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REPENSANDO O CURRÍCULO DE MATEMÁTICA DO ENSINO MÉDIO ATRAVÉS DO REGISTRO DAS REPRESENTAÇÕES SEMIÓTICAS Daniella Assemany da Guia, Darling Domingos Arquieres, Maria Êda Amadeu Barino, Joana Luiz Marques, Adriano dos Santos da Silva Grupo de Educação Matemática da Universidade do Estado do Rio de Janeiro: GEMat-UERJ, [email protected] Diante da dissociação entre os conteúdos de Matemática, destacados nos Parâmetros Curriculares Nacionais do Ensino Médio (Brasil, 1999), dos Registros das Representações Semióticas na Educação Matemática (Duval, 2013) e dos estudos apresentados por Bittar (2013), que justificam a abordagem vetorial desde o Ensino Fundamental, surgiu uma nova abordagem para o currículo do Ensino Médio, o qual está em constante transformação, promovendo mudanças de paradigmas. Essa pesquisa apresenta atividades específicas do currículo da escola básica, aplicada a estudantes do Rio de Janeiro, Brasil. Corroborando com as particularidades do que é ser um professor, esperamos contribuir com o ensino-aprendizagem da matemática. 1. Introdução O ensino-aprendizagem de Matemática no Brasil tem, cada vez mais, sido alvo de pesquisas em Educação Matemática. Existem queixas recorrentes por parte dos alunos e professores a respeito das dificuldades no entendimento de conteúdos e na resolução de problemas. No âmbito escolar, o aprendizado depende de diversos fatores. O conjunto de atividades que são destinadas aos alunos e a reflexão acerca das mesmas é um aspecto central que pretendemos enfatizar. Essa comunicação tem como objetivo apresentar um estudo feito no Brasil, no qual mudanças no currículo do Ensino Médio de uma escola pública, na cidade do Rio de Janeiro, mostrou influenciar diretamente no ensino-aprendizagem em matemática. Após sete anos de estudo e aplicação de uma nova abordagem para o currículo das três séries do Ensino Médio, algumas questões desafiadoras foram postas à prova: Qual a concepção de matemática que um estudante da escola básica precisa ter? De que forma a estrutura curricular pode interferir nesse processo? Para encarar este desafio, nosso grupo de pesquisa buscou nos Parâmetros Curriculares Nacionais do Ensino Médio (Brasil, 1999) para embasar o currículo que estava sendo pensado pelos educadores e assinado pelo governo brasileiro, como indicativo para todas as escolas de Ensino Básico. Posteriormente, fizemos leituras e discussões sobre os estudos apresentados por Bittar (2013), os quais justificam a abordagem vetorial desde o Ensino Fundamental, como ocorre, por exemplo, nas escolas francesas. Essa escolha foi devido ao direcionamento dos anos anteriores de estudo, os quais delinearam um currículo de Ensino Médio interligado, com a base vetorial desde a 1 a série desse segmento, que foi aplicado em uma escola brasileira. Na França, a geometria vetorial se encontra distribuída nos dois últimos anos do ensino fundamental (4º ciclo) e ao longo do ensino médio. (...) uma primeira leitura de livros didáticos de matemática adotados na França, para a educação básica, mostra claramente que a noção de vetor aparece nesse nível como um ente geométrico que deverá servir para resolver problemas de geometria: trata-se de introduzir uma nova ferramenta para resolver problemas por vezes já conhecidos dos alunos. (Bittar, 2013, p. 71 e 73) A metodologia escolhida teve a influência da didática francesa, através dos obstáculos epistemológicos para análise do desenvolvimento das atividades apresentadas pelos estudantes, e o Registro das Representações Semióticas (Duval, 2013). Ele possibilita compreender o funcionamento cognitivo dos estudantes e, com isso, proporciona que nós, professores e pesquisadores, observemos como os alunos estão representando seu pensamento, através da análise de suas visualizações, interpretações e exteriorizações de determinada situação-problema.

