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Revista Agroecologia e Desenvolvimento Rural Sutentável 03_09/2002

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Siliprandi aborda o "social" na transição agroecológica.

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3 Agroecol. e Desenv. Rur. Sustent., Porto Alegre, v.3, n.3, Jul/Set 2002

Editorial

Por uma ética da sustentabilidade: caminhos novos, velhos problemas

Este número apresenta uma síntese do III Seminário

Internacional sobre Agroecologia, realizado recentemente

em Porto Alegre, e entrevista um de seus palestrantes

de renome internacional. Peter Rosset, agroecólogo e

diretor do Instituto Food First, destaca a estreita relação

existente entre direitos humanos, desenvolvimento e

Agroecologia, apontando o problema da fome no mundo

como conseqüência de decisões políticas claramente anti-

éticas. Aliás, em Tópico Especial, o manifesto "Por uma

Ética para a Sustentabilidade" reivindica o respeito aos

limites naturais da vida, em sua ampla conceituação,

como parâmetro básico para o estabelecimento de políti-

cas de apoio ao desenvolvimento que, sem este cuidado,

jamais será sustentável. Neste sentido, sua leitura nos

permite identificar uma articulação estreita entre a ra-

zão e a moral, como fundamento de base ética para a

sustentabilidade, o que nos leva a perceber a necessida-

de de cuidar simultaneamente das várias dimensões

envolvidas neste preceito, com destaque para a ética da

produção, a ética do conhecimento, a ética da cidadania

e da governabilidade global, dos direitos e bens comuns,

da diversidade cultural, da paz e do respeito à

multiplicidade e à singularidade do ser, seja enquanto

indivíduo ou coletividade. Em artigo apoiado em concei-

tos similares, Caporal e Costabeber defendem a Agroe-

cologia como ciência de espectro necessariamente

multidimensional, propondo a análise da sustentabili-

dade a partir de seis dimensões fundamentais, articula-

das em três distintos níveis hierárquicos ascendentes,

contemplando as dimensões ecológica, econômica e so-

cial (nível de sustentação primária), as dimensões cul-

tural e política (nível intermediário, de articulação

sociocultural) e a dimensão ética (nível superior, de de-

senvolvimento humano). Nessa perspectiva, adquire

relevância a socialização de conhecimentos

agroecológicos entre os sujeitos, de maneira a ampliar

as oportunidades de construção de saberes

socioambientais necessários para consolidar um

paradigma de desenvolvimento rural que integre pre-

servação ambiental e princípios éticos de solidariedade

sincrônica e diacrônica. A retomada de conhecimentos

populares, como subsídio para a construção de proces-

sos de resistência à exclusão social, na busca de rela-

ção harmoniosa entre homem e ambiente, é analisada

por Alexandre, em artigo de corte antropológico que parte

de preceitos de etnosustentabilidade e etnoconservação

ambiental. Neste número aparece ainda uma síntese do

marco referencial adotado pela EMATER/RS, especial-

mente no que se refere aos aspectos sociais inerentes

ao processo de transição agroecológica. Assinado por

Siliprandi, o texto evidencia a contradição entre o dis-

curso social e a ação produtivista e aponta limitações

inerentes à cultura organizacional para a sua supera-

ção. Ademais, delineia áreas de trabalho com

potencialidade para dinamizar alianças interdisciplinares

capazes de consolidar novas práticas, sustentando que

o eixo de articulação entre elas se apóia na crescente

consciência de que o social não se restringe ao

assistencial. Segundo este marco, toda a ação

extensionista pública deve se orientar para a constru-

ção de sujeitos autônomos, assegurando complementa-

ridade entre especialidades e restringindo áreas de iso-

lamento ou divisão apriorística de tarefas. Sem se afas-

tar da idéia de reduzir dependências de natureza diver-

sa, Secchi resgata, em Alternativa Tecnológica, a história

do uso de baculovírus no controle da lagarta-da-soja no

Rio Grande do Sul, ensinando como usar esta técnica

que, apenas entre 1980 e 1997 (e considerando somen-

te as safras gaúchas), possibilitou ao Brasil uma econo-

mia de US$ 31,8 milhões (redução no uso de insetici-

das, máquinas e equipamentos agrícolas). Em âmbito na-

cional, essa prática permite economizar R$ 13 bilhões

por ano, considerando-se apenas a safra de soja, onde

já atinge entre 1 e 1,4 milhão de hectares (embora te-

nha potencial para alcançar 4 milhões de hectares). No

Relato de Experiência, Messias e Ries descrevem os es-

forços que vêm sendo executados no melhoramento do

campo nativo em áreas de pecuária familiar, destacando

resultados crescentemente positivos. É animador o fato

de que iniciativas semelhantes podem ser replicadas

em toda região dos Campos de Cima da Serra do Rio

Grande do Sul, reduzindo o risco de queimadas e con-

tribuindo para ampliar os níveis de produtividade. Fi-

nalmente, na Dica Agroecológica Peglow e Velloso orien-

tam os passos e as práticas para o preparo e a correta

utilização de plantas medicinais em tratamentos

fitoterápicos. Como em números anteriores, os editores

de Agroecologia e Desenvolvimento Rural Sustentável apos-

tam no intercâmbio de saberes e experiências, numa

relação horizontal entre sujeitos, como o caminho mais

viável para a construção de um mundo melhor. Boa lei-

tura a todos.

4 Agroecol. e Desenv. Rur. Sustent., Porto Alegre, v.3, n.3, Jul/Set 2002

Revista da Emater/RSv.3, n.3, Jul/Set 2002

Coordenação Geral : Diretoria Técnica da EMATER/RS

Conselho Editorial: André Pereira, Ângelo Menegat, ÂngelaFelippi, Alberto Bracagioli, Ari Henrique Uriartt, Dulphe PinheiroMachado Neto, Eros Marion Mussoi, Fábio José Esswei n,Francisco Roberto Caporal, Gervásio Paulus, Isabel Carvalho,JaimeMiguel Weber, João Carlos Canuto, João Carlos Costa Gomes,Jorge Luiz Aristimunha, Jorge Luiz Vivan, José Antô nioCostabeber, José Mário Guedes, Leonardo Alvim Berol dt da Silva,Leonardo Melgarejo, Lino De David, Lisiane Wandsche er, LuizAntônio Rocha Barcellos, Nilton Pinho de Bem, Renat o dosSantos Iuva, Rogério de Oliveira Antunes, Soel Anto nio Claro.

Editor Responsável: Jorn. Leandro Brixius - RP 9468Editoração de Texto: Mariléa FabiãoProjeto Gráfico e Ilustração: Sérgio BatsowDiagramação: Mairã Alves - Imprensa Livre EditoraRevisão: Volnei Matias da RochaFotografia: Kátia Farina Marcon, Rogério da S. Fern andesPeriodicidade: TrimestralTiragem: 3.000 exemplaresImpressão: Gráfica e Editora PallottiDistribuição: Biblioteca da EMATER/RS

EMATER/RSRua Botafogo, 1051Bairro Menino Deus90150-053 - Porto Alegre - RSTelefone: 51- 3233-3144Fax: 51- 3233-9598

Endereço eletrônico da revistahttp://www.emater.tche.br/docs/agroeco/revista/revista.htm

E-mail : [email protected]

A Revista Agroecologia e Desenvolvimento Rural Sustentável é umapublicação da Associação Riograndense de Empreendimentos deAssistência Técnica e Extensão Rural - EMATER/RS.Os artigos publicados nesta Revista são de inteira responsabilidadede seus autores.

CartasAs instituições interessadas em manter permuta podem enviar cartaspara a bibliotecária Mariléa Fabião Borralho, EMATER/RS, RuaBotafogo, 1051, 2° andar, Bairro Menino Deus, CEP90.150.053, Porto Alegre/RS ou para agroeco@emater .tche.brISSN 1519-1060

SUMÁRIO

EEEEEntrevista 5Peter Rosset fala sobre as causas da fome

RRRRReportagem 11Seminário Internacional destaca açõesque promovem a Agroecologia

TTTTTópico EEEEEspecial 17Manifiesto por la vida

RRRRRelato de EEEEExperiência 29Melhoramento de Campo NativoMessias, Luis G. P.; Ries, Jaime E.

AAAAArtigo 38Desafios para a extensão ruralSiliprandi, Emma.

AAAAAlternativa TTTTTecnológica 49BaculovírusSecchi, Valdir A.

AAAAArtigo 55Etnoconservação como política de meioambiente no BrasilAlexandre, Agripa F.

EEEEEconotas 65

DDDDDica AAAAAgroecológica 67Plantas MedicinaisPeglow, Karin; Velloso, Caroline

Eco Links 69

AAAAArtigo 70Análise Multidimensional da SustentabilidadeCaporal, Francisco R.; Costabeber, José A.

RRRRResenha 86

NNNNNormas editoriais 90

Agroecol. e Desenvol. Sustent.| Porto Alegre| v.3| n.3 | p.1-92| Jul/Set 2002

5 Agroecol. e Desenv. Rur. Sustent., Porto Alegre, v.3, n.3, Jul/Set 2002

Entrevista/Peter Rosset

*Jornalistas da Emater/RS

Para o ativista norte-americano PeterRosset, a redução do número de agriculto-res familiares, as políticas de liberação co-mercial, os subsídios para os fazendeiros dospaíses do Norte e a privatização do crédito eda assistência técnica são algumas das ra-zões que fazem com que mais de 800 mi-lhões de pessoas passem fome no mundo.Rosset é co-diretor da Food First - Institutefor Food and Development Policy

(www.foodfirst.org), um instituto de pesqui-sa e análise de políticas que se dedica aestudar as causas primárias da fome e dapobreza, buscando soluções alternativas.Uma dessas soluções é a Agroecologia, con-forme revela Peter Rosset nesta entrevistaconcedida à Revista Agroecologia e Desen-volvimento Rural Sustentável. Palestrantedo III Seminário Internacional sobre Agro-ecologia, realizado no final de setembro, emPorto Alegre, Rosset concedeu esta entre-vista por e-mail, alguns dias antes de via-jar ao Brasil.

Revista - O Sr. tem afirmado que a en-

genharia genética não vai resolver o pro-

blema da fome no mundo. Por quê?

"A Agroecologia é o único meio que podepermitir que o pobre seja produtivo."

B o u c in h a, H elen a*B r ix iu s , Lean d ro *

6 Agroecol. e Desenv. Rur. Sustent., Porto Alegre, v.3, n.3, Jul/Set 2002

Entrevista/Peter Rosset

Rosset - Inicialmente, porque, em ter-mos globais, há comida demais, não há es-cassez. O problema é a pobreza. Muitas pes-soas são pobres demais para comprar os ali-mentos que existem ou não têm terra paraprodução própria. O principal problema en-frentado por agricultores no mundo todo éo dos preços baixos, resultado da superpro-dução global. Por isso, nenhuma novatecnologia que visa aumentar a produçãopode enfrentar a fome em um nível global.Além disso, em certas partes do mundo,como em áreas na África subsaariana, aprodutividade é muito baixa, e as causasnão têm nada a ver comtecnologia. Na verdade,a privatização de agên-cias governamentais deapoio a pequenos agri-cultores, como as enti-dades de comercializa-ção, os deixou sem aces-so aos mercados. Aprivatização dos bancosde fomento os deixousem crédito, e políticasde livre comércio encheram o mercado comprodutos sobressalentes provenientes doNorte, com preços contra os quais os pe-quenos agricultores não podem competir.Em vista disso, a maioria deles produzmuito menos do que poderia com atecnologia atual. Sem trocar estas restri-ções de políticas, tecnologia de tipo algum,muito menos OGMs (organismos genetica-mente modificados), faria a menor diferen-ça. Finalmente, se houver um lugar nomundo onde a tecnologia inadequada sejarealmente o fator limitante, devemos es-tar atentos ao fato de que a tecnologia deOGMs está muito longe de ser a melhoropção ou a mais produtiva disponível aosagricultores.

Revista - De uma maneira geral, per-

cebe-se na mídia uma predisposição a

aceitar os OGMs como alternativa à pro-

dução de alimentos e como solução para

a falta de alimentos no mundo. Por que

isso ocorre?

Rosset - Por causa do grande aparato pu-blicitário da indústria de biotecnologia parainfluenciar a mídia e a opinião pública.Pode ser que nunca descubramos até queponto empresas de biotecnologia ou seusconsórcios estão devotando recursos paramoldar a forma como o público enxerga osalimentos geneticamente modificados,mas podemos ter certeza de que o gasto é

enorme. Nos EstadosUnidos, a indústria debiotecnologia recente-mente anunciou a cri-ação e liderança deum programa de infor-mações para o públicocom duração de váriosanos. Patrocinado peloConselho para Infor-mações sobreBiotecnologia, ele in-

clui um site na Internet, um serviço de in-formações por telefone com chamada gra-tuita (toll-free), materiais de publicidade eanúncios impressos e na TV. De acordo como jornal St. Louis Post Dispatch, o Conse-lho tem US$ 250 milhões em recursos parausar durante cinco anos, e este é somenteum entre muitos esforços do tipo. Membrosde várias alianças de relações públicas emfavor da biotecnologia estão financiandopesquisas "científicas", organizandofóruns, fazendo lobby com parlamentares,agências reguladoras e organizações deagricultores, e contratando grandes empre-sas de relações públicas. A estratégia atu-al dá ênfase ao uso de cientistas, acadê-micos e fazendeiros com "credibilidade" de-fendendo posições a favor da indústria, em

"Nenhuma nova tecnologia

que visa aumentar a produção

pode enfrentar a fome em um

nível global."

7 Agroecol. e Desenv. Rur. Sustent., Porto Alegre, v.3, n.3, Jul/Set 2002

Entrevista/Peter Rosset

vez de porta-vozes de empresas, em quem,de fato, o público não acredita.

Revista - O consumidor norte-america-

no quer consumir alimentos geneticamen-

te modificados?

Rosset - A maioria das pesquisas nos Es-tados Unidos mostra que o público deseja queOGMs sejam rotulados, e a maioria não com-praria um produto em cujo rótulo estivesseespecificada a existência de OGMs.

Revista - Como os movimentos sociais,

como o Movimento dos Trabalhadores

Sem Terra (MST), se posicionam (ou po-

dem se posicionar) no debate sobre a ques-

tão dos transgênicos e o empobrecimento

do meio rural?

Rosset - Os OGMs são o passo mais re-cente em um lento processo através do qualcorporações estão dominando cada etapa daprodução de alimentos, desde a semente, aterra, os insumos químicos e a maquina-ria, até a compra da colheita, sua armaze-nagem, processamento, empacotamento,propaganda e distribuição. É este processogeral que exclui os pobres - tanto produto-res, quanto consumidores - e, portanto, deveser enfrentado por organizações de pessoaspobres, como o MST.

Revista - Avalie o que deu errado no

compromisso assumido por 185 nações, em

1996, de cortar pela metade o número de

povos com fome até 2015.

Rosset - Por que mais de 800 milhões depessoas ainda passam fome em um mundomarcado por fortunas inacreditáveis? Osgovernos do mundo inteiro se encontraramem Roma, em junho último, para discutirsomente esta questão, em uma conferên-cia chamada "Conferência Mundial sobrea Alimentação: Cinco Anos Depois". Noevento de 1996, também realizado emRoma, 185 nações assinaram um termo decompromisso para reduzir o número de pes-soas com fome pela metade até 2015. En-quanto o presidente cubano, Fidel Castro,

foi notícia no encontro de 1996 - dando ecoaos sentimentos de muitos, ao classificaressa meta como "vergonhosa", pelo fato deabandonar qualquer noção de eliminaçãoda pobreza, tendências posteriores têm sidoainda mais vergonhosas. O encontro atualfoi convocado pelas Nações Unidas para exa-minar por que a fome persiste apesar doPlano de Ação de 1996. Nos primeiros cin-co anos, houve um progresso 60% inferiorao previsto, e as condições atuais estão pi-orando em muitos locais no mundo. Semuma reorientação drástica de políticas nomundo todo, será impossível alcançar o ob-jetivo de 2015, e a fome pode, na verdade,aumentar. Enquanto documentos oficiaispreparados para a conferência condenamabertamente uma "falta de vontade" e pe-dem "mais recursos" para serem utiliza-dos para a redução da fome, o fato é que hánecessidade de outras mudanças funda-mentais. O que deu errado? As pesquisasconduzidas pela Food First revelam que,

8 Agroecol. e Desenv. Rur. Sustent., Porto Alegre, v.3, n.3, Jul/Set 2002

Entrevista/Peter Rosset

desde 1996, os governos têm seguido umasérie de políticas que contribuíram para re-duzir o número de camponeses, pequenosagricultores, agricultores familiares e co-operativas agrícolas, tanto em países doNorte quanto do Sul. Estas políticas incluí-ram liberalização comercial a toque de cai-xa, jogando os agricultores familiares doTerceiro Mundo contra as fazendascorporativas mais bem subsidiadas do Nor-te; obrigação aos países de Terceiro Mun-do de eliminar sustentação de preços esubsídios para produtores de alimentos, en-quanto a Europa e os Estados Unidos man-têm enormes subsídiosa corporações agríco-las, da mesma formaque virtualmente ex-cluem seus própriosagricultores familiares(vejam a recente leisobre agricultura -Farm Bill - nos EstadosUnidos); a privatizaçãodo crédito e do auxíliotécnico e de marketingpara agricultores fami-liares; a promoção ex-cessiva de exportaçõesem detrimento da agri-cultura de subsistên-cia; a patenteação de recursos genéticosvegetais por corporações que cobram aosagricultores pelo seu uso; e uma tendên-cia na pesquisa agrícola na direção detecnologias caras e questionáveis como aengenharia genética, enquanto alternati-vas em favor dos pobres, como agriculturaorgânica e Agroecologia, são virtualmenteignoradas.

Revista - O que essas políticas provocam?

Rosset - Cada vez mais, agricultores pe-quenos e sem recursos descobrem que ocrédito nunca foi tão inadequado ou tãocaro e que os preços estão baixos demais

para cobrir os custos com crédito e produ-ção. O resultado tem sido uma deteriora-ção significativa e contínua do acesso dospobres à terra, à medida que eles são for-çados a vender suas terras por preços re-duzidos, não têm dinheiro para aluguel deterras ou negócios do tipo, ou perdem suaspropriedades ao não conseguirem pagarseus empréstimos. Os casos de fome maisgrave estão em áreas rurais onde os sem-terra são as pessoas mais pobres, e mes-mo assim os governos têm feito corpo molepara implementar políticas já existentes dereforma agrária e redistribuição de terras,

e na sua maioria resis-tiram a esforços - às ve-zes usando força - de or-ganizações populares,como movimentos desem-terra, para apres-sar a implementaçãodestas políticas. Estesmesmos governos nãofizeram nada para im-pedir que a terra setransformasse em umbem comercial fora doalcance dos pobres, eassistiram passiva-mente a interesses co-merciais - tanto agríco-

las (como plantations) e não-agrícolas(como exploração de petróleo) - invadir ter-ras públicas e comunitárias e territóriosde povos indígenas. Além disso, os gover-nos não fizeram nada à medida que cadei-as de commodities agrícolas - tanto de en-trada (como sementes) quanto de saída(como vendas de grãos) - tornaram-se mui-to concentradas nas mãos de poucas com-panhias transnacionais, que, por teremquase um monopólio nas mãos, estão cadavez mais praticando preços e custos desfa-voráveis aos agricultores, pondo todos, es-pecialmente os mais pobres, em um aper-

"A estratégia (de marketing)

atual dá ênfase ao uso de cien-

tistas, acadêmicos e fazendeiros

com "credibilidade" defenden-

do posições a favor da indús-

tria, em vez de porta-vozes de

empresas, em quem, de fato, o

público não acredita."

9 Agroecol. e Desenv. Rur. Sustent., Porto Alegre, v.3, n.3, Jul/Set 2002

Entrevista/Peter Rosset

to insustentável em relação a preço e cus-to, desta forma incentivando o abandono emmassa da agricultura e a migração para fa-velas. Enquanto os governos parecem ce-gos aos meios pelos quais suas políticas au-mentam a fome e o empobrecimento paracentenas de milhões de pessoas, outrosvêem a dura realidade claramente. Cen-tenas de movimentos de agricultores e or-ganizações não-governamentais vierampara Roma de diversos lugares do mundopara ter seu próprio Fórum em paralelo aoencontro oficial.

Revista - Quais são os caminhos para re-

verter esse processo?

Rosset - As conclusões de nosso estudonão são surpresa para aqueles que já co-nhecem o mundo rural. Elas exigem queos governos removam a agricultura da Or-ganização Mundial do Comércio (OMC), queforça países a abrir suas fronteiras a im-portações de comida barata e sobressalen-te e, desta forma, tirar seus próprios agri-cultores do negócio, da terra, e os atirar àfome. Elas pedem uma reforma agrária deverdade, para pôr terras de boa qualidadenas mãos daqueles que iriam semeá-la,em vez daqueles que podem pagar por ela.Elas exigem que o direito fundamental àcomida, reconhecido pela Declaração Uni-versal dos Direitos Humanos, seja posto emprática pela aplicação do que eles chamam"soberania alimentar", que se refere aosdireitos de camponeses e agricultores fa-miliares a cultivar alimentos nos seus pró-prios países, e direitos de consumidores po-bres ao suficiente para comer. Estas exi-gências, diferente dos fracos pedidos ofici-ais por "vontade" e "dinheiro" - que serãosempre insuficientes - realmente alcan-çam a causa primária da fome persisten-te, e devem ser apoiadas por todas as pes-soas interessadas.

Revista - A agricultura sustentável será

capaz de tirar os agricultores do estado de

crise em que se encontram? Que condições

são necessárias para que isso ocorra?

Rosset - Não a agricultura sustentável,mas a agricultura agroecológica, que podeser tão ou mais produtiva que a agricul-tura químico-intensiva, mas não neces-sita de grandes investimentos financei-ros por agricultores com pouco dinheiro.Desta forma, os pobres podem ser produti-vos, e, haja vista que eles não terão quegastar seu dinheiro em insumos quími-cos que são perigosos, caros e desneces-sários, seu lucro líquido pode ser muitomaior. Para que isso aconteça, os gover-nos precisam parar de conceder subsídiosàs vendas de produtos agroquímicos, e pa-rar de colaborar com a propaganda da in-dústria para convencer agricultores ausarem-nos. A pesquisa e a extensão de-vem ser reprojetadas em um modelo peloagricultor e para o agricultor. E deve-seacabar com o livre comércio na agricultu-ra, de forma que os agricultores possamreceber preços mais justos por suas co-lheitas. Este último aspecto é parte do quechamamos "soberania alimentar".

Revista - Pequenas propriedades pro-

duzindo de maneira ecológica podem re-

solver o problema da fome de um país

como o Brasil? Por que a produção ecoló-

gica não se expande naturalmente, se é

melhor e mais barata para o produtor e

para o consumidor?

Rosset - Eu acredito que um modelo depequena agricultura ou cooperativas, ba-seado em uma verdadeira reforma agrária,tecnologia agroecológica e preços justos (so-berania alimentar), é a única forma de re-duzir a fome em um país como o Brasil. Asimples existência do latifúndio garantefome e pobreza. O modelo de agriculturaquímica exclui o pobre. Livre comércio epreços baixos ferem todos os agricultores.Somente revertendo estas tendências podehaver algum progresso.

10 Agroecol. e Desenv. Rur. Sustent., Porto Alegre, v.3, n.3, Jul/Set 2002

Entrevista/Peter Rosset

Revista - Qual sua opinião sobre a con-

cessão de subsídios públicos para o desen-

volvimento da agricultura? Há necessida-

de de crédito subsidiado e/ou políticas pú-

blicas para expandir o modelo ecológico?

Rosset - Eu acho que os governos deve-riam conceder subsídios aos agricultoresmais pobres, e ao desenvolvimento eimplementação de mais métodosagroecológicos, desde que estes subsídiosnão apoiem a produção para exportaçãocom preços baixos, o que prejudica fazen-deiros em outros países.

Revista - O Sr. tem relacionado a revo-

lução da Agroecologia com a revolução

agrária, apresentando ambas como essen-

ciais para o desenvolvimento da humani-

dade. Além disso, afirma que sem refor-

ma agrária, a Agroecologia perde em con-

teúdo e que, sem a Agroecologia, a refor-

m a ag rár i a pe rde e m qual i dade e

potencialidade. O Sr. pode detalhar e jus-

tificar essas afirmativas?

Rosset - Sem Agroecologia, não há refor-ma agrária. Sem reforma agrária, não háAgroecologia. Por quê? Porque reforma agrá-ria sem Agroecologia condena osbeneficiários à difícil batalha de tomar em-préstimos muito altos para insumosagroquímicos, que não funcionam muitobem e danificam o solo para produções fu-turas. Quando eles não podem pagar o em-préstimo pelos insumos que não funcionam,para produzir alimentos com preços muitobaixos, eles podem perder sua terra de novo.Métodos agroindustriais lhes dão uma me-lhor chance de ter sucesso. E, sem uma ver-dadeira reforma agrária, a Agroecologia éinútil. Se os pobres não tiverem terras, queutilidade terá tecnologia mais avançadapara eles?

11 Agroecol. e Desenv. Rur. Sustent., Porto Alegre, v.3, n.3, Jul/Set 2002

Em sua quarta edição, o III Seminário In-ternacional sobre Agroecologia, IV SeminárioEstadual e IV Encontro Nacional sobre Pesqui-sa em Agroecologia buscou apresentar expe-riências práticas que estão acontecendo nasmais diversas regiões do planeta para a pro-moção da Agroecologia e do DesenvolvimentoRural Sustentável. "Depois de mais de três

Seminário Internacional destaca ações quepromovem a Agroecologia

* Leandro Brixius é jornalista da EMATER/RS. Colabo-raram na reportagem os jornalistas da EMATER/RSÂngela Felippi, Carine Massierer, Helena Boucinha,

Patrícia Kolling, Raquel Aguiar, Rejane Paludo e VanessaAlmeida.

eportagemR

B r ix iu s , Lean d ro * anos buscando construir uma fundamentaçãoteórica e debatendo os princípios da agricul-tura ecológica, já era o momento deenfocarmos as experiências práticas que fo-ram fomentadas, sem nos distanciarmos dodebate teórico", explica José AntônioCostabeber, doutor em Agroecologia, agrôno-mo da Emater/RS e um dos responsáveis pelaorganização do evento. Para os 3,1 mil parti-cipantes, o Auditório Araújo Vianna, localiza-do dentro do Parque Farroupilha, um dos prin-cipais de Porto Alegre, foi o espaço para a tro-ca de experiências e para o debate dos rumosda agricultura. Em 2003, o Seminário estámarcado para a semana de 17 a 21 de novem-bro e propõe uma novidade: a realização do Con-gresso Brasileiro em Agroecologia.

12 Agroecol. e Desenv. Rur. Sustent., Porto Alegre, v.3, n.3, Jul/Set 2002

Ao final dos três dias de palestras, de 24 a26 de setembro, os participantes aprovaram aCarta Agroecológica 2002, com recomendaçõescomo a promoção do desenvolvimento local, acriação de mecanismos legais que permitamaos agricultores a apropriação dos recursos ge-néticos disponíveis e o desenvolvimento depesquisas e políticas públicas que estimulema adoção dos sistemas agroflorestais, entre ou-tros. Em 20 palestras, conferencistas do Bra-sil, da Argentina, da Bolívia, dos Estados Uni-dos e da Espanha abordaram temas como omanejo do solo, o equilíbrio ambiental, o usoda água, as agroflorestas e políticas públicas,entre outros temas. O Seminário, coordenadopela Emater/RS, integra as políticas do gover-no do Rio Grande do Sul para a promoção dodesenvolvimento rural sustentável.

Avanços no RSO governador do Rio Grande do Sul, Olívio

Dutra, secretários de Estado e outras autori-dades destacaram, na abertura do Seminá-rio, os avanços para o desenvolvimento daAgroecologia obtidos com a integração da pes-quisa, extensão, ensino e a prática da agri-cultura que vêm ocorrendo nos últimos anosno Rio Grande do Sul. Dutra lembrou queeventos como esse contribuem para a apro-priação pública e humanizada da ciência.Afirmou que o projeto de implantação do de-senvolvimento sustentável, feito pelo gover-no do Estado, é exeqüível e vem comprovandoque é ambientalmente sustentável, econo-micamente viável e socialmente justo.

Para o secretário da Agricultura e Abaste-cimento, Ângelo Menegat, é satisfatório veros resultados das ações realizadas pelo Esta-do, com participação de entidades associativase agricultores, baseadas num modelo no quala agricultura familiar é o sustentáculo. Já osecretário da Ciência e Tecnologia, RenatoOliveira, lembrou o esforço que tem sido fei-to pelo governo para que a Agroecologia não

seja vista como uma "agricultura alternati-va", criando um ambiente de pesquisa noqual instituições estão mais próximas doagricultor, dando um novo perfil de políticaagrícola.

Representando os produtores ecologistas,o agricultor Célio Lücke ressaltou a necessi-dade de dar sustentabilidade à agricultura,resgatar a biodiversidade e buscar oassociativismo para frear o êxodo rural. Parao presidente da Emater/RS, Lino De David,após três edições do Seminário, o saldo é po-sitivo, com a orientação para que os serviçospúblicos se voltem para o desenvolvimento ru-ral sustentável, a recolocação da priorizaçãoda questão da agricultura familiar, o enten-dimento da construção do conhecimentocomo processo em construção permanente ea reafirmação da necessidade dasmetodologias participativas.

No Rio Grande do Sul, um levantamentorealizado pela Emater/RS mostra que maisde dez mil famílias estão abandonando o usode agrotóxicos e investindo na agriculturaecológica. Um exemplo é o milho, em que qua-se 17 mil produtores, dos 80 mil assistidospela instituição, já estão em transiçãoagroecológica. Na soja, o número chega amais de sete mil, contra 27 mil que perma-necem no sistema convencional. No caso dofeijão, são 16 mil convencionais e sete milem transição. O levantamento também in-clui informações sobre a produção de frutas,olerícolas, suínos sobre cama, manejo do soloe bovinocultura leiteira.

Saberes locaisA necessidade de ações políticas para o for-

talecimento da Agroecologia foi defendida peloprofessor espanhol Manuel González de MolinaNavarro, da Universidade de Granada. "Atéhoje, o crescimento agrário não acabou com afome e a desnutrição", constata o professor,dizendo que qualquer solução precisa vir de

eportagemR

13 Agroecol. e Desenv. Rur. Sustent., Porto Alegre, v.3, n.3, Jul/Set 2002

um desenvolvimento rural sustentável que sefundamente na atividade agrícola e agrária,sem degradar o meio ambiente.

Para o pesquisador Altair Toledo Machado,da Embrapa Cerrados, do Distrito Federal, aagricultura uniforme praticada atualmenteprovoca a extinção de diferentes espécies deplantas e sementes, ocasionando o que cha-ma de erosão genética. "Isto coloca em riscoa segurança e a soberania alimentar do país",evidenciou. O resgate, avaliação e melhora-mento das sementes crioulas é a maneirade garantir a manutenção da biodiversidade,avaliou Machado no Seminário.

O resgate de sementes crioulas valoriza osaber local, assim como a experiênciavivenciada pelo professor Freddy DelgadoBurgoa na Bolívia na busca, no conhecimen-to indígena, de práticas sobre sanidade ani-mal. "Encontramos 50 maneiras de curar asenfermidades dos animais em uma comuni-dade camponesa", contou Burgoa. Ele expli-cou que a Agroecologia é uma disciplina ci-entífica que, muito facilmente, pode inter-relacionar-se com o conhecimentocampesino. "A sabedoria local de uma famí-lia ou comunidade pode servir a outros queperderam esse conhecimento. E para nós,possibilita revalorizar, ante a ciência, práti-cas campesinas que têm uma validade cien-tífica", destacou o professor, que desenvolvea experiência há 15 anos.

BiodiversidadeUma das palestras mais aguardadas foi a

da cientista e pesquisadora Ana MariaPrimavesi, que aos 82 anos se constitui comouma referência na história do movimentoecológico e na pesquisa do manejo de solos.Em sua fala, silenciou o auditório ao defen-der que a pressão exercida hoje sobre os fato-res naturais é insuportável e os resultadossão catastróficos. Essa pressão, em parte cau-sada pela pobreza, destrói o solo e o ambiente

pelo desmatamento, revolvimento do solo,remoção da matéria orgânica, irrigação mal-feita, pastejo excessivo e uso do fogo. "Se osolo está ruim, a planta está doente e o ho-mem que se alimenta dessa planta não podeter boa saúde. Ecologia, pobreza e saúde de-pendem um do outro. Não podemos separaras coisas", ensinou a pesquisadora.

A defesa da biodiversidade como fator im-portante para o desenvolvimento de uma agri-cultura sustentável foi realizada pelo agrôno-mo Walter Alberto Pengue, da Universidade deBuenos Aires. Segundo ele, aqui no Brasil, prin-cipalmente no Sul, a biodiversidade faz partede um movimento social e está se tornandouma preocupação de muitos agricultores. "NaArgentina, porém, os agricultores ainda nãotêm esta consciência e continuam na buscade mais créditos para aquisição de produtosquímicos", destacou. Como alternativas para amanutenção da biodiversidade, Pengue reco-mendou a rotação de culturas, os pluricultivose os sistemas de agricultura integrada.

Reforma agráriaA experiência prática da implantação da pro-

dução ecológica em assentamentos da refor-ma agrária foi relatada pelos agricultores JoséPlacotnik e Claudionor Cardoso de Almeida,da Cooperativa Central dos Assentamentos doRio Grande do Sul (Coceargs). Eles lembraramque o início dos trabalhos nos assentamentosse deu com um planejamento e a busca peladiversificação, incentivando a produção de sub-sistência, o uso de tratos ecológicos e a utili-zação de mão-de-obra familiar.

