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Futuro lapidado REVISTA DA ALERJ Mais de seis mil trabalhadores do Noroeste apostam no extrativismo de rochas ornamentais como alternativa ao esvaziamento da agropecuária Ano II - Número 04 - Setembro de 2008

Revista da Alerj 4

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Futuro Lapidado

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Page 1: Revista da Alerj 4

Futuro lapidado

reVista da alerJ

Mais de seis mil trabalhadores do Noroeste apostam no extrativismo de rochas ornamentais como alternativa ao esvaziamento da agropecuária

Ano II - Número 04 - Setembro de 2008

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COMISSÃO DE PREVENÇÃO AO USO DE DROGAS E DEPENDENTES

QUÍMICOS EM GERALFALE CONOSCO.

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neste número

Futuro lapidado

A mineração começou a ganhar relevância econômica no Noroeste f luminense em meados dos anos 1980, como saída para o esvaziamento da agropecuária. A febre da pedra abriu pedreiras em fazendas e converteu currais em serrarias. Hoje, os 13 municípios da região contam com mais de 300 micro e pequenas empresas, que empregam mais de seis mil trabalhadores. Os novos desafios para esta indústria que mudou o perfil da economia local são, agora, a especialização da mão-de-obra e a evolução tecnológica – vitais para que o setor passe da era da pedra rachada à da polida, ascendendo no mercado nacional.

páginas 14 a 21

6 seGuranÇaArmas não-letaissão alternativa nocombate à violência

10 entreVistaÍdolo do Flamengo edos brasileiros, Zicodá sua visão do futebol

22 memÓriaLembranças de Garrinchae da América Fabrilmarcam Pau Grande

28 mÍdiaOs recursos ilimitadosdo marketing viral napropagação de idéias

27 opiniÃo / ana HoFmann

30 maturidade / saBer enVelHeCer

34 panoramaCOMISSÃO DE PREVENÇÃO AO USO DE DROGAS E DEPENDENTES

QUÍMICOS EM GERALFALE CONOSCO.

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Futuro lapidado

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Mais de seis mil trabalhadores do Noroeste apostam no extrativismo de rochas ornamentais como alternativa ao esvaziamento da agropecuária

Ano II - Número 04 - Setembro de 2008

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REVISTA DA ALERJ4

PresidenteJorge Picciani

1ª Vice-presidenteCoronel Jairo2º Vice-presidenteGilberto Palmares3º Vice-presidentePedro Fernandes4º Vice-presidenteGerson Bergher1ª SecretáriaGraça Matos2º SecretárioZito3º SecretárioDica4ª SecretárioFabio Silva1a Suplente

2o SuplenteArmando José3º SuplentePedro Augusto4º SuplenteEdino Fonseca

REVISTA DA ALERJ Ano II - Nº 4setembro de 2008Publicação trimestral da Diretoria Geral de Comunicação Social da Assembléia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro

Jornalista responsávelFernanda Pedrosa (MT-13511)Coordenação: Beth Esteves e Everton SilvalimaReportagem: Fernanda Porto, Luciana Ferreira e Marcela MacielFotografia: Rafael WallaceDiagramação: SMPG/Daniel TiribaTelefones: (21) 2588-1383/1627 Fax: (21) 2588-1404Rua Primeiro de Março s/nº sala 406 CEP-20010-090 – Rio de Janeiro/RJEmail: [email protected]

Impressão: WalPrintTiragem: 3 mil exemplares

Assembléia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro Cartas

sou admirador da política, e vejo nesses meios de comunicação uma ótima maneira

de ficar por dentro, pois não tenho tempo de ficar na internet para visualizar ”Alex Soares

Excelência Informo recebimento e agradeço

envio de exemplar da REVISTA DA ALERJ. Aproveito a oportunidade para cumprimentar vossa excelência (presidente Jorge Picciani) e todo o departamento de Comunicação Social da Assembléia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro, pela excelência das matérias jornalísticas e pela qualidade do material gráfico.Deputado Jardel Sebba Presidente da Assembléia Legislativa

do Estado de Goiás

PolíticaVenho por meio deste, buscar saber

como poderia receber via correio o JOR-NAL DA ALERJ e a REVISTA DA ALERJ. Sou admirador da Política, e vejo nesses meios de comunicação uma ótima maneira de ficar por dentro, pois não tenho tempo de ficar na internet para visualizar. Deixo então meu endereço para, quem sabe, receber esse material em minha residência. Alex SoaresPetrópolis (RJ)

QualidadeAgradeço a gentileza da remes-

sa de exemplar da REVISTA DA ALERJ e felicito esta Casa de Leis pela qualidade da publicação. Maurício Azêdo

Presidente da Associação Brasileira de

Imprensa (ABI)

IbamRecebemos, com muito prazer,

o recente número da REVISTA DA ALERJ e parabenizamos pe-las excelentes matérias e conteúdo informativo de muita valia para o cidadão carioca. O Instituto Brasi-leiro de Administração Municipal-Ibam, dentre suas atividades em prol do fortalecimento municipal, publica alguns livros importantes para o desenvolvimento intelectual e profissional. Como a revista é um grande veículo de comunicação, de-sejamos saber da possibilidade de divulgarmos alguns desses livros no próximo exemplar. Deoclides Juvino

Gerente da Livraria do Ibam,

Rio de Janeiro (RJ)

FGVA Biblioteca Mario

Henrique Simonsen, da Fundação Getúlio Var-gas-RJ, visando ao en-riquecimento do seu acervo e atendimento ao seu corpo docente e discente, solicita fazer parte do seu cadastro, a fim de receber regularmente a publicação REVISTA DA ALERJ. Mercedes R. S. Neta

Rio de Janeiro (RJ)

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Jorge Piccianieditorial

D iante do qua-dro de esva-z i a m e nt o pelo qual passava o

setor de Rochas Ornamentais e de Revestimento no Estado do Rio de Janeiro, o Governo, junto com a Fede-ração das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro (Firjan) e outras instituições públicas e privadas, empreendeu um conjunto de ações e iniciativas visando a transformar o estado em um dos mais importantes pólos de produção e comercialização de rochas ornamentais.

Para atrair investimentos para o setor, o Governo concedeu incentivos fiscais, incremen-tando a indústria de extração, beneficiamento e transformação de mármores, granitos e pedras de revestimento de uso ornamental, que se concentra, sobretudo, no Noroeste fluminense. Além disso, com o propósito de estimular a mo-dernização tecnológica no processo produtivo, o Governo desonerou do ICMS as operações de importação de máquinas e equipamentos.

Tudo isso só foi possível com a ajuda da Assembléia Legislativa, que aprovou leis para a recuperação econômica dos municípios f luminenses, criando fundos e

programas de desenvolvimento industrial. O resultado deste esforço coletivo pode ser comprovado na matéria de capa desta edição da REVISTA DA ALERJ, que mostra também a solução encontrada para os problemas ambientais gerados pelo desenvolvimento do setor.

Preocupação diária da população fluminense, a seguran-ça pública ganha um reforço de peso: as armas não-letais, capazes de evitar não apenas os conflitos urbanos, como

também os indesejáveis índices de vítimas, muitas vezes fatais. Nesta edição, o leitor pode conhecer melhor esses artefatos, que já estão sendo usados pelas polícias de cidades como Rio e São Paulo.

Em duas outras reportagens, a RA homena-geia dois dos maiores ídolos do futebol brasi-

leiro: Garrincha e Zico. Orgulho do distrito f luminense de Pau Grande, Mané Garrincha é cultuado pelos moradores do local, que já

viveram dias de fartura quando ali funcio-nava a indústria têxtil inglesa América

Fabril. Hoje, a pequena cidade vive apenas das lembranças.

Em uma de suas passagens pelo Rio de Janeiro, Zico, ago-ra vivendo no Uzbequistão, recebeu a RA em seu clube,

o CFZ Rio, na Barra da Tijuca, e revelou algumas passagens pouco conhecidas de sua vida pessoal,

como a breve carreira de pia-nista e a perseguição que sofreu

durante a ditadura militar. Nada disso, porém, o fez desistir

da carreira esportiva, de onde ele garante que nunca sairá.

Política de resultados

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Symone munay

Imagine o confronto entre uma tropa de choque da Polícia Militar e manifes-tantes de rua ou torcedo-

res, no estádio de futebol. Minutos depois a ordem é restaurada com a utilização de sprays de pimenta e granadas de gás lacrimogêneo, sem registro de maiores incidentes nem feridos. As armas não-letais estão, cada vez mais, em uso no policiamento ostensivo, pois possibilitam uma pronta ação de segurança, sem colocar em risco as pessoas presentes no local da ocorrência. Da mesma forma, os disparos com balas de borracha inibem a ação de baderneiros e re-duzem a tensão durante distúrbios nas ruas. É o avanço tecnológico a favor de alternativas no controle da violência urbana, e que nos últimos anos tornou viável a utilização de uma variada gama de armas não-letais, capazes de solucionar conflitos através do escalonamento da força, onde o uso da arma de fogo ocupa o sexto degrau.

Em 1990, a Organização das Nações Unidas (ONU) definiu que os governos dos países membros devem equipar suas polícias com armas e munições de uso diferen-ciado, como as não-letais. O Brasil, através de suas Forças Armadas, tem se destacado no cenário mun-

dial, ao fazer parte das Forças de Paz e agindo legitimamente em nome da ONU em países estrangeiros, como o Haiti. Lá, diariamente, as tropas brasileiras se defrontam com conflitos decorrentes de uma situa-ção política e social completamente deteriorada.

Até mesmo uma ação huma-nitária, como a distribuição de comida ou de brinquedos, pode se transformar em distúrbio com consequências imprevisíveis. Gru-pos criminosos agem infiltrados

na população carente, o que torna mais difícil a ação das forças da lei. Num cenário que por vezes se assemelha ao das favelas do Rio de Janeiro, há um diferencial: o emprego das armas não-letais, fundamental para o sucesso da missão. Sem dúvida, a presença de um agente da lei treinado, representando o Estado, sempre transmite ao cidadão a sensação de maior segurança. Contudo, um policial fortemente armado e portando um fuzil assusta mais

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seGuranÇa

O spray de pimenta atinge apenas o infrator da lei e nãohá risco de espirrar para os lados e pegar num inocente

Armas que não matam Nova alternativa no combate

à violência urbana

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do que tranquiliza.O Estado do Rio de Janeiro

tem investido na nova alterna-tiva das armas não-letais, no esforço para reduzir os casos de morte em confrontos e distúr-bios de rua. A primeira edição do curso "Uso progressivo da força e de técnicas e tecnologias não-letais", iniciado em agosto, na Academia de Polícia Militar, em Sulacap (zona Oeste do Rio), vai especializar, até o final deste ano, 500 policiais civis, militares e agentes da Força Nacional. A iniciativa faz parte das ações do Programa Nacional de Se-gurança Pública com Cidadania (Pronasci) que visa a formar profissionais de segurança vol-tados à prática da cidadania e dos direitos humanos.

