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REVISTA DE MANGUINHOS | JULHO DE 2013...da droga. “Buscamos explorar o perfil dos usuários e os contextos e efeitos do consumo de crack. Constatamos que fatores como a ilegalidade

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istoricamente a Fiocruz é uma instituição devotada a co-nhecer e investigar os grandes problemas sociais brasilei-ros e contribuir com respostas para a superação deles. Aolongo das décadas, uma numerosa legião de pesquisado-

res se imbuiu dessa missão, esquadrinhando as mazelas que acompa-nham o povo brasileiro desde sempre. Essa ação, que se reflete empesquisas, dissertações, teses e projetos variados ganhou, a partir de2009, uma centralidade ainda maior na estrutura organizacional daFundação com o estabelecimento da Coordenadoria de CooperaçãoSocial, ligada à Presidência da instituição. Essa coordenadoria é res-ponsável pelo investimento em tecnologias sociais e tem por metamanter um diálogo com os movimentos sociais para buscar um de-senvolvimento equânime, justo e sustentável para aqueles setores dapopulação que vivem em territórios favelizados. É um conceito deatuação em rede, horizontal e solidária, que reforça parcerias comessas comunidades e financia, por meio de editais, projetos originári-os desses próprios territórios e que têm por objetivo a ampliação dacidadania e a diminuição das desigualdades. Esta edição da Revistade Manguinhos apresenta alguns desses projetos.

A publicação também aborda outra tradição da Fiocruz: as açõesincorporadas ao Sistema Único de Saúde. Nos últimos anos, estudosdesenvolvidos na Fundação contribuíram fortemente com o SUS aofornecer subsídios para a composição de manuais e guias de diagnós-tico, tratamentos (guidelines) e guias de vigilância epidemiológica paradoenças infecciosas. O pioneirismo da instituição se verifica ainda naárea de dengue, em que o projeto Eliminar a Dengue: Desafio Brasil,trazido ao país pela Fiocruz, é uma operação científica em andamen-to aqui e em outras quatro nações. O projeto utiliza a bactéria Wolba-chia para bloquear a transmissão do vírus da dengue pelo mosquitoAedes aegypti, de forma natural e autossustentável, e vem sendoexperimentado no Rio de Janeiro e em Niterói.

Esta revista traz ainda reportagens sobre o novo prédio de la-boratórios da Escola Nacional de Saúde Pública, sobre os medicamen-tos de Farmanguinhos que beneficiarão portadores de doençasnegligenciadas, sobre as escavações arqueológicas que estão trazen-do à tona o passado da ocupação do campus da Fiocruz e sobre uminovador teste de diagnóstico de hepatite A que é mais simples, maisbarato e bioético, entre outros assuntos que requerem a sua aten-ção. Antes de concluir, ressalto ainda que este ano a Fiocruz vai lem-brar os dez anos de falecimento de Sergio Arouca e de seu legado,com eventos e atividades.

Boa leitura!

Paulo GadelhaPresidente da Fundação Oswaldo Cruz

H

Estátua de Sergio Arouca no campus da Fiocruz (foto de André Az)

EDITORIAL

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NOTAS

A terceira maior causa de be-nefícios concedidos pela PrevidênciaSocial nos municípios fluminenses deItaboraí, Cachoeiras de Macacu eGuapimirim, segundo os resultadosda dissertação do enfermeiro Rodri-go Japur, são os transtornos men-tais. A pesquisa foi apresentada àEscola Nacional de Saúde Pública(Ensp/Fiocruz) como trabalho finaldo mestrado profissional em vigi-lância em saúde. Apesar de estaratrás apenas das causas externase doenças osteomusculares, ostranstornos mentais se mostrarammais incapacitantes que as outras

Dissertaçãoaponta o perfil doconsumo de crack

Com o objetivo de analisar o atualproblema do consumo da droga, o psi-cólogo Francisco de Abreu Franco Net-to apresentou, na Escola Nacional deSaúde Pública (Ensp/Fiocruz), a disser-tação de mestrado O problema do cra-ck: emergência, respostas e invençõessobre o uso do crack no Brasil. O autordefende o fortalecimento e a multipli-cação dos dispositivos de cuidado noâmbito do SUS, com o intuito de mini-mizar danos e riscos do uso prejudicialda droga. “Buscamos explorar o perfildos usuários e os contextos e efeitosdo consumo de crack. Constatamosque fatores como a ilegalidade da subs-tância, a marginalização e estigmati-zação de uma parcela dos usuários esua vulnerabilidade social influenciamprofundamente sua saúde. Analisamos,ainda, as práticas de segregação deusuários de crack atualmente em vi-gor, que se contrapõem às práticas decuidado, como as estratégias de redu-ção de danos”, explicou Netto. A pes-quisa pretendeu problematizar aassociação imediata presente no sen-so comum entre o crime e o crack, le-vando em consideração os diferentescontextos em que a substância é apro-priada, a diversidade das formas emque é consumida e comercializada eos efeitos que produz.

Uma delegação composta por re-presentantes da Organização Mundialda Saúde (OMS) e da Organização Pan-Americana da Saúde (Opas) estevereunida com gestores da Fiocruz emjulho para discutir soluções em buscade melhorias nos sistemas nacionais desaúde. O encontro foi pautado em te-máticas como recursos humanos, de-terminantes sociais da saúde, modelospara a transferência de tecnologia,além da atuação da Fiocruz como Cen-tro Colaborador da OMS em SaúdePública e Meio Ambiente. Na abertu-ra do encontro, o presidente da Fio-cruz, Paulo Gadelha, propôs novas

Estudo mostra que ansiedade e humorsomam 70% dos transtornos mentais

doenças no que se refere ao afas-tamento do trabalho. “Quando oindivíduo se distancia do trabalhopor essa questão, ele proporcional-mente ficará mais tempo afasta-do”, resumiu o autor do estudo.Intitulada Análise da morbidadepor transtornos mentais entre os se-gurados da previdência social nosmunicípios de Itaboraí, Cachoeirasde Macacu e Guapimirim, a pes-quisa se insere no rol de atividadesdo Plano de Monitoramento Epi-demiológico da Área de Influênciado Complexo Petroquímico do Riode Janeiro (Comperj).

OMS, Opas e Fiocruz debatem novaslinhas de cooperação

ações conjuntas, com foco no fortale-cimento dos sistemas nacionais de saú-de e em diretrizes da cooperaçãosul-sul em saúde, entre outros. A dele-gação da OMS mostrou interesse noComplexo Industrial da Saúde e na atu-al política de pesquisa, desenvolvimen-to tecnológico e de inovação brasileira.A ideia seria tomá-los como modelo aser proposto a outros países. Tambémfoi sugerido que o Centro Colaboradorda OMS em Saúde Pública e MeioAmbiente, liderado pela Fiocruz, acom-panhe e leve para discussão na Opas/OMS o modelo brasileiro de inovaçãointegrado ao acesso a medicamentos.

A marginalização dos usuáriosinfluencia a saúde deles

A pesquisa integraas atividades deacompanhamentodo Comperj

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Doença de origem de milenar,relatada em numerosas passagensbíblicas, a hanseníase ainda acome-te silenciosamente milhares de pes-soas no Brasil. Segundo dados doMinistério da Saúde, cerca de 30mil novos casos de hanseníase sãoidentificados todos os anos no país.Com a proposta de tornar acessívelas práticas comunicativas sobre oagravo, a Fiocruz lançou o Bancode Materiais Educativos sobre Han-seníase. O projeto é fruto da tese Apalavra & as coisas: produção e re-cepção de materiais educativos so-bre hanseníase, defendida na EscolaNacional de Saúde Pública Sergio

Uma pesquisa traçou, pela primei-ra vez, a tendência e o perfil epidemi-ológico das mortes provocadas poragressões feitas com armas considera-das brancas. Os resultados foram clas-sificados segundo gênero, faixa etária

Município do Rio deJaneiro é o maissuscetível a sofreros impactos dasmudanças do clima

No Estado do Rio de Janeiro, as al-terações climáticas podem ser obser-vadas, dentre outros aspectos, naelevação da ocorrência de catástrofesnaturais, como as chuvas mais inten-sas – que resultam em inundações ealagamentos – além de problemas desaúde da população, tais como o cres-cimento do número de casos de den-gue e leptospirose, bem como o númerode mortes ocasionadas pela intensifi-cação destas chuvas. Atentos a essarealidade, pesquisadores de três uni-dades da Fundação (o Instituto Oswal-do Cruz, a Escola Nacional de SaúdePública e a Fiocruz Minas), desenvol-veram o Mapa de vulnerabilidade dapopulação dos municípios do Estado doRio de Janeiro frente às mudanças cli-máticas. Para o cenário climático maispessimista, ou seja, com maiores emis-sões de gases do efeito estufa, o con-junto de municípios da MacrorregiãoMetropolitana do Rio de Janeiro e o seuentorno foram identificados como osmais suscetíveis de sofrer os impactosdo clima. “Em relação aos demais mu-nicípios, a população da capital estáentre as mais vulneráveis. Isso aconte-ce em face aos seus elevados índicesde vulnerabilidade da saúde e do ambi-ente, quando comparado ao das demaiscidades”, destacou a coordenadora-ge-ral do projeto, Martha Barata.

Banco de Materiais Educativos sobreHanseníase disponibiliza acervo

Arouca (Ensp/Fiocruz). O estudo foidefendido por Adriana Kelly Santos.Fazem parte do acervo de acessolivre folhetos, cartilhas, jogos, peri-ódicos, cartões postais, dentre ou-tros materiais desenvolvidos porinstituições governamentais e não-governamentais para a difusão decampanhas de saúde pública nopaís. Os 276 materiais que com-põem o banco foram produzidosentre 1972 e 2009, ano em que apesquisadora defendeu a tese. Apesquisa dos conteúdos pode serfeita por temas, formatos ou esta-dos, neste endereço: http://hanseniase.icict.fiocruz.br/.

e local de ocorrência, em Pernambu-co. De acordo com o estudo, que tevecomo base dados de 2000 a 2010 dis-poníveis no Sistema de Informaçõessobre Mortalidade (SIM/Datasus) e re-ferências demográficas do IBGE, as ar-mas brancas provocaram 11% do totalde mortes por agressão no estado, fi-cando atrás das armas de fogo (81%).Todas as outras causas somadas repre-sentaram 8%. O estudo foi desenvol-vido por Renata Fernandez, aluna daresidência multiprofissional em saúdecoletiva da Fiocruz Pernambuco.

Pesquisa traça perfil epidemiológico demortes provocadas por armas brancas

Martha Barata apresenta a pesquisaque reuniu três unidades da Fiocruz

Os materiais foram desenvolvidos por governos e ONGs

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Contribuiçõespara o SUSLaboratórios dão subsídios paraguias diagnósticos e terapêuticosde doenças infecciosas

INTERAÇÃO

NCarolina Landi

os últimos anos, resultadosde estudos desenvolvidosno Instituto de PesquisaClínica Evandro Chagas(Ipec/Fiocruz) contribuí-

ram fortemente com o Sistema Únicode Saúde (SUS) ao fornecer subsídiospara a composição de manuais e guiasde diagnóstico, tratamentos (guidelines)e guias de vigilância epidemiológicapara doenças infecciosas. O Laborató-rio de Micologia contribuiu para osguias terapêuticos brasileiros para crip-tococose e paracoccidioidomicose. OLaboratório de Pesquisa Clínica emDoença de Chagas participou da 1ªDirectriz latinoamericana para el diag-nóstico y tratamiento de la cardiopatíachagásica, demonstrando estratégiasde prevenção de acidente vascularencefálico cardioembólico na enfermi-dade. O laboratório participou tambémdo Consenso Brasileiro de Doença deChagas e da aplicação da nova classi-ficação da insuficiência cardíaca (ACC/

HIV e tuberculose resultou em diminui-ção da mortalidade, recomendaçãoincorporada nas diretrizes sobre manejodessa condição no Brasil e em diversosoutros países (NEJM, 2011).

Das colaborações do Laboratório deEpidemiologia Clínica com outros la-boratórios de pesquisa do Ipec, os re-sultados de pelo menos três trabalhosforam incorporados a recomendaçõesdo Ministério da Saúde: o exame Elisa(ou EIE) para leishmaniose tegumen-tar está sendo produzido pelo Institutode Tecnologia em Imunobiológicos (Bio-Manguinhos) com Leishmania brazili-ensis em vez de Major, conforme artigopublicado na revista Transactions. Asrecomendações diagnósticas clínicas desuspeição para dengue passaram a in-cluir o prurido e o exantema no con-senso diagnóstico e no material paraprofissionais de saúde. E o Ministérioda Saúde, em portaria específica, mo-dificou o esquema diagnóstico da leish-maniose visceral canina para incluir oexame Elisa (EIE) LVC, em vez de imu-nofluorescência.

AHA) na cardiopatia chagásica crôni-ca, com uma análise crítica das curvasde sobrevida.

Resultados de estudos conduzidosno Laboratório de Pesquisa Clínica emDST e HIV/Aids contribuíram para aatualização dos guidelines do Brasil,dos Estados Unidos e da OMS sobre aprevenção da transmissão vertical (Re-vista de Saúde Pública, em 2010, eNew England Journal of Medicine -NEJM, em 2012) e da transmissão se-xual do HIV (NEJM, 2011), além dedemonstrarem que o início precoce dotratamento antirretroviral reduz as ta-xas de transmissão sexual de HIV-1 eos eventos clínicos no paciente infec-tado, trazendo benefícios individuais epúblicos (NEJM, 2011). Contribuiçõesimportantes sobre métodos biomédicosde prevenção vieram de um estudosobre profilaxia pré-exposição ao HIVem homens que fazem sexo com ho-mens (NEJM, 2010). Um outro estudoclínico conduzido no laboratório de-monstrou que o início precoce do tra-tamento em pacientes coinfectados por

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PERFIL

Isadora Marinho

omo em um eletrizantelivro de ficção, a trajetóriado médico e pesquisadoremérito da Fiocruz LuisRey leva a cenários exóti-

cos repletos de perigos, missões quaseimpossíveis e uma grande história deamor com final feliz. Dos recém-com-pletados 95 anos de vida, 60 foramdedicados ao ensino da parasitologia,13 a trabalhos como consultor da Or-ganização Mundial da Saúde (OMS) e20 à Fiocruz. Todos vividos ao lado deDora Vanderley Rey, geógrafa comquem é casado há 63 anos.

“Eu mudei muito e nunca tive medode mudar. Me entreguei a várias ativi-dades sucessivamente”, disse, relem-brando o início da carreira. Em 1944,se formou pela Faculdade de Medici-na da Universidade de São Paulo (USP).Dois anos depois, chegava ao interiordo Pará para assumir os atendimentosno posto do Serviço Especial de Saúde

CPública (Sesp). Mas a sensação de im-potência diante do ciclo de reinfecçãodos seus pacientes o levou de volta àUSP para estudar saúde pública e, emseguida, para a École Nationale de laSanté Publique, em Paris.

Rumo à Cidade-Luz, Rey conheceuaquela que, até hoje, é o seu farol emmomentos de escuridão, a geógrafaDora. Em 1950, o casal retornou aoBrasil na condição de noivos – mas sóse casaram em 1961, quando Rey setornou professor-assistente substituto nacadeira de parasitologia da Faculdadede Medicina da USP.

A primeira missãointernacional

Nos anos 60, ao fugir de seus algo-zes da ditadura, Rey conheceria seu pró-ximo inimigo em um cenário exótico.Tratava-se de uma epidemia de esquis-tossomose na África. “Consegui umemprego como consultor da OMS e mi-

nha primeira missão foi acabar com adoença na Tunísia”, lembra. Na décadade 1980, criou o Laboratório de Biologiae Controle da Esquistossomose (hoje cha-mado de Laboratório de Biologia e Para-sitologia de Mamíferos SilvestresReservatórios), que liderou até 2005.

