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    RReessppoonnssaabbiilliiddaaddeeSSoocciiaallddaa

    IIggrreejjaa

    Calvino Rocha

    Digitalizao: NeuzaDoado por id

    Reviso: SusanaCap

    www.semeadoresdapalavra.net

    Nossos e-books so disponibilizadosgratuitamente, com a nica finalidade de oferecer

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    SEMEADORES DA PALAVRAe-books evanglicos

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    Responsabilidade Social da Igreja/ Calvino Teixeira da RochaISBN-85-8714374-31. Teologia Social 2. Igreja - Responsabilidade social 1. Ttulo.Copyright 2003 by Descoberta Editora Ltda.1 edio: Vero 2003Capa: Eduardo PellissierImpresso: Imprensa da F

    Todos os direitos reservados para:Descoberta Editora Ltda.Rua Pequim, 148Londrina/PR 86050-310Tel/fax: (43) 3337 0077Endereo eletrnico: [email protected] na internet: descoberta.com.br

    Editora filiada ABEC - Associao Brasileira de Editores Cristos

    n d i c e

    Contracapa ................................................................................................... 4

    Introduo ..................................................................................................... 5

    Proposta de responsabilidade social do Pacto de Lausanne....................... 7

    A responsabilidade social crist no Pacto de Lausanne ............................ 24

    O testemunho histrico da Misso Integral ................................................ 53

    Base bblico-teolgica para a responsabilidade social ............................... 68

    Os desafios que pesam sobre a Igreja diante da questo social luz doPacto de Lausanne ..................................................................................... 87

    Concluso ................................................................................................. 100

    Notas......................................................................................................... 102

    Bibliografia ................................................................................................ 106

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    CONTRACAPA

    A responsabilidade social da igreja implica solidariedade.

    No h como agir socialmente se no houver solidariedade.Solidariedade palavra exclusivamente crist. Jesus era solidrio,Jos -conquanto trado pelos irmos - tornou-se solidrio para comeles, o bom samaritano foi solidrio, pois agiu com misericrdia ecompaixo.

    A Palavra de Deus incisiva quando trata da questo socialda igreja: "No te furtes de fazer o bem a quem de direito, estando

    na tua mo o poder de faz-lo. No digas ao teu prximo: Vai evolta amanh; ento, to darei, se o tens agora contigo" (Prov. 3:27-28).

    Deus espera que sua igreja, permeada de solidariedade, saibarepartir com responsabilidade social tudo quanto dEle temrecebido.

    Este livro a resposta a todos aqueles que tm sido

    instigados a questionar o papel da igreja num mundo socialmentemiservel. Os que desejam uma igreja mais relevante e conhecidapelos seus atos, tanto quanto pelos seus credos e confisses develer este livro.

    Samuel Costa

    Doutor em Sociologia e Coordenador da Ps-graduao doSeminrio Presbiteriano de Braslia

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    INTRODUO

    Vivemos num mundo em ebulio. A transformaopromovida pela globalizao algo inquestionvel. Ao invs deapenas facilitar processos, ela, a globalizao, tem aumentado acrise. A misria tem mostrado sua cara feia, como em poucos

    momentos da histria. O abismo entre uns poucos que tm muitoe a maioria que no possui o suficiente tem aumentado no mundo.

    Se a globalizao tem acentuado a desigualdade social nomundo, no Brasil em particular e na Amrica Latina de um modogeral, a histria no diferente.

    Caio Fbio D'Arajo Filho afirma que:

    O Brasil um pas completamente tomado porantagonismos. De um lado, tem-se uma economiaforte, um parque industrial moderno e uma dasmaiores riquezas naturais do planeta; de outro lado,tem-se a sexagsima quarta renda per capita domundo, uma concentrao econmica na qual umaminoria da populao controla cerca de 70% dos bensdo pas, e uma dvida social descomunal, caracterizada

    pela existncia de milhes de miserveis.Lado a lado, convivem manses - copiadas dasrevistas mais sofisticadas do primeiro mundo - e

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    casebres feitos de papeles e cheios de tanta sujeiraque, nem mesmo os ces, acostumados boa vida dacasa dos ricos, conseguiriam neles viver... dentrodeste caldeiro de ambigidades e antagonismos, queemerge, vive e acontece a Igreja Evanglica. A IgrejaEvanglica no pode ficar fora de qualquer anlise que

    se faa desse pas.1

    Infelizmente, essa a cara do Brasil. Um pas em crise. E no meio de toda esta crise que a Igreja est inserida e, de algumaforma, precisa dar uma resposta que crie a possibilidade detransformao.

    Quanto Amrica Latina, Samuel Escobar afirma que adcada de 80 tem sido chamada de "dcada perdida", por causa dadeteriorao visvel das condies sociais em toda a AmricaLatina.2

    Qual deve ser a resposta da Igreja num momento difcil comoo que vivenciamos, principalmente, como lembra-nos Paul Freston,a coincidncia do crescimento evanglico com as crises sociais ereligiosas no produzir, por si s, efeitos histricos saudveis.

    Pelo contrrio, a visibilidade crescente tem deixado dolorosamenteexpostas as carncias teolgicas, ticas e pastorais? 3 Sem dvidaalguma o desafio que temos diante de ns maior do quenormalmente aquilatamos.

    Entendo que, diante do aumento da pobreza, do aumento daviolncia e da criminalidade que testemunham o caos estabelecidono mundo, a compreenso da prtica de Jesus diante dosofrimento humano poder, no apenas nos desafiar, mas, nos

    dar bases para que encontremos o paradigma para uma AoSocial da Igreja.

    por causa do caos estabelecido que me sinto impulsionadoa refletir sobre a responsabilidade social da igreja, de maneiraespecial, voltar a minha ateno ao Congresso internacional deEvangelizao Mundial, realizado em Lausanne, Sua, em 1974.

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    Captulo 1

    PROPOSTA DE RESPONSABILIDADE SOCIAL DO PACTO DE

    LAUSANNE

    O Congresso Internacional de Evangelizao Mundial,ocorrido na cidade de Lausanne, Sua, entre os dias 16 e 25 dejulho de 1974, tornou-se o mais importante referencial dosevangelicais espalhados pelo mundo. "Um foro formidvel,possivelmente a reunio mais global j realizada pelos cristos''",foi o comentrio da "Revista Time" sobre o encontro, como lembraRen Padilla em seu livro, "Misso Integral".

    Lausanne 74 foi, indubitavelmente, o maior evento da histriado evangelicalismo, demonstrando que a Igreja encontrava-se emperfeita harmonia com sua poca. Evidencia-se tal assertiva ao serobservado o leque de temas propostos, encabeado pelaevangelizao e tratado pelos congressistas. Alguns deles merecemdestaque: a questo cultural, a realidade da pobreza que vematingindo milhes de pessoas, a responsabilidade social crist, abatalha espiritual, dentre outros. Estas sintonia e preocupaocom a realidade foram um dos fatores que tornaram o referidoencontro to significativo e contundente para as dcadas que seseguiram.

    preciso, todavia, compreender o que motivou a realizaodo Congresso de Lausanne. Assim sendo, imperioso historiar eanalisar o contexto no qual se deu o congresso, a fim de que sejapossvel verificar a proposta nele apresentada sobre a

    responsabilidade social da Igreja.O Congresso Internacional de Evangelizao Mundial foi

    convocado pela Associao Evangelstica Billy Graham e cerca de4000 lderes do mais amplo espectro denominacional, oriundos de151 pases, acorreram ao magno congraamento que apresentoucomo tema: "Que o Mundo Oua a Sua Voz". A Igreja, espalhadapelo mundo, estava sendo desafiada a reafirmar a sua vocao, nointuito de considerar estratgias c programas para cumprir a

    grande comisso. Em outras palavras, procurava-se visualizardesafios e recursos, visando evangelizao de todo o mundo.

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    O congresso pretendia reunir evanglicos desejosos deafirmar a autoridade da Bblia. John Stott afirma que a razo paratanto foi, pelo menos cm parte, a existncia de uma crise deconfiana em relao ao Conselho Mundial de Igrejas -CMI. Aexistncia de uma tenso entre os evangelicais (como eram

    chamados) e os ecumnicos era evidente poca, at porque,segundo o CMI, aos primeiros faltava um envolvimento social maisrelevante.5

    Billy Graham, cm sua mensagem de abertura do Congressode Lausanne, fez e respondeu seguinte pergunta: Por queLausanne? Para que o mundo oua a Sua voz! Na tica de Graham,nunca tantas pessoas estiveram to sensveis mensagem doevangelho de Jesus quanto nos ltimos tempos, mas, ao mesmo

    tempo, nunca se viu uma influncia do secularismo to presenteno seio da Igreja como nos ltimos dias. Sendo assim, revela-senecessrio que a Igreja una-se para proclamar a divindade deJesus, bem como a salvao que Ele oferece. Graham afirmou quesua esperana e sua orao eram ver a Igreja, ainda que nopoltica ou sociologicamente, voltar teologicamente s vises e aosconceitos das grandes conferncias do incio do sculo XX, dentreelas a de Nova Iorque em 1900 e a de Edimburgo, na Esccia, em

    1910. Isto porque, sob o prisma de Billy Graham, a Igreja vemperdendo muito da sua viso e do seu fervor por trs razeselementares:

    1 - Perda de autoridade da mensagem do Evangelho;

    2 - Preocupao com problemas poltico-sociais;

    3 - Preocupao com a unidade organizacional da igreja.6

    Na mesma mensagem ainda, Grahan esboou quatroconvices que deveriam caracterizar Lausanne:

    A autoridade das Escrituras;

    O homem, fora de Jesus Cristo, est perdido;

    S h salvao em Jesus Cristo;

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    O testemunho cristo deve englobar tanto a palavra,como tambm as obras.7

    Lausanne 1974 nasceu num contexto muito amplo. Desde a

    dcada de 1920, os cristos tm-se inclinado polarizao.Enquanto uma ala da Igreja experimenta um crescente declnio doseu mpeto evangelizador, a ala fundamentalista experimenta umagrande vitalidade e faz um significativo investimento na obraevangelizadora. Enquanto a primeira preocupa-se com o social, asegunda imagina que a necessidade fundamental do ser humano ouvir uma mensagem evangelizadora que lhe apresente o cu comodestino ltimo, por isso sua mensagem inclina-se numa nica

    direo, a evangelizao. Stott lembra que, durante cerca decinqenta anos (1920-1970) os evanglicos, tentando defender a fhistrica bblica contra os ataques do liberalismo, reagiram emoposio ao seu "evangelho social", concentrando-se naevangelizao. O captulo 3 preocupa-se mais sobre esta questohistrica em particular.