Num esforço paralelo, o Bata-lhão de Choque da Polícia Militar (no Centro do Rio) vem treinando, desde julho, 460 homens. A pre-visão é de que, até o fim deste ano, todo o contingente das 39 unidades no estado tenha rece-

bido os conhecimentos.– Se o treinamento e a técnica

derem certo no Rio de Janeiro, será uma cartada decisiva para o País inteiro – acredita o subsecretário da Secretaria Especial de Direitos Humanos da Presidência da Repú-blica, Pedro Montenegro, presente na aula inaugural do Pronasci. São 40 horas-aula ministradas por ins-trutores da Polícia Federal e da Força Nacional de Segurança, que fizeram treinamento antiterrorismo para os Jogos Pan-americanos, em 2007.

– O conceito hoje é dotar o policial de mais um instrumento de trabalho nas ruas. Precisamos desmistificar a idéia de que a polícia vai enfrentar o bandido com bala de borracha – desabafa o comandante do Batalhão de Cho-que da PM, tenente-coronel Carlos Eduardo Milagres. Segundo ele, a corporação quer propagar o uso do armamento não-letal quando se fizer necessário. – Pela característi-ca dos crimes e da marginalidade é impossível, no Rio de Janeiro, tirar a arma letal da polícia – completa

o coronel Milagres.Ele explica que, ao término

do treinamento, cada policial vai levar para seu batalhão um kit com 86 itens, como sprays de pimenta, granadas de luz e som, gás lacrimogêneo e munições de impacto (a bala de borracha).

– Isto vai permitir que o Gru-pamento de Apoio Tático da Polí-cia Militar (GAT) utilize as novas ferramentas em situações onde não se justifique o emprego da força física ou do armamento letal, adquirindo assim alguns degraus no uso progressivo da força – con-clui o comandante.

Na opinião do secretário na-cional de Segurança, Ricardo Balestreri, a idéia é desenvolver no Brasil a cultura do uso da arma não-letal, deixando a arma letal como último recurso. Ele salienta que, em 90% dos casos de confronto, a polícia não precisa usar a arma.

– Devemos deixar no passado as ações truculentas. O que se pretende é que os policiais passem

A Polícia Militar do Rio vem treinando cerca de mil homens em tecnologias não-letais

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ação

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a usar armas com menor poder de transfixação, ou seja, que não atravessem corpos nem paredes. Se começarmos isso agora, daqui a quatro ou cinco anos consegui-remos reduzir a letalidade no Brasil – afirma o secretário.

O País carrega na sua história recente algumas tragédias que poderiam ter sido evitadas caso uma doutrina sobre o uso de armas não-letais estivesse bem consolidada, tanto nas polícias quanto nas Forças Armadas. O episódio conhecido internacio-nalmente como o Massacre do Carandiru, que começou como uma briga de presos no Pavilhão 9 e resultou na morte de 111 de-tentos, levou a Polícia Militar de São Paulo a adotar o emprego de tecnologia não-letal nas interven-ções penitenciárias no estado, revertendo e eliminando as ocor-rências de mortes e ferimentos em

detentos, causados pelo emprego de armas de fogo.

– As medidas tomadas pelas autoridades da área da Segurança Pública de São Paulo contribuíram significativamente para a redução em 67% da violência no estado – as-segurou o comandante-geral da Polí-cia Militar paulista, coronel Roberto Antonio Diniz, durante audiência pública da Comissão de Segurança Pública e Combate ao Crime Orga-nizado da Câmara dos Deputados, em 5 de junho de 2008.

Empresa brasileira é pioneira"Atirar para não matar" é o

lema da empresa Condor Tecno-logias Não-Letais, primeira na América Latina na fabricação de armas não-letais e pirotécnicos de alta tecnologia para situações de distúrbios, sinalização militar e salvamento. Desde 1985, a em-presa já desenvolveu e homologou

cerca de 160 produtos com grande aplicabilidade pelas Forças Ar-madas e pelas Forças de Paz das Nações Unidas em operações que requerem defesa passiva como solução, sendo o spray de pimenta, as balas de borracha e as granadas explosivas (de efeitos diversos) os itens mais solicitados.

Preocupadas com o uso adequa-do de seus artefatos, as empresas que fabricam armas não-letais e de alta tecnologia estão investindo cada vez mais no treinamento e capacitação, a exemplo da Condor, que oferece o curso de operações com armamento e munições para profissionais de segurança e defesa. No curso, os profissionais aprendem os cuidados com o armazenamento e manuseio correto dos novos equi-pamentos, como explica o diretor de Relações Institucionais da empresa, Antônio Carlos Magalhães.

– Já realizamos o treinamento

Granadas de fumaça e armas que disparam balas de borracha ajudam a reduzir a violência

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de 2.500 agentes da lei, entre eles militares das Forças Armadas, po-liciais militares e civis de todo o Brasil. No exterior os técnicos da empresa especializaram profissio-nais de diversos países na América do Sul, Europa e Oriente Médio.

No Rio, são duas as experi-ências. A primeira, na Secretaria estadual de Administração Peni-tenciária, com a criação do Gru-pamento de Intervenções Táticas (GIT), composto por 102 inspetores de segurança e administração pe-nitenciária, sendo sete mulheres. O grupamento passou a usar a tecnologia não-letal em 2003, o que fez cair drasticamente o número de rebeliões nos presídios do estado.

– Em 2002 ocorreram 27 rebe-liões; em 2003, quatro; em 2004, uma; em 2005, nenhuma; em 2006, uma; e em 2007 e 2008, nenhu-ma. O que significa dizer que a utilização dessa tecnologia tem pacificado o ambiente carcerário, evitando as rebeliões freqüentes no passado – informa Magalhães.

A segunda experiência foi no Grupamento Especial de Patru-lhamento em Estádios – Gepe, da Polícia Militar do Rio de Janeiro, que vem utilizando, desde o Pan-ameri-cano de 2007, tecnologia não-letal, especialmente o spray de pimenta, no controle dos eventos esportivos no Maracanã e em outros estádios, reduzindo significativamente os ferimentos tanto nos torcedores quanto nos policiais.

O conceito não-letal foi es-tabelecido simultaneamente nos Estados Unidos e na Europa no início da década de 1990, de acordo com a definição da Or-ganização do Tratado do Atlân-tico Norte (Otan). Segundo a organização, "armas não-letais são armas especificamente pro-jetadas e empregadas para incapacitar temporariamente pessoas, ao mesmo tempo em

que minimizam mortes e ferimentos permanen-tes, danos à propriedade e ao meio-ambiente".

As armas não-letais têm co-mo objetivo provocar situações extremas às pessoas atingidas, fazendo com que sofram, mas não corram risco de morte. Elas podem provocar desde ruídos altíssimos, até se apresentar na forma de pisos extremamente escorregadios ou, ainda, luzes alucinantes. Algumas são usa-das pelo exército americano, por exemplo, para "testar os limites humanos", sem causar a morte, ou para despistar o exército adversário.

Situações extremas, sem risco

Granada fumígena veicular – produz densa cortina de fumaça de cor cinza, com a finalidade de ocultar viaturas ou guarnições.

Granada explosiva indoor – especial para utilização em ambiente fechado, tem como característica principal o retardo de 1,5 segundo, próprio para ações de invasão.

Granada lacrimogênea – produz densa fumaça contendo agente lacrimogêneo.

Espargidores ou spray – são fabricados em vários modelos para defesa pessoal e na incapacitação de pessoas através da ação dos agentes químicos ativos (solução lacrimogênea ou de pimenta).

Pistola 9 mm – dispara bala de borracha com esse calibre.

Arma elétrica – provoca um choque que paralisa o infrator por um tempo suficiente para que ele seja imobilizado.

Balas de borracha – são eficientes na intimidação contra indivíduos isolados ou em grupos, através do efeito impactante dos projéteis de borracha.

FN-303 – arma não-letal que dispara munição de borracha com extrema precisão a até 50 metros de distância. Provoca impacto de 300 quilos (é como se fosse um soco de um boxeador, por isso foi apelidada de Mike Tyson).

Comissão de Segurança Pública e Assuntos de Polícia Telefone: (21) 2588 1507Presidente: Wagner Montes (PDT)Vice-presidente: Flávio Bolsonaro (PP)Membros efetivos: Alessandro Molon (PT), Délio Leal (PMDB), Marcelo Freixo (PSol), Paulo Melo (PMDB) e Paulo Ramos (PDT)Membros suplentes: Anabal (PHS), Edson Albertassi (PMDB), Jorge Babu (PT), Marcelo Simão (PHS) e Roberto Dinamite (PMDB)

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Leo PinheiroentreVistaZICO

“Vulgarizaram uma coisa importante: a camisa do clube”

Os jogadores de futebol hoje têm postura de pop stars. O que mudou: o futebol ou a cabeça dos boleiros?Mudou o futebol, principalmen-te em termos de proventos. Na maioria das vezes o jogador de futebol vem de classes mais sim-ples e não está preparado para uma mudança repentina na vida. E, lógico, às vezes é orientado por pessoas que estão ali só para se aproveitarem daquele momento de sucesso do cara e ter algum benefício na parte financeira. Nesse novo modelo, os joga-dores beijam o escudo de cada nova camisa que vestem, para logo em seguida se transferi-rem novamente de time. Isso também mudou?Antigamente isso era uma brin-cadeira saudável. Começou como uma gozação, o cara beijava e dizia que torcia para aquele time desde criancinha, porque era uma coisa tão rara... Agora nego vai, beija; daqui a seis meses vai pra outro lugar, beija de novo. Eles vulgarizaram uma coisa impor-tante, que é a camisa do clube. A própria imprensa, quando o cara veste a camisa, fala "beija aí!" e depois mete o pau se ele beijar.

Como resolver esse problema?Isso não tem jeito. O futebol vi-rou um grande negócio. Eu vejo garotos de 18 anos dizendo que querem ir para o exterior resolver a vida. Eu fui para Europa com 30 anos, com a minha vida toda re-solvida aqui. Hoje existe essa pre-cocidade de querer resolver tudo no primeiro contrato. Na sua época não existia a premiação de melhor joga-dor do mundo da Fifa. Você ganharia o prêmio jogando pelo Flamengo ou teria que se

transferir para a Europa, para ter esse reconhecimento?Jogando pelo Flamengo, como fui. Eu fui eleito em 1981 pela revista World Soccer, que é a mais con-ceituada revista inglesa de futebol. Naquela época as eleições eram re-alizadas por revistas. Pelé foi eleito Atleta do Século, em 1983, pela re-vista France Football. Tenho certeza que se tivesse a premiação da Fifa em 81 eu estaria ali brigando pelo título sem precisar sair do Brasil. Existem especulações de que você poderia ser contratado

Ele é considerado o maior jogador de futebol de todos os tempos, depois de Pelé. Recentemente, uma enquete da Rede Globo de Televisão ratificou este título, pesquisa esta respondida por alguns telespectadores que sequer

tiveram a oportunidade de assistir, ao menos, uma de suas exibições nos gramados. Não importa. Pelé Branco na Europa; Deus do Futebol no Japão e, recentemente, Kral Arthur (Rei Arthur) na Turquia. Para onde se olhe na carreira de Zico, lá está ele sendo reverenciado. São inúmeros os títulos, honrarias e, é claro, histórias que este ex-boleiro – como se define – e, agora, treinador colecionou durante a vida. Zico tem prazer em relembrar a sua biografia. O ídolo recebeu a equipe de reportagem da REVISTA DA ALERJ em seu clube, o CFZ Rio, na Barra da Tijuca, e revelou passagens pouco conhecidas de sua vida pessoal, como a breve carreira de pianista – que o levou a se apresentar ao vivo na televisão em rede nacional – e sua suposta transferência do Flamengo para o arqui-rival Vasco. A revelação mais surpreendente, porém, tem a ver com a política: dez anos antes da Copa da Espanha, problemas com a ditadura militar quase o fizeram desistir do futebol. Felizmente o Galinho reconsiderou. A democracia e o futebol agradecem.

