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Universidade Federal de Juiz de Fora Faculdade de Educação Disciplina: Saberes Escolares em Língua Portuguesa Professora: Lucia Cyranka Aluna: Gabriella Nascimento de Lima Resenha do livro: “A Redação na Escola: e as crianças eram difíceis”, de Eglê Franchi. “A Redação na Escola: e as crianças eram difíceis” foi concebido para ser, originalmente, apenas a tese de mestrado de Eglê Franchi. No entanto, o livro tornou-se referência na área de Metodologia de Ensino, ao apresentar o relato de uma surpreendente experiência pedagógica, que passeia entre o trabalho com a linguagem dos alunos, a aquisição do padrão culto da escrita e o resgate da autoestima de crianças até então estigmatizadas pela própria escola. O primeiro capítulo do livro é uma imersão no ambiente encontrado por Eglê na E.E.P.G. Agr. Dr. Antônio Carlos de Couto Barros, em Vila Santana (distante 9 km de Campinas) onde lecionava. Nesta escola, pretendia buscar dados e elementos para sua pesquisa de mestrado no ambiente em que trabalhava, de maneira a rediscutir também sua própria prática de sala de aula. No entanto, a turma que foi-lhe designada naquele ano a fez reavaliar seus objetivos iniciais. As “crianças difíceis” do título eram os alunos de uma turma de 3ª série, todos pertencentes ao estrato inferior. Tinham entre 9 e 12 anos, e um histórico

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Universidade Federal de Juiz de Fora

Faculdade de Educação

Disciplina: Saberes Escolares em Língua Portuguesa

Professora: Lucia Cyranka

Aluna: Gabriella Nascimento de Lima

Resenha do livro: “A Redação na Escola: e as crianças eram difíceis”, de Eglê Franchi.

“A Redação na Escola: e as crianças eram difíceis” foi concebido para ser,

originalmente, apenas a tese de mestrado de Eglê Franchi. No entanto, o livro tornou-se

referência na área de Metodologia de Ensino, ao apresentar o relato de uma

surpreendente experiência pedagógica, que passeia entre o trabalho com a linguagem

dos alunos, a aquisição do padrão culto da escrita e o resgate da autoestima de crianças

até então estigmatizadas pela própria escola.

O primeiro capítulo do livro é uma imersão no ambiente encontrado por Eglê na

E.E.P.G. Agr. Dr. Antônio Carlos de Couto Barros, em Vila Santana (distante 9 km de

Campinas) onde lecionava. Nesta escola, pretendia buscar dados e elementos para sua

pesquisa de mestrado no ambiente em que trabalhava, de maneira a rediscutir também

sua própria prática de sala de aula. No entanto, a turma que foi-lhe designada naquele

ano a fez reavaliar seus objetivos iniciais. As “crianças difíceis” do título eram os

alunos de uma turma de 3ª série, todos pertencentes ao estrato inferior. Tinham entre 9 e

12 anos, e um histórico surpreendente de repetência e rejeição pelos professores da

escola. Seu comportamento condizia perfeitamente com o que se esperava deles, os

“maus alunos”: eram indisciplinados, agressivos e desinteressados.

Ao longo do capítulo, somos confrontados com uma realidade que não é muito diferente

do que ainda se percebe no nosso sistema educacional: crianças com estorinhas pobres

em criatividade e originalidade, seguindo modelos estereotipados, com organização

textual precária, com pouco ou nenhum conhecimento de diversas convenções da escrita

e, principalmente, com sua linguagem e espontaneidade cerceadas pelos mecanismos

repressores da escola. Para esta, os alunos são “incapazes”, “não aprendem”, e usam

uma linguagem “errada”. Esse discurso, de tanto ser repetido, acaba assimilado pelas

crianças. Percebendo isso, a professora começa a delinear o caminho a ser percorrido

com a turma, partindo do princípio de que só com a valorização de sua linguagem as

crianças poderiam encarar a escrita como forma de comunicação e expressão.

