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® REVISTA DO MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO FUNDADA EM 1991

Revista do Minist.rio P.blico do Trabalho n. 29 Abertura MPT - Edição 29.pdfEDITADA PELA LTr EDITORA, EM CONVÊNIO ... na aprendizagem apenas, ou a mera colocação de adolescentes

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®

REVISTA

DO

MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO

FUNDADA EM 1991

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COMISSÃO EDITORIAL

Cristiano Paixão Araujo PintoMarco Aurélio Lustosa CaminhaAna Francisca Moreira de Souza SandenIleana Neiva Mousinho

Secretária: Sandra R. Costa de Sá Alves

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MINISTÉRIO PÚBLICO DA UNIÃO

MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO

REVISTADO

MINISTÉRIO PÚBLICODO TRABALHO

EDITADA PELA LTr EDITORA, EM CONVÊNIOCOM A PROCURADORIA-GERAL DO TRABALHO

E COM A ASSOCIAÇÃO NACIONAL DOSPROCURADORES DO TRABALHO

OS ARTIGOS PUBLICADOS SÃO DERESPONSABILIDADE DOS SEUS AUTORES

REV. MPT — BRASÍLIA, ANO XV — N. 29 — MARÇO 2005

RedaçãoProcuradoria-Geral do Trabalho

S.A.S. Quadra 4, Bloco L — 10º andar — sala 1003CEP 70070-900 — Brasília — DF

Telefone: (61) 314.8508 — FAX (61) 321.0543e-mail: [email protected]

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(Cód. 3114.0)

Julho, 2005

© T o d o s o s d i r e i t o s r e s e r v a d o s

Rua Apa, 165 — CEP 01201-904 — Fone (11) 3826-2788 — Fax (11) 3826-9180São Paulo, SP — Brasil — www.ltr.com.br

R

E D I T O R A L T D A .

Revista do Ministério Público do Trabalho / Procuradoria-Geral doTrabalho — Ano 1, n. 1 (mar., 1991) — Brasília: Procuradoria-Geraldo Trabalho, 1991 — v. Semestral.

1. Direito do Trabalho. 2. Justiça do Trabalho. I. Procuradoria-Geral do Trabalho (Brasil).

CDD 341.6

Produção Gráfica, Editoração Eletrônica e Revisão: IMOS LASERCapa: ROGERIO MANSINIImpressão: CROMOSETE

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SUMÁRIO

APRESENTAÇÃO ................................................................................... 9

ESTUDOS

A REALIDADE DO TRABALHO EDUCATIVOBernardo Leôncio Moura Coelho .......................................................... 13

A LEGITIMAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO PARARECORRER COMO CUSTOS LEGIS

Ricardo José Macedo de Britto Pereira ................................................ 32

ANOTAÇÕES SOBRE OS FUNDAMENTOS JURÍDICOS E INSTITU-CIONAIS DA PROTEÇÃO DO MEIO AMBIENTE DO TRABALHO NAALEMANHA

Ana Francisca Moreira de Souza Sanden ............................................. 45

TRABALHO VOLUNTÁRIO E RELAÇÃO DE EMPREGOAdriane Reis de Araujo .......................................................................... 59

A LEI N. 10.803/2003 E A NOVA DEFINIÇÃO DE TRABALHO ESCRA-VO — DIFERENÇAS ENTRE TRABALHO ESCRAVO, FORÇADO EDEGRADANTE

Denise Lapolla de Paula Aguiar Andrade ............................................ 78

A CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA NOS ACORDOS TRABALHISTAS — A INDICAÇÃO DA NATUREZA JURÍDICA DAS PARCELAS, PRE-VISTA NO § 3º DO ART. 832 DA CLT, É UMA MODALIDADE DELANÇAMENTO TRIBUTÁRIO

Eduardo Garcia de Queiroz e Eduardo Garcia de Queiroz Filho ......... 91

A PROTEÇÃO INTERNACIONAL DOS DIREITOS HUMANOS E OTRABALHO INFANTIL

Ligia Maio Gagliardi Curley ................................................................... 102

INQUÉRITOS, TERMOS DE COMPROMISSO DE AJUSTAMENTODE CONDUTA, AÇÕES E DEMAIS ATIVIDADES

Termo de compromisso de ajustamento de conduta — Implementação,pela empresa, de programa de formação profissional de pessoasportadoras de deficiência (PRT 1ª Região) ...................................... 127

Ação Civil Pública — Contratação de pessoa portadora de deficiência— Dano moral coletivo (PRT 2ª Região) .......................................... 130

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Ação Civil Pública — Município — Concurso público — Terceirizaçãode mão-de-obra — Atraso de pagamento de salários — Irregula-ridades no provimento de funções comissionadas (PRT 5ª Região) .. 147

Ação Civil Pública — Aquaviários — Número mínimo de trabalhado-res brasileiros por embarcação — Direitos trabalhistas — Meioambiente de trabalho (PRT 6ª Região) ............................................ 181

Ação Civil Pública — Município — Contratação sem concurso público —Condenação do prefeito ao pagamento de indenização por danocoletivo e ressarcimento ao erário (PRT 8ª Região) ....................... 226

Termo de compromisso de ajustamento de conduta — Informaçõesdesabonadoras (PRT 8ª Região) ..................................................... 271

Termo de compromisso de ajustamento de conduta — Greve dosbancários — Ato anti-sindical — Proibição (PRT 10ª Região) ........ 273

Ação Cautelar — Empresa prestadora de serviços — Atraso no paga-mento dos salários dos empregados — Bloqueio de créditos —Indisponibilidade de bens da empresa (PRT 16ª Região) ............. 275

Ação Civil Pública — Município — Cooperativa — Terceirização deatividades de Saúde Pública (PRT 16ª Região) .............................. 295

Ação Rescisória — Colusão — Início do prazo decadencial — Conhe-cimento dos fatos pelo MPT (PRT 18ª Região) ................................ 325

Termo de compromisso de ajustamento de conduta — Município —Agentes comunitários de saúde — Meio ambiente do trabalho(PRT 21ª Região) ............................................................................... 348

Termo de compromisso de ajustamento de conduta — Pagamento deverbas rescisórias — Sindicato como fiel depositário (PRT 21ªRegião) ............................................................................................... 350

Ação Civil Pública — Empresa pública — Cargos em comissão —Criação por ato da diretoria — Necessidade de concurso público(PRT 22ª Região) ............................................................................. 353

Termo de compromisso de ajustamento de conduta — Sindicato —Obrigação de não recusar homologação de rescisões contratuais(PRT 22ª Região) ............................................................................. 378

Ação Civil Pública — Estado do Piauí (Instituto de Medicina Legal) —Meio ambiente do trabalho (PRT 22ª Região) ................................. 380

Termo de compromisso de ajustamento de conduta — Município —Concurso público — Agentes comunitários de saúde e trabalha-dores do Programa de Erradicação do Trabalho Infantil (PRT 24ªRegião) ............................................................................................... 398

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JURISPRUDÊNCIA

Ação Civil Pública — Legitimidade ativa do MPT — Interesses indivi-duais homogêneos (STF — 2ª Turma) ............................................ 405

Recurso do MPT — Interposição em data anterior à publicação dadecisão recorrida — Tempestividade (TST — SBDI-1) ................... 409

Ação Rescisória — Decisão proferida em ação civil pública — Ausên-cia de citação dos trabalhadores afetados pela decisão — Inexistênciade nulidade (TST — SBDI-2) ............................................................. 413

Ação Rescisória — Legitimidade do MPT — Ampliação das hipótesesde ajuizamento (TST — SBDI-2) ....................................................... 419

Ação Civil Pública — Proibição de fornecimento de mão-de-obra porcooperativa (TRT — 2ª Região) ........................................................ 425

Ação Civil Pública — Extensão territorial dos efeitos da decisão —Não-aplicação do art. 16 da Lei n. 7.347/85 (TRT — 3ª Região) .... 430

Ação Civil Pública — Dano moral coletivo — Condenação de Estado-Membro da Federação (TRT — 10ª Região) .................................... 437

Ação Civil Pública — Coação para devolução da multa do FGTS narescisão contratual — Ilegalidade (TRT — 22ª Região) ................. 458

Membros do Ministério Público do Trabalho ..................................... 463

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APRESENTAÇÃO

A história do direito do trabalho no Brasil revela, desde seus primei-ros momentos, duas fortes tendências: (i) ênfase na regulamentaçãopela via legal, com pouco espaço e incentivo à negociação coletiva e (ii)presença do Estado, por meio de suas organizações, em vários setoresdo mundo do trabalho. O modelo daí resultante informou o direito dotrabalho por cerca de cinqüenta anos. A partir da década de 1990, com oadvento da crise do Estado Social, o incremento da automação, a explo-são da mundialização na economia e a pulverização do poder de negociaçãodas entidades sindicais, houve uma redefinição do impacto que poderiaser causado pelos atores sociais no mundo do trabalho.

Um dos desdobramentos desse processo foi o advento de novasformas de prestação do trabalho humano, assim como o agravamento deviolações a direitos que tinham remotas origens nas perversas práticassociais do Brasil arcaico. Assim, torna-se oportuna e justificada a preo-cupação dos articulistas do presente volume da Revista do MinistérioPúblico do Trabalho com temas ligados à fragmentação do mundo dotrabalho. Ganham interesse, nesse contexto, as discussões referentesao trabalho educativo (no artigo preparado por Bernardo Leôncio MouraCoelho), à diferenciação entre relação de emprego e trabalho voluntário(analisada no ensaio de Adriane Reis de Araujo), à definição do trabalhoescravo (tal como proposta por Denise Lapolla de Paula Aguiar Andrade)e à tutela internacional dos direitos humanos ligada ao trabalho infantil(mapeada por Ligia Maio Gagliardi Curley).

As contribuições aqui enfocadas demonstram, ainda, a importân-cia da proteção do trabalho humano em seu sentido mais amplo, ouseja, expandindo-se a concepção — originariamente restrita — de traba-lho prestado a título de relação de emprego, nos moldes estabelecidospela CLT. A promulgação da Emenda Constitucional n. 45, com amplia-ção da competência da Justiça do Trabalho, é mais um elemento nesseprocesso de diversificação do direito do trabalho no Brasil.

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Trata-se, então, de ressaltar o ambiente complexo que informa asociedade atual, e que exige, entre várias outras iniciativas, a produçãode textos e ensaios que possibilitem uma abordagem sofisticada e igual-mente complexa dos dilemas enfrentados pelo mundo do trabalho nacontemporaneidade. A Revista do Ministério Público do Trabalho temcomo objetivo auxiliar, ampliar e enriquecer esse debate.

Cristiano Paixão Araujo PintoPresidente da Comissão Editorial

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ESTUDOS

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A REALIDADE DO TRABALHO EDUCATIVO

Bernardo Leôncio Moura Coelho(*)

1. Introdução; 2. O trabalho educativo; 3. A aprendizagem e suasdiferenças; 4. A competência do Ministério Público do Trabalhopara investigação; 5. Conclusões; 6. Referências bibliográficas.

1. INTRODUÇÃO

No ordenamento jurídico brasileiro, há vários institutos relacionados àcriança e ao adolescente que buscam, primordialmente, a consecução daproteção integral inaugurada pela Constituição Federal e se encontram enu-merados no Estatuto da Criança e do Adolescente — ECA.

Temos, para o caso específico de nossas análises voltadas à questãodo trabalho de crianças e adolescentes, os institutos da aprendizagem e dotrabalho educativo, cada qual com características próprias, que denotam aclara intenção legislativa de desvincular seus conceitos e aplicação.

Na prática, há muita confusão entre os dois institutos, sendo que, emalguns casos, pretende-se, sob a designação de realizar trabalho educati-vo, a plena garantia de direitos trabalhistas e previdenciários, o que ocorrena aprendizagem apenas, ou a mera colocação de adolescentes no mercadode trabalho, sob a chancela de trabalho educativo, quando apenas aaprendizagem poderá fazê-lo sem burla aos princípios constitucionaisde proteção integral.

A doutrina e a jurisprudência também se mostram vacilantes quanto àcaracterização dos institutos, confundindo mais ainda as pessoas das en-tidades encarregadas da implantação de programas de apoio aos ado-lescentes, prejudicando a adoção de políticas públicas concretas para acorreta e sensata inserção de adolescentes no mercado de trabalho.

(*) Procurador do Trabalho — MPT/PRT 15ª Região. Especialista em Interesses Difusos e Coletivospela Escola Superior do Ministério Público. Mestre em Direito Constitucional pela Faculdade deDireito da UFMG. Docente da Escola Superior do Ministério Público da União.

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Nota-se, na doutrina, apego a conceitos ultrapassados e vinculados alegislações revogadas que não se harmonizam com as novas disposiçõesconstitucionais, inseridas na moderna teoria da proteção integral, preconi-zada pela Organização das Nações Unidas — ONU e adotada pioneiramentepelo Brasil. Alguns trabalhos insistem na manutenção da figura do trabalhodo adolescente assistido, que não encontra guarida na atual legislação,como demonstraremos no decorrer deste trabalho.

A jurisprudência quanto ao tema segue tendência vacilante, ora en-frentando o assunto sob o enfoque da proteção integral, ora enfrentando aquestão sob o enfoque assistencial, caracterizador da legislação já revoga-da pela Constituição Federal de 1988.

Recentemente, em decisão histórica, o Tribunal Regional do Trabalhoda 15ª Região enfrentou o tema em recurso ordinário interposto pela Procura-doria Regional do Trabalho da 15ª Região, dando provimento, por unanimi-dade, para descaracterizar a atividade desenvolvida por entidade assistencial,que não se mostrava adaptada aos novos conceitos de aprendizagem trazi-dos pela Lei n. 10.097, como também não poderia ser considerado trabalhoeducativo, nos termos do art. 68, do Estatuto da Criança e do Adolescente.

O presente artigo busca, principalmente a partir de nossa experiênciaprática de atuação como Procurador do Trabalho — Coordenador do NúcleoEspecializado em Combate ao Trabalho Infantil e Regularização do Traba-lho do Adolescente — e membro da Coordenação Colegiada do FórumPaulista de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil, desmistificar osconceitos envolvidos no trabalho educativo e sua aplicabilidade dentro dasnormas de proteção ao trabalhador adolescente insculpidas no inciso II,§ 3º, art. 227, da Constituição Federal, desvinculando os institutos da apren-dizagem e do trabalho educativo.

2. O TRABALHO EDUCATIVO

O trabalho educativo foi criado pelo art. 68, do Estatuto da Criança e doAdolescente e, desde então, não foi regulamentado pelo Poder Executivo,gerando muitas incertezas quanto à sua correta aplicação.

Nos termos legislativos, o trabalho educativo caracteriza-se como “umaatividade laboral em que as exigências pedagógicas relativas ao desenvolvi-mento pessoal e social do educando prevaleçam sobre o aspecto produtivo”.(§ 1º, art. 68)

Realmente, a sua compreensão vem dividindo os estudiosos quantoao seu conteúdo e alcance, alguns entendendo o trabalho educativo comomera forma de ocupar os adolescentes e outros como mera intermediaçãode mão-de-obra, geradores de renda com o fito de minorar a situação finan-ceira da família. Até mesmo sua qualificação foi infeliz, posto que a atividadedesenvolvida neste programa não se qualifica como trabalho.

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Mariane Dresch, Procuradora do Trabalho da 9ª Região — PR, noslembra que “muitos são os que questionam a própria constitucionalidadedeste artigo quando prevê a inserção no mercado de trabalho sem o paga-mento dos direitos trabalhistas. Outros defendem apenas uma regulamen-tação do que seja trabalho educativo, vez que já previsto no ECA.”(1)

Realmente, pela leitura do inciso II, § 3º, art. 227 da Constituição Fede-ral, verificamos que o direito à proteção especial abrange a garantia de direi-tos previdenciários e trabalhistas para os adolescentes, havendo funda-mento muito forte e consistente para entender que a instituição de trabalhoeducativo conflita com a disposição constitucional, que deve prevalecer quan-do há incongruências entre as normas legais.

Segundo Viviane Colucci, Procuradora Regional do Trabalho da 12ªRegião — SC, chegou-se a imaginar que o trabalho educativo tivesse sina-lizado balizas fortes para refrear a perspectiva de inserção do adolescenteno mercado de trabalho, afirmando que “a mens legis deste dispositivo,segundo aqueles que o redigiram, era garantir primordialmente o desenvol-vimento pessoal e social do educando e não a sua subsistência”.(2)

O que se constata com a maioria dos programas ou projetos rotula-dos como de trabalho educativo é que não se prestam à finalidade educativacontida na legislação, tratando-se de projetos, na maioria das vezes, quevisam a garantir ao adolescente, e a suas famílias, uma fonte de renda, amínima subsistência, caracterizando-se como um programa social de ren-da mínima, centrado na exploração do trabalho do adolescente.

O desenvolvimento de programas assistenciais para o atendimentoda população carente não é novidade no Brasil, pois constituem resquícios daantiga legislação contida nos códigos de menores, que balizavam estaorientação, bastando que façamos menção à roda dos expostos.

As rodas foram criadas na Idade Média, na Itália, surgindo particular-mente com a aparição das confrarias de caridade, sendo que o nome provémdo dispositivo onde se colocavam os bebês que se queriam abandonar:

Sua forma cilíndrica, dividida ao meio por uma divisória, era fixada nomuro ou na janela da instituição. No tabuleiro inferior e em sua aber-tura externa, o expositor depositava a criancinha que enjeitava. A se-guir, ele girava a roda com uma sineta, para avisar o vigilante ou rodei-ra que um bebê acabava de ser abandonado e o expositor furtivamen-te retirava-se do local, sem ser identificado.(3)

Salvador teve a primeira roda, aberta em 1726, seguindo-se o Rio deJaneiro, em 1738, e a terceira e última do período colonial em Recife, no ano

(1) “Trabalho de menores — legislação atual e tendências legislativas”, p. 28.(2) A erradicação do trabalho infantil e a proteção do adolescente no trabalho, p. 13.(3) Maria Luiza Marcílio. “A roda dos expostos e a criança abandonada na História do Brasil: 1726-1950”, p. 55.

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de 1789. São Paulo veio a ter a sua roda apenas em 1825, cabendo indicarque mantinha uma das mais elevadas taxas de abandono do país.

A história brasileira é repleta de exemplos que demonstram clara-mente a visão e opção assistencialista e clientelista no desenvolvimentode projetos relacionados à questão das crianças, especialmente nas áreas deeducação, saúde e desenvolvimento.(4)

Viviane Colucci recorda a década de setenta, quando começaram aser criados “programas alternativos para meninos de rua”, para contornaros seguintes problemas:

a) presença incômoda de grande contingente de crianças nas ruas;

b) o envolvimento crescente de crianças e adolescente no cometi-mento de delitos e no uso de tóxicos;

c) a avaliação de que tanto a família quanto a escola estavam falhandona socialização de determinados segmentos da população infantil;

d) a crítica de que a política oficial para a ressocialização dos chamados“menores carentes”, abandonados de rua ou infratores além de perver-sa era ineficiente e ineficaz na reeducação de crianças e adolescentes;

e) o sistema de capacitação profissional montado pelos empresáriosnão alcançava essa população excluída.(5)

A mentalidade do Código de Menores de 1979, que estava filiado àdoutrina da situação irregular, possibilitou a criação de programas como odo Bom Menino, através do Decreto n. 94.338/87, que regulamentou o De-creto-lei n. 2.318/86, dispondo sobre a admissão de menores entre doze edezoito anos que freqüentem a escola, como assistidos, para trabalhos emjornada de quatro horas diárias sem qualquer vinculação com a previdênciasocial (art. 4º, caput).

O Decreto-lei n. 2.318/86 obrigava todas as empresas com mais decinco empregados a admitir menores assistidos, em efetivo de 5% (cincopor cento) de seus empregados, norma típica de Direito do Trabalho.

Pelas normas reguladoras do programa, as empresas não ficavamsujeitas a encargos previdenciários de qualquer natureza e não havia aobrigatoriedade de recolhimento do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço— FGTS incidente sobre a remuneração paga aos adolescentes.

Esta regulamentação do trabalho do adolescente, de caráter nitida-mente assistencialista, não foi recepcionada pela nova ordem constitucio-

(4) Para aprofundar no estudo do tema, que não é nosso objetivo, existem vários trabalhos queestudam esta temática, podendo citar a coletânea organizada por Marcos Cézar de Freitas, Históriasocial da infância no Brasil, publicada pela Editora Cortez.(5) Op. cit., pp. 10-11.

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nal implantada em 1988, pois que contrariava o inciso XXX, art. 7º, queproíbe a diferenciação de salário por motivo de idade, e o art. 227, que tratada proteção integral para as crianças e adolescentes.

Aliás, quando de sua edição, tal diploma legal já foi considerado in-constitucional, em seu aspecto formal(6) , pois o art. 55, da Constituição de1969, que regulava a emissão de decretos-lei pelo Presidente da Repúbli-ca, permitia adotá-los nas seguintes matérias: I — segurança nacional; II —finanças públicas, inclusive normas tributárias; III — criação de cargos pú-blicos e fixação de vencimentos. Dentre as matérias arroladas não se en-contrava a de legislar sobre Direito do Trabalho, devendo o Poder Executivoencaminhar ao Congresso Nacional o competente projeto de lei, para deli-beração e votação nas duas casas legislativas.

A nossa atual legislação contempla, portanto, os seguintes casos:adolescente inserido em trabalho educativo, adolescente inserido em pro-grama de aprendizagem e adolescente trabalhador, não existindo a figurado adolescente assistido ou educando.

O desenvolvimento de trabalho educativo, desde que não aconteça aintermediação de mão-de-obra para a colocação do adolescente no mer-cado de trabalho, poderá contemplar vários programas a serem desenvol-vidos no interior das entidades ou nos equipamentos públicos disponíveis.

Sem o intuito de oferecer uma listagem exaustiva, poderíamos enumeraralgumas atividades que podem ser desenvolvidas em trabalhos educativos:

a) iniciação musical;

b) formação de banda;

c) teatro;

d) artesanato;

e) dança;

f) integração com idosos;

g) escolas de futebol etc.

Importante ressaltar que, de acordo com a disposição contida no § 2º,art. 68, “a remuneração que o adolescente recebe pelo trabalho efetuado oua participação na venda dos produtos de seu trabalho não desfigura o cará-ter educativo”.

Com base nesta diretriz, poderá a entidade que promove o trabalhoeducativo efetuar a venda, por exemplo, dos produtos artesanais produzi-

(6) A inconstitucionalidade formal implica na desobediência aos requisitos, ao processo, isto é,quando as normas são formadas por autoridades incompetentes ou em desacordo com as forma-lidades ou procedimentos estabelecidos pela Constituição.

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dos ou, ainda, receber pagamento pela apresentação de dança em evento,e efetuar distribuição deste dinheiro entre os adolescentes, sem que sejadesfigurado o trabalho educativo.

Todavia, as entidades que promovem o atendimento aos adolescen-tes ainda não conseguiram absorver a teoria da proteção integral em suaessência e, mesmo após questionamentos administrativos, continuam aexercer a mera colocação de adolescentes no mercado de trabalho, soba denominação de trabalho educativo, mas sem qualquer projeto pedagógicoou acompanhamento sob a forma de contrato de aprendizagem.

Com a edição do ECA (Lei n. 8.069/90), não mais existe a possibilidadede contratação de adolescentes a título de mera iniciação ao trabalho, oque era possível quando vigente o Programa Bom Menino (Decreto n. 94.338/87, que foi revogado pelo Decreto S/N, de 13.maio.1991), caracterizando-secomo fraude a direitos trabalhistas (art. 9º da Consolidação das Leis doTrabalho). A intenção legislativa foi tratar com dignidade os adolescentesinseridos em programa educativo, seja sob o regime de aprendizagem pro-priamente dito.

Neste ponto e para finalizar esta parte de nossa análise, trago à cola-ção a decisão do Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região que expres-sa a realidade do trabalho educativo e a aplicação do princípio da proteçãointegral, conforme determinação constitucional:

Ação Civil Pública. Trabalho da Criança e do Adolescente. O Brasil,gradativamente, vem se enquadrando na política internacional de pro-teção dos direitos humanos, inclusive dos direitos das crianças eadolescentes, tendo, para tanto, ratificado a Declaração dos Direitosda Criança, em 1959, e a Convenção sobre os Direitos da Criança, em24.9.1990. Na esteira da tendência dos debates internacionais, o Bra-sil fez incluir importantes dispositivos na Constituição Federal de 1988,dentre os quais os arts. 203, 227 e 228. Ainda, foram promulgados oEstatuto da Criança e do Adolescente e a Lei n. 10.097/00. Todo essearcabouço jurídico enfatiza a concepção de que crianças e adolescen-tes devem ter resguardados a primazia na prestação de socorros, aprecedência de atendimento nos serviços públicos, a preferência naformulação e execução de políticas sociais e, por derradeiro, o privi-légio da destinação de recursos públicos para a proteção infanto-juvenil. O estímulo à aprendizagem, em termos de formação técnico-profissional, subordina-se à garantia de acesso e freqüência obriga-tória ao ensino regular por parte do adolescente. De conseqüência,proliferam entidades, ainda que com boas intenções, espalhando otrabalho infantil e realizando verdadeira intermediação de mão-de-obra, sob os auspícios de realizarem atividades filantrópica e social,reduzindo a incidência de menores de rua e de marginalidade infantil,encaminhando-os ao mercado de trabalho, sem qualquer proteção ecumprimento desse arcabouço jurídico. O trabalho educativo é aquele

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em que a dimensão produtiva está subordinada à dimensão formativa.Distingue-se do trabalho stricto sensu, subordinado, por não restar con-figurada, precipuamente, a sua finalidade econômica e, sim, uma ativi-dade laborativa, que se insira no contexto pedagógico, voltada mais aodesenvolvimento pessoal e social do educando. Não encontradas es-sas características, a entidade está descumprindo os ditames legais,devendo abster-se dessas práticas, pelo que tem pertinência a AçãoCivil Pública. (PROCESSO TRT15ª REGIÃO N. 01601-1999-607-15-00-8-RO (02136/2002) — RECURSO ORDINÁRIO DA 1ª VT DE AMERICA-NA — RELATORA JUÍZA LUCIANE STOREL — PUBLICAÇÃO )

3. A APRENDIZAGEM E SUAS DIFERENÇAS

Na realidade, o trabalho educativo criado pelo ECA constitui-se emum programa social que pode ser desenvolvido sob a responsabilidade deentidades governamentais ou não-governamentais, desde que sem finslucrativos, visando a sua educação pelo trabalho ou, no dizer da legislação,deverá assegurar ao adolescente condições de capacitação para o exercíciode atividade regular remunerada.

Não se confunde, de maneira alguma, com o instituto da aprendiza-gem, também disposto no ECA e recentemente regulamentado pela Lein. 10.097/00, da qual nos ocuparemos mais adiante.

Configura-se como trabalho educativo a atividade laboral em que asexigências pedagógicas relativas ao desenvolvimento pessoal e social doeducando prevalecem sobre o aspecto produtivo (§ 1º, art. 68, ECA).

Este é o aspecto principal a ser levado em consideração na análisede qualquer projeto ou contratação que se intitule como sendo educativo, aprevalência do aspecto pedagógico, encontrado nas entidades, sobre oaspecto produtivo, encontrado nas empresas.

O que se busca com isso é que o aspecto produtivo jamais pode serpreponderante no desenvolvimento do trabalho educativo, isto quer dizerque as crianças e os adolescentes podem desenvolver uma atividade, massem qualquer compromisso com produtividade, jornada ou mesmo com arotina de uma empresa. Neste sentido, busca-se diferenciar os processosprodutivos que são desenvolvidos na empresa e nas entidades. Na empre-sa, busca-se a plena produção, visando à consecução de lucro em concor-rência com as demais empresas, enquanto no programa de trabalho edu-cativo a finalidade buscada é a transmissão de ensinamentos que possibi-litem a capacitação da criança ou adolescente, tudo dentro de um processopedagógico organizado, sem visar lucro.

A possibilidade do adolescente receber remuneração pelo trabalhoou participação na venda dos produtos de seu trabalho, desenvolvendo o

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trabalho educativo, não descaracteriza o caráter educativo do programa, porexpressa determinação legal, consistente no § 2º, art. 68 do ECA.

Devendo haver, dentro de um programa vinculado a trabalho educati-vo, a preponderância do aspecto pedagógico sobre o produtivo, entende-mos ser impossível o desenvolvimento de um trabalho educativo dentro deuma empresa, onde o aspecto produtivo encerra aspecto prioritário. Acen-tua este aspecto o fato de o programa poder ser desenvolvido apenas porinstituições sem fins lucrativos, retirando qualquer possibilidade de “envol-vimento no processo produtivo, resguardando as crianças e adolescentesde qualquer exploração decorrente das necessidades próprias do merca-do, onde as empresas que visam ao lucro competem entre si”.

A colocação de adolescentes nas empresas sob o pálio de desenvolvertrabalho educativo, possibilita a diminuição dos gastos com empregadospróprios, burlando as normas de mercado, pois que estes adolescentes nãose sujeitam ao pagamento do piso salarial da categoria e outras vantagensauferidas pelos demais empregados. Vislumbramos clara precarização demão-de-obra e adoção de terceirização ilegal, posto que não são criadosnovos postos de trabalho com assunção de trabalhadores contratados porprazo indeterminado e a mera colocação de adolescentes, contratadospor prazo determinado, substituindo nestes postos precarizados.

Mesmo que se garantam os direitos trabalhistas e previdenciários aoadolescente, garantias estas concernentes apenas ao adolescente apren-diz como já destacado, em hipótese alguma poderá haver a colocação dascrianças e adolescentes vinculados a um programa educativo no interior deuma linha de produção de qualquer empresa ou entidade na qual se traba-lhe visando a auferir lucros.

Este limite que existe entre o trabalho educativo e o desenvolvimentode trabalho produtivo foi bem realçado por Antônio Carlos Gomes da Costaao comentar o artigo do ECA que lhe deu origem:

A dificuldade, ou, melhor dizendo, os aspectos mais desafiadoresdesta questão, se encontra na definição prática do limite entre o traba-lho simplesmente produtivo e o trabalho educativo. Entendo que, nes-se ponto, dois aspectos fundamentais devem ser tomados em conta:o primeiro diz respeito ao número de horas de atividades orientadasvoltadas para a produção e aquelas voltadas para a formação do edu-cando; o segundo, à natureza, ou seja, o caráter das atividades labo-rais realizadas em termos de ritmo e de estruturação de modo a per-mitir uma real aprendizagem por parte do trabalhador educando, ouseja, as atividades laborais devem ajudar e não prejudicar o processoaprendizagem/ensino.(7)

(7) Apud Cury, Munir et al. (coord.) Estatuto da Criança e do Adolescente Comentado: comentáriosjurídicos e sociais, p. 203.

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Ao adentrarmos em uma empresa, caso pudesse ser desenvolvido otrabalho educativo neste ambiente, como poderíamos diferenciar aquelesadolescentes vinculados a um programa de aprendizagem daqueles ou-tros adolescentes sujeitos a mero trabalho educativo? Na prática, teríamosambos realizando praticamente as mesmas atividades, sendo que apenasaos aprendizes estariam sendo garantidos os direitos trabalhistas e previ-denciários com a contagem do tempo de serviço para aposentadoria, cons-tituindo-se numa flagrante ilegalidade. Isto para não falarmos quanto à pos-sibilidade dos acidentes de trabalho que, no interior das empresas, são decomum ocorrência, não estando o adolescente vinculado a qualquer siste-ma de previdência. Não se trata apenas de pensar em uma aposentadoriapor invalidez para o adolescente, mas também na sua inclusão nos proces-sos de reabilitação desenvolvidos pelos CRP’s, ao qual não teria acessopor falta de contribuição para o sistema previdenciário. A seguridade social,segundo a Constituição Federal, constitui-se em programa que se tornapossível através da saúde, previdência social e assistência social. A habili-tação e a reabilitação, nos termos do art. 90 da Lei n. 8.213, de 24.7.1991, édevida em caráter obrigatório aos segurados, inclusive aposentados, e namedida das possibilidades, aos seus dependentes.

A definição de trabalho educativo, inserta no § 1º, é de clareza solar,demonstrando que não se constitui em qualquer trabalho, pois que “subordi-na essa dimensão ao imperativo do caráter formativo da atividade, reconhe-cendo como sua finalidade principal o desenvolvimento pessoal e social doeducando”.

Há importante decisão, oriunda do Tribunal Regional do Trabalho da3ª Região, reconhecendo a impossibilidade da adoção de trabalho educati-vo em qualquer atividade, lastreada nestes termos:

TRABALHO EDUCATIVO — O trabalho educativo previsto no ECA faz domenor um educando, ficando relegado o aspecto do exercício da ativi-dade profissional — o objetivo é a educação e não apenas a entrada nomercado de trabalho, sem qualquer qualificação para tanto. Assim, nãoé toda atividade laboral capaz de ser tomada como educativa. Apenasaquela que, inserindo-se como parte de projeto pedagógico, vise ao de-senvolvimento pessoal e social do educando. (Processo: RO — 8616/01— Data de Publicação: 17.10.2001 — Órgão Julgador: Segunda Turma— Juiz Relator: Juiz Ricardo Antonio Mohallem).

Nosso entendimento quanto à proibição de se efetuar o trabalho edu-cativo no interior de empresas foi adotado pela Nota Técnica n. 6/COPES, doMinistério do Trabalho e Emprego, aprovada pela Secretaria de Inspeçãodo Trabalho, destacando que “em momento algum o ECA autoriza essasentidades a fazer qualquer intermediação com empresas. Desse modo, a en-tidade filantrópica pode criar um programa social que envolva trabalhoeducativo desde que atendidos os demais requisitos da lei. No entanto, não

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poderá, em nenhum momento, ceder qualquer das crianças do programapara trabalho efetivo em qualquer outra entidade”.

Oris de Oliveira, comentando as disposições do art. 68, esclarece que“os processos produtivos de uma empresa e de uma escola-produção sãoradicalmente diferentes, porque na empresa visa-se aos lucros em condi-ções de concorrência, ao passo que na escola-produção a preocupaçãofundamental é a transmissão de uma qualificação profissional”(8), esposan-do o nosso ponto de vista.

Todavia, em edições recentes do citado livro, Oris de Oliveira temmudado seu ponto de vista com relação ao trabalho educativo. Ressaltaque o ECA não estabelece onde deva ser executado o programa educativo,se no interior das entidades ou dentro das empresas, havendo, ainda, per-missivo constante de convenção ratificada pelo Brasil. Segundo ele, o traba-lho educativo constituir-se-ia na previsão da pré-aprendizagem, que podeser feita dentro das empresas.

O Glossário da Formação Profissional — Termos de Uso Correntenos traz a definição de formação pré-profissional como sendo “formaçãoorganizada fundamentalmente visando a preparar os jovens para a escolhade um ofício ou de um ramo de formação, familiarizando-os com os materiais,os utensílios e normas de trabalho próprios de um conjunto de atividadesprofissionais”.

Após a revogação das portarias que discriminavam os ofícios sujeitosà aprendizagem, ocorrida com a Portaria n. 702, tomou corpo a opção brasi-leira pela aprendizagem de “competências básicas para o trabalho”, aproxi-mando muito as figuras da aprendizagem com a pré-aprendizagem, per-dendo o trabalho educativo esta qualidade de pré-aprendizagem.

A instituição desta forma de trabalho educativo serviria apenas para,além de suas nefastas conseqüências para os adolescentes, desestimu-lar qualquer iniciativa tendente a implementar a aprendizagem básica.

Existe projeto de lei, apresentado pelo Deputado Alexandre Ceranto,já aprovado na Câmara dos Deputados e tramitando no Senado Federal(PLC n. 77/1997), que prevê expressamente o desenvolvimento de trabalhoeducativo dentro de empresas, em evidente descompasso com o nossoentendimento e aquele constante da Nota Técnica do MTE. Este projetorecebeu críticas do Fórum de Dirigentes Governamentais de Entidades Exe-cutórias da Política de Promoção dos Direitos da Criança e do Adolescente— FONACRIAD que decidiu que somente apoiaria o projeto se o mesmocontemplasse direitos trabalhistas e previdenciários, quando o trabalho edu-cativo se realizasse em empresas e das pessoas que trabalham com a

(8) Ibid., p. 201.

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questão da criança, pois nele viam um retrocesso, um retorno a programascomo o Bom Menino, inserindo a criança no mercado de trabalho sem adevida proteção.

Havendo lacunas na legislação estas devem ser solucionadas combase na disposição contida no art. 6º do ECA, ditando que na sua interpreta-ção deverão ser observados “os fins sociais a que ela se dirige, as exigênciasdo bem comum, os direitos e deveres individuais e coletivos, e a condiçãopeculiar da criança e do adolescente como pessoas em desenvolvimento”.

A lacuna na legislação ocorre apenas na omissão em regulamentar otrabalho educativo, pois que seu funcionamento já está estampado no § 1º,quando estabelece a prevalência das exigências pedagógicas sobre o as-pecto produtivo, o que não poderá ser alcançado no interior das empresas.

Desta forma, toda e qualquer colocação de adolescentes, vinculadosa um programa de trabalho educativo, em empresas ou congêneres é proi-bida, constituindo-se em burla aos direitos trabalhistas e previdenciáriosdessas pessoas, devendo ser reconhecido o vínculo de emprego havidoentre as partes, mesmo havendo registro anterior pela entidade, por aplica-ção do disposto no art. 8º da Consolidação das Leis do Trabalho.

Ao se aceitar a colocação destas crianças, sob o pálio do desenvolvi-mento de trabalho educativo, estaríamos cometendo grave erro quanto aeles e gerando uma situação inusitada para o Direito do Trabalho, poisteríamos estas pessoas trabalhando efetivamente na empresa, mas semqualquer vinculação laboral, nem previdenciária.

Justamente por não se constituir em trabalho, no sentido de relaçãode emprego contida nos moldes celetistas, não há limite de idade paraadentrar a um programa de trabalho educativo, sendo permitido o ingressode crianças menores de 16 anos como de pessoas com mais idade, sendocomum o desenvolvimento, sobretudo, de atividades lúdicas como teatro,artesanato, música e dança, com a prevalência do aspecto pedagógico.

Não há limite de idade mínima para admissão ao trabalho educativo,justamente porque não se busca a profissionalização das pessoas envolvi-das, tarefa precípua da aprendizagem e dos programas de qualificação erequalificação, mas apenas desenvolver nestas pessoas as habilidadesque podem capacitá-las para a futura aquisição de conhecimentos profissio-nais, ou mesmo a troca de habilidades e experiências já vivenciadas. Hávários posicionamentos doutrinários seguindo esta orientação.(9) Nesse

(9) “O trabalho educativo não é específico a determinada faixa etária. Vale dizer, não se restringe aosadolescentes” (Adalberto Martins. A proteção constitucional ao trabalho de crianças e adolescentes,p. 97). “É perfeitamente possível o trabalho educativo por adolescentes menores de 16 anos emesmo por maiores de 18 anos. [...] Tal interpretação não viola inclusive os princípios da OrganizaçãoInternacional do Trabalho”. (Antônio Carlos Flores de Moraes. Trabalho do adolescente: proteção eprofissionalização, pp. 76-77).

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sentido, entendo que o trabalho educativo pode ser desenvolvido de varia-das formas, por exemplo, numa integração de crianças e idosos, onde es-tes últimos passariam a elas a vivência profissional ou mesmo de vida,orientando a nova geração que está se formando.

O que se verifica na prática é a proliferação de programas rotuladoscomo de trabalho educativo que, na realidade, caracterizam-se por apenasocupar o tempo ou constituir fonte de renda para o adolescente, colocando-osno mercado de trabalho, não havendo o comprometimento com o aspectopedagógico que deve prevalecer.

Na prática é o que ocorre com as guardas mirins, presentes em quasetodos os municípios do Estado de São Paulo. A maioria destas entidades,algumas criadas há mais de cinqüenta anos, sempre realizaram suas ativi-dades com evidente intuito assistencialista, pois este era o cenário jurídicoque estava desenhado, conforme pôde ser constatado pelas disposiçõesdos Códigos de Menores.

A idéia básica de atuação destas entidades era retirar os menoresdas ruas, do provável envolvimento com drogas e colocá-los trabalhandopara dar-lhes senso de responsabilidade e gosto pelo trabalho. A atividadeque foi por elas desenvolvida é louvável pois que, bem ou mal, cumpriramseu papel dentro do entendimento histórico da época, contando até os diasde hoje com grande aprovação popular, sendo estes programas vistos comoformas de “eliminar o problema dos menores”.

É preciso deixar claro que não existe a intenção do Ministério Públicodo Trabalho, ou de qualquer entidade responsável pela fiscalização, depropor o fechamento destas entidades, como propalado por alguns setoresmais conservadores da sociedade. Estamos cientes de que o fechamentodestas entidades causará enorme prejuízo tanto para os adolescentes, queestão contribuindo de alguma forma com o orçamento familiar, como para asociedade, que não terá solução imediata para resolver o problema.

Porém, com a nova regulamentação do trabalho do adolescente, hou-ve a necessidade de adequação de suas funções aos novos preceitos le-gais. Enquanto o Código de Menores, de 1979, destinava um lacônico artigopara a questão do trabalho do adolescente (art. 83), o ECA promove, norastro da Constituição Federal e da doutrina da proteção integral, mudançasestruturais garantindo, em seus dez artigos, a efetiva profissionalização eproteção no trabalho para os adolescentes.

Estas entidades, na maioria das vezes, apenas inserem o adolescen-te nas empresas, sem que haja um plano de trabalho ou acompanhamen-to, executando, quase sempre, funções subalternas que em nada acres-centam na formação do adolescente. Como bem ressalta Oris de Oliveira“vulgarmente, e às vezes por conveniência, qualifica-se como aprendiz o

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adolescente que começa a trabalhar exercendo qualquer atividade que nãocomporte profissionalização, como a de office-boy, estafeta, mensageiro,empurrador de carrinho ou ensacador de compra em supermercado”.(10)

Bem significativo é o depoimento de dirigente de entidade sobre o tra-balho do adolescente realizado na fiscalização de estacionamento de rua:

O trabalho na chamada área azul não oferece nenhuma aprendizagem.Essa é a minha grande preocupação no momento. O dilema é que, seacabarmos com o trabalho dos guardinhas na área azul, a entidade nãoterá mais como se manter, pois é daí que vem sua maior arrecadação.(11)

Este ex-guarda mirim fala sobre sua experiência:

[...] não teve utilidade e nem influenciou no que faço hoje. Não que sejanegativo ter pertencido a guarda mirim. Naquela época era necessáriopara ajudar em casa... Se tivesse um filho, não o deixaria freqüentar aguardinha. A formação que recebi não me ajudou em nada. Prefeririadeixá-lo estudando e me esforçaria mais para que ele só estudasse.(12)

Segundo os autores da pesquisa, da qual foram retirados os depoi-mentos supracitados, de 20 a 40% dos rendimentos mensais dos guardi-nhas são retidos pela entidade.

Estas entidades ficam no meio do caminho entre o desenvolvimento detrabalho educativo, alegado como sendo o projeto desenvolvido, e a aprendiza-gem, mas sem o fornecimento de programa metodologicamente organizado,colocando-os para trabalhar como meros entregadores, função não contem-plada para aprendizagem, estando trabalhando na rua sem qualquer proteção.

A questão das crianças e adolescentes na rua mereceu atenção es-pecial de uma comissão parlamentar de inquérito, que sugeriu duas for-mas concatenadas de ataque:

a) de um lado, uma proposta de natureza emergencial, para caracteri-zar desde logo que o lugar da criança é na família, comunidade e escola,não na rua, implicando como fim a oportunidade educativa e profis-sionalizante, e como meio alguma forma de acesso à renda;

b) de outro, uma proposta de natureza estrutural, tipicamente de longoprazo, para atingir raízes da problemática, implicando uma política socialda infância e da adolescência, de incidência preventiva e emancipatória.(13)

Para Viviane Colucci, em estudo que examinou a fundo a questão dotrabalho educativo, podem ser considerados dissonantes com a teoria daproteção integral os programas que:

(10) Cury, Munir et al., op. cit., p. 183.(11) Pereira, I. et al. Trabalho do adolescente: mitos e dilemas, p. 25.(12) Id. ibid., pp. 47-48.(13) Comissão Parlamentar de Inquérito. Documento preliminar.