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para comandar alguns times estrangeiros. Qual o futuro próximo do Zico?Houve contatos do Manchester United e existem negociações com o CSKA, da Rússia, mas só para de-pois de dezembro, quando acaba o campeonato deles. Eu também fui indicado para times do Oriente Médio e para a Seleção da Geórgia, mas não achei interessante. E sobre a Seleção Portuguesa? Você é descendente de portu-gueses tanto do lado materno quanto paterno. Como se senti-ria como técnico de Portugal?Ah, isso foi coisa da imprensa portuguesa. Quando o presidente (da federação) elogiou meu traba-lho, os jornalistas acharam que eu

poderia ser um dos nomes para o cargo, mas não houve nenhum contato. Eu gostaria muito de tra-balhar em Portugal, pelo lado sen-timental. Se tem um clube que eu gostaria de trabalhar na Europa é o Sporting, porque é o time do meu pai. Quando eu era criança tinha uma rádio que transmitia os jogos de Portugal e meu pai me colocava ao lado dele e ficávamos ouvindo, enquanto meu pai cozinhava. Falando do famoso Seu An-tunes, símbolo de pai e de rubro-negro, é verdade que ele teve problemas por has-tear a bandeira do Flamengo na varanda de casa?O Flamengo tinha sido campeão e meu pai colocou a bandeira do time

acima da do Brasil. Um professor de sociologia bateu na minha casa e disse que aquilo era inadmissí-vel. Meu pai, português, sangue quente, botou o cara pra correr e xingou ele de tudo que é palavrão. Ele não fez por mal; meu pai não foi alfabetizado, aprendeu no dia-a-dia. Eu tinha uns dez anos. Depois meus irmãos mais velhos fizeram ele entender que aquilo que tinha feito era complicado. Mas ele era Flamengo roxo. Nós tínhamos três cachorros: Mengo, Menguinho e Mengão, e um cardeal branco com a crista preta e vermelha. A única coisa que ele não conseguiu pintar de preto e vermelho foi o papagaio. Qual a origem desse caso de amor rubro-negro?Quando chegou ao Brasil, meu pai foi assistir Flamengo e América. O Flamengo perdeu de 4 a 1, mas ele gostou tanto da camisa cobra coral que passou a ser Flamengo. Coin-cidência, né? Os filhos foram jogar justamente no Flamengo e no Amé-rica. Cada filho que nascia ele com-prava dois uniformes, um da Sele-ção Brasileira e outro do Flamengo. Por que seu pai se opunha a que você e seus irmãos jogassem futebol profissionalmente?Ele foi goleiro do Clube Municipal tricampeão de 39, 40, 41 da liga amadora do Rio. Aí o Flamengo o chamou para ser goleiro do time profissional, mas ele trabalhava numa padaria e o patrão, vasca-íno, disse que se ele fosse para o Flamengo ele perdia o emprego, que só liberaria se ele fosse para o Vasco. Ele não aceitou e indicou

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para o Flamengo um rapaz que jo-gava com ele chamado Jurandir. E esse foi um dos goleiros do tri-campeonato rubro-negro de 42, 43 e 44. Meu pai passou a ter ódio do Vasco. Mas ele tinha que ganhar o pão, e ficou ali até arrumar outro emprego. Essa decepção pesou. Quando o João Batista, que acabou sendo o procurador de todos nós, levou o Antunes (irmão mais velho de Zico) para o Fluminense, meu irmão demorou dois meses para contar que tinha sido contratado. Ele foi com jeito, dizendo que iria continuar os estudos, como de fato se formou em Economia. Aí papai disse que se ele fizesse faculdade poderia jogar futebol. Ele abriu ca-minho para todos nós. Mas todo mundo que queria ir para o futebol tinha que continuar estudando, tanto que eu continuei, fui até o 4º período de Educação Física. Se o Arthur não se transfor-masse em Zico que profissão escolheria?Eu queria terminar a faculdade de Educação Física. Senão eu queria ser pianista. Minha mãe tocava piano e queria porque queria que a Zezé (irmã de Zico, psicóloga) tocasse piano, mas ela não quis e meus irmãos tampouco. Sobrou para o caçula. Ela comprou um piano e me fez estudar. Eu toquei um ano e larguei por causa do fu-

tebol. Com 15 anos toquei piano até na TV Globo. Tinha que ler partitura, fazer clave de sol, mas fui cansando. Aí eu comecei a matar aula para jogar bola. Acho que fiz bem (risos). O Antunes abriu o caminho; o Nando chegou a jogar na Europa; o Edu é considerado o melhor jogador da história do América, e seus filhos também foram jogadores. A família Antunes é o verdadeiro Dream Team do futebol?O Bruno, em termos de técnica e qualidade, era o que poderia ter mais sucesso, mas ele era aves-so a treinamento, o negócio dele era música. O Thiago ainda está ralando por aí, mas sofre precon-ceito muito grande por ser filho do Zico. O Júnior parou por causa disso. Mas acho que se a gente jogasse junto na mesma época, seria complicado segurar. Reza a lenda que o Modesto Bria (então técnico do Fla-mengo), espantado com a sua estatura (Zico tinha apenas 1,55 metro e 37 quilos) queria impedi-lo de treinar quando você fez teste no Flamengo. É verdade?Eu fui no dia errado. Era para eu ir na escolinha, mas naquele dia era treino do juvenil, era um pessoal de

17 anos, e eu tinha 13 para 14. En-tão, quando o Seu Bria me viu per-guntou ao (radialista) Celso Garcia onde estava a "promessa" que ele disse que levaria para fazer o teste. Aí o Celso insistiu e ele me deixou treinar um pouco. Voltei para trei-nar com os garotos da minha ida-de e no domingo foi meu primeiro jogo oficial na Gávea, quando nós ganhamos de 4 a 3 e eu fiz dois gols. Daí tudo começou. O início no Flamengo foi mui-to difícil para o então garoto Arthurzico?O Joubert tinha uma rixa com o Zé Nogueira; então não gostava de aproveitar os jogadores que vi-nham da escolinha. O time juvenil era praticamente todo de jogado-res que vinham de fora. No início foi sofrido, eu não era aproveitado,

“Quando eu era criança tinha uma rádio que transmitia os jogos de Portugal e meu pai me colocava ao lado dele e ficávamosouvindo, enquanto meu pai cozinhava”

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tinha dias que eu ficava lá (na Gá-vea) sem treinar, nem fazia coleti-vo, ficava largado. Até que conse-guiram dobrar o Joubert e quando nós subimos o time do Flamengo ficou um espetáculo. Depois de tantas dificulda-des como atleta, você deci-diu arriscar seu prestigio na carreira de técnico. Quando o desafio acabará?Só quando o Homem me chamar. Eu estou aqui para isso, estou nes-sa estrada para essa missão. Minha missão na vida é futebol, e eu não me imagino fazendo outra coisa. Você se recente de não ter disputado a Olimpíada de Mu-nique, em 1972?Essa foi a maior frustração da mi-nha vida. Pela forma como acon-

teceu, eu quase parei de jogar futebol ali. Se meus dois irmãos, o Antunes e o Edu, não tivessem me dado força eu pararia, porque eu vi tantas coisas ruins aconte-cerem com eles... O Antunes não foi para a Olimpíada de 64, em Tó-quio, porque meu pai brigou com um dirigente do Fluminense. Em 69 o Edu foi apontado como o me-lhor jogador do Brasil, e nem assim foi convocado para a Copa de 70. Em 71 eu fiz o gol do título do pré-olímpico contra a Argentina e, em 72, o Antoninho (então técnico da seleção olímpica) foi ao Flamengo e pediu para eu voltar ao juvenil, para ele me convocar. Eu, que já era profissional, voltei. O time foi campeão e eu o artilheiro da com-petição, por isso, quando houve a convocação, eu estava certo que iria. Não entendi nada quando me

avisaram no vestiário do Flamengo que eu não tinha sido convocado. Não acreditei, eu desabei, fui em-bora para casa e fiquei uma sema-na sem aparecer na Gávea. Falei para avisarem ao clube que eu não voltaria mais, que tinha acabado tudo ali e que voltaria a estudar. Foi quando meus irmãos conver-saram comigo e eu fui voltando aos pouquinhos, treinando... Quem foram os responsáveis pela sua não convocação?A minha irmã levantou a lebre de que foi perseguição política, mas eu não queria acreditar. Meu ir-mão Nando teve problemas com a ditadura, foi preso junto com meus primos e o namorado de uma prima, que era líder do mo-vimento estudantil, numa festa na casa da minha tia. Eles pega-ram todo mundo, só não pegaram a minha tia e o menor de idade, o Custódio Coimbra, hoje um dos melhores fotógrafos do Rio. Os outros foram todos em cana, ficaram sumidos alguns dias e foram torturados. Nem o Edu e o Antunes, com toda moral no futebol na época, conseguiram achá-los. A minha irmã acredita que, por causa desse episódio, nossa família ficou marcada por aquela turma que mandava no País e que, graças a Deus, não manda mais.

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“Nossa família ficou marcada por aquela turma que mandava no País e que, graças a Deus, não manda mais”

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indústria

A economiada pedra

TexTo FranciSco Luiz noeL

FoToS raFaeL WaLLace

Pólo de rochas ornamentais do Noroeste fluminense recebe incentivos e atrai investimentos e mão-de-obra

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Rústica e resisten-te, em lajotas ou lajinhas de 11,5 centímetros por 23, ela ganhou o

Brasil com o nome de pedra Miracema, revestindo fachadas, pisos e interiores em tons de cinza. Em muitos matizes do amarelo, a pedra madeira também é adotada por construtores e arquitetos de norte a sul. Em chapas polidas, granitos como o floral Pádua e o branco Aperibé dão requinte a paredes e bancadas. Os nomes indicam a origem comum: o Noro-este fluminense, onde o peso econômico das rochas ornamentais só faz crescer.

