

Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas - IRDR - Proposição com fundamento nos arts. 976 e 977, I, do NCPC - Nove temas relacionados aos efeitos do atraso na entrega de imóveis adquiridos na planta ou em fase de construção.

TESES VOTADAS:

TESE n. 01 - “É válido o prazo de tolerância, não

superior a cento e oitenta dias corridos

estabelecido no compromisso de venda e compra

para entrega de imóvel em construção, desde que

previsto em cláusula contratual expressa, clara e

inteligível.” APROVADA, POR MAIORIA, nos

termos do voto do Relator, com a inclusão do

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termo “corridos”, por sugestão do Desembargador

Beretta da Silveira.

TESE n. 02 “Na aquisição de unidades autônomas

futuras, financiadas na forma associativa, o

contrato deverá estabelecer de forma expressa,

clara e inteligível o prazo certo para a formação do

grupo de adquirentes e para a entrega do imóvel.”

APROVADA, POR MAIORIA, nos termos

da divergência apresentada pelo

Desembargador CARLOS ALBERTO GARBI, com

pequena alteração de redação, apresentada por

este julgador, para inclusão da expressão “de

forma expressa, clara e inteligível” e com sugestão

trazida com a discussão do tema em sessão de

julgamento, para inclusão do termo “certo”.

TESE n. 03 “Alegação de que a multa contratual,

prevista em desfavor do promissário comprador,

deve ser aplicada por reciprocidade e isonomia, à

hipótese de inadimplemento da promitente

vendedora”, afetado pelo Superior Tribunal de

Justiça (REsps 1614721/DF e 1631485/DF - Tema

971) JULGARAM PREJUDICADA, POR VOTAÇÃO

UNÂNIME, em razão de afetação pelo STJ, nos

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termos do voto do relator.

TESE n. 04 “Indenização por danos morais em

virtude do atraso da entrega das unidades

autônomas aos promitentes compradores.” -

REJEITADA, POR VOTAÇÃO UNÂNIME, nos termos

do voto do Relator, por envolver exame de matéria

fática em cada caso concreto.

TESE n. 05 - “O atraso da prestação de entrega de

imóvel objeto de compromisso de compra e venda

gera obrigação da alienante indenizar o adquirente,

pela privação injusta do uso do bem. O uso pode

ser calculado economicamente pela medida de um

aluguel, que poderá ser fixado em percentual

incidente sobre o valor atualizado do contrato,

correspondente ao que deixou de receber, ou teve

de pagar para fazer uso de imóvel semelhante, com

termo final na data da disponibilização da posse

direta ao adquirente da unidade autônoma já

regularizada.” APROVADA, POR MAIORIA, nos

termos do voto do Relator, com inclusão da

expressão “que poderá ser fixado em percentual

incidente sobre o valor atualizado do contrato”,

resultante da discussão do tema em sessão de

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julgamento. Votaram vencidos os

Desembargadores Grava Brazil e Donegá

Morandini.

TESE n. 06 “É ilícito o repasse dos juros de obra,

ou juros de evolução da obra, ou taxa de evolução

da obra, ou outros encargos equivalentes, após o

prazo ajustado no contrato para entrega das

chaves de unidade autônoma, incluído período de

tolerância.” APROVADA, POR VOTAÇÃO

UNÂNIME.

Tema n. 07 - “A restituição de valores pagos em

excesso pelo promissário comprador em contratos

de compromisso de compra e venda far-se-á de

modo simples, salvo má-fé do promitente

vendedor.” APROVADA, POR VOTAÇÃO

UNÂNIME, nos termos do voto do Relator.

TESE n. 08 - “O descumprimento do prazo de

entrega de imóvel objeto de compromisso de

venda e compra, computado o período de

tolerância, não faz cessar a incidência de correção

monetária, mas tão somente dos juros e multa

contratual sobre o saldo devedor. Devem ser

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substituídos indexadores setoriais, que refletem a

variação do custo da construção civil por outros

indexadores gerais, salvo quando estes últimos

forem mais gravosos ao consumidor.”

APROVADA, POR VOTAÇÃO UNÂNIME, nos

termos do voto do Relator.

TESE n. 09 - “Não se aplica a multa prevista no

artigo 35, parágrafo 5º. da L. 4.591/64 para os casos

de atraso de entrega das unidades autônomas aos

promissários compradores.” APROVADA, POR

VOTAÇÃO UNÂNIME, nos termos do voto do

Relator.

VOTO Nº 28243

I - Trata-se de Incidente de Resolução de

Demandas Repetitivas - IRDR, apresentado pelo MM Juiz de

Direito da 5ª Vara Cível da Comarca de Piracicaba, legitimado pelo

art. 977, I, e com fundamento no art. 976, ambos os dispositivos do

NCPC, sob o argumento de que a matéria diz “com diversas ações que

envolvem as mesmas questões unicamente de direito, ajuizadas por

compromissários compradores de unidades autônomas na planta, deduzindo

diversos pedidos condenatórios em face da promitente vendedora”.

O IRDR foi, por maioria de votos, admitido

quanto aos seguintes temas:

PODER JUDICIÁRIOTRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

Tema n. 01 - “É válido o prazo de tolerância, não

superior a cento e oitenta dias estabelecido no

compromisso de venda e compra para entrega de

imóvel em construção, desde que previsto em

cláusula contratual expressa, clara e inteligível.”

Tema n. 02 - “Admite-se que o prazo de entrega

da unidade autônoma tenha termo inicial da data

de obtenção do financiamento pelo adquirente,

desde que a cláusula contratual seja redigida de

modo claro e não ultrapasse seis meses contados

da data do registro da incorporação (art. 34 L.

4.591/64).”

Tema n. 03 “Alegação de que a multa

contratual, prevista em desfavor do promissário

comprador, deve ser aplicada por reciprocidade e

isonomia, à hipótese de inadimplemento da

promitente vendedora.”

Tema n. 04 “Indenização por danos morais em

virtude do atraso da entrega das unidades

autônomas aos promitentes compradores.”

Tema n. 05 “O atraso da prestação de entrega

de imóvel objeto de compromisso de compra e

venda gera obrigação da alienante indenizar o

adquirente pela privação injusta do uso do bem O

PODER JUDICIÁRIOTRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

uso pode ser calculado economicamente pela

medida de um aluguel, que é o valor

correspondente ao que deixou de receber, ou teve

de pagar para fazer uso de imóvel semelhante, com

termo final na data da disponibilização da posse

direta ao adquirente da unidade autônoma já

regularizada.”

Tema n. 06 “É ilícito o repasse dos juros de

obra, ou juros de evolução da obra, ou taxa de

evolução da obra, após o prazo ajustado no

contrato para entrega das chaves de unidade

autônoma, incluído período de tolerância.”

Tema n. 07 “A restituição de valores pagos em

excesso pelo promissário comprador em contratos

de compromisso de compra e venda far-se-á de

modo simples, salvo má-fé do promitente

vendedor.”

Tema n. 08 “O descumprimento do prazo de

entrega de imóvel objeto de compromisso de

venda e compra, computado o período de

tolerância, não faz cessar a incidência de correção

monetária, mas tão somente dos juros e multa

contratual sobre o saldo devedor. Devem ser

substituídos indexadores setoriais, que refletem a

variação do custo da construção civil por outros

PODER JUDICIÁRIOTRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

indexadores gerais, salvo quando estes últimos

forem mais gravosos ao consumidor.”

Tema n. 09 “Não se aplica a multa prevista no

artigo 35, parágrafo 5º. da L. 4.591/64 para os casos

de atraso de entrega das unidades autônomas aos

promissários compradores.”

Interveio no IRDR a ASSOCIAÇÃO

BRASILEIRA DE INCORPORADORAS IMOBILIÁRIAS ABRAINC,

postulando o afastamento dos temas relativos ao prazo de

tolerância (Tema n. 02) e taxa de evolução de obra (Tema n. 06),

sendo que, no mérito, propôs: (i) validade da cláusula de tolerância

de 180 dias; (ii) validade do prazo alternativo de tolerância para

entrega de determinado número de meses, após a assinatura do

contrato de financiamento; (iii) impossibilidade de inversão da

cláusula penal moratória em desfavor da construtora na hipótese de

atraso na entrega do imóvel; (iv) inexistência de danos morais por

simples atraso na entrega do imóvel; (v) descabimento da

condenação por lucros cessantes hipotéticos, em caso de atraso na

entrega do imóvel, bem como incabível acumular indenização por

lucros cessantes e cláusula penal compensatória; (vi) licitude da

taxa de evolução da obra; (vii) descabimento da restituição em

dobro dos valores pagos pelo comprador; (viii) descabimento do

congelamento do saldo devedor; e (ix) inaplicabilidade da multa do

artigo 35, §5º, da Lei 4.591/64 ao incorporador. Confira-se fls.

291/333.

PODER JUDICIÁRIOTRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

De igual forma, interveio no feito a CÂMARA

BRASILEIRA DA INDÚSTRIA DA CONSTRUÇÃO CIVIL CBIC,

buscando fosse admitida como amicus curiae (fls. 430/437).

Manifestaram-se a MRV ENGENHARIA E

PARTICIPAÇÕES S.A e a PARQUE PIAZZA NAVONA

INCORPORAÇÕES SPE LTDA., pugnando no seguinte sentido: (i)

validade da cláusula de tolerância; (ii) validade da cláusula que fixa

o prazo de entrega do imóvel a contar da assinatura do contrato de

financiamento; (iii) impossibilidade de inversão da cláusula penal

em desfavor da construtora; (iv) impossibilidade de condenação

automática em danos morais; (v) impossibilidade de cumulação da

cláusula penal com eventual indenização em perdas e danos e que

esta, quando cabível, seja fixada em valores compatíveis com o

prejuízo efetivamente sofrido; (vi) ilegitimidade da construtora para

responder pela taxa de juros de obra ou, subsidiariamente, pelo

reconhecimento da ausência de prejuízo concreto; (vii) presunção

de boa-fé, a afastar a devolução em dobro, no caso de cobrança

considerada indevida; (viii) afastamento do congelamento do saldo

devedor; e (ix) inaplicabilidade da multa de que trata o art. 35, § 5º,

da L. 4591/64. Confira-se fls. 460/500.

O Ministério Público do Estado de São

Paulo, em parecer da lavra do i. Procurador de Justiça David Cury

Junior, ofereceu parecer (fls. 507/533), propondo o acolhimento do

incidente na sua integralidade, para os seguintes fins: (i) validade

da cláusula de tolerância de 180 dias para além do termo final

PODER JUDICIÁRIOTRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

previsto no contrato, desde que a sua eficácia esteja vinculada à

demonstração de justificativa externa, como caso fortuito ou força;

(ii) validade da cláusula que estipula prazo a partir da assinatura do

contrato de financiamento para a conclusão das obras nos

compromissos de compra e venda com pacto adjeto de hipoteca em

favor de agente financeiro; (iii) cabimento da intervenção judicial no

contrato para estabelecer a isonomia na relação contratual de

compra e venda de unidades imobiliárias em construção, de forma

a garantir ao consumidor o direito de reclamar cláusula penal

moratória tal como previsto em favor do contratado, assegurando-

lhe a indenização mínima pela demora da entrega da coisa, pelo

fornecedor, independentemente da prova da existência de danos

materiais ou morais dela derivadas; (iv) o mero descumprimento do

prazo estabelecido no contrato de promessa de compra e venda

para a entrega do imóvel em construção ao adquirente não enseja,

por si, reparação de danos morais, os quais deverão ser objeto de

prova, pelo prejudicado, durante a demanda; (v) a demora na

entrega do bem objeto do contrato de aquisição de unidade

imobiliária em construção enseja danos materiais decorrentes da

privação do uso pelo seu adquirente, consistindo em perdas e

danos no percentual mensal de 0,5% sobre o valor do contrato

atualizado, durante todo o período de atraso; (vi) legalidade da

denominada taxa de evolução da obra (juros da obra), assistindo

direito ao adquirente de unidade imobiliária autônoma, porém, de

exigi-la da vendedora, no caso de haver atraso no cumprimento do

prazo de entrega do imóvel; (vii) devolução simples, e não em

dobro, dos valores pagos em excesso pelo adquirente da unidade

PODER JUDICIÁRIOTRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

autônoma em construção, ressalvada a hipótese de comprovada

má-fé do vendedor; (viii) a demora na entrega das chaves do bem

ao adquirente da unidade autônoma constitui causa suficiente para

autorizar a suspensão da correção monetária (congelamento),

medida que previne dano à parte que cumpriu rigorosamente as

suas obrigações e pune quem efetivamente deu causa ao atraso na

prestação convencionada no contrato, sendo que, na pior das

hipóteses, após o vencimento do prazo, compete ao Juiz substituir

o INCC por outro índice mais favorável ao consumidor, de acordo

com o contrato, ou com a Tabela Prática do Tribunal de Justiça; (ix)

o inadimplemento da entrega ao adquirente do bem imóvel em

construção, no prazo estipulado no contrato, gera direito a perdas e

danos, mas não rende ensejo à incidência da multa do art. 35, da

Lei 4.591/64, pois tal circunstância não se encaixa na situação

fática prevista naquela norma.

Ofereceu memorial escrito a FUNDAÇÃO DE

PROTEÇÃO E DEFESA DO CONSUMIDOR PROCON, aduzindo

que: (i) abusividade do prazo de tolerância estipulado nos contratos

de compra e venda de empreendimentos vendidos na planta; (ii)

nulidade, nos termos do art. 51, V, do CDC, da cláusula do prazo

que fixa a entrega do imóvel em determinados meses, a contar da

assinatura do contrato de financiamento; (iii) possibilidade de

inversão da cláusula penal em desfavor do fornecedor, aplicando-

se a reciprocidade da obrigação posta ao consumidor, em razão de

seu caráter moratório; (iv) cabimento da indenização por danos

morais; (v) cabimento da indenização por lucros cessantes,

PODER JUDICIÁRIOTRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

correspondente ao valor locativo do bem, em razão do atraso na

entrega, que acarreta privação ou impossibilidade de fruição do

imóvel pelo consumidor; (vi) indevida a cobrança da taxa de

evolução de obra em caso de atraso; (vii) devolução em dobro do

valor pago indevidamente, à vista do disposto no art. 42, par. ún.,

do CDC, sendo despiciendo se perquirir pela má-fé, por cuidar de

responsabilidade objetiva; (viii) acerto da suspensão da correção

monetária do saldo devedor no caso de atraso de obra; e (ix)

pertinência da multa prevista no art. 35, § 5º, da L. 4.592/64, quer

quando não estiver prevista a aplicação de sanção para o

descumprimento do comando legal, quer como substitutivo da

cláusula penal, quando não houver reciprocidade prevista no

instrumento contratual.

A ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL

SEÇÃO SÃO PAULO, por sua COMISSÃO DE DIREITO

URBANÍSTICO, de sua vez, ofereceu manifestação (fls. 584/638),

concluindo por: (i) ausência de ilegalidade da cláusula contratual

que disponha sobre o prazo de tolerância, observado o direito de

informação; (ii) admissibilidade da previsão de condição suspensiva

e resolutiva, vinculando a consecução do empreendimento à

obtenção do financiamento; (iii) inadequação da prefixação de

danos por meio de cláusula penal, sendo cabível a indenização por

lucros cessantes, em percentual (0,5%) incidente sobre o valor do

contrato ou sobre o valor pago; (iv) a indenização por dano moral

somente é cabível quando houver efetiva comprovação do abalo

em razão da conduta da incorporadora; (v) ausência de sobrecarga

PODER JUDICIÁRIOTRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

financeira ao compromissário comprador no pagamento da taxa de

evolução de obras; (vi) inaplicabilidade do art. 42, do CDC, em não

se vislumbrando má-fé; (vii) inaplicabilidade do congelamento do

saldo devedor em caso de atraso; e (viii) inaplicabilidade da multa

prevista no art. 35, § 5º, da L. 4.591/64.

A manifestação do SINDICATO DAS

EMPRESAS DE COMPRA, VENDA, LOCAÇÃO E

ADMINISTRAÇÃO DE IMÓVEIS RESIDENCIAIS E COMERCIAIS

DE SÃOPAULO SECOVI e da CÂMARA BRASILEIRA DA

INDÚSTRIA DA CONSTRUÇÃO CIVIL CBIC, foi pela ausência de

requisitos de admissibilidade do IRDR, em relação (i) ao prazo

fixado a partir da assinatura do contrato de financiamento, (ii)

quanto à taxa de evolução de obra e (iii) quanto à aplicação do art.

35, § 5º, da L. 4.591/64. No mérito, a manifestação foi no seguinte

sentido: (i) quanto ao prazo de tolerância, que seja fixada tese no

mesmo sentido do que consta da Súmula 164 do TJ/SP, repelindo-

se alegações de nulidade/abusividade; (ii) fixação da tese no

sentido da validade da estipulação de regra contratual prevendo,

para efeito de verificação do prazo de entrega da unidade

imobiliária, o prazo fixado no contrato que vier a ser firmado para

tomada de financiamento pelo adquirente junto ao agente financeiro

(sem prejuízo de eventual utilização do prazo de tolerância); (iii)

fixação da tese no mesmo sentido do que consta da Súmula 159

deste E. Tribunal; (iv) não cabimento de danos morais, pelo simples

atraso na entrega da unidade imobiliária; (v) cabimento da

indenização por lucros cessantes apenas em caso de prova

PODER JUDICIÁRIOTRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

concreta do prejuízo, não se podendo presumir o dano, devendo

ser revogada a Súmula 162 deste E. Tribunal; (vi) legalidade da

taxa de evolução de obra; (vii) não cabimento da devolução em

dobro, sem a prova objetiva e específica da má-fé; (viii)

descabimento do congelamento do saldo devedor, em caso de

atraso; e (ix) inaplicabilidade do art. 35, § 5º, da L. 4591/64, em

relação ao atraso da obra. Confira-se fls. 607/638.

Por fim, o SINDICATO DA INDÚSTRIA DA

CONSTRUÇÃO CIVIL DE GRANDES ESTRUTURAS DO ESTADO

DE SÃO PAULO SINDUSCON-SP, aduziu manifestação no

seguinte sentido: (i) legalidade da cláusula de tolerância, com prazo

de 180 dias; (ii) legalidade do prazo alternativo de determinado

número de meses, para entrega do imóvel, a contar da assinatura

do contrato de financiamento; (iii) descabimento da aplicação da

multa contratual, prevista em desfavor do comprador, para o caso

de mora no pagamento, postulou em reciprocidade na hipótese de

inadimplemento da vendedora; (iv) não caracterização do dano

moral, em caso de mero atraso na entrega da unidade autônoma;

(v) a condenação em lucros cessantes somente se justifica quando

houver efetiva prova de que o promitente-comprador, de fato,

deixou de lucrar por conta da entrega atrasada do imóvel; (vi)

licitude da taxa de evolução de obra, visto que não é cobrada

depois de findo o prazo máximo previsto no contrato de

financiamento para término da construção, quando tem início o

período de amortização; (vii) necessidade de prova da má-fé para

incidir a devolução em dobro, prevista no art. 42, par. ún., do CDC;

PODER JUDICIÁRIOTRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

(viii) não congelamento do saldo devedor, nos termos da Súmula

163, deste E. Tribunal; e (ix) inaplicabilidade da multa de que trata

o art. 35, § 5º, da L. 4.591/64.

Foram prestadas informações

complementares, pelo Juízo de Primeiro Grau, que provocou o

incidente, informando acordo na demanda que deu ensejo ao IRDR

e propondo sua substituição. Confira-se fls. 828/831.

O culto Relator Sorteado, em seu judicioso e

respeitável voto, propõe:

I. Dar por prejudicada a tese de n. 03

“Alegação de que a multa contratual, prevista em

desfavor do promissário comprador, deve ser

aplicada por reciprocidade e isonomia, à hipótese

de inadimplemento da promitente vendedora.”,

porque afetada pelo Superior Tribunal de

Justiça (REsps 1614721/DF e 1631485/DF -

Tema 971);

II. Rejeitar a tese n. 04 “Indenização por

danos morais em virtude do atraso da entrega das

unidades autônomas aos promitentes

compradores.”, por envolver necessariamente

matéria fática ao exame de cada caso

concreto;

III.Aprovar as seguintes teses, mediante

PODER JUDICIÁRIOTRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

adoção dos enunciados abaixo:

Tema n. 01 - “É válido o prazo de tolerância, não

superior a cento e oitenta dias estabelecido no

compromisso de venda e compra para entrega de

imóvel em construção, desde que previsto em

cláusula contratual expressa, clara e inteligível.”

Tema n. 02 “Admite-se que o prazo de entrega

da unidade autônoma tenha termo inicial da data

de obtenção do financiamento pelo adquirente,

desde que a cláusula contratual seja redigida de

modo claro e não ultrapasse seis meses contados

da data do registro da incorporação (art. 34 L.

4.591/64).”

Tema n. 05 - “O atraso da prestação de entrega

de imóvel objeto de compromisso de compra e

venda gera obrigação da alienante indenizar o

adquirente pela privação injusta do uso do bem O

uso pode ser calculado economicamente pela

medida de um aluguel, que é o valor

correspondente ao que deixou de receber, ou teve

de pagar para fazer uso de imóvel semelhante, com

termo final na data da disponibilização da posse

direta ao adquirente da unidade autônoma já

regularizada.”

Tema n. 06 - “É ilícito o repasse dos "juros de

PODER JUDICIÁRIOTRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

obra", ou “juros de evolução da obra”, ou “taxa de

evolução da obra”, após o prazo ajustado no

contrato para entrega das chaves de unidade

autônoma, incluído período de tolerância.”

Tema n. 07 - “A restituição de valores pagos em

excesso pelo promissário comprador em contratos

de compromisso de compra e venda far-se-á de

modo simples, salvo má-fé do promitente

vendedor.”

Tema n. 08 - “O descumprimento do prazo de

entrega de imóvel objeto de compromisso de

venda e compra, computado o período de

tolerância, não faz cessar a incidência de correção

monetária, mas tão somente dos juros e multa

contratual sobre o saldo devedor. Devem ser

substituídos indexadores setoriais, que refletem a

variação do custo da construção civil por outros

indexadores gerais, salvo quando estes últimos

forem mais gravosos ao consumidor.”

Tema n. 09 - “Não se aplica a multa prevista no

artigo 35, parágrafo 5º. da L. 4.591/64 para os casos

de atraso de entrega das unidades autônomas aos

promissários compradores.”

É o resumo do essencial, adotado, quanto ao

PODER JUDICIÁRIOTRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

mais o relatório do r. voto do culto Relator Sorteado.

II Com relação ao Tema n. 01, “É válido o

prazo de tolerância, não superior a cento e oitenta dias estabelecido no

compromisso de venda e compra para entrega de imóvel em construção,

desde que previsto em cláusula contratual expressa, clara e inteligível.”, por

expressar a entendimento sedimentado neste E. Tribunal,

consolidado na Súmula 1641 e amplamente debatido na

jurisprudência de todas as Câmaras desta Primeira Subseção de

Direito Privado, meu voto acompanha o r. voto condutor, nos seus

exatos e precisos termos.

Essa a tese aprovada por maioria de votos.

III Quanto ao Tema n. 02, “Admite-se que o

prazo de entrega da unidade autônoma tenha termo inicial da data de

obtenção do financiamento pelo adquirente, desde que a cláusula contratual

seja redigida de modo claro e não ultrapasse seis meses contados da data

do registro da incorporação (art. 34 L. 4.591/64)”, penso, data maxima

venia, que a discussão não passa pelo exame do requisito previsto

no art. 34, da L. 4.591/64.

A matéria é apresentada com exatidão pelo

nobre Relator:

“No que se refere à questão de fundo, deve ser feita

necessária distinção entre os contratos de

compromisso de compra e venda regulados somente

1 É válido o prazo de tolerância não superior a cento e oitenta dias, para entrega de imóvel em construção, estabelecido no compromisso de venda e compra, desde que previsto em cláusula contratual expressa, clara e inteligível.

PODER JUDICIÁRIOTRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

pela Lei 4.591/64, objeto de financiamento privado a

taxas de mercado, e os contratos de compromisso de

compra e venda regulados e objeto de financiamento

pelo Programa Minha Casa Minha Vida PMCMV - Lei

n.11.977/2009, Instrução Normativa n. 35/2012, do

Ministério das Cidades, e Resolução n.723/13, do

CCFGTS.

Nos primeiros, o financiamento somente é tomado

pelo adquirente após a conclusão da obra,

instituição do condomínio edilício e atribuição da

unidade autônoma, esta ofertada em garantia ao

agente financeiro credor. Durante a obra, eventual

financiamento é tomado pela

construtora/incorporadora.

Nos segundos, se admite que o financiamento seja

contraído diretamente pelo adquirente junto à CEF

ou outras instituições financeiras no início ou no

curso das obras do empreendimento, antes de sua

conclusão e instituição do condomínio edilício.

No regime dos contratos regidos pelo Programa

Minha Casa Minha Vida PMCMV normalmente o

adquirente despende quantia módica de sinal e

inicio de pagamento, ou às vezes nem isso. Para a

viabilização do empreendimento mediante

financiamento junto à Caixa Econômica Federal, se

PODER JUDICIÁRIOTRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

faz necessária a reunião de número mínimo de

contratos de compromisso de compra e venda

firmados. Somente depois de atingido determinado

patamar de vendas é que a alienante consegue

obter o financiamento necessário para a

consecução do empreendimento.”

Bem pontuando a diferença entre os dois

tipos de contratação, o Relator avança dizendo que “A L. 4.591/64, em

seu artigo 34, faculta ao incorporador desistir da realização do empreendimento,

se verificar que não há condições de mercado para absorver as unidades e

sustentar o custo da construção. Esse prazo máximo de carência é de 180 dias,

com termo inicial da data do registro da incorporação (Melhin Namen Chabhub,

Da Incorporação Imobiliária, 3ª. Edição Renovar, p. 57).” e conclui:

“Essa a razão pela qual a fixação do prazo de entrega

com termo inicial a partir da obtenção do

financiamento, se estipulada de modo claro e objetivo,

se mostra adequada à própria operação econômica

entabulada entre as partes e o agente financeiro,

desde que não ultrapasse seis meses contados do

registro da incorporação.”

Primeiro, importante consignar que a

questão posta no Tema em discussão tem relação direta com o

segundo tipo de contrato ou, eventualmente, a outros programas

habitacionais de cunho social, cuja contratação se dá em situações

excepcionais e muito mais vantajosas para o comprador-

PODER JUDICIÁRIOTRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

consumidor em relação a empreendimentos sem essa

característica.

Assim, partindo dessa premissa, a meu

sentir o problema nesse encaminhamento está em admitir a

aplicação do art. 34, da Lei n. 4.591/64, aos contratos regidos pelo

Programa Minha Casa Minha Vida PMCMV ou quaisquer outros

programas voltados à obtenção de moradia por crédito associativo.

Nesse sentido, penso que a questão foi bem

pontuada no r. voto divergente do Desembargador Carlos Alberto

Garbi:

“Com o devido respeito, o prazo previsto na Lei para

desistência da incorporação não se aplica à hipótese

do compromisso de venda e compra realizado sob a

condição de obter o crédito associativo. A

incorporadora que não obteve a concessão do crédito

não anotou no registro da incorporação a faculdade de

desistir, como prevê o dispositivo em referência, e o

empreendimento será mantido, com oferecimento das

unidades à venda. O crédito associativo poderá ser

obtido, inclusive, em outro momento, além dos seis

meses da incorporação.

Acrescente-se que não se pode impor o curto prazo de

seis meses para que o incorporador faça a venda das

unidades e obtenha o financiamento, sabido das

PODER JUDICIÁRIOTRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

dificuldades do mercado de imóveis e dos

procedimentos exigidos para aprovação do crédito dos

adquirentes. Impor esta solução é seguramente

colocar o incorporador em mora na entrega das

unidades e inviabilizar o programa habitacional do

crédito associativo.”