    A partir do Congresso sobre a Misso Mundial da Igreja,ocorrido em Wheaton, entre os dias de 9 a 16 de abril de 1966, os

    evangelicais reafirmaram que a mais urgente necessidade da Igreja a evangelizao e a implantao de novas igrejas. O tema,crescimento da Igreja, entrou na pauta e tornou-se a bandeira deuma parcela mais fundamentalista da Igreja. Wheaton foi marcadopor freqentes ataques ao movimento ecumnico, acusado deliberalismo teolgico, perda da convico evanglica, universalismoda teologia, substituio da evangelizao pela ao social e abusca da unidade em preterio da verdade bblica.8 No entanto, o

    congresso deu um passo significativo em direo a uma visoholstica do evangelho, visto que nele foi possvel discutir a relaoentre evangelizao e ao social. Foi tambm uma inegveloportunidade para ouvir outras vozes evanglicas, provenientes deoutros pases que no os Estados Unidos da Amrica. Naquelemesmo ano de 1966, entre os dias de 24 de outubro e 4 denovembro, realizou-se o Congresso Mundial de Evangelizao deBerlim, patrocinado pela Christianity Today, que trouxe tona,

    novamente, a urgncia da evangelizao. O congresso estavacomprometido com a autoridade ltima da Bblia e rejeitava todopensamento sobre evangelizao que no houvesse encontradoesteio nas Sagradas Escrituras. O esforo evangelstico foi

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    reafirmado como tarefa primordial da Igreja, ao mesmo tempo emque se evidenciou uma sensvel preocupao com a relaoevangelizao-ao social. Berlim indagou acerca do racismo,fazendo-lhe uma severa crtica e entendendo-o como empecilho aotestemunho evangelstico. Talvez uma das principais atitudes ali

    ressaltadas foi destinar maior visibilidade causa evangelical. LuizLonguini Neto afirma que o citado congresso deu incio aomovimento evangelical contemporneo.9

    David M. Howard, Secretrio da Aliana EvanglicaMundial apresentou, na Conferncia de Wheaton, umapalestra intitulada "De Wheaton 66 a Wheaton 83".Neste trabalho ele traou a histria do esforo do

    evangelicalismo pata definir a natureza e a misso daigreja. Enquanto em Wheaton 66 e Berlim 66 atendncia foi definir a misso da Igreja quase queexclusivamente em termos de evangelismo, Lausanne74 representou uma compreenso mais ampla aoenfatizar tanto o evangelismo como a responsabilidadesocial, enquanto dava primazia ao evangelismo.10

    Lausanne sofreu grande influncia de Wheaton e deBerlim. A investigao indica, contudo, que Lausannenasceu com o objetivo de encontrar um equilbrioentre evangelizao e ao social, mas onde aevangelizao deveria receber prioridade, sem queisto significasse uma alienao quanto questosocial. Neste sentido o congresso suo foi umformidvel avano em relao aos encontrosevangelicais anteriores que, conquanto tenhamabordado o tema, no conseguiram ampliar a viso da

    misso da Igreja.O congresso foi significativo em trs sentidosprincipais. Primeiro, como com as reunies do ConcilioMundial de Igrejas, a partir dos anos sessenta, oTerceiro Mundo manteve presena em Lausanne.Metade dos participantes, dos oradores e do comit deplanejamento era do Terceiro Mundo. Alm disso,alguns dos documentos pronunciados mais

    provocativos e influentes foram de dois latino-americanos, Samuel Escobar e Ren Padilla.Em segundo lugar, como aconteceu com o catolicismoromano no Segundo Concilio Vaticano, a atitude

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    anterior dos evanglicos de "triunfalismo" foisubstituda por uma atitude de arrependimento.Lausanne representa a importncia e influnciacrescente do Evangelicalismo universal, mas isto temsido acompanhado por um reconhecimento de quenem tudo foi saudvel no passado e que lies podem

    ser aprendidas com os outros.Em terceiro lugar, este arrependimento manifesto,especialmente na rea de responsabilidade socialcrist. Enquanto os evanglicos estavam em primeiroplano na preocupao social no sculo passado, estesculo tem visto uma inverso e, em muitos casos,uma total retirada do campo.11

    O Pacto de Lausanne destaca-se entre as muitascontribuies significativas do congresso. Formulou-se estadeclarao, dividida em quinze pargrafos, a qual, ainda hoje lidacom todo o respeito, j que, de certa maneira, ousou posicionar-secontra um evangelho mutilado e um conceito estreito de missocrist. Dentre os vrios temas contemplados pelo pacto, talvez o demaior melindre haja sido a questo da responsabilidade social daIgreja. Robinson Cavalcanti, referindo-se ao pacto, afirmou que,por excelncia, ele uma confisso de f para os dias hodiernos.12

    Loguini Neto menciona outras reaes ao Pacto,demonstrando que houve um significativo boicote ao mesmo.

    O boicote ao Pacto de Lausanne aconteceu, desdeento, articulado por grupos fundamentalistas que oachavam extremamente progressista. Dentre essesgrupos podemos citar: a Associao Evangelstica de

    Luis Palau; a Cruzada Estudantil e Profissional paraCristo; e a Escola de Misses do Seminrio Fuller, cujolder Peter Wagner. No ano de 1988, alguns ldereseclesisticos solicitaram ao Celep que promovesseuma consulta sobre o impacto do Movimento deLausanne na Amrica Latina, demonstrando umapreocupao legtima, uma vez que a intuiodaqueles lderes estava correta: havia realmente umboicote ao Pacto de Lausanne na Amrica Latina. No

    Brasil, uma publicao que traz o sugestivo ttulo"Depois de Lausanne... Evangelismo na AmricaLatina" apresenta relatrios e mensagens do 1 e 2

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    Encontros de Lderes Evanglicos na Amrica Latina.Este material foi auspiciado por um "Comit ps-Lausanne" em junho de 1977 e tinha como presidenteo pastor batista Nilson do Amaral Fanini, queatualmente preside a Conveno Batista Brasileira. Onico mrito da publicao, que a identifica com o

    esprito de Lausanne, apresentar o pacto; o restante quase uma traio aos princpios estabelecidos porele.16

    No obstante as reaes haverem sido to diversas contra oPacto de Lausanne, ele continua sendo um documento deconstante leitura e releitura, pois conseguiu visitar e tratar, comabsoluta seriedade, temas presentes na agenda da Igreja. Entendoque, para uma melhor compreenso do Pacto, cabe cit-lo, nointegralmente, mas de maneira sucinta, dando nfase aos seuspargrafos, numa adaptao do comentrio ao Pacto feito por JohnStott. Abaixo, transcrito o termo de abertura do Pacto deLausanne e, em seguida, uma sntese do mesmo, enfatizandoespecialmente o quinto pargrafo que trata sobre aresponsabilidade social da Igreja.

    Ns, membros da igreja de Jesus Cristo, procedentesde 150 naes, participantes do CongressoInternacional de Evangelizao Mundial, em Lausanne,louvamos a Deus por sua grande salvao, eregozijamo-nos com a comunho que, por graa delemesmo, podemos ter com ele e uns com os outros.Estamos profundamente tocados pelo que Deus vem

    fazendo em nossos dias, movidos ao arrependimentopor nossos pecados e desafiados pela tarefa inacabadada evangelizao. Acreditamos que o evangelho so asboas novas de Deus para todo o mundo e, por suagraa, decidimo-nos a obedecer ao mandamento deCristo de proclam-lo a toda a humanidade e fazerdiscpulos de todas as naes. Desejamos, pblico onosso pacto.17

    O propsito de DeusA autoridade e o poder da Bblia

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    A unicidade e a universalidade de CristoA natureza da evangelizaoA responsabilidade social cristA Igreja e a evangelizao

    Cooperao na evangelizaoEsforo conjugado de Igrejas na evangelizaoUrgncia da tarefa evangelsticaEvangelizao e culturaEducao e lideranaConflito espiritualLiberdade e perseguio

    O poder do Esprito SantoO retorno de Cristo

    1.OPROPSITO DE DEUS

    O Pacto de Lausanne comea mencionando a vocao divina,

    porque em Deus a Igreja chamada e enviada misso. Ele oDeus missionrio. Tudo comea com Ele.

    John Stott comenta que "o primeiro pargrafo do Pactoexpressa a compreenso trinitria da misso e encara a tarefamissionria da Igreja como uma vocao dos membros do povo deDeus de serem servidores e testemunhas com vistas expanso doreino de Deus".18

    A) O carter de Deus

    A conveno no pretende fazer uma anlise acurada sobre oSer de Deus. Mesmo assim, o primeiro pargrafo demonstra queNele residem as nossas motivao e vocao. Ele o nico Deuseterno, Criador e Senhor do mundo.

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    B) O propsito de Deus

    O propsito divino foi chamar um povo para Si. Quando oacordo faz esta afirmao, apresenta-nos o carter redentor deDeus.

    C) A vocao humana

    O Deus que redime o mesmo que envia o povo redimido,mesmo em vasos de barro, o Evangelho continua sendo umtesouro precioso.

    2.AAUTORIDADE E O PODER DA BBLIA

    A Bblia so as Escrituras do Antigo e do Novo Testamentos,que, em sua totalidade, refletem aquilo que d autoridade vocao da Igreja. a partir das Escrituras que a Igreja ouve a vozde Deus, a qual a chama e a envia misso.

    A) O poder da BbliaO Pacto afirma o poder da Palavra de Deus. Quando Deus

    fala, tambm age. Sua Palavra nunca volta vazia para Ele; semprecumpre o seu propsito (Is. 55:11).

    B) A interpretao da Bblia

    O Pacto esclarece que a mensagem bblica a mesma paratodos os homens, em todos os lugares e em todos os tempos.Entretanto, ao mesmo tempo, enfatiza a participao do EspritoSanto, iluminando as mentes para que as Escrituras tornem-severdade constantemente inovadora no corao do ser humano.

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    3.AUNICIDADE E A UNIVERSALIDADE DE CRISTO

    O terceiro pargrafo intransigente em sua visocristocntrica, bem como em sua leitura sobre o pecado do serhumano, seu afastamento de Deus e sua incapacidade de

    encontrar salvao de per si. Deus, em Cristo Jesus, tomou ainiciativa de alcanar o ser humano com Sua graa.

    A) Ele o nico Salvador

    O ser humano dispe de algum conhecimento sobre Deus,isto se d em face da revelao geral. Contudo, este conhecimentono lhe confere a capacidade de experimentar a salvao. JesusCristo o nico Salvador.

    B) Ele o Salvador do mundo

    Por ser Ele, Jesus Cristo, o nico Salvador, a Igreja precisafaz-lo conhecido universalmente. Proclamar a Jesus Cristo como"o Salvador do mundo" anunciar o amor de Deus a um mundo de

    pecadores. Amor tamanho, que fez o Senhor dar seu nico Filho morte na cruz.

    4.ANATUREZA DA EVANGELIZAO

    No seu sermo de incio, Billy Graham expressou, como

    esperana primeira em relao ao congresso, o desejo de que eleformulasse uma declarao bblica sobre a evangelizao. Ao final,Grahan, declarou-se satisfeito, porque entendeu que talexpectativa foi concretizada, tornando-se esta um fato de consensoem todo o encontro.

    No quarto pargrafo, o Pacto inicia com uma definio eprossegue descrevendo o contexto da evangelizao; a saber, o quedeve vir antes e depois dela.

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    A) Definindo evangelizao

    A palavra "evangelizao" deriva de um termo grego querepresenta, em seu sentido literal, "trazer ou difundir boas novas".Sendo assim, ao falar sobre evangelizao, preciso haver emmente o contedo da evangelizao, a pessoa de Cristo Jesus.

