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REVISTA DA ALERJ 1 REVISTA DA ALERJ Ano III - Número 6 - Junho de 2009 O melhor da terra Produtores orgânicos enfrentam desafios de ampliar distribuição e baixar preços para chegar às mesas fluminenses

Revista da Alerj 6

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Revista da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro

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REVISTA DA ALERJ 1

REVISTA DA ALERJAno III - Número 6 - Junho de 2009

O melhor da terra

Produtores orgânicos enfrentam desafios de ampliar distribuição

e baixar preços para chegar às mesas fluminenses

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ANR 21x28_Exposicao.pdf 24.10.08 11:23:01

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REVISTA DA ALERJ 3

nESTE númERO

O mELhOR DA TERRA

Trinta anos atrás, no Rio, adeptos da alimentação natural e da causa socioambiental foram precursores da difusão da agricultura orgânica no Brasil. Nos anos 80, as lavouras verdes cresceram e os ideais do cultivo sem agrotóxicos foram espalhados. Hoje, o Brasil é o segundo país em área para a produção orgânica, atrás apenas da Austrália. Os produtores brasileiros exportam orgânicos como açúcar, frutas, suco de laranja, café e carne. Em paralelo ao progresso dessa economia verde, a sua regulamentação vem sendo aprimorada. Com as inovações legais, certificar uma pequena propriedade de orgânicos custa caro. A matéria de capa desta RA descreve os sistemas participativos como caminho natural para os produtores fluminenses.

Páginas 14 a 23

6 TURISmOCom número devisitantes recorde,Cristo pede socorro

10 EnTREVISTAAs preocupaçõesde Muniz Sodré coma língua portuguesa

26 AmBIEnTEManguezal renasceentre o lixo doAterro de Gramacho

30 mEmÓRIAImagens do comício dasDiretas na Candelária25 anos depois

35 OPInIÃO / FELIPE A. DIAS

36 mÍDIA / VERSÃO BRASILEIRA

38 PAnORAmA

REVISTA DA ALERJAno III - Número 06 - Junho de 2009

O melhor da terra

Dui tet, core delent augait loreet ate dolobore conse vel dolent luptat ut ercidunt in

ut augait aut ut Ommod

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PresidenteJorge Picciani

1ª Vice-presidenteCoronel Jairo2º Vice-presidenteGilberto Palmares3º Vice-presidenteGraça Pereira4º Vice-presidenteOlney Botelho1ª SecretáriaGraça Matos2º SecretárioGerson Bergher3º SecretárioDica4ª SecretárioFabio Silva 1a SuplenteAdemir Melo2o SuplenteArmando José3º SuplentePedro Augusto4º SuplenteWaldeth Brasiel

REVISTA DA ALERJ Ano III - Nº 6junho de 2009Publicação trimestral da Diretoria Geral de Comunicação Social da Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro

Jornalista responsávelFernanda Pedrosa (MT-13511)Coordenação: Pedro Motta Lima e Everton SilvalimaReportagem: Fernanda Porto, Marcela Maciel, Symone Munay e Vanessa SchumackerFotografia: Rafael WallaceDiagramação: Daniel TiribaTelefones: (21) 2588-1383/1627 Fax: (21) 2588-1404Rua Primeiro de Março s/nº sala 406 CEP-20010-090 – Rio de Janeiro/RJEmail: [email protected]/alerjwww.noticiasalerj.blogspot.com

Impressão: WalPrintTiragem: 3 mil exemplares

Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro CARTAS

“A referida publicação chega em momentooportuno em que o Governo municipaldeseja ampliar e reforçar a divulgaçãopositiva de ações em favor do apoio às

nossas tradições”Reinaldo Rocha

Folia de Reis Atendendo determinação do pre-

feito de Duas Barras, Antônio Carlos (PMDB), acuso recebimento da concei-tuada REVISTA DA ALERJ, que em sua edição Ano II –nº 5, de dezembro de 2008, páginas 26 a 30, publicou matéria sob o título “No reino das Folias”, com impecável texto de Francisco Luiz Noel e fotos assinadas por Fabiano Veneza. A referida publicação, que faz alusão à realização do Encontro do Folclore promovido por nosso município e considerado um dos mais tradicio-nais do estado, chega em momento oportuno em que o Governo mu-nicipal deseja ampliar e reforçar a divulgação positiva de ações em favor do apoio às nossas tradições, reforçando ainda mais o potencial turístico de Duas Barras. Potencial este que poderá ajudar a alavancar a geração de mais empregos e renda para nossa população, que tanto carece de ações neste sentido. Nesta oportunidade, em nome do prefeito municipal, vimos por meio deste externar nossos agradecimentos a toda a equipe desta revista pelo enfoque positivo dado por esta editoria à referida matéria, o que muito irá contribuir para reforçar a proposta do nosso Governo, que tem como desafio auxiliar o nosso povo a construir a sua própria história.Reinaldo Rocha Assessor de Imprensa da Prefeitura

Municipal de Duas Barras

Águas mineraisParabenizamos pela excelente maté-

ria com o título “Caminho das Águas”, de autoria do Francisco Noel e Rafael

Wallace, publicada na última edição da RE-VISTA DA ALERJ. Entretanto, solicita-

mos duas importan-tes correções no tex-

to. A primeira quanto ao consumo estimado

de produtos oriundos de outros estados, que

corresponde a cerca de 40% do que é consumido

no Estado do Rio de Janei-ro (estimativa do DRM-RJ, que pode ser confirmada em

nossa publicação de 2006, Águas Minerais do Estado do Rio de Janeiro, às pági-nas 123 e 129). A segunda, retificar que, diferentemente

do informado na reportagem, declaramos que, também em acordo com nossas estimativas, o setor teve um faturamento em 2007 na casa dos R$ 50 milhões, correspondendo ao re-colhimento do ICMS superior a

R$ 5 milhões, baseado em dados fornecidos pela Secretaria de Estado de Fazenda. Flávio ErthalPresidente do DRM-RJ / Serviço

Geológico do Estado do Rio de Janeiro

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Jorge PiccianiEDITORIAL

V anguarda do movimento pela produção de alimentos orgânicos no Brasil, o Estado do Rio de Janeiro tem hoje cerca de 250 propriedades certificadas e mais

70 à espera de certificação. Os números são apenas uma estimativa, já que não existem estatísticas oficiais sobre colheitas, produtores, área e faturamento. A falta de dados por si só já revela a necessidade de se organizar melhor o setor, que demonstra grande potencial de crescimento. Nos supermercados, a procura pelos orgânicos do estado é reforçada pela redução da oferta de grandes fornecedo-res paulistas, causada por reveses empresariais. Mas a produção fluminense ainda tem muito a conquistar. De acordo com estudos, 60% do nosso mercado são atendidos por empresas de fora.

Outros desafios dos produtores verdes são o esco-amento da produção, a conquista de mais pontos de venda e a redução dos preços. Segundo representan-tes do setor, a produção fluminense ainda é pequena, comparada com a de estados como São Paulo, Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul, sobretudo por pro-blemas de comercialização. A reportagem de capa deste número da REVISTA DA ALERJ procura traçar um diagnóstico desses entraves, que não chegam a impe-dir que alguns municípios do estado, como Petrópolis, Teresópolis e Vassouras, sejam verdadeiros celeiros de alimentos sem agrotóxicos.

Também nesta edição, mostramos o crescimento ver-tiginoso do número de turistas que visitam o Corcovado e os esforços que vêm sendo feitos no sentido de recuperar a estátua do Cristo Redentor e garantir o conforto dos visitantes. Assim como foi feito nos anos 1920, quando a Arquidiocese do Rio de Janeiro mobilizou a população carioca a fazer doações para a construção do projeto, estamos buscando recursos para devolver ao monumento o esplendor que ele merece.

Outra matéria de destaque traz uma descrição de como o maior lixão do País se trans-formou no maior aterro sa-nitário da América Latina, que reúne mais de 15 mil trabalhadores e movimen-ta cerca de R$ 1,4 milhão por mês. Gramacho reve-la mais uma surpresa: o renascimento do mangue-zal entre o lixo e a Baía de Guanabara.

E não deixe de conferir – e relembrar – momentos marcantes da campanha das Diretas Já, registra-dos pelas lentes do fotógrafo Márcio RM, que estava na Candelária no dia do comício que reuniu um milhão de pessoas para exigir a volta da democracia ao País, há 25 anos.

Desafios a vencer

Fabiano Veneza

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S e depender da nova direção do Parque Nacional da Tijuca, o monumento ao

Cristo Redentor vai passar por um verdadeiro banho de loja que turbi-nará o conforto e a infraestrutura disponibilizada aos turistas. A ideia é diretamente proporcional ao cres-cimento da visitação. O aumento foi impulsionado por alguns fatores que contribuíram para transformar o alto do Corcovado em verdadeiro formigueiro nos períodos como as festas de fim de ano e o carnaval. Só para se ter uma ideia, desde que as catracas foram instaladas para dar acesso ao monumento, em março de 2008, a frequência saltou de 39.259 visitantes, em abril de 2008, para 126.584, em janeiro de 2009. Estes são os turistas que sobem de táxi ou de van e não represen-tam a maioria dos visitantes. Na

Estrada do Trem Corcovado, com seus 3.800 metros de trilhos que cortam a Mata Atlântica, houve um aumento de demanda de 6% de 2007 para 2008.

Um dos fatores que contribuiu para atrair ainda mais interessados ao local foi a instalação das escadas rolantes e elevadores, em 2003. As melhorias permitiram, por exemplo, que idosos e deficientes físicos também pudessem ter acesso, mas necessitam de reformulação. Em parceria com a Fundação Roberto Marinho, o Parque Nacional da Ti-juca solicitou ao arquiteto Maurício Prochnik – que assina os acessos instalados em 2003 – um projeto que inclui a reformulação dos elevadores para permitir o controle do público – hoje inexistente –, a fim de evitar justamente o efeito formigueiro.

– Nos dias de pico, chegam a subir ao Cristo até 15 mil pessoas.

A ideia é garantir a qualidade da visitação – explica o arquiteto Ricardo Calmon, diretor do Parque Nacional da Tijuca.

As futuras transformações vão incluir a reformulação da plataforma de embarque e desembarque das vans, que passará a ser coberta, assim como a área contígua à esta-ção do trem. As lojas e os banheiros também serão adequados ao cres-cente volume de demanda. Mas nada disso acontecerá de um dia para o outro – o projeto requer um estudo de viabilidade para torná-lo interes-sante à iniciativa privada.

Calmon pretende montar uma estrutura que viabilize para as pró-ximas décadas o complexo turístico formado pelo Cristo Redentor, Hotel das Paineiras e Estrada das Painei-ras, fechada aos veículos nos fins de semana. A prioridade imediata é o hotel, inaugurado em 1884 junto

Braços abertos para a multidão

Movimento de turistas que visitam o Corcovado triplica e aponta para a necessidade de melhoria da infraestrutura do monumento

TURISmOTexTo celina côrTes

FoTos Érica ramalho

A frequência ao monumento saltou de 39.259 visitantes, em abril de 2008, para 126.584, em janeiro de 2009

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com a Estrada de Ferro Corcovado. Localizado em meio à floresta, rece-beu hóspedes ilustres como a atriz francesa Sarah Bernhardt e o pre-sidente Getúlio Vargas, além de ter sediado a concentração da Seleção Brasileira na Copa de 70. Privatizado em 1984, voltou às mãos da União e está desativado há 25 anos.

