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Revista do Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco CBHSF | Nº 08 | MAI 2016 ISSN 2316-7661

Revista Chico nº 08

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Revista do Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco CBHSF | Nº 08 | mai 2016

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Revista do Comitê da Bacia Hidrográfica do

Rio São FranciscoCBHSF | Nº 08 | MAI 2016

ISSN 2316-7661

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Por do sol sobre o trecho do Velho Chico que banha a cidade baiana de Xique-Xique. O barquinho é símbolo do comércio fluvial que ainda sobrevive, num leva-e-traz de mercadorias e passageiros entre as cidades ribeirinhas da região.

Foto: André Frutuoso

Revista ChicoPublicação semestral do Comitê da

Bacia Hidrográfica do Rio São FranciscoNº 08 | MAI 2016

ISSN 2316-7661

Comitê da Bacia Hidrográfica do

Rio São FranciscoPresidente

Anivaldo de Miranda Pinto

Vice-PresidenteWagner Soares Costa

SecretárioJosé Maciel Nunes de Oliveira

Coordenador da CCR do AltoMárcio Tadeu Pedrosa

Coordenador da CCR do MédioCláudio Pereira da Silva

Coordenador da CCR do SubmédioManoel Uilton dos Santos (Tuxá)

Coordenador da CCR do Baixo Melchior Carlos do Nascimento

Produzido pela Yayá Comunicação

Integrada

Coordenação geralMalu Follador

Coordenação editorial e edição de texto

José Antônio Moreno

ReportagemAndré SantanaDelane Barros

Fred BurgosJosé Antônio Moreno

Joyce de SousaRicardo Follador

Wilton Mercês

ArtigosGeorge Olavo

IlustraçãoRodolfo Carvalho

Elena Landinez

FotografiaAndré Frutuoso

João ZinclairTiago Sampaio

Regina LimaDiego Macena

Ivan Cruz

RevisãoRita Canário

Projeto gráfico, editoração e

ilustração da capaJorge Martins

ImpressãoGráfica Santa Bárbara

As carrancas continuam indignadas com o que acontece com o rio São Francisco. As-sim, elas voltam a ser o mote de mais uma campanha pelo Dia Nacional em Defesa do

Velho Chico. Organizada pelo Comitê da Bacia Hidro-gráfica do Rio São Francisco, a campanha entra em sua terceira edição mobilizando os mais variados seg-mentos sociais para a importância do envolvimento de todos na recuperação do rio, seus afluentes e os varia-dos recursos naturais que fazem a beleza da bacia. A revista explica como será a campanha deste ano, que mantém o slogan “Eu Viro Carranca para Defender o Velho Chico”, promovendo o diálogo da carranca com diversas linguagens artísticas. Outro tema igualmente importante diz respeito às bar-ragens de rejeitos de mineração e resíduos industriais existentes na bacia do rio São Francisco. A preocupa-ção se fez mais concreta desde que, no ano passado, a mineradora Samarco, em Minas Gerais, causou o mais grave acidente ambiental do País, gerando um cenário de destruição e mortes. Seria diferente se algo assim acontecesse no território do Velho Chico? Ainda como destaque, esta edição traz uma matéria sobre os bastidores do I Simpósio da Bacia do São Francisco, uma iniciativa do CBHSF e seus vários par-ceiros que procura revelar o que a Academia tem feito e/ou planeja fazer quanto ao estudo de questões rela-cionadas com o Velho Chico. Previsto para o mês de ju-nho, o evento reunirá em Petrolina (PE) e Juazeiro (BA) professores e pesquisadores de todas as universidades públicas e privadas do território são-franciscano. Outro assunto abordado pela Chico é a experiência bem-sucedida de trabalhadores rurais do Sertão per-nambucano. Liderados por uma entidade ligada ao Assentamento Mandacaru, localizado próximo a Petro-lina, eles desenvolveram um projeto de agroecologia que preza não só pela qualidade orgânica dos alimen-tos produzidos (entre frutas, verduras e hortaliças), mas também pela sustentabilidade dos moradores locais, preocupando-se com economia doméstica, tra-balho, renda e, sobretudo, com a autoestima de toda a comunidade. Boa leitura!

Carrancas protestam com arte

Agencia de Bacia AGB PEIXE VIVO

Diretora-geral Célia Maria Brandão Fróes

Diretora de Integração Ana Cristina da Silveira

Diretor Técnico Alberto Simon Schvartzman

Diretora de Administração e Finanças

Berenice Coutinho Malheiros dos Santos

Esta revista é um produto do Programa de Comunicação do CBHSF Contrato nº 07/2012 - Contrato de Gestão nº

014/ANA/2010 - Ato Convocatório nº 043/2011.Direitos reservados. Permitido o uso das informações,

desde que citando a fonte.

CÂMARA CONSULTIVA REGIONALBAIXO SÃO FRANCISCO

CÂMARA CONSULTIVA REGIONALALTO SÃO FRANCISCO

CÂMARA CONSULTIVA REGIONALMÉDIO SÃO FRANCISCO

CÂMARA CONSULTIVA REGIONALSUBMÉDIO SÃO FRANCISCO

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Sumário

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RIO DA INTEGRAÇÃO ACADÊMICA

SANEAMENTO: DE COSTAS PARA O RIO

LAPÃO: CIDADE AMEAÇADA

SINAL DE ALERTA: BARRAGENS

A ARTE DE VIRAR CARRANCA

CONFLITOS: QUESTÃO DE BOM SENSO

OLIMPÍADAS FRANCISCANAS

NA ROTA

ECOLOGICAMENTE CORRETAS

SERES DO SÃO FRANCISCO: PIRANHA

ENTREVISTA:ANIVALDOMIRANDA

ALMANAQUE:CANINDÉ DE SÃO FRANCISCO

ENSAIO: DEVOÇÃOÀS ALMAS

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Entre as instituições de ensino superior brasileiras, há trabalhos considerados muito ricos, tanto em universidades públicas quanto privadas, em praticamente todos os estados da bacia, além do Distrito Federal.

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Não há ainda, oficialmente, registros de qual teria sido a primeira pesquisa aca-dêmica feita por brasileiros sobre o São Francisco, desde a sua descoberta, em

1501, pelo desbravador genovês Américo Vespú-cio. Sabe-se, entretanto, que dentre os primeiros estudos para seu aproveitamento destacam-se, pela abrangência e pelo rigor técnico, dois tra-balhos elaborados durante o Império,em 1852 e 1855, respectivamente, pelos engenheiros Emma-nuel Liais (francês) e Henrique Halfeld (alemão). Contratadas pelo Imperador Dom Pedro II e pelo Governo Imperial, ambas as pesquisas tinham como foco a navegação.Se, por um lado, não há informações precisas de quando os acadêmicos brasileiros passaram a se interessar pelo rio que une as regiões Su-deste e Nordeste, tampouco se sabe hoje, pre-cisamente, quantas pesquisas estão sendo re-alizadas pelas diversas universidades do País. O que não se tem dúvidas, entretanto, é quanto ao significativo volume e, sobretudo, à impor-tância do conjunto desses estudos para as de-cisões acerca do rio, abrangendo não somente questões relativas à gestão dos já escassos re-cursos hídricos da bacia, mas todos os aspec-tos socioculturais envolvidos.“Mapear esses trabalhos tão ricos para o conhe-cimento sobre a bacia hidrográfica do rio São Francisco tem sido um grande desafio, até pelas múltiplas vertentes possíveis para os estudos em diversos subtemas. Nosso objetivo agora é ten-tar envolver o máximo possível de pesquisadores nessa missão, valorizando todos os trabalhos em suas áreas”, diz a professora Yvonilde Medeiros, doutora do Departamento de Engenharia Am-biental da Universidade Federal da Bahia (Ufba). Com o tema “Avaliação dos Impactos Hidrológicos da Implantação do Hidrograma Ambiental do Bai-xo Trecho do Rio São Francisco”, a mais recente pesquisa coordenada por ela conclui, por exem-plo, que a prática da vazão mínima, adotada pelo Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS), significa, de fato, a morte para o meio ambiente. 

LABORATÓRIO NATURALOs estudos coordenados pela professora da Ufba, em parceria com a pesquisadora Andrea Fon-tes, da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB), ainda revelaram, a partir de dados comprovados, que bastaria o manejo das águas liberadas pelos barramentos para garantir a re-produção das espécies e incrementar a diversi-dade do bioma local. As informações preciosas do trabalho das pesquisadoras, que há anos têm

no Velho Chico a fonte de seus estudos, hoje já não se limitam ao universo acadêmico. Ao con-trário, as conclusões foram apresentadas oficial-mente ao Comitê da Bacia Hidrográfica do São Francisco (CBHSF) e atualmente colaboram na fundamentação de importantes posicionamentos e decisões do colegiado, que tem por finalidade realizar a gestão descentralizada e participativa dos recursos hídricos da bacia, contribuindo para o seu desenvolvimento sustentável.   Assim como as professoras Yvonilde e Andrea, milhares de pesquisadores têm encontrado no rio São Francisco um amplo laboratório para suas pesquisas. “Trata-se de um caso de estudo, cujas características naturais e problemas enfrenta-dos em decorrência das mudanças climáticas e da ação do homem extrapolam as fronteiras da bacia”, frisa Andrea Fontes. A pesquisadora cita o exemplo do Projeto Innovate, que reuniu 19 doutorandos alemães e 20 brasileiros, fruto da parceria entre a Universidade Federal de Per-nambuco (Ufpe) e o Ministério de Educação Supe-rior e Pesquisa da Alemanha. O foco do estudo: A piscicultura e a recuperação de solos degradados na região do Submédio São Francisco. Do mesmo modo, pesquisadores espanhóis firmaram con-vênio com a Companhia de Desenvolvimento do Vale do São Francisco (Codevasf) para trabalhos referentes à aquicultura no Baixio do Salitre. Entre as instituições de ensino superior brasilei-ras, há trabalhos considerados muito ricos, tanto em universidades públicas quanto privadas, em praticamente todos os estados, além do Distrito Federal. Mesmo fora da área da bacia do rio, a Universidade de São Paulo (USP) se destacava até pouco tempo atrás como a instituição que mais reunia pesquisas sobre o São Francisco. “Um re-flexo também da maior quantidade de recursos para a área, destinados a instituições do Sudeste; um cenário que vem mudando, graças à consoli-dação da qualidade dos trabalhos realizados por instituições de outras regiões, sobretudo as uni-versidades dos estados que abrangem a bacia”, frisa a professora e também coordenadora técni-co-científica do I Simpósio da Bacia Hidrográfica do São Francisco, evento que vai reunir, em junho, pesquisadores de todo o Brasil que desenvolvem trabalhos sobre o rio.

SEM “PREGAR NO DESERTO”“O que sabemos, de fato, é que há muitas pes-quisas com informações valiosas para a tomada de decisões acerca da gestão do uso da água, por exemplo, que podem estar escondidas numa bi-blioteca de uma universidade, dentre tantas es-

AQUÍFERO URUCUIA FLUXO DE ÁGUA DO AQUÍFERO PARA O RIO

O RIO DA INTEGRAÇÃO NACIONAL AGORA TAMBÉM

É O RIO DA INTEGRAÇÃO ACADÊMICA. AS PESQUISAS

SOBRE O SÃO FRANCISCO VÃO ALÉM DA DIVISA DOS CINCO ESTADOS QUE ABRANGEM SUA

BACIA HIDROGRÁFICA (MINAS GERAIS, BAHIA,

PERNAMBUCO, ALAGOAS E SERGIPE) E ALCANÇAM A PRODUÇÃO CIENTÍFICA

DE OUTRAS REGIÕES E PAÍSES, AVANÇANDO

FRONTEIRAS, AO DESPERTAR O INTERESSE DE INSTITUIÇÕES ESPANHOLAS

E ALEMÃS, POR EXEMPLO. NOS DIVERSOS SOTAQUES

DAS APRESENTAÇÕES, UM SÓ PROPÓSITO: A

PRESERVAÇÃO DO VELHO CHICO. ASSIM, O APELIDO CARINHOSO DADO PELA POPULAÇÃO RIBEIRINHA,

GRANDE PARTE SEM INSTRUÇÃO, PASSOU A SER

TRATAMENTO CADA VEZ MAIS ADOTADO, COM TODA REVERÊNCIA, POR MESTRES E DOUTORES RENOMADOS

DE IMPORTANTES UNIVERSIDADES. AGORA, POR MEIO DE UM FÓRUM

DE PESQUISADORES, ELES BUSCAM DESCOBRIR E

COMPARTILHAR VALIOSOS CONHECIMENTOS, UNIDOS PELA

CAUSA EM FAVOR DO RIO.

Rio da Integração acadêmica

TEXTO: JOYCE DE SOUSA

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Pesquisadores da Univasf: “A ciência existe para

levantar conhecimento e, a partir dele,

fazer a sociedade progredir rumo ao futuro”

palhadas pelo Brasil, daí a importância de tentarmos conhecer onde estão esses trabalhos, assim como quem está pesquisando e com que periodicidade”, completa o professor doutor Renato Garcia Rodrigues, do Núcleo de Ecologia e Monitoramento Ambiental da Universidade Federal do Vale do São Francisco (Univasf). “É por isso que a ciência existe: para levantar conhecimento e, a partir dele, fazer a sociedade progredir rumo ao futuro, e não para ficar pregando no deserto”, diz o professor. A Univasf será a anfitriã do inédito simpósio, que tem o professor Garcia Rodrigues como coordenador geral.  Para Rodrigues, a própria criação da Univasf, que iniciou as atividades aca-dêmicas em 2004, vem colaborando para a valorização da pesquisa nas instituições situadas na área abrangida pela bacia. O “Monitoramento dos efeitos da integração da bacia do rio São Francisco sobre a comunidade ve-getal no semiárido brasileiro” e a “Utilização de espécies vegetais nativas da Caatinga na contenção de taludes e cobertura vegetal em áreas degradadas no semiárido” estão entre os importantes trabalhos assinados e/ou coorde-nados pelo professor na Univasf – o segundo deles, realizado em parceria com o pesquisador José Alves de Siqueira Filho, também professor doutor atuante na mesma universidade.Sob a coordenação de Siqueira Filho, por exemplo, a pesquisa sobre a flo-ra existente na Caatinga da área de influência do Programa de Integração do São Francisco – realizada pelo Centro de Referências em Recuperação de Áreas Degradadas (Crad Caatinga) da Univasf, contando com a parce-ria de 99 pesquisadores de outras 39 instituições – acabou ganhandoo pri-meiro lugar na categoria Ciências Naturais da 55ª edição do Prêmio Jabuti (2013),considerado o mais importante na esfera editorial do País. Para o pro-fessor, o trabalho, fruto de quatro anos de estudos, é apenas uma amostra de que é possível integrar conhecimentos comuns de pesquisadores com

ações conjuntas ou mesmo feitas de modo independente, mas que podem ser compartilhadas, visando à aplicação prática de seus resultados. 

FÓRUM DE PESQUISADORESA tese da importância da radiografia acadêmica do São Francisco é hoje, oficialmente, defendida pelos pesquisadores das oito universidades dos es-tados que abrangem a bacia do rio, além do Distrito Federal. São as univer-sidades federais de Alagoas (Ufal), Brasília (UnB), Bahia (Ufba), Minas Gerais (UFMG), Pernambuco (Ufpe), Sergipe (UFS), além do Vale do São Francisco (Univasf) e do Recôncavo da Bahia (UFRB). Em cada uma delas, pelo menos um pesquisador integra o Fórum Permanente de Pesquisadores de Institui-ções de Ensino Superior da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco. Insti-tuído há menos de dois anos, o fórum é aberto e mantém-se vigilante para integrar todo e qualquer pesquisador, de qualquer estado ou país, que tenha trabalhos sobre o rio. De acordo com o professor doutor Antenor Aguiar Netto, da Universidade

ÁREAS DE ESTUDO ACADÊMICO As pesquisas sobre os aquíferos Bambuí e Urucuia – considerados essenciais para o escoamento de base do rio São Francisco, sobretudo no período de seca, entre junho e setembro – estão, atualmente, entre as principais áreas de interes-se do CBHSF. Os dois aquíferos também têm papel fundamental para as vazões que chegam ao reservatório de Sobradinho.“São estudos de grande importância no momento, diante da expansão das fron-teiras agrícolas, com exploração intensiva desordenada nessas áreas”, ressalta Anivaldo Miranda. Ele acredita que as pesquisas podem traçar um diagnóstico sobre comportamento e capacidade de suporte, além de implantar modelos para o uso sustentável dos aquíferos. Ainda segundo Miranda, o tema é tão preocu-pante que a própria ANA vem patrocinando estudos relacionados aos aquíferos, em parceria com centros de pesquisa. O presidente do Comitê ressalta que os problemas enfrentados pela bacia são hoje objeto de estudos até internacionais, inseridos nos levantamentos feitos mundialmente acerca dos impactos advindos do aquecimento global. É o caso do Projeto Innovate, desenvolvido por pesquisadores alemães. “No caso do São Francisco, os impactos diretos no reservatório de Itaparica foram o objeto do pro-jeto, com análise das questões relativas às vazões, além de estudos socioam-bientais na área de entorno do lago, incluindo levantamento das condições da população frente às adversidades de uma época de extremos climáticos”, explica Miranda.Em relação à qualidade das águas do rio, o CBHSF ainda destaca o grande inte-resse nas pesquisas permanentes relacionadas ao direcionamento da vazão. Os levantamentos realizados até então mostram que, devido à redução do fluxo na-tural da quantidade da água para atender ao setor hidroelétrico, diminui-se a ca-

pacidade de diluição da carga de poluentes, o que amplia a presença de micror-ganismos indesejáveis. Foi o que aconteceu no caso da mancha de microalgas e bactérias que apareceu entre Alagoas e Sergipe, com cerca de 35 quilômetros de extensão, em maio do ano passado. “Faz-se necessário, portanto, aprofundar os estudos nessa direção, porque seguramente não será a última vez que teremos fenômenos dessa ordem”, afirma Miranda.A salinização das águas na região da foz do rio, também por conta da redução da vazão, é outro objeto de estudo de pesquisadores, cujo acompanhamento é de grande interesse do Comitê. Neste caso, além do levantamento dos impactos sobre os lençóis subterrâneos e na saúde pública – obrigada a ingerir água com elevada concentração de sal, submetendo-se aos riscos de problemas cardiovas-culares –, o desenvolvimento de pesquisas tecnológicas que possam minorar o fenômeno estão entre as expectativas do órgão. 

REFERENDO DA CIÊNCIAMiranda ainda lista outros temas gerais que sempre interessam ao Comitê: ero-são das margens, assoreamento, degradação da vegetação, influência dos agro-tóxicos na bacia, além dos estudos sobre os biomas do Cerrado e da Caatinga, assim como sobre mudanças da matriz energética e potenciais para fontes al-ternativas, entre outros. “Agora mesmo, estamos entrando no ciclo de debates sobre as novas regras de operação dos reservatórios, que envolvem discussões complexas e que, sem o apoio da ciência, fica difícil chegar a bom termo”, diz o presidente do CBHSF, referindo-se à ideia defendida pelo Comitê para que a geração de energia hidroelétrica deixe de ter papel predominante em relação aos outros múltiplos usos. “São questões que, de forma geral, só podem ser solucio-nadas com base em conhecimentos científicos consistentes”, conclui.  