Assim, não se pode deixar de reconhecer a

licitude da fixação do prazo de construção a partir da assinatura de

um segundo contrato, no caso, o de financiamento, posto celebrado

em condições excepcionais, cuja contratação é vantajosa ao

adquirente, pelas próprias condições de custo do crédito

disponibilizado, o qual, em última análise, responde praticamente

pela totalidade da obra.

Sob esse enfoque, o que deve ser garantido

ao consumidor e, no caso, adquirente, é justamente a informação

expressa, clara e inteligível pela qual se dá a contratação e a forma

de cômputo do prazo, com previsão, nessas mesmas condições, do

prazo para a formalização do financiamento.

Nas palavras sempre objetivas e claras do

Desembargador Garbi:

“Percebe-se que há providências que antecedem a

assinatura do contrato, que não tem data para se

concretizar, do que decorre a incerteza quanto á data

da entrega do imóvel. O consumidor não pode ficar

PODER JUDICIÁRIOTRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

sujeito a essa incerteza. O que se deve exigir é que o

contrato estabeleça claramente o prazo no qual deverá

ocorrer a contratação do financiamento, bem como

todas as suas condições, para que se possa

determinar a data da entrega do imóvel. Em outras

palavras, o incorporador deve formar o grupo de

adquirentes em prazo certo informado ao consumidor.

Não me parece adequado fixar prazo apriorístico,

porque não é ilícito estabelecer que o prazo de entrega

do imóvel se dê a partir do contrato de financiamento,

ainda que esse financiamento se demore a confirmar,

quando se sabe que o sucesso do empreendimento

depende da reunião de um grupo de adquirentes. O

que assegura o Código de Defesa do Consumidor é

que se dê a informação completa e clara sobre as

condições do negócio a permitir que o adquirente

possa decidir, informado, sobre o negócio, o que não

tem ocorrido em alguns casos examinados no

Tribunal.” (grifos não originais)

Concluindo, acompanho a divergência

levantada pelo Desembargador Garbi, com uma pequena alteração

de redação, de conteúdo meramente formal, para harmonizar a

redação com o conjunto de temas discutidos, acrescentando a

referência “expressa, clara e inteligível”.

É certo, ainda que durante o julgamento do

PODER JUDICIÁRIOTRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

IRDR, foi sugerida a inclusão do termo “certo” em relação ao prazo

a ser fixado, o que foi acolhido pela douta maioria.

Assim, a texto final da tese ficou assim

redigido:

Tema n. 02 “Na aquisição de unidades

autônomas futuras, financiadas na forma

associativa, o contrato deverá estabelecer de

forma expressa, clara e inteligível o prazo certo

para a formação do grupo de adquirentes e para a

entrega do imóvel.”

Essa a tese aprovada por maioria de

votos.

IV Com relação ao Tema n. 03, ou seja,

quanto à “Alegação de que a multa contratual, prevista em desfavor do

promissário comprador, deve ser aplicada por reciprocidade e isonomia, à

hipótese de inadimplemento da promitente vendedora.”, correto afirmar

que a afetação do tema pelo Superior Tribunal de Justiça (REsps

1614721/DF e 1631485/DF - Tema 971) encerra qualquer

discussão a respeito, nos termos do art. 976, § 4º, do CPC.

Assim, acompanho a proposta do Relator de

considerar prejudicado o IRDR em relação a esse Tema, sendo a

tese considerada prejudicada, por votação unânime.

V Com relação ao Tema n. 04, referente à

PODER JUDICIÁRIOTRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

“Indenização por danos morais em virtude do atraso da entrega das

unidades autônomas aos promitentes compradores.”, efetivamente, tal

como proposto pelo Relator, o incidente não prospera.

A propósito, nos termos do voto divergente

anteriormente declarado (fls. 266/271), sequer elementos

justificadores para instauração do IRDR sobre a tese se faziam

presentes, visto que a questão envolve necessariamente matéria

fática dependente do exame de cada caso concreto.

Na ocasião, ao proferir voto divergente,

relativamente à admissibilidade do IRDR quanto ao tema, anotei:

“Ainda que se possa dizer que, em tese, a controvérsia

instalada sobre o dano moral diga respeito à questão

unicamente de direito, o reconhecimento de dano

dessa natureza reclama análise de fato, não se trata

de mera consequência do inadimplemento contratual.

...

Ademais, em relação ao dano moral, a divergência que

se verifica nos julgados deste E. Tribunal de Justiça,

dizem com a interpretação dos fatos do caso concreto,

não se trata de discussão puramente de direito

material, o que reforça o descabimento do IRDR nesse

ponto.

...

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Logo, a admissibilidade do incidente em relação a essa

matéria, a pretexto de 'fixar se o inadimplemento da

prestação de entrega de unidades autônomas pode em

tese gerar danos morais' não harmoniza, data venia,

com o objetivo do instituto, que não se volta à

discussão de questão em tese.

...

Com esse foco, tem-se que eventual deliberação a

respeito, no plano do incidente, poderá dar ensejo a

maior controvérsia, em vez de solucioná-la mais

facilmente, dando margem a interpretação não

objetivada pelo IRDR e, consequentemente,

possibilitando maior insegurança jurídica.”

Tudo, para concluir, no sentido de que:

“Assim, sempre respeitando entendimento diverso, não

admito o incidente sobre esse tema.”

Logo, pelo quanto mencionado pelo Relator

e pelos argumentos por mim anteriormente apresentados,

acompanho, a proposta de rejeição do Tema n. 04, sendo a tese

rejeitada por votação unânime.

VI No que tange ao Tema n. 05, “O atraso

da prestação de entrega de imóvel objeto de compromisso de compra e

venda gera obrigação da alienante indenizar o adquirente pela privação

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injusta do uso do bem. O uso pode ser calculado economicamente pela

medida de um aluguel, que é o valor correspondente ao que deixou de

receber, ou teve de pagar para fazer uso de imóvel semelhante, com termo

final na data da disponibilização da posse direta ao adquirente da unidade

autônoma já regularizada.”, penso, data venia, que a solução não deve

ser exatamente a proposta.

Nada obstante, é certo que a jurisprudência

majoritária deste E. Tribunal vem caminhando para consolidar o

entendimento no sentido do tema, tal como proposto, sentido no

qual, frise-se, também, tenho encaminhado meus votos.

Ocorre que o tempo e a melhor reflexão

sobre a questão justificam, em meu entender, a mudança de

posicionamento, que ora submeto a este D. Colegiado, pois me

parece que, como bem colocado pela MRV e como assinalado na

manifestação da OAB-SP, a incidência do percentual de 0,5% (hoje

oscilando para menos), como valor locativo mensal, ou seja,

incidente sobre o valor do contrato < ou do imóvel >, acaba por

desequilibrar o tratamento isonômico entre as partes, quando, pelas

condições do compromisso de compra e venda, a maior parte do

pagamento do preço será desembolsada na entrega das chaves,

privilegiando o comprador em nítido prejuízo do vendedor.

Em outras palavras, na grande massa de

demandas examinadas por este E. Tribunal e, inclusive, que deram

ensejo à repetição justificadora deste IRDR, o atraso da obra se dá

quando a parte do preço paga é inferior a 30% ou, no mais das

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vezes, inferior a 10%.

Isso sem falar nos contratos referentes ao

Programa Minha Casa Minha Vida PMCMV, quando o sinal é

meramente simbólico e as parcelas pagas, juros de obra, não são

representativas, visto que a amortização somente ocorrerá

efetivamente com a entrega do bem.

Exemplificando, no caso que deu ensejo a

este IRDR, o preço do imóvel era de R$ 96.854,00, sendo que o

sinal pago foi de R$ 3.813,00 e outros R$ 3.120,00 deveriam ser

pagos em vinte parcelas de R$ 156,00, com financiamento de R$

89.921,00. Assim, em princípio, o atraso na entrega do imóvel dar-

se-ia com o pagamento de 7,16% do preço total do bem. O aluguel

mensal representaria R$ 484,27, vale dizer, R$ 5.811,24 por ano,

portanto, caso o atraso perdure por cerca de quatorze meses, o

comprador já teria todo o capital investido de volta.

Sob esse enfoque, penso que o aluguel

fixado como perdas e danos, resulta em vantagem injustificável

para o comprador, arranhando enriquecimento sem causa, causa e

violando o disposto no art. 944, do CC, que estipula a indenização

pela extensão do dano, que, no caso, estaria sendo fixado

desproporcionalmente.

Assim, a meu sentir, quer porque o

desembolso para a aquisição do imóvel não foi significativo, quer

porque deve haver certa proporcionalidade entre o lucro cessante,

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a punição e a mora resultantes do atraso na entrega do bem,

parece-me que o percentual de 0,5% deve incidir sobre o capital

dispendido pelo comprador.

Ora, se os lucros cessantes, como pontua o

Relator “são essencialmente os frutos que os adquirentes receberiam se o

imóvel tivesse sido entregue na data prevista”, não se pode ignorar que, na

data prevista para entrega, o comprador tem por quitado o bem

junto ao vendedor, ou pelo pagamento puro e simples ou por meio

de financiamento, de forma que razoável supor que estaria em

condições, ao menos em tese, de auferir o fruto por inteiro do bem.

Entretanto, operando-se o atraso no curso do

cumprimento integral do compromisso, o pagamento parcial do

preço < e no mais das vezes reduzido > não pode gerar um fruto

desproporcional, como se o comprador tivesse sido privado do bem

e do capital integral para quitação do contrato (por si ou por meio de

financiamento), a indenização deve refletir a privação e, nessa

hipótese, a privação não é plena ou total, visto que o preço não foi

pago (salvo no caso de quitação antecipada).

Logo, manifesto-me favorável ao

reconhecimento dos lucros cessantes, mas com sua fixação

proporcional à extensão do prejuízo ou do que deixou de auferir, em

relação ao quanto dispendido, vale dizer, o percentual mensal

haverá de ser aferido sobre a base do quantum efetivamente

desembolsado pelo comprador.

Nada mais se está a fazer do que

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reconhecer que a indenização ou o lucro cessante mensal é

proporcional à parte do preço pago.

A propósito, não se pode olvidar que a

incidência da indenização se faz mês a mês e que sobre o valor

apurado incide juros de mora, à razão de 1% ao mês, a contar da

citação (ou do vencimento se o atraso persistir no curso da

demanda), o que potencializa a indenização, circunstância que não

pode ser simplesmente desconsiderada.

Sob esse enfoque, a redação proposta para

o tema ficaria como segue:

Tema n. 05 “O atraso da prestação de entrega

de imóvel objeto de compromisso de compra e

venda gera obrigação da alienante indenizar o

adquirente, proporcionalmente ao quanto pago,

pela privação do capital empregado na sua

aquisição, correspondendo a 0,5% ao mês,

incidente sobre a parte do preço efetivamente

desembolsada, com termo final na data da

disponibilização da unidade autônoma já

regularizada.”

A proposta foi rejeitada, vencidos este

Magistrado e o Desembargador Donegá Morandini.

Uma vez rejeitada a proposta retro

apresentada, deixei de insistir na proposta subsidiária, que dizia

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com parte do enunciado proposto, a qual buscava não descartar a

referência adotada pela expressiva maioria deste E. Tribunal,

fixando o lucro cessante em 0,5%, do valor atualizado do contrato,

pois, ainda que se considere o quanto mencionado anteriormente,

razoável o valor do contrato e referido percentual como parâmetros

locatícios.

É que, ao estabelecer um percentual como

parâmetro, no caso 0,5%, o enunciado possibilita o encerramento

de discussões a respeito, motivo último do IRDR, permitindo seu

pronto e rápido julgamento, enquanto a referência genérica “O uso

pode ser calculado economicamente pela medida de um aluguel, que é o

valor correspondente ao que deixou de receber, ou teve de pagar para fazer

uso de imóvel semelhante” somente se resolverá mediante perícia,

ainda que na fase de cumprimento de sentença, como maiores

ônus econômicos e de tempo, em prejuízo à celeridade, impostos

às partes, alimentando a persistência da controvérsia.

Entretanto, como, após a discussão na

sessão, o douto Relator acolheu sugestão para alterar a redação de

sua proposta original, admitindo que o locativo seja fixado em um

percentual do valor atualizado do contrato e havendo consenso a

respeito, optei por não insistir na tese subsidiária, admitindo a

redação final de consenso, que acabou sendo votada por

unanimidade, no que toca à forma de cálculo da indenização, e que

ficou assim expressa:

Tema n. 05 - “O atraso da prestação de entrega de

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imóvel objeto de compromisso de compra e venda

gera obrigação da alienante indenizar o adquirente,

pela privação injusta do uso do bem. O uso pode

ser calculado economicamente pela medida de um

aluguel, que poderá ser fixado em percentual

incidente sobre o valor atualizado do contrato,

correspondente ao que deixou de receber, ou teve

de pagar para fazer uso de imóvel semelhante, com

termo final na data da disponibilização da posse

direta ao adquirente da unidade autônoma já

regularizada.”

VII No que diz respeito ao Tema 06, “É ilícito

o repasse dos 'juros de obra', ou 'juros de evolução da obra', ou 'taxa de

evolução da obra', após o prazo ajustado no contrato para entrega das

chaves de unidade autônoma, incluído período de tolerância”, penso

importante ressaltar alguns aspectos.

Primeiro, data venia, ao contrário do quanto

mencionado pelo i. Relator, quando do exame da admissibilidade

do IRDR, em meu voto divergente, aventei eventual discussão

quanto à competência da Justiça Federal, caso o tema tivesse o

tratamento amplo proposto no r. voto de Sua Excelência, que referiu

na letra “f”, tão somente a questão como “ilicitude da taxa de evolução

de obra”.

Na ocasião afirmei:

“Ocorre que a discussão sobre a ilicitude, data venia,

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nos termos da divergência, tal como sustentada pelo

MM Juiz autor do requerimento de instauração do

IRDR, não tem a amplitude da discussão, tal como

posta no tema.

