11

Click here to load reader

RELATIVIZAÇÃO DA COISA JULGADA - abdpc.org.br Gerent.pdf · 1. A COISA JULGADA SOB O PONTO DE VISTA DA CONSTITUIÇÃO ... Moacir Amaral Santos. ... julgamento do Recurso Especial

Embed Size (px)

Citation preview

Page 1: RELATIVIZAÇÃO DA COISA JULGADA - abdpc.org.br Gerent.pdf · 1. A COISA JULGADA SOB O PONTO DE VISTA DA CONSTITUIÇÃO ... Moacir Amaral Santos. ... julgamento do Recurso Especial

RELATIVIZAÇÃO DA COISA JULGADA

Dílson Gerent Pós-graduado em Direito Processual Civil pela ABDPC–

Academia Brasileira de Direito Processual Civil

Advogado

RESUMO

O objetivo do presente estudo é demonstrar, à luz da Constituição Federal, do Código Civil Brasileiro, da doutrina e da jurisprudência, aspectos de grande relevância no que se refere à possibilidade de se modificar uma decisão judicial transitada em julgado, depois de transcorrido o prazo para o ajuizamento de ação rescisória. É importante atentar para o fato de estar se tornando cada vez mais acirrada a discussão doutrinária e jurisprudencial acerca da relativização da coisa julgada, tendo, de um lado, os defensores da imutabilidade da sentença e, de outro, os defensores da idéia de que uma decisão judicial, ainda que transitada em julgado, pode ser modificada quando nela for possível constatar ofensa à Constituição Federal. O tema como visto, é atual e relevante. A salutar evolução dos debates entre doutrinadores e julgadores é que acabará demonstrando, com o passar do tempo, até que ponto e em que circunstâncias cada uma das correntes terá seus argumentos acolhidos pelo Poder Judiciário que tem a atribuição de ditar a última palavra sobre o tema. Por intermédio deste demonstra-se, de forma bem objetiva, a relevância da coisa julgada material e bem assim quais as justificativas apresentadas pelos defensores da sua modificação e pelos que não concordam com tal pretensão. INTRODUÇÃO

O tema relacionado a este artigo vem sendo objeto de acirrados

debates entre juristas de escol (doutrinadores e julgadores), encontrando-se, de um lado, os defensores da idéia de que a sentença transitada em julgado pode ser objeto de nova decisão e, de outro, os que, em nome da segurança jurídica, se contrapõem a esta pretensão.

Se for considerada a complexidade do tema e a forma como o mesmo

vem sendo tratado pelos doutrinadores e pelos tribunais, é possível afirmar que doravante muitos debates se travarão até que a questão da relativização da coisa julgada – a exemplo do que ocorre com a ação rescisória -- venha ser objeto de normatização. E mesmo que isto ocorra, certamente haverá manifestação da nossa Suprema Corte, acerca da sua constitucionalidade

Por isso que, por meio deste trabalho, se dá ênfase especial a pelo

menos dois elementos que se constituem em fatores de grande importância para o sistema processual: a segurança (representada pela coisa julgada material) e a

www.abdpc.org.br 

Page 2: RELATIVIZAÇÃO DA COISA JULGADA - abdpc.org.br Gerent.pdf · 1. A COISA JULGADA SOB O PONTO DE VISTA DA CONSTITUIÇÃO ... Moacir Amaral Santos. ... julgamento do Recurso Especial

Justiça (que serve de fundamento para as propostas de relativização da coisa julgada).

Desde logo, contudo, é preciso deixar consignado que, contrariamente

ao que apregoam aqueles que se posicionam a favor da relativização da coisa julgada, é imperioso que se dê maior valor à segurança jurídica, sob pena de se instalar o caos e se eternizarem as pendengas judiciais.

1. A COISA JULGADA SOB O PONTO DE VISTA DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL E DA DOUTRINA

A Constituição Federal de 1988, ao tratar dos Direitos e Garantias

Fundamentais, enumera os Direitos e Deveres Individuais e Coletivos, através de seu art. 5º, e determina, pelo inciso XXXVI deste artigo, o respeito à COISA JULGADA, de tal forma que nem mesmo a lei poderá prejudicar os seus efeitos, isto se for considerado, evidentemente, o atual ordenamento jurídico.

