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AGROECOLOGIA E DESENVOLVIMENTO RURAL SUSTENTÁVEL AGROECOLOGIA E DESENVOLVIMENTO RURAL SUSTENTÁVEL AGROECOLOGIA E DESENVOLVIMENTO RURAL SUSTENTÁVEL AGROECOLOGIA E DESENVOLVIMENTO RURAL SUSTENTÁVEL Porto Alegre/RS BRASIL V.3, nº 1, Jan/Mar 2002 Revista trimestral publicada pela Emater/RS Artigos Enrique Leff trata do saber ambiental Sevilla Guzmán aborda a Agroecologia pela perspectiva sociológica Alternativa Secador de grãos com energia solar Entrevista Pat Roy Mooney Alternativa Entrevista Pat Roy Mooney Alternativa Entrevista Secador de grãos com energia solar Pat Roy Mooney ASCAR ASCAR ASSOCIAÇÃO SULINA DE CRÉDITO E ASSISTÊNCIA RURAL ISSN 1519-1060 Dicas Resenha EcoLinks Opinião Dicas Resenha EcoLinks Opinião

Revista Agroecologia e Desenvolvimento Rural Sutentável 01_01/2002

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Secador de grãos com energia solar.

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Page 1: Revista Agroecologia e Desenvolvimento Rural Sutentável 01_01/2002

AGROECOLOGIA EDESENVOLVIMENTO

RURAL SUSTENTÁVEL

AGROECOLOGIA EDESENVOLVIMENTO

RURAL SUSTENTÁVEL

AGROECOLOGIA EDESENVOLVIMENTO

RURAL SUSTENTÁVEL

AGROECOLOGIA EDESENVOLVIMENTO

RURAL SUSTENTÁVELPorto Alegre/RSBRASILV.3, nº 1,Jan/Mar 2002 Revista trimestral publicada pela Emater/RS

Artigos

Enrique Leff trata do saber ambientalSevilla Guzmán aborda a Agroecologia

pela perspectiva sociológica

Alternativa

Secador de grãos com energia solar

Entrevista

Pat Roy Mooney

Alternativa

Entrevista

Pat Roy Mooney

Alternativa

Entrevista

Secador de grãos com energia solar

Pat Roy Mooney

ASCARASCAR

ASSOCIAÇÃOSULINA DE CRÉDITO EASSISTÊNCIA RURAL

ISSN 1519-1060

DicasResenhaEcoLinksOpinião

DicasResenhaEcoLinksOpinião

Page 2: Revista Agroecologia e Desenvolvimento Rural Sutentável 01_01/2002

3 Agroecol.e Desenv.Rur.Sustent.,Porto Alegre, v.3, n.1, jan./mar.2002

Editorial

Do individual ao coletivo: gerando saber e desenvolvimento rural

Neste número temos a satisfação de apresentar arti-

go de Sevilla Guzmán, no qual discute a Agroecologia

desde um enfoque sociológico. Destacando que novos

paradigmas do desenvolvimento sustentável exigem aten-

ção à ação social coletiva, esse autor argumenta sobre a

necessidade de incorporar-se, ao manejo dos recursos

naturais, elementos de ordem política e sócio-econômi-

ca e aponta a Teoria de Sistemas (TS) como instrumento

adequado a esta finalidade. Sustenta que a TS, ao possi-

bilitar a visualização dos agroecossistemas como um todo

e sua interpretação "a partir da percepção dos agriculto-

res", supera, qualitativamente, as limitações inerentes

aos pressupostos analíticos do método científico tradici-

onal (que ocultam o sentido sociocultural presente nas

relações entre homem e natureza). Evidencia, ademais,

que o necessário salto de desenvolvimento, capaz de

levar desde as ações coletivas até os movimentos soci-

ais (estes, por sua vez, com real potencial de transfor-

mar trajetórias sociais), pode ser dinamizado a partir da

disseminação de metodologias participativas. Recomen-

da, para tanto, ampliação no uso de diagnósticos e ou-

tros instrumentos e estratégias participativas aplicáveis

à "disseminação" e à "articulação" de experiências e for-

mas organizadas, objetivando fortalecer redes a partir

das bases e em todos os níveis da sociedade. De forma

coerente, Henrique Leff sustenta que "os movimentos

sociais associados ao desenvolvimento do novo paradig-

ma agroecológico e a práticas produtivas no meio rural

não são senão parte de um movimento mais amplo e

complexo, orientado em defesa da transformação do Es-

tado e da ordem econômica dominante". Essa perspecti-

va, que adquire projeção inédita em eventos globais re-

centes (como os encontros de Seatlle, Gênova e Porto

Alegre), também se mostra consistente em nível micro

(no âmbito de propriedades rurais), onde cresce a gera-

ção de tecnologias resultantes do diálogo respeitoso en-

tre conhecimentos e saberes oriundos do campo cientí-

fico e da construção popular. O artigo de Leff ainda

aponta que a construção de uma racionalidade ambien-

tal, capaz de enfrentar a atual crise civilizatória, consti-

tui o principal desafio desta geração. Superar este desa-

fio significa a reconstrução das práticas e dos valores,

locais e globais, respeitando determinados princípios

que lhes são anteriores e fundamentais. Também signi-

fica perseguir, de modo permanente, formas de inter-

venção compatíveis com a manutenção das identidades

culturais (diversidade sociocultural), com o reforço aos

recursos locais (biodiversidade), ao poder (autonomia) e

às capacidades (organização social) das comunidades,

ampliando suas possibilidades de desenvolvimento

endógeno. Trata-se de valores ligados ao respeito, aos

indivíduos e à soberania dos povos, como partes inte-

grantes de uma natureza onde os processos por eles

desencadeados devem ser interpretados com consciên-

cia de que toda interpretação carregará o viés, os objeti-

vos e as limitações dos agentes envolvidos em sua cons-

trução. Alguns dos riscos associados a processos mal-

conduzidos são examinados em artigo assinado por

D'Agostini, que discute possibilidades elitistas e

excludentes, contidas em abordagem "tecnicista" e

simplificada da Agroecologia. D'Agostini critica a pers-

pectiva que vem sendo usada com freqüência pela gran-

de imprensa e por técnicos insuficientemente informa-

dos a respeito daqueles princípios fundamentais. À di-

vulgação massiva desses enfoques inadequados se agre-

gam outras ameaças que se contrapõem aos avanços da

Agroecologia, potencializando suas debilidades naturais.

Esta condição não vem sendo interpretada corretamen-

te ou talvez não esteja sendo percebida nem mesmo por

setores comprometidos com a consolidação de proces-

sos produtivos de base agroecológica. Aspectos negati-

vos e positivos, inerentes a mudanças recentes (nos

sistemas de produção e no consumo de alimentos), que

se revelam precursores de profunda transformação nas

relações entre os homens e entre estes e a natureza, são

apresentados na opinião do MAELA, aqui traduzida por

seu Coordenador Geral, Mário Ahumada: os processos

de base agroecológica, em geral, e mesmo a agricultura

orgânica, em particular, não podem ser resumidos como

simples conjunto de alternativas à agricultura conven-

cional, devendo ser considerados em sua real magnitu-

de. Um imperativo crucial está posto a esta geração:

ou uma nova possibilidade histórica para o desen-

volvimento humano ou o fim da história. Este nú-

mero de Agroecologia e Desenvolvimento Rural Sus-

tentável ainda apresenta entrevista com Pat Money,

"dica tecnológica" e "relato de experiência" (envol-

vendo aproximação entre conhecimentos populares

e científicos), além das tradicionais resenhas,

Econotas e Ecolinks.

Page 3: Revista Agroecologia e Desenvolvimento Rural Sutentável 01_01/2002

4Agroecol.e Desenv.Rur.Sustent.,Porto Alegre, v.3, n.1, jan./mar.2002

Revista da Emater/RSv. 3, n.1, Jan./Mar./ 2002

Coordenação Geral : Diretoria Técnica da EMATER/RS

Conselho Editorial: Ângela Felippi, Alberto Bracagi oli, AriHenrique Uriartt, Dulphe Pinheiro Machado Neto, Ero s MarionMussoi, Fábio José Esswein, Francisco Roberto Capor al,Gervásio Paulus, Jaime Miguel Weber, João Carlos Ca nuto, JoãoCarlos Costa Gomes, Jorge Luiz Aristimunha, Jorge L uiz Vivan,José Antônio Costabeber, José Mário Guedes, Leonard o AlvimBeroldt da Silva, Leonardo Melgarejo, Lino De David , LuizAntônio Rocha Barcellos, Nilton Pinho de Bem, Renat o dosSantos Iuva, Rogério de Oliveira Antunes, Soel Anto nio Claro.

Editor Responsável: Jorn. Ângela Felippi - RP 7272Editoração de Texto: Mariléa Fabião BorralhoProjeto Gráfico e Ilustração: Sérgio BatsowDiagramação: Mairã Alves - Imprensa Livre EditoraRevisão: Niamara Pessoa RibeiroFotografia: Kátia Farina Marcon, Rogério da S. Fern andes,Leonardo MelgarejoPeriodicidade: TrimestralTiragem: 3.000 exemplaresImpressão: La SalleDistribuição: Biblioteca da EMATER/RS

EMATER/RSRua Botafogo, 1051Bairro Menino Deus90150-053 - Porto Alegre - RSTelefone: 51- 3233-3144Fax: 51- 3233-9598

Endereço eletrônico da revistahttp://www.emater.tche.br/docs/agroeco/revista/revista.htm

E-mail : [email protected]

A Revista Agroecologia e Desenvolvimento Rural Sustentável é uma

publicação da Associação Riograndense de Empreendimentos deAssistência Técnica e Extensão Rural - EMATER/RS.Os artigos publicados nesta Revista são de inteira responsabilidadede seus autores.

CartasAs instituições interessadas em manter permuta podem enviar cartas

para a bibliotecária Mariléa Fabião Borralho, EMATER/RS, RuaBotafogo, 1051, 2° andar, Bairro Menino Deus,CEP 90.150.053,Porto Alegre/RS, ou para [email protected] .ISSN 1519-1060

SUMÁRIO

Agroecol.e Desenv.Rur.Sustent.| Porto Alegre| v. 3| n.1| p.1-68| jan./mar.2002

EEntrevista 5Pat Roy Mooney fala sobre biotecnologia

OOpinião 8La Agroecología, un imperativo productivoAhumada, M.

RRelato de EExperiência 12Milho crioulo: tecnologia viável e sustentávelMeneguetti, G., Girardi, J., Reginatto, J.

AArtigo 18A perspectiva sociológica em AgroecologiaSevilla Guzmán, E.

AA lternativa TTecnológica 29Secador de grãos com uso de energia solarMartins, R., Franco, J., Oliveira, P.,Gomes, J., Fransozi, C.

AArtigo 36Agroecologia e saber ambientalLeff, E.

EEconotas 52

Eco Links 54

DDica AAgroecológica 55Prevenção e controle da mamite

AArtigo 57Produção Orgânica: também socialmenteexcludente? D´ Agostini, L.; Fantini, A.

RResenha 62

NNormas editoriais 66

Page 4: Revista Agroecologia e Desenvolvimento Rural Sutentável 01_01/2002

5 Agroecol.e Desenv.Rur.Sustent.,Porto Alegre, v.3, n.1, jan./mar.2002

"Se introduzíssemos a diversidade perdida,faríamos muito mais pela fome no mundo"

Entrevista/Pat Roy Mooney

Desde os anos 80, Pat Roy Mooney vem de-nunciando os perigos da perda da biodiversi-dade e da concentração de capital e de podernas mãos das empresas de biotecnologia, prin-cipalmente das que produzem sementes. Es-sas denúncias, que se tornaram mundialmen-te conhecidas através do livro O Escândalo dasSementes, trabalho mais conhecido de Mooney,não só se mantêm atuais, como estão se con-cretizando através da segunda e terceira ge-rações da biotecnologia.

O diretor da ETC Group, antiga FundaçãoInternacional de Desenvolvimento Rural, comsede no Canadá, segue fazendo seus alertas.Ele esteve no Rio Grande do Sul no início deste

ano, ministrando oficina no II Fórum SocialMundial, quando apresentou, junto com outrosintegrantes de organizações mundiais, o Tra-tado pelo Compartilhamento do Patrimônio Ge-nético Comum. O Tratado, assinado por 250 or-ganizações não-governamentais de 50 países,propõe a quebra de patentes, e será levado àConferência Rio+10, em setembro, em Joha-nesburgo, para estabelecer a defesa da propos-ta junto aos governos dos diferentes países.

A entrevista foi concedida à Revista Agro-ecologia e Desenvolvimento Rural Sustentá-vel via correio eletrônico.

Revista – Como avalia as mudanças que

vêm ocorrendo nos últimos anos nesses cam-

pos e como percebe a situação da biodiver-

sidade genética, no mundo?

Pat Roy Mooney – A taxa de erosão no campodos recursos genéticos de plantas continuasendo de cerca de 2% ao ano. A taxa de con-

* A entrevista foi produzida por Ângela Felippi,Leonardo Melgarejo e Gervásio Paulus.

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6Agroecol.e Desenv.Rur.Sustent.,Porto Alegre, v.3, n.1, jan./mar.2002

Entrevista/Pat Roy Mooney

centração de empresas é muito mais rápida.Por isso, passamos de nenhuma empresa desementes com 1% do mercado mundial, paracinco empresas que possuem virtualmente100% do mercado de sementes OGMs (geneti-camente modificadas), e para dez empresascom um terço de cada tipo de semente. Entre-tanto a conscientização sobre estas questõesaumentou significativamente. Atualmente,muito se tem feito para conservar a diversida-de in situ em um nível de comunidade, e a di-versidade ex situ em bancos de gens controla-dos internacionalmente. Por isso, nos senti-mos bem com relação a algumas ações positi-vas, mas a linha indicativa da evolução aindaé negativa.

Revista – Que perspectivas se apresen-

tam para os pequenos agricul-

tores, mantidas as atuais ten-

dências no que diz respeito à

biotecnologia, aos transgêni-

cos e ao patenteamento de

genes, sementes e espécies?

Mooney – Os agricultores fi-carão presos entre uma subsi-diária de uma empresa que ven-de insumos e outra subsidiáriade empresa que compra a pro-dução.

Revista – A preocupação central do seu

trabalho, que focaliza as sementes como

bem da humanidade, hoje é assumida pelas

principais organizações de trabalhadores ru-

rais do mundo, sendo explicitamente cita-

da pela Via Campesina. Em suas linhas po-

líticas prioritárias, essa condição aponta

novo quadro na luta pela preservação dos

recursos genéticos? Como avalia este mo-

mento e esses novos aliados?

Mooney – Penso que estamos mudando deuma postura defensiva para uma postura maisofensiva. Temos algo pelo qual lutar no acor-do sobre como estes bens genéticos comunsda humanidade deverão ser partilhados.

Revista – O senhor disse recentemente

que se os transgênicos servissem para aca-

bar com a fome no mundo, seria favorável

ao seu cultivo. Esse argumento tem valida-

de sob o aspecto quantitativo? O que o se-

nhor pensa a respeito dos outros argumen-

tos: aspectos qualitativos, na linha de "en-

riquecimento" dos alimentos "tradicionais",

e aspectos econômicos, na linha da "redu-

ção de custos"?

Mooney – É muito mais provável que a solu-ção para a fome no mundo surja com o fortale-cimento dos agricultores como cultivadores deplantas, com mercados e preços estáveis e coma busca por sistemas de produção ecologicamen-te seguros. Se introduzíssemos novamente adiversidade que foi perdida, faríamos muito maispela fome no mundo do que através de transgê-

nicos. Entretanto, se alguémproduzir uma lavouratransgênica ambientalmente eeconomicamente segura, a es-tudaremos cuidadosamente.Afinal de contas, há 12 milanos, o cultivo de plantas erauma tecnologia nova, que tam-bém repercutiu negativamen-te tanto na saúde humanacomo no meio ambiente.

Revista – As empresas de sementes têm

divulgado que o Terminator é "a solução ver-

de". Com isso, querem dizer que essa semen-

te controlaria a contaminação de lavouras

pela introdução de sementes modificadas, si-

tuação que vem se configurando como uma

espécie de epidemia, em algumas partes do

mundo. O que o senhor pensa a respeito?

Mooney – Não existe nenhuma garantiade que a tecnologia Terminator, algum dia,será suficientemente estável com relação àsvariedades, de modo a ser controlada em cam-po. Em nosso website (www.rafi.org) temosuma discussão que resume todas as nossasidéias sobre o Terminator, como tecnologiaverde.

Revista – O Departamento de Agricultu-

Se alguém produzisse uma

lavoura transgênica

ambientalmente e economi-

camente segura, a estudaría-

mos cuidadosamente.

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7 Agroecol.e Desenv.Rur.Sustent.,Porto Alegre, v.3, n.1, jan./mar.2002

ra dos Estados Unidos está prestes a licen-

ciar o Terminator. Como o senhor vê essa

posição do governo americano? Podemos

esperar, no Terceiro Mundo, uma avalanche

de sementes de milho modificadas, da mes-

ma forma como ocorreu com a soja RR?

M ooney – Sim. Se a empresa estiver cor-reta em relação às suas previsões, é possívelque tenhamos algodão Terminator crescendonos Estados Unidos em 2003.

Revista – Em visita recente ao Brasil, o

senhor afirmou que o país irá lucrar caso se

mantenha como área livre de transgênicos.

Poderia comentar este fato apontando par-

ticularidades que sustentam essa expecta-

tiva de ganhos econômicos?

Mooney – Dirigentes da Kraft Foods na Eu-ropa apontaram o Brasil comosendo o único grande exportadorde alimentos em que se podeconfiar com relação ao forneci-mento de produtos livres de OGMpara a Europa. Se a moratóriaeuropéia contra os OGMs conti-nuar, haverá um crescimentoconsiderável de oportunidadespara o mercado brasileiro de al-guns produtos, não somente naEuropa, mas também no Japãoe na América do Norte.

Revista – O senhor tem conhecimento do

processo de transição agroecológica que está

ocorrendo no Rio Grande do Sul, através de

política pública do governo do Estado desen-

volvida pela extensão rural oficial? Qual sua

opinião sobre esse trabalho e quais as pers-

pectivas que vê, dado que caminha quase que

na contramão da política desenvolvida pelo go-

verno federal?

Mooney – Nas visitas que fiz ao Rio Grandedo Sul neste ano e em 2000, fiquei muito im-pressionado pela oposição aos OGMs, e pela lutapor estratégias agroecológicas, tanto por partedo governo do Estado, como dos agricultores e con-sumidores. Longe de serem contra as inovações,

eles mais parecem estar desenvolvendo inova-ções de ponta com relação a práticas agrícolassustentáveis. Pelo menos, esta parte do Brasilestá se tornando uma parte do mundo.

Revista – Há uma terceira geração da

biotecnologia - plantas e animais modificados

que produzem vacinas, remédios e alimentos

enriquecidos - que tende a ser bem-vista pela

opinião pública. O senhor acredita que essa

tendência irá prosperar? Que implicações isso

poderia trazer a agricultores e consumidores?

Mooney – A tendência se desenvolverá por-que é comercialmente viável em qualquerpaís que aceite materiais OGMs. Este tipo deabordagem dos OGMs é muito mais perigosodo que a dos insumos da geração um. Consi-derem as implicações, caso o milho

transgênico epicyte escapassepara o centro mesoamericanode diversidade do milho. O mi-lho epicyte transforma grãos demilho em matéria-prima paraa produção de um contracepti-vo feminino. O possível impac-to sobre o ambiente e sobre aspessoas é desconhecido, masobviamente é uma preocupa-ção muito maior do que umamera resistência ao gene bt.

Revista – O senhor esteve

no Fórum Social Mundial, em Porto Alegre.

Que impactos o Fórum está apresentando

nas discussões sobre biotecnologia?

Mooney – Muito além das minhas expec-tativas. O Fórum é uma oportunidade absolu-tamente útil para introduzir novas idéias epara se construir um consenso sobre idéiasantigas e campanhas.

É exaustivo e confuso, mas está se tor-nando um ponto de encontro de inestimá-vel valor para todos da sociedade civil. É im-portante, embora triste, que o Fórum Soci-al Mundial deva sair de Porto Alegre paraoutras cidades do Terceiro Mundo, na Ásiaou África.

Entrevista/Pat Roy Mooney

Nas visitas que fiz ao Rio

Grande do Sul fiquei muito

impressionado pela oposição

aos OGMs, e pela luta por

estratégias agroecológicas,

tanto por parte do governo

do Estado, como dos agricul-

tores e consumidores.

AA

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8Agroecol.e Desenv.Rur.Sustent.,Porto Alegre, v.3, n.1, jan./mar.2002

A h u m ad a A ., M ar io *

A continuación deseo com-partir con Uds. mi opinión y lavisión del MAELA sobre lanecesidad de desarrollar la agri-cultura ecológica en AméricaLatina y Caribe, la cual a pesarde los avances y retrocesos, delos aciertos y contradicciones seha ido incorporando como unaalternativa productiva valida,viable, necesaria e indispensa-ble, especialmente para lospequeños productores o campe-sinos de la región.

Los graves y cuantiosos im-pactos negativos que vienesufriendo el mundo, desde hace 50 años,debido a la Revolución Verde, han posibilitadoque la población comience a tomar concienciade las consecuencias actuales y futuras deeste modelo productivo, no solo por los dañosa la población y al ambiente sino también porlos efectos económicos. Es así como en los añosnoventa se han venido sucediendo una seriede cambios en los sistemas de producciónsilvoagropecuaria y en el consumo de alimen-tos, los que podrían ser el comienzo de unatransformación profunda en la relación delhombre con la naturaleza:

• Incremento permanente de la demanda,en Europa, EEUU y en menor proporción enLatinoamérica, de alimentos y materias pri-mas de origen silvoagropecuario, naturales,sanos y sin contaminantes.

La Agroecología, un imperativo productivo

* Magister en Desarrollo Rural, Coordinador Generaldo Movimiento Agroecológico de América Latina y

Caribe, MAELA

• Aumento de las barreras proteccionistasde los países desarrollados.

• Incorporación de barreras ambientales.• Establecimiento de barreras sociales (co-

mercio justo).• Promulgación de Leyes de Medio Ambi-

ente, de Agricultura Orgánica y de Normasde Producción Orgánica en muchos países.

• Transformación de los sistemasproductivos convencionales por sistemas deproducción limpia, orgánica o agroecológica,principalmente en países europeos perotambién en Canadá y EEUU.

• En el año 2005, los países de la C.E.E.eliminaran el uso total de los plaguicidasorganofosforados.

• En la Cumbre de la Alimentación, enRoma 1996, la FAO planteó el fracaso de laRevolución Verde (producciónsilvoagropecuaria a base de un alto uso deagrotóxicos) que como sistema pretendía re-solver el hambre mundial y el surgimiento

piniãoO

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9 Agroecol.e Desenv.Rur.Sustent.,Porto Alegre, v.3, n.1, jan./mar.2002

piniãoOde la Nueva Revolución Verde o Alternativa(producción de alimentos sin contaminantes).

• Las empresas transnacionales relaciona-das a la producción de insumos para la agri-cultura (pesticidas y fertilizantes químicos)están en un proceso de transformación y sehan incorporado a la producción ycomercialización de insumos para laproducción orgánica.

• Incremento mundial de la producciónorgánica de alimentos y materias primas.

• Aumento del numero de productores yasociaciones de productores orgánicos.

• Numerosas universidades y carreras re-lacionadas con el agro están incorporando ensus curriculum la temática de la agroecología.

Desgraciadamente, estas transformacionesmundiales aun no se reflejan en toda sumagnitud en América Latina, ya queactualmente se viven muchas situacionescontradictorias que impiden lograr mejores ymayores cambios. Estas incoherenciasabarcan lo social, lo político y lo económico, yse producen principalmente por la globalizacióny la implantación de un sistema político-económico neoliberal que se ha generalizadoen la mayoría de nuestros países, donde eldesarrollo rural se orienta principalmente porel aumento de la producción y la generaciónde riqueza a costa de la injusticia social y eldeterioro ambiental. Las tendencias más re-levantes de este sistema son:

• La dominancia del mercado agrícola ytecnológico por las empresas transnacionales,que combinada al monopolio de las patentes,controlará la base biológica de la agriculturay el sistema alimentario en general.

• La apertura de la economía mundial y laliberación arancelaria permitirá el acceso delos productores a muchos mercados peroobligará a los países latinoamericanos areducir los niveles de protección de suproducción silvoagropecuaria y a eliminar lasbarreras para la importación ilimitada deproductos agrícolas transgénicos.

• Difusión de la biotecnología como para-digma tecnológico prioritario, la cual despla-zará a otros enfoques más integradores yholísticos.

Pese a que en el ámbito mundial, se estátomando conciencia de los impactos sobre elhombre y los recursos naturales, este modeloy sus tendencias dan origen, en América La-tina, a una serie de absurdos ycontradicciones como las que se describen acontinuación:

• Perdida de la gran y rica biodiversidad porla deforestación indiscriminada del bosquenativo, por los incendios de pastos y cubiertavegetal nativa, por la contaminación del agua,suelo y aire, por el robo sistemático delpatrimonio genético, por la nula regulaciónde las siembras de cultivos transgénicos, etc.