É que a divergência jurisprudencial, que é objeto das

demandas repetitivas, não diz propriamente com a

legalidade da cobrança da taxa de evolução de obra ou

encargos de juros da obra, mas com sua incidência no

caso de atraso da obra, ou seja, além do prazo

contratualmente previsto.” (fls. 262/263)

Daí a proposta então formulada:

“Penso, no entanto, que a solução se dá por outro

caminho, pois, na medida em que se reconhece que a

divergência é pontuada pelo descumprimento do prazo

de entrega, cuja observância levaria, como ressaltado

pelo Magistrado autor do requerimento de IRDR, à

cessação de sua cobrança, nesse sentido: 'se tivesse

ocorrido entrega pontual, a cobrança desses valores

pela instituição financeira teria cessado'.

Logo, o tema deve estar voltado à discussão da

divergência exclusivamente no âmbito da relação entre

e comprador e construtora, para saber se é correto

afirmar que 'a vendedora é que dá causa a esses

pagamentos adicionais'.

PODER JUDICIÁRIOTRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

Assim, proponho a admissibilidade do tema sobre a

responsabilidade pelo pagamento da taxa de evolução

de obra quando houver descumprimento do prazo de

entrega da obra pela construtora.

A redação proposta é a seguinte:

'Responsabilidade pelo pagamento da taxa de

evolução de obra a partir do momento em que

caracterizado o atraso na entrega da unidade

autônoma.'” (fls. 265/266)

Como, ainda que por outro caminho, o d.

Relator Sorteado acabou limitando sua conclusão, acompanho a

proposta, que acabou sendo aprovada, por votação unânime,

ficando a redação aprovada como segue:

“É ilícito o repasse dos juros de obra, ou juros de

evolução da obra, ou taxa de evolução da obra, ou

outros encargos equivalentes, após o prazo

ajustado no contrato para entrega das chaves de

unidade autônoma, incluído período de tolerância.”

VIII Quanto ao tema 07, “A restituição de

valores pagos em excesso pelo promissário comprador em contratos de

compromisso de compra e venda far-se-á de modo simples, salvo má-fé do

promitente vendedor.”, em que pese a proposta reflita a posição

praticamente pacífica da jurisprudência deste E. Tribunal, foi

pontuado pelo SECOVI-SP e pela CBIC (fls. 610/611), que em

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decisão monocrática, proferida no REsp 1.551.968/SP, em

08/05/2015, pelo Ministro Paulo de Tarso Sanseverino, foi

mencionado expressamente que “cumpre observar que o tema da

repetição em dobro encontra-se afetado ao rito dos recursos especiais repetitivos

(cf. Tema 929, REsp 1.517.888/RN, de minha relatoria), pendente de julgamento.”.

É certo, no entanto, que em decisão proferido

pelo referido Ministro, em 12/06/2017, houve a desafetação do

recurso, mantendo-se, no entanto, a afetação anteriormente

estendida, em relação ao REsp 1.585.736/RS, também por decisão

monocrática do Ministro Paulo de Tarso, datada de 09/09/2016,

acerca das “hipóteses de aplicação da repetição em dobro prevista no art. 42,

parágrafo único, do CDC”.

Nada obstante, em que pese a afetação e a

forma genérica em que o tema foi tratado, parece-me, data venia,

não ser o caso de aplicação do impedimento previsto no art. 976, §

4º, do CPC, visto que a discussão na Corte Superior se faz no

âmbito das relações jurídicas em contratos bancários, situação

totalmente diversa da matéria ora tratada, que cuida

especificamente de contratos imobiliários e, mais precisamente, de

compromissos de compra e venda de bens imóveis.

Com isso, afasto a preliminar levantada pelas

citadas entidades e, nos termos da conclusão apresentada no voto

do Relator, também voto pela aprovação do tema com a redação

proposta no voto condutor, o que foi acolhido, por unanimidade.

IX Com relação ao Tema n. 08, “O

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descumprimento do prazo de entrega de imóvel objeto de compromisso de

venda e compra, computado o período de tolerância, não faz cessar a

incidência de correção monetária, mas tão somente dos juros e multa

contratual sobre o saldo devedor. Devem ser substituídos indexadores

setoriais, que refletem a variação do custo da construção civil por outros

indexadores gerais, salvo quando estes últimos forem mais gravosos ao

consumidor.”, a proposta do culto Relator consagra fundamentos

irrebatíveis e que refletem o pensamento majoritário das Câmaras

Julgadoras deste E. Tribunal, consoante o disposto na Súmula 163

desta Corte2, razão pela qual comporta acompanhamento

incondicional.

A proposta foi aprovada, por votação unânime.

X Por fim, quanto ao Tema n. 09, “Não se

aplica a multa prevista no artigo 35, parágrafo 5º. da L. 4.591/64 para os

casos de atraso de entrega das unidades autônomas aos promissários

compradores.”, penso ser possível se discutir o cabimento do IRDR

em relação a essa matéria, ao contrário do apontado pelo SECOVI

e pela CBIC.

Nesse passo, é certo que, a rigor, a situação

vista em primeiro grau e retratada pelo Magistrado que provocou o

incidente, ainda não se faz de modo pleno na segunda instância,

cuja jurisprudência começa a dar os primeiros passos a respeito

(Apelações ns. 0014659-46.2012.8.26.0114,

1021742-60.2015.8.26.0577, 1015414-07.2015.8.26.0451, 1001025-

2 O descumprimento do prazo de entrega do imóvel objeto do compromisso de venda e compra não cessa a incidência de correção monetária, mas tão somente dos encargos contratuais sobre o saldo devedor.

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94.2014.8.26.0566, 0067961-87.2012.8.26.0114,

0009767-38.2013.8.26.0477, 4026684-86.2013.8.26.0114 e

4006003-46.2013.8.26.0001).

Nada obstante, retratada a repetição na

instância de origem e possibilitada a ampla discussão sobre o tema,

não parecendo haver grandes discussões a respeito, mostra-se

factível seu exame, evitando que se concretize a ofensa à isonomia

e se coloque em risco a segurança jurídica, para só então se dar

vazão a uma interpretação consolidada em sede de IRDR.

Essa me parece a melhor forma de atender a

mens legis do art. 976, do CPC, uma vez presente a conveniência e

a oportunidade de se deliberar sobre o tema no âmbito do IRDR.

Com essas considerações, não acolho a

preliminar levantada pelo SECOVI e pela CBIC e, no mérito, diante

das judiciosas ponderações do Relator, acompanho seu

entendimento, para o fim de dar pela inaplicabilidade do art. 35, §

5º, da L. 4.591/64, em face dos casos de atraso na entrega das

unidades autônomas.

Pugno, portanto, pela aprovação do

enunciado, tal como proposto pelo Relator Sorteado.

A tese foi aprovada por votação unânime.

X - Concluindo, acompanho o Relator dando

por prejudicado o Tema 03 e rejeito o Tema 04. Acompanho, ainda,

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a solução proposta quanto aos Temas 01, 06 e 08. Afasto a

preliminar levantada pelo SECOVI e pela CBIC em relação aos

Temas 07 e 09 e acompanho o Relator quanto à solução proposta.

Quanto ao Tema 02, acompanho a divergência externada pelo

Desembargador Carlos Alberto Garbi. Quanto ao Tema 05,

apresento voto divergente em parte.

XI - Ante o exposto, pelo meu voto, o Tema 03

é considerado prejudicado, o Tema 04 é rejeitado, os temas 07 e 09

são conhecidos e aprovados, juntamente com os Temas 01, 06 e

08, todos consoante redação proposta pelo Relator, o Tema 02 é

aprovado nos termos da divergência do Desembargador Garbi e o

tema 05 é aprovado, nos termos da fundamentação e da redação

proposta neste voto.

Este voto é vencedor em relação aos

temas/teses 01, 02, 03, 04, 06, 07, 08 e 09, sendo vencido em

relação ao tema/tese 05.

DES. GRAVA BRAZIL

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Voto nº 38.496

Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas nº 0023203-35.2016.8.26.0000Comarca: PiracicabaRequerente: Mm Juiz de Direito da 5ª Vara Civel da Comarca de Piracicaba Interessados: Junior de Moura Ataíde, M.R.V. Engenharia e Participações S/A, Parque Piazza Navona Incorporações Spe Lltda., Associação Brasileira de Incorporadoras Imobiliárias - ABRAINC, Câmara Brasileira da Indústria da Construção-CBIC, FUNDAÇÃO DE PROTEÇÃO E DEFESA DO CONSUMIDOR DO GOVERNO DO ESTADO DE SÃO PAULO - PROCON/SP, Ordem dos Advogaddos do Brasil Secao de Sao Paulo e Sind. das Empresas de Compra Venda Locação e Administração de Imóveis Residenciais e Comerciais de São Paulo-SECOVI-SP

DECLARAÇÃO DE VOTO CONVERGENTE E PARCIALMENTE DIVERGENTE

TEMA 1

Proposta alternativa de enunciado: É válido o prazo de

tolerância, não superior a cento e oitenta dias corridos, estabelecido no

compromisso de venda e compra para entrega de imóvel em construção,

desde que previsto em cláusula contratual expressa, clara e inteligível.

Justificativa: A expressa referência a maneira do cômputo do

prazo de tolerância, em dias corridos e não úteis, é necessária como meio

de afastar as interpretações contrárias aos compromissários-adquirentes,

alargando-se, desarrazoadamente, a prorrogação consentida para a entrega

do imóvel.

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TEMA 2

Divergência parcial Proposta alternativa de enunciado:

Na aquisição de unidades autônomas futuras, financiadas na

forma associativa, admite-se que, por cláusula contratual

expressa e inteligível, o prazo de entrega do imóvel tenha

termo inicial da data de obtenção do financiamento, desde que

não decorrido prazo superior a 36 meses entre a assinatura

do compromisso de venda e compra e a entrega das chaves

do imóvel.

Justificativa: Os negócios jurídicos imobiliários firmados de

forma associativa consagram particulares inexistentes nos demais contratos

envolvendo a promessa de venda e compra de unidades futuras,

circunstância a permitir a adoção de diverso termo inicial para cômputo do

prazo de entrega, uma vez necessária a prévia formação do grupo de

interessados no empreendimento.

Por essa característica, tornar estanque o prazo para a entrega

da unidade pode implicar na inviabilização deste tipo de negociação.

Ainda que se alegue a aparente contradição de termos

contratuais, caso autorizado o cômputo do prazo para a entrega da unidade

somente com a aquisição do financiamento imobiliário, a existência de

clausula expressa, clara e inteligível dispondo desta particularidade, afasta

qualquer abusividade, notadamente porque conhecido o prazo final para a

entrega do imóvel.

Nessa diretriz, recentemente decidiu a 3ª Câmara de Direito

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Privado, “não se desconhece os inúmeros precedentes editados por este

Tribunal, por meio dos quais se afastou a contagem do prazo somente com

a contratação do empréstimo financeiro. Nos casos relatados por este

Relator, cumpre destacar, mostravam-se desarrazoadas as dilações diante

do prazo da contratação firmada entre comprador e vendedora, realidade

que não se mostra presente neste caso, considerando que, na totalidade das

dilações, a entrega deveria acontecer até novembro de 2014, quando então

extraídos cerca de 30 meses de construção. Esse interregno, guardadas as

peculiaridades da construção civil, não se mostrou excessivo, nem

tampouco destoa da prática comercial, descabendo, por esses motivos, a

declaração de nulidade pretendida” (Apelação Cível nº

1010462-11.2016.8.26.0625, Rel. Des. Donegá Morandini).

Ademais, animado pela assertiva do E. Relator “...de se fixar

um prazo máximo e certo de entrega da obra”, externada na última

proposta de voto, é que, com a máxima vênia, volto a insistir no

estabelecimento de um prazo certo (36 meses) contado da assinatura do

contrato de financiamento, sugerido a seguinte tese jurídica em relação ao

referido tema.

Os negócios jurídicos imobiliários firmados de forma

associativa consagram particulares inexistentes nos demais contratos

envolvendo a promessa de venda e compra de unidades futuras,

circunstância a permitir a adoção de diverso termo inicial para cômputo do

prazo de entrega, uma vez necessária a prévia formação do grupo de

interessados no empreendimento.

Por essa característica, tornar estanque o prazo para a entrega

da unidade pode implicar na inviabilização desse tipo de negociação.

PODER JUDICIÁRIOTRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

Ainda que se alegue a aparente contradição de termos

contratuais, caso autorizado o cômputo do prazo para a entrega da unidade

somente com a aquisição do financiamento imobiliário, a existência de

clausula expressa, clara e inteligível dispondo desta particularidade, afasta

qualquer abusividade, notadamente porque conhecido o prazo final para a

entrega do imóvel.

Não se desconhece, além disso, a falta de normatização

relacionada ao tema, seja para o cômputo do prazo inicial ou do período

total de construção. Essa omissão, entretanto, não impede o

pronunciamento judicial, nem mesmo aquele estabelecido de forma

colegiada e com vinculação aos processos que tramitem sob a jurisdição

estatal (art. 985, inciso I, do Código de Processo Civil), na forma

estabelecida pelo art. 4º da LINDB. Neste particular, aliás, o enunciado

pela Súmula nº 164, deste E. Tribunal de Justiça, por meio da qual

estabelecida a legalidade do prazo de tolerância, normativa temporal que

não encontrava expressa previsão legal.

Neste cenário, insuperável a necessidade de deliberação

judicial relacionada ao assunto, cuidando-se de temática de fundo jurídico

e com repercussão em centenas de demandas judiciais em tramitação. Para

tanto, pautável o equacionamento à observância do fim social da medida e

das exigências do bem comum, na forma do art. 8º do Código de Processo

Civil.

Recorde-se, a propósito, que os contratos em que vinculado o

término das construções à obtenção do financiamento imobiliário são

estabelecidos pela maior faixa da população brasileira, tratando-se, por

imperativo legal, de primeiro imóvel da pessoa ou do seu núcleo familiar.

Referem-se, na realidade, a unidades habitacionais que atendem a função

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social da propriedade e, ainda, ao direito social da moradia (art. 6º,

Constituição Federal).