    B) Preldio evangelizao

    A verdadeira evangelizao nunca ocorre num vcuo. Elapressupe um contexto do qual no se pode isolar. Certa situaonecessariamente a precede. Ao referir-se a to imprescindvelpressuposto, o Pacto deliberadamente usa as palavras "presena","proclamao", "persuaso" e "dilogo".

    O preldio da proclamao a presena. Como partilhar oEvangelho de Jesus Cristo com pessoas com as quais nomantemos nenhum contato? A presena crist no mundo nosubstitui a proclamao, a persuaso ou o dilogo, antes, vem aser o prembulo de todos estes elementos.

    C) Os resultados da evangelizaoA evangelizao traz como resultado a obedincia a Cristo, o

    ingresso em sua Igreja (pertencer a Cristo pertencer ao povo deCristo, At 2.40, 47) e um servio responsvel no mundo.

    5.ARESPONSABILIDADE SOCIAL CRIST

    Indubitavelmente este foi o tema mais controverso de todo oPacto, que, inclusive, precisou ser discutido, com mais vagar, emGrand Rapids, 1982. Se, por um lado, o enfoque cristocntricodemonstrou o conservadorismo da conveno, de outro modo,quanto ao aspecto social, testemunhou-se em Lausanne uma viso,no mnimo, progressista. Por agora, no h a pretenso dedesenvolver o prisma do qual partiu o Congresso quanto questo

    social, f-lo-ei adiante e de forma mais acurada.

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    6.AIGREJA E A EVANGELIZAO

    Neste pargrafo, acentua-se limpidamente que a Igreja foienviada ao mundo da mesma forma que o Senhor Jesus o foi e issorequer uma penetrao profunda e sacrificial na sociedade no-

    crist.

    A) Deixando os guetos eclesisticos

    A Igreja foi chamada para deixar os seus guetos. Fomosconvocados a abandonar as quatro paredes de um templo c, ao nosdirigirmos ao mundo, impact-lo com a verdade do Evangelho.

    B) Prioridade evangelstica

    Na misso de servio sacrificial da Igreja, a evangelizao primordial. Partindo da premissa do sexto pargrafo, o referidoservio inarredvel, todavia, a evangelizao algo prioritrio.

    7.ACOOPERAO NA EVANGELIZAO

    No primeiro pargrafo do ajuste h uma referencia aopropsito de Deus para a Igreja, mas esse propsito encontra-semelhor trabalhado em dois pargrafos que podem ser estudadosconjuntamente. Eles aludem misso da Igreja e s suasintegridade e unidade.

    A) Unidade diante da verdade

    O que reveste o testemunho de autoridade a unidade, odivisionismo simplesmente depe contra ns.

    B) Unidade mais ampla

    A unidade que o stimo pargrafo enfatiza passanecessariamente pela uniformidade na verdade, na adorao, na

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    santidade, na misso e na cooperao, em que o compartilharrecursos e experincias faa-se presente.

    8.ESFORO CONJUGADO DE IGREJAS NA EVANGELIZAO

    O oitavo pargrafo lembra o papel da Igreja, todo o corpo deCristo, como comunidade missionria que envia missionrios paraas mais diversas, longnquas partes do mundo.

    A) Todo o corpo de Cristo, um povo missionrio

    Esta alnea enfatiza que, no passado, a funo dominante dasmisses do Ocidente era muito clara, mas hoje, esta funo temdesaparecido rapidamente. Sendo assim, novas frentesmissionrias devem ser levantadas, nesse sentido, todo o corpo deCristo deve sentir-se responsvel pela evangelizao, tanto na suaprpria rea, na sua prpria realidade, como a partir do envio demissionrios a localidades mundiais diversas.

    9.URGNCIA DA TAREFA EVANGELSTICA

    Tanto o pargrafo oitavo, quanto o nono tratam do mesmotema: evangelizao. Ambos podem ser lidos e entendidos de formaconjugada, pois este o mago do Pacto de Lausanne.

    A) Urgncia diante dos esquecidos

    Lausanne lembra que mais de dois bilhes e setecentosmilhes de pessoas, dois teros da humanidade, ainda precisamser alcanados com o Evangelho de Jesus. Muita gente tem sidoesquecida. A Igreja precisa ser sensvel, percebendo que, nosltimos dias, tem existido uma significativa receptividade mensagem do Evangelho, sendo assim, ela no pode desprezar to

    considervel oportunidade.

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    B) Instituies Para-Eclesisticas

    No obstante o pacto, em seu sexto pargrafo, destacar que o"meio designado por Deus para difundir o Evangelho" seja a Igreja,reconhece-se a validade das instituies para-eclesisticas, asquais, na misso, devem tornar-se parceiras da Igreja.

    C) Missionrios estrangeiros

    O pargrafo nono sugere que o nmero de missionriosestrangeiros, bem como o dinheiro enviado para um pasevangelizado sofra significativa diminuio, entendendo que oredutor pode facilitar o crescimento da igreja nacional e assegurara autonomia desta.

    D) Os milhes empobrecidos

    A pobreza de milhes deveria chocar a Igreja. Infelizmente, oque se tem visto um acostumar-se com a desgraa alheia, comose isto representasse apenas um reflexo do juzo divino. A Igrejaprecisa sentir-se indignada diante da misria do outro, abrindo

    mo de sua opulncia, optando por um estilo de vida simplificado etornando-se mais generosa diante da necessidade do outro. No sepode abrir morada para a alienao no seio da Igreja de Jesus.

    10.EVANGELIZAO E CULTURA

    O desenvolvimento de estratgias para a evangelizaomundial requer metodologia nova e criativa. A Igreja precisa sersbia para proclamar o Evangelho dentro de culturas distintas,respeitando-as, posto que, parte delas, rica em beleza e embondade.

    A) No existe uma cultura superior outra

    O Evangelho no pressupe a superioridade de uma culturasobre outra.

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    11.EDUCAO E LIDERANA

    O dcimo e o dcimo primeiro pargrafos lidam com doistemas relacionados entre si: educao e liderana. Ambos estoatrelados a Igrejas nascidas do labor missionrio.

    A) Crescimento com lucidez

    Infelizmente a busca por resultados quantitativos temcaracterizado a Igreja. O crescimento numrico tem sido umgrande anseio em detrimento do crescimento espiritual.Imprescindvel haver um ntido equilbrio. A igreja deve crescernumericamente sem prejuzos educao e ao amadurecimento,demonstrando insofismvel interesse pela edificao de cadacrente.

    B) Preparando a liderana

    A Igreja necessita preparar uma liderana dentro de suaprpria cultura. Os pastores e leigos devem ser treinados e

    preparados em doutrina, discipulado, evangelizao, edificao eservio. Esse treinamento deve ser desenvolvido a partir deiniciativas locais ativas e criativas e sob o esteio do padro bblico.

    12.CONFLITO ESPIRITUAL

    A realidade espiritual hodiernamente vivenciada vislumbramaior nfase na dcima segunda disposio. O conflito comprincipados e potestades do mal que almejam destruir a Igreja eimpedir a sua tarefa de evangelizao mundial uma realidade.Ainda, observa-se que esta mesma alnea exalta a influncia domundo sobre a Igreja. A "mundanidade" no cerne da Igreja deve servista com preocupao, pois a mesma pode afetar a sua mensageme os mtodos de evangelizao. Sob o eco de Joo 17.14-16, a

    Igreja advertida a estar no mundo, porm o mundo no necessitaestar na Igreja.

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    13.LIBERDADE E PERSEGUIO

    A Igreja deve desfrutar da liberdade expressa na Declaraodos Direitos Humanos, enfoca o dcimo terceiro pargrafo. Nesteponto, existe um desafio para que a Igreja denuncie as injustias

    que tm solapado muitos pases e, por conseguinte, atingido aIgreja. Existe uma ostentao sobre a fidelidade, a qualquer custo,lembrando-nos de que servir a Jesus fielmente pode trazerperseguio.

    14.OPODER DO ESPRITO SANTO

    A dcima quarta disposio realiza uma afirmao categrica:"cremos no poder do Esprito Santo". Este pargrafo estimula aIgreja e desperta-a para viver e caminhar na dependncia c nopoder do Esprito Santo.

    15.ORETORNO DE CRISTO

    O dcimo quinto pargrafo est revestido de esperana. Oretorno de Jesus ser o pice daquilo que a Igreja anseia.19

    Para melhor discorrer sobre o tema e o significado do mesmopara a Igreja de Jesus, transcreve-se abaixo o quinto pargrafo doPacto de Lausanne:

    Afirmamos que Deus o Criador e o Juiz de todos oshomens. Portanto, devemos partilhar Seu interessepela justia e pela reconciliao em toda a sociedadehumana, e pela libertao dos homens de todo tipo deopresso. Porque a humanidade foi feita imagem deDeus, toda pessoa, sem distino de raa, religio,cor, cultura, classe social, sexo ou idade possui umadignidade intrnseca em razo da qual deve serrespeitada e servida, e no explorada. Aqui tambmnos arrependemos de nossa negligncia e dehavermos, algumas vezes, considerado a

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    evangelizao e a atividade social mutuamenteexclusivas. Embora a reconciliao com o homem noseja reconciliao com Deus, nem a ao socialevangelizao, nem a libertao poltica salvao,afirmamos que a evangelizao e o envolvimentoscio-poltico so ambos parte do nosso dever cristo.

    Pois ambos so necessrias expresses de nossasdoutrinas acerca de Deus e do homem, de nosso amorpor nosso prximo e de nossa obedincia a JesusCristo. A mensagem da salvao implica tambm umamensagem de juzo sobre toda forma de alienao, deopresso e de discriminao, e no devemos ter medode denunciar o mal e a injustia onde quer queexistam. Quando as pessoas recebem Cristo, nascem

    de novo em seu reino e devem procurar no sevidenciar, mas tambm divulgar a retido do reinoem meio a um mundo injusto. A salvao quealegamos possuir deve estar nos transformando natotalidade de nossas responsabilidades pessoais esociais. A f sem obras morta.20

    16.

    OCARTER DE

    DEUS

    A primeira parte da disposio acima transcrita focaliza o Serde Deus, Ele o Criador e Juiz de todos os homens. Como afirmouStott, " significativo que uma disposio inteiramente relacionadacom a 'responsabilidade social crist' tenha origem com umaafirmao acerca de Deus. Isto est certo, pois a nossa teologiadeve sempre governar a nossa conduta".21

    Quando a assertiva acima inicia falando sobre Deus, estquerendo dizer que o pilar de sustentao de nossas aes est nocarter do prprio Deus. Sendo assim, nada melhor do que olharpara o Deus missionrio, o Deus que toma a iniciativa de resgatara humanidade, o Deus que envia o prprio filho, filho que noapenas vem como Salvador, incumbido de transferir o ser humanoda terra para o cu, mas, inclusive, disposto a trat-lo comdignidade, carinho e ateno. A nossa motivao para agir em

    favor do prximo deve ser a ao divina em favor da humanidade.