Com vistas a novas alternativas para o espaço, um aspecto funda-mental já discutido é a construção de um estacionamento com três pavimentos subterrâneos em uma área de 7.500 metros quadrados vizinha ao hotel, atualmente usada por parte das vans cadastradas ao acesso do Cristo Redentor. Para aumentar o conforto dos visitantes, o projeto inclui a construção de banheiros, além de restaurantes e lojas que tornarão o empreendimento economicamente viável.

O Instituto dos Arquitetos do

Brasil (IAB) realizou um concurso público para escolher um projeto que beneficie desde o Cristo Re-dentor à área do Hotel das Painei-ras. Em seguida serão feitos um estudo de viabilidade econômica para a execução das obras, a lici-tação com o projeto já definido e finalmente a concessão.

– O resultado final, após todas as etapas, deve sair até julho – acredita o diretor do parque.

Aumento da visitação

Após a instalação dos acessos mecânicos (elevador e escada ro-lante), outro fator que influiu no interesse nacional e internacional foi a inclusão do Cristo Redentor, em 2007, entre as Sete Novas Maravilhas do Mundo. O Cristo entrou na seleta lista ao lado de monumentos como a Grande Muralha da China e Machu Picchu, no Peru.

Outro fato que também influen-ciou a visitação do Corcovado foi o aumento do número de navios de turismo que aportam no Rio de Janeiro. Para se ter uma ideia, em 2007 foram 320 mil pessoas, entre passageiros e tripulantes que de-sembarcaram na cidade. O Cristo está entre as visitas obrigatórias dessa multidão que vem de outros estados do Brasil e de outros países. Em 2008 o número pulou para 410 mil e, este ano, a estimativa da Riotur é de 550 mil pessoas, o que representa uma injeção de R$ 165 milhões.

– A grande maioria destes visitantes, ou 80%, sobe ao monu-mento de trem. Quando chegam navios ao Porto do Rio, as filas da Estação de Trem Corcovado sim-plesmente dobram – contabiliza o subsecretário de Turismo do município, Pedro Guimarães.

Às vésperas do carnaval, a aposentada paulista Encarnação Amêndola, 82 anos, apreciava a deslumbrante paisagem do alto do Corcovado com um chapéu de palha que protegia seu rosto do sol inclemente do verão carioca. Era sua primeira vez na cidade, de onde começaria um cruzeiro pela América do Sul.

– A cidade é maravilhosa, estou encantada. A estátua do Cristo Redentor não podia ser mais linda – derretia-se.

No topo do monumento escuta-se uma sinfonia de idiomas, do inglês ao francês, passando pelo italiano, alemão e japonês. Destacava-se na multidão o empresário sul-africano Peter Adams, 59 anos, outro que visitava o Rio pela primeira vez.

– O que me fez vir ao Brasil foi o futebol, porque sou ex-jogador. As

Nos dias de pico, chegam a subir ao Cristo até 15 mil pessoas

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pessoas são ótimas, muito afáveis. Nunca vi nada como isso em toda a minha vida – deslumbrava-se Adams, referindo-se ao Cristo.

O casal de argentinos Juan Jorge Insfran, empresário de 38 anos, e Ana Carolina Auguello, analista de siste-mas de 24 anos, escolheu a cidade para passar a lua de mel e não estava nem um pouco arrependido.

– É uma cidade muito impactante e achamos o Cristo uma verdadeira maravilha. Subimos ao monumento de van e felicitamos a prefeitura da cidade pela organização dos meios de transporte – elogiou Insfran.

A transformação do Cristo Re-dentor em santuário, em 12 de outubro de 2006, data de seu 75º aniversário, também ajudou a au-mentar a visitação.

– Desde então, percebemos um aumento de 20% na procura de pere-grinos que fazem turismo religioso. Depois que a capela virou santuário,

passamos a celebrar missas diaria-mente, além de batizados. O primeiro a se batizar aqui foi Matheus, filho do governador Sérgio Cabral, em janeiro de 2007. Somos o único santuário do mundo a céu aberto – orgulha-se o padre Omar Raposo, reitor do Santuário Cristo Redentor.

A ideia de construir um símbolo religioso no alto dos 709 metros do Morro do Corcovado foi sugerida à princesa Isabel pelo padre Pedro Maria Boss, em 1859. O projeto só começou a tornar-se realidade, no entanto, em 1921, com os pre-parativos para as comemorações do Centenário da Independência. Dois anos depois era organizado o concurso público que escolheu o projeto do engenheiro carioca Heitor Silva Costa, que concebeu a estátua de braços abertos, com altura se-melhante à das antenas plantadas no alto do Corcovado. Seu modelo inicial passou por um detalhamen-

to feito pelo artista plástico Carlos Oswald, mas foi o escultor francês Paul Landowski quem deu o toque art-déco ao monumento, revestido de pedra sabão.

Na época, a Arquidiocese do Rio de Janeiro mobilizou a população ca-tólica carioca a dar uma contribuição financeira para ajudar na execução do grandioso projeto, que é conside-rado um dos importantes capítulos da engenharia civil brasileira.

Em 12 de outubro de 1931, dia de Nossa Senhora Aparecida, foi inaugurada a estátua de 38 metros de altura, sendo oito metros só de cabeça. Em 1937, a estátua foi tombada pelo Instituto do Patri-mônio Histórico Nacional (Iphan). Em 1980, o monumento passou por obras de recuperação para receber o papa João Paulo II. Se os próximos projetos de fato se concretizarem, o monumento voltará em breve a entrar em obras.

O empresário sul-africano Peter Adams em visita ao Rio pela primeira vez. O casal de argentinos Juan Jorge Insfran e Ana Carolina Auguello escolheu a cidade para passar a lua de mel. O diretor do Parque Nacional da Tijuca, Ricardo Calmon, quer garantir a qualidade da visitação

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O símbolo da Cidade do Rio de Janeiro, orgulho do Brasil, uma das Sete Novas Ma-ravilhas do Mundo Moderno, não está tão em forma como parece e merece. Depois de um encontro com o vigário episcopal e vicariato para Comunicação Social da Ar-quidiocese do Rio de Janeiro, padre Willian Marcos Bernardo, e o reitor do Santuário Cristo Redentor, padre Omar Raposo, o presidente da Assembleia do Rio, deputado Jorge Picciani (PMDB), comprometeu-se a liderar um grupo de empresários e arre-cadar recursos, através de doações, para a reforma do monumento. Para isso, Picciani conversou com o presidente do Conselho Superior da Associação Comercial do Rio (ACRJ), Humberto Mota, para iniciar o trabalho de angariar doações.

– O primeiro passo é mobilizar o em-presariado para a importância do Santuário do Cristo Redentor, não só para o Rio, mas para o mundo, o que é inquestionável. Ago-ra vamos partir para angariar os recursos que serão, inicialmente, destinados ao pro-jeto executivo da obra. Precisamos saber, tecnicamente, o estado de conservação da estátua e suas necessidades – afirmou o presidente da Casa.

O diagnóstico é preocupante, segun-do afirmam os engenheiros do Santuário Cristo Redentor. Administrado pela Mitra Arquiepiscopal do Rio de Janeiro, sob a gestão do padre Omar, o monumento apresenta inúmeras avarias e inspira cuidados. A equipe da REVISTA DA ALERJ acompanhou uma vistoria reali-zada por técnicos à estrutura interna da estátua – de 38 metros de altura e 30 de largura (de uma mão à outra) –, onde foram constatados estragos em vários pontos.

Na parte externa do monumento de 1.145 toneladas observa-se a necessidade

de reparos e restaurações. O teto e as pa-redes da Capela Nossa Senhora Aparecida apresentam infiltrações e fissuras. Além disso, diversas placas de granito no platô que dá acesso à estátua estão quebradas e outras tantas foram arrancadas. Situação que preocupa o reitor, que ressalta a ur-gência das obras de recuperação, visando a manter a segurança dos visitantes e a preservação do patrimônio público, no auge dos seus 78 anos de idade.

– Cabe à Mitra a manutenção da estátua, que hoje necessita de reparos urgentes, principalmente pelas trincas em várias partes da estrutura e pelo des-colamento das pastilhas de pedra sabão que compõem o revestimento – salienta padre Omar.

Parte do mosaico da cabeça da estátua e dos dedos da mão direita está compro-metida devido às intempéries. Dentro da escultura a ferrugem tomou conta da escada de cerca de 30 metros usada para a manutenção da estátua, que está parcial-mente corroída, não oferecendo a seguran-ça adequada. Também a oxidação de parte da estrutura do para-raio foi um item que chamou a atenção dos técnicos.

– Considero emergencial a recolocação dos granitos no platô. Não vamos medir esforços para sensibilizar as autoridades e a sociedade civil pela preservação do Cristo, patrimônio de todos – concluiu o reitor.

Na cabeça, de oito metros, já é visível o descolamento das pastilhas de pedra sabão que compõem o revestimento da estátua

Presidente da Alerj lidera grupo de empresários para restaurar santuário

symone munay

SOS CristoFotos: Rafael Wallace

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Camila de PaulaEnTREVISTAMUNIz SODRÉ

“A defesa da língua é a defesa da Nação”

Como o senhor encara o uso exagerado de estrangeirismos no Brasil?Todo estrangeirismo é uma de-sestabilização sim, virtual, mas não quer dizer que irá desesta-bilizar a língua. O estrangeirismo começa sendo tratado como um artifício e funciona bem assim. Até entranhar no vernáculo, pode levar cem anos, como pode levar 20 ou 30. Isso, quem decide é o próprio povo. Toda língua é an-tropofágica, está sempre incor-porando. Para isso acontecer de-finitivamente depende de muita coisa. Portanto, os estrangeiris-mos continuarão a ser incorpo-rados ao nosso idioma. A gran-de diferença é saber usar como artifício ou acabar usando como uma coisa natural à nossa lín-gua, quando não é. E, sobretudo, saber usar bem a própria língua independe de incorporar uma pa-lavra ou outra. E isto está ficando cada vez mais difícil de se ver por aí. Quando leio uma tese de mestrado ou de doutorado bem escrita, confesso que 50% da mi-nha simpatia já estão garantidos, claro que não adianta nada se ela não diz muita coisa, mas já é um grande conforto estar de frente para o bom português.

AREVISTA DA ALERJ foi à Biblioteca Nacional para uma conversa bem-humorada com o diretor da casa, o professor, sociólogo, jornalista e tradutor Muniz Sodré, sobre o uso de estrangeirismos no Brasil, cyber-

cultura e outras influências que podem interferir no nosso idioma. Com cerca de 30 livros publicados no País e no exterior, ele escreveu inúmeros artigos na imprensa e em periódicos especializados, além de proferir conferências e cursos em universidades da Europa e da América Latina. Professor titular e coordenador do Programa de Pós-Graduação da Escola de Comunicação da Universidade Federal do Rio de Janeiro, é um dos pioneiros no campo dos estudos de comunicação. Muniz é, sem dúvida, um dos mais respeitados professores e pesquisadores no Brasil. O baiano de São Gonçalo dos Campos domina sete idiomas, entre eles o yorubá, mas isto não faz dele radical com relação às “aventuras antropofágicas” da língua. Ao contrário, considera o estrangeirismo um bom artifício, dotado até de um certo charme, quando utilizado com inteligência e criatividade. Responsável, como orientador de dissertações e teses, pela formação de toda uma geração de novos pesquisadores, anda mesmo preocupado é com a falta de bons usuários da língua portuguesa.