FOTOS: ASCOM/UNIVASF

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Uma possibilidade futura seria desenvolver um repositório de conhecimento sobre a bacia hidrográfica do rio São Francisco, em todas as áreas do saber.

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Federal de Sergipe (UFS), as universidades que integram o fórum já vêm fazendo o levantamento de pesquisas concluídas e em andamento. “En-tendemos, entretanto, que se trata de uma pequena amostra e que uma possibilidade futura seria desenvolver um repositório de conhecimento sobre a bacia, em todas as áreas do saber, partindo do pressuposto de que as pesquisas sobre o rio ou seus afluentes, bem como sua população e principais problemas, devem ser abundantes, mas que, por outro lado, urge a adoção de um mecanismo para organizá-las e, sobretudo, incentivá-las”, afirma o pro-fessor, que é um dos coordenadores do fórum.“A própria necessidade de criação do Fórum Permanente de Pesquisadores foi apontada a partir de uma pesquisa”. É o que explica outro integrante do fórum, o professor Melchior Carlos do Nascimento, da Universidade Federal de Alagoas (Ufal). Coordenador da Câmara Consultiva do Baixo São Francis-co, instância do CBHSF, Melchior Carlos conta que o próprio comitê e pes-quisadores despertaram para uma maior integração entres as instâncias em defesa do rio, a partir dos bons resultados alcançados pela “Campanha de Avaliação das Mudanças Socioambientais Decorrentes da Regularização das Vazões no BaixoRio São Francisco”, realizada em 2013. 

EXPEDIÇÃO CIENTÍFICAO trabalho, em caráter expedicionário, teve a participação de acadêmicos de cinco instituições, que também, à época, participavam do Comitê: além dele, pela Ufal, e do professor Antenor Aguiar (UFS), Marcos Poliano (UFMG), Avani Torres (Federal Rural de Pernambuco – UFRPE), Cássia Juliana (Ufba) e Luiz Carlos Fontes (também da UFS) integravam o grupo, que contou ainda com a participação de colaboradores da ONG Canoa de Toda.“Foram cinco dias de expedição, do Baixo São Francisco até Piranhas, fa-zendo levantamentos que foram posteriormente apresentados ao próprio Comitê, além da Agência Nacional de Águas (ANA) e ao setor hidroelétri-co, num trabalho que evidenciou o drama das populações do entorno do rio, que são dependentes do vigor de suas águas e do amor que nutrem pelo Velho Chico”, conta Melchior Nascimento. “É revoltante constatar, por exemplo, que pessoas que moram às margens do rio precisam caminhar quilômetros para encontrar água potável, por conta da política de redução da vazão que se reflete na alta concentração de sal nas águas”, lamenta.Os resultados obtidos em pouco tempo pelos pesquisadores surpreen-deram o Comitê e as instituições ligadas ao ONS. No anexo do relatório da campanha já se apresentava, à época, uma proposta de criação de um

Universidade Federal do Vale do São Francisco

será anfitriã do I SImpósio da Bacia

Hidrográfica do Rio São Francisco

SIMPÓSIO PROMOVE EXTENSÃO PRÁTICAIniciativa do Fórum Permanente de Pesquisadores da Bacia do São Francisco, o I Simpósio da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco já nasce com uma proposta inovadora: em vez da temática centrada em áreas do conhecimento, o evento parte de um recorte espacial, regional. O que significa que interessam todas as produções relativas à região e não apenas as relacionadas aos recursos s hídri-cos ou ambientais. As de âmbito socioculturais, inclusive, são muito importantes também. Outra diferença assinalada por seus organizadores é o objetivo de pro-mover uma extensão prática de resultados, para a articulação perene dos pes-quisadores, no sentido de que os trabalhos científicos possam auxiliar a gestão do uso das águas do rio, considerando sua importância para usuários e depen-dentes, em todos os aspectos.O evento está agendado para 5 a 9 de junho, nos municípios de Juazeiro (BA) e Petrolina (PE), que ficam às margens do rio. A cidade baiana vai sediar a parte técnica e a pernambucana, os eventos culturais. “É um simpósio amplo e que, diante das dificuldades de um universo tão grande de pesquisas, vai nos permitir lançar um banco de dados sobre os estudos, numa primeira grande radiografia da produção científica sobre o rio, não se limitando a uma integração superficial, apenas de troca de cartão entre participantes, mas se inserindo efetivamente na proposta permanente do fórum”, explica o coordenador do evento, professor Renato Garcia Rodrigues, da Univasf. “Será o primeiro e importante passo para chegarmos ao estado da arte do co-nhecimento científico do rio, partindo do princípio de que temos vasto material, porém disperso e, muitas vezes, sem uso prático”, diz Garcia Rodrigues.

CADASTRO DE TESESDiante do desafio, o ponto de partida foi escolher, dentre os pesquisadores do fórum, coordenadores de grupos nas universidades e estados onde atuam, bus-cando identificar trabalhos científicos sobre o rio, realizados desde 1996 até as pesquisasem andamento. “Foi criado um esforço técnico, a partir das institui-ções localizadas nos estados banhados pela bacia, como forma de fortalecer o protagonismo dessas instituições para as pesquisas sobre o São Francisco, fo-mentando as novas universidades nos estados da bacia para que também as-sumam o papel de atuação, considerando que informações dão conta de que muitas universidades de São Paulo têm até mais produções sobre o rio que as instituições locais”, ressalta o professor.A coordenação do evento também lançou um site do simpósio, com um espa-ço reservado para que os pesquisadores, mesmo aqueles que eventualmente não tenham como participar presencialmente, possam informar os trabalhos desenvolvidos sobre o rio, de 1996 a 2016. “Valem pesquisas, dissertações, mo-nografias, relatórios técnicos, resumo de congressos, enfim, todo o material que nos permita ter um registro em determinada época, até como forma de avaliar os avanços ou retrocessos em determinados temas”, explica Garcia Rodrigues.  

PROGRAMAÇÃOApós o esforço técnico de identificação e convocação de pesquisadores em todo o Brasil, assim como de estudiosos internacionais, o evento seguirá com os pri-meiros resultados revelados, conforme divulgação dos organizadores, depois da recepção aos participantes, no dia 5. No dia seguinte (6), ocorrerá a chamada etapa de nivelamento do público, com dissertações gerais sobre os cinco temas, “para que todos tenham uma ideia do que está sendo produzido”, como ressalta o coordenador do evento. Na mesma data, também serão realizadas palestras específicas sobre os temas, fechando com duas conferências: uma sobre as possíveis alterações climáticas e o cenário de diminuição da oferta de água no rio São Francisco, e a outra, que já se dará como mesa-redonda, para debater o fomento da pesquisa científica na bacia. No terceiro dia, 8 de junho, está prevista a discussão final, com apresenta-ção da primeira radiografia da produção científica. O quarto e último dia (9) está reservado para as visitas técnicas à represa do Sobradinho, com programação incluindo lazer e vivência acerca dos usos do rio. 

Em 2013, uma expedição científica realizada do Baixo São Francisco até Piranhas fez levantamentos que foram posteriormente apresentados ao Comitê, à Agência Nacional de Águas (ANA) e ao setor hidroelétrico.

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TRABALHOS RECENTEMENTE CONCLUÍDOS OU EM FASE DE CONCLUSÃO

AVALIAÇÃO DOS IMPACTOS HIDROLÓGICOS DA IMPLANTAÇÃO DO HIDROGRAMA AMBIENTAL DO BAIXO TRECHO DO RIO SÃO FRANCISCO Pesquisadoras: Yvonilde Medeiros / Coordenação (Ufba) Andrea Fontes (UFRB).

MONITORAMENTO DOS EFEITOS DA INTEGRAÇÃO DA BACIA DO RIO SÃO FRANCISCO SOBRE A COMU-NIDADE VEGETAL NO SEMIÁRIDO BRASILEIRO.Pesquisador: Renato Garcia Rodrigues (Univasf).

UTILIZAÇÃO DE ESPÉCIES VEGETAIS NATIVAS DA CAATINGA NA CONTENÇÃO DE TALUDES E COBERTURA VEGETAL EM ÁREAS DEGRADA-DAS NO SEMIÁRIDO.  Pesquisadores: Renato Garcia Rodrigues e José Alves Siqueira Fi-lho (Univasf)

ORDENAMENTO TERRITORIAL E VULNERABI-LIDADE NA BACIA DO RIO SÃO FRANCISCO. Pesquisadora: Cynthia Canedo da Silva (UFV -MG)

BIOPROSPECÇÃO DE MICROBIOTA EM SOLO DE SÍTIO ARQUEOLÓGICO DA VILA DE SANTO ANTÔNIO E BACIA DO RIO SÃO FRANCISCO.Pesquisador: Adriana Cristina da Silva Nunes (Unir - RO)

CARACTERIZAÇÃO E ANÁLISE DA COBERTURA E USO DA TERRA E SUAS IMPLICAÇÕES NA VUL-NERABILIDADE DA PAISAGEM DA BACIA HIDRO-GRÁFICA DO RIO SÃO FRANCISCO Pesquisador: Dorisvalder Dias Nunes (Unir - RO)

IMPACTO DA IMPLANTAÇÃO DE PERÍMETROS IRRIGADOS NA QUALIDADE DAS ÁGUAS SU-PERFICIAIS DA PORÇÃO MINEIRA DO MÉDIO SÃO FRANCISCO. Pesquisadora/orientadora: Sílvia Maria Alves Correa Oliveira (UFMG)

A PESCA NOS MANGUEZAIS NO ESTUÁRIO DO RIO SÃO FRANCISCO: UMA ABORDAGEM SO-CIOECOLÓGICA COM ÊNFASE NO CARANGUE-JO UCIDES CORDATUS.  Pesquisadora: Mariza Bittencourt/Luciana Santos (USP) 

PROJETOS DE PESQUISA DESENVOLVIDOS NA BSF (ALGUNS TRABALHOS INTEGRADOS)

1999-2003Projeto de Gerenciamento Integrado das Ativida-des Desenvolvidas em Terra na Bacia do São Fran-cisco. Subprojeto: Plano de Gerenciamento Inte-grado da Bacia do Rio Salitre (Plangis). 

2001-2004Projeto de Gerenciamento dos Recursos Hídricos do Semiárido da Bahia. Subprojeto Enquadramen-to de Rio Intermitente Aplicado à Bacia do Rio Sa-litre (Proenqua). 

2004-2005Programa de Pesquisa Saúde & Ambiente – Projeto Qualidade da Água e Saúde: Avaliação e Impacto no Se-miárido Baiano – Caso de Estudo Bacia do Rio Salitre. 

2004-2006Projeto Abordagem Multiobjetivo para a Decisão de Outorga (Amodoutor). Parceria Unb/Ufba. 

2005-2007Proposta Metodológica para Enquadramento dos Corpos d’Água em Bacias de Regiões Semiáridas – Caso de Estudo Bacia do Rio Salitre.

2007-2011Tecnologia de Saneamento Ecológico para Regiões Semiáridas nas Bacias dos Rios Verde e Jacaré/  Estudo do Regime de Vazões Ecológicas para o Baixo Curso do Rio São Francisco: Uma Abordagem Multicriterial – ECOVAZÃO, envolvendo quatro universidades Ufba, UFMG, Ufla, UFS. 

2007-2010Redes Interinstitucionais para Conservação e Uso Eficiente da Água na Bacia do Rio São Francisco. 

2004-2005Viabilidade do Reuso Agrícola de Águas Residuá-rias nas Bacias dos Rios Verde e Jacaré. 

2009-2013Gestão Estratégica e Adaptativa da Qualidade de Água em Rios Intermitentes. Caso de Estudo Ba-cia do Rio Salitre. 

2011 e 2015Avaliação dos Impactos Hidrológicos da Implantação do Hidrograma Ambiental do Baixo Trecho do Rio São Francisco. Projeto AIHA - Rede de Pesquisa Hi-droeco, envolvendo seis universidades: UFRJ, UFSM, Ufba, Ufal, EESC/USP, Unesp Ilha Solteira.

grupo de pesquisadores para atuar no rio. “A ideia foi bem acolhida pelo CBHSF, que, por sua vez, propôs a realização de uma reunião com a parti-cipação de universidades e com convite dirigido, inclusive, aos pró-reitores de extensão e pesqui-sa”, lembra o professor. A reunião se deu durante a segunda edição do Congresso Acadêmico Integrado de Inovação e Tecnologia (Caiite), realizado na Ufal, quando foi formalizada a criação do Fórum Permanente de Pesquisadores. Numa segunda reunião, em Sal-vador, a primeira após a instituição do fórum, os representantes permanentes indicados para sua composição decidiram pela realização do I Sim-pósio da Bacia Hidrográfica do São Francisco, que almeja fazer o primeiro levantamento das pesqui-sas realizadas e em andamento no rio, nos últi-mos 20 anos. 

BOM PROVEITO Tanto o fórum quanto o simpósio contam com o apoio oficial do CBHSF. “Sabemos que as univer-sidades federais e instituições privadas já têm todo um acervo com produções excelentes, mas muitas vezes trabalhando de forma isolada com temas superpostos”, diz o presidente do CBHSF, Anivaldo Miranda, lembrando ainda os estudos na área, já desenvolvidos por outras instituições, como a própria ANA e as empresas de Pesquisa Energética (EPE), Brasileira de Pesquisa Agro-pecuária (Embrapa), além da Companhia de De-senvolvimento do Vale do São Francisco (Code-vasf), secretarias de Meio Ambiente e Recursos Hídricos dos estados, companhias hidroelétricas estaduais e o próprio Comitê – no caso, com a elaboração, por exemplo, do Plano Decenal de Recursos Hídricos. “Tudo isso, de fato, é conhecimento, mas o que se pretende agora é melhor substanciar as deci-sões e os posicionamentos, a partir de uma maior aproximação da produção das instituições de en-sino superior”, frisa. “O desafio é juntar esses esforços para socializar mais as conquistas e os avanços obtidos, inclusive, fortalecendo o inter-câmbio em prol do Velho Chico, a partir de traba-lhos já realizados, e estimulando novos estudos dirigidos de forma bem mais objetiva”, acredita Miranda. Segundo o presidente do CBHSF, ao apoiar ofi-cialmente as duas iniciativas, o Comitê espera estimular pesquisadores e instituições de pes-quisa a se conhecerem melhor, promovendo uma maior interação, com o objetivo de sensibilizá-las a ajudar o Comitê a resolver dilemas relativos à Bacia do São Francisco. Ele frisa que as próprias dimensões da bacia, populações e ecossistemas que dependem dela justificam por si só a união dos pesquisadores: “A Bacia do São Francisco re-presenta 8% do território brasileiro, abrange seis estados e o Distrito Federal, além de responder por 70% dos recursos hídricos da Região Nordes-te, onde se concentra o Semiárido, cujas adver-sidades climáticas, mesmo diante dos grandes avanços tecnológicos alcançados pela humani-dade, ainda continuam sendo um grande desafio para a ciência”, conclui.  

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O que se pretende com o Simpósio é melhor substanciar as decisões e os posicionamentos, a partir de uma maior aproximação com a produção das instituições de ensino superior sediadas na bacia.

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Sinal de Alerta

Tragédia de Mariana gera apreensão pelas barragens na

região do São Francisco

O rompimento da barragem de rejeitos da mineradora Samarco,

em Minas Gerais, acendeu o alerta sobre o real perigo de que

acidentes do gênero ocorram também em outras regiões do Brasil.

Contribui para a apreensão geral o fato de o País não possuir um

sistema de informações e fiscalização confiável que lhe permita o

pleno conhecimento das suas barragens de rejeitos de mineração e

de resíduos industriais. Na bacia hidrográfica do rio São Francisco

há 498 barragens, das quais 191 são de contenção de rejeitos de

mineração. Estariam elas em situação de risco? No entender do

presidente do Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco,

Anivaldo Miranda, o CBHSF deverá se empenhar em prol de

um amplo levantamento da situação das barragens na bacia, a

fim de que sejam adotadas as medidas necessárias ao correto

licenciamento e à fiscalização adequada, com o ajuste de eventuais

desconformidades.

TEXTO: FRED BURGOS

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No leito do rio, a correnteza move sua-vemente a areia e as pedras mais le-ves. A vida marinha, como há milha-res de anos, tenta se manter alheia ao

ritmo nem sempre sereno do mundo terrestre. Mas um descuido humano pode interromper definitivamente o fluxo de seu rico ecossistema, afetando substantivamente uma ampla cadeia de vida que ali reside ou se alimenta. Foi o que aconteceu no dia 5 de novembro de 2015, quan-do o rompimento de uma barragem da minera-dora Samarco, controlada pela Vale e pela BHP Billiton, provocou uma  enxurrada de lama  que devastou o distrito de Bento Rodrigues, no mu-nicípio mineiro de Mariana, deixando um rastro de destruição ao avançar pelo rio Doce, com mortos, desabrigados, perdas materiais e danos ambientais incalculáveis. A tragédia despertou a atenção nacional e in-ternacional para uma realidade até então “invi-sível” e acendeu a luz de alerta nas bacias que possuem barragens de rejeitos de mineração – subprodutos do processamento do minério, sem aproveitamento econômico –, até porque o que

se descortinou não foi somente um desastre am-biental sem precedentes na história brasileira, mas, principalmente, que outros acidentes simi-lares podem ocorrer, já que o País não possui um sistema de informações e fiscalização confiável que lhe permita o pleno conhecimento das suas barragens de rejeitos de mineração e de resídu-os industriais. No entender do presidente do Comitê da Ba-cia Hidrográfica do Rio São Francisco (CBHSF), Anivaldo Miranda, é importante promover uma articulação interinstitucional, para que se faça um amplo levantamento da situação das bar-ragens na bacia e sejam adotadas as medidas necessárias ao correto licenciamento e à fisca-lização, corrigindo eventuais desconformidades.

“Isso certamente vai requer uma ação conjuga-da de todos os atores sociais envolvidos, parti-cularmente do Ministério do Meio Ambiente, do Ministério de Minas e Energia e dos estados, no sentido de se fazer um inventário ambiental e de segurança de todo esse sistema”, afirma.