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    17.OSER HUMANO

    Se na primeira parte da assertiva a exaltao recai sobre ocarter divino, na segunda, destaca o ser humano. A motivao daigreja na ao social passa inevitavelmente pela percepo de que

    Deus criou o ser humano sua imagem. Esta percepo deve levara Igreja ao arrependimento pelos tempos em que se omitiu eacomodou, deixando de agir de modo que gerasse transformao elibertao da humanidade em face de qualquer tipo de opresso.

    O pacto, com muita felicidade, instiga os cristos a partilhardo interesse divino pela justificao e reconciliao de toda asociedade humana, pois o ser imagem de Deus e o ser por Elecriado, torna o homem indistintamente especial, de cujo valor aIgreja no se pode deslustrar, independentemente de raa, cor,religio, cultura, classe social, sexo ou idade.

    18.EVANGELIZAO E AO SOCIAL

    Pretendendo evitar maiores delongas, neste momento, sobre arelao evangelizao-responsabilidade social o que fareiposteriormente. Porm, desde j, saliento o que o Pacto afirmasobre este aspecto.

    Lausanne estabelece que a Igreja foi chamada, tanto para aevangelizao, quanto para a ao social, entendendo que soelementos distintos e que devem integrar o dever cristo, poisambos relacionam-se com o Ser de Deus e com o carter c a

    necessidade do ser humano. Evangelizao e ao social no soexcludentes, ao contrrio, devem ser parceiras na misso.

    19.UMA VOZ PROFTICA

    O pargrafo que ora se destaca tambm d nfase ao papelproftico da Igreja. A mensagem de salvao mensagem de juzosobre toda alienao, opresso e discriminao, desta forma, elatambm deve denunciar o mal e a injustia onde quer que estes sefaam presentes.

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    20.SALVAO DEVE SER SINNIMO DE TRANSFORMAO

    A alnea conclui com um desafio ao compromisso cristo

    pessoal. Ser cidado do reino evidencia, na prtica, aquilo queaconteceu na vida por causa da presena de Jesus. E estapresena deve revolucionar a vida do cristo. Ser cristo, significater passado por uma metamorfose, conceitos e posturas sorevistos e transformados.

    De alguma maneira, o que foi dito at aqui permite dispor deum vislumbre do que Lausanne afirmou sobre a responsabilidadesocial da Igreja. Mas, se a afirmao de Lausanne foi um progresso,tal atitude no foi vista com tanta tranqilidade. O Pacto coloca,lado a lado, a evangelizao e a responsabilidade social, mas nodefine a relao existente entre as duas. A responsabilidade socialda igreja suscitou discusses quanto preeminncia. Afinal, quemvir primeiro: a evangelizao ou a responsabilidade social?

    As discusses e a desconfiana sobre a questo social empreterio da evangelizao foram instrumentos que, em 1 982, em

    Grand Rapids, motivaram um grupo a debater e definir maisclaramente qual a relao entre evangelizao e responsabilidadesocial. Com maior exatido, o tema ser desenvolvido a posteriori.

    Captulo 2

    ARESPONSABILIDADE SOCIAL CRIST NO PACTO DE

    LAUSANNE

    1.ARELAO ENTRE RESPONSABILIDADE SOCIAL E EVANGELIZAO

    Na primeira parte deste trabalho, foi apresentada a propostade responsabilidade social do Pacto de Lausanne. Posteriormente,

    revelou-se a dificuldade em reconhecer-se a relao entreevangelizaao e responsabilidade social, o que inevitavelmentegerou um certo conflito no Congresso Suo. Indaga-se, porm qualdos dois seria mais importante. Ser que evangelizaao exclui a

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    ao social da Igreja? Ou ser que a ao social que exclui a aoevangelizadora?

    Cada poca tem conhecido controvrsias e debates no campoda teologia, alguns de difcil aplicao para o cotidiano, como oclssico debate sobre o "sexo dos anjos" na Igreja Bizantina, outros

    de carter mais relevante como "para que serve a Igreja?", ou seja,qual a natureza de sua misso? Uma influncia platnica temestado presente ao longo da Histria do Cristianismo, separandocorpo e alma, matria e metafsica. Em nossos tempos essainfluncia tem sua face visvel naqueles cristos apenaspreocupados com a "alma'1, a "vida espiritual" (contrastada com avida material), o "outro mundo", a vida aps a morte, de tendnciaasctica, separatista e alienada. Para essas pessoas, a misso da

    Igreja resgatar indivduos isolados, garantindo-lhes a vidaabenoada aps a morte, enquanto aqui deve se separar do mundo,cultivar uma religiosidade intimista, lutando contra a "carne",manifestada em usos e costumes. O mundo no tem futuro, nadanos resta fazer por ele, e no nos devemos meter em questespolticas, sociais e econmicas. A vida do homem deve se resumir air para o trabalho, para a igreja e para sua casa... e que tudo omais v para o inferno...22

    Por ora, discorre-se detalhadamente sobre a controvrsiaacima referida, a qual indubitavelmente despertou os maissignificativos entraves para os participantes de Lausanne. Asrespostas s questes acima verificam o que de fato afirmou omencionado congresso, levantando-se um apanhado de posiesque encontram uma enorme dificuldade em relacionar aevangelizao com a responsabilidade social.

    O assunto em questo leva inevitavelmente a definies,mesmo sabendo que a conceituao importa enclausurar ostermos "Evangelizao" e "Responsabilidade Social". Paralelamente,analisa-se o que o Pacto de Lausanne afirmou sobre a questo,bem como o que a Consulta de Grand Rapids, concluiu sobre oassunto, buscando entender como os dois elementos relacionam-se.

    Falar sobre responsabilidade social encontra, ainda hoje,certa resistncia de alguns, porque existe considervel receio de

    que a ao social engendre algum tipo de alienao evangelstica.Peter Wagner afirma que vrios grupos de trabalho foramnomeados pelas sete maiores denominaes nos Estados Unidos

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    da Amrica, onde a maioria dos membros branca (a IgrejaMetodista Unida, a Igreja Evanglica Luterana, a IgrejaPresbiteriana, a Igreja Luterana Snodo de Missouri a IgrejaEpiscopal, a Igreja de Cristo Unida e as Igrejas Batistas), paraverificar a razo do decrscimo ocorrido em sua membresia no

    perodo entre 1946 a 1996, quando perderam dois teros de seusmembros. Os relatrios concluram que a forte preocupao com osocial, em detrimento da obedincia ao mandamento evangelstico,tem sido uma das principais causas do declnio das igrejas.23

    A impresso de que a resistncia de certa ala da Igreja questo social est diretamente relacionada com a influncia doevangelho social, sendo este um tema defendido pelos liberais eque suscitou, da parcela conservadora da Igreja, o que ficou

    conhecido como os fundamentos, os quais eram artigos escritospor conservadores americanos de todas as denominaeshistricas que se coligaram para defender a f crist da intruso doliberalismo nos seus seminrios e igrejas. Os fundamentos deramorigem ao termo Fundamentalismo, conforme o conhecemos,embora, hodiernamente, haja se tornado um conceito pejorativo.

    Por um lado, se os fundamentalistas, como ficaramconhecidos aqueles que produziram e acolheram esse documento,resgataram a importncia das Escrituras (inspirao, infalibilidadee inerrncia), a divindade de Cristo, o nascimento virginal de Cristoe os milagres, o sacrifcio propiciarrio de Cristo e sua ressurreioliteral e fsica e seu retorno, por outro lado, radicalizaram,chegando mesmo a atingir extremos to perigosos quanto oliberalismo de que tentavam defender-se. Numa tentativa derechaar a teologia liberal com todos os seus "perigos" resolveramtambm repelir o que de melhor havia nos telogos liberais,

    especialmente quanto sua viso holstica do ser humano e sobrea responsabilidade social da Igreja.

    s vezes a diferena entre estes pontos de vista seevidencia no apenas em tenso, mas at numapolarizao estril, geralmente ao longo das linhasdivisrias entre evangelicais e liberais, cada um delesmanifestando uma reao exagerada em relao posio do outro. Os primeiros tendem a concentrar-

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    se exclusivamente na evangelizao, negligenciando anecessidade social, seja ela comida para os famintosou libertao e justia para os oprimidos. Os ltimosvo para o extremo oposto, tendendo anegligenciar aevangelizao ou tentando reinterpret-la em termosde ao scio-poltca, tais como a humanizao de

    comunidades ou a libertao dos oprimidos. Assim oesteretipo evangelical tem sido espiritualizar oevangelho, negando suas implicaes sociais,enquanto que o esteretipo ecumnico tem sidopolitizado, negando sua oferta de salvao para ospecadores. Esta polarizao tem sido um desastre.24

    Definindo EvangelizaoPoder-se-ia esperar que a Igreja de Jesus estivesse habilitadaa definir facilmente o significado de evangelizao, tendo em vista aprimazia que ela sempre destinou ao tema. Curiosamente possvel perceber que existem maneiras distintas de faz-lo.

    J. I. Packer, em seu livro, "Evangelizao e Soberania deDeus", esclarece a definio de evangelizao apresentada pelaComisso de Arcebispos da Igreja Anglicana, em seu relatriosobre a obra evangelstica da Igreja em 1918, nos seguintes termos:"Evangelizar apresentar Cristo Jesus de tal modo que, no poderdo Esprito Santo, os homens venham a depositar sua confianaem Deus atravs d'Ele, aceitando-O como seu Salvador e servindo-O como seu. Rei na comunho de Sua Igreja".25

    Por sua vez, Wadislau Martins Gomes afirma que "mais quepregar, evangelizar fazer discpulos, isto , fazer seguidores de

    Jesus".26

    O que causa maior surpresa nas definies acima

    apresentadas perceber que evangelizao acaba confundindo-secom resultado. Sem resultados, converso, discpulos, servos, nohouve evangelizao. Os dois conceitos esquecem-se de que opapel da Igreja evangelizar, proclamar as boas novas do reinode Deus, no entanto, o resultado no depende dela, mas da aosoberana de Deus. O Esprito Santo aquele que convence o

    homem do pecado, da justia e do juzo.Em Caruaru, cidade do Estado de Pernambuco, foi possvel

    verificar-se que a busca por resultados levou as igrejas a se

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    envolverem com o ministrio de casais, na esperana de que, aoatingir um casal em crise, abrir-se-iam portas bem maiores, postoque os filhos, pais, sogros, parentes mais prximos que, de algumaforma vivenciaram o problema familiar, igualmente seriamalcanados. Quando o Encontro de casais com Cristo (E.C.C.) foi

    apresentado s igrejas evanglicas da cidade, estas se sentirammotivadas a investir no projeto. A reboque, implementaramencontros de jovens e de amigos, tentando, neste ltimo caso,tratar de pessoas solitrias, solteiras, vivas e divorciadas.