A economia da pedra emprega mais de seis mil trabalhadores na região, estima o presidente do Sindicato de Extração e Aparelhamento de Gnaisses do Noroeste (Sindignaisses), João Ba-tista Fernandes Lopes, o Patinho. “São mais empregos do que os da indústria automobilística no estado”, compara. Em plena regularização, sem estatís-ticas oficiais, o principal pólo mineral do Rio de Janeiro produz mais de 7,2 milhões de metros quadrados de lajotas, lajinhas, peças almofadadas e placas por ano, movimentando, por baixo, mais de R$ 75 milhões.

Os 13 municípios do Noroeste con-tam com mais de 300 micro e pequenas empresas, somadas pedreiras e serrarias, que cortam os blocos em produtos finais. Somente Santo Antônio de Pádua dispõe de números mais próximos da realidade,

graças à adesão dos empresários locais a Termo de Compromisso de Ajustamento de Conduta (TAC) imposto pela Procuradoria Geral da República como pré-requisito para a legalização. Pádua, que desponta como o centro do pólo, tem nada menos de 76 pedreiras e 79 serrarias.

Em todo o Noroeste, as jazidas de rochas ornamentais somam mais de 600 registros no Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM), do Ministério das Minas e Energia. Guardam desde a abundante Miracema, que os paduanos chamam de pedra paduana, a mármores e granitos exóticos, como os brancos, verdes e pretos. Na maioria, as reservas estão em estado virgem, em nome de empresários da região de Cachoeiro de Itapemirim (ES) – capital brasileira da pedra – e de outros estados. Registros nas gavetas, eles esperam dias de lucro mais fácil para dar partida à produção.

“O sujeito registra uma pedreira, fica 20 anos sentado em cima, não produz, não deixa produzir nem gera um emprego”, bate duro o presidente do Sindignaisses, defendendo mudanças no Código de Mine-ração (Decreto-Lei 277/67), que disciplina a lavra no subsolo, pertencente à União. A corrida dos registros comprova, porém, que a mineração tem potencial econômico de sobra. Em 2007, o Noroeste respondeu por menos de 10% dos US$ 33,8 milhões de exportações de rochas no estado, o terceiro em vendas do tipo ao exterior. A maioria das pedras era de fora, despachada pelos portos fluminenses.

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O extrativismo de rochas na região ainda é exercido na divisa entre a legalidade e a informalidade. Desde a abertura das fazendas ao negócio da pedra, nos anos 1980, os

empresários nunca haviam levado ao pé da letra a legislação mineral, tributária, trabalhista e ambiental. Em março de 2004, após denúncias de danos à natureza e ações do

Batalhão Florestal da PM, a Pro-curadoria Geral da República ditou condições para não lacrar serrarias e pedreiras. O TAC aplainou o ca-minho da regularização, incluída a licença de operação da Fundação Estadual de Engenharia do Meio Ambiente (Feema).

"Os grandes desafios do setor são conseguir as licenças de opera-ção e produzir materiais com mais valor agregado", resume, no escri-tório regional do Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae), em Itaperuna, o técnico José Maurício Apolônio, gestor do Arranjo Produtivo Local (APL) de Rochas Ornamentais do

Desafios da regularização

A mineração começou a ganhar relevância econômica no Noroeste fluminense em meados dos anos 1980, como saída para o esvazia-mento da agropecuária. No início da década de 90, o DRM despachou a primeira equipe de geólogos e engenheiros à região, para avaliar o potencial das jazidas. Em 93, a Prefeitura de Pádua promoveu a primeira feira de rochas. Três anos depois, juntou-se ao Sebrae, à Fee-ma, ao DRM e ao DNPM para dar início à legalização do setor.

A trilha percorrida pela mine-ração deita raízes no declínio dos arrozais e da pecuária leiteira, que fizeram os últimos ciclos eco-nômicos de uma região farta em café até os anos 1950. "A pedra tornou-se uma opção em função das dificuldades de sobrevivência na agricultura e na pecuária", teste-

munha o empresário e sindicalista Patinho. A febre da pedra abriu pedreiras em fazendas e conver-teu currais em serrarias. "Esses homens aprenderam a mexer com a pedra sem ensinamento técnico. Uns foram ensinando aos outros", assinala. O autodidatismo, porém, já não é suficiente para os novos desafios. "Precisamos de uma ser-raria-modelo e da volta da pedreira-escola", diz Patinho, referindo-se ao fechamento da escola do Centro de Tecnologia Mineral (Cetem).

Na pedreira da Fazenda Cacho-eira Alegre, em Pádua, o encarrega-do José Mauro Rodrigues Pereira, 43 anos, é exemplo do aprendizado espontâneo. Desanimado com a lavoura de arroz da família, José Mauro começou a rachar rochas e ascendeu degrau por degrau até o posto de chefia. "Arroz não compen-

sa. Pedra é muito melhor", garante, orgulhoso de ter comprado casa de três quartos na cidade. Com a segunda série do ensino básico, ele tem carteira assinada e ganha em torno de R$ 1 mil.

Dos arrozais às pedreiras

Patinho: preocupação com o treinamento da mão-de-obra

Moisés, de Porciúncula: compromisso legal para voltar à produção

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Assim como a especialização de mão-de-obra, a evolução tec-nológica é vital para que o setor passe da era da pedra rachada à da polida. "Temos dois focos na região: as rochas de revestimento, utilizadas basicamente in natura, com características rústicas, ex-ploradas desde a década de 1960, e as rochas para chapas e polimen-to, com destaque para os granitos exóticos, que estão atraindo novas empresas", explica o presidente do DRM, Flávio Erthal.

Tecnologia é, também no ra-mo da pedra, sinônimo de valor agregado. O metro quadrado de lajinha sai a R$ 8 e o de lajotas a R$ 12, enquanto o de pedra ma-deira varia de R$ 25 a R$ 30. A mesma medida dos granitos des-dobrados em chapas e polidos custa, no mínimo, R$ 100. Em

2007, o Governo estadual criou o Programa de Revitalização do Setor de Rochas Ornamen-tais. "Nos granitos para chapas, nossa posição vem caindo. O programa busca incentivar a abertura de pedreiras e desatar os nós do licenciamento ambien-tal", diz Erthal.

O empresário Sílvio Ferreira da Silva, da serraria Pedras Paraíso, em Pádua, é um dos que não vêem a hora de ter a regularização definitiva. "Nosso grande gargalo é o licenciamen-to, que demora a sair", lamenta, observando que o documento é requisito para financiamentos como os da Agência de Fomento do estado (Investe Rio). O agente regional da Feema, René Justen, afirma que a fundação "está fazendo mais do que pode" para

cumprir a sua parte no TAC. "Das 23 serrarias que dependiam de ajustes dos controles ambientais, estamos concedendo licenças a 12, esperando que seja um es-tímulo para as demais", afirma.

Sílvio, de Pádua: à espera do licenciamento ambiental

Pavimentando o futuro

Noroeste. O APL colhe resultados em Santo Antônio de Pádua e está sendo estendido a Porciúncula, Miracema, Itaperuna e Bom Jesus do Itabapoana.

O arranjo produtivo foi a salva-ção das serrarias paduanas quando o Ministério Público federal exigiu o enquadramento legal da mineração, sob pena de paralisar a atividade. Graças ao APL, os impactos am-bientais e as alternativas de solução foram levantados um a um. Mais de 30 empresas sucumbiram às exigências, mas 155 assinaram o TAC. Para o procurador Cláudio Chequer, o cumprimento das con-dições impostas pelo MP tem saldo

positivo. "Antes, havia um grande número de empresas operando na clandestinidade. Hoje, as signatá-rias do TAC estão em processo de licenciamento conforme os parâ-metros da Feema", afirma.

Nas serrarias, o licenciamento tem pré-requisitos como o trata-mento de efluentes e a reciclagem de água. No tratamento, já adotado por 46 empresas, 720 toneladas do pó gerado no corte das pedras são decantadas em tanques, com reciclagem de 95% da água, que antes ia misturada aos resíduos finos para o Rio Pomba. Outra exigência: distância de 30 metros dos rios. Para atender ao quesito, 16

serrarias preparam a mudança para o Distrito Industrial de Pádua.

Graças ao compromisso de re-gularizar os negócios, empresários como Moisés Araújo Guimarães, de Porciúncula, podem continuar em atividade enquanto providen-ciam o atendimento das exigências legais. "O TAC está sendo uma ótima alternativa", diz Moisés, que teve os negócios paralisados pela Feema em 2006. Maior minerador do município, que possui jazidas de granitos preto e amarelo, o empresário é um dos que fabri-cam produtos diferenciados, como degraus de até 2,5 metros e lajotas de 80 centímetros por 80.

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Desenvolvimento tecnológico é tão importante para o futuro do pólo de rochas ornamentais quanto a atração de investimen-tos. A mais recente realização da dobradinha capital-tecnologia foi a abertura da fábrica de argamas-sa do Grupo Mil (Argamil), em junho, no pólo industrial de Santo Antônio de Pádua. A indústria tem capacidade para absorver 1,8 mil toneladas mensais de resíduos finos das serrarias e transformar

esse passivo ambiental em insu-mo para a fabricação de até 240 mil toneladas anuais de rejuntes e argamassas colantes.

A fábrica, com 35 trabalhado-res, é resultado da convergência de iniciativas desenvolvidas por instituições de pesquisa, governos estadual e municipal e setor priva-do, junto com o Sindgnaisses. No Ministério das Minas e Energia, tiveram papel-chave o Instituto Nacional de Tecnologia (INT) e o

Cetem. "Como a argamassa é um produto altamente demandador de resíduos em sua composição, propusemos que a melhor solução para Pádua seria a instalação da fábrica", explica o técnico do INT José Carlos da Rocha.

Para viabilizar o aproveita-mento do pó das serrarias, foi decisiva a participação do Cetem, que desenvolveu a tecnologia de separação dos rejeitos e da água, em tanques de decantação. "Além de permitir o aproveitamento dos resíduos, evita-se que eles sejam descartados de forma in-devida em cursos d'água ou nas várzeas", assinala José Carlos. Removido dos tanques, o pó é seco no local e recolhido para a produção da argamassa. Em outra linha de pesquisa, o INT estuda o aproveitamento dos resíduos graúdos de serrarias e pedreiras na produção de pisos, azulejos e utilitários não-planos.

O salto tecnológico para a pedra polida tem exemplo em Bom Jesus do Itabapoana, que concentra as duas serrarias da região com maquinário para desdobrar blocos e polir as pla-cas. Em teares de grande porte, que acionam simultaneamente até cem lâminas, blocos de três metros de comprimento e dois de altura, com 30 toneladas, recebem o toque de Midas e são "fatiados" como pães de forma.

Com nove empregados, a serraria funciona noite e dia, a todo o vapor. Do tear, onde o desdobramento de um bloco le-va mais de dois dias, as chapas seguem para o acabamento nas politrizes. O empresário Jorge Roberto de Almeida às vezes desdobra blocos de Pá-dua e de municípios vizinhos, mas o grosso da clientela é de capixabas. "Um dia ainda vamos virar esse jogo e des-dobrar os granitos da nossa região", aposta. Foi ele quem projetou e ergueu a serraria, com a experiência adquirida

em Cachoeiro de Itapemirim.A retirada da pedra para

a produção de chapas exige equipamentos especiais tam-bém nas pedreiras, como os guindastes conhecidos como pau-de-força, que erguem os blocos até as carretas. Na microrregião de Pádua, uma das poucas pedreiras com pau-de-força é a Cachoeira Alegre, que corta seus blocos em Bom Jesus, distante 80 quilômetros. "Se tivéssemos dois teares em Pádua, poderíamos serrar mais de 20 blocos por mês", sonha o sindicalista Patinho.