FALHAS NOS PROTOCOLOSA preocupação se impõe. Afinal, o rompimen-to de uma barragem menos de um ano após a auditoria que lhe garantiu uma classificação de baixo risco deixa claro haver falhas sérias nos protocolos de avaliação e colocam em xeque a forma como o processo vem sendo conduzido. De acordo com o levantamento da Agência Na-cional de Águas (ANA), o Brasil conta com 663 barragens de rejeitos de mineração, que repre-sentam 5% das 14.966 represas existentes no País, registradas até setembro de 2014. A imensa maioria delas, 13.366 ou 89% do total, são barragens com usos múltiplos de água; 642 (4%) são barragens para geração de energia elétrica e ou-tras 295 (2%), barragens de contenção de resíduos industriais. Segundo levantamento da ANA, as barra-gens de rejeitos da mineração somam 317 em Minas Gerais, ou seja, quase 50% das barragens desse tipo de rejeitos no País. A maior parte se encontra na ba-cia hidrográfica do São Francisco. Já pelo Inventário Estadual de Barragens do Es-tado de Minas Gerais/ 2014, publicado pela Fun-dação Estadual do Meio Ambiente (Feam), são 450 barragens de rejeitos de minério no territó-rio mineiro. Essa divergência nas informações dá uma dimensão da complexidade do proble-ma, mas não é tudo. Com relação ao inventário

Rompimento da barragem de rejeitos na

bacia do rio Doce acendeu um sinal de

alerta para a possibilidade de tragédias do

gênero na bacia do rio São Francisco

As barragens são classificadas pelos agentes fiscalizadores, por catego-ria de risco, por dano potencial associado e pelo seu volume, com base em critérios gerais estabelecidos pelo Conselho Nacional de Recursos Hí-dricos (CNRH). A Lei nº 12.334/2010, em seu art. 7º, atribui às entidades fiscalizadoras a responsabilidade de classificar as barragens sob sua ju-risdição. No entanto, somente dois anos depois foi publicada a Resolução nº 143/2012 do CNRH, que definiu os critérios gerais de classificação. De acordo com a mesma resolução, cabe às entidades fiscalizadoras, no má-ximo, a cada cinco anos, reavaliar, se assim considerarem necessário, as classificações quanto à categoria de risco e ao dano potencial associado. Vejamos quais órgãos fiscalizadores atuam na Bacia do Rio São Francisco:

ANA - Órgão fiscalizador da segurança das barragens de acumulação de água por ela outorgadas, exceto daquelas cujo uso preponderante seja a geração de energia.ANEEL - Órgão fiscalizador da segurança das barragens cujo uso prepon-derante seja a geração de energia elétrica.DNPM - Órgão fiscalizador da segurança das barragens de rejeitos de mi-neração.IBAMA - Órgão fiscalizador da segurança das barragens de resíduos in-dustriais licenciadas pelo Ibama.Órgãos estaduais de meio ambiente e recursos hídricos - Órgão fiscaliza-dor da segurança das barragens de acumulação de água por ele outorgadas (exceto daquelas cujo uso preponderante seja a geração de energia hidrelétri-ca) e barragens de resíduo industrial por ele licenciadas.

QUEM CLASSIFICA O RISCO E FISCALIZA

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No entender do CBHSF, é importante promover uma articulação para que se faça um amplo levantamento da situação das barragens na bacia e sejam adotadas as medidas necessárias ao correto licenciamento e à fiscalização, corrigindo eventuais desconformidades.

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da Feam, os auditores não tiveram acesso, no caso de 11 barragens, às informações necessá-rias para chegar a uma conclusão. Em outras 27, a avaliação foi de "Estabilidade não garantida", o que significa dizer que após estudos geotécni-cos, hidrológicos e hidráulicos, os auditores da entidade não podem atestar, por falta de infor-mações, que essas 11 estruturas estejam se-guras. “Muitas dessas barragens pertencem a mineradoras importantes, como a Vale e a CSN. No meu entender, essas seriam as verdadeiras ‘tragédias anunciadas’”, avalia o professor do Departamento de Engenharia da Produção e Me-cânica da Universidade Federal de Juiz de Fora, Bruno Milanez.

INFORMAÇÕES DIVERGENTESA Lei de Segurança de Barragens (Lei nº 12.334, de 20 de setembro de 2010), ao estabelecer a Po-lítica Nacional de Segurança de Barragens, pre-vê a criação de um Sistema Nacional de Infor-mações sobre Segurança de Barragens (SNISB) e o Relatório Anual de Segurança de Barragens (RSB). A ANA é responsável por coordenar a elaboração do RSB, enquanto os órgãos fiscali-zadores (federais ou estaduais) respondem pe-las informações a serem enviadas. O objetivo do RSB é apresentar à sociedade um panorama da evolução da segurança das barragens brasilei-ras. Para a elaboração do relatório, os empreen-dedores, a partir de auditorias externas contra-tadas por eles próprios, encaminham até o dia 31 de outubro de cada ano as informações relativas à segurança de seus sistemas. “O próprio siste-ma de fiscalização é o que se pode chamar de quase uma autoavaliação”, sugere Milanez.Como é possível constatar, as informações exis-tentes ainda não são confiáveis, podendo ocasio-nar falta de controle por parte do poder público e de um acompanhamento passo a passo, capaz de evitar a eventual negligência das empresas. A Política Nacional de Segurança de Barragens (PNSB) responsabiliza as mineradoras (ou as proprietárias de barragens) pela manutenção e pelo monitoramento das estruturas, assim como por implantar um sistema de alerta com protocolo de fuga e proteção da população vizi-nha e do ambiente. Isto certamente não existia na mina da Samarco.Passados seis anos de publicação da Lei nº 12.334/2010, o grande desafio continua sen-do sua regulação, com poucos estados tendo editado as portarias necessárias. Para o su-perintendente de Regulação da ANA, Rodrigo Flecha, o acidente de Mariana pode dar uma nova celeridade à regulação de todos os ins-trumentos da lei, que poderão identificar os barramentos e classificá-los a partir de parâ-metros objetivos e conhecidos, além da defini-

ção de estruturas consistentes para o licencia-mento e a fiscalização. Segundo Maria Quitéria Castro, da Coordenação de Segurança de Barragens do Instituto de Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Inema), autar-quia da Secretaria de Meio Ambiente do Estado da Bahia, esse quadro de informações incon-sistentes existe pelo fato de o SNISB ainda não ter sido implementado, tornando-se o principal ponto crítico do sistema de monitoramento das barragens. “Registre-se que compete à ANA, como gestora do SNISB: desenvolver a plata-forma informatizada; estabelecer mecanismos e coordenar a troca de informações com as de-mais entidades fiscalizadoras; definir as infor-mações que deverão compor o SNISB, em arti-culação com os demais órgãos fiscalizadores; e disponibilizar para a sociedade o acesso a dados e informações, por meio da Rede Mundial de Computadores”, afirma Maria Quitéria.Ao longo da bacia hidrográfica do São Francisco existem 498 barragens, das quais 191 são de con-tenção de rejeitos de mineração, 37 de geração de energia e 270 de usos múltiplos das águas, de acordo com dados da ANA. Para a construção do Relatório de Segurança de Barragens 2015, não foram enviadas à Agência informações ca-dastrais sobre as barragens de contenção de resíduos industriais na bacia, entretanto, proble-mas trazidos pela indústria não estão longe da memória das populações que vivem à margem do rio. Em 1984, a Agrovale, produtora de açú-car e álcool no perímetro irrigado do Tourão, em Juazeiro (BA), foi responsável pelo despejo de vinhoto no rio, matando toneladas de peixes e

alterando o ecossistema rio abaixo.No caso das barragens de contenção de rejeitos minerais, a grande maioria (184 unidades) se en-contra em Minas Gerais, seis estão no estado da Bahia e uma em Pernambuco, todas pertencen-tes à Mineração São Jorge S.A., segundo dados da ANA. Criada em 1969, a mineradora pernam-bucana tem suas jazidas localizadas nos municí-pios de Ouricuri, Ipubi e Trindade, região do Ara-ripe (Sertão pernambucano), por onde passa o rio Brígida, afluente do Velho Chico. Trata-se de uma empresa de extração e beneficiamento de gipsita, um mineral não metálico utilizado como matéria-prima na produção de cimento, gesso para construção civil, gesso agrícola e gessos especiais, como dental, ortopédico e cerâmico. Já as 184 barragens mineiras existentes na ba-cia estão localizadas em municípios como Nova Lima (28 barragens), Itatiaiuçu (25), Brumadinho (23), Congonhas (18), Ouro Preto (16) e Itabirito (13), dentre outros. São barragens pertencentes a empresas como Vale do Rio Doce, CSN, Ger-dau, Anglogold Ashanti, MMX Mineração e Mine-rações Brasileiras Reunidas, responsáveis, por exemplo, pela produção de ferro, ouro e calcário. Segundo dados da Fundação Estadual de Meio Ambiente de Minas Gerais, 42 estruturas das 450 existentes no estado não possuem garantia de estabilidade. Dessas, pelo menos 24 se encon-tram a uma distância média de dois quilômetros de zonas habitadas. Uma delas é a Barragem de Maravilhas 1, da Vale, que fica a apenas 500 metros das cercas dos condomínios Vila Alpina, Vale dos Pinhais e Estância Estoril, em Itabiri-to, município por onde passa o rio das Velhas, o

Empresas implicadas no maior crime

ambiental da história do país ainda não

pagaram as indenizações, que

chegam a 20 bilhões de reaisFOTO: FRED LOUREIRO / AGÊNCIA BRASIL

De acordo com dados da ANA, existem ao longo da bacia do São Francisco 498 barragens, das quais 191 são de contenção de rejeitos de mineração, 37 de geração de energia e 270 de usos múltiplos das águas.

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maior afluente em extensão da bacia do São Francisco.Dados do órgão ambiental mineiro apontam 11 empreendimentos sem aval de segurança reconhecido pelo estado: quatro em Brumadinho, per-tencentes à MMX; três em Nova Lima, de propriedade da Vale, MBR e Mundo Mineração; três diques da Vale em Sabará; e um em Rio Acima, da Nacional Minérios, todos municípios com afluentes do São Francisco. De acordo com a Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável de Minas Gerais, a falta de garantias dos auditores significa que documentos e laudos não foram repassados pelas empresas. Ainda que sem essas garan-tias, as mineradoras podem funcionar com licenças de operação. Em Minas Gerais, o processo de licenciamento é realizado pelas Unidades Regionais Colegiadas (URC), conselhos compostos por representantes do governo, das empresas e da sociedade civil, teoricamente, paritárias: me-tade dos membros seria formada por representantes de órgãos do gover-no e a outra metade, pelos demais segmentos. Só que grupos da sociedade civil alegam uma tradição histórica no estado, de governos pró-mineradoras. “Essa equidade, na prática, não acontece, já que o sistema de licenciamento de Minas possui um forte viés para a autorização, marcado que é pela flexibi-lização e fragmentação. O caso do Fundão é emblemático. Ao fatiar o licencia-mento, reduz-se o impacto de um grande projeto e evita-se a análise dos seus efeitos cumulativos”, observa o professor Bruno Milanez.

QUADRO NA BAHIADas seis barragens em atividade na Bahia, na área de influência da ba-cia do São Francisco, uma está localizada em Guanambi, a da Monte Alto Mineração, que atua na extração de granito e beneficiamento associado, nas proximidades da bacia do rio Carnaíba de Dentro; uma em Irecê, sob a gestão da Companhia Baiana de Pesquisa Mineral (CBPM), empresa vincu-lada à Secretaria de Desenvolvimento Econômico do Estado da Bahia (SDE); e uma no município de Jacobina, pertencente à Jacobina Mineração e Comércio Ltda., subsidiária da Yamana Gold, empresa canadense de produção de ouro. Outras três estão situadas no município de Jaguarari, região em que a Minera-ção Caraíba extrai cobre, nas proximidades da bacia do rio Itapicuru. Segundo o Relatório de Segurança de Barragens da ANA, quatro das 24 barragens de rejeitos de minérios existentes na Bahia possuem classifica-ção idêntica à Barragem do Fundão, que rompeu em Mariana (MG). Todas possuem Categoria de Risco (CRI) baixa. Na avaliação do DNPM, se o CRI for baixo, mesmo com DPA (Dano Potencial Associado) alto, a barragem não é necessariamente perigosa. Duas delas ficam em Jacobina, no cen-tro-norte do estado, e as outras duas em Santaluz, no nordeste baiano,

onde as barragens possuem dano potencial associado (DPA) considerado alto pelo Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM).Apesar disso, elas não aparecem entre as 16 mais inseguras do País, se-gundo relatório divulgado em abril pelo próprio DNPM, e apenas uma está em plena atividade. As outras não têm sido utilizadas, mas armazenam material de rejeitos – a Barragem 01, em Jacobina, inclusive, preencheu toda a capacidade de armazenamento em 2008. Já as de Santaluz não es-tão ativas, segundo a Fazenda Brasileiro, subsidiária da Yamana, que ad-ministra as barragens. A semelhança entre os perfis ligou o sinal de alerta das populações que vivem próximo dessas estruturas. Isso porque no beneficiamento do ouro é comum se adotar o processo de lixiviação com cianeto e/ou arsênio, subs-tâncias tóxicas que podem provocar sérios problemas à saúde e até levar à morte. Uma das preocupações diz respeito aos planos de evacuação em caso de acidente, apresentados pelas empresas para conseguir a licença de funcio-namento. Sem alertas sonoros na região onde está instalada, que serviriam para avisar a população em caso de acidente, a Barragem 02, também admi-nistrada pela Yamana Gold, em Jacobina, é a que mais preocupa. Infelizmente, movimentos de preocupação, às vezes, acontecem em uma ordem inversa. Um exemplo disso é o que ocorreu em Santa Maria, Rio Grande do Sul, quando um incêndio na boate Kiss matou 242 jovens. “Ao passar a limpo a situação, os bombeiros identificaram que todos os aspec-tos que contribuíram para a dimensão da tragédia se mostraram absur-dos. E a expectativa é de que tenham sido corrigidos. Para que possamos evoluir para uma possibilidade bastante remota de acidente na bacia, se não acidente zero, o Comitê vai colocar foco nesta questão, até porque na bacia do São Francisco existem muitas barragens de rejeitos, para que, as-sim, se passe a limpo a situação de todas as barragens nela localizadas”, afirma o presidente do CBHSF, Anivaldo Miranda.

A primeira consequência da chegada da lama de rejeitos minerais ao rio é a elevação da turbidez da água. Isso diminui a penetração da luz, redu-zindo a fotossíntese realizada pelas algas e, logo, a quantidade de oxigênio dissolvido. O resultado é a elevada mortandade de peixes. Mas os danos se estendem ainda à degradação da paisagem. Pobre em carbono orgânico e nutrientes, a lama de rejeito torna o processo de regeneração de matas e florestas lento ou mesmo inviável. Há o risco do barro que encobre as encostas endurecer. Mas mesmo se a lama ficar pastosa na calha do rio, já terá havido um assoreamento grave. “Se não for feita a dragagem do leito, possivelmente cidades e localidades

sofrerão com enchentes quando da chegada de chuvas fortes. Além disso, como a lama tem muito pouca carga orgânica, o impacto na recuperação das matas ciliares será grande”, afirma o professor Bruno Milanez. Para ele, a tendência é que o rio se recupere, já que as nascentes conti-nuarão fluindo águas não contaminadas. O problema é que isso vai de-mandar um longo tempo. “O que tinha de peixe e vida orgânica morreu. Mas é possível que a vida volte a colonizar o rio. Só que os peixes, por exemplo, poderão conter durante muito tempo metais pesados. Ou seja, será um rio que não poderá garantir todas as atividades humanas do pas-sado”, conclui Milanez.

CONSEQUÊNCIAS DO DESASTRE

Barragem de rejeitos na bacia do rio São

Francisco, em Três Marias (MG)

FOTO: JOÃO ZINCLAIR

Segundo o Relatório de Segurança de Barragens da ANA, as 24 barragens de rejeitos de minérios existentes na Bahia possuem Categoria de Risco (CRI) baixa.

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O aumento da demanda pelo uso da água, muitas vezes provocado pelo crescimen-to populacional, tem resultado em cons-tantes conflitos pelo uso dos recursos hí-

dricos. As motivações para esse tipo de ocorrência têm origem no desejo e na expectativa nutrida por cada usuário de ver suas demandas atendidas, sobretudo num cenário em que outros usuários também precisam do mesmo metro cúbico de água. Diante do impasse, e antes que a tempera-tura das disputas suba, é preciso que os usuários da água da mesma bacia hidrográfica procurem suas representações, a fim de que as contendas sejam dirimidas administrativamente, em primei-ra instância, pelo plenário do Comitê de Bacia ao qual estão vinculados.No caso de um conflito não resolvido, o resultado será o agravamento das relações entre os usuá-rios que disputam a mesma água e o impacto, por sua vez, provocará a desconstrução da rede social de relações que os permite trabalhar juntos, em prol do mesmo objetivo: ver atendidas suas de-mandas e as dos seus vizinhos, de modo que se-

jam garantidas a sustentabilidade e a eficiência do uso da água na bacia.

MARCO REGULATÓRIOApesar de o atual texto constitucional dispor sobre cooperação entre os entes federados na gerência dos serviços públicos e a Lei 9.433/97, também chamada Lei das Águas, determinar a articula-ção entre União e Estados para o gerenciamento dos recursos hídricos de interesse comum, espe-cialistas apontam a falta de um terceiro item no processo: a criação de um marco regulatório para utilização da água nas bacias hidrográficas, como forma de prevenção e mesmo solução de proble-mas, tensões e déficits hídricos. Como a bacia hidrográfica do rio São Francisco não está imune a problemas do gênero, devido à escassez hídrica, seja momentânea ou permanente, não é raro o surgimento de conflitos na região pelo uso da água bruta.O inciso IV do artigo 1º da Lei 9.433/97 estabelece como um dos fundamentos da Política Nacional de Recursos Hídricos que “a gestão dos recursos hídri-

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Questão de bom sensoESTUDIOSOS AFIRMAM QUE HÁ NO MUNDO, PELO MENOS, 1,4 BILHÃO DE PESSOAS VIVENDO SEM ACESSO A ÁGUA POTÁVEL. O “PRECIOSO LÍQUIDO” TEM SIDO MOTIVO CONSTANTE DE CONFLITOS SOCIAIS, POIS SUAS RESERVAS VÊM DIMINUINDO DRASTICAMENTE, CHEGANDO A UM PATAMAR CRÍTICO. NÃO SERIA DIFERENTE EM RELAÇÃO À BACIA DO RIO SÃO FRANCISCO, ONDE TENDEM A SE TORNAR COMUNS OS CONFLITOS ENVOLVENDO USOS COMO ABASTECIMENTO, IRRIGAÇÃO E GERAÇÃO DE ENERGIA ELÉTRICA. COMO EM QUALQUER CONFLITO, A SOLUÇÃO ESTÁ NA BUSCA DO DIÁLOGO.

Encontro do São Francisco com o mar, em Piaçabuçu: alta concentração

de salinidade começa a prejudicar a população.

TEXTO: DELANE BARROS FOTOS: TIAGO SAMPAIO

cos deve proporcionar o uso múltiplo das águas”.O professor do Programa de Mestrado da Univer-sidade Federal de Alagoas (Ufal) e doutor em Re-cursos Hídricos e Saneamento Ambiental Valmir de Albuquerque Pedrosa explica que o conflito surge quando dois ou mais setores querem utili-zar a mesma água e o produto fica escasso. “Os conflitos pelo uso da água podem envolver ques-tões políticas de desenvolvimento regional, podem depender de intrincadas relações entre biologia, química, oceanografia, hidrologia e hidráulica. Comumente, há necessidade de integrar vários órgãos públicos e privados com competências e interesses pelo uso da água. Também é comum a necessária acomodação de interesses entre os Municípios, os Estados e a União”, considera. Especificamente sobre o rio São Francisco, Val-mir Pedrosa pontua que são comuns os conflitos pela água nas áreas com presença de cidades e grandes áreas de irrigação, sendo esse o principal uso no consumo da bacia hidrográfica e respon-dendo atualmente por 79% das retiradas de água de toda a bacia. “A poluição também é outro fator que estabelece o conflito pelo uso da água. Algu-mas vezes, é possível encontrar o líquido, mas ele está indisponível para o consumo, em face de sua qualidade”, acrescenta.O especialista não se esquece de apontar também aquele que é o mais visível dos causadores do problema. “A geração de energia elétrica, embora não seja um uso consuntivo dos recursos hídri-cos – que significa a retirada da água de sua fonte natural, com diminuição das disponibilidades es-pacial e temporal –, tem determinado as regras de operação de defluências dos reservatórios da bacia do rio São Francisco. Portanto, o setor tem um importante papel na análise dos conflitos na bacia”, ressalta Valmir Pedrosa.