    Os encontros de casais levaram inmeras pessoas paradentro das Igrejas. Infelizmente, porm, as pessoas que eramconvidadas a participar dos encontros no estavamconcomitantemente repensando seus lares, mas sutilmente

    estavam sendo apenas evangelizadas. Tal afirmao refere-se idia defendida por alguns de que os fins justificariam os meios.Os resultados surgiram com velocidade vertiginosa. Em muitopouco tempo, as igrejas que introduziram os encontros puderamalegrar-se com os resultados, com os frutos. Mas, sem quepercebessem, algo de errado estava acontecendo. Houve umaespcie de "constantinizao" no seio da igreja caruaruense. Aspessoas que foram chegando no estavam preparadas para o novo,

    at porque o ambiente dos encontros era bem diferente daquilo queas igrejas ofereciam em seus cultos, o que gerou um desconfortonatural. Muitos dos que se aproximaram das igrejas e tornaram-semembros no foram preparados, discipulados, sequeracompanhados, mas passaram a integrar as respectivascomunidades que promoviam os encontros como fruto dessa buscadesesperada por resultados por parte da liderana, gerandoenorme mal estar e em seguida diviso nas igrejas.

    Os encontros logo se depararam com opositores queentenderam que a postura das igrejas, diante do novo mtodoevangelstico, limitava-se busca de resultados imediatos, seminteresse pela transformao de vidas. A crise familiar era a ponteusada para a evangelizao. A experincia em Caruaru reflete umpouco dos desvios que podem surgir na busca por resultados.

    Carlos Caldas Filho apresenta ao menos quatro crticas, que

    julga as principais desse mtodo que busca resultados a qualquerpreo.

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    1 - A preocupao excessiva com quantidade, em detrimentoda qualidade;

    2 - Espiritualizao da tarefa missionria da igreja emdetrimento de outros aspectos importantes, como a luta pelajustia e o atendimento das necessidades humanas concretas;

    3 - Uma "jejuitizao" da metodologia missionria, no sentidode que "os fins justificam os meios";

    4 - Escassa (ou nenhuma) base bblica para justificar ametodologia empregada."

    No se pode ser injusto com os encontros de casais, de jovens

    e de amigos. Em alguns casos, houve transformao social.Maridos que eram alcolatras experimentaram converso econsequentemente tornaram-se melhores pais, maridos eprofissionais. Houve tambm no seio das igrejas uma maiorconscientizao da sua tarefa evangelstica. As comunidadesevanglicas saram do seu "gueto" e comearam a perceber a crisede outros e no somente as crises da famlia da f.

    Evangelizao a proclamao das boas novas da salvao

    em Jesus Cristo, visando a levar a efeito a reconciliao entre opecador e Deus Pai, mediante o poder regenerador do EspritoSanto. Evangelizao parte essencial da misso da Igreja.Originalmente o termo evangelizomai, significa trazer ou anunciaro evangelion, as boas novas. O Congresso sobre Evangelizaorealizado na cidade de Berlim em 1966 descreve, de maneiraprtica e precisa, o que vem a ser evangelizao:

    Evangelizao a proclamao do Evangelho do Cristocrucificado e ressurreto, o nico redentor do homem,de acordo com as Escrituras, com o propsito depersuadir pecadores condenados e perdidos a pr suaconfiana em Deus, recebendo e aceitando a Cristocomo Senhor em todos os aspectos da vida e nacomunho de sua igreja, aguardando o dia de Sua

    volta gloriosa.

    2S

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    Existe uma lenda sobre a volta de Jesus glria, aps o seutempo na terra que reflete a responsabilidade evangelstica daIgreja. No cu, Ele continuava com as marcas de sua peregrinaona terra e, inclusive, as marcas da cruz e sua vergonha,Exatamente no cu tem lugar um dilogo entre o anjo Gabriel e

    Jesus.

    "Mestre, tu deves ter sofrido muito por causa doshomens na terra, disse Gabriel"."Sim, de fato", respondeu Jesus."Jesus, eles sabem tudo sobre o teu amor e sobre oque fizeste por eles?"

    ", no", disse Jesus, "Ainda no. Neste momentoapenas um punhado de gente na Palestina sabe".Diante da resposta de Jesus, Gabriel ficou admirado eperguntou:"O que fizeste para que teu amor fosse conhecido?" "Pedi a Pedro, Tiago, Joo e alguns amigos paracontarem sobre mim a outras pessoas. Quem meconhecer, por sua vez, contar a outras pessoas, que

    contaro a outras, at que toda a humanidade saibado meu amor".Gabriel, conhecendo a natureza humana, perguntoucom certo ceticismo:"E se aqueles a quem de tal tarefa foi incumbida seesquecerem de proclamar a verdade? E se no sculoXX as pessoas no contarem umas s outras acerca doteu amor? No existe um plano de emergncia?" "No. Estou contando com eles", respondeuJesus."29

    A evangelizao continua sendo a tarefa prioritria da Igrejade Jesus e Ele continua contando com o Seu povo para proclamaras boas novas do reino. As seguintes definies foram adotadaspelo Comit de Lausanne para a Evangelizao Mundial:

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    Natureza: A natureza da evangelizao acomunicao das boas-novas.Propsito: O propsito da evangelizao dar aindivduos e grupos uma oportunidade vlida deaceitar a Jesus Cristo.

    Alvo: O alvo mensurvel da evangelizao persuadirhomens e mulheres a aceitar Jesus Cristo comoSenhor e Salvador e servi-lo na comunho de suaIgreja.30

    O Pacto de Lausanne conceituou evangelizao nos seguintestermos:

    Evangelizar difundir as boas novas de que JesusCristo morreu por nossos pecados e ressuscitousegundo as Escrituras, e de que, como Senhor e Rei,ele agora oferece perdo dos pecados e o domlibertador do Esprito Santo a todos os que searrependem e crem. A nossa presena crist nomundo indispensvel evangelizao, e o mesmo se

    d com aquele tipo de dilogo cujo propsito ouvircom sensibilidade, a fim de compreender. Mas aevangelizao propriamente e, assim, se reconciliaremcom Deus. Ao fazermos o convite do evangelho, notemos o direito de esconder o custo do discipulado.Jesus ainda convida todos os que queiram segui-lo enegarem-se a si mesmos, a tomarem a sua cruz e aidentificarem-se com a sua nova comunidade. Osresultados da evangelizao incluem a obedincia a

    Cristo, o ingresso em sua igreja e um servioresponsvel no mundo.31

    Em sentido mais amplo, evangelizao pode ser vista como aobra integral da Igreja para proclamar o Reino de Deus (Marcos1.15). Ela compreende trs amplas categorias:

    Evangelismo -proclamao do evangelho aos aindano alcanados dentro de nossa prpria sociedade oucultura;

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    Atividade missionria - uma proclamao queinterage com a cultura do pblico-alvo;Atividade pastoral - ato de prover e aprofundar oevangelho entre aqueles que j o aceitaram.32

    , no mnimo, interessante perceber que a Igreja temdiscutido um tema, ao qual se lhe atribui nfase e certa primazia e,ao mesmo tempo, notar que a evangelizao como aoproclamatria limita-se aos plpitos e ao nosso gueto. O "indo" deJesus na grande comisso parece no estar recebendo aimportncia que nosso discurso delega a ele. Qui algum dia aIgreja brasileira seja mais coerente com suas proposies. Se aevangelizao deve ter primazia, que esta atinja a nossa prxis eafete a nossa criatividade, para que a ao proclamatria aconteaonde a Igreja est e no apenas onde o templo est. Para que istoacontea, preciso fazer uma releitura da grande comisso, a fimde que o nosso agir seja transformado. Restamos corroborar comOrlando Costas que, ao definir evangelizao, diz:

    Evangelizar participar de uma ao transformadora,

    isto , as boas-novas da salvao. Neste sentido, aevangelizao no um conceito, mas sim uma tarefadinmica, encarnada na vida e ao salvifica de JesusCristo. Portanto, ela no pode ser reduzida a umafrmula verbal. Evangelizar pelo poder do EspritoSanto a salvao que foi revelada em Jesus Cristo."

    Definindo responsabilidade social

    Este tema reveste-se de profundo significado, ao serconfrontado com as afirmaes bblicas e ao voltar-se os olhospara a histria da cristandade e ainda, ao constatar-se a crisesocial, cujas estruturas encontram-se marcadas e maculadas pelopecado e pela injustia.

    Referir-se responsabilidade social no significa apenasdestacar a filantropia, rea muito bem visitada pela Igreja. A Igreja

    consegue, com cestas bsicas, servio mdico ambulatorial,dentistas, tratar de questes que tocam carncia imediata dopovo. Numa tragdia possvel ver a Igreja sendo solcita. Naregio da mata pernambucana, depois de uma grande tragdia

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    provocada pelas chuvas, foi possvel ver a Igreja Evanglicamobilizar-se e engajar-se no socorro s vitimas. Toda essa ao,por mais saliente e importante, continua apenas no campo dafilantropia, no alcana as estruturas mais profundas que visem auma grande transformao. Ao falar sobre responsabilidade social

    precisamos ir mais adiante. Insofismvel abarcar os atos demisericrdias e os atos de justia.

    A fim de explicitar o pensamento deste subscritor sobreresponsabilidade social passo a delinear a definio de Hlcio daSilva Lessa que dividiu o tema em trs categorias: AssistnciaSocial, Servio Social e Ao Social. Para facilitar sua definio,Lessa tenta contextualiz-la com uma histria:

    Nos idos do escravagismo, alguns cristos,sensibilizados com os escravos castigados eviolentados no pelourinho, resolviam ajud-los comgua, po ou tratamento de suas feridas. Aquelaatitude nobre, que no se relacionava com as causasda escravatura e mantinha o escravo na mesmasituao, exemplifica o que se pode chamar deAssistncia Social.

    Na assistncia social existe compaixo emanifestaes prticas dessa compaixo. Existecoragem para, mesmo numa nfima proporo,confrontar o erro, mas no existe transformaohistrica, o escravo continuar sendo escravo epermanecer sofrendo no pelourinho, esperando queuma alma caridosa venha cuidar de suas necessidadesmais urgentes.Outros cristos, com uma viso mais aberta, maisampla, vo alm da assistncia. De alguma forma,buscam assegurar a liberdade do escravo, atravs delevantamento de recursos para que ele seja compradoe libertado. Buscar-se-o mecanismos para que oliberto encontre um trabalho e possa sobreviver nessanova condio. Esse tipo de atitude, por mais louvvelque seja, pode ser chamado de servio social.

    O problema neste tipo de ao, conquanto o senso demisericrdia tenha ultrapassado em muito aassistncia social, pois neste caso se conseguiu a

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    liberdade e um meio de subsistncia do livre, que defato no operou aqui uma transformao histrica.Resolveu-se o problema de um escravo, mas aescravido continuar a passos rpidos atingindo aoutros e estes continuaro a ser espancados, levadosao pelourinho e muitas vezes violentados at morte.Alguns cristos lanar-se-o na luta contra aescravatura, para que se elimine definitivamente aopresso sobre o ser humano. Ao estaverdadeiramente eficaz, pois as estruturas seroalcanadas, a instituio escravagista ser afetadasignificativamente. Agora sim, a possibilidade de umatransformao histrica se avizinha. Tal atitude podeser chamada de ao social.34

    O Comit de Lausanne convocou uma consulta para discutiro tema da relao entre responsabilidade social e evangelizao. Aconsulta julgou mais fcil dividir a responsabilidade social cristem duas categorias, as quais, para fins de simplificao, podem serchamadas de "servio social" e "ao social" e foram distinguidasda seguinte maneira:

    SERVIO SOCIAL AO SOCIAL

    Socorrer o ser humano em suasnecessidades

    Eliminar as causas dasnecessidades

    Atividades filantrpicasAtividades Polticas e econmicas

    Procurar ministrar a indivduos e

    Famlias

    Procurar transformar as

    estruturas da sociedadeObras de caridade Busca da Justia 35

    Pesa sobre a Igreja a responsabilidade de lutar contra essasestruturas de pecado que continuam oprimindo o ser humano. No possvel ser Igreja e, ao mesmo tempo, alienar-se. A Igreja o povode Deus alerta s injustias e que no se cala diante delas, ao contrrio,

    esfora-se para que se faa justia, para que o ser humano sejatratado com dignidade e experimente qualidade de vida j, aqui naterra, pois no cu, sem dvida alguma, haver plenitude de vida.