Repensando o Curriculo de Matematica do Ensino Medio ... · Marques, Adriano dos Santos da Silva Grupo de Educação Matemática da Universidade do Estado do Rio de Janeiro: GEMat-UERJ,

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REPENSANDO O CURRÍCULO DE MATEMÁTICA DO ENSINO MÉDIO ATRAVÉS DO REGISTRO DAS REPRESENTAÇÕES SEMIÓTICAS

Daniella Assemany da Guia, Darling Domingos Arquieres, Maria Êda Amadeu Barino, Joana Luiz

Marques, Adriano dos Santos da Silva Grupo de Educação Matemática da Universidade do Estado do Rio de Janeiro: GEMat-UERJ,

[email protected]

Diante da dissociação entre os conteúdos de Matemática, destacados nos Parâmetros Curriculares Nacionais do Ensino Médio (Brasil, 1999), dos Registros das Representações Semióticas na Educação Matemática (Duval, 2013) e dos estudos apresentados por Bittar (2013), que justificam a abordagem vetorial desde o Ensino Fundamental, surgiu uma nova abordagem para o currículo do Ensino Médio, o qual está em constante transformação, promovendo mudanças de paradigmas. Essa pesquisa apresenta atividades específicas do currículo da escola básica, aplicada a estudantes do Rio de Janeiro, Brasil. Corroborando com as particularidades do que é ser um professor, esperamos contribuir com o ensino-aprendizagem da matemática. 1. Introdução O ensino-aprendizagem de Matemática no Brasil tem, cada vez mais, sido alvo de pesquisas em Educação Matemática. Existem queixas recorrentes por parte dos alunos e professores a respeito das dificuldades no entendimento de conteúdos e na resolução de problemas. No âmbito escolar, o aprendizado depende de diversos fatores. O conjunto de atividades que são destinadas aos alunos e a reflexão acerca das mesmas é um aspecto central que pretendemos enfatizar. Essa comunicação tem como objetivo apresentar um estudo feito no Brasil, no qual mudanças no currículo do Ensino Médio de uma escola pública, na cidade do Rio de Janeiro, mostrou influenciar diretamente no ensino-aprendizagem em matemática. Após sete anos de estudo e aplicação de uma nova abordagem para o currículo das três séries do Ensino Médio, algumas questões desafiadoras foram postas à prova: Qual a concepção de matemática que um estudante da escola básica precisa ter? De que forma a estrutura curricular pode interferir nesse processo? Para encarar este desafio, nosso grupo de pesquisa buscou nos Parâmetros Curriculares Nacionais do Ensino Médio (Brasil, 1999) para embasar o currículo que estava sendo pensado pelos educadores e assinado pelo governo brasileiro, como indicativo para todas as escolas de Ensino Básico. Posteriormente, fizemos leituras e discussões sobre os estudos apresentados por Bittar (2013), os quais justificam a abordagem vetorial desde o Ensino Fundamental, como ocorre, por exemplo, nas escolas francesas. Essa escolha foi devido ao direcionamento dos anos anteriores de estudo, os quais delinearam um currículo de Ensino Médio interligado, com a base vetorial desde a 1a série desse segmento, que foi aplicado em uma escola brasileira.

Na França, a geometria vetorial se encontra distribuída nos dois últimos anos do ensino fundamental (4º ciclo) e ao longo do ensino médio. (...) uma primeira leitura de livros didáticos de matemática adotados na França, para a educação básica, mostra claramente que a noção de vetor aparece nesse nível como um ente geométrico que deverá servir para resolver problemas de geometria: trata-se de introduzir uma nova ferramenta para resolver problemas por vezes já conhecidos dos alunos. (Bittar, 2013, p. 71 e 73)

A metodologia escolhida teve a influência da didática francesa, através dos obstáculos epistemológicos para análise do desenvolvimento das atividades apresentadas pelos estudantes, e o Registro das Representações Semióticas (Duval, 2013). Ele possibilita compreender o funcionamento cognitivo dos estudantes e, com isso, proporciona que nós, professores e pesquisadores, observemos como os alunos estão representando seu pensamento, através da análise de suas visualizações, interpretações e exteriorizações de determinada situação-problema.

