46
1 Jan/Fev 2013 - revista debates em psiquiatria Publicação destinada exclusivamente aos médicos www.abp.org.br psiquiatria Ano 3 • n°1 • Jan/Fev 2013 ISSN 2236-918X REVISTA DEBATES EM ARTIGOS Psicopatologia e Classificação em Psiquiatria Tratamento da Depressão no Climatério Serviços substitutivos em saúde mental: o desafio da inclusão social Introdução da psicoterapia na medicina brasileira: 1887-1889 Reflexões sobre o projeto Global Burden of Disease Study 2010

Revista Debates Jan Fev 2013

Embed Size (px)

DESCRIPTION

REVISTA QUE ABORDA TEMAS DA PSICOLOGIA E PSIQUIATRIA, APRESENTANDO DEBATES ACERCA DO TEMA

Citation preview

Page 1: Revista Debates Jan Fev 2013

1Jan/Fev 2013 - revista debates em psiquiatria

Publicação destinada exclusivamente aos médicos w w w . a b p . o r g . b r

psiquiatriaAno 3 • n°1 • Jan/Fev 2013ISSN 2236-918X

REVISTA DEBATES EM

ARTIGOSPsicopatologia e Classificação em Psiquiatria

Tratamento da Depressão no Climatério

Serviços substitutivos em saúde mental: o desafio da inclusão social

Introdução da psicoterapia na medicina brasileira: 1887-1889

Reflexões sobre o projeto Global Burden of Disease Study 2010

Page 2: Revista Debates Jan Fev 2013

3Jan/Fev 2013 - revista debates em psiquiatria

Chegamos ao final de mais um ano de trabalho em que a RDP se afirmou como um sucesso editorial da ABP. Trabalho esse que nos proporciona satisfação ao ver a aprovação da nossa revista pelos associados. Nosso foco, como se sabe, é a atualização e educação continuada dos

nossos psiquiatras. Nomes expressivos da psiquiatria nacional e internacional publicam na RDP, e outros novos nomes aqui iniciam publicações de qualidade.

Abrimos este número com a excelente e oportuna apresentação do nosso colega José Luís Pio Abreu, Professor de Psiquiatria da Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra, cujo título é Psicopatologia e Classificação em Psiquiatria. Trata-se de uma contribuição significativa para o entendimento da psiquiatria contemporânea a partir da classificação politética dos DSMs. A falta de clareza nos critérios de agrupamento das diversas patologias em cada espectro, especialmente na edição vindoura do DSM-5, levou o autor a propor uma série de critérios psicopatológicos de agrupamento.

Na sequência, temos o trabalho de Renan Rocha e colaboradores sobre o Tratamento da Depressão no Climatério. O aumento da incidência de depressão nesse período de vida da mulher, que frequentemente associa-se a fogachos, requer uma especial atenção terapêutica. Os autores mostram que é possível selecionar de modo mais criterioso e específico os medicamentos antidepressivos para esse grupo especial de pacientes. Note-se que a RDP vem publicando trabalhos importantes sobre a saúde da mulher, juntamente com este, e outros mais são esperados.

César Augusto Trinta Weber, da UNIFESP, apresenta um trabalho sobre Serviços Substitutivos em Saúde Mental, onde trata da inclusão social de doentes mentais em serviços substitutivos à internação em hospital psiquiátrico. Trata-se de um tema polêmico na atual política de saúde mental brasileira, e o autor faz uma revisão bibliográfica destacando as principais posições teóricas sobre o tema.

Fernando Portela Câmara apresenta um trabalho inédito na história da psiquiatria brasileira sobre os primórdios da psicoterapia no Brasil. Pouco se sabe sobre esse assunto, que agora está documentado no citado trabalho. Ao contrário do que se diz e pensa, a psicoterapia no Brasil foi introduzida por médicos entusiastas e autodidatas, que formaram suas experiências empiricamente e nisto foram bem sucedidos, ajudando a divulgar entre nós a novidade que aqui aportara da Europa.

Finalmente, uma nota sobre o importante cluster de pesquisas publicadas no The Lancet de 13 de dezembro deste ano, coletivamente denominado Global Burden of Disease 2010, é resumidamente apresentado por Fernando Portela Câmara e Antonio Geraldo da Silva. Este documento, que estuda o aumento da expectativa de vida e seu impacto na qualidade de vida da população mundial, no período de 1990 a 2010, começa agora a ser discutido em todas as esferas de planejamento e gestão da saúde pública. Os autores comentam o documento e mostram porque o maior desafio se encaminha para a psiquiatria.

Desejamos uma boa e proveitosa leitura a todos.

Os editores

Qualidade na informação científica

////////////// edItorIAlopInIão

Antonio GerAldo dA SilvAEditor

João romildo buenoEditor

Conheça e acesse:http://www.semcad.com.br/semcad/programas/propsiq/

Page 3: Revista Debates Jan Fev 2013

4 revista debates em psiquiatria - Jan/Fev 2013

diretoriA executivA

Presidente: Antonio Geraldo da Silva - DF

Vice-Presidente: Itiro Shirakawa - SP

1º Secretário: Luiz Illafont Coronel - RS

2º Secretário: Mauricio Leão - MG

1º Tesoureiro:João Romildo Bueno - RJ

2º Tesoureiro:Alfredo Minervino - PB

SecretárioS reGionAiS

Norte: Paulo Leão - PANordeste: José Hamilton Maciel Silva Filho - SECentro-Oeste: Salomão Rodrigues Filho - GOSudeste: Marcos Alexandre Gebara Muraro - RJSul: Cláudio Meneghello Martins - RS

conSelho FiScAl

Titulares:Emmanuel Fortes - ALFrancisco Assumpção Júnior - SPHelio Lauar de Barros - MG

Suplentes:Geder Ghros - SCFausto Amarante - ESSérgio Tamai - SP

ABP - Rio de JaneiroSecretaria Geral e Tesouraria

Av. Rio Branco, 257 – 13º andar salas 1310/15 –CentroCEP: 20040-009 – Rio de Janeiro - RJ

Telefax: (21) 2199.7500Rio de Janeiro - RJ

E-mail: [email protected]: [email protected]

//////////// eXPedIeNteeditoreSAntônio Geraldo da SilvaJoão Romildo Bueno

editoreS ASSociAdoSItiro ShirakawaAlfredo MinervinoLuiz Carlos Illafont CoronelMaurício LeãoFernando Portela Camara

conSelho editoriAlAlmir Ribeiro Tavares Júnior - MG Ana Gabriela Hounie - SPAnalice de Paula Gigliotti - RJCarlos Alberto Sampaio Martins de Barros - RS Carmita Helena Najjar Abdo - SPCássio Machado de Campos Bottino - SPCésar de Moraes - SPElias Abdalla Filho - DFÉrico de Castro e Costa - MGEugenio Horácio Grevet - RSFausto Amarante - ESFernando Portela Câmara - RJFlávio Roithmann - RSFrancisco Baptista Assumpção Junior - SPHelena Maria Calil - SPHumberto Corrêa da Silva Filho - MGIrismar Reis de Oliveira - BAJair Segal - RSJoão Luciano de Quevedo - SCJosé Alexandre de Souza Crippa - SPJosé Cássio do Nascimento Pitta - SPJosé Geraldo Vernet Taborda - RSJosimar Mata de Farias França - ALMarco Antonio Marcolin - SPMarco Aurélio Romano Silva - MGMarcos Alexandre Gebara Muraro - RJMaria Alice de Vilhena Toledo - DFMaria Dilma Alves Teodoro - DFMaria Tavares Cavalcanti - RJMário Francisco Pereira Juruena - SPPaulo Belmonte de Abreu - RSPaulo Cesar Geraldes - RJSergio Tamai - SPValentim Gentil Filho - SPValéria Barreto Novais e Souza - CEWilliam Azevedo Dunningham - BA

conSelho editoriAl internAcionAlAntonio Pacheco Palha (Portugal), Marcos Teixeira (Portugal), José Manuel Jara (Portugal), Pedro Varandas (Portugal), Pio de Abreu (Portugal), Maria Luiza Figueira (Portugal), Julio Bobes Garcia (Espanha), Jerónimo Sáiz Ruiz (Espanha), Celso Arango López (Espanha), Manuel Martins (Espanha), Giorgio Racagni (Italia), Dinesh Bhugra (Londres), Edgard Belfort (Venezuela)

Jornalista Responsável: Lucia FernandesProjeto Gráfico, Editoração Eletrônica e Ilustração: Lavinia GóesProdução Editorial: Luan ComunicaçãoImpressão: Gráfica Editora Pallotti

Page 4: Revista Debates Jan Fev 2013

5Jan/Fev 2013 - revista debates em psiquiatria

//////////////////// íNdIcejAn/fEV 2013

6/artigoPsicopatologia e Classificação em Psiquiatria

por J. L. Pio Abreu

18/artigoTratamento da Depressão no Climatério

por renAn rochA, JoeL rennó Jr, hewdy Lobo ribeiro, AmAury cAntiLino,

Jerônimo de ALmeidA mendes ribeiro, renAtA demArque JuLiAnA Pires cAvALsAn,

GisLene cristinA vALAdAres e Antonio GerALdo dA siLvA

26/artigoServiços substitutivos em saúde mental:

o desafio da inclusão socialpor césAr AuGusto trintA weber

36/artigoIntrodução da psicoterapia na medicina brasileira:

1887-1889por FernAndo PorteLA câmArA

44/nota técnicaReflexões sobre o projeto Global Burden of Disease

Study 2010por FernAndo PorteLA câmArA e

Antonio GerALdo dA siLvA

* As opiniões dos autores são de exclusiva responsabilidade dos mesmos

Page 5: Revista Debates Jan Fev 2013

6 revista debates em psiquiatria - Jan/Fev 2013

ArtIGo de AtuAlIzAçãopor j. L. pIo ABREu 1

PSIcOPATOlOGIA e clASSIfIcAçãO em PSIquIATRIA

PSyChoPaTholoGy anD PSyChIaTRIC clASSIfIcATIOn

ResumoA saúde mental, antes focada principalmente na patologia psi­

quiá trica, tem como objeto de estudo todo o contexto biopsicossocial no qual o sujeito está inserido. Além disso, mais recentemente, tem surgido maior interesse na investigação das possíveis diferenças entre gêneros.

Sobre a mente feminina, é imprescindível que os profissionais da saúde tenham a atenção e o conhecimento necessários sobre os transtornos psíquicos associados ao ciclo reprodutivo, devido tamanha repercussão que causam não somente à paciente.

Diversas questões ainda estão em aberto no que se refere a um tema tão amplo quanto à saúde mental da mulher. Neste artigo traremos um breve panorama histórico, atualidades e perspectivas.

Palavras-chave: Mulher; Cuidado; Saúde Mental.

AbstractMental health, formerly focused on the psychiatric pathology,

has as main goal of study the biopsychosocial context in which the patient lives. Also, more recently, there has been a greater interest in the investigation of the possible implications of the gender in mental health. Regarding the women’s mind, it’s crucial that health carers pay attention to the mental disorders related to the reproductive cycle, and its repercussions over the patients and those near her.

Several issues regarding women s mental health remain open to discussion and studies. In this article a brief introduction is made on its historical facts, current concepts and future perspectives

Keywords: Woman; Care; Mental Health.

Psicopatologia e classificações em Psiquiatria

Não se poderia imaginar o desenvolvimento da Química e da Biologia sem as classificações fundadoras de Lineu e Mendeleiev. Poucas pessoas sabem, porém, que Lineu era médico e foi influenciado por um outro

médico, “outro médico, seu contemporâneo, o francês Boissier de Savages.”

Na verdade, Savages tinha publicado uma classificação siste-mática das doenças de acordo com os princípios enumerados por Thomas Sydenham, outro médico inglês do século XVII.

Desde Hipócrates que as doenças eram nomeadas e, de certo modo, agrupadas. Os taxonomistas dos séculos XVII e XVIII, como Sydenham e Boissier de Savages, entendiam que haveria lugar para uma classificação sistemática das doenças, tal como elas apareciam na natureza. Para tal seria preciso distinguir as suas características essenciais, ou seja, aquelas que permaneciam independentemente das variações acidentais. Por exemplo, Boissier de Sauvages considerou a existência de 10 classes mórbidas: doenças superficiais, febris, inflamatórias, convulsivas, paralisantes, dolorosas, dispneicas, vesânicas, evacuatórias e caquexiantes. Uma segunda qualificação era definida em função da localização, da função ou da evolução. As doenças vesânicas, que correspondiam às doenças mentais, dividir-se-iam em delirantes, imaginantes e apetitivas.

As regras de Sydenham ainda informam as classificações actuais, embora em muitos casos se tenha dado realce à etiologia, mais do que à sua natureza. Contudo, isso aconteceu porque, a partir da natureza das doenças, se foi descobrindo a sua etiologia. Por exemplo, descobriu-se que a maioria das doenças febris era causada por agentes infecciosos ou parasitários, pelo que o agrupamento natural, caracterizado essencialmente pela febre, foi substituído pelo conjunto das doenças infecciosas e parasitárias.

Page 6: Revista Debates Jan Fev 2013

7Jan/Fev 2013 - revista debates em psiquiatria

j. L. pIo ABREu1 Professor de Psiquiatria da Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra.

Aliás, esta evolução segue o procedimento do modelo médico1: colhem-se primeiro os sintomas para chegar ao diagnóstico e, encontrado este, pensa-se no tratamento ou na etiologia, quando o conhecimento desta última ajuda o tratamento.

No tempo de Sauvages e Lineu, também o escocês William Cullen organizou uma classificação que foi adoptada nos Registos Centrais de Inglaterra para a definição das causas de morte. William Farr usaria essa classificação que, apesar de imperfeita, na sua opinião, serviu para a execução dos importantes estudos sobre a cólera2, os quais demonstraram que esta provinha de certas zonas onde a água estaria infectada. Desde então, a importância de uma classificação consensual tornou-se evidente, levando a várias reuniões internacionais sobre o assunto. No I Congresso Internacional de Estatística, realizado em Bruxelas, em 1853, o próprio William Farr foi encarregado de organizar uma lista sobre as causas de morte. Em 1855 seria apresentada a sua lista, que incluía cinco grupos (epidémicas, constitucionais, localizadas, do desenvolvimento e resultantes de violência) contra a do seu colega Marc D’Espine, de Genebra, que as agrupava segundo a natureza, numa formulação mais próxima dos taxonomistas originais. O congresso adoptou um compromisso entre ambos com 139 rubricas3.

Esta lista foi revista em 1864, em 1874, em 1883 e em 1886, embora não fosse universalmente aceite. Em 1891, num encontro, em Viena, do Instituto Internacional de Estatística, um médico francês, Jacques Bertillon, chefe dos Serviços de Estatística da cidade de Paris, apresentou uma lista que era a síntese das classificações germânica, suíça e inglesa, onde se distinguia, seguindo as indicações de Farr, entre as doenças gerais e as localizadas em certos órgãos ou localizações anatómicas. Esta lista seria posteriormente aceite por vários países da Europa e da América, constituindo a 1.ª Edição da Classificação Internacional das Causas de Morte, também conhecida pela classificação Bertillon.

Estando assente que esta classificação deveria ser revista de dez em dez anos, as revisões seguintes realizaram-se sob a égide do Governo Francês, a segunda em 1900 e a terceira em 1909. A quarta revisão, em 1919, ocorreu já depois da morte de Bertillon, mas recebeu o apoio da Organização de Saúde da Liga das Na-ções, através do médico chefe da sua Comissão de Peritos em Es-ta tística, Emil Eugen Roesle. Entretanto, várias vozes, incluindo as dos fundadores das classificações de causas de morte, entendiam que seria útil uma lista de todas as morbilidades, incluindo as que não levassem à morte. Este desígnio foi obtido pela subdivisão de alguns dos títulos das causas de morte. Na quinta revisão, o Canadá tinha publicado a sua lista codificada que seguia muito de perto

a lista das causas de morte. Porém, ela não foi consensualmente aceite pelos outros países.

Em 1946 realizava-se, em Paris, a Conferência Internacional para a sexta revisão da Lista Internacional das Doenças e Causas de Morte. A questão das morbilidades estava então decididamente colocada, beneficiando de publicações provisórias, intensa dis cus-são anterior e do trabalho de uma comissão de peritos. O resul-tado foi a Classificação Estatística Internacional das Doenças, Trau matismos e Causas de Morte, que foi aprovada na Primeira Assembleia Mundial de Saúde em 1948, data da publicação, pela Organização Mundial de Saúde, do seu manual.

A ICD6 e a DSM-I

A sexta revisão da Classificação Internacional das Doenças definiu, em linhas gerais, o esquema das classificações posteriores, incluindo as actuais. Foi também aquela onde as doenças mentais se viram incluídas pela primeira vez, e esteve na origem da primeira classificação americana, a DSM-I (Manual de Diagnóstico e Estatística das Doenças Mentais). Nesta altura, já a nosologia psiquiátrica estava bem estabelecida por dois autores de origens distintas: Kraepelin, sucessor dos alienistas, e Freud, na linha das psicoterapias ambulatórias. Kraepelin está na esteira de Pinel, também ele um nosologista que, apesar de conhecer a etiologia de algumas doenças (a anatomia patológica já demonstrara a relação entre cérebro e psicopatologia, pelo menos no caso das demências), acabou por estabelecer uma classificação baseada na apresentação sintomática. Freud, pelo contrário, foi distinguindo e nomeando quadros sintomáticos uniformes, mas atribuindo-lhes uma etiologia específica, neste caso sexual, que mais tarde informaria a teoria da líbido.

A dupla origem da nosologia psiquiátrica manter-se-ia na sexta e posteriores revisões da Classificação Internacional das Doenças, bem como nas classificações americanas, sob a dicotomia entre psicoses e neuroses (ou psiconeuroses). Na revisão de 1948, quando os psicofármacos não eram ainda conhecidos, os quadros neuróticos (ansiosos, fóbicos, obsessivos, histéricos e um sem-número de patologias somáticas e orgânicas que, supostamente, teriam uma origem psicológica) eram designados por reacções, supondo-se assim que eles resultavam de uma resposta da mente a certos tipos de vivências. A teoria de Freud não era universalmente aceite, mas a ideia de que certas patologias podiam ser entendidas em função dos acontecimentos que lhes davam origem, estava estabelecida na própria designação. As vivências traumáticas, por exemplo, estavam frequentemente ligadas à patologia histérica

Page 7: Revista Debates Jan Fev 2013

8 revista debates em psiquiatria - Jan/Fev 2013

(dissociativa e conversiva). Já na oitava revisão4, em 1965, as neuroses deixam de ser entendidas como reacção. Tal mudança pode ser explicada pelo facto de se viver então em plena época dos psicofármacos, com a esperança de que estas patologias fossem tratadas com medicamentos específicos, tal como ia acontecendo noutras áreas da medicina. Em compensação, apareciam, no capítulo das neuroses, as “perturbações situacionais transitórias”, conhecidas posteriormente como “perturbações de ajustamento”, que implicavam a ideia de reacção mas se desvinculavam das formas neuróticas clássicas. Por seu turno, algumas psicoses (paranóides, com excitação ou depressão, confusionais) poderiam ser classificadas como reacções.

De qualquer modo, a lista de doenças alargava-se e os diagnósticos eram muito vagos e subjectivos, ao sabor do psiquiatra – e das teorias que o informavam – que fazia o diagnóstico. Em 1973, um estudo patrocinado pela Organização Mundial de Saúde detectou enormes discrepâncias no diagnóstico de esquizofrenia, sobretudo nos Estados Unidos e União Soviética5. A situação era grave, pois este diagnóstico podia inibir os cuidados maternos das mães americanas. Por outro lado, a investigação empírica, que então se iniciava para a avaliação do efeito dos psicofármacos, necessitava de diagnósticos válidos. Um psiquiatra americano, John Feigner6, dedicou-se a recolher, junto dos seus colegas, os critérios que os levavam a diagnosticar as principais patologias psiquiátricas. Estes critérios, inicialmente intencionados para a investigação, acabaram por incorporar a DSM-III.

A DSM-III e a crise actual da nosologia psiquiátrica.

No fim dos anos 70 aparecem a ICD-9 e a DSM-III, em estreita relação uma com a outra. Pela primeira vez, são introduzidos – na classificação americana, em 1980 – os critérios operacionais para a classificação das doenças, entretanto chamadas disorders (perturbações, transtornos ou distúrbios), embora este termo fosse equivalente a síndrome. As classificações psiquiátricas atingiam então uma dimensão pública, pelo que a actividade dos lobbies (minorias sexuais, veteranos da guerra e empresas farmacêuticas)7

se fazia então notar. Por outro lado, assistia-se, sobretudo nos Estados Unidos, ao declínio da psicanálise em favor da psiquiatria biológica. Em consequência, a DSM-III introduziu a figura do ataque de pânico, ligado a várias patologias ansiosas e fóbicas, e desmembrou a neurose histérica, cujas patologias passaram a ser designadas por perturbações dissociativas e conversivas, perturbações de somatização e personalidade histriónica.

Dada a enorme discussão sobre a etiologia psicológica das perturbações psiquiátricas, a DSM-III tentou ser ateórica, que-dando-se pelos consensos empíricos. Não o logrou de todo, acabando por introduzir alguns diagnósticos ligados a etiologias específicas, como a perturbação de stress, aguda e pós-traumática, a par das perturbações do ajustamento. No entanto, foi aceite uma classificação axial, em que nos eixos secundários se podia registar alguns factores de vulnerabilidade e stress psicossocial. Finalmente, na sua busca de um estatuto ateórico, a DSM-III assumiu-se como politética, ou seja, todos os sintomas tinham uma importância igual para o diagnóstico. Deixaram assim de ser considerados os sintomas patognomónicos, primários e fundamentais, que os psicopatologistas clássicos se tinham esforçado por esclarecer. No mesmo sentido também se tentou acabar com a clássica regra hierárquica. Esta regra implicava que a patologia orgânica excluísse as patologias psicóticas não orgânicas e que estas excluíssem as patologias neuróticas, que também tinham uma hierarquia entre si. A alteração destas regras, porém, só foi conseguida na revisão intercalar da classificação americana (DSM-III-R), concluída em 1987.

As revisões seguintes das classificações americanas e interna-cional (DSM-IV, DSM-IV-TR e ICD-10) fizeram pequenos ajustamentos mas seguiram as opções da DSM-III-R. A investigação empírica, apoiada em diversas escalas e entrevistas-padrão, e em pro cessos estatísticos complexos, acabou por se desenvolver em toda a linha. Contudo, novos problemas começaram a surgir. Em primeiro lugar, a ausência dos critérios hierárquicos levou ao estudo das comorbilidades. Estas, porém, revelaram-se muito mais frequentes do que era esperado8, e raras eram as patologias puras. Além disso, os quadros nosológicos, por muito bem definidos que fossem, tinham limites esfumados com outras patologias. Verificava-se ainda que alguns quadros, diferentes entre si, respondiam ao tratamento com os mesmos medicamentos. Finalmente, cessavam as esperanças de encontrar marcadores biológicos característicos de uma patologia específica. Os estudos genéticos que, entretanto, começaram a aparecer, revelam ainda que as patologias psiquiátricas têm, em geral, uma hereditariedade poligénica, e que muitas alterações genéticas são comuns a várias doenças.