Da pedra rachada à polida

Toque de Midas

Fábrica de argamassa: um bom negócio para o meio ambiente

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A lida é dura, mas a volta ao trabalho na roça não passa pela cabeça de Sebastião Ezequiel Dias, 54 anos, há 18 trabalhando em serrarias de Santo Antônio de Pádua. "Lavoura não vale a pena. Plantava arroz, milho, cuidava de criação, mas o negócio estava ruim. Na pedra, é garantido", diz, satisfeito com a carteira assinada. Por dia, manejando a máquina, ele serra de 60 a 70 metros quadrados de lajotas, para levar para casa R$ 600 no fim do mês.

A exemplo de Sebastião, a

grande maioria dos trabalhadores do Pólo de Rochas Ornamentais do Noroeste prefere a rotina das ser-rarias e pedreiras à agropecuária. Tradicionais na região, as planta-ções e criações viraram sinônimo de atraso, penúria e dinheiro incer-to. Numa das serrarias com tear de Bom Jesus do Itabapoana, Maicon Silva, 20 anos, resume os motivos da troca da roça pela mineração: "Não tem muito o que escolher na região e o salário na pedra, além de certo, é melhor". O jovem, que antes cuidava de gado, recebe R$ 600 e está no novo ramo há um ano. Poucos deles têm o primeiro grau concluído – característica de um mercado de trabalho sem

oportunidades de qualificação.A remuneração na pedra tem

quase sempre uma parte fixa e outra, por produção. Nas pedrei-ras, um cavouqueiro ganha em média R$ 2 por metro quadrado de lajotas rachadas à mão, dos blocos cúbicos de 50 centímetros. Nas serrarias, desdobrar de pequenos blocos serrados as 38 lajinhas que dão o metro rende R$ 0,50. Traba-lhadores como o paduano Marco Antônio Gonçalves, 23 anos, há sete na pedra, racham de 60 a 70 metros por dia. Na hora de encher os caminhões que saem para todo o País, os chapas ganham R$ 70 por veículo, trabalhando pesado em grupos de três.

Outro desafio é a universa-lização dos direitos trabalhis-tas. "Pelo levantamento que fizemos em 2007, os trabalha-dores com carteira assinada eram 3,7 mil. Os não-legali-zados são o dobro", afirma o presidente do Sindicato dos Trabalhadores da Construção

Civil, Mármores e Granitos do Norte e Noroeste Fluminense, José Carlos Eulálio. Em alguns municípios, a entidade vem firmando convenções coletivas de trabalho com o Simagran-Rio, que disputa com o Sindig-naisses a representação dos empresários.

Eulálio queixa-se da falta de fiscalização do Ministério do Trabalho e promete inten-

sificar a pressão sindical. Na mira do sindicato, além da regularização trabalhista, es-tão as condições de trabalho nas pedreiras e serrarias, onde empresários e trabalhadores partilham o pouco rigor no uso de equipamentos de proteção, como luvas, capacetes e botas. "É difícil o trabalhador usar. Ele não tem treinamento para isso", lamenta.

Trabalho duro, dinheiro certo

Passivo trabalhista

Marco Antônio e Sebastião, em Pádua: da vida incerta na lavoura ao salário mensal na serraria

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Quando anteviu que cortar rochas tinha tudo para ser um grande negócio, Raphael Gramacho Cabreira desdobrava-se como funcionário da Pre-vidência Social e administrador de uma fazenda de gado leiteiro em Santo Antônio de Pádua. Os anos 1970 estavam no início e o uso da pedra era restrito. "Só se faziam paralelepípedos e meio-fio", conta. Raphael deu início à mineração na proprie-dade, no distrito de Santa Cruz, e logo conquistou freguesia no Rio de Janeiro.

Aos 58 anos, cinco filhos e dois netos, o pioneiro tem no currículo o fornecimento para obras de porte como o Riocentro, na capital, inaugurado em 1977 com calçadas de lajotas produzidas em Santa Cruz. Hoje, está à frente de 60 empregados na pedreira e na serraria, de onde saem 15 mil metros quadrados de lajotas e lajinhas por mês.

Das primeiras lajotas à consolidação do negócio, o empresário aperfeiçoou passo a passo a produção, logo seguido por outros mineradores de Pádua. Em 1978, de olho no mercado de pedras de formatos padroni-zados, ele comprou uma velha máquina de corte de mármore e encomendou ao mecânico Luigi Tenedini que a convertesse numa cortadeira de pedra. Serrada,

a rocha ganhou novos usos e mais valor.Memória viva do negócio da pedra na região,

Raphael assinala que a evolução foi grande. Quan-do começou, era furando à mão nas pedreiras que os trabalhadores abriam caminho para a pólvora que separava os blocos – trabalho feito atualmen-te com brocas acionadas por compressor. Mas, apesar dos progressos, o extrativismo mineral no Noroeste tem um longo caminho tecnológico pela frente, observa o minerador, que já exportou para os Estados Unidos e participou de feiras como as de Carrara e Verona, na Itália. "Estamos atrasados cem anos", compara.

Motorista de caminhão e negociante nato, Antônio Carlos Muniz Alvim, o Passarinho, le-vava arroz até a praça de São Paulo e, para não voltar batendo carroceria, transportava de açúcar a geladeiras para o comércio de Miracema. Em meados dos anos 1970, arriscou uma carga dife-rente: lajotas, produzidas nas primeiras pedreiras do município. De um armazém de atacado na capital paulista, a pedra foi para lojas de material de construção e saiu todinha. Em um ano, Passa-rinho já não tinha como atender a tantos pedidos dos paulistanos.

"No começo, quando enchia o caminhão, o pessoal dizia que eu estava louco, levando pedra em vez de arroz. Mas depois que o negócio deu certo nem levei mais arroz. Era só pedra", conta. Na época, poucos miracemenses acreditavam que a mineração poderia ir longe. "Eu já trabalhava com pedra, mas só se usava em piso de curral e em terreiro para secar arroz", diz o motorista-comerciante, que, aos 78 anos, recupera-se de um acidente vascular cerebral.

Seu pioneirismo tem a favor o depoimento do presidente do Sindignaisses, João Batista Fer-nandes Lopes, o Patinho: "Sem querer, ele abriu o mercado de São Paulo". Passarinho fez mais do que desbravar o mercado paulista. Quando chegou com as primeiras lajotas no atacadista, foi indagado sobre o nome da rocha. Surpreendi-

Memória viva donegócio da pedra

O embaixador de Miracema

Cabreira: pioneirismo e consciência de quefuturo do pólo depende da modernização

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O mecânico aposentado Luigi Tenedini, 81 anos, não se esquece do dia em que foi procurado por Raphael Gramacho Cabreira para adaptar uma combalida má-quina de serra arrematada numa marmoraria. "Era bem velha, mas ele disse: quero cortar pedra." Desafiado a recuperar a geringonça, Tenedini acabou abrindo um veio de negócios nunca antes explorado na região.

Três décadas depois, esse italiano desembarcado no Brasil em 1950 perdeu a conta das máquinas de corte que fabricou. Animado pela adaptação feita para Rapha-el, o mecânico começou a montar engenhos semelhantes e viu a freguesia crescer. "O sujeito vinha da roça, tirava do bolso um bolo de dinheiro e dizia: também quero uma máquina. Fizemos mais de 300. Houve época em que eram 20 por mês." Era uma novidade, numa época em que as rochas só eram rachadas à mão.

Especializado em mecânica de máquinas automáti-cas, Luigi Tenedini juntou o conhecimento técnico e a inventividade à preocupação de produzir equipamentos de fácil operação. Nos tempos heróicos da pedra, os trabalhadores acabavam de deixar os arrozais – muitos deles, sem instrução nem experiência industrial. "Fiz uma máquina simples, pequena, para o pessoal da roça poder trabalhar", conta.

O filão surgiu em hora mais que oportuna, pois co-meçava a minguar o trabalho de manutenção e reparo de equipamentos agrícolas. No fim dos anos 1970, ia-se aos poucos o tempo dos arrozais. "O negócio novo sai da cabeça da gente quando o bolso está vazio", brinca. Com dois filhos e três netos, o mecânico não abando-nou o ofício, acompanhando de perto as pesquisas e os avanços do filho Giovanni, 43 anos, engenheiro mecânico que desenvolve o protótipo de uma máquina com várias serras para o corte de blocos.

do, lembrou-se logo da terra natal e não pensou duas vezes. Estava batizada a pedra Miracema, que ficou conhecida assim no Brasil inteiro. Os paduanos até hoje não se conformam. "Se 90% por cento das jazidas estão em Santo Antônio de Pádua, como é que a pedra pode se chamar Mira-cema?", questiona Raphael Gramacho Cabreira. Por mais que os mineradores de Pádua chamem o material de pedra paduana, a denominação está longe de vingar.

As demandas do mercado desbravado pelo pioneiro logo atraíram ao negócio outros nego-ciantes e mineradores. "Com o tempo, o pessoal baixou o preço à metade", ainda queixa-se Pas-sarinho. Nem por isso ele deixou de ter na pedra a fonte de sustento da família, vendendo rochas e farejando jazidas.

O desafio de criarmáquinas simples

Tenedini: conhecimento de mecânica e máquina sob medida para o negócio da pedra

Passarinho: de caminhão, levando pedra em vez de arroz e divulgando o nome da cidade

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TexTo Pedro SPreJer

FoToS rony maLTz

memÓria

A terra do Mané

Um autêntico pau-grandense é aquele sujeito que, quando

lhe perguntam quem foi o maior jogador de futebol de todos os tempos, sorri orgulhosamente e responde algo do tipo: "Garrincha, é claro. Pelé era bom, mas o Mané foi único". Foi no bucólico povoa-do de Pau Grande que Garrincha cresceu solto pelo mato, caçando passarinhos e arriscando seus primeiros toques na bola. Ruas vazias e silenciosas – a não ser quando passa um dos carros de som fazendo propaganda eleitoral

aos berros –, vizinhos conversando nas varandas: a vila, localizada no 6º Distrito do município de Magé, possui cerca de oito mil habitantes e fica no pé da Serra dos Órgãos, região de abundantes fontes de água e natureza esplendorosa.

A história de Pau Grande re-monta ao fim do século XIX, quan-do a Companhia América Fabril, multinacional inglesa da indústria têxtil, adquiriu um vasto terreno

em Magé. No local, foram erguidos uma grande fábrica de tecidos, uma vila com casas para 1.200 operários e suas famílias, um posto médico e uma escola. Moradia, luz, água, educação, era tudo de graça para os funcionários.