Sendo assim, anotada as particularidades que envolvem esta

contratação e o destinatário da avença, evidencia-se certo distanciamento

aos preceitos trazidos pelo mencionado art. 8º do CPC a permissão para

que o prazo de entrega da unidade seja computado com a obtenção do

financiamento bancário, ainda que aliado ao improrrogável prazo semestral

a iniciar com a incorporação, como proposto pelo E. Relator, considerando

que tal registro não possui prazo limítrofe, bastando que seja realizado

antes da comercialização das unidades imobiliárias (art. 32, Lei nº

4.591/64), disciplina, neste contexto, que implicaria na sujeição dos

promitentes adquirentes a uma obrigação abusiva e contrária aos ditames

da boa-fé e equidade contratual, segundo o art. 51, inciso IV, do Código de

Defesa do Consumidor.

Por tudo isso, balizando-se a finalidade da contratação em

análise, a população destinatária do programa social de que resultou na

construção de empreendimentos segundo o financiamento associativo, bem

assim a necessária limitação de prazo para a entrega da unidade,

providência que se alinha ao dever de informação ao contratante sujeito à

proteção consumerista, não se vislumbra impropriedade na estipulação de

prazo máximo para a entrega das chaves da unidade, tudo por força da

função social que baliza este tipo de negociação, cujo prazo limite, de 36

meses, encontra amparo na proporcionalidade e razoabilidade da medida

(art. 8º, CPC), além de espelhar a prática do mercado imobiliário.

Nessa diretriz, recentemente, decidiu a 3ª Câmara de Direito

Privado, “não se desconhecem os inúmeros precedentes editados por este

Tribunal, por meio dos quais se afastou a contagem do prazo somente com

PODER JUDICIÁRIOTRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

a contratação do empréstimo financeiro. Nos casos relatados por este

Relator, cumpre destacar, mostravam-se desarrazoadas as dilações diante

do prazo da contratação firmada entre comprador e vendedora, realidade

que não se mostra presente neste caso, considerando que, na totalidade das

dilações, a entrega deveria acontecer até fevereiro de 2014, quando então

extraídos cerca de 32 meses de construção. Esse interregno, guardadas as

peculiaridades da construção civil, não se mostrou excessivo, nem

tampouco destoa da prática comercial, descabendo, por esses motivos, a

declaração de nulidade pretendida. É como destacado, a propósito, na

Apelação nº 1025928-66.2014.8.26.0576, de minha Relatoria);

“Entretanto, há particularidade a envolver o presente julgado, notadamente

por não se vislumbrar excesso ou abusividade na conclusão do

empreendimento no prazo máximo de 30 (trinta) meses, já admitido o

cômputo da prorrogação, circunstância que, por si só, afasta o acolhimento

do pleito inaugural, o qual buscava a contagem do prazo contratual

segundo a avença firmada com as empreendedoras, sem relação com o

instrumento estabelecido com a instituição financeira” (Apelação Cível nº

1023854-36.2014.8.26.0577, de minha Relatoria).

TEMA 5

Divergência parcial Acompanha-se a proposta de

enunciado nº 5.1. apresentada pelo Des. Grava Brazil: “O

atraso da prestação de entrega de imóvel objeto de

compromisso de compra e venda gera obrigação da alienante

indenizar o adquirente, proporcionalmente ao quanto pago,

pela privação do capital empregado na sua aquisição,

correspondendo a 0,5% ao mês, incidente sobre a parte do

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preço efetivamente desembolsada, com termo final na data da

disponibilização da unidade autônoma já regularizada”.

Justificativa: A proposta de redação apresentada pelo E.

Relator consolida, ao mesmo tempo, os danos emergentes e os lucros

cessantes. Contudo, danos emergentes, porque efetivos, não exigem

normatização por meio do IRDR, já que decorrentes do texto legal (arts.

389 e 395, CCB). Aliás, a consulta formulada pelo MM. Juiz de Direito vai

ao encontro desta conclusão, porquanto alude à “indenização por perdas e

danos, representada pelo valor locativo que o comprador poderia ter

auferido durante o atraso”. Assim, o termo “poderia ter auferido”, neste

caso, deixa evidente tratar-se de lucros cessantes.

A inexistência de alíquotas previamente estabelecidas, por seu

turno, torna oneroso o processo judicial, exigindo, na maior parte das

vezes, a realização de prova pericial. Assim, considerando-se que a

expectativa de locação é de aproximadamente 0,5% ao mês, tem-se por

correta a utilização desse percentual na aferição do montante mensal

devido pela promitente-vendedora.

No mais, acertada a limitação da base de cálculo, tal como

destacado pela divergência. Ainda que boa parte das pretensões

indenizatórias seja ajuizada após a entrega da unidade, não se desconhece

as lides apresentadas no curso da relação contratual em moratória. Nesta

situação, salvo situações excepcionais, não se teve por liquidada a

integralidade do preço contratado, não se mostrando equânime a decisão

judicial que utiliza o preço atualizado do imóvel, lembre-se, ainda não

solvido, como base para a apuração dos lucros cessantes.

Por isso, correta e alinhada ao princípio que veda o

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enriquecimento sem causa a proposta de se utilizar o “preço efetivamente

desembolsado” como parâmetro à apuração da mencionada espécie

indenizatória, de modo que, quanto maior o volume financeiro quitado

pelo promissário-comprador, proporcionalmente será a indenização que

devida ao adquirente.

Pelo meu voto, portanto, acompanho a divergência

apresentada pelo E. Des. Grava Brazil, no que se refere ao tema 5.1,

divergindo, da proposta do enunciado pertinente ao tema 02,

subscrevendo, quanto ao mais, o voto do E. Relator.

Donegá Morandini

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Voto nº 40258Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas nº 0023203-35.2016.8.26.0000Comarca: PiracicabaRequerente: Mm Juiz de Direito da 5ª Vara Civel da Comarca de Piracicaba Interessados: Junior de Moura Ataíde, M.R.V. Engenharia e Participações S/A, Parque Piazza Navona Incorporações Spe Lltda., Associação Brasileira de Incorporadoras Imobiliárias - ABRAINC, Câmara Brasileira da Indústria da Construção-CBIC, FUNDAÇÃO DE PROTEÇÃO E DEFESA DO CONSUMIDOR DO GOVERNO DO ESTADO DE SÃO PAULO - PROCON/SP, Ordem dos Advogaddos do Brasil Secao de Sao Paulo e Sind. das Empresas de Compra Venda Locação e Administração de Imóveis Residenciais e Comerciais de São Paulo-SECOVI-SP

DECLARAÇÃO DE VOTO

Por primeiro, lembro que por ocasião do

julgamento da admissão deste IRDR, como havia ainda dúvida sobre a

possibilidade de o incidente ser suscitado por magistrado que atuava em

determinado processo que não se encontrava no Tribunal, bem assim,

diante da repercussão – naquele momento – da suspensão dos processos

que estavam em andamento no Estado de São Paulo, optou-se por não

suspender as ações em curso.

Agora, neste momento do julgamento do mérito

do incidente, deverá a Corte se pronunciar sobre a modulação da decisão

que vier a ser proferida e várias serão as questões que deverão ser

definidas, como abaixo se apontará.

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Tema 1.

Proposta do Relator:

“É válido o prazo de tolerância, não superior a

cento e oitenta dias estabelecido no compromisso de venda e compra

para entrega de imóvel em construção, desde que previsto em cláusula

contratual expressa, clara e inteligível.”

Proposta alternativa sugerida pelo Des. CARLOS

ALBERTO GARBI:

“É válida a cláusula que estabelece o prazo de

tolerância, cuja aplicação exige a prova do fortuito/força maior (fatos

inevitáveis) ou ausência de culpa do compromissário-vendedor, desde

que prevista de forma expressa, clara e inteligível.”

Proposta alternativa sugerida pelo Des.

DONEGÁ MORANDINI:

“É válido o prazo de tolerância, não superior a

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cento e oitenta dias corridos, estabelecido no compromisso de venda e

compra para entrega de imóvel em construção, desde que previsto em

cláusula contratual expressa, clara e inteligível.”

Acompanho a divergência apresentada pelo Des.

CARLOS ALBERTO GARBI, e mais a sugestão do Des. DONEGÁ

MORANDINI, quanto a inclusão “não superior a cento e oitenta dias

corridos”.

É certo que, quanto a este Tema 1, o Tribunal de

Justiça de São Paulo já editou a Súmula 164 nos exatos termos que o

Relator propõe para o enunciado. Também é certo que, desde o início dos

debates nos julgamentos das ações envolvendo contratos de compromissos

de compra e venda de bem imóvel, em particular, quanto a questão do

prazo de tolerância, defendi o fundamento que o Des. CARLOS

ALBERTO GARBI apresenta agora e, gentilmente, traz à colação trecho

de um Acórdão por mim relatado na Terceira Câmara de Direito Privado.

No concernente ao tema, face à paridade que deve

reinar nas relações comutativas, não se mostra lícito que o empreendedor seja

privilegiado, ainda que residualmente, com a previsão de, em última instância,

não ter de obedecer a prazo algum, em detrimento do consumidor que já

desembolsou determinado valor e não viu o “sonho da casa própria” realizado.

PODER JUDICIÁRIOTRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

O construtor, pelo conhecimento técnico e empírico

que possui, tem condições de antever que pode ocorrer certo atraso na

conclusão das obras. E, justamente por isso, procede à inserção contratual da

tradicional cláusula de tolerância (até 180 cento e oitenta dias corridos).

Eventuais disposições contratuais em sentido da

possibilidade de indeterminação do prazo de conclusão da construção

mostram-se angularmente contrárias ao sistema consumerista definido pela

Lei nº 8.078/90, principalmente quando considerado seu artigo 51, § 1º.

Ou seja, o negócio jurídico de compromisso de

compra e venda de imóvel realiza-se a termo (ainda que minimamente

variável) e não sujeito a condição.

Isso porque, à evidência, ninguém de prudência

mediana aceitaria entregar a terceiro grande extensão de suas economias

(senão todas elas) em troca de bem cuja entrega se dará em data futura e

incerta.

Pela mesma razão, também se compreende que o

ingresso no período de extensão da obra contratualmente estabelecido (de 180

dias) dar-se-á, justamente, para evitar que o empreendedor seja surpreendido

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por acontecimentos naturais ou mercadológicos que escapam de seu domínio.

Tais motivos, aliás, veem-se agrupados sob a rubrica da força maior.

Nesse ponto, para fazer jus ao ingresso ao lapso

contratual de extensão temporal, competiria à vendedora a necessidade de

comprovação, junto aos consumidores, da concretização do motivo de força

maior, não sendo suficiente a mera alegação.

A propósito, considerando que a relação jurídica em

tela se estabelece, no mais das vezes, em contrato de adesão (pois os termos

dos instrumentos contratuais são quase que integralmente definidos pela

vendedora somente relegando ao compromissário comprador a possibilidade

de interferir nos ajustes quanto ao preço final da unidade transacionada e à

forma de seu pagamento, dentre outros pontos periféricos), caso se afaste a

necessidade de prova da situação extraordinária, inegável que o

reconhecimento do “evento futuro e incerto” ficaria ao arbítrio de uma das

partes, conferindo à condição o caráter de puramente potestativa a qual,

juridicamente, se mostraria nula de pleno direito (artigo 51, incisos I e IV,

CDC, c.c. o artigo 122, in fine, CC).

E não resta dúvida de que, em situações como a ora

veiculada, há de se considerar a teoria do risco profissional do empresário (in

casu, o construtor).

O mundo moderno desenvolve rapidamente as

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atividades empresariais, nos diversos setores da presença do ser humano,

sempre com o escopo de atrair a atenção dos consumidores, dos usuários e dos

clientes de modo geral. Toda essa estrutura, adredemente preparada, resultado

de amplas pesquisas por empresas altamente especializadas, não decorre do

espírito magnânimo ou altruísta do empresário e tampouco tende à

solidariedade humana. Trata-se de fator meramente empresarial e voltado a

uma única finalidade: fornecer ou vender melhor para vender mais; enfim, o

resultado é o lucro.

Na construção civil, para alcançar esse resultado

operacional positivo esperado, elaboram-se justamente o cronograma e o

fluxograma do empreendimento, com dimensionamento dos custos

envolvidos, do tempo a ser dispendido e das pessoas a tomar parte nas

atividades de projeto e edificação e, por fim, do montante de receitas que se

fará imprescindível para a consecução da obra.

Em um cenário de busca pelo equilíbrio (tal como o

que se pretende estabelecer judicialmente nas relações de consumo), não se

afeiçoa razoável admitir ao detentor do domínio do processo construtivo (e

que, ab initio, unilateralmente define todos os seus prazos) a prerrogativa de,

ao final, modular as datas a seu bel prazer, de modo a, com isso, furtar-se aos

efeitos da mora debitoris.

Caso o prazo de tolerância não se sujeite a

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nenhum requisito, o que irá ocorrer é que o prazo contratual para

construção da obra não será apenas aquele indicado formalmente na

avença, mas sim, aquele prazo mais o prazo de tolerância que, de tolerância

nada terá já que será incorporado automaticamente no prazo total para

entrega da obra. Vale dizer, o prazo de entrega da obra será aquele do

contrato e mais o prazo de tolerância, o que equivale a dizer que de

tolerância esse prazo nada terá, já que estará automaticamente incorporado

no prazo total.

Bem por isso, por tais fundamentos e aderindo

aos que trouxe o douto Des. CARLOS ALBERTO GARBI, me associo à

sugestão de redação por ele feita quanto ao Tema 1, com o acréscimo do

termo “não superior a cento e oitenta dias corridos” sugerido pelo Des.

DONEGÁ MORANDINI, nos termos fundamentados por Sua Excelência,

tendo em vista que o eminente Des. GARBI não faz nenhuma referência a

prazo, deixando em aberto o que poderia, eventualmente, ocasionar prazos

exageradamente longos, dai porque a indicação expressão de que tal prazo

não poderá ser superior a 180 dias corridos.