Os diagnósticos dimensionais

Todas estas constatações estavam – e estão – a pôr em causa o diagnóstico psiquiátrico, pelo menos nos termos em que ele está definido, e em contraste com os restantes diagnósticos médicos.

ArtIGo de AtuAlIzAçãopor j. L. pIo ABREu 1

Page 8: Revista Debates Jan Fev 2013

9Jan/Fev 2013 - revista debates em psiquiatria

Na transição para as novas classificações (ICD-11 e DSM-V), este problema tem estado na ordem do dia. Sob influência das escalas psicométricas e entrevistas padronizadas, muitos autores têm proposto a introdução de diagnósticos dimensionais , na presunção de que estes se adaptariam melhor aos achados genéticos e bioquímicos. Contudo, não está esclarecido o que se pode entender por dimensão. Na verdade, as dimensões podem ser entendidas como: (1) existindo no interior de uma entidade clínica; (2) correspondentes a cada entidade clínica; (3) independentes das entidades clínicas; (4) existindo no exterior das entidades clínicas10.

Dimensões interiores às entidades clínicas. As dimensões existentes no interior das entidades clínicas já definidas tomam como modelo o autismo, que inclui três critérios diagnósticos aparentemente independentes: perturbação da interacção social, prejuízo da comunicação e interesses restritos com padrões repetitivos de comportamento. Cada uma destas áreas poderia ser medida por diversas escalas que se têm elaborado, embora subsista a discussão sobre o número e a independência das dimensões consideradas11. Noutras entidades clínicas, como as psicoses ou perturbações obsessivas12, a análise factorial tem definido uma estrutura latente composta de algumas dimensões.

Dimensões correspondentes às entidades clínicas. Mas as dimensões podem também corresponder às próprias enti-dades clínicas, medidas pelas escalas psicométricas, como se faz frequentemente no caso das depressões. Esta estratégia, frequen-temente usada nos ensaios clínicos, tem a suposta vantagem de incluir informação sobre a gravidade da doença e de não desprezar os casos subliminares. Aliás, a deficiência mental, a primeira entidade clínica a beneficiar de testes psicométricos, foi sempre classificada em termos dimensionais.

Dimensões independentes das entidades clínicas. Por outro lado, as dimensões podem ser independentes das entidades clínicas conhecidas, sendo que estas poderiam resultar do seu cruzamento. O exemplo mais apontado é o das personalidades13, que podem partilhar traços entre si, na suposição de que, da intersecção de algumas dimensões, podem resultar os tipos de personalidades conhecidos. Na verdade, verificam-se algumas convergências neste campo, mas não é consensual o número nem o tipo de dimensões consideradas14. Estas propostas têm nascido dos estudos psicométricos, são intencionadas para corresponder a fenótipos genéticos, mas nem sempre são aceites pelos clínicos. Algumas destas dimensões, como o evitamento do dano (harm

avoidance), procura de novidade (novelty seeking) e dependência da recompensa (reward dependence)15, podem interferir não só nos aspectos temperamentais da personalidade, mas também nas outras patologias.

Dimensões exteriores às entidades clínicas. As dimensões podem assim ser exteriores a diversas patologias, quer concorrendo para as definir através do seu cruzamento, quer constituindo aquilo que está subjacente a várias patologias. Neste último sentido tem-se falado, por exemplo, na dimensão externalização16 – oposta a internalização – que pode englobar a dependência de drogas, personalidade anti-social e outros traços das personalidades do grupo B. Tais patologias apareceriam assim como um espectro definido pela dimensão em causa. Aliás, o conceito de espectro começa a ser usado em alternativa ao de dimensão. As suas origens são, porém, mais empíricas, na medida em que tem sido corrente considerar o espectro do autismo que pode englobar o próprio autismo, a síndrome de Asperger, a Perturbação Global do Desenvolvimento e mesmo a personalidade Esquizóide. Ulti-mamente, a noção de espectro tem-se aplicado a várias outras patologias.

Crítica do conceito de dimensão. Apesar do esforço feito para

a introdução das dimensões nas futuras classificações das doenças mentais, o próprio conceito de dimensão permanece vago e indefinido. Ele aparece como o último grito de uma certa forma de tornar a psiquiatria mais científica, com a aplicação de escalas quantitativas e do seu tratamento estatístico. Não é, porém, seguro que esta forma de ver a psiquiatria seja a mais adequada, pois sofre de um empirismo excessivo e de uma pretensa qualidade ateórica. Quer isto dizer que se faz tábua rasa de todos os estudos psicopatológicos clássicos e mesmo dos conhecimentos neurocientíficos. Mas este novo cientifismo ateórico resulta de consensos tanto mais vagos quanto mais alargados, e de escalas assinadas que vão proliferando com aceitação limitada e que acabam por incorporar alguma teoria. Na verdade, pode-se per-guntar se o ateoricismo não será apenas um mito ou se será assim tão desejável.

O grande problema das dimensões é, porém, a sua dificuldade de aceitação por parte dos psiquiatras clínicos. Os psiquiatras são médicos e, portanto, utilizam a metodologia clínica que se baseia no diagnóstico. Ora, o diagnóstico, incluindo o diagnóstico diferencial, é um construto qualitativo, não quantitativo. Apesar da recente denominação de disorder, os psiquiatras clínicos continuam a tratar “doenças”, quando muito “síndromes”, tal como

Page 9: Revista Debates Jan Fev 2013

10 revista debates em psiquiatria - Jan/Fev 2013

em qualquer outro ramo da medicina. O único problema é que o conceito de doença mental está mal definido. Para isso também contribuiu o facto de não se evidenciarem marcadores biológicos objectivos que a possam definir. Mas também é verdade que a presença de tais marcadores ou mesmo a descoberta etiológica, como na paralisia geral, na psicose de Korsakov, nas demências, na epilepsia ou na doença de Parkinson foi fazendo com que estas entidades passassem para o domínio da neurologia.

De qualquer modo, depois de um entusiasmo inicial, tem esta-bilizado, nos últimos anos, a importância que a literatura dispensa ao conceito de dimensão. Em seu lugar, fala-se cada vez mais de espectro17, que, como vimos, pode convergir com a noção de dimensão exterior às entidades clínicas.

O conceito de espectro. A ideia de um espectro de doenças estava implícita na definição das entidades psicóticas pelos psico-patologistas clássicos, desde Kraepelin até Bleuler e Jaspers. De facto, existia a noção de que, tanto as esquizofrenias (Bleuler chamava-lhes “o grupo das esquizofrenias”) como as psicoses maníaco-depressivas podiam adquirir formas distintas umas das outras, e às vezes atípicas em relação ao protótipo, ou mesmo em formas de transição. Este facto tem sido omitido pela recente homogeneização provocada pelas escalas de avaliação, frequentemente aplicadas por não-psiquiatras, e da necessidade de grandes casuísticas. Porém, a designação de espectro é presentemente assumida na definição do autismo, um pouco por causa da dupla descrição de Kanner e Asperger. O espectro obsessivo tem sido também muito referido, discutindo-se a possibilidade dele integrar as novas classificações18,19.

Curiosamente, a ideia de espectro tem sido cada vez mais referida na literatura psiquiátrica, e não só em relação ao espectro do autismo. Por exemplo, numa pesquisa recente de uma base de dados referente ao último ano, a expressão bipolar spectrum era referida um milhar de vezes, mas também eram frequentemente referidas, por ordem de frequência, obsessive­compulsive spectrum, anxiety spectrum, externalizing spectrum e schizophrenic spectrum. Estas referências vêm a propósito de estudos genéticos, familiares, factores de risco e muitos outros, onde, em vez de uma perturbação específica, se considera o espectro que essa perturbação define. Assim, a definição é auto-evidente e poucas vezes se esclarece.

Acontece que os estudos no interior de cada um destes espectros levam a incluir neles certas perturbações que, à partida, foram definidas como independentes, bem como algumas perturbações da personalidade ou próprias da infância e da adolescência. Na verdade, esta inclusão é ditada pela semelhança de alguns sintomas

que, portanto, se apresentam como nucleares para o espectro em causa. Como, porém, as classificações actuais são politéticas, ou seja, todos os sintomas têm um valor igual, os critérios de inclusão mantêm-se vagos ou indefinidos. Mas o que será que, sem ter sido definido explicitamente, leva a constituir espectros que, cada vez mais, e convergentemente, se tornam auto-evidentes?

Os mecanismos psicopatológicos como base de cada espectro

Quanto a nós, aquilo que se torna subjacente a cada espectro, são os mecanismos psicopatológicos que levam a certos sintomas nucleares20. Tais mecanismos foram amplamente estudados pelos psicopatologistas clássicos, mas resistem a fazer parte da ciência actual que se pretende ateórica, e muito mais das classificações que se querem empíricas. Porém, a consideração destes espectros é uma boa oportunidade para reintroduzir a psicopatologia clássica no conhecimento actual.

Um facto curioso é que os espectros que têm sido considerados são relativamente poucos, embora possam abranger os aspectos nucleares de todos os mecanismos psicopatológicos conhecidos e, por consequência, todas as entidades clínicas. Este facto contrasta com a diversidade etiológica que se vai conhecendo, sobretudo no que respeita aos genes e disfunções cerebrais. Para ser mais claro, uma quantidade grande e, às vezes, desigual de genes alterados e disfunções cerebrais acaba por convergir num número limitado de protótipos mórbidos. Uma possibilidade de explicação deste facto é admitir que, para além do efeito dos genes, que se considera bottom­up (da base para cima), pode existir uma reacção top­down (do topo para baixo), como se o cérebro tivesse respostas limitadas às diversas perturbações que vêm dos genes ou de outra alteração biológica. No fim de contas, será essa resposta que, orientada por diversos mecanismos psicopatológicos, determina as doenças que se incluem em cada espectro. Cada espectro psicopatológico seria, assim, o caminho final das diversas e diferentes alterações biológicas que estão na base das perturbações psiquiátricas.

Neurociências. Com os conhecimentos neurocientíficos actuais, seria desajustado falar de mecanismos psicopatológicos que não tivessem em conta a organização cerebral21 e aquilo que é conhecido em relação às perturbações prototípicas de cada espectro. Aqui, porém, a tradicional divisão do cérebro entre sistema límbico e córtex cerebral, ou entre arqui, paleo e neocórtex, ajudam pouco. Aliás, como Nauta22 tentou demonstrar há umas dezenas de anos, é mais frutuosa a consideração dos andares

ArtIGo de AtuAlIzAçãopor j. L. pIo ABREu 1

Page 10: Revista Debates Jan Fev 2013

11Jan/Fev 2013 - revista debates em psiquiatria

que, do ponto de vista embriológico e filogenético, constituem o encéfalo: telencéfalo, diencéfalo, mesencéfalo, metencéfalo e mielencéfalo23.

Telencéfalo. O telencéfalo é o andar superior do encéfalo que, nos vertebrados inferiores, está ligado às vias olfactivas. No mundo aquático, as informações olfactivas são decisivas para o reconhecimento do território24, função esta que continua a ser desempenhada nalguns mamíferos mais evoluídos. A zona que processa estas informações é o hipocampo, relativamente desenvolvido nos próprios mamíferos, apesar das informações auditivas e visuais já terem, nestes, ascendido ao telencéfalo. No homem, as informações auditivas e visuais, mais importantes no reconhecimento do território, dominam as olfactivas. No entanto, qualquer lesão que envolva o hipocampo e estruturas adjacentes leva à desorientação e à perda da memória. Aliás, a linguagem humana, organizada à custa das informações visuais e auditivas, foca-se nos signos, que se podem equivaler aos marcadores territoriais (olfactivos, visuais, acústicos) e, assim, alargar o território humano até ao Universo. As capacidades cognitivas equivalem então à aptidão para reconhecer o território. Qualquer processo que afecte globalmente o telencéfalo, incluindo o hipocampo e as estruturas mais antigas (o paleoencéfalo), provoca desorientação e atinge a memória e as capacidades cognitivas. Estamos, portanto, a abordar o espectro das demências, se a evolução for crónica e localizada nas estruturas mais profundas, e do delirium, quando os processos são agudos e globais.

Uma notável diferença entre os humanos e os primatas mais evoluídos consiste na evolução do telencéfalo que mais do que triplica em volume e peso, sobretudo à custa das interligações pelos axónios longos que formam a massa branca neo-encefálica. Esta evolução tem, naturalmente, a ver com as complexas actividades cognitivas humanas. A maior parte delas aparece com o desenvolvimento da linguagem e da complexa relação entre significante e significado. Uma outra diferença é também decisiva e bastante complexa: a capacidade de reconhecer e distinguir cada uma das outras pessoas e de se reconhecer a si próprio. O reconhecimento do eu e dos outros tem sido investigado nos últimos anos, parecendo um processo bastante complexo em termos de mobilização da actividade cerebral, em parte dependente da aprendizagem com a experiência, e nunca completamente acabado. O mau funcionamento da parte mais recente do telencéfalo (neocórtex), à custa das suas vias longas, pode perturbar estas tarefas. Neste sentido, o espectro do autismo, que implica a incapacidade de reconhecer os outros, bem como o

espectro da esquizofrenia, que se caracteriza pela dificuldade de reconhecer os limites entre o “eu” e o outro, podem resultar da adaptação do neo-telencéfalo às dificuldades resultantes de certas exigências cognitivas num terreno biologicamente perturbado.

Diencéfalo. Intercalado entre o telencéfalo e os andares inferiores, o diencéfalo controla, através do tálamo, todas as informações ascendentes. Porém, o diencéfalo está ligado a duas glândulas – a pineal e a hipófise – que regulam todos os ritmos metabólicos e energéticos. O hipotálamo e, em especial, o seu núcleo supraquiasmático marcam estes ritmos, que tendem a sincronizar-se com os ritmos naturais e interpessoais. É conhecida a tendência para a sincronização fisiológica das pessoas que se relacionam entre si (por exemplo, a tendência para a sincronização do período menstrual das mulheres que coabitam). A perturbação dos ritmos é típica das manias e depressões. É pois muito plausível que estas patologias sejam determinadas neste andar encefálico.

Mesencéfalo. O mesencéfalo é representado pelos pedúnculos cerebrais e pelos colículos (ou tubérculos quadrigémios) que constituem a primeira estação das informações auditivas e visuais que ascendem ao córtex. Nos vertebrados inferiores, estas informações não ascendiam ao telencéfalo e processavam-se exclusivamente neste andar cerebral, desempenhando um papel importante na predação e defesa. É a partir dos mamíferos que o audiovisual se processa no córtex cerebral e passa a contribuir para o reconhecimento do território24. A fuga e a luta em resposta às ameaças, primitivamente organizadas no mesencéfalo, também ascendem ao telencéfalo e passam a ser processadas na amígdala e noutras estruturas límbicas. Mas é do mesencéfalo e das zonas adjacentes que partem as vias dopaminérgicas, noradrenérgicas e serotonérgicas que regulam estes comportamentos.

Os comportamentos de fuga e luta têm a ver com as situações ameaçadoras e são decisivos para a sobrevivência das espécies. As “necessidades de segurança” são prioritárias em relação a quaisquer outras, com excepção das necessidades básicas para a sobrevivência. As respostas patológicas às ameaças são constituídas pelas fobias (fuga patológica) e pelas paranóias (luta patológica). É pois plausível que estes comportamentos sejam geridos com alguma autonomia, relacionada com este andar cerebral e suas projecções, e que possam definir dois espectros patológicos.

Mielencéfalo. O andar mais inferior do encéfalo, que inclui o bolbo raquidiano, relaciona-se com os reflexos relacionados com a manutenção da homeostase interna. Estes reflexos, que

Page 11: Revista Debates Jan Fev 2013

12 revista debates em psiquiatria - Jan/Fev 2013

incluem actividades ligadas à alimentação e à respiração, mantêm-se activos nos mamíferos e nos humanos, mas sob dependência do telencéfalo límbico, através das vias que percorrem o feixe longitudinal posterior de Schultz, bem como o feixe médio do telencéfalo. A homeostase interna pode ser ligada, ao nível psicológico, à sensação de prazer ou desprazer. O facto de estas funções estarem agora desligadas dos simples reflexos e terem ascendido ao telencéfalo também pode explicar que elas possam ser modificadas ou inibidas temporariamente. Por outras palavras, o desígnio reflexo da homeostase interna transforma-se, nos mamíferos e humanos, na procura do prazer através da actividade consumptiva.

A actividade consumptiva (ou apetitiva) pode ser inibida voluntariamente nos humanos. Essa inibição ocorre devido ao conhecimento consciente das consequências do consumo. E, quando isso acontece, pode ocorrer um conflito entre prazer e dever, entre impulsos e consciência. A psicopatologia tem estudado amplamente estes conflitos, a partir dos trabalhos seminais de Freud. Os chamados “mecanismos de defesa” e de copyng constituem uma codificação recente das várias formas de resolver estes conflitos. Podemos, entretanto, sistematizar estes mecanismos em duas formas genéricas: aquelas em que vence a consciência, tentando anular os impulsos (repressão, deslocamento, formação reactiva), e aquelas em que vencem os impulsos, tentando anular a consciência (acting­out, racionalização, regressão, dissociação). As primeiras estão na base do espectro de perturbações obsessivas; as segundas estão na base das perturbações dissociativas e psicopáticas, ou seja, as que podem ser consideradas sob o nome de “espectro externalizante”.

A pirâmide das necessidades humanas. A organização

do sistema nervoso por andares encefálicos não será uma mera curiosidade, mas pode ser uma consequência daquilo que se torna necessário à sobrevivência de um organismo autónomo. A um nível empírico, estas “necessidades” têm sido consideradas num modelo bastante popular e com ampla aplicação: a pirâmide das necessidades humanas de Maslow25. Para este autor, existem necessidades prioritárias, que ocupam a base de uma pirâmide, e cuja realização é um pressuposto para que as outras necessidades sejam satisfeitas. Logo acima das necessidades básicas, que assinalámos como originárias do mielencéfalo, encontram-se as necessidades de segurança, que se podem originar a partir do mesencéfalo. Curiosamente, uma profissional de enfermagem, Virgínia Henderson, acrescentou à lista as necessidades posturais26.

O estabelecimento de uma postura adequada é processado

no cerebelo, ligado a outro andar encefálico, o metencéfalo (protuberância ou ponte), que se intercala entre o mielencéfalo e o mesencéfalo. Estes três andares, que ocupam a base do encéfalo, correspondem assim, ponto por ponto, a uma hierarquia de necessidades prioritárias: básicas (mielencéfalo), posturais (metencéfalo) e de segurança (mesencéfalo). É auto-evidente que um organismo nada poderá fazer (nem satisfazer outras necessidades) se não mantiver os seus nutrientes e componentes essenciais. Só depois de estes estarem assegurados poderá equilibrar-se e movimentar-se, apelando ao metencéfalo e ao cerebelo. Mas, sem esta última função garantida, também nada mais poderá fazer, tão-pouco fugir ou lutar para assegurar a sua sobrevivência.

Acima das necessidades de segurança, Maslow coloca as necessidades de pertença, amor e intimidade. Estas, por sua vez, apontam para a relação interpessoal. Ora, um relacionamento interpessoal consiste sempre numa sincronização de ritmos. Para que duas ou mais pessoas se encontrem, seja para o que for, têm de assegurar a co-presença num espaço comum em dado tempo. Os relacionamentos íntimos implicam uma maior sincronização de ritmos, pois se supõe o adormecer e acordar simultâneos, o mesmo se passando com as refeições e outros marcadores de ritmos. Os ritmos energéticos e fisiológicos podem também sincronizar-se, tanto mais quanto mais profundo for o relacionamento. Todos estes ritmos podem ser sincronizados através do diencéfalo, que é o andar que se encontra logo acima do mesencéfalo.

O andar superior é o telencéfalo, onde se processam as actividades cognitivas, que estão na continuidade do reconhecimento do território, e ainda essa capacidade de reconhecer o “eu” e os outros. Maslow coloca, logo acima das necessidades de pertença, as necessidades ligadas à auto-estima e à realização pessoal, qualquer delas relacionadas com o reconhecimento da expansão do eu. Estas necessidades são abrangentes e complexas, mas só se podem cumprir depois de asseguradas as anteriores. Porém, elas podem ser perturbadas quando, por um lado, os sujeitos não conseguem reconhecer o outro ou distinguir o eu, como acontece nos espectros do autismo e da esquizofrenia, ou, por outro lado, quando estão afectadas as capacidades mnésicas e cognitivas, como no delirium e nas demências.

As perguntas de partida

Existe assim uma convergência entre a estruturação anatómica e funcional dos andares cerebrais e diversas constatações empíricas relacionadas com a motivação humana, como as de Maslow. O

ArtIGo de AtuAlIzAçãopor j. L. pIo ABREu 1

Page 12: Revista Debates Jan Fev 2013

13Jan/Fev 2013 - revista debates em psiquiatria

mais interessante é que esta estruturação permite englobar os principais espectros das perturbações mentais, tal como têm sido considerados na literatura recente. Para os definir, podemos então considerar seis perguntas de partida, cujas respostas podem sintetizar os mecanismos psicopatológicos implicados em cada um dos espectros:

1. O sujeito orienta-se nos seus territórios?Uma desorientação súbita com prejuízo global das funções

cognitivas define o delirium. São conhecidas várias etiologias para esta síndrome, parecendo que o encéfalo, neste caso o telencéfalo, incluindo as suas partes mais arcaicas, reage a todas da mesma maneira. Pode então falar-se do espectro do delirium. Alguns quadros semelhantes, como o delirium excitado, a psicose de Korsakoff ou mesmo algumas psicoses que ocorrem no decurso da epilepsia, podem incluir-se ainda neste espectro. Noutras situações, a perturbação é crónica, afectando progressivamente as capacidades mnésicas e cognitivas, mas levando a uma progressiva incapacidade de reconhecimento do território. Apesar de diferentes etiologias, alguns autores preferem falar do espectro das demências27, pois a delimitação entre elas é cada vez mais frouxa à medida que os quadros evoluem para uma situação terminal.

