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revista portuguesa de ciências do desporto Volume 1 Nº 1 Janeiro 2001

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revista portuguesa deciências do desporto

Volume 1Nº 1

Janeiro 2001

revista portuguesa de ciências do desportoVol. 1, N

º 1Janeiro 2001

A Universidade face aos desafios do futuroNuno Rodrigues GrandeA Universidade do Porto e as Universidades BrasileirasAlberto AmaralDiscursos pela causa da cooperação com o BrasilJorge Olímpio BentoÁfrica: o outro vértice do triânguloAntónio T. MarquesA investigação em ciências do desportoJosé MC SoaresPara um ensino superior com qualidadeRui Proença GarciaA Faculdade de Ciências do Desportoe de Educação Física da Universidade do Portoe a prestação de serviços – que política?Fernando TavaresA “casa” do desportoCristiano MoreiraBiomecânica hoje: enquadramento,perspectivas didácticas e facilidades laboratoriaisJ. Paulo Vilas-BoasA análise da performance nos jogos desportivos.Revisão acerca da análise do jogo.Júlio Garganta

Desenvolvimento Motor. Notas breves sobre o estadode conhecimento e propostas de pesquisa.José António Ribeiro Maia, Vítor Pires LopesActividade Física Adaptada: uma visão críticaUrbano Moreno Marques, José Alberto Moura e Castro,Maria Adília SilvaCaminhos e descaminhos nas Ciências do Desporto.Entre o Porto Alegre e o Porto SentidoAdroaldo GayaConceito de Gestão do Desporto.Novos desafios, diferentes soluçõesGustavo Manuel Vaz da Silva Pires, José Pedro Sarmentode Rebocho LopesBreve roteiro da investigação empírica na Pedagogia doDesporto: a investigação sobre o ensino da educação físicaAmândio GraçaA Psicologia do Desporto e a “batalha da qualidade”António Manuel FonsecaActividade Física e Lazer – contextos actuais e ideias futurasJorge MotaO treino dos jovens desportistas. Actualização dealguns temas que fazem a agenda do debate sobrea preparação dos mais jovens.António T. Marques, José Manuel Oliveira

Publicação semestralVol. 1, Nº 1, Janeiro 2001ISSN 1645–0523

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DirectorJorge O. Bento [email protected]é M.C. Soares [email protected]ónio T. Marques [email protected] editorialAmândio Graça [email protected] Maria Duarte [email protected] Lebre [email protected]ão Paulo Vilas Boas [email protected] Mota [email protected]é Alberto Duarte [email protected]é Alberto Moura e Castro [email protected]é Maia [email protected]é Pedro Sarmento [email protected]úlio Garganta [email protected]ídio Costa [email protected] Garcia [email protected]

Design gráfico, paginação e fotografiasArmando Vilas Boas [email protected] de Armando Vilas Boas ([email protected]) e TeresaOliveira Lacerda ([email protected]), que integra o projecto«Formas do Desporto» www.fcdef.up.pt/FormasDoDesporto.Modelos: Daniela Silva e Rita Braga.Impressão e acabamentoMultitema Soluções de Impressãowww.multitema.ptAssinatura AnualPortugal e Europa: 3500$, Brasil e PALOP: 5000$ (USD 28),outros países: 5500$ (USD 30)Preço deste númeroPortugal e Europa: 2000$, Brasil e PALOP: 2750$ (USD 15),outros países: 3000$ (USD 17)Tiragem1000 exemplaresCopyrightA reprodução de artigos, gráficos ou fotografias só é permitidacom autorização escrita do Director.Endereço para correspondênciaRevista Portuguesa de Ciências do DesportoFaculdade de Ciências do Desporto e de Educação Física daUniversidade do PortoRua Dr. Plácido Costa, 914200.450 PortoPortugalTel: +351–225074700Fax: +351–[email protected]

ConsultoresAdroaldo Gaya (Universidade Federal Rio Grande Sul)Alberto Amadio (Universidade São Paulo)Alfredo Faria Júnior (Universidade Estado Rio Janeiro)Almir Liberato Silva (Universidade do Amazonas)Anthony Sargeant (Universidade Manchester)Antônio Carlos Guimarães (Universidade Fed. Rio Grande Sul)António da Paula Brito (Universidade Técnica Lisboa)António Prista (Universidade Pedagógica Moçambique)Apolônio do Carmo (Universidade Federal Uberlândia)Carlos Neto (Universidade Técnica Lisboa)Cláudio Gil Araújo (Universidade Federal Rio Janeiro)Dartagnan P. Guedes (Universidade Estadual Londrina)Eckhard Meinberg (Universidade Desporto Colónia)Eduardo Archetti (Universidade de Oslo)Francisco Carreiro da Costa (Universidade Técnica Lisboa)Francisco Martins Silva (Universidade Federal Paraíba)Gaston Beunen (Universidade Católica Lovaina)Glória Balagué (Universidade Chicago)Go Tani (Universidade São Paulo)Gustavo Pires (Universidade Técnica Lisboa)Hans-Joachim Appell (Universidade Desporto Colónia)Hermínio Barreto (Universidade Técnica Lisboa)Hugo Lovisolo (Universidade Gama Filho)Ian Franks (Universidade de British Columbia)Jan Cabri (Universidade Técnica de Lisboa)Jean Francis Gréhaigne (Universidade de Besançon)Jens Bangsbo (Universidade de Copenhaga)João Abrantes (Universidade Técnica Lisboa)José Borges Gouveia (Universidade de Aveiro)José Gomes Pereira (Universidade Técnica Lisboa)José Manuel Constantino (Universidade Lusófona)Juarez Nascimento (Universidade Federal Santa Catarina)Jürgen Weineck (Universidade Erlangen)Lamartine Pereira da Costa (Universidade Gama Filho)Luís Sardinha (Universidade Técnica Lisboa)Manoel Costa (Universidade de Pernambuco)Manuel Patrício (Universidade de Évora)Markus Nahas (Universidade Federal Santa Catarina)Margarida Matos (Universidade Técnica Lisboa)Maria José Mosquera González (INEF Galiza)Paulo Machado (Universidade Minho)Pilar Sánchez (Universidade Múrcia)Robert Brustad (Universidade Northern Colorado)Robert Malina (Universidade Estado Michigan)Sidónio Serpa (Universidade Técnica Lisboa)Turíbio Leite (Universidade Federal São Paulo)Valdir Barbanti (Universidade São Paulo)Víctor Matsudo (UNIFEC)Víctor da Fonseca (Universidade Técnica Lisboa)Víctor Lopes (Instituto Politécnico Bragança)

Revista Portuguesa de Ciências do DesportoPublicação semestral da Faculdade de Ciências doDesporto e de Educação Física da Universidade do PortoVol. 1, Nº 1, Janeiro 2001, ISSN 1645-0523

A RPCD é subsidiada pelo Centro de Estudos e Formação Desportiva do Ministério da Juventude e Desporto.

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Nota editorialJorge BentoA universidade face aos desafios do futuroNuno Rodrigues GrandeA Universidade do Porto e as Universidades BrasileirasAlberto AmaralDiscursos pela causa da cooperação com o BrasilJorge Olímpio BentoÁfrica: o outro vértice do triânguloAntónio T. MarquesA investigação em Ciências do DesportoJosé MC SoaresPara um ensino superior com qualidadeRui GarciaA Faculdade de Ciências do Desporto e de EducaçãoFísica da Universidade do Porto e a prestação deserviços – que política?Fernando TavaresA “casa” do DesportoCristiano MoreiraBiomecânica hoje: enquadramento, perspectivasdidácticas e facilidades laboratoriaisJ. Paulo Vilas-BoasA análise da performance nos jogos desportivos.Revisão acerca da análise do jogoJúlio GargantaDesenvolvimento Motor. Notas breves sobre o estado deconhecimento e propostas de pesquisa.José António Ribeiro Maia, Vítor Pires LopesActividade Física Adaptada: uma visão críticaUrbano Moreno Marques, José Alberto Moura eCastro, Maria Adília SilvaCaminhos e descaminhos nas Ciências do Desporto.Entre o Porto Alegre e o Porto SentidoAdroaldo GayaConceito de Gestão do Desporto. Novos Desafios,diferentes soluçõesGustavo Manuel Vaz da Silva Pires, José PedroSarmento de Rebocho LopesBreve roteiro da investigação empírica na Pedagogia doDesporto: a investigação sobre o ensino da educação físicaAmândio GraçaA Psicologia do Desporto e a “batalha da qualidade”António Manuel FonsecaActividade Física e lazer – contextos actuais e ideias futurasJorge MotaO treino dos jovens desportistas. Actualização de algunstemas que fazem a agenda do debate sobre apreparação dos mais jovens.António T. Marques, José Manuel Oliveira

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Vicissitudes de vária ordem originaram que a revistaEspaço, surgida há anos atrás, não tivesse conhecidogrande tempo de vida. Porém a ideia sobreviveu epor via disso a revista está de volta, com outronome, mas para cumprir a mesma função.José Saramago disse recentemente que as línguas secercam umas às outras e que o inglês nos cerca atodos. É neste aviso que se revê a nova publicação.Pensada para ser um espaço de congregaçãodaqueles que, em língua portuguesa, reflectem,teorizam e investigam os problemas do desporto. Epara ser um espaço de divulgação e reconhecimentodesse labor.Continua, pois, a mover-nos o objectivo daconstrução de uma comunidade lusófona que, pelaqualidade da sua actividade, se imponha ao respeitono contexto internacional das Ciências do Desportoe de todos quantos cuidam deste fenómenocultural, polissémico e polimórfico.O número primeiro, que agora é dado à estampa,ostenta um tamanho que não será habitual nofuturo. Trata-se de uma edição especial, associada àevocação dos 25 anos de criação da Faculdade.Nesta conformidade os diferentes textos procuramreferenciar, inovar e balizar a missão, os desafios,os desígnios e compromissos da instituição, asaber: a cooperação, a investigação, o ensino e aprestação de serviços.O quadro integra ainda um levantamento do estadoda arte em diversas áreas das Ciências do Desporto.E para ficar completo mostra a casa em quedesenvolvemos o nosso trabalho. Ademais umaFaculdade do Desporto é edificação de uma filosofiade exaltação do corpo.Assim começa a nova caminhada.

Nota editorial

Jorge Bento

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As transformações aceleradas que caracterizam asgrandes mudanças do mundo actual estão a reflectir-sede forma determinante na identidade de todas asinstituições humanas. A Universidade, pela naturezada respectiva estrutura e objectivos, sofre asconsequências destas transformações, mesmo quandoas mudanças são o resultado da actividadeuniversitária.O acesso às fontes do conhecimento alarga-se de formaincontrolável com o desenvolvimento das novastecnologias de ensino e aprendizagem.Deste modo, as relações entre docentes e alunos estãoa modificar-se, sendo que perde importância o saberlivresco e ganha o de experiência feito.Já hoje o docente é mais o orientador crítico docrescimento científico e técnico dos alunos e oeducador pelo exemplo e pelas atitudes do que orepetidor de conteúdos existentes nas diversasformas de registo a que os alunos têm fácil acesso ecom apresentações pedagógicas altamenteimaginativas e testadas.A Universidade, por isso, terá que ser, mais do quehoje, o local onde se constrói o novo conhecimentocientífico, que permuta com outras instituiçõesprodutoras de ciência, e difunde para a sociedadeque o utiliza.No futuro, a Universidade aumentará o diálogo comoutras instituições públicas e privadas com o objectivode participar no estudo e nas acções relacionadas como desenvolvimento. Esta relação tornar-se-á umimperativo de sobrevivência das Universidades pois anecessidade de pertinência das acções educativas e depesquisa ser-lhe-á exigida pelos Estados para que sejustifique o custo crescente da respectiva existência.A Universidade terá que, no futuro, manter

mecanismos de educação permanente e contínua dosprofissionais que vier a licenciar pois não pode alhear-se da evolução dos conhecimentos científicos etécnicos que se faz a uma crescente velocidade.Participará, por isso, na reciclagem dos técnicos quedesenvolvem actividades nas diversas empresas einstituições, por iniciativa própria ou como resposta àssolicitações externas.A globalização da difusão do conhecimento imporá àsUniversidades a necessidade de se articularem em redede forma a estabelecerem-se processos de constanteinterajuda e de potencialização recíproca.A possibilidade de utilizar meios de computação pararealizar ensino não presencial, irá permitir a criação dachamada Universidade Virtual, processo de se atingirgrandes massas populacionais, permitir a autoaprendizagem segundo ritmos diferentes e permutarprogramas e projectos entre Escolas com objectivosinstitucionais e educacionais semelhantes deUniversidades situadas em diversas latitudes.A Universidade responderá ao desafio do futurotornando-se cada vez mais universal e participante, oque dará novo sentido à responsabilidade dos docentese outro significado à condição de ser aluno.A importância da Universidade nos futuros arranjospolítico-sociais aumentará se for possível alterar arigidez e o anacronismo de alguns dos processosorganizativos que a estruturam nos nossos dias. Se nãofor, perderá impacto e será automaticamentemarginalizada e deixará de intervir no projectocolectivo dos povos a que pertencer.Tenho esperança que, no caso português, a geração quecomeçou já a preparar o futuro tenha o inconformismo,a lucidez e a coragem para que a Universidadepromova a mudança sem perder a identidade.

Nuno Rodrigues GrandePró-reitor da Universidade do Porto

A Universidade face aos desafios do futuro

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A Universidade do Porto e as Universidades Brasileiras

Alberto AmaralReitor da Universidade do Porto no período de Dezembro de 1985 a Agosto de 1998

Escrever sobre as relações com as universidadesbrasileiras é para mim simultaneamente um prazer euma dificuldade. Um prazer porque todo o percursoque a partir da primeira visita ao País irmãoconstitui uma sucessão de recordaçõesextremamente gratas, aliadas ao êxito que foi acampanha de promoção da Universidade do Porto noBrasil. Uma dificuldade porque é difícil ser objectivoquando a razão se mistura constantemente com ocoração. Porém, estou certo que os leitoresperdoarão ao antigo reitor a mistura de algumaobjectividade com a recordação um tanto emocionalde alguns dos melhores momentos do passado.O estabelecimento de relações privilegiadas com ospaíses de língua portuguesa sempre constituiu umobjectivo da Universidade do Porto, tal comodefinido nos seus primeiros estatutos. No Plano deDesenvolvimento da Universidade do Porto, para operíodo de 1994/99, recomenda-se que seja feito umgrande esforço para incrementar a cooperação comas instituições congéneres dos países de línguaportuguesa, como um dos vectores para ganhar aaposta numa maior internacionalização daUniversidade.Pode dizer-se que a Universidade do Porto cumpriucabalmente estes objectivos, sendo curioso notar queno que respeita ao Brasil foi uma escola recente daUniversidade, a Faculdade de Ciências do Desporto eEducação Física, que representou um papel deexcepcional relevo no estabelecimento de protocolose na criação de relações estreitas com asuniversidades do País irmão.As realizações foram imensas e estou certo que se astentar enumerar extensivamente cometerei oinevitável pecado de me esquecer de algumas. Que

me perdoem as dificuldades de memória de quemvem somando anos a uma vida cheia de recordações;como dizia o poeta Pablo Neruda, Confesso que Vivi!Certamente foram celebrados imensos protocoloscom universidades brasileiras, alguns de carácterfolclórico-turístico nunca produziram resultadosvisíveis, porém muitos resistiram ao passar dos anose produziram resultados surpreendentes.Permitam-me que recorde, por exemplo, osinúmeros doutoramentos e mestrados obtidos porcidadãos brasileiros provenientes das mais diversasregiões. Ou os cursos de Verão que o ProfessorDaniel Bessa organizou durante anos, com êxitoinegável, em cooperação estreita com a Universidadede Santa Catarina. Ou o Mestrado resultante dacooperação entre a Faculdade de Ciências doDesporto e de Educação Física da Universidade doPorto e a Universidade do Estado do Rio de Janeiro.Ou as iniciativas de teleconferências entre o Porto eSanta Catarina.Se os docentes tiveram oportunidade de umapermuta importante com os seus colegas brasileiros,foram as oportunidades dadas aos alunos daUniversidade do Porto que mais me entusiasmaram.Quanto não valerá em formação pessoal apossibilidade de um aluno de um curso médico fazerum estágio em doenças tropicais no HospitalTropical de Manaus? Ou para um aluno de Biologiapoder passar alguns meses nesse território míticoque é a Amazónia? Ou as digressões sempreacarinhadas (e recebidas com orgulho pelascomunidades portuguesas) do Orfeão daUniversidade e de algumas equipas desportivas?Também não sei disfarçar a emoção que um reitorsente ao visitar uma universidade brasileira e ser

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cumprimentado por um docente brasileiro que seapresenta e diz com orgulho que esteve naUniversidade do Porto, onde obteve o seudoutoramento! E o encontro com um professor daUniversidade de Cuiabá, na orla desse imenso einesquecível pantanal, entusiasta de um instrumentotípico conhecido por “viola de cocho” que vemagradecer o contacto com a Fundação Gulbenkianque lhe possibilitou a obtenção de uma bolsa deestudos para se doutorar em Portugal?Devo, também, relembrar o Programa ALPHA,criado pela UE para o desenvolvimento das relaçõescom as universidades dos países da América Latina,o qual permitiu incrementar a ligação com asinstituições brasileiras, por meio de reuniões detrabalho entre os Conselhos de Reitores dasUniversidades de Portugal e do Brasil. O ProjectoBracara, financiado por este programa, permitiu umestudo comparativo de sistemas de ensino superiorda Europa e da América Latina, com particularrelevo para os casos de Portugal e do Brasil, aoabrigo do qual se realizaram 5 conferênciasinternacionais onde foram debatidos os grandesproblemas das universidades.Mas para além de todas estas realizações devoreconhecer que o êxito das iniciativas se ficou adever na aposta em relações privilegiadas com umnúmero limitado de instituições, nomeadamentecom a Universidade de Santa Catarina, aUniversidade do Estado do Rio de Janeiro, aUniversidade do Amazonas e as universidadesFederal e Estadual do Pernambuco.Aposta que só foi ganha pela criação de relaçõespessoais de estreita amizade e de convergência depropósitos com alguns parceiros chave dasuniversidades brasileiras. Que me perdoem os outrose que não mo levem à conta de ingratidão, mas nãoposso esquecer a nível universitário o ProfessorAntónio Celso Alves Pereira (antigo reitor) e aProfessora Nilcea Freire (antiga vice-reitora e actualreitora) da Universidade do Estado do Rio de Janeiro,o Professor Nelson Fraiji (antigo reitor) e o ProfessorAlmir Liberato (pró-reitor) da Universidade doAmazonas, o Professor Mozart Ramos, actual reitorda Universidade Federal de Pernambuco e o grandeamigo Professor Efrém Maranhão, antigo reitor damesma universidade e actual Presidente do Conselho

Nacional de Educação do Brasil.Fora do meio universitário é impossível esquecer ogrande amigo Zeferino Costa ( e seu irmãoAlberto), o tio Zeferino, esse verdadeiroembaixador da Universidade do Porto no Brasil, aquem tanto se fica a dever na promoção dasrelações entre Portugal e Brasil.Porém, para mim pessoalmente, os acontecimentosmais marcantes foram a organização das três grandesexposições que tiveram lugar no Porto, em 1994, eem Manaus, em 1997. Para que a memória não meatraiçoe recorrerei a documentos que então escrevi.Em 1994 a Universidade do Porto organizou, emcolaboração com as Universidades Federal oPernambuco e do Amazonas (Manaus) duasexposições sobre temas brasileiros, a primeira sobrea Amazónia: “Memória da Amazónia: Etnicidade eTerritorialidade”, centrada em torno do espólio da“Viagem Philosófica” de Alexandre RodriguesFerreira (1782/1791) e a segunda sobre as artespopulares e eruditas do Nordeste brasileiro. Asexposições foram inauguradas em 23 de Junho, coma presença do Presidente da República, Dr. MárioSoares, do Governador do Estado do Pernambuco,Dr. Joaquim de Freitas Cavalcanti, do Secretário deEstado do Turismo do Estado do Amazonas, Dr.Charles Belchieur, do Prefeito da Cidade do Recife,Jarbas Vasconcelos, do Presidente da Câmara doPorto, Fr. Fernando Gomes e de reitores de diversasuniversidades portuguesas e brasileiras.A exposição Memória da Amazónia: Etnicidade eTerritorialidade, centrada em torno do espólio daViagem Philosóphica de Alexandre RodriguesFerreira (1783-1791) culminou todo o trabalho decooperação entre as universidades do Porto e doAmazonas. Esta exposição teve um carácterinovador, ultrapassando a tradicional mostra deescritos, desenhos e artefactos produzidos erecolhidos, no século XVIII, pela expedição deAlexandre Rodrigues Ferreira, para desafiar osvisitantes com a busca de uma análise crítica e deuma interpretação das transformações que decorremdesse passado longínquo até à realidade presente. Aexposição “Memória da Amazónia” coloca emconfronto o passado, evocado pelos escritos,desenhos e artefactos recolhidos no Séc. XVIII porAlexandre Rodrigues Ferreira, com a realidade

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ALBERTO AMARAL

presente dos povos indígenas que sobrevivem, hoje,nas mesmas regiões. E sobrevivem, apesar dascompulsões do presente para que se “tornemcivilizados”, renunciando às suas formas tradicionaisde agir e de pensar, o que desmente a imagem sobreeles criada, de “seres efémeros, em transição para acristandade, a civilização, a assimilação, odesaparecimento.A “Memória da Amazónia: Etnicidade eTerritorialidade” reflectiu uma abordagemantropológica das transformações ocorridas nosúltimos anos nas sociedades indígenas, as quais têmorigem nesse confronto que se iniciou há cincoséculos entre “povos que aí habitavam há milharesde anos, com as suas múltiplas formas de vida, e dosque chegaram, invadiram e conquistaram, colonos,funcionários, missionários, militares”; confronto queera documentado nos três espaços em que seorganiza a exposição que “correspondem a três tiposde situações de contacto interétnico na Amazónia doBrasil; e que podem estar e estão presentes desde oséculo XVI aos nossos dias: CHOQUE, TUTELA eAFIRMAÇÃO DE ETNICIDADE”.Mas esta Memória da Amazónia foi, também,testemunho da capacidade criadora dasuniversidades, da sua vocação para o estudo dasquestões sem barreiras de línguas, culturas oupreconceitos, do seu valor como veículosprivilegiados para o aprofundamento das relaçõesentre países e culturas.A exposição foi possível graças a essa grandecumplicidade que se estabeleceu entre instituiçõesirmanadas no desejo de criar algo de belo e deexemplar. Forçoso é relembrar a contribuição dosespólios do Museu de Antropologia daUniversidade de Coimbra, da Academia de Ciênciasde Lisboa, da Sociedade de Geografia de Lisboa e doMuseu Nacional de Arqueologia e Etnografia. Aoscomissários da exposição, Fernandes Dias,Eglantina Monteiro, Paulo Providência e Ângelo deSousa, em representação de todos quantoscontribuíram com o seu trabalho, ficam osagradecimentos por essa obra inesquecível.A exposição sobre as artes populares e eruditas doNordeste brasileiro relança o debate dos limitesentre arte e artesanato, as questões da arte popular eda arte erudita. Temas caros ao Porto, cidade

fabriqueira, herdeira de artesanatos e manufacturascom passado medieval, alfobre de mesteres. Aexposição permitiu ver obras de autores tãoimportantes como Bajado, Samico, Montez, Galdino,Salustino, Nuca, Cornélio, Laprovítera, Berison,Jordão, Baccaro, Mendes, Lopes, alguns ex-votos e,ainda, trabalho dos artífices do carnaval dePernambuco.Esta exposição é, igualmente, uma festa de celebraçãodo encontro de duas cidades partilhando em comum aexistência do rio e a presença do mar, mas cidades tãodiversas onde, no entanto, nos sentimos sempre emcasa, cidades irmãs de países irmãos, unidas pelahistória, pela língua e pela cultura.De um lado o Porto, “cidade de granito, lavada dechuvas e amaciada de nevoeiros”, cidade de contrastes,orgulhosa das suas tradições e ciosa da sualiberdade, cidade de actividade fervilhante, cidadecomerciante e marinheira, cidade da cultura,debruçada sobre o rio e encostada ao mar, cidade,como nos diz Helder Pacheco, “de todos os fascínios,contradições e incongruências, que permanece,inconfundível e única, na austera e conflituosa vocação dasua perenidade.Do outro lado o Recife, “metade roubado ao mar,metade à imaginação”, cidade protegida do mar pelaprópria natureza de onde retira o nome, cidade daspontes e dos canais, embelezada pelos seus rios,“conglomerado de gentes de todos os matizes, que semisturam a todos os instantes sem se atritarem, fruto deuma colonização humanística onde o homem sempre foi suamaior riqueza, cidade em jeito de criança aberta a todas ascrenças. Até mesmo a crença de não ter fé. A fé, até de teresperança. “ (Edvaldo Arlego).Esta exposição teve como curadores o artista plásticoSylvia Pontual e o arquitecto Moisés Andrade,ficando a montagem a cargo dos arquitectos JaneteCosta, Mário Santos e Pedro Gadanho. A eles, comorepresentantes desse grupo anónimo e entusiastaque transformou o sonhe em realidade, são devidosos agradecimentos da Universidade do Porto.Mal eu sabia, uma vez passada a tensão de todo otrabalho que permitiu o êxito destas iniciativas, queum desafio ainda maior estava para vir. O então reitorda Universidade do Amazonas, esse homem que amacomo nenhum essa região única no mundo, teve osonho de levar a Manaus a exposição Memória da

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A Universidade do Porto e as Universidades Brasileiras

Amazónia. Sonho que inicialmente pareciairrealizável. Mais tarde, por ocasião do doutoramentohonoris causa do Presidente do Brasil, Dr. FernandoHenriques Cardoso, foi dado um passo determinante:os reitores das universidades de Porto, de Coimbra edo Amazonas assinaram um protocolo que previa adeslocação da exposição para o Brasil, protocolo quefoi assinado pelos Presidentes Henrique Cardoso eMário Soares como testemunhas.O sonho realizou-se em 1997. Pelo caminho ficaramavanços e recuos, muitos obstáculos ultrapassados,algumas incompreensões e muitas amizades. Aindame lembro das reuniões com o amigo Nelson Fraijino Palácio da Presidência em Brasília, nosMinistérios da Educação e da Cultura brasileiros,com o Governador do Estado do Amazonas, com oPrefeito de Manaus... Sei lá, todas as portas foramusadas. Do meu lado sempre contei com os quesonharam comigo, em especial o Fernandes Dias e aEglantina Monteiro.Finalmente com a presença do Dr. Mário Soares, naaltura já ex-presidente da República, do Ministro daEducação de Portugal, Professor Marçal Grilo, doMinistro da Cultura do Brasil, do Governador doAmazonas, de chefias índias e da inevitável multidãode notáveis foi feita a inauguração dessa exposiçãorealizada no Palácio do Rio Negro, antiga sede doGoverno do Amazonas. Palácio que foi recuperadopara o efeito e que não podia ter melhor início denovas funções. No dia seguinte, nesse edifícioesplendoroso que é a Ópera de Manaus, aUniversidade do Amazonas selou o êxito dainiciativa com a concessão do doutoramento honoriscausa ao Dr. Mário Soares.Estas exposições foram, essencialmente, o resultadoda colaboração de três Universidades, do Porto,Federal do Pernambuco e do Amazonas e mostramcomo estas instituições, herdeiras de uma tradiçãomultissecular da procura de novos conhecimentos eda transmissão do conhecimento e da cultura,

dotadas de uma grande capacidade criativa e de uminegável espírito de iniciativa, sempre defensoras deum grande espírito internacionalista, podem ser osveículos privilegiados para o aprofundamento dasrelações entre países e culturas.Os universitários, por formação, têm o dever deestar permanentemente insatisfeitos com assituações estáticas, partindo sempre na busca denovas questões, a que não é alheia a capacidade desonhar. Como dizia Fernando Pessoa “Triste de quemvive em casa/ Contente com o seu lar,/ Sem que um sonho,no erguer da asa,/ Faça até mais rubra a brasa/ da lareiraa abandonar.”Mas, no fundo, para nós universitários, tal comodizia o poeta Agostinho Neto, o fundamental será oacto de “Criar, criar...” não esquecendo que o artistae o universitário devem transportar em si essamesma contaminação, o vírus do inconformismo e ainsatisfação face ao imobilismo. Sem o que não secumprirá a Universidade.Para terminar terei que referir a jóia da coroa. Com acomparticipação do Governo do Pernambuco, daPrefeitura do Recife, da Câmara Municipal do Portoe de empresários do Estado do Pernambuco está aser construída, em terrenos da Universidade, a “Casado Pernambuco no Porto”, instituição pensada nastradições do Gabinete Português de Leitura doRecife, embora com ambições mais amplas; será umcentro de difusão da cultura nordestina, um centrode negócios, um local de encontro das comunidadesdas duas cidades irmãs (Porto e Recife) e umaresidência para professores visitantes e alunos depós-graduação oriundos, preferencialmente, doEstado do Pernambuco.Hoje, quando olho para trás, penso que, por vezes,corri riscos substanciais. Porém, os resultados obtidosna promoção do encontro dos dois Países e nacontribuição do prestígio da Universidade do Portomostram que valeu a pena. E assim posso repetir coma consciência tranquila: Confesso que Vivi!

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“Diante da carta de Pêro Vaz de Caminha até me vieram aslágrimas aos olhos”(Miguel Torga, Diário XIV)

INTRÓITOAndei, durante meses, às voltas e às costas com atarefa de redigir um texto sobre a cooperação com oBrasil. Esta confissão diz bem da dificuldade comque me deparei para resolver a tarefa a contento. Acontento de quem me lê e, sobretudo, a contento demim mesmo.Isto parecerá um paradoxo ou contradição,porquanto, desde que me doutorei, a minha carreiraacadémica tem decorrido em estreita associação àcooperação com os países lusófonos, particularmentecom o Brasil. Porém o paradoxo só o é na aparência.É que é esta circunstância que torna impossível umjulgamento racional, frio e objectivo, livre dosdevaneios da subjectividade. Realmente os caminhosque trilhei foram sempre margeados pelo cultivo dasmemórias e emoções, pela ordem dos afectos, pelapartilha e comunhão do legado histórico e dos ideaisdo humanismo lusitano, pelo calor da convivência,pelo acrescento das amizades, pela descoberta eenaltecimento das afinidades e lugares comuns.Ou seja, tenho para mim claro que sempre estiveligado à cooperação, quer a título pessoal, quer emrepresentação da minha Faculdade e da Universidadedo Porto, em nome de causas e de valores quetranscendem os pretextos dizíveis e objectiváveis.Não sei dizer bem e de forma precisa que causas evalores são esses, nem tampouco sei se, sabendodizê-los, os deveria dizer. Sei tão somente dizer, demodo aproximado, como tenho estado e como metenho sentido em tal empreendimento.

Muito simplesmente tenho estado e tenho-mesentido como sempre foi, é e há-de ser o português:um romeiro ou peregrino em errância, em viagem eem diáspora pelo mundo, guiado por umamensagem, por uma fé, por um ideal, por umautopia. Num rumo que tem como referência aconstelação Cruzeiro do Sul e que, portanto, destavez não conduz a Santiago, mas faz aguada no Brasile noutros destinos para além dele. Mais ainda, tenhoestado e tenho-me sentido como um portuguêsmudado e miscegenado, como um portuguêsverdadeiro que à substância da partida acrescentouas circunstâncias da viagem e os proventos dachegada. E, por isso, quando ouço a minha língua,olho em redor e só vejo à minha volta compatriotas epátrias que não me são nem estranhas nemindiferentes. Vejo-me, pois, como português entreoutros tipos de português; ou, se se preferir e paranão deixar no ar quaisquer laivos colonialistas, vejo-me e sinto-me como um modo de ser portuguêsocasionado pelos modos de ser brasileiro ou africanoou asiático em português.Ora isto não só não é fácil de dizer e escrever, comotambém para mim é extremamente difícil, se nãomesmo impossível, dizê-lo ou escrevê-lo bem. Porisso faço minhas as palavras que Miguel Torgadirigiu a um amigo brasileiro:

“Assentemos nisto: o que frontalmente na tua pátria afligeos outros, os repele ou atemoriza, a mim atrai-me. E avalorização que faço dos teus patrícios alicerça-seprecisamente na missão que o acaso lhes reservou, eaceitaram. Proteus que, sem medo à grandeza e artimanhados fantasmas, cortam, queimam, semeiam, e prosseguem.Digo-te mais: muito embora o meu sangue português, como

Jorge Olímpio BentoPresidente do Conselho Directivo da Faculdade de Ciências do Desportoe de Educação Física da Universidade do Porto

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é natural, se sinta lisonjeado por sabê-los de espigãolusíada, por ouvi-los falar e rezar na língua que falo,esqueço-me disso. Desligo-os de todo o pretérito, de todasas vassalagens arcaicas. Olho-os apenas como donos esenhores da única nação tropical conseguida, vingada, queo nosso mundo tem. E saboreio os frutos exóticos de que sealimentam, oiço maravilhado as músicas que criam, edescubro-me reverente diante dos deuses que aclimataram eonde corporizam a transcendência.” (1)

2. IDEIA DE UNIVERSIDADE E COOPERAÇÃOConcordarão comigo se disser que umaUniversidade não vive da prática das virtudescristãs, nem da imitação dos santos. Não vive dorecolhimento e da renúncia ao mundo. Certamentetem valores próprios, embora não deva enclausurar-se neles. Carece de estar no mundo; mas não demodo passivo, calando-se e deitando-se no colo dosinteresses vigentes. A Universidade deve estar nomundo, ao lado dos outros sujeitos que oconstróem e do mesmo jeito. E, se necessário, deveestar contra eles em nome das causas daHumanidade. Não pode e não deve estar ao serviçode mais ninguém.Não é, pois, curial moldar as instituiçõesuniversitárias para servirem os desígnios easpirações do mercado; trata-se sobretudo de asdesenvolver como centros comprometidos com ascausas da sociedade. Ou seja, não podem ficar aassistir passivamente à configuração do mundo pelomercado e prestar alegremente serviços nessesentido; é imperioso que estejam no mundo comoum protagonista ao lado de outros e que participemde modo activo, responsável e empenhado nafeitura da realidade.Este tema fornece panos para muitas mangas epoderia portanto enveredar por ele para discorreracerca da cooperação e internacionalização. Tantomais que estes dois aspectos são intrínsecos àmatriz, à ideia e à missão da Universidade. Ou seja,à ideia de Universidade é imanente a obrigação dainternacionalização. E a esta a da cooperação. Ouseja, ambas são constituintes da sua incumbência.Pelo que a credibilidade e o reconhecimento dasUniversidades dependem, em muito, da expressão edo nível alcançado por aquelas duas vertentes dasua missão.

De resto a história recente da Universidade do Portoatesta sobremaneira o postulado anterior. Porquantose é inegável que a UP atingiu, na última década, umdesenvolvimento que a guindou a uma posiçãocimeira no plano nacional, igualmente é inegável queo mesmo sucedeu no contexto internacional. Maisainda, foi ao abrir-se ao espaço internacional que aUP assumiu desafios e atingiu desempenhos quetiveram efeitos de retroacção internamente epotenciaram a sua relevância externamente.Pode, pois, afirmar-se, com inteira propriedade ecom base em dados objectivos, que odesenvolvimento de uma Universidade e a suaaptidão e disponibilidade para a cooperaçãointernacional andam intimamente ligados. E que istoé particularmente verdade no caso da UP, que é hojesem sombra de dúvida uma Universidade dereferência tanto no espaço europeu como fora dele.Por conseguinte poderia discorrer acerca daimportância da cooperação e internacionalização, tendoem conta o seu contributo para a configuração daUniversidade e da Faculdade à luz de padrõesmarcantes da vanguarda internacional e defendendo, aesta luz, a continuidade e aprofundamento das relaçõesinternacionais, nomeadamente com o espaço lusófono.Poderia mobilizar um exército de argumentos, quaseinesgotáveis, para sustentar que sem a abertura àinternacionalização e à cooperação não se vê comoserá possível a uma instituição universitáriaascender a uma cultura da qualidade enquanto centrode formação e aprendizagem e a uma cultura deorganização enquanto centro de recursos materiais ehumanos.Realmente todas as reflexões acerca do futuro dasinstituições de ensino superior são coincidentes napreocupação de apontarem a elevação do nível daqualidade como a principal meta dos tempos maispróximos e como o meio mais eficaz de fazer faceaos enormes desafios que se anunciam. E todasparecem ser ainda concordantes no seguinte:

– As condições e os princípios sociais fundamentaisencontram-se em processo de mudança.

– As mudanças estão já a acontecer com um ritmo deaceleração sem precedentes. E vão continuar aindacom mais rapidez à medida que se entrar nopróximo século.

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– É imprescindível desenvolver uma grandesensibilidade para as mudanças e antecipar-se àsmesmas.

Ora isto não é possível de enxergar por umainstituição incapaz de projectar o olhar e o raio daacção para além do perímetro do edifício em que seencontra instalada e, nalguns casos, amortalhada. Éimpossível de entender por uma instituição que nãopossua uma inteligência ambiental, que não estejaatenta ao que acontece fora dela, que não seja capazde detectar e ler os sinais e as tendências emergentesno contexto mais amplo. Que não perceba que umrumo correcto consiste em saber aquilo que está à suafrente. Que não se sinta atraída pela vanguarda e seconforme a ser empurrada pela retaguarda.Bem sei que aquilo que vou afirmar poderáporventura dar aso a uma interpretação favorável aosintentos e proventos dos que desrespeitam afidelidade devida à sua instituição. Seja como for,atrevo-me aqui a contestar a convicção errada egeneralizada de que quanto mais tempo se passanuma instituição mais se produz. Ou seja, concebe-se uma instituição, nomeadamente a universitária, àluz da lógica de uma fábrica e dos seus operários.Esquecendo que aquilo que se solicita aosuniversitários são ideias e não parafusos. E aquantidade total de ideias produzidas não é, nem deperto nem de longe, directamente proporcional àquantidade de horas que se passa no interior dauniversidade.Poderá até ser exactamente o contrário: quantomenos se sai da universidade e mais tempo se passatrancafiado dentro dela, como num aquário, demanhã à noite, menos estímulos criativos sãorecebidos. E porventura germinarão assimprocedimentos nocivos à produtividade e letais paraa criatividade. (2)

Acresce que a formação do homem, segundo HEGEL,é incompatível com espaços estreitos e fechados.Revela de uma permanente abertura, requerendo tantoa consideração daquilo que é próximo e familiarcomo a do que é alheio, estranho e distante. E istoporque a questão da definição do homem se colocade forma variada correspondente à especificidadecultural. Ou seja, deve partir-se da posição de que aideia do homem e das suas instituições não se

concretiza de modo uniforme em todo o mundo. Oprincípio da igualdade apenas tem sentido seconsubstanciar o reconhecimento igual dasdiferenças e diversidades em que o homem e ascoisas humanas se manifestam e realizam.O mesmo é dizer que a alteridade, isto é, os outrossão imprescindíveis para a afirmação do Eu e dacultura e formação pessoais. E o que vale para aspessoas vale também para as instituições, tendoparticular ênfase na sociedade multicultural quedesponta já um pouco por toda a parte. (3)

Estas considerações encontram um cenário naturalno desporto, por constituir uma cultura planetária,um fenómeno universalmente difundido, muitoembora com diferentes acentuações. Atingemconcomitantemente as instituições de formação einvestigação nesta área.

3. DA GLOBALIZAÇÃOA necessidade e a justificação para o reforço eaprimoramento da cooperação e internacionalizaçãopodem ainda decorrer do novo contexto em quedecorre a globalização ou mundialização, tendo emconta as alterações operadas no seu conceito.A globalização encerra hoje um sentido muito maisamplo do que o simples fluxo de dinheiro emercadorias, porquanto subentende umainterdependência crescente das pessoas de todo omundo, em múltiplos aspectos. Ou seja, é umprocesso que integra não apenas a economia, mastambém a cultura, a tecnologia e as formas degovernação. Mais, a globalização implica padrões e oaumento dos níveis de qualidade e excelência,pressupondo para tanto colaborações para além dasfronteiras nacionais e regionais.Segundo este entendimento e de acordo com aantevisão do Relatório do Desenvolvimento Humano1999 colocam-se à globalização, nos próximos anos epara que possa funcionar para as pessoas e nãoapenas para o dinheiro, entre outros, os seguintesdesafios:

– Ética: menos violação dos direitos humanos, nosentido de um compromisso com uma ética douniversalismo.

– Equidade: menos disparidade entre e dentro dasnações.

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– Inclusão: menos exclusão ou marginalização depessoas e países. (4)

Isto torna claro que se procura moldar a globalizaçãocom uma face mais humana. À luz do princípio de queo objectivo do desenvolvimento é a criação de umambiente que permita às pessoas beneficiarem deuma vida longa, saudável e criativa. Princípio muitasvezes esquecido, quando apenas se persegue ariqueza material e financeira.Dito de outro modo, os mercados não são nem aprimeira nem a última palavra no desenvolvimentohumano, tanto mais que muitas actividades e bensessenciais ao desenvolvimento são fornecidos foradeles. Mais, quando as motivações de lucro dosactores do mercado ficam fora de controlo, desafiama ética e prejudicam o respeito pela justiça e pelosdireitos humanos.O progresso sem precedentes do século XX apelapara ideias e ideais de universalidade, para apartilha de conhecimentos e saberes, de tecnologiase experiências e de formas de acção susceptíveis deenriquecerem a vida das pessoas em todo o lado,aumentando grandemente os níveis de escolha ebem-estar. Trata-se de procurar que asoportunidades e benefícios da globalização sejammais partilhados do que nas últimas décadas, já quea desigualdade dentro e entre os povos temaumentado significativamente e já que amundialização vem criando novas ameaças àsegurança humana tanto nos países pobres comonos ricos.Esta linha de pensamento parece ganhar corpo namedida em que a evolução registada após a guerrafria, nomeadamente nos anos 90, fez com que asorganizações internacionais se voltassem cada vezmais para as questões dos direitos e valores.Não se afigura difícil proceder a diversasextrapolações para o terreno da cooperaçãouniversitária, a partir deste novo figurinoconceptual. Realmente são muitas as linhas deimplicação que a tangem. A globalização abre a vidadas pessoas à cultura e ao fluxo das ideias econhecimentos em todos os domínios da actividade .Como é sabido, o fenómeno da globalização acentuae agudiza o ambiente de hipercompetitividade,ditando consequências e exigências incontornáveis, a

que nenhuma instituição consegue escapar, seja elauma empresa ou universidade. Assim sãoincontornáveis, por exemplo, as exigências de:

– Alta qualidade.– Inovação dos padrões de trabalho.– Agilidade e flexibilidade.– Diversificação das ofertas de formação, atendendo

à modificação da procura e reafirmando assim asua relevância.

– Estabelecimento de parcerias e de trabalho em rede.– Mobilidade de estudantes e professores.– Reforço da coesão e renovação das formas de

gestão e liderança.

Incontornáveis são igualmente para a instituiçãouniversitária os desafios colocados pela era digital.Como se sabe, há mais de trinta anos McLuhan dissea propósito da sua famosa concepção da GlobalVillage: “O tempo passou, o espaço desapareceu.Agora vivemos numa aldeia global…umacontecimento simultâneo… As informações chegamaté nós num fluxo instantâneo e contínuo. Logo quesão obtidas, elas são rapidamente substituídas porinformações mais novas ainda” (5).É certo que o triunfo dos media não fez de toda apopulação do mundo uma aldeia coesa, com osmesmos padrões de qualidade de vida em toda aparte. Mas possibilitou que a população de todo omundo se inteire daquilo que uma eliterelativamente pequena possui, cria e propõe emtermos de entretenimento e bem-estar. E que,também por este motivo, se assista a uma subida donível de exigências, ambições e necessidades.O aprofundamento dos meios de comunicaçãomudou as nossas vidas no final deste século e vaimudá-las ainda mais no próximo. O que traráagarradas a si inúmeras consequências,nomeadamente aquilo que está implícito no livro TheDeath of Distance, de Frances Cairncross:

– A morte da distância.– A perda da influência do local.– A irrelevância do tamanho.– A derrocada das corporações mais rígidas e

pesadas e a afirmação concomitante de redes maispequenas e mais ágeis.

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– A proliferação e “viagem” de novas ideias einformações para os locais mais remotos domundo, e cada vez com maior velocidade.

– A aposta na valorização das pessoas como recursoúltimo e escasso.

– A configuração das sociedades à luz da cultura e doaumento da capacidade de divulgação epreservação das heranças culturais. (6)

No dizer do Relatório do Desenvolvimento Humano 1999do PNUD, “a redução do espaço e do tempo e odesaparecimento de fronteiras estão a ligar as vidasdas pessoas mais profundamente, mais intensamentee mais directamente do que alguma vez antes”. Istonão apenas significa que países pequenos eorganizações de pequeno porte, devido à suaqualidade e eficiência, podem figurar nos primeiroslugares do ranking da excelência e da competitividade;significa sobretudo que passaram a vigorar padrões ebitolas internacionais, definidoras da qualidade dascoisas e da vida em todo e qualquer lugar. Acomunicação está e vai continuar a mudar o mundo. Esignifica também que, não obstante as tendências deuniformização da globalização, se regista hoje umacréscimo de possibilidades de defesa e afirmação dasculturas locais, nacionais e regionais. (4)

Eis aqui sintetizado um conjunto de razões,portadoras de um irrecusável sentido para justificar,entender e levar cada vez mais por diante acooperação universitária no espaço da lusofonia,tendo em vista a internacionalização e aconsolidação deste espaço e da cultura linguística,científica e humanista que lhe está subjacente.

4. NOMADISMO E VIAGEMDomenico de Masi apresenta uma interessanteementa dos traços distintivos da sociedade pós-industrial ou pós-moderna. Para lá do destaque queconfere à globalização e às suas múltiplas formas econsequências, discorre em torno de umacaracterística curiosa, qual seja a do jogo entreestes contrários: nomadismo e sedentariedade,estabilidade e mudança. (2)

Segundo De Masi, dentro de cada um de nós, umaparte sente uma espécie de horror ao domicílio fixoe deseja vagar pelo mundo, sem pouso. Uma outrasente a necessidade de ter um lugar para guardar os

chinelos, um lugar estável onde possa sempre viver.Portanto o desafio entre o cidadão e o nómada, quejá dura há muitos séculos, está por concluir.A tese é curiosa e devidamente suportada porconstatações de grande solidez e fácil compreensão.Assim sendo, no decurso da história nós fomosprimeiro nómadas e depois tornámo-nos sedentários.As primeiras cidades, Ur e Uruk, que atingiram a cifraconsiderável de trinta mil habitantes, surgiramsomente há algumas dezenas de milhar de anos numazona pantanosa entre o Tigre e o Eufrates(Mesopotâmia). A coexistência estável de tantaspessoas propiciou descobertas prodigiosas: amatemática, a astronomia, a moeda, a escola, aorganização piramidal da sociedade, a roda, a carroça.Dali para a frente os centros urbanos, ou seja, oslugares destinados à sedentariedade, conheceram umsucesso crescente que, com o advento da indústria,chegou a ser triunfante. Hoje mais de metade dapopulação mundial vive em cidades e esta tendênciade urbanização vai continuar a aumentar.A sedentariedade parece, pois, ter vencido em todasas frentes, mas o antigo nómada não morre nunca;continua vivo dentro de nós e, quando a gente menosespera, a sua inquietude neurótica desperta do sonopara nos obrigar a sair pelo mundo. A aldeia e oporto, o deslocamento e a caverna convivem e lutamdentro de nós, como necessidades biológicas herdadasda Pré-História e como condições indispensáveis aopercurso da civilização. Foi nos vales e nos portos queo homem fez progressos e foi através das planícies edos mares que o progresso se difundiu.Os nómadas nunca construíram obras-primas dearquitectura, que requerem anos de vidaestabilizada, mas construíram grandes religiões esistemas de valores, aperfeiçoaram o nossoconhecimento do universo estrelado e da terradesolada, elaboraram modelos de vida que seimprimiram para sempre no nosso imagináriocolectivo e que nos levam à inquietude. A viagemrepresenta sempre ansiedade e curiosidade. De restoa raiz da palavra viagem – travel – é a mesma detrabalho: sofrimento em função do sustento, doparto ou de uma vida nova.Ambos – o sedentário e o nómada – precisam depontos de referência: para um é o lar estável, para ooutro um trajecto habitual. Mas o nómada, de

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acordo com todos os testemunhos, conserva umsegredo de felicidade que o cidadão perdeu, e a estesegredo sacrifica a comodidade e a segurança.Para reencontrar este segredo, os cidadãos sentem-seperiodicamente atiçados pelo demónio da viagem.Então usam como pretexto os negócios ou as férias,congressos, espectáculos desportivos, um concertode rock ou uma peregrinação do papa: fazem asmalas e partem. Múltiplos são os motivos, os álibis eas sensações da viagem, mas uma só é a profunda everdadeira causa interior que a determina: perseguiro segredo daquela remota felicidade. Realmente avida é uma viagem à procura da felicidade.O ano 2000 deparou com um mundo em fibrilação.Fervilham as bolsas de valores, o frenesi das viagens,a mobilidade dos postos de trabalho econsequentemente dos lugares de vivência eresidência, a confiança nas novas tecnologias quenos oferecerão mais ócio, a esperança nas novasbiologias que nos concederão maior longevidade e ooptimismo gerado pela nova informática, que nospresenteia com a possibilidade do convívio global. Atecnologia (telemóvel, email, fax) permite, por umlado, que se trabalhe sem sair de casa,economizando assim tempo que era gasto paradeslocamentos quotidianos entre casa e o escritório.Por outro lado, as exigências de estudoespecializado, de trabalho e de cultura impõem cadavez mais frequentemente a mudança de cidade, depaís e continente. Diminuem, portanto, osmicrodeslocamentos, mas multiplicam-se osdeslocamentos de maior raio de distância e duração.Isto é, o nomadismo adianta-se de novo àsedentariedade.Até à Segunda Guerra Mundial, para a maioria doshomens, a única coisa que causava a separação daprópria terra era o serviço militar – a tal ponto queos livros sobre viagens tiveram grande sucesso,exactamente por darem ao leitor, sedentário, a ilusãode acompanhar os viajantes com a sua imaginação.Hoje, o que antes sucedia aos diplomatas deslocadospara o exterior, aos funcionários públicos que eramtransferidos de sede ou aos emigrantes queabandonavam a sua terra e se transferiam paracidades industriais e para outros países acontececom executivos, jornalistas, artistas, universitários,cientistas, intelectuais e desportistas,

particularmente jogadores de futebol. Afinal decontas, a sociedade pós-industrial é fundada nodeslocamento e na reunião de pessoas, mercadoriase informações provenientes dos lugares maisexóticos e distantes.A experiência deste nomadismo gera na nossa menteuma dupla elasticidade: a elasticidade mental, necessáriapara perceber e lidar com a diferença entre as pessoas,lugares e momentos, para ver a realidade de ângulosdiversos e para resolver tarefas inéditas; a flexibilidadeprática, necessária para gerir situações que setransformam, para encontrar o fio que serve de guia àacção mesmo num contexto desorganizado, paratransformar os problemas em oportunidades.A vivência da mudança estimula por sua vez acriatividade. Desde tenra idade, Mozart não fez outracoisa a não ser girar pelo mundo. Cada viagemcontribuiu para enriquecer e refinar o seu espíritomusical, até fazer dele o grande génio que todosreconhecemos nele. Altamente eloquente nestecapítulo é igualmente a experiência de viagemrelatada admiravelmente por Fernão Mendes Pintono famoso livro A Peregrinação ou por Pêro Vaz deCaminha na sua famosa Carta.Mudar de lugar estimula a criatividade, até mesmoquando os lugares visitados não são muito diferentesdaqueles a que estamos habituados. De resto umsimples passeio ou uma corrida a pé, feitos nasproximidades da residência, valem para provar que odeslocamento torna mais imaginativo e mais sábioquem o realiza.Em suma, superada a secular vida sedentária dosnossos antepassados, só nos resta aproveitar e darsentido ao nosso destino de nómadas pós-industriais, que à viagem física soubemos aindaacrescentar a viagem virtual na Internet.Mais, nos anos 1000 a Europa era uma plaga debárbaros e voltou-se para o Sul – para oMediterrâneo, para Bizâncio e para o mundo árabe –a fim de adquirir os saberes, conhecimentos einstrumentos de cultura e civilização de que tantocarecia. Hoje toma como pontos de referência NovaIorque ou Tóquio e fecha as portas aos desejados deoutrora, considerando-os terroristas ou agentes deinstabilidade e insegurança. Porém, tal como nopassado, o cenário actual não é inexorável; é umdestino que pode ser mudado. Assim aceitar

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acriticamente o modelo norte-americano – e as suasramificações – como hegemónico e único equivale aeximir-se à obrigação de denunciar as suasperversidades e de procurar caminhos maisconsentâneos com o ideal de uma sociedade maisjusta e logo mais humana. E isto não é uma utopia,mas antes um dever inalienável.Confesso que estes apontamentos de De Masi, lidosnas férias do último Verão, me fizeram ver o meupapel de “novo nómada”. Ajudaram-me a percebermelhor o significado da cooperação universitária e ode uma vida académica dedicada a ela. Deram umforte empurrão, mas ainda não eram suficientes paraabrir a porta de entrada na desobrigação docompromisso que tinha em mãos.

5. DO APELO DA HISTÓRIAContudo foi nas últimas férias que vislumbreialguma luz na minha mente para poder corresponderao compromisso de produzir este texto. Não porqueas férias sejam um tempo de ócio criativo e como talpropenso a clarear as ideias que nos acompanhamsempre e para todo o lado, portanto para além doperíodo e do local do trabalho. Aconteceusimplesmente que, encontrando-me num hotel nacidade do Recife, fui surpreendido pelo DiscoveryChannel, que dedicou dois dias consecutivos à viagemde Vasco da Gama e à descoberta do caminhomarítimo para a Índia.Pois bem, no programa não apenas vi realçada aheroicidade do feito, como foi salientado o seuextraordinário significado para a história dahumanidade, para a configuração do mundo, para aemergência da ideia de universalidade e para olançamento das raízes da mundialização e daglobalização, para o conhecimento e divulgação dadiversidade e riqueza de povos e culturas em que seconcretiza a geografia humana. Os autores doprograma lamentavam ainda o facto de o mundo nãoreconhecer a grandeza da gesta de um pequeno povoe de não contar Gama no cume da pirâmide dosheróis universais. E daí partia para desfiar razões parao surgimento da nossa canção nacional, que é o fado.Mas não se ficava por aí o programa. Da boca deindianos, naturais de Cochim, brotava o orgulho deterem no seu sangue alguma coloração lusitana. Ediziam-no não por serem adeptos do colonialismo,

mas por não poderem calar o quanto de avançosignificou para um povo retalhado em castas, querepresentavam autênticas muralhas de separação, osvalores cristãos da fraternidade e igualdade trazidospelos viajantes do Ocidente. Pelo mesmo prisma eracompreendida a rápida expansão do cristianismo noJapão e a restante epopeia dos portugueses realizadapara lá da Índia. À baila vieram os nomes de FernãoMendes Pinto, de Afonso de Albuquerque e deoutros; e aos olhos vieram imagens da sublimearquitectura física e humana que os portugueses deantanho ergueram por toda a parte, como o Forte deJesus em Mombaça e os luso-malaios de Malaca. Aocoração aflorou a emoção e à alma ou mente ouinteligência ou razão ou seja lá aquilo que for queestá dentro de nós e forma a nossa imagem interior,aí aflorou o orgulho de ser português. De pertencer aum povo que chegou às costas da China cerca de 150anos antes do primeiro inglês. De ser produto deuma cultura que se difundiu por todo o mundo,dando e recebendo, multiplicando-se no acto de semisturar e diluir.Este sentimento não se diz. Vive-se e pratica-se. E éassim que cresce e toma conta de nós e conferesentido à nossa vida. Tem sido também ele aformatar o conteúdo e alcance da minha entrega àcausa da cooperação. Tem sido ele a configurar noessencial a minha carreira universitária, as suas nemsempre visíveis vicissitudes, os seus sempre muitoagudos altos e baixos.Foi tudo isto e muito mais que senti enquanto aminha imaginação e o meu sonho dobravam oslimites daquele canal e do seu programa e seguiam oitinerário dos Lusíadas. O itinerário de um povoesperançoso que, desde os primórdios, se aprisionoua ideais messiânicos; que, passados mais de duzentosanos sobre a morte de D. Sebastião, uma parte delecontinuava à espera da vinda do Rei; que tem aindahoje quem alimente e aguarde a concretização do Mitodo Quinto Império. E que aprendeu com Pessoa que “omito é o nada que é tudo”.Foi esta comoção e este apelo da história que meatiraram mais uma vez para a leitura do livro Traço deUnião, de Torga, à procura de amparo e consolo:

«A nossa grandeza nacional consiste em muito, e muitopouco: na colaboração dada à magnitude da causa humana,

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sem alardes e sem desfalecimentos. Actos silenciosos queparecem nadas, e são o pesponto invisível das civilizações.Portugal é uma presença inconfundível na crónica domundo. Na anatomia da Europa, figura essa espécie denervo pequeno-simpático, minúsculo factor de mutaçõestranscendentes. Procura-se, e encontra-se com dificuldade,tal a sua insignificância. Minimiza-se-lhe o valor, e passa-se adiante. Desdenha-se. Esquece-se. E ele continua lá,imprescindível e atento, a viver a sua vida própria e aintervir na fisiologia do corpo universal a que pertence.Mas essa intervenção raramente se realiza através dosnotáveis portugueses de que a história universal, de resto,mal regista os nomes. É feita por intermédio dum povointeiro, estóico e despretensioso, colmeia que ninguém querver no seu afã ordeiro e sagrado. Povo que é dos maispobres da terra, e a quem a terra deve parte do seutamanho e muita da sua significação». (1)

6. PÁTRIA COMUMNão creio que os portugueses fossem hoje o que são,se os nossos antepassados não tivessem realizado aaventura dos Descobrimentos. E certamente que osBrasileiros e os Africanos e Asiáticos Lusófonos nãoseriam como são, se os seus e nossos bisavós setivessem acomodado ao lugar de origem. No fundotemos a mesma pertença e proveniência epartilhamos aquilo que mais genuinamente nosdefine. Somos consanguíneos no corpo e na alma.Claro que não tenho o génio de Fernando Pessoapara dizer isto da forma límpida e definitiva comoele o disse: “A minha Pátria é a língua portuguesa”.Mas tenho a coragem para dizer o que sinto. E eusinto-me também brasileiro. Nunca me sentiestrangeiro, nem por nada nem sequer pelopassaporte, no Brasil. Sempre senti o Brasil como aoutra face da mesma Pátria.Encontrei nele o telúrico em corpo inteiro, aexpressão culminante de tudo quanto põe oshomens à prova. Um meio desumano que ofereceaos humanos a oportunidade única de medirem asua virilidade. Tropecei nele com as fragas que umtransmontano, qual Sísifo casmurro e teimoso,carrega toda a sua vida, num representóriointerminável. E que determinam a sua fisionomiafísica, estética, ética e sentimental: as rugas da pele,o ar façanhudo do rosto angulado e terroso, o corpode ossos graníticos, os apertos do coração e as

contrições da consciência e da alma.No Brasil encontra-se plasmada a elementargeometria lusa das ruas, das casas, dos desejos, dospensamentos e tentações. Tão elementar, plástica eproteica que nela todas as transgressões são possíveis.É tudo isto que me prende a essa terra com amarrasde ternura e paixão. Como se quisesse possuiraquele virginal e maravilhoso continente de verdura,onde vale a pena ser poeta e amante, porquanto hánele muito para cantar e desflorar.Lá sempre senti e compreendi como estavam certosMachado de Assis e Agostinho da Silva – este quepor lá andou e deixou vasta obra em filhos eactividade académica -, quando afirmaram: “Obrasileiro é o português à solta”. Como também nasminhas idas e vindas aprendi a identificar-meplenamente com Miguel Torga, que em Minas Geraispassou a sua adolescência:

«Há um feitiço brasileiro, um modo de ser inconfundível,como existe a fleuma inglesa ou a finura francesa. E essaqualidade pega-se, contagia, impõe-se, conquista osconquistadores. Se tal Dom é fruto da miscegenação,bênção de Deus ou graça que vem da terra, do ar, daalimentação, pouco importa sabê-lo. Segue-se que ele existe,e é um poder, uma força de coesão nacional. Nomes queparecem saídos de uma torre de Babel, mas apertados pelomesmo vincilho unificador, escrevem, esculpem,arquitectam, leccionam, pintam, estudam, investigam. E ofruto do seu esforço é um milagre brasileiro.É esse Brasil polarizador, que tudo digere no seu imensocorpo de gibóia, e tudo assimila e tudo revela depois a umaluz táctil, gostosa e macia, que Portugal precisa deconhecer. Um Brasil onde a nossa própria alma encontradimensões imprevistas, que vão para além da larguezaespacial das bandeiras, da altura religiosa das missões e docomprimento marítimo da saudade. Dimensões do tamanhodum novo humanismo que tem a matriz no porvir.A missão dum português culto de hoje, além da obrigaçãoconcreta de criar o futuro, é compreender o sentido do quefez outrora. Realizar as façanhas que o momento exige, edar volta ao mundo com o pensamento. Ora nas estaçõesdesse itinerário mental, a mais demorada deve ser o Brasil.É ele o maior troféu do nosso adormecido espírito deaventura; e é ele que deve ser o pendão das possíveisaventuras do nosso espírito acordado». (1)

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7. DA MISSÃO DOS PORTUGUESESAssumo que o grande desafio que se coloca aosportugueses é o de realizarmos hoje, com forçarenovada e obstinada, as façanhas que realizámosoutrora, na modalidade que o tempo agoracondiciona e permite. Ou seja, irmos às mesmasÁfricas, às mesmas Índias, aos mesmos Brasis e aomesmo Novo Mundo do nosso achamento edeslumbramento e da nossa transcendência.Este é um projecto que deve mobilizar também eparticularmente as universidades. Porque auniversidade não representa apenas uma instituiçãode formação; representa sobretudo os valores quenos perfazem como nação, como cultura de matrizcristã e católica – e isto não pode ser visto como desomenos importância para a afirmação e preservaçãoda nossa identidade. É uma configuração docompromisso de aproveitarmos o presente paraactualizar o passado e para projectar e construir ofuturo. Mantendo-se fiel à grandeza das gentessimples que lançaram os caboucos do nosso País. Degentes que, na sua grande maioria, não sabiam ler.Nem escrever. Sabiam tão somente rezar eencomendar a Deus os sonhos e ambições geradospela necessidade e alimentados pela esperança.De gentes que não tinham ciência dos céus, nem dosmares. Porém, armadas de receios e temores,disfarçados em preces, promessas e orações, econfiadas na estrela do seu fado fizeram-se aodesconhecido e ao destino. Transformaram aincerteza, o risco e o perigo em tentação e emaventura e fascínio de navegar. E assim cavadores elenhadores deram marinheiros, missionários edescobridores. Estiveram na história e fizeram ahistória. A sua, a do homem e a da civilização. E,com o preço do sangue e da vida, desenharam omapa do Mundo e as fronteiras da independência donosso País. E legaram aos vindouros o dever deconservarem a memória dos seus feitos e dehonrarem o exemplo da sua dignidade. De nãodelapidarem esse património.Valemo-nos mais do coração do que da ciência natravessia e desenho dos oceanos. Visitamos o mundotodo e arredondamo-lo nas mentes coevas. Com asnaus e caravelas a ranger e adornar com o peso domistério e da dúvida e não tanto com o das riquezase especiarias.