A pesquisa se deu a partir de atividades investigativas, específicas do currículo do Ensino Básico, aplicadas a dois grupos de estudantes: i) iniciantes da graduação na área de exatas da Universidade e provenientes de escolas secundárias diversas; ii) alunos do Ensino Médio de uma escola a qual passou pela reformulação curricular citada anteriormente, na qual a maioria dos conteúdos de matemática foram interligados e uma nova concepção adotada. Os alunos iniciantes da graduação que participaram da pesquisa são provenientes de escolas com a base do currículo atual de Matemática da escola básica, no qual existem grandes dificuldades para conectar conteúdos, ressignificar o mesmo objeto, observar equivalências, dentre outras coisas. Por meio da metodologia apresentada, pretendemos mostrar a influência de uma mudança curricular no ensino-aprendizagem de Matemática. 2. Uma proposta de reformulação curricular no Ensino Médio

Nos anos de 1998 e 1999, a partir da real necessidade de uma reforma educacional no Brasil, o Ministério da Educação e Cultura (MEC) produziu um documento baseado na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, denominado de Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) dos Ensinos Fundamental e Médio, que tinha o objetivo de estimular e auxiliar o professor em sua prática diária de sala de aula, propondo um currículo para a escola básica. Destacamos um trecho nos PCN do Ensino Médio, que expõe a angústia propulsora para a elaboração de uma proposta curricular diferente da que existe atualmente no Brasil, pois conecta a apresentação do currículo da matemática escolar e a diferente produção de significados para um determinado conceito:

Um primeiro exemplo disso pode ser observado com relação às funções. O ensino isolado desse tema não permite a exploração do caráter integrador que ele possui. Devemos observar que uma parte importante da Trigonometria diz respeito às funções trigonométricas e seus gráficos. As sequências, em especial progressões aritméticas e geométricas, nada mais são que particulares funções. As propriedades de retas e parábolas estudadas em Geometria Analítica são propriedades dos gráficos das funções correspondentes. Aspectos do estudo de polinômios e equações algébricas podem ser incluídos no estudo de funções polinomiais, enriquecendo o enfoque algébrico que é feito tradicionalmente. (PCN, 1999 – p. 225)

A partir da valorização da visão geométrica nos estudantes, o Registro das Representações Semióticas subsidiaram o olhar diferenciado para a maioria dos conteúdos do Ensino Médio na abordagem que apresentamos. Primeiramente, em nossa proposta, houve uma reorganização dos conteúdos da 1ª série deste segmento de ensino, permitindo que o ponto de partida fosse Vetores no Plano. Posteriormente, os conteúdos seguintes começavam a aparecer como um engendramento de noções primeiramente geométricas, provenientes das vetoriais e de suas representações.

A introdução da noção de Vetores no R2 no 1° ano do Ensino Médio pretende lançar mão de um instrumento importante e prático no estudo dos conteúdos expostos em sequência, mas principalmente da Trigonometria e Função Afim, reduzindo cálculos desnecessários que estes temas recorrem quando seu ensino é feito de maneira isolada. A organização dos conteúdos estruturados e baseados nos Vetores pretende conduzir o aluno a interpretações geométricas de fatos algébricos. (Assemany, 2011)

O fluxograma a seguir mostra a interdependência dos conteúdos do Ensino Médio, porém

não representa o dinamismo em que ele é executado nas três séries, uma vez que alguns conteúdos

são vistos em mais de uma série, mas com graus de aprofundamentos diferentes. Além do mais, os sentidos das setas da imagem abaixo oferecem possibilidades diversas ao professor-educador1.

É importante destacar que os conteúdos ligados a Combinatória, Probabilidade e Estatística não foram contemplados no fluxograma por não terem ligação alguma com o campo vetorial. Entender como um currículo e um cronograma são elaborados é importante, dado que há uma lógica em sua estrutura. Contudo, mapeá-los em todas as suas regiões, verificando nelas o grau de eficácia atingido, e/ou refletir na forma pela qual eles deveriam ser reorganizados a fim de que os problemas sejam sanados, é uma tarefa infindável. A base geral de ações contribuintes para isto está voltada em escolher um bom referencial teórico, revisar a literatura e analisar documentos oficiais e, em seguida, elaborar uma proposta que supra muitos dos aspectos negativos, enaltecendo os pontos positivos já verificados como eficazes em diversas pesquisas próprias ou no âmbito da Educação Matemática.