2. O sujeito reconhece e distingue o “eu” e o outro?Existem vários pormenores que levam a supor que o autismo e

a esquizofrenia ocupem os extremos de uma mesma dimensão28. De facto, pode hoje perceber-se que o grande problema das perturbações que pertencem ao espectro do autismo (autismo, síndrome de Asperger, perturbação global do desenvolvimento e personalidade esquizóide) consiste na incapacidade de compreender os outros, enquanto os sintomas nucleares da esquizofrenia correspondem à perturbação da unidade e dos limites do eu. No espectro da esquizofrenia estão geralmente incluídas, para além da entidade paradigmática, a personalidade esquizotípica, a perturbação esquizofreniforme, a parafrenia (por muitos considerada esquizofrenia de início tardio) e a perturbação esquizo-afectiva, embora por vezes também incluam as personalidades paranóides e as psicoses delirantes29,30. Existem, porém, argumentos para não incluir estas últimas31, sobretudo se considerarmos o espectro esquizofrénico baseado nas perturbações do “eu”32. Tanto a personalidade paranóide como as psicoses delirantes podem ser entendidas, não como uma perturbação da unidade do eu, mas como um modo especial de reagir às ameaças.

3. O sujeito está sincronizado com o ambiente e outras pessoas?

A sincronização fisiológica com os ritmos ambientais, como os circadianos, é decisiva para o bem-estar e encontra-se perturbada nas depressões e manias. Por outro lado, os relacionamentos pessoais também subentendem uma sincronização interpessoal que, nas relações mais significativas, chega a uma sincronização fisiológica. A perda de uma pessoa significativa – o luto – é o protótipo das depressões, as quais levam ao isolamento social e a alterações dos ritmos circadianos. Recentemente, alguns autores33

têm entendido a paixão romântica como protótipo de uma mania. Na verdade, os indivíduos apaixonados lutam pelo início de uma relação, ou seja, por uma sincronização interpessoal. A coordenação dos ritmos é processada no diencéfalo, e as suas perturbações determinam o espectro bipolar, nele incluídas as depressões e manias.

4. Como responde o sujeito às vivências ameaçadoras?Já vimos como o mesencéfalo e as estruturas adjacentes são

importantes no processamento das respostas de fuga ou luta perante uma ameaça, e como elas são prioritárias na sobrevivência competitiva das espécies. Naturalmente, a decisão por uma ou outra das respostas pode depender de uma avaliação dos recursos do ser ameaçado e da importância da ameaça. Desta avaliação pode depender a sobrevivência de um animal. Porém, numa sociedade civilizada, a sobrevivência não fica geralmente em risco quando essa avaliação não é adequada. Mesmo que exista, objectivamente, uma grande desproporção entre a ameaça e os seus recursos para a enfrentar, nunca se chegará a uma derrota definitiva. Ainda perdendo, ele continuará a lutar de um modo patético, mas só o pode lograr por um enviesamento da realidade e por um conceito de si demasiado elevado. Neste caso, ele estará com um comportamento paranóide. Pode assim considerar-se um espectro das paranóias, distinto das esquizofrenias, que inclui as perturbações delirantes relacionadas com as paranóias, como os delírios grandiosos, místicos, erotomaníacos, de ciúmes. É uma questão discutível se os delírios hipocondríacos se podem incluir aqui ou se estarão mais próximos dos mecanismos obsessivos.

Noutro extremo das respostas à ameaça, podemos considerar as situações em que, apesar de a ameaça ser menor e os recursos individuais razoáveis, o indivíduo não os avaliar assim e acabar por fugir quando deveria enfrentar a situação ameaçadora e, eventualmente, lutar contra ela. Estamos aqui no campo da patologia fóbica. Depois da sua definição em 1980, o ataque de pânico tem-se tornado central nas perturbações fóbicas, fazendo

Page 13: Revista Debates Jan Fev 2013

14 revista debates em psiquiatria - Jan/Fev 2013

Referências• 1. Pio-Abreu JL. Comunicação e Medicina. Coimbra:

Virtualidade/Quarteto; 1998.• 2. Snow J. On the Mode of Communication of Cholera

(2nd ed.), London: Churchil; 1885. Reproduced in Snow on Cholera, Commonwealth Fund, New York, 1936. Reprinted by Hafner, New York, 1965.

• 3. World Health Organization (2010). History of the development of the ICD. Avaiable from http://www.who.int/classif ications/icd/en/HistoryOfICD.pdf (November 2012).

• 4. The Commitee on Nomenclature and Statistics of the American Psychiatric Association. DSM II Diagnostic and Statistics Manual of Mental Disorders (Second Edition). Washington DC: American Psychiatric Association; 1968.

• 5. World Health Organization. Report of the International Pilot Study of Schizophrenia. Geneva: WHO; 1973.

• 6. Feighner JP, Robins E, Guze SB, Woodruff RA, Winokur G, Munoz R (1972) Diagnostic criteria for use in psychiatric research. Arch Gen Psychiatry. 2011; 26:57-63.

• 7. Shorter E (1977). Uma História da Psiquiatria. Da Era do Manicómio à Idade do Prozac (Orig. A History of Psychiatry. From the Era of the Asylum to the Age of Prozac, Wiley and Son). Lisboa: Climepsi Editores, 1977.

• 8. Aragona M (2009). The concept of mental disorder and the DSM-V. Dial Phil Ment Neuro Sci. 2009; 2 (1): 1-14.

• 9. Helzer JE, Kraemer HC, Krueger RF (2006). The feasibility and need for dimensional psychiatric diagnoses. Psychol Med. 2006; 36:1671-80.

• 10. Brown TA, Barlow DH. Dimensional Versus Categorical Classification of Mental Disorders in the Fifth Edition of the Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders and Beyond: Comment on the Special Section. Journal of Abnormal Psychology. 2005; 114 (4): 551–6.

• 11. Wing L, Gould J, Gillberg C (2011). Autism spectrum disorders in the DSM-V: Better or worse than the DSM-IV? Research in Developmental Disabilities. Res

com que a delimitação entre os vários tipos de fobia e a própria ansiedade generalizada seja muito ténue. Assim, um espectro fóbico, ou fóbico-ansioso, caracterizado pela incapacidade de enfrentar ameaças menores, quer pela amplificação destas, quer pela má avaliação dos recursos pessoais, pode incluir a perturbação de pânico, a ansiedade generalizada, a agorafobia, as fobias específicas, as fobias sociais e a personalidade evitante.

5. Como responde o sujeito às vivências conflituosas?Os conflitos intrapsíquicos, que tanto impressionaram os

psicanalistas, resultam geralmente de apetências instintivas a que a consciência se opõe. Poder-se-iam considerar como respostas às vivências apetitivas. Essas vivências são ditadas pelos impulsos, pulsões ou instintos, os quais correspondem a comportamentos que fazem parte do património de cada espécie, sendo par-cialmente moldados pela aprendizagem. Na espécie humana, estes comportamentos podem ser adiados, inibidos, modificados ou deslocados no seu objecto, dada a presença de comportamentos intencionais ditados pela antecipação das consequências ou pela consciência do dever. O conflito entre os impulsos e a consciência também se pode entender na base da relação e da interacção entre as estruturas límbicas, que resultaram da telencefalização dos andares inferiores, e neocorticais, sobretudo as do lobo pré-frontal.

Também aqui podemos considerar como espectros psicopa-tológicos os dois polos do conflito: ou vence a vontade e o dever através da inibição dos impulsos, ou vencem os impulsos através da anulação da consciência. A primeira destas respostas está na base dos mecanismos obsessivos, e a segunda define um espectro alargado de patologias que tem sido descrito como externalizante, dissociativo, psicopático e histriónico. Na falta de uma designação consensual, considerá-lo-emos como o espectro impulsivo-dissociativo. Nele se podem incluir as patologias antes agrupadas sob o nome de histeria (personalidade histriónica, perturbações conversivas e dissociativas) e ainda a personalidade anti-social. Apesar do seu estatuto nosológico incerto, a perturbação pós-stress traumático também se pode incluir neste grupo.

ArtIGo de AtuAlIzAçãopor j. L. pIo ABREu 1

José Luís Pio AbreuTrav da Rua Padre Manuel da Nóbrega, nº 6 – 5ºEsqº.

3000­323 Coimbra [email protected]

Page 14: Revista Debates Jan Fev 2013

15Jan/Fev 2013 - revista debates em psiquiatria

Dev Disabil. 2011; 32 (2):768-73.• 12. Mataix-Cols D, Rosario-Campos MC, Leckman JF.

A Multidimensional Model of Obsessive-Compulsive Disorder. Am J Psychiatry. 2005; 162:228–238.

• 13. Trull TJ, Durrett C (2005). Categorial and Dimensional Models of Personality Disorders. Annu Rev Clin Psychol. 2005; 1:355-80.

• 14. Esbec E, Echeburúa E. New criteria for personality disorders in DSM-V. Actas Esp Psiquiatr. 2011; 39(1):1-11

• 15. Cloninger CR (2002). Implications of Comorbidity for the Classification of Mental Disorders: The need for a Psychobiology of Coherence. In: M Maj, W Gaebel, JJ López-Ibor, N Sartorius (Edts), Psychiatric Diabgnosis and Classification. New York: John Wiley & Sons; 2002: 78-105.

• 16. Krueger RF, Markon KE, Patrick CJ, Iacono WG. Externalizing Psychopathology in Adulthood: A Dimensional-Spectrum Conceptualization and Its Implications for DSM–V. J Abnorm Psychol. 2005;114(4):537–50.

• 17. Aragona M. A bibliometric analysis of the current status of psychiatric classification: the DSM model compared to the spectrum and the dimensional diagnosis. Giorn Ital Psicopat. 2006; 12:342-51.

• 18. Lochner C, Stein DJ. Does work on obsessive–compulsive spectrum disorders contribute to understanding the heterogeneity of obsessive–compulsive disorder? Progress in Neuro-Psychopharmacology & Biological Psychiatry. 2006; 30:353–61.

• 19. Hollander E, Braum A, Simeon D. Should OCD leave the Anxiety Disorders in DSMV? The case for Obsessive Compulsive Related Disorders. Depression and Anxiety. 2008; 25:317-29

• 20. Pio-Abreu JL, Lucas RF. Psychopathology-based nosological spectra. European Psychiatry. 2010; 25 (Suppl 1): 612.

• 21. Pio-Abreu JL. Os estados da mente e os seus determinantes. In O Tempo Aprisionado: Ensaios não espiritualistas sobre o espírito humano. Coimbra: Quarteto; 2000: 109-37.

• 22. Nauta HJW. A Proposed Conceptual Reorganization

of the Basal Ganglia and Thelencephalon. Neuroscience. 1979; 4:1875-81.

• 23. Ariens-Kappers CU. The Evollution of the Nervous System in Invertebrates, Vertebrates and Man. Haarlen de Erven F. Bohn; 1929.

• 24. Hasler AD, Larsen J. The homing salmon. Sci Amer. 1955; 163:72-5.

• 25. Maslow A. A Theory of Human Motivation. Psychological Review. 1943; 50:370-96.

• 26. Henderson V. The Nature of Nursing. London: Collier Macmillan; 1996.

• 27. Robles A. Los complejos de las demencias degenerativas: una evolucion de la enfermedad al espectro [The complexes of degenerative dementias: an evolution from disease to spectrum]. Neurologia (Barcelona, Spain) 2009; 24(6):399-418.

• 28. Crespi B, Badcock C. Psychosis and autism as diametrical disorders of the social brain. Behavioral and Brain Sciences. 2008; 31:241–320.

• 29. Tienari P, Wynne LC, Sorri A, Lahti I, Laksy K, Moring J et al. Genotype / environment interaction in schizophrenia-spectrum disorder. Long-term follow-up study of Finnish adoptees. Brit J. Psychiatry. 2004;184:216-22

• 30. Nicolson R, Brookner FB, Lenane M, Gochman P, Ingraham LJ, Egan MF et al. Parental Schizophrenia Spectrum Disorders in Childhood-Onset and Adult-Onset Schizophrenia. Am J Psychiatry. 2003; 160:490–5.

• 31. Kendler K, Masterson CC, Davis K (1985). Psychiatric illness in first-degree relatives of patients with paranoid psychosis, schizophrenia and medical illness. Brit J Psychiatry. 1985;147: 524-31.

• 32. Raballo A, Parnas J. The Silent Side of the Spectrum: Schizotypy and the Schizotaxic Self. Schizophr Bull. 2011; 37(5): 1017-26

• 33. Thase, ME (2004). Mood Disorders: Neurobiology, in B Sadock and V Sadock (Eds.). Kaplan and Sadock’s comprehensive textbook of psychiatry, 8th. Ed. Lippincott, Williams & Wilkins, 2004: 1595.

Agradecimentos: As ideias principais deste trabalho foram apresentadas numa comunicação ao VI Congresso Nacional de Psiquiatria da Sociedade Portuguesa de Psiquiatria e Saúde Mental, em 7 de Dezembro de 2010, e constituem parte do 1º Capítulo de um livro a publicar pela Fundação

Calouste Gulbenkian: Elementos de Psicopatologia Explicativa. Financiamentos inexistentes.

Page 15: Revista Debates Jan Fev 2013

18 revista debates em psiquiatria - Jan/Fev 2013

ArtIGo de revISãopor REnAn RochA1, joEL REnnó jR2, hEwDy LoBo RIBEIRo3, AMAuRy cAnTILIno4, jERônIMo DE ALMEIDA MEnDES RIBEIRo5, REnATA DEMARquE6, juLIAnA pIRES cAVALSAn7, GISLEnE cRISTInA VALADARES8 e AnTonIo GERALDo DA SILVA9

ResumoNo gênero feminino, a Depressão destaca­se em função de sua

relevan­te prevalência ao longo dos anos reprodutivos. No clima­tério, principalmente na perimenopausa, há aumento significativo do número de casos, particularmente em associação com fogachos. Diversos antidepressivos demonstram eficácias semelhantes na po­pulação geral. Entretanto, pesquisas sugerem que é possí­vel selecio­nar de modo mais criterioso e específico os medicamentos antide­­pressivos para pacientes que apresentam Transtorno Depressivo Maior no cli­matério associado a sintomas vasomotores.

Palavras-chaves: depressão; climatério; tratamento.

SummaryIn the female gender, Depression stands out due its prevalence

over the reproductive years. Especially in perimenopausal women, there is significant increase in the number of cases, particularly asso­ciated with hot flushes. Several antidepressants have demonstrated similar efficacies in the general population. However, studies suggest that it is possible a thorough and specific selection of the antidepres­sant medication for patients who have Major Depres­sive Disorder in the climacterium associated with vasomotor symptoms.

Keywords: depression; climacterium; treatment.

Introdução

O Transtorno Depressivo Maior (TDM) apresenta no gênero feminino uma prevalência ao longo da vida de aproximadamente vinte por cento e o risco da manifestação do TDM na mulher é 1,5 a 3 vezes

superior ao do homem. A maior vulnerabilidade da mulher para a Depressão parece estar parcialmente associada a oscilações rápidas e intensas dos hormônios reprodutivos, que influenciam os sistemas serotoninérgico e noradrenérgico1,2. De fato, a partir

TRaTamenTo Da DePReSSão no ClImaTéRIo

TReaTmenT of DePReSSIon In The clImAcTeRIum

da puberdade torna-se notável um aumento significativo de episó-dios depressivos, o que sugere a existência de influências endócrinas relevantes no surgimento do Transtorno3. No ou-tro extremo da vida reprodutiva feminina, há aumento da incidência da Depressão durante o climatério, particularmente na perimenopausa, mesmo em mulheres sem história da doença4. A perimenopausa é considerada fator de risco independente para o TDM, principalmente na presença de fogachos5,6. Por suas características específicas, a Depressão na perimenopausa tem sido considerada um novo subtipo do Transtorno7.

Climatério

Concomitante ao declínio da função ovariana, o climatério é a longa transição para a vida não reprodutiva da mulher8. Durante o climatério ocorre a perimenopausa, caracterizada por irregularidade menstrual, sangramentos freqüentes e amenorréia. Estende-se até um ano após a última menstruação - a menopausa, aos cinqüenta e um anos de idade, aproxidamente9, 10 -, enquanto a transição menopausal é o período iniciado a partir da irregularidade menstru-al até a menopausa11. Embora sua concentração varie significativamente durante tais períodos reprodutivos, o nível sérico do hormônio folículo-estimulante encontra-se, de modo característico, freqüentemente elevado12, principalmente quando mensurado entre o segundo e o quinto dia da fase menstrual folicular13.

Aperfeiçoamento Terapêutico

Persistem os problemas de eficácia e tolerabilidade no trata-mento da Depressão. Setenta por cento dos pacientes com TDM permanece apresentando manifestações clínicas relevantes após tratamento com antidepressivo de primeira linha. Cinqüenta por cento abandona o tratamento em função de efeitos adversos ou intoleráveis, como aumento de peso e disfunção sexual14, 15.

Page 16: Revista Debates Jan Fev 2013

19Jan/Fev 2013 - revista debates em psiquiatria

REnAn RochA1, joEL REnnó jR2, hEwDy LoBo RIBEIRo3

1Coordenador do Serviço de Saúde Mental da Mulher das Clínicas Integradas da Universidade do Extremo Sul Catarinense (UNESC). 2Médico Psiquiatra. Diretor do Programa de Saúde Mental da Mulher (Pró­Mulher) do

Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo (USP). Doutor em Psiquiatria pela FMUSP. Membro fundador da International Association for Women’s Mental Health. Médico do Corpo Clínico do Hospital Israelita Albert Einstein­SP. 3Psiquiatra Forense, Psicogeriatra e Psicoterapeuta pela Associação Brasilei­ra

de Psiquiatria. Psiquiatra no Pró­Mulher do Instituto de Psiquiatria da USP.

Uma das possíveis respostas para tais questões é a identificação de fatores preditores de maior eficácia e tolerabilidade, tais como gênero, idade e manifestações clínicas específicas16-19. Assim, pode-se aplicar tal abordagem para o aperfeiçoamento do tratamento do TDM no climatério. Questiona-se, portanto, a existência de antidepressivo que possa ser candidato à terapia de primeira linha - eficaz e tolerável - para a Depressão no climatério com sinto-mas vasomotores (fogachos e sudorese noturna), pois até oitenta por cento das mulheres relatam fogachos nesse período20. Fogachos geralmente come-çam dois anos antes da menopausa, atingem pico um ano após e diminuem gradualmente ao longo de dez anos21. Parecem estar associados com sintomas depressivos, distúrbios do sono e pior qualidade de vida, por isso, o trata-mento concomitante é pertinente22.

Antidepressivos no Climatério

Inibidores seletivos de recaptação da serotonina e inibidores seletivos de recaptação da noradrenalina e serotonina são considerados eficientes no tratamento da Depressão na peri-menopausa e no climatério14,22. Escitalopram e desvenlafaxina têm recebido maior atenção de pesquisadores e periódicos ci-entíficos. Um ensaio clínico randomizado comparou-os entre si e demonstrou que desvenlafaxina e escitalopram apresentam eficácia, segurança e tolerabili-dade semelhantes para mulheres com TDM na pós-menopausa, com idade entre 40 e 70 anos23.

Métodos

Portanto, a seguir, apresenta-se uma revisão desses dois medicamentos realizada a partir dos resultados de estudos e pesquisas clínicas pertinentes ao tema deste artigo, identificados nos bancos de dados PubMed e ClinicalTri­als.gov por meio das palavras-chave escitalopram e desvenlafaxine, publicados até o mês de dezembro de 2012.

Resultados - Escitalopram

Em ensaio clínico aberto envolvendo mulheres de 45 a 65 anos, o esci-talopram demonstrou efetividade no tratamento do TDM24. O medicamento mostrou-se também efetivo em outro ensaio clínico aberto, no tratamento da Depressão na perimenopausa associada a fogachos25. Em comparação com etinilestradiol e acetato de noretindrona, o escitalopram causou maior remissão de

manifestações depressivas em estudo clínico aberto randomizado do qual participaram mulheres com Transtornos Depressivos no climatério26.

De acordo com ensaio clínico randomizado controlado por placebo, o escitalopram é uma terapia eficaz e segura para fogachos em mulheres no climatério27. No entanto, outro estudo que utilizou os mesmos métodos não identificou diferença significativa entre escitalopram e placebo no tratamento de fogachos no climatério28. Dois ensaios clínicos randomizados controlados por placebo indicaram que o escitalopram diminui o impacto negativo dos fogachos na qualidade de vida de mulheres no climatério29,30. Um ensaio clínico aberto envolvendo mulheres no climatério mostrou diminuição significativa na freqüência e intensidade de fogachos31.

Metanálise concluiu que o escitalopram apresenta um dos menores índi-ces de disfunção sexual dentre os inibidores seletivos de recaptação da serotonina32. Os índices clínicos da função sexual do escitalopram e do placebo foram semelhantes em ensaio clínico randomizado controlado por placebo no qual participaram mulheres com fogachos no climatério30. Não foi identificada piora na função sexual durante o uso de escitalopram em ensaio clínico ran-domizado controlado por placebo envolvendo mulheres de 40 a 62 anos de idade33.

Escitalopram causou pequenas alterações de peso após doze semanas de tratamento, com um aumento médio de 0,14 kg, em ensaio clínico aberto randomizado34. Houve discreto ganho de peso após trinta e duas semanas de escitalopram para o TDM, independentemente da dose utilizada, segundo um ensaio clínico aberto35.

Três metanálises investigaram especificamente a eficácia do escitalopram em comparação com o citalopram. Embora os autores tenham selecionado três grupos de pesquisas semelhantes, utilizaram métodos de análise distintos. Duas metanálises36,37

identificaram diferenças estatísticas significativas favoráveis ao escitalopram, porém consideradas clinicamente irrelevantes. A metanálise mais recente concluiu que o escitalopram é signifi-cativamente mais eficaz que o citalopram38.

Resultados - Desvenlafaxina

Dois ensaios clínicos randomizados controlados por placebo indicaram a eficácia da desvenlafaxina no tratamento da De-pressão no climatério39, 40. Uma análise conjunta de nove ensaios clínicos controlados por placebo demonstrou que a desvenlafaxina apresenta índices de remissão significativos para a Depressão

Page 17: Revista Debates Jan Fev 2013

20 revista debates em psiquiatria - Jan/Fev 2013

no climatério41. Ensaio clínico aberto envolvendo mulheres com TDM na pós-menopausa mostrou que a desvenlafaxina promove resposta terapêutica moderada e sustentada42.

A respeito dos sintomas vasomotores do climatério, cinco ensaios clínicos randomizados controlados por placebo indicaram a eficácia da desvenlafaxina43-47. Os resultados demonstraram que a dose diária mais eficaz para sintomas vasomotores é 100 mg. Resposta clínica semelhante ao placebo foi identificada em uma pesquisa randomizada48.

Em estudo multicêntrico, duplo-cego, randomizado e con-trolado por placebo, mulheres em pós-menopausa com sintomas vasomotores apresentaram melhora significativa de sintomas climatéricos e de humor após realizarem tratamento com des-venlafaxina (100 mg/dia).