Para o agroecologista americano PeterRosset, da ONG Food First, os países que vêemem seus agricultores o motor do desenvolvimen-to nacional necessitam viabilizar a agriculturafamiliar com remuneração justa, implantar areforma agrária e adotar tecnologiasagroecológicas. "Devemos promover ciclos locaisde produção e consumo, pois na medida em que

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conseguimos cortar os ciclos internacionais, ocapital passa a girar no ciclo local e promover odesenvolvimento local", destacou.

AgroflorestaO agrônomo Jean C. L. Dubois, da Rede Bra-

sileira Agroflorestal (Rebraf), defendeu que aadoção dos sistemas agroflorestais para a Agro-ecologia é importante, pois, segundo ele, namedida em que se aumenta a biodiversidade,também há um crescimento da defesa naturalcontra insetos e pragas, além da valorizaçãoda paisagem e da agricultura familiar. Um dosempecilhos para sua implantação seria o altocusto inicial, que vai diminuindo aos poucos.Além disso, os sistemas agroflorestais se ca-racterizam pelo baixo insumo e sustentação.

Já o pesquisador da Embrapa Floresta, Mo-acir José Sales Medrado, salientou que os sis-temas agroflorestais contribuem para o de-senvolvimento da Agroecologia. No entanto,para o uso dessa ferramenta deve-se levarem conta o saber local e, ainda, as diferen-ças individuais e coletivas das comunidades.

Água e agriculturaO risco de escassez de água é tema domi-

nante de várias conferências no mundo todo.No Seminário, buscou-se debater alternati-vas produtivas que reduzam o uso da água naagricultura. O agrônomo da Emater/RS, LuísAntônio Valente, e o agricultor Faustino S.Cardoso apresentaram a rizipiscultura, prá-tica que já ocupa mais de mil hectares noRio Grande do Sul, alcançando um baixo ní-vel de dependência de fatores externos, altaintegração entre plantas e animais, seguran-ça alimentar para a família e inclusão deagricultores. Cardoso enumerou os ganhosque está obtendo com a tecnologia, que lhepermite comercializar arroz e peixe.

A cultura do arroz também foi o assunto prin-cipal do professor e Ph. D. em Ciências do Soloda Universidade de Cornell, em Nova Iorque,

Erick C. M. Fernandes, que relatou a experiên-cia do Sistema de Rizicultura Intensiva (SRI),desenvolvido principalmente na Ilha deMadagascar, na África, entre agricultores fami-liares que cultivam o arroz em quase dez milhectares. Conforme Fernandes, o rendimentodo plantio pelo SRI eleva a produção de 1,8 tone-lada por hectare para 4,5 toneladas por hectare.

O agricultor João Batista Volkmann, daAssociação Biodinâmica Sul-Brasileira, deSentinela do Sul/RS, explicou que, normal-mente, as pessoas imaginam que a produçãoagrícola teria que necessariamente agredir apaisagem, mas que é possível trabalhar semconflito, mantendo a qualidade da água e usan-do-a, inclusive, como um elemento de aumen-to da produção, no caso do arroz. SegundoVolkmann, na agricultura biodinâmica, é pre-ciso que exista vida selvagem junto com a agri-cultura orgânica. Da mesma forma, a questãosocial também precisa estar sendo atendida.

O professor da Universidade de La Laguna,na Espanha, Federico Aguilera Klink, relatouque os usos agrícolas, industriais e urbanospromovem a escassez de água. Conforme o pro-fessor, nas cidades da Espanha se perde até60% da água, e na agricultura, entre 40% e60%. "Então, o que nos propomos, quando fala-mos em uma nova cultura de água, é gestionara água. A nossa idéia é evitar que se perca tantaágua para evitar essa escassez social, e pen-sar na água não como uma mercadoria, mascomo um artigo ecossocial", disse.

PesquisaO estudo Samambaia-preta, da organização

não-governamental Ação Nascente Maquiné(Anama), de Maquiné/RS, foi apresentado pelabióloga Rumi Kubo. Desde 1997, a ONG desen-volve, junto com a comunidade, pesquisas so-bre a cadeia agrícola da samambaia-preta eas diretrizes para um manejo adequado daespécie. O projeto começou na localidade deSolidão e está identificando dados biológicos,ecológicos, etnoecológicos e sócio-econômicos

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15 Agroecol. e Desenv. Rur. Sustent., Porto Alegre, v.3, n.3, Jul/Set 2002

eportagemRdessa atividade extrativista.

Com relação às pesquisas que estão sendodesenvolvidas por diversas instituições, o pes-quisador da Fundação Estadual de PesquisaAgropecuária (Fepagro/RS), Paulo José de Oli-veira Timm, destacou que deve haver uma re-flexão sobre que tipo de conhecimento se estáquerendo gerar. "O conhecimento deve levarem conta os conhecimentos sistêmicos, partirda cultura local, valorizar as experiênciasempíricas e ter como base metodologiasparticipativas que envolvam a comunidade eas instituições da região. É a união do científi-co com o local", avaliou Timm. Uma das refe-rências desse trabalho é a propriedade do agri-cultor Éderson Martins Bastos, de Rio Grande,que permitiu o resgate da produtividade do soloe serve de base para outros produtores.

Lovois de Andrade Miguel, pesquisador daUniversidade Federal do Rio Grande do Sul(UFRGS), relatou novos métodos de interven-ção em pesquisas, como a abordagemsistêmica do tema, buscando o conhecimentodo sistema como um todo; a participação einteração do agricultor; a interdisciplinarida-de, com a interação entre as áreas e a valori-zação da problemática comum, e a sustenta-bilidade, não só econômica, mas também so-cial e ambiental. "Alicerçada nestes quatro pi-lares, as possibilidades de sucesso de uma pes-quisa são muito maiores", concluiu opalestrante.

Extensão ruralA experiência participativa da extensão

rural agroecológica na região Fronteira Noro-este foi exposta pelo agrônomo da Emater/RS,Gilmar Vione, e pelo agricultor DionísioMeurer, de Roque Gonzáles/RS. Vione desta-cou o empenho da instituição em construir,junto com os agricultores, um novo processode desenvolvimento rural que inicie na famí-lia e na comunidade e se estenda ao municí-pio e à região. Para Meurer, a participação nosprocessos participativos é uma experiência

que todos agricultores deveriam vivenciar.O diretor técnico da Emater/RS e doutor

em Agroecologia, Francisco Caporal, apresen-tou aos participantes do evento a definiçãode extensão rural agroecológica, comparan-do-a à extensão rural tradicional. SegundoCaporal, a extensão rural agroecológica é umabusca permanente no sentido da construçãode contextos de sustentabilidade, levandosempre em conta suas dimensões ética, so-cial, política, ambiental, cultural e econômi-ca. "Propõe-se um diálogo intercultural queintegre a vida cotidiana de técnicos e agri-cultores, melhorando a atuação da extensãorural agroecológica.”

Ética"Concepções éticas e sociedade sustentá-

vel" foi o tema da última palestra do seminá-rio, com o Lama Padma Samten, do Centro deEstudos Budistas Bodisatva. Conforme o Lama,a ética é possível quando o homem vê o outrocomo inseparável de si, quando tem a habili-dade de olhar para o outro e sentir dentro deleas emoções que o outro também sente. PadmaSamten acrescentou ainda que o homem podepensar que a natureza está a seu serviço, masisso não é verdade. "Na verdade, nós somosinseparáveis da natureza, somos inseparáveisuns dos outros", disse.

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Experiências da Emater/RSExperiências da Emater/RSExperiências da Emater/RSExperiências da Emater/RSExperiências da Emater/RS

Três projetos que a Emater/RS está desenvolvendo no Rio Grande do Sul foram apresentados no III Seminá rio Internacional sobre Agroecologia. Os

trabalhos foram selecionados entre 156 experiências da instituição sistematizadas no Estado. A equipe da Emater/RS de Muliterno, acompanhada de

professores e estudantes da escola local, relatou a utilização do Diagnóstico Rápido Participativo (DR P) na instalação do ensino médio no município. O mé todo

utiliza diversas técnicas para conhecer a comunidad e, identificar demandas e promover o desenvolviment o. No município de Bom Princípio, a equipe

municipal da Emater/RS e um grupo de professores fi rmaram, em 1997, o compromisso de envolver a comuni dade em ações de recuperação e preservação

ambiental, buscando um modelo de socialização de in formações e gerenciamento coletivo de ações em meio ambiente. O trabalho resultou na sensibilização

da comunidade para observações críticas com relação a problemas ambientais, além da organização de uma cooperativa de produtores ecológicos,

instalação de uma usina de reciclagem de lixo domés tico e formação de uma ONG. Já em Santana do Livra mento, a Emater/RS incentivou a fruticultura

ecológica, que ganhou impulso com o surgimento, em 1998, da Associação Santanense de Produtores de Ho rtigranjeiros (ASPH), interessada em afirmar

alternativas de produção ecológica para a conversão dos sistemas produtivos tradicionais. Hoje, integr a mais de 200 agricultores familiares, sendo que 60 %

deles são assentados da reforma agrária.

Carta agroecológica 2002Carta agroecológica 2002Carta agroecológica 2002Carta agroecológica 2002Carta agroecológica 2002

Os 3.087 participantes inscritos no III Seminário I nternacional sobre Agroecologia, IV Seminário Estad ual sobre Agroecologia e IV Encontro Nacional sobre

Pesquisa em Agroecologia, reunidos em Porto Alegre nos dias 24, 25 e 26 de setembro de 2002, para disc utir ações ambientais voltadas para a afirmação

e consolidação de processos de desenvolvimento rura l sustentável, baseados nos princípios da Agroecolo gia, recomendam:

a) a realização de esforços para promover processos de desenvolvimento local que se articulem com as d imensões da sustentabilidade de nível macro e

se mostrem estreitamente vinculadas às iniciativas ao abrigo da esfera pública e suas políticas;

b) a criação de mecanismos legais que permitam aos agricultores (as) e comunidades rurais a apropriaçã o, uso e intercâmbio livre dos recursos genéticos

disponíveis, conservando assim a biodiversidade e i mpedindo o uso de organismos geneticamente modifica dos, enquanto não se comprovar de forma

conclusiva seus aspectos de segurança alimentar e a mbiental;

c) o desenvolvimento de pesquisas e políticas públi cas que estimulem a adoção de sistemas agrofloresta is, respeitando e integrando os saberes ambientais

das populações locais e promovendo o manejo sustent ável dos ecossistemas;

d) a organização de circuitos locais e regionais de produção e comercialização, como forma concreta de combater o monopólio e ampliar o dinamismo

econômico local, promovendo, assim, formas de comér cio justo e solidário;

e) que as ações de promoção do desenvolvimento rura l sustentável sejam realizadas através do uso de me todologias participativas e emancipatórias,

contemplando as questões de gênero;

f) que o acesso e uso da água, entendida como um el emento constituinte fundamental da própria vida, se ja de caráter público, com garantia de acesso

equânime para todos;

g) que, na busca de padrões de desenvolvimento soci almente justos e ambientalmente corretos, sejam des envolvidas ações eticamente responsáveis que

conduzam a um estilo de vida parcimonioso com o uso de recursos naturais;

h) promover, através dos meios de comunicação socia l, processos de conscientização e divulgação das in iciativas de produção ecológica e educação

ambiental;

i) que os participantes desse evento se responsabil izem pela consolidação e pelo avanço do processo de transição agroecológica nos níveis municipal,

estadual e federal.

Porto Alegre, 26 de setembro de 2002.

1 71 71 71 71 7 Agroecol. e Desenv. Rur. Sustent., Porto Alegre, v.3, n.3, Jul/Set 2002

Manifiesto por la vida*Por una Ética para la Sustentabilidad

* Este Manifiesto fue elaborado por las siguientespersonas que participaron en el Simposio sobre Ética y

Desarrollo Sustentable, celebrado en Bogotá,Colombia, los días 2-4 de mayo de 2002: Carlos

Galano (Argentina); Marianella Curi (Bolivia); OscarMotomura, Carlos Walter Porto Gonçalves, MarinaSilva (Brasil); Augusto Ángel, Felipe Ángel, José

María Borrero, Julio Carrizosa, Hernán Cortés,Margarita Flórez, Alicia Lozano, Alfonso Llano, Juana

Mariño, Juan Mayr, Klaus Schütze y Luis CarlosValenzuela (Colombia); Eduardo Mora (Costa Rica);Ismael Clark (Cuba); Antonio Elizalde y Sara Larraín(Chile); María Fernanda Espinosa y Sebastián Haji

Manchineri (Ecuador); Luis Alberto Franco(Guatemala); Luis Manuel Guerra, Beatriz Paredes y

Gabriel Quadri (México); Guillermo Castro (Panamá);Eloisa Tréllez (Perú); Juan Carlos Ramírez (CEPAL);Lorena San Román y Mirian Vilela (Consejo de la

Tierra); Fernando Calderón (PNUD); Ricardo Sánchezy Enrique Leff (PNUMA).

Una primera versión del mismo fue presentada ante laSéptima Reunión del Comité Intersesional del Foro deMinistros de Medio Ambiente de América Latina y elCaribe, celebrada en San Pablo, Brasil, los días 15-17

de mayo de 2002. La presente versión es unareelaboración de ese texto basada en las consultas

realizadas con los participantes del Simposio, así comoen los comentarios de un grupo de personas, entre lascuales agradecemos las sugerencias de Lucia Helena deOliveira Cunha (Brasil); Diana Luque, Mario Núñez,

Armando Páez y José Romero (México).

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Introducción1. La crisis ambiental es una crisis de

civilización. Es la crisis de un modeloeconómico, tecnológico y cultural que ha de-predado a la naturaleza y negado a las cultu-ras alternas. El modelo civilizatorio dominantedegrada el ambiente, subvalora la diversidadcultural y desconoce al Otro (al indígena, alpobre, a la mujer, al negro, al Sur) mientras

privilegia un modo de producción y un estilode vida insustentables que se han vueltohegemónicos en el proceso de globalización.

2. La crisis ambiental es la crisis denuestro tiempo. No es una crisis ecológica,sino social. Es el resultado de una visiónmecanicista del mundo que, ignorando loslímites biofísicos de la naturaleza y los esti-los de vida de las diferentes culturas, estáacelerando el calentamiento global del pla-neta. Este es un hecho antrópico y no natu-ral. La crisis ambiental es una crisis moralde instituciones políticas, de aparatos jurídi-cos de dominación, de relaciones sociales in-justas y de una racionalidad instrumental enconflicto con la trama de la vida.

3. El discurso del "desarrollo sostenible"parte de una idea equívoca para alcanzar susobjetivos. Las políticas del desarrollosostenible buscan armonizar el procesoeconómico con la conservación de lanaturaleza favoreciendo un balance entre lasatisfacción de necesidades actuales y las delas generaciones futuras. Sin embargo, pre-tende realizar sus objetivos revitalizando elviejo mito desarrollista, promoviendo lafalacia de un crecimiento económicosostenible sobre la naturaleza limitada delplaneta. Mas la crítica a esta noción deldesarrollo sostenible no invalida la verdad yel sentido del concepto de sustentabilidadpara orientar la construcción de una nuevaracionalidad social y productiva.

4. El concepto de sustentabilidad se fundaen el reconocimiento de los límites ypotenciales de la naturaleza, así como lacomplejidad ambiental, inspirando una nueva

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comprensión del mundo para enfrentar losdesafíos de la humanidad en el tercermilenio. El concepto de sustentabilidadpromueve una nueva alianza naturaleza-cul-tura fundando una nueva economía,reorientando los potenciales de la ciencia yla tecnología, y construyendo una nueva cul-tura política fundada en una ética de lasustentabilidad -en valores, creencias,sentimientos y saberes- que renuevan lossentidos existenciales, los mundos de vida ylas formas de habitar el planeta Tierra.

5. Las políticas ambientales y del desarrollosostenible han estado basadas en un conjun-to de principios y en una conciencia ecológicaque han servido como los criterios para orien-tar las acciones de los gobiernos, lasinstituciones internacionales y la ciudadanía.A partir del primer Día de la Tierra en 1970 yde la Conferencia de Naciones Unidas sobreMedio Ambiente Humano (Estocolmo, 1972) yhasta la Conferencia de las Naciones Unidassobre Medio Ambiente y Desarrollo (Río 92) yen el proceso de Río+10; desde La PrimaveraSilenciosa, La Bomba Poblacional y Los Límitesdel Crecimiento, hasta Nuestro FuturoComún, los Principios de Río y la Carta de laTierra, un cuerpo de preceptos ha acompañadoa las estrategias del ecodesarrollo y las políti-cas del desarrollo sostenible. Los principios deldesarrollo sostenible parten de la percepcióndel mundo como "una sola tierra" con un "fu-turo común" para la humanidad; orientan unanueva geopolítica fundada en "pensar global-mente y actuar localmente"; establecen el"principio precautorio" para conservar la vidaante la falta de certezas del conocimiento ci-entífico y el exceso de imperativos tecnológicosy económicos; promueven la responsabilidadcolectiva, la equidad social, la justiciaambiental y la calidad de vida de lasgeneraciones presentes y futuras. Sin embar-go, estos preceptos del "desarrollo sostenible"no se han traducido en una ética como un

cuerpo de normas de conducta que reorientelos procesos económicos y políticos hacia unanueva racionalidad social y hacia formassustentables de producción y de vida.

6. En la década que va de la Cumbre de Río(1992) a la Cumbre de Johannesburgo (2002),la economía se volvió economía ecológica, laecología se convirtió en ecología política, y ladiversidad cultural condujo a una política dela diferencia. La ética se está transmutandoen una ética política. De la dicotomía entre larazón pura y la razón práctica, de la disyuntivaentre el interés y los valores, la sociedad sedesplaza hacia una economía moral y unaracionalidad ética que inspira la solidaridadentre los seres humanos y con la naturaleza.La ética para la sustentabilidad promueve lagestión participativa de los bienes y serviciosambientales de la humanidad para el biencomún; la coexistencia de derechos colectivose individuales; la satisfacción de necesidadesbásicas, realizaciones personales yaspiraciones culturales de los diferentes gru-pos sociales. La ética ambiental orienta losprocesos y comportamientos sociales hacia unfuturo justo y sustentable para toda lahumanidad.

7. La ética para la sustentabilidad planteala necesaria reconciliación entre la razón yla moral, de manera que los seres humanosalcancen un nuevo estadio de conciencia,autonomía y control sobre sus mundos devida, haciéndose responsables de sus actoshacia sí mismos, hacia los demás y hacia lanaturaleza en la deliberación de lo justo y lobueno. La ética ambiental se convierte asíen un soporte existencial de la conducta hu-mana hacia la naturaleza y de lasustentabilidad de la vida.

8. La ética para la sustentabilidad es unaética de la diversidad donde se conjuga elethos de diversas culturas. Esta ética alimen-

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ta una política de la diferencia. Es una éticaradical porque va hasta la raíz de la crisisambiental para remover todos los cimientosfilosóficos, culturales, políticos y sociales deesta civilización hegemónica,homogeneizante, jerárquica, despilfarradora,sojuzgadora y excluyente. La ética de lasustentabilidad es la ética de la vida y parala vida. Es una ética para el reencantamientoy la reerotización del mundo, donde el deseode vida reafirme el poder de la imaginación,la creatividad y la capacidad del ser humanopara transgredir irracionalidades represivas,para indagar por lo desconocido, para pensarlo impensado, para construir el por-venir deuna sociedad convivencial y sustentable, ypara avanzar hacia estilos de vida inspiradosen la frugalidad, el pluralismo y la armoníaen la diversidad.

9. La ética de la sustentabilidad entrañaun nuevo saber capaz de comprender lascomplejas interacciones entre la sociedad yla naturaleza. El saber ambiental reenlaza losvínculos indisolubles de un mundointerconectado de procesos ecológicos,culturales, tecnológicos, económicos ysociales. El saber ambiental cambia lapercepción del mundo basada en unpensamiento único y unidimensional, que seencuentra en la raíz de la crisis ambiental,por un pensamiento de la complejidad. Estaética promueve la construcción de unaracionalidad ambiental fundada en unanueva economía -moral, ecológica y cultural-como condición para establecer un nuevomodo de producción que haga viables estilosde vida ecológicamente sostenibles y social-mente justos.

10. La ética para la sustentabilidad senutre de un conjunto de preceptos, principiosy propuestas para reorientar loscomportamientos individuales y colectivos,así como las acciones públicas y privadas ori-

entadas hacia la sustentabilidad. Entre ellosidentificamos los siguientes:

Ética de una producción sustentable

11. La pobreza y la injusticia social son lossignos más elocuentes del malestar denuestra cultura, y están asociadas directa oindirectamente con el deterioro ecológico aescala planetaria y son el resultado deprocesos históricos de exclusión económica,política, social y cultural. La división crecienteentre países ricos y pobres, de grupos de po-der y mayorías desposeídas, sigue siendo elmayor riesgo ambiental y el mayor reto de lasustentabilidad. La ética para lasustentabilidad enfrenta a la crecientecontradicción en el mundo entre opulencia ymiseria, alta tecnología y hambruna,explotación creciente de los recursos ydepauperación y desesperanza de miles demillones de seres humanos, mundializaciónde los mercados y marginación social. Lajusticia social es condición sine qua non de lasustentabilidad. Sin equidad en ladistribución de los bienes y serviciosambientales no será posible construir socie-dades ecológicamente sostenibles y social-mente justas.

12. La construcción de sociedadessustentables pasa por el cambio hacia unacivilización basada en el aprovechamiento defuentes de energía renovables,económicamente eficientes yambientalmente amigables, como la energíasolar. El viraje del paradigma mecanicista alecológico se está dando en la ciencia, en losvalores y actitudes individuales y colectivas,así como en los patrones de organización so-cial y en nuevas estrategias productivas,como la agroecología y la agroforestería. Tan-to los conocimientos científicos actuales,como los movimientos sociales emergentesque pugnan por nuevas formas sustentablesde producción están abriendo posibilidades

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para la construcción de una nuevaracionalidad productiva, fundada en laproductividad ecotecnológica de cada regióny ecosistema, a partir de los potenciales dela naturaleza y de los valores de la cultura.Esta nueva racionalidad productiva abre lasperspectivas a un proceso económico querompe con el modelo unificador, hegemónicoy homogeneizante del mercado como ley su-prema de la economía.

13. La ética para la sustentabilidad vamás allá del propósito de otorgar a lanaturaleza un valor intrínseco universal,económico ó instrumental. Los bienesambientales son valorizados por la cultura através de cosmovisiones, sentimientos ycreencias que son resultado de prácticasmilenarias de transformación y co-evolucióncon la naturaleza. El reconocimiento de loslímites de la intervención cultural en lanaturaleza significa también aceptar loslímites de la tecnología que ha llegado a su-plantar los valores humanos por la eficienciade su razón utilitarista. La bioética debemoderar la intervención tecnológica en elorden biológico. La técnica debe sergobernada por un sentido ético de su potenciatransformadora de la vida.

Ética del conocimiento y diálogo de saberes

14. La ciencia ha constituido el instru-mento más poderoso de conocimiento ytransformación de la naturaleza, concapacidad para resolver problemas críticoscomo la escasez de recursos, el hambre en elmundo y de procurar mejores condiciones debienestar para la humanidad. La búsquedadel conocimiento a través de la racionalidadcientífica ha sido uno de los valoressobresalientes del espíritu humano. Sin em-bargo, se ha llegado a un dilema: al mismotiempo que el pensamiento científico haabierto las posibilidades para una

"inteligencia colectiva" asentada en los avan-ces de la cibernética y las tecnologías de lainformación, la sumisión de la ciencia y latecnología al interés económico y al poderpolítico comprometen seriamente lasupervivencia del ser humano; a su vez, lainequidad social asociada a la privatizacióny al acceso desigual al conocimiento y a lainformación resultan moralmente injustos.La capacidad humana para trascender suentorno inmediato e intervenir los sistemasnaturales está modificando, a menudo demanera irreversible, procesos naturales cuyaevolución ha tomado millones de años,desencadenando riesgos ecológicos fuera detodo control científico.

15. El avance científico ha acompañado auna ideología del progreso económico y deldominio de la naturaleza, privilegiando mo-delos mecanicistas y cuantitativos de larealidad que ignoran las dimensionescualitativas, subjetivas y sistémicas quealimentan otras formas del conocimiento. Elfraccionamiento del pensamiento científicolo ha inhabilitado para comprender y abordarlos problemas socio-ambientales complejos.Si bien las ciencias y la economía han sidoefectivas para intervenir sistemas naturalesy ampliar las fronteras de la información,paradójicamente no se han traducido en unamejoría en la calidad de vida de la mayoría dela población mundial; muchos de sus efectosmás perversos están profundamente enrai-zados en los presupuestos, axiomas,categorías y procedimientos de la economíay de las ciencias.

16. La ciencia se debate hoy entre dos po-líticas alternativas. Por una parte, seguirsiendo la principal herramienta de laeconomía mundial de mercado orientada porla búsqueda de la ganancia individual y elcrecimiento sostenible. Por otra parte, está

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llamada a producir conocimientos ytecnologías que promuevan la calidadambiental, el manejo sustentable de los re-cursos naturales y el bienestar de los pueblos.Para ello será necesario conjugar lasaportaciones racionales del conocimiento ci-entífico con las reflexiones morales de latradición humanística abriendo la posibilidadde un nuevo conocimiento donde puedanconvivir la razón y la pasión, lo objetivo y losubjetivo, la verdad y lo bueno.

17. La eficacia de la ciencia le ha conferi-do una legitimidad dentro de la culturahegemónica del Occidente como paradigma"por excelencia" de conocimiento, negando yexcluyendo los saberes no científicos, los sa-beres populares, los saberes indígenas, tantoen el diseño de estrategias de conservaciónecológica y en los proyectos de desarrollosostenible, así como en la resolución deconflictos ambientales. Hoy los asuntoscruciales de la sustentabilidad no soncomprensibles ni resolubles solo mediante losconocimientos de la ciencia, incluso con elconcurso de un cuerpo científicointerdisciplinario, debido en parte al caráctercomplejo de los asuntos ambientales y enparte porque las decisiones sobre lasustentabilidad ecológica y la justiciaambiental ponen en juego a diversos sabe-res y actores sociales. Los juicios de verdadimplican la intervención de visiones,intereses y valores que son irreductibles aljuicio "objetivo" de las ciencias.

18. La toma de decisiones en asuntosambientales demanda la contribución de laciencia para tener información más precisasobre fenómenos naturales. Es el caso delcalentamiento global del planeta, donde laspredicciones científicas sobre lavulnerabilidad ecológica y los riesgos socio-ambientales, a pesar de su inevitable grado

de incertidumbre, deben predominar sobrelas decisiones basadas en el interéseconómico y en creencias infundadas en lasvirtudes del mercado para resolver los pro-blemas ambientales.

19. La ética de la sustentabilidad remite ala ética de un conocimiento orientada haciauna nueva visión de la economía, de lasociedad y del ser humano. Ello implica pro-mover estrategias de conocimiento abiertasa la hibridación de las ciencias y la tecnologíamoderna con los saberes populares y localesen una política de la interculturalidad y eldiálogo de saberes. La ética implícita en elsaber ambiental recupera el "conocimientovalorativo" y coloca al conocimiento dentro dela trama de relaciones de poder en el saber.El conocimiento valorativo implica larecuperación del valor de la vida y elreencuentro de nosotros mismos, como se-res humanos sociales y naturales, en unmundo donde prevalece la codicia, laganancia, la prepotencia, la indiferencia y laagresión, sobre los sentimientos decompasión, comprensión, solidaridad ysustentabilidad.

20. La ética de la sustentabilidad induceun cambio de concepción del conocimientode una realidad hecha de objetos por un sa-ber orientado hacia el mundo del ser. Lacomprensión de la complejidad ambientaldemanda romper el cerco de la lógica y abrirel círculo de la ciencia que ha generado unavisión unidimensional y fragmentada delmundo. Reconociendo el valor y el potencialde la ciencia para alcanzar estadios de mayorbienestar para la humanidad, la ética de lasustentabilidad conlleva un proceso dereapropiación social del conocimiento y laorientación de los esfuerzos científicos haciala solución de los problemas más acuciantesde la humanidad y los principios de la

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sustentabilidad: una economía ecológica,fuentes renovables de energía, salud y calidadde vida para todos, erradicación de la pobrezay seguridad alimentaria. El círculo de lasciencias debe abrirse hacia un campoepistémico que incluya y favorezca elflorecimiento de diferentes formas culturalesde conocimiento. El saber ambiental es laapertura de la ciencia interdisciplinaria ysistémica hacia un diálogo de saberes.

21. La ética de la sustentabilidad implicarevertir el principio de "pensar globalmentey actuar localmente". Este precepto lleva auna colonización del conocimiento a travésde una geopolítica del saber que legitima elpensamiento y las estrategias formuladas enlos centros de poder de los países"desarrollados" dentro de la racionalidad delproceso dominante de globalizacióneconómica, para ser reproducidos e implan-tados en los países "en desarrollo" o "entransición", en cada localidad y en todos losporos de la sensibilidad humana. Sindesconocer los aportes de la ciencia paratransitar hacia la sustentabilidad, esnecesario repensar la globalidad desde lalocalidad del saber, arraigado en un territorioy una cultura, desde la riqueza de suheterogeneidad, diversidad y singularidad; ydesde allí reconstruir el mundo a través deldiálogo intercultural de saberes y lahibridación de los conocimientos científicoscon los saberes locales.

22. La educación para la sustentabilidad debeentenderse en este contexto como unapedagogía basada en el diálogo de saberes, yorientada hacia la construcción de unaracionalidad ambiental. Esta pedagogía incor-pora una visión holística del mundo y unpensamiento de la complejidad. Pero va másallá al fundarse en una ética y una ontologíade la otredad que del mundo cerrado de las

interrelaciones sistémicas del mundoobjetivado de lo ya dado, se abre hacia lo infini-to del mundo de lo posible y a la creación de "loque aún no es". Es la educación para laconstrucción de un futuro sustentable,equitativo, justo y diverso. Es una educaciónpara la participación, la autodeterminación yla transformación; una educación que permi-ta recuperar el valor de lo sencillo en lacomplejidad; de lo local ante lo global; de lo di-verso ante lo único; de lo singular ante lo uni-versal.

Ética de la ciudadanía global, el espacio

público y los movimientos sociales

23. La globalización económica estállevando a la privatización de los espaciospúblicos. El destino de las naciones y de lagente está cada vez más conducido porprocesos económicos y políticos que sedeciden fuera de sus esferas de autonomíay responsabilidad. El movimiento ambientalha generado la emergencia de unaciudadanía global que expresa los derechosde todos los pueblos y todas las personas aparticipar de manera individual y colectivaen la toma de decisiones que afectan suexistencia, emancipándose del poder delEstado y del mercado como organizadores desus mundos de vida.

24. El sistema parlamentario de las demo-cracias modernas se encuentra en crisis por-que la esfera pública, entendida como elespacio de interrelación dialógica deaspiraciones, voluntades e intereses, ha sidodesplazada por la negociación y el cálculo deinterés de los partidos que, convertidos en gru-pos de presión, negocian sus respectivas opor-tunidades de ocupar el poder. Para resolver lasparadojas del efecto mayoría es necesario pro-piciar una política de tolerancia y participaciónde las disidencias y las diferencias. Asimismodebe alentarse los valores democráticos para

T Especialópico

2 32 32 32 32 3 Agroecol. e Desenv. Rur. Sustent., Porto Alegre, v.3, n.3, Jul/Set 2002

practicar una democracia directa.25. La democracia directa se funda en un

principio de participación colectiva en losprocesos de toma de decisiones sobre losasuntos de interés común. Frente al proyectode democracia liberal que legitima el dominiode la racionalidad del mercado, la democraciaambiental reconoce los derechos de las comu-nidades autogestionarias fundadas en elrespeto a la soberanía y dignidad de la personahumana, la responsabilidad ambiental y elejercicio de procesos para la toma de decisionesa partir del ideal de una organización basadaen los vínculos personales, las relaciones detrabajo creativo, los grupos de afinidad, y loscabildos comunales y vecinales.

26. El ambientalismo es un movimiento so-cial que, nacido de esta época de crisiscivilizatoria marcada por la degradaciónambiental, el individualismo, la fragmentacióndel mundo y la exclusión social, nos convoca apensar sobre el futuro de la vida, a cuestionar elmodelo de desarrollo prevaleciente y el conceptomismo de desarrollo, para enfrentar los límitesde la relación de la humanidad con el planeta.La ética de la sustentabilidad nos confronta conel vínculo de la sociedad con la naturaleza, conla condición humana y el sentido de la vida.

27. La ética para la construcción de unasociedad sustentable conduce hacia unproceso de emancipación que reconoce, comoenseñaba Paulo Freire, que nadie libera anadie y nadie se libera sólo; los seres huma-nos sólo se liberan en comunión. De estamanera es posible superar la perspectiva"progresista" que pretende salvar al otro (alindígena, al marginado, al pobre) dejando de serél mismo para integrarlo a un ser ideal uni-versal, al mercado global ó al Estado nacional;forzándolo a abandonar su ser, sustradiciones y sus estilos de vida paraconvertirse en un ser "moderno" y

"desarrollado".Ética de la gobernabil idad global y la

democracia participativa

28. La ética para la sustentabilidad apelaa la responsabilidad moral de los sujetos, losgrupos sociales y el Estado para garantizar lacontinuidad de la vida y para mejorar lacalidad de la vida. Esta responsabilidad sefunda en principios de solidaridad entre es-feras políticas y sociales, de manera que seanlos actores sociales quienes definan ylegitimen el orden social, las formas de vida,las prácticas de la sustentabilidad, a travésdel establecimiento de un nuevo pactociudadano y de un debate democrático, basadoen el respeto mutuo, el pluralismo político yla diversidad cultural, con la primacía de unaopinión pública crítica actuando conautonomía ante los poderes del Estado.