Armas poderosasMais de meio século de profissão

exercida em três continentes diferentesestão eternizados em oito títulos publi-cados. O Dicionário de termos técnicosde medicina e saúde, de sua autoria,demandou mais de cinco anos de pes-quisa e conquistou o Prêmio Jabuti deLiteratura de 2000, na categoria Ciên-cias Naturais e Saúde.

Hoje, Rey vive em uma instituição delonga permanência para idosos em Nite-rói. “O sujeito se desenvolve ao máximo,mas com o tempo vai perdendo a me-mória do mesmo modo que perde a for-ça física. A vantagem foi que eu coloqueitudo para fora, eu escrevi”, conclui.

Nove décadas de missões cumpridasPesquisador emérito Luis Rey completa 95 anos

Luis Rey: 95 anos devida, 63 de casado e20 de Fiocruz

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INOVAÇÃO

Cristiane Albuquerque

razido ao Brasil pela Fio-cruz, o projeto Eliminar aDengue: Desafio Brasil éuma iniciativa científicapioneira em andamento

em cinco países. A nova estratégia depesquisa para o controle da doençautiliza a bactéria Wolbachia para blo-quear a transmissão do vírus da den-gue pelo mosquito Aedes aegypti, deforma natural e autossustentável. Atu-almente, equipes de Entomologia deCampo e de Engajamento Comunitá-rio atuam em quatro localidades nascidades do Rio de Janeiro e em Nite-rói. Os bairros de Vila Valqueire, Urca,Tubiacanga e Jurujuba participam deestudos para a realização de futurostestes de campo, com a soltura demosquitos com Wolbachia. Na Austrá-lia, mosquitos que receberam a Wol-bachia em laboratório foram soltos deforma sistemática, em algumas locali-dades no norte do país, em 2011. Nes-ses locais, a presença de mosquitos coma bactéria bloqueadora do vírus se tor-nou predominante de forma eficaz e

Tautossustentável. A metodologia tam-bém se mostra natural, segura e nãotem fins lucrativos.

De acordo com Luciano Moreira, lí-der do projeto no país e pesquisador daFiocruz, o objetivo da iniciativa é tornaro programa de pesquisa científica Elimi-nar a Dengue uma alternativa para ocontrole da doença. “Estamos confian-tes de que esta estratégia científica ino-vadora possa de fato contribuir para,futuramente, abrir uma nova alternativade controle da dengue, baseada no blo-queio do vírus dentro do Aedes aegypti,cooperando assim, para a melhoria dasaúde da população”, destaca.

As equipes de Entomologia deCampo e de Engajamento Comunitá-rio contam com o apoio de um grupode especialistas em modelagem ma-temática, que desenham modelos de-dicados a prever a dispersão dosmosquitos na fase de soltura. “Estasequipe realizam os trabalhos de cam-po semanalmente nas áreas estudadas.Os mosquitos de cada localidade es-tão sendo analisados com base da cap-tura em armadilhas especiais, que estãoinstaladas nas residências de 60 mora-

Os mosquitos Aedes aegypticoletados nas localidades estudadasforam cruzados com mosquitos comWolbachia importados da Austráliacom a autorização do Ibama

Bactéria em açãoProjeto inovador em dengue avança no Rio de Janeiro

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dores voluntários, os chamados ‘anfi-triões’ do projeto”, ressalta. “A trans-parência junto aos moradores é umaprioridade. Por isso, esforços têm sidodedicados a garantir a informação eesclarecimento dos parceiros locais”,completa o especialista.

Nos laboratórios da Fiocruz, os mos-quitos Aedes aegypti coletados nas lo-calidades estudadas foram cruzados commosquitos com Wolbachia importados daAustrália com a autorização do Ibama.Eles deram origem a ovos que nascemnaturalmente com Wolbachia. Os primei-ros resultados comprovam o sucesso daexperiência e os novos ovos são arma-zenados para a realização dos testes fu-turos. Após a aprovação regulatória juntoaos órgãos competentes, serão executa-dos os testes em campo, com a solturade Aedes aegypti com Wolbachia nasáreas estudadas. “Os mosquitos foramestudados para verificação da sua capa-cidade de se reproduzir com os mosqui-tos locais, gerando populações demosquitos com Wolbachia. Agora, esta-mos verificando se eles bloqueiam os ví-rus da dengue que circulam no Brasil”,explica Moreira.

O projeto Eliminar a Dengue: De-safio Brasil integra o esforço internacio-nal do programa Eliminate Dengue: OurChallenge (Eliminar a Dengue: NossoDesafio), liderado pela Universidade deMonash (em Melbourne, na Austrália),que testa o método na Austrália, Viet-nã, Indonésia e, agora, Brasil. No Bra-sil, o projeto conta com recursos dosministérios da Saúde e da Ciência, Tec-

nologia e Inovação, do CNPq e da Foun-dation for the National Institutes of He-alth (Estados Unidos).

Sem fins lucrativosAlém de todas as vantagens e ga-

rantias científicas, o programa Eliminara Dengue: Nosso Desafio tem um di-ferencial único por ser uma iniciativasem fins lucrativos. Como esta é umaexigência dos financiadores do proje-to, existe a garantia absoluta de queos mosquitos com Wolbachia nuncaserão vendidos e que, em nenhummomento, haverá qualquer tipo decusto ou de cobrança para os morado-res dos bairros em estudo.

AutossustentávelO método de controle é baseado

na soltura pontual e limitada dos mos-quitos com Wolbachia que, ao se re-produzirem na natureza com mosquitoslocais, passam a Wolbachia de mãepara filho através dos ovos. Com opassar do tempo, a expectativa é deque a maior parte da população localde mosquitos tenha Wolbachia e sejaincapaz de transmitir dengue. Testesem andamento na Austrália revelaramque em poucas semanas os mosquitoscom Wolbachia se tornaram predomi-nantes nas populações locais de Ae-des aegypti.

Metodologiasegura e natural

Como é uma bactéria intracelular,a Wolbachia apenas pode ser transmiti-da de mãe para filho, no processo dereprodução dos mosquitos. Testes reali-zados na Austrália comprovam quemosquitos com Wolbachia não transmi-tem a bactéria porque não atravessa oestreito duto salivar do mosquito. Mui-tos insetos, incluindo diversas espéciesde mosquitos, naturalmente carregamcepas diferentes de Wolbachia. Essesmosquitos comumente picam pessoassem efeitos negativos – como o perni-longo comum, por exemplo.

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Vinícius Ferreira

om o objetivo de aju-dar a população a co-nhecer um pouco maissobre o Aedes aegypti,a dengue e seus impac-

tos, o Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz) lançou o projeto de vi-deoaulas Aedes aegypti – Introdu-ção aos aspectos científicos do vetor(disponível em www.ioc.fiocruz.br/auladengue). A iniciativa apresen-ta, de forma simples e direta, in-formações capazes de contribuirna rotina de diversos públicos,como professores, estudantes eprofissionais de comunicação,tornando-os verdadeiros mul-tiplicadores de conhecimen-to e colaborando para aprevenção da doença.

C

DIVULGAÇÃO

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O projeto aborda assuntos varia-dos, incluindo orientações sobre com-bate aos focos do mosquito, diferençasentre A. aegypti e pernilongo domés-tico, informações sobre o vírus, a his-tória do Aedes e como ele se espalhoupelo mundo, além de dados sobre ocomportamento do mosquito, conhe-cido por sua característica oportunis-ta. As videoaulas são disponibilizadasem dez módulos temáticos, que po-dem ser assistidos separadamente ouem versão integral.

Idealizadora da iniciativa, a pes-quisadora do IOC Denise Valle ressal-

Os módulosO Módulo 1 - Aedes e sua

História esclarece que o mos-quito é originário do Egito evem se espalhando pelas re-giões tropicais e subtropicaisdo planeta desde o século 16.Com a ajuda de infográficos,os internautas têm acessoexemplificado a mapas quemostram que, no Brasil, osprimeiros relatos de denguedatam do final do século 19,em Curitiba, e do início doséculo 20, em Niterói. Porque, dentre tantos mosqui-tos que existem, o Aedesinteressa? É com essaquestão inquietante quetem início o Módulo 2 –Biologia do Aedes, expli-cando a importância doinseto do ponto de vista dasaúde pública. O vídeotambém aborda duas cu-riosidades: só a fêmea doAedes se alimenta desangue e, ao se alimen-tar, ela pode sugar até

plicado que as armadilhas são utiliza-das oficialmente para fazer apenas avigilância de populações de mosquitosem determinada área. Ao longo doMódulo 7 – Mitos e verdades sobre den-gue, são apresentados mitos e verda-des relacionados ao combate do Aedesaegypti. Ele também faz um alertapara o perigo de fórmulas que circu-lam na internet que garantem repeliro mosquito transmissor da dengue.

O Módulo 8 – 10 Minutos Contra aDengue aborda o referido projeto, seusantecedentes, conceito, justificativa ci-entífica e estratégia de implementação.No Módulo 9 – Mosquito X vírus sãoexplicadas as diferenças e semelhançasentre os quatro sorotipos de vírus da den-gue, a reação dos anticorpos aos soroti-pos e a desmistificação da relação entreo sorotipo e a gravidade da doença.

Algumas das mais recentes alter-nativas de combate e controle à den-gue são apresentadas no Módulo 10 –Novas alternativas de controle do ve-tor, como o projeto Eliminar a Dengue:Desafio Brasil, que usa a bactéria Wol-bachia para bloquear a transmissão dovírus da dengue quando inserida noAedes aegypti. Também é apresenta-da a iniciativa que busca novos agen-tes larvicidas para o controle da dengue.

ta a importância da informação no casoda dengue. “Quando se leva em contaque 80% dos criadouros dos mosquitosestão dentro das casas das pessoas,fica fácil perceber que é praticamen-te impossível creditar ao poder públi-co a responsabilidade exclusiva pelocontrole da doença”, destaca a es-pecialista, reforçando, ainda, que“prevenção” é a palavra-chave.

“Para prevenir é preciso saber oque fazer, conhecer o que se quer pre-venir. E é com esse objetivo que oprojeto foi desenvolvido, reunindo es-pecialistas e resultados de observa-

ções de várias instituições de pesqui-sa e ensino do país”, completa a co-ordenadora do projeto. “Queremoscolocar em movimento o conheci-mento da ciência sobre o Aedesaegypti”, sintetiza. Ela destaca queas escolas são um dos focos centraisda iniciativa. “Nós recebemos mui-tos pedidos de professores, que soli-citam tanto materiais educativosquanto a presença de cientistas noambiente escolar, como forma desensibilizar os alunos. Esperamos queo projeto permita preencher esta la-cuna”, pontua Denise.

duas vezes seu peso em sangue.Nem todo mundo sabe que, em

apenas dez minutos de contato com aágua, ovos do Aedes, que podem tersido colocados até um ano atrás, eclo-dem dando origem a larvas. Essa cu-riosidade é trazida no Módulo 3 –Criadouros e hábitos. O vídeo tambémtraz exemplificações de possíveis cri-adouros em ambiente doméstico e,ainda, como evitá-los, a partir de inter-venções práticas na arquitetura de umaresidência, como a construção corretado caimento de água em um ralo ecomo utilizar uma tela para evitar fo-cos do mosquito em canaletas.

As principais diferenças entre oAedes e o Culex são o destaque doMódulo 4 – Aedes X Culex. Comporta-mento, coloração, criadouros e postu-ra de ovos são algumas delas. Já os trêsprincipais tipos de controle do mosqui-to – mecânico, biológico e químico –são apresentados no Módulo 5 – Estra-tégias de controle do vetor.

No Módulo 6 – Armadilhas: vigi-lância ou controle? é esclarecido o equí-voco de considerar que armadilhas decaptura de Aedes poderiam servir comoforma de controle do mosquito. É ex-

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Isadora Marinho

acesso limitado à águapotável, ao saneamentoe até mesmo à vacina eaos kits de diagnóstico,que têm alto custo, são

alguns dos fatores responsáveis por man-ter em cerca de 1,5 milhão o índice denovos casos de hepatite A por ano, se-gundo dados da Organização Mundialda Saúde (OMS). Com a meta de ofe-recer ferramentas de diagnóstico maisacessíveis, pesquisadores do Laborató-rio de Desenvolvimento Tecnológico emVirologia do Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz) adaptaram um teste imunoen-zimático mais simples, mais barato ebioético. O segredo está na substituiçãodo anticorpo específico utilizado no in-sumo – a imunoglobulina G (IgG), obti-da a partir de mamíferos imunizados –pela imunoglobulina Y (IgY), sua corres-pondente nas aves e répteis. A estraté-gia já foi concluída e o processo devalidação está em andamento.

A inovação é fruto da dissertaçãode mestrado de Alexandre dos Santosda Silva, aluno do programa de Pós-Gra-duação em Biologia Parasitária do IOC,em parceria com a Escola de MedicinaVeterinária do Centro Universitário Ser-ra dos Órgãos (Unifeso). O pesquisadorMarcelo Alves Pinto, chefe do laborató-rio e co-orientador do estudo, explica queo insumo de um teste imunoenzimático– também conhecido como Elisa (Enzy-me-linked Immunosorbent Assay) – for-mado pelo antígeno e pelo seu anticorpoespecífico, extraído de um animal pre-viamente vacinado em laboratório, comocamundongo ou coelho. Este anticorpofunciona como uma “cola”, pois ao seconectar ao antígeno o mantém presoà placa de titulação, composta por pe-quenos poços. Quando recebe o soro deuma pessoa infectada, o vírus presenteno insumo também se conecta ao anti-corpo do paciente, possibilitando, assim,a detecção da doença.

O IgY pode ser extraído da gema dosovos de frangas vacinadas contra o agra-vo. Assim como acontece com os huma-

O

INOVAÇÃO

nos, as aves imunizadas produzem anti-corpos antivírus da hepatite A e o transfe-rem ativamente para a gema do ovo,processo que se assemelha ao do colos-tro em mamíferos, já que o embrião sealimenta do mesmo durante seu desen-volvimento. “Mas uma gema tem con-centração de anticorpo três vezes maiordo que o mesmo volume de soro de coe-lho, animal comumente usado para estefim. Além disso, a extração da IgY poupaa ave de qualquer stress”, explica Pinto.

A produção da IgG, anticorpo homó-logo ao humano utilizado nos insumosdisponíveis no mercado, exige procedi-mentos invasivos para os animais, comoa retirada de sangue de coelhos e ca-mundongos vacinados. Para a avaliaçãoinicial do novo insumo, foram realizadostestes com 100 amostras de soro positi-vas para o vírus da hepatite A (HAV) e81 negativas, coletadas na cidade de TrêsRios (RJ), durante um surto ocorrido em2009. O resultado aponta que o testetem especificidade e sensibilidade aci-ma dos 95% – níveis considerados ide-ais para kits imunoenzimáticos.

Parcerias paraum novo desafio

A equipe liderada por Marcelo Al-ves Pinto se dedica agora ao desenvol-vimento de novos imunoterápicos abase de IgY, que podem ser utilizadospara o tratamento de infecções. No rolde doenças a serem combatidas estãoviroses de transmissão entérica, comoas hepatites tipos A e E, além de gas-troenterites, como as causadas por ro-tavírus, adenovírus e norovírus.

Para estes três últimos, os pesquisa-dores buscam desenvolver um imunote-rápico de administração oral. “Nasgastroenterites, a replicação do vírus ocor-re apenas na mucosa intestinal e, porisso, é possível neutralizá-los no própriotrato digestivo com uma cápsula ou so-lução”, explica Pinto. “Na nossa hipóte-se, em casos de surto, a transmissãotambém poderá ser interrompida porque,uma vez neutralizadas, as partículas devírus secretadas nas fezes do pacientedeixam de ser infecciosas”. O Laborató-rio de Virologia Ambiental e Compara-da do IOC atua como parceiro do projeto.Para teste da IgY como imunoterápico ogrupo de pesquisadores estabeleceram omacaco cinomologos (Macaca fascicula-ris) como modelo experimental para ainfecção pelo rotavírus humano (trabalhoem fase final de realização). Comprova-da sua eficácia, os pesquisadores estimamque a estratégia de imunoterapia pode-ria ser disponibilizada em cinco anos.