Experimentamos o medo na coragem de enfrentar oAdamastor, o perigo e o abismo do oceano. Dedobrar o Bojador e as Tormentas, de passar apertos eestreitos. Para que o grito da dor desse lugar ao hinoda alegria. O grunhido desse a vez ao sorriso. Oolhar grosso de animal evoluísse para curiosidade eadmiração. E Deus espelhasse nas brumas do mar aluminosidade do céu.Vimos um povo misturar-se e prolongar-se nadiversidade de caras e cores. Como se a sua missãotivesse o propósito de desvalorizar as teses racistascontra os povos miscegenados. Vimo-lo misturar-separa ser uma espécie de expressão do que é ahumanidade. Traçando no mar e em terra rotas dedescoberta recíproca de homens e culturas. Ligandoo orbe num fluxo migratório constante e lançando asemente da solidariedade universal.Encheram-se de sangue luso as veias dodesassossego que mandaram Fernando Pessoameditar e perguntar em todas as direcções. Quantasmães choraram, quantas noivas ficaram por casar,quantas lágrimas se converteram em sal? Para que omar unisse e já não separasse. Terá valido a pena?E uma alma levantou-se a responder, adquirindo otamanho do mundo. E transpondo todos os limitesespaciais e conhecendo todas as longitudeshumanas. De olhos grandes, com o globo inteirodentro dela. Passar de atlântica a universal. Atingir aplenitude à medida da inquietação infinda.Cantando, rezando e dialogando numa língua queanda, há oitocentos anos, a dar voz ao mar, a lançarnele aumentado o apelo menor que dele vinha. E adar na poesia visibilidade ao incognoscível, àsangústias e dramas, às emoções e sentimentos, aosofrimento e à esperança.Sim, da esperança fizemos a grande arma do nossoarsenal e da ternura da fala a estratégia daconvivialidade. Por isso temos idade avançada, masparecemos uma criança. Deixamos para trás apequenez e finitude do mar grego e romano eabrimos ao infinito a linha do horizonte, mas semdeixarmos crescer os pêlos da soberba no coração.Manuel Patrício, ilustre pedagogo da Universidadede Évora, de Portugal e do Mundo – figura insigneque eu quero trazer a este texto em sinal de preitoe homenagem – sustenta firmemente que“nenhuma educação é valiosa se não for

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eminentemente nacional”, se não conjugar namesma linha o espírito patriótico e o humano.Porquanto o amor à Pátria, em sendo puro, temcomo horizonte máximo o humano. (7)

Do mesmo modo se a educação tem de ser situada, sesomente o universal concreto deve mobilizar osnossos esforços e energias, então em hora histórica deintegração europeia e de ampliação dos horizontes daglobalização, “mais se justifica que não abdiquemosde ser quem somos, que cultivemos a nossaidentidade, pacificamente mas determinadamente, eque o façamos em particular na educação”. Na escolae na Universidade, acrescento eu.Ora a nossa identidade é, desde sempre, a de seresmisturados, feitos pela miscegenação, abertos àtolerância e assimilação tanto daquilo que nos é afimcomo daquilo que nos é alheio. Foi com esta atitudeque abrimos os mares do mundo e que demos esteao conhecimento e à permuta e não com umamentalidade de conquista, de subjugação e rapina.Esta identidade nacional é só por si uma cultura, queexige que se eduque e actue por fidelidade a ela.Logo é preciso que sejamos activos, procurando dareste sentido à nossa acção e actividade. Dar estesentido ao presente e preparar e organizar, tambémsegundo ele, o futuro para além da duração curta eapressada das nossas vidas individuais.O poeta António Gedeão disse-nos que o sonhocomanda a vida. Mas viver não é dormência einacção. Por isso sonhemos, mas façamos, investindoa nossa capacidade de agir no mundo real,orientados pela nossa cultura de cidadãos do mundoque inventamos. Sigamos mais uma vez o conselhoavisado de Manuel Patrício:

“O novo milénio não nos vai ser servido numa taça, ficandopara nós apenas consumi-lo. O novo milénio vai ser, emgrande parte, obra nossa; vai ser, em grande parte, o quefizermos dele, o que nele pusermos da nossa capacidadecriadora e da nossa consciência ética e, genericamente,axiológica. Neste sentido, o novo milénio pode ser muitascoisas, pode ter muitos conteúdos, pode realizar muitos ediversos valores, pode ter mais do que um e único sentido,pode desdobrar-se em numerosas ou inúmeras direcções. Éimperativo querer. É imperativo escolher. É imperativonavegar e não apenas, fatalisticamente, boiar.” (7)

Tal como no passado, urge que naveguemos paradiante, para o futuro. Mas não mais segundo ocapricho dos ventos. Navegar é hoje preciso, porémseguindo o curso dos afectos e do sangue, para lhesdar sentido e destinação. Porque somoshumanamente o sal da terra e poeticamente asuperpotência do mundo.A mensagem do Quinto Império de Vieira e de tantosoutros ressurge a guiar-nos como um novo astrolábio.Pede que construamos novas caravelas econvoquemos todos os navegadores da lucidez e dasabedoria de sermos um em todos os dois e outrosem que nos multiplicamos. E que, crentes na Prece deFernando Pessoa (8), prossigamos a viagem até ao fim:

Senhor, a noite veio e a alma é vil.Tanta foi a tormenta e a vontade!Restam-nos hoje, no silêncio hostil,O mar universal e a saudade.

Mas a chama, que a vida em nós criou,Se ainda há vida ainda não é finda.O frio morto em cinzas a ocultou:A mão do vento pode erguê-la ainda.

Dá o sopro, a aragem – ou desgraça ou ânsia -,Com que a chama do esforço se remoça,E outra vez conquistemos a Distância –Do mar ou outra, mas que seja nossa!

E os mares da nossa sensibilidade rejubilarão, por severem sulcados pela ternura de mãos, que fazemriscos, traços e composições numa tela como quemcria olhos, beijos e sonhos na face de uma criança.Pouco a pouco, do canto da penumbra, a Lusofoniaemerge e avança para o centro dos olhares. Como ébelo o seu resplendor!

8. DA CULTURA COMUMJá o disse, a nossa cultura tem a marca da abertura.Fez-se ganhando conteúdo e forma na dissolução emistura. Completando-se fora de si mesma, animadamais pela apetência da assimilação do que pela sededa destruição dos elementos alheios. Fundada nolirismo franciscano e na disposição de confraternizarcom o novo e o exótico nos planos religioso, ético,social, cultural e natural, sem abandonar o familiar e

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prosaico. Na aptidão para acrescentar, ao lastrotradicional, valores indígenas de natureza africana,americana e asiática.Esta marca é patente até na fisionomia inconfundíveldas cidades da expansão lusitana. Nelas nãopredomina a geometria da linha recta, da régua, doesquadro e do compasso a esventrar o território. Aocontrário da urbanização castelhana, derramam-sepor encostas, ladeiras e baixadas, desenhando umacoreografia de curvas e sinuosidades casadas com osrelevos da natureza.Há por isso nas paragens da nossa errância históricaum panlusismo de sinais e sentimentos. Expresso naânsia de caminhos perdidos, na procura eterna deum ponto de apoio, de uma directriz e de um idealinacessíveis. Numa música inundada de acentosnostálgicos e de saudade sem fim. Numa arte detodos os sentidos, feita de deuses humanos, deNossas Senhoras grávidas do Ó, de santoscasamenteiros, de figuras angélicas contracenandocom o diabo. Numa culinária de petiscos, gostos esabores incomparáveis. Numa vida de prazerespequenos e frugais, mas imensamente saborosos ehumanos. No desbragamento e no calão dalinguagem, na maledicência e mordacidade dasanedotas e ditos populares que não poupam nadanem ninguém. Na poesia que nos transporta para oalto, sem trair a fidelidade à terra; que nos eleva oespírito para compensar as desditas do corpo.Enfim, partilhamos uma tradição religiosa muitomenos rígida e atormentadora do que a calvinista,uma relação com o trabalho e o ócio que não sepauta pela dureza da ética protestante, uma culturacom inclinação para a música, para a poesia, para orepouso, para a introspecção, para a alegria e para aconvivialidade. Está nas nossas mãos aresponsabilidade de converter este patrimónioherdado do passado em fonte de riqueza e deinspiração para o futuro. Alguém poderá negar a estatarefa a entrada na universidade e deixar de ver agrandeza e o extraordinário alcance que ela encerra?Dir-me-ão que a existência de um traço distintivo emarcante da nossa identidade cultural e humana nãopassa de uma miragem. Não sei responder por contaprópria a essa objecção. Mas tenho à mão eabundantes contraposições de Pessoa, de VergílioFerreira, de Torga e muitos mais. Porém prefiro

recolher-me à protecção de Jorge Amado, a um textointitulado “Fronteira Portugal X Espanha, 1976 –diferenças”, no qual dá um testemunho deveraselucidativo:

«Vamos no rumo da Espanha, sob o sol do verão, a famíliatoda. Comentamos as diferenças de caráter e costumes entreos dois povos da península, a melancolia portuguesa, adramaticidade espanhola.Lemos nos muros slogans ainda numerosos, restos daprofusão com que a liberdade encheu as paredes nas cidadese nos campos após a Revolução dos Cravos. O sol raiarápara todos, escrevera o anarquista, alguém, cético, rabiscouem baixo: E nos dias de chuva? Rimos, a polêmica é cortês:gente amorosa a lusitana gente.Atravessamos a fronteira e logo adiante, numa aldeia, adeclaração ocupa toda a murada de um terreno plantadode hortaliças: te odio, te odio y te odio! A quem serádedicado tanto ódio, três vezes repetido e ponto deexclamação? Estamos na Espanha, a violência e o desforçosubstituem a cortesia: nos slogans as diferenças de carátere de costumes». (9)

Poderia recorrer ainda ao mesmo autor e ao seutexto “Sagres, 1976 – good”:

«Desembarcamos da carrinha, tomo da mão de Paloma,avançamos pelo espaço amplo diante do mar do InfanteDom Henrique, mar das descobertas, oceano. O resto dafamília vem mais atrás na animação da conversa.Gordíssimo, nunca estive tão gordo, no verão de turismovisto bermudas, camisa do Havai, flores vermelhas e azuis,sandálias exibindo o dedão do pé, boné de marinheiro,ianque em férias. No caminho uma barraca de guloseimas,frutas secas, nozes, avelãs, amêndoas, tâmaras, tanta coisade apetite. Paro a admirar, o dono do negócio me encarainteressado, na esperança de boa venda, mondrongo retaco,parrudo, meia-idade. Tiro um figo do monte, mordo,saboreio, escapa-me um suspiro. O vendedor acompanhacom os olhos a mastigação do norte-americano em suafrente: a pança e a gula.– Good? – pergunta-me em seu inglês comerciante.– Good! – repito, afirmativo.Em torno riem com o diálogo, riem ainda mais quando eleme mede de alto a baixo:– Estás gordito, hem, filho da puta?O riso nos assalta, a Paloma e a mim, por pouco me

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engasgo. Paloma, contida a gargalhada, comenta alto:– Ele pensa que és americano, pai!– Ai que são brasileiros! – geme o vendedor.Encomendo quilos de frutas secas, figos, avelãs, tâmaras deminha paixão. Leitores se aproximam, caneta em punho,pedem autógrafos, o dono da barraca não sabe para onde sevirar:– Ai que o gajo é artista de cinema!» (9)

A minha confiança na grandeza espiritual, moral ehumana do legado cultural de matriz lusófonacimenta-se ainda mais ao ler a obra prima que é opoema “Calabar” do brasileiro Jorge de Lima:

«Domingos Fernandes Calabareu te perdôo!

Tu não sabiasdecerto o que fazias

filho cafuzde sinhá Ângela do Arraial do Bom Jesus.

Se tu vencesses, Calabar!Se em vez de portugueses,– Holandeses!?Ai de nós!

Ai de nós sem as coisas deliciosasque em nós moram:

redes,rezas,novenas,procissões, –

e essa tristeza Calabar,e essa alegria danada, que se sentesubindo, balançando a alma da gente.

Calabar, tu não sentisteessa alegria gostosa de ser triste!?” (10)

9. EM JEITO DE BALANÇOSim. Julgo que foi assim que partimos do Porto em1986 para esta nova aventura. Guiados pelo relatode Caminha e pelo esplendor da sua luz deanunciação de uma nova terra e de uma novaHumanidade. E inspirados no humanismofranciscano daquele primeiro e sempre renovadoencontro. Fizemos ancoradoiro em muitasparagens, com a convicção de que não havia géniossuperiores entre nós, mas havia pessoas de modestae humana condição e de boa fé, sã consciência erecta intenção. Por certo com muitas insuficiênciase fraquezas, mas também com as virtudes doentusiasmo e generosidade transbordantes a daremflores ao presente e frutos ao futuro.Não podem calcular o que vai cá por dentro emtermos de comoção, de orgulho, de gratificação, dereconhecimento e gratidão. Talvez percebam melhorse terminar este depoimento como o comecei ecomo iniciei e sempre me tenho sentido nacooperação com o Brasil. Fazendo minhas aspalavras de Torga e a emoção que é a textura dassuas letras: “Diante da carta de Pêro Vaz de Caminhaaté me vieram as lágrimas aos olhos.”E a mim também, quando cheguei pela primeira vezao aeroporto do Rio de Janeiro e escutei o portuguêsduro e terroso de Portugal feito doce no Brasil. Eouvi ditas na nossa língua a sublimidade do Pão deAçúcar e as bênçãos do Corcovado. Ecoandoaumentadas no Pantanal e nos confins da Amazónia.Porventura lerão ainda melhor o meu estado de almase confessar que hoje a minha identidade encontraconfiguração no lema do Real Hospital Português deBeneficiência em Pernambuco:

Portuguêscom muito orgulho

Brasileirocom muito amor.

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BIBLIOGRAFIA

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CAIRNCROSS, Frances (1997): The Death of Distance. HarvardBusiness School Press.FERREIRA PATRÍCIO, Manuel (2000): Caminhos axiológicospara a educação portuguesa no 3º. milénio. In: Diário do Sul,Évora, 26 de Julho de 2000.PESSOA, Fernando (1987): MENSAGEM. Aveiro, LivrariaEstante.AMADO, Jorge(1992): Navegação de Cabotagem. Rio de Janeiro,Record.NERY DA FONSECA, Edson (1980): Uma cultura sempreameaçada. In: Uma Cultura Ameaçada: A Luso-Brasileira. GabinetePortuguês de Leitura de Pernambuco, Recife.

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PREÂMBULOO texto que a seguir se apresenta constituiu a liçãoproferida durante a cerimónia de atribuição do Graude Doutor Honoris Causa pela Universidade Pedagógicade Moçambique em 5 de Novembro de 1997.Dissemos na altura, e reafirmamo-lo agora, que esteacto constituiu o reconhecimento público pelaUniversidade Moçambicana do contributo que anossa Faculdade tem vindo a prestar à cooperaçãocom Moçambique.Não seria justificado aqui o enunciado fastidioso doque tem sido a nossa cooperação com África e emparticular com a Faculdade de Ciências da EducaçãoFísica e Desporto da Universidade Pedagógica deMoçambique nos últimos 15 anos. Brevemente,numa iniciativa conjunta das duas Faculdades com acolaboração do Centro de Estudos e FormaçãoDesportiva do Instituto Nacional dos Desportos,dará à estampa um extenso volume que apresentaráde forma mais circunstanciada os resultados dacooperação.Tendo a actualidade que se perceberá, a lição queentão proferimos permitirá conhecer melhor oscontornos da política de cooperação da nossaFaculdade com África que, no caso de Moçambique,tem sido considerada um exemplo a seguir noutrospaíses africanos.Resta dizer que a cooperação só é possível quandohá interesse e empenhamento de das partes. Nunca anossa Faculdade teria levado tão longe a cooperaçãosem a coesão de uma escola em torno de umprojecto animado pelo Doutor António ManuelPrista e Silva, verdadeira alma mater da Faculdadenossa parceira neste projecto.

Sr. ReitorSr. Ministro da EducaçãoSr. Ministro da Cultura, Juventude e DesportosSr. Embaixador de PortugalColegasMinhas senhoras e meus senhores

Quero começar por agradecer à UniversidadePedagógica de Moçambique tão elevada distinção.Entendo-a como um tributo a um singelo masempenhado esforço de cooperação que a minhaFaculdade e os meus companheiros vêm fazendo noapoio à jovem Faculdade de Ciências da EducaçãoFísica e Desporto deste país.De acordo com a tradição académica deve ohomenageado proferir uma lição. É isso queprocurarei fazer, elegendo como tema da minhaexposição a cooperação universitária entre paísesdesenvolvidos e países em desenvolvimento. É aindaneste contexto que procurarei situar algunsproblemas da Educação Física e do Desporto.

LIMITES E CONTORNOS DACOOPERAÇÃO UNIVERSITÁRIAA cooperação tem sido objecto das minhaspreocupações ao longo de quase toda a minha vidaacadémica. Interesse que saiu reforçado durante osoito anos em que assumi funções de director naFaculdade a que pertenço.Foi neste quadro que lançámos, perfazem-se agoradez anos, conjuntamente com o Doutor Jorge Bentoe os Doutores Alfredo Faria Júnior e RobertoFerreira dos Santos da Universidade do Estado doRio de Janeiro, as bases de um importante projecto:um movimento de cooperação entre as universidades

António T. MarquesFaculdade de Ciências do Desporto e de Educação Física, Universidade do Porto

África: o outro vértice do triângulo

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e escolas de educação física e desporto dos países deexpressão portuguesa. Projecto que encontra a suamanifestação mais visível na realização do Congressode Educação Física dos Países de Língua Portuguesa,que este ano teve lugar nesta cidade de Maputo.Um congresso que, agora em 6ª edição, tem vindo apromover um desígnio: aproximar pessoas einstituições que têm no centro das suas preocupaçõeso estudo do Desporto e da Educação Física, afirmandouma comunidade científica no espaço de uma línguacomum – a língua portuguesa. (1)

Uma língua que dá voz a comunidades nas setepartidas do mundo. Constituindo-se como veículo decomunicação entre um dos grupos populacionais maisnumerosos do planeta, de que Angola, Brasil, CaboVerde, Guiné, Moçambique, Portugal, São Tomé ePríncipe são apenas os contornos mais visíveis.Uma língua de superação das barreiras daincompreensão, de abertura de um grande e vivoespaço de diálogo, de cooperação, de fraternidade.Como dizia uma figura insigne da minhauniversidade, o Professor Nuno Grande, a propósitodo 2º Congresso de Educação Física dos Países deLíngua Portuguesa realizado na cidade do Porto em1991: “Percorremos juntos largos períodos daHistória, vivendo momentos de glória e de exaltaçãodos valores da civilização; sofremos também aamargura das imposições das forças retrógradas, quetentaram cavar entre nós os fossos de incompreensãoe do ódio. Sinto que aos universitários compete opapel de ultrapassar as incompreensões e osdiferendos tornando possível o diálogo aberto entretodos os que têm a responsabilidade de conduzir osdestinos dos povos.”Este é também o sentido substantivo das nossasmotivações, no que constitui um desafio exaltante,estimulante, mobilizador. Melhor interpretado peloreitor da Universidade do Porto, o Professor AlbertoAmaral, que tem vindo nos últimos anos adesenvolver um grande esforço deinternacionalização da universidade, num estreitocomprometimento com os princípios da MagnaCarta das Universidades Europeias: “Depositária datradição do humanismo europeu, mas com apreocupação constante de alcançar o saber universal,a Universidade, para assumir as suas missões, ignoraas fronteiras geográficas ou políticas e afirma a

necessidade imperiosa do conhecimento recíproco eda interacção de culturas”.E se o empenhamento na internacionalizaçãotranscende, em muito, o espaço da línguaportuguesa, na realização deste desígnio é notóriauma clara e determinada aposta nas relações com osjovens países africanos de língua portuguesa.Sem quaisquer intuitos neo-colonizadores, assim ocremos. E também sem quaisquer complexos decolonizados, assim se espera. É imperativa anecessidade de consciencialização de uma novaatitude, volvidos os anos de maiores dificuldades ede incompreensão recíprocos. Torna-se necessáriosuperar “as marcas de um passado de colonizaçãoenvergonhada, a pequenez política, os entravesfinanceiros e os jogos de influência...” (10, pg. 37)que têm prejudicado gravemente as relações entreos nossos povos.Compreendemos Mia Couto quando diz que ascoisas não estão resolvidas. Que não chegamos aindaa uma relação amigável e franca. Que ainda nãopercebemos Moçambique.Os próprios moçambicanos não terão ainda entendido“os mundos diferentes que compõem Moçambique”, aque Mia chama “um país sem imagem.” (9)

Mas devemos esforçar-nos para que isso possaacontecer. E possa acontecer, como diz Craveirinha,Prémio Camões em 1991 e, no dizer de SamoraMachel, o grande poeta nacional de Moçambique,“sem desvalorizar o conquistado por séculos deconvívio”. Antes emprestando a este novorelacionamento novos contornos no sentido de umaaceitação mútua. (9)

Saibamos superar, de vez, estas barreiras ecompreender melhor os novos contornos da história.Sem ignorarmos ou esquecermos – uma vez maisMia Couto – que “falar em cultura comum é já umdisparate” e que mesmo para a língua, criamos“miolos” diferentes. (9)

A relação histórica de Portugal com povos de todosos continentes determinou possibilidades de diálogoentre culturas muito diferentes e ricas. Essacomunicação faz-se na língua portuguesa, umalíngua pluricontinental, multiétnica, multicultural eplurireligiosa, que se constitui como uminstrumento privilegiado de diálogo.Este o sentido maior de possuirmos uma língua

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comum. Uma língua dinâmica, moldável,enriquecida com os “miolos” que cada povo lhe vaiacrescentando e que nos permitirá estabelecer oscontornos de uma nova e diferente relação.Estamos na cooperação para cooperar, perdoem-nosa redundância. Desde o seu início, o nossoenvolvimento na cooperação foi não apenassolicitado, mas concertado nos mais pequenosdetalhes com quem o solicitou.É claro que essa solicitação foi feita num contexto deconhecimento recíproco, em relações académicasanteriormente estabelecidas.É claro ainda, e aqui o afirmamos, que acreditamos nadiversificação das relações. Significando isto que nãoapenas entendemos ser uma prerrogativa de qualqueruniversidade escolher os companheiros de viagem, osparceiros da cooperação, como há vantagens em quediferentes parceiros influenciem o entendimentosobre a universidade e o trabalho nas universidades.Como diz Carlos Pimenta “Por muito completa queseja uma universidade, (...) com especialistas emmúltiplas áreas do saber, seria de um provincianismocastrador admitir-se que sozinha teria forçassuficientes (...) para abarcar a grande diversidade depossibilidades de cooperação”. (10, pg. 40)Também não ignoramos as condições em que acooperação entre os países desenvolvidos e os paísesem desenvolvimento se tem feito. As reservas,desconfianças e mal-estar que tem motivado.Partilhamos da opinião do pró-reitor daUniversidade do Porto para a Cooperação com Áfricaquando sustenta que “(...) é urgente banir aconcepção de que nós cooperamos com os PALOPpara os ajudar” e que uma cooperação séria,produtiva, com efeitos multiplicadores, supõe uminteresse mútuo, um interesse institucional daspartes envolvidas. (10, pg. 38)A cooperação não se fará sem um suporteinstitucional. Mas, acreditamos numa coisa. Diz-nosa experiência, que resultará vantajoso para acooperação que esta possa basear-se numconhecimento sólido, numa estreita ligação entre oscooperantes. Sem o que continuará, porventura, afazer-se, mas não com os mesmos resultados.Há companheiros nossos de outros países, pessoasque temos em elevada consideração, que falam, apropósito das relações universitárias entre países

mais e menos desenvolvidos, em fortalecimento daideologia do “internacionalismo científico”. (4)

Segundo esta perspectiva, as nações seriam“avaliadas em termos de ascendência e declínio,proeminência ou inferioridade, independência oudependência científica”. Assim, a ciência constituiriapara muitos estados um meio de assegurar prestígioe estatuto internacional. No que constituiria umasubtil mas manifesta forma de imperialismo.(ibidem, op. cit)Neste contexto, muitos países do chamado “terceiromundo” seriam induzidos a seguir os modelos dospaíses desenvolvidos. O que relegaria para um planosecundário outros problemas mais relevantes,“desencorajando a escolha de agendas e tópicos maisúteis e mais fortemente vinculados ao contexto e àproblemática de cada país”. (ibidem, op. cit)Conhecemos o problema, e também o contexto emque estas afirmações são produzidas. Julgamos nãoser essa, no entanto, a nossa forma de estar nesterelacionamento com a Universidade Pedagógica.Outros melhor do que nós, no entanto, avaliarãoessa participação.Portugal não é aliás, como é sabido, um exemploacabado de país desenvolvido, embora a sua históriae cultura tenham uma importância ao nível da deoutros grandes estados e povos europeus.Não vamos discutir a “ideologia” na cooperaçãouniversitária. As coisas são como são e os países queparticipam em programas de cooperação conhecemhoje bem as circunstâncias em que ela se faz, a partirde mil e um exemplos concretos.Todavia, assim como não há “países emdesenvolvimento”, em abstracto, também não há“países desenvolvidos”, no abstracto. Significandoisto que os estados não têm necessariamente ummesmo entendimento e prática da cooperação. E,também, nem só dos estados vive a cooperação.Julgamos mesmo que nas relações de cooperaçãocom os novos estados africanos, ex-colóniasportuguesas, não será difícil encontrar exemplos deenvolvimentos diferentes, de diferentes atitudes noprocesso de cooperação.Não devemos por isso entender, apenas, ointercâmbio científico e ou universitário como uminstrumento de “expansão cultural, penetraçãopacífica ou propaganda política”. (4)

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O acesso aos mercados, à tecnologia, ao saber, àexcelência científica, a integração em redescientíficas e universitárias internacionais devemassumir as formas que cada estado e cada povoentenderem ser as desejáveis.Importante é que os países em desenvolvimento, oudo Sul, se se quiser, não fiquem isolados. E esseisolamento só terminará quando os problemas erealidades do sul fizerem parte da agendainternacional, voltarem a ocupar um lugar centralnos esforços de cooperação internacional. (2)

A globalização, a internacionalização, a criação deblocos económicos ou culturais, a pretexto de umaideia ou de uma língua, são hoje uma realidade.Como dizia o Presidente do Brasil, FernandoHenrique Cardoso, na cerimónia de outorga dotítulo de Doutor Honoris Causa pela Universidade doPorto: “Já não se trata apenas do Homem, sujeitoindividual, mas da Humanidade, sujeito colectivo,medida da própria sobrevivência de qualquercivilização ou cultura”. (2, pg. 59)O que cada um de nós faz está a afectar os outros.Por isso, entenda-se da forma que se quiser isto, nãopodemos mais viver isolados. É importantedesenvolver estratégias nacionais, regionais eglobais, sem confrontações estéreis, de acordo comos interesses de todos e de cada um, isto é, deacordo com os interesses da Humanidade, de cadaregião, de cada estado, de cada povo.Portugal é um exemplo, ainda actual, de quantocusta um isolamento, de 50 anos, do resto domundo. A todos os níveis. Num percurso a nãorepetir, pelas implicações que tem sobre oempobrecimento de um povo, de uma cultura, e deuma história.

A COOPERAÇÃO EM EDUCAÇÃO FÍSICA E DESPORTOExpusemos já, em algumas ideias, a nossa forma deestar na cooperação.Permitam-nos agora, e não nos julguem mal porisso, – até porque Portugal também não é um paísdesenvolvido – que explicitemos o que, em nossoentendimento, deverá orientar a cooperação porparte de Moçambique. Que concretizemos algumasideias na área a que estamos ligados.A cooperação em Educação Física e Desporto dever-se-á fazer, em nossa opinião, na observância de dois

aspectos essenciais:

1) Ela deverá ser, antes de mais, determinada pelosinteresses de Moçambique em áreas tidas comoprioritárias, a partir de um quadro muitoespecífico de identificação de problemas, própriosda realidade moçambicana.

2) Complementarmente, não deverá desvalorizaruma orientação que, partindo da identificação deproblemas com actualidade nos paísesdesenvolvidos, procure perspectivar mecanismosde intervenção que possam justificar-se empaíses em desenvolvimento, num quadroevolutivo previsível. Determinando a médio/longo prazo alteração de orientações naspolíticas de intervenção.

Sem esta perspectiva, evidentemente, ficará maisfragilizada a possibilidade de os moçambicanos, elespróprios, começarem a definir o modo de resposta àsquestões postas pelo desenvolvimento. Limitando,assim, as possibilidades de diminuir a suadependência de terceiros.Da primeira não trataremos aqui hoje. Outros,melhor do que nós, o poderão fazer e já o fizeram.Deixemos, então, os problemas concretos deMoçambique e vejamos o que mobiliza o interessedos países com maior desenvolvimento científico etecnológico, e socialmente mais avançados.A generalização da prática vem-se constituindo comouma das bandeiras do Desporto e da EducaçãoFísica. No que corresponde a um esforço dedemocratização da participação na actividade físicade todos os grupos sociais – mulheres e homens,novos e velhos, deficientes e grupos maisdesfavorecidos; numa tentativa de promoção dodireito efectivo dos cidadãos à prática de actividadesfísicas e desportivas. (7)

Neste contexto, o desporto de rendimento e de altorendimento, tradicionalmente com larga aceitação,têm visto atenuada a sua importância junto dosórgãos do poder, que transferem as medidas eincentivos de apoio à prática para grupospopulacionais mais numerosos. É assim que a saúdee o bem-estar surgem estrategicamente a referenciaros mais importantes programas de intervenção.

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A saúde é, cada vez mais, uma prioridade nos paísesdesenvolvidos. Se é hoje crescente o sedentarismonesses países, o próximo século, com o avanço nastecnologias da informação, acentuará a pressão paraa sedentarização. (8)

Alguns grupos constituem hoje alvo prioritário daincidência de medidas e das políticas de saúde,educacional e de segurança social: os idosos, e ascrianças e jovens.As conferências internacionais que discutem ainvestigação da actividade física na terceira idadevêm concluindo pela necessidade de atenuar osimpactos negativos da redução da actividade físicacom o envelhecimento, exigindo a adopção demedidas efectivas em matéria de política social e desaúde, por parte dos governos nacionais e dasautoridades internacionais. (6)

A Europa, em particular, – com a população maisidosa do mundo – começa a olhar este problemacom cuidados especiais. Em 1988, – os dados sãodo Eurostat – nos países da Europa Ocidental cercade 1/5 da população tinha mais de 60 anos,esperando-se que no virar do século, por cadaindivíduo com idade até aos 15 anos haja 9 comidade superior a 65 anos. (5)

O aumento da esperança de vida e o consequenteenvelhecimento das populações agravará, de formadrástica, os problemas já existentes com a saúde, asegurança social e o bem-estar das populaçõesidosas, a menos que as autoridades competentes emmatéria de políticas de saúde e de segurança social,juntamente com as instituições científicas euniversitárias convirjam no estudo dos problemas ena adopção de medidas tendentes a atenuar estesefeitos. (5)

Num outro plano, mas ainda na saúde, sabe-se que aactividade física influencia positivamente o estatutode saúde dos adultos. Tem-se, por este facto,procurado estimular junto destes estilos de vidaactivos. O que estará longe de ser conseguido, ajulgar pelos graus de adesão à prática regular deactividades físicas.Tem por isso crescido a convicção, junto deprofissionais de educação física e de saúde, de que oincremento da actividade física na criança poderáinfluenciar a diminuição do sedentarismo nasfuturas gerações adultas. (8)

Nesta circunstância, a escola está cada vez mais nocentro das preocupações com a saúde. De facto, ascrianças e jovens passam obrigatoriamente pelaescola e participam em aulas de Educação Física.É nesta medida que se tem procurado compreenderqual pode ser o contributo da escola na promoçãoda saúde?Os estudos realizados têm convergido na realizaçãode um consenso: mais do que promover hipotéticosbenefícios a curto prazo, torna-se importante fazereducação para a saúde, isto é, aumentar oenvolvimento das crianças na prática regular deactividades físicas, promover estilos de vida activos.Mas a escola, sendo parte maior de uma estratégia,não pode por si só resolver os problemas. Oaumento da participação de crianças e adolescentesem actividades regulares, deverá ser conseguidotambém, através de um maior envolvimento emactividades extra-curriculares e na comunidade.Pensando ainda na criança é importante não esquecer oseu desenvolvimento motor e corporal. Neste sentido,os países industrializados, procurando corresponder àsnecessidades de movimento que a criança não encontrana sua vida quotidiana normal, confrontam-na cada vezmais cedo, com actividades motoras na escola. AEducação Física é, cada vez mais, parte das estratégiaseducativas logo a partir dos jardins de infância. (8)

A Educação Física e o Desporto para deficientes vêmmerecendo uma atenção crescente na comunidadeinternacional. Disso é prova o aumento daimportância que estados e organizações nãogovernamentais lhe vêm dedicando, a exemplo do queacontece nos Jogos Paraolímpicos, que, nos últimosanos, sob a égide do Comité Olímpico Internacional edo Comité Paraolímpico, vêm assumindo umadimensão crescente.Este um domínio de intervenção, que, por razões bemconhecidas, interessará – como vem aliásinteressando, já que constitui um aspecto muitoparticular da nossa cooperação – a países comoMoçambique e Portugal.É preciso mobilizar a sociedade e criar medidas deapoio à reintegração social dos deficientes. Promoveruma vida mais digna e com maior qualidade. ODesporto e a Educação Física constituirão,seguramente, instrumentos privilegiados dumaestratégia de reintegração.

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A participação dos cidadãos na prática deactividades físicas é cada vez mais encorajada numaperspectiva cultural. A intervenção dos municípiosna criação de equipamentos, formais e informais, écada vez mais notória.A cidade vai percebendo que não chega ter boasredes viárias, metropolitano, bons estádios, piscinase palácios dos desportos. Uma cidade só serámoderna com equipamentos sociais e espaços verdespara as práticas desportivas de lazer. E, sobretudo,com cidadãos a fazer desporto e actividade física.A questão ecológica está hoje na ordem do dia. Aprática massiva e pouco regulamentada de algunsdesportos tem constituído uma forte pressão sobre anatureza, afectando o ambiente e provocando-lhedesequilíbrios.Isto ficou mais visível na sequência do impactonegativo que os J.O. de Albertville tiveram nascomunidades locais e na opinião públicainternacional. Os J. O. de Lillehammer constituíramjá um exemplo de um esforço centrado no controloe preservação ambientais, envolvendo todas aspartes interessadas: as organizações desportivas, ogoverno, as organizações ambientais, a indústria eas comunidades. (3)

A preservação do meio ambiente é, assim, uma dasprincipais preocupações do desporto neste final de

século. Tanto a preservação do meio natural, comoos critérios que definem as áreas construídascomeçam a ser cuidadosamente pensados.Temos orgulho em ter editado na nossa Faculdade,com a colaboração de especialistas internacionais,um dos mais importantes contributos para esteproblema: o livro, “Meio Ambiente e Desporto. Umaperspectiva Internacional” patrocinado, entre outros,pelo Comité Olímpico Internacional, pelos ComitésOlímpicos de Lillehammer 1994 e Sidney 2000 epela ONU, Organização das Nações Unidas.

Sr. Reitor, Srs Ministros, dignissímas autoridades.

Longo vai o nosso tempo e mal entrámos no tema.Tentando corresponder às motivações que terãopresidido à atribuição da distinção com que mehonram, procurei discorrer à volta de algunsaspectos que considero significantes.Espero não os ter maçado com um discursodesinteressante.Se o consegui não sei. Sei, isso sim, que estadistinção representará no futuro, mais do que agora,uma exigência elevada relativamente ao que seespera da minha Universidade, da minha Faculdade,e particularmente de mim.No que me diz respeito, tudo farei para corresponder.

BIBLIOGRAFIA

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29Revista Portuguesa de Ciências do Desporto, 2001, vol. 1, nº 1, 29–32

Parece ser hoje indiscutível que se está a assistir aum aumento no investimento e no interessegeneralizado pela investigação científica. A recentecriação de um Ministério da Ciência e Tecnologia édisso um bom exemplo. O aumento no número deprojectos de investigação de 190 para 2000 em 4anos parece também traduzir um aumento nointeresse na investigação. Este aumento terá, noentanto, de ser entendido não como um incrementoqualitativo mas antes um esforço suplementar paravencer o atraso científico do país. Aliás, se esteaumento fosse visto em termos absolutos,correríamos o risco de pensar que Portugal faz partedo grupo de países cientificamente maisdesenvolvidos, até pelo facto de se saber que a taxade crescimento do número de cientistas em Portugalestá actualmente em 10%, enquanto que a médiaeuropeia se situa na casa dos 2%. Como secompreende então que o nosso país continue a serconsiderado como um país “em vias dedesenvolvimento científico”? Esta classificação sópoderá ser entendida face ao enorme atraso quetemos vindo a manter ao longo dos anos.Segundo declarações oficiais de responsáveis doEstado na área da Ciência, o grande investimentocontinuará a ser canalizado para os recursoshumanos. De facto, continuamos apesar de tudo ater cerca de metade do número de doutorados damédia da União Europeia, significando isso umaescassez de quadros qualificados do ponto de vistacientífico. Ou seja, face ao enorme atraso verificado,muito se tem feito, mas muito ainda há para fazer.Se este é o quadro da Ciência, em geral, em Portugal,o que pensar da investigação aplicada ao desporto?As denominadas ciências do desporto (CD) estão

numa fase de franca expansão em termosinternacionais. O reconhecimento, por um lado, dopapel sócio-político do desporto de alto rendimento e,por outro, a reconhecida influência da actividade físicana promoção da saúde, fizeram do desporto, tomadona sua dimensão mais global, uma entidade muito“apetecível” pelos mais diversos quadrantes sociais.Os mais recentes eventos desportivos têm vindo ademonstrar, particularmente em algumasmodalidades, uma relação quase directa entreperformance e investimento técnico e científico. Dosequipamentos desportivos, aos meiosfarmacológicos, da nutrição aos meios de treino,existe em todos estes aspectos uma fortecomponente técnica que ultrapassa o simples treinoe a relação, muito romântica mas pouco real, docorpo e esforço.O material desportivo é hoje estudado e avaliadoutilizando as técnicas mais sofisticadas dabiomecânica, combinando diversos saberes comosejam a anatomia, a física, a bioquímica ou aergonomia. Por outro lado, no desporto de lazer,toda a atenção tem sido centralizada no potencialpapel desta actividade na promoção da saúde, nadiminuição dos factores de risco de numerosasdoenças e ainda na sua utilização terapêutica. Arelação directa entre exercício e doençascardiovasculares, ou entre estilos de vida activo ealgum tipo de neoplasias são, alguns exemplos, bemelucidativos. Estamos, portanto, perante umaactividade multilateral, com incidências sócio-económicas e políticas aos mais diversos níveis queatravessam a sociedade horizontal e verticalmente.Face a este quadro de interesses, qual o papel daUniversidade?

José MC SoaresPresidente do Conselho Científico da Faculdade de Ciênciasdo Desporto e de Educação Física da Universidade do Porto

A investigação em ciências do desporto

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30 Revista Portuguesa de Ciências do Desporto, 2001, vol. 1, nº 1, 29–32

JOSÉ MC SOARES

A Universidade é, por excelência, o local da criaçãodo saber. Será portanto de esperar que daUniversidade saiam os principais contributos para asCD. A realidade é, no entanto, bem diferente. Nestemomento, assiste-se, em termos internacionais, aum forte investimento em investigação edesenvolvimento (I&D) no desporto, não só pelasuniversidades mas também pelo mundo empresarial.No desporto de rendimento, as marcas de materialdesportivo estão cada vez mais preocupadas emdisponibilizar para os atletas seus patrocinados,meios de treino e equipamentos que lhes permitamser mais rápidos e mais fortes. Desta forma, terãomais possibilidades de obter um melhor rendimentoe, assim, serem mais visualizados na “aldeia global”e as vitórias aparecerem ligadas a esta ou aquelamarca de equipamento ou produto nutricional. Nodesporto de lazer, o investimento industrial não émenor. A criação de máquinas de exercício, deequipamentos mais confortáveis e anatomicamentemais eficazes, a suplementação nutricional ou osmeios eletroterapêuticos aplicados ao exercício, sãoalgumas das áreas de maior investimento.Assistimos, assim, a uma secundarização, talvez atésadia e francamente estimuladora, do papel daUniversidade na produção de conhecimento nas CD.O que fazem então as Universidades neste domínio?Em muitos casos apoiam a investigação industrial enoutros criam e desenvolvem as suas próprias linhasde pesquisa. O atleta de alto rendimento é ummodelo de investigação de múltiplos recursos. Dasciências mais duras às denominadas ciênciashumanas, existe um manancial imenso de estudo einvestigação. O desportista de alto rendimentocoloca, inclusivamente, uma das questões maisintrigantes quando analisada sob as mais diversasperspectivas: quais os limites da performancehumana? Poderá o coração de um ultramaratonistadesenvolver-se ainda mais? Qual a magnitude deadaptação fisiológica do músculo de umhalterofilista ou a coordenação e potência de umginasta? Até onde irá a resistência física e psíquicade um tenista do circuito ATP? E de um ciclistaprofissional ou de um boxeur? Mas maisinteressante ainda do que responder a estas questõesé perceber, sem preconceitos, que muitas destasrespostas poderão ser aplicadas em muitas outras

áreas de enorme interesse não só científico mastambém social. O desportista de alto rendimento é,por exemplo, um modelo excepcional de estudo dostress sob as mais diferentes aproximações: dosistema imunitário, às perturbações dapersonalidade e até a algumas fobias sociais.Estamos então perante uma área motivadora edesafiadora. Motivadora porque nos colocainterrogações intelectualmente excitantes edesafiadora porque as respostas às inúmerasquestões são, por vezes, inesperadas e atétangenciais com a crença e a superstição, fenómenosaliás tão comuns no desporto.A investigação em CD em Portugal tem tido doisgrandes pólos de localização: a Faculdade deMotricidade Humana (FMH) da UniversidadeTécnica de Lisboa e a Faculdade de Ciências doDesporto e de Educação Física da Universidade doPorto (FCDEF–UP). Qualquer uma destasFaculdades tem vindo a desenvolver uma quantidadedos esforços, por vezes, inimagináveis no sentido dapromoção e afirmação desta área do saber.Infelizmente, o reconhecimento científico das CD é,em Portugal, ainda escasso e os recursos financeirossão diminutos, ou nulos, e difíceis de obter. É bemexemplo desta situação, a não inclusão das CD comoárea científica pela Fundação de Ciência eTecnologia. Isto demonstra, sem dúvida, um elevadograu de ignorância científica por parte das entidadescompetentes, mas revela também alguma inépcia porparte das pessoas mais interessadas nodesenvolvimento desta área, ou seja, da nossa parte,dos académicos. Como diz o ditado, pior do que sercego é não querer ver. Se concordo em absolutonalguma miopia intelectual do Estado, tenhotambém que aceitar, sem preconceitos nem receios,que temos muito que fazer ainda para nosafirmarmos no meio científico. Pela minhaexperiência profissional e académica tenho dereconhecer as nossas insuficiências de formaçãobásica, mas tenho também de admitir que existeminúmeras áreas em que somos “opinion makers”avalizados e profundamente conhecedores.Um dos aspectos mais marcantes do estado actual dainvestigação em CD é a necessidade que osinvestigadores sentem de terem de se refugiar noutrasáreas com mais fácil acesso a meios de financiamento

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A investigação em ciências do desporto

e apoios institucionais. Ou seja, o futebol deixa de serestudado enquanto actividade desportiva, mas passa aser observado pelo olhar do fisiologista ou dopsicólogo, resultando um conjunto de conhecimentosnão integrados e dispersos. O futebol, per si, não éentendido como uma actividade suficientemente sériae nobre para ser estudada e investigada. Assistimos,neste sentido, por parte das instituições responsáveispela formação em CD, a alguma fuga da áreapreferencial de estudo. É frequente, por exemplo, nacandidatura a financiamentos evitar utilizar aspalavras “futebolistas”, “andebolistas” ou“nadadores”. Opta-se por recorrer a outro tipo dedesignações, tais como “atletas”, “indivíduosfisicamente activos” ou “desportistas”, para mascararum dado que deveria merecer o respeito e acuriosidade científica de toda a comunidadeacadémica. Talvez por isto, seja vulgar encontrar nasinstituições académicas projectos de investigaçãomais relacionados com aspectos menos centrais, masreconheço não menos importantes, das CD i.e.assuntos mais periféricos. Projectos como a procurade marcadores moleculares de factores de risco ou opapel da apoptose na atrofia muscular (projectos daFaculdade de Ciências do Desporto e de EducaçãoFísica da Universidade do Porto) são exemplos detemas relevantes do ponto de vista científico efazendo parte das CD, na sua vertente maisabrangente (i.e. desporto e saúde), mas menoscentrados no objecto primeiro desta área: o desporto.O que fazer então? Que estratégias utilizar?Face a este quadro, urge redefinir e eventualmenteencontrar uma nova orientação para as CD emPortugal. À falta de reconhecimento científico daárea deverá corresponder um forte investimentoinstitucional junto das entidades responsáveis pelaI&D no sentido de passar a incluir as CD comocampo de pesquisa com objecto próprio e campo deactuação bem definido. Neste sentido, as instituiçõesmais prestigiadas e mais directamente interessadasterão, em termos estratégicos, que reunir meios,materiais e humanos, de forma a tornar mais robustaa investigação na área. Tal como em muitas outrasáreas, existem, por vezes, relações mais privilegiadasentre Universidades de continentes diferentes doque entre Faculdades dentro do próprio país. Istosignifica que, por certo, existirá um muito maior

número de projectos na Faculdade de Ciências doDesporto e de Educação Física da Universidade doPorto e na FMH com instituições estrangeiras do queentre estas duas Escolas. Parece-me, portanto, queuma das formas possíveis de aumentar a relevância ea dimensão das CD é concretizar projectos dedimensão sócio-desportiva de grande impacto erelevância, só possível com colaboração multi-institucional, que possam servir de demonstração dacapacidade científica dos investigadores em CD.A colaboração entre instituições de formaçãodiferente é também uma estratégia que deverá serprivilegiada. A participação em projectos com aparticipação de escolas de perfil diferenciado será deestimular. Ganham-se meios técnicos e humanos,mas fundamentalmente lucra-se saber. A experiênciacientífica, a história e o passado de algumasinstituições, poderão ser factores de estímulo para odesenvolvimento daquilo que é hoje consideradocomo a curiosidade e inquietação científicas.Inúmeros trabalhos nas CD podem e devem serrealizados em parcerias com as faculdades demedicina, psicologia, engenharia ou sociologia. AsCD podem e devem constituir-se como áreas decruzamento de conhecimento, técnicas e métodos,de grande abrangência e multi-culturalidade.Outra das estratégias a implementar para odesenvolvimento das CD refere-se ao aumento donúmero de artigos publicados em revistas “peer-reviewed”. A realidade actual é que muita dainvestigação feita em Portugal nesta área tem sidoapenas avaliada internamente. Falta uma avaliaçãointernacional credível e descomprometida, que só épossível de obter em revistas de reconhecido méritocientífico. Os investigadores portugueses em CD têmde entender que todos os seus trabalhos poderão teruma elevada qualidade, mas para a certificação dessaqualidade é necessário submeter o trabalho àapreciação dos pares com avaliações duplamentecegas. Desta forma, consegue-se obter um“certificado” de qualidade científica impossível de serconcretizado internamente. O mesmo procedimentodeverá ser utilizado nas provas académicas. É meuentendimento que neste tipo de provas deverão sernomeados, sempre que possível, júris internacionais eindependentes. Se este princípio do rigor eimparcialidade for quebrado corremos o risco de

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estarmos a trabalhar apenas para consumo interno,sem monitorização da qualidade do trabalho e, porisso mesmo, sem reconhecimento científico.Os investigadores deverão, por outro lado, tentarrealizar parte dos seus estudos em centrosinternacionais de reconhecido mérito na área doprojecto. O contacto internacional com outrasrealidades, com outras perspectivas, com outrosentendimentos, só pode ser enriquecedor, para alémde alargar a rede de contactos e interacções.Do conhecimento que me vem da minha experiênciaprofissional, tenho de concluir que as CD necessitamde um estímulo extra por forma a se autonomizarem,

JOSÉ MC SOARES

a ganharem reconhecimento institucional e espaço deafirmação. Estes desideratos só serão plenamentealcançados quando os investigadores em CDentenderem que não basta realizarem os seustrabalhos e projectos entre muros. É necessárioapostar na internacionalização dos trabalhos, dosprojectos, dos estudos, assegurando um rigor e umcontrolo científicos só possíveis de obter em parceriacom instituições e países com uma mais larga eprofunda experiência na área.Muito já foi feito, sem dúvida, muito há, no entanto,para fazer. O caminho é longo, o atraso é grande,mas o futuro é promissor.

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1. INTRODUÇÃOO tema da qualidade está na ordem do dia. Ahistória deste conceito pode não ser tão nova quantoisso mas a sua generalização ao nosso quotidiano émais recente, passando de aspectos relacionadoscom a aquisição de determinados bens ou produtosaté à sua chegada à reflexão universitária (ver, p.e.,Crespo, 1993 e Patrício, 1999). O conceito dequalidade é então mobilizado por inúmeras áreas danossa sociedade, opondo-se, de certa forma, a umacerta banalização dos costumes provocada peloconsumismo desenfreado e à crescente efemeridadedos bens actuais.Nos últimos anos, particularmente na última décadae meia, assistimos a um extraordinário aumento donúmero de alunos que frequentam o ensino superior,provocando também uma certa banalização destenível de ensino que durante séculos foi pensadoquase em exclusivo para um restrito número depessoas. Desta forma a universidade assistiu derepente a uma multiplicação dos seus alunos e,consequentemente, dos seus docentes. Emsimultâneo, e fruto desses aumentos, assistimostambém a uma rápida degradação dos seus espaçosfísicos e de outras estruturas envolventes dosdiversos estabelecimentos. Por outro lado, àsreferidas multiplicações seguiram-se proliferaçõesquer de unidades orgânicas quer de outrosestabelecimentos de ensino, particularmente de tipoprivado e cooperativo, permeabilizando o ensinosuperior a quase todos.Obviamente que as faculdades e outras escolas quese debruçam sobre as Ciências do Desporto ou áreasafins, também se multiplicaram, chegando mesmo auma situação impensável há apenas uma década

atrás, qual seja, de não garantir aos seus licenciadosum lugar na disciplina de Educação Física no ensinooficial. Vivemos num autêntico clima deconcorrência para a entrada no ensino superior masque, curiosamente, não é acompanhada depois nacolocação dos licenciados, onde todos sãoconsiderados em perfeita igualdade,independentemente do local onde se formaram.Naturalmente que a seguir a uma fase de forteexpansão, a reflexão sobre a nossa própria existênciase impõe, pelo que a discussão sobre a excelência élegítima e necessária.

2. SOBRE A MISSÃO DA UNIVERSIDADEA Europa, durante séculos a fio, considerou-se comoo centro do mundo (a este propósito ver OliveiraMartins,1999). A universidade, instituição europeiapor natureza, assumia-se assim como a grandeobreira do conhecimento mundial. Porém, hoje aEuropa não é mais esse centro de onde o poderirradia, nem a universidade pode ser entendida comoa única instituição desencadeadora da inovação. Oque é, então, a universidade nesta entrada para oterceiro milénio? Que saber é agora produzido e paraquê? Como é que a sociedade actual percebe auniversidade, instituição centenária?Estas e outras questões entroncam naturalmentenuma reflexão sobre a qualidade do ensino, nãopodendo mais discutir-se os aspectos factuaisdescontextualizados da grande estrutura que é aprópria universidade e sua inserção na rede social.Ao iniciarmos esta reflexão sobre a questão dauniversidade com qualidade, vários foram os autoresque nos vieram ao espírito. Obviamente que Ortegay Gasset, na sua Missão da Universidade, esteve

Para um ensino superior com qualidade

Rui Proença GarciaPresidente do Conselho Pedagógico da Faculdade de Ciênciasdo Desporto e de Educação Física da Universidade do Porto

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sempre presente, mas foi um outro, AlmadaNegreiros, que nos deu um contributo decisivo paraa tomada de consciência do caminho que teremosque percorrer. Disse Almada Negreiros (adaptado),num outro contexto e sobre um outro assunto, que“as frases que hão-de salvar a humanidade há muitoque foram escritas, só falta agora uma coisa – salvara humanidade”. Também muito já se pensou, seanalisou e se escreveu sobre a universidade comqualidade. Falta agora, nesta perspectiva deNegreiros, “salvar” a universidade das tentaçõesnem sempre assumidas daqueles que têmresponsabilidades, dotando-as dos meios e dosrecursos humanos entendidos como indispensáveispara garantir uma formação de qualidade.A universidade, durante séculos a fio, foi um pequenorio onde apenas desaguavam alguns, poucos, ribeiroscheios de água cristalina. Os filtros eram imensos, detal forma que somente um pequeno grupopertencente a um determinado estrato social tinha areal possibilidade de disfrutar do seu leito.Nas últimas décadas, contudo, a generalização doensino universitário, com o entendimento de que aformação de nível superior é o normal corolário daeducação de um jovem, alterou substancialmenteesta realidade. De um pequeno rio, a universidadetransformou-se num autêntico “mar oceano” tendoque caber nele todos aqueles que assim o desejem.De um ensino para uma elite, cujo rigor da seleccçãofacilitava um certo tipo de perpetuação dopatrimónio do saber, saber este muitas vezes ligadoao poder, passou-se para um outro estádio, onde oaumento do número de alunos provocou umaautêntica revolução da sua própria missão. Oprocesso ensino/aprendizagem num ambiente demassas é diferente, provavelmente mais pobre emenos eficaz, que aquele outro destinado a umpequeno número de estudantes.Com este aumento quase exponencial do número dealunos impôs-se, como é óbvio, um aumentosubstancial do número de docentes, perdendo auniversidade, muitas vezes, a noção de perfil idealdo seu próprio pessoal mais qualificado. A eventualperda de qualidade motivada pelo crescimento donúmero de alunos não pode ser analisada sem atomada de consciência que não houve uma correctapolítica de recrutamento e formação pedagógica dos

docentes, assumindo estes, não poucas vezes, opapel de verdadeiros tarefeiros, tendo que leccionardisciplinas para as quais não têm uma apetênciaespecial.Até há bem pouco tempo atrás, talvez motivado pelosentido de exclusividade proporcionado pelauniversidade, o seu saber e a formação ministradaeram inquestionáveis. Ser possuidor de um títuloacadémico, mesmo o de bacharel, era sinónimo deuma respeitabilidade social inegável. Hoje tudo istoestá a ser colocado em causa. Ser universitário, querse seja discente ou docente, já não confere esserespeito acrescido, criando angústias quando umestudante se questiona sobre a utilidade social epessoal de tudo aquilo que aprendeu durante ocurso. De igual forma também os professores sepoderão angustiar quando tomam consciência quemuito do esforço exigido aos alunos seconsubstancia em muito pouco ou mesmo em nadapara o futuro destes.Tanto num caso como no outro, a cultura daexigência, condição necessária para um ensino comqualidade, sai francamente afectada, tornando difícil,se não mesmo comprometida, a missão dauniversidade.Uma dessas missões da universidade é, sem sombrade dúvida, a criação de novos saberes, bem como asua divulgação. Ora, nos últimos tempos, auniversidade já não está sozinha no cumprimentodesse importante papel. Outras instituições, de carizprivado, embora no desempenho de um importantepapel público, já conflituam concorrencialmente coma universidade. Este monopólio da produção edivulgação de saberes já não é de sua pertençaexclusiva, sendo cada vez mais aqueles queproduzem efectivamente saberes e os aplicam.Boaventura Sousa Santos há muito que percebeuesta mutação (Santos, 1989, 1995 e 1996),refletindo-se mesmo, como é sabido, em termosepistemológicos.As universidades ou outros estabelecimentosparticulares, não necessitam de mobilizar grandesmeios económicos para a capacitação académica dosseus docentes. Em muitos casos limitam-se arecrutá-los nas universidades estatais, essas sim,com o gasto de somas avultadas para a formaçãopós-graduada do seu pessoal docente. Podemos

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correr o risco de termos os professores mais capazesa servir o ensino particular – por via de regaliassalariais – e, paradoxalmente, os melhores alunos afrequentarem o ensino estatal.Como já observámos, a própria divulgação desaberes saíu da esfera única da escola, estandopermeabilizado a todos através das novas tecnologiasda informação. Mesmo o saber mais recente eavançado chega muito mais rapidamente a todosatravés das redes informáticas que propriamenteatravés das universidades, principalmente daquelasclássicas onde o peso da tradição ainda se faz sentircom mais premência.Finalmente, no que diz respeito à missão dauniversidade, assistimos, talvez consequência damassificação, a uma mutação do sentido destainstituição centenária. Perdeu-se um pouco o papelde locomotiva da mudança para ser apenas umainstituição encarregada de dar formação profissionalaos jovens, lançando-os no mercado de trabalhoaptos para desempenharem determinadas tarefas,sem grandes perspectivas de futuro, como aliáspoderá ser facilmente verificado. Com efeito, onúmero de licenciados a exercerem profissõesindiferenciadas cresce constantemente, provocandoem muitos uma desconfiança exagerada sobre ovalor da cultura.

