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Revista Africa21 Edição 33

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Revista referente a vida cotidiana em Africa, Portugal e Brasil

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4 setembro 2009 – África21

África21 Revista de Informação, Economia e AnálisePortal www.africa21digital.com Newsletter [email protected] Nova Movimento, LdaSociedade de Marketing, Comunicação e CulturaRua Frederico Welvitch, n.º 82Bairro do Maculusso – Luanda, Angola [email protected] Editada por MovipressUma divisão da Nova Movimento, Lda Director Geral João Melo [email protected]@snet.co.aoDirector Executivo Carlos Pinto Santos [email protected]@sapo.ptDirectora Comercial Fernanda Osório [email protected]@gmail.comSecretária Administrativa Luzia Miguel Delegação em Lisboa Triangulação, LdaRua Bento Jesus Caraça, 16 – 2º Dto1495-686 Cruz QuebradaApartado em Lisboa: 190591990-999 LISBOA

Directora administrativa Marina [email protected]@sapo.ptSecretário administrativo Francisco [email protected]ção de Luanda Adebayo Vunge , Alberto Sampaio, Carlos Severino, João Belisário, José Chimuco, Luís Ramiro, Luísa Rogério, Manuel Muanza, Pedro Dombele, Pedro Kamaka e Ruben KamaxiluRedacção de Lisboa António Melo, João Carlos, João Escadinha, Miguel Correia, Nicole Guardiola e Teresa SoutoColaboradores permanentes Alfredo Prado (Brasília), Augusta Conchiglia (Paris), Beatriz Bissio (Rio de Janeiro), César Lopes (Lisboa), Cristiana Pereira (Maputo), Gláucia Nogueira (Praia), Itamar Souza (Nova Iorque), Jonuel Gonçalves (Rio de Janeiro), Juvenal Rodrigues (São Tomé), Leonardo Júnior (Maputo), Manuel Muanza (Luanda), Maria Monteiro (Bissau) e Rodrigues Vaz (Lisboa)Colunistas Alves da Rocha, Conceição Lima, Corsino Tolentino, Fernando Pacheco, Germano Almeida, Inocência Mata, José Carlos de Vasconcelos José Octávio Van-Dúnem,

Luís Cardoso, Luis Ruffato, Mário Murteira, Mário Pinto de Andrade, Mia Couto, Odete Costa Semedo e PepetelaFotografia Agência Angop, Agência Lusa, Arquivo África21, Arquivo Digiscript, Fernanda Osório, Jornal de Angola e Ruth MatchabePublicidade em Angola MovimídiaGestão e Comercialização de Meios Rua Frederico Welvitch, n.º 82Bairro do Maculusso — Luanda, [email protected] Miranda [email protected]ção e assinaturas em Angola MovipressRua Frederico Welvitch, n.º 82Bairro do Maculusso – Luanda, AngolaTel: 244 917 830 014 / 244 917 830 [email protected] e assinaturas no BrasilCCA – Consultores de Comunicação [email protected]ção em Portugal LogistaEdifício Logista – Expansão da Área Industrial do PassilLote 1-A Palhavã2890 Alcochete

Publicidade Triangulaçã[email protected]@africa-21.comAssinaturas em Portugal e no resto do mundo (excepto Angola e Brasil)[email protected]@africa-21.comProjecto gráfico, paginação e pré-impressão [email protected]ão OffsetmaisRua Latino Coelho, 6Venda Nova2700-616 AmadoraTiragem: 10.000 exemplares Os artigos assinados reflectem a opinião dos autores e não necessariamente da revista. Toda a transcrição ou reprodução, parcial ou total, é autorizada, desde que citada a fonte. A correspondência deve ser dirigida à MovipressRua Frederico Welvitch, n.º 82Bairro do Maculusso – Luanda, Angola. Tel.: 244 917 830 014 / 244 917 830 537Fax: 244 222 334 867

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O futuro adiadoda agricultura africana

A agricultura em África continua sem produzir o que devia. E podia. Mas é preciso enfrentar décadas de políticas erradas, milhares de milhões de investimento e o envolvimento da comunidade internacional. O desafio é grande, mas só triplicando a sua produção o continente consegue vencer as dificuldades alimentares.

Nicole Guardiola, Miguel Correia, Fernando Pacheco e Alves da Rocha

Três eleições simultâneas em Moçambique A nova ponte do rio Zambeze uniu mais Moçambique, numa altura em que Armando Guebuza, Afonso Dhlakama e Daviz Simango correm para a Presidência. A 28 de Outubro os moçambicanos votam também para as legislativas e assembleias provinciais.

Leonardo Júnior

Amazónia intranquila

Apresentada como o coração do mundo, a Amazónia vive dias atribulados. Um vazio de poder em vastas regiões, a ocupação irregular de terras, a contínua desflorestação e a violência fazem deste vastíssimo território um alvo de diversas disputas.

Alfredo Prado

O reencontroA visita de Zuma a Angola deu início a uma nova era nas relações bilaterais. As duas economias podem contribuir para que a África Austral seja a locomotiva do continente.

Maria Pons

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África21– setembro 2009 5

Aos LeItores

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A agricultura africanae os perdedores

O continente africano tem recursos natu-rais, energéticos e matérias-primas, de todo o teor, em abundância. Apesar da ex-trema violência que ainda permanece, so-bretudo alimentada por movimentos radi-cais (Corno de África, Nigéria ou Repú-blica Democrática do Congo), na última década vários foram os conflitos armados

que se extinguiram. Esta é uma das razões para o crescimento acelera-do da população continental, que deverá atingir, em 2020, 1400 mi-lhões de pessoas, mais 500 milhões que os actuais 900 milhões.

Com muitas regiões deficitárias em produtos agrícolas, os proble-mas de segurança alimentar agravam-se e as legiões de subnutridos po-dem vir a crescer em espiral.

Mas o que também não falta em África é muita terra disponível que continua a estender-se com o fluxo de população rural para as grandes urbes.

Tal facto contribui para um fenómeno analisado pelo nosso cola-borador Alves da Rocha: o comércio internacional de terras africanas de aptidão agrícola por países compradores, situados num patamar superior de desenvolvimento em relação aos africanos, que se defron-tam com grande dependência do mercado mundial em bens alimen-tares essenciais. Países como a República da Coreia, China, Japão, do Golfo arábico, ou até africanos, como Líbia e África do Sul, que (di-zem as estimativas), terão comprado até finais de 2008 sete milhões de hectares a países terceiros. Em África, na lista dos principais vendedo-res deste novo comércio internacional – impulsionado pelas multina-cionais do agro-alimentar e pelos próprios Estados – surgem Sudão, Uganda, República Democrática do Congo e o Congo.

À grave situação da agricultura e às carências alimentares em Áfri-ca, acrescem os efeitos das alterações climáticas. O continente mais pobre do mundo, mas que apenas contribui com dois por cento na degradação ambiental planetária, é o que mais sofre.

Por isso, a proposta que saiu da reunião da Comissão da União Africana, em Adis Abeba, e de que se fez porta-voz o seu presidente Jean Ping, não deve surpreender ninguém. Reclamar na cimeira de Copenhaga, em Dezembro próximo, aos países mais industrializados, 67 mil milhões de dólares por ano como compensação pelo impacto do aquecimento global. O início destes pagamentos foi apontado para 2020. Será?

carlos Pinto santos

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ENTREVISTA

Raimundo Pereira Presidente interino da Guiné-Bissau

Os guineenses podem entender-se

Fernando Jorge Pereira

48 GUINÉ-BISSAU Os sinais da mudança

Fernando Jorge Pereira52 SÃO TOMÉ E PRÍNCIPE Melhoria nas ligações internas e externas

Juvenal Rodrigues54 EUA-ÁFRICA Visita de Hillary Clinton cria expectativas

Itamar Sousa68 CPLP Estatuto do Cidadão Lusófono e livre circulação

João Carlos76 HONDURAS O golpe de Estado que ninguém reconheceu

Manrique S. Guardim90 AFROBASKET 2009 Angola ganha com facilidade

Jonuel Gonçalves

CAPA: Digiscript

EscravaturaA ONU classifica o comércio de escravos de crime contra a humanidade

Nicole Guardiola

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Crónicas39 PEPETELA47 ODETE COSTA SEMEDO51 GERMANO ALMEIDA61 LUIZ RUFFATO71 CORSINO TOLENTINO96 JOÃO MELO

Rubricas10 ANTENA2172 INSUMOS80 LIVRO DO MÊS83 CULTS86 LIVROS, MÚSICAS e FILMES95 I&D

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6 setembro 2009 – África21

eNtreVIstA

Os guineenses podem entender-se

Raimundo Pereira, Presidente da República interino da Guiné-Bissau

Cerca de uma semana antes da investidura do novo Presidente guineense, o chefe de Estado cessante indicou que o diálogo e a defesa dos interesses nacionais é que lhe permitiram ultrapassar os complicados desafios enfrentados no cargo

fernando Jorge Pereira

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ÁFRICA21. Que balanço faz do seu mandato?RAiMUNDO PEREiRA. Após estes seis meses nestas funções, vou retomar o meu cargo de Presidente da Assembleia Nacional Popular (ANP), com a consci-ência do dever cumprido. Assumi a Pre-sidência interina em circunstâncias trá-gicas. A Guiné-Bissau acabara de ser surpreendida por dois acontecimentos que abalaram a sociedade. Apesar dos obstáculos e dificuldades de vária or-dem, conseguimos transpor as sucessivas etapas, a começar pela marcação da data das eleições, que acabaram por decorre-ram num clima de tranquilidade.

Qual foi o seu maior desafio? Gerir o período a seguir às mortes do general Tagmé e do Presidente Nino, ou ga-rantir a realização das presidenciais antecipadas?Cada um desses momentos teve a sua particularidade. Após as mortes do ge-neral Tagmé e do Presidente Nino era necessário fazer baixar a tensão existen-te, o clima de suspeição instalado. Para isso, tive de dialogar com os principais actores da vida política e com a classe castrense. Comecei com reuniões sepa-radas com a sociedade civil, partidos po-líticos e com as chefias militares. Depois tive novos encontros com todos, in-cluindo a comunidade religiosa. Foram reuniões marcadas, no início, por uma certa tensão, em que tive inclusive de in-centivar as pessoas a intervirem. Feliz-mente, acabou por se desenrolar uma discussão acalorada, e não faltaram troca de acusações entre políticos e militares. Mas a tensão atenuou-se, instalou-se um

diálogo frutífero e a desconfiança cedeu lugar àquilo que todos reconheceram ser essencial naquela fase, isto é, o diálogo permanente.

A marcação da data das eleições ti-nha, à partida, duas dificuldades. Pri-meiro, era preciso ultrapassar o jogo partidário porque os partidos da oposi-ção fizeram um bloco para fazer passar os seus interesses e pontos de vista, enquan-to o partido no poder também tinha a sua visão. Segundo, era necessário ul-trapassar a incompatibilidade de regi-mes que existia entre a Constituição e a Lei Eleitoral. A Constituição previa a realização de eleições em 60 dias, en-quanto a legislação eleitoral estabelecia um regime para eleições em período normal, sendo necessários 90 dias para o escrutínio e 120 caso haja segunda volta. Mais uma vez, através do diálogo com todas as forças políticas e depois de lon-gas reuniões, foi escolhido por consenso a data da ida às urnas.

Outro momento crítico foi manter a data das eleições, apesar do assassínio de um dos candidatos.É verdade, porque havia partidos que inicialmente hesitavam entre manter ou alargar a data. Mas perguntei-me a mim mesmo o que era prioritário para a Gui-né-Bissau naquele momento. A resposta para mim não podia ser outra, porque nessa altura o país estava suspenso à es-pera da escolha do novo Presidente. Era urgente retomar a normalidade consti-tucional. Não podia deixar perdurar uma situação de incertezas e riscos. Por isso, decidi pela manutenção da data, não obstante uma situação que não fa-

vorecia em nada a manutenção do clima de tranquilidade.

Os partidos da oposição consideram que revelou défice de diálogo na no-meação provisória da cúpula militar.Penso que não têm razão. Se sempre os auscultei em questões importantes, porque não o fazer nesta matéria? O que se passou foi que, em vez de convo-car todos os partidos, preferi dialogar com os líderes dos partidos com assen-to parlamentar, e no caso dos partidos sem representação parlamentar, ouvi os coordenadores, e após lhes ter explica-do a intenção de nomear as chefias cas-trenses interinamente, até à tomada de posse do novo Presidente, e as razões porque não podia continuar a adiar a decisão num sector sensível como é o das Forças Armadas. Todos deram a sua anuência. A discordância surgiu de-pois, entre eles, quando foram prestar contas. Tentaram forçar a situação, mas já era tarde, porque já tinha toma-do a decisão.

Alguns analistas são de opinião que as instituições republicanas permane-cem sob tutela militar. Acho que qualquer analista atento con-cordará comigo de que as Forças Arma-das tiveram muito protagonismo nos últimos anos. Provam-no as crises polí-tico-militares. Será isso suficiente para dizer que as instituições republicanas estão sob tutela dos militares? Penso que não. Mas é certo que os militares influenciaram bastante o curso dos acontecimentos na Guiné-Bissau nos últimos anos.

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8 setembro 2009 – África21

Nunca se pronunciou sobre a ques-tão da vinda da força de estabilização africana?Foi uma questão que não me foi coloca-da. Mas os guineenses devem saber ultra-passar as suas diferenças. A forma como tudo correu mostra que é possível os guineenses entenderem-se pelo diálogo permanente, que coloque os interesses da Guiné-Bissau acima de tudo.

A cimeira da CEDEAO* de Abuja de-via pronunciar-se sobre o envio de um contingente militar a Bissau. Este assunto não esteve sequer agendado para a cimeira. Por isso não houve qual-quer decisão.

Com que impressão ficou da imagem da Guiné-Bissau junto dos seus inter-locutores estrangeiros?Depois dos acontecimentos de 1 e 2 de Março a imagem do país não era boa. As pessoas não compreendiam como foi possível o que aconteceu. Mas a nossa presença nas reuniões, os esclarecimentos e a reafirmação do nosso compromisso de romper com o passado violento, comba-ter a impunidade e o pedido às organiza-ções internacionais para nos ajudarem a desvendar esses acontecimentos permitiu mudar essa impressão inicial.

Concorreu à nomeação do seu partido como candidato presidencial. Isso não entrava em contradição com as suas funções?Não, porque felizmente na Guiné-Bissau as eleições são organizadas por um órgão autónomo.

A Lei guineense tem muitas lacunas no que toca às eleições presidenciais. Que aspectos merecem melhoria?A nossa Constituição e a Lei eleitoral precisam de actualização. Foram feitas

em contextos diferentes. A Lei eleitoral, por exemplo, não contempla a situação de eleições antecipadas.

A ANP vai convocar uma conferência de reconciliação nacional. Esta inicia-tiva pode estabilizar o país?Sim. Vai na linha daquilo que tenho vindo a defender. De facto, não pode-mos ignorar a triste realidade da Guiné--Bissau desde a independência. É preci-so conhecer as causas dos conflitos e cri-ses. Só depois disso é que poderemos fa-zer uma verdadeira reconciliação. Apre-sentei a ideia ao sub-secretário geral da ONU para os Assuntos Políticos, o nor-te-americano B. Lynn Pascoe, quando veio a Bissau em Junho. Concordou e admitiu apoiar a sua realização.

O que não conseguiu fazer, que gosta-ria de ter realizado?Modernizar a Presidência. Não pode con-tinuar a funcionar sem um estatuto, como se fosse um departamento governamental. Se tivesse tempo, teria criado estruturas próprias para combater uma certa impro-visação que ainda se verifica.

ADVOGADO, JORNALISTA, PRESIDENTE

Professor nas zonas libertadas do Centro-Norte da Guiné durante a luta pela independência, Raimundo Pereira, terceiro Presidente interino gui-neense, teve uma carreira política precoce e sempre ascendente. É o segundo vice-presidente do PAIGC, força no poder, em cujas fileiras en-trou com 17 anos. Na abertura democrática é eleito para a direcção do partido, com 36 anos. Estreia-se na governação em 1994, como secre-tário de Estado da Presidência do Conselho de Ministros, e foi ainda mi-nistro da Administração Territorial, da Justiça e dos Transportes e Co-municações. Antes de substituir, a 3 de Março último, o chefe de Estado Nino Vieira, assassinado por militares, Raimundo Pereira, advogado for-mado em Portugal e ex-jornalista, natural de Bissau (50 anos), foi eleito presidente do Parlamento em Dezembro último.

“ O país não podia ficar suspenso à espera da escolha de um novo Presidente numa situação de incerteza e riscos ”

* Comunidade Económica dos Estados da África Ocidental

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10 setembro 2009 – África21

Antena 21

Com 102 metros de altura e 24 andares, o Edifício ESCOM, com inau-guração a 22 de Setembro, é o mais alto de Luanda, e constitui a pri-meira fase do conjunto de quatro prédios que o Grupo Escom está a construir no bairro do Kinaxixi, no quadro do seu programa Sky Center. «O edifício destina-se a várias actividades, entre elas a comercial, com lojas no primeiro piso; serviços administrativos (do segundo ao 18.º an-dar) e habitações (do 19.º ao último anel)» explicou o director-geral da Escom, Hélder Bataglia, que precisou que toda a área posta à venda, a um preço de 7500 dólares por metro quadrado, foi comprada e ocupa-da antes da inauguração oficial. Construído em 48 meses, pela Teixei-ra Duarte, com projecto concebido pelos arquitectos Cristina Salvador e Fernando Bagulho, do Atelier do Chiado, o prédio custou 135 milhões de dólares. A Escom tem distribuídos pelas províncias do Zaire, Ben-guela e Luanda projectos em curso com 1600 mil metros quadrados de construção, com um investimento de três mil milhões de dólares.

QUANTIDADE DE CARBONO EMITIDO EM ANGOLA A quantidade de carbono e outros gases nocivos emitidos por Angola para a atmosfera, entre 1995 e 2005, vai ser divulgada em 2010, na Primeira Comunicação Nacional (PCN). «Nesta PCN vamos trabalhar com dados referen-tes aos anos passados, e na segunda vamos procurar actualizar» a informação, afirmou Abias Huango, coorde-nador do projecto. O metano e o óxido nitroso, gases pro-venientes essencialmente da indústria, transportes e agri-cultura, vão também passar a ser controlados e os dados da quantidade emitida igualmente divulgados. A informa-ção foi divulgada à margem do seminário de formação «Elaboração de Inventário de Efeito de Estufa», realizado em finais de Agosto, e que permitiu aos participantes adqui-rir formação que lhes possibilita elaborar o referido estudo.

NOVA MISSÃODA NATO CONTRAA PIRATARIAA NATO aprovou uma nova missão de combate à pirataria no Corno de África, designada por Escudo Oceânico, que será chefiada pelo Comando Aliado Conjunto da NATO Lisboa, cabendo ao quartel-geral de Northwood, do Reino Unido, executar o controlo táctico no dia-a-dia. A operação beneficia da experiência adquirida com a missão anterior contra a pirataria e irá assistir os Estados que o solicitarem a desenvolver as suas próprias capacidades de combate às actividades de pirataria. «Este elemento da operação está desenhado para complementar os esforços internacionais e irá contribuir para uma solução de segurança marítima du-radoura no Corno de África», refere o comunicado. As for-ças navais que vão garantir a operação são as unidades que integram o Standing NATO Maritime Group 2 (SNMG2), as quais incluem a fragata britânica HMS Cornwall, a fraga-ta italiana ITS Libeccio, a fragata grega HS Navarinon, o contra-torpedeiro norte-americano USS Donald Cook e a fragata turca TCG Gediz.

CABO VERDE INVESTE NO KWANZA SULO Governo cabo-verdiano criou uma sociedade anónima para explorar e gerir um terreno agrícola posto à sua disposição pelas autoridades angolanas. À sociedade, com um capital social inicial de 455 mil euros (652 mil dólares) integralmente subscritos pelo Estado de Cabo Verde, compete elaborar, aprovar e executar os planos estratégicos e de ges-tão para desenvolvimento agro-pecuário e de turismo rural no terreno situado na província do Kwanza Sul.

ESCOM INAUGURA ARRANHA-CÉUS NO KINAxIxI

DR DR

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12 setembro 2009 – África21

Uma das maiores pontes africanas

O presidente da Comissão da União Afri-cana (UA) defende que África deve en-volver-se activamente nas negociações sobre as alterações climáticas, para que os seus interesses sejam tidos em consi-deração na altura de elaborar respostas globais. Jean Ping pronunciou-se no âm-bito da reunião de líderes e peritos africa-nos sobre alterações climáticas, que se realizou na sede da UA, em Adis Abeba, em preparação para a cimeira que a ONU convocou para debater o tema em De-zembro, em Copenhaga.

Fontes próximas na reunião da capi-tal etíope, citadas pela Lusa, adiantaram que os líderes de África pedirão às na-ções industrializadas 67 mil milhões de dólares por ano em compensação pelo impacto do aquecimento global no conti-nente mais pobre do mundo. No caso de ser aprovada, a resolução pedirá que os

pagamentos anuais comecem em 2020. Os peritos dizem que África contribui muito pouco para a emissão de gases com efeito de estufa responsáveis pelo aquecimento global mas, provavelmen-te, será o continente mais afectado pe-las secas, inundações e aumento no ní-vel dos mares que se antecipam se as alterações climáticas não forem contro-ladas. Jean Ping disse que «as aspira-ções africanas de desenvolvimento es-tarão em perigo, a menos que se adop-tem medidas urgentes para enfrentar os problemas das alterações climáticas». Ao enumerar os efeitos nocivos que o fenómeno arrastará para África, o presi-dente da Comissão da UA considera que «a alteração climática afectará fun-damentalmente a produtividade, aumen-tará a incidência das doenças e a pobre-za e desencadeará conflitos e guerras».Jean Ping

LUSA

A GUERRA ACABOU NO DARFUR?Rodolphe Adada e Martin Luther Agwai, responsáveis máximos, civil e militar, da missão conjunta da ONU e da UA (MINUAD) na região garantem que a guerra terminou no Dar-fur. Esta afirmação é qualificada de «provocação» pelas ONG, mas apoiada por dados re-colhidos no terreno. Desde o início do ano, os confrontos interétnicos no Sul do Sudão causaram mais vítimas mortais do que a violência no Darfur. A situação está, no entanto, longe da normalização nas províncias ocidentais do Sudão e nas regiões fronteiriças do Chade e da República Centro-Africana, onde 2,7 milhões de refugiados e deslocados con-tinuam sem poder regressar às suas aldeias de origem.

O Presidente Barack Obama parece partilhar a convicção da ONU e da UA, dando agora prioridade aos programas de estabilização, reconciliação e reconstrução das re-giões mais afectadas pelos conflitos internos sudaneses, a mais longa das guerras ci-vis africanas, dado que não conheceu praticamente interrupções desde antes da inde-pendência, em 1956. Todas as atenções estão agora viradas para as eleições legislati-vas de Fevereiro próximo e para o referendo sobre a independência do Sul do Sudão, previsto para 2011.

TIMOR-LESTE RATIFICA ACORDO ORTOGRÁFICOTimor-Leste tornou-se o quinto Estado--membro da CPLP a ratificar o Acordo Or-tográfico da Língua Portuguesa. Segundo o gabinete do ministro português da Cultu-ra José Pinto Ribeiro, a decisão do Gover-no de Díli foi transmitida numa reunião de trabalho realizada em Lisboa, a 2 de Se-tembro, com o ministro timorense da Edu-cação João Câncio Freitas. Timor-Leste junta-se assim ao Brasil, Cabo Verde, Por-tugal e São Tomé e Príncipe. Angola e Guiné-Bissau prevêem a ratificação do Acordo para 2010. Moçambique ainda não agendou a decisão de o ratificar.

ÁFRICA ExIGE COMPENSAÇÃO PELO IMPACTO DO AQUECIMENTO GLOBAL

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África21– setembro 2009 13

NÚMEROS

Uma das maiores pontes africanas

Cerca de dois mil militares sul-africanos foram despedidos pelo Ministério da Defe-sa por terem participado a 26 de Agosto numa manifestação em Pretória que deu lugar a actos de vandalismo e confrontos com a polícia. Entre dois e três mil solda-dos não fardados mas armados de paus e catanas tinham respondido à convocatória do Sindicato Nacional da Defesa (Sandu) para exigir um aumento de salários de 30% junto à sede do Governo. A manifes-tação, não autorizada, foi violentamente dispersada pela polícia que utilizou balas de borracha e canhões de água.

A ministra da Defesa, Lindiwe Sisulu, afirmou que o Sandu, com 18 mil filiados, «representa um problema sério e imediato para a segurança nacional» e avisou que os desordeiros seriam «erradicados das fi-leiras das forças armadas». O sindicato in-terpôs recurso junto do Tribunal Supremo e pede a demissão da ministra, apoiado por outro sindicato de soldados, o Sasfu, que reivindica 13 mil membros.

O Governo de Jacob Zuma está deter-minado a impedir que o descontentamento social, que já esteve na origem de manifes-tações em Julho em vários musseques da

AGITAÇÃO NOS QUARTÉIS SUL-AFRICANOS

capital, alastre aos quartéis. Os militares queixam-se de que o pré, de pouco mais de 150 dólares, não lhes permite garantir a subsistência das famílias num contexto de crise económica agravado pela recessão. A África do Sul é o único país africano que consagra os direitos sindicais dos militares, incluído o recurso à greve.

Lindiwe Sisulu, ministra sul-africana da Defesa

DR

47 milhõesde turistas visitaram o continente africano em 2008, 5% do total dos 922 milhões de entradas internacionais de turistas de todo o mundo

7000número actual de ogivas nucleares operacionais dos Estados Unidos (2700) e da Rússia (4300), que chegaram a ser mais de 70.000 nos anos 80

302militares da NATO, dos quais 179 norte-americanos, morreram no Afeganistão desde o início do ano até 31 de Agosto

200macacos do jardim do palácio presidencial de Lusaca receberam ordem de despejo depois de um deles ter urinado em cima do Presidente Rupiah Banda, durante uma conferência de imprensa

90%da produção anual de ópio no mundo é produzida no Afeganistão

65%dos africanos vivem hoje com menos de um dólar por dia, na década de 70 eram 56%

61,9 USD gasta em média por dia um cidadão suíço

17seres humanos morrem por minuto de fome no mundo

13navios estão sequestrados no Golfo de Aden e Somália em poder dos piratas com 228 tripulantes como reféns

2,53 USD é quanto custa despejar uma tonelada de lixo não reciclado em África, contra 253 USD para a depositar na Europa

UNIÃO EUROPEIA COM NOVA POLÍTICA DE IMIGRAÇÃOA União Europeia apresenta, este mês, novas propostas sobre a política de imigração, numa altura em que se multiplicam no Mediterrâneo os dramas com refugiados. As pro-postas, confiadas ao comissário para a Justiça, Jacques Barrot, centram-se na política dita de «reinstalação», que visa a transferência de refugiados acolhidos no Mediterrâneo para outros países europeus, assim como uma política de asilo mais eficaz, segundo in-dicou o ministro sueco da Imigração, Tobias Billstrom, cujo país ocupa a presidência da UE desde 1 de Julho. Está igualmente previsto para Setembro a apresentação de uma proposta da Comissão sobre a reforma da política de asilo, que tem como objectivo o es-tabelecimento de quotas de acolhimento de refugiados nos países europeus.

Mais de 67 mil pessoas atravessaram o Mediterrâneo em 2008 para tentar entrar na Europa, segundo o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR), travessias efectuadas com frequência por passadores em condições muito precárias e durante as quais os naufrágios e os afogamentos são numerosos.

A Itália, Malta, Espanha ou a Grécia não querem estar sozinhas a enfrentar o proble-ma, e a Comissão Europeia, segundo Jacques Barrot, procura soluções para «partilhar o fardo» do acolhimento de refugiados que atravessam o Mediterrâneo, quase sempre via Turquia ou Líbia.

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14 setembro 2009 – África21

GABÃO VAI DE PAI PARA FILHOAli Bongo, filho primogénito do Presidente Omar Bongo falecido após 42 anos de poder, é o novo Presidente eleito do Gabão. Ex-ministro da Defesa e candidato oficial do parti-do no poder, Ali foi proclamado vencedor das eleições presidenciais que se realizaram a 30 de Agosto. Com 41,7% dos votos, Ali Bongo registou uma clara vitória sobre os outros 17 candidatos e em particular sobre André Mba Obame e Pierre Mamboundou, que se auto-proclamaram vencedores após o fecho das urnas. O primeiro obteve 25,8% dos su-frágios e o segundo 25,2%. Como se vem tornando hábito, ambos acusam o partido no poder de fraude e rejeitam os resultados, em vez de reconhecer como fez a maioria dos observadores, que foram as divisões da oposição que aplanaram o terreno para a vitória anunciada de Ali Bongo.

Este prometeu ser «o Presidente de todos os gaboneses», o que não bastou para acalmar os ânimos dos partidários dos dois grandes derrotados. Houve confrontos em Li-breville e Port Gentil, o terminal petrolífero onde o consulado de França foi incendiado por populares que acusam Paris de ter «cozinhado» mais uma «solução dinástica» como já acontecera no Togo há três anos. Os observadores internacionais não constataram irre-gularidades graves e os governos ocidentais e africanos felicitaram o povo gabonês pelo civismo manifestado durante a jornada eleitoral.

KHADAFI SOMA E SEGUEO Guia supremo da Revolução líbia feste-jou em grande pompa o 40.º aniversário da sua chegada ao poder, a 1 de Setem-bro de 1969, aproveitando a oportunidade para lançar mais umas das clamorosas provocações que são a sua imagem de marca. Decano incontestado dos chefes de Estado africanos depois da morte do gabonês Omar Bongo, Muammar Khadafi convocou, na véspera das comemora-ções, uma cimeira extraordinária da União Africana (que preside) para tratar dos conflitos em África. Mais de 30 chefes de Estado e de Governo acudiram ao encontro que teve os Presidentes da Venezuela e da República Dominicana como convidados de honra, mas que contou também com a participação de representantes de vários governos ocidentais. Khadafi acusou Israel de «estar por trás de todos os conflitos em África» e congratulou-se sem modéstia dos êxitos diplomáticos conseguidos pela Líbia contra a «arrogância imperialista».

Há um ano, a Líbia foi o primeiro país africano a obter «reparações» do seu antigo co-lonizador europeu, a Itália. Além de pedir desculpas, o Governo de Sílvio Berlusconi com-prometeu-se a investir cinco mil milhões de dólares na Líbia nos próximos 25 anos em troca do perdão dos crimes da era colonial.