ARAKEN DE ASSIS1 tece críticas ao inciso XXXVI, do art. 5º da

Constituição Federal, pelo fato de nele não estarem contidos elementos precisos capazes de esclarecer o que sejam direito adquirido, ato jurídico perfeito e coisa julgada. São, segundo ele, conceitos jurídicos indeterminados.

Apesar disto, destaca-se que o Código de Processo Civil, estando

conforme a Constituição Federal, (arts. 467, 468, 472, 473 e 474) concebeu à coisa julgada material, a condição de sua imutabilidade, dando-lhe força de lei nos limites da lide e das questões decididas, vedando a discussão de questões já decididas, e reputando como deduzidas todas as alegações e defesas que a parte poderia opor.

Como visto, há regramento especial a ser observado, em se tratando

de sentença com trânsito em julgado. É pertinente destacar que, naquilo que aqui interessa analisar, quando se fala em sentença judicial, é evidente que se está fazendo referência à coisa julgada material.

Nesse contexto, é pertinente se reportar ao conceito de coisa julgada,

na visão de Ovídio BAPTISTA DA SILVA2, segundo o qual ”(...) é a virtude de certas sentenças judiciais que as faz imunes às controvérsias, impedindo que se modifique, ou discuta, num processo subseqüente, aquilo que o juiz tiver declarado como sendo “a lei do caso concreto”. Como se vê, o eminente Mestre, conseguiu, em poucas palavras, dar o verdadeiro significado de “coisa julgada”, em razão do que, esse seu conceito é citado por uma plêiade de doutrinadores que se reportam ao tema.

Moacir AMARAL SANTOS3, por sua vez, refere-se à coisa julgada,

afirmando que “proferida a sentença e preclusos os prazos para recursos, a sentença se torna imutável (primeiro degrau – coisa julgada formal); e, em

www.abdpc.org.br 

1 Araken de Assis. Coisa Julgada Inconstitucional. 2006, p. 346 2 Ovidio Baptista da Silva. Curso de Processo Civil. 2005, p. 456 3 Moacir Amaral Santos. Primeiras Linhas do Direito Processual Civil. 1998, p. 43

Page 3: RELATIVIZAÇÃO DA COISA JULGADA - abdpc.org.br Gerent.pdf · 1. A COISA JULGADA SOB O PONTO DE VISTA DA CONSTITUIÇÃO ... Moacir Amaral Santos. ... julgamento do Recurso Especial

conseqüência tornam-se imutáveis os seus efeitos (segundo degrau – coisa julgada material).”

Cleide PREVITALLI CAIS4 ao se referir ao regime jurídico da coisa

julgada, manifesta-se no sentido de que:

(...) não somente o legislador não tem poderes para dar nova disciplina normativa a uma situação concreta já definitivamente resolvida em sentença irrecorrível, como também o Poder Judiciário está proibido de exercer a jurisdição, novamente, sobre o mesmo caso, e entre as mesmas partes.

Pelos enunciados retro, facilmente se verifica que a coisa julgada deve

ser vista como um imperativo de segurança, razão pela qual não pode – salvo situações excepcionais expressamente previstas em lei, como, por exemplo, por meio de ação rescisória --, vir a ser modificada.

2. COISA JULGADA: É PRINCÍPIO E NÃO REGRA

É voz corrente na doutrina pátria que enquanto a regra prescreve a conduta específica e necessária a ser adotada para o andamento do processo, como, por exemplo, a observância de prazos ou a interposição de determinados recursos, os princípios se referem a adoção de determinados comportamentos que visam alcançar o estado ideal do processo, tais como a celeridade processual e a segurança da decisão que se busca.

Por este enunciado, é possível afirmar que as regras são absolutas e

inflexíveis de tal sorte que o conflito entre elas se resolve no âmbito da sua validade. Os princípios, por sua vez, podem ser flexibilizados no caso concreto.