3. SOBRE A PEDAGOGIA DA UNIVERSIDADEA reflexão pedagógica não é uma prática corrente nomeio universitário português. São várias as vozesque se levantam apontando esta insuficiência. O ex-reitor da Universidade do Porto está conscientedeste facto, como ficou bem documentado nas suasintervenções públicas sobre o estado daUniversidade (ver “Editorial”, Boletim da Universidadedo Porto, II (14): 2-3).Vários são os motivos apontados para que asquestões pedagógico-didácticas andem um poucoarredadas das nossas reflexões diárias.Durante gerações o ensino universitário tradicionalsó estava ao alcance de uns tantos que,invariavelmente, assumiriam o papel dirigente dopaís. Dentro deste contexto, lembra José MadureiraPinto (in Pinto, 1990), o ensino crítico nunca seimpôs no seio da universidade, continuando aspráticas de ensino de tipo escolástico a realizarem o

seu caminho, sem perspectivas de qualquermudança. Criou-se, então pelo papel atribuído àuniversidade, a ilusão que a excelência da retórica(sobre qualquer assunto) seria a atitude aconsiderar e a desenvolver, apenas mascaradaultimamente pela utilização de um ou outro meioaudio-visual. Facilmente a universidade passou aser um autêntico “refúgio para eruditos em fuga aobulício do mundo em busca de um meio própriopara o desenvolvimento de deambulaçõesintelectuais” (Carvalho, 1989, p. 411), pelo que asquestões pedagógicas eram de menor relevância,face a um cientificismo exacerbado. Criou-se a falsaideia de que pedagogia é assunto que apenas dizrespeito à relação do professor com crianças oujovens até ao ensino secundário, pelo que a suadiscussão era desnecessária, até contraprodecente,no ensino superior.Ainda recentemente, num documento provenientedo grupo de missão “Acreditação da Formação deProfessores” constituído no âmbito do Ministério daEducação, podia-se ler que o peso das disciplinaspedagógicas para a formação de professores dosdiversos graus de ensino diminui claramente àmedida que subimos nos diferentes graus. Seextrapolarmos essa tendência para o ensinouniversitário, verificaríamos um quasedesaparecimento da preocupação pedagógica.Neste contexto é fácil compreender que auniversidade se tenha desligado dos outros níveis deensino, pois o papel que lhe competia estava paraalém de uma formação geral dos jovens.À retórica tem que se contrapôr um realismopedagógico, alicerçado em conhecimentosprofundos, mas devidamente contextualizados àsociedade actual que é de mudança. Não aceitar amudança implica não querer viver nesta sociedade.Contudo as alternativas são reduzidas. Fermoso(1989) lembra-nos que a nossa cultura caracteriza-sepela acelerada mudança e inovação. Ora, esta rápidamudança tem repercussões na própria educação.Como ainda adianta o autor, uma cultura tãopermeável à mudança não pode sonhar com um tipode educação universal e permanente. Para ele“educar numa cultura de mudança é educar para aconstante readaptação” (p. 59), evitando assimdesfasamentos entre a “vida real” e a vida escolar. Tal

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como nos avisa Alberto Amaral (in Público, 8-12-96)os conhecimentos adquiridos hoje pouco valor terãodaqui a uma década.Adalberto Carvalho (in Carvalho, 1991) aponta umadas principais críticas dirigidas à pedagogia nauniversidade e que tem a ver com a fundamentaçãodo seu saber nos cânones do saber científico que lheé anterior e exterior.Ora, para o autor, com o carácter de anterioridade ede exterioridade do saber, o professor apresenta-secomo autoridade única expressando-a na funçãopedagógica, anunciando a indiscutibilidade dosenunciados, uma vez que eles mesmos lhe sãoexteriores. O ensino, nestes casos, é somente umreprodutor do saber. Não inova. Não critica. Sóconsome as ideias de outros e por isso estarácondenado, e cada vez mais condenado porque alógica da sociedade lhe será hostil.Desta forma rejeitamos um ensino fundamentadoapenas na transmissão do saber feito porque auniversidade deve estimular acima de tudo o discursoentendido como a elaboração do saber novo.Assim, o ensino universitário, em busca do ideal deexcelência e sem se deixar banalizar – que é umperigo real – tem que partir igualmente das buscasde cada um (o que pressupõe uma atitudeinvestigativa e inovadora, quiçá uma das essênciasmais profundas da universidade), fundamentando osseus saberes reflexivamente, estando sempre atentoao “exterior”, à sociedade de que faz parte, nãoapenas para lhe dar respostas, mas estar acima detudo activa na própria inovação. Para isso torna-senecessário formar os alunos na busca doinconformismo intelectual, não permitindo que umacultura particular se desenvolva e se solidifiqueapenas no senso comum (embora o não neguemoscomo uma fonte de conhecimento e de saberes), noimediatamente percepcionável e não na reflexão.Vista assim, nestes largos e imprecisos traços, a nossauniversidade, declaramos que um dos objectivos queconsideramos como fundamental no saberuniversitário é a constituição de um espírito críticonos nossos alunos. José Madureira Pinto (in Pinto,1994), defende que um dos grandes princípios deorientação pedagógico-programática das ciênciassociais é, exactamente, desenvolver o espírito críticodos estudantes, evitando quer o anti-epistemologismo

pragmatista quer o hipercriticismo (p. 30).Torna-se então uma exigência para a qualidade criarnos alunos uma “razão aberta” (Reale e Antiseri,1991, vol. 1, p. 17), possibilitando a estes osinstrumentos essenciais para que se defendam dasmúltiplas solicitações contemporâneas onde a dúvidairracional ou a adopção de posturas estritamentepragmatistas ou cientificistas imperam, numa lógicadifícil de aceitar no ensino superior universitário.Por vezes o senso comum condiciona desobremaneira o espírito das “coisas”. A criação e avulgarização de expressões caracterizadoras daciência, dividindo-a em hard science e soft science crianos alunos uma imagem errada sobre o valor dasciências sociais e humanas (as tais soft sciences) paraa explicação de determinado fenómeno. Igualmente acontraposição entre ciênciais exactas (as biológicas efísicas) e inexactas (as humanas e sociais) criam ailusão que estas segundas não possuem um métodosério, mas que são fruto da arbitrariedade de unsquantos que renunciaram ao rigor em favor de umaespeculação estéril e sem sentido.Nestas falsas divisões as hard sciences estabelecempercursos indiscutíveis. Os métodos, osinstrumentos não se discutem. Aceitam-se. Ofundamental é o processo de investigação, naelaboração dos conhecimentos e não a suareferenciação à génese intelectual e cultural dessemesmo conhecimento. Em vez do conhecimentocumulativo, já criticado por Milan Kundera (in aInsustentável Leveza do Ser), preconizamos umconhecimento reflexivo (reflexivo no sentidoadiantado por Anthony Giddens), onde se reflictasobre o que se diz e se incorpore o que se reflecte,qualquer que seja a área científica consideradaÉ tarefa da universidade promover o espírito críticodos alunos, no sentido de se colocarem cada vezmais hipóteses, questionando o método, oinstrumento, indo um pouco mais além dasconclusões que, como sabemos, cada vez são menosconclusivas. O desenvolvimento da criatividadehipotética e metodológica é assim um objectivofundamental do ensino superior, assumindo-se comoum instrumento conceptual de inegável importânciapara a génese de uma verdadeira formação para todaa vida. Na Universidade deveremos combater oconceito de “tábua rasa”. O aluno não pode ser

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encarado como um ser desprovido do que quer queseja, mas sim provido, como diria Karl Popper, deuma “tábua cheia”. Uma tábua cheia de signos que atradição ou evolução cultural tenha deixado àsuperfície de cada um.Segundo Popper a mente carente de juízos préviosnão é uma mente pura, mas unicamente uma mentevazia. “A observação pura, a observação carente deum componente teórico, não existe. Todas asobservações – especialmente as observaçõesexperimentais – são observações de factos realizadasà luz de esta ou daquela teoria” (in Reale e Antiseri,vol. III, p. 893).De uma forma geral qualquer saber organizadoenquanto disciplina, não pode assumir o papel daverdade que tem que ser reproduzida pelo aluno nomomento do seu exame. O saberes universitáriostêm que provocar no aluno a consciência da dúvida,a consciência heurística, a consciência de que averdade pura ou abstracta é algo que não existe, masque é realizada em todo o momento, pelo quemuitas das práticas da nossa rotina de professorterão que ser repensadas.Há discursos que, devida à inovação e à atracção, sãorapidamente apropriados pelos alunos de formairreflectida, mesmo de forma leviana. Apontar adissolução da epistemologia como uma característicada pós-modernidade é de facto deveras atractivo paratodos aqueles que gostam da novidade, da inovação.Jean-François Lyotard é assim eleito como umaespécie de guru, legitimando (talvez) a mediocridadeconceptual, legitimando o nada-fazer.A afirmação que “a ciência positiva não é um saber”(Lyotard, 1989, p. 80), quando descontextualizada,cria ilusões, levando a extremismos críticos queimporta combater. Mais uma vez interessará apelarao sentido crítico dos alunos para combater estesextremismos da linguagem, contextualizando ossaberes historicamente, inserindo-os em códigosculturais precisos.O confronto do senso comum com outros saberes(por exemplo, o científico e o filosófico), ou oconfronto de ideias bonitas e atraentes com posiçõesmenos mediáticas devem orientar o pensamento doaluno. Só o confronto com a incerteza, o confrontocom a relatividade do conhecimento, o confrontocom a seriedade proporcionará ao aluno vivências de

busca, de formulações e reformulações de hipóteses,conceitos e teorias.Estamos cientes que o conformismo intelectual é dedifícil combate numa escola cujo saber é tãoheterogéneo como o da nossa, com alunos queapresentam fracos hábitos de leitura. O sensocomum, a verdade institucional ou dogmática, émuito apetecida porque cria uma ilusão dehomeostasia existencial.A força institucional é enorme e, paradoxalmente,atractiva. O saber último, modelizado, é privilegiadorelativamente ao acto de construção intelectual.Pensar “é para os outros”. Reproduzir “é connosco”.Aliás pensamos que este tipo de saber é umaemergência da sociedade de consumo. A seduçãopara adoptar uma teoria (às vezes apenas umapseudo-teoria) ou uma explicação, é tão forte comodepois é rápida a sua caducidade e substituição poruma outra teoria.Porém temos que estar conscientes que a crítica nãose pode fundamentar no vazio. Fundamenta-se emsaberes, em propostas, em raciocínios. O criticar porcriticar também não pode ser a razão do saberuniversitário, nem o método dialéctico o garante daqualidade. A compreensão da historicidade erelatividade do conhecimento não pode originar umdiscurso negativo e simplesmente oposto à ciência.Criticar sim mas dentro dos limites da razão.Contudo temos a consciência das dificuldades queesta tarefa encerra. Conservar os alunos dentro delimites críticos numa época onde se apregoa oabandono de critérios, é um desafio que temos queassumir em nome da qualidadeA este respeito, mais uma vez concordamos comPinto (1994) quando aponta um retorno a modelos epráticas pedagógicas de inspiração racionalista,privilegiando mais a formação/educação emdetrimento da quantidade de informação, semcontudo abdicar da transmissão de pontos dereferência, essenciais para que se possa estabelecerqualquer tipo de diálogo.A este respeito podemos recordar Carrilho (1995)mormente quando aponta uma perspectiva deuniversidade virada para a criação do know-howintelectual que possibilitará um verdadeiro diálogo,pelo que será necessário rejeitar abordagenssimplesmente técnicas.

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Importa ainda referir algo sobre a avaliação. DelfimSantos considera que no momento da avaliaçãoacontece uma mutação no papel do professor: depedagogo para juíz.Embora não concordemos totalmente com estaconcepção, pois a avaliação faz parte do processopedagógico, consideramos que o autor tem algumarazão naquilo que postulou. Quantos de nós já nãotivemos dúvidas em possibilitar ou impossibilitar aaprovação de um aluno? Que critérios para isso? Ocritério científico, expresso por respostas quesabemos que “amanhã” já o não serão? O critério dotrabalho exploratório, onde baseado das matériasleccionadas nas aulas o aluno parte para a buscademonstrando assim a sua maturidade e capacidadede resposta a sucessivos desafios?Sinceramente, já experimentámos um pouco de tudoe a dúvida subsiste. Realmente com alunosinteressados o segundo método parece estar maisadequado à pedagogia desta nova universidade. Masnós sabemos que a colocação nos diversos cursosnão se processa apenas pelo critério da motivaçãointrínseca de cada um, mas muitas vezes fruto decontigências de uma quase lotaria. E para estesalunos o método do trabalho acaba por não ser omais adequado. Cremos que este simples facto, quese constitui na entrada na universidade, também seassume como mais um problema para o professor nodelicado momento da avaliação.Finalmente, para terminar este ponto, pensamos serimportante proferir umas palavras acerca daprogressão da carreira dos docentes universitários.Em primeiro lugar lembrar que se nota uma tendêncianos assistentes estagiários em substituir as Provas deAptidão Pedagógica e Capacidade Científica porProvas de Mestrado, o que mostra claramente que acomponente pedagógica não mais é tida em devidaconta no ensino superior universitário.Por outro lado a nossa prática diária mostra queinúmeras vezes a capacitação científica expressapelas provas de doutoramento, raramente éacompanhada por uma valência pedagógica. Tãoimportante quanto a fundamentação científica dodoutoramento deveria estar a fundamentaçãopedagógica para o ensino dessa matéria nauniversidade. Infelizmente tal raramente épreconizado pelos orientadores dos trabalhos, nem,

tão pouco, pretendido pelos orientandos.Por estas razões torna-se fundamental que asuniversidades, a bem da promoção de um ensinocom qualidade, fomentem a discussão pedagógica emesmo a discussão didáctico-metodológica nos seusdocentes, pois, pelo menos na realidade da nossaFaculdade, o nosso papel é de ser professor, devendoa investigação subordinar-se a este princípioelementar.

4. SOBRE A CONCORRÊNCIANos últimos anos perpassa pelos estudantes daFaculdade de Ciências do Desporto e de EducaçãoFísica da Universidade do Porto uma ideia de injustiçamotivada pelos diferentes graus de exigência entreestabelecimentos diferentes, nomeadamente o ensinopolitécnico, na variante de Educação Física e dealgumas escolas particulares que todos os anoslançam para o mercado de trabalho centenas delicenciados com uma formação, alegadamente,inferior e com classificações, quiçá, superiores.Não querendo de forma alguma colocar em causaquem quer que seja, importa, no entanto reflectirum pouco sobre esta temática.A nossa Faculdade não pode alhear-se da ideia deconcorrência. Ela, embora não per se, pode sergeradora de qualidade se vivermos de facto numambiente de concorrência. E esta só se concretizaráquando houver diferenciação aquando dacontratação dos profissionais, isto é, quando nomomento destas contratações se considere aqualidade da formação inicial.A Faculdade terá que lutar pela real possibilidadede seleccionar os seus alunos. Não é desejável que adistribuição dos alunos pelos diferentesestabelecimentos de ensino superior se faça aoarrepio destas, particularmente quando essasescolas perfilham concepções bem diferenciadasacerca do seu objecto de estudo. As Ciências doDesporto e a Motricidade Humana, na aparência amesma coisa, diferenciam-se bastante no que dizrespeito à posição central ou periférica ocupadopelo desporto para a edificação das suas concepçõesteóricas, pelo que poderá haver diferenças nosperfis a exigir aos candidatos no momento deselecção. Se um dos ítens de avaliação do ensinosuperior inicide sobre “os critérios e procedimentos

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para seleccionar os candidatos ao ingresso no curso(...)” (INAFOP), é imperioso que a Faculdadepossa, então, desenvolver autonomamente esseprincípio e ser, depois, por ele responsabilizado.Por outro lado não é crível que se aceite um clima deconcorrência e depois se considerem todas asformações como iguais, não se discriminando aseventuais diferenças de qualidade. Habitualmente,mesmo sem a possibilidade real de selecção dosnossos alunos, verificamos que os alunos queingressam na Faculdade de Ciências do Desporto e deEducação Física da Universidade do Porto são aquelesque possuem as melhores notas de acesso ao ensinosuperior. Também é conhecido que a capacitação dosdocentes da nossa Faculdade é de elevado nível, bemdistante, exeptuando a Faculdade de MotricidadeHumana da Universidade Técnica de Lisboa, de todasas outras escolas de formação. Em termos deinstalações, principalmente no que diz respeito aoensino específico dos saberes fundamentais da nossaárea, as diferenças de qualidade jogam também anosso favor. A biblioteca, física e virtual, outra áreasensível para a consecução de um ensino comqualidade, para a qual tem havido um esforçoconsiderável por parte da Faculdade de Ciências doDesporto e de Educação Física da Universidade doPorto, deverá igualmente pesar para a qualificação docurso. Também seria um estímulo agradável que aprodução de conhecimentos no contexto específicodos objectivos de cada licenciatura assim como aprodução de manuais escolares, fossem tambémlevadas em consideração para qualificar os diversosestabelecimentos de ensino superior.Perante tal cenário, seria da mais elementar justiça, abem da concorrência geradora de qualidade, que opróprio Ministério da Educação, aquando doprovimento de lugares no âmbito da EducaçãoFísica, tomasse em devida consideração estasdiferenças, atribuindo a cada curso um coeficiente dequalidade (podendo variar, por exemplo, entre 1.0 e1.5), coeficiente este que seria utilizado para oestabelecimento da nota para determinadosconcursos públicos. Temos consciência dadificuldade de operacionalização desta ideia, maspara defesa de uma cultura centrada na exigência aoportunidade de tal procedimento é indiscutível.

5. SOBRE A FORMAÇÃO INICIALA discussão sobre os planos curriculares está naordem do dia. São várias as vozes que se levantamquestionando quer a formação inicial, quer a suaarticulação com a pós-graduação. A Declaração deBolonha, assinada pelos diferentes governos europeus,tentou uniformizar os tempos destinados à formaçãosuperior, havendo um consenso para a suacompactação (pelos menos 3 anos de formação inicial,2 anos para o mestrado e 3 anos para odoutoramento). Este panorama, que na realidade nãose afasta em demasia daquilo que tem sido prática nanossa Faculdade, merece uma reflexão no sentido deaproveitar ao máximo os tempos considerados.A uma formação inicial em banda estreita,tendencialmente especializada, dever-se-á contraporuma formação mais alargada, no sentido depossibilitar uma crescente capacidade de adaptação anovos realidades e tornar os alunos susceptíveis dese desenvolverem autonomamente.Sennett (2000) considera que a flexibilidade é hojeuma importante característica da nossa sociedade,pelo que a educação deverá ter em conta estadimensão. Uma formação inicial especializada podeconduzir o aluno a determinadas rotinas querapidamente ficarão desajustadas relativamente àscircunstâncias sociais, cada vez mais submetidas àideia de mudança.Para levar a bom porto esta concepção de educaçãoflexível, torna-se imperioso também reflectir sobre opróprio decurso das aulas. O sistema tradicional deaulas, normalmente de tipo magistral – não esquecerque a grande maioria das nossas aulas são deste tipo-, não está adequado às novas exigências do saber. Éevidente que será demagogia, e por issoinconsequente, afirmar a necessidade de mudarradicalmente a actual situação. A Faculdade não estápreparada para tal, não possui os meios económicosnecessários para operar tão drástica mutação, nem,tão pouco, o corpo docente se encontra preparadopara actuar num outro ambiente que não aquele quelhe é familiar. Contudo, cremos que é fundamentalcomeçar desde já a proceder a experiências, onde acentralidade da sala de aula possa sercomplementada com um outro tipo de intervenção.Em primeiro lugar, e com carácter de urgência,dever-se-á generalizar a prática de conferências,

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convidando pessoas envolvidas com as diversas áreasdo conhecimento por onde o desporto encontra osseus sentidos. Não nos esqueçamos que vivemos naUnião Europeia e aspiramos, com legitimidade, auma posição de grande relevo no contexto dos países“luso-falantes”, pelo que se impõe tomarmos emdevida consideração os saberes e concepções dospaíses de que somos periferia e daqueles para osquais desejamos ter algum outro tipo deprotagonismo. A própria mobilidade dos estudantes,que gravitam entre estes países, terá muito a ganharcom esta abertura a um ensino diferenciado.Igualmente dever-se-á investir fortemente nas novastecnologias, promovendo tele-conferências cujaorganização poderia ser partilhada responsavelmentecom os alunos.As novas tecnologias estão aí, devendo a Faculdadeestimular a sua utilização. Temos que estarconscientes do importantíssimo papel que estasnovas formas de divulgar informação terão para aconsecução da educação ao longo da vida. Contudo aFaculdade não poderá deixar de reivindicar para sium papel de vanguarda no processo de transformar ainformação disponível em educação.Em segundo lugar a Faculdade terá que fomentar aprática do ensino laboratorial e do ensino noscentros existentes. Note-se que estes centros sãoáreas de convergência de diversas áreas científicas,podendo por isso contribuir já com síntesestransdisciplinares acerca de determinados assuntos.Tais práticas de ensino implicam um outro tipo derácio professor/alunos e um outro tipo de pessoalnão docente, por sinal altamente qualificado, comcarreiras profissionais adequadas e aliciantes.Em terceiro lugar a Faculdade terá que repensar oseu modus faciendi, criando as condições para que osseus docentes mais qualificados tenham mesmo umaintervenção activa na graduação, afastando-se umpouco da prática actual onde apenas um pequenonúmero de docentes do quadro leccionam aulas àtotalidade dos alunos da licenciatura. Não édesejável criar hiatos ou zonas de menos qualidadeno global de toda a formação. A excelência não secompadece com ciclos de estudo dúbios, pelo quetodos, mas mesmo todos os docentes deverão estarempenhados no curso de licenciatura.Em quarto lugar não nos podemos esquecer de que

uma das missões da Universidade é criar, no nossocaso, professores cultos, para quem o desporto, maisque uma técnica, tem que ser entendida como umaestrutura de sentido. Para isso, mais uma vez,reivindicamos, em nome da qualidade, a possibilidadede selecção dos nossos alunos, para que depois sepossa concretizar este princípio. Os sentidosbiológico, físico, psicológico, pedagógico,antropológico do desporto só poderão serdevidamente compreendidos por pessoascomprometidas com as suas práticas, pelo que nãopoderão ser critérios administrativos, estranhos ànatureza do nosso curso, a ditar quem deverão ser osnossos alunos. Ensinar a nadar, aqui apresentadocomo um simples exemplo ilustrativo, não pode seruma função da Faculdade. Infelizmente arriscamo-nosa reduzir grande parte do curso a estas tarefas básicas.Finalmente, nesta rápida passagem pela formaçãoinicial, a Faculdade terá que pensar maisprofundamente extra-muros, principalmente nasatribuições sociais do desporto e da Educação Físicae não ficar apenas na sua mera convivência internadiária.Não queremos de forma alguma afirmar a escravaturada Faculdade de Ciências do Desporto e de EducaçãoFísica da Universidade do Porto em relação aomercado de trabalho, mas também não é desejávelignorar essa realidade social. A nosso ver temos quedeixar de ser uma unidade orgânica de umauniversidade estatal para nos transformarmos numaverdadeira Escola Pública, ligada à comunidade, ouseja, a toda uma rede de relações pessoais, sociais einstitucionais onde a Faculdade está inserida. Não sãolegítimas confusões entre o estatuto de Estatal e dePúblico, substancialmente coisas diferentes,desejando nós que se caminhe para uma Faculdademais Pública – isto é, ao serviço da causa pública – emenos Estatal. Dentro desta perspectiva impõe-se odiálogo consequente com outros estabelecimentoscomprometidos com a formação em Ciências doDesporto ou afins, especialmente com os InstitutosPolitécnicos – Escolas Superiores de Educação – quepossuem uma inegável experiência, herança do tempodas antigas Escolas Normais, na educação de criançasdo 1º ciclo, escalão etário este pouco considerado nanossa instituição. Aliás importa salientar que aformação inicial não especializada dos alunos deverá

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abarcar o desporto nas suas múltiplas perspectivas,desde a primeira infância aos mais idosos, não seconfinando a discussão de algumas destasperspectivas apenas às opções específicas, como agoraparece que vem acontecendo.Desta forma o ensino deverá cada vez mais serconcretizado na realidade circundante, enfatizando-se as aulas em ambiente próprio. Neste momento háum peso excessivo de aulas práticas em salas deaulas, nomeadamente em disciplinas sensíveis, taiscomo as Didácticas do Desporto e as disciplinasligadas às diversas opções (Metodologias, Psicologiado Desporto, Fisiologia do Desporto e Sociologia doDesporto). Estas, talvez mais que todas as outras,deverão ocorrer preferencialmente nos diversosambientes específicos, libertando, inclusive, osespaços físicos da Faculdade para tarefas que têmabsoluta necessidade desses locais para o seudesenvolvimento.

6. SOBRE A PÓS-GRADUAÇÃONos últimos anos a pós-graduação, quer aquelaconferente de grau académico quer a que nãoconfere, tem assumido uma importância crescenteno contexto da missão da universidade. É sabido,como aliás já foi referido, que os saberes estão emconstante mutação, havendo já quem defenda aprópria renovação curricular ao fim de cada doisanos de vigência do plano de estudos!É evidente que tal pretensão é irrealizável nospróximos tempos, sendo talvez mesmo impossívelde operacionalizar. A pós-graduação surge assim nopanorama da universidade também na perspectiva deuma actualização constante de conhecimentos e depráticas, constituindo-se como uma tarefainalienável por parte da Faculdade.Dentro da perspectiva da Declaração de Bolonha,impõe-se que a definição dos planos de estudos edos programas das diferentes disciplinas queconstituem o cerne desses planos, não terminem nalicenciatura mas que se projectem para a pós-graduação, a fim de assegurarem uma verdadeira ecoerente unidade de pensamento e de acção.Refira-se ainda que a generalização dos cursos demestrado e mesmo a permeabilização dodoutoramento a licenciados fora do ensino superior,mostra-nos que a formação não se esgota na

licenciatura, pelo que se torna necessário encará-lospor uma outra óptica, que não aquela de elitizaçãoque em tempos os norteou. Para tal dever-se-áconferir a estes cursos uma dinâmica tal, de formaque o prefixo “pós” assuma somente o seu caráctertemporal e não de excepção.Assim sendo, temos que concordar com VítorCrespo quando afirma a necessidade de abandono delicenciaturas que formam para tudo e para todo otempo, ou, pelo contrário, altamente especializadas,cabendo à formação contínua quer a especializaçãoquer a renovação dos conhecimentos.Perante este cenário os cursos de pós-graduação,especialmente o curso de mestrado, terão quepossuir um grau de flexibilidade que o delicenciatura não é capaz de suportar. As estruturasterão que ser leves, possibilitando rápidas alterações,em perfeita consonância com as exigências externas.Contudo temos que assumir que esses cursos sãomesmo de pós-graduação, assumindo assim alicenciatura o ponto básico de exigência. A selecçãodos candidatos terá que ser o mais rigorosapossível, pois o empenhamento por parte dosprofessores para a sua leccionação é enorme,ocupando uma parte bem significativa do tempo dedocência daqueles mais qualificadosacademicamente. Não podemos reivindicar a tarefade seleccionar os alunos para a licenciatura e depoissermos relativamente pouco ousados nos níveismínimos de exigência para selecionar os alunospara a formação contínua conferente de grauacadémico. A qualidade assim o exige.A mobilização de recursos humanos para aleccionação da pós-graduação tem custossignificativos, pelo que se impõe uma discussãoprofunda sobre a reestruturação destes cursos. Estesnão podem ser conctretizados à custa do curso delicenciatura. Não nos esqueçamos que para além daleccionacção das aulas, há depois tarefasimportantíssimas como as orientações dedissertações, quer as de mestrado quer ainda, comoutro tipo de envolvimento, as de doutoramento.Estas tarefas têm que ser consideradas e osorientadores, de uma forma ou outra, terão que serrecompensados pelo enorme esforço exigido.Por outro lado, a Faculdade não mais poderáignorar o valor científico, pedagógico e mesmo

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didáctico-metodológico assumidos pelos trabalhosacadémicos produzidos no âmbito da pós-graduação. Terá que ter a capacidade instalada paraproceder à sua rápida publicação, resumida ecompactada, como é óbvio, pois eles são umimportante barómetro da vida académica.

7. SOBRE O MERCADO DE TRABALHOUm dos problemas que hoje mais aflige os alunosque cursam as Ciências do Desporto ou afins é, semsombra de dúvida, a indefinição profissional que sesegue após a conclusão dos seus cursos.Como já tivemos a oportunidade de enunciar, auniversidade não pode ficar refém do mercado detrabalho nem tem a obrigação de responderpontualmente a uma ou outra solicitação local. Paraisso há, ou deveria haver, outras instituições comtais valências. No entanto, o não ser refém não querdizer que não tenha que estar atento à realidadecircundante. Se uma das suas missõesincontornáveis é influenciar o mercado de trabalho,então há que estar atento a todos os sinais exteriorespara que assim consubstancie essa tarefa.Mais uma vez se sente a necessidade de uma estreitarelação com os diferentes agentes do desporto, quera nível do movimento associativo federado ou não,das diversas escolas, das autarquias, etc., para quetenhamos um conhecimento atempado da utilidadesocial do desporto.Para concretizar tal ideia, a Faculdade terá queinvestir algo dos seus recursos na criação de umaBase de Dados sobre os seus alunos.Saber quem são, qual a sua proveniência e quais assuas expectativas iniciais são instrumentosindispensáveis para que a nossa acção seja eficaz. Poroutro lado a Base de Dados terá que contemplar os ex-alunos, já formados e no activo, para que possamosestabelecer um balanço entre as expectativas àentrada e a realidade após o curso. Igualmente estaBase de Dados permitirá uma diferenciação daformação a ministrar, podendo a Faculdade em cadamomento alterar, sem subverter o seu plano deestudos, o que tem custos administrativosinsuportáveis, o rumo previamente delineado ouintervir na pós-graduação em áreas que num dadomomento considere deficitárias.Esta simples Base de Dados possibilitará ainda tomar

conhecimentos dos seus ex-alunos que obtiveramum grande reconhecimento social por via da suaprofissão, devendo a Faculdade convidá-los para queapresentem as suas histórias de vida, constituindo-se como exemplos vivos do ensino com qualidade.Como é sabido, vivemos numa sociedade aberta,pelo menos no que diz respeito à ComunidadeEuropeia. Destas forma a questão da qualidade daformação não pode ser colocada apenas na dimensãodo nosso país mas à escala do espaço europeu. O talmercado de trabalho, tantas vezes invocado, não éapenas aquele pequeno nicho tradicional mas algobem mais amplo e complexo. Qual o grau decompreensão dos nossos alunos relativamente a estarealidade? E, concomitantemente, o dos docentes?Que rede de contactos é que existem entre a nossaFaculdade e o espaço profissional europeu?A nossa percepção sobre o assunto da qualidade diz-nos que esta passa também pela tomada deconsciência desta nova realidade, não podendo nósrefugiarmo-nos no nosso “cantinho” esquecendo asgrandes organizações profissionais, técnicas ecientíficas onde o desporto e a Educação Física sãoanalisadas.

8. CONSIDERAÇÕES FINAISA Universidade tem que ser encarada como umverdadeiro ser vivo e por isso sujeita às alterações daprópria sociedade onde se encontra inserida. Masmais do que isso também tem que ter presente quepode ser (voltar a ser?) um importante agente dessasmodificações. Para concretizar tal desígnio terá queentender essa sociedade, ligando-se intimamente aela, não querendo continuar a ser uma autêntica torrede marfim intocável e longe dos outros. Terá que seunir, no nosso caso, aos grandes agentes desportivos,sejam eles quais forem onde a instituição Escolatambém cabe, educando os seus alunos dentro dessasrealidades, conceitos e valores, pois, tal como nosensina Manuel Ferreira Patrício, tudo que é humanodeve ser considerado na educação. Um ensino comqualidade passa, também, pelo grau de inserção daFaculdade no meio envolvente, a fim que o possainfluenciar para melhor.Como dissemos logo no início do texto, as palavrassobre a qualidade há muito que estão escritas, peloque o que importa agora é estimular todos e cada

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um na consecução deste ideal. Temos a plenaconsciência que o aumento da qualidade passaprimeiro por todos nós e só depois pelos outros.Aguardar que alguém “decrete a qualidade” é umaespera inútil e desesperante. Como vimos uma vezescrito à porta de uma fábrica do nosso país irmão

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BIBLIOGRAFIA

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INTRODUÇÃOA plena integração da Faculdade no seio daUniversidade do Porto, assinala uma mudança, nãosó da passagem do ensino médio para o ensinouniversitário, como também uma mudança deatitude em relação ao relacionamento com o exterior.Assumido e estabilizado que estava oreconhecimento interno da qualidade da formaçãoministrada tornou-se evidente que a partir dessemomento haveria que alargar horizontes.A Faculdade para além da “produção” deconhecimentos e de diplomas, deve prestar a atençãonecessária e suficiente àqueles que são ou poderãoconstituir-se em seus “clientes”: estudantes, ex-alunos, sociedade em geral, etc. É neste contexto,que se desenvolve a missão da Faculdade, onde oDesporto possui uma dimensão em toda a suaactividade que permite a sua extensão à comunidadede forma distinta e segundo as suas capacidades.A este respeito, os estatutos definem como objectode estudo o Desporto e este numa perspectivaabrangente e plural. Ou seja, enquanto práticadiferenciada nos domínios da educação e formaçãoinstitucionais, do rendimento desportivo, darecreação e tempos livres, da reeducação ereabilitação. O nosso plano de estudos, modeladopor padrões europeus, define claramente o campode intervenção.

PRESENÇA NO MEIOConferindo ao desporto uma importância efectiva naformação e na investigação, a relação com o meiodeve ser considerada com toda a relevância. Ela,pode ser reforçada através da visibilidade das suasiniciativas e da influência pública que pode ser

A Faculdade de Ciências do Desporto e de Educação Física daUniversidade do Porto e a prestação de serviços – que política?

Fernando TavaresVice-Presidente do Conselho Directivo da Faculdade de Ciênciasdo Desporto e de Educação Física da Universidade do Porto

exercida através da divulgação e utilização pública doque faz e produz em matéria de ensino, deinvestigação, prestação de serviços e através daparticipação institucional no espaço público e nosgrandes projectos mobilizadores da cidade.É um facto que hoje a Faculdade não consegue darresposta a todas as solicitações, constituindo-seestas numa prova do reconhecimento e vitalidade damesma. Contudo a prestação de serviços não podeser desinserida da ideia de qual a missão primeira daFaculdade. Isto significa, que esta pode prestarserviços à comunidade, mas não pode esquecer que,antes de mais, é uma instituição de Formação.A presença no meio obriga, também, da parte dainstituição a uma clara definição da sua relação comele, no princípio do respeito pela diversidade dosparceiros sociais considerados fundamentais ouprioritários para a Faculdade. Assim, esta deverásaber escolher no momento e em função das suasnecessidades quais os parceiros que melhor seposicionam para dar resposta aos seus objectivos.Estão neste caso, os clubes desportivos, asassociações e federações desportivas, as autarquias, asempresas e as organizações não lucrativas. Para comtodos eles devemos cultivar uma atitude decomunicação e cooperação em que as vantagens sejammútuas. De igual modo, as formas de relacionamentodeverão ser diversificadas, não devendo esquecer autilidade material da prestação de serviços.Este tem sido um princípio levado a cabo pelaFaculdade e do qual tem resultado, em função dointeresse manifestado e desenvolvido através dasactividades dos gabinetes e laboratórios, a prestaçãode alguns serviços à comunidade. Podemos citarneste caso, a elaboração e aplicação de programas de

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actividades físicas e desportivas para pessoas daterceira idade e para crianças; apoio a populaçõescom cuidados especiais, etc.

RELAÇÃO COM O SISTEMA DESPORTIVOPela sua vocação e opção estratégica a instituiçãotem procurado alguma articulação com o SistemaDesportivo e dentro das suas actividades de extensãoo relacionamento com este tem sido objecto deinteresse crescente.Tem permitido formar parcerias importantes, maispelo acolhimento dos seus estudantes e até doprestígio da própria instituição, do que do ponto devista do financiamento à Faculdade. Estas parcerias eprotocolos assinados com as Federações Desportivas eoutras Instituições têm permitido aos nossosestudantes exerceram a sua actividade enquanto“estagiários” e simultaneamente serem ostransmissores do “saber adquirido”, tornando-se umamais valia no prestígio da instituição no exterior.Os vários protocolos firmados pela Faculdade comassociações e federações desportivas nos últimosanos, são prova evidente do desenvolvimento daactividade de prestação de serviços com vantagensmútuas e que se identificam fundamentalmente nosdomínios da formação, da investigação e deconsultadoria. Em relação a estes domínios têm sidoconsiderados os seguintes aspectos:

– a formação de quadros técnicos;– realização de estudos no domínio da definição das

condições de optimização do rendimentodesportivo;

– apoio ao trabalho das selecções nacionais, no quediz respeito ao desenvolvimento de programas e

exames específicos;– serviços de consultadoria em assuntos referentes

às respectivas modalidades desportivas.

FUTUROQuanto ao futuro a Faculdade deverá continuar ainvestir no estabelecimento conjunto de cooperaçõese parcerias com instituições que permitam alargar econsolidar cada vez mais o seu campo deintervenção.Se quisermos manter e até desenvolver a relaçãocom o exterior e acompanhar as transformações queaí se verificam, teremos de ser capazes de avaliarcom mais frequência “a satisfação dos nossosclientes”. Esta confrontação com o exterior, coloca-nos na posição de que, o que nos chega ou existe noexterior, não pode ser ignorado, mas antesquestionado e ouvido de modo a podermos dar asrespostas e encontrar as soluções que o meio exige.Do modo como as instituições de ensino superiorencararem a elevação do nível da qualidade da suaformação dependerá o seu futuro. Por isso não bastaque assistam à configuração do mundo pelo mercadoe que prestem serviços nesse sentido. Ou seja, há queapostar numa cultura de qualidade que se traduza emcriar uma perseverança de intenções/deliberaçõespara procurar sempre uma melhoria dos produtos edos serviços. De uma maneira geral, pode-se dizerque a preocupação de se voltar também para o grau desatisfação dos clientes (estudantes, sistemadesportivo, escola e sociedade em geral) fundamenta-se também no princípio de que uma organização deveter uma gestão focalizada na qualidade dos serviços,dos produtos e das pessoas.

A Faculdade de Ciências do Desporto e de Educação Física da Universidade do Porto e a prestação de serviços – que política?

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A “casa” do desporto

Cristiano MoreiraArquitecto, autor do projecto de arquitectura da Faculdade de Ciênciasdo Desporto e de Educação Física da Universidade do Porto

se procura no início dum trabalho “descobrir” asdeterminantes do projecto que virão a constituir abase do quadro físico, onde posteriormente osfuturos utentes tentarão encontrar em cadamomento, o melhor sentido de uso, umas vezesafirmando, outras alterando as intenções iniciais.A tradição das escolas de Educação Físicafundamentava-se num esquema de edifíciosdispersos, correspondendo a cada um deles umespaço com uma função específica: ginástica, dança,volei, etc., o que entre outros requisitospressupunha a existência de terrenos de grandesdimensões que permitiam e justificavam essaimplantação dispersa.Não terá sido apenas alguma limitação do terreno,

Recordando Le Corbusier ao afirmar que “aarquitectura que conta é a que está debaixo do sol”,pode também dizer-se que um projecto construído épara o Arquitecto como um filho que efectivamentenasceu. Mas, a partir desse momento ele passa a teruma vida como que autónoma, essencialmente pelamão dos seus utilizadores, vindo então a definir-sequanto à posição que assume perante si próprio eperante a sociedade em que se insere.Louis Kahn costumava falar do que um projecto“quer ser”, no sentido de procurar encontrar osvínculos e as relações que fundamentam a sua formae determinam a sua vocação e uso.Será essencialmente na articulação dinâmica deequilíbrio/desequilíbrio entre estes dois factores que

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mas fundamentalmente porque se pensou que uma“escola” deve ter um sentido de organismoarquitectónico inteiro, que nos levou a optar por umesquema diferente, ao propor uma sequência deespaços que, embora respeitando as vocações de uso,dessem ao conjunto uma fluência dinâmica.Esta opção implicava a necessidade de articularespaços de escala tão diferente como os quecorrespondem, por um lado aos gabinetes detrabalho, ou salas de aula e por outro aos amplosginásios, sejam os de ginástica, de volei, ou a piscinaque, com exigências de pé direito atingindo os 12metros, obrigam a uma cuidada articulação, de modoa conseguir-se uma harmonia tanto interna como devolumetria exterior.Parece-nos ser claro que todas as escolas apresentamcaracterísticas muito próprias, em resultado dumenquadramento cultural e duma pedagogia praticada;mas, não deixa de ser possível encontrar factorescomuns a todas elas, de que um “espírito de escola”será eventualmente importante. Assim, é precisoque a forma física favoreça o desenvolvimento dessesentido, o que pressupõe ter ela própria assumidoum significado claro do espírito gregário que

caracteriza a tradição escolar.Esta uma das razões porque se propôs umaorganização em forma de U, desenvolvida à volta deum pátio dominado visualmente a partir do átrio deentrada. É um espaço central que se pretende dealgum modo quase simbólico, mas onde a directrizdo percurso de aproximação, obliquadorelativamente ao ortogonalismo lógico do edifício,introduz um sentido dinâmico intencional.A solução procura ainda dar resposta a uma ideiainicial e assumida como um dado do programa de“abertura ao exterior”, criando uma entradasecundária que permite o acesso a alguns sectores –nomeadamente ao ginásio polivalente e à piscina –sem interferência com a restante estruturapedagógica da Faculdade, no que seria completadapelos diversos campos e equipamentos de exterior,que esperam ainda oportunidade de execução.A esta distância da data da sua entrada emfuncionamento, cabe ainda aos utilizadores aapreciação crítica que conduz aos ajustes eadaptações às constantes exigências de mudança,que devidamente ponderadas, transformam aFaculdade num organismo vivo.

A “casa” do desporto

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1. INTRODUÇÃOA Biomecânica do Desporto constitui-se hoje comouma das mais importantes Ciências do Desporto,tendo percorrido um longo e profícuo caminho desdea sua introdução nos currículos desportivos da escolade Leninegrado. A sua intervenção é determinante,nos dias de hoje, em diferentes domínios:

(i) no domínio do mais puro entendimento domovimento desportivo e dos factores queconstrangem a sua optimização, pelo queconsubstancia uma área decisiva de intervençãono quadro dos sistemas complexos de avaliaçãoe controlo do treino e do potencial derendimento dos atletas;

(ii) no da simulação de novos movimentos e dasrespectivas exigências morfo-funcionais, deonde favoreça a inovação e a criatividade emcondições objectivas de maior fazibilidade;

(iii) no da promoção da adequação dos materiais einstrumentos de realização desportiva àpreservação da saúde e integridade dospraticantes e à maximização das prestações e

(iv) no da prevenção e terapia, reconstrutiva ou não,de lesões desportivas.

Apesar desta importância – e do reconhecimentodela pela generalidade da comunidade académica eprofissional -, a Biomecânica parece continuar a sercomo que remetida para um “gheto” académico,onde se tende a isolar, ou a ser isolada. Estefenómeno parece-nos apresentar uma etiologiaplural. Começa, porventura, pela própria linguagemda Biomecânica, naturalmente escorada namatemática, como veremos, que expurga muitas das

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J. Paulo Vilas-BoasFaculdade de Ciências do Desporto e de Educação Física, Universidade do Porto

tentativas de aproximação, nomeadamente noquadro de uma cultura, ou de culturas, menos“matematizadas”, como nos parece ser a nossa. Umsegundo factor decorre da natureza dainstrumentação tradicionalmente utilizada,normalmente sofisticada, ou de aspecto sofisticado eaparentemente pouco amigável para o utilizador.Finalmente, como terceiro factor, surge talvez orecurso a modelos, tantos deles sobre-simplificaçõesdo desportista em movimento, que tendem aapresentar-se como caricaturas da complexidade domovimento ou, em contrapartida, construções tãosofisticadas que são percebidas como...imperceptíveis.Neste contexto, pensamos, não é estranho que seassista a alguma “exclusão” da Biomecânica.Todavia, pensamos que esta se deve principalmente aum factor ainda não analisado neste trabalho emuito frequentemente secundarizado: as opçõesdidácticas nas disciplinas de Biomecânica ao nível daLicenciatura. Muitas das vezes a apresentação damatéria mantém-se escorada quase queexclusivamente na aula magistral, muito distanciadado estudante e quantas vezes traduzindo, sobretudo,a vocação circunstancial das preocupações eelucubrações do docente. É assim apresentada comouma matéria “áspera”, difícil, matematizada,intangível e inatingível, um domínio a evitar até aoinevitável pelo tradicionalmente pragmáticoestudante de Educação Física e Desporto.Neste trabalho procuraremos reflectir acerca da“urgência” da Biomecânica no quadro das Ciênciasdo Desporto, recorrendo fundamentalmente ao seuenquadramento enquanto disciplina científica.Passaremos, depois, a tecer algumas considerações

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relevantes acerca do que pensamos dever ser oensino da Biomecânica ao nível da graduação, para,finalmente, sistematizarmos o momento actual doLaboratório de Biomecânica Dr. André Costa, daFaculdade de Ciências do Desporto e de EducaçãoFísica da Universidade do Porto (FCDEF–UP).

2. A BIOMECÂNICA ENQUANTO DISCIPLINA CIENTÍFICAA Biomecânica constitui uma nova disciplinacientífica em pleno processo de estabelecimento(11)

e, portanto, naturalmente carecida de definição e deenquadramento claros e incontroversos.Segundo Adrian e Cooper(1), a Biomecânica constituia disciplina científica que procura medir, modelar,explicar, equacionar, categorizar e catalogar ospadrões dos movimentos das criaturas vivas. Osautores consideram ainda que se trata da “Física domovimento humano ou de outros seres vivos”(2, p.5) ereconhecem diferentes áreas de subespecialidade daBiomecânica: desde os vários tipos de Biomecânicaanimal, até à Biomecânica humana.No domínio específico da Biomecânica humana,Adrian e Cooper(1) distinguem ainda a Biomecânicade porções seleccionadas do corpo (Biomecânicamuscular, óssea, articular, respiratória, etc.) e aBiomecânica do corpo como um todo. Neste últimocaso reconhecem diferentes ramos: (i) Biomecânicadesportiva; (ii) Biomecânica ocupacional; (iii)Biomecânica de reabilitação, etc..A perspectiva de Adrian e Cooper(1) é, naturalmente,uma perspectiva abrangente da Biomecânica. Parece-nos, porém, que um escrutínio rigoroso doenquadramento epistemológico destas perspectivaspode conduzir ao reconhecimento de tangências econflitualidades com outros espaços científicos,como por exemplo a bioenergética, o que nos leva apreferir uma perspectiva algo mais restritiva.Reconhecemos, todavia, que a tendência para umprogressivo alargamento tentacular às questões –todas, ou apenas físicas – que condicionam oentendimento do movimento dos sistemasbiológicos, é uma tendência naturalmente emergenteda inexorável propensão para a transdisciplinaridadena ciência contemporânea.Como contraponto à perspectiva mais abrangentesanteriormente referida, Hay(5) preconiza umaacepção que, em nossa opinião, parece

excessivamente restritiva, ao circunscrever aBiomecânica ao movimento humano. No entanto, oautor propõe uma definição desta disciplina que nosparece a um tempo pragmática, simples esignificante, sobretudo se eliminarmos a restriçãoque impõe à esfera humana: “A Biomecânica é a ciênciaque examina as forças internas e externas que actuam sobreo corpo humano e os efeitos que elas produzem” (5, p.3).Esta definição, exactamente amputada dacircunscrição à esfera humana e, portanto, maisadequada à nossa perspectiva, foi adoptada porNigg(10) num dos mais interessantes manuais deBiomecânica actualmente disponíveis: “A Biomecânicaé a ciência que examina as forças que actuam sobre e nointerior de uma estrutura biológica e os efeitos produzidospor essas forças”. De facto, somos da opinião de que aBiomecânica é a disciplina científica que estuda amecânica dos sistemas biológicos, nãocontemplando, por isso, nem todos os problemasfísicos envolvidos, nem tão pouco se ocupando detodas as inerências do movimento, nomeadamente,por exemplo, as bioquímicas, etc..São, porém, preocupações da Biomecânica os efeitosfísicos das forças, internas ou externas que actuamsobre o sistema biológico considerado, bem como acapacidade e condições para que o sistema em causapossa produzir forças que actuem de determinadaforma sobre outros corpos. Assim, para além demedir as forças em questão e os seus efeitosimediatos sobre os movimentos segmentares e os do“corpo todo”, a investigação Biomecânica deve lidartambém com os factores mecânicos que constrangemou coadjuvam esses movimentos e com os efeitosbiológicos das forças produzidas sobre os tecidos(crescimento, desenvolvimento, degenerescência,lesões de sobrecarga e sobreutilização, etc.).Em suma, a Biomecânica deve deter-se sobre afuncionalidade mecânica dos órgãos, aparelhos esistemas dos seres vivos, sobre a sua cargabilidademecânica, sobre os limites da sobrecarga e da lesão esobre os factores que afectam a performance,incluindo a desportiva e, portanto, envolvendo, otreino em si mesmo, os meios auxiliares de treino, oequipamento desportivo e a técnica desportiva.A Biomecânica consiste, então, numa matéria deinquestionável relevância curricular para cursos deDesporto e de Educação Física, quer ao nível de

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licenciatura, quer de pós-graduação, importandoconferir-lhe a importância que lhe é devida.Admite-se com facilidade, portanto, que ao invés depreconizarmos uma Biomecânica fechada sobre simesma, a vemos antes como uma disciplinanecessariamente vocacionada para a convivência comoutras, especialmente quando é o desporto que éassumido como objecto. Isto, porém, é diferente dese imaginar ou aceitar que a Biomecânica possareclamar para si mesma o contributo específicodessas outras disciplinas. Este enunciado transpõe-nos para uma questão que importa abordar aqui: asrelações da Biomecânica e da Cinesiologia.Cinesiologia significa, literalmente, a ciência domovimento(5) e está, reconhecidamente, na origemda Biomecânica. Adrian e Cooper(1), de resto,sublinham que, na sua forma mais pura,Cinesiologia é sinónimo de Biomecânica.A Cinesiologia terá tido início nos finais da primeirametade do século XX, sendo a publicação por Wells,em 1950, da obra Kinesiology(12), considerada ummarco por individualidades como Hudson(7). Nos seusprimeiros tempos, a Cinesiologia descrevia o conjuntode ciências que tratavam da estrutura e função doaparelho locomotor, nomeadamente do sistema ósteo-muscular. Mais tarde incorporou também o estudodos princípios mecânicos aplicáveis ao movimentohumano, para, mais tarde ainda, ganhar muito maiorabrangência ao agrupar todas as ciências que tratavamo movimento humano(5).Nesta nova fase de grande abrangênciaepistemológica, o termo “Cinesiologia” serviu – eainda serve – para designar, inclusivamente, cursos,universitários ou não, faculdades e departamentosuniversitários, perdendo, ou vendo atenuada, a suacapacidade significante para designar o seu quadrode preocupações originais: a estrutura e função doaparelho locomotor e os princípios mecânicosenvolvidos.Terá sido a partir desta inadequação epistemológicado termo que foram propostos outros para designara área de estudos em causa, de entre os quais Hay(5)

destacou seis: Antropomecânica, Antropocinética,Biodinâmica, Homocinética, Cinantropologia eBiomecânica. Destes, prevaleceu a designação deBiomecânica, a qual, segundo o mesmo autor, obtevemais aceitação na comunidade científica.

Neste quadro evolutivo da Biomecânica, é curiosa aperspectiva de Hudson(7), autor que advoga oreconhecimento de duas fases distintas na evoluçãoda Biomecânica: (i) a Biomecânica Pré-moderna (1940-1965), que associa à Cinesiologia e na qualreconhece uma acentuada influência da Anatomia eda Fisiologia, a par da Física, onde o estudo dacinemática segmentar e dos padrões motoresanatomo-funcionais assumem especial relevância e(ii) a Biomecânica Moderna (pós 1965), alicerçadasobretudo na mecânica e no desenvolvimento edisponibilização de meios tecnológicos que tornamfazível a investigação reducionista sofisticada,caracterizando-se pelo complemento da cinemáticapela dinâmica e pelo estabelecimento de pontes coma termodinâmica e a bioenergética, através deentidades como o trabalho e a potência. Esta pontepara a termodinâmica pressupõe o entendimento doorganismo biológico, do animal, do homem e dodesportista, como sistemas termodinâmicos e aperformance desportiva como uma emergência deprocessos optimizados de aporte energético e derendimento termodinâmico (eficiência), sejabioquímico, seja biomecânico.Esta última perspectiva, de resto, parece-nos beminteressante, isto porque até nas modalidadesdesportivas abertas, onde o processamento dainformação e a tomada de decisões assumem umpapel crítico, a perspectiva termodinâmica não deveser vista como uma aproximação redutora,sobretudo se atendermos a alguns contributosmodernos no domínio das teorias da informação edos sistemas, que consubstanciam um desafiofilosófico à 2ª lei da termodinâmica: o efeitoneguentrópico da informação(9).O enunciado anterior remete-nos directamente paraa seguinte questão: serão exclusivamente do foro damecânica os contributos possíveis da Física parauma abordagem interdisciplinar do movimentohumano, especialmente do movimento desportivo?Parece-nos claro que a resposta à questão anterior énegativa, abrindo um inequívoco espaço de(re)alargamento da Biomecânica e dando lugar àBiofísica do Desporto. A este propósito, de resto, écurioso constatar que Hay(5), imediatamente após asua proposta de definição para a Biomecânica,esclarece que nenhuma das definições disponíveis era

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universalmente reconhecida e que se destacavam, jáentão, zonas de investigação mais vastas do queaquelas que as definições atribuíam à Biomecânica,como que se a própria designação, a exemplo daCinesiologia, estivesse já a cair em desuso.O anteriormente exposto confere especial sentido àperspectiva abrangente da Biomecânica que éexpressa no programa actual da disciplina deBiomecânica do Curso de Licenciatura em Desporto eEducação Física da FCDEF–UP e arriscar-nos-íamosmesmo a preconizar a substituição da disciplina deBiomecânica por uma explicitamente consagrada àBiofísica referenciada ao desporto. Implicitamenteaceitamos que, pelo menos aparentemente, seincorreria no risco de retomar a saga aglutinadora daCinesiologia, mas ganhava-se, naturalmente, emesclarecimento epistemológico e em questões maispragmáticas, como o mais fácil estabelecimento depontes com outras áreas fundamentais do curso,como as disciplinas de Fisiologia. Ganhava-se aindanos domínios da integração de conhecimentos e daconstrução de uma concepção unitária, por parte doestudante, dos factores determinantes do rendimentodesportivo-motor.

3. O ENSINO DA BIOMECÂNICA E/OU DA BIOFÍSICANA GRADUAÇÃO ACADÉMICA EM CIÊNCIAS DODESPORTO E EM EDUCAÇÃO FÍSICASeja restringido à Biomecânica, seja perspectivandoabordagens mais vastas no domínio da Biofísica, oensino da Cinesiologia, ou da Biomecânica, não temsido objecto de investigação aturada, inclusivamenteno que respeita ao ensino desta disciplina em cursosde graduação em Desporto e Educação Física.Estão, todavia, disponíveis alguns dados eperspectivas na literatura, que nos parecem dever seranalisados e reflectidos, mesmo porque nos parecemreportar-se a problemas comuns à maioria doscursos e das instituições que contemplam estadisciplina, onde a Biomecânica é, tradicionalmenteuma das “disciplinas-problema”.Davis(3) reportou dados de extrema relevânciarelativamente ao papel da Biomecânica na formaçãode profissionais de Educação Física e Desportograduados pelas universidades, nomeadamenterelativos à forma como percebem essa importância eà impressão que lhes sobrou dos respectivos cursos.

Das suas conclusões destaca-se:

(i) 82% dos inquiridos consideram que aBiomecânica tem valor prático para oentendimento da técnica desportiva;

(ii) 66% não gostaram da complexidade e nível deabstracção teórica da Matemática e da Físicaenvolvidas;

(iii) 45% dos sujeitos consideraram ser muito difícilacompanhar as componentes Matemática e Físicada disciplina;

(iv) 41 % dos sujeitos referem falta de confiançapara referir princípios biomecânicos quandoensinam ou treinam atletas;

(v) mais de 33% do grupo refere ter dificuldadessubstanciais para ler artigos de investigação emBiomecânica.

Na obra referida(3), o autor coloca em questão aadequação dos conteúdos e dos métodos de ensinoda Biomecânica aos objectivos da disciplina,nomeadamente em cursos de graduação emDesporto e Educação Física. Considera,nomeadamente, que se faz apelo exagerado àlinguagem matemática e à resolução de problemas,valorizando-se menos a compreensão do movimentonuma perspectiva Biomecânica; isto é, valorizando-se menos uma biomecânica “qualitativa”, queconsidera mais apropriada para a formaçãoacadémica inicial.Segundo Davis(3), a intenção de preparar osestudantes para estudos avançados, a fertilizaçãocruzada dos conceitos e dos problemas na era dainterdisciplinaridade e a perseguição da credibilidadeacadémica da área científica em questão, terãolevado a revestir a disciplina de Biomecânica de umacomplexidade exacerbada, implicando um muitoexigente background nas ciências Físicas eMatemáticas e envolvendo conteúdos de reduzidautilidade prática. Complementarmente, o autorconsidera ainda que este quadro tende a serperpetuado, uma vez que, quando os docentes sãochamados a elaborar um programa para umadisciplina de Biomecânica, é comum, na ausência deinformação alargada e de uma verdadeira massacrítica em Pedagogia da Biomecânica, serem tentadosa observar e adoptar os conteúdos e métodos dos

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cursos estabelecidos, refrescando-os apenas atravésdas suas próprias experiências. Só mais raramente sepode assistir a uma verdadeira exercitação dacapacidade criativa dos docentes.A situação anteriormente descrita foi consideradapor Davis(3) como pouco consentânea com aconclusão da First National Conference on the Teachingof Kinesiology, que preconizava:

“A primeira função dos cursos de graduação é a de dotar osestudantes do conhecimento e experiência necessários paraconduzirem análises qualitativas úteis” (6).