SOLUÇÃO PELO DIÁLOGOO caminho para evitar o conflito, segundo o pro-fessor Valmir Pedrosa, é o diálogo. Ele enumera quatro itens essenciais para chegar ao consen-so e evitar o agravamento do conflito: “separar a pessoa do problema; entender a diferença entre

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posição e interesse; buscar alternativas; e, por fim, definir um critério de ava-liação”.Devido à crise hídrica registrada nos últimos anos e à oferta cada vez menor de água para a população, o Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco vem sendo demandado a resolver conflitos de tal ordem. Um dos primeiros a so-licitar a intervenção do colegiado foi o Comitê dos rios Paramirim e Santo Onofre (Paso), localizados no sudoeste baiano, afluentes do Velho Chico.Diante do projeto de ampliação da barragem do Zabumbão, em Paramirim (BA), a escassez de água para atender a população passou a ser uma preo-cupação do comitê que representa a localidade. O presidente do Comitê do Paso, Anselmo Barbosa Caires, explica que o nem o colegiado nem a socieda-de foram consultados. “Foi um projeto lançado de cima para baixo, pelo Governo do Estado. Por isso, deu-se o conflito”, esclareceu Caires.O processo apresentado ao CBHSF foi acolhido e analisado pela Câmara Técnica Institucional e Legal (CTIL). O conflito ainda está em tramitação e aguarda pare-ceres da Agência Nacional de Águas (ANA) e do próprio Governo da Bahia.Anselmo Caires acrescenta que apresentou alguns pontos a serem resolvidos pelo governo estadual, antes da construção da barragem. “Sugerimos a reali-zação de obras concretas e definitivas visando à segurança hídrica do Vale do Pa-ramirim, a exemplo da construção das barragens dos rios da Caixa e dos Remé-dios; da modernização da irrigação da barragem do Zabumbão; da eletrificação das margens direita e esquerda do rio Paramirim; da construção do esgotamento sanitário da cidade de Érico Cardoso; da elaboração do Plano de Bacia do Paso; e da recuperação das nascentes do rio Paramirim”, argumenta.O processo, entretanto, não foi simples. Durante audiência do caso, o pre-sidente do CBH Paso chegou a pedir a sua suspensão por não acreditar em uma solução. O motivo foi a posição do governo estadual, que anunciou não haver interesse em realizar obras antes de iniciar o trabalho na adutora. A alternativa foi recorrer à Agência Nacional de Águas (ANA) para que se po-sicionasse oficialmente sobre a disponibilidade hídrica do local. Em comuni-cação oficial, a ANA considerou o projeto do governo estadual inconsistente, nos moldes apresentados à comunidade, e orientou quanto à necessidade da formalização do requerimento de outorga de direito de uso para o projeto, além de outras ações. Com base no diálogo e na busca de alternativas para o caso, o CBHSF vai construindo o consenso e, assim, evita que o conflito se transforme em situação mais grave.

ALTA SALINIDADENo início de 2016, outra demanda foi apresentada ao CBHSF. A Prefeitura do Município de Piaçabuçu, localizado na foz do Velho Chico, em Alagoas, decidiu recorrer ao colegiado, após constatar o alto nível de salinidade do líquido que abastece a população.De acordo com ofício encaminhado pelo prefeito Dalmo Santana Júnior, a va-zão reduzida do rio São Francisco na região do Baixo vem impactando direta-mente a saúde da população e a economia local. “Por um lado, os pescadores já não conseguem manter suas famílias com a pesca. Os peixes da região estão acabando porque o nível muito baixo do rio permite a entrada da água salgada do mar em grande quantidade”, explica o chefe do Executivo munici-pal para justificar sua preocupação.O prefeito também relata o aumento expressivo dos casos de hipertensão nos moradores de Piaçabuçu. “Isso representa fragilidade para a saúde e aumento nos gastos do município para tratar essas pessoas”, acrescenta. Santana apre-sentou o conflito de uso junto ao CBHSF para resolver o caso. O processo, tam-bém encaminhado para análise da CTIL, está em fase de diligência, para recolhi-mento de documentos que indiquem os caminhos que serão seguidos.O coordenador da câmara técnica, Luiz Roberto Farias, explica que somente de-pois de reunir todos os documentos e as respostas oficiais o colegiado que inte-gra a estrutura de funcionamento do CBHSF estará apto a discutir o processo, inclusive quanto à sua fundamentação ou não para instalação do conflito.Como os casos estão se tornando cada vez mais recorrentes, o CBHSF deci-diu instruir os membros da CTIL. Para isso, realizou um curso de capacitação em conflito de uso para os membros da câmara técnica, além de convidados do Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco.Durante dois dias, em Maceió (AL), integrantes da CTIL e de outras câmaras técnicas do CBHSF, membros do Ministério Público de Alagoas, coordena-dores e secretários das quatro câmaras consultivas regionais (CCR), do Alto, Médio, Submédio e Baixo São Francisco conheceram os aspectos históricos, a legislação, os efeitos do conflito de uso e ensaiaram a resolução de um caso fictício, no qual os participantes colocaram em prática o que aprenderam du-rante o curso.O coordenador da CTIL explica que decidiu promover o curso para oferecer aos envolvidos nos processos os subsídios necessários à condução dos pro-cessos que surgirem. “Como processos desse tipo estão se tornando recor-rentes, é preciso termos conhecimento teórico e prático sobre os conflitos de uso dos recursos hídricos, que surgiram não apenas no âmbito da bacia do São Francisco”, explica Roberto Farias.No curso, houve estudo de casos, critérios advindos da Lei 9.433/97 e aqueles advindos de outras normas infralegais; histórico dos conflitos de uso no Brasil e em outros países, entre outras questões.O relator dos processos até então demandados ao Comitê, Luiz Alberto Ro-drigues Dourado, avaliou a iniciativa e o curso como “muito positivos”. “Achei excelente e bastante necessário que tenhamos participado dessa capacita-ção”, considerou Dourado. O promotor Alberto Fonseca, da promotoria de Meio Ambiente do Ministério Público de Alagoas, também teceu elogios à qualidade do curso. “Era uma iniciativa necessária. A apresentação da le-gislação atualizada e o conceito de construção do consenso mostram que os consultores estão antenados com a realidade”, resumiu.

Promotor Alberto Fonseca, do Ministério Público de Alagoas, foi

um dos participantes do curso sobre conflitos de uso

O curso foi pensado para ampliar a busca

de soluções consensuais para os conflitos

que têm surgido na área da bacia do São

Francisco

Ofício encaminhado pelo prefeito de Piaçabuçu, Dalmo Santana Júnior, dá conta de que a vazão reduzida do rio São Francisco na região do Baixo vem impactando diretamente a saúde da população e a economia local.

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“Água precisa virar prioridade em nosso país”

O ATUAL PRESIDENTE DO COMITÊ DA BACIA HIDROGRÁFICA DO RIO SÃO FRANCISCO, ANIVALDO MIRANDA, FAZ UM BALANÇO DE SUA GESTÃO, QUE SE ENCERRA EM AGOSTO PRÓXIMO, ELENCANDO REALIZAÇÕES QUE SE FIZERAM FUNDAMENTAIS NA CONSOLIDAÇÃO DE UMA BOA IMAGEM DE COLEGIADO NO PAÍS. “O RESPEITO QUE OBTIVEMOS FOI CONQUISTADO A PARTIR DAS AÇÕES CONCRETAS E DA CRIATIVIDADE ADOTADA PARA ENFRENTAR OS GRANDES

DESAFIOS QUE RONDAM O SÃO FRANCISCO E SEUS AFLUENTES”, DIZ O PRESIDENTE, QUE SONHA EM VER

SAIR DO PAPEL O PROGRAMA DA REVITALIZAÇÃO DO SÃO FRANCISCO, NECESSÁRIO

PARA QUE SE CONSTRUA O PACTO DAS ÁGUAS, COM DEFINIÇÃO

SUSTENTÁVEL DAS VAZÕES, RESPEITANDO O PRINCÍPIO DOS USOS MÚLTIPLOS DA ÁGUA.

O senhor estará à frente do CBHSF até agos-to deste ano, quando ocorrerão novas eleições. Como avalia o seu período de gestão?Foi um período de grande crescimento e verda-deira consolidação do CBHSF, o que reflete o seu amadurecimento como instrumento efetivo da gestão hídrica democrática, compartilhada e participativa do rio São Francisco e de sua bacia hidrográfica.

O Comitê do São Francisco já adquiriu o respeito político necessário no cenário nacional, para lu-tar com mais força pela bacia do São Francisco? O respeito foi conquistado a partir das ações con-cretas e da criatividade adotada para enfrentar os grandes desafios que rondam o São Francisco e seus afluentes. O CBHSF soube se impor na con-secução de suas tarefas de articulador institucio-nal, na revisão criteriosa do Plano de Gestão de Recursos Hídricos de sua bacia, na elaboração e aplicação de uma metodologia pioneira para tra-tar os conflitos pelo uso da água, na consecução do segundo Plano de Aplicação Financeira (PAP) dos recursos oriundos da cobrança pelo uso da água bruta, na articulação com os comitês dos rios afluentes, na execução de obras e ações de recuperação hidroambiental e em muitas outras frentes de trabalho que demonstram o vigor des-sa forma de organização que constitui a base do Sistema Nacional de Recursos Hídricos.

O que falta para consolidar a presença do CBHSF na tomada de decisões que impactam o futuro do rio São Francisco?Algumas coisas dependem do próprio Comitê, como o esforço para que todos os entes públicos ou privados compreendam, adotem e respeitem o Plano Diretor da Bacia e a elaboração de uma

nova, mais justa e adequada metodologia de co-brança pelo uso da água, com preços atualiza-dos. Outras coisas dependem da luta do Comitê, mas também de um maior grau de cooperação do poder público (federal, estadual e municipal) e dos usuários da água, a fim de que possamos, por exemplo, tirar do papel o Programa da Revi-talização, para construir o Pacto das Águas, com definição sustentável das vazões, sobretudo as de entrega dos principais afluentes e as dos reser-vatórios hidrelétricos, respeitando o princípio dos usos múltiplos da água. Há uma terceira ordem de tarefas que dependem principalmente dos go-vernos estaduais, notadamente no que concerne à universalização dos instrumentos de gestão hí-drica em toda a bacia do São Francisco.

O modelo do Comitê de Bacia ainda pode ser con-siderado um bom referencial para a gestão das bacias hidrográficas de um país tão amplo como o Brasil?Pode, não: deve. Até porque ele ainda não foi apli-cado com a devida seriedade e o necessário em-penho em todo o País. Mesmo assim, e apesar da enorme resistência burocrática e corporativa, que não gosta de gestão democrática e participativa, os comitês que obtiveram o mínimo apoio em sua incubação já representam uma saudável e exitosa experiência enquanto verdadeiros parlamentos da água, únicos capazes de construir consensos sólidos para intermediar conflitos, tornar os in-vestimentos mais racionais e unir diferentes for-ças na batalha comum pela quantidade e qualida-de da água.

O senhor considera que esse modelo tem de so-frer algumas alterações para caminhar melhor? Quais?

O problema não está no modelo, que é absoluta-mente inovador. O problema está na vontade polí-tica dos governos para, de fato, implementar esse modelo. Em vários aspectos, a gestão dos recur-sos hídricos no Brasil – estados e municípios – ainda não se encontra à altura dos desafios que temos pela frente. Água precisa virar prioridade em nosso país.

Como o senhor avalia a situação atual do São Fran-cisco? Alguma coisa mudou ou está mudando?Mudanças estruturais são difíceis de promover porque pressupõem também mudança de com-portamento. A boa notícia é que, assustadas com os efeitos drásticos das estiagens e com a degra-dação dos nossos biomas, sobretudo dos rios, as populações estão mais atentas à questão am-biental e ao princípio dos usos múltiplos da água. Daí, por exemplo, a crescente receptividade que as ações do CBHSF encontram em toda a bacia. No entanto, há uma luta contra o tempo, já que o uso irracional da água, os desmatamentos, a ex-ploração descontrolada dos aquíferos, a degrada-ção dos solos e a poluição da água continuam em ritmo frenético.

O Comitê foi bastante crítico ao projeto de Trans-posição, que está em vias de ser finalizado. Houve alguma alteração no posicionamento do colegiado em relação a essa obra monumental e controversa? A maioria do CBHSF sempre teve uma posição crítica quanto à concepção e falta de planeja-mento e racionalidade desse projeto, algo que o tempo lhe deu razão. Porém, agora que os canais da Transposição se encaminham para a finali-zação, o CBHSF aceitou fazer parte do Conselho Gestor da Integração do São Francisco (PISF), com

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TEXTO: ANTONIO MORENO

FOTO: ANDRÉ FRUTUOSO

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o propósito de garantir que os termos da outorga que lhe foi dada sejam rigorosamente respeitados, assegurando que o uso da água a ser transposta se faça de maneira racional e sustentável, e para conclamar as populações das bacias receptoras do Ceará, Rio Grande do Norte, Paraíba e Pernambu-co a se engajarem na luta pela revitalização do São Francisco.O senhor tem dito em suas palestras pelo Bra-sil que é preciso pensar o impacto da transposi-ção, pois há inúmeros projetos sendo elaborados nas bacias receptoras e que vão depender das águas do São Francisco, somados a projetos es-truturais em andamento na bacia e à própria di-nâmica existente de usos múltiplos. Haverá água para suprir toda essa demanda?Há crescentes demandas de água projetadas e de grande porte, inclusive, projetos de novas transpo-sições em elaboração, bem como usinas nucleares, pequenas centrais hidrelétricas, novos barramen-tos, novos projetos de irrigação, novas fronteiras agrícolas e assim por diante. Isso exige a celebra-ção, o quanto antes, do Pacto das Águas da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco, sob o risco de enfrentarmos brevemente grandes cenários de conflito pelo direito de uso das águas são-francis-canas. A grande plataforma para a consecução des-se Pacto das Águas, sem dúvida, é o Plano Diretor de Gestão de Recursos Hídricos que o CBHSF vai aprovar até agosto deste ano.

No final do ano passado, em uma reunião no Mi-nistério da Integração, o CBHSF ouviu a promessa de que o Programa da Revitalização da Bacia do São Francisco finalmente “sairia do papel”. Até agora, nada aconteceu. O senhor acredita que ain-da possa ser iniciado no atual governo?É claro que as incertezas que rondam a composição do governo federal em face da crise político-institu-cional refletem negativamente sobre programas de longo curso, como é o caso do Programa da Revi-talização, que, de fato, ainda não deslanchou, ape-sar de ter se passado mais de uma década do seu anúncio. Porém, haja o que houver, seja qual for o governo, a luta pela Revitalização do São Francisco continuará sendo uma reivindicação prioritária e di-ária do nosso comitê.

O Comitê tem pautado suas ações muito em fun-ção da realização de obras hidroambientais nas áreas ribeirinhas e em projetos de saneamento básico nas cidades da bacia. Qual a sua avaliação sobre tais iniciativas? São experiências de pequeno porte, mas de grande alcance demonstrativo e prático também. Nossos projetos de recuperação hidroambiental já se es-tendem por toda a bacia, em vários estados, traba-lhando com recarga de aquíferos, proteção de nas-

centes, recomposição de matas ciliares, combate à erosão, educação ambiental e mobilização comu-nitária a favor da água. Por outro lado, o CBHSF é hoje, com muito orgulho, o maior financiador de Planos Municipais de Saneamento Básico (PMSBs) na Bacia do São Francisco.

Por que é tão difícil uma ação articulada dos esta-dos da bacia, na busca de soluções para os proble-mas vividos pelo São Francisco? A força de velhos costumes políticos, que privilegiam obras físicas em detrimento de gestão eficiente da coisa pública, inclusive da água, aliada a uma velha atitude de desconfiança do Poder Público para com a sociedade, além de uma visão que não prioriza a questão ambiental e o desenvolvimento sustentá-vel, criam um ambiente refratário à solução democrá-tica e compartilhada dos problemas. Nos dias de hoje, os governos precisam compreender que sozinhos não serão capazes de resolver quaisquer dos grandes de-safios de nossa época. No que tange à questão hídri-ca, é imprescindível que nossos gestores entendam a importância de se aliarem à sociedade civil e aos usu-ários das águas, sejam eles grandes ou pequenos, se quiserem de fato se antecipar e resolver as grandes crises de escassez e qualidade da água que já estão delineadas no horizonte deste novo século.

De que forma o senhor vê a tendência de aumento dos conflitos pelo uso das águas do São Francisco, tendo em vista interesses eventualmente díspares entre os usuários?Se não fizermos um Pacto da Legalidade, em que os estados da bacia de fato se comprometam a tirar a Lei das Águas do papel e universalizar os instrumentos da gestão hídrica (apoio aos comitês estaduais, co-brança pelo uso das águas, sistemas confiáveis de outorga, planos diretores de bacias, enquadramento dos rios), dificilmente seremos capazes de harmoni-zar os interesses conflitantes dos usuários das águas e promover um crescimento econômico que se possa minimamente chamar de sustentável.

A criação do Dia Nacional em Defesa do Velho Chico teve boa repercussão junto à opinião pública, dando maior visibilidade ao Comitê. Fora isso, considera que esta ação poderá resultar também em medidas efetivas a favor da bacia?Estamos em plena era do conhecimento e da comu-nicação globalizada. Nesse contexto e numa bacia hidro-gráfica que ocupa cerca de 8 % do território brasileiro e

abriga uma população de quase 18 milhões de pessoas, o CBHSF acertou em cheio quando criou essa campa-nha, inclusive dando visibilidade nacional às suas ações e aos problemas do São Francisco. Sem dúvida, isso produz frutos capazes de impulsionar ações práticas em favor da gestão sustentável das nossas águas e maior articulação dos entes institucionais que compõem esse cenário.

O CBHSF realizará em junho o I Simpósio da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco, reunindo as uni-versidades do território são-franciscano. Como a academia poderá colaborar na solução dos graves problemas ambientais da bacia?Um dos papéis do Comitê é propiciar uma melhor arti-culação dos diversos segmentos da sociedade em tor-no da questão da água. Por isso, promovemos regu-larmente encontros com os comitês de rios afluentes, com as comunidades tradicionais, como quilombolas e indígenas, encontros e parcerias com agentes do Mi-nistério Público, com irrigantes e tantos outros. Agora, pela primeira vez, em articulação com as instituições de ensino superior da bacia, estamos propiciando um grande encontro de pesquisadores e estudiosos, para que conheçam os desafios do CBHSF, nos ajudem na resolução dos grandes gargalos da gestão hídrica e, ao mesmo tempo, troquem informações sobre o es-tado da arte da pesquisa científica em torno do rio São Francisco e seus afluentes.