Diante do que exposto anteriormente, muito embora a coisa julgada

possa ser enquadrada como um princípio de ordem constitucional, é certo que apenas na legislação infraconstitucional (art. 467, do CPC), ela veio a ser conceituada.

Não restam dúvidas, portanto, que a coisa julgada é um princípio e

não uma regra.

3. OS ARGUMENTOS DOS DEFENSORES DA “RELATIVIZAÇÃO DA COISA

JULGADA”

As manifestações a favor da relativização da coisa julgada vêm sendo feitas, de forma surpreendente, em número cada vez maior, encontrando guarida, inclusive, por parte de alguns Ministros do Superior Tribunal de Justiça, merecendo

www.abdpc.org.br 

4 Cleide Previtalli Cais, artigo. Revista dos Tribunais. fevereiro de 2008, p. 24

Page 4: RELATIVIZAÇÃO DA COISA JULGADA - abdpc.org.br Gerent.pdf · 1. A COISA JULGADA SOB O PONTO DE VISTA DA CONSTITUIÇÃO ... Moacir Amaral Santos. ... julgamento do Recurso Especial

destaque, neste particular, os argumentos expendidos pelo Ministro José Delgado que, inspirando-se nos ensinamentos de DIVA MALERBI, faz pertinentes alusões ao princípio da moralidade, na medida em que, segundo ele, se deve exigir que o Poder Judiciário fique mais sujeito do que os demais Poderes, ao cumprimento da moralidade, por lhe caber defender o rigorismo ético nos padrões da sua própria conduta e dos seus jurisdicionados. Continua, dizendo que a decisão do Poder Judiciário deve exprimir confiança, prática da lealdade, boa-fé e, especialmente, configuração da moralidade.5

Através de outra obra6, José DELGADO relaciona uma série de

situações que, sob a sua ótica, representam verdadeiro atentado à Constituição Federal e que, por isso mesmo, não podem ter força de coisa julgada, em razão do que podem ser desconstituídas,.conforme apresentado a seguir:

a) o princípio-força da coisa julgada é de natureza relativa; b) a coisa julgada não pode sobrepor-se aos princípios da moralidade e da legalidade; c) o Poder Judiciário, ao decidir a lide pelos juízes que o integram, cumpre missão estatal de natureza absoluta, com função destinada a aplicar, de modo imperativo, as estruturas que sustentam o regime democrático; d) a sentença judicial, mesmo coberta com o manto da coisa julgada, não pode ser veículo de injustiças; e) o decisum judicial não pode produzir resultados que materializem situações além ou aquém das garantidas pela Constituição Federal; f) a carga imperativa da coisa julgada pode ser revista, em qualquer tempo, quando eivada de vícios graves e produza conseqüências que alterem o estado natural das coisas, que estipule obrigações para o Estado ou para o cidadão ou para pessoas jurídicas que não sejam amparadas pelo direito; g) a regra do respeito à coisa julgada é impositiva da segurança jurídica, porém, não se sobrepõe a outros valores que dignificam a cidadania e o Estado Democrático; h) a garantia da coisa julgada não pode ser alterada pela lei para prejudicar, em homenagem ao princípio da não-retroatividade; i) os fatos apurados pela sentença nunca transitam em julgado, por a decisão referir-se a eles com as características de tempo, modo e lugar como foram apurados; j) a coisa julgada, não deve ser via para o cometimento de injustiças, de apropriações indébitas, de valores contra o particular ou contra o Estado, de provocação de desigualdades nas relações do contribuinte sobre o fisco, nas dos servidores com o órgão que os acolhe, porque a Constituição Federal não permite que a tanto ela alcance; k) em tema de desapropriação, o princípio da justa indenização reina acima do garantidor da coisa julgada; l) a sentença transita em julgado pode ser revista, além do prazo para rescisória, quando a injustiça nela contida for de alcance que afronte a estrutura do regime democrático por

www.abdpc.org.br 

5 José Delgado apud Diva Malerbi.Coisa Julgada Inconstitucional. 2006, p. 138 6 José Delgado. Coisa Julgada Inconstitucional. 2004, p.60

Page 5: RELATIVIZAÇÃO DA COISA JULGADA - abdpc.org.br Gerent.pdf · 1. A COISA JULGADA SOB O PONTO DE VISTA DA CONSTITUIÇÃO ... Moacir Amaral Santos. ... julgamento do Recurso Especial

conter apologia de quebra da imoralidade, da ilegalidade, do respeito à Constituição Federal e às regras da natureza; e, m) a segurança jurídica imposta pela coisa julgada está vinculada aos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade que devem seguir todo ato judicial.