Por tais fundamentos, e os trazidos pelos doutos

Desembargadores mencionados, assim ficaria a redação final:

TEMA 1: (Sugestão Des. Carlos Garbi +

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Sugestão Des. Donegá Morandini).

“É válida a cláusula que estabelece o prazo de

tolerância, não superior a cento e oitenta dias corridos, cuja aplicação

exige a prova do fortuito/força maior (fatos inevitáveis) ou ausência de

culpa do compromissário-vendedor, desde que prevista de forma

expressa, clara e inteligível.”

TEMA 2

Acompanho a sugestão de redação feita pelo

eminente Des. CARLOS ALBERTO GARBI, com a redação proposta

pelo Des. GRAVA BRAZIL.

“Na aquisição de unidades autônomas futuras,

financiadas na forma associativa, o contrato deverá estabelecer de

forma expressa, clara e inteligível o prazo para a formação do grupo

de adquirentes e para a entrega do imóvel.”

TEMA 5

PODER JUDICIÁRIOTRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

Acompanho a sugestão apresentada pelo Des.

GRAVA BRAZIL aderindo a seus fundamentos, bem assim aos

fundamentos trazidos pelo eminente Des. DONEGÁ MORANDINI.

TEMA 5:

“O atraso da prestação de entrega de imóvel

objeto de compromisso de compra e venda gera obrigação da alienante

indenizar o adquirente, proporcionalmente ao quanto pago, pela

privação do capital empregado na sua aquisição, correspondendo a

0,5% ao mês, incidente sobre a parte do preço efetivamente

desembolsada, com termo final na data da disponibilização da unidade

autônoma já regularizada.”

TEMA 6

Também aqui me permito acompanhar a sugestão

do Des. GRAVA BRAZIL, com parte da sugestão feita pelo Des.

DONEGÁ MORANDINI.

PODER JUDICIÁRIOTRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

São várias as expressão utilizadas nos diversos

contratos em referência para denominar a cobrança dos juros

compensatórios incidentes durante a construção da unidade imobiliária,

quais sejam: “juros de obra”, ou “juros de evolução da obra”, “taxa de

evolução da obra”, “juros de medição”, dai porque me parece salutar a

sugestão de ampliar a redação por meio de abertura hermenêutica.

Por sua vez, o Des. Grava Brazil bem

fundamenta no sentido de que a “ilicitude não fique vinculada à entrega

das chaves, pois a colocação é genérica e, em muitas situações, ainda que

não se opere a entrega formal das chaves, estas estão à disposição ou na

dependência de uma providência do comprador”, de modo que me parece

mesmo adequada a colocação “entrega do imóvel”:

E, para manter coerência com o que sustentei

quanto ao Tema 1, tal qual o Des. Carlos Garbi, retiro do enunciado a

expressão “incluindo o período de tolerância”.

Ficando assim a redação:

TEMA 6:

PODER JUDICIÁRIOTRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

“É ilícito o repasse dos “juros de obra” ou

“juros de evolução da obra”, “taxa de evolução da obra”, “juros de

medição” ou outros encargos equivalentes, após o prazo ajustado no

contrato para entrega das chaves da unidade autônoma”.

TEMA 8:

Acompanho a sugestão do Des. CARLOS

ALBERTO GARBI para retirar a expressão “computado o período de

tolerância”, em coerência a minha posição quanto ao Tema 1. Ficando

assim a redação do enunciado:

TEMA 8:

“O descumprimento do prazo de entrega de

imóvel objeto de compromisso de venda e compra não faz cessar a

incidência de correção monetária, mas tão somente dos juros e multa

contratual sobre o saldo devedor. Devem ser substituídos indexadores

setoriais, que refletem a variação do custo da construção civil, por

outros indexadores gerais, salvo quando estes últimos forem mais

gravosos ao consumidor.”

PODER JUDICIÁRIOTRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

TEMA 9:

Acompanho a sugestão feita pelo Des. DONEGÁ

MORANDINI.

A discussão aqui se refere a aplicação da multa do

art. 35, parágrafo 5º, da L 4.591/64 ao incorporador inadimplente. De fato,

não se pode dizer que o inadimplemento do incorporardor/compromissário

vendedor se restrinja ao atraso na entrega das unidades, hipótese que não

poderia mesmo sofrer penalidade por falta de amparo legal. Mas, lembrou

bem Sua Excelência, que há também inadimplemento na hipótese se o

incorporador/compromissário vendedor não providenciar o prévio

arquivamento dos documentos inerentes à incorporação imobiliária. Nessa,

hipótese, por força legal, a penalidade pode e deve ser aplicada, conforme

precedente por mim relatado na Terceira Câmara de Direito Privado:

“ILEGITIMIDADE PASSIVA. Viável a cobrança,

direcionada à construtora, da restituição das verbas atinentes à comissão

de corretagem. Aplicação do CDC (arts. 7º, parágrafo único, 18, 19 e 28,

§2º). Ilegitimidade afastada. PRESCRIÇÃO. Prazo trienal (Código Civil,

art. 206, § 3º, IV - REsp nº 1.551.956/SP). Lapso extintivo verificado na

espécie, entre a data da celebração do contrato e a propositura da

demanda. MORA CONSTRUTIVA. Caracterização. Nulidade da cláusula

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que posterga o prazo da entrega para 24 após a data da assinatura do

contrato de financiamento. LUCROS CESSANTES. Correta a condenação.

Os prejuízos decorrentes do atraso da obra são presumidos, sendo

desnecessária a sua apuração em liquidação de sentença, diante da

ausência de prova documental dos valores efetivamente gastos com

aluguel. Condenação, na ordem de 0,5% do valor atualizado do imóvel.

JUROS DE OBRA. Atraso na entrega que deu margem a que o autor

continuasse a pagar os juros de obra. DANOS MORAIS. Atraso

construtivo que gerou abalo de índole moral. Caso vertente, entretanto,

que não encerra gravidade a permitir a manutenção da indenização no

patamar fixado. Indenização reduzida para R$ 5.000,00. MULTA PELA

ASSINATURA DO CONTRATO SEM O PRÉVIO REGISTRO DA

INCORAÇÃO. Registro tardio que autoriza a incidência da multa do

artigo 35, § 5º, da Lei 4.591/64, com redução, entretanto, para o

percentual de 30% dos valores pagos anteriormente ao registro da

incorporação. Sentença reformada. Sucumbência mantida. PROVIDO, EM

PARTE, o recurso.” (Apel. 1016893-35.2015.8.26.0451, j. 14.03.2017).

Bem por isso, acompanho a sugestão de redação

feita pelo Des. DONEGÁ MORANDINI:

TEMA 9:

“É admissível a cobrança da multa prevista no

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artigo 35, parágrafo 5º, da Lei nº 4.591/64, quando ausente o prévio

arquivamento, no Cartório de Registro de Imóveis, dos documentos

necessários ao registro da incorporação imobiliária.”

No mais, acompanho o substancioso voto do

eminente Desembargador Relator.

Feitas as sugestões com relação aos Temas do

IRDR, resta a questão de saber se cabe modulação da decisão, como

faculta o § 3º, do art. 927 do Código de Processo Civil.

Não parece ser o caso de qualquer modulação no

caso, haja vista que as teses ora firmadas estão em conformidade com a

orientação predominante até aqui adotada por esta Corte de Justiça, ou seja,

não está havendo alteração de jurisprudência dominante.

No mais, aplicar-se-ão os incisos III, 1ª parte, do

art. 927, o inciso I, do art. 928 e os incisos I e II, do art. 985, todos do

Código de Processo Civil.

Por derradeiro, haverá de conter esta decisão,

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dispositivo expresso determinando a devolução dos autos tomados como

causa-piloto para o primeiro grau de jurisdição para continuidade do

julgamento naquela esfera? A resposta aqui me parece positiva, até porque

o douto Relator assim já propõe na fundamentação de seu voto, deixando,

entretanto, de fazer constar parte dispositiva nesse sentido.

BERETTA DA SILVEIRADesembargador

PODER JUDICIÁRIOTRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas nº 0023203-35.2016.8.26.0000 -

Piracicaba (5ª Vara Cível)

Requerente: MM. Juiz de Direito da 5ª Vara Cível da Comarca de Piracicaba

Interessados: Junior de Moura Ataíde

Interessados: M. R. V. Engenharia e Participações S/A

Interessados: Parque Piazza Navona Incorporações SPE Ltda

Interessados: Associação Brasileira de Incorporadoras Imobiliárias - ABRAINC

Interessados: Câmara Brasileira da Indústria da Construção - CBIC

Interessados: Fundação de Proteção e Defesa do Consumidor do Governo do Estado de

São Paulo PROCON/SP

Interessados: Ordem dos Advogados do Brasil seção de São Paulo

Interessados: Sindicato das Empresas de Compra e Venda, Locação e Administração de

Imóveis Residenciais e Comerciais de São Paulo SECOVI

Interessados: Sindicato da Industria da Construção Civil de Grandes Estruturas do

Estado de São Paulo SINDUSCON - SP

VOTO Nº 26.079

DECLARAÇÃO DE VOTO

Respeitado o entendimento da Douta maioria, fiquei vencido a

respeito do tema 1, e parcialmente vencido nos temas 6 e 8.

Tema 1 Alegação de nulidade da cláusula de tolerância de 180

dias para além do termo final previsto no contrato.

Sustenta o D. Relator, cujo entendimento prevaleceu por maioria de

votos, que a corrente minoritária encontrada na jurisprudência do Tribunal, no

sentido de que o prazo de tolerância é lícito desde que motivado e

PODER JUDICIÁRIOTRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

demonstrada a razão do atraso, implica “investigar matéria fática complexa

em milhares de repetitivos, a exigir a produção de prova técnica com alto

custo”, e conclui pela validade objetiva da disposição contratual, seguindo a

orientação majoritária.

Cumpre lembrar que o julgamento do IRDR não está vinculado à

jurisprudência majoritária, porque o seu objetivo é uniformizar a interpretação

sobre questão unicamente de direito e estabelecer isonomia e segurança

jurídica com a afirmação de tese jurídica (entendimento paradigmático). A

instauração deste incidente encontra causa justamente na divergência

endógena, interna do Tribunal, e o seu julgamento não se dá simplesmente

pela escolha de uma ou outra corrente jurisprudencial, porque a jurisdição está

aberta pelo incidente à construção do entendimento vinculativo sobre a

questão jurídica controvertida.

Não se quer dizer, evidentemente, que os julgados produzidos a

respeito da matéria de direito controvertida não têm nenhum valor. Ao

contrário, esses julgados orientam o debate necessário para alcançar o objetivo

do IRDR, que é firmar a tese jurídica, mas o debate e a discussão da tese a ser

firmada pode ser promovido também com novos fundamentos, porque no

IRDR não se julga a causa ou recurso, de forma que não se deve observância

ao princípio da adstrição quanto aos fundamentos sustentados (Daniel

Amorim Assumpção Neves in “Novo Código de Processo Civil Comentado”,

ed. jusPODIVM, 2ª ed., p. 1.647).

De acordo com Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade

Nery, “todos os argumentos que tiverem sido levantados em relação à tese

jurídica discutida deverão ser enfrentados quando do julgamento, haja vista

que se procura uniformizar o entendimento sobre essa mesma tese ...”

PODER JUDICIÁRIOTRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

(Código de Processo Civil Comentado, ed. Revista dos Tribunais, 16ª ed., p.

2.121). No mesmo sentido se anota também o entendimento de Cassio

Scarpinella Bueno (Manual de Direito Processual Civil, ed. Saraiva, p. 587) e

Rodolfo de Camargo Mancuso (Incidente de Resolução de Demandas

Repetitivas, ed. Revista dos Tribunais, p. 267).

É comum nos contratos de compromisso de venda e compra de

unidades futuras a cláusula que estabelece o prazo de tolerância do adquirente

para a entrega do imóvel (em geral fixados em 180 dias). O que se tem notado

no contato com centenas de processos ajuizados a respeito deste tema é que as

incorporadoras abusam da tolerância e a interpretam convenientemente a seu

favor ao adotar esse prazo como termo da obrigação, ignorando o

compromisso que assumiram com o adquirente de fazer a entrega do imóvel

até a data contratada.

A obrigação que o incorporador assumiu perante o consumidor é de

fazer a entrega do bem na data estabelecida. A entrega da unidade após o

termo fixado no contrato ocorre em mora. Outro entendimento implica tornar

sem efeito o compromisso assumido, assim como negar vigência ao art. 397

do Código Civil, in verbis: “O inadimplemento da obrigação positiva e

líquida, no seu termo, constitui de pleno direito em mora o devedor”.

A “tolerância” significa indulgência, condescendência, ou seja, admitir

modo de agir diametralmente oposto ao nosso (Grande Dicionário Houaiss),

ou como registra Caldas Aulete, suportar com paciência, aturar e aguentar. O

que se tolera, destarte, é uma falta, a quebra de um compromisso, o

inadimplemento.

A tolerância escrita nesses contratos não representa permissão para

descumprir e quebrar o compromisso assumido. A interpretação que se deve

PODER JUDICIÁRIOTRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

dar, destarte, a essa tolerância é no sentido de que o adquirente aceita a mora e

declara que receberá o imóvel até esgotar a “tolerância” ou prazo de tolerância

ajustado, impedindo a ele, pela declaração que fez, de considerar o

inadimplemento absoluto e, consequentemente, enjeitar o imóvel. Logo, não

obstante a mora na entrega do imóvel, o compromissário-vendedor poderá

ainda fazer a entrega do bem, purgando a mora, dentro do prazo de tolerância.

Contudo, não se pode afastar o entendimento de que a entrega do imóvel

promovida após o termo fixado no contrato cuida-se de mora.

Para que o devedor se livre das consequências da mora, ou seja, o

pagamento de perdas e danos, deverá fazer prova da ocorrência de fortuito ou

força maior (art. 393 do CC), ou da ausência de culpa (art. 392 do CC). Se o

fortuito ou força maior impõe a comprovação de que o resultado era inevitável

e irresistível, para a culpa, de acordo com a lição de Agostinho Alvim, “não é

suficiente a prova de que o devedor é pessoa habitualmente cuidadosa e

observadora de seus deveres; será necessário provar que no caso concreto

esses cuidados existiram, tendo o devedor feito tudo para cumprir a

obrigação” (Da Inexecução das Obrigações e suas Consequências, 4ª ed.,

Saraiva, p. 334).