Uma análise integrada de nove ensaios clínicos randomizados controlados por placebo mostrou que um por cento das mulheres em uso de desvenla-faxina declararam diminuição da libido e anorgasmia41. Dois ensaios clínicos randomizados controlados por placebo apresentaram índices semelhantes entre placebo e desvenlafaxina na função sexual em mulheres50.

Quanto à variação da massa corporal, metanálise de dez ensaios clínicos controlados com placebo avaliou a alteração de peso e demonstrou ausência de diferença estatística significativa entre o placebo e a desvenlafaxina: menos de um por cento das pacientes tratadas com desvenlafaxina apresentaram alteração clínica signi-ficativa da massa corporal51.

Recente estudo demonstrou boa segurança após doze meses de trata-mento para TDM com desvenlafaxina em doses diárias altas (200-400 mg)52.

A desvenlafaxina apresenta eficácia semelhante e não inferior à venlafa-xina, de acordo com metanálise53.

Discussão

Para o tratamento do TDM em adultos, diversos antidepressivos demonstram eficácias semelhantes na população geral. Entre-tanto, pesquisas têm identificado diferenças entre os gêneros em relação à farmacocinética e à farmacodinâmica, bem como sugerem a influência do climatério na resposta terapêutica aos antidepressivos54.

Em 1993, a National Institutes of Health, agência nacional de pesquisas médicas dos Estados Unidos da América, divulgou o estabelecimento de novos padrões de pesquisa por meio do documento Revitalization Act, no qual solicita aos investigadores

que considerem a inclusão do gênero feminino nos estudos e analisem seus desfechos.

No entanto, em 2007, cerca de metade dos ensaios clínicos randomizados para tratamento de Depressão identificados no banco de dados MEDLINE apresentavam ausência de resultados para o sujeito feminino. No mesmo ano, cerca de noventa e nove por cento dos ensaios clínicos randomizados para tratamento de Depressão observados na base de dados ClinicalTrials.gov mos-travam ausência de desfechos para as mulheres participantes55.

Muitos estudos recentes incluem mulheres, porém, lamen-tavelmente, não investigam os resultados por gênero. Pesquisar as respostas da mulher ao tratamento antidepressivo é uma atitude científica fundamental para o aperfeiçoamento farmacológico, principalmente em fases da vida associadas a uma maior vulnerabilidade ao TDM56.

Referência para as demais agências públicas, a Food and Drug Administration tem aprovado somente medicamentos hormonais para o tratamento de sintomas vasomotores no climatério57. A respeito dos medicamentos não-hormonais com essa finalidade, o American College of Obstetricians and Gynecologists e a North American Menopause Society consideram que os antidepressivos são os mais eficazes, e a desvenlafaxina destaca-se por ser a substância mais pesquisada58-60. Dos cinco estudos que indicam a eficácia da desvenlafaxina para o tratamento de sintomas vasomotores do climatério, quatro44-47 apresentam características que sustentariam aprovação para essa indicação terapêutica de acordo com critérios da Food and Drug Administration e da Eu­ropean Medicines Agency61,62.

Conclusão

Selecionar de modo mais criterioso e específico os medica-mentos anti-depressivos é uma conduta que pode resultar em benefícios relevantes às pacientes com Transtorno Depressivo Maior no climatério, pois características individuais podem ser referências para escolhas terapêuticas mais eficazes, seguras e toleráveis. Dentre os inibidores seletivos de recaptação da serotonina e inibidores seletivos de recaptação da noradrenalina e serotonina, os resultados dos estudos clínicos identificados e apresentados sugerem que o escitalopram e particularmente a desvenlafaxina são medicamentos úteis, candidatos à terapia de primeira linha (eficazes e toleráveis) para a Depressão no climatério com sintomas vasomotores.

ArtIGo de revISãopor REnAn RochA1, joEL REnnó jR2, hEwDy LoBo RIBEIRo3, AMAuRy cAnTILIno4, jERônIMo DE ALMEIDA MEnDES RIBEIRo5, REnATA DEMARquE6, juLIAnA pIRES cAVALSAn7, GISLEnE cRISTInA VALADARES8 e AnTonIo GERALDo DA SILVA9

Page 18: Revista Debates Jan Fev 2013

21Jan/Fev 2013 - revista debates em psiquiatria

AMAuRy cAnTILIno4, jERônIMo DE ALMEIDA MEnDES RIBEIRo5, REnATA DEMARquE6,4Diretor do Programa de Saúde Mental da Mulher da UFPE. Professor Adjun­to do Depto. de Neuropsiquiatria da

UFPE. 5Médico Psiquiatra. Especialista em Psiquiatria pela Associação Brasileira de Psiquiatria. Pesquisador do Grupo de Psiquiatria ­ Transtornos Relacionados ao Puerpério, pela Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre (UFCSPA). 6Médica Psiquiatra. Colaboradora do Programa de Saúde Mental da Mulher (Pró­Mulher)

do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Universida­de de São Paulo (USP).

Endereço para correspondência: Renan Rocha Rua Celestina Rovaris, 38, Centro, CEP 88.802­210, Criciúma, Santa Catarina.

E­mail: renanro­[email protected]

AgradecimentosAgradecemos à Associação Brasileira de Psiquiatria pelo apoio e

esforços empregados na divulgação da Saúde Mental da Mulher.Há ausência de conflitos de interesse associados à publicação

deste artigo.

Referências• 1. Soares C, Warren M. The menopausal transition:

interface between gyne-cology and psychiatry. Key Issues Ment. Health. 2009;175:102-114.

• 2. Soares C, Zitek B. Reproductive hormone sensitivity and risk for depresion across the female life cycle: a continuum of vulnerability? J. Psychiatry Neuro-sci. 2008;33:331-43.

• 3. Clayton A, Ninan P. Depression or menopause? presentation and manage-ment of major depressive disorder in perimenopausal and postmenopausal women. Prim. Care Companion J. Clin. Psychiatry. 2010;12:1-13.

• 4. Deecher D, Andree T, Sloan D, Schechter L. From menarche to menopause: exploring the underlying biology of depression in women experiencing hormonal changes. Psychoneuroendocrinology. 2008; 33:3-17.

• 5. Cohen L, Soares C, Vitonis A, Otto M, Harlow B. Risk for new onset of de-pression during the menopausal transition: the harvard study of moods and cy-cles. Arch. Gen. Psychiatry. 2006;63:385-390.

• 6. Freeman E, Sammel M, Lin H, Nelson D. Associations of hormones and men-opausal status with depressed mood in women with no history of depres-sion. Arch. Gen. Psychiatry. 2006;63:375-382.

• 7. Roisin W, Susan R, Emorfia G, Zoe G, Stuart L, Henry B, Jayashri K. Hormo-nal therapies for new onset and relapsed depression during perimenopause. Maturitas. 2012;73:127-33.

• 8. Narrow WE. Age and Gender Considerations In Psychiatric Diagnosis : A Research Agenda For DSM-V. 1ª ed. Arlington: Editora American Psychiatric Publishing; 2007.

• 9. Pinkerton J, Guico-Pabia C, Taylor H. Menstrual cycle-related exacerbation of disease. Am. J. Obstet. Gynecol. 2010;202:221-231.

• 10.Andrade L. Epidemiologia dos transtornos psiquiátricos na mulher. Rev. Psiq. Clín. 2006;33:43-54.

• 11. Society for Menstrual Cycle Research Position Statement Naming Women’s Midlife Reproductive Transition. [acessado em 01.10.2012]. Available

Page 19: Revista Debates Jan Fev 2013

22 revista debates em psiquiatria - Jan/Fev 2013

ArtIGo de revISãopor REnAn RochA1, joEL REnnó jR2, hEwDy LoBo RIBEIRo3, AMAuRy cAnTILIno4, jERônIMo DE ALMEIDA MEnDES RIBEIRo5, REnATA DEMARquE6, juLIAnA pIRES cAVALSAn7, GISLEnE cRISTInA VALADARES8 e AnTonIo GERALDo DA SILVA9

from: http://menstruationresearch.org/wp-content/uploads/2012/0 4/SMCR-Posit ion-statement-Perimenopause-and-Menopause-reviewed-final.pdf

• 12. Soares C. Treatment of menopause-related mood disturbances. CNS. Spectr. 2005;10:489-497.

• 13. Santoro N, Randolph J. Reproductive hormones and the menopause transi-tion. Obstet. Gynecol. Clin. N. Am. 2011;38:455-466.

• 14. Connolly K, Thase M. Emerging drugs for major depressive disorder. Expert Opin. Emerg. Drugs. 2012;17:105-26.

• 15. Current Topics in Behavioral Neuroscience. Pharmacological Treatment of Unipolar Depression. [acessado em 17.10.2012]. Available from: http://link.springer.com/chapter/10.1007%2F7854_2012_208#page-1

• 16. Dunlop B, Binder E, Cubells J. Predictors of remission in depression to indi-vidual and combined treatments (PReDICT): study protocol for a randomized controlled trial. Trials. 2012;13:106.

• 17. Thase M, Entsuah R, Cantillon M, Kornstein S. Rela-tive antidepressant efficacy of venlafaxine and SSRIs: sex-age interactions. J. Womens Health (Larchmt). 2005;14:609-16.

• 18. Marsh W, Deligiannidis K. Sex-related differences in antidepressant re-sponse: When to adjust treatment. Current Psychiatry. 2010;9:25-31.

• 19. Neill JC, Kulkarni J. Biological Basis of Sex Differences in Psychopharma-cology. 1ª Ed. Berlin: Editora Springer‐Verlag; 2011.

• 20. Parry B. Optimal management of perimenopausal depression. Int. J. Wom-ens Health. 2010;2:143-51.

Page 20: Revista Debates Jan Fev 2013

23Jan/Fev 2013 - revista debates em psiquiatria

• 21. Politi M, Schleinitz M, Col N. Revisiting the duration of vasomotor symptoms of menopause: a meta-analysis. J. Gen. Intern. Med. 2008;23:1507-13.

• 22. Minuzzi L, Frey B, Soares C. Depression during the menopausal transition: an update on epidemiology and biological treatments. Focus. 2012;10:22-27.

• 23. Soares C, Thase M, Clayton A, Guico-Pabia C, Focht K, Jiang Q, Kornstein S, Ninan P, Kane C, Cohen L. Desvenlafaxine and escitalopram for the treat-ment of postmenopausal women with major depressive disorder. Meno-pause. 2010 ;17:700-11.

• 24. Wroolie T, Williams K, Keller J, Zappert L, Shelton S, Kenna H, Reynolds M, Rasgon N. Mood and neuropsychological changes in women with midlife depression treated with escitalopram. J. Clin. Psychopharmacol. 2006;26:361-6.

• 25. Freeman M, Hill R, Brumbach B. Escitalopram for perimenopausal depres-sion: an open-label pilot study. J. Womens Health (Larchmt). 2006;15:857-61.

• 26. Soares C, Arsenio H, Joffe H, Bankier B, Cassano P, Petrillo L, Cohen L. Escitalopram versus ethinyl estradiol and norethindrone acetate for symptomat-ic peri- and postmenopausal women: impact on depression, vasomotor symp-toms, sleep, and quality of life. Menopause. 2006;13:780-6.

• 27. Freeman E, Guthrie K, Caan B, Sternfeld B, Cohen L, Joffe H, Carpenter J, Anderson G, Larson J, Ensrud K, Reed S,Newton K, Sherman S, Sammel M, LaCroix A. Efficacy of escitalopram for hot flashes in healthy menopausal women: a randomized controlled trial. JAMA. 2011;305:267-74.

• 28. Freedman RR, Kruger ML, Tancer ME. Escitalopram treatment of menopau-sal hot flashes. Menopause. 2011;18:893-6.

• 29. Carpenter JS, Guthrie KA, Larson JC, Freeman EW, Joffe H, Reed SD, Ensrud KE, LaCroix AZ. Effect of escitalopram on hot flash interference: a randomized, controlled trial. Fertil Steril. 2012;97:1399-404.

• 30. Lacroix AZ, Freeman EW, Larson J, Carpenter JS, Joffe H, Reed SD, Newton KM, Seguin RA, Sternfeld B, Cohen L, Ensrud KE. Effects of escitalopram on menopause-specific quality of life and pain in healthy meno-pausal women with hot flashes: A randomized

controlled trial. Maturi-tas. 2012;73:361-8.• 31. Defronzo R, Menza M, Allen LA, Marin H, Bienfait

KL, Tiu J, Howarth J. Es-citalopram reduces hot flashes in nondepressed menopausal women: A pilot study. Ann. Clin. Psychiatry. 2009;21:70-6.

• 32. Serretti A, Chiesa A. Treatment-emergent sexual dysfunction related to an-tidepressants: a meta-analysis. J. Clin. Psychopharmacol. 2009;29:259-66.

• 33. Reed SD, Guthrie KA, Joffe H, Shifren JL, Seguin RA, Freeman EW. Sexual function in nondepressed women using escitalopram for vasomotor symptoms: a randomized controlled trial. Obstet. Gynecol. 2012;119:527-38.

• 34. Uher R, Mors O, Hauser J, Rietschel M, Maier W, Kozel D, et al. Changes in body weight during pharmacological treatment of depression. Int. J. Neuro-psychopharmacol. 2011;14:367-75.

• 35. Wade A, Crawford G, Yellowlees A. Efficacy, safety and tolerability of es-citalopram in doses up to 50 mg in major depressive disorder (MDD): an open-label, pilot study. BMC Psychiatry. 2011;42:1-9.

• 36. Gartlehner G, Gaynes BN, Hansen RA. Comparative benefits and harms of second-generation antidepressants: Background paper for the American Col-lege of Physicians. Ann. Intern. Med. 2008;149:734-750.

• 37. Trkulja V. Is escitalopram really relevantly superior to citalopram intreatment of major depressive disorder? A meta-analysis of head-to-head randomized trials. Croat. Med. J. 2010;51:61-73.

• 38. Montgomery S, Hansen T, Kasper S. Efficacy of escitalopram compared with citalopram: A meta-analysis. Int. J. Neuropsychopharmacol. 2011;14:261-8.

• 39. Kornstein SG, Jiang Q, Reddy S, Musgnung JJ, Guico-Pabia CJ. Short-term efficacy and safety of desvenlafaxine in a randomized, placebo-controlled study of perimenopausal and postmenopausal women with major depressive disorder. J. Clin. Psychiatry. 2010;71:1088-96.

• 40. A Multicenter, Parallel-Group, Randomized, 10-Week, Double-Blind, Place-bo-Controlled Study To Evaluate The Efficacy And Safety Of 50 mg Of DVS SR In The Treatment Of Peri- And Postmenopausal

juLIAnA pIRES cAVALSAn7, GISLEnE cRISTInA VALADARES8

7Médica Psiquiatra. Colaboradora do Programa de Saúde Mental da Mulher (Pró­Mulher) do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Universida­de de São Paulo (USP). 8 Médica Psiquiatra pela Associação

Brasileira de Psiquiatria. Mestre em Farmacologia e Bioquímica Molecular. Membro fundador do Serviço de Saúde Mental da Mulher do HC­UFMG, do Ambulatório de Acolhimento e Tratamento de Famílias Incestuosas (AMEFI,

HC­UFMG), da Seção de Saúde Mental da Mulher da WPA e da International Association of Women’s Mental Health.

Page 21: Revista Debates Jan Fev 2013

24 revista debates em psiquiatria - Jan/Fev 2013

women With Major Depressive Disorder. [acessado em 09.04.2012]. Available from: http://www.clinicaltrials.gov/ct2/home

• 41. Kornstein SG, Clayton AH, Soares CN, Padmanabhan SK, Guico-Pabia CJ. Analysis by age and sex of efficacy data from placebo-controlled trials of desvenlafaxine in outpatients with major depressive disorder. J. Clin. Psycho-pharmacol. 2010;30:294-9.

• 42. Soares CN, Thase ME, Clayton A, Guico-Pabia CJ, Focht K, Jiang Q, Kornstein SG, Ninan PT, Kane CP. Open-label treatment with desvenlafaxine in postmenopausal women with majordepressive disorder not responding to acute treatment with desvenlafaxine or escitalopram. CNS Drugs. 2011;25:227-38.

• 43.Wyrwich KW, Spratt DI, Gass M, Yu H, Bobula JD. Identifying meaningful differences in vasomotor symptoms among menopausal women. Meno-pause. 2008;15:698-705.

• 44. Speroff L, Gass M, Constantine G, Olivier S; Study 315 Investigators. Efficacy and tolerability of desvenlafaxine succinate treatment for menopausal vaso-motor symptoms: a randomized controlled trial. Obstet. Gynecol. 2008;111:77-87.

• 45. Archer DF, Dupont CM, Constantine GD, Pickar JH, Olivier S. Desvenlafax-ine for the treatment of vasomotor symptoms associated with menopause: a double-blind, randomized, placebo-controlled trial of efficacy and safety. Am. J. Obstet. Gynecol. 2009;238:1-10.

• 46. Pinkerton JV, Constantine G, Hwang E, Cheng RF; for the Study 3353 In-vestigators. Desvenlafaxine compared with placebo for treatment of menopau-sal vasomotor symptoms: a 12-week, multicenter, parallel-group, randomized, double-blind, placebo-controlled efficacy trial. Menopause. [periódico online] 2012; [acessado em 02.09.2012]. Disponível em: http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/23010882

• 47. Archer DF, Dupont CM, Constantine GD, Pickar JH, Olivier S; Study 319 Investigators. A double-blind, randomly assigned, placebo-controlled study of desvenlafaxine efficacy and safety for the treatment of vasomotor symptoms associated with menopause.

Am. J. Obstet. Gynecol. 2009;200:1-10.• 48. Bouchard P, Panay N, de Villiers TJ, Vincendon

P, Bao W, Cheng RJ, Constantine G. Randomized placebo- and active-controlled study of desvenlafaxine for menopausal vasomotor symptoms. Climacteric. 2012;15:12-20.

• 49. Cheng RJ, Dupont C, Archer DF, Bao W, Racketa J, Constantine G, Pickar JH. Effect of desvenlafaxine on mood and climacteric symptoms in menopausal women with moderate to severe vasomotor symptoms. Climacteric. 2012;10:1-11.

• 50. Dunlop BW, Reddy S, Yang L, Lubaczewski S, Focht K, Guico-Pabia CJ. Symptomatic and functional improvement in employed depressed patients: a double-blind clinical trial of desvenlafaxine versus placebo. J. Clin. Psycho-pharmacol. 2011;31:569-76.

• 51. Tourian KA, Leurent C, Graepel J, Ninan PT. Desvenlafax-ine and weight change in major depressive disorder. Prim. Care Companion J. Clin. Psychiatry. 2010;12:1-8.

• 52. Ferguson JM, Tourian KA, Rosas GR. High-dose desvenlafaxine in outpa-tients with major depressive disorder. CNS Spectr. 2012;17:121-30.

• 53. Coleman KA, Xavier VY, Palmer TL, Meaney JV, Radalj LM, Canny LM.An indirect comparison of the efficacy and safety of desvenlafaxine and venlafaxine using placebo as the common comparator. CNS Spectr. 2012;17:131-41.

• 54. Marsh WK, Deligianiddis KM. Sex-related differences in antidepressant re-sponse: When to adjust treatment. Current Psychiatry. 2010; 9:25-31.

• 55. Weinberger AH, McKee SA, Mazure CM. Inclusion of women and gender-specific analyses in randomized clinical trials of treatments for depression. J. Womens Health (Larchmt). 2010;19:1727-32.

• 56. Simon GE, Perlis RH. Personalized medicine for depression: Can we match patients with treatments? Am. J. Psychiatry. 2010;167:1445-1455.

• 57. Abramowicz M. Drugs for menopausal symptoms. Med. Lett. Drugs Ther. 2012;54:41-2.

• 58. Santoro NF, Clarkson TB, Freedman RR, Fugh-Berman AJ, Loprinzi CH, Reame NC. Treatment of menopause-associated vasomotor symptoms: posi-

ArtIGo de revISãopor REnAn RochA1, joEL REnnó jR2, hEwDy LoBo RIBEIRo3, AMAuRy cAnTILIno4, jERônIMo DE ALMEIDA MEnDES RIBEIRo5, REnATA DEMARquE6, juLIAnA pIRES cAVALSAn7, GISLEnE cRISTInA VALADARES8 e AnTonIo GERALDo DA SILVA9

Page 22: Revista Debates Jan Fev 2013

tion statement of The North American Menopause Society. Menopause. 2004;11:11-33.

• 59. Cobin RH, Futterweit W, Ginzburg SB, Goodman NF, Kleerekoper M, Licata AA et al. American Association of Clinical Endocrinologists medical guidelines for clinical practice for the diagnosis and treatment of menopause. Endocr. Pract. 2006;12:315-337.

• 60. Umland EM. Treatment strategies for reducing the burden of menopause-associated vasomotor symptoms. J Manag Care Pharm. 2008;14:14-19.

• 61. U.S. Department of Health and Human Services - Food and Drug Admin-istration. Guidance for industry: estrogen and estrogen/progestin drug products to treat vasomotor symptoms and vulvar and vaginal atrophy symptoms - recommendations for clinical evaluation. [acessado em 02.12.2012]. Available from: http://www.fda.gov/downloads/Drugs/DrugSafety/InformationbyDrugClass/UCM135338.pdf

• 62. European Medicines Agency. Guideline on clinical investigation of medicinal products for hormone replacement therapy of oestrogen deficiency symptoms in postmenopausal women. [acessado em 03.12.2012]. Available from: http://www.tga.gov.au/pdf/euguide/emea002197enrev1.pdf

AnTonIo GERALDo DA SILVA9

9Psiquiatra. Especialista em Psiquiatria e Psiquiatria Forense pela ABP­AMB­CFM. Doutoramento em Bioética pela Universidade do Porto ­ CFM. Psiquiatra da Secretaria de Saúde do Distrito Federal ­ SES­DF. Diretor Científico do

PROPSIQ. Presidente da ABP ­ 2010/2013

Page 23: Revista Debates Jan Fev 2013

26 revista debates em psiquiatria - Jan/Fev 2013

ArtIGo orIGINAl

SeRVIÇoS SUBSTITUTIVoS em SaÚDe menTal: o DeSafIo Da InClUSão SoCIal

menTal healTh SeRVICeS: THe cHAllenGe Of SOcIAl IncluSIOn

ResumoA inclusão social de doentes mentais em serviços substitutivos à

internação em hospital psiquiátrico é tema reconhecidamente ten­sionado tanto pelas noções que o envolvem quanto pela natureza do seu funcionamento. Foi realizada uma revisão bibliográfica não exaustiva com destaque para as principais posições teóricas sobre o tema da inclusão social no contexto da reforma do modelo de assis­tência psiquiátrica. Os resultados desses estudos demonstram que, apesar da reconhecida importância de tais objetivos no processo de inclusão social de doentes mentais, atingi­los na prática ainda encontra várias barreiras.