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1 — não estabelecem a fixação de cronogramas de conteúdo pedagógico;

2 — oferecem atividades que tradicionalmente são destinadas ao fu-turo operário pobre, deixando de contar com parceiros como o SINEou o SEBRAE, que poderiam se manifestar sobre as tendências demercado da região;

3 — que colocam em risco a integridade física dos adolescentes;

4 — estabelecem tarefas a serem executadas nas ruas, como nocaso dos guardas mirins de trânsito, em que o aliciamento para asatividades ilegais e criminosas torna-se facilitado;

5 — intermedeiam os adolescentes para as empresas, porquanto,como vimos, o trabalho educativo se incompatibiliza de forma incon-teste com os ditames do art. 68 do ECA;

6 — estabelecem idade mínima inferior a 14 anos, ou seja, antes daconclusão do ensino básico fundamental.(14)

Importante também salientar que na instituição de qualquer processoeducativo com crianças deve haver o respeito à sua identidade cultural, sejanas salas de aula, nas oficinas ou nas atividades culturais, significando orespeito e a dignidade com que devem ser encarados estes projetos detrabalho educativo voltados para a criança.

4. A COMPETÊNCIA DO MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO PARAINVESTIGAÇÃO

A Constituição Federal, em seu art. 127, outorga ao Ministério Público“a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais eindividuais indisponíveis”. Tratando-se de uma instituição permanente,essencial à função jurisdicional do Estado, tem como um de seus prin-cípios a unidade.

Em sua unidade subdivide-se em Ministério Público do Trabalho, Mi-nistério Público Federal, Ministério Público Militar, Ministério Público do Dis-trito Federal e Territórios, compondo o Ministério Público da União e o Mi-nistério Público Estadual. Esta divisão é apenas administrativa, e não orgâ-nica, detendo todos os ramos do Ministério Público a mesma finalidadeconstitucional.

Interessa-nos, para o presente trabalho, a interface existente entre oMinistério Público do Trabalho e o Ministério Público Estadual para investi-gação quanto ao trabalho educativo efetuado sob a responsabilidade deentidade não-governamental sem fins lucrativos.

(14) Op. cit., p. 17.

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O ECA prevê que “as funções do Ministério Público serão exercidasnos termos da respectiva lei orgânica” (art. 200).

As atribuições afetas ao Ministério Público, listadas no art. 201, cons-tituem-se em numerus apertus, pois que o seu § 2º, em similaridade àdisposição contida no § 2º do art. 5º da Constituição Federal, expressamen-te declara que não excluem outras “desde que compatíveis com a finalidadedo Ministério Público”.(15)

Nos termos do inciso V do art. 83 da Lei Complementar n. 75, de 20.5.1993,compete ao Ministério Público do Trabalho propor as ações necessárias àdefesa dos direitos e interesses dos menores decorrentes das relações detrabalho, cometendo-lhe competência absoluta para tratar desta questão.

Como salientado alhures, a divisão entre os ramos do Ministério Pú-blico opera-se entre as competências jurisdicionais, mantendo-se a suaunidade, oficiando o Ministério Público do Trabalho junto à jurisdição federalda Justiça do Trabalho e o Ministério Público Estadual junto à jurisdiçãocomum da Justiça Estadual.

A Constituição Federal, em seu art. 114, definiu a competência daJustiça do Trabalho da seguinte forma:

Art. 114. Compete à Justiça do Trabalho conciliar e julgar os dissídiosindividuais e coletivos entre trabalhadores e empregadores, abrangi-dos os entes de direito público externo e da administração públicadireta e indireta dos Municípios, do Distrito Federal, dos Estados e daUnião, e, na forma da lei, outras controvérsias decorrentes da relaçãode trabalho, bem como os litígios que tenham origem no cumpri-mento de suas próprias sentenças, inclusive coletivas.

Segundo Viviane Colucci, analisando a competência do MinistérioPúblico do Trabalho para a propositura de ações tendentes a efetuar aregularização do trabalho de adolescentes, “[...] a Justiça do Trabalho écompetente para dirimir todas as lides que tenham por objeto discutir rela-ções de emprego, inclusive aquelas que se encontram forjadas em progra-mas de trabalho educativo ou outros programas socioeducativos previstosno ECA. Importa apenas identificar a relação de emprego subjacente”.(16)

Na realidade, em nossa atuação, verificamos uma atuação conjuntado Ministério Público do Trabalho e do Ministério Público Estadual na regu-larização das entidades sem fins lucrativos que é atual na assistência aoadolescente e na sua formação profissional. O ECA, inclusive, prevê a

(15) Esta disposição é similar à que se contém na emenda IX da Constituição dos Estados Unidos,e será encontrada também em outras constituições, tais como as do Paraguai, Peru e Uruguai. Estanorma foi inserida no texto como cautela contra a má aplicação da máxima demasiado repetida, deque a afirmação em casos particulares importa uma negação em todos os mais e vice-versa.(16) “A atuação do Ministério Público do Trabalho no combate ao trabalho infantil através dos fórunstemáticos”, p. 79.

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possibilidade da ocorrência de litisconsórcio facultativo entre o MinistérioPúblico da União e o Ministério Público do Estado na defesa dos interessese direitos previstos na lei (art. 210, § 1º).

O Capítulo V do ECA que envolve o direito à profissionalização e à prote-ção no trabalho, traz prescrições quanto ao trabalho em regime de aprendiza-gem, quanto ao trabalho educativo e para o adolescente empregado.

Quando nos deparamos com uma relação jurídica, tendo o adoles-cente como uma das partes, que envolve uma relação de emprego ou detrabalho, sobressai a competência do Ministério Público do Trabalho para ainvestigação da eventual irregularidade, decorrência da aplicação da dispo-sição final do art. 114, ou seja, “outras controvérsias decorrentes da relaçãode trabalho”.

Situação mais complexa se dá quando a entidade sem fins lucrativosdesenvolve o denominado trabalho educativo, sob o pálio da concepçãoinsculpida no art. 68 do ECA.

Sendo o trabalho educativo desenvolvido nos moldes do ECA, sem acolocação do adolescente no mercado de trabalho, caberá ao MinistérioPúblico Estadual verificar se os princípios da proteção integral estão sendocumpridos, como, por exemplo, aqueles contidos nos arts. 67, 69 e 92.

Contudo, a partir do momento em que se constate que o trabalhoeducativo está sendo utilizado para maquiar uma típica relação de trabalho,deverá ser aplicada a disposição contida no art. 9º da Consolidação dasLeis do Trabalho, que estipula: “serão nulos de pleno direito os atos pratica-dos com o objetivo de desvirtuar, impedir ou fraudar a aplicação dos precei-tos contidos na presente Consolidação”.

Aliás, a competência do Ministério Público do Trabalho, quando envol-ve a proteção e a tutela jurisdicional dos direitos dos adolescentes, vemsendo analisada de forma mais abrangente, não o enclausurando nas es-treitas lindes processuais clássicas, mas dando-lhe papel de relevo se-gundo o mandamento constitucional do art. 127.

Veja-se, a propósito, a conclusão de Moacyr Silva:

Constitui pensamento ultrapassado raciocinar sobre as atribuições doMinistério Público do Trabalho confundindo-as com a competência mate-rial da Justiça do Trabalho. São instituições distintas por natureza, polí-tica e sociológica. Do ângulo da Teoria do Estado, harmonizam-se osmencionados órgãos, com vistas à prestação jurisdicional, porém nãose confundem, sob a perspectiva de suas funções constitucionais.(17)

(17) “Da criança e do adolescente: estudos processuais do ângulo dos interesses difusos, coletivose individuais homogêneos”, p. 70.

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Como já salientamos, com a adoção da teoria da proteção integral,não se concebe mais a criação e/ou manutenção de programas assisten-cialistas que, calcados na necessidade dos adolescentes e de suas famí-lias, promovem a inserção precoce destes no mercado de trabalho sem adevida contrapartida de profissionalização.

Esta prática constitui burla aos princípios protetivos das crianças eadolescentes, constituindo-se a erradicação do trabalho infantil, e a regula-rização do trabalho do adolescente uma das metas institucionais do Minis-tério Público do Trabalho.

5. CONCLUSÕES

O trabalho educativo, desde a edição do ECA, vem trazendo inúmerosproblemas para sua aplicação, considerando-se a primazia da teoria da pro-teção integral, que não permite a adoção de práticas clientelistas ou assis-tencialistas para a preservação dos direitos da criança e do adolescente.

A questão da inserção precoce destes adolescentes no mercado detrabalho gera evasão escolar e descompasso série/idade, conforme de-monstrado pelos dados colhidos pelo PNAD 2001.

Constituindo-se a profissionalização um direito público subjetivo, de-vem as entidades que atuam com adolescentes propiciar-lhes, com prima-zia, qualidade e responsabilidade, o ingresso em curso de aprendizagem,possibilitando-os a consecução de seus direitos.

A aprendizagem, tal como a concebemos após a edição da Lei n. 10.097/2000 e sua regulamentação posterior, constitui-se, de acordo com o art. 3º,do Decreto n. 2.208/1997, em nível básico de educação profissional, moda-lidade de educação não formal com a finalidade de qualificar para o exercí-cio de funções demandadas pelo mundo profissional, compatíveis com acomplexidade teórica e com o nível de escolaridade do aluno, não estandosujeito a regulamentação curricular.

O trabalho educativo pressupõe um programa social desenvolvidosob a responsabilidade de entidade sem fins lucrativos em que as exigên-cias pedagógicas prevalecem sobre o aspecto produtivo. Ao desenvolverseu programa a entidade deve — ela mesma — ministrar educação — basedo programa — e propiciar ao adolescente o trabalho correlato. A colocaçãodesses adolescentes em empresas desqualifica o aspecto educativo doprograma, constituindo-se em mera intermediação de mão-de-obra de ado-lescentes desqualificados e a baixo custo, gerando o reconhecimento devínculo diretamente com o tomador dos serviços.

Como bem salienta Caio Santos:

Reconhece-se que o trabalho tem aspectos socializantes. Ele integra ohomem na sociedade, dando-lhe identidade social. O trabalhador apren-

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de a cumprir responsabilidades e a relacionar-se de forma maduracom outras pessoas. Desenvolve a auto-estima, por prover a própriasubsistência, ajudar na de sua família e ver a si mesmo como enteintegrado e útil à sociedade. Mas esses aspectos socializantes sãocomuns a qualquer trabalho lícito. A mera integração social e a influên-cia favorável na formação pessoal do adolescente, que resultam natu-ralmente de qualquer trabalho, não são justificativas para a supres-são de direitos constitucionalmente garantidos.(18)

A aprendizagem, após a nova regração legal, e o trabalho educativopraticamente não se diferem em sua origem. Adotando-se o paradigma deaprendizagem de competências básicas para o trabalho, renegando a clás-sica divisão por ocupações, ambos assumem o caráter educacional deaprender. A própria LDB estimula, a todo momento, a vinculação que devehaver entre a educação e o trabalho, apesar da crítica de vários especialis-tas em educação.

Tomando-se o conceito de trabalho como práxis humana, ou seja,“como o conjunto de ações, materiais e espirituais, que o homem, enquantoindivíduo e humanidade, desenvolve para transformar a natureza, a socie-dade, os outros homens e a si próprio com a finalidade de produzir ascondições necessárias à sua existência. Desse ponto de vista, toda e qual-quer educação sempre será educação para o trabalho”.(19)

Pelas razões expostas neste estudo, entendemos que o trabalho educa-tivo não pode ser exercido no interior de empresas, devendo a entidade promo-tora assegurar que as exigências pedagógicas relativas ao desenvolvimentopessoal e social do educando prevaleçam sobre o aspecto produtivo. De acor-do com o desenvolvimento do programa, deverá assegurar ao adolescentecondições de capacitação para o exercício de atividade regular remunerada,respeitando-se sempre a sua adequação ao mercado de trabalho.

O Ministério Público do Trabalho tem se empenhado para conseguir aregularização destas entidades que desenvolvem o trabalho educativo, emdesacordo com as determinações legais, seja transformando o programaem aprendizagem, com a conseqüente reformulação do programa, sejaorientando em outros casos, sempre numa atuação conjunta com o Minis-tério Público Estadual.

6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

CÂMARA DOS DEPUTADOS. Comissão Parlamentar de Inquérito da prosti-tuição infanto-juvenil: Relatório Final. Brasília, 1993.

(18) Contrato de emprego do adolescente aprendiz, p. 17.(19) Acácia Kuenzer. Ensino médio: construindo uma proposta para os que vivem do trabalho, p. 39.

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COELHO, Bernardo Leôncio Moura. A proteção jurídico-constitucional dacriança. Dissertação de Mestrado. Faculdade de Direito da UniversidadeFederal de Minas Gerais. Belo Horizonte, 1993.

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A LEGITIMAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO DOTRABALHO PARA RECORRER COMO CUSTOS LEGIS

Ricardo José Macedo de Britto Pereira(*)

SUMÁRIO — 1. Linhas gerais. 2. O delineamento constitucionaldo Ministério Público ao lado dos Poderes da União. 3. A contri-buição do legislador para promover as garantias constitucionaisprevistas ao Ministério Público. 4. A Orientação Jurisprudencialn. 237 da SDI1 do Tribunal Superior do Trabalho. 5. Legitimação einteresse para recorrer. 6. Indisponibilidade como conceito nor-mativo. 7. Conclusão.

1. LINHAS GERAIS

Com alguma freqüência, o Tribunal Superior do Trabalho tem recusa-do legitimidade ao Ministério Público do Trabalho para interpor recursosnas causas em que atua como custos legis. Decisões reiteradas nessesentido deram origem à Orientação Jurisprudencial n. 237 da SBDI1, queproclama a ilegitimidade do Parquet “para recorrer na defesa do interessepatrimonial privado, inclusive de empresas públicas ou sociedades de eco-nomias mistas” (20.6.2001).

O verbete passou a ser utilizado como espécie de standard para aanálise da admissibilidade dos recursos do Ministério Público do Trabalho.O extremado rigor em sua aplicação vem provocando significativo esvazia-mento da intervenção recursal assegurada em lei.

Com base em tal constatação, pretende-se defender que menciona-da jurisprudência, ou pelo menos o modo como vem sendo utilizada, impli-

(*) Procurador Regional do Trabalho, oficiando junto à Procuradoria Geral do Trabalho, comomembro da Coordenadoria de Recursos Judiciais. Membro do Conselho Administrativo da EscolaSuperior do Ministério Público da União. Pós-graduado em Direito do Trabalho e em Teoria daConstituição. Mestre pela Universidade de Brasília. Doutor pela Universidade Complutense deMadri. Professor universitário.

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ca severas restrições à atuação do Ministério Público para cumprir o papelque lhe é reservado pelo ordenamento jurídico.

O suporte teórico da análise crítica proposta é a configuração constitu-cional do Ministério Público, especialmente de suas garantias, que propor-cionam os instrumentos indispensáveis ao exercício das funções que lhesão confiadas. São elas que asseguram a existência e o funcionamento daInstituição, com o perfil que a Constituição lhe confere e como elementoimprescindível para implementar o modelo de sociedade que resulta dosprincípios e valores nela enunciados.

As garantias constitucionais, como desdobramentos do Estado De-mocrático de Direito (art. 1º, CF), são pressupostos de toda dinâmica minis-terial. Irradiam-se para os dispositivos do ordenamento jurídico que concor-rem para complementar os instrumentos de atuação dos órgãos constitucio-nais. A conexão dos dispositivos constitucionais e legais alusivos ao Minis-tério Público do Trabalho deve permear todo o estudo de sua legitimidaderecursal.

O exame propriamente dito da orientação jurisprudencial procura evi-denciar o desacerto do entendimento do Tribunal Superior do Trabalho, queé distinto do adotado pelo Superior Tribunal de Justiça e pelo SupremoTribunal Federal. A diferença, a nosso juízo, reside no fato de que conceitosenvolvidos na temática não têm merecido formulação adequada. O de legi-timidade e interesse para recorrer, e a relação entre eles, bem como o deindisponibilidade, para fins de atuação do Ministério Público, são funda-mentais para a adoção de uma posição sobre a matéria.

Considera-se, portanto, que a interpretação promovida pelo TribunalSuperior do Trabalho é inadequada, especialmente por um problema detécnica, favorecido pela complexidade da questão. Parece ser, antes, frutoda distribuição equivocada de papéis dos atores constitucionais do quepropriamente uma opção ideológica, com o propósito deliberado de abalara atuação do Ministério Público do Trabalho, mediante a restrição de umade suas prerrogativas.

De qualquer modo, é certo que o tema exige reflexões e debates, inde-pendentemente do sentido, sendo a finalidade do presente texto provocá-los.

2. O DELINEAMENTO CONSTITUCIONAL DO MINISTÉRIO PÚBLICO AOLADO DOS PODERES DA UNIÃO

A Constituição de 1988 atribui posição de destaque ao Ministério Pú-blico, destinando-lhe diversas funções para serem exercidas em prol dasociedade. Trata-se de instituição permanente e essencial à prestação ju-risdicional do Estado, incumbida de importantes missões constitucionais.Merece realce, para os efeitos deste estudo, “a defesa da ordem jurídica, do

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regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis”(art. 127).

Para desincumbir-se satisfatoriamente de suas atribuições, foramestabelecidas garantias dirigidas à Instituição como um todo e a seus ór-gãos. Duas possuem relação direta com o presente tema: a autonomia e aindependência funcionais.

A noção de autonomia funcional é chave para toda e qualquer atuaçãodo Ministério Público. Extraem-se de seu conceito as garantias necessáriaspara a realização satisfatória das funções a ele encarregadas pelo ordena-mento jurídico, mediante a determinação soberana da maneira maisapropriada de manejar os instrumentos colocados à sua disposição. Significaespaço de atuação para adequação de meios a fins, sem interferência externa.

A independência funcional, por sua vez, é garantia dos órgãos do Mi-nistério Público para adotar, com isenção, os juízos a respeito das estraté-gias de enfrentamento das questões que lhes são submetidas.

Ambas apresentam-se associadas ao exercício de poderes, cujamanifestação independe de autorização ou reconhecimento por parte deórgãos integrantes do Estado. São poderes que derivam diretamente dodelineamento que a Constituição conferiu ao Ministério Público. A não inclu-são entre os Poderes da União (art. 2º) não representa demérito ou localiza-ção secundária reservada à Instituição. Decorre da circunstância de que elaatua “como poder jurídico-social, com sobrelevação do interesse público,não do Estado enquanto estrutura administrativa, mas dos concidadãos oudos direitos transindividuais, no plano das estruturas sociais, afetando apsicologia coletiva”.(1)

Deve-se alertar que, no Estado Direito, os poderes são modalidadesde funções e deveres que só possuem respaldo do ordenamento jurídicose operados dentro de um marco normativo. Estão, necessariamente, su-jeitos ao controle quanto a seus possíveis excessos. Porém, o cumprimen-to desses deveres e funções só se verifica na medida em que se respeita amargem do ente encarregado pelo ordenamento jurídico para atuar, com ascautelas necessárias para não ultrapassar os seus limites.

O reconhecimento expresso da autonomia e independência funcio-nais ao Ministério Público na Constituição está associado à exigência deefetividade dos atos necessários para desincumbir-se de suas funções.Tais garantias constitucionais são complementadas pelo legislador, queacresce uma série de prerrogativas, assim como margens de apreciaçãosubjetiva aos membros do Parquet, para atuarem, segundo critérios deconveniência e oportunidade. A substituição ou eliminação desse juízo

(1) A nova Constituição de 1988. Breves anotações elaboradas pelo corpo técnico-jurídico doCEPAM. São Paulo, Imprensa Oficial — IMESP, 1988, p. 106.

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de valor viola não só a lei que as prevê, mas também a Constituição, namedida em que altera a configuração constitucional da Instituição.

Semelhantes âmbitos de imunidades são reconhecidos aos Poderesda União, para dar cabo da finalidade comum a todos eles: a satisfação dointeresse público. É verdade que esses espaços dão margem a complexasdiscussões em torno da medida do controle para que a atuação de umórgão não interfira na de outro. O Poder Judiciário, como último garante dalegalidade e da constitucionalidade, possui legitimidade para exercer o con-trole sobre os atos dos órgãos constitucionais condicionada à não-interven-ção indevida em âmbitos reservados de atuação.

Constituem exemplos correntes na jurisprudência a vedação de invasãopelo Judiciário no mérito do ato administrativo, em substituição aos critérios deconveniência e oportunidade do administrador,(2) e o controle de constituciona-lidade em relação aos atos legislativos interna corporis(3) ou aos juízos derelevância e urgência para a adoção das medidas provisórias.(4) São choquespossíveis entre as atribuições dos órgãos constitucionais, que exigem, parasuperá-los, comedimento e ponderação, de maneira que o controle não resulteno comprometimento das autonomias consagradas na Constituição.

As tensões decorrem da fluidez do conceito de interesse público e danecessidade de concorrer todos os poderes da União e o Ministério Públicopara dar-lhe densidade, considerando as demandas sociais, que se apresen-tam com distintas nuances, de acordo com o tempo e local em que emergem.

3. A CONTRIBUIÇÃO DO LEGISLADOR PARA PROMOVER AS GARANTIASCONSTITUCIONAIS PREVISTAS AO MINISTÉRIO PÚBLICO

O art. 127 da Constituição, ao tratar o Ministério Público como institui-ção permanente e essencial à função jurisdicional do Estado, introduz umasérie de expressões cujos conceitos dão suporte as suas atribuições.

A determinação desses conceitos foi feita em grande parte pelo legis-lador, que estabeleceu as hipóteses de atuação do Parquet, além daquelasexpressamente previstas no art. 129 da Constituição.

O texto do art. 127 da Constituição, para ser compreendido em todasua extensão, conjuga-se com as hipóteses de legitimidade para a atuação

(2) STJ — 4ª T. — Resp. n. 1.994/RS, Rel. Sálvio de Figueiredo; STJ 1ª Seção — MS 3.071-0/DF,Rel. Min. Milton Luiz Pereira. Ementário STJ, n. 9/412 e STJ 2ª T. RMS n.978-0/RO — Rel. AméricoLuz, Ementário STJ n. 7/005, entre diversas outras.(3) STF — Pleno — Adin n. 2.038/BA — Rel. p. Acórdão Min. Nelson Jobim, decisão 18.8.1999.Informativo STF, n. 158, entre outras.(4) STF — Pleno — Adin n. 1.717-6/DF — Medida Liminar — Rel. Min. Sydney Sanches, DJ3.2.2000, p. 3, entre outras.

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do Ministério Público do Trabalho especificadas na lei. Isso significa que oconteúdo nuclear do art. 127 da Constituição está diretamente vinculado aum conteúdo adicional, cuja providência está a cargo do legislador comple-mentar e ordinário.

O art. 83 da Lei Complementar n. 75, de 20 de maio de 1993, contém boaparte do desenvolvimento do dispositivo constitucional em questão, adiciona-do pelo legislador complementar para fortalecer a atuação da Instituição.

A intervenção em juízo do Ministério Público do Trabalho foi prevista,tanto em razão da pessoa, quanto em razão da matéria, neste último casoquando exista interesse que a justifique. A intervenção recursal, assegura-da indistintamente como parte ou custos legis, é prosseguimento naturalpara que a intervenção do Ministério Público, considerando a natureza daparte ou a relevância da matéria, produza os resultados esperados.

A transcrição de alguns incisos do mencionado artigo não deixa dúvidaquanto ao juízo da intervenção do Ministério Público em processos judiciais,assim como de sua atuação recursal:

Art. 83 — Compete ao Ministério Público do Trabalho o exercício dasseguintes atribuições junto aos órgãos da Justiça do Trabalho:

(...)

II — manifestar-se em qualquer fase do processo trabalhista, aco-lhendo solicitação do juiz ou por sua iniciativa, quando entender exis-tente interesse público que justifique a intervenção; (grifamos)

(...)

VI — recorrer das decisões da Justiça do Trabalho, quando entender ne-cessário, tanto nos processos em que for parte, como naqueles em queoficiar como fiscal da lei, bem como pedir revisão dos Enunciados dasSúmulas de Jurisprudência do Tribunal Superior do Trabalho; (grifamos)

(...)

XIII — intervir obrigatoriamente em todos os feitos nos segundo e terceirograus de jurisdição da Justiça do Trabalho, quando a parte for pessoajurídica de Direito Público, Estado estrangeiro ou organismo internacional.

Enquanto o inciso XIII pressupõe que a existência de interesse públicodecorre da qualidade da parte no processo judicial, e daí a intervençãonecessária, o inciso II dá margem ao exercício de um juízo de valor, naque-les casos em que não existe obrigatoriedade de intervenção.

O mesmo juízo autoriza a lei para examinar a conveniência da atuaçãorecursal, seja como parte, seja como custos legis, independentemente detratar-se de intervenção obrigatória ou não.

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Percebe-se que a Lei Complementar atribui ao conceito de interesseque justifica a intervenção do Ministério Público do Trabalho para manifestarna causa e interpor recurso, significado bem mais amplo que o correspon-dente ao interesse da pessoa jurídica integrante da Administração (interes-se secundário).

A intervenção do Ministério Público do Trabalho não se produz parabeneficiar uma ou outra parte no processo. Mesmo quando a intervenção éobrigatória, em razão da pessoa, a manifestação deve buscar a soluçãomais consentânea com o ordenamento jurídico e com a satisfação do inte-resse da sociedade.

É necessário insistir que a intervenção, tanto para manifestar no pro-cesso quanto para recorrer, é neutra. Esta última torna efetiva a primeira e aseparação delas compromete a atuação como custos legis, que é importanteinstrumento de realização da defesa da ordem jurídica prevista no art. 127da Constituição.

O compromisso do Ministério Público com o interesse público primá-rio e sua isenção em relação ao secundário estão expressos na Constitui-ção ao vedar que promova a representação judicial e a consultoria aosentes da Administração Pública (art. 129, IX). Advirta-se, porém, que a veda-ção não impede que o Ministério Público atue em sintonia com a Adminis-tração Pública, o que deve ocorrer com regularidade, pois a finalidade deseus órgãos é perseguir o interesse público primário. Tampouco que atuesupletivamente para defender o interesse público primário, quando o entepúblico dele se descura.(5)

Em síntese, quer-se ressaltar, nesta parte, que a titularidade do juízoda intervenção do Ministério Público do Trabalho é de seus próprios órgãos.Neste aspecto, convém fazer menção a acórdão do Tribunal Superior doTrabalho, que esclarece a questão com propriedade. O teor da ementa é oseguinte:

MINISTÉRIO PÚBLICO. INTERESSE PÚBLICO. Não há dúvida de quepertence ao Ministério Público o entendimento no que tange à existên-cia ou não de interesse público que justifique sua intervenção. E ainiciativa da citada intervenção deverá ser sempre do órgão do Ministério

(5) Neste último caso, a jurisprudência do Tribunal Superior do Trabalho não admite que o Ministé-rio Público do Trabalho possa suprir o déficit de atuação do ente público, argüindo, por exemplo,a prescrição (OJ 130 SBDI1). Também há sinais de que se firmará jurisprudência recusando apossibilidade de argüição no parecer da nulidade do contrato de trabalho realizado sem aprovaçãoprévia em concurso público (E-RR 422.984/1998, DJ 20.8.2004, entre outras). O equívoco, anosso ver, está na circunstância de que o entendimento consagra a disponibilidade absoluta dointeresse público pelas partes processuais, sem que a intervenção do Ministério Público possaproduzir a tutela que a Constituição lhe encomenda, com a nítida prevalência do interesse públicosecundário sobre o primário. Na verdade, as restrições são de ordem processual e associam-se aofato de a intervenção ocorrer apenas em grau recursal.

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Público quando entender que existe interesse público. No caso de nãoser permitida a manifestação deste órgão, a falta da mesma conduziráà nulidade do processo. (TST-RR 147337/94.9, DJ 08.08.1997, rel. CnéaMoreira, 4ª Turma).

4. A ORIENTAÇÃO JURISPRUDENCIAL N. 237 DA SDI1 DO TRIBUNALSUPERIOR DO TRABALHO

A jurisprudência do Tribunal Superior do Trabalho, por sua SBDI1,nega legitimidade ao Ministério Público “para recorrer na defesa de interes-se patrimonial privado, inclusive de empresas públicas e sociedades deeconomia mista” (OJ 237).

Ainda que se possa sugerir uma limitação da atuação recursal, paraexcluir os interesses individuais puros, e assim preservar a configuração cons-titucional do Ministério Público, a legitimação para recorrer vem sendo aceita, acontrario sensu, com base no binômio interesse público/interesse individualindisponível, como únicas hipóteses autorizadoras da intervenção recursal.

Com relação ao conceito de interesse público, o exame de alguns dosjulgados que deram origem ao verbete deixa claro que o interesse públicoque legitima, segundo referida jurisprudência, o recurso do Ministério Públi-co do Trabalho é o secundário. O raciocínio é o seguinte: não havendoobrigatoriedade de intervenção, o parquet carece, em princípio, de legitimi-dade para recorrer. Se a intervenção é obrigatória, a legitimidade está con-dicionada ao teor do recurso, devendo favorecer a pessoa em razão da quala intervenção se realiza.

A citação de parte dos acórdãos confirma a afirmação acima. Do pri-meiro, prolatado no RR 494.316/1998, DJ de 14.5.2001, 2ª Turma, convémdestacar o seguinte trecho:

MINISTÉRIO PÚBLICO. ILEGITIMIDADE PARA RECORRER. Segundoo que se extrai do que preceituam o art. 83, inciso XIII, da Lei Comple-mentar n. 75/93, e do art. 127, caput, da Constituição Federal, a in-tervenção processual do Ministério Público do Trabalho se faz neces-sária, quando um dos litigantes for pessoa jurídica de Direito Público,Estado Estrangeiro ou Organismo Internacional ou quando existir in-teresse público que justifique sua iniciativa. As sociedades de econo-mia mista e as empresas públicas são pessoas jurídicas de DireitoPrivado (como define o art. 173, § 1º, inciso II, da Carta Magna), explo-rando, em regra, atividade econômica. Não se litigando em torno deinteresse público e estando, a entidade-ré, devidamente representada,manifesta será a ilegitimidade do Parquet, para interpor recurso.Recurso de revista não conhecido.

O acórdão prolatado no RR 443428/1998, DJ — 24.5.2001, 4ª Turma,complementa o raciocínio:

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Ainda que se tratasse de pessoa jurídica de direito público, não esta-ria demonstrado o interesse em recorrer, como já assinalado, hajavista a inexistência de sucumbência da reclamada, diante da confir-mação, pelo e. Regional, da improcedência da ação (fls. 117/118).Com estes fundamentos e fulcro nos arts. 127, caput, da ConstituiçãoFederal e 83, incisos II e VI, da Lei Complementar n. 75/83, NÃOCONHEÇO do recurso de revista.

O próprio Tribunal Superior do Trabalho sentiu necessidade de flexibilizarseu posicionamento, ao reconhecer legitimidade ao Ministério Público do Tra-balho para recorrer na hipótese “que declara a existência de vínculo emprega-tício com sociedade de economia mista ou empresa pública, após a CF/1988,sem a prévia aprovação em concurso público” (OJ n. 338/SBDI1, DJ 9.12.2003).

Desse modo, a Alta Corte trabalhista parte do princípio de que carecede legitimidade para recorrer o Ministério Público do Trabalho, quando suaintervenção no processo não é obrigatória, estabelecendo, em momentoposterior, as exceções à regra geral. O correto seria estabelecer como regrageral a legitimidade para recorrer, especificando-se as exceções em casode abuso no exercício da intervenção recursal.

Ao assim proceder, esvazia-se a possibilidade de determinação dointeresse público pelo Ministério Público, transferindo-a integralmente para oJudiciário, a partir de uma premissa falsa: a noção de interesse capaz dejustificar a intervenção do Ministério Público, como legítimo recorrente, veri-fica-se na defesa dos interesses do ente público ou de direitos indisponíveis.

Além disso, reduz as hipóteses de intervenção às situações que secontraponham à idéia de patrimônio. Tudo que é patrimonial, necessaria-mente, estaria fora da noção de interesse tutelável pelo Ministério Públicodo Trabalho. Em outras palavras, a defesa da ordem jurídica, caso o resul-tado alcançado repercuta na esfera patrimonial de uma ou outra parte, ex-clui a legitimidade do Ministério Público para recorrer. Sobre esta questão,proceder-se-á a um exame mais detido adiante.

A interpretação restritiva viola diretamente o conteúdo do art. 127 daConstituição, na medida em que sua literalidade é, de forma expressa,mais abrangente. Reduziu-se o enunciado do dispositivo constitucional ainteresse público e interesse individual indisponível, atribuindo a interessepúblico o significado de interesse do ente público e a interesse individualindisponível sentido antagônico ao de interesse patrimonial.

O resultado é uma afronta ao alicerce constitucional como um todo, namedida em que a jurisprudência questionada ignora princípios basilaresdo Estado Democrático de Direito, eixo de todo o texto constitucional.

A atribuição, como critério exclusivo do Judiciário, da determinação dequando é cabível a atuação do Ministério Público, ou mesmo se ela é jus-

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tificada, constitui ingerência indevida, incompatível com as prerrogativaslegais e as garantias constitucionais mencionadas.

Não se duvida que incumbe ao Judiciário examinar os excessos co-metidos pelo membro do Ministério Público, quando de sua intervenção. Noentanto, o juízo de conveniência e oportunidade da intervenção, nos casosem que a lei não prevê sua obrigatoriedade, porque dependente da existên-cia de interesse que a justifique, é do parquet. Ou seja, não se reconheceuao Magistrado a possibilidade de substituir o membro do Ministério Públicona formulação deste juízo.

A matéria recebe tratamento distinto no Superior Tribunal de Justiça. ASúmula 99 possui o seguinte enunciado: “O Ministério Público tem legitimi-dade para recorrer no processo em que oficiou como fiscal da lei, ainda quenão haja recurso da parte”.

A Súmula 226 estabelece: “O Ministério Público tem legitimidade pararecorrer na ação de acidente de trabalho, ainda que o segurado esteja as-sistido por advogado”.

O Supremo Tribunal Federal também reconhece legitimidade maisampla para interposição de recurso pelo Ministério Público. No RMS 24.901/DF, DJ 12.11.2004, rel. Min. Carlos Ayres de Brito, sobre ato de improbidadeadministrativa e demissão de servidor público, examinou-se preliminarmentea legitimidade do parquet para interpor o recurso. A Turma pronunciou alegitimidade do Ministério Público para recorrer em processo que oficioucomo fiscal da lei, mesmo sem recurso da parte, considerando, sobretudo,a manifestação de concordância com o recurso pelo impetrante.

São exemplos de entendimentos que visam a satisfazer interesses deindivíduos, com repercussão em seu patrimônio, mas que nem por isso senega a legitimação do Ministério Público para recorrer. Ou seja, a regrageral é a legitimidade do Ministério Público. Reforça-se, dessa maneira, odesacerto da posição do Tribunal Superior do Trabalho.

5. LEGITIMAÇÃO E INTERESSE PARA RECORRER

Segundo Barbosa Moreira, no “plano dogmático, há que distinguir entrea legitimação para recorrer e o interesse em recorrer, de que o texto legalcuida promiscuamente”. Deve-se preservar “a distinção conceitual entre osdois requisitos, ao contrário do que preconiza certa corrente doutrinária, que,de modo explícito ou implícito, se recusa a enxergar entre ambos qual-quer diferença, ou nega autonomia ao requisito do interesse em recorrer,visto sempre como simples fundamento ou razão de ser da legitimação”.(6)

(6) José Carlos Barbosa Moreira. Comentários ao Código de Processo Civil. 11ª ed., vol. V, arts. 476a 565, Rio de Janeiro, Forense, 2004, p. 290.

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Mais adiante, conclui:

A noção de interesse, no processo, repousa sempre, ao nosso ver, nobinômio utilidade + necessidade: utilidade da providência judicial plei-teada, necessidade da via que se escolhe para obter essa providên-cia. O interesse em recorrer, assim, resulta da conjugação de doisfatores: de um lado, é preciso que o recorrente possa esperar, dainterposição do recurso, a consecução de um resultado a que corres-ponda situação mais vantajosa, do ponto de vista prático, do que aemergente da decisão recorrida; de outro lado, que lhe seja necessá-rio usar o recurso para alcançar tal vantagem.(7)

Sobre a legitimação do Ministério Público esclarece:

O Código de 1939 só reconhecia ao Ministério Público o poder derecorrer “quando expresso em lei” (art. 814) — feita abstração, é claro,das hipóteses em que ele ocupava a posição de parte. Na ausênciade texto legal permissivo (como o da Lei n. 4.717, art. 19, § 2º), recusa-va-lhe a doutrina legitimação para recorrer nos processos em que suafunção era a de custos legis; os tribunais, porém, sensíveis a intuitivasrazões de conveniência, freqüentemente entendiam que a interposi-ção de recurso, em casos tais, era inerente àquela atribuição.(8)

Tal restrição já não se encontra no Código atual, o que leva a concluirpela legitimação ampla do parquet, tanto como parte como custos legis(art. 499, § 2º).

A lei prevê a legitimação do Ministério Público para recorrer de qualquerdecisão na qual tenha sido parte ou fiscal da lei, independentemente do resul-tado favorável a uma ou outra parte. A faculdade de interpor recurso é decorrên-cia da autonomia e independência funcionais, como garantias do órgão doparquet de averiguar, em cada caso, a necessidade concreta da medida.

Já a existência de interesse para recorrer, no caso do Ministério Públi-co, está vinculada ao interesse para manifestar na causa, na qualidade decustos legis, ou simplesmente por sua condição de parte. O interesseespecífico que surge no momento da decisão é decorrência do interesse gené-rico que o levou a manifestar no feito. Evidentemente, que o interesseespecífico pode existir ainda que não tenha havido manifestação anterior,como salienta Nelson Nery:

Naturalmente, não há necessidade de o Ministério Público haver efe-tivamente funcionado nos autos como fiscal da lei para que se legiti-me a recorrer, como a primeira leitura do texto poderia sugerir, masbasta ter havido a possibilidade de fazê-lo.(9)

(7) Op. cit., p. 297.(8) Op. cit., p. 295.(9) Nelson Nery Júnior. Teoria Geral dos Recursos. 6ª ed., São Paulo, Revista dos Tribunais, 2004,p. 309.

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A necessidade da providência jurisdicional e a utilidade da via eleitaestão diretamente ligadas à manifestação do Ministério Público no proces-so e o resultado que ela logrou alcançar, avaliação que compete ao órgãooficiante.

Não é possível cindir a legitimação para recorrer da legitimação paraatuar como parte ou custos legis. A rigor, a ausência de interesse para recor-rer do parquet só se verifica quando emite manifestação em causa que, demaneira evidente, não comporta sua intervenção.

No entanto, a jurisprudência do Tribunal Superior do Trabalho vinculaa legitimação para recorrer do Ministério Público do Trabalho ao interesseespecífico que surge após a decisão, desconsiderando completamente ointeresse genérico que o levou a intervir na causa. É aí que se opera amencionada substituição dos critérios do Procurador pelos do Juiz.

6. INDISPONIBILIDADE COMO CONCEITO NORMATIVO

A indisponibilidade é condição necessária para a intervenção do Minis-tério Público em benefício de interesses individuais (art. 127/CF).

A jurisprudência do Tribunal Superior do Trabalho utiliza o conceito deinteresse patrimonial com tal amplitude que reduz o de indisponibilidade.O argumento de exclusão da legitimação do parquet para recorrer baseia-se no binômio “individual/patrimonial”.

Trata-se de formulação equivocada do conceito de indisponibilidade,para fins de determinação da atuação do Ministério Público, na medida emque resulta da congregação de dados da realidade fática.

Em princípio, todo direito possui uma dimensão individual. Principal-mente os previstos na Constituição, que têm como destinatários últimos osindivíduos. Entender que a tutela dos direitos reconhecidos na Constituiçãoescapa à intervenção do Ministério Público constitui uma interpretação in-compatível com a relevância e prevalência destes direitos, assim como aopapel destinado ao órgão pela Constituição.

Da mesma forma, são vários os direitos de caráter patrimonial previs-tos na Constituição. Os direitos sociais estabelecem vantagens patrimoniaisaos trabalhadores. De acordo com a jurisprudência do Tribunal Superior doTrabalho, levada às últimas conseqüências, o Ministério Público ficaria im-possibilitado de exercer a tutela desses direitos, em razão do caráter patri-monial de boa parte deles.

Daí a conclusão de que o conceito de indisponibilidade que autoriza aatuação do Ministério Público associa dados da realidade normativa e nãofática.

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A mesma noção de indisponibilidade que orienta o Direito do Traba-lho e que não é aferida pela natureza patrimonial dos direitos trabalhistaspode justificar a atuação do Ministério Público do Trabalho. Grande parte dalegislação trabalhista é patrimonial, mas é indisponível para os sujeitosda relação jurídica.

Quando se faz referência à indisponibilidade de interesses, algo quepode ser considerado disponível no plano da realidade, converte-se emindisponível para o Direito do Trabalho e também para o Ministério Públicodo Trabalho, como justificador de sua atuação.

Apreciar as controvérsias pelo prisma da possibilidade de circulaçãomercantil dos bens para excluir o interesse que justifica a intervenção doMinistério Público consiste em retirar de seus órgãos a avaliação de situa-ções concretas e seu enquadramento normativo. O resultado é o compro-metimento da eficácia dos princípios constitucionais e do modelo de socie-dade que a Constituição consagra, preservando-se as desigualdades queela determina eliminar.

Neste aspecto é importante ressaltar que o conceito normativo deindisponibilidade só adquire sentido se associado aos princípios, valores ebens constitucionais. Ou seja, é indisponível o que a Constituição conside-ra relevante para a realização do modelo de sociedade que ela idealiza.

O art. 129, II da Constituição impõe ao Ministério Público a tarefa dezelar pelo efetivo respeito dos poderes públicos aos direitos asseguradosna Constituição. De todos indistintamente, sejam individual ou coletivo, pa-trimonial ou não.

7. CONCLUSÃO

A conclusão, já antecipada no ponto inicial, pode ser sintetizada nostópicos abaixo:

a) a jurisprudência do Tribunal Superior do Trabalho restringe a legiti-mação para recorrer do Ministério Público do Trabalho, sobretudo pela ma-neira como é aplicada, afrontando os dispositivos legais, que a reconhe-cem amplamente, e os constitucionais, disciplinando a configuração e asgarantias da Instituição;

b) existe uma margem de apreciação atribuída aos membros do Mi-nistério Público, tanto na Constituição como nas leis, que não comportaeliminação ou substituição. Não cabe ao Judiciário determinar caso a casoa existência de interesse para a admissibilidade dos recursos do parquet;tão apenas controlar eventuais abusos no exercício do juízo recursal;

c) a tendência do Tribunal Superior do Trabalho é diversa da verificadano Superior Tribunal de Justiça e no Supremo Tribunal Federal. Enquanto o

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primeiro consagra, como regra geral, a ilegitimidade do Ministério Públicopara recorrer, especificando as possíveis exceções, estes últimos procla-mam, como regra geral, a legitimidade recursal do parquet;

d) o interesse específico para interpor recurso integra o interesse ge-nérico de intervir para manifestar ou atuar como parte. A cisão entre elescompromete a atuação do Ministério Público prevista nas leis e na Consti-tuição e provoca a substituição dos critérios do Procurador pelos do Juiz;

e) o interesse público que justifica a atuação do Ministério Público é oprimário; sua defesa pode beneficiar indistintamente qualquer das partesprocessuais; o Tribunal Superior do Trabalho dá ênfase à atuação do parquettrabalhista na defesa do interesse secundário, ao condicionar a legitimida-de para recurso à sucumbência do ente público na causa;

f) o conceito de indisponibilidade é normativo e está associado aosvalores, bens e princípios constitucionais. Forjar este conceito no plano darealidade contribui para preservar as desigualdades sociais e ignorar omodelo de sociedade previsto na Constituição, que o Ministério Público tempor missão, juntamente com outros órgãos constitucionais, realizar.

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ANOTAÇÕES SOBRE OS FUNDAMENTOSJURÍDICOS E INSTITUCIONAIS DA PROTEÇÃO

DO MEIO AMBIENTE DO TRABALHONA ALEMANHA

Ana Francisca Moreira de Souza Sanden(*)

Sumário — 1. A expressão “meio ambiente do trabalho”; 2. Fun-damentos de Direito Europeu; 3. Fundamentos do Direito inter-no alemão; 3.1. A Lei de Proteção ao Trabalho (Arbeitsschutzge-setz); 4. Arcabouço Institucional; 4.1. Instituições da Administra-ção Direta; 4.2. Instituições Públicas de Proteção Autônomas;4.3. Outras Instituições; 5. Conclusões; 6. Agradecimentos e re-ferências bibliográficas.

1. A EXPRESSÃO “MEIO AMBIENTE DO TRABALHO”

Como a expressão “meio ambiente do trabalho” não é encontradacorriqueiramente na legislação, jurisprudência e doutrina alemãs, há ne-cessidade de uma explicação.