Não há como afastar, diante do Código Civil e da doutrina, o

entendimento de que a entrega do imóvel após o termo ajustado, ainda no

prazo de tolerância, caracteriza cumprimento imperfeito da obrigação.

É oportuno lembrar que a “tolerância” não produz nenhum efeito

sobre os elementos da obrigação. Como anota Judith Martins-Costa, “[n]em

a tolerância do credor em relação a um ato do devedor (que pode gerar os

fenômenos da supressio e da surrectio), nem a prorrogação de prazo

concedida pelo credor” caracterizam novação tácita da obrigação

PODER JUDICIÁRIOTRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

[Comentários ao Novo Código Civil, v. V, t. I, ed. Forense, p. 537], assim

como, afirma Caio Mário da Silva Pereira, “[n]em a tolerância ou

inatividade do credor permite induzi-la” (o autor se refere à remissão da

obrigação) [Instituições de Direito Civil, v. II, ed. Forense, 22ª ed., p. 263].

Também não se deve confundir “tolerância” com “moratória”, anota

Claudio Luiz Bueno de Godoy a propósito do art. 838, inc. I, do Código

Civil, que prevê a extinção da fiança se o credor conceder moratória ao

devedor. Esclarece que “Não se deve porém confundir essa situação de

formal alargamento do termo final do cumprimento da obrigação (o autor se

refere à moratória) como mera inércia ou demorado credor em cobrar seu

crédito” [Código Civil Comentado, coord. Min. Cesar Peluso, ed. Manole, 8ª

ed., p. 808].

A cláusula em discussão, portanto, não é nula, porque ela tem o efeito

de afastar o inadimplemento absoluto e a resolução do contrato pelo

adquirente, mas ela não pode ser interpretada a favor do compromissário-

vendedor para livrá-lo das consequências que decorrem da mora. Para tanto

incumbe ao compromissário-vendedor provar o fortuito ou a ausência de

culpa, porque a tolerância não modifica o termo estabelecido para o

cumprimento da obrigação.

Há outra razão que pesa decisivamente em favor dessa interpretação.

É que esses contratos são regulados pelo Código de Defesa do Consumidor,

no qual se tem como direito básico “a informação adequada e clara sobre os

diferentes produtos e serviços” (art. 6º, III), porque o contrato não obriga o

consumidor quando o respectivo instrumento for redigido “de modo a

dificultar a compreensão de seu sentido e alcance” (art. 46).

Explica Cláudia Lima Marques: “O inciso III assegura justamente este

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direito básico à informação, realizando a transparência no mercado de consumo

objetivada pelo art. 4º, do CDC. No CDC, a informação deve ser clara e

adequada (arts. 12, 14, 18, 20, 30, 31, 33, 34, 46, 48, 52 e 54), esta nova

transparência rege o momento pré-contratual, rega a eventual conclusão do

contrato, o próprio contrato e o momento pós-contratual. É mais do que um

simples elemento formal, afeta a essência do negócio, pois a informação

repassada ou requerida integra o conteúdo do contrato (arts. 30, 33, 35, 46 e

54), ou, se falha, representa a falha (vício) na qualidade do produto ou serviço

oferecido (arts. 18, 20 e 35). Da mesma forma, se é direito do consumidor ser

informado (art. 6º, III), este deve ser cumprido pelo fornecedor e não fraudado

(art.1 º)” (Manual de Direito do Consumidor, Antônio Herman V. Benajmim,

Claudia Lima Marques e Leonardo Roscoe Bessa, 3ª ed, Ed. RT, 2010, pgs.

68/69).

O consumidor tem o direito a ser informado sobre o termo exato

estabelecido para a entrega do imóvel. Na forma proposta para o enunciado da

tese pelo Douto Relator, o consumidor assina o contrato com a data de entrega

prevista, mas essa data poderá ser alterada em até 180 dias pela vontade

exclusiva (potestativa) do compromissário-vendedor, frustrando

indevidamente as expectativas do adquirente.

Nem é necessário lembrar que o adquirente pode ter outras obrigações

vinculadas ao prazo de entrega do imóvel que foi contratado, como aluguel de

outro imóvel, entrega de imóvel que vendeu, financiamentos, reserva de

dinheiro, contratação de móveis planejados etc.

Não atende ao dever de informar correta e precisamente o consumidor

a cláusula que deixa dúvida ao adquirente sobre a data da entrega do imóvel.

A interpretação sustentada pelo voto da Douta maioria, no sentido de

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que o prazo de tolerância pode ser usado “potestativamente” pelo

compromissário-vendedor, sem fazer a prova do fortuito ou ausência de culpa,

implica, com o devido respeito, em frontal violação ao Código de Defesa do

Consumidor, que declara nulas, porque abusivas, as cláusulas que

“estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o

consumidor em desvantagem exagerada, ou sejam incompatíveis com a boa-fé

ou equidade” (art. 51, IV) e que “autorizem o fornecedor a modificar

unilateralmente o conteúdo ou a qualidade do contrato, após a sua

celebração” (art. 51, XIII).

O que se vê na maior parte dos casos é que a vendedora, desde a

assinatura do contrato, não intenciona entregar as unidades no prazo

estabelecido. É o que se permite entender quando as incorporadoras deixam de

fazer prova da causa do atraso na entrega dos imóveis. Age de má-fé ao

contratar prazo que não pretende cumprir, enganando o adquirente, porque se

vale da “tolerância” prevista como termo final da obrigação.

Esse prazo de “tolerância”, que é praticado no mercado imobiliário,

deve ser admitido quando devidamente comprovado pela devedora da

obrigação que motivos fortuitos ou de força maior, ou outros que a isentem de

culpa, justificaram a demora. Devem comprovar que se empenharam no

cumprimento da obrigação no prazo, que deram início às obras em tempo

suficiente a levar a cabo a obrigação que assumiram, que motivos fora do seu

controle determinaram o atraso e que agiram, destarte, com a boa-fé objetiva

que se reclama dos contratantes.

Não podem se valer do prazo de “tolerância” sem a adequada

justificativa, como se fora exercício potestativo de um direito que o contrato e

a lei não reconhecem. Afinal, não é crível que as incorporadoras e construtoras

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não pudessem prever todo tipo de adversidade para a realização do

empreendimento antes de assinar a obrigação a termo.

Portanto, a cláusula que prevê o prazo de tolerância para a entrega das

obras coloca o compromissário comprador em desvantagem exagerada, de

modo que, à luz do princípio da boa-fé e de acordo com o previsto no art. 51

do Código de Defesa do Consumidor, não deve ser aplicada para definir o

termo inicial da mora do compromissário-vendedor.

A esse respeito, vale destacar o voto do Desembargador Beretta da

Silveira em caso semelhante: “A relação jurídica mitigada na espécie

submete-se, inegavelmente, ao sistema do Código de Defesa do Consumidor,

visto que a autora, na qualidade de compromissária compradora, apresentou-

se perante a requerida, promitente vendedora, para aquisição de imóvel de

índole residencial (ou não comercial) como destinatária final (e não com o

ânimo de revenda). E a vulnerabilidade da primeira perante a última, do

ponto de vista construtivo-financeiro, é flagrante, uma vez que as informações

essenciais do processo de edificação e de sua viabilidade econômica

concentram-se na figura do empreendedor. Feita essa anotação e

considerando os termos do contrato celebrado entre as partes (fls. 25/59),

observa-se que, ao tempo da demanda, já havia sido extrapolado não apenas

o prazo ordinário de entrega da obra (fevereiro de 2011 fls. 31), mas também

o lapso extraordinário de 180 (cento e oitenta) dias corridos, instituído na

cláusula XXII (prazo esse que, embora não declinado no contrato, serve

justamente para desonerar a construtora no caso de eventual fortuito ou

motivo de força maior que possa atrapalhar o processo construtivo). Quanto

ao tema, improcede a alegação da demandada, no sentido de que as

excludentes da responsabilidade civil acima referidas trariam ao caso a

indeterminação do tempo de entrega da obra. Face à paridade que deve

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reinar nas relações comutativas, não se mostra lícito que o empreendedor

seja privilegiado, ainda que residualmente, com a previsão de, em última

instância, não ter de obedecer a prazo algum, em detrimento do consumidor

que já desembolsou determinado valor e não viu o “sonho da casa própria”

realizado. Outrossim, o construtor, pelo conhecimento técnico e empírico que

possui, tem condições de antever que pode ocorrer certo atraso na conclusão

das obras. E, justamente por isso, procede à inserção contratual da

tradicional cláusula de tolerância (na espécie, fixada em 180 cento e oitenta

dias corridos). Eventuais disposições contratuais em sentido da possibilidade

de indeterminação do prazo de conclusão da construção mostram-se

angularmente contrárias ao sistema consumerista definido pela Lei nº

8.078/90, principalmente quando considerado seu artigo 51, § 1º. Ou seja, o

negócio jurídico de compromisso de compra e venda de imóvel realiza-se a

termo (ainda que minimamente variável) e não sujeito a condição, como

busca sustentar, em essência, a recorrente. (...) E não resta dúvida de que, em

situações como a ora veiculada, há de se considerar a teoria do risco

profissional do empresário (in casu, o construtor)” (Ap. n.

0196696-20.2011.8.26.0100, dj. 30.07.2013).

É oportuno anotar que recentemente, em 6 de julho passado, o jornal

O Estado de São Paulo noticiou, no caderno de Economia & Negócios, que o

Governo está prestes a fechar uma proposta de regulamentação dos distratos e

entre os itens discutidos está o prazo de tolerância. Diz a matéria, produzida

por Murilo Rodrigues Alves e Adriana Fernandes, que “a regulamentação

pode acabar com o prazo de tolerância de seis meses depois de encerrado o

contrato dado às construtoras para entregar os imóveis. O limite passaria a

ser os últimos seis meses do contrato, quando o comprador já precisará arcar

com as despesas da entrega da chave. Se o imóvel não for entregue, a

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indenização será de até 0,5% do valor do imóvel. Essa medida só valeria para

os contratos que vão ser assinados depois da regulamentação”.

Cumpre finalmente registrar a respeito do tema a evolução da

jurisprudência do Egrégio Superior Tribunal de Justiça. Em julgado de

22/05/2014, relatado pelo Min. Sidnei Beneti, confirmando a negativa de

seguimento do recurso especial, se entendeu que “a convicção a que chegou o

Tribunal a quo quanto à abusividade da cláusula contratual de tolerância

para entrega do imóvel decorreu da análise do conjunto probatório. O

acolhimento da pretensão recursal demandaria o reexame do mencionado

suporte. Incide nesse ponto a Súmula 7/STJ” [AgRg no Ag REsp n. 476.891-

DF, Dje 30/05/2014].

Igual entendimento se sustentou em outro caso julgado pelo Egrégio

Superior Tribunal de Justiça em 03/03/2016, relatado pelo Ministro Marco

Aurélio Bellizze, negando seguimento a recurso especial contra decisão que

não reconheceu a ocorrência de caso fortuito a justificar o atraso na entrega da

obra [AgRg no Ag REsp n. 713.546-RJ, Dje, 14/03/2016].

Recentemente, em 16 de fevereiro de 2017, o Egrégio Superior

Tribunal de Justiça negou provimento ao agravo interno contra decisão

monocrática que deu parcial provimento ao recurso apenas para afastar a

multa prevista no art. 538, par. único, do CPC/73. Neste julgamento, relatado

pelo Ministro Moura Ribeiro, se afirmou que: “A Corte de origem, com

base no contexto fático-probatório da causa, reconheceu que a aplicação

do prazo de extensão (ou tolerância) para a entrega do imóvel adquirido

na planta, no caso de 180 dias, previsto contratualmente, somente deve

ser aplicado em favor da construtora em casos excepcionais, o que não

ocorreu no caso em análise. Revisar tal entendimento esbarra no óbice

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contido nas Súmulas nºs 5 e 7 do STJ” [Agint no REsp n. 1.557.117-SP, Dje

07/03/2017].

No caso referido por último, o Tribunal de São Paulo afirmou que

“Não se discute aqui a validade de tal cláusula na hipótese de ocorrência

dos denominados fortuitos externos, fatos alheios à atividade da

construtora e aptos a impedir a continuidade das obras. Se se tratar de

fatos imprevisíveis, incontornáveis, de real força maior, e estando eles

provados, aí, sim, caberia o benefício da cláusula, que é lícita e pode ser

contratada”.

No julgamento em referência, o Ministro Mora Ribeiro anotou que

“O Tribunal de origem, por sua vez, atestou a validade de tal cláusula,

não admitindo, entretanto, sua aplicação automática, haja ou não prova

de caso fortuito ou força maior. E no caso vertente, ressaltou que a

ausência de mão de obra não é motivo suficiente para justificar o atraso

na entrega do imóvel, pois integram o risco suficiente para justificar o

atraso na entrega do imóvel, pois integram o risco da própria atividade da

recorrente”.

E não encontrou nos paradigmas relacionados pelo recorrente a

hipótese de admissibilidade do recurso: “Desse modo, sendo dessemelhante

o suporte fático apresentado, não se mostram atendidos os requisitos

previstos nos arts. 541, parágrafo único, do Código de Processo Civil, e

255, § 2º, do RISTJ”.

É possível, diante dos julgados destacados, perceber que a

jurisprudência do Egrégio Superior Tribunal de Justiça caminha para o

reconhecimento expresso de que a cláusula de tolerância é válida, mas não

pode ser aplicada sem a comprovação das excludentes da responsabilidade

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contratual. É nesse sentido que, respeitosamente, dissentindo nessa parte do

voto da Douta maioria, propunha outro enunciado para o Tema 1, a seguir

destacado:

“É válida a cláusula que estabelece o prazo de tolerância,

cuja aplicação exige a prova do fortuito/força maior (fatos

inevitáveis) ou ausência de culpa do compromissário-

vendedor, desde que prevista de forma expressa, clara e

inteligível.”