29. La ética de la sustentabilidad cuestionalas formas vigentes de dominaciónestablecidas por las diferencias de género,etnia, clase social y opción sexual, paraestablecer una diversidad y pluralidad dederechos de la ciudadanía y la comunidad. Elloimplica reconocer la imposibilidad de conso-lidar una sociedad democrática dentro de lasgrandes inequidades económicas y socialesen el mundo y en un escenario político en elcual los actores sociales entran al juego de-mocrático en condiciones de desigualdad ydonde las mayorías tienen nulas o muy limi-tadas posibilidades de participación.

30. La ética para la sustentabilidad deman-da un nuevo pacto social. Este debe fundarseen un marco de acuerdos básicos para laconstrucción de sociedades sustentables queincluya nuevas relaciones sociales, modos deproducción y patrones de consumo. Estosacuerdos deben incorporar la diversidad deestilos culturales de producción y de vida;

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reconocer los disensos, asumir los conflictos,identificar a los ausentes del diálogo e incluira los excluidos del juego democrático. Estosprincipios éticos conducen hacia laconstrucción de una racionalidad alternati-va que genere sociedades sustentables paralos millones de pobres y excluidos de estemundo globalizado, reduciendo la brecha en-tre crecimiento y distribución, entreparticipación y marginación, entre lodeseable y lo posible.

31. Una ética para la sustentabilidad debeinspirar nuevos marcos jurídico-institucionales que reflejen, respondan y seadapten al carácter tanto global y regional,como nacional y local de las dinámicas eco-lógicas, así como a la revitalización de lasculturas y sus conocimientos asociados. Estanueva institucionalidad debe contar con elmandato y los medios para hacer frente a lasinequidades en la distribución económica yecológica, la concentración de poder de lascorporaciones transnacionales, la corrupcióne ineficacia de los diferentes órganos degobierno y gestión, y para avanzar hacia for-mas de gobernabilidad más democráticas yparticipativas de la sociedad en su conjunto.

Ética de los derechos, la justicia y la de-

mocracia

32. El derecho no es la justicia. Laracionalidad jurídica ha llevado a privilegiarlos procesos legales por encima de normassustantivas, desatendiendo así elestablecimiento de un vínculo social fundadoen principios éticos, así como la aplicación deprincipios esenciales para garantizar elejercicio de los derechos humanosfundamentales, ambientales y colectivos.Apoyados en la Declaración Universal de losDerechos Humanos, todos tenemos derecho alas mismas oportunidades, a tener derechoscomunes y diferenciados. El proyecto para

avanzar hacia la nueva alianza solidaria conuna civilización de la diversidad y una cultu-ra de baja entropía, presupone el primado deuna ética implicada en una nueva visión delmundo que nos disponga para unatransmutación de los valores que funden unnuevo contrato social. En las circunstanciasactuales de bancarrota moral, ecológica y po-lítica, este cambio de valores es un imperati-vo de supervivencia.

33. La concepción moral de la modernidadha tendido a favorecer las acciones regidas porla racionalidad instrumental y el interéseconómico, al tiempo que ha diluido lasensibilidad que permite diferenciar uncomportamiento utilitarista de otro fundado envalores sustantivos e intrínsecos. Lacomplejidad creciente del mundo moderno haerradicado una visión universal del bien o unprincipio trascendental de lo justo que sirvande cimiento para el vínculo social solidario.La ética de la sustentabilidad debe ser unaética aplicada que asegure la coexistenciaentre visiones rivales en un mundoconstituido por una diversidad de culturas ymatrices de racionalidad, centradas en dife-rentes ideas del bien.

34. Si lo que caracteriza a las sociedadescontemporáneas es el poder científico sobrela naturaleza y el poder político sobre los se-res humanos, la ética para la sustentabilidaddebe formular los principios para prevenir quecualquier bien social sirva como medio dedominación. Existiendo diferentes bienessociales, su distribución configura distintasesferas de justicia, cada una de las cualesdebe ser autónoma y dotada de reglas propias.De esta complejidad de los bienes socialesnace la noción de equidad compleja resultan-te de la intersección entre el proyecto decombatir la dominación y el programa dediferenciación de esferas de la justicia.

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35. Si la dominación es una de las for-mas esenciales del mal, abolirla es el biensupremo. Ello significa desatar los nudos delpensamiento y las estrategias de poder enel saber que nos someten a los distintos dis-positivos de sojuzgamiento activados enideologías e instituciones sociales. La luchacontra la dominación es un proyecto moralcuyo núcleo consiste en cultivar una éticade las virtudes que nos permita renunciar alos valores morales, los sistemas deorganización política y los artefactostecnológicos que han servido como mediosde dominación. Es al mismo tiempo unproyecto cultural para avanzar hacia lareinvención ética y estética de la mente, losmodelos económico-sociales y las relacionesnaturaleza-cultura que configuran el estilode vida dominante en esta civilización. Setrata de una ética de las virtudes personalesy cívicas que garantice el respeto de unabase mínima de deberes positivos y negati-vos, que asegure las normas básicas deconvivencia para la sustentabilidad.

36. La ética para la sustentabilidad es unaética de los derechos fundamentalespredicables que promueve la dignidad huma-na como el valor más alto y condición funda-mental para reconstruir las relaciones del serhumano con la naturaleza. Es una ética dela solidaridad que rebasa el individualismopara fundarse en el reconocimiento de laotredad y de la diferencia; una ética demo-crática participativa que promueve elpluralismo, que reconoce los derechos de lasminorías y las protege de los abusos que lespueden causar los diferentes grupos de po-der. El bien común es asegurar la produccióny procuración de justicia para todos,respetando lo propio de cada quién y dando acada cual lo suyo.

Ét ica de los bienes comunes y del Bien

Común

37. Los actuales procesos de intervencióntecnológica, de revalorización económica yde reapropiación social de la naturalezaestán planteando la necesidad de establecerlos principios de una bioética junto con unaética de los bienes y servicios ambientales.Los bienes comunales no son bienes libres,sino que han sido significados y transforma-dos por valores comunes de diferentes cul-turas. Los bienes públicos no son bienes delibre acceso pues deben ser aprovechadospara el bien común. Hoy, los "bienescomunes" están sujetos a las formas depropiedad y normas de uso donde confluyende manera conflictiva los intereses del Es-tado, de las empresas transnacionales y delos pueblos en la redefinición de lo propio yde lo ajeno; de lo público y lo privado; delpatrimonio de los pueblos, del Estado y de lahumanidad. Los bienes ambientales son unaintrincada red de bienes comunales y bienespúblicos donde se confrontan los principiosde la libertad del mercado, la soberanía delos Estados y la autonomía de los pueblos.

38. La ética del bien común se plantea comouna ética para la resolución del conflicto deintereses entre lo común y lo universal, lo pú-blico y lo privado. La ética del orden público ylos derechos colectivos confrontan a la éticadel derecho privado como mayor baluarte dela civilización moderna, cuestionando al mer-cado y la privatización del conocimiento -lamercantilización de la naturaleza y laprivatización y los derechos de propiedad in-telectual- como principios para definir y legi-timar las formas de posesión, valorización yusufructo de la naturaleza, y como el medioprivilegiado para alcanzar el bien común.Frente a los derechos de propiedad privada yla idea de un mercado neutro en el cual seexpresan preferencias individuales como fun-damento para regular la oferta de bienes pú-blicos, hoy emergen los derechos colectivos de

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2 62 62 62 62 6 Agroecol. e Desenv. Rur. Sustent., Porto Alegre, v.3, n.3, Jul/Set 2002

los pueblos, los valores culturales de lanaturaleza y las formas colectivas de propiedady manejo de los bienes comunales, definiendouna ética del bien común y confrontando lasestrategias de apropiación de la biodiversidadpor parte de las corporaciones de la industriade la biotecnología.

39. La ética de la sustentabilidad implicacambiar el principio del egoísmo individualcomo generador de bien común por unaltruismo fundado en relaciones dereciprocidad y cooperación. Esta ética estáarraigando en movimientos sociales ascen-dentes, en grupos culturales crecientes, quehoy en día comienzan a enlazarse en tornode redes ciudadanas y de foros socialesmundiales en la nueva cultura de solidaridad.

Ética de la diversidad cultural y de una

polít ica de la diferencia

40. El discurso del "desarrollo sostenible" pre-coniza un futuro común para la humanidad, masno incluye adecuadamente las visiones diferen-ciadas de los diferentes grupos socialesinvolucrados, y en particular, de las poblacionesindígenas que a lo largo de la historia han convi-vido material y espiritualmente en armonía conla naturaleza. La sustentabilidad debe estarbasada en un principio de integridad de los valo-res humanos y las identidades culturales, conlas condiciones de productividad y regeneraciónde la naturaleza, principios que emanan de larelación material y simbólica que tienen laspoblaciones con sus territorios, con los recursosnaturales y el ambiente. Las cosmovisiones delos pueblos ancestrales están asentadas en y sonfuente inspiradora de prácticas culturales de usosustentable de la naturaleza.

41. La ética para la sustentabilidad acogeesta diversidad de visiones y saberes, y con-testa todas las formas de dominación,discriminación y exclusión de sus identida-

des culturales. Una ética de la diversidad cul-tural implica una pedagogía de la otredad paraaprender a escuchar otros razonamientos yotros sentimientos. Esa otredad incluye laespiritualidad de las poblaciones indígenas,sus conocimientos ancestrales y sus prácticastradicionales, como una contribución funda-mental de la diversidad cultural a lasustentabilidad humana global.

42. Para los pueblos indígenas y afro-descendientes, así como para muchas socie-dades campesinas y organizaciones popula-res, la ética de la sustentabilidad se traduceen una ética del respeto a sus estilos de viday a sus espacios territoriales, a sus hábitos ya su hábitat, tanto en el ámbito rural comoen el urbano. La ética se traduce en prácticassociales para la protección de la naturaleza,la garantía de la vida y la sustentabilidadhumana. Los conocimientos ancestrales, porsu carácter colectivo, se definen a través desus propias cosmovisiones y racionalidadesculturales y contribuyen al bien común delpueblo al que pertenecen. Por ello sus sabe-res, su naturaleza y su cultura no deben sersometidos al uso y a la propiedad privados.

43. En las cosmovisiones de los pueblos in-dígenas y afro-descendientes, así como demuchas comunidades campesinas, lanaturaleza y la sociedad están integradas den-tro de un sistema biocultural, donde laorganización social, las prácticas productivas,la religión, la espiritualidad y la palabraintegran un ethos que define sus estilos propiosde vida. La ética remite a un concepto debienestar que incluye a la "gran familia" y noúnicamente a las personas. Este vivir bien dela comunidad se refiere al logro de su bienestarfundado en sus valores culturales e identida-des propias. Las dinámicas demográficas, demovilidad y ocupación territorial, así como lasprácticas de uso y manejo de la biodiversidad,

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2 72 72 72 72 7 Agroecol. e Desenv. Rur. Sustent., Porto Alegre, v.3, n.3, Jul/Set 2002

se definen dentro de una concepción de latrilogía territorio-cultura-biodiversidad como untodo íntegro e indivisible. El territorio se definecomo el espacio para ser y la biodiversidad comoun patrimonio cultural que permite al ser per-manecer; por tanto la existencia cultural escondición para la conservación y usosustentable de la biodiversidad. Estasconcepciones del mundo están generandonuevas alternativas de vida para muchas co-munidades rurales y urbanas.

44. El derecho inalienable de los pueblos asu ser cultural debe llevar a una nueva éticade los derechos de los pueblos frente al Estado.La ética para la sustentabilidad abre así loscauces para recuperar identidades, para vol-ver a preguntarnos quienes somos y quienesqueremos ser. Es una ética para volver anuestras raíces y mirar al futuro. Una éticapara reconocernos y regenerar lazos decomunicación y solidaridad desde nuestras di-ferencias y para no seguir atropellando al otro.Una ética para reestablecer la confianza entrelos seres humanos y entre los pueblossojuzgados, haciendo realidad los preceptos dela Declaración Universal de los Derechos Hu-manos.

Ética de la paz y el diálogo para la

resolución de conflictos

45. El peor mal de la humanidad es la guer-ra que aniquila la vida y aplasta a lanaturaleza, así como la violencia física y sim-bólica que desconoce la dignidad humana yel derecho del otro. La ética para lasustentabilidad es la ética de una cultura depaz y de la no-violencia; de una sociedad queresuelva sus conflictos a través del diálogo.Esta cultura de diálogo y paz sólo puede darsedentro de una sociedad de personas libresdonde se construyan acuerdos y consensosen procesos en los cuales también haya lu-gar para los disensos.

46. La capacidad argumentativa ha permiti-do a los seres humanos usar el juicio racional yla retórica para mantener y defender posicionese intereses individuales y de grupo frente al biencomún y de las mayorías. Sólo un juicio moralpuede dirimir y superar las controversias entrejuicios racionales igualmente legítimos. Lafunción de la inteligencia no es sólo la de razonarlógicamente, conocer y crear productivamente,sino la de orientar sabiamente elcomportamiento y dar sentido a la existencia.Estas son funciones éticas del bien vivir. En estesentido, la ética enaltece a la razón. La dignidad,la identidad y la autonomía de las personasaparecen como derechos fundamentales del sera existir y a ser respetado.

47. Si todo orden social -incluso el democrá-tico- supone formas de exclusión, en cadaescenario de negociación se debe incluir a to-dos los grupos afectados e interesados. Estatransparencia es fundamental en los procesosde resolución de conflictos ambientales por lavía del diálogo y la negociación, sobretodo si con-sideramos que las comunidades e individuosmás afectados por la crisis ambiental en todassus manifestaciones son justamente los máspobres, los subalternos y los excluidos del es-quema de la democracia liberal.

48. Para que la ética se convierta en uncriterio operativo que permita dirimirconflictos entre actores en diferentes esca-las y poderes desiguales, será necesario unacuerdo de principios de igualdad que seaasumido y practicado por todos los actores dela sustentabilidad. Ello implica reconocer laespecificidad de los diferentes actores ysectores sociales con sus impactos ecológi-cos, responsabilidades, intereses y deman-das, y en sus diferentes escalas deintervención: local, nacional, internacional.Para ello es necesario superar las dicotomíasentre países ricos y pobres, así como las

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oposiciones convencionales entre Norte/Sur,Estado/sociedad civil, esfera pública/esferaprivada, de manera que se identifiquen losvalores, intereses y responsabilidades deactores concretos dentro de las controversiaspuestas en juego por grupos sociales,corporaciones, empresas y Estados específi-cos. Este ejercicio es fundamental para quelas políticas, las decisiones y los compromisosadoptados correspondan con las responsabi-lidades diferenciadas y con las condicionesespecíficas de los actores involucrados.

Ét i c a del ser y el t i em po de l a

sustentabil idad

49. La ética de la sustentabilidad es una éti-ca del ser y del tiempo. Es el reconocimiento delos tiempos diferenciados de los procesosnaturales, económicos, políticos, sociales yculturales: del tiempo de la vida y de los ciclosecológicos, del tiempo que se incorpora al ser delas cosas y el tiempo que encarna en la vida delos seres humanos; del tiempo que marca losritmos de la historia natural y la historia social;del tiempo que forja procesos, acuña identida-des y desencadena tendencias; del encuentrode los tiempos culturales diferenciados de di-versos actores sociales para generar consultas,consensos y decisiones dentro de sus propioscódigos de ética, de sus usos y costumbres.

50. La vida de una especie, de lahumanidad y de las culturas no concluye enuna generación. La vida individual estransitoria, pero la aventura del sistema vivoy de las identidades colectivas trasciende enel tiempo. El valor fundamental de todo servivo es la perpetuación de la vida. El mayorvalor de la cultura es su apertura hacia ladiversidad cultural. La construcción de lasustentabilidad está suspendida en el tiempo,en una ética transgeneracional. El futurosustentable sólo será posible en un mundoen el que la naturaleza y la cultura continúenco-evolucionando.

51. La ética de la sustentabilidad coloca a lavida por encima del interés económico-políticoo práctico-instrumental. La sustentabilidad sóloserá posible si regeneramos el deseo de vidaque sostiene los sentidos de la existencia hu-mana. La ética de la sustentabilidad es unaética para la renovación permanente de la vida,donde todo nace, crece, enferma, muere yrenace. La preservación del ciclo permanen-te de la vida implica saber manejar el tiempopara que la tierra se renueve y la vidaflorezca en todas sus formas conviviendo enarmonía en los mundos de vida de laspersonas y las culturas.

52. La ética de la sustentabilidad se nutredel ser cultural de los pueblos, de sus formasde saber, del arraigo de sus saberes en sus iden-tidades y de la circulación de saberes en eltiempo. Estos legados culturales son los quehoy abren la historia y permiten la emergenciade lo nuevo a través del diálogo intercultural ytransgeneracional de saberes, fertilizando loscaminos hacia un futuro sustentable.

Epílogo53. La ética para la sustentabilidad es una

ética del bien común. Este Manifiesto ha sidoproducido en común para convertirse en unbien común; en este sentido, busca inspirarprincipios y valores, promover razones ysentimientos, y orientar procedimientos,acciones y conductas, hacia la construcciónde sociedades sustentables.

54. Este Manifiesto no es un texto defi-nitivo y acabado. La ONU, los gobiernos, lasorganizaciones ciudadanas, los centroseducativos y los medios de comunicación detodo el mundo deberán contribuir a difun-dir este Manifiesto para propiciar un am-plio diálogo y debate que conduzcan aestablecer y practicar una ética para lasustentabilidad.

T Especialópico

29Agroecol. eDesenv. Rur. Sustent., Porto Alegre, v.3, n.3, Jul/Set 2002

Melhoramento de Campo Nativoem São Francisco de Paula

* Engenheiro Agrônomo da EMATER/RS* * Zootecnista da EMATER/RS, Mestre em

Nutrição Animal

1 SínteseA exper iência do Melhoramento do Campo

Nat ivo em São Francisco de Pau la t rata doplant io direto de leguminosas e gramíneasde inverno nos campos nat ivos do município.

A motivação para o desenvolvimento da ex-per iência foi a necessidade de encontrar umaalternat iva para tornar competit iva a pecuá-r ia do município, que apresenta baixíssimosíndices de produt ividade, devido à fome dosrebanhos no período outono-inverno.

Uma das premissas para a implantaçãoda proposta foi qu e, além de técn ica e eco-nomicamente viável, a proposta dever ia serainda ambientalmente adequ ada e cu ltu ral-men te acei ta.

A exper iência obteve como resu ltado pro-duções de até 400 kg/ ha/ ano de carne de qua-lidade e um aumento significat ivo na produ-ção de queijo serrano, produto típico da região.

2 Contexto e trajetóriada região

O município de São Francisco de Pau la lo-caliza-se na região fisiográfica dos Camposde Cima da Serra e é um dos maiores muni-cípios do Rio Grande do Su l, ocupando umaárea total de 3.269 Km². É dividido adminis-t rat ivamente em sete distr itos, compostos porcinqüenta e três localidades.

RExperiênciaelato

de

M es s ias , Lu is G . P .*Ries , J a im e E.* *

30Agroecol. eDesenv. Rur. Sustent., Porto Alegre, v.3, n.3, Jul/Set 2002

A popu lação total do município é de 19.706habitan tes. Destes, 12.253 residem na zonau rbana e 7.453 habitam a zona ru ral. A den-sidade popu lacional do mu nicípio como u mtodo é de aproximadamente 6 habitantes porqu i lômet ro qu adrado. Na área ru ral, é bas-tan te menor , si tu ando-se em torno de 2,3habi tan tes/ Km².

Os pr imeiros habi tan tes de São Francis-co de Pau la for am os ín dios Caágu as. Es-t es for am os ú l t im os r epr esen tan tes in dí-gen as da r egião e podem ser con sider adoscom o par te do t r on co or igin ár io dos h abi -t an tes qu e in iciar am o povoam en to da Ser -r a. Con ta-se qu e o povoado, h oje cidade deSão Fr an cisco de Pau la, in iciou -se com oCapi t ão Pedr o da Si lva Ch aves, de Lisboa,Por tu gal . A data de em an cipação é 07 dejan ei r o de 1903.

O ser r an o, por n at u r eza, é vol t ado aot r adicion al ism o. Talvez por in flu ên cia dapr ópr ia pecu ár ia da r egião. Os CTGs, r o-deios, fest as cam pei r as e os t or n eios delaço são par tes impor tan tes da cu l tu ra des-se povo.

Os solos são de n at u r eza ar gi lo-ar en o-sa, fr acos e per m eáveis. São bast an t e áci -dos, com elevados n íveis de alu m ín io, po-br es em fósfor o dispon ível e com al t os t e-or es de pot ássio e m at ér ia or gân ica. São

classi f i cados com o solos da Classe VI. Ra-sos, com afloramento de rochas, própr ios parao cu lt ivo de pastagens perenes e a silvicu ltu -ra. Em algu m as ár eas é possível a explo-r ação da fr u t i cu l t u r a. O r elevo é on du la-do, com ext en sos coxi lh ões, car act er íst i -cos desta região do Estado. As al t i t u des va-r iam en t r e 400 e 1.050 m et r os acim a don ível do m ar .

O mu nicípio é bem servido de águ a, sen-do as aguadas const i tu ídas por r ios e por umgrande nú mero de r iachos, cór regos e abu n-dantes ver ten tes. Os índices plu viomét r icosestão em torno de 1.800 a 2.000 mil ímet rosanu ais, bem dist r ibu ídos.

A cober tu ra vegetal é const i tu ída de cam-p o n a t i vo , on d e p r ed om i n a o Ca p i mCan inha, en t remeados por capões de mato.O cam po n at i vo ap r esen t a qu al i dade eabu n dân cia de m assa ver de n o per íodo depr im aver a-ver ão. No en tan to, a pr odu ção ea qu al idade baixam , acen tu adam en te, n oper íodo de in ver n o.

O clima é t ipicamente temperado fr io, comas segu intes temperatu ras médias:

• Pr imavera .................................... 13,9 ºC• Verão ............................................ 19,8 ºC• Outono .......................................... 14,7 ºC• Inverno ........................................... 9,7 ºC

No in ver n o, t em per atu r as em tor n o de0ºC são fr eqü en tes.

O mu n icípio de São Francisco de Pau la éconst i tu ído de pequ enas e médias propr ie-dades ru rais. Propr iedades com até 500 hec-tares represen tam 94,56% do total e propr i -edades com até 200 hectares represen tam84,10%.

A pecuár ia de cor te é a pr incipal at ividadeagropecuár ia em termos de estabelecimen-tos envolvidos. As informações do quadro aci-ma demonstram tratar -se de uma região depecuár ia explorada em pequenas áreas.

RExperiênciaelato

de

31Agroecol. eDesenv. Rur. Sustent., Porto Alegre, v.3, n.3, Jul/Set 2002

Em função da atividade ser desenvolvida deforma intensiva com carência de tecnologia erecursos financeiros compatíveis, as áreas comaté 200 hectares geram uma renda bruta anu-al de R$ 10.000,00, insuficientes para que o pro-dutor e sua família tenham uma vida digna.

Em função dos baixos índices de produt ivi-dade da pecuár ia, os produ tores costumamaumentar a sua renda através da produção ecomercialização de um queijo t ípico, conhe-cido como queijo serrano. Em muitas propr i-edades, a renda desse produ to at inge 50 % darenda bru ta total.

A prát ica de manejo t radicional do camponat ivo é a queima realizada entre os mesesde ju lho e agosto. Essa prát ica, realizada des-de os pr imórdios da ocupação da área com a

exploração bovina, é u t i l izada para eliminara sobra de pasto seco, queimado pelas geadasdo inverno e qu e não foi consu mido pelosanimais devido a sua baixa qualidade. Alémdas queimadas, que apesar de proibidas noEstado, cont inuam sendo u t il izadas, ocorremoutros sér ios problemas ambientais na região,quais sejam o avanço das plantações de pinus,de alho e de batata. As cu ltu ras de alho ebatata têm um limite bem estabelecido emfunção de que apenas 5 a 6 % das áreas domunicípio são passíveis de mecanização.

No entanto, revestem-se de r isco na me-d i d a qu e são cu l t u r as al t am en t edemandadoras de insumos químicos, cu lt iva-d as com u m a gr an d e m ob i l i zação edesest ru tu ração do solo. Geralmen te, são

RExperiênciaelato

de

Quadro 1 - Uso da terra no município de São Franci sco de Paula.

¹ - Incluídos aproximadamente 20.000 hectares de ma ta nativa. Fonte: EMATER-RS / Escritório Municipal de São Francisco de Paula.

Quadro 2 - Demonstrativo da estrutura de produção e dos índices de produtividade da pecuária do municí pio.

¹ - Mortalidade de cordeiros - Fonte: EMATER-RS / E scritório Municipal de São Francisco de Paula

32Agroecol. eDesenv. Rur. Sustent., Porto Alegre, v.3, n.3, Jul/Set 2002

exploradas por arrendatár ios de fora do mu-nicípio, por 3 a 4 anos, mu itas vezes sem aadoção das precauções necessár ias para evi-tar a erosão do solo e a contaminação dos re-cu rsos hídr icos.

Também o plant io de pinus, da forma comose estabelece na região, pode provocar gran-de impacto, uma vez que geralmente são cu l-t ivados grandes maciços florestais cont ínuosde propr iedade das madeireiras ou grandespropr ietár ios. Mu itos invest idores dessa at i-vidade são de fora do município e adqu iremáreas exclusivamente para reflorestamento.

Esses maciços florestais aniquilam a biodi-versidade, transformam a paisagem e podemno futuro prejudicar o desenvolvimento do tu-r ismo na região, uma das mais belas do RioGrande do Sul. Outro fator preocupante é o fatodesses plantios ocorrerem muitas vezes sobreos melhores campos nativos da região.

A baixa rentabilidade atual da pecuár ia e aapt idão da região para o reflorestamento po-derão contr ibu ir para a exclusão de um gran-de número de pecuar istas, pr incipalmente osfamiliares, em função da venda de suas pro-pr iedades para invest idores do ramo madei-rei ro.

3 Descrição da experiênciapropriamente dita

3 .1 Co nt e x t o at ual d a e x p e r i ê nc i a

A exper iência foi conduzida em propr ieda-des cu ja at ividade pr incipal é a pecuár ia comáreas de até 250 hectares e renda bru ta anualde R$ 10.000,00. O ecossistema destas pro-pr iedades é bastante preservado.

A motivação para o desenvolvimento da ex-per iência foi a necessidade de tornar compe-t it iva uma at ividade com baixos índices deprodução, devido à fome dos rebanhos no perí-

odo outono-inverno. Estes índices, fu turamen-te, inviabilizar iam a pecuár ia no município.

O início da exper iência deu-se em um gru -po de produ tores chamado CITE-78, nas pro-pr iedades dos senhores Ibanês Pôr to, JoséLaur i Moreira de Lucena, Ar isteu Gil Alves,Pau lo Nereu Alves, João Moreira de Lucenae Mar ia Elizabeth Zanata Cardoso, em 1992.

O que a tornou possível foi a organizaçãodos produ tores, que acreditaram e deram su-porte. Como aspecto posit ivo, podemos ressal-tar a persistência da assistência técnica emacreditar na viabil idade técnica e econômi-ca e na sustentabil idade. Como debil idade,citamos a falta de pesqu isa a respeito.

3 .2 De sc r i ção d a e x p e r i ê nc i a

Passo s d a e x p e r i ê nc i a

Escolha do Local: baseados no ZoneamentoAgrícola, temos um universo de 237.003 hec-tares, num percentual de 72,5% de área totaldo município, para implantarmos um progra-ma. Na experiência, foi u tilizado um percentualde no máximo 20% da área de cada proprieda-de escolhida, para que a mesma fosse testada.

Análise de Solo: a análise de solo é impor-t an te e im pr escindível par a conhecer m ossuas deficiências nu tr it ivas e podermos in-terpretar suas necessidades.

Calagem: a correção da acidez é feita coma ut i l ização de calcár io, u t i l izando-se apenas¼ da recomendação da análise de solo, emcober tu ra, sem incorporação, 2 a 3 meses an-tes da semeadura.

Adubação: em média, 250 kg/ ha de adubofórmu la NPK (07-30-13), ou similar , são su fi-cientes. Para maior segurança, no entanto,observar as recomendações da análise de solo.Em solos mu ito pobres em fósforo, deverá serfeita uma adubação corret iva à base de 120kg/ ha de P2O5. O adubo orgânico, emborapouco disponível no município, na forma deestercos sólidos e líqu idos de animais, é umsubprodu to valioso e o seu aproveitamento

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de

33Agroecol. eDesenv. Rur. Sustent., Porto Alegre, v.3, n.3, Jul/Set 2002

pode ser feito da maneira mais conveniente.Sementes: o uso de sementes de qualida-

de é fundamental, bem como a inocu lação epelet ização das mesmas. As recomendaçõespreconizadas são:• Aveia 40 Kg/ ha• Azevém 25 Kg/ ha• Trevo branco 1 Kg/ ha• Trevo vermelho 4 Kg/ ha• Cornichão 5 Kg/ ha

Os produ tores são incent ivados a produzirsementes. Além da diminu ição dos custos,as propr iedades podem obter uma renda ex-t ra, tendo maior segurança quanto à quali-dade e aclimatação das sementes.

Plantio: o Melhoramento do Campo Nativo érealizado através do método de plantio direto,sem a dessecação dos campos nat ivos comherbicidas. A implantação pode ser feita commáquina (renovadora de pastagem), a qual per-mite uma maior eficiência no uso do adubo,devido à aplicação na linha. Também pode serfeita com grade niveladora, usada para facili-t ar o con tato do calcár io e das semen tesforrageiras de estação fr ia com o solo. A seme-adura é feita entre 15 de março e 15 de maio.

A aqu isição de máqu inas e implementosdeverá, sempre que possível, ser feita em gru-po, diminu indo os invest imentos fixos por pro-pr iedade e opor tunizando a implantação porpequenos produtores.

Manejo da Pastagem: após 60 dias do plan-

t io, normalmente, a área está pronta para ut i-lização. A part ir do pr imeiro pastoreio, come-çam os cu idados de manejo, que deverá ser omais adequado possível. O bom manejo impli-ca em segu i r as qu at r o l ei s u n i ver sai sestabelecidas por André Voisin, sendo duaspara o pasto e duas para os animais:

1ª) Tempo de ocupação: retirar os animais dopasto quando do surgimento dos rebrotes, poisisto é fundamental para o seu rápido desenvol-vimento.

2ª) Tempo de descanso: deixar descansara área de pasto pelo menos 30 dias, para quepossa ser novamente consumido. O tempovar ia de acordo com o clima e as estações doano. Após a ret irada dos animais do potreiro,as plantas devem ficar com uma altu ra emtorno de 6 cent ímetros, proporcionando umrebrote com maior in tensidade.

3ª) A permanência dos animais no potreironão deve superar t rês dias de cada vez. Nofinal deste prazo, as plantas estão pisoteadasdemais e com excesso de dejeções, o que di-ficu lta o consumo pelos animais.

4ª) A altura ideal para facilitar o consumo dospastos pelos animais é entre 15 e 25 centíme-tros. O período de utilização do campo nativomelhorado vai de junho a março, perfazendo umtotal de dez meses por ano. O período de descan-so é de dois m eses, qu an do se r eal iza aressemeadura e readubação, se necessário.

Cercas: são recomendáveis divisões com cer-ca elet r i ficada, sendo qu e o tamanho dospotreiros deverá variar entre 1 e 2 hectares, parafacilitar o manejo. O importante é que o manejoseja feito no sistema rotativo controlado.

Aguadas: a água é ou tro fator impor tantepara a terminação de bovinos em campo na-t ivo melhorado, pr incipalmente qu ando seusa o pastoreio rotat ivo. A deficiência de águanos potreiros prejudica o engorde. A distân-cia que os animais têm que percorrer até aágua não deve ser super ior a 400 metros, se-gundo Nilo F. Romero.

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Abr igos: sempre qu e possível, os abr igosdevem ser si t u ados próximos a fon tes deágu a e dent ro das áreas melhoradas. Isto seprende ao fato de qu e, em dias qu entes, osan imais devem encon t rar sombra e águ a,sem grande deslocamento. Os bosques e que-bra-ventos proporcionam sombra nos diasqu entes de verão e abr igo ao rebanho nosr igores do inverno.

Categor ias An im ais a ser em u t i l izadasnas áreas de campo nat ivo melhorado, porordem de impor tância, são as segu intes:

• Terneiros(as) desmamados precocemente;• Vaqu ilhonas entou radas aos 24 meses

e prenhas;• Vacas com 1ª cr ia e prenhas;• Vacas de repet ição;• Novilhos de engorda;• Vacas de descar te;• Ovelhas com cr ia ao pé;• Cordeiros desmamados;• Demais categor ias.

3 .3 Fat o r e s d e t o mad a d e d e c i são

A tomada dedecisão por partedos pecuaristasfamiliares a respeito da prát ica (experiência)é a venda dos produtos (carne/ queijo) na épocade maior preço (entressafra), maior produçãopor área e maior lucro na atividade. Existe umConselho, formado por parceiros, com um Co-ordenador Técnico e todos os controles, inclu-sive contábeis, para que os produtores possamtomar decisões com segurança.

4 Resultados e produtosA exper iência melhorou a qualidade e a

quant idade de massa verde no per íodo de ou-tono-inverno do campo nat ivo. A int roduçãode espécies for rageiras através do plant io di-reto evitou o empobrecimento e a erosão dosolo, preservando a sua estru tu ra física. Vemajudando, ainda, na preservação da fauna eda flora nat ivas e, por conseqüência, da pai-sagem da região trabalhada.

Os pecuar istas aumentaram sua produçãoe a qualidade dos produ tos, obtendo melhorremuneração. Por consegu inte, sua par t ici-pação na comunidade melhorou , bem comosua qualidade de vida.