A locução reflete uma determinada visão. Está intimamente ligada àidéia de determinação em direção à construção de proteção integral aotrabalho, compatível com as exigências atuais. Nesta perspectiva, a prote-ção não deve buscar apenas soluções técnicas de segurança e saúde noposto de trabalho, mas exige principalmente uma política preventiva e dinâ-mica de proteção ao trabalho.(1)

Na legislação e na doutrina alemãs prevalecem as rubricas “Ge-sundheit und Arbeitsschutz” e “Arbeitssicherheit”, que significam, literal e

(*) Procuradora do Trabalho lotada na PRT-2ª Região.(1) KITTNER, Michael e PIEPER, Ralf. Arbeitsschutzgesetz: Basiskommentar mit Betriebssicherheits-verordnung, 3ª ed., Frankfurt, Bund-Verlag, 2003, p. 20.

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respectivamente, “proteção ao trabalho e à saúde” e “segurança do traba-lho”. Não é muito diferente no Direito brasileiro. Aqui, tradicionalmente sefala em “medicina e segurança do trabalho”, sendo a expressão “meio am-biente do trabalho” encontrada bem mais recentemente na doutrina.

Há referências ao termo “meio ambiente do trabalho” no arcabouçonormativo internacional.

Na Convenção 155 da Organização Internacional do Trabalho — OIT,(2)

por exemplo, a expressão aparece em vários de seus artigos, sempre aco-plada à menção da necessidade de uma política nacional. A tematização domeio ambiente do trabalho nesta Convenção da OIT, aprovada em 1981,veio de encontro com a articulação internacional da questão ambiental noseu contexto mais genérico, que se incrementa a partir do final dos anos 70,com a “Declaração de Estocolmo sobre o Meio Ambiente Humano”.

Segundo posição crítica da doutrina, a concepção de melhorar ascondições de trabalho que estão submetidas a constantes mudanças, porconta do desenvolvimento técnico, organizacional e científico, entra em con-flito, quando em jogo a própria alteração da forma alienada de trabalho. Aincompatibilidade se estabeleceria porque a proteção visaria, em últimainstância, à manutenção do modelo de produção. Assim, existiria uma certadose de contradição(3) na idéia de proteção ao meio ambiente do trabalho.

Críticas à parte, é inegável o amplo espectro da proteção ao meioambiente do trabalho adotada pelo Direito alemão, considerando-se a ex-pressão na sua abrangência. Seus fundamentos normativos e institucio-nais têm raízes no Direito Internacional, principalmente na Convenção n.155 da OIT e no Direito europeu. Por certo, é também resultado do desenvol-vimento político e social alemão dos últimos cento e cinqüenta anos e dosdesdobramentos políticos e jurídicos da implementação da ComunidadeEuropéia.

2. FUNDAMENTOS DE DIREITO EUROPEU

Com a criação da União Européia, as normas européias passaram aocupar lugar hierarquicamente superior às normas nacionais.(4)

No arcabouço jurídico europeu há o direito comunitário primário e osecundário. O primário compõe-se principalmente dos tratados instituido-

(2) Esta Convenção foi aprovada na 67ª reunião da Conferência Internacional do Trabalho, ocorridaem Genebra em 1981 e entrou em vigor no plano internacional em 11.8.1983. No Brasil, foiaprovada pelo Decreto Legislativo n. 2, de 17.3.1992 do Congresso Nacional, com vigência a partirde 18.5.1993.(3) KITTNER, Michael e PIEPER, Ralf, op. cit., p. 18, rdn. 3.(4) Sobre o assunto, vale lembrar a decisão da Corte Européia no caso Costa. O direito daComunidade Européia prevalece até mesmo em face de norma constitucional nacional em vigor,vide comentários em HERDEGEN, Matthias. Europarecht. Beck, Munique, p. 161, rdn. 228.

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res e de seus protocolos e anexos, mas inclui também regras não escritas,como os princípios jurídicos do direito comunitário. O secundário é consti-tuído dos atos dos órgãos comunitários, que são decorrentes do exercíciode competências previstas nos próprios tratados ou de competências insti-tuídas por outro ato jurídico, por exemplo, competências previstas no regi-mento do Conselho.(5)

A proteção ao meio ambiente do trabalho é um dos pontos centrais naarticulação da Política Social européia e se inspira na idéia de melhoriacontínua e em uma ampla e dinâmica compreensão da proteção, envolven-do tanto a segurança, quanto a saúde do trabalhador. Seu objetivo é contri-buir para a humanização do ambiente de trabalho, através de regras técni-cas e organizacionais, de regras dirigidas aos trabalhadores, e de instru-mentos e instituições de medicina e de segurança do trabalho.

Já no Tratado de Roma, que instituiu a Comunidade Econômica Euro-péia,(6) os Estados-membros se obrigaram a uma melhora da proteção aotrabalho, a seu contínuo progresso e a aspirar a uma harmonização daslegislações nacionais dos Estados-membros.

Para a consecução desta finalidade, está previsto no referido Tratadoque o Conselho Europeu tem competência para estabelecer, por maioriaqualificada, diretivas, na forma de padrões mínimos, que podem abrangeros campos técnico, social e empresarial, sempre relacionados ao trabalho,devendo ainda se observar as necessidades especiais da microempresa,sem que os trabalhadores destas tenham prejuízo na saúde e segurança.(7)

Como se sabe, a diretiva é um instrumento básico de harmonização,muito utilizado na formação da Comunidade Européia. Na sua utilização sãopreservados os regimes jurídicos internos e criadas regras básicas comuns,de efeito vinculativo, ficando, contudo, a critério do Estado-membro, a escolhados meios e da forma de sua implementação na ordem jurídica interna.(8)

O art. 118-A do Tratado de Roma serviu de fundamento para a Diretiva89/391 do Conselho Europeu, de 12.6.1989, tratando da implementaçãodas medidas para melhoria da proteção à segurança e à saúde dos traba-lhadores(9) no nível da empresa (betrieblicher Arbeitsschutz). Esta talvezseja a diretiva mais importante, porque prevê as obrigações fundamentaisdo empregador, assim como as obrigações e direitos dos trabalhadores.(10)

(5) HERDEGEN, op. cit., p. 116, Rdn. 161 e p. 125, rdn. 175.(6) Vide arts. 118, 118-A do Tratado de Roma, que institui a Comunidade Econômica Européia. Taisartigos sofreram alteração e depois de 1999 passaram a compor o art. 137.(7) Veja-se KITTNER, Michael e PIEPER, Ralf, idem, p. 19, rdn. 12.(8) PABST, Haroldo. Mercosul: direito da integração. Forense, Rio de Janeiro, 1998, p. 63.(9) Texto da Diretiva. 89/391/EWG em KODEX des europaeischen Rechts – Sammlung europaeis-cher Rechtsvorschriften, Stand 1.2.1997, 6/1.(10) Em Beschaeftigen, trata-se de um conceito jurídico amplo, que não se restringe à categoria deempregado, sendo que em português “trabalhador” seria a expressão mais próxima.

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No nível europeu, esta diretiva se constitui numa espécie de lei maior daproteção ao trabalho na empresa e foi transposta com atraso para o direitonacional alemão através da Lei de Proteção ao Trabalho, promulgada em7.8.1996.(11)

Posteriormente se seguiram outras diretivas do Conselho Europeu,sendo importante mencionar as exigências relativas à segurança e à saúdeconstantes do Anexo I, da Diretiva do Conselho de 14.6.1989. Esta últimateve por objetivo harmonizar a legislação dos Estados-membros para adapta-ção dos seus dispositivos legais no tocante às máquinas.(12) Trata-se de umexcelente exemplo de proteção preventiva ao meio ambiente do trabalho.Ela determina que já no projeto e na construção de uma máquina devem serobservados os princípios ergonômicos, para que no seu uso regular sejamevitados ou reduzidos ao mínimo possível o cansaço e os incômodos físi-cos e psíquicos daqueles que a manuseiam.

A proteção preventiva(13) (vorgreifender Arbeitsschutz) é reconhecida noDireito Europeu. Ela não se confunde com a proteção exigida da empresa(14)

(betrieblicher Arbeitsschutz).

Inseparável da proteção geral à saúde, da proteção ao meio ambientee da proteção ao consumidor, a proteção preventiva ao meio ambiente dotrabalho é articulada e surte efeitos nestes três campos.

Com o estabelecimento do mercado interno comum foi possível a livrecirculação de mercadorias, pessoas, serviços e capital no espaço comuni-tário, tendo sido elaboradas pelo Conselho Europeu medidas para permitire garantir a sua concretização, observados os parâmetros do Tratado. Entreestas medidas se encontram as de harmonização técnica e de colocaçãono mercado de produtos químicos. Tais medidas representam proteçãopreventiva ao trabalho, eis que se dirigem ao produto.

Ainda na seara da proteção preventiva, principalmente das normasdirigidas ao produto, são importantes os arts. 28 e 30, combinados com osarts. 100 e 100-A, todos do Tratado de Roma. Estas normas autorizam osEstados-membros a proibir a entrada, a saída e a passagem de mercado-rias por razões de segurança, assim como para proteção da saúde e davida das pessoas. Esta possibilidade não pode ser utilizada de forma dis-criminatória pelo Estado-membro, para encobrir, por exemplo, restrições aocomércio de bens. Através de Diretivas foram estabelecidos padrões míni-

(11) “Lei para Aplicação de Medidas de Proteção ao Trabalho com o Objetivo de Melhorar aSegurança e a Saúde no Trabalho”, conhecida como “Lei de Proteção ao Trabalho” (Arbeitsschutzge-setz) de 7.8.1996 (texto publicado no BGB1. I, 1246).(12) Diretiva 89/392/EWG, publicada em Abl. EG Nr. 183, S. 9, conhecida como Diretiva Européiadas Máquinas (EG-Maschinenrichtlinie), posteriormente alterada através da Diretiva 98/37/EG, quetem por base o art. 137, antigo art. 118 do Tratado de Roma.(13) Veja-se KITTNER, Michael e PIEPER, Ralf, idem, p. 35, Rn. 66-73.(14) Idem, ibidem.

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mos para possibilitar uma integração do mercado e proporcionar harmoni-zação técnica e legal.

A proteção preventiva e a exigida da empresa estão profundamente inter-ligadas e, desde meados dos anos 80, presentes no Direito Europeu.(15) Estadupla valorização tem efeito reflexo. É que o nível de exigência de um acaba serefletindo no do outro campo. Se as normas de proteção forem observadas jáno planejamento e construção dos meios de trabalho (proteção preventiva),otimizarão a aplicação do princípio da necessidade de combate aos riscos naprópria fonte (proteção exigida da empresa) e, conseqüentemente, terão efei-tos na qualidade do meio ambiente dos empregados, cujo empregador utilizadestes meios técnicos. Por outro lado, um alto nível de proteção exigida daempresa tem influência na proteção preventiva, eis que o empregador, deman-dará do mercado, no qual obterá seus meios, este padrão.

Para fazer face às exigências de harmonização quanto à proteçãopreventiva e à exigida da empresa, foram introduzidas diversas leis no orde-namento nacional alemão como, por exemplo, a Lei de Produtos Químicos(Gesetz zum Schutz vor gefährlichen Stoffen — ChemG), Regulamento deProdutos Perigosos (Verordnung zum Schutz vor gefährlichen Stoffen —GefStoffV) e a própria Lei de Proteção ao Trabalho (Arbeitsschutzgesetz —ArbSchG), esta última de fundamental importância para a proteção do meioambiente do trabalho na Alemanha, como se verá.(16)

3. FUNDAMENTOS DO DIREITO INTERNO ALEMÃO

No Direito nacional alemão, a proteção ao meio ambiente do trabalhoencontra amparo na própria Lei Fundamental.(17) Trata-se de corolário dosdireitos à dignidade, à vida, à integridade e à liberdade, que toda pessoatem. Decorre também da clara e expressa opção política pelo Estado Social,realizada na Lei Fundamental alemã.

O cumprimento deste dever constitucional se dá através da instituiçãode obrigações e de direitos nas searas pública e privada, assim como doestabelecimento de organização e de procedimentos adequados.

Em razão das bases constitucionais comuns, a proteção ao meioambiente do trabalho pública e privada é vista como uma unidade em rela-ção às suas metas.

Assim, a pirâmide normativa tem no seu ápice as normas primáriasde direito comunitário. Na seqüência, o Direito Comunitário Secundário. No

(15) Tratado de Roma, art. 118-A, sendo que após alterações de 1999 passou a compor o art. 137.(16) Vide item 3.1. deste trabalho.(17) Art. 1º, 1ª parte, art. 2º, 2ª parte e art. 20, 1ª parte, todos da Lei Fundamental da RepúblicaFederal da Alemanha.

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próximo degrau situa-se a Lei Fundamental alemã. No nível hierárquicoimediatamente inferior estão as normas nacionais de direito privado e as dedireito público.

Em razão do princípio da unidade, as normas de Direito Público e asde Direito Privado estão no mesmo patamar na hierarquia, sendo articula-das entre si através do chamado princípio da transformação, construídopela doutrina.

O princípio da transformação estabelece uma ponte, entre o direitopúblico e o privado.

Na perspectiva do direito privado, a proteção ao trabalhador advém, emprimeiro plano, do § 118, combinado com o § 619, do Código Civil Alemão,assim como do § 62 do Código Comercial alemão. Estes dispositivos obri-gam o empregador contratualmente a assegurar e a melhorar as condiçõesde segurança e de saúde daqueles que contrata.

O princípio da transformação opera em relação a estas normas, tra-zendo para o campo contratual as normas de direito público. Assim, asnormas de Direito Público são transformadas em normas de direito contra-tual individual do trabalho.(18) Vale dizer: as normas do campo do direitopúblico que estabelecem obrigações para o empregador tornam-se, aomesmo tempo, obrigações perante os empregados,(19) desde que elas se-jam apropriadas para serem objeto de ajuste. O princípio vale tanto para osdireitos quanto para as obrigações dos empregados.

Como os conteúdos da proteção de direito público constituem aomesmo tempo direitos e deveres do contrato de trabalho, eles podem serampliados ou concretizados através de contratos coletivos, convenção cole-tiva (Tarifvertrag), acordo de empresa(20) (Betriebsvereinbarung) e do con-trato individual do trabalho.

Em razão do princípio da transformação, o descumprimento das nor-mas de proteção de direito público tem conseqüências na esfera pública ena privada. No campo de atuação do próprio Estado ou das autarquiascorporativas(21) (geralmente associações profissionais por ramo de ativida-

(18) “Grundsatz der Transformation der öffentlich-rechtlichen Arbeitsschutznormen”, vide KITTNER,Michael e PIEPER, Ralf, idem, principalmente p. 25, rdn. 30.(19) Veja-se a nota 10.(20) O acordo de empresa (Betriebsvereinbarung) é decorrência do direito de co-gestão e envolvea participação do Conselho de Empresa. Este está autorizado pela Lei de Constituição das Empre-sas (Betriebsverfassungsgesetz) a atuar em questões sociais – o que leva freqüentemente àcelebração de acordos de empresa, inclusive para assuntos que não estão necessariamentecontidos no campo da autorização legal de co-gestão. Vide DAUBLER, Wolfgang. Arbeitsrecht:Ratgeber fuer Beruf, Práxis uma Studium, p. 96 e segs., principalmente Rn. 312.(21) Para traduzir a expressão “Selbstverwaltungskoerperschaften des oeffentlichen Rechts”, opteipor utilizar “autarquias Corporativas”. No direito alemão, estas entidades são pessoas jurídicas dedireito público, organizadas como associações, sendo que a qualidade de sócio pode ser facultativaou obrigatória, assumindo a administração indireta de um dever estatal.

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de —“Berufsgenossenschaten”) podem incidir multas ou outras sançõesadministrativas ou penais. No campo do direito privado, consideram-se duashipóteses: descumprimento por parte do empregador e do empregado.

Se houver descumprimento por parte do empregador, as conseqüên-cias poderão ser as seguintes: nulidade do contrato; direito do empregadode não executar o trabalho; dever do empregador de indenizá-lo.

Se houver descumprimento por parte do empregado, isto poderá im-plicar na perda do direito ao pagamento do salário, no dever de indenizar oempregador ou na dispensa do empregado.

Na concretização da proteção ao meio ambiente do trabalho, as re-gras técnicas, o conhecimento técnico e os standards normativos desem-penham um importante papel. Eles são provenientes tanto do campo priva-do como do campo normativo público.

A doutrina alemã(22) faz diferença entre a regra técnica ou o conheci-mento técnico que integra a dicção da própria norma de proteção e a normaou o conhecimento técnico que não integra o texto normativo. Estes últimostêm efeito de ordem fática e por isso são considerados assemelhados àsnormas jurídicas, porque têm alto valor probatório.

De acordo com a Lei Fundamental, a competência para legislar emmatéria de normas de proteção à saúde e à segurança do trabalhador éconcorrente. Os Estados podem legislar até quando e até onde a União nãofizer uso de sua competência legislativa.

O sistema de proteção alemão se diz dual. Tal se consubstancia nofato de que o Estado atua por dois caminhos: diretamente e indiretamente.Na primeira hipótese temos a atividade do Estado como legislador, atravésde leis e decretos ou do exercício de seu poder de polícia, assegurando ocumprimento das normas, por meio dos órgãos da administração direta.(23)

Na segunda, por meio da instituição de competências para os responsá-veis pelo seguro de acidente do trabalho.(24) Nesta segunda as entidadestêm, em regra, a forma jurídica de autarquias corporativas.(25)

Em razão do sistema dual, há proteção estatal de direito público eproteção estatal autônoma.

A primeira, isto é, a proteção estatal de Direito Público, consubstan-cia-se nas leis, como a Lei de Proteção ao Trabalho (Arbeitsschuztgesetz

(22) KITTNER, Michael e PIEPER, Ralf, idem, p. 26, rdn. 35.(23) Os órgãos da Administração direta dos estados da federação alemã são os chamados“Staatliche Ämter für Arbeitsschutz” ou “Gewerbeaufsichtsämter ”.(24) Os responsáveis pelo seguro legal de acidente do trabalho são, em regra, as associações porramo de atividade profissional (“Berufsgenossenschaften ”).(25) No Brasil esta forma jurídica se aproxima dos Conselhos de Fiscalização Profissional (PEREIRAet. al., Conselhos de Fiscalização Profissional, São Paulo, Revista dos Tribunais, 2001, pp. 52/53).

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— ArbSchG), a Lei de Padronização e Flexibilização da Jornada de Trabalho(Gesetz zur Vereinheitlichung und Flexibilisierung des Arbeitszeitrechtes —ArbZG), a Lei que regula as funções dos Médicos do Trabalho, Engenheirosde Segurança e de outros técnicos na Segurança do Trabalho (Gesetz überBetriebsärzte, Sicherheitsingenieure und Andere Fachkräfte für Arbeitssi-cherheit — AsiG) etc., e nos dispositivos isolados em leis ou regulamentosque também servem a outras finalidades, como, por exemplo, no Regula-mento das Oficinas e Outros Locais de Trabalho (Arbeitsstättenverordnung—ArbStättV) e no Regulamento para Trabalho em Informática (Bildschir-marbeitsverordnung — BildscharbV), etc.

A segunda, ou seja, a proteção estatal autônoma, é regulada pelosétimo Livro da Legislação Social, que trata do seguro legal de acidentes(Siebtes Buch Sozialgesetzbuch — Gesetliche Unfallversicherung — SGBVII). A lei permite que as entidades responsáveis pelo seguro legal de aci-dente, normalmente associações profissionais por ramo de atividade, esta-beleçam regras de prevenção de acidentes que são obrigatórias para asempresas associadas e, conseqüentemente, para aqueles que nelas seocupam. De acordo com informações obtidas junto à Assessora Jurídica daAssociação Profissional da Construção Subterrânea (Tiefbauberufsgenos-senschaft), Sra. Ursula Berendsen, atualmente há uma tendência de rees-truturação destas normas, retirando-lhes o caráter compulsório e transfor-mando-as em “informes técnicos”, cujo papel seria apenas o de nortear ospadrões desejáveis de segurança.

3.1. A Lei de Proteção ao Trabalho (Arbeitsschutzgesetz)

Apesar da parafernália de normas, a legislação alemã construiu ummarco importante e que serve de norte nesta área que é a “Lei para Aplica-ção de Medidas de Proteção ao Trabalho com o Objetivo de Melhorar aSegurança e a Saúde no Trabalho”, conhecida como “Lei de Proteção aoTrabalho” (Arbeitsschutzgesetz) e que cumpre o papel de verdadeira LeiMaior no microssistema legal nacional.

Essa lei veio para harmonizar a legislação nacional com o DireitoEuropeu, efetivando, assim, a Diretiva 89/391, de 12.6.1989, cujo objeto é aimplementação das medidas para melhoria da proteção à segurança e à saú-de dos trabalhadores(26) no nível da empresa.

A rigor, o Direito nacional alemão já continha de forma total ou par-cial as regras articuladas na Diretiva. Contudo, a lei nacional veio abrigá-las de forma sistemática, colocando ordem na barafunda legislativa edesta forma alterando o panorama de grande atomização, de que sofriaa legislação.

(26) Vide 89/391/EWG (Europäische Wirtschaftsgemeinschaft).

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Uma das questões mais importantes tratadas pela “Lei de Proteçãoao Trabalho” (Arbeitsschutzgesetz) é a uniformização do tratamento proteti-vo para quase todos os campos de atividade laborativa. No estabelecimen-to do campo de validade subjetiva, a lei usa a expressão “Beschäftigte ”, queengloba: os empregados, os aprendizes, as pessoas em posição seme-lhante à de empregado, os funcionários públicos, os juízes, os soldados eaqueles que se ocupam em oficinas para deficientes. Estão expressamen-te fora do seu campo de validade subjetiva: os empregados domésticos, ostrabalhadores que exercem atividades em navios e as empresas que estãosubmetidas à Lei Federal de Mineração (Bundesberggesetz).

Outros pontos importantes tratados: a previsão dinâmica do desen-volvimento da proteção à saúde e à segurança e o imperativo legal da orga-nização humanizada do trabalho, escolhidos como princípios organizado-res das medidas de proteção ao meio ambiente do trabalho.

Resumindo, de acordo com abalizada doutrina,(27) os pontos centraistratados são os seguintes:

— aplicação da lei para quase todos as ocupações e trabalhadores;

— fixação da responsabilidade do empregador como regra geral ejunto a ele de outras pessoas responsáveis pelo cumprimento dasobrigações;

— consolidação da concepção de proteção preventiva e integral, compa-tível com o tempo presente e orientada na segurança, melhora contínuae adaptação dinâmica aos novos (e em constante mutação) conceitosde produção e de prestação de serviço;

— generalização do princípio da ordenação humanizada do trabalho ede sua ligação com a obrigação do empregador evitar acidentes e ris-cos decorrentes do trabalho em razão das medidas de proteção quedevem ser tomadas;

— consolidação do dever do empregador de realizar uma avaliaçãodas condições de trabalho, para apurar os riscos delas decorrentespara os trabalhadores (“Beschäftigten”) e as medidas de proteção com-patíveis;

— obrigação de documentar a avaliação das condições de trabalho;

— obrigação geral de que os diversos empregadores trabalhem emconjunto a proteção ao meio ambiente, quando os seus trabalhado-res estiverem ativos no mesmo local de trabalho;

— obrigação do empregador de se assegurar sobre a qualificação detrabalhadores de outras empresas que exerçam atividade no seuestabelecimento, no tocante à proteção da saúde e da segurança;

(27) KITTNER, Michael e PIEPER, Ralf, idem, p. 43.

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— consolidação das obrigações de apoio e de atuação ativas dostrabalhadores.

Quanto aos direitos dos trabalhadores, a Lei de Proteção ao Trabalhoconsolida os seguintes aspectos:

— direito especial de sugestão em todas as questões de saúde e desegurança;

— direito de reclamar fora da empresa;

— direito próprio de defesa contra os riscos, combinado com a proibi-ção de desvantagem na hipótese do seu exercício;

— direito de eliminação do grave perigo, combinado com a proibiçãode desvantagem na hipótese do seu exercício;

— direito ao livre atendimento de medicina preventiva do trabalho(arbeitsmedizinische Vorsorge);

— direito à informação sobre segurança e saúde;

— direito às compatíveis medidas de proteção;

— direito de ser ouvido, para os trabalhadores ativos nos serviçospúblicos, quando não existir o Conselho de Pessoal;

— melhoria da articulação e do trabalho conjunto das instituições pú-blicas integrantes do sistema dual (órgãos públicos e autarquias cor-porativas).

4. ARCABOUÇO INSTITUCIONAL

Uma das características da proteção ao meio ambiente do trabalho é aexistência de uma pluralidade de instituições que atuam com esta finalidade.

Na República Federal da Alemanha não é diferente. Existem institui-ções no nível da empresa e para além dela. A pluralidade de instituiçõesexige um alto grau de cooperação entre elas que, conforme operadores daárea, nem sempre ocorre.(28)

As instituições públicas não ancoradas na empresa e que atuam,formam uma estrutura de natureza dual. Nela existem, de um lado, órgãosestatais (Administração direta) e, de outro, autarquias corporativas com atri-buição quanto ao seguro legal de acidentes. A dualidade de instituiçõesestá em consonância com a dualidade de competências para o estabeleci-mento de normas, referidas no item 3, deste trabalho.

(28) Informações obtidas em entrevistas com o Sr. Heinrich von Bornhorst, Diretor na Administra-ção Principal da Tiefbau-Berufsgenossenschaft (Associação da Construção Subterrânea) e com aSra. Ursula Behrendsen, Assessora Jurídica da Diretoria do Departamento de Supervisão Técnicada mesma instituição, realizadas em janeiro de 2005.

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4.1. Instituições da Administração Direta

A União tem exercido plenamente a sua competência para legislarsobre esta matéria, razão pela qual cumpre aos Estados, na prática, apenaszelar pelo cumprimento da legislação por ela elaborada.

O Ministério Federal da Economia e Trabalho (Bundes Ministerium fürWirtschaft und Arbeit — BMWA) tem atribuição na proteção ao meio ambientedo Trabalho, mormente no estabelecimento de políticas, coleta e disponibi-lização de informações, entre outras competências. Ele recebe o apoio deoutros órgãos como é o caso do Instituto Federal de Medicina e Proteção aoTrabalho (Bundesanstalt für Arbeitsschutz und Arbeitsmedizin), que pes-quisa soluções diretamente ou através de terceiros. No âmbito federal nãohá atividade fiscalizatória.

A fiscalização para verificação do cumprimento da legislação é exerci-da pelos Estados, sob a forma de aconselhamento, acompanhamento ouexecução. Alguns governos estaduais são apoiados nesta tarefa por Institu-tos Estaduais de Proteção ao Trabalho. A coordenação ocorre através daComissão dos Estados para Proteção ao Trabalho e Técnicas de Seguran-ça (Länderaussschuss für Arbeitsschutz und Sicherheitstechnik).

4.2. Instituições Públicas de Proteção Autônomas

Por conta do sistema dual, a que me referi anteriormente, e como umde seus braços, existem as autarquias corporativas (Berufsgenossenschaf-ten), responsáveis pelo seguro legal de acidentes.

Estas autarquias que, por razões históricas, estão organizadas nor-malmente por associações de ramos de atividade profissional, têm a atri-buição de estabelecer normas, fiscalizar e pagar os benefícios decorrentesdo seguro legal de acidente do trabalho.

Destarte, estas instituições públicas autônomas desempenham im-portante papel na proteção ao meio ambiente do trabalho.

A sua competência e atribuições estão reguladas no sétimo Livro daLegislação Social, que trata do seguro legal de acidentes (Siebtes BuchSozialgesetzbuch — Gesetliche Unfallversicherung — SGB VII ).

4.3. Outras Instituições

A estrutura geral é ainda complementada por instituições de direitopúblico e de direito privado ancoradas na empresa, como é o caso dosconselhos de empresa,(29) dos conselhos de pessoal (presentes na admi-

(29) Os Conselhos de Empresa são uma decorrência da co-gestão, constituídos obrigatoriamenteatravés de eleição para um mandato de quatro anos, em todas as empresas com mais de cincoempregados efetivos, vide DÄUBLER, Wolfgang. Arbeitsrecht: Ratgeber für Beruf, Práxis undStudium, Frankfurt am Main, 1999, p. 68 e segs.

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nistração pública), das pessoas contratadas ou designadas para exerce-rem funções na proteção do meio ambiente do trabalho e das comissõesde proteção ao meio ambiente do trabalho (Arbeitsschutzausschüsse), assimcomo pela organização normativa privada.

As instituições baseadas na empresa, por sua complexidade e múlti-plas funções, merecem estudo próprio — o que extravasa o objetivo destetrabalho.

O Conselho de empresa é um bom exemplo. Esta instituição temimportante papel na implementação da proteção, como co-gestor. A co-gestão é integral no tocante às normas em branco. Nas normas em que nãohá possibilidade de se discutir alternativas, o Conselho de Empresa exercea sua co-gestão fiscalizando o seu cumprimento. De acordo com a lei(30)

alemã esta instituição está articulada com o empregador, com as institui-ções da Administração direta e com as autarquias corporativas (associaçõespor ramo de atividade profissional) que atuam com o acidente do trabalho etodas estas instituições estão obrigadas a trabalhar em conjunto. Comoaspecto fundamental para o exercício de suas competências, o Conselhotem, por lei, direito à informação.

Assim, se consideradas as instituições ancoradas na empresa, pode-se dizer que o sistema de instituições de proteção ao meio ambiente dotrabalho organiza-se em três vias.

5. CONCLUSÕES

Estudar e conhecer o direito estrangeiro pode representar poder en-xergar de forma mais crítica as próprias práticas e vislumbrar outras possi-bilidades.

A título de conclusão, destaco, primeiramente, a função estruturanteque carrega a idéia de humanização dos postos de trabalho, presente noDireito europeu. Trata-se de um vetor que dá enfoque muito mais amplo àproteção, não a limitando simplesmente à saúde e à segurança do trabalha-dor e assumindo, como valor central, a própria dignidade da pessoa humana.

Segundo, inegável a importância da implementação da proteção pre-ventiva. Trata-se de uma alternativa de extrema eficácia na proteção do meioambiente do trabalho, porque consegue debelar o problema na sua causaremota e tratar simultânea e transversalmente problemas que andam jun-tos na prática. Com efeito, por esta ótica, é estabelecido padrão mínimo

(30) Previsão legal no § 89 da Lei da Constituição da Empresa (Betriebsverfassungsgesetz) e no§ 9 da Lei que regula as funções dos Médicos do Trabalho, Engenheiros de Segurança e de outrostécnicos na Segurança do Trabalho (Gesetz über Betriebsärzte, Sicherheitsingenieure und AndereFachkräfte für Arbeitssicherheit — AsiG).

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para máquinas, substâncias químicas e outros produtos comercializados eimportados para o mercado interno, fixadas alternativas, prazos e respon-sabilidades pela sua regularização, evitando estratégias de precarização ede concorrência desleal entre as empresas, em prejuízo do meio ambientedo trabalho.

Em terceiro lugar, observei uma grande preocupação em se evitarduplicidades de atuação. A legislação alemã estabelece vários mecanis-mos de sincronização e de coordenação entre as diversas instituições queatuam neste campo, alguns deles citados nestas anotações, evitando des-ta forma, tratamentos diferenciados para as idênticas constelações fáticase assim concretizando o princípio da igualdade. Este caminho também for-talece a implementação do princípio da legalidade: afinal o cidadão tem odireito de saber exatamente o que se espera dele para ver o seu devercumprido.

O quarto aspecto está muito ligado ao segundo, eis que se trata dafixação de padrões claros e uniformes sobre as práticas de proteção reco-mendáveis, lembrando que tal praxe fica bastante facilitada, tendo em vistaque a prevenção do acidente de trabalho é atribuição das associações pro-fissionais por ramo de atividade (Berufsgenossenschaften).

Em quinto lugar, achei muito interessante a organização de todo otratamento da matéria acidentária por ramos de atividade, assim como o perfildo próprio seguro acidente do trabalho (este último será objeto de um outroestudo, ainda a ser publicado). Esta forma de organização permite umconhecimento prático e muito próximo das realidades de cada atividade,facilitando a troca de informações e experiências e a elaboração dos pa-drões normativos de prevenção. Saliento, contudo, que atualmente existeuma grande discussão na Alemanha sobre este formato, sendo os princi-pais argumentos contrários à sua manutenção a magnitude da estrutura eseus altos custos.

6. AGRADECIMENTOS E REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

Não posso deixar de expressar os meus agradecimentos pelas valio-sas informações, indicações bibliográficas e material que me foram dispo-nibilizados por Sr. Heinrich von Bornhorst, Sra. Ursula Behrendsen, Sra.Waltraud Fuchs, Sr. Matthias Götz, Sr. Heinz-Rudolf Marzen e Sr. WalterChromy, assim como pelo gentil e eficaz atendimento na biblioteca da Tief-bauberufsgenossenschaft (Associação da Construção Subterrânea) peloSr. Johann Resch.

Na elaboração destas anotações foi utilizada a bibliografia a seguirreferida, além de várias entrevistas com as pessoas citadas no parágrafoanterior e nas notas.

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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HERDEGEN, Matthias. Europarecht. 2ª ed. revista e ampliada, Munique, Beck,1999.

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PABST, Haroldo. Mercosul: direito da integração. Rio de Janeiro, Forense,1998.

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SCHLIEPHACKE, Juergen. Fuerungswissen Arbeitssicherheit Aufgaben —Verantwortung — Organisation. Berlim: Erich Schmidt Verlag. 2003.

SÜSSEKIND, Arnaldo. Convenções da OIT: São Paulo: LTr, 1994.

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TRABALHO VOLUNTÁRIO E RELAÇÃODE EMPREGO

Adriane Reis de Araujo(*)

Sumário — Introdução. 1. Trabalho voluntário no Brasil. 2. Volun-tário. Conceito e características. 3. Espécies de voluntários. 4. Arelação de emprego. 5. Trabalho voluntário e a Lei n. 9.608/98.6. Trabalho voluntário x relação de emprego. 7. Alterações pro-movidas pela Lei n. 10.748/2003. Considerações Finais.

INTRODUÇÃO

O crescimento do terceiro setor e da responsabilidade social empresa-rial chama a atenção para a necessidade de se estudar as características dotrabalho voluntário, distinguindo-o do contrato de trabalho subordinado regula-do pela Consolidação das Leis do Trabalho. O tema é bastante polêmico. Em18.2.1998 foi promulgada a Lei n. 9.608 com o objetivo de regulamentar otrabalho voluntário. Porém, o texto legal em muitos aspectos não trouxe a clare-za esperada, pois ao mesmo tempo em que parece ter restringido o campo dosvoluntários a determinadas áreas de atuação no âmbito privado, amplia-o nosetor público sem qualquer restrição. Ademais, em 22.10.2003 houve a suaalteração, promovida pela Lei n. 10.748, estabelecendo o pagamento de auxíliofinanceiro aos voluntários de 16 a 24 anos que preencham certos requisitos.

O presente estudo pretende identificar semelhanças e diferenças en-tre as figuras jurídicas mencionadas e será feito com base na análise dadoutrina e jurisprudência trabalhistas diante da legislação citada.

1. TRABALHO VOLUNTÁRIO NO BRASIL

A atividade assistencial e gratuita existe há cinco séculos no Brasil.A primeira entidade com esse tipo de finalidade foi a fundação da Santa

(*) Procuradora Regional do Trabalho — PRT 10ª Região. Mestranda em Direito do Trabalho na PUC-SP.

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Casa de Misericórdia da vila de Santos, capitania de São Vicente, em 1543.Até o século XVIII, a maioria das entidades filantrópicas era ligada à IgrejaCatólica. O Estado ingressa nessa seara a partir de 1930. Em 1942, dentrodo paradigma do Estado Social, é criada a Legião Brasileira de Assistência,a qual posteriormente é substituída pelo programa federal denominado Co-munidade Solidária. A despeito da secularização das atividades dessa na-tureza, 58,7% dos voluntários ainda atuam junto a entidades religiosas.(1)

O reconhecimento da relevância das ações sociais em âmbito inter-nacional claramente se expressou através da proclamação, pela Organiza-ção das Nações Unidas, do ano de 1991 como o Ano do Voluntariado. Des-de então, o número de voluntários no Brasil só vem crescendo. EduardoSzazi nos informa que, entre os anos de 1991 a 1995, o terceiro setorcresceu cerca de 44% no Brasil, abrangendo cerca de 1,45 milhão de pes-soas. O número de voluntários então era de 330 mil, o que já representavao dobro do número de funcionários públicos federais da ativa.(2) Em 1997,segundo estudo realizado pelo Instituto de Estudos da Religião — ISER,aproximadamente 20% da população brasileira, ou seja, 26 milhões depessoas, desenvolvia trabalhos não-remunerados para entidades de as-sistência social.(3) Se contarmos simples atos de doação de algo para enti-dade ou para alguém, em algum momento, o percentual da população bra-sileira envolvida sobe para 80%.(4)

Os números são bastante expressivos e tendem a aumentar aindamais com a incorporação do trabalho voluntário também pelo Estado.

2. VOLUNTÁRIO. CONCEITO E CARACTERÍSTICAS

O universo do voluntariado, como já expresso acima, é bastante vasto.Não há padrão de idade, gênero, grau de instrução ou renda familiar que odefina. As áreas de atuação igualmente são diversificadas. Hoje as açõesvoluntárias deixaram de estar focadas em atuações paternalistas, de bene-merência para abranger também a defesa da cidadania, do meio ambiente,entre outras matérias. Como bem ressalta Jairton Dimas Silveira:

O enfoque mudou, a responsabilidade aumentou e o voluntariado estáse profissionalizando e deixando de ser encarado como caridade,como um ato de filantropia, passando a contribuir para construção de

(1) Para maiores detalhes sobre o perfil do voluntário no Brasil, ver o texto de Jairton Dimas Silveira(“Trabalho voluntário: da filantropia à cidadania”. In: PEREZ, Clotilde e JUNQUEIRA, Luciano Prates(orgs.). Voluntariado e a gestão das políticas sociais. São Paulo: Futura, 2002, pp. 149/165).(2) SZAZI, Eduardo. Terceiro setor. Regulação no Brasil. 2ª ed., São Paulo: Peirópolis, 2001, p. 77.(3) SOUZA, Flávia Regina de. “A Ética no trabalho voluntário”. In: PEREZ, Clotilde e JUNQUEIRA,Luciano Prates (orgs.). Voluntariado e a gestão das políticas sociais, cit., p. 317.(4) SILVEIRA, Jairton Dimas. Trabalho voluntário: da filantropia à cidadania, cit., p. 161.

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uma autocrítica da sociedade, um entendimento dos direitos e deve-res do cidadão e da possibilidade de ações coletivas para asseguraro bem comum e exercer a cidadania.(5)

Em regra, o voluntário se dedica a uma entidade ou a determinadaatividade porque vislumbra uma oportunidade de desenvolver todo o seupotencial humano e ao mesmo tempo contribuir com o próximo. Ele realizasuas funções a título gratuito, sem interesse econômico, uma vez que nor-malmente já obtém a sua subsistência de outra fonte de renda. A sua remu-neração é de outra natureza, melhor dizendo: tem o caráter não-material,seja ele espiritual, afetivo, político, ideológico ou mesmo de realização pro-fissional.(6) Esse trabalhador almeja ajudar o próximo, “fazer a diferença”.

É interessante analisar as motivações do voluntário, indicadas porVania Dohme:(7)

1. Fazer diferença;

2. Usar habilidades;

3. Desenvolvimento pessoal;

4. Satisfação de fazer parte de um grupo;

5. Identificação pessoal com a causa.

O voluntário busca trabalhar em uma entidade comprometida comuma “causa justa”, cuja visão de futuro coincida com a sua. Ele encontra alia possibilidade de pertencer a um grupo com o qual se identifica em objeti-vos e valores e de desenvolver todas as suas habilidades e criatividade.Atentas a esses aspectos e seus benefícios, as empresas têm incentivadoações voluntárias do seu quadro de funcionários. Mônica Corullón e Barna-bé Medeiros Filho afirmam que o programa de voluntariado empresarialpode ser vivenciado como instrumento de recursos humanos no preparo deequipes capazes de atuar com mais harmonia e sensibilidade, pois naatividade voluntária emergem talentos e potencialidades até então desco-nhecidas pela empresa e as pessoas envolvidas ampliam seu leque decompetências pessoais e profissionais.(8)

(5) Idem, ibidem, p. 164.(6) TEODOSIO, Armindo Sousa. “Mão-de-obra voluntária — Uma proposta para gestão do trabalhosocial no Brasil”. In: PEREZ, Clotilde e JUNQUEIRA, Luciano Prates (orgs.). Voluntariado e agestão das políticas sociais, cit., p. 174.(7) DOHME, Vania D’Angelo. Voluntariado: equipes produtivas: como liderar ou fazer parte de umadelas. São Paulo: Mackenzie, 2001, pp. 18-19.(8) Além disso, afirmam, o programa de voluntariado ajuda a empresa a atrair e manter os melhoresprofissionais do mercado, desenvolver habilidades, interiorizar conceitos nos funcionários e refor-çar a imagem da empresa (Voluntariado na empresa. Gestão eficiente da participação cidadã. SãoPaulo: Fundação Peirópolis, 2002, pp. 49-50). Os benefícios da empresa com o desenvolvimentodo trabalho voluntário pelos seus empregados são constatados também por Armindo Teodósio(TEODOSIO, Armindo Sousa. Mão-de-obra voluntária — Uma proposta para gestão do trabalhosocial no Brasil, cit., p. 177).

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O exercício de trabalho gratuito não importa em liberdade de escolhado voluntário sobre o momento, local e função a ser desempenhada. Oterceiro setor, embora utilize métodos pouco usuais no trato com sua mão-de-obra, dadas suas características, não desenvolve suas atividades deforma amadora ou arcaica. Para um bom funcionamento, é sempre reco-mendável à entidade o gerenciamento de seus recursos humanos — entreos quais estão os voluntários — por meio de metodologias gerenciais pró-prias.(9) De todo modo, é importante considerar que o voluntário normalmen-te se insere em um programa específico e tem a sua atividade supervisio-nada por um responsável, inclusive com controle de freqüência, escala deférias e até mesmo a utilização de uniforme.

A decisão de receber um corpo de voluntários na instituição, ou decriar um programa de voluntariado na empresa, deve ser causa de apreen-são e cuidadoso preparo. A entidade inicialmente deve identificar as fun-ções a serem desempenhadas pelos voluntários dentro de seu planeja-mento estratégico. As atividades vinculadas à administração, coordenaçãoou procedimentos essenciais à organização (aqueles que garantam suasubsistência mínima) deverão ser exercidas por profissionais contratados,pois exigem grande assiduidade e freqüência (e só dos profissionais remu-nerados é possível se exigir dedicação exclusiva e carga horária integral).Posteriormente deve-se passar à fase de recrutamento, seleção, treina-mento e, então, à ação. Se essas etapas não forem bem desenvolvidas, ovoluntário pode se sentir inseguro, desestimulado e abandonar a ativida-de.(10) Para os voluntários integrantes de uma equipe, é necessário ainda ogerenciamento de suas ações através de um coordenador ou líder.(11) Esgota-do determinado prazo ou após o término da atividade designada, o volun-tário poderá ser desligado ou novamente contratado em outra atividade oupoderá ainda ser remanejado para outra função dentro da entidade. A inicia-tiva do desligamento poderá ser do voluntário ou da instituição. As obser-

(9) O gestor pode se utilizar de técnicas gerenciais do mercado, entretanto, é mais adequado odesenvolvimento de procedimentos próprios, já que as finalidades e os instrumentos envolvidossão distintos: enquanto o gestor social deve ter como atributos essenciais a articulação e anegociação, o gestor privado deve se caracterizar pela agressividade e competitividade. Além domais, com a utilização do mesmo modelo da iniciativa privada a entidade corre o risco de terproblemas gerenciais equivalentes aos das grandes empresas, como desmotivação, falta decomprometimento com o trabalho, autoritarismo, entre outros.(10) “A prática indica que de cada oito voluntários que se apresentam apenas um deles fica por umano ou mais desempenhando trabalhos constantes” (DOHME, Vânia D’Angelo, Voluntariado: equi-pes produtivas: como liderar ou fazer parte de uma delas, cit., p. 40).(11) Para melhor aprofundamento sobre a forma de organizar o programa de voluntários, ver VâniaD’Angelo Dohme (Voluntariado: equipes produtivas: como liderar ou fazer parte de uma delas, cit.,)e Ana Maria Domeneghetti (“Definição, tipificação e implantação do setor de voluntários. In: PEREZ,Clotilde e JUNQUEIRA, Luciano Prates (orgs.). Voluntariado e a gestão das políticas sociais, cit.).Para a organização desse programa dentro da empresa, ver Mônica Corullón e Barnabé MedeirosFilho (Voluntariado na empresa. Gestão eficiente da participação cidadã, cit.).