Palavras-Chave: 1. Antropologia. 2. Desinstitucionalização. 3. Moradias Assistidas. 4. Inclusão Social. 5. Saúde Mental.

AbstractThe social inclusion of people with mental illnesses in services that

act as substitutes for the internment in psychiatric hospital is a sub­ject admittedly controversial. The nature of its functioning deman­ds a knowledge that involves how much from is achieved from its aimed goals. An exhaustive review of the literature was performed, highlighting the main views on the theme of inclusion social in the context of a proposed reform psychiatric care. The results of these studies show that despite the recognition of the importance of subs­titute services in the process of social inclusion of the mentally ill, the scope of such an objective still challenged by several barriers.

Keywords: 1. Anthropology. 2. Deinstitutionalization. 3. Assisted Living Facilities. 4. Social Inclusion. 5. Mental Health.

por céSAR AuGuSTo TRInTA wEBER1

INTRODUÇÃO

A inclusão social de doentes mentais em serviços substi-tutivos a internação em hospital psiquiátrico é tema reconhecidamente tensionado tanto pelas noções que envolvem quanto pela natureza do seu funcionamento.

O imbricado cruzamento de conceitos complexos como inclu-são social, cidadania, liberdade e ética, todos aqui relacionados ao doente mental e às políticas públicas destinadas a sua assistência, é um dos fatores que contribuem para esta situação. Outros fatores tais como as condições gerais de funcionamento (infra-estrutura e capacidade instalada, financiamento, qualificação dos trabalha-dores em saúde, grau de comprometimento da doença mental, como exemplos) e a singularidade cultural de cada comunidade onde estão instalados esses serviços, auxiliam na composição des-se o quadro.

Os doentes mentais, a exemplo de outros doentes, apresentam um grau maior ou menor de incapacidade para determinadas ati-vidades de vida diária. Pela hiposuficiência que exibem são classi-ficados, para fins da construção e usufruto das políticas públicas afirmativas, como pessoas deficientes e, portanto, com necessida-des especiais.

Até bem pouco tempo, uma pessoa que sofria de deficiência era entendida como sendo aquela que apresenta, em caráter per-manente, perdas ou anormalidades de sua estrutura ou função psicológica, fisiológica ou anatômica, que gerem incapacidade para o desempenho das atividades dentro do padrão considerado normal para o indivíduo.1

Atualmente, este conceito vem sendo repensado à luz da es-treita relação existente entre as limitações que experimentam as pessoas deficientes, a concepção e a estrutura do meio ambiente e a atitude da população em geral com relação à questão.1

Na raiz dessa nova abordagem está a perspectiva da inclusão social, entendida como o processo pelo qual a sociedade se adapta

Page 24: Revista Debates Jan Fev 2013

27Jan/Fev 2013 - revista debates em psiquiatria

para incluir, em seus sistemas sociais gerais, pessoas com necessi-dades especiais e, simultaneamente, estas se preparam para assu-mir seus papéis na sociedade. A inclusão social constitui, então, um processo bilateral no qual as pessoas, ainda excluídas, e a so-ciedade buscam, em parceria, equacionar problemas, decidir sobre soluções e efetivar a equiparação de oportunidades para todos.2

Este artigo é parte de um estudo desenvolvido por Weber3, en-tre 2009-2011, onde a investigação etnográfica realizada permitiu conhecer como vem se processando a inclusão de doentes men-tais desospitalizados do Hospital Psiquiátrico São Pedro, a partir da experiência dos Serviços Residenciais Terapêuticos Morada São Pedro, localizados na Vila Cachorro Sentado/Vila São Pedro, em Porto Alegre/RS.

Os residenciais terapêuticos ou moradias assistidas são uma das modalidades terapêuticas substitutivas a internação manicomial preconizadas pela Reforma da Assistência Psiquiátrica em curso no País.

MÉTODO

Foi realizada uma revisão bibliográfica não sistemática nos ban-cos de dados LILACS - Literatura Latino-Americana e do Caribe em Ciências da Saúde e SciELO - Scientific Electronic Library On-line, entre 1986 e 2011, com destaque para as principais posições teóricas e políticas sobre o tema da inclusão social no contexto da reforma do modelo de assistência psiquiátrica.

DISCUSSÃO E RESULTADOS

Reconhecendo o fato de existir diferentes posições sobre o cui-dado dos doentes mentais crônicos, entre diversas possibilidades de compreensão desse fenômeno, duas merecem destaque.

A primeira é aquela representada pelos que defendem a neces-sidade de proteção para tais doentes, mediante o funcionamento de instituições asilares, em função, segundo os mesmos, da fra-gilidade que apresentam as iniciativas terapêuticas comunitárias tanto na garantia de acesso a toda a demanda de doentes mentais crônicos quanto em relação à qualidade da assistência prestada nesses serviços substitutivos.

A segunda reúne os que advogam pela desospitalização e pela desinstitucionalização dos doentes mentais com história de inter-nação em hospital psiquiátrico de longa permanência, através da criação de serviços em saúde mental de base comunitária, como

a modalidade terapêutica das moradias assistidas (residenciais tera pêuticos), com o propósito, entre outros, de promoverem a inclusão social dos doentes mentais, em que pese à realidade das dificuldades para esse intento.

O tema tratado neste artigo, de fato, constitui-se nos diversos meios em que é trazido à baila em uma discussão inacabada, insti-gando permanentemente novas reflexões.

PROTEÇÃO

Wasow4 ao defender a necessidade de instituições asilares para a proteção de doentes mentais crônicos, por entender que os programas de apoio à comunidade não garantem atendimento a todas as pessoas com doença mental crônica, recebeu duras crí-ticas de Schroeder,5 para quem as noções de liberdade e respon-sabilidade não podem ser entendidas separadamente, pois estão filosoficamente interligadas.

Schroeder5 entende que nenhuma pessoa ao agir livremente poderá eximir-se da responsabilidade de seu comportamento. To-davia, de um lado a pessoa ao poder escolher entre dois ou mais cursos de ação, ela ou ele será responsável pelo resultado da sua escolha, pressupondo-se que as pessoas fazem escolhas devida-mente informadas, não podendo, então, desculparem-se por qual-quer falta de informação.

De outro lado, não se pode responsabilizar pelo seu comporta-mento qualquer pessoa que não disponha de liberdade de escolha. O suposto paradoxo existente na relação entre liberdade e respon-sabilidade poderia fazer crer que as pessoas que se comportam irres ponsavelmente em estruturas restritivas, atuariam, em condi-ções de liberdade, de maneira irresponsável.

A experiência do pesquisador, em Wisconsin (em uma comuni-dade rural e em um Estado com uma população pequena), com trabalhos em programas de apoio à comunidade para pessoas diagnosticadas com doença mental grave (esquizofrenia e trans-tornos afetivos com características psicóticas), apresentam re-sultados animadores, como a conquista da liberdade por terem supridas as suas necessidades básicas, por não estarem sujeitos a restrições desnecessárias e por se tornarem responsáveis pelo que fazem.

Conclui o autor, entre outros aspectos, que o sucesso de qual-quer modalidade de tratamento de saúde é construído pela pos-sibilidade de adaptação do programa às necessidades do paciente.

céSAR AuGuSTo TRInTA wEBER1

Departamento de Psiquiatria, UNIFESP, São Paulo, SP, Brasil.

Page 25: Revista Debates Jan Fev 2013

28 revista debates em psiquiatria - Jan/Fev 2013

ArtIGo orIGINAlpor céSAR AuGuSTo TRInTA wEBER1

INCLUSÃO SOCIAL

Em um debate nacional, Chamme6 problematizou o tema inclu-são e exclusão social nas políticas públicas, a partir da concepção de corpo, considerado como um veículo portador de saúde ou de doença em distintos momentos do tempo e de estágios do desenvolvimento civilizatório. Reconhece que o século XX, com seus avanços e recuos é potencialmente considerado fator - espe-cialmente pelas contribuições advindas de um lado das ciências sociais aplicadas ao campo da saúde, como, por exemplo, a An-tropologia Médica e, de outro, por uma nova hermenêutica pro-posta ao conceito de saúde/doença -, decisivo na estrutura e orga-nização biopsicossocial do corpo que se apresenta fragmentado, demarcando o cenário da pós-modenidade. Conclui que incluído eficazmente, ou não, nos mecanismos das Políticas Públicas desti-nadas à promoção de saúde, o corpo traduz, a partir dos sintomas de estado de saúde ou estado de doença, o maior ou menor grau de inclusão ou de exclusão social, representado pela inserção e res-sonância participativa do usuário dos serviços de saúde - portador de um corpo adoecido -, na desigual realidade em que vive en-quanto um sujeito considerado sem saber e sem poder.

A possibilidade de reabilitação nos serviços residenciais terapêu-ticos foi discutida por Marcos7 que ao fazer uma aproximação en-tre o hospital e a moradia assistida (casa), o modo de vida asilar e o modo de vida doméstico, concluiu:

A saída do hospital e a chegada na casa não garantem a real passagem do modo de vida asilar ao modo de vida doméstico e da cidade. Os moradores podem reproduzir o cotidiano do hospital na casa, fechando-se em seus quar-tos, deambulando no quintal, recusando-se a participar dos afazeres domésticos e esperando a tutela e o cuidado hospitalares, entre outras atitudes. Podem não saber cui-dar do próprio corpo e dos objetos de uso pessoal (muitos simplesmente não os têm), não saber sentar-se à mesa e comer de garfo e faca, não saber servir sua própria co-mida. Existe ainda a dificuldade de adaptação ao espaço privado e à idéia de que se tem direito a ele. O medo da cidade também pode estar presente, uma cidade que se modificou ao longo dos anos de internação, cujos referen-ciais não existem mais. Embora a casa não deva ser espa-ço de clausura, eles podem simplesmente, em um primei-ro momento, não querer sair. Trata-se antes de mais nada de fazer daquele espaço lugar de abrigo, sem transformá--lo em prisão (p. 183-184).7

De acordo com a mesma autora é o processo de superação, pelo doente mental desospitalizado, da lógica asilar na direção da con-quista do espaço de moradia próprio que justifica os residenciais terapêuticos como serviços substitutivos ao hospital no alcance dessa nova forma de viver.

Habitar a casa é desmontar um modo de vida asilar, em um trabalho de subjetivação dos espaços, de reaquisição do direito ao uso dos espaços e do seu melhoramento. É o processo de transformação do espaço da casa em espaço em que se habita, em que se vive, do “Serviço Residencial Terapêutico” em habitat, casa, que dá sentido à reabilita-ção (p. 185).7

Todavia, os riscos da manutenção da segregação em um proces-so de reabilitação social do doente mental, mediante determina-das condições, foi observado por Viganó8 para quem “a abertura dos manicômios não exclui a segregação”.

Nesse sentido, Marcos7 acrescenta que: Pode-se criar lugares onde o louco é objeto de políticas de saúde e assistência, e continua sendo segregado, excluído dos discursos. Não estar atento às soluções que a psicose nos ensina, não discutir com o louco, não falar com ele, não torná-lo parte ativa da reabilitação é uma forma de excluí-lo. A adesão a um programa de vida, imposto sem expressão subjetiva, ainda é uma forma de segregação (p. 188).7

SERVIÇOS SUBSTITUTIVOS, ESTUDOS NACIONAIS

Belini e Hirdes9 realizaram uma investigação sobre o processo de desinstitucionalização da doença mental, com vistas à construção de um referencial teórico/prático sobre residências terapêuticas com os profissionais vinculados ao Projeto Morada São Pedro. Observaram que as limitações físicas e psíquicas que demandam suporte para o enfrentamento do dia-a-dia são consequência dos anos de institucionalização manicomial. Para as autoras, o resgate da cidadania como emancipação significa dizer que a cidadania do paciente psiquiátrico não é a simples restituição de seus direitos formais, mas a construção de seus direitos substanciais, e é den-tro de tal construção (afetiva, relacional, material, habitacional, produtiva) que se encontra a única reabilitação possível. O estudo revelou que é necessária uma prática reabilitadora voltada para a educação, uma reaprendizagem das atividades diárias da vida; é

Page 26: Revista Debates Jan Fev 2013

29Jan/Fev 2013 - revista debates em psiquiatria

necessário motivar essas pessoas para que elas desenvolvam estes ensinamentos sozinhos, não discriminando, nem excluindo, mas sim, respeitando o tempo de cada pessoa no processo. A ope-racionalização das moradias enquanto modalidade assistencial substitutiva deve permitir o redirecionamento dos recursos e da atenção para as ações no serviço, estimulando a inserção social e a prestação de cuidados aos portadores de transtorno mental. Segundo essas pesquisadoras a idéia da necessidade de um servi-ço residencial para os portadores de transtorno mental, para que eles conquistem um espaço de territorialidade, ou seja, a casa do paciente, que possam ter uma reapropriação do espaço que é seu, uma recuperação das relações interpessoais, o viver em família, com os vizinhos, com a escola e alguns com o próprio trabalho. Concluem que ao falar da inserção dos portadores de transtor-nos mentais crônicos, deve-se não apenas levar em consideração a sociedade que os exclui, mas a sua própria subjetividade, as limi-tações decorrentes de muitos anos de institucionalização, como a mortificação do eu, a perda da identidade, a abolição do desejo, a perda da subjetividade através da objetividade institucional. Reafir-mam que é preciso construir um referencial teórico embasado nas práticas que se efetivam nas residências terapêuticas, permitindo reflexões, construindo conceitos que darão margem a outros es-tudos que possam gerar subsídios para os trabalhadores de saúde mental e assim consolidar avanços nos novos dispositivos em saú-de mental no contexto da reforma da assistência psiquiátrica.

As práticas de inclusão social realizadas pelos serviços substitu-tivos em saúde mental no âmbito do SUS foram estudadas por Leão.10 Com os objetivos de identificar as ações desenvolvidas no Centro de Atenção Psicossocial da cidade de São Carlos/SP vol-tadas para inclusão social das pessoas portadoras de transtornos mentais severos e persistentes, analisar a concepção de inclusão social expressa na representação social dos trabalhadores para fo-mentar a inclusão social de usuários em serviços de saúde mental e compreender a fundamentação teórico-prática que sustentam as ações de inclusão, concluiu a autora entre outros aspectos que a concepção de inclusão está também atrelada à ideologia da normalidade social. O estigma da doença mental também foi visto com uma das barreiras para a inclusão social. Para que os serviços de substitutivos em saúde mental cumpram o seu obje-tivo de inclusão social de acordo com as diretrizes da Reforma do Modelo de Assistência Psiquiátrica conforme preconizado pela lei 10216/2001, devem buscar ações que possibilitem e estimulem a realização de trocas sociais, principalmente em sua rede social nu-clear – a família, que solicita dos profissionais sensibilidade para lidar com o seu sofrimento, o enfretamento ao estigma e a produ-

ção de autonomia da pessoa acometida pelo transtorno mental, igualmente pela via do trabalho.

Moreira et al.11 realizaram uma revisão bibliográfica da inclusão social do doente mental com a reforma da assistência psiquiátrica brasileira Verificaram a influência da família e dos profissionais da enfermagem no processo de inclusão social no propósito de reti-rar o paciente do hospital psiquiátrico e inseri-lo novamente em seu cotidiano social com o desenvolvimento de sua autonomia. Analisaram as experiências em residências terapêuticas, centros de atenção psicossocial, cooperativas sociais e outros incentivos para fazer valer os direitos dos doentes mentais e concluíram pela ne-cessidade de inclusão do doente mental na sociedade, entenden-do que a reforma começa em nosso próprio contexto, no nosso imaginário, na forma como vemos e percebemos o mundo interno e externo. Enfatizam a importância da família no processo de rea-bilitação, assim como na inclusão nos programas propostos e sub-sidiados pelo governo, favorecendo a segurança e permanência do doente fora das instituições psiquiátricas de internação. Por fim, destacam que a enfermagem - em conjunto com outros profis-sionais da saúde, doentes, familiares e a sociedade -, contribui para a identificação e valorização do portador de sofrimento psíquico em sua individualidade, responsabilizando-o por suas atitudes e instruindo-o de maneira correta para que assuma independência, além de exercer a função de informar à sociedade, favorecendo a inclusão social desse indivíduo.

Alguns autores associados ao movimento da reforma do mode-lo de assistência psiquiátrica utilizam o termo “sofrimento psíqui-co” como sinônimo de “doença mental” em função da compre-ensão que possuem sobre o tema, como se a condição de uma pessoa possuir uma determinada doença mental, por exemplo, a esquizofrenia pudesse se confundir com o estado de sofrimento de um torcedor de determinado time de futebol com a perda da final do campeonato pela sua agremiação. Entretanto, a Associa-ção Brasileira de Psiquiatria - ABP, Associação Médica Brasileira – AMB, Conselho Federal de Medicina – CFM e Federação Nacional dos Médicos – FENAM esclarecem que a Medicina faz importante distinção entre tais termos, embasada em evidências científicas.12

Guerra e Generoso13 em um estudo multicêntrico (Santo André, Goiânia e Belo Horizonte) e multidisciplinar (antropologia, arquite-tura, psicanálise e saúde coletiva), avaliaram como os portadores de sofrimento mental grave constituem suas habitação (habitus) e inserção social a partir dos elementos estruturais da moradia (abri-go, privacidade, segurança e conforto) e de suporte social (rede social e de serviços), independentemente de estarem ou não inse-ridos em Serviços Residenciais Terapêuticos. Analisaram as reper-

Page 27: Revista Debates Jan Fev 2013

30 revista debates em psiquiatria - Jan/Fev 2013

cussões das diferentes formas de moradias e dos modos de habitar na inserção dos portadores de sofrimento mental grave, a partir da superação da centralidade do hospital psiquiátrico e do direciona-mento da atenção em saúde mental para o espaço comunitário. Articulando um diálogo entre a psicanálise a antropologia os auto-res discutem o habitar e a inserção social concluindo que o habitar uma moradia, assim como habitar o mundo, exige suportarmos as exceções e as diferenças irredutíveis, no sentido da introdução de novas variáveis ao lado da ideia de integração social, em cuja base encontra-se a comunicação e o consenso sobre o sentido do mun-do social e que a inserção social deve incluir a noção de laço social, bem como com a concepção de sujeito do inconsciente, singular, único e irredutível, cujos desdobramentos apontam para modos de estar no mundo, bem como para a aposta na implicação do sujeito nas respostas que constrói, seja por quais vias for.

A experiência de implantação e seus determinantes locais e nacionais, na sua relação com o movimento de Reforma do Mo-delo de Assistência Psiquiátrica foi o objetivo de um estudo do-cumental, realizado por Oliveira e Conciani14 partir de documen-tos oficiais dos três níveis de gestão, informações da mídia local e trabalhos acadêmicos, no período 2000 a 2005, em Cuiabá-MT. A análise do isolamento para a reintegração social, como mudança de paradigma de que doente mental não pode viver em sociedade, enfatiza a transformação da função de “expurgo” social realizada pelos hospícios/manicômios ao longo dos tempos, à situação atual no campo da saúde mental que afirma a necessidade de “reinser-ção social” dos “doentes crônicos” e de criação dos Serviços Re-sidenciais Terapêuticos. As autoras debatem importante ponto nessa discussão ao refletirem sobre as potencialidades do Serviço Residencial Terapêutico para a desinstitucionalização ou a tran-sinstitucionalização. No sentido da desinstitucionalização torna-se um processo complexo de recolocar o problema, de reconstruir saberes e práticas, de estabelecer novas relações e acima de tudo um processo ético – estético, de reconhecimento de novas situa-ções que produzem novos sujeitos de direito e novos direitos para os sujeitos. Na transinstitucionalização ocorre o “deslocamento da clientela psiquiátrica [internada] para instituições similares de ou-tro tipo, tais como delegacias, penitenciárias, asilos de idosos, casas de enfermagem, o que resultaria em transferência dos pacientes de uma instituição para outra, sem que se fizesse a crítica do para-digma psiquiátrico. Entre as conclusões da investigação realizada, as autoras consideram que a superação dos “manicômios” requer, além de descentralização dos serviços de atenção e criação de rede de cuidados, a desconcentração de poder político-decisório (par-ticipação). Ainda que a criação de Serviço Residencial Terapêutico

pode representar, por um lado, um importante passo em direção à Reforma do Modelo de Assistência Psiquiátrica, e por outro, em regiões onde os movimentos e demandas sociais são rara e fragil-mente constituídos, e sob a “imposição de políticas neoliberais, pode ser “aprisionada” como instrumento de gestão centralizada e reduzida à transinstitucionalização e racionalização financeira”.

Dois aspectos merecem destaque no estudo de Oliveira e Conciani.14 O primeiro aspecto é que apesar da referência dessas autoras ao termo manicômio, a legislação brasileira, a partir de 1848, fala de “hospício”, “colônia”, “hospital” e “asilo”. O segundo é quanto ao fato de que tanto a desospitalização quanto a desisnti-tuicionalização devem, obrigatoriamente, estarem acompanhadas de políticas públicas que garantam uma rede ambulatorial mínima capaz de permitir o acesso do doente mental às ações e serviços de saúde de qualidade e resolutivos que a sua doença requer. Caso em contrário ocorre o que vem se denominando de transinstitu-cionalização, como na experiência norte-americana, em que as ca-deias estão com superlotação de doentes mentais, que retirados dos hospitais psiquiátricos e, sem atendimento adequado, acabam sendo presos pelo comportamento que apresentam decorrente da própria doença.

Hirdes15 realizou uma revisão na base eletrônica de dados SciE-LO e nos documentos oficiais do MS do Brasil sobre o tema da reforma da assistência psiquiátrica brasileira no período de 1997-2007. Evidenciou avanços e desafios da reforma destacando a ne-cessidade de investimento na instrumentalização dos profissionais para alavancar a inclusão do cuidado à saúde mental no Sistema Único de Saúde, com vistas à reversão do modelo assistencial. A inserção das ações de saúde mental no Programa de Saúde da Família, por exemplo, perpassa fundamentalmente a capacitação e apropriação de conceitos de clínica ampliada dos profissionais para a mudança do paradigma. A reforma da assistência psiquiá-trica brasileira, através da criação dos novos dispositivos em saúde mental, assim como através da inserção das ações de saúde mental na saúde pública, possibilita novas abordagens, novos princípios, valores e olhares as pessoas em situação de sofrimento psíquico, impulsionando formas mais adequadas de cuidado à loucura no seu âmbito familiar, social e cultural. Concluiu que os projetos de reforma não são homogêneos, as práticas são executadas confor-me a concepção teórica dos trabalhadores de saúde mental e que existem princípios orientadores gerais, mas que, em última análise, estão subordinados aos settings específicos onde ocorrem as prá-ticas.