Os pecu ar istas de cor te têm obt ido até400 k g/ ha/ ano de carne de qu al idade pro-du zida somente a pasto, u m au mento bas-t an t e si gn i f i cat i vo em r el ação à m éd i amu n icipal , qu e é de apenas 30 Kg/ ha/ ano.Paralelamen te, au mentaram a produ ção delei te e qu ei jo. No en tan to, o maior resu l ta-do obt ido foi a cer teza de qu e esta tecnologiatorna a pecu ár ia fam i l iar econom icamen-te viável , além de ambien talmen te su sten -t ável , com o m ín i m o d e agr essão aoecossist em a exist en t e.

Até o presen te ano, foram implan tadasáreas de melhoramento de campo nat ivo em80 propr iedades do mu n icípio de São Fran-cisco de Pau la, total izando cerca de 1.000hectar es. Esses nú m er os r efer em -se ape-nas às áreas implan tadas median te or ien -tação do escr i tór io mu n icipal . Ou t ros pro-du tores têm real izado a prát ica de forma in -dependen te ou at ravés de in formações ob-t idas de ou t ras fon tes.

4 .1 Re sul t ad o s o b t i d o s e m nív e ld as p ro p r i e d ad e s r ur ai s

Fazenda Mu lita - Ar isteu Gil Alves

A) Ganho de peso de terneiros desmama-dos aos 60 e 90 dias sobre campo nat ivo, comsuplementação de ração:

B) Ganho de peso dos novilhos de sobreano,terminados em campo nat ivo melhorado:

Depoimentos de alguns produ tores que in-tegram o programa:

"No sistema tradicional, o rendimento eramu ito baixo e os custos de produção estavamaumentando cada vez mais. Com o melhora-mento de campo, consegu i um nível de esta-bil idade de 10 meses, t ive um acréscimo de

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de

35Agroecol. eDesenv. Rur. Sustent., Porto Alegre, v.3, n.3, Jul/Set 2002

lotação de 40% e a natalidade passou de 50%para 80%. Para fazer pecuár ia hoje, temos queter alimentação nos Campos de Cima da Ser-ra. Só vamos consegu ir se fizermos melho-r ia do Campo Nat ivo”.

José Lau r i de Lu cena, de São Franciscode Pau la

(354 ha - 70 ha melhorados).

"O melhoramento é uma nova alternat iva

de mais alimentação do gado em área menor.É a esperança de uma pastagem de melhorqualidade. Com o melhoramento, o gado temalimento por dez meses do ano, permit indo odesmame precoce. O custo diminu i em rela-ção à pastagem convencional, pelo maior tempode uso do melhoramento, com o mesmo in-vest imento. Com essa alternat iva, consegu i

que 90% das novilhas de 3 anos dessem cria.”Renato Nunes da Silva, de Cambará do Su l

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de

* Os terneiros apartados aos 90 dias receberam raçã o caseira por um mês, e os apartados aos 60 dias du rante dois meses.

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(517 ha - 8 ha melhorados).

“Resolvi fazer o melhoramento na ânsia deter melhor pastagem para o gado e melhoraro rendimento da propr iedade. O solo fica maisresistente à chuva e ao pisoteio. Além disso,não causa t impanismo. No inverno, u t i l izo omelhoramen to para fazer o desmame dosterneiros. A par t ir de setembro, quando daretomada de crescimento do trevo, os animaisem engorda ganham 1,1 Kg por dia.”

Celino Cunha, de Cambará do Su l(600 ha - 10 ha melhorados).

"Desde que assist i à palestra de lançamen-to do programa, percebi que essa era a solu -ção para melhorar a alimentação do rebanho.Meus índices estavam muito baixos. Hoje nãoposso mais parar com o melhoramento, poistoda a minha propr iedade está melhorada,não realizo mais queimadas. A tendência éano a ano aumentar a área melhorada.”

Flávio Tietböhl, de Bom Jesus(114 ha - 10 ha melhorados).

"Depois que in iciei o melhoramento, a pro-du ção é excelen te, tan to na área de lei te,como de carne. Sem falar na natalidade, queau m en tou consider avelm en te. Manejandobem, não precisa dest ru ir a natu reza comqueimadas. Vale a pena, pr incipalmente paraquem vive em pequenas áreas. Eu sou teste-munha de que dá cer to. Quem ainda não crêneste sistema, vai ter que crer na marra.”

"Seu Didi", de São Francisco de Pau la(14,6 ha - 6 ha melhorados).

"Os pr incipais mot ivos que me levaram ainvest ir no melhoramento do campo foram aproibição das queimadas e a rentabil idade.Em 2000, comecei a fazer o melhoramentodeixando de queimar o campo e realizandoroçadas. Hoje, com o cu lt ivo da pastagem nocampo nat ivo aumentou a lotação, que antes

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era de 115 cabeças. Temos que colocar umameta e tentar alcançá-la, ainda vou ter 300cabeças aqu i na propr iedade.”

Francisco Guazell i Neto, de São José dosAu sen tes

(247 ha - 12 ha melhorados).

5 Potencialidadese limitesda experiênciaO ponto for te da exper iência é ter dado ao

pecu ar ista famil iar u ma alternat iva viável,tanto técnica como econômica, possibilitan-do a cont inu idade da sua at ividade, permit in-do uma maior capitalização. Coloca-se tam-bém como alternat iva à prat ica do fogo, tradi-cionalmente ut ilizado para tentar resolver osproblemas de baixa produção e produtividade.

A tecnologia difici lmente será adotada pelamaior ia dos pecuar istas famil iares, sem que

os governos Municipal, Estadual e Federal

apoiem a in iciat iva, com programas de ajuda

financeira e técnica, bem como uma ampla

divu lgação dos resu ltados obt idos.São exemplos de polít icas públicas que po-

der iam apoiar o Programa Regional de Me-lhoramento de Campo Nat ivo:

- Na esfera federal: enquadramento dospecuaristas familiares como beneficiár ios doPRONAF, levando-seem conta a renda bruta anu-al e não o tamanho da área das propriedades;

- Na esfera estadual: cr iação de programade crédito ru ral específico para os pecuar istasfamil iares, com ju ros subsidiados e prazoscompat íveis;

- Na esfera municipal: cr iação de patru -lhas mecanizadas específicas para o desen-volvimento do programa e previsão de recur-sos financeiros junto aos Fundos Municipaisde Desenvolvimento Agropecuár io.

O custo para implantação das áreas cons-t itu i-se em um grande entrave, haja vista a

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falta de capitalização dos produ tores. São ne-cessár ios entre R$ 500,00 e R$ 600,00 para aimplantação de cada hectare. Neste sent ido,a EMATER/ RS está firmando parcer ia com aEstação Exper imental da EPAGRI, em Lages/SC, buscando alternat ivas para a redução doscustos de implantação.

Além da redução nos custos, ou tra preocu-pação é reduzir ou eliminar o uso de adubossolúveis. Com esse objet ivo, estão sendo fei-tos alguns testes em nível de propriedades como uso de fosfatos naturais.

Tem se observado também que com o passardos anos, através do uso do pastoreio rotativo ra-cional, a fertilidade das áreas aumenta pela de-posição concentrada dos dejetos, eliminando anecessidade da adubação anual de manutenção.

Considerando os resultados obtidos, analisa-dos e testados, individual e coletivamente a ex-periência tem potencial para ser reproduzida edifundida. A EMATER/ RS, através desuas estru-turas, poderá, perfeitamente, abraçar a idéia,reproduzir e difundir a tecnologia. Baseados nosresultados obtidos em São Francisco de Paula,foi lançado em julho/ 2000 o Programa Regionalde Melhoramento do Campo Nativo, abrangendoa Microrregião Homogênea dos Campos de Cimada Serra, formada pelos municípios de São Fran-

cisco de Paula, Cambará do Sul, Jaquirana, BomJesus e São José dos Ausentes.

Nos cinco municípios de abrangência doprograma, cerca de 200 produ tores implanta-ram, até o momento, 3.000 hectares de me-lhoramento de campo nat ivo.

Rede de contatoEm at er / RS - Cax i as do Su lFone: (54) 223 5633Em at er / RS - São Fr an ci sco de Pau l aFone: (54) 244 1394Secr et ar i a M u n i ci pal da Agr i cu l t u r a -São Fr an ci sco de Pau l aFone: (54) 244 1175Sindicato Rural - São Francisco de Pau laFone : (54) 244 1057Associ ação Ru r al - São Fr an ci sco d ePau l a. Fone: (54) 244 1207É l v i o Cas t i l h os - São F r an c i sco d ePau l a Fone: (54) 244 1135

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Desafiospara a extensão rural: o "social" natransição agroecológica*

* Esteartigo éumaversão resumidado Marco ReferencialparaasAçõesSociaisdaEMATER/RS-ASCAR, elabora-

do em2002 por umGrupo deTrabalho formado porAdão Bertier Rodrigues, TâniaMariaTreviso, Renato dosSantosIuva, Afaf Muhammad Wermann, IolandaErnei da

S. Oliveira Momolli, Ana Maria Annoni e EmmaCademartori Siliprandi (coordenadora), e tambémpor

integrantesdaequipe do Núcleo de Cidadaniae Qualida-dedeVidano Meio Rural daDivisão deApoio Técnicoao Desenvolvimento Rural Sustentável (NUCID-DAT) da

EMATER/RS: ReginadaSilvaMiranda, Karin Peglow,Caroline Crochemore Velloso e MarianaSoares.

** Engenheira Agrônoma, Mestre emSociologia ecoordenadorado NUCID-DAT. E-mail:

[email protected] "Agroecologia", "sustentabilidade",

"extensão rural agroecológica" e "transição agroecológica"podemser aprofundadosnostextosdeCaporal e

Costabeber (2000; 2001).

S ilip ran d i, Em m a* *

Resum oEste artigo enfoca as ações sociais que vêm

sendo realizadas pela extensão rural pública no

Rio Grande do Sul, salientando a sua importân-cia para a concretização deuma proposta de tran-sição agroecológica. Faz uma breve retrospectivade como esses temas foram tratados ao longo dahistória da extensão rural, e aponta, à luz da ex-periência da EMATER/ RS, as dificuldades quesãoenfrentadas, na prática, para a mudança de umparadigma de desenvolvimento em que o modelotecnológico sempre foi preponderante, para umoutro, onde se parte da organização social e doempoderamento dos agricultores e agricultoras.É um resumo do documento intitulado "MarcoReferencial para as Ações Sociais da EMATER/RS-ASCAR", elaborado em 2002 por um Grupo deTrabalho, do qual a autora foi coordenadora.

Pa la v r a s -c h a ve: Agroecologia, Transiçãoagroecológica, Extensão rural, Ações sociais,Sustentabilidade, Desenvolvimento rural.

1 IntroduçãoNa Missão da EMATER/ RS, apresenta-se

uma proposta de desenvolvimento rural vista

A r t i go

39Agroecol. eDesenv. Rur. Sustent., Porto Alegre, v.3, n.3, Jul/Set 2002

como um conjunto de melhorias para o campo(econômicas, cu ltu rais, ambientais, sociais,políticas), nas quais as populações envolvidas,apoiadas pelos agentes de extensão rural, de-vem ter um papel protagônico. Esta Missão foidefinida como: "promover a construção do de-senvolvimento rural sustentável, com base nosprincípios da Agroecologia, através de ações deassistência técnica e extensão rural e median-t e pr ocessos edu cat ivos e par t i cipat i vos,objetivando o fortalecimento da agricultura fa-miliar e suas organizações, de modo a incenti-var o pleno exercício da cidadania e a melhoriada qualidade de vida"1.

Estas propostas têm um forte conteúdo demobilização e organização social, explicitadosnas su as est ratégias: pr ivi legiar o u so demetodologias participativas; valorizar os distin-tos saberes (científico e popular); incorporar umavisão holíst ica (que compreenda os processossócio-econômicos em sua relação com o ambi-ente); estimular dinâmicas de participação ati-va das populações, através de diagnósticos eplanejamentos em conjunto; estimular parce-r ias em todos os n íveis; est imu lar formasassociativas; respeitar as diferenças de gêne-ro, de culturas, de grupos de interesses; bus-car a inclusão social; tomar o agroecossistemacomo uma unidade básica de análise, planeja-mento e avaliação dos sistemas de produçãoagrícola; apoiar a implementação da ReformaAgrária e o fortalecimento da Agricu ltura Fa-miliar. Os objetivos definidos também desta-cam o caráter social deste trabalho: a susten-tabilidade, a estabilidade, a produtividade, aeqü idade e a qualidade de vida.

Em que pese o forte conteúdo social dessasdefinições, no sentido de ser uma proposta quepretende modificar relações sociais, que seexpressam em uma visão diferenciada do es-paço produtivo, da relação com o meio ambien-te, e entre as pessoas, a preocupação com asnovas tecnologias agrícolas sempre foi prepon-derante nas atividades de extensão, e foi, mui-tas vezes, considerada a sua única razão de

ser. Assim, os chamados "temas sociais", ape-sar de presentes no cotidiano do trabalho, aca-baram sendo pouco discutidos.

O que estamos chamando aqui de "temassociais"? Não vamos nos preocupar, neste mo-mento, em apresentar as inúmeras interpreta-ções que têm se dado ao "social" na literaturasociológica ou no entendimento dos movimen-tos sociais e nas visões que orientam as políti-cas públicas, pois estes temas mereceriam umaprofundamento maior, extrapolando a intençãodeste texto. Para efeito desta discussão, estamosnos referindo àqueles temas, que, em conjuntocom as mudanças nas tecnologias de produçãoagrícola, compõem (ou deveriam compor) umapauta de mudanças para o meio rural, em dire-ção a um desenvolvimento efetivamente sus-tentável, em suas várias dimensões.

Entender a forma como se organizam os gru-pos sociais com os quais lida a extensão rural,no seu fazer produtivo, na vida comunitária, narelação com o poder público, nas diversas esfe-ras da vida cotidiana, são pressupostos que de-vem orientar o trabalho geral da extensão. Semesse pressuposto, qualquer ação que se preten-da dialógica perde o sentido. O "social" de quetratamos aqui certamente abrange a dimensãoprodutiva e econômica, não só na preocupaçãocom os resultados físicos ou financeiros, ou noentendimento do porquê se adota ou não umacerta tecnologia; mas na forma como se organi-za essa produção, nas relações de poder queestruturam a ação das pessoas, nas implicaçõesque os processos de organização social trazempara as mudanças concretas na vida de todos.

No senso comum, as questões sociais, vis-tas de forma reduzida através dos temas comosaúde, educação, lazer e cultura, são tidas comoquestões menores, "complementos" da Econo-mia (com "e" maiúscu lo) ou, no máximo, daPolít ica. Quando as questões sociais invademos espaços das políticas públicas, isto se dá nor-malmente pela via do assistencialismo e doamparo aos grupos empobrecidos da população.Nesse sentido, o "social" é o que diz respeito

A r t i go

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aos "pobres", enquanto a riqueza (vista como ocampo da "Economia") é o produto da compe-tência individual, da capacidade de inovar etc.

O que se quer salientar nesta discussão, eque este documento procura mostrar, é que: i)o social não se restr inge ao "assistencial"; ii)aquele outro "social" (saúde, educação, lazer,cu ltu ra etc.), que de certa forma sempre foienfocado nas ações concretas da extensão, sefor colocado em uma perspectiva estratégicade construção de sujeitos sociais autônomos,e livre do difusionismo em todos os seus mati-zes, passa a ser uma dimensão fundamentalpar a u m a pr opost a de Ex t en são Ru r alAgroecológica. Mais do que isso, procura-semostrar que, sem esta dimensão, a extensãorural perderia boa parte do seu conteúdo trans-formador e a sua eficácia na construção de umdesenvolvimento efet ivamente sustentável.

Est e t ex t o p r et en de col abor ar par aaprofundar esta discussão, que, certamente,não é nova. Apresenta-se aqui, de forma resu-mida, o "Marco Referencial para as Ações Soci-ais da EMATER/ RS-ASCAR", documento elabo-rado por um Grupo de Trabalho criado em 2001,especialmente para esse fim2. O objet ivo doMarco Referencial é: estabelecer um referencialestratégico-metodológico, para subsidiar os pro-fissionais da empresa, sobre temas entendidoscomo de caráter predominantemente social, abor-dados dentro dos projetos e programas desen-volvidos pela institu ição, ajudando no estabe-lecimento dos limites de competência e respon-sabilidades dos diferentes profissionais envol-vidos nessas ações. Ao final, apontamos algunsdesafios para que essa proposta possa ser as-sumida por todos e todas, e realmente se colo-que como um "Marco Referencial", que "impreg-ne" de conteúdo social o conjunto de ações dainstituição.

2 Breve retrospectiva históricaDesde a fundação da ACAR, em Minas Ge-

rais, em 1948, outras institu ições de extensão

rural foram criadas em todo o Brasil, seguindoum modelo difundido pelo governo norte-ame-ricano. Em 1955, criou-se a ASCAR (Associa-ção Sulina de Crédito e Assistência Rural) noRio Grande do Sul, além da ACARESC, em San-ta Catarina, e da ACARPA, no Paraná. Em 1956,foi cr iada a ABCAR, em âmbito nacional, à qualas associações estaduais se filiaram3.

Deste período até o início dos anos 60, asfamílias e as comunidades eram o foco dasações extensionistas. A extensão era desen-volvida por um técnico em Ciências Agrár iase uma mulher capacitada a atuar no campoda "Economia Doméstica". O objet ivo da exten-são, estabelecido a part ir de enfoques teór i-cos sobre o desenvolvimento rural, era dimi-nu ir a pobreza rural, vista como decorrênciada ignorância e da resistência às mudançasque (supostamente) caracter izar iam os agr i-cu ltores. Do ponto de vista da produção agríco-la, o foco era na conservação do solo e na ado-ção do Crédito Rural Supervisionado. De for-ma complementar, as economistas domést i-cas, através da organização de Grupos do Lar,e dos Clubes 4-S (para os jovens), difundiamconhecimentos sobre saúde, alimentação, sa-neamento, abastecimento de água, e apoia-vam as mulheres nas suas at ividades domés-t icas (costura, alimentação, confecção de mó-veis, colchões, cu idados com as cr ianças).

Essa "dobradinha" no trabalho semanteveatérecentemente: os técnicos (homens) tratando dasquestões da produção agrícola, eas extensionistassociais (mulheres) atendendo às questões refe-rentes ao âmbito doméstico-familiar. Esse tra-balho passou por diferentes fases, que não cabeaqui detalhar. É importante lembrar, porém, quedurante todo o período da Revolução Verde (finalda década de sessenta até recentemente), tra-balhou-se com a perspectiva de "profissionalizar"e "modernizar" o meio rural, tanto do ponto devista da produção agrícola, quanto no chamado"desenvolvimento de comunidades".

Não há como analisar o trabalho da exten-são rural sem perceber que ele foi, permanen-

A r t i go

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temente, marcado por um viés de gênero4. As-sim como as extensionistas mulheres sofr iamuma série de restr ições ao seu trabalho5, nocaso das mulheres rurais, esse viés se mani-festava basicamente na negação do seu papelenquanto agricu ltoras. A elas era oferecida apossibilidade de organização em grupos (clubesde mães, de senhoras e outros), acompanha-dos pelas extensionistas de bem-estar social,e orientados, em sua maioria, para os temasconsiderados "femininos". De forma geral, mes-mo que não fosse essa a intenção, os gruposajudavam a consolidar a idéia de que havia umlugar separado entre as mulheres e os homensno meio rural, assumindo uma divisão sexualdo trabalho que, na prát ica, negligenciava opapel produtivo que as mulheres sempre de-sempenharam na agricu ltura. Essa ação con-tr ibu iu para a exclusão das mulheres dos es-paços onde se tratava das questões tecnológicase de financiamento da produção agrícola, em-bora elas sempre tenham participado ativamen-te dessas atividades e sobre elas recaíssem asconseqüências das mudanças ocorr idas6.

Ao longo dos anos, uma série de mudançasocorreram na forma hegemônica de se pensar ede se agir sobre o meio rural, que resultaramem diferentes políticas públicas para a agricul-tura e se refletiram nas formas de atuar da ex-tensão rural. Essas mudanças se deram tantoem função das crises da matriz tecnológica e domodelo dedesenvolvimento adotados (do ponto devista ambiental, econômico e social), como emfunção de mudanças na esfera política: cresci-mento dos movimentos sociais (sindicais, de tra-balh ador es sem ter r a, de m u lh er es et c.),surgimento das ONGs e das organizações da so-ciedade civil em geral, em um contexto maior dedemocratização da sociedade. Isso fez com quevários outros temas adquirissem relevância parao trabalho da extensão rural, e provocou mudan-ças nos princípios e metodologias utilizadas, quese direcionou para o atendimento preferencial aagr icu l t or es fam i l iar es com abor dagen spar t i cipat i vas e m aior es pr eocu pações

ambientais.O tr ipé básico da área chamada "Bem-Estar

Social" permaneceu sendo os temas saúde, ali-mentação e habitação. Incorporou-se, no en-tanto, uma série de outros temas: geração der en d a, at r avés d e at i v i d ad es com oagroindú st r ias, ar tesanato, tu r ismo ru ral ;ações de "ecologização" do meio rural, comoplanos de gestão/ educação ambiental, estímu-lo à ut ilização de tecnologias menos agressi-vas ao meio ambiente, ações de saneamentobásico e ambiental; e deu-se uma ênfase mai-or ao trabalho de resgate de conhecimentostradicionais, e em part icu lar , ao trabalho complantas medicinais. Esse trabalho foi funda-mentalmente realizado pelas extension istasde bem-estar social e hoje é um patr imônioda extensão rural como um todo.

3 A situação hojee estratégias de atuaçãoHoje a EMATER/ RS está presente em 476

municípios, com 10 escritór ios regionais e umescritór io central7. São cerca de 2.300 empre-gados, sendo cerca de 25% com formação su-per ior em Ciências Agr ár ias (engenhei r osagrônomos, engenheiros florestais, médicosveterinários, zootecnistas) e 25% com forma-ção de nível médio nesta área (técnicos agríco-las). No que se refere à área social, há umadesproporção: as extensionistas de bem-estarsocial (car go de n ível m édio na em pr esa)correspondem a aproximadamente 18% do to-tal de empregados, enquanto os profissionaiscom formação superior nessa área e contrata-dos como tal (sociologia, antropologia, economia,pedagogia, serviço social, saúde, nutr ição, sa-neamento) são cerca de 2% do total8. Essedesequilíbrio quanto aos recursos humanos temconseqüências sobre o acompanhamento dotrabalho.

Em um diagnóst ico realizado entre 2000 e2 0 0 1 , ver i f i cou - se qu e o t r ab al h o d as

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extensionistas de bem-estar social, apesar deser realizado em prat icamente todo o Estado,abrangendo uma gama extremamente dife-renciada de temas, não vinha recebendo umdestaque correspondente, carecendo de umamaior visibilidade tanto no nível regional comono estadual. Paradoxalmente, esse trabalhoveio acumulando reconhecimento "para fora"da empresa, especialmente por outras inst i-tu ições públicas com as quais são mantidosconvênios (como Prefeitu ras Municipais, Se-cretar ias de Estado órgãos federais, inst itu i-ções financeiras e outras). Destacava-se tam-bém a part icipação do pessoal técnico da áreasocial em Conselhos ligados à gestão de polít i-cas públicas, em nível Municipal, Regional eEstadual9. A reconqu ista do cert ificado de en-t idade filantrópica junto ao INSS, no ano de2001, confirmou o reconhecimento do carátersocial do trabalho realizado.

Ver i ficou -se também qu e o pr incipal es-t rangu lamento, no nível municipal, era a fal-ta de in tegração no t rabalho cot idiano. Nãohavia um entendimento, dent ro das equ ipes,sobre os vár ios aspectos de qu e se revest iao desen volvim en t o r u r al , r esu l t an do, emmu itos casos, na divisão r ígida e apr ior íst icade tarefas. O t rabalho da extension ista so-cial era, mu itas vezes, relegado a u m planosecu ndár io, e visto como u ma tarefa exclu -sivamente su a. O planejamento geral do es-cr i t ór io tornava-se, assim , u ma "soma departes", reproduzindo uma falsa segmentação"econômico" x "social", em qu e "extension is-t as" (m u lh er es) e "t écn icos" (en gen h ei r osagrônomos, técn icos agr ícolas) somente di-vidiam u m mesmo escr i tór io. Esta é ainda asitu ação de u m nú mero sign ificat ivo de es-cr i tór ios e, de cer ta forma, semelhante aoqu e vinha acontecendo no nível regional eno Escr i tór io Cent ral.

Em parte, estes problemas têm origem nainserção subordinada que os temas sociais

sempre t iveram com relação aos temas eco-nômicos, nas polít icas que or ientaram o tra-balho geral da inst itu ição, o que, pouco a pou-co, vem sendo modificado. Alia-se a isto a pro-blemática das desigualdades de gênero, já co-mentada anter iormente (o "social" ident ifica-do com os temas femininos, e o "econômico/agronômico/ produ t ivo" iden t i ficado com omascu lino), como um fator que dificu lta a su-peração desses problemas.

A nova sistemática de planejamento, combase em diagnósticos participativos feitos emconjunto com outras parcerias e com a partici-pação direta da população, tem mostrado umpotencial de superação desses problemas. Asações da empresa passam a ser balizadas poruma pactuação de objetivos comuns, em que to-dos os agentes (extensionistas, agricultoras eagricultores, funcionários municipais, lideran-ças e outros) devem se inserir de forma articu-lada, com responsabilidades definidas. Os temassociais podem, desta forma, ser inscritos nosplanos municipais e regionais de desenvolvi-mento, sob responsabilidadede todos, ressalvan-do-se as especificidades de funções e de conhe-cimentos profissionais. O desafio do trabalho efe-tivamente interdisciplinar e integrado perma-nece, como condição para romper os guetos queforam construídos ao longo do tempo.

A segu ir , vamos apresentar um conjuntode temas sociais que, hoje, se revestem demaior impor tância para os trabalhos desen-volvidos pela inst itu ição.

4 Áreasde trabalho:definição de conteúdos

e competências

4 .1 Pro mo ção d a c i d ad ani ae o rgani zação so c i al

Definem-se como ações de Promoção daCidadan ia e Organ ização Social aqu elas qu e

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est imu lam a popu lação para qu e se organ i-ze e par t icipe at ivamen te das decisões qu edizem respei to à su a comu n idade, ao seumunicípio e ao espaço público em geral. Estadefin ição pressu põe, ainda, conhecimen tosob r e os d i r ei t os e as con d i ções p ar aexercê-los. Isso demanda, por par te dos pro-fissionais da ATER, capacidade para apor tari n f or m ações , con h ec i m en t os sob r emetodologias de t rabalhos de grupos, forma-ção d e l i d er an ças , p l an ej am en t ospar t icipat ivos, assim como lei tu ra e com-preensão dos in teresses em jogo, bem comodos con fl i t os potenciais, ineren tes em qu al-qu er processo de organ ização social .

Este deve ser um objetivo permanente daExtensão Rural: através de todas as suas ações,for talecer os su jeitos sociais para que, numprocesso de empoderamento10, seja promovi-da a cidadania de todos. Ganham destaque nes-te tema os trabalhos voltados para as polít icasde combate às desigualdades de gênero e deinclusão das mulheres rurais como protagonis-tas das polít icas de desenvolvimento rural; oatendimento a públicos diferenciados (como jo-vens e idosos) e também a públicos não tradi-cionais da extensão rural, como indígenas, pes-cadores, quilombolas, historicamente excluídosdessas polít icas e do exercício da cidadania.

4 .2 Ed ucação e p ro mo ção d a saúd e

O desafio nesta área é o de atuar diretamen-te com as comunidades rurais, vendo a saúdecomo parte de uma proposta de desenvolvimen-to integral. Cabe à extensão rural dar conta deum papel que o sistema de saúde não conse-gue, em geral, cumprir, qual seja, a promoçãoe a educação em saúde no meio rural, estabe-lecendo um processo de autonomia, de cons-trução de sujeitos que se "empoderam", paramelhorar suas condições de saúde e de vida.Essas ações, de promoção e educação, não têmtido êxito significativo, no âmbito do sistemade saúde como um todo. Cabe à extensão ruralapoiar as lu tas para que essas ações sejamassumidas pelo sistema público de saúde, ten-do em conta que essas lutas passam atravésdos espaços onde são formuladas as polít icaspúblicas, ou seja, os Conselhos de Saúde.

Os sistemas locais de saúde estão voltados,prior itar iamente, a atender as demandas maisprementes dos municípios, tais como a assis-tência primária e secundária, realizadas, ba-sicamente, através de Programas do Ministé-r io da Saúde e/ ou da Secretaria Estadual deSaúde, e de redes de Unidades Básicas de Saú-de e hospitais. As ações com as comunidades,através do PACS - Programa dos Agentes Co-munitár ios de Saúde - e do PSF - Programa deSaúde da Família -, embora importantes, mui-tas vezes não conseguem alterar o "modelo" deabordagem das questões, que continua centradona doença, no médico e no medicamento.

As ações voltadas para educar e promover asaúde têm o caráter de desencadear processos,em que a população vai resgatando sua dignida-de e auto-estima, se apropria do conhecimentosobre o processo saúde/ doença, adquire auto-nomia e torna cada um sujeito da sua própriasaúde, do seu bem-estar, da sua qualidade devida. Estimuladas por este processo, as pessoasirão à luta pelos seus direitos em relação à saú-de, buscando garantir as ações de assistência,

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promoção, proteção e recuperação da saúde, quecabem às esferas competentes no que se referea atenção à saúde, conforme a Constitu içãoFederal e a Lei Orgânica da Saúde (8080/ 8142).

A extensão rural não pode ser responsávelpela execução das ações ou programas de aten-ção à saúde, mas pode ser parceira das Secre-tar ias Municipais e Estadual de Saúde, nasações desenvolvidas junto à população do meiorural. Seu papel específico será o de contr ibu irpara a problematização e construção de polít i-cas públicas de atenção à saúde da populaçãorural, especialmente no que se refere à saúdedos trabalhadores e trabalhadoras rurais.

Dentre o conjunto de temas que dizem res-peito à educação e promoção da saúde, devemser destacadas as seguintes questões: Educaçãoem Saúde, com ênfase no conhecimento sobre opróprio corpo e os processos de saúde/ doença;comprometimento com a Política Estadual dePlantas Medicinais, promovendo o resgate, a va-lorização e a qualificação dos conhecimentos dapopulação sobre o cultivo e uso dessas plantas; oapoio à construção depolíticas públicas desaúdepara o meio rural, com a participação ativa dapopulação na elaboração e controle dessas políti-cas; e construção de propostas de lazer comuni-tário como parte integrante e fundamental deuma proposta de desenvolvimento centrada emvalores de solidariedade social, de resgate daauto-estima das pessoas, visando o estabeleci-mento de uma relação harmoniosa da populaçãocom a natureza e com a economia.

4 .3 Segurança e so b erani a al i ment ar

A garantia de que os povos poderão, sobera-namente, definir as suas próprias polít icas desegurança alimentar é condição essencial paraum verdadeiro desenvolvimento sustentável.Entende-se Segurança Alimentar e Nutr icionalcomo "a garantia do direito de todos ao acessoa alimentos de qualidade, em quantidade sufi-ciente e de modo permanente, com base empráticas saudáveis e sem comprometer o acesso

a outras necessidades essenciais e nem o sis-tema alimentar futuro, devendo se realizar embases sustentáveis"11. É responsabilidade dosEstados Nacionais assegurarem este direito edevem fazê-lo em obrigatória art icu lação coma sociedade civil, cada parte cumprindo suasatr ibu ições específicas.

Deve-se ter sempre presente que uma políti-ca de Segurança Alimentar e Nutricional deveser integral, enfrentando os problemas estrutu-rais causadores da insegurança alimentar atu-al, tais como: a concentração da terra e da ren-da, o desemprego etc., até as políticas de distri-buição e consumo. Aí cabem especialmente aspolíticas de apoio à agricultura familiar, às pe-quenas e médias empresas, à produção susten-tável de alimentos, à garantia de qualidade (ede preço) dos alimentos que chegam aos consu-midores. Deve, igualmente, fazer parte dessaspolíticas o atendimento às questões emergen-ciais, de provimento alimentar às populaçõesvulneráveis. Distribuição de cestas básicas, ban-cos de alimentos e outras medidas emergen-ciais, são fundamentais dentro de uma visãoque trabalhe pela emancipação e inclusão soci-al dos grupos hoje excluídos12.

Dentre as várias possibilidades de ações deSegurança Alimentar, destacam-se, a seguir,aquelas que estão mais diretamente relacio-nadas com a Missão Institucional da EMATER/RS: educação alimentar (construção coletiva deu m con cei t o de al im en t ação sau dável eambientalmente correta, ações de combate aodesperdício e de estímulo ao aproveitamentomáximo dos alimentos); ações que visem oacesso da população à alimentação (melhoriadas feiras, merenda escolar e mercado insti-tucional, estímulo à produção para autoconsu-mo, resgate da biodiversidade alimentar); açõespara a garantia da qualidade dos alimentos (dospontos de vista biológico, sanitário, nutricional);além da questão da participação em fóruns einstâncias públicas sobre o tema, como exercí-

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cio pleno da cidadania.Essas ações devem ter por objetivo a cons-

trução de sistemas agroalimentares sustentá-veis, buscando a satisfação plena das necessi-dades humanas em termos de alimentação, emharmonia com o ambiente e respeitando as cul-turas e os processos de organização dos povos.

4 .4 Geração d e rend a

A situação de pobreza e exclusão é uma con-dição estrutural que se caracteriza por limita-ções de acesso à terra, aos mercados, ao traba-lho, à educação e à saúde. No meio rural, parasuperar os processos de exclusão, são necessá-rios esforços coordenados, que busquem tanto amelhoria das atividades já desenvolvidas, comoo estímulo a outras atividades (agrícolas ou nãoagrícolas). Essas escolhas devem ser realizadaspelas comunidades rurais que, em seus própri-os processos de organização, construirão as al-ternativas para combater problemas sociais eambientais.