Curiosamente, Knudson, Morrison e Reeve(8)

concluíram, na mesma perspectiva, que três cursosde Cinesiologia com incidências diferentes, dois denatureza cinesiológica, mais tradicionais, e um maisespecificamente biomecânico, não proporcionaramqualquer efeito significativo na capacidade dosestudantes para promoverem análises qualitativas detrês habilidades motoras.Se às possibilidades e constatações antes enunciadasse acrescentar a plausível dificuldade de muitosprofessores de Educação Física e treinadores falharemna aplicação de conceitos biomecânicos à análise dashabilidades motoras(2), entende-se bem que se possareconhecer aquilo que Davis(3) definiu como umdilema pedagógico em Biomecânica para cursos degraduação, o qual decorre do reconhecimento de duasaproximações possíveis à disciplina(3, p.16):

“(1) Biomaximecânica – Uma aproximação queenfatiza as ciências Matemáticas e Físicas por formaa melhor preparar os estudantes para estudosavançados.(2) Biominimecânica – Uma aproximação queconsiste num mínimo de teoria e tanta aplicaçãoquanto possível dessa teoria aos problemasencontrados na prática.”

O esclarecimento deste dilema no presente contextopassa, necessariamente, por um exercício especulativoe qualquer tomada de posição decorrerá,inevitavelmente, mais do arbítrio subjectivo de cadaum do que do escrutínio rigoroso dos escassoscontributos pedagógico e didácticos disponíveis.Em nossa opinião, o programa e os métodos de

ensino da disciplina de Biomecânica devem,naturalmente, ser conformes à possibilidade de darsatisfação aos objectivos da disciplina científica emsi mesma; mas devem ter em consideração que amaioria dos estudantes se vai consagrar às carreirasde Professor de Educação Física e Desporto ou deTreinador Desportivo, importando, portanto, que osprogramas e os métodos de ensino sejam capazes depotenciar as competências dos estudantes para aobservação, a análise e avaliação subjectivas datécnica e para a prescrição fundamentada doexercício, de meios auxiliares de treino, ou dedeterminado equipamento desportivo.Devem ainda atender à necessidade de salvaguardara natural hierarquização de diferentes níveis deensino, permitindo que se reserve para os cursos depós-graduação, de mestrado nomeadamente, oaprofundamento dos conteúdos mais essencialmenteteóricos e especialmente vocacionados para osestudos avançados, para a modelação teórica e para ainvestigação científica.Esta nossa perspectiva substancia-se,fundamentalmente, na carência de bases físicas ematemáticas na formação prévia dos estudantes, naescassez dos tempos lectivos para as proporcionar ena importância curricular da Biomecânica emEducação Física e Desporto. Naturalmente que, casoos estudantes pudessem dispor de uma disciplinapropedêutica, por exemplo de Física Geral, ou deMétodos Matemáticos, o quadro da questão seriasubstancialmente alterado.Preservando as devidas proporções, estamos deacordo com Fiolhais(4) quando sublinha, nas primeiraspáginas de Física Divertida, a necessidade dedemocratizar a Física valorizando a sua vertenteintuitiva e eminentemente significante em termosquotidianos e secundarizando a expressão Matemáticasem que, contudo, se renegue esta como linguagemnatural de expressão do conhecimento da Física.Quer isto dizer que preconizamos, ao nível delicenciatura, a valorização de uma Biominimecânica,sem que o “mini” possa, aprioristicamente,encerrar qualquer valoração depreciativa,nomeadamente da credibilidade académica dadisciplina. De facto, tal como Davis(2), nãoqueremos com esta opção dar azo à tentação detransformar a Biomecânica em

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“Bionãomecânica”(3,p.116), mas tão só torná-la maisadequada às condições iniciais e ao nível de ensinoe mais consequente no quadro da formação dascompetências profissionais dos estudantes,nomeadamente no que respeita ao reconhecimentoe valorização dos contributos da Biomecânica parao desenvolvimento da qualidade do seudesempenho profissional.Se, efectivamente, se aceita que os contributos daBiomecânica são essenciais para a optimização daperformance desportiva, notadamente dasmodalidades individuais, cíclicas e fechadas, mastambém das demais (ainda que à sua medida), entãohá que garantir que Professores de Educação Física eTreinadores possam procurar entender e fazer usoseguro e consistente dos seus postulados e das suasnovas conquistas científicas. Para tal, o que começapor ser importante é que aqueles entendam adisciplina e os seus possíveis contributos, ao mesmotempo que desenvolvem as competênciasimprescindíveis à sua utilização para prescreverexercícios e correcções e para avaliar o desempenhode alunos e atletas. Só depois, pensamos, é que éimportante que desenvolvam conhecimentos quelhes permitam a realização de estudos aprofundados.Naturalmente que os Professores e Treinadores têmtambém de fomentar esta convergência, procurando,valorizando e favorecendo um continuadocrescimento da respectiva formação neste campo,sob pena da informação possível e dos contributospossíveis não serem mais do que quase nada. Esteesforço, entretanto, parece-nos ser tanto maisfacilitado, quanto mais inequívoco for oreconhecimento, por um lado, da utilidade daBiomecânica e das mais valias que acrescenta e, poroutro, da importância de cada um se sentirefectivamente capaz de a utilizar de formaconsequente. Em suma, os estudantes de hoje e osprofissionais de amanhã deverão estar disponíveispara a potenciação do seu conhecimento, mas osbiomecânicos, docentes e investigadores, deverãoestar preparados para suavizar o seu discurso, porforma a disponibilizar os seus contributos de formaamigável e perene.No que respeita ao ensino propriamente dito, estaperspectiva impõe, sobretudo, uma aproximaçãodidáctica diferenciada e não tanto uma alteração

radical de conteúdos. Naturalmente permite aabordagem a mais conteúdos, uma vez que seprocura uma aproximação mais intuitiva e menosaprofundada dos mesmos.A Matemática é introduzida de forma mais subtil e éconferida mais ênfase à resolução de problemas àmedida que vão surgindo, por oposição à sistemáticacolocação de problemas aos estudantes para resoluçãoe, muitas vezes, com reduzida contextualizaçãodesportiva. Uma forma de o conseguir será, porexemplo, partir da observação do movimentodesportivo e da sua descrição, para a respectivaexplicação, eventual modelação e simulação ulterior,dois passos que poderão, com facilidade e coerência,ser remetidos para estudos de pós-graduação.

4. MOMENTO ACTUAL DO LABORATÓRIODE BIOMECÂNICA DR. ANDRÉ COSTAEm Julho de 1997 começou a ser implementada umanova perspectiva integrada de dotação eoperacionalização da instrumentação para a avaliaçãoe investigação biomecânicas do Laboratório deBiomecânica Dr. André Costa da FCDEF–UP.Tomando por referência o antes exposto e,principalmente, a necessidade de “laboratorização”do ensino da Biomecânica, seja a nível de graduação,seja de pós-graduação, procurou-se que estainstrumentação tocasse os grandes domínios deintervenção, nomeadamente:

(i) a cinemetria;(ii) a dinamometria e(iii) a electromiografia.

Esta nova perspectiva do ensino da Biomecânica naFCDEF–UP tornou-se possível dada a convergência deum conjunto de factores de desenvolvimento, a saber:

(i) facilidades de espaço e de interacçãoproporcionadas pelas modernas instalações daFaculdade;

(ii) reforço do orçamento da Faculdade e gestãoorçamental sensível ao desenvolvimentocientífico e tecnológico da instituição;

(iii) reconhecimento, pela a comunidade escolar, danecessidade de dotar a Faculdade de umLaboratório suficientemente equipado para

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proporcionar quer a mais adequada leccionaçãodas disciplinas de Biomecânica aos níveisgraduado e pós-graduado, quer as infra-estruturas necessárias à implementação deprogramas de investigação Biomecânica nosdiferentes contextos desportivos e afins;

(iv) reforço do pessoal docente e não docente afectoao Laboratório;

(v) valorização e fomento de interfaces decompetências, chamando à colaboração directasujeitos com diferentes formações esensibilidades e

(vi) fomento de parcerias com outras faculdades daUniversidade do Porto, nomeadamente com asde Engenharia e de Ciências.

Aos factores de desenvolvimento referidos juntou-seainda uma máxima que reputamos da maiorutilidade: a ideia de que, mediante a impossibilidadede recurso a soluções tecnológicas comerciaisaltamente especializadas, importaria potenciar odesenvolvimento de soluções próprias que, por suavez, pudessem vir a abrir espaços de inovação edesenvolvimento.Consideramos hoje, três anos volvidos sobre o inícioda reforma em causa, que nos encontramos próximodo que poderíamos classificar como o “início daprimeira fase adulta” de uma estrutura destanatureza: um Laboratório Universitário deBiomecânica do Desporto, vocacionado a um tempopara a docência, para a investigação científica, para odesenvolvimento tecnológico e para a prestação deserviços à comunidade.

4.1. Meios e potencial para a intervenção BiomecânicaEm traços gerais, a instrumentação já disponível noLaboratório permite um amplo leque de abordagensbiomecânicas (Figura 1), integradas ou não, quepermitem a mais conveniente e actualizadaproblematização da actividade física e desportivaneste domínio científico. Trata-se, na maioria doscasos, de instrumentação comercial, apesar de secontar já com equipamento de desenvolvimentopróprio, nomeadamente os eléctrodos activos para

Electromiografia (EMG) diferencial de superfície.O desenvolvimento de equipamento vem permitindominorar os custos de dotação do Laboratório,sabidamente pesados e especialmente difíceis desuportar pelos reduzidos orçamentos de Faculdadesde não muito grande dimensão, como é o caso. Noentanto, o actual equipamento do Laboratório traduzjá um investimento avultado, quer em termosabsolutos, quer, inclusivamente, em termos relativos,o que diz bem do esforço desenvolvido pela FCDEF–UP no domínio da implementação de estruturaslaboratoriais.Uma outra solução para minorar os custos demontagem de uma infra-estrutura desta natureza,consiste no desenvolvimento ou configuração desoftware para o processamento do sinal produzidopelos vários instrumentos, em alternativa à opçãopelo software original. Para além da redução decustos conseguem-se assim algumas soluçõesinteressantes de sincronização de instrumentaçãodiversa, tantas vezes difícil e muitas vezes decisivapara a complexa investigação biomecânica domovimento desportivo. Neste particular, oLaboratório recorre normalmente a uma placa deconversão analógico / digital (A / D) Biopac e aorespectivo software (Acqknowledge), especificamenteformatado para os diferentes inputs.Por último, registe-se que uma das tarefasfundamentais do Laboratório consiste nodesenvolvimento de pequeno material de suporte àimplementação das situações experimentais dosdiferentes protocolos de investigação (suportes deplataforma de força e células de carga, estrados paraanálise dinâmica da marcha, suportes para câmarasde vídeo, referências de calibração planar e espacial,soluções de sincronização de sinal vídeo, áudio edinamométrico, etc.).No domínio da investigação científica, o Laboratóriotem procurado desenvolver a sua actividade emarticulação estreita com os diferentes Gabinetes daFCDEF–UP, quer desenvolvendo projectosautónomos, quer dando resposta à necessidade deimplementação de projectos com vista à realizaçãode provas académicas.

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A sua actividade estende-se também à cooperaçãocom outras instituições e pessoas, desde clubesdesportivos, associações regionais e federações,passando por hospitais e outras instituiçõesuniversitárias, principalmente promovendo ainvestigação e reflexão biomecânicas, procurandosempre o fomento da mais sã convivialidade

Biomecânica hoje: enquadramento, perspectivas didácticas e facilidades laboratoriais

Revista Portuguesa de Ciências do Desporto, 2001, vol. 1, nº 1, 48–56

SVHS shutter

Deslocamentos,velocidades eacelerações

intersegmentares

Plataformade forças

Célulasde carga

Electromiografia

Conversão A/D

Eléctrodos activos(pré-amplificação)

Actividade muscular

cronologia intensidade

Força

Análise dinâmica

mioeléctricado movimento

Diagnósticoda funçãomuscular

Transferênciasde energia

leitor 50Hz c/ time code

escalas decalibração

2D 3D

Peak-5 ARIEL PAS

Cinemetria

câmaras vídeo (>2x )

iluminadores lux Electrogoniómetros

biaxiais

Conversão A/D

Análise cinemática do movimento

articular

representação domodelo anatómico

biomecânico

determinação docentro de gravidade

(CG)

Análise cinemática do movimento de segmentos, centros articulares, CG e

engenhos

trajectórias, deslocamentos,velocidades e acelerações

Análise dinâmica inversado movimento

Dinamometria

Forças nãoequilibradas

Estabilogrametriada equilibração

Análise dinâmica

directa do movimento

Conversão A/D

Forçasequilibradas

Equilíbriosdinâmicos

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Bertec Globus Penny & Giles

Electrogoniometria

Transdutores depressão plantarNovel - Pedar

Figura 3. Representação esquemática dos domínios, variáveis e áreas de investigação Biomecânica susceptíveisde estudo através da instrumentação disponível no Laboratório.

académica e científica e procurando extrair omaior número possível de mais valias,nomeadamente decorrentes do contacto comdiferentes saberes, problemas e perspectivas, parao desenvolvimento da adequação desta estruturaao tecido social e desportivo em geral e ao tecidouniversitário em particular.

Áre

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J. PAULO VILAS-BOAS

Revista Portuguesa de Ciências do Desporto, 2001, vol. 1, nº 1, 48–56

5. REFERÊNCIAS

1. Adrian, M. J. e Cooper, J. M. (1989). The biomechanics ofhuman movement. Benchman Press, Inc., Indianapolis, Indiana.2. Brown, E. W. (1982). Visual evaluation techniques for skillanalysis. JOPERD, Jan: 15-22.3. Davis, K. (1984). Biomaximechanics or biominimechanics –a pedagogical dilemma. Journal of Human Movement Studies, 10:115-122.4. Fiolhais, C. (1994). Física divertida. Gradiva, Lisboa.5. Hay, J. G. (1978). The biomechanics of sport tecniques. PrenticeHall, Inc., Englewood Cliffs.6. Hay, J. G. (1979), The challenge of change for physical educationin the 1980’s: a biomechanical viewpoint. Comunicaçãoapresentada ao Annual Meeting of the American Academy ofPhysical Education, New Orleans, Louisiana.7. Hudson, J. L. (1991). Recidivistic biomechanics: reclaimingthe questions. In: J. D. Wilkerson, E. Kreighaum e C. L. Tant

(eds.). Teaching kinesiology and biomechanics in sports, pp. 3-6.Kinesiology Academy of NASPE, Iowa State University, Ames.8. Knudson, D. V.; Morrison, C, e Reeve, J. (1991). Effect ofundergraduate kinesiology courses on qualitative analysisability. In: J. D. Wilkerson, E. Kreighaum e C. L. Tant (eds.).Teaching kinesiology and biomechanics in sports, pp. 17-20.Kinesiology Academy of NASPE, Iowa State University, Ames.9. Morin, E. (1981). O paradigma perdido: a natureza humna,Publicações Europa-América, Mem Martins.10. Nigg, B. M. (1994). Definition of biomechanics. In: B. M.Nigg. e W. Herzog (eds.), Biomechanics of the musculo-skeletalsystem, p. 2. John Wiley & Sons, Chichester.11. Nigg, B. M. e Herzog, W. (1994). Biomechanics of themusculo-skeletal system. John Wiley & Sons, Chichester.12. Wells, K. F. (1950). Kinesiology. W. B. Saunders,Philadelphia.

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1. INTRODUÇÃOO estudo do jogo a partir da observação docomportamento dos jogadores e das equipas não érecente, tendo emergido a par com os imperativos daespecialização, no âmbito da prestação desportiva.Na literatura, as áreas de produção de estudosrealizados neste âmbito são referenciadas a partir dediferentes denominações, de entre as quais sedestacam: observação do jogo (game observation),análise do jogo (match analysis) e análise notacional(notational analysis). Todavia, a expressão maisutilizada na literatura é análise do jogo (Garganta,1997) considerando-se que engloba diferentes fasesdo processo, nomeadamente a observação dosacontecimentos, a notação dos dados e a suainterpretação (Franks & Goodman, 1986; Hughes,1996).Dispondo hoje em dia de uma vasta gama de meios emétodos, aperfeiçoados ao longo dos anos,treinadores e investigadores procuram aceder àinformação veiculada através da análise do jogo enela procuram benefícios para aumentarem osconhecimentos acerca do jogo e melhorarem aqualidade da prestação desportiva dos jogadores edas equipas.A informação recolhida a partir da análise docomportamento dos atletas em contextos naturais(treino e competição) é actualmente considerada umadas variáveis que mais afectam a aprendizagem e aeficácia da acção desportiva (Hughes & Franks,1997). Por isso, o conhecimento acerca da proficiênciacom que os jogadores e as equipas realizam asdiferentes tarefas tem-se revelado fundamental paraaferir a congruência da sua prestação em relação aosmodelos de jogo e de treino preconizados.

A análise da performance nos jogos desportivos.Revisão acerca da análise do jogo

Júlio GargantaFaculdade de Ciências do Desporto e de Educação Física,Universidade do Porto

Neste quadro de problemas, os investigadores têmprocurado esclarecimentos acerca da performancediferencial dos jogadores e das equipas (Janeira,1998), na tentativa de identificarem os factores quecondicionam significativamente o rendimentodesportivo e, sobretudo a forma como eles seentrecruzam para induzirem eficácia.Em síntese, pode dizer-se que a análise daperformance nos jogos desportivos tem possibilitado:

1) configurar modelos da actividade dos jogadores edas equipas;

2) identificar os traços da actividade cuja presença/ausência se correlaciona com a eficácia deprocessos e a obtenção de resultados positivos;

3) promover o desenvolvimento de métodos detreino que garantam uma maior especificidade e,portanto, superior transferibilidade;

4) indiciar tendências evolutivas das diferentesmodalidades desportivas.

2. ESTADO DA ARTEDos anos trinta até aos nossos dias, aumentouconsideravelmente o volume de estudos de âmbitocientífico realizados através do recurso à observaçãoe análise do jogo.No Quadro 1 pode observar-se a referência a cercade centena e meia de trabalhos realizados comrecurso à análise do jogo, provenientes de diferentesquadrantes geográficos e contemplando diversosjogos desportivos. Diga-se que nele apenas estãoinventariados alguns estudos e que, numa buscamais exaustiva, seria possível duplicarmos, emnúmero, os aqui receberam menção, facto que nospermite perceber a enorme expressão que a análise

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JÚLIO GARGANTA

Revista Portuguesa de Ciências do Desporto, 2001, vol. 1, nº 1, 57–64

do jogo tem vindo a assumir no quadro dainvestigação aplicada aos jogos desportivos.Esta constatação é extensiva para o âmbito dasactividades académicas, e pode ser atestada pelonúmero considerável de teses de mestrado e dedoutoramento, surgidas sobretudo a partir de 1993,nas quais os respectivos autores recorreram à análisedo jogo, enquanto instrumento fundamental.O interesse verificado neste domínio tem-se aindaampliado para outros territórios, dos quais o exemplomais flagrante é a comunicação social, cujos órgãosvêm difundindo, com insistência, alguns indicadoresquantitativos, disponibilizando cifras sobre os eventosdo jogo e dando forma ao que alguém, curiosamente,já chamou de “estatística popular”.

Quadro 1 - Alguns estudos de análise do jogo, realizados no âmbito dotreino e da competição nos JD, nos últimos setenta anos (1930 a 2000).

DATA AUTOR/PAÍS MODALIDADE

1931 Messersmith & Corey (EUA) Basquetebol1932 Messersmith & Fay (EUA) Futebol Americano1938 Fay & Messersmith (EUA) Basquetebol1939 Messersmith & Bucher (EUA) Basquetebol1940 Messersmith et al. (EUA) Basquetebol1942 Messersmith (EUA) Basquetebol1944 Messersmith (EUA) Basquetebol (PhD)1952 Winterbottom (Inglaterra) Futebol1968 Reep & Benjamin (Inglaterra) Futebol1976 Reilly & Thomas (Inglaterra) Futebol1977 Sanderson & Way (Inglaterra) Squash

Schutz & Kinsey (Inglaterra) Squash1980 Gayoso (Espanha) Futebol

Hughes (País de Gales) Squash1981 Wrzos (Polónia) Futebol1982 Withers et al. (Austrália) Futebol1983 Franks et al. (Canadá) Futebol1984 Espeçado & Cruz (Espanha) Andebol

Hart (Canadá) Polo Aquático1985 Mayhew & Wenger (Canadá) Futebol

Penner (Alemanha) VoleibolTalaga (Hungria) FutebolVan Gool & Tilborgh (Bélgica) Futebol

1986 Church & Hughes (Inglaterra) FutebolHughes & Billingham (P. Gales) Hóquei em CampoHughes & Feery (País de Gales) Basquetebol

1987 Hernandez Moreno (Espanha) Basquetebol (PhD)Martins (Portugal) Hóquei em PatinsSledziewski (Polónia) Futebol

1988 Ali (Inglaterra) FutebolBangsbo & Mizuno (Dinamarca) FutebolChervenjakov et al. (Bulgária) FutebolDocherty et al. (Canadá) RaguebiHughes & Charlish (P. Gales) Futebol AmericanoLuhtanen (Finlândia) FutebolMcKenna et al. (Austrália) Futebol Australiano

Ohashi et al. (Japão) FutebolOlsen (Noruega) FutebolPollard et al. (Inglaterra) FutebolRhode & Espersen (Dinamarca) FutebolVan Gool et al. (Bélgica) Futebol

1989 Aguado & Riera (Espanha) Polo AquáticoAlexander & Boreskie (EUA) AndebolDufour (Bélgica) FutebolGréhaigne (França) Futebol (PhD)

1990 Ali & Farrally (Inglaterra) FutebolGreco e Vieira (Brasil) AndebolMarques (Portugal) Basquetebol (MSci)

1991 Grosgeorge et al. (França) BasquetebolMombaerts (França) FutebolPartridge & Franks (Canadá) FutebolReilly et al. (Inglaterra) Futebol

1992 Castelo (Portugal) Futebol (PhD)D´ Ottavio & Tranquilli (Itália) FutebolDoggart et al. (País de Gales) Futebol GaélicoEom & Schutz (Canadá) VoleibolErdman & Dargiewicz (Polónia) AndebolHandford & Smith (Voleibol) VoleibolLoy (Alemanha) FutebolSmith & Hughes (País de Gales) Polo AquáticoStanhope & Hughes (P. Gales) RaguebiWilkins et al. (Canadá) Hóquei sobre o geloWinkler (Alemanha) Futebol

1993 Anton & Romance (França) AndebolBishovets et al. (Rússia) FutebolClaudino (Portugal) Futebol (MSci)Gerish & Reichelt (Alemanha) FutebolJinshan et al. (Japão) FutebolLuhtanen (Finlândia) FutebolMoutinho (Portugal) Voleibol (MSci)Rebelo (Portugal) Futebol (MSci)Yamanaka et al. (Japão) Futebol

1994 Czerwinski (Polónia) AndebolJaneira (Portugal) BasquetebolLloret (Espanha) Polo Aquático (PhD)Lothian & Farraly (Inglaterra) Hóquei em CampoMcGarry & Franks (Canadá) SquashSarmento (Portugal) Polo Aquático (PhD)

1995 Bacconi & Marella (Itália) FutebolBarreto (Portugal) Basquetebol (PhD)Bezerra (Portugal) Futebol (MSci)Fröner (Alemanha) VoleibolLuhtanen et al. (Finlândia) FutebolMelli (Itália) FutebolRichers (Inglaterra) TénisSilva (Portugal) Futebol

1996 Borges (Portugal) Andebol (MSci)Garbarino (França) Futebol (PhD)Garganta & Gonçalves (Portugal) FutebolHernandez Mendo (Espanha) Vários (PhD)Larson et al. (Noruega) FutebolLiddle et al. (Inglaterra) BadmintonLoy (Alemanha) FutebolMendes (Portugal) Basquetebol (MSci)Oliveira (Portugal) Andebol (MSci)Safon-Tria (Espanha) FutebolSampedro (Espanha) Futsal (PhD)

1997 Garganta (Portugal) Futebol (PhD)

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A análise da performance nos jogos desportivos. Revisão acerca da análise do jogo

Revista Portuguesa de Ciências do Desporto, 2001, vol. 1, nº 1, 57–64

Garganta et al. (Portugal) FutebolKingman & Dyson (Inglaterra) Hóquei em PatinsMaçãs (Portugal) Futebol (MSci)Olsen & Larsen (Noruega) FutebolSampaio (Portugal) Basquetebol (MSci)Vaslin et al. (França) VoleibolVerlinden (Bélgica) FutebolXie (China) Basquetebol

1998 Araújo (Portugal) Futebol (MSci)Ardá (Espanha) Futebol (PhD)Ferreira da Silva (Portugal) Futebol (MSci)Leitão (Portugal) Andebol (MSci)Silva (Portugal) Futebol (MSci)Vales (Espanha) Futebol (PhD)

1999 Barbosa (Portugal) Andebol (MSci)D´Ottavio & Castagna (Itália) FutebolFonseca (Portugal) Andebol (MSci)Gorospe (Espanha) Ténis (PhD)McGarry et al. (Canadá) SquashMortágua (Portugal) Andebol (MSci)Neves da Silva (Portugal) Futebol (MSci)Santos (Portugal) Andebol (MSci)

2000 Argudo (Espanha) Polo Aquático (PhD)Castellano (Espanha) Basquetebol (PhD)Hernandez Mendo & Anguera(Espanha) Hóquei em PatinsLago (Espanha) Vários (PhD)McErlean et al. (Irlanda) Futebol GaélicoMoutinho (Portugal) Voleibol (PhD)Ortega (Espanha) FutebolSilva (Portugal) Andebol (MSci)Sousa (Portugal) Voleibol (MSci)

MSci – Dissertações de Mestrado;PhD – Dissertações de Doutoramento

Partindo do princípio que as incidências do jogoobedecem a uma lógica interna particular(Teodorescu, 1985; Hernandez-Pérez, 1994; Garganta,1997), vários autores têm procurado perceber osconstrangimentos que caracterizam os diferentes JD,no sentido de modelar um quadro de exigências quese constitua como referência fundamental para otreino (Reep & Benjamin, 1968; Gréhaigne, 1989;Dufour & Verlinden, 1994; Garganta, 1997; McGarryet al., 1999; Castellano, 2000; Moutinho, 2000).Do conteúdo da literatura, ressalta que osinvestigadores têm recorrido a diversas categorias deobservação e a distintos níveis de análise. Com ointuito de proceder à caracterização da actividadedesenvolvida pelos jogadores e as equipas durante aspartidas, os especialistas focalizaram, inicialmente,os seus estudos na actividade física imposta aosjogadores, nomeadamente no que respeita às

distâncias percorridas.Um dos primeiros, senão o primeiro, dos estudosque se conhecem no âmbito da análise do jogo nosJD, foi realizado pelo norte-americano Lloyd LowellMessersmith, com a colaboração de S. Corey, em1931 (Messersmiyh & Corey, 1931), no qual osautores dão a conhecer um método para determinaras distâncias percorridas por um jogador deBasquetebol. No ano seguinte surge um outroestudo, também liderado por Messersmith, com acolaboração de Fay (Messersmith & Fay, 1932), noqual os autores aplicam o método já desenvolvidopara o Basquetebol, para determinar a distânciapercorrida por jogadores de Futebol Americano.Refira-se, a título de exemplo, que entre 1930 e1944 podemos encontrar mais de uma dezena deestudos, realizados nos Estados Unidos daAmérica, orientados para a determinação dasdistâncias percorridas por jogadores de Basquetebol(Lyons, 1998).O direccionamento das linhas de investigação foiampliando o seu campo de análise, evoluindo para adenominada análise do tempo-movimento, atravésda qual se procura identificar, detalhadamente, onúmero, tipo e frequência das tarefas motorasrealizadas pelos jogadores ao longo do jogo.Para além do paradigmático trabalho de Reilly &Thomas (1976), levado a cabo no âmbito do Futebol,outros estudos têm sido realizados nestamodalidade, e.g. Withers et al. (1982), Mayhew &Wenger (1985), Ohashi et al. (1988), D´Ottavio&Tranquilli, 1992) e Rebelo (1993).Na mesma linha, várias pesquisas vêm sendorealizadas no Andebol (Alexander & Boreskie,1989; Borges, 1996), no Badminton (Liddle et al.,1996), no Basquetebol (Janeira, 1994; Sampaio,1997), no Hóquei em Campo (Lothian & Farraly,1994), no Hóquei no Gelo (Wilkins et al., 1992),no Raguebi (Docherty et al., 1988) e no Ténis(Richers, 1995), entre outras.A análise das habilidades técnicas tem sido outrodos campos explorados na análise do jogo (Dufour,1989; Partridge, & Franks, 1991; Mesquita, 1998;Hoff & Haaland, 1999).Contudo, a inépcia das conclusões decorrentes dosresultados provenientes de estudos quantitativos,centrados nas acções técnicas individuais, levaram

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os analistas a questionar a pouca relevânciacontextual dos dados recolhidos e a duvidar da suapertinência e utilidade.Esta questão fez sobressair a necessidade de seconsiderar a dimensão técnica em relação com oscondicionalismos tácticos, já que aquela não podeperfilar per se os traços dominantes do jogo(Gréhaigne, 1989; Dufour, 1993; Garganta, 1997).A consciência de que a expressão táctica assumeuma importância capital nos JD, fez com que a partirda segunda metade da década de oitenta, aidentificação de regularidades reveladas pelosjogadores e pelas equipas, no quadro das acçõescolectivas, tivesse despontado enquanto novatendência de investigação (Gréhaigne, 1989; Lloret,1994; Hernandez Mendo, 1996; Garganta, 1997)Neste âmbito, os analistas têm procurado coligir econfrontar dados relativos aos comportamentosexpressos no jogo, no sentido de tipificarem asacções que se associam à eficácia dos jogadores e dasequipas. Esta procura aponta três vias preferenciais:

1) uma que consiste em reunir e caracterizar blocosquantitativos de dados;

2) outra mais centrada na dimensão qualitativa doscomportamentos, e na qual o aspecto quantitativofunciona como suporte à caracterização das acções,de acordo com a efectividade destas no jogo;

3) uma terceira, voltada para a modelação do jogo, apartir da observação de variáveis técnicas etácticas e da análise da sua covariação.

Sabe-se que as equipas podem variar os seu padrõesde jogo de acordo com as características da oposiçãooferecida pelo adversário (Hughes, 1996). Todavia,poucos investigadores têm tomado em conta esteaspecto (Gréhaigne, 1989; Garganta, 1997).A necessidade de interpretar os dados recolhidos emfunção das características específicas das partidas,tem levado os analistas a focalizarem cada vez mais asua atenção na relevância contextual doscomportamentos dos participantes, o que justifica oestudo da organização do jogo das equipas emconfronto (Hughes et al., 1988; Gréhaigne, 1989;Gréhaigne & Bouthier, 1994; Garganta, 1997).Uma das tendências que se perfilam prende-se com adetecção de padrões de jogo, a partir das acções de

jogo mais representativas, ou críticas, com o intuitode perceber os factores que induzem perturbação oudesequilíbrio no balanço ataque/defesa. Nestesentido, os analistas procuram detectar e interpretara permanência e/ou ausência de traçoscomportamentais na variabilidade de acções de jogo(McGarry & Franks, 1996).

3. EVOLUÇÃO METODOLÓGICAE INSTRUMENTAL DA ANÁLISE DO JOGOO processo de recolha, colecção, tratamento eanálise dos dados obtidos a partir da observação dojogo, assume-se como um aspecto cada vez maisimportante na procura da optimização dorendimento dos jogadores e das equipas. Nestesentido, através dos denominados sistemas deobservação, os especialistas procuram desenvolverinstrumentos e métodos que lhes permitam reunirinformação substantiva sobre as partidas.O processo de observação e análise do jogo temexperimentado uma evolução evidente ao nível dossistemas utilizados, a qual se tem processado poretapas, em cada uma das quais o sistemadesenvolvido surge no sentido de aperfeiçoar osprecedentes.Nos primórdios as observações realizavam-se aovivo, eram assistemáticas e subjectivas,impressionistas. Os registos dos comportamentosdos atletas e das equipas eram realizados a partir datécnica denominada “papel e lápis”, com recurso ànotação manual.Embora esta fase inicial se tivesse pautado por umforte pendor acumulacionista, à vontade de coligiruma enorme quantidade de dados parciais, sucedeu ade elaborar instrumentos de observação. Maisrecentemente, a profissionalização das práticas de altacompetição, os meios financeiros disponíveis e autilização do desporto como terreno de aplicação datecnologia suscitaram novas investigações, o queconduziu a que a informática, ao substituir as técnicasmanuais, tenha permitido uma maior e mais rápidarecolha de informação, bem como um acesso maisrápido aos dados disponíveis (Grosgeorge, 1990).Na medida em que as técnicas e os sistemas deobservação diferem segundo as disciplinasdesportivas (Franks & Goodman, 1986; Dufour,1989; Grosgeorge et al., 1991), para analisar os

JÚLIO GARGANTA

Revista Portuguesa de Ciências do Desporto, 2001, vol. 1, nº 1, 57–64

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comportamentos nos JD torna-se necessáriodesenvolver métodos de recolha e de análiseespecíficos.Com o advento dos meios informáticos, os analistasdo jogo têm assistido ao alargamento progressivo doespectro de possibilidades instrumentais colocadas àsua disposição. Nos anos mais recentes tem-severificado uma aposta clara na utilização demetodologias com recurso a instrumentos cada vezmais sofisticados, e.g. a análise do jogo apoiada porcomputador, os quais pelas suas elevadascapacidades de registo e memorização tendem aconstituir-se como um equipamento importante parao treinador e para o investigador (Franks, 1987;Grosgeorge, 1990; Dufour, 1993).Duma forma sintética é possível estabelecer umacronologia relativa ao desenvolvimento de tais meios:

1. Sistemas de notação manual com recurso àdesignada técnica de papel e lápis (Reep &Benjamin, 1968).

2. Combinação de notação manual com relato oralpara ditafone (Reilly & Thomas, 1976).

3. Utilização do computador a posteriori daobservação, para registo, armazenamento etratamento dos dados (Ali, 1988).

4. Utilização do computador para registo dos dadosem simultâneo com a observação, em directo ouem diferido (Dufour, 1989).

5. A introdução de dados no computador através doreconhecimento de categorias veiculadas pela voz(voice-over) é um sistema que tem vindo a serdesenvolvido (Taylor & Hughes, 1988) e que,segundo Hughes (1993), no futuro poderá facilitara recolha de dados, mesmo a não especialistas. Autilização do CD-Rom, para aumentar acapacidade de memória para armazenamento dosdados, é outra das possibilidades a explorar(Hughes, 1996).

6. O sistema mais evoluído que se conhece dá pelonome de AMISCO e permite digitalizar semi-automaticamente as acções realizadas pelosjogadores e pelas equipas, seguindo o jogo emtempo real e visualizando todo o terreno de jogo.Com base na utilização de 8, 10 ou 12 camerasfixas é possível monitorizar e registar toda aactividade dos jogadores.

Quando se utilizam computadores, as categorias e osindicadores seleccionados para a entrada deinformação, ou input, procuram responder a quatroquestões:

(i) quem executa a acção?ii) qual - como e de que tipo - é a acção realizada?(iii) onde se realiza a acção?(iv) quando é realizada a acção?

O teclado convencional do computador (QWERTY)raramente preenche os requisitos necessários a umrápido e eficaz input dos dados. Por isso, emalternativa, tem sido substituído por tecladosespecialmente concebidos, onde figuram ascategorias - concept keyboard (Church & Hughes,1986) e por uma mesa de digitalização - digital panel,na qual se assinala a espacialização das acções(Dufour, 1991). Nalguns sistemas, mesa dedigitalização e teclado constituem uma única peçainformática denominada touchpad (Hughes et al.,1988; Partridge et al., 1993). Noutros, as célulascom as categorias a digitar figuram directamentesobre a representação gráfica do terreno de jogo.Este tipo de aparelho designa-se por playpad(Partridge & Franks, 1989).

4. TENDÊNCIAS DA ANÁLISE DO JOGONos últimos anos tem-se assistido a umaproliferação de alternativas para analisar a prestaçãodos desportistas e das equipas, consubstanciada nadisparidade de indicadores e de procedimentosadoptados para tal efeito.Nos estudos produzidos no âmbito da análise dosJD, constata-se que os autores vêm recorrendo ametodologias diversas, como a análise sequencial(Hernandéz Mendo, 1996; Ardá, 1998), a análise deunidades tácticas e de clusters (Garganta, 1997;Sousa, 2000), a análise de coordenadas polares(Gorospe, 1999) e o estudo das unidades decompetição (Alvaro et al., 1995).Cada vez mais se procura, a partir da análise de basesde dados, configurar modelos de jogo (Bishovets etal., 1993; McGarry & Franks, 1995a) que permitamdefinir asserções preditivas acerca da táctica eficaz -

A análise da performance nos jogos desportivos. Revisão acerca da análise do jogo

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winning tactic (McGarry & Franks, 1995b).Todavia, este entendimento tem gerado algumacontrovérsia, questionando-se os métodos estatísticosutilizados (Hughes, 1996) e a sua aplicabilidade face àaleatoriedade e imprevisibilidade doscomportamentos que caracterizam os JD. Destemodo, alguns investigadores têm vindo a abandonaros modelos estocásticos, em que se utiliza o qui-quadrado enquanto teste estatístico (Kenyon &Schutz, 1970), em favor dos modelos log-lineares(Eom & Schutz, 1992).Diga-se, contudo, que os problemas relacionadoscom a modelação do jogo transcendem largamente aquestão dos métodos estatísticos. Como evidenciaDufour (1991), as dificuldades encontradas nadefinição de categorias de observação, bem como naconstrução de um algoritmo adequado, têmentravado um melhor entendimento do jogo,dificultando uma célere evolução dos JD.Ao nível do entendimento da organização do jogo,gerou-se, durante alguns anos, um impassemetodológico importante, devido ao recurso amétodos exclusivamente algorítmicos, em detrimentode métodos heurísticos (Gréhaigne, 1989).Nos JD, o algoritmo, para ser exaustivo, deveria terem conta todas as alternativas possíveis, o que colidecom a natureza das numerosas e diversas situaçõesque ocorrem num jogo. Neste sentido, osprocedimentos heurísticos, porque não preconizamuma tal exaustividade, parecem revelar-se maisapropriados ao carácter não totalmente previsível dojogo (Gréhaigne, 1992).No entanto, ambos os procedimentos, algorítmicos eheurísticos, são importantes na codificação einterpretação das acções realizadas pelos jogadores epelas equipas (Garganta, 1997). O problema coloca-se, sobretudo, ao nível da sua complementaridade ecompatibilização.Os procedimentos algorítmicos, porque comportama identificação dos estados cruciais para a selecçãodas operações, são úteis na sistematização eordenamento dos descritores, desde que nãoprovoquem um “fechamento” do sistema deobservação. Os procedimentos heurísticos, porquerelacionados com os atributos do pensamentocriador e da descoberta, revelam-se importantes nasfases de selecção dos descritores das acções de jogo

(categorias e indicadores) e da sua reformulação.Nesta medida, os sistemas devem ter a aberturasuficiente para permitirem, sempre que necessário,uma reformulação de categorias e indicadores, nosentido de garantir o seu permanenteaperfeiçoamento e adequação.

4.1. Dados ou informação?Na sua essência, o processo de treino visa induzirmodificações observáveis no comportamento dospraticantes (Hughes & Franks, 1997), no sentido emque as mesmas adquiram o máximo de transferepositivo para os contextos de competição.O jogo, enquanto confronto de duas entidades, comobjectivos antagónicos, emerge do entrelaçamentodas acções desenvolvidas pelos jogadores/equipas. Amaior ou menor adequação de uma determinadaacção face ao contexto que a suscita, decorre delógicas intimamente ligadas à forma como os actores(jogadores) apreendem as linhas de força do jogo eao nível de conhecimento táctico (declarativo eprocessual) que os mesmos denotam.Não é de admirar, portanto, que a soluçãoencontrada por um jogador, para resolver umasituação de jogo, comporte quase sempre umamargem considerável de subjectividade. Esta éextensiva a todos os observadores e aumenta com onúmero e a variabilidade dos eventos de jogo, peloque a análise sistemática do jogo apenas é fiável seos seus propósitos estiverem claramente definidos.Não obstante a análise do jogo possa disponibilizarinformação importante, permanece ainda uma certaresistência à sua utilização, baseada na visãotradicional de que os treinadores experientes podemobservar um jogo sem qualquer sistema de apoio àobservação, e que retêm com precisão os elementoscríticos do jogo (Franks & McGarry 1996).Estudos realizados pelos canadianos Franks &Miller, em 1986, demonstraram que treinadores deFutebol, quando instados a descrever osacontecimentos ocorridos em 45 minutos de umapartida de Futebol obtiveram valores inferiores a45% de respostas certas.Em 1993, Franks realizou um estudo em quecomparou a apreciação de treinadores experientescom treinadores principiantes, face à performancerealizada por atletas. Os treinadores experientes

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produziram mais falsas respostas do que os novatose detectaram diferenças onde elas não existiam. Paraalém disso, mostraram-se mais confiantes, mesmoquando errados nas suas apreciações.Estes estudos atestam que a observação é tãonecessária quanto falível, tornando-seimprescindível conhecer o seu alcance e os seuslimites. Comprovam também que a memóriahumana é limitada, sendo praticamente impossívelrelembrar todos os acontecimentos que ocorremdurante uma partida (Hughes & Franks, 1997) emenos ainda as ocorrências de vários jogos, ao longode um ou vários campeonatos.Sabendo-se que o processamento da informaçãovisual é extremamente complexo e que ostreinadores estão submetidos à forte pressão dasemoções e à parcialidade, como alternativa àobservação casual e subjectiva, tem-se sugerido eutilizado a observação sistemática e objectiva, a qualtem permitido recolher um número significativo dedados sobre o jogo, nomeadamente através desistemas computadorizados.Mas, há que estar atento ao objectivo paradoxal queaqui se perfila, pois trata-se de objectivar asubjectividade. A intenção última é identificar oselementos críticos do sucesso na prestaçãodesportiva, traduzindo “dados” em informaçãofiável e útil.Percorrendo vários estudos que se debruçam sobre aobservação e análise do jogo nos JD, verifica-se queos sistemas de observação utilizados têmprivilegiado, na sua maioria, a análisedescontextualizada das acções do jogador, o produtodas acções ou comportamentos, a dimensãoquantitativa das acções e as situações que originamgolo ou ponto.Para treinadores e investigadores, as análises quesalientam o comportamento da equipa e dosjogadores, através da identificação das regularidadese variações das acções de jogo, afiguram-seclaramente mais profícuas do que a exaustividade deelementos quantitativos, relativos a acçõesindividuais e não contextualizadas.Face às necessidades e particularidades dos JD,justifica-se a construção de sistemas elaborados apartir de categorias integrativas, configuradas paracaracterizar (Garganta, 1997): (1) a organização do

jogo a partir das características das sequências deacções (unidades tácticas) das equipas em confronto;(2) os tipos de sequências que geram acçõespositivas; (3) as situações que induzam ruptura ouperturbação no balanço ofensivo e defensivo dasequipas que se defrontam; (4) as quantidades daqualidade das acções de jogo.

4.2. Encontrar primeiro; procurar depois!No domínio particular da análise do jogo, tem-severificado que, não raramente, os sistemas deobservação e registo perdem eficácia pelo facto docaudal de dados obtido se afigurar confuso (Gerish& Reichelt, 1993), porquanto constitui materialdisperso e retalhado. Quer isto dizer que, nãoobstante o recurso a meios sofisticados, aproliferação de bases de dados não garante, por si só,o acesso a informação pertinente para treinadores einvestigadores. Para contornar este problema torna-se imprescindível dar um sentido ao dadosrecolhidos, explorando-os de forma a garantirem oacesso à informação considerada importante(Garganta, 1997).Assim, a viabilização duma observação e análise dojogo ajustadas impõe, para além dos instrumentostecnológicos, a definição clara de instrumentosconceptuais (modelos) que balizem a elaboração eaplicação de metodologias congruentes com anatureza do jogo (Pinto & Garganta, 1989).Habitualmente diz-se que para encontrar algo, háque procurá-lo. No contexto da observação e análisedo jogo, a lógica é inversa, ou seja, primeiroencontra-se (configura-se) as categorias e osindicadores e só depois se procura e se afere as suasformas de expressão no jogo. Apenas deste modo ossistemas computadorizados podem constituir-secomo aliados na resolução eficaz de problemas.As condições instáveis e aleatórias em que ocorremos JD, embora confiram originalidade e interesse àssituações, tornam mais delicada a tarefa doobservador e do experimentador.Nos desportos individuais, desde há muito que aobservação incide preferencialmente nos aspectostécnicos da execução. Nestas modalidades, asanálises biomecânicas podem bastar para informarcom exactidão sobre o comportamento do atleta e,assim, fornecer dados suficientes que permitam

A análise da performance nos jogos desportivos. Revisão acerca da análise do jogo

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estabelecer um plano de treino ou detectar talentos.Pelo contrário, nos JD as capacidades dos atletas sãocondicionadas fundamentalmente pelas imposiçõesdo meio, isto é, pelas sucessivas configurações que ojogo vai experimentando e, por tal motivo, aobservação de todos os jogadores em movimentotorna-se extremamente complexa. Para além disso, ainterdependência dos comportamentos constitui umobstáculo difícil de ultrapassar.A metodologia observacional (Anguera, 1999) e aanálise de dados abrem territórios fecundos deinvestigação no domínio das Ciências do Desporto,nomeadamente no que respeita ao entendimento dascondições que concorrem para o sucesso nos jogosdesportivos. Todavia, para que tal se concretize, importapassar de uma observação passiva, portanto sem problemadefinido, com baixo controlo externo e carente desistematização, para uma observação activa, i.e.,sistematizada, balizada por um problema e obedecendoa um controlo externo (Anguera et al., 2000).

5. CONSIDERAÇÕES FINAISA parafernália tecnológica não aumenta,necessariamente, a eficácia da observação nem osconhecimentos sobre uma determinada realidade.Mas a tecnologia pode aumentar significativamente a

qualidade e a celeridade do processo de observação eanálise desde de que dela se faça o uso adequado.Não desdenhando do progresso, entendemos que ofrenesim da sofisticação tecnológica, não raramentecom objectivos de marketing científico, pode conduzira que os analistas sejam cada vez mais especialistasde informática e cada vez menos especialistas dojogo. A suceder, este facto representa a desvirtuaçãodo objecto de estudo (o jogo e o treino) e a alienaçãodo móbil da investigação, i.e., o conhecimento dalógica que governa a actividade desportiva nestescontextos particulares.Na ausência de um modelo teórico que garanta oenquadramento e a interpretação dos dados obtidos,deparamos com uma massa de números com fracopoder informativo (Gréhaigne, 1992). Impõe-se,assim, que à sofisticação tecnológica dos sistemas deobservação, corresponda o progressivo refinamento eextensão das categorias que os integram, no sentidode aumentar o seu potencial descritivo relativamenteàs acções de jogo consideradas mais representativas(Garganta, 1997).Pelo que foi referido, parece curial manter nohorizonte a máxima de Poincaré: a ciência é feita dedados, como uma casa é feita de pedras. Mas um conjuntode dados não é ciência, tal como um conjunto de pedras nãoé uma casa.

JÚLIO GARGANTA

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6. REFERÊNCIAS

Por imperativos de gestão dos espaços de publicação, o elencode menções bibliográficas não é aqui apresentado, dado oelevado número de referências que integra (150). Osinteressados poderão solicitá-las ao autor, cujo endereçoelectrónico é: [email protected]

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É óbvio que este texto não pretende percorrer o latodomínio do Desenvolvimento Motor, apresentando oseu quadro conceptual, o enfoque diverso da pesquisaactual, tão-pouco rasgar as novidades dos horizontesque norteiem a pesquisa (os interessados nestasmatérias podem consultar, por exemplo, Maia, 1999a;1999b; 2000a; 2000b; Smith e Thelen, 1993).Ao invés, o nosso propósito é bem mais simples elimitado. Trata, tão somente, da apresentação de umsumário de alguns dos eventos da maior relevância napesquisa no Desenvolvimento Motor em áreas como ocrescimento somático, a maturação biológica, aperformance motora e as habilidades motoras. Éevidente que tais eventos foram marcados porhomens e mulheres que lhes deram vida, o quesignifica que é também deles que falaremos.A grandeza, significado e alcance do estudo docrescimento somático obriga a que tal matériaextravase rapidamente o lato domínio da BiologiaHumana para se dirigir a outros territórios deconfluência e interesses, como são, por exemplo, aAntropologia Física, a Pediatria, a Ergonomia e asCiências do Desporto.O crescimento somático pode ser definido como umprocesso em que os indivíduos alteram de formacontínua a magnitude do seu tamanho e formacorporal num dado intervalo de tempo.A história desta anatomia em movimento foibrilhantemente contada, interpretada e explicadapelo mais famoso auxologista do nosso tempo, oProf. James Tanner, num livro magnífico, verdadeiraepístola sem paralelo – a history of the study of humangrowth, bem como por Edith Boyd num volume derara elegância, universalidade de compreensão eabordagem – origins of the study of human growth.

Desenvolvimento Motor. Notas breves sobre oestado de conhecimento e propostas de pesquisa.

José António Ribeiro MaiaFaculdade de Ciências do Desporto e de Educação Física,Universidade do Porto

Vítor Pires LopesEscola Superior de Educação,Instituto Politécnico de Bragança

Em 1749, nos volumes 2 e 3 da sua História Natural,o conde de Buffon apresenta o primeiro estudolongitudinal da história – o do filho do seu amigoconde de Montbeillard. Contudo, teríamos queesperar por Adolphe Quetelet (1796-1874) para serformalizado, pela primeira vez, um modelomatemático para descrever este processo. Nascenesta aventura Queteletiana, um novo ramo daAuxologia, o da modelização matemática docrescimento somático. De Quetelet a Hassane Abidi,vão cerca de 140 anos e mais de 200 formulações detal processo, de que destacamos os modelosestruturais mais famosos e actuais – o de Preece-Baines, o Logístico Triplo e o JPA. Estes modelospermitiram mergulhar numa aventura fascinante degrandes implicações – a da previsão da estaturaadulta (sobre esta matéria ver Cameron, 1995;Abidi, 1991).Do percurso histórico do território Auxológicoaparece, como estrela maior, Franz Boas que JamesTanner considera, justamente, como o pai e a mãe daAuxologia. Entre os seus contributos únicosemergem de forma singular:

– O conceito de idade fisiológica ou dedesenvolvimento. Daqui decorre a ideia fulcral de“tempo” de crescimento para descrever avelocidade do processo – nalgumas crianças épianíssimo, noutras é moderatto e, noutras ainda émolto vivace.

– É o primeiro autor a perceber o significado davariação em torno dos valores centrais, aplicando egeneralizando o uso da Estatística ao estudo docrescimento.

– Descreve e interpreta as curvas da velocidade,

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JOSÉ ANTÓNIO RIBEIRO MAIA, VÍTOR PIRES LOPES

ainda que não as designe deste modo; identifica opico de velocidade do crescimento e a sua variação,posteriormente retomado, expandido einterpretado no seu forte alcance por FrankShuttleworth.

– Diferencia nitidamente curvas individuais decurvas médias baseadas em dados populacionais,estabelecendo os alicerces da construção de cartasde crescimento, principalmente as tempo-condicionais.

– É o primeiro pesquisador a analisar, de formaadequada, dados longitudinais.

Uma outra estrela maior, pelo alcance da sua obramagistral, um verdadeiro livro no espíritorenascentista do seu alcance e profundidade, ongrowth and form, é Sir D´Arcy Thompson (1994)A sua teoria das transformações, inspirada nofamoso geómetra e pintor Albercht Durer, é aplicadaao crescimento. A expressão “velocidade decrescimento” cunhada por D´Arcy Thompson éintroduzida por James Tanner no léxico auxológico.Da sua teoria das transformações, Julian Huxley eGeorges Teissier desenvolvem, independentemente,a teoria Alométria para estudar o crescimentodiferencial, que mais tarde Asmussen e Heebol-Nielsen (1954) aplicam, pela primeira vez àspesquisas da performance motora em seres da mesmaespécie mas de tamanhos diferentes. A riquezainterpretativa da Alometria é por demais evidentenos territórios da Antropologia Física, Auxologia,Fisiologia e Ciências do Desporto (sobre estamatéria consultar Maia, 2000b).É evidente que no vasto firmamento da Auxologia háoutras estrelas maiores, como sejam Nancy Bayley,Walter Krogman, Stanley Marion Garn e Alex Roche.Contudo, a parte visível do firmamento actual épercorrida pela enorme luz que é James MourilyanTanner. É mais que óbvio que este não é o momentopara demonstrar o apreço e admiração pelo trabalhohercúleo do Prof. Tanner. Contudo, não podemosdeixar de aproveitar esta oportunidade paraapresentar alguns marcos da sua carreira e impulsoinesgotável no vasto campo da Auxologia.Do ponto de vista da investigação empírica, uma dassuas obras mais notáveis é o famoso estudolongitudinal de Harpender, não só pela sua

concepção e estrutura metodológica, mas sobretudopela equipa que soube reunir à sua volta da qualsaíram enormes inovações nos domínios dopensamento e acção Auxológicas.A título de mero exemplo deixamos, aqui, areferência de obras maiores da literatura Auxológicada mão criativa deste homem notável:

– Growth at adolescence (1962)– Worldwide variation in human growth (1976)– Foetus into man (1978)– Atlas of children growth. Normal variation and growth

diseases (1982)

Em 1995, por ocasião do seu 75º aniversário, colegase alunos de 20 países produzem uma jóia singular naliteratura Auxológica – essays on auxology presented toJames Mourilyan Tanner (Hauspie, Lindgren e Falkner,1995). Uma homenagem, entre muitas, a umhomem a quem estaremos continuamente gratospela luminosidade do seu percurso na Auxologia donosso tempo, sobretudo pela sua convicção de que oestado de crescimento de uma população reflecte ajusteza das suas políticas sócio-económicas.A investigação em Portugal sobre a matéria docrescimento somático é exclusivamente eexcessivamente fotográfica. Confesso que estaabordagem já nada traz de novo, tão-poucoinventaria algo que não seja óbvio. Sobre estamatéria, e se a pesquisa se debruçar exclusivamentesobre ele, é evidente a exigência de um filme comum bom elenco e um guião excelente.Pensamos que é urgente, pelo menos, a realização deduas tarefas que do nosso ponto de vista, são damaior relevância:

1º Um estudo que estabeleça normas de crescimentolinear e ponderal para a população portuguesa. Jábasta de ignorância sobre este assunto,exactamente ao contrário do que acontece nocontexto europeu.

2º Estudos de natureza longitudinal e estudoslongitudinais-mistos de implicações latas. Umexemplo esclarecedor sobre esta matéria é o quese está a realizar na Madeira, conduzido porDuarte Freitas, sob a orientação de um docenteda Faculdade de Ciências do Desporto e de

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Desenvolvimento Motor. Notas breves sobre o estado de conhecimento e propostas de pesquisa.

Educação Física da Universidade do Porto e doProf. Gaston Beunen da Universidade Católica deLovaina. Esta pesquisa exemplar no contextoportuguês e mundial, dedica-se ao estudointeractivo de 4 grandes territórios – crescimentosomático, maturação biológica, aptidão física eactividade física habitual.

Mesmo considerado no domínio biológico, aexpressão maturação biológica apresenta algumadificuldade de definição rigorosa e delimitada no seualcance. Maturação biológica não significaespontaneidade de um resultado biológico num dadoponto do tempo. Antes reflecte a essência de umfenómeno biológico condicionado pelo factor tempo,regulado pela matriz genética do sujeito eminteracção contínua e decisiva com o envolvimento.Maturação espelha, pois, duas noções centrais –transformação progressiva e temporalidadeintrinsecamente ligadas ao alvo da flecha que é oestado adulto do sujeito.Um dos textos mais brilhantes realizados por JamesTanner e Phyllis Eveleth em 1990 é o worldwidevariation in human growth. O capítulo 8 trata datemática da maturação ao nível inter-populacional deum modo altamente exaustivo, de uma formadidáctica exemplar, evidenciando a sua fortedependência às múltiplas características doenvolvimento, que Tadeuz Bielickz designou commuita propriedade de gradientes socio-económicosno crescimento e maturação. Da maior relevância é ainformação acerca do declíneo da idade da menarca esuas influências psicológicas e sociais. É evidenteque rapidamente extravasaremos daqui para o campofértil da tendência secular, assunto da maiorimportância em termos biológicos, reflexo que é dahistória sócio-política e económica de um povo.Num domínio distinto de preocupações encontra-se aenorme produção de Robert Malina e Gaston Beunen.Do primeiro realçamos, sobretudo, o seu textobrilhante, um verdadeiro manual de enorme riquezainformativa – growth, maturation and physical activity(Malina e Bouchard, 1991).Do segundo destacamos o fascinante estudo acercado carácter interactivo do crescimento somático,estilo de vida e saúde realizado em Lovaina (Beunenet al., 1988). Trata-se de uma pesquisa praticamente

sem par no domínio Auxológico aplicado à EducaçãoFísica e ao Desporto.Um outro vasto território fortemente lavradoconjuntamente por estes autores é o que trata dasseguintes parcelas:

– A primeira lida com a necessidade imperiosa de seconsiderar os níveis distintos de maturação parainterpretar adequadamente os dados docrescimento somático e o seu desempenho motorde crianças e jovens.

– A segunda refere-se à exigência da identificaçãoadequada do perfil multivariado do jovem atleta desucesso, do redimensionamento dos escalõescompetitivos em função da idade cronológica, daresposta distinta ao treino e competição de criançase jovens, bem como à necessidade de interpretaçãocriteriosa da sua enorme variabilidade.

– A terceira compreende uma parcela especial, dadoapresentar um carácter fortemente secante comvários outros domínios. Estamos a falar datemática altamente controversa dos períodossensíveis e prontidão desportivo-motora não só noque se refere ao domínio substantivo comotambém ao metodológicoNeste vasto e complexo domínio de investigaçãoimporta esclarecer o grau de sensibilidade aotreino nos diferentes níveis etários, de forma aidentificar aqueles períodos onde os efeitos dotreino sejam majorados. Para isso é indispensávelrecorrer a estudos longitudinais, e de preferênciaque em simultâneo sejam experimentais. Estudoscom este delineamento não são conhecidos. Diga-se que levar um estudo deste tipo por diante éuma tarefa hercúlea que poucos se atreverão arealizar. Os únicos estudos que abordaram estaproblemática foram os de Sprynarová (1974),Kobayashi et al. (1978), Weber, Kartodihardjo eKlissouras (1976) e Koch (1980) que pesquisaramo desenvolvimento da aptidão de resistência(expressa pelo VO2) e que chegaram a resultadoscontraditórios (sobre esta matéria ver em línguaportuguesa Lopes e Maia, 2000).