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    2.ARELAO ENTRE A EVANGELIZAO E RESPONSABILIDADESOCIAL

    No tarefa fcil estabelecer termos, mas tarefa maiscomplexa relacionar os j definidos, isto porque, nem sempre fcil harmonizar palavras e aes; pregao e prtica; denncia eao transformadora. Alm desta dificuldade, sabido que nacaminhada da Igreja, principalmente a partir do final do sculo XIXe incio do sculo XX, em funo do temor da influncia doliberalismo, tentou-se separar Evangelizao de ResponsabilidadeSocial, entendendo-se com isso que a Igreja seria poupada de todo

    e qualquer desvio de sua responsabilidade precpua que aevangelizao.

    Talvez a nica tarefa mais urgente de misses hoje sejarelacionar evangelizao e ao social. Os cristos do movimentoecumnico tendem a desconsiderar ou ento redefinir aevangelizao de tal maneira que a necessidade de umrelacionamento novo, pessoal com Deus por meio de Cristo ficadiminuda. Outros se inclinam a manter as duas tarefastotalmente separadas, considerando que apenas a evangelizaotem valor eterno.

    Os cristos de muitas naes so missionrios no mundohoje - cruzando fronteiras culturais com o amor de Deus. A obramissionria agora mais extensa e mais internacional do quenunca. Essa obra no est isenta do fracasso de solucionar asquestes atualmente debatidas. Mas sem dvida os missionrios

    cristos sero mais bem equipados para a tarefa do seu Senhor eMestre quando se chegar a um equilbrio adequado entre osdiversos aspectos de misses. Em particular:

    1 - O evangelho deve ser proclamado tanto empalavras como em ao;2 - Precisamos tanto identificar-nos com os no-cristos em suas necessidades, quanto lhes contar as"boas novas" crists;3 - A igreja no est envolvida apenas com a prpriaexpanso, tambm o agente da misso de Deus.36

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    Diante das concluses do Pacto de Lausanne, que noconseguiu relacionar os dois temas, ao evangelizadora e aosocial, conquanto, para ser fiel ao Pacto, em seu sexto pargrafo,faa meno da relao entre os dois temas, afirmando que "o

    servio de evangelizao abnegada figura como a tarefa maisurgente da igreja" 37. Mesmo assim, James Scherer lembra quealgumas questes padeceram de respostas, face s vriasalternativas ou opes que interligaram os dois temas. Seno,vejamos:

    4 - A de que a responsabilidade social um

    afastamento, ou mesmo uma traio daevangelizao;5 - A de que responsabilidade social evangelizao;6 - A de que a responsabilidade social umamanifestao - ou uma conseqncia - ou umaparceira da evangelizao etc;7 - A de que responsabilidade social e evangelizaoso componentes distintos, mas iguais do ministrio

    da Igreja.38

    Adiante se encontram delineadas alternativas ou opes quetentam relacionar evangelizao e responsabilidade social,conforme Scherer e Nascimento. Num primeiro momento, maisprecisamente nos dois primeiros tpicos, so tratadas as reaesnegativas a tal relacionamento, fruto de uma viso radical

    daqueles que acreditam que a ao social uma traio aoevangelismo. Posteriormente, nos tpicos seguintes, soapresentadas as opes que tentam relacionar positivamente osdois temas.

    Ao social um alheamento do evangelismo

    Cristos conservadores, que sustentam uma viso

    dispensasionalista, portanto destituda de esperana para omundo, a qual se restringe ao cu, pois o mundo caminharapidamente de mal a pior e ainda, que consideram a ao

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    evangelizadora a nica tarefa da Igreja, entendem que oenvolvimento da Igreja com aes sociais um ato de alheamentodo evangelismo.

    Ao social uma traio ao evangelismoNeste sentido, a reao contra a ao social certamente tem

    uma relao com o liberalismo defendido pelo evangelho social.Para poupar a Igreja de qualquer desvio da verdade, de qualquerassociao com as heresias liberais, desprezou-se a ao social,crendo que tal envolvimento seria, na prtica, uma traio aochamado da Igreja para fazer discpulos.

    Ao social como evangelismo

    Para alguns, ao social e evangelismo andam juntos, umno existe sem o outro. Nascimento cita Emlio Castro em seu livro,"Liberation Development and Evangelism: Must we Choose inMission" em que afirma que "o evangelismo existe somente onde hpreocupao social, sem ela pode haver propaganda, proselitismo,mas dificilmente boa-nova" 39

    Esta opo se torna perigosa, pois acredita que se no houveao social no houve evangelizao, no entanto possvelperceber que, na caminhada da Igreja e mesmo em textos bblicos,como na parbola do Samaritano, houve ao social semnecessariamente haver evangelizao como proclamao.

    Ao social como um meio para o evangelismoDentre as vrias opes sobre o relacionamento

    evangelizao-ao social est aquela que acredita que a aosocial pode ser um instrumento, um meio para a evangelizao. NaConsulta de Grand Rapids, a ao social foi vista como ponte paraa evangelizao. Ela pode ser um mecanismo facilitador,derrubando preconceitos, desconfianas e abrindo portas para quea verdade do Evangelho fale ao corao do ser humano.

    Como sabido, as pessoas vem os cristos evanglicos comouma Igreja alheia tragdia humana. Sendo assim, a ao abririao ser humano para ouvir o que o Evangelho tem a dizer. A leitura

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    da histria das misses modernas apresentar-nos- missionriosque, v.g., investiram na sade pblica para facilitar a comunicaocom aqueles que deveriam ser alcanados pelo evangelho.

    Ao social como uma manifestao do evangelismoOs defensores desta opo acreditam no envolvimento socialcomo uma demonstrao do evangelho. A ao social dvisibilidade evangelizao. Conforme Nascimento, "a analogia daf e obra na epstola de Tiago muitas vezes usada para explicareste ponto de vista".40Esta leitura utiliza-se do ministrio de Jesuspara mostrar que, com Ele, palavra e ao andavam de mosdadas, como irms gmeas.

    Ao social como um resultado ou conseqncia doevangelismo

    A Consulta de Grand Rapids afirma que a ao social umaconseqncia da evangelizao, ou seja, a evangelizao o meiopelo qual Deus produz nas pessoas um novo nascimento e estenovo nascer manifesta-se no servio prestado aos outros. A

    definio vai mais adiante e assevera que mais do que simplesconseqncia da evangelizao, a responsabilidade social um dosseus principais objetivos. Nesse sentido, entende-se que a respostanatural de uma pessoa alcanada pelo evangelho ser o seuenvolvimento em aes sociais transformadoras. Parece tratar-sede postura bastante perigosa, visto que se verifica, (ao voltar osolhos para a Igreja, mesmo sabendo que aqueles que a elapertencem foram alcanados pelo evangelho), a falta de uma ao

    social sria e radicalmente transformadora. Parece, ainda, que ogrande perigo revela-se na perpetuao do status quo, fruto deuma alienao, posto que a Igreja, em sua trajetria, muitas vezesse preocupa com assuntos perifricos, como construo de templo,modernizao do som, aquisies de veculo para a comunidade,de terreno para o acampamento da igreja - que no dispe detempo, nem de condies financeiras para se envolver com oproblema social alheio.

    Obviamente no se pretende ser pessimista ao realizar talcritica, posto que teoricamente parece que a teoria albergacongruncia com a viso bblica. Povo transformado deveria ser

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    povo engajado, mas, na prtica, percebe-se exatamente o contrrio.A Igreja tem exercitado o "ensimesmamento" e toda a sua estruturaparece voltar-se para o benefcio da prpria comunidade, o que, dealguma maneira, a conduz alienao quanto tragdia do outro.

    Ao social como parceira do evangelismo

    Grand Rapids revelou tambm que a ao social foi vistaigualmente como parceira do evangelismo e, no intuito de ilustraressa parceria fez-se a seguinte comparao:

    elas so como as duas lminas de uma tesoura, oucomo as duas asas de um pssaro.41

    Essa parceria aplica-se tanto ao cristo, individualmente,como igreja local. Obviamente, cada cristo recebe um dom e umchamado diferente que o habilita a concentrar-se em ministriosespecficos, assim como os doze foram chamados para umministrio pastoral e os sete para um ministrio social. igualmente bvio que diferentes cristos encontram-se em

    diferentes situaes de necessidade, e que cada uma requer umaresposta especfica. Ns nos estamos acusando o "bomsamaritano", por atar as feridas do viajante sem indagar sobre oseu estado espiritual, nem Filipe por compartilhar o evangelho seminquirir as suas necessidades sociais. Estes foram, no entanto,chamados especficos e situaes especficas. Falando em termosgerais, todos os seguidores de Jesus Cristo tem a responsabilidadede testemunhar e de servir, de acordo com as oportunidades que

    lhes forem dadas.42

    Ao social e evangelismo como igualmente importantes

    Esta, que se traduz na oitava idia, trata da valorizaoeqitativa entre ao social e evangelismo. Nascimento apresenta,como alguns dos expoentes desta concepo, Ronald Sder, SamuelEscobar e David Bosch. Se alguma palavra pode ser vista como

    adequada para caracterizar a misso da Igreja, de acordo comBosch, ela o conceito bblico de martyria (testemunha), que podeser subdividida em kerigma (proclamao), koinonia (comunho),

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    diakonia (servio) e leitougia (liturgia). Na histria da Igreja possvel perceber esta inter-relao que valoriza tanto a ao social,quanto a evangelizao.

    Ao social como parte da proclamao do evangelhoSendo este o ltimo expediente de anlise, afirmou-se que a

    ao social parte da proclamao do evangelho. Em outraspalavras, os defensores desta postura, advogam que a ao socialda Igreja mais do que alimentar os famintos, curar os doentes eprovidenciar recursos para que a sua tragdia seja minimizada.Entende-se que ela exige uma ao social mais profunda que possatrazer justia social. A tarefa da Igreja continua sendo a de

    proclamar o Evangelho, no entanto, isto, em hiptese alguma,poder fazer com que a Igreja cale-se diante dos desmandos sociais.

    Voc deve lembrar que este um fenmeno um tanto novo.Os velhos reavivamentos so mencionados com grande carinhopelos lderes evanglicos. Contudo, parece que se esqueceram doque foram esses reavivamentos. Sim, os velhos reavivamentos daGr-Bretanha, Escandinvia, e assim por diante, conclamavamcom grande clareza e sem dvida alguma, a uma salvao pessoal.Mas conclamavam tambm a uma ao social resultante. Leia ahistria dos grandes reavivamentos. Cada um deles seguiu estemesmo padro, e no h melhor exemplo do que os grandesavivamentos de John Wesley (1703-1791) e George Whitefield(1714-1770).

