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O escravo ante a lei civil e a lei penal e a lei penal no império – Fundamentos de historia do direito: “A Constituição imperial determinava, em seu artigo 6.º, inciso I, serem cidadãos brasileiros os nascidos no Brasil, ‘quer sejam ingênuos, ou libertos’ (...).” (p. 376). Com isso, atribuía-se, assim, ao ex-escravo a cidadania, embora restrita. Ao contrário dos escravos, que eram habitantes não-cidadãos do país., os libertos faziam parte da massa de cidadãos ativos. “No projeto constitucional da Assembléia Constituinte de 1823 (...) também se atribuía cidadania aos ‘escravos que obtiverem carta de alforria’ (art. 5.º, IV) (...).” (p. 376). Após a leitura dos Anais da Assembléia Constituinte de 1823, houve uma ampla discussão sobre a cidadania do liberto. O temor a uma revolta de escravos como a ocorrida nas Antilhas juntava-se à retomada do tráfico em maior escala. Por isso, muitos como o padre Henriques de Resende e Silva Lisboa foram a favor da concessão da cidadania aos libertos. “Despontavam, assim, as contradições filosóficas e jurídicas entre a formulação constitucional oriunda da tradição iluminista e a realidade social da escravidão. As demais fontes jurídicas sobre a escravidão é que realmente regulavam quotidianamente sua existência na sociedade imperial. Vigiam as Ordenações Filipinas, na ausência do Código Civil, mas aplicavam-se aos escravos e às relações jurídicas de que participavam, sobretudo as leis civis ordinárias, a legislação colonial não derrogada, o Código Comercial (1850), a jurisprudência, os atos administrativos do governo imperial, os pareceres oficializados do Instituto dos Advogados do Brasil e (...) o direito canônico e o direito romano. Quanto ao crime, vigoravam e aplicavam-se ao escravo o Código Criminal de 1830, o Código de Processo Criminal e sua reforma, a legislação ordinária e demais fontes de direito, como na lei civil.” (p. 378). Origem e Termo de Escravidão no Império “No Brasil, a escravidão negra originava-se no tráfico africano (...) e no nascimento (...). Essa dupla origem somente durou até 1830, quando a lei de 7 de novembro (...) determinou a ilegalidade do tráfico (...).” (p. 379). Após essa data, a origem da escravidão restringiu-se ao nascimento, embora continuasse existindo o tráfico ilícito. “Em data tão tardia quanto 1859, o Instituto dos Advogados do Brasil pronunciou-se a respeito a pedido do governo imperial, reiterando que era livre o filho de mãe escrava nascido em tais condições, bem como seus descendentes. O termo da escravidão ocorria, juridicamente, de três maneiras: a morte do escravo, a sua manumissão (alforria) ou pela lei.” (p. 380). O Escravo e a Lei Civil “Do ponto de vista civil o escravo era res, simultaneamente coisa e pessoa. Mas não participava da vida da civitas, pois estava privado de toda capacidade. Em conseqüência, não tinha direitos civis, muito menos políticos e também não podia atuar em atos como testemunhar em juízo, testar, contratar ou exercer tutela. (...) não constituía, de direito, família, mas apenas uniões de fato (...).” (p. 383). À época da independência, havia

Resumo do texto; O escravo ante a lei civil e a lei penal e a lei penal no império – Fundamentos de historia do direito