Para o caso da hepatite A, em quequadros agudos e fulminantes são mar-cados por intensa replicação viral nacorrente sanguínea, o grupo conta coma colaboração do Instituto TecnológicoGalileu (Migal), de Israel. O objetivo é“encapar” uma molécula denomina-da mannosamine-biotin, que tem fun-ção de proteger a IgY de um “ataque”dos anticorpos produzidos pelo própriopaciente, aumentando o tempo de ati-vidade do mesmo no organismo. “Esteé um problema recorrente na imuno-terapia. Esperamos que, com a molé-cula conjugada, a IgY fique disponívelo suficiente para neutralizar o vírus nacirculação”, ressalta.

Troca eficaz no diagnóstico da hepatite A

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Haendel Gomes

Organização das NaçõesUnidas (ONU) pretendeencorajar os governos adesenvolver e comunicarresultados nacionais na

implementação do Plano Estratégicopara Biodiversidade, na chamada Dé-cada da Biodiversidade, que teve iní-cio em 2011 e vai até 2020. Em 2010,a ONU já havia convidado o mundo acelebrar a vida na Terra, a refletir so-bre o valor da biodiversidade e a agirpara protegê-la. Na ocasião, o Museuda Vida da Fiocruz organizou a exposi-ção Evolução e natureza tropical, ho-menageando Charles Darwin e AlfredWallace, cientistas que se inspiraramna variedade e exuberância da vida nostrópicos para elaborar suas teorias daevolução por seleção natural. Em suasviagens, a dupla – em momentos dis-tintos – esteve no Brasil, país com amaior biodiversidade do planeta. ComFloresta dos sentidos, exposição inte-rativa dirigida ao público de 5 a 9 anos,a riqueza de fauna e flora do país vol-

envolver: espécies invasoras – que vie-ram de outros ambientes e se espalha-ram com facilidade em nossas matas;espécies traficadas – animais que, porserem úteis ou bonitos, são comerci-alizados ilegalmente; ou biopirataria –roubo de conhecimento gerado a par-tir de espécies nacionais.

Para a chefe do Museu da Vida ecoordenadora do evento, Luisa Massa-rani, as crianças tentam entender comoas coisas funcionam. Graduada em jor-nalismo pela PUC-RJ e com doutoradona área de gestão, educação e difusãoem biociências pela Universidade Fede-ral do Rio de Janeiro (UFRJ), a pesquisa-dora da Casa de Oswaldo Cruz (COC/Fiocruz) revela que experiências educa-cionais vêm demonstrando que o públi-co infantil tem grande capacidade delidar com temas de ciência. “As crian-ças são cientistas ‘naturais’: muito curi-osas, sistematicamente, elas tentamentender como as coisas funcionam ecomo é o mundo ao seu redor”, afirmaLuisa. A exposição, que integra o proje-to Ciência para Pequenos Curiosos, temparticipação da UFRJ e apoio da Faperj.

Floresta

Museu da Vida oferece passeiointerativo pela biodiversidade

ta ao campus da Fiocruz e vira umadivertida brincadeira, que mistura mul-timídia e ferramentas como lupa e lan-terna para auxiliar os pequenos emcenário cheio de desafios numa caçaao tesouro.

No espaço, dividido em quatroambientes, o participante cumpre ta-refas passadas pela mascote: o bicho-preguiça. Com ajuda do animalzinhovirtual e dos mediadores, os pequenoscuriosos exploram a floresta e desco-brem algumas de suas características;neste caso, a mata atlântica, bioma quejá ocupou grande parte do territóriobrasileiro. De acordo com dados doMinistério do Meio Ambiente, o bio-ma abrangia aproximadamente 1,3milhão de quilômetros quadrados em17 estados do território brasileiro. Hojeos remanescentes de vegetação nati-va estão reduzidos a cerca de 22% desua cobertura original e encontram-seem diferentes estágios de regeneração.Cerca de 7% estão bem conservadosem fragmentos acima de 100 hecta-res. Na dinâmica com grupos de 20crianças por sessão, os desafios podem

sentidosde

A

EXPOSIÇÃO

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Em muitos pacientes é necessário o uso de colírios e medicamentos específicos para a causa da doença

C

SAÚDE OCULAR

Priscila Sarmento

omumente confundidacom a conjuntivite, auveíte é desconhecidapor muitos. A uveíte éuma inflamação da íris,

do corpo ciliar e da coróide. O nervoóptico e a retina também podem serafetados. Os sinais e sintomas da uve-íte às vezes se assemelham aos daconjuntivite – o que ajuda a provocara confusão entre as duas –, mas emgeral a uveíte é bem mais grave doque a outra. A uveíte também podeter causa infecciosa (vírus, bactérias,fungos e parasitas), ser secundária atraumas oculares e a algumas neo-plasias (leucemias, linfomas e metás-tases). Doenças sistêmicas comotoxoplasmose, toxocaríase, tubercu-lose, sífilis, herpes e citomegalovírussão exemplos para a uveíte. Indiví-

Olhos bem abertos para a uveíte

dependendo do grau, por mais que setenha melhora do quadro, prejudicandona qualidade visual em um olho ou nosdois”, explica o oftalmologista do Institu-to de Pesquisa Clínica Evandro Chagas(Ipec/Fiocruz) Andre Curi. A inflamaçãopode causar ainda glaucoma, descola-mento de retina e catarata, além das ci-catrizes na retina que também causamredução na visão.

Em muitos pacientes é necessário ouso de colírios e medicamentos específi-cos para a causa da doença (antibióti-cos, antifúngicos, antivirais). “Ospacientes que são tratados na Fiocruztêm acompanhamento constante até suaalta e medicação fornecida pela institui-ção. Se houver uma reativação do qua-dro, o paciente que teve alta volta aotratamento”, diz Curi. O atendimento naFiocruz é feito de segunda a sexta-feira,das 8h às 17h. Os telefones para infor-mações são (21) 3865-9502 / 9506.

Especialista esclarece o que é a doença, comumente confundida com a conjuntivite

duos com uso prolongado de corticói-des, transplantados e com o HIV po-dem também apresentar uveíte.

O exame oftalmológico especializa-do é essencial para o diagnóstico dife-rencial. Sempre que aparecer hiperemiaocular (olhos vermelhos) associado à dore à fotofobia, especialmente quandoocorrer embaçamento visual e presençade pontos pretos flutuantes (moscas vo-lantes), o exame deve ser realizado. Asuveítes com duração de semanas ou atétrês meses são consideradas agudas.

Na uveíte crônica a inflamação duramais de três meses ou até mesmo al-guns anos, sem seu desaparecimentocompleto entre os períodos de irritação.Podem aparecer com vermelhidão e dor,ou pode ter um início mais lento. “Quan-do o paciente tem a uveíte aguda, se-guindo o tratamento, ele tem uma vidanormal. O maior problema é que a uveíteé uma doença que pode deixar sequelas,

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Irene Kalil e Suely Amarante

ecentemente o Rio de Ja-neiro foi sede da 2ª Reu-nião Técnica Nacional dosCentros de Referência emOsteogênese Imperfeita

(Crois) e Núcleos da Associação Brasi-leira de Osteogênese Imperfeita (Aboi),organizada pelo Centro de Referênciaem Osteogênese Imperfeita do IFF(Croiff). O encontro teve como princi-pal objetivo a revisão da Portaria SAS/MS nº 714, de 17 de dezembro de 2010,que define, de forma simplificada, o pro-tocolo clínico e as diretrizes terapêuti-cas relacionadas ao tratamento daosteogênese imperfeita no SUS, dandoprosseguimento ao que foi determina-do no documento de 2001.

Henrique Benincaza dos Santos, fi-lho do diretor da Aboi José Carlos Ge-raldo dos Santos e ex-paciente doInstituto Nacional de Saúde da Mulher,da Criança e do Adolescente Fernan-des Figueira (IFF/Fiocruz), afirma que osuporte fornecido pelos centros de re-ferência, em parceria com as associa-ções de usuários, tem contribuído deforma significativa para ajudar os por-tadores a lidarem com a OsteogêneseImperfeita (OI) e divulgar informaçõesqualificadas sobre a doença para pro-fissionais de saúde e sociedade em ge-ral, facilitando o diagnóstico. “Antes

ainda um longo caminho a percorrer,sobretudo quando se trata da sua in-clusão no mercado de trabalho. “Alémda dificuldade de conseguir emprego,que é comum a todos, ainda temos afalta de estrutura e preparação dasempresas para nos receber. Emboratenhamos um percentual de 5% doquadro de funcionários da empresadestinado a portadores de deficiênciafísica, falta uma cultura adaptada. Te-mos muito que avançar”, conclui.

Em 19 de dezembro de 2001 o Mi-nistério da Saúde publicou a Portaria nº2305, que determinou o protocolo deindicação de tratamento clínico da oste-ogênese imperfeita com pamidronatodissódico no Sistema Único de Saúde(SUS) e definiu as normas para cadas-tramento de centros de referência nadoença, entre outras providências. Odocumento representou uma conquistapor regulamentar a atenção organizada,coletiva e gratuita a uma doença gené-tica que, embora rara, é reconhecidapelo alto impacto à saúde do indivíduo.

O tratamento normatizado pelaportaria baseou-se nos estudos pionei-ros de um grupo de pesquisadores ca-nadenses, chefiado pelo médico FrancisGlorieaux, que percebeu ser possívelmodificar a história natural dos porta-dores da doença por meio do uso da-quele medicamento, reduzindo onúmero de fraturas e a dor crônica epermitindo maior mobilidade aos paci-entes e uma melhora significativa desua qualidade de vida.

O documento também designou oIFF/Fiocruz como coordenador das infor-mações clínicas geradas pelos 12 cen-tros de referência em OI credenciadosem todo o país. Desde sua criação, emabril de 2002, o Croiff vem assumindoa missão de agregar, apoiar e inovar aabordagem multidisciplinar da doença,visando à facilitação do diagnóstico e àpromoção e acesso a novos métodosterapêuticos para indivíduos portadorese seus familiares.

disso, os portadores encaravam umasituação dolorosa e não sabiam comolidar com o problema. O apoio do IFF ede outras organizações veio para mu-dar completamente a visão que as pes-soas têm da doença e os pacientes desi mesmos. Começamos a acreditarque é possível viver e conviver com asnossas limitações, que temos capaci-dade e estrutura psicológica para su-perá-las”, comemora.

Segundo o coordenador nacionaldos Crois e responsável pelo Centro deGenética Médica do IFF, Juan ClintonLlerena Jr, a legislação que trata do aten-dimento a portadores de OI poderia ser-vir de modelo para regulamentar otratamento de outras doenças genéti-cas raras no SUS. “As portarias relati-vas à osteogênese oferecem instruçõessobre formação e exigências para ca-dastramento de centros de referência,indicam os responsáveis pela prestaçãoe pagamento dos serviços e descrevemo processo de diagnóstico e tratamentoda doença. Dessa forma, doenças cujaatenção ainda funciona por meio dajudicialização poderiam ter dispensaçãode medicamentos e realização de pro-cedimentos simplificada, gerando eco-nomia para o Estado”, declara Llerena.

Para Henrique, apesar dos avan-ços alcançados a partir da publicaçãoda primeira portaria no âmbito da aten-ção à saúde dos pacientes com OI, há

Avanços no tratamento da OIEncontro revisa portaria para tratamento da osteogênese imperfeita no SUS

R

SISTEMA DE SAÚDE

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Pedra fundamental e maquete do novo prédio da Escola Nacional de Saúde Pública

OBRAS

AFilipe Leonel

Escola Nacional de SaúdePública Sergio Arouca(Ensp/Fiocruz) deu um im-portante passo para ser re-ferência em laboratórios e

serviços. Em abril, a Ensp lançou a pe-dra fundamental de seu Prédio de Labo-ratórios, cuja estrutura organizacionalabrigará 23 laboratórios, vinculados a 5departamentos. A edificação possibilita-rá o desenvolvimento de novas pesqui-sas, a ampliação da produção acadêmicae a formação de recursos humanos.

Os laboratórios, que hoje funcionamem locais variados, têm atuação diver-sificada e multidisciplinar em alinhamen-to com os eixos estratégicos da Fiocruz.Os trabalhos desenvolvidos, muitas ve-zes com parcerias técnico-científicasnacionais e internacionais, estão vincu-lados a 18 grupos de pesquisa do CNPqe relacionados às áreas de ensino, ser-viço de apoio diagnóstico, consultoriase assessorias, programas de capacita-ção e formação de quadros para o SUS.As atividades práticas laboratoriais tam-bém oferecem treinamento técnico para

dio viabilizará uma nova proposta degestão em C&T, por meio da criaçãode dispositivos de organização, ade-quação e integração dos laboratóriosem torno de redes de cooperação eplataformas tecnológicas, proposta quejá está em curso em algumas unida-des da Fiocruz. É nosso compromissodar continuidade e celeridade ao pro-cesso de construção do prédio, garan-tindo a execução do projeto”.

Além dos laboratórios, o prédio teráespaços administrativos, escritóriospara pesquisadores e áreas técnicas deapoio. Estarão abrigados no edifício oslaboratórios vinculados ao Centro deSaúde Escola Germano Sinval Faria(CSEGSF), aos departamentos de Ci-ências Biológicas (DCB), de EndemiasSamuel Pessoa (Densp), de Saneamen-to e Saúde Ambiental (DSSA) e deMétodos Quantitativos em Saúde (DE-MQS). A construção, com sete pavi-mentos, ocupará uma área total de 7,9mil metros quadrados. “Essa nova pers-pectiva confere à Fiocruz um patamardiferenciado e fortalece o papel rele-vante dos laboratórios na saúde públi-ca”, argumenta Adriana.

Pedra fundamentalLaboratórios fortalecem produção acadêmica institucional

outros departamentos da escola, unida-des da Fiocruz e instituições de ensinoe pesquisa espalhadas pelo país. “Aconstrução do prédio significa não só aampliação do espaço físico, mas tam-bém a adequação e a modernizaçãoda infraestrutura laboratorial, aliada amelhores condições de trabalho”, diz acoordenadora de Serviços Ambulatori-ais e Laboratoriais Adriana HamondRegua Mangia.

O polo será erguido no espaço doatual estacionamento do prédio Joa-quim Alberto Cardoso de Mello (Tor-res Homem). A maquete está expostano hall dos elevadores da escola e aobra deverá ser concluída num perío-do de três a quatro anos. Diretor naEnsp na ocasião do lançamento dapedra fundamental, Antônio Ivo de Car-valho, revelou que o planejamento paraconstrução do prédio iniciou em 2006e traz o que há de mais moderno emtermos de biossegurança, qualidadeambiental e suporte laboratorial. “Te-remos uma estrutura à altura da nossarepresentação na saúde pública hoje”,destacou Carvalho. Para o novo dire-tor da Ensp, Hermano Castro, “o pré-

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Jacqueline Boechat

á quase 50 anos, umachuva desbarrancou umadas encostas do terrenoonde hoje é o PavilhãoRockefeller, no campus

de Manguinhos da Fiocruz, e trouxe àsuperfície vestígios de duas ocupaçõesde índios tupinambás, que viveramnessas terras provavelmente entre osanos de 500 e 1500. A descoberta deuorigem à primeira pesquisa arqueoló-gica no campus, realizada entre 1966e 1987, por Maria da Conceição deMoraes Coutinho Beltrão, do MuseuNacional (Universidade Federal do Riode Janeiro), que registrou o local comopatrimônio arqueológico no Instituto doPatrimônio Histórico e Artístico (Iphan).