O Plano Decenal da Bacia está em vias de ser concluído. Qual a sua expectativa em relação ao que ele poderá proporcionar de avanço na adoção de medidas práticas para a sustentabilidade do São Francisco? O Plano, amplamente revisado e enriquecido, atu-aliza o diagnóstico da bacia, avalia diretamente a percepção das populações do território do São Francisco em torno dos problemas da água, traça grandes cenários e prognósticos sobre o desen-volvimento econômico e socioambiental desse universo, atualiza os balanços hídricos e oferece um competente cardápio de ações, medidas e investimentos necessários para garantir a susten-tabilidade atual e futura do desenvolvimento dessa vasta região em relação às demandas racionais de quantidade e qualidade de água.

Como será o futuro do São Francisco?No contexto da minha expectativa, e tomando de empréstimo uma ideia que já ouvi em algum can-to, acho que futuramente teremos um Novo Chi-co, se conseguirmos mudar as matrizes agrícola e energética da bacia para uma direção susten-tável e moderna; se conseguirmos universalizar a gestão hídrica de qualidade nos estados são-francisca-nos; se conseguirmos paralisar a destruição acelerada dos biomas da Caatinga e do Cerrado e se fizermos o saneamento básico de todas as cidades da bacia.

“SE OS ESTADOS DA BACIA NÃO SE COMPROMETAM A TIRAR A LEI DAS ÁGUAS DO PAPEL E UNIVERSALIZAR OS INSTRUMENTOS DA GESTÃO HÍDRICA, DIFICILMENTE SEREMOS CAPAZES DE HARMONIZAR OS INTERESSES CONFLITANTES DOS USUÁRIOS DAS ÁGUAS E PROMOVER UM CRESCIMENTO ECONÔMICO SUSTENTÁVEL”

“O PLANO DE RECURSOS HÍDRICOS, QUE ESTÁ SENDO REVISADO E ENRIQUECIDO, ATUALIZA O DIAGNÓSTICOS, TRAÇA GRANDES CENÁRIOS E PROGNÓSTICOS E OFERECE UM COMPETENTE CARDÁPIO DE AÇÕES, MEDIDAS E INVESTIMENTOS NECESSÁRIOS PARA GARANTIR A SUSTENTABILIDADE ATUAL E FUTURA DA BACIA”.

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Devoção às almas

É SEXTA-FEIRA SANTA, O RELÓGIO MARCA 21 HORAS QUANDO, NO FINAL DA RUA,

SURGE UMA SENHORA CARREGANDO UMA CRUZ EM DIREÇÃO AO CEMITÉRIO DO SÃO FRANCISCO, NA CIDADE DE XIQUE-XIQUE,

INTERIOR BAIANO. É MARIA SOLEDADE, 68 ANOS, MAIS CONHECIDA COMO DONA

DADINHA, LÍDER DAS REZADEIRAS, QUE CHEGA PARA PARTICIPAR DO ÚLTIMO DIA

DE ORAÇÕES EM DEVOÇÃO ÀS ALMAS.

TEXTO E FOTOS: ANDRÉ FRUTUOSO

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Segundo a tradição local, esse ritual de lamen-tação é feito por um grupo de pessoas, em sua maioria mulheres, que sai pelas ruas e becos da cidade realizando paradas estratégicas em igre-jas, encruzilhadas e outros pontos para entoar preces em oferecimento às almas de pessoas que foram vítimas, sobretudo, de morte trági-ca. Essa tradição está presente em Xique-Xique e outras cidades ribeirinhas do São Francisco (Barra, Morro do Chapéu etc.) desde a década de 1940 e acontece tradicionalmente no período da Quaresma.Com a chegada de Dona Dadinha e outras re-zadeiras, Seu Guilhermino dos Santos, 78 anos, soa a matraca de maneira intensa e aquele estalo seco toma conta da rua, avisando à vizi-nhança que a "lamentação" vai começar. A cruz, preta, como símbolo de luto, fica encostada no portão do cemitério; um pano branco sobre ela faz alusão ao lençol que cobriu o corpo de Jesus no sepulcro e, perto da parede, muitas velas são acesas antes de o grupo começar a cantar os “benditos de Misericórdia e o Pai Nosso”.

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Acredita-se que as almas que estão no purga-tório acompanham os fiéis penitentes durante a lamentação para se alimentar das orações e, as-sim, conseguir sair das vibrações negativas e dos sofrimentos. Por sua vez, os devotos são ampa-rados pelas almas que já alcançaram caminhos elevados de paz e de luz.

“OFEREÇO A TODAS AS ALMAS QUE MORRERAM ENFORCADAS: IRMÃO DAS ALMAS... PEÇO A DEUS, NOSSO SENHOR, QUE DÊ A ELAS A SALVAÇÃO, Ó IRMÃO DAS ALMAS... REZA, REZA, IRMÃO MEU, REZA PELO AMOR DE DEUS, Ó IRMÃO DAS ALMAS...”, RECITA MARINALVA MARTINS, UMA DAS REZADEIRAS DE XIQUE-XIQUE.

Se tornar rezadeira não é para qualquer um, mas uma tradição que vem de família, onde os cânticos sagrados são passados de geração a geração. “Desde a barriga da minha mãe que faço parte desta manifestação. Acredito e tenho muita fé nas almas, elas nunca me faltaram”, ressalta Dona Dadinha, contando que muitos apuros de sua vida foram amenizados ou vencidos por meio de orações às almas. Como duvidar?

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Feito o registro das imagens, o fotógrafo vai se distanciando do cemitério e das rezadeiras em meio a uma reflexão sobre a fé e seu estranho poder. Uma canção de Gilberto Gil martela na cabeça: “Certo ou errado até, a fé vai aonde quer que eu vá, a pé ou de avião; mesmo a quem não tem fé, a fé costuma acompanhar, pelo sim pelo não...”

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Texto: José Antônio MorenoIlustração: elena landinez

Museu de Arqueologia de XingóO acervo do moderno Museu de Arqueologia de Xingó é uma das atrações de Canindé de São Francisco. Mantido pela Universidade Federal de Sergipe, o museu reflete o projeto de salvamento arqueológico, realizado de 1991 a 1994, antes do enchimento da barragem. Foram escavados 28 sítios classificados como de acampamento, 11 de habitação e dois de habitação e enterramento (São José e Justino). Assim, foram recuperadas 7.802 peças líticas, 21.790 peças em cerâmica, mais de 20 mil restos de fauna e 191 esqueletos. Um acervo que remonta há cerca de nove mil anos.

Usina Hidrelétrica de XingóA Usina Hidrelétrica de Xingó é a quarta maior do País e também é responsável pelo

abastecimento de 25% da energia consumida na Região Nordeste. No Centro de Recepção ao Turista, o visitante recebe informações sobre todo o processo

de construção da barragem – que une os estados de Sergipe e Alagoas –, podendo observar uma maquete talhada em madeira e de ta-

manho 500 vezes menor que o da original.

A bela cidade de Canindé do São Francisco é uma das principais atrações do estado de Sergipe. Sua vocação

para o turismo ganhou impulso com a construção da Hidrelétrica de Xingó, atraindo para o município legiões

de visitantes interessados em diversão e em uma natureza exuberante, que se apresenta sob a forma de cânions, grandes lagos

e outros cenários paradisíacos à beira do Velho Chico.A construção da represa do rio São Francisco criou uma paisagem impressionante, dominada por águas verdes e rochas. De tão bonita, parece algo natural: uma fenda azul recortada por rochas acinzentadas é a primeira imagem que surge para os visitantes do cânion do lago Xingó. Um pedaço de céu clarinho aparece entre as formações rochosas de arenito e granito.

São pedras que parecem polidas à mão e, ao longo da margem, apresentam abóbadas naturais. O lago, que virou um dos pontos turísticos do menor estado brasileiro, é uma extensão do Velho Chico.

CangaçoA associação entre Canindé de São

Francisco e o cangaço é bastante forte. O município viveu momentos dramáticos

durante ações de grupos de cangaceiros nos idos de 1930 e acabou sendo palco da emboscada que resultou na morte de Virgulino Ferreira da Silva, o Lampião.

A Semana do Cangaço, comemorada no mês de julho, é uma das tradições culturais da região e conta com apresentação

de trabalhos acadêmicos, conferências e visitas a lugares históricos. De Canindé, seguindo pelo rio São Francisco, o turista pode percorrer a chamada

Rota do Cangaço, chegando até a Grota de Angicos, local onde o rei do cangaço foi assassinado. No caminho, já na histórica cidade de Piranhas, é feita uma

parada de visitação ao Museu do Cangaço, em cujo acervo se encontram objetos e fotografias dos cangaceiros. Vegetação

A caatinga rasteira, com fauna repleta de répteis, aves e insetos, marca a vegetação, transformando o local

numa das maiores riquezas ambientais do Brasil.

25Fazenda Mundo Novo

Opção para o turismo ecológico e de aventura, a fazenda é um dos mais bonitos parques temáticos do município. Em visita ao lugar, o turista percorre trilhas de sete quilôme-

tros de extensão, observando quatro sítios arqueológicos com pinturas rupestres, além de poder se banhar nas águas cristalinas do Velho Chico.

GastronomiaEntre os diversos pratos típicos do Sertão nordestino, destacam-se o bode guisado ou assado e a pituzada, receita preparada à base

de pitu, uma espécie de camarão de água-doce, retirado do próprio rio São Francisco. Quando

se trata de sobremesa, a goiabada local tem fama de ser uma das mais gostosas

do Brasil, mas também há doces derivados de cacto, com destaque

para o “doce de coroa-de-frade”.

Gruta do TalhadoUma das atrações naturais do município, a gruta tem esse nome porque os paredões de rocha

que formam o cânion parecem talhados à mão.

EconomiaAlém do turismo, a agricultura (milho, tomate, feijão e algodão), a

pecuária (bovinos, caprinos e ovinos) e a avicultura (galináceos) são as principais atividades econômicas do município. A colheita do quiabo chega

a 500 toneladas por semana, abastecendo os estados da Bahia, Alagoas e Pernambuco. Outros produtos cultivados na região são o feijão-de-corda, o

milho, a acerola e a goiaba.

Turismo Portão de entrada para quem deseja conhecer o Complexo Turístico de Xingó, que compreende os estados de Sergipe, Alagoas e Bahia, Canindé de São Francisco é o destino da maioria dos turistas que visita o território sergipano. O local atrai quem se interessa pela prática de turismo

ecológico e esportes radicais, mas também é um convite aos que preferem navegar pelas águas calmas da região, em agradáveis passeios de catamarãs e lanchas, contemplando

belíssimas paisagens.No percurso, diversas formações rochosas chamam a atenção pela beleza. Vale destacar a Pedra da Águia, cujo topo tem o formato da cabeça do animal, e o Morro do Macaco, assim

denominado pela presença de grupos de macacos-prego antes do enchimento da barragem. Completam a paisagem a vegetação da Caatinga e as muitas espécies de animais que

habitam a região, como calangos e corujas.

FolcloreHá mais de 70 anos, a manifestação folclórica Cavalhada faz a festa

na cidade. Como o próprio nome sugere, trata-se de um grupo de cavaleiros que sai pelas ruas centrais de Canindé distribuindo alegria, tradição e arte.

Tem conexão com o catolicismo, pois representa a guerra dos mouros contra os cristãos. Por isso mesmo, os cavaleiros participantes

simulam lanças e outras armas de guerra confeccionadas em papel crepom, nas cores verde, vermelho e branco. O grupo folclórico, que foi criado pelo vaqueiro José Ventura, hoje é um dos mais importantes em atuação no

estado de Sergipe.

CulturaCanindé de São Francisco é a cidade dos sanfoneiros. Essa tradição recebeu um grande impulso com a criação da Escolinha de Sanfoneiros, a primeira do Nordeste, que inicia garotos de 8 a 14 anos de idade nos trios “pé de serra” da região. Um dos mestres locais é José Alves Machado, o “Esquerda do Acordeão”, que intercala os shows com as aulas no projeto.

Cinema e TelevisãoOs belos cenários de Canindé do São Francisco estão presentes em filmes e outros produtos da ficção. Na década de 1980, a paisagem agreste do município serviu de locação para o filme Sargento Getúlio, dirigido por Hermano Penna, a partir da obra de João Ubaldo Ribeiro. Mais recentemente, a região de cânions de Canindé sediou os primeiros capítulos da novela Cordel Encantado, enquanto o conhe-cido Vale dos Mestres ambientou as gravações da minissérie Amores Roubados, ambas da Rede Globo.

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A epidemia atual de doenças como Dengue, Zika e Chikungunya, trans-mitidas pelo mosquito Aedes ae-gypti, poderia ser evitada se o Bra-

sil contasse com um serviço de saneamento básico de qualidade. Esse é o alerta feito pela Organização das Nações Unidas em comuni-cado oficial publicado em março deste ano. A entidade afirma que 100 milhões de pesso-as vivem atualmente sem acesso a sistemas adequados de saneamento na América Latina e 70 milhões não têm água encanada. O do-cumento destaca que quando as pessoas não têm serviços de saneamento tendem a arma-zenar água de maneira insegura, o que favo-

rece a proliferação de mosquitos. “Enquanto o mundo procura soluções de alta tecnologia para combater o vírus Zika, não devemos es-quecer o péssimo estado do acesso à água e ao esgotamento sanitário para as populações desfavorecidas”, disse o relator especial das Nações Unidas para o Direito Humano à Água e ao Saneamento, Léo Heller.“Investimento em saneamento reduz em mais de 50% os gastos com a saúde pública. Sem cuidar da água e do saneamento, acabamos por nos tornar reféns de doenças dos sécu-los passados, nas quais o grande inimigo é um mosquito que tem encontrado ambiente propício para sua reprodução acima da nor-

DE COSTAS PARA O RIONÃO FOI POR ACASO QUE

MUITAS CIDADES DA BACIA DO SÃO FRANCISCO –

COMO, DE RESTO, EM TODO O PAÍS - NASCERAM E SE

ESTRUTURARAM DANDO AS COSTAS PARA O RIO. O FATO

É QUE O RIO FUNCIONAVA PARA ESSAS CIDADES COMO

O GRANDE DEPOSITÁRIO DOS DEJETOS SANITÁRIOS E DE

TUDO AQUILO QUE PODERIA SER CHAMADO DE “LIXO”.

ESSA CULTURA DE DESPREZO PELO MEIO AMBIENTE, QUE

SE IMPÕE ATÉ OS DIAS ATUAIS, TORNOU-SE UM DOS MAIORES EMPECILHOS PARA

A DISSEMINAÇÃO DE MEDIDAS PRÁTICAS DE SANEAMENTO

BÁSICO, FUNDAMENTAIS À GARANTIA DE PADRÕES ACEITÁVEIS DE HIGIENE E

SAÚDE PARA AS POPULAÇÕES. POR ESTA RAZÃO, O COMITÊ

DA BACIA HIDROGRÁFICA DO RIO SÃO FRANCISCO (CBHSF)

RESOLVEU FINANCIAR A ELABORAÇÃO DE PLANOS

MUNICIPAIS DE SANEAMENTO BÁSICO PARA AS CIDADES DA BACIA. ATÉ AGORA, 26 PMSBs

FORAM ELABORADOS NOS ESTADOS DE MINAS GERAIS,

BAHIA, PERNAMBUCO, ALAGOAS E SERGIPE – UM INVESTIMENTO

SUPERIOR A R$6 MILHÕES, ORIUNDOS DA COBRANÇA PELO

USO DAS ÁGUAS DO RIOTEXTO: ANDRÉ SANTANA

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DE COSTAS PARA O RIOPLANOS MUNICIPAIS DE SANEAMENTO BÁSICOTotal: 26Investimentos: Até 2016: cerca de R$6 milhões Até 2018: cerca R$8 milhões

Planos finalizados ou em andamento:

ALTO SFBom Despacho (MG), Lagoa da Prata (MG), Moema (MG), Pompéu (MG), Abaeté (MG) e Papagaios (MG)

MÉDIO SFAngical (BA), Catolândia (BA), São Desidé-rio (BA), Barra (BA) e Cariranha (BA), Bar-ra do Mendes (BA)

SUBMÉDIO SFPesqueira (PE), Flores (PE) e Afogados da Ingazeira (PE), Jacobina (BA), Miguel Cal-mon (BA) e Mirangaba (BA)

BAIXO SFBelo Monte (AL), Igreja Nova (AL), Feira Grande (AL) e Traipu (AL); Ilha das Flores (SE), Propriá (SE) e Telha (SE)

Distribuição por estado:BA: 9MG: 6AL: 4PE: 3SE: 3

malidade”. A fala do presidente do Comitê da Ba-cia Hidrográfica do Rio São Francisco, Anivaldo Miranda, casa com a do organismo internacio-nal, demonstrando que a decisão do colegiado de investir em saneamento, além de cumprir a missão institucional de dar atenção às águas da bacia, protege a população que dela depende. Conforme a Lei Nacional de Saneamento Básico, nº 11.445/2007, o saneamento básico deve ser entendido como o conjunto de ações ou serviços públicos de abastecimento de água, esgotamen-to sanitário, drenagem e manejo de águas plu-viais, limpeza urbana e manejo de resíduos sóli-dos. “Infelizmente, não existe um levantamento atual da cobertura dos serviços de saneamento

básico da bacia do rio São Francisco, pois os da-dos do Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento (SNIS), operado pela Secretaria Nacional de Saneamento Ambiental do Ministé-rio das Cidades, ainda não dispõe de dados de abastecimento de água, esgotamento sanitário e manejo de resíduos sólidos de  todos os municí-pios brasileiros. Dessa forma, fica difícil estimar o déficit dos serviços”, explica o professor Dou-tor Luiz Roberto Santos Moraes, PhD em Saúde Ambiental pela University of London/ UK e pro-fessor titular em Saneamento da Universidade Federal da Bahia (Ufba).Atualmente, em se tratando da luta pela mini-mização dos impactos ambientais decorrentes

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da deficiência de saneamento básico, o CBHSF é o maior financiador de Planos Municipais de Saneamento Básico da Bacia do São Francisco. Por meio de sua agência delegatária, a AGB Peixe Vivo, o Comitê já investiu cerca de R$6 milhões (oriundos da cobrança pelo uso das águas do rio) na elabo-ração de 26 Planos Municipais de Saneamento Básico nas diversas regiões, distribuídos pelos estados de Minas Gerais, Bahia, Pernambuco, Alagoas e Sergipe. Os técnicos envolvidos na concepção do plano definem projetos emer-genciais em curto, médio e longo prazo nas áreas de abastecimento de água, esgotamento sanitário, manejo de águas pluviais e resíduos sólidos, além do desenvolvimento jurídico institucional. Uma vez elaborados e aprovados pelos poderes municipais, os Planos terão sua execução a cargo das prefeituras ou por concessões privadas ou públicas.Entre as localidades contempladas com Planos de Saneamento, encontram-se: Pesqueira, Flores e Afogados da Ingazeira, todas do Sertão do Pajeú, afluente pernambucano do Velho Chico; as cidades mineiras de Bom Despacho, Lagoa da Prata, Moema, Pompéu, Abaeté e Papagaios; os municípios alagoanos de  Belo Monte, Igreja Nova, Feira Grande e Traipu; as sergipanas Ilha das Flores, Propriá e Telha; as baianas São Desidério, Barra e Cariranha. “A concepção dos membros do colegiado ao escolher a elaboração do plano como prioridade se baseia no en-tendimento de que sanear significa evitar vários problemas sociais, ambientais, hídricos e de saúde”, define Luiz Dourado, membro da Câmara Técnica Institucio-nal e Legal. Dourado explica que a escolha das cidades para receber o Plano de Saneamento é feita a partir de critérios que têm como base o Índice de Desenvol-vimento Humano do município (IDH) e a vulnerabilidade socioambiental.