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O escravo ante a lei civil e a lei penal e a lei penal no imprio Fundamentos de historia do direito:A Constituio imperial determinava, em seu artigo 6., inciso I, serem cidados brasileiros os nascidos no Brasil, quer sejam ingnuos, ou libertos (...). (p. 376). Com isso, atribua-se, assim, ao exescravo a cidadania, embora restrita. Ao contrrio dos escravos, que eram habitantes no-cidados do pas., os libertos faziam parte da massa de cidados ativos. No projeto constitucional da Assemblia Constituinte de 1823 (...) tambm se atribua cidadania aos escravos que obtiverem carta de alforria (art. 5., IV) (...). (p. 376). Aps a leitura dos Anais da Assemblia Constituinte de 1823, houve uma ampla discusso sobre a cidadania do liberto. O temor a uma revolta de escravos como a ocorrida nas Antilhas juntava-se retomada do trfico em maior escala. Por isso, muitos como o padre Henriques de Resende e Silva Lisboa foram a favor da concesso da cidadania aos libertos. Despontavam, assim, as contradies filosficas e jurdicas entre a formulao constitucional oriunda da tradio iluminista e a realidade social da escravido. As demais fontes jurdicas sobre a escravido que realmente regulavam quotidianamente sua existncia na sociedade imperial. Vigiam as Ordenaes Filipinas, na ausncia do Cdigo Civil, mas aplicavam-se aos escravos e s relaes jurdicas de que participavam, sobretudo as leis civis ordinrias, a legislao colonial no derrogada, o Cdigo Comercial (1850), a jurisprudncia, os atos administrativos do governo imperial, os pareceres oficializados do Instituto dos Advogados do Brasil e (...) o direito cannico e o direito romano. Quanto ao crime, vigoravam e aplicavam-se ao escravo o Cdigo Criminal de 1830, o Cdigo de Processo Criminal e sua reforma, a legislao ordinria e demais fontes de direito, como na lei civil. (p. 378). Origem e Termo de Escravido no Imprio No Brasil, a escravido negra originava-se no trfico africano (...) e no nascimento (...). Essa dupla origem somente durou at 1830, quando a lei de 7 de novembro (...) determinou a ilegalidade do trfico (...). (p. 379). Aps essa data, a origem da escravido restringiu-se ao nascimento, embora continuasse existindo o trfico ilcito. Em data to tardia quanto 1859, o Instituto dos Advogados do Brasil pronunciou-se a respeito a pedido do governo imperial, reiterando que era livre o filho de me escrava nascido em tais condies, bem como seus descendentes. O termo da escravido ocorria, juridicamente, de trs maneiras: a morte do escravo, a sua manumisso (alforria) ou pela lei. (p. 380). O Escravo e a Lei Civil Do ponto de vista civil o escravo era res, simultaneamente coisa e pessoa. Mas no participava da vida da civitas, pois estava privado de toda capacidade. Em conseqncia, no tinha direitos civis, muito menos polticos e tambm no podia atuar em atos como testemunhar em juzo, testar, contratar ou exercer tutela. (...) no constitua, de direito, famlia, mas apenas unies de fato (...). (p. 383). poca da independncia, havia um projeto que colocava o escravo como senhor legal do seu peclio, podendo assim por herana ou doao deixa-lo a quem quiser. J no Imprio, o Aviso Ministerial n. 16, de fevereiro de 1850, reiterando disposies das ordenaes, proibia testamentos de escravos. No campo das obrigaes vigiam princpios semelhantes: a regra era a de que o escravo no se obrigava, nem a seu senhor ou a terceiros. Como objeto de relaes jurdicas, aplicavamse amplamente ao escravo os institutos da lei civil, quer no campo do direito obrigacional (...) quer no campo dos direitos reais (...). O Escravo e a Lei Penal Ao contrrio da legislao civil, (...) a histria da legislao penal compreende dois momentos diferentes: o perodo colonial, no qual vigoravam as Ordenaes Filipinas e seu livro V; e o perodo imperial, caracterizado pelo Cdigo Criminal de 1830, pelo Cdigo de Processo Criminal e pela

legislao especfica, quer oficial, quer oficializada (...). (p. 388).

Na lei penal, diferentemente da

civil, o escravo sujeito ativo ou agente do crime era considerado pessoa e no coisa, o que significava dizer que respondia plenamente por seus atos, como imputvel. Enquanto sujeito passivo, o mal a ele feito era considerado no dano mas ofensa fsica, (...) embora cabendo ao proprietrio indenizao civil (...). (p. 388). Ao contrrio da legislao imperial, a qual repreendia os castigos impostos pelo senhor, A legislao colonial negava-se ao senhor o direito de vida e morte, concedendo apenas a aplicao de castigo moderados, que definia. O Cdigo Criminal do Imprio (art. 14, 6.) seguiu essa orientao (...). (p. 389). No caso de crimes praticados por escravos e suas penalidades, no perodo colonial, (...) aplicavam-se os mesmos procedimentos cruis e infamantes (...) a homens livres e escravos, embora para estes, por sua condio, as sanes fossem em geral mais duras, de direito e de fato. A Constituio de 1824 (...) proibiu tais procedimentos. (...) foi tambm abolida, no Cdigo Criminal de 1830, a pena de aoites, exceto para escravos. (p. 389). Ainda restritivamente em relao ao escravo, proibia-se a comutao da pena de morte em priso perptua e a de gals em priso com trabalhos forados, ambas aceitas para os homens livres. Quando o fato criminoso, praticado por escravo, causava tambm danos civis, o senhor deveria indenizar o ofendido at o limite do valor do escravo. (...) o crime de insurreio era visto como o mais grave delito praticado pelo escravo (...). (p. 391). No entanto, uma extensa legislao foi criada destinada a reprimir fugas e levantes e a eliminar quilombos ou dificultar seu estabelecimento. O estudo do direito positivo brasileiro relativo escravido permite constatar a existncia de um convvio conflituoso entre o fato histrico concreto e a concepo de justia e direito dominante, fundamentada no cristianismo e, mais diretamente, na ideologia liberal. Havia amplo leque de contradies: contradio teolgica, filosfica, contradio jurdica, entre outras. A resoluo ficou para a campanha abolicionista, pois o problema, antes de ser jurdico, era social, econmico e moral.