A pesquisa de Maria Beltrão identifi-cou vestígios de material de laboratóriodo século 19; de duas aldeias de índiostupis-guaranis, que habitavam o Brasilantes da chegada dos portugueses, e atéde artefatos da indústria lítica – utensíliose ferramentas de pedra – feitos em quart-zo, sinalizando a possibilidade de terempertencido a ocupações humanas pleis-tocênicas, por volta de 11 mil anos atrás.O estudo serviu ainda para delimitar o lo-cal provável do assentamento indígena.“Apesar de ser uma projeção baseadaem outros estudos, essa definição é im-portante, pois pode indicar outras áreasde potencial arqueológico no campus”,

Vestígios do

Pesquisas revelam a riqueza arqueológicado campus de Manguinhos

explica a arquiteta Inês El-Jaick, do De-partamento do Patrimônio Histórico daCasa de Oswaldo Cruz (COC/Fiocruz).

Com o crescimento da parte edifi-cada, novos vestígios vieram à tona, fru-tos de descobertas fortuitas, isto é,descobertas arqueológicas não planeja-das. Para regulamentar a ocupação docampus, a Fiocruz elaborou em 1988um plano diretor. Ainda que afirmasseo potencial arqueológico da área, o do-cumento não previa ou recomendavanovos estudos, que ocorriam apenaspontualmente e de acordo com a de-manda. Em 1990, por exemplo, carca-ças de animais e vestígios de umpavimento de pedra, provavelmente daFazenda de Manguinhos, que ocupouo local até meados do século 19, foramencontrados durante movimentação deterra para a implantação do Parque daCiência. “Nesse caso, a Fiocruz contra-tou uma pesquisa para avaliar o poten-cial arqueológico do local onde seriainstalada a Tenda da Ciência, uma vezque a área sofreria o impacto de obrasde pavimentação, drenagem e ilumina-ção viária”, frisou Inês.

Somente em 2010, após a desco-berta fortuita da estrebaria do InstitutoSoroterápico Federal, órgão que foi oembrião da Fiocruz, durante uma obrapara a reforma do estacionamento doMuseu da Vida, é que se passou-se aprever o potencial arqueológico dos es-paços urbanos do campus de Mangui-

nhos antes de serem edificados ou so-frerem intervenções urbanísticas. A ar-quiteta da COC ressalta que aexecução de estudos preventivos e arealização e pesquisa arqueológica éimportante para evitar qualquer lesãoao patrimônio e para garantir sua con-textualização histórica, ambiental, ar-queológica e etnológica. Além dessecuidado, o Decreto Municipal 22.872/2003 e Lei Federal 3.924/61 estabele-cem normas legais para quaisquer in-tervenções em sítios históricos.

Dentro desse novo escopo está si-tuada a série de estudos arqueológi-cos no terreno onde será construído oCentro de Documentação da Históriada Saúde (CDHS), que vai abrigar osacervos sob a guarda da Casa deOswaldo Cruz (COC). “A partir da so-breposição das estruturas que existiamno século 19 à planta atual, chegamosà conclusão de que existia neste localé possivelmente o mesmo onde haviaum complexo de incineração de lixonaquela época, afirma Inês.

Os vestígios históricos encontradosno campus de Manguinhos ajudam acompor o quebra-cabeça da história,não apenas da saúde pública brasileira,mas de diferentes temporalidades, atémesmo da pré-história do país. Por isso,é importante preservar esses registros afim de conhecer a cultura material dopassado, aprender com ela e utilizaresse saber para construir o futuro.

H

passadoUm estudo previu o potencial arqueológico do terreno que abrigará o CDHS e que antes era o local de um complexo de fornosde incineração de lixo, do qual fazia parte uma chaminé de 75 metros de altura

PATRIMÔNIO

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AcervosAcordos de cooperação trazem à luz arquivosmantidos por diversas instituições

E

descortinados

ARQUIVO

Glauber Gonçalves

m janeiro de 1828, 15 es-cravos prisioneiros em diver-sas embarcações fugiramem uma lancha pelo RioSalado, no centro-norte da

Argentina, sem saber ao certo que dire-ção tomar. Remaram por seis dias - comfome e sede - até chegar à fragata bra-sileira Príncipe Imperial, que estava pró-xima a Montevidéu, em função daGuerra Cisplatina. O episódio foi relata-do em um ofício redigido pelo Barão doRio da Prata em 30 de janeiro daqueleano para solicitar a incorporação dos es-cravos à Marinha do Brasil. “Muito de-sejarei conservá-los como homens cujafidelidade está conhecida”, escreveu,referindo-se à obstinação do grupo emconcluir o périplo.

Pouco conhecido, o documento, quenarra uma das estratégias utilizadas porescravos para conseguir a liberdade aolongo do século 19, será um dos primei-ros do acervo da instituição militar a ga-nhar maior visibilidade a partir de umacordo de cooperação firmado com aCasa de Oswaldo Cruz (COC/Fiocruz). Aunidade está fornecendo à Marinha o seusistema de banco de dados para organi-zação de arquivos, a Base Arch, o quepermitirá que esse conjunto documentalseja descrito e disponibilizado para con-sulta em qualquer parte do país e domundo, via Internet.

“O principal benefício de adotar aBase Arch é adequar-se à padronizaçãointernacional de descrição de acervos.Quando se adotam esses padrões, con-segue-se cooperar com instituições con-gêneres no Brasil e no mundo todo, poistorna-se possível o intercâmbio de do-cumentos”, explica a chefe do Departa-mento de Arquivo e Biblioteca daMarinha, Claudia Drumond, responsávelpor um acervo composto por sete quilô-metros de documentos, o equivalente amais da metade da ponte Rio-Niterói.

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A Base Arch foi lançada em junhode 2010 com o objetivo de ampliar oacesso ao acervo da COC. O sistemafoi desenvolvido por profissionais dearquivo e de tecnologia da informaçãoda Casa a partir do ICA-AtoM - umsoftware gratuito de descrição de ar-quivos baseado nos padrões estabele-cidos pelo Conselho Internacional deArquivos. A ideia era atender às ne-cessidades específicas da descriçãodesse tipo de acervo.

Além da Marinha, já firmaramacordos de cooperação semelhantes aFundação Nacional de Artes (Funarte),o Museu do Índio e o Tribunal Regio-nal Federal 2ª Região, incluindo as se-ções judiciárias do Rio de Janeiro e doEspírito Santo. A COC se prepara ago-ra para levar a Base Arch para a Uni-versidade Federal do Rio de Janeiro(URFJ) e também há conversas cominstituições federais do Legislativo e doJudiciário interessadas em implantá-la.

“A COC se transformou em umareferência de banco de dados nacionale internacionalmente, citada comoexemplo de utilização do sistema doICA-AtoM”, comenta a chefe do De-partamento de Arquivo e Documenta-ção, Maria da Conceição Castro. Elaressalta que a assinatura dos três pri-meiros acordos de cooperação represen-ta o primeiro passo para um projetomaior: formar a primeira rede de arqui-vos do país. Com a adesão de outrasinstituições à Base Arch, o objetivo éque, futuramente, seja possível fazerpesquisas em diversos acervos em umúnico ambiente virtual que os integre.

Pelos acordos de cooperação já fir-mados, profissionais da COC darão

treinamento às instituições parceriase suporte durante os três primeirosmeses de implementação do sistema.Para dar apoio contínuo aos coopera-dos, também foi criado um blog cominstruções técnicas passo a passo, par-tindo da instalação.

Para o diretor da COC, Paulo Elian,a utilização da Base Arch para dissemi-nação de acervos arquivísticos fortale-ce o movimento empreendido pelasinstituições públicas para tornar dispo-níveis aos cidadãos as informações queproduzem e conservam. “Existe um prin-cípio em comum entre a Lei de Acessoà Informação e a base de dados de do-cumentos históricos, que é a de que ainformação produzida e acumuladapelas instituições públicas deve ser umbem público, portanto disponível à so-ciedade”, afirma.

Desenvolvida a partir de parceriacom o Centro Latino-Americano e doCaribe de Informação em Ciências daSaúde (Bireme/Opas), por meio de con-vênio com a Associação Brasileira dePós-Graduação em Saúde Coletiva(Abrasco), a Base Arch foi sendo aper-feiçoada e personalizada ao longo dostrês anos de utilização pela Casa paraatender às necessidades da descriçãoe consulta de acervos aquivísticos.

O primeiro trabalho da equipe daCOC foi traduzir o sistema ICA-AtoMpara o português do Brasil. Ao longodo tempo, adaptações complexas fo-ram feitas. Uma importante modifica-ção foi a criação de uma ferramentade geração de inventários, explica aanalista de sistemas do Serviço de Tec-nologias da Informação (STI) da COCCarolina Sacramento, que trabalhou no

projeto desde o início. “Quando vocêvisualiza a série Correspondências doFundo Oswaldo Cruz, por exemplo, épossível gerar um arquivo em formatoPDF ou XLS com tudo que está abaixodesse nível: subséries, dossiês e itens.E isso pode ser impresso”, diz. Tam-bém foram feitos ajustes na interfacedo sistema para torná-lo mais amigá-vel aos usuários.

Todo esse trabalho chamou a aten-ção de outras instituições que busca-vam uma ferramenta gratuita e capazde atender às suas especificidades. “Aforma que a Base Arch funciona, den-tro da demanda da área da arquivolo-gia, com a organização hierarquizada,é a mais indicada. O fato de o sistemaser gratuito também é um fator consi-derável, pois todas as instituições pú-blicas são orientadas a seguir atendência de procurar softwares livrese de código aberto”, avalia a coorde-nadora do Centro de Documentação eInformação (Cedoc) da Funarte.

Nessa nova fase em que a BaseArch está sendo levada para fora doslimites da Fiocruz, a COC se vê aomesmo tempo diante de um novo de-safio e de uma oportunidade. Com osacordos firmados, a COC passa a terparceiros para aperfeiçoar ainda maisa ferramenta que desenvolveu. “Essarede tem grande potencial para ser bemsucedida, inclusive no aspecto do aper-feiçoamento do próprio sistema, paratorná-lo mais dinâmico e mais interes-sante ao público em geral, desde pes-quisadores especializados até o públicomais amplo”, ressalta Elian.

(colaborou Jacqueline Boechat)

No acervo da COC, disponível paraconsulta na Base Arch via internet, des-tacam-se três conjuntos documentaisreconhecidos como patrimônio da hu-manidade pelo Comitê Nacional do Pro-grama Memória do Mundo, da Unesco,em 2007, 2008 e 2012: o Fundo Oswal-do Cruz, o Fundo Carlos Chagas e osnegativos de vidro do Fundo InstitutoOswaldo Cruz, respectivamente. As ima-

gens que compõem esse último estãosendo tratadas para ser inseridas na BaseArch, o que deve começar em dois me-ses. Hoje, estão na Base Arch 105 fun-dos e cerca de 10 mil registros, incluindoitens e dossiês. Além disso, 1.524 docu-mentos já foram digitalizados. Atualmen-te, imagens do Fundo Oswaldo Cruz estãosendo formatadas para, nos próximosmeses, entrar no sistema.

O acervo da COC na Base Arch

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Cristiane Albuquerque

arte de um importantepatrimônio da ciência e dasaúde dos brasileiros, qua-se dizimado durante operíodo da ditadura mili-

tar, está de volta ao seu lugar de ori-gem e ao alcance de todos. Desenhosanatômicos, fotos, documentos e ins-trumentos médicos raros usados emexames e tratamentos, além de vaci-nas antigas, reunidos desde o início doséculo 20 estão na exposição Corpo,saúde e ciência: o Museu da Patologiado Instituto Oswaldo Cruz. A visitaçãoé gratuita e fica disponível até 28 desetembro.

ao alcance de

Anatomia, corpo e saúde são temas de exposição na Fiocruz

PPatologiatodos

PATRIMÔNIO

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ma Circulatório, que descreve comcores diferentes a pequena e a grandecirculação”, descreve Pelajo.

Realizada pelo Instituto OswaldoCruz (IOC/Fiocruz) e pela Casa de Oswal-do Cruz (COC/Fiocruz), a iniciativa con-ta com financiamento da FundaçãoCarlos Chagas Filho de Amparo à Pes-quisa do Estado do Rio de Janeiro (Fa-perj) e do Conselho Nacional deDesenvolvimento Científico e Tecnoló-gico (CNPq). O Instituto Biológico (SãoPaulo), o hospital A.C.Camargo Can-cer Center e os museus de Anatomia eD. João VI, ambos da Universidade Fe-deral do Rio de Janeiro (UFRJ), colabo-raram com o fornecimento de peças.

História eatualidade

Para Pedro Paulo Soares, pesquisa-dor da COC e também curador da ex-posição, a iniciativa consegue recuperara história do Museu de Patologia e per-mite que o público tenha acesso a umacervo emblemático. “Ao recontar atrajetória do museu, a exposição traz àtona um importante capítulo da vidainstitucional, ao mesmo tempo em quedivulga para o público temas importan-tes da história, da saúde e das ciências,relacionando-os à dimensão cultural eao cotidiano das pessoas”, destaca.

Em 1970, durante o regime mili-tar, o Museu de Anatomia Patológicado IOC viu parte do seu acervo ser per-dido ou destruído. Pelajo lembra que,somente em meados da década de

A mostra apresenta peças anatô-micas, além de objetos e documentosque totalizam cerca de 100 itens queintegram o acervo histórico original dealgumas das coleções biológicas demaior valor histórico mantidas pelo IOCe pela Fiocruz: a Coleção da Seção deAnatomia Patológica, criada em 1903pelo próprio sanitarista Oswaldo Cruz,a partir das amostras trazidas da Ale-manha pelo pesquisador Rocha Lima;a Coleção de Febre Amarela (1930-1970), que registra a história das epi-demias do agravo no país; e a Coleçãodo Departamento de Patologia do IOC,iniciada em 1984.

Corpo, ciênciae arte

A relação entre o corpo, a ciênciae a arte ganhou destaque na mostra.De acordo com um dos curadores daexposição, o chefe do Laboratório dePatologia do IOC, Marcelo Pelajo,muitos anatomistas dos séculos 15 e16 também eram artistas. A represen-tação da anatomia no período segueuma forte tendência para esta aborda-gem, não apenas como uma tentativade reprodução da verdade anatômica,mas também como inspiração de arte.“Existe uma questão dialógica entre oestudo inicial da anatomia e o que aspessoas expressavam como arte. Aexposição contempla essa relação apartir de algumas expressões artísticas,incluindo uma reprodução da obra Aulade anatomia do Dr. Tulp, de Rembran-dt, cujo original está no Museu Mau-ritshuis, em Haia, na Holanda, a fimde demonstrar como foi construído esseintercâmbio entre anatomia e arte,evidenciando a importância deste tipode conhecimento para a formação deartistas”, destaca.

As atividades lúdicas da exposiçãoforam pensadas para permitir a intera-ção do público participante com osmonitores da exposição. “As interaçõespráticas entre o público e a exposiçãocontam com atividades de microsco-pia virtual, telepatologia, observaçãode células ao microscópio, além de jo-gos lúdicos e uma miniatura de Siste-

1980, o trabalho de preservação domaterial da coleção original, assimcomo o da Coleção de Febre Amare-la, que também foi atingida, começoua ser recuperado. Naquela época, tam-bém começou a ser formada uma co-leção de material histopatológico,majoritariamente experimental, poste-riormente denominada Coleção do De-partamento de Patologia do IOC. “Essainiciativa visava recompor as peças querestaram das Coleções de AnatomiaPatológica, que formavam o acervooriginal do museu, incorporando a elea Coleção da Febre Amarela e a Cole-ção do Departamento de Patologia, natentativa de organizar uma nova es-trutura”, explica.

Também curadora da exposição etecnologista do Laboratório de Patologiado IOC, Barbara Dias conta que a ideiada exposição surgiu a partir de deman-das recebidas pelo Museu da Patologiaonline, disponível neste endereço: http://museudapatologia.ioc.fiocruz.br. “Omuseu virtual foi a primeira iniciativade divulgação do acervo das três co-leções. A partir do ambiente online,recebemos vários pedidos para a rea-bertura do museu físico, a fim de di-vulgar a ciência e tornar o acervodisponível para visitas”, revela. “Comisso, surgiu a ideia de organizar a ex-posição temporária Corpo, saúde e ci-ência, para que público pudesseconhecer a história e os aspectos daspesquisas atuais que permitem maisfacilmente relacionar o trabalho cien-tífico aos temas do cotidiano”, acres-centa Barbara.