• La gran mayoría de los pesticidas que seproducen actualmente en los paísesdesarrollados son destinados exclusivamen-te al uso en los países del tercer mundo.

• En los países latinoamericanos se vendeny distribuyen alrededor de 1.000 plaguicidas,muchos prohibidos en los países desarrolladospor ser considerados altamente tóxicos.

• La Organización Mundial de la Salud de-termino que de los 3 millones de personas quese envenenan por plaguicidas, anualmente enel mundo, 800.000 provienen de nuestra región.

• Estudios epidemiológicos realizados endiversos países latinoamericanos,demuestran una importante prevalencia demalformaciones múltiples, producto de laexposición ocupacional a pesticidas demujeres y hombres.

• Hoy se carece de estudios sobre el efectode los plaguicidas y transgénicos, muchos deellos cancerígenos, mutagénicos ygeneradores de esterilidad.

• En América Latina, sin los controlesadecuados, se produce una parte importantede los productos silvoagropecuarios y semillasde origen transgénico.

Bajo estas circunstancias de efectos y

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10Agroecol.e Desenv.Rur.Sustent.,Porto Alegre, v.3, n.1, jan./mar.2002

piniãoOcambios mundiales pero de grandescontradicciones latinoamericanas, laAgroecología como proceso productivo integraly holístico, es una propuesta fundamentalpara un nuevo modelo de Desarrollo RuralSustentable, por lo cual debe serconceptualizada y analizada en toda sudimensión. Su enfoque mas ligado al medioambiente, más sensible socialmente ycentrado no solo en la producción sino en lasostenibilidad ecológica, social y económicadel sistema productivo, se caracteriza por:

• Holístico o totalizador.• Busca mejorar los sistemas de producción

para mejorar las condiciones de la gente.• Enfatiza los sistemas productivos

autosuficientes y autosostenidos en el largoplazo, mas que la productividad a corto plazo.

• Reduce el uso excesivo de energía y re-cursos externos para evitar la dependencia.

• Optimiza la producción y el reciclaje demateria orgánica y nutrientes.

• Maximiza el uso múltiple del paisaje.• Busca la diversificación y la elasticidad.A través de estas características la

Agroecología pretende el logro de lossiguientes propósitos:

• Producir alimentos baratos, variados y

sanos.• Utilizar los recursos locales.• Conservar la materia orgánica.• Reducir las enfermedades, plagas y

malezas.• Conservar el agua.• Minimizar la erosión.• Lograr la estabilidad socioeconómica.• Incrementar la autogestión.• Rescatar y reevaluar el conocimiento y

las tecnologías campesinas.Sin embargo, este sistema productivo in-

tegral y holístico y que crece en forma im-portante a nivel mundial, aun no es posibledesarrollarlo y masificarlo en los producto-res y el medio rural latinoamericano a pe-sar de la necesidad imperiosa de su imple-mentación. Actualmente tiene muchas for-talezas y también oportunidades pero tieneuna serie de aspectos propios y externos queinfluyen negativamente en contra de su mul-tiplicación, los cuales se describen acontinuación:

Las Debilidades:• La obtención de la estabilidad productiva

requiere de un tiempo mayor que la agricul-tura de altos insumos, lo cual a veces implicamayores costos iniciales.

• Existen muchasexperiencias exitosas pero noson conocidas, ya que hay in-suficiente difusión e inter-cambio de información local,nacional e internacional.

• Dificultad para acceder alos insumos externos de usoen agroecología por no haberdisponibilidad oportuna y per-manente en el mercado, y porla escasez de recursos econó-micos de los pequeños produc-tores y campesinos.

• Las comunidades campe-sinas no tienen capacidad nirecursos para difundir las di-

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11 Agroecol.e Desenv.Rur.Sustent.,Porto Alegre, v.3, n.1, jan./mar.2002

piniãoOversas practicas y experiencias agroecológicasque realizan.

• Muchas veces para su comercializaciónse requiere de la certificación por parte deterceros.

• Esta tecnología necesita para sudesarrollo de diversas profesiones quetrabajen integradamente, mediante unenfoque multi e interdisciplinario.

Las Amenazas:• Las políticas agrícolas de nuestros países

están únicamente dirigidas a producir mas,sin importar la calidad de la producción ni lasalud de los consumidores, ya que se permiteel uso indiscriminado depesticidas altamente tóxi-cos y contaminantes, a pe-sar de estar restringidos oprohibidos en Europa oEEUU.

• Las industriastransnacionales y nacio-nales, y el mercado de losinsumos agrícolas ejercenfuertes presiones econó-micas y políticas para evi-tar su difusión ymultiplicación, tanto enlas instancias de decisiónpolítica como en los medios de difusión denuestros países.

• Los Estados no presupuestan recursoseconómicos para la asistencia técnica, cré-dito, capacitación, investigación y difusión dela agroecología.

• La investigación y extensión rural con-vencional, realizada por centros oficiales,legitiman, imponen y divulgan la agriculturabasada en la revolución verde.

• Las universidades e instituciones queforman profesionales en el campo de laproducción silvoagropecuaria, promueven laagricultura convencional con un alto uso deinsumos externos y no incorporan en suscurriculum la temática de la agroecología.

• La inestabilidad de la tenencia de la tierrala sufren muchas familias y comunidadescampesinas.

• El déficit de recursos humanos,profesionales y técnicos, capacitados enagroecología.

• Las instituciones y los profesionales ca-pacitados para producir a base de usar grancantidad de insumos externos (maquinaria,fertilizantes químicos y pesticidas), seresisten al cambio y a su divulgación.

De lo anterior se deduce que la Agroecologíacuenta, actualmente, con importantes fortale-zas y numerosas oportunidades, lo que ha

llevado a suponermuchas veces que elcamino de la multiplica-ción masiva de este sis-tema de producción esmás fácil de lo que sepiensa. Sin embargo, lasituación es máscompleja, ya que para lo-grar su difusión ydesarrollo se deben con-siderar también las debi-lidades propias del siste-ma y especialmente lasgrandes amenazas. Por

lo tanto, no basta creer que su multiplicaciónes simple y sencilla, sino un gran desafío queimplica tiempo, recursos y mucha voluntad po-lítica.

Sin embargo, a pesar de estos inconve-nientes en MAELA tenemos el convencimi-ento que su desarrollo no pasa exclusiva-mente por el desarrollo de los mercados deexportación de productos orgánicos, sino porel impulso y desarrollo de los mercadoslocales, de la seguridad y soberanía alimen-taria, de la conservación de los recursosnaturales y de la conservación delpatrimonio ambiental de nuestros países, ytambién de lo que dice la destacada cientí-fica brasileña Dra. Ana Primavessi.

“ La agricultura orgánica no

es una alternativa para la

agricultura convencional,

sino que su adopción es un

imperativo para la

revivencia humana.”

Dra. Ana Primavessi

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de

Milho crioulo: tecnologia viável e sustentável

* Engenheiro Agrônomo - MSc em DesenvolvimentoRural - Coordenador Microrregional da EMATER/RS de

Passo Fundo - RS - [email protected]** Téc. Agropecuário - Extensionista Rural do Escritório

Municipal da EMATER/RS de Vanini - RS [email protected]

*** Engenheiro Agrônomo - Extensionista Rural doEscritório Municipal da EMATER/RS de David

Canabarro - RS - [email protected]

Meneguetti, Gilmar Antônio*Girardi, Jordano Luís**Reginatto, João Carlos***

1. IntroduçãoAfirmar que o uso de variedades crioulas

ou melhoradas é tecnologia ultrapassada ouque é a solução para os problemas evidenciaformas equivocadas e deterministas de aná-lise da situação da agricultura. Ao fazer refe-rência às unidades agrícolas e familiares deprodução e consumo, faz-se referência a gru-pos e categorias sociais heterogêneas. A par-tir desta concepção, é possível presumir queos sistemas de cultivo, as formas de organi-zação e as tecnologias de produção podem serdiversas dentro dos diversos grupos e catego-rias sociais.

Somente esta diversidade pode explicar por

que muitos agricultores mantiveram, ao lon-go do tempo, sementes crioulas nas proprie-dades. A construção do conhecimento ao lon-go da história das famílias e a existência deuma lógica, resultado da história de vida,norteiam as ações das pessoas (Freire, 1983).

Desta forma, o trabalho desenvolvido pelosescritórios municipais da EMATER/RS deVanini, David Canabarro, Ciríaco, Muliterno,São Domingos do Sul e Casca tinha como ob-jetivo propiciar aos agricultores interessadosa oportunidade de conhecer ou rever materi-ais (variedades crioulas ou melhoradas), pos-sibilitando sua difusão. Também visava ao in-tercâmbio de conhecimentos acumuladosentre agricultores e técnicos, por meio de reu-niões e dias de campo. Ainda, pretendia ava-liar o potencial produtivo e a qualidade dosmateriais e seu uso na alimentação animal,utilizando-se da Unidade de Experimentaçãoe Pesquisa (UEP). Por fim, pretendia mostraro uso das variedades na alimentação huma-na e as diversas formas de aproveitamento.

A propriedade onde está localizada a UEPencontra-se em transição agroecológica. Entre-tanto, todo o cultivo nos primeiros anos foi con-vencional, embora tenha-se plena consciênciade que não basta usar variedades crioulas, épreciso mudar todo o sistema de produção.

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2. Origem do trabalhoA partir dos anos 50, ocorreu uma série de

transformações na agricultura, entre as quaisas alterações genéticas foram, talvez, as quemais afetaram a vida dos agricultores. Cria-se um grande aparato agroindustrial (fertili-zantes, agrotóxicos, máquinas e equipamen-tos) para sustentar esta nova base genética,se assim pode ser chamada. Até então, asunidades de produção gozavam de um grau re-lativamente elevado de autonomia. Produzi-am suas sementes, faziam a reciclagem denutrientes para seus cultivos e procuravamgarantir a produção de subsistência. A partirdestas mudanças, passaram a ter um graumaior de dependência externa.

Neste contexto, no setor de produção desementes, as tradicionais ou crioulas fo-ram substituídas por cultivares híbridas,melhoradas, com um potencial produtivoelevado, mas mais dependentes de insu-mos externos e tecnologias intensivas. Opadrão moderno de produção agrícola incor-porou a idéia do uso de sementes melho-radas e fertilizantes de alta solubilidade,homogeneizando, simplificando os siste-mas de cultivo.

O conhecimento acumulado ao longo dotempo nas unidades familiares de produçãoteve sua importância reduzida. O retratodesta erosão cultural pode ser sintetizadona expressão: "...eu tinha vergonha de fa-lar para os técnicos que plantava sementecrioula...", utilizada recentemente por umagricultor familiar do município de DavidCanabarro - RS.

Contudo a adesão ao processo de moderni-zação deu-se de forma heterogênea nas dife-rentes regiões do País e dentro das diferentescategorias sociais (Delgado, 1985). O uso desementes híbridas, adubos formulados e ou-tros insumos modernos foram praticados deforma diferenciada. Muitas propriedades man-tiveram, em parte ou no todo, o sistema de

produção original. Um dos componentes do sis-tema original de produção era o uso de se-mentes crioulas ou próprias.

A manutenção de um banco genético e desistemas de cultivo locais só foi possível peladeterminação dos próprios agricultores, bemcomo pela ação de organizações ecológicasnão-governamentais e, posteriormente, deinstituições públicas.

Os sistemas de produção definidos comomodernos deram sinais de insusten-tabilidade econômica, ambiental e princi-palmente social, manifestada pela exclusãode agricultores que não conseguiram ou nãopuderam se adaptar. Isso provocou um de-bate. As discussões ultrapassaram os âm-bitos mais restritos dos grupos e passarama permear os diversos níveis da sociedade,traduzindo-se em ações públicas concretasatravés de programas.

Nos municípios envolvidos pelo trabalho,existem agricultores históricos (tradicionais)que nunca deixaram de usar sementes e sis-temas de cultivos próprios, originais, que re-alizam trabalho de melhoramento e seleçãode cultivares. Estes mesmos agricultores sãofonte referencial em termos de tecnologia ebanco de fornecimento de sementes para mul-tiplicação e difusão. Entre os motivos que oslevaram a manter os sistemas locais de pro-dução estão a preservação da cultura, as ca-racterísticas específicas de espécies e culti-vares que lhes interessam e a autonomia emrelação ao sistema de produção.

3. O trabalho com sementesde milho crioulo

A partir da discussão que se estabeleceunos municípios envolvidos, buscou-se a iden-tificação de materiais existentes na região eno Sul do Brasil, em especial aqueles que, poralguma razão, desapareceram da região. Ou-tra tarefa desenvolvida foi a avaliação quan-titativa e qualitativa das variedades, uso na

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alimentação animal e humana e difusão demateriais entre os agricultores.

O trabalho inicia em 1999, com a avaliaçãode algumas variedades crioulas encontradascom os agricultores, destinadas à produção desilagem. No ano seguinte, acontecem viagensde intercâmbio para troca de informações emateriais para União da Vitória - PR, Ipê - RS,Antônio Prado - RS, entre outras. Em 2000, tam-bém é instalada uma unidade de experimen-tação, pesquisa e difusão (UEP), na proprieda-de do agricultor Dorselide Olivo, em Vanini -RS, com materiais existentes e trazidos de di-ferentes locais, que permanece até hoje.

3.1. A valiação de variedades para si lagem

A tecnologia de produção utilizada na UEPnestes primeiros anos ainda foi a convencio-nal, em termos de adubação. Para a implanta-ção da unidade foram utilizados 200 quilos deadubo 10-20-20, 150 quilos de uréia; o contro-le de invasoras foi feito através de capina me-cânica. A população final foi de 35 mil plantaspor hectare, semeadas, em parcelas de 10 por70 metros. O plantio foi realizado dia 5 de no-vembro de 1999. A ensilagem foi realizada comgrão em ponto de massa mole em 1/3 dos grãos.

Foram semeadas cinco variedades criou-las (oito carreiras branco, amarelão, riscadoou sertanejo, vermelho e palha roxa) e avali-ada a qualidade da silagem, cujos resultadosse encontram na Tabela 1 (pag. 15). A produ-ção de massa verde variou de 42 a 45 tonela-das por hectare.

As médias das análises realizadas no labo-ratório Universidade de Passo Fundo (UPF) -CEPA, durante o ano de 2000, foram: proteínabruta (PB), 7,02%, nutrientes digestíveis to-tais (NDT), 67,6% e valor relativo do alimento(VRA), 98 (UPF - CEPA, 2000).

Quando comparamos as médias das análi-ses realizadas pelo laboratório com os resul-tados obtidos a partir da análise das varieda-des crioulas, observamos que as qualidades

nutricionais da silagem destes materiais fi-caram próximas ou superaram a média dasrealizadas pelo laboratório.

Segundo o agricultor em cuja propriedadeestá instalada a UEP, a silagem de milhos cri-oulos tem uma melhor aceitação pelos ani-mais, quando comparada com a silagem demilhos híbridos.

3 .2 . A vali ação d a p ro d ut i vi d ad e d o smi lho s var i e d ad e

A implantação da lavoura iniciou com aaplicação de três toneladas de calcário porhectare, em superfície. Foi semeada a aveiapreta para cobertura verde e 40 dias após fo-ram aplicadas 15 toneladas por hectare deesterco líquido de suínos. No plantio, a aduba-ção de base foi realizada com semeadora detração mecânica. O plantio foi manual. Apóso plantio, foi realizada a dessecação da aveia,utilizando-se 1,5 litros/hectare de produto. Apopulação final da lavoura era de 40 mil plan-tas/hectare, após o desbaste, realizado aos 60dias. O controle de plantas indesejadas foi feitoatravés de capina manual. As cultivares fo-ram semeadas em parcelas de cinco linhaspor dez metros de comprimento.

A Tabela 2 (pág. 16)mostra a produtividadede 33 materiais, variedades crioulas e me-lhoradas, que variou de 2.162 quilos a 6.386quilos por hectare.

Os dados obtidos evidenciam o potencial pro-dutivo das variedades para a região, respeita-

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Observação: Os valores de energia, digestibilidade, consumo,valor relativo do alimento e pro-teína digestível são baseados em equações matemáticas.

Relatório de Análise ( NIRS ) – Laboratório UPF- CEPA.Silagens de milho planta inteira, coletadas 45 dias após ensilagem.

Tabela 1

das as limitações do experimento. Se conside-rarmos a produtividade média do Estado, ve-mos que um número considerável de varieda-des supera essa média. É um indicativo de que

poderíamos investigar melhor, testando dife-rentes materiais e diferentes épocas de plan-tio. Para um número considerável de unida-des familiares de produção, esses materiais

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certamente teriam um espaço nos sistemasde cultivo sem prejuízos à produção.

Além da avaliação de produtividade, foram

observadas também as características relati-vas a período de floração, acamamento, alturade relativos planta e inserção de espiga e in-

Resultado de Avaliação de Produtividade de Milhos Crioulos em Vanini/RS - Safra 2000-2001

Nº VARIEDADE DATA PLANTIO PRODUÇÃO BRUTA UMIDADE COLHEITA PRODUTIVIDADE

SACOS KG/HA

01 Cunha Riscado 09.11.00 17 21,4 56,2 3376

02 Macaco 09.11.00 29 21,4 96,6 5764

03 Maisena 09.11.00 11 22,2 36,0 2162

04 Vermelho Dorselide 09.11.00 26 20,8 86,7 5204

05 Cunha 09.11.00 16,5 21,0 54,9 3294

06 Cinqüenta Dias 09.11.00 21,5 20,2 65,8 3294

07 Asteca Sabugo Grosso 09.11.00 22,5 21,8 76,2 4572

08 Palha Roxa União Vitória 09.11.00 30 21,5 99,2 5952

09 Cunha Sabugo Grosso 09.11.00 23,5 23 76,2 4572

10 Maia 09.11.00 20 26 62,3 3742

Branco Antigo 3 Linhas 09.11.00 11,5 22,7 93,5 5610

11 Amarelão Dorselide 09.11.00 13,5 21,8 74 4440

12 Caiano 09.11.00 26,5 23,2 85,7 5144

13 Asteca Sabugo Grosso 09.11.00 19,5 21,2 64,7 3884

14 Riscado Dorselide 09.11.00 29,5 21 98,1 5890

15 Riscado Sabugo Fino 09.11.00 13,5 22 44,3 2662

16 Amarelão 09.11.00 20 24 64,0 3842

17 Oito Carreiras Branco 09.11.00 19 18,8 65 3900

18 Canga de Boi 09.11.00 18 20,3 60,4 3624

19 Branco Precoce 09.11.00 23 24 73,6 4418

20 Cunha Preto 13.11.00 14 22,8 45,5 2732

21 Oito Carreiras Amarelo 13.11.00 21,5 20,4 72,1 4326

22 Cravinho 13.11.00 13 22,4 42,4 2548

23 Cinquentin Colombiano 13.11.00 11 20 37,0 2224

24 Cunha Sabugo Duplo 13.11.00 14 23 45,4 2724

25 Fundacep 34 13.11.00 18 21,5 59,5 3572

26 Fundacep 35 13.11.00 31,5 19,8 106,4 6386

27 BRS-4150 13.11.00 26,5 21,4 87,7 5266

28 BRS-Sol da Manhã 15.11.00 20,5 20,6 68,5 4114

29 BR-5202 Pampa 15.11.00 16,5 21,6 54,4 3268

30 RS-21 15.11.00 16 24,4 50,9 3058

31 Palha Roxa Castoneli 15.11.00 21,5 22,2 70,4 4228

32 Amarelão 15.11.00 14 24,5 44,5 2670

Fonte: Escritórios Municipais da Ascar/Emater de Vanini, Muliterno, Ciríaco, Casca, São Domingos do Sul e David Canabarro.

Tabela 2

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cidência de doenças. Os dados estão disponí-veis na EMATER/RS de Vanini.

4. ConclusãoA partir do trabalho desenvolvido e ana-

lisando o contexto da agricultura familiarno Estado e no Brasil, podemos concluirque o uso de sementes crioulas como umcomponente técnico isolado, assim comoqualquer tecnologia alternativa isolada,dentro de um sistema convencional de pro-dução, não resolve o problema dos agri-cultores familiares.

Apesar de o trabalho ter sido montado so-bre UEPs com sistema inicial de cultivo con-vencional, as novas unidades, como a deCasca, estão dentro de uma perspectivaagroecológica. O trabalho propiciou um re-encontro com uma cultura que estava pre-sente apenas na memória dos mais velhose com os agricultores que nunca deixaramde usar essas sementes.

Sob o prisma técnico-econômico e com-parando com produtividade média de mi-lho no Rio Grande do Sul - em torno de2.950 quilos por hectare, média das últi-mas três safras -, deduz-se que para umnúmero significativo de agricultores,usando a tecnologia e os escassos recur-sos existentes nas propriedades, o uso demilhos crioulos ou variedades melhora-

das é viável técnica e economicamente.Isso não invalida os esforços na busca demelhoria da fertilidade de solo, infra-es-trutura e condições para melhorar a pro-dução. Significa dizer que esta tecnolo-gia tem seu lugar no heterogêneo mundoda agricultura, principalmente a famili-ar e a desenvolvida por comunidades in-dígenas. Isso mostra que há mais de umcaminho técnico, econômico e social pos-sível quando se trata de desenvolvimentoe de sistemas de produção.

Em relação à qualidade das variedadesno consumo animal, especificamente parasilagem, fica muito próxima à dos híbridose, em algumas variedades, os supera quan-do se trata de proteína e nutrientesdigestíveis totais. No que se refere ao con-sumo humano, as diversas variedades per-mitem seu aproveitamento dentro de umadiversidade grande de pratos, pelas suas di-ferentes características.

Por último, gostaríamos de destacar osentido de autonomia e o controle do pro-cesso produtivo que as sementes crioulasrepresentam para os agricultores. Eles de-têm a genética, realizam a experimenta-ção, fazem a observação e a seleção, re-passam a experiência e os conhecimen-tos acumulados. Todo o processo está sobseu domínio.

CARVALHO, Horácio Martins de. A geração

de tecnologia agrícola socialmente apro-priada . Rio de Janeiro, AS-PTA, 1990, 24 p.(Textos para debates; nº 29).COEN, Reijntjes. Agricultura para o futu-ro: uma introdução à agricultura sustentá-vel e de baixo uso de insumos externos. 2.ed. Rio de Janeiro: AS-PTA, 1999. p. 1 - 68.DELGADO, G. C. Capital financeiro e agri-

cultura no Brasil: 1965 - 1985. São Paulo:Ícone ; Editora da Unicamp, 1985. 239 p.FREIRE, Paulo. Extensão ou comunica-

ção. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1982.HOCDÉ, Henri. A lógica dos agricultores-experimentadores: o caso da América Cen-

tral . Rio de Janeiro: AS-PTA, 1999. 36 p.RELATÓRIO DE ANÁLISE (NIRS)-Laborató-rio UPF - CEPA, Passo Fundo, 2000.

5. Referências Bibliográficas

AA

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18Agroecol.e Desenv.Rur.Sustent.,Porto Alegre, v.3, n.1, jan./mar.2002

A perspectiva sociológica em Agroecologia:uma sistematização de seus métodos e técnicas*

Sevilla Guzmán, Eduardo**Palavras chave: Sociologia, Agroecologia,

Recursos Naturais

1. Nota introdutória1. Nota introdutória

Este texto é uma reflexão epistemológicasobre as diferentes possibilidades que oferece

* Trabalho apresentado na Seção de Pesquisa emAgroecologia, do II Seminário Internacional sobre

Agroecologia, realizado em Porto Alegre (RS) de 26 a28/11/2001. Córdoba, novembro/2001. Traduzidopor Francisco Roberto Caporal, em janeiro de 2002.

** O autor é Doutor em Sociologia, Professor Catedrá-tico e Diretor do Instituto de Sociología y EstudiosCampesinos, Universidad de Córdoba - Espanha.

Nota do Autor: o presente trabalho é uma reelaboraçãoesquemática do capítulo sobre Métodos e Técnicas que

escrevi no Manual de Agroecologia preparado pelaequipe do Instituto de Sociología y Estudios

Campesinos (ISEC) e publicado recentemente(Guzmán, et al., 2000). Meus agradecimentos a Juan

Salas, por sua ajuda na primeira versão, e a GracielaOttmann, na presente versão, na qual ela introduziu

uma grande quantidade de novas idéias, enriquecendosubstancialmente este artigo.

a Agroecologia. A expressão "perspectiva socio-lógica" tem aqui uma dupla acepção, já que, porum lado, baseio-me fundamentalmente nestatradição teórica1 do pensamento científico e, poroutro lado, o aporte fundamental da Agroecolo-gia tem uma natureza social, uma vez que seapóia na ação social coletiva de determinadossetores da sociedade civil vinculados ao mane-jo dos recursos naturais, razão pela qual é tam-bém, neste sentido, sociológica.

Queremos deixar claro que o que segue éuma proposta dentro do processo de constru-ção da Agroecologia que estamos desenvolven-do durante as últimas décadas, com um gru-po de pesquisadores de diferentes pelagens econdições acadêmicas (Guzmán, González deMolina y Sevilla Guzmán, 2000: 12-13), emum processo de interação com diversos gru-pos e movimentos sociais, fundamentalmen-te -ainda que não só- de agricultores.