Mais recentemente, a justiça escocesa libertou por motivos humanitários o agente secreto líbio Ali al-Megrahi, condenado a prisão perpétua pelo atentado contra o voo da PanAm que causou a morte de 270 pessoas em Lockerbie, em 1988. E o presidente da Confederação Helvética Hans-Rudolf Mertz apresentou um pedido formal de desculpas pela breve detenção, em Genebra, o ano passado, de um dos filhos do Guia, Aníbal, acu-sado de maus tratos contra empregados domésticos. Em todos os casos, Khadafi não fez mistério da chantagem exercida sobre os Governos italiano, britânico e suíço utilizando o petróleo como trunfo, criando sérios embaraços políticos aos interessados.

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AMANDELA RECEBE PRÉMIO GEREMEKO ministro de Estado e dos Negócios Es-trangeiros de Portugal, Luís Amado, este-ve na África do Sul, a 27 de Agosto, para entregar o Prémio Geremek a Nelson Mandela. O líder histórico sul-africano, de 91 anos, recebeu a distinção «por ac-tos notáveis para a promoção da Demo-cracia», atribuída pela primeira vez du-rante a Presidência Portuguesa da Co-munidade das Democracias, em Julho deste ano.

Amado afirmou em Joanesburgo que os portugueses «têm uma grande dívida de gratidão para com este grande político sul-africano» e manifestou o desejo de ver o seu legado protegido em Portugal». Para o ministro, «Portugal pode ser um instrumento de projecção deste legado no continente europeu». Após um encontro na Fundação Mandela com Madiba, que se fazia acompanhar da sua mulher, Gra-ça Machel, o chefe da diplomacia lusa sa-lientou que Mandela «legou ao mundo e às gerações vindouras uma lição universal e inestimável de respeito, tolerância e não-violência nos processos políticos que Portugal pretende ajudar a difundir».

Mandela festejou os 91 anos em 23 de Julho

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Aos 27 anos de idade, o tenente Khadafi derrubou a monarquia líbia

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ZUELÓDROMO

LUSA

Ali Bongo e a mulher Inge durante a campanha eleitoral

“A África exorta os doadores a oferecer a muita necessitada assistência para o desenvolvimento para garantir que o Governo de unidade esteja em condições de enfrentar a sua responsabilidade de reverter a situação política e socioeconómica no Zimbabwe”

JACOB ZUMA, Presidente da África do Sul

“As aspirações africanas de desenvolvimento estarão em perigo, a menos que se adoptem medidas urgentes para enfrentar os problemas das alterações climáticas”

JEAN PING, presidente da Comissão da União Africana

“Andámos cerca de 1300 quilómetros de Luanda ao Luena, passando pelas províncias do Kwanza-Norte, Malanje, Lunda-Norte e Lunda-Sul, e não vimos nenhum painel ou outro objecto publicitário do CAN-2010”

AKWÁ, deputado e antigo capitão da selecção nacional de futebol de Angola

“Em muitas circunstâncias, os camiões sul-africanos voltam vazios. Já é altura de fazê-los regressar com a nossa banana, o nosso café e madeira”

JOSÉ SEVERINO, presidente da Associação Industrial de Angola

“Com perdão da palavra, o homem [Cavaco Silva] é, manifestamente, reaccionário, pouco permeável à fluidez social e tende a recuperar velhas figuras de autoridade. É o pior Presidente da II República”

BAPTISTA-BASTOS, escritor português

“O acordo ortográfico é uma merda (…) a Academia [Brasileira de Letras] é uma excrescência de velhos tempos”

MILLôR FERNANDES, jornalista, escritor e cartunista brasileiro

“ A crise trouxe poucas repercussões económicas para o Brasil”

GUIDO MANTEGA, ministro brasileiro da Fazenda

“A maior dádiva de Deus ao meu país é a liberdade e a independência. Por essa dádiva, estou disposto a perdoar”

RAMOS-HORTA, Presidente da República de Timor-Leste

OS MILITARES, ÁRBITROS DA CRISE DE MADAGÁSCARAs negociações de Maputo para encontrar uma saída po-lítica para a crise em Mada-gáscar permitiram estabelecer um calendário para o regres-so à normalidade institucional, mas a partilha do poder no Governo de União Nacional (GUN) encarregue de gover-nar a Grande Ilha até às próxi-mas eleições pode ainda fazer descarrilar todo o processo. A 3 de Setembro, as três fac-ções que se opõem à perma-nência no poder do actual homem forte, Andry Rajoelina, durante a fase de transi-ção, propuseram nomear militares para os cargos de Presidente, Vice-Presidente e primeiro-ministro, proposta imediatamente rejeitada pelas chefias das Forças Arma-das e de Segurança, que já avisaram que não tolerariam o regresso ao poder do ex--Presidente Marc Ravalomana, que forçaram a demitir-se em Março de 2009 para evitar um banho de sangue.

Joaquim Chissano, encarregue pela comunidade internacional e a União Africana (que condenaram o golpe de Rajoelina) para pôr fim ao braço-de-ferro entre este e Ra-valomanana, exilado na África do Sul, convidou para as negociações os ex-Presidentes Didier Ratisiraka e Albert Zafy como representantes das várias «sensibilidades» políti-cas, mas Rajoelina não aceita ser colocado em pé de igualdade com os três «ex» que, segundo ele, representam o passado. Quer para si a Presidência e 14 das 28 pastas do GUN, oito para a sociedade civil e apenas duas para cada um dos «ex». Ravalomana-na exige o afastamento de Rajoelina, seis lugares para cada facção e apenas quatro para a sociedade civil.

SAM

TCHE

/LUSA

Andry Rajoelina ainda conserva o apoio das chefias militares

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16 setembro 2009 – África21

RAMOS-HORTA ELOGIA CHINAO Presidente da República de Timor-Leste declarou o apoio do seu país à política de «uma só China», elogiando o gigante asiático por ter sabido encontrar soluções adequadas para a reunificação total.

José Ramos-Horta, que discursava na inauguração do novo palácio presidencial, disse que «Timor-Leste continua a aderir à política de uma só China e acredita que só os chineses, com os seus valores éticos, tradicionais e sabedoria milenares, saberão encontrar as soluções adequadas para a reunificação». Ramos-Horta frisou ainda que «a reunificação de Macau e Hong-Kong são exemplos claros de que a China sabe encontrar soluções para as situações injustas e anacrónicas que resultam dos acidentes da História».

A China foi um dos primeiros países a reconhecer o direito de Timor-Leste à auto-determinação e independência, território onde existe uma importante comunidade chinesa. O novo palácio presi-dencial é um projecto de cerca de 21,4 milhões de USD oferecido pelo Governo chinês, que inclui amplos espaços exteriores ajardi-nados e um parque infantil. Trata-se do segundo projecto constru-ído pela China, depois do edifício do Ministério dos Negócios Estran-geiros que recentemente entrou em funcionamento. Entre outras obras previstas no âmbito dos acordos estabelecidos entre os res-pectivos governos, a China deverá erguer igualmente um outro edifício para o Ministério da Defesa, além de uma centena de habi-tações e escolas.

Ramos-Horta apoia a reunificação nacional da China JU

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18 setembro 2009 – África21

Em África, apenas sete por cento das terras aráveis são irrigadas(contra 12% na América Latina e 14% na Ásia) e dentro de quatro décadas os 900 milhões de africanos poderão ser dois mil milhões. A maioria dos governantes do continente diz-se consciente destes factos e há seis anos os 53 Estados da União Africana aprovaram em Maputo uma resolução destinada duplicar os investimentos da agricultura nos orçamentos nacionais. Mas não se conhecem dados fiáveis que tal tenha acontecido. A prioridade de socorrer os milhões de subalimentados esbarra com políticas agrícolas erradas, vulnerabilidade de África face aos «grandes» que controlam a Organização Mundial do Comércio, cobiça da terra do continente por países deficitários de áreas aráveis e férteis, catástrofes naturais, desflorestações, cheias, avanço dos desertose alterações climáticas. Porque considera que África não deve, e não pode, afrontar isoladamente a degradação do solo e do ambiente, o presidente da Comissão da União Africana, Jean Ping, reclamou dos países industrializados uma compensação pelo impacto do aquecimento global em África no valor de 67 mil milhões de dólares por ano. Uma verba astronómica? Não. Sensivelmente o que a Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO) e as ONG reivindicam aos mesmos destinatários. É sobre o panorama da agricultura em África e dos seus desafios que trata este dossiê.

carlos Pinto santos

O tempo perdidoda agricultura africana

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20 setembro 2009 – África21

África precisa de triplicar nas próximas décadas a produção agrícola. Só assim conseguirá satisfazer as suas necessidades alimentares. Mas as dificuldades são grandes: é preciso vencer anos de políticas erradas, são necessários muitos milhões de dólares de investimento e é essencial a participação da comunidade internacional. O desafio é global.

nicole guardiola

África e o desafio da agricultura

ara alimentar correctamente a sua população, que será de cerca de dois mil milhões em 2050, África precisa de

triplicar a sua produção agrícola nas próximas duas ou três décadas. É obra, para o único conti-nente cuja produção por habitante decresceu no último quarto de século e que abriga actualmente a maior percentagem de subnutridos.

Será possível vencer este desafio? Sim, dizem os cientistas, investigadores e políticos. O aumento das superfícies cultivadas e da produtividade, o aproveitamento da água, a melhoria das técnicas agrícolas e a biotecnologia permitirão à Terra

alimentar uma humanidade em crescimento, e África é o continente onde os progressos podem ser mais rápidos e espectaculares. Mas como e a que preços ambientais, sociais, humanos, con-trapõem ecologistas, associações de camponeses e as ONG?

Sobre um ponto todos estão de acordo: há que intervir em força num sector fragilizado por décadas e séculos de políticas erráticas, impostas do exterior pelos colonizadores, o FMi, a OMC. Pela primeira vez, em 2003, os chefes de Estado dos 53 países membros da União Africana apro-varam a Resolução de Maputo, na qual se com-prometiam a duplicar em cinco anos os orça-mentos nacionais destinados à agricultura, que não deveriam representar menos de dez por cen-to das despesas públicas.

Do Programa Detalhado de Desenvolvi-mento da Agricultura Africana (PDDAA) então aprovado resultou uma profusão de iniciativas e alguns planos nacionais, mas, regra geral, as realizações ficaram aquém das necessidades. Os desequilíbrios regionais e o número de malnu-tridos aumentaram devido ao êxodo rural, às alterações climáticas e à brutal subida do preço dos alimentos.

A África subsariana está, mais uma vez, entre os principais «perdedores» da crise mundial, com

P

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a agravante de continuar excessivamente vulnerável às pressões externas, e às suas «correias de trans-missões» internas, que são os Governos (financei-ramente frágeis e, por isso, facilmente aliciados ou comprados) e os agentes privados nacionais. Dois exemplos recentes ilustram esta debilidade: as negociações dos Acordos de Parceria Econó-mica com a União Europeia e as compras ou arrendamento de terras por parte de grandes gru-pos económicos multinacionais (ver texto de Alves da Rocha). No primeiro caso, a mobilização das associações camponesas, bem apoiada pelas ONG internacionais e as agências para o desenvolvi-mento, conseguiu travar a pressão da UE, que pre-tendia eliminar por completo as barreiras alfande-gárias que moderam a invasão dos mercados africanos por bens alimentares oriundos dos países desenvolvidos ou emergentes.

No que se refere às aquisições de terra, a ten-dência é para a intensificação das «deslocalizações agrícolas», frequentemente embrulhadas em boas intenções. Sem meios financeiros, humanos e téc-nicos para desenvolver a agricultura, aumentar os rendimentos e dar de comer às suas populações, os Governos africanos, que possuem a maior parte das terras (segundo a FAO a propriedade privada fundiária não ultrapassa os dez por cento e a esma-gadora maioria dos camponeses africanos não possuem títulos de propriedade) são facilmente convencidos da vantagem de vender ou arrendar grandes superfícies a investidores privados, exter-nos ou nacionais, que prometem aumentar a pro-dução, a produtividade, criar empregos remunera-dos e gerar receitas fiscais.

O problema é que a existência de muitas terras por cultivar em África é uma ilusão. Na realidade, todos os recursos são utilizados, para cultivo ou como pastos e, apesar dos fracos desempenhos em

A AGRICULTURA AFRICANA EM NúMEROS

60% da população57% dos empregos17% do PIB40% das receitas de exportação874 milhões de terras cultiváveis7% irrigadas (3,7% na África subsariana; 47% na África do Norte) 1200 barragens, das quais 50% para irrigação (60% na África do Sul e Zimbabwe)

Rendimentos por hectare: três a quatro vezes inferior à media asiática e europeia para os cereais, 20 a 30 vezes inferiores para a produção animal

Aumento da produção de cereais desde 1980: 0,14%

Aumento das importações de cereais desde 1980: 136%

Importações de cereais em 2008: 56,4 milhões de toneladas

Vendas ou concessões de terras desde 2004: 2,4 milhões de ha

INVESTIMENTO NA AGRICULTURA/ANO (em milhões de dólares)África: 2000Ásia: 6000 União Europeia: 10.000

TRANSACÇÕES FUNDIÁRIAS EM ÁFRICAPrincipais países compradores:China, Coreia do Sul, Emirados Árabes Unidos, Kuwait, Arábia SauditaPrincipais países africanos afectados:Etiópia, Gana, Madagáscar, Mali, Sudão Principais operações:Madagáscar: compra de 500 mil ha pelo grupo indiano Varun Industries para produzir arroz; arrendamento de 1,3 milhões de ha pela Daewoo Logistics (Coreia doSul) para produzir milho e óleo de palma (suspenso pelo Governo de transição); Tanzânia: compra de 500 mil ha pela Arábia Saudita; Mali: compra de 100 mil ha pela Líbia para cultivar arroz

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termos de produtividade, garantem a sobrevivên-cia de milhões de camponeses e pastores. As altera-ções climáticas e as catástrofes naturais (secas, inundações, pragas) tornam ainda mais precária esta agricultura tradicional. Como não temer, nes-te contexto, o desenvolvimento de explorações in-dustriais, de capital intensivo, economicamente mais rentáveis, mas que privam as comunidades camponesas da maior parte das terras que explo-ram actualmente, dando origem a uma classe de «sem terra» até agora quase inexistente em África?

Revolução verde, revolução azul?

Os quatro pilares do PDDAA identificados em 2003 eram a questão da terra e gestão da água; in-fra-estruturas rurais e acessos ao mercado; alimen-tos e redução da pobreza e da fome; e a ciência e tecnologia aplicadas à agricultura. A União Africa-na colocou a primeira questão à cabeça de todos os seus programas de desenvolvimento. A reunião or-ganizada conjuntamente pela UA e a FAO em Syrte (Líbia) em Dezembro de 2008 foi mais uma tentativa de dar resposta à crise alimentar e às ame-aças decorrentes das mudanças climáticas. O lema era «A água para a agricultura e a energia em Áfri-ca» e as resoluções aprovadas tiveram o mérito de pôr em evidência a inter-relação entre segurança alimentar e energética e a importância do domínio da água para o desenvolvimento sustentável.

Tendo em conta o facto que África utiliza ape-nas quatro por cento dos seus recursos hídricos, e face ao agravamento das catástrofes humanitárias provocadas pelas secas e inundações cíclicas, o conceito de «revolução azul» tem vindo a sobre-por-se ao de «revolução verde» no combate à inse-gurança alimentar.

Com efeito, o regadio é, com a drenagem dos pântanos e zonas húmidas, o aproveitamento das águas subterrâneas e a retenção das águas superfi-ciais, a forma mais simples e rápida de aumentar as

“ O camponês africano foi considerado durante décadas como o símbolo e o principal responsável do atraso de África ”

NOVA ERA PARA A AGRICULTURA GUINEENSE

Um encontro, na segunda quinzena de Agosto, entre os ministros da Agricultura e Desenvolvimento Rural e das Finanças, pode dar início a um processo de relançamento do sector agrícola na Guiné-Bissau. Na ordem do dia da reunião esteve a análise da situação geral da agricultura, dos investimentos públicos e privados, da questão do crédito agrícola, assim como de outros aspectos relevantes do sector. Cerca de um mês antes, o titular das Finanças prometeu que o Governo ia dar maior atenção ao investimento na agricultura. A declaração do governante foi bem acolhida pelos responsáveis da área, na expectativa de que os fundos para a agricultura, que nunca foram além dos três por cento no Orçamento Geral do Estado, possam conhecer finalmente um aumento considerável, susceptível de modernizar e viabilizar a actividade. A retórica oficial sempre disse que a agricultura é a prioridade número um da economia nacional, mas na realidade nunca foi assim. O país ainda não é auto-suficiente, apesar de extensas terras férteis e de água abundante. O arroz, base da dieta local, que na época colonial se produzia e se exportava para a ex-África Ocidental Francesa, é hoje importado em grande quantidade de Ásia, com enorme dispêndio de dinheiro. Se o Executivo garantir mais recursos financeiros e preservar a estabilidade política, a implementação em curso de três projectos de apoio à segurança alimentar vai mudar radicalmente a agricultura guineense nos próximos anos.

FERNANDO JORGE PEREIRA

Arrozal na Guiné-Bissau

DR

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África21– setembro 2009 23

superfícies cultivadas e os rendimentos por hecta-re, e o continente africano, que dispõe de recursos hídricos importantes (rios, lagos, aquíferos subter-râneos) acumulou neste particular um atraso con-siderável em relação ao resto dos países em desen-volvimento, já que apenas sete por cento das terras aráveis são irrigadas, contra 12% na América Lati-na e 14% na Ásia.

Além disso, os equipamentos são desigual-mente repartidos, dado que 40% se encontram na África do Norte (dos quais 54% no Egipto), segui-da pelo Sahel com 19% (dos quais 63% no Su-dão). A África Austral só dispõe de 15% de super-fície regada (dos quais 73% na África do Sul).

A FAO avaliou em 65 mil milhões de dólares/ano durante 20 anos os custos desta «revolução azul» em África. As ONG e associações de campo-neses defendem que estes investimentos deveriam ser financiados pelos países mais desenvolvidos e os grandes grupos industriais como parte da factura do aquecimento climático, mas parece evidente que os países africanos deverão contar sobretudo com as suas próprias forças para realizar projectos que vão colocar à prova a integração regional. O aproveita-mento das águas das bacias hidrográficas dos gran-des rios africanos (Congo, Nilo, Zambeze, Níger, Volta e do Lago Chade) interessa a seis ou dez paí-ses de cada vez e toda a actividade ou intervenção que afecta o caudal a montante afecta severamente os países situados a jusante. infelizmente e salvo al-gumas excepções, as decisões em matéria de grandes projectos (construção de barragens e de perímetros de rega) são ainda tomadas individualmente pelos Estados, quando uma gestão integrada permitiria repartir os custos e maximizar os benefícios.

Modernizar a agricultura familiar

Pobre, cultivando em média menos de dois hecta-res, muitas vezes sem outro meio que uma enxada, mal-nutrido e pouco instruído, o camponês africa-

INCENTIVOS à AGRICULTURA SãO-TOMENSE

Diminuir a importação e estimular a produção nacional são eixos de actuação do Governo no quadro do programa de segurança alimentar. Os agricultores têm sido incentivados com a oferta de sementes e viveiros para cinco produ-tos: milho, feijão, batata inglesa, mandioca e matabala, além da fruticultura. Alguns parceiros têm colaborado neste esforço. A FAO, por exemplo, pôs à disposição um financiamento de 250 mil USD destinado à concessão de se-mentes daqueles produtos aos produtores mais vulneráveis, para a sua ali-mentação. Estes pequenos agricultores só poderão comercializar o exceden-te para adquirir outras mercadorias para o seu sustento.

A Alemanha concedeu dez mil USD para o cultivo de cebola. Alguns insu-mos têm sido vendidos aos produtores, igualmente a preços subvencionados.

O Ministério da Agricultura reorganizou-se para prestar maior assistên-cia técnica aos agricultores, uma das reclamações mais constantes dos ho-mens que trabalham a terra. Outra reivindicação que ainda não encontrou resposta cabal é o apoio financeiro. Os bancos, por enquanto, não conce-dem créditos aos pequenos agricultores. O Governo tenciona estruturar uma instituição vocacionada para esse efeito, que provavelmente verá a luz do dia no final deste ano ou princípios de 2010. Entretanto, outra vertente de actuação relaciona-se com a reabilitação de sistemas de irrigação em várias localidades.

Existe, igualmente, um entendimento com Cabo Verde para a exportação de hortícolas e frutícolas para aquele arquipélago lusófono. África21 sabe que estão em São Tomé contentores com materiais de produção enviados pelas autoridades cabo-verdianas. O arranque está ainda dependente da as-sinatura do acordo fitossanitário entre os dois países. Está também a ser de-senvolvido o conceito de projectos integrados. Assim, a empresa Monte Café foi concedida a empresários líbios e decorrem negociações com a SOFINCO, uma empresa belgo-francesa, para a exploração de oleaginosas.

JUVENAL RODRIGUES

A produção de mandioca é incentivada pelas autoridades são-tomenses

DR

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24 setembro 2009 – África21

CABO VERDE APOSTANAS BARRAGENS

Três barragens para a retenção de águas pluviais vão ser construídas nos concelhos de Ribeira Grande, Ta-bugal e São Salvador do Mundo, todos na ilha de San-tiago. O financiamento das infra-estruturas hídricas está incluído nos 100 milhões de euros (143 milhões de dólares) disponibilizados pela cooperação portu-guesa, que prevê igualmente projectos de energias re-nováveis, construção de diques de correcção torren-cial e 70 furos de captação de água no subsolo, de modo a permitir mais recursos para irrigar áreas cicli-camente afectadas por secas prolongadas.

Segundo o Ministério cabo-verdiano do Am-biente Desenvolvimento Rural e Recursos Mari-nhos, o arranque deste pacote de obras, que permi-tirão a retenção de grandes quantidades da água da chuva, está previsto para o início de 2010. O minis-tro da tutela, José Maria Veiga, revelou em Agosto que estão a ser efectuados trabalhos preliminares para ultimar os estudos de viabilidade dos projectos aos quais se seguirá o lançamento dos concursos de adjudicação das obras às empresas escolhidas.

Além disso, Veiga deu a conhecer que o Governo está a trabalhar com outros parceiros para obter novos financiamentos visando a construção de mais barragens e um melhor aproveitamento das bacias hidrográficas. O Executivo vai também continuar a apostar no projecto de dessalinização de água do mar, no âmbito das medidas que procuram revolucionar a produção agrícola em Cabo Verde. Poilão, a única barragem de Cabo Verde, foi construída em 2006 por técnicos chineses na bacia hidrográfica de Ribeira Seca (ilha de Santiago), permite a irrigação de 65 hectares de terrenos e proporciona emprego a centenas de famílias das localidades vizinhas.

NUNO MACEDO

no foi durante décadas tido como o símbolo e o principal responsável do atraso de África. As insti-tuições internacionais obrigaram os Governos dos Estados pobres e pesadamente endividados a reti-rar-se deste sector condenado, diziam, a desapare-cer, para investir na agricultura industrial, gerado-ra de excedentes exportáveis. O fim dos sistemas de estabilização dos preços, dos ofícios públicos de compra, do fornecimento de adubos e sementes a preços subvencionados, a privatização dos organis-mos de investigação e vulgarização deixaram os camponeses entregues à sua sorte.

O acordo de Marraquexe, em 1994, no âmbi-to da OMC, destinado a liberalizar o comércio agrícola, com a perda do controlo das importa-ções, acelerou o descalabro. Em 1998, a parte da agricultura nas despesas públicas era de cinco por cento em África (contra dez por cento na Ásia). Os investimentos privados também se retraíram: de 6,3% em 1998 para 4,6% em 2000.

Os resultados são sobejamente conhecidos. A parte de África no comércio mundial passou de seis por cento em 1980 para dois por cento em 2002, a pobreza e a fome aumentaram, o êxodo rural acelerou. De planos pela erradicação da fome em programas de luta contra a pobreza, a chama-da comunidade internacional reconhece agora o seu erro, e afirma que a agricultura é o motor de arranque para o desenvolvimento e incita os Go-vernos africanos a investir no campo.

Não se trata, porém, de um regresso ao passa-do. Se os conselheiros em desenvolvimento esti-mam que toda a «revolução verde» passa pela res-tauração da vocação primeira da agricultura, que é de alimentar correctamente as populações em quantidade e qualidade, cultivos e pecuária são apenas uma das facetas de uma política integrada de desenvolvimento rural. Esta deve também in-cluir o acesso dos pequenos produtores rurais à energia, para a produção e a transformação dos produtos agrícolas; a construção de estradas, cami-

“ Os desequilíbrios regionais aumentaram em África devido ao êxodo rural, às alterações climáticas e à brutal subida do preço dos alimentos ”

“ A comunidade internacional reconhece o seu erro e agora incita os Governos africanos a investir no campo ”

LUSA

Rega gota-a-gota em Cabo Verde

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nhos e meios de transporte (a mais de cinco horas do mercado mais próximo, o camponês está con-denado a entregar as suas colheitas a comerciantes que ficam com a maior fatia da mais-valia).

Os defensores do ambiente esperam que Áfri-ca, precisamente porque ficou para trás, consiga le-var a cabo uma «revolução verde» mais equilibrada e evite os danos ambientais de outras regiões do globo, mediante a fixação de uma mão-de-obra abundante e «amiga» da terra. O desenvolvimento de técnicas eficientes de uso da água (retenção com pequenas barragens de terra, rega gota-a-gota); o uso moderado de agentes químicos, adubos (colo-cados junto de cada planta, e não por pulverização aérea) e pesticidas são algumas das orientações recomendadas.

Mas para o conseguir não basta investir em infra-estruturas, máquinas, crédito e inovação científica e tecnológica. Para le-var o pequeno cultivador africa-no (que é geralmente uma mu-lher) a encarar a vida no campo como um futuro e não como uma escravatura, é preciso dar-lhe saúde, educa-ção, protecção social e jurídica.

O problema é que estas políticas não produ-zem resultados a curto prazo e exigem visão estra-tégica e capacidade de mobilização. Dado que os Governos estão sob pressão, muitos são tentados a «passar a bola» para a iniciativa privada, com todas as consequências políticas e sociais que isso pode implicar, como aconteceu recentemente em Ma-dagáscar. Os camponeses, pelo seu lado, começam a organizar-se para ter voz no debate. Na África Ocidental a ROPPA (sigla francesa para Rede de Camponeses e Produtores Agrícolas) é já um inter-locutor a ter em conta. Na África oriental, são os sindicatos. O camponês africano já não é o «ma-tumbo» de outros tempos.

MOÇAMBIQUE APOSTA NA REVOLUÇãO VERDEAs potencialidades agrícolas de Moçambique são so-bejamente conhecidas. O país dispõe, segundo da-dos do Ministério da Agricultura, de cerca de 36 mi-lhões de hectares de terra arável, sendo mais de três milhões de hectares irrigáveis. Toda essa terra tem um enorme potencial agro-pecuário, podendo produ-zir uma variedade de produtos agrícolas e pastos. É esse potencial que as autoridades moçambicanas apostam, agora, em transformá-lo em «fonte de ri-queza», incentivando o aumento da produção e da produtividade. Esta aposta, baptizada de Revolução Verde, é para o Governo moçambicano um «proces-

so de busca de solu-ções para incrementar a produção e a produ-tividade agrária», o que passa pelo uso de sementes melhora-das, fertilizantes, ins-trumentos de produ-ção e tecnologia ade-quada às condições dos terrenos. Em mui-tos pontos do país já se usam culturas de c i c lo cu r to , como

acontece com algumas variedades de arroz e de ma-pira (milho miúdo), permitindo a produção de duas ou três colheitas por ano.

Ainda carente de fundos financeiros para gran-des investimentos na área agrícola, Moçambique centrou a política da Revolução Verde no sector fami-liar e na promoção do associativismo. Com cerca de 60% da população a viver nas áreas rurais, e maiori-tariamente ligadas à agricultura, o Governo pretende que cada família produza mais para assegurar a sua alimentação e, depois, aumentar o seu rendimento. Desta forma, o sector agrícola é visto, também, como uma garantia de criação de empregos. O Fundo de Investimento de Iniciativa Local (conhecido por sete milhões), alocado aos distritos, é, por isso, essencial-mente destinado a financiamento de projectos de au-mento da produção agrícola.

LEONARDO JÚNIOR

“ Apenas sete por cento das terras aráveis são irrigadas em África, contra 12% na América Latina e 14% na Ásia ”

DR

Moçambique dispõe de 36 milhões de hectares de terra arável

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26 setembro 2009 – África21

Solos degradados, mau uso de fertilizantes, e cheias e secas prolongadas são o resultado de políticas agrícolas erradas e das alterações climáticas. A agricultura em África é a mais atingida pelo aquecimento global e a mais pobre em todo o mundo. Procuram-se soluções, que podem passar pela Conferência de Copenhaga, em Dezembro.

Miguel correia

s estudos, promovidos pelas mais diversas organizações mundiais, sucedem-se, e os resultados, quase

sempre coincidentes, também: África seguiu nas últimas décadas políticas agrícolas erradas, as al-terações climáticas estão a afectar de forma parti-cularmente grave o continente, e com tendência para um agravamento, e é necessário um investi-mento forte na agricultura, com novas estratégias na gestão dos solos, do tipo de culturas, água, fer-tilizantes e colocação dos produtos nos merca-dos. No entanto, ano após ano, os erros vão-se mantendo, e as tímidas acções tomadas por al-

Mau ambiente na agricultura africana

guns países africanos, e o pouco mais do que assobiar para o lado dos países desenvolvidos, são claramente insuficientes para reverter a situação. As consequências no meio ambiente e que afec-tam de forma directa a agricultura são já visíveis um pouco por todo o continente: solos inférteis, grandes períodos de seca alternados com cheias, pragas, aumento dos desertos, subida das marés e escassez crónica de água em algumas regiões. E as carências alimentares continuam por resolver na generalidade do continente

Pior: apesar de ser o continente que, de lon-ge, menos contribui para as alterações climáticas

O

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África21– setembro 2009 27

(cerca de dois por cento), é o que, segundo todos os estudos, mais efeitos negativos vai sentir. Não é aliás por acaso que, na última reunião da Co-missão da União Africana (UA) dedicada às alte-rações climáticas, e que se realizou em Adis Abe-ba, o seu presidente, Jean Ping, se pronunciou sobre o assunto, reclamando dos países mais in-dustrializados 67 mil milhões de dólares por ano como compensação pelo impacto do aquecimen-to global. Na reunião, que serviu de preparação para a cimeira de Copenhaga, em Dezembro, foi adiantada a data de 2020 para o início destes pa-gamentos. Falta agora aprovar a medida.

