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Resenha - Crianças e escolas na passagem do Império para a República.docx
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Universidade Federal de Minas GeraisFaculdade de Educação – Curso de HistóriaDisciplina: História da Educação – 2015/2Professora: Thais Nívia de Lima e FonsecaAluna: Mariana Cardoso Carvalho
RESENHA
SCHUELER, Alessandra F. Martinez de. “Crianças e escolas na passagem do Império para a
República”. In: Revista Brasileira de História. São Paulo, v. 19, n. 37, p. 59-84, Set. 1999.
Crianças e escolas na passagem do Império para a República, artigo de Alessandra de
Schueler, tem por objetivo esmiuçar como o estabelecimento do Império do Brasil fez
surgirem políticas públicas que fincaram profundas raízes no panorama educacional do país.
Destrincha o importante papel da urbanização brasileira na disseminação dos ensinos primário
e secundário a partir do Estado imperial, que intentava difundir valores e comportamentos
através da educação e manter hierarquias e distinções sociais.
A relação entre crianças e escolas no Brasil, hoje óbvia, é fruto de um longo processo
que teve na formação do Estado imperial, que levou à afirmação da educação infantil (como
um valor e depois como um direito), talvez o seu principal pilar. Segundo Schueler, a
trajetória educacional brasileira está intrinsecamente ligada ao desenvolvimento dos grandes
centros urbanos. Neste cenário desponta o Rio de Janeiro na cena nacional. A capital
fluminense, centro econômico e social do país nos oitocentos e agitada por sediar a corte D.
João VI, assistiu à chegada de imigrantes estrangeiros, em especial portugueses, e de
africanos trazidos pelo comércio de escravos que fizeram crescer sua população.
A consolidação do Estado imperial acendeu um novo ideário na mente das classes
dirigentes, que passaram a opor os conceitos de “progresso” e “civilização” à sujeira e à
desordem atribuídas às cidades coloniais. Desde a década de 1830 tiveram início nas
principais urbes intensos processos de modernização: foram implantadas redes de esgoto,
construídos novos prédios, implementadas medidas de saúde pública – toda sorte, enfim, de
melhoramentos citadinos. Tantas reformas e transformações geravam um sem fim de
atividades e serviços a serem realizados por mulheres, homens e crianças que movimentaram
as ruas. Trabalhar era, neste ínterim, sinônimo de pobreza, um claro divisor entre população
livre e população liberta.
Crianças e adolescentes tinham funções especiais no cotidiano das grandes cidades;
eram criados e pajens, moleques de recados, vendedores ambulantes que não tardaram a ser
registrados em relatórios, arquivos policiais e diários de viajantes da época. Às meninas e aos
meninos na maioria das vezes de classes trabalhadoras eram dirigidas políticas públicas de
caráter higiênico que logo levariam à elaboração de projetos de cunho educacional. Começava
a ser reclamado, à medida em que se dava a abolição da escravidão, o acesso ao ensino
primário público – primeiramente para os livres e libertos e posteriormente para os antigos
escravos, preocupação cujas raízes remontam à Constituição outorgada em 1824, que previa
entre os cidadãos a disseminação da instrução primária e cuja administração era delegada ao
Ministério do Império (junto também ao ensino secundário). Em 1834, com o Ato Adicional,
passaram esses ensinos para o cuidado das Províncias. 1854 é o ano em que foi delimitado
que apenas a população livre e vacinada (excluindo-se aí escravos e portadores de moléstias)
poderiam frequentar as escolas criadas pelo Ministério. Alessandra de Schueler ressalta o
momento como profundamente marcante por subordinar os escravos aos homens livres.
A despeito das distinções hierárquicas – que o ambiente escolar não deixava esquecer,
os meninos pobres, segundo o regulamento de 1854, também deveriam ser matriculados. A
eles seria oferecido por parte do governo material escolar e vestuário. Determinava-se que o
ensino primário seria suficiente para as camadas mais baixas da população. Toda a população
livre, portanto, poderia ter acesso à educação básica. Enquanto o regulamento mencionava e
incluía os meninos sem recursos, as meninas pobres poderiam nem ser mencionadas. A escola
também reproduzia o sistema de gêneros vigente. As garotas que conseguiam adentrar a seara
educacional eram instruídas para além da grade curricular comum ao outro sexo: elas
deveriam conhecer a doutrina cristã, os trabalhos de bordado, costura e outros.