A Agroecologia se propõe não só a modificara parcelização disciplinar, senão também aepistemologia da ciência, ao trabalhar mediantea orquestração de distintas disciplinas e "for-mas de conhecimento" que compõem seupluralismo dual: metodológico e epistemológico,onde a perspectiva sociológica tem um papelcentral. Isso se deve à amplitude do enfoqueagroecológico que, desde a propriedade, preten-de compreender toda a complexidade de proces-sos biológicos e tecnológicos - fundamentalmen-te durante a produção - e socioeconômicos epolíticos - basicamente durante a circulação dosbens produzidos até que cheguem ao consumi-dor - que intervém no fato de uma semente setransformar em um bem de consumo (Altieri,1985; Gliessman, 1997). Em um recente (e ain-da não conclusivo) trabalho, tratei deesquematizar a contribuição da perspectivasociológica à Agroecologia, mostrando suas ba-

A r t i go

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19 Agroecol.e Desenv.Rur.Sustent.,Porto Alegre, v.3, n.1, jan./mar.2002

ses sociológicas, no sentido antes assinaladocomo contribuições sociais (Sevilla Guzmán,2001a). Igualmente, apresentei anteriormen-te a perspectiva sociológica na sua dimensãocientífica, quer dizer, desde a teoria social, me-diante o aporte das Teorias do Desenvolvimen-to e dos Estudos Camponeses (conforme SevillaGuzmán y Woodgate, 1997; Sevilla Guzmán,1998, e minha recente síntese em Sarandón,2002). Este trabalho é, pois, uma ampliação des-sas explorações (da contribuição da Sociologiaà Agroecologia), no qual quero mostrar apotencialidade epistemológica da Agroecologia

de acordo com a posição em que se situe a práxisdo pesquisador. E, ao fazê-lo, vamos apresen-tar, sistematicamente, os métodos e as técni-cas, em minha opinião, mais férteis, no quedefiniremos mais adiante como "perspectivasde pesquisa". Antes de fazê-lo, entretanto, é ne-cessário especificar o que entendemos por mé-todos e técnicas, posto que fazemos referênciaa eles em cada uma das perspectivas ou níveisconsiderados.

A palavra método tem um caráter polissê-mico. É empregada tanto em referência à for-ma de criar conhecimento científico (métodocientífico), como em relação a procedimentosespecíficos existentes em seu interior (porexemplo: método indutivo ou método deduti-vo). Pode, entretanto, ter outros muitos usosdentro desta lógica. A acepção utilizada nestetrabalho é a segunda, a qual cremos ser a mais

comum na Metodologia da Ciência ouEpistemologia. Assim, definimos como méto-

do o conjunto de procedimentos que, articu-lando os pressupostos teóricos com os meca-nismos de produção e contrastação da infor-mação, constituem o suporte e orientação emque se apóia o pesquisador para levar a cabosuas contribuições. Por outro lado, entende-mos por técnicas o conjunto de ferramentas,ou procedimentos concretos, através dosquais se leva a cabo a coleta de dados, ou aprodução dos dados, que nos permitem enfren-tar a análise.

Logo, segundo a procedência dos dadosutilizados, tanto as técnicas como os méto-dos costumam ser classificados como primá-rios, quando são produzidos no próprio pro-cesso, ou secundários, se foram gerados,previamente, em outra pesquisa. Na reali-dade, os métodos e as técnicas, no andamen-to dinâmico de uma pesquisa, aparecem re-vestidos pelo enfoque de uma teoria, de talforma que é difícil diferenciar quando come-ça um e termina o outro. Por fim, se tratade um processo de operacionalização que semove transformando um "objeto de represen-tação" em um "objeto de conhecimento". Nãoobstante, se isto é assim na "ciência con-vencional", é muito mais ainda no caso daAgroecologia, como conseqüência de suanatureza pluri- epistemológica e daprevalência de técnicas participativas, nasquais a metodologia utilizada tem uma na-tureza (ou perspectiva de investigação)dialética. Ainda que isso seja algo que sefará mais compreensível ao leitor mais adi-ante, no momento basta adiantar um esque-ma do conteúdo deste trabalho, como o faze-mos no quadro da pagina seguinte.

Neste Quadro 1 aparecem situados na pri-meira coluna os distintos níveis de análiseque, em nossa opinião, são normalmenteutilizados pela Agroecologia para cruzá-loscom os três níveis ou "perspectivas de pes-quisa", que se situam na primeira linha.

A r t i go

Agroecologia tem uma natureza

social. Apóia-se na ação social

coletiva de determinados setores

da sociedade civil vinculados ao

manejo dos recursos naturais, razão

pela qual é também sociológica.

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20Agroecol.e Desenv.Rur.Sustent.,Porto Alegre, v.3, n.1, jan./mar.2002

Ainda que tais unidades de análise tenhamuma natureza espacial, também constitu-em "espaços socioculturais de exploraçãoagroecológica”, como a exploração da propri-edade, o estilo de manejo dos recursos na-turais (grupo de agricultores que utilizamsemelhante tecnologia, forma aproximadade inserção no mercado e projetos seme-lhantes de reprodução social). Es ses espa-ços podem ser, conforme Ploeg (1994) eGuzmán et al. (2000: 82-85); a comunidadelocal (ou núcleo de população vinculado a umterritório administrativamente dependentedele); a sociedade local (bacia ou município -área significativamente homogênea- que in-clui, normalmente, várias comunidades lo-cais); e a sociedade maior (região, estado oupaís).

2. Perspectivasagroecológicas de pesquisa

Provavelmente, uma das contribuiçõesmais importantes da sociologia espanhola ao

Pensamento Social do século XX seja o quese pode definir como a Escola Qualitativistade Madri. Ela surgiu nos últimos trinta anosdo século passado em torno do excelente tra-balho de Jesús Ibáñez (1979, 1985, 1994: 51-85) e da práxis intelectual e política de Alfon-so Ortí (1984, 1986) e dos trabalhos de ambosem Ferrando et al., (1994).

Um dos aportes mais interessantes destegrupo é aquele que aborda a tarefa de carac-terizar as "perspectivas de pesquisa" em Ci-ências Sociais. Nas páginas que seguempretendemos, utilizando como base os traba-lhos dos autores citados acima, ampliar oenfoque, fazendo-o extensível à Agroecologia,tarefa esta que ficou inconclusa pelo repenti-no falecimento de Jesús Ibáñez2. Foi ele,Jesús Ibáñez (1994: 51-85), quem, a partir dePierre Bourdieu, refletiu sobre a natureza daindagação científica com base na diferencia-ção de três níveis que, se articulados em tor-no da Agroecologia como campo de análise,podem cristalizar uma reflexão sobre as trêsperguntas seguintes:

A r t i go

Quadro 1 : Uma sistematização sociológica dos métodos e técnicas da Agroecologia, segundoas Perspectivas de Pesquisa:

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21 Agroecol.e Desenv.Rur.Sustent.,Porto Alegre, v.3, n.1, jan./mar.2002

1) Como deve desenvolver-se o manejo dosrecursos naturais? Que tipo de conhecimen-to permite levá-lo a cabo? (nível tecnológicoou empírico)

2) Por que deve ocorrer assim o manejo?Quem decide como se desenvolvem as formasde conhecimento que permitem a sua imple-mentação? (nível metodológico)

3) Para que e para quem se desenvolve estetipo de manejo dos recursos naturais? (nívelepistemológico)

Assim, abrindo o espaço da pesquisa social,primeiro ao pluralismo transdisciplinar e de-pois ao epistemológico, da Agroecologia, apa-recem, igualmente, três níveis de indagaçãoou perspectivas de pesquisa que, mantendo asdenominações propostas por Jesús Ibáñez,chamaremos de distributivo, estrutural e

dialético. Tais modos de abordar a problemá-tica do manejo dos recursos naturais são pen-sados e instrumentalizados a partir de umatripla perspectiva: ecológico-produtiva, socio-econômica e sócio-política, respectivamente.Estes modos não são excludentes, senão que,ao contrário, podem constituir níveisacumulativos que permitem uma indagação-ação cada vez mais profunda sobre e na reali-dade. O primeiro nível a que nos referimos, o"distributivo da exploração-ação agroecoló-

gica", é aquele que se move no espaço pura-mente produtivo, que em outro textoconceptualizamos como "ecoagricultura"3. Estenível inclui tanto uma "ecoagricultura do Nor-te" (as agriculturas Orgânicas e Biológicas doIFOAM, a Biodinâmica de Steiner, a Naturalde Fukuoca e a Permacultura de Mollinson,entre outros estilos modernos), como os esti-los de "ecoagricultura do Sul" ou "agriculturastradicionais" camponesas ou indígenas que -tanto no centro como na periferia - provaramempiricamente sua sustentabilidade históri-ca (Sevilla Guzmán y Ottmann, 2000: 185-207).

O nível estrutural da pesquisa agroeco-lógica se refere à Agroecologia como desen-volvimento rural, quer dizer, como estraté-

gia participativa para obter a sustentabili-dade, através de formas de ação social cole-tiva (Sevilla Guzmán, 2000: 35-45). E, final-mente, o nível dialético, no qual a pesqui-sa-ação participativa rompe a estrutura depoder sujeito-objeto da metodologia científi-ca convencional, provocando o que TomásR. Villasante denomina a "rebelião do labo-ratório", gerando a possibilidade de uma mu-dança nas ações sociais dentro de episódiosde atuação como "analisadores históricos"(Delgado y Gutiérrez, 1995: 400).

2 .1. A e st ação e xpe r i me nt al co moparad i gma d a pe rspe ct i va d i st r i b ut i va

A perspectiva distributiva pode ser definidacomo aquela forma de indagação-intervençãona qual o papel central está na caracterizaçãosistemática do conjunto de dados obtidos da re-alidade, para descrevê-la, de forma que possaser possível entender a situação dos fatos, se-jam eles sociais ou naturais. Trata-se de me-dir, com toda a sofisticação que as ferramentasdisponíveis nos permitam, os fenômenos e arelação entre fenômenos, para expressá-losquantitativamente, com o maior apoio estatís-tico possível. Situam-se aqui os conhecimen-tos das ciências agrícolas, pecuárias e flores-tais, em seus aspectos técnicos relativos aofuncionamento dos recursos naturais.

O método distributivo, por excelência, éconstituído pela reprodução da "realidade físi-co-biológica" que a Ciência Agronômica con-vencional pretende realizar nas Estações Ex-perimentais. Ali se desenvolve o desenho deprojetos agronômicos experimentais, assimcomo um conjunto de "simplificações" que re-alizam os "especialistas", para detectar asinter-relações existentes entre as variáveisselecionadas. Pretende-se, assim, obter as ca-racterísticas desejáveis nos processos biológi-cos analisados mediante "seleções técnicas"e alcançar, assim, os resultados quantitativosdesejados (geralmente buscando uma maiorprodução ou um maior resultado econômico).

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Normalmente, as variáveis relacionadas como clima, os fatores biológicos, as condições dosolo e demais componentes da natureza é que"são controladas" em uma Estação Experimen-tal para, a partir da Estação, aportar uma solu-ção aos problemas, que mais tarde será apro-priada pelos extensionistas que a levarão aosagricultores. Nessa lógica, aos agricultores sóresta aplicar tais soluções técnicas geradas nos"laboratórios". A natureza deste procedimentoé muito parecida ao esquema de uma pesqui-sa de opinião (questionário), que Jesús Ibáñez(1979: 29) define de forma sutil e profunda, re-correndo a um complicado jogo de palavras: "Apesquisa de opinião (questionário) é uma téc-nica que só permite captar ‘enunciados de ob-servação’ de enunciações (a resposta captadaé um enunciado de observação; da observaçãorealizada pelo entrevistador da resposta enun-ciada pelo entrevistado)".

O que o autor quer dizer é que a informaçãoque pode proporcionar uma pesquisa de opi-nião (questionário) é muito limitada já que sóregistra como dados aqueles que ela produz.Quando tais dados têm um caráter objetivo equantificável, como o número de hectares deuma propriedade, os cultivos que nela existem,o número de pessoas que trabalham em cadaum dos cultivos, etc., tal informação é de gran-de utilidade e não permite equívocos. Entre-tanto deixa de ser assim quando os questioná-rios recolhem opiniões e atitudes, uma vez queos dados ("enunciados de observação") sãoconstruídos por quem confecciona o questio-nário e são anotados ativamente peloentrevistador, que, por sua vez, interpreta aresposta enunciada pelo entrevistado e aomesmo tempo capta tal enunciação fora de suarealidade, afastada do processo sociocultural eprodutivo do entrevistado.

Ao agir assim, as Ciências Agronômicasignoram a existência de "um agricultor espe-cífico, em um local específico, em um anoespecífico" (Richards, 1985: 40). Quer dizer,movem-se em um discurso puramente

tecnológico, onde as tarefas da ciência -des-crição sistemática, explicação e predição- têmum nível distributivo, onde se articula umimportante acervo de conhecimentos quanti-tativos sobre o funcionamento dos recursosnaturais. Tal processo de produção de infor-mações é necessário, mas não é suficientepara a Agroecologia.

No Quadro 1, apresentamos, na coluna cor-respondente ao nível distributivo, as técnicasde recolhimento de informação que geram os da-dos cuja natureza acabamos de descrever e que,em nossa experiência de trabalho, são as maisutilizadas em cada nível de análise. Assim, numaEstação Experimental, aparece a "observação dis-tante, do antropólogo clássico", que pode, semenvolver-se diretamente, estabelecer umatipologia dos produtores a partir do seu "modo deuso dos recursos naturais" (Estilos de Manejo).Igualmente, em nível da Comunidade Local, po-deria situar-se a "primeira geração" de diagnós-ticos sobre uma comunidade, que, por suaeconomicidade e pragmatismo, teriam que serdiagnósticos "rápidos", obtendo informações ondeelas não existiam, de forma institucional. Comanáloga natureza situamos, no nível da Socie-dade Local, as "caminhadas transversais", quetambém são de "primeira geração". Quer dizer,as "caminhadas" realizadas para obter uma ca-racterização rápida do ecossistema com o obje-tivo de uma posterior transformação-artificialização do mesmo, realizada por "infor-mantes confiáveis". O planejamento rural con-vencional, obtido a partir da coleta de todo o ma-terial secundário existente (com a utilização dequestionários e outras técnicas a que nos refe-rimos antes), completa a bateria tecnológicamais usual desta perspectiva, que pode resultarde grande utilidade (no nível da Sociedade Mai-or) quando for recolhido adequadamente.

Assim, a informação obtida mediante aaplicação da Teoria de Sistemas à Agronomia-com o enriquecimento da Ecologia Científi-ca-, que permite conceber um agroecossiste-ma ou uma microbacia como um mosaico de

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objetos, é de grande valor, pois permitevisualizar os agroecossistemas como um todo,incluindo subsistemas de ciclos minerais, detransformação da energia e de processos bio-lógicos, entre outros aspectos, indo além doslimites disciplinares, colocando ênfase nasinterações complexas entre pessoas, cultivos,solo, animais, etc., como, por exemplo, ametodologia clínica de campo elaborada porJuan Gastó (1987).

A Agroecologia utiliza esta informação, ain-da que necessite completá-la "a partir da per-cepção dos produtores", uma vez que preten-de mover-se dentro do processo socioculturalda produção, o que se busca alcançar a partirda perspectiva estrutural, que passamos aconsiderar.

2 .2 . A pe rspe ct i va e st rut ural co mo ge ra-d o ra d e d i scurso s para a part i c i pação

A perspectiva estrutural consiste na ten-tativa de explicar as relações existentes en-tre os fenômenos analisados, de acordo com apercepção dos sujeitos que intervêm nos mes-mos, através dos discursos elaborados por es-tes sujeitos. Deste modo, se gera uma infor-mação qualitativa que dota de sentidosociocultural os processos gerados na reali-dade, sejam eles naturais ou sociais.

Nas Ciências Sociais, a técnica para ob-tenção de dados que é utilizada tradicional-mente, como ilustrativa da perspectiva estru-tural, é o "grupo de discussão". Provavelmen-te a pessoa que melhor caracterizou as basesteóricas e metodológicas desta técnica sejaAlfonso Ortí (1994: 189-221), o qual consideraque, "situados na linha divisória entre o psi-cológico e o sociológico, os pequenos gruposou grupos restringidos configuram uma pri-vilegiada perspectiva que permite (...) captare interpretar -ao mesmo tempo- (...) umavivência coletiva (...) e observar experimen-talmente os comportamentos e as produçõesde sentido. No terreno da pesquisa

motivacional, com finalidades sociológicas(...), a prática da chamada dinâmica de grupo(em seu sentido mais amplo e impreciso) seconverte -e reestrutura- na técnica qualita-tiva de aproximação empírica à realidade so-cial denominada reunião de grupo, discussãode grupo ou, também, entrevista de grupo.Trata-se, neste caso, de uma prática suigeneris, com peculiaridades próprias, que narealidade pouco ou nada tem a ver com o quese entende, de forma rigorosa, como sendo

dinâmica de grupo, no âmbito da psicossoci-ologia dos pequenos grupos". Na realidade, adinâmica de grupo gerada neste tipo de reu-niões, e que definimos aqui como Grupo de

Discussão, aparece configurada por e para apesquisa sociológica motivacional, sendo "fun-damentalmente pragmático,macrossociológico e extragrupo: o grupo so-mente interessa como meio de expressão dasideologias sociais, como unidade pertinentede produção de discursos ideológicos" (Ortí,1994: 216).

A perspectiva estrutural constitui um ele-mento central para a Agroecologia, surgidacomo crítica à agricultura convencional, queignora os sujeitos sociais vinculados ao ma-nejo dos recursos naturais. Esta ignorância éconseqüência do processo de cientifização aque foi submetido o manejo dos recursos na-turais nos últimos anos e que desembocou na

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24Agroecol.e Desenv.Rur.Sustent.,Porto Alegre, v.3, n.1, jan./mar.2002

A perspectiva estrutural da Agro-

ecologia permite preparar o

terreno para o desenvolvimento

de uma agricultura participativa.

construção de um "modo industrial de uso dosrecursos naturais", que deteriora, gradual-mente, tanto esses recursos como a socieda-de. De fato, o discurso dos atores vinculadosao manejo dos recursos naturais é incorpora-do pela Agroecologia através do "grupo de dis-cussão", da "entrevista" e das demais técni-cas da metodologia qualitativa, para, maistarde, articular estas técnicas com "técnicasparticipativas" e, ao fazê-lo, começa a cons-truir uma alternativa ao fracassado modelode agricultura industrializada.

No Quadro 1 apresentamos, na coluna cor-respondente, as técnicas que consideramosmais adequadas dentro desta perspectiva es-

trutural. Em primeiro lugar, situamos uma téc-nica socioantropológica que pretende iniciar oprocesso de incorporação do conhecimento lo-cal ao manejo da propriedade ou da atividadeagropecuária ou florestal: a história da proprie-dade. O conhecimento dos sistemas de cultivodesenvolvidos no passado e, com isto, as solu-ções práticas incorporadas pelos "agricultoresainda não industrializados", através de técni-cas de história oral em cada propriedade, são oprimeiro passo para alcançar, nas mesmas,uma agricultura participativa. Os níveis de aná-lise de Estilo de Manejo e de Comunidade Localsão uma posição ideal para preparar o terrenopara os diagnósticos grupais. No primeiro caso,mediante a caracterização do manejo local atra-vés do "grupo de discussão técnico-agronômi-co"; no segundo caso, mediante a incorporaçãodas soluções dos próprios atores implicados emcada comunidade, através do "diagnóstico ruralparticipativo" (como veremos depois, ao consi-

derar a perspectiva dialética). Tais técnicasparticipativas podem ajudar, mediante umaprévia "observação participante", para que sevenha a alcançar formas de interação própriasda pesquisa-ação participativa. Na análise daSociedade Local, propomos o "grupo de discus-são" para captar o discurso dos setores sociaissignificativos deste âmbito espacial. E, final-mente, o nível da Sociedade Maior permite, comos métodos participativos, superar o "planeja-mento rural convencional" (que propugnamos,neste mesmo nível, para a perspectivadistributiva), para obter soluções desde dentro,mediante desenhos participativos de desenvol-vimento endógeno.

Todas estas técnicas, dentro das metodolo-gias participativas, surgem da necessidade deromper com o discurso agronômico convencio-nal, cuja informação é obtida nas Estações Ex-perimentais e cujas soluções costumam seraportadas com base em princípioshomogeneizadores, que pretendem possuir opatamar de "lei científica". Com isso, se perdea unicidade dos agroecossistemas e a dimen-são específica de tratamento que exigem os pro-blemas locais, rompendo, desta forma, a dinâ-mica da interação dos homens com os recur-sos naturais. Perdem-se, também, os contex-tos temporais, sociais, políticos e econômicosconcretos, onde estão inseridos os atores. Aspráticas agrícolas geradas a partir da ciênciaagronômica convencional carecem da articu-

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25 Agroecol.e Desenv.Rur.Sustent.,Porto Alegre, v.3, n.1, jan./mar.2002

lação necessária entre a informação obtida napesquisa e a significação que esta tem para osatores intervenientes.

A perspectiva estrutural da Agroecologiapermite - tal como acabamos de ver - prepa-rar o terreno para o desenvolvimento de umaagricultura participativa, fazendo emergir,assim, uma dimensão global de busca demelhorias no nível de vida das comunidadesrurais envolvidas, definindo este nível des-de elas mesmas. Assim, é possível pensar umdesenvolvimento rural desde a agricultu-

ra participativa como o conjunto de esque-mas de desenvolvimento que partem do re-conhecimento da necessidade e/ou do inte-resse de trabalhar com as comunidades lo-cais na identificação, no desenho, na imple-mentação e na avaliação dos métodos de de-senvolvimento endógeno mais adequadospara a resolução de seus problemas. A rup-tura epistemológica com o desenvolvimentorural convencional surge da experiência acu-mulada nos últimos trinta anos na AméricaLatina, na África e na Ásia, a partir do reco-nhecimento de que os agricultores não sótêm um amplo conhecimento dos seus sis-temas agrícolas, senão que, ademais, sãocapazes de dirigir provas e experimentos. AAgroecologia pretende, assim, dotar os agri-cultores do poder da participação4.

2 .3 . A pe rspe ct i va d i alé t i ca e a pe sq ui -sa-ação part i ci pat i va

A perspectiva dialética faz referência à re-lação que se estabelece em todo o processo deindagação entre o pesquisador e a parcela derealidade pesquisada. Não se trata somente deconhecer (como sucedia na perspectivadistributiva) e explicar (como sucedia na pers-pectiva estrutural), senão que se trata de in-tervir e articular-se com o objeto investigado,para incidir, de forma crítica, no curso de suatransformação. Isso supõe um claro desvio doprocedimento científico convencional. De fato,a transgressão fundamental provém da própria

posição do pesquisador frente ao pesquisado. Aortodoxia científica (que normalmente apare-ce como algo natural na perspectivadistributiva) estabelece a necessidade de umempenho, por parte do pesquisador, para en-contrar elementos que o mantenham afasta-do da realidade pesquisada e, por fim, para se-parar, claramente, seu discurso daquele queestá tentando descobrir. É necessário, portan-to, construir o maior número de controles pos-síveis que permitam separar-se do objeto es-tudado. Esta posição de "objeto distante", co-meça a romper-se na perspectiva estrutural,que acabamos de considerar, posto que a "cap-tação de discursos" já supõe uma implicaçãoparcial do pesquisador com o objeto estudado,que deixa de ser apenas o objeto estudado paraser, também, objeto criador de dados: o experi-mento científico já deixa de estar supostamen-te nas mãos exclusivamente do pesquisador.

Frente à perspectiva distributiva, que secaracteriza por sua subordinação ao poderou coexistência com o mesmo, as perspec-tivas estrutural e dialética tratam de trans-

cender as relações de poder do sujeito (pes-quisador) sobre o objeto (pesquisado). Na ver-dade, a Agroecologia pretende, como umatarefa essencial a sua atividade incorporarao manejo dos recursos naturais os elemen-tos socioeconômicos e políticos. Para isso,necessita produzir uma ruptura epistemo-lógica que liberte as ciências agropecuári-as e florestais das relações de poder que atri-buem a aqueles que são objeto do poder (ospesquisados), a serem ignorados, "dotando-

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A perspectiva dialética faz refe-

rência à relação que se estabele-

ce em todo o processo de inda-

gação entre o pesquisador e a

parcela de realidade pesquisada.

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os, ao mesmo tempo, de um saber ilusórioque encobre a realidade do que ignoram,ocultando o fato do poder e sua brutalidade".A reprodução de tais relações de poder, des-de as ciências agropecuárias e florestaisconvencionais, ocorre devido à posição dopesquisador-sujeito-que-sabe, frente aopesquisado-objeto-que-ignora. Assim, "o po-der consiste em apropriar-se, ao acaso, serinexplicável e imprevisível e atribuir àsnormas o poder de explicar e predizer"(Ibáñez, 1979: 23). A Agroecologia, ao utili-zar em sua perspectiva dialética a pesqui-sa-ação participativa, pretende romper areprodução de tais relações de poder.