Em linhas gerais, pode-se afirmar que este currículo proporciona, dentre outras coisas: a utilização das Transformações no Plano para o ensino de Trigonometria, a determinação da Equação da Reta antes do estudo da Função Afim, a Translação de gráficos, a Geometria Espacial a partir de Vetores no R3, o auxílio da Geometria plana e dos Vetores no estudo de Números Complexos, a visualização geométrica na resolução de Sistemas Lineares, por conseguinte, uma interligação maior entre uma considerável quantidade de conteúdos. Em sua monografia intitulada “A contribuição dos vetores na reestruturação curricular do Ensino Médio: um estudo de caso”, realizada por Azevedo (2013), a autora defende a posição de que a base vetorial no currículo do Ensino Médio é um diferencial para estudantes na transição para o Ensino Superior. Eles se tornam mais ávidos a deduzir fórmulas, ao invés de memoriza-las, e representar de diversos modos os mesmos objetos, através de vários olhares em diferentes momentos do ciclo básico da escola, por consequência da estrutura interconectada dos conteúdos.

1 Utilizamos o termo professor-educador porque acreditamos que um profissional que está atuando na sala de aula deve estar em formação continuada, atento não somente ao ensino, mas à aprendizagem e, portanto à Educação Matemática.

Figura 1

Através de pesquisas, observamos que a abordagem baseada na Geometria Vetorial 2 parece oferecer um preparo melhor para os alunos na transição do Ensino Médio para o Ensino Superior. Mesmo aqueles que não seguirão na área de exatas em suas escolhas profissionais, relataram que o entendimento dos conteúdos foi mais amplo e relacional, tornando-o capaz de compreender de forma mais abrangente a Matemática do Ensino Médio. (Azevedo, 2013)

3. Referenciais Teóricos

Segundo Duval (2013), organizar bem as atividades a serem aplicadas é de fundamental importância para um bom ensino-aprendizagem. Quando uma mesma proposta é apresentada a diferentes sujeitos, surgem diversas concepções de entendimento, nomeadas de representações. É como pedir para que duas pessoas imaginem um objeto como um sapato, por exemplo. Ambas pensarão num sapato, mas o formato, o tamanho, a cor etc, isto é, os fatores que o compõe não serão iguais. Isso varia tanto para objetos concretos quanto para abstratos. São representações internas que cada pessoa tem em particular. Entretanto, ainda que duas pessoas pensem em objetos muitos semelhantes, a forma com que elas os expressarão será também distinta, visto que cada uma tem sua própria representação externa ou representação semiótica, dentro de um conjunto de simbologias e formas de escrita padrão entre si.

A compreensão em matemática implica a capacidade de mudar de registro. Isso porque não se deve jamais confundir um objeto e sua representação. Ora, na matemática, diferentemente dos outros domínios de conhecimento científico, os objetos matemáticos não são jamais acessíveis perceptivamente ou instrumentalmente (microscópio, telescópio, aparelhos de medida etc.). O acesso aos objetos matemáticos passa necessariamente por representações semióticas3. (Duval, 2013, p. 21)

Com o intuito de investigar como estudantes do Ensino Médio e Superior representam o que compreendem sobre determinado conceito, foram aplicadas duas atividades: uma que abrangia conhecimentos de Geometria Plana ou Vetorial ou de Números Complexos; outra que contemplava conhecimentos cotidianos e de Números Complexos. Nosso objetivo, ao analisar os desenvolvimentos apresentados pelos alunos, foi verificar os obstáculos epistemológicos (Pais, 2008) que se apresentavam no que consideramos como Registros de Representação Semiótica (RRS).

O referencial teórico dos RRS tem como base ações elementares e pode atuar não só como análise, mas para inferir diretamente no ensino-aprendizagem dos estudantes. O sujeito, para ter sua representação interna, inicialmente percebe e imagina o objeto a ser estudado, em seguida, procura formas de manipulá-lo. A boa escolha de atividades pelo professor auxilia em desenvolver a representação mental e na produção de conhecimentos. Duval (2013) aponta que, quando os estudantes observam diferentes perspectivas e, por conseguinte, distintas representações semióticas, compreendem com maior facilidade novos conceitos ou um mesmo conceito, quando buscam interligar a nova representação semiótica com a sua. Dessa forma, o aprendizado terá mais chances de sucesso. Evidentemente não existe uma representação semiótica para cada indivíduo, podendo sim haver representações iguais ou muito semelhantes. Elas vão se assemelhando de acordo com características em comum entre as pessoas, tais como a localidade de sua instituição de ensino, os professores que passaram por sua vida acadêmica, o arcabouço familiar e cultural, e, principalmente, o currículo em vigor. 2 É a denominação para a abordagem geométrica baseada nos vetores, utilizada como base para os conteúdos do Ensino Médio da reestruturação curricular proposta, apresentada no fluxograma da Figura 1. (grifo nosso) 3 Grifo do autor.

