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GUIA TEORICO DO ALFABETIZADOR Mirian Lemle apresenta alguns conhecimentos básicos sobre a língua, essenciais para o trabalho nas classes de alfabetização. O professor dessas classes é o que enfrenta, logo de saída, os maiores problemas lingüísticos, e todos de uma vez. O momento crucial de toda a seqüência da vida escolar é o da alfabetização. A consciência de que existe uma língua escrita padrão devem ser tratadas num segundo momento, depois de compreendidas as relações entre os sons da fala e as letras do alfabeto segundo as convenções ortográficas, que também podem ser utilizadas para transcrever uma linguagem diferente daquela considerada culta. A concepção desse Guia remonta a 1985, Miriam Lemle foi convidada para uma reunião do Mobral [Movimento Brasileiro de Alfabetização] com uma dezena de outros lingüistas de várias partes do Brasil. Um deles encarregou-se da análise estatística dos erros de escrita mais freqüentes entre os alunos.Eram coisas do tipo nullprantaçãonull, nullvortavanull, nullmuiénull, nullanénull ou nullfalanonull. Escritas representativas da pronúncia da língua em variedades regionais. Apareceram também muitos exemplos de falta de nullsnull final, como em nullas festanull, bem como generalizações de pessoas verbais, tipo nulleles faznull, descreve a professora. Miriam Lemle chocou-se com o fato de nenhum dos lingüistas mencionar que esses erros nada mais eram que transcrições ortograficamente corretas das pronúncias regionais. Durante a discussão do resultado das estatísticas de erros, MiriamLemle teve vez para falar. Levou uma tabela com a correspondência entre os erros e as formas na língua padrão, realçou a regularidade fonológica das correspondências e concluiu que o melhor modo de encaminhar o ensino seria ajudando os alunos a tomarem consciência de que a língua falada no Brasil não é uma, mas sim várias. "Celso Luft e Antônio Houaiss gostaram muito, e me disseram que eu precisava escrever aquilo num livro para alfabetizadores", recorda-se. Confesso que não tive a pretensão de escrever para o público universitário. O Guia deve ser lido também por professores do primeiro ciclo do ensino fundamental. A

Resenha O Guia Teórico do Alfabetizador

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GUIA TEORICO DO ALFABETIZADOR

Mirian Lemle apresenta alguns conhecimentos básicos sobre a língua, essenciais para o trabalho nas classes de alfabetização. O professor dessas classes é o que enfrenta, logo de saída, os maiores problemas lingüísticos, e todos de uma vez. O momento crucial de toda a seqüência da vida escolar é o da alfabetização. A consciência de que existe uma língua escrita padrão devem ser tratadas num segundo momento, depois de compreendidas as relações entre os sons da fala e as letras do alfabeto segundo as convenções ortográficas, que também podem ser utilizadas para transcrever uma linguagem diferente daquela considerada culta.  A concepção desse Guia remonta a 1985, Miriam Lemle foi convidada para uma reunião do Mobral [Movimento Brasileiro de Alfabetização] com uma dezena de outros lingüistas de várias partes do Brasil.  Um deles encarregou-se da análise estatística dos erros de escrita mais freqüentes entre os alunos.Eram coisas do tipo nullprantaçãonull, nullvortavanull, nullmuiénull, nullanénull ou nullfalanonull. Escritas representativas da pronúncia da língua em variedades regionais. Apareceram também muitos exemplos de falta de nullsnull final, como em nullas festanull, bem como generalizações de pessoas verbais, tipo nulleles faznull, descreve a professora.  Miriam Lemle chocou-se com o fato de nenhum dos lingüistas mencionar que esses erros nada mais eram que transcrições ortograficamente corretas das pronúncias regionais.  Durante a discussão do resultado das estatísticas de erros, MiriamLemle teve vez para falar. Levou uma tabela com a correspondência entre os erros e as formas na língua padrão, realçou a regularidade fonológica das correspondências e concluiu que o melhor modo de encaminhar o ensino seria ajudando os alunos a tomarem consciência de que a língua falada no Brasil não é uma, mas sim várias. "Celso Luft e Antônio Houaiss gostaram muito, e me disseram que eu precisava escrever aquilo num livro para alfabetizadores", recorda-se.  Confesso que não tive a pretensão de escrever para o público universitário. O Guia deve ser lido também por professores do primeiro ciclo do ensino fundamental. A alfabetização só é tema em faculdades de educação, e muito pouco em letras.   A autora do Guia teórico do alfabetizador defende que ainda há muito a fazer quando o assunto é alfabetização. O tema suscita debates acalorados e muita polêmica. A realidade brasileira aponta para dezenas de milhões de pessoas, os analfabetos funcionais, que entendem precariamente conjuntos elementares de palavras e tropeçam no processamento de estruturas sintáticas medianamente complexas.  Caminho árduo.  "Infelizmente, a área de educação foi muito prejudicada por uma abordagem que virou moda, que se passou a priorizar a comunicação em geral e a deixar de lado a tecnologia da escrita e a terminologia da gramática. Isso foi um desastre em todas as partes do mundo", relata Miriam Lemle. 