A água, sempre a água

Na base da agricultura, além da terra está a água. Segundo o instituto internacional de Pesquisa so-bre Política Alimentar, a sua procura no continen-te africano, tanto para consumo como para a agri-cultura, vai aumentar 67% nos próximos 20 anos. A forma de se ultrapassar tal aumento passa, se-gundo um relatório desta instituição, por um grande investimento nos sistemas de irrigação, por uma correcta política de gestão da água de abaste-cimento público, e essencialmente por políticas re-ais dos países desenvolvidos que atenuem os efei-tos das alterações climáticas, bem como o próprio aquecimento global. Só assim será possível garan-tir água para a agricultura e para consumo huma-no. E não piorar cenários já de si catastróficos, como o aumento dos desertos em determinadas regiões, ou a diminuição da quantidade de água de Norte a Sul do continente. Exemplos paradigmá-ticos – e mais mediáticos – destes erros são a drás-tica diminuição do lago Chade (ocupa apenas dez por cento da área que ocupava em 1960) ou a re-dução das neves no monte Kilimanjaro, que pode-rão mesmo deixar de existir entre 2015 e 2020.

Mas se a água é essencial na prática agrícola, os bons solos, devidamente nutridos, também. E

aqui, mais uma vez, África tem vindo a perder terreno face aos outros continentes. A falta de fertilizantes tem forçado os agricultores africanos a explorar as suas terras para além da sua capaci-dade de regeneração, retirando as substâncias nutritivas dos solos. Segundo Nteranya Sanginga, director do instituto de Biologia e de Fertilidade dos solos tropicais no Centro internacional de Agricultura Tropical (CiAT), os agricultores africanos apenas utilizam oito quilos de adubo por hectare, contra os 200 quilos dos chineses. A consequência são os cerca de 500 milhões de hectares de terras degradadas, o que provoca um prejuízo anual de mais de 20 mil milhões de dólares por ano. Por outro lado, há um desco-nhecimento geral sobre as características das ter-ras africanas. «Em muitos aspectos, conhece-se melhor o solo de Marte do que o da terra, princi-palmente de África», afirma Pedro Sanchez, responsável pelo departamento de agricultura tropical do instituto da terra da Universidade de Columbia (Estados Unidos). Com outros parcei-ros internacionais, esta instituição está a fazer um levantamento das características das terras de for-ma a produzir um mapa digital dos solos (projec-to ASiS), o que vai tornar depois possível ade-quar o tipo de agricultura e prática agrícola a cada caso.

Sementes geneticamente modificadas

Com a crise alimentar a agravar-se, a última reu-nião do G8, em L’Aquila, itália, trouxe um refor-ço da verba para a ajuda alimentar a África de cinco mil milhões de dólares, atirando o valor to-tal para os 20 mil milhões de dólares. Mas Ka-naya Nwanze, presidente do Fundo internacio-nal para o Desenvolvimento Agrário, embora saudando esta verba, não deixou de frisar: «É tempo de mudar, porque a segurança alimentar não se resume a ajuda alimentar. O que importa

“ África é o continente que menos contribui para as alterações climáticas, mas é o mais atingido, principalmente a sua agricultura ”

“ A falta de fertilizantes força os agricultores africanos a explorar as terras para além da sua capacidade de regeneração ”

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28 setembro 2009 – África21

é a possibilidade de os povos produzirem ali-mentos, tendo a eles acesso nos mercados locais». E é precisamente aqui, no tipo de investimento a concretizar, que as preocupações ambientais nem sempre pesam nas opções governamentais. E um dos problemas é a pressão para que os campos de África sejam utilizados para a produ-ção de biocombustíveis. Ao se alimentarem mo-tores com biocumbustíveis, deixa-se de alimentar populações. Além de que já está provado que «a produção de biocombustíveis em África tem custos altíssimos, até em termos ambientais», pode ler-se num relatório, de finais de 2008, da Organização das Nações Unidas para a Agricul-tura e Alimentação (FAO).

Polémicas são também as opções de algumas multinacionais do ramo alimentar. Ao condicio-narem os seus grandes investimentos em planta-ções, principalmente em África e na América Latina, à aceitação, por parte dos agricultores destes países, de sementes geneticamente modifi-cadas, nefastas ao meio ambiente, à biodiversida-de e às próprias práticas agrícolas (o caso mais co-nhecido é o da empresa norte-americana Mon-santo), estas multinacionais estão a condicionar o futuro da agricultura. O alerta já foi dado por organizações defensoras da biodiversidade. Mas, como noutras situações no passado (caso de de-terminados pesticidas químicos), os ganhos ime-diatos em termos de produtividade parece que, mais uma vez, estão a ganhar terreno.

Copenhaga e a sua conferência mundial dedi-cada ao ambiente, em Dezembro deste ano, apre-senta-se agora aos olhos de muitos como a grande solução para o aquecimento global e suas conse-quências. Ao propor-se criar metas mundiais para a redução das emissões de carbono, bem como apoiar políticas concretas para cada continente e país, o acordo de Copenhaga poderá, caso os principais países desenvolvidos assim o desejem, significar um ponto de viragem nas políticas am-bientais globais e das suas consequências numa área tão sensível como a da agricultura. Principal-mente da mais necessitada – a africana.

O Governo não foi capaz de incrementar uma política justa de desenvolvimento da agricultura familiar, que permitisse a transformação dos camponeses em pequenos ou médios empresários, melhoria tecnológica, aumento da produtividade da terra e do trabalho, aumento da renda familiar e garantia da posse da terra

fernando Pacheco

O estado da agricultura angolana

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ezam as cifras oficiais que a produ-ção agrícola de Angola está a aumen-tar. Pela primeira vez a barreira de um

milhão de toneladas de cereais foi atingida. Acre-dita-se que a produção de café tenha chegado ao dobro da do ano passado. Os efectivos de gado bovino de raças importadas ampliaram-se, assim como melhorou o desempenho de alguns empre-endimentos pecuários. Os números de explora-ções de média e grande dimensão e de empregos cresceram. O consumo de fertilizantes foi am-pliado e o Governo aprovou duas linhas de crédi-to para investimentos e custos operacionais da campanha agrícola.

As coisas melhoraram efectivamente, mas es-tamos longe, muito longe, do que deveria ser fei-

O estado da agricultura angolanato. As estatísticas não são suficientemente credí-veis para se avaliar a real dimensão dessa melho-ria. Em Angola não há práticas de monitoria e avaliação independentes dos empreendimentos públicos. O mais preocupante é que estas melho-rias acontecem de forma pontual, não consti-tuem reflexo de uma mudança estratégica de fun-do e não estão associadas a reformas estruturantes que possam vir a garantir a sustentabilidade das acções.

Promessas irrealistas

Por ocasião das eleições de 2008, o MPLA pro-meteu aos angolanos metas de produção agrope-cuária ambiciosas para 2012. Por exemplo, a pro-dução de cereais passaria de 700 mil toneladas para 15 milhões, ou seja, aumentaria mais de 20 vezes em quatro anos, o que seria absolutamente inédito. Denunciei a falta de realismo dessas me-tas em Maio de 2008.

Ao fim de um ano, o panorama não é anima-dor. Principalmente no que se refere aos aspec-tos estruturantes, aqueles que condicionam a produção. A reforma da investigação promete muito mas concretiza pouco. Um centro cons-truído em Malanje e equipado com três labora-tórios desde 2006, num investimento de mais de dois milhões de dólares, ainda não entrou em funcionamento. Programas de capacitação dos agricultores aprovados há mais de um ano e com financiamento externo garantido, não arrancam por problemas de pormenor. Não há uma estra-tégia adequada para estimular a instalação gene-ralizada de provedores de serviços públicos ou privados nos municípios, em mais de 90% dos quais os agricultores não conseguem sequer comprar sementes e ferramentas usuais, nem ob-ter conselhos técnicos elementares. Aumentou o

R “ As cooperativas de serviços poderiam ser uma solução para todos estes problemas, mas a legislação cooperativa está desactualizada ”

LUSA

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30 setembro 2009 – África21

consumo de fertilizantes para 30 mil toneladas, quando, segundo a FAO, já há muito devería-mos ter ultrapassado as 400 mil.

As linhas de crédito aprovadas tardam a ser concretizadas para desespero dos agricultores e o acesso ao que existe é limitado, quer por deficiên-cias do sistema bancário, concentrado nas capi-tais de província e demasiado exigente nos requi-sitos para financiamento de necessidades elemen-tares dos agricultores, quer pela incapacidade desses agricultores de apresentarem projectos cre-díveis. Nos últimos anos foram adquiridos trac-tores e equipamentos em quantidades e valores consideráveis que têm uma vida útil média infe-rior a dois anos, possivelmente uma das mais bai-xas do mundo, e não são dados os passos necessá-rios para a definição de uma política sensata de mecanização, que tenha em conta o estado actu-al de organização e as capacidades institucionais e de recursos humanos, e preveja os níveis de in-tensificação, o tipo de equipamento, a formação de técnicos e de operários especializados e o uso de métodos modernos de planeamento estratégi-co e de gestão.

Cooperativas de serviços

As cooperativas de serviços poderiam ser uma so-lução para todos estes problemas, mas a legisla-ção cooperativa está desactualizada e a nova lei está a aguardar provação há vários anos. Mesmo o ambiente do agronegócio também não é o me-lhor, pois a maior parte dos empresários são agri-cultores a tempo muito parcial colocando à fren-te dos seus empreendimentos gestores geralmen-te pouco qualificados.

Para que serve investir no conhecimento se o petróleo paga tudo, inclusive o conhecimento que vem de fora para dar respaldo a decisões po-líticas sem fundamento? O que as pessoas pare-cem ignorar, ou, na esteira de uma outra prática, desejam que não aconteça e confundem tal dese-

jo com a realidade, é que o petróleo tem mesmo os anos contados, o que torna o conceito de de-senvolvimento sustentável para Angola mais per-tinente do que nunca.

E o conhecimento, afinal, está aí à mão. Em meados da década de 90 uma equipa da FAO ex-plicou ao Governo angolano que a sua aposta de-veria ser, prioritariamente, na agricultura fami-liar. Os pequenos agricultores constituem a maioria, encontram-se no terreno e já provaram que podem expandir a produção, de modo a ga-rantir a sua alimentação básica e fornecer bens para o mercado, incluindo o internacional, o que está estatisticamente comprovado desde antes de 1975. Ademais, o crescimento da produção fami-liar teria grande impacto na economia nacional,

Os projectos agricolas de grande dimensão crescem em Angola

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na geração de emprego e na erradicação da po-breza, pois a produção acrescida em unidades de pequena dimensão resulta de uma melhor utiliza-ção dos recursos domésticos – sobretudo terra e trabalho – exige poucas divisas para maquinaria, fertilizantes, pesticidas e know-how estrangeiro, e por isso torna-se menos dependente. Uma políti-ca a favor da agricultura familiar assegura desde logo a alimentação de um número elevado de famílias, resulta numa expansão mais justa de be-nefícios do desenvolvimento económico, contri-bui para padrões de vida rural mais elevados e incentiva o consumo, e, consequentemente, esti-mula a expansão industrial em Angola, como aconteceu no passado com o famoso boom eco-nómico dos anos 60 e 70. Enfim, uma economia

rural próspera reduziria os factores de pressão que induzem a migração para as cidades, e o au-mento dos rendimentos dos pequenos agricultores poderia tornar-se o motor do desenvolvimento rural e, por conseguinte, a chave para uma redu-ção da pobreza estrutural.

Parece simples, não é verdade? Mas não é novidade. O agrónomo francês René Dumont já havia sugerido algo semelhante aos governantes africanos no início dos anos 60 e as suas ideias foram compiladas num livro que ficou célebre, A África começa mal, que lhe valeu a interdição de entrada em vários países do continente. Perante o desastroso desempenho da agricultura africana, nos anos 80 ele voltou à luta com novo livro, Pela África, eu acuso!, que poderia bem ter outro título: «Eu não vos avisei?». Aconselhei muitos lí-deres angolanos durante os anos 70 e 80 a terem o livro de Dumont à cabeceira, mas alguns prefe-riram Maquiavel.

O que aconteceu foi que, ao contrário do discurso oficial, o Governo angolano não foi ca-paz de implementar ao longo destes anos uma política justa de desenvolvimento da agricultu-ra familiar, que permitisse a transformação dos camponeses em pequenos ou médios empresá-rios, a melhoria tecnológica, o aumento da pro-dutividade da terra e do trabalho, o aumento da renda familiar e até a garantia da posse da terra. Nas áreas rurais não há comércio formal e o in-formal é intermitente e penalizante para os pro-dutores. E deste modo não há incentivos. Não há serviços sociais básicos, como o acesso à água potável, à saúde, à escola – ou não há com a qualidade desejável – que possam estimular a presença de jovens nas suas aldeias, preferindo estes partir para as cidades para viverem de bis-cates. Serviços estruturados de extensão rural e de medicina veterinária ainda são uma mira-gem. Os bancos estão geográfica e estrutural-mente a uma enorme distância. A investigação científica e as instituições públicas em geral

“ Aconselhei muitos líderes angolanos a terem o livro de René Dumont à cabeceira, mas alguns preferiram Maquiavel ”

“ Os pequenos agricultores constituem a maioria, encontram-se no terreno e já provaram que podem expandir a produção ”

ARQU

IVO

ÁFRI

CA21

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32 setembro 2009 – África21

inda que não seja um fenómeno re-cente, o comércio internacional de ter-ras está a acontecer e duma forma mui-

to intensa nos últimos anos. Parece que um dos pressupostos das teorias clássicas do comércio inter-nacional – a imobilidade do factor terra – começa a ser posto em causa.

Já não se trata, tão-somente, das multinacionais do agro-alimentar adquirirem terras para o desen-volvimento da sua actividade. São os próprios Esta-dos a incentivarem este novo negócio internacional.

Os principais ofertantes de terra situam-se na Ásia (indonésia, Filipinas, Paquistão, etc.), em África (Sudão, Uganda, República Democrática do Congo, Congo, etc.) e, muito recentemente, na Europa de Leste (Ucrânia). Os principais com-

Novo comércio internacional

A aquisição de terras em países terceirosContinente ainda rico em recursos naturais, África apresenta uma disponibilidade de terra que começa a ser cobiçada – e comprada – por países que se mostram deficitários em terrenos aráveis e férteis

alves da rocha

quase ignoram a existência da agricultura fami-liar. Assim, não poderia contribuir para a diver-sificação da economia. Pior que tudo, instalou-se a ideia de que a agricultura familiar, essa mes-ma que foi responsável pela alimentação dos an-golanos e pela exportação no passado, era, afinal uma agricultura de subsistência, e, por isso, condenada à estagnação.

Agronegócio e agrocombustíveis

O Governo angolano caminha, pois, no sentido oposto ao indicado pela FAO e por Dumont. Em vez de gizar uma política de transformação gradual da sua agricultura que possa garantir a segurança alimentar, aposta na «importação» de uma outra agricultura, baseada no agronegócio e nos agrocombustíveis, para a qual o país ainda não está preparado e só o voluntarismo e o fascí-nio dos angolanos pela «modernização» a qual-quer preço explicam essa aposta. Hoje isso é pos-sível, com os meios técnicos e científicos de que a humanidade dispõe, mas é insuportável porque os custos de produção são assustadores. Se a crise financeira trouxe alguma coisa de positivo, uma delas foi o alerta para algumas das opções gover-namentais e particulares extremamente dispen-diosas e com resultados mais do que duvidosos. Há já alguns sinais de dificuldades, insucessos e falências que alguns julgavam impensáveis. Por incrível que possa parecer, algumas das grandes empresas têm transtornos para venderam o mi-lho produzido, pois não têm organização nem experiência para enfrentarem dificuldades ines-peradas. Mas esta é também uma aposta que vai conduzir, inevitavelmente, à exclusão da maioria dos agricultores angolanos e à degradação da bio-diversidade, o que terá consequências sociais, po-líticas e ambientais desastrosas.

Uma aposta que, como diria Mia Couto, pode produzir ricos ou endinheirados, mas nun-ca a riqueza de que necessitamos para sermos um povo desenvolvido.

A

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África21– setembro 2009 33

“ Um dos pressupostos das teorias clássicas do comércio internacional, a imobilidade do factor terra, começa a ser posto em causa ”

Novo comércio internacional

A aquisição de terras em países terceiros

O Japão sempre teve um problema estrutural com a falta de terras para a agricultura. O facto de importar 60% da sua alimentação dá bem conta da sua dependência externa e da gravidade do proble-ma da disponibilidade interna de terras agricultá-veis. Daí a sua decisão de disputar o mercado inter-nacional de terras aráveis.

A República da Coreia apresenta constrangi-mentos semelhantes aos do seu vizinho Japão. Entre 60% e 70% dos produtos alimentares do ex-tigre asiático têm proveniência externa.

Os países árabes do Golfo dependem em 90% da importação de bens alimentares, por razões rever-tíveis às características das suas terras.

A Líbia, com um enorme défice de terras ará-veis, tem praticado, há já algum tempo, este tipo de novo comércio internacional. Recentemente, ad-quiriu o direito de exploração de cem mil hectares na Ucrânia, para a produção de cereais, e de outros cem mil hectares no Mali para os mesmos efeitos.

A República da Coreia, por intermédio do seu gigante automobilístico Hyundai industries, adqui-riu dez mil hectares de terras agrícolas na Rússia para a produção de alimentos. Por intermédio do grupo Daewoo, a Coreia assinou um acordo com as auto-ridades de Madagáscar, em 2008, para a exploração, durante 99 anos, de 1,3 milhões de hectares de ter-ras aráveis (equivalente a mais de um terço da super-fície agricultável do país).

A República do Congo, deficitária em produtos alimentares, com problemas importantes de segurança alimentar e uma enorme dependência da importação de cereais, negociou com a África do Sul a concessão de dez milhões de hectares de terras agrícolas com fins de exportação de produtos alimentares.

Os Emiratos Árabes Unidos estão em negocia-ção com o Paquistão para a aquisição de 320 mil hectares de terras.

Determinismo subdesenvolvimentista

Uma vez mais, o continente africano aparece envol-vido num processo cujos resultados finais não são se-

pradores têm sido a República da Coreia, China, Japão, África do Sul e os países árabes do Golfo. Todos estes países compradores de terras têm como característica comum a sua enorme depen-dência do mercado mundial em bens alimentares essenciais. As estimativas apontam para cerca de sete milhões de hectares a quantidade de terras que estes países terão adquirido até finais de 2008.

A China é um dos países com maior quantidade de terras adquiridas no estrangeiro. A carência de re-cursos energéticos, matérias-primas minerais e a fal-ta de terra determinaram a construção duma visão chinesa enquadradora do relacionamento político e económico com África. A China não dispõe, senão, de nove por cento das terras aráveis do planeta, por contrapartida com os 20% da população mundial. No final de 2008, a República Popular da China possuía mais de dois milhões de hectares de terras agricultáveis no estrangeiro, em particular em Áfri-ca. A exploração desta superfície de terras é feita por aquisição definitiva, aluguer de longa duração ou por direito de exploração. São as empresas estatais chinesas os principais agentes desta política de aqui-sição de activos fundiários fora do país.

ilustração de cristina saMPaio

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34 setembro 2009 – África21

guros para os seus propósitos dum crescimento eco-nómico sustentável e distributivo. A África parece es-tar condenada a uma espécie de determinismo sub-desenvolvimentista. No passado, foi a exploração co-lonial, sob as formas de «exportação» de mão-de-obra escrava e de exploração monocultural das matérias-primas e produtos de base. Depois das independên-cias políticas, apareceram os modelos de desenvolvi-mento que acentuaram a dependência e o neocolo-nialismo face às antigas metrópoles coloniais. Não houve capacidade, por diferentes motivos, de se con-ceberem novas estratégias e novas políticas económi-cas e sociais condizentes com as matrizes culturais na-cionais e as necessidades da população. Depois, ain-da, os programas de ajustamento estrutural do FMi.

O forte endividamento externo dos países africa-nos – consequência de balanças de pagamentos defi-citárias, onde o peso dos manufacturados importa-dos suplantava, sistematicamente, as receitas das ma-térias-primas – obrigou-os a aceitarem as modalida-des de reajustamento propostas pelo FMi, muito prejudiciais à adopção de estratégias activas de diver-sificação das estruturas produtivas nacionais.

Para além dum continente ainda rico em recursos naturais, África apresenta uma disponibilidade de ter-ra que começa a ser cobiçada – e comprada – por pa-íses que se mostram deficitários em terrenos aráveis e férteis, colocando-se, portanto, em cheque a sustenta-bilidade da auto-suficiência alimentar em África.

Que consequências este novo comércio mundial pode trazer, em termos gerais? A análise não pode es-tar desligada de alguns fenómenos: o da urbaniza-ção, o da produção de produtos energéticos a partir de cereais (agrocombustíveis) e o do crescimento da população.

A população mundial ultrapassará os oito mil milhões de pessoas em 2025 e a concorrência entre utilizações alimentares e energéticas deverá incre-mentar-se dramaticamente, com um crescimento previsível de cerca de 20% na produção dos agro-combustíveis. Por exemplo, nos Estados Unidos, em 2007, os agrocombustíveis alocaram 20% do milho cultivado, prevendo-se para 2017 a utilização de 40%. Este incremento na utilização de milho só po-

derá ser feito à custa de mais terras ou da diminui-ção das disponibilidades para a alimentação. Segu-ramente que não haverá incrementos de produtivi-dade suficientes para se deixar incólume a capacida-de de satisfação alimentar.

A urbanização continuará a registar-se a um rit-mo elevado e à custa das terras agricultáveis. Com menos superfície disponível e com terras provavel-mente afectadas pela lei dos rendimentos marginais decrescentes (qualidade inferior), a produção ali-mentar vai, com certeza, diminuir.

Se se acrescentarem os efeitos ambientais, como a extensão dos desertos e a diminuição dos recursos hídricos, compreende-se a razão da perda anual de mais de cem mil quilómetros quadrados de terras aráveis. Mesmo considerando possíveis progressos tecnológicos no futuro, as previsões de disponibilida-de de terra arável por habitante apontam para uma superfície média de 0,12 hectares em 2050 (contra 0,32 hectares em 1960).

Explica-se, assim, a recente tendência de co-mercialização internacional de terras aráveis, num contexto de segurança dos países no acesso aos bens alimentares. Mas não é só isso. Com a diminuição da superfície agricultável, os preços dos produtos alimentares vão aumentar, mesmo num quadro de progresso tecnológico. A aquisição de terras aráveis em países estrangeiros é uma forma de se garantir a satisfação das necessidades alimentares nacionais, em contextos de enorme volatilidade dos preços dos respectivos produtos, influenciados pelos cli-mas especulativos.

As consequências políticas da compra/venda de terras aráveis podem ser graves. Do lado dos países compradores, o risco político está sempre presente, embora dependa da estabilidade dos países vendedo-res em matéria de consolidação das práticas demo-cráticas. Do lado de quem vende, o preço político as-sociado à diminuição das capacidades internas de produção de cereais e da garantia da segurança ali-mentar pode ser o da instabilidade, traduzida em gol-pes de Estado. Como quer que seja, está-se a assistir ao surgimento de um novo quadro das relações co-merciais internacionais.

“ Coloca-se em cheque a sustentabilidade da auto--suficiência alimentar em África ”

“ Com enorme dependência de importação de cereais, o Congo negociou com a África do Sul a concessão de dez milhões de hectares de terras agrícolas para exportação de produtos alimentares ”

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África21– setembro 2009 35

CONQUISTEO SEU LUGAR NO MUNDO.POUPANDO COM O BPA O FUTURO É SEU.Saber poupar é essencial para criar uma base sólida para o futuro. Uma base que lhe permita viver com tranquilidade e maior segurança. Mas não só. A poupança é também o primeiro passo para um dia poder investir e passar a olhar o mundo de forma mais ambiciosa. Por isso, acredite nos seus sonhos e venha ao BPA conhecer a importância da Poupança e do Investimento. Verá que o mundo está ao seu alcance. Nós, vamos ajudá-lo a partir à conquista.

Africa 21 200x275mm.indd 1 6/20/08 6:27:08 PM

CONQUISTEO SEU LUGAR NO MUNDO.POUPANDO COM O BPA O FUTURO É SEU.Saber poupar é essencial para criar uma base sólida para o futuro. Uma base que lhe permita viver com tranquilidade e maior segurança. Mas não só. A poupança é também o primeiro passo para um dia poder investir e passar a olhar o mundo de forma mais ambiciosa. Por isso, acredite nos seus sonhos e venha ao BPA conhecer a importância da Poupança e do Investimento. Verá que o mundo está ao seu alcance. Nós, vamos ajudá-lo a partir à conquista.

Africa 21 200x275mm.indd 1 6/20/08 6:27:08 PM

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36 setembro 2009 – África21

acob Zuma tinha prometido es-colher Angola para a sua primeira viagem oficial como Presidente da África do Sul, e cumpriu, levando

consigo a maior delegação de sempre: onze ministros e centena e meia de empre-sários. A visita, qualificada de «histórica» pelo Presidente José Eduardo dos Santos, foi o ponto culminante de um processo de reaproximação iniciado com a eleição de Zuma à liderança do ANC, e que levou o chefe de Estado angolano a Pretória em Maio para assistir à tomada de posse do seu homólogo.

Já em Março de 2008, a participação de Zuma, então vice-presidente do ANC, nas comemorações do vigésimo aniversário da batalha do Kuito Kuana-vale, tida como o «começo do fim» do

regime racista sul-africano e da sua do-minação sobre a Namíbia, tinha sido in-terpretada como a manifestação do de-sejo do ANC e do MPLA de pôr termo aos desentendimentos políticos que marcaram os mandatos de Nelson Man-dela e de Thabo Mbeki.

Agora, a imprensa angolana e inter-nacional deu sobretudo ênfase aos as-pectos económicos e comerciais da visi-ta, salientando o crescente interesse das empresas e grupos económicos sul-afri-canos em aproveitar as oportunidades de negócios oferecidas pela reconstrução de Angola e de disputar com chineses, portugueses e brasileiros um lugar ao sol no boom económico angolano, ignoran-do ou subalternizando o seu significado político.

O grande reencontroA visita de Estado a Angola do Presidente da África do Sul Jacob Zuma marca o início de uma nova era nas relações políticas, diplomáticas e económicas entre os dois países. inimigos durante a luta de libertação, de costas voltadas desde a instauração da democracia na África do Sul, Luanda e Pretória ensaiam uma parceria estratégica.

Maria Pons JOANESBURGO

GeoPoLÍtICA

ALAD

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JASS

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África21– setembro 2009 37

Durante a estadia de Zuma em Ango-la foram assinados vários acordos bilaterais nas áreas das comunicações, transportes e comércio, bem como um acordo de coo-peração no sector das energias, nomeada-mente na refinação de petróleo, que foi ro-tulado de «parceria estratégica». Por sua vez, Angola comprometeu-se «a criar as condições políticas, jurídicas e financeiras para que os operadores económicos nacio-nais e sul-africanos possam explorar as no-vas relações bilaterais de forma criativa e capaz de corresponder às expectativas dos seus povos».

A imprensa sul-africana destacou a importância da parceria estratégica com Angola no sector energético para superar as actuais restrições, vencer a recessão e regressar ao crescimento económico.

Com efeito, Angola dispõe de recur-sos praticamente ilimitados neste sector (crude, gás, energia hidro-eléctrica, biocarburantes). A par-te de Angola nas importações sul-africanas de petróleo, antes mínima, tem aumentado abrup-tamente nos últimos anos, pro-vocando um forte aumento das trocas comerciais entre os dois países, e desequilibrando a balança comercial a fa-vor de Luanda desde 2007. Neste ano as exportações angolanas para a África do Sul quadruplicaram em relação ao ano anterior: de três mil milhões de rands (396,5 milhões de dólares) para 12 mil milhões de rands (1586 milhões de dóla-res). No mesmo tempo, as exportações sul-africanas para Angola também cresce-ram, mas mais lentamente (de cinco mil milhões de rands (660,9 milhões de dóla-res) para seis mil milhões de rands (793 milhões de dólares).

No encerramento do Fórum Empre-sarial Angola/África do Sul que se reali-zou durante a sua visita a Luanda, o Pre-sidente sul-africano disse que o mercado angolano representa uma formidável

oportunidade de negócios e desenvolvi-mento para os empresários de ambos os países e que, se ele fosse empresário, «a agarraria com as duas mãos e investiria todo o seu dinheiro».

Primeiro investidor africano em Angola

Segundo o presidente da Câmara de Co-mércio África do Sul-Angola, Teddy de Almeida, «a convergência e o equilíbrio nas relações comerciais entre Angola e África do Sul é um cenário viável, princi-palmente devido ao preço do petróleo e à diversificação da economia [angolana] para satisfazer o mercado interno».

Em matéria de investimentos, a África do Sul é o primeiro investidor africano em Angola, com mais de três por cento do

total, mas muito aquém das suas capacida-des e apesar da proximidade geográfica que favorece a criação de empresas mistas e das sinergias que delas resultam.

Mas se as relações económicas entre os dois países tardam em atingir o nível dese-jável não é por falta de um diagnóstico correcto nem de um quadro institucional favorável. Ambos são membros da SADC e estão unidos no plano bilateral pelo Acordo Geral de Cooperação Económica, Cientifica e Técnico Cultural (assinado em Abril de 1998) que deu lugar à criação de uma Comissão Mista (em 2000) e à conclusão de vários acordos sectoriais.

A título privado, muitos empresários angolanos têm interesses na África do Sul e homens de negócios sul-africanos procu-ram oportunidades em Angola, nomeada-

mente no sul e no sector mineiro. São cada vez mais os angolanos que vão à África do Sul, para estudar, fazer compras ou receber tratamentos médicos, apesar da barreira linguística e cultural. Já os sul-africanos são mais reservados, influenciados pela de-sinformação e a má imagem de Angola na imprensa europeia, mas os que tiveram oportunidade de visitar Luanda ficam sur-preendidos pela hospitalidade dos seus ha-bitantes e o clima de segurança, bem maior que nas grandes urbes sul-africanas.

A «frieza» é sobretudo política e foi sob a presidência de Thabo Mbeki que as rela-ções entre os partidos no poder em Pretó-ria e Luanda passaram pelo que Alex Vi-nes, investigador do Real instituto dos Negócios Estrangeiros britânico de Cha-tham House, qualifica de «era glaciar»: os Presidentes praticamente não se encontra-

ram a sós e os dois Governos estiveram em campos opostos em quase todas as questões estratégicas que afectaram a África Austral durante mais de uma década.

É este «gelo» que Zuma procurou enterrar durante a

sua visita e as suas declarações públicas fo-ram música celestial para os ouvidos dos governantes angolanos. Foi ovacionado no Parlamento de Luanda quando se diri-giu em português aos angolanos e aos de-putados para afirmar: «O nosso país é o vosso país. O vosso país é o nosso país. Nós somos um só povo, uma só família. Sinto-me em casa».