Furtado et al.16 discutiram um método de investigação avaliativa qualitativa interdisciplinar da situação de moradia de portadores

ArtIGo orIGINAlpor céSAR AuGuSTo TRInTA wEBER1

Page 28: Revista Debates Jan Fev 2013

31Jan/Fev 2013 - revista debates em psiquiatria

de transtorno mental grave no Brasil, a partir das diferentes ex-periências que influenciaram e ajudaram a conformar o que hoje se entende como Serviços Residenciais Terapêuticos. Os autores constataram que há no Brasil, atualmente, a coexistência de expe-riências locais mais voltadas à proteção e outras que privilegiam a reabilitação, sendo que a posse ou a garantia da casa como direito ainda está longe de se tornar uma questão para os moradores dos Serviços Residenciais Terapêuticos, e menos ainda experiências que considerem claramente a necessidade de sua inserção social. Nessa direção, uma abordagem interdisciplinar que leve em con-sideração categorias de análise como a inserção social, moradia e habitação pode-se constituir em um caminho para melhor com-preensão e avaliação de como os portadores de transtornos men-tais graves constituem suas habitações (habitus) e inserção social em tais experiências.

Dalmolin e Vasconcellos17 realizaram uma etnografia para ana-lisar como pessoas com sofrimento psíquico vivenciam suas ne-cessidades especiais e interagem com a comunidade local nos espaços públicos urbanos, em Passo Fundo/RS. A pesquisa mos-trou que ao contrário da história da psiquiatria de que os “loucos” precisavam e ainda precisam ser retirados da sociedade por não conseguirem obedecer às regras mínimas de convivência ou por impertinência às regras de assistência, as histórias do protagonista do estudo realizado o autorizam a viver, fraternalmente, estabele-cendo estratégias de vida, de reforço de suas referências, de esco-lhas, fazendo desse espaço um exercício vital no enfrentamento de outros momentos de sua existência.

SERVIÇOS SUBSTITUTIVOS, ESTUDOS INTERNACIONAIS

Estudos internacionais também investigaram, sob diversos en-foques, o tema da inclusão social do doente mental. A superação do manicômio e a sua substituição por serviços ambulatoriais e comunitários tem o propósito de atender a desospitalização e a desinstitucionalização.

Garisson18 comparou as redes de relação social de mulheres que tinham ou não esquizofrenia e eram imigrantes de Porto Rico, para examinar se haveria sistemas de amparo que ocorrem naturalmen-te e que poderiam ser acionados para reintegrar ex-pacientes psi-quiátricos na Comunidade.

Estroff19 observou um grupo de pacientes que havia deixado o hospital e começou a participar de um programa comunitário de atendimento psiquiátrico, se propondo a responder como uma pessoa consegue viver na comunidade quando é identificada por

ela mesma e pelos outros como uma “louca”? Nessa investigação a pesquisadora também teve a oportunidade de recontextualizar o conceito de reintegração social, divulgado pelas recentes tendên-cias em direção à psiquiatria comunitária.

Corin20 comparou um grupo de pessoas com esquizofrenia que tinha sofrido diversas hospitalizações com um grupo que apresen-tava poucas hospitalizações nos últimos anos, com o objetivo de compreender as estratégias desenvolvidas pelos pacientes esqui-zofrênicos hospitalizados versus não re-hospitalizados em relação à sua habilidade de permanecer na comunidade. Nessa pesquisa, sobre os modos de estar no mundo e as experiências de vida de pacientes com esquizofrenia, a autora reformula as questões re-lativas à reintegração ou ao ajustamento social de forma original ao indagar se haveria um estilo específico de integração associado com a capacidade de permanecer fora de hospitais psiquiátricos.

O resgate da cidadania, a recuperação da autonomia, a reinser-ção social e a qualidade dos serviços oferecidos aos doentes men-tais são parte dos objetivos permanentemente perseguidos pelas novas práticas assistências em saúde mental.

Esses fenômenos vêm sendo estudados e alguns pesquisadores apresentam resultados que identificam que a saúde mental está fortemente subfinanciada em muitos países europeus.21 Apenas um quarto das pessoas com perturbações mentais recorrem aos serviços profissionais de saúde, sugerindo um grau considerável de necessidades não satisfeitas por toda a Europa.22 O processo de reinstitucionalização assume uma configuração muito parecida no Continente Europeu, prejudicando o alcance da inclusão social e dos demais objetivos pretendidos pela reforma da assistência psi-quiátrica.

Drake et al.23 sugeriram em seu estudo que mesmo alguns doen-tes crônicos incluídos em dispositivos de cuidados sociais, preco-nizados pela reforma da assistência psiquiátrica, se tornavam tão dependentes da instituição como o eram anteriormente.

Fakhoury e col.24 estudaram o nível dos cuidados em saúde mental em serviços substitutivos. Concluíram que em países como a Alemanha e a Itália, as enfermarias hospitalares foram transfor-madas em dispositivos de cuidados residenciais e os padrões da qualidade de cuidados estabelecidos pelas autoridades de saúde baixaram, tendo como consequência um empobrecimento dos cuidados prestados aos doentes.

Priebe e Turner25 sugerem que o contexto histórico e interna-cional instalou um debate em alguns países em torno do financia-mento e da reorganização dos serviços de saúde mental. Para os autores os cuidados de Saúde Mental entraram numa nova era de reinstitucionalização e o resultado mais perverso das reformas ins-

Page 29: Revista Debates Jan Fev 2013

32 revista debates em psiquiatria - Jan/Fev 2013

tituídas é que de um lado pode-se constatar um mercado crescen-te para os doentes que procuram ativamente tratamento e que podem pagá-lo direta ou indiretamente; contrastando com este lado, um outro, o da reinstitucionalização ou transinstitucionaliza-ção para doentes com doenças mentais mais graves que podem perturbar a ordem pública.

A qualificação dos profissionais que trabalharam nos serviços substitutivos de atenção a saúde mental também foi estudada por Priebe.26 O autor constatou que a diminuição do nível de exigência dos cuidados aos doentes crônicos tinha reflexos em muitos países da Europa, numa diminuição dos fatores de atração de novos pro-fissionais. Como consequência o difícil recrutamento de pessoal qualificado para esses serviços desestimulava qualquer interesse de futuros psiquiatras. Sem a garantia de qualidade desses serviços substitutivos associado a capacidade relativa dos doentes mentais em reivindicarem os seus direitos, a superação das dificuldades para as atividades de vida diária, o alcance de autonomia e a rein-serção social passam a conquistas duvidosas.

Um estudo multicêntrico (Inglaterra, Alemanha, Itália, Holanda, Espanha e Suécia) foi realizado por Priebe e Col.27 com o propósito de investigar os resultados da experiência de desinstitucionaliza-ção, a partir dos anos 70, tendo em vista as diferentes tradições de organização de cuidados de saúde mental desses países. Cons-tataram que o número de leitos forense e vagas em moradias as-sistidas, aumentaram em todos esses países, ao mesmo tempo em que o número de leitos em hospitais psiquiátricos reduziram em 5 dos 6 países. Concluíram que a reinstitucionalização está em cur-so em países europeus. As razões para esse fenômeno ainda não estão claras. É possível que medidas que visem a redução de risco social, como o aumento da população carcerária, podem ser mais importantes do que outras tentativas de redução da morbidade e de desenvolvimento de novos métodos de prestação de cuidados de saúde mental.

A Organização Mundial da Saúde e a União Européia reconhe-cem, em suas publicações desde 2001, que a doença mental é uma das questões mais urgentes da saúde pública. Um aspecto que merece destaque, pelo caráter endêmico, é a exclusão social das doenças mentais, especialmente, as graves. O estigma em torno da saúde mental está espalhado por toda a sociedade européia.28, 29

A institucionalização desnecessária e o abuso fundamental dos direitos humanos ainda se verificam em muitos países europeus.21 Nos países em que a desinstitucionalização foi implementada, po-de-se observar que os níveis de investimento em serviços comuni-tários raramente acompanham os patamares necessários.30

Aproximadamente 25% dos países da União Européia continu-

am a não fornecer cuidados comunitários para as perturbações mentais.31 No entanto, estes serviços são uma parte importante do processo de inclusão social e do tratamento eficaz de pessoas com doença mental grave.32

Os resultados desses estudos demonstram que apesar do reco-nhecimento da importância dos serviços substitutivos no proces-so de inclusão social de doentes mentais, o alcance desse objetivo ainda encontra várias barreiras.

RESIDENCIAIS TERAPÊUTICOS MORADA SÃO PEDRO, UMA EXPERIÊNCIA

O lugar das Residências Terapêuticas nos serviços de atenção à saúde mental é o de modalidade terapêutica substitutiva à inter-nação psiquiátrica de longa permanência. Entre os objetivos desses serviços está o de promover a inclusão social dos doentes mentais desospitalizados que não possuem suporte social e/ou laços fami-liares para a sua inserção. Para tanto, as moradias assistidas devem estar preferencialmente inseridas na comunidade.

A desospitalização não se resume aos Residenciais Terapêuticos, havendo alternativas assistenciais propostas pelo Ministério da Saúde do Brasil e em funcionamento em diversos municípios do país, tais como: hospital-dia, enfermaria psiquiátrica em hospital geral, ambulatório de saúde mental, centros e núcleos de assistên-cia psicossocial e, recentemente, as fazendas terapêuticas.

A investigação realizada por Weber3 se insere em um contexto de políticas públicas na área da saúde mental nas quais as ques-tões referentes ao universo cultural ganham destaque, uma vez que os Serviços Residenciais Terapêuticos Morada São Pedro estão implantados em meio a um determinado grupo social com o seu um modo próprio de viver e simbolizar as suas experiências com o adoecimento.

Por isso, torna-se essencial o conhecimento e a compreensão de como os “nativos” da Vila percebem o modelo de assistência aos doentes mentais desospitalizados dos Serviços Residenciais Terapêuticos Morada São Pedro, a doença mental em si e quais os impactos na vida dos moradores da Vila pelas ações de inclusão social desses doentes na comunidade.

Os Serviços Residenciais Terapêuticos Morada São Pedro, inau-gurados em 30 de dezembro de 2002, são um conjunto de 27 mo-radias assistidas com capacidade para até 4 pacientes, destinadas a doentes mentais desospitalizados egressos do Hospital Psiquiá-trico São Pedro.

Essas moradias assistidas foram construídas numa área invadida

ArtIGo orIGINAlpor céSAR AuGuSTo TRInTA wEBER1

Page 30: Revista Debates Jan Fev 2013

33Jan/Fev 2013 - revista debates em psiquiatria

localizada entre os fundos do Hospital Psiquiátrico São Pedro e a Vila Cachorro Sentado, mediante a promessa do Estado aos mora-dores “nativos” da Vila de regularização fundiária da área, fato que ainda não aconteceu. Após a instalação dos Serviços Residenciais Terapêuticos Morada São Pedro, a Vila foi renomeada para Vila São Pedro.

A Vila Cachorro Sentado/Vila São Pedro é dominada pelo tráfi-co de drogas e pelo comércio ilegal de produtos roubados tendo o seu cotidiano marcado tanto pela violência intrínseca, caracterís-tica dessa atividade ilegal, quanto pelo pacto de silêncio compul-sório entre os seus moradores sobre tudo aquilo que ali acontece.

Entre alguns dos resultados do trabalho etnográfico realizado (que associou as técnicas da observação participante e das entre-vistas em profundidade) destaca-se o convívio restrito e subordi-nado aos interesses do narcotráfico entre aqueles que moram na Vila.

O estigma, a discriminação e, muitas vezes, a hostilidade dos moradores “nativos” da Vila para com os doentes mentais desospi-talizados pode ser constatado.

A falta de conhecimento e informação sobre a doença mental e suas causas contribui para manutenção dessa realidade de aco-lhimento duvidoso e da pouca aceitação do compartilhamento territorial, o que reforça o achado em outros estudos, que mesmo conduzidos em diferentes culturas e populações apontam na mes-ma direção e dão suporte aos relatos obtidos.

Para Weber3 a criação dos Serviços Residenciais Terapêuticos Morada São Pedro, em meio a realidade da Vila Cachorro Senta-do/Vila São Pedro, coloca em xeque o alcance dos objetivos de reinserção social, liberdade e retomada da autonomia dos doentes mentais transferidos para esses serviços substitutivos, entre outros propósitos alvo da reforma institucional no setor médico-psiqui-átrico.

CONCLUSÕES

Para superação dos obstáculos verificados são necessárias algu-mas medidas, entre as quais: número adequado de serviços; quali-ficação dos trabalhadores; financiamento minimamente suficiente; cuidado tecnicamente adequado dos doentes mentais; e, princi-palmente, mecanismos para evitar a dependência excessiva ou o deslocamento desses doentes mentais para outros lugares (insti-tuições), reproduzindo a lógica anterior, movimento denominado re-institucionalização ou transinstitucionalização.14, 25, 33

Nessa perspectiva, é importante destacar que os projetos que buscam a inclusão social de doentes mentais possuem racionali-

dades operacionais heterogêneas e os seus efeitos estão intima-mente condicionados as práticas culturais dos locais aonde eles são executados.9, 15

César Augusto Trinta Weber. Avenida Ecoville, 190, casa 07. Bairro Sarandi.

CEP: 91150­400. Porto Alegre/RS. [email protected]

AgradecimentosArtigo Inédito. Artigo baseado em tese de Doutorado em Psi­

quiatria de Weber, CAT apresentada à Universidade Federal de São Paulo em 2011 (Comitê de Ética em Pesquisa HPSP/SES­RS

nº 09.003/09 e Comitê de Ética em Pesquisa da UNIFESP/HSP nº 1577/09).

Pesquisa realizada com apoio financeiro do CNPq. Edital Universal MCT/CNPq nº. 14/2010,

Processo nº. 471707/2010 – 4.O autor declara inexistência de conflitos de interesses.

Page 31: Revista Debates Jan Fev 2013

34 revista debates em psiquiatria - Jan/Fev 2013

Referências• 1. BRASIL. Lei n.º 7.853, de 24/10/1989 - Dispõe sobre

o apoio às pessoas portadoras de deficiência, sua in-tegração social, sobre a Coordenadoria Nacional para Integração da Pessoa Portadora de Deficiência - Corde, institui a tutela jurisdicional de interesses coletivos ou difusos dessas pessoas, disciplina a atuação do Ministé-rio Público, define crimes, e dá outras providências.

• 2. SASSAKI, Romeu Kazumi. Inclusão social: os novos paradigmas para todos os grupos minoritários. 1997. Disponível em: http://www.entreamigos.com.br Aces-so em 22/07/2011.

• 3. WEBER, CAT. Morada São Pedro: Uma Etnografia da Inclusão Social de Doentes Mentais Desospitalizados. [Tese de Doutorado]. São Paulo (SP): Departamento de Psiquiatria, Universidade Federal de São Paulo, 2011.

• 4. WASOW, M. The need for asylum for the chronically mentally ill. Schizophrenia Bulletin. 1986: 12(2):162-167.

• 5. SCHROEDER, M. R. Escape From Asylum-Response to Wasow. Schizophrenia Bulletin. 1897: 13(4):547-550.

• 6. CHAMME, Sebastião Jorge. Corpo e saúde: inclusão e exclusão social. Saúde soc. [online]. 2002: 11(2): 3-17.

• 7. MARCOS, Cristina Moreira. A reinvenção do cotidia-no e a clínica possível nos Serviços Residenciais Terapêu-ticos. Psyche (São Paulo). 2004: 8(14):179-190.

• 8. VINAGÓ, C. A construção do caso clínico. Curinga--EBP-MG. 2000:13:50-59.

• 9. BELINI, Marya Gorete; HIRDES, Alice. Projeto Morada São Pedro: da institucionalização à desinstitucionaliza-ção em saúde mental. Texto contexto - enferm. [online]. 2006:15(4): 562-569.

• 10. LEÃO, Adriana. As práticas de inclusão social: o de-safio para os serviços de saúde mental [dissertação] São Paulo (SP): Escola de Enfermagem, Universidade de São Paulo, 2006.

• 11. MOREIRA, L. H. O.; FELIPE, I. C. V.; GOLDSTEIN, E. A.; BRITO, A. B.; COSTA, L.M.C. A inclusão social do doente mental: contribuições para a enfermagem psiquiátrica. Inclusão Social. 2008:3(1):35-42.

• 12. ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE PSIQUIATRIA, AS-SOCIAÇÃO MÉDICA BRASILEIRA, CONSELHO FEDE-RAL DE MEDICINA, FEDERAÇÃO NACIONAL DOS MÉDICOS. Diretrizes para um Modelo de Assistência Integral em Saúde Mental no Brasil, 2006. Disponível em

http://www.abp.org.br/diretrizes_final.pdf• 13. GUERRA, Andréa Máris Campos; GENEROSO, Cláu-

dia Maria. Inserção social e habitação: modos dos porta-dores de transtornos mentais habitarem a vida na pers-pectiva psicanalítica. Rev. latinoam. psicopatol. fundam. [online]. 2009:12(4):714-730.

• 14. OLIVEIRA, Alice Guimarães Bottardo, CONCIANI, Marta Ester. Serviços residenciais terapêuticos: novos desafios para a organização das práticas de saúde men-tal em Cuiabá-MT. Revista Eletrônica de Enfermagem [Internet]. 2008:10(1):167-178.

• 15. HIRDES, Alice. A reforma psiquiátrica no Brasil: uma (re) visão. Ciênc. Saúde coletiva [online]. 2009:14(1):297-305.

• 16. FURTADO, Juarez Pereira et al. Social integration and living space: a path for evaluating the housing situation for people with severe mental disorders in Brazil. Interfa-ce - Comunic., Saude, Educ.:2010:14(33):389-400.

• 17. DALMOLIN, Bernadete Maria; VASCONCELLOS, Maria da Penha. Etnografia de sujeitos em sofri-mento psíquico. Rev. Saúde Pública, São Paulo, v. 42, n. 1, fev. 2008. Disponível em <http://www.scie-losp.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0034--89102008000100007&lng=pt&nrm=iso>. aces-sos em 06 out. 2011. http://dx.doi.org/10.1590/S0034-89102008000100007.

• 18. GARRISON, V. Support systems of schizophrenic and nonschizophrenic Puerto Rican migrant women in New York city. Schizophrenic Bulletin. 1978:4(4):561-596.

• 19. ESTROFF, S.E. Making It Crazy. Berkeley, CA: Univer-sity of Califórnia Press, 1981.

• 20. CORIN, E. Facts and meaning in psychiatry: an an-thropological approach to the lifeworld of schizophre-nics. Cult Med and Psychiatry: 1990:14:153-88.

• 21. McDAID, D. Policy Brief I, Mental Health Key issues in the development of policy and practice across Euro-pe. European Observatory on Health Systems and Poli-cies, World Health Organization, 2005.

• 22. WITTCHEN, H.; JACOBI, B. Size and burden of men-tal disorders in Europe – a critical review and appraisal of 27 Studies. European Neuropsychopharmacology. 2005:15:357-376.

• 23. DRAKE et al. A Randomized Clinical Trial of Sup-ported Employment for Inner-city Patients With Severe Mental Disorders. Arch Gen Psychiatry. 1999:56:627-633.

ArtIGo orIGINAlpor céSAR AuGuSTo TRInTA wEBER1

Page 32: Revista Debates Jan Fev 2013

35Jan/Fev 2013 - revista debates em psiquiatria

• 24. FAKHOURY, W.; MURREY, A.; SHEPHERD, G.; PRIE-BE, S. Research in supported housing: a review. Soc Psychiatry Psychiatr Epidemiol. 2002:37:301-315.

• 25. PRIEBE, Stefan; TURNER, Trevos. Reinstitutionalisa-tion - a new era in mental

• health care. BMJ, 2003:326:175 -176.• 26. PRIEBE, Stefan. Institutionalisation revisited - with

and without walls. Acta Psychiatr Scand:2004:110:81-82.• 27. PRIEBE, Stefan; BADESCONVI, Alli; FIORRITI, Ange-

lo; HANSSON, Lars; KILIAN, Reinhold; TORRES-GON-ZALES, Francisco; TURNER, Trevos; WIERSMA, Durk. Reinstitutionalisation in mental health care: comparison of data on service provision from six European coun-tries. BMJ. 2005:15;330(7483):123–126.

• 28. WORLD HEALTH ORGANIZATION. Mental Health in Europe, Stop Exclusion, Dare to Care. Geneva, 2001.

• 29. EUFAMI. ‘Zerostigma’ briefing paper, 2004. Disponí-vel em www.eufami.org.

• 30. McDAID, D.; THORNICROFT, G. Policy Brief Mental Health II, Balancing Institutional and Community Care. European Observatory on Health Systems and Policies, World Health Organization, 2005.

• 31. WORLD HEALTH ORGANIZATION. Mental Health Atlas. Geneva, 2005.

• 32. CORRIGAN, P.W.; PHELAN, S.M. Social support and recovery in people with

• serious mental illness. Community Mental Health Jour-nal. 2004:40:513-524.

• 33. EARLEY, Pete. Loucura: A busca de um pai no insano sistema de saúde. Tradução de Roberto Cataldo Costa. Porto Alegre: Artmed, 2009.

Page 33: Revista Debates Jan Fev 2013

36 revista debates em psiquiatria - Jan/Fev 2013

ArtIGo orIGINAlpor fERnAnDo poRTELA câMARA 1

InTRoDUÇão Da PSICoTeRaPIa na meDICIna BRaSIleIRa: 1887-1889

[InTRoDUCTIon of PSyChoTheRaPy In BRazIlIan meDICIne: 1887-1889]

ResumoO presente trabalho é fruto de uma pesquisa sistemática sobre

como a psicoterapia foi introduzida na Corte Brasileira em 1887, sob o nome de hipnose sugestiva ou psicoterapia. Mostra­se que foram os médicos Érico Coelho e Francisco Fajardo os patronos dessa mo­dalidade revolucionária de tratamento psíquico no país.

Palavras chaves: hipnose médica, psicoterapia, história da psi­coterapia no Brasil.

SummaryThis work is the result of a systematic research on how psychothe­

rapy was introduced in the Brazilian Court in 1887, under the name of suggestive hypnosis or psychotherapy. It is shown that Eric Coelho and Francisco Fajardo were the patrons this revolutionary mode of psychological treatment in the country.

Keywords: medical hypnosis, psychotherapy, history of psycho­

therapy in Brazil.