Tema 2 Alegação de nulidade de previsão de prazo alternativo

de tolerância para entrega de determinado número de meses (em regra 24

meses) após a assinatura do contrato de financiamento

O Douto Relator propõe, a respeito do Tema 2, o seguinte enunciado

de tese:

“Admite-se que o prazo de entrega da unidade autônoma

tenha termo inicial da data de obtenção do financiamento

pelo adquirente, desde que a cláusula seja redigida de modo

claro e não ultrapasse seis meses contados da data do registro

da incorporação (art. 34 L. 4.591/64)”

Sustenta o Douto Relator a aplicação, por analogia, do prazo de

carência da incorporação, previsto no art. 34 da Lei n. 4.591/64, para limitar o

prazo de entrega das unidades compromissadas mediante o “crédito

associativo”.

Com o devido respeito, o prazo previsto na Lei para desistência da

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incorporação não se aplica à hipótese do compromisso de venda e compra

realizado sob a condição de obter o crédito associativo. A incorporadora que

não obteve a concessão do crédito não anotou no registro da incorporação a

faculdade de desistir, como prevê o dispositivo em referência, e o

empreendimento será mantido, com oferecimento das unidades à venda. O

crédito associativo poderá ser obtido, inclusive, em outro momento, além dos

seis meses da incorporação.

Acrescente-se que não se pode impor o curto prazo de seis meses para

que o incorporador faça a venda das unidades e obtenha o financiamento,

sabido das dificuldades do mercado imobiliário e dos procedimentos exigidos

para aprovação do crédito dos adquirentes. Impor esta solução é seguramente

colocar o incorporador em mora na entrega das unidades e inviabilizar o

programa habitacional do crédito associativo.

Assiste razão ao Douto Relator quando afirma que o adquirente não

pode se sujeitar a prazo obscuro e incerto para a entrega da imóvel, como se

verifica em muitos casos julgados pelo Tribunal a respeito do crédito

associativo. A solução, a meu ver, está em exigir que a informação ao

consumidor seja clara quanto ao prazo para a assinatura do contrato e entrega

do imóvel.

A Caixa Econômica Federal disponibiliza, no seu sítio eletrônico,

informações sobre o financiamento e se verifica que ele é realizado com

recursos do FGTS para compra de unidades de valor até R$ 40.000,00 e com

prazo de entrega de 2 a 24 meses, contados da assinatura do primeiro contrato.

Os beneficiários são pessoas físicas com renda até R$ 5.400,00 e a aprovação

da proposta de financiamento, na forma associativa, exige pesquisas

cadastrais e análise de capacidade de pagamento e entrevistas com os

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beneficiários, que serão acompanhados por técnico social durante todo o

empreendimento[http://www1.caixa.gov.br/gov/gov_social/municipal/progra

mas_habitacao/imovel_planta_associativo/saiba_mais.asp acessado em

05/07/2017, às 18:25h.]. Esses valores foram alterados, inclusive, recentemente,

pela Resolução 836/2017 do Conselho Curador do FGTS.

Percebe-se que há providências que antecedem a assinatura do

contrato, que não tem data para se concretizar, do que decorre a incerteza

quanto à data de entrega do imóvel. O consumidor não pode ficar sujeito à

essa incerteza. O que se deve exigir é que o contrato estabeleça claramente o

prazo no qual deverá ocorrer a contratação do financiamento, bem como todas

as suas condições, para que se possa determinar a data de entrega do imóvel.

Em outras palavras, o incorporador deve formar o grupo de adquirentes em

prazo certo informado ao consumidor.

Não me parece adequado fixar prazo apriorístico, porque não é ilícito

estabelecer que o prazo de entrega do imóvel se dê a partir do contrato de

financiamento, ainda que esse financiamento se demore a confirmar, quando

se sabe que o sucesso do empreendimento depende da reunião de um grupo de

adquirentes. O que assegura o Código de Defesa do Consumidor é que se dê a

informação completa e clara sobre as condições do negócio a permitir que o

adquirente possa decidir, informado, sobre o negócio, o que não tem ocorrido

em alguns casos examinados no Tribunal. Prevaleceu no julgamento outra

redação para o enunciado de tese, adotadas as proposições dos demais

integrantes da Turma Julgadora na sessão de julgamento, como segue:

“Na aquisição de unidades autônomas futuras, financiadas na

forma associativa, o contrato deverá estabelecer de forma

expressa, clara e inteligível o prazo certo para a formação do

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grupo de adquirentes e para a entrega do imóvel.”

Tema 8 Congelamento do saldo devedor enquanto a unidade

autônoma não for entregue aos adquirentes

O Douto Relator propõe o seguinte enunciado:

“O descumprimento do prazo de entrega de imóvel objeto de

compromisso de venda e compra, computado o período de

tolerância, não faz cessar a incidência de correção monetária,

mas tão somente dos juros e multa contratual sobre o saldo

devedor. Devem ser substituídos indexadores setoriais, que

refletem a variação do custo da construção civil, por outros

indexadores gerais, salvo quando estes últimos forem mais

gravosos ao consumidor.”

Essencialmente acompanho o voto do relator. Contudo, em razão do

quanto sustentado para o Tema 1, deve ser excluída do enunciado a referência

ao prazo de tolerância. Vencido em relação à tese do Tema 1, registro apenas a

redação que entendia adequada, caso tivesse prevalecido o meu voto:

“O descumprimento do prazo de entrega de imóvel objeto de

compromisso de venda e compra não faz cessar a incidência

de correção monetária, mas tão somente dos juros e multa

contratual sobre o saldo devedor. Devem ser substituídos

indexadores setoriais, que refletem a variação do custo da

construção civil, por outros indexadores gerais, salvo quando

estes últimos forem mais gravosos ao consumidor.”

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Supensão dos processos pendentes

Quando foi admitido o processamento deste Incidente, a Douta

maioria entendeu que não deveria ser aplicado o disposto no art. 982, inc. I, do

Código de Processo Civil, deixando de determinar a suspensão dos processos

pendentes, individuais e coletivos, que tramitam no Estado de São Paulo.

Naquela oportunidade fiquei vencido, prevalecendo o entendimento em

sentido contrário.

Volto ao tema e lembro que a doutrina sustenta que a suspensão dos

processos é efeito natural da admissão do incidente e um dever para o relator.

Como afirmam Luiz Guilherme Marinoni e Daniel Mitidiero, “a admissão

do incidente pelo colegiado gera ao relator o dever de determinar a

suspensão de todos os processos pendentes, sejam individuais ou coletivos”

[Comentários ao Código de Processo Civil, vol. XVI, ed. Revista dos

Tribunais, p. 95].

Ou como anotam Aluisio Gonçalves de Castro Mendes e Sofia

Temer, “admitido o incidente, com a fixação do ponto de direito

controvertido, deverão ser suspensos todos os processos individuais ou

coletivos em trâmite na área de jurisdição do tribunal respectivo que versem

sobre idêntica controvérsia. A suspensão dos processos é ponto fulcral do

instituto, devendo as demais causas repetitivas aguardar a definição da tese

jurídica no procedimento-modelo incidental” [Comentários ao Código de

Processo Civil, coord. Cassio Scarpinella Bueno, v. 4, ed. Saraiva, p. 219].

Ademais, não fosse a impositiva redação do dispositivo em referência

(art. 982, I,), há outra expressa determinação no art. 313 do NCPC:

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“Suspende-se o processo: ... IV pela admissão de incidente de resolução

de demandas repetitivas;”

De forma mais incisiva sustenta Daniel Amorim Assumpção Neves

que “a admissão do incidente ora versado leva o relator a determinar o

sobrestamento dos processos em primeiro grau dentro dos limites de

competência territorial do tribunal de segundo grau. Entendo que a

suspensão é obrigatória, independendo do estágio procedimental do processo

ou mesmo da convicção do relator, havendo, inclusive, doutrina que entende

pela dispensa de decisão expressa nesse sentido, sendo a suspensão dos

processos um efeito natural da admissão do IRDR. Não chego a tanto, mas

entendo que a decisão de suspensão é um ato vinculado, e por esta razão,

contra ela não caberá recurso, afastando-se nesse caso, de forma

excepcional, a aplicação do art. 1.021, caput, do Novo CPC” [Novo Código

de Processo Civil Comentado, 2ª ed., ed. JusPODIVM, p. 1.641].

Há nesse caso, como identifica a doutrina de Fredie Didier Junior e

Leonardo Carneiro da Cunha, uma hipótese de conexão por afinidade entre

todos os processos que versem a mesma questão de direito, e se há conexão a

suspensão de um deles (piloto) implica na suspensão dos demais. Esclarece os

autores que: “os instrumentos de julgamento de casos repetitivos provocam,

como se vê, a suspensão de todos os processos que versem sobre a mesma

questão de direito a ser examinada pelo tribunal. Esse é um meio de gestão

bastante relevante de casos repetitivos. Não suspender os processos em curso

frustra os benefícios proporcionados pelo microssistema de gestão de casos

repetitivos, pois (a) contribuiu para a proliferação de decisões conflitantes;

(b) aumenta os custos de solução da disputa em cada caso, permitindo que as

mesmas questões sejam tratadas em juízos distintos, com dispêndio de tempo,

de recursos financeiros e de pessoal; (c) desperdiça a atenção dos integrantes

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do judiciário que, em vez de focar em uma única causa, tem de examinar

diversos processos individuais” [Curso de Processo Civil, v. 3, 13ª ed., p.

600].

Anota-se, ainda, no mesmo sentido: José Maria Rosa Tesheiner e

Daniela Viafore de Oliveira [Comentários ao Código de Processo Civil,

coord. Angélica Arruda Alvim et. al., ed. Saraiva, p. 1134/1135]; Humberto

Theodoro Júnior, 47ª, ed. Forense, p. 921]; Araken de Assis [Manual dos

Recursos, 8ª ed., Ed. Revista dos Tribunais, p. 465].

Se alguma discricionariedade pode ser reconhecida ao Tribunal na

decisão sobre a suspensão dos processos, me parece que a partir do

julgamento do incidente, com a afirmação da tese, não há mais razão para não

suspender todos os processos sobre os temas afetados. É que agora o Tribunal

firmou o entendimento sobre os temas, de forma que não se mostra adequado

permitir que as demandas continuem sendo julgadas de acordo com a

convicção dos Juízes, quando se tem por afirmadas as teses jurídicas a

respeito.

Ignorar o quanto decidido e prosseguir no julgamento dos processos é,

com o devido respeito, negar a própria essência do incidente previsto no

NCPC, que visa uniformizar as decisões e dar celeridade e economia aos

processos, com racionalidade. Não faz sentido permitir a formação de coisa

julgada conflitante com entendimento diverso daquele já afirmado em

julgamento de incidente pela Turma Especial do Tribunal, e que tem força

vinculativa, inclusive para os casos futuros.

Nesse sentido cumpre lembrar que “os tribunais devem uniformizar

sua jurisprudência e mantê-la estável, íntegra e coerente” (art. 926,

NCPC). Ao preservar a estabilidade, afirma José Rogério Cruz e Tucci,

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“orientando-se pelas decisões judiciais em situações sucessivas

assemelhadas, os tribunais contribuem, a um só tempo, para a certeza do

direito e para a proteção da confiança na escolha do caminho trilhados pelos

litigantes”.

Anota o autor, ainda, “a jurisprudência consolidada na forma de

precedente judicial assegura a igualdade dos cidadãos perante a distribuição

da justiça, porque casos análogos devem ser julgados do mesmo modo,

sobretudo no Brasil, em que há grande número de tribunais. O

pronunciamento pretoriano desigual é forte indício de injustiça em pelo

menos um dos casos encerrados” [Comentários ao Código de Processo Civil,

coord. de Cassio Scarpinella Bueno, v. 4, p. 19]

Negar a suspensão implica em estabelecer tratamento desigual a

demandas afetadas. É que o processo piloto receberá julgamento conforme as

teses firmadas, enquanto os demais não. E se ao processo piloto não couber a

aplicação imediata do quanto decidido, porque a decisão ainda está sujeita a

recurso com efeito suspensivo, a suspensão só terá efeito para o processo

piloto, também em tratamento desigual em relação aos demais. Poderá agravar

a situação caso seja permitido que o próprio processo piloto tenha

prosseguimento e seja julgado sem respeito à vinculação do incidente,

inclusive em segundo grau. São questões não resolvidas no julgamento do

incidente.

Por todas essas razões, respeitado o entendimento da Douta maioria,

sustentei a aplicação do quanto previsto na lei (arts. 313, IV, e 982, I, NCPC),

com a suspensão de todos os processos pendentes nesta data de julgamento no

Estado de São Paulo, em qualquer grau de jurisdição, até o trânsito em julgado

ou o prazo de um ano. Contudo, fiquei vencido e isolado na proposição.

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Pelo exposto, acompanho essencialmente o voto do Douto Relator,

divergindo em parte dos enunciados de tese propostos para os Temas 1

(vencido), 2 (vencedor) e 8 (vencido), e quanto à suspensão dos processos

pendentes.

CARLOS ALBERTO GARBI Desembargador

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Este documento é cópia do original que recebeu as seguintes assinaturas digitais:

Pg. inicial Pg. final Categoria Nome do assinante Confirmação

1 69 Acórdãos Eletrônicos

FRANCISCO EDUARDO LOUREIRO 6998A6A

70 107 Declarações de Votos

PAULO ROBERTO GRAVA BRAZIL 69A06F5

108 115 Declarações de Votos

CARLOS EDUARDO DONEGA MORANDINI 6A087E1

116 130 Declarações de Votos

ARTUR CESAR BERETTA DA SILVEIRA 69CD198

131 150 Declarações de Votos

CARLOS ALBERTO GARBI 6AA1C11

Para conferir o original acesse o site: https://esaj.tjsp.jus.br/pastadigital/sg/abrirConferenciaDocumento.do, informando o processo 0023203-35.2016.8.26.0000 e o código de confirmação da tabela acima.