Por meio desta citação, o Ministro José DELGADO deixa transparecer

o seu apego aos argumentos expendidos por Humberto THEODORO JUNIOR, em histórico parecer da lavra deste, para a Procuradoria Geral da Fazenda do Estado de São Paulo, cujo entendimento foi acolhido pelo Superior Tribunal de Justiça no julgamento do Recurso Especial n. 240.712/SP, do qual foi Relator.

No caso em comento, a Fazenda Pública do Estado de São Paulo

havia sido vencida em processo de desapropriação indireta, tendo sido acordado o parcelamento do débito, decorrente da sentença transitada em julgado. Depois de pagas algumas parcelas, o Estado de São Paulo voltou a juízo, ingressando com uma ação declaratória de nulidade de ato jurídico cumulada com repetição de indébito, sob a alegação de que houvera erro no julgamento anterior, causado pela perícia, uma vez que a área supostamente apossada pelo Estado, na verdade, já lhe pertencia. Mesmo tendo transitado em julgado, o Ministro José DELGADO votou no sentido de restabelecer, por meio do Recurso Especial, a tutela antecipada que o juiz monocrático havia concedido à Fazenda e o Tribunal negado.7

Outro exemplo de transposição da coisa julgada foi julgado também

pelo Superior Tribunal de Justiça, em que se analisou nova ação investigatória baseada em exame de DNA, em virtude de a primeira ter sido julgada improcedente pela precariedade das provas, pois o exame ainda não era disponível, cujo fundamento pode ser assim sintetizado: A coisa julgada, em se tratando de ações de estado, como no caso de investigação de paternidade, deve ser interpretada modus in rebus. Nas palavras de respeitável e avançada doutrina, quando estudiosos hoje se aprofundam no reestudo do instituto, na busca, sobretudo, da realização do processo justo,

(...) a coisa julgada existe como criação

necessária à segurança prática das relações jurídicas e as dificuldades que se opõem à sua ruptura se explicam pela mesmíssima razão. Não se pode olvidar, todavia, que numa sociedade de homens livres, a Justiça tem de estar acima da segurança, porque sem Justiça não há liberdade. 8

Este acórdão exprimiu muito bem a idéia da possibilidade de relativização da coisa julgada material, em casos excepcionais ainda que em prejuízo da segurança. Afinal, a verdadeira segurança num Estado Democrático de Direito é a obtenção de decisões justas e legitimadas, e não a imunização de sentenças absurdas.

www.abdpc.org.br 

7 Brasil. Superior Tribunal de Justiça. 1ª Turma, REsp. n.º 240.712-SP, j.15.02.2000 8 Brasil. Superior Tribunal de Justiça. 3ª Turma, REsp. n.º 226.436/PR, Rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, DJU 04.02.2002

Page 6: RELATIVIZAÇÃO DA COISA JULGADA - abdpc.org.br Gerent.pdf · 1. A COISA JULGADA SOB O PONTO DE VISTA DA CONSTITUIÇÃO ... Moacir Amaral Santos. ... julgamento do Recurso Especial

Pelo seu conteúdo, o Parecer antes referido, de Humberto THEODORO JUNIOR, que deu embasamento para o Recurso Especial Resp. n.º 240.712-SP, acabou se tornando referência para a maioria dos que se filiam à corrente da relativização da coisa julgada. Dito doutrinador, categoricamente afirma que

(...) diante da importância de que se reveste a Constituição no quadro da organização de um Estado e de sistematização de direitos e garantias fundamentais, tornou-se corrente sustentar que a validade de uma norma ou ato emanado de um dos Poderes Públicos está condicionada à sua adequação constitucional. 9

No entendimento de Humberto THEODORO JUNIOR10, a coisa julgada

pode, sim, ser modificada, na medida em que a Constituição Federal evitou que ela pudesse ser atingida por lei nova que contemplasse regra diversa de normatização da relação jurídica objeto de decisão irrecorrível. Por isso, diz ele, uma decisão que viole diretamente a Constituição Federal se constitui em ato judicial nulo.

