4
PRODUÇÃO MUSICAL 36 www.backstage.com.br Ticiano Paludo é produtor musical, publicitário, músico, compositor e soundesigner. Leciona Áudio Publicitário e Atendimento na FAMECOS - Faculdade dos Meios de Comunicação Social (PUC/RS) e Arranjo e Produção Musical Nível III no IGAP - Instituto Gaúcho de Áudio Profissional. http://www.pontowav.com.br/hotsite/ um primeiro momento, a associa- ção direta que se faz com remix acaba recaindo sobre a música eletrônica, pista, danceteria, bate-estaca e por aí vai. Na verdade, não está de todo errado, uma vez que essa técnica foi am- plamente desenvolvida e promovida pelos DJs. Porém, veremos adiante que não é apenas isso e que muitos produtores musi- cais atuais também produzem remixes. Uma das ferramentas que contribuí- ram significativamente para a massifi- cação do termo remix foi o sampler. Sam- plers são dispositivos digitais gravadores de som nos quais podem-se carregar amostras de som e “dispará-las” median- te alguns periféricos. Como exemplo de “disparadores” podemos citar os teclados controladores, teclados do tipo work- station e os próprios samplers. Isto sem es- quecer dos iSamplers, isto é, samplers vir- tuais (softwares que simulam samplers de hardware). Neste caso, eu particular- mente gosto muito do EXS24 e do Kontakt. Lembre-se de que equipamento bom (seja ele hardware ou software) é aquele com o qual nos damos bem, isto é, aquele que dominamos e tiramos um bom suco (re- sultado prático). Começando pela definição, o remix pode ser encarado como uma roupa nova para uma faixa, sendo esta roupa desenvolvida através da utilização de recortes sonoros. No entanto, ao utili- zarmos tais recortes, devemos ter a preo- cupação de que nossa criação não se distanciará demais daquela que lhe deu origem. Ou seja, o público deve ou- vir o remix e estabelecer uma relação direta com a faixa original utilizada como fonte geradora (fonte sonora). Não estamos criando uma música nova a partir de uma já existente e sim, fazen- do-a nascer de novo sob um novo olhar. A fonte sonora, inclusive, deve sempre ser a mesma. Caso utilizemos mais de uma fonte sonora base, o resultado dei- xa de ser um remix e passa a ser um mashup (abordaremos esse tema na co- luna de fevereiro). Na prática, significa dizer que se desejamos remixar She Loves You dos Beatles, todos os recortes se darão em cima desse fonograma e não desse acrescido de outras fontes (como outras faixas dos Beatles ou de qualquer artista que seja). E para que remixar? Produz-se um remix basicamente com 3 objetivos ge- rais: dar vida nova (e roupa nova, tam- bém) para faixas (principalmente anti- gas, com o objetivo de revitalizá-las); tor- nar dançante determinada faixa (daí a relação com pista e danceteria); ou con- ferir um caráter sofisticado à faixa remixada (sem relação nenhuma com danceterias e afins). REMIX -SE! Em primeiro lugar: FELIZ 2008, o ano novo chegou! Que venha trazendo paz e muita prosperidade para o fascinante e conturbado meio da indústria fonográfica. Vamos iniciar o ano falando sobre um tema atual que ainda confunde muitas pessoas. Afinal de contas, que diabos é um remix e para que se produz? N Uma vez que o andamento foi definido, é hora de partirmos para os recortes, tratamento e filtragem das amostras. A fonte sonora normalmente vai estar disponível em dois formatos: mix fechada ou mix aberta

REMIX-SE! Começando pela definição, o remix recortes ... · acaba recaindo sobre a música eletrônica, pista, danceteria, bate-estaca e por aí vai. Na verdade, não está de

Embed Size (px)

Citation preview

Page 1: REMIX-SE! Começando pela definição, o remix recortes ... · acaba recaindo sobre a música eletrônica, pista, danceteria, bate-estaca e por aí vai. Na verdade, não está de

PRODUÇÃO MUSICAL

36 www.backstage.com.br

Ticiano Paludo é produtor musical, publicitário,

músico, compositor e soundesigner. Leciona

Áudio Publicitário e Atendimento na FAMECOS -

Faculdade dos Meios de Comunicação Social

(PUC/RS) e Arranjo e Produção Musical Nível III no

IGAP - Instituto Gaúcho de Áudio Profissional.

http://www.pontowav.com.br/hotsite/

um primeiro momento, a associa-ção direta que se faz com remixacaba recaindo sobre a música

eletrônica, pista, danceteria, bate-estacae por aí vai. Na verdade, não está de todoerrado, uma vez que essa técnica foi am-plamente desenvolvida e promovida pelosDJs. Porém, veremos adiante que não éapenas isso e que muitos produtores musi-cais atuais também produzem remixes.