Estados, elites e a Cultura jurdica do Sculo XIX Historia do Direito no Brasil, Captulo 3: O texto busca refletir sobra a formao da cultura jurdica nacional e de que maneira o ideal liberal influenciou na criao das instituies e nos operadores do direito em nosso territrio. Vejamos: 3.1 O liberalismo ptrio: natureza e especificidade So princpios do liberalismo a liberdade pessoal, o individualismo, a tolerncia, dignidade e crena na vida. Outras caractersticas suas so: no plano econmico, a propriedade privada, economia de mercado, ausncia ou minimizao do controle estatal, a livre empresa e a iniciativa privada; no plano poltico-jurdico, consentimento individual, representao poltica, diviso dos poderes, descentralizao administrativa, soberania popular, direitos e garantias individuais, supremao constitucional e estado de direito. Como se ver, a adaptao do liberalismo iluminista europeu foi amplamente limitado por interesses locais, resultando em uma estrutura poltico-administrativa patrimonialista e conservadora, criado para servir de suporte aos interesses das oligarquias. Tal situao denunciava a ambigidade da juno de formas liberais sobre estruturas de contedo oligrquico, com aparncia de formas democrticas (p. 76).

No incio dos movimentos pela independncia, houve uma compatibilizao de interesses da populao com as elites locais. Estes visavam a eliminao dos vnculos coloniais e aqueles a busca da igualdade econmicas e sociais. Conseguido o intento libertrio, as formas liberais de poder determinaram a manuteno do status quo ante, em uma formao pseudo-democrtica de dominao. Assim, o Estado brasileiro nasce em virtude da vontade do prprio governo (da elite dominante) (p 77), acabando por prevalecer um liberalismo conservador praticado por minorias hegemnicas e antidemocrticas. A retrica conservadora sobre o liberalismo fundava-se numa concepo de democracia que negava s massas incultas a capacidade de participao (p. 78). 3.2 O liberalismo e a cultura jurdica no sculo XIX O liberalismo, aps o processo de desvinculao da Metrpole, representava a modernizao do Estado. No incio, houve um embate entre liberais radicais e conservadores, com a vitria desses, o que resultou em um sistema dissociado de prticas democrticas, conciliao com a estrutura patrimonialista colonial, introduzindo uma cultura jurdico-institucional marcadamente formalista, retrica e ornamental (p. 79). Aps a independncia, dois fatores foram fundamentais para edificao de uma cultura jurdica nacional: a criao dos cursos de direito (Recife e So Paulo) e a criao de uma Constituio e leis prprias brasileiras. Quanto s faculdades de direito, sua finalidade primeira era atender as necessidades burocrticas do Estado. A faculdade de Recife se constituiu na vanguarda cientfica do Brasil, enquanto a Academia de So Paulo aderiu ao periodismo e militncia poltica, sendo um centro privilegiado de formao de intelectuais destinados cooptao pela burocracia estatal. O segundo grande fator para emancipao da cultura jurdica brasileira foi a elaborao prpria do sistema legal, a partir de uma constituio. Diga-se que a fachada liberal desse sistema, apoiado pela monarquia, ocultava o escravismo e exclua a maior parte da populao do pas. Destacam-se, ainda, o Cdigo Criminal de 1830 e Cdigo de Processo Criminal de 1832, que extinguiu a estrutura colonial portuguesa, que era apoiada sobre os ouvidores e juzes de forma, na tentativa de criao de uma burocracia profissionalizada de administrao da Justia. Reforava-se, dessa forma, a dominao patrimonialista, com exerccio da Justia apoiada no mais absoluto policialismo judicirio (p. 88). de se ressaltar, ainda, o Cdigo Comercial, de 1850 e Cdigo Civil que, no obstante projetos existentes desde de 1860, somente foi aprovado em 1916, tendo-se em conta que para a burguesia, a ordenao do comrcio e da produo da riqueza era mais imperiosa do que a proteo e a garantia dos direitos civis (p. 88). Isso no impediu, contudo, que o projeto de Clvis Bevilqua tivesse uma mentalidade patriarcal, individualista e machista de uma sociedade agrria e preconceituosa (p. 89) e que traduzisse intentos de uma classe mdia consciente e receptiva aos ideais liberais mas igualmente comprometida com o poder oligrquico familiar (p. 90).