A iniciativa consegue recuperar a história do Museu de Patologia e permite que opúblico tenha acesso a um acervo emblemático (Foto: Gutemberg Brito)

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Haendel Gomes

onvidado pelo barão dePedro Affonso para tornar-se diretor técnico do Insti-tuto Soroterápico Federal,o sanitarista Oswaldo Cruz

viria a travar grandes batalhas pela saú-de pública no início do século 20. A lutacontra a febre amarela, a peste bubô-nica e a varíola foi marcada por forteresistência da população, a desconfian-ça de parte dos colegas de ofício e ascríticas da imprensa. No entanto, nãodemoraria muito para o trabalho colherfrutos com vitórias sobre as epidemiasque grassavam o Rio de Janeiro e a con-sagração na Alemanha, onde o Brasilconquistou a medalha de ouro na ex-posição de higiene e demografia.

Em dezembro de 1902, divergên-cias internas levaram o barão de Pe-dro Affonso a se demitir, passandoOswaldo Cruz a dirigir o instituto. Noano seguinte, ele assume a DiretoriaGeral de Saúde Pública (DGSP) – umaespécie de Ministério da Saúde –, coma difícil missão de combater uma sériede doenças, que, em forma de epide-mia, assolavam a capital da Repúbli-ca. O problema causava tambémpropaganda negativa do país no exte-rior, obrigando navios brasileiros a cum-prir quarentena em seus portos.

O novo cargo de Oswaldo Cruz eraum desafio e fazia parte do audaciosoplano do presidente Rodrigues Alves,que definiu assim seu trabalho no maisalto posto da República: “Vou limitar-me quase exclusivamente a duas coi-sas: o saneamento e o melhoramento

do porto do Rio de Janeiro”.Enquanto o sanitarista era respon-

sável por parte da plataforma presiden-cial, o engenheiro Francisco PereiraPassos, nomeado prefeito, adotaria vá-rias ações para a reforma urbana. Man-dou demolir centenas de casebres ecortiços, espremidos em vielas insalu-bres, potenciais ou já instalados em fo-cos de febre amarela, cólera, varíola epeste bubônica. Por sua vez, OswaldoCruz iniciava a guerra contra a febreamarela, maior problema sanitário doRio de Janeiro. Em abril de 1903, omédico iniciava o combate ao mosqui-to, eliminando os focos onde ele se re-produzia sob a forma de larva. Paraisso, à DGSP foram incorporados o pes-soal médico e as turmas de limpezada capital, contribuindo para a redu-ção dos casos da doença.

Os mata-mosquitos passaram a per-correr a cidade, lavando caixas d’água,desinfetando ralos e bueiros, limpandotelhados e calhas, eliminando depósi-tos de larvas do inseto. Os doentes eramisolados em casa ou levados para oHospital de Isolamento São Sebastião.

Nesta época, Oswaldo Cruz já haviase tornado personagem dos caricaturis-tas na imprensa. O médico promoveu avacinação contra a peste bubônica, de-sencadeando uma guerra aos ratos, oque lhe valeu nova onda de caricaturase inspirou canções populares. Outra fren-te foi aberta contra a varíola, cuja medi-da mais polêmica foi a criação do código– aprovado em 1904 pelo CongressoNacional – tornando obrigatória a vaci-nação contra a doença. A iniciativa con-tribuiu para a Revolta da Vacina, umagrande insatisfação popular também coma reforma urbana em execução.

Mesmo enfrentando resistência e crí-ticas até mesmo de parte dos colegasmédicos, Oswaldo Cruz pôde comemo-rar. Em 8 de março de 1907, o sanitaris-ta escreveria ao presidente Afonso Penacomunicando que “a febre amarela já

não mais devastava sob a forma epidê-mica a capital da República”.

Naquele mesmo ano, o médico eamigo Rocha Lima convenceria Oswal-do Cruz a levar a experiência brasileiraao 14º Congresso Internacional de Hi-giene e Demografia, em Berlim. O Bra-sil trouxe da Alemanha a medalha deouro graças aos trabalhos do Institutode Manguinhos e da Diretoria Geral deSaúde Pública, nos campos da bacteri-ologia geral, doenças contagiosas e va-cinação, construção de hospitais,desinfecção e estatística. De maneirainédita, os organizadores brasileirosapresentaram ao público peças anato-mopatológicas de doenças desconheci-das, insetos hematófagos, preparaçõesmicroscópicas, ilustrações de ciclos evo-lutivos de protozoários etc. Entre as pe-ças havia fígados, rins e baços dedoentes de febre amarela, além de pul-mões com pneumonia pestosa.

O país chamava atenção do mun-do pela variedade e originalidade deseus trabalhos. A vitória consagrouOswaldo Cruz, recebido como heróipela população em seu retorno da via-gem à Alemanha. O Brasil voltaria emjunho de 1911 ao país, desta vez naExposição Internacional de Higiene eDemografia, em Dresden.

Na ocasião, a doença de Chagasfoi o grande destaque, com peças ana-tomopatológicas, moldagens em gessode bustos e pescoços de doentes, foto-grafias e ilustrações. Outros trabalhosdespertaram interesse no evento: deProwazek e Aragão, de Cardoso Fon-tes, as coleções de Lutz e de Neiva,entre outros. A exemplo do que ocorre-ra em Berlim, houve a participação daDiretoria Geral de Saúde Pública e tam-bém dos serviços sanitários estaduais.Um espaço para apresentação de fil-mes sobre a campanha da febre ama-rela e a doença de Chagas fez sucessojunto ao público da exposição, que ul-trapassou três milhões de pessoas.

As exposiçõesde higiene e apatologia

C

Cartazes decongressosinternacionaisde higiene

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MEDICAMENTOS

Aline Souza

futuro próximo do Institu-to de Tecnologia em Fár-macos (Farmanguinhos/Fiocruz) envolve o desen-volvimento e produção de

medicamentos que vão beneficiar mi-lhões de pessoas. Além da ampliação

do seu portfolio, o instituto vai agre-gar conhecimento tecnológico, gerareconomia ao Ministério da Saúde econtinuar cumprindo a sua missão depromover a saúde pública. Entre osmedicamentos acrescidos à lista deFarmanguinhos estarão um antirretro-viral, um antimalárico, um anti-helmín-tico e um antibiótico. Os três últimospara o tratamento de doenças negli-genciadas.

Em abril, a Organização Pan-Ame-ricana da Saúde (Opas) concedeu àunidade o direito de fornecer, via fun-

Odo estratégico, o antimalárico ASMQaos países das Américas. A decisãorepresenta importante conquista parao laboratório e funciona como umaespécie de sinal verde para a pré-qua-lificação do produto junto à Organiza-ção Mundial da Saúde (OMS). Statusjá concedido ao mesmo medicamentoproduzido pela empresa farmacêutica

indiana Cipla, que recebeu a tecnolo-gia de Farmanguinhos em 2008.

“A pré-qualificação da OMS emnome de Farmanguinhos será um gran-de passo e, consequentemente, colo-cará a Fiocruz no mercado mundialpara o fornecimento do medicamentopela participação nas licitações via fun-do global feitas pela OMS”, ressalta ovice-diretor de Gestão Institucional, Jor-ge Mendonça.

O ASMQ é uma formulação com-binada de artesunato (AS) e mefloqui-na (MQ) que facilita a administração

do medicamento, único capaz de tra-tar a malária em apenas três dias e terposologia infantil. De acordo com oDNDi (sigla em inglês da Iniciativa deMedicamentos para Doenças Negli-genciadas), parceiro nesta empreitada,mais de 650 mil pessoas morrem porano devido à malária, período no qualsurgem mais 216 milhões de novos

casos no mundo.Por meio de estudos para comba-

ter a esquistossomose, Farmanguinhosvem desenvolvendo, a partir da utili-zação de nanopartículas poliméricas,o Praziquantel (PZQ) – no Brasil, 25milhões de pessoas vivem em áreas sobo risco de contrai-la. Embora possaatingir todas as faixas etárias, a esquis-tossomose tem maior incidência emcrianças. As nanopartículas possibilita-rão a administração de doses mais ade-quadas para este grupo, visto que amedicação até então disponível, varia

Portfolio renovadoNovos produtos de Famanguinhos beneficiarão portadores de doenças negligenciadas

A pré-qualificação da OMS emnome de Farmanguinhos será umgrande passo e colocará a Fiocruzno mercado mundial para ofornecimento dos medicamentos

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de acordo com o peso de adultos e cri-anças. Com a obtenção de resultadospositivos, a próxima etapa dos estudosenvolverá testes in vitro.

Outro medicamento inovador emdesenvolvimento por Farmanguinhosé o Sulfato de Paromomicina, antibi-ótico em gel, indicado para o trata-mento da leishmaniose, doença queafeta 88 países. Embora exista trata-mento para a doença, os efeitosagressivos causados pela medicaçãodisponível levaram o instituto a de-senvolver um novo medicamento vi-sando amenizar os efeitos colaterais.

Farmanguinhos promoveu a assina-tura do Termo de Compromisso com vis-tas à implantação do Centro deReferência Nacional em Síntese de Fár-macos. Essa iniciativa é mais uma par-ceria entre o Ministério da Saúde e aFiocruz visando à soberania tecnológi-ca na área da farmoquímica e a inde-pendência do setor em relação àsimportações de Insumos FarmacêuticosAtivos (IFAs). De acordo com o secretá-

A previsão é de que o fármaco este-ja disponível para pacientes da rededo Sistema Único de Saúde (SUS) emquatro anos.

Câncer e HIVAlém dos investimentos em de-

senvolvimento tecnológico, Farman-guinhos também tem estado à frentedas Parcerias de DesenvolvimentoProdutivo (PDPs). Em parceria com oInstituto Vital Brasil e mais cinco la-boratórios privados (Cristália, EMS,Laborvida, Globe Química e Alfa Rio),

Construção de Farmoquímica paradiminuir gastos com importações

rio de Ciência e Tecnologia e InsumosEstratégicos do Ministério da Saúde,Carlos Gadelha, atualmente 80% des-ses produtos tem sido importados.

Com a proposta de implantação docentro, espera-se incorporar mais umaetapa na cadeia produtiva de medica-mentos e desenvolver processos sinté-ticos dos IFAs que atendam à demandado setor público. Além disso, ajudaráa reduzir os custos com os medicamen-

tos incorporados ao SUS, ao favo-recer a produção pública de me-dicamentos.

“Este é mais um passo de umtrabalho que Farmanguinhos vemdesenvolvendo no caminho paraapoiar a política de incentivo à in-dústria”, diz o diretor do instituto,Hayne Felipe. O termo foi assinadopelo secretário Gadelha, pelo pre-sidente da Fiocruz, Paulo Gadelha,pelo vice-presidente de Produção eInovação em Saúde da Fiocruz, Jor-ge Bermudez, pelo diretor HayneFelipe e pela pesquisadora e coor-denadora do projeto da farmoquí-

mica, Núbia Boechat.Para a construção do centro serão

investidos R$ 33 milhões. Entre os fár-macos a serem produzidos estão o anti-helmíntico Dietilcarbamazina; osantimaláricos Mefloquina, Primaquina eCloroquina; os antituberculostáticos Iso-niazida, Pirazinamida e Etionamida; eos antirretrovirais Nevirapina e Efavirenz(estes dois últimos frutos de PDPs emandamento). A proposta do projeto foiapresentada em dezembro de 2012 enão tem o objetivo de competir econo-micamente com outros fabricantes deIFAs em atuação no Brasil.

o instituto iniciou os processos detransferência de tecnologia e produ-ção do primeiro medicamento brasi-leiro contra o câncer: o Mesilato deImatinibe. O produto é indicado parao tratamento da leucemia mileóidecrônica e também pode ser utilizadono combate do estroma gastrointes-tinal (espécie de tumor maligno nointestino). No final de 2012, foi en-tregue ao SUS o primeiro lote.

Seguindo o caminho das PDPs, naúltima reunião do Grupo Executivo doComplexo Industrial da Saúde (Gecis),em abril, ficou acertada a parceria en-

tre Farmanguinhos e o laborató-rio privado NTPharm para aprodução do antirretroviral Daru-navir. Este será o 11º antirretrovi-ral produzido pelo laboratório.Com as parcerias, Farmanguinhostotalizará 14 novos medicamen-tos em seu portfólio.

O centro ajudará a reduzir oscustos com os medicamentosincorporados ao SUS

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Ricardo Valverde

esde as suas origens a Fiocruz esteve voltada a investi-gar, diagnosticar e agir para diminuir as iniquidades e aextrema desigualdade social e econômica que historica-mente marca a população brasileira e que persiste ape-

sar dos avanços sociais registrados nos anos recentes. Hoje, um dosexemplos dessa atuação é a Coordenadoria de Cooperação Social,ligada à Presidência da Fundação. Segundo o coordenador do setor,José Leonidio Madureira de Sousa Santos, que está no cargo desde2009, a Fiocruz investe em tecnologias sociais, desenvolvidas a partirde processos participativos de promoção da cidadania e da saúde,com o objetivo de reduzir desigualdades, vulnerabilidades e riscos àsaúde relacionados às condições de vida, trabalho, habitação, ambi-ente, educação e cultura. Leonidio diz que o conceito ampliado desaúde – perspectiva cara à instituição –, a discussão sobre os determi-nantes sociais da saúde (DSS), a situação de territórios favelizados(como o bairro de Manguinhos, em que está sediada a Fiocruz), aanálise da situação social do país e a inspiração vinda da ReformaSanitária e das conferências nacionais de saúde levaram a coordena-doria a reunir esses conceitos e avaliações numa rede de trabalhosolidário. “Com a atenção naturalmente voltada para o entorno doscampi da Fundação, mas sem restringir a esta área. E promovendouma mudança de concepção. Antes se trabalhava com o conceito deprojeto social. Agora temos uma atuação em rede, solidária, horizon-tal, ajustada à missão da Fiocruz e ao cenário atual, buscando umdiálogo preferencialmente com o movimento social, buscando um de-senvolvimento equânime, justo e sustentável e uma vida mais cidadãpara largos segmentos da população, principalmente os grupos soci-ais historicamente minorizados”, afirma Leonidio.

D

ESPECIAL

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Para o presidente da Fiocruz, PauloGadelha, “a coordenadoria deu umgrande salto ao fazer um aprofunda-mento conceitual de sua atuação. Epassou a ocupar um lugar de destaquena estrutura da Presidência da Funda-ção, o que facilita a sua integração comas unidades da Fiocruz. Outro ponto quedeu relevância ao setor são os elemen-tos de sustentabilidade, por meio deeditais, que dão suporte aos projetos.Essa densa atuação junto aos movimen-tos sociais é uma marca e uma conse-quência do trabalho da Fiocruz, umainstituição de Estado que é uma refe-rência para a sociedade. A Fundaçãotem um compromisso com a solidarie-dade e com as tecnologias sociais”.

Segundo Leonidio, as tecnologiassociais compreendem produtos, técni-cas e metodologias integradoras, desen-volvidas em parceria com ascomunidades, capazes de transformara realidade e de serem reaplicadas. Pormeio de chamadas internas, em formade editais, a coordenadoria financia pro-jetos que visam ao desenvolvimento des-sas tecnologias. No processo de análisee seleção dos projetos apresentados noedital da Fiocruz conta-se com a cola-boração de técnicos, professores e pes-quisadores de instituições como a CaixaEconômica Federal, o Banco do Brasil,

a Petrobras, a Universidade Federal Flu-minense e a Secretaria de Direitos Hu-manos da Presidência da República,entre outras parceiras. São três os eixostemáticos em que os projetos se estru-turam: Educação, Comunicação e Cul-tura; Trabalho, Renda e Solidariedade;e Território, Saúde e Ambiente. Atual-mente, cerca de 60 mil brasileiros sebeneficiam das ações. Ele afirma quecada projeto apoiado recebe até R$ 50mil por um período de 12 meses. Nestemês de agosto estão sendo concluídosos projetos que tiveram início em 2012.“Eles estão contribuindo na definição detrês dimensões complementares, quesão participação, transformação e rea-plicação: a construção compartilhada doconhecimento, o território e a políticapública”, assinala Leonidio.