Assim, diante de uma decisão judicial tida por nula, aos olhos deste

eminente jurista, a parte prejudicada pela sentença não precisa usar a via da ação rescisória, na medida em que pode: a) opor embargos quando a parte vencedora intentar execução de sentença; ou, b) propor qualquer ação comum tendente a reexaminar a mesma relação jurídica litigiosa, inclusive uma ação declaratória ordinária.

Outros doutrinadores poderiam ser citados, como integrantes do rol dos

defensores da relativização da coisa julgada, cujos argumentos se assentam, basicamente, na idéia de que uma sentença tida por inconstitucional ou contrária ao ordenamento jurídico pode ser revista a qualquer tempo.

Chama a atenção o fato de estes estudiosos pouco falarem acerca da

segurança jurídica, outro instituto do direito que não pode ser ignorado, quando se aborda tema de tamanha relevância. Também não é objeto de comentário por parte dos defensores da idéia da relativização da coisa julgada, o silencio do Estado em acatar os argumentos expendidos nesse sentido, dado o seu inconteste interesse de ver eternizada a rolagem da sua moratória, desmoralizando o já combalido Poder Judiciário.

O discurso dos doutrinadores que se filiam ao argumento da

relativização da coisa julgada, notadamente quando se trata de coisa julgada inconstitucional centra-se no argumento de que o princípio da coisa julgada está a merecer uma nova postura, diante de situações constrangedoras que vem sofrendo o judiciário, em face a perplexidade dos jurisdicionados em se depararem com circunstâncias inexplicáveis, baseadas em disparidades de julgamentos, sem que nada possa ser feito, uma vez que tais situações se agravam ainda mais quando acobertadas pelo manto da coisa julgada.

www.abdpc.org.br 

9 Humberto Theodoro Junior. Coisa Julgada Inconstitucional.2004, p.75 10 Idem, Ibidem, p. 83

Page 7: RELATIVIZAÇÃO DA COISA JULGADA - abdpc.org.br Gerent.pdf · 1. A COISA JULGADA SOB O PONTO DE VISTA DA CONSTITUIÇÃO ... Moacir Amaral Santos. ... julgamento do Recurso Especial

Dentre esses, há um consenso no sentido de que a coisa julgada

material é a segurança das relações jurídicas que esse instituto proporciona, pois, para que a solução dos conflitos pelo Poder Judiciário tenha a eficácia de pacificação social, torna-se necessário que suas decisões se tornem indiscutíveis, evitando-se, assim, a perpetuação das lides.

Pode-se afirmar, por fim, de acordo com tudo o quanto foi exposto, no

que se refere à relativização da coisa julgada que os relativistas entendem que o valor da Justiça deve prevalecer ainda que em prejuízo do valor da segurança. São eles os criadores das denominadas ondas renovatórias do direito processual.

4. A PROPORCIONALIDADE E A RELATIVIZAÇÃO DA COISA JULGADA MATERIAL

Dentre os doutrinadores que entendem ser possível a modificação de

uma sentença transitado em julgado, existem os mais sensatos, ainda que em minoria, defendendo o ponto de vista de que devem ser limitadas as exceções à autoridade da coisa julgada.

E, para que se limite esta exceção, faz-se necessário a utilização do

princípio da proporcionalidade.

Ora, para resolver o grande dilema representado pelo conflito entre princípios constitucionais, aos quais se deve a mesma obediência, por ocuparem a mesma hierarquia normativa, alguns estudiosos preconizam a utilização da proporcionalidade, por intermédio da qual se estabelecerá quais dos valores em conflito deverá prevalecer.

Afinal, diferentemente do conflito de regras que resulta em uma

antinomia, resolvida pela perda de validade de uma delas, no conflito de princípios, apenas se privilegia um, sem que implique no desrespeito completo do outro.