    Os reavivamentos de Wesley e Whitefield foram tremendos nochamado para a salvao individual, e milhares de milhares foram

    salvos. Contudo, at mesmo os historiadores seculares reconhecemque os resultados sociais do avivamento wesleyano, salvaram aInglaterra de sua prpria verso da Revoluo Francesa. Devemosmencionar os nomes de alguns dos nossos precursores cristos,com um grito de orgulho e gratido a Deus: Lorde Schaftesbury(1801-1855), que ousou defender a justia para o pobre em meio revoluo industrial; William Wilberforce (1759-1833), que foi amaior fora pessoal solitria a mudar a Inglaterra de um pas

    escravocrata para um pas que, muito antes dos Estados Unidos,abandonou a escravatura legalmente e de fato. Estes homens norealizaram estas coisas por acaso, mas porque viam tudo issocomo parte das Boas Novas crists. Deus usou pessoas envolvidas

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    nos avivamentos para produzir os resultados no s de salvaoindividual, mas tambm de social."

    Afinal, qual a relao entre responsabilidade social eevangelizao? Esta pergunta permanece no ar e como lembraStott:

    Muitos temem que quanto mais ns, os evangelicais,nos comprometermos com um, tanto menosestaremos comprometidos com o outro, e que, casonos comprometamos com ambos, um dos dois comcerteza sair prejudicado; e, especialmente, que umapreocupao com a responsabilidade social certamente

    acabar embotando nosso zelo evangelstico.

    44

    Ao contrrio do que muitos pensam, entendo que a tarefa daIgreja deve abarcar as duas aes, a evangelizadora e a social. Ora,se houver fidelidade ao Evangelho de Jesus, a Igreja no cometero equvoco de priorizar uma ao em detrimento da outra. Noentanto, creio, ainda, que se deve usar o bom senso ao decidir qualser a atividade a encabear o contato da Igreja com dada

    comunidade. Conquanto devam andar juntas, a evangelizao e aao social podem existir independentemente.

    A consulta reafirmou que a ao prioritria da Igreja aevangelizao, por duas razes elementares: primeiro, referidaprioridade no temporal, mas lgica, pois existem situaes emque o ministrio social precisar vir inicialmente. No entanto, emalguns pases, o progresso social tem sido obstaculizado devido

    predominncia de uma cultura religiosa e somente a evangelizaopode modificar este cenrio; em segundo e ltimo lugar, aevangelizao relaciona-se com o destino eterno das pessoas.Raras sero as vezes em que a Igreja haver de optar entre aosocial ou evangelizao, mas em acontecendo, ela precisa lembrar-se de que a necessidade suprema e mxima de todo ser humano a graa salvadora do Senhor Jesus.45id., p.22.

    Concluindo este segundo captulo, quero citar aquilo que

    Manfred Grellert afirmou com muita propriedade:

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    "A evangelizao pode ter prioridade na missointegral da igreja, conforme a nfase de Lausanne.Mas ela no ser bem-sucedida sem o equilbrio namisso integral da mesma. Uma comunho patolgica,uma edificao anmica, um culto festivo e vazio euma ao social ausente geralmente resultam numa

    elefantase evangelstica e numa inchao dasigrejas.46

    3. Perspectiva histrica sobre a responsabilidade socialda igreja

    Em trecho de determinado artigo, abaixo transcrito, observa-se que o autor fez severa crtica falta de influencia da Igreja

    Evanglica Brasileira. Segundo este mesmo autor, a Igreja se dizgrande, mas essa superdimenso no transforma o estado demisria e desigualdade social presentes no pas, Seno, vejamos:

    Dizem que o total dos supostos evanglicos de 30milhes. Mas por que o padro moral e a tica dasociedade degeneram-se a cada dia? Onde est a

    influncia dos supostos evanglicos? Ser que amisria, a desigualdade social e os salrios de fomeno incomodam aqueles que deveriam no seconformar com este sculo, mas transform-lo pelarenovao da mente? A populao no temperspectiva de vida, as pessoas no tm mais rumo,onde esto os padres ticos, morais e religiosos queso a base da sociedade? A Reforma Protestanteabalou o mundo, os puritanos diziam que a ignorncia a maior aliada de satans. A diferena entre osprotestantes do passado e os supostos evanglicos dehoje que: 1. Os do passado criam no verdadeiroevangelho que necessariamente gera o no-conformismo com o mundo, e o desejo de implantaros aspectos do Reino de Deus nesta sociedade:

    justia, paz e alegria. 2. Eram reformados de verdade,temiam verdadeiramente a Deus. por isso que as

    coisas esto desse jeito... dizem que crem no mesmoEvangelho de nossos pais. Ser?47

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    O texto acima comete o equvoco de no fazer uma anlisehistrica dos fatos que influenciaram a Igreja Evanglica no Brasil,tornando-a o que hoje. Consubstancia-se fcil colocar a Igreja naberlinda e atirar-lhe pedras. Essa posio reveste-se decomodidade e simplismo, pois no detecta os fatores que a levaram

    a ser o que ela . Se, por um lado, o artigo peca por desprezar ahistria, por outro, tem a virtude de enfatizar a necessidade decoerncia entre discurso e prtica.

    Neste captulo, revisita-se a histria da Igreja, buscandoentender porque uma Igreja como a evanglica brasileira, comtanto potencial e que continua a experimentar um crescimento toexpressivo, denominado por alguns de avivamento, no consegueexercer uma influncia mais significativa e transformadora no

    contexto em que est inserida e ainda, porque contnuarestringindo sua ao social filantropia e, muitas vezes,limitando-a igreja local. Relendo a histria, ser possvelperceber o enorme desafio que pesa sobre a Igreja, isto porque,tanto na histria da Igreja Crist, como na histria da IgrejaEvanglica no Brasil possvel vislumbrar dados maravilhosossobre o papel social da Igreja.

    A Igreja Evanglica filha da Reforma Protestante do sculoXVI, movimento que havia algo a dizer, no apenas sobreeclesiologia e espiritualidade, mas sobre questes polticas esociais, mesmo assim, infelizmente, a Igreja Evanglica distanciou-se da prxis e do discurso reformado. Afastamento que pareceencontrar influncia em eventos histricos mais recentes, os quaislevam a Igreja alienao quanto aos aspectos sociais.

    Elementos inibidoresEntende-se que um dos elementos inibidores da ao social

    da Igreja a influncia do Fundamentalismo sobre ela, mas antesde demonstr-la, necessrio se faz compreender o seu nascimento,o seu contexto histrico e o seu desvirtuamento. A melhorcompreenso do tema, porm, requer o entendimento acerca dainfluncia do liberalismo teolgico.

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    A) O liberalismo teolgico

    O liberalismo teolgico teve sua origem na Alemanha, ondeconvergiam vrias correntes teolgicas e filosficas no sculo XIX.O pensamento alemo teve um impacto profundo sobre asteologias britnica e norte-americana, mas movimentos autctones

    nos dois lugares, a tradio da igreja Ampla na Inglaterra e oUnitarismo nos Estados Unidos, moldaram de modo significativo odesenvolvimento do liberalismo ali.48

    A melhor maneira de compreender a origem doFundamentahsmo faz-se quando se entende que ele nascetentando combater o crescimento do liberalismo teolgico radicalnas principais denominaes histricas dos Estados Unidos aofinal do sculo XIX e incio do sculo XX.

    Augustus Nicodemus Lopes apresenta as principais doutrinasdo liberalismo:

    1 - O carter de Deus de puro amor, sem padresmorais;2 - Existe uma centelha divina em cada pessoa;

    3 - Jesus Cristo Salvador somente no sentido emque ele o exemplo perfeito do homem;4 - O Cristianismo s diferente das demais religiesquantitativamente e no qualitativamente;5 - A Bblia no o registro infalvel e inspirado darevelao divina, mas o testamento escrito da religioque os judeus e os cristos praticavam;

    6 - A doutrina ou declaraes proposicionais, como asque encontramos nos credos e confisses da Igreja,no so essenciais ou bsicas para o Cristianismo,visto que o que molda e forma a religio aexperincia e no a revelao.49

    Se a teologia liberal afetou alguns aspectos fundamentais daf, no se pode esquecer que, de alguma maneira, os liberais

    dispunham de uma viso sobre o ser humano que o aproximava doprisma bblico. Acredita-se que uma das virtudes daquele perodofoi estabelecer-se uma viso integral do ser humano. Os telogos

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    liberais entendiam que Deus estava interessado no ser humano eem seu sofrimento. O que nos gera inquietude perceber que, seeles acertam na prxis, cometem um erro elementar ao desprezaraquelas verdades essenciais da f crist.

    B) O evangelho social

    No final do sculo XIX e incio do sculo XX, os telogosliberais desenvolveram o chamado 'evangelho social' que nadamais era do que uma tentativa de construir o reino de Deus naterra, por causa dessa tentativa o 'evangelho social' foi visto comouma perverso do verdadeiro evangelho.

    O termo, 'evangelho social', com sua associao atual com opensamento social protestante teologicamente liberal emodernamente reformista, veio a ser usado por volta de 1900, paradescrever aquele esforo protestante no sentido de aplicarprincpios bblicos aos crescentes problemas urbano-industriaisdos Estados Unidos emergindo durante as dcadas entre a GuerraCivil e a Primeira Guerra Mundial.50

    O mais popular porta-voz do chamado evangelho social foi

    Walter Rauschenbusch. Sua viso foi influenciada pela experinciapessoal ao deparar-se com opressiva pobreza, essa experinciadeterminou sua mensagem. John Stott cita duas afirmaes deRauschenbusch que certamente significou uma reao de rejeio,por parte da ala mais ortodoxa da Igreja evanglica a qualquerprograma social. Ele contrastou:

    1

    'O antigo evangelho da salvao de almas com' 'onovo evangelho do Reino de Deus.' 'No se trata delevar indivduos para o cu', escreve, 'mas transformara vida aqui na terra na harmonia do cu'.2 - 'O propsito essencial do cristianismo' 'transformar a sociedade humana em Reino de Deusatravs da regenerao de todos os relacionamentoshumanos' 51

    Como a atitude de Rauschenbusch foi politizar o Reinode Deus, compreensvel e lamentvel que a reaodos evanglicos tenha sido concentrar-se na

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    evangelizao e na filantropia pessoal, mantendo-sedistantes da ao scio-poltica.52

    C) O fundamentalismo

    O Fundamentalismo foi um movimento que surgiu nosEstados Unidos durante e imediatamente aps a Primeira GuerraMundial e tinha por escopo reafirmar o Cristianismo ortodoxo edefend-lo contra os desafios e a influncia da teologia liberal, daalta crtica alem, do darwinismo e de outros pensamentosconsiderados danosos ao Cristianismo, mais precisamente no seiodas principais denominaes histricas dos Estados Unidos nofinal do sculo XIX e incio do sculo XX.