Dentre as árvores que compu-nham a paisagem que envolvia o terreno, uma, centenária e de dimensões bíblicas, destacava-se. Os ingleses, a despeito de

A paisagem de hoje (no alto) guarda resquícios da fábrica que a multinacional inglesa América Fabril construiu no século XIX

Pau Grande, no município de Magé, é um retrato da história da industrialização e do futebol brasileiros

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qualquer preocupação ecológica, botaram-na abaixo, utilizando a farta madeira na construção de parte da fábrica. Não se sabe se por arrependimento ou ironia, o nome da vila acabaria sendo uma homenagem póstuma ao tronco de cerca de 50 metros de altura, que, reza a lenda, 30 homens não conseguiam abraçar.

Na entrada do povoado havia um portão, de onde guardas da empresa controlavam o movimento de forasteiros. Mesmo a prefeitura de Magé só podia entrar lá com um bom motivo. Aos diretores da fábrica, todos ingleses – apenas na década de 1950 seriam admi-tidos funcionários brasileiros nos quadros mais elevados da empresa –, foi dado o poder de interferir na intimidade das famílias operárias, reprimindo costumes considerados menos civilizados e ditando nor-mas de higiene. Intervinham até mesmo em discussões entre casais e parentes, punindo aqueles que se excedessem além da conta.

Se o trabalho – realizado muitas vezes em ambientes insalubres, infestados de partículas de algo-dão que causavam irritação nas vias respiratórias, e sob o barulho ensurdecedor das máquinas de tear – era pesado, a vida em Pau Grande tinha suas compensações. No livro Estrela solitária – um bra-sileiro chamado Garrincha, Ruy Castro observa que os ingleses incutiram nos pau-grandenses

a crença de que estes possuíam uma certa superioridade sobre os povoados vizinhos: "Todo mundo ali, brancos, negros e mestiços, sentia-se com um pé, mesmo des-calço, na aristocracia".

Quando o pai de um recém-nascido regressava do cartório em Petrópolis, onde era feito o registro do filho, ia direto à sede da empresa para informar a chegada ao mundo de um futuro operário. O bebê tinha o nome anotado em um livro que, desde então, traçava o seu destino mais provável: aos sete anos começaria a estudar, aos 14 receberia uma convocação para se apresentar na fábrica, e aos 44 poderia se aposentar.

"Naquela época tudo vinha da Inglaterra. No Brasil não se produzia nem parafuso", recorda Roberto Leite Rodrigues, de 81 anos, no povoado desde os oito. Sentado numa espreguiçadeira

na varanda de sua casa, Roberto, um ex-tecelão aposentado, lembra do tempo em que ocupou o cargo de presidente do Esporte Clube Pau Grande, entre os anos 40 e 50. "Ganhávamos de todo mundo que vinha aqui nos desafiar. Não tinha pra ninguém", afirma

O Esporte Clube Pau Grande não passaria de uma modesta e simpática equipe de futebol ama-dor, cujo grande feito foi ter vencido a liga mageense algumas vezes, não fosse o fato de ter revelado Garrin-cha para o mundo. Na verdade, a primeira camisa que o maior ídolo da história do Botafogo defendeu foi a do Palmeiras F. C. de Pau Grande, time de pelada fundado por seu irmão mais velho, Zé Baleia. Foi com ela que Garrincha arrasou adversários no campinho da Bar-reira – que ainda existe no mesmo local –, driblando entre os inúmeros buracos, à beira de uma ribanceira.

“Naquela época tudo vinha da Inglaterra. No Brasil não se produzia nem parafuso”Roberto Leite Rodrigues

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Assim como o Botafogo foi a base da Seleção Brasileira durante a década de 60, o elenco do temido Palmeiras F. C. formaria, em 1947, o time juvenil, e , pouco depois, adulto do E. C. Pau Grande.

"Garrincha era sacana, brin-calhão e flamenguista. Um cara simples. Lembro dele, já depois de famoso, voltando do Maracanã na caçamba do caminhão, junto com o povo de Pau Grande", revela Toti, primeiro treinador do craque. Quan-do, por razões táticas, Toti avançou Garrincha para a ponta-direita, os torcedores do E. C. Pau Grande protestaram, fazendo um abaixo-assinado para que ele voltasse a jogar na meia-direita. O técnico, porém, resistiu à pressão, e o me-nino das pernas tortas acabou se

consagrando na nova função tática, perfeita para o seu futebol. Como os jogadores todos trabalhavam na fábrica, os treinos ocorriam apenas às terças e quintas. Com 15 anos, o Mané amadurecia rápido e impressionava o técnico: "Quan-do o marcador chegava perto, ele sumia!". Ao longo dos cerca de 30 minutos em que conversamos, Toti, hoje com 85 anos, repetiu por mais de cinco vezes o mantra: "Eu não ensinei nada para o Mané, ninguém ensinou. Ele já nasceu sabendo: tinha um dom".

Farra em véspera de jogoGrande amigo e colega nos

anos dourados do alvinegro pau-grandense, Malvino Freire acom-panhou Garrincha também nas

farras noites adentro em bares da região. Sinal dos tempos, um dos botecos em que bebiam foi com-prado e transformado em igreja evangélica. Era comum encontrar Malvino, Garrincha e os irmãos Swing e Pincel bebendo em vés-pera de jogo do Botafogo. Conta-se que, depois de incontáveis copos de cerveja, Mané anunciava: "Ama-nhã vou acabar com eles, vocês vão ver". Invariavelmente cumpria a promessa. Enquanto Garrincha alegrava o povo e conquistava o mundo, Malvino continuou traba-lhando na América Fabril, no turno que ia das seis da manhã às três e 48 da tarde. Hoje, aos 75 anos, está aposentado, como grande parte da população do povoado. As duas fábricas que a América

O povoado possui uma creche, uma escola, um estádio e uma choperia com o nome de Mané Garrincha

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Fabril construiu em Pau Grande agora pertencem à empresa de refrigerantes Pakera.

Fundado no dia 11 de agosto de 1908, por operários da América Fabril, o E. C. Pau Grande acaba de completar 100 anos. Com a renda gerada por cerca de 150 associa-dos, dos quais apenas a metade está em dia com a mensalidade de R$ 5, as comemorações tiveram que ser modestas: churrasco, baile e almoço de domingo. A única personalidade a aparecer por lá foi

a ex-senadora Benedita da Silva, parceira do clube em um projeto para crianças carentes.

Até 1983, ano em que a fábrica de tecido finalmente fechou as portas, depois de um processo agonizante de falência, todos os operários tinham uma parte do sa-lário descontada diretamente para os cofres do clube. Além disso, a América Fabril dava alimentação e material de treinamento para os atletas. "Já pedimos o apoio de várias empresas. A Petrobras

apóia o River Plate na Argentina, mas não está nem aí para a nossa história", protesta Roberto.

Na sede do clube, há um bar com mesas onde um grupos de amigos, todos aposentados pela fábrica, passam os dias jogando buraco e conversando. Uma vitrine com troféus, uniformes e fotogra-fias conta um pouco das glórias do time. A pequena arquibancada do campo em que a equipe, ainda amadora, joga foi pintada há pouco tempo e os vestiários passaram por reformas. O dinheiro para isso foi doado por um empresário por-tuguês, dono de uma grande loja de material de construção no Rio e fanático por Garrincha, apesar de ser torcedor do Vasco. Este senhor, porém, acabou adoecendo e a ajuda, por hora, cessou. Além das parcas mensalidades, o clube vive da renda do bar e do aluguel do campo para peladeiros e para shows. No último dia 7 de setembro foi realizada uma festa animada pelo bloco carnavalesco carioca Monobloco. A previsão de público era de 10 mil pessoas. Pelo visto, as coisas começam a melhorar.

Toti, hoje com 85 anos, foi o primeiro treinador do craque, enquanto Malvino Freire acompanhava Garrincha nas farras em bares da região

Fundado em 1908 por operários da América Fabril, o E. C. Pau Grande acaba de completar 100 anos

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"Isso aqui é um gigante ador-mecido. Temos que ressuscitá-lo", diz Carlos Renato Teixeira, atual presidente do clube. Com apenas 25 anos, Carlos Renato, que jogou nos juvenis do Santos ao lado de Diego e Robinho, estreou com otimismo na vida de cartola. Em tom de sigilo, fala dos planos de uma parceria com um empresário americano que teria se apaixonado pela história do E. C. P. G. O inves-tidor estaria disposto a arrecadar fundos para a construção de um grande estádio, de um centro de treinamento, "no nível dos do Flamengo e do São Paulo", que funcionaria como uma espécie de spa para jogadores de grandes clu-bes em recuperação, e até mesmo de uma franquia do McDonald's. Carlos Renato, que sucedeu o pai no cargo, sonha em um dia ver a equipe na primeira divisão do campeonato carioca. "Mas se não tivermos patrocínio, vamos ficar assim parados por mais 100 anos", afirma seu pai, José Renato.

Orgulho e homenagemO povoado possui uma creche,

uma escola, um estádio e uma choperia com o nome de Mané Garrincha. A alguns quilômetros, encontra-se o cemitério onde o ex-jogador está enterrado. A lápide de número 4581, em que está gravado o seu nome, Manuel Francisco dos Santos, está rachada e em péssi-mo estado. Em 1985, a prefeitura de Magé construiu, no mesmo cemitério, um pequeno mausoléu para o corpo de Garrincha. Porém, Rosa, irmã do craque, prefere que o corpo permaneça no local onde está, junto com os restos mortais

da família. De acordo com o covei-ro José Correia, o túmulo recebe poucas visitas – vez por outra, um botafoguense vai lá e estende uma bandeira para prestar homenagem. "Pelo que ele foi, merecia uma coisa mais vultosa", reflete.

Muitos dos parentes de Gar-rincha ainda moram em Pau Gran-de, inclusive sua filha Rosângela Cunha dos Santos, reconhecida há cerca de dez anos, depois de um exame de DNA. Desemprega-da, Rosângela diz estar passando por necessidades financeiras. Ela

cozinha para o clube, pinta blusas para vender e divide com os outros irmãos – são 14 filhos no total – os direitos de imagem do pai. A semelhança com o rosto do Mané é impressionante. "Todos comen-tavam que eu devia ser filha dele, mas a minha mãe dizia para eu não dar ouvido às besteiras que o povo fala", diz Rosângela, que afirma ter orgulho do pai e sonha em obter um patrocínio para construir na cidade um museu que, enfim, ren-da a justa homenagem ao cidadão honorário de Pau Grande.

“Todos comentavam que eu devia ser filha dele, mas a minha mãe dizia para eu não dar ouvido às besteiras que o povo fala”Rosângela Cunha dos Santos, filha de Garrincha

O modesto túmulo de Garrincha recebe poucas visitas. Sua família não aceitou o mausoléu feito pela prefeitura

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ana HoFmannopiniÃo

De portas abertas para a tecnologia

Para quem participou da criação do Movimento Petrópolis Tecnópolis, que tem por objetivo levar empre-sas de base tecnológica para a região Serrana do Estado do Rio de

Janeiro, este é um momento de festa. Após dez anos de existência do movimento, o município de Petrópolis se consagrou como um portal de entrada para os investimentos em tecnologia no estado. Reconhecida como a cidade do interior do estado com maior número de cursos profissionalizantes em tecnologia e com a mais interessante lei de incentivos fiscais em benefício do setor – na cidade uma empresa pode chegar a pagar apenas 0,8% de ISS –, Petrópolis atraiu mais de 20 empresas nos últimos quatro anos e hoje conta com 74 em-preendimentos relacionados ao movimento.