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No capítulo seguinte, Franchi descreve o início das atividades de atividades que

buscavam levar os alunos a compreender os diferentes usos da linguagem, sem que um

fosse mais ou menos prestigiado que outro. Sempre partindo de fatos ocorridos na

escola ou no bairro das crianças, a professora levava-os a refletir sobre a oposição entre

o padrão culto e o popular. Seguiam-se a isso exercícios para a escrita de frases, orações

e expressões em ambos os dialetos, além da leitura de textos onde os dois estavam

presentes (na fala do narrador e/ou das personagens), reforçando as diferenças entre um

e outro.

Pouco a pouco, conforme as atividades com escrita avançavam, foi possível introduzir

as convenções da escrita, como os sinais gráficos de pontuação nos diálogos, por

exemplo. Ao trabalhar com a pontuação, os alunos começaram a fazer encenações e

leituras dramatizadas, para reforçar as diferenças na entoação causadas pelos sinais

gráficos (. ? !). Essas atividades foram fundamentais para estimular a interação e a

colaboração entre a turma, criando um ambiente de trabalho e ajuda mútua.

Em seguida, no terceiro capítulo, Eglê nos mostra como ampliou o trabalho de leitura e

produção textual, adotando a estratégia de exploração de textos para reprodução pelos

alunos, e posteriormente a composição de textos a partir de diversos estímulos. Usando

materiais disponibilizados pelo governo de São Paulo (o que desmonta o argumento de

que só é possível fazer um bom trabalho em escolas com recursos diferenciados),

selecionou e adaptou textos com os quais desenvolveu exercícios de compreensão,

reordenação das partes do texto, leitura dramatizada, ilustração, tudo para preparar os

alunos para a reescrita final.

Depois de tanto trabalhar com a reprodução de textos, foi fácil para as crianças passar a

produzirem os seus próprios textos. Estes foram escritos a partir de quadrinhos

ordenados ou não de acordo com os acontecimentos retratados, a partir de um parágrafo

inicial dado, e de maneira mais livre, motivadas por outras atividades feitas em sala de

aula.

A essa altura, o clima entre as crianças já era de colaboração e ajuda mútua. Em alguns

momentos, chamados por Eglê de “experiências de redação coletiva”, os alunos iam

contribuindo oralmente a respeito das redações: sugeriam expressões, diálogos ou

continuações para o texto, que era aprovadas ou rejeitadas pelos demais. Essas

atividades proporcionavam a troca de experiências entre a classe, e apesar desses

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momentos de compartilhamento de sugestões, os textos elaborados pelos alunos eram de

maneira geral originais e criativos, bem diferente das primeiras redações apresentadas.

Por fim, o último capítulo, intitulado “Conclusões?” traz as análises finais de Eglê

Franchi sobre a prática descrita. A interrogação no título já explicita a primeira

observação feita por ela nesse ponto: a dissertação pode estar concluída, mas o processo

pedagógico não. Este pressupõe continuidade e, portanto, a autora encara o

encerramento da obra apenas como uma pausa necessária para reavaliação do trabalho.

Nessa reavaliação, aponta os fatores que acredita terem sido determinantes para o bom

desempenho de seus alunos tanto em fatores linguísticos e textuais quanto no

relacionamento entre eles e com ela. Enumera novamente os diversos progressos

obtidos pelas crianças, mas cita também alguns pontos problemáticos que podem ter

ficado em aberto. E por último, traz observações feitas pelas mães das crianças, que

mesmo sem nenhuma formação teórica, tiveram sensibilidade para interpretar

brilhantemente a evolução de seus filhos.

A objetividade e clareza de “A Redação na Escola” nos fazem pensar que desenvolver

um trabalho como o que a autora descreve não é tão impossível assim quanto se ouve

dizer por aí. E, de fato, talvez não seja. Certamente, é mais cômodo permanecer imerso

em uma zona de conforto, aceitando que os “alunos não aprendem porque são incapazes

e/ou pobres” e ponto final. Nadar contra essa maré de conformismo foi a grande ousadia

de Eglê Franchi, e hoje, mais de 30 anos depois, deve ser a atitude de qualquer professor

que queira subverter a lógica perversa que legitima diferenças sociais nos espaços

educacionais.