Boa parte dos brasileiros se diz incomodada com o excesso de nomes estrangeiros na publici-dade e no comércio em geral. O senhor também?Você encontra uma resistência muito maior em Portugal, por exem-plo. Aqui no Brasil se fala mouse referindo-se àquela ferramenta eletrônica, enquanto em Portugal chamam de rato. Não sei por que razões culturais o Brasil é tão per-meável a essas influências, e acho que junto com a linguagem da in-ternet, sem dúvida nenhuma, isso representa um perigo para a esta-

bilidade da língua. Considerando que a escrita e o livro têm perdido muito a sua centralidade, isso é um perigo sim. Eu só não estou seguro é quanto a medidas legais na pre-venção disso. Não se pode impe-dir que os comerciantes cometam esses absurdos de colocar nomes estrangeiros em lojas. Mas isso se deve ao grande prestígio das lín-guas, tanto francês, quanto inglês. E este prestígio depende de muita coisa, do poderio social e comercial e, às vezes, do poderio militar. Em grande parte, do poderio cultural. Os gregos perderam a batalha para

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os romanos, mas os próprios coloni-zaram os romanos pela língua. O in-glês representa o poder da cultura de massa, comercial, mas não mi-litar. Você pode ver como o idioma francês e o inglês são bem aceitos em produtos femininos e no comér-cio, respectivamente. Mas é claro que me incomoda quando um su-jeito não coloca o nome de um bar de Chico, mas coloca um apóstrofo e pluraliza a palavra, ficando então Chico's, que não existe na nossa língua mas todos entendem como o “bar do Chico”.

Até que ponto se deve frear isso e preservar a comunica-ção formal?A língua não é um território fe-chado, principalmente quando este território colonizador é o in-glês, porque é a língua que mui-tos países utilizam para relações externas e convenções internas, além de ser a língua do comér-cio internacional e da tecnologia. Então, eu acho que é impossível barrar os estrangeirismos, mas também acho que eles deveriam ser controlados academicamen-

te. Porque o que ainda me preo-cupa não é isso, é a falta de pre-ocupação da maioria com o bom uso do português. Considerando as dificuldades que o brasileiro já tem com a utilização da própria língua, como lidar com a questão dos estrangeirismos no ensino, no Brasil?O inglês, assim como a redação, já está se tornando um critério de exclusão. Ainda não está com-provado, mas o uso vernacular da língua pode passar a ser um privilégio de um pequeno grupo. É um fosso, como o fosso da ren-da, que tenta se concentrar na-queles que são bons usuários da língua. E cada vez se encontram menos os bons usuários da lín-gua. O problema é esse fosso! Há um grupo que sempre vai pres-tar atenção na língua e escrever certo, mas a grande maioria vai achar que estar na modernidade o livra deste "fardo" de escrever corretamente, enquanto estão sendo excluídos da comunica-ção formal. É um pouco como a roupa, como a aparência em um emprego. Eu sei que algumas empresas excluem pessoas com tatuagens, e olha que tem tan-ta gente com tatuagem por aí... Acho que a língua, em pouco tempo, será objeto de exclusão. Porque este núcleo seleto, formal e elitista é sempre assim mesmo, preconceituoso. E com relação à escrita também. Então, eu acho que o acesso à comunicação for-mal, à língua bem falada e bem escrita, deveria ser estimulado.

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De que maneira?Eu acho que o estrangeirismo, inicialmente, deve ser limitado a meios técnicos, jargões de grupos, como é o caso do economês. Com toda a proporção que ele tomou, quase já precisamos dele para identificar algumas coisas. Ou seja, é justo o estrangeirismo numa gíria de grupo, é justo quando a palavra estrangeira tem um emprego me-lhor, quando resume em uma pa-lavra uma expressão ou descrição enorme, quando faz parte de um assunto específico. Na culinária, por exemplo, é válido dizer que vai colocar um bouquet garni na comi-da, ao invés de dizer que vai colo-car um sortimento de temperos de vários tipos e qualidades. Esta é a grande diferença: usar como artifí-cio ou impor ao seu idioma natural. E você tem que restringir isto ao ar-tifício, e não trazê-lo para a sua lín-gua natural. Eu não tenho nenhu-ma posição radical, mas acho que, sabendo usar como artifício e ter respeito à língua, está tudo bem. E a cyber-cultura? Acha que ela pode mudar o caráter das línguas com toda essa informa-lidade característica da "fala de rede"? Considera isso uma ameaça ao bom português?Eu acho que a cyber-cultura pode ser um novo esperanto. Sempre achei que o esperanto deveria ser

usado internacionalmente, por ser bem simples. E porque considero muito boa a ideia de se ter uma lín-gua internacional paralelamente. Mas não deu certo, porque a lín-gua não é uma questão puramente técnica, depende de outras coisas, como já falamos. A cyber-cultura traz uma espécie de esperanto técnico, escrever sem acento, a omissão de pausas, que é a lingua-gem que os jovens usam muito. Eu acho que, mais à frente, isso pode influir de modo muito nega-tivo sobre uma redação. Se é que a redação ainda vai ser importan-te – eu quero sempre apostar que sim. Enquanto for gíria de grupo, ainda pode ser controlada, e deve ser. Seja a do surfista, do povo da internet ou de qualquer outro gru-po. É uma coisa que só se encontra num determinado grupo, e isso é difícil de ser evitado. Elas vão se impondo ao uso, e a incorporação disso quem vai decidir é o próprio povo. Ainda mais quando se trata de internet, onde tudo está tão glo-balizado. Além disso, as ferramen-tas provêm de uma matriz e essa matriz fala inglês. Acha que atividades de puristas como o movimento MV Brasil, de militância contra festivida-des estrangeiras como o Halo-ween, ajudam a complementar o gosto pelas nossas referências

culturais, ou é um exagero?Todos estes argumentos em de-fesa da língua, quando lastreados no conceito de Nação e de Pátria, esbarram com a globalização. Nós chamamos de cultura tudo aquilo que se faz até os limites da nossa língua. Só que essas fronteiras hoje em dia se batem com a globalização. E aí, vai bri-gar com a globalização? A defesa da língua, de certo modo, é a de-fesa da Nação. Se você ainda tem este território numa comunidade,

“Claro que me incomoda quando um sujeito não coloca o nome de um bar de Chico, mas coloca um apóstrofo e pluralizaa palavra, ficando então Chico's”

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ainda que imaginada como a TV, eu diria que está estabelecida uma língua. Eu, pessoalmente, sou de uma geração em que a língua brasileira era uma coisa muito querida. Para se preocupar com o vernáculo é preciso gostar de Machado (de Assis), Gracilia-no (Ramos), gostar da literatura. Mas mesmo a literatura é aberta ao estrangeirismo. O Cortázar (Julio Cortázar, escritor argenti-no), por exemplo, incorpora mui-tos italianismos na sua prosa,

como qualquer escritor contem-porâneo incorpora anglicismos. Neste caso, o autor coloca italia-nismos quando vai falar de mu-lheres, quando faz um galanteio, o que é moderno. Isso dá um to-que, dá um charme. O estrangei-rismo pode ser charmoso. Desde que não passe de artifício. Com relação ao acordo orto-gráfico, o senhor acha que a unificação da língua portu-guesa nos países lusófonos

será importante do ponto de vista político?Como presidente da Fundação Bi-blioteca Nacional, sou a favor dele. Acho que não será muito bom para os outros países dentro do acordo, pois terão um impacto muito maior, sobretudo na literatura. Para os bra-sileiros o acordo está bem genero-so. Mas, para que a indústria acei-te, vai demorar um certo tempo. O que pode mudar com o acordo?Para mim o mais significativo é o mercado editorial. Nós editamos muitos livros, a indústria editorial brasileira editou no ano passado cerca de 23 mil livros. O Brasil está na frente de muitos países. Com o acordo ortográfico, poderemos ex-portar mais para Portugal, Moçam-bique e Angola, que é o maior país de língua portuguesa da África. Neste sentido, nós, brasileiros, só temos a ganhar com este acordo. Acha que ele está completo e irá trazer as inovações ne-cessárias?Sim, acho o acordo razoável. Es-tranho um pouco a falta de alguns tremas e acentos. Não estou acos-tumado a tirar, e sim a colocar, mas acho razoável. Os portugueses é que, me parece, têm estranhado mais ainda, acham que o acordo está "abrasileirando" a língua.

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“Eu sou de umageração em que alíngua brasileiraera uma coisamuito querida”

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ORGânICOSTexTo Francisco luiz noel

FoTos raFael Wallace

verdeApetite

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Aprocura corre na frente da oferta de alimentos orgânicos no Rio de Janeiro. Nascida nos anos 1970, nutrida por idealismo nos 80 e alçada a atividade econômica nos

90, a produção rural ecologicamente correta vive tempos de desafio, em face do aumento da demanda por parte dos consumidores. Produzir mais é pré-requisito para a conquista de mais espaço no mercado, mas uma voz é corrente entre produtores e dirigentes de instituições de apoio: organizar o setor, ampliar canais de distribuição e baixar preços são vitais para o aumento da presença dos orgânicos do estado nas mesas fluminenses.

Os bons ventos do consumo são sentidos no dia-a-dia pelos pequenos produtores que abastecem o Grande Rio. “Colocamos no mercado tudo o que produzimos. Se tivéssemos 50% a mais, venderíamos”, diz em Petrópolis (região Serrana), no distrito da Posse, o empresário Paulo Aguinaga, da BioHorta, que comercializa no atacado a produção de 40 agricultores do Brejal, principal reduto de hortaliças orgânicas no estado. A empresa despa-cha nove toneladas por semana à capital, atendendo a uma rede de mais de cem consumidores e a 20 lojas de produtos naturais.

Testemunhos sobre a pressão da procura não fal-tam. No município serrano de Sumidouro, onde dirige uma unidade embaladora de orgânicos fornecidos a lojas cariocas da rede Hortifruti, o produtor Renato Agostini não dá conta das encomendas. “Trabalhamos com 25 a 30 itens diferentes, mas o ideal seria termos 50”, reconhece. “Estamos sempre cortando pedidos.” Do Sítio Solstício, no distrito de Soledade, ele remete à rede mil unidades diárias de hortaliças e dúzias de ovos, incluídos os orgânicos de cinco produtores de Teresópolis e São José do Vale do Rio Preto.