Cada passo dado nesta direção foi milimetrica-mente planejado: a conquista de cada instituição de ensino focada no tema; o estudo dos incentivos fiscais; a permuta de serviços com a prefeitura; a captação de recursos com o Ministério da Ciência e Tecnologia para a criação de Centros de Servi-ços Compartilhados entre as empresas; a criação de uma estrutura de apoio à busca por recursos financeiros – dos R$ 24 milhões não reembolsáveis destinados ao Estado do Rio de Janeiro pelo edital de Subvenção à Inovação da Finep, em 2007, R$ 13 milhões foram para empresas de Petrópolis, que concorre este ano, com nove projetos, a quase

R$ 30 milhões – e ainda a implantação de uma rede de fibra ótica que percorre grande parte da cidade e que vai oferecer, para empresas deste setor, serviços de comunicação a preços menores que os de mercado.

Não bastasse isto, o movimento ainda lançou, em agosto de 2008, o Festival de Tecnologia de Petrópolis. Nas palavras do ministro de Ciência e Tecnologia, Sérgio Resende, "o festival é um marco para o setor de tecnologia, um evento único". E o que o destaca? Ser independente, não comercial e abrangente na escolha de seus temas, entendendo a importância da discussão sobre tecnologia em suas aplicações. Em sua primeira edição, o evento levou a Petrópolis 52 palestrantes, atraiu mais de mil pessoas para suas palestras, três mil crianças para sua mostra de tecnologia, que aconteceu no Palácio de Cristal, e ainda ofereceu à cidade sete eventos culturais, entre cinema, teatro e shows.

E o Movimento Petrópolis Tecnópolis não vai parar por aqui. Nosso objetivo é conquistar empresas maiores, que possam trazer para a ci-dade seus fornecedores e parceiros e fomentar o crescimento das empresas médias que já temos. Estamos também preparando o Festival de 2009 e ainda temos um projeto muito especial de tra-zer para Petrópolis o primeiro parque temático permanente do País sobre tecnologia.

Ana Hofmann é gerente executiva do Movimento Petrópolis Tecnópolis.

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danieLLa SHoLLmÍdia

Como explorar o boca-a-boca virtual nasredes sociais existentes na internet paratornar conhecido um produto, uma idéiae até mesmo uma plataforma política

D e um tempo para cá, os marque-teiros de plantão começaram a impressionar clientes com uma expressão intrigante: "marketing

viral". Houve quem achasse tratar-se de uma nova epidemia, uma virose ou gripe forte. Nada disso. Na verdade, o marketing viral é antigo como a linguagem. Nada mais é do que a propaganda boca-a-boca dos tempos modernos, da era da internet, com sua imensa rede social formada por comunidades no Orkut, MSN, blogs, YouTube, Flickr e muito mais.

O marketing viral usa técnicas para localizar essas redes sociais virtuais, a fim de espalhar informações, formar opinião ou multiplicar de forma exponencial o conhecimento de uma marca.

Grandes marcas mundiais, como a gigante Ni-ke, já usam o recurso há um bom tempo. O famoso vídeo de Ronaldinho Gaúcho no YouTube, em que o craque, usando uma chuteira com a logomarca que fala por si só, consegue inacreditavelmente acertar seguidas bolas no travessão, foi postado há dois anos e não tem nenhuma cara de anúncio publicitário. Mais parece um vídeo caseiro. Pois sem gastar nenhum centavo em mídia tradicional, o vídeo Ronaldinho Golden Touch, postado há dois anos, já havia sido assistido, até o dia 13 de agosto, quando estas linhas foram escritas, por nada menos que 26.687.874 pessoas do mundo inteiro. Hoje já devem ser muito mais.

Quer mais exemplos?

Para o YouTube, a rede onde qualquer pessoa pode postar gratuitamente vídeos de toda espécie, a Coca criou um usuário que colecionava pegadinhas famosas e postou três novas peças (com aparência de vídeo caseiro) produzidas exclusivamente para essa campanha. Colocou ainda trotes reais hilariantes no SAC da Coca-Cola feitos com o humorista Marco Bianchi, da MTV.

No Flickr, a rede onde qualquer um pode criar e compartilhar com o mundo o seu álbum de fotos, foi criado um grupo onde os consumidores podiam brincar com fotos famosas, incluindo a imagem da Coca-Cola Zero de forma inusitada.

Na Blogosfera foi criado um blog que trazia dia-riamente notícias curiosas reais do mundo inteiro. A Coca disponibilizou ainda um aplicativo chamado widget que, baixado para o desktop, agregava as novas fotos do Flickr, as novas pegadinhas do You-Tube e as notícias do blog.

viralMarketing

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A Coca foi além: inventou um divertido

manifesto "an-tizero", movimento

comandado por formigas e abelhas que se revoltaram

contra a Coca-Cola Zero por esta não ter açúcar e, ao mesmo

tempo, não perder o sabor da original. O "manifesto" foi enviado para centenas

de comunidades e usuários do Orkut – a mais popular rede de relacionamento da internet, com

mais de 60 milhões de usuários no Brasil. O resultado da campanha foi estupendo e em

um mês as pegadinhas da Coca Zero no YouTube já eram campeãs de visitas. Só depois de circular muito tempo na rede é que a propaganda da Coca Cola Zero foi para a rua, nas mídias tradicionais.

Apesar da modernidade, a lógica é a mesma do velho boca-a-boca: uma pessoa vê, acha graça, envia o link para dez amigos, que enviam para mais dez e mais dez e mais dez... Tal e qual uma gripe ou virose contagiante. Ou, simplesmente, marketing viral.

Hoje, empresas como Boticário, Natura, Vale do Rio Doce e Coca-Cola já contratam empresas especializadas ou compram softwares sofisticados para fazer eles mesmos o clipping da internet, ou seja, para rastrear o que estão falando sobre elas e a concorrência nas comunidades do Orkut, nos sites, blogs, enfim, no universo virtual.

Isso ajuda, por exemplo, a identificar usuários insatisfeitos e colocar os seus departamentos de relações públicas para falar diretamente com eles. Serve também para abortar crises, muitas vezes criadas pela concorrência, para espalhar o vírus do mal. Foi o que aconteceu, recentemente, quando circulou um falso e-mail – postado também em diversas comunidades no Orkut – que contava a história da lagarta encontrada na embalagem de uma conhecida marca de suco. Se a empresa não agisse rapidamente para informar às redações dos veículos de imprensa que se tratava de uma cascata virtual, corria-se muito bem o risco de o falso e-mail ir parar numa coluna de jornal causando estrago – será? – ainda maior.

Até a TV Globo foi vítima de algo semelhante, quando no ano passado circulou na internet a infor-mação de que o grupo abateria do seu imposto de renda as doações para o projeto Criança Esperança. A notícia, falsa naturalmente, teve que ser desmen-tida no Jornal Nacional e, hoje, toda a propaganda da campanha é acompanhada da informação de que o dinheiro doado não pode ser usado para abatimento fiscal. Mesmo assim, já ouvi muita gente dizer que não doa porque leu na internet...

É por isso que qualquer ser humano minima-mente antenado no mundo já percebeu que, cada vez mais, o antigo consumidor de informação se tornou hoje um produtor de informação, com enor-me poder de influenciar centenas, milhares de pessoas. Por isso, é preciso entender esse idioma, compreender os seus códigos e ir onde esse novo consumido está, de preferência com conteúdos divertidos ou intrigantes, despertando o interesse do "receptor" de virar "transmissor" e compartilhar tal experiência.

O que o mercado já vive há tempos no universo virtual só agora começa a entrar também no mundo da política, como se vê, pela primeira vez, nas elei-ções municipais deste ano. Candidatos que muito provavelmente sequer sabem usar o e-mail na vida real, montam estruturas de comunicação profissio-nais para se comunicar com esse novo eleitor, para se conectar nesse novo universo, para ir onde o voto está. Fazem muito bem. Pois quem perder esse bonde, vai ficar fora da história.

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Pessoas que passaram dos 70 anos e continuam trabalhando demonstram que ser produtivo é o segredo para se manter a auto-estima

Em seu clássico livro A velhice, a escritora francesa Simone de Beauvoir afirma que "todos desejam viver por muito tempo,

mas ninguém quer chegar a ser velho". A intelectual existencialista mostra, entre outras coisas, que o inconsciente não tem idade e que temos forte ten-dência a nos comportar, na velhice, como se jamais fôssemos velhos. Cícero, o filósofo e escritor grego, em seu famoso tratado De senectute (Da velhice), ressalta que "todos querem chegar à velhice e, quando chegam, acusam-na".

Segundo o mestre em gerontologia Pedro Paulo Monteiro, envelhecer não é aquilo que acontece aos que têm mais idade; é um processo ao qual o ser humano está submetido desde que nasce e que é irreversível, implicando em mudanças físicas e mentais.

– É irreal ver o tempo como inimigo, porque ele não está fora, ele está em nós. Os anos vividos dizem respeito apenas a nós que os vivemos. Somos autores de nós mesmos, cabendo a nós fazer a escolha do caminho a seguir, ou seja, saber envelhecer bem ou não – esclarece Pedro Paulo Monteiro.

Ao contrário do que muitos acreditam, a maioria das pessoas da terceira idade conserva um nível importante de suas capacidades cognitivas e

psíquicas, já que "envelhecer não significa doen-ça", afirma o geriatra Salo Buksman, membro da diretoria da Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia do Rio de Janeiro (SBGG). Segundo ele, em países desenvolvidos existe uma diferença do conceito de velhice, que pode se situar nos 70 anos, enquanto no Brasil é nos 60.

– Isso porque, lá fora, este indivíduo permanece útil e tem um nível de vida melhor, que favorece suas condições físicas, biológicas e psicossociais. O preconceito contra os idosos, associando-os a fragilidade, decadência e passividade, é que os leva a incorporar estas características, tornando-os mais velhos mais cedo e fazendo com que desistam de seus projetos futuros – resume.

Afinal, quando nos tornamos velhos? Quais os limites da velhice em termos de complexidade fi-siológica, psicológica e social? Ou: de que maneira as pessoas passam a encarar estas características que as fazem se classificar como velhas? Em pri-meiro lugar, ninguém acorda velho porque fez 50, 60 ou 70 anos. O envelhecimento é um processo contínuo na vida de qualquer ser. Exemplos de pessoas que entenderam isso e nunca deixaram de ser produtivas demonstram que o segundo ponto é ter auto-estima elevada e planos para o futuro.