A psicoterapia foi introduzida e praticada no Brasil no sé-culo XIX, como em todo mundo na época, sob o rótulo de método hipnótico-sugestivo tal como preconizado por Bernheim, e na mesma época em que Freud estu-

dava com este mestre em Nancy (França), o médico e microbiolo-gista Francisco Fajardo ensaiava o mesmo método aqui no Brasil. Este extraordinário investigador científico e observador, foi o autor da primeira obra brasileira completa sobre o hipnotismo médico, e também o primeiro a pesquisar e documentar cuidadosamente a história da introdução do magnetismo animal e do hipnotismo no Brasil. Sua obra é, pois, um documento inestimável, onde grande parte dos fatos aqui apresentados encontra sua fonte original.

Segundo Francisco de Paula Fajardo Júnior, que se assinava Francisco Fajardo, autor da primeira obra sobre hipnose médica no Brasil1, esse método psicoterapêutico foi introduzido na Cor-te brasileira pelo médico Érico Coelho, com três comunicações

apresentada por este à Academia Imperial de Medicina em 1887 sobre a cura do beribéri. Foi a primeira vez que a palavra “hipnotis-mo” foi usada e seu uso como ato médico demonstrado, tendo a Academia aprovado esta nova forma de terapia, que passou a ser conhecida como psicoterapia. A partir daí, iniciou-se uma inten-sa procura pelos livros de Bernheim2,3 e outros autores4,5,6,7,8,9,10,11,12,13

sobre o hipnotismo. Escreve Fajardo: “à medida que ele [Érico Coelho] levava à Academia o resultado dos seus estudos práticos sobre hipnoterapia, foram vindo à luz da publicidade várias comu-nicações médicas. Animados com esse exemplo, alguns médicos fluminenses começaram a estudar e praticar a medicina sugestiva, outros se gabaram de a ter empregado há muito tempo, e assim despertou-se no público médico e entre os homens de letras, em geral, a atenção, o gosto pela leitura desses assuntos. Os livros de Bernheim, Biné e Feré, etc, etc, começaram a circular de mão em mão, e a sucederem-se as remessas de livros dessa matéria para o nosso mercado”. Foi este o modo pelo qual a psicoterapia come-çou a ser praticada em nosso país a partir da Corte.

Este fato suscitou também intensas polêmicas, e a propaganda ganhou o foro público quando o jornal católico carioca, O Apos­tolo, iniciou a publicação de artigos anatemizando a hipnose e, em especial, injuriando a pessoa do médico Érico Coelho, considera-do o maior defensor da psicoterapia na Corte. Um jornal leigo de grande circulação, O Paiz, publicou artigo contestando O Apóstolo e defendendo a hipnose como forma de terapia para os males ner-vosos. Érico Coelho enviou uma carta de agradecimento a’O Paiz, publicada na edição de 22 de março de 1887, onde ganhou mais ainda a simpatia do público, aumentando sua clientela e fama, e pondo fim à polêmica. Eis aqui a transcrição da carta1:

Amigo Sr. Redator – Acabo de saber, lendo O Paiz, numero de hoje, que tomastes o trabalho de referir-vos aos impro-périos que O Apostolo se dignou despejar ontem contra mim, a pretexto de vos contestar as virtudes da medici-na sugestiva. Relevai, prezado Sr. redator, que eu vos não

Page 34: Revista Debates Jan Fev 2013

37Jan/Fev 2013 - revista debates em psiquiatria

fERnAnDo poRTELA câMARA1 MD, PhD. Prof Associado da UFRJ, IMPPG

Coordenador do Depto de Informática da ABP

gabe o gosto e a paciência [...] Entretanto devo dizer que vos fico muito grato, e de mais a mais obrigado me fareis, se acaso conseguirdes indagar da Santa Madre Igreja por que regra a psicoterapia ofende a moral de O Apostolo, quando é certo que o próprio Padre Eterno (no tempo em que foi moço) praticou o hipnotismo; haja exemplo a cé-lebre ablação de costela que Adão sofreu durante o sono, tudo segundo reza o versículo, Deus enim emisit soporem in Adam... etc, etc. espero que, apoiado em autor de tão boa nota, acalmeis as iracundas susceptibilidades de O Apostolo. Caso, porém, não possais ainda assim chama-lo à razão, o melhor será deixa-lo em liberdade ...

A impor jejuns, benzer caixões, salgar crianças.A grunhir, a ladrar sermões, missas cantadas.E a escriturar o céu por partilhas dobradas.

Tal é o parecer de Guerra Junqueiro, ao qual se conforma este vosso amigo, venerador e criado. Rio de Janeiro, 21 de março de 1887. Érico Coelho.””.

Este fato marcou a entrada triunfal da psicoterapia, então como método hipnótico-sugestivo. Seguindo Érico Coelho, a corte do Rio de Janeiro teve sua primeira geração de psicoterapeutas nas figuras ilustres dos médicos Kossuth Vinelli, Francisco de Castro, Oliveira Aguiar, João Paulo, Henrique Baptista, Olympio Portugal, Dias da Cruz Filho, Eduardo França, Moraes Jardim, Silva Santos, Victorino Pereira, Alfredo Barcellos, Teixeira Brandão, Phillipe Jar-dim, Márcio Nery e outros1.

Na Bahia, a novidade foi introduzida por Alexandre Maia Bitten-court, catedrático de psiquiatria, e diretor do Asilo de Alienados daquele estado1. Maia Bittencourt relatou os benefícios da hip-noterapia entre os alienados como sendo nulos, observando-se “apenas melhoras em poucos doentes que prestavam atenção”. Ele já observara um fato que é hoje bem conhecido: a psicote-rapia hipnosugestiva não funciona naqueles indivíduos que não são responsáveis pelas suas vivências internas (estados delirantes/alucinatórios), bem como nos ansiosos generalizados e drogaditos cuja fixação da atenção está prejudicada. Ele percebeu também o valor do método quando se tratava aqueles “doentes nervosos não alienados” cuja atenção estava preservada. Nete último caso, Maia Bittencourt obteve sucessos notáveis nas variadas formas de nevralgias e em doenças nervosas consideradas psicogênicas. Também na Bahia atuaram neste campo os médicos Alfredo Brito e Carlos Affonso Alves, este último autor da tese “Psicoterapia”, onde apresenta o método hipnótico-sugestivo. Diferentemente do Rio de Janeiro, a hipnoterapia encontrou grande resistência

na Bahia, sendo bem sucedida a propaganda que a Igreja lançava contra este método de “dominação da alma”. Sobre isso, Affon-so Alves deixou uma nota: “há muita repugnância na maioria da população e mesmo dos médicos em aceitar o hipnotismo como meio terapêutico de muitas enfermidades”1.

O paulista Domingos José Nogueira Jaguaribe retornando a São Paulo, após estudar sob a direção de Charcot, em Paris, fundou uma sucursal do Instituto de Psicofisiologia, em 1890, com o nome Instituto Jaguaribe Ele usou a psicoterapia sugestiva e a eletrote-rapia no tratamento do alcoolismo, com algum sucesso (ver nota biográfica no final do artigo).

A consolidação da psicoterapia sugestiva aconteceu com a pu-blicação do livro “Hypnotismo” de Francisco Fajardo em 1889, no Rio de Janeiro, pela tipografia Laemmert, localizada então na Rua do Ouvidor. Este livro extraordinário em todos os sentidos e ain-da hoje um clássico, foi a dissertação que ele apresentou, com o mesmo título, em 1888, à Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro para obtenção do seu doutorado (neste mesmo ano também se doutorava, pela mesma faculdade, Peixoto de Moura, com a dis-sertação “Physiologia pathologica dos phenomenos hypnoticos”). O sucesso do livro de Fajardo foi de tal magnitude, que em 1896 foi ampliado e reeditado com o título “Tratado de Hipnotismo”14 (ver nota biográfica no final do artigo).

Fajardo iniciou-se na psicoterapia sugestiva através de Érico Coelho e estudou todas as publicações importantes sobre o as-sunto em seu tempo. Seu livro cobre uma referência bibliográfica completa onde desfilam os nomes mais importantes da época, tais como Azam, Beaunis, Baréty, Berillon, Bernheim, Braid, Biné e Feré, Charcot, Charpignon, Cullerre, Deleuze, Fontain e Ségard, Gauthier, Grasset, Hake Tuke, Luys, Moutin, Ochoirowicz, Perro-net, Philips, Richer, Sicard, Teste, De La Tourette, e outros. Fajardo revela-se também leitor de Ribot (Le Maladies de la Volonté, 1883), Mausdley (La Pathologie de l’Espirit, 1883, em tradução francesa de Germont), Binet (La Psychologie du Raisonnement, 1886) e Ga-rofalo (La Criminologie, 1888), como muito dos que abraçavam a psiquiatria e a medicina legal na época.

Se o hipnotismo não encontrara sucesso significativo na “mania”, “loucura circular” e nas “loucuras histérica e puerperal”, síndromes que a psiquiatria da época se ocupava exclusivamente, ele parecia, contudo, ter um bom efeito nas “idéias fixas de delírios sistemáti-cos”, na insônia dos morfinômanos e adictos do hidrato de cloral, como meio de abreviar os “ataques histéricos e histero-epilépticos”, e excelentes resultados na anorexia nervosa, somatizações, conver-sões, etc, condições mais comumente vistas pela neurologia (então com o nome de “neuriatria”) da época. Em especial, o parto sem

Page 35: Revista Debates Jan Fev 2013

38 revista debates em psiquiatria - Jan/Fev 2013

dor e as pequenas intervenções cirúrgicas realizadas sob anestesia hipnótica eram freqüentemente bem sucedidas. Os sucessos, rela-tados nas diversas áreas da clínica médica, eram promissores e au-torizavam a hipnosugestão como meio psíquico no tratamento de enfermidades não apenas nervosas como também somáticas. Na última parte do livro, Fajardo descreve a técnica terapêutica e sua numerosa documentação de casos, separando-os em tratamentos bem sucedidos e mal-sucedidos, e discutindo cada um deles.

Como ilustração do que se tratava pela psicoterapia na época, reproduzimos aqui os casos relatados por Érico Coelho e Moraes Jardim (Tabelas I e II), conforme relação transcrita por Fajardo 1.

Tabela I. Relação de casos clínicos tratados por Érico Coelho por psicoterapia hipnótico-sugestiva em 1887 1.

no Caso (diagnóstico) Resultado e método

1 Incontinência urinária + anorexia

Cura completa

2 Gagueira+histero-coréia+tique convulsivo+gastralgia

Cura por mudança de personalidade

3 epilesia Insucesso

4 Paresia dos extensores do dedo

Melhoras

5 Paralisia lábio-glosso-faríngea Grande melhora

6 Calpo-perineoplastia Operada sob anestesia hipnótica. Sucesso.

7 Monomania+fobo-hidro-fobia

Cura rápida

8 Lipemania religiosa Grande melhora

9 Paraplegia post-partum Cura

10 Insônia+neurastenia Cura

11 Beri-beri forma mista, marcha aguda

Cura

12 Mutismo absoluto há 30 anos

Cura pela hipno-sugestão

13 Eczema das mãos+insônia Cura em 20 dias

14 Anorexia rebelde Cura

15 Abscesso na fossa ilíaca externa

Operada sob anestesia hipnótica. Sucesso.

16 Cistite crônica Cura pela hipno-sugestão

17 Pseudo-torcicolo (artrite atloido-axoidea)

Melhoras

18 Lipemania Melhoras

19 Histeria Melhora considerável

20 Histeria Espaçamento considerável dos ataques

21 Histero-epilepsia (caso notável)

Cura pela hipno-sugestão

22 Hipnose obstétrica Sucesso relativo

23 Hipnose obstétrica Sucesso relativo

24 Beriberi Melhora

25 Fitísica+anorexia rebelde Cura completa pela hipno-sugestão

26 Miosite reumática Cura pela hipno-sugestão

27 Paralisia atrófica infantil Melhoras

28 Beriberi, edema exagerado dos MMII

Melhoras

29 Beriberi, paralisia dos MMII e MMSS+falsas contraturas

Cura temporária por hipno-sugestão

30 Enxaquecas agudas Grande melhora

31 Úlcera de estômago, epigas-tralgia aguda, vômitos

Cura pela sugestão verbal

32 Unha encravada Operada sob anestesia hipnótica

Tabela II. Relação de casos clínicos tratados por Moraes Jardim por psicoterapia hipnótico-sugestiva1.

no Caso (diagnóstico) Resultado e método

1 Ciática rebelde+dispepsia Cura pela hipno-sugstão

2 Hipnose obstétrica Sucesso completo

3 Hemiplegia histérica total Cura em uma sessão

4 Epilepsia Cura temporária

5 Insônia, dispnéia, incontinência urinária, convulsões fibrilares, ... alienação

Cura temporária dos sintomas

6 Panarício Dilatação em hipnose. Sucesso relativo.

7 Afonia histérica Cura em uma sessão

8 Gastro-enteralgia Cura em uma sessão

9 Nevralgia dentária Ablação sob anestesia hipnótica

10 Epilepsia Cura temporária

11 Ataque histérico Sustado pelo hipnotismo

12 Cólicas nefríticas Sustadas pela hipnose

ArtIGo orIGINAlpor fERnAnDo poRTELA câMARA 1

Page 36: Revista Debates Jan Fev 2013

39Jan/Fev 2013 - revista debates em psiquiatria

13 Ataques histéricos, tosse nervosa, gastro-enteralgia

Ataques sustados por hinose, demais sintomas curados

14 Nosomania+hipercinesia cardíaca Cura

15 Vertigens+náuseas Cura

16 Epilepsia Cura temporária

17 Hipercinesia cardíaca Cura em uma sessão

18 Ataque histérico Sustado pela hipno-sugestão

19 Sudorese noturna Cura pela hipno-sugestão

20 Espasmo respiratório em uma histérica

Cura em uma sessão

21 Dores intensas após amputação do seio

Sustadas completamente pela hipno-sugestão

22 Abatimento moral+ataques histé-ricos

Cura pela hipno-sugstão

23 Fortes pesadelos+sono agitado Cura completa

24 Ciática Cura

A psicoterapia era então corretamente entendida como um método de tratamento não apenas de enfermidades nervosas, mas também das enfermidades somáticas, seja produzindo alívio ou mesmo a remissão. Esta noção, infelizmente, é hoje desconhe-cida pela maioria dos psicoterapeutas que, assim, não alcançam o potencial completo dessa terapia. A influência entre o psíquico e o somático já era bem conhecida na época, especialmente pela via da emoção, cuja expressão podia modificar e mesmo suspender uma função orgânica. Isto era observado comumente nas histé-ricas (conversões), mas também, e em menor grau, naqueles sem antecedentes histéricos. “A correlação dos fenômenos somático e psíquico, físico e mental é tão íntima, que pode-se dizer que o fim de um, é o começo do outro; a idéia é já o princípio de um ato” 1. Féré realizou numerosos experimentos para mostrar como histé-ricas, hipnoticamente alucinadas, aumentavam significativamente a pressão dinamométrica em função das representações mentais sugeridas, e concluiu: “Cada vez que um centro cerebral entra em ação, é todo o ser que é excitado... Não somente o cérebro, é todo o ser que pensa” 15. Seria, portanto, esta energia nervosa que media o trânsito do psíquico para o somático e, por meio das sensações, do somático para o psíquico, assim como algumas vezes podia ser tão forte que produziria convulsões e espasmos que o indivíduo não poderia dominar, como se supunha ocorrer com as grandes crises histéricas. Vemos, assim, que de forma alguma a psicosso-mática foi um produto do século XX, mas um princípio que se afirmou no século XIX.

Epílogo: 1887 – 1918

Para a psiquiatria daquela época, a personalidade, definida como o “indivíduo física, moral e intelectualmente falando”, podia ex-perimentar flutuações ou mesmo alterações patológicas, rever-síveis ou não. Um indivíduo distraído não é o mesmo indivíduo que momentos antes estava atento à uma conversa, e o indivíduo que age sob impulso de uma emoção forte não é o mesmo que momentos antes pensava e agia racionalmente. Assim, o nosso ser podia sofrer algum tipo de mudança em diversas épocas, idades, situações emocionais, estado de saúde, por efeito de doença ou intoxicação, etc, podendo até mesmo desdobrar-se, temporária ou permanentemente, em outra personalidade (os estados segundos de Azam4, que também viria a ser conhecidas como “automatis-mos cerebrais”, “desdobramentos da consciência”, “personalidades alternadas”, estados separados do eu ordinário por véus de amné-sia, fenômenos que o magnetismo animal de Mesmer evidenciara e que o hipnotismo cientifico de James Braid estudara em bases controladas. Essas manifestações de estados segundos do ser, que Freud consolidaria como uma psique “subconsciente”16, afronta-vam o dogma Tomista da unidade da alma e sua essência imor-tal, portanto a psicoterapia era uma heresia para a Igreja Católica. A psique foi evidenciada pelos magnetizadores, hipnotizadores e psicoterapeutas como um conjunto de “eus parciais”, semi-autô-nomos, coordenado por uma unidade pessoal que Ribot definira como “personalidade consciente”.

O mito de que os atos inconscientes ocorrendo no sonambulis-mo e estados segundos eram amnésicos para a consciência ordiná-ria, e evidenciados durante uma crise ou por hipnose experimen-tal, caiu por terra com os experimentos controlados de Bernheim3. Fajardo tinha pleno conhecimento destas experiências, que ele resume citando Delboeuf: “[está hoje] bem estabelecido que os sonâmbulos conservam a memória integral de suas palavras, fatos e gestos, que todos, todos sem exceção, apresentam o fenômeno da memória. Eu não formo, pois, mais sonâmbulos... Meus únicos sonâmbulos, com perda regular da memória, são os primeiros in-divíduos que eu criei, quando estava persuadido de que todo o sonâmbulo esquecia regularmente seus sonhos, a menos que eles não fossem reavivados pelo meu método”1. Isto se consolidaria quando Freud foi exposto ao método hipnocatártico de Joseph Breuer 16, e Pierre Janet usou a hipnose experimentalmente para investigar o estado mental das histéricas17 e desenvolver seu méto-do de psicoterapia de síntese 8.

Pierre Janet foi largamente lido, traduzido e seguido no Brasil na virada do século XX, a hipnocatarse ou a abreação catártica sem

Page 37: Revista Debates Jan Fev 2013

40 revista debates em psiquiatria - Jan/Fev 2013

hipnose de Breuer e Freud, aparentemente não foi praticada em nosso país, ou pelo menos não aparece nos protocolos dos psico-terapeutas brasileiros até a I Guerra Mundial.

A psicoterapia hipnótica neste período, ainda sem as teorias dinâmicas e fazendo uso da sugestão, constituiu uma autêntica psicoterapia, antecipando algo do que viria se tornar psicoterapia comportamental. E ainda antes mesmo da psicanálise ser aqui in-troduzida, o método da persuasão, uma excelente técnica psico-terapêutica de orientação psicopedagógica introduzida pelo pró-prio Bernheim e desenvolvida por Dubois, foi utilizada e divulgada amplamente por um dos grandes nomes da neurologia brasileira, Antonio Austregesilo19.

Cronologia do hipnotismo na medicina brasileira 1,14,20

1823 – O médico pernambucano João Lopes Cardoso Macha-do fala pela primeira vez do magnetismo animal sob o nome de “catalepsia espontânea”, em seu “Dicionário Médico­Prático – Para Uso dos que Tratam da Saúde pública, Onde Não Há Professores de Medicina”.

1832 – O Doutor Cuissart, eminente membro da Sociedade de Medicina do Rio de Janeiro (fundada em 1829 e mais tarde Acade-mia Imperial de Medicina), fez rejeitar mediante erudito julgamen-to, a tese do Dr. Leopoldo Gamard sobre o magnetismo animal, alegando uma “audácia de charlatães”.

1853 – O Dr. Guilherme Henrique Briggs traduz para o portu-guês o livro do famoso magnetizador francês Barão Du Potet, com o título “Prática Elementar do Magnetismo”.

1857 – O Dr. José Maurício Nunes Garcia, professor de Anato-mia Descritiva da Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro, trata do magnetismo animal no seu trabalho “Estudos Sobre a Fotografia Fisiológica”.

1861 – Nesse ano funda-se no Rio de Janeiro a Sociedade Propa-ganda do Magnetismo e o Júri Magnético do Rio de Janeiro, ambas dedicadas à pesquisa e tratamento através do magnetismo ani-mal. Estas entidades são autorizadas a funcionarem desde que as práticas curativas sejam conduzidas exclusivamente por médicos. Neste mesmo ano, o Dr. Joaquim dos Remédios Monteiro apre-senta a memória “Magnetismo – História” à Academia Imperial de Medicina.

1875 – Neste ano e no seguinte, o Dr. Gonzaga Filho escreve uma série de artigos sobre o magnetismo animal na seção de ci-ências do Diário do Rio de Janeiro, obtendo grande repercussão na Corte.

1876 – O Doutor Melo Moraes publica o trabalho “Memória So­

ArtIGo orIGINAlpor fERnAnDo poRTELA câMARA 1

bre o Fluido Universal ou Éter”, onde, entre outras coisas, prefigura a idéia de bioeletrogênese. Neste mesmo ano Dias da Cruz, cate-drático de Patologia da Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro, Ferreira de Abreu, Gama Lobo, famoso oculista, e Gonzaga Filho, pesquisam o magnetismo animal e o seu potencial terapêutico. Não se conhecia o trabalho de Braid sobre hipnotismo ainda.

1880 – A partir deste ano até por volta de 1887, médicos interes-sados na terapia pelo magnetismo animal começam a praticar este método. Destacam-se Calvert, na Corte do Rio de Janeiro, Lucindo Filho, em Vassouras, Moraes Jardim, em Barbacena, Sá Leite, em Poços de Caldas, Affonso Alves, na Bahia, e outros.

1884 – O Dr. Nunes Garcia apresenta seu trabalho “Memória Sobre o Magnetismo Animal” na exposição que ele inaugurou na Biblioteca da Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro.

1887 – O Dr. Érico Coelho apresenta um caso de cura de beribé-ri pela hipnoterapia sugestiva à Academia Imperial de Medicina. É aqui que pela primeira vez a psicoterapia é apresentada e introdu-zida na medicina brasileira, marcando, segundo Fajardo, o ato inau-gural deste método terapêutico. Também a palavra hipnotismo é usada pela primeira vez e sua prática aprovado pela Academia como ato médico legítimo.

1888 – Francisco de Paula Fajardo Júnior (Francisco Fajardo) é doutorado em medicina com a dissertação “Hipnotismo” (Facul-dade de Medicina do Rio de Janeiro). Também são doutorados Cunha Cruz com a tese “Hipnotismo e Sugestão – Sua Aplicação à Tocologia”, e Peixoto de Moura, com a dissertação “Fisiologia Pato­lógica dos Fenômenos Hipnóticos”. Na Bahia, Affonso Alves recebe o doutorado com a dissertação “Das Sugestões no Tratamento das Moléstias Psíquicas”.