Quibaxe

Outros momentos altamente simbólicos foram as homenagens a Agostinho Neto e ao «Soldado Desconhecido» angolano, e a visita ao antigo campo de treino do ANC em Quibaxe, na companhia de uma extensa delegação composta por ofi-ciais superiores das Forças Armadas da

“ Para Zuma o mercado angolano representa uma formidável oportunidade

de negócios, e se fosse empresário investiria todo o seu dinheiro ”

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38 setembro 2009 – África21

África do Sul e antigos combatentes trei-nados no local, na década de 80.

Os «oito mártires» assassinados a 4 de Maio de 1984 em Quibaxe, a quem Zuma rendeu uma sentida homenagem, foram vítimas de «rebeldes armados» não identificados, ficando até hoje por esclarecer se eram guerrilheiros da UNi-

TA, dissidentes do ANC ou uma mistu-ra de ambos. Em todo o caso, Zuma disse que foi em Quibaxe que os sul-africanos que participaram na luta de libertação se forjaram como «verdadeiros soldados» e que quando esteve «diante das campas dos nossos combatentes desejei que to-dos os sul-africanos viessem aqui para fa-zer uma introspecção de onde começá-mos com a luta».

Palavras de agradecimento e o reco-nhecimento oficial do papel fulcral de Angola na «luta contra o apartheid e to-das as formas de discriminação e de ex-ploração» representam uma ruptura com a atitude crítica que Mandela e sobretu-do Mbeki sempre manifestaram em rela-ção à alegada preferência de Luanda pela força das armas em detrimento da nego-ciação política, tanto para pôr termo à

guerra civil em Angola como para resol-ver conflitos nos países vizinhos.

Os adversários do actual chefe de Es-tado sul-africano vêem na nova diplo-macia sul-africana uma prova de que a realpolitik, a cooperação Sul-Sul e o es-treitamento das relações com a China estão a afastar a África do Sul do mode-lo de democracia ocidental. Estas críti-cas são sobretudo para uso interno. Pelo contrário, analistas sul-africanos esti-mam que o aproveitamento conjunto dos recursos naturais de Angola das ca-pacidades industriais, técnicas e finan-ceiras da África do Sul podem fazer da África Austral a «locomotiva» do conti-nente e contribuir para promover a paz e o desenvolvimento de África com base numa integração regional equilibrada e progressiva.

“ Foi em Quibaxe que os sul-africanos que participaram na luta de libertação se forjaram como verdadeiros soldados, afirmou Zuma ”

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África21– setembro 2009 39

cena aconteceu à frente da minha casa. Um grupo po-dava as altas árvores de um

largo há muitos anos fechado para obras. Abrindo parêntesis, o dito largo, a ser remodelado ou para jardim ou para lhe aplicarem os já habituais quiosques «destinados a fomentar o tu-rismo» (?), os quais nunca funcionam por se situarem em zona residencial in-flacionada de pontos de venda de cer-veja, foi condenado a virar uma savana rodeada de chapas de zinco na vertical, com capim alto, onde tudo pode acon-tecer desde negócios escuros a alívio de necessidades de ordem fisiológico-dro-go-sexual. Mas voltemos à poda das ár-vores ao lado da savana.

Alguns ramos sofreram cortes na parte terminal. Os seis trabalhadores reuniram os ramos cortados numa me-tade da rua. O camião que os levara, destinado a transportar os restos, esta-cionou na outra metade, fechando portanto a rua. Lógico, a operação era perigosa para o trânsito. Só um estava em cima da árvore, com a famosa serra mecânica. Amarraram uma corda a um resto dos ramos a cortar, mas na sua base, onde se ligava ao tronco principal. Era um coto de uns dois metros de com-primento e muitos quilos de peso. O trabalhador pôs a serra a funcionar, os outros assistindo. Logo se percebeu o que podia acontecer: o coto caía em cima do camião, coberto com a respecti-va lona. Ninguém fez contas, manda-

ram. O ramo foi mesmo cortado, a inú-til corda a agarrar a base, que ninguém puxou. Pela lei da gravidade, o tronco veio a direito e furou a lona do camião, caindo lá dentro. Objectivo cumprido e sem trabalho sequer de carregar o peso para cima do camião. O rasgão na lona? Ora, simples dano colateral, como di-riam os americanos dos muitos civis mortos em todas as guerras que vão fa-zendo pelo mundo. Ainda por cima agora não é época de chuvas, pode andar o camião com a lona rasgada. E depois, a lona não é deles nem do fiscal que di-rigia a operação, é do Estado, não per-tence pois a ninguém, podemos estragar. Por isso todos riram quando o tronco fu-rou a lona. Mesmo o utente da serra, ar-riscando-se a deixar cair o pesado instru-mento por não resistir às gargalhadas.

Típica cena luandense, dirão os mais conformados.

A propósito de podas, recordo uma cena que já contei. Nos primeiros anos da independência, um comissário mu-nicipal foi fazer uma «pós-graduação» em gestão urbana na antiga Jugoslávia. Vindo para Angola, mandou podar as árvores em pleno tempo das chuvas. Avisaram-no os velhos jardineiros:

– Camarada comissário, só se devem podar árvores no cacimbo.

– Hábitos de colonos reaccionários. – retorquiu o reciclado gestor urbano – Estive na Jugoslávia, país que está mais avançado que nós no socialismo. Se estão a podar agora, é porque sabem.

Assim deram cabo da bela mulemba da minha meninice. isto não se passou em Luanda e portanto não podemos deitar culpas a tudo o que sucede mal no país apenas aos kaluandas e seus admi-nistradores.

Sejamos optimistas na questão das podas. Como já verificámos, somos uns tremendos boelos nesses trabalhos. Po-rém, certamente não faltarão gestores urbanos a propor cursos de poda a uns tantos sobrinhos ou primos, nas capitais da Europa ou até, se os santinhos ajuda-rem, nos Estados Unidos. Aí é que se poda bem, com modernidade! Virá tec-nologia de ponta, o que significa impor-tação de material rolante, escadas mó-veis e serras leves de última geração.

Boas comissões em perspectiva. E que se danem os velhos podadores, uns analfabetos imbuídos de espírito saudo-sista, trabalhando com catana e sabedo-ria da tradição!

A propósito de podas

A CrÓNICA De PePeteLA

“ Não podemos deitar culpas a tudo o que sucede mal no país apenas aos kaluandas e seus administradores ”

A

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40 setembro 2009 – África21

oi em festa, e que festa! Moçambique assinalou o iní-cio da travessia do rio Zambeze, por estrada, a 1 de Agos-

to, através da Ponte Armando Emílio Guebuza. Uma obra há muito desejada, ainda antes da independência nacional, que aconteceu há 34 anos. É um sonho que diversas vicissitudes foram impossibilitando e que acabou de se tornar realidade. E a festa foi mesmo ali em Chimuara, província da Zambézia, e em Caia, pro-víncia de Sofala, onde durante décadas um acidente geográfico di-vidia, literalmente, o país em duas partes, dificultando, se não mes-mo impedindo, a ligação entre o Centro, o Sul e o Norte.

Um movimento desusado, sobretudo do lado de Caia, no dia anterior à inauguração, dava indicação de que a festa seria rija. A vila-sede do distrito de Caia estava apinhada de gente. Em muitos locais ouvia-se, com alguma frequência, a expressão «também por aqui?». Era o reencontro de amigos e conhecidos. E todos iam ao mesmo. Foi um acontecimento que muitos não quiseram perder. Os que não puderam estar acompanharam pelas televisões e rádios. A noite anterior, uma sexta-feira ligeiramente fria, já era de festa. E foram muitos os que não dormiram. Já não havia camas disponí-veis para tanta gente, de um e do outro lado do grande Zambeze. Outros preferiram acampar, em tendas próprias ou nas muitas que o governo do distrito de Caia disponibilizou.

O dia da festa, um sábado, apresentou-se com um sol forte e quente. Cedo ainda, a multidão juntou-se nas duas margens do grande Zambeze. Aquelas duas margens onde muitos passaram noites de desconforto, por não terem chegado a tempo de atraves-sar (os batelões que garantiam a travessia fechavam às 17h00), sendo obrigados a pernoitar. De sublinhar que a oferta de aloja-mento, nas duas margens, é precária. A proximidade do rio faz das margens um local cheio de mosquitos.

Mas voltemos à festa. Muitos dos presentes vestiam t-shirts alu-sivas à ponte. Predominavam também capulanas com imagens da ponte ou de Armando Guebuza. O Chefe de Estado chegou ao lo-cal, de helicóptero, do lado de Chimuara, onde assistiu às cerimó-nias tradicionais. De seguida, fez a última travessia de batelão, de Chimuara a Caia, simbolizando o fim daquela forma de ligação das duas margens do rio Zambeze. Era o adeus aos batelões naque-le local. Caia e Chimuara não mais serão ligados de batelão.

Do lado de Caia, outra multidão recebe Guebuza, e há mais cerimónias tradicionais; afinal há antepassados importan-tes de um lado e do outro do Zambeze a merecerem atenção dos vivos. Nas duas cerimónias foram invocados os ancestrais, que receberam o seu quinhão de comida e bebida, como bem manda a tradição africana.

O rio Zambeze já não divide Moçambique

Moçambique tem desde 1 de Agosto uma ligação rodoviária que une o Norte, Centro e Sul do país. Com a inauguração da Ponte Armando Emílio Guebuza, sobre o rio Zambeze, concretizou-se um sonho de décadas. Do Rovuma ao Maputo há, agora, uma coluna vertebral rodoviária que reforça a unidade nacional.

leonardo Júnior MAPUTO

moçAmbIqUe

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JORG

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AÍDE

A chegada para a festa

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África21– setembro 2009 41

Findas as cerimónias tradicionais, do lado de Caia, o Presi-dente Guebuza dirigiu-se à entrada da ponte, onde o aguarda-vam milhares de pessoas para testemunharem o corte da fita, e passou pelos vários grupos culturais que actuavam, incansavel-mente, de um lado e do outro da estrada, próximo da portagem da ponte. Era a festa! Armando Guebuza cortou a fita, entrou no carro, do lado do volante, já à entrada da portagem. Fez o paga-mento da portagem e conduziu, seguido de uma longa coluna de carros e pessoas a pé, em ritmo de cerimónia, até ao outro lado da ponte, em Chimuara, onde descerrou a placa que assina-la a inauguração.

Showmícios e cerimónias religiosas

Em Chimuara, um mar de gente aguardava a chegada do Chefe de Estado para o comício. Na verdade foi um showmício, pois, no compasso de espera, grupos culturais e musicais iam animando os presentes, reforçando ainda mais o ambiente de festa. Paciente-mente, o povo esperou até que, finalmente, a comitiva presidencial chegasse. Ecoaram, então, ainda mais fortes os «vivas» e os «hoyês» (uma outra forma de dizer Viva!) a Moçambique, à ponte, ao povo moçambicano e ao Presidente Guebuza.

“ Nas cerimónias foram invocados os ancestrais que receberam o quinhão de comida e bebida como manda a tradição africana ”

Na tribuna, representantes de diversas organizações religiosas, como que fazendo jus ao ecumenismo e à tolerância religiosa do povo moçambicano, fizeram, à vez, orações em nome de cada uma das religiões presentes, das protestantes à católica romana, passan-do pela islâmica. Assim se completava o ciclo da bênção, que co-meçara com as cerimónias tradicionais, dirigidas aos antepassados, e terminara com a evocação de Alá, de Deus. Depois, desfilaram os discursos dos financiadores da obra, nomeadamente o Japão, itá-lia, Suécia e Comissão Europeia, trazendo, cada orador represen-tante daqueles países e instituição europeia, um sotaque sui generis, pois discursaram todos em português, arrancando aplausos do povo. Desfilaram ainda os discursos dos representantes das popu-lações de Chimuara e de Caia, e igualmente dos governadores das províncias de Sofala e Manica, que estão ainda mais próximas com a abertura da ponte.

Armando Guebuza assiste à evocação dos antepassados

Por sua vez, o Presidente da República enalteceu a importância da obra acabada de inaugurar. Disse que aquele empreendimento faz parte do esforço do Governo no combate à pobreza, a pedra de toque dos cinco anos do mandato. E que era objectivo do Executivo que o país tivesse «uma coluna vertebral rodoviária», ligando o Norte, o Centro e o Sul. Agradeceu e apresentou cada um dos que se empenharam para que a obra, um sonho de décadas, que remonta ao tempo colonial, tivesse, finalmente, visto a luz do dia. Todos e cada um mereceram os aplausos do povo. Mas é para Joaquim Chissano que, enquanto Presidente, foi incansável na mobilização de fundos para a construção da ponte, que vai o maior aplauso.

A primeira ponte inteligente do país

A ponte é uma bela obra de engenharia. Construída pelo con-sórcio português Mota-Engil/Soares da Costa, a obra salta à vis-ta pela dimensão – tem um tabuleiro de 2376 metros de com-primento – e pela elegância, que disfarça bem os 16 metros de largura, quatro faixas de rodagem, sendo que a sua estrutura per-mite uma eventual futura duplicação. Estava orçada em 66 mi-lhões de euros (94,5 milhões de USD), mas alguns atrasos, de-

JORG

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AÍDE

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42 setembro 2009 – África21

vido às chuvas, terão provocado uma derrapagem dos custos para montantes ainda não revelados. É uma das maiores pontes de África e a primeira ponte inteligente em Moçambique, pois é monitorizada por computadores instalados em Maputo, como explicou o Eng. Elias Paulo, director da Ponte e que também mereceu uma menção do Presidente da República. A ponte foi construída em tempo recorde: três anos.

De referir que o local onde, ainda no tempo colonial, tinha sido colocado o primeiro pilar para a construção de uma ponte sobre o Zambeze, serviu para o espectáculo de fogo-de-artifício e vai funcionar como miradouro para a nova ponte. É crença das autoridades moçambicanas e pela entidade gestora da ponte que ela será um atractivo turístico.

Mas a ponte Armando Emílio Guebuza não é a única obra do género que o país pretende apresentar, este ano. Em Novembro, já depois das quartas eleições gerais (legislativas e presidenciais) e das primeiras eleições multipartidárias para as Assembleias Provinciais, será a vez de ser dada como concluída a ponte da Unidade, que liga Moçambique à Tanzânia, mas cuja data de inauguração ainda não foi fixada.

“ A ponte tem um tabuleiro de 2376 metros de comprimento, 16 de largura, quatro faixas de rodagem e uma estrutura que permite uma eventual duplicação ”

Uma imagem do passado

JORG

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AÍDE Conselho

Constitucional valida três das nove candidaturasA corrida ao palácio da Ponta Vermelha, a 28 de Outubro, será apenas entre Armando Guebuza (Frelimo), Daviz Simango (MDM) e Afonso Dhlakama (Renamo). Entretanto, os partidos vão afinando as máquinas para a campanha eleitoral, que arranca a 11 de Setembro.

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África21– setembro 2009 4343 AGosto 2009 – África21

Conselho Constitucional (CC) chumbou seis das nove candidaturas para as

eleições presidenciais de 28 de Outubro, e que vão ocorrer simultaneamente e pela quarta vez, com as legislativas e, pela primeira vez, com as multipartidárias para as Assembleias Provinciais. De acordo com o acórdão do CC, várias razões contri-buíram para a rejeição das seis candidatu-ras, nomeadamente a inobservância de grande parte dos requisitos previstos na lei, como a recolha de dez mil assinaturas de cidadãos recenseados e a apresentação de uma caução de 100 mil meticais (pouco mais de 3600 USD), depositados na conta bancária do CC.

Embora todas as candidaturas tenham apresentado mais do que as dez mil assina-turas exigidas, todas elas viram parte dessas assinaturas invalidadas por, entre outras ra-zões, terem, segundo o acórdão do CC, «o mesmo número de cartão de eleitor com nomes diferentes e fichas de proponentes com diferentes nomes, fichas de proponen-tes sem fotografias, cartões de eleitores de proponentes sem sequência numérica con-tínua, tornando evidente não serem mais do que meras reproduções de folhas de ca-

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A dança eleitoral já começou em Moçambique

dernos de recenseamento, o que faz presu-mir não terem, dos respectivos titulares de-las, tido conhecimento ou nelas tido inter-venção». O rol de incorrecções, imprecisões e casos duvidosos é enorme, o que levou a que o CC recorresse à Direcção Nacional dos Registos e Notariado para pedir espe-cialistas em dactiloscopia e em grafologia. A peritagem feita por esses especialistas levou à conclusão de que «houve efectivamente viciação intencional da vontade de eleitores que aparecem registados nas fichas como proponentes de determinadas candidatu-ras», por um lado, e, por outro, «negligência de certos agentes notariais que abdicaram do seu dever de observar escrupulosamente os ditames legais».

Considerando o caso grave, o CC submeteu todos os documentos sob sus-peita ao Ministério Público, por consi-derar que podem indiciar a prática de ilícito criminal.

Candidatos em movimento,partidos afinam máquinas

Dos três candidatos aprovados pelo CC, dois já se movimentam pelo país, procu-rando apresentar-se ao eleitorado, a

O pouco menos de um mês do arranque oficial da campanha eleitoral.

Daviz Simango, candidato do MDM (Movimento Democrático de Moçambique), tem-se dividido entre a edilidade da Beira, a que preside, e a correr o país, para falar do seu novo par-tido e das razões que o levaram a ser can-didato à Presidência da República.

O líder e candidato da Renamo, Afonso Dhlakama, deixou a sua actual residência, em Nampula, para escalar Sofala, onde quer reanimar os seus apoiantes, como que querendo provar que as notícias da sua morte política são prematuras. Ao chegar à capital da pro-víncia, Beira, Dhlakama disse que desta vez é que vai mesmo ganhar, argumen-tando que Armando Guebuza, o candi-dato da Frelimo, não pode voltar a ga-nhar «porque mesmo em 2004 não ga-nhou as eleições. Roubou como havia feito Chissano», disse o candidato da Renamo.

Já o candidato da Frelimo e actual Pre-sidente da República, Armando Guebuza, terminou, em Agosto, a série de Presidên-cias Abertas e inclusivas, que ao logo dos cinco anos de mandato o levaram a escalar todos os 128 distritos do país. A menos de um mês do início da campanha eleitoral, Guebuza orienta reuniões para ultimar as estratégias e o programa de candidatura do partido em sessão alargada do Comité Central da Frelimo.

Os partidos políticos começam a di-vulgar os programas eleitorais, multipli-cando-se debates, anúncios e aparições nos órgãos de informação. Para garantir a participação nas eleições de 28 de Ou-tubro – que poderão registar uma das maiores participações de sempre – a Comissão Nacional de Eleições (CNE) prossegue com as campanhas de educa-ção cívica eleitoral, e a promover show-mícios (comícios com shows culturais) um pouco por todo o país.

leonardo Júnior

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44 setembro 2009 – África21

LUSAmoçAmbIqUe-mALAwI

Os caminhos tortuososda cooperação

visita do Presidente do Ma-lawi, Bingo wa Mutharika, a

Moçambique, em Agosto, deveria ter servido para o relançamento das relações de cooperação entre os dois países vizinhos e membros da Comuni-dade para o Desenvolvimento da África Austral (SADC). Porém, um incidente fronteiriço acabou por trazer à actuali-dade os tempos do Malawi de Kamuzu Banda.

Para Moçambique, o Malawi foi sempre um vizinho suspeito, que ora se juntava aos países da região – falamos dos países de regime de maioria negra – quando convinha, ora se aliava ao apar-theid, pela calada, conspirando contra os demais. Foi nessa altura que o então Presidente de Moçambique, Samora Machel, visitou Kamuzu Banda e amea-çou colocar mísseis na fronteira, vira-dos para o Malawi. O Governo de Ma-puto alegava que o Malawi servia de re-taguarda da Renamo, sobretudo depois da assinatura do Acordo de Nkomati (um acordo de não agressão, boa vizi-nhança e não ingerência) entre Mo-çambique e África do Sul.

Mas o Governo da Frelimo e a Re-namo acabaram por assinar a paz, em 1992, pondo fim a 16 anos de guerra. Terminavam, assim, as razões de suspei-ta de apoio do Malawi ao então movi-

gurança para se inteirar do sucedido e apurar responsabilidades e, depois, informar pessoalmente o Presidente moçambicano dos resultados das inves-tigações. Da parte moçambicana, as autoridades exigem que os responsáveis pelo ataque ao posto fronteiriço de Ngauma sejam penalizados.

Entretanto, os diversos protocolos de cooperação elaborados durante a vi-sita do Chefe de Estado do Malawi a Moçambique acabaram por não ser as-sinados, devendo merecer a análise e o parecer de técnicos para posterior assi-natura. Apesar de tudo, o ministro mo-çambicano dos Negócios Estrangeiros, Oldemiro Balói, afirma que as relações entre os dois países «são muito boas» e defende que o incidente de Ngauma não deve ser extrapolado.

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“ O incidente de Ngauma obrigou ao cancelamento da visita do presidente malawiano ao Porto da Beira ”

mento rebelde moçambicano. As rela-ções entre os dois países foram, desde então, conhecendo algumas melhorias. Para o Malawi, os portos de Nacala e da Beira, bem como os corredores ferroviá-rios ligados aos mesmos, são de especial importância para o acesso ao mar.

Recém-eleito, o Presidente Bingo wa Muthakira visitava Moçambique, pela primeira vez, a convite do homólogo moçambicano, quando é noticiado o ataque, por parte de forças malawianas, a um posto fronteiriço moçambicano, em Ngauma, na província do Niassa. Na origem do incidente, segundo as autoridades moçambicanas, terá estado a apreensão de uma bicicleta de um cida-dão malawiano, que transpôs ilegal-mente a fronteira. Na sequência dessa apreensão, a 3 de Agosto, a força de guarda-fronteira do Malawi atacou o posto de guarda-fronteira de Ngauma, usando gás lacrimogénio e tendo feito diversos disparos, causando a destrui-ção das instalações, embora não provo-cando vítimas.

O incidente embaraçou a visita do Presidente malawiano, que se viu obri-gado a cancelar a visita ao Porto da Bei-ra e a outros locais, fechando-se no ho-tel para contactos com o Malawi. No final da visita, prometeu reunir, depois de regresso ao Malawi, as forças de se-

AAmândio Guebuza Bingo wa Mutharika

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África21– setembro 2009 45

uem circula nos meios urba-nos de Moçambique depara com painéis de publicidade

que se destacam dos outros pela agressividade e criatividade das mensa-gens. O mesmo acontece nos meios de co-municação. E o tema é o frango. O frango nacional e o estrangeiro, representado pelo brasileiro.

Há alguns anos que os produtores na-cionais de frango vinham fazendo uma guerra ao

f rango brasileiro. Tudo

começou quando, perante a difi-culdade de satisfazer o mercado nacional, se optou por im-portar frango brasileiro. Acontece que o frango do Brasil chegou a Moçambique a preços mais baixos do que o frango nacional. Os consumidores agra-deceram e passaram a comprar o frango brasileiro. Os produtores nacionais pedi-ram então ao Governo que impedisse a im-portação do frango brasileiro e o Governo entendeu, na altura, que isso só aconteceria quando a produção nacional fosse suficien-te e a preços comportáveis com o poder de compra dos moçambicanos.

moçAmbIqUe-brAsIL

Guerra do frango passa para a publicidade

A guerra arrastou-se ao longo de meses. E o braço-de-ferro entre a Associação Nacional de produtores de frango prolo-gou-se até que o Governo decidiu inter-romper as licenças de importação de frango. O objectivo, de acordo com as au-toridades moçambicanas, é incentivar a produção nacional de frango. É neste mo-mento, que a importação do frango está interrompida, que os produtores nacionais

lançam uma campanha agressiva contra o frango brasileiro. Um

dos spots, que passa nas televi-sões, usa a música «Garota de ipanema», com um frango bra-sileiro a dançar que, de seguida,

é empurrado por um outro, moçambicano, ao ritmo de pandza/dzukuta, um ritmo inventado por jo-vens músicos moçambi-

canos, há cinco anos.Moçambique consome,

em média, cinco mil tone-ladas de frango por mês e só produz, até ao mo-

mento, quatro mil toneladas men-sais. No que se refere aos altos custos do frango nacional, o ministro da indústria e Comércio, António Fernando, diz que tal se deve ao problema da produção de rações, que representam 67% dos custos de produção. A única forma de baixar es-ses custos, ainda segundo o ministro, é aumentar a produção de soja.

Como estratégia para proteger o mer-cado e promover a produção nacional do

frango, o Governo vai continuar a procurar garantir o fornecimento de soja e milho para a produção de rações e a melhorar a rede viária, o abastecimento de água e de electricidade, por um lado, e a intensificar o controlo alfandegário, por outro.

Entretanto, empresários brasileiros de-dicados à produção de frango foram convi-dados pelas autoridades a investirem em Moçambique. Esta seria, na visão do Go-verno, a melhor maneira do Brasil ter aces-so ao mercado nacional, com 20 milhões de consumidores, e da região da África Austral, com 250 milhões de consumido-res. De referir que uma tonelada de frango do Brasil custa 1200 dólares, contra 1400 dólares a que fica a tonelada na vizinha África do Sul.

lJ

“ A Garota de Ipanema com um frango brasileiro a dançar é empurrado por um frango moçambicano ao ritmo de pandza/dzukuta ”

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46 setembro 2009 – África21

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África21– setembro 2009 47

Um mural contra a sida cujo vírus afecta quase seis milhões de sul-africanos

clientela somava a cada início do ano lectivo. Velhos e novos

alunos; muitos vindos do in-terior com o fito de tirar o Bi1 e entrar para o Ciclo2. Gente que se deslumbrava com a cidade grande, com os carros a desfilar pelas avenidas. Um amigo lem-brou-se, um dia desses, que levou tempo para ir estudar na capital, pois o pai dele achava perigoso partilhar estradas com carros. E se fosse atropelado? Seriam mais despesas, além das dos livros. O melhor seria ficar na sua pequena vila, mas conseguiu convencer o seu velho, sabe-se lá por que mágica.

Toda essa gente era cliente do tio Pau-lo, e mais quando a Foto Siri caiu, a Usbai Foto desmaiou e os amigos Luís e Adria-no davam voltas e voltas para terem mate-rial fotográfico e servir o público, sobretu-do no carnaval – a maior azáfama depois da época das matrículas. As moças e os na-morados ntrudu3 queriam ser fotografados e com direito a um álbum.

Para qualquer documento as autori-dades pediam fotografias: era retrato que nunca mais acabava... para carta de con-dução, cartão de trabalhador, guia – que se tirava para viagens ao interior e do inte-rior para a capital. Quando se descobriu que era bom viajar para o exterior, vieram mais consumidores de fotos: passaportes e formulários de pedido de visto de entrada no país estrangeiro.

Tio Paulo desdobrava-se em mil para tirar e lavar as fotos. Às vezes faltava luz. Nesses casos o estúdio ficava às escuras,

“ A máquina fotográfica do tio Paulo quando fotografa elefante é esse bicho que aparece no postal e não uma lebre ”

daí a ideia do tio Paulo de transformar o passeio do mercado central e da Farmácia Higiene em estúdio, conforme a posição do sol. Até ao meio-dia era num e à tarde era noutro passeio. O calor não perdoava e, até o cliente estar na posição certa, era um levanta queixo mais para cima, vira o pescoço para esquerda, estufa o peito... que os rostos das pessoas começavam a re-luzir de tanto suarem. Mas aguentavam firmes, pois era quase uma missão esse jogo entre o fotógrafo e o fotografado.

Ter um estúdio fotográfico é um ne-gócio que rende algum, dizia o tio. É dis-creto, mas exige uma boa preparação físi-ca. Tio Paulo não poupava posições: recu-ava, ficava quase de cócoras, inclinava-se ora para a esquerda ora para a direita à procura do melhor ângulo. ia até junto à pessoa e ele mesmo encarregava-se de lhe endireitar o pescoço, a cabeça... um toque no queixo e voltava para a sua posição ini-cial, esticando-se e se encolhendo em bus-ca da imagem de excelência, não vá o cliente dizer que saiu feio na foto. Aliás, essa era a maioria das causas de reclama-ções que o nosso tio recebia. As meninas, dizia ele, são as que protestam mais. Di-zem que saíram lampradas4 na foto, que estão brancas, que saíram escuras demais, que os lábios estão mais grossos do que são de facto, que aquele nariz não pode ser delas. Mas eu faço o que posso, dizia.

O tio contou que tirou fotos a duas amigas. Eram os anos de uma delas. Ha-via luz naquele dia e fizeram os retratos no estúdio. Dias depois foram buscá-los.

A aniversariante era um pouco mais avantajada que a amiga, mas quando viu a foto parecia querer bater no rapaz do bal-cão, porque achou-se gorda na fotografia e esse respondeu à sua reclamação dizen-do que a máquina fotográfica do tio Pau-lo quando fotografa elefante é esse bicho que aparece no postal e não uma lebre.

Fosse nos dias de hoje, tio Paulo não passaria por essa agonia. Hoje as máqui-nas moldam a imagem dos modelos, ti-ram fotos a três dimensões, dentro e fora da água, resistem a quedas. O acto de fo-tografar já não é um exercício físico exi-gindo grandes malabarismos do profissio-nal. E a fotografia, se antes fora, hoje con-tinua sendo uma arte, por isso os retratos querem-se espectaculares, captando mo-mentos – o processo criativo de Auguste Rodin é um esplêndido exemplo –, ten-dências, glamour; informando e denun-ciando um pouco do que vai pelo mundo. E a máquina tem o seu mérito.

A CrÓNICA oDete CostA semeDo

Tio Paulo e os clientes

A

1 Bi – bilhete de identidade 2 Ciclo – Ciclo Preparatório3 Ntrudu – mascarado em crioulo guineense4 Lampradas – de lampra (brilhar em crioulo guineense, brilhantes, reluzentes)

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48 setembro 2009 – África21

o passado mês de Julho, em plena campanha para a segunda volta das eleições

presidenciais antecipadas, o ministro das Finanças, o empresário José Mário Vaz, anunciou que os salários em atraso esta-vam regularizados e prometeu que daí em diante o vencimento dos funcionários ia ser pago a tempo e horas.

Na altura, o líder da oposição e can-didato presidencial acusou o Governo de propaganda eleitoral, a fim de favorecer o candidato governamental. Tanto mais que a medida foi executada cerca de duas semanas antes do final do mês. Contudo, ao contrário do habitual, a promessa foi cumprida, e em Agosto, os honorários voltaram a ser levantados nas contas ban-cárias no dia 21.

Num país onde o Estado é o maior empregador, o facto tem um peso econó-mico importante, até porque foi concre-tizado apenas com recursos internos. A União Europeia, o principal parceiro multilateral da Guiné-Bissau, elogiou prontamente o actual rigor nas finanças públicas, que permitiu alterar a situação. Até então, a regra era acumular três ou mais meses de salários. O último Executi-vo do defunto Presidente Nino deixou cinco meses de ordenados por regulari-

zar. O regime de Kumba Yalá bateu to-dos os recordes nesta matéria, com nove a onze meses de salários em atraso. Em 2008, os agentes públicos chegaram a passar o Natal sem ordenado.