Os estudos de Colombo (2008) mostram que em outros países, as representações semióticas têm um enfoque maior em seu currículo do que no Brasil, embora o governo brasileiro tenha tomado atitudes em prol de modificar esse quadro, com a criação dos Parâmetros Curriculares Nacionais dos Ensinos Fundamental e Médio. Os PCN (Brasil, 1999) tinham o objetivo de estimular e auxiliar o professor em sua prática diária de sala de aula, propondo um currículo para a escola básica, que se preocupava em acompanhar as mudanças no mundo, além de dar significado ao conteúdo escolar através da interdisciplinaridade e da contextualização.

(...) o Ensino Médio agora é parte da Educação Básica. Isso quer dizer que ele é parte da formação que todo brasileiro jovem deve ter para enfrentar a vida adulta com mais segurança. Por isso, propomos um currículo baseado no domínio de competências básicas e não no acúmulo de informações. (PCN - Ensino Médio, 1999 – p. 11)

A reforma estabeleceu uma divisão do currículo por áreas do conhecimento: Linguagens, Códigos e suas Tecnologias; Ciências da Natureza, Matemática e suas Tecnologias; e Ciências Humanas e suas Tecnologias. A interdisciplinaridade proposta pelos PCN não eliminou a necessidade de se trabalhar as particularidades de cada disciplina. Nota-se que se propunha uma visão do Ensino Médio de caráter amplo, no qual a formação do estudante foi tratada de forma contextualizada, tendo como principal objetivo os conhecimentos básicos, tais como a capacidade de pesquisar, analisar e selecionar informações, criar e formular, desmotivando a memorização. A ideia era que ‘o aluno aprenda a aprender’, de modo que o papel da escola básica seja capacitá-lo para continuar sua formação.

Contudo, os Parâmetros Curriculares Nacionais, ainda que tenham flexibilidade para sua implementação, não possuem sua aplicação de forma direta nas escolas brasileiras, uma vez que apresentam a Matemática de forma linear e fragmentada. 3.1 Metodologia

(...) em termos de obstáculos que o problema do conhecimento científico deve ser colocado (...) é no âmago do próprio ato de conhecer que aparecem, por uma espécie de imperativo funcional, lentidões e conflitos. É aí que mostraremos causas de estagnação e até de regressão, detectaremos causas de inércia as quais daremos o nome de obstáculos epistemológicos. (Bachelard, 1996, p.17)

Segundo Bachelard (1996), os obstáculos epistemológicos são vistos na prática educacional

como “entraves à aprendizagem”, barreiras à apropriação do conhecimento científico, obstruindo a atividade racional do estudante.

Na Matemática, a noção de obstáculo epistemológico se caracteriza por um conhecimento ou uma concepção, e não por uma dificuldade ou falta de significados. Assim, cada conhecimento é suscetível de ser um obstáculo à aquisição de novos significados. Em alguns casos, nota-se que o conhecimento de um assunto impede o desenvolvimento de outro.

Na educação matemática os obstáculos interferem com maior intensidade na fase de gênese das primeiras ideias e que não estão, normalmente, presentes na redação final do texto do saber. A apresentação final do conteúdo acaba filtrando dificuldades próprias de sua de síntese. Por esse fato, há de se considerar a dificuldade de aprendizagem da matemática decorrente dessa diferença entre sua síntese e redação. (Pais, 2008, p. 43)

Na sequência, explicitaremos alguns obstáculos referentes às noções de Números Complexos, Geometria Plana, Cartesiana e Vetorial. Em particular, analisaremos aqueles que

impossibilitam a construção de caminhos coerentes na realização de duas atividades em Matemática, para apresentar formas resolução diferenciadas de alunos que receberam formações baseadas em currículos distintos, sendo que um deles segue a linha que propomos neste artigo.