1889 – O Dr. Francisco Fajardo publica sua tese “Hipnotismo” sob forma de livro, obtendo grande êxito junto à classe médica. Nes-te mesmo ano ele apresenta, juntamente com Alfredo Barcellos, Aureliano Portugal e Érico Coelho trabalhos sobre hipnose psico-terápica no II Congresso Brasileiro de Medicina e Cirurgia. Fajardo apresenta também casos bem sucedidos de cura de uma cegueira histérica e de uma afasia histérica na Sociedade de Medicina do Rio de Janeiro. Alfredo Barcellos, Pereira das Neves e Benício Abreu atestam as curas. Este ano marca o início de um período prolífico para a psicoterapia brasileira. Dentre muitas figuras importantes, além dos citados (v. artigo) no Rio de Janeiro, temos, na Bahia, além dos mencionados no artigo, Coriolano Burgos, Nina Rodrigues, Matheus dos Santos, Tillemont Fontes, Aristeo de Andrade, Pin-to de Carvalho, além de outros citados mais adiante. Destacou-se também o médico pernambucano Ermírio Coutinho, que apre-sentava suas comunicações à Sociedade Médico-Farmacêutica

Page 38: Revista Debates Jan Fev 2013

41Jan/Fev 2013 - revista debates em psiquiatria

de Pernambuco, Edmundo César Lobão Júnior, no Maranhão, e o médico paulista Domingos Jaguaribe [v. nota no final desta cro-nologia].

Ainda nesse mesmo ano, os Drs. Joaquim Correia de Figueiredo e Siqueira Ramos representam o Brasil no I Congresso Internacio-nal de Hipnose Clínica e Terapêutica (8-12 de outubro), em Paris, presidido por Charcot.

1891 – Alfredo Ferreira de Magalhães recebe o doutorado em medicina pela Faculdade de Medicina da Bahia com dissertação “O Hipnotismo e a Sugestão – Aplicações Clínicas”.

1892 – José Alves Pereira recebe o doutorado em medicina pela Faculdade de Medicina da Bahia com a dissertação “Das Sugestões no Tratamento das Moléstias Psíquicas”.

1895 – O Dr. José Alcântara Machado apresenta dissertação so-bre hipnotismo (“Ensino Médico-Legal”) para a vaga de lente subs-tituo na cadeira de Medicina Legal e Higiene Pública da Faculdade de Direito de São Paulo.

1896 – O Livro de Fajardo é publicado em segunda edição am-pliada e atualizada com o título “Tratado de Hipnotismo”. A obra é considerada de excelência, e Fajardo é saudado pelos mestres da hipnose européia: Liègeois, Charles Richet, Hack Tuke, Azam, Delbouef, Brouardel, Féré, Dujardin-Beaumetz, Babinski, Bourru, Cullerre, Fontan, Ségard e Belfiore.

1900 –Augusto Ribeiro da Silva é doutorado em medicina pela Faculdade de Medicina da Bahia com a dissertação “O Hipnotismo Sob o Ponto de Vista Médico­Legal”.

1912 – Dionísio A. C. Magalhães Júnior é doutorado pela Facul-dade de Medicina do Rio de Janeiro com a dissertação “Da Tera­pêutica Sugestiva”.

1916 – Carlos de Negreiros Guimarães é doutorado pela Facul-dade de Medicina do Rio de Janeiro com a dissertação “Do Concei­to Moderno do Hipnotismo em Medicina”.

1919 – Medeiros e Albuquerque, um leigo ilustrado, aprende hipnotismo em Paris e publica no Brasil um livro que também se-ria famoso, “O Hipnotismo”, prefaciado pelos eminentes médicos Miguel Couto e Juliano Moreira. Com esta publicação encerra-se a fase áurea do hipnotismo como psicoterapia no Brasil. Outros métodos começam a chegar por aqui, incluindo a psicanálise.

Nota biográfica sobre Francisco Fajardo20

Francisco de Paula Fajardo Júnior nasceu em 8 de fevereiro de 1864 no Rio de Janeiro e formou-se pela Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro em 1888, doutorando-se com a tese “Hipnotismo” (1888), doutrina psicoterápica que ajudou a ganhar credibilidade

nos meios acadêmicos. Sua tese foi publicada em livro (1889) e despertou tanto interesse que, em 1896, foi ampliada e publicada sob o título “Tratado de Hipnotismo”. Este pioneiro da psicote-rapia no Brasil, foi também pioneiro da microbiologia brasileira (Figura 1), discípulo e amigo de Oswaldo Cruz, e tornou-se profes-sor da Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro ainda jovem. Em 1892, destacou-se por seus trabalhos experimentais com o parasita da malária, tendo sido o primeiro a identificar, no Brasil, o hema-tozoário descrito por Laveran em 1880. Em 1893, Fajardo é eleito membro da Academia Nacional de Medicina com o trabalho “O Micróbio da Malária”. Foi no pequeno laboratório que ele criou na Santa Casa de Misericórdia do Rio de Janeiro, que Carlos Chagas, então seu aluno na Faculdade de Medicina, iniciou-se na pesquisa sobre a malária, tema de sua tese de doutoramento. Fajardo fale-ceu ainda jovem, aos 42 anos, vitimado por uma contaminação acidental por soro antipestoso.

Nota biográfica sobre Domingos Jaguaribe 14,20

O paulista Domingos José Nogueira Jaguaribe foi médico pela Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro, especializando-se em Botânica Médica. Após doutorar-se, viajou para Paris onde estu-dou e praticou, tendo, inclusive, tratado o famoso escritor Mar-cel Proust de sua asma, prescrevendo-lhe inalação de essências da flora brasileira. Em Paris, freqüentou as aulas de Charcot sobre hipnotismo e histeria na Salpétrière, e aprendeu o método Perkins, o qual foi seu introdutor entre nós. Retornando a São Paulo em 1890, fundou uma sucursal do Instituto de Psicofisiologia de Paris, onde usou a técnica hipnótica como tratamento em sua clínica. Isto lhe trouxe muita fama e clientes, levando-o a criar o Instituto Jaguaribe. Aí ele usou a hipnoterapia e a fisioterapia no tratamento do alcoolismo, conseguindo sucesso em 840 pacientes, fazendo-os abandonarem o “vício” e retornarem ao convívio social. Seu méto-do e resultados foram apresentados no VI Congresso Brasileiro de Medicina e Cirurgia. Domingos Jaguaribe foi o único brasileiro a se tornar sócio efetivo da famosa Sociedade de Pesquisas Psíquicas de Londres.

Page 39: Revista Debates Jan Fev 2013

42 revista debates em psiquiatria - Jan/Fev 2013

ArtIGo orIGINAlpor fERnAnDo poRTELA câMARA 1

Figura 1. Na foto acima, publicada em O Malho, Rio de Janeiro, edição de 20 maio 1905, vê os cientistas de Manguinhos e membros da missão francesa do Instituto Pas-teur, encarregada de acompanhar a campanha de combate à febre amarela. Sentados, da esquerda para a direita: Figueiredo de Vasconcellos, Henrique da Rocha Lima, Émile Marchoux,; Oswaldo Cruz, Paul-Louis Simond, Francisco Fajardo e Alberto Cunha.

Fonte: http://www2.prossiga.br/Ocruz/imagens/missao_francesa.html (acessada em 02/01/2003).

Fernando Portela Câmara,e-mail: [email protected]

Agradecimentos: Fonte de financiamento e conflitos de interesses inexistentes

Page 40: Revista Debates Jan Fev 2013

43Jan/Fev 2013 - revista debates em psiquiatria

Referências• 1. Fajardo, F. Hypnotismo. Rio de Janeiro: Typ. Laem-

mert & C., 1889. • 2. Bernheim, H. M. De la Suggestion et de ses Applica-

tions a la Therapeutique. Paris: Ed. Albin Michel, 1888. • 3. Bernheim, H. M. Hypnotisme, Suggestion, Psycho-

therapie. Paris: Ed. Octave Doin, 1891. • 4. Azam, E. Hypnotisme, Double Conscience et Altéra-

tions de la Personalité, Paris: Ed. J.B. Baillierè Et Fils, 1887. • 5. Beaunis, H. Le Somnambulisme Provoqué. Paris: Ed.

J.B. Baillierè Et Fils, 1887.• 6. Binet, A. & Ferré. Le Magnetisme Animal. Paris: Ed.

Félix Alcan, 1887. • 7. Binet, A. La Suggestibilité. Paris: Ed. Schleicher Frères,

1900. • 8. Binet, A. Les Alterations de la Personnalité. Paris: Ed.

Félix Alcan, 1912. • 9. Bonjean, A. L’Hypnotisme. Paris: Félix Alcan, 1890. • 10. Charcot, J. M. Métalloscopie, Métallothérapie, Hyp-

notisme. In Lecrosnier et Babé (Ed.), Oevres Complètes de J. M. Charcot, Paris: Delahaye & Lecrosnier, vol. 9, parte 2, pp. 213-480, 1890.

• 11. Charcot, J. M. Sur les Divers États Nerveux Détermi-nés par L’Hypnotization chez les Hystériques. Comp. Rendus Hebd. Academie des Sciences, 1892; 44: 403-5.

• 12. Faria (Abbé de Faria). De La Cause du Sommeil Lu-cide ou Étude de la Nature de L’homme. Paris: Hoirac, 1819.

• 13. Richer, P. Études Cliniques sur L’hystéro-épilepsie ou Grand Hystérie. Paris: Delahaye & Lecrosnier, 1881.

• 14. Fajardo, F. Tratado de Hypnotismo. Rio de Janeiro: Typ. Laemmert & C., 1896.

• 15. Féré, C. Sensation et Mouvement – Études Experi-mentales de Psycho-Mécanique, Paris: Ed. Félix Alcan, 1887.

• 16. Breuer, J. & Freud, S. On the Psychical Mechanism of Hysterical Phenomena: Preliminary Communicxa-tion (1893). In: Studies On Hysteria, The Pelican Freud Lib., New York: Penguin Books, 1974; 3: 53-63.

• 17. Janet, P. L’État Mental des Hystériques. Paris: Rueff Ed., 1894.

• 18. Janet, P. Principles of Psychoterapy. London: Mac-

millan Press, 1925. • 19. Austregesilo, A. A Cura dos Nervosos (5a edição),

Rio de Janeiro: Jacinto R. Santos Ed., 1922. • 20. Monteiro, A.R.C. A História da Hipnose no Brasil,

Rev. Bras. Hipnose, 1984; 5: 4-22.

Page 41: Revista Debates Jan Fev 2013

44 revista debates em psiquiatria - Jan/Fev 2013

O resultado de um estudo sobre a saúde da população mundial foi publicado agora no The Lancet com o título Global Burden of Disease Study 2010, organi-zado por um consórcio de sete parceiros, entre eles

a Escola de Saúde Pública da Universidade de Harvard, o Instituto de Métrica e Avaliação em Saúde (EUA) e Universidade de Wa-shington. Colaboraram 302 instituições em 50 países (incluindo o Brasil), 486 cientistas, e participaram 187 países que forneceram dados populacionais. A publicação foi considerada um marco im-portante na já secular The Lancet, e fornece dados importantes que irão orientar as prioridades e políticas de saúde para os países e comunidade global. Os resultados dessa pesquisa, que trata de doenças, injúrias e riscos, podem ser lidos na íntegra no The Lancet de 13 de Dezembro de 2012. O estudo cobriu um período de 20 anos (1990 a 2010) com análises de morbidade e mortalidade e as conclusões surpreenderam a mídia, mas não os médicos que acompanham a evolução da saúde das populações, para os quais algumas conclusões já eram conhecidas pela força das evidências.

A Saúde Pública mundial, especialmente nos países desenvolvi-dos, venceu as doenças infecciosas com a moderna quimioterapia e tecnologias da saúde. O freio na mortalidade por doenças infec-ciosas causa principal de mortalidade na faixa que ia da infantil ao adulto jovem, aliada a melhorias de saneamento ambiental e do-méstico, e a redução da mortalidade infantil pelos programas de vacinação e nutrição, elevou as taxas de expectativa media de vida e colocou no foco doenças cuja carga era ofuscada pelas taxas de morbidade e mortalidade por infecções e acidentes: as doenças crônicas e degenerativas, males que afetam seriamente a qualidade de vida sem, contudo, levar à morte imediata.

As campanhas de prevenção e higiene, combate ao tabagismo, desenvolvimento científico e tecnológico no tratamento medi-camentoso, aumentaram a expectativa de vida dos doentes crô-nicos, e desse modo à longevidade global aumentou. Os novos bloqueadores de receptores de angiotensina e de canais de cálcio, p. ex., têm reduzido a mortalidade entre os hipertensos e cardio-

patias isquêmicas, e assim os novos medicamentos para a diabetes tipo 2, para os processos degenerativos osteo-articulares, etc., têm contribuído para o aumento de doentes crônicos longevos. Ao mesmo tempo, os fatores de risco para essas doenças, especial-mente a obesidade, a diabetes tipo 2 e o tabagismo, aumentaram.

O estudo mostrou que a hipertensão arterial sistêmica é atual-mente o primeiro maior fator de risco para a saúde, responsável por 9,4 milhões de óbitos em 2010. Em segundo e terceiro lugares estão o tabagismo e o alcoolismo, respectivamente, este último responsável por cinco milhões de óbitos somente em 2010. No Brasil, o alcoolismo revelou-se o fator de risco mais importante para a saúde. A obesidade vem aumentando significativamente e foi associada a três milhões de óbitos em 2010, e responsável por 10% da carga global de doenças. A tabela 1 mostra a evolução dos fatores de risco em 1990 e 2010.

Tabela 1. Comparação da carga global de fatores de risco em 1990 e 2010

Principais fatores de risco

à saúde em 1990

Principais fatores de risco

à saúde em 2010

1. Baixo peso infantil 1. Hipertensão

2. Má higiene caseira 2. Alcoolismo

3. Tabagismo 3. Tabagismo

4. Pressão alta 4. Má higiene caseira

5. Aleitamento deficiente 5. Baixa ingestão de frutas

6. Alcoolismo 6. Obesidade

7. Poluição ambiental 7. Diabetes tipo 2

8. Baixa ingestão de frutas 8. Baixo peso infantil

9. Diabetes tipo 2 9. Poluição ambiental

10. Obesidade 10. Sedentarismo

NotA técNIcApor fERnAnDo poRTELA câMARA1 e AnTônIo GERALDo DA SILVA2

ReflexõeS SoBRe o PRojeTo GloBal BURDen of DISeaSe STUDy 2010

[RefleCTIonS on The PRojeCT GloBal BURDen of DISeaSe STUDy 2010]

Page 42: Revista Debates Jan Fev 2013

45Jan/Fev 2013 - revista debates em psiquiatria

O estudo também mostrou os principais fatores responsáveis pela piora na qualidade de vida com o envelhecimento, e o resul-tado está resumido na tabela 2, abaixo.

Tabela 2. Problemas que mais deterioram a qualidade de vida.

Condições determinantes de maior número de anos vividos com baixa qua-

lidade de vida

1.Dor nas costas (lombalgias)

2.Depressão

3.Anemia ferropriva

4.Dor no pescoço (cervicalgias)

5.Doença pulmonar obstrutiva crônica

6.Problemas músculos-esqueléticos

7.Transtornos de ansiedade

8.Enxaquecas

9.Diabetes tipo 2

10.Quedas

A depressão por si só é o transtorno mais incapacitante e que mais deteriora a qualidade de vida das pessoas com esse trans-torno mental, que em média têm metade dos seus anos vividos deteriorados devido a essa condição.

A mortalidade infantil diminuiu, e isso contribuiu para o aumen-to na expectativa de vida. Há ainda picos de mortalidade específica como para as diarréia por rotavírus e o sarampo, embora existam vacinas para essas doenças, infelizmente negligenciadas por parte da população. Por outro lado, a mortalidade em indivíduos na fai-xa etária de 15 a 49 anos aumentou em 44% entre 1970 e 2010, na maioria dos casos pelo aumento da violência e Aids (a sexta causa de morte no mundo, com 1,5 milhão de óbitos em 2010).

De um modo geral, a expectativa de vida aumentou em média quatro a cinco anos. No Brasil comparando 1990 a 2010, verifica-mos essa tendência, porém, esses anos acrescidos são anos vividos com má qualidade de vida devido a doenças crônicas. A tabela 3 mostra esses dados.

Tabela 3. Expectativa de vida e anos de vida saudáveis na popu-lação brasileira.

Homens Mulheres

1990 2010 1990 2010

Expectativa

de vida

65,4 70,5 73,1 77,7

Anos de vida

saudável

56,1 60,2 61,3 64,9

Desse modo, não se pode dizer ser saudável o ganho em anos de vida da população global, pois com o envelhecimento as pes-soas estão acumulando processos crônicos. Esse fato nos obriga a repensar como a vida será para nós aos atingirmos os 70, 80 anos de idade. Naturalmente, o GBD 2010 influenciará as prioridades das políticas de saúde e a previdência.

Estamos vivendo mais, porém, com menor qualidade de vida. A população mundial envelhece e, à medida que isso ocorre, acu-mulam-se os doentes crônicos. Somos agora uma população de crônicos sobreviventes graças à tecnologia médica e melhoria das condições de existência nas cidades. Em média, para cada ano de vida que acrescentamos 0,8 será vivido com saúde.

Comentário

A conclusão direta desse estudo é que devemos atacar as do-enças crônicas, mas isto é, talvez, o grande paradoxo da medicina. Enquanto a população humana era jovem e a maioria das doenças agudas, a medicina tratava com sucesso boa parte delas. Ora, do-enças agudas são de curso limitado ou então deixam seqüelas ou matam. O tratamento, quando instituído, abrevia o curso da do-ença, proporciona uma convalescência rápida e tranqüila, e reduz a taxa de óbito.

Entretanto, o grande desafio que a medicina não conseguiu vencer é o das doenças crônicas, desafio esse já lançado por Hipó-crates há mais de dois mil e quatrocentos anos. Não conseguimos curar as doenças crônicas, e ante essa incapacidade decidimos re-duzir os riscos de tais doenças controlando os fatores ambientais e hábitos pessoais e culturais que as favorecem, e somente o fator de risco relativo ao envelhecimento biológico em si não é possível abordar medicamente. A medicina ainda não compreendeu total-mente a biologia humana, cuja evolução individual vai em direção à desorganização dos sistemas, daí o envelhecimento e morte, am-bos inevitáveis. Resta-nos então proporcionar “qualidade de vida” aos pacientes, mas a subjetividade inerente desse conceito ainda espera por um embasamento científico multidisciplinar rigoroso,

fERnAnDo poRTELA câMARA E AnTonIo GERALDo DA SILVA1 MD, PhD, Professor Associado, UFRJ

Coordenador, Depto Informática da ABP2 MD, Doutoramento em Bioética

Psiquiatra da Secretaria de Saúde do Distrito Federal ­ SES­DF., Diretor Científico do PROPSIQ.Presidente da ABP (2010/2013)

Page 43: Revista Debates Jan Fev 2013

46 revista debates em psiquiatria - Jan/Fev 2013

quando muito, folclórico.O que a medicina proporcionou, ante o fracasso de deter a

cronicidade ou reverte-la, foi o aumento da expectativa de vida (que ela tem de dividir com o saneamento ambiental e melhoria de moradia e condições de trabalho, fatores de maior peso nes-sa questão) por intermédio de novos medicamentos, tecnologias médicas e facilidade de acesso aos serviços de saúde, este último fator talvez o mais importante.

A situação mais séria está, a nosso ver, nos transtornos mentais que se cronificam ou incidem mais com a idade, e no GBD 20102 destacaram-se a depressão e os transtornos de ansiedade, doenças que deterioram tremendamente a qualidade de vida e incapaci-tam socialmente os indivíduos, pondo em grave risco a maturida-de. Está aí um desafio aos psiquiatras e aos psicoterapeutas para esse novo século.

Fernando Portela Câmara,e-mail: [email protected]

Agradecimentos: Fonte de financiamento e conflitos de interesses inexistentes

Referência • Global Burden of Disease Study 2010, The Lancet, 2012;

380(9859), doi:10.1016/S0140-6736(12)62133-3. Também accessível em http://www.thelancet.com/themed/global--burden-of-disease (acessado em 17/12/12).

ArtIGo de AtuAlIzAçãopor fERnAnDo poRTELA câMARA1 e AnTônIo GERALDo DA SILVA2

Page 44: Revista Debates Jan Fev 2013

49Jan/Fev 2013 - revista debates em psiquiatria

Acesse os sites da ABP:www.abp.org.br

www.abpcomunidade.org.br/www. abp.org.br/2011/congresso/

Siga-nos no Facebook e Twitter:facebook.com/abpbrasil

facebook.com/abpcomunidadetwitter.com/abpsiquiatria

Page 45: Revista Debates Jan Fev 2013

50 revista debates em psiquiatria - Jan/Fev 2013

rdP///////////////////

A REVISTA DEBATES EM PSIQUIATRIA – RDP (revista debates em psiquiatria)

–, ISSN 2236-918X, é uma publicação bimensal da Associação Brasileira de

Psiquiatria – ABP - com a finalidade de publicar artigos de qualidade com

foco principal nos aspectos clínicos da Psiquiatria e nas áreas de epidemiologia

clínica, saúde pública, intervenção psiquiátrica em desastres e problemas relevantes de saúde

mental. Visando oferecer aos associados da ABP, residentes, pós-graduandos e especializandos,

informação de qualidade que complementem sua atualização e educação continuada.

Serão aceitos para apreciação apenas trabalhos originais, em português, que não tenham

sido anteriormente publicados, nem que estejam em processo de análise por outra revista.

Podem ser encaminhados: editorial, artigos originais de pesquisa, comunicações breves, artigos

de revisão, artigos de atualização, carta aos editores, conferências clínicas de alta relevância,

casos clínicos e resenhas de livros.

Os documentos deverão ser enviados à Revista Debates em Psiquiatria, através do e-mail:

[email protected] em arquivo Word anexado, dentro das normas da revista para que

possam ser avaliados pelos editores e pareceristas.

Leia a íntegra as Normas de Publicação RDP, no portal da ABP – www.abp.org.br –

Publicações/Normas de Publicação RDP. Lá você encontrará todas as informações necessárias

para preparar seu artigo (Página de identificação, resumo, formatação do texto, etc).

PUBlIQUe SeU aRTIGo na RDP

Além de ser feita para você ela também pode ser feita por você!

Page 46: Revista Debates Jan Fev 2013

luan co

mu

nic

ação

O melhor e maior congresso da área de saúde mental.

Inscreva-se com preços promocionais.

Informações: www.cbpabp.org.br

CuritibaCidade planejada e premiada internacionalmente em gestão

urbana, meio ambiente e transporte público.