3.3 Magistrados e Judicirio no tempo do Imprio Esses profissionais, formados em Coimbra, tinham um procedimento pautado na superioridade e na prepotncia magisterial, preparados e treinados para servir aos interesses da administrao colonial (p. 91). Como ressalta o Autor, os juzes foram pilares de sustentao na criao de uma organizao poltica nacional e um dos principais agentes de articulao da unidade nacional. Estavam, dessa forma, identificados com o poder poltico, bem como eram controlados atravs de remoes, promoes, suspenses e aposentadorias do governo central, em uma transplantao dos vcios crnicos da Metrpole. Em 1871 foi realizada a maior reforma do sistema jurdico no imprio, com o objetivo principal de separar as funes policiais e judicirias misturadas em 1841 (e aumentando as restries ao exerccio de cargos polticos), em uma tnue estratgia legal de transio do escravismo para a produo livre (p. 95). As competncias dos Juzes de Paz foram alargadas e, juntamente com os Tribunais do Jri, constitua um ataque frontal elite judicial, no dizer de FLORY. Enquanto os magistrados foram formados, em sua maioria, em Coimbra, os advogados tiveram sua educao no Brasil, sendo que a relao de cada um com o Poder Pblico era distinta. Todavia, foi no cenrio institudo por uma cultura marcada pelo individualismo poltico e pelo formalismo legalista que se projetou a singularidade de uma magistratura incumbida de edificar os quadros poltico-burocrticos do Imprio (p. 98). 3.4 O perfil ideolgico dos atores jurdicos: o bacharelismo liberal De acordo com o Autor, o bacharel dos sculos XIX e XX no exerceram papel muito distinto do magistrado portugus no perodo colonial. O bacharelismo, na verdade, favorecia uma formao liberal-conservadora. Foi, contudo, o periodismo na universidade, principalmente no largo do So Francisco, que determinou a forma de atuao e a formao intelectual do acadmico das leis. Assim, este adere ao conhecimento ornamental e ao cultivo da erudio lingstica, buscando sempre a primazia da segurana, ordem e liberdades individuais, criando, determinando, como j dito, um profissional essencialmente moderado e conservador. Foi o liberalismo, dessa forma, a grande bandeira ideolgica defendida e ensinada nas academias jurdicas, sendo que o bacharel assimilou e viveu projees liberais dissociadas de prticas democrticas. O Liberalismo, nesse contexto conservador, no estava necessariamente acompanhado de democracia, nem sequer a despatrimonializao do Estado Brasileiro. A cultura jurdica brasileira foi conduzida, ento, a um estranho e conveniente ecletismo: tradio de um patrimonialismo scio-poltico autoritrio (de inspirao lusitana) com uma cultura jurdica liberal-burguesa (de matiz francs, ingls e norteamericano) (p. 102). Rui Barbosa foi quem melhor sintetizou essa cultura jurdica tradicional, individualizante e formalista, cujo imaginrio social era distante do Direito vivo e comunitrio bem como da populao, em uma atividade advocatcia descomprometida com a vida cotidiana.

De acordo com o Autor, contudo, nada impede de se redefinir, contemporaneamente, o papel do advogado enquanto profissional e cidado (p. 104).