No entanto, estes ganhos recentes ain-da não estão consolidados, e só poderão ser reforçados se cada Ministério fizer o traba-lho de casa e puser as contas em ordem, o que ainda não é o caso. Um exemplo nega-tivo apontado pelos responsáveis das Fi-nanças é o do Ministério da Educação, onde o descontrolo com os professores contratados dá lugar a muitos abusos, que penalizam bastante o Tesouro público.

Funcionários fantasmas

O primeiro recenseamento biométrico dos funcionários, realizado entre Maio e Agosto, deve permitir detectar os chama-dos funcionários «fantasmas», pessoas que já morreram ou estão no estrangeiro, mas cujos títulos continuam a ser normalmen-te processados, em benefício de uma rede ilegal no interior do aparelho administrati-vo das diferentes estruturas estatais.

O recenseamento é uma das premissas de uma reforma da Função Pública, desti-nada a acabar com a roubalheira, equili-brar o Orçamento Geral do Estado, utili-

GUINé-bIssAUAlguma luzao fundo do túnel O dia-a-dia da maioria dos guineenses é uma sucessão de carências de todo o tipo, mas nos últimos tempos são visíveis sinais animadores de mudança

fernando Jorge Pereira BiSSAU

zar as economias resultantes da redução de efectivos, nomeadamente nas Forças de Defesa e Segurança, para melhorar os salários e as condições sociais dos trabalha-dores. Se não for travada, a reforma ataca-rá ainda o privilégio de alguns ex-gover-nantes, que graças a uma disposição le-gal, auferem salários equiparados a direc-tor-geral, sem porem os pés no serviço. Mas alguns analistas duvidam que Fer-nando Gomes, o ministro da Função Pú-blica, ex-oposicionista e antigo presidente da Liga dos Direitos Humanos, consiga os apoios necessários para mudar a lei.

O sector energético é outra esfera de actividade onde se regista uma melhoria da situação. Embora as ruas às escuras, os cortes de luz e o ruído de geradores nos

Os polícias sinaleirosvoltaramàs ruasde Bissau

N

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África21– setembro 2009 49

“ Há quatro meses que Bissau tem abastecimento menos irregular de luz eléctrica e de água ”

a empresa pública que detém o monopó-lio da produção e distribuição de electri-cidade e água.

No início da independência as auto-ridades guineenses investiram muito na electrificação, mas com o tempo as infra--estruturas degradaram-se, assim como os problemas de gestão. A própria empre-sa reconhece os níveis elevados de fraude e a péssima qualidade de serviço. Há dez anos, quando se preparava um programa de reforma do sector, rebentou a guerra civil que adiou os trabalhos.

Hoje está em preparação o Plano Di-rector, e em paralelo com um novo siste-ma de gestão e de reorganização contabi-lística e financeira, decorre a moderniza-ção parcial, a reabilitação e a extensão da

A AGENDA DE MALAM BACAI SANHÁ

Antes de tomar posse a 8 de Setembro como sexto Presiden-te guineense, Malam Bacai Sanhá esteve a repousar durante uma semana de Agosto na ilha cabo-verdiana do Sal, en-quanto um grupo de trabalho de 15 pessoas se encarregava da elaboração da sua futura agenda. Um pouco mais de me-tade dos membros do task force não pertence ao PAIGC, o partido governamental. A com-posição plural da equipa, coordenada pelo agrónomo Mário Cabral, ex-rival de Malam Bacai nas primárias para a designação da candidatura presidencial, indicia a forma consensual e dialogante que o novo Presidente da República pretende imprimir à sua magistratura.

A intenção de facilitar o entendimento com o Executivo levou-o a deixar a representação da Guiné-Bissau na sessão da Assembleia-Geral das Nações Unidas a cargo do primeiro-mi-nistro Carlos Gomes Júnior, que já estava previamente inscrito. Se a experiência resultar, po-derá trazer mudanças positivas no modelo político dominante no país e aproximar da órbita do poder pequenos partidos dirigidos por personalidades influentes, alguns fortes nos planos intelectual e profissional e outros com considerável capacidade de intervenção política.

A agenda presidencial, de cinco anos, deverá reflectir as promessas eleitorais de Sanhá. Uma delas é promover a reforma da Justiça, área onde se acumulam dossiês escaldantes, tais como o dos atentados que vitimaram o ex-chefe de Estado-Maior das Forças Armadas, general Tagmé Na Wai, e o Presidente Nino Vieira. O relatório pericial, feito por especialis-tas norte-americanos, está pronto, mas o inquérito judicial arrasta-se.

Além de alinhavar o discurso de investidura e de delinear a estratégia presidencial em matéria do sensível sector da Defesa e Segurança, o grupo de trabalho deve formular a or-gânica da Presidência da República, com a preocupação de introduzir critérios mais rigoro-sos na definição do staff presidencial, assim como na sua gestão orçamental. O ex-director de Gabinete do Presidente Nino e candidato às recentes presidenciais, João Cardoso, faz parte do grupo de trabalho, assim como o jornalista Agnelo Regalla, o advogado Amine Saad, o empresário Canjura Injai e o universitário Uko Monteiro, todos oposicionistas de lon-ga data. A antiga ministra da Saúde, Eugénia Saldanha, e Zinha Vaz, a única mulher líder de partido, também constam da equipa de trabalho. FJP

passeios ainda sejam a imagem de marca do país, há cerca de quatro meses que se assiste a um abastecimento mais regular de luz eléctrica e de água.

Por enquanto, a mudança limita-se à capital, em particular aos clientes com maior poder de compra, empresas, em-baixadas e organizações internacionais. Mas um número cada vez maior de uten-tes também está a sentir os efeitos da ins-talação do projecto de assistência técnica à gestão comercial e financeira da EAGB,

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rede eléctrica até a periferia de Bissau. A vetusta central da capital terá a sua capa-cidade produtiva aumentada de 5,5 para 15 megawatts. Enquanto a electricidade das barragens da OMVG (Organização de Aproveitamento do rio Gâmbia) não chega, aposta-se nos 23 milhões de euros (33 milhões de USD) do Fundo Euro-peu de Desenvolvimento (2010) para re-lançar o sector energético.

Até lá, o interior do país vive mergu-lhado na escuridão. A solução que o se-cretário de Estado da Energia, Papai Wasna Danfa, preconiza para as Regiões, é a recuperação de um fundo indiano, para o qual a Guiné-Bissau foi eleita, mas que acabou por perder, devido à crónica instabilidade política.

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A CrÓNICA De GermANo ALmeIDA

stes meses de férias gerais, estudantes, políticos, tribunais, diasporizados, são meses de

muita animação porque tudo chega em confusas catadupas, agravadas este ano pelo calor que despertou algo tardiamen-te mas abruptamente, exemplo, ainda ontem estava quase fresco, agradável, hoje parece que sai fogo da própria terra para incendiar o ar. Graças a Deus que temos a TACV a refrear a enchente das ilhas atrasando voos de partidas e chega-das, desse modo atravancando os aero-portos de passageiros desatinados em busca das bagagens, magotes de emigran-tes enfurecidos jurando nunca mais re-gressar ao país, esta é a última féria a ser passada em Cabo Verde!

Claro que é conversa! Mal recebem intacta a mala retardada, logo esquecem o desaforo que começa no excessivo preço das passagens de que são vítimas nesta época do ano e acaba no péssimo serviço que concomitantemente lhes é prestado.

Mas antes do início das férias os depu-tados à Assembleia Nacional discutiram com alarido e ofensas de parte a parte o «estado da Nação». Não tendo, no entan-to, chegado a qualquer conclusão incon-testável, porque cada partido deu a sua própria sentença, tendo o primeiro-minis-tro mais uma vez se confessado muito «de-cepcionado porque a oposição não deu nenhum contributo valioso ao debate».

Bem entendido que foi a enésima vez que ouvi esta frase, desde 1993 que ela está em uso. A princípio acreditei ser um

tique dos primeiro-ministros do MpD não achar valor nas argumentações da oposição, mas depois conclui que não, é antes uma especialidade dos primeiro--ministros: desprezar os adversários!

Que, por sua vez, não honram a situa-ção por aí além: um Governo de expe-dientes, sem políticas e sem resultado, acusou o líder do MpD. E quando o líder da UCiD tentou lançar um pouco de água no vulcão que era os outros dois par-tidos, o primeiro-ministro, com alguma infelicidade e evidente mau gosto, vitupe-rou-o de se assemelhar a uma ave de rapi-na da pobreza.

Mas, claro, isso tudo deu-se antes da senhora Clinton, distraidamente plagian-do Corsino Fortes (Si ONU tmâ Kabverde pâ vela/Munde/ka ta dormi na scure), ter tido a boutade de nos apresentar como exemplo para toda a África. Ficámos to-dos inchados de basofaria enquanto nos entretemos com um programa televisivo sobre como ler e escrever em língua cabo-verdiana. Tenho-a acompanhado porque não só é breve (dura quase menos que um minuto), como é transmitido no intervalo dos noticiários. Já vai na letra «x» e nas pa-lavras que a usam: xuculate, xapéu, xinta-do. Logo nas primeiras lições aprendemos as vogais (aeiou) e como se usam nas pala-vras conforme se é de Santiago ou de S. Vicente. Por exemplo, a letra «u» e o «urso»: se de um lado dá «urse», do outro diz-se «ursu», nunca «urso». Tenho vivido esta dúvida: e nós da Boa Vista, somos «urses» ou «ursus»?

Urses ou ursus?

“ Mas depois conclui que não, é antes uma especialidade dos primeiro-ministros: desprezar os adversários ”

E

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ríncipe, o barco construído de raiz para assegurar a ligação entre as duas ilhas

deixava, no fecho desta edição, os estaleiros de Arenys de Mar, na Catalunha, Espanha, para chegar em finais de Agosto ou princípios de Setembro ao país. Enquanto isso, a STP Airways, a companhia aérea de bandeira são-tomense, inaugurou a rota para Luanda, num voo que liga três países no mes-mo dia: Portugal, São Tomé e Príncipe e Angola. Com a abertura desta rota, a companhia de bandei-ra são-tomense está a cumprir o seu plano de desen-volvimento faseado.

A STP Airways entrou assim no segundo nível do projecto, que compreende o desenvolvimento re-

gional do Golfo da Guiné. Daniel Caeiro, do Departamento Comercial da

companhia aérea,

Com um novo barco de transporte e a inauguração da ligação aérea a Luanda pela STP Airways, o arquipélago está menos perdido no meio do Atlântico

Juvenal rodrigues SãO TOMÉ

um dos homens que trabalhou bastante na efectiva-ção desta etapa, estava satisfeito: «Concluímos um projecto que há muito era ambicionado. Houve uma grande satisfação das autoridades angolanas e são-tomenses. Tendo em conta o factor histórico que une os dois países, estamos extremamente satis-feitos, porque continuamos com a mesma sinergia e com a mesma forma de pensar».

Caeiro sublinhou que «é importante para São Tomé e Príncipe, é importante para a auto-estima dos são-tomenses, que vêem as cores do país distri-buídas pelo Golfo da Guiné e pelo mundo, e com a promessa de continuar a crescer de forma construti-va e chegar a outros pontos do mundo».

Alguns representantes do empresariado são-to-mense que estiveram a bordo do avião considera-ram que a ligação é uma mais-valia. Para o comer-ciante António Quintas Aguiar, é «mais uma possi-bilidade que se abre aos operadores económicos, são-tomenses e angolanos. É uma mais-valia para os operadores económicos dos dois países. Mesmo os portugueses que queiram fazer esse trajecto têm a vida mais facilitada» O chocolateiro Claudio Corallo, por sua vez, sublinhou que «as comunica-ções são a base do desenvolvimento e este é um pas-so importante. Tudo o que pode transportar merca-dorias, passageiros e turistas é interessante. A aber-tura desta ligação que depois continua para Portu-gal é extremamente importante».

Carlos Vila Nova, director da Mistral Voyage, pensa que esta ligação vem melhorar as perspectivas para o turismo: «cria uma certa competitividade sa-lutar entre as operadoras e da nossa parte seria jun-tar o útil ao agradável se entre as companhias hou-vesse eventualmente um acordo de permuta. Aí sim, beneficiaria muito mais quem trabalha no sec-tor, e os utentes acima de tudo. Com esta operação, a STP Airways limita as pessoas a sete dias e com uma permuta pode-se fazer operações de três, cinco dias e jogar com a situação». O agente turístico con-sidera ainda que a falta desta ligação se fazia sentir. «A ligação com Luanda passa a ter três

são tomé e PrÍNCIPe

do desencravamentoNa rota

P

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África21– setembro 2009 53

frequências e agora temos que trabalhar e explorar as potencialidades que Angola tem».

No discurso oficial que marcou a inaugura-ção, o presidente da STP Airways, Felisberto Neto, reconheceu que ainda «há muito a fazer para que a companhia possa atingir o patamar desejado. Mas temos a certeza que com o esforço dos accionistas e a colaboração de todos quantos querem ver São Tomé e Príncipe melhor, o país terá uma companhia aérea funcional e credível que é a STP Airways».

A companhia foi constituída a 23 de Junho de 2008, entre a EuroAtlantic Airways, com 37%; Es-tado são-tomense, 35%; Banco Equador, 14% e a Golfo internacional Air Service, também com 14% das acções. A companhia são-tomense assegura igualmente três ligações semanais para o Príncipe, em parceria com a África Connection. Mas as pas-sagens são relativamente caras, devido à qualidade da pista no aeroporto de Santo António, segundo os responsáveis. Espera-se que a entrada em funcio-namento do novo navio permita reduzir os preços de viagem para a ilha irmã.

Príncipe

Príncipe, o navio encomendado para dar resposta às necessidades de ligação entre as ilhas de São Tomé e do Príncipe, para além do transporte de passageiros, quatro doentes acamados e carga, pode ser utilizado igualmente em expedições turísticas. A viagem é passível de ser feita em menos de cinco horas, explorando a potência dos seus dois motores de 1000 cv, que poderão levar a embarcação aos 80km/h, sem forçá-los.

Os 63 passageiros podem viajar comodamente na cabine coberta com cadeiras confortáveis. Foi também concebido para transportar 18 toneladas de carga e combustível com segurança. O barco foi construído seguindo as normas europeias de segu-rança e qualidade, condições indispensáveis para a sua certificação de navegabilidade. Entretanto, são tripulantes nacionais, que receberam formação na empresa construtora, que trazem a embarcação de Espanha para São Tomé e Príncipe.

O ministro das Obras Públicas, infra-estrutu-ras, Transportes e Comunicações, Benjamim Vera

Cruz, convidou especialmente a Aresa Boats e todos os interessados a fazerem investimentos, na perspec-tiva da oportunidade de negócios que poderá surgir com a construção do porto de águas profundas, que será uma nova e moderna infra-estrutura no Golfo da Guiné. A empresa espanhola tem trabalhado com países da região: construiu cerca de 300 barcos para a marinha de Angola, assim como para o Togo, Gana e Benim. Em Angola, está a estudar a possibi-lidade de construção de um estaleiro em parceria com o Estado angolano.

O Governo são-tomense prepara o caderno de encargos que permitirá entregar a gestão do barco ao sector privado. A medida está no entanto a gerar polémica com responsáveis do Governo regional. Tozé Cassandra, presidente do Governo Regional, em declarações à Rádio Nacional, discordou desta solução e propõe que a base de estacionamento da embarcação seja o porto da ilha do Príncipe e que as autoridades regionais façam a sua gestão. Argumen-tou, entre outras razões, com a necessidade do trans-porte de doentes. Não seria prático a embarcação ter que sair de São Tomé para o Príncipe para recolher doentes a necessitar de evacuação, pois seriam ne-cessárias cerca de dez horas entre ir e vir.

Antes, os deputados da ilha tinham tomado po-sição idêntica no parlamento. O Príncipe custou 1,1milhões de euros (1,6 milhões de dólares) e a sua construção foi financiada pelo Estado são-tomense, a cooperação taiwanesa e a empresa petrolífera Addax Petroleum.

“ Santo António do Príncipe e São Tomé ficam agora à distância de menos de cinco horas de viagem por mar ”

Príncipe, o barco chegado da Catalunha

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54 setembro 2009 – África21

Durante os onze diasque andou por África, Hillary Clintonnão descurou nenhumpaís ou dossiê. Na Áfricado Sul falou sobre o Zimbabwe, no Quénia recebeu o Presidente interino da Somáliae falou do AGOA.Porém, só o tempo diráse resultará a promessade novas parcerias.

itaMar souza NOVA iORQUE

or alguma razão foi no Quénia onde Hillary Clinton dedicou mais tempo a

falar dos problemas de governação em África. Para desencanto do primeiro-ministro Raila Odinga, Hillary Clinton censurou Nairo-bi por não tirar a limpo as mais de duas mil mortes, ocorridas após as eleições de Dezembro de 2007. Odinga disse que África não precisava de receber lições de ninguém. Mas o périplo de 11 dias ficou marcado, sobretudo, pela convic-ção norte-americana na «promessa africana», e no desafio aos africanos para que tomem conta do seu destino.

Hillary Clinton aproveitou a digressão para as-segurar a disponibilidade da Administração Oba-ma em aumentar a ajuda a África, e a diversificar a cooperação.

Carey Francis, director-adjunto do Centro de Democracia Multipartidária, sediado em Nairo-bi, no Quénia, disse que a visita da secretária de Estado norte-americana abriu novos caminhos. «As pessoas agora acreditam nos EUA, e estão convencidas de que a nova Administração está do lado delas».

Hillary Clinton foi consistente nos sete países que visitou. Repetiu a promessa do seu Governo em

trabalhar para o alargamento dos acordos bilaterais que ligam Washington a vários países africanos.

Consistência

Embora não tivesse entrado em pormenores, disse que o Governo está a trabalhar para reduzir as bar-reiras com que se deparam os agricultores africa-nos. Estes aguardam os detalhes da promessa do G8, anunciada em L’Aquila (itália) de patrocinar um programa de assistência extensivo a agriculto-res de todos os países pobres, no valor de 12 mil milhões de dólares.

O maior triunfo económico usado durante a viagem foi o AGOA, uma portaria em vigor há nove anos, que permite que 6500 produtos im-portados de África entrem no mercado norte-americano sem pagar impostos e livres de quotas.

Políticos africanos como Raila Odinga acham que o AGOA deve ser mais acessível do que é hoje. A solução eventualmente mora nos dois campos. As importações norte-americanas de têxteis africa-nos desceram dez por cento em 2008. No mesmo período, as exportações de produtos agrícolas afri-canos ficaram sete por cento abaixo da média dos cinco anos anteriores, quando atingiu o pico.

Novos amigospara mais

negócios

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Eduardo dos Santos recebe a secretária de Estado norte-americana

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África21– setembro 2009 55

Decidida a ajudar o crescimento económico africano, Hillary Clinton está convencida que a mais eficaz das respostas para este desafio está em África. «A maior oportunidade colocada a todos está na expansão do comércio intercontinental. O mercado americano tem 300 milhões de pes-soas. O mercado africano tem 700 milhões».

A secretária de Estado disse que o continente africano responde por apenas dois por cento de todo o comércio mundial. «Se a África Austral aumentasse em um por cento a sua quota, seria capaz de gerar receitas superiores àquelas que o continente recebe em ajuda externa».

As importações norte-americanas feitas no âmbito do AGOA totalizam 66 mil milhões de dólares. Os países da África Austral respondem por apenas três por cento do total deste volume. Destes três por cento uma boa parte cabe a Ango-la, país que vende aos Estados Unidos nove por cento do total do petróleo que importa. Projec-ções feitas até Novembro de 2007, quando da entrada de Angola na OPEP e à consequente quota (obrigatória), diziam que o au-mento de produção previsto até 2012 poderia levar Angola a ven-der aos EUA 12% do total do pe-tróleo importado.

A ênfase na criação de opor-tunidades levantou o fantasma da guerra fria agora protagonizada entre Washington e Pequim, ten-do como pano de fundo a con-quista de mercado. Membros do staff da chefe da diplomacia nor-te-americana minimizaram todas as sugestões neste sentido. Pierre Englebert, especialista em assun-tos africanos afecto ao Pomona College da Califórnia, disse que a viagem se des-tinou, sobretudo, a «matar vários pássaros, com uma só pedra».

Assim se explica a abordagem sobre o Congo na audiência que lhe foi concedida pelo Presi-dente de Angola, a conversa com Jacob Zuma a propósito do Zimbabwe, a preocupação manifes-tada em relação à situação no Delta do Níger, o

eUA-ÁFrICAencontro com Sheik Sharif, presidente do Gover-no Transitório da Somália, e a exaltação do su-cesso chamado Cabo Verde.

Em contraste com o crédito que deu a este ar-quipélago, na Nigéria questionou o facto do sex-to maior produtor africano de petróleo importar derivados deste produto. Confessou ter constata-do uma desconexão grande na Nigéria traduzida na riqueza de uns, na acentuada pobreza de ou-tros e no fracasso do Governo a todos os níveis.

Disse a este respeito que os investidores não se sentirão atraídos por mercados onde não haja transparência. A abordagem desta matéria fez on-das em Angola. A oposição e os grupos de pressão deram muita relevância a uma declaração sua se-gundo a qual o Governo tem procurado ser mais transparente, sobretudo no que diz respeito à gestão da «conta petróleo».

A escala na Libéria, país governado por uma mulher, Ellen Johnson-Sirleaf, e a visita a Goma,

no Congo Democrático, foram actos escolhidos propositadamente para enfatizar o apoio norte--americano à promoção da mulher. No regresso a Washington, Hillary Clinton disse que estava muito tocada pelo potencial que tinha encontra-do em África. «Nós acreditamos na promessa africana». Os EUA vão ter que esperar para sabe-rem como África responderá à nova América.

“ Angola vende aos Estados Unidos nove por cento do total do petróleo que o país importa ”

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Hillary Clinton e Ellen Johnson-Sirleaf

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o vasto teritório por onde se esten-de, a Amazónia brasileira é hoje objec-to de intensas lutas políticas, de des-

matamento desenfreado, de ocupação irregular de terras, de violência.

Em muitas regiões da chamada Amazónia Le-gal, que se estende pelos estados do Amazonas, Acre, Amapá, oeste do Maranhão, Mato Grosso, Rondônia, Pará, Roraima e Tocantins, num total de cinco milhões de quilómetros quadrados, o Es-tado Federal continua a ter dificuldade em se fazer presente. A ocupação populacional do território é escassa e dispersa. A muitas localidades só é possí-vel chegar por lancha. Não há estradas e os aeró-dromos são caros e também de difícil acesso.

Em muitas regiões da Amazónia brasileira, também apresentada como o pulmão do mun-do, há quase que um vazio de poder, pelo menos segundo os parâmetros dos países desenvolvidos. A presença do Estado é visível nos poucos destaca-mentos militares nas fronteiras e, muitas vezes, no auxílio médico às populações prestado por equipas

militares que descem os rios a bordo de um navio hospital ou que fazem evacuações de urgência.

Apesar das distâncias, do isolamento e da ausên-cia de infra-estruturas, a Amazónia é alvo de violen-ta disputa que, frequentemente, não se fica pelas pa-lavras e acaba em assassinatos por encomenda, uns mais mediáticos que outros, como foi o da freira norte-americana Dorothy Sting, no Pará.

Interesses

É frequente os governantes brasileiros brandirem a ameaça da cobiça internacional, real, sobre a Ama-zónia. Mas, a devastação da região amazónica ou o seu mau uso são responsabilidade dos próprios brasileiros. Grandes grupos económicos têm vin-do a avançar para a ocupação indiscriminada dos solos. E o Estado pouco ou nada tem feito para conter essa ocupação, acompanhada muitas vezes da expulsão dos moradores autóctones. Só em Ju-nho deste ano o Brasil adoptou legislação visando a regularização fundiária na Amazónia.

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Amazónia, do Eldorado cobiçado

a cenário de violências

Amazónia, do Eldorado cobiçado

a cenário de violências

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Por trás da violência estão interesses antagóni-cos entre madeireiros, grandes criadores de gado e líderes comunitários dos povos indígenas ou das comunidades ribeirinhas. O quase vazio de poder é agravado pela ausência de uma política de Esta-do, de uma estratégia para a Amazónia.

As divergências dentro do Governo de Lula da Silva, relativamente às vias de desenvolvimen-to para a região, são públicas e não se podem ana-lisar exclusivamente numa perspectiva de cho-ques de concepções entre forças de esquerda ou de direita, até pelo facto de que a aliança conjun-

tural de partidos que governa o país não é ideolo-gicamente definida.

Enquanto, por exemplo, o ministro da Agri-cultura, Reinhold Stephens, defende abertamente uma política de novas fronteiras agrícolas na Ama-zónia, ou seja, a possibilidade de abertura legal da região à expansão da agro-pecuária, às grandes plantações de soja, transformadas depois em pas-tos, já o ministro do Meio Ambiente, Carlos Minc – que sucedeu à senadora Marina Silva, forçada a demitir-se pela pressão dos lobies da agro-indús-tria e das grandes empreiteiras – tem vindo a exigir a aplicação rigorosa da legislação ambientalista para a execução de grandes obras, como as hi-dro-eléctricas em construção no rio Madeira, e para a ocupação populacional.

No início de Julho, o ex- ministro da Secreta-ria de Assuntos Estratégicos, Roberto Mangabeira Unger, conhecido filósofo e professor da Universi-dade de Harvard (EUA), em carta de despedida do Governo, para voltar aos EUA, refere como «he-rança» o Plano Amazónia Sustentável (PAS), que, aliás, levou à saída da ex-ministra do Meio Am-biente Marina Silva.

Mangabeira destaca que, no futuro, o plano – a regularização ambiental, o fortalecimento do ex-trativismo, a superação do isolamento e a organi-zação da posição brasileira do financiamento es-trangeiro na região como principais pontos do projeto – será reconhecido «como uma das princi-pais realizações desse Governo».

No entanto, até ao momento e a um ano do fi-nal do mandato, a única medida do Plano Amazónia Sustentável que deu alguns passos foi o lançamento da regularização fundiária, aprovada recentemente

Cerca de cinco milhões de quilómetros quadrados de vegetação exuberante, de riquezas minerais e botânicas. De madeiras nobres, de rios que nunca secam, de civilizações de povos índios e de populações ribeirinhas que guardam tradições seculares. Essa mesma Amazónia, idolatrada por ambientalistas, é palco de acesa disputa pelo seu controlo.

alfredo Prado BRASÍLiA

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A desflorestação é um dos maiores problemas da Amazónia

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pelo Congresso, sancionada com vetos por Lula e cuja execução se apresenta como muito difícil.

Desmatamento

Um dos problemas maiores enfrentados na Amazó-nia é o desmatamento. A área total vítima do desma-tamento da floresta corresponde a mais de 350 mil quilómetros quadrados, a um ritmo de 20 hectares por minuto, 30 mil por dia e oito milhões por ano.

O ministro do Meio Ambiente tem vindo a afirmar que o desmatamento, neste ano, será o menor dos últimos vinte anos. A afirmação, no en-tanto, é contestada por diversos especialistas. De acordo com o presidente do instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (inpe), Gilberto Câmara, em declarações à agência Brasil, ainda não há dados que sustentem a afirmação do ministro.

Por causa das nuvens, o Sistema de Detecção do Desmatamento em Tempo Real (Deter), que gera relatórios mensais de alerta, não tem conseguido observar o estado do Pará, actual campeão de des-matamento, o que só poderá ser feito com as ima-gens analisadas pelo Prodes. Este sistema, que usa imagens de satélite mais precisas que as do Deter, vai avaliar o desmatamento acumulado entre Agos-to de 2008 e Julho de 2009. «O Deter não viu o Pará. E é no Pará que está o maior dilema hoje, por causa da expansão da agropecuária, e não é mais em apenas uma região do estado, está avançando, atra-vessando rios», disse o presidente do inpe.

O Governo tem tentado aprovar várias medidas para controlar o desmatamento, mas o seu sucesso ainda é reduzido. Até final deste ano, as autorida-des pretendem criar um sistema de monitoramen-to das 12 mil propriedades rurais existentes na região sul do estado do Pará e que ocupam cerca de 150 mil quilómetros quadrados.

Recentemente, grandes redes de supermerca-dos que operam no Brasil, com o Wal-Mart, anunciaram apoiar as medidas contra o desmata-mento, boicotando a compra de carne provenien-te de áreas desmatadas da Amazónia. «Esperamos que essa decisão seja adoptada pelas demais redes de supermercados, como um claro recado ao agro-negócio de que não há mais espaço para produtos que destroem o maior património brasileiro e cau-sam mudanças climáticas», comentou André Mu-ggiati, activista do Greenpeace Brasil.

Ecologistas de Ipanema

Um exemplo das contradições que envolvem a questão amazónica é o asfaltamento da BR-319, construída em 1970, durante o regime de ditadu-ra militar, ligando Manaus, capital do estado da Amazónia, a Porto Velho, capital de Rondónia. Mais de três décadas depois, um trecho de 400 quilómetros entre as duas capitais precisa de ser totalmente reconstruído e circular nele é uma au-têntica aventura para os camionistas. Mas o pró-prio Ministério do Meio Ambiente recusa aprovar o projecto, alegando que a reconstrução com asfal-tamento terá sérios impactos ambientais.

O governador do estado do Amazonas, Eduar-do Braga, ao discursar recentemente numa sessão da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciên-cia (SBPC) qualificou de «esquizofrénica» a dis-cussão em torno da questão. «Não se pode sim-

“ A área total vítima do desmatamento da floresta é mais de 350 mil km2, a um ritmo de 20 hectares por minuto, 30 mil por dia e oito milhões por ano ”

“ Em muitas regiões da Amazónia brasileira há um vazio de poder, pelo menos segundo os parâmetros de países desenvolvidos ”

58 setembro 2009 – África21

LUSA

As alterações ambientais amazónicas colocam em perigo as comunidades indígenas

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plesmente inventar análises botânicas sobre uma Amazónia que não existe mais em torno da BR 319. A rodovia tem uma botânica completa-mente diferente a partir do asfaltamento. Essa dis-cussão é esquizofrénica, até certo ponto pouco éti-ca», disse o governador. Numa alusão ao ministro Minc, o governador disse que não aceitará que «ecologistas de ipanema» (referência a conhecida praia do Rio de Janeiro) decidam sobre questões da Amazónia. «O que eu não aceito é os ecologis-tas da praia de ipanema quererem decidir sobre o destino do povo da Amazónia».