No Quadro 1 podem ser vistas as técnicaspropostas como as mais adequadas em cada umdos níveis de análise adotados, para sua inser-ção dentro de uma metodologia de pesquisa-açãoparticipativa, elemento este que é central paraa perspectiva dialética aqui considerada. En-tretanto, a leitura do quadro de resumo não podeser feita somente de forma vertical (como fize-mos ao considerar as perspectivas distributivae estrutural), pois requer acumular, dentro decada nível de análise, a contribuição horizontaljá realizada por aquelas perspectivas.

No nível de análise da propriedade, o conhe-cimento sistêmico dos processos biológicosintervenientes, aportados desde a perspectivadistributiva, une-se com o conhecimento lo-cal resgatado (na medida do possível, da tradi-ção produtiva aportada pelo ecossistema local)desde a "história da propriedade" obtida na pers-pectiva estrutural. Chega-se, assim, depois deuma prolongada interação de intercâmbios en-tre os agricultores e os técnicos, a umareestruturação do diálogo surgido entre eles,que finalizará na lógica construção de um "de-senvolvimento participativo de tecnologias napropriedade". Um processo análogo de acumu-lação das técnicas desenvolvidas nas perspec-tivas distributiva (produtiva) e estrutural (de-senvolvimento) desembocará, em cada um dosníveis restantes de análise agroecológica, em

distintas estratégias. Na verdade, uma vez si-tuado na dinâmica da pesquisa-açãoparticipativa obtida na perspectiva dialética,será possível conseguir o salto da ação socialcoletiva à ação de movimento social. Isso sóserá possível graças à cristalização das"metodologias participativas" na elaboração,em cada nível de análise, das seguintes estra-tégias:

a) "Participativas de disseminação" de ex-periências agroecológicas, desenvolvidas pe-los integrantes do grupo estabelecido, comoEstilo de Manejo, a partir da "observação an-tropológica" que permitiu a posterior realiza-ção do "grupo de discussão técnico-agronômi-co", através do qual se obteve o conhecimen-to local sobre o manejo, por exemplo, de umdeterminado cultivo.

b) "Diagnósticos participativos" que permitama compreensão real dos mecanismos que geramas formas de dependência da "localidade", a par-tir da obtenção de informação básica obtida pelo"diagnóstico rural rápido" e pela integração dostécnicos em dinâmicas da Comunidade Local,através da "observação participante".

c) "Participativas de articulação" que per-mitam gerar redes dentro de um processo defortalecimento das dinâmicas de mudança. Acompreensão da percepção local dosecossistemas mediante os "transectos" é oprimeiro passo em direção à obtenção do dis-curso coletivo das distintas comunidades lo-cais (obtido através do "grupo de discussão")integrantes da Sociedade Local.

d) "Sócioanálise de grupos assembleários"onde a articulação em redes gerada em di-versas sociedades locais permita estratégi-as de ação mais amplas, em "fórum de ação"da Sociedade Maior. O "planejamento ruralconvencional" aportou uma informaçãodistributiva que, na dinâmica de posteriores"desenhos participativos de desenvolvimen-to endógeno", permitiu, através da pesqui-sa-ação participativa, em formas de ação so-cial coletiva, alcançar tal objetivo.

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1Incluindo Marx, que, ainda que não

considerasse a si mesmo como sociólogo, inspirouuma boa parte dos melhores trabalhossociológicos. De fato, a diferenciação dasperspectivas de pesquisa em Agroecologia quepropomos neste trabalho parte, como veremosmais adiante, da Sociologia de Pierre Bourdieu,ainda que a utilizemos depois de uma crítica aoexcelente trabalho de Althousser sobre Marx (1969)e ao estruturalismo de Lévi-Strauss, ao nosafastarmos de seu conceito de "estrutura social",como modelo alheio à realidade empírica (1953).

2Desde o início do "grupo agroecológico"

(criado através da participação no ISEC - Institutode Sociología y Estudios Campesinos, quedesenvolve atividades na Universidad de Córdobae na Universidad Internacional de Andalucía), nocomeço dos anos noventa, Alfonso Ortí e LuisEnrique Alonso aportaram, através de suaatividade de docência, o enfoque qualitativo paraa configuração da metodologia agroecológica quefoi sendo desenvolvida pelo grupo. Entretanto acontribuição central e a transdisciplinaridade dametodologia agroecológica aparecia já na obrade Jesús Ibáñez, mais além da Sociologia.

3Definimos Ecoagricultura como o conjunto de

formas alternativas ao estilo de manejo "industrial"

dos recursos naturais, que adotaram tecnologiasde natureza ecológica, no sentido de pretenderproporcionar o acesso aos meios de vida,tentando recuperar, na medida do possível, ainevi tável deter ioração causada pelaartificialização da natureza. As adjetivaçõesCentro-Periferia se referem à acepção vulgar"desenvolvimento - subdesenvolvimento"atribuída a estados-nação. E as acepçõesNorte e Sul, neste contexto, se referem a zonaspobres e ricas dentro de um mesmo país ouespaço socioeconômico.

4Neste sentido, ver Markus Brose (2001), como

um texto acertado na sua forma de apresentaros métodos e técnicas participativos, reunindouma extensa variedade deles, tanto desde asorganizações públicas e do terceiro setor, comodesde as comunidades, ou como instrumentospara estruturar o diálogo entre as comunidadese os técnicos. A organização do livro foi realizadacom a colaboração da Associação Brasileira paraa Promoção da Participação (PARTICIPE) vinculadaà Universidade de Santa Cruz do Sul (UNISC) doEstado do Rio Grande do Sul, Brasil, onde estáse desenvolvendo, há mais de dez anos, aexperiência mais importante da atualidade comrespeito à participação da sociedade civil, emtodos os níveis antes assinalados, cujo destaqueé o Orçamento Participativo.

Notas

SEVILLA GUZMÁN, E.; OTTMANN, Graciela.Ecoagricultura, Agroecología y desarrollo ru-ral sustentable: pensando en el caso argen-tino. In: Encuent r o de Col egi os deAbogados de Rosario sobre Temas deDerecho Agrario, 3., 2000, Rosario. Rosa-rio: Instituto de Derecho Agrario; Colegio deAbogados de Rosario, 2000.

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29 Agroecol.e Desenv.Rur.Sustent.,Porto Alegre, v.3, n.1, jan./mar.2002

Secador de grãos com uso de energia solar

* Extensionista Rural da EMATER/RS, EscritórioMunicipal, Rua Jorge Fett, 84, 95870-000, BomRetiro do Sul, RS. E-mail: [email protected]

** Engenheiro Agrônomo, Consultor Técnico, Rua EllaHorn, 230, 95880-000, Estrela, RS. E-mail:

[email protected]*** Pesquisador do Centro Nacional de Suínos e Aves- Embrapa, Caixa Postal 21, 89700-000, Concórdia,

SC. E-mail: [email protected]**** Extensionista Rural da EMATER/RS, Escritório

Municipal, Rua Rudolfo Schoenardier, 51, 93890-000,Nova Hartz, RS. E-mail: [email protected]

* * * * * Extensionista Rural da EMATER/RS, EscritórioMunicipal, Rua São Gabriel, 72, 95930-000,

Cruzeiro do Sul, RS. E-mail: [email protected]

M art in s , Ric ard o Ram o s *Fran c o , J o s é B o av en t u ra d a Ro s a* *

O liv e ira, P au lo A rm an d o V ic t ó r ia d e* * *G o m es , J o ão Fran c is c o d a S ilv a* * * *

Fran s o zi, C arm en D o ra P o r t o * * * * *

Resumo: Os produtores devem estar cons-cientes de que a qualidade é uma exigênciafundamental na etapa de comercialização dosprodutos agrícolas. A secagem, com baixas tem-peraturas, tem grande influência na qualida-de final dos grãos, principalmente nos aspec-tos físicos e químicos. Foi desenvolvido umsecador de leito fixo que utiliza como fonte deaquecimento do ar um coletor solararmazenador de energia. O equipamento é defácil operação e de baixo custo de implanta-ção, compatível portanto, com a capacidade deinvestimento da agricultura familiar. O traba-lho apresenta as plantas, portanto com o res-pectivo orçamento, para a construção de umsecador com capacidade de 50 sacos de cargaestática.

Palavras-chave: secador, energia solar,coletor solar.

1 IntroduçãoNo Brasil ainda paga-se um alto preço pe-

las equivocadas políticas de estocagem,principalmente as impostas aos pequenosprodutores, ao longo das últimas décadas.Perde o País, porque deixa de arrecadarmais impostos; perdem os produtores, por-que depois de correrem todos os riscos nalavoura dividem seu lucro com os insetos,roedores e intermediários; e perdem os con-sumidores, porque pagam mais caro pelosprodutos agrícolas cada vez mais escassose de qualidade duvidosa.

A busca qualitativa deve sempre ser per-seguida, embora, segundo Silva et al.(2000),a qualidade dos grãos seja um tema polêmi-co e seu significado dependa da finalidadeou do uso final do produto. Em situação lógi-ca, é o comprador final que deve especificaras características de qualidade dos grãos detal maneira que o produtor ou processadorpossa fornecer um produto com qualidade aum mínimo custo. Portanto, produtor e com-prador devem, necessariamente, estar cons-cientes da importância da qualidade para acomercialização, pois diferentes comprado-res de grãos requerem propriedades quali-tativas diferentes.

Embora a maioria dos pesquisadores nãoconcorde com o fato de que as alterações novalor nutricional do milho ou da soja sejamdevidas às altas temperaturas de secagem,eles são unânimes em afirmar que as carac-terísticas físicas e químicas, como consistên-cia, conteúdo de energia, palatalabilidade, du-reza, cor, umidade e teor de proteínas eaminoácidos, são afetadas pela temperaturade secagem (Silva et al., 2000).

Com o objetivo de oferecer uma tecnologiasimples, de baixo custo e que utilize baixastemperaturas para a secagem dos grãos, foi

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adaptado um secador de leito fixo para utili-zar como fonte de aquecimento do ar a ener-gia solar. Essa tecnologia poderá ser utilizadapelos técnicos que trabalham diretamente comos produtores familiares, proporcionando aesses uma adequada secagem de suas safras.

2. Vantagens do equipamentoO equipamento desenvolvido levou em con-

sideração vários fatores quando da sua con-cepção, sendo que se destacam os seguintesaspectos:

• Demanda baixa potência elétrica paraacionar o motor do ventilador. Enquanto umsecador convencional de 50 sacos de capa-cidade estática e fornalha a lenha utilizaum motor de 5 CV, um secador que usaenergia solar, de igual capacidade estáti-ca, necessita de somente 1 CV. Este fatortorna-se importante uma vez que as com-panhias de eletrificação, no Vale do Rio Par-do, têm vinculado a utilização de motorescom maior potência aos horários de menordemanda, como constata-se em algunsequipamentos instalados no município deVenâncio Aires, que só podem ser aciona-dos nos horários compreendidos entre as 6e as 18 horas.

• Utiliza para o aquecimento do ar de seca-gem uma fonte de energia renovável (ener-gia solar).

• A radiação solar é uma fonte limpa deenergia, o mesmo não ocorrendo com a le-nha, grandemente utilizada na secagem degrãos em nosso país. A lenha é um combus-tível sólido, de queima relativamente difí-cil, e libera durante o processo de combus-tão quantidade muito grande de produtosquímicos, alguns de periculosidade compro-vada. Esses produtos, entre os quais se en-contram famílias inteiras de hidrocarbone-tos poliaromáticos, contaminam os produtosdurante a secagem (Martins et al., 2000).Outros componentes conferem cor e cheiroaos produtos secados, numa segura indica-

ção de contaminação química. Vale a penaressaltar que, com a combustão imperfeitadas fornalhas a lenha, ocorre uma produçãode gases ácidos que, por serem corrosivos,atacam as partes metálicas do equipamen-to, e com isso diminuem sua vida útil.

• O secador que utiliza energia solar é umpoupador de mão-de-obra na pequena propri-edade, pois, uma vez carregado o equipamen-to e ligado o motor do ventilador, o agricultornão precisa acompanhar o processo de seca-gem. O mesmo não ocorre com os equipamen-tos que utilizam lenha.

• O secador solar foi projetado para serconstruído com material e mão-de-obra lo-cais, em princípio somente o ventilador é ad-quirido fora da localidade. Esta é uma gran-de vantagem quando o equipamento apresen-ta algum defeito; o agricultor não perde tem-po com as demoras da assistência técnicadas indústrias, além de o equipamento tor-nar-se mais barato, pois o produtor tem con-dições de ele mesmo ou alguém muito próxi-mo executar o conserto.

• A qualidade do produto é muito superi-or. Como os grãos são secos em tempera-turas baixas, no máximo 10°C acima datemperatura ambiente, o produto não trin-ca, não perde a cor e reduz muito pouco devolume, o que comprova que a secagem comaltas temperaturas retira do produto algomais do que simplesmente água. Os doisequipamentos construídos no município deCruzeiro do Sul/RS, um na casa dos agri-cultores Cleto e Altair Johner e o outro nacasa do produtor Selor Lorenz, comprovamestas afirmações. Segundo o sr. Cleto:"Houve uma melhora no desempenho do re-banho suíno desde a instalação do equipa-mento em nossa propriedade, devido à me-lhor qualidade do milho utilizado nas ra-ções". Já o agricultor Selor Lorenz entregatodo o milho que produz para um moinhocolonial que faz canjica e farinha de milhocom moagem a pedra; o moageiro não re-

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cebe milho de secadores que utilizam a le-nha como fonte de aquecimento do ar, emvirtude da contaminação dos produtos re-sultantes da moagem com cheiro e gostode fumaça.

3. Descrição do secadorA seguir, apresentaremos o projeto de um

secador de leito fixo construído em alvenariade tijolos maciços que utiliza coletor solararmazenador com leito de pedra britada e ca-pacidade estática para 50 sacos.

3 .1. Câmara d e se cage m

Confeccionada em alvenaria de tijolos ma-ciços com argamassa de cimento e areia naproporção de 1:4. O leito de secagem é de ma-deira ripada e utiliza-se sacos de aniagem emsubstituição à tela metálica para conter o pro-

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duto, tornando-se esta opção bastante econô-mica.

3 .2 . Co le t o r so lar

O coletor solar é do tipo armazenador, con-forme descrito por Rossi & Roa (1980), modifi-cado, com leito de pedra britada número 1 ecoberto com plástico de estufa de 100 µ.

A utilização do plástico de estufa tornao coletor bem mais econômico, uma vezque o seu preço, por metro quadrado, é emmédia 4% do preço do vidro. Ao utilizar ovidro no coletor, este deve ter no mínimo3 mm de espessura, em virtude da resis-tência necessária para evitar a flexão. Aresistência é um parâmetro importantena seleção do vidro, pois vidros como oliso de 2 mm, embora não apresentembarreira ao fluxo radiante (quantidade de

Figura 1 - Câmara de secagem, difusor e ventilador.

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energia por unidade de tempo que atra-vessa uma superfície), não possuem ri-gidez suficiente para serem utilizados nafabricação de coletores solares (Pereiraet al., 2001). O cuidado principal quandoutiliza-se o plástico de estufa, para evi-tar uma baixa transmitância (fração dofluxo incidente sobre um sistema queconsegue atravessa-lo), é construir o se-cador, e portanto o coletor solar, afastadode locais que gerem excesso de poeira.

3 .3 . Di f uso r

Em alvenaria de tijolos maciços com otraço da argamassa de 1:4 (cimento eareia) e concreto armado na proporção de1:2:3, cimento, areia e brita, respectiva-mente.

3 .4 . Ve nt i lad o r

O ventilador é do tipo "Limit Load" compás voltadas para trás e deverá forneceruma vazão de 1.300 m3/h (7,2 m3.min-1.t-1)e com uma pressão estática de 70 mmca.A pressão estática do ventilador pode sercalculada segundo metodologia descrita

por Brooker et al. (1992)ou através de curvasempíricas (Loewer et al.,1994).

A seguir apresenta-se vários aspectos dossecadores de leito fixocom coletor solar arma-zenador, dos agriculto-res C leto e Alta irJohner e Selor Lorenz,no município de Cruzei-ro do Sul, com capacida-de para 350 e 100 sacosde carga estática, res-pectivamente.

4. Material necessárioA tabela na (pág. 34) apresenta a relação com-

pleta do material necessário para a construçãode um secador com capacidade estática de 50sacos. Convém ressaltar que a lista apresenta-da serve apenas como um indicativo básico, eque os materiais empregados poderão ser subs-tituídos por outros mais facilmente encontra-dos no local onde será executada a obra.

5. Considerações finaisEsse modelo de secador é de fácil constru-

ção e operação, no entanto, são necessáriosalguns cuidados para que se obtenha o máxi-mo rendimento e qualidade dos produtos neleprocessados:

1. O secador deve funcionar em opera-ção contínua: uma vez carregado com de-terminado produto, não deve ser desligadoaté que se complete o processo de secagem.Durante o período noturno, embora nãoocorra secagem de forma significativa, é re-comendável deixar o ventilador ligado, poisteremos um processo de resfriamento damassa de grãos.

Figur a 2 - Vista ger al do secador (pr op. Sr . Selor Lor enz).

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M at e rial Unidade de medida Q uant idade

Caibros (5x10x180cm) unidade 6Ripas (2,5x4x250cm) unidade 37Tijolos unidade 4.000Cimento sacos 16Areia m3 4Brita número 1 m3 2Brita número 2 m3 5Ferro f 4.2 barras 6Ferro f 1/4 barras 8Ferro f 3/8 barras 8Mangueira preta 3/8 m 80Lona preta (110x2.200 cm) unidade 2Plástico de estufa 100m(300x2.200 cm) unidade 1Ventilador centrífugo(1.300 m3/h - 70mmcade pressão estática) unidade 1Sacos de aniagem abertos m2 4,5Tinta (preto fosco),galão de 3,2 litros unidade 1

Figur a 3 - Leito de secagem (pr op. Sr s. Cleto e Altair Johner ).

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2. A umidade inicial, para a secagem, nãodeve exceder os 25% base úmida (bu), princi-palmente, se o produto contiver excesso degrãos quebrados e ocorrerem períodos com vá-rios dias nublados.

3. É necessário o agricultor construir umsilo com ventilação forçada para guardar oproduto, pois o ar frio, além de diminuir arespiração na massa de grãos, auxilia no pro-cesso de secagem e mantém o produto livrede insetos.

4. Para o milho, podemos interromper asecagem quando os grãos estiverem com15% bu, para aqueles locais onde as tem-peraturas noturnas, em média, sejam me-nores do que 15ºC. O posterior resfriamentodos grãos no silo completará o processo desecagem de forma segura. A cada 5ºC de

rebaixamento da temperatura da massa degrãos estocada dentro do silo, dobra-se otempo de armazenagem, por outro lado,cada 1% de umidade a menos no grão a serarmazenado produz o mesmo efeito. Destemodo, para uma armazenagem seguraquando se utilizam baixas temperaturas nasecagem, é importante determinarmos comexatidão a umidade e a temperatura duran-te o período de armazenamento; pois aenergia requerida para o resfriamento émais baixa que aquela requerida para a se-cagem. A evaporação de 6% de umidade dosgrãos (em torno de 19% para 13%) requerseis vezes mais energia do que esfriar amesma massa de 25ºC para 5ºC, conformeBurrel (1974).

5. Para uma boa conservação, durante o

Figura 4 - Corte A-B

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BROOKER, D.B.; BAKKER-ARKEMA, F.W.;HALL, C.W. Drying and storage of grains

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6. Referências Bibliográficas

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armazenamento, é de fundamental impor-tância proceder à limpeza dos grãos, após asecagem e antes de guardá-lo no silo. Esseprocedimento evita a formação de "bolsões"

de impurezas em determi-nados locais da massa deproduto, que acarretam adeterioração dos grãos peloataque de insetos e pela pro-liferação de fungos.

6. Esse equipamento foidesenvolvido com os dadosmédios de radiação solar, tem-peratura, dias de insolação eprecipitação pluvial da Esta-ção Meteorológica daFEPAGRO de Taquari. Paraoutras regiões o coletor deveser redimensionado.

Maiores informações so-bre o equipamento e o ma-nejo da armazenagem e se-

cagem dos produtos com energia solar po-dem ser obtidas junto aos extensionistas dosescritórios municipais da EMATER/RS dasua região.

Figura 5 - Detalhe do coletor solar junto à entrada do ventila-dor (Selor Lorenz).

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1. O Renascimento do Serno Concerto do Saber

A Agroecologia foi definida como um novo pa-radigma produtivo, como uma constelação de ci-ências, técnicas e práticas para uma produçãoecologicamente sustentável, no campo. NesteSeminário, que congrega os mestres destas no-vas artes e ofícios, e eu não sendo o que conduz oarado, quem, com seu arado, remove a terra eplanta a nova semente, que dirige um olhar aocaldeirão no qual se fundem e se amalgamam os

Agroecologia e saber ambiental*

* Texto apresentado ao II Seminário Internacional sobreAgroecologia, Porto Alegre, 26 a 28 de novembro de2001. Traduzido ao português por Francisco Roberto

Caporal, em janeiro de 2002. O original, em espanhol,está disponível em www.emater.tche.br.

**O autor é Coordenador da Rede de FormaçãoAmbiental para a América Latina e Caribe, do Progra-

ma das Nações Unidas para o Meio Ambiente -PNUMA.

conhecimentos que promovem estamudança de paradigma, sobre o pró-prio sentido do saber agroecológico. Por-que, mais que poder instrumental, noconcerto destes saberes se joga orenascimento do ser: da natureza, daprodução, do agrônomo, do cientista,do técnico, do camponês e do indíge-na; a reconstrução do ser que findasobre novas bases o sentido da produ-ção e abre as vias a um futuro susten-tável.

Hoje, esta confraria de mestres daAgroecologia, reunidos neste cená-rio, se congrega para a plantação de

uma nova semente, mas também para avaliaros resultados de suas recentes colheitas. É umritual que nos faz recordar aquele momento damaior glória das artes e ofícios no início doRenascimento, que ficou plasmado na históriada arte da ópera pelos Mestres Cantores deNuremberg, de Wagner. As práticasagroecológicas nos remetem à recuperação dossaberes tradicionais, a um passado no qual o hu-mano era dono do seu saber, a um tempo emque seu saber marcava um lugar no mundo eum sentido da existência... como sapateiros, al-faiates ou ferreiros; como músicos e poetas. Àépoca dos saberes próprios. Hoje, neste lugar,neste conclave de artífices da agroecologia, apa-rece novamente na cena um Ignacy Sachs, in-terpretando o sapateiro-poeta Hans Sachs; omestre que joga com as regras da formação eco-nômica e das formas musicais do pensamentopara enriquecer a tradição econômica com ainovação do ecodesenvolvimento. Participamneste evento: Toledo, poeta da etnobiologia, eAltieri, mestre fundador das ciências e técnicasda Agroecologia; e o amalgamador Gliessman, oferreiro Sevilla. Aqui estão os peleteiros e os al-faiates, que confeccionam o tecido do novo sa-

A r t i go

Leff, Enrique**Palavras-chave: Agroecologia, Desenvolvimento-

Rural Sustentável - Saber Ambiental.

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ber praticando suas artes e ofícios, todos escrito-res, aprendizes e mestres cantores, todosforjadores do novo paradigma1. Todos represen-tantes daquele Walter, cavaleiro de Franconia,que, deslindando-se e transcendendo seus títu-los de nobreza das ciências normais, postulam amagia das palavras e a alquimia da poesia pararepensar o mundo e suas práticas; para fazerterra em um mundo em reconstrução. Talvez,neste certame, o prêmio ao poeta-cantor não sejaa mão da bela donzela, senão o gosto de compormúsica com seus saberes e recompor o mundono pentagrama de Agroecologia.

Os saberes agroecológicos são uma conste-lação de conhecimentos, técnicas, saberes e prá-ticas dispersas que respondem às condiçõesecológicas, econômicas, técnicas e culturais decada geografia e de cada população. Estes sabe-res e estas práticas não se unificam em tornode uma ciência: as condições históricas de suaprodução estão articuladas em diferentes níveisde produção teórica e de ação política, que abremo caminho para a aplicação de seus métodos epara a implementação de suas propostas. Ossaberes agroecológicos se forjam na interfaceentre as cosmovisões, teorias e práticas. A Agro-ecologia, como reação aos modelos agrícolasdepredadores, se configura através de um novocampo de saberes práticos para uma agricultu-ra mais sustentável, orientada ao bem comume ao equilíbrio ecológico do planeta, e como umaferramenta para a autosubsistência e a segu-rança alimentar das comunidades rurais.

As múltiplas técnicas que integram o arse-nal de instrumentos e saberes da Agroecologianão só se fundem com as cosmologias dos po-vos de onde emergem e se aplicam seus princí-pios, senão que seus conhecimentos e práti-cas se aglutinam em torno de uma nova teoriada produção, em um paradigma ecotecnológicofundado na produtividade neguentrópica2 do pla-neta terra. Esta nova teoria da produção tomaseus princípios da ciência ecológica, do territó-rio em que a intervenção sobre a terra se nu-tre de seus potenciais ecológicos e significa-

ções culturais, e do princípio da fotossíntese queIgnacy Sachs propôs nos anos 70 como funda-mento para a construção de uma nova civiliza-ção nos trópicos (Sachs, 1976).