Saberenvelhecer

maturidadeTexTo JuSSara câmaraFoToS zô guimarãeS

Vanna Piraccini, 82 anos, é dona da livraria Leonardo da Vinci e lê dois a três livros simultaneamente

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Sem tempo para ficar doenteVanna Piraccini, 82 anos, esbanja energia.

A qualquer momento que se vá à sua livraria, a tradicional Leonardo Da Vinci, no Centro do Rio, ela está sempre ocupada. Acabou de retornar de uma Feira do Livro na Europa e está lendo dois a três livros simultaneamente.

– Leio de tudo, não tenho censura – esclarece.Fora isso, ainda encontra tempo para ser síndica

do prédio. Para ela, seu trabalho justifica sua vida. Ela chega à livraria às 10h30 e vai embora às 19h.

– Vejo aqui tanta sabedoria, que não posso ser proprietária. Apenas, administro e trafico com a inteligência alheia – brinca. Trabalhando com uma equipe, ela seleciona os livros que vão ser comprados, encomenda-os, orienta aos leitores que a procuram e faz levantamento biográfico.

– Quem quiser viver muito tem que acordar de manhã pensando em uma porção de coisas para fazer durante o dia – ensina o advogado Aloysio Pinheiro Vasconcellos, 98 anos, que adotou para si o lema "o idoso nunca deve ficar ocioso".

Ele dirige dez advogados no seu escritório de advocacia e sabe bem do que está falando. Diaria-mente, chega ao escritório às 9h e vai embora às 17h30. Possui uma saúde de ferro e é contra a tomar remédios, desde que passou a ler as bulas.

É o mesmo caso de Vicente Rocha, 77 anos, que vive um programa de condicionamento físico e mental que ele mesmo criou e que lhe proporciona uma vitalidade incomum para a sua idade.

– Estou certo que saúde é sinônimo de mo-vimento. Parou, estagnou. Não importa quando, mas chega um momento que é preciso discutir com o corpo quem é que, daqui para frente, vai mandar – explica este professor de educação fí-sica, coronel do Exército e formado também em Comunicação Social.

Criador do Clube da Saúde, ele administra seus conceitos sobre quais são os melhores exercícios, incentiva os alunos a caminhar, a se alongar, a fazer hidroginástica e controlar os hábitos alimentares. Atualmente, trabalha também no projeto Laboratório de Memória, método criado por ele, que engloba exercícios de percepção, atenção e meditação.

– Não tenho tempo para ficar doente – revela a empresária Wanda Zaremba da Câmara, que fundou o Colégio Metropolitano, no Méier, zona Norte do Rio, junto com o marido, Adauto da Câmara, em 1932. Aos 95 anos, ela continua dirigindo o colégio, que tem 1.500 alunos, do primário ao preparatório para a faculdade.

Wanda trabalha diariamente das 9h às 18h e ainda é responsável pela área financeira da escola. Ela diz que não sente o envelhecimento, porque sempre esteve pronta para aceitar os desafios da vida e nunca se deixou abater pelos obstáculos, como a perda do filho mais velho.

Dina da Luz Monteiro e Aguiar, 78 anos, preside o Instituto Nacional de Desenvolvimento Portuário (Indep), entidade juridicamente organizada para atuar como articuladora sistêmica do complexo de transpor-tes, com especial dedicação aos portos brasileiros.

– Em minha vida, sempre busquei conheci-mento em várias áreas. Fiz cursos de música, arte, pintura, parapsicologia, astrologia. Estudei algumas religiões e participei de teatro e coral. Nunca parei de estudar – revela.

Na década de 90, como coordenadora de meio ambiente dos Portos, fez o curso de MBA em

“Quem quiser viver muito tem que acordar de manhã pensando em uma porção de coisas para fazer durante o dia”Aloysio Pinheiro Vasconcellos, 98 anos

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Marketing, na Fundação Getúlio Vargas (FGV), que concluiu em 2005. Em agosto do mesmo ano defendeu com louvor sua dissertação de Mestrado em Sistemas de Gestão, na Universidade Federal Fluminense (UFF), sob o título "Segurança e saúde no trabalho, qualidade de vida laboral dos estivadores", voltada para a qualidade de vida dos trabalhadores portuários avulsos, onde propõe ferramentas para mudança dessa cultura através de sistemas de gestão integrados: segurança, meio ambiente, saúde, qualidade e responsabi-lidade social.

Atualmente, está fazendo um curso de 600 ho-ras na UFRJ de Ergonomia, que visa a ajudá-la a propor melhorias no desempenho do estivador no seu ambiente de trabalho, de acordo com aspectos físicos e cognitivos. Ela espera que este curso lhe dê os subsídios necessários para sua tese de doutorado na FGV, daqui a um ano.

– Eu respiro liberdade, faço o que quero, como quero e quando quero. Querer é poder – resume Dina.

Gerente da área de exploração e produção do Instituto Brasileiro de Petróleo, Gás e Biocombustí-veis aos 73 anos de idade, Jonas dos Reis Fonseca

foi convidado para o cargo depois que se aposentou da Petrobras, onde acumulou conhecimentos e experiência nesta área.

Viajando constantemente a Brasília, São Paulo, Bahia e Minas Gerais, Jonas sabe que a família fica prejudicada com sua ausência, mas ele se sente muito bem em atividade. Procura estar sempre atualizado e não sabe ainda quando vai parar.

– Viver muito não é o importante, o que importa é viver bem. Eu vou continuar fazendo a minha parte, me mantendo em dia com a vida. Acredito em envelhecer sim, mas com qualidade – finaliza.

Otimismo e tolerância – As pessoas que acreditam vão muito melhor na

vida do que aquelas que não acreditam no que podem fazer ou ser. Se forem otimistas, então, têm uma prote-ção muito maior que as pessimistas – diz a psicóloga e psicanalista Ruth Goldemberg, 84 anos.

Ruth esclarece ainda que quem consegue de-senvolver tolerância para aceitar fatos negativos, criatividade para encontrar soluções na vida e se adaptar aos momentos difíceis, num processo de amadurecimento que é contínuo desde o nascimen-

Com Mestrado e MBA, Dina da Luz Monteiro e Aguiar, 78 anos, está fazendo um curso de Ergonomia na UFRJ, para propor melhorias no desempenho do estivador no seu ambiente de trabalho

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to, vai viver bem e saber envelhecer de forma mais saudável. O afeto, acrescenta ela, é fundamental ao ser humano em qualquer fase.

– O dar e receber carinho é o que, muitas vezes, nos mantém vivos e felizes – ensina.

Ruth convive com o emocional das pessoas há mais de quatro décadas. Duas vezes por semana atende em seu consultório, em Ipanema, pessoas de todas as idades.

– Os jovens me vêem como uma avó bem to-lerante – sorri.

Seu tempo é dividido entre o consultório, a participação em grupos de estudos na Sociedade de Psicanálise Iracy Doyle (SPID) e em palestras e atividades de magistério, o que a faz chegar em casa por volta das 23h.

– De manhã, sou preguiçosa, mais lenta, gosto de ler meu jornal, responder e-mails – revela.

A expectativa de vida do brasileiro passou de 70 anos, de acordo com relatório divulgado pelo IBGE, sobre População e Indicadores Sociais, re-ferente a 2002; aumentando 8,5 anos desde 1980, quando era calculada em 62,5 anos. Comparado a 1950, quando esta expectativa estava por volta de 43,2 anos, vemos que houve uma grande evolução, acrescentando-se a isso o fato de que naquela época quem envelhecia vivia marginalizado, com menos participação social e pouquíssimas chances de exercer alguma atividade profissional, remunerada ou não.

Outro dado importante é que o grupo das pes-soas de 75 anos ou mais de idade foi o que teve maior crescimento relativo (49,3%) nos últimos dez anos, em relação ao total da população idosa.

Por outro lado, a taxa de fecundidade femi-

nina caiu, possibilitando a perspectiva de que o número de homens e mulheres com mais de 80 anos venha a superar o de jovens de 20 a 24 anos, e até o de crianças abaixo de 14 anos. De acordo com o IBGE, em 1980 existiam 16 idosos para cada 100 crianças; 20 anos depois, essa relação praticamente dobrou, passando para quase 30 idosos para o mesmo número de crianças.

A cidade do Rio de Janeiro é onde existe a maior proporção de idosos do Brasil, segundo dados do Instituto de Pesquisa Econômica Apli-cada (Ipea), sendo Copacabana o bairro carioca com maior índice de habitantes com mais de 60 anos (26%). Este percentual é maior do que a proporção de idosos na Suíça, que não ultrapas-sa 20%. Portanto, deixamos de ser há muito um país de jovens.

Os números da longevidade

“O dar e receber carinho é o que, muitas vezes, nos mantém vivos e felizes” Ruth Goldemberg, 84 anos

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panorama

Beleza puraO Palácio Tiradentes – palco

de tantos fatos marcantes da história política do País – estará mais uma vez nas telas, agora na minissérie sobre a vida da cantora Maysa, que vai ao ar em janeiro do próximo ano, na TV Globo. O prédio da Alerj, no Centro do Rio, é um dos cenários preferidos do diretor Jayme Monjardim, que já gravou em diversas dependências do palácio novelas, filmes e outras minisséries, como Olga, Senhora do destino, JK e Páginas da vida. "Esta é uma locação que me dá sorte. O prédio é lindíssimo, adoro seus elementos arquitetônicos, como a escadaria, colunas e pisos. A luz também é ótima", afirma Jayme, filho da cantora com o empresário André Matarazzo. Ao lado da Sala das Comissões, no terceiro andar, foi improvisado um quarto de hospital. Sobre a cama, a estreante atriz Larissa Maciel, gaúcha de 30 anos, escolhida entre 200 candidatas, vivia a cantora, atendida após um acidente de carro. A intérprete de sucessos com Ouça e Meu mundo caiu morreu em janeiro de 1977, no primeiro acidente grave ocorrido na recém-inaugurada Ponte Rio-Niterói.

papel estratégico Desde o dia 30 de junho, o Fórum Permanente

de Desenvolvimento Estratégico do Estado do Rio de Janeiro Jornalista Roberto Marinho, presidido pelo deputado Jorge Picciani, entrou em uma nova fase, ampliou a sua atuação e passou a contribuir mais efetivamente para aprofundar a discussão sobre vários assuntos de interesse do estado. A primeira atividade lotou o Plenário Barbosa Lima Sobrinho e abriu espaço para a análise de uma proposta do Governo federal destinada a reorganizar a administração e o repasse de verbas das entidades do Sistema "S" (Senai, Sesi, Senac, Sesc e outras). No dia 11 de agosto, foi a vez de se discutirem os rumos para a revitalização de uma das principais portas de entrada do estado e do País, o Aeroporto Internacional Tom Jobim (Galeão). No dia 22 de setembro, senadores, deputados federais e estaduais, empresários e técnicos debateram a importância do petróleo para o desenvolvimento do estado, no seminário "Petróleo e desenvolvimento: perspectivas e impacto dos royalties na economia fluminense". "Queremos mobilizar as classes política e empresarial e a população a respeito do papel estratégico de cada um para o desenvolvimento do Rio e do País", explica Picciani.

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