Uma das ferramentas que contribuí-ram significativamente para a massifi-cação do termo remix foi o sampler. Sam-plers são dispositivos digitais gravadores

de som nos quais podem-se carregaramostras de som e “dispará-las” median-te alguns periféricos. Como exemplo de“disparadores” podemos citar os tecladoscontroladores, teclados do tipo work-station e os próprios samplers. Isto sem es-quecer dos iSamplers, isto é, samplers vir-tuais (softwares que simulam samplersde hardware). Neste caso, eu particular-mente gosto muito do EXS24 e do Kontakt.Lembre-se de que equipamento bom (sejaele hardware ou software) é aquele com oqual nos damos bem, isto é, aquele quedominamos e tiramos um bom suco (re-sultado prático).

Começando pela definição, o remixpode ser encarado como uma roupanova para uma faixa, sendo esta roupadesenvolvida através da utilização derecortes sonoros. No entanto, ao utili-zarmos tais recortes, devemos ter a preo-cupação de que nossa criação não sedistanciará demais daquela que lhedeu origem. Ou seja, o público deve ou-vir o remix e estabelecer uma relaçãodireta com a faixa original utilizadacomo fonte geradora (fonte sonora).Não estamos criando uma música novaa partir de uma já existente e sim, fazen-do-a nascer de novo sob um novo olhar.A fonte sonora, inclusive, deve sempreser a mesma. Caso utilizemos mais deuma fonte sonora base, o resultado dei-xa de ser um remix e passa a ser ummashup (abordaremos esse tema na co-luna de fevereiro). Na prática, significadizer que se desejamos remixar She

Loves You dos Beatles, todos os recortesse darão em cima desse fonograma enão desse acrescido de outras fontes(como outras faixas dos Beatles ou dequalquer artista que seja).

E para que remixar? Produz-se umremix basicamente com 3 objetivos ge-rais: dar vida nova (e roupa nova, tam-bém) para faixas (principalmente anti-gas, com o objetivo de revitalizá-las); tor-nar dançante determinada faixa (daí arelação com pista e danceteria); ou con-ferir um caráter sofisticado à faixaremixada (sem relação nenhuma comdanceterias e afins).

REMIX-SE!Em primeiro lugar:FELIZ 2008, o anonovo chegou! Quevenha trazendo paz emuita prosperidadepara o fascinante econturbado meio daindústria fonográfica.Vamos iniciar o anofalando sobre umtema atual que aindaconfunde muitaspessoas. Afinal decontas, que diabos éum remix e para quese produz?

N

Uma vez que o andamento foi definido, é hora departirmos para os recortes, tratamento e filtragem das

amostras. A fonte sonora normalmente vai estardisponível em dois formatos: mix fechada ou mix aberta

Page 2: REMIX-SE! Começando pela definição, o remix recortes ... · acaba recaindo sobre a música eletrônica, pista, danceteria, bate-estaca e por aí vai. Na verdade, não está de

www.backstage.com.br 37

PRODUÇÃO MUSICAL

Mas como se remixa algo? Deixando claro que essas são ape-nas algumas idéias, e não uma regra única e definitiva, vou pro-por um roteiro baseado na minha reconhecida experiência nes-sa arte conforme o que segue: a primeira coisa a fazer é escolhera faixa original que será remixada. Após esta escolha, devemosmedir o bpm (ou seja, o andamento em beats per minute – bati-das por minuto). Nessa hora, um bom ouvido e senso de ritmosão requisitos básicos. Uma dica é importar a faixa inteira em umsoftware multipista (Sonar, Cubase, Logic Audio, etc) e progra-mar (via linguagem MIDI) um kick (bumbo) em cada tempo(1, 2, 3, 4), repetindo essa programação por alguns compassos.Como a grande maioria das músicas trabalha no compasso 4/4,teremos 4 tempos por compasso. Faça um ajuste fino de anda-mento no seqüenciador até que os kicks programados “encai-xem” nos tempos (1, 2, 3, 4) da música a ser remixada. Assimvocê descobrirá o andamento (tempo). Seguindo essa linha deraciocínio, para efeito de análise didática, vamos supor que asua faixa foi detectada com o andamento de 120bpm. Comomúsica e matemática andam de mãos dadas, você terá 3 op-ções padrão de andamento para o remix: o tempo original(120bpm), metade do tempo (60bpm), ou o dobro do tempo(240bpm). A escolha vai depender do tipo de resultado quevocê deseja obter. Claro que o bom gosto faz parte dessa esco-lha. Digo isso, pois em alguns casos, dobrar o andamento podegerar caos no arranjo; reduzir à metade pode fazer com que amúsica perca força e fique monótona. Eventualmente, se aidéia é dar mais gás ao resultado, podemos manter o andamen-to original e re-programar a batida da música de forma maisintensa. Assim, o ouvinte terá a sensação de que a faixa “ace-lerou”, ganhando vida e poder de impacto.