Enquanto alguns sectores ambientalistas de-fendem a preservação da região, sem concessões, vários sectores sociais e políticos argumentam ser necessária uma política de compromisso que pos-sibilite o desenvolvimento económico e social da região e que não vote as populações ao isolamento em que ainda vivem. O estado do Amazonas, ape-sar de ser o maior estado brasileiro e das riquezas que guarda, tem a menor densidade demográfica humana do país.

A «questão» amazónica não é um problema exclusivamente brasileiro. Os nove países que partilham o «grande pulmão» (Brasil, Bolívia, Colômbia, Equador, Guiana, Guiana Francesa, Peru, Suriname e Venezuela) enfrentam dificul-dades semelhantes, de baixa densidade demográ-fica, de programas fracassados de colonização e de ausência da presença do Estado.

LUSA

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60 setembro 2009 – África21

O Processo de crescimento das cidades, ocasionou o aumento da popula-ção e fatalmente aumentou os problemas relacionados com a limpeza urbana, como tal, é necessário a tomada de medidas visando dar destino correcto e seguro aos resíduos sólidos gerados nas cidades.Temos como objectivo oferecer à municipalidade, serviços especializados em recolha e transporte de resíduos sólidos domiciliares. Em 2002 surge uma divisão da empresa Rangol, Sociedade de Investimento de Angola, Lda., empresa fundada em 1990 pelo Sr. Carlos Vasco Montez, inicialmente

Rua Eugénio de Castro, 43 - Vila Alice • Luanda - AngolaTel +244 222 323 786 • Fax +244 222 323 686 • [email protected]

PorÊumaÊcidadeÊlimpa angolSociedade de Investimento de Angola, Lda.

voltada para as seguintes áreas: comercialização de veículos, rent-a-car e prestações de serviços. Com base numa política de diversificação das suas actividades a Rangol, expandiu os seus serviços, incluindo a recolha domiciliar, a limpeza manual e mecanizada de vias e logradouros públicos, e a limpeza de valas e fossas sépticas.

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A CrÓNICA De LUIZ rUFFAto

onheci a Galiza em julho de 2005, por ocasião do Viii Congresso da Associação in-

ternacional de Lusitanistas, realizado em Santiago de Compostela. Convidado pe-los professores Carmen Vilarinho Pardo e Elias Torres Feijó, da universidade local e membros da comissão organizadora, participei de um encontro paralelo ideali-zado pelo professor e escritor Carlos Qui-roga, que consistia numa tentativa de in-tercâmbio entre autores das várias línguas lusófonas. Além de mim e de Adriana Lisboa, pelo Brasil, lá estiveram os portu-gueses José Luís Peixoto e Possidónio Ca-chapa, o angolano Ondjaki e o timorense Luís Cardoso, colunista desta revista. Foi um verão inesquecível, pois, arrebatado, me apaixonei para todo o sempre.

Na verdade, sem o saber, eu já havia sido capturado pela Galiza mesmo antes de saber de sua existência... Em algum momento do final da década de 1980, me deparei com um volume, Poesias, pu-blicado em 1987 pela Editora Brasiliense, de São Paulo, que enfeixava poemas da ine-xcedível Rosalía de Castro (1837-1885), «traduzidos» por Ecléa Bosi. Mas, na oca-sião, não me ative ao fato de que ela es-crevia em galego – língua, para nós, no Brasil, conhecida apenas por estar presen-te no cancioneiro dos Séculos Xiii e XiV, e, portanto, considerada tão extinta quanto o latim...

Por isso, surpreendi-me ao caminhar pelas ruas medievais de Santiago de Compostela e me deparar com uma lín-

gua muito mais inteligível, para nós, bra-sileiros, que o português falado em Por-tugal. E, mais ainda, me entusiasmei com a avidez com que os galegos buscavam re-cuperar a sua tradição, sufocada desde fins do Século XiV, quando o Reino de Galiza, então centro irradiador de cultura da Península ibérica (a literatura galega é considerada a segunda mais importante da idade Média europeia), foi absorvido pelo Reino de Castela. À exceção do perío-do de ressurgimento ocorrido na segunda metade do Século XiX, a tentativa de re-ativação da cultura galega encontrou for-te repressão por parte da ditadura de Francisco Franco, que durou de 1939 a 1975 – terrível ironia, já que o generalís-simo era galego, da cidade de Ferrol...

Após aquela primeira viagem, voltei à Galiza todos os anos. Aprofundei, assim, meu conhecimento da cultura galega e tive a oportunidade de perceber melhor a riqueza e a dinâmica de sua língua e lite-ratura contemporâneas (além da extrema simpatia de seu povo, e, devo confessar, da maravilhosa culinária). Recentemente, a convite do Conselho de Cultura Gale-ga, órgão ligado ao governo local, partici-pei, junto com outros colegas brasileiros (a cineasta Tata Amaral, o editor Samuel León, a professora Yara Frateschi Vieira, o maestro Roberto Lazzarini e o jornalis-ta Raul Juste Lores), de um seminário so-bre «Estratégias Culturais da Galiza no Brasil», mais um esforço no sentido de ver incorporada aquela região no univer-so da lusofonia.

Dissolvida minha ignorância inicial, fui aos poucos me convencendo de que talvez esta seja uma das grandes injustiças cometidas por nosso mundo lusófono: desconhecer ou até mesmo desprezar o legado cultural galego. Porque, no fundo, deveríamos nos conscientizar de que a língua disseminada hoje pelo mundo, à qual chamamos «português», não passa, na verdade, do galego... O que ocorreu é que, ao mesmo tempo em que, em fins do Século XV, o império Português ini-ciava seu apogeu político-econômico, por meio do achamento do Brasil e da ex-ploração de partes da África e da Ásia, o Reino da Galiza submergia nos chama-dos «séculos escuros».

Assim, num gesto de humildade, para sanar nossa dívida com a Galiza, po-deríamos prestar atenção nos esforços que vêm sendo feito institucionalmente para, embora reconhecendo a região como parte integrante e indivisível da Es-panha, ver-se reconhecida como membro de primeira hora da comunidade lusófo-na. Com isso, ganharíamos todos.

Galiza em nossos corações

“ Me deparei com uma língua muito mais inteligível, para nós, brasileiros, que o português falado em Portugal ”

C

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s comemorações deste ano do Dia in-ternacional em Memória da Escravatura

e do Tráfico Negreiro, celebrado a 23 de Agosto, ganharam uma dimensão especial com a eleição de Barack Obama à Presidência dos Es-tados Unidos. Durante a sua primeira visita ofi-cial a África, em Julho, Obama foi com a família visitar o Forte de Cape Coast, no Gana (constru-ído em 1653 por mercadores suecos, Cape Coast foi um dos mais importantes entrepostos de escra-vos da antiga Costa do Ouro). A imprensa ganen-se destacou a simbologia do «regresso» de Michel-le Obama, bisneta de escravos, hoje primeira-da-ma da Nação mais poderosa do mundo, e o Presi-dente norte-americano, que não é um descenden-te de escravos, salientou a importância da visita para as filhas Malia e Sasha não esquecerem que «a História pode tomar formas muito cruéis», mas também «a coragem de tanta gente, brancos e ne-gros, que lutaram para abolir a escravatura».

Pouco antes, o Congresso dos Estados Unidos tinha aprovado por consenso e aclamação um pedi-do formal de desculpas aos negros americanos, em nome de todo o país, pela escravidão e a segregação racial. Uma votação considerada «histórica»: nunca os EUA tinham pedido desculpas formais às vítimas da escravatura, apesar de o ex-Presidente Bill Clin-ton ter «lamentado» a prática durante uma viagem

em Março de 1998 à África. O seu sucessor, Geor-ge W. Bush, qualificou o tráfico negreiro como «um dos maiores crimes da história» ao visitar a ilha Go-ree, no Senegal, em Julho de 2003.

O Papa João Paulo ii e o Presidente brasileiro Lula da Silva também pediram perdão a África. Já os europeus são mais reticentes, receosos talvez de que o arrependimento sirva de pretexto para os afri-canos pedirem reparações financeiras. A França foi a primeira a dar o passo em 2001, com a aprovação da Lei Taubira, que reconhece que «o tráfico negrei-ro transatlântico e no Oceano indico e a escravatu-ra praticada a partir do Século XV nas Américas e Caraíbas (…) constituem um crime contra a huma-nidade». Em 2006, o então Presidente Chirac insti-tucionalizou o 10 de Maio como o Dia Nacional da Memória da Escravatura e da sua abolição.

Portugal a contra-corrente

Os principais portos negreiros da Europa, Nantes e Bordéus em França, Liverpool e Bristol no Rei-no Unido, já dispõem de núcleos museológicos que retratam a importância do comércio dos es-cravos no seu desenvolvimento. Só Portugal con-tinua de costas voltadas para este elemento funda-dor da sua identidade. Em Lisboa, apenas a topo-nímia (Travessa do Poço dos Negros, Rua das

esCrAVAtUrA

O espelho quebradoDesde 2001, data em que as Nações Unidas qualificaram o comércio negreiro de «crime contra a humanidade», que a memória do «infame comércio» tem vindo a ocupar o lugar que lhe corresponde na história de três continentes: África, América e Europa, que organizou o tráfico à escala industrial e amealhou a maior parte dos lucros

nicole guardiola

A “ Os europeus são reticentes nos pedidos de desculpa, receosos de que sirvam para os africanos pedirem reparações financeiras ”

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Pretas) evoca ainda a presença passada de muitos africanos escravos, que impressionou todos os es-trangeiros que a visitaram no Século XViii.

Na cidade algarvia de Lagos, onde se realizou em 1465 o primeiro leilão de pretos, a Câmara disputa com o Estado Maior do Exército o usu-fruto do edifício conhecido como o antigo Mer-cado dos Escravos, onde pretende criar um centro de interpretação do tráfico de escravos, integrado na Rota do Escravo, patrocinada pela UNESCO.

É neste contexto que surgiu a polémica gerada pelo concurso televisivo «As sete maravilhas de origem portuguesa no mundo», que incluiu entre os 27 monumentos sujeitos à votação popular vá-rias das fortalezas construídas pelos portugueses em África, e que fazem parte dos «lugares da Me-mória» inventariados pelo Comité Português da Rota do Escravo. O aval dado por instituições po-líticas e académicas portuguesas e o empenho da televisão estatal converteram um mero diverti-mento em acontecimento nacional, com epílogo a 10 de Junho, festa nacional «de Camões e das comunidades portuguesas».

A omissão, deliberada ou não, do passado de dor, violência e humilhação que estes lugares evo-cam para os africanos e afro-americanos foi de-nunciada por um grupo de 18 historiadores de oito países, que lançaram na internet uma petição

intitulada «As Sete Maravilhas de origem portu-guesa no mundo ignoram a história da escravatu-ra e do tráfico negreiro». Eram especificamente referidas a Fortaleza da Cidade Velha, em Cabo Verde (entretanto inscrita ao Património Mun-dial da UNESCO), Luanda, a ilha de Moçambi-que e o Castelo de São Jorge da Mina, no Gana. Sobre este último «chegou-se ao cúmulo de afir-mar que este local foi entreposto de escravos so-mente a partir da ocupação holandesa em 1637», acusavam os signatários.

«Desde a sua construção, em 1482, a fortaleza de São Jorge de Mina foi um centro de tráfico de escravos (...) e os portugueses mantiveram o tráfi-co negreiro na Mina até 1519, e a partir desta data através da ilha de São Tomé», precisou o Professor Gerhard Seibert, do instituto de investigação Cientifica Tropical de Lisboa, numa carta aberta ao Le Monde Diplomatique. Segundo o professor Seibert, «não se entende que 35 anos depois do 25 de Abril se recorra, em Portugal, a estes métodos de negacionismo (…)» e a pretensão «do Governo de José Sócrates de criar um centro cultural africa-no em Lisboa para reforçar a ideia de Portugal ser uma ponte privilegiada entre Europa e África (ver África21, edição de Janeiro 2009) teria muito mais credibilidade se Portugal assumisse toda a sua his-tória em relação a África e aos africanos, sem apa-gar a sua participação no tráfico de escravos»

«Propor tais lugares como emblemas da influ-ência portuguesa no Mundo é um sinal lamentá-

“ O Brasil já desenvolve uma oferta turística inteiramente baseada na memória da escravatura ”

Leva de escravos no interior de África (gravura séc. XIX)

Alegoria à abolição da escravatura, pintura de F. Biar, 1848, Museu de Versalhes

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vel de insensibilidade cultural e moral, bem como de uma visão rasca e medíocre da História de Por-tugal» comentou, pelo seu lado, o historiador luso António Hespanha. «Quem se orgulha da nossa história de descobridores e parteiros de uma pri-meira globalização, não ignora que na coloniza-ção portuguesa, como nas outras, houve muito de violência, ao lado de actos de admirável valor hu-mano. Devemos assumir essa violência como um facto histórico passado, a ser lembrado e estuda-do, a bem do rigor histórico, mas também pela carga ética de que é portadora a memória de um trato repugnante», acrescentou Hespanha.

As críticas foram rejeitadas pelos organizado-res do evento, e a petição recolheu 778 assinatu-ras, uma gota de água face às cerca de 350 mil en-tusiastas que participaram no concurso. Os con-testatários foram acusados de «anti-portuguesis-mo primário», e o Professor Boaventura de Sousa Santos de «padecer de tiques neo-marxistas dos anos 60» por diagnosticar nos seus pares uma «percepção selectiva da história».

O mercado da saudade

À margem do debate, sempre adiado, sobre os te-mas centrais da história de Portugal e da lusofo-nia, e de um improvável pedido público de des-

culpas (reclamado pelo ex-Presidente Chissano aquando do seu Doutoramento Honoris Causa pela Universidade do Minho em 2005), o tabu que a escravatura ainda constitui em Portugal e que contaminou parte da intelectualidade africa-na lusófona, pode fazer perder excelentes oportu-nidades de negócios.

Outros países da costa ocidental de África já estão a explorar este «mercado da saudade» junto das diásporas afro-americanas, dos EUA ao Brasil passando pela Jamaica. Há agências especializa-das na organização de African Tours e empresá-rios «retornados» que desenvolvem hotéis e servi-ços mais adaptados às expectativas de turistas americanos. O Brasil, depois de integrar a gastro-nomia, a música, o camdomblé e a capoeira no seu cardápio turístico, está a desenvolver uma oferta turística inteiramente baseada na memória da escravatura, das roças e engenhos às minas e às comunidades quilombolas, para não falar no êxi-to de series televisivas como «Dona Chica» ou «A escrava isaura».

E é só o começo: por 350 dólares é possível para um afrodescendente residente em qualquer parte do mundo obter, via internet, um teste de ADN que identifique a etnia ou a região de Áfri-ca de onde partiram os seus antepassados, e são cada vez mais numerosos os que se deixam sedu-zir por esta proposta de regresso às origens, sinal forte e relativamente recente de «reconciliação» das diásporas com a «Mãe África», que levou Lula a reivindicar par o Brasil o estatuto de «segundo maior país africano».

Captura de escravos numa gravura do séc. XIX

Fortaleza de S. Pedroda Barra de Luanda, fotografia do iníciodo séc. XX

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66 setembro 2009 – África21

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através do ministério dos Negócios Estrangeiros e da Universidade Cheihk Anta

Diop, o Presidente do Senegal, Abdoulaye Wade, reuniu no hotel Mérien-Président de Dacar, de 27 a 30 do passado mês de Julho, umas três centenas de intelectuais, políticos e representantes de movimentos associativos vindos de países africanos e da diáspora para falar dos caminhos dos Esta-dos Unidos de África.

Temas atraentes não faltaram: Fede-ralismo e Soberania dos Estados, Cultura e Línguas Nacionais, Diáspora e Socieda-de Civil ou Diásporas Negras no Mundo e Emergência de uma Comunidade Polí-tica Africana. O local, comparado com a média da existência africana, era paraíso na Terra. Num espaço de 5 estrelas, boa gente começou a dissertar sobre coisas mais ou menos mirabolantes: governo africano já; swahili, língua única no hori-zonte de uma década; banco central e moeda única até 2020.

Os imediatistas apoiantes de Mouha-mar Khadafi e Abdoulaye Wade pensam que melhor é não perder tempo com os gradualistas do tipo Jacob Zuma ou José Eduardo dos Santos, formar um pelotão de vanguarda, avançar para os EUA, talvez sob o comando do Rei dos Reis, e logo se verá. O ambiente é pesado, porque o jogo parece viciado e por tradição os africanos não gostam de dizer certas verdades na cara do anfitrião. Eu estava lá e resistindo mal à tentação de partilhar a minha parte da verdade com quem me escuta, sugeri o

regresso à realidade com uma meia dúzia de perguntas simples.

As línguas de origem africana e as ou-tras. Sendo verdade que nos entendemos em línguas de origem africana e em línguas de origem estrangeira, que hoje são igual-mente nossas, vejam-se o árabe, o espanhol, o francês, o inglês e o português, será hones-to e eficaz pensar o futuro da nossa região fingindo esquecer alguns dos instrumentos mais valiosos da construção nacional e da integração regional, que são estes idiomas? Não deveríamos valorizar inequivocamente o princípio cientificamente provado da compatibilidade entre o exercício do direito à educação na língua materna e o uso das línguas de comunicação nacional e interna-cional, seja qual for a sua origem?

A moeda única e a experiência das co-munidades económicas regionais. A análise dos processos de integração através das sete regiões prova sem margem para dúvida que África não terá moeda única antes de 2030. Se os senhores comissários da União Africa-na e das CER (comunidades económicas regionais) sabem que provocam riso quan-do anunciam as moedas únicas para datas improváveis, porque insistem na desacredi-tação das respectivas instituições?

O paternalismo tradicional e a inde-pendência intelectual. Perguntei aos aca-démicos, que eram a maioria dos partici-pantes, se a nossa independência está ao serviço de África ou de quem teve o méri-to e os meios para nos reunir. Apesar de tí-mida, a resposta foi afirmativa e creio que, inspirado pela sabedoria de Amílcar Ca-

bral, com aquela de a língua portuguesa ser a melhor herança do sistema colonial e a necessidade de pensarmos com a nossa própria cabeça, dei um pequeno impulso para sairmos do caminho da fuga em fren-te, reafirmando, ao mesmo tempo, o dever e a utilidade da participação de Cabo Ver-de no debate africano.

Outros temas inscritos para outros de-bates foram a confusão entre África e Áfri-ca Negra quando da Diáspora e da União se fala, a democracia e a justiça como con-dição da integração regional para o desen-volvimento e a promoção da educação e da ciência como via para preencher o nos-so grande défice de conhecimento

O grande rendez-vous terminou com dois resultados positivos: (i) a não Declara-ção de Dacar em louvor dos Estados Uni-dos de África de cima para baixo; (ii) um pelotão de vanguarda sim, mas se for for-mado por Estados comprovadamente de Direito Democrático. E foi assim que, pela estrada larga do Conhecimento e da Demo-cracia, académicos e políticos se aproxima-ram para pensar o futuro comum no respei-to das respectivas funções e legitimidades.

Queridos Estados Unidos de África

“ Se os senhores comissários sabem que provocam riso quando anunciam as moedas únicas para datas improváveis, porque insistem na desacreditação das suas instituições? ”

A

ÁGUAs CorreNtes

CorsINo toLeNtINo

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as vésperas da campanha para as legislativas e autárqui-cas deste ano em Portugal, o

Partido Socialista (PS) anunciou no seu programa eleitoral que irá diligenciar no sentido da criação do Estatuto de Cidadão da Comunidade dos Países de Língua Por-tuguesa, aquilo que considera ser um novo conceito de cidadania. O projecto, que faz parte do Programa de Governo do PS, vai permitir que os cidadãos dos países lusófo-nos se possam deslocar livremente pelos Estados-membros da Comunidade.

De forma clara, o documento refere que é necessária «uma actualização de acordos para concessão de vistos, de mol-de a que os cidadãos lusófonos possam vi-venciar efectivamente as condições de pertença a uma mesma língua e a um mesmo espaço comunitário». E diz mais: «a criação de um Estatuto do Cidadão da CPLP corresponderá à maior ambição

dos cidadãos, especialmente no tocante à reciprocidade de direitos». Os socialistas portugueses também querem com isso aproximar os cidadãos pelos aspectos cul-turais e afectivos, mas também estimular a cooperação entre si.

No entanto, no seu discurso de 28 de Julho último para a apresentação do Pro-grama Eleitoral do seu partido, o líder socialista, José Sócrates, não proferiu nenhuma palavra sobre este tema. Na mesma altura, a proposta do PS, inscrita no capítulo da política externa, chegou a

PAUL

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O projecto de criação do Estatuto de Cidadão Lusófono é uma ideia que antecede a recente proposta do Partido Socialista português, entretanto já adoptada por Cabo Verde e seguida pela Guiné-Bissau. A livre circulação tem sido uma matéria polémica debatida ao longo de anos.

João carlos

Os avanços e recuos da cidadania lusófona

N

CPLP

provocar várias reacções na sociedade por-tuguesa, sobretudo do ministro português dos Negócios Estrangeiros, Luís Amado, e de alguns dos principais da oposição, após a publicação de um artigo sobre a matéria no jornal Diário de Notícias.

De acordo com alguns observadores, a aplicação da proposta do PS poderá co-nhecer entraves tendo em conta a eventu-al conflituosidade com os estatutos do Tratado de Schengen, que define os parâ-metros da livre circulação de pessoas e bens na União Europeia. Mas o secretário

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O TABU DA LIVRE CIRCULAÇÃO

Domingos Simões Pereira, secretário executivo da CPLP, considera em declarações à África21, que o projecto da livre circulação acaba por «mexer com os ordenamentos jurídicos nacionais». Um acto que obriga cada Estado a ter plena consciência das consequências desta opção. Uma das conquistas neste processo foi a criação da Assembleia Parlamentar, em que os próprios presidentes dos respectivos ór-gãos assumiram, por livre iniciativa, encetar esforços para que todos os parlamentos dos Estados da CPLP promovessem uma revisão ou uma adaptação das suas leis fundamentais, de forma a não se criar um obstáculo à aprovação da legislação necessária para se alcançar este objectivo, debatido com clare-za e abertura. Reconhece, por isso, que «aqueles que colocam mais dificuldades [ao avanço do proces-so] não o fazem apenas por falta de vontade política». Também o fazem, sublinha, movidos por razões de credibilidade e de transparência.

É essa vontade política que permitiu «ultrapassar esse tabu», refere, acentuando o interesse de todos em facilitar a circulação, tal como ficou expresso nas recomendações saídas no Conselho de Ministros da Cidade da Praia. Simões Pereira entende que, a propósito de Schengen, o tema da «livre circulação», con-siderado uma matéria sempre sensível, «não pode ser relegado apenas a Portugal». Porque, acrescenta, «os nossos Estados, sobretudo os africanos, considerados os principais emissores de potencial imigrante, têm que compreender que esse movimento tem de deixar de ser movido por razões ligadas à falta de liber-dade e de oportunidade nos respectivos países. Ou seja, «enquanto o país europeu considerar que quem vem de África está a fugir de uma situação de falta de oportunidade, ele vai tentar sempre se resguardar», afirma. Daí que os países africanos tenham também a responsabilidade de «arrumar a casa», embora tam-bém considere já não ser muito compreensível «tanta restrição em relação a estes movimentos» de pesso-as do espaço lusófono. «Deixa de ser aceitável dizer que a União Europeia é que não permite», sublinha, acreditando, contudo, que os passos já dados possam levar os países membros a concretizarem aquilo que é o desiderato de todos. Jc

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Domingos Simões Pereira

de Estado das Comunidades, António Braga, é peremptório ao afirmar que não há incompatibilidade entre a proposta do PS e o Acordo de Schengen, afirmando que o maior desafio será a entrada em vi-gor da ideia pelo Governo que sair das eleições legislativas de 27 de Setembro.

Para os comunistas (PCP), a propos-ta contradiz o que o PS tem vindo a fazer a nível interno e na UE, indicando, entre outros exemplos, a recente decisão de es-tabelecer quotas na admissão de imigran-tes. O Bloco de Esquerda considera que o projecto do Governo é compatível com as obrigações ao abrigo de Schengen, mas lamenta que o Governo nunca tenha abordado a questão durante o seu primei-ro mandato e que ainda existam muitos imigrantes com sérias dificuldades para se legalizarem em Portugal.

Tanto o Partido Social Democrata (PSD) como os democratas-cristãos

(CDS) recordam que o projecto lançado pelo PS não é uma ideia nova. Na pers-pectiva do PSD, trata-se de uma ideia que tem vindo a ser debatida a nível da CPLP, e que só não foi por diante por-que nalguns aspectos entra em conflito com as regras da convenção de Schen-gen. Por outro lado, defende o CDS, a sua concretização não depende apenas de Portugal. Terá de envolver os outros países da CPLP.

Debate começou em 2000

Na linha destas reacções, África21 pro-curou saber junto da Organização Lusó-fona o que tem sido feito neste domínio nos últimos anos desde que foi lançado o debate em 2000, no Maputo, altura em foi criado o Grupo de Trabalho Alargado sobre Cidadania e Circulação no Espaço Lusófono (GTA/CC). A última reunião

ordinária do Conselho de Ministros da CPLP, realizada em Julho deste ano na Cidade da Praia, anunciou avanços no que toca a matérias sobre Cidadania e Circulação no espaço lusófono, depois do consenso técnico conseguido na reu-nião do GTA/CC que decorreu a 9 e 10 de Julho último, em Lisboa.

Fruto dos esforços desenvolvidos por este Grupo de Trabalho ao longo dos úl-timos anos, os Oito têm conseguido um consenso mais alargado relativo ao con-ceito de Cidadão Lusófono e aos impera-tivos da facilitação da circulação no espa-ço da CPLP. Um dos instrumentos já elaborados para o efeito, agora submetido à apreciação dos Estados-membros, é o Projecto de Convenção Quadro relativo ao Estatuto do Cidadão da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa – discu-tido desde 2002 em Brasília – no qual se define, além dos direitos políticos, so-

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ciais, económicos e culturais, um conjun-to de normas para a sua introdução.

No Secretariado da CPLP, em Lisboa, a ideia da facilitação da circulação de de-terminadas categorias profissionais já não é tomado como um «calcanhar de Aqui-les» nos debates do grupo. Estão defini-das as tais categorias, que abarcarão homens e mulheres de negócios, profis-sionais liberais, estudantes, cientistas, investigadores, pesquisadores, desportis-tas, jornalistas, agentes de cultura e artis-tas, os quais, ao abrigo do acordo de 2002 (aprovado na cimeira de Brasília e ratificado ao longo dos anos pelos Esta-dos-membros) terão direito a vistos de

múltiplas entradas com a duração míni-ma de um ano. Em cada seis meses pode-rão permanecer 90 dias em qualquer dos outros países da Comunidade.

Para Hélder Vaz, director executivo da CPLP, significa uma ampla facilitação da circulação. «Não se trata da liberdade de circulação como a que existe no seio da União Europeia», precisa. Vaz consi-dera ser este o passo possível, que carecia de definição de instrumentos e procedi-mentos práticos para a sua concretização.

Nos próximos meses, o Grupo de Trabalho e a CPLP trabalharão em ter-mos práticos para a entrada em vigor dos respectivos mecanismos. Antes disso, o

Secretariado terá de obter dos Estados--membros as listas das respectivas entida-des credenciadoras. São estas que irão certificar as categorias profissionais, de-vendo as tais listas serem enviadas depois aos Grupos CPLP locais para fazer a sua validação. Numa fase seguinte, estas listas serão distribuídas a todas as estruturas lu-sófonas ligadas às questões de imigração e fronteiras, que terão por incumbência a concretização das medidas de facilitação da circulação. Não há um prazo estabele-cido, mas admite-se que, feitos os acertos, dentro de poucos meses este ciclo possa ficar concluído.

Por outro lado, se não houver qual-quer objecção ao texto da Convenção Quadro relativo ao Estatuto do Cidadão da CPLP, o documento poderá ser reme-tido ao próximo Conselho de Ministros para aprovação final.

“ Há consenso alargado entre os Estados-membros da CPLP mas ainda falta muito para levar à prática o estatuto de cidadão e a livre circulação ”

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INsUmos

O Governo angolano recomendou a consagração de verbas no Orçamento Geral do Estado (OGE) para 2010, destinadas à preparação do recenseamento da população e da habitação em Angola. De acordo com a ministra do Planeamento, Ana Dias Lourenço, o Executivo orientou o instituto Nacional de Estatística a prosseguir as acções preparatórias do censo, que, de acordo com as previsões, custará ao Estado 100 milhões de dólares. Trata-se de uma operação estatística «com-plexa e dispendiosa», cuja preparação leva entre três a cinco anos. O objectivo é saber «quantos so-mos, onde estamos, como vivemos e quem somos», disse a ministra, acrescentando que no próxi-mo ano entrará em funções o órgão com responsabilidade para a coordenação e organização desta operação. Os trabalhos preparatórios incluem a aprovação do pacote legislativo sobre a matéria, realização da cartografia censitária, em curso, e a preparação dos recursos humanos.

Cem milhões em 2010 para censo angolano

O investimento na exploração de petróleo em Moçambique vai ascender a 782,5 milhões de dólares até 2011. Arsénio Mabote, presidente do instituto Nacional do Petróleo informou que as projecções se baseiam no número de con-tratos assinados entre o Governo e as dez empre-sas petrolíferas que operam no país desde 2006. Os últimos dados divulgados com base nas pes-quisas sísmicas feitas até ao momento, apontam para múltiplos pontos de elevado potencial no onshore e no offshore, que serão perfurados a par-tir do quarto trimestre deste ano. Um estudo de campo de 2007 na bacia do Rovuma apontava para a existência de potencial de petróleo em quantidades passíveis de exploração comercial. A pesquisa, encomendada pela Artumas e reali-zada pela norte-americana Rose & Associates, conclui que em quatro perfurações naquele campo pode ser extraído petróleo em rama em «quantidade comercial e não comercial», sem especificar a proporção de cada uma delas. Em Julho de 2005, o Governo lançou um concurso para a exploração de diversos blocos offshore na zona conhecida como Bacia do Rovuma, rio que separa Moçambique da Tanzânia. No final do ano, a Anadarko Petroleum Corporation leva para operar em Moçambique o navio de prospecção petrolífera, Belford Dolphin.

Moçambique investe na exploração de petróleo

Cinco milhões de dólares para turismo em inhambane

O Banco Mundial (BM) disponibilizou cinco milhões de dólares para apoiar o sector de turismo na província moçambicana de inhambane, sul do país. O montante, que deverá ser aplicado nos próximos cinco anos, destina-se a relan-çar o sector na província. De acordo com o governador de inhambane, Francis-co itai Meque, os cinco milhões serão usados no apoio ao empresariado e no de-senvolvimento da construção e reabilitação de infra-estruturas turísticas. inhambane, com uma costa com cerca de 700 quilómetros, é uma das provín-cias moçambicanas com maior potencial turístico, pois à beleza das praias jun-ta-se uma das melhores gastronomias nacionais e a simpatia das gentes. Recor-de-se que foi a inhambane que Vasco da Gama baptizou de «Terra da Boa Gen-te», quando da sua passagem para a Índia.