Agricultores como os da BioHorta, com 60 hectares de orgânicos, movimentam-se para saciar o apetite do consu-mo. “Estamos reprogramando plantios, agregando novas famílias, ampliando a área e melhorando a distribuição, para crescer 50% até o fim do ano”, aposta Aguinaga. Em Vassouras (Médio Paraíba), esforço semelhante mobiliza produtores no distrito de Massambará, de onde o projeto Orgânicos do Vale despacha cestas com hortaliças, ovos e frangos a 80 domicílios por semana. “Queremos chegar a mil em cinco anos”, planeja o coordenador do projeto, Marcos Antônio Araújo Nogueira.

“O consumo está em expansão no Rio de Janeiro, onde a geração saúde é exponencial. O orgânico é aderente a esse perfil. Mas, de acordo com estudos, 60% do mercado são atendidos por empresas de fora”, afirma o gerente de Desenvolvimento Territorial do Serviço Brasileiro de Apoio à Pequena e Média Empresa (Sebrae) no estado, Antônio Batista Ribeiro Neto.

A falta de números oficiais sobre colheitas, produto-res, área e faturamento do setor mostra que há muito a

organizar. “Estima-se que o estado tenha de 200 a 250 propriedades certificadas”, diz Antônio Batista, acres-centando que o Sebrae apoia a certificação de mais 70. Por lei, os legumes, folhosas, frutas, leite, laticínios e outros artigos agroindustriais só têm status de orgânicos quando a produção e o processamento são validados por instituições certificadoras, avalizadas pelo Institu-to Nacional de Metrologia, Normatização e Qualidade Industrial (Inmetro) com base na norma ISO-65.

Abrir e azeitar canais de escoamento da produção é imperativo para que os produtores locais galguem posi-ções no mercado, destaca a presidente da Associação de Agricultores Biológicos do Estado do Rio de Janeiro (Abio), Cristina Ribeiro. “A produção fluminense é pequena, com-parada com a de estados como São Paulo, Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul. Produzimos menos do que o Espírito Santo e Minas Gerais. Fomos a vanguarda do movimento orgânico no Brasil, mas, hoje, temos muitos problemas de comercialização”, lamenta.

Trinta anos atrás, no Rio, adeptos da alimentação natural e da causa socioambiental estiveram entre os precursores da difusão da agricultura orgânica no Bra-sil, como alternativa à pesada utilização de insumos industriais no agronegócio convencional. Nos anos 80, as lavouras verdes cresceram e os ideais do cultivo sem agrotóxicos foram espalhados em encontros regionais e nacionais. Sinal de que o movimento chegara para ficar foi a criação das primeiras certificadoras, como o Instituto Biodinâmico (IBD), que iniciou o serviço em 1990.

O Brasil é o segundo país em área para a produção orgânica, atrás apenas da Austrália, de acordo com o Ministério da Agricultura, Pesca e Abastecimento, que estima em 6,5 milhões de hectares as terras para a ati-vidade rural sem agrotóxicos. Os produtores brasileiros exportam produtos orgânicos como açúcar, frutas, suco de laranja, café e carne. Em paralelo, a regulamentação vem sendo aprimorada: os orgânicos contam com a Lei 10.831/03 e o Decreto 6.323/07, com várias exigências que começarão a vigorar em 2010.

Além da certificação tradicional, o decreto prevê mais duas formas de validação da produção verde: o Sistema Participativo de Garantia da Qualidade Orgânica e, restrito à venda direta, o controle social. Voltados à agricultura familiar, os dois mecanismos de garantia são uma alternativa ao custo elevado da certificação formal. Com as inovações legais, certificar uma pequena proprie-dade de orgânicos vai custar entre R$ 1 mil e R$ 1,5 mil anual, devido a várias exigências feitas às certificadoras, para que os mecanismos de certificação nacional sejam equiparados aos padrões internacionais.

Os sistemas participativos despontam como ca-minho natural para os produtores fluminenses. Hoje, ao custo médio de R$ 360 anuais, a maioria dos 200 filiados detém certificações da Abio, conforme as regras ainda em vigor.

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Sócio do ator Marcos Palmeira, o agrônono Aly Ndiaye criou um sistema agroecológico sustentável

Nada se perde e tudo se transformaAgroecologia é lei na Fazenda

Vale das Palmeiras, na localidade de Sebastiana, em Teresópolis, onde a integração das diversas atividades está na base da produção de queijo frescal, iogurte, ricota e 30 tipos de hortaliças. O esterco aduba o plantio, as sobras de horta viram nutrição animal e as galinhas ca-tam carrapatos das vacas. “O que procuramos é cortar a entrada de insumos”, ensina o agrônono Aly Ndiaye, gerente e sócio do ator Marcos Palmeira na propriedade.

Na combinação entre pecuária e lavoura, inspirada na agricultura biodinâmica, as 50 vacas Gir co-mem capim, cana, feijão-guandu e

outras leguminosas. Nos canteiros, a céu aberto e em estufas, o mato protege as hortaliças de insetos e só é retirado quando compete com elas. “Não usamos nem os insu-mos orgânicos permitidos pelas certificadoras. Só trabalhamos o solo, com adubo verde e rotação de cultura”, diz Aly.

Para abastecer com 1,5 mil unidades de hortaliças e 200 de laticínios feitos na fazenda os supermercados zona Sul, no Rio, a Vale das Palmeiras emprega 30 trabalhadores com carteira assina-da. “Não são peões: são empreen-dedores. Agroecologia é qualidade de vida”, assinala o gerente. A

área produtiva ocupa 15 dos 300 hectares da fazenda, dotada de refeitório e casas para moradia dos casados.

Desde 2006 na fazenda, com-prada por Marcos Palmeira em 1997, Aly Ndiaye se alterna entre a gerência e a difusão do sistema Produção Agroecológica Integrada e Sustentável (Pais). Criada por ele, essa tecnologia social está sendo levada a mil famílias de cinco estados, com apoio da Pe-trobras e da Fundação Banco do Brasil. O Pais já é praticado em várias partes do Brasil, replicando, em miniatura, a experiência em curso na Vale das Palmeiras.

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Cestas do produtor ao consumidor

Mais vistosa vitrine de orgânicos no estado, o Sítio do Moinho, em Itaipava, Petrópolis, dá exemplo de como a entrega de cestas em do-micílio pode ser alternativa à venda convencional. Três anos depois de ter trocado o fornecimento a super-mercados pela relação direta com o consumidor, o sítio tem 600 clientes em carteira e comercializa 180 cestas por semana na zona Sul carioca, além de abastecer 40 restaurantes.

A aposta na oferta domiciliar resgata a motivação que levou o ex-banqueiro Dick Thompson e a mulher, Angela, a comprar a propriedade e ini-ciar o plantio natural, no fim dos anos 1980. Como fornecedor da rede zona Sul, de 1997 a 2006, o sítio chegou a enviar 25 mil unidades de hortaliças por semana ao Rio, somadas a produ-ção própria e a de 20 parceiros, que cultivavam com acompanhamento em propriedades da região.

O baque da virada rumo ao com-prador final foi grande. Dos 110 em-pregados, 60 foram dispensados. “O faturamento caiu 60%. Tivemos que ajustar a produção entre três e cinco mil unidades por semana”, lembra Dick. No trato direto com a clientela, 80% das vendas são via telemarketing e o restante pela internet. Com cinco hectares de área produtiva, estufas, câmaras frias para o processamento dos produtos e veículos de entrega, a propriedade tem 53 empregados com carteira assinada e é uma das poucas a deter o selo EcoSocial do IBD.

Além de hortaliças, o cardápio do sítio inclui pães orgânicos e a revenda de produtos importados. A padaria é uma das primeiras certificadas no País, aberta em 2003 nos moldes das

panificadoras do gênero na Itália. “Fa-zemos o pão com mais rigor, porque as medidas não podem ser alteradas”, diz o padeiro Sivaldo Bonfim dos Santos, com sete auxiliares e consultoria da chef italiana Elena Ruocco.

O mercado de cestas é o caminho trilhado também pela Associação Orgânicos do Vale, em Massambará, Vassouras. A aposta no potencial de demanda por hortaliças, ovos e frangos no Médio Paraíba mobiliza 14 produ-tores familiares do distrito e outros 12 em processo de certificação, num movimento que tem como base de operações a Fazenda São Fernando, do empresário Ronaldo Cezar Coelho.

A maioria das 80 cestas sema-nais é encomendada por telefone e entregue nos municípios da região num utilitário movido a gás natural. “Começamos a investir na venda direta em 2006. O preço é melhor do que o obtido no atacado e menor do que o cobrado nos supermercados,

passando a margem do atravessador para o produtor”, diz o coordenador da iniciativa e gerente da fazenda, Marcos Antônio Araújo Nogueira.

A produção mobiliza 35 pessoas, na fazenda e nas propriedades ao redor. Um dos convertidos aos or-gânicos é Pedro Soares de Andrade, que plantava tomates no sistema convencional, como a maioria dos proprietários e meeiros do lugar. As garantias de compra e preço dadas pela associação foram o principal atrativo para a conversão, além do uso de compostos e defensivos na-turais. “Antes, gastava muito com remédios, ganhava pouco na hora de vender e ainda tinha medo de alguém entrar na lavoura e passar mal, por causa dos produtos. Agora, os remédios dos orgânicos a gente faz em casa. E já planto sabendo que vou vender tudo, com bom preço”, ele compara, para arrematar: “Do con-vencional, não planto nunca mais”.

O ex-banqueiroDick Thompsoncomercializa180 cestaspor semanana zona Sulcarioca eabastece 40restaurantes

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José Sávio vai ampliar o cafezal e o analista do Sebrae José Alcino Nascimento aposta no milho e no arroz

Muito a plantar para colher no NoroesteArroz, feijão, milho, hortaliças,

banana, laranja, café. O cardápio de orgânicos do Noroeste é diversificado, mas, para o negócio deslanchar, de-pende da organização dos produtores e do aumento da oferta. Exemplo de superação de fronteiras e conquista de mercado é a cafeicultura, que, de Porciúncula, remete grãos e pó torrados para o Grande Rio.

“Nossa produção de bananas e frutas pode atender o Rio, além da

região, enquanto a de milho tem tudo para abastecer os produtores de ovos e carne do estado. No arroz e no café, temos potencial para a exportação”, aposta o analista de agronegócios do Sebrae José Alcino Nascimento.

Fruto dessa movimentação foi, em 2006, a criação da Cooperativa Regional da Agricultura Familiar (Cooperafa), que detém a marca Bio21 e desenvolve uma linha de produtos orgânicos. A região conta

com 25 certificações da Abio – número ainda é modesto, frente à extensão do Noroeste.

O café é o carro-chefe dos or-gânicos da Bio21, para orgulho de Suhail e Ana Regina Majzoub, da Fazenda Iranita, em Purilândia, Porciúncula. Dos 20 mil cafeeiros, cultivados com seis parceiros, os grãos seguem para torrefação em Juiz de Fora (MG). “Ainda não te-mos produto suficiente para suprir

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O café é o carro-chefe dos orgânicos da Bio21, para orgulho de Suhail e Ana Regina Majzoub

Muito a plantar para colher no Noroesteo mercado”, diz Suhail, que planeja aumentar a plantação.

Outro cafeicultor verde é o téc-nico agrícola José Sávio Vieira. Coordenador de orgânicos da Co-operafa, ele cultiva 2,8 mil pés em regime agroflorestal, consorciado com espécies como o feijão-guandu. O produtor, que obteve 600 quilos do grão na última colheita, se prepara para ampliar o cafezal.