PARCERIAS COM ÓRGÃOS PÚBLICOS“Tenham a certeza de que essa ação vai refletir diretamente na qualidade de vida dos moemenses e do rio. Garanto que o plano que recebemos é a maior obra que vou deixar para a minha cidade”, disse o prefeito da cidade de Moema (MG), Julvan Rezende Araújo Lacerda, ao ser contemplado pelo CBHSF com o Plano Municipal de Saneamento Básico. Já o prefeito de Barra (BA), no Médio São Francisco, Artur Silva Filho, elogiou o apoio recebido do Comitê para a construção do Plano Municipal de Saneamento Básico. “Neste momento, em que os municípios brasileiros sofrem com uma séria dificuldade financeira, a contribuição do Comitê é fundamental, já que dificilmente conseguiríamos fa-zer isso sozinhos. Com o Plano, poderemos captar recursos federais”. A partir da Lei Federal 11.445/2007, a existência do PMSB passou a significar para o município a possibilidade de garantir verbas do governo federal para aplicação em ações como tratamento de efluentes domésticos, de resíduos sólidos e oferta de água tratada.

Uma das principais prioridades estabelecidas pelo Comitê do São Francisco, a partir da cobrança pelo uso das águas do Velho Chico, foram os investimentos em saneamento básico. “Com um recurso pouco suficiente para atender ao grande déficit de saneamento nas cidades da bacia, o CBHSF buscou par-ceria e articulação com os órgãos públicos para efetivação de políticas pú-blicas neste sentido”, explica Luiz Dourado, pontuando que a partir dessas articulações surgiram importantes iniciativas voltadas para o saneamento na bacia. “Exemplo disso foi o grande trabalho promovido na Região Metro-politana de Belo Horizonte, por meio da Estação de Tratamento de Esgoto Onça [em funcionamento desde 2006], e as nove estações de tratamento nas cidades da bacia do rio Salitre, afluente do São Francisco na Bahia”.O PMSB é importante para um município por se tratar do instrumento de planejamento participativo do saneamento básico, sendo composto de diagnóstico técnico-participativo (dos quatro componentes do saneamen-to básico), prospectiva e planejamento estratégico (estabelecimento de cenários) e de programas, projetos e ações (inclusive de emergências e contingências) a serem implementados no período de 20 anos, visando à universalização dos serviços (atendimento de toda a população). De acordo com o especialista em recursos hídricos Luiz Moraes, para ela-borar o PMSB, o município deve tomar uma decisão política e não ape-nas procurar atender ao estabelecido na Lei 11.445/2007. “Os municípios acusam dificuldades de existência de pessoal qualificado próprio e de re-cursos financeiros para elaborar o PMSB, porém, mesmo os que conseguem recursos do governo federal têm dificuldade de cumprir o cronograma de elaboração do Plano, fruto também da falta de cultura institucional no País, principalmente em relação à importância do planejamento”. Uma vez elabo-rado, para colocá-lo em prática tornam-se necessários recursos financeiros, estrutura institucional e equipe mínima.De acordo com o professor Luiz Moraes, falta também informação sobre a existência ou não de PMSB nas cidades da bacia. “Com as Caravanas de Saneamento estamos tendo a oportunidade de perguntar diretamente aos representantes dos municípios sobre a existência ou não do plano”, informa, referindo-se a uma iniciativa do Ministério Público da Bahia, estendida ao es-tado de Alagoas, que contou com o apoio do CBHSF para a visita a 14 cidades consideradas polos da região, a fim de oferecer oficinas sobre saneamento.

TRANSTORNOS EM PETROLINA“O diálogo de saberes é exercitado, muito conteúdo sobre o assunto é abor-dado e os participantes saem da semana de trabalho com a intenção de trabalhar para melhorar o saneamento básico em seus municípios e dar início à elaboração dos PMSB”. Moraes elogia a atuação do Ministério Público ao firmar os Termos de Ajustamento de Conduta (TAC) para que os municípios adotem as providências necessárias a dar maior atenção e melhorar os servi-ços públicos de saneamento básico. “Alguns municípios da bacia dispõem de serviços de abastecimento de água e de esgotamento sanitário que atendem bem à sede municipal, alguns prestados por Serviços Autônomos de Água e Esgoto, outros por Companhias Estaduais na mesma área, porém com atendi-mento precário ou mesmo inexistente no meio rural. Muito ainda necessita ser feito para universalizar esses serviços”.A falta de saneamento básico e de esgotamento sanitário adequado causa trans-tornos em importantes cidades da bacia, como Petrolina, em Pernambuco, um dos principais polos de desenvolvimento do Vale do São Francisco, sem o devido sistema de tratamento de água e esgoto, de responsabilidade da Companhia Per-nambucana de Saneamento (Compesa). Em diversos bairros, é possível ver os dejetos correrem pelas valetas a céu aberto, somando-se ao lixo acumulado pela população. E tudo é jogado nas águas do Velho Chico. Na área mais próxima da orla da cidade, a água do rio é tomada por baronesas, plantas aquáticas que proliferam ao sinal de poluição proveniente do despejo de esgoto nos rios. As baronesas, também cha-madas de aguapé, são espécies de filtros que se alimentam dos dejetos. É a na-tureza se defendendo do que não lhe pertence.

Orla de Petrolina (PE), onde as baronesas

proliferam: indício de alto grau de poluição

por despejo de esgoto sem tratamento.

O Plano de Saneamento Básico é importante para o município por se tratar do instrumento de planejamento participativo do saneamento, sendo composto de diagnóstico técnico-participativo e de programas, projetos e ações a serem implementados.

FOTO: IVAN CRUZ

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Cidade ameaçadaA ESCASSEZ DE ÁGUAS SUPERFICIAIS, PROVOCADA POR LONGOS

PERÍODOS SEM CHUVA NO SEMIÁRIDO BAIANO, INTENSIFICOU A DEPENDÊNCIA DA POPULAÇÃO DO MUNICÍPIO DE LAPÃO EM RELAÇÃO ÀS ÁGUAS SUBTERRÂNEAS ARMAZENADAS EM UM IMPORTANTE AQUÍFERO DA REGIÃO. CONTUDO, AS

CARACTERÍSTICAS DA FORMAÇÃO ROCHOSA CALCÁRIA DO SUBSOLO DA CIDADE NÃO RESISTIRAM AO EXCESSO DE RETIRADAS

DE ÁGUA, INCLUSIVE, PELA CRESCENTE PERFURAÇÃO DE POÇOS SEM OUTORGAS NA ÁREA. O RESULTADO DO IMPACTO FORAM ABALOS GEOLÓGICOS OCORRIDOS DESDE 2008, QUE CAUSARAM RACHADURAS EM IMÓVEIS, FENDAS NAS RUAS DA CIDADE E AUMENTO DA DIMENSÃO DA GRUTA DO LAPÃO. EM MEIO À APREENSÃO E AO MEDO, OS MORADORES SOFREM

AS CONSEQUÊNCIAS, ENQUANTO AGUARDAM ESTUDOS MAIS OBJETIVOS SOBRE OS RISCOS DE NOVOS TREMORES.

TEXTO: ANDRÉ SANTANA FOTOS: ANDRÉ FRUTUOSO

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Um dito popular, transmitido há várias gerações na cidade de Lapão, no Se-miárido da Bahia, alerta que um dia a cidade irá “afundar sete léguas em

quadro”. Essa preocupação com o possível destino catastrófico da cidade integra uma série de fan-tasias que envolvem a Gruta do Lapão, originada por dissolução de rochas carbonáticas, em torno da qual cresceu a cidade, no início do século XX, inicialmente integrando o município de Irecê e, depois, autônoma, a partir de 1985. Pela cidade passa o rio Juá, que corre para abastecer os rios Verde e Jacaré, afluentes do São Francisco. Abalos geológicos recentes no município causaram danos aos imóveis na cidade, medo entre os moradores e impulsionaram diversos estudos de órgãos am-bientais sobre a formação do solo local e os verda-deiros riscos para a população de cerca de 27.500 habitantes (Censo 2015/estimado). Além de rituais religiosos, como a “Alimentação das Almas”, que ocorre no cemitério da cidade durante a Semana Santa, há no imaginário coletivo lendas sobre a gruta, contadas pelos antigos moradores, como o desaparecimento de animais de grande porte e até de pessoas nas cavernas subterrâneas, sem que nunca mais se encontrassem suas ossa-das. O clima de mistério na cidade ganhou ainda mais elementos fantásticos quando, em outubro de 2008, às vésperas das eleições municipais, um grande estrondo pôde ser ouvido por todo lado e pedras rolaram da gruta, aumentando a dimensão da sua abertura. Também foram per-

cebidas rachaduras em diversas casas, gerando muita apreensão na cidade. “Os populares chegaram a acreditar que se tra-tava de um aviso divino, já que a eleição daque-le ano era disputada entre um candidato reco-nhecidamente muito religioso e outro, não. Na época, o medo foi grande e muitos foram morar em cidades vizinhas ou até em outros estados”, conta o administrador Jardeu Oliveira, assessor técnico da Prefeitura Municipal de Lapão.

AQUÍFERO E ACIDENTES GEOLÓGICOSOs estudos de órgãos como o Instituto de Pesqui-sa Tecnológica do Estado de São Paulo (IPT) e da CPRM – Serviço Geológico do Brasil revelaram que a ocupação urbana de Lapão se deu sobre áreas de formação cárstica suscetíveis à ocor-rência de acidentes geológicos. Por outro lado, esse tipo de formação também é propício ao

acúmulo de água em fendas, criando um imenso reservatório subterrâneo. “O aquífero Cárstico é de extrema importância para a região, pois o uso das águas subterrâneas supre o déficit de águas superficiais. É fundamental para a sobrevivência no Semiárido”, explica Leonardo de Almeida, es-pecialista em Recursos Hídricos da Agência Na-cional das Águas (ANA) e responsável pelos Es-tudos Hidrogeológicos do Aquíferos Cársticos da Região Hidrográfica do São Francisco, que teve a cidade de Lapão como foco. “A pesquisa utilizou Lapão como piloto das observações por ser uma região bastante vulnerável, por conta das rochas carbonáticas, suscetíveis a soluções geológicas e que já apresentavam rebaixamento no nível

A Fonte de Lapão, que deu origem à cidade

baiana, possui uma gruta cercada de lendas,

abalos geológicos e desaparecimento

de animais

Quadra de esportes

no Centro da Cidade,

próxima à Gruta de Lapão,

precisou ser demolida

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dos reservatórios subterrâneos”. Os estudos da ANA ainda não estão finalizados, mas a explora-ção indiscriminada de água por meio de poços clandestinos é uma preocupação latente. Os especialistas acreditam que a forte seca que castigou a região de Irecê e Lapão com um lon-go período sem chuvas levou a uma busca ainda maior pelas águas subterrâneas, impactando na movimentação das rochas. “Além dos processos naturais relacionados à evolução cárstica, essas áreas, por sua natureza física específica, podem apresentar acidentes induzidos: pela ocupação urbana, por atividades agrícolas, pela captação de água subterrânea, por lançamento de es-gotos e pela extração mineral em seu entorno. Quando essas atividades são desenvolvidas sem critérios técnicos adequados e sem planejamen-to, acabam deflagrando processos que induzem a acidentes geológicos, como subsidências e co-lapsos de solo e de rocha”, apontou na época o relatório do extinto Instituto de Gestão das Águas e Clima (Ingá), da Secretaria de Meio Ambiente do Governo da Bahia.Além das ruas e casas da região central da cida-de, próximo à Gruta de Lapão, outros imóveis fo-ram atingidos pelos abalos, como a comunidade Ida Cardoso, cujas casas apresentaram racha-duras de até um palmo e seis famílias de mo-radores, de uma mesma rua, tiveram que aban-donar suas residências. Nada tão impactante como o buraco que surgiu nas terras da família de Audieres de Castro, na Fazenda Baixa Funda, povoado de Boa Sorte, área rural do município.O agricultor conta que seu pai estava tranquila-mente tirando leite das vacas quando ouviu um estrondo. “Ele se virou e já estava o buraco pro-fundo no meio do terreno”, conta. O poço, do qual retirava água para irrigar a pequena plantação de legumes, foi aterrado. Atualmente, as terras são ocupadas apenas pelas poucas cabeças de gado leiteiro. Outro poço foi perfurado em um terreno mais alto, para retirar a água utilizada no plantio do milho e da palma, que alimentam os animais. “O medo de que o buraco aumente

existe, mas o que vamos fazer se precisamos da terra para sobreviver?”, indaga o agricultor.O mesmo questionamento sobre como sobrevi-ver em meio aos riscos do subsolo da cidade foi feito, em 2008, pelos 26 membros da Associação de Fruticultores da Adutora da Fonte. A asso-ciação, criada na década de 1990, ganhou esse nome por conta de um poço que abastecia a ci-dade antes da chegada da água da Adutora de Mororós. A família Dourado cedeu, em sistema de comodato, um terreno para ser explorado pe-los agricultores. “Cada fruticultor ficava com um hectare e ou-tros cinco hectares eram explorados de forma comum. Plantávamos frutas como limão, ma-mão e, especialmente, pinha, além de legumes e hortaliças”, explica Marcelo Abade dos San-tos, presidente da Associação. A Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba (Codevasf) forneceu equipamentos para o sistema de irrigação, como bombas e fil-tros, e os produtores receberam capacitação da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária

(Embrapa).“Optamos por essas frutas, especialmente a pi-nha, pela menor necessidade de água, boa acei-tação no mercado e pelo consumo na própria região”, explica o agricultor. A produção foi cres-cendo e os produtores conseguiam um desenvol-vimento econômico satisfatório. “Chegamos a pro-duzir uma média de 37 toneladas de cenoura por hectare, em uma única safra, e mais 15 toneladas de pinha, 40 toneladas de cebola, além de tomate e mamão. Com algumas dessas culturas era possí-vel obter até três safras por ano”, calcula Marcelo dos Santos, mensurando o envolvimento de até 80 trabalhadores por lote nas etapas da produção, en-tre poda, polinização artificial e coleta. “Em 2008, Lapão começou a rachar e o nosso poço estava no epicentro do problema”. Houve uma de-terminação das autoridades competentes de sus-pender as atividades de cinco poços, e um deles irrigava as terras da Associação. Sem água, os tra-balhos na terra foram interrompidos. “De uma hora para outra, nos vimos impedidos de continuar com nosso trabalho, de onde tirávamos o sustento das nossas famílias. O nosso é o único poço que continua lacrado, sem funcionamento. E até hoje não tivemos nenhum tipo de compensa-ção”, reclama Ednaldo Campos, um dos integran-tes da Associação. Ednaldo, que preside o Comi-tê da Bacia Hidrográfica dos rios Verde e Jacaré, também é membro do Comitê da Bacia Hidrográ-fica do Rio São Francisco. “Hoje, muitos produto-res estão desempregados, vivem de bicos; outros tiveram que plantar em terrenos arrendados para pagar as dívidas”, lamenta.

Área que era explorada pela Associação

de Fruticultores da Adutora da Fonte teve

produção interrompida com o fechamento do

poço em virtude de abalos geológicos

Um enorme buraco surgiu nas terras da família

do agricultor Audieres de Castro. “O medo de

que o buraco aumente existe, mas o que vamos

fazer se precisamos da terra para sobreviver?”

Além das ruas e casas da região central da cidade, outros imóveis foram atingidos pelos abalos. Na comunidade Ida Cardoso, as casas apresentaram rachaduras de até um palmo e seis famílias tiveram que abandonar suas residências.

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GUERRA DE CARIMBOSA Prefeitura de Lapão reconhece que há um grande conflito de interesses no uso das águas subterrâ-neas da cidade. De um lado, o risco, ainda não to-talmente conhecido, de extração da água por meio de poços; de outro, a necessidade dos produtores rurais de água para a irrigação de suas terras. “A suspensão dos poços não atingiu apenas Lapão, mas outras localidades, por não se poder mais re-tirar água do rio Juá. A prefeitura tenta sensibilizar os órgãos de fiscalização de que a agricultura pra-ticada na cidade não é extrativista. É quase de sub-sistência”, explica Jardeu Oliveira, assessor técni-co municipal. Ele também considera que deveria haver uma maior vigilância por parte dos órgãos competentes, impedindo as retiradas desordena-das. Atualmente, o número de poços na região é muito maior do que os outorgados. “Há uma falta de resposta dos órgãos competentes. Os produtores não querem viver na clandestinidade. Eles furam poços porque precisam da água para sobreviver”, defende Oliveira, acusando a desorganização entre os órgãos ambientais na tramitação dos processos. “Os órgãos não se comunicam. Há uma guerra de carimbos”. Outro que aguarda uma resposta mais concreta por parte dos órgãos públicos é o comerciante Roberto Mário Mangueira Carvalho, filho de produtores rurais de Lapão, que sempre sonhou investir em negócios na sua cidade natal. Em novembro de 1997, o desejo de Roberto Carvalho parecia que havia se concre-tizado com a inauguração do supermercado Mix

Mercado, o maior empreendimento comercial da cidade, com 1.300m de área construída. “O mer-cado alimentava fortemente a economia da cida-de, pois pagávamos impostos aos órgãos públicos, empregávamos 14 famílias locais, além de termos mais de 130 empresas cadastradas. Desses, al-guns eram pequenos agricultores e produtores rurais”, lembra Carvalho. Os negócios iam tão bem que o comerciante in-vestiu recursos na ampliação do supermercado. Até que em 2012 uma nova série de abalos geo-lógicos no subsolo de Lapão provou rachaduras na construção e em residências vizinhas. Uma sondagem da CPRM indicou os riscos que aque-

la região corria e uma determinação dos órgãos municipais suspendeu o funcionamento do esta-belecimento comercial. “Em 31 de dezembro de 2014 fechamos o mer-cado, causando uma tristeza muito grande nos funcionários, fornecedores e nos moradores da cidade”, lembra Roberto Carvalho. Dia de mui-ta tristeza para o padeiro José Roberto Oliveira, que trabalhava no local desde 2008. “A notícia foi muito impactante. Causou um rebuliço na cida-de. Era tanta gente querendo ajudar, carregar as coisas. Só vendo que tristeza”, conta José Ro-berto. “Até hoje a cidade não tem nenhuma em-presa como essa, desse tamanho, empregando tantas famílias”, lamenta. Roberto Carvalho ainda tentou alugar outro es-paço e manter parte dos funcionários nos últi-mos três anos, mas o prejuízo foi demasiado. “Estou fechando definitivamente o mercado, pois a renda nesses anos foi suficiente apenas para pagar as rescisões de todos os funcioná-rios e outras dívidas. Vou voltar para a roça”, diz o comerciante com muita emoção na fala, reclamando não ter recebido nenhum apoio da gestão municipal. Seja no caso do comerciante ou dos moradores que tiveram suas casas comprometidas, seja na situação da Associação de Fruticultores da Adu-tora da Fonte, a prefeitura alega que “o poder público cuida do interesse coletivo e não do pri-vado”, afirma o assessor técnico Jardeu Oliveira Leão. “A administração pública não pode repa-rar de forma pecuniária; poderia oferecer ou-tros terrenos do município, como foi sugerido, mas, para isso, é preciso que o local em questão passe para o domínio público, e isso muitos pro-prietários não aceitam”, explica.