Segundo os seguidores da possibilidade da relativização da sentença,

não há princípio que possa ser acatado de forma absoluta, em toda e qualquer hipótese. Impõe-se, portanto, a necessidade do uso do princípio da proporcionalidade, para que se respeitem as normas de direitos fundamentais, que possuem o caráter de princípios tendentes a colidir.

Portanto, nas hipóteses de colisão entre os princípios constitucionais

da segurança jurídica e do acesso à ordem jurídica justa, averiguar-se-á se a decisão é adequada, necessária e proporcional em sentido estrito, seguindo-se esta ordem sucessiva.

Por isso, alguns poucos defensores dessa corrente, para a

relativização da coisa julgada inconstitucional, o que se deve ter em mente é que tal

www.abdpc.org.br 

Page 8: RELATIVIZAÇÃO DA COISA JULGADA - abdpc.org.br Gerent.pdf · 1. A COISA JULGADA SOB O PONTO DE VISTA DA CONSTITUIÇÃO ... Moacir Amaral Santos. ... julgamento do Recurso Especial

só ocorra em casos excepcionais e que realmente justifique a medida, o que se dará através da proporcionalidade.

5. O QUE ALEGAM OS QUE DISCORDAM DA TESE DA RELATIVIZAÇÃO DA COISA JULGADA

Em contraposição a todos os argumentos lançados a favor da tese da

relativização da sentença, doutrinadores de renome manifestam sua discordância com tal linha de pensamento. Um deles, Luiz Guilherme MARINONI, se manifesta no sentido de que ”a coisa julgada material é atributo indispensável ao Estado Democrático de Direito e à efetividade do direito fundamental de acesso ao Poder Judiciário”.11

O eminente professor não esconde a sua preocupação com os efeitos

da relativização da coisa julgada sobre o princípio da segurança dos atos jurisdicionados. Diz ele que “a posição que até hoje prevalece está ligada à idéia de que o Direito é valido porque foi assim declarado pelo “soberano” e não porque é justo.”12

No seu modo de ver, por mais que se procure o primado da dignidade

da pessoa humana, as teorias que propugnam a idéia de que sempre seria possível obter uma decisão justa, ainda não permitem alcançar sua execução fática. E acrescenta: “Em outras palavras, ainda não existem condições de disciplinar um processo que sempre conduza a um resultado justo.” 13

Ademais disso, o autor destaca com muita propriedade que de nada

adianta falar em direito de acesso à justiça sem dar ao cidadão o direito de ver o seu conflito solucionado definitivamente. Embora se deva reconhecer que a definitividade inerente à coisa julgada pode, em determinados casos, produzir efeitos indesejáveis ao próprio sistema, não se pode, em nome disso, concordar com a idéia de que ela pode ser desconsiderada.

Acrescenta, com a sua habitual objetividade, que “não parece que a

simples afirmação de que o Poder Judiciário não pode emitir decisões contrárias à justiça, à realidade dos fatos e à lei, possa ser vista como um adequado fundamento para o que se pretende ver como “relativização” da coisa julgada.” 14

Aduz, ainda, o eminente jurista, que caso se admita que o Estado-Juiz

errou no julgamento que se cristalizou, também será possível admitir que ele no segundo julgamento. Desta forma, a idéia de relativizar a coisa julgada não traria nenhum benefício ou situação de justiça.

www.abdpc.org.br 

11 artigo Luiz Guilherme Marinoni. “Sobre a Chamada “Relativização” da Coisa Julgada Material”. Disponível em www.redeagu.gov.br/UnidadesAGU/CEAGU/revista/ano_II_fevereiro2001 12 Idem. Ibidem. 13 Idem. Ibidem. 14 Luiz Guilherme Marinoni. Op. Cit. Disponível em www.redeagu.gov.br/UnidadesAGU/CEAGU/revista/ano_II_fevereiro2001

Page 9: RELATIVIZAÇÃO DA COISA JULGADA - abdpc.org.br Gerent.pdf · 1. A COISA JULGADA SOB O PONTO DE VISTA DA CONSTITUIÇÃO ... Moacir Amaral Santos. ... julgamento do Recurso Especial

Comunga deste pensamento o eminente processualista ARAKEN DE ASSIS15, para quem, aberta a possibilidade de se discutir novamente o mérito de uma sentença transitada em julgado, não é difícil antever que todas as portas ficarão escancaradas às iniciativas do vencido, e a conseqüência inevitável, daí decorrente, é que os litígios jamais terão fim, renovando-se, a cada instante, sob o argumento de que a anterior sentença teria ofendido este ou aquele princípio constitucional.