Nos últimos anos, os espaços rurais não têmtido como função exclusiva a produção agrícola,se transformando, cada vez mais, em espaçospolissêmicos, onde coexistem atividades econô-micas de natureza diversa, como a própria agri-cultura, o comércio, o turismo rural, atividadesde preservação ambiental, o lazer, o artesana-to, a prestação de serviços, entre outros. Em al-guns casos, isso já é um processo consolidado,que alterou a dinâmica interna da reproduçãofamiliar e a alocação de tarefas entre seus mem-bros (homens, mulheres, jovens e idosos da fa-m íl ia). Em deter m in adas con dições, essapluriatividade pode permitir a ampliação dasrendas e o bem-estar de todos; nestes casos, oemprego em atividades não agrícolas é, muitasvezes, uma estratégia temporária para buscarfundos e investir na propriedade.

Nesta perspectiva, cabeà EMATER/ RS apoiardiferentes tipos de atividades, que visam gerarrendas aproveitando os potenciais dos espaçosrurais para além da agricu ltura, tais como: tu-

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r ismo ru ral , nas su as vár ias modal idades(ecotur ismo, tur ismo colonial, histór ico etc.);prestação de serviços no meio rural (tais comoateliês de couro, móveis, serviços profissio-nais); artesanatos com uso de matérias-primasdisponíveis no meio rural, como fibras, madei-ra, lã de ovelha, couro, peles, palha de tr igo,milho e arroz. Além da geração de renda, o ar-tesanato pode cumprir importantes funções noresgate da história da localidade, das tradiçõesculturais, sendo um componente fundamentalnos planos de desenvolvimento de turismo. Ecabe ainda à extensão apoiar as iniciativas nocampo da Economia Solidária, tais como em-pr een dim en t os colet ivos, par t i cipat ivos eautogestionários, que distr ibuem renda a par-t ir da cooperação e solidariedade.

4 .5 Gest ão amb i ent al

Trabalha-se com a noção de que cabe à ins-t itu ição part icipar at ivamente dos processosde gestão ambiental, entendidos como proces-sos de mediação de interesses e conflitos en-tre atores sociais (comunidade, inst itu ições,poder público) que agem sobre os meios físico-natural e constru ído, defin indo e redefin indo,continuamente, o modo como os diferentes ato-res sociais alteram a qualidade do meio am-biente e, também, como se distr ibuem os cus-tos e os benefícios decorrentes da ação dessesagentes. Esse conceito compreende um con-junto de instrumentos que visam monitoraras ações humanas sobre o ambiente natural,levando em consideração as ações do Estado ede todos os agentes que inter ferem no meioambiente, como as empresas, os produtoresagrícolas, a popu lação em geral13.

A gestão ambiental, para a EMATER/ RS,segue um conjunto de princípios, estratégias ediretr izes que norteiam as ações de campo, deest ím u lo, or i en t ação e apoio a pr át i casambientais, em conformidade com a legisla-ção de proteção ao meio ambiente e de ocupa-ção dos espaços. A prática ambiental interna(em todos os níveis) deve ser coerente com es-

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sas definições. Entre as várias ações que po-dem ser desenvolvidas sobre este tema, desta-cam-se as ações em Educação Ambiental, Pre-servação e Manejo de Recursos Naturais, Sa-neamento Básico e Saneamento Ambiental.

As ações em Educação Ambiental ganham umdestaque maior porque entende-se que pode seruma grande ferramenta para a compreensão dosideais de desenvolvimento sustentável e para apr át ica da gestão am bien tal . Con for m eLAYRARGUES (2000), a educação para a gestãoambiental pressupõeuma conjugação entrea edu-cação para a cidadania com a educação ambiental,unindo demandas sociais por melhores condiçõesde vida e por melhores condições ambientais.Além disso, a educação para a gestão ambientaltem um potencial da formação e exercício da ci-dadania, em particular, para uma determinadaclasse social - aquela mais afetada pelos riscosambientais. Isto significa admitir que só é possí-vel enfrentar a problemática socioambiental en-frentando os conflitos sociais concomitantemente,e aí a educação para a gestão ambiental adquireuma importância fundamental.

As prát icas de Saneamento Básico, por ou-tro lado, aparecem também como ações de pre-servação dos recu rsos hídr icos fundamentaispara a promoção da saúde pública no meioru ral. Incluem-se aqu i as prát icas de abas-tecimento de água potável, disposição de es-gotos domést icos, resíduos de agroindústr iase das instalações para animais, disposiçãoadequada do lixo doméstico e resíduos das ati-vidades agr ícolas, assim como o controle devet or es (ação associ ada ao san eam en t oam bien t al , r elacion ada à r ecu per ação dematas cil iares e ao controle e disposição dedejetos). Execu tadas at ravés de parcer iasentre órgãos públicos e comunidades, com apar t icipação at iva da popu lação, são prát icascon cr et as de pr eser vação e r ecu per açãoambiental que contr ibuem para uma melhorqualidade de vida no meio ru ral.

5 Novose velhosdesafiosComo foi apontado no início deste texto, são

ainda muitos os desafios para a realização deuma Extensão Rural Agroecológica, que contem-ple as várias dimensões da sustentabilidade etenha a população rural como real protagonistadas mudanças. Este texto foi uma tentativa deapontar alguns temas que devem estar presen-tes no cotidiano de trabalho da extensão rural,em cada diagnóstico, em cada planejamento,nas ações com os agricultores e agricultoras,pescadores e pescadoras, indígenas, quilombo-las, com as institu ições parceiras, na constru-ção e execução das políticas públicas.

Talvez o desafio maior seja a desconstruçãode um "jeito" de olhar para o rural, e reaprenderna relação com os diferentes públicos, a cons-tru ir um tecido social mais democrático e eqüi-tat ivo: que contemple as diferenças de gênero,de geração, de inserção social, de interesses,de pontos de vista, e que parta das experiênci-as já acumuladas por todos. Os homens e mu-lheres profissionais da extensão ru ral têmmuito a contr ibu ir, com seus conhecimentos,sensibilidades, dedicação, na construção des-se outro desenvolvimento, desde que, estrate-gicamente, sejam capazes de perceber que essecaminho é muito mais complexo do que a sim-ples mudança de um modelo tecnológico.

47Agroecol. eDesenv. Rur. Sustent., Porto Alegre, v.3, n.3, Jul/Set 2002

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6 Referências

48Agroecol. eDesenv. Rur. Sustent., Porto Alegre, v.3, n.3, Jul/Set 2002

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1O s conceitos de "Agroecologia",

"sustentabilidade", "extensão rural agroecológica" e"transição agroecológica"podem ser aprofundadosnostextosde Caporal e Costabeber (2000; 2001).

2Além do grupo de trabalho e da equipe do

NUCID-DAT, diversos outros colegas participaramde discussõese colaboraram com críticas, sugestõese materiaisde apoio, a quem agradecemos.

3Uma análise histórica da criação da Extensão

Rural no Brasil e no Rio Grande do Sul pode serencontrada em Caporal (1998).

4Sobre asquestõesde gênero na extensão rural,

ver Siliprandi (2000b). São feitas referênciassobrecomo asmulheresruraisvêm sendo negligenciadasno seu papel de agricultoras em Siliprandi (1999;2000a).

5As extensionistas sociais, até a década de 70,

eram impedidas de casar; até a década de 80,proibidasdedirigir osveículosda empresa; eduranteum longo período, o seu trabalho permaneceusubordinado ao dostécnicos.

6Sem dúvida, o trabalho de organização de

grupostambém funcionou, em muitasregiões, comoembrião do envolvimento das mulheres em outrosmovimentos (sindicatos de trabalhadores rurais,pastorais, associações e cooperativas), sobretudoonde ele evoluiu para a discussão de temas comodireitosdasmulheres, eo estímulo à sua organizaçãoautônoma.

7Além de45 PostosdeClassificação e18 Centros

de Formação.

1, n. 1, p. 61-71, jan./ mar. 2000a.

__________. Mulheres rurais e polít icas de de-senvolvimento. In: CONGRESSO MUNDIAL

DE SOCIOLOGIA RURAL, 10., 2000, Rio de Ja-neiro; CONGRESSO BRASILEIRO DE ECONO-MIA E SOCIOLOGIA RURAL, 38., 2000, Rio deJaneiro, Brasil, 2000b. 1 CD-ROM.

8Osdemaisempregadosincluem administrativos,

área financeira, comunicaçõesetc. Um levantamentofeito pela Associação das Extensionistas Sociais daEmater em abril de 2002, abrangendo 64% dasextensionistas, aponta que 83%delassão portadorasde diploma de curso superior (em váriasáreas), e 32%haviam realizado algum curso de pós-graduação.

9A EMATER/ RS ocupou até recentemente a

Presidência do Conselho Estadual de AssistênciaSocial, e participa na condição de membro pleno deoutros Conselhos Estaduais e Fóruns, tais como: daMulher, da Saúde, para a Erradicação do TrabalhoInfantil, de Plantas Medicinais, de Povos Indígenas,de Segurança Alimentar e outros.

10De uma perspectiva sociológica, a expressão

empoderamento refere-se ao processo crescente deprotagonismo individual e coletivo dosatorese grupossociais, resultando emumaapropriação deconhecimentoeexercício efetivo decidadania por partedosenvolvidos.No âmbito do desenvolvimento rural, trata-seda efetivaparticipação dos agricultores e suas organizações emespaços de discussão e decisão, como ConselhosMunicipaisdeDesenvolvimento Agropecuário eFórunsRegionais de Desenvolvimento. Sob esse enfoque, oempoderamento surgeda consciência dosindivíduosdoseu próprio poder (saber quesabemequepodem), quesepotencializa em açõessociaiscoletivas.

11In: PROJETO FOMEZERO (2001).

12Ver a esse respeito CONFERÊNCIA ESTADUAL

DE SEGURANÇA ALIMENTAR E NUTRICIO NALSUSTENTÁVEL(1999).

13Ver a esse respeito, Quintas(2000).

Notas

49Agroecol. eDesenv. Rur. Sustent., Porto Alegre, v.3, n.3, Jul/Set 2002

Baculovírus, maisdo que uma grandedescoberta: umarevolucionária

alternativaaosagrotóxicos

1 ContextualizaçãoO bacu lovíru s, como al ternat iva biológi-

ca ao con t role qu ím ico da lagar ta-da-soja(Anticarsia gemmatalis Hübner), no Brasil , re-monta à década de 70. Tu do começou qu an-do este t ipo de víru s, per tencen te à Famíl iaBaculovir idae, foi detectado em 1972, n aRegião de Campinas, no Estado de São Pau -lo e, post er ior m en t e, em ou t r as r egiões.Steinhau s & Marsh , ci tados por Moscardi

*Engenheiro Agrônomo, Mestre em Agronomia,Assistente Técnico Estadual da EMATER/RS.

[email protected]

S ec c h i, V ald ir A n t o n io * (1984) repor tam qu e o Baculovirus anticarsiafoi detectado pela pr imeira vez, no Peru , emin setos da espécie Anticarsia gemmatalis,coletados na cu ltu ra de alfafa. O bacu lovírusocor re natu ralmen te no agroecossistema ein fecta lagar tas de A. gemmatalis, qu ando seal imen tam de folhas con taminadas. (SOSA-GOMEZ, 1995).

Trabalhos in iciais com bacu lovíru s, emcondições de lavou r a, dem onst r ar am su aal ta vi ru lência con t ra a lagar ta-da-soja e oseu potencial par a o "con t r ole biológico".Sempre qu e u m organ ismo vivo ataca ou -t ro para su a nu t r ição, reprodu ção ou desen-volvimen to, diz-se qu e ocor re o controle bio-lógico. Embora esse fenômeno tenha sido ob-servado em tempos imemor iais, qu ando osch ineses colocavam ninhos de formigas ju n-

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t o a plan tas cít r icas para con t rolar insetos-pragas, somente nos tempos atu ais o con-t role biológico passou a ser mais estu dado,face à cr escen t e dem an da pela pr ot eçãoambien tal . (SECCHI, 1995).

Ao Cen t ro Nacional de Pesqu isa da Soja- Embrapa Soja - cou be a pr imazia de real i -zar , em con ju n to com os órgãos de Exten -são Ru ral do Paraná e Rio Grande do Su l ,no in ício dos anos 80, as pr imeiras apl ica-ções de bacu lovíru s em lavou ras de soja, afim de aval iar a viabi l idade do novo método.No Rio Grande do Su l , a pr imeira apl icaçãoocor reu na safra 1981/ 82, na propr iedadedo Sr . Valdi r do Val le, agr icu l tor assist idopela EMATER/ RS, no município de Erech im.(SECCHI, 1986a,b).

A lagar t a-da-soja é u m a das pr in cipaispr agas desfolh ador as de plan tas de soja,sen do alvo da m aior par t e das apl icaçõesde in set icidas n a cu l t u r a. As lagar t as pe-qu en as, n os t r ês pr im ei r os estágios de de-sen volvim en t o lar val , são m ais sen síveisà ação do bacu lovír u s e m ais fáceis de se-r em con t r oladas. A par t i r do 4º dia da in -fecção, per dem a m obi l idade e a capacida-de al im en tar (cer ca de 70%), m or r en do empou cos dias. À m edida em qu e cr escem ,au m en t am su a vor aci d ad e, t or n am - sem ais r esist en tes ao bacu lovír u s, ch egan -do a dest r u i r com pletam en te a folh agem ,se n ão for em con t r oladas.

Fazen do-se u m r et r ospecto à época dosu rgimen to do B. anticarsia, como novo mé-todo de con t r ole da lagar t a-da-soja, con si -der an do u m per íodo in t er m ediár io en t r em eados da década de 70 até m eados de 80,pode-se afi rmar qu e haviam mu itas discu s-sões e polêm icas em fu nção do u so abu sivode agr otóxicos n as lavou r as e dos su cessi -vos casos de in toxicação e m or tes de agr i -cu l t or es.

Nas lavou ras de soja eram comu ns atét rês ou qu at ro apl icações de inset icidas porsafra para con t rolar as pragas, em mu itos

casos de forma preven t iva, ext remamentedanosas ao meio ambien te e ao equ i l íbr iobiológico natu ral . Preocu pados com tal si -t u ação, os m ovim en t os sociais, especial -men te os pesqu isadores e extension istas,se m obi l izar am em bu sca de al t er nat ivascap azes d e su p er a r t a i s p r ob l em as .(CAPORAL ; SECCHI, 1994).

Um con ju n t o de m edidas for am en t ãoapl icadas ao longo do per íodo, qu ais sejam:a ) r es t r i çã o a o u so d e i n set i c i d a sor gan oclor ados, qu e acabar am por su a to-t al pr oibição; b) im plan tação do r ecei t u á-r io agr on ôm ico par a discipl in ar o com ér -cio e u so de agr otóxicos; c) leis estadu al efeder al sobr e agr otóxicos par a m aior con -t r ole e r espon sabi l i zação dos segm en t osen volvidos n o setor ; d) desen volvim en to docon t r ole físi co das for m as adu l t as de A.gemmatalis, at r avés do u so de ar m adi lh aslu m in osas em lavou r as de soja; e) seleçãode in set icidas m en os tóxicos par a as pr a-gas da soja, dan do-se pr efer ên cia aos pr o-du t os biológicos (Baci l lus thur ingiensis eBaculovirus ant icarsia), f i siológicos e de-m ais categor ias, pr ior izan do os m en os tó-xicos ao apl icador ; f) pr ogr am as de m an ejoin tegr ado de pr agas (MIP), com ên fase n omon i toramen to das lavou ras e apl icação deagr otóxicos som en te com o ú l t im o r ecu r so,e qu ando at ingidos os l im i tes de danos eco-n ôm icos; e g) cam pan h as edu cat ivas sobr epr át icas capazes de con t r olar a con tam i-n ação e de evi t ar dan os am bien tais, t aiscom o: valor ização do r ecei t u ár io agr onôm i-co, con t role de agrotóxicos, t r ípl ice lavageme cor r eta dest in ação fin al de em balagen svazias de agr otóxicos, postos de abasteci -m en to de pu lver izador es, pr eser vação e l i -ber ação de in im igos n atu r ais das pr agas,en t r e ou t r as.

A par t ir de então, a EMATER/ RS, em con-ju n to com parcer ias inst i tu cionais, empe-n h ou - se, a i n d a m ai s, n a d i fu são d etecnologias mais brandas, respaldando a saú-

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de da popu lação e defesa do meio ambiente,e implementou procedimentos eficazes parao manejo integrado de pragas, com ênfase embacu lovírus. (CAPORAL ; SECCHI, 1994).

2 Controle emultiplicação

Ainda qu e se disponham de métodos al-t er nat ivos eficazes, a for m a convencionalcom a apl icação de inset icidas qu ím icos, ousej a , sem a ad oção d o m ét od o d eamost ragem de lavou ras, conhecido como"bat ida-de-pano", para aval iar o n ível de da-nos e, conseqüen temente, para a tomada dedecisão qu an to à necessidade de in terven-ção de con t r ol e. Adem ais, o excesso deagrotóxicos, além de onerar o cu sto de pro-du ção, pode cau sar in toxicação, polu ição domeio ambien te e, também, el im inar os in i -m igos n at u r ai s (par asi t os, pr edador es epatógenos) promovendo a ressu rgência daspragas e a necessidade de mais agrotóxicos,nu m verdadeiro círculo vicioso.

Ao contrár io, os bioinset icidas, por seremmais selet ivos, mais seguros ao aplicador epor não polu írem o meio ambiente, como osagrotóxicos, são uma alternat iva verdadeira-mente ecológica e su sten tável, qu e cont r i -buem para manter o equ ilíbr io biológico. Alémdas vantagens ecológicas, evidenciou -se umavantagem econômica do bacu lovírus de cer-ca de 70% quando comparado à aplicação deinset icidas qu ímicos, em anos de alta ocor-rência do inseto. (MOSCARDI, 1984).

O p esqu i sad or F l áv i o M oscar d i , d aEmbrapa Soja, ideal izador do biocont role dalagar ta-da-soja com bacu lovíru s, refere qu ea apl icação desse produ to seja fei ta qu andoa maior ia das lagar tas ainda são pequ enas,menores do qu e 1,5 cm, nu ma qu an t idademáxima de 10 lagar tas por met ro l inear deplan tas ou 20 por pano de amost ragem. Hádu as formas de u t i l ização do bacu lovíru s: o

produ to comercial pron to para u sar e as do-ses de lagar tas recém-mor tas pelo víru s pro-du zidas pelo própr io agr icu l tor . Neste caso,são necessár ias cerca de 50 a 70 lagar tasgrandes (maiores qu e 2,5 cm) mor tas pelovíru s, maceradas com u m pou co d'águ a, co-adas com u m pano fino e pu lver izadas nor -malmen te em u m hectare de lavou ra. Como produ to adqu ir ido no mercado (há vár iasmarcas comerciais), a dose básica é de 20g/ ha em condições normais de cl ima e dedesen volvim en t o da lavou r a. A for m a deapl icação pode ser ter rest re, com pu lver i -zador es cost ais ou t r at or izados, e aér ea,com aeronaves agr ícolas. Para as condiçõesda agr icu l tu ra fam i l iar , valendo-se da pu l-ver ização costal ou t r ator izada, o volu memín imo da calda é de 100 l i t r os/ ha. Em si-tu ações de grandes lavou ras, onde a pu lve-r ização aérea é prat icada, u t i l izam-se 15 l i -t r os de águ a/ ha, no mín imo. Consideran -do-se qu e a lagar ta precisa comer a folhacom bacu lovíru s para mor rer , é impor tan tequ e a pu lver ização seja bem fei ta para com-pleta cober tu ra das plan tas.

Geralmen te, u ma apl icação bem su cedi-da de bacu lovíru s é su ficien te para mantero con t role du ran te todo o ciclo da cu l tu ra,porqu e há u ma reposição e redist r ibu içãodo víru s, devido aos focos deixados pelas la-

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gar tas mor tas e pela grande qu an t idade deinócu los deposi tados na lavou ra.

H á du as for m as de m u l t i p l i cação dobacu lovíru s: a campo e em laboratór io. Nes-te caso, o inseto é cr iado com dieta ar t i f i -cial (proteína vegetal , caseína, ext rato delevedu ras e vi tam inas) e depois são con ta-m inados, mor tos pelo víru s e armazenadossob congelamen to, para poster iormen te serpreparada a formu lação em pó molhável . Acampo, a mu lt ipl icação é fei ta com a apl i -cação do bacu lovíru s na lavou ra com maio-res popu lações de lagar tas, qu e são mor tas,colet adas, em baladas e ar m azen adas n of r eezer , p a r a p os t er i or ap l i cação n obiocon t role. O pon to de coleta é determ ina-do pelos sinais caracter íst icos da in fecçãopor víru s, ou seja, a descoloração do corpoda lagar ta, ficando flácido e amarelado, e atendência de dir igir -se para o topo das plan-tas, mor rendo dependu rada pelas patas ab-dominais, den t ro de u ma semana ou maisapós su a con taminação.

3 Evolução e resultadosIn iciado o u so de bacu lovíru s na safra de

1981/ 82, nas su bseqü en tes, tan to o nú me-ro de u su ár ios, qu an to a área de soja biolo-gicamen te t ratada, expandiram-se sign i fi -cat ivamen te nas pr incipais regiões produ -toras, proporcionalmen te aos est ímu los ecampanhas especiais encetadas. As est ra-t égi as d e com u n i cação e i n t egr açãoin t er in st i t u cion al for am decisivas par a aexpansão do uso do bacu lovírus no Rio Gran-de do Sul.

Na safra de 1984/ 85, por exemplo, gra-ças aos excelen tes resu l tados obt idos atéen tão, a EMATER/ RS resolveu desenvolveru m projeto especial , conhecido como Proje-to Bacu lovíru s, con tando com o apoio finan-ceiro do Min istér io da Agr icu l tu ra e a par -t i ci pação de vár i as en t i dades, en t r e asquais, a FUNDACEP FECOTRIGO, o IPAGRO

(hoje FEPAGRO), a COTRIJUÍ, a EMBRAPA ea EMBRATER (ext in ta Empresa Brasi leira deAssistência Técn ica e Extensão Ru r al ). Apar cer ia com esses ór gãos est abelecia amontagem de cinco laboratór ios regionaispar a a p r odu ção das doses i n i ci ai s debacu lovíru s para dist r ibu ição, u so e mu lt i -pl icação pelos agr icu ltores. (SECCHI, 1986b;CAPORAL ; SECCHI, 1994).

Paralelamen te à produ ção em laborató-r io, a EMATER/ RS enviou equ ipes técn icasaos estados do Paraná e Goiás para a mu l-t ipl icação de bacu lovíru s a campo, a fim deam p l i a r ao m áx i m o o es t oqu e d obioin set icida, par a o desen volvim en t o dacampanha estadu al . Fato inu si tado ocor reun as l avou r as d e soj a d a Coop er a t i vaCoop er f or m oso, em Goi ás , on d e obacu lovíru s foi mu l t ipl icado. Não havendocondições técn ico-operacionais para apl ica-ção ter rest re, en tão, pela pr imeira vez noBrasi l (e no mu ndo) se u t i l izou com absolu -t o su cesso u m a pu lver i zação aér ea combacu lovíru s, após u ma exitosa adaptação daaeronave agr ícola com u ma bar ra de pu lve-r ização. Essa oper ação foi execu t ada em1984, sob a nossa coordenação e do Enge-nheiro Agrônomo Anton inho Lu iz Ber ton , daEMATER/ RS, no mu n icípio de Formoso doAr agu aia, h oje per t en cen t e ao Est ado deTocan t in s.

Os resu ltados obt idos com o Projeto torna-ram a se repet ir nas safras subseqüentes, comsignificat iva redução do número de aplicaçõesde agrotóxicos, devido ao restabelecimento doequ ilíbr io biológico nas lavouras pela ação dosi n i m i gos n at u r ai s. As ap l i cações d ebacu lovírus, aliadas ao programa de manejoin tegrado de pragas e ao u so de produ tosfitossanitár ios mais selet ivos, proporcionarammelhores condições para a manu tenção doequ ilíbr io biológico e preservação dos agentesd e con t r ol e n at u r al . Evi d ên ci as d essebioequ ilíbr io foram observadas na safra de1986/ 87, quando as intervenções de controle

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das pragas de soja foram significat ivamentereduzidas, ficando em torno de 0,25 o númeromédio de aplicação de inset icidas pelos agr i-cultores assistidos pela EMATER/ RS. (SECCHI,1987b). Nessas lavouras foram constatadas ge-neralizadas incidências da "doença branca"das lagartas, provocada pela ação do fungoentomopatogênico Nomuraea rileyi e, também,elevado grau de parasit ismo pela larva da ves-pa Microcharops bimaculata, entre outros agen-tes de controle biológico natural das lagartas.(CAPORAL ; SECCHI, 1994; SECCHI, 1987a).

Os resu ltados físicos obt idos no per íodo de1981 a 1997 com o u so de bacu lovíru s nocont role biológico da lagar ta-da-soja no Riogrande do Su l, representaram acumu lat iva-mente 109.988 produ tores assist idos parau ma área t ratada de 1.943.253 ha, ou seja,17,7 ha em média por produ tor . Os resu lta-dos econômicos au fer idos pelo não u so deagrotóxicos representaram uma economia deUS$ 21.555.000 em inset icidas (2.653.500l i t r os); U S$ 5 .3 3 3 .8 0 0 em ól eo d i esel(19.142.000 l i t ros) e US$ 4.919.200 em ope-ração de máqu inas (1.462.500 horas), que noglobal signu ficaram uma economia de 31,8milhões de dólares.

En t re os benefícios sócio-ambien tais t ra-zi dos por est a t ecn ologia, dest acam -se:maior biodiversidade da en tomofau na; mai-or r egu lação dos per cevejos pela n ão per -t u r bação de seu s in im igos n at u r ais; m e-n or con tam in ação am bien tal ; m elh or qu a-l i dade dos al im en t os der i vados da soja;m en or ex p os i çã o e i n t ox i ca çã o p oragrotóxicos.

4 ConclusãoEm razão dos seus múlt iplos benefícios, o

uso do Baculovirus anticarsia se const itu i emuma tecnologia acessível e muito bem aceitapor parte dos agr icu ltores, especialmente osfamil iares. Ainda que haja l im itações, seja

pela insu ficiente disponibil idade de produtoformu lado no mercado ou dos estoques debacu lovírus nas propr iedades, seja pelas pró-pr ias restr ições impostas pelas condições cli-mát icas ou fi tossan itár ias, nem por isso oavanço do controle biológico deixará de cres-cer. Ademais, os programas desenvolvidos parao seu uso permit iram, inclusive, desenvolveroutros t ipos de bacu lovírus, como Baculovirusspodoptera, para a lagarta-do-cartucho-do-mi-lho, Spodoptera frugiperda (Smith) e Baculoviruserinny is, para o Maramdová-da-mandioca,Erinnyis ello ello (L.). As perspect ivas, segundoMoscardi, citado por Campanhola & Bett iol(2002) são de que os métodos de produção debacu lovírus possam ser aperfeiçoados, pr inci-palmente em laboratór io, o qu e permit i r iaat ingir 4 milhões de hectares, enquanto hojeé est imada entre 1,0 e 1,4 milhão de hecta-res cu lt ivados com soja no Brasil. A EmbrapaSoja est ima que o bacu lovírus proporcionauma economia de R$ 13 milhões/ ano, umavez que elimina a aplicação de aproximada-mente 1,2 milhão de lit ros de inset icidas naslavouras brasileiras. Sempre que campanhaspromocionais são desfechadas para est imu-lar o uso de bacu lovírus, as respostas têm sidoimediatas, como na safra 2001/ 2002, quando2.568 produtores diretamente assist idos pelaEMATER/ RS-ASCAR trataram 49.441 hecta-res de lavouras com bacu lovírus e 696 produ-tores trataram 12.681 hectares com Bacillusthuringiensis, além de um número significat i-vo de outros produtores que adotaram indire-tamente o controle biológico, cu jos dados nãopuderam ser contabilizados.

Caporal & Secch i (1994) consideram ne-cessár io manter os fóru ns técn icos de ava-l iação e discussão envolvendo, pr incipalmen-te, extension istas e pesqu isadores, no sen-t ido de se bu scar maior apor te de recu rsospú bl icos para, at ravés de novas est ratégiase de u m market ing mais agressivo, au men-tar a abrangência dos t rabalhos e tornar

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mais ampla e menos rest r i t iva a adoção dou so do bacu lovíru s na soj icu ltu ra gaú cha.

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5 Referências

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A r t i go

Etnoconservação como políticade meio ambiente no Brasil: desafiospolíticosde resistência e integração

ao mundo globalizado

A lex an d re, A g r ip a Far ia *

Re su m o: O propósito deste art igo consisteem discut ir a especificidade cu ltu ral brasilei-ra e seus conflitos relacionados com a polít icanacional de unidades de conservação. Nestepart icu lar, o texto confere destaque ao que hojese discu te como etnoconservação (ou, ainda,gestão comu n i tár ia dos recu rsos natu rais

renováveis) associada part icu larmente às pro-postas de destaque das exper iências das Re-servas Extrat ivistas e a outras polít icas de re-sistência e integração ao mundo globalizado.

Pa lavras -ch ave: etnoconservação; polít icanacional brasileira; unidades de conservação;globalização.

IntroduçãoNum mundo cada vez mais globalizado e

homogêneo, muitas vezes, cresce a idéia deque a cont inu idade da diversidade de cu ltu -ras humanas é elemento fundamental para aconstitu ição de sociedades pluralistas e demo-crát icas, atrelando-se a isso a imutabilidadedos padrões cu ltu rais em que se dever ia man-ter as popu lações tradicionais nas unidades

* Professor do Departamento de CiênciasSociaiseFilosofia da Universidade Regional de Blumenau e

Doutorando do Programa Interdisciplinar emCiênciasHumanas da Universidade Federal de Santa Catarina.

Pesquisador e Coordenador Geral do Instituto deEcologia Política. Para contato como autor: telefone:

(48) 322- 0916 ee-mail: [email protected].

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A r t i go

de conservação (Diegues, 2001: 96-97).Entre a valorização das atividades mantidas

por essas comunidades, uma margem de flexi-bilidade para a inovação deve ser permitida paranão se correr o mesmo risco das experiênciasde “naturezas intocadas”, impostas pela legisla-ção das décadas de 60 e 70 no Brasil e no mun-do, que marginalizaram e expulsaram popula-ções inteiras de suas áreas comuns, seguindoa experiência do modelo americano dos parquesnacionais baseados em concepções preservacio-nistas do “mundo selvagem” (w ilderness), comoo deYellowstone, criado nos EUA em 1872 (Allut;Guha; Sarkar; Pompa e Kaus; Castro; Pretty ePimbert; Colchester; Schwartzman e Arruda In:Diegues, 2000). A esse respeito, consultar o tam-bém célebre trabalho O nosso lugar virou parque,de Antônio Carlos Diegues (1999).

Nesse mesmo sent ido, o su rgimento daspreocupações com as popu lações tradicionaismoradoras de parques nacionais vem mot i-van d o a val or i zação d o am b i en t al i sm oecoconservacion ista. O sent ido histór ico decaptura dos problemas de desenvolvimento noBrasil já foi narrado por Caio Prado, SérgioBuarque de Holanda, Euclides da Cunha, en-t re ou tros, e por José Augusto Pádua, que re-cen temen te (1987) recu perou os regist roshistór icos de José Bonifácio, Joaquim Nabuco,André Rebouças e Alber to Torres, entre ou-t ros, abolicion istas monarqu istas, l iberais edesenvolviment istas do Brasil imper ial e re-

publicano, defensores da causa da natu rezacomo patr imônio brasileiro exclusivo.

Recentemente ainda se lamenta que exis-ta no Brasil somente um tipo de unidade deconservação que contempla e favorece a per-manência de populações tradicionais, ao ladoda única reserva da biosfera da UNESCO doBrasil (cr iada em 1992 e que abrange as regi-ões Sul e Sudeste) e que prevê também a pre-sença de popu lações tradicionais: a reservaextrat ivista, defin ida como área natu ral oupouco alterada, ocupada por grupos sociais queusam como fonte de subsistência a coleta deprodutos da flora nat iva ou a pesca artesanale que as realizam segundo formas tradicionaisde at ividade econômica sustentável e condi-ci on ad as a r egu l am en t ação esp ecíf i ca(DIEGUES, 2001: 122).

Et no c o nse r vação c o mo p o l í t i c a d e me i oamb i e nt e : d e saf i o s p o l í t i c o s d e r e si st ê n-

c i a e i nt e g r ação ao mund o g l o b al i zad o

Como reação pol ít ica, existem diversosmovimentos de populações tradicionais emáreas protegidas no Brasil. Como destacamdiversos trabalhos organizados por Diegues(2000; 2001), pode-se contar duas espéciesdesses movimentos:

a) os movimentos autônomos localizados seminserção em movimentos sociais amplos; e

b) os movimentos locais com inserção emmovimentos sociais amplos: as experiências dasReservas Extrativistas.

Os pr im ei r os desses m ovim en t os divi -dem-se em:

i) movimentos locais espontâneos: são movi-mentos organizados de pequenos produtoresext rat ivistas organ izados na defesa de suaárea. Destacam-se aqu i os movimentos depequenos produtores pela preservação de re-cursos haliêu t icos que têm levado ao fecha-mento de áreas de pesca para uso exclusivo

"Recentemente ainda se lamenta

que exista no Brasil somente um

tipo de unidade de conservação

que contempla e favorece a

permanência de populações

tradicionais ..."