O arroz também promete. Em

Porciúncula, na Fazenda do Macuco, o casal José Edésio Duarte e Edna Pereira pratica a rizicultura orgânica há 12 anos. Certificado pelo IBD, o produto marca presença em feiras como a Biofach, mas, em grande parte, ainda é vendido como con-vencional. “Nosso entrave é não ter como embalar”, diz Edna, que tenta financiamento para o maquinário. Tocada por 25 meeiros, a rizicul-tura chega a ocupar 60 hectares

da fazenda, tendo produzido 400 toneladas em 2007.

Em Miracema, o arroz orgânico pega carona no resgate da rizicultura pela prefeitura, estado e ministérios e o Sebrae, numa articulação que vai render uma unidade de benefi-ciamento à Cooperafa. A rizicultura orgânica cobre 3,5 hectares. “Com o beneficiamento, pode ser que o orgânico seja valorizado”, espera o agricultor Vicente Toscano.

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A virada logística do principal cliente pôs nas mãos do biólogo Re-nato Agostini um desafio vencido a cada tarde, quando o caminhão carregado parte do Sítio Solstício, em Soledade, Sumidouro, para o Rio. Há mais de 20 anos no ramo, Renato está à frente da unidade embaladora que, desde agosto de 2008, recolhe, higieniza, ensaca e despacha os orgânicos até as prateleiras da rede Hortifruti.

Para a rede, que mantinha uma embaladora de orgânicos ao lado da unidade de hortaliças con-vencionais, o repasse do serviço racionalizou operações, encerrando o périplo às lavouras. “Éramos o maior e mais assíduo fornecedor deles e entregávamos no local”, Re-nato explica por que foi escolhido “Concentrei o negócio. Isso nos deu um grande impulso em quantidade e qualidade.”

Ponto de convergência de hor-taliças e ovos orgânicos de cinco produtores de Teresópolis e São José do Vale do Rio Preto, o Sols-tício remete à rede a média de mil unidades diárias, incluídos os produtos do sítio. “Em outubro, chegamos a mandar 1,8 mil por dia”, conta Renato, dando ideia do tamanho da demanda e do déficit de produção. No verão, os estragos nas lavouras baixaram as remessas a 600 unidades.

Com três hectares plantados e certificados pela Abio, o Solstício dá trabalho a 20 pessoas, incluídas as atividades da embaladora, do escritório e da produção de brotos – um filão criado por Renato nos anos 90. À frente dos oito meeiros do sítio, que também fornece a lojas do Rio e de Teresópolis, está Jordinei Rosa da Slveira, 32 anos, convertido há seis aos orgânicos.

Os canteiros são adubados à base de composto de esterco de boi e restos vegetais. “O serviço é dificultoso, tem que tirar mato com a mão”, resume Jordinei. “Muitos não entram na agricultura orgânica por causa da trabalheira. Outros desconfiam, acham que não dá certo.” Um dos meeiros é Manoel Miguel da Rosa, 49 anos, tio de Jordinei, também há seis no plantio orgânico.

“Dá mais trabalho e se colhe menos, mas é melhor para a saúde. No convencional, se planta com mais fartura, mas tem que jogar veneno”, Manoel compara, referin-do-se aos herbicidas e defensivos. Sempre atento ao crescimento do mato, o agricultor cuida de nove grandes canteiros de coentro e rúcula. “No convencional, dava para cuidar de duas ou três vezes mais”, diz.

Da serra ao supermercado

Jordinei Rosa da Slveira retira coma mão o mato que brota noscanteiros adubados com esterco

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As dificuldades dos agricultores para alcançar o consumidor são uma das barreiras de contenção ao crescimento das lavouras. “Numa cidade do tamanho do Rio, só temos uma feira em local público para produtos orgânicos, na Glória (zona Sul), enquanto São Paulo conta com o circuito paulistano de feiras-livres orgânicas”, compara a presiden-te da Abio, que reivindica apoio semelhante da prefeitura carioca. Venda em feiras-livres, fornecimen-to para a merenda escolar, entrega de cestas em domicílio, presença em programas governamentais – a abertura de oportunidades como essas é fundamental para o forta-lecimento da produção orgânica, aponta Cristina Ribeiro.

Na busca de atalhos em direção ao consumidor, muitos produtores buscam passar longe dos super-mercados, que, nos anos 90, tiveram papel decisivo na difusão dos orgâ-nicos. “O supermercado dá volume à produção, mas a relação é desi-gual”, queixa-se Paulo Aguinaga, que forneceu produtos do Brejal a uma grande rede no Rio, em parceria com a Horta Orgânica, de São José do Vale do Rio Preto.

Mas, para outros produtores, abastecer supermercados é viabili-zar o negócio, dependendo das con-dições pactuadas. Em Teresópolis, na Fazenda Vale das Palmeiras, do ator Marcos Palmeira, o gerente e sócio Aly Ndiaye não se queixa da rede zona Sul, que absorve 90% da produção. Da propriedade, no lugarejo de Sebastiana, descem a serra 1,5 mil unidades de hortaliças e 200 de queijo frescal, ricota e iogurte por dia, sem reposições ou bonificações. Em

nome do poder de barganha frente às grandes redes, Aly prega a união: “O que falta é trabalhar o associativismo, a oferta bem organizada”.

Sinônimo de oportunidades para alguns e de frustração para outros, as grandes redes são associadas à pecha de artigo caro e inacessível. A presidente da Abio atesta um dos obstáculos à adesão de mui-tos consumidores: “Todo mundo diz que prefere o orgânico, se for perguntado, mas logo acrescenta: ‘não posso pagar’”.

“Isso de ser mais caro é lenda. Quem ganha com preço alto é o

distribuidor e o supermercado. O orgânico tem mais custo de mão-de-obra, mas o convencional gasta muito com adubos e defensivos”, compara Marcos Antônio Araújo Nogueira, de Vassouras. A presidente da Abio resume o desafio a vencer. “O mercado de orgânicos acabou adquirindo a conformação de nicho, com produto caro, para consumidor bem informado e de alta renda. Como em todo nicho, só alguns conseguem sobreviver bem, os que são mais eficientes e têm capital e recursos como irrigação, estufas, veículos e outras facilidades”, analisa.

Caminhos e atalhos até o comprador final

Para Marcos Antônio Nogueira, o custo alto dos orgânicos é uma lenda

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Quando se lançaram à avicul-tura orgânica, no fim dos anos 90, no Sítio Aa Haca, em São José do Vale do Rio Preto, os veterinários Benedito Leônidas Luz, o Kiko, e Eline Mochel de Menezes ti-nham 200 poedeiras Isa Brown e entregavam a pequena produção em lojas da capital. Uma década depois, o sítio é um dos poucos produtores de frango orgânico em todo o Rio de Janeiro.

A criação, mantida com um casal de colonos e certificada pela Abio, possui 600 poedeiras, que botam 160 dúzias de ovos por semana, e 1,5 mil animais de corte, das raças Label Rouge, Hissek e carijó. À base de milho e ração orgânica, as penosas vivem em piquetes com capim Tifton 85, em rodízio de pastos. O abate semanal varia de 150 a 200 aves, pesando de 1,2 quilos (galetos) a 2,6 quilos.

Kiko e Eline viabilizaram a avicultura orgânica de corte gra-ças à vizinhança com a criação convencional de São José, mu-nicípio pioneiro em avicultura industrial no Brasil, nos anos 50. “A vantagem é ter quatro abate-douros aqui e estar a apenas 135 quilômetros do Rio”, aponta Eline. Depois do abate, os frangos orgâ-nicos descem a serra em bolsas térmicas, rumo a churrascarias e restaurantes cariocas.

O casal faz questão de cultivar o relacionamento com a freguesia. “Existe conversa”, Kiko valoriza. “Todos os meus clientes me co-nhecem. Isso é importante para

quem está na produção, porque dá retorno sobre o que as pessoas estão achando.” Além de entrar semanalmente na cesta de produtos do Sítio do Moinho, desde 2004, os ovos das poedeiras de Eline e Kiko abastecem lojas em bairros como Leblon e Humaitá.

A diferença dos ovos e da carne orgânicos não se limita às vanta-gens para a saúde, pela ausência dos antibióticos e hormônios de crescimento das rações conven-cionais. De sabor pronunciado, as

gemas são amarelo vivo e a carne tem textura firme, fortificadas pelo manejo caipira, que permite às aves andar e ciscar. O amadurecimen-to do negócio mostrou ao casal, porém, que a avicultura natural está longe de fechar a cadeia produtiva no estado. Kiko e Elina importam o milho de Minas Gerais. “Queríamos trabalhar com produtores do estado, mas foi inviável”, lamenta o avicul-tor, frustrado pela inconstância no fornecimento do produto plantado em solo fluminense.

À moda caipira

Pioneiro em avicultura industrial, São José do Vale do Rio Preto, com seus abatedouros, viabilizou a avicultura orgânica de Kiko Luz

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Três décadas de enraizamento da lavoura verde fizeram do Brejal, na Posse, Petrópolis, o maior celeiro de hortaliças orgânicas do estado. Numa adesão em cadeia, iniciada pelas mulheres, mais de 150 famí-lias criadas no cultivo tradicional trocaram os adubos e defensivos químicos pelos compostos e caldas naturais. O produto final da conver-são coletiva desce ao Rio para su-permercados, lojas e consumidores organizados em rede.

A semente foi lançada em 1979, pelo verde Paulo Aguinaga, que alugou um sítio no Brejal para plantar sem agrotóxicos. Ele des-cobriu que, enquanto os homens praticavam o plantio convencional, as mulheres não usavam produtos químicos nas hortas domésticas. Paulo começou a pregar entre elas e, aos poucos, fez da produção or-gânica uma marca do lugar.

Paulo Aguinaga criou a BioHorta, que convive no Brejal com outras ini-ciativas empresariais que mobilizam

produtores orgânicos, como a Vida Saudável e a Fazenda do Cafundó. A BioHorta comercializa no atacado, três vezes por semana, a produção de 40 famílias certificadas pela Abio, totalizando 36 toneladas mensais.

Os orgânicos fincaram raí-zes quando mulheres como Vir-gínia Rodrigues de Lima aumen-taram as hortas para que Paulo escoasse a produção, de ônibus, na Associação de Produtores e Consumidores de Ideias e Soluções Naturais (Coonatura), no Rio. Os homens, como o marido de Virginia, José Nilton, superaram a desconfian-ça inicial e resolveram experimentar o plantio sem agrotóxicos.

O adeus aos pesticidas quí-micos foi um alívio, mas o grande atrativo foi o valor dos produtos. Paulo estabeleceu com eles um preço fixo, impensável quando levavam os produtos convencio-nais à Central de Abastecimento (Ceasa), no Rio. “O orgânico tem preço firme, na safra e na entres-

safra. Na Ceasa, há dias em que não dá nada”, resume José Nilton, que aderiu de vez em 1990.