A Agroecologia sugere alternativas sustentá-veis em substituição às práticas predadoras daagricultura capitalista e à violência com que aterra foi forçada a dar seus frutos. A Agroecologiavai forjando suas normas e regras para um novocanto da terra, da mesma maneira que Walteraprendeu dos mestres cantores não suas velhasregras de composição, senão a necessidade dese construir uns princípios para dar voz ao seucanto e expressão a sua poesia. Como HansSachs, que percebe a loucura, a ilusão e a futili-dade da existência no início da modernidade, eque a saída para o mundo cercado e esgotado donosso tempo não está em aferrar-se às normasdo dogma produtivista, de um crescimento semlimites, que já não se sustenta, senão emtranscendê-las através de um novo saber.

A Agroecologia é terra, instrumento e almada produção, onde se plantam novas semen-tes do saber e do conhecimento, onde enraizao saber no ser e na terra; é o caldeirão onde seamalgamam saberes e conhecimentos, ciên-cias, tecnologias e práticas, artes e ofícios noforjamento de um novo paradigma produtivo.

Na terra onde se desterrou a natureza e acultura; neste território colonizado pelo merca-do e pela tecnologia, a Agroecologia rememoraos tempos em que o solo era suporte da vida edos sentidos da existência, onde a terra era tor-rão e o cultivo era cultura; onde cada parcelatinha a singularidade que não só lhe outorgavauma localização geográfica e suas condiçõesgeofísicas e ecológicas, senão onde se assenta-vam identidades, onde os saberes se converti-am em habilidades e práticas para lavrar a ter-ra e colher seus frutos. Os saberes se confundi-am com os sabores: o vinho era um produto dacarícia ardente do sol sobre a dourada e redondauva; seu fruto era transformado em um elixir deamor, marcando seu corpo em danças rituais,abraçando-o com mãos artesanais, colocando

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seus sucos em perfumadas barricas e destilan-do-os para convertê-los em água da vida. O vi-nho se degustava saboreando os saberes da pro-dução e formando os saberes do gosto. A maestriada arte da colheita permitia um vínculo do pro-dutor e do consumidor com os dons da terra. Acultura brincava com a evolução, reproduzindoe diversificando nas formas e nos tempos os sa-bores do milho, da batata, da mandioca. A cultu-ra coevolucionava com a natureza, hibridando-se e diversificando-se, multiplicando os senti-dos da vida e as formas da natureza. Eram tem-pos em que o camponês extraía os sucosos e gos-tosos frutos da terra trocando seus excedentesem relações de complementaridade e reciproci-dade e não por um mero interesse mercantil.Quando o trabalho era saber fazer e saber ser ea terra era lavrada como o ferreiro molda o me-tal e o escultor molda a pedra. Quando o fruto dotrabalho rendia o fruto das delícias da terra, odom da vida convertido em sabores que não sósaciavam a fome, senão que, como nos mostrouBarrau (1979) em suas etnobiografias, conjuga-vam "as metamorfoses da alimentação com osfantasmas do gosto".

Hoje, o domínio da economia sobre estesmundos de vida e a intervenção da tecnologiana própria vida, não só dessecou a terra, emsua fome insaciável de produtividade e lucro,como também espremeu o suco dos saborespara deixar só a forma sedutora de frutos e le-gumes que atraem pela vista, que saciam afome de alguns consumidores, mas que não têmsabor de nada. Não se trata de nostalgia por tem-pos passados. Hoje a "tortilla", base da alimen-tação do povo mexicano, perdeu seu sabor; asfrutas e legumes se exibem como bens de luxo,a preços exorbitantes, nos supermercados nova-iorquinos. Parecem mulheres maquiadas atrásde uma vitrine: atraem os olhares, é possívelfincar o dente e adornar com elas um palito deuma cozinha fina, mas não se pode tocar o sa-bor natural de sua pele e de sua suculenta car-ne. Hoje, o bom "confik d'öie", um "jarkoye", um"gefilte fish", o acarajé ou o "chile en nogada" já

se comem só em casa das avós sobreviventesda modernização forçada do campo, e seus sa-bores morrem quando elas se vão deste mun-do. De modo igual, ocorre em releção aos ali-mentos naturais, aos frutos do mar. Um "boimarinho" na Espanha ou uma "sapateria" emPortugal são inexportáveis fora das costas doMar Cantábrico e do Oceano Atlântico, que aca-riciam as terras galegas e lusitanas.

A globalização, hoje, nos oferece comida detodos os países em todas as partes do mundo,junto com o Mc Donald's e a Coca-Cola, quehomogeneizam o gosto dos cidadãos deste pla-neta. Mas um "mole" mexicano é em essência(e por suas essências) tão inexportável como ossabores de uma simples massa na mais modes-ta cafeteria de Hong Kong. Os sabores exigem ese aferram ao seu lugar de origem, à sua terra eà arte culinária de seus povos, e morrem de nos-talgia ao serem desterritorializados e expatriados.

A terra foi desterritorializada e o camponêsfoi "descampesinado", separado de sua terra edo sentido de sua existência. Hoje, em nomeda preservação da biodiversidade, sehomogeneizam os cultivos de exportação, atecnologia intervém na vida, manipulandogens, gerando uma transgênese que, com seuorgulho produtivo, vence as resistências dosestados livres de transgênicos e as defesas dabiossegurança. Em nome da sobrevivência sevai matando a vida. A produtividade agronômi-ca não garante a distribuição de alimentosnem a segurança alimentar; avança sepultan-do os sentidos do cultivo e os sabores da terra.

2. Agroecologia, produtivi-dade ecotecnológica e

racionalidade ambientalA Agroecologia foi definida por Altieri (1987)

como "as bases científicas para uma agricultu-ra alternativa". Seu conhecimento deveria sergerado mediante a orquestração das aportaçõesde diferentes disciplinas, para compreender ofuncionamento dos ciclos minerais, as trans-

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formações de energia, os processos biológicos eas relações socioeconômicas como um todo, naanálise dos diferentes processos que intervêmna atividade agrícola. A Agroecologia incorporao funcionamento ecológico necessário para umaagricultura sustentável, mas ao mesmo tempointrojeta princípios de eqüidade na produção,de maneira que suas práticas permitam umacesso igualitário aos meios de vida.

A Agroecologia compreende a dimensãoentrópica da deterioração dos recursos naturaisdos sistemas agrícolas, não obstante, ao orien-tar suas ações ao âmbito do produtor direto, nãooferece um paradigma compreensivo que apre-sente soluções globais à degradação entrópicado planeta através de uma nova racionalidadeprodutiva que dê coerência e eficácia às dife-

rentes técnicas e ações locais. Em suas aplica-ções pontuais, a Agroecologia contribui para des-montar os modelos agroquímicos tradicionais;mas sua ação transformadora implica a inser-ção de suas técnicas e suas práticas em umanova teoria da produção (Leff, 1994, 2000).

A Agroecologia não é somente uma caixa deferramentas ecológicas para ser aplicada pelosagricultores. Da maneira como é trabalhada porAltieri, Gonzáles de Molina, Sevilla ouGliessman, as condições culturais e comuni-tárias em que estão imersos os agricultores,sua identidade local e suas práticas sociais sãoelementos centrais para a concretização e apro-priação social de suas práticas e métodos.

A Agroecologia, como instrumento do desen-volvimento sustentável, se funda nas experi-

ências produtivas da agricultura ecológica, paraelaborar propostas de ação social coletiva queenfrentam a lógica depredadora do modelo pro-dutivo agroindustrial hegemônico, para substi-tuí-lo por outro, que orienta para a construçãode uma agricultura socialmente justa, econo-micamente viável e ecologicamente sustentá-vel. Ela envolve o pesquisador na realidade queestuda, ao aceitar, em pé de igualdade com oseu conhecimento científico, os saberes locaisgerados pelos agricultores. A Agroecologia sur-giu, precisamente, de uma interação entre osprodutores (que se rebelam frente à deteriora-ção da natureza e da sociedade, que é provocadapelo modelo produtivo hegemônico) e os pesqui-sadores e professores mais comprometidos coma busca de estratégias sustentáveis de produ-ção. É a fusão entre a "Empiria camponesa" e a"Teoria Agroecológica" que estabelece um de-senvolvimento alternativo, um Desenvolvimen-to Rural Sustentável (Sevilla, 2001). Isso impli-ca ir além do estudo das economias campone-sas para garantir a sobrevivência das comuni-dades indígenas e a sustentabilidade das eco-nomias camponesas, estabelecendo um víncu-lo da Agroecologia em uma nova teoria da pro-dução, que se sustenta no espaço rural e que,portanto, convoca os povos do campo e das flo-restas como atores privilegiados do processo.

A Agroecologia se assenta nas particularescondições locais e na singularidade de suaspráticas culturais. Ela hibrida uma constela-ção de múltiplos saberes e conhecimentos. Massua consistência, suas perspectivas de vali-dação e confiança dependem de sua articula-ção em torno de um novo paradigma produtivo.Pois, mais além de seus direitos próprios comopráticas singulares de agricultores, sua exis-tência se debate frente a uma racionalidadeeconômica e tecnológica que vai conformandoe condicionando as formas de intervenção naterra, para extrair seus frutos, onde a produti-vidade de curto prazo prevalece sobre os prin-cípios da produção sustentável e sobre as for-mas de apropriação da natureza.

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A Agroecologia incorpora o funcio-

namento ecológico necessário para

uma agricultura sustentável, mas ao

mesmo tempo introjeta princípios

de eqüidade na produção

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Frente à transformação da geopolítica deuma economia ecologizada que hoje em diarevaloriza o sentido conservacionista da na-tureza - reabsorve e redesenha a economianatural dentro das estratégias de mercantili-zação da natureza -, reduzindo o valor da bio-diversidade em suas novas funções como pro-vedora de riqueza genética de valores cêni-cos e ecoturísticos e de sua capacidade deabsorção de carbono, a Agroecologia seencrava no contexto de uma economia políti-ca do ambiente. Desta maneira, devolve osentido à força de trabalho como labor produ-tivo que trabalha com forças da natureza, ondeo trabalho, dentro de conjunto de práticas, nãosó é conduzido por saberes e conhecimentospráticos, mas por uma teoria que os envolveem uma estratégia política que os conduz eos faz valer, frente às valorizações "crematís-ticas"4 da produtividade econômica e tecnoló-gica de curto prazo.

A nova economia, que acolhe e se constróinas práticas agroeconômicas, se baseia emprincípios ecológicos e termodinâmicos desco-nhecidos e negados pela ciência econômicacomo foram "descobertos" por NicolásGeorgescu Roegen (1971). Esta nova economianão só reconhece a Entropia como "Lei limitedo crescimento econômico e da produção emgeral". Além de sua negatividade crítica, estanova racionalidade produtiva se funda no prin-cípio de uma produtividade neguentrópica.

Este paradigma de produtividade ecotecno-lógica sustentável não só recupera e renovaos princípios de uma fisiocracia sepultada – eseus saberes associados e subjugados – pelaemergência e domínio da racionalidade eco-nômica. Hoje, ante a apropriação privada donúcleo genético das sementes e a injeção le-tal que impede sua reprodução como fonte desustento do agricultor, são defendidos os di-reitos dos agricultores e se reconhece a pro-dutividade da natureza encapsulada nas se-mentes.

A Agroecologia se nutre desta capacidade

de produtividade natural, da transformaçãoneguentrópica da energia solar através dafotossíntese, da produtividade e reprodução dassementes. Gera técnicas para lavrar a terra,recombinar os gens da vida, multiplicar a ca-pacidade de fotossíntese de diversos arranjosflorísticos, das cadeias trópicas, de cultivosmúltiplos e combinados, de pisos ecológicos ecomplementaridades espaciais, paraincrementar a produtividade ecotecnológicasustentável de dado território.

Mas esta racionalidade ecotecnológica nãose produz nem se pratica como um conjuntode regras gerais que se instrumentam e in-duzem desde cima – de um laboratório, umauniversidade, uma burocracia - sobre as prá-ticas cotidianas dos agricultores e produtoresagrícolas. É um "paradigma" pela generalida-de de seus novos princípios, mas que se apli-ca através de saberes pessoais e coletivos, dehabilidades individuais e direitos coletivos, decontextos ecológicos específicos e culturasparticulares. É isso o que abre um amplo pro-

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cesso de mediações entre a teoria geral e ossaberes específicos, uma hibridação de ciên-cias, tecnologias, saberes e práticas; um in-tercâmbio de experiências - agricultor a agri-cultor - das quais se enriquecem, se validame se estendem as práticas da Agroecologia.

A Agroecologia reconceptualiza a terra e anatureza como agroecossistema produtivo. Issosignifica libertar o conceito de terra e de recur-so, das formas limitadas de significação do na-tural submetido à racionalidade econômica, quelevaram a desnaturalizar a natureza de sua or-ganização ecossistêmica para convertê-la emrecurso natural, em matéria-prima para a apro-priação produtiva (e destrutiva) da natureza;que levaram a desterritorializar a terra parapoder estabelecer seu valor como uma renda,produto das fertilidades diferenciadas dos solos.

Hoje, parece que desapareceram oscondicionantes físicos que obrigam os homensa adaptar-se às condições locais dos solos, doclima e da água; como um novo Prometeu li-bertado pela magia e pela força da biotecnologia,o neoliberalismo econômico e tecnológico pre-tende libertar a produção de seus limitantesnaturais. Deslocando estas abstraçõessimplificadoras e fictícias, o saber ambientalrecupera o ser da natureza e da terra.

O agroecossistema não só devolve à natu-reza a sua natureza ecossistêmica e recolocaa terra em suas bases territoriais (políticas eculturais). As práticas agroecológicas recupe-ram também o sentido do valor de uso (ecológi-co) da terra e seus recursos, e o devolvem aseu verdadeiro ser. Pois, se entendemos o verbousar no sentido heideggeriano de "deixar uma

coisa ser o que é e como é", o que "requer quea coisa usada seja tratada em sua naturezaessencial" (Heidegger, 1954/1968), então o usode recursos naturais implica que eles sejamtratados de acordo com suas formas de ser, comsuas condições de existência, de renovação,de evolução. Visto desta forma, podemos reno-var o conceito de valor de uso natural ou valorde uso da natureza não só pelo valor intrínse-co de uma coisa (um recurso) que a faz serútil, utilizável e necessária para uma pessoa;o valor de uso implicaria também o respeito aoobjeto valorado e utilizado para um fim huma-no, quer dizer, o "valor em si" da natureza porsuas condições de produção e reprodução, ecomo suporte das condições materiais e sim-bólicas da existência humana.

As aproximações da Agroecologia constitu-em, assim, um exemplo prático da emergên-cia do potencial ecotecnológico de umaracionalidade ambiental. As práticasagroecológicas resultam culturalmente com-patíveis com a racionalidade produtiva cam-ponesa, pois se constroem sobre o conheci-mento agrícola tradicional, combinando esteconhecimento com elementos da ciência agrí-cola moderna. As técnicas resultantes sãoecologicamente apropriadas e culturalmenteapropriáveis; permitem a otimização da uni-dade de produção através da incorporação denovos elementos às práticas tradicionais demanejo, elevando a produtividade e preser-vando a capacidade produtiva sustentável doecossistema. Isso leva a um processo de re-construção das práticas e dos valores autóc-tones das etnias, conservando suas identida-des culturais. Os serviços ambientais que ofe-recem os sistemas agroecológicos contribu-em para a sua produtividade, ao mesmo tem-po em que os fazem mais adaptáveis e resis-tentes aos câmbios climáticos.

A Agroecologia, fundada nos princípios daprodutividade ecotecnológica, oferece novospotenciais para o desenvolvimento sustentá-vel alternativo. Mas estes princípios não po-

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As práticas agroecológicas recu-

peram o sentido do valor de uso

(ecológico) da terra e seus recursos,

e o devolvem a seu verdadeiro ser

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dem ser implantados através da imposição denormas ecológicas gerais, desde as instânci-as do planejamento centralizado do Estado,nem devem sujeitar-se aos mecanismos deregulação do mercado. Seus princípios emer-gem das culturas que habitam os diferentesecossistemas e são recuperáveis através deuma nova racionalidade produtiva, umamálgama do tradicional com o moderno, quepassa por processos de transformação e assi-milação cultural em práticas produtivas lo-cais. Esses processos estão sendo mobiliza-dos pela emergência de novos atores sociaisno campo, cujas letras traduzem os princípi-os do ambientalismo em novas práticas pro-dutivas apropriáveis pelas próprias comuni-dades para satisfazer suas necessidades bá-sicas e suas aspirações dentro de diversosestilos de vida e de desenvolvimento.

3. Paradigma agroecológi-co: interdisciplinaridade

e diálogo de saberesA Agroecologia surge como um conjunto de

conhecimentos, técnicas e saberes que incor-poram princípios ecológicos e valores culturaisàs práticas agrícolas que, com o tempo, foramdesecologizadas e desculturalizadas pela capi-talização e tecnificação da agricultura.

A Agroecologia convoca a um diálogo de sa-beres e intercâmbio de experiências; a umahibridação de ciências e técnicas, parapotencializar as capacidades dos agricultores;a uma interdisciplinaridade, para articular osconhecimentos ecológicos e antropológicos, eco-nômicos e tecnológicos, que confluem na dinâ-mica dos agroecossistemas. Estas ciências seamalgamam no caldeirão no qual se fundemsaberes muito distintos para a construção deum novo paradigma produtivo. Esta hibridaçãode conhecimentos e diálogo de saberes orientauma grande transformação da natureza, pararegenerar seus potenciais ecológicos a partirda fotossíntese, o que implica a necessidade de

uma tecnologia para o manejo eficiente dos ci-clos da matéria, dos nutrientes e da energia,em cadeias tróficas, dos processos de sucessãosecundária, da diversificação de plantas de ter-ras baixas, de sistemas de cultivos múltiplos eintercalados e de novas arquiteturas dos recur-sos bióticos que integrem plantas de diferentesculturas, de cultivos de diferentes estações, douso de diferentes pisos ecológicos, que permi-tam o manejo mais eficiente da luz, dos nutri-entes e da energia, que resultam no aumentoda produtividade neguentrópica. Não é só acontraposição de uma lógica camponesa a umalógica urbana, senão que de uma racionalidadeeconômica "contra natura" a uma racionalidadeambiental que recupera as condições ecológi-cas e os potenciais produtivos da natureza, paraconduzir um processo de regeneraçãocivilizatória, em direção à sustentabilidade.

Mas, ao contrário da relação entre ciênci-as e saberes induzida pela especialização deconhecimentos na divisão do trabalho da agro-nomia capitalizada, para o aumento da pro-

dutividade agronômica de cada unidade pro-dutiva orientada ao monocultivo para a expor-tação, na agroeconomia os saberes se inte-gram dentro de outras sinergias e põem emsuas bases outros princípios. Desta maneira,o potencial ecotecnológico se funda em sabe-res e conhecimentos conservacionistas dotecido ecológico dos agroecossistemas e daprodutividade que emana de seus ciclos eco-lógicos. Deste modo, na reapropriação de sa-beres tradicionais e sua hibridação com co-

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A Agroecologia convoca a um

diálogo de saberes e intercâmbio

de experiências; a uma hibridação

de ciências e técnicas; a uma

interdisciplinaridade

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nhecimentos científicos modernos, o elemen-to aglutinante não é o desejo de lucro, senãoa reprodução ecológico-cultural do agroecos-sistema e do território. As unidadesagroecológicas se reforçam através de afini-dades de interesses, em um diálogo de sabe-res que se reproduz por meio do intercâmbiode experiências (agricultor a agricultor, indí-gena a indígena) que não é somente de sabe-res técnicos, mas de matrizes culturais.

Os saberes colocados em jogo não se ba-seiam, exclusivamente, em conhecimentostécnicos e com fim econômico. Também seentrelaçam saberes muito mais difusos, deordem ética e cultural, que muitas vezes de-terminam as práticas concretas e as formasde intervenção das sociedades camponesas ecomunidades indígenas, na configuração deseus agroecossistemas produtivos. Um exem-plo disso é o debate sobre a aceitação ourechaço da implantação de cultivostransgênicos, onde a controvérsia de interes-ses em disputa não se resolve nem se decideapenas com base na produtividade agronômi-ca, senão que inclui valorações muitas vezesincertas sobre possíveis riscos e impactosecológicos, sociais e culturais, e onde o prin-cípio da precaução adquire validez frente aopotencial produtivo das novas biotecnologias.

A Agroecologia e a agronomia capitalista nãose enfrentam por seus "paradigmas de conhe-cimento" simplesmente contrastando aefetividade de seus modelos produtivos, toman-do a natureza como objeto. Em ambos os casos,a produção está vinculada a cosmovisões demundo: assim, enquanto a Agroecologia senutre dos saberes culturais dos povos, de valo-res tradicionais que vinculam o momento daprodução com as funções simbólicas e o senti-do cultural do metabolismo social com a natu-reza, a agricultura capitalista se funda na cren-ça no mercado e na valorização da especiali-zação tecnológica do processo e do crescimen-to sem limites, que vai desnaturalizando a

natureza e a relação do homem com a terra.Neste sentido, as múltiplas vias de

hibridação dos saberes e das práticas nãocientíficas que conformam o conhecimento epráticas da Agroecologia não constituem pro-priamente um paradigma científico que de-veria ser contrastado com a realidade e con-frontado com a "ciência normal" (e com osvalores que esta persegue) e a agronomia ca-pitalizada que existe atualmente. Estes prin-cípios, valores, saberes e conhecimentos ad-quirem coerência paradigmática em níveisteóricos mais gerais, nos quais é possível con-trastar as práticas agronômicas que se origi-nam da racionalidade econômica dominante,com a Agroecologia vinculada a umaracionalidade ambiental.

A reorganização de saberes e conhecimen-tos a que conduzem as práticas agroecológicasnão se constitui um paradigma que por suamaior compreensividade e veracidade haveriade deslocar o antigo modelo agronômico. Estesparadigmas contrapostos não se validam e re-solvem em sua contrastação com a realidade,no sentido popperiano nem kuhniano das ci-ências, senão que na confrontação de estraté-gias produtivas da agronomia capitalista e danova Agroecologia. Estas se dirimem no campoda produção e da política, na afirmação de prin-cípios ecológicos e valores culturais e não, ex-clusivamente, na produtividade econômica eagronômica resultantes de suas práticas.

Ao contrário dos paradigmas científicos quesão contrastados e provados em espaços res-tritos de experimentação científica, a Agroe-cologia se prova nos campos de produção agrí-cola. Seus saberes não se validam ou refu-tam no laboratório científico, porém nas prá-ticas de cultivo de indígenas, camponeses eagricultores. Por isso, a Agroecologia desafiao conhecimento, mas este se aplica e se tes-ta no terreno dos saberes individuais e cole-tivos. A atividade de cada agricultor está mo-tivada por cosmovisões e constelações de va-lores e interesses que são incomensuráveis

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com os valores monetários da agronomia. AAgroecologia implica a produção interdiscipli-nar de conhecimentos, mas se concretizaatravés de um processo de apropriação e apli-cação desses conhecimentos, da hibridaçãoentre conhecimentos e saberes.

A validação do paradigma da Agroecologianão se produz conforme as regras da produ-ção científica convencional, mas através daexperiência dos saberes práticos. São conhe-cimentos que se aferram à terra conduzidospor saberes individuais dos produtores dire-tos. Neste sentido, deveríamos falar, sobretu-do, de "saberes agroecológicos", que envolvamo sujeito do conhecimento, como nos temposdos saberes tradicionais, em que a vida coti-diana e produtiva estava arraigada nas artese ofícios, na maestria própria da execução depráticas guiadas por regras, mas onde acriatividade individual não estava submissaa um mecanismo tecnológico e científico im-posto de cima e de fora do âmbito dos mundosde vida das pessoas.

Os métodos da Agroecologia na produçãoagrícola e florestal se alimentam do conheci-mento milenar acumulado pelas comunida-des indígenas e rurais do mundo inteiro - e,em particular, das populações das regiões tro-picais do planeta -, mas também se alimen-tam da etnobiologia e da etnotécnica que pro-porcionam uma "verificação científica" dosfundamentos de ditas práticas culturais demanejo sustentável dos recursos. Frente aeste processo, as próprias comunidades ru-rais incorporam em suas exigências deautogestão uma espécie de prevenção contraa "cientifização" do saber agroecológico ins-crito nos sistemas de conhecimentos tradici-onais. Esta prevenção se afirma naracionalidade cultural e na identidade étnicadas próprias comunidades, impedindo que oconhecimento pudesse se impor, desde a le-gitimidade das instituições acadêmicas e daracionalidade econômica do livre mercado,sobre as práticas dos produtores rurais.