– A quarta é a da interpretação do desempenhomotor a partir do alinhamento dos dados pelo picode velocidade da altura (pelo menos com base nomodelo de Preece-Baines, se é que só existe um

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pico de velocidade de crescimento). Uma outraavenida da maior riqueza em termos descritivos eesclarecimento do seu significado é a que se refereao uso desse instrumento de pensamento emetodologia que é a Alometria (sobre esta matériaver Asmussen e Heebol-Nielsen, 1954; Maia,2000b; Prista, Marques e Maia, 1999)

O domínio da performance motora tem percorridovárias avenidas de pensamento metodológico einquietação epistemológica nos pesquisadores dediferentes interesses nas Ciências do Desporto –das áreas designadas de mais “hard” como sejam,por exemplo, a biomecânica e a fisiologia, até àsmais “soft” como são, a título de exemplo, apsicologia e a sociologia.Este fascínio inesgotável pelo fenómeno daperformance, enquanto processo e produto, temproduzido páginas do maior esclarecimentometodológico e de modelização sobretudo naPsicologia Industrial. Exemplos fascinantes desteempreendimento são o monumental trabalho deFleishman e Quaintance (1984), e os textos doscongressos sobre a temática editados por Frank Landye colaboradores (1983) e por Ronald Berk (1987).Do modelo simples de Weineck, aos modelos deenorme flexibilidade da Metodologia de Estruturasde Covariância vai um passo enorme que se impõecomo provocador de interesses mais aprofundadosdos pesquisadores das Ciências do Desporto (sobreesta matéria ver Maia, 1997).Na área cientifica e pluridisciplinar que é oDesenvolvimento Motor, a modelização da performanceé uma tarefa ainda por realizar, quando pensamos nodomínio estrito das aptidões dos sujeitos.É fácil descrever a performance de um conjunto desujeitos em função da sua idade cronológica. Bastapara tanto servirmo-nos de modelos simples,lineares ou não. Bem mais complicado é descrever einterpretar a velocidade com que se regista aperformance em diferentes pontos do tempo, i.e.estudar o comportamento da sua estabilidade emudança.Neste domínio temos disponíveis duas abordagens.A primeira e única na literatura, inspirada emmodelos estruturais do crescimento somático, foiproposta por Beunen, Malina e colaboradores

(1988), numa monografia a todos os títulos notável– adolescent growth and motor performance. Pelaprimeira vez modelam-se curvas da distância evelocidade para as Aptidões motoras. Um outro feitonotável neste texto é o alinhamento dos valores daperformance pelo pico da velocidade da altura epeso, na esteira das sugestões de Franz Boas, FrankShuttleworth, James Tanner e Donald Bailey. Da suapossibilidade de representação gráfica somostentados, sobretudo os menos experientes, em ver aíalgo de substancial que nos liga ao vasto e polémicoassunto dos períodos sensíveis.A segunda abordagem, designada de análise detrajectórias latentes, é bem mais rica e flexível doque a anterior, permitindo acomodar preditores damudança e estabilidade que sejam, ou não,invariantes no tempo. Fortemente utilizada emcontextos educacionais e em psicologia dodesenvolvimento, é praticamente desconhecida pelospesquisadores portugueses. Esta proposta temrevelado enormes potencialidades no território dasaptidões motoras e foi apresentada pela primeira vezno domínio das Ciências do Desporto por Maia ecolaboradores (1999a; 1999b; 2000a) em Portugal,no Brasil e em contextos internacionais.Se pensarmos em desenvolvimento de aptidões somosforçosamente obrigados a pesquisas longitudinais. Setemos dados longitudinais, o que é praticamenteinexistente em Portugal, há que pensar em noçõescomo mudança, estabilidade, velocidade, aceleração.Ora os modelos propostos não só iluminam esteterritório algo esquecido, mas permitem, sobretudo odas trajectórias latentes, uma busca apetecível aotesouro da mudança e do que a causa.Um outro olhar para o mesmo território faz emergirum quadro distinto de problemas se centrarmos anossa atenção no domínio estrito da modelação.Uma lista brevíssima desta agenda poderia orientar-nos por dois planos aparentemente distintos – o dasaptidões motoras e o da performance desportiva.No plano das aptidões motoras, por exemplo, épossível discernir programas fascinantes depesquisa que poderiam ajudar a esclarecer asseguintes questões:

Será possível identificar uma estrutura daperformance motora baseada nas aptidões dos

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sujeitos, no seu nível maturacional e dimensõeslineares? E será tal proposta passível de testagemempírica?Será que esta estrutura é invariante nos dois sexose diferentes intervalos de idade?Qual será o contributo do pensamento Alométricopara desbravar o terreno da performancecondicionada pelo factor dimensional?Quais os procedimentos e estratégiasmetodológicas para pesquisar o fascinanteproblema da estabilidade e mudança dos níveisde aptidão e perfomance condicionados pelaflecha do tempo?

No plano da performance desportiva, aspreocupações dos investigadores teriam,forçosamente, que ajudar a esclarecer a fenómenopercorrendo, pelo menos o seguinte trajecto:inventariar e hierarquizar as qualidades/características que discriminam atletas de nível derendimento distinto. Situamo-nos, aqui, nodomínio estrito do sujeito. É ele o objecto deanálise. As variáveis a serem utilizadas deveriamser alvo de uma crítica severa e passar pelo crivoda bibliografia mais importante, do pesquisador,do treinador e dos atletas. O recurso à análise dafunção discriminante, análise factorial e regressãologística podem ser do maior interesse.

A performance motora é um fenótipo extremamentecomplexo. A sua maior característica é expressa pelaimensa variação do seu resultado no seio dapopulação.Dois factores são responsáveis por tal variabilidade –o genótipo e o envolvimento.Uma área de estudo de confluência da Genética com aBiometria, é a Genética Quantitativa, que ao inspirar-se na metodologia Top-Down, procura interpretar talvariação, servindo-se de modelos complexos ealtamente flexíveis para acomodar delineamentosdistintos de que destacamos os das famílias nuclearese os gemelares (sobre esta matéria consultarBouchard, Malina e Pérusse, 1997; Maia et al.,2000c). Ainda que não tenhamos espaço para traçar ahistória deste percurso nas Ciências do Desporto, háque mencionar alguns eventos principais, bem comoos seus grandes mentores:

1. O fascínio pelo “homo olimpicus”, fenótipo únicona enorme variabilidade morfológica e“performator” do “homo sapiens sapiens”,originou as primeiras pesquisas de Grebbe,Grimm, Jokl e Jokl e Gedda. Os propósitos eramnão só identificar e descrever a fenótipo “homoolimpicus”, mas ao mesmo tempo, verificar aexistência de linhagens familiares de desportistasde sucesso, um pouco na esteira da pesquisapioneira de Galton sobre a genialidade herdada noseio de determinadas famílias.

2. Vassilis Klissouras apresenta, pela primeira vez, naprestigiante revista Journal of Applied Physiology,em 1971, um texto, verdadeiro marco histórico,acerca da variabilidade no consumo máximo de O2

que é devida a diferenças genéticas entre sujeitos.Desde esta data que esta matéria tem sido objectode forte debate, comandado sobretudo pela equipade Laval, no Canadá. A pesquisa mais vasta e actualsobre este assunto é o Heritage Family Study quecongrega 5 instituições do maior prestígio nosEstados Unidos e Canadá liderada pelo Prof.Claude Bouchard.

3. Conferências e publicações acerca da matériaflorescem a partir dos anos 80 com o livro deRudolf Kovar na Checoslováquia, as actas doscongressos editadas por Napoleon Wolanski naPolónia e Malina e Bouchard nos Estados Unidos.

4. Em 1992 e 1997 realizaram-se duas dissertaçõesde doutoramento na Universidade Católica deLovaina, sob a orientação do Prof. Gaston Beunenque são um marco fundamental desta matéria. Aprimeira da autoria de Hermine Maes procurapesquisar a importância dos factores responsáveispela variação fenotípica no crescimento e aptidãofísica de gémeos e seus progenitores. A segundada autoria de Martine Thomis pretende identificara distinta sensibilidade da resposta ao treino daforça em gémeos.

5. Contudo, o prestígio desta área de pesquisa édevedora, na sua projecção, a uma estrela maiorno firmamento da investigação em Ciências doDesporto – Claude Bouchard. Desde as suasprimeiras inquietações publicadas no famosomanual la preparation d´un champion, passandopela sua dissertação de doutoramento emEpidemiologia Genética, que juntamente com o

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seu orientador, amigo e cúmplice, o Prof. RobertMalina, têm saído as páginas mais esclarecidas,didácticas e promissoras de longo alcance noentendimento da variação da performance motora.

Exemplos esclarecedores do que acabamos de referirsão, a título meramente ilustrativo, as seguintespublicações:

Genetics for the sport scientist: selected methodologicalconsiderations (1983),Sport and human genetics (1986),

que culminaram com o texto brilhante, genetics offitness and physical performance, resumo actual doconhecimento sobre a matéria, uma síntese únicapara os pesquisadores da performance e das suascausas.Apesar do brilhantismo desta aventura inquisitiva,os investigadores portugueses das Ciências doDesporto parecem ignorar tais pesquisas einquietações. Haverá algum motivo para estaeventual cegueira, ou será pura e simplesmenteausência de interesse?

– Será desconhecimento da matéria?– Insuficiência de formação?– Temor do assunto?– Convicção que a matéria é para outros?– Ausência de projectos de pesquisa de larga escala

que compreendam famílias inteiras, bem comogémeos?

– Ou será por outros motivos plausíveis ejustificados?

Para colmatar esta insuficiência está a realizar-se naFaculdade de Ciências do Desporto e de EducaçãoFísica da Universidade do Porto, uma pesquisa delarga escala (cerca de 6000 famílias nucleares)sobre a agregação familiar e os determinantes dosníveis de actividade física de jovens dos dois sexosdo 5º ao 12º ano de escolaridade. Desta pesquisa,uma parte compreende gémeos e as suas famílias(cerca de 500 pares).Inspirados no passado e presente da investigação emGenética Quantitativa, tomando como companheirosde viagem os Professores Sieuve Monteiro (ICBAS-

UP), Gaston Beunen, Martine Thomis, RobertVlietinck e Ruth Loos (KUL), Michael Neale eHermine Thomis (VCU) iremos estudar doisgrandes tipos de problemas em epidemiologiagenética, e que são:

O que trata do fenómeno da agregação familiar daprática do desporto e níveis diferenciados deactividade física, bem como o que naturalmente selhe segue, e que é o da determinação das suasfontes de variação relativas à (1) susceptibilidadebiológica herdada; (2) forte exposição a umenvolvimento comum; (3) e herança cultural.

Um campo de investigação de grande relevância é oque se refere ao processo de aquisição edesenvolvimento das habilidades motoras e docontrolo motor ou da coordenação.As preocupações dos pioneiros desta área deconhecimento (Shirley, Ames, Halverson)centravam-se no processo de aquisição dehabilidades motoras elementares (e.g. preensãointencional, marcha autónoma) e na descrição dassuas fases de desenvolvimento.O estudo do desenvolvimento das habilidadesmotoras foi, até à publicação do trabalho de Kugler,Kelso e Turvey (1982), marcadamente descritivo,tendo como paradigma a teoria dos estádios. Estacorrente de estudos, da qual se destacam autorescomo Wikstrom, Roberton, Halverson, Seefeldt eGallahue entre outros, levou à construção desequências de desenvolvimento de habilidades (v. g.Gallahue, 1982; Wiscstrom, 1983). As sequências dedesenvolvimento foram elaboradas a partir deanálises cinematográficas, considerando ascaracterísticas das relações espaço-temporais nossegmentos corporais, e referem-se a habilidadesfundamentais (correr, saltar, lançar, pontapear,agarrar, rolar, etc.). A partir destas sequências foramelaboradas escalas de avaliação das habilidadesbásicas (e. g. McClenaghan e Gallahue, 1978). Oproblema do ponto de vista da investigação aplicadaé que poucas sequências de desenvolvimento dehabilidades motoras, com interesse para a EF e odesporto, foram validadas. A validação dassequências de desenvolvimento das habilidadesrequer estudos longitudinais com grandes amostras

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(Roberton, 1989), bem como o desenvolvimento deprocedimentos estatísticos para estudar estesprocessos aparentemente discretos. Esta corrente deinvestigação não tem sido capaz de explicar asmudanças que ocorrem ao longo da idade noprocesso de aquisição e desenvolvimento dashabilidades motoras.O trabalho de Kugler, Kelso e Turvey (1982) marcou defacto uma viragem radical pela introdução da teoria dossistemas dinâmicos no estudo do desenvolvimento dashabilidades. Com este novo paradigma pretende-seconhecer quais as variáveis quer internas quer externasque influenciam o processo de aquisição edesenvolvimento das habilidades. A teoria dossistemas dinâmicos sugere que o estabelecimento dacoordenação numa habilidade consiste na emergência eintegração das estruturas coordenativas como dinâmicada modificação do sistema, ocasionada pelamodificação da massa, do comprimento e datransferência de energia. Assim, é possível identificaralguns aspectos a que investigação nesta área poderádedicar especial atenção:

– A identificação e tracking das estruturascoordenativas (Roberton e Halverson, 1988).

– A identificação das variáveis de controlo e decoordenação do movimento (Caldwell e Clark,1990).

No âmbito da teoria dos sistemas dinâmicosdestacam-se os estudos de Thelen (e. g. Thelen eFisher, 1982; Thelen et al. 1982; Thelen, Ridley-Jhonson e Fisher, 1983; Thelen, Fisher e Ridley-Jhonson, 1984; Thelen, 1986) e de Clark, Philips ePetersen, 1989) que demonstram a eficácia do usodesta perspectiva para o entendimento daorganização e regulação do movimento e podemapontar o caminho para a compreensão da aquisiçãodas habilidades motoras.Pedimos desculpa pelo carácter demasiadotangencial deste texto. A vastidão da temática tinhaeste risco e quisemos assumi-lo. Esperamos terconseguido inventariar os marcos mais relevantes eas personalidades mais carismáticas. Para o espaçodisponível confessamos que não fomos capazes defazer melhor.

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JOSÉ ANTÓNIO RIBEIRO MAIA, VÍTOR PIRES LOPES

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INTRODUÇÃOA filosofia subjacente de orientação da educação dapessoa com deficiência, nos tempos recentes temlevado a que as grandes linhas de investigaçãoapontem para a maior autonomia da pessoa comdeficiência.Neste contexto, julgamos que as respostasencontradas levam a procurar uma maiorparticipação da pessoa com deficiência na sociedade.Contudo a referida participação tem sido abordadano sentido de uma colaboração e não de umaefectiva participação interventiva. Este aspecto, édevido em parte, ao facto que a pessoa comdeficiência não ter sido chamada para contribuirnesse mesmo processo. Em nosso entender o direitode opção, de escolha e de intervenção por parte dapessoa com deficiência, é fundamental.Nesta perspectiva, a pessoa com deficiência tem queser chamada a contribuir com o seu saber empírico,isto é, a dar sua própria opinião.Por outro lado os investigadores até à década de 80estudavam os assuntos fechados na sua área desaber. Hoje tenta-se abordar os mais variadosaspectos de estudo conjugando várias áreas deinvestigação, fazendo cair as barreiras e, assim,enriquecer as respostas. Este facto, leva à existênciade interfaces das áreas do saber académico eprofissional, que em nosso entender vão ajudar deuma maneira decisiva a resolver aspectos que até aomomento não o foram como a homogeneidade daterminologia, da limitação da população alvo, dametodologia de ensino que deve ser partilhada deuma maneira uniforme, de estudos das provas eaparelhos para avaliar a pessoa com deficiência nasdiferentes vertentes e das ajudas técnicas para a vida

Actividade Física Adaptada: uma visão crítica

Urbano Moreno MarquesJosé Alberto Moura e CastroMaria Adília SilvaFaculdade de Ciências do Desporto e de Educação Física, Universidade do Porto

diária, do ensino, do desporto e da Educação Física.Especificamente em relação à área do desportopensamos que os aspectos menos estudados são otreino desportivo, as técnicas de intervenção, e aspróprias modalidades.A organização da actividade desportiva continua a serdebatida no sentido de procurar a maneira maiscorrecta de definir os locais de prática e com quemdeve ser realizada. A classificação desportiva tambémcontinua a ser polémica sendo, no entanto, um dostemas que mais tem sido abordado pelos estudiosos.As áreas mais recentes de estudo e que começa apreocupar os investigadores nas seus mais variadosaspectos são a Terceira Idade, aspectos patológicos, ea Recreação e Tempos Livres de pessoas comdeficiência.

EVOLUÇÃOA actividade física para a pessoa com necessidadesespeciais tem vindo a ser alvo das mais variadasatenções. Exemplo disso é a Carta Europeia doDesporto para Todos: as Pessoas Deficientes (1988),do Conselho da Europa, que reconhece a actividadefísica como “um meio privilegiado de educação,valorização do lazer e integração social”(2).Potter, como elemento do Comité para oDesenvolvimento do Desporto do Conselho daEuropa, define esta actividade física como uma gamacompleta de actividades adaptadas às capacidades decada um, particularmente ao desenvolvimentomotor, à Educação Física e a todos as disciplinasdesportivas (14).Por outro lado, vários autores (3, 8, 18) consideramque a actividade física adaptada (na medida em quese aplica a pessoas sem possibilidades de a

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URBANO MORENO MARQUES, JOSÉ ALBERTO MOURA E CASTRO, MARIA ADÍLIA SILVA

praticarem em condições normais) está limitada aosindivíduos deficientes reconhecidos pelaOrganização Mundial de Saúde (12) e expressa-se emtrês dimensões, designadamente a competitiva, arecreativa e a terapêutica. A estas vertentesacrescentou o Comité para o Desenvolvimento doDesporto, em 1981 (1), a educativa. De salientar queidêntica concepção nos apresenta a FederaçãoPortuguesa de Desporto para Deficientes (4).Contudo, observamos, segundo as conclusões doSeminário “A recreação e lazer da população comnecessidades especiais” (Faculdade de Ciências doDesporto e de Educação Física da Universidade doPorto, 2000), que as dimensões competitiva,educativa e terapêutica prevalecem sobre a recreativa.Porém, estamos hoje muito longe, neste campo dareabilitação, do que aconteceu nos primórdios dahumanidade e nos primeiros séculos da civilização.Segundo Lowenfeld e Kirk e Gallagher podemosreconhecer quatro grandes períodos dedesenvolvimento das atitudes em relação aosindivíduos com necessidades especiais, os quaiscorrespondem a fases distintas da história (6, 9).

1º Período: SeparaçãoNa maioria das sociedades primitivas o deficienteera visto com superstição e malignidade. Nestaépoca o conhecimento centrava-se no pensamentomágico-religioso, o qual explicava e continua aexplicar muitos dos acontecimentos do dia-a-dia dohomem primitivo.Já no início da Idade Média foi aceite uma relação decausalidade entre demonologia e anormalidade (7).Posteriormente, este sentimento de horror emrelação à deficiência foi dando lugar ao sentimentode caridade, o qual corresponde ao início da era daprotecção.

2º Período: ProtecçãoEsta concepção apareceu com o desenvolvimento dasreligiões monoteístas. Fundaram-se asilos ehospitais onde os deficientes eram recolhidos. Noentanto era ainda prática comum mutilar ou cegarindivíduos que cometiam graves delitos.Nos finais da Idade Média, através das ordensreligiosas, foram criados vários hospícios onde osdeficientes eram assistidos, basicamente em

questões de alimentação e vestuário. Acreditava-se,ainda, que tratando bem os deficientes, os idosos eoutros carenciados se obtinha um lugar no céu.Com o aparecimento do movimento reformista daIgreja surge uma nova visão sobre os deficientes.Passaram a ser encarados como um indício dodescontentamento divino, sendo novamenterelegados para um plano inferior. Só mais tardecomeçaram a surgir as primeiras tentativas ao nívelda sua educação, as quais traduzem já o início do 3ºperíodo.

3º Período: EmancipaçãoCom o novo interesse criado pelo Renascimento emestudar o homem, a industrialização e a consequentefalta de mão de obra, bem como o aparecimento dedeficientes ilustres, nomeadamente cegos, foi dadoum grande impulso na sua educação, influenciandodecisivamente os pioneiros da Educação Especial.Assim, foi necessário chegarmos ao último quarteldo século XVIII, com o surgimento das ideiasiluministas da Revolução Francesa, para que osproblemas da deficiência começassem a serencarados e encaminhados por uma via mais racionale mais científica (16).Foram sobretudo alguns médicos da escola francesa,como Esquirol e Morel, e alguns médicos da escolaalemã, como Griesinger e Kretschmer, que tiveram omérito de chamar a atenção para a necessidade de osproblemas da deficiência passarem a ser observadosà luz de novos factos científicos de carácterpsicofisiológico e etiopatogénico (5).Por conseguinte, é o ano de 1801, com Itard e a suaprimeira tentativa para educar um deficiente (Victor,o selvagem de Avignon), que é apontado como oinício da Educação Especial propriamente dita (13).No entanto, só mais tarde, com o aparecimento daLei da Educação Obrigatória para Todos, o problemada educação da criança deficiente começa a serverdadeiramente questionado.Já nos finais do século XIX a Educação Especialcaracterizava-se por um ensino ministrado emescolas especiais em regime de internato, específicasde cada deficiência (escolas que se destinam aoatendimento de crianças e jovens deficientes visuais,auditivos, intelectuais, motores e autistas), emboraexistissem defensores do sistema integrado (apoio

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Actividade Física Adaptada: uma visão crítica

prestado a crianças e jovens com problemaseducativos especiais inseridos a tempo total ouparcial em classes regulares, visando a suaintegração escolar, familiar e social) e fossemaparecendo outras formas de atendimento como osemi-internato, a classe de aperfeiçoamento e aclasse especial (classe que funciona no edifício deuma escola regular, mantendo-se os alunos nessamesma classe durante todo o tempo lectivo).Aparecem as primeiras tentativas de explicação eclassificação dos diferentes tipos de deficiência,bem como os primeiros estudos científicos nestaárea. E é nesta fase de grande optimismo edesenvolvimento que surge o quarto período, ouseja, a etapa da integração.

4º Período: IntegraçãoO conceito de integração, já defendido por algunsautores nos finais do século XIX, é finalmente postoem prática em pleno século XX. Este confere aodeficiente as mesmas condições de realização e deaprendizagem sócio-cultural dos seus semelhantes,independentemente das limitações ou dificuldadesque manifesta.A segunda metade do século XX caracterizou-se,entre outros aspectos, por um certo desafio que oconceito de normalização trouxe à sociedade.Wolfensberger definiu normalização como sendo a“utilização de meios tão adequados, quanto possível,para estabelecer ou para manter comportamentos ecaracterísticas que são de natureza cultural”(20).Para Mikkelsen, “normalização não significa tornarnormal o diferente, mas sim criar condições de vidasemelhantes às dos outros elementos da sociedade,utilizando para o conseguir uma grande variedade deserviços existentes nessa mesma sociedade”(11).No entanto, a ideia principal contida no conceito denormalização encontrava-se já subjacente, desde1948, na Declaração Universal dos Direitos doHomem, quando aí se afirma o “direito de todas aspessoas, sem qualquer distinção, ao casamento, àpropriedade, a igual acesso aos serviços públicos, àsegurança social e à efectivação dos direitoseconómicos, sociais e culturais”.Segundo Sousa, “temos de criar as condições paraatingirmos as metas da «total participação» e da«igualdade de oportunidades» para as pessoas

deficientes, proporcionando-lhes o seu direito decompartilharem a vida social normal da comunidadena qual vivem e de usufruírem as condições de vidasemelhantes às de qualquer outro cidadão”(17).A igualdade que se pretende, como ponto de partida ecomo meta, não deverá ser entendida como sinónimode normalização absoluta. A igualdade terá de serconstruída através da afirmação do direito à diferença.Com isto pretendemos dizer que devemos criarsituações o mais variadas possível para queindivíduos ditos normais e em cadeira de rodas, porexemplo, tenham as mesmas possibilidades.Construir um edifício com larguras de portõesdiferentes é criar a igualdade de acesso a todos, istoé, para haver igualdade têm de existir diferenças.É neste contexto que aparece, com a Declaração deSalamanca, em 1994, o quinto e último período (pornós considerado), ou seja, a inclusão.

5º Período: InclusãoO conceito de escola inclusiva teve a sua origem naDeclaração Universal dos Direitos do Homem(1948), na Conferência Mundial sobre Educaçãopara Todos (1990) e nas Normas das Nações Unidassobre a Igualdade de Oportunidades para as Pessoascom Deficiência, de 1993.No entender de Mayor, a conferência mundial sobrenecessidades educativas especiais ao adoptar aDeclaração de Salamanca sobre os princípios, apolítica e as práticas na área das necessidadeseducativas especiais “inspirou-se no princípio dainclusão e no reconhecimento da necessidade deactuar com o objectivo de conseguir escolas paratodos, isto é, instituições que incluam todas aspessoas, aceitem as diferenças, apoiem aaprendizagem e respondam às necessidadesindividuais”(10).Assim sendo, as sociedades contemporâneasdistinguem-se, em grande parte das anteriores, pelaafirmação do respeito pela dignidade humana e pelagarantia de que ao portador de qualquer necessidadeespecial lhe será permitido integrar-se nas diversasmetas do funcionamento social sem qualquerbarreira psicológica ou física.Aliás, é essa uma das exigências da nossa actualConstituição.Concretamente, para estes indivíduos deverão ser

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proporcionadas condições que lhes permitam atingiras seguintes metas (5):

– cuidar de si;– tornar-se independente no quotidiano;– participar na vida familiar e em actividades de

tempos livres;– manter contactos sociais;– obter rendimento nos estudos e no trabalho;– manter relações afectivas e vida sexual;– poder assumir o papel de progenitor.

Podemos dizer, numa linguagem simplista, que éatravés da segurança social, da educação, daformação profissional e do emprego, entre outros,isto é, da reabilitação, que essas condições poderãoser desenvolvidas e que poderá ser encontrado overdadeiro enquadramento da pessoa comnecessidades especiais na sociedade.Postas as coisas deste modo, devemos actuar, por umlado, ao nível da prevenção e, por outro, assegurar acada pessoa o usufruto de todo e qualquer serviço dereabilitação, sempre com o espírito de que o meiosocial faz parte integral do processo.Todavia, a palavra reabilitação não teve sempre omesmo significado ao longo da história dahumanidade.A prática tradicional considerou-a como sendo ummodelo de terapias e serviços destinados às pessoasdeficientes, numa estrutura institucional, muitasvezes sob a égide da autoridade médica.Esta situação tem sido gradualmente substituída porprogramas que, embora continuem a prestar serviçosmédicos, também contemplam serviços sociais epedagógicos qualificados.Para a organização Reabilitação Internacional, oconceito de reabilitação deve ser entendido como“um processo em que o uso combinado ecoordenado de medidas médicas, sociais,educacionais e vocacionais, permite aos indivíduoscom deficiência alcançar níveis de funcionamento omais elevados possível e, em simultâneo, seintegrarem socialmente”(15).Em Portugal, em Maio de 1989, é proclamada a Leide Bases da Prevenção e da Reabilitação e Integraçãodas Pessoas com Deficiência (Lei nº9/89), a qualconcebe a reabilitação como sendo “um processo

global e contínuo destinado a corrigir a deficiência ea conservar, desenvolver ou restabelecer as aptidõese capacidades da pessoa para o exercício de umaactividade considerada normal. Engloba um conjuntovariado de acções de prevenção, de reabilitaçãomédico-funcional, de educação especial, dereabilitação psico-social, de apoio sócio-familiar, deacessibilidade, de ajudas técnicas, de cultura, dedesporto e de recreação, entre outras, que sedestinam ao deficiente e que visam favorecer a suaautonomia pessoal”.Assim, reabilitar perdeu o seu significado restrito de“habilitar de novo”. Do tornar o deficiente capaz derealizar novamente uma tarefa, passou a reabilitação aser encarada como um processo que visa a integraçãototal da pessoa com necessidades especiais.Por outro lado, a educação especial acompanhoumuito de perto a evolução do conceito de deficiência.Começou com características essencialmenteassistenciais, desenvolveu-se ao longo dos tempos ehoje procura manter o indivíduo em processoseducativos normalizados, através da sua integração.Este conceito de inclusão só será significativoquando for entendido como a solução, nãonecessariamente exclusiva mas prioritária, cujoâmbito deve ser progressivamente alargado. Nãoporque ele seja um fim em si mesmo, mas por ser achave da futura integração dos portadores denecessidades especiais na sociedade.Este último aspecto é muito importante, visto sabermosque todos os cientistas da área da Antropologia sãounânimes em afirmar que o ser humano só sedesenvolve no meio dos seus semelhantes.A educação especial foi definida pela UNESCOcomo sendo “aquela dos que se desviam física oumentalmente, emocional ou socialmente dosgrupos relativamente homogéneos do sistemaregular de educação, de modo que é necessáriotomar providências especiais para corresponder àssuas necessidades”(19).Presentemente, pode-se dizer que o objectivofundamental da educação especial é permitir aoindivíduo com necessidades especiais umdesenvolvimento máximo das suas aptidõesintelectuais, escolares e sociais, originando, dessemodo, a integração de todos os cidadãos na vida emcomunidade.

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Verificamos nas últimas décadas, devido a mudançasda sociedade e da vontade política dos órgãos depoder, um desenvolvimento da educação especialtanto a nível quantitativo (número de serviços oficiaise privados, número de professores, técnicosespecializados e alunos apoiados, orçamentosenvolvidos, etc.) como qualitativo (novas tecnologias,formação superior de professores, grande diversidadee melhor apetrechamento dos serviços).Toda esta evolução deve-se não somente ao avançotecnológico e da medicina, mas também ao aumentoda legislação, à intervenção precoce, àimplementação da educação pré-primária, aoprolongamento da escolaridade obrigatória e aoimportante papel desempenhado pelas famílias quevêm reivindicando, ao longo do tempo, umamelhoria do atendimento a esta população.Actualmente, tudo aponta para que tendo o alunonecessidades educativas especiais, ou não, nãoexistam diferenças significativas quanto aosobjectivos escolares finais, com excepção daquelesque tiverem maiores dificuldades de aprendizagem,os quais poderão ser encaminhados para afrequência de currículos adaptados ou alternativos.Com a aquisição de autonomia e independênciacriaram-se as condições para a integração do alunocom necessidades educativas especiais no sistemaeducativo regular, o qual deve estar apto a recebertodas as crianças em idade escolar e não apenasalgumas (escola inclusiva).A participação de todos não é apenas desejável doponto de vista social e moral, mas também do pontode vista funcional. Assim sendo, o melhor caminho aseguir tem que ser encontrado por todos nós.

OBJECTIVAÇÃOOs trabalhos realizados por este Gabinete(monografias, dissertações de mestrado e trabalhosde docentes, entre outros) demonstram umacobertura alargada de várias áreas.Através de uma leitura QUALITATIVA EQUANTITATIVA dos 232 trabalhos dos últimos dezanos, por categoria, tentamos encontrar as principaisconclusões e a linha evolutiva recolhida pelafrequência e dimensão anual dos trabalhos.Parece claro que existem três grandes áreas depreocupações:

– Terminologia e conceitos– Definição da população com Necessidades Especiais

e relação desta com a Actividade Física Adaptada– Problemas do desporto (vertente do ensino, da

competição e da recreação).

A terminologia e os conceitos foram estudadosseguindo a evolução internacional, que consideraActividade Física Adaptada como a designação maisconsensual (internacional e nacional).Os conceitos que emergem da Declaração deSalamanca e trabalhos posteriores, apontam para adesignação Necessidades Especiais, abrangendo todaa população, independente da idade, que apresentaproblemas de acesso a um qualquer sistema social,nomeadamente escolar e desportivo.Têm ainda sido estudadas as condições da inclusão(escolar e desportiva), condições de acesso e deadesão ou afastamento do desporto de indivíduoscom necessidades especiais e a formação necessária esuficiente dos profissionais da área.Uma preocupação complementar tem sido a análiseda legislação (conteúdo e omissões), bem como dasua implementação e interpretação local.Na área da definição da população com NecessidadesEspeciais e a aplicação da Actividade FísicaAdaptada, emergem as preocupações com osaspectos classificativos, tendencialmente criticando aclassificação médico-psicológica e propondoclassificações com suporte pedagógico.Sublinha-se a cobertura efectuada por revisõesbibliográficas, de um grande número de patologias eo papel da actividade física (na prevenção ereabilitação), concluindo todos os trabalhos daimportância da actividade física e da necessidade dese efectuarem estudos no terreno.Uma outra linha que tem surgido mais recentemente éa que se refere à qualidade de vida da população comNecessidades Especiais e da sua relação com a saúde.Aparecem também com grande frequência osestudos da relação entre a necessidade especial e orendimento (académico e/ou desportivo).Dizendo respeito à área específica do desporto,verifica-se uma preocupação diversificada com aavaliação motora (formal e informal, classificativa ouavaliativa), gerando-se o consenso da sua imperiosanecessidade efectuada com rigor e sem preconceitos.

Actividade Física Adaptada: uma visão crítica

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Vários trabalhos procuraram verificar as melhorescondições e os programas mais eficazes para oensino de áreas específicas, bem como estudar aaptidão física de vários tipos de população.Efectuaram-se trabalhos sobre aplicações específicasdo ensino de algumas modalidades desportivas e osproblemas relacionados com a competição.Mais recentemente foram aparecendo váriostrabalhos dirigidos à recreação, sua importância eformas organizativas, tendo-se verificado que existeainda uma aderência baixa, estudando-se as razões econcluindo-se pela grande relevância e futuro destaárea para a população com Necessidades Especiais.Foram estudadas as condições de acessibilidade dosdeficientes a vários locais desportivos, verificando-seque existem maioritariamente estruturas quedificultam ou mesmo inviabilizam a práticadesportiva.Realizaram-se trabalhos sobre áreas psicológicascondicionantes do sucesso participativo no desporto,parecendo que as diferenças da restante populaçãonão são problemáticas sendo o desporto umexcelente meio de promoção do sucesso psicológico.Verifica-se a realização de alguns trabalhosvocacionados para o aprofundamento de modalidadesdesportivas específicas (boccia, goalball, basquetebolem cadeira de rodas, entre outras).Embora em número reduzido existem trabalhos deíndole mais restrito da reabilitação, designadamenteno contexto terapêutico.Finalmente foram realizados três trabalhoscomparando a situação portuguesa com a de outrospaíses (Espanha, Moçambique e Bélgica).

CONCLUSÕESApesar do consenso sobre os principais conceitos daárea NECESSIDADES ESPECIAIS, INCLUSÃO EACTIVIDADE FÍSICA ADAPTADA, mantem-se emvigor e utilização corrente e oficial, um conjunto determos e de conceitos, numa amalgama poucoanimadora e tendencialmente propiciadora deconfusões.Com efeito, são termos de utilização habitual entreoutros, deficientes, desporto adaptado ou paradeficientes, integração, educação especial,portadores de deficiência, bem como combinaçõesdestes termos. Mais confuso se torna a utilização

indiscriminada desta terminologia porque entendidacomo sinónimos de outros conceitos e não comosubdivisões específicas da área.As Necessidades Especiais representam umalargamento do conceito Necessidade EducativasEspeciais, sendo este mais restrito e exclusivamentedirigido ao sistema escolar.A Inclusão que representa uma revisão do conceito deintegração, coloca o ênfase na aceitação da diferença enão na acentuação e discriminação pela diferença.A Actividade Física Adaptada sublinha e congregatodas as formas de participação desportiva de umqualquer indivíduo, mesmo com fortes limitações dacapacidade de movimento, e seja qual for o objectivodessa actividade (educativo, recreativo, competitivoou terapêutico).Ao considerar diferentes patologias entende-se estascomo limitadoras da normal actividade física eprocura-se conhecer a relação positiva da actividadefísica com uma qualquer forma de prevenção. Pode-se concluir da urgência de serem efectuados estudosde terreno, a partir das revisões bibliográficasefectuadas que mencionam unanimemente arelevância da actividade física adaptada.Embora já existam vários trabalhos sobremodalidades específicas e/ou adaptadas, bem comosobre a iniciação desportiva (escolar e competitiva),parece ser claramente insuficiente a produçãocientífica realizada. Recomenda-se a elaboração detrabalhos por modalidade e tipo de necessidadeespecial, à semelhança dos que já existem sobreboccia/paralisia cerebral e goalball/deficiência visual.Uma preocupação recente sobre a qualidade de vidarelacionada com a saúde mostra a interdependênciadestes factores em populações com necessidadesespeciais, mas indica-nos também uma preocupantefalta de participação, suas causas e motivos. Parece-nos poder concluir da importância de seremefectuados mais estudos neste domínio.Os trabalhos feitos sobre acessibilidades são aindaescassos ou muito antigos, mas apontam inúmeraslacunas, pelo que se pode concluir da urgência de seefectuarem mais trabalhos neste sector.Os trabalhos de natureza psicológica (como porexemplo o estudo de: motivação, interesses, relaçãoentre a proficiência motora e o rendimento escolar eansiedade) são pouco conclusivos mas fornecem

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indicadores importantes, pelo que devem serampliados e replicados em diferentes condições,locais e tipos de população estudada.Muito recentemente foram feitos os primeirostrabalhos sobre recreação para populações comnecessidades especiais, podendo desde já, concluir

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como uma vertente de grande futuro pelo seuimpacto positivo na qualidade de vida e o aindaescasso envolvimento qualitativo e quantitativo.Parecem ser lacunas a rever os poucos estudos sobreaspectos técnicos, treino desportivo e materiais eequipamentos.

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APRESENTAÇÃOO presente ensaio trata de dois aspectos principais:(a) refazer alguns caminhos referentes as reflexõessobre a epistemologia das ciências do desporto e (b)sugerir que a Faculdade de Ciências do Desporto e deEducação Física da Universidade do Porto (FCDEF–UP) em ações com importantes Universidadesbrasileiras e com a Universidade Pedagógica deMoçambique em Maputo, a partir do amplo espectrode publicações, cursos, mobilidade de professores eestudantes, em programas de mestrado edoutoramento, tem proporcionado conteúdo teórico eempírico capaz de permitir a configuração de umpensamento consistente sobre os vários aspectos dodesporto no espaço da língua portuguesa.Vou tratar destes objetivos, mas não sem antespropor uma reflexão passível de evidenciar oquanto é limitada nossa capacidade de percepção enossas possibilidades de conhecimento sobre osfenômenos complexos que nos cercam no cotidianode nossas vidas. Pretendo sugerir num breve textointrodutório a dificuldade que encontramos sempreque temos a pretensão de apreender fenômenoscomplexos. Por exemplo, como apreender odesporto em sua multiplicidade de formas esentidos? Qual o papel que assume o discursocientífico ou filosófico nesta proposição? Terásentido a pretensão de delimitar a(s) ciência(s) dodesporto? Terá o conhecimento filosófico acapacidade de assumir tal responsabilidade? Mas,por outro lado, poderemos prescindir dessas formasde conhecimento para entendermos o significadodo desporto? Enfim, como devemos teorizar sobreo desporto?

Caminhos e descaminhos nas Ciências do Desporto.Entre o Porto Alegre e o Porto Sentido.

Adroaldo GayaEscola de Educação Física,Universidade Federal do Rio Grande do Sul

1. EM FORMA DE INTRODUÇÃO. UMA IMAGEMSOBRE OS LIMITES DA PERCEPÇÃO E DOCONHECIMENTO HUMANOEstou frente a uma imensa janela. Daí observo aimagem de um bosque ao fim do Outono.O bosque está iluminado pelos raios do sol poente.As poucas folhagens, característica desta estação doano, fazem os raios do sol incidirem sem piedadesobre a vidraça que, não obstante, gentilmente meresguarda do frio que se faz sentir do lado de fora.A luz do sol sobre as árvores desfolhadas revelamum mapa estranho de sombras e luz. Mas, é possívelver ao longe, e com algum esforço de concentração,detalhes de crianças que jogam bola e divertem-senum campo improvisado por entre os galhos etroncos semi-nús do arvoredo.Às minhas costas, “nós de pinho” e “achas de lenhasde araucária” ardem numa lareira de pedras. O fogome aquece, aquece o ambiente, eu me sinto bem. Mevolto para a lareira e percebo o bailado anárquico daslabaredas que se erguem em direção ao céuacompanhadas do criptar e do perfume acre da lenhaseca. É um belo espetáculo.Ponho-me a contemplar a beleza do ballet daslabaredas e das sombras refletidas sobre o fundo dalareira.Agora estou dividido na curiosidade. Acompanhar oballet? Ou desfrutar do jogo de bola das crianças nobosque?Imediatamente dou-me conta das limitações denossa estrutura biológica. Não poderei desfrutar dasduas paisagens ao mesmo tempo. Se me dedicar aojogo de bola, evidentemente não vou desfrutar doballet na lareira feita palco e vice-versa.Todavia, e este é um ponto relevante para os

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argumentos que adiante quero defender, éindiscutível, pelo menos no que tange a filosofia quepartilho, que ao optar pelo jogo de bola, a realidadepara a qual eu darei as costas não deixa de existir.Mas, é bem verdade, aqui já estamos propondo ler omundo através de uma determinada perspectivafilosófica. Qual seja: o simples fato de que ao deixarde acompanhar o movimento das labaredas, tenhopresente de que elas não deixam de existir. Ou seja,reconheço o princípio de uma essência doconhecimento onde há um mundo concreto paraalém de minha capacidade de percebê-lo. Afinal, nãoposso dar conta de todos os fenômenos. Se aodormir não percebo a chuva da madrugada, nem porisso ela deixou de molhar a terra.Me volto de frente para a janela. Por entre as árvoresdo bosque acompanho o jogo de bola das crianças.Então revivo parte de meu caminho acadêmico. DoPorto Alegre ao Porto Sentido. Que pretensãodesmedida seria esta de imaginar que teria apossibilidade de apreender os significados dodesporto através do discurso científico – a(s)ciência(s) do desporto?Observo lá, no campo improvisado entre as árvores eexclamo com ironia: lá estão as crianças desfrutandoirresponsavelmente de meu objeto de estudo! Ou, quemsabe, estão seriamente desfrutando de seu objeto deprazer? Qual o real? Qual o ideal? O jogos de bolaem seu amplo significado? Ou será o discurso sobreo jogo de bola? Discurso sempre incompleto,idealizado, sempre pintado com as cores de nossoespírito, ideologizado segundo nossas crenças. Serápossível apreender a complexidade do desporto noâmbito do discurso científico? Será possívelapreender a complexidade do desporto no espaço dodiscurso filosófico?Deixo claro. Não tenho a pretensão de julgarimprocedentes ou desnecessários os estudos que sededicam a tentativa de configurar o conhecimentocientífico ou filosófico sobre o desporto. Não se tratade assumir posições de ceticismo. Afinal, somosprofessores e pesquisadores universitários edevemos tratar o desporto como objeto de nossareflexão teórica. Necessitamos interpretar osdiversos significados do desporto. Todavia, estouconvencido, jamais esta tarefa poderá ser concluída,e muito menos por um único sujeito. Por mais genial

que seja, ele não poderá apreciar ao mesmo tempo ojogo do ballet anárquico das labaredas na lareira e ojogo de bola das crianças no bosque à frente daminha janela.Mas devemos perseguir esta trilha. Eu insisto naperspectiva de ver constituído discursos coerentessobre o desporto. Pelo menos alguns discursos quetentem justificar nossa paixão por esta bela obra dahumanidade. Não tenho mais a esperança e nem apretensão de ver desenhado algo do tipo ciências dodesporto (tão pouco ciência da motricidade humanaou ciências do movimento humano). Pelo menos deforma epistemologicamente justificada. Aprendi commeu amigo Hugo Lovisolo (1995), que conhecercientificamente o desporto significaria reduzi-lo aseus elementos simples e processos básicos e, se aanálise fosse bem sucedida, teríamos a possibilidadede reconstituí-lo a partir dos elementos simples edos processos básicos. E, se possível fosse talrealização, poderíamos prever seus mecanismos ecomo tal estaríamos em condição de, pelo menos emgrande parte, evitar o imprevisível, evitar suaconfiguração aleatória, o que significaria, me atrevoa dizer, acabar com a própria essência ou naturezafilosófica do desporto.Insisto, mas nem por isso devemos defrenestrar oestudo científico das diversas formas de observar odesporto. Gostaria de expressar com muita clarezaminhas idéias. Ou seja, o conhecer científico sobre odesporto é de extrema relevância na explicação deseus mecanismos diversos. Todavia, é evidente, oconhecimento científico nos impõe uma visãoreducionista do fenômeno e, portanto, não será poresta via que poderemos apreender o desporto em suacomplexidade e pluralidade de sentidos. Voltarei aeste tema mais à frente.Mas, por mais paradoxal que possa parecer nossodiscurso, podemos afirmar que o conhecimentocientífico e filosófico sobre o desporto avançoumuito nos últimos tempos. E se por um lado, nossaconstrução teórica seja sempre uma criação da idéiasobre a realidade concreta (cf. Leonardo Coimbra),hoje, mais do que ontem, podemos usufruir de umquadro de conhecimentos que possibilita umacompreensão mais eficaz dos mecanismos, dosignificado e sentidos do fenômeno desportivo paraa humanidade.

Caminhos e descaminhos nas Ciências do Desporto. Entre o Porto Alegre e o Porto Sentido.

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ADROALDO GAYA

Mas, o que tenho a pretensão de vincar neste ensaio éque esta será uma construção complexa. É uma tarefade síntese onde a ciência é relevante, mas onde ocientista de qualquer disciplina isoladamente nãoconsegue perceber o todo. Ou seja, o cientista noslimites das fronteiras de sua disciplina perde a noçãode complexidade do fenômeno. Não pode ao mesmotempo desfrutar da estética do bailado do fogo e dascrianças a jogar bola. Enfim, no dizer de Lovisolo, aciência não permite que o cientista do interior de suadisciplina possa exercitar a arte da mediação.Mas o que significa a arte da mediação que nospropõe Lovisolo? Em primeiro lugar significapercebermos que no espaço de intervenção sobre odesporto convivem saberes diversos: conhecimentosteóricos, empíricos, técnicas e artes.

Sobretudo, quando levamos em consideração que aintervenção deve, habitualmente, mediar entre valores dedifícil conciliação. Assim, por exemplo, deve conciliar osvalores da tradição estética de um desporto com o valor deganhar a competição1 (...). A intervenção demanda amediação entre disciplinas díspares. Hoje no treinamento deuma equipe não se pode depreciar a bioquímica aplicada nocampo da fisiologia e da nutrição, a fisiologia e a nutriçãono desenvolvimento do potencial dos atletas, a psicologiaindividual e de grupo, a psicologia social e tantos outrosconhecimentos. Entretanto, nessa aplicação, sabemos queprecisamos do regente da orquestra. O diretor que indicaquando entra cada instrumento, o tempo que tocará, aimportância que terá o trabalho de conjunto.(Lovisolo, 1995, p.146)

Se considerarmos correta esta perspectiva, decorremdaí algumas questões cruciais: a quem cabe a arte damediação no espaço das teorias sobre o desporto? Aquem cabe o papel de selecionar os conteúdosrelevantes capazes de dar sentido teórico aofenômeno desporto? Qual o papel das diversasciências aplicadas ao desporto na construção dessemosaico? Como organizar tudo isso na formação deum desportólogo?Essas questões me parecem centrais no atual estágiode debates no âmbito da epistemologia do desporto.Isto porque já tentamos torná-la um campo deaplicação do conhecimento científico – as ciências dodesporto; já tentamos torná-la uma disciplina

científica – a ciência do desporto, no entanto, comosugiro adiante, tais tentativas, do meu ponto devista, ficaram muito aquém da possibilidade detraduzir em discurso um modelo mais ou menosisomórfico sobre o significado do desporto. Nãoconseguem, por exemplo, traduzir a síntese designificados que se expressa no jogo de bola dascrianças no bosque.

2. DAS CIÊNCIAS DO DESPORTO A ARTEDA MEDIAÇÃO. UM TRAJETO ENTRE OPORTO ALEGRE E O PORTO SENTIDO2.1 A possibilidade das Ciências do DesportoO saber científico e filosófico sobre o desporto foi otema de minha primeira experiência como estudanteno Porto Sentido. O objetivo era singelo, mas decerta forma ambicioso e perigoso. Sob a vigilância deJorge Bento e Adalberto Dias de Carvalho, assistidoconstantemente pela crítica severa de AntónioMarques, tinha a pretensão de encontrar respostapara a seguinte questão:Pode o desporto reivindicar um quadro conceitualautônomo construído a partir de um espaço própriode investigação?Em outras palavras:

Faz sentido falar-se em ciências do desporto?

Tratei deste tema tendo como material empírico deinvestigação as produções científicas brasileira eportuguesa. Ao encerrar minha pesquisa a conclusãofoi evidente:

Considerando o conjunto de fatores que se expressam noâmbito das ciências do desporto, pode-se concluir que, aoconfigurar-se como focagem múltipla sobre um objeto comumfeito no isolamento disciplinar a partir de diferentesperspectivas de análise e reflexão, tais formas deconhecimento não permitem a demarcação de um espaço desaber para o desporto capaz de expressar toda sua dimensão.Nas ciências do desporto não há a possibilidade de seconstituir uma perspectiva que implique em ruptura com aestrita dependência relativa às disciplinas científicas de origem“(...) mesmo que estas disciplinas lhes prestem serviçosrelevantes ou pretendam colar-se a ela acrescentando, à suadesignação original e normal o adjetivo desportivo”.(Gaya, 1994, p.127)

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Caminhos e descaminhos nas Ciências do Desporto. Entre o Porto Alegre e o Porto Sentido.

Evidentemente que no bojo de tal síntese estavadeclarado de forma explícita a impossibilidade, pelomenos de forma epistemologicamente justificada econsiderando o amplo espectro de objetivosexpressos na produção científica, de constituição deum campo científico específico sob a denominaçãode ciências do desporto2.As causas desta conclusão eram devidasprincipalmente a um conjunto de fatores tais como:

a) as investigações respondem predominantementeàs questões advindas das disciplinas de origem;

b) a própria delimitação das variáveis independentesde investigação, embora referenciadas aodesporto, encontram-se distanciadas dasnecessidades intrínsecas das práticas desportivas;

c) os conhecimentos são parcializados, fragmentadose desarticulados.

Nas ciências do desporto construímosconhecimentos objetivos sobre a biologia, fisiologia,biomecânica, antropologia, sociologia, psicologia.Construímos discursos sobre pedagogias e a arte deensinar. Aplicamos esses conhecimentos a desportode crianças e jovens, ao desporto de rendimento, aodesporto para portadores de necessidades especiais,ao desporto de lazer. Mas seja a ênfase que se dê aestes campos do conhecimento, temos de reconhecerque cada um desses cientistas operam no quadroteórico de suas disciplinas específicas e essasdisciplinas se configuram como compartimentosisolados ou com pequeno grau de comunicação.Enfim, nas ciências do desporto, não se configura apossibilidade da arte da mediação.

2.2 A expectativa de uma Ciência do DesportoTodavia, em outra oportunidade, cheguei a ensaiar apossibilidade de ver constituída a ciência dodesporto (já agora no singular) considerando ocampo de estudo do treino desportivo (Gaya,1994b). Considerando, evidentemente, a exigênciada delimitação de um objeto teórico formal e demetodologias adequadas. A partir do pressuposto deque o objeto de estudo de uma determinadadisciplina é constituído pelo conjunto conceitualconstruído com o fim de se dar conta de umamultiplicidade de objetos reais que, por hipótese,

essa ciência tem em vista analisar (cf. Castells, sd).Elegi como provável objeto teórico formal para aciência do desporto a capacidade de prestaçãodesportiva. Definindo-a como um processomultiforme de utilização racional de fatorescombinados mutuamente de modo a exercerinfluência sobre o desempenho do desportista eassegurar seu nível de prontidão. E mais, referi queesses fatores se constituíam de:

a) formas motoras, habilidades motoras de base,técnicas desportivas, condição física, tática evolitiva;

b) os procedimentos metodológicos para odesenvolvimento das capacidades motoras econdicionais;

c) a organização e planejamento do ensino e dotreino de habilidades desportivas;

d) as condições psico-sociais;e) o desenvolvimento e aperfeiçoamento de meios

complexos de análise, prognose e controle daprestação desportiva para cada especialidade;

f) critérios normativos a valorizar na prospecção detalentos desportivos.

Prontamente, na edição seguinte da RevistaHorizonte, recebi severas críticas de Jorge Bento(Bento 1994) e, lembro-me ainda hoje, quando deminha argüição de doutoramento que Jorge Bentocom o brilho que lhe é peculiar e com a exigênciaestética e que impõe a sua retórica, vigorosamentenão concebia a Pedagogia do Desporto comoconteúdo de uma ciência do desporto cujo o carrochefe seria o Treino Desportivo.Por algum tempo não me deixei impressionar pelascríticas de meu professor e querido amigo. A situavamais no âmbito de um carinhoso “corporativismopedagógico” do que propriamente pela força de seusargumentos. Lembro ainda que na réplica referi que apedagogia na perspectiva de tornar-se uma filosofia,ou em outras palavras, na procura de tornar-setranscendente e acima do mundo concreto afastara-sedas quadras, piscinas, pistas, ginásios, academias einsistia em idealismos, muito dos quais transferidosde outras ciências sociais e apressadamente adaptadosao campo dos discursos sobre o desporto, nãotraduziam o mundo real das práticas desportivas.

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Referi ainda que em alguns casos mais extremos,evidentemente onde não se inclui Jorge Bento, essapedagogia negava a própria essência biológica dohomem. Todavia, não falei, embora vontade não mefaltasse (mas a prudência exigia), que o desporto paramuitos desses pedagogos e uns tantos filósofosparecia constituir-se numa prática para anjos,querubins e outras santidades.Não obstante, nesta perspectiva de uma ciência dodesporto tendo como referência o treino desportivo,embora fosse mais evidente a possibilidade decercarmos nosso objeto de estudo de forma aconstituirmos uma disciplina científica, o projeto éainda mais reducionista que o das ciências dodesporto. Assim se, nas ciências do desporto temosuma área de conhecimento, que embora não sejacapaz de expressar a síntese entre o significado pluraldo desporto, pelo menos possibilita a pluralidade deinterpretações através das diversas disciplinascientíficas que a compõe. Na ciência do desporto estapossibilidade é claramente impossibilitada. Na ciênciado desporto perdemos qualquer possibilidade deefetivar a arte da mediação.Enfim, das ciências do desporto a ciência do desportofoi um caminho que trilhei por longo tempo. Mas,hoje reconheço, é uma perspectiva limitada nosentido de perceber a complexidade inerente aosentido complexo do desporto em nossa sociedade.Mas se por outro lado, considerarmos a perspectivaproposta por Lovisolo sobre a arte da mediaçãocomo efetivá-la? E, qual seria o papel dasinstituições universitárias?

3 A UNIVERSIDADE DO PORTO E SEU PAPEL NAPRODUÇÃO DO CONHECIMENTO E MEDIAÇÕESPOSSÍVEIS SOBRE O DESPORTO NO ESPAÇO DALÍNGUA PORTUGUESA.O que proponho neste ensaio é uma breve reflexãosobre o papel que tem exercido, principalmente paraos países de língua portuguesa, a produção doconhecimento da FCDEF–UP e, se esta produção jápermite alguma mediação capaz de configurarsínteses sobre o significado do desporto?Pois reafirmo, sem medo de cometer equívoco, aFCDEF–UP, em ações com importantesUniversidades brasileiras e com a UniversidadePedagógica Maputo, a partir do amplo espectro de

publicações, cursos, mobilidade de professores eestudantes, em programas de doutoramento, temproporcionado conteúdo teórico e empírico capaz depermitir a arte da mediação. Feito no quadromultidisciplinar de seus gabinetes, ou num quadrode intervenção no espaço do pensamento filosóficosobre o desporto podemos apontar o esboço deconcepções teóricas que tem influenciado de formarelevante o pensamento sobre o desporto no espaçoda cultura lusófono.

Conceito de desporto pluralUm dos principais conceitos que perpassam asdiversas publicações no âmbito dos estudos sobre odesporto no espaço da cultura portuguesa é o dedesporto plural expresso nas obras de Jorge Bento.Aí se evidencia a compreensão de que o desportopropicia diversas intencionalidades que diferem apartir dos objetivos, dos sentidos e das necessidadesde seus praticantes. O desporto de excelência, odesporto de crianças e jovens, o desporto dereabilitação e reeducação, o desporto de lazer.Embora muitas vezes este conceito seja entendido deforma pouco adequada, mesmo assim tornou-se umareferência para diversos trabalhos publicados noespaço da cultura lusófona.O conceito de desporto plural permitiu a quebra dahegemonia do significado único do desporto comoprática restrita a sua expressão de alto rendimento.Permitiu a relativização do conceito e com isso umacompreensão mais adequada de seu significado.Hoje, é evidente que encontramos muitas referênciasao conceito de desporto plural. Em publicações, emlinhas de pesquisa de cursos de pós-graduaçãoestricto senso, em cursos de pós-graduação lato senso,em disciplinas de formação acadêmica, congressosencontramos seguidamente as denominaçõesrelacionadas a expressões específicas como esportede rendimento, esporte de lazer, esporte de criançase jovens e desporto de reabilitação. Sem dúvida oconceito de desporto escolar é um conceito que jáfaz parte do quadro teórico dos países de expressãoportuguesa.

Para uma teoria do treino dos jovens desportistaO sistema de treino e de competições dos mais jovenssempre expressou uma preocupação central nas

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investigações de António Marques. É central em seustextos publicados ou em seu material didático deaulas e em suas conferências e palestras apreocupação com uma estrutura coerente que respeitea formação integral de crianças e jovens desportistas.Destes textos de Marques pelo menos duaspreocupações emergem em forma de um pensamentobem configurado. A estruturação dos programas detreino e a organização do quadro competitivo.Descritas, em diversos ensaios, de forma muitocoerente e relacionadas estas teorizações tem seconstituído numa referência a um conjunto numerosode dissertações de mestrado e algumas teses dedoutorado nos países de língua portuguesa.Os estudos de Marques, que consideram a formaçãodo jovem desportista em dois períodos subdivididosem duas etapas: Período de treino de base queabrange a etapa de preparação específica eespecialização inicial; período de realização dasaptidões e capacidades desportivas que abrange aetapa de especialização aprofundada e a etapa derendimentos elevados, apresentam aspectos queatendem as preocupações de ordem pedagógica quesatisfazem as exigências da formação integral dacriança e do jovem. As preocupações inerentes aequalização do treino com as tarefas escolares edemais necessidades inerentes ao cotidiano dos maisjovens representa um quadro de referênciadiferenciado que tem consubstanciado um valorinegável ao pensamento do autor.É, do meu ponto de vista, evidente que asteorizações de Marques sobre os programas detreino e competições para os mais jovens seconsubstanciam numa referência teórica importantepara a investigação em ciências do desporto noespaço lusófono.

Ensino dos jogos desportivos coletivosA partir da publicação do livro O Ensino dos JogosDesportivos, editados por Amândio Graça e JoséOliveira e com a participação do conjunto deprofessores que constituem o Centro de Estudos dosJogos Desportivos da FCDEF–UP, o espaço da línguaportuguesa ganha uma obra de referência do campoda pedagogia do desporto. Partindo de três estudos defundamentação teórica: Para uma Teoria do JogosDesportivos de Júlio Graganta; Os Comos e os

Quandos no Ensino dos Jogos de Amândio Graça e OProcessamento da Informação nos Jogos Desportivosde Fernando Tavares, o estudo apresenta um conjuntode propostas metodológicas advindas dos diversosgabinetes da FCDEF–UP. O ensino do andebol; dobasquetebol; do futebol; do voleibol e, na segundaedição do livro, complementados pelo ensino dowaterpolo e do rugby.Sendo essa uma das minhas áreas de atuação noâmbito do ensino de graduação e pós-graduação noBrasil, sinto-me muito a vontade para dartestemunho da importante influência deste estudono plano dos estudos pedagógicos. Mesmo sem estarpublicado no Brasil, o que limita seu acesso a grandemassa de professores de educação física, a produçãode dissertações e teses, de artigos científicos,palestras e cursos revelam a presença frequentedesta obra como referência bibliográfica relevante.

Meio Ambiente e o DesportoO Meio Ambiente e o Desporto é obra editada pelobrasileiro Lamartine Pereira da Costa e organizadopelo português António Teixeira Marques. Éoriunda de um seminário realizado na FCDEF–UP.Publicada em 1997, com a participação de váriosprofessores dos países europeus e das américas.Este livro, escrito em português e inglês, temexercido influência para além das fronteiras dospaíses de língua portuguesa, e tem se constituído emdocumento de reflexão para a comunidade dodesporto sobre as relações entre desporto e meioambiente. Contendo conteúdos tais como: Por umaTeoria do Meio Ambiente; Desporto e Natureza:Tendências Globais e Novos Significados; VáriasFormas do Pensamento Ambientalista no Campo dasAtividades Desportivas; Desporto Natureza eSociedade; O Corpo Contemporâneo em CriseEcológica; O Conflito entre Desporto e Conservaçãodo Ambiente; A Ética Ambiental e o Comitê OlímpicoInternacional, entre outros, esta obra disponibilizasubsídio de muita relevância para o debate de umtema contemporâneo do maior significado.