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vações de Vânia Dohme sobre a dispensa de candidatos a voluntários tam-bém são válidas para o desligamento por iniciativa da entidade:

A comunicação do não-aproveitamento de um candidato (voluntário) naorganização social deverá ser dada com firmeza e cortesia, indicando-se outra organização social que, acredita-se, seja mais adequada aoseu perfil. Pode-se indicar também o Centro de Voluntariado. A posturainteressante a ser adotada é que não existe qualquer demérito na recu-sa, pois o importante é que todo o seu potencial de candidato (voluntá-rio) seja aproveitado em uma função mais adequada.(12)

É imprescindível a observância desses mesmos passos para a orga-nização do programa de voluntários dentro das empresas.(13) Nesse caso éessencial a aprovação do próprio programa de voluntários, definindo-se aárea de atuação da empresa.

O terceiro setor tem-se caracterizado pela crescente profissionalizaçãode suas atividades, a qual resulta na necessidade de também profissionalizarseu corpo de voluntários. É essencial, para a intervenção efetiva e eficazno meio social, um bom preparo do voluntário. A preparação é realizada pormeio de orientação inicial (descrição do trabalho, sumário das tarefas, regrasde segurança, explanação das características do público, como a organizaçãodeseja que o público seja atendido) e constante capacitação do voluntário.Alguns autores defendem inclusive a formação de um plano de carreira para osvoluntários, como forma de estímulo à sua permanência na instituição:

É importante estruturar um plano de carreira para os voluntários, quepermita a eles assumir maiores responsabilidades na instituição, àmedida que demonstrem maior eficiência e principalmente comprome-timento diário com o trabalho. Essa “carreira voluntária” deve evoluirdesde as tarefas básicas até uma posição de voto no conselho diretivoda instituição.(14)

3. ESPÉCIES DE VOLUNTÁRIOS

Nem todos os voluntários desenvolvem o mesmo tipo de atividadedentro da instituição. Suas funções podem abranger todos os setores da

(13) O coordenador do programa pode ser um empregado que passa a cumular essa função com odesempenho de outro cargo na empresa ou, no caso de incremento desse programa voluntário, serum profissional contratado para o exclusivo exercício da coordenação do programa. Se for umfuncionário da empresa, deve-se possibilitar a dedicação de parte de sua jornada à nova tarefa,com a eventual redistribuição de suas funções. (CORRULÓN, Mônica Beatriz Galiano; MEDEIROSFILHO, Barnabé. Voluntariado na empresa. Gestão eficiente da participação cidadã, cit., p. 81).(14) TEODOSIO, Armindo Sousa. Mão-de-obra voluntária — Uma proposta para gestão do trabalhosocial no Brasil, cit., p. 176. Esse autor destaca também que: “Muitos problemas de rotatividade devoluntários enfrentados pelas instituições sociais devem-se ao fato de serem repassadas aos volun-tários apenas as tarefas menos qualificadas, mais chatas e desprezadas por todos na organização”.

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entidade, desde a administração até a simples execução em um único evento.Ana Maria Domeneghetti (15) classifica os voluntários em três categorias:

1. voluntários de gestão;

2. voluntários de atuação;

3. voluntários externos.

Os primeiros são aqueles que atuam na gestão da entidade, compoder de decisão sobre sua missão e planejamento. Aqui estão incluídosos membros do Conselho Consultor, do Conselho Fiscal, da Diretoria Exe-cutiva e as pessoas que formaram a entidade e, no começo, exerceram suaatividade profissional de forma voluntária até serem substituídas por profis-sionais contratados. Segundo José Eduardo Sabo Paes, o corpo diretivo daentidade na maioria das vezes é composto por voluntários por três razões:a) em decorrência da “própria natureza jurídica dessas instituições, dasfinalidades lícitas e sociais que perseguem e da ausência de lucro”; b) emvirtude da “forma protagonizada pelas pessoas que, voluntária e gratuita-mente, dedicam seu tempo e talento a essas entidades como associados,dirigentes e conselheiros”; c) porque a obtenção do título de utilidade públi-ca pressupõe a ausência de remuneração dos diretores, sob qualquer for-ma, por força de lei.(16) A vedação legal foi minimizada com a edição da Lei n.9.790/99 (Lei da Organização da Sociedade Civil de Interesse Público —OSCIP). Essa nova modalidade de entidade sem fins lucrativos permite aremuneração dos seus dirigentes, desde que efetivamente atuem na ges-tão executiva ou prestem serviços específicos (art. 4ª, inciso VI). A novidaderesultou inicialmente em questionamentos sobre a persistência de isen-ções tributárias e benefícios a essas entidades, com a interpretação des-favorável às mesmas. Porém, em 29.8.2002, a Medida Provisória n. 66tratou parcialmente a questão e, limitando a remuneração mencionada aoteto estipulado para os servidores do Poder Executivo Federal, com a con-tratação dos dirigentes pelo regime consolidado, manteve a isenção daContribuição Social sobre o Lucro Líquido e do Imposto de Renda e apossibilidade de dedução das doações recebidas no imposto de renda.(17) A

(15) DOMENEGHETTI, Ana Maria. “Definição, tipificação e implantação do setor de voluntários”. In:PEREZ, Clotilde e JUNQUEIRA, Luciano Prates (orgs.). Voluntariado e a gestão das políticassociais, cit., pp. 334-336.(16) PAES, José Eduardo Sabo. Fundações e entidades de interesse social. Aspectos jurídicos,administrativos, contábeis e tributários. 4ª ed. revista, atualizada e ampliada de acordo com a Lein. 10.406, de 10.1.2002. Brasília: Brasília Jurídica, 2003, p. 273. A declaração de utilidade públicaautoriza a entidade a gozar do recebimento de subvenções, auxílio e isenções fiscais (Lei n. 91, de28.8.1935 e Decreto n. 50.517, de 2.5.1961 e alterações posteriores).(17) Em 15.8.2002, a Portaria n. 256 autorizou a extensão da possibilidade de receber doaçõesde bens apreendidos pela Receita Federal a essas instituições. Para melhores esclarecimentos,ver CAMPOS, Luiz Cláudio Marques. A remuneração dos dirigentes das OSCIPS e a Isenção doImposto de Renda. Disponível em <http://integracao.fgvsp.br/ano5/19/opiniao.htm>. Acessoem 4.11.2003.

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medida provisória foi convertida na Lei n. 10.637, de 30.12.2002, mantendo-se os benefícios às organizações citadas e Organizações Sociais (Lei n.9.637/98) no seu art. 34. Entretanto, subsistem subvenções e benefícios pró-prios das entidades de utilidade pública como, por exemplo, o acesso a fun-dos públicos, que incentivam a manutenção do corpo da direção compostopor voluntários.

Ana Maria Domeneghetti acresce a esse grupo os voluntários esporá-dicos, ou seja, aqueles que fazem algumas visitas ou se dirigem às entida-des para fazer doações. Embora seja certo que esses voluntários não diri-gem ou influenciam nos destinos da instituição, acreditamos que sua inser-ção nesse grupo está relacionada ao fato de o ato de doação (ação maiscomum) atingir diretamente a gestão da entidade.

A segunda categoria é composta por membros do setor de voluntários,que auxiliam os voluntários de gestão a cumprir a missão da entidade.Seus integrantes devem estar afinados com a missão da entidade e sercoordenados por alguém da diretoria executiva. Extrai-se do texto a necessi-dade do cumprimento de jornadas de 4 a 5 horas, sem que a autora escla-reça a periodicidade: diária, semanal ou mensal.

Por fim, a última espécie corresponde àqueles que exercem outraatividade profissional e, portanto, não freqüentam a entidade no horárionormal de funcionamento. Eles são convocados esporadicamente para reu-niões e dão suporte externo ao trabalho. Como exemplo, a autora cita osvoluntários que atuam durante eventos, confeccionam em casa material aser vendido, apóiam trabalhos junto a entidades públicas ou fazem a capta-ção de recursos sem laborar na entidade. Esses são os voluntários que emgeral desenvolvem suas atividades em equipe e necessitam da supervisãode coordenadores.

Salvo o corpo diretivo da entidade, nos demais setores encontrare-mos voluntários sem disponibilidade de tempo integral. Esses trabalhado-res necessitam de definição precisa dos horários (dentro da escala geral) ede suas funções.

4. A RELAÇÃO DE EMPREGO

Iniciaremos o estudo pela relação de emprego, esclarecendo desdelogo que filiamo-nos à teoria que reconhece a sua natureza contratual.(18)

(18) A natureza jurídica da relação de emprego é tema bastante controvertido. Há a correnteanticontratualista, composta pela teoria institucional (Maurice Hauriou) e teoria da relação deemprego (Potthoff, Molitor, Nikisch, Wolfgang Siebert, Ruy Azevedo Sodré, José Luiz de Mesquita,entre outos), entre as quais a que mais se destaca é a do contrato realidade (LA CUEVA, Mario de.Apud GENRO, Tarso Fernando. Direito Individual do Trabalho. 2ª ed. São Paulo: LTr, 1994), paracitar as mais conhecidas, que minimizam o aspecto voluntarista da relação de emprego em virtudeda supremacia do empregador na elaboração do contrato de trabalho e a intensa regulamentação

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Há diversas modalidades de prestação de serviços a terceiros deforma remunerada. Tradicionalmente a doutrina trabalhista distingue a rela-ção de emprego das demais espécies de relação de trabalho pela presen-ça de quatro elementos voltados ao empregado: pessoalidade, continuida-de, onerosidade e subordinação. A norma do art. 3º da Consolidação dasLeis do Trabalho segue essa orientação e define empregado como “todapessoa física que prestar serviços de natureza não eventual a empregador,sob a dependência deste e mediante salário”.

O primeiro elemento indispensável é a pessoalidade. O empregado ésempre pessoa física, enquanto o empregador pode ser pessoa física oujurídica. O contrato de trabalho tem por objeto uma obrigação de fazer infun-gível e em geral sem conteúdo específico. O empregado se coloca à dispo-sição do empregador para realizar a atividade por ele determinada(19) duran-te certo período. Arion Sayão Romita(20) critica essa visão subjetivista e per-sonalista. Para ele, o vínculo que une o trabalhador ao patrão é a própriaatividade exteriorizada na relação de emprego. De toda sorte, a pessoalida-de não implica a impossibilidade de o empregado se fazer substituir porterceiros. Essa substituição, porém, está condicionada à prévia aquiescên-cia do empregador e deve ocorrer apenas excepcionalmente.

Atualmente, quando a prestação pessoal se encontra atenuada pelasnovas modalidades de serviço e pelo desenvolvimento tecnológico, levandomuitas vezes o trabalhador a realizar suas funções longe das vistas docontratante (utilizando o seu computador pessoal e em casa, por exemplo),a exigência acima mencionada ainda prevalece.(21)

O segundo aspecto da relação de emprego é a continuidade. A pres-tação de serviços do empregado deve ser duradoura. A lei autoriza a cele-bração de contrato de trabalho a prazo determinado, o qual em geral temcurta vigência, como exemplificativamente é o caso daquelas contratações

legal da matéria. Entretanto, a corrente majoritária ainda reconhece na relação de emprego anatureza contratual (Alice Monteiro de Barros. “Trabalho voluntário e trabalho religioso”. In: FRANCOFILHO, Georgenor de Sousa (coord.). Presente e Futuro das Relações de Trabalho. Estudos emhomenagem a Roberto Araújo de Oliveira Santos. São Paulo: LTr, 2000; NASCIMENTO, AmauriMascaro. Curso de Direito do Trabalho. 18ª ed., revista e atualizada. São Paulo: Saraiva, 2003;DALLEGRAVE NETO, José Affonso. Contrato individual de Trabalho. Uma visão estrutural. SãoPaulo: LTr, 1998; TEIXEIRA, Sérgio Torres. “A moderna relação de emprego”. In: FRANCO FILHO,Georgenor de Sousa. Presente e Futuro das Relações de Trabalho. Estudos em homenagem aRoberto Araújo de Oliveira Santos. São Paulo: LTr, 2000; GOMES, Orlando e GOTTSCHALK, Elson.Curso de Direito do Trabalho. Rio de Janeiro: Forense, 1990).(19) A atividade pode estar definida no contrato de trabalho ou em legislação específica (como éo caso das profissões regulamentadas). Entretanto, há sempre a liberdade de o empregadorestipular o modo da execução, a qual se expressa no seu poder diretivo sobre o empregado.(20) ROMITA, Arion Sayão. Apud SILVA, Otávio Pinto e. Subordinação, Autonomia e Parassubordi-nação nas relações de Trabalho. São Paulo: LTr, 2004, p. 17.(21) TEIXEIRA, Sérgio Torres. “A moderna relação de emprego”. In: FRANCO FILHO, Georgenor deSousa (coord.). Presente e Futuro das Relações de Trabalho. Estudos em homenagem a RobertoAraújo de Oliveira Santos. São Paulo: LTr, 2000, p. 384.

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realizadas para atender o excepcional acréscimo de serviços no período doNatal ou atividade transitória da empresa. A regra, contudo, é a indetermina-ção do prazo do contrato de trabalho (arts. 443, 451 e 452 da Consolidaçãodas Leis do Trabalho). Caso a atividade desempenhada seja eventual, ocontrato a ser estipulado entre as partes deve ser de prestação de serviçosregulada pelo direito civil. A distinção é tênue, fazendo-se entender melhorpor meio de exemplos. Tomemos a situação do pintor contratado para colo-rir a fachada de uma empresa ou residência. Porque exerce sua atividadeapenas em determinados momentos e, excepcionalmente, ele é considera-do um trabalhador eventual. Entretanto, se o contratante é uma empresa doramo da construção civil e a pintura vai ser realizada na casa de um cliente,a contratação do pintor adquire os contornos da relação de emprego, poissua atividade tem caráter permanente e está diretamente vinculada ao obje-to social da empresa, à sua finalidade. Sérgio Torres Teixeira esclarece quepara a configuração da continuidade:

Torna-se necessária apenas caracterizar a fixação jurídica do presta-dor de serviços a uma fonte de trabalho, mediante a exposição de umvínculo obrigacional de caráter definitivo, mesmo que de duração pré-estabelecida ou de efetivação intermitente.(22)

O terceiro requisito é a subordinação, denominada pela norma traba-lhista como “dependência”.(23) O termo subordinação pode se referir ao as-pecto econômico, técnico ou jurídico da relação. A doutrina tradicional traba-lhista estabelece a subordinação jurídica como diferencial da relação deemprego, pois ocasionalmente nem o empregado é dependente economi-camente do tomador de serviços, nem o empregador tem o conhecimentotécnico para orientar o serviço a ser desenvolvido.(24) A subordinação jurídicapermite ao empregador orientar o empregado na execução dos serviços eaté mesmo lhe dizer para deixar de realizar determinada ação.(25) O empre-

(22) TEIXEIRA, Sérgio Torres. A moderna relação de emprego, cit., p. 386.(23) Tendo em vista o desenvolvimento tecnológico, o crescimento da informalidade e da terceiri-zação das relações de trabalho, esse conceito tem sido rediscutido. Citamos como exemplo oestudo realizado por Luiz Carlos Amorim Robortella (O moderno direito do trabalho. São Paulo: LTr,1994), em que preconiza a substituição da subordinação pelo conceito de “debilidade e dependênciaeconômica do trabalhador com relação ao tomador do trabalho” (p. 54). “O grau de proteção devecentrar-se mais na debilidade contratual do que na intensidade da subordinação; a necessidadeeconômica e social é que determinará maior ou menor incidência da regra tutelar, num verdadeiroreeencontro do direito do trabalho com a hipossuficiência” (p. 50).(24) Délio Maranhão destaca que o “caráter fiduciário torna-se mais evidente à medida que aumentaa intelectualidade da prestação, embora, diminua, na mesma proporção, a intensidade da subordi-nação. O fator confiança decorre, aí, da natureza do serviço prestado” (SÜSSEKIND, Arnaldo;MARANHÃO, Délio; VIANNA, Segadas; TEIXEIRA FILHO, João de Lima. Instituições de direito dotrabalho. São Paulo: LTr, 1997, p. 249).(25) É claro que o poder do empregador não pode resultar em uma situação vexatória ou humilhanteao empregado. Muitas vezes a determinação de que o empregado não realize qualquer atividade naempresa tem por escopo pressioná-lo a pedir demissão. Nesse caso encontramos uma situaçãotípica de assédio moral. Como o empregador descumpre com suas obrigações básicas, é autorizada

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gador fixa as regras da prestação de serviços, como horário, local, atividade,equipamentos a serem utilizados e produto a ser desenvolvido. O descum-primento dessas normas gera sanções ao empregado, como advertência,suspensão ou, como medida extrema, a rescisão contratual por justo moti-vo. Para Otávio Pinto e Silva, a subordinação e o poder de direção são versoe reverso da mesma medalha:

Ambas se completam, de modo que em um processo judicial é reco-mendável seguir uma diretriz para se concluir se há ou não subordi-nação, tal como a verificação da quantidade e intensidade de ordenspermanentes de serviço a que está sujeito o trabalhador.(26)

Entretanto, a subordinação referida (subjetiva) não é suficiente paraexplicar a situação de empregado dos funcionários altamente qualifica-dos e dos trabalhadores em “tele-atividade” (teletrabalho), por exemplo.Começa a se formar na doutrina e jurisprudência trabalhistas o conceitode subordinação objetiva. A subordinação objetiva vincula o poder de dire-ção ao trabalho e não ao trabalhador, de modo que “o limite de exercício dopoder de direção é a adequação da atividade do prestador à regular ativi-dade da empresa, em sua dinâmica de produção de bens e/ou servi-ços”.(27) De todo modo, o empregado sempre tem assegurado o seu direitode resistência à ordem do empregador ofensiva à sua liberdade ou direi-tos fundamentais, quando tipificada como crime ou extrapole os limites deseu contrato.(28)

Por fim, o contrato de trabalho se caracteriza como um negóciojurídico bilateral, sinalagmático e oneroso. Dele resultam obrigaçõescontrárias e equivalentes para as partes. O empregado recebe do em-pregador, como contraprestação às suas obrigações de fazer, determi-nado montante em dinheiro ou em espécie. Essa é a principal motivaçãodo trabalhador (parte economicamente mais fraca na relação) para a ce-lebração do contrato de trabalho. Na ausência de estipulação salarial é

a rescisão contratual com base no art. 483 da Consolidação das Leis do Trabalho. Ademais, essasituação claramente ofende a dignidade do trabalhador, assegurada no art. 1º, inciso III, daConstituição Federal. Para maior aprofundamento do tema relativo ao assédio moral, aconselha-mos a leitura dos estudos realizados por Sebastião Caixeta (O assédio moral nas relações detrabalho, pp. 90-98) e Silvia Maria Zimmermann, Teresa Cristina Dunka Rodrigues dos Santos eWilma Coral Mendes de Lima (O assédio moral e mundo do trabalho, pp. 99-112), ambos publicadosna Revista do Ministério Público do Trabalho. Ano XIII, n. 25, março/2003, São Paulo: LTr, 2003.(26) SILVA, Otávio Pinto e. Subordinação, Autonomia e Parassubordinação nas Relações de Traba-lho, p. 16.(27) VILHENA, Paulo Emílio Ribeiro de. Apud BARACAT, Eduardo Milléo. A boa-fé no direitoindividual do trabalho. São Paulo: LTr, 2003, p. 158. Filia-se a essa concepção igualmente MauricioGodinho Delgado.(28) Javillier destaca que o trabalhador não pode ser sancionado se a ordem contraria as liberdadese direitos fundamentais ou através de sanções e multas pecuniárias. A sanção deve se voltarcontra o fato atual e ser proporcional ao ato reprovável (JAVILLIER, Jean-Claude. Manual deDireito do Trabalho. Tradução de Rita Asdine Bozaciyan. São Paulo: LTr, 1988, p. 126).

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fixado o salário mínimo como a contraprestação devida (art. 7º, inciso IV,da Constituição Federal).(29)

Embora a lei não mencione, alguns autores acrescentam ainda oanimus contrahendi como requisito necessário à configuração da relaçãode emprego. O empregado deve estar imbuído da vontade de celebrar umcontrato de trabalho.(30) Esse requisito é utilizado para se diferenciar a rela-ção de emprego da prestação de serviços a título gratuito, como são aque-las desenvolvidas por religiosos ou com finalidade de benemerência. Notrabalho voluntário, regulado pela Lei n. 9.608/98, igualmente não se evi-dencia animus contrahendi. A pessoa se dedica ao trabalho espontanea-mente por espírito de solidariedade.

A exposição sobre a relação de emprego ficaria incompleta sem aapreciação da figura do empregador. O contratante dos serviços está defini-do pela Consolidação das Leis do Trabalho no art. 2º e seus parágrafos.Podem ser empregadores as pessoas físicas e jurídicas, como já expostoacima. Em que pese o contrato de trabalho seja a modalidade por excelên-cia da prestação de serviços no campo empresarial, é prescindível a finali-dade lucrativa para se caracterizar a figura do empregador. As pessoasfísicas, no seu âmbito doméstico, as entidades sem fins lucrativos e a Ad-ministração Pública são igualmente empregadores. Especificamente so-bre as pessoas jurídicas de direito privado, dispõe o art. 2º, § 1º, da Conso-lidação das Leis do Trabalho:

§ 1º Equiparam-se ao empregador, para os direitos exclusivos darelação de emprego, os profissionais liberais, as instituições de be-neficiência, as associações recreativas ou outras instituições semfins lucrativos, que admitirem trabalhadores como empregados.

No que tange ao Estado, verificamos a possibilidade de se firmarcontrato de trabalho por previsão expressa de diversos dispositivos consti-tucionais, tais como o art. 37, incisos I, II, IV, VIII, XI, XVI, letra “c”, e XVII.Desse modo, fica evidente que tanto as entidades sem fins lucrativos quan-to a Administração Pública Direta e Indireta, sem atividade econômica, tema faculdade de celebrar um contrato de trabalho subordinado.

(29) Henri Capitant e Paul Cuche ressaltam, ao analisar a legislação francesa, que, sendo ocontrato de trabalho oneroso, exige como elemento essencial a estipulação do salário a ser pagopelo empregador, sob pena de nulidade ou inexistência do contrato (apud VILHENA, Paulo EmílioRibeiro. “Trabalho voluntário”. Trabalho & doutrina, n. 18, setembro/98, p. 45).(30) Amauri Mascaro Nascimento define o animus contrahendi como “o propósito de trabalhar paraoutrem como empregado e não com outra finalidade, como é o caso do trabalho cívico, religioso,assistencial ou por mera amizade (NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Curso de Direito do Trabalho.18ª ed., revista e atualizada. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 527. Ver também TEIXEIRA, SérgioTorres (A moderna relação de emprego, p. 383), DALLEGRAVE NETO, José Affonso (ContratoIndividual de Trabalho. Uma visão estrutural, São Paulo: LTr, 1998, p. 96) e LONGO FILHO,Fernando José (“Trabalho voluntário”. In: PAMPLONA FILHO, Rodolfo (org.). Novos nomes emdireito do trabalho. Salvador: Universidade Católica de Salvador, 2000, p. 174).

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5. TRABALHO VOLUNTÁRIO E A LEI N. 9.608/98

A Lei n. 9.608, promulgada em 18.2.1998, pretendeu regulamentar aprestação de serviços a título gratuito, destinada a atender às entidadessem fins lucrativos que exerçam funções sociais ali estabelecidas e à Admi-nistração Pública. Denominou essa modalidade contratual de “trabalho vo-luntário”.

Paulo Emílio Ribeiro de Vilhena vislumbra impropriedade nessa de-nominação,(31) pois o contrato de trabalho se caracteriza por sua voluntarie-dade, contrapondo-se ao trabalho forçado realizado em unidades prisio-nais ou trabalho obrigatório: caso do serviço militar e serviço eleitoral. Por-tanto, ele destaca a denominação “trabalho voluntário” em nada evidencia afigura contratual regulamentada naquele diploma legal. Como o prestadordessa espécie de atividade é movido primordialmente por seu aperfeiçoa-mento moral, pelo exercício da caridade ou promoção da cidadania, deixandode lado qualquer finalidade econômica, o melhor seria denominá-la “traba-lho a título gratuito”. Desse modo, ficaria clara a contraposição dessa moda-lidade de contratação à onerosidade do contrato de trabalho. Contudo, anosso ver a crítica não merece ser acolhida porque a nomenclatura utilizadapelo legislador se harmoniza com aquela presente em documentos de or-ganismos internacionais, como é o caso da ONU, e atende melhor às ne-cessidades das organizações envolvidas, as quais inúmeras vezes apre-sentam ramificações em diversos países.

O art. 1º da lei apresenta desde logo como requisito do trabalho volun-tário a ausência de remuneração. A gratuidade se compatibiliza com osprincípios insculpidos na Declaração Universal do Voluntariado, aprovadapela 11ª Conferência Bienal da IAVE — International Association for Volun-teer Effort, em Paris, em 1990.(32)

A mesma lei, no seu art. 3º, previu desde logo a possibilidade deressarcimento das despesas comprovadamente realizadas pelo voluntáriono desempenho de suas atividades. O reembolso dos gastos não se con-funde com a remuneração prevista para o contrato de trabalho. Neste, aremuneração é paga como contraprestação à obrigação de fazer cumpridapelo empregado. Já o ressarcimento das despesas tem por objetivo deso-

(31) VILHENA, Paulo Emílio Ribeiro. Trabalho voluntário, p. 39.(32) Os princípios do voluntário são os seguintes: reconhecer a cada homem, mulher e criança odireito de se associar, independente de raça, religião, condição física, social e econômica; respeitara dignidade e a cultura de cada ser humano; oferecer seus serviços, sem remuneração, dentro doespírito de solidariedade e esforço mútuo; detectar necessidades e estimular a atuação da comu-nidade para solução de seus próprios problemas; estar aberto a crescer como pessoa, através dovoluntariado, adquirindo novas habilidades e conhecimentos, desenvolvendo seu potencial, auto-confiança, criatividade e capacitando outras pessoas a resolverem seus problemas; estimular aresponsabilidade social e promover a solidariedade familiar, comunitária e internacional (Disponívelem <http://www.portaldovoluntario.org.br/diaIntVol/declaracao.asp>. Acesso em 10.12.2003).

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nerar o trabalhador dos gastos realizados no desempenho de suas fun-ções. Longe de ser qualquer contrapartida ao trabalho do empregado, con-figura-se em um instrumento pelo qual o empregador reconhece o risco daatividade econômica como de sua exclusiva responsabilidade. Essa moda-lidade de prestação não se incorpora à remuneração do trabalhador, aindaque fosse empregado, para qualquer efeito legal.(33) A única exigência é quea parcela se restrinja ao custeio das despesas comprovadas, afastandodesse modo o pagamento de diárias ou de indenização estimada dos gastos.(34)

A doutrina e jurisprudência trabalhista, contudo, têm se mostrado bastantemaleáveis em relação ao trabalho voluntário e, de longa data, também incluemnos contratos a título gratuito aqueles em que há o pagamento de quantiasmódicas e eventuais com o objetivo de assegurar a subsistência do traba-lhador. Paulo Emílio Ribeiro Vilhena apresenta as conclusões de dois auto-res nesse sentido: para Paul Durand, as prestações in natura, tais comoalimentação e alojamento, constituem os meios necessários para colocaros religiosos em condições indispensáveis ao exercício da caridade; jáBarassi admite que esses prestadores recebam contribuições em dinheiroou in natura, de forma esporádica e irregular, as quais configuram puracontribuição no interesse da atividade institucional.(35) Na jurisprudêncianacional, encontramos decisões envolvendo pastores de igreja evangélicae membros de instituições religiosas no mesmo sentido.(36)

O texto legal em análise admite tão-somente a prestação de “trabalhovoluntário” para “entidade pública de qualquer natureza, ou a instituiçãoprivada de fins não-lucrativos, que tenha objetivos cívicos, culturais, educa-cionais, científicos, recreativos ou de assistência social, inclusive mutuali-dade”. As entidades públicas, para efeito dessa norma, são os entes daAdministração Pública Direta e Indireta, sem atividade econômica. Ex-cluem-se os entes abrangidos pelo art. 173, § 1º, da Constituição Federal,uma vez que são equiparados ao empregador privado (inciso II do mesmodispositivo) quanto às obrigações trabalhistas. Já as entidades de direito priva-do sem fins lucrativos são as associações ou fundações (previstas nos Capí-tulos II, arts. 53 a 61, e III, arts. 62 a 69, respectivamente, do Título II do Livro

(33) Art. 457, § 2º, da Consolidação das Leis do Trabalho.(34) O texto legal deve ser interpretado de forma restritiva, pois com base no art. 457 da Conso-lidação das Leis do Trabalho pode se concluir pela natureza salarial das parcelas pagas a título dediárias para viagens e ajudas de custo com valores excedentes a 50% da remuneração (no caso,seria o salário mínimo — § 2º do dispositivo e art. 76 do mesmo diploma) e as vantagensconcedidas habitualmente na forma de alimentação, vestuário, habitação e outras prestações innatura (art. 458).(35) VILHENA, Paulo Emílio Ribeiro. Trabalho voluntário, pp. 51 e 53.(36) É interessante destacar a decisão do TRT da 24ª Região, no RO 0048/01, envolvendo ummembro da TFP — Tradição, Família e Propriedade, (Revista LTr, vol. 66, n. 01, janeiro de 2002,pp. 97/99) em que se reconheceu que as ajudas dadas sob a forma de pecúnia, hospedagem oualimentação representavam na verdade reembolsos pelos gastos despendidos no interesse daatividade institucional.

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I do Código Civil Brasileiro, com as alterações veiculadas pela Lei n. 10.406,de 10 de janeiro de 2002), as Organizações Sociais (Lei n. 9.637, de 15 demaio de 1998) e as Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público— OSCIP (Lei n. 9.790, de 23 de março de 1999).

Para as pessoas de direito privado, a norma acresceu a exigência desuas finalidades se voltarem ao atendimento de questões cívicas, culturais,educacionais, científicas, recreativas, de assistência social ou mutualida-de. A enumeração é taxativa, não deixando margem a qualquer interpretaçãoextensiva do tema. A lei merece crítica ao retirar de seu campo de aplica-ção as entidades sem fins lucrativos que exercem relevantes funções sociais,como aquelas de cunho religioso, de promoção da cidadania em geral,defesa do meio ambiente, entre outras. Não há qualquer justificativa para otratamento diferenciado dessas matérias. Pertinente é a crítica de José Eduar-do Sabo Paes sobre a desconsideração do legislador de que

é justamente nas causas sociais que reside a maior amplitude deação, envolvendo tantos outros objetivos, além dos dispostos na no-vel norma, como, v.g. todas aquelas ligadas ao bem-estar social, àsaúde ou à defesa do meio ambiente.(37)

De toda sorte, embora a taxatividade da lei quanto às pessoas bene-ficiadas com essa modalidade de contratação, é certa a persistência doentendimento jurisprudencial e doutrinário excludente da relação de empre-go quando o trabalho versar sobre atividades de natureza confessional,religiosa, pia ou vocacional, ou ainda outras funções sociais, sendo o traba-lho realizado com espírito de colaboração e benemerência e sem remune-ração.(38) Nesse caso, as partes poderiam igualmente firmar documento deconteúdo equivalente ao termo de adesão mencionado na lei em estudopara a realização de um trabalho a título gratuito. A mesma regra deve serseguida pelo empregador no seu programa de voluntários. Referida forma-lidade não terá a mesma força do termo de adesão mencionado no art. 2º dalei, porém certamente servirá como indicador da natureza da contrataçãocelebrada.

É irrelevante a atividade desenvolvida pelo voluntário para a definiçãoda natureza da relação de trabalho havida entre as partes. A atividade nãoprecisa estar inserida diretamente nas funções cívicas, culturais, educacio-nais, científicas, recreativas, de assistência social ou mutualidade ou servi-ços públicos. Não cabe aqui a distinção utilizada para se identificar a regu-laridade da terceirização no direito do trabalho, ou seja, a inserção do traba-

(37) PAES, José Eduardo Sabo. Fundações e entidades de interesse social. Aspectos jurídicos,administrativos, contábeis e tributários. 4ª ed. revista, atualizada e ampliada de acordo com a Lein. 10.406, de 10.1.2002, Brasília: Brasília Jurídica, 2003, p. 99.(38) Em sentido convergente, cito os autores Alice Monteiro de Barros (Trabalho voluntário etrabalho religioso, p. 166), Paulo Emílio Ribeiro Vilhena (Trabalho voluntário, pp. 49/53) e JoséAffonso Dallegrave Neto (Contrato individual de Trabalho. Uma visão estrutural, p. 96).

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lhador na atividade-fim ou atividade-meio da empresa (Enunciado de Sú-mula n. 331 do C. Tribunal Superior do Trabalho). O voluntário pode desen-volver qualquer atividade dentro da entidade pública ou privada escolhida.Basta a ausência de remuneração e o caráter altruísta da prestação para asubsunção a essa exceção legal.(39)

Alguns autores trabalhistas, diante da novidade legislativa e da expres-sa exclusão da incidência do direito do trabalho nesse caso (art. 1º, parágrafoúnico), reconheceram na lei em apreço o enfraquecimento(40) do art. 2º, § 1º,da Consolidação das Leis do Trabalho, quando não a sua simples revoga-ção.(41) O texto legal tem interpretação restrita.(42) A regra geral é sempre ocontrato de trabalho subordinado. Portanto, presentes os requisitos da rela-ção de emprego, automaticamente se configura um contrato de trabalho, porforça do art. 9º, consolidado, e do princípio laboral da primazia da realidade.

A figura do trabalhador voluntário não veio para substituir o emprega-do da entidade sem fim lucrativo, mas para somar esforços em prol dafunção social desse tipo de instituição. Os autores que analisam o fenôme-no pertinente ao terceiro setor relatam o crescente grau de especializaçãodos trabalhos realizados, com a necessidade de contratação de profissio-nais para o seu desempenho. Em inúmeros textos sobre voluntariado essasituação é destacada, como nos seguintes casos:

É preciso explicitar que o voluntário não substitui mão-de-obra remu-nerada. Ele faz ações complementares, ampliando o alcance do tra-balho social, das atividades culturais, educativas, ambientais.(43)

Ou então:

Quanto mais especializado for o serviço oferecido pela instituição,maior a necessidade de profissionais remunerados. Caso não sejapossível contratá-los, é necessário adotar procedimentos de treina-mento bastante estruturados para repasse das metodologias deintervenção aos novos voluntários, de forma que elas não se desca-racterizem ou se modifiquem ao serem praticadas/aplicadas pelosnovos membros da organização.

(39) No mesmo sentido, Alice Monteiro de Barros (Trabalho voluntário e trabalho religioso), PauloEmílio Ribeiro Vilhena (Trabalho voluntário) e Fernando José Longo Filho (Trabalho voluntário). Emsentido oposto, José Affonso Dallegrave Neto (Contrato individual de Trabalho. Uma visão estrutu-ral, p. 95).(40) Alice Monteiro de Barros alega que a Lei n. 9.608 estremeceu os alicerces da norma trabalhistamencionada (BARROS, Alice Monteiro de. Trabalho voluntário e trabalho religioso. In: FRANCOFILHO, Georgenor de Sousa (coord.). Presente e Futuro das Relações de Trabalho. Estudos emhomenagem a Roberto Araújo de Oliveira Santos. São Paulo: LTr, 2000, p. 166).(41) Ver Dárcio Guimarães de Andrade (ANDRADE, Dárcio Guimarães de. Serviço voluntário.Disponível em <www.trt.gov.br/Dowload/artigos/voluntr.rtf>. Acesso em 10.12.2003).(42) VILHENA, Paulo Emílio Ribeiro. Trabalho voluntário, cit., p. 47.(43) CORRULÓN, Mônica Beatriz Galiano; MEDEIROS FILHO, Barnabé. Voluntariado na empresa.Gestão eficiente da participação cidadã, p. 91.

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Determinados serviços oferecidos por instituições vão exigir inclusiveformação e registro profissional específicos. Nesses casos, a aloca-ção de voluntários nas funções técnico-profissionais pode trazer ins-tabilidade na oferta do serviço e/ou problemas em sua qualidade.Algumas ONGs chegam ao extremo de impedir que voluntários traba-lhem em funções que exijam alta qualificação técnica, pois geralmen-te o trabalhador voluntário tem um grande comprometimento inicial,que se perde com a lida diária com problemas sociais de difícil reso-lução e que apresentam alterações no longo prazo.(44)

No âmbito público, o cuidado quanto à substituição de mão-de-obradeve ser redobrado. O trabalho voluntário jamais poderá ser utilizado comomeio de burla dos princípios de direito administrativo, insculpidos no art. 37da Constituição Federal e na Lei de Responsabilidade Fiscal. A atividadedesenvolvida não poderá se identificar com atividades permanentes da Ad-ministração, pois do contrário estaríamos diante de verdadeiros contratosde trabalho, ainda que nulos, por desobediência ao princípio constitucionaldo concurso público (Enunciado de Súmula n. 363 do C. Tribunal Superior doTrabalho). O trabalho voluntário deve mais do que nunca ser complementarao serviço público ou então visar à melhoria das condições desse serviço,como é o caso de mutirões comunitários para a reconstrução da sede daescola pública.(45)

6. TRABALHO VOLUNTÁRIO X RELAÇÃO DE EMPREGO

Como se verifica no item II, o trabalho voluntário apresenta quasetodos os requisitos da relação de emprego: continuidade, pessoalidade esubordinação. A subordinação é indicada como a nota característica darelação de emprego. Como visto acima, a contratação de voluntários exige o

(44) Ver Armindo Sousa Teodósio. “Mão-de-obra voluntária — Uma proposta para gestão dotrabalho social no Brasil”. In: Voluntariado e a gestão das políticas sociais. PEREZ, Clotilde;JUNQUEIRA, Luciano Prates (orgs.), cit., p. 175.(45) Embora não se refira a trabalho voluntário, o Estado brasileiro em geral é pródigo na contrata-ção de entidades sem fins lucrativos para realizar as mais diversas funções públicas. É o quenoticia o jornal Folha de São Paulo, em 17 de novembro de 2003, p. C-3, em relação ao municípiodo Rio de Janeiro. São 9.300 pessoas contratadas nas mais diversas atividades, desde gari aAgente Comunitário de Saúde, serviços de creche, entre outros, movimentando cerca de R$ 115milhões para projetos dessa natureza. Recentemente a Fundação Hospitalar do Distrito Federal foicondenada em ação civil pública proposta pelo Ministério Público do Trabalho da 10ª Região a seabster de contratar servidores por meio de contrato de gestão, tendo sido declarada a nulidade dascontratações havidas (TST-RR- 16.696/2002-900-10-00, Ac. 5ª Turma, Relatora Juíza ConvocadaRosita de Nazaré Sidrim Nassar, por unanimidade, decisão de 7.5.2003). Como trabalho voluntáriono âmbito público, destaco o projeto “Colaboradores Voluntários do Núcleo de Prática Jurídica daFaculdade de Direito da Universidade de Brasília” (SOUSA JUNIOR, José Geraldo de (org.).Colaboradores Voluntários do Núcleo de Prática Jurídica. Coleção “O que se pensa na Colina”, vol.2, Brasília: Faculdade de Direito/ CESPE, 2002). Para uma análise crítica da atuação do terceirosetor junto ao Estado, ver Carlos Montaño (Terceiro setor e questão social. Crítica ao padrãoemergente de intervenção social. São Paulo: Cortez, 2002).

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recrutamento, seleção, capacitação, remanejamento desses trabalhadores,podendo se falar inclusive em ascensão na carreira de voluntário.Esses procedimentos são essenciais ao bom andamento do trabalho vo-luntário, o qual está cada vez mais especializado, necessitando de umaordenação mais rigorosa. Entretanto, essas técnicas não configuram a su-bordinação jurídica, pois o trabalhador não está em estado de sujeição emrelação aos contratantes. O trabalhador, nesse caso, é visto por muitosestudiosos como mero colaborador,(46) uma vez que seus interesses secoadunam com os interesses da instituição contratante. A relação estabele-cida entre os voluntários e a entidade se caracteriza por ser mais participa-tiva e transparente, o que dilui a subordinação antes referida.

A ausência de remuneração é o aspecto objetivo mais facilmente apu-rável no trabalho voluntário. Entretanto, não pode ser tomada como o dife-rencial entre as figuras aqui analisadas, pois concluiríamos pela inexistênciade empregador inadimplente. Se forem constatados todos os elementos darelação de emprego, salvo o pagamento de salários, o tomador dos servi-ços pode ser condenado ao seu adimplemento por todo período contratual.A base utilizada será o salário mínimo, se não houver expressa cláusulacontratual mais benéfica ao empregado.

O único elemento efetivamente distinto nas duas figuras é a motiva-ção interna do trabalhador: o animus contrahendi. Embora seja evidente adisparidade da situação real em que se encontra o trabalhador e o empre-gador no momento da celebração do contrato de trabalho, não há como seretirar completamente o aspecto volitivo do hipossuficiente. Deve-se perqui-rir qual o motor da prestação de serviço havida, se a convicção religiosa ouum ideal ou a intenção de se inserir na cadeia produtiva e dali obter o seusustento diário. A lei italiana (Lei n. 266/91) atenta a essa peculiaridade,erige como requisitos do trabalho voluntário a prestação pessoal, espontâ-nea ou gratuita, de atividade à organização a que o trabalho voluntário seinsere, sem fins lucrativos, ainda que indireto e exclusivamente por solida-riedade.(47) Por ser um aspecto subjetivo, é difícil a sua constatação no casoprático. Outros indícios devem ser levados em conta para se chegar à con-clusão, como a jornada cumprida pelo trabalhador, se tinha outra fonte desubsistência, se trabalhava em equipe, se a atividade era essencial aofuncionamento mínimo da entidade assistencial, se havia maior partici-pação e transparência na gestão da entidade, ou seja, todo o contextoda prestação de serviços. A análise isolada da prestação de serviços dotrabalhador será insuficiente para a identificação da figura contratualincidente.

(46) José Affonso Dallegrave Neto (Contrato individual de Trabalho. Uma visão estrutural ) eFernando José Longo Filho (Trabalho voluntário).(47) Grifo meu. BARROS, Alice Monteiro de. Trabalho voluntário e trabalho religioso, p. 167.

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Como a Lei n. 9.608/98 enumera taxativamente os objetivos das enti-dades privadas, sem fins lucrativos, autorizadas a desenvolver o trabalhovoluntário, quais sejam: cívicos, culturais, educacionais, científicos, recrea-tivos ou de assistência social, inclusive mutualidade, essas entidades de-verão firmar o termo de adesão como requisito essencial para a configura-ção do trabalho voluntário. Se o trabalhador quiser discutir a natureza dovínculo na Justiça do Trabalho, será dele o ônus da prova do animus con-trahendi e de sua inserção na entidade como empregado. Para o emprega-dor público, a regra é no mesmo sentido, ressaltando-se contudo que otrabalho voluntário somente poderá ser desenvolvido em caráter comple-mentar, jamais substitutivo do trabalho referente a atividades regulares.

Para as entidades com outras finalidades (religiosa, proteção do meioambiente, entre outras), na mesma linha da doutrina italiana,(48) entende-mos ser possível também admissão de trabalhadores voluntários. Podeser firmado um termo de adesão, nos mesmos moldes daquele reguladona Lei n. 9.608/98. A incontrovérsia em relação à prestação de serviços, atraio ônus da prova sobre a ausência dos elementos do contrato de trabalhopara a entidade, Estado ou empresa. O termo será recebido apenas comomais uma prova a favor do contratante.

Por fim, falou-se no item II sobre a existência de “voluntários de ges-tão” que seriam aqueles integrantes do corpo diretivo da instituição. Osdoutrinadores trabalhistas, em regra, defendem a suspensão do contratode trabalho do empregado que assuma cargo de direção, salvo se mantiver,ao menos em parte da sua jornada, as suas antigas funções de emprega-do, sem o exercício de poder de comando, ou então exercer cargo de diretortécnico. O argumento corrente é no sentido de que o empregado, ao compora administração da empresa, deixa de ser subordinado e, portanto, passa aser regulado pelas normas estatutárias.(49) Dito isso, fica claro que os volun-tários de gestão se aproximam muito mais da figura do empregador do queda figura do empregado, salvo o diretor técnico, sendo mais um elementopara afastar a configuração da relação de emprego nesse caso.