O trabalho da coordenadoria, den-tro dessa perspectiva inovadora, come-çou a estabelecer uma nova relaçãocom o território de Manguinhos enquan-to categoria política, e na identificaçãodas vulnerabilidades sociais, ambientaise civis no entorno da Fundação. “Osentornos dos campi da instituição sãoextremamente favelizados, quer sejaem Manguinhos, na Mata Atlântica eno Instituto de Tecnologia em Fárma-cos (Farmanguinhos/Fiocruz). A partirdessa realidade, e com as

obras de melhoria urbana implementa-das pelo Programa de Aceleração doCrescimento (PAC) de Manguinhos,surgiu entre os moradores o desafio dese pensar um novo modelo de gover-nança e a forma de se fazer política naregião - onde o Fórum do MovimentoSocial de Manguinhos e o Conselho Co-munitário de Manguinhos são os espa-ços coletivos para debater, articular emobilizar, a partir de variados temas, etambém para construir projetos. Hojeexiste uma Unidade de Polícia Pacifica-dora (UPP) no local, o que representouum avanço, mas ainda subsistem pro-blemas relacionados aos direitos civis epolíticos dos moradores”, afirma Leoni-dio, que na juventude cursou a faculda-de de geografia na Universidade FederalFluminense (UFF) e desde então é mili-tante de movimentos sociais.

Leonidio diz que o conceito de tec-nologia social é relativamente novo,foi reforçado a partir do Governo Lulae contou com o apoio decisivo do Mi-nistério de Ciência, Tecnologia e Ino-vação (MCTI). “Na Fiocruz há umaaceitação bem favorável e as unida-des da instituição estão participandodeste debate com a Cooperação So-cial. Vamos promover um encontropara definir indicadores , ampliandoa visibilidade, para a comunidade daFiocruz e para a sociedade, do queé feito. E vamos organizar uma Redeem Cooperação Social”, ressalta o co-ordenador. Nas páginas seguintes, al-guns dos projetos incentivados pormeio de edital da Coordenadoria deCooperação Social e outros apoiadosa partir de convênios que podem seracompanhados pelo Sistema de Con-vênios do Governo Federal (Siconv).

Panorama do bairro de Manguinhos,no entorno da Fiocruz

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O Projeto Desenvolvimento de Tec-nologia Social em Comunicação para Pro-moção de Saúde em Manguinhos é frutoda parceria com a Unisuam e o ConselhoComunitário de Manguinhos. O objetivoé capacitar os moradores do Complexode Manguinhos para o uso das ferramen-tas de comunicação e para a criação egestão de uma Agência de Comunica-ção Solidária. Para Leonídio, “a Fiocruzentende que a comunicação precisa serprotagonizada pelo território de Mangui-nhos e que o curso poderá gerar um lega-do estruturante para a comunidade”. Aolongo do ano serão promovidas oficinassobre veículos impressos, rádio, publicida-

de, produção de vídeo,blogs e gestão de empre-endimento solidário emcomunicação. Duranteesse período, os alunosconstruirão e promoverãoum jornal comunitário, umblog e uma rádio web. Osparticipantes são morado-res das favelas e conjuntoshabitacionais do Complexode Manguinhos que estãomotivados a escrever suasexperiências e a mostrar olugar pelo olhar de seushabitantes.

Agência de comunicação

A Escola de Música deManguinhos (EMM) acu-mula experiência de cin-co anos, desenvolvida emparceria com a Escola deMúsica da UFRJ, baseadana prática de educaçãomusical e respeito da di-versidade de ritmos musi-cais presentes no local. AEMM foi iniciada a partirde um convênio entre aFiocruz e a RedeCCAP em2007. A partir dessa expe-

Escola de Músicariência, em 2013, a RedeCCAP iniciououtro convênio com a Fiocruz, deno-minado Musicalisando Manguinhos,para dar continuidade à EMM, com aoferta de cursos práticos e teóricos deeducação musical, com conteúdos lo-cais (trazidos pelos alunos), compondouma etnografia musical que proporci-one discussões críticas a respeito da re-alidade, produzindo conhecimento eavançando no sentido de propiciar aosalunos momentos de reflexão crítico-social e estética, contribuindo para atransformação social.

O Projeto Vilas Nevenses: Identida-de e Territorialidade é uma proposta deação inter-setorial e integrada, desenvol-vida pelo Centro de Pesquisa René Ra-chou (CPqRR/Fiocruz Minas), em parceriacom a Prefeitura de Ribeirão das Neves(MG) e outros atores sociais daquele ter-ritório. O projeto tem como objetivo apromoção da saúde e atua na constru-ção de ações de geração de trabalho erenda para jovens de comunidades mar-cadas por pobreza e elevados índices devulnerabilidade social. Propõe ainda o de-senvolvimento de ações artísticas e cul-turais que possibilitem a reflexão crítica

dos moradores acerca dasrelações com o territórioonde vivem. As atividadessão desenvolvidas na VilaBispo de Maura e adja-cências, em Ribeirão dasNeves. Trata-se de uma co-munidade pobre, marcadapor violência urbana e ele-vados índices de criminali-dade. O município carregaainda o estigma de “Cida-de Presídio”, por abrigar omaior complexo penitenci-ário de Minas Gerais.

Projeto Vilas Nevenses

Alunos em oficina de produção de texto

Projeto valoriza os ritmos de Manguinhos

Comunidade da Vila Bispo de Maura,em Ribeirão das Neves

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A partir da construção coletiva deconhecimentos, o projeto atua na disse-minação e apropriação popular de tecno-logias ecoeficientes no entorno do ParqueEstadual da Pedra Branca, na Zona Oestedo Rio de Janeiro. Entre elas, aproveita-mento de água da chuva de baixo custo;incentivo à produção agroecológica emquintais e espaços de educação formal enão formal; em processos formativos comempreendimentos da economia popular;e na defesa e proposição de políticas pú-blicas nas temáticas agricultura urbana,segurança alimentar e nutricional e eco-nomia solidária, ampliando redes e circui-

Semeando tos locais de produção e consumo. Emuma área de investimentos públicos paraa regularização fundiária e urbanística(PAC Colônia) e com crescimento da pres-são imobiliária, o projeto busca inibir pro-cessos de impermeabilização do solo ede gentrificação ("expulsão branca") dasfamílias para áreas periféricas irregulares,a partir do incremento da renda familiar,da redução com gastos de luz e água, domenor impacto ambiental, das hortas ur-banas e economia solidária, agregandovalor aos produtos e oferecendo novasperspectivas de trabalho aos moradores.Envolve moradores do Campus Fiocruz daMata Atlântica e agricultores familiaresdo entorno do Parque da Pedra Branca.

O compromisso da Fiocruz de atua-ção territorializada em promoção da saú-de, aliado à mobilização dos movimentossociais e comunitários de Jacarepaguápor justiça social e ambiental, deu ori-

Sub-bacia do Engenho Novogem a esse projeto piloto, focado naapropriação popular de tecnologias soci-ais, simples e eficientes que possam serconstruídas, aplicadas e geridas pelaspróprias comunidades para produzir in-formação e qualificar o diálogo dessesatores em espaços públicos de negocia-ção e decisão sobre recursos hídricos. Oprojeto propõe o monitoramento partici-pativo da qualidade da água e da vazãodo Rio Engenho Novo, com vistas a per-mitir o acompanhamento de indicado-res antes e após os investimentos emsaneamento do PAC Colônia, na ZonaOeste do Rio de Janeiro, e da restaura-ção ambiental dos topos de morros, nas-centes e matas ciliares. Este processo

formativo reúne professores de escolaspúblicas, lideranças comunitárias e mo-radores voluntários, com um enfoqueteórico-prático baseado na metodologiade monitoramento participativo da qua-lidade da água dos rios desenvolvidapelo Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fio-cruz), com a análise contínua de quatroaspectos: ambiental (qualidade dasmatas ciliares, fluxo de água dos rios egrau de sedimentação); físico-químicoe bacteriológico (grau de poluição daságuas); biológico (a diversidade de ma-croinvertebrados aquáticos como indi-cador da condição de vida dos rios); evazão do rio (quantidade de água quecorre por segundo).

O projeto de produção do vídeo-documentário Paracoco – Endemia bra-sileira realizado pela VideoSaúdeDistribuidora da Fiocruz, teve como ob-jetivo central a sistematização de infor-mações sobre a paracoccidioidomicose,principal micose sistêmica no Brasil edoença negligenciada, e a comunicaçãodessas informações pela linguagem au-diovisual direcionada a um público am-plo. Para a composição do conteúdoforam gravadas entrevistas com profissi-onais de saúde e portadores da doençae imagens de trabalho rural em quatroestados: Rio de Janeiro e São Paulo, ondehá incidência, atendimento e pesquisas

Paracocoimportantes; Paraná, pionei-ro na criação de protocolo deenfrentamento que tornou adoença de notificação obri-gatória; e Rondônia, em queocorre a maior mortalidade.Por ser uma doença ocupa-cional, associada ao trabalhorural, foi estabelecida umaparceria com o Movimentodos Trabalhadores Sem Ter-ra (MST) para discutir a ade-quação da linguagem dovídeo e inserir a divulgaçãonas atividades de saúde daorganização social.

Crianças aprendem conceitosde agricultura urbana

Projeto monitora qualidade da água

Vídeo aborda doença rural negligenciada

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A discussão sobre o ecomuseu co-meçou com as turmas do Programa deEducação de Jovens e Adultos (PejaManguinhos), que tem como caracterís-tica principal uma política pedagógica vol-tada para princípios da educação cidadã.O Ecomuseu de Manguinhos pode serdefinido como um coletivo de mobiliza-ção de um território favelizado que, comoum instrumento comunitário, trabalha es-pecialmente na proposta da comunica-ção compartilhada, visando promoveratividades de emersão das identidadese memórias locais, buscando resultadosem uma cultura de participação presen-te no território. Na tecnologia do eco-museu se busca o amálgama dosprodutores de arte e cultura do território– e também de fora do território – para

Ecomuseu instaurar (disputar) novos signosa partir da participação social eda formação de redes de inter-câmbio cultural-artístico. Sua mis-são é, por meio de práticas dacomunicação, reforçar o tecidosocial, incentivando a cidadaniaa partir do processo de socializa-ção de valores construídos cole-tivamente por membros dacomunidade.

Dois dos documentários es-tão iniciando o seu circuito pelasruas e vielas de Manguinhos. Trata-sedo documentário Retalhos de uma man-ta coletiva, que aborda o conceito de so-lidariedade – que no filme é refletido pormoradores de variadas gerações, desdeaqueles que viveram remoções de ou-tras favelas a seus filhos, hoje militantesdo território. O outro documentário, inti-tulado Pés no mundo, tem sua narrativa

constituída por uma turma de educaçãode jovens e adultos que, durante as au-las de artes, teve contato com a arte dapalhaçaria. A perspectiva de investigarum trabalhador do mundo da arte, sem oglamour que faz confundir famosos comartistas, resultou em um documentário noqual a turma faz uma entrevista com aprofessora de palhaçaria.

O ano de 2012 já está marcado porconquistas no Programa de Educação deJovens e Adultos de Manguinhos (PejaManguinhos). Conquistas que são frutode um modelo de educação coerentecom as lutas sociais e que se choca defrente com processos históricos de ini-quidades socioeconômicas e ambientais.Neste ano, a Escola Politécnica de Saú-de Joaquim Venâncio (EPSJV/Fiocruz) as-sumiu a certificação dos estudantes eos espaços do Peja se unificaram a par-tir do desenvolvimento de um projetopolítico pedagógico único, envolvendo

Peja Manguinhosas equipes da RedeCCAP, daEscola Nacional de Saúde Pú-blica (Ensp/Fiocruz), da Presi-dência da instituição e daprópria EPSJV. Essa situaçãotrouxe mais coesão para as ati-vidades, com a construção depontes interdisciplinares, temasgeradores transversais às disci-plinas e o estabelecimento de uma basecrítica para colaborar com o empodera-mento cidadão dos estudantes. Outra vi-tória se refere ao reconhecimentoinstitucional, por parte da EPSJV, de iden-

tificar estar a práxis da politecnia (a prin-cipal base teórica para a educação) emsintonia com a proposta de educação dejovens e adultos territorializada, crítica eemancipatória proposta pelo programa.

O projeto Fortalecimento de Lideran-ças tem sua origem no esforço do Cam-pus Fiocruz da Mata Atlântica emreforçar os laços com a comunidade doentorno. O esforço abrange desde a iden-tificação de lideranças locais que estãocomprometidas com a luta por direitossociais e cidadania, até sua capacitaçãopara melhor se fazer representar, qualifi-cando os discursos e argumentos juntoaos agentes do poder público responsá-veis pela implementação de ações queimpactam na qualidade de vida. No

Fortalecimento de liderançasdecorrer do projeto houve capacitaçõese oficinas sobre cidadania e a elabora-ção de materiais de capacitação, asses-sorias de intervenção junto ao poderpúblico, análises de documentos e mon-tagem de propostas de políticas públi-cas, uma das quais foi levada adiantena forma de uma emenda ao projetode orçamento da prefeitura. As capaci-tações e as oficinas alcançaram umpúblico originário de diversas comuni-dades da região de Jacarepaguá, naZona Oeste do Rio de Janeiro.

Oficina de capacitação em Jacarepaguá

Peja Manguinhos: modelo de educaçãocoerente com as lutas sociais

Exposição apresenta o ecomuseu

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Estúdio da webrádio Revolução FM, no Instituto Municipal Nise da Silveira

COMUNICAÇÃO

HDanielle Monteiro

á quatro anos, a pesquisa-dora Danielle Barros tevea oportunidade de partici-par de um curso de locu-ção de rádio promovido

pela webrádio Revolução FM e pela Bi-blioteca Pública de Niterói. Durante operíodo, ouviu depoimentos de usuáriosem sofrimento psiquiátrico que partici-pavam da oficina, relatando que as ati-vidades traziam bem-estar à sua vida eque, por conta disso, muitas vezes, nãoprecisavam fazer uso da medicação. Fi-cou claro, então, para ela, que a ativida-de psicossocial tinha um significadoimportante para essas pessoas. Mas aexperiência, de fato, poderia ajudar naconstrução de cidadania e ressocializa-

Nas ondas

Estudo analisa papel do rádio no SUS

saúdeda

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ção do usuário em saúde mental? Quaisas expectativas e anseios das pessoasque buscam a oficina de rádio? Há ou-tras experiências do tipo no Brasil? Essase outras inquietações instigaram a estu-dante a fazer uma investigação maisaprofundada sobre o tema, que resultouem uma dissertação de mestrado em in-formação e comunicação em saúde noInstituto de Comunicação e InformaçãoCientífica e Tecnológica em Saúde (Icict/Fiocruz). O estudo revelou que o rádiopode se mostrar como um forte disposi-tivo de cidadania e inclusão social.

“As oficinas de rádio têm se consti-tuído num lugar de expressão e afirma-ção de um sujeito diante de outrossujeitos, no qual convergem os princípi-os da cidadania e da comunicação, pos-sibilitando assim a comunicação entreeles e o enfrentamento dos estigmas epreconceitos sociais e culturais”, obser-va Danielle. As oficinas midiáticas sãoencontros que ocorrem geralmente naprópria unidade de saúde, os Centros deAtenção Psicossocial (Caps), nos quaisos participantes desenvolvem a produ-ção e apresentação de programas, utili-zando mídias como rádio e/ou webrádio,jornais e/ou sites, fotografia, TV e/ou pro-dução de vídeos.