Sobre a Seleção de Jovens DesportistasA seleção de jovens desportistas para as praticasdesportivas mais exigentes tem sido motivo demuitos debates na literatura internacional. Com

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muitas hipóteses e poucas certezas o tema édependente de tecnologias e metodologiasadequadas para seu desenvolvimento. Poistambém nesta área a FCDEF–UP tem prestadoefetiva colaboração internacional através deinvestigações no âmbito dos métodosquantitativos de José Maia. Os modelos de análisede estrutura do tipo simplex quasi-markoviano, ummodelo auto-regressivo que utiliza variáveislatentes compostas por múltiplos indicadores deperformance com erro de medida, se revela comoferramenta essencial para uma propostametodológica sobre a estabilidade da aptidãofísica.Além desse aspecto específico, José Maia com suaindiscutível competência no que se define comoárea dos métodos quantitativos tem se constituídonuma referência para pesquisadores,principalmente do Brasil, Moçambique e CaboVerde. Já são muitos os grupos de pesquisa nessespaíses que dedicados a área da promoção da saúde,da modelação da performance desportiva e deestudos epidemiológicos, encontram referêncianos trabalhos e orientações deste pesquisadorportuguês.Certamente nesta breve revisão escapam tantasoutras possibilidades efetivas de produção doconhecimento que a FCDEF–UP e seus aliadostem proporcionado como subsídios para a arte damediação no espaço da cultura portuguêsa.Referências para a compreensão do desportoescolar são evidentes nos estudos de AmândioGraça e do Gabinete de Pedagogia do Desporto. Omesmo deve ser afirmado em relação ao desporto

de lazer conduzido por Jorge Mota; do desportoadaptado pelo Gabinete de Educação FísicaEspecial; da biologia do desporto pelo respectivogabinete.Enfim, muito se tem feito em torno da FCDEF–UPcom a colaboração de estudantes, professores,pesquisadores dos demais países de línguaportuguesa que, através de convênios, protocolosde cooperação, publicação de livros, congressos,seminários, aulas, mobilidade de alunos eprofessores tem construído, com cimentoagregador, a comunidade do desporto nos paíseslusófanos.Evidentemente há muita mediação para serexercitada. De nossas limitações biológicas (quenão nos permite ver em simultâneo o ballet daslabaredas e o jogo de bola das crianças no bosque),produzimos estudos parciais. Mas é inequívocoque já há material de boa qualidade que a FCDEF–UP e seus colegas produziram, ou que encontramalgumas sínteses de relevância teórica no quadrode teorias sobre o desporto.Avançar neste caminho é um compromisso detodos nós que labutamos no espaço da culturalusófona. Que bom seria se pudéssemos percorrereste caminho sem divisões, sem erguermosbarreiras e preconceitos entre áreas, entre formasde escolher o método de investigação. Mastambém se torna relevante considerar quedeveremos desenvolver um quadro de estudiosos epesquisadores que rompendo com as barreiras dasfronteiras disciplinares, possam exercer comliberdade a arte da mediação. Talvez seja nossatarefa para a próxima década.

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

Bento, J.O. (1994) Sobre o Estado da Ciência do Desporto.Horizonte, vol.XI, Nº 63- Novembro.Castell, S. M. & Ipola,E. (s.d.) Prática Epistemológica em CiênciasSociais. Porto, Afrontamento.Gaya, A.C.A. (1994). As Ciências do Desporto nos Países deLíngua Portuguesa. Uma abordagem epistemológica. Porto,Universidade do Porto.Gaya, A.C.A. (1994). Das ciências do Desporto à Ciência doDesporto. Notas Introdutórias para uma Epistemologia daCiência do Desporto. Horizonte, Vol XI, N∞ 63- Setembro.Lovisolo, H. (1995) Educação Física. A Arte da Mediação. Rio deJaneiro, Sprint.

NOTAS

1 Não poderíamos explicar o auge internacional do basquetebolpelo fato dos norte-americanos haverem conciliado valoresestéticos do esporte com a alta competitividade? (Lovisolo,1995, p.146).2 Nesta mesma perspectiva considero a impossibilidade daciência da motricidade humana, ciência do movimento humanoou ciência da educação física.

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1. APRESENTAÇÃOSe atendermos às posições dos diversos autores,Costa, L. (1979), Parkhouse, L., & Ulrich, O. (1979)Chazaud, P. ( 1983) Chelladurai, P. (1985, 1994),Gordon, A. (1988) Tatarelli, G. ( 1986), Zeigler, E.(1987), Parkhouse, B. (1996) Slack, T. (1991, 1998),Soucie, D. (1994) Pires, G. & Claudino, R. (1994),entre outros, que nos últimos vinte anos se têmdedicado à problemática da Gestão do Desporto,podemos encontrar um conjunto de indicadores quedeterminam a sua existência como uma nova área deintervenção profissional. De facto, ao sistematizarmosos aspectos mais significativos, podemos desenharesta nova área de conhecimento tendo em atenção umconjunto de seis ideias que passamos a indicar. Emprimeiro lugar, o estado de crise do desporto modernoque determina a necessidade de existirem novasmentalidades no que respeita ao desenvolvimento.Em segundo lugar, a complexificação das práticasdesportivas que obriga a uma sistematização dasteorias da gestão contextualizadas ao mundo dodesporto. Em terceiro lugar, o surgimento de váriasorganizações relacionadas das mais diversas maneiras,com a gestão do desporto, o que permite ainstitucionalização não só duma área doconhecimento como, também, de intervençãoprofissional. A existência de investigação científica naárea é o quarto aspecto determinante para odesenvolvimento da Gestão do Desporto. Em quintolugar, as oportunidades profissionais que estão asurgir num mundo em que os empregos interessantesestão a rarear, demonstram que estamos em presençaduma dinâmica de afirmação no quadro dasoportunidades de emprego para as novas gerações.Em sexto, a formação inicial de nível superior no

Conceito de Gestão do Desporto.Novos desafios, diferentes soluções

Gustavo Manuel Vaz da Silva PiresFaculdade de Motricidade Humana,Universidade Técnica de Lisboa

José Pedro Sarmento de Rebocho LopesFaculdade de Ciências do Desporto e de Educação Física,Universidade do Porto

âmbito da Gestão do Desporto parece-nos ser umarealidade que vai garantir a nível do sistema aexistência duma forte pressão provocada pelas novasgerações acabadas de sair das universidades.Neste trabalho vamos desenvolver cada uma dasideias atrás expressas de forma a avançarmos paraaquilo que consideramos ser o enquadramentoinstitucional da Gestão do Desporto para, deseguida, apresentarmos algumas conclusões eoportunidades futuras.

2. CRISE DO DESPORTO MODERNOA crise do desporto moderno parece-nos ser um dosindicadores mais significativos que nos aconselham areequacionar os modelos tradicionais de organizaçãodesportiva. Tanto o “desporto profissional” como o“desporto educação” estão em profunda crise. Estacrise surge também da desagregação do modelocorporativo do desporto tradicional, que já nãoresponde às dinâmicas da sociedade da novaeconomia naquilo que esta tem a ver com a industriado entretenimento associada às novas tecnologias deinformação e comunicação e ao desporto.No desporto, sempre foi mais importante “fazer” doque “saber fazer”, ou mesmo até “porque é que sefazia de determinada maneira”. O “just do it” daNIKE, representa bem uma atitude que conduziu àmaior crise do desporto moderno, que surgiu nosmedia em inícios de 1999 mas que vai persistir nospróximos anos. Como se sabe, esta crise teve comoprotagonista mais visível o Comité InternacionalOlímpico que se viu envolvido em processos decorrupção relacionados com a escolha das cidadesorganizadoras dos Jogos. O falso amadorismo dosdirigentes tem de dar lugar a um sistema claro em

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Conceito de Gestão do Desporto – Novos desafios, diferentes soluções

que o próprio Olimpismo, como património daHumanidade, possa continuar a ter algum sentidopara a generalidade das pessoas, por esse mundo fora.Actualmente, a projecção do desporto na sociedade,obriga a outras estratégias, atitudes eprocedimentos, no que concerne ao seu própriodesenvolvimento. Por isso, em matéria de desporto,já não chega só “fazer”, é necessário saber “porquê?”para depois se decidir “como” se vai realizar e “qual”a melhor maneira possível de o conseguir, sob penade, se tudo for deixado ao acaso, o desporto podervir a transformar-se num mero espectáculo circensegerido por pessoas sem ideias e sem projectos paraalém dos seus interesses pessoais, e alimentado, emmuitas circunstâncias, por massas alienadas pelaviolência da competição ou por regionalismosexacerbados, que atrairão invariavelmente para assuas causas, políticos e empresários que vão, da piormaneira, aproveitar-se do desporto. Quer isto dizerque, não é qualquer prática que interessa quando setrata de teorizar a Gestão do Desporto. A prática temde ser susceptível de teorização e isto só é possívelse for reflexiva e crítica, porque senão não passaduma mera repetição.Neste quadro de ideias, a Gestão do Desporto podejustificar-se em duas perspectivas. Na primeira, a quepodemos designar de pragmática, a Gestão doDesporto existe porque tem soluções para resolverproblemas, quer dizer, estamos perante uma Gestãodo Desporto do tipo “chaves na mão”. Trata-se degerir rotinas. Toda e qualquer organização tem rotinaspara processar e quanto melhor elas forem realizadasmais a organização está disponível para idealizar edesenvolver novos projectos. Noutra perspectiva, aque podemos designar de académica, a Gestão doDesporto também tem razão de existir porque há ousurgem problemas imprevisíveis para os quais énecessário encontrar respostas originais. Para o efeito,utiliza-se aquilo a que se convencionou chamar defunções da gestão ou tarefas do gestor. Nesta segundaperspectiva, estamos perante um sistema em que assoluções são encontradas pela capacidade heurísticade construir o algoritmo conducente à solução dedeterminado problema. É o que se espera doslicenciados ao serem capazes de formular perguntas,problematizar as questões, sistematizar as possíveissoluções e escolher a mais ajustada.

Hoje, o estado de crise, tanto do “desportoprofissional” como do “desporto educação”aconselham a que sem descurar os mecanismosnormalizados da primeira perspectiva, se apostetambém na Gestão do Desporto enquanto instrumentocapaz de resolver ou, pelo menos, ajudar a resolver, osestigmas do desporto moderno. Uma coisa parece-nosevidente. É que se continuarmos a utilizar as mesmassoluções para os problemas que existem, não podemosesperar obter resultados muito diferentes daqueles quejá foram obtidos no passado. Do mesmo modo, quer-nos parecer que não são as pessoas que estão há oito,dez, doze dezasseis e mais anos nos vérticesestratégicos das organizações desportivas que vãomudar seja o que for, por muito que elas apregoem anecessidade de mudar mentalidades.De facto, em nossa opinião, há que transformar a crisedo desporto moderno numa oportunidade para asnovas gerações, com as mais diversas formações, embusca dum emprego e da consequente realizaçãopessoal e profissional, num mundo, como se disse, emque os empregos interessantes estão a rarear.

3. COMPLEXIFICAÇÃO DA GESTÃONo que diz respeito ao terceiro aspecto, salta à vistaque, nos últimos anos a gestão tem vindo acomplexificar-se. A teoria da gestão em geral temvindo a desenvolver-se obrigando a um esforçocomplementar aqueles que, no mundo do desporto,querem acompanhar a evolução. Esta complexificaçãofica, obviamente, a dever-se, à própria complexidadeda dinâmica social. A Gestão do Desporto não fugiu aesta regra, tanto na América do Norte como naEuropa, pelo que não só a investigação como opróprio ensino têm evoluído duma abordagempragmática dos problemas para uma perspectivafilosófica e, por isso, teórica dos mesmos. No entantoé bom que se entenda que se a prática só por si nãopassa duma mera repetição, por outro lado, qualquerteoria que não seja cruzada com a realidade prática,não passa dum simples acto de contemplação. Defacto, a teoria para valer alguma coisa, terá sempre deser testada pela realidade prática.Vamos analisar este capítulo tendo em atenção trêsrealidades distintas. Em primeiro a norte-americana.Em segundo a europeia. Em terceiro a portuguesa.Finalmente fazemos uma síntese do capítulo.

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GUSTAVO MANUEL VAZ DA SILVA PIRES, JOSÉ PEDRO SARMENTO DE REBOCHO LOPES

3.1 América do NorteNa América do Norte a Gestão do Desporto pode seranalisada a partir das ligas profissionais, por umlado, e o sistema de competição inter colégios euniversidades por outro. Em qualquer das situações,todo o sistema desenvolveu-se com uma lógica denegócio. Para Calhoun (1981)”the history of sport isthe story of transition from amateurism toprofessionalism.” No que diz respeito às ligas deacordo com Gallant (1991:122) o seu surgimentoaconteceu em 1869 com o baseball: “Organizedprofessional sports leagues in the United Statesbegan in 1876, when baseball’s National League wasformed. Several of its guiding principles havecontinued throughout the subsequence developmentof professional sports in this country. Individualclubes began by cooperating with each otherregarding the market supply of producers andconsumers. The producers were the players, whomade the product by playing the games on the field,and the consumers were the fans, whose ticketpurchases provided operating expenses and profits.”“Individual clubs within a professional sports leagueare nominally independent legal entities, free tomake or lose money depending upon how theyoperate their businesses.” “therefore each memberclub must be considered as both a private businessentity, and a franchise, operated in accordance withthe league-wide concerns.” A gestão territorial dasligas é realizada numa base de “conquista demonopólio, sem, contudo interferir com o sistemade competição inter colégios e universidades. Ascompetições no âmbito dos colégios e universidadesarrancaram sob os auspícios do Presidente TheodoreRoosevelt em Dezembro 1905, tendo sido fundadaem Dezembro do mesmo ano em New York City, a“Intercollegiate Athletic Association of the UnitedStates”, que a partir de 1910 passou a ter adesignação de “National Collegiate AthleticAssociation” (NCAA). Hoje, a estrutura central daNCAA tem sede em Indianapolis – Indiana, efunciona com um quadro humano de apoio de maisde 300 pessoas. Durante vários anos, a NCAA nãofoi mais do que um “grupo de discussão” no âmbitoda estandardização – “rules-making” – dos processosde coordenação e conjugação do trabalho. Em 1921,foi realizado o primeiro campeonato nacional da

NCAA em atletismo. A partir de então, novas regrase novos campeonatos foram institucionalizados. Deacordo com Berryman (1975) a filosofia dumsistema de competição organizado para préadolescentes, foi posto em causa pelo sistemaeducativo nos anos trinta, tendo muitos colégiosabandonado a organização de quadros competitivosformais. Em consequência, o livre associativismocomposto fundamentalmente por pais eencarregados de educação responsabilizou-se pelosistema de competições escolares. A partir de finaisdos anos trinta, foi organizado um sistema“voluntário” de “Ligas Infantis” com uma estruturafortemente profissionalizada cuja missão eraorganizar, numa perspectiva de “gestão de negócio”,competições para crianças com menos de 12 anos. Éevidente que um sistema deste tipo conduziu aosexcessos, hoje, sobejamente conhecidos. Todo osistema de Gestão do Desporto nos EUA esteve,desde sempre, ligado à necessidade de “fazerdinheiro”, pelo que, muitas vezes, os finsjustificaram os meios. Por isso, não é de estranharque, de acordo com Zeigler, E. (1987), na década desessenta, ainda não existissem, estudossignificativos, relativos à gestão e administração dodesporto. O autor referido, publicou em 1959“Administration of Physical Education and Athletics”e, posteriormente em 1975, “Administrative Theoryand Practice in Physical Education and Athletics”.Em 1971 a “American Association for Health,Physical Education and Recreation” já tinha,também, publicado, “Administration of Athletics inColleges and Universities”. Do lado americano, estassão as primeiras referências a mencionar.

3.2 EuropaNo que diz respeito à Europa, houve acerca daGestão do Desporto uma atitude mais sociológica e“jurisdicizada” ou até do domínio da economiapolítica (Pires, G., 1989). Em conformidade, osprimeiros trabalhos tendo em atenção a organizaçãopolítica da Educação Física e Desporto datam já dasegunda metade deste século em que os autores dereferência, em nossa opinião, podem ser, entreoutros, Jean Dumazedier (1950) com a obra“Regards Neufs sur le Sport”, George Magname(1964) e a obra “Sociologie du Sport Situation du

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Conceito de Gestão do Desporto – Novos desafios, diferentes soluções

Loisir Sportif dans la Culture Contemporaine”, JeanMeynaud (1966) com “Sport et Politique” e,Berthaud, G. & Brohm J.M. & Gantheret, F. &Laguillaumie, P. (1972) com a obra colectiva “Sport,Culture et Repression”, Bernard Jeu (1972) com “LeSport, la Mort, la Violence”. Este último autorprocurou definir os conceitos, as estruturas e osmodelos, em relação ao processo desportivo. Oimportante desta obra é o facto de, pela primeiravez, partindo da necessidade da “exigência deracionalidade” o autor falar em “definir políticasdesportivas”, idealizando um conceito com umadimensão em que procura captar a globalidade dofenómeno. Simultaneamente na Suiça, FrançoisPidoux (1972) publicou “Vers une Politique dePromotion Sportive”. O Finlandês Pekka Kiviaho(1973) publicou, através da Universidade deJyväskylä, o título “Sport Organizations and theStrutcture of Society”. Em 11 de Março de 1973, aculminar todo um trabalho coordenado por BenitoCastejon Paz, foi divulgado pelo Conselho daEuropa, a obra “La Rationalization des Choix enMatiére de Politique Sportive”. Entretanto, o grandesalto da pedagogia, da economia política e da própriasociologia para a administração dá-se em 1975através do Comité Internacional Olímpico, ao editaruma obra intitulada “Problemes d´Organisation etd´Administration du Sport, onde aparecem nomescredenciados no domínio da pedagogia do desportocomo era o de J. M. Cagical.

3.3 PortugalEm Portugal, a obra paradigmática que melhorreferencia a necessidade do Estado interviradministrativamente no desporto é a de EuricoSerra (1939) intitulada “Desporto Educação Físicae Estado”. Dizia o autor: “O Chefe do Governoanunciou já que de há muito se lhe afiguranecessária qualquer intervenção para suprir o quede outro modo não poder ser feito, para coordenaro que andasse disperso, para subordinar certosindividualismos inevitáveis ao alto interesse detodos. [...] A doutrina do Estado não é totalitáriaquanto à essência, porque o poder encerra na suaorigem limites de ordem espiritual e moral” Serra,1939: 50). Em 1967 numa perspectiva ideológicadiametralmente oposta José Esteves, publica “O

Desporto e as Estruturas Sociais”. Sob acoordenação de Prostes da Fonseca foi publicadoem 1968 “Planeamento da Acção Educativa”,editado pelo Ministério da Educação Nacional aoqual fica também ligado esse nome fundamental daadministração pública portuguesa que foi JoséMaria Noronha Feio. Manuel Sérgio (1974) na obra“Para uma Renovação do Desporto Nacional” dáabertura à discussão política e administrativa daorganização do desporto em Portugal, já na vigênciado regime democrático. Seguem-se obras como asde Melo de Carvalho (1975) “Desporto eRevolução, Uma Política Desportiva” e a de JorgeCrespo (1976) “O Desenvolvimento do Desportoem Portugal um Acto Político”.

3.4 SínteseDo exposto, é possível concluir que aquilo queconsideramos ser a Gestão do Desporto não nasceude geração espontânea, já que é o resultado dumprocesso de evolução longo, do qual, agora,começam a existir as primeiras sínteses reflexivas.Embora por vias distintas, uma norte-americanacentrada na base do desporto universitário das ligase da gestão de negócios e outra europeia, maispreocupada na intervenção política da administraçãopública e da consequente generalização da práticadesportiva através do “Desporto para Todos”, o queé facto é que, a actual Gestão do Desporto encontraas suas raízes na pedagogia do desporto em geral enas acções de lazer e recreação em particular. NosEUA, na organização das praticas desportivas decompetição escolar. Na Europa, nas actividades delazer e competição organizadas pelos clubes sociais,promovidas e apoiadas pelo próprio Estado.Na sociedade globalizada que estamos a viverqualquer dos modelos está a ser cada vez maiscomercializado pela indústria do entretenimento quevai, no futuro condicionar o processo dedesenvolvimento do desporto e, em consequência agestão das suas práticas.

4. ORGANIZAÇÕESNo que diz respeito ao surgimento de organizaçõesrelacionadas com a problemática da Gestão doDesporto, na América do Norte a “North AméricaSociety for Sport Management” foi fundada em

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1985/86 por académicos tanto dos EUA como doCanadá. Na Europa, a European Association forSport Management, existe desde 1993. Ambas asAssociações têm vindo a realizar, respectivamente,os seus congressos anuais e produzem, cada uma,uma revista com uma regularidade semestral. A“Journal of Sport Management” que começou a serpublicada em 1987 para a América do Norte e a“European Journal for Sport Management”,publicada desde 1994, para a Europa. Embora aassociação americana seja de pessoas, a europeia éde pessoas e organizações nacionais. Assim, nestaassociação, estão filiadas diversas associaçõesnacionais, entre as quais a Associação Portuguesa deGestão de Desporto, fundada em 22 de Janeiro de1996. Na Austrália, Nova Zelândia, Japão e outrospaíses da região existe uma situação semelhante.Todas estas associações formam uma associaçãomundial, a “International Aliance for SportManagement”, de características informais, que sereúne em congresso mundial de quatro em quatroanos. De facto, a dinâmica social, criada através dainstitucionalização de organizações de carizcientífico e profissional, também nos parece ser umaforte alavanca de desenvolvimento, para esta novaárea de conhecimento.

5. INVESTIGAÇÃOA investigação parece ser outro aspecto de consensoentre os diversos autores, no que diz respeito aoprocesso de institucionalização da Gestão doDesporto. É evidente que a investigação não surgede geração espontânea. De facto, a primeirainvestigação em Gestão do Desporto foi realizada noâmbito da própria Educação Física. Nem outra coisaseria de esperar, já que foi no âmbito da EducaçãoFísica que surgiu, duma maneira natural, ainvestigação na área das Ciências do Desporto. TevorSlack. (1998) da Universidade de Alberta no Canadá,um dos mais prestigiados investigadores no domínioda Gestão do Desporto afirma que “... much of thework we have produce has been restricted to studiesof physical education or athletic programs, and to alesser extent professional sport organizations andnational sport bodies.” Segundo o autor, nosprimeiros 20 números do “Journal of SportManagement”, os trabalhos publicados com uma

perspectiva empírica, 65% relacionavam-se comEducação Física ou “athletic programs”, 12.5% comorganizações desportivas, 10% com fitness clubes, e7% com “professional sport franchises”. É evidenteque há que considerar a tradição que a este respeitoreside, em muitas circunstâncias, na própriaEducação Física. Por exemplo, em 1971 a “AmericanAssociation for Health, Physical Education andRecreation” proclamava que “the responsability fordirecting and managing intercollgiate athletics in thecolleges and universities has passed through severalidentifiable phases since the inception ofcompetitive school sports. [...] The director ofphysical education has the ultimate responsabilityfor the entire athletic program.” Portanto, comoreferimos anteriormente, na América do Norte, atradição da Gestão do Desporto, vem do trabalhodesenvolvido no quadro dos programas desportivosnos colégios e universidades.Na Europa Ocidental, a partir dos anos sessenta,foram desenvolvidos programas de promoção dodesporto que obrigaram a uma significativacapacidade de gestão dos grandes movimentos demassas, então iniciados, bem como, emconsequência a produção de trabalhos deinvestigação no âmbito das políticas desportivas edos padrões de participação nos diversos países. Narealidade, o conceito de “Desporto para Todos”,sobejamente conhecido, deu origem a processos degestão desde as grandes decisões estratégicas,realizadas a nível dos Governos, até ao planeamentooperacional dos diversos organismos públicos ouprivados que acabaram por ter de as implementar.No âmbito do Conselho da Europa, foi iniciado umtrabalho em 1968, por um grupo de planificação,encarregado de “definir o conteúdo da ideia de“Desporto para Todos” (Actes de la Conferences desMinistres Europeens Responsables du Sport, 1975).Este trabalho deu origem a que o Comité dosMinistros, em Setembro de 1976, tenha adoptado aresolução “(76) 41” relativa aos princípios de umapolítica de “Desporto para Todos”, tal como foramdefinidos na Conferência dos Ministros responsáveispelo desporto realizada em Bruxelas no ano anterior.Estava, assim, lançada a “Carta Europeia deDesporto para Todos” (Rapport sur les Activités duConseil de l’Europe,1977) que, ao propor que se

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criassem as condições para que a generalidade dapopulação tivesse acesso à prática desportiva, estava,simultaneamente, a provocar que se utilizassemprocessos de gestão do desporto mais sofisticados oque por sua vez desencadeou projectos deinvestigação que funcionaram como “processos detomada de decisão”.Portanto, não é de admirar que tanto na América doNorte como na Europa, a investigação em Gestão doDesporto ainda mantenha laços muito estreitos como que se passa no mundo da educação em geral e daEducação Física em particular e toda a dinâmicasubjacente às actividades interpessoais e de decisãoporque esta é, de facto, a tecnologia que tem de sergerida. Por outro lado, é compreensível que aprodução em matéria de Gestão do Desporto aindanão tenha atingido um volume, por exemplo,comparável ao realizado em fisiologia, pedagogia ou,até, biomecânica, porque se está no início dumprocesso com uma idiossincrasia própria que surgeprecisamente da interface do cruzamento da gestãocom o desporto contextualizado a um dadoambiente. De resto, veja-se que muito embora asituação esteja a mudar, temos de considerar quetambém no mundo da própria gestão em geral, ainvestigação empírica não está muito desenvolvida(Shenhav, Yehouda, 1999). Nestas circunstâncias,em nossa opinião, não podemos ser “mais papistasdo que o Papa” e esperar que no mundo da Gestãodo Desporto as coisas sejam muito diferentesdaquelas que acontecem na própria gestão. Énecessário dar tempo ao tempo e não querer queresultados que outros obtiveram em duzentos oumais anos de profissão sejam, por nós, obtidos empouco mais de vinte anos.No entanto, é bom que se refira que a partir doinício dos anos noventa podem ser encontradasperspectivas diferentes de entender o fenómeno degestão do desporto, não a partir do desenvolvimentodos currículos de Educação Física, mas a partir daprópria organização das práticas desportivas noâmbito dos diversos sistemas desportivos. Tanto naAmérica do Norte Parkhouse, L., & Ulrich, O.(1979) Chelladurai, P. (1985), Paton, G. (1987),Rail, G. (1988) Zeigler, F. (1989), como na Europa,Chazaud, P. (1983) Pires, G. (1989) começaram a serpublicados trabalhos em que a estratégia principal

começou a situar-se na necessidade de sistematizar oconhecimento tradicional das ciências do desporto,com os ensinamentos que chegavam do domínio daadministração e da gestão, tanto na vertente queconduz à problemática da promoção social como à dagestão de negócios.Os anos noventa ficam também ligados ao arranquedos congressos de gestão do desporto organizadosdo lado americano pela a “North América Society forSport Management” e do lado europeu pelaEuropean Association for Sport Management.

6. OPORTUNIDADES PROFISSIONAISAquilo a que se pode designar por gestão dodesporto tem sido investigado por diversos autoressendo hoje já possível começar a desenhar oscontornos daquilo que os gestores de desportofazem. Lambrecht, K. (1987), através dum estudoem que consultou 264 gestores desportivos deorganizações com diferentes dimensões determinouáreas de competências que tinham inclusivamente aver com a dimensão das organizações.Kjeldsen, E. (1990), a partir de 69 questionários,correspondentes à taxa de retorno de 54.8%, detécnicos com formação inicial em gestão dodesporto, procurou saber qual o perfil dos postos detrabalho bem como as expectativas de carreira, deforma a que a posteriormente a nível académico osestudantes pudessem ser informados acerca daquiloque se estava a passar no campo profissional.Parks, J (1991), reforça a necessidade de saber acolocação e o estatuto profissional daqueles quetrabalham no domínio da gestão do desporto nosentido de, posteriormente, melhor organizar aformação inicial. Pelo que foram enviados 167questionários (taxa de resposta de 63.0%). Osresultados permitiram concluir acerca do nível deformação, estratégia de colocação, posição e salários.O autor conclui pela necessidade de se continuarema desenvolver trabalhos do tipo “levantamento doperfil do posto profissional no domínio da gestão,mas numa perspectiva interdiciplinar.De facto, o desporto apresenta-se como um sector deintervenção profissional diversificada com enormespotencialidades, não só no âmbito da economiatradicional bem como no da emergente economiasocial. Em conformidade, o desporto tem vindo a

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criar um crescente número de oportunidades deemprego com tendência para o crescimento. Dosdiversos trabalhos realizados é desde já possívelconcluir que existem a nível dos diversos países:

– Estruturas estatais descentralizadas segundo umadinâmica territorial mais ou menos orgânica;

– Estruturas profissionais de acolhimento tanto anível internacional como nacional;

– Estruturas de poder local com capacidade deintervenção no mundo do desporto;

– Um crescente número de federações desportivasinternacionais, nacionais e regionais;

– Um número indeterminável de associações demodalidades;

– Milhares de clubes, grandes, médios e pequenos;– Ginásios e centros de “fitness”;– Empresas de serviços desportivos;– Empresas de marketing e publicidade interessadas

em integrarem a ideia e o produto desporto nosseus projectos;

– Grandes e médias empresas a considerarem odesporto nas suas políticas de recursos humanos;

– Milhares de instalações desportivas de diversostipos que tem de ser geridas por profissionais comformação especializada,

podemos avaliar as possibilidades que, quer directaquer indirectamente o desporto está a abrir.É de notar que as instituições atrás referidas abriramas portas à participação dum significativo número depessoas para intervirem no âmbito da gestão dodesporto, e, em simultâneo, também foram criandopostos de trabalho de perfil pouco esclarecido masque constituíram o primeiro passo para ainstitucionalização de carreiras profissionais noâmbito da gestão do desporto. Em conformidade, éhoje possível identificar diversas postos de trabalhona área da gestão do desporto, tais como, entreoutros: Directores técnicos; Secretários técnicos;Directores gerais; Técnicos de pelouros desportivosde autarquias; Directores de instalações; Gestores deeventos desportivos; Gestores de produto; Gestoresde empresas e de outras organizações ou entidadesprivadas e públicas; Directores comerciais; Gestoresde recursos humanos; Gestores da área demarketing; Consultores; Investigadores.

Muito embora nem as oportunidades de trabalho,nem os perfis profissionais estejam bem definidos,estamos em crer que não podemos entrar numprocesso de contemplação do sistema desportivoaguardando que tudo fique esclarecido antes de setomar qualquer decisão. Pelo contrário, defendemosque é necessária uma atitude proactiva, quer dizer,como não conseguimos prever o futuro no mundo demudança constante em que vivemos, só nos restafazê-lo acontecer. Sabemos o futuro que queremosconstruir, pelo que, para nós, é clara a necessidade deexistir uma especialização generalista em matéria degestão do desporto, fortemente contextualizada aosdiversos ambientes onde se processam actividadesdesportivas, que respondam, duma forma pragmática,às necessidades que em matéria de desporto,constantemente estão a surgir no sistema social.No entanto, para que isto seja possível, é necessário,em simultâneo, esclarecer, por um lado, aquilo que seentende por gestão do desporto e, por outro, o perfilde formação necessário ao exercício das funções.

7. FORMAÇÃO EM GESTÃO DO DESPORTODesde que o primeiro programa de Gestão doDesporto arrancou em 1968 na Ohio University nosEUA (Parkhouse, Bonnie, 1996) este processo nuncamais parou. Hoje existem, só nos EUA, mais de 200instituições universitárias a oferecerem cursos deGestão do Desporto e cerca de 50 no âmbito dosdiversos países europeus. No que diz respeito aPortugal a Faculdade de Motricidade Humana foi aprimeira a iniciar este processo no início dos anosoitenta, tendo actualmente uma licenciatura emGestão do Desporto no quadro epistemológico dasCiências do Desporto. Desde então outrasuniversidades, tanto públicas como privadas,iniciaram também o ensino de Gestão do Desporto,existindo, com diferentes perfis de formação quatrocursos (formação inicial) institucionalizados(Universidade Técnica de Lisboa, Universidade daBeira Interior, Universidade da Madeira, InstitutoSuperior da Maia) e um outro, na Universidade deCoimbra a arrancar. Para além destes cursos, tanto aUniversidade Técnica de Lisboa como aUniversidade do Porto estão empenhadas narealização de Mestrados de Gestão do Desporto e atétêm vindo a colaborar neste domínio.

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A pergunta que se coloca neste momento é a desabermos qual a formação inicial necessária para aintervenção no mundo do desporto na área da gestão?É claro, a nível mundial, que a comunidadeacadémica necessita repensar constantemente todo oprocesso de ensino da gestão do desporto, de formaa assegurar que os alunos estão a ser devidamentepreparados para enfrentarem os desafios do futuro.Desta premissa, resulta um conjunto de questõesque é necessário, em cada momento encontrar asrespostas necessárias a cada situação.As questões a que nos referíamos são as seguintes:

– Quais as grandes modificações que,previsivelmente, ocorrerão no domínio daorganização do desporto, nos próximos anos, paraas quais é necessário preparar respostas?

– Porque é que as referidas transformações fazemcom que a gestão seja, cada vez mais e em grandemedida a resposta significante?

– Quais as competências específicas no âmbito dagestão que podem ser objecto duma transferênciaimediata e, porventura, directa para o domínio dodesporto?

– Como é que as competências referidas deverão sercontextualizadas (espiritualizadas) ao mundo dodesporto?

– Devem os currículos universitários liderar ouseguir aquilo que se passa nos sistemasdesportivos?

– Em que medida deverão os currículos articular odomínio do desenvolvimento de conhecimentoscom o da aprendizagem de competências?

– Em que domínios podem ou devem interagir asuniversidades e o sistema desportivo, no âmbito doensino da Gestão do Desporto?

– Que qualificações e oportunidades profissionaisdecorrem da formação em Gestão do Desporto?

– Qual é o desenho curricular mais apropriado pararesponder à formação inicial em Gestão doDesporto?

É evidente que as respostas a estas questões têm deser encontradas no âmbito das diversas necessidadessociais que, em matéria de gestão, odesenvolvimento do desporto, a nível mundial, estáa desencadear. De acordo com Karen Daylchuck

(1999), numa pesquisa entre diversas instituições anível mundial, as oportunidades de oferta deemprego no âmbito do desporto, nos próximos dezanos, vão evoluir de acordo com os seguintes itens:

1) Turismo;2) Empreendimentos;3) Gestão de eventos;4) Negócios;5) Especialistas.

Fica claro da investigação referida que é necessáriauma especialização em Gestão do Desporto, sendode prever, num futuro próximo, a necessidade deexistirem, em áreas como o desporto, especialistasque respondam, com eficiência, às rápidas mudançassociais. De facto, tem-se constatado que aslicenciaturas em Educação Física e/ou Ciências doDesporto já não respondem, como foram capazes deo fazer no passado, às necessidades actuais doprocesso de desenvolvimento do desporto, nosdiversos países do mundo.Portanto, a pergunta que se coloca neste momento éa de sabermos qual a formação inicial necessáriapara uma intervenção eficaz, no âmbito da gestão, nodomínio do desporto?É evidente que é necessário encontrar critérios decredibilidade sob pena do enorme esforço conduzidopelas mais diversas instituições poder ser posto emcausa. Em conformidade é necessário responder àsseguintes questões:

– Qual a intenção subjacente ao desenho do currículo;– Qual o (s) método (s) pedagógicos a implementar?– Qual o material didáctico a ser utilizado?– Qual o controlo a exercer no sentido do programa

não perder a sua coerência;– Quais as experiências e trabalhos práticos a

implementar?– Qual a dinâmica a implementar no que diz respeito

à sua adaptabilidade ao Sistema Desportivo?– Qual a estratégia de promoção do curso no futuro?

Foi o que aconteceu através de documentosproduzidos por duas instituições de enormeprestígio e credibilidade a nível mundial. Estedocumentos, em nossa opinião, marcam a década

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de noventa naquilo que diz respeito à formaçãoinicial e pós graduada em Gestão do Desporto. Oprimeiro é o “Standards for Curriculum andVoluntary Accreditation of Sport MangementEducation Programs”, um documento conjunto daNASPE (North America Society for PhysicalEducation e da NASSM (North America Society forSport Management) editado em 1993. Nele foramestabelecidos os critérios mínimos para umcurrículo de Gestão do Desporto poder funcionar,não só no que diz respeito às áreas burocráticas eadministrativas como científicas. O segundodocumento, foi produzido a nível do SportManagement Committee da European Network ofSport Sciences in Higher Education e editado em1995. Nele foram estabelecidos os critériosmínimos respectivamente para atribuir os diplomasde licenciatura e de mestrado a nível dasuniversidades aderentes.De acordo com Bonnie Parkhouse (1996) osaspectos fundamentais que um programa de gestãodo desporto deve conter são os seguintes: Domíniodas actividades desportivas (behavioral dimensionsin sport); Gestão e competências organizacionais emdesporto (management and organizational skills insport); Ética; Marketing; Comunicação; Finanças;Economia do desporto; Direito do desporto; Políticadesportiva; Experiência de terreno. Mais recentemente, Karen Daylchuck (1999),enfatiza que os programas de gestão do desporto,devem evoluir nos próximos anos, em termosestratégicos tendo em atenção quatro característicasfundamentais: Envolvimento com as faculdades deeconomia e gestão; Incrementar diversidade eespecialização; Enfatizar os aspectos internacionais eglobais; Melhorar a capacidade empreendedora.Em conformidade, os currículos deverão enfatizar asseguintes áreas do conhecimento: Marketing;Turismo; Recursos Humanos; Tecnologias dainformação; Relações internacionais; Planeamentoestratégico; Gestão de negócios.

8. GESTÃO DO DESPORTOMuito embora recusemos qualquer sentimentoxenófobo, - já que a ciência e o conhecimento seconstroem no trabalho de interface dos diversosespecialistas -, somos de opinião que os licenciados

em desporto (gestão desportiva) têm um espaçocientífico de actuação, com um paradigma próprio deintervenção profissional, sem necessidade desubordinação epistemológica a outras especialidadesde conhecimento.Gerir um hospital, uma fábrica ou uma empresa deserviços de limpeza, não é a mesma coisa que geriruma federação desportiva. Quem disser o contrárioestá completamente à parte daquilo que se passa nomundo do desporto. Querer encontrar invariantes quese apliquem uniformemente, numa acepção cartesianae tayloriana do homem e das organizações, às maisdiversas situações, sem atender às dinâmicasespecíficas de cada actividade social, é fazer umexercício de mera inutilidade especulativa. Entre, porexemplo, o marketing comercial e o social existemdiferenças significativas. Entre o “sponsoring”desportivo e o musical, identificam-se aspectos que osafastam radicalmente. A palavra marketing está lá emtodas as situações, só que com sentidos e aplicaçõesdiferentes. Não é a mesma “chave de parafusos” queaperta qualquer parafuso, nem qualquer parafusoserve para qualquer aplicação, muito embora seutilizem para funções diferentes diversas “chaves” eparafusos. Cada ferramenta tem a sua função e dentrodessa função, pode ser utilizada de diversas maneiras,todas elas correctas, em função das circunstâncias edos circunstancialismos em que estiver a ser utilizada.As organizações desportivas numa relação biunívocapodem estabelecer relações de mútua troca de ideiase aprendizagem com todas as outras. O que já nãonos parece tão evidente é que as organizaçõesdesportivas abdiquem dos seus próprios paradigmasorganizacionais, para seguirem, em regime deexclusividade, paradigmas alheios, desvirtuando umadinâmica que encontra as suas raízes na antigaGrécia, já que, em termos meramente operacionais,foi ali o berço da gestão do desporto moderno.Não se gere o vácuo, gerem-se pessoas, organizaçõese sistemas com características, objectivos, culturas epadrões de comportamento próprios que têm de serconhecidos e considerados, para depois se poder agir(gerir) em conformidade, através da utilização dastecnologias apropriadas. Por isso, as escolhas que,em cada momento, são realizadas acontecem porqueexistem opções que se tivessem sido realizadas poroutra pessoa seriam, necessariamente, diferentes. Só

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por humor, se pode admitir, como o faz Trevor Slack(1998) que é suficiente ler um jornal desportivo parase adquirir uma cultura desportiva. No entanto, agestão do desporto em sentido geral é um espaçoaberto à intervenção das mais diversasespecialidades, muitas delas conseguidas a partir daprópria Gestão do Desporto. Não estamos em crerque nenhuma escola se possa arvorar em detentorade todas as soluções que respondam a todos osproblemas gerenciais que o mundo do desporto estáa levantar. Tanto o desporto como a sua gestão sãoprocessos em plena evolução, pelo que ninguémpode pretender ter o monopólio absoluto sobre esteenorme espaço de intervenção social. Por isso, aoconsiderarmos o conceito de gestão do desportotemos de o fazer tendo em atenção seis questõesfundamentais: (1) Polissemia; (2) Dimensão híbrida;(3) Tecnologia específica; (4) Contextualização; (5)Nível de intervenção; (6) Âmbito de intervenção.

8.1 PolissemiaA palavra gestão é uma palavra polissémica, querdizer, tem a qualidade de poder assumir váriossentidos. Por exemplo, um gestor financeiro poderáter alguma dificuldade em aceitar que existe gestãono desporto, tal como um gestor desportivo terádificuldade em perceber que a gestão pode serreduzida ao simples domínio das aplicaçõesfinanceiras. A palavra gestão assume diferentessignificados para diferentes grupos sociais, podendomesmo haver gestores, como já referimos, quetrabalham no domínio do desporto sem que comisso sejam gestores de desporto. Portanto, nesta faseem que o desporto moderno caminha para a suamaturidade, não é exagerado dizer que estamos nodomínio duma nova gestão que pode assumir asmais variadas formas de intervenção, para aquelesque estão encarregues de unidades ou sub unidadesdum dado sistema organizacional e nele actuamatravés da manipulação duma tecnologia específica –o desporto –, adaptada a um determinado contexto.Recordamos, ainda, as palavras de Mintzberg quandonos diz que “com os mestrados em gestão, criou-seuma neo aristocracia gestora, de mercenários, semligação a nenhuma empresa ou projecto, que saltampara lugares cimeiros sem passar pelos intermédios.Na história mundial, provavelmente, 99.99% dos

gestores nunca receberam formação para seremgestores. Foram-no porque tinham qualidadesinatas.”(in: Os Melhores MBAs do Mundo,“Fortuna”, nº 5, Agosto de 1992). Maisrecentemente este académico em entrevista à revistaFast Company (Nov, 2000) afirma que os mestradosestão a treinar as pessoas erradas, de maneira errada,para funções erradas. Isto porque a gestão para tersignificado terá sempre de ser contextualizada adeterminado ambiente social.

8.2 ContextualizaçãoA gestão do desporto, nos problemas que é supostoresolver no dia a dia da vida das organizações, temvindo a provocar uma aproximação das ideiaspolíticas, estratégicas e pedagógicas, que desdesempre, duma forma mais ou menos implícita,orientaram a vida do desporto em geral e dasorganizações desportivas em particular, daoperacionalização das próprias práticas desportivas,de tal maneira que gerir, em muitas circunstâncias,cada vez mais, está a ser agir. Quer dizer, “a gestãodo desporto desceu à terra” na medida em que seestá a ocupar cada vez mais das questões concretasdo seu desenvolvimento.No mundo do desporto, apesar de se aplicarem todoum conjunto de conhecimentos relativos à gestão,estes conhecimentos só adquirem significado seforem contextualizados ao ambiente onde estão a seraplicados. Quer dizer, não chega aplicar as funçõesda gestão – planear, liderar, coordenar e controlar. Énecessário conhecer o ambiente cultural, económico,social, político e tecnológico onde elas estão a seraplicadas. Só assim a gestão ganha sentido e, sóassim, é possível reivindicar um estatuto próprio.Portanto, para nós, não existe mágica na gestão.Quer dizer que não há nenhuma gestão que emtermos absolutos seja uma mezinha que tudo poderesolver dentro do quadro do desporto. Mais do queobjectivos e metas, recursos humanos e materiais,muito mais do que conceitos, técnicas eprocedimentos mais ou menos quantitativos ou,mais ou menos, elaborados, a gestão, para serefectiva, requer, acima de tudo, contexto, pelo queestá em causa é a capacidade do gestor ser capaz deanalisar e decidir no quadro desse contexto. Por isso,uma coisa é gerir organizações desportivas - clubes

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sociais ou comerciais, federações e associações,desporto escolar - naquilo que diz respeito aodesenvolvimento das suas práticas, outra é, porexemplo, a gestão financeira por exemplo das novéissociedades desportivas.O contexto determina que se giram recursoshumanos, materiais e financeiros em função dumdado quadro cultural e dos objectivos a atingir quese devem coadunar com a vocação (aquilo que aorganização tem de fazer) e a missão (a maneiraespecial como a organização cumpre a sua vocação)duma dada organização, quer dizer, têm de estar deacordo com uma dada filosofia de acção queconfigura uma determinada identidade cultural.

8.3 Híbrido CulturalÉ fundamental referir que a gestão do desporto é umhíbrido cultural, já que advém do cruzamento devárias ciências. Por isso, não pode ser analisada nemcompreendida e avaliada, a não ser considerandotodas as contribuições técnicas científicas, sociais epedagógicas do quadro social específico em que estáa ser aplicada. Challadurai, P. (1992) ao discorrersobre o conceito de gestão do desporto, coloca desdelogo, por um lado, problemas de especialização dealgumas áreas no âmbito da gestão do desporto,mas, por outro, conclui que ainda não existe umacapacidade absoluta para diferenciar áreas, pelo queé melhor juntar forças no sentido de ter perfisprofissionais no domínio da gestão maisconsistentes. Em segundo lugar, levanta problemasde inter-relação com outras áreas do conhecimentono domínio, por exemplo, da psicologia, dasociologia e de outras, que por terem preconceitosem relação à área da gestão do desporto requerem danossa parte um cuidado especial, já que por vezesconsideram a nossa área de conhecimento comosendo um território pertença deles. Challadurai coma sabedoria de alguém que é um dos iniciadoresdesta área do conhecimento, aconselha umacooperação muito íntima entre os gestores dedesporto e os especialistas de outras disciplinas. Talcomo nos diz Mintzberg (1992) “gestor é umapessoa encarregada de uma organização ou dumasub unidade dessa organização”. Para ele, tanto égestor o primeiro ministro como o treinador de umaequipa desportiva, na medida em que cada gestor no

fundo é um técnico que gere um determinadatecnologia que conhece e domina.

8.4 TecnologiaDos postulados anteriores decorre que tem de existiruma perfeita identificação daquele que gere comaquilo que está a ser gerido. A tecnologia dum gestornuma instituição bancária ao aconselhar aplicaçõesfinanceiras aos seus clientes é completamentediferente daquela que é usada pelo director técnicodum clube ao aconselhar os pais dum jovem, no quediz respeito à prática desportiva do seu filho. Istoparece-nos uma evidência que dispensa qualquerprova. No entanto, não queremos ficar por aqui. Parapassar dos dados à teoria há necessidade deimaginação criadora que, na maioria das vezes resultado conflito de ideias de esquemas de referência, deculturas dissemelhantes ou antagónicas.Gerem-se tecnologias em determinados ambientesespecíficos. Em conformidade, o “toque especial”, daGestão do Desporto, quer dizer, a sua originalidadetem de ser encontrada num conjunto de disciplinasque tenham a ver, sob o ponto de vista biológico,sociológico, psicológico e cultural com o mundo dodesporto. De facto, temos de gerir, quer dizer, saberutilizar os instrumentos da gestão, aplicados a umdeterminado conhecimento tecnológico, o desporto.Esta gestão pode ser considerada dentro duma dadaorganização tendo em atenção a sua estruturaçãohorizontal ou vertical. No primeiro caso estamos aconsiderar o âmbito da gestão, no segundo o nível.

8.5 Nível de IntervençãoUma organização pode ser analisada segundo umeixo vertical que determina os seus níveishierárquicos (hierarquização). Estes níveishierárquicos obrigam a diferentes processos degestão. De facto, a gestão realizada no vérticeestratégico das organizações ou sistemasdesportivos, é diferente daquela que se realiza anível da tecnoestrutura, da logística, da linhahierárquica ou do centro operacional. Cada umdestes níveis hierárquicos obriga a conhecimentos,atitudes e comportamentos específicos que têm deser contextualizados ao mundo específico dodesporto que estiver a ser considerado.A autonomia não só do ponto de vista quantitativo

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como qualitativo, para tomar decisões varia, em cadauma das sub estruturas indicadas. Em cada umadelas existe um processo de gestão em que acapacidade de tomar decisões pode ser nenhuma outoda. No primeiro extremo (nenhuma) fica-se nodomínio da gestão das normas e dos regulamentos.Nesta situação gere-se um contexto eminentementetecnológico e fechado. No segundo extremo (toda)entra-se no domínio da gestão estratégica,dependendo esta circunstância do lugar que se ocupano eixo vertical do organograma da organização.O que interessa aqui reter é que, por exemplo,enquanto que o presidente dum clube está no vérticeestratégico da organização e, por isso, as suasdecisões devem ser estratégicas, já as decisões dosgestores da linha intermédia caracterizam-se, emtermos operacionais, por aquilo a que seconvencionou chamar funções da gestão ou factoresde desenvolvimento. Por fim, os treinadores, emnossa opinião, são os gestores de primeira linha quetêm de gerir os diversos factores de treino, querdirectos quer indirectos, bem como as variáveis quefacilitam e potencializam a sua gestão.No entanto, tal como um dirigente a funcionar anível do vértice estratégico duma organizaçãodesportiva não deve descurar as questões técnicas,também um treinador não pode ignorar as questõesestratégicas do clube de modo a integrá-las na gestãoque faz da equipa. Cabe à gestão intermédia,descodificar e integrar coerentemente, sempre quenecessário, ambos os discursos. Sabemos ser estauma das questões cruciais no mundo dos grandesclubes desportivos. A nível do vértice estratégicoexiste uma visão acerca da vida económica efinanceira do clube a médio e longo prazos, só quedepois não existe capacidade para idealizar acorrespondente estratégia desportiva,principalmente naquilo que tem a ver com a gestãodo próprio conhecimento no que diz respeito aosrecursos materiais humanos e informacionais bemcomo aos projectos e actividades a desenvolver.De facto, a gestão duma equipa profissional defutebol obriga à manipulação de variáveis diferentesdaquelas que caracterizam a gestão estratégicarealizada pelo presidente duma sociedadedesportiva. É evidente que, sem contar com as linhashierárquicas intermédias, o sucesso da equipa da

sociedade e / ou do clube, dependesignificativamente da capacidade de comunicaçãoentre o vértice estratégico e o centro operacional.Cada uma destas estruturas desenvolve discursosdiferentes, pelo que cada uma delas tem de ser capazde descodificar o discurso da outra ou então arranjarquem o faça. Estamos recordados da totalincapacidade de comunicação entre de SantanaLopes e o técnico da equipa principal de futebolCarlos Queiróz. Esta incapacidade traduziu-se naineficiência e eficácia da equipa de futebolprofissional e no afastamento do treinador. Comoexemplo duma boa comunicação, podemos ter comoexemplo o Futebol Clube do Porto em que o seupresidente tem revelado, ao longo dos últimos anos,uma enorme capacidade de comunicar, duma formaeficaz, com o seu centro operacional.

8.6 Âmbitos de IntervençãoSe os diversos níveis hierárquicos são determinadossempre que se desenvolve a estrutura no sentidovertical, se quisermos compreender odesenvolvimento horizontal da estrutura(departamentalização), temos de compreender queexistem critérios que já não têm a ver com ahierarquia mas com a substância da função que seestá a processar.Gerir diferentes organizações desportivas, diferentesfunções, ou até diferentes modalidades – de acordocom o critério de departamentalização que se quiserutilizar –, tem especificidades técnicas emetodológicas, para além de diversas subtilezasculturais, que não se compadecem com o atrevimentode qualquer curioso que, dum momento para o outro,se vê alcandorado num lugar de gestão no âmbito dodesporto, sem ter qualquer capacidade oucompetência para o ocupar. Isto significa que, àsemelhança daquilo a que se tem vindo a passar emdiversas actividades humanas, também a gestão dodesporto está a especializar-se, obrigando a existir atégestores desportivos com diferentes capacidades,como tem ficado claro nas mais diversas intervençõesnos vários congressos de gestão do desportorealizados, tanto a nível nacional como internacional.Só assim é possível realizar uma perfeita coordenaçãodo trabalho, ou reciproca, ou sequencial, ou emcomunidade entre as várias unidades e sub-unidades

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que devem interagir em qualquer organização noquadro do contexto das respectivas tecnologias. Noentanto, o que temos visto no país, é que estesgestores intermédios (chamados directores gerais,directores de projectos ou directores de função), emmúltiplas situações têm estado mais interessados emintervirem na vida do centro operacional do que emresolverem as questões de ligação entre aquele e ovértice estratégico, criando, deste modo, a retaguardade apoio à linha de produção (as diversas equipas aparticiparem no respectivos quadros competitivos), aque, pelas suas funções, estariam obrigados. Faltam,em nossa opinião, estruturas intermédias que tenhamconsciência da sua função de interface entre o vérticeestratégico das organizações e o centro operacional,para já não referirmos a tecnoestrutura e a logística.Estamos recordados da breve passagem de AntónioSimões pelo Sport Lisboa e Benfica que, na qualidadede Director geral, não foi capaz ou não o deixaram sera interface necessária ao funcionamento do sistema. Aactual crise do Sporting Clube de Portugal, em nossaopinião tem a ver também com o mesmo problema. Oque está a acontecer é que tanto o vértice estratégicodo clube (presidente) bem como o centro operacional(treinador) estão, por assim dizer, a trabalhar semrede e sujeitos a todas a vicissitudes dum campeonatode futebol em que só pode haver um campeão.

9. OPORTUNIDADES FUTURASPodemos antever um futuro de promissorasoportunidades. De acordo com Karen Daylchuck(1999), numa pesquisa entre diversas instituições anível mundial, as oportunidades de oferta deemprego nos próximos dez anos vão evoluir deacordo com os seguintes itens:

– Turismo;– Empreendimentos;– Gestão de eventos;– Desporto negócio;– Especialistas.

Fica claro da investigação referida que é necessáriauma especialização em gestão do desporto, sendo deprever num futuro próximo a necessidade deexistirem em algumas áreas, especialistas querespondam, com eficiência, às rápidas mudanças

sociais. As simples licenciaturas em educação Físicae/ou Ciências do Desporto, deixaram de ser capazesde responder às necessidades actuais do processo dedesenvolvimento do desporto nos vários sectores dedesenvolvimento e nos diversos países do mundo.Em nossa opinião as competências específicas paraintervir em cada um dos sectores indicados podemser obtidas, com padrões de especialização dediferentes conteúdos e níveis, nas mais diversasescolas de formação, entendendo nós que nenhumadelas pode reivindicar o direito de monopólio sobrea formação em gestão para o mundo do desporto.Portanto, antevemos as mais diversas oportunidadespara muita gente e não só para este ou aquele curso.

10. CONCLUSÕES E SUGESTÕESA velocidade das transformações sociais faz com quea experiência e o conhecimento de há vinte anosestejam, hoje, profundamente desactualizados,sobretudo quando as pessoas não foram, pelas maisdiversas razões, capazes de evoluir. Emconformidade, os sistemas desportivos nos maisdiversos países do mundo têm de ser capaz de seregenerar, sob pena de estagnarem, aliás como já éde alguma maneira notório em múltiplasorganizações de âmbito nacional e internacional.Abrem-se, assim, enormes possibilidades deintervenção profissional que as novas geraçõesinteressadas no mundo do desporto, não devemdeixar de aproveitar.Para nós, o mais importante neste momento, paraalém de ser sempre útil realizar o levantamento dosproblemas que afectam a gestão do desporto, équestionar aquilo que se anda a fazer no âmbito dagestão do desporto com repercussões no seudesenvolvimento. Isto porque, em muitas situações osvértices das organizações desportivas fecharam-sesobre si próprios, sofrem uma desregulaçãoinexorável em relação ao tempo que acabará pordestruir as próprias organizações. Repare-se porexemplo no número de anos que alguns dirigentesdesportivos se mantêm à frente das organizações. Orecorde pertence a Marc Hodler que é presidente daFederação Internacional de Ski desde 1951 e, claro, doComité Olímpico Internacional desde 1963. Este tipode pessoas, se em relação ao passado foram a solução,a partir dum dado momento, passou a ser o problema.

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Isto porque o conhecimento torna-se obsoleto a acçãoineficaz. Em consequência, os sistemas e asorganizações acabam por estagnar por falta não só denovos recursos humanos como pela desactualizaçãodaqueles que se perpetuam e multiplicam por várioslugares por anos a fio, alimentando-se das própriasorganizações a que pertencem.Em conformidade, hoje, no mundo do desporto,existe um espaço epistemológico de intervenção cujaexpressão profissional se circunscreve à gestão daspráticas desportivas que difere significativamente dagestão realizada em outras áreas ou sectoreseconómicos e sociais. Se por um lado, em matéria degestão, existem especificidades próprias quesingularizam o desporto das demais actividades, poroutro, dentro dessa mesma singularidade, a gestãodesportiva caracteriza-se por ser uma actividadecontextualizada onde numa perspectiva multiculturalse gere um tecnologia, o desporto, tendo emconsideração o nível e âmbito de intervenção.A gestão dos recursos humanos, em qualquersociedade, é um instrumento estratégico deorganização do futuro. Desencadear a regeneração dosdiversos sistemas desportivos por esse mundo fora,através de estratégias conduzidas a montante é umdesiderato que compete à sociedade civil, mastambém aos próprios governos, porque, para além de,cada vez mais, estarem em jogo verbas do eráriopúblico, colocam-se também questões de organizaçãosocial. Por isso, é necessária uma formação inicial emgestão do desporto, já que a formação tradicional jánão responde as necessidades sociais.Por nós, acreditamos que é possível, através de umaaliança estratégica entre organizações cujaperspectiva de futuro ultrapasse o imediatismo dapressão dos problemas de todos os dias – quer dizerque não confundem urgência com importância –,congregar ideias, projectos e esforços, de forma aalterar o rumo dos acontecimentos. Se assim for,estamos convencidos que as novas gerações depraticantes, técnicos e dirigentes que vão chegar aomundo do desporto em busca de emprego nummundo em que o emprego está a escassear, serãocapazes de promover as mudanças necessárias.Trata-se dum investimento na mudança a médio elongo prazos, quer dizer, dum desafio às instituiçõese às pessoas sobre o tempo, já que necessitamos de

tempo de reflexão para um desporto e umasociedade que deixaram de ter tempo para aferir osentido dos seus próprios valores. E quando associedades e as instituições, através das pessoas,começam a pensar que não necessitam de nenhunsprincípios nem valores, na medida em que tudo seresume ao dinheiro, ao mando, ao sexo e aodesporto, como nos diz o teólogo Hans Küng (FT,25/09/99), de facto, é necessário desencadear umaenorme vaga de mudança que alerte as consciênciasdas pessoas quanto à necessidade de organizarmosum futuro que não se volte contra nós próprios.Portanto, aqueles que estão nos diversos vérticespolíticos da sociedade, hão-de ter de decidir sequerem um desporto instrumento de educação, delazer, de cultura e de saúde e, em consequência,promotor de economia e de desenvolvimentohumano, ou se, em alternativa, querem um desportodesprovido de ética, socialmente injusto, alimentadopelo ódio e a ignorância, geradores de novos ódios ede mais ignorância, sorvedouro de dinheiros públicos,sem outra utilidade que não seja a de animar massasacéfalas que outra perspectiva não têm da vida senãoa de saciarem os seus mais primários instintosagonísticos através dum espectáculo desportivo devalor social, pelo menos, questionável.As universidades, podem assumir-se como ainterface desta discussão. Isto já está a acontecer dealguma maneira, na América do Norte (EUA eCanadá) através da “North America Society for SportManagement”, e na Europa através da “EuropeanAssociation for Sport Management” querecentemente, com outras associações continentaisconstituíram a “International Aliance for SportManagement”. No entanto, não somos ingénuos aoponto de pensar que este movimento internacionalprovocará rapidamente transformações a nível dossistemas desportivos dos diversos países. Narealidade, a cooperação que acontece a nívelinternacional ainda não tem efeitos nos diversossistemas desportivos, na medida em que estes, nagrande maioria das vezes, são compostos porestruturas muito pesadas, pouco receptivas aoconhecimento adquirido por via académica e,sobretudo, com uma mentalidade de que é maisimportante fazer do que saber fazer. No entanto, acontinuar este processo, tanto a nível internacional

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como dos diversos países, as mudanças, mais cedoou mais tarde, acabarão por acontecer, a partir domomento em que as Universidades, sejam elas quaisforem, começarem a colocar no mercado de trabalho,quadros com uma mentalidade e um posicionamentoem relação às questões do desporto diferentesdaquelas que formaram os dirigentes educados nalógica do sistema industrial e condicionados aosprocessos de supercompensação dele decorrentes(Bouet, M., 1968).