A família faz o perfil típico dos produtores orgânicos do Bre-jal. Com o casal, cultivando 2,5 hectares, trabalham os filhos Marcelo, Márcia e Fabiana, a nora Luciana e o genro Joel. São 120 caixas de hortaliça por semana. “Cada um tira um salário”, Vir-gínia se orgulha.

Celeiro verde na serraToda a família de José Nilton (de boné) aderiu de vez aos orgânicos por causa do preço firme

A semente lançada em 1979pelo verde Paulo Aguinagagerminou no Brejal

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Palácios sustentáveis

‘Energia barata, eficiente e ecologicamente correta’

Geraldo Tavares (foto) é professor da Universidade Federal Fluminen-se e há 15 anos estuda o potencial de implantação da energia eólica no Brasil. "A eletricidade gerada com a força dos ventos é barata, eficiente e ecologicamente correta. Para se tornar realidade, precisa apenas que o Governo estabeleça um marco regulatório", afirma.

Diz-se que o País tem potencial para instalar a energia eólica. E o Rio de Janeiro? É propício a esse tipo de geração de eletricidade?

O Brasil é excelente, sobretudo por causa da velocidade média dos

ventos. Mas há regiões em que os ventos são constantes, o que torna possível construir máquinas mais baratas. O estado do Rio tem ótimos locais para a instalação de parques eólicos: na região das Baixadas Litorâ-neas, Arraial do Cabo, Búzios e Cabo Frio; no Norte do estado, destaco São Francisco de Itabapoana, onde há praias ainda não tomadas pela especulação imobiliária.

Que benefícios um parque de ae-rogeradores traz para a região?

Cada megawatt produzido gera 1,3 empregos. Mesmo depois da ins-talação dos aerogeradores é preciso

mão-de-obra para a manutenção. No mundo, esta indústria emprega hoje 400 mil pessoas. E o lugar ideal para instalação das usinas é o interior, on-de há carência de vagas de trabalho. E mais: os parques chamam atenção e atraem turistas.

O que o poder público pode fazer para viabilizar o desenvolvimen-to da energia eólica no País?

A lei de energias renováveis. Com uma lei adequada, o resto é resolvido pela iniciativa privada. Um bom exem-plo é o gás natural: com os subsídios certos, o estado do Rio lotou as ruas de carros a gás.

Os edifícios da Alerj vão entrar na era do uso racional de energia. O Palácio Tiradentes, sede do Par-lamento fluminense, o Palácio 23 de Julho (Anexo) e o Edifício Engenheiro Leonel de Moura Brizola (Rua da Al-fândega, 8) vão integrar o Programa Estadual de Racionalização do Uso de Energia (Proren), que está avaliando o potencial de conservação de energia elétrica em 1.646 escolas públicas, 33 hospitais, 47 presídios e seis edifícios

administrativos do Executivo flumi-nense. Os próximos passos incluem a formalização de parceria para ava-liação do potencial de economia de energia nos edifícios, planejamento para efetuar as mudanças necessárias e avaliação da economia alcançada. A iniciativa surgiu a partir da reunião da Câmara Setorial de Infraestrutura e Energia do Fórum com a Secretaria de Estado de Desenvolvimento Econô-mico, que coordena o Proren.

zô Guimarães

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Empregos do petróleo

✎ O Fórum de Desenvolvimento do Rio atualiza em tempo real o Twitter, nova febre da internet, com registro de todas as atividades das câmaras setoriais. Para acompanhar, basta acessar www.twitter.com/forumdesenv

A Petrobras anunciou inves-timentos de US$ 28 milhões em 2009 e a maior parte deste dinheiro deve ficar no Rio de Janeiro, estado que concentra 80% da produção de petróleo do País. A informação foi divulgada a prefeitos, deputados estaduais, vereadores, secretários municipais e estaduais durante a apresentação do Plano de Negócios 2009-2013 da empresa, feita pelo

presidente José Sergio Gabrielli, na Alerj. “A construção do Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro (Comperj), no município de Itabo-raí, deve gerar 43 mil postos nos próximos quatro anos. Segundo os estudos feitos pela Fundação Getúlio Vargas, isso vai induzir a criação de cerca de 720 empresas no entorno do Comperj, no Rio de Janeiro”, afirmou o presidente da Petrobras.

O Rio de Janeiro terá, a partir de maio deste ano, 15 ônibus circulando com combustível mais limpo. A frota rodará por um ano com o biodiesel B-20, uma mistura de diesel com 20% de biodiesel. Serão analisados a performance, o rendimento e o desempenho ambiental dos veículos comparativamente ao uso do óleo diesel convencional. Atualmente todos os ônibus do estado já utilizam

a mistura de biodiesel B-3. “Em 2007 a Fetranspor realizou importante experimento com o biodiesel B-5 em cerca de 3,5 mil ônibus, considerado o maior experimento com biodiesel do País”, afirma o diretor de mobili-dade da Fetranspor, Arthur Cesar.

Os pequenos produtores de leite do Rio já podem dar um “desconto” de quase 20% para as empresas e laticínios instalados em território fluminense. Trata-se do crédito de ICMS, que pode ser abatido integralmente pela empresa, desde que ela compre de produtores locais. O ICMS do leite, que passou a ser de 18% com a retirada do produto da lista da cesta básica, ganhou adicional de mais 1% para aumentar a dedução. A vantagem foi viabilizada por uma série de mudanças na legislação, em vigor desde março. As medidas também instituíram o aproveitamento total de créditos do ICMS e crédito extra de mais 2%, para o empresário ou produtor fluminense que decidir fazer investimentos em empresas lácteas no estado. A reivindicação havia sido apresentada aos parlamentares em novembro de 2008 pela Faerj, na audiência pública Rio Competitivo, realizada pelo Fórum de Desenvolvimento do Rio.

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Frota verde

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A economia do lixo

O aterro reúne cerca de 15 mil trabalhadores e movimenta R$ 1,4 milhão por mês

Onze horas da manhã de uma sexta-feira de janeiro no bairro de

Jardim Gramacho, em Duque de Caxias, Baixada Fluminense. Sol avassalador. Na maltratada estrada de barro, bodes, cavalos, porcos e pessoas de todas as idades peram-bulam junto a uma densa nuvem de poeira e fumaça de cano de descar-ga. Uma grande fila de caminhões ingressa lentamente pelo portão do Aterro Sanitário de Gramacho. Alguns estão vindo despejar lixo, outros vêm vazios para buscar o material que será levado para depó-sitos de reciclagem. Antes de entrar,

os caminhões são pesados por uma balança eletrônica – são mais ou menos mil pesagens por dia.

Gramacho recebe diariamente cerca de oito mil toneladas de re-síduos sólidos, enviados por seis municípios: Rio (70% do lixo carioca), Caxias, Nilópolis, São João de Meriti, Queimados e Mesquita. Um estudo realizado pela empresa SA Paulista, em 2004, revelou que o Aterro de Gramacho reúne cerca de 15 mil trabalhadores e movimenta R$ 1,4 milhão por mês. São pessoas que atuam em depósitos de lixo, depó-sitos de reciclagem, supermercados e bares, prostitutas, caminhoneiros

e diversas outras funções. O aterro ocupa uma área de 1,3

milhão de quilômetros quadrados e conta com 22 quilômetros de estrada de terra em seu interior. Trata-se de uma impressionante montanha de 55 metros de altura, composta por resíduos que são despejados todos os dias há mais de 30 anos, cobertos por milhões de toneladas de argila. A argila vem de uma jazida em Belford Roxo e é comprada a R$ 9,50 a tone-lada. Por dia, são despejados até 20 mil metros cúbicos de argila.

Instalado em 1978 e construí-do sobre uma área de manguezal, Gramacho já foi o maior lixão do

Maior aterro sanitário da América Latina, Gramacho é cheio de surpresas, como um manguezal que renasce

com vigor entre o lixo e a Baía de Guanabara

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A economia do lixoPaís. Até 1995, os detritos eram simplesmente jogados no local, sem que fossem tomados grandes cuida-dos com o impacto ambiental. Em suma, o lixão era uma verdadeira catástrofe ambiental que anunciava uma tragédia ainda maior: caso não houvesse uma intervenção, o solo poderia ceder, o que provavelmen-te dizimaria uma grande área de vegetação e atingiria boa parte da Baía de Guanabara. Diante de tal risco, teve início a missão, assumida pela Prefeitura do Rio de Janeiro, de transformar o lixão no maior aterro sanitário da América Latina.

Uma escolaEm sua sala, dentro de uma

pequena casa na entrada do ater-ro, o coordenador de Projetos de Gramacho, Lúcio Vianna, mostra com orgulho fotografias aéreas do local, feitas na época do lixão e recentemente. “Gramacho é uma escola. É uma referência de operação, não de localização. Toda empresa que trabalha com aterro sanitário

deveria passar um tempo aqui”, entusiasma-se.

Lúcio começou a trabalhar na Comlurb como mecânico de má-quinas, no extinto Aterro do Caju. Há mais de 20 anos lidando com o tratamento do lixo, ele hoje é responsável por coordenar a gestão do aterro. O trabalho dos técnicos é árduo. Para evitar qualquer vaza-mento, ou rachadura, a área precisa ser controlada 24 horas por dia atra-vés de medições e relatórios. Nos últimos anos, a imprensa noticiou algumas vezes riscos de acidentes ambientais no local, que é geotec-nicamente instável. Com a sua vida útil prevista tecnicamente esgotada desde 2004, Gramacho merece uma série de cuidados especiais, como acompanhamentos diários de po-tenciais deslocamentos verticais e horizontais do solo. O aterro está em processo de desativação, à espera da inauguração de um novo local. Há anos está em trâmite um projeto para construção de um novo aterro em Paciência, na zona Oeste do Rio.

Enquanto a solução não sai do papel, Lúcio e sua equipe trabalham inces-santemente para equilibrar a grande montanha de lixo e argila sobre um solo lodoso – mais ou menos como um objeto bastante pesado em cima de uma gelatina.

Um aterro sanitário ideal deve possuir uma série de características técnicas que garantam o isolamento entre o lixo e o solo, para que os lençóis freáticos não sejam contami-nados pelo chorume, o líquido extre-mamente tóxico gerado pela decom-posição do material. Para tanto, o solo deve ser impermeabilizado por uma camada de polietileno de alta densidade. Como o local do aterro não foi planejado, mas adaptado para uma situação emergencial, foi necessário um grande investi-mento na busca de soluções. Uma delas é a estação de tratamento do chorume, uma pequena usina que, através de complexos processos químicos, filtra o líquido residual, transformando-o em água potável. Ao lado das máquinas há um grande

No meio de um mar de lixo, sob uma temperatura de 40 graus, centenas de catadores ganham seu sustento

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e mal cheiroso lago negro, composto pelo chorume que é captado entre os resíduos. É impressionante ver a água saindo cristalina depois de sofrer o processo que filtra até 97% da matéria orgânica.

Um outro projeto que está sen-do implementado é a queima do biogás, constituído por metano, gás carbônico(CO2) e água (vapor), produzido pela decomposição de ma-téria orgânica. Serão construídos 225 poços de captação. A queima do gás, ou sua conversão em energia, poderá ser vendida no mercado internacio-nal de Créditos de Carbono, como previsto no Protocolo de Kioto.