O estudo analisou o uso do rádiocomo atividade psicossocial na perspec-tiva da inclusão social a partir do mape-amento das experiências realizadas noBrasil e do estudo de caso da webrádioRevolução FM, que surgiu no contextoda Reforma Psiquiátrica, e da comuni-cação radiofônica comunitária, em prolda consumação de direitos de sujeitosem desvantagem social. Nas oficinasoferecidas pela rádio, que está sediadano Instituto Municipal Nise da Silveira,no Rio de Janeiro, são os próprios usuá-rios que produzem os programas. Ne-las, eles aprendem técnicas comopesquisa e clipagem de matérias, reda-ção de texto, respiração e impostaçãoda voz, seleção musical, entre outrossaberes necessários ao trabalho do ra-dialista. O curso, que dura cerca de doismeses, inclui aulas teóricas e práticas ese encerra com a produção de um pro-grama de rádio pela turma, que é apre-sentado no ar. Para a pesquisa, foramcoletados depoimentos de participantes

das oficinas da rádio, que são dirigidasa usuários de saúde mental, deficientesvisuais do Instituto Benjamin Constant,pessoas da Terceira Idade, grupos dealcoólicos anônimos, usuários de hospi-tais, meninos em situação de rua, mo-radores de comunidade, entre outros.

O mapeamento de oficinas de rá-dio com usuários de saúde mental mos-trou que há registros de 16 experiênciasdo tipo no Brasil. O estudo tambémapontou o uso do rádio no campo dasaúde mental como tentativa de estrei-tar a comunicação horizontal entre usu-ários e profissionais de saúde, promoverprocessos educativos e comunicativospor meio das oficinas e estabelecer acomunicação entre hospital (seus usu-ários, profissionais de saúde, servido-res) com a família, a comunidade e asociedade civil, incentivando, com isso,uma reflexão sobre o tratamento dig-no, humanizado e livre de estigmas.“As oficinas radiofônicas evidenciaramsua importância não somente por suacaracterística educativa, mas tambémpor propiciar espaços de mediações,que provocam efeitos terapêuticos”,afirma Danielle.

O estudo mostra que os papéis de-sempenhados pela webrádio Revoluçãona vida dos participantes da oficina es-tão intimamente ligados com a motiva-ção e/ou necessidade que conduziu cadauma delas à rádio e ao que nela viven-ciou. “Com isso, podemos afirmar quenão existe um ‘papel’ ou ‘significado’unívoco para a rádio e sim uma interpre-tação ou apropriação pessoal de acordocom os anseios, necessidades e buscasdos participantes”, reflete. A pesquisa-dora ainda observou que, nem sempre,o veículo de comunicação desempenhaum papel de ressocialização da pessoa.“No depoimento de um dos participan-tes, por exemplo, a rádio não teve papelde ressocialização, nem de reabilitaçãoem relação à sua deficiência visual, coma qual já se adaptou, já que convive comela desde a infância. A rádio, para ele,se constitui um espaço para exercer suaprofissão, pela qual ele declara ter pai-xão: o rádio esportivo”, exemplifica. Arádio ainda mostrou papel de destaqueno campo da expressividade. “Um dosentrevistados comentou que a experiên-

cia o ajudou a se expressar melhor empúblico e a superar o medo de sair decasa e andar na rua sozinho após perdera visão”, narra Danielle.

Além do desenvolvimento de habili-dades e da oportunidade de se inserir,manter ou retomar o campo profissio-nal, o papel do rádio nas apropriaçõessociais teve outros sentidos, como a rea-bilitação da saúde; lazer e afinidade;terapia ocupacional; ampliação do sta-tus social; oportunidades para novas pers-pectivas de vida, trabalho e estudo; meiode retomar o protagonismo da vida; lo-cal de aprendizado ou uma escola não-formal; e espaço para socialização, parafalar e ser ouvido e para superar estig-mas. “A análise das narrativas demons-trou que, para além de contribuir para odesenvolvimento de habilidades, a Re-volução FM ajudou pessoas a se adapta-rem a uma nova forma de sentir, ser eestar no mundo, com foco nas potencia-lidades de cada um e não em suas restri-ções, sejam elas físicas, mentais oumotoras”, observa Danielle.

Embora haja o reconhecimento deque a rádio na web rompa barreiras ge-ográficas, os relatos, no entanto, eviden-ciaram o desejo de que a projeção deseus discursos seja ecoada na própriacomunidade, no entorno do hospital. “Deacordo com os ideais e contexto no quala rádio foi formulada, buscava-se o es-treitamento de laços com a comunida-de, visando transpor a representação daloucura e do medo para a corresponsa-bilização da comunidade à causa da lutaantimanicomial. Dessa forma, de acor-do com as narrativas, salvo algumas pou-cas exceções, o papel da rádio empromover aproximação com a comuni-dade não estaria sendo cumprido”, aler-ta. A pesquisa ainda revelou que, apesarde a rádio estar localizada em um insti-tuto dirigido a usuários em sofrimentopsiquiátrico, muitas das pessoas que alitrabalham desconhecem o engajamen-to do veículo de comunicação na lutaantimanicomial. “Os estigmas em rela-ção à loucura e ao sujeito em sofrimen-to mental permanecem, apontando paraa necessidade de se explorar melhor apotencialidade do rádio com o objetivode atingir também este importante tipode público”, conclui a pesquisadora.

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O programa Ciência & Letras completou cinco anos no ar em julho, com mais de 150 edições veiculadas

E

COMUNICAÇÃO

Fernanda Marques

ra uma vez um grupo deamigos que trabalhavacom programas de TV. Eeles também eram apai-xonados por literatura.

Então, por que não fazer um programade TV sobre livros? Mas um programadiferenciado, porque estavam em umainstituição de pesquisa científica emsaúde pública, a Fiocruz. A ideia come-çou a tomar corpo, sobretudo, após aexperiência com o Saúde & Letras, es-paço de bate-papo entre autores e lei-tores montado durante os congressos daAssociação Brasileira de Saúde Coleti-va (Abrasco), por iniciativa da Editora

Luz, câmera e... letras!Canal Saúde e Editora Fiocruz completam cinco anos de uma parceriaque leva para as telas os universos da ciência e da literatura

Fiocruz e da Abrasco Livros. As primei-ras edições do Saúde & Letras – media-das pelos apresentadores Márcia Corrêae Castro e Renato Farias, do Canal Saú-de – serviram de inspiração. Foi a partirdaí que o apresentador (e roteirista) Fa-rias, a coordenadora de produção Valé-ria Mauro e o diretor Marco AntônioCampos, também do canal, deram iní-cio ao projeto do programa Ciência &Letras, que em julho completou cincoanos no ar, com mais de 150 ediçõesveiculadas.

Aprovado pela coordenação gerale pela superintendência do canal, o pro-jeto ainda precisava de algo mais paradeixar de ser apenas uma boa ideia eganhar as telas: os livros acadêmicos

que serviriam de pauta para o progra-ma. Foi aí que, novamente, entrou emcena a Editora Fiocruz, cujo editor-exe-cutivo, João Canossa, não só aceitouexpandir a parceria, como se tornouentusiasta do projeto. “Era – e conti-nua a ser – uma grande oportunidadede tirar os livros acadêmicos da estantee dar-lhes mais visibilidade, aumentan-do o uso e impacto”, conta Canossa.“A Editora Fiocruz abraçou a ideia doCiência & Letras. E mais: mostrou-seaberta a um programa que não se limi-tasse aos livros do seu próprio catálogo,mas incluísse obras de outras editoras(universitárias ou não), além de temasmais gerais dos universos da saúde, daciência e da literatura”, afirma Valéria,

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hoje coordenadora do Núcleo de Pro-gramas do Canal Saúde.

É justamente esta a proposta: qual-quer tema da ciência ou das letras –ou de ambas – pode render boas con-versas. O Ciência & Letras é um pro-grama de entrevistas em que, a cadaedição, um ou dois convidados partici-pam de um bate-papo. Antes de che-gar a este formato, porém, a equipeexperimentou outras alternativas.“Chegamos a produzir quadros em quevisitávamos bibliotecas e sebos, ou con-távamos histórias curiosas de aficiona-dos por livros”, lembra Valéria. “Masesses quadros reduziam o tempo do

bate-papo com os convidados no estú-dio. E as conversas eram tão ricas queachamos melhor focar o programa sónelas”, explica Farias. Conversas, aliás,as mais variadas, sobre um lançamentoeditorial, um clássico da literatura ou umtema de interesse geral.

“Às vezes, abordamos temas quepodem levar muita gente a se pergun-tar: ‘mas o que isso tem a ver com saú-de’? Para nós, não resta dúvida de quetudo está ligado. Divulgar a cultura étambém uma forma de inclusão soci-al, de promoção da cidadania e, con-sequentemente, da saúde”, avaliaFarias. Por isso, não estranhe se, noacervo do Ciência & Letras, ao lado deedições sobre o SUS e a atenção pri-mária à saúde no Brasil, você encon-trar outras dedicadas ao teatrólogoAugusto Boal e ao teórico da comuni-cação Muniz Sodré, por exemplo.

A equipe do programa acaba dedimensionar essa variedade de temas.Para celebrar os cinco anos do Ciência &Letras, com o objetivo de torná-lo maisconhecido e utilizado pelo público geral,

está em produção um catálogo ilustra-do. Nele, cada edição terá uma peque-na ficha, com título, sinopse do debate,nomes e breves currículos dos convida-dos e data em que foi ao ar original-mente. As fichas serão organizadas portemas, sendo a primeira parte do catálo-go reservada aos assuntos gerais e a se-gunda às edições especificamenteinspiradas em livros. Ao todo, o catálogoapresentará mais de 15 categorias temá-ticas, como educação, universo da lite-ratura, biografias, autobiografias, ciênciasbiomédicas, história, meio ambiente, po-líticas públicas etc.

Além do catálogo, as novidades do

Ciência & Letras também incluem umnovo cenário, todo virtual, que estreouem abril, juntamente com a nova pro-gramação do Canal Saúde, que agoraestá no ar de segunda-feira a domin-go, das 8h às 22h. Quando o Ciência& Letras foi lançado, em 2008, o Ca-nal Saúde era uma produtora, mas,desde o final de 2010, ele se tornouuma emissora. Sua meta é atingir as24 horas de programação na virada de2014 para 2015. “Esse aumento émais um passo para concretizar o ca-nal como uma emissora pública no país.É um passo rumo a um dos nossos prin-cipais objetivos: ser um canal do SUS,que é uma política de Estado e não degoverno”, explica a superintendente doCanal Saúde, Márcia Corrêa e Castro.

E o Ciência & Letras tem contribuí-do nesse sentido. Ele está entre os pro-gramas mais assistidos e baixados nosite do Canal Saúde (todas as ediçõesestão disponíveis em acesso livre emwww.canal.fiocruz.br). Além do site,outras formas de assistir ao Ciência &Letras – e aos demais programa do

Canal Saúde – incluem a Oi TV, antenaparabólica com recepção digital e emis-soras parceiras (www.canal.fiocruz.br/como-assistir).

Quem vê o resultado na tela nemsempre imagina quanto trabalho en-volve um programa de TV. Para quecenários, figurino, maquiagem, ima-gem, som e luz estejam adequados,muita gente atua atrás das câmeras.O Ciência & Letras é gravado, mas fun-ciona como se fosse ao vivo: emborautilize os recursos de corte e edição,cada um dos dois blocos de 13 minu-tos é gravado sem interrupções. Alémde conduzir o bate-papo com os convi-

dados e sutilmente intervir sempre quenecessário, para garantir a fluidez daconversa, o apresentador tambémacompanha por um ponto de ouvidoas instruções técnicas do diretor.

Apesar dos desafios, Farias garan-te que fazer o Ciência & Letras temsido “uma grata surpresa”. Desde oinício do projeto, a qualidade dos li-vros acadêmicos chamou a atençãodo roteirista e apresentador. “Encon-tramos muitas obras que apresentamseu conteúdo científico de uma formaliterária, prazerosa mesmo para umleitor não especializado naquele as-sunto”, comenta. Alguns livros, noentanto, são mais difíceis de seremlidos pelo público geral. Mesmo nes-ses casos, o tom informal da conversano estúdio contribui para tornar aque-les conteúdos mais amplamente aces-síveis. “Outro aspecto notável é aprodução literária em história e ciên-cias sociais, que nos convida a refle-xões importantíssimas, mas aindapouco frequentes na nossa formaçãoacadêmica”, arremata Valéria.

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Política públicaé palavra de ordem

Fernanda Marques

e acordo com os Objetivosde Desenvolvimento doMilênio, até 2015, a par-cela da população semacesso ao abastecimento

de água e ao esgotamento sanitáriodeveria ser reduzida, ao menos, pelametade, tendo por referência a situa-ção de 1990. O prazo se aproxima dofinal e levantamentos indicam que ameta não será atingida em muitos paí-ses. E, mesmo se ela fosse cumprida,ainda haveria 1,7 bilhão de pessoas semacesso ao esgotamento sanitário nomundo, sobretudo as populações maispobres. Estudos apontam que não fal-tam soluções tecnológicas nem existemlimitações físicas naturais intransponí-veis: os obstáculos para a universaliza-ção sustentável dos serviços estãoligados a crises de governo e da gestãodemocrática e a desafios éticos. Portan-to, é preciso um esforço sistemático paraorganizar esse campo em termos con-ceituais e metodológicos. E esta é jus-tamente a proposta do livro Políticapública e gestão de serviços de sanea-mento, de Léo Heller e José EstebanCastro (orgs.), lançamento das editorasUFMG e Fiocruz.

Segundo os organizadores, recur-sos financeiros e prioridade política sãonecessários, mas não suficientes. Porisso, eles propõem um debate amploe multifacetado sobre política públicae gestão. “A provisão adequada deserviços de saneamento é reconheci-damente um requisito essencial para aproteção da saúde pública e para amanutenção de condições de vida bá-sicas e a universalização sustentável

Diálogo interdisciplinar e internacional discute teorias eações para o desenvolvimento de políticas públicas eestratégias de gestão no setor de saneamento para o século 21

RESENHA

D

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Política pública egestão de serviços

567 páginas

Organizadores:Léo Heller e José Esteban

Castro;

Preço:R$140

Tradução:Vera Ribeiro.

Coedição com a EditoraUFMG.

desses serviços em escala global cons-titui um dos maiores desafios do iníciodo século 21”, destacam. “As políti-cas concernentes ao saneamento de-vem se fundamentar no princípio deque esses serviços constituem um di-reito social do cidadão; em outras pa-lavras, é obrigação do Estado garantiro acesso universal a eles”, defendem.“O acesso aos serviços essenciais cons-titui um direito fundamental, que nãopode ficar sujeito à capacidade indivi-dual de pagamento dos usuários edeve ser garantido pelo Estado”.

Para Heller e Castro, uma gestãosustentável dos aspectos econômicos,financeiros e técnico-estruturais requerum papel fundamental do Estado emassegurar que os serviços de água eesgotos sejam concebidos como benspúblicos, cujo acesso deve ser garan-tido como um direito de todas as pes-soas, e não como bens privados,subordinados a interesses e critériosmercadológicos. Entretanto, o livroabre espaço para as contradições e osentendimentos rivais a respeito decomo esses serviços devem ser orga-nizados e dirigidos.

Por isso, o leitor não deve estra-nhar se, no capítulo 8, o britânico Mi-chael Rouse afirmar que a introduçãodas forças de mercado é uma estraté-gia de sucesso para administrar os ser-viços de água e esgotos. Pesquisadoremérito da Universidade de Oxford eprofessor visitante da Universidade deTsinghua (Pequim), Rouse apresenta omercado como princípio organizador,seja por meio da privatização direta,seja pelo funcionamento das empre-sas públicas com base em padrões co-merciais. Vários outros capítulos do livro,inclusive os dos organizadores, refutamos argumentos de Rouse, com base emevidências do registro histórico e depesquisas empíricas recentes na Áfri-ca, Ásia, Europa e Américas, incluindocasos-modelo de gestão pública, comoos dos Estados Unidos e dos paísesnórdicos da Europa.