O saber ambiental fertiliza o campo da Agro-ecologia, articula seus saberes e práticas comuma nova teoria da produção e os constitui naponta de lança e em um pilar para a constru-ção de uma racionalidade produtiva alternati-va (Leff, 1998,2001). O objetivo da Agroecologianão é, simplesmente, contribuir para uma pro-dução mais sustentável, dentro dos mecanis-mos do desenvolvimento limpo, ou para ocu-par nichos de mercado de produtos "verdes"dentro das políticas da globalização econômi-co-ecológica. O saber agroecológico contribuipara a construção de um novo paradigma pro-dutivo ao mostrar a possibilidade de produzir"com a natureza", de gerar um modo de produ-ção fundado no potencial ecológico-tecnológicoda natureza e da cultura. O saber agroecológi-co se inscreve, assim, nas estratégias de po-der, no saber pela sustentabilidade, que impli-cam a necessidade de uma política científico-tecnológica que favoreça seus processos deinovação e consolide suas práticas produtivas,pondo em jogo um complexo processo de recu-peração, hibridação e inovação de saberes, emuma política de reapropriação cultural da na-tureza.

4. Agroecologia e gestãocomunitária dos recursos

naturaisA nova ordem econômica aspira a estabe-

lecer as bases da sustentabilidade para aracionalidade do mercado. Entretanto, os fun-damentos da Sustentabilidade Global se es-tabelecem nos processos produtivos primári-os - nas economias de subsistência que nãoestiveram regidas tradicionalmente pelosprincípios da acumulação e produção para omercado -, que afetam diretamente a fertili-dade dos solos, a produtividade dos bosques ea preservação da biodiversidade. Neste senti-do, não poderia haver uma economia susten-tável que não estivesse fundada em uma agri-cultura e em uma silvicultura sustentáveis,

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das quais dependem as condições de existên-cia da maioria da população do Terceiro Mun-do e o equilíbrio ecológico do planeta.

Os métodos da Agroecologia mostraram opotencial de suas estratégias para desenvolveruma agricultura sustentável e altamente pro-dutiva, baseada na capacidade fotossintetizado-ra dos recursos vegetais, na conservação dossolos, no manejo de processos ecológicos, noscultivos múltiplos e em sua associação comespécies silvestres, no "metabolismo" entre pro-cesso de produção primária, transformaçãotecnológica e reciclagem ecológica de resíduosindustriais. Estas experiências, uma vez siste-matizadas, oferecem princípios e técnicas ca-pazes de ser generalizados. Desta maneira, aAgroecologia gera novas potencialidades produ-tivas no agro, gerando novas alternativas eco-lógicas e afirmando suas estratégias nas comu-nidades rurais (Toledo, 1989).

A importância dos métodos da Agroecologiapara o manejo produtivo e sustentável dos re-cursos florestais e agrícolas radica na ofertapotencial de recursos que pode gerar para me-lhorar as condições de subsistência dos milhõesde camponeses e indígenas que se encontramem estado de desnutrição e pobreza extrema eexcluídos das garantias da segurança e auto-suficiência alimentar, devido à implementaçãode modelos produtivos que não consideram ascondições ecológicas, sociais e culturais própri-as dessas comunidades rurais. Neste sentido,os princípios da Agroecologia oferecem a possi-bilidade de estabelecer práticas produtivas so-bre bases ecológicas e democráticas.

A necessidade desta transformação produ-tiva no campo surge, também, das limitaçõespara gerar empregos para a população rural,que é expulsa para as cidades, para terrasmarginais e ecossistemas frágeis (pelos pro-cessos predominantes de desmatamento e demodernização do agro), empobrecendo aindamais a população rural e acentuando a perdade fertilidade dos solos.

A complexidade e a fragilidade dos ecossis-

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temas tropicais, que definem a vocação dos so-los, assim como a heterogeneidade cultural daorganização social dos países tropicais, obri-gam a pensar uma estratégia diferente para omanejo produtivo e sustentável de seus agro-ecossistemas, ao contrário de continuar suaartificialização e capitalização forçada, deter-minada pelas condições do mercado mundial.Reconhecendo que a conversão do uso do solopara o desenvolvimento da agricultura comer-cial e da pecuária extensiva foi a principal cau-sa do desmatamento - da destruição das flo-restas e selvas úmidas - e da erosão da fertili-dade dos diferentes ecossistemas da AméricaLatina, surge a necessidade de reorientar asestratégias de recuperação e de uso sustentá-vel do solo, baseadas no manejo múltiplo e in-tegrado dos recursos naturais.

A oferta natural de recursos procedentes dadiversidade biológica dos ecossistemas tropicaisoferece condições vantajosas para aplicar os prin-cípios de manejo agroflorestal em projetos deautogestão produtiva e de manejo múltiplo e in-tegrado dos recursos florestais, agrícolas e pecu-ários, assim como na transformaçãoagroindustrial in situ de seus recursos, fomen-tando a integração regional de agroindústrias emercados. Esta estratégia resulta mais adequa-da às condições ecológicas e sociais da produçãosustentável no trópico do que a homogeneizaçãoforçada dos recursos orientada para as oportuni-dades conjunturais do mercado mundial. Isso im-plica a necessidade de desenvolver tecnologiaseficientes e adequadas para serem administra-das pelas próprias comunidades para transfor-mar os recursos naturais a escalas quecorrespondam aos ritmos de oferta ecologica-mente sustentável e que permitam o aproveita-mento de espécies de uso não convencional.

Os princípios da Agroecologia e o manejointegrado de recursos suscitam a possibilida-de de construir uma economia mais equilibra-da, justa e produtiva, fundada na diversidadebiológica da natureza e na riqueza cultural dospovos da América Latina. Entretanto, para ge-

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rar este novo potencial, é necessário legitimaros direitos e fortalecer politicamente as comu-nidades, dotando-as, ao mesmo tempo, de umamaior capacidade técnica, administrativa efinanceira, para a autogestão de seus recur-sos produtivos. Abrem-se aqui diversas possi-bilidades que vão desde o manejo de reservasextrativistas e da floresta natural, até o desen-volvimento de práticas de manejo agro-silvo-ecológicas para o aproveitamento múltiplo dafloresta tropical, a regeneração seletiva de seusrecursos naturais e o manejo de cultivos di-versificados. Pesquisas recentes mostram opotencial de desenvolvimento, para oautoconsumo e para o mercado mundial, queoferece o manejo produtivo dos diversos e exu-berantes recursos da selva tropical, passandoda agricultura itinerante tradicional ao esta-belecimento de parcelas fixas altamente pro-dutivas, baseadas no uso múltiplo e integradode seus recursos (Boege, 1992).

A construção deste potencial alternativo dedesenvolvimento dependerá, sem dúvidas, daprodução de tecnologias apropriadas para omanejo produtivo da biodiversidade dos ecossis-temas e para o aproveitamento múltiplo de seusrecursos, revertendo as tendências dominan-tes que querem transformá-los em grandesplantações de cultivos especializados de altorendimento no curto prazo. Abrem-se, assim,perspectivas promissoras para um desenvolvi-mento agroflorestal, gerando meios de produ-ção melhorados, assimiláveis pelas práticasprodutivas das comunidades rurais. Entretan-to o controle das empresas de biotecnologia so-bre as cada vez mais sofisticadas técnicas deengenharia genética põe em desvantagem aspopulações indígenas e camponesas, frente aosgrandes consórcios internacionais que contamcom os meios científicos e econômicos paraapropriar-se do material genético dos recursosnaturais que foram e continuam sendo patri-mônio histórico das populações das regiões tro-picais. Isso requer a necessidade de desenvol-ver estratégias que permitam que as comuni-

dades rurais possam assegurar e legitimar seusdireitos sobre seu patrimônio de recursos e apropriedade da terra, de modo que se assegu-rem a transferência e apropriação real dos no-vos recursos tecnológicos para melhorar suascondições de autogestão produtiva.

As possibilidades que abre a Agroecologiapara converter os recursos agrícolas e flores-tais em bases para o desenvolvimento e bem-estar das comunidades rurais aparece, tam-bém, como um meio para a proteção efetivada natureza, da biodiversidade e do equilíbrioecológico do planeta. A consolidação destesprocessos dependerá do fortalecimento da ca-pacidade organizativa das próprias comunida-des, para desenvolver alternativas produtivasque permitam melhorar suas condições devida e aproveitar seus recursos de forma sus-tentável. Desta maneira, os moradores dasflorestas e das áreas rurais do Terceiro Mun-do poderão aliviar sua pobreza e conservar suabase de recursos como um potencial produti-vo que lhes permita satisfazer suas necessi-dades atuais e construir seu futuro de formasustentável. Para isso, é necessário recons-truir os potenciais ecológicos e culturais quedão as bases a um paradigma de produtivida-de ecotecnológica, ao mesmo tempo em quese legitimam os novos direitos coletivos dospovos indígenas e das sociedades rurais, paraa reapropriação de seu patrimônio de recur-sos naturais e culturais (Leff, 1993).

5. O movimento agroecoló-gico e a reapropriação

social da naturezaA degradação sócio-ambiental está exigin-

do a impostergável necessidade de transfor-mar os princípios da racionalidade econômi-ca, de seu caráter desigual e depredador, paraconstruir uma racionalidade produtiva capazde gerar um desenvolvimento eqüitativo, sus-tentável e duradouro. Este debate teórico epolítico gerou um amplo movimento social,

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através do qual os princípios do desenvolvi-mento sustentável se vão arraigando nas lu-tas populares e nas organizações das comu-nidades rurais, em defesa da autogestão desuas terras e de seus recursos naturais.

Neste sentido, surgiram diversas organi-zações, em diferentes regiões do mundo, en-tre as quais se destacam o Movimento Chipko,contra a privatização dos bosques do Himalaia(Guha, 1989), e o Movimento dos Seringuei-ros da Amazônia, em defesa das reservasextrativistas (Allegretti, 1987, e Gonçalves,2001). Nos anos recentes, um vigoroso movi-mento indígena e camponês - no qual os si-

nais mais visíveis são o MST e o EZLN - seincorporou a este processo de ambientaliza-ção, afirmando seus direitos de autonomia eautogestão, assim como sua capacidade dereapropriação de seus territórios, de suas ri-quezas florestais e da biodiversidade de suasmatas, reconhecendo que sua sobrevivênciae condições de vida dependem do manejo sus-tentável dos recursos agroecológicos.

Os movimentos sociais associados ao de-senvolvimento do novo paradigma agroecoló-gico e a práticas produtivas no meio rural nãosão senão parte de um movimento mais am-plo e complexo orientado em defesa da trans-formação do Estado e da ordem econômicadominante. O movimento para um desenvol-vimento sustentável é parte de novas lutaspela democracia direta e participativa e pela

autonomia dos povos indígenas e campone-ses, abrindo perspectivas para uma nova or-dem econômica e política mundial.

Neste contexto, os princípios da Agroecolo-gia e o manejo agroflorestal não só sugerema necessidade de reestruturar a produção nosambientes rurais para ajustar esta produçãoa novas oportunidades de mercado e às con-dições de rentabilidade da produção agrícola,mas se propõem a estabelecer uma novaracionalidade produtiva sobre bases ecológi-cas e de eqüidade social. Os projetos de capi-talização do campo, associados primeiro coma Revolução Verde e agora com os cultivostransgênicos, foram incapazes de respeitar ovalor dos recursos naturais, culturais e hu-manos do meio rural, levando a umasobreprodução e a um subconsumo de produ-tos alimentícios, com efeitos devastadores emtermos de perdas de fertilidade dos solos,

O movimento para um desenvolvi-mento sustentável é parte de novas

lutas pela democracia direta eparticipativa e pela autonomia dos

povos indígenas e camponeses,abrindo perspectivas para uma novaordem econômica e política mundial

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salinização e erosão das terras, além da dife-renciação social e da miséria extrema, gera-das pelas empresas agroindustriais intensi-vas em capital e em insumos híbridos eenergéticos (Garcia et al., 1988 a. e 1986).

O movimento pela conservação produtiva dasflorestas e bosques passou a ocupar um papelimportante na resolução de problemasambientais globais, como o aquecimento glo-bal, que vem ocorrendo devido tanto às taxas dedesmatamento como aos efeitos da crescenteconcentração urbana, ao crescimento da pro-dução industrial e ao irracional uso de ener-gia. Por isso mesmo, veio à tona o imperativode preservar as funções ecológicas das flores-tas, que contribuem para manter os equilíbrioshidrológicos e climáticos da terra, e de melho-rar o potencial de produção florestal dos trópi-cos, baseado em suas condições particulares deprodutividade natural e regeneração ecológica,através de práticas sustentáveis de manejointegral dos recursos, que permitam preservarsua biodiversidade e satisfazer as necessida-des fundamentais das populações locais.

O processo atual de transformação produ-tiva do campo não só propõe um questiona-mento sobre a possibilidade de gerar novosempregos para a população rural que seráexpulsa de um agro modernizado. Na verda-de, estabelece o desafio de estancar a perdade florestas e solos, enquanto se desenvolvemnovas estratégias produtivas que permitam oaproveitamento do potencial produtivo dosecossistemas rurais dos trópicos.

O problema que está colocado é a necessi-dade de articular os espaços de economiasautogestionárias e endógenas, fundado sobrea apropriação comunitária dos recursos, comas forças onipresentes do mercado mundial.Assim mesmo, será necessário incorporar asbases naturais e culturais de sustentabilidadeà racionalidade da produção e equilibrar a efi-cácia produtiva com a distribuição do poder,de modo que sejam os atores conscientes deuma nova economia social quem decidam e

controlem os processos políticos e produtivose não apenas as leis cegas e os interessescorporativos do mercado. Emergem, assim, osprincípios de uma gestão ambientalparticipativa, a exigência da sociedade civil,das comunidades indígenas e dos povos dasflorestas, que demandam o acesso e a apro-priação de seus recursos, do entorno no qualhistoricamente se desenvolveram suas civi-lizações, dando-lhes o sustento vital e cultu-ral. Estas novas economias endógenas eautogestionárias se fundem em uma deman-da por democracia participativa e direta, queimplica o seu direito de pensar, propor e rea-lizar outros futuros possíveis, de gerar novastécnicas e de apropriar-se delas como forçaprodutiva e de democratizar os processos deprodução de seus meios de vida.

Assim, o movimento ambiental está abrin-do novas vias para reverter a degradação eco-lógica, a concentração industrial, a congestãourbana e a concentração do poder, para rom-per a alienação imposta por um modelohomogeneizante e desigual; para seguir a evo-lução da natureza em direção à diversidadebiológica e seguir a aventura da humanidadepela via da heterogeneidade cultural; para es-tabelecer formas mais produtivas e igualitári-as, mas, também, melhores formas de convi-vência social e de relação com a natureza.

Os imperativos da modernidade não devemlimitar-se a ajustar (forçar) as diversas condi-ções ecológicas, culturais e sociais, que deter-minam o aproveitamento eqüitativo e susten-tável dos recursos, aos princípios de umaracionalidade econômica que somente dá valorao patrimônio de recursos naturais e culturaisem termos de capital natural e humano, querdizer, do valor da força de trabalho e das matéri-as-primas determinado pelos mecanismos domercado. O desafio é desenvolver novas formasde articulação de uma economia global sus-tentável com economias de autoconsumocentradas na melhoria do potencial ambientalde cada localidade, que resultem altamente pro-

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dutivas, ao mesmo tempo em que preservem abase de recursos naturais e a diversidade bio-lógica dos ecossistemas. Isso exige a necessi-dade de promover formas de associação e in-vestimento que transfiram uma maior capaci-dade técnica e um maior potencial produtivo àspróprias comunidades, através de processos deco-gestão que melhorem as condições de vidada população, que assegurem a sustentabilida-de, a longo prazo, dos processos produtivos e queaumentem, ao mesmo tempo, os excedentescomercializáveis.

As perspectivas para o uso sustentável dosrecursos estão atravessadas por poderes desi-guais que defendem diferentes projetos de de-senvolvimento. Assim, os países do Norte ma-nifestam seu interesse em preservar a biodi-versidade do planeta e em explorar os recursosflorestais dos países subdesenvolvidos, ampa-rando-se nos direitos de propriedade intelectu-al e nas patentes sobre melhorias genéticas dosrecursos vegetais. Por outro lado, os países doSul resistem a ceder o controle sobre seus re-cursos aos mecanismos do mercado mundial eàs cada vez mais sofisticadas estratégias dedominação que estão desenvolvendo os paísesdo Norte, à base do controle do conhecimentocientífico, da propriedade das inovaçõesbiotecnológicas e de seu poder financeiro.

Ante esta disjuntiva, os princípios deracionalidade ambiental e produtividadeecotecnológica se vinculam à necessidade dereforçar o poder e as capacidades das própriascomunidades para empreender um desenvol-vimento endógeno, fundado no aproveitamen-to das florestas e bosques tropicais, a partir dosprincípios da autogestão comunitária e do usoecologicamente sustentável dos recursos na-turais. Esta estratégia deixou de ser somenteuma proposta de acadêmicos, intelectuais egrupos ambientalistas, para transformar-seem uma demanda das comunidades rurais.Surgiram, assim, numerosas experiências etodo um movimento ambiental que colocam naprática os princípios do ecodesenvolvimento e

da Agroecologia pelos próprios agricultores epovos da floresta, os quais lutam porreapropriar-se do controle coletivo de seus re-cursos naturais e culturais e pela reorganiza-ção de suas práticas produtivas.

Desde o final dos anos setenta, durante adécada dos 80 e ainda mais na década de 90,uma vertente do movimento ambiental vem sefirmando nas comunidades rurais, incorporan-do suas demandas tradicionais pela terra e pelaautogestão de seus recursos naturais. Isso sereflete na organização de produtores florestais,que lutam por transformar o regime de explora-ção dos recursos das empresas concessionári-as, por um novo modelo de apropriação do seupatrimônio de recursos, de autogestão da pro-dução e comercialização, adquirindo, ao mes-mo tempo, o controle sobre os serviços técnicosflorestais e gerando inovações técnicas a par-tir das práticas tradicionais de uso dos recur-sos. As propostas para o aperfeiçoamento sus-tentável das florestas e dos recursos naturaisestão arraigando-se em novas formas de orga-nização das comunidades, para a defesa e o con-trole coletivo de seus recursos, assim como parao desenvolvimento de estratégias produtivasalternativas. Está nascendo, assim, um novoespírito de organização coletiva, que mobilizaum desenvolvimento alternativo fundado nopotencial produtivo dos ecossistemas, na diver-sidade cultural e nas capacidades organizativasdas comunidades rurais.

Ao serem colocadas em prática estas estra-tégias produtivas de gestão participativa, seavança na realização de um desenvolvimentoalternativo, no qual se vai forjando uma novaconsciência social e um conhecimento coleti-vo sobre o potencial que encerra o manejo eco-lógico dos recursos naturais e a energia socialque surge nesses processos sociais deautogestão produtiva. Estes vão rompendo umlongo processo de exploração dos recursos e dascomunidades rurais - como forma de assegu-rar a acumulação de capital -, a centralizaçãopolítica e a concentração urbana, nos quais as

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50Agroecol.e Desenv.Rur.Sustent.,Porto Alegre, v.3, n.1, jan./mar.2002

economias de escala e de aglomeração setransformaram, superando patamares críticosde desequilíbrio ecológico e de tolerância soci-al, que se refletem no aumento da pobreza crí-tica e da degradação ambiental.

A partir desta constatação, está surgindouma demanda das comunidades para que o Es-tado reconheça seus direitos de uso, usufruto emanejo dos recursos florestais. Emerge, assim,uma nova consciência e um novo espírito deorganização coletiva, que mobilizam um desen-volvimento alternativo ao projeto neoliberal e aum modelo homogeneizador, alheio à diversi-dade cultural e ao potencial produtivo dos ecos-sistemas do trópico. A consolidação desses pro-cessos dependerá do fortalecimento da capaci-dade organizativa das próprias comunidades.Também requererá uma clara vontade políticapara apoiar estas alternativas de desenvolvi-mento, oferecendo os apoios técnicos e finan-ceiros básicos para a inovação e aplicação denovas técnicas para o fortalecimento destasnovas formas de organização produtiva.

Este movimento levou ao aumento do nú-mero de organizações rurais e camponesas,assim como de projetos de pesquisa, desen-volvimento e extensão orientados pelos prin-cípios da Agroecologia, gerando uma colabo-ração em forma de redes para o intercâmbiode experiências e conhecimentos, assimcomo para fortalecer o consenso social a fa-vor dos novos projetos produtivos, buscandoincidir nas políticas de produção rural e de-senvolvimento sustentável.

Desta maneira, um movimento social,cada vez mais amplo, avança na construçãode uma nova racionalidade produtiva, fun-dada em bases ecológicas para uma produ-ção sustentável, assim como em critériosde eqüidade social e de diversidade cultu-ral, capazes de reverter os processos de de-gradação ambiental e de gerar benefíciosdiretos para as comunidades responsáveispela autogestão de seus recursos

ambientais. Sem dúvidas, os moradores quehabitam os bosques, as selvas tropicais e asáreas rurais onde se significa sua cultura,onde se forjam suas solidariedades coleti-vas e se configuram seus projetos de vida éque podem assumir o compromisso de man-ter a base de recursos como um legado deum patrimônio histórico e cultural e comofonte de um potencial econômico para as fu-turas gerações.

6. EpílogoO tempo está comprovando que a crise

ambiental é, efetivamente, uma crisecivilizatória e que o movimento agroecoló-gico se inscreve no que podemos qualificarcomo uma grande transformação, que tal-vez leve a reverter o processo e as inérciasque desembocaram no holocausto ecológicoatravés da idéia do progresso e do cresci-mento sem limites. Para isso, será neces-sário construir uma racionalidade ambien-tal que incorpore um novo modelo de produ-ção, fundado por princípios da produtividadeneguentrópica. Isso haverá de conduzir auma regularização da vida que reverta asinércias que estão levando a uma hiperur-banização. Para isso, a ciência e as técni-cas da Agroecologia devem articular-se auma nova teoria da produção e a novas prá-ticas produtivas; à construção de um mun-do no qual predomine o Ser das coisas sobresua utilidade mercantil, onde se revalorizea terra e o trabalho e onde o ser humanopossa reconhecer-se em seus saberes e nosentido de suas ações.

A Agroecologia poderia converter-se, assim,na ponta de lança para a cristalização de umparadigma de produtividade ecotecnológica. AAgroecologia será o arado para o cultivo de umfuturo sustentável e haverá de articular-se aprocessos de transformação social que permi-tam passar da resistência à globalização à cons-trução de um novo mundo.

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51 Agroecol.e Desenv.Rur.Sustent.,Porto Alegre, v.3, n.1, jan./mar.2002

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TOLEDO, V.M. et al. La producción rural enMéxico: alternativas ecológicas. México:Fundación Universo Veintiuno, 1989.

1N.T.: O autor se refere aos professores

Víctor Manuel Toledo, Miguel A. Altieri, StephenGliessman e Eduardo Sevilla Guzmán.

2N .T. : A expressão produt i vidade

neguentrópica deve ser entendida desde umponto de vista de sistemas termodinamicamenteabertos - como são os processos biológicos e

naturais e o próprio planeta -, uma vez que, arigor, o Segundo Princípio da Termodinâmicaafirma que a entropia no universo é crescente.

3N.T.: A palavra crematística não tem

tradução direta ao português. Trata-se da parteda ciência econômica que se ocupa dos preços,do estabelecimento de preços das mercadorias.

Notas

7. Referências Bibliográficas

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52Agroecol.e Desenv.Rur.Sustent.,Porto Alegre, v.3, n.1, jan./mar.2002

53Agroecol.e Desenv.Rur.Sustent.,Porto Alegre, v.2, n.4, out./dez.2001

• Decisão final sobre transgênicos no Bra-sil deve sair depois das eleiçõesO projeto aprovado pela Comissão da Câmara dos

Deputados ainda deve demorar para se transfor-

mar em lei. O substitutivo do deputado Confucio

Moura (PMDB-RO) foi aprovado dia 12 de março,

na Comissão, em sessão marcada por tumulto e

manifestações. O projeto confere à Comissão Téc-

nica Nacional de Biossegurança (CTNBio) autono-

mia para arbitrar sobre a liberação de produtos

transgênicos, podendo ou não pedir a realização de

estudos de Impacto Ambiental (EIA/ RIMA) e avalia-

ções de agências governamentais de saúde. Além

disso, o substitutivo define que apenas alimentos

com teor de ingredientes transgênicos igual ou su-

perior a 4% devem ser rotulados. A aprovação do

projeto na Comissão é uma vitória do Executivo e

da Monsanto sobre as ONGs contrárias aos

transgênicos. Desde 1998, quando a CTNBio apro-

vou o plantio comercial da soja transgênica Roundup

Ready, da Monsanto, as ONGs vêm bloqueando sua

liberação na Justiça.

Para Flávia Londres, da AS-PTA, uma das organiza-

ções que integram a Campanha Brasil Livre de

Transgênicos, a derrota já era esperada. De acordo

com Flávia, o projeto vai primeiramente ao plenário

da Câmara. Se surgirem propostas de emendas na

Casa, volta para a Comissão, que irá elaborar pa-

recer sobre as propostas de mudanças. Só então o

projeto vai a votação na Câmara. Se aprovado, é

remetido à Comissão de Assuntos Sociais do Sena-

do, onde pode ou não ser aprovado com emendas.

Se for emendado, volta para exame na Câmara.

A previsão é que só depois das eleições de outubro

é que deve ser votado em plenário. Fonte: Agên-

cia Estado - 13 de março de 2002 - 23h16min - e

O Estado de S. Paulo, 15 de março de 2002.