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 Boa parte da culpa do analfabetismo funcional acredita a autora, vem "desse método comunicativo ou global ou construtivista". A professora está convicta de que um sistema ortográfico é um conjunto de convenções para a representação dos sons da fala. "Obrigar as crianças a atinarem sozinhas com as convenções é um disparate."  A criança, no início da alfabetização tem uma consciência fonológica, que se deturpam quando ela entra na escola e aprende a transformar a fala em escrita, de tal modo que, adulta só será capaz de observar sua fala, sem as interferências da forma gráfica das palavras, após treinamento fonético, alunos do 1º ano do 1º ciclo possuem uma escrita que apresenta essa consciência fonológica, como quando escrevem “camião”, ao invés de caminhão. Já os alunos do 3º ano do Ensino Médio de curso particular, ao tentarem realizar um exercício da apostila, tiveram dificuldades em diferenciar o número de fonemas do número de grafemas de várias palavras, além de apresentarem a mesma escrita das crianças do início da alfabetização ao produzirem textos. Trabalhando com o conceito de que ler e escrever são atos lingüísticos, estimulando a compreensão da natureza da escrita e da fala, de suas funções e usos sociais, fazendo intervenções que proporcionam sem os alunos compreenderem que falamos diferente de como escrevemos, proporcionando a reflexão em torno dos seus erros ortográficos. Podendo perceber que a leitura e a escrita das crianças em fase de alfabetização, é um processo no qual a expressão escrita é influenciada pela fala e suas variações e que o professor mostrando como funciona o português, quais os usos que tem, como fazer para estender ao máximo esses usos nas suas modalidades escrita e oral, em diferentes situações de vida, ensinam aos alunos o que é uma língua, quais propriedades e usos ela realmente tem, qual é o comportamento da sociedade e dos indivíduos com relação aos usos lingüísticos, nas mais variadas situações de sua vida, ensinando adequadamente como elaborar um texto escrito ou dizer um texto oral em situações diferentes, levando os alunos a compreenderem por eles mesmos, como se dá a diversidade da nossa língua, tornando-os competentes ao unirem um significado a um significante, sabendo o que pertence à fala e o que pertence à escrita e por que as coisas são como são. Considerando que a solução para essas dificuldades pode estar na formação do professor, pois o processo de alfabetização inclui muitos fatores, e quanto mais ciente estiver o professor de como se dá o processo de aquisição do conhecimento, de como o aluno se situa em termos de desenvolvimento emocional, de como vem evoluindo o seu processo de interação social, da natureza da realidade lingüística envolvida no momento em que está acontecendo a alfabetização, mais condições terá de encaminhar agradável e produtivamente o processo de aprendizagem, sem os sofrimentos habituais e sem exigir, a transposição absurda que desrespeita o fenômeno da variação.  A alfabetização tem sido uma questão bastante discutida pelos estudiosos da Educação, já que, há muitas décadas, se observam as mesmas dificuldades de aprendizagem, as inúmeras reprovações e a evasão escolar. Essa questão tem recebido, atualmente, uma atenção especial, porém poucas são as soluções encontradas para as dificuldades existentes.  A forma como a escola, de um modo geral, vem tratando as questões da fala, da escrita e da leitura na alfabetização é, muitas vezes, superficial.  As questões pedagógicas, metodológicas e psicológicas e pouca às questões

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lingüísticas.  O professor alfabetizador necessita ter um bom conhecimento da organização do sistema oral e gráfico da Língua Portuguesa para melhor sistematizar o seu ensino, para entender as dificuldades lingüísticas de seus alunos e para auxiliá-los na superação das mesmas de modo mais seguro e competente.    REFERENCIA:

LEMLE, Mirian. Guia teórico do alfabetizador. 3 ed.,  Ática, São Paulo:1995