    Segundo Lopes, o termo "Fundamentalista' foi usado por trsrazes:

    1 - Os conservadores insistiam que o liberalismoatacava determinadas doutrinas bblicas que eramfundamentais do Cristianismo, e que, ao neg-las,transformava o Cristianismo em outra religio,diferente do Cristianismo bblico.2 - A publicao cm 1910-1915 da srie OsFundamentos, 12 volumes de artigos, escritos porconservadores, onde defendiam os pontosfundamentais do Cristianismo e atacavam omodernismo, a teoria da evoluo, etc. Forampublicadas 3 milhes de cpias e espalhadas pelosEstados Unidos. H artigos de eruditos conservadorescomo J. G. Machen, John Murtay, B. B. Warfield, R. A.

    Torrey, Campbell Morgan e outros.3 - Muito embora o conflito entre os liberais efundamentalistas envolvesse muito mais do quesomente os pontos abaixo, os mesmos foramconsiderados na poca, pelos conservadores, como ospontos fundamentais da f e do Cristianismoevanglicos e acabaram se tornando o slogan dosconservadores e a bandeira do movimento

    fundamentalista:- A inspirao, infalibilidade e inerrncia dasEscrituras;

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    - A divindade de Cristo;- O nascimento virginal de Cristo e os milagres;- O sacrifcio propiciatrio de Cristo;- Sua ressurreio literal e fsica e seu retorno. 53

    Discorre-se no tpico seguinte sobre o desenvolvimentohistrico e teolgico do fundamentalismo na Igreja Crist nosEstados Unidos e no Brasil, dividindo-o em quatros partes ou fases.

    1 FASE - Durante a dcada de 1920

    A fase inicial englobou a articulao daquilo que era

    fundamental ao Cristianismo e ao incio de uma batalha urgentealmejando expulsar das fileiras das igrejas os inimigos doprotestantismo ortodoxo. Nesse perodo, os avessos ortodoxiaforam nominados e dentre eles, encontram-se o romanismo, osocialismo., a filosofia moderna, o atesmo, o mormonismo, e,acima de tudo, a teologia liberal fulcrada numa interpretaonaturalista das doutrinas da f.

    Nessa poca, publicou-se a srie Os Fundamentos. O alvo era

    atacar o naturalismo, o liberalismo e todos os males a elesassociados. A inerrncia das Escrituras reafirmada como sendodoutrina bblica e fundamental. Ainda no mencionado perodo,gradativamente comeou-se a adotar o dispensacionalismo comoum dos pontos fundamentais da f crist, o que provocaria, na fasesubseqente, uma importante diviso no movimento.

    2 FASE - Fim da dcada de 1920 at o incio dos anos1940

    At cerca de 1926, o movimento fundamentalista percebe terfracassado na tentativa de fazer uma limpeza no arraialprotestante dos modernistas. A poca foi gravada pelo divisionismoe o nascimento de novas igrejas, instituies e associaes. Foramformadas novas denominaes como a Associao Geral de IgrejasBatistas Regulares (1932), a Igreja Presbiteriana da Amrica, ou

    PCA (1936), Associao Batista Conservadora da Amrica (1947),as Igrejas Fundamentalistas Independentes da Amrica (1930)entre outras.

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    Naquela fase, a lio teolgica mais marcante era a de que osfundamentalistas representavam o Cristianismo verdadeiro,baseado numa interpretao literal das Escrituras, e essa verdadedevia ser expressa concretamente, desvinculada dos liberais e dosmodernistas. Chegou-se a estabelecer, nesse momento, uma

    prtica carregada daquilo que eles acreditavam ser puro namoralidade pessoal e na cultura norte-americana. Torna-semarcante a indiferena aos problemas sociais e o termofundamentalismo ganha uma conotao de 'divisionismo',intolerncia' e de 'antiintelectualismo'.

    3 FASE - Fim da dcada de 1940 at dcada de 1970

    No perodo acima compreendido, o fundamentalismocontinua a batalha contra o liberalismo, de fora das denominaese contra um novo inimigo, o neo-evangelicalismo. O movimentoganha repercusso internacional.

    Em 1948 foi criado o Concilio Internacional de Igrejas Crists,formado por denominaes, igrejas e indivduos que seidentificaram com a bandeira fundamentalista, em oposio aoConcilio Mundial de Igrejas, que possua uma viso ecumnica eliberal. Os ataques fundamentalistas dirigiram-se aos neo-evangelicais ou evangelicais, uma ala dentro do fundamentalismoque deseja preservar os pontos fundamentais da f, mas no haviainteresse no divisionismo da primeira gerao, por julga-lo umgrande perigo ao verdadeiro Cristianismo, em virtude da suaabertura para outros cristos e associao com os liberais.

    4 FASE - Fim da dcada de 1970 e a dcada de 1980O fundamentalismo Norte Americano adentrou uma nova fase,

    principalmente a partir da campanha de Ronald Reagan presidncia dos Estados Unidos, o que o fez ganhar novo impulso,pois se disps a dar respostas para a crise social, econmica,moral e religiosa que se estabelecera no pas. Percebeu-se, ento,um resgate dos princpios que marcaram a dcada de 1920.

    Lopes apresenta algumas caractersticas desta fase:

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    1 - Surgem novos ministrios de uma nova gerao defundamentalistas, utilizam-se da mdia, televisiva eimpressa. Entre eles: Jerry Falwell, Tim LaHaye, HalLindsey, James Dohson, Pat Robertson.2 - O alvo principal dos ataques fundamentalistas era

    o domnio do governo por humanistas e asconseqncias disto para a nao, em termos delibertinagem e relaxamento dos valores morais. Ogrande receio de que o Cristianismo seja banido daAmrica.3 - Estes lderes e outros mantinham os mesmospontos doutrinrios e a mesma viso separatista daprimeira gerao de fundamentalistas, embora oinimigo fosse outro, nesse caso o humanismo.4 - formada a Maioria Moral (1979) sob a lideranade Jerry Falwell, para combater o liberalismo moral esocial nos Estados Unidos,5 - O fundamentalismo ganhou maior tora com o atode que o movimento evangelical comeou a darmostras de que a poltica de boa vizinhana comliberais e catlicos terminava em prejuzo para a fbblica. 6 - Por outro lado, os escndalos na dcada de1980, envolvendo o casal Bakker, televangelstasfundamentalistas, causaram um grande revs nomovimento dentro dos Estados Unidos.54

    Sem dvida alguma, o fundamentalismo, atualmente nosEstados Unidos continua sua caminhada. Seu crescimento e suainfluncia no se fazem mais por meios denominacionais, mas sim

    por intermdio da multiplicao de uma mentalidadefundamentalista nos aspectos teolgicos e apologticos.

    Parece que se pode concluir que, sem resqucios duvidosos, omovimento fundamentalista teve seus aspectos positivos, como,por exemplo, a luta pela fidelidade s Escrituras, uma buscacontnua pelo resgate do Cristianismo histrico. No entanto, preciso lamentar o seu separatismo, seu preconceito, sua omissoquanto responsabilidade social, fruto de uma viso escatolgica

    dispensacionalista.

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    D) O celeste porvir ou o protestantismo peregrino

    O perodo do protestantismo peregrino marcou o momentoem que a Igreja perdeu o sentido sobre sua vocao, "no mundosem ser do mundo". Ela tinha tanto medo de contaminar-se eperder seu real significado, que preferiu olhar para o cu.

    Inevitavelmente constatou-se que a alienao fez-se presente,afinal, somos apenas peregrinos, gente que no tem residnciaaqui no mundo, mas tem um lar no cu, preparado desde aeternidade. Ela se tornou a Igreja que no pode pensar otransitrio porque tem a eternidade diante de si. Antonio G.Mendona afirma que:

    Protestante comum vive no provisrio. Sua tica denegao do mundo o conduz constante expectaodo porvir, do mundo ahistrico do alm, muito melhordo que o presente. Se essa expectao o leva a cantaras glrias e os prazeres de sua futura e verdadeiraptria, leva-o, em contrapartida a recusar os valoresdo presente. O mundo presente um tempo deperegrinao. Ele no tem morada. Ele no temrepouso e est rodeado de inimigos. Sente-se

    estrangeiro na terra, de modo que o seu viver umpenoso caminhar para a ptria celestial. Repete-se avelha alegoria puritana de Joo Bunyam. 55

    Mendona cr que o final do sculo XIX e, em boa parte, oincio do sculo XX, foram marcados pelo sentimento deperegrinao, fato que, de algum modo, parece haver perdido sua

    caracterstica por causa das mudanas sociais muito acentuadas,ocorridas no perodo da industrializao urbana.

    Submetendo os hinrios anlise, percebe-se inegavelmenteque aquilo que reflete muito bem essa postura alienante, marca doprotestantismo peregrino. Abaixo so alistados dois hinos queretratam esse perodo.

    ASPIRAO DO CUVou Ptria - eu peregrino -,A viver eternamente com Jesus,

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    Que concedeu-me feliz destinoQuando ferido, por mim morreu na cruz.Vou Ptria - eu peregrino -A viver eternamente com Jesus!

    Vou Ptria - eu peregrino -,A viver eternamente com Jesus! 56

    A MENSAGEM REALSou forasteiro aqui, em terra estranha estou,Celeste Ptria, sim, para onde vou.

    Embaixador por Deus, do Reino l dos cus,Venho em servio do meu Rei!

    a mensagem que me deuProvinda l dos altos cus:Que nos reconcilieisCom o Senhor Rei meu!

    Reconciliai-vos j com Deus! 57

    F) Viso escatolgica

    Outro elemento que alimentou essa alienao social pelaIgreja foi a sua viso escatolgica pr-milenista. Embora no sepretenda fazer um estudo escatolgico, delineia-se apenas umabreve anlise desse ponto de vista para que se entenda a sua

    influncia sobre a igreja brasileira.Os pr-milenistas crem que Jesus voltar antes dos mil anos

    (milnio) em que Cristo reinar sobre o mundo, o qual sobreviver destruio e ao julgamento que visitaro a terra na grandetribulao, eliminando-se assim, todas as mazelas e injustiassociais. A idia elimina a necessidade de preocupar-se com osproblemas sociais de hoje, pois, quando Jesus voltar, todos seroresolvidos.

    Eu sei que alguns vem as tragdias mundiais com umaponta de prazer, afinal isto apenas o prenuncio de que a volta de

  • 8/11/2019 Responsabilidade social da igreja.pdf

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    Jesus para buscar sua Igreja iminente. Nota-se que alguns crem,sinceramente, que tentar reverter o quadro social do mundo lutarcontra o inexorvel, pois entendem que a pobreza algo a nosacompanhar em escala cada vez maior (Mt. 26.11), porque esta apassada da humanidade em direo ao final dos tempos. O Senhor

    Jesus, falando profticamente, ensina-nos que o mundo caminhade mal a pior filhos estaro contra os pais, pais contra os filhos,irmos contra irmos, guerra e rumores de guerras, marcascomuns no final dos tempos (Mt. 224.6, Mc. 13.7). Eles perguntam:"Como transformar aquilo que inevitvel?"

    "A adoo da teologia fundamentalista, que quasesempre tambm pr-milenista, gera, na prtica,

    alien