O valor disponibilizado pelo BM vem animar os empresários que investem naquela parcela de Moçambique que, com a presente crise, alguns pensavam em abandonar. No ano passado, inhambane, que conta com uma capacidade de alo-jamento de dez mil camas, quase metade da capacidade do país, investiu 150 mi-lhões de dólares no turismo. A procura desta província como destino turístico tem vindo a crescer. A realização da Fase Final do Mundial de Futebol, na Áfri-ca do Sul, no próximo ano, alimenta também a expectativa de um significativo crescimento do sector.

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Auto-suficiência angolana em óleo de palmaNum prazo de cinco anos, Angola poderá alcançar níveis satisfatórios de produção de óleo de palma, com vista a inverter a importação deste produto, actualmente calcula-da em três mil toneladas de litros/ano. Os indicadores foram avançados recentemen-te pelo instituto Nacional do Café de Angola, cujo director-geral, João Ferreira da Costa, afirmou em declarações à ANGOP que consta nas acções do iNCA a recupe-ração e o aumento da produção de óleo de palma, a entrega de instrumentos de tra-balho a empresas agrícolas familiares, a disponibilização de vastas extensões de terra a empresários e a criação de indústrias de transformação de dendém de médio porte.

Aquele responsável adiantou que as medidas incluem um programa de fomento do café e do palmar inserido na carteira de projectos de impactos socioeconómicos do Governo, no âmbito do Plano Nacional e no Programa Executivo do Sector Agrário. Em função deste programa, serão concedidos cinco mil hectares a produtores da pro-víncia do Bengo, quatro mil aos agricultores de Cabinda e três mil hectares aos restan-tes agentes agrícolas das demais províncias do país, para o cultivo de dendém. O iNCA proporciona assistência técnica aos produtores e realiza acções de fomento da produção de café, palmar e cacau. Por outro lado, no âmbito das suas actividades, o instituto pretende estabelecer protocolos de intenções com a Sonangol e a empresa petrolífera espanhola ENi, para a prospecção e investigação do palmar angolano. Feijão dendém para a produção de óleo de palma

DR

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74 setembro 2009 – África21

A ONG Marapa, através do Programa de Apoio Participativo à Agricultura Familiar e Pesca Artesanal, com financiamento do FiDA e do Governo são-tomense, criou uma fileira de comercialização de pesca-do. O objectivo é valorizar o produto de pesca nas comunidades mais isoladas, onde a procura das espé-cies nobres é baixa. Foi constituída uma cooperativa de palaiês (vendedeiras) de peixe fresco denomina-da Copafreco que terá como função fazer a comercialização de pescado (fresco no gelo e salgado) e ain-da diversificar os produtos oferecidos. Vão ser introduzidos produtos de valor acrescentado, nomeada-mente bolinhos de peixe, produtos fumados e as bexigas-natatórias secas, segundo uma nota da Marapa. Estas acções têm sido o foco da actividade institucional da ONG, estimulando o aproveitamento inte-gral dos peixes com o objectivo de favorecer a melhoria nutricional das pessoas. Está também em curso na Marapa, a execução do projecto de valor acrescentado financiado pela cooperação espanhola, que con-siste na produção de alimentos derivados de peixe, como croquetes, pastas, entre outros, de forma a ga-rantir à população produtos diversos transformados a partir do peixe e de muito boa qualidade. Em São Tomé e Príncipe, o pescado constitui a primeira fonte de proteína animal consumida pela população.

Cooperativa de palaiês são-tomenses

A petrolífera Addax vai passar a operar um segundo bloco petrolífero na Zona de Desenvolvimento Conjunto (ZDC), entre São Tomé e Príncipe e a Nigéria. A empre-sa refere que a compra à petrolífera Anadarko de mais 51% do consórcio que explora o Bloco 3 «intensifica a presença nesta região de exploração de nível mundial e es-timula significativamente a racionalidade económica da posição, permitindo explorar esta riqueza com uma estra-tégia sustentada de perfurações». Com a compra, a petro-lífera passa a operadora do bloco, estatuto que já tinha no bloco 4 da ZDC. De acordo com uma informação divul-gada pela Addax, já foi recebida a plataforma de explora-ção Deepwater Pathfinder, que vai sondar as águas do Golfo da Guiné a grande profundidade. O primeiro alvo desta campanha na ZDC, (no bloco 4), recebeu o nome de Kina, devendo seguir-se a zona Lembá, no bloco 3. Em Agosto, a chinesa Sinopec adquiriu a Addax e anun-ciou a primeira perfuração no Bloco 2 (Bomu-1), realiza-da através da plataforma Sedco-702, a uma profundidade total de 3.536 metros. Os resultados deverão ser formal-mente anunciados no último trimestre do ano. De referir que a Addax participa igualmente no Bloco 1, operado pela norte-americana Chevron, que inaugurou os traba-lhos de exploração na ZDC há mais de três anos.

Addax-Sinopec aumentam posição na ZDC

DR

Angolanos tomam controlo da Air Gemini e Starfish

A Escom, cuja maioria do capital (66%) é detida pelo Grupo Espíri-to Santo, cedeu as suas participações na Air Gemini (transporte aéreo de carga e passageiros) e Starfish (pescas) aos parceiros angolanos da AMLD. Segundo informou o Novo Jornal, que tem a Escom como principal accionista, gestores e trabalhadores das duas empresas fo-ram informados da transferência, que não deverá afectar o funciona-mento de ambas.

A mesma fonte indicou que a Escom, que reforçou os investi-mentos em Angola nos dois últimos anos através do lançamento de novos projectos e da aquisição das participações que a multinacional australiana BHP Billiton detinha em 14 zonas diamantíferas, vai re-centrar as suas actividades, e investimentos, nos sectores imobiliário, energia (hidroeléctrica), agrícola (bananas para exportação em Ben-guela e açúcar em Malanje) e materiais de construção (fábrica de ci-mento do Lobito).

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76 setembro 2009 – África21

ada fazia pensar, a 28 de Junho, que a América Latina voltaria a ter um acontecimento daqueles, um golpe de Estado, sangue e direitos arrasados, tão dolo-

rosamente comuns no século passado. Nesse dia, no Sul, a demo-cracia tinha os seus marcos na Argentina e no Uruguai, onde se elegiam legisladores e candidatos para as presidenciais. Mas na madrugada desse domingo, quando os argentinos e os uruguaios ainda dormiam, nas Honduras, coração da América Central, os comandos militares entravam com a bestialidade que os distingue em casa do presidente constitucional, Manuel Zelaya, e a pontapés, meteram-no num avião que o depositou na vizinha Costa Rica. Não foi o primeiro golpe de Estado do século, mas foi o que inau-gurou uma nova modalidade. Foi uma experiência-piloto que, por ter resultado, coloca um grande ponto de interrogação sobre o futuro da institucionalidade dos 37 países da América Latina e das Caraíbas.

Com quase trezentos golpes de Estado na sua sangrenta his-tória, a região conheceu ditadores chegados para defender mul-tinacionais da banana e do cacau, grandes empresas mineiras ou petrolíferas, donos de terras ou bancos. Chegaram sempre com o mesmo pretexto: libertar o país em causa de um suposto

hoNDUrAs

Experiência-pilotoQuando tudo parecia mostrar que depois de um século de turbulências a América Latina começava a consolidar a sua institucionalidade, um golpe de Estado acabou com o Governo das Honduras. O que se atacou era um esboço de uma nova forma de entender a democracia.

Manrique s. guadin BUENOS AiRES

Manifestação anti-golpista em frente do Parlamento hondurenho

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África21– setembro 2009 77

maléfico inimigo, identificado como tal apenas por ter denun-ciado os saqueadores das suas matérias-primas, das riquezas do solo e do subsolo e também das esperanças e vidas das suas gen-tes. Sempre chegaram da mesma forma: arrasando as institui-ções, os partidos políticos e os sindicatos. Milhares de vidas. O que hoje ocorre nas Honduras é diferente. O golpe foi em de-fesa de interesses determinados e precisos, mas o que se atacou foi o esboço de uma nova forma de entender a democracia, com a participação dos cidadãos na concepção das políticas.

A história mostra que para ha-ver um golpe tem que existir pri-meiro um pretexto que permita ex-plicar o inexplicável, uma série de grupos coligados para fazer frente à resistência popular e, por último, um forte apoio exterior que assegu-re a sobrevivência desse regime malnascido. Nas Honduras, apa-rentemente, apenas se cumpriu o segundo dos critérios. O pretex-to foi mentiroso, como sempre, mas também foi estúpido: segun-do os pequenos ditadores nascidos no golpe, Zelaya tinha mostra-do «intenções» de perpetuar a sua permanência no Governo. O apoio externo foi inexistente: com maior ou menor intensidade foi repudiado por todos os governos latino-americanos, pelos EUA, Organização dos Estados Americanos (OEA), União das Nações Sul-Americanas (UNASUR), Nações Unidas e União Europeia (UE). Além de não ter tido apoio, teoricamente, também não tem qualquer crédito.

O pretexto dos golpistas

A 28 de Junho devia ter-se realizado uma consulta popular. Na realidade, um inquérito de opinião. Zelaya queria perguntar ao povo se concordava que, a 29 de Novembro, dia das eleições pre-sidenciais, se colocasse uma urna especial para que cada cidadão pudesse dizer se aprovava uma nova consulta para eleger uma As-sembleia Nacional, que se encarregaria de reformar a Constituição, com o fim de abrir um espaço de participação, consulta e decisão sobre aspectos da vida do país dos quais a população está excluída. Ou seja, tratava-se de uma pergunta sobre a eventualidade de fazer outra pergunta. Apenas isso. A Assembleia Constituinte só se faria quando Zelaya já não estivesse no Governo. O que quer dizer que não haveria a possibilidade de uma reeleição, embora os media te-nham dito que esse era o motivo do Presidente, dando aos golpis-tas o único, pobre pretexto esgrimido para atacar as instituições.

É preciso procurar motivos noutro lugar, porque seria inédito que se tivesse dado um golpe de Estado só para se evitar uma son-dagem. Se quem apoia os ditadores são os grandes grupos econó-

micos, os pequenos caudilhos locais, a imprensa e o Supremo Tribunal de Justiça (cujos membros foram designados em tempos de duvidosa democracia), algo terá feito Zelaya para que todos se voltassem de repente contra ele, contra o modelo democrático tra-dicional e contra os sectores populares que não foram os que o le-varam ao Governo, mas que pouco a pouco se foram juntando ao seu projecto político. E algo fez Zelaya: tocou nos interesses de to-dos, incluindo os seus velhos amigos e sócios, porque não nos po-demos esquecer que Zelaya é latifundiário, um dirigente do velho

e conservador Partido Liberal e que antes de chegar ao Governo fora presidente do poderoso Conselho Hondurenho da Empresa Privada.

Em 2007, quando começou a sua metamorfose política, Zelaya disse que aderia «às ideias do libera-

lismo socialista para que todos os benefícios do sistema atinjam quem mais deles necessita: mulheres, crianças, idosos, trabalhado-res da cidade, camponeses e produtores».

Em consequência, gerou uma aluvião de feitos que escandali-zou aqueles que tinham sido os seus. Com uns – produção própria de medicamentos sem atender aos direitos de patente internacio-nais, subsídios aos combustíveis, créditos com juro baixo para a construção de habitações populares ou para as pequenas empresas, aumento de 50% do salário mínimo, ataque à evasão fiscal – pene-trou na política de redistribuição das receitas. Com outros apontou contra a essência do modelo neoliberal que imperava no país: sus-pendeu o processo de privatização do sistema de saúde e das em-presas do Estado (energia eléctrica, portos, telecomunicações); pas-sou a fazer parte da Aliança Bolivariana para as Américas (ALBA), uma entidade supranacional formada com Cuba, Venezuela, Ni-carágua, Equador e Bolívia; integrou a Petrocaribe, uma iniciativa dos países das Caraíbas que lhe permitiu romper com as multina-cionais do sector e aceder ao crude venezuelano em condições pre-ferenciais (pagamento de 50% a 90 dias e o resto a 25 anos, com uma taxa de juro de um por cento anual).

Em 2009, quando lançou a ideia da sondagem, o presidente fechava um processo atípico de conversão ideológica e confessava publicamente: «Pensava fazer todas as transformações dentro do esquema neoliberal, mas os ricos não cedem em nada, querem tudo para si próprios. Então, logicamente, para fazer mudanças há que incluir o povo».

Incrível e inquietante, diz Lula

Se não têm apoios nem têm crédito, como se mantêm os golpistas no poder? Além de mostrar que para subsistir qualquer golpe deve

“ Quando começou a sua metamorfose política, Zelaya gerou uma aluvião de feitos que escandalizou aqueles

que tinham sido os seus apoiantes ”

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contar com apoio externo, a história latino-americana diz expressa-mente que esse apoio deve ser o dos Estados Unidos, a potência do-minante. Quando a 20 de Janeiro deste ano Barack Obama pôs fim à permanência republicana na Casa Branca, disse que queria recom-por as relações com a América Latina. Deu alguns passos positivos no que diz respeito a Cuba – embargada economicamente desde 1961 – e votou na OEA uma resolução amistosa dirigida ao Gover-no socialista de Havana. Mas a crise das Honduras está a mostrar, e a provar, que Obama não é os Estados Unidos e que nos EUA exis-tem elementos de poder dispostos a bombardear as suas melhores intenções. A 15 de Agosto, depois de receber Zelaya, o Presidente brasileiro Lula da Silva revelou algo «incrível e inquietante»: antes de tomar a rota da Costa Rica, o avião em que os golpistas levaram o presidente do país «fez escala numa base militar dos EUA».

«Se os Estados Unidos quisessem acabar com os golpistas fá-lo-iam em cinco segundos», disse Zelaya. A relação econó-mica é de uma dependência quase absoluta: o grande país ab-sorve 70% das exportações de bananas, café e açúcar; 96% da indústria hondurenha e 40% das embaladoras são de capitais norte-americanos; dos Estados Unidos chegam todos os anos 2900 milhões de dólares nas remessas que os emigrantes en-viam às suas famílias. Como disse Zelaya, bastaria uma simples ameaça de sanção para que a ditadura se desmoronasse.

Porque é que Obama não actua neste sentido? As respostas pa-rece tê-las o Departamento de Estado, quando, na voz da sua titu-lar, Hillary Clinton, explicou à Comissão de Relações Exteriores do Senado que «recusamos a possibilidade de aplicar sanções por respeito ao princípio de não intervenção», e justificou elipticamen-te o golpe ao dizer que «antes do seu afastamento [Zelaya] fez uma série de acções provocadoras» e que a sua tentativa de regressar ao país foi uma «acção prematura e imprudente». Algo como a vítima transformada em atacante.

O certo é que Obama está de mãos atadas e o seu Governo nem sequer admitiu oficialmente que o ocorrido a 28 de Junho nas Honduras foi um golpe de Estado. Se o fizesse, as sanções seriam automáticas e o fim dos ditadores uma consequência imediata.

“ As respostas para inverter o golpe estão nos Estados Unidos, mas as boas intenções de Obama chocam com os interesses de fortes lóbis ””

Se os EUA quisessem acabar com os golpistas fá-lo-iam em cinco segundos, diz Zelaya

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LIVro Do mês

m Junho, quando ao poeta cabo-verdiano Arménio Vieira foi atribuído o Prémio Camões, uma espécie de Nobel da Lusofonia, já quase ninguém se lembra-

va do seu livro, O Eleito do Sol, que a editora Vega tinha publi-cado em 1992, pela mão da Ana Mafalda Leite, na colecção que ali dirigiu, «Palavra Africana», que foi ficando nas pratelei-ras, praticamente esquecido.

O galardão premiava aliás o conjunto da sua obra, essen-cialmente poética, e não um livro determinado, pelo que se compreende que a sua estreia na ficção tivesse continuado no limbo. Bem andou, portanto, a Nova Vega, que recuperou do armazém esta obra-prima de Arménio Vieira, permitindo que déssemos conta do erro em que incorremos ao não repararmos nele como de facto merecia, ao mesmo tempo que descobri-mos um poderoso manejador da Língua Portuguesa.

Com uma obra que – como diz Fátima Fernandes, docen-te de Estudos Cabo-verdianos e Portugueses da Universidade de Cabo Verde e investigadora de literatura cabo-verdiana – «pela diversidade em que ela se desdobra e pela complexidade com que se permite o questionar da colocação do homem no espaço universal, bem como pela representação estética que delineou o emergir de uma Literatura nova, pujante e inquiri-dora, representa, desde as suas primeiras manifestações, a con-solidação do processo de afirmação estética e identitária cabo-verdiana».

Febricitante fábula sobre o poder absoluto, os abusos do poder e os meandros da tirania e, ao mesmo tempo, uma des-montagem das fraquezas que são a sua causa, O Eleito do Sol, primeira obra do agora laureado com o Prémio Camões, é, an-tes de mais, uma poderosa sátira que, apesar de localizada no

O Eleito do Sol, de Arménio Vieira

Alegoria do Poder e do Saber

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Um livro que inaugurou novas vertentes temáticas e formais na prosa cabo-verdiana instaurando um discurso transgressor em relação aos poderes instituídos

rodrigues vazO Eleito do SolArménio VieiraVega, Lisboa

Egipto dos faraós, tem a ver sobretudo com os nossos tempos, na África eterna, mas também nas chamadas democracias oci-dentais, onde a hipocrisia reina e o egoísmo mina todos os princípios morais e éticos.

Partindo de uma narrativa natural e laboriosamente fluen-te que vai jogando com vários cânones da tradição universal, das lendas europeias (a história do Capuchinho Vermelho, por exemplo) às fabulosas estórias árabes (as Mil e uma Noites) e aos contos-provérbios africanos, Arménio Vieira constrói uma obra quase perfeita, ao mesmo tempo surrealizante e realista, picaresca e séria, enriquecida por uma imaginação notável, quase sem limites, servindo-se essencialmente do padrão da conhecida boneca russa Matrioska, que, à medida que se des-monta uma, outra aparece ainda mais deslumbrante, assim até ao infinito.

E mais ainda. Quando o protagonista enfrenta o poder, sob qualquer forma, o autor utiliza sempre dois planos: o que se diz e o que se pensa, permitindo a reflexão sobre a efemeri-dade do poder e os seus enganos, porque afinal tudo é aparên-cia no jogo de espelhos que se vão reflectindo indefinidamen-te, mas que só levam ao nada, ao esquecimento.

Como salienta José Luís Hopffer Almada: «Tal como na poesia, também nesta prosa Arménio Vieira caustica os pode-rosos e a transitoriedade do seu poder, mediante a repertoria-ção da vida e obras do escriba egípcio, enquanto símbolo do poeta-parente do gato e do intelectual-detentor do saber».

Razão tem o linguista Manuel Veiga quando diz que O Eleito do Sol consagra Arménio Vieira como ficcionista, «não um qualquer ficcionista, mas um ficcionista de ruptura. Atra-vés dos seus poemas, ele nos tinha já habituado a uma certa

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‘dissidência literária’. Com O Eleito do Sol, essa ‘dissidência’ conquista o estatuto de maioridade e reclama o direito a uma identidade própria».

Mas porquê um autor dissidente? Para Arménio Vieira, ex-plica Manuel Veiga, «os tempos são outros e a literatura tam-bém tem que ser outra. A temática do terra-longismo, da ma-mãe-terra, da chuva-madrasta e braba, do mar prisão-liberda-de, da seca-malfadada, da fome-ingrata e da ‘lei’ que manda fincar os pés no chão, já teve o seu tempo».

Efectivamente, este livro de Arménio Vieira inaugurou no-vas vertentes temáticas e formais no panorama da prosa cabo-verdiana, instaurando um discurso transgressor em relação aos poderes instituídos, realizando uma estranha e surreal alegoria onde a figura de um escriba egípcio atravessa os trilhos do tem-po em demanda crítica do onirismo mais vital. Beleza e cruel-dade, saber e poder, ambição e despojamento equacionam, na encruzilhada pícara e maravilhosa de O Eleito do Sol, a perma-nência de princípios e valores intemporais.

Tão depressa utiliza uma retórica barroca, tão característi-ca do Oriente, como certos modismos brasileiros, que lhe ser-vem sobretudo para desmarcar a acção, chamando a atenção de que se trata de ficção, muito à maneira de Brecht, e não se coíbe mesmo de brincar com Camões, que aqui aparece como Khamsés, «o grande poeta nacional do Egipto».

Manuel Veiga: «Fundamentalmente, o tema do livro é uma alegoria do Poder e do Saber. Toda a história, ou todas as histórias do livro mais não são do que uma permanente luta entre os dois poderes. Se o primeiro combate pela força das ar-mas, o segundo age pela subtileza do espírito. Prova disso seria

Arménio Adroaldo Vieira e Silva, o primeiro cabo-verdiano a rece-ber o Prémio Camões, nasceu na Praia, Ilha de Santiago, a 24 de Janeiro de 1941. A sua vida assume uma aura carismática, mar-cada pela sua sede de saber e pela postura ideológica desde cedo, quando foi estudar no Liceu Gil Eanes e se tornou um dos fundadores da página literária Seló, suplemento do Notícias de Cabo Verde, que não passou do segundo número mas marcou profundamente a sua geração. Continuou a publicar a sua obra satírica e irreverente em diversas revistas, como a Vértice, Raízes, Mákua, Alerta, Ponto & Vírgula, Fragmentos, Sopinha de Alfabeto e outras publicações. Foi redactor do extinto jornal Voz di Povo.

Ganhou o 1.º Prémio dos Jogos Florais com o caderno A Noite e a Lira. O preço pela sua liberdade de expressão foi a pri-são pela PIDE na década de 60, por dois anos. O poema Lis-

UMA OBRA SATÍRICA E IRREVERENTE

o Forte de Karnak, um verdadeiro inferno, ao qual nem sequer falta uma tortura especialmente concebida para os intelectuais (o «gongue de bronze»), mas que se transmuta num «atelier de criação e de exercício de sagacidade e amor por parte do escri-ba». («A alegoria do Poder e do Saber em o O Eleito do Sol, de Arménio Vieira) in A Sementeira, Edições ALAC, Linda-a-Ve-lha, 1994, também incluído em Cabo Verde, Insularidade e Li-teratura (coordenação de Manuel Veiga), Karthala, 1998).

Segundo Fernando J. B. Martinho, a imagem do «poeta» que se desenha na obra do autor «muito tem a ver com toda uma tradição cultivada nos últimos séculos – a tradição do po-eta inconformista, rebelde, irreverente, louco, e, enfim, maldi-to». Postura que lhe vale, nas palavras do poeta cabo-verdiano Jorge Carlos Fonseca, a designação de «irreverente, indomável espadachim da sorte e da morte, poeta de vento sem tempo».

Esperemos agora por Mitografias, o seu mais recente livro, de 2006, que a Nova Vega deve lançar ainda este mês.

boa-1971 denuncia essa vivência mas sem dramas de heroici-dade. Três poemas seus, Lisboa-1971, Quiproquo e Ser tigre, foram incluídos no CD «Poesia de Cabo Verde e sete poemas de Sebastião da Gama», de Afonso Dias; outros três na antolo-gia «Vozes Poéticas da Lusofonia»; e, mais recentemente, em 2008, na antologia Destino di Bai. Desenvolve actividade crítica e na sua geração desempenha um papel fundamental de refle-xão sobre a modernidade literária em Cabo Verde.

BIBLIOGRAFIA: Poemas, Lisboa, África Editora, 1981; O Eleito do Sol, Praia, Edição Sonacor, 1990 e Lisboa, Vega Edi-tora; Poemas [reedição], Mindelo, Ilhéu Editora, 1998; No Infer-no, Praia e Mindelo, Centro Cultural Português, 1999; Mitogra-fias, Mindelo, Ilhéu Editora, 2005.

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82 setembro 2009 – África21

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África21– setembro 2009 83

CULts

ão Tomé e Príncipe acolhe, entre 4 e 19 de Setembro, uma quinze-

na recheada de eventos científicos e culturais. Estes momentos dedicados à CPLP juntam-se às comemorações do Ano internacional da Astronomia, com a realização pelo Laboratório de instru-mentação e Física Experimental de Par-tículas, na cidade de São Tomé, de uma escola em português de física e astrofí-sica moderna. Reunindo investigadores e professores dos países lusófonos, esta acção é motivada pela comemoração dos 90 anos de observações fundamen-tais para a física moderna, realizadas si-multaneamente na ilha do Príncipe e no Ceará, no Brasil.

A este momento CPLP associou-se a Fundação Mário Soares, que organizou a exposição «A luz desviada pelo Sol», com o objectivo de dar a conhecer a ex-pedição de 1919 à ilha do Príncipe e à cidade de Sobral, no Ceará.

Entre os diversos momentos cultu-rais, com música, literatura, debates, ex-posições, desporto e gastronomia, é de realçar o tributo a Alda Espírito Santo, poetisa são-tomense, antiga presidente da Assembleia Nacional e presidente da União dos Escritores e Artistas de São Tomé e Príncipe. O evento mobilizou vários parceiros. Esta quinzena de ciên-cia e cultura no arquipélago teve o apoio da Caixa Geral de Depósitos e da

RTP África, assim como da STP Ai-rways. De referir que a CPLP aprovei-tou a ocasião para a divulgação em São Tomé do iii Fórum da Aliança das Ci-vilizações, que terá lugar em Maio de 2010, no Rio de Janeiro.

uanda recebeu, entre 31 de Julho e 2 de Agosto, o primeiro Luanda interna-cional Jazz Festival, que apresentou 13 intérpretes e bandas diferentes, de vá-

rias latitudes. O recém remodelado Cine Atlântico viveu durante três dias sons tão diferentes como os protazonizados pelo angolano Dodó Miranda, o moçambicano Jimmy Dludlu, a angolana Sandra Cordeiro, acompanhada por Dalu Roger e Kizua Gourgel, ou ainda os norte-americanos Mc CoyTyner e Gary Batz, estes dois já no último dia do evento.

Embora ainda sem grande expressão em Angola, o jazz tem vindo a ganhar ter-reno junto de diversas camadas da população, e a primeira edição do festival acabou por demonstrar que tem espaço no país. Também os diversos músicos realçaram a importância do festival, até pelos contactos que proporciona. Kizua Gougel sinteti-zou bem este sentimento geral, ao afirmar que se viveram dias de um «ambiente de perfeita harmonia, envolvente e com mistura de culturas». A organização ficou a cargo da empresa angolana Ritek Empreendimentos.

CPLP em São Tomé homenageia Alda Espírito Santo

Luanda ao ritmo do jazz

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84 setembro 2009 – África21

erminou em Luanda, em finais de Agosto, a formação sobre jornalismo cultural destinada aos jornalistas dos

cinco países de língua oficial portuguesa. Durante 15 dias foram abordados temas como os media e a cultura africana no contexto da globalização, rádio e tradições culturais, im-portância do humor na cultura africana, teatro africa-no, uma tradição em evolução e a música africana modernidade e tradição. Tratou-se de uma for-ma de reforçar a difusão nos meios de comu-nicação social dos povos que falam português. Difusão que, na opinião dos participantes, deve ser feita cada vez mais num espírito de cooperação e intercâmbio, respei-tando a diversidade e as autonomias culturais de cada um dos países. Satisfeitos com os resultados, os jornalistas dos PA-LOP destacaram as experiências que retiraram desta acção de

formação, o que contribuirá para melhorar a qualidade do trabalho prestado ao público.

Os jornalistas, que tiveram a oportunidade de conhecer como funcionam alguns dos órgãos dos média angolanos, sa-íram de Luanda dotados de mais ferramentas, o que contri-

buirá para uma maior divulgação dos valores culturais dos respectivos povos.

Conforme refere uma declaração assi-nada no final da acção, «o Jornalismo Cultu-

ral tem, hoje, que contribuir para a qualidade de vida. O Jornalismo Cultural tem que responder sobre as apli-cações legislativas e suas implicações no desenvolvimento do diálogo intercultural. Promover as diferenças e, sem antes julgar, trazer ao público o que nos torna ricos culturalmente; exactamente as diferenças».

Ministério angolano da Cultura (MiNCULT) vai ree-ditar quatro das principais obras de Agostinho Neto,

«como forma de permitir que a nova geração conheça ou man-tenha contacto com a sua escrita». A iniciativa foi anunciada, em Luanda, por João Lourenço, um dos membros da comissão de actividades do Colóquio internacional sobre Agostinho Neto, realizado a 15 e 16 de Agosto. De acordo com o MiNCULT, serão reeditados os livros A Renúncia Impossível, Sobre a Liberta-ção Nacional (colectânea discursos), Náusea e Ainda o meu so-

nho. Além destas obras, sairá a público Sagrada Esperança, cuja reedição está a cargo da União dos Escritores Angolanos (UEA).

Agostinho Neto, líder da independência de Angola, nasceu na aldeia de Kaxicane, região de icolo e Bengo, província do Bengo, a 17 de Setembro de 1922, tendo falecido em 1979. Da sua bibliografia constam, entre outras, obras como Poemas, Sa-grada Esperança, A Renúncia Impossível, Quem é o inimigo… qual é o nosso objectivo?, Destruir o velho para construir o novo e Ainda o meu sonho.

Jornalismo cultural junta profissionais dos cinco PALOP

Reeditadas obras de Agostinho Neto

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África21– setembro 2009 85

próxima edição do Festival da Canção de Luanda, a décima segunda, re-aliza-se a 24 de Setembro, apresentando como novidade o facto de, pela

primeira vez, ser disputada pelos vencedores das edições anteriores. Kimpaba, Ma-tias Damásio, Mirol, Artur Neves, João Alexandre, Kizua Gourgel, Jomo Fortu-nato, Célsio Mambo, Massoxi Max e os irmãos Dany e Pedro Bândua são, desta forma, os concorrentes ao festival, e os candidatos a usufruir da oportunidade de participar no Grande Prémio da Canção, avaliado em dez mil dólares. De acordo com declarações da responsável do evento à Angop, Cristina Miranda, «não há in-tenção de alterar o formato do festival», já que a organização apenas pretende co-memorar de forma diferente a coincidência de ser a décima segunda edição, e de haver 12 concorrentes, regressando ao formato normal para o ano. Os convidados especiais deste ano são a banda belga Vaya Com Dios. O festival foi criado em 1998, e é uma organização da Rádio Luanda Antena Comercial, com o objectivo de premiar a criatividade e originalidade dos compositores angolanos.

ntre 31 de Agosto e 3 de Setembro decorreu em Luanda a Vi Semana Cultural do Brasil em Angola, com a exibi-

ção de filmes no CinePlace do Belas Shopping em Luanda. As sessões de cinema começaram com a obra de Lula Buarque de Hollanda e de Carolina Jabor, O Mistério do Samba, na qual a cantora Marisa Monte conduz uma série de entrevistas que for-mam um painel do quotidiano e das histórias da Velha Guarda da Portela, grupo de veteranos artistas de uma das escolas de samba mais populares do Rio de Janeiro. De referir a participa-ção no elenco de Paulinho da Viola e Zeca Pagodinho. Por seu lado, Estômago, vencedor de cinco prémios no Festival do Rio 2007, ofereceu ao público dois temas universais: a comida e o

poder. O filme, que recebeu o prémio Lions Award na sua es-treia no Festival internacional de Rotterdam, na Holanda, con-ta a história da ascensão e queda de Raimundo Nonato, um co-zinheiro com dotes muito especiais. A mostra encerrou com Não por Acaso, que conta com dois protagonistas distintos, Ro-drigo Santoro e Leticilia Sabatella, que actualmente vive a vilã ivone na novela «Caminho das Índias». Este filme alterna duas histórias com um ponto de intersecção: um acidente de auto-móvel em que morrem duas personagens.

