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668 RBSE, v. 7, n. 21, João Pessoa, GREM, dez. 2008 – ISSN 1676-8965 CORREIA, Luiz Gustavo Pereira de Souza. Por uma antropologia dos sentidos: Resenha. RBSE – Revista Brasileira de Sociologia da Emoção, v. 7, n. 21, pp. 668 a 675, dezembro de 2008. RESENHA Por uma Antropologia dos Sentidos: Resenha LE BRETON, David. El sabor del mundo – Una antropología de los sentidos. Buenos Aires, Ediciones Nueva Visión, 2007, 367 p. “El mundo es la emanación de un cuerpo que lo penetra. (...) Antes del pensamiento, están los sentidos” (p.11). Com essas frases, ainda no primeiro parágrafo do livro, David Le Breton inicia mais uma das críticas ao pensamento de Descartes e sua influência nas noções de corpo no imaginário ocidental. O objetivo de sua afirmativa, “sinto, logo existo”, é estabelecer as bases de uma antropologia dos sentidos focada no papel da orientação cultural e das experiências pessoais nas Generated by Foxit PDF Creator © Foxit Softwa http://www.foxitsoftware.com For evaluation on

Resenha Antropologia Dos Sentidos

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Le breton

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    RBSE, v. 7, n. 21, Joo Pessoa, GREM, dez. 2008 ISSN 1676-8965

    CORREIA, Luiz Gustavo Pereira de Souza. Por uma antropologia dos sentidos: Resenha. RBSE Revista Brasileira de Sociologia da Emoo, v. 7, n. 21, pp. 668 a 675, dezembro de 2008. RESENHA

    Por uma Antropologia dos Sentidos: Resenha

    LE BRETON, David. El sabor del mundo Una antropologa de los sentidos. Buenos Aires, Ediciones Nueva Visin, 2007, 367 p.

    El mundo es la emanacin de un cuerpo que lo

    penetra. (...) Antes del pensamiento, estn los sentidos

    (p.11). Com essas frases, ainda no primeiro pargrafo do

    livro, David Le Breton inicia mais uma das crticas ao

    pensamento de Descartes e sua influncia nas noes de

    corpo no imaginrio ocidental. O objetivo de sua

    afirmativa, sinto, logo existo, estabelecer as bases de

    uma antropologia dos sentidos focada no papel da

    orientao cultural e das experincias pessoais nas

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    RBSE, v. 7, n. 21, Joo Pessoa, GREM, dez. 2008 ISSN 1676-8965

    percepes sensoriais, entendidas como sensibilidades

    individuais ou projees de significados do indivduo

    sobre o mundo a partir das suas relaes com o entorno,

    das suas formas de comunicao e percepo, enfim, do

    seu engajamento corporal no mundo.

    Ao tratar da corporeidade e o conhecimento do

    mundo, Le Breton retoma contribuies de duas obras

    fundamentais de Maurice Merleau-Ponty:

    Fenomenologia da Percepo (1999) e O visvel e o

    invisvel (1999a). Merleau-Ponty mostra em

    Fenomenologia a relao entre o corpo e o espao

    exterior na dinmica das percepes sensoriais, pois no

    movimento, na prtica que a espacialidade do corpo se

    realiza. Segundo o autor, o movimento no se contenta

    em submeter-se ao espao e ao tempo, ele os assume

    ativamente, retoma-os em sua significao original

    (1999, p. 149). O homem se efetiva pela ao do corpo

    no tempo e no espao. O corpo habita o tempo e o espao

    e essa a condio humana do conhecimento. Para Le

    Breton, isso essencial para refletir sobre a tomada de

    conscincia sensvel do mundo, a inscrio do homem no

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    RBSE, v. 7, n. 21, Joo Pessoa, GREM, dez. 2008 ISSN 1676-8965

    seu entorno e a elaborao simblica do seu meio atravs

    das percepes sensoriais.

    Se o corpo tem a mesma carne que o mundo,

    como prope Merleau-Ponty em O Visvel e o invisvel

    (1999a), a carne a via de abertura para o mundo,

    sugere Le Breton (p. 21). O corpo no ento um limite

    ao conhecimento do mundo pelo esprito. , pelo

    contrrio, a forma do homem experienciar o mundo e a si

    prprio, agir e atribuir significado concretude do

    mundo e reconhecer a si mesmo como um ser, uma

    criatura de sentido (p. 22), a partir do sistema simblico

    que vivencia. Conceitua, assim, o corpo em atividade de

    conhecimento como condio de entrelaamento do

    homem com o mundo atravs dos fluxos de sentidos. Em

    suas palavras, frente al mundo, el hombre nunca es un

    ojo, una oreja, una mano, una boca o una nariz, sino una

    mirada, una escucha, un tacto, una gustacin o una

    olfaccin, es decir, una actividad (p. 22).

    O indivduo se apropria simbolicamente do

    mundo atravs de suas percepes, suas projees de

    significados sobre o mundo. As percepes sensoriais so

    tidas por Le Breton como interpretaes pessoais do

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    universo de sentidos resultantes da experincia do sujeito

    a partir da sua localizao social e dos cdigos

    simblicos que compartilha. Cada sociedade configura

    um modelo sensorial prprio, particularizado pelas

    experincias e vinculaes dos indivduos que a

    constituem. Ou seja, qualquer socializao uma

    restrio da sensorialidade possvel e, sendo assim,

    experimentar el mundo (...) es percibilo com su estilo

    propio em el seno de uma experiencia cultural (p. 14).

