5
Borggreen, Gunhild, Rune Gade, and Performance Studies International. 2013. Performing Archives - Archives of Performance. Copenhagen: Museum Tusculanum Press Resenhas de livros por Naira Ciotti As principais questões abordadas por Performing Archives-Archives of Performance em minha opinião são: Como e por que uma performance pode ser documentada, descrita ou armazenada como arquivo material, se é que isso é mesmo possível dentro da ontologia da performance? Ao mesmo tempo, ao ver uma série de documentações sendo performatizadas ou apresentadas como referências aos acontecimentos do passado, como fonte de material para análises visuais, as vemos como obras de arte por direito próprio. Essa discussão atualíssima sobre a documentação das performances pos-Peggy Phelan, porque vai primar não pela ontologia e sim pela historia recente da performance em diversos capítulos escritos por artistas e teóricos. A partir dessas considerações posso dizer que a meta do livro em discutir e documentar ideias e questões atuais e mostrar artistas e performances juntamente com textos teóricos de qualidade foi cumprida pelos editores de maneira muito satisfatória. Também a estrutura do livro guarda aspectos interessantes para a discussão. Na primeira parte existe uma excelente introducao que historiciza a questão escrita pelos 1

resenha_livro_emispheric.docx

Embed Size (px)

DESCRIPTION

resenha_livro_emispheric.docx

Citation preview

Page 1: resenha_livro_emispheric.docx

Borggreen, Gunhild, Rune Gade, and Performance Studies International. 2013. Performing Archives - Archives of Performance. Copenhagen: Museum Tusculanum Press

Resenhas de livrospor Naira Ciotti

As principais questões abordadas por Performing Archives-Archives

of Performance em minha opinião são:

Como e por que uma performance pode ser documentada, descrita

ou armazenada como arquivo material, se é que isso é mesmo

possível dentro da ontologia da performance? Ao mesmo tempo, ao

ver uma série de documentações sendo performatizadas ou

apresentadas como referências aos acontecimentos do passado,

como fonte de material para análises visuais, as vemos como obras

de arte por direito próprio.

Essa discussão atualíssima sobre a documentação das

performances pos-Peggy Phelan, porque vai primar não pela

ontologia e sim pela historia recente da performance em diversos

capítulos escritos por artistas e teóricos.

A partir dessas considerações posso dizer que a meta do livro em

discutir e documentar ideias e questões atuais e mostrar artistas e

performances juntamente com textos teóricos de qualidade foi

cumprida pelos editores de maneira muito satisfatória.

Também a estrutura do livro guarda aspectos interessantes para a

discussão. Na primeira parte existe uma excelente introducao que

historiciza a questão escrita pelos organizadores em breves

palavras encontramos nesse texto de abertura as principais

questões sobre a performance e sua documentação nos estudos de

performance desde a década 1980. Richard Schechner, segundo o

autor, coloca o arquivo no centro de estudos de performance,

Marvin Carlson entende a performance como uma fonte onde os

dados vivem e operam dentro de um cultura. Jon McKenzie, analisa

a articulação e extensão rápida dos conceitos de performance nos

1

Page 2: resenha_livro_emispheric.docx

sistemas formalizados em discursos e práticas, em sistemas sócio-

técnicos institucionalizados". Peggy Phelan baseando-se em J. L.

Austin, afirma que "atos de fala performativos referem-se apenas a

si mesmos, eles enactuam o que os atos da fala significam".

(BORGUEEN, 2013, p. 15)

Paul Auslander, entende que o status da performance como

"liveness" alterou as distinções entre formas culturais vivas e

mediatizadas, baseando-se em Walter Benjamin e Jean Baudrillard.

Rebecca Schneider t discute a definição ontológica de Peggy Phelan

de performance em relação ao arquivo, entendida como registros,

objetos e documentos de eventos e corpos dissolve as distinções

limítrofes, concluindo que tanto a performance quanto o arquivo

materializam, através do desaparecimento. (ibidem)

Finalmente na abordagem formulada por Diana Taylor o arquivo

representa a permanência de documentos, registros, mapas, textos

e outros relíquias de materiais que parecem resistentes a mudança.

O conflito, ou "racha", não é entre a escrita e a palavra falada, mas

entre duas entidades identificadas por Taylor como "o arquivo de

materiais supostamente duradouros ... e o chamado repertório

efêmera incorporado de práticas/conhecimento". (ibidem)

Essas discussões da ontologia através de conceitos como

"vivacidade", "relíquias de performance" e "repertório" e outros

constroem a primeira parte do livro, intitulada Ontologies, na qual

destaco o texto de Amelia Jones, uma autora que vem discutindo a

memoria da performance em artigos e livros (como Perform,

Repeat, Record: live art in history, de 2012) discute as

temporalidade imprevisíveis onde propõe-nos pensar em como a

performance pode frustrar a estrutura do juízo estético ainda central

para a história da arte e as suas disciplinas e instituições afins

(crítica de arte, curadoria, mercado de arte, e assim por diante).

As duas outras partes referem-se ao tratamento dialógico da

questão, a parte dois intitula-se Archives of performance, onde

encontramos pesquisas sobre os documentos de arte na

2

Page 3: resenha_livro_emispheric.docx

contemporaneidade. Os documentos “acionam a história que se

encontra em algum lugar entre o material, o produtor, o organizador

do arquivo e o espectador, entre o dito e o não-dito". (SANDBYE,

2008, p. 255)

Performing archives, a terceira parte, traz, entre outros, um autor

muito importante para os estudos de documentos da performance ,

Paul Clarke com o texto Performando o arquivo: o futuro do

passado, este pesquisador que reuniu artistas e acadêmicos para

discutir formas em que performativo continua presente, e como são

lembrados e continuam a circular na cultura. Seu texto contem

ótimas fotos em termos de documentação de re-performances em

particular a foto da pag. 380, que mostra a performance de Hugo

Glendinning e Martin O’Brien feita a partir da chocante imagem do

trabalho de Bob Flanagan, Nailed, de 1989. A discussão interessa

por nos instigar a pensar, junto com o autor e seus pares, que na

prática de arquivo há uma coreografia que organiza o movimento e

outros materiais no espaço e no tempo.

Para concluir, podemos pensar que os documentos da performance

podem ser vistos da mesma forma que os protocolos práticos de

artistas performáticos. Ou seja, como um continuum.

Pois a memória humana não é um lugar onde as coisas (diagramas,

categorias, regras, procedimentos etc.) são armazenados.

As representações não são manipuladas pelas pessoas de uma

forma clara, mas devem ser percebidas para poderem ser

interpretadas, isto é, elas devem estar no ambiente. Essas

representações - quando não estão armazenadas no ambiente - são

construídas sempre que necessário.

Podemos dizer que, para além das radicais mudanças nos mercados

e feiras de arte que mobilizam muito capital de várias naturezas e

que, de alguma maneira, empurram também a ideia tradicional de

documento para outras concepções mais adequadas à ordem

mundial, estaria acontecendo também uma mudança de ordem

cognitiva no mundo da arte contemporânea. Eu quero dizer que, se

3

Page 4: resenha_livro_emispheric.docx

num entendimento de memória como depósito organizado de

representações de objetos e vestígios de ações humanas lidamos

com certos sistemas cognitivos; quando falarmos de outros tipos de

cognição, a ideia do armazenamento da memória é outra e, por

conseguinte, será outro o processo de documentação.

Esse livro difunde uma ideia muito feliz, a de que os arquivos de

performance seriam um espaço compartilhado de experiências, de

modo a permitir ao espectador o competente mesmo feito que o

artista teve no momento da criação.

4