Lúcio aponta para os caminhões que estão perfurando o solo para instalar tubos por onde o gás a ser queimado irá passar: “Isso é o futuro, o aterro vai gerar energia, e um dia você vai ver isso aqui sem lixo, com uma pracinha, uns brinquedos...”.

Dinheiro limpoA paisagem de Gramacho é

impressionante. Tudo em volta é barro. Caminhões e urubus são onipresentes, assim como mos-

cas e outros insetos. Ao lado do aterro, torres de uma refinaria da Petrobras soltam altas labaredas. Ao longe, à esquerda se vê a bela Serra dos Órgãos, com o Dedo de Deus ao fundo. Do outro lado, se pode vislumbrar o Pão de Açúcar. Em frente, no horizonte, está a Baía de Guanabara. A subida até o ponto onde os caminhões estão despejando o lixo tem que ser feita de carro. Lá em cima estão os ca-tadores que sobrevivem retirando do aterro material que vendem para depósitos de reciclagem. Nas imediações existem cerca de 40 depósitos.

No meio de uma infinidade de lixo – produto de apenas um dia de coleta –, sob uma temperatura que facilmente chega aos 40 graus, centenas de catadores separam dos resíduos o seu sustento. O cheiro é indescritível e os insetos formam nuvens imensas e assustadoras. Os catadores não possuem másca-ras, luvas ou roupas especiais. Nem mesmo um local próximo onde pos-sam beber água. São cerca de 1.300 catadores cadastrados, que retiram

em média 200 toneladas de lixo por dia. Alguns, 160, são membros de uma cooperativa, têm carteira assi-nada e direitos trabalhistas. Outros fazem parte de frentes de trabalho independentes. Para se proteger do sol, eles carregam barracas de praia e usam gorros. Botas nos pés e meiões de futebol evitam cortes. O lixo que separam é guardado em tonéis que eles carregam nos ombros e na ca-beça. Caminhões enormes despejam toneladas de lixo incessantemente. O chão treme com o tráfego intenso.

“Quando despeja o lixo, eles caem dentro”, explica Marcos Fran-cisco Cherém, técnico da Comlurb, que trabalha há 22 anos no aterro. Os catadores se deslocam em função do local determinado na hora para o despejo dos resíduos. Quando eles terminam de retirar o que acham que pode ter algum valor, a montanha de lixo está pronta para ser aterrada pelos caminhões de argila.

José Pereira, 37 anos, chegou da pequena Lagarto, no sertão de Ser-gipe, há apenas um mês. Veio para o Estado do Rio a convite de um ir-mão, também catador. Pai de quatro filhos, José considera o trabalho de cortador de cana que realizava antes mais duro e perigoso do que o que faz atualmente. Mesmo assim, não quer ficar muito tempo por aqui: “É mais fácil ganhar a vida aqui, mas só vou ficar por três meses. Depois me mando para Ribeirão Preto. Soube que lá tem muitos canaviais que

“É mais fácil ganhar a vida aqui, mas só vou ficar por três meses. Depois me mando para Ribeirão Preto”José Pereira

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estão precisando de mão-de-obra, e eles pagam melhor”, conta José.

Morena bonita, Carolina Lessa, de 27 anos, trabalha catando lixo há três meses. Ela afirma que veio para Gramacho porque foi o único local em que arrumou emprego após ter perdido todos os documentos. “É um trabalho sujo, com certeza, mas é um dinheiro limpo”, repete a frase, que parece ser uma espécie de lema dos catadores.

Uma senhora simpática aparece sorridente mostrando alguns pares de elegantes sapatos femininos – até que bem conservados. Quem os teria jogado fora? E por qual motivo? Não se sabe, nunca se saberá: os objetos aqui já não têm história, seu valor é apenas material. Na economia da reciclagem, um quilo de plástico vale entre R$ 0,20 e R$ 0,25. Quando chove e o calor dá uma trégua é me-lhor para trabalhar, mas o material molhado é vendido por um preço me-nor, explicam os catadores. Garrafas PET, plástico fino e alumínio são os produtos mais valiosos.

“Toda enzima é uma proteína,

mas nem toda proteína é uma enzi-ma” – assim está escrito com letra bem feita em uma folha de caderno, com data de 24/4/04. Ao lado, uma singela placa de madeira com no-mes pintados em várias cores e a inscrição “Chamadinha”. No mar de lixo que os caminhões despejam, en-contra-se de tudo: um guarda-chuva, uma boneca aleijada, uma torradeira, uma vassoura que ironicamente foi parar no lixo, fraldas, raquetes que-bradas, fitas VHS, restos de tudo o que é possível consumir. “Época de festas é bom porque o pessoal usa muito plástico: copo, garrafa, essas coisas. Fortalece para nós”, comenta Luís Pinto, morador de um barraco no Jardim Gramacho, trabalhando no aterro desde os 12 anos.

ResistênciaA poucos metros do aterro, na

beira da Baía de Guanabara, a natureza nos dá uma prova de re-sistência e recuperação. Ali, entre o lixo e as águas poluídas, milhões de caranguejos e outras espécies substituem os urubus e os mosqui-

tos em um grande manguezal, um oásis que se desenvolveu graças à ação do homem. O mangue é resultado de um processo de mais de 10 anos de plantio de mudas e reflorestamento da vegetação, lide-rado pelo biólogo Mário Moscatelli. Num frágil caminho de palafitas de madeira, é possível andar durante uma hora, quase em linha reta, so-bre o mangue, até a beira da Baía de Guanabara. O caminho está sendo reconstruído, pois boa parte das tábuas de madeira foi roubada para a construção de barracos nos arredores de Gramacho.

Ao todo, foram reflorestados mais de cem hectares da área de man-guezal, com mudas de árvores como mangue negro, vermelho e branco, em toda a periferia do aterro, alcan-çando a foz do Rio Sarapuí. Hoje, 50 ex-catadores de lixo vivem da pesca de caranguejos como o guaiamum, o catanhanha, o maré e o atu. Por dia, são capturados cerca de três mil. Du-rante a caminhada, aos poucos, um cheiro de maresia vai substituindo o forte odor do lixo.

A poucos metros do aterro e da Baía de Guanabara, a natureza dá provas de recuperação

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Fernanda Pedrosa

R io de Janeiro, 10 de abril de 1984. Havia uma gran-de expectativa na

cidade para o comício das Diretas Já, na Candelária, após a realização de vários outros comícios pelo País, o maior deles na Praça da Sé, em São Paulo, no dia 25 de janeiro.

A campanha pelas eleições diretas para presidente tinha co-mo objetivo imediato pressionar a Câmara dos Deputados a votar a chamada Emenda Dante de Olivei-ra. Afinal, as eleições diretas para governador haviam sido restabele-cidas em 1980 e, em 1982, algumas das mais importantes lideranças democráticas da época ganharam as eleições, como Leonel Brizola, no Rio de Janeiro, Tancredo Neves, em

Minas Gerais, e Franco Montoro, em São Paulo.

Embora tenha recebido o apoio de 298 parlamentares e apenas 65 votos contrários, a Proposta de Emenda Constitucional acabou rejeitada pela falta de 22 votos. Em janeiro de 1985 Tancredo Neves foi eleito presidente pelo Colégio Eleitoral. O final da história todo mundo já sabe: Tancredo morreu no dia 21 de abril daquele ano e o vice, José Sarney, assumiu o mandato. Foi a última eleição indi-reta para presidente da República realizada no País.

O fotógrafo carioca Márcio RM estava na Candelária no dia do co-mício. Muito jovem, tinha menos de dois anos de profissão. Mas as cenas que registrou no palanque lhe ga-

rantiram emprego na revista IstoÉ alguns meses depois. “No palanque, a imprensa ficou num patamar abai-xo de onde estavam os políticos e os artistas. Eu me posicionei bem em frente aos microfones, onde coloquei a minha bolsa de equipamentos, e ali fiquei até o fim”, lembra ele, 25 anos depois.

“Esta cobertura foi uma das mais importantes que fiz, não só pelo significado desse comício na história do Brasil, como pelas imagens que produzi”, acrescenta Márcio. As imagens do comício da Candelária fazem parte do projeto Rua, que Márcio RM vem desen-volvendo sobre diversas manifes-tações políticas e outros eventos públicos realizados na cidade do Rio de Janeiro.

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Os 25 anos do comício da Candelária

Fotos de Márcio RM relembram

cenas marcantes do movimento das

Diretas Já

mEmÓRIA

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Maior manifestação pública da história do Brasil até então, o comício da Candelária reuniu um milhão de pessoas na Avenida Presidente Vargas. Havia nervosismo e apreensão na cidade, quanto à possibilidade de reação dos militares, mas, com a proximidade do início do evento, faixas e bandeiras coloriram as ruas, num clima de festa e descontração. Não faltaram manifestantes fantasiados, trio elétrico, vendedores ambulantes de comida e bebida, militantes oferecendo camisetas de vários grupos e partidos

Participantes diretos do movimento fazem questão de reconhecer que, na campanha das Diretas, o povo foi o protagonista da história. Ainda que por trás de cada comício funcionassem engrenagens e se desenvolvessem articulações políticas, a campanha se espalhou e ganhou vulto graças à mobilização popular

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Fafá de Belém, que participou ativamente do movimento e ficou conhecida como Musa das Diretas, enfrentou problemas na Justiça por cantar o Hino Nacional de forma original em comícios e passeatas. No Rio, ela comoveu a multidão ao cantar baixinho Menestrel das Alagoas, música de Milton Nascimento em homenagem a Teotônio Vilela. Em seguida, Fafá soltou a pomba branca

Milton Nascimento dividiu com o locutor Osmar Santos e as atrizes Christiane Torloni e Lucélia Santos a apresentação dos oradores. Mas também causou emoção ao cantar Nos bailes da vida, de sua autoria, que se tornou o hino das Diretas. Quem não se lembra da frase “todo artista tem de ir aonde o povo está”?

Muitos artistas, como Xuxa – ainda iniciando a carreira – e Jô Soares, participavam dos comícios. Na Candelária, na sequência de oradores, a apresentadora infantil preferiu dar apenas um assobio

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No palanque também estavam alguns dos governadores que haviam sido eleitos democraticamente em 1982, como Leonel Brizola (RJ), Franco Montoro (SP) e Tancredo Neves (MG)

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Senhor Diretas. Assim ficou conhecido o presidente nacional do PMDB, principal líder das campanhas pelo retorno do País à democracia. Ao final do comício, Doutor Ulysses resumiu: “Esse milhão de pessoas que aqui está acaba de aprovar a eleição direta para presidente. Está lavrado o atestado de óbito do Colégio Eleitoral”

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Tímido e nervoso, o autor da emenda que restabelecia eleições diretas para presidente, deputado Dante de Oliveira, chegou atrasado e, ao final do comício, foi puxado por Brizola ao microfone, mas pouco falou

Em cima do palanque ou numa brecha da estrutura de ferro, o importante era participar. Havia vontade de mudança e disposição para a de luta. A sociedade civil percebeu que tinha direito a voz

Quem estava lá conta que o momento mais emocionante do comício da Candelária foi quando o jurista Sobral Pinto leu o artigo 1º da Constituição de 67: “Todo poder emana do povo e em seu nome é exercido”

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FeliPe a. diasOPInIÃO

Na contramão da crise

Acrise econômica mundial vem mos-trando seus reflexos sobre o mercado de petróleo. Os principais analistas re-viram suas expectativas de demanda para baixo e o preço recuou cerca de

US$ 100 por barril desde o seu pico, em julho do ano passado, até início deste ano.