Horizontes ideolgicos da cultura jurdica Histria do Direito, captulo IV: O processo de colonizao portuguesa no Brasil reproduziu uma juridicidade patrimonialista e conservadora, que gerou, posteriormente uma contraditria conciliao com prticas liberais e formalistas, em um contexto antidemocrtico e elitista. 4.1 Trajetria scio-poltica do Direito Pblico Os principais elementos impulsionadores de uma juridicidade pblica no Brasil foram as revolues francesa e norte-americana, a vinda da Famlia Real bem como um exacerbado nacionalismo. Diante de uma situao de explorao de povos perifricos, como o Brasil, propiciou-se a formao de um Direito Pblico que visava a limitao do poder absolutista, no que se chamou de Constitucionalismo, que uma concepo tcnico-formal do liberalismo poltico na esfera do Direito (p. 106). Todavia, aps a independncia, resultado de uma unio entre o povo e a elite, foi outorgada uma Constituio Monrquica que representou apenas os intentos do absolutismo real e os interesses dos grandes proprietrios. Assim, os direitos polticos eram cometidos grupos hegemnicos, em uma estrutura social pouco propcia a novas idias, revolucionrias ou liberais. Ocorre que a perda de poder da elite agrria, a crise militar e o estremecimento das relaes entre Igreja e Estado proporcionou o surgimento de movimentos antimonarquistas, em um ambiente liberal-conservador que, apesar de alterar a correlao de foras, no teve a capacidade de alterar a estrutura dominante. Durante o perodo Imperial, o Brasil possua sua base econmica na explorao da cana de acar, principalmente na Bahia e em Pernambuco, situao que se modificou com o surgimento de um novo produto exportador, o caf, que moveu o eixo econmico para Minas Gerais e So Paulo, permitindo o aparecimento de uma oligarquia cafeeira. Assim que aparece a primeira repblica, cujo texto constitucional de 1891 expressava valores assentados na filosofia poltica republicano-positivista sendo que a retrica do legalismo federalista ... beneficiava somente seguimentos oligrquicos regionais e, diante da nova estrutura social, com o aparecimento de uma burguesia urbana, o liberalismo poltico antidemocrtico no s beneficiava os intentos dos grupos oligrquicos hegemnicos, como, sobretudo, asseguraria que a faco dominante da burguesia agrria detivesse poder exclusivo at fins da dcada de 20 (pp. 109/110). Como se v, tanto a constituio monrquica de 1824 quanto a republicana de 1891 deixaram de levar em considerao os interesses das grandes massas rurais e urbanas, consubstanciando-se em instrumentos de controle poltico-econmico baseados em procedimentos burocrticos-patrimonialistas, que permitiam a corrupo, o favorecimento e o nepotismo. Foi com o colapso da economia agroexportadora e a falncia das instituies da

Repblica Velha que se digladiaram pelo poder foras sociais antagnicas que no conseguiram sobrepor-se umas s outras, resultando na projeo do prprio Estado para ocupar o vazio, gerando uma ainda mais dissociada produo jurdica em relao aos interesses populares. J a Constituio de 1934, tida por alguns como avano pela previso de direitos sociais (sob influncia das constituies do Mxico e de Weimer), na verdade igualmente expressava mais o interesse de regulamentao das elites agrrias locais, sendo utilizada como instrumento para aparar os choques entre as classes. Na seqncia, a Carta de 1937, inspirada no Facismo europeu, instituiu o autoritarismo corporativista e a ditadura do executivo, alm de criar obstculos garantia dos direitos do cidado. A Constituio de 1947, no obstante restabeler a representatividade formal, tratou-se de um arranjo burgus nacionalista entre foras conservadoras e grupos liberais reformistas (p. 114). Em 67 e 69, houve uma reproduo da aliana conservadora da burguesia agrria/industrial, sendo as constituies daqueles anos claramente antidemocrticas, tendo por caractersticas a centralizao e a arbitrariedade. Quanto Constituio de 1988, h de se reconhecer avanos, podendo, contudo, tanto servir legitimao da vontade das elites e preservao do status quo, quanto poder representar um instrumento de efetiva modernizao da sociedade (p. 114). Ressalte-se que ela vem sendo profundamente atacada, com restries rea social. Como se v, o nosso Constitucionalismo jamais refletiu as aspiraes e necessidades da sociedade, servindo de legitimao das elites hegemnicas e seus privilgios, sendo marcado ideologicamente por uma doutrina de ntido perfil liberal-conservador. ... [Assim,] as instncias do Direito Pblico jamais foram resultantes de uma sociedade democrtica e de uma cidadania participativa ... [o que] fez com que inexistisse ... a consolidao de um Constitucionalismo de base popular-burguesa ... [configurando uma] conciliao-compromisso entre o patrimonialismo autoritrio modernizante e o liberalismo burgus conservador (p. 116). 4.2 As instituies privadas e a tradio jurdica individualista O regime econmico brasileiro baseado na escravatura tinha grande receio na instituio de direitos civis, que poderiam minar as bases produtivas. Assim, enquanto o pas criava a constituio e legislaes penal, processual e mercantil, a regulamentao civil permanece vinculada previses portuguesas. A legislao comercial exorbitou, cobrindo atos da vida civil, visando suprir com certa segurana algumas lacunas. Dessa forma, somente com a abolio do sistema escravocrata que se concretizou a extino das ordenaes, ocorrendo, contudo, que o projeto de normatizao Civil de Clvis Bevilqua, elaborado em 1899, somente foi promulgado em 1916. Esse Cdigo oferecia mais nfase ao patrimnio privado do que s pessoas, em um perfil tipicamente conservador e pouco inovador. certo, portanto, que a ordem jurdica positiva republicana, por demais individualista, ritualizada e dogmtica em suas diretrizes ordenadoras, quase nunca traduziu as profundas aspiraes e intentos do todo social. ... Temos assim toda uma legislao positivo-dogmtica, marcada pela tradio individualista de proteo e de conservao do Direito de Propriedade (pp. 123/124).