Essa pluralidade de análises é fru-to de um diálogo interdisciplinar e in-ternacional: entre os autores do livroestão advogados, economistas, enge-nheiros, geógrafos, historiadores, hidró-

logos, cientistas políticos, sociólogos evários outros estudiosos do tema, oriun-dos de diversos países. A coletânea estádividida em duas partes. A primeira trazum conjunto de reflexões teóricas econceituais. A segunda apresenta umleque de experiências nacionais e re-gionais sobre a política pública e a ges-tão dos serviços de saneamento,buscando compreendê-las a partir deseus condicionantes históricos e deoutros aspectos sistêmicos e estruturais,no longo prazo.

“Eles incluem uma ampla gama deproblemas, tais como as característicassocioeconômicas da população, as li-mitações hidrológicas e hidrogeológi-cas, os padrões demográficos, asdivisões étnicas e culturais, o modelovigente de desenvolvimento, os proces-sos políticos e assim por diante”, exem-plificam os organizadores. Os diferentescapítulos procuram demonstrar que “asiniciativas ligadas aos serviços de águae esgotos devem levar em conta o im-pacto fundamental das condições lo-cais e evitar as soluções ‘de tamanhoúnico’, que tendem a desprezar as li-ções históricas das práticas de gestãobem-sucedida”, completam.

A coletânea tem, ao todo, 26 ca-pítulos. Os 20 primeiros foram original-mente publicados em 2009, em inglês.Além da tradução desse material parao português, a nova edição oferece,ainda, seis capítulos inéditos. Eles abor-dam a experiência brasileira na orga-nização dos serviços de saneamentobásico; seus aspectos jurídico-instituci-onais; a gestão econômico-financeira;a avaliação das políticas públicas; e oplanejamento, a participação e a go-vernabilidade. Além dos textos sobreo Brasil, foi incluído um novo capítuloque aborda a experiência venezuela-na sobre a participação e a inovaçãoorganizativa na prestação de serviçosde água e esgotos.

Além de casos latino-americanos,são também discutidas experiênciasafricanas e asiáticas, assim como nor-te-americanas e europeias. Os estudosrevelam que mesmo os países que jáatingiram ou devem atingir seus Obje-tivos de Desenvolvimento do Milênioencontram dificuldades significativas.

Países desenvolvidos enfrentam, porexemplo, os custos crescentes da re-novação da infraestrutura e os efeitosda mudança climática e da poluiçãogeneralizada na disponibilidade de fon-tes hídricas. Estima-se que 16% dapopulação europeia (cerca de 140 mi-lhões de pessoas) ainda não têm águapotável em casa e 10% (cerca de 85milhões) não têm acesso a instalaçõesde esgotos sanitários. Na Inglaterra ePaís de Gales, onde os serviços estãoprivatizados desde 1989, milhões defamílias vivem na “pobreza hídrica”,problema associado ao fato de quemais de 15% dos usuários dos servi-ços de água e esgotos não vêm pa-gando suas contas, no contexto dacrise econômica mundial. Também nosEstados Unidos são os bairros pobrese as minorias étnicas que enfrentamos maiores obstáculos.

O objetivo central da coletânea édiscutir teorias e experiências que si-nalizem caminhos para a inclusão so-cial da parcela da população aindaalijada do acesso aos serviços. E essadiscussão ocorre em um lugar muitoespecial e privilegiado: “nas interfacesentre a gestão dos recursos hídricos, apolítica ambiental, a saúde pública, apolítica social, o planejamento urbanoe regional e os serviços públicos”, re-sumem os organizadores.

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COMO COMPRAR:

Lepra, medicina e políticas desaúde no Brasil (1894-1934)

Dilma Cabral | Coleção História e Saúde

Aborda a trajetóriada lepra no Brasil nãocomo um acontecimen-to meramente médi-co-biológico, mas,sobretudo, como umaspecto da vida po-lítica e social. A au-tora não estudoua lepra medieval,

assentada sobre princípiosético-religiosos e ligada à ideia de pecado epunição; tampouco se debruçou sobre ahanseníase, nome contemporâneo com oqual a lepra foi rebatizada para distinguir-seda outra e livrar-se do seu estigma. A pes-quisa se concentra no período entre o fimdo século 19 e as primeiras décadas do 20,quando houve um crescimento das pesqui-sas sobre a lepra e a interação entre a con-juntura internacional e a realidade sanitáriabrasileira produziu uma trajetória singularpara a doença no país. A autora divide essatrajetória em três momentos. No primeiro,na década de 1910, a doença ainda não eraconsiderada prioridade no âmbito federal eseu controle ficava a cargo dos estados, no-tadamente com o auxílio de instituições fi-lantrópicas. Depois, nos anos 1920, a leprase tornou um problema sanitário nacionale, para centralizar o combate à doença, esta-beleceu-se a Inspetoria de Profilaxia da Le-pra e das Doenças Venéreas, não sem crisese tensões. As ações da inspetoria não seresumiam à segregação dos leprosos em sa-natórios e alguns as consideravam demasi-adamente liberais. Assim, no terceiromomento, que corresponde à década de1930, foi extinta a inspetoria e desarticula-da sua política de enfrentamento da lepra:reforçou-se o isolamento compulsório e inú-meros leprosários foram construídos.

R$ 48| 333 páginas

Antropologiamédica: ancora-gens locais,desafios globais

Francine Saillant eSerge Genest(orgs.) | Tradução:Vera Lucia dosReis

Coleção Antropologia e Saúde

Apresenta o estado da arte da antropo-logia médica em diferentes países, ofere-cendo ao leitor uma síntese que cobre asprincipais linhas teóricas e paradigmas des-se campo, que começou a ganhar destaqueno cenário internacional na década de 1970,sobretudo a partir de autores franceses enorte-americanos. As duas primeiras partesdo livro oferecem perspectivas locais sobre aantropologia médica. Ao lado de artigossobre os casos da França e dos Estados Uni-dos, há capítulos que enfatizam outros paí-ses da Europa, como Espanha, Itália eGrã-Bretanha, e das Américas, como Brasil,Canadá e México. O objetivo não é defen-der abordagens locais, mas reconhecer aimportância das articulações entre o local eo global. Nessa linha, o livro revisita anti-gas temáticas da antropologia, como as re-lações entre o universal e o particular, anatureza e a cultura, o biológico e o social,à luz de novas questões, como gênero epolítica. A esses aspectos é dedicada a ter-ceira parte da coletânea, que discute pers-pectivas transversais. Referência paraantropólogos que estudam as relações en-tre cultura, sociedade e saúde. Dirige-se tam-bém a todos aqueles que atuam na saúdecoletiva na expectativa de contribuir com areflexão sobre o respeito às diferenças soci-oculturais e para a formulação de políticas eprogramas de saúde mais inclusivos.

R$ 68 | 453 páginas

Mestrado profissionalem saúde pública:caminhos e identidade

Gideon Borges dosSantos, VirginiaAlonso Hortale eRafael Arouca

Coleção Temasem Saúde

Analisar aidentidade domestrado pro-

fissional, especialmente nocampo da saúde pública: este foi o desafioassumido pelos autores. Um desafio por-que, segundo os pesquisadores, a identida-de desses cursos ainda carece de precisão e,consequentemente, de legitimidade. A for-mação no mestrado profissional tem umcompromisso com a experiência provenien-te do mundo do trabalho. É necessária umaestrutura curricular diferenciada, que articu-le o ensino à aplicação profissional. Na prá-tica, porém, essa integração e a inovação

ainda encontram uma série de obstáculos.Com o objetivo de construir novos entendi-mentos acerca das singularidades e caracte-rísticas do mestrado profissional em saúdepública, os autores dividiram o livro em seiscapítulos. No primeiro, traçam um panora-ma internacional da formação em saúde pú-blica em nível de mestrado. Em seguida,analisam o marco legal referente à formula-ção e à implementação do mestrado profis-sional no Brasil. Depois, apresentam a ofertadesses cursos no campo da saúde públicano país. O quarto capítulo é dedicado aosistema de avaliação da pós-graduação bra-sileira. O quinto traz uma reflexão sobre omodelo de formação, enquanto o sexto, parafinalizar, pensa o mestrado profissional comouma instância escolar de socialização.

R$ 15 | 104 páginas

Fundamentos davigilância sanitária

Suely Rozenfeld (org.)

Instância de medi-ação entre a produçãode bens e serviços va-riados e a saúde dapopulação, a com-plexidade da vigi-lância sanitáriarequer um enfo-que multidisci-

plinar. Este apareceem cada um dos capítulos desta co-

letânea, inspirados por estudos e reflexões emsociologia, epidemiologia, planejamento, le-gislação e avaliação. A obra fornece instrumen-tal para a análise histórica e para a compreensãodo papel do Estado, assim como discute osconceitos, os procedimentos e as técnicas ne-cessárias ao desempenho da função regula-dora e normativa. O livro define e constrói,assim, um tripé de competências para qualifi-car o agir em vigilância sanitária: conhecimen-to técnico, responsabilidade pública ecompromisso ético. Dirigido não só aos pro-fissionais de saúde, mas também a todos aque-les que buscam uma formação para acidadania. Trata-se de uma obra de referência,que chega à sua 7ª reimpressão.

R$ 45 | 301 páginas

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Web: www.fiocruz.br/editora

E-mail: [email protected]

Tel.: (21) 3882-9007

ESTANTE

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FIO DA HISTÓRIA

EGlauber Gonçalves

quações, dados estatísti-cos e tabelas alimentadaspor medidas antropométri-cas e outras informaçõescoletadas em incursões

país adentro. Ao recorrer a esses mé-todos para levantar as característicasda população nacional e descobrir oBrasil real, o antropólogo Edgard Ro-quette-Pinto deu no início do século 20umas das mais importantes contribui-ções para refutar teorias que tentavamlegitimar um suposta “inferioridade” dapopulação brasileira, sobretudo em ra-zão do seu caráter mestiço. A antro-pologia de Roquette-Pinto foi tema datese de doutorado de Vanderlei Sebas-tião de Souza, aluno do Programa dePós-Graduação em História das Ciên-cias e da Saúde da Casa de OswaldoCruz (COC/Fiocruz). Com o trabalho,ele venceu o terceiro Prêmio de Tesesda Associação Nacional de História(Anpuh). O objetivo da pesquisa foianalisar a trajetória e a obra de Ro-quette-Pinto para tentar compreendercomo seus estudos foram articuladospara pensar a construção de um “re-trato antropológico” do país.

“A principal contribuição da an-tropologia de Roquette-Pinto foi a for-mulação de uma forte crítica aodeterminismo racial e biológico, quedurante as primeiras décadas do sé-culo passado alimentava a produçãocientífica e intelectual, tanto no Brasilquanto no exterior”, diz Souza. Na

Uma voz contrao racismo científicoTese premiada mostra queRoquette-Pinto combateuteorias que buscavam legitimarsuposta ‘inferioridade’ dapopulação mestiça

Roquette-Pinto entrecrianças indígenas doMato Grosso, em 1912(Fonte: Fundo PessoalEdgard Roquette-Pinto, Centro deMemória da AcademiaBrasileira de Letras)

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época, era comum atribuir os proble-mas sociais, econômicos e políticosnacionais à formação da população,composta em grande escala por ne-gros, indígenas e mestiços.

A expedição de Roquette-Pinto aonorte do Mato Grosso em 1912 reve-lou um Brasil desconhecido para a maiorparte da população. A observação davida indígena e sertaneja na região in-fluenciou seu modo de conceber a iden-tidade nacional e marcou os estudosque publicaria. Para o antropólogo, oBrasil precisava ser conhecido e nacio-nalizado para se transformar em umanação “consciente do seu destino”. Issodeveria começar pelo interior, onde osertanejo fazia o trabalho lento de in-tegração nacional, na visão dele. Con-forme aponta Souza em sua tese,Roquette-Pinto buscou provar que oschamados “problemas nacionais” nadatinham a ver com raça. No entendi-mento do antropólogo, as tribulaçõesbrasileiras eram resultado da falta desaneamento, saúde, educação e aoabandono em que vivia boa parte dapopulação que habitava especialmen-te o interior do país.

Os estudos de Roquette-Pinto ser-viram como uma ferramenta política

empregada pelo antropólogo para in-tervir nos debates sobre a formulaçãode projetos de reforma da sociedadebrasileira e de construção da próprianação. Souza defende que a contribui-ção do antropólogo nesse sentido deveser entendida num contexto do qualparticiparam outros intelectuais – en-tre os quais destaca os integrantes doMovimento Sanitarista.

Ao lado de Arthur Ramos e Gilber-to Freyre, ele foi um dos líderes do gru-po que, no início dos anos 1930,lançou o Manifesto dos intelectuaisbrasileiros contra o preconceito racial.O documento rechaçava o uso da an-tropologia para disseminação de ideiasracistas com base em conhecimentospseudo-científicos, como a eugenia,nome dado aos estudos que propõemmétodos para melhorar as característi-cas de uma espécie.

Durante a Era Vargas, o Estado in-corporou o enaltecimento da identida-de mestiça por parte desses intelectuais.O objetivo era produzir um discurso na-cionalista, apesar de todas as contradi-ções no modo como o governo Vargasendereçou a questão racial “Essa influ-ência pode ser percebida nas discussõessobre controle imigratório na Constitu-

inte de 1933-34, nas quais Roquette-Pin-to e Freyre são acionados como autori-dades científicas que condenavam aseleção de imigrantes por critério raci-al”, diz Souza.

O pesquisador teve acesso a fon-tes inéditas e pouco exploradas, queo ajudaram a desvendar o persona-gem tema de seu estudo. No ArquivoPessoal de Roquette-Pinto, encontrouas principais fontes para o desenvolvi-mento de sua tese. O acervo disponi-biliza mais de 8 mil itens, formado poruma variedade de documentos, des-de correspondências pessoais, recor-tes de jornais, manuscritos e esboçosde projetos até documentos oficiais einstitucionais.

Uma das principais contribuições datese, intitulada Em busca do Brasil:Edgard Roquette-Pinto e o retrato an-tropológico brasileiro (1905-1935), foiabordar o aprofundamento dos diálo-gos e das relações intelectuais e cien-tíficas estabelecidas pelo antropólogo,tanto com intelectuais e autoridadesbrasileiras, quanto com antropólogos,eugenistas, médicos e historiadoresestrangeiros. “Roquette-Pinto era umcientista conectado com as discussõesinternacionais envolvendo os estudossobre raça e miscigenação racial, osestudos sobre populações e o debateem torno da eugenia. Nos documen-tos históricos que pesquisei durante odoutorado encontrei vários elementosque demonstram a inserção do brasi-leiro num contexto internacional, queenvolvia especialmente antropólogos,eugenistas e biólogos alemães e ame-ricanos”, conta Souza.

Para Souza, a referência que o so-ciólogo Gilberto Freyre faz a Roquette-Pinto no prefácio do livro Casa grande& senzala, de 1933, sintetiza a formacomo os estudos e o pensamento doantropólogo foram relevantes no iníciodo século 20. Além de lembrar da im-portância que o antropólogo america-no de origem alemã Franz Boasexerceu em sua maneira de diferenci-ar raça de cultura, Freyre revelou quea antropologia de Roquette-Pinto foifundamental para mudar sua percep-ção sobre o significado da miscigena-ção racial na formação do Brasil.

1 – Fotografia de um Phaiodermo2 – Fotografia de um Leucodermo3 – Fotografia de um Melanodermo4 – Fotografia de um Cafuzo5 – Fotografia de um Xanthodermo

Fonte: Nota sobre os tipos antro-pológicos do Brasil, de EdgardRoquette-Pinto, 1928

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