Nossa intenção não é esgotar este assunto, mas sim explorar situações em que possamos contribuir para a produção de significados, pois acreditamos que a apropriação do conceito de Vetores não se finda, à priori, sobre a aprendizagem da sua definição, mas repousa sobre o domínio de atividades que permitam aos alunos desenvolverem e/ou adquirirem as noções disparadoras que seu cerne permite. 5. A pesquisa e análise de resultados Para conceber um currículo no qual a Geometria Vetorial foi o suporte impulsionador de praticamente todos os conteúdos subsequentes, assim como, a partir dela, suprimiram-se fórmulas e aumentaram as possibilidades de representações e deduções lógico-indutivas, aplicamos uma pesquisa com duas atividades de matemática a alunos em três grupos: dois deles eram estudantes da graduação, de cursos da área de exatas (Matemática e Física), de universidades públicas distintas do estado do Rio de Janeiro, Brasil; e um deles era um grupo de alunos do último ano (3a série) do Ensino Médio, também do Rio de Janeiro, que ao final do ano pretendem ingressar na Universidade, os quais foram submetidos à proposta curricular que apresentamos nesse artigo.

A seguir, destacamos duas resoluções que exemplificam os obstáculos epistemológicos que encontramos, com relação a atividade 1. I) Aluno X do Ensino Médio

A resolução do aluno X aponta para a transição do resultado algébrico à sua representação geométrica. Observe que o estudante desenha um círculo, localiza o número w corretamente (apontando para o 9) e faz uma rotação de 90o no sentido anti-horário para determinar z. Dessa forma, não percebe que os ponteiros de um relógio giram em sentido horário, uma vez que não se sabe se ele identificou que o círculo se tratava da representação de um relógio. Identificamos como obstáculo epistemológico a “Rotação de segmentos orientados”.

II) Aluno Y da Universidade

A resolução do aluno Y aponta para a dificuldade no cálculo do sen90o e, em seguida, na simplificação da fração. Identificamos dois obstáculos epistemológicos nesta resolução: “Falta de domínio do conteúdo” e “Erros de Cálculo”.

Atividade 1: Um jantar secreto é marcado para a hora em que as extremidades dos ponteiros do

relógio forem representadas pelos números complexos e , sendo e

, com um número real fixo, . Determine a hora do jantar, justificando sua resposta.

Quadro 1

O quadro a seguir reúne todos os obstáculos epistemológicos encontrados, por grupo de alunos pesquisados, nas resoluções da atividade 1. Analisamos que os alunos do Ensino Médio apresentaram menor número de obstáculos do que os estudantes das Universidades. Acreditamos que isto se deve ao fato de que o quantitativo de acertos tenha sido muito alto (64% de alunos), em comparação com o das Universidades (2%). Essa atividade é tipicamente sobre Números Complexos, contudo, a base do ensino referenciado em Vetores permite que o aluno (E.M.) represente a solução de forma direta através da Rotação de Segmentos Orientados.

Além disso, o que nos salta aos olhos é o fato de que 50% dos obstáculos dos estudantes das Universidades (E.S.) referem-se à “Identificação somente dos dados enunciados no problema”. Porém, Duval (2013) nos mostra uma explicação formal para isso:

(...) as questões – há decênios recorrentes – de compreensão dos mais simples enunciados de problemas de aplicação de aritmética ou álgebra, em que seria suficiente “traduzir” os dados do enunciado. Na realidade, a passagem de um enunciado em língua natural a uma representação em um outro registro toca um conjunto complexo de operações para designar os objetos. (Duval, 2013, p.18)

Apresentaremos, a seguir, quatro resoluções para exemplificar os obstáculos epistemológicos que observamos, com relação a atividade 2, a qual continha conceitos da Geometria Plana, considerados como noções básicas do Ensino Médio. III) Aluno Z do Ensino Médio

A resolução do aluno Z indica o segmento MP como lado do quadrado MNPQ e, a partir desta informação, utiliza os conceitos da geometria plana como recursos para resolução correta da atividade. Identificamos como obstáculo epistemológico: “Interpretação equivocada do enunciado, utilizando MP como lado”.

Atividade 2: Dados os vértices M = (1,2) e P = (7,4) do quadrado MNPQ, determine as coordenadas dos vértices N e Q.