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A r t i go

da comunidade, como nos casos registrados noRio Cu iabá, próximo de Santo Antôn io doLeverger , e na região amazônica, com o fe-chamento de lagos pelas popu lações locais.

ii) movimentos locais tutelados pelo Estado:mesmo com a interdição da presença de popu-lações em áreas de preservação, autoridadesestatais vêm dando acolhida às populações tra-dicionais que foram expulsas de suas áreas, coma criação desses parques. É o caso do ParqueEstadual da Ilha do Cardoso, litoral sul de SãoPaulo, criado em 1962. Segundo Diegues (2001),

"exemplo desse t ipo de situação das popu-lações tradicionais em áreas naturais prote-gidas é a existente no Estado de São Paulo.Nesse estado, em cerca de 37,5% dos parquesexiste ocupação humana, tradicional ou não.Essas popu lações são heterogêneas quanto aor igem geográfica, laços histór icos com a re-gião, situação fundiár ia e t ipo de uso de re-cursos naturais. De um lado, as que invadi-ram o parque na época ou depois de sua cr ia-ção e que são fru to da estru tura agrár ia in-justa no Brasil, e, de outro, popu lações tradi-cionais que residem há vár ias gerações naárea transformada em parque e que mantêmvíncu los histór icos importantes com ela, de-pendem para sobrevivência do uso dos recur-sos naturais renováveis, dos quais têm gran-de conhecimento.” (DIEGUES, 2001: 138).

Nessas áreas, há cer ta sensibil idade detécnicos das agências ambientais dispostosà integração das popu lações. O mesmo ocor-re com:

iii) movimentos locais com alianças com ONG's:são exemplos de incorporação recente de popu-lações tradicionais em unidades de conserva-ção, como no caso do projeto na Estação Ecoló-gica Manirauá, no Estado do Amazonas, que éadministrada pela Sociedade Civil Manirauá eapoiada pela World Wildlife Fund (WWF), apesarde ali tratar-se de uma unidade de conserva-ção de uso restr it ivo.

Neste caso, vale regist rar o acontecimen-to de persegu ição polít ica e econômica regis-t rado por Diegues (2001), com o movimentodos Ex-qu ilombos Negros de Trombetas. É sa-bido que a região amazônica const itu i-se naárea de maior confl i to entre popu lações tra-dicionais e unidades de conservação no Bra-sil, ocorrendo por isso enorme expropr iaçãodos espaços, recu rsos e saberes da par te daspopu lações locais pela implantação, desde asdécadas de 60 e 70 do regime militar , tantode grandes projetos de mineração quanto deáreas natu rais protegidas, estas ú lt imas porpressão internacional subseqüente à posiçãopró-acolh imento de indústr ias poluentes nopaís, assumida pelos diplomatas brasileirospor ocasião da conferência de Estocolmo so-bre Meio Ambiente Humano, em 1972. Comoressalta Diegues, a fim de consegu ir recu r-sos in ternacionais e aprovação nos meiosam bien t al ist as oficiais (set or es do Ban coMundial, por exemplo), nos chamados pólosde desenvolvimento se propunha a instala-ção de áreas natu rais de conservação para“min imizar ” os graves impactos ambientaisdecorrentes dos grandes projetos.

"as populações locais, espalhadas pelas mar-gens dos r ios, foram então duplamente dest i-tu ídas. Os estudos de viabilidade e de impactoambiental, no geral, negavam visibilidade aosmoradores locais que viviam da coleta de cas-tanha, da pesca, da lavoura de subsistência.Para esses estudos os moradores locais, queviviam espalhados pelo ter r i tór io, simples-mente não exist iam, e quando se lhes reco-nhecia a existência, era para cadastrá-los, li-mitar-lhes as at ividades extrat ivistas e, final-mente, expu lsá-los usando de vár ias formasde coerção, inclu indo a física e a policial. Esseprocesso ocorreu no final da década de 70 comas popu lações negras, remanescentes de an-t igos qu ilombos do r io Trombetas, que viviampróximas a Óbitos, no Pará. Em 1979, o IBDF(depois IBAMA) cr iou a Reserva Ecológica deTrombetas, numa área secu larmente ut iliza-

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da pelos negros de Trombetas em suas at ivi-dades extrat ivistas de pesca e castanha. (...) Aimplantação da Reserva Ecológica na margemesquerda do Trombetas, e a cr iação poster ior ,em 1989, da Floresta Nacional na margem di-reita do mesmo rio, tornaram inviável o modode vida dos negros libertos de Trombetas. (...)Ver ifica-se nesse caso uma associação de for-ças pr ivadas (mineradoras) e públicas (IBAMA)para destru ir , física e cu ltu ralmente, uma po-pu lação que até então t inha vivido em har-monia com a floresta e os r ios da Amazônia.Na visão dessas inst itu ições, a ação se legit i-ma pelo apelo à 'modernidade econômica e eco-lógica' (...)" (DIEGUES, 2001: 144).

Esse registro serve para ilustrar também queas populações negras do Trombetas não fica-ram passivas. Elas se organizaram e criarama Associação das Comunidades dos Remanes-centes de Quilombo para lutar contra a expro-priação de suas terras e da sua cultura, vindoa protestar com suas reivindicações junto aoMinistério Público Federal, que hoje se desta-ca por possuir grande sensibilidade na defesados interesses dessas populações tradicionaise indígenas no Brasil (ALEXANDRE, 2002).

Quanto aos movimentos locais com inserçãoem movimentos sociais amplos: as experiênciasdas Reservas Extrativistas, um ponto de vistado ecoconservacionismo var ia entre a pers-p ect i va qu e d est aca a h i st ór i a d oextrat ivismo, e daí procura-se incorporá-la aomovimento de tu tela do governo, por in ter -

médio do órgão ambiental federal, o IBAMA, eaos demais órgãos semelhantes estaduais emunicipais, e assim legit imando a posiçãodo governo como responsável por uma mudan-ça de at itude para com as populações tradicio-nais; e a ou tra perspect iva, associada a idéi-as de envolvimento com essas popu laçõesmenos pragmát icas, denominadas sob o sig-no, por exemplo, de etnoconservacionismo.

Ec o c o nse r vac i o ni smoe e t no c o nse r vac i o ni smo no Br asi l

Historicamente, o mais conhecido movimen-to de ecoconservacionismo político é o dos Se-ringueiros. Iniciado na década de 70, o movi-mento se opunha fortemente à derrubada dasflorestas no Acre, através do primeiro sindicatorural desta causa, em Basiléia. Já em 1985, omovimento organizado veio a compor o Conse-lho Nacional dos Seringueiros, estabelecido parareivindicar a criação das Reservas Extrativistas.Em oposição efetiva contra os fazendeiros, elesdefendiam radicalmente a posse da terra e omodo devida tradicional, quecontou com o apoioefetivo de grupos ambientalistas nacionais e in-ternacionais. Em 1986 foi criada a Aliança dosPovos da Floresta, congregando também a lutade reivindicações das populações indígenas. EmAltamira (1989), realizou-se igualmente o En-contro dos Povos das Florestas, para protestartambém contra a construção de hidrelétricas norio Xingu, local de várias reservas indígenas.

A histór ia do extrat ivismo no Brasil estáassociada aos diversos ciclos da extração dosprodu tos para expor tação, in icialmente como pau-brasil. Somente no sécu lo XIX a regiãoNor te desponta como região ext rat ivista deimpor tância econômica, desta vez da borra-cha, o que mereceu seus tempos prósperos,vindo a sofrer declín io na década de 20 destesécu lo. Junto com a borracha, a castanha eplantas medicinais da Amazônia também seincluem nas at ividades extrat ivistas. Já emoutras regiões, possuem o cacau , o babaçu , o

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"... a visibilidade legal dasreser-

vasdeve ser acompanhada de

uma visibilidade econômica ..."

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óleo da carnaúba importância econômica con-siderável, em especial no Nordeste.

A evolução histór ica do extrat ivismo regis-t r a a viabi l idade econômica das ReservasExtrat ivistas. Estas compõem:

"uma área já ocupada por popu lações quevivem dos recursos da floresta, regu lar izadaatravés da concessão de uso, transfer ida peloEstado para associações legalmente const itu -ídas, explorada economicamente segundo pla-no de manejo específico e or ientada para o be-nefício social das popu lações através de proje-tos de saúde e educação" (DIEGUES, 2000: 147).

É importante também inclu ir aqui o concei-to de gestão patrimonial dos recursos naturaisrenováveis, ou de gestão comunitária dos recur-sos naturais renováveis. Tais conceitos infor-mam a natureza da atividade extrativista, que,além de estar associada aos conhecimentos eao modo de uso e acesso aos recursos comunsdispostos pelas populações tradicionais, já indi-cados aqu i, denotam que são recursos comespecificidades própr ias. Como su bl inhamViei r a e Weber (1997), r ecu r sos n atu r aisrenováveis referem-se:

"ao caso daqueles que o homem explorasem poder in fluenciar o processo de renova-ção de maneira posit iva. Em outras palavras,

sua reprodução não é forçada ou controladapelo homem: tais recursos podem ser usados,geridos, mas não produzidos. Isso inclu i as flo-restas naturais, a fauna selvagem aquát ica eterrestre, as águas e o ar. Recursos renováveissão vivos ou em movimento, onde a presençada var iável temporal impl ica a adoção deenfoques centrados na noção de fluxo e de va-r iabilidade. Mesmo configu rando um proces-so de n at u r eza b iof ísi ca, a con d i ção derenovabil idade pode ser analisada tambémcomo um fenômeno social complexo, a par t irdo reconhecimento de que ela se torna par-cialmente const ru ída mediante a in teraçãosocial" (VIEIRA; WEBER, 1997: 27)

As at ividades ali desenvolvidas são tam-bém de cooperat ivismo, comercialização dosprodu tos e de pesqu isa de sistema de manejoflorestal. De acordo com a maior ia dos estu -dos apontados aqu i, a visibi l idade legal dasreservas deve ser acompanhada de uma vi-sibil idade econômica, afeita como está hojea busca de alternat ivas de comercial izaçãode seus produ tos no mercado internacional.O Conselho Nacional dos Ser ingueiros dis-põe também do Centro de Formação e Pes-qu isa, o qual investe na diversidade da pro-d u ção, p esqu i sa em m an ej o n at u r a l ,agroflorestal e neo-extrat ivista e de conser-vação genét ica (DIEGUES, 2000, p. 148).

Segundo levantamentos do Centro Nacionalde Desenvolvimento Sustentado das PopulaçõesTradicionais, ligado ao IBAMA, a viabilidade dasreservas é significat iva, tomando-se a rendafamiliar dos extrativistas, que chega a ser su-perior à renda de 60% da população residenteurbana da Região Norte, que no últ imo sensode 2000 ganhava até um salário mínimo. Essasuperior idade tende também a aumentar como incremento da atividade extrativista, segun-do o que esse mesmo estudo apontava.

Esse Centro do IBAMA também é responsávelpela implementação de estratégias de induçãopara a criação de reservas extrativistas, seguin-

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do o modelo dos seringueiros do Norte e que jáinduzira a criação da primeira reserva extrati-vista mar inha, na Região Su l do Brasil, noecossist em a m ar in h o de Pi r aju baé, emFlorianópolis, Santa Catarina. As propostas do po-der público constam do Projeto Resex desse Cen-tro. Além de visar o auxílio legal para a criaçãodas reservas, o projeto ofereceauxílio técnico parafortalecer as organizações a se desenvolveremestruturalmente. Os maiores benefícios desseprojeto apontados pelo IBAMA referem-se ao au-xílio às atividades produtivas de subsistência ede comercialização, principalmente no fomentode parcerias de diversas ordens com universida-des e negócios com empresas.

Observando mais de per to os regist ros dedivu lgação do IBAMA1, para o caso das Re-servas Ext rat ivistas (Resex), chama a aten -ção o aspect o cen t r al qu e vem a t er oen foqu e cr ít ico concernen te à apropr iaçãopr ivada dos recu rsos natu rais. As Resex sãosom en te expl icadas levando-se em consi -d er ação o agr avam en t o d os con f l i t ossocioambien tais relacionados com a expan-são do domín io de propr iedade pr ivada t ípi -co dos modelos agr ícolas e de pecu ár ia bra-si lei ros. Nos regist ros consu l tados, são assegu in tes as Reservas Ext rat ivistas cr iadas

e r eceb en d o ap or t e t écn i co d o ór gãoam b i en t al feder al : Reser va Ex t r at i vi st aTapajós-Arapiu ns (PA); Reserva Ext rat ivis-ta da Mata Grande (MA); Reserva Ext rat i -vista do Qu i lombo do Frexal (MA); ReservaExt rat ivista do Médio Ju ru á (AM); ReservaExt rat ivista do Cir iáco (MA); Reserva Ext ra-t ivista do Ext remo Nor te do Tocan t ins (TO);Reserva Ext rat ivista do Lago do Cu n iã (RO);Reserva Ext rat ivista do Rio Ou ro Preto (RO);Reserva Ext rat ivista do Rio Cajar í (AP); Re-serva Ext rat ivista Ch ico Mendes (AC); Re-serva Ext rat ivista do Alto Ju ru á (AC); Re-ser va Ex t r at i v i st a M ar i n h a da B aía deIgu ape (BA); Reserva Ext rat ivista Mar inhade Ar raial do Cabo (RJ); e Reserva Ext rat i -vista Mar inha do Piraju baé (SC).

Esse contexto tem levado ainda a análiseantropológica sobre as comunidades tradicio-nais a rever o sent ido de conservacionismoambiental ou ecoconservacion ismo. Dent rodessa nova ót ica, a postu lação mais recentepara entender o compor tamento polít ico, so-cial, econômico e cu ltu ral dos “comunitár ios”tem sido o termo etnoconservacionismo. Na re-alidade, Diegues (2000) a coloca como o re-su ltado da constatação das ambigü idades eincongru ências das teor ias preservacion is-tas que ele acusa como elaboradas pelos paí-ses do Nor te e transplantadas para os paísesdo Su l, com o apoio de grandes organizaçõespreservacion istas in ternacionais. Ancoradonum novo ecologismo social dos movimentosdo Ter cei r o M u n do, su r gi dos n a Ín d i a,Zimbábue, mas também na Amér ica Lat ina,esse etnoconservacionismo enfat iza a neces-sidade de se constru ir uma aliança entre ohomem e a natu reza, baseada na impor tân-cia das comunidades tradicionais indígenase não-indígenas nesse t ipo de conservaçãodas matas e ou tros ecossistemas presentesnos territórios em que habitam. Trata-se davalor ização do conhecimento e das prát icasde manejo dessas popu lações. Isso requer um

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olhar cu idadoso dos cient istas, tão cu idadosoqu an t o zeloso pelo con h ecim en t o dessepatrimônio (DIEGUES, 2000, p. 41-42).

Aliás, tal preocupação já não desponta so-mente como retór ica do mundo acadêmico.Pajés que representam nações indígenas devárias partes do Brasil já reivindicaram pre-sença junto à Organização Mundial da Proprie-dade Intelectual, em Genebra. Preocupadoscom a pirataria do conhecimento que detêm,eles exigem que os organismos internacionaiscriem formas de punir o roubo de recursos na-turais das florestas para a exploração indus-t r ial e montem um fundo com recursos parasubsidiar pesquisas feitas pelas próprias comu-nidades indígenas. Nos tempos de discussão so-bre recursos genéticos, eles também exigemregras para a divisão dos benefícios sobre osconhecimentos por eles trabalhados. Segundoo jornal Folha de S. Paulo2, há registros de pelomenos oito espécies da Amazônia que forampatenteadas por laboratórios estrangeiros.

Colocados de maneira talvez instrumentaldemais, esses fatos não afastam a hipótesede um novo ecoconservacionismo. SegundoDiegues (2000), registrou-se na literatura téc-nica, entre 1990 e 1999, mais de 61% de pu-blicações sobre etnoconhecimento e manejode ecossistemas por parte de populações tradi-cionais, com informações detalhadas. Descola(2000) também atém-se ao conhecimento dascu ltu ras não ocidentais, inclu indo indígenase tradicionais, como as comunidades r ibeir i-nhas e caiçaras. Ele sugere que para comuni-dades da Amazônia, como os indígenas Achuás,a floresta e as roças, longe de se reduzirem aum lugar de onde ret iram os meios de subsis-tência, const ituem o palco de uma sociabili-dade sut il. Ali habitam vár ios seres, e os ani-mais podem parecer humanos e vice-versa. Oan t r op ól ogo en fat i za a i d éi a assi m d ei n t er l i gação en t r e as esp éci es, emcontraposição ao descontínuo ocidental em queas ident idades dos humanos, vivos ou mortos,das plantas e dos animais, é ir relacional, sem

nenhuma mutação. Faz-se daí óbvio que, paraas cosmologias ameríndias encontradas porDescola, a “natureza”, tal qual entende a ci-ência ocidental, não é um domínio autônomoe independente, mas faz parte de um conjun-to de inter-relações (DIEGUES, 2000, p. 30;DESCOLA, 2000, p. 149-163).

À guisa de conclusãoEsse tema para o ecoconservacion ismo

obr iga-nos ao desfazimento da cer teza sobrequalquer u t i l ização mais economicista sobreo meio natu ral ocidental. Se é cer to a at ivi-dade econômica com o sentido empregado paraa “conservação”, o sent ido do etnoconserva-cion ismo dever ia então ater -se à “conserva-ção” das populações tradicionais, inclu indoaqu i as indígenas apontadas por Descola.

Em contraposição também com as cart ilhaspreservacionistas que defendem uma part ici-pação passiva e conformista das comunidadestradicionais (inclu indo as indígenas), em fa-vor da intocabilidade de florestas e espaçosnatu rais virgens, sem a presença humana,Pimbert e Pretty (2000) defendem uma con-cepção alternat iva para a obtenção de resu l-tados favoráveis a essas minor ias:

"Uma proposta para a part icipação local re-centemente su rgiu do movimento dos mora-dores de Gujjar sobre o proposto Parque Naci-onal em Uttar Pradesh, Índia. Buscando umnovo acordo, grupos exclu ídos como os índioskunas e os Gu jjars confrontam arranjos so-ciais que determinam cr itér ios de acesso aosrecu rsos. O objet ivo dessas in iciat ivas deraízes locais é: não para conqu istar ou sub-jugar o Estado, mas for jar alianças selet ivascom par tes de estado e sua burocracia, en-qu an t o se evi t am n ovas r ep r essõesclientelistas. Essa bem sucedida ação polít i-ca gradualmente conduzir ia ao que os exclu -ídos vêem como um estado “melhor ”, ondesuas reivindicações e in teresses são toma-

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dos mais ser iamente e onde as au tor idadest iverem intenção de inclinar o jogo do podera seu favor (...) em ú lt ima análise, provavel-mente não há alternat ivas para a união deesforços de um estado reformista e uma so-ciedade civi l revigorada e organizada cu josex cl u íd os p od em fazer ou vi r su a voz"(PIMBERT; PRETTY, 2000, p. 211-212).

Como conclusão, restringe-se com isso qual-quer abordagem simplista voltada para a ques-tão do uso racional dos recursos naturais qua-se unicamente. Portanto, a especificidade dotermo ecoconservacionismo não está associa-da apenas ao ethos científico do desenvolvimen-to que denota rigor no método de alocação dosrecursos naturais, eficiência e prevenção dedesperdícios, assim como produtividade asse-gurada com o máximo de rentabilidade.

Dist in t ivamente de ou t ras cor ren tes doambientalismo, o emprego aqui da expressãoecoconservacionismo aduz, no entanto, a uma

variedade sinonímica de expressões tais quaisconservacionismoambiental, políticas degestãoco-munitária dos recursos naturais renováveis ou ain-da etnoconservacionismo, estas duas últimas comconotações nada utilitar istas. Tal dist inção éimportante de ser observada também em decor-rência de qualquer equívoco que se possa vir acometer ao associar idéias u t i l i tar istas doecoconservacionismo com os mesmos propósi-tos, por exemplo, de correntes ecocapitalistasque também nos falam de redução de desperdí-cios ou gestão ambiental par a a m elh orpersecução dos fins econômicos que visa.

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Notas1Site do IBAMA: http:/ / www.ibama.gov.br

2Folha de São Paulo, São Paulo, sexta-feira, 7 dedezembro de 2001.

65Agroecol. eDesenv. Rur. Sustent., Porto Alegre, v.3, n.3, Jul/Set 2002

Em dúvida as vantagens dos transgênicosPela primeira vez, em relatório oficial, o USDA(Departamento de Agricultura dos Estados Uni-dos, na sigla em inglês) admitiu que a maiorparte das prometidas vantagens econômicas doscultivos transgênicos são falsas ou muito duvi-dosas. Em julho deste ano, o Serviço de Pesqui-sa Econômica (ERS, na sigla em inglês) do USDAdivulgou uma análise detalhada do desempe-nho econômico dos cultivos transgênicos nosEstados Unidos, intitulada "Adoção de CultivosBioengenheirados". Mesmo sem entrar na ques-tão do mercado, o relatório revela que os culti-vos transgênicos não trouxeram vantagens eco-nômicas para os agricultores americanos - em-bora muitos deles tenham a ilusão do contrário.Outro ponto particularmente interessante dorelatório do USDA é referente à adoção do plan-tio direto pelos agricultores que adotaram a sojatransgênica. Ao contrário do que alegavam osdefensores da engenharia genética - que a in-trodução da soja transgênica promoveria o au-mento da adoção do plantio direto (método decultivo que diminui drasticamente a erosão dosolo ao dispensar seu preparo) - o estudo mos-tra que o plantio direto, que estava em francocrescimento antes da introdução dostransgênicos, estagnou nos Estados Unidos,enquanto cresce nos países latino-americanos.Por Um Brasil Livre de Transgênicos

Número 132 - 04 de outubro de 2002.

A adoção de cultivos bioengenheiradosAté um estudo do Centro Nacional de Políticaspara a Alimentação e Agricultura (NCFAP, nasigla em inglês) que foi parcialmente financiadopela Monsanto e pela Organização das Indús-trias de Biotecnologia (BIO, na sigla em inglês),confirma que as culturas utilizadas diretamentena alimentação humana, como milho doce, be-terraba açucareira e batata, não estão sendoplantadas pelos produtores nas suas versõestransgênicas, apesar delas já estaremregistradas. O estudo do NCFAP relata que asindústrias de alimentos não estão aceitandovariedades transgênicas e que a divisão daMonsanto para batata fechou em 2001.

A Agroecologia vem mostrando, nos mais diver-sos contextos sócio-ambientais, sua capacidadede responder às atuais necessidades da popula-ção mundial. O uso conservacionista de recur-sos associado ao conhecimento e à diversidadelocal vêm mostrando que é possível produzir ali-mentos saudáveis e em quantidade a baixos cus-tos. É neste campo que as grandes instituiçõesde pesquisa deveriam investir recursos humanose financeiros, de forma a trazer significativas con-tribuições para a construção de um modelo sus-tentável para a agricultura. O relatório da USDA"A adoção de cultivos bioengenheirados" estádisponível em: http: / / www.ers.usda.gov/publications/ aer810/Por Um Brasil Livre de Transgênico

Número 132 - 04 de outubro de 2002.

Manifestación en contra de la contaminacióngenéticaEl nueve de octubre, centenares de personas pro-cedentes de todos los países europeos realizaránuna marcha en las calles de Bruselas con unoscarritos de la compra llenos de alimentos libresde transgénicos. Con esta marcha, organizadapor Amigos de la Tierra, se quiere significar a losministros de los Estados Miembros que tienen quetomar medidas urgentes para prevenir lacontaminación genética de la cadena alimenta-ria europea.La manifestación recordará a los ministros que laopinión pública europea rechaza los alimentostransgénicos y por lo tanto que tienen que votara favor del etiquetado total y en contra de lacontaminación de la cadena alimentaria, desdesemillas hasta alimentos.Amigos de la Tierra - 8 de outubro de 2002

http:/ / www.biodiversidadla.org/ noticias.html

USA: Normas de producción ecológica entranen vigenciaA partir de octubre entran en vigencia las nor-mas uniformes para la producción ecológica enEE.UU. Para el control y desarrollo de estas nor-mas es responsable el National Organic StandardsBoard. Las nuevas normas muestran cuatro dife-rentes indicaciones: „100% organic", „organic"

66Agroecol. eDesenv. Rur. Sustent., Porto Alegre, v.3, n.3, Jul/Set 2002

(95% producción ecológica), „made with organicingredients" (mínimamente 75% producción eco-lógica) como otros ingredientes orgánicos enu-merados en el indice respectivo.Todavia no está claro de que manera la importacióny exportación entre EE.UU. y Europa se verá afectadapor las nuevas leyes. Es cierto que el 95% de lasnormas muestra equivalencia, pero en el sector deproducción animal, el uso de antibióticos y distan-cias en cultivos con organismos manipuladosgenéticamente son de variaciones aún muy signifi-cativas, según información de “Agrar Export Aktuell".Expertos opinan que por lo tanto, para losproductores Europeos sera más fácil conseguir lalicencia de comercialización en EE.UU por sus ofici-nas de control que viceversa.El mercado ecológico en EE.UU. es calculado aun volumen de valor comercial de 9,3 Mil Millo-nes EUR (2001) y muestra un crecimiento de doscifras.Fonte: BioFach- Newsletter - 14 de outubro de 2002.

www.biofach.de

Pl a n ta s t r a n sg ên i ca s com l eg i sl a çã o d eagrotóxicosO Ministério da Agricultura, Pecuária e Abasteci-mento divulgou, em outubro, novas normas parapesquisas com plantas geneticamente modifica-das, também conhecidas como transgênicas. Asnovas diretrizes permitem que algumas destasplantas sejam consideradas como agrotóxicos, etenham que seguir a rigorosa legislação que es-trutura este tipo de estudo.A atual legislação diz que agrotóxicos são aquelesprodutos químicos ou biológicos capazes de modi-ficar a flora e a fauna. Muitas das plantas geneti-camente modificadas já desenvolvidas têm este efei-to. Elas agem como herbicidas e fungicidas, ou seja,destróem outros organismos. Entre as mais utiliza-das na lavoura estão as que contêm o gene para atoxina BT, que têm efeito inseticida.Fonte: Boletim Galileu, 02 de outubro de 2002.

www.revistagalileu.globo.com/ Galileu

Regras para a importação de transgênicosO ministro de Agricultura e Silvicultura da NovaZelândia anunciou em agosto deste ano que se

estabeleceu um novo regime de controle das im-portações de sementes para assegurar que ne-nhuma semente transgênica entre no país. ANova Zelândia realizará testes em todos os car-regamentos importados de sementes de milho,milho doce, colza e soja para comprovar que omaterial não contenha transgênicos.Por Um Brasil Livre de Transgênico

Número 132 - 04 de outubro de 2002.

Indígenas lucram com orgânicosO crescimento da agricultura orgânica no Bra-sil, a taxas de 50% ao ano, contribui para aformação de uma cadeia produt iva mui todiversificada, da qual fazem parte hoje três al-deias indígenas local izadas nos estados doMato Grosso, Mato Grosso do Sul e Acre. Ospovoados indígenas começam a colher lucroscom a produção e comercial ização de mel,manga e urucum, produtos certificados comoorgânicos pelo Instituto Biodinâmico (IBD). Atribo Yanawana, do Acre, por exemplo, mon-tou em 1993 a Organização dos AgricultoresExtrativistas Yanawana do Rio Gregório, quecomeçou a colher os primeiros frutos comerci-ais em 1999.Fonte: agrolinck.com.br - Gazeta Mercantil - 18 de outubro

de 2002.

Produtos naturaisA aldeia da tribo Yanawana - localizada às mar-gens do rio Gregório, próxima de Taraucá (AC)- produz sementes secas de urucum que sãovendidas para a multinacional de cosméticosAveda, uma das pioneiras na fabricação deprodutos naturais e ecologicamente corretos."Nosso desafio é adequar a produção indus-trial a partir do urucum fornecido pelos índi-os", diz May Waddington, antropóloga e coor-denadora dos projetos da Aveda no Brasil. Osíndios Yanawana produziram na última safratrês toneladas de urucum, que geraram receitade US$ 81 mil. Além disso, a aldeia está ampli-ando a produção de andiroba, que já soma3,5 toneladas.Fonte: agrolinck.com.br - Gazeta Mercantil - 18 de outubro

de 2002.

67Agroecol. eDesenv. Rur. Sustent., Porto Alegre, v.3, n.3, Jul/Set 2002

Por que e como utilizar plantas medicinais

As plantas medicinais fazem parte da culturapopular. São utilizadas para prevenir e tratardoenças comuns, além de servir como bebida ealimento.

Medidas importantes para a utilização deplantas medicinais:

· As plantas medicinais são constituídas porprincípios ativos e estes são responsáveis por suaação terapêutica, desencadeando diversas rea-

dicAgroecológica

P eg lo w , K ar in *V ello s o , C aro lin e* *

* Enfermeira do Núcleo de Cidadania e Qualidade deVida no Meio Rural da Divisão de Apoio Técnico aoDesenvolvimento Rural Sustentável da EMATER/RS

* * Farmacêutica Bioquímica do Núcleo de Cidadaniae Qualidade de Vida no Meio Rural da Divisão de

Apoio Técnico ao Desenvolvimento Rural Sustentávelda EMATER/RS

ções nos organismos vivos (vegetais, animais enos seres humanos).

· Por este motivo, não é recomendável mistu-rar diversas plantas, evitando interações dos seusconstituintes químicos. O uso inadequado pode-rá provocar efeitos indesejáveis.

· Bons procedimentos de cultivo, coleta, seca-gem e armazenagem garantem a qualidade e aestabilidade dos princípios ativos das plantas.

· Cultivo ecológico de plantasmedicinais, atra-vés de hortos, além de garantir a qualidade, evi-ta o extrativismo e preserva a biodiversidade.

Identificação das plantas medicinais: somentedevem ser ut i l i zadas plantas que foramidentificadas com segurança.

Coleta: colher em diassecos, logo apósa eva-poração do orvalho; somente plantas bem de-senvolvidas e sadias; verificar se a planta não foiexposta a agrotóxicos, poei ra ou outros

68Agroecol. eDesenv. Rur. Sustent., Porto Alegre, v.3, n.3, Jul/Set 2002

dicAgroecológica

poluentes.Secagem: deve ser realizada em local seco,

limpo, arejado e à sombra. Se for utilizado fornoou estufa a temperatura não deverá ultrapassar35°C.

Armazenagem: cada planta deve ser acon-dicionada em embalagem própria, devidamenteidentificada (nome, data da colheita). Devendoficar em local seco, escuro, arejado, sem insetos,roedores ou outros animais, livre de poeira ououtras substâncias poluentes. Para que a plantaesteja própria para o consumo, deverá estar livrede fungos (mofos, bolores), pois estes alteram osteores de princípio ativo, podendo também pro-vocar intoxicações.

Formas de preparo: o uso mais popular éna forma de chá, através de infusão ou decocção.

• Infusão: coloca-se a água fervendo sobre aplanta medicinal, deixando-a coberta por 10 mi-nutos. É ideal para folhas e flores.

• Decocção: consiste na fervura da planta

com a água, por 3 a 5 minutos, deixando-a emrepouso por 2 minutos. É utilizada principal-mente para raízes, cascas, frutos secos, cipós esementes.

A utilização da mesma planta não deve ultra-passar um período maior que 15 dias. Quandohouver necessidade de uso mais prolongado,devem ser feitos intervalos de 1 semana para queo organismo possa responder aos estímulos.

Dosagem: usualmente são recomendadas asseguintes quantidades:

• Planta verde: 20g (3 a 4 colheres de sopa)de planta picada, para 1 litro de água;

• Planta seca: 10g (5 colheres de sopa) deplanta picada, para 1 litro de água.

Usar recipientes de louça, inox ou vidro, parao preparo do chá.

Apóso preparo, o chá deve ser consumido por,no máximo, 24 horas, pois ocorrem reações quí-micas que podem transformar os princípios ativosem outras substâncias prejudiciais à saúde.