Aparecia como dificuldade o desenvolvimento da instrução primária em todo o
Império. O Estado investia mais em bens palpáveis e “urgentes” como as ferrovias. Em 1865
o Conselheiro Liberato Barroso convocou os deputados a pensarem sobre a importância de
um ensino secundário comum brasileiro, centralizado pela Corte. A educação não apenas
instruiria as crianças, mas também formaria cidadãos preparados para suas atividades futuras
(embora não se soubesse quais seriam elas). Em nome do “progresso” e “da civilização”, a
autora aponta que essa não deixava de ser uma maneira de instruir os jovens com o intuito de
conservar antigas hierarquias.
Além das sociedades e associações filantrópicas fundadas por intelectuais e homens
ilustres (que abarcavam não somente crianças, mas também jovens e adultos), surgiram várias
instituições em todo o Império: as Casas de Educandos Artífices (entre 1840 e 1880) e o Asilo
de Meninos Desvalidos (1874) pretendiam, respectivamente, estabelecer o ensino de ofícios
para a formação de trabalhadores livres e criar abrigos a serem oferecidos para meninos sem
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respaldo econômico. O último gerou o que Schueler chama de “elemento servil”, isto é,
disciplinar crianças filhas de escravas (Lei do Ventre Livre de 1871) que fossem entregues
por seus senhores e impedir que vagassem pelas ruas das cidades.
Discutia-se o papel da educação como instrumento controlador e ordenador do caos
social apontado, por exemplo, pelo Dr. Carlos Bush Varella, jurista que ferrenhamente
defendeu instrução aos “miseráveis” da pátria, ou seja, pequenos moradores de rua,
analfabetos, proletários, figuras que causavam incômodo a muitos dirigente na década de
1870. O quadro que Varella pintava era o de meninos infratores povoando e emporcalhando o
espaço urbano brasileiro. A criação de escolas públicas era cada dia mais encarada como
solução viável à pobreza e à ignorância que habitavam muitas infâncias; aí também residiam
as razões da obrigatoriedade do ensino primário. Discutia-se ainda na agitada década de 1870
a ideia de aliar o ensino primário ao agrícola; foi assim nos Congressos Agrícolas acontecidos
no Recife e no Rio de Janeiro. A falta de mão de obra nas fazendas poderia ser solucionada
através do envio de crianças e jovens para se instruírem junto aos senhores. A educação
constituía-se, primeiramente, como prevenção de criminalidade e demais calamidades e, em
um contexto pós 1871, também como uma forma de pensar a transição de trabalho escravo a
trabalho livre.
Durante todas esse tempo de discussões e inovações os professores das escolas
públicas primárias da Corte não se calaram: opunham-se a políticas governamentais, exigiam
melhores salários, defendiam sua valorização profissional e o ensino público. Relacionavam
instrução e nacionalidade, apontando nas crianças o futuro brasileiro. Muito se movimentaram
e manifestaram; apresentaram em 1874 às autoridades imperiais todas as mazelas que
enfrentavam em seu cotidiano como agentes do conhecimento. Eram comuns problemas como
falta de infraestrutura nas escolas e material escolar e frequência irregular dos alunos. A
Comissão chamou à responsabilidade família e Estado quanto à formação moral e religiosa e
à função de educar, respectivamente.
Os professores debruçaram-se sobre a educação das crianças pobres, muitas vezes
empregadas em serviços domésticos e outros que lhes tiravam a atenção das obrigações
escolares, e recorreram o Estado para que as preparasse, além da instrução formal, para algum
ofício, conciliando duas realidades. Com a Comissão os professores convocavam o Estado e
toda a sociedade em geral a promover a educação.
Na transição que levou o país à República havia discussões e reformas educacionais
tomando lugar no país. Acontecimentos como o processo abolicionista levaram a toda sorte de
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reestruturações em sociedade e à construção de um novo ideal nacional, menos regional e
mais centralizado. A proclamação da República em 1889 intensificou os debates sobre
educação infantil como meio de controle e prevenção de problemas sociais e a própria
infância era redefinida como categoria. As crianças, que desde meados dos oitocentos
começaram a ser alvo de pesquisas científicas (de caráter médico, pedagógico, psicológico,
jurídico), distanciavam-se cada vez mais dos chamados “menores abandonados”, “viciosos”.
Estava estabelecida a noção de criança e escola atreladas, avó talvez do conceito que hoje
perdura.
Não obstante a riqueza de fatos, Alessandra de Schueler indica que campos de estudos
sobre as crianças brasileiras e processos de educação formais ainda são esparsos e permitem a
existência de lacunas nas pesquisas históricas; faltam, de acordo com a autora, avaliações e
análises.
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