7. ALTERAÇÕES PROMOVIDAS PELA LEI N. 10.748/2003

Embasados nas considerações acima, passaremos à verificação dasnovidades introduzidas na Lei n. 9.608 pela Lei n. 10.748, de 22.10.2003. A

(48) “A doutrina italiana deixa claro que a situação regulada pela Lei n. 266/91 não exaure todas ashipóteses de trabalho gratuito configurável no ordenamento jurídico, entre outros o trabalho pres-tado no âmbito da família, o trabalho solidário desenvolvido singularmente sem estar vinculado aorganizações específicas e o trabalho religioso, que vem tratado em capítulo próprio, mesmo apósa edição da citada lei. O importante é o sentimento fraterno gerador do trabalho voluntário”.(BARROS, Alice Monteiro de. Trabalho voluntário e trabalho religioso, cit., p. 168).(49) Ver Mozart Victor Russomano (Curso de Direito do Trabalho. 9ª ed., 2ª tir., Curitiba: Juruá, p.2003, p. 129), Tarso Genro (Direito Individual do Trabalho, pp. 132-133).

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alteração legislativa, inserida através do programa do primeiro emprego,permite a contratação de voluntário, com idade entre 16 e 24 anos e rendafamiliar per capita de até meio salário mínimo, para realizar atividades me-diante a percepção de um auxílio financeiro equivalente a R$ 150,00, pagospelos cofres públicos federais, pelo período máximo de seis meses.

É evidente a descaracterização do trabalho voluntário através do paga-mento do auxílio financeiro. O jovem trabalhador, diante de um mercado reces-sivo e premido pelas necessidades vitais suas e de seus familiares, subme-ter-se-á a realizar atividades voluntárias para o recebimento de remuneraçãoinferior ao salário mínimo constitucional. Há animus contrahendi na espécie,pois o voluntário jovem é movido pelo aspecto econômico da contratação, apro-ximando-se essa figura do contrato de trabalho. Em conseqüência, entende-mos que por seu intermédio foi aberto um vasto campo à fraude trabalhista.

Melhor teria sido o legislador estipular a realização de trabalho volun-tário como um dos requisitos para a concessão do auxílio financeiro dentrode um programa federal de assistência social, porém jamais estabeleceresse auxílio como contraprestação direta ao serviço desenvolvido.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Na prática social encontramos inúmeras situações fronteiriças entre otrabalho voluntário e a relação de emprego. Ademais ainda não possuímosjurisprudência consolidada sobre novo diploma legal. A identificação da figu-ra a regular o fato concreto deverá ser feita por meio da análise de cada casoquanto à presença dos elementos caracterizadores da relação de emprego, aqual traduz a regra geral para a prestação de serviços a terceiros. Deve-se terem conta também a tradição jurisprudencial sobre o trabalho a título gratuitoque é rica na fixação dos requisitos para essa espécie contratual.

Dado o passo inicial, agora cumpre ao legislador completar a normareferente ao trabalho voluntário para estabelecer a obrigatoriedade da enti-dade pública ou privada firmar contrato de seguro contra acidentes de traba-lho e doenças profissionais,(50) como já ocorre com a legislação italiana.(51)

Importante ainda assegurar o dano cometido contra terceiros no desempe-nho da atividade voluntária, pois é clara a responsabilidade objetiva da ins-tituição nesse caso, à semelhança do que ocorre com o contrato de trabalhoe no âmbito da Administração Pública (art. 37, § 6º, da Constituição Federal).

(50) Desse modo, atende-se às obrigações pertinentes às organizações previstas na DeclaraçãoUniversal do Voluntariado, que dispõe da seguinte forma sobre o assunto: Prover ao voluntáriocobertura e proteção adequada contra riscos, durante a execução da sua tarefa, bem como providen-ciar cobertura por danos causados a terceiros (Disponível em <http://www.portaldovoluntario.org.br/diaIntVol/declaracao.asp>. Acesso em 10.12.2003).(51) Lei n. 266, de 1991, analisada por Alice Monteiro de Barros (Trabalho voluntário e trabalhoreligioso, cit., p. 167).

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A LEI N. 10.803/2003 E A NOVA DEFINIÇÃO DETRABALHO ESCRAVO — DIFERENÇAS ENTRE

TRABALHO ESCRAVO, FORÇADOE DEGRADANTE

Denise Lapolla de Paula Aguiar Andrade(*)

A Declaração Universal dos Direitos do Homem preceitua, no art. 4º,que ninguém será mantido em escravidão ou servidão; a escravidão e otráfico de escravos serão proibidos em todas as suas formas.

O primeiro documento internacional que proibiu a escravidão foi fir-mado pela Liga das Nações em 1926. A Convenção sobre Escravidão as-sim a definiu, em seu art. 1º: “Escravidão é o estado e a condição de umindivíduo sobre o qual se exercem, total ou parcialmente, alguns ou todosos atributos do direito de propriedade”.

Posteriormente, em 1956, a Convenção Suplementar sobre a Aboli-ção da Escravatura, do Tráfico de Escravos e das Instituições e PráticasAnálogas da Escravatura proibiu a escravidão por dívidas: “o estado e acondição resultante do fato de que um devedor tenha se comprometidoa fornecer, em garantia de uma dívida, seus serviços pessoais ou de al-guém sobre o qual tenha autoridade, se o valor desses serviços não foreqüitativamente avaliado no ato da liquidação da dívida, ou se a duração des-ses serviços não for limitada, nem sua natureza definida”.

Aurélio Buarque de Holanda, em seu dicionário, define escravo comoaquele que está sujeito a um senhor, como sendo propriedade dele.(1)

(*) Procuradora do Trabalho da 2ª Região — Núcleo de Discriminação e Trabalho Escravo da Codin/SP. Pós-graduanda em Direitos Humanos pela Universidade de São Paulo.(1) Escravo [Do lat. med. sclavu.] Adj. 1. Que está sujeito a um senhor, como propriedade dele:homens escravos. 2. Que está inteiramente sujeito a outrem, ou a alguma coisa: É um espíritofraco, escravo dos vícios. 3. Próprio de, ou produzido por escravo. (4): vida escrava; “Em 1884,.... o trabalho livre mostrava-se bastante mais lucrativo do que o trabalho escravo” (AlbertoPassos Guimarães, Quatro Séculos de Latifúndio, p. 145).

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Então, uma das características da escravidão é ser uma mercadoria sujei-ta à propriedade de outrem. É um ser humano do qual outro se apossa, podendousufruir de seu trabalho e atribuir-lhe um preço como se mercadoria fosse.

A escravidão como conhecemos hoje não decorre de guerras, nem deseqüestros.(2) São situações de exploração do ser humano tão ultrajantes,que o único termo capaz de defini-las acaba por ser exatamente esse: es-cravidão. Alguns doutrinadores entendem que, uma vez abolida a escra-vidão no Brasil, escravos não há. E, assim, não se pode falar em trabalhoescravo, mas, apenas, em trabalho em condições análogas à de escravo.

No entanto, para os fins a que se presta, trabalho escravo é a formareduzida e comumente aceita para se referir ao tipo “trabalho em condiçõesanálogas à de escravo”, previsto no Código Penal, art. 149, recentementealterado pela Lei n. 10.803/03.

Sem levar em conta a redação do artigo supracitado, que será objetode estudo específico, e a par do que já foi colocado, resta definir academica-mente o que seja o trabalho escravo. E essa definição surgirá do confrontoentre as diversas formas de exploração do trabalho, levando em considera-ção o respeito à liberdade, igualdade e dignidade da pessoa humana.

O TRABALHO FORÇADO E A CONVENÇÃO 29 DA OIT

A Convenção n. 29 da OIT,(3) para abolição do trabalho forçado, buscoucomprometer os Estados que a ratificaram a suprimir, no mais curto espaçode tempo, essa forma de trabalho. Admitiu um período de transitoriedade,unicamente para fins públicos e a título excepcional, devidamente regulado,para evitar a exploração do trabalhador e o atentado à sua condição dedignidade.

O texto convencional assim define em seu art. 2º: trabalho forçado ouobrigatório designará todo trabalho ou serviço exigido de um indivíduo, sobameaça de qualquer penalidade e para o qual ele não se ofereceu de es-pontânea vontade.

Prossegue explicitando que, para os fins da convenção, trabalho for-çado ou obrigatório não compreende aquele exigido em virtude do serviçomilitar obrigatório, bem como qualquer outro serviço que faça parte de obri-

(2) “Há certas regiões onde esses métodos ainda estão presentes. Guerras tribais na África levamà morte os homens adultos e tornam escravas as mulheres e as crianças, e na Índia e no Paquistãonão é rara a utilização de mão-de-obra de crianças seqüestradas das respectivas famílias para aprodução de tapetes”. (FIGUEIRA, Ricardo Rezende. Pisando fora da própria sombra. A escravidãopor dívida no Brasil contemporâneo. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2004, p. 42).(3) Aprovada na 14ª reunião da Conferência Internacional do Trabalho (Genebra 1930), entrou emvigor no plano internacional em 1º de maio de 1930. Foi ratificada pelo Brasil em 25 de abril de 1957,promulgada pelo Decreto n. 41.721, de 25.6.1957, com vigência em 25.4.1958.

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gações cívicas normais dos cidadãos de um país plenamente autônomo.Também não se compreendem no sentido de trabalho forçado, segundo aConvenção, os trabalhos exigidos em virtude da condenação judicial, desdeque executados sob a fiscalização das autoridades públicas, e que o indiví-duo não seja posto à disposição de interesses particulares de pessoas ouempresas privadas. Trabalhos exigidos em casos de força maior e aquelespequenos serviços de uma comunidade, no interesse direto da coletivida-de, contanto que a população tenha o direito de se manifestar sobre suanecessidade, também não implicam trabalho forçado. Destaca que, nesseperíodo de transitoriedade, nem todos podem ser submetidos a trabalhosforçados. Prevê o documento que apenas os adultos válidos, do sexo mas-culino, entre 18 e 45 anos, estando isentos o pessoal de escolas, alunos eprofessores, poderão sê-lo. Prega a manutenção, em cada coletividade,de um número de homens adultos e válidos, indispensáveis à vida familiare social, bem como o respeito aos vínculos conjugais e familiares.

O período máximo a que um indivíduo pode ser submetido a trabalhosforçados ou obrigatórios é de sessenta dias, em cada doze meses, aquicompreendidos os dias destinados à locomoção até o lugar do trabalho. Onúmero de horas deverá ser o mesmo adotado para o trabalho livre, compagamento suplementar dos excessos. Um dia de repouso semanal deve-rá ser concedido.

O pagamento pelo trabalho deverá ser feito diretamente àquele que opresta, e não ao seu chefe ou qualquer autoridade. A remuneração será emespécie, em valor igual ao comumente pago pelo mesmo trabalho executa-do por trabalhador livre. Deduções a título de alimentação, que não a habitual,vestuário, alojamento, etc., não poderão ser feitas nos salários, pois sãoconsideradas condições especiais de seu trabalho.

Asseguram-se indenizações por acidentes e moléstias do trabalho,bem como assistência médica. A Convenção regula, ainda, os casos detransferência de local de trabalho, de condições de higiene e segurança,de assistência à família, e repatriamento gratuito.

Proíbe-se o trabalho forçado em minas subterrâneas.

Da definição e regulação encartadas no texto da Convenção 29 infere-se que o trabalho forçado, porque exigido contra a vontade do trabalhador,mesmo durante o período transitório, em que será admitido, até sua su-pressão final, deverá garantir o respeito à dignidade do trabalhador.

E essas garantias manifestam-se através: do pagamento dos saláriosdiretamente ao trabalhador, nos mesmos parâmetros que aos trabalhado-res livres; da jornada prevista e repouso assegurado; da proibição de des-contos na forma prevista; das condições de higiene e segurança do local detrabalho, da assistência médica ao trabalhador e à família; do regramentodas transferências.

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Assim, extrai-se do exposto que: mesmo onde haja cerceio à livremanifestação de vontade do trabalhador, para exercer determinada ativi-dade, devem ser respeitadas e garantidas as condições mínimas de exercíciodo trabalho de forma digna e nos mesmos moldes que se garantem aotrabalhador livre.

De se destacar que a nova redação do art. 149 do Código Penal, dadapela Lei n. 10.803/2003, utilizou a expressão trabalhos forçados, como ele-mento tipificador do trabalho escravo, o que será abordado em seqüência.

O TRABALHO EM CONDIÇÕES DEGRADANTES

Como definir trabalho em condições degradantes?

Degradante, adjetivo do verbo degradar, no dizer de Aurélio Buarquede Holanda, significa privar de dignidades ou encargos, estragar, deteriorar;rebaixar.(4)

Trabalho degradante é, pois, aquele que priva o trabalhador de dignida-de, que o rebaixa e o prejudica, a ponto, inclusive, de estragar, deteriorar suasaúde.

Observe-se que mais uma vez o princípio da dignidade serve comomarco diferencial de situações fáticas.

Um trabalho penoso que implique certo sacrifício, por exemplo, não seráconsiderado degradante se os direitos trabalhistas de quem o prestar estive-rem preservados e as condições adversas, devidamente mitigadas/compen-sadas com equipamentos de proteção/pagamento de adicionais devidos.

Por outro lado, será degradante aquele que tiver péssimas condiçõesde trabalho e remuneração incompatível, falta de garantias mínimas desaúde e segurança; limitação na alimentação e moradia.(5) Enfim, aqueleque explora a necessidade e a miséria do trabalhador. Aquele que o fazsubmeter-se a condições indignas.

É o respeito à pessoa humana e à sua dignidade que, se não obser-vados, caracterizam trabalho em condições degradantes.

(4) Degradar1 [Do lat. tard. degradare.] V. t. d. 1. Privar de graus, dignidades ou encargos;exautorar: degradar um magistrado. 2. Tornar vil ou desprezível; aviltar, envilecer: Tal comporta-mento degrada o país. 3. Estragar, deteriorar, desgastar: Os ventos e as chuvas degradaram asrochas. 4. Atenuar ou diminuir gradualmente; graduar: degradar tonalidades duma pintura. V. t. d. e i.5. Privar, rebaixar: O comando degradou dos seus títulos alguns dos oficiais. V. p. 6. Envilecer-se,aviltar-se, rebaixar-se: “Sim, é o culto da palavra que está em crise, é a retórica que entrou emdecadência, é o estilo que deperece, é a eloqüência que se degrada”. (Neemias Gueiros. AAdvocacia e o Seu Estatuto, p. 27). [Cf. degredar. ](5) Diligências do Ministério Público do Trabalho, juntamente com o Ministério do Trabalho e aPolícia Federal, encontraram no Pará trabalhadores cerceados no seu direito de ir e vir, escraviza-dos por dívidas, dormindo em barracas de lona e bebendo da mesma água que animais.

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Daqui já se pode tecer uma comparação entre o trabalho forçado,conforme previsto na Convenção 29 da OIT e o trabalho degradante.

O primeiro é aquele obrigatório e sujeito à pena, mas que até suasupressão total terá de respeitar a dignidade daquele de quem é exigido. Osegundo pode ter causa justificadora e não ser forçado, mas sua ilegitimi-dade advém das condições de prestação em desrespeito à dignidade dequem o executa.(6)

Trabalho forçado é, pois, uma categoria ampla, que envolve diversasmodalidades de trabalho involuntário, inclusive o escravo.

O TRABALHO ESCRAVO

Com relação ao trabalho escravo, distingue-se ele do forçado, comoprevisto na Convenção 29. O primeiro, além de se utilizar de coerção física e,às vezes, moral, para subjugar o trabalhador e impedir sua livre ação e opção,concorre com condições degradantes de exercício e aviltamento da figurado trabalhador, proibidas no segundo. Pune-se de acordo com a lei que opróprio empregador cria em seu interesse.

Apesar de nem todo trabalho em condições degradantes ser escravo,a recíproca não é verdadeira. Todo trabalho escravo é degradante, uma vezque são desrespeitadas a liberdade e a dignidade da pessoa humana coma sua imposição.

Por óbvio, nem todos os casos em que o trabalhador não recebe seusalário caracterizam escravidão. O elemento diferenciador é o cerceamentoda livre opção e ação do trabalhador. A prestação é exigida contra a suavontade. Não bastam más condições de vida, meio ambiente comprometi-do e salários baixos ou insuficientes. O núcleo da relação escravista estáfulcrado em violência, em mecanismos de coerção física e moral, utilizadospara subjugar os trabalhadores.

A limitação à liberdade e o elemento volitivo são, portanto, imprescin-díveis para que ocorra o trabalho escravo.

O trabalhador não pode decidir sobre realizar o trabalho ou não. Nãopode decidir sobre sua permanência no local da prestação. É coagido a

(6) A situação dos trabalhadores bolivianos, em confecções ilegais em São Paulo, descreve comperfeição a situação de trabalho em condições degradantes, como pôde constatar esta Procurado-ra em diligência efetuada por força de processo a seu cargo. Não há óbice ao direito de ir e vir dostrabalhadores. Circulam pelas áreas próximas ao local de trabalho, seus filhos brincam livrementenas ruas, alguns freqüentam pequenas escolas de bairro. Mais não fazem por medo de seremdetidos pela Polícia Federal e deportados, por se encontrarem no país em situação irregular. Noentanto, os locais de trabalho carecem de condições mínimas de segurança (fios desencapados,iluminação insuficiente), os quartos em que dormem em beliches são verdadeiros pardieiros e o paga-mento que recebem pelo trabalho é ínfimo (cerca de 50 centavos por peça produzida).

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ficar. É coagido a trabalhar. Pode até ter aceitado, de início, a execução dotrabalho, mas não pode interrompê-la por sua própria vontade.

São vários os princípios fundamentais feridos. Atenta-se contra a sualiberdade, contra a igualdade de tratamento com as demais pessoas, eprincipalmente contra a sua dignidade como pessoa humana, porque étratado como qualquer outro ser ou objeto, espoliado daquela característicaque o distingue de todos os demais seres.

A coação física pode manifestar-se através de castigos infligidos, cár-cere privado, vigilância armada, retenção de documentos, etc. Pode decor-rer, inclusive do fato de a prestação de trabalho ser em local de difícil aces-so, do qual o trabalhador não possa sair por seus próprios meios. A coaçãomoral, por outro lado, pode estar ligada a dívidas contraídas para chegar aolocal de trabalho, com a falsa promessa de ganhos imediatos que respon-derão pelos empréstimos e permitirão ao trabalhador retornar para suacasa em situação melhor. Pode ser decorrente de compra de alimentos, porum custo maior, em local de propriedade do dono da obra, que dessa formavai tornando o trabalhador cada vez mais dependente. Pode ser decorrente,ainda, de despesas com moradia, como a aquisição de barracas e materialde trabalho. O elemento subjetivo da violência é a vontade do agente (em-pregador) de assegurar que o trabalhador se sujeitará ao vínculo de traba-lho e não o romperá. E para obter o resultado pretendido, o empregadorutiliza-se de fraude e violência. Os maus tratos são assim exemplificadospelo colega Jairo Lins em obra de sua autoria: surras de cipó e de facão,manter-se o trabalhador acorrentado em grilhões semelhantes aos utiliza-dos no período escravocrata, ferros, açoites, cães treinados, etc. Caso ex-tremamente cruel é o vôo da morte: “... o trabalhador é espancado, muitasvezes com uma corda encharcada de água, e a seguir jogavam-lhe águafria. Depois, faziam-no equilibrar-se em cima de tábuas na traseira de umapick-up, sem ter onde se agarrar, a não ser nos lados da camioneta, aosquais tinha de se agarrar com as mãos. Às vezes, duas ou três pessoaseram colocadas assim, na traseira da camioneta. Então alguém — informa-se que muitas vezes era o administrador da fazenda — dirigia a camioneta,descendo um morro a toda velocidade”.(7)

Ricardo Rezende(8) assim descreve as situações encontradas: “nosdepoimentos coletados no Piauí e Mato Grosso, há a presença do medo emsituações palpáveis, visíveis conhecidas e reais, e em situações poucoclaras e indefinidas. Ele se manifesta em relação aos animais, à distância,à chuva e à seca, às dívidas crescentes, à viagem, à permanência na fazen-da, à fuga, à polícia, aos homens que controlam o trabalho, aos que detêmo monopólio da violência e definem a solidão, às sanções morais e físicas

(7) SENTO-SÉ, Jairo Lins de A. Trabalho escravo no Brasil. São Paulo: LTr, 2001, pp. 58/59.(8) Op. cit., p.155.

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e, por isso, aos limites do movimento do corpo e da liberdade. E há o medode falar. Atinge com maior intensidade os trabalhadores e suas famílias,mas também os ‘gatos’, os pistoleiros, os aliciadores e os fazendeiros.Todos, de certa forma, o experimentaram, mesmo se em graus e situaçõesdiferentes”.

Depoimento colhido por Patrícia Audi e relatado no Fórum SocialMundial de 2003(9) mostra como um trabalhador se comporta: “tendo fugi-do da fazenda, ele contava que havia recebido por aqueles meses detrabalho, por oito meses de trabalho, a quantia de 150 reais. E, quandoperguntado por que havia fugido da fazenda, a resposta não foi menossurpreendente. Ele havia fugido porque a carne era azul, a comida fedia, eporque ele havia se recusado a comer naquelas condições, o fazendeiro oameaçava de morte”.

A LEI N. 10.803/2003

O Código Penal de 1940 assim definia o crime:

Reduzir alguém à condição análoga à de escravo:

Pena: reclusão de dois a oito anos.(10)

Ela Wiecko de Castilho(11) sobre o crime, entendeu: “A ação típica con-siste em privar de liberdade a vítima, em tal extensão que ela fique totalmen-te submetida ao poder de outrem reduzindo-a à condição semelhante à deescravo. Ou seja, ocorre uma despersonalização do sujeito passivo, que étratado como coisa”.

E Heleno Fragoso advertiu ser exigível do julgador “cuidadosa análisedos fatos em situações duvidosas”, como na hipótese em que o sujeitopassivo livremente se coloca e se mantém numa situação de sujeição total,sem que haja qualquer iniciativa da pessoa favorecida”.(12)

Por seu turno, a Lei n. 10.803/2003 veio a alterar a redação do art. 149do Código Penal, para assim definir o crime que prevê:

(9) Op. cit., p. 74.(10) O Código Penal Comentado, de Celso Delmanto, Roberto Delmanto e Roberto Delmanto Jr.,Editora Renovar, 4ª ed. 1998, p. 281, assim comentava: “A conduta consiste em submeter alguémà sujeição absoluta, reduzindo-o a condição análoga (semelhante, comparável) à de escravo. Paratipificação não se exige que haja uma verdadeira escravidão, nos moldes antigos. Contenta-se alei com a completa submissão do ofendido ao agente. O crime pode ser praticado de vários modos,sendo mais comum o uso da fraude, retenção de salários, ameaça ou violência. Infelizmente, aindahoje, há prática desse crime em fazendas ou plantações distantes”.(11) CASTILHO, Ela Wiecko Volkmer de. Trabalho forçado e trabalho escravo no direito penalbrasileiro. Florianópolis, UFSC, 1994. Tese. Doutorado em Direito. Centro de Ciências Jurídicas.Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 1994.(12) FRAGOSO, Heleno. Lições de Direito Penal, 1955, parte especial, vol. I, p. 161.

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Art. 149 — Reduzir alguém à condição análoga à de escravo, quersubmetendo-o a trabalhos forçados ou a jornada exaustiva, quer su-jeitando-o a condições degradantes de trabalho, quer restringindo, porqualquer meio, sua locomoção em razão de dívida contraída com oempregador ou preposto.

Pena — reclusão, de dois a oito anos, e multa, além da pena corres-pondente à violência.

§ 1º — Nas mesmas penas incorre quem:

I — cerceia o uso de qualquer meio de transporte por parte do traba-lhador, com o fim de retê-lo no local de trabalho;

II — mantém vigilância ostensiva no local de trabalho ou se apoderade documentos ou objetos pessoais do trabalhador, com o fim deretê-lo no local de trabalho.

§ 2º — A pena é aumentada de metade, se o crime é cometido:

I — contra criança ou adolescente;

II — por motivo de raça, cor, etnia, religião ou origem.

Trouxe, pois, como elementos do tipo, a submissão a trabalhos força-dos ou a jornada exaustiva, as condições degradantes de trabalho e a res-trição de locomoção do trabalhador, em razão de dívidas contraídas.

Enquadrou no mesmo tipo penal o cerceamento de meio de transpor-te por parte do trabalhador, a vigilância ostensiva e a retenção de documen-tos, para evitar que o trabalhador deixe o local de trabalho.

Considerando-se que são concretas as sanções penais, as possibi-lidades de seu agravamento, as multas administrativas, a pretendida expro-priação de terras(13) e as restrições administrativas a atingirem os escravo-cratas de hoje, mister se faz o correto enquadramento no tipo, a fim de quesituações equivocadas gerem conseqüências indesejadas.(14)

(13) A PEC 438/2001 trata do confisco de terras nas quais for encontrado trabalho escravo. Pretendedar a seguinte redação para o art. 243 da CF: os imóveis rurais, de qualquer região do país, ondeforem localizados cultivo e/ou processamento ilegais de plantas psicotrópicas, bem como ficarcomprovada a existência de trabalho escravo, serão imediatamente expropriados e especifica-mente destinados ao assentamento de trabalhadores rurais sem terra, sem qualquer indenização aoproprietário e sem prejuízo de outras sanções previstas em lei.(14) “O Sindicato Rural de Araguaína e familiares do fazendeiro João Batista Lopes, de 66 anos, quese matou no último domingo, em sua propriedade rural, a 22 km do município de Xambioá, Norte doEstado, vai elaborar um manifesto para o Ministério Público do Trabalho, aos governos estadual efederal sobre as ações feitas por auditores fiscais do trabalho e pela Polícia Federal, nas fazendasda região... Em nota divulgada à imprensa, ontem o Senador João Ribeiro (PFL-TO) criticou a formacomo é feita a fiscalização, afirmando que os fiscais em momento algum encontraram trabalhado-res cerceados de liberdade. Lamentavelmente se tem registrado ocorrências, no mínimo equivoca-das, quando são apuradas denúncias de existência de tal delito em centenas de propriedades ruraisque, na verdade, ainda não modernizaram suas relações trabalhistas”. Joselita Matos, correspon-dente, de Araguaína para Jornal do Tocantins, edição de 15.6.2004.

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Inicialmente, deve ser destacado que qualquer norma jurídica restriti-va de direitos, que tenha como conseqüência a aplicação de uma pena,deve ser interpretada restritivamente.

Por outro lado, há necessidade de caracterizar-se legalmente o traba-lho escravo, com vistas a afastar o principal argumento daqueles que ne-gam sua existência, justificando-o como sendo apenas uma relação cultu-ral de hierarquia entre senhor e camponês, advinda da própria miséria queassola o campo.

Dessa forma, passo a analisar.

Em primeiro lugar, meras irregularidades trabalhistas, como falta deregistro em carteira de trabalho, desrespeito a condições de saúde e segu-rança não podem ser confundidas com trabalho escravo. Más condições detrabalho e salários insuficientes também não. Quando muito, conforme ocaso, configurariam trabalho em condições degradantes.(15) Em outros, ape-nas infrações à legislação protetiva do trabalhador, devidamente reprimi-das, quer administrativa, quer judicialmente. Como exemplo, o caso dosimigrantes ilegais, que se sujeitam a condições degradantes de trabalho etêm desrespeitados diversos direitos trabalhistas. Superexploração nãoé necessariamente trabalho escravo.

No entanto, pode haver escravidão mesmo onde o trabalhador delanão esteja consciente.

Para corretamente enquadrar a situação como trabalho escravo, tipifi-cando-a conforme previsto no caput do art. 149 e do seu § 1º, deve-se inicial-mente aceitar que a redação legal comporta diversas situações a caracteri-zarem o trabalho escravo. Com efeito, o caput do artigo reza: Reduzir al-guém a condição análoga à de escravo, quer submetendo-o a trabalhosforçados ou a jornada exaustiva, quer sujeitando-o a condições degradantesde trabalho, quer restringindo por qualquer meio, sua locomoção em razão dedívida contraída com o empregador ou preposto.

Nas mesmas penas incorre quem cerceia o uso de qualquer meio detransporte por parte do trabalhador, com o fim de retê-lo no local de trabalho

(15) Exemplo de trabalho em condições degradantes é objeto de matéria publicada no Jornal Folhade São Paulo, em 24 de julho de 2004 — Lavoura Arcaica — Trabalhadores cumpriam jornada ilegal— Ministério identifica 300 cortadores de cana em condições “subumanas” — Maurício Simionato— da Agência Folha em Campinas — “O Ministério do Trabalho identificou ontem em Conchal (184km ao norte de São Paulo) pelo menos 300 trabalhadores rurais, cortadores de cana vivendo emcondições subumanas... Os trabalhadores estavam em alojamentos mal ventilados e em condi-ções precárias de higiene. Alguns deles dormiam em colchões no chão. Eles eram obrigados atomar banho gelado e usar equipamentos, como óculos e luvas, que não são apropriados, disse ofiscal... ‘Fiz um empréstimo de R$ 170,00 para pagar a passagem de ônibus até Conchal. Quandocheguei aqui, tive que pagar até pelo alojamento para dormir. Hoje, estou cheio de dívidas e nãoconsigo mais voltar para casa’, disse o cortador de cana Antonio Malaquias, 35, que deixou cincofilhos e a mulher na Paraíba para trabalhar na safra da região”.

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ou, ainda, mantém vigilância ostensiva no local de trabalho ou se apoderade documentos ou objetos pessoais do trabalhador, com o fim de retê-lo nolocal de trabalho.

Resulta, pois, da leitura do artigo, que:

a) a submissão a trabalhos forçados é trabalho escravo;

b) a submissão a jornadas exaustivas, igualmente;

c) condições degradantes de trabalho implicam trabalho escravo;

d) restringir locomoção por dívidas acarreta trabalho escravo;

e) cerceio de uso de meio de transporte para reter trabalhador no localde trabalho configura trabalho escravo;

f) vigilância ostensiva ou retenção de documentos com o fito de impe-dir que o trabalhador deixe o local de trabalho, constitui, finalmente,trabalho escravo.

Com todo respeito, não andou bem o legislador.

Primeiro, porque a simples submissão a trabalhos forçados ou a jor-nada exaustiva de trabalho, por si só, não configuram trabalho escravo. AConvenção 29 da OIT traz hipóteses de cerceio de vontade que não sãoenquadradas como crime (o trabalho exigido em virtude de condenaçãojudicial, o serviço militar obrigatório, casos de força maior, etc.). Por seuturno, jornada exaustiva pode resultar simplesmente em infração à legisla-ção do trabalho, devidamente apenada, na via administrativa.

Condições degradantes de trabalho, por sua vez, podem não significartambém trabalho escravo, se não houver impedimento para o trabalhadordeixar o local de trabalho. Mais uma vez, poderão implicar, tão-somente, infra-ções administrativas. Já foi dito, no entanto, que a recíproca não é verdadeira.

Já restringir a locomoção por dívidas, cercear de uso de meio de trans-porte para reter trabalhador no local de trabalho, vigiar ostensivamente oureter documentos com o fim de impedir que o trabalhador deixe o localcaracterizam, sim, trabalho escravo.

E qual seria o elemento a distinguir e caracterizar cada uma dessassituações, para finalmente enquadrá-las como trabalho escravo?

O elemento volitivo livremente manifestado. A vontade do trabalhadorque em algumas situações necessariamente não está sendo cerceada,mas que em outras surge claramente do uso dos verbos: restringir, vigiar ereter. Essas três ações trazem em seu bojo o elemento impeditivo de algo,qual seja, a livre manifestação da vontade do trabalhador.

É óbvio que, no caso de jornada exaustiva e condições degradantes,se houver óbice à manifestação da vontade, ao direito de ir e vir, estará

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configurado o trabalho escravo. Igualmente, quando o trabalho forçado nãoestiver entre aquelas hipóteses de exclusão de ilegitimidade.

Quando surgir a coação, física ou moral, que limitar a vontade do traba-lhador e o obrigar a permanecer no local de trabalho contra a sua vontade,(pois se pudesse fazer diferente não se submeteria a tais condições), esta-rá definida a situação como criminosa.

A impossibilidade de livre manifestação da vontade, qualquer que seja omotivo revelador, entre os tantos descritos é, pois, o elemento crucial a diferen-ciar o crime, que será apenado segundo a previsão do Código e a irregularida-de trabalhista, que será reprimida via auto de infração e, em alguns casos,ação judicial.

OUTROS CRIMES ANÁLOGOS

O Código de 1940 prevê, ainda, a existência de mais dois crimes, queguardam alguma relação com o do art. 149. São os descritos nos arts. 203(frustração de direito assegurado em lei trabalhista) e 207 (aliciamento detrabalhadores de um local para outro do território nacional).

Art. 203 — Frustrar mediante fraude ou violência, direito asseguradopela legislação do trabalho.

Pena — detenção de um a dois anos, e multa, além da pena corres-pondente à violência.

Celso Delmanto(16) esclarece que frustrar tem o significado de iludir,privar, e que é essencial à tipificação do delito o emprego de fraude ouviolência contra a pessoa para frustrar o direito assegurado pela legislaçãodo trabalho. É uma norma penal em branco, uma vez que os direitos por elaassegurados devem ser encontrados nas leis protetivas do trabalho.

Comportamento bastante comum na zona rurícola, privilegiado peloisolamento das fazendas, parcos conhecimentos ou mesmo analfabetismodos trabalhadores, que desconhecem as obrigações derivadas da legisla-ção trabalhista, que devem ser cumpridas pelos patrões.

A Lei n. 9.777/98 acrescentou um § 1º a esse artigo, para prever quena mesma pena incorre quem:

I — obriga ou coage alguém a usar mercadorias de determinado estabe-lecimento, para impossibilitar o desligamento do serviço, em virtudede dívida, ou

II — impede alguém de se desligar de serviços de qualquer natureza,mediante coação ou por meio de retenção de documentos pessoais.

(16) Op. cit., p. 383.

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A sanção do inciso I é direcionada à empresa que mantém armazénspara a venda de produtos a seus empregados, em desrespeito ao § 2º doart. 462 da CLT.

E a mesma lei instituiu, ainda, aumento de pena, de 1/6 a 1/3, se avítima for menor de dezoito anos, idosa, gestante, indígena ou portadora dedeficiência física ou mental.

Aqui já se denotava a preocupação com o tipo que, afinal, resultou daredação do art. 149, dada pela Lei n. 10.803/2003.

Art. 207 — Aliciar trabalhadores, com o fim de levá-los de uma paraoutra localidade do território nacional:

Pena — detenção de dois meses a um ano e multa.

§ 1º — Incorre na mesma pena quem recrutar trabalhadores fora dalocalidade de execução do trabalho, dentro do território nacional, medi-ante fraude ou cobrança de qualquer quantia do trabalhador, ou, ain-da, não assegurar condições do seu retorno ao local de origem.

E da mesma forma que o anterior, aumenta-se a pena, de 1/6 a 1/3, sea vítima for menor de dezoito anos, idosa, gestante, indígena ou portadorade deficiência física ou mental.

Na cadeia do trabalho escravo, o crime do art. 207 é o que o inicia. Osgatos aliciam os trabalhadores para levá-los a fazendas distantes de suaterra natal, onde terminam por se sujeitar às condições já descritas detrabalho degradante. Ainda que a mudança se inicie com ato espontâneodos trabalhadores, a fraude está por trás, a viciar o ato de tal forma que ocrime se tipifica com a simples chegada dos trabalhadores ao local ondeserão explorados.

CONCLUSÃO

Consideradas as três Américas, o Brasil foi o país com maior tempode escravidão. Mais de trezentos anos. Segundo alguns, o número de ne-gros que chegaram aqui como escravos foi de cerca de cinco milhões.Número igual teria ficado no meio do caminho, tendo o oceano como sepul-tura. E esse regime só terminou, pelo menos de forma oficial, quando setornou um fato político, apesar de outras razões duvidosas terem concorrido.Era mais cômodo, por exemplo, para o sistema capitalista, a passagemdo trabalho manual escravo para as manufaturas e para as indústrias. Erapreferível que houvesse trabalho assalariado e não mais escravo. Infeliz-mente, nesse momento, a dignidade da pessoa humana, mais uma vez,não foi o motivo determinante para a mudança da situação.

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Quando a Lei do Ventre Livre foi aprovada, não sem uma prévia eabsurda discussão sobre o direito de propriedade(17) do senhor à força detrabalho, o número de habitantes no Brasil girava em torno de 9.900.000. Osescravos eram 15% da população.

Os números de hoje, relativos a trabalhadores encontrados em situa-ção escrava, não nos deixam em melhor situação.

Daí a necessidade de correta caracterização do crime e penalizaçãodos responsáveis.(*)

(*) Texto extraído de monografia apresentada para obtenção de título de pós-graduação em DireitosHumanos pela USP — O princípio da dignidade humana e a servidão por dívidas.

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A CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA NOS ACORDOSTRABALHISTAS — A INDICAÇÃO DA NATUREZA

JURÍDICA DAS PARCELAS, PREVISTA NO § 3º DOART. 832 DA CLT, É UMA MODALIDADE

DE LANÇAMENTO TRIBUTÁRIO

Eduardo Garcia de Queiroz (*)

Eduardo Garcia de Queiroz Filho(**)

1. INTRODUÇÃO

A Emenda Constitucional n. 20, de 5 de dezembro de 1998, acrescen-tou o § 3º ao art. 114 da Carta Magna e com ele estabeleceu, de formadefinitiva, a competência da Justiça do Trabalho para executar, de ofício, ascontribuições sociais previstas no seu art. 195, inciso I, a, e II, e seus acrés-cimos legais, decorrentes das sentenças que proferir.

Regulamentando a matéria no âmbito infraconstitucional, a Lei n. 10.035,de 25.10.2000, introduziu acréscimos e fez alterações em diversos disposi-tivos da Consolidação das Leis do Trabalho e da Lei n. 8.212, de 24 de julhode 1991, com o objetivo de dotar o processo do trabalho de instrumentosadequados para viabilizar e tornar efetiva a execução das contribuições pre-videnciárias na Justiça do Trabalho.

No cotidiano judiciário trabalhista, entretanto, a determinação legalcontida no § 3º do art. 832 da CLT — para que as decisões cognitivas ouhomologatórias indiquem sempre a natureza jurídica das parcelas cons-tantes da condenação ou do acordo homologado, inclusive, se for o caso, olimite de responsabilidade de cada parte pelo recolhimento da contribuiçãoprevidenciária — tem provocado controvérsias e ensejado um aumento des-mesurado de recursos do INSS.

A origem da polêmica está nas diferentes formas de compreensão danatureza jurídica da norma contida nesse dispositivo legal.

(*) Membro do Ministério Público do Trabalho. Procurador Regional do Trabalho, lotado na Procura-doria Regional do Trabalho da 15ª Região.(**) Advogado em Minas Gerais.

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Aqueles que vêem no § 3º do art. 832 da CLT uma norma de naturezatrabalhista, interpretam e aplicam-na em consonância com os princípios da con-ciliação do processo do trabalho, e concluem: a) que cabe unicamente às partesdizer a que título está sendo efetivada a composição; b) que a atuação do juizlimita-se a velar pela compatibilidade da natureza das parcelas especificadaspelos acordantes com os pedidos deduzidos na petição inicial; e c) que nãocabe, nem ao juiz, nem ao INSS, qualquer interferência na vontade das partes.Imbuídos desse raciocínio, entendem que mesmo havendo pedido de verbasalarial na petição inicial, ou na condenação, se as partes declararam que oacordo envolve apenas parcelas de natureza indenizatória, não é devida a contri-buição previdenciária, posto que, nessa hipótese, não ocorre o fato gerador.

Contrariamente, outros afirmam que é a lei e não a vontade das partesque faz nascer o fato imponível; que é o comando legal que determina seesta ou aquela situação estão sujeitas ou não à incidência da norma tribu-tária. Daí concluem que a indicação da natureza das parcelas, pelas partes,não influi na ocorrência do fato gerador.

Neste trabalho, procura-se demonstrar, objetivamente, que o § 3º doart. 832 da CLT instituiu uma modalidade de lançamento tributário, cujafinalidade é verificar e registrar a ocorrência do fato gerador, a fim de apurara quantia devida pelo sujeito passivo da obrigação previdenciária. Sendoum lançamento tributário, tem natureza meramente declaratória, e conse-qüentemente não tem o condão de alterar em nenhum de seus aspectos,valorativo, qualitativo ou quantitativo, o fato gerador já consumado.

Partindo da constatação da natureza tributária da norma contida no § 3º doart. 832 da CLT, conclui-se que, se houver pedido de verbas salariais nainicial, ou na condenação, a homologação do acordo gera, automaticamen-te, a obrigação de recolher a contribuição previdenciária. Em razão disto, aindicação apenas de verbas indenizatórias, ou que não guarda proporcio-nalidade com verbas salariais pedidas na inicial ou constantes da conde-nação, não influi no cálculo da contribuição previdenciária devida em razãodo acordo homologado.

2. O FATO GERADOR DA CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA NO CASO DOACORDO HOMOLOGADO NO JUÍZO TRABALHISTA

O art. 20 da Lei n. 8.212/91 estabelece que a contribuição do empre-gado e a do trabalhador avulso é calculada mediante a aplicação da corres-pondente alíquota sobre o seu salário-de-contribuição mensal, de formanão cumulativa. Por sua vez, o art. 28 do mesmo diploma legal define osalário-de-contribuição, para o empregado e trabalhador avulso, como sen-do a remuneração auferida em uma ou mais empresas, assim entendida atotalidade dos rendimentos pagos, devidos ou creditados a qualquer título,

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durante o mês, destinados a retribuir o trabalho, qualquer que seja a suaforma, inclusive as gorjetas, os ganhos habituais sob a forma de utilidadese os adiantamentos decorrentes de reajuste salarial, quer pelos serviçosefetivamente prestados, quer pelo tempo à disposição do empregador outomador de serviços nos termos da lei ou do contrato ou, ainda, de conven-ção ou acordo coletivo de trabalho ou sentença normativa.

No caso do acordo homologado no juízo trabalhista, havendo verbasde natureza salarial no pedido inicial ou na condenação, uma vez celebradoe homologado, o acordo quita essas verbas e ocorre o fato gerador dacontribuição previdenciária.

O § 3º do art. 764 da CLT dispõe que é lícito às partes celebrar acordo queponha termo ao processo. Portanto, o acordo homologado põe termo ao pro-cesso, ele quita o objeto do processo, tanto que, em decorrência da homologa-ção do acordo, o juiz extingue o processo com julgamento do mérito (art. 269, III,do CPC). A quitação do processo implica, ipso facto, a quitação de todas asverbas pedidas na inicial ou constantes da condenação, tanto as de naturezasalarial (que constituem o salário-de-contribuição) quanto as indenizatórias.

A Orientação Jurisprudencial n. 132 da SDI 2, do C. TST(1), emboratenha sido editada com o propósito de firmar entendimento sobre temarescisório, contém exegese do § 3º do art. 764 da CLT, e confirma o enten-dimento de que o acordo homologado, celebrado para pôr termo ao proces-so, alcança o objeto da inicial, ou seja, quita todas as verbas pedidas nainicial, e não apenas as verbas discriminadas no acordo.

Daí a razão de se afirmar que, havendo verbas de natureza salarial nopedido inicial ou na condenação, uma vez celebrado e homologado, o acor-do quita essas verbas e ocorre o fato gerador da contribuição previdenciária.

Donde se conclui que a indicação da natureza das parcelas do acor-do, prevista no § 3º do art. 832 da CLT, não influencia na ocorrência do fatogerador da contribuição previdenciária.

Então — poder-se-ia indagar — o que é, e para que serve, a indicaçãoda natureza jurídica das parcelas constantes da condenação ou do acordohomologado, e da responsabilidade de cada parte pelo recolhimento dacontribuição previdenciária, exigida pelo § 3º do art. 832 da CLT?

3. A NATUREZA TRIBUTÁRIA DA CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA

Para se responder à indagação acima, para se compreender a natu-reza jurídica dessa exigência legal e entender sua finalidade é preciso partir

(1) OJ 132 da SDI 2 do C. TST: “Acordo celebrado — homologado judicialmente — em que oempregado dá plena e ampla quitação, sem qualquer ressalva, alcança não só o objeto da inicial,como também todas as parcelas referentes ao extinto contrato de trabalho, violando a coisa julgada,a propositura de nova reclamação trabalhista”.

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da constatação de que a Constituição Federal de 1988 consagrou o carátertributário da contribuição previdenciária.

A Constituição Federal de 1988, ao inserir o art. 149, que atribuiu com-petência à União para a instituição de contribuições sociais, no Título VI (DaTributação e do Orçamento), e no Capítulo I, desse mesmo Título VI, quecuida do Sistema Tributário Nacional, consagrou definitivamente o carátertributário da contribuição previdenciária e dirimiu de vez qualquer dúvida quepudesse existir anteriormente à promulgação da atual Carta Política, quantoà natureza tributária da contribuição previdenciária.