4.3 Historicidade e natureza do pensamento jusfilosfico nacional Em princpio, durante a colonizao, no se pode falar em uma teoria jurdica, uma vez que a concepo de lei, direito e justia estava vinculada unicamente s diretrizes da Igreja. Os primeiros trabalhos de cunho jusfilosfico, ao contrrio do que se poderia imaginar, preocupavam-se em no desagradar a metrpole. Resulta disso foi um ecletismo, que foi a principal sistematizao do pensamento brasileiro no sculo XIX. Ecletismo uma reunio de teses conciliveis tomadas de diferentes sistemas de Filosofia, e que so justapostas, deixando de lado, pura e simplesmente, as partes noconciliveis destes sistemas. Esse ecletismo, no dizer de Roberto Gomes, representa o mito brasileiro da imparcialidade. No final do sculo XIX, inicia-se a influncia do Positivismo, cujo apelo cientificista apresentava-se como discurso hegemnico e uniforme, impondo uma srie de implicaes negativas cultura jurdica brasileira, como vinculao mentalidade legal dogmtica e a manuteno da ordem vigente. O autor passa, ento, a comentar sobre expoentes de diversas Escolas jurdicas, mencionando seus principais atores e suas caractersticas. Refere-se ao surgimento, durante a crise scio-econmica que sacudiu a Velha Repblica, de novas teses como o Culturalismo, a Conciliao, o Nacionalismo de esquerda e o Desenvolvimentismo. A corrente Culturalista fundou o Instituto Brasileiro de Filosofia. Como exemplo dessa corrente temos a obra Fundamentos do Direito, de Miguel Reale, apresentando pela primeira vez a teoria tridimensional do direito, que buscava superar as limitaes das epistemologias idealistas e emprico-formais. Tal pensamento, a princpio inovador, acabou no tendo alcance transformador, por continuar a ser um saber ligado normatividade. A verdade que nossa cultura jurdica marcada por uma viso formalista do direito, reproduzindo, em regra, um saber jurdico retrico, apenas como um instrumento de poder. Dessa forma, essa cultura no tm ligao com as reais reivindicaes e necessidades da sociedade perifrica brasileira. Deve-se, assim, articular e operacionalizar um projeto de cunho crtico-interdisciplinar no Direito, ... implementadores de avanos e solues para a presente historicidade (p. 140). As novas tendncias paradigmticas que compe o que se convencionou chamar de pensamento crtico ou de crtica jurdica rompem e desmitificam as dimenses poltico-ideolgicas que sustentam a racionalidade do dogmatismo juspositivista contemporneo (p. 141). De acordo com o autor deve-se, portanto, abrir uma ampla frente de crtica jurdica, denunciando as intenes poltico-ideolgicas do normativismo estatal, quando apontam as falcias e as abstraes tcnico-formalistas dos discursos legais, ... dessacralizando as crenas tericas dos juristas em torno da problemtica da verdade e da objetividade (p. 141).