Marcelo Abade dos Santos é presidente da

Associação de Fruticultores da Adutora da

Fonte. Produtores ainda amargam prejuízos

pelo fechamento do poço.

Rachaduras colocaram em risco o comércio

de Roberto Mário Mangueira Carvalho,

comprometendo os investimentos na economia

da cidade e na geração de empregos

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O comerciante Roberto Carvalho resolveu fechar definitivamente seu estabelecimento comercial, pois a renda obtida nesses anos foi suficiente apenas para pagar as rescisões dos seus funcionários e outras dívidas.

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PELO TERCEIRO ANO CONSECUTIVO, O COMITÊ DA BACIA HIDROGRÁFICA DO RIO SÃO FRANCISCO CONVOCARÁ TODA A SOCIEDADE PARA UMA INTENSA MOBILIZAÇÃO EM PROL DO RIO MAIS IMPORTANTE PARA A INTEGRAÇÃO DO TERRITÓRIO BRASILEIRO. É A CAMPANHA “EU VIRO CARRANCA PARA DEFENDER O VELHO CHICO”, DO DIA NACIONAL EM DEFESA DO RIO SÃO FRANCISCO, COMEMORADO EM 3 DE JUNHO. TENDO A CARRANCA COMO ÍCONE, A CAMPANHA PREVÊ BARQUEATA E EXPRESSIVA ATUAÇÃO EM COMUNICAÇÃO, TANTO EM MÍDIAS SOCIAIS DIGITAIS COMO NOS MEIOS TRADICIONAIS. UM DOS

DIFERENCIAIS DA CAMPANHA ESTÁ NA INTERAÇÃO ENTRE A CARRANCA

E INTERVENÇÕES ARTÍSTICAS DE DIVERSAS NATUREZAS. DE

SÍMBOLO TRADICIONAL DA REGIÃO SÃO-FRANCISCANA,

A CARRANCA ASCENDE À CONDIÇÃO DE ÍCONE POP.

A arte de virar carranca

TEXTO: ANDRÉ SANTANA

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Mais uma vez, o CBHSF investirá recursos oriun-dos da cobrança pelo uso das águas do rio em uma grande campanha de comunicação e mo-bilização social, chamando a atenção de todos – moradores, ativistas, gestores públicos, auto-ridades políticas, artistas e educadores – para os graves problemas pelos quais passa o rio e sua bacia e para a necessária e urgente revitalização, a fim de que o Velho Chico continue alimentando a vida e a esperança dos 15,5 milhões de brasi-leiros que dependem direta ou indiretamente de suas águas.O povo da bacia será convidado a manifestar, de forma espontânea, seu engajamento à campa-nha pelas redes sociais e nas cidades de Petro-lina, em Pernambuco, e na vizinha Juazeiro, na Bahia. No trecho do rio que corta essas cidades haverá barqueata, com dez embarcações tradi-cionais alertando para a precariedade da atual navegabilidade de um sistema que já serviu de abastecimento e transporte para as cidades bra-sileiras. É esperada uma grande concentração de pessoas no dia 3 de junho, nesses centros urbanos, com a presença principalmente de es-tudantes.

PUBLICIDADE A campanha publicitária deste ano estará cen-trada no caráter inspirador do rio São Francisco para as linguagens artísticas. Serão produzidas e exibidas obras de músicos, videomakers, artis-tas plásticos, quadrinistas, artesãos, grafiteiros e tatuadores, todas inspiradas na força do Velho Chico. “A ideia é tornar a carranca, que já é um símbolo de resistência do povo ribeirinho, tam-bém um ícone pop, inspirador das artes tradicio-nais e contemporâneas”, explica Jorge Martins, diretor de arte da Yayá Comunicação Integrada, responsável pela criação da campanha Eu Viro Carranca para Defender o Velho Chico.

Para Malu Follador, coordenadora do Programa de Comunicação do CBHSF, a campanha será uma oportunidade de revelar como o rio im-pacta a vida das pessoas, mesmo a de quem está nas áreas mais urbanas do País. “Vamos promover uma interação entre artistas con-temporâneos e os mestres e guardiões da cultura e da arte ribeirinha, além de ativistas que militam em defesa do São Francisco. Es-peramos que isso se converta em produções artísticas de muita sensibilidade e forte carga de reinvindicação em prol do rio”, afirma. O re-sultado dos encontros poderá ser acompanhado em fotos, vídeos e cards publicados nos veículos digitais da campanha.

IMPRENSAPara que todas as ações ganhem visibilidade nos principais meios de comunicação de todo o Brasil, será realizada uma coletiva de imprensa com profissionais de veículos nacionais e tam-bém órgãos de imprensa das cidades da bacia. Nesse encontro, os jornalistas e blogueiros vão conhecer a programação da campanha e terão a oportunidade de dialogar com os membros da diretoria colegiada do CBHSF para obter mais conteúdos. Em anos anteriores, a coletiva pro-duziu um grande resultado de divulgação da iniciativa: dezenas de matérias e artigos publi-cados, diariamente, nos jornais e blogs, além de entrevistas em programas de tevê e rádio sobre o rio São Francisco, com um crescimento registrado no período da campanha. Em 2016, as mídias sociais digitais terão um papel fundamental na veiculação da campanha Eu Viro Carranca para Defender o Velho Chico, pelo seu caráter democrático, aglutinador e de engajamen-to social e político. Ferramentas como Facebook, Instagram, , Youtube, além do portal, terão atuali-zação dinâmica, com um rico material informativo

que possibilitará a aquisição de conhecimentos so-bre a bacia do rio São Francisco e o envolvimento de todos na luta por sua defesa. Essas novas mí-dias sociais reforçarão o impacto que as mídias tradicionais já causam na sociedade. “Trabalhamos com o conceito de comunicação integrada, onde cada ferramenta tem sua fun-cionalidade explorada e complementa o esfor-ço maior, que é se comunicar com os diversos públicos, tanto os que vivem às margens do rio, como aqueles que têm responsabilidade de tra-zer transformações para a situação ambiental da bacia, sem esquecer outros formadores de opinião estimulados ao engajamento por essa causa tão nobre”, ressalta Malu Follador. Para o presidente do Comitê da Bacia Hidrográ-fica do Rio São Francisco, Anivaldo Miranda, a campanha em defesa do Velho Chico é uma res-ponsabilidade do colegiado, distribuída por toda a sociedade. “Além de, ao longo do ano, contri-buir efetivamente para a revitalização do rio com as intervenções ambientais nas diversas cidades da bacia e de provocar discussões fundamentais nas diversas esferas de poder e decisão, o Comi-tê quer provocar toda a sociedade para a defesa desse bem comum. O resultado nos últimos dois anos tem sido muito positivo, com um engajamen-to acima das expectativas. Esperamos que este ano não seja diferente, pois ‘virar carranca’ para defender o rio toca na identidade do povo são--franciscano”, destaca Miranda.

Acompanhe toda a campanha no site: virecarranca.com.br

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A campanha que marca o Dia Nacional em

Defesa do Velho Chico, 03 de junho, concentrará

as suas atividades nas cidades ribeirinhas de

Juazeiro (BA) e Petrolina (PE)

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Olimpíadas franciscanasÀS VÉSPERAS DOS JOGOS OLÍMPICOS/ RIO 2016, A PRÁTICA ESPORTIVA À BEIRA DO RIO SÃO FRANCISCO GANHA FORÇA NAS QUATRO REGIÕES DA BACIA (ALTO, MÉDIO, SUBMÉDIO E BAIXO SÃO FRANCISCO), REUNINDO AMANTES DOS ESPORTES EM UM CENÁRIO FASCINANTE. MODALIDADES COMO RAPELL, TREKKING, STAND UP PADLLE, JET SKI, SLACKLINE E ATÉ O BUNGEE JUMPING SÃO GARANTIA DE AVENTURAS AO AR LIVRE.

ALTO SÃO FRANCISCOCONVITE AO ECOTURISMO O Alto São Francisco é a região onde nasce o Velho Chico, a uma altitude de 1.280 metros. No alto das suas montanhas está a nascente histórica desse que é carinhosamente chamado de Rio da Integração Nacional, localizada no Parque Nacional da Serra da Canastra, na cidade de São Roque de Minas, em Minas Gerais. É lá que encontramos parques flo-restais e cachoeiras naturais capazes de tornar a região um dos cami-nhos mais atraentes para a prática do turismo de aventura, envolvendo atividades como trekking, caiaque, rapel, aeromodelismo e montanhismo. No centro-oeste do estado, cidades como Lagoa da Prata e Três Marias são um convite para os amantes do motocross e da vela, proporcionado com-petições já consagradas no cenário nacional, a exemplo do Moto Sunset, organizado pela Associação Rodas de Prata, do Campeonato Nacional de Vela e da Natação no Lago, que acontece no lago de Três Marias, local onde foi instalada a primeira usina hidrelétrica do rio São Francisco, em 1962. Já a emblemática cidade ribeirinha de Pirapora, no norte de Minas, in-seriu em seu calendário esportivo os Jogos Escolares de Minas Gerais, a fim de estimular jovens atletas a praticarem atletismo, ciclismo e ginástica. Próximo a Belo Horizonte, o município de Itabirito, às margens do rio das Velhas, importante afluente do São Francisco, teve a ideia de, anu-almente, organizar caminhadas ecológicas para alunos de escolas públicas. A iniciativa, intitulada “Caminhadas da Natureza”, é realizada sempre no mês de março.

SUBMÉDIO SÃO FRANCISCOPOTENCIAL PARA A AVENTURAO Submédio São Francisco, região na qual o Velho Chico funciona como di-visa natural entre o estado da Bahia e o de Pernambuco, tem presenciado a exploração das águas do rio não somente para atividades agrícolas e abas-tecimento humano, mas também para a prática de esportes náuticos. Em cidades da calha do rio, como na pernambucana Petrolina e nas baianas Paulo Afonso e Juazeiro, além do nado e da canoagem, vêm se consolidando modalidades esportivas mais contemporâneas, como o stand up paddle, jet ski, slackline e até o bungee jumping.Nessas cidades, diversos atletas se reúnem para competições como o Cam-peonato de Triathlon – ciclismo, natação e corrida – e o Open Lake Náutico de Jet Ski, ambos já com algumas edições realizadas na Orla de Juazeiro e Petrolina. É também no meio do Velho Chico, nas águas que dividem essas duas cidades, que se localiza a Ilha do Fogo, um patrimônio natural con-trolado pela Marinha do Brasil, mas utilizada por moradores e visitantes, sobretudo, nos fins de semana, para atividades de lazer e esportivas. Na Ilha, a população encontra um ambiente propício para a prática de natação, vôlei de praia, futebol de areia, peteca, rapel na ponte, canoagem, stand up paddle, slackline e também para treinamento funcional. Às margens do rio, além de diversos atletas, muitos premiados em competi-ções regionais e nacionais, é possível encontrar iniciantes e amadores se aven-turando nos exercícios esportivos. Para isso, podem ser alugados caiaques e pranchas, por exemplo, assim como ter aulas práticas de remo com instrutores capacitados.Os amantes de esportes radicais podem também desfrutar de cidades baia-nas do Submédio São Francisco com grande potencial no quesito aventura, já que a região é rica em cânions, vales e chapadas. Em Jacobina e Paulo Afonso, além de outros esportes, os aventureiros podem arriscar saltos de bungee jumping. Os mais corajosos buscam adrenalina ao pular de cacho-eiras, quedas d´água e paredões naturais que se formam nas águas do rio São Francisco ou de um dos seus afluentes, como o rio Salitre, desafiando a vegetação de caatinga e o clima árido, características da região.

TEXTOS: RICARDO FOLLADOR, WILTON MERCÊS,

DELANE BARROS E ANDRÉ SANTANA

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MÉDIO SÃO FRANCISCOPAREDÃO DE ADRENALINAVoltada principalmente para o turismo de negócios, a região do Médio São Francisco – territorialmente, a maior das quatro divisões da bacia – apro-xima cada vez mais os amantes dos esportes radicais ao oferecer atrativos que destacam belezas formadas por cânions, grutas, vales e corredeiras, ideais para a prática do ecoturismo. Estendendo-se desde a cidade de Pirapora, no centro-norte de Minas Ge-rais, a região abrange uma área de 267 quilômetros quadrados, atraves-sando todo o oeste baiano até o ponto onde se forma o lago represado de Sobradinho, no município de Remanso (BA). É justamente no território baiano que as atividades ganham destaque no cenário esportivo. A pequena São Desidério, que há quatro anos alcançou o posto de principal mercado na produção de grãos e frutas do País, encanta os praticantes de rapel e tirolesa ao oferecer como pano de fundo os recur-sos naturais da bacia do rio Grande, espécie de artéria fluvial da região. O ponto de partida é o cume do “Paredão Deus Me Livre”, situado no distrito próximo de Sítio Grande, a 15 quilômetros do centro do município.Cidades como Barreiras, que se orgulha de ser o principal centro urbano do oeste da Bahia, reservam ainda surpresas para quem quer encontrar paisagens inusitadas e experimentar novas aventuras. Nas redondezas há sítios arqueológicos, montanhas para trekking, cachoeiras e paredões de pedra para rapel, cavernas para os exploradores, bem como os rios Gran-de, de Ondas, de Janeiro e Branco, que são ótimos para canoagem, boia cross e rafting. Os pontos mais badalados são cachoeira do Redondo, serra do Mimo, serra da Bandeira e rio de Ondas.Descer de barco, canoa ou caiaque as águas do São Francisco até o rio Corrente também virou prática rotineira para quem visita a histórica cidade de Santa Maria da Vitória (BA), situada em meio a serras, cerrados e vere-das. A aventura segue até a vizinha Correntina, onde estão localizadas as corredeiras do Jaborandi, cachoeiras do Saco Comprido e Formoso, além do arquipélago das Sete Ilhas.

BAIXO SÃO FRANCISCOESTÍMULO DA FESTA SECULAR A região do Baixo São Francisco, em virtude das belezas naturais dos câ-nions, entre os estados de Alagoas e Sergipe, tem atraído cada vez mais a atenção dos praticantes de stand up paddle, caiaque, natação e corrida de canoa, reunindo turistas de todo o Brasil. O visual exuberante do rio São Francisco na localidade garante aos espor-tistas momentos de prazer, especialmente entre os trechos das cidades alagoanas de Delmiro Gouveia e Penedo, às margens do Velho Chico. Gru-pos de participantes se juntam às atividades náuticas, movimentando a população, o turismo e a economia desses municícios ribeirinhos. Os deslocamentos vão até a foz do São Francisco, no município de Piaça-buçu, distante de Penedo cerca de 15 quilômetros. Algo parecido ocorre no município de Pão de Açúcar, distante 239 quilômetros da capital, Maceió. Lá, o mais comum é encontrar pessoas praticando o que eles chamam de “corrida de canoa à vela”. A competição, que remonta às origens da colo-nização do Baixo São Francisco, exige dos competidores força, destreza e, principalmente, amor ao rio e a suas lendas. Os desafiantes normalmente se reúnem em duas ocasiões: janeiro, para comemorar a festa de Bom Jesus dos Navegantes; e março, para come-morar a Emancipação Política do Município.Um dos momentos de maior movimentação para a prática esportiva na região acontece durante a festa de Bom Jesus dos Navegantes, quando os nadadores mergulham no São Francisco e encaram o desafio de chegar até o encontro do rio com o mar, em um percurso de 42 quilômetros, entre as cidades de Brejo Grande (SE) e Piaçabuçu (AL). Já em terra firme, ho-mens e mulheres partem numa corrida de 11,4 quilômetros. Os exercícios são parte da tradição secular da festa, iniciada em 1891.

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FOTO: IVAN CRUZ

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Conviver com pouca água é quase uma fatalidade na cultura do Semiárido nordestino, mas nada impede que es-forços sejam feitos para superar essa

limitação. A Associação dos Agricultores e Agri-cultoras Familiares do Assentamento Mandaca-ru, na zona rural de Petrolina, em Pernambuco, é uma prova disso. Com muita determinação e espí-rito de luta, a entidade vem garantindo o sustento de diversas famílias moradoras das entranhas do Sertão pernambucano, tendo como base o traba-lho agrícola ecologicamente correto. A Associação, que é integrada basicamente por mulheres agricultoras (cerca de 80% do quadro de associados), tornou-se referência ao aplicar o conceito de agroecologia em uma das regiões mais secas do País, garantindo apoio financeiro e social a produtores rurais iniciantes no processo da produção de frutas, hortaliças e verduras sem utilização de agrotóxicos ou qualquer outro tipo de defensivo. O projeto nasceu do combate à prática da monocultura –exploração do solo com especia-lização em um só produto –, que vinha impactando diretamente a biodiversidade local. As mulheres participantes do projeto são ex-donas de casa ou lavradoras que trabalhavam por conta própria e agora miram objetivos comuns, dividindo funções numa área de cinco mil metros quadra-dos. Na convicção da maioria, não basta produzir para ganhar “um dinheiro” no final do mês. O que elas querem é poder interferir nos destinos da comunidade, que congrega cerca de 70 famílias, trabalhando por sua autoestima e por uma maior consciência ambiental. “Em geral, trabalhadores agrícolas se preocupam apenas com o resultado do plantio, deixando de lado os problemas gerados a partir de práticas erradas e da falta de conhecimento ambiental. Na Associação, passamos a estimular práticas socioeducativas por meio de cursos de capaci-

tação e palestras que valorizem a sustentabi-lidade. Não acreditamos na autossustentação pura e simplesmente. Queremos ser conscien-tes de nossa realidade, do meio ambiente que está a nossa volta. Isso é agroecologia”, explica Ozaneide Gomes dos Santos, presidente da As-sociação, que reúne cerca de 22 famílias direta-mente engajadas na produção agrícola. Recentemente, Ozaneide viu o seu projeto regio-nal ganhar os holofotes da mídia nacional. Ela foi uma das convidadas da produção de Velho Chico, novela da Rede Globo, para relatar sua experiência de sucesso no seminário “Vozes do Velho Chico”, realizado no Museu do Amanhã (RJ) em meio à festa de lançamento do folhetim. Com um jeito sincero e despachado, Ozaneide ganhou a simpatia da plateia logo nos primeiros momentos da apresentação e comoveu ao rela-tar os resultados conseguidos até agora em sua comunidade.