Uma vez que o andamento foi definido, é hora de partirmospara os recortes, tratamento e filtragem das amostras. A fontesonora normalmente vai estar disponível em dois formatos: mixfechada ou mix aberta. No primeiro caso, temos o fonogramaoriginal ripado de um CD ou vinil, ou ainda em mp3 (estéreosimples L+R). Isto é comum quando não temos disponível umamix aberta, ou seja, todas as pistas da faixa separadas. De qual-quer modo, precisamos definir o que utilizaremos para nossoremix. Certa vez, fiz um remix para publicidade extraindo a fai-xa original do CD (mix fechada) e posteriormente importei-apor inteiro no seqüenciador. Medi o andamento e a partir desseponto fui compondo o arranjo sem recortar nada. No entanto,era uma faixa que continha poucos elementos e não possuíabatida alguma. Além disso, a amostra inteira me interessava.Neste caso, foi tranqüilo trabalhar assim. Cabe aqui uma obser-vação: muitas vezes o cliente comum tem a ilusão de que exis-tem plug-ins que “extraem o vocal da música” ou ainda, “sepa-

Page 3: REMIX-SE! Começando pela definição, o remix recortes ... · acaba recaindo sobre a música eletrônica, pista, danceteria, bate-estaca e por aí vai. Na verdade, não está de

PRODUÇÃO MUSICAL

38 www.backstage.com.br

ram a voz”. Sabemos que isso não exis-te. O que pode ser feito (e foi isso quefiz no exemplo relatado anteriormen-te) é utilizar um equalizador gráficopara filtrar uma faixa (ou grupo) defreqüências e realçar outras. Dessemodo, realmente o vocal parecerá estarnum plano mais à frente.

No entanto, como estamos trabalhan-do com uma mix fechada, ao aplicarmosesse EQ estaremos também “matando”tudo o que estiver soando nas referidasfreqüências filtradas. No caso de umamix aberta, tudo fica mais fácil, pois ésimples escolher pedaços ou trechos in-teiros de vocal, guitarra, baixo, bateria,etc, afinal de contas, temos acesso aomaterial sonoro em separado. Na minhaopinião, essa etapa de escolha e trata-mento das amostras é a parte mais braçaldo trabalho. O trabalho intelectual será acriação de um novo arranjo. Existem óti-mos programas de tratamento de áudiocomo o Sound Forge para preparação das

amostras. Como eu disse anteriormente,as amostras base devem ser todas prove-nientes da mesma fonte sonora/faixa/fonograma (isso vai ajudar o ouvinte nomomento da audição para que ele relaci-one o remix à faixa original). Porém,nada impede que sejam utilizados loopsou batidas extraídas de outras faixas(logicamente, respeitando o andamento

original e/ou suas derivações de propor-cionalidade matemática – metade oudobro do tempo). As amostras tratadascomo fragmentos (ou seja, diversos peda-ços da faixa fatiados) podem ser direta-mente coladas no multipista (com o ve-lho importar ou copiar+colar – CTRL C+ CTRL V) ou exportadas como samplespara serem posteriormente carregadas edisparadas por um sampler (virtual oureal). Não esqueça que com os recursosdisponíveis hoje em dia, o limite é a suacriatividade. Inverter, aplicar chorus,delay, reverb, etc, depende da sua vonta-de e adequação ao projeto.