• Soja é o produto orgânico mais planta-do no PaísEstudo do Banco Nacional de Desenvolvimento Eco-

nômico e Social (BNDES) e do PENSA/ Universidade

de São Paulo (USP) traçou perfil da produção brasilei-

ra de orgânicos. O levantamento estima que o Brasil

tenha hoje 13,1 mil produtores certificados, com 227

mil hectares de terra dedicados à produção orgânica

- 158 mil plantações e 119 mil pastagens. As vendas

estão crescendo muito, tanto para o consumo inter-

no quanto para exportação, que hoje já absorve 85%

da produção nacional. O estudo do BNDES desmistifica

alguns conceitos: não são os legumes e as hortaliças

os produtos com maior volume de produção de orgâ-

nicos. A soja ganha, com 31%, seguida das hortali-

ças (27%) e do café (25%). A maior área plantada é

com frutas (26%), depois cana-de-açúcar (23%) e

palmito (18%). Os estudos chegam em um momen-

to em que o setor busca sua profissionalização no

País. Uma das primeiras iniciativas que resultam de

um workshop realizado recentemente no Sebrae e

no PENSA/USP com integrantes da cadeia é pedir ao

IBGE que passe a coletar dados sobre agricultura or-

gânica com seus levantamentos agropecuários. A idéia

é ter subsídios para promover o crescimento susten-

tado da produção.

Fonte: Jornal Valor Econômico - 17/ 01/ 02.

• Brasil pode dobrar exportação de sojapara a ChinaO Brasil tem condições de dobrar o volume de ex-

portações de soja para a China em um período de

dois a três anos, na avaliação do presidente da

Câmara de Comércio e Indústria Brasi l-China,

Charles Tang. Em 2001, o Brasil exportou 3,160

milhões de toneladas do produto para aquele país,

a um preço médio de US$ 167 por tonelada. "Gran-

de parte da soja dos Estados Unidos e da Argenti-

na é transgênica, o que não acontece com a pro-

dução do Brasil. Diante das restrições da China e

da Europa em aceitar esses produtos transgênicos,

o Brasil tem boas possibilidades de aumentar os

embarques para lá", disse Tang.

O presidente Bush volta para os EUA de “mãos

vazias” das negociações com os chineses sobre a

questão da soja transgênica. Os chineses vão im-

por barreiras ao produto e os americanos podem

perder esse mercado de US$1 bilhão.

Fonte: Gazeta Mercantil, 04/ 03/ 02, e Folha de S.

Paulo, 23/ 02/ 02.

• Aplausos para a União EuropéiaA União Européia colhe aplausos de ativistas de

Page 52: Revista Agroecologia e Desenvolvimento Rural Sutentável 01_01/2002

53 Agroecol.e Desenv.Rur.Sustent.,Porto Alegre, v.3, n.1, jan./mar.2002

54Agroecol.e Desenv.Rur.Sustent.,Porto Alegre, v.2, n.2, jul/set.2001

ambiente de todo o mundo por ter decidido enca-

minhar a ratificação, em bloco, do Protocolo de Kioto,

acordo internacional que regulamenta as emissões

de gases estufa. A partir disso, torna-se quase certa

a implementação do protocolo, apesar da oposição

dos Estados Unidos, principal emissor do mundo.

Fonte: w.w.w.envolverde.com.br - 06/ 03/ 02.

• Sistemas agroecológicos são utilizadosem plantações de milho na ÁfricaUma pesquisa realizada pelo Centro Internacional

de Fisiologia e Ecologia de Insetos (ICIPE, na sigla

em inglês), junto com agricultores da África, che-

gou a um interessantíssimo sistema ecológico que

já está sendo largamente utilizado por produtores

de vários países. Três sérios problemas como ata-

que de lagartas, plantas espontâneas e baixa pro-

dutividade nas plantações de milho foram elimi-

nados. O milho foi plantado em consórcio com a

leguminosa Desmodium unicatum e em volta da

área foram cultivadas três carreiras de capim-ele-

fante. A leguminosa repele as mariposas/ lagartas

de dentro da plantação e o capim-elefante atrai

em média 80% das lagartas, evitando dano ao mi-

lho. Além disso, a leguminosa cobre o solo e por

ação alelopática elimina a principal erva espontâ-

nea que prejudica o milho, a erva de São João,

sem, no entanto, competir com o cereal. Ocorreu

uma interação positiva entre o milho e a

leguminosa, que ainda fixa nitrogênio, melhoran-

do atributos químicos, físicos e biológicos do solo.

Atualmente os agricultores africanos que adotaram

o sistema colhem cinco vezes mais milho do que

colhiam anteriormente.

Fonte: Greenpeace (Receitas contra fome).

• Consórcio de milho com feijão-de-porcoNo Brasil, alguns experimentos semelhantes ao sis-

tema utilizado na África vêm sendo realizados no

Centro de Agrobiologia da Embrapa e na Universi-

dade Federal de Viçosa, ressaltando-se o consórcio

de milho com feijão-de-porco e com Crotalaria

juncea, que levam a resultados importantes como

os dos africanos. É preciso, entretanto, que sejam

alocados mais recursos para essas pesquisas e que

sejam realizados campos experimentais/ demonstra-

tivos em fazendas em diversas regiões. Essas técni-

cas ecológicas são viáveis para pequenos ou gran-

des agricultores, com ou sem irrigação, dependen-

do apenas do desenvolvimento de detalhes

operacionais para cada situação.

Fonte: Greenpeace (Receitas contra fome).

• Elementos radioativos combaterão pra-ga na agriculturaEspecialistas realizaram, em fevereiro, no auditório

do Ministério da Agricultura, um seminário para apre-

sentar um projeto de construção de uma biofábrica

para combater a mosca do Mediterrâneo. Esta espé-

cie de inseto é considerada uma das maiores pragas

do mundo na agricultura e causa um prejuízo de mi-

lhões de dólares por ano à fruticultura. Segundo os

especialistas, a biofábrica utilizará elementos radioa-

tivos, como o cobalto e o césio, para produzir milhões

de moscas estéreis, visando à erradicação do inseto

nas áreas pré-selecionadas.

Fonte: Agência Brasil - 27/ 02/ 02.

• Aumenta procura por certificaçãoIndústrias brasileiras ampliam o investimento na

certificação de soja convencional e seus derivados

como "GMO free", isto é, sem a presença de orga-

nismos geneticamente modificados. As principais

certificadoras que atuam no Brasil, SGS e Genetic

ID, prevêem crescimento dos volumes de produtos

certificados em 2002 pela maior demanda e maior

safra de soja no País. Para Augusto Freire, gerente

de negócios da Genetic Id, na safra 2001/ 2002, a

quantidade de farelo de soja certificado no Brasil

deve chegar a 4,5 milhões de toneladas, 500 mil a

mais que na safra passada. A procura por certificação

não é mais exclusividade das esmagadoras. "Hoje,

já atendemos fábricas de ração e duas cooperati-

vas de produtores", afirma Marcos Antonio Zwir,

diretor da divisão agrícola da suíça SGS no País. A

maioria delas, acrescenta, são fornecedoras de in-

dústrias de carne e mesmo de esmagadoras de

soja que exportam.

Fonte: Valor Econômico, 18/ 02/ 02.

Agência Estado, Quarta-feira, 13 de março de 2002

- 23h16min,

http:/ / www.estadao.com.br/ ciencia/ noticias/ 2002/

mar/ 13/ 296.htm

Page 53: Revista Agroecologia e Desenvolvimento Rural Sutentável 01_01/2002

54Agroecol.e Desenv.Rur.Sustent.,Porto Alegre, v.3, n.1, jan./mar.2002

• http:/ / www.chapingo.mx/ agroecologia/Site da Universidade Autônoma de Chapingo, no

México, que traz informações sobre a formação

curricular e a formação de agroecólogo (Ingeniería en

Agroecología). O profissional é considerado como: "es

el profesional que posee la capacidad para diseñar,

ejecutar y evaluar sistemas de producción agrícola,

integrando los procesos ecológicos, tecnológicos y

sociales en la perspectiva del manejo y conservación

de los ecosistemas y agroecosistemas".

• http:/ / www.ciedperu.org/ bae/ nbae.htmProduzido no Peru, o Boletín Agroecológico do Cen-

tro de Investigacion, Educacion y Desarrollo (CIED)

é bimestral, editado desde 1990, e reproduz uma

seleção de artigos especializados em DRS e Agroe-

cologia. O El BAE é descrito como é uma importan-

te ferramente de informação, reflexão e debate para

a geração de uma corrente de opinião crítica entre

os profissionais, universidades, instituições de pro-

moção rural, visando a criar as condições que per-

mitam contribuir para tornar realidade o desenvol-

vimento rural, humano e agroecológico.

• http:/ / www.acicafoc.org/ 04/ 08.htmlA Asociación Coordinadora Campesina e Indígena

de Agroforestería Comunitaria - CICAFOC - é uma

organização internacional da América Central, de

base comunitária, que busca a integração sócio pro-

dutiva local, impulsiona o ecodesenvolvimento e o

"empoderamiento" das comunidades indígenas e

camponesas. Reúne associações, cooperativas, fe-

derações e grupos organizados. O site traz informa-

ções dessas atividades, inclusive sobre mulher, Agro-

ecologia e segurança alimentar, temas que a enti-

dade vem trabalhando.

• http:/ / www.viarural.com.br/ multimidia/multimidia.phpO Via Rural é um site da Procergs/Governo do Estado

do Rio Grande Rural, que traz, entre outras informa-

ções para o setor agropecuário, matérias veiculadas

no programa Rio Grande Rural , produzido pela

EMATER/ RS e veiculado na TVE/ RS. Nas reportagens,

o navegador/ telespectador encontra diversas matéri-

as sobre agroecologia e desenvolvimento da ativida-

de rural auto-sustentável.

• http:/ / www.fbpn.org.brO site da Fundação O Boticário de Proteção à Natureza

traz os principais projetos da entidades, que objetivam

promover e realizar ações de conservação da natureza

para garantir a vida no planeta. Pode-se encontrar ainda

informações sobre o Centro de Capacitação Técnica

em Conservação da Natureza, criado pela Fundação

para desenvolver e capacitar profissionais em diferen-

tes áreas da conservação da natureza e do desenvolvi-

mento sustentável. O site divulga publicações distribu-

ídas gratuitamente a estudantes e interessados.

• http:/ / www.bioland.com.br/A Bioland é uma empresa de tecnologia dirigida à

produção e à comercialização de condicionador de solos

(composto orgânico). Utiliza como matéria-prima em

seu processo industrial, entre outros insumos, lodos

biológicos de estações de tratamento de efluentes in-

dustriais, e outros resíduos orgânicos advindos da pro-

dução ou do descarte industrial e agroindustrial. No

site, há informações sobre o produto - composto -,

além de links interessantes na área de reciclagem.

• http:/ / www.uol.com.br/ ambienteglobal/O site Ambiente Global é um espaço de divulgação de

notícias sobre meio ambiente. Apresenta notícias, re-

portagens, entrevistas, bate-papos, enquetes. Um

exemplo é o pronunciamento recente de Norman

Borlaug, Prêmio Nobel da Paz em 1970, pai da Revo-

lução Verde, sobre transgênicos. "Os alimentos trans-

gênicos constituem uma opção válida para combater a

fome no mundo", afirmou o cientista norte-america-

no, que transformou a agricultura nos anos 50 e 60.

• http:/ / www.uct.cl/ magistercds/ index.htmlO site da Universidade Católica de Temuco, México,

através do Centro de Desenvolvimento Sustentável

(CDS), divulga informações sobre os desafios da sus-

tentabilidade. A Universidade desenvolve o Progra-

ma Magister Gestión en Desarrollo Sustentable, pa-

trocinado pelo Consórcio Latinoamericano de Agroe-

cologia e Desenvolvimento (CLADES) e pelo Centro

de Educação e Tecnologia (CET). O Programa é uma

estratégia inovadora para formar recursos humanos

profissionais que aumentem a eficiência e eficácia das

institituições responsáveis pela promoção do desen-

volvimento sustentável.

E coL inks

Page 54: Revista Agroecologia e Desenvolvimento Rural Sutentável 01_01/2002

55 Agroecol.e Desenv.Rur.Sustent.,Porto Alegre, v.3, n.1, jan./mar.2002

Prevenção e controle da mamite

A mamite ou mastite é uma inflamação dasglândulas mamárias das vacas, provocada porcoliformes fecais, fungos ou bactérias. No dia-a-dia do trabalho a campo, alguns cuidadossão importantes para prevenir a sua ocorrên-cia, assim como para a sua rápida identifica-ção e tratamento adequados após a infecção.Devem ser observados especialmente os se-guintes aspectos:

— Promover o bem-estar dos animais, comboas condições de alimentação (pastoreiorotativo), sombra e água de boa qualidade.

— O local da ordenha deve ser limpo, seco,arejado, com piso adequado.

— Conservação, limpeza, desinfecção eguarda em local adequado do conjunto deordenha.

— Uso de água potável em todo o proces-so de ordenha e limpeza do material.

— Fazer semanalmente o teste da raquete(CMT), para detecção da mamite subclínica.

— Uso de caneca de fundo preto ou telada

(três primeiros jatos) em todas as ordenhas.— Desinfecção dos tetos pós-ordenha e ma-

nutenção das vacas em pé por aproximadamen-te uma hora após a ordenha, para evitar a con-taminação dos tetos.

— Lavagem e secagem dos tetos com toalhasde papel.

— Realizar uma secagem adequada da vacae fazer tratamento das vacas com produtos al-ternativos, quando for o caso, no período seco.

Tão logo o diagnóstico indique a presençada contaminação do leite com mamite, deve-seiniciar o seu tratamento, procurando sempre quepossível usar tratamentos alternativos. A seguirserão descritos alguns desses tratamentos.

Receitas para tra tamento e pre-venção de mamite

1) Chá de ervas

Ingredientesusar apenas uma ou duas das seguintes plan-

dicAgroecológica

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dicAgroecológica

tas: malva, tansagem, guanxuma, erva-de-bicho, cardo-santo, carqueja, babosa,bardana, calêndula, sabugueiro, camomila,marcela, picão, salsa, confrei, alecrim; azeite(de girassol, soja, canola ou oliva) e água.

Partes da planta: planta inteira (folha,flor, raiz).

Modo de preparo e usoFerver 30 a 50 gramas da planta seca em

um litro de água, por 50 minutos. Abafar emisturar 15 ml do chá com um dos óleos aci-ma. Aplicar 20 ml dentro do teto, duas vezespor dia, durante três a cinco dias.

2) Macerado de a lho

Ingredientes1 xícara de alho descascado, moído ou

picado, e 1 litro de álcool de cereais ou ca-chaça.

Modo de preparo e usoDeixar o alho em infusão no álcool ou ca-

chaça por pelo menos 15 dias, agitando dia-riamente. Coar e misturar 1 a 2 ml da soluçãoem 10 ml de água fervida. Aplicar dentro doteto 1 a 2 vezes por dia, durante 5 dias.

Pode-se ainda usar 7 dentes de alho es-magados em 100 ml de azeite. Ferver em ba-nho-maria por 40 a 60 minutos, coar e apli-car 10 ml dentro do teto, 1 vez por dia, du-rante 5 dias.

3) Casca de angico

Ingredientes30g de casca de angico (miolo da casca

desfiado), 1 litro de azeite (de oliva, giras-sol, soja ou milho).

Modo de preparo e usoColocar a casca de angico em 1 litro de

boca larga e cobrir com óleo. Ferver em ba-nho maria por 40 minutos a 1 hora. Coar eaplicar 10 a 20 ml dentro do teto, 1 vez ao

dia, durante 5 dias. Pode-se também usar a cascade angico moída, fornecida na ração (30g por dia).

4) Própolis

IngredientesPrópolis, álcool ou cachaça.Modo de preparo e usoColocar 1 xícara de própolis em 1 litro de álco-

ol ou cachaça. Deixar em repouso por 24 horas.Colocar 20 a 40 gotas desta solução em 20 mldos chás das ervas para mamite. Aplicar 10 a 20ml desta mistura, dentro do teto, 2 vezes ao dia,durante 3 dias.

5) Leite da própria vaca

IngredientesLeite da própria vaca portadora de mastite.

Modo de preparo e usoInjetar 20 ml de leite do teto com mamite no

músculo; fazer uma aplicação diária, durante 3 diasseguidos.

Fonte: adaptado de GARCIA, João Paulo Oli-veira, e LUNARDI, Jorge João. Práticas alter-

nativas de prevenção e controle de doenças debovinos. Porto Alegre: EMATER-RS/ASCAR,2001. 46 p.

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Produção orgânica:também socialmenteexcludente?

*CCA/ENR/UFSC - [email protected];[email protected]

sos do sustentável, a lógica mercadológicasubjacente ao pensar de ciosos promotores dodiscurso da produção agroecológica, a fragili-dade epistemológica ou mesmo a falta de dis-ciplina no discurso da interdisciplinaridade, ea visão de mundo que materializa a noção de

ambiente em componentes domeio de onde ambiente podeemergir, constituem-se, entreoutros sofísticos produtos da sofis-ticação da linguagem, reais difi-culdades às sãs intenções de tan-tos que discursam com facilida-de. E é ingenuidade crer que apretexto da honestidade e da boaintenção presentes em quem dis-cursa, os prejuízos em decorrên-cia de um discurso confuso pos-sam ser menores do que aquelesproduzidos pela intenção conde-nável. E na promoção da "produ-ção orgânica" não poderia ser di-ferente.

Produção orgânica: possibi-lidades num discurso

Virtualmente todos aprovam iniciativasque para a maioria possam parecer sem-pre adequadas à promoção de relações so-cialmente saudáveis: é natural, animal eespecialmente humano o anseio de susten-tação e fortalecimento do tecido social. To-davia, nem em todas as boas iniciativashumanas logra-se obter só resultados soci-almente desejáveis.

As mais ricas possibilidades na produ-ção orgânica têm sido apontadas principal-mente em poucos e quase óbvios argumen-tos: alimentos de melhor qualidade; redu-ção da poluição; menor produção de entropia(menor taxa de redução de acesso aos re-cursos); e maior valor monetário do produ-to. O primeiro argumento remete ao crité-rio sanitário; o segundo e o terceiro, ao cri-

D'Agostini, Luiz Renato; Fantini, Alfredo Celso*Pavavras-chave: Produção Orgânica, Agroecologia

IntroduçãoExpressões como produção agroecológica e

produção orgânica (normalmente traduzidascomo produção agrícola sem o uso de insumosde síntese industrial) já fazem parte da lingua-gem corrente. O uso de uma sonora e rica lin-guagem, que foi possível para nossa espécie,foi determinante à distinção do Homo sapiensentre todos os primatas. E para as possibilida-des de o humano gerar humanidade, a lingua-gem em evolução ainda é, ao mesmo tempo, omais poderoso instrumento e a maior de todasas ameaças: a insustentável leveza de discur-

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tério conservacionista; e o quarto, ao cri-tério econômico; todos critérios relevantespara humanos igualmente interessados naprodução orgânica, mas com prioridadescomumente diversas na orientação dos dis-tintos interesses. E mesmo interesses di-versos não implicam sempre interessesmenos legítimos, e muito menos falta decritérios na percepção de interessados. Oque há são diferenças na ordem de priori-dade entre os mesmos critérios relevantesem uma mesma questão. Identificar crité-rios importantes sobre uma questão é qua-se sempre muito fácil. Menos fácil é reco-nhecer legitimidade e respeitar divergên-cias de priorização em relação a eles. Ain-da menos fácil é compatibilizar as diferen-ças de priorização de critérios; diferençasessas que, na produção orgânica, normal-mente são tudo o que distingue interessesigualmente legítimos ou simplesmente le-gitimados.

A relevância e a priorida-de: o fator humano

O poder institucionalizado tem priorizadoa ciência, ou melhor, a tecnologia, em detri-mento da filosofia. A ciência, por sua vez,prioriza aspectos importantes à luz de fatos apartir dos quais o conhecimento se orienta -quase sempre na busca de soluçõestecnológicas -, em detrimento da suficientecompreensão de relações cuja importânciadecorre de prioridades orientadas por vonta-des. Mas o ser humano não é movido apenaspor necessidades objetivas ou por aquilo quea ciência pode objetivamente explicar. Maisdo que pelo conhecimento sustentado em fa-tos, somos todos principalmente movidos porvontades alimentadas por nossos valores. Nãose poder objetivamente predizer vontades oupreferências humanas pode ser um fato queprecisemos aceitar, mas tanto quanto emdescrever, explicar e prever de forma preci-

sa, o valor de uma boa ciência pode estar nasuperação de problemas num mundo de von-tades que não podemos precisar. E pensar quea (re)valorização da produção orgânica é pro-duto de conhecimento científico novo seriadesconsiderar uma injusta realidade social,não compreender as relações humanas quea engendram e, em especial, negar o comple-xo sistema de interesses que provocam o des-pertar para essa produção orgânica.

Muitos, mas especialmente uns poucosconsumidores socialmente privilegiados,vêem na produção orgânica uma rica opor-tunidade de satisfação a partir das caracte-

rísticas intrínsecas do produto e de particu-laridades do processo produtivo. E para o "pro-dutor orgânico", duas são as mais ricas opor-tunidades: a possibilidade de assegurar ren-tabilidade adequada a sua atividade, e a se-gurança e satisfação de produzir de formaecologicamente desejável. Mas, reconheça-se, a maioria que produz ainda é movida so-bretudo pelo valor monetário atribuído ao pro-duto orgânico. Assim, o consumo e a produ-ção orgânica orientam-se principal e respec-tivamente pela qualidade do produto que pou-cos podem adquirir, e pelo preço que satisfazquem já o produz.

As relações preço-quantidade não sãorevogáveis entre Homo economicus; e entre es-ses, muito menos pelo Homo academicus. Umaeventual maior produção poderia, assim, redu-zir os preços do produto orgânico. Reduções nos

Para “ o produtor orgânico” , duas

são as oportunidades: assegurar

rentabilidade adequada a sua ativi-

dade, e a segurança e satisfação de

produzir de forma ecologicamente

desejável

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preços hoje elevados podem (re)incluir interes-sados em consumir o melhor, mas não podemou não devem ser suficientes à (re)inclusão dosmuitos já excluídos e que há muito não conso-mem nem mesmo o suficiente, pois tambémimplicaria tornar financeiramente desinteres-sante uma opção produtiva que permite a al-guns resistirem produzindo. Claro que nessesargumentos poderia estar havendo umasubvalorização das possibilidades encerradas nasegurança e na satisfação de produzir produtoorgânico para todos. Enfim, a redução no preçode uma produção crescente seria compensadapelo prazer e pela segurança de produzir o me-lhor; a perda de rentabilidade em atividadeshumanas não anula a condição Humana ne-cessariamente presente na geração de Huma-nidade. Claro, assim como o desconforto relati-vo na substituição do automóvel pelo transpor-te coletivo pode(ria) ser compensado pelo pra-zer de estar poluindo menos o ar.

Apontar o socialmente ideal sem reconhe-

cer a necessidade de superar a ideologia doideal no direito individual, que orienta a so-ciedade ocidental, é apenas um discurso quecapitaliza oportunidades em um mundo real -e portanto não-ideal. O ideal só pode seroperacionalizado dentro do real. O real certa-mente pode ser mudado. Mas muito mais doque de ações técnicas complicadas que hu-manos saberiam implementar, as possibili-dades comumente pressupostas na produçãoorgânica dependem de ações Humanas queassegurem adequada significação ao que étecnicamente fácil compreender: um exercí-cio de transição entre saber muito e sabermelhor. Em outras palavras, tanto ou mais doque compreender a dinâmica de processos dosquais resultam produtos interessantes, ne-cessitamos compreender e principalmentehumanizar a dinâmica de interesses sobreesses processos e produtos.

Como bem apontou Georgescu-Roegen, nãohá como assegurar mais coisas interessan-tes para alguns viverem ainda melhor, semque fique cada vez mais difícil assegurar osuficiente para muitos sobreviverem: é o queresulta imposto pelas relações naturais quepermitem e inspiram diferentes enunciadosa um mesmo Segundo Princípio datermodinâmica. E é ainda mais penoso con-viver com o que nos impõe o Segundo Princí-pio, quando àquelas relações naturais asso-ciam-se as que orientam as relações econô-micas num livre-mercado em que a produçãoorgânica ainda encontra-se imersa. Aos in-teresses daqueles que hoje efetivamente sus-tentam a produção orgânica, isto é, daquelescom renda que lhes permite adquirir produ-tos melhores, é de todo interessante que oproduto orgânico seja sempre de preço muitoelevado - é uma garantia de oferta de produtobom para eles e muito caro para os outros:assim como não há fila para os passageirosde primeira classe, não haverá fila de consu-midores e nem falta de produto de primeira.

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Certamente que um preço elevado para o pro-duto também é uma boa oportunidade para quemproduz. Mas, sublinhe-se, mesmo para produtosorgânicos, a produção de alimentos por um únicoprodutor é equivalente à demanda de vários con-sumidores. E como consumidores que se caracte-rizam mais pelo poder financeiro do que pelas ne-cessidades básicas são sempre relativamentepoucos, só muito poucos pequenos produtores po-dem viver aquela boa oportunidade. Excluem-se,assim, facilidades em uma expectativa de que aprodução orgânica num livre-mercado possa cons-tituir-se em fator de distribuição de renda ou dejustiça social. E mesmo que poucos, os produtoresque passam a produzir o que sem dúvida é melhore o que poucos podem consumir, efetivamente sãoagricultores que deixam de produzir o que é me-nos bom, embora acessível a muitos.