    As percepes, sejam olfativas, visuais, auditivas, tcteis

    ou gustativas, remetem s memrias e emoes fundantes

    do enraizamento dos indivduos no mundo social como

    marcas da experincia decodificadas pelo sistema

    simblico. Os dados sensveis so referenciados por

    eventos significativos da vivncia do indivduo e, dessa

    forma, distendem o tempo pela via da rememorao, da

    evocao de diversas emoes possveis.

    Tais propostas estimulam investigaes que

    tenham o corpo como matriz da identidade, com vistas s

    relaes e fronteiras em jogo no social dinamizadas pelas

    atividades de interpretao e expresso sensoriais. Para

    Le Breton, o antroplogo deve se abrir s outras culturas

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    RBSE, v. 7, n. 21, Joo Pessoa, GREM, dez. 2008 ISSN 1676-8965

    sensoriais, estranhar seus sentidos, e, nesse

    desprendimento perceptivo, acessar outras maneiras de

    sentir o mundo (p.16). O antroplogo tem o papel de se

    colocar como outra percepo possvel nesse universo

    de sentidos, de buscar compreender os significados das

    trocas permanentemente agenciadas pelos sujeitos em

    suas relaes intersubjetivas.

    Ao longo do livro o autor expe um

    extenso mosaico de dados ilustrativos sobre o papel

    das percepes nas mais diversas sociedades e pocas

    como forma de dar sustentao a suas argumentaes.

    Aponta inmeras direes abertas para exploraes no

    universo das sensibilidades - algumas j mais

    percorridas que outras. Desde o longo processo

    histrico que edifica a hierarquizao do universo

    sensorial no mundo ocidental e confere viso o papel

    de metfora do conhecimento, do esclarecimento

    viso de mundo, at o cafun e a sensualidade prpria

    dos negros no Brasil escravagista, da repugnncia

    como emoo socialmente construda e simbolicamente

    elaborada ao universo acstico prprio a cada

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    RBSE, v. 7, n. 21, Joo Pessoa, GREM, dez. 2008 ISSN 1676-8965

    comunidade humana, o autor apresenta elementos e

    inspiraes para a antropologia dos sentidos.

    Em sua anlise sobre a supremacia do olhar em

    relao aos outros sentidos corpreos no ocidente, Le

    Breton reconstri o processo de configurao da idia

    de individualidade relacionado viso. Busca ento na

    Renascena a celebrao da viso, a maior instncia

    das atividades sensoriais e, em conseqncia, a

    estigmatizao da cegueira como a maior das

    invalidezes, a impossibilidade efetiva de qualquer

    lucidez ou discernimento. Como janela da alma, a

    viso ganha a partir de ento o estatuto de sentido

    primordial pela importncia do distanciamento, da

    diferenciao entre o eu e o ns, que tem nas biografias

    e retratos, bem como nos auto-retratos caractersticos

    desta poca, seu trao revelador. A demarcao do

    individual na sociedade ganha forma simultaneamente

    elevao da viso ao posto de sentido mais nobre

    por ser o sentido prprio da distino. Pelo

    distanciamento, la vista cobra importancia en

    detrimento de los sentidos de la proximidad, como el

    tacto, el olor o el odo. El progressivo alejamiento del

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    RBSE, v. 7, n. 21, Joo Pessoa, GREM, dez. 2008 ISSN 1676-8965

    otro a travs del nuevo estatuto del sujeto como

    individuo modifica asimismo el estatuto de los

    sentidos (p. 37).

    A epgrafe e o encerramento do livro nomeado

    ouverture - so citaes de Marcel Proust em No

    caminho de Swann, inspirao para leituras e reflexes

    sobre sensibilidades e emoes, memrias impregnadas

    no corpo em sua trajetria pelo mundo, recordaes da

    inesgotvel profuso de estmulos experienciada,

    envolvidas pelo encanto do vivido que revelam a

    conscincia amarga e doce das limitaes humanas (p.

    345). Assim tambm, afirma Le Breton, o antroplogo

    em seu ofcio. Leves toques na aproximao da

    infinitamente profunda dimenso do humano, mas com a

    conscincia do seu encanto pelo efmero, pelos

    deslocamentos e retornos to inteis quanto plenos de

    significados, para quem a investigao vale por si

    mesma, pois a percorre, como Proust, com a emoo

    flor da pele (Idem).

    Luiz Gustavo Pereira de Souza Correia

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    RBSE, v. 7, n. 21, Joo Pessoa, GREM, dez. 2008 ISSN 1676-8965

    Referncias MERLEAU-PONTY, Maurice. (1999). Fenomenologia da Percepo. So Paulo, Ed. Martins Fontes. MERLEAU-PONTY, Maurice. (1999). O visvel e o invisvel. So Paulo, Ed. Perspectiva. PROUST. Marcel. (2001). No caminho de Swann. Rio de Janeiro, Ed. Globo.

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