Na realidade, a demanda mundial por petróleo já vinha caindo mesmo antes do agravamento da crise financeira, em setembro, em consequência da própria elevação do preço do barril. A trajetória de queda ini-ciada em julho seguiu de forma praticamente linear até o fim do ano e o preço veio oscilando em torno de US$ 40. Podemos observar duas diferentes interpretações para explicar o contágio.

Os mercados financeiros se utilizaram do ciclo de alta de preços das commodities, como o petróleo, para lastrear novos produtos financeiros e recuperar perdas em outros segmentos, como o imobiliário. O pânico financeiro induzido pela crise mundial reduziu brus-camente o valor desses papéis e derrubou os preços do petróleo. A diminuição da atividade econômica e a eminência de um longo ciclo recessivo reduziram a demanda esperada por petróleo, derrubando o preço.

A brusca redução dos preços somou-se às projeções de retração ainda maior da demanda, resultando em reversão de expectativas e mudança de comportamento por parte de quase todas as principais empresas petro-líferas no mundo. As dificuldades na geração de caixa e a redução da oferta de crédito agravam ainda mais o quadro e sugerem estratégias mais conservadoras. O resultado deste processo foi uma boa safra de anúncios

de redução de investimentos e adiamento de projetos nas atividades de exploração e produção de petróleo e gás em diversas partes do mundo.

Em sentido contrário, o setor petrolífero brasileiro tem dado sinais de que está acelerando o ritmo, moti-vado especialmente pelo elevado potencial dos novos prospectos do pré-sal. Após o anúncio da Petrobras de um incremento significativo dos investimentos previstos para os próximos cinco anos, grandes em-presas internacionais que atuam no Brasil também divulgaram sua intenção de aumentar seus investi-mentos no País, se distanciando nitidamente de suas estratégias em outras partes do mundo. Este é o caso, por exemplo, da britânica BG, da espanhola Repsol e da americana Hess.

O novo plano da Petrobras para 2009-2013 prevê uma média anual de investimentos de quase US$ 35 bilhões, dos quais 90% no Brasil. Um aumento de 55% com relação ao plano anterior. São cerca de US$ 157 bilhões de investimentos no País ao longo dos próximos cinco anos. E os investimentos da Petrobras vêm acom-panhados dos investimentos das demais companhias, em especial dos seus parceiros.

Com o novo Plano Estratégico, a Petrobras pretende aumentar a sua produção de petróleo e gás no Brasil dos atuais 2,17 milhões de barris equivalentes por dia para 5,1 milhões em 2020. A concretização dessas metas permitirá que o Brasil exporte volumes importantes de petróleo e derivados, com impactos significativos sobre a balança comercial e sobre o crescimento do País.

Felipe A. Dias é economista do Instituto Brasileiro de Petróleo, Gás e Biocombustíveis (IBP).

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leo PinheiromÍDIA

Quem nunca tentou imitar aquele vozeirão que, ao início de cada filme estrangeiro, anunciava o título da atração e do estú-dio responsável pela versão brasileira?

Dos tempos da extinta AIC São Paulo e do pioneiro no setor, Herbert Richers, até hoje, o mercado de dublagens cresceu muito e está cada vez mais competitivo.

Se antes ouvíamos a voz dos dubladores apenas em poucos filmes e séries na Rede Globo, em novelas mexicanas do SBT e em mais duas ou três emissoras VHF, com o advento da tevê por assinatura, da banda UHF, da tevê digital e do DVD, o mercado passou a oferecer uma centena de veículos de comunicação com áudio em nosso idioma.

Alheios à concorrência entre os tradicionais estúdios do Rio de Janeiro e novos de São Paulo por um mercado que cresce na contramão da crise mundial, o brasileiro se acostumou a consumir programas dublados. De acordo com a mais recente pesquisa do Sindicato dos Distribuidores de Filmes do Rio de Janeiro, publicada em 2008, 56% dos frequentadores de cinemas no Brasil preferem assistir a cópias dubladas, contra apenas 37% em favor das legendas. A pesquisa, encomendada ao instituto Datafolha, ouviu 2.120 pessoas em 10 cidades do País, incluindo o Rio de Janeiro.

Marcelo Coutinho, sócio-fundador do estúdio Double Sound, no Rio de Janeiro, assegura que a difusão do DVD abriu mais um leque de escolhas para os espec-tadores, tanto em seu lazer caseiro quanto externo. “Se antigamente era preciso optar entre uma fita VHS dublada ou legendada para ver um filme, com a nova mídia as possibilidades são inúmeras. Com vários idiomas em áudio e legendas, os filmes contemplam todos os públicos”, afirma.

Segundo o empresário, essa inovação tecnológica fez o público sentir o gostinho do poder da escolha. No entanto, ele crê que falta incentivo governamental para que o mercado ofereça cada vez mais esta opção à população. “Nos Estados Unidos, 100% dos filmes são dublados. Em países como a Itália e Alemanha, os exibidores são obrigados por lei a transmitir filmes dublados. Aqui no Brasil, apesar dos apelos dos espec-tadores, menos de 20% do que entra em cartaz é falado em português”, pondera.

Marcelo alega que para o distribuidor é cômodo le-gendar o filme, já que é muito mais barato do que pagar a dublagem. Porém, Coutinho valoriza na dublagem outras questões que não podem ser mensuradas financeiramente, como, por exemplo, a soberania do idioma nacional.

A documentarista Ellen Ferreira concorda, mas ob-

Versão brasileira Crescente demanda

de filmes dublados nos cinemas do País demonstra o poder do público junto à mídia

(cada vez mais)

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serva que o grande trunfo da ampliação das dublagens nos cinemas e outros veículos é o público. “No Brasil, exibir cota de filmes dublados não é obrigação, quem impôs essa mudança foi o mercado, e mesmo quem quer ter lucro fácil não pode ir contra isso”, sentencia.

Baseando-se nessa crescente demanda por filmes dublados Ellen resolveu fazer um estudo e se uniu às colegas Fernanda Robusti e Lívia Milagres para dirigir o primeiro longa-metragem sobre dublagem no Brasil, Contando loops (nome provisório), com estreia prevista para setembro. Para o trio, o filme só se tornou reali-dade devido ao interesse do próprio público, que tem curiosidade em saber de quem são as vozes brasileiras dos seus programas prediletos.

Lívia revela que, conforme foi tomando contato com o universo da dublagem, percebeu que o preconceito por parte dos fãs de filmes legendados era fruto de uma época onde a cultura norte-americana, tanto nos filmes como na música, era muito mais valorizada do que hoje. “Antigamente era um diferencial falar inglês, e ostentar isso era uma forma de se autoafirmar. Como hoje em dia falar um segundo idioma não é mais no-vidade, as pessoas estão muito mais voltadas para o que realmente é melhor para elas”, analisa.

Já Fernanda acredita que, além da valorização da cultura nacional, outros seguimentos socioculturais são favorecidos pela propagação das versões brasileiras.

Segundo ela, a maior contribuição da dublagem para o povo brasileiro é a democratização da informação e do entretenimento. A diretora ressalta que somente os filmes dublados são acessíveis aos analfabetos, defi-cientes visuais, crianças e idosos que não conseguem acompanhar as legendas.

Na mesma proporção do aumento da oferta de películas dubladas cresceu o interesse do público por informações sobre mais este aspecto técnico dos fil-mes. E os órgãos de imprensa que fazem a cobertura da produção cinematográfica também estão se adaptando a esta nova realidade.

O primeiro jornalista da grande imprensa brasileira a se especializar em dublagem, Rodrigo Fonseca, do jornal O Globo, hoje faz críticas de filmes dublados comentando a interpretação dos atores que fazem as versões brasileiras. Desde 2005 trabalhando na Revista da TV, suplemento dominical de O Globo, Rodrigo revela que a partir de 2007, quando inseriu o tema dublagem em sua coluna, a procura do público pelo assunto cresceu também no jornal.

O crítico recebe diariamente dezenas de cartas, e-mails e telefonemas com elogios, dúvidas e sugestões de matérias sobre filmes dublados. Uma interação que, segundo ele, não acontecia antes. “Não é só o público que é beneficiado, o Cinema ganha com a dublagem. Sem ela não se formam cinéfilos. Sou um amante da mídia Cinema e por isso sempre vou defender a dublagem”, finaliza.

Arte B

runo M

oura

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PAnORAmA

A Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro está participando do FotoRio 2009 – Encontro Internacional de Fotografia do Rio de Janeiro, que acontece de dois em dois anos e ocupa os principais centros culturais da cidade. A Alerj estreia nesse acontecimento com a exposição Retratos da Democracia – Expressões e manifestações no Palácio Tiradentes, que reúne 45 trabalhos de fotógrafos e estagiários da Casa.

Em 2007, a Alerj cedeu espaço no seu prédio administrativo da Rua da Alfândega para a exibição de fotos de Pedro Stephan sobre espaços de socialização GLS no Rio de Janeiro. Desta vez, estão na mostra imagens feitas no ambiente do Parlamento. São fotos de pessoas famosas e anônimas, em diversos tipos de eventos e manifestações ocorridos no Palácio Tiradentes.

“Há mais de 80 anos o Palácio Tiradentes tem sido cenário de acontecimentos que provocam mudanças na história política do País. Por aqui passam cidadãos de todos os matizes sociais, culturais e ideológicos. Políticos, artistas, religiosos, empresários, lideranças de movimentos populares. Todos encontram nesta Casa um espaço democrático”, ressalta o presidente da Casa, Jorge Picciani.

O FotoRio é um movimento de fotógrafos que tem como proposta estimular a exposição e discussão de trabalhos históricos e contemporâneos da fotografia brasileira e internacional. O evento tem como objetivo valorizar a fotografia como bem cultural, dando visibilidade aos grandes acervos e coleções públicas e privadas e à produção fotográfica contemporânea brasileira e estrangeira, através de exposições, projeções e intervenções urbanas, cursos, seminários, oficinas, mesas-redondas, palestras e conferências.

“Nossa intenção é destacar, através de um evento de porte internacional, a importância da fotografia na comunicação e na vida social contemporânea, buscando atingir um público ainda maior que o frequentador de museus e apreciador da arte fotográfica, levando a fotografia ao alcance de todos”, afirma o coordenador-geral do evento, Milton Guran.

Retratos da Democracia tem a participação dos fotógrafos Dafne Capella, Érica Ramalho, Fabiano Veneza, Fabíola Gerbase, Leandro Marins, Rafael Wallace e Zô Guimarães e pode ser vista de segunda a sexta-feira, das 10h às 17h, e domingo, das 12h às 17h, até 30 de agosto. Para mais informações, ligue para (21) 2588-1404 / 2588-1383.

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Imagens da democracia

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0800 282 0119FALE CONOSCO.

ANR_21x28_Batom.pdf 23.10.08 17:57:19

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