69Agroecol. eDesenv. Rur. Sustent., Porto Alegre, v.3, n.3, Jul/Set 2002

h t t p :/ / www.reasu l.u n iva li.brO site da Rede Su l-brasi lei ra de Edu ca-

ção Ambien tal (REASUL) in tegra o projetoTecendo Redes de Edu cação Ambien tal naRegião Su l , com o objet ivo de in tegrar asações em Edu cação Ambien tal no Paraná,San ta Catar ina e Rio Grande do Su l . A pá-gina também in forma o endereço para con-tato com inst i tu ições da região qu e t ratamda edu cação ambien tal . A agenda in formaas pr incipais at ividades programadas nost rês estados.

h t t p : / / w w w . u f s m . b r /

d e se n vo lv im e n t o ru ra l

Está no ar a página do Gr u po de Pesqu i -sa Sociedade, Am bien te e Desenvolvim en -to Ru r al , qu e congr ega pesqu isador es daU n i ver s i d ad e Fed er a l d e San t a M ar i a(UFSM), da Un iver sidade Feder al Ru r al doRio de Jan ei r o (UFFRJ), da EMATER/ RS eda Secr etar ia de Desenvolvim en to Ru r al daPr efei t u r a de San ta Mar ia. O pr in cipal ob-jet ivo do Gr u po é con t r ibu i r par a a pesqu i -sa e an ál i se cr ít i ca da ação or ien t ada àpr om oção do desen volvim en to r u r al , alémde al i m en t ar o qu est i on am en t o t eór i coat r avés dos estu dos das tendências das r e-lações sociais con t em por ân eas e das ex-per iên cias in ovador as n a ár ea de desen -vol v i m en t o r u r a l . A p ági n a con t ém an om in ata dos pesqu isador es, a descr içãodas l in h as de pesqu isa com seu s objet ivos,e ainda diver sos textos para discu ssão pro-du zidos pelos membros do Gru po.

h t t p :/ / www.on gsbras il.o rg

O Fórum Brasi leiro das Organ izações NãoGovernamentais e Movimentos Sociais parao Meio Ambiente e o Desenvolvimento foi cr i-ado em 1990 para faci l i tar a par t icipação dasociedade civi l brasi leira na Conferência daONU sobre Meio Ambiente em 1992, no Riode Janeiro. No site, o in ternau ta pode en-

cont rar in formações sobre as ent idades l i-gadas ao tema no país, eventos, campanhas,áreas preservadas e not ícias, en t re ou t ros.Na página também é possível cadast rar en-t idades ao fóru m.

h t t p :/ / www.foe l.org

O site da organ ização Fr iends of the Ear thIn ternat ional é ou t ro espaço dedicado à reu -n ião de ent idades e campanhas sociais emfavor do meio ambiente. O site t raz in forma-ções e not ícias sobre os pr incipais eventose acon tecimen tos qu e ocor rem em todo omu ndo e qu e estão relacionados ao temaam b i en t a l . A Fr i en d s of t h e E ar t hIn ter nat ional é u m a feder ação qu e r eú neent idades presentes em 69 países.

h t t p :/ / www.fga ia .org.br

A Fu ndação Gaia nasceu da von tade depossibi l i t ar u ma ampl iação da atu ação nalu ta ambien tal de seu fu ndador e presiden-te José Lu tzenberger , falecido recen temen-te. No si te, pode-se encon t rar in formaçõessobr e edu cação am bien t al e agr i cu l t u r aregenerat iva. Além disso, o in ternau ta podeconhecer o Rincão Gaia, u ma área de 30hectares, local izada no Rio Grande do Su l ,exemplo de apl icabi l idade dos concei tos desu sten tabi l idade.

h t t p :/ / www.fepam .rs .gov.brA Fundação Estadual de Proteção Ambiental

Henr ique Lu is Roessler, do Rio Grande do Sul,mantém um site com informações sobre le-gislação ambiental, licenciamento, qualidadedo ar e programas e projetos desenvolvidos. Umdos dest aqu es é o ser viço qu e in for m a omonitoramento da qualidade do ar de vár iasregiões do Estado, permit indo que o usuár ioconsu lte, inclusive, informações sobre perío-dos passados. No link Biblioteca Digital, osin ternau tas podem consu l tar pu bl icaçõesatualizadas sobre meio ambiente.

E coL inks

70Agroecol. eDesenv. Rur. Sustent., Porto Alegre, v.3, n.3, Jul/Set 2002

AnáliseMultidimensional daSustentabilidadeUma proposta metodológica a partir da Agroecologia*

* Extraído de umtexto maisamplo (Caporal eCostabeber, 2002), intitulado "Agroecologia: enfoque

científico e estratégico para apoiar o desenvolvimento ruralsustentável", publicado na Série Programa de FormaçãoTécnico-Social da EMATER/RS. Sustentabilidade e

Cidadania, texto 5.** Engenheiro Agrônomo, Mestre emExtensão Rural

(CPGER/UFSM), Doutor pelo Programade"Agroecología, Campesinado e Historia" - ISEC/ETSIAM, Universidad de Córdoba (Espanha),

ExtensionistaRural eDiretor Técnico daEMATER/RS-ASCAR. E-mail: [email protected]

*** Engenheiro Agrônomo, Mestre emExtensão Rural(CPGER/UFSM), Doutor pelo Programade

"Agroecología, Campesinado e Historia" - ISEC/ETSIAM, Universidad de Córdoba (Espanha),

ExtensionistaRural eAssessor Técnico daEMATER/RS-ASCAR. E-mail: [email protected]

A r t i go

C ap o ra l, Fran c is c o Ro b er t o * *C o s t ab eb er , J o s é A n t ô n io * * *

Re s u m o: O presente ar t igo pretende con-t r ibu ir na const ru ção da Agroecologia comoparadigma cien t ífico a par t i r da elaboraçãode u ma proposta metodológica para a anál i -se m u l t id im ensional da su sten tabi l idade.In iciamos defendendo a Agroecologia comou m promissor campo de conhecimento, u maCiência com especial potência para or ien -tar processos de t ransição a est i los de agr i -cu l tu ra e de desenvolvimen to ru ral su sten -táveis. Depois, apon tamos a necessidade deredu zir o grave equ ívoco qu e vem ocor ren -do na defin ição da Agroecologia, não rarasvezes assu mida como u m modelo de agr i -cu l t u r a, u m a t ecn ologia ou u m a pol ít i capú bl i ca. Nest e con t ext o, efet u am os u m a

pr im ei r a t en t at iva de defin i r seis dim en -sões de anál ise da su sten tabi l idade, levan-do-se em con ta t rês dist in tos n íveis h ierár -qu icos: dimensões ecológica, econômica esocial (pr imeiro n ível); dimensões cu l tu rale pol ít ica (segu ndo n ível); e dimensão ét ica(t er cei r o n ível ). Conclu ím os pela necessi -dade de aprofu ndar e qu al i ficar esse deba-te, já qu e u ma anál ise equ ivocada da su s-t en t ab i l i dade pode com pr om et er sever a-mente nossa capacidade de adequ ada in ter -venção em processos de t ransição apoiadosnos pr incípios da Agroecologia.

71Agroecol. eDesenv. Rur. Sustent., Porto Alegre, v.3, n.3, Jul/Set 2002

Pa la vr a s -c h a ve :Agroecologia, Agr icu l tu -r a Su sten tável , Su sten tabi l idade, Anál iseMu l t id im en sion al .

1 Paradigma agroecológicoe sustentabilidade

Em anos mais recentes, a referência cons-tante à Agroecologia tem sido bastante posit i-va, pois nos faz lembrar de est ilos de agr icu l-tu ra menos agressivos ao meio ambiente, quepromovem a inclusão social e proporcionammelhores condições econômicas aos agr icu l-tores. Nesse sent ido, são comuns as interpre-tações que vincu lam a Agroecologia com "umavida mais saudável"; "uma produção agrícoladentro de uma lógica em que a Natureza mos-tra o caminho"; "uma agr icu ltu ra socialmen-te justa"; "o ato de trabalhar dentro do meioambiente, preservando-o"; "o equ ilíbr io entrenutr ientes, solo, planta, água e animais"; "ocont inuar t irando alimentos da terra sem es-gotar os recursos naturais"; "um novo equ ilí-br io nas relações homem e natureza"; "umaagr icu ltu ra sem destru ição do meio ambien-te"; "u ma agr icu l tu ra qu e não exclu i n in -guém"; entre outras. Assim, o uso do termoAgroecologia nos tem trazido a idéia e a ex-pectat iva de uma nova agr icu ltu ra capaz defazer bem ao homem e ao meio ambiente.

Ent retan to, se most ra cada vez mais evi-dente u ma profu nda confu são no u so do ter -m o Agr oecologia, ger an do in t er pr et açõesconceitu ais qu e, em mu itos casos, preju di-cam o entendimento da Agroecologia comociência qu e estabelece as bases para a cons-t ru ção de est i los de agr icu ltu ra su stentávele de est ratégias de desenvolvimen to ru ralsu sten tável. Não raro, tem-se confu ndido aAgroecologia com u m modelo de agr icu ltu -ra, com a adoção de determinadas prát icasou tecnologias agr ícolas e até com a ofer tade produ tos "l impos" ou ecológicos, em opo-sição a aqu eles caracter íst icos da Revolu çãoVerde. Exempli ficando, é cada vez mais co-

mu m ou virmos frases equ ivocadas do t ipo:"exist e m er cado par a a Agr oecologia"; "aAgroecologia produ z tanto qu anto a agr icu l-tu ra convencional"; "a Agroecologia é menosrentável qu e a agr icu ltu ra convencional"; "aAgroecologia é u m novo modelo tecnológico".Em algumas situações, chega-se a ouvir que,"agora, a Agroecologia é u ma polít ica pú bl i-ca". Apesar da provável boa in tenção do seuemprego, todas essas frases e expressõesestão equ ivocadas, se entendermos a Agro-ecologia como enfoqu e cien t ífico. Na verda-de, essas in t er p r et ações expr essam u menorme redu cion ismo do sign i ficado maisamplo do termo Agroecologia, mascarandosu a potencial idade para apoiar processos dedesenvolvimento ru ral su sten tável.

Como or ien tação metodológica, assu mi-mos nesse ar t igo a Agroecologia como u m

enfoqu e cien t ífico dest inado a apoiar a t ran-sição dos atu ais modelos de desenvolvimen-to ru ral e de agr icu l tu ra convencionais paraest i los de desenvolvimen to ru ral e de agr i -cu l t u r a su s t en t ávei s (CAPORAL ;COSTABEBER, 2000a; 2000b; 2001, 2002).Par t i m os esp eci al m en t e d e escr i t os d eAlt ier i , para qu em a Agroecologia const i tu iu m enfoqu e teór ico e metodológico qu e, lan -çando mão de diversas discipl inas cien t ífi -

A r t i go

"... a Agroecologia como um

enfoque científico destinado a

apoiar a transição dos atuais

modelos de desenvolvimento

rural e de agricultura convencio-

naispara estilos de desenvolvi-

mento rural e de agricultura

sustentáveis"

72Agroecol. eDesenv. Rur. Sustent., Porto Alegre, v.3, n.3, Jul/Set 2002

cas, pretende estu dar a at ivi -dade agrár ia sob u ma perspec-t iva ecológica1. A Agroecologiabaseia-se no concei to de agro-ecossistema como u n idade deanál ise, tendo como propósi to,em ú lt ima instância, proporci -onar as bases cien t íficas (pr in -c íp i os , con cei t os emetodologias) para apoiar o pro-cesso de t ransição do atu al mo-delo de agr icu l tu ra convencio-nal para est i los de agr icu l tu rasu sten tável (Figu ra 1), em su asdiversas man i festações e inde-penden temen te de su as deno-m inações. En tão, mais do qu e u ma disci -p l in a específica, a Agr oecologia con st i t u iu m en foqu e cien t íf i co qu e r eú n e vár i oscampos de conhecimen to (as diversas se-tas represen tam as con t r ibu ições qu e sãorecolh idas de ou t ras ciências ou discipl i -n as), u m a vez qu e "r ef l exões t eór i cas eavanços cien t íficos, r ecebidos a par t i r dedist in tas discipl inas", têm con t r ibu ído paracon for m ar o seu at u al corpus t eór i co em et odológi co (GUZM ÁN CASADO et al . ,2000, p. 81). Assim, o enfoqu e agroecológicopode ser defin ido como "a aplicação dos pr in-cípios e concei tos na Ecologia no manejo edesen h o de agr oecossi st em as su st en t á-veis", como nos ensina Gl iessman (2000),nu m hor izon te temporal (a seta maior re-presenta a t ransição como u m processo gra-du al e mu lt i l inear at ravés do tempo) qu e dêcabida à const ru ção e expansão de novossaberes socioambien tais, al imen tando, as-sim , o processo de t ransição agroecológica.

Esta defin ição se expande na medida emqu e a Agroecologia se nu t re de ou t ros cam-pos de conhecimen to e de ou t ras discipl i -nas cien t íficas, assim como de saberes, co-n h ecim en t os e exper iên cias dos pr ópr iosagr icu l t or es, o qu e per m i t e o est abeleci -mento de marcos conceituais, metodológicos

e est ratégicos com maior capacidade paraor ien tar não apenas o desenho e manejo deagroecossistemas sustentáveis, mas tambémprocessos de desenvolvimento rural sustentá-vel. É preciso deixar claro, porém, qu e aAgroecologia não oferece, por exemplo, u mateor ia sobre Desenvolvimen to Ru ral , sobreMetodologias Par t icipat ivas e tampou co so-bre Métodos para a Const ru ção e Val idaçãodo Conhecimen to Técn ico. Mas bu sca noscon h ecim en t os e exper iên cias já acu m u -ladas em Invest igação-Ação Par t icipat iva,por exem plo, u m m ét odo de in t er ven çãoqu e, adem ais de m an t er coer ên cia comsu as bases epistemológicas, con t r ibu a napromoção das t ransformações sociais ne-cessár ias para gerar padrões de produ ção econsu mo mais su sten táveis.

Adicionalmen te, é preciso en fat izar qu etal processo adqu ire enorme complexidade,t an t o t ecn ol ógi ca com o m et odol ógi ca eorgan izacional , dependendo dos objet ivos edas metas qu e se estabeleçam, assim comodo "n ível" do processo de t ransição qu e nospropomos a alcançar . De acordo ou t ra vezcom Gl iessm an , podem os dist in gu i r t r êsn íveis fu ndamentais no processo de t ransi-ção ou con ver são par a agr oecossist em assu sten táveis. O pr imeiro diz respei to ao in -

A r t i go

Figura 1. Agroecologia e Sustentabilidade*

*Figura adaptada de Miguel Altieri, conforme esquem a apresentado no Curso sobre

"Agroecologia: Enfoque Técnico-Agronômico", EMATER /RS-ASCAR, Sobradinho (RS), 14 a 18.11.2000.

73Agroecol. eDesenv. Rur. Sustent., Porto Alegre, v.3, n.3, Jul/Set 2002

cremento da eficiência das prát icas conven-cionais para redu zi r o u so e consu mo deinputs externos caros, escassos e dan inhosao meio ambien te. Esta tem sido a pr inci -pal ên fase da invest igação agrár ia conven-cional , resu l tando disso mu itas prát icas etecnologias qu e aju dam a redu zir os impac-tos negat ivos da agr icu l tu ra convencional .O segundo nível da transição se refere à subs-t i tu ição de inputs e prát icas convencionaispor pr át icas al t er n at ivas. A m eta ser ia asu bst i tu ição de insu mos e prát icas in tensi-vas em capital e degradadoras do meio am-bien te por ou t ras mais ben ignas sob o pontode vista ecológico. Neste n ível , a est ru tu rabásica do agroecossistema ser ia pou co al-terada, podendo ocor rer , en tão, problemassim i lar es aos qu e se ver i ficam nos siste-mas convencionais. O terceiro e mais com-plexo n ível da t ransição é represen tado peloredesenho dos agroecossistemas, para qu eestes fu ncionem em base a u m novo con-ju n to de processos ecológicos. Nesse caso,se bu scar ia el im in ar as cau sas daqu elesproblemas que não foram resolvidos nos doisn íveis an ter iores. Em termos de invest iga-ção, já foram fei tos bons t rabalhos em rela-ção à t ransição do pr imeiro ao segu ndo n í-vel , porém estão recém começando os t ra-balh os par a a t r an sição ao ter cei r o n ível(GLIESSMAN, 2000, p. 573-5).

Como se pode perceber , os t rês níveis dat r an si ção agr oecol ógi ca, p r opost os porGl i essm an , afast am ai n da m ai s a i déi aequ ivocada de Agroecologia como u m t ipo deagr icu l t u r a, u m sist em a de pr odu ção ouu ma tecnologia agr ícola, por mais bondosaqu e esta possa ser . Além disso, estas bre-ves considerações dão a dimensão exata dacomplexidade dos processos sociocu l tu rais,econômicos e ecológicos envolvidos e refor -çam a natu reza cien t ífica da Agroecologia,bem como o seu status de en foqu e ou cam-po de conhecimen tos mu lt idiscipl inar e or i -en tado pelo desafian te objet ivo de constru-

ção de estilos de agricultura sustentável, nomédio e longo prazos. O qu e estamos ten -tando dizer é qu e, como resu l tado da apl i -cação dos pr incípios da Agroecologia, pode-mos alcançar estilos de agricultura de baseecológica e, assim , obter produtos de quali-dade biológica superior. Mas, para respei taraqu eles pr in cípios, est a agr icu l t u r a deveatender requisitos sociais, considerar aspec-tos culturais, preservar recursos ambientais,apoiar a participação política dos seu s ato-res e perm it i r a obtenção de resultados eco-nômicos favoráveis ao conjunto da socieda-de, nu ma perspectiva temporal de longo prazoqu e inclu a tan to a presen te como as fu tu -ras gerações (ética da solidariedade).

2 Agricultura de base eco-lógica e sustentabilidadeNossa opção pela term inologia "agr icu l -

tu ra de base ecológica" tem a in tenção ded i st i n gu i r , p r im ei r am en t e, os est i l os deagr icu l t u r a r esu l t an t es da apl icação dospr incípios e concei tos da Agroecologia (es-t i los qu e, teor icamen te, apresen tam maio-res grau s de su sten tabi l idade no médio elongo prazos) em relação ao propalado mo-d el o d e agr i cu l t u r a con ven c i on a l ouagroqu ím ica (u m modelo qu e, reconhecida-men te, é mais dependen te de recu rsos na-tu rais não renováveis e, por tan to, incapazde perdu rar at ravés do tempo). A opção pelaterm inologia agr icu l tu ra de base ecológicatem a in tenção, também, de marcar di fe-renças impor tan tes en t re di tos est i los e asagr icu l tu ras qu e poderão resu l tar das or i -en tações emanadas da cor ren te da in ten -si ficação verde, cu ja tendência parece sera incorporação parcial de elemen tos de ca-r át er ecol ógi co n as p r át i cas agr ícol as(greening process), o qu e const i tu i u ma ten -tat iva de recauchutagem do modelo da Revo-

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lu ção Verde, sem, porém, qu alqu er propósi-to ou in tenção de al terar fu ndamentalmen-te as frágeis bases qu e até agora lhe deramsu sten tação2.

Em segu n do lu gar , a d i st i n ção en t r eAgroecologia e est i los de agr icu l tu ra ecoló-gica é de su ma impor tância em relação aou t ros est i los de agr icu l tu ra qu e, emboraap r esen t an do den om i n ações qu e dão aconotação da apl icação de prát icas, técn i-cas e/ ou procedimen tos qu e visam atendercer tos requ isi tos sociais ou ambien tais, nãonecessar iamen te terão qu e lançar ou lan -çar ão m ão das or ien t ações m ais am plasemanadas do en foqu e agroecológico. A t ítu -lo de exemplo, não podemos, simplesmen-te, en tender a agr icu l tu ra ecológica comoaqu el a agr i cu l t u r a qu e n ão u t i l i zaagrotóxicos ou fer t i l izan tes qu ím icos de sín -tese em seu processo produ t ivo. No l im i te,u m a agr i cu l t u r a com est a car act er íst i capode cor responder a u ma agr icu l tu ra pobre,desprotegida, cu jos prat ican tes não têm ounão t iveram acesso aos insu mos modernospor impossibi l idade econômica, por fal ta dein for m ação ou por au sên cia de pol ít i caspú bl icas adequ adas para este fim . Ademais,opção desta natu reza pode estar ju st i ficadapor u m a visão est r at égica de con qu ist armercados cat ivos ou n ichos de mercado que,dado o grau de in formação qu e possu em al-gu ns segmentos dos consu midores a respei-to dos r iscos embut idos nos produ tos da agr i-cu l tu ra convencional , su pervalor izam eco-nomicamente os produ tos ditos "ecológicos","orgân icos" ou "l impos", o qu e não necessa-r iamen te assegu ra a su sten tabi l idade dossistemas agr ícolas at ravés do tempo3.

Na real idade, u ma agr icu l tu ra qu e t rataapenas de su bst i tu ir insu mos qu ímicos con-vencionais por insu mos "al ternat ivos", "eco-lógicos" ou "orgân icos" não necessar iamen-te será u ma agricultura ecológica em sen t i -do mais amplo. É preciso ter presen te qu e asimples su bst i t u ição de agroqu ím icos por

adu bos orgân icos mal manejados pode nãoser solu ção, podendo inclu sive cau sar ou -t ro t ipo de con taminação. Como bem assi-nala Nicolas Lampk in , "é provável qu e u masimples su bst i tu ição de n i t rogên io, fósforoe potássio de u m adu bo inorgân ico por n i-t rogên io, fósforo e potássio de u m adu bo or -gân ico tenha o mesmo efei to adverso sobrea qu al idade das plan tas, a su scept ibi l idadeàs pragas e a con taminação ambien tal . Ou so in adequ ado dos m ater iais or gân icos,seja por excesso, por apl icação fora de épo-ca, ou por ambos mot ivos, provocará u mcu r to-ci r cu i to ou mesmo l im i tará o desen-volvim en t o e o fu n cion am en t o dos ciclosnatu rais" (LAMPKIN, 1998, p. 3).

Por ou t ro lado, Riechmann (2000) lembraqu e "algu ns estu dos sobre agr icu l tu ra eco-lógica põem em evidência qu e as colhei tasext raem do solo mais elemen tos nu t r i t ivosqu e os apor tados pelo adu bo natu ral , semqu e pareça dim inu i r a fer t i l idade natu raldo solo. Isto convida a pensar qu e na produ -ção agr ícola nem tu do se redu z a u m apor tehu mano de adu bo e u m processo vegetal decon ver são b i oqu ím i ca, segu n do a vi sãor edu cion ist a in au gu r ada por Liebig, m asqu e en t re as l ides hu manas e o crescimen toda plan ta se in ter calam pr ocessos at ivosque têm lugar no solo por causa de uma açãocombinada de caráter qu ím ico e biológicoao mesmo tempo". Ci tando Naredo (1996), omesmo au tor su gere qu e "nem a plan ta éu m conversor iner te nem o solo é u m sim-ples reservatór io, mas ambos in teragem esão capazes de reagir modi ficando seu com-por t am en to. Por exem plo, a apl icação dedoses im por t an t es de adu bo n i t r ogen adoin ibe a fu nção n i t r i ficadora das bactér iasdo solo, assim como a disposição da águ a enu t r ien tes condiciona o desenvolvimento dosistema radicu lar das plan tas. Em su ma, seimpõe a necessidade de estu dar não ape-nas o balanço do qu e en t ra e do qu e sai nosistema agrár io, mas também o qu e ocor re

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ou poder ia ocor rer den t ro e fora do mesmo,al terando a relação plan ta, solo, ambien te"(RIECHMANN, 2000).

Ademais, simpl i ficações como as acimamencionadas - qu e cent ram os esforços e re-cu rsos apenas na mu dança da base técn ica,objet ivando gerar produ tos diferenciados e denicho - podem provocar um novo t ipo de espi-ral tecnológica, gerando novas cont radiçõese u m ou t ro t ipo de diferenciação social naagr icu l tu ra. Qu eremos aler tar qu e, atu al-mente, já é possível observar -se a existên-cia de u ma categor ia de "agr icu ltores fami-l iares ecológicos" que sequer está sendo con-siderada como u ma ou t ra categor ia nos es-tu dos sobre a agr icu ltu ra famil iar brasi lei-ra. Ou seja, estamos dian te do per igo de se

ampliar as diferenças ent re os agr icu ltoresqu e têm e os qu e não têm acesso a serviçosde assistência técn ica e extensão ru ral, cré-di to e pesqu isa, assim como ent re os qu edispõem e os qu e não dispõem de assessor iapara se organ izar em gru pos com o objet ivode conqu istar n ichos de mercado qu e me-lhor remu nerem pelos produ tos l impos ouecológicos qu e oferecem (Costabeber , 1998).A massificação do enfoqu e agroecológico viapolít icas pú bl icas e com o decisivo apoio doEstado em áreas est ratégicas (Extensão Ru -ral , Pesqu isa Agropecu ár ia e Crédi to), t al

como vem sendo feito no Rio Grande do Su l,é talvez a ú n ica forma razoável de min imizara ampliação dessas novas cont radições tãot ípicas do sistema capital ista.

Em sín tese, é preciso ter clareza qu e aagr icu ltu ra ecológica e a agr icu ltu ra orgâ-n ica, en t re ou t ras denominações existen tes,conceitu al e empir icamente, são o resu lta-do da apl icação de técn icas e métodos dife-r en ciados, n or m alm en te estabelecidos deacordo e em fu nção de regu lamentos e re-gras qu e or ien tam a produ ção e impõem li-m ites ao u so de cer tos t ipos de insu mos e al iberdade para o u so de ou t ros. Contu do, ecomo já dissemos an tes, estas escolas oucor r en t es n ão n ecessar iam en t e pr ecisamestar at reladas ou segu ir as premissas bá-sicas e os ensinamentos fu ndamentais daAgroecologia, tal como aqu i foi defin ida. Todoo an tes mencionado serve como reforço àidéia qu e estamos defendendo, segu ndo aqu al os contextos de agr icu ltu ra e desenvol-vimento ru ral su sten táveis exigem u m tra-tamento mais eqü itat ivo a todos os atoresenvolvidos - especialmente em termos dasopor tu n idades a eles estendidas, bu scando-se u ma melhor ia crescente e equ i l ibrada da-qu eles elementos ou aspectos qu e expres-sam os incrementos posit ivos em cada u madas seis d im en sões da su st en t abi l i dade,como most raremos a segu ir .

3 Multidimensõesda sustentabilidade

a partir da AgroecologiaDesdea Agroecologia, a sustentabilidadedeve

ser vista, estudada e proposta como sendo umabusca permanente de novos pontos de equilíbrioent re diferen tes dimensões qu e podem serconfl it ivas entre si em realidades concretas(COSTABEBER; MOYANO, 2000). Nesta ótica, asustentabilidade pode ser definida simplesmen-

" ... uma agricultura que trata

apenasde substituir insumosquí-

micos convencionais por insumos

'alternativos', 'ecológicos' ou 'orgâ-

nicos' não necessariamente será

uma agricultura ecológica ..."

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te como a capacidade de um agroecossistemamanter-se socioambientalmente produtivo aolongo do tempo. Portanto, a sustentabilidade emagroecossistemas (ou em etnoecossistemas, paraincluir a dimensão das culturas humanas nomanejo dos ecossistemas agrícolas), é algo re-lativo que pode ser medido somente expost. Suaprova estará sempre no futuro (GLIESSMAN,2000). Por esta razão, a construção do desenvol-vimento rural sustentável, a partir da aplicaçãodos princípios da Agroecologia, deve assentar-se na busca de contextos de sustentabilidadecrescente, alicerçados em algumas dimensõesbásicas (Figura 2). No marco desse artigo, en-tendemos que as estratégias orientadas à pro-moção da agricultura e do desenvolvimento ru-ral sustentáveis devem ter em conta seis di-mensões relacionadas entre si, quais sejam:ecológica, econômica, social (primeiro nível), cul-tural, polít ica (segundo nível) e ética (terceironível)4. Assim, embora não sendo um trabalhoconclusivo sobre tema tão complexo, é misterque façamos uma primeira aproximação ao queestá subentendido em cada uma destas dimen-sões, destacando alguns aspectos que poderiamser úteis na definição de indicadores para pos-terior monitoramento dos contextos de susten-tabilidade alcançados num dado momento.

3 .1 Di me nsão e c o l ó g i c a

A manu tenção e recu peração da base derecu rsos natu rais - sobre a qu al se su sten -tam e est ru tu ram a vida e a reprodu ção dascomu n idades hu manas e demais seres vi-vos - const i tu i u m aspecto cent ral para at in -gi r -se patam ar es cr escen tes de su sten ta-bi l idade em qu alqu er agroecossistema. Por -tan to, "cu idar da casa" é u ma premissa es-sencial para ações qu e se qu eiram su sten -táveis, o qu e exige, por exemplo, não ape-nas a preservação e/ ou melhor ia das con-dições qu ím icas, físicas e biológicas do solo(aspect o da m aior r elevân cia n o en foqu eagroecológico), mas também a manu tençãoe/ ou melhor ia da biodiversidade, das reser -vas e mananciais h ídr icos, assim como dosr ecu r sos n atu r ais em ger al . Não im por taqu ais sejam as est ratégias para a in terven-ção técn ica e planejamen to do u so dos re-cu rsos - u ma microbacia h idrográfica, porexemplo -, mas impor ta ter em mente a ne-cessidade de u ma abordagem holíst ica e u men foqu e sistêm ico, dando u m t r atam en toin tegral a todos os elemen tos do agroecos-sistema qu e venham a ser impactados pelaação hu mana. Ademais, é necessár io qu e

as est r at égias con t em plema r eu t i l i zação de m ater iaise energia den t ro do própr ioagr oecoss i s t em a, ass i mcomo a el im inação do u so dei n su m os t óx i cos ou cu j osefei t os sobr e o m eio am bi-en te são incer tos ou desco-nhecidos (por exemplo, Orga-n ismos Genet icamen te Mo-di ficados). Em su ma, o con-cei to de su sten tabi l idade in -clu i , em su a h ier ar qu ia, anoção de preservação e con-servação da base dos recu r -sos natu rais como condição

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Figura 2. Multidimensões da sustentabilidade**

** Fonte: elaboração própria

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essencial para a con t inu idade dos proces-sos de reprodu ção sócio-econômica e cu l tu -ral da sociedade, em geral , e de produ çãoagropecu ár ia, em par t icu lar , nu ma perspec-t iva qu e considere tan to as atu ais como asfu tu ras gerações.

3 .2 Di me nsão so c i al

Ao lado da dimensão ecológica, a dimen-são social represen ta precisamente u m dospilares básicos da sustentabi l idade, uma vezqu e a preservação ambien tal e a conserva-ção dos recu rsos natu rais somente adqu i-rem sign i ficado e relevância qu ando o pro-du to gerado nos agroecossistemas, em ba-ses renováveis, também possa ser eqü i ta-t ivamen te apropr iado e u su fru ído pelos di-versos segmentos da sociedade. Ou seja, "aeqü idade é a propr iedade dos agroecossis-temas qu e indica qu ão equ ân ime é a dis-t r ibu ição da produ ção [e também dos cu s-t os] en t r e os ben efi ciár ios h u m an os. Deu ma forma mais ampla (...), impl ica u mamenor desigu aldade na dist r ibu ição de at i -vos, capacidades e opor tu n idades dos maisdesfavorecidos". Sob o pon to de vista tem-poral , esta noção de eqü idade ainda se re-laciona com a perspect iva in t rageracional(dispon ibi l idade de su sten to m ais segu r opara a presen te geração) e com a perspec-t iva in tergeracional (não se pode compro-meter hoje o su sten to segu ro das geraçõesfu tu ras) (SIMÓN FERNÁNDEZ; DOMINGUEZGARCIA, 2001). A dimensão social inclu i ,também, a bu sca con t ínu a de melhores n í-veis de qu al idade de vida median te a pro-du ção e o consu mo de al imen tos com qu al i -dade biológica su per ior , o qu e compor ta, porexemplo, a el im inação do u so de insu mostóxicos no processo produ t ivo agr ícola me-dian te novas combinações tecnológicas, ouainda at ravés de opções sociais de natu re-za ét ica ou moral . Nesse caso, é a própr iapercepção de r iscos e/ ou efei tos maléficos

da u t i l ização de cer tas tecnologias sobre ascondições sociais das famíl ias de agr icu l to-res qu e determ ina ou or igina novas formasde relacionamento da sociedade com o meioam bien t e, u m m odo de est abelecer u m aconexão en t re a dimensão Social e a Ecoló-gica, sem preju ízo da dimensão Econômica(u m novo modo de "cu idar da casa" ou de"admin ist rar os recu rsos da casa").

3 .3 Di me nsão e c o nô mi c a

Estu dos têm demonst rado qu e os resu l-tados econômicos obt idos pelos agr icu l toressão elemen tos-chave para for talecer est ra-t égias de Desenvolvim en to Ru r al Su sten -tável . Não obstan te, como está também de-monst rado, não se t rata somente de bu scaraumentos de produção e produ t ividade agro-pecu ár ia a qu alqu er cu sto, pois eles podemocasionar redu ções de renda e dependênci-as crescen tes em relação a fatores exter -nos, além de danos ambien tais qu e podemresu l tar em perdas econômicas no cu r to oum éd i o p r azos . A su s t en t ab i l i d ad e d eagroecossistemas também su põe a neces-sidade de obter -se balanços agroenergét i -cos posi t ivos, sendo necessár io compat ibi -l izar a relação en t re produ ção agropecu á-r ia e consu mo de energias não renováveis.Aliás, como bem nos ensina a Economia Eco-lógica, a insu sten tabi l idade de agroecossis-temas pode se expressar pela obtenção deresu l tados econômicos favoráveis às cu stasda depredação da base de recu rsos natu raisqu e são fu ndamentais para as gerações fu -t u r as, o qu e põe em evidên cia a est r ei t ar elação en t r e a dim en são econ ôm ica e adimensão ecológica. Por ou t ro lado, a lógicapresen te na maior ia dos segmentos da agr i -cu l tu ra fam i l iar nem sempre se man i festaapenas at ravés da obtenção de lu cro, mastambém por ou t ros aspectos qu e in ter feremem su a maior ou menor capacidade de re-produ ção social . Por isso, há qu e se ter em

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mente, por exemplo, a impor tância da pro-du ção de su bsistência, assim como a pro-du ção de bens de consu mo em geral , qu enão costu mam aparecer nas medições mo-netár ias convencionais, m as qu e são im -por tan tes no processo de reprodu ção sociale nos grau s de sat isfação dos membros dafamíl ia. Igu almen te, a soberan ia e a segu -rança al imen tar de u ma região se expres-sam também na adoção de est ratégias ba-seadas em cir cu i tos cu r tos de mercador iase n o ab as t ec i m en t o r egi on a l em icror regional , não sendo possível , por tan -to, desconectar a dimensão econômica dadimensão social .