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Estes desafios requerem, em matéria de gestão,organização e desenvolvimento do desporto, novasatitudes e diferentes soluções, no sentido de seremcriadas nova oportunidades para futuras gerações depraticantes, técnicos, dirigentes e espectadores. A nãoser assim, aqui fica o aviso, as actuais gerações dedirigentes hão-de ser responsabilizadas por não teremsido capazes de promover um modelo sustentado dedesenvolvimento do desporto que não comprometesseas práticas desportivas das gerações futuras.

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A QUESTÃO DA EFICÁCIA DO ENSINOA investigação sobre o ensino, qualquer que seja oseu modo de se posicionar ou a sua orientaçãoconceptual ou metodológica, está intrinsecamenteimbuída de interesse pela melhoria das práticas deensino e aprendizagem (82), mesmo se esse interessenão se apresenta explicitamente declarado ouperspectivado para o imediato. A eficácia do ensinoserá um daqueles temas que por certo há-deacompanhar os caminhos da História da Educação.A ideia da excelência na acção educativa está presentenas sucessivas fases por que tem passado ainvestigação sobre a eficácia do ensino (3, 20, 33, 46, 53, 84).As mudanças de fase são assinaladas pela mudança dolocal de focagem da questão central. Mas aconteceque as questões são frequentemente recorrentes.Fases seguintes recuperam ou preservam elementosde fases anteriores. As velhas questões passam porvezes para um segundo ou terceiro plano, ou podemreaparecer reformuladas e sobretudo iluminadas pornovos modos de olhar, quer dizer, novos conceitos enovas metodologias. Este facto pode sugerir apresença de um efeito de ‘moda’ na ascensão edeclínio dos paradigmas de investigação.

AS CARACTERÍSTICAS DO BOM PROFESSORA questão da 1ª fase de investigação do ensino geral,que prevaleceu durante a primeira metade do séculoXX (23), centrou-se sobre as características do bomprofessor. Medidas do QI e testes de personalidade;listas de características do bom professor, segundo aopinião dos alunos; e avaliações impressionistas dedirectores escolares ou professores foram usadospara categorizar professores e permitir a comparaçãodos resultados dos alunos em testes estandardizados

Breve roteiro da investigação empírica na Pedagogia doDesporto: a investigação sobre o ensino da educação física

Amândio GraçaFaculdade de Ciências do Desporto e de Educação Física,Universidade do Porto

ou em exames. Muitos destes estudos padeciam deevidentes fragilidades conceptuais e metodológicase, genericamente, os seus resultados foram poucoanimadores (30):

a) Os testes de personalidade não dizem grandecoisa a respeito de como o professor se assume ese comporta na sua actividade pedagógica e nasua relação com os alunos (61, 65);

b) as apreciações globais e subjectivas deinspectores, directores da escola ou professores,muitas das vezes sem sequer terem observado oprofessor a ensinar, não oferecem qualquergarantia de validade e fidelidade (84);

c) os professores que possuíam mais característicasda lista do bom professor não obtiveram em gerale de forma consistente maiores ganhos deaprendizagem com os seus alunos (53);

d) as características do professor, ainda que muitoplausivelmente importantes, não actuarãoisoladamente.

Este programa de estudo não teve grande eco na áreada educação física (50).

A ELEIÇÃO DO MELHOR MÉTODOA 2ª fase centrou-se sobre a descoberta do métodoideal, através da comparação de resultadosproduzidos pela aplicação de diferentes métodos deensino.À pouca credibilidade académica e científicageneralizadamente atribuída à sistematização doconhecimento sobre os métodos de ensino,procurou-se responder com a exibição dospergaminhos da prova científica e do método

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experimental clássico. Métodos de ensino derivadosde teorias psicológicas ou extrapolados dedescobertas de estudos laboratoriais daaprendizagem motora foram ensaiados e testados emsituações de ensino artificiais ou muitocondicionadas. Os resultados obtidos por este tipode pesquisa mostraram-se, no entanto,inconclusivos, contraditórios e por vezes, ingénua oususpeitosamente tendenciosos. Do ponto de vistaconceptual havia alguma confusão entre ensino eaprendizagem motora. Isso mesmo está patente nocapítulo de revisão que Nixon e Locke (55)

escreveram para o 2º volume do Handbook of Researchon Teaching. Por outro lado, do ponto vistametodológico, a ausência de controlo das variáveisde processo, dada a inexistência de indicadores decomprovação da implementação do método (51), onúmero reduzido de turmas incluídas nos estudos ea adopção de unidades de análise inadequadasconfundiam os efeitos eventualmente produzidospelos métodos com efeitos atribuíveis a diferençasidiossincráticas dos professores (7). Este esquema deinvestigação, foi muito popular na Educação Física,pois oferecia um esquema expedito para resolver osproblemas pessoais da elaboração das provasacadémicas, mas não tinha força para se transformarnum programa credível e produtivo. O interessepelos métodos não desapareceu, antes pelocontrário, mas foi obrigado a procurar legitimidadeno quadro das condições reais em que o ensinoocorre. Desta forma o interesse pelos métodossobrevive à fase seguinte da investigação,revigorando-se nela, ou então afirmando-se emcontraponto. Em vez de continuarmos a perguntarqual é o melhor método, Rink (63) aconselha-nosantes a questionarmo-nos “para que propósitos, emque circunstâncias e de que maneira devo eu utilizaresta metodologia de instrução?” (p. 9).O comportamento do professor eficazA questão central da 3ª fase (com início na década de60) foi a de saber o que faz o professor eficaz. Como éque os comportamentos de ensino, as variáveis deprocesso observadas na aula se associavam aosresultados da aprendizagem dos alunos, as variáveisde produto. O propósito era o de isolar e identificaruma lista de competências do professor eficaz.Dunkin e Biddle (22) forneceram um modelo

conceptual robusto que facilitava a integração dodelineamento dos projectos de pesquisa individuaisnum programa geral de investigação. O modelopermitia considerar na análise do ensino amultiplicidade de relações possíveis entre factores dediversa ordem: variáveis do contexto (do aluno, daescola e da comunidade), variáveis de presságio(personalidade, formação e experiência dos sujeitosdo estudo, professores ou alunos), variáveis deprocesso (comportamentos do aluno,comportamentos de ensino) e variáveis de produto.O paradigma processo-produto estabeleceu odesenvolvimento da sua investigação numencadeamento de 3 momentos – descriptive-correlational-experimental loop (66): O momentodescritivo dá resposta ao estudo exploratório e defecundidade das categorias de observação; omomento correlacional estabelece a associaçãoentre as variáveis de processo e os ganhos deaprendizagem das turmas com bons ou maus níveisde rendimento; o momento experimental treinaimplementa e testa programas de aplicação dasvariáveis de processo previamente associadas aosmaiores ganhos de aprendizagem.Vários estudos replicaram correlações consistentesentre variáveis de processo e rendimento dosalunos. Os princípios e modelos estabelecidos combase na investigação tiveram viabilidadeexperimental (7, 67, 54). Dado terem sido geradas nascondições reais de ensino, e não a partir desituações de laboratório, as descobertas forampercebidas como tendo grande utilidade para amelhoria das escolas, para a avaliação do ensino epara a definição dos programas da formação deprofessores. A sua influência estendeu-se a diversosníveis do aparelho do sistema educativo.Da síntese dos grandes estudos processo-produtoemergiu o modelo de Direct Instruction. A economiado modelo é evidente. Housner (42) sistematiza-oem 5 alíneas:

a) definir objectivos claros e garantir que os alunosos compreendem;

b) apresentar uma sequência de tarefas académicasbem organizadas;

c) fornecer aos alunos explicações claras e concisasda matéria, que incluam coisas como a utilização

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liberal de demonstrações e ilustrações;d) colocar perguntas frequentes de modo a controlar a

compreensão dos alunos e reensinar se necessário;e) proporcionar aos alunos frequentes oportunidades

de sucesso nas tarefas académicas e disponibilizarfeedback.

Mas, apesar do sucesso do programa de investigaçãona satisfação dos objectivos a que se propusera, eleentra em perda da posição dominante nos anos 80,no ensino geral e 10 anos mais tarde na educaçãofísica, assistindo-se a um deslocamento da agendapara outros programas e paradigmas de investigação.Aquilo que era inicialmente a sua grande vantagem,a utilização de instrumentos de observaçãoobjectivos e sistemáticos passou a ser criticado combase no argumento de que a agregaçãodescontextualizada dos comportamentos e o recursoa variáveis de baixa inferência nos procedimentos derecolha de dados comprometerem a consideração daintencionalidade do ensino. Não respeitando asrelações de fronteira do comportamento com ascondições situacionais em que ocorre era inevitável aperda de acesso aos propósitos das acções (20).Outra das críticas mais fortes ao paradigmaprocesso-produto é o da sua propensão para oateoricismo, que se evidenciaria tanto na ausência deuma perspectiva teórica para dar significado ecoerência ao direccionamento das questões sobre oensino, como na insuficiente integração dosresultados da investigação num esforço deteorização. A investigação processo-produto parecedar-se por satisfeita por dar conta do que funcionaaparentemente bem, sem cuidar de saber porquê (82).Tornou-se evidente a insustentabilidade da assunçãode uma relação directa e mecânica entrecomportamento de ensino e resultados deaprendizagem. Entre o processo de ensino e oproduto da aprendizagem do aluno há um espaço deexplicação ausente ou insuficientementeconceptualizado.A forma como os resultados da investigaçãoprocesso-produto se repercutiram nas políticas deavaliação, promoção na carreira e formação deprofessores mereceu a reprovação inclusive das suasprincipais figuras (7, 54). Em vez de serem entendidascomo princípios gerais de actuação que norteariam

as decisões dos professores nas particularidades deensino, as conclusões da investigação foram, emdiversos locais, implementadas como prescriçõesestritas de comportamentos. Duas mensagensreducionistas, (1) a de que a competência pedagógicapode ser equacionada de forma clara e simples e (2) ade que as descobertas da investigação processo-produto fornecem a matéria essencial para aformação de professores, servem de pretexto àredução da duração da formação inicial, contribuempara o enfraquecimento do professor enquanto autordo seu ensino e reforçam a sua dependência docontrolo externo de gestores, avaliadores eespecialistas do currículo (20, 42).

O COMPORTAMENTO DO ALUNO EA GESTÃO DO TEMPO DE AULAO Beginning Teacher Evaluation Study (BTES) constituia primeira tentativa de resposta a este problema dohiato entre comportamento de ensino e resultado deaprendizagem. Com efeito, o Academic Learning Time(ALT), centrando-se estrategicamente sobre aactividade do aluno, veio a demonstrar-se como umavariável muito forte e com valor preditivo para aconsecução dos alunos (5, 17, 84). Ele marcouprofundamente a agenda da investigação do ensinoda Educação Física, desde os finais da década de1970 até aos nossos dias, (89, 57, 10). O Sistema deObservação ALT-PE (Academic Learning Time inPhysical Education) desenvolvido por Siedentop,Birdwell e Metzler (87) e modificado por Siedentop,Tousignant e Parker (88) e o sistema OBEL-ULG(Observation de l’Éleve), desenvolvido por Piéron (58),ambos centrados na actividade do aluno e na gestãodo tempo da aula, alimentaram grande parte dainvestigação no ensino da educação física.No entanto, o tempo continua a não satisfazer asexigências de explicação, por demasiado grosseiro,incapaz de diferenciar as nuances de qualidade noconteúdo que quer medir (82). Needels e Gage (54)

procuram colmatar o problema da insuficientecontemplação das variáveis de mediação através dasugestão de uma melhor fundamentação teórica dosprocessos de aprendizagem com base nas concepçõescognitivas da aprendizagem do aluno. Housner (42)

sublinha a razão de ser dessa necessidade com aevidência empírica que aponta para um muito maior

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poder preditivo das estratégias cognitivas do alunosobre os seus resultados escolares. A assunçãoimplícita de uma causalidade linear simples entrecomportamento de ensino e resultado daaprendizagem dá lugar a uma perspectiva bem maiscomplexa envolvendo a interacção doscomportamentos de ensino com os processos demediação do aluno.Rink (63) propõe que esta interacção entre eficácia doensino, dos métodos de instrução, e a aprendizagemseja analisada através da perspectiva de uma teoriade aprendizagem.A quantidade de tempo de empenhamento motor, onúmero de repetições ou o sucesso na realização dastarefas não pode ser abstraído da consideraçãofundamental que é o nível de processamento ou aqualidade do confronto do aluno com a tarefa deaprendizagem. Para Rink (63), se, quanto quando, ecomo fornecer informação ao aluno deve serdeterminado em função do objectivo de estabelecerum nível óptimo de processamento:Saber como pôr os alunos a processar o que estão afazer quanto baste para “gerar” respostas motorasapropriadas e saber quando intervir com ajuda maisespecífica e diferentes tarefas que solicitem respostasmais avançadas é talvez a arte do ensino (p5).

PERSPECTIVA ECOLÓGICA DAAULA DE EDUCAÇÃO FÍSICAOs estudos ecológicos da sala de aula têm comoprimeira preocupação compreender os modos comoo pensamento e acção são organizados pelasexigências do envolvimento (18, 19, 20, 21). Olha-se paraa sala de aula como uma unidadeecocomportamental, composta por segmentos quecircunscrevem e regulam os processos depensamento e acção, tanto de professores como dealunos. (19, 20). Na Educação Física a perspectivaecológica deu corpo a um programa de investigaçãona Universidade de Ohio, sob a liderança de DarylSiedentop (40, 86). Este programa toma por referênciaa interacção e interdependência de três sistemasinterrelacionados: o sistema de gestão, o sistema deinstrução e o sistema de socialização dos alunos (91).Um conceito nuclear nestes estudos é o deaccountability system, o sistema de exigências eresponsabildades que opera na aula. Os primeiros

estudos, de natureza etnográfica puseram emevidência algumas diferenças entre a ecologia doensino geral e da educação física (93), salientando,nomeadamente a importância do sistema desocialização dos alunos, as manobras de modificaçãoda actividade e de evitar a participação sem sernotado (competent bystander).Os estudos da gestão da sala de aula lidam com aproblemática da criação e manutenção da ordem naaula, e a garantia da cooperação dos alunos, aspectosessenciais para a viabilização do sistema de trabalhoda turma, encarada na sua dimensão social (19). Osestudos em educação física revelam que os sistemasde gestão são melhor ensinados e supervisionadosque os sistemas de instrução (86). As tarefasrotinadas ou facilmente rotináveis decorremnormalmente sem problemas, os alunos sabemfuncionar nelas e sabem o que se espera que elesfaçam, que contas é que têm de prestar por elas. Olema do “happy, busy and good”, destacado por Placek(59), ilustra a acomodação dos professores deEducação Física a uma actividade rotineira, ou aofecho do negócio da tarefa pelo preço que os alunosbem quiserem dar. Ennis (26) reporta o abandono docurrículo da instrução e a conformação com ocurrículo da manutenção da ordem e da motivaçãoextrínseca. Em muitos casos a aula de educaçãofísica é dominada pelo sistema social dos alunos,transformando-se numa espécie de recreiosupervisionado (86). A linha de investigação mais centrada sobre atransacção académica tem como ponto de referênciacapital o conceito de tarefa. A tarefa refere-se àmaneira como está definido o trabalho dos alunos e,por conseguinte, ao ajustamento do nível que sepreconiza para o confronto dos alunos com asexigências académicas. Os conceitos de Rink (62)

relacionados com a estrutura e sequência das tarefasde instrução (tarefas de informação, de extensão; derefinamento e de aplicação) permitiram estudar ofuncionamento do sistema de tarefas na aula (34, 39, 47).A interpretação das tarefas não é, porém, umprocesso linear. Com muita frequência, os alunostorneiam as tarefas ou inventam estratégias pessoaispara despachar o trabalho, para as tornar maisdivertidas (38), de tal forma que descaracterizam oobjectivo preconizado para a tarefa. Em Educação

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Física é muito comum modificarem o grau dedificuldade da tarefa para reduzirem ou aumentaremo nível de desafio ou risco (92, 93). As operaçõespreconizadas para a concretização das tarefas nemsempre são claramente explicitadas e algumas delassão mesmo intrinsecamente ambíguas. Decorredaqui um processo negocial mais ou menossubterrâneo que concretiza o leque de exigências dastarefas e que muitas das vezes redunda numaalteração completa da natureza da tarefainicialmente preconizada pelo professor. Não rarasvezes, tarefas apresentadas para trabalhar aspectoscognitivamente complexos vêem-se reduzidas ameros formalismos processuais.

O PENSAMENTO DO PROFESSORA afirmação veemente da natureza irredutivelmentecomplexa do processo de ensino-aprendizagem e oreconhecimento da insuficiência no entendimento doprofessor como um técnico que aplica com eficiênciao know how do ensino aprofundam a perspectiva doprofessor como um profissional autónomo, tal comoo médico, o advogado ou o arquitecto (83, 13, 14), elegitimam a reivindicação de dar voz ao professor, odireito de ver considerada a sua perspectiva, o seumodo de ver as coisas nos seus próprios termos (20, 24).O paradigma do pensamento do professor coloca emprimeiro plano a ligação entre os processos depensamento e acção: A ideia de base é a de queaquilo que o professor faz é influenciado pelo que oprofessor pensa (15). Não sendo uma ideiarevolucionária e fazendo parte até do esquemaconceptual do processo de ensino e aprendizagem deGage (82), o questionamento empírico dopensamento do professor só se torna viável com ocrescimento da influência das perspectivascognitivistas no estudo do ensino. Se bem que, paraalém das abordagens teóricas e metodológicasoriundas da psicologia cognitivista (36), tambémoutras abordagens, nomeadamente dafenomenologia, trouxeram as suas perspectivas decomo explorar este território (13).A investigação sobre o pensamento do professor foide início conceptualmente configurada em trêsdomínios distintos, mas coadjuvantes, se entendidosnuma relação de interacção cíclica:

a) o domínio do planeamento (pensamentos pré epós interactivos),

b) o domínio dos pensamentos e decisões interactivos ec) o domínio das teorias e crenças (14).

O planeamento do professor constituiu-se comouma janela estrategicamente privilegiada paracontemplar o ensino. Quaisquer intenções dereforma educativa, de inovação curricular ou deensaio de métodos e materiais didácticos terão queforçosamente passar pelo crivo do planeamento doprofessor. Compreender o planeamento doprofessor é, do ponto de vista psicológico,compreender como o professor transforma einterpreta conhecimento, formula intenções e actuaem função desse conhecimento e dessas intenções(13). Os teóricos do currículo perceberam aimportância desta ideia para o aprofundamento dacompreensão da dinâmica da implementação docurrículo. De uma fase de estudo do planeamentoem separado passou-se a uma nova fase em que eleaparece ligado, entre outros temas, ao estudo datransformação de conhecimento e ao estudo doensino e aprendizagem das matérias específicas (13).Shavelson (81) considerou a hipótese da tomada dedecisão constituir a competência básica do ensino.Adoptar a imagem do ensino como uma cadeia detomada de decisões pode, no entanto, prestar-se aalgumas confusões conceptuais, nomeadamente noque fica entendido por decisão e como seoperacionaliza o conceito nos estudos empíricos, muitoparticularmente no que diz respeito ao processamentoda informação na fase interactiva de ensino.Grande parte das acções parecem ser governadas“em piloto automático”, na observância de regras erotinas. Por sua vez, as decisões que pressupõemestudo e ponderação parecem ocupar um lugarmodesto no pensamento interactivo do professor.O conceito de rotina, tradicionalmente associado emPedagogia à ideia de ausência de vitalidade einovação no ensino, aparece, com a investigaçãosobre o pensamento do professor, investido numpapel crucial para a explicação do processo deensino. A rotina corresponde a procedimentos eregras estabelecidos que permitem aos professores ealunos coordenar e controlar sequências decomportamentos. Reduz acentuadamente a carga

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informativa a processar pelo professor e tornaprevisível ou compreensível o curso da acção paraprofessores e alunos e com isso permite que oprofessor fique liberto e disponível para outrasactividades, nomeadamente a supervisão selectiva docurso da actividade e a implementação de acções nãopassíveis de se estabelecerem como rotinas.Uma das estratégias para compreender os processosde pensamento do professor foi a de contrastarprofessores experts ou experientes com professoresem início de carreira (em muitos estudos o critériopara a classificação de expertise resume-sebasicamente ao tempo de serviço).Constatou-se que os experientes e os novatosapresentam diferenças qualitativas nos processos depensamento e acção: O processo de pensamento dosprofessores experientes é mais complexo (45). Estesprofessores atentam em aspectos diferentes da aula;não se prendem com aspectos superficiais eestímulos irrelevantes (8); requerem mais informaçãoantes de realizar o plano, principalmente sobre ascaracterísticas dos alunos e os materiais eequipamentos disponíveis (44, 35); são mais selectivosna utilização da informação durante o planeamento ea interacção; fazem mais uso de rotinas de instruçãoe gestão (6). Os experts possuem um conhecimentosofisticado da escola, dos alunos, e do ensino quelhes permite tornar mais previsível o decurso dainstrução (9). Com a experiência os docentesrecorrem mais à memória profissional para a tomadade decisões pré-interactivas (45). Os professoresexperientes vêm para a situação de instrução nãoapenas com um plano de actividades e tarefas, mastambém com um plano de gestão para implementaressas tarefas e planos para atender a contingênciasque poderão afectar o progresso da aula (35).A crítica que se faz aos estudos centrados sobre osprocessos de pensamento e aos estudoscomparativos expert-novice (82, 11) é a de tenderem adar pouca atenção ao conhecimento que osprofessores utilizam para interpretar as situações ouformular os planos e tomar as decisões. Asistematização das diferenças entre experts e novicestende, por sua vez, a realizar-se em torno degeneralizações abrangentes sobre a qualidade dasdiferenças, muitas vezes contribuindo pouco para acompreensão do que os professores sabem. Importa,

porém, realçar que foram estes estudos que abriramas portas ao estudo do conhecimento do professor.Os estudos do tipo expert-novice já tinham dadoprovas noutros domínios, nomeadamente nodiagnóstico médico, na cognição política, naresolução de problemas de física, no xadrez e nobridge (11). Três conclusões fundamentais sobre ascaracterísticas do conhecimento do expert ajudam acompreender os seus processos cognitivos:

a) o conhecimento dos experts é especializado, éespecífico do domínio de expertise considerado;

b) o conhecimento dos experts é organizado;c) muito do conhecimento dos experts é tácito – não

é formal ou facilmente traduzível para instruçãodirecta.

Estas características do conhecimento do expertapontam para a necessidade de estudar melhor aorganização e substância do domínio específico doconhecimento e os processos pelos quais esseconhecimento é apreendido. E de uma forma graduale natural a investigação sobre o pensamento doprofessor foi dando cada vez mais atenção e espaço àproblematização do conhecimento do professor (11).

O CONHECIMENTO DO PROFESSORA questão do conhecimento do professor constitui-secomo um ponto de confluência e de debate quer deperspectivas conceptuais e metodológicas (empírico-analíticas, interpretativistas e social críticas), quer dediferentes parentescos disciplinares (psicologiabehaviorista ou cognitivista, sociologia, antropologia),quer ainda das diferentes áreas da investigaçãopedagógica (currículo, ensino, formação deprofessores, socialização profissional). A investigaçãorelativa ao conhecimento do professor de uma formageral não está tanto interessada em identificar oconhecimento formal ou disciplinar e avaliar em quemedida o professor domina esse conhecimento, mastende a preferir considerar o conhecimento a partir daperspectiva pessoal do professor (24, 76), docruzamento do conhecimento com as suas crenças evalores (16, 25, 28, 60), das características distintivas dassuas estruturas cognitivas (27, 43, 52), dos problemaspráticos (79) ou dos dilemas (48) que tem de resolver,da orientação e organização que dá ao trabalho e às

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relações na aula (21) e das transformações que tem derealizar sobre o conteúdo para atender àsparticularidades dos seus alunos (83).Numa perspectiva constructivista, as novasaprendizagens constroem-se com base noconhecimento anterior que o sujeito possui. Esseconhecimento (onde se inclui também as concepçõesingénuas e erros conceptuais) serve de filtro à novainformação. De acordo com o postulado propostopor Chinn e Brewer (12), quando alguém éconfrontado com dados que contradizem uma teoriapessoalmente sustentada pode responderbasicamente de 7 diferentes maneiras:

a) ignorar os dados anómalos;b) rejeitar os dados;c) excluir os dados do domínio da teoria;d) manter os dados em “suspenso”;e) reinterpretar os dados, conservando a teoria;f) reinterpretar os dados e introduzir mudanças

periféricas na teoria; oug) aceitar os dados e mudar a teoria.

A aprendizagem envolve uma interacção entre umanova concepção e outra já existente, cujo resultadodepende da natureza desta interacção. Se houverpossibilidade de conciliação entre as concepções, aaprendizagem processa-se sem dificuldade. Se tal nãofor o caso, a aprendizagem exigirá a restruturação daconcepção existente ou mesmo a mudança para umanova concepção (41). O tema do conhecimentopedagógico do conteúdo mereceu uma atençãoespecial na Educação Física (1, 32, 37, 56) e temenquadrado a investigação de diversos autores (29, 31,

78, 94). Inez Rovegno tem desenvolvido um programade investigação orientado por uma concepçãoconstructivista da aquisição e transformação doconhecimento pedagógico do conteúdo e doconhecimento curricular. De acordo com a autora (68,

69, 70, 71, 72, 73, 74, 75), a adesão a uma abordagemconstructivista do ensino reclama mudanças em largaescala no conhecimento do professor sobre oconteúdo, a aprendizagem, o ensino e a gestão erequer um apoio prolongado no tempo e uma reduçãodos obstáculos no interior do contexto da escola eimplica concomitantemente um envolvimentoafectivo forte com a abordagem e um conjunto de

disposições que assegurem e reforcem essa adesão.Sebren (80) pôs em evidência o problema doconhecimento curricular da matéria, quandoverificou que alguns candidatos a professor deEducação Física, durante as experiências de práticapedagógica, revelavam não possuir uma visão damatéria como um todo – cada aula era uma unidadediscreta desconectada das aulas anteriores e dasaulas seguintes. Verificou também a ausência deuma ideia concreta dos níveis de habilidade e deexperiência dos alunos na matéria. Todos oscandidatos estabeleceram expectativas mais elevadassobre a capacidade dos alunos.As crenças acerca da matéria desempenham umpapel decisivo na hierarquização dos graus deimportância das diferentes componentes da matéria,na especificação do que é importante conhecer. Ogrande problema das crenças é a sua inércia. Éextremamente difícil demover as crenças instaladas,principalmente quando elas resultam de uma longaexperiência. Ennis (25) refere que os professorespodem despender um grande esforço para encontrarformas de ensinar conteúdos que acreditam serimportantes para os alunos mas, inversamente,investem pouco quando avaliam o conteúdo comopouco importante. Curtner-Smith (16) pôs em relevoos factores que condicionam a resposta dosprofessores de educação física às propostas dereforma curricular e conclui da ineficácia domovimento da reforma na alteração dos valores ecrenças dos professores.As concepções que os professores possuem acercados conteúdos de ensino e acerca dos alunos comquem trabalham reflectem-se no modo comopensam e desenvolvem as suas práticas de ensino. Oconhecimento que o professor tem da disciplina quelecciona interage com conhecimentos, convicções ecrenças acerca da educação, do ensino eaprendizagem, acerca dos alunos e acerca doscontextos educativos.

CONCLUSÃOComo o título pretende ilustrar, este trabalho nãopretende mais do que abrir as portadas de uma dasjanelas da casa da pedagogia do desporto – a janelada investigação empírica sobre o ensino da educaçãoda educação física. Apesar da sua juventude como

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área de investigação a Pedagogia do Desporto é hojeum edifício muito complexo. Não se esgota naEducação Física, tem como campo de estudos todasas práticas desportivo-corporais e interessa-se pelopraticante dessas actividades de todas as idades econdições. Ainda assim vários temas e perspectivasda investigação pedagógica da educação física sãofocados muito superficialmente ou não são pura esimplesmente tratados. Estão nestes casos, porexemplo, a investigação sobre a socialização do

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professor, a investigação sobre as atitudes, ascrenças e os processos cognitivos dos alunos, osestudos de orientação social crítica. as metodologiase os métodos de investigação . A literaturarecenseada não pretendeu ser exaustiva, antesprocurou ser ilustrativa e principalmentecompreensiva, incidindo particularmente sobreartigos de revisão, com a intenção de encaminhar osleitores para fontes de recolha de informação maisricas em extensão e enfoque temático.

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Breve roteiro da investigação empírica na Pedagogia do Desporto: a investigação sobre o ensino da educação física

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INTRODUÇÃOAo contrário do que por vezes parece ressaltar dealgumas declarações de pessoas mais ou menosrelacionadas com o fenómeno desportivo, o estudo daPsicologia do Desporto (PD) não é recente, porquantoparece ser consensual situar o seu ‘nascimento’ entreo final do século XIX e o início do século XX.Na realidade, ainda que exista uma ligeiradivergência quanto ao exacto momento em que issosucedeu – apesar da esmagadora maioria dos queescreveram sobre a história da PD (4, 9, 10, 17) terindicado o clássico estudo de Triplett, realizado em1897 sobre a facilitação social do rendimento emprovas de ciclismo, como o primeiro relacionadocom a PD, tanto Salmela (14) como Biddle (1)

chamaram a atenção para o facto de outros autoresterem destacado que antes do estudo de Triplett jáhaviam sido desenvolvidos estudos sobre outrosassuntos igualmente enquadráveis no âmbito da PD,como, por exemplo, os efeitos da hipnose naresistência muscular, ou a psicologia da calistenia –esse momento é já claramente centenário.Todavia, e independentemente da relativa controvérsiaque pode envolver a determinação de qual foiexactamente o primeiro estudo sobre os factorespsicológicos em contextos desportivos, parecem nãosubsistir quaisquer dúvidas relativamente ao momentomarcante da evolução que se verificou neste domínionos últimos anos. Efectivamente, os autores que têmestudado a história da PD são unânimes em reconhecerque esse momento se verificou em 1965, com arealização do I Congresso Mundial de Psicologia doDesporto, em Roma.Para a assunção da PD como uma ciência, havia quedefinir claramente o seu objecto de estudo e

A Psicologia do Desporto e a “batalha da qualidade”

António Manuel FonsecaFaculdade de Ciências do Desporto e de Educação Física,Universidade do Porto

metodologia própria, o que só veio a acontecer nasequência da dinâmica imprimida a partir doCongresso de Roma. Nesse sentido, a PD deve serentendida como uma ciência bastante recente, aindaque com raízes antigas.O estudo da PD permaneceu pois, durante muitosanos, praticamente ‘no limbo’, já que entre omomento em que foi desenvolvido o primeiro estudoe o Congresso de Roma não foram muitos os que seinteressaram por desenvolver esforços nestedomínio. Ao invés, a partir de 1965, a dinâmica temsido completamente distinta, assistindo-se hoje aum interesse claro e manifesto pelo que se produzno âmbito da PD, razão pela qual também são cadavez mais os que envidam esforços nesse sentido.Ainda que a evolução da PD tenha estado semprebastante dependente da comunidade norte-americana, progressivamente tem-se assistido aoaumento do interesse por esta temática noutrospaíses. Por exemplo, Salmela (14) salientou que deaproximadamente 1300 indivíduos interessados eactivos na PD em 39 países distintos, que calculavaexistirem em 1981, se passou para mais do dobro em1990, altura em que estimava existirem já mais de2700, distribuídos por 61 países.Actualmente, como seria de esperar, os números sãosubstancialmente mais elevados. Por exemplo, senos concentrarmos apenas na realidade norte-americana, verificamos que cada uma das principaisassociações científicas e/ou profissionais aí sediadas– a que nos referiremos posteriormente – contaneste momento com mais de 1000 membros, o que,não obstante alguns estarem afiliados a mais do queuma associação, indicia que o número estimado de750 psicólogos do desporto existentes em 1990 (14)

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foi completamente ultrapassado.Ainda que o objectivo fundamental deste trabalhonão seja o de descrever a história do aparecimento eevolução da PD, iremos em seguida concentrarmo-nos nalguns desses aspectos, por forma a procurardemonstrar que estando ganha, no essencial, abatalha da quantidade (i.e., da sua afirmação) é, pois,importante travar agora cada vez maisempenhadamente a batalha da qualidade.

ASSOCIAÇÕES CIENTÍFICAS E/OU PROFISSIONAISNormalmente, o progresso de uma área doconhecimento depende em grande medida dodinamismo das associações científicas e/ouprofissionais que se movimentam no seu âmbito.Também no que se refere à PD, o papeldesempenhado pelas associações científicas e/ouprofissionais que se foram constituindo após oCongresso de Roma foi determinante para o seuactual estado de desenvolvimento.Assim, o I Congresso Mundial de Psicologia doDesporto, realizado em Roma, foi igualmentemarcante por ter sido aí que foi lançada a primeirapedra para a formação da International Society of SportPsychology (ISSP), organização que desde então temcoordenado as diversas organizações nacionaisrelacionadas com a PD.Porém, a ISSP não foi a única associação científica e/ou profissional criada após o Congresso de Roma.Ou seja, para além da ISSP, e ainda antes de terminara década de 60, formaram-se, nos Estados Unidos daAmérica (EUA), a North American Society for thePsychology of Sport and Physical Activity (NASPSPA;1967), no Canadá, a Société Canadienne deApprentissage Psychomoteur et Psychologie du Sport(SCAPPS; 1969), e na Europa, a Fédération Europeénnede Psychologie du Sport et des Activités Corporelles(FEPSAC; 1969).Paralelamente à criação destas associações, deabrangência continental, assistiu-se igualmente àformação de numerosas associações nacionaisdevotadas ao desenvolvimento e promoção da PDnos respectivos países. Por exemplo, no que se refereapenas à Europa Ocidental, a maior parte dos países– Inglaterra (1967), Suiça (1968), Alemanha (1970),França (1973), Itália (1974), Suécia (1975),Finlândia (1976), Espanha (1977), Grécia (1978), e

Áustria (1979) – formou a sua associação de PDentre os finais das décadas de 60 e 70.A Sociedade Portuguesa de Psicologia do Desporto(1978) foi igualmente formada neste período, porum conjunto de pessoas profundamenteinteressadas no fenómeno da PD, provenientes devariados quadrantes (psicólogos, professores deeducação física, treinadores, médicos, e atéjornalistas), de entre as quais se pode destacar oProf. Doutor António de Paula Brito, seu primeiropresidente (actualmente presidente honorário), eunanimemente reconhecido como o ‘pai’ da PD nonosso país.No que concerne ainda a organizaçõessupranacionais exclusivamente orientadas para apromoção e divulgação da PD, surgiu em 1986 aAssociation for the Advancement of Applied SportPsychology (AAASP) que, procurando estabeleceruma ponte mais efectiva entre a teoria e a prática daPD, rapidamente se tornou na organização maisdinâmica neste domínio. Do mesmo modo, tambémna Ásia, na sequência do 7º Congresso Mundial dePsicologia do Desporto, realizado em Singapura em1989, foi constituída uma organizaçãosupranacional no domínio da PD: a Asiatic SouthPacific Association of Sport Psychology (ASPASP).Para além de todas as associações já referidas,importa ainda destacar que foram igualmentecriadas divisões de PD no âmbito de organizaçõesmais abrangentes, quer na área das ciências dodesporto quer na área da psicologia geral.No domínio da psicologia, foram, por exemplo,criadas, em 1986, Divisões de PD tanto na AmericanPsychological Association (APA; a sua Divisão 47 tem-se tornado progressivamente cada vez mais activano panorama da PD, tendo actualmente mais de1000 membros) como na Canadian PsychologicalAssociation (CPA; de sublinhar, porém, que aoconsultarmos o seu website constatamos queactualmente nenhuma das suas 23 secções, ou dosseus 2 grupos de interesse, inclui na sua designaçãoqualquer referência à PD). Mais recentemente, em1994, também a International Association of AppliedPsychology (IAAP), formou a sua 12ª Divisão,orientada exclusivamente para a PD.No âmbito do desporto, contudo, já muito tempoantes as grandes organizações haviam decidido

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nesse sentido, com, por exemplo, a NationalAssociation for Sport and Physical Education (NASPE) –uma das seis grandes associações que constituem abem conhecida American Alliance for Health, PhysicalEducation, Recreation and Dance (AAHPERD) – aconstituir a sua Sport Psychology Academy (SPA) aindana década de 70.Finalmente, nos últimos anos, tem-se assistido auma outra tendência neste domínio: a constituiçãode redes internacionais de investigadoresinteressados na PD. Por exemplo, foram envidadosesforços, durante o Congresso da Société Française dePsychologie du Sport, realizado em 1995 em Poitiers,para a criação de uma Rede Latina de PD (quedepois não veio a concretizar-se), e, maisrecentemente, sob a égide da FEPSAC, para aformação de uma Rede de Jovens InvestigadoresEuropeus de PD (actualmente em fase deconsolidação). Adicionalmente, estão em formaçãooutras organizações, como a Rede ou AssociaçãoIberoamericana de PD, ou a Associação de PsicologiaAplicada ao Desporto e ao Exercício em LínguaPortuguesa.Parece, portanto, que não obstante ser já elevado onúmero de associações científicas e/ou profissionaisactualmente em actividade no domínio da PD, numbreve espaço de tempo o seu número pode vir a serainda aumentado.

PUBLICAÇÕESPara que a PD se tornasse conhecida e promovidapara além do círculo constituído pelas pessoas maisrelacionadas com ela, era necessário pensar emdivulgar de forma regular e sistemática oconhecimento produzido no seu âmbito. Daí que,desde muito cedo, as organizações mais importantesse tenham preocupado com a criação e manutençãode revistas exclusivamente orientadas para aconsecução desse objectivo.Em 1970, a ISSP lançou o primeiro número doInternational Journal of Sport Psychology, revista queainda hoje mantém a sua periodicidade trimestral etem sido responsável pela divulgação de grandeparte da investigação produzida em diversos países.Mais tarde, em 1987, a ISSP decidiu patrocinar umaoutra revista trimestral no campo da PD, de naturezamais aplicada, que designou de The Sport Psychologist.

Antes, porém, em 1979, a NASPSPA havia começadoa editar, também trimestralmente, o Journal of SportPsychology (Journal of Sport & Exercise Psychology, apartir de 1988), actualmente considerada a maisimportante revista no domínio da PD.Exclusivamente relacionadas com a PD, foram aindacriadas ao longo dos tempos outras revistas como,por exemplo, o Japanese Journal of Sport Psychology(1974), a Movimento (1984), a Sportpsychologie(1987), o Journal of Applied Sport Psychology (1989),ou a Revista de Psicología del Deporte (1992), de umaforma geral relacionadas com as associaçõescientíficas e/ou profissionais dos respectivos países.Mais recentemente, também a FEPSAC decidiueditar uma publicação regular no domínio da PD.Assim, patrocinou, a partir de 1997 a publicaçãoanual do European Yearbook of Sport Psychology, que apartir deste ano foi substituído pela sua nova revista,intitulada de Psychology of Sport and Exercise,Para além das revistas anteriormente referidas, háainda a considerar outras que publicam regularmentetrabalhos no domínio da PD, de entre as quais sepodem destacar o Perceptual and Motor Skills, o ResearchQuarterly of Sport and Exercise, o Journal of SportBehavior, o Journal of Sport Sciences, o Journal of Sport &Social Issues, o JOPERD, a Quest, a Science et Motricité,ou a Appunts. No plano nacional, ainda que não exista,até ao momento, nenhuma revista exclusivamentedestinada à PD, têm sido publicados trabalhos sobretemas da PD em revistas como, por exemplo, aLudens, a Horizonte, a Psicologia, ou a Psicologia:Teoria, investigação e intervenção.Nos últimos anos, temos assistido igualmente a umacada vez mais intensa actividade editorial, tanto noque se refere a livros abordando exclusivamentetemas da PD, como a actas de Congressos de PDorganizados pelo mundo inteiro. Por exemplo, numaanálise crítica a livros relacionados somente com otreino de competências psicológicas no desporto,publicada em 1991, Sachs destacou a existência de48 livros sobre aquela temática. Quanto a livros deâmbito mais geral, Mora e colaboradores (8)identificaram 15 manuais de PD publicados apenasentre os anos de 1987 e 1992.Actualmente, o ritmo de publicação é ainda maiselevado. Sem pretendermos ser exaustivos,contabilizámos, num mesmo período de tempo

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(entre 1995 e 2000), a edição de bem mais de meiacentena de livros exclusivamente relacionados com aPD, maioritariamente em língua inglesa, o que,infelizmente, contrasta com o que se regista nonosso país, no qual a produção exclusivamenteorientada para a temática da PD é ainda bastanteescassa – há que não esquecer, porém, que no nossopaís a actividade editorial relativa às outras áreas dodesporto também não é elevada.Já no início da década de 90, Paula Brito (12), apósanalisar a investigação desenvolvida no domínio daPD, estimou que durante a década de 80 sepublicariam anualmente mais de 2000 trabalhosrelacionados com a PD, em oposição aosaproximadamente 500-550 que se publicavam nosfinais das décadas de 60 e 70.Actualmente, aquele número pecará certamente pordefeito, porquanto para além de todos os artigospublicados nas diversas revistas actualmenteexistentes, e da grande quantidade de livros editadosregularmente, há ainda a considerar que grande partedas organizações que referimos anteriormenterealizam todos os anos as suas Jornadas,Conferências, ou Congressos, que depois dão origemà publicação das respectivas actas. Por exemplo, sónas Conferências patrocinadas pela AAASP eNASPSPA, são apresentados largas centenas detrabalhos todos os anos. A adicionar a estes, devemainda ser contabilizados todos os apresentados noutrotipo de congressos realizados por todo o mundo, bemcomo as muitas centenas que normalmente sãoapresentados nos Congressos Europeu e Mundial,organizados de quatro em quatro anos.Parece pois que, salvaguardando naturalmentealgumas excepções, actualmente a questão não sedeve colocar tanto no plano do acesso à informaçãomas sim no da sua selecção, até porque a diversidadede assuntos que hoje são abordados no domínio daPD, bem como a discrepância entre a qualidade doque se vai produzindo e apresentando, um pouco portodo o lado, são cada vez maiores.

ÁREAS DE INTERESSENuma primeira fase, os investigadores da PDpreocuparam-se fundamentalmente com o estudo dapersonalidade dos atletas e da aprendizagem motora.Na realidade, muitos dos académicos que primeiro

aderiram à ISSP trabalhavam no domínio daaprendizagem motora, sendo ainda hoje possívelidentificar um grande número de trabalhos sobreesta temática nos Congressos Mundiais organizadospor aquela associação.Também nas Conferências anualmente organizadaspela SCAPPS (que mantém na sua designação areferência à aprendizagem psicomotora) e pelaNASPSPA são ainda hoje regularmente apresentadostrabalhos sobre a aprendizagem motora. Nestescasos, contudo, existem espaços e programascompletamente distintos para a apresentação detrabalhos relacionados com a aprendizagem motorae a PD (ou seja, a aprendizagem motora constitui-seactualmente como uma área autónoma da PD, talcomo aliás se verifica no nosso país).Quanto ao estudo sobre as características dapersonalidade dos atletas e respectivo impacto nosseus comportamentos, o interesse começou adeclinar a partir da década de 70, muito em funçãodo facto dos psicólogos terem progressivamentepassado a adoptar uma abordagem ou paradigmainteractivo, de acordo com o qual não só sãocontemplados os mecanismos mais internos dosindivíduos mas também o efeito neles exercido peloscontextos em que estão envolvidos (18).Ao longo dos tempos, tal como seria de esperar, atéem consequência da cada vez maior variedade depessoas e países envolvidos na investigação da PD,foi-se assistindo a uma evolução mais diferenciadanos seus centros de interesse, que foram sendoaumentados e diversificados.Nessa medida, e em decorrência da intensa actividadeeditorial registada actualmente no domínio da PD, aque já anteriormente nos referimos, constitui-se hojecomo uma tarefa bastante difícil desenvolver umaanálise ao mesmo tempo abrangente e profunda sobreo que se publica nos diferentes domínios da PD.Ainda assim, têm sido desenvolvidos esforços nessesentido por diversos autores.Por exemplo, Mora e colaboradores (8) analisaram oconteúdo dos manuais e dos artigos de PDpublicados em diversas revistas, relativamente aosanos compreendidos entre 1987 e 1992. Maisrecentemente, Biddle (1) analisou o conteúdo dosartigos publicados entre os anos de 1985 e 1994 noJournal of Sport & Exercise Psychology e no International

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Journal of Sport Psychology, bem como, antes dele,também Gill (6), editora do Journal of Sport & ExercisePsychology entre 1985 e 1990, o havia feitorelativamente a esse período.Outros autores optaram por desenvolver análisesextensivas da literatura, recorrendo para o efeito àanálise das referências incluídas em bases de dadoselectrónicas. Este tipo de análise, embora nãopermita obter dados tão precisos como as análisesanteriormente referidas, já que, por exemplo, nemsempre as palavras chave utilizadas para indexarartigos similares são exactamente as mesmas,possibilita contudo uma visão mais abrangente –porventura mais correspondente à real diversidadeque caracteriza este domínio – já que não secircunscreve ao publicado numa ou noutra revista,naturalmente mais restritas nos seus objectivos epontos de interesse.Para providenciar uma ideia global sobre os centrosde interesse da literatura e investigação em PD aolongo dos últimos anos, decidimos portanto analisaras referências incluídas no Sport Discus do SportInformation Resource Center (SIRC), sediado no Canadá,geralmente considerada como a mais importante basede dados electrónica no domínio das ciências dodesporto e da actividade física (ver Quadro 1).Tenenbaum e Bar-Eli (16) realizaram um estudosemelhante relativamente aos períodos de 1975-1980,1981-1985 e 1986-Junho 1991. Assim, na tentativa deproceder a algumas comparações entre os resultadosde ambas as pesquisas, decidimos utilizar a maiorparte dos descritores seleccionados por aquelesautores – ainda que tenhamos adicionado algunsoutros que considerámos igualmente importantes,atendendo à evolução da investigação neste domíniona última década – e analisar igualmente asreferências em função do seu nível de dificuldade(i.e., básico, intermédio e elevado).Em traços gerais, é possível verificar queactualmente a maior atenção se orienta não só paraalguns dos temas clássicos da PD, como a motivação,o stress e a ansiedade, ou a liderança, mas tambémpara outros mais recentes, como os relacionadoscom o exercício, saúde e bem estar, ou o treinomental. O tema da personalidade, tal como havíamosreferido anteriormente, tem vindo a despertar cadavez menos interesse ao longo dos tempos.

Um outro dado que parece ressaltar da análise quedesenvolvemos consiste na redução do número totalde publicações relativamente a cada um dosdiferentes temas verificada de 1991-1995 para 1996-2000. De facto, com algumas escassas excepções, onúmero total de publicações em cada um dos temasconsiderados decresceu, o que, na generalidade,tinha sido também evidente na análise efectuada porTenenbaum e Bar-Eli (16).Parece pois evidenciar-se que, não obstantedeterminadas temáticas continuarem a merecer aatenção e o interesse de um maior número deinvestigadores, se assiste cada vez mais a umapulverização dos centros de interesse e investigaçãona PD. Inclusivamente, se considerarmos que nosúltimos anos o número de meios de divulgação (e.g.,revistas, manuais, brochuras, monografias) foiaumentado, melhor nos aperceberemos da dimensãoda pulverização a que nos referimos, já que, mesmoassim, o número de publicações em cada um dosdiferentes temas considerados diminuiu.De qualquer dos modos, importa sublinhar que seconsiderarmos apenas as publicações do tipoavançado (i.e., mais científicas) verificamos que atendência foi inversa. Ou seja, na generalidade dostemas pesquisados, o número de publicações de tipoavançado aumentou do período de 1991-1995 para1996-2000, o que poderá eventualmentecorresponder a um mais elevado estado dematuridade da investigação naqueles domínios.Para além dos temas indicados no Quadro 1, outrostêm no entanto despertado igualmente o interessedos autores e investigadores da PD, como, porexemplo, os relacionados com aspectos profissionaisou o papel dos psicólogos no desporto, aintervenção, a educação física ou desporto escolar, odesenvolvimento social, moral e psicológico dosjovens, ou a modificação de comportamentos (1, 6, 8).Em suma, da análise da investigação e literaturaproduzida no domínio da PD desde 1965 até hoje,parece resultar claramente que de uma atenção maisconcentrada em dois ou três grandes temas, sepassou para uma grande diversificação nos pontos deinteresse dos investigadores da PD. Adicionalmente,esta característica parece tender a manter-se nospróximos tempos.

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Quadro 1. Publicações sobre temas da PD, por tipo e data de publicação, de 1991 a Setembro de 2000.

Tipo de publicaçãoDescritor Período Básico Intermédio Avançado Total

Motivação 1991-1995 347 239 447 10331996-2000 265 122 468 855

Exercício, Saúde e Bem Estar 1991-1995 172 267 465 9041996-2000 167 138 445 750

Stress 1991-1995 231 193 401 8251996-2000 159 107 469 735

Treino Mental 1991-1995 233 128 165 5271996-2000 268 72 199 539

Ansiedade 1991-1995 58 86 261 4051996-2000 54 50 274 378

Liderança 1991-1995 230 57 88 3751996-2000 144 31 101 276

Personalidade 1991-1995 67 101 186 3541996-2000 63 39 136 239

Tomada de Decisão 1991-1995 100 62 99 2611996-2000 89 29 129 247

Avaliação/Metodologia 1991-1995 42 56 101 1991996-2000 15 57 142 214

Emoções 1991-1995 46 59 198 3031996-2000 50 51 194 295

Cognição 1991-1995 11 58 108 1771996-2000 12 34 157 203

Auto-eficácia/Confiança 1991-1995 25 28 140 1931996-2000 33 14 137 184

Agressividade 1991-1995 73 29 54 1561996-2000 36 19 55 110

Coesão 1991-1995 25 14 53 921996-2000 61 10 49 120

Activação 1991-1995 23 22 60 1051996-2000 10 4 35 49

Dinâmica de Grupos 1991-1995 26 13 27 661996-2000 22 16 33 71

Atribuições 1991-1995 5 13 49 671996-2000 1 4 38 43

Resolução de Problemas 1991-1995 11 20 12 431996-2000 11 20 12 39

Estado de Espír ito 1991-1995 0 5 20 251996-2000 0 2 12 14

Computadores 1991-1995 4 6 11 211996-2000 0 1 5 6

A Psicologia do Desporto e a “batalha da qualidade”

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PREOCUPAÇÕES ACTUAIS VS ORIENTAÇÕES FUTURASA existência de uma associação científica e/ouprofissional, que se reconheça e seja reconhecidacomo tal, a publicação de uma revista ou outroqualquer meio de divulgação das suas actividades, e aexistência de um departamento ou instituição deinvestigação que estude os temas básicos relacionadascom a área por forma a que esse conhecimento possadepois ser aplicado por outros, são normalmenteconsiderados como critérios de maturidade de umaactividade científica ou área do conhecimento. Orabem, ao analisarmos o modo como estas condiçõessão cumpridas pela PD, não parecem subsistirquaisquer dúvidas acerca da sua maturidade.Na realidade, parece hoje pacífico declarar que a PDganhou claramente a batalha da quantidade, ou da suaafirmação. Isto é, a PD cresceu de tal forma nosúltimos anos que parecem não subsistir dúvidasacerca do seu potencialmente elevado papel nocontexto de actividade física e desportiva.No entanto, para que as enormes expectativascriadas em volta da PD possam ser cabalmentecorrespondidas, importa que se trave cada vez mais,de forma empenhada e sustentada, a batalha daqualidade. Ou seja, é necessário procurar resolverdeterminados problemas com que a PD continua adeparar-se, sob pena de se assistir, a curto oumédio prazo, a uma desaceleração na sua evoluçãoe no consequente reconhecimento e atracção quevem suscitando.Por exemplo, tal como noutras áreas doconhecimento, também na PD, a relação entre ateoria e a prática se tem constituído como um dosprincipais pontos de preocupação (10).Martens (7), num artigo clássico, chamou a atençãopara a necessidade de os psicólogos do desportodespirem as suas batas brancas e deixarem os seuslaboratórios para se concentrarem em estudarefectivamente a realidade desportiva, desenvolvendoos seus estudos no ‘terreno’, por forma a que as suasinvestigações e consequentes resultados setornassem ecologicamente válidos e, nessa medida,potencialmente aproveitáveis para o melhoramentodo processo de treino desportivo. Caso contrário,existiria sempre um abismo entre o labor dospsicólogos do desporto e as necessidades reais eefectivas do desporto.