Várias outras actividades integraram a Semana Cultural do Brasil em Luanda, iniciativa organizada pela Associação dos Empresários e Executivos Brasileiros em Angola.

Cultura brasileira em Luanda

Vencedores anteriores disputam Festival da Canção de Luanda

Kizua Gourgel, um dos concorrentes do festival

Cena do filme O Mistério do Samba

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86 setembro 2009 – África21

LIVros

Alguém disse que Leite derramado chega até nós, página após página, como uma suave melodia, de que se gosta, e da qual temos dificuldade em nos separarmos. Feliz exemplo, este, levando obviamente em conta o seu autor, Chico Buarque. Não deixa aliás, para muitos, de se revelar uma tarefa difícil pegar numa obra de Chico e não pensarmos, mesmo que lá longe, em palavras musicadas em dezenas de músicas que há décadas enchem a nossa memória musical. Mas sejamos honestos: tal não é justo para Chico Buarque. Um excelente compositor e músico, mas hoje também um escritor brasileiro do seu tempo acima da média. E Leite derramado prova-o, desde as primeiras páginas. Intenso. Inspirado. Fala-nos do amor, da memória, da felicidade, da família. Da história do Brasil nos últimos dois séculos. «Quando eu sair daqui, vamos nos casar na fazenda da minha feliz infância, lá na raiz da serra. Você vai usar o vestido e o véu da minha mãe, e não falo assim por estar sentimental, não é por causa da morfina». Assim começa a estória. Continuamos?Leite derramadoChico BuarquePublicações Dom Quixote, Lisboa, 2009

Uma questão de medida é um livro sobe o arquitecto Siza Vieira. Ou, dito de outra forma, é um livro sobre os olhares de Siza Vieira, como arquitecto, mas também como cidadão, sobre a arquitectura, na sua dimensão mais ampla. E sobre Portugal, e mesmo o mundo. São perguntas e respostas. Perguntas com respostas. Quem questiona são Dominique Machabert e Laurent Beaudouin. O primeiro jornalista, o segundo arquitecto. São 280 páginas onde Siza comenta as suas obras e os seus projectos. Sim, projectos, pois alguns não passaram disso mesmo. E ele explica-nos porquê, um a um. Como também nos fala dos seus prémios de arquitectura, aprofunda a sua intervenção no Chiado pós-incêndio, opina sobre o ensino em Portugal. Fala da fé, da religião, das igrejas, do seu simbolismo. Da luz, tão importante na sua obra. Siza Vieira é português, embora um arquitecto do mundo. E esse olhar universal trespassa todo o livro, todas as respostas. Escreve Machabert: «Siza faz grandes gestos enquanto fala e dá o corpo ao manifesto diante da palavra vã, último recurso perante o impossível que há para dizer, dizer então mostrando-o, mimando, abrindo o leque realista, as suas mãos, quando não estão ocupadas a fumar ou a desenhar, ou os três ao mesmo tempo». É este Siza que nos chega, o arquitecto, e a pessoa. Não são os dois indissociáveis?Álvaro Siza Vieira, uma questão de medidaDominique Machabert e Laurent BeaudouinCaleidoscópio, Lisboa, 2009

Prémio Nobel da Paz em 2003, Shirin Ebadi traz-nos em A Gaiola de ouro o que acaba por ser um retrato de muitas famílias iranianas, vítimas de um período conturbado que atravessou gerações. Conflitos, guerras, a consequente emigração. Décadas intensas a nível interno, mas também na relação do país com o exterior. Um Irão que suportou uma monarquia corrupta, que abandonou o seu povo, um Irão que conviveu durante anos e anos com a ingerência estrangeira, e com uma política americana que não olhou a meios para atingir os seus objectivos estratégicos para o país e a região. E tudo começa com duas famílias, a sua

amizade, os momentos de prazer, em que as tradições estão presentes, mas também um olhar pelo mundo. É então que a revolução islâmica abana tudo. É então que a história divide as famílias. Shirin Ebadi nasceu no Irão em 1947. É advogada e activista dos Direitos Humanos. Na mira do regime de Ahmadinejad, devido às suas batalhas a favor da democracia e dos direitos das mulheres, desenvolve uma intensa actividade de propaganda e uma batalha legal que a tem levado a todo o mundo. A gaiola de ouroShirin EbadiEsfera dos Livros, Lisboa, 2009

mIGUeL CorreIA

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músICAs

CinCO minutOS dE jAzzVÁRIOS (SELECÇÃO DE JOSÉ DUARTE)

Um, dois, um, dois, três, quatro, cinco minutos de jazz! Assim começava, há 43 anos, o mais antigo programa da rádio portuguesa, Cinco minutos de jazz, da autoria de José Duarte. E assim continua hoje. Para comemorar os 40 anos do programa, festejados em 2006, foi lançada uma caixa com quatro CD, fotografias de vários momentos jazzísticos do autor e diversas opiniões, a começar pela do próprio. Rapidamente esgotou. Depois da insistência de muitos, eis que chega ao mercado a segunda edição da caixinha. Uma embalagem com 40 anos de música, de história. Uma caixa que nos transporta,

por horas, ao universo musical de José Duarte, e do seu programa. São cinco minutos. Apenas. Cinco minutos diários, que começaram na Rádio Renascença, com um pequeno comentário, uma opinião, a acompanhar uma música. Simplesmente. Na Renascença continuou até 1975, altura em que os emissores foram dinamitados. Mas os cinco minutos não terminaram, e regressaram em 1983 na Comercial, onde permaneceram até 1993. Desde então, tem sido na Antena1 que o jazz tem ganho direito aos seus minutos. «Jazz é apenas uma linguagem musical, outra língua para aprender, como o inglês», diz-nos José Duarte. É, de facto, e estes quatro CD levam-nos ao universo do swing dos anos 30, do jazz de New Orleans, ao bebop dos anos 40 e por aí fora. Para os apreciadores, e para os candidatos, que para José Duarte estão sempre a tempo de aprender.

mEdithErrAniOSLUÍSA AMARO

São nove composições. Todas da autoria de Luísa Amaro. É a guitarra portuguesa, acompanhada por um guitolão, clarinete alto e baixo e diversos instrumentos de percussão do Médio Oriente. Também lá está Mário Laginha, numa das músicas, com o seu piano. É o primeiro trabalho de Luísa Amaro, que com a sua guitarra portuguesa – instrumento tradicionalmente pegado por homens – nos traz por sonoridades novas. Aliás, essa é a primeira surpresa deste álbum: se nos habituámos a uma certa previsibilidade nos sons da guitarra portuguesa, aqui, pouco a pouco, faixa a faixa, vamos sendo surpreendidos com ambiências menos comuns. Fruto do casamento de instrumentos, é certo, mas também das particularidades da própria Luísa Amaro, que nos diz num pequeno texto introdutório: «Este disco surge de uma vontade de abrir um novo ciclo, criar uma sonoridade distinta, com novas histórias para contar. Deu-me um enorme prazer sentir o pulsar dos instrumentos com os seus timbres, as suas vibrações, os seus sopros e arrebatamentos». Nota-se, Luísa, nota-se. Como também nos apercebemos, mais nuns momentos do que noutros, de como a compositora e intérprete nos transmite imagens sonoras que nos fazem recordar a guitarra nas mãos de Carlos Paredes, bem trabalhada, acarinhada. É um disco que se escuta, na primeira vez, simplesmente para explorar, investigar. E, mais tarde, então sim, saborear.

tChAmAntChéROKIA TRAORÉ

Funk, blues, rock e jazz, numa mistura com ritmos tradicionais dão cor à música de Rokia Traoré, que lançou o seu quarto álbum, intitulado Tchamantché. Natural do Mali, a compositora, cantora e guitarrista volta a trazer-nos com a sua música uma sonoridade muito própria, sofisticada, que a tem ajudado a conquistar, ano após ano, públicos por esse mundo fora. Foi aliás já nomeada, por três vezes, para o BBC Worl Music Award. Em Maio passou por Portugal, precisamente para apresentar este seu novo trabalho. Conhece também o palco do Festival Músicas do Mundo de Sines, que pisou em 2004 e 2008. Mouneíssa, de 1997, foi a sua primeira criação. Logo agradou, e algum marketing bem conseguido ajudou a dar um empurrãozinho em diversos mercados internacionais. Depois veio Wanita, em 2000,

e Bowmboi, em 2003, com uma Rokia Traoré já mais solta na composição, questão que tem sido referido pelo seu conterrâneo Ali Farka Touré. É verdade que Rokia Traoré é uma mulher de palco. É lá que se transforma, com os ritmos jazz a puxarem pelo resto. Mas escutar este seu quarto álbum é um exercício de prazer, de intensas descobertas, precisamente porque quando parece que não há mais, lá surge outro som, outro acorde. Até a voz. Para escutar.

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FILmes

AutOCArrO 174

Autocarro 174 chega finalmente ao vídeo.O filme, pois já antes tinha sido realizado um documentário, pelas mãos de José Padilha. O brasileiro Bruno Barreto transporta para a tela o drama vivido em directo pelo Brasil, em Junho de 2000, quando Sandro do Nascimento entrou num autocarro e manteve reféns, durante seis horas, diversos passageiros. É então que o Brasil passa horas frente aos ecrãs, a assistir em directo ao desenrolar dos acontecimentos. O sequestro correu mundo. O filme nem tanto. Foi mesmo criticado, por o realizador «conseguir» com que os espectadores facilmente acabassem por ficar do lado

do mau da fita, do sequestrador. E pela forma como trata, em determinados momentos, a própria polícia, ou ainda a forma excessivamente dura e negativa como aborda o Brasil. Mas mais do que tudo, Autocarro

174 é um retrato social, é um retrato do Brasil de hoje, da nossa sociedade. O real foi ponto de partida para a ficção. E o argumento divide-se por diversos caminhos, entre os quais o do encontro e desencontro de duas pessoas. O sentimento da perda. De deriva na vida. Da obsessão. E da morte. O jovem Sandro morre na película. Como morreu na vida real. Mas o que fica é a sua história brutal, semelhante à de muitos outros; e é uma obra que não sendo deslumbrante, facilmente nos faz pensar. Pensar como um dia igual aos outros, num autocarro igual aos outros, com pessoas iguais a todas, se pode transformar num dia diferente. Ou não. Realização: Bruno BarretoInterpretação: Michael Gomes, Michel de Souza, Chris Vianna, Anna Cotrim, Gabriela Luz, Cris Vianna, Marcello Melo Jr.Duração: 110 minutos

EnSAiO SOBrE A CEGuEirA

Episódio um – numa apresentação privada do filme, ainda não a versão final, José Saramago diz no final emocionado para Meirelles, o realizador: «Fernando, estou tão feliz por ter visto este filme como estava quando acabei o livro». Fernando Beija-o no rosto. Rapidamente as imagens correm mundo. Episódio dois – após a apresentação nos Estados Unidos, o filme é criticado e alvo da atenção de diversas instituições de cegos. Interpretam o filme (porque o livro nem o leram) como uma ofensa. Olhar «redutor da estória», diz Saramago. «E estúpida», acrescenta logo depois, com a sua frontalidade. E pronto, o filme estava lançado no mercado. E bem, pelo episódio um. Ensaio sobre a cegueira, tal como o livro, comove. Emociona. Está bem filmado, diria mesmo. Com uma fotografia muito forte e uma interpretação de Julianne Moore fortíssima. Os ingredientes estão lá todos. Como está Saramago, e o seu livro, escrito uns anos antes. E o que imaginou ele? Uma cegueira branca, uma doença misteriosa, uma epidemia, que rapidamente se abate sobre uma cidade. Cegueira branca porque quem é atingido passa a ver uma superfície leitosa, estranha. Branca. E na sua luta pela sobrevivência, os instintos mais básicos, primários, revelam-se. Mas há uma mulher que não é atingida. E o resto é o filme, um filme que nos atira constantemente esta questão. Perturbadora: e se fossemos nós? Para ler e para ver.Realização: Fernando MeirellesInterpretação: Julianne Moore, Mark Ruffalo, Gael Garcia Bernal, Alece Braga, Danny Glover, Sandra Oh, Maury Chaykin, Don McKellar, Michael MahonenDuração: 120 minutosDistribuição: Zon Lusomundo

O LEitOr

A Alemanha do pós-guerra é o palco. Um pretexto, um pormenor, pois O Leitor é antes de mais uma magnífica película sobre as relações humanas, com uma enorme carga emotiva. O filme pode aliás ser dividido em duas partes – uma primeira, com pitadas de algum erotismo, algumas cenas simplesmente bonitas, e bem exploradas, mas previsíveis; sim, previsíveis. E depois a cambalhota no enredo, quando desembarca a componente drama. O moralismo, as verdades, os segredos, a vida mais íntima, as angústias. E as surpresas, apesar de rapidamente percebermos do mais que certo final infeliz de uma das personagens. Sthephen Daldry conta-nos em O Leitor a estória, baseada num livro de sucesso, de um jovem que, doente, recebe a ajuda de uma mulher mais velha. Apaixonam-se e vivem um romance de Verão. Intenso. Onde as leituras estão presentes. Dele para ela. Dele, que estuda, para ela, que vive as dificuldades do dia-a-dia, trabalhando numa época difícil. Depois, depois vem o resto. A cambalhota. A surpresa. E o desfecho. Tal como o livro bem recebido, o filme recebeu cinco nomeações aos Óscares: melhor filme, melhor director, melhor argumento adaptado, melhor fotografia e melhor actriz. E Kate Winslet ganhou. Com justiça.Realização: Sthephen DaldryInterpretação: Ralph Fiennes, Kate Winslet, Kirsten Block, Jeanette Hain, David KrossDuração: 120 minutosDistribuição: Zon Lusomundo

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90 setembro 2009 – África21

a final do Afrobasket 2009, Angola derrotou a Costa do Marfim por 82-72. As dificuldades iniciais decorreram do

excesso de confiança da seleção angolana que, nas primeiras três partidas, só «começou» a jogar após o segundo quarto, ou seja, depois do intervalo. Esta postura ia custando caro contra o Mali, que apareceu com uma equipa bem arrumada e com jogadores experientes que atuam no campeonato francês. Sete deles, aliás, nasceram em França.

Outras equipas com jogadores de experiência internacional foram a Nigéria, Senegal, Costa do Marfim e República Centro-Africana. Porém, a to-das faltou entrosamento, em todo ou em parte do torneio, significando que o recurso a atletas espalha-dos pelo mundo exige mais tempo de articulação.

Todos os jogadores angolanos atuam no campe-onato de Angola tendo, portanto, um conhecimento mútuo importante para a movimentação coletiva. Além disso, Angola como campeão africano nos anos anteriores tem beneficiado da presença nos mundiais e olimpíadas, aumentando a sua experiência. Além disso, o basquetebol angolano beneficia de excelentes apoios financeiros oficiais que lhe permite efetuar uma boa preparação.

AFrobAsket 2009

Angola ganha de novo

A seleção angolana conquistou o seu décimo título de campeã africana de basquetebol, mais uma vez com relativa facilidade

Jonuel gonçalves, na LÍBiA

A Tunísia tem a maioria dos seus jogadores na liga nacional e pareceu-nos a segunda equipa do cam-peonato, não tendo chegado à final apenas porque chocou com Angola nas meias-finais. Se nessa fase ti-vesse enfrentado a Costa do Marfim (que defrontou e bateu os Camarões) é provável que os tunisinos ti-vessem sido finalistas. Mesmo assim, venceram os ca-maroneses por 83-68 e arrancaram o terceiro lugar.

Os marfinenses iniciaram a competição com prestações fracas, mas foram crescendo com o decor-rer do torneio. O seu treinador disse-nos que teve grandes dificuldades para juntar o plantel na fase de preparação, contando por vezes com apenas três atle-tas. Assim, acrescentou, o aperfeiçoamento foi feito ao longo das jornadas. Estes três países vão represen-tar África no Mundial do próximo ano, na Turquia.

Os Camarões obtiveram o quarto lugar e confir-maram que permanecem no topo do basquete africa-no. Em Luanda, em 2007, ficaram em segundo.

Abaixo deles, posicionou-se um bloco de países encabeçado pela Nigéria – que volta a ter pretensões – e composto pela República Centro-Africana, , Se-negal, Mali e Ruanda. Todos eles lançaram-se em

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Angola-Costa do Marfim na final muito disputada do Afrobasket

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projetos de revitalização das respectivas seleções, in-cluindo a mobilização de valores que atuam ou até nasceram no estrangeiro, na maior parte dos casos fi-lhos de emigrantes africanos, mas no caso ruandês com a naturalização de um jogador de origem norte-americana. Este jogador, Thomson, recebeu o título de melhor ressaltador do campeonato. O Egito, que já foi sistemático candidato ao primeiro lugar, ficou desta vez nos lugares de baixo, como aconteceu a dois lusófonos: Cabo Verde e Moçambique.

Dos moçambicanos esperava-se que opusessem resistência a todos os adversários e não sofressem der-rotas muito dilatadas. E foi isso que aconteceu. Per-deram todos os jogos do grupo inicial com bons de-sempenhos nas primeiras partes e, nas partidas de classificação para os quatro últimos lugares, vence-ram a África do Sul.

Já Cabo Verde prometia voos mais altos, na se-quência do ótimo terceiro lugar alcançado dois anos antes em Angola. E começou em força ao derrotar a poderosa Tunísia, após o que entrou em queda livre que o empurrou para o grupo dos últimos, onde ven-ceu as duas partidas e ficou em 13º lugar.

Entre as explicações para a modesta exibição ca-bo-verdiana estava a excessiva dependência de Xavier como cestinha da equipa, com a melhor concretiza-ção de pontos por partida entre todos os jogadores do campeonato: 27,2, na frente de Sato (República Centro-Africana), com 21,6.

Nesta matéria, Angola apresentou particularida-de oposta, ou seja, teve os seus pontos distribuídos por vários atletas. Ainda assim, o melhor triplista da competição foi o angolano Morais. Outro angolano, Joaquim Gomes, liderou os cinco «all stars» escolhi-dos pela mídia que, além dele, incluiu Amagou (Cos-ta do Marfim), Sato (República Centro-Africana), Rzig (Tunísia) e Sagana (Senegal).

No balanço geral, o nível competitivo foi supe-rior ao de anos anteriores, levantando a esperança de que o basquetebol africano venha a crescer à escala mundial. A superioridade angolana continua muito evidente, porém, existe agora a real possibilidade de que no próximo Afrobasket os projetos em anda-mento em outros países possam conduzir a mais equilíbrio, o que seria fundamental até para Angola, e aumentava o grau de competitividade continental.

Décima subida ao pódio da maior potência africana em basquetebol

Meias-finais Angola-Tunísia (79-69)

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92 setembro 2009 – África21

Problemas de organização

Uma vez mais – é uma constante no desporto africa-no – surgiram sérios problemas de organização, a co-meçar mesmo pelo país organizador. Devia ser a Ni-géria mas, como também já se verificou outras vezes, desistiu, obrigando a uma transferência apressada para a Líbia.

As instalações preparadas pelos líbios são boas. Tanto o pavilhão de Bengazy (Suleiman Darrat) como o de Trípoli (African Union) estão muito aci-ma daquilo que possui a maior parte dos outros par-ticipantes, reflexo até do estado geral das infraestrutu-ras da Líbia, muitas vezes comparáveis à de países de-senvolvidos (estradas, energia elétrica e contexto ur-bano). O grande pavilhão previsto para a fase final em Tripoli não ficou pronto e teve de jogar-se a se-gunda fase no African Union, sem que isso afetasse o desenrolar da prova. Em dois aspectos a Líbia reve-lou-se semelhante a vários outros países africanos: os hotéis são em pequeno número, provocando alguns jogos de influências (e busca de comissões) para atri-

“ Morais foi o melhor triplista e Joaquim Gomes liderou os cinco all stars escolhidos pela mídia ”

buição de quartos, principalmente a dirigentes e jor-nalistas, enquanto que as ligações aéreas internas nem sempre garantem que as bagagens cheguem junto com os passageiros...

Mas o mais grave é que o tipo de sistema político causou ameaças contra jornalistas e membros de co-missões técnicas. Enviados da mídia angolana estive-ram até dez horas retidos no aeroporto sob ameaça de devolução à procedência, embora tivessem visto e tra-dução do passaporte. O técnico principal da Costa do Marfim (de nacionalidade suíça) ficou na mesma situação cerca de seis horas e o recorde absoluto foi batido pelo treinador da Nigéria, norte-americano, que ficou vinte horas retido numa sala do aeroporto.

Mesmo com vistos, certas categorias de viajan-tes são submetidos à apreciação de uma comissão especial, muito provavelmente composta por mem-bros de serviços especiais. Não só à entrada mas também à saída quando, novamente detentores de passaportes angolanos foram objeto de atenção es-pecial... desta vez apenas alguns minutos mais que os outros passageiros.

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94 setembro 2009 – África21

A Nova Movimento – empresa angolana proprietária de África21 – montou um sistema de recolha de assinaturas regionalizado, a fim de poder atender melhor, com mais rapidez e de maneira mais vantajosa, os diferentes assinantes da revista.

Assim, as assinaturas serão recolhidas, conforme os casos, em três centros: Luanda, Lisboa e Brasília. Com excepção dos assinantes angolanos, todos os demais receberão o seu exemplar a partir de Lisboa – onde África21 é impressa – pelo correio.

Como os custos de envio também são variáveis, conforme as re giões, o preço das assinaturas é igualmente regionalizado.

Eis, a seguir, um quadro explicativo, com a tabela de preços das assinaturas e com os detalhes acerca dos centros onde os pagamentos deverão ser feitos, conforme os endereços dos assinantes.

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Millennium BCP BCOMPTPL 45371872997 PT 50003300004537187299705 TriangulaçãoUnião Europeia € 30 € 55Resto do mundo USD 60 USD 100

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INFORMAÇÃO, ECONOMIA E ANÁLISE

Nº 33 - SEtEMbRO 2009 – 350 Kz / 4 USD / 3,5 €

amazónia Cobiças e violências

zuma em angolanegócios e relações reforçadas

moçambiquena vésperade três eleições

ÁfricaMuita terrapoucaagricultura

Page 95: Revista Africa21 Edição 33

África21– setembro 2009 95

I&D

OS TÉNIS DA MINHA ALMADepois de Angola se ter reconsagrado como a maior potência do basket africano não podemos deixar de falar de sapatos de ténis. A K-Swiss lançou no mercado o sistema miSOUL, um conjunto de duas palmilhas intermutáveis (para os ténis que as mereçam): com uma delas podemos fazer as tarefas de todos os dias com o maior conforto; com a outra é meio caminho andado para os mais fabulosos afundanços nos jogos da liga ou do bairro. As palmilhas vendem-se em vários tamanhos, com uma versão para homens e outra para senhoras. Custam 40USD cada, pelo que deve contar 80USD para o conjunto. Se quiser aplicá-las num bom invólucro a K-Swiss propõe-lhe, por exemplo, os Run One por 125USD. www.kswiss.com

PHOTO ARTPequena, leve e reflex, à prova de neófitos da fotografia, a E-450 da Olympus tem tudo para agradar. Juntamente com os seus repeitáveis 10 megapíxeis de resolução vamos encontar três filtros «artísticos» hi-tech que permitem a qualquer um incluir nas suas imagens efeitos especiais como só os «prós» sabem fazer. Esta compacta dispõe de estabilização de imagem, limpeza automática de lentes e quase todos os outros dispositivos das grandes (e caras) profissionais. Custa 620USD, com uma objectiva 14-42 mm. Se a esta se quiser acrescentar uma tele 40-150 mm o preço global sobe para 745USD. www.olympus.com

BLACK POWERÉ toda preta e é linda. A District Carbon da Trek é o último grito em matéria de bicicletas de cidade. Apesar de não ter mudanças, o seu design inovador permite-lhe abalizar-se nos arrabaldes com comodidade e segurança. Em primeiro lugar é uma bicicleta inteiramente construída em fibra de carbono OCLV, do melhor que se fabrica. Em segundo acabaram-se as correntes quebradas e as mãos cheias de óleo, porque a Trek substituiu a dita corrente por uma correia de transmissão virtualmente indestrutível, insensível à dilatação e à prova de tudo (dizem que nem sequer se risca). Em terceiro lugar custa 3360USD. Pode-se dizer que é cara (e é mesmo) mas esta bicicleta urbana, rebelde, agressiva e silenciosa vale de facto muito mais do que pesa, porque o resultado é uma bike cómoda e leve, com muita, muita pinta. www.trekbikes.com

Para o dia-a-dia

Para desporto

O TELEMÓVEL DO OBAMAÉ verdade. Se Barack Obama teve de renunciar ao seu telélé (os Presidentes dos EUA não podem ter telemóveis por motivos de segurança) você pode fazer-lhe inveja e utilizá-lo a toda a hora. O BlackBerry é um smartphone, um engenho inteligente que lhe permite ver o seu e-mail em quase todas partes do mundo, navegar na web, enviar mensagens e fotos, tudo isto a uma velocidade estonteante e com uma qualidade e uma segurança a toda a prova. O écran, de alta resolução, é na realidade um touchscreen, o que quer dizer que basta tocar nos diferentes bonequinhos que por lá andam para aceder de imediato à função que se pretende activar. Por cima do teclado alfanumérico (com letras a sério) está uma touchball, uma espécie de «rato» de computador que facilita a navegação entre menus. Além da câmara de 3,2 Mb com óptica de alta qualidade, o aparelho está cheio de funcionalidades, incluindo agenda de trabalho e uns joguinhos para distrair. E tudo isto pode ser seu por apenas 150USD, o que é barato para telemóvel de presidente. www.blackberry.com

Page 96: Revista Africa21 Edição 33

96 setembro 2009 – África21

úLtImA PÁGINA

João meLo

[email protected]

á um ano atrás, foram reali-zadas em Angola as segundas eleições legislativas da sua

história. O MPLA foi reconfirmado com 82%, resultado cuja explicação se deve a uma rara conjugação de factores: a associa-ção da imagem do referido partido à estabi-lidade de Angola e à segurança dos cida-dãos, enquanto o seu principal opositor continuava conotado com a guerra e a destruição; o impacto das obras realizadas pelo Governo desde 2002; e o ambicioso programa de reconstrução prometido pelo MPLA, na sequência dessas obras.

Um ano depois das eleições, que ba-lanço pode ser feito? Retomarei a seguir algumas constatações do Observatório Político-Social Angolano (OPSA), um importante grupo de reflexão composto por personalidades de diferentes partidos políticos locais, bem como da sociedade civil angolana, divulgadas no início deste mês em Luanda.

No plano económico e social, o OPSA reconhece a continuidade de importantes desenvolvimentos positivos no país, em particular a melhoria das infra-estruturas rodoviárias, que estão a ter efeitos positivos na economia de extensas regiões do país e na vida das populações mais pobres.

Como nota o OPSA, vários indicado-res de saúde estão a melhorar, como, por exemplo, o rácio entre o número de médi-cos e o número de habitantes, que, em vá-rias províncias, é actualmente melhor do que em Luanda. O Programa Água para Todos tem feito progressos. O esforço para fazer avançar a reforma educativa e

para aumentar o número de professores em todos os níveis de ensino é significati-vo. Foi lançado o programa que prevê a construção de um milhão de casas, que está a mobilizar o país inteiro.

No plano político, O OPSA registou os progressos a nível da participação dos ci-dadãos na definição de políticas públicas, de que são exemplos a discussão da Consti-tuição, a aprovação da Estratégia de Segu-rança Alimentar e a criação dos Conselhos de Auscultação e Concertação Social. Este facto, associado ao aparecimento de novos órgãos de informação, em particular priva-dos, assim como a abertura dos conteúdos desses órgãos, constituem um avanço ine-gável do processo de democratização.

Apesar destes progressos, são notórios sinais de preocupação e descontentamento em vários círculos da sociedade. O reflexo dos elevados índices de crescimento dos úl-timos anos na vida das populações é ainda claramente insuficiente, pois, embora An-gola ainda padeça da falta de estatísticas credíveis que permitam análises mais crite-riosas, continuam a ser evidentes os sinais exagerados de riqueza coexistindo com preocupantes indicadores de pobreza.

Um factor crítico que, de acordo com o OPSA, explica em grande medida o des-contentamento que medra em certos sec-tores da sociedade é a falta de resultados do compromisso do Presidente José Eduardo dos Santos de combater a promiscuidade entre os negócios e o exercício de cargos políticos e administrativos.

Para alguns, a maka principal, em ter-mos políticos, é a forma como está a evo-

luir a questão das eleições presidenciais e a relação estabelecida entre elas e a elabo-ração da Constituição. Alguns sectores da oposição e da sociedade civil acusam o MPLA de, ao defender a realização da eleição presidencial apenas após a Consti-tuição, demonstrar uma atitude de me-nosprezo pela opinião pública. A verdade é que, além do MPLA, outro partido com assento parlamentar, a Nova Demo-cracia, também defende a mesma posi-ção. Essas duas forças representam quase 85% do eleitorado.

Na minha opinião, Angola parece en-trar na fase final de um longo e conturba-do processo de transição, iniciado nos anos 90, mas particularmente afectado pela guerra pós-eleitoral de 1992. A con-clusão desse processo tem de ser conduzi-da de forma realista e ponderada, com a participação de todos, Governo, oposição e sociedade civil.

O grande desafio é, sem dúvida, como fazer avançar o nosso país, não apenas no plano económico, mas também social e político, mantendo a estabilidade tão difi-cilmente conquistada pelos angolanos. A futura constituição, mais do que a eleição imediata do Presidente, será uma peça cru-cial para atingir esse objectivo.

Angola entre o presente e o futuro

“ Apesar de certos avanços, ainda há muito que fazer para o desenvolvimento e a democratização ”

H