Essa é a visão do eminente Ministro Carlos Velloso, do Supremo Tri-bunal Federal, expressada no voto que proferiu na sessão plenária do dia18 de agosto de 2004, quando foi julgada a ADIN 3.105-8:

as contribuições previdenciárias constituem espécie tributária. Até apromulgação da Constituição de 1988, a questão apresentava polê-mica. Existiam os que, ardorosos fiscalistas, não emprestavam àscontribuições previdenciárias caráter tributário. A Constituição de 1988acabou com a polêmica, consagrando o caráter tributário dessas con-tribuições... Não há mais dúvida, não há mais polêmica: as contribui-ções previdenciárias, hoje denominadas contribuições de segurida-de social, são espécies tributárias.

4. COMO TODO TRIBUTO, A COBRANÇA DA CONTRIBUIÇÃOPREVIDENCIÁRIA DEVE PREENCHER REQUISITOS E ATENDERA REGRAS ESTABELECIDAS NO CÓDIGO TRIBUTÁRIO NACIONAL

Sendo um tributo, a cobrança da contribuição previdenciária deveatender e obedecer a todos os procedimentos e requisitos necessários àcobrança de todo e qualquer tributo, quais sejam: a) que o tributo (no casoa contribuição previdenciária) seja criado por lei; b) que a lei preveja ahipótese de incidência; c) que a lei descreva o fato gerador ; d) que o nasci-mento da obrigação tributária esteja condicionada à prática do fato gerador; ee) que o administrador público constitua o crédito tributário através dolançamento.

O primeiro desses requisitos é que o tributo seja criado por lei. Todaobrigação tributária decorre de lei, sendo ela a causa da existência do tribu-to. A criação de tributo exige subordinação estrita ao princípio da legalidade.

Ao criar um tributo, a lei descreve a hipótese de incidência, que nadamais é que a descrição de um fato econômico de relevância jurídica para odireito tributário. Uma vez concretizada a conduta prevista na hipótese deincidência, configura-se o fato imponível e ocorre o fato gerador, do qualnasce a obrigação tributária. Por isso se diz que da ocorrência do fato gera-dor nasce a obrigação tributária.

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Como ensina Yoshiaki Ichihara

Existindo na lei a descrição do fato gerador, a que denominamos de“hipótese de incidência”, quando alguém (contribuinte do tributo) reali-zar, no mundo concreto, o comportamento típico e idêntico ao da des-crição legal — esta última que denominamos de “fato imponível” —,nesse momento ocorre o fato gerador que, por conseguinte, gera aobrigação de pagar o tributo.

(Direito Tributário. São Paulo: Atlas, 3ª ed., 1989, p. 120)

No caso da contribuição previdenciária, sua criação tem assento cons-titucional no art. 195 e sua cobrança foi instituída e regulamentada por leisinfraconstitucionais específicas sobre essa espécie tributária. Para o em-pregado e trabalhador avulso, o fato gerador da obrigação previdenciária é opagamento de verbas integrantes do salário-de-contribuição, definido noart. 28 da Lei n. 8.212/91. Ou seja, o que gera a obrigação de recolher acontribuição previdenciária é o pagamento de verbas remuneratórias, tam-bém denominadas salariais.

Ocorrido o fato gerador, nasce a obrigação tributária.

No caso do acordo para quitação do objeto do processo no qual hápedido de verbas salariais na inicial ou na condenação, homologado o acor-do, ocorre o fato gerador e nasce a obrigação tributária. Nesse momento, ocontribuinte torna-se devedor da Previdência.

Entretanto, para que o ente público possa receber o tributo nascido dofato gerador, é necessário que o administrador público constitua o créditotributário através do lançamento.

É imprescindível, pois, que, ocorrido o fato gerador e nascida a obri-gação tributária, o sujeito ativo constitua o crédito tributário por meio dolançamento.

O lançamento tributário é definido no art. 142 do Código TributárioNacional, e será objeto de análise no item seguinte.

5. DO LANÇAMENTO TRIBUTÁRIO — MODALIDADES — LANÇAMENTOCONSTITUTIVO DO CRÉDITO CONTRIBUTIVO PREVIDENCIÁRIOORIGINADO DE SENTENÇA HOMOLOGATÓRIA TRABALHISTA

Celebrado o acordo envolvendo parcelas salariais, ocorre o fato gera-dor e nasce a obrigação de recolher a contribuição previdenciária no mon-tante devido.

Contudo, para que o ente público possa receber o tributo, não basta aocorrência do fato gerador e o conseqüente nascimento da obrigação tribu-tária. Todo recebimento de tributo deve ser precedido da constituição do

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crédito tributário correspondente. Essa exigência decorre da adoção do sis-tema contábil de partidas dobradas, qual seja, o sistema de escrituraçãoem que cada lançamento se faz ao mesmo tempo no dever de uma conta eno haver de outra. É o sistema de contrapartidas: a todo débito deve corres-ponder um crédito equivalente.

Portanto, ocorrido o fato gerador e nascida a obrigação tributária, oente público deverá constituir o crédito tributário, através do lançamento.O lançamento é, portanto, o ato que constitui o crédito tributário.

A definição legal de lançamento está no art. 142 do Código TributárioNacional, e dela se depreende que o lançamento é o procedimento admi-nistrativo tendente a verificar a ocorrência do fato gerador da obrigaçãocorrespondente, determinar a matéria tributável, calcular o montante do tri-buto devido e identificar o sujeito passivo e, sendo o caso, propor aplicaçãoda penalidade cabível.

Do conceito legal do lançamento deduz-se seus objetivos, que são: a)verificar a ocorrência do fato gerador da obrigação correspondente; b) determina-ção da matéria tributável; c) o cálculo do montante do tributo devido; d) identifi-cação do sujeito passivo e e) aplicação da penalidade, se cabível no caso.

Segundo Vittorio Cassone, “O lançamento é o ato privativo da Adminis-tração Pública que verifica e registra a ocorrência do fato gerador, a fim deapurar a quantia devida pelo sujeito passivo da obrigação tributária”. (DireitoTributário. São Paulo: Atlas, 1991, p. 110).

O Ministro Moreira Alves, do Supremo Tribunal Federal, esclarece queo lançamento é um elemento que não ocorre no Direito Privado, porqueneste, quando as obrigações nascem ilíquidas, aplica-se o art. 1.553 doCódigo Civil Brasileiro.(2) O lançamento, segundo o Ministro, permite ao Es-tado tornar líquido o que é ilíquido, coisa que o particular não pode fazer.Assim, entende Moreira Alves que o lançamento transmuda a obrigaçãoilíquida em líquida. Não cria, não modifica nem extingue obrigação. “O Esta-do tem o Poder de lançar. Se não lançar, ocorre a decadência. O funcionáriotem o dever de lançar, sob pena de responsabilidade”, afirma o Ministro.(Ministro Moreira Alves, do STF, na Conferência Inaugural para o VII Simpó-sio Nacional de Direito Tributário, coordenado por Ives Gandra Martins eRelatório de Vittorio Cassone, apud Direito Tributário, Vittorio Cassone, obrajá referida, p. 111).

5.1. As várias formas de lançamento

O lançamento pode ser feito por várias formas. Como ensina o tributa-rista Yoshiaki Ichihara, de acordo com a natureza e as características do

(2) Referia-se ao art. 1.553 do antigo Código Civil Brasileiro, que determinava que, sendo aobrigação ilíquida, a liquidação se fixará por arbitramento.

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tributo, a legislação tributária estabelece normas e modalidades de lança-mento distintas. Há tributos cujo lançamento poderá ser efetuado unilate-ralmente pela administração, sem qualquer participação ou colaboraçãodo contribuinte; entretanto, outros exigem, para a sua eficiência, necessaria-mente a colaboração e participação dos contribuintes e responsáveis”. (Obracitada, p. 137).

Daí a razão de prever, a legislação tributária brasileira, diversas modali-dades de lançamento: lançamento de ofício; lançamento por declaração elançamento por homologação, este último também chamado autolançamento.

Sem entrar em pormenores, porque esse não é o objetivo deste traba-lho, damos, sucintamente, definições e exemplos de cada uma dessasmodalidades de lançamento:

Lançamento de ofício, também denominado unilateral ou direto, é o efe-tuado pela autoridade administrativa competente, sem qualquer participaçãoou intervenção do contribuinte. Exemplo: Imposto Predial e Territorial Urbano.

Lançamento por declaração é o efetuado com base na declaração dosujeito passivo ou de terceiro, quando um ou outro, na forma da legislaçãotributária, presta à autoridade administrativa as informações sobre matériade fato, indispensáveis à sua efetivação (art. 147 do CTN). Exemplo típicodessa modalidade de lançamento é o Imposto de Renda da Pessoa Física.

Lançamento por homologação ou autolançamento é aquele no qual a leiatribui ao contribuinte, praticamente, toda série de tarefas necessárias à cons-tituição do crédito tributário. Difere do lançamento por declaração uma vez que,no caso do lançamento por homologação, o pagamento é efetuado indepen-dentemente da homologação do lançamento. No caso do lançamento por de-claração, o pagamento só é efetuado depois que a autoridade administrativanotificar do lançamento efetuado, com base nas declarações prestadas pelosujeito passivo. Exemplos de tributos que adotam o lançamento por homolo-gação: Imposto sobre Produtos Industrializados, Imposto de Circulação deMercadorias e Serviços, Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza.

5.2. O lançamento é atividade obrigatória e vinculada aos termos dalei e é ato meramente declaratório

A constituição do lançamento é atividade obrigatória e vinculada aostermos e à vontade da lei. Nascida a obrigação tributária com a ocorrênciado fato gerador, a decisão deve constituir o crédito tributário por meio dolançamento, na medida exata da obrigação, nem mais nem menos.

Há que se atentar também para o fato de que o lançamento é um atomeramente declaratório. A obrigação tributária decorre do fato gerador;o lançamento apenas faz a constatação e a valoração desse fato. O elementoconstitutivo da obrigação tributária é, portanto, o fato gerador, e o lança-mento é o seu elemento declaratório.

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5.3. O § 3º do art. 832 da CLT instituiu modalidade própria de lança-mento para constituição do crédito tributário relativo à contribui-ção previdenciária devida em decorrência de acordo homologadona Justiça do Trabalho

O § 3º do art. 832 da CLT, com a redação que lhe deu a Lei n. 10.035,de 25 de outubro de 2000, ao estabelecer que “as decisões cognitivas ouhomologatórias, deverão sempre indicar a natureza jurídica das parcelasconstantes da condenação ou do acordo homologado, inclusive o limite deresponsabilidade de cada parte pelo recolhimento da contribuição previ-denciária, se for o caso”, nada mais fez que criar uma modalidade de lança-mento, própria e específica do crédito relativo à contribuição previdenciáriadevida em decorrência das sentenças proferidas pela Justiça do Trabalho.

5.4. Competência da autoridade judiciária trabalhista para dirigir,supervisionar e fiscalizar o lançamento, quando o fato gerador de-correr de decisão judicial homologatória de acordo

Embora o art. 142 do Código Tributário Nacional declare que o lança-mento compete privativamente à autoridade administrativa, naqueles ca-sos em que o fato gerador requer homologação por sentença judicial, oprocedimento do lançamento deve ser orientado, supervisionado e fiscali-zado pela autoridade judiciária.

Aliomar Baleeiro, na sua obra clássica sobre Direito Tributário Brasi-leiro (Rio de Janeiro: Forense, 10ª ed., 1990, revista e atualizada por FlávioBauer Novelli, p. 502) já observava, com muita propriedade, que no impostode transmissão causa mortis, competia ao juiz do processo de inventáriodirigir as fases do lançamento desse imposto.

Dizia, com efeito, o renomado Mestre:

O art. 142 do CTN formula um conceito legal do lançamento, definin-do-o como procedimento administrativo com os seguintes objetivos:a) verificar a ocorrência do fato gerador da obrigação correspondente;b) determinação da matéria tributável; c) o cálculo do montante dotributo devido; d) identificação do sujeito passivo e e) aplicação dapenalidade, se cabível no caso.

Esse procedimento compete à autoridade administrativa — diz a CTN.No imposto de transmissão causa mortis, entretanto, compete à auto-ridade judicial dirigir essas fases do lançamento. (grifo nosso)

Verifica-se, assim, que ao estabelecer que as decisões cognitivas ouhomologatórias deverão sempre indicar a natureza jurídica das parcelasconstantes da condenação ou do acordo homologado, inclusive o limite deresponsabilidade de cada parte pelo recolhimento da contribuição previ-denciária, se for o caso, o § 3º do art. 832 da CLT, com a redação que lhe deu

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a Lei n. 10.035, de 25 de outubro de 2000, criou uma modalidade de lança-mento, própria e específica do crédito da contribuição previdenciária decor-rente das sentenças homologatórias proferidas na Justiça do Trabalho, aomesmo tempo que atribuiu competência à autoridade judicial que preside oprocesso e incumbida de homologar o acordo, para dirigir, orientar e fisca-lizar as fases desse lançamento.

Tratando-se o lançamento de uma fase do procedimento de formaçãodo crédito tributário, e tendo o tributo (a contribuição previdenciária, no caso)se originado de fato gerador ínsito no acordo trabalhista pendente de homo-logação judicial, é natural e jurídico que a lei tenha atribuído ao juiz dotrabalho, com competência para homologar o acordo, a atribuição de dirigire fiscalizar o lançamento, cuidando para que a discriminação da natureza edos valores das parcelas guarde proporcionalidade com o pleiteado napetição inicial, ou com as parcelas deferidas na sentença, verificando acorrespondência entre o pedido, o deferido e o acordado, conforme determi-na a lei e está regulamentado na Ordem de Serviço OS/DAF/INSS Conjuntan. 66/97, no seu item 12 e subitem 12.2.

6. INOCUIDADE DA INDICAÇÃO APENAS DE VERBAS DE NATUREZAINDENIZATÓRIA PARA FIGURAR NA DISCRIMINAÇÃO EXIGIDAPELO § 3º DO ART. 832 DA CLT, QUANDO CONSTAM VERBAS DENATUREZA SALARIAL NO PEDIDO INICIAL OU NA CONDENAÇÃO

Sendo o ato de discriminação da natureza das parcelas constantes dacondenação ou do acordo homologado, um lançamento tributário, de efeitomeramente declaratório, é inócua a escolha apenas de verbas indenizató-rias para constar da discriminação exigida pelo § 3º do art. 832 da CLT. Aobrigação de recolher a contribuição previdenciária não se origina do lança-mento e independe da natureza das verbas discriminadas.

Como se viu acima, a Declaração do Imposto de Renda de PessoaFísica é uma modalidade de lançamento tributário, por declaração do pró-prio contribuinte. Se o contribuinte deixar de declarar rendimento auferido,sujeito à tributação, o fisco não ficará impedido de cobrar a parcela de im-posto faltante. Nesse caso, a autoridade fiscal procederá ao lançamento deofício e cobrará o imposto sonegado, com multa e acréscimos legais.

Da mesma forma, se há pedido salarial na inicial ou na condenação,a discriminação apenas de verbas indenizatórias, ou em desproporção aosvalores salariais quitados, legitima o INSS a cobrar a parcela de contribui-ção previdenciária sonegada, com os acréscimos legais devidos.

Pela mesma razão, de ser a exigência contida no § 3º do art. 832 daCLT um lançamento tributário, conclui-se que é equivocada a crença de quecabe às partes dizer a que título está sendo efetivada a composição, e que a

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atuação do juiz limita-se a examinar a compatibilidade das parcelas especi-ficadas pelos acordantes com os pedidos deduzidos na petição inicial.

Também é enganoso o entendimento de que, se somente foram dis-criminadas verbas indenizatórias, o acordo quitou apenas essas verbas,não ocorrendo o fato gerador previdenciário. É enganoso, porque a obriga-ção tributária não nasce da discriminação da natureza das parcelas, masdo fato gerador já consumado. A discriminação é um lançamento, e noensinamento de Vittorio Cassone “o lançamento apenas verifica e registra aocorrência do fato gerador, a fim de apurar a quantia devida pelo sujeitopassivo da obrigação tributária”; e na autorizada concepção do MinistroMoreira Alves, o lançamento faz a liquidação do débito tributário já existentena forma ilíquida. “O lançamento transmuda a obrigação ilíquida em líquida.Não cria, não modifica nem extingue obrigação”.

7. CONCLUSÕES

Em face dessas considerações, conclui-se que:

a) A lei criou a contribuição previdenciária e definiu seu fato gerador.

b) Ao celebrar o acordo, as partes estabelecem que o valor avençadodestina-se a quitar o objeto do processo, isto é: todas as verbas pedi-das na inicial (§ 3º do art. 764 da CLT e OJ n. 132 da SDI 2 do C. TST).

c) Homologado o acordo, consuma-se o fato gerador, originando-se,automaticamente, a obrigação de recolher a contribuição previdenciá-ria incidente sobre as verbas salariais.

d) A discriminação da natureza das parcelas quitadas no acordo é umlançamento tributário, nos moldes do art. 142 do Código TributárioNacional. O lançamento é atividade obrigatória e vinculada aos ter-mos da lei e é elemento declaratório do fato gerador já ocorrido econsumado.

e) A obrigação de recolher a contribuição previdenciária, nascida coma prática do fato gerador, antecede o lançamento (discriminação danatureza das verbas constantes do acordo). Portanto, quando se faz adiscriminação, o débito previdenciário já existe, já está consolidado.

f) A indicação apenas de verbas indenizatórias para constar da discri-minação de que trata o § 3º do art. 832 da CLT, quando há verbassalariais na condenação ou no pedido inicial, não altera a obrigaçãocontributiva já consolidada. O ato de discriminação das verbas, porser um lançamento tributário, tem efeito meramente declaratório, deconstatação e valoração do fato gerador já ocorrido e consumado.

g) Compete ao juiz “dirigir essa fase do lançamento tributário”, ou seja,cabe ao juiz confrontar a natureza e o valor das verbas discriminadas

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no acordo, com o pleiteado na petição inicial (ou com as parcelasdeferidas na sentença, quando o acordo é celebrado após a sentençatransitada em julgado), devendo verificar a correspondência e propor-cionalidade entre o pedido, o deferido e o acordado, em consonânciacom o que dispõe a OS/DAF/INSS Conjunta n. 66/97, no seu item 12 esubitem 12.2.

BIBLIOGRAFIA

Enunciados, Orientação Jurisprudencial SDI-1 e SDI-2, Precedentes Nor-mativos da SDC, Tribunal Superior do Trabalho, 2003.

BALEEIRO, Aliomar. Direito Tributário Brasileiro, 10ª ed. revista e atualizadapor Flávio Bauer Novelli, Rio de Janeiro: Forense, 1990.

CASSONE, Vittorio. Direito Tributário, São Paulo: Atlas, 1991.

ICHIHARA, Yoshiaki. Direito Tributário, 3ª ed. São Paulo: Atlas, 1989.

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A PROTEÇÃO INTERNACIONAL DOS DIREITOSHUMANOS E O TRABALHO INFANTIL

Ligia Maio Gagliardi Curley(*)

INTRODUÇÃO

As convenções internacionais exerceram uma profunda influênciasobre as legislações nacionais. Todavia, o trabalho infantil permanece nailegalidade e em larga escala.(1)

Esse estudo tem como objetivo analisar o tema relativo à eliminaçãodo trabalho infantil, sob os planos teórico e prático, inserindo-se a ampli-tude do problema no quadro da proteção internacional dos direitos do ho-mem. Faz-se importante ressaltar que a nossa linha de pesquisa não se-gue a perspectiva da abolição total do trabalho infantil, mas aquela quedefende a abolição dos trabalhos que não são regulamentados e aquelesexercidos sob condições perigosas ou nocivas ao desenvolvimento físico emoral da criança, inclusive à sua educação.(2)

Quantas crianças trabalham atualmente? Pode-se constatar a existên-cia de dois obstáculos na avaliação do prevalecimento do trabalho infantil. O

(*) Mestre em Direito Internacional pela Universidade de Genebra — Suíça. Assessora da PRT 10ªRegião.(1) Em 1999, o Secretário-Geral da Organização das Nações Unidas — ONU, Kofi Annan, destacoua natureza destrutiva do trabalho infantil, declarando que “O trabalho infantil provoca consequên-cias sérias que permanecem presentes no indivíduo e na sociedade por muito mais tempo do queos anos da infância. Os jovens trabalhadores enfrentam não somente as condições perigosas detrabalho, mas resistem a longo prazo ao estresse físico, intelectual e emotivo, chegando à idadeadulta marcadas pelo desemprego e pelo analfabetismo. Poucas violações aos direitos humanossão condenadas assim tão largamente, porém tão largamente despercebidas”.(2) A experiência da Organização Internacional do Trabalho — OIT mostra que algumas atividades,desde que devidamente regulamentadas, podem até mesmo ensejar efeitos benéficos para ascrianças, particularmente quando facilitam a transmissão de uma formação profissional de umageração a outra. Essa tese foi consagrada em algumas das disposições da Convenção n. 138 daOIT, que autorizam o trabalho infantil abaixo da idade mínima legal (aprendizado). Ver BEQUELE,A. MEYERS, W. Prioridad del trabajo infantil: la eliminacion del trabajo prejudicial para los niños.Ministerio del Trabajo y Assuntos Sociales: Madrid, 1998.

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primeiro origina-se do fato de que numerosos são os países que excluemáreas inteiras ou até mesmo certas ocupações do campo de aplicação dalegislação relativa à idade mínima — como as explorações agrícolas, o servi-ço doméstico, os pequenos ateliês e as empresas do setor informal — noqual verifica-se justamente a maioria das crianças que trabalham.(3)

Um outro obstáculo compreende a falta de estatísticas nacionais es-pecíficas sobre o trabalho infantil, já que na maioria dos casos esses traba-lhos não são devidamente regulamentados.

Dispõe-se, todavia, da estatística realizada em 1999, pela Organiza-ção Internacional do Trabalho — OIT, segundo a qual aproximadamente250 milhões de crianças trabalham no mundo inteiro, e, em conseqüên-cia, são privadas de educação, de saúde e de liberdades fundamentais.(4)

Considerando-se valores absolutos como referência, é na Ásia que seencontra a maior concentração de crianças trabalhadoras — em torno de61% do total mundial — mas é na África que a taxa é mais elevada — porvolta de 40% das crianças na faixa entre 5 e 14 anos exercem algum tipode trabalho.(5)

Na América Latina, milhões de jovens entre 10 e 14 anos são econo-micamente ativos, cuja grande parte trabalha em condições perigosas enefastas, e até mesmo ilegais, na busca por suprir a necessidade de com-plementar a renda da família.(6)

Qual é a definição de “trabalho infantil”? A quais perigos são expostasas crianças e quais são as formas de exploração econômica freqüente-mente encontradas na atualidade?(7) Para uma melhor compreensão daamplitude do problema, o primeiro tópico apresentará um breve perfil docontexto em que são inscritos os principais instrumentos internacionaisrelativos ao trabalho infantil e seu conteúdo, analisando o tema sob a pers-pectiva dos direitos fundamentais, que ultrapassam as estruturas e as tra-dições culturais, sociais e econômicas.

Tratar-se-á, em um segundo tópico, das particularidades relaciona-das ao trabalho infantil, como os perigos ao desenvolvimento físico e men-

(3) Para uma noção geral, consultar MC CAULEY, Georgia. Child Labor Exploited and abused youthat work., Youth Advocate Program Village Press, Washington, 1998.(4) Brasília. Fórum Nacional de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil: ações e perspecti-vas. Brasília: MTE/FUNDALC, 1999, pp. 5-12.(5) ASHAGRIE, Kebebew. Statistics on working children and harzadous child labour in brief. Gênova:OIT, 1997, p. 2. Deve-se notar que tem havido um grande aumento do trabalho infantil em váriospaíses da Europa central e oriental, haja vista as dificuldades decorrentes da transição para umaeconomia de mercado, causando, assim, grandes percalços sociais.(6) Peru. < Brasil> In: Trabajo Infantil en los paises del Mercosur: Argentina, Brasil, Chile, Paraguay,Uruguay. Vol. 74. Peru: Atenea Impresores, 1998, pp. 39-46.(7) Quanto ao problema na atualidade, ver LORAINE, Abernethie. “Child labour in contemporarysociety: Why do we care?”. In: The International Journal of Children’s Rights, 6, 1998.

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tal da criança e a definição dos trabalhos perigosos à luz das convençõesinternacionais do trabalho, e, em seguida, examinar-se-á como os mesmossão abordados pela OIT e seus observadores.

Em que medida os Estados-membros preenchem suas obrigações equais são os efeitos práticos no âmbito nacional? Quais são os organis-mos internacionais criados para implementar e promover a aplicação dosinstrumentos relativos ao trabalho infantil? Os Estados, pela via da ratifica-ção, se obrigam a colocar medidas em prática para que a legislação nacio-nal esteja de acordo com os instrumentos internacionais pertinentes, apli-cando-os de maneira efetiva. Analisar-se-á, então, no terceiro tópico, a fun-ção determinante dos órgãos de controle existentes em âmbito internacio-nal — Comitê de Experts da OIT e Comitê dos Direitos da Criança da ONU —além da importância capital das ONGs, que conduzem o movimento contrao trabalho infantil, cuja independência lhes permitem denunciar, preconi-zar soluções e contribuir para uma implementação efetiva das normas inter-nacionais no direito interno.

Em um quarto tópico, será examinada a eficácia de outras medidas decontrole no seio dos Estados. Abordar-se-á a Marcha Mundial contra o tra-balho infantil e o mecanismo da cooperação internacional.(8)

Um último ponto proporá algumas conclusões pessoais e de carátergeral sobre as medidas a serem tomadas quanto à condução da açãofutura pela eliminação das piores formas de trabalho infantil. A luta contraesse fenômeno exige uma mobilização progressiva em diferentes aspec-tos, mas, principalmente, no sentido da prevenção e eliminação, através daaplicação das legislações nacionais e internacionais dos direitos da crian-ça e das Convenções da OIT, além da implementação de mecanismos defiscalização e de sistema de sanções.(9)

I. Os principais instrumentos internacionais e seu conteúdo(10)

I.1 Organização Internacional do Trabalho — OIT

I.1.a) Convenção n. 138

A Convenção n. 138 e a Recomendação n. 146 foram adotadas em1973, para serem aplicadas em todos os setores econômicos e adaptadasa situações nacionais, permitindo, dessa maneira, que um grande número de

(8) Para uma noção geral acerca do tema, ver BONNET, Michel. “Que penser du travail desenfants”. In: Etudes, avril, Paris, 2001.(9) Para uma introdução sobre o tema, recomenda-se MILJETEIG, Per. “Introduction: Understan-ding child labour”. In: Childhood., 6, Sage Publications, London, 1999.(10) Convém apenas mencionar que o Pacto das Nações Unidas relativo aos direitos econômicos,sociais e culturais, evoca, em seu art. 10, inciso 3, a proteção contra a exploração econômica e socialpara a criança e o adolescente. E, ainda, sob o plano regional, deve-se notar a Convenção Interame-ricana relativa aos direitos econômicos, sociais e culturais, cujo protocolo San Salvador consagra odireito a condições de trabalho justas, iguais e satisfatórias, nos termos do art. 7, alínea f ).

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Estados-membros a ratificassem. Tal norma objetivou principalmente a cria-ção de políticas nacionais contra o trabalho infantil e a elevação da idademínima de forma progressiva.

I.1.b) Declaração relativa aos Princípios e Direitos Fundamentais noTrabalho.(11)

A Declaração busca oferecer respostas aos novos desafios criadospela globalização da economia e reafirma os princípios fundamentais daOIT — entre eles, a abolição do trabalho infantil —, requerendo a aplicaçãoefetiva de tais princípios em todos os Estados-membros.(12)

I.1.c) Convenção n. 182

A Convenção n. 182 foi adotada em junho de 1999, acompanhada daRecomendação n. 190, objetivando proibir, especificamente, as formas in-toleráveis de trabalho infantil e, pois, as que não poderiam ser objeto deuma eliminação progressiva, a médio e longo prazos.(13) Cabe ressaltar,nesse ponto, que a Convenção n. 182 veio complementar — e não substituir— a lacuna existente sobre os tipos de trabalho prejudiciais à saúde dacriança, evocando a eliminação imediata das piores formas de trabalhoinfantil. A Convenção n. 138 permanece, portanto, como um instrumentoessencial e deve ser aplicada juntamente com a Convenção n. 182 para aelaboração de uma estratégia coerente na luta contra o trabalho infantil.

A Convenção n. 182 (14) busca, assim, dois efeitos jurídicos: a) primei-ramente, o de reforçar o procedimento jurídico contra práticas ilegais, como

(11) Deve-se observar que, diferentemente das convenções, as declarações são instrumentosaplicáveis automaticamente em todos os países que aceitaram a Constituição da OIT, independen-temente de ratificação. Sobre o Direito Internacional do Trabalho, conferir VALTICOS, Nicolas.Droit International du Travail. Paris: Dalloz, 1983.(12) É preciso assinalar que a declaração não é utilizada em conjunto com o mecanismo regular decontrole. Assim, dois instrumentos dão efeito concreto ao mecanismo regular. O primeiro, pela viajurídica, consiste no exame anual, conforme o art. 19, § 5 da Constituição da OIT, segundo o qualse estipula a entrega anual de relatórios pelos Estados-membros que ainda não ratificaram uma oumais Convenções fundamentais da OIT (das quais fazem parte as Convenções ns. 138 e 182).Um grupo de experts de reputação ilibada examina os relatórios e constata os casos que merecemum exame mais aprofundado pelo Conselho de Administração. O segundo procedimento, pela viapromocional, consiste em um relatório global, o qual possibilita uma imagem global sobre umacategoria de princípios e direitos, e abrange todos os Estados-membros, que tenham ou nãoratificado as Convenções pertinentes. É preciso registrar, ainda, que a Convenção n. 182 entrouem vigor no dia 17 de novembro de 2000, e, pois, os relatórios dos governos que ainda não aratificaram serão incluídos no exame anual somente a partir de 2002. Para uma análise maisaprofundada, ver KELLERSON, Hilary. La Déclaration de 1998 de l’OIT sur les principes et droitsfondamentaux: Un défi pour l’avenir?, OIT, 1998.(13) Vide OIT. Le travail des enfants: l´intolérable en point de mire. Conférence Internationale duTravail, 86ª session, rapport VI (1), Gênova, 1998. Convém assinalar que a Recomendação n. 190,como as recomendações em geral, não tem força legal, mas a intenção de orientar o Estado, e, porisso, é mais específica e detalhada, tratando de programas de ação, da definição de trabalhosperigosos e da aplicação da convenção.(14) SANGLAN, Delphine. “Ratifier la convention n. 182”. In: Labor magazine, CMT: Bruxelles,2000. Constata-se que o forte compromisso da parte dos governos em ratificar a Convenção n. 182

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a escravidão e a prostituição infantil; b) e, ainda, garantir uma proteçãoefetiva contra as diversas formas de trabalho infantil perigoso, perseguindoo objetivo último da erradicação do trabalho infantil preconizada pela Con-venção n. 138. Verificando-se, contudo, a impossibilidade de aprofundaresses dois aspectos, convém limitar essa pesquisa ao segundo aspectodessas “piores formas”: os trabalhos particularmente perigosos.

I. 2 Organizações das Nações Unidas — ONU

I.2.1 Convenção relativa aos Direitos da Criança(15)

Enquanto a OIT se preocupou, desde a sua criação, com o presentetema, a comunidade internacional demorou para elaborar um verdadeirosistema de proteção, bem como um estatuto jurídico internacional da criança.

Nesse contexto, em 1989, a assembléia das Nações Unidas adotou oprimeiro texto com força de lei, que consagra a criança como um sujeito dedireito na abordagem global dos direitos humanos. A Convenção reconhe-ce, em seu art. 32, o direito da criança de ser protegida contra a exploraçãoeconômica, e o de não ser obrigada a nenhum trabalho que lhe traga riscos,ou suscetível de comprometer sua educação, de prejudicar sua saúde ou,ainda, seu desenvolvimento físico, mental, espiritual, moral ou social.

I.3 A ação contra o trabalho infantil

I.3.1 Os programas

A OIT instituiu, em 1992, o Programa Internacional pela abolição do traba-lho infantil (IPEC),(16) cujo objetivo é o de contribuir para a abolição progressivado trabalho infantil, aumentando a capacidade dos países de atacar esse pro-blema, criando, no mundo inteiro, um movimento de combate. Nesse mesmosentido, em 1993, a Comissão de Direitos Humanos da ONU criou um Progra-ma de ação para a eliminação da exploração da mão-de-obra infantil.

I.3.2 Marcha Mundial

Em 1998, o interesse manifestado por esta questão não apenas per-maneceu, mas intensificou-se. Nesse contexto, a Marcha Mundial contra o

(115 ratificações em 31 de janeiro de 2002) se dá igualmente em relação à Convenção n. 138 cujonúmero de ratificações dobrou depois de 1995 (116 ratificações em 31 de janeiro de 2002).(15) A Convenção relativa aos direitos da criança entrou em vigor no dia 2 de setembro de 1990 eé o instrumento mais ratificado pelos membros da ONU; 191 Estados-membros a ratificaram;apenas os Estados Unidos e a Somália ainda não o fizeram. Vide DETRICK, Sharon. A commentaryon the United Nations Convention on The Rights of the Child, Martinus Niyhoff Publishers, TheHague,1999.(16) OIT. “Le travail des enfants: un défi à relever”. In: Revue Internationale du Travail, n. 2. vol.136. Gênova: OIT, 1997. Deve-se observar que, visando à eliminação do trabalho infantil, a OITrecorre a dois meios principais de ação: as normas e a cooperação técnica, da qual faz parte oIPEC. A realização desse objetivo repousa na vontade política e no comprometimento dos gover-nantes em colaboração com as organizações de empregadores e de trabalhadores, as organizaçõesnão-governamentais (ONGs) e os atores de outros setores da sociedade civil. O programa desen-volveu em torno de 900 planos de ação em 60 países.

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trabalho infantil, organizada por ONGs, sindicatos e grupos de defesa dosdireitos humanos claramente demonstrou a amplitude do movimento e avontade crescente de se eliminar definitivamente esse problema.(17)

Assim, a elaboração de uma verdadeira e efetiva ação faz-se possívelpor meio de dois instrumentos: de um lado, a via jurídica e a implementaçãode programas pelos organismos internacionais, como a OIT e a ONU; e, deoutra parte, a emergência de novos atores sociais reunidos, como a MarchaMundial, visando a inserir o problema em uma perspectiva bem mais vasta,de maneira a se formar uma crescente consciência e uma ação internacio-nal cada vez mais integradas.(18)

II. Os problemas provocados pelo trabalho infantil

II.1 Definição de trabalho infantil

Constata-se que não existe uma definição única na matéria, o quetorna difícil a determinação do campo de estudo em função das idadese dos diferentes setores de atividades. A determinação do grau do que éaceitável ou não, a classificação dos tipos de trabalho em categorias, e aproibição em função da idade serão os focos desse estudo. Há de se notarque a única regra de interdição que não sofre nenhuma exceção é a que seaplica à prostituição infantil e às práticas análogas à escravidão, as quaisnão serão aqui analisadas.(19)

A definição mais utilizada é a da OIT, a qual faz referência a todas asatividades econômicas efetuadas por uma criança e determina o trabalhoproibido ou regulamentado, conforme as normas internacionais do traba-lho, eis que certos trabalhos são legalmente permitidos, de acordo com aidade e circunstâncias.(20)

Diante do número de atividades exercidas pelas crianças, as quaispodem ser consideradas mais ou menos prejudiciais, vale ressaltar que oobjetivo aqui é o de aprofundar a noção do trabalho infantil, mais especifica-mente quanto aos tipos nocivos.(21)

II.2 Os perigos ao desenvolvimento físico e mental

Primeiramente, a ação normativa da OIT repousa sobre a convicçãode que a infância caracteriza-se como um período da vida que deve ser

(17) Para um maior aprofundamento, visitar o site http:/www.globalmarch.org.(18) Quanto à campanha mundial, ver SMOLIN, David M. “International Campaign against childlabour”. In: Hofstra Labor & Employment Law Journal, 16, Hempstead, New York, 1999.(19) Vide VAN BUEREN, Geraldine. “The right of the child to be Protected against exploitation”. In:The International Law on the rights of the child, Save the Children. Martinus Niyhoff Publishers, TheHague, 1995.(20) Sobre um estudo acerca do tema, realizado pela OIT, consultar BELLAMY, Carol. La situationdes enfants dans le monde. Collection Les Enfants du Fleuve, Etude du Bureau International duTravail: Fayard, Genève, 1990.(21) Quanto aos trabalhos prejudiciais, vide FORASTIERI Valentina. Children at work: health andsafety risks, Geneva, OIT, 1997.

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consagrado essencialmente à educação e à formação, sob pena de secomprometer as chances de uma criança de se tornar um adulto produtivoe útil à sociedade.(22)

Considerando-se que os aspectos nocivos estão estritamente liga-dos e podem lhe trazer graves prejuízos, interessante remeter-se ao grupode experts da Organização Mundial da Saúde — OMS que, ao elaborar umestudo sobre a matéria, distinguiu duas categorias de perigos: os físicos eos psicossociais.

Assim, os perigos físicos são aqueles que ameaçam a saúde e odesenvolvimento normal da criança ou que representam risco diretamentea suas vidas, como, por exemplo, a exposição a produtos químicos ou a outrassubstâncias nocivas ou, devido à sua utilização, tornarem-se vítimas deacidentes, ferimentos ou doenças.(23)

Já os perigos psicossociais do trabalho podem acarretar graves con-sequências de natureza não física, como o retardamento de seu desenvol-vimento intelectual, principalmente quando o trabalho caracteriza-se comomuito difícil ou excessivo.(24)

II.3 A definição de trabalhos perigosos à luz das Convenções ns. 138e 182 da OIT

A Convenção n. 138 da OIT preconiza em seu art. 3º, § 2, que os tiposde emprego ou trabalho perigoso hão de ser determinados pela legisla-ção nacional ou autoridade competente, com a observação de que asorganizações de empregadores e trabalhadores interessados devem serpreviamente consultados. A Recomendação n. 146(25) não traz exemplosde trabalho perigoso, todavia, seu § 10 afirma que as normas internacio-nais pertinentes devem ser consideradas na determinação desses tiposde trabalho, como, por exemplo, as normas relativas às substâncias, agen-tes tóxicos e procedimentos nocivos, incluindo-se aquelas referentes à ra-diações ionizantes, ao transporte de cargas pesadas e aos trabalhos sub-terrâneos. Ademais, a lista de trabalhos perigosos deve ser periodicamentereexaminada.

(22) Para uma leitura complementar, CHARLES, A. WOOLFSON, Matthias Beck. “Child Labor: acommentary”. In: International Journal of occupation and environmental health, Royaume Uni, n.6, 2000.(23) OMS. La santé de l´enfant au travail: risques particuliers. Relatório de um grupo de estudos daOMS, Genebra, 1987, pp. 33-37.(24) Ibid., p. 43.(25) Faz-se interessante distinguir, quanto aos efeitos jurídicos, a convenção e a recomendação,eis que somente a primeira obriga os Estados-membros, através do ato da ratificação, enquanto asegunda não é submetida à ratificação. Assim, os procedimentos de controle de aplicação sereferem apenas às convenções ratificadas. As recomendações são destinadas à orientação parauma elaboração efetiva de políticas sociais, legislações e práticas nacionais. Quanto ao direitointernacional do trabalho, ver HANSON, Karl; VANDALE, Arne. Working Children and InternationalLabour Law: a critical analysis., IUAP Research Programme, Bélgica, 2000.

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A comissão de experts da OIT para a aplicação das convenções erecomendações, em suas observações sobre a Convenção n. 138, consta-tou a escassez de informações, solicitando repetidamente aos países quelhe comunicasse a lista dos trabalhos considerados como perigosos.(26)

Nesse contexto, a comissão requer aos países — cuja legislaçãoprevê somente disposições gerais quanto à proibição dos trabalhos perigo-sos de acordo com a idade mínima — que se elabore regulamentos maisprecisos sobre a matéria. Nos casos em que não se dispõe de nenhumadefinição do que se considera como um trabalho perigoso, ou quando alista dessas atividades não se mostra suficiente, a comissão de expertssolicita ao governo que proceda a consulta às organizações de empregado-res e trabalhadores para as providências cabíveis.(27) Isso porque a Con-venção n. 138 não prevê uma lista mínima obrigatória, o que dificulta otrabalho da Comissão quanto à exigência de que certos tipos de trabalhosejam elencados na lista de todos os países.(28)

O art. 3º, da Convenção n. 182, não especifica os tipos de trabalhosperigosos, apenas mencionando-os em termos gerais. Por outro lado, cer-tas formas de trabalho vêm exemplificadas na Recomendação n. 190 comotrabalhos perigosos, observando-se, todavia, que não de maneira exausti-va, uma vez que outros tipos de trabalho ou atividades serão determinadosem função de certos critérios e de acordo com as situações nacionais.(29) Areferência às normas pertinentes para ajudar os países a determinar ostipos de trabalho que devem ser proibidos remete à Recomendação n. 146,a qual fixa critérios a serem considerados e oferece exemplos de normasrelacionadas ao tema.

(26) Cabe notar que a lacuna de informações constitui uma das freqüentes constatações feitaspela Comissão da OIT, em suas observações. À título de ilustração, quanto às observaçõesreferentes ao ano de 2001, a Comissão requisitava à Costa Rica informações sobre os programasde ação colocados em prática pelo comitê nacional de luta contra o trabalho infantil, constituído em1997. Nesse mesmo sentido, a Comissão demandava ao governo da Nicarágua informações sobreos planos da Comissão Nacional pela erradicação progressiva do trabalho infantil daquele país,especialmente sobre os programas criados em cooperação com o IPEC, os quais visavam àeliminação do trabalho infantil e à erradicação da exploração sexual na comunidade de Léon.(27) Para um aprofundamento quanto ao papel dos sindicatos, consultar FYFE, A. JANKANISH, M.Trade Unions and child labour: a guide to action, Gênova, OIT, 1997.(28) OIT. Le travail des enfants. Conferência Internacional do Trabalho, 87ª sessão, relatório IV(2a), Genebra, 1999, p. 83.(29) A Recomendação n. 190, em seu item II, determina os trabalhos perigosos, mencionados noart. 3º, alínea d, da Convenção n. 182, como sendo “os que se efetuam na terra, na água, emalturas perigosas ou em espaços confinados; os que se efetuam com máquinas, material ouinstrumentos perigosos, ou que implique manipulação ou o carregamento de cargas pesadas; osque se efetuam em um ambiente nocivo, por exemplo, que expõe as crianças a substâncias,agentes ou procedimentos perigosos, ou a condições de temperatura, barulho ou vibraçõesprejudiciais à sua saúde; e os que se efetuam em condições particularmente difíceis, porexemplo, durante longas horas, ou durante a noite, ou aqueles em que a criança fica mantida demaneira injustificada no local de trabalho”.

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Verifica-se, portanto, que o art. 3º, que trata do trabalho perigoso emambas Convenções — ns. 138 e 182 —, constitui uma disposição discrici-onária, que delega à autoridade competente a função de determinar ostipos de trabalhos perigosos, após consulta às organizações de emprega-dores e trabalhadores.(30) Tudo isso com base no princípio da boa-fé, queconsagra o respeito aos Estados em relação à sua obrigação de agir deboa-fé para colocar em prática as convenções ratificadas, nos termos do art.26 da Convenção de Viena sobre o direito dos tratados.

Por outro lado, fica demonstrada a evolução marcada pelo art. 3º, alínead, da Convenção n. 182, ao estipular que os tipos de trabalho particularmenteperigosos devem ser proibidos e eliminados com toda urgência e em todosos setores, independentemente do nível de desenvolvimento do país.

Assim, a Recomendação n. 190 configura-se como o ponto de partida,mas é preciso decidir concretamente quais formas de trabalho constituem-se como as piores formas, para que as decisões possam ter maior credibi-lidade.(31)

Após análise dos problemas decorrentes do trabalho infantil e dis-cussão do que seja trabalho perigoso, abordar-se-á, em uma próxima eta-pa a importância dos órgãos de controle na aplicação efetiva das referidasConvenções.

III. Órgãos de controle

III.1 Comissão de experts da OIT para a aplicação das convenções erecomendações

No quadro da OIT, o procedimento regular de controle(32) está previstonos arts. 22 e 23 de sua Constituição, segundo o qual todos os Estados queratificaram uma convenção obrigam-se a elaborar um relatório anual sobrea aplicação nos planos prático e legislativo da convenção em exame. Ascópias desses relatórios periódicos devem ser enviadas às organizaçõesprofissionais e econômicas, as quais podem formular as observações queentender cabíveis.