Esta chamada de atenção, aliás como outras maistarde protagonizadas por outros autores,contribuiu efectivamente para que se verificasseum interesse progressivo pela investigação maisaplicada, particularmente no que se refere àrealidade norte-americana.Tal como salientámos anteriormente, odesenvolvimento da PD tem sido, de uma formageral, liderado pelos países anglo-saxónicos, maisparticularmente pelos EUA. É lá que se edita a maiorparte das mais importantes revistas da especialidade,bem como é lá que trabalha a maior parte dosespecialistas activos neste campo. Tal não significa,no entanto, que apenas nos EUA se produzaconhecimento válido no domínio da PD, ou mesmoque o conhecimento mais avançado em todas asáreas tenha sempre a marca norte-americana.Na realidade, têm sido vários os autores (10, 18) que,ao longo dos tempos, têm sublinhado o elevadodesenvolvimento dos países do antigo blocosoviético no que concerne à aplicação de técnicaspsicológicas no domínio do desporto derendimento. Morris e Summers (10) referirammesmo que não se sabe actualmente se grandeparte do sucesso desportivo alcançado por aquelespaíses não se terá devido mais ao desenvolvimentoe utilização de técnicas daquela natureza e menosaos seus massivos programas de selecção edetecção de talentos. De facto, segundo Mora ecolaboradores (8), a psicologia do desporto era ogrande segredo da preparação desportiva dosatletas dos antigos países comunistas.Apesar de, actualmente, as diferenças entre oscentros de interesse e os conhecimentos da PD nosEUA e na Europa não serem tão evidentes como nopassado, ainda assim continuam a existir diferenças,por vezes, no modo como são abordados conceptualou metodologicamente questões semelhantes. Aquestão que se coloca, porém, é que o poder dainformação situa-se nos EUA e não na Europa, o queleva a que também neste domínio a Europa sejamuito mais permeável ao que se faz nos EUA doque o contrário, com todas as desvantagens que daíadvêm para a PD em geral. Importa, pois, tentarcorrigir este desequilíbrio.Um outro problema com que se defronta a PDreporta-se às metodologias normalmente utilizadas

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pelos investigadores nos seus estudos, já que, deuma forma geral, a PD durante muitos anos adoptouuma perspectiva conservadora nesta matéria (10). Épois necessário recorrer cada vez mais ametodologias de investigação fiáveis e válidas mastambém diversificadas e complementares. Isto é,importa recorrer aos procedimentos de análise daestrutura da covariância ou de modelação deequações estruturais – que de algum modo nospermitem aproximar mais de um raciocínio denatureza causal – mas também a análisesqualitativas, bem como a estudos de caso; nãoesquecendo as vantagens que decorrem da utilizaçãode mais do que um tipo de metodologia de recolhaou tratamento de dados num mesmo estudo.Tentar perceber, por exemplo, como determinadosatletas, equipas, ou mesmo treinadores, por vezescontrariamente a todas as expectativas, conseguiramalcançar e/ou manter elevados níveis de rendimentonuma ou noutra modalidade desportiva não é apenasalgo que deve suscitar o interesse dos jornalistas edo público em geral mas também dos investigadores.Infelizmente, ao momento, grande parte dasentrevistas ou relatos deste género são mais umadescrição romanceada de meia dúzia de factos, doque análises profundas e científicas das relaçõesexistentes entre esses mesmos factos.Do mesmo modo, é também necessário desenvolvermais estudos baseados na observação do queefectivamente se passa em situações desportivas,bem como estudos de natureza longitudinal. Oproblema é que para a realização deste tipo deestudos é necessário muito mais tempo einvestimento do que normalmente é exigido para arealização dos estudos mais frequentementepublicados, e isso constitui-se como umadesvantagem para a sua realização.De facto, sabemos que hoje em dia, numa sociedadecada vez mais regida por normativas de ordemquantitativa, a que as universidade não escapam,mais importante do que o impacto causado pelaprofundidade de análise de um artigo, é publicar...dois artigos. E a maioria das pessoas activas nodomínio da PD encontra-se afiliada a instituições deensino ou investigação. Daí que, frequentemente, osresultados de uma só investigação sejam publicadosparcialmente em meia dúzia de revistas, tal qual se

prolonga o enredo de uma telenovela numa enormequantidade de episódios.A questão de fundo, porém, é que esta tendêncialeva progressivamente a uma cada vez mais elevadafragmentação do conhecimento produzido nodomínio da PD, e isso constitui-se como algoprofundamente negativo para o seu desenvolvimentoe operacionalização, razão porque consideramos queimporta orientar esforços no sentido de a corrigir.Em certa medida relacionado com a questão da faltade relação entre o conhecimento produzido nodomínio da PD, surge um outro problema: a relaçãoda PD com as outras ciências do desporto.Por exemplo, as relações entre a psicologia e asociologia, ainda que aparentemente claras, nemsempre se verificam. Parece ser consensual aceitarque enquanto a psicologia aborda os problemasadoptando uma micro-perspectiva, (i.e., privilegia oindividual, concentrando-se em temas como amotivação ou a ansiedade), a sociologia os abordasegundo uma macro-perspectiva (i.e., orienta-se paraa sociedade, abordando temas como os problemaspolíticos ou raciais). Na prática, porém, nem sempreé fácil estabelecer esta separação, já que temas como,por exemplo, a socialização para o desporto, aviolência ou agressão, ou mesmo a liderança, sãoigualmente tratados por investigadores da psicologiae da sociologia. Aliás, certas revistas caracterizam-semesmo por tanto publicar trabalhos de naturezapsicológica como sociológica no desporto, seja deforma simultânea (Journal of Sport & Social Issues) oualternada (Journal of Sport Behavior). No entanto, enão obstante estas potenciais áreas de partilha, écurioso constatar que de uma forma geral uns eoutros estão de costas voltadas; isto é, não se citamuns aos outros nem mesmo quando estudamproblemas idênticos, reduzindo assim a abrangênciadas suas análises.No início da década de 90, Niddeffer, um dosprincipais psicólogos do desporto norte-americanos,em resposta a um inquérito sobre as futurasdirecções da PD (15), perspectivou que se assistirianessa década ao estabelecimento de uma interfaceentre a psicologia, a biomecânica e a fisiologia;todavia, de acordo com Williams e Straub (18), tal nãofoi visível até ao momento.Parece pois que apesar de cada vez mais surgirem

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pessoas a defender a necessidade da criação deequipas de investigação pluridisciplinares – porforma a promover o intercâmbio de diferentesperspectivas ou abordagens a um mesmo problema –o que se assiste é a uma cada vez maior distânciaentre as diferentes áreas científicas, razão pela qualimporta tentar perceber efectivamente quais asrelações a estabelecer entre a PD e as outras ciênciasdo desporto, bem como entre a PD e a psicologiageral, tal como sugeriu Garcia-Mas (5).A formação e a acreditação dos psicólogos dodesporto são dois outros grandes problemas que sedeparam actualmente à PD, sendo talvez mesmo dosmais cruciais para o seu desenvolvimento.A propriedade da Psicologia do Desporto tem sidoobjecto de uma acesa controvérsia em diferentesmomentos e locais. Enquanto uns advogam que eladeve ser entendida como Psicologia no Desporto e,nessa medida, se reporta exclusivamente ao labordos profissionais da psicologia em contextos deactividade física ou desportiva, outros defendem quecomo Psicologia do Desporto ela é mais uma dasciências do desporto situando-se, por isso mesmo,no âmbito da acção dos profissionais dessa área.Em certa medida, na origem desta disputa está ofacto de a PD se ter iniciado e desenvolvidofundamentalmente no âmbito das instituiçõesrelacionadas com o ensino da educação física edesporto e não da psicologia. Com efeito, o interessededicado a esta área por parte das organizações maisrelacionadas com a psicologia em geral só atingiualguma expressão a partir da criação da Divisão 47da APA, a que já nos referimos.Em nosso entender, esta discussão corporativista,para além de improdutiva, não leva em linha deconta que o contexto desportivo se caracteriza nestedomínio, pelo menos actualmente, por uma certaausência de regulamentação, resultando portantoque o que verdadeiramente importa não é tanto otipo de diploma apresentado pelos indivíduos massim os conhecimentos que possuem, ou não, para asfunções requeridas.Assim, antes de se pensar na questão da acreditação,há que pensar na questão da formação.Relativamente a esta, não há uma soluçãounanimemente preconizada por todos. Por exemplo,enquanto para J.Cruz (2, 3) a opção deve ser no

sentido da formação dos psicólogos do desporto seprocessar a um nível de especialização pós-graduada(i.e., mestrado e doutoramento) vinculada àsFaculdades de Psicologia e de Educação Física pelasua interdisciplinaridade, J.F.Cruz (4) defende queesta formação deve ser desenvolvida igualmente aum nível pré-graduado. No entanto, para outroscomo, por exemplo, Landers, Nideffer, ou Weinberg,os interessados em tornarem-se psicólogos dodesporto devem frequentar cursos quer de psicologiaquer de ciências do desporto (15).Em relação ao que não parece existir qualquerdúvida é acerca da necessidade de nessa formaçãoserem incluídas matérias referentes à psicologia, àsciências do desporto, e ao desporto, tal comoproposto por Nitsch (11).Quanto à acreditação dos psicólogos do desporto, assoluções encontradas em diversos países tambémnão são idênticas. Enquanto na Austrália essa funçãofoi acometida à Australian Psychological Society (APS),estrutura nacional dos psicólogos, nos EUA asolução passou pelo empenho e contribuição deorganizações não directamente relacionadas nemcom psicólogos nem com profissionais do desporto,como (numa primeira fase) o United States OlympicCommittee (USOC) e (actualmente) a AAASP. Poroutro lado, na Inglaterra, foi a British Association forSport and Exercise Sciences (BASES) quem definiu ecoordena o processo de acreditação dos psicólogosdo desporto. Nesse sentido, atendendo às diferençasexistentes entre as características destasorganizações, não surpreende pois que também severifiquem algumas diferenças ao nível dascondições requeridas por cada uma delas para aacreditação.Tal como salientámos anteriormente, pensamos quea questão da acreditação não deve ser analisadaseparadamente da da formação. Nideffer sugeriu queem lugar da atribuição de uma designação tãogenérica como a de psicólogo do desporto, osindivíduos deveriam ser certificados em função dosseus conhecimentos e competências. Assim,enquanto uns poderiam ser certificados para utilizartestes psicológicos em contextos desportivos, outrospoderiam ser certificados para aplicar técnicas derelaxação com atletas (18).Ainda a este respeito, importa sublinhar que uma

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solução deste género, ainda que permita reduzir opeso da formação de futuros técnicos nesta áreavem, por outro lado, levantar precisamente a questãoda sua acreditação. Isto é, importará definirclaramente quais os limites da sua actuação. Daí anecessidade das questões da formação e daacreditação serem equacionadas conjuntamente.Finalmente, uma outra preocupação da PD deveconsistir no reforço da qualidade dos programas deformação dos treinadores e dirigentes desportivos.Na realidade, não interessa investir apenas naformação de psicólogos de elevada qualidade se osistema não estiver preparado para extrair deles omáximo possível.Ao analisarmos as declarações de diversostreinadores, ou mesmo dirigentes, verificamos queelas revelam que o seu entendimento relativo à PDcontinua extremamente confinado a uma perspectivabasicamente clínica. Todavia, apesar de numaprimeira fase do seu desenvolvimento, a PD teradoptado essencialmente uma abordagem clínica paratentar lidar com os problemas dos atletas – sendo olivro editado em 1966 por Ogilvie e Tutko “Problemathletes and how to handle them” um exemplo clássico

dessa abordagem – principalmente a partir dos iníciosda década de 80, o principal tema de estudo da PDpassou a ser o treino psicológico para a optimizaçãodo rendimento. Ou seja, de uma abordagem clínicapassou-se para uma abordagem educativa.Daí que importe investir na apresentação atreinadores, atletas e dirigentes das vantagenseventualmente decorrentes do recurso a especialistasem PD. Para tal, é, por exemplo, necessário não sóque os programas de formação desses agentesincluam espaço para a abordagem detalhada eprofunda dos conteúdos da PD mas também quequem tem essa função perceba claramente osobjectivos que devem orientar essa formação:demonstrar como os conhecimentos da PD podem edevem ser incluídos no processo de treino desportivo.Na realidade, somos de opinião – tal aliás comooutros autores (2, 3) – que o primeiro papel dopsicólogo do desporto (pelo menos actualmente)consiste em assessorar os treinadores para que elesintegrem nos seus processos de treino osconhecimentos da PD. Apenas depois de concluídaesta tarefa se poderá com maior eficácia colaborardirectamente com os atletas.

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A Psicologia do Desporto e a “batalha da qualidade”

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INTRODUÇÃOO desporto e a actividade física são actualmenteparte integral da vida social, sendo catalogados comoos pressupostos de referência de um conjunto devalores e regras que representam em si a forçageradora da sua dinâmica e importância.Embora o lazer seja um conceito complexo, comdiferentes significados, dependendo do contextosócio-cultural e do próprio indivíduo, podemosconsiderá-lo (27):

A. Lazer como tempo livreB. Lazer como actividade recreativaC. Lazer como atitude

Esta tentativa pedagógica de situar, ou esclarecer osignificado do lazer, deixa antever, desde logo, ocarácter dinâmico e de pluralidade de entendimentose contextualizações passíveis e também possíveis deserem obtidos.Não é possível menosprezar, neste contexto e numâmbito mais alargado das actividades de lazer, aexistência de uma multiplicidade de lazeres quedesencadeiam e exigem interpretações alargadas. Énecessário considerar a existência de um fenómenoglobal de carácter sócio-económico e cultural àescala planetária, mas, com necessidades e nuancesespecíficas em função das microsociedades que nosrodeiam (4).De qualquer modo, o fenómeno do lazer e das suaspráticas, na actualidade, parece não oferecer grandecontestação pois elas não se constituem umprivilégio duma minoria. Pelo contrário, o lazer éassumido pela sociedade em geral, sendo que ohedonismo é um dos suportes fundamentais da

Actividade Física e Lazer – contextos actuais e ideias futuras

Jorge MotaFaculdade de Ciências do Desporto e de Educação Física,Universidade do Porto

cultura hodierna (7). Com efeito, o consumogeneralizado (consumo de massas) transformou deforma significativa o hedonismo característico dassociedades mais abastadas num comportamentomais generalizado da população. É evidente que oculto do consumo, do tempo livre e do prazer seconstituem como características definidoras doquadro social contemporâneo (3).Não é de estranhar portanto, que o fenómeno dolazer concorra com o espaço e ritmo de vidaquotidiana do indivíduo. Efectivamente, com adiminuição do tempo de trabalho, o aumento daescolaridade e as reformas antecipadas, as pessoasvêem-se confrontadas com um tempo quepretendem ocupar utilmente. Nesta perspectiva, olazer surge, pois, com uma faceta importante, comum sentido objectivo, como uma forma de encontroe de compensação das necessidades sociais atravésde uma contenção social positiva (31).Deste modo o espaço de lazer pode ser associado aum conteúdo que é livremente orientado para arealização da pessoa, encaminhando-se no sentidoda auto-realização, isto é, os indivíduos querem ter acapacidade de moldar a sua existência de modo aexplorarem, desenvolverem e utilizarem as suascapacidades, valores e interesses (29).No mundo contemporâneo, as manifestações maisimportantes das dinâmicas culturais são a diluiçãodas fronteiras convencionais entre os diferentesníveis de conhecimento (9). Parece-nos relevante, aeste propósito, compreender as relações e asrealidades vigentes na funcionalidade das nossassociedades e por isso perceber as potencialidades daspráticas de lazer em face das mudanças sociais eculturais contemporâneas, traduzidas num

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desenvolvimento multifacetado e bastante complexo,contemplando as mudanças económicas associadasaos novos padrões de competividade, bem como arapidez das alterações tecnológicas e dos sistemas decomunicação (28).A actividade física enquanto fenómeno orientadopara a realização do sujeito, parece ser um domínioonde a sociedade tem ganho uma maiorconsciencialização. Nessa medida, ela tem sidoassociada àquilo que é favorecer e condizente com osaspectos mais elevados do nível de qualidade de vidado sujeito, isto é, o seu bem-estar (23).A ideia de qualidade de vida não pode ser dissociadado nosso bem-estar, logo das manifestações positivasque se exercem sobre a nossa existência, sendo quealguns dos factores mais importantes para umdesenvolvimento polivalente do ser bio-psico-socialsão as actividade físicas recreativas (12).As actividades físicas surgem pois, nesta perspectiva,como o maior beneficiário do aumento dascircunstâncias materiais e do aumento doconhecimento público dos benefícios de um estilo devida activo (11). Estas actividades possuemcaracterísticas muito próprias, diferindo dosrestantes tipos de actividade física, especialmentedaqueles que fazem parte da jurisdição do desportofederado. Hoje em dia já é possível verificar aexistência no mercado do fitness de equipamentointeractivo que integra a actividade física e acompetição em redes interactivas locais.Nesta perspectiva importa não esquecer que o futuroonde iremos agir é radicalmente diferente dopresente, implicando que se consiga encarar arealidade segundo diferentes perspectivas (1). Acapacidade de comunicar em instantes de uma pontaa outra do mundo, a facilidade de distribuiçãodaquilo que se produz, vieram dar uma configuraçãototalmente inovadora ao mundo em que vivemos e,com isso, aos significados possíveis da própriaexistência do desporto e da actividade física navivência do lazer (2).

A ACTIVIDADE FÍSICA E O LAZER“A diferença entre o preto e o branco não é uma questão decor, mas sim da quantidade de luz que reflectem.Os termos são relativos não absolutos.”C. Sagan

A associação das práticas físicas no domínio daspreocupações e actividades quotidianas do Homem,por um lado e, o lazer por outro, não é recente. Éapenas marcada, no decurso dos séculos e dasdiferentes civilizações, de apostas e vivênciastotalmente diferenciadas.Com efeito, as actividades lúdicas sempre seconstituíram como uma parte integrante da vida doshomens (5). A satisfação das necessidadeselementares e as práticas religiosas formavam umaunidade coerente, tornando-se difícil separar otrabalho, a religião e o divertimento (6).Na Grécia, sociedade em que o trabalho eragarantido pelos escravos, o estilo de vida permitido ededicado à classe privilegiada (os cidadãos) estavaconcentrada no cultivo do espírito, na contemplação,sendo esta liberdade total de obrigações, condiçãofundamental para a natureza do Homem Livre. Aideologia Grega proclamava ainda a harmonia docorpo e do espírito. No entanto, a participação navida cívica era exclusiva dos cidadãos (homenslivres) e do sexo masculino (4).A civilização Romana tinha como objectivofundamental das práticas físicas os motivoshigiénicos, bem como os recreativos. Pelo contrário,na idade média, muito pela relação e importânicaadquirida pelo Cristianismo, a ideologia medievalpassava pela preocupação marcada da almaesquecendo o corpo (6). Assim, na idade média, ascomunidades rurais possuíam um elevado espíritode convivência comunitária muito pela influência daIgreja. A nobreza encontrava na caça, na equitação enos jogos de combate (justas e os torneios) a suaforma privilegiada de ocupação, a qual definiatambém a sua condição social (4). Por seu lado, as formas de ocupação dos temposlivres nas sociedades industriais e pós-industriaisacompanham a expansão económica, resultado darevolução empreendida pelo processo deindustrialização (18). O lazer cria também postos detrabalho emergindo como uma estruturaeconomicamente rentável com enormespotencialidades de desenvolvimento e exploração (3).O lazer transformou-se numa indústria. Vive comomuitas outras componentes da vida e estruturasocial a era da globalização; desde os parquestemáticos, às cadeias de restaurantes, passando

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pelos cinemas multiplex (10).Neste contexto, o lazer e por consequência a própriaactividade física. Passam também a constituir-se comoum novo mercado, por sinal bastante lucrativo (26).Por paradoxo estas estruturas clamam pelaintensificação das autonomias individuais, na qual aperspectiva assenta numa lógica singular, a de quecada indivíduo desenvolve as suas própriaspercepções de ver a realidade envolvente. Não seprocura em última análise o desenvolvimentopessoal do sujeito, mas assiste-se a uma luta feroz emesmo a uma ditadura do marketing e do consumo,já que o sinal de riqueza dos nossos dias não é o daexistência de tempo livre, mas sim o do consumo (6).É preciso reconhecer que a profunda alteração dassociedades industrializadas nos últimos 50 anos,gerando a sociedade de informação, trouxe consigouma padronização dos hábitos que deixa poucoespaço à livre expressão, desvalorizando,contrariamente, aquilo que efectivamente veicula, oque há de específico nas pessoas (6).Do ponto de vista da actividade física/desportiva asadaptações face às novas realidades têm sidoparticularmente profícuas. A sociedadecontemporânea surge de uma forma muito marcadacom uma ligação da actividade física ao lazer, ou deuma cultura do corpo nas actividades do lazer. Estanão pode ser dissociada de um outro factor ouconceito que é o da saúde, bem como o conjunto dereferências, por exemplo de qualidade de vida e bem-estar, que lhe estão associados (15).Duas grandes alterações parecem ser visíveis. Aprimeira reporta-se à sua relação como tipo deactividade e a segunda, o da sua natureza. Um dosgrandes crescimentos verificados nas práticas do “seractivo” tem sido particularmente intensa nosdesportos individuais comparativamente aos deequipa, perseguindo objectivos ligados ao exercício eà saúde, bem como à aventura, à atracção e ànatureza.Para Elias (8), o elemento fundamental de satisfaçãono lazer é a produção de tensões de um tipoparticular, o “desenvolvimento de uma agradáveltensão-excitação”. As actividades de lazerproporcionam (de uma forma simples ou complexa,a um nível mais elevado e por um período efémero)a erupção de sensações fortes e agradáveis

habitualmente ausentes das rotinas quotidianas. Asua função não é, como muitas vezes se pensa, alibertação de tensões, mas sim a renovação dessamedida de tensão, o que constitui um factorimportante da saúde mental (8). Ainda segundo esteautor, mais do que relaxamento, as pessoas esperam,das suas actividades de lazer, estimulação, alegria,excitação e um despertar emocional agradável.Uma segunda evidência reporta-se a uma práticamais generalizada, mas também realizada emespaços mais restritos, já que os espaços maistradicionais (parques e campos de jogos) estãoclaramente desadaptados face às realidades vigentes.Esta adaptação das modalidades, pelo aparecimentode novas actividades ou pelas adequações de regras enúmeros de jogadores a novos espaços, encontra-seclaramente justificada por aquilo que poderíamosdefinir como uma adequação da prática desportiva àrealidade urbana. Como expressão ou resultadodestas tendências, as actividades de recreação têm-setornado em actividades gradativamente maisinformais e individuais, ou em propostas envolvendoapenas amigos e familiares, por oposição aoscompromissos dos jogos e actividades formais (26).Quando o objectivo é encorajar os jovens, emparticular, e as pessoas em geral, a serem activos aolongo da vida, o ênfase transfere-se dos resultadospara a qualidade da experiência durante aparticipação (22). Se a experiência for positiva oudivertida, se a experiência valorizar as percepções dacriança e do adolescente, então com maisprobabilidade, os jovens manterão a actividade parao resto da sua vida (20).Por isso, a visão mais recente em relação à prescriçãoda actividade física, a qual associa níveis maismoderados de actividade à saúde (25), parece ser maisconsistente com a realidade das práticas correntes,pois podem ser realizadas fora do contextotradicional e/ou formal e são extraordinariamenteimportantes na efectiva generalização da actividadecomo actividade de recreação, entendido este comoum espaço autónomo de realização pessoal (21).Poderíamos resumi-las nos seguintes pontos:

1. são enfatizados os benefícios relacionados com asaúde das actividades de intensidade moderada;

2. é atribuído significado acrescido à acumulação de

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períodos de actividade física desenvolvida emmomentos mais curtos e intermitentes deactividade. Estes são considerados como umconteúdo suficientemente significativo para umainfluência positiva no contexto da saúderelacionada com a actividade física.

O usufruto das actividades de lazer é determinadomais por factores subjectivos como a liberdade epercepção de competência na realização daquelaspráticas, do que por factores objectivos como aprática em si mesmo ou a capacidade financeira dosujeito (Shaw, 1984). Neste sentido o ponto centralé o do sentimento positivo que o sujeito tem paracom a actividade e a partir daqui envolver-se na suaprática (31).Veja-se, por exemplo, que os tipos de actividadefísica mais populares entre a população adulta activasão aqueles que podem ser realizados em grupo ousozinho, sem o enquadramento especializado ou deuma classe formal. Efectivamente a percentagem dapopulação que participa em programas formais eorganizados é pequena comparada com aquela quese exercita sozinha de forma espontânea (14).Deste modo, a adaptação dos desportos para espaçosmais restritos aumenta o número de praticantes e,contrariamente a uma limitação quantitativa que lhepoderia estar associada, favorece a democratizaçãoda prática desportiva. De igual modo quando asmodalidades restringem ou diminuem o número dejogadores (ex: street basquete), concretiza-se umaopção pela individualidade em detrimento docolectivo. Se este facto por um lado poderiaapresentar conotações menos positivas, também éverdade que esta adaptação é positiva por facilitar aprática a um maior número de pessoas.Contudo a actividade desportiva no âmbito do lazernão pode deixar de ser entendida como umamanifestação importante das aspirações e valoresindividuais, mas particularmente dos sociais (8). Comefeito, a actividade física, mais concretamentepreocupações e valores que lhe estão habitualmenteconotados, traduzem em si mesmo um conjunto depreocupações mais profundas da vivência corporal eda expressão do sujeito enquanto indivíduo (13). Aforma como mudamos o corpo, como protagonizamosos gestos, ou desenvolvemos simbolismos, são

consequências de um desejo mais profundo dedesenvolvimento ou de mudança da própriaidentidade. Nietzche dizia que há mais razão no teucorpo do que na própria essência da sabedoria.A eclosão de todos estes aspectos é de tal formaevidente que o corpo passa a ser também uma via derepresentação social. As actividades físiscas maisrepresentativas do “fitness” permitem-nos seguir atrajectória desta representação. Não basta sersaudável, hà que parecê-lo. È a asssociação entre asaúde e o aspecto físico (corpo musculoso e forte).Trata-se de uma nova “moral do corpo”, em que oarquétipo triunfante oferece o corpo cultivado peloginásio (13).Em síntese, a actividade física e desportiva épreconizada como um dos meios de compensaçãodos efeitos nocivos do modo de vida da sociedadehodierna. Ela surge como o potencial catalizador dautilização do tempo livre, o que tem sidoreferenciado como um fenómeno não negligenciávelde afirmação na sociedade contemporânea.

O FUTURO“O futuro não tens de o prever, tens de o permitir.”A. Saint-Exupéry

O maior problema ligado ao futuro do lazer é o deque estamos sempre preparados para o trabalho masnão para o tempo livre (6). De acordo com este autor,muitos indivíduos sabem trabalhar mas não sabemusufruir bem o seu tempo livre, porque porque nãoexiste um modelo social baseado no tempo livre, jáque todos os modelos de sociedade ocidental sãobaseados no trabalho. Poderiamos afirmar que o serhumano está muito perto de alcançar aquilo quesempre almejou. Somos capazes de produzir cadavez mais com cada vez menos trabalho. Isto adequa-se a um princípio, importante de desenvolvimentoontológico do ser humano. O Homem sempre tentouviver o mais tempo possível, sofrendo o menospossível e trabalhando o menos possível (6).Assim, discutir o futuro do lazer e das suas práticas,particularmente das desportivas, significa tambémdiscutir os aspectos culturais, visto que umaqualquer política cultural que procure serconsistente, não pode deixar de levar em linha deconta o tempo livre e o seu imenso potencial

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educativo, ou, por outras palavras, discutir anecessidade de um processo educativo que nãoesqueça o lazer e a sua vivência (21).Não pode ser descurado também a importância dolazer e das práticas de actividade física como factorde integração social, seja das minorias étnicas,sociais (mulheres e idosos) (18).Por outro lado, a necessidade de novas práticas tentadar resposta ao florescer do culto do corpo,componente vital da sociedade de consumo quecaracteriza os nossos dias. Aqui o mais importante éa compreensão da colonização mercantilista dotempo livre como tempo de consumo (9). É, nãoraramente o privilégio do consumo por oposição auma vivência e usufruto equilibrados do nossotempo livre (24).Deste modo podemos isolar cinco tendências naevolução das exigências sobre a actividade física nocontexto do lazer (19):

1. A procura da autonomia, que tem comoconsequência a rejeição das grandes organizações,as quais lidam com os indivíduos com um excessode restrições e regulamentações;

2. A procura do prazer, da alegria e realizaçãopessoal, em detrimento do tradicional ascetismodesportivo;

3. A procura da vitalidade e da “forma” com ointuito de garantir o bem-estar físico;

4. A procura de uma rica comunicação inter-individual, pela participação em pequenos einformais grupos por oposição às grandesorganizações e instituições;

5. A procura de uma harmonia entre as qualidadesmentais e físicas, como envolvimento natural eurbano.

A este propósito não é de descurar aqui aimportância dos meios de informação em geral.Efectivamente eles criam, em grande medida, muitasdas necessidades do indivíduo. Objectivamanteninguém tem necessidade daquilo que ignora, daí aimportância dos mecanismos e processos deinformação na criação de uma realidade (16).Deste modo parece plausível entender que asorientações das tendências no âmbito dasactividades físicas e de recreação salientam asorientações do indivíduo enquanto consumidor.Efectivamente a realidade contemporânea exige umconjunto de estratégias que abranjam as múltiplasfacetas da realidade desportiva presente, as quais,naturalmente, permitirão a produção e odesenvolvimento de serviços, quer quantativa querqualitativamente adaptados às múltiplas exigências,motivações e interesses que caracterizam osconsumidores. A natureza da cultura comercialcontemporãnea é composta por muitos mercadosintensos, nos quais a sobreprodução e a permanenterenovação são uma exigência e, como tal, a regra (17).Neste sentido a actividade física enquanto prática delazer terá, concerteza, um campo de múltiplasmanifestações no futuro, no qual a maior dificuldadeserá o da gestão equilibrada dos interesses emotivações que lhe estão associados. Assim deverágerir o difícil equilíbrio da sua vertente associada aospadrões de qualidade de vida, saúde e bem-estar daspopulações, por um lado e, por outro, da suacomponente de objecto de consumo e de comércioque condiciona a liberdade de escolha e , comfrequência a suas próprias manifestações e vivências.

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INTRODUÇÃOOs sistemas de treino e de competições dos maisjovens carecem de um maior aprofundamento. Osmodelos explicativos existentes, desenvolvidos aolongo dos últimos quarenta anos, apoiam-se aindamuito na experiência e no conhecimento empírico, emorientações pedagógicas e normativas, e menos do queseria desejável na explicação científica (23, 24, 27, 28, 29).A necessidade de qualificação da prática durante osanos de formação desportiva tem estimulado areflexão e o debate dos especialistas de forma maisintensa nos últimos quinze anos. Desse debate,destacaríamos quatro pontos principais: a naturezados exercícios de treino (2, 28, 29, 32, 38, 48, 49), aestrutura e a dinâmica da carga (26, 30, 32), odesenvolvimento das capacidades motoras (3, 17, 20) eo sistema de competições. Deste último nãofalaremos aqui, remetendo os interessados paraalguns ensaios e estudos em que é tratado (1, 25, 41, 46).

OS EXERCÍCIOS DE TREINOA Teoria dos Sistemas Funcionais de Anochin (cf.48) remete para a necessidade de uma grandefrequência e especificidade contextual de estímulos efeed-backs. A Teoria da Adaptação condiciona aspossibilidades de adaptação do organismo àschamadas “reservas de adaptação”.Estes pressupostos determinariam que o espectro defactores a treinar estivesse limitado às exigênciasmais relevantes da estrutura do rendimento numdeterminado desporto. A não ser assim (Boiko, 1987,citado em 49) as possibilidades de adaptação doorganismo diminuiriam perante o aumento donúmero de factores aos quais este se deveria adaptar.Isto é, um reforço da especialização desportiva e a

consequente diminuição da diversidade dos estímulosconduziria a um aumento da prestação desportiva.Esta tese vem reforçar a ideia de que umadiminuição da quantidade de componentes dosistema motor-funcional activado conduziria a umamaior centração sobre as reservas de adaptação e,deste modo, a um desenvolvimento mais efectivodesse sistema.Deste quadro teórico parte Tschiene (49) paraquestionar o sentido da estruturação do treino nainobservância das exigências específicas de um dadodesporto. Ou seja, o autor pretende acentuar que,sendo a adaptação específica o princípio fundamentaldo funcionamento dos sistemas biológicos, o modelode rendimento mais elevado deveria funcionar comoum factor estruturante de todo o sistema depreparação desportiva, aí incluída a formação dosjovens desportistas.Se relativamente à preparação dos atletas de altonível já não se perde tempo a discutir esta questão,contestando-se abertamente o “princípio da unidadeentre o treino geral e o treino especial”, na formaçãodos jovens desportistas ela não justifica o consenso.A questão da relação entre os exercícios gerais eespeciais na preparação dos mais jovens é ainda umtema controverso entre os especialistas do treino.Aprofundemos o debate nas suas implicações.Anterior a toda a aquisição da estrutura complexados gestos e das acções desportivas está uma culturamotora não especializada, mais simples, constituídapor um repertório de gestos e comportamentosmotores. Sem a qual não se evoluirá, nem de formaeficiente, nem de forma estável, no aprofundamentodo rendimento desportivo.Este é um quadro perfeitamente aceite pelos

O treino dos jovens desportistas. Actualização de alguns temas quefazem a agenda do debate sobre a preparação dos mais jovens.

António T. MarquesJosé Manuel OliveiraFaculdade de Ciências do Desporto e de Educação Física,Universidade do Porto

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O treino dos jovens desportistas. Actualização de alguns temas que fazem a agenda do debate sobre a preparação dos mais jovens.

especialistas, que assim reconhecem que a formaçãodesportiva não se faz na dependência estreita,sistemática e exclusiva dos fundamentos da culturada futura actividade especializada. E tampouco sempôr em causa que os modelos mais avançados dodesporto deverão funcionar como elementosestruturantes da formação dos jovens desportistas.Isto é, continuando a aceitar como válidos osprincípios da especialização crescente e máxima nodesporto de rendimento.Que tipo de consequências daqui resultam para anossa reflexão?Em primeiro lugar, que haverá um momento em quea especialização se terá que fazer, questão esta queremete para o momento de início da especialização.Em segundo lugar, que a especialização não se faráem quaisquer condições. Ela será, por um lado,função do quadro concreto que a justifica em cadadesporto, e, por outro lado, influenciada pelo quadrode vivências, aquisições, aprendizagem edesenvolvimento anterior dos jovens desportistas.A questão da idade de entrada em especializaçãodesportiva é controversa, estando dependente dascaracterísticas do desporto escolhido, dos factores queinfluenciam o desenvolvimento de crianças e jovens e,sobretudo, da cultura desportiva dominante. Isto é,do quadro de condições que determinaram nosúltimos quarenta anos o capital de conhecimento eexperiência utilizado no enquadramento dapreparação desportiva dos mais jovens. Objecto,embora, de uma grande reflexão teórica nos últimosanos, a resposta a esta questão não se faz simples doponto de vista científico, continuando no fundamentala estar dependente de outros contributos.A procura de soluções para a especialização emdesporto determinou, é sabido, um início cada vezmais precoce das carreiras desportivas.Acompanhando este processo foram desenvolvidossistemas nacionais de competição e aperfeiçoadas ascompetições internacionais dos mais jovens.O desenvolvimento das carreiras de atletas de altonível, em vários desportos, permite perceber duasvias principais na construção a longo prazo daprestação desportiva (2):

(i) início em idades baixas da especialização numdesporto, sendo que em alguns desportos isto se

faz-se logo a partir dos 4 anos, embora na maiorparte deles isso só venha a acontecer entre os 8 eos 10 anos;

(ii) início em idade baixa (entre os 6 e os 12 anos)da prática de uma actividade desportiva regulardiversificada, seguida da especialização numdesporto (normalmente entre os 12 e os 15 anos)para o qual se manifestam condições de obtençãode sucesso.

O conhecimento da situação em vários países deixaperceber que vai prevalecendo a primeira via, isto é,que as crianças e jovens são orientados para odesenvolvimento de uma elevada especializaçãorelativamente cedo.A segunda questão relaciona-se com as condiçõesem que se deve fazer a especialização.Circunstâncias bem conhecidas, que nãodesenvolveremos aqui, têm determinado que asexperiências motoras e desportivas dos mais jovens,na escola e fora desta, sejam cada vez mais pobres.Este facto constitui a razão fundamental para adiminuição das capacidades motoras de crianças eadolescentes.Particularmente deficitárias são as vivências eaquisições no plano coordenativo-motor, aspectoessencial à capacidade de prestação desportiva. Paraalém de pôr em causa um normal desenvolvimentomotor, a sua deficiente manifestação dificulta aaprendizagem e aperfeiçoamento das acções técnicase diminui o potencial de utilização condicional. Oque cria dificuldades acrescidas aos técnicosdesportivos no momento da adopção de estratégiasespecializadas de preparação. E enfatiza aimportância da valorização do treino geral – antessituado no âmbito de intervenção da escola e daactividade espontânea da criança – no quadro daformação desportiva especializada dos mais jovens.Esta situação vem dar força aos argumentosdaqueles que afirmam o primado da formaçãomultilateral de base como princípio director dotreino na infância, fundados em razões da teoriapedagógica, da teoria do desenvolvimento e dametodologia do treino (19, 32). Num outro artigo (cf.26) desenvolvemos estes aspectos.Temos então, por um lado, que o sistema funcional-motor forma-se especificamente e não em geral,

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segundo o princípio da replicação adequada e precisade parâmetros espaciais, temporais e energéticos nainteracção motora do indivíduo com o seu meio (49).Temos, por outro lado, a posição daqueles (19, 32, 38)

que defendem que isso é apenas válido em condiçõesdeterminadas. Estas pressupõem, por um lado, aconstrução prévia dos factores sobre que assentará aestrutura especializada da actividade desportiva e,por outro lado, a neutralização ou minimização dosfactores de impacte sobre a diminuição dascondições da estabilidade e longevidade das carreirasdesportivas. Por exemplo, a ocorrência de lesõesresultantes da aplicação sistemática de cargasunilaterais/especializadas prematuramente (32), ou arepetida utilização das mesmas rotinas de treino,influenciando o abandono prematuro da actividadedesportiva (36, 37, 40).Não se está perante um impasse, sequer perante anecessidade de conciliar posições que aparentementenão convergem. Trata-se de conformar a prática aoscontributos científicos mais recentes, sem esqueceras novas realidades. Consagrando cumulativamenteo princípio da orientação para um objectivo – aespecialização num desporto – e o princípio dadiversidade, sem que isso seja contraditório (38).Defende-se, não o abandono do treino geral nasestratégias de preparação, mas que este seja pensadoem função da estrutura do rendimento de cadadesporto. Que a natureza e a importância do treinogeral sejam não apenas consideradas em função doestádio de desenvolvimento e da idade de treino decada jovem desportista, mas também em função doquadro de condições concretas de cada desporto.Delimitando o conceito de multilateralidadeespecificamente para cada desporto (2), através deuma diversidade específica de cada desporto, em queos exercícios sejam dirigidos desde logo, quer naestrutura da carga, quer na estrutura motora, para odesporto escolhido (49). Promovendo uma formaçãomultilateral específica, em que predomine aformação das capacidades técnico-coordenativas (38).Considerando que a adequação dos meios de treinogeral poderá ser maior se a sua orientação for nãoapenas condicional, isto é energética e funcional,mas tiver uma direcção informacional e neuro-motora cada vez mais acentuada (2).Nesta perspectiva, o princípio da especialização

aplica-se também à utilização na formaçãodesportiva dos meios de preparação geral. Acrescente especialização a promover na preparação,dizendo respeito a todos os âmbitos do treino, étambém extensível ao treino geral (38).Começam já a surgir novas propostas e contributosde especialistas, ao encontro da necessidade deaplicação na prática do princípio da formaçãomultilateral segundo os aspectos específicos dodesporto. Através do ensaio de definição de umquadro criterial e organizativo dos exercícios geraismais apropriado, função de cada desporto (45, 48).Peter Tschiene (48), particularmente, tem feito umesforço de reorganização e sistematização nestesentido, propondo a classificação dos exercícios detreino no desporto de crianças e jovens segundo:

(i) o grau de transferência motora relativamente aosexercícios de competição;

(ii) o grau de efeito funcional, em relação com odesenvolvimento biológico e a idade de treinodos jovens atletas;

(iii) a intensidade necessária de realização dosexercícios; e (iv) a estruturação dos exercíciossegundo a idade.

A CARGA DE TREINOA Teoria do Treino não desenvolveu ainda um modeloteórico de enquadramento da carga nos diferentesestádios da preparação dos mais jovens (32).A intervenção dos treinadores tem sido, noessencial, suportada por alguns princípios eorientações normativas. Como orientaçãofundamental, todas as componentes da carga(volume, frequência, densidade, intensidade) devemaumentar gradualmente com a idade de preparação,em acordo com os princípios do aumentosistemático da carga e da individualidade. Comoorientação complementar, no aumento dascomponentes da carga a primazia deve ser dada aovolume; significando isto que, no controlo dadinâmica da carga, a quantidade deve crescer maisrapidamente que a intensidade.O que é pouco, manifestamente.Durante muito tempo, associou-se o aumento dorendimento ao número de anos de preparaçãodesportiva, na convicção de que do aumento do tempo

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de treino e do número de anos consagrado à formaçãoresultaria um claro aumento da prestação (5).Hoje, repensa-se a formação desportiva à luz dofracasso de estratégias deste tipo e de consequênciasa outros níveis. O aumento substancial do tempoconsagrado à preparação dos mais jovens está aprejudicar, em momentos em que a preparação aindanão é decisiva, o tempo que deveria ser dedicado aoutras actividades educativas e formativas, incluindoa própria escola. Exigências elevadas de preparaçãoestão a repercutir-se negativamente na própriaformação desportiva, pela inexistência dasnecessárias condições de recuperação e de descansoque indivíduos em processo de crescimentoacentuado exigem.Não pode, pois, deixar de pensar-se a organizaçãoda carga de treino à luz destas realidades. Atendência para o sistemático aumento do tempoconsagrado à preparação no desporto derendimento deve ser invertida, de acordo comprioridades em que a preparação desportiva nãopode desempenhar ainda um papel essencial. Osresultados no alto nível cada vez mais dependem doque se fez nos anos da formação e não do númerode anos passados na preparação.Torna-se por isso necessário equacionar, naorganização do sistema de cargas, um papel de maiorrelevância da qualidade dos estímulos, porcontraposição a uma tendência em que a prioridadeé atribuída à quantidade de treino. Substituir aquantidade, pela qualidade, como orientaçãodominante.Tal como aconteceu há alguns anos no desporto dealto rendimento, não deve esperar-se, também nodesporto dos mais jovens, que a evolução dascondições que promovem o potencial dos jovensdesportistas dependa no essencial do aumento dotempo consagrado à preparação.Significa isto, então, o quê? Que deveremossubstituir uma opção centrada no volume, por umaoutra centrada na intensidade? Não, antes quedeveremos pensar mais na qualidade dos estímulosde treino e menos na sua quantidade. Ou, como dizMartin (32), para um mesmo tempo de treinodeveremos promover uma maior qualidade deintervenção, através de cargas e conteúdoscriteriosamente escolhidos.

Estamos manifestamente perante um quadroinsuficiente. Não basta definir qual o volume e aintensidade das cargas. É preciso conferir umaorientação mais precisa às cargas, para além dasnormas de orientação geral. Não havendo napreparação cargas em abstracto, importa definiroutras regras, mais concretas.Como avançar no sentido de definir modelos deorganização da carga que contribuam para promover odesenvolvimento dos mais jovens e construir deforma mais efectiva as condições que garantirão níveisde rendimento cada vez mais elevados no futuro?Por um lado, construindo o modelo teórico deorganização da carga em estreita associação com o“princípio da preparação para altas cargas” (2). Isto é:

(i) construindo uma base sólida para os rendimentosfuturos através de um adequado desenvolvimentodas condições de cargabilidade geral durante asprimeiras fases da formação; que permita, maistarde, elevar as cargas a níveis que respondampor aumentos significativos da prestação e, poroutro lado, minimizar o impacte dessas cargassobre as estruturas corporais; e

(ii) potenciando os efeitos das cargas gerais detreino na elevação do nível da capacidade deprestação especializada.

Por outro lado, e esta é uma tendência que se vaiafirmando cada vez mais, apontando para anecessidade de melhoria da qualidade das cargas detreino.Melhorar a qualidade das cargas? O que pode istosignificar? Escolher e valorizar conteúdos eestímulos de treino cujas características seconstituam em pressupostos da maximização dasfuturas prestações desportivas.Que pressupostos são esses? Que estratégiasintroduzir no treino que assegurem condições demaior eficácia alguns anos mais tarde?Há componentes da estrutura da prestação que,apesar de influenciarem de forma determinante orendimento de alto nível em cada desporto, não sãoobjecto de um desenvolvimento adequado durante aformação. Se isto não acontecer nestas fasesdificilmente poderá acontecer mais tarde. O quelimita as possibilidades de abertura de novas

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reservas de rendimento. A sua identificação e adefinição dos momentos mais adequados para odesenvolvimento dessas componentes, constituem-se em pressupostos da promoção de um treino dequalidade (2).A Teoria da Acção (cf. 48) apoia-se na necessidadede uma concepção unitária no desenvolvimento daactividade, como pressuposto da construção de umaprestação que é complexa. Determinando arealização sistemática e integrada do treino a partirda valorização de todas as componentes – motoras,bioenergéticas e informacionais – que fazem aestrutura da prestação, a partir de processos deregulação cognitivos, volitivos e emocionais.Na prática as coisas passam-se de forma diferente. ALei do Estímulo/Adaptação dos sistemasbioenergéticos (2) continua a marcar o que deessencial faz o foco da actividade de treino numagrande maioria das actividades desportivas.Relegados para um plano claramente secundárioestão os processos informacionais. O que temmanifestas consequências no processo de formação,um tempo de crucial importância nas tarefas daaprendizagem.Sem contrariar os pressupostos que atrásapresentámos no âmbito da Teoria da Acção, masvalorizando orientações que decorrem de lógicaspróprias de cada momento da preparação,entendemos que antes da puberdade as prioridadesdo treino se voltem para a dimensão informacional, –cognitiva e coordenativa – da actividade e após esteperíodo seja mais valorizada a dimensão condicional– bioenergética e funcional – da actividadedesportiva.Em concreto, julgamos que este debate sobre apromoção da qualidade se centra hoje sobre trêseixos centrais (2, 30, 32):

(i) o aperfeiçoamento da formação técnicadesportiva;

(ii) a revalorização da tomada de decisão nas acçõesdesportivas; e

(iii) a qualificação do treino de velocidade.

AS CAPACIDADES MOTORASAs capacidades motoras são componentes dorendimento e, desta forma, conteúdos essenciais aos

programas de treino dos jovens. Porém, o debateteórico acerca do seu desenvolvimento tem-secentrado mais nas questões que condicionam o seunível de expressão – como, por exemplo, o efeito docrescimento e da maturação, ou a sua treinabilidade– e menos nas estratégias de treino a longo prazo. Adiscussão destas tem-se apoiado, sobretudo, noconhecimento empírico e em experiências da práticados treinadores.Do conhecimento actual emergem tendênciasmetodológicas que visam a racionalização doprocesso de treino, pela melhoria da suaefectividade, em resposta às necessidades daespecialização.Em abstracto, as capacidades motoras sãoconsideradas a base de uma hipotética pirâmidecomposta por todas as componentes do rendimento(15). De acordo com este entendimento, odesempenho de tarefas de incidência técnica outáctica teria sempre na sua base exigências deresistência, força, velocidade e/ou flexibilidade (a).Porém, nem sempre a lógica funcional alinha pelalógica pedagógica. Se assim fosse, seria natural que odesenvolvimento das capacidades motoras constituísseo conteúdo fundamental da preparação dos maisjovens, traduzido num maior volume registado emtreino. O que nem sempre se verifica (21).O treino da técnica sempre foi um conteúdofundamental da formação dos mais jovens. Estatendência tem-se reforçado através da integração decomplexos de competições técnicas no sistema decompetições. A valorização da técnica decorreprecisamente do facto de só poder haverespecialização quando o praticante se apropria doreportório de instrumentos que são eficientes para aresolução de uma tarefa motora específica (34). Acaracterística eficiência remete, em primeiro lugar,para os aspectos da regulação e controlo motor, pelograu de condicionamento que estes estabelecem aonível da justeza da execução face a um padrão.A importância da técnica, no contexto global dorendimento desportivo, não é idêntica em todas asmodalidades (16).São igualmente conhecidos os factores quedeterminam a oportunidade de utilização das técnicasdas várias modalidades desportivas. Em certasmodalidades, como os jogos desportivos, a técnica

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representa o instrumento para resolver situações dejogo (11). A escolha de uma técnica depende de umjuízo prévio acerca da utilidade e oportunidade do seuemprego. A natureza destas modalidades,consideradas desportos de situação (18), faz ressaltar aimportância do factor decisão (o que fazer?), mastambém, face às características de contexto variável, anecessidade de adaptação (como fazer?).Torna-se, assim, necessário repensar a formação datécnica, valorizando o treino da regulação econtrolo do movimento num quadro de exigênciasque influenciem de forma mais efectiva estacomponente que é decisiva na formação (2). O quepressupõe investigação e desenvolvimento doconhecimento sobre:

(i) a formação da técnica desportiva em domínioscomo os do processamento da informação,representação e programação motora,

(ii) formas de abordagem da técnica, por exemplo,em situações de elevada interferência contextual(13, 34) e

(iii) a relação de integração com os factores que nosplanos condicional e/ou decisional condicionamde forma essencial os desempenhos desportivos.

Deste modo, numa lógica estritamente pedagógica, odesenvolvimento das capacidades motoras ficasubordinado à prioridade estratégica que é concedidaà formação da técnica desportiva. O que nãopretende significar a desvalorização do treino dascapacidades motoras. Antes pelo contrário, ele devecontribuir para acelerar o desenvolvimento técnico.Ao treino da velocidade no desporto de jovens temsido devotada grande atenção. Os factores associadosaos limites da expressão desta capacidade têm vindo aser estudados pela comunidade científica, quer emadultos quer em jovens. Nestes últimos, porém,condicionamentos éticos à utilização de métodos einstrumentos tornam o conhecimento mais limitado,pese embora o seu avanço (20).De entre os factores que condicionam a velocidade, osaspectos neurais surgem mais precocementeassociados ao desenvolvimento das prestações empré-puberes e puberes, até sensivelmente o meio daadolescência (3, 17, 20). Outros factores, como osmusculares e metabólicos, parecem ganhar

importância em fases mais tardias da puberdade. Nãoquer isto significar que também estes factores nãopossam ser influenciáveis pelo treino em fases maisprecoces do processo de crescimento e maturação. Talterá sido mesmo já comprovado (8, 6, 10, 39).A força vem ganhando espaço e importância notreino dos mais jovens. Uma solicitação maisprecoce tem contribuído para uma formaçãoespecializada de maior qualidade.Ultrapassada a polémica sobre a treinabilidade daforça em sujeitos pré-púberes (4, 7, 12, 39, 43, 51) eidentificados os mecanismos associados aos ganhosda força com o treino (4, 35, 39, 50) – essencialmente poradaptação neural nos pré-púberes e também poradaptação miogénica em adolescentes –, importaperceber quais os métodos e meios apropriados parao seu desenvolvimento.No treino da velocidade e da força, nem sempre aênfase tem sido colocada nos factores maisimportantes. Recordemos o que atrás dissemos. Noprocesso de formação de jovens praticantesdesportivos a lógica pedagógica deve sobrepor-se àlógica funcional. Por este motivo, a prioridade deveráser colocada ao nível das competênciascoordenativas específicas, isto é, das técnicasdesportivas. Desta forma, o treino da velocidade e daforça devem concorrer para a melhoria da expressãoda técnica, e esta para o desenvolvimento daquelas.De facto, diversos estudos (3) comprovam que, antesmesmo do incremento do potencial de activação dasunidades motoras, os ganhos de velocidade e de forçaresultam do desenvolvimento da coordenação motora,ou seja, do aperfeiçoamento da coordenação entremúsculos sinergistas e entre agonistas e antagonistas.Pode então concluir-se que a formação e oaperfeiçoamento da técnica concorrem directamentepara o desenvolvimento da força e da velocidade. Oque deve ter consequências nas estratégias de treino:mais do que promovermos exigências gerais develocidade ou de força, deveremos centrar-nos namelhoria da coordenação motora dos gestos e acçõesdesportivas, fazendo progressivamente um aumentodas exigências de velocidade e de força.Numa outra perspectiva, a velocidade é o resultado damelhoria da percepção dos estímulos e doprocessamento da informação (9, 44). A aprendizagem dehabilidades e a consciência resultante da aprendizagem

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e do armazenamento em memória das situações quecondicionam a acção ou o movimento, são assimfactores que confluem para o aumento da velocidade daexecução, pela redução do tempo de reacção.Podemos ainda considerar a execução da técnicadesportiva em situação de elevada interferênciacontextual. No caso, o sucesso da prestaçãodependerá da capacidade de repartir a atenção entrea tarefa motora e as exigências cognitivas. O queestá associado, primariamente, à forma como éadquirida e tratada a informação, mas também aotempo útil de execução. Então, as fases de aquisiçãoda informação, da programação motora e da reacçãosão importantes factores de ordem neural, aconsiderar com prioridade.O desenvolvimento de adaptações neurais, visando odesenvolvimento qualitativo das acções motoras emtarefas que exigem resposta rápida, deverá fazer-seem situações de intensidade máxima ou quasemáxima e de grande complexidade, isto é, com

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NOTAS

(a) A omissão das capacidades coordenativas no tratamentodas capacidades motoras, resulta do facto de se considerar quea técnica corresponde a uma forma especializada dacoordenação. Neste sentido, as capacidades coordenativasgerais estão ligadas aos movimentos básicos que se supõemadquiridos quando do início da especialização desportiva.

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pressão de tempo.No caso da força aplicada a um movimento, asintensidades máximas referem-se sobretudo àcomponente força inicial, o que pressupõeresistências ligeiras e velocidades de movimentomáximas (42).Sabe-se que o aumento da velocidade da resposta eda execução motora, assim como o aumento dasexigências de força aplicada num movimentoaumentam as possibilidades de ocorrência de erro.Torna-se então necessário promover nas fasesadequadas, não apenas um treino geral orientado develocidade e de força, mas o treino da técnica emregime de velocidade e de força e em situaçõespróximas do contexto da actividade.Percebe-se assim melhor porque é também acoordenação o produto da força e da velocidade (14).Contudo, este tipo de treino, obriga a uma duplapreocupação: a de conciliar a intensidade com acorrecção do movimento.

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O treino dos jovens desportistas. Actualização de alguns temas que fazem a agenda do debate sobre a preparação dos mais jovens.

Revista Portuguesa de Ciências do Desporto, 2001, vol. 1, nº 1, 130–137

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Tipos de publicaçãoInvestigação original: RPCDpublica artigos originaisrelativos a todas as áreas dasciências do desporto;Revisões da investigação: ARPCD publica artigos desíntese da literatura quecontribuam para ageneralização doconhecimento em ciênciasdo desporto. Artigos demeta-análise e revisõescríticas de literatura são doispossíveis modelos depublicação.Comentários: Comentáriossobre artigos originais esobre revisões dainvestigação são, não sópublicáveis, como sãofrancamente encorajadospelo corpo editorial;Estudos de caso: A RPCDpublica estudos de caso quesejam consideradosrelevantes para as ciênciasdo desporto. O controlorigoroso da metodologia éaqui um parâmetrodeterminante.Revisões de publicações. ARPCD tem uma secção ondesão apresentadas revisões deobras ou artigos publicados eque sejam consideradosrelevantes para as ciênciasdo desporto.

Regras gerais de publicaçãoOs artigos submetidos àRPCD deverão conter dadosoriginais, teóricos ouexperimentais, na área dasciências do desporto. A partesubstancial do artigo nãodeverá ter sido publicada emmais nenhum local. Se partedo artigo foi já apresentadapublicamente deverá ser feitareferência a esse facto nasecção de Agradecimentos.Os artigos submetidos àRPCD serão, numa primeirafase, avaliados peloseditores-chefe e terão comocritérios iniciais de aceitação:

normas de publicação,relação do tópico tratadocom as ciências do desportoe mérito científico. Depoisdesta análise, o artigo, se forconsiderado previamenteaceite, será avaliado por 2“referees” independentes esob a forma de análise“duplamente cega”. Aaceitação de um e a rejeiçãode outro obrigará a uma 3ªconsulta.

Preparação dos manuscritosAspectos gerais:Cada artigo deverá seracompanhado por uma cartade rosto que deverá conter:– Título do artigo e nomes

dos autores;– Declaração de que o artigo

nunca foi previamentepublicado;

Formato– Os manuscritos deverão ser

escritos em papel A4 com3 cm de margem, letra 12 ecom duplo espaço;

– As páginas deverão sernumeradassequencialmente, sendo apágina de título a nº1;

– É obrigatória a entrega de 4cópias;

– Uma das cópias deverá seroriginal onde deverá incluiras ilustrações tambémoriginais;

Dimensões e estilo:– Os artigos deverão ser o

mais sucintos possível; Aespeculação deverá serapenas utilizada quando osdados o permitem e aliteratura não confirma;

– Os artigos serão rejeitadosquando escritos emportuguês ou inglês defraca qualidade linguística;

– As abreviaturas deverão seras referidasinternacionalmente;

Página de título– A página de título deverá

conter a seguinteinformação:

– Especificação do tipo detrabalho (cf. Tipos depublicação);

– Título conciso massuficientementeinformativo;

– Nomes dos autores, com aprimeira e a inicial média(não incluir grausacadémicos)

– “Running head” concisanão excedendo os 45caracteres;

– Nome e local da instituiçãoonde o trabalho foirealizado;

– Nome e morada do autorpara onde toda acorrespondência deverá serenviada;

Página de resumo– Resumo deverá ser

informativo e não deveráreferir-se ao texto do artigo;

– Se o artigo for emportuguês o resumo deveráser feito em português eem inglês

– Deve incluir os resultadosmais importantes quesuportem as conclusões dotrabalho;Deverão ser incluídas 3 a 6palavras-chave;

– Não deverão ser utilizadasabreviaturas;

– O resumo não deveráexceder as 200 palavras;

Introdução– Deverá ser suficientemente

compreensível,explicitando claramente oobjectivo do trabalho erelevando a importância doestudo face ao estadoactual do conhecimento;

– A revisão da literatura nãodeverá ser exaustiva;

Material e métodos– Nesta secção deverá ser

incluída toda a informaçãoque permite aos leitoresrealizarem um trabalho coma mesma metodologia semcontactarem os autores;

– Os métodos deverão serajustados ao objectivo do

estudo; deverão serreplicáveis e com elevadograu de fidelidade;

– Quando utilizadoshumanos deverá serindicado que osprocedimentos utilizadosrespeitam as normasinternacionais deexperimentação comhumanos (Declaração deHelsínquia de 1975);

– Quando utilizados animaisdeverão ser utilizadostodos os princípios éticosde experimentação animale, se possível, deverão sersubmetidos a umacomissão de ética;

– Todas as drogas e químicosutilizados deverão serdesignados pelos nomesgenéricos, princípiosactivos, dosagem edosagem;

– A confidencialidade dossujeitos deverá serestritamente mantida;

– Os métodos estatísticosutilizados deverão sercuidadosamente referidos;

Resultados– Os resultados deverão

apenas conter os dados quesejam relevantes para adiscussão;

– Os resultados só deverãoaparecer uma vez no texto:ou em quadro ou em figura;

– O texto só deverá servirpara relevar os dados maisrelevantes e nunca duplicarinformação;

– A relevância dos resultadosdeverá ser suficientementeexpressa;

– Unidades, quantidades efórmulas deverão serutilizados pelo SistemaInternacional (SI units).

– Todas as medidas deverãoser referidas em unidadesmétricas;

Discussão– Os dados novos e os

aspectos mais importantesdo estudo deverão ser

Revista Portuguesa de Ciências do Desporto

NORMAS DE PUBLICAÇÃO

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relevados de forma clara econcisa;

– Não deverão ser repetidosos resultados jáapresentados;

– A relevância dos dadosdeverá ser referida e acomparação com outrosestudos deverá serestimulada;

– As especulações nãosuportadas pelos métodosestatísticos não deverãoser evitadas;

– Sempre que possível,deverão ser incluídasrecomendações;

– A discussão deverá sercompletada com umparágrafo final onde sãorealçadas as principaisconclusões do estudo.

AgradecimentosSe o artigo tiver sidoparcialmente apresentadopublicamente deverá aquiser referido o facto;Qualquer apoio financeirodeverá ser referido;

Referências– As referências deverão ser

citadas no texto pornúmero e compiladasalfabeticamente eordenadas numericamente;

– Os nomes das revistasdeverão ser abreviadosconforme normasinternacionais (ex: IndexMedicus);

– Todos os autores deverãoser nomeados (não utilizaret al.)

– Apenas artigos ou obrasem situação de “in press”poderão ser citados. Dadosnão publicados deverão serutilizados só em casosexcepcionais sendoassinalados como “dadosnão publicados”;

– Utilização de um númeroelevado de resumos ou deartigos não “peer-reviewed” será umacondição de não aceitação;

Exemplos de referênciasARTIGO DE REVISTA

1 Pincivero DM, LephartSM, Karunakara RA(1998). Reliability andprecision of isokineticstrength and muscularendurance for thequadriceps andhamstrings. Int J SportsMed 18: 113-117

LIVRO COMPLETO

Hudlicka O, Tyler KR(1996). Angiogenesis. Thegrowth of the vascularsystem. London: AcademicPress Inc. Ltd.

CAPÍTULO DE UM LIVRO

Balon TW (1999).Integrative biology of nitricoxide and exercise. In:Holloszy JO (ed.). Exerciseand Sport Science Reviewsvol. 27. Philadelphia:Lippincott Williams &Wilkins, 219-254

FIGURAS

Figuras e ilustraçõesdeverão ser utilizadasquando auxiliam na melhor

compreensão do texto;As figuras deverão sernumeradas em numeraçãoárabe na sequência em queaparecem no texto;Cada figura deverá serimpressa numa folhaseparada com uma legendacurta e concisa;Cada folha deverá ter naparte posterior aidentificação do autor, títulodo artigo. Estas informaçõesdeverão ser escritas a lápis ede forma suave;As figuras e ilustraçõesdeverão ser submetidascom excelente qualidadegráfico, a preto e branco ecom a qualidade necessáriapara serem reproduzidasou reduzidas nas suasdimensões;As fotos de equipamentoou sujeitos deverão serevitadas;

QUADROS

Os quadros deverão serutilizados para apresentaros principais resultados dainvestigação.Deverão ser acompanhadosde um título curto;Os quadros deverão serapresentados com asmesmas regras dasreferidas para as legendas efiguras;Uma nota de rodapé doquadro deverá ser utilizadapara explicar asabreviaturas utilizadas noquadro.

Endereço para envio de artigosRevista Portuguesa deCiências do DesportoFaculdade de Ciências doDesporto e de EducaçãoFísica da Universidade doPortoRua Dr. Plácido Costa, 914200.450 PortoPortugal

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revista portuguesa deciências do desporto

Volume 1Nº 1

Janeiro 2001

revista portuguesa de ciências do desportoVol. 1, N

º 1Janeiro 2001

A Universidade face aos desafios do futuroNuno Rodrigues GrandeA Universidade do Porto e as Universidades BrasileirasAlberto AmaralDiscursos pela causa da cooperação com o BrasilJorge Olímpio BentoÁfrica: o outro vértice do triânguloAntónio T. MarquesA investigação em ciências do desportoJosé MC SoaresPara um ensino superior com qualidadeRui Proença GarciaA Faculdade de Ciências do Desportoe de Educação Física da Universidade do Portoe a prestação de serviços – que política?Fernando TavaresA “casa” do desportoCristiano MoreiraBiomecânica hoje: enquadramento,perspectivas didácticas e facilidades laboratoriaisJ. Paulo Vilas-BoasA análise da performance nos jogos desportivos.Revisão acerca da análise do jogo.Júlio Garganta

Desenvolvimento Motor. Notas breves sobre o estadode conhecimento e propostas de pesquisa.José António Ribeiro Maia, Vítor Pires LopesActividade Física Adaptada: uma visão críticaUrbano Moreno Marques, José Alberto Moura e Castro,Maria Adília SilvaCaminhos e descaminhos nas Ciências do Desporto.Entre o Porto Alegre e o Porto SentidoAdroaldo GayaConceito de Gestão do Desporto.Novos desafios, diferentes soluçõesGustavo Manuel Vaz da Silva Pires, José Pedro Sarmentode Rebocho LopesBreve roteiro da investigação empírica na Pedagogia doDesporto: a investigação sobre o ensino da educação físicaAmândio GraçaA Psicologia do Desporto e a “batalha da qualidade”António Manuel FonsecaActividade Física e Lazer – contextos actuais e ideias futurasJorge MotaO treino dos jovens desportistas. Actualização dealguns temas que fazem a agenda do debate sobrea preparação dos mais jovens.António T. Marques, José Manuel Oliveira

Publicação semestralVol. 1, Nº 1, Janeiro 2001ISSN 1645–0523