O insigne jurista também sugere a intervenção do legislador, com o fito

de estabelecer, previamente, as situações em que a eficácia da coisa julgada não opera na desejável e natural extensão.

Importante registrar, ainda e por ser pertinente ao tema em comento, a

diferença apontada na doutrina entre coisa julgada material e formal. Quando se alude à indiscutibilidade da sentença judicial, fora do processo, em relação a outros feitos judiciais, põe-se o campo da coisa julgada material, que aqui realmente importa e que constitui, verdadeiramente, o âmbito de relevância da coisa julgada. Já a indiscutibilidade da decisão judicial verificada dentro do processo remete à noção de coisa julgada formal. A coisa julgada formal, como se sabe, é endoprocessual, e se vincula à impossibilidade de rediscutir o tema decidido dentro da relação processual em que a sentença foi prolatada. Já a coisa julgada material é extraprocessual, fazendo repercutir seus efeitos para fora do processo, em relação a outros processos.

Pois bem, a coisa julgada material ocorre quando um caso é julgado,

ou seja, uma vez efetivada a subsunção do fato à norma jurídica abstrata, concluindo-se a atividade jurisdicional e restando declarada a disciplina que o direito confere àquela situação específica.

Dessa forma, se não mais couber recurso e, passado o prazo

decadencial de dois anos para a propositura da ação rescisória, sendo esta última somente possível se dentro dos requisitos do art. 485 do Código de Processo Civil, institui-se entre as partes e em relação à demanda julgada uma situação de definição quanto aos direitos e obrigações inerentes aos envolvidos, de forma que nem as partes, nem outro juiz, nem o legislador poderá modificar o que foi decidido.

LEONARDO GRECO,16 eminente Professor da Universidade Federal

do Rio de Janeiro, ao escrever sobre o tema, através de artigo sob o título “Eficácia da declaração erga omnes de constitucionalidade ou inconstitucionalidade em relação à coisa julgada anterior”, transmite a seguinte lição:

Todavia, parece-me que a coisa julgada é uma importante garantia fundamental e, como tal, um verdadeiro direito fundamental, como instrumento indispensável à eficácia concreta do direito à segurança, inscrito como valores e como direito no preâmbulo e no caput do art. 5º da Constituição de

www.abdpc.org.br 

15 Araken de Assis. Op. Cit. p. 351 16 Leonardo Grecco, artigo disponível em www,mundojurídico.adv.br/html/artigos/direito_processual_civil.html, acessado em 30.04.2008

Page 10: RELATIVIZAÇÃO DA COISA JULGADA - abdpc.org.br Gerent.pdf · 1. A COISA JULGADA SOB O PONTO DE VISTA DA CONSTITUIÇÃO ... Moacir Amaral Santos. ... julgamento do Recurso Especial

1988. A segurança não é apenas a proteção da vida, da incolumidade física ou do patrimônio, mas também e principalmente a segurança jurídica. A segurança jurídica é o mínimo de previsibilidade necessária que o Estado de Direito deve oferecer a todo cidadão, a respeito de quais são as normas de convivência que ele deve observar e com base nas quais pode travar relações jurídicas válidas e eficazes. ... A coisa julgada é, assim, uma garantia essencial do direito fundamental à segurança jurídica.