(30) Sobre a Convenção n. 182 recomenda-se SANGLAN, Delphine. Op. cit.(31) Ver BASU, Kaushk. International Labour Standards and Child Labor. Cornell University,Nova Iorque, 1999.(32) Cabe registrar que, pela primeira vez na história do Direito Internacional Público, instituiu-se umprocedimento regular de controle fundado no envio de relatórios periódicos. Segundo o art. 19 daConstituição da OIT, os Estados devem igualmente submeter relatórios relativos às convenções nãoratificadas, bem como às recomendações. Dispõe-se ainda de dois procedimentos de reclamaçãoprevistos na Constituição da OIT, quais sejam: o primeiro, reservado aos organismos profissionais ede empregadores, preconizado no art. 24; e um segundo, visando aos Estados-membros que ratifi-caram a convenção em exame, estipulado pelo art. 26. Verifica-se ainda a existência de um outroprocedimento — contatos diretos — utilizado pela OIT em face das dificuldades particulares consta-tadas na aplicação das convenções ratificadas, segundo o qual um representante do Diretor-Geral daOIT é enviado ao referido Estado-membro, mediante concordância.

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Tal procedimento busca o exercício do controle sob dois aspectos: oda legalidade, a fim de verificar a conformidade formal das legislações na-cionais às convenções ratificadas; e o da eficácia, com o propósito de ga-rantir a aplicação das convenções na prática. Considerando que a Consti-tuição da OIT não prevê sanções, deve-se registrar que este órgão se en-contra limitado em sua competência punitiva, exercendo apenas um contro-le moral por meio de suas conclusões e de sua persuasão.(33)

A Comissão de experts da OIT, para a aplicação das convenções erecomendações, caracteriza-se como um órgão de controle quase-jurisdi-cional, criado por uma resolução da Conferência Internacional do Trabalho,em 1926. A Comissão se reúne uma vez por ano e é constituída por expertsindependentes, aos quais é confiado o exame técnico dos relatórios dosgovernos, assim como o das observações dos trabalhadores e emprega-dores.(34) Suas conclusões são tomadas na forma de “demandas diretas”,nos casos menos graves, que são geralmente resolvidos por meio do diá-logo com os governantes, ou na forma de “observações”,(35) nos casos maisgraves de não-aplicação, as quais são publicadas e comunicadas à Confe-rência Internacional do Trabalho.(36)

Nesse contexto, enquanto órgão competente para examinar a aplica-ção das convenções, a comissão aprecia as informações relativas às medi-das econômicas e sociais adotadas pelos governos no plano prático, como,por exemplo, o desenvolvimento e extensão da educação de base, bem

(33) Para melhor análise, ver CULLEN, Holly. “The limits of International Trade Mechanisms inEnforcing Human Rights: The Case of Child Labour”. In: The International Journal of Children’sRights, 7, 1999. Convém assinalar nesse momento que, para a aplicação da Declaração dospríncípios e direitos fundamentais no trabalho, busca-se encontrar outras maneiras de ajudar ospaíses que se encontram em dificuldade de colocar em prática tais princípios, que não viaacusações — pelos meios de demanda, encorajamento e cooperação técnica.(34) A participação dos atores não-governamentais — empregados e empregadores — e a existên-cia de procedimentos ad hoc no sistema de controle da OIT constituem uma característica deeficácia, no intuito de completar os instrumentos mais gerais que não possuem tal mecanismo,como é o caso da Convenção da ONU para os direitos da criança. Quanto ao funcionamento daOIT, ver BARTOLOMEI, de la Cruz H.G. EUZEBY, A. Organisation Internationale du Travail (OIT).Que sais-je: Presses Universitaires de France, Paris, 1997(35) Faz-se interessante registrar uma observação geral formulada pela comissão de experts daOIT, em 1999, relativa à prática do Brasil na aplicação da Convenção n. 5 sobre a idade mínima naindústria. Assim, a comissão ressaltou as várias iniciativas colocadas em prática para erradicar otrabalho infantil no país, especificamente quanto ao controle exercido pelos fiscais do trabalho, emcooperação com os empregadores, as organizações governamentais e não-governamentais e asociedade civil, assim como programas, a exemplo da bolsa-escola. De acordo com o relatório doBrasil, o Ministério do Trabalho havia analisado, à época, 78.674 casos casos de menores trabalha-dores, dentre os quais 5.920 encontravam-se em situação irregular, mas que 5.086 crianças teriamtido sua situação regularizada. Os fiscais haviam, ainda, constatado 489 infrações à regra da idademínima de 14 anos e 273 infrações relativas à interdições do local de trabalho.(36) A Conferência Internacional do Trabalho compõe-se tripartidariamente pelos Estados, empre-gadores e trabalhadores, e destaca-se mais na área política do que no aspecto técnico. Seusdebates são públicos e seus relatórios são adotados em sessão plenária. Faz-se importante notarque a comissão de experts mantém o domínio da análise jurídica dos casos.

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como as políticas e os programas de ação nacionais,(37) assim como toda ainformação referente à cooperação técnica com o IPEC.

No que diz respeito aos direitos humanos, a OIT participa das ativida-des das Nações Unidas, enviando, regularmente, ao grupo de trabalho docomitê dos direitos da criança, as informações alusivas à aplicação dasdisposições pertinentes à convenção relativa aos direitos da criança.

III.2 Comitê dos Direitos da Criança

Conforme preconizado no art. 44 da Convenção, relativa aos direitosda criança, os Estados-membros devem submeter ao comitê dos direitos dacriança um relatório inicial em até no máximo 2 anos, contados da entrada emvigor da convenção, elaborando, a partir de então, relatórios periódicos acada 5 anos.

De acordo com as Diretivas Gerais do comitê acerca do relatório inicial,os Estados são convidados a fornecer todas as informações úteis, parti-cularmente as medidas legislativas, judiciárias e administrativas, os progres-sos realizados e, nos casos desaprovados, os fatores e dificuldades queimpedem a melhoria e o progresso.(38)

Assim, de acordo com as diretivas gerais para os relatórios periódi-cos, os Estados-membros devem indicar tanto a legislação referente à proi-bição dos trabalhos perigosos e nocivos, quanto a definição das atividadesque comportem riscos, ou que sejam suscetíveis de comprometer a esco-laridade ou de prejudicar a saúde, bem como o desenvolvimento da criança.Devem informar, ainda, toda ação preventiva ou corretiva, inclusive no quediz respeito à educação, nos setores formal e informal da economia, assimcomo todas as práticas adotadas objetivando a garantia do respeito aosprincípios gerais da Convenção.(39)

O comitê dos direitos da criança foi criado, de acordo com o art. 43 daConvenção, para ser o organismo de controle da aplicação desse instru-mento, constituindo-se de 10 experts, que se reúnem 3 vezes ao ano. Ummembro do grupo de trabalho, encarregado de preparar a sessão, é desig-nado como relator dos países para a análise dos relatórios e das informa-ções recebidas pelas instituições especializadas, tais como a OIT e as

(37) A título ilustrativo, apesar do fato de que 784.000 crianças menores de 12 anos trabalham naColômbia, a Comissão constatou, em suas observações, em 1999, a elaboração de uma políticanacional visando à eliminação do trabalho infantil e à proteção dos jovens trabalhadores, datada demarço de 1998, o que demonstra uma grande consciência e o compromisso nacional de erradicaressa situação.(38) Quanto às medidas no plano nacional, vide BOYDEN, J. MEYERS, William. Exploring alterna-tive approaches to combating child labor: case studies from developing countries. Florença: Interna-tional Child Development Centre/UNICEF, Innocenti Occasional Papers, International, Itália, Fe-vereiro, 1995. Documento das Nações Unidas HRI/GEN/2/Rev. 8, 2001.(39) Ibid.

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ONGs, e de elaborar a lista de questões e observações que poderão serformuladas, quando do exame do relatório de cada país.(40)

Cada relatório é examinado pelo comitê por meio de diálogo com osrepresentantes dos Estados em sessão pública e, ao final da discussãogeral, a cada membro é dada a oportunidade de resumir as suas observa-ções e de fazer suas recomendações. Na finalização do exame do relatório,o comitê adota suas observações finais, assinalando os aspectos positi-vos, suas preocupações e suas recomendações ao referido Estado.

Ainda quanto à função desempenhada pelo comitê, este tem a facul-dade de requerer um relatório complementar e, ainda, de solicitar aos go-vernantes “todos os esclarecimentos complementares relativos à aplica-ção da convenção” (art. 44, § 4º), nos casos em que as informações semostrem insuficientes, ou quando se constatar a existência de problemasgraves. Todavia, é interessante notar que não há previsão na Convençãode procedimento específico para a análise de reclamações individuaisoriundas das próprias crianças ou de seus representantes.(41)

No que diz respeito à interpretação dos direitos protegidos na Conven-ção, constata-se que, além da análise de casos particulares que constituemas observações finais sobre cada país, o comitê dos direitos da criança nãoelaborou observações gerais visando a formular uma definição do conteúdodo art. 32.(42)

III.2.a) Debate em torno do art. 32 da Convenção dos direitos dacriança: marco para novas recomendações(43)

Constatando a gravidade do problema, por meio do mecanismo decontrole, o comitê dos direitos da criança realizou, em outubro de 1993, umdebate geral sobre o tema “a exploração econômica das crianças”. Desta-cou-se, inicialmente, que o art. 32 merecia uma interpretação à luz dosprincípios fundamentais e indivisíveis consagrados na Convenção:(44) a

(40) ROUGET. Didier. Le guide de la protection internacionale des droits de l´homme. Editions LaPensée Sauvage: França, 2000, pp. 222-225.(41) Ibid.(42) Vale registrar que, em sua 661ª sessão, em 2000, o Comitê procedeu a um debate com o Sr.Philip Alston, expert encarregado de auxiliar na redação da primeira observação geral do Comitê noquadro do Plano de ação do Alto-Comissariado da ONU, visando à aplicação da Convenção relativaaos direitos da criança: observação geral sobre o art. 29, § 1º.(43) Vide ONU. Protection des enfants contre l’exploitation économique. Comité des droits del’enfant. CRC/C/SR.95, 1993.(44) A Convenção relativa aos direitos da criança reúne duas categorias de direitos: direitos civise políticos; e direitos econômicos, sociais e culturais. É preciso notar que a universalidade dessesdireitos foi apontada na Conferência Mundial de Viena, sobre os direitos do homem, em 1993,quando da declaração de que todos os direitos do homem são universais, indissociáveis e interde-pendentes. Se, por um lado, os particularismos históricos culturais e religiosos devem ser conside-rados, os Estados devem, de outra parte, se comprometer verdadeiramente com a promoção e aproteção de todos os direitos do homem, não importanto qual seja o sistema político, econômico ecultural do país.

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não-discriminação (art. 2º); o interesse superior da criança (art. 3º); o direitoà sobrevivência e ao desenvolvimento (art. 6º) e o direito de expressar assuas opiniões livremente (art. 12).

Nesse mesmo debate, o Comitê dos direitos da criança assinalouigualmente a importância do direito da criança à educação (art. 28) e dasmedidas visando a facilitar a readaptação física e a reintegração social detoda criança vítima de toda forma de exploração (art. 39). Convidou, paratanto, instituições financeiras para discutir a necessidade de proteger osdireitos da criança nos programas de reforma econômica, e recomendou àUnesco que se comprometesse a uma ação internacional pela educaçãoescolar. Recomendou, também, a todos os governantes que ratificassemsem demora as normas da OIT relativas à idade mínima de admissão noemprego e que estabelecessem sistemas de inspeção dos lugares detrabalho, bem como um mecanismo de sanções adequadas.(45)

Nessa perspectiva, um representante do Instituto Internacional peloDireito Ambiental e Desenvolvimento (INHURED) formulou uma crítica inte-ressante, quanto aos Estados-membros da Convenção dos direitos da criança,afirmando que muitos não haviam elaborado medidas eficazes para erradi-car a exploração econômica das crianças. Diante disso, sugeriu que a Con-venção deveria contemplar, além do mecanismo regular de relatórios, ummecanismo de reclamações para os casos de violação aos direitos dacriança, a fim de alcançar o preenchimento das obrigações por parte dospaíses que a ratificaram, incluindo um sistema de fiscalização quanto àaplicação das recomendações feitas pelo Comitê.(46)

Em janeiro de 1994, o Comitê finalmente adotou as “recomendaçõesreferentes à exploração econômica das crianças”, apontando a necessidade

(45) Sobre esse ponto, ler MOORE, K. “Supporting Children in their working lives. Obstacles andopportunities wthin the international policy environment”. In: Journal of International Development,12, Interscience, London, 2000. Vide documento das Nações Unidas CRC/C/SR.95, 1993.(46) Para que tal mecanismo fosse implantado, seria necessário a elaboração de uma emenda àConvenção em tela, conforme previsto no art. 50 da mesma. E, ainda, nos termos do art. 51 serianecessário a aceitação de 2/3 dos Estados-membros para que uma emenda pudesse entrar em vigor.Nesse contexto, no plano internacional, certos direitos econômicos, sociais e culturais beneficiam-se de uma proteção reforçada, por exemplo, quando são objetos de uma convenção da OIT. Nomesmo sentido, e a título ilustrativo, o Comitê dos direitos econômicos sociais e culturais adotou umprojeto de Protocolo para reconhecimento da competência do Comitê para receber comunicaçõesoriginárias de indivíduos ou grupo de pessoas, cujos direitos tenham sido violados. Um outroexemplo, no plano regional, é o procedimento de controle para a aplicação da Carta Social Européia,complementado por um Protocolo adicional que entrou em vigor em 1º de julho de 1998 e que prevêum sistema de reclamações coletivas que podem ter origem tanto nas organizações profissionaiseuropéias e nacionais, como em certas organizações não-governamentais internacionais ou nacio-nais. Faz-se interessante, ainda, notar que a primeira reclamação coletiva foi proposta pela Comis-são internacional de juristas, em 12 de outubro de 1998, indicando a violação do art. 7º, § 1º, da CartaSocial, o qual preconiza a proibição do trabalho exercido por crianças menores de 15 anos. Tambémno quadro regional, convém destacar o Protocolo de San Salvador, que vem a complementar o PactoInteramericano dos direitos econômicos sociais e culturais, o qual prevê um mecanismo especial depetições individuais relativas aos direitos sindicais e ao direito à educação.

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de medidas práticas e a adoção de programas de ação nacionais, visandoà eliminação de todas as formas de exploração do trabalho infantil, reque-rendo, ainda, uma avaliação periódica dos progressos realizados.

Nessa perspectiva, recomendou-se a elaboração de um mecanismonacional de coordenação de políticas e de aplicação da Convenção, comcompetência específica quanto à matéria relativa à proteção da criança con-tra a exploração econômica. Incentivou-se, igualmente, o desenvolvimentoda cooperação internacional e a importância da informação e da educaçãona luta contra a exploração econômica.(47)

Interessante notar, por fim, que o Comitê faz menção a essas reco-mendações gerais em suas observações finais, durante o exame dos rela-tórios dos Estados-membros.(48)

No próximo item, verificar-se-á a importância do papel das ONGs noprocedimento aqui descrito, quanto à sua participação e elaboração de rela-tórios alternativos aos dos Estados.

III.3 O Papel das ONGs

As ONGs são organismos independentes dos governos e das organi-zações internacionais e desempenham um papel fundamental ao criarem,divulgarem e refletirem na opinião pública um movimento pela defesa dosdireitos humanos.(49) Tais entidades participam, muitas vezes, da elabora-

(47) Quanto aos exemplos de mecanismos implementados, ver OIT. Good Practices in Actionagainst Child Labor: A synthesis report of seven Country Studies. OIT/IPEC, Gênova, 2001. Verdocumento das Nações Unidas CRC/C/24, 1994.(48) Raros são os Estados que apresentaram reservas ou declarações referentes ao art. 32. Noentanto, a Índia fez uma reserva para justificar a aplicação progressiva do preconizado no referidoartigo, qual seja: “Subescrevendo-se plenamente aos fins e objetivos da Convenção, mas conscientedo fato de que, num país em desenvolvimento, o progresso de certos direitos da criança, particular-mente os direitos econômicos, sociais e culturais, apenas se fazem possível na medida do limite derecursos disponíveis e no contexto da cooperação internacional; reconhecendo que a criança deve serprotegida contra toda forma de exploração, incluindo a exploração econômica; observando-se que, pordiversas razões, crianças de diferentes idades trabalham na Índia; tendo fixado uma idade mínimageral para a admissão ao emprego; e, consciente de que não seria realístico determinar uma idademínima de admissão para cada categoria nesse país, o Governo Indiano se compromete a elaborarmedidas visando à aplicação progressiva das disposições no art. 32 da Convenção, em particularaquelas do § 2, alínea a), conforme à legislação nacional e aos instrumentos internacionais pertinentesdos quais a Índia faz parte”. (CRC/C/2/Rev.7). Nesse mesmo sentido, o governo da Nova Zelândia,sob o argumento de que a legislação atual de seu país protegia as crianças nos termos do estipuladono § 1, do art. 32, fez uma reserva quanto ao seu § 2. Assim também o Reino Unido reservou-se odireito de aplicar o art. 32, sob reserva das disposições constantes de sua legislação nacional.(49) Assim, a organização “Terre des Hommes” (TDH) mantém 806 projetos em 66 países daÁfrica, Europa, Oriente-Médio e América Latina. O trabalho é feito em parceria com os paísesbeneficiados e em colaboração com instâncias da ONU e outras ONGs. Em relação ao trabalhoinfantil, a posição da Terre des Hommes é a de que o trabalho da criança não representa sempreuma violação aos direitos humanos, comprometendo-se, primordialmente, pela abolição do trabalhoque se realiza em condições prejudiciais, em que as crianças são exploradas, seja economicamente oufisicamente, preconizando, em tais casos, medidas para que as crianças sejam imediatamenteretiradas do trabalho e reabilitadas e, ainda, para que os empregadores ilegais sejam fiscalizadospelas instituições nacionais do trabalho.

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ção e implementação dos instrumentos e mecanismos internacionais dedireitos humanos.(50)

Faz-se interessante notar que a Convenção n. 182 da OIT, em seu art.6º, reconhece o papel das ONGs, reservando-lhe um lugar na concepção eelaboração dos programas de ação nacionais, sob o mesmo título de im-portância das organizações de trabalhadores e empregadores.

Nesse cenário, as ONGs mobilizam tanto os atores sociais relativosaos direitos fundamentais, no sentido amplo, como aqueles envolvidosespecificamente com os direitos das crianças, e, por fim, as crianças traba-lhadoras, objetivando que alianças sejam formadas entre diferentes parcei-ros, nas esferas local, regional e nacional, buscando a aplicação efetiva dasconvenções da OIT e da ONU pertinentes.(51)

Há de se destacar, igualmente, a função determinante das ONGs naelaboração dos relatórios dos Estados, através da apresentação de relató-rios alternativos (os chamados contra-relatórios), e por meio de um diálogoconstrutivo com os serviços governamentais, com a mídia, com os parla-mentares e com os juristas.(52)

Convém assinalar que o Comitê dos direitos da criança tem competên-cia para convidar as instituições especializadas, como a UNICEF e “todos osdemais organismos competentes”, nos termos do art. 45 da Convenção daONU, para conceder “avisos” específicos sobre a aplicação da Convenção,sendo conferido às ONGs o poder de fiscalizar a sua implementação.

Assim, por meio desse mecanismo de controle, faz-se possível a di-vulgação nacional, por parte das ONGs, das observações finais do Comitêdos direitos da criança relativas a cada país, utilizando-as como uma viaefetiva de pressão e de ação, e exigindo-se das autoridades nacionais orespeito e a concretização dos projetos e planos formulados no quadro doComitê.(53)

Passa-se, nessa etapa, a uma breve abordagem acerca de outrosmecanismos de busca pela aplicação prática das normas internacionais einternas relacionadas ao trabalho infantil.

(50) Como exemplo, tem-se “La Défense pour les Enfants International” (DCI), uma organizaçãonão-governamental internacional, fundada em 1979 — o ano internacional da criança — exclusiva-mente para incentivar e proteger os direitos da criança, e cuja ação concretiza-se através desegmentos estabelecidos em mais de 60 países. A organização desempenhou um papel fundamen-tal no processo de redação da Convenção da ONU dos direitos da criança, além de participarativamente dos mecanismos de controle para verificar se os Estados-membros aplicam efetiva-mente as disposições da referida Convenção.(51) Para um aprofundamento quanto ao trabalho das ONGs, ver BONNET, Michel. Le travail desenfants: Terrain de Luttes. Collection Cahier Libres, Edition: Page deux: Lausanne, Suisse 1999.(52) Para uma melhor análise, faz-se interessante visitar o web site http:/www.crin.org/ressources,criado pela ONG britânica “Save the Children” para ser base de dados, entre outros, de relatóriosalternativos apresentados por grupos de ONGs ao Comitê dos direitos da criança da ONU.(53) DAVID, Paulo. Enfants sans enfance. Collection Pluriel, Hachette: Paris, 1995, pp. 30-35.

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IV. Outros mecanismos

IV.1 A marcha mundial contra o trabalho infantil

A Marcha Mundial contra o trabalho infantil, apoiada pelo IPEC, teveseu início em janeiro de 1998, quando três grupos de manifestantes vindosde Manila, São Paulo e Cidade do Cabo, percorreram um total de 56 paísesda África, Ásia, Europa, América Latina e América do Norte na direção deGenebra, onde seus dirigentes participaram da Conferência Internacionaldo Trabalho em junho de 1998. A marcha contou com a participação deorganizações de 108 países e de mais de 1.400 parceiros de ONGs, orga-nizações profissionais e econômicas, e de grupos de direitos da criança ede direitos humanos. Houve, em cada país, manifestações públicas e reuniõescom autoridades nacionais e locais, buscando a sensibilização e mobilizaçãodos governos.(54)

A Marcha Mundial demanda aos Estados que congreguem o máximopossível de recursos para que os programas de ação sejam efetivadosdentro do prazo previsto, e que tais programas consubstanciem o dispostona Convenção dos direitos da criança da ONU e nas Convenções n. 138 e n.182 da OIT. (55)

Nesse sentido, a Marcha solicita à OIT que exija de seus membros aaplicação dos planos internos de ação para a eliminação progressiva dotrabalho infantil, e que crie um verdadeiro sistema de controle de aplicaçãona prática, por parte dos Estados, em cooperação com as crianças, paren-tes, ONGs e outros organismos competentes.(56)

IV.2 Cooperação Internacional

A cooperação internacional é um mecanismo extremamente impor-tante na promoção dos direitos econômicos, sociais e culturais, por meio

(54) A Marcha Mundial iniciou-se no Brasil, em 25 de fevereiro de 1998, colocando em prática umacampanha no norte do país para erradicar o trabalho infantil no setor de produção de laranjas.Deve-se notar que o Brasil está entre os grandes exportadores mundiais de suco de laranja e quecrianças de até 5 anos foram encontradas trabalhando nas plantações, expostas, dessa maneira,aos agrotóxicos utilizados. Como exemplo de consequência visível e alarmante, as criançasperdiam as suas digitais, progressivamente. Em resposta à pressão de várias organizações comoa Contag, Fundação Abrinq, entre outras, o Governo brasileiro anunciou um programa de reabilita-ção para as crianças que trabalhavam na indústria da colheita da laranja no nordeste do País.Seguindo o mesmo exemplo, campanhas foram realizadas nos setores da borracha e da indústriade mineração. A Marcha agiu, ainda, no setor de calçados, fazendo com que os fabricantesassinassem uma declaração para erradicar o trabalho infantil nesse tipo de atividade.(55) Chile. In: Marcha global contra el trabajo infantil. Documentos de estudio, Santiago do Chile:Coordination Sudameriacana, agosto, 1999, pp. 4-5.(56) A Marcha Mundial demonstra que as próprias crianças, sindicatos e organizações cujasatividades sejam centradas nessa problemática e outros grupos correlatos devem unir-se nabusca de um objetivo comum — a longo prazo — o de eliminar o trabalho infantil, confomeestipulado pela Convenção n. 138 e, imediatamente, suas piores formas, de acordo com oconsagrado na Convenção n. 182. Dessa maneira, a ação da marcha configura-se como de grandeimportância na luta pela ratificação e aplicação das referidas Convenções da OIT.

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de financiamento de projetos específicos e de interesse para as nações emdesenvolvimento.

No contexto do trabalho infantil, a OIT elaborou o Programa Internacio-nal pela Eliminação do Trabalho Infantil — IPEC,(57) implementado-o emvários países, com foco em três grupos vulneráveis principais: as criançassubmetidas ao trabalho escravo, as que trabalham em atividades perigo-sas e aquelas menores de 12 anos.

A título de elucidação, vale registrar que o IPEC mostrou-se um pro-grama de implementação efetiva no Brasil, objetivando a elaboração depolíticas, o comprometimento por parte dos empregadores, a garantia dosdireitos da criança e do adolescente, a mobilização social e, ainda, a assis-tência e a garantia de educação para as crianças trabalhadoras. O progra-ma gerou resultados muito positivos, em especial nos setores de calçados,e na produção do carvão e da laranja.(58)

CONCLUSÃO

A partir desse estudo, algumas conclusões foram possíveis, com oobjetivo de refletir e identificar soluções concretas quanto à problemáticaapresentada.

Primeiramente, constatou-se que existe, já há algum tempo, uma le-gislação internacional almejando a limitação e a eliminação do trabalhoinfantil. No entanto, tal questão permanece como uma realidade, não so-mente por causa da falha dos mecanismos de aplicação das normas inter-nacionais, mas em razão de justificativas consideradas inaceitáveis, taiscomo a pobreza, particularidades culturais e econômicas e, ainda, a dificul-dade de acesso ao sistema educativo.

O trabalho infantil provoca problemas complexos, conforme abordadono primeiro tópico. Identificou-se um certo progresso em matéria normativa,com o reconhecimento, por parte do Governo, da existência do trabalho in-fantil. Todavia, as dificuldades de aplicação da legislação sobre o tema nãoresultam apenas de deficiências do sistema jurídico ou de falhas dos me-canismos de aplicação, mas da complexidade do problema.

De início, é fundamental a existência de um quadro jurídico sólidopara que se logrem as mudanças necessárias nesse contexto, com basenos valores universalmente reconhecidos, como o respeito aos direitos

(57) Quanto aos resultados marcantes do programa, vide OIT. Faits marquants de l’IPEC: 2000.IPEC, Gênova, outubro, 2000.(58) Para um aprofundamento sobre a ação do IPEC no Brasil, vide SANTOS, Benedito Rodrigues.Um nuevo siglo sin trabajo infantil. Politicas sociales y las estrategias de erradicacion del trabajoinfantil en Brasil. Colombia: Seminario Latinoamericano/IPEC, 1998.

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humanos e a proteção das pessoas que se encontram em situação vulne-rável, como é o caso das crianças que trabalham.

Igualmente, a ratificação das convenções pertinentes por parte dosEstados-membros constitui uma etapa fundamental, ao exprimir a vontadepolítica e o comprometimento daqueles à aplicação na prática do consagra-do nas convenções relativas ao trabalho infantil.

Quanto à legislação nacional, convém às autoridades competentesproceder à determinação de dois aspectos fundamentais: a) a relação entrea idade mínima de admissão ao emprego e a idade mínima para a conclu-são da escolaridade obrigatória, nos termos da Convenção n. 138;(59) b) alista de trabalhos perigosos, preconizando a proibição geral de se contratarmenores de 18 anos para realizar trabalhos considerados como as pioresformas de trabalho infantil, conforme a Convenção n. 182.(60)

Nessa perspectiva, deve-se ter em mente que as convenções da OITe da ONU relativas aos direitos da criança exigem dos Estados-membrosque procedam não somente a fixação da idade mínima de admissão aoemprego, mas que implementem medidas a fim de que tal regra seja apli-cada de maneira eficaz.

No que diz respeito à prática dos Estados, a partir das observaçõesdos órgãos de controle, verificou-se que certos tipos de atividades ou seto-res são excluídos do campo de aplicação das legislações nacionais —normalmente o setor agrícola, o serviço doméstico e o setor informal — oque constitui, atualmente, um desafio que se particulariza por dois motivos:por um lado, é onde se encontram a maioria das crianças trabalhadoras,e, por outro lado, a implementação de mecanismos de aplicação da legisla-ção nesses setores é mais difícil.(61)

Nesse contexto, é preciso implementar, portanto, um mecanismo nacio-nal de coordenação de políticas, através da cooperação multilateral, assimcomo projetos regionais e municipais, compreendendo a prevenção, elimi-nação e readaptação. Cada país deve colocar em prática um mecanismo decoleta e análise de dados, e estudar uma estratégia adaptada às circunstân-cias e aos diferentes tipos de trabalho existentes, para que nenhum trabalhoseja prejudicial ao desenvolvimento ou à formação escolar da criança.(62)

(59) Quanto à aplicação da legislação referente à idade mínima no plano nacional, recomenda-se aleitura do estudo da OIT, Age minimum, étude d’ensemble de la Commission d’experts pourl’application des conventions et recommandations. Conférence Internationale du Travail, 67 session,rapport III (partie 4B), Gênova, 1981.(60) Quanto à implementação do consagrado nas normas internacionais, consultar HASPELS, N.JANKANISH, M. Action against child labour, Gênova, OIT, 2000.(61) Michel Bonnet faz uma interessante análise sobre o tema na contemporaneidade em Regardssur les enfants travailleurs: La mise au travail des enfants dans le monde contemporain. Analyse etétudes des cas. Collection Cahier Libres, Edition: Page deux: Lausanne, Suisse 1998.(62) Para uma melhor análise, ver MAILLARD, Jacques. “La guerre contre le travail des enfantspeut-elle être gagnée.” In: Travail, Le magazine de l’OIT N 22, OIT, Gênova,1997.

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Verificou-se, ainda, que o recurso a outros mecanismos, tais como amobilização social dos órgãos governamentais e não-governamentais, ea cooperação internacional, compreendem uma estratégia eficaz na fiscali-zação da prática dos Estados, em especial quanto à aplicação das reco-mendações feitas pelos órgãos de controle.

Em suma, é impossível que esse fenômeno se resolva simplesmen-te por meio do reforço do sistema internacional de proteção dos direitos dacriança, sem que o compromisso de respeito aos direitos humanos nãoseja firmado, definitivamente, como uma prioridade dos Estados. As dificul-dades econômicas não justificam a omissão do Estado, devendo o mesmoengajar-se em ações políticas e programas coerentes para o desenvolvi-mento econômico e social.

Pelo exposto, uma ação deve ser articulada sob dois aspectos, quaissejam:

a) Nacional: no que diz respeito à aplicação da legislação sobre otrabalho infantil, verifica-se a necessidade de se melhorar o serviço de fis-calização não apenas nos setores estruturados, mas também nos setoresinformais, a fim de que o controle seja exercido de maneira eficaz.(63) Verifi-ca-se, igualmente, que sanções devem ser adotadas em casos de ofensa àlegislação pertinente, nos termos das Convenções ns. 138 e 182. Vale res-saltar, todavia, que no direito do trabalho, as sanções, embora necessárias,não são suficientes para garantir a aplicação da legislação, eis que nãosubstituem a obrigação principal;

b) Internacional: considerando que os instrumentos internacionaisexigem dos países ratificantes que apliquem sanções nos casos de viola-ções constatadas; considerando que os organismos internacionais — OITe ONU — não estabeleceram sanções passíveis de serem aplicadas nodireito interno, e, pois, nas situações de ofensa aos direitos da criança;(64)

considerando, ainda, que a sanção internacional atual compreende tão-somente a pressão política que esses órgãos exercem pela força moral,sobre os Estados violadores, e a conseqüente opinião pública;(65) é reco-mendável, ao comitê dos direitos da criança da ONU, que analise a possi-

(63) Para uma melhor análise quanto à inspeção nacional, OIT. L’inspection du travail et le travaildes enfants. Rapport de la réunion d’experts, Gênova, 1999.(64) No que diz respeito às sanções, recomenda-se a leitura de HILOWITZ, Janet. Labelling childlabour products: a preliminary study. OIT, Gênova,1997.(65) Uma outra forma de sanção configura-se na esfera econômica, a saber: a etiquetagem dosprodutos com o selo de garantia, divulgando-se na fase de comercialização; o código de conduta,quando o produto certifica que sua fabricação não utilizou mão-de-obra infantil; ou ainda a campa-nha de ameaça de boicote. Interessante notar que as discussões em torno dos acordos do GATTe da criação da Organização Mundial do Comércio (OMC) registraram a questão quanto à inserçãode cláusulas sociais nos acordos internacionais do comércio, preconizando o princípio contra aexploração do trabalho infantil.

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bilidade de emenda à convenção da ONU relativa aos direitos da criança,objetivando instituir um procedimento de reclamações coletivas, a exemploda Carta Social Européia. Um outro tipo de sanção seria proceder à aplica-ção de medidas mais rígidas aos Estados que não cumprem a obrigaçãode submeter os relatórios aos órgãos de controle.(66) Isso permitiria umprogresso na implementação efetiva dos direitos garantidos.

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(66) Nesse ponto recomenda-se a leitura de ALSTON, Philip. “Implementing Children’s Rights: TheCase of Child Labour”. In: The International Journal of Children’s Rights, n. 7, 1999.

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INQUÉRITOS, TERMOSDE COMPROMISSO DE

AJUSTAMENTO DECONDUTA, AÇÕES E

DEMAIS ATIVIDADES

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TERMO DE COMPROMISSO DE AJUSTAMENTO DECONDUTA — IMPLEMENTAÇÃO, PELA EMPRESA, DE

PROGRAMA DE FORMAÇÃO PROFISSIONALDE PESSOAS PORTADORAS DE DEFICIÊNCIA

(PRT 1ª REGIÃO)

TERMO DE COMPROMISSO N. 283/2004

Perante o Ministério Públicodo Trabalho-Procuradoria Regional doTrabalho da 1ª Região e o Ministériodo Trabalho e Emprego-DRT/RJ,nos autos do Procedimento Prepa-ratório de Inquérito Civil Público n.203/2001, Companhia Vale do RioDoce, com sede na cidade do Rio deJaneiro à Av. Graça Aranha, 26, Cen-tro, Rio de Janeiro/RJ, inscrita noCNPJ/MF sob o número 33.592.510/0001-54, na qualidade de Compro-missada, representada por seusprocuradores Roberto Rui Lima deFigueiredo, Gerente Geral de Re-cursos Humanos portador da car-teira de identidade n. 241.893-MMAR/RJ, e Rafael Grassi Pinto Fer-reira, Coordenador Jurídico Traba-lhista, OAB/MG 50.713, doravantedenominada “CVRD”, resolve firmaro presente TERMO DE COMPRO-MISSO, se comprometendo a cum-prir as obrigações abaixo descritas,com fundamento no art. 5º, § 6º, daLei n. 7.347/85, na redação que lhedeu o art. 113 da Lei n. 8.078/90, no

sentido de conformar-se às disposi-ções constantes da Lei n. 8.213/91 edo Decreto n. 3.298/99 que regula-menta a Lei n. 7.853/89.

Considerando que a CVRDatualmente possui cerca de 17.800(dezessete mil e oitocentos) emprega-dos e que está buscando capacitar econtratar profissionais portadores dedeficiências para atender às dispo-sições legais, notadamente à quotafixada no art. 93 da Lei n. 8.212/91.

Considerando que a CVRDenfrenta dificuldades para contrata-ção de profissionais portadores dedeficiências e identificou a necessi-dade de treinar pessoas para o pre-enchimento de inúmeras vagas denível técnico, tornando ainda maiscomplexo o processo de contrataçãopretendido;

Considerando que diversasatividades desenvolvidas pela CVRDimplicam contato com agentes pe-riculosos ou insalubres exigindo in-tensos treinamentos de procedi-

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mentos técnicos e de segurança notrabalho;

Considerando a carência deformação profissional em áreasde atuação da CVRD e a importân-cia social de possibilitar às pesso-as portadoras de deficiência umaformação profissional que lhes pro-porcione maior empregabilidade;

Considerando que a CVRDestá elaborando um Programa deFormação Profissional para Pes-soas Portadoras de Deficiência quetem relevante importância para aqualidade e segurança das admis-sões na empresa, possibilitando acapacitação de pessoas portadorasde deficiência não só para a própriaempresa, mas também para o mer-cado de trabalho nacional;

A CVRD firma nos autos doProcedimento acima identificado opresente TERMO DE COMPROMIS-SO, perante o Ministério Público doTrabalho e Ministério do Trabalho eEmprego, mediante as seguintescláusulas e condições:

Cláusula Primeira — Compro-misso.

A CVRD implantará o Progra-ma de Formação Profissional dePessoas Portadoras de Deficiên-cia, cujos objetivos e diretrizes prin-cipais, seguem abaixo sintetizados:

a) Capacitar profissionalmentede 34 a 40 (trinta e quatro a quarenta)pessoas portadoras de deficiência;

b) a CVRD realizará a capta-ção de candidatos até 30 janeiro de2005;

c) a CVRD firmará Convêniocom o SENAI, ou outra instituição de

reconhecida capacidade, que minis-trará o treinamento;

d) O programa deverá ser de-senvolvido em âmbito nacional, noEstados de atuação da CVRD, sen-do que o projeto piloto será realizadona cidade de Belo Horizonte — MG,com aula inaugural a ser realizadaaté 14 de fevereiro de 2005.

e) a duração do treinamentoteórico será de até 6 (seis) meses;

f) a CVRD patrocinará o treina-mento, de forma a possibilitar à ins-tituição responsável a adequadaqualidade técnica e o pagamento deuma bolsa de estudos mensal novalor de R$ 300,00 (trezentos reais)aos treinandos durante todo o pe-ríodo de treinamento teórico;

g) após o treinamento teórico,os treinandos serão admitidos naCVRD, com vínculo empregatício porprazo determinado de 6 (seis) me-ses, durante o qual realizarão ativi-dades práticas e operacionaiscomplementares ao treinamento,percebendo nesta fase um salário-base de, no mínimo, R$ 400,00/mês,além de vale-transporte, alimenta-ção nos termos do PAT — Programade Alimentação do Trabalhador alémde outros benefícios aplicáveis aosempregados da CVRD;

h) após o prazo mencionadono item anterior os empregados por-tadores de deficiência poderão terseus contratos de prazo prorrogadospor prazo indeterminado;

i) será fornecida assistênciamédica, inclusive na fase inicial (teóri-ca) do treinamento;

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Cláusula Segunda — Fiscali-zação do Cumprimento.

O Ministério Público do Trabalho,diretamente ou por meio do Ministériodo Trabalho e Emprego, será infor-mado de todas as fases do programapara o devido acompanhamento e fis-calização. A CVRD informará ainda asadmissões ocorridas em decorrênciado programa de treinamento.

Parágrafo único. Consideran-do-se a natureza do compromissoora firmado, e as relevantes ques-tões que o motivaram, o MinistérioPúblico do Trabalho acompanharáseu cumprimento nos prazos esta-belecidos na cláusula terceira, emnível nacional, através do presenteprocedimento de investigação, fi-cando suspensa pelo parquet a ve-rificação da obrigação legal do art.93 da Lei n. 8.213/91 no período es-tabelecido.

Cláusula Terceira — Vigência.

O presente compromisso per-durará até 31 de dezembro de 2005, eprorrogar-se-á por períodos subse-qüentes de 1 (um) ano através da im-plantação de turmas de treinamentosnos moldes ora estabelecidos, salvoexpressa manifestação das partes.

Cláusula Quarta — Multa porDescumprimento.

A inobservância das disposi-ções do presente Termo de Com-

promisso, notadamente da Cláusu-la Primeira, letra “a”, sujeitará a em-presa ao pagamento de multa de R$1.000,00 (um mil reais) por trabalha-dor que deixar de ser assistido, re-versível ao financiamento de cursosde capacitação de mão-de-obra aserem ministrados pelo sistemaSESI/SENAI de Vicente de Carvalhoou outro a ser indicado pelo Ministé-rio do Trabalho e Emprego;

Estando assim ajustados, aspartes firmam o presente instrumen-to em três vias de igual teor e forma,para que produza os seus legais ejurídicos efeitos.

Rio de Janeiro, 15 de dezem-bro de 2004.

Companhia Vale do Rio DoceRoberto Rui Lima de Figueiredo

Companhia Vale do Rio DoceRafael Grassi Pinto Ferreira

Ministério Público do TrabalhoJúnia Bonfante RaymundoProcuradora do Trabalho

Ministério do Trabalho eEmprego

Delegacia Regional doTrabalho do Estado do Rio

de JaneiroLuiz Renato Almeida

Auditor Fiscal do TrabalhoNarciso Guedes

Auditor Fiscal Médico do Trabalho

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AÇÃO CIVIL PÚBLICA — CONTRATAÇÃO DE PESSOAPORTADORA DE DEFICIÊNCIA — DANO MORAL

COLETIVO (PRT 2ª REGIÃO)

EXMO. SR. DR. JUIZ DA 6ª VARA DO TRABALHO DE SÃO PAULO

O Ministério Público do Traba-lho da 2ª Região, CNPJ 26.989.715/0033-90, através da Coordenadoriade Defesa dos Direitos Difusos eColetivos — CODIN, com sede à RuaAurora, 955, 6º andar, CEP 01209-001,por suas Procuradoras, infra-assina-das, vem, com amparo no dispostonos arts. 127 e 129 da ConstituiçãoFederal, 6º, VII, “d” c/c 83, I e III da LeiOrgânica do Ministério Público (LCn. 75/93), Lei n. 7.347/85, com as al-terações introduzidas pela Lei n.8.078/90, art. 93 da Lei n. 8.213/91,art. 3º da Lei n. 7.853/89 e Decreto n.3.298/99, propor:

AÇÃO CIVIL PÚBLICA COMPEDIDO DE MEDIDA LIMINAR

INAUDITA ALTERA PARTE

em face de União de BancosBrasileiros S/A, pessoa jurídica dedireito privado, com sede à Av. Eusé-bio Matoso, 891, SP, CEP 06029-900,CGC 33.700.394/0001-40, pelas ra-zões de fato e de direito a seguir ex-postas:

DOS FATOS

Com base na disposição cons-titucional que proíbe a discriminaçãoa trabalhadores portadores de defi-ciência (art. 7º, XXXI) e em atendimentoao disposto no art. 93 da Lei n. 8.213/91, o Ministério Público do Trabalhoexpediu NOTIFICAÇÃO RECOMENDA-TÓRIA ao Banco-Réu em 13.10.1998,para que reservasse, paulatinamen-te, à medida que fossem desocupa-dos, 5% de seus postos de trabalhopara pessoas portadoras de deficiên-cia e beneficiários reabilitados pelaPrevidência Social (doc. 1).

Cerca de um ano depois, ins-taurou Procedimento Preparatório n.3.033, transformado em ICP 952/2000 em 14.11.1999, convocou o Réu,juntamente com outras empresas, aparticipar de audiência pública, bus-cando verificar providências até en-tão adotadas.

Dessa audiência participaramo Centro de Reabilitação do INSS —Gerência Centro e o PADEF — Pro-grama de Apoio à Pessoa Portadora

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de Deficiência — Secretaria de Es-tado do Emprego e Relações do Tra-balho/SP, com o intuito de esclare-cer possíveis dúvidas.

Verificando que o banco-réunão havia tomado, até então, as pro-vidências recomendadas, foi conce-dido prazo até 29.2.2000 para quefosse elaborado um cronograma deatendimento à reserva legal de va-gas e apresentados documentosque eventualmente comprovassemmanter a seus serviços portadoresde deficiência e beneficiários reabili-tados pela Previdência Social (doc. 2).

Ao fim desse prazo, e não apre-sentados os documentos, o banco foiconvocado para audiência individualem 5.5.2000, com a finalidade de as-sinatura de termo de ajustamento deconduta às normas legais (doc. 3).

Na audiência realizada os do-cumentos, solicitados em 14.11.1999mais uma vez deixaram de ser apre-sentados. Havendo solicitação denovo prazo de 90 dias, foi concedidaminuta de termo de compromissopara análise (doc. 4).

Decorrido o prazo vieram aosautos certificados do INSS compro-vando a condição de reabilitados de39 empregados do banco. Vieramtambém 36 atestados médicos, adu-zindo a condição de portadores dedeficiência de outros elencados.Comprovou-se, assim, nos autos, onúmero de 75, de uma reserva ne-cessária, apenas no estado de SãoPaulo de cerca de 418 cargos (doc. 5).O número de empregados no Bra-sil, conforme informado é de 17.365,sendo a reserva legal equivalente a868 cargos.