IV) Aluno W do Ensino Médio

A resolução do aluno W indica o segmento MP como diagonal do quadrado MNPQ e utiliza os conceitos da geometria vetorial e de números complexos como recursos para resolução correta da atividade, apesar de sua representação algébrica não estar bem definida matematicamente. Contudo, os pontos Q e N não são determinados corretamente, nem suas coordenadas cartesianas e nem sua representação no plano. Identificamos como obstáculos epistemológicos: “Não utiliza recursos da Geometria Plana para seguir com a resolução” e “Falta de domínio do conteúdo”.

V) Aluno R do Ensino Médio

A resolução do aluno R indica que o quadrado MNPQ deve apresentar-se de maneira convencional, com seus lados paralelos aos eixos coordenados. Além disso, ele calculou a medida da diagonal e, em seguida, tentou calcular a medida do lado. Contudo, não deu prosseguimento ao desenvolvimento da atividade. Identificamos como obstáculos epistemológicos: “Não unifica os conhecimentos de Geometria Plana com Cartesiana” e “Representação dos objetos de maneira apenas usual/convencional”.

VI) Aluno K da Universidade

A resolução do aluno K mostra que ele aplicou a fórmula para a determinar a equação da reta que contém os pontos M e P e, em seguida, apresentou as coordenadas dos pontos M, N, P e Q todas iguais a (1, 2), mas em lugares distintos no plano, ou seja, demonstrando que o seu resultado (6y – 2x – 10 = 0) não produzia significado para ele. Entendemos que apenas o conhecimento das fórmulas é insuficiente para a resolução dos problemas. Identificamos como obstáculo epistemológico a “Aplicação direta de fórmulas, mas de maneira incoerente”.

O quadro 2 (a seguir) reúne todos os obstáculos epistemológicos encontrados, por grupo de alunos pesquisados, nas resoluções da atividade 2. Notamos que os estudantes do Ensino Médio apresentaram mais obstáculos do que os alunos das Universidades. Observamos também que houve 5 acertos no grupo de alunos do Colégio – E.M. e nenhum do Ensino Superior. De posse da pesquisa e, conforme as resoluções dos alunos Z, W e R anteriores, tendemos a acreditar que há mais obstáculos epistemológicos no grupo de alunos do Ensino Médio pois foi aquele que apresentou mais ferramentas para resolver a atividade 2. Isto pode ser ratificado pelo total de

estudantes de cada grupo, 59 do E.M. contra 49 do E.S., comparado com o total de obstáculos em cada um, 72 do E.M. contra 52 do E.S., sendo 5 acertos do E.M. e 0 acerto para o E.S., fato este que nos chama a atenção pois a atividade é sobre um conteúdo básico do Ensino Médio. Deve-se levar em consideração que as turmas pesquisadas de Ensino Superior são da área de exatas, mais especificamente, de Matemática e Física.

5. Considerações Finais O currículo de Matemática para o Ensino Médio, mesmo que tendo sido proposto neste artigo, ainda encontra-se em investigação, sujeito a diferentes experimentações e, consequentemente, em fase de transformação. Todavia, acredita-se que a Geometria Vetorial, constituída na reestruturação curricular apresentada, assim como destacada por Bittar (2013) e Azevedo (2013), possibilita relacionar conteúdos, promover diferentes visões para um mesmo conceito e usufruir das diferentes representações, transitando bem entre elas para aquisição do conhecimento matemático.

Os tratamentos são transformações de representações dentro de um mesmo registro: por exemplo, efetuar um cálculo ficando estritamente no mesmo sistema de escrita ou de representação dos números; resolver uma equação ou um sistema de equações. (...) As conversões são transformações de representações que consistem em mudar de registro conservando os mesmos objetos denotados: por exemplo, passar da escrita algébrica de uma equação à sua representação gráfica. (...) para poder estar em posição de observá-la, é preciso começar por distinguir bem esses dois tipos de transformação das representações, o que é raramente ou jamais feito, seja porque se estima que a conversão é somente uma forma particular de tratamento, seja porque se acredita que ela depende de uma compreensão conceitual, isto é, de uma atividade “puramente mental”, quer dizer, assemiótica. (Duval, 2013, p.16 e 30)