Cabível, por fim, o registro de que recentemente a Colenda 1ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região acolheu o voto do eminente Desembargador Federal VILSON DARÓS 17 que ao julgar uma Ação Declaratória de Inexistência, se manifestou no sentido de uma decisão proferida regularmente em um processo, com a presença de todos os seus elementos constitutivos da ação – citação, garantia do direito de defesa, regular publicação dos atos do processo, exaurimento da fase recursal, com trânsito em julgado, jamais poderá ser reputada inexistente. No dizer do eminente Desembargador Federal, a relativização da coisa julgada e sua superação por meio de ação declaratória de nulidade de sentença fere o princípio da segurança jurídica, elemento essencial do Estado Democrático de Direito.

CONCLUSÃO

De tudo o quanto foi exposto, se forem analisados os argumentos apresentados por ambas as correntes, é possível encontrar alguma razão plausível para o acolhimento das razões apresentadas.

Como visto, os que se aliam à linha de argumentação da relativização

da coisa julgada, se apegam, essencialmente, à hipótese de estar-se diante de uma sentença inconstitucional, e que por isso mesmo, não poderia surtir os efeitos desejados pela parte vencedora. Parece não lhes importar os danosos efeitos da insegurança jurídica decorrente da aplicação dos mecanismos que podem ser utilizados para modificar o julgado com trânsito em julgado, assim como também não demonstram preocupação com o fato de ser possível se eternizarem as discussões e as pendengas.

Já os defensores da tese contrária, ou seja, de que a coisa julgada não

pode ser modificada, a não ser por uma ação rescisória, interposta no prazo de lei, tem a seu favor o argumento de que não se deve fragilizar o instituto da segurança jurídica sob pena de se instalar verdadeiro caos em todo o nosso ordenamento jurídico.

www.abdpc.org.br 

17 Vilson Darós, Tribunal Regional Federal da 4ª Região, Acórdão em AC 2006.70.01.006.344-8/PR, j. em 24.10.2007.

Page 11: RELATIVIZAÇÃO DA COISA JULGADA - abdpc.org.br Gerent.pdf · 1. A COISA JULGADA SOB O PONTO DE VISTA DA CONSTITUIÇÃO ... Moacir Amaral Santos. ... julgamento do Recurso Especial

Se forem analisados os efeitos e as conseqüências da adoção dos procedimentos defendidos por ambos os lados, verificar-se-á que, entre estar-se diante de uma possível sentença inconstitucional e do valor da segurança jurídica, não podem restar dúvidas de que a segunda alternativa ainda é a mais coerente.

Ora, se no decorrer do processo as partes têm o direito de se

manifestar tantas vezes quantas se fizerem necessárias, e, se a favor delas existem recursos de toda ordem, fica fácil perceber que eventuais vícios que podem tornar nula uma sentença, como por exemplo a própria inconstitucionalidade da decisão, devem ser apontados no tempo oportuno.

Ademais disso, não pode passar despercebida a possibilidade de se

fazer uso da ação rescisória (contra a qual já existem doutrinadores se rebelando), apenas que no decurso dos dois anos admitidos pela lei.

O que não é possível, sob qualquer pretexto, é eternizar a relativização

da coisa julgada, sob pena de se instalar verdadeiro caos. É evidente que, a prevalecer a tese da relativização da sentença por

tempo indefinido, aqueles de maior poder aquisitivo que forem declarados vencidos na demanda, tudo farão para, no mínimo, ver postergado pelo maior tempo possível o cumprimento da sua condenação. Estes sempre terão maior facilidade de acesso à justiça, notadamente se a “outra parte” não dispuser de recursos financeiros em condições de igualdade.

BIBLIOGRAFIA ASSIS, Araken de, Coisa Julgada Inconstitucional. Belo Horizonte: Editora Fórum, 2006. CAIS, Cleide Previtalli, Revista dos Tribunais. vol. 868. São Paulo, Editora Revista dos Tribunais, 2008. DELGADO, José, Coisa Julgada Inconstitucional. Belo Horizonte: Editora América Jurídica, 2004. DELGADO, José, Coisa Julgada Inconstitucional. Belo Horizonte: Editora Fórum, 2006. SANTOS, Moacir Amaral, Primeiras Linhas de Direito Processual Civil. 17 ed. vol.3. São Paulo: Editora Saraiva, 1998. SILVA, Ovídio A. Baptista da, Curso de Processo Civil. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2005.

www.abdpc.org.br