Na medida que produzir o melhor possaimplicar produzir em menor quantidade (e nãoconcordar com isso é só pretender limitar amensagem contida no Segundo Princípio aoque tratam livros de introdução à físico-quí-mica), pode-se valorizar o fato de mais pesso-as serem demandadas no processo produtivo;o que é muito bom, pelo menos por um lado -mais produtores são envolvidos num proces-so produtivo ecologicamente mais sadio emelhor remunerado. Mas, por outro lado, namedida em que isso implique uma transfe-rência de mão-de-obra entre sistemas de pro-dução, sem que os ideais presentes na produ-ção orgânica possam superar as duras "leisdo mercado" em que se inserem, essa trans-ferência implica mais uma possibilidade deque alguns poucos tenham ainda mais do bom,e de que muitos tenham ainda menos daqui-lo que ainda poderiam ter. E não seria parapoucos que se defende o acesso às ricas pos-sibilidades na produção orgânica, e seria aindamenos para reduzir qualquer tipo de acesso.

Restariam, ainda, para compensar possíveisdificuldades decorrentes das relações de mer-cado, as vantagens inerentes a uma crescente

satisfação com o "como se produz". Os pequenosprodutores receberiam menos pelos seus ricosprodutos, mas muitos "pequenos consumidores"também viveriam as ricas vantagens encerra-das numa produção orgânica. E essa satisfação"não há dinheiro que pague". Todavia, uma durarealidade recomenda cautela no otimismo. Nãoporque pequenos produtores não possam ter agrandeza de virem a produzir melhor e vendermais barato, mas em decorrência da presençada lógica mercadológica subjacente a um dis-curso comumente pretendido em oposição às"leis do mercado". Haverá sempre a possibilida-de de agregar valor ao produto. Valor que, note-se, em decorrência dessa lógica subjacente, nor-malmente é reduzido a preço. Agregação de va-lor ao produto tem significado, não raramente,acondicioná-lo numa embalagem que o tornaainda menos acessível a muitos. E um elevadovalor atribuído ao produto orgânico é toda a aju-da que o consumidor privilegiado necessita doconhecimento sistematizado para sempre dis-por de um produto com valor intrínseco elevado(e certificado!). E isso não pode estar de acordocom os valores daqueles que discursam na pro-moção da produção orgânica. Mas está totalmen-te de acordo com os legitimados interesses da-queles consumidores de maior renda que se-quer precisam eles mesmos discursar - acadê-micos e políticos passaram, sem querer, a fazê-lo por eles.

A produção orgânica e osistema de interesses

Mais do que a um conjunto de técnicas eprocedimentos interessantes inspirados emconhecimento, também a produção agrícola -incluída a orgânica - remete a um complexosistema de interesses, sendo que o poder pre-sente nesses interesses tem sido muito desi-gual. Já não cabe a crença da suficiência téc-nica de compreender e promover intrincadosprocedimentos técnicos para solucionar com-plexos problemas humanos. Poder-se-ia, tal-

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vez, afirmar que à luz dos princípios da confi-ança e da solidariedade, que orientariam a pro-dução orgânica, todos os legítimos interessesresultam sempre compatíveis entre si e coin-cidentes em priorizar os critérios relevantes...Sobre o princípio da confiança: seria a mes-ma confiança que demanda a certificação doproduto orgânico? Sobre o princípio da solida-riedade: "Generosidade... ...verdadeiramentegenerosa,... contando que vá além da solidari-edade!", é o que nos lembra André Comte-Sponville em seu Pequeno Tratado das Gran-des Virtudes. Mas, admitamos, pelo menosnum primeiro momento, que solidariedade sig-nifique o que pretendem alguns: generosida-de, amor ao próximo. E então, não se poderianegar manifestações de altruística solidarie-dade por parte de seres Humanos: desde aqueleque há milênios nos propôs repartir o pão, eentre outros menos lembrados, Gandhi comtodos os indianos, Madre Teresa com os indi-anos mais pobres, Irmã Dulce com outros po-bres, soldados com o pobre povo Afegão, (apa-rentemente) quase todos com os novaiorqui-nos, os banqueiros com os Argentinos ... (masnão divaguemos!) ...dos subsidiados agriculto-res do mundo rico e desenvolvido com ossubsistentes agricultores sul-americanos e,

finalmente, quiçá, dos peque-nos dentre esses últimos comalguns ávidos consumidores debons e certificados produtos... Eainda não seria a solidarieda-de humana (a virtude pressu-posta) que emerge em especialna produção orgânica, mas sima emergência da rica proprie-dade Humana, a generosidade,que permite praticá-la em qual-quer relação entre humanos.

"Não é de solidariedade que a Áfri-

ca ou a América do Sul necessitam,

mas de justiça e de generosidade!.

...e a generosidade só é uma virtude

tão grande e tão gabada porque é mui-

to fraca em cada um, porque o egoís-

mo é mais forte sempre, porque a generosidade só

brilha, na maioria das vezes, por sua ausência..."

Não precisamos concordar com Comte-Sponville; e muito menos com uma imprová-vel reprovação da produção orgânica. Mas es-tão excluídas as possibilidades de produzir jus-tiça social através de um discurso fácil. Con-tudo, num mundo em que capital (capitale: re-lativo à cabeça, principal) foi assimilado ao bemmaterial, já não causa surpresa aquele quediscursa sem perceber todas as relações capi-tais que o inspiram. No discurso da produçãoorgânica, encontramos um mundo de socia-listas por convicção, mas, também, reconhe-ça-se, uma larga predominância de capitalis-tas no modus faciendi. Há mais sabedores decomo criar fatos para capitalizar ganhos e con-tinuar a discursar obviedades, do que sabedo-ria de fato sobre as reais possibilidades em tor-no do que se discursa.

Bi b l i o graf i a re co me nd ad a

Georgescu-Roegen, N . The stea dy sta te a ndecologica l sa lva tion: a thermodynamic analysis.BioScience, v.27, n.4, 1977.

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62Agroecol.e Desenv.Rur.Sustent.,Porto Alegre, v.3, n.1, jan./mar.2002

CLARO, Soel Antonio.R e f e r e n c i a i stecnológ icos pa ra aa gricultura fa mil ia recológica : a experi-ência da Região Cen-tro- Ser ra d o RioGrande do Sul . Por-to Alegre: EMATER/RS-ASCAR, 2001.

Esta obra de Soel Antonio Claroconstitui uma importante contribuição para todosaqueles que estão preocupados com a viabilidadeda agricultura familiar e, especialmente, para os queestão trabalhando numa perspectiva de mudançaprofunda no padrão tecnológico do sistema agrícolaconvencional, já que, como lembra o autor, "este sis-tema apresenta evidentes e intensos sinais de esgota-mento, decadência e insustentabilidade, devido aos seusimpactos negativos sobre o meio ambiente, a saúde hu-mana e a economia". E, como resultado desse proces-so, a sociedade passa a depender, crescentemente,de uma agricultura de base ecológica, mais exigenteem conhecimentos e em tecnologias, assim comomenos degradadora dos recursos naturais e de ener-gias não renováveis. Enfim, necessitamos de um esti-lo de agricultura que, além de respeitar o ambientecomo forma de garantir níveis adequados de produ-tividade física através do tempo, tenha condições degerar produtos com qualidade biológica superior,potencializar recursos de mão-de-obra existentes nascomunidades rurais e remunerar satisfatoriamenteas famílias envolvidas no manejo dos agroecossiste-mas. Nesse contexto, as contribuições de Soel Clarose dão num plano de caráter bastante prático, poiso conteúdo de sua obra simboliza, em grande medi-da, o resultado dos esforços realizados por um gru-po de colegas, agricultores e colaboradores, ao lon-go de duas décadas, na região Centro-Serra do RioGrande do Sul. Mais do que simplesmente um con-junto de tecnologias e processos de produção, osreferenciais apresentados pelo autor têm o objetivode despertar o interesse daqueles que estão hoje de-

safiados a gerar, testar e validar processostecnológicos para os distintos contextos socioeco-nômicos e biofísicos nos quais se insere a agricul-tura familiar. Esses referenciais são também degrande importância para extensionistas rurais, po-dendo ser utilizados como guia ou orientação geralpara o manejo e desenho de agroecossistemascom a participação de agricultores. Convém res-saltar, nesse sentido, que a apostila não pode sertomada como um livro de receitas ou pacotestecnológicos verdes, até porque sua construçãosomente foi viabilizada a partir do reconhecimen-to de que as tecnologias e processos produtivosprecisam se adaptar aos distintos ambientes, e nãoo contrário. Finalmente, vale notar que boa partedas contribuições do autor estão mais situadasno que o professor Stephen Gliessman denomi-naria de segundo nível da transição agroecológi-ca (caracterizado pelos esforços de substituiçãodos insumos caros e prejudiciais ao meio ambien-te), embora todas elas estejam orientadas ao ter-ceiro nível (redesenho do agroecossistema, paraque funcione com base em um conjunto novo deprocessos ecológicos e sociais). Em suma, estamosdiante de uma obra que, ao mesmo tempo emque nos oferece uma série de ensinamentos e sub-sídios de caráter prático, nos provoca e nos esti-mula a aperfeiçoar nossa ação de pesquisa e ex-tensão rural, via processos participativos, nesserico período de formação agroecológica.

Resenha elaborada por José Antônio Costabeber,EMATER/RS. E-mail [email protected]

EMATER. Rio Grande do Sul - ASCAR. Agroe-cologia . Porto Alegre:EMATER/RS, 2001. 1 CD

O CD-ROM de Agroeco-logia, lançado pela EMATER/RS, conjuga uma série demateriais sobre conceitos epráticas em Agroecologia.

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63 Agroecol.e Desenv.Rur.Sustent.,Porto Alegre, v.3, n.1, jan./mar.2002

Essa produção dispõe para leitura e impressãoquatro livros, oito teses (mestrado e doutorado),seis edições da Revista Agroecologia e Desenvol-vimento Rural Sustentável e uma relação da Bibli-ografia sobre Agroecologia. Além disso é possí-vel ver e ouvir dez vídeos de práticas em Agroe-cologia produzidas pelo Programa Rio GrandeRural.

Entre os livros do CD-ROM existem dois vol-tados a aspectos técnico-agronômicos e outrosdois sobre Educação Ambiental e Desenvolvi-mento Sustentável. O livro Agroecologia Aplica-da - Práticas e Manejo para uma Agricultura deBase Ecológica, coordenado pelo agrônomo daEMATER/ RS Gervásio Paulus, possibilita a apre-ensão de alguns princípios e práticas de umaagricultura de base ecológica, não sob a formade "receitas", mas sim uma espécie de diálogocom os elementos do agroecossistema e o queestá " além da porteira".

Outra publicação tem como título: Solos - Ma-nejo Integrado e Ecológico, coordenado pelostécnicos da EMATER/RS Tabajara Ferreira, RicardoSchwarz e Edemar Streck. Esse livro analisa umasérie de elementos relacionados a caracteriza-ção dos solos, adubação e manejo. Propõecaminhos teóricos e práticos, com vistas a im-plantar sistemas de produção a partir do ma-nejo ecológico do solo, sem o uso de agrotóxicos,embasados na cobertura permanente do solo eno sistema de plantio direto.

Dentro de uma linha de discussão ligada aodesenvolvimento sustentável, encontra-se o li-vro do professor Sérgio Martins, denominadoAgricultura, ambiente e sustentabilidade: seuslimites para América Latina. O trabalho doMartins busca "desconstruir" o conceito de de-senvolvimento sustentável, problematizando suaaplicabilidade no contexto da América Latina eos desafios que são colocados na busca da sus-tentabilidade.

Por fim, temos o livro da técnica da EMATER/RS Isabel Cristina de Moura Carvalho, Em dire-

ção ao mundo da vida: interdisciplinariedade e edu-cação ambiental. Esta publicação se inscreve noplano da educação ambiental, permitindo um"olhar" sobre a questão da interdisciplinaridade,da ecologia e suas relações, no contexto das prá-ticas educativas.

Entre as teses e dissertações disponibilizadasno CD-ROM, encontram-se:

— La Extensión Agrária del Sector Público deFrancisco Roberto Caporal (Tese).

— Acción Colectiva y Procesos de TransiciónAgroecológica en Rio Grande do Sul, Brasil" de JoséAntônio Costabeber (Tese).

— Pluralismo metodológico em la producción yci rcu lación del conocim iento agrar io .Fundamentacion epistemológica y aproximaciónempírica a casos del sur de Brasil" de João CarlosCosta Gomes (Tese).

— Agricultura Ecológica em Brasil-Perspectivassocioecológicas, João Carlos Canuto (Tese).

— Integración entre Investigación y ExtensiónAgraria en un contexto de descentralización delEstado y sustentabil ización de políticas dedesarrollo: el caso de Santa Catarina, Brasil" deEros Marion Mussoi (Tese).

— Saber Ecológico e Sistemas Agroflorestais: UmEstudo de Caso na Floresta Atlântica do Litoral Nortedo RS, Brasil, de Jorge Luis Vivan (Dissertação).

— Do padrão modermo à agricultura alternati-va: possibilidades de transição", de Gervásio Paulus(Dissertação).

— Análise de Agroecossistemas em uma Pers-pectiva de Sustentabilidade. Um estudo de siste-mas de cultivo de pêssego na região da EncostaSuperior do Nordeste do Rio Grande do Sul, deLeonardo Alvim Beroldt da Silva (Dissertação).

Além deste conjunto de teses e livros, o CD-ROM diponibiliza vídeos do Programa Rio GrandeRural, abordando experiências de plantas medici-nais, homeopatia veterinária, olericultura orgâni-ca, banana ecológica, tratamento de dejetos desuínos, morango ecológico, pastoreio rotativo, sojaorgânica, usina de compostagem e o desenvolvi-

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mento do plano piloto de agricultura ecológica daRegião Centro-Serra-RS.

Para quem quiser conhecer mais a respeito deAgroecologia, está disponível uma pesquisa biblio-gráfica realizada na Biblioteca da EMATER/RS e emoutras universidades do Estado. Esta pesquisa de-mocratiza o acesso às informações e possibilita queesta mídia proporcione um acesso fácil e rápido emdiversos conhecimentos e práticas, subsidiando oprocesso de mudança tecnológico e sócio-econô-mico na agricultura.

Resenha elaborada por Alberto Bracagiolli, EMATER/RS.E-mail [email protected]

LEFF, Enrique. Episte-mologia ambienta l .

São Paulo: Cortez, 2001.240 p.

"O ambiente não é a

ecologia, mas a comple-xidade do mundo". Com

esta afirmação, Enrique

Leff introduz o l ivro e con-vida a desvendar os caminhos de uma instigantereflexão sobre o fenômeno ambiental, deslocan-

do-o das ciências naturais, um lugar tantas ve-zes reforçado pelas visões biologizantes que pre-ponderam neste campo. Ao desnaturalizar a com-preensão do ambiental, abre-se para o leitor

uma aventura epistemológica cujo ponto de par-tida não é apreender o objeto do conhecimentoem sua totalidade, mas aprender a aprender um

novo saber sobre o ambiente. Assim, em sintoniacom uma hermenêutica ambiental, esta reflexãodesinstala o conhecimento do seu porto seguro,

tal como prometido por uma razão objetivadora.Nos cinco capítulos em que se organiza o li-

vro, pode-se acompanhar, através de uma cui-

dadosa articulação filosófica, o debate en-tre as ciências sociais e naturais estruturadona forma de um amplo diálogo com as prin-cipais matrizes do pensamento contemporâ-neo. Neste itinerário, que passa pelas prin-cipais rupturas epistemológicas do pensa-mento contemporâneo, desdobram-se umsaber e uma racionalidade ambiental. Maisdo que um corpo acabado de conhecimen-tos, o saber ambiental é aqui sobretudo umapostura epistemológica que não cede dianteda complexidade do mundo, evitando a ar-madilha reducionista de uma ciência em bus-ca da unidade do saber. Sustenta, assim, arenúncia ao desejo de retotalizar seu obje-to. O saber ambiental não é, portanto, umsuposto saber tudo sobre o ambiente. Aocontrário, incorpora o desconhecimentocomo parte constitutiva do projeto de conhe-cer a vida do mundo desde o mundo de vidados sujeitos. Neste sentido, a noção de "am-biente" é ela própria emblemática destereposicionamento da relação sujeito-objeto.Ao mesmo tempo em que o ambiente aludeao horizonte onde se situa o sujeito, ao sertematizado torna-se objeto do conhecimen-to deste mesmo sujeito.

A valorização da diferença e o respeito àdiversidade performam o horizonte ético-po-lítico da epistemologia ambiental. Contra-ponto da razão hegemônica, esta novaracionalidade tem conseqüências políticasevidentes. Para dentro do campo ambiental,esta postura não corrobora uma visão ori-entada para o consenso e para diluição dosconflitos socioambientais articulada pelo dis-curso generalizante de um futuro comum.Para além do campo ambiental, esta postu-ra está em consonância com um projetosocial alternativo que anseia por uma "revo-lução epistemológica" ou, ainda, podería-mos, dizer por uma "reconstrução do mun-

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do". Con t ra um cenár i o an t i u tóp i co edesagregador dos l aços societá r i os, aepistemologia ambiental aposta numa novautopia societária e epistêmica, capaz deressemantizar os sentidos do viver e do agirpolítico.

Resenha elaborada por Isabel Cristina Moura Carvalho,psicóloga, doutora em Educação pela UFRGS, assessora

da EMATER/RS. E-mail [email protected] .Estaresenha em sua versão integral foi publicada na Ambien-te & Sociedade, ano IV, n. 08, 1º semestre de 2001.

G I O VA N N I N I ,Eduardo. Uva Agro-

ecológica. Porto Ale-g re: Renascença,

2001. 136 p.

A produção depublicações de conteúdo

técnico-agronômico cum-pre papel importante na

orientação de técnicos e agricultores para am-pliação da produção ecológica. O trabalho UvaAgroecológica, de autoria do Eng. Agr. e pro-fessor da Escola Agrotécnica Federal de BentoGonçalves, cumpre parte desta lacuna. O livroprocura mesclar, a um só tempo, orientaçõespráticas com aplicação direta e imediata, ca-pazes de dar suporte aos interessados em im-plantar vinhedos sadios, ou mesmo emredirecionar explorações tradicionais, e, adici-onalmente, apresentar síntese de pesquisas im-portantes, que permitirão aos estudiosos inte-ressados na teoria da trofobiose, seus funda-mentos e aplicações, orientar suas pesquisas.Escrito em linguagem objetiva, de leitura fácile estimulante, cobre amplo leque de temas es-senciais para a formação de agricultores e téc-

nicos comprometidos com o processo de tran-sição de modelos produtivos tradicionais paraoutros, de base agroecológica.

Embora dedicado especificamente à viti-cultura, apresenta informações que se apli-cam a outras culturas. Apresentando brevecomparação entre características de siste-mas de produção al ternativos à vi t icul turatradicional, justifica sua opção pelo modeloagroecológico com base na permanente bus-ca de equilíbrio nutricional, bioquímico e fi-siológico das plantas, em sua relação com osolo como organismo vivo, e destes com oecossistema e as condições climáticas. Des-taca que a chave do sucesso, na atividadeagrícola, situa-se no manejo e que este, emum processo histórico de desenvolvimento,acumulou, mesmo em nosso meio onde aviticultura data do século XIX, conhecimen-tos mais amplos e sofisticados do que o con-teúdo "técnico" oferecido nas receitas desen-volvidas nestas últimas três décadas.

Para os vitivinicultores, assim como para ostécnicos interessados no tema, este livro cons-titui um importante instrumento de trabalho,ao tratar aspectos de clima, solo, manejo, se-leção de variedades, produtos uti l izados naprodução ecológica de uva e legislação. Adi-cionalmente, o livro reproduz a legislação es-pecífica para produção orgânica no Brasil, re-presentada pela Instrução Normativa número7, de maio de 1999.

A perspectiva de ampliação de área da viti-cultura no Estado do Rio Grande do Sul, esti-mulada em grande parte pela boa qualidadee preço razoável alcançados na safra recente,torna ainda mais importante o conhecimentotécnico para a produção ecológica de uva,para o qual o livro em questão é uma impor-tante contribuição.

Resenha elaborada por Leonardo Melgarejo, EMATER/RS. E-mail [email protected]

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1. Agroecologia e Desenvolvimento Rural Sustentável é umapublicação da EMATER/RS, destinada à divulgação detrabalhos de agricultores, extensionistas, professores,pesquisadores e outros profissionais dedicados aos temascentrais de interesse da Revista.

2. Agroecologia e Desenvolvimento Rural Sustentável é umperiódico de publicação trimestral que tem como públicoreferencial todas aquelas pessoas que estão empenhadasna construção da Agricultura e do Desenvolvimento RuralSustentáveis.

3. Agroecologia e Desenvolvimento Rural Sustentável publicaartigos científicos, resultados de pesquisa, estudos de caso,resenhas de teses e livros, assim como experiências e relatosde trabalhos orientados pelos princípios da Agroecologia.Além disso, aceita artigos com enfoques teóricos e/ou práticosnos campos do Desenvolvimento Rural Sustentável e daAgricultura Sustentável, esta entendida como toda formaou estilo de agricultura de base ecológica,independentemente da orientação teórica sobre a qual seassenta. Como não poderia deixar de ser, a Revista dedicaespecial interesse à Agricultura Familiar, que constitui opúblico exclusivo da Extensão Rural gaúcha. Neste sentido,são aceitos para publicação artigos e textos que tratemteoricamente este tema e/ou abordem estratégias e práticasque promovam o fortalecimento da Agricultura Familiar.

4. Os artigos e textos devem ser enviados em papel e emdisquete à Biblioteca da EMATER/RS (A/C MariléaFabião Borralho, Rua Botafogo, 1051 – Bairro MeninoDeus – CEP 90150-053 – Porto Alegre – RS) ou porcorreio eletrônico (para [email protected]) até oúltimo dia dos meses de março, junho, setembro e dezembrode cada ano. Ademais, devem ser acompanhados de cartaautorizando sua publicação na Revista Agroecologia eDesenvolvimento Rural Sustentável , devendo constar oendereço completo do autor.

5. Serão aceitos para publicação textos escritos em Portuguêsou Espanhol, assim como tradução de textos para estesidiomas. Salienta-se que, no caso das traduções, deve sermencionado de forma explícita, em pé de página, “Traduçãoautorizada e revisada pelo autor” ou “Tradução autorizadae não revisada pelo autor”, conforme for o caso.

6. Terão prioridade na ordem de publicação os textos inéditos,ainda não publicados, assim como aqueles que estejamcentrados em temas da atualidade e contemporâneos ao

debate e ao “estado da arte” do campo de estudo a quese refere. Assim mesmo, terão prioridade os textosencomendados pela Revista.

7. Serão enviados 5 (cinco) exemplares do número da Revistapara todos os autores que tiverem seus artigos ou textospublicados. Em qualquer caso, os textos não aceitos parapublicação não serão devolvidos aos seus autores.

8. As contribuições devem ter no máximo 10 (dez) laudas(usando editor de textos Word) em formato A-4,devendo ser utilizada letra Times New Roman, tamanho12 e espaço 1,5 entre linhas (dois espaços entreparágrafos). Poderão ser utilizadas notas de pé de páginaou notas ao final, devidamente numeradas, devendo serescritas em letra Times New Roman, tamanho 10 e espaçosimples. Quando for o caso, fotos, mapas, gráficos e figurasdevem ser enviados, obrigatoriamente, em formato digitale preparados em softwares compatíveis com a plataformawindows, de preferência em formato JPG ou GIF.

9. Os artigos devem seguir as normas da ABNT (NBR6022/2000). Recomenda-se que sejam inseridas nocorpo do texto todas as citações bibliográficas, destacando,entre parênteses, o sobrenome do autor, ano de publicaçãoe, se for o caso, o número da página citada ou letrasminúsculas quando houver mais de uma citação do mesmoautor e ano. Exemplos: Como já mencionou Silva (1999,p.42); como já mencionou Souza (1999 a,b); ou, nofinal da citação, usando (Silva, 1999, p.42).

10. As fontes consultadas devem ser constar no fim do texto,nas Referências Bibliográficas, seguindo as normas daABNT (NBR 6023/2000).

11. Sobre a estrutura dos artigos técnico-científicos:a) Título do artigo: em negrito e centradob) Nome(s) do(s) autor(es): iniciando pelo(s)

sobrenome(s), acompanhado(s) de nota de rodapéonde conste: profissão, titulação, atividadeprofissional, local de trabalho, endereço e E-mail.

c) Resumo: no máximo em 10 linhas.d) Corpo do trabalho: deve contemplar, no mínimo,

4 (quatro) tópicos, a saber: introdução,desenvolvimento, conclusões e referênciasbibliográficas. Poderão ainda constar listas dequadros, tabelas e figuras, relação de abreviaturas eoutros itens julgados importantes para o melhorentendimento do texto.

NNORMAS PARA PPUBLICAÇÃO