Tratadas as amostras, é hora de par-tirmos para o arranjo em si. Existeminúmeros exemplos de remixes para se-rem ouvidos (alguns geniais, outrospéssimos). Nessa etapa do processo pro-dutivo, devemos equacionar nosso ta-lento e os anseios de quem nos contra-tou para produzirmos o remix. É nesseponto que o verdadeiro remixer (isto é,aquele que produz remixes) mostra adiferença entre bom gosto e competên-cia versus mal gosto e falta de habilida-de. No mercado podemos encontrartrabalhos que seguem para uma linhamais pop (ouça, por exemplo, o exce-lente remix produzido por Liminhapara a faixa ‘Sina’ do Djavan) e outrosmais sofisticados (tendendo a deixar afaixa com um ar mais classudo). Parailustrar esse desdobramento possível,sugiro a audição de um remix que pro-duzi para a banda americana SalvaMe. Este trabalho só foi possível devidoaos avanços tecnológicos existenteshoje, principalmente graças à internet.

Toda a negociação ocorreu via e-mail.Após acertados os detalhes de contrato,cachês e proposta artística do remix (nes-te caso, como disse, a idéia era sofistica-ção), a banda me enviou arquivos emalta resolução com o vocal em mix aber-ta, ou seja, apenas o vocal. A banda me

Tratadas as amostras, éhora de partirmos para

o arranjo em si.Existem inúmeros

exemplos de remixespara serem ouvidos

(alguns geniais, outrospéssimos)

Page 4: REMIX-SE! Começando pela definição, o remix recortes ... · acaba recaindo sobre a música eletrônica, pista, danceteria, bate-estaca e por aí vai. Na verdade, não está de

PRODUÇÃO MUSICAL

40 www.backstage.com.br

enviou apenas o vocal porque eu soliciteiisso. Queria trabalhar todo o arranjo par-tindo única e exclusivamente dele. Cla-ro que eu conhecia bem a faixa original epossuía uma cópia da mesma. Então, tireia música de ouvido (a partir da originalem mix fechada), selecionei as partes

vocais (mix aberta) que me interessavame compus um novo arranjo. Como a mú-sica era mais lenta, acabei mantendo oandamento original. Uma vez que oremix ficou pronto (incluindo uma pré-masterização), enviei via e-mail paraaprovação do cliente. A banda aprovou eo remix foi incluído como faixa bônusnum álbum lançado recentemente noJapão. Vejam como a tecnologia podeproporcionar experiências sensacionais.A faixa foi originalmente composta egravada nos EUA, remixada em PortoAlegre (Brasil) e lançada no Japão (Tó-quio). Realmente incrível! Viva a tecno-logia e a internet!

Existem outras técnicas possíveis deajuste de bpm (principalmente quan-do desejamos acelerar uma faixa origi-nal de forma mais substancial). Osmodernos CDJs (aparelhos de CDprojetados especialmente para DJs)conseguem uma alteração de anda-mento (neste caso isto é chamado dealteração de pitch) – tanto de acele-ração como de redução – que man-

e-mail para esta coluna:

[email protected]

tém a afinação original de forma bemsatisfatória (importante no que se re-fere às questões de arranjo) com umespectro de ação bem razoável. Al-guns plug-ins (via software) tambémrealizam esta operação. Porém, pelaminha experiência prática, qualqueralteração (para mais ou para menos)realizada desse modo que seja superi-or a 10% do andamento original acabaprejudicando a qualidade do materialsonoro (o ouvinte comum começa aperceber que houve manipulação; jános CDJs esta manipulação – conse-quentemente seguida de degradação– é menos perceptível).

Como a música atual moderna viveprincipalmente através da recombi-nação e da releitura (de escolas musi-cais, estilos, faixas), o remix é, indiscu-tivelmente, uma técnica muito impor-tante e relevante. Lembremos que atu-almente a tecnologia facilitou muito aprodução de um remix. Imagine ficarrecortando e colando as amostras demodo físico (ou seja, no osso, com te-soura, régua, “olhômetro” e durex)como era feito antigamente. Devemosagradecer, principalmente, aos nossosqueridos amigos DJs que contribuírammuito para o aperfeiçoamento e difu-são dessa técnica. Na próxima colunavou abordar outro desdobramento con-temporâneo dessa técnica: os mashups.Abraços e boas férias!

Ouça o remix produzido por Paludopara a banda americana Salva Me em:

http://www.myspace.com/ticiano-paludo - Faixa 1 – Dwell – BrazilianFlavour Mix by Ticiano Paludo

Conheça mais sobre a Salva Me eouça e versão original da faixa Dwellremixada por Paludo acessando o site dabanda em: http://www.salvame.net

Devemos agradecer,principalmente, aos

nossos queridosamigos DJs que

contribuíram muitopara o

aperfeiçoamento edifusão dessa técnica