3 .4 Di me nsão c ul t ur al

Na dinâmica dos processos de manejo deagroecossistemas - dent ro da perspect iva daAgroecologia - deve-se considerar a neces-sidade de qu e as in tervenções sejam res-pei tosas para com a cu l tu ra local . Os sabe-res, os conhecimen tos e os valores locaisdas popu lações ru rais precisam ser anal i -sados, compreendidos e u t i l izados como pon-to de par t ida nos processos de desenvolvi -m en t o r u r a l qu e, p or su a vez, d evemespelhar a "iden t idade cu l tu ral" das pesso-as qu e vivem e t rabalham em u m dado agro-ecossistema. A agr icu l tu ra, nesse sen t ido,precisa ser en tendida como at ividade eco-nômica e sociocu l tu ral - u ma prát ica soci-al - real izada por su jei tos qu e se caracter i -zam por u ma forma par t icu lar de relacio-namento com o meio ambien te. Esta facetada dimensão cu l tu ral não pode e não deveobscu recer a necessidade de u m processode problemat ização sobre os elemen tos for -madores da cultura de u m determ inado gru -po social . Even tu almen te, estes elemen tospodem ser relat ivizados em su a impor tân -cia, considerando-se as repercu ssões nega-t ivas qu e possam ter nas formas de manejodos agroecossistemas, descar tando-se aque-

les procedimen tos ou técn icas qu e não semost rem adequ ados nos processos de cons-t ru ção de novas est ratégias na relação ho-mem-natu reza. Ou seja, prát icas cu l tu ral -men te determ inadas, mas qu e sejam agres-sivas ao m eio am bien te e pr eju diciais aofor t alecim en t o das r elações sociai s e àsest ratégias de ação social colet iva, não de-vem ser est im u ladas. De qu alqu er m odo,h istor icamen te a Agr icu l tu ra foi produ to deu m a r elação est r u tu r alm en te condiciona-da, envolvendo o sistema social (a socieda-de, os agr icu l tores) e o sistema ecológico (om eio am bien te, os r ecu r sos biofísicos), oqu e, em su a essência, t radu z-se nu ma im-por tan te base epistemológica da Agroecolo-gia, tal como nos ensina Norgaard (1989).Mais do qu e nu nca, esse reconhecimen toda impor tância do saber local e dos proces-sos de geração do conhecimento ambiental esocialmente útil passa a ser crescen temen tevalor izado em con t rapon to à idéia ainda do-m i n an t e, m as em p r ocesso d eobsolescência, de qu e a agr icu l tu ra pode-r ia ser homogeneizada com independênciadas especi ficidades biofísicas e cu l tu rais decada agroecossistema.

3 .5 Di me nsão p o l í t i c a

A dimensão polít ica da sustentabilidade tema ver com os processos participativos e demo-crát icos que se desenvolvem no contexto daprodução agrícola e do desenvolvimento rural,assim como com as redes de organização soci-al e de representações dos diversos segmentosda população rural. Nesse contexto, o desen-volvimento rural sustentável deve ser conce-bido a partir das concepções culturais e polít i-cas próprias dos grupos sociais, considerando-se suas relações de diálogo e de integração coma sociedade maior, através de representaçãoem espaços comunitár ios ou em conselhos po-lít icos e profissionais, numa lógica que consi-dera aquelas dimensões de primeiro nível como

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integradoras das formas de exploração e ma-nejo sustentável dos agroecossistemas. Comodiz Altieri, sob a perspectiva da produção, a sus-tentabilidade somente poderá ser alcançada "nocontexto de uma organização social que prote-ja a integridade dos recursos naturais e esti-mule a interação harmônica entre os seres hu-manos, o agroecossistema e o ambiente", en-trando a Agroecologia como suporte e com "asferramentas metodológicas necessár ias paraque a participação da comunidade venha a setornar a força geradora dos objetivos e ativida-des dos projetos de desenvolvimento [rural sus-tentável]". Citando a Chambers (1983), lembraque, assim, espera-se que os agricultores e cam-poneses se transformem nos "arquitetos e ato-res de seu próprio desenvolvimento" (ALTIERI,2001, p. 21), condição indispensável para o avan-ço do empoderamento dos agricu ltores e comu-nidades rurais como protagonistas e decisoresdos rumos dos processos de mudança social.Nesse sentido, deve-se privilegiar o estabele-cimento de plataformas de negociação nasquais os atores locais possam expressar seusinteresses e necessidades em pé de igualdadecom outros atores envolvidos. A dimensão polí-t ica diz respeito, pois, aos métodos e estratégi-as part icipativas capazes de assegurar o res-gate da auto-estima e o pleno exercício da ci-dadania.

3 .6 Di me nsão é t i c a

A dimensão ética da sustentabilidade se re-laciona diretamente com a solidariedade intrae intergeracional e com novas responsabilida-des dos indivíduos com respeito à preservaçãodo meio ambiente. Todavia, como sabemos, acrise em que estamos imersos é uma crise so-cioambiental, até porque a história da nature-za não é apenas ecológica, mas também soci-al. Portanto, qualquer novo contrato ecológico de-verá vir acompanhado do respectivo contrato so-cial. Tais contratos, que estabelecerão a dimen-são ética da sustentabilidade, terão que tomar

como ponto de partida uma profunda crít ica so-bre as bases epistemológicas que deram sus-tentação ao surgimento desta crise. Neste sen-t ido, precisamos ter clareza de que o que estáverdadeiramente em risco não é propriamen-te a natureza, mas a vida sobre o Planeta, de-vido à forma como nos utilizamos e destruímosos recursos naturais. Sendo assim, a dimen-são ética a que nos referimos exige pensar efazer viável a adoção de novos valores, que nãonecessariamente serão homogêneos. Para al-guns dos povos do Norte rico e opulento, porexemplo, a ética da sustentabilidade tem a vercom a necessidade de redução do sobreconsu-

mo, da hiperpolu ição, da abundante produçãode l ixo e de todo o t ipo de con tam inaçãoambiental gerado pelo seu estilo de vida e derelação com o meio ambiente. Para nós, do Sul,provavelmente a ênfase deva ser em questõescomo o resgate da cidadania e da dignidadehumana, a luta contra a miséria e a fome ou aeliminação da pobreza e suas conseqüênciassobre o meio ambiente. Ademais, como lem-bra Leff (2001: 93), "a ética ambiental vinculaa conservação da diversidade biológica do pla-neta com respeito à heterogeneidade étnica ecultural da espécie humana. Ambos os princí-pios se conjugam no objetivo de preservar osrecursos naturais e envolver as comunidadesna gestão de seu ambiente". Assim, a dimen-são ética da sustentabilidade requer o fortale-cimento de princípios e valores que expressema solidariedade sincrônica (entre as gerações

"... dentro da perspectiva da

Agroecologia - deve-se considerar

a necessidade de que as interven-

ções sejam respeitosas para com a

cultura local ..."

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atuais) e a solidariedade diacrônica (entre asatuais e futuras gerações). Trata-se, então, deuma ética da solidariedade (RIECHMANN, 1997)que restabelece o sentido de fraternidade nasrelações entre os homens. Na esteira dessa di-mensão, a busca de segurança alimentar in-clu i a necessidade de alimentos limpos e sau-dáveis para todos e, portanto, minimiza a im-portância de certas estratégias de produção or-gânica dir igida pelo mercado e acessível ape-nas a uma pequena parcela da população. Igual-mente, esta dimensão deve tratar do direito aoacesso equânime aos recursos naturais, à ter-ra para o trabalho e a todos os bens necessári-os para uma vida digna. Em suma, quando seaborda o tema da sustentabilidade, a dimen-são ética se apresenta numa elevada hierar-quia, uma vez que de sua consideração pode-mos afetar os objetivos e resultados esperadosnas dimensões de primeiro e segundo nível.

4 Considerações finaisComo vimos, a Agroecologia proporciona

as bases cien t íficas e metodológicas para apromoção de est i los de agricultura sustentá-vel (perspect iva mu l t idimensional ), levan -do-se em con ta o objet ivo de produ zir qu an-t idades adequ adas de al imen tos de elevadaqu al idade biológica para toda a sociedade.Apesar de seu vín cu lo m ais est r ei t o comaspectos técn ico-agronômicos (tem su a or i -gem na agr icu l tu ra, enqu anto at ividade pro-du t iva), essa ciência se nu t re de diversasd i sci p l i n as e avan ça par a esfer as m ai samplas de anál ise, ju stamen te por possu iru ma base epistemológica qu e reconhece aexist ên cia de u m a r elação est r u t u r al dein terdependência en t re o sistema social eo sistema ecológico (a cu l tu ra dos homensem co-evolu ção com o meio ambien te).

Assim , a t ítu lo de considerações finais,qu eremos destacar qu e: a) há consenso dequ e o atu al modelo de desenvolvimen to ru -

ral e de agr icu l tu ra convencional é insu s-ten tável no tempo, dada su a grande depen-dência de recu rsos não renováveis e l im i-tados. Ademais, este modelo tem sido res-ponsável por crescen tes danos ambien taise pelo au mento das di ferenças sócio-econô-m icas no meio ru ral ; b) a par disso, está emcu rso u ma mu dança de paradigma na qu alapar ece com dest aqu e a n ecessidade debu scar -se est i los de desenvolvimen to ru rale de agr icu l tu ra qu e assegu rem maior su s-ten tabi l idade ecológica e eqü idade social ; c)a noção de su sten tabi l idade tem dado lu garao su rgimen to de u ma sér ie de cor ren tesdo desenvolvimen to ru ral su sten tável , en -t re as qu ais destacamos aqu elas al inhadascom a perspect iva ecotecnocrát ica e aqu e-l as qu e vêm se or i en t an do pel as basesep i st em ol ógi cas da Agr oecol ogi a, n u m aper spect iva ecossocial ; e d) a const r u çãodeste processo de mu dança tem impu lsio-nado u ma t ransição agroambien tal , qu e sem at er ial iza pelo est abelecim en t o de di fe-ren tes est i los de agr icu l tu ras ecológica ouorgân ica, en t re ou t ras denominações, ade-mais de novos en foqu es de desenvolvimen-to local ou regional qu e levam em con ta asreal idades dos dist in tos agroecossistemas.

Não obstan te, observa-se qu e os di feren -tes en foqu es concei tu ais e operat ivos, qu evêm sendo adotados pelas dist in tas cor ren -tes da su sten tabi l idade, estão levando a u mafastamen to cada vez mais eviden te en t reas posições por elas assu midas na perspec-t iva do desenvolvimen to ru ral su sten tável .De u m lado, a cor ren te agroecológica su ge-re a massi ficação dos processos de manejoe desenho de agroecossistemas su sten tá-vei s , n u m a p er sp ec t i va d e an á l i sesistêm ica e mu lt idimensional . Ou t ras cor -ren tes, por su a vez, se or ien tam, pr incipal-men te, pela bu sca de mercados de n icho,cen t rando su a atenção na su bst i tu ição deinsu mos qu ím icos de sín tese por insu mos

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or gân icos ou ecológicos, r est r in gin do-se,por tan to, aos dois pr imeiros n íveis da t ran -sição. Como evidência das pr incipais di fe-renças de en foqu e en t re as cor ren tes, des-tacamos os dois aspectos a segu ir :

• Enquanto a corrente agroecológica defen-de uma agr icu ltu ra de base ecológica que sejust ifique pelos seus mér itos intr ínsecos aoincorporar sempre a idéia de just iça social eproteção ambiental, independentemente dorótu lo comercial do produto que gera ou do ni-cho de mercado que venha a conqu istar , ou-tras propõem uma "agr icu ltu ra ecologizada",que se or ienta exclusivamente pelo mercadoe pela expectat iva de um prêmio econômicoque possa ser alcançado num determinadoperíodo histór ico, o que não garante sua sus-tentabilidade no médio e longo prazos, porque,no limite teór ico, uma agr icu ltu ra ecologizadamundialmente não guardar ia espaço para umdiferencial de preços pela característ ica eco-lógica ou orgânica de seus produtos.

• Enquanto a corrente agroecológica susten-ta a necessidade de que sejam construídos pro-cessos de desenvolvimento rural e agricu ltu-ras sustentáveis que levem em conta a buscado equilíbr io entre as seis dimensões da sus-tentabilidade, outras correntes, por estaremorientadas principalmente pela expectativa degan h os econ ôm icos in d ividu ais, acabamminimizando certos compromissos éticos e so-cioambientais. Sob a perspectiva de uma agri-cultura ecologizada e desprovida destes compro-missos, podemos até supor que venha a exist iruma monocultura orgânica de larga escala, ba-seada em mão-de-obra assalariada, mal remu-nerada e movida a chicote. Essa monocultura eco-lógica poderá até atender aos anseios e capri-chos de um consumidor informado sobre asbenesses de consumir produtos agrícolas "lim-pos", "or gân i cos", i sen t os de r esídu oscontaminantes. No entanto, o grau de informa-ção ou de esclarecimento de dito consumidortalvez não lhe permita identificar ou ter conhe-

cimentos das condições sociais em que o de-nominado produto orgânico foi ou vem sendo pro-duzido; talvez, nem mesmo lhe interesse sa-ber. Neste caso, no limite teórico e sob a consi-deração ética acima mencionada, nenhum pro-duto será verdadeiramente "ecológico" se a suaprodução estiver sendo realizada às custas daexploração da mão-de-obra. Ou, ainda, quandoo não uso de certos insumos (para atender con-venções de mercado) estiver sendo "compen-sado" por novas formas de esgotamento do soloou de degradação dos recursos naturais.

Finalmente, temos consciência de que osdesafios para fazermos avançar o en foqu eagroecológico, numa perspect iva de agricultu-ra e desenvolvimento rural sustentáveis, aindasão muito grandes e complexos, mas não são,em absolu to, in t ransponíveis. Sua superaçãodepende, pr imeira e pr incipalmente, da nos-sa própr ia capacidade de diálogo e de apren-dizagem colet iva, assim como do reconheci-mento de que a sustentabilidade encerra nãoapenas abstrações teór icas e perspect ivas fu -tu r istas, mas também elementos prát icos quedevem ser adot ados em n osso cot id ian o.Soma-se a isso o fato de que mu itos dos jácomprovados impactos negat ivos causadospela agricultura química ainda não penetraramna opin ião pública na intensidade necessá-r ia, retardando o debate e a possível tomadade consciência da sociedade, no sent ido deapoiar a construção de processos de desen-volvimento ru ral e de est i los de agr icu ltu ramais ajustados à noção de sustentabil idade.Destaque-se ainda que a socialização de co-nhecimentos e saberes agroecológicos entreagr icu ltores, pesqu isadores, estudantes, ex-tensionistas, professores, polít icos e técnicosem geral - respeitadas as especificidades desuas áreas de atuação -, é, e segu irá sendo,uma tarefa imperat iva neste início de milê-n io. Se isto é verdadeiro, todos nós temos odever - e também o direito - de trabalharmospela ampliação das oportunidades de constru-

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ção de saberes socioambientais necessár iospara consolidar um novo paradigma de desen-volvimento ru ral, que considere as seis di-mensões (ecológica, social, econômica, cu l-tu ral, polít ica e ét ica) da sustentabi l idade.Como enfoque cient ífico e estratégico de ca-ráter mu lt idiscipl inar , a Agroecologia apre-senta a potencialidade para fazer florescer no-vos est i los de agr icu ltu ra e processos de de-senvolvimento ru ral sustentáveis que garan-t am a m áx i m a p r eser vação am b i en t al ,enfat izando pr incípios ét icos de solidar ieda-de sincrônica e diacrônica.

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Notas1Entre outros importantes estudiosos que têm

prestado inestimável apoio na construção coletiva daAgroecologia a partir de diferentes campos doconhecimento, ver tambémAltieri (1989; 1992; 1994;1995; 2001), Gliessman (1990; 1995; 1997; 2000),Pretty (1995; 1996), Conway(1997), ConwayeBarbier(1990a; 1990b), GonzálezdeMolina (1992), SevillaGuzmán y González de Molina (1993), Carroll,Vandermeer & Rosset (1990), Leff (1994), Toledo(1990; 1991; 1993), Guzmán Casado, GonzálezdeMolina y Sevilla Guzmán (2000), Sevilla Guzmán(1990, 1995a, 1995b, 1997, 1999), MartínezAlier(1994), MartínezAlier ySchlüpmann (1992).

2Como temostentado ressaltar em outroslugares

(Caporal, 1998; Costabeber, 1998; Caporal eCostabeber, 2000a; 2000b; 2001), o processo deecologização da agricultura não necessariamenteseguirá uma trajetória linear, podendo seguir distintasvias, mais próximas ou alinhadas com a correnteecotecnocráticaoucomacorrenteecossocial, havendodiferençasfundamentaisentre aspremissasou basesteóricasque sustentam cada uma dessascorrentes. Esão essasdiferençasquemarcam osespaçosdeação

e de articulação dos distintos atores sociaiscomprometidoscom uma ou com outra perspectiva.

3Em recenteartigo em queanalisam a evolução e

dificuldades da "produção biológica" em Portugal,Cristóvão et al. (2001) apontam que o produtorbiológico "médio"apresenta perfil distinto do produtorconvencional médio, "em termos de idade, nível deescolaridade e formação profissional, sendo suasexplorações dominantemente médias a grandes eestritamente ligadas ao mercado". Por sua vez, osconsumidores de produtos biológicos formam "umnicho ainda restrito, constituído por elementos commaior poder decompra, maisinformadosecom maisconsciência emmatéria desaúdehumana eambiente".

4Se entendermos o Desenvolvimento Rural

Sustentável como uma melhoria crescentedestasseisdimensões, então será mais fácil estabelecer asestratégiasnecessáriaspara caminhar-se na direçãoda sustentabilidade. Não obstante, o maior desafioresideno estabelecimento de indicadorescapazesdemostrar avanços e/ ou retrocessos nos níveis desustentabilidadedosagroecossistemas, segundo suascondiçõesreaisespecíficas.

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1. AgroecologiaeDesenvolvimentoRural Sustentável éumapublicação daEMATER/RS, destinadaàdivulgação detrabalhos de agricultores, extensionistas, professores,pesquisadoreseoutrosprofissionaisdedicadosaostemascentraisdeinteressedaRevista.

2. AgroecologiaeDesenvolvimentoRural Sustentável éumperiódicodepublicação trimestral quetemcomopúblicoreferencial todasaquelaspessoasqueestão empenhadasnaconstruçãodaAgriculturaedoDesenvolvimentoRuralSustentáveis.

3. AgroecologiaeDesenvolvimentoRuralSustentávelpublicaartigoscientíficos, resultadosdepesquisa, estudosdecaso,resenhasdeteseselivros, assimcomoexperiênciaserelatosdetrabalhosorientadospelosprincípiosdaAgroecologia.Alémdisso, aceitaartigoscomenfoquesteóricose/oupráticosnos campos do Desenvolvimento Rural Sustentável e daAgriculturaSustentável, estaentendidacomo todaformaou estilo de agricultura de base ecológica,independentementedaorientação teóricasobreaqual seassenta. Comonãopoderiadeixardeser, aRevistadedicaespecial interesse à Agricultura Familiar, que constitui opúblicoexclusivodaExtensãoRuralgaúcha. Nestesentido,são aceitos para publicação artigos e textos que tratemteoricamenteestetemae/ouabordemestratégiasepráticasquepromovamofortalecimentodaAgriculturaFamiliar.

4. Osartigose textosdevemser enviadosempapel e emdisquete à Biblioteca da EMATER/RS (A/C MariléaFabião Borralho, RuaBotafogo, 1051 – Bairro MeninoDeus– CEP90150-053 – PortoAlegre– RS) ouporcorreioeletrônico ([email protected]) atéoúltimodiadosmesesdemarço, junho, setembroedezembrodecadaano. Ademais, devemseracompanhadosdecartaautorizando sua publicação na Revista Agroecologia eDesenvolvimento Rural Sustentável, devendo constar oendereçocompletodoautor.

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9. Os artigos devemseguir as normas da ABNT (NBR6022/2000). Recomenda-se que sejam inseridas nocorpodotextotodasascitaçõesbibliográficas, destacando,entreparênteses, osobrenomedoautor, anodepublicaçãoe, se for o caso, o número da página citada ou letrasminúsculasquandohouvermaisdeumacitaçãodomesmoautoreano. Exemplos: ComojámencionouSilva(1999,p.42); como jámencionouSouza(1999 a,b); ou, nofinal dacitação, usando (Silva, 1999, p.42).

10. Asfontesconsultadasdevemconstar no fimdo texto,nas Referências Bibliográficas, seguindo as normas daABNT(NBR6023/2000).

11. Sobreaestruturadosartigostécnico-científicos:a) Título do artigo: emnegrito ecentrado;b) Nome(s) do(s) autor(es): iniciando pelo(s)

sobrenome(s), acompanhado(s) denotaderodapéonde conste: profissão, titulação, atividadeprofissional, local detrabalho, endereço eE-mail;

c) Resumo: no máximo em10 linhas;d) Corpo do trabalho: devecontemplar, no mínimo,

4 (quatro) tópicos, a saber: introdução,desenvolvimento, conclusões e referênciasbibliográficas. Poderão ainda constar listas dequadros, tabelasefiguras, relaçãodeabreviaturaseoutros itens julgados importantes para o melhorentendimento do texto.

NNNNNORMASPARA PPPPPUBLICAÇÃO

86Agroecol. eDesenv. Rur. Sustent., Porto Alegre, v.3, n.3, Jul/Set 2002

VILAIN, Lionel. Lam ét h od e I DEA:i n d i ca t eu r s d ed u r a b i l i t é d ese x p l o t a t i o n sa g r i co l es: gu ided'utilisation: Dijon:Educagr i édi t ions,2000.

Publicado em 2000, este guia propõe umametodologia para a avaliação da sustentabili-dade em explorações agrícolas. O método IDEA(Indicadores de Sustentabilidade das Explora-ções Agrícolas), segundo o autor, "não é univer-sal, nem imutável", mas possibilita uma aborda-gem objetiva na avaliação da sustentabilidadeem agroecossistemas. O livro consta de duaspartes. A primeira é um guia de utilização dométodo e nela o autor define a noção de sus-tentabilidade em três dimensões (econômica,ecológica e social) e propõe um conjunto de in-dicadores de sustentabilidade. Conforme o au-tor, essas três dimensões são inseparáveis naanálise da sustentabilidade. "A atividade econô-mica só é ecologicamente sustentável se: mantero estoque de recursos naturais não renováveis;gerar um fluxo de poluição nulo ou próximo dezero; e o uso dos recursos renováveis não exce-da a sua capacidade de renovação". Quanto àeqüidade social, o autor cita que não existemvalores precisos cientificamente para a medida,mas cita a solidariedade, a cidadania e a quali-dade de vida, que devem ser definidas localmen-te. Ainda, em uma perspectiva de desenvolvimen-to agrícola e rural sustentável, a rentabilidadeeconômica de um sistema de produção não podeocorrer a custosecológicose sociais inaceitáveis.O método propõe um conjunto de Indicadoresde Sustentabilidade que possibilite uma avalia-ção da performance global de sistemas agríco-las em três escalas: agroecológica, sócio-

territorial e econômica. O objetivo é dar visibili-dade pública da situação relativa da sustentabi-lidade do sistema, através de medidas pertinen-tes, sensíveis e confiáveis, bem como ser de fácilentendimento tanto por técnicos como por agri-cultores. Na escala agroecológica são definidostrês componentes (práticas agrícolas, organiza-ção do espaço e diversidade), avaliados atravésde 17 indicadores. Na escala sócio-territorial sãodefinidos três componentes (ética e desenvolvi-mento humano, emprego e serviçose qualidadedos produtos), avaliados por 15 indicadores. Naescala econômica são definidos 4 componentes(eficiência, transmissibilidade, autonomia e via-bilidade), avaliados por 7 indicadores de sus-tentabilidade. Cada um dos 39 indicadores desustentabilidade é operacionalizado, individual-mente, com o seguinte detalhamento: modali-dade de determinação (escala de valores quedefine o que é maisou menossustentável), valormáximo para o indicador, objetivos, argumenta-ção (justificativa e relação com os princípios dasustentabilidade), dados sobre a precisão doindicador e um exemplo prático. As escalas sãoavaliadas de forma independente e não cumu-lativa. Os princípios gerais do método são base-adosna avaliação quantitativa daspráticasagrí-colas julgadas favoráveis para o meio ambientee desenvolvimento social. Na segunda parte dolivro, são apresentadosquadrospor componentede cada escala de sustentabilidade avaliada, oque permite, ao usuário do método, sistemati-zar as informações e obter índices de sustenta-bilidade por escala e um global do sistema ana-lisado. Ainda que alguns dos parâmetros defini-dos pelo autor possam ser contestados ou con-siderados inadequados para a avaliação de al-guns sistemas agrícolas, o método abrange amaioria dos processos presentes nas explora-ções agrícolas. Nesse sentido, já no início do li-vro o autor alerta para o fato de que o métodonão é definitivo, o que abre uma janela para asua adequação ou adaptação a diferentes sis-

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temas. Em nosso ponto de vista, a maior virtudedeste guia é permitir algumas reflexões sobre aavaliação da sustentabilidade em agroecossis-temas de forma objetiva, com uma representa-ção numérica de valores agregados, o que pos-sibilita um fácil entendimento aosatoresenvolvi-dos nos processos de desenvolvimento rural. Arepresentação gráfica dosresultados facilita, ain-da mais, a visualização dos fatores favoráveis edesfavoráveis para que o sistema analisado ca-minhe para um contexto de maior sustentabili-dade. Além disso, a apresentação do livro, comuma seqüência bem organizada, aliada a gráfi-cos, tabelas e exemplos, transforma este guianum instrumento de grande utilidade para quempretende se aventurar na difícil tarefa da avalia-ção da sustentabilidade em diferentes explora-ções agrícolas, com vistas a obter algunsparâmetros objetivos para tomada de decisõesreferentes a intervenções em agroecossistemas.

Resenha elaborada por Lino Geraldo VargasMoura, En-

genheiro Agrônomo, Mestre em Desenvolvimento Rural,

Extensionista Rural da EMATER/ RS. E- mai l :

[email protected] (Acervo da Biblioteca da EMATER/

RS-ASCAR, classificação: 631.588.9 M592)

DIAMOND, Jared.Armas, germes e aço:osdestinosdassocieda-deshumanas. Rio de Ja-neiro: Record, 2001.472 p.

Por que as socieda-des se desenvolveramde maneira tão diferen-te entre oscontinentes?Por que os povos euro-peus e asiáticos con-

quistaram e dizimaram oshabitantesnativosdasAméricas (assim como ocorreu nos continentesafricano e australiano) e não aconteceu o in-verso? Quais as origens da distribuição tãodesigual das riquezas e do poder em diferentes

lugares do mundo? Essas perguntas são o fio con-dutor do fascinante livro de Jared Diamond. Paraalém das causas mais imediatas e evitando expli-cações simplistas, o autor entrelaça a origem eevolução do homem, o surgimento da agricultu-ra, dos impérios, das cleptocracias, da escrita edas tecnologias que conformaram o desenvolvi-mento tecnológico, incluindo as armas, com asdiferenças geográficas e ecológicas entre conti-nentes que abrigaram as respectivas populações.Com estilo fluente e de leitura agradável, o autormostra, com riqueza de exemplos, como osurgimento da agricultura representou um passodecisivo para a história da tecnologia, influenci-ando a produção de armas, a difusão de micró-bios a partir da domesticação de animais e, emalguns casos, a própria invenção da escrita, pos-sibilitando o surgimento de organizações políti-cas central izadas e o aprofundamento dasdisparidades intercontinentais.

O livro está dividido em quatro partes. A pri-meira trata de uma breve viagem da evolução daespécie humana até a última Era Glacial, cerca de13.000 anos atrás, mostrando que as sociedadeshumanas evoluíram diferentemente desde as suaorigens, adotando estratégias diferenciadas deadaptação às condições ecológicas e geográficasem que viviam, resultando em formas variadas deorganização social, das quais as tribos caçado-ras-coletoras e a formação de impérios centrali-zados são exemplos. O autor dedica um capítulopara ilustrar o confronto entre povos de diferen-tescontinentes, descrevendo o papel da tecnologia(armas e navios), dos animais (cavalos) e dos ger-mes na conquista européia das sociedades nati-vas do continente americano. Merece destaque orelato, baseado em fontes históricas da época emque os acontecimentos sucederam, da dramáticacaptura de Ataualpa, último imperador indepen-dente dos incas, na presença de todo o seu exér-cito, por Francisco Pizarro.

A segunda parte do livro aborda o surgimentoe a expansão da produção de alimentos a partirda análise das razões que levaram os povos dos

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diferentes continentes a optar, ou não, em diferen-tes ritmos, pela domesticação de plantas ou de ani-mais. Fica evidenciado o papel fundamental do co-nhecimento acumulado pelos povos nativos nadomesticação e evolução de espécies que constitu-em atualmente a base alimentar da humanidade.

Ao estabelecer as conexões das causas origi-nais com as causas imediatas (parte 3) que leva-ram ao triunfo de Pizarro, Diamond oferece umaexplicação para a "troca desigual de germes", ra-zão pela qual "muito mais nativos americanos eoutros povos não-eurasianos foram mortos pelosgermes eurasianos do que por suas armas". AAmérica do Norte, por exemplo, possuía uma po-pulação estimada em vinte milhões de nativos an-tes da chegada de Colombo. Essa população foireduzida drasticamente, em 95%, nos dois séculosseguintes, em grande parte pela difusão das de-nominadas doenças de multidão (típicas de popu-lações humanas mais densas), às vezes dissemi-nadas de forma deliberada, como no caso em queos homens brancos dos Estados Unidos enviaram"de presente" aos nativos rebeldes cobertores an-tes usados por doentes com varíola.

Mais do que fatores isolados, Diamond refere-se a uma constelação de causas fundamentais,desencadeadas pela produção de alimentos, en-tre as quais destaca-se a invenção da escrita, aqual caminhou, junto com as armas, os micróbiose a organização política, como um agente moder-no de conquista. A produção de alimentos tam-bém foi decisiva na história da tecnologia. O argu-mento baseado na "teoria heróica da invenção"(que atr ibu i todo o peso das conquistastecnológicas a atos isolados de gênios inventores),é desmistificado pelo autor, ao descrever exemplosde como "inventos" famosos negligenciaram a con-tribuição de muitos precursores, várias vezes ba-seada em inúmeras tentativas e erros. Ao analisaro que faz uma sociedade aceitar ou não um inven-to e como surgiram asdiferençasde aceitação entreas sociedades, o autor destaca o papel das dife-renças ambientais e variações geográficas na his-tória e na difusão da tecnologia e conclui que "não

é verdade que existam continentes cujas socie-dades tenderam a ser inovadoras e continen-tes cujas sociedades tenderam a ser conserva-doras. Em qualquer época, em qualquer conti-nente, existem sociedades inovadoras e socie-dades conservadoras. Além disso, areceptividade à inovação varia com o tempona mesma região".

Na quarta parte do livro, Jared Diamond exa-mina oscasosmaisrepresentativosdasdesigual-dades intercontinentais, à luz da "cadeia de cau-sas" apresentadas em capítulos anteriores do li-vro. Entre estes casos, analisa em detalhe asparticularidades (semelhanças e contrastes) quemoldaram as diferenças entre as sociedades daAustrália e de Nova Guiné, assim como da Áfricae do continente americano. O estudo das diver-sas sociedades mostra que a criatividade huma-na é um atributo universal. A diversidade resultaantesde um processo histórico, em cujasorigensestá a interação com osdiferentesambientes, doque de supostas diferenças de ordem biológicaou de superioridade ou inferioridade intelectual(como sustentam preconceitos raciais), entre po-vos de diferentes continentes.

Armas, germese aço: osdestinosdassocieda-des humanas é um livro instigante, que abordaum campo de conhecimento muito amplo, noqual questões de etnobiologia, antropologiacultural, história da tecnologia e outras apare-cem entremeadas, como fios de uma mesmatrama, fazendo da obra "um dos mais impor-tantes trabalhos sobre o passado humano pu-blicados nos últimos anos", como afirmou a Re-vista Nature. Trata-se de um trabalho extrema-mente rico, não apenas pela robustez das in-formações que reúne, mas principalmente pe-las perguntas que propõe e pelas reflexões queas respostas suscitam.

Resenha elaborada pelo Engenheiro Agrônomo

Gervásio Paulus. E-mail: [email protected]

(Acervo da Biblioteca da EMATER/ RS-ASCAR: classifi-

cação: 316.4 D537a)

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SILVESTRO, Mi l tonLuiz; MELLO, Márcio An-tonio de; DORIGON, Clo-vis; BALDISSERA, IvanTadeu; ABRAMO VAY,Ricardo. Os impassessocia is da sucessão he-red itária na Agricultu-ra Fa mi l i a r. Brasília:EPAGRI/ N EAD, 2001 .122p.

O estudo foi feito na região oeste de SantaCatarina, em dez municípios, envolvendo famíliade agricultores (pais, filhos e filhas). Os resulta-dos mostraram que, em 12%dos estabelecimen-tos, não há presença permanente de jovens napropriedade e que, em outros 17%, existe ape-nas um filho (rapaz ou moça) residindo com ospais. Esses dados indicam que, mantida essa ten-dência, o processo de sucessão e a reproduçãoda agricultura desenvolvida nas pequenas uni-dades estão visivelmente comprometidos. O tra-balho também mostra a difícil situação em quese encontra a agricultura familiar. Os agriculto-res "descapitalizados" correspondem a 42% dosestabelecimentos agrícolas do oeste catarinense.Neste grupo, estão enquadrados os estabeleci-mentos que proporcionaram um valor agrega-do menor que um salário mínimo por mês porpessoa ocupada, renda essa considerada insu-ficiente para atender as necessidades do agri-cultor e sua família e da própria atividade. Ou-tro resultado a se ressaltar é que 69% dos rapa-zesentrevistados - masuma quantidade bem me-nor de moças, somente 32% delas - manifesta-ram o desejo de organizar suas vidas profissio-nais na agricultura. Isso mostra a necessidadede se realizar ações que fortaleçam a agricultu-ra de pequeno porte e que essas possam gerarmelhores oportunidades para que os filhos dosagricultores possam optar pela permanência naagricultura. Mostra ainda que a sucessão here-ditária e a recuperação sócio-econômica e cul-

tural dos agricultores "descapitalizados" são ra-zões suficientes para que a sociedade, atravésde suas organizações, construa e execute açõesque possibilitem oportunidades de trabalho nomeio rural.

Resenha elaborada por Valmir Dartora, Engenheiro Agrô-

nomo, Mestre em Agroecossistemas e Extensionista Rural

da EMATER/ RS.

(Acervo da Biblioteca da Emater/ RS- ASCAR. Classifica-

ção: 63:301.185.14 J34)