FUGINDO DO VENENOEm vias de se formar como gestora ambiental, Ozaneide Santos resolveu abandonar a prática da agricultura convencional ao aliar a necessi-dade de fugir dos males provocados pelo uso de “veneno” (agrotóxicos) à difusão de um trabalho continuado de educação ecológica na comuni-dade. “A grande diferença é que o nosso proces-so de produção, além de não utilizar adubos quí-micos, tem reconhecimento no coletivo,ou seja, todos participam – cada um no seu momento –, seja na colheita, seja na venda da feira semanal ou na compra dos insumos. E o que é mais im-portante: sempre com a preocupação do uso ra-cional da água e de tudo mais que diga respeito ao meio ambiente do local”, complementa.Segundo ela, a diferença da agroecologia para as outras práticas está na ênfase dada à ques-tão social: “A agricultura orgânica pensa apenas

MULHERES DA ZONA RURAL DE PETROLINA, NO SERTÃO

PERNAMBUCANO, VIRAM REFERÊNCIA AO ADOTAREM

A AGROECOLOGIA COMO BASE PARA A PRODUÇÃO DE FRUTAS, HORTALIÇAS

E VERDURAS, NUMA ÁREA DE CINCO MIL METROS

QUADRADOS, GARANTINDO O DESENVOLVIMENTO

SUSTENTÁVEL NAS PROXIMIDADES DO RIO SÃO

FRANCISCO.

Ecologicamente corretas

TEXTO: RICARDO FOLLADOR

FOTOS: REGINA LIMA

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em produzir alimentos livres da contaminação por agrotóxicos, ao passo que a agroecologia tem como foco o meio ambiente, a preservação da água, a valorização da cultura local. Em nosso projeto, pensamos muito sobre o fortalecimento da juventude rural, a participação da mulher no campo e o aumento da qualidade de vida. Tudo isso, é claro,sempre levando em conta a produ-ção de alimentos saudáveis”.Para chegar ao resultado esperado, algumas etapas de preparo do solo precisaram ser consi-deradas pelos agricultores do Assentamento Man-dacaru, como época do ano, declividade do terre-no, textura e teor de umidade do solo, condições de drenagem e grau de compactação das terras, para garantir um bom índice de impermeabilidade. “Aqui, trabalhamos no sistema de revezamento. De quatro em quatro horas, as famílias se revezam no plantio, na rega e na colheita. Passamos todo o dia dedicados ao campo, somos bem rigorosos nisso. O resultado compensa: os nossos produtos estão livres de agrotóxicos e conservam muito mais suas propriedades nutricionais”, orgulha-se Maria Nilza da Silva, outra agricultora que participa do projeto, lembrando que, na região cultivada pelos mem-bros da Associação, aproveita-se de tudo: “Raspa de pau, restos de comida, urina de vaca, esterco, folha. Tudo vira adubo”, comenta. Começa aí o ca-minho para a colheita de produtos saudáveis.O comprometimento da comunidade e o respei-to às regras na produção garantiram à Associa-ção o cadastro na Organização de Controle Social (OCS), espécie de certificação de qualidade. O grupo de agricultores integra o único assentamen-to, dos 37 situados no entorno de Petrolina, que trabalha com agricultura orgânica. “Sofremos muito no início. Chamavam a gente de sem-

-terra, ladrões... diziam que os assentamentos não tinham nada para oferecer. Hoje, escolas, universidades, turistas vêm à nossa sede para conhecer os nossos produtos. E nós também vamos a eles. Estamos colhendo o que viemos buscar há 17 anos: prosperidade”, defende Cus-tódia Martins Pereira.

ÁGUA DE DIFÍCIL ACESSO Para consumar todo o trabalho foi preciso que os agricultores construíssem duas bombas para captar água do canal que abastece o principal perímetro irrigado da região, operado pela Com-panhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba (Codevasf). “Nossa água é regrada, sendo oito horas desti-nadas ao consumo da comunidade. As demais horas são para irrigar a produção. Se não tivés-semos investido do próprio bolso nesse dispo-

sitivo, ficaríamos sem nada. Estamos dentro do território do perímetro, que é o maior do Vale do São Francisco, mas, simplesmente por eles não nos considerarem irrigantes, não tínhamos acesso à água”, diz Ozaneide dos Santos, que destaca: “Os nossos jovens precisam entender a importância de conservar a água, especialmente nessa região, com tanta escassez”.A ironia é que o assentamento Mandacaru está a apenas 20 quilômetros de distância do rio São Fran-cisco. “Se nós, que estamos tão próximos, não usu-fruímos, imagine os que vão depender da transposi-ção?”, questiona ela, que tem sérias críticas à maior obra de infraestrutura hídrica do governo federal, pre-vista para ser entregue no início de 2017.Tudo o que é produzido pelos membros da Asso-ciação tem destino certo: a feira orgânica do Vale do São Francisco, realizada aos domingos, no bair-ro de Areia Branca, em Petrolina. Outra parte da produção abastece alguns restaurantes populares e cozinhas comunitárias da região, por meio de iniciativas governamentais, como o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) e o Programa Nacio-nal de Alimentação Escolar (PNAE). “Se a tivéssemos água para suprir o nosso ter-ritório, sem dúvida, estaríamos vendendo para todo o Submédio São Francisco”, observa Nival-da Pereira de Araújo, que, hoje, garante ao me-nos um salário mínimo por mês com a venda dos produtos que produz para a Associação.

A perspectiva dos agricultores do Assentamento Mandacaru é de crescimento do volume da produção. Também já é concreta a diversificação de produtos: a partir de setembro, eles terão a sua primeira colheita de uvas orgânicas.

Ozaneide dos Santos, presidente da Associação:

“Agroecologia tem como foco o meio ambiente, a

preservação da água e a valorização da cultura local”

Verduras e legumes cultivados

sem agrotóxicos: diferencial

valorizado pelo mercado

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UVAS A CAMINHOFrutas como banana, manga e mamão estão entre os produtos cultivados pelos agricultores do Assen-tamento Mandacaru. A perspectiva é de crescimento do volume dessa produção, que é de cerca de 500 quilos/mês, e de sua diversificação. A partir de se-tembro, o Assentamento terá sua primeira colheita de uvas orgânicas –espera-se uma produção de 20 mil toneladas da fruta. “A proposta é, além de vender a fruta cultivada sem defensivos agrícolas, produzir o nosso vinho”, assegura Ozaneide, observando que a região é famosa pela produção de vinho em grande escala, o que atrai investidores brasileiros e estrangeiros para o Vale do São Francisco. Numa plantação orgânica, as proteções das videi-ras são feitas com biocaldas e extratos, fabricados a partir de outras plantas, de esterco e até de cin-zas de forno a lenha. Os cuidados com a produção estão sob a responsabilidade do agricultor Vicente Joaquim Cruz, 72 anos. Ele trabalhou por muitos anos em vinícolas da região, até ser despedido. “Ser empregado dos outros tem esse risco. Mas hoje eu cuido da minha própria horta e é daqui que tirarei todo o meu sustento”, diz,cheio de orgulho.Vicente, que aprendeu a plantar utilizando apenas agrotóxico, revela nunca ter acreditado no método orgânico. “Na verdade, não sabia o que era. Depois que fomos capacitados, percebi que até o gosto do alimento é melhor”, conta. Nos últimos anos, o agricultor só viu sua vida progredir. “Aprendi a ler aos 66 anos. Tempos atrás, passei no curso supe-rior de Zootecnia. Isso tudo graças aos ensinamentos da Ozaneide e do trabalho com a Associação”, reco-nhece o agricultor. Nove outras famílias que estarão à frente da iniciati-va também passaram por treinamento especializado para aprender as técnicas de cultivo. “Toda a distri-buição de água na plantação é através da técnica conhecida como gotejamento. Do poço artesiano, a água é jogada para uma caixa, de onde a gente bom-beia para a rega das plantas, por gotejamento, o que permite uma boa economia”, descreve Vicente.

PODERES AFRODISÍACOSMenor que o mandacaru, mas sempre confun-dido com este pela semelhança, o xique-xique é um tipo de cacto natural da Caatinga. Geralmen-te é utilizado na alimentação de animais. Agora, graças à iniciativa das mulheres do Assenta-mento Mandacaru, virou base para uma receita especial de doce que tem conquistado cada vez mais consumidores. “De um cacto da Caatinga, que ninguém valoriza, a gente consegue extrair um doce maravilhoso”, assegura Maria Gomes dos Santos, uma das integrantes da Associação.A doceira, que vem capacitando jovens para atu-ar no ofício, criando uma nova alternativa eco-nômica para a região, destaca a qualidade do produto. “Um estudo comprovou a existência, no xique-xique, de 42% de fibras e 23% de magné-sio. É bom para os ossos do corpo”, informa a

agricultora, mostrando um documento do Servi-ço Nacional de Aprendizagem Industrial (Senai), em Pernambuco, atestando essas propriedades do vegetal.Outra doceira, Maria Nilza da Silva, revela que o processo de utilização do cacto é muito difícil “porque tudo precisa ser feito ‘na mão grande’. Descascamos, tiramos todos os espinhos, para só então começarmos a produção do doce”, ex-plica, sem querer revelar detalhadamente a re-ceita. “Por enquanto é segredo. Vamos tirar a patente”, diz. A produção de doces e geleias ganha reforço com o uso das frutas produzidas pelo Assentamento. “O carro-chefe, porém, é o doce de xique-xique”, assegura Ozaneide Santos, lembrando que o produto, inclusive, tem poderes afrodisíacos.

Vicente Joaquim Cruz, que aprendeu a plantar utilizando apenas agrotóxico, revela nunca ter acreditado no método orgânico. Hoje, ao 72 anos, não só acredita como está vendo a sua vida progredir a cada dia.

Reduto feminino: cerca de 80% do quadro da

Associação é composto por mulheres

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VISUAIS

MÚSICA

LIVRO

MORÃO DI PRIVINTINA“Sou Barranqueiro, sou forte, filho de Nego D’Água, um nobre, protetor das corredeiras”

Assim é descrita a garra do povo são-fran-ciscano no canto poético do grupo musical Morão Di Privintina, do município ribeirinho de Bom Jesus da Lapa, na Bahia. Criado em 1998, pelo compositor Paulo Araújo e pelo poeta João Filho, o grupo expressa em suas músicas e poesia as dores, os amores e a dura realidade do Sertão da Bahia. Já bas-tante conhecido no oeste baiano, o trabalho de Araújo ganhou maior visibilidade recen-temente, graças ao convite para integrar a trilha sonora da novela Velho Chico, que está sendo exibida pela Rede Globo. Algumas músicas, inclusive, foram apresentadas pelo grupo na festa de lançamento do folhetim no Museu do Amanhã (RJ), no início de março.

IMAGENS DO CANGAÇO O fotógrafo Márcio Vasconcelos sempre se encantou com as aventuras de Lampião e seu grupo de cangaceiros. Em 2010, viajou durante dois meses cerca de quatro mil quilômetros, re-fazendo a trilha de Virgulino Ferreira da Silva e seu bando pelo interior de Alagoas e Sergipe. O resultado foi o ensaio fotográfico laureado com o XI Prêmio Funarte Marc Ferrez de Fotografia, exibido ao público em diversas exposições pelo País. Recentemente, Vasconcelos voltou a in-cursionar pelo tema, captando imagens inédi-tas para compor o livro Na Trilha do Cangaço – O Sertão que Lampião Pisou, que teve concepção e curadoria de Maureen Bisiliat, pela editora Vento Leste. O livro, de 104 páginas, traz um texto do histo-riador Frederico de Melo e apresenta imagens de cinco estados da região Nordeste – Per-nambuco, Sergipe, Alagoas, Bahia e Ceará, os quatro primeiros banhados pelo Velho Chico. Em sua incursão, o fotógrafo visitou cidades e pequenos vilarejos que estavam no caminho de Lampião no último dia de sua vida. O projeto levou em conta as imagens documentadas por fotógrafos da época e a busca de personagens que, de alguma maneira, estão relacionadas com a trajetória do cangaço.

NATUREZA CRIATIVAIdealizado em 1980 pelo mineiro Bernardo de Mello Paz, o Instituto Inhotim é um dos grandes atrativos da bacia do São Francisco. É também o maior centro de arte contempo-rânea a céu aberto do mundo, cercado por um majestoso jardim botânico (com mais de quatro mil espécies de plantas) e lindos lagos artificiais. Localiza-se no município de Bru-madinho, vizinho a Belo Horizonte, ocupando uma área de aproximadamente 110 hectares.O espaço reúne pinturas, esculturas, dese-nhos, fotografias, vídeos e diversas instala-ções. Mais de 20 galerias abrigam obras de 85 artistas de 26 nacionalidades diferentes. Algumas galerias são dedicadas às obras permanentes e outras, às temporárias. As primeiras foram criadas para abrigar o tra-balho de artistas como Adriana Varejão, Cildo Meireles, Marilá Dardot, Miguel Rio Branco, Hélio Oiticica, Neville D’Almeida e Doris Sal-cedo.

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CERÂMICAS DE SANTANASão muitas e diferentes as peças artesanais produzidas nos diversos cantos da bacia do rio São Francisco, mas chama atenção a numero-sa produção do município sergipano de Santa-na do São Francisco, localizado às margens do Velho Chico, no lado oposto a Penedo (AL). Os portugueses Pedro Gomes da Silva e Belar-mino Gomes da Silva, pai e filho respectivamen-te, foram seus fundadores e montaram uma fazenda para produzir arroz e cana-de-açúcar. Nessa mesma fazenda foi implantada a primei-ra cerâmica local, batizada de “Carrapicho”. A partir daí, os moradores fizeram do artesanato em argila sua principal fonte de renda. O arte-sanato absorve hoje cerca de 70% da mão de obra local. Quem não faz peças, cava o chão para tirar a argila, um barro cinzento encontra-do nas várzeas do rio, considerado o melhor do estado para confecção de cerâmicas. O sucesso das peças é tão grande que, além de abastecer vários estados brasileiros, elas são exportadas para países como Japão e Coreia.

O RIO NO PICADEIROO grupo teatral paulista Circo do Asfalto ele-geu o território do São Francisco como palco para suas apresentações. Por meio do projeto Eu Vou pro Mar pelas Águas do Rio São Fran-cisco, a trupe de atores e artistas circenses partiu de São Bernardo do Campo, em São Paulo, para encenar o bem humorado es-petáculo Show da Percha em municípios da bacia. Todos os estados serão percorridos ao longo de 2016, com apresentações em pelo menos 15 cidades. O objetivo é levar cultura e arte aos povos ribeirinhos, com a perspectiva de difundir e formar público para as artes cê-nicas, especialmente a do circo. No percurso, o grupo pretende realizar oficinas de técnicas circenses e promover a exibição do documen-tário Sobre as Águas do Velho Chico, que re-trata contos, histórias, “causos” e lendas do universo são-franciscano.

OLHANDO BARQUINHASO  olhar atento de Lizandra Martins sobre o seu cotidiano garantiu à jovem fotógrafa o ângulo perfeito para retratar o dia a dia do percurso feito pelas barquinhas  do rio São Francisco na travessia  entre as cidades  ri-beirinhas de Juazeiro (BA) e Petrolina (PE). O esforço garantiu a artista uma  primeira  ex-posição fotográfica intitulada A Travessia, que teve lançamento no último mês de abril, com apoio do Serviço Social do Comércio (Sesc).Feitas com um Smartphone, as imagens ga-nham profissionalismo e espontaneidade ao unir as belas paisagens do Velho Chico com a vida cotidiana de visitantes e moradores dos dois principais centros econômicos do Vale do São Francisco. A exposição fica aberta ao público até o dia 1º de julho, de terça a sexta, das 8h às 20h, sábado e domingo, das 16h às 20h, na Galeria de Artes Ana das Carrancas, em Petrolina. A entrada é franca.

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Piranhas são peixes de água-doce cuja voracidade e forte mordida as tornaram muito conhecidas. São na-turais dos rios da América do Sul e pertencem à gran-de ordem dos peixes Characiformes, incluindo mais de 40 espécies classificadas na família Serrasalmi-dae. São predadores velozes. Possuem uma nadadei-ra caudal larga e poderosa, com o corpo comprimido lateralmente, recoberto por escamas muito pequenas. Os olhos geralmente são grandes, porém o olfato é o sentido mais apurado para a caça nas águas turvas das correntes ou sombreadas pela vegetação das mar-gens, nos rios onde habitam. Predadores do topo da cadeia alimentar como as pi-ranhas são essenciais para a manutenção da saúde e estrutura dos ecossistemas naturais, controlando o tamanho das populações de suas presas e removendo os indivíduos mais debilitados e vulneráveis dessas po-pulações. As piranhas são importantes também para o homem, como recurso pesqueiro alternativo. O caldo de piranha, inclusive, é um prato muito apreciado na culinária regional da Amazônia e do Pantanal.Espécies de diferentes gêneros de piranhas se distri-buem pelas principais bacias hidrográficas da região Amazônica, do Pantanal, do rio da Prata e do Paraná, no Sul, e também nas bacias do Nordeste brasileiro. As espécies mais conhecidas encontradas na bacia do rio São Francisco pertencem a dois gêneros distintos: o gênero Serrasalmus, representado pelas Pirambebas, e o gênero Pygocentrus, incluindo espécies referidas como “Piranhas-verdadeiras”. As piranhas do gêne-ro Pygocentrus são reconhecíveis pela forma convexa de sua cabeça e enorme mandíbula (maxila inferior lembrando o perfil de um bulldog), usada para rasgar a presa. Essas piranhas, geralmente, vivem em gran-des cardumes, caçando outros peixes, sendo comum o comportamento agressivo entre si, inclusive o cani-balismo. Podem também atacar grandes vertebrados, quando solitários, debilitados ou moribundos, como aves e mamíferos. A espécie mais emblemática é a Piraya ou Piranha-amarela (Pyocentruspiraya), a maior entre as piranhas-verdadeiras do São Francisco, po-dendo atingir até 60 centímetros de comprimento.As Pirambebas (gênero Serrasalmus), por sua vez, apresentam a forma da cabeça mais côncava, com mandíbulas menos robustas. Várias espécies desse gênero alimentam-se principalmente de pedaços de barbatanas e escamas de outros peixes, além de no-zes e frutas. Independentemente de sua dieta, todas as Pirambebas compartilham a marca inconfundível das piranhas: os dentes são triangulares, em forma de navalha afiada, grandes no maxilar inferior e menores no superior. Quando a boca está fechada, os dentes de ambos os maxilares se encaixam perfeitamente, cor-tando fatias das presas como uma guilhotina. Algumas espécies de Pirambebas, como Serrasalmus rhombeus, S. manuelie S. elongatus, por exemplo, são predadoras ativas quando adultas, apesar de não possuírem man-díbulas muito proeminentes.

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TEXTO: GEORGE OLAVO

ILUSTRAÇÃO: RODOLFO CARVALHO

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