O resultado da pesquisa nos mostrou que os alunos do Ensino Médio utilizam menos fórmulas e mais raciocínio do que os da Universidade, uma vez que ou os alunos do E.M. acertavam imediatamente, ou expunham vários recursos diferenciados para a resolução, aumentando assim o número de obstáculos epistemológicos. Por outro lado, os estudantes do Ensino Superior, ou deixavam em branco, escrevendo apenas os dados do problema, ou tentavam

Quadro 2

algo que lhes fosse o tradicional, o conhecido, como uma fórmula, uma figura convencional, uma representação habitual sem transformar para outro registro etc. Para exemplificar esse fato, destacamos a escrita de um aluno da Universidade, ao tentar resolver a atividade 2. Após ele desenhar um quadrado (sem localizar suas coordenadas no plano cartesiano) e tentar escrever algumas fórmulas, dentre elas a da distância entre pontos, não obtém resultado algum. Ao final, escreve a caneta:

“Chutei, pois apenas tive vetores no 3o ano e pré vest, p/ específica da UERJ.” Quando o aluno escreve “3o ano e pré vest”, ele está querendo se reportar à última série do Ensino Médio e ao curso que fez (pré vestibular) para conseguir ingressar na Universidade (UERJ – Universidade do Estado do Rio de Janeiro). O estudo do Registro das Representações Semióticas (Duval, 2013; Colombo, 2008; Bittar, 2013) nos trouxe ferramentas para construir, com base nos Parâmetros Curriculares Nacionais (Brasil, 1999), uma linha de pensamento sobre os conteúdos da escola básica para o Ensino Médio. Junto a isso, os resultados da pesquisa e a apresentação do desenvolvimento das atividades aplicadas nos mostrou que os estudantes de Universidades, provenientes de escolas brasileiras que seguiram sua própria grade curricular, apresentaram desempenhos inferiores aos dos alunos do Colégio do Ensino Médio que tiveram a reestruturação curricular conforme a proposta que apresentamos. Por estes motivos, justificamos essa pesquisa como um fio disparador para a necessidade de uma reformulação curricular em matemática na educação básica, para as escolas brasileiras, a priori. Mantendo o compromisso de professores-educadores e na perseverança em construir um currículo de qualidade, esperamos contribuir com as pesquisas em Educação Matemática e honrar com as ideias dos referenciais teóricos aqui citados. 6. Referências Bibliográficas

ASSEMANY, D. O ensino e a aprendizagem de vetores no 1º ano do Ensino Médio: uma reestruturação curricular. III COLÓQUIO DE EDUCAÇÃO MATEMÁTICA. Julho, 2011. Juiz de Fora, MG, Brasil.

AZEVEDO, C.A.M. 2013. A Contribuição dos Vetores na Reestruturação Curricular do Ensino Médio: Um Estudo de Caso. Monografia (Conclusão do curso de graduação em Licenciatura Matemática). Universidade Federal do Rio de Janeiro, Brasil.

BACHELARD, G. A formação do espírito científico: contribuição para uma psicanálise do conhecimento. Rio de Janeiro: Contraponto, 1938 (impressão 1996). 316p.

BITTAR, M. O Ensino de Vetores e os Registros de Representação Semiótica. In: Machado, Silvia Dias Alcântara (org). 2013. Aprendizagem em Matemática: Registros de Representação Semiótica. p. 71-94. São Paulo, Brasil. Ed. Papirus, 8ªed (1a reimpressão).

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COLOMBO, J. A. A. 2008. Registros de Representação Semiótica, Campos Conceituais e Tarefas: Contribuições teóricas para pensar o currículo de matemática. Tese (Doutorado em Educação Científica e Tecnológica), Programa de Pós-Graduação em Educação Científica e Tecnológica. Florianópolis, SC, Brasil.

DUVAL, R. Registros de Representação Semiótica e Funcionamento Cognitivo da Compreensão em Matemática. In: Machado, Silvia Dias Alcântara (org.). 2013. Aprendizagem em Matemática: Registros de Representação Semiótica. p. 11-33. São Paulo, Brasil. Ed. Papirus, 8ªed (1a reimpressão).

PAIS, L.C. 2008. Didática da Matemática: Uma análise da influência francesa. Belo Horizonte, Brasil. Volume 3. Editora Autêntica, 128p. (Coleção Tendências em Educação Matemática).