Notificado a manifestar-se so-bre a intenção de assinatura de ter-mo de compromisso, onde lhe seriaconcedido prazo para adequação le-gal (doc. 6), mais uma vez o bancopugnou por mais prazo.

Em que pesem os documen-tos apresentados, o banco estáaquém da cota legal. É imperativa areserva de cargos no percentual exi-gido pela lei.

Outras empresas, chamadasa esse cumprimento, simultanea-mente com o banco-requerido, já fir-maram termos de compromissopara adequação.

Em razão disso, outra soluçãonão restou ao Ministério Público doTrabalho que não a propositura dapresente AÇÃO CIVIL PÚBLICA.

NATUREZA DO INTERESSEOFENDIDO

A ação civil pública, como qual-quer outro instrumento processual sedirige à obtenção de tutela quanto aum interesse. Mas não um interes-se individual.

O desrespeito à norma do art.93 não atinge o empregado portadorde deficiência ou o beneficiário rea-bilitado, individualmente considera-dos. Não se trata, também, de inte-resse coletivo, pois a resistênciaempresarial quanto à contrataçãodesses trabalhadores não atinge osempregados de um determinadoestabelecimento ou uma categoriaprofissional específica. Conclui-seque é difuso o interesse ofendido,conforme o art. 81 do Código de De-fesa do Consumidor: “interessestransindividuais, de natureza indivi-

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sível, de que sejam titulares pessoasindeterminadas e ligadas por cir-cunstâncias de fato”.

Assim, inegável a legitimidadedo Ministério Público do Trabalho ateor dos arts. 127, caput, e 129, IIIda Constituição Federal e art. 83, III daLei Complementar n. 75/93, para“promover a ação civil pública no âm-bito da Justiça do Trabalho, para adefesa de interesses coletivos, quan-do desrespeitados os direitos sociaisconstitucionalmente garantidos”.

E, corroborando, o art. 3º da Lein. 7.853/89 atribui expressa legitimi-dade ao Ministério Público do Traba-lho para figurar no pólo ativo destarelação jurídica processual.

FUNDAMENTOS JURÍDICOS DOPEDIDO

De acordo com o comando cons-titucional do art. 7º, XXXI, que proíbe adiscriminação ao trabalhador porta-dor de deficiência, o legislador ordi-nário, ao editar a Lei n. 8.213, de 24de julho de 1991 — dispondo sobreos planos de benefícios da Previdên-cia Social —, no art. 93 previu:

“a empresa com 100 (cem) oumais empregados está obrigadaa preencher de 2% (dois por cen-to) a 5% (cinco por cento) dos seuscargos com beneficiários reabilita-dos ou pessoas portadoras dedeficiência, habilitadas, na se-guinte proporção:

I — até 200 empregados — 2 %;

II — de 201 a 500 — 3 %;

III — de 501 a 1000 — 4%;

IV — de 1001, em diante — 5%.”

Recentemente editado, o De-creto n. 3.298/99, que regulamentoua Lei n. 7.853/89, que trata da Políti-ca Nacional das Pessoas Portado-ras de Deficiência, repetiu o mesmodispositivo no art. 36, e definiu as de-ficiências que protege com a reservalegal.

Depreende-se, da análise dospreceitos declinados, ser procedi-mento obrigatório para as empresascom quadro funcional superior a 100empregados — como é a hipótese daRé — reservar uma porcentagem deseus cargos a trabalhadores portado-res de deficiência e beneficiários rea-bilitados pela Previdência Social.

A previsão legal é de sumaimportância, principalmente se con-siderarmos que cerca de 10% dapopulação brasileira é compostapor pessoas que portam algumaespécie de deficiência, quer física,visual, auditiva ou mental, quandonão, múltiplas.

É plenamente equivocada aidéia preconcebida de que a pessoaportadora de deficiência, tão-só emvirtude de tal condição, não está aptaao exercício de atividade laboral, ten-do que viver, assim, à margem e àsexpensas da sociedade. É precisoevitar que a Lei n. 8.213/91 seja co-nhecida como “a lei que não pegou”.(doc. 7)

Apenas o PADEF — Programade Assistência à Pessoa Portadora deDeficiência — da Secretaria de Em-prego e Relações do Trabalho, emSão Paulo, possui um cadastro decerca de 8.000 (oito mil) pessoasportadoras de deficiência capacita-das para o trabalho (doc. 8). Isso

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sem contar as inúmeras entidadesque se dedicam à sua assistência eigualmente as capacitam para o mer-cado de trabalho.

Injustificável, pois, a postura dobanco, uma vez que não está obriga-do a demitir empregados, mas a re-servar paulatinamente cargos, queforem desocupados ou criados, paraa observância do comando legal.

Por outro lado, deve-se desta-car que o art. 93 da Lei n. 8.213/91não colide, em absoluto, com o prin-cípio da propriedade privada. É que,certamente, para atestar a submis-são da propriedade privada à suafunção social, inscreveu o consti-tuinte originário tais princípios em in-cisos vizinhos, no corpo do art. 5º daConstituição (art. 5º, XXII e XXIII). Nãose trata de desrespeito à proprieda-de privada, mas sim, coaduná-la coma função social a todos atribuída.

A existência dos percentuaisde 2% a 5%, nada mais é que crité-rio objetivo para garantir às pessoasportadoras de deficiência ou benefi-ciárias reabilitadas a oportunidadede serem inseridas no mercado detrabalho, se não o forem espontanea-mente. Há pessoas portadoras dedeficiências com limitações maiores emenores, nada impedindo a contrata-ção pela Ré daquelas que mais seadeqüem às atividades desenvolvidas.

DA INDENIZAÇÃO PELO BEMJURÍDICO LESADO

Com a redação que lhe deu oart. 88 da Lei n. 8.884/84, o art. 1º daLACP passou a prever que a açãocivil pública objetiva a responsabili-dade por danos morais e patrimoniais

causados a quaisquer dos valoresmetaindividuais de que cuida a lei.

“Regem-se pelas disposiçõesdesta lei, sem prejuízo da açãopopular, as ações de responsa-bilidade por danos morais e pa-trimoniais causados:

............................................................

IV — a qualquer outro interessedifuso ou coletivo.”

Responsabilidade pressupõe,em princípio, um ato ilícito, causa-dor de um dano, moral ou patrimo-nial, a direito ou interesse juridica-mente tutelado. Aqui, o ato ilícito secaracteriza pela negativa do BancoBradesco no cumprimento de pre-ceito legal expresso, em detrimen-to de toda uma coletividade de tra-balhadores portadores de deficiên-cia e beneficiários reabilitados pelaPrevidência Social.

O que se busca em juízo tam-bém é uma pretensão punitiva nãopenal e a condenação em dinheiroserá aplicada como sanção civilpelo dano causado decorrente deato ilícito.

Com referência à questão daresponsabilidade pelo dano morale patrimonial no campo dos interes-ses metaindividuais, ensina Fran-cisco Antônio de Oliveira, na obra“Ação Civil Pública — Enfoques Tra-balhistas”:

“3.2 — Da responsalibidade pordanos

A responsabilidade por danoscausados está diretamente liga-da a ato culposo ou doloso. Todoaquele que de forma alguma cau-

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sar dano a alguém deverá indeni-zar na proporção do dano causa-do ... O dano está, pois, ligado aum ato ilícito ... O objetivo da lei incasu é identificar aquele (entepúblico ou privado) que de algu-ma forma tenha causado danoque malfira interesses difusos oucoletivos ...

3.3 — Dos danos morais

A discussão doutrinária sobre apossibilidade de indenização pordano moral não mais subsiste. AConstituição de 1988 concedeu aindenização expressamente noart. 5º, V e X, por dano moral ou deimagem e violação da intimidade,da vida privada, da honra.

A Lei n. 7.347/85, quando de suaconcepção, limitava-se a falar emresponsabilidade por danos, oque poderia trazer divergências in-terpretativas sobre a inclusão ounão de dano moral. Em boa hora aLei n. 8.884/94, agora em conso-nância com o direcionamentoconstitucional (art. 5º, V e X) modi-ficou a redação do art. 1º da lei ori-ginária para deixar expresso nocaput a responsabilidade por da-nos morais e patrimoniais.

3.4 — Dos danos materiais

O dano material, diferente dodano moral, é dotado de critériovalorativo, por isso mesmo quesempre será reparável” (São Pau-lo: Revista dos Tribunais, 1999,pp. 49-51).

Assim, atribuída ao Unibancoa responsabilidade não penal decor-rente de ato ilícito, resulta uma con-denação em dinheiro (Lei n. 7.347/85, art. 3º), a ser arbitrada judicial-

mente, levando-se em conta a natu-reza do ato ilícito, a gravidade da le-são e o comprometimento dos bensjurídicos violados, cujo valor deve serrevertido a um fundo destinado à re-constituição dos bens lesados.

Sobre a possibilidade de se-rem cumulados na ação civil públicapedidos de dar quantia certa e defazer e não fazer, revertendo-se ascondenações em dinheiro ao FAT,vale lembrar Manoel Antonio Teixei-ra Filho:

“Aqui, como foi demonstrado, oobjeto da ação poderá ser a obri-gação de dar (quantia certa) oude fazer ou não fazer. Em qual-quer caso, acolhidos os pedidos,a sentença será condenatória.

No tocante às obrigações de fazerou não fazer não haverá maioresempecilhos, pois o pronunciamen-to jurisdicional imporá ao réu a obri-gação de realizar determinado ato,ou de abster-se de realizá-lo, sobpena de execução específica ou deaplicação de multa diária (Lei n.7.347/85, art. 11).

............................................................

Quanto à condenação ao paga-mento em dinheiro (não se trata,pois, de multa — esta caracterís-tica das obrigações de fazer ounão fazer), pode haver uma certadificuldade acerca da destinaçãodo numerário, nos sítios do pro-cesso do trabalho. Expliquemo-nos. Dispõe o art. 13 da Lei n.7.347/85, que o valor da indeniza-ção devida pelo réu, reverterá aum fundo gerido por um Conse-lho Federal ou por Conselhos

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Estaduais de que participarão ne-cessariamente o Ministério Públi-co e representantes da comuni-dade, sendo seus recursos des-tinados à reconstituição dos benslesados. Fica evidente, portanto,que essa indenização, a ser geri-da pelos Conselhos menciona-dos pela norma legal, será desti-nada à reconstituição ou repara-ção dos bens (de valor artístico,histórico, turístico e paisagísticos)danificados por ato do Réu.

Como não existe um Fundo es-pecífico para receber as indeni-zações pecuniárias impostaspelos órgãos da Justiça do Tra-balho, em decorrência de açõescivis públicas por eles aprecia-das, a doutrina tem sugerido queo valor dessas indenizações sejavertido ao Fundo de Amparo aoTrabalhador — FAT, criado pela Lein. 7.998/90 para custear o seguro-desemprego, que se encontra vin-culado ao Ministério do Trabalho(art. 10). No art. 11 , da mencionadaLei, são previstos os recursosfinanceiros do FAT, aí incluindo-se,nos termos do inciso V, ‘outros re-cursos que lhe sejam destinados’.

Pensamos que, ante a inexistên-cia de um Fundo específico paracaptar os valores pertinentes àsindenizações impostas pelospronunciamentos jurisdicionaistrabalhistas, em sede de açãocivil pública, esses valores devam,efetivamente, ser entregues aoFAT” (“Ação Civil Pública, Curso deProcesso do Trabalho, Perguntase Respostas sobre assuntospolêmicos em opúsculos especí-ficos”. São Paulo: LTr, 1998).

CABIMENTO DEMEDIDA LIMINAR

A Lei n. 7.347/85 ao regular amatéria procedimental da ação civilpública, em seu art. 12, previu a hipó-tese da medida liminar, em face daeventual necessidade de tutela asse-curatória instrumental ao objeto datutela jurisdicional principal, garantin-do sua efetividade. Se for relevante ofundamento da demanda e justifica-do o receio da ineficácia do provimen-to final, poderá o juiz concedê-la.

No caso dos autos há presen-ça inequívoca do fumus boni iurisem face da obrigatoriedade legal dereserva de vagas a pessoas porta-doras de deficiência e beneficiáriosreabilitados

O periculum in mora tambémestá presente, face ao caráter alimen-tar dos salários que as pessoas por-tadoras de deficiência e beneficiári-os reabilitados estão deixando deperceber, por não terem a reserva le-gal assegurada, apesar da altera-ção constante do quadro de empre-gados, sendo necessário, de pron-to, destacarem-se as vagas quecomporão a reserva da Lei n. 8.213/91, sob pena de ineficácia da medi-da, se concedida apenas a final.

Assim, requer o Ministério Pú-blico do Trabalho, com fundamentono referido art. 12 da Lei n. 7.347/85,bem como com base no poder decautela facultado aos magistrados,nos termos do art. 798 do CPC, aConcessão de Liminar Inaudita Al-tera Parte, para o fim de:

Condenar o réu a cumprir aobrigação de fazer, consistente na

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reserva legal estabelecida no art. 93da Lei n. 8.213/91 e Decreto n. 3.298/99, impondo-lhe, na forma do art. 11da Lei n. 7.347/85 c.c. art. 287 do CPC,a multa correspondente a 5.000 (cin-co mil) UFIRs por cada empregadoadmitido a partir da concessão daLiminar que não seja portador dedeficiência ou beneficiário reabili-tado, valor a ser revertido ao FAT,Fundo de Amparo ao Trabalhador,na forma do art. 11, inciso V, da Lein. 7.998/90.

Para fins de verificação decumprimento da medida liminar,deverá ser determinado, também inlimine, que o Réu traga aos autosos CAGEDs (Cadastros Gerais deEmpregados e Desempregados)de seus estabelecimentos, acom-panhado de quadro demonstrativodos mesmos em ordem de CNPJ,como o anexado no Inquérito quetramitou perante o MPT, relativos aoúltimo mês antes do deferimentodesta liminar, para acompanha-mento das dispensas e admissõesposteriores.

O Ministério Público ressaltaque o objeto da medida liminar e daprópria ação não implica dispensa deempregados não-portadores de defi-ciência, para a admissão de empre-gados portadores ou reabilitados. Ofundamento do pedido é o preenchi-mento das vagas destinadas a em-pregados portadores de deficiênciae beneficiários reabilitados, na medi-da em que os postos de trabalho naempresa forem sendo desocupadosou criados, até atingir-se o limite de5% sobre o número total de trabalha-dores da empresa.

PEDIDO

Ante o exposto, requer o Minis-tério Público do Trabalho:

1. Medida liminar, inaudita al-tera parte, para que o réu cumpra aobrigação de fazer, consistente nareserva legal estabelecida no art. 93da Lei n. 8.213/91 e Decreto n. 3.298/99, impondo-lhe, na forma do art. 11da Lei n. 7.347/85 c.c. art. 287 do CPC,a multa correspondente a 5.000 (cin-co mil) UFIRs por cada empregadoadmitido a partir da concessão da Li-minar que não seja portador de defi-ciência ou beneficiário reabilitado, va-lor a ser revertido ao FAT, Fundo deAmparo ao Trabalhador, na forma doart. 11, inciso V, da Lei n. 7.998/90.

2. A citação do Réu para, que-rendo, contestar a ação em audiên-cia a ser designada, sob pena derevelia.

3. A procedência da ação, confir-mando-se a medida liminar e conde-nando-se o Réu à obrigação de fa-zer, consistente em cumprir a reser-va legal estabelecida no art. 93 daLei n. 8.213/91 e Decreto n. 3.298/99, impondo-lhe, na forma do art. 11da Lei n. 7.347/85 c.c. art. 287 do CPC,a multa correspondente a 5.000 (cin-co mil) UFIRs por empregado admiti-do a partir da concessão da Liminarque não seja portador de deficiênciaou beneficiário reabilitado, valor a serrevertido ao FAT, Fundo de Amparoao Trabalhador, na forma do art. 11,inciso V, da Lei n. 7.998/90.

4. A condenação, em valor a serarbitrado judicialmente, à indeniza-ção em dinheiro para reparação dos

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interesses difusos lesados, consoan-te disposto no art. 13 da Lei n. 7.347/85, reversível ao FAT.

5. Protesta-se por provas emdireito permitidas, inclusive provapericial e testemunhal, requerendo,também, o Ministério Público doTrabalho a intimação pessoal paraatos e prazos processuais atinen-tes à espécie, (art. 18, II, “h”, da LeiComplementar n. 75/93), no ende-reço da CODIN da Procuradoria Re-gional do Trabalho da 2ª Região — à

Rua Aurora n. 955, 6º andar — CEP— 01209-001, nesta Capital.

Valor — R$ 10.000.00 (dez milreais).

P. deferimento.

São Paulo, 21 de novembro de2000.

Denise Lapolla de Paula AguiarAndrade, Procuradora do Trabalho

Adélia Augusto Domingues,Procuradora do Trabalho.

DECISÃO

6ª Vara do Trabalho de São Paulo-SP

Termo de Audiência. Processo n. 006-1523/2000

No dia 23 de julho de 2004, às17h59min, na sala de audiência da6ª Vara do Trabalho de São Paulo,por ordem do MM. Juiz do TrabalhoSubstituto Luciano Lofran Capasciut-ti, foram apregoados as partes liti-gantes Ministério Público do Traba-lho da 2ª Região e União de BancosBrasileiros S/A. Ausentes as partes,conciliação prejudicada, passa-seao julgamento do feito, proferindo aseguinte sentença.

Relatório

O Ministério Público do Tra-balho da 2ª Região ajuizou, em23.11.2000, Ação civil Pública em facede União de Bancos Brasileiros S/A.Pretende a condenação do Réu aocumprimento da reserva legal depostos de serviço a pessoas porta-

doras de deficiência ou reabilitadaspela Previdência Social, nos termosdo art. 93 da Lei n. 8.213/91, com aimposição de multa em relação a cadaempregado admitido em desacordocom a referida disposição legal, pos-tulando a concessão de medida li-minar inaudita altera parte com talfinalidade. Requer ainda, a conde-nação do Réu em indenização pecu-niária, reversível ao Fundo de Ampa-ro ao Trabalhador, em razão do ale-gado descumprimento do preceitolegal em questão. Inicial de fls. 03/18,com documentos às fls. 19/30. Atri-bui à causa valor de R$ 10.000,00.

Pela decisão de fls. 31, foi in-deferida a liminar postulada.

Em audiência realizada em 22de janeiro de 2001 (fls. 38), frustadaa tentativa de conciliação, o Réu apre-sentou defesa escrita (fls. 44/71),acompanhada dos documentos defls. 72/96. Em síntese, questiona ainterpretação emprestada do Autor

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ao termo “empresa”, empregadopelo art. 93 da Lei n. 8.213/91; pos-tula a limitação de eventual conde-nação à circunscrição territorial destaVara do Trabalho; e contesta as pre-tensões deduzidas na prefacial. Dian-te da possibilidade de conciliação, emediante requerimento das partes,o feito foi suspenso por 60 dias. Ré-plica às fls. 104/121, com documen-tos às fls. 122/133.

Em audiência de prossegui-mento, realizada em 28 de novembrode 2001 (fls. 167), frustada a tentati-va de conciliação, o Réu colacionouaos autos proposta escrita de acor-do (fls. 169/171) e as partes reque-reram novo sobrestamento diante dapossibilidade de conciliação.

Em nova audiência, realizadaem 23 de janeiro de 2003, frustradaa tentativa de conciliação, foram ou-vidas duas testemunhas pelo Réu.Atendendo a requerimento do Autor,foi determinado que o Réu carreas-se aos autos, no prazo de 60 dias,relação de todos os empregados dis-pensados sem justa causa após operíodo estabilitário disciplinadopelo art. 118 da Lei n. 8.213/91 nosúltimos dois anos, o que foi atendi-do às fls. 275/287.

Mediante requerimento do Réu(fls. 335/336), foi realizada outra au-diência, em 28 de junho de 2004 (fls.368), com a finalidade única de pos-sibilitar a apresentação de razões fi-nais e tentar-se a conciliação, masesta restou infrutífera e as aludidasrazões finais limitaram-se a duaslaudas (fls. 370/371), onde apenasforam reiterados os argumentos lan-

çados em manifestações anteriores.Sem outras provas, foi encerrada ainstrução processual, sendo desig-nada audiência de julgamento paraesta data.

É o relatório.

FUNDAMENTAÇÃO

1. Extensão do conceito “empresa”

O maior entrave para a solu-ção extrajudicial do presente dissí-dio refere-se à extensão do termo“empresa”, empregado pelo art. 93da Lei n. 8.213/91, caput.

“A empresa com 100 (cem) oumais empregados está obrigadaa preencher de 2% (dois por cen-to) a 5% (cinco por cento) dosseus cargos com beneficiáriosreabilitados ou pessoas portado-ras de deficiência, habilitadas, naseguinte proporção (...).”

O Réu sustenta que “empre-sa” significa “estabelecimento”, desorte que estes dois conceitos se-riam sinônimos: “(...) O estabeleci-mento constitui uma unidade orgâ-nica, uma célula da organizaçãoempresarial, podendo ser: a) princi-pal; ou b) secundário, este compre-endendo as filiais, as agências, assucursais etc.” (contestação, fls. 46– grifo no original).

Entretanto, razão não lhe as-siste. Além das lições dos mestresespecializados em Direito Comercial,citadas pelo Autor em réplica (fls.106/108), e que conferem sustentáculo

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a sua tese, veja-se o posicionamentopacífico da doutrina trabalhista:

“O certo é que, na maioria dasvezes, as noções de empresa ede estabelecimento se aplicam aum só organismo. A assertiva étanto mais correta quanto se en-care o panorama econômico dospaíses de pequeno e médio de-senvolvimento, em que as gran-des empresas não atingiram aetapa de maior expansão. Na prá-tica, o estabelecimento e a em-presa coincidem no caso das pe-quenas e médias empresas, quese exercem em um só e mesmoestabelecimento. A grande em-presa, esta sim, comporta váriosestabelecimentos, como ocorre,por exemplo, no grande comérciobancário. Nestes casos, porquenão há ‘confusão’ em um só or-ganismo da noção de empresa eestabelecimento, pode-se fixar re-gra mais precisa para se extre-mar os dois conceitos” (Gomes,Orlando. Gottschalk, Elson. “Cur-so de Direito do Trabalho”. 16ª ed.p. 59 – grifo nosso).

“A ‘empresa’, conceitualmente,distingue-se do ‘estabelecimen-to’, embora o uso identifique, naprática, tais expressões. A empre-sa é a unidade ‘econômica’, e oestabelecimento, a unidade ‘téc-nica de produção’” (Süssekind,Arnaldo. “Instituições de Direitodo Trabalho”. 19ª ed., p. 293).

“O vocábulo ‘empresa’ é usadocomo pessoa física ou jurídica quecontrata, dirige e assalaria o tra-balho subordinado. Estabeleci-mento é o conjunto de bens ma-

teriais, imateriais e pessoais or-ganizados para fins técnicos emtorno de certo lugar por uma pes-soa física ou jurídica. A empresa(no sentido impróprio, mas usual)pode ter vários estabelecimentos,em diversos bairros ou cidades(comerciais, burocráticos, indus-triais etc.) ou materializar-se emum só (...)” (Carrion, Valentin. “Co-mentários a Consolidação dasLeis do Trabalho”. 26ª ed., p. 26 —grifo nosso).

“Empresa, como se sabe, é ocomplexo de bens materiais e ima-teriais e relações jurídicas que sereúnem como um todo unitário, emfunção de dinâmica e finalidadeeconômica fixadas por seus titula-res. É a organização dos fatoresde produção (bens, relações, di-reitos e obrigações) a serviço deum fim econômico previamentedefinido. Estabelecimento é umaunidade particularizada da empre-sa, composta também de um com-plexo de bens e relações jurídicas,que se reúnem como um todo uni-tário em função das necessidadesempresariais. É instrumento daatividade da empresa” (Delgado,Mauricio Godinho. “Curso de Di-reito do Trabalho”, 2ª ed., pp. 392/393 — grifo nosso).

“Estabelecimento. Para melhorcompreender o dispositivo retro-mencionado [art. 74, § 2º, CLT], épreciso entender a diferença en-tre empresa e estabelecimento.Empresa é a atividade organiza-da para a produção de bens eserviços para o mercado, com fi-nalidade de lucro. (...) estabeleci-mento é o local em que o empre-

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sário exerce o comércio. Uma em-presa pode ter mais de um esta-belecimento” (Martins, SergioPinto. Comentários à CLT. 6ª ed.,p. 141 — grifo nosso).

Denota-se, portanto, que o con-ceito técnico-jurídico de “empresa”não se confunde com o de “estabe-lecimento”, sendo que uma empre-sa pode possuir mais de um esta-belecimento, como ocorre com o Réu.

A questão pode, também, seranalisada mediante interpretaçãosistemática da legislação, de modoque, quando o legislador pretendeureferir-se ao estabelecimento, o fezexpressamente, como se infere dosarts. 74, § 2º, e 163 da CLT. Patente,pois, que a intenção do legislador,espelhada no art. 93 da Lei n. 8.213/91, foi dissociar-se da acepção de“estabelecimento”.

Pelo exposto, para fins do art.93 da Lei n. 8.213/91 deve-se consi-derar o Réu como um todo, apuran-do-se a totalidade de seus empre-gados em âmbito nacional, inclusiveos lotados em estabelecimentos commenos de cem empregados. E, so-bre este resultado, deve-se fazer inci-dir o percentual legalmente previstode contratação de pessoas portado-ras de deficiência ou reabilitadas pelaPrevidência Social (no caso, de 5%).

2. Limites subjetivos da coisa julgada

Razão não assiste o Réu tam-bém quanto aos limites subjetivosda coisa julgada.

A controvérsia posta em juízo ÉREGIDA, EM SEUS ASPECTOS PRO-

CESSUAIS, PELA Lei n. 7.853/89, que“Dispõe sobre o apoio às pessoasportadoras de deficiência (...), instituia tutela jurisdicional de interesses co-letivos ou difusos dessas pessoas,disciplina a atuação do Ministério Pú-blico, define crimes, e dá outras pro-vidências”.

E o art. 4º da indigitada Lei dis-ciplina que “A sentença terá eficá-cia de coisa julgada oponível ‘ergaomnes’, exceto no caso de haver sidoa ação julgada improcedente por de-ficiência de prova, hipótese em quequalquer legitimado poderá intentaroutra ação com idêntico fundamen-to, valendo-se de prova nova” (grifonosso).

O fato de a Lei n. 7.347/85 tam-bém disciplinar a tutela de direitostransindividuais ou metaindividuaisnão faz com que a mesma deva serobservada no presente caso, já quehá, como mencionado, Lei específi-ca disciplinando os aspectos pro-cessuais do objeto da presente ação.Trata-se, assim, da observância doprincípio da especialidade.

Ademais, impossível sustentarque a nova redação do art. 16 da Lein.7.347/85, conferida pela Lei n.9.494/97, também deva repercutir,por simetria , no art. 4º da Lei n. 7.853/89, como pretende o réu. Caso estativesse sido a intenção do legisla-dor, o teria feito expressamente, nãosendo aberta ao intérprete a facul-dade de alterar o teor de texto legalem plena vigência. Tal conclusãotambém pode ser alcançada se veri-ficarmos que a Lei n. 9.494/97 nãoalterou a disciplina acerca da tutelados direitos metaindividuais traçada

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pelo Código de Defesa do Consu-midor (Lei n. 8.078/90), em especialpor seu art. 103, o qual também disci-plina que a sentença produzirá efei-tos erga omnes (ou ultra partes) di-ante de interesses difusos ou cole-tivos.

Nota-se, assim, que a altera-ção introduzida pela citada Lei n.9.494/97 limitou-se à Lei n. 7.347/85,não repercutindo nas Leis ns. 8.078/90 (CDC) e 7.853/89.

Ressalte-se, ainda, que o art.21 da Lei n. 7.347/85 disciplina que“Aplicam-se à defesa dos direitos einteresses difusos, coletivos e indivi-duais, no que for cabível, os disposi-tivos do Título III da Lei que institui oCódigo de Defesa do Consumidor”.Destarte, mesmo se o dissídio de-vesse ser solucionado à luz da Lei n.7.347/85, o que não ocorre, comoadrede ressaltado, poder-se-ia de-fender incidência do disposto noCódigo de Defesa do Consumidor arespeito, mesmo porque o art. 16 daLei n. 7.347/85 padece de defeito téc-nico ao confundir os lindes da com-petência do Juiz prolator da senten-ça com a imutabilidade de seus efei-tos (coisa julgada).

Outro argumento que pesacontra a tese defensiva é o fato deque devem ser considerados todosos empregados da empresa Ré,conforme decidido no item anteriordesta fundamentação, havendo im-possibilidade lógica de limitar osefeitos da sentença apenas aos em-pregados do Réu lotados no Municí-pio de São Paulo. A presente açãofoi ajuizada no local em que o Réu ésediado, o que é suficiente para fir-

mar a competência territorial destejuízo. E a sentença deve obrigar o réuem sua totalidade e não apenas emparte (estabelecimentos situadosem São Paulo), de sorte que não hácomo afastar seus efeitos em âmbitonacional, além de ser esta a discipli-na legal regente do caso concreto,como já robustamente fundamentado.

Diante de todo o exposto, con-siderando os argumentos acima ex-pendidos, resta aplicável ao casoconcreto o disposto no art. 4º da Lein. 7.853/89, sendo apenas supleti-vamente observáveis as disposiçõesdas Leis ns. 7.347/85 e 8.078/90. Háque se concluir, pois, que a decisãoora proferida não está limitada àcompetência territorial deste Juízo,mas deve impelir o Réu em sua tota-lidade nos limites da vigência da Lein. 8.213/91, ou seja, em todo territó-rio nacional.

3. Art. 93 da Lei n. 8.231/91

Como ressaltado pelas partes(Réu, fls. 135/137 e autor, fls.194/197), o maior entrave para a concilia-ção era a delimitação do conceito deempresa, questão já superada. As-sim, passa-se a fixar a solução que,ao mesmo tempo, dê vazão ao dis-positivo legal em questão, masque possibilite ao Réu o efetivo cum-primento do quanto decidido. Assim,soluciono a questão conforme aspropostas de conciliação formuladaspelo Réu, em especial a de fls. 169/171, adaptando-as no que se fizernecessário.

Inicialmente, cumpre ressaltarque o Autor demonstrou que adotou

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todas as providências para verificar,cautelarmente, o cumprimento da leipelo Réu, e que, posteriormente, ten-do verificado que este não atendia àdisposição legal, diligenciou paraque o mesmo tomasse providên-cias para conformar-se à lei de for-ma conciliada, ou seja, por meio deTermo de Ajuste de Conduta. O Réu,contudo, alegando dificuldades emobedecer ao comando legal, fazen-do exigências obstativas à contra-tação de portadores de deficiênciaou de reabilitados pela PrevidênciaSocial (como, por exemplo, a ne-cessidade de curso superior de “pri-meira linha”) e insistindo em tese ju-rídica frágil (consistente em consi-derar empresa como sinônimo deestabelecimento), quedou-se inerte.Vencidos os argumentos de direito, osargumentos fáticos suscitados peloRéu mostraram-se insustentáveis:não há prova consistente de que ine-xistem portadores de deficiência oureabilitados pela Previdência Socialem número suficiente, ou com a ca-pacidade necessária, para o preenchi-mento da reserva legal; igualmente,não demonstrado que as pessoas emtais condições sejam menos eficien-tes e produtivas, de sorte a ser-lhes exi-gidos pré-requisitos diversos dos nor-malmente exigidos pelo Réu para con-tratação de novos empregados. Res-tou caracterizado, em suma, que o Réudescumpre a lei devendo, portanto, res-ponder por sua conduta ilícita.

Desta forma, considerando oacima exposto, e considerando aproposta de conciliação de fls. 169/171, passo a decidir:

A) O Réu deve providenciar a pu-blicação em jornais de grande cir-

culação em cada Estado da Fe-deração em que possua estabe-lecimentos, por três meses segui-dos, a contar do trânsito em jul-gado, sempre aos sábados e do-mingos, comunicando: I) a aber-tura de programa de contratação,para vagas que venham a ocor-rer, de pessoas portadores dedeficiência ou de beneficiáriosreabilitados pela Previdência So-cial que se enquadrem nas dis-posições dos arts. 4º e 36 do De-creto n. 3.298/99 (cujo teor deveser transcrito na publicação); II)local para recebimento de cur-rículos, ressaltando-se que oRéu deve informar que o interes-sado poderá entregar seu currículoem quaisquer de suas agênciasou enviá-lo mediante página daInternet.

B) Havendo necessidade de con-tratação de empregado, o Réu devecomunicar, com antecedênciamínima de 15 dias, todos os quetiverem encaminhado currículo,desde que se enquadrem nos di-tames legais pertinentes (art. 93da Lei n. 8.213/91 e arts. 4º e 36do Decreto n. 3.298/99), podendolimitar esta comunicação aoscandidatos que residam no Esta-do da Federação em que a vaga éaberta, bem como os órgãosconstantes do sistema público deemprego, com a mesma antece-dência mínima, para que tambémencaminhem portadores de defi-ciência ou beneficiários reabilita-dos pela Previdência Social quese enquadrem nos ditames le-gais supra. Nesta ocasião, deveinformar a vaga disponível e as

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exigências necessárias a seu pre-enchimento, atentando ao dispos-to na cláusula “D”.

C) A vaga em questão só poderáser disponibilizada a não-porta-dores de deficiência ou não-be-neficiários reabilitados pela Pre-vidência Social nas seguintes si-tuações: I) nenhum dos candida-tos indicados ou que enviaramcurrículo atender à convocação doRéu para participação de testesseletivos; II) todos os candidatosindicados ou que se apresenta-rem forem reprovados nos testesseletivos. Nesta oportunidade,também deverá ser avaliado, pormédico devidamente habilitado, oenquadramento do candidato nostermos dos arts. 93 da Lei n. 8.213/91 e arts. 4º e 36 do Decreto n.3.298/99, sendo que o não-en-quadramento também deverá en-sejar a reprovação do candidato;III) todos os candidatos aprovadosnos referidos testes seletivos de-sistirem da colocação antes daadmissão.

D) Os testes seletivos não pode-rão, de forma alguma, exigir re-quisitos, qualificações ou condi-ções superiores às exigidas peloréu, até a data da publicação des-ta sentença, para a contratação denão-portadores de deficiência oude não-beneficiários reabilitadospela Previdência Social, para opreenchimento de vaga idêntica.Considerando o ramo de ativi-dade do réu, poderá ser considera-do, como requisito para a contra-tação, a inexistência de restriçõesjunto ao Bacen e/ou outras enti-dades de proteção ao crédito,

desde que tal exigência tambémseja feita, até a data da publica-ção desta sentença, em relaçãoa não-portadores de deficiênciaou não-beneficiários reabilitadospela Previdência Social. Os testesdeverão ser realizados sem prejuí-zo de apoios especiais, previstosna Legislação específica (art. 35, Ie § 3º do Decreto n. 3.298/99).

E) Autoriza-se que a vaga a ser pre-enchida por portador de deficiên-cia ou por beneficiário reabilitadopela Previdência Social não cor-responda à imediatamente deso-cupada ou criada, mas sim àque-la para a qual haja necessidadede efetiva contratação depois deesgotadas as possibilidades in-ternas de preenchimento median-te promoção ou transferência.

F) Preenchido o número de vagasdecorrente da aplicação do per-centual de 5% estabelecido peloart. 93 da Lei n. 8.213/91, o Réufica dispensado das obrigaçõesconstantes do item “B”. Entretan-to, o Réu fica ciente de que deve-rá manter o percentual de vagasdestinadas a pessoas portadorasde deficiência ou a beneficiáriosreabilitados pela Previdência So-cial que se enquadrem nos con-ceitos previstos nos arts. 4º e 36do Decreto n. 3.298/99.

G) Em caso de vaga aberta pela dis-pensa imotivada de empregado por-tador de deficiência ou beneficiárioreabilitado pela Previdência Social,deverá ser observado o disposto noart. 93, § 1º da Lei n. 8.213/91.

H) A cada dois meses, iniciando-se após o transcurso do período

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destinado às publicações deter-minadas no item “A”, e até o efeti-vo cumprimento do disposto noart. 93 da Lei n. 8.213/91, o Réudeve comprovar, perante o Autor,o cumprimento do decidido napresente sentença, mediante jus-tificação das admissões realiza-das no período em relação às va-gas disponibilizadas, conformeitens “B”, “C”, “E” e “G”. Verificado,pelo Autor, o total cumprimento dodisposto no art. 93 da Lei n. 8.213/91, fica o Réu dispensado de efe-tuar tais comprovações, entretan-to, fica assegurado ao Autor, aqualquer tempo, proceder às ve-rificações pertinentes a respeito,desde que não atue com abusode direito.

I) Considerando as condições fi-nanceiras do Réu, este fica sujeitoao pagamento de multa no valorde R$ 20.000,00 (vinte mil reais)por empregado contratado emdesatenção às condições ora fi-xadas. Tal valor, se devido, rever-terá em proveito do Fundo deAmparo ao Trabalhador (FAT),disciplinado pela Lei n. 7.998/90,em especial pelo art. 11, V.

3. Indenização pelo bem jurídico lesado

Constatada a violação a esseinteresse difuso, consubstanciado noart. 93 da Lei n. 8.213/91, conforme fun-damentado, oportunidade em que sedestacou que tal lesão decorreu, nomínimo, por culpa do Réu, este devearcar com indenização em dinheiro novalor ora arbitrado de R$ 800.000,00(oitocentos mil reais), sem prejuízo dejuros e atualização monetária, nos ter-

mos legais, até o efetivo pagamento,em benefício do Fundo de Amparo aoTrabalhador (disciplinado pela Lei n.7.998/90, em especial pelo art. 11, V).

Tal decisão tem como funda-mento legal o art. 7º da Lei n. 7.853/89, bem como os arts. 3º e 13 da Lein. 7.347/85.

A culpa, senão dolo, do Réu emrelação à infração ao art. 93 da Lein. 8.213/91 ficou constatada pelos se-guintes fatos: I) o autor demonstrouque adotou todas as providências paraverificar, antes da propositura da ação,o cumprimento da Lei pelo Réu, e que,posteriormente, tendo verificado queeste não atendia à disposição geralem tela, diligenciou para que o mes-mo tomasse providências para con-formar-se à Lei de forma conciliada;II) o Réu esquivou-se da solução con-ciliada alegando dificuldades em obe-decer ao comando legal, mas, poroutro lado, fazendo exigências obsta-tivas à contratação de portadores dedeficiência ou de reabilitados pela Pre-vidência Social; III) insistiu, ainda, emteses jurídicas de parca aceitação,como considerar “empresa” sinônimode “estabelecimento”; IV) não pro-vou, de forma satisfatória, que inexis-tem habilitados, nos termos legais eem número suficiente para o preen-chimento da reserva legal, como ale-gado. Ressalte-se que esta linha deargumentação defensiva restou supe-rada pelas propostas conciliatóriasformuladas pelo próprio Réu, embora,frise-se, tenha se apegado à tese deque empresa e estabelecimento sãoconceitos jurídicos idênticos, o que fezcom que tais propostas fossem refu-tadas pelo Autor; V) engendrou esfor-ços para protelar o deslinde do feito,

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como, por exemplo, ao requerer arealização de audiência tão-somentepara tentativa de conciliação e apre-sentação de razões finais, o que ocor-reu após o malogro de inúmerastentativas pretéritas de solução conci-liada do litígio, além de não apresen-tar qualquer elemento novo em sedede razões finais, apenas insistindonos mesmos argumentos lançadosem contestação e em outras manifes-tações levadas a termo na presenteação.

Por fim, o importe da indeniza-ção foi arbitrado considerando-se onotório poderio econômico do Réu,já que tal indenização deve ter porfinalidade, também, desestimulá-loa reincidir em violações a dispositi-vos legais do naipe do art. 93 da Lein. 8.213/91, sendo que indenizaçõesem valores inferiores não alcança-riam tal intento. Veja-se, a propósito,matéria publicada em 13 de agostodo corrente ano, no jornal Folha deSão Paulo, caderno “Dinheiro”:

“Com real valorizado, Unibancoganha mais. DA REPORTAGEMLOCAL. O lucro do Unibanco cres-ceu 18,3% no primero semestredo ano em relação a igual períodode 2003, totalizando R$ 581 mi-lhões. Segundo a consultoria Eco-nomática, esse foi o maior lucrosemestral registrado pela institui-ção nos últimos 12 anos. Geral-do Travaglia, vice-presidente cor-porativo do Unibanco, explicaque o aumento do lucro foi deter-minado, principalmente, pelomenor provisionamento para pa-gamento do Imposto de Renda.Antes do imposto, o resultadooperacional caiu 15%. Em junho

de 2003, o Unibanco destinou R$371 milhões para IR e, neste ano,apenas R$ 97 milhões. Essa dife-rença, segundo Travaglia, deve-se aos efeitos da valorização doreal no balanço do banco. A valo-rização de 7% da moeda benefi-ciou o banco, pois as receitas comvariação cambial não são tributá-veis e as despesas com hedge(proteção cambial) são dedutí-veis do IR. ‘Devido à variação cam-bial no segundo trimestre, tive-mos um efeito credor de R$ 33milhões, o que explica a alíquotamenor do IR’, diz ele. Outro fatorque engordou o lucro final foi oencolhimento do bloco ‘outrasdespesas e receitas operacionais’em R$ 114 milhões” (grifos nooriginal).

Insta salientar que a condutado Réu causou danos aos interes-ses metaindividuais, mais especifi-camente aos portadores de deficiên-cia ou reabilitados pela PrevidênciaSocial genericamente considerados.Como a natureza da lesão impossi-bilita uma precisa aferição de suaextensão material, a indenização éora arbitrada considerando os crité-rios acima, em especial, a necessi-dade de desestímulo.

DISPOSITIVO

Diante do exposto, julgo PAR-CIALMENTE PROCEDENTES os pe-didos formulados por Ministério Pú-blico do Trabalho da 2ª Região em facede União de Bancos Brasileiros S/A,para determinar que o Réu observe o

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disposto no art. 93 da Lei n. 8.213/91,conforme critérios delimitados na fun-damentação, parte integrante destedispositivo, bem como para conde-ná-lo a pagar indenização pela lesãoa interesse difuso no valor ora arbi-trado de R$ 800.000,00, sem prejuízode juros e atualização monetária atéo efetivo pagamento, em benefício doFundo de Amparo ao Trabalhador.

Custas pelo Réu, no importe deR$ 16.000,00, calculadas sobre o va-lor da condenação, ora fixado em R$800.000,00.

Intimem-se as partes confor-me determinado às fls. 368 (por ofi-cial de justiça).

Luciano Lofrano Capasciutti,Juiz do Trabalho Substituto.

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AÇÃO CIVIL PÚBLICA — MUNICÍPIO — CONCURSOPÚBLICO — TERCEIRIZAÇÃO DE MÃO-DE-OBRA —

ATRASO DE PAGAMENTO DE SALÁRIOS —IRREGULARIDADES NO PROVIMENTO DE FUNÇÕES

COMISSIONADAS (PRT 5ª REGIÃO)

EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR JUIZ TITULAR DA MM. VARA DOTRABALHO DE CRUZ DAS ALMAS — BA

O Ministério Público do Traba-lho — Procuradoria Regional do Tra-balho da 5ª Região, com sede naAvenida Sete de Setembro, n. 308,Vitória, Salvador-BA, por intermédiodo Procurador do Trabalho infra-as-sinado, com supedâneo nos arts.127, caput, e 129, III, da Carta Mag-na; 5º, I, e 6º, XII, 84, caput e V, da LeiComplementar n. 75/93, 83, incisosI e III, e 84, c/c 5º, I, “h”, V, “b”, e 6º, VII,“d”, da Lei Complementar n. 75/93, ena Lei n. 7.347/85, vem perante V.Exa. ajuizar,

AÇÃO CIVIL PÚBLICACOM PEDIDO DE LIMINAR

em desfavor do Município deCachoeira, pessoa jurídica de direi-to público interno, inscrito no CNPJsob o n. 13.828.397/0001-56, e Rai-mundo Bastos Leite, brasileiro, ca-sado, Prefeito, que deverão ser noti-ficados na Avenida Ana Nery, 27,

Centro, Cachoeira/BA, CEP 44.300-000, pelos fundamentos fáticos e ju-rídicos a seguir expendidos.

Dos fatos

O Ministério Público do Traba-lho recebeu denúncia de que o Mu-nicípio de Cachoeira estava se ne-gando a efetuar o pagamento dos sa-lários de seus empregados, que, naocasião (agosto de 2003), estavamatrasados em dois meses, o queresultou na instauração do Procedi-mento Preparatório de Inquérito CivilPúblico n. 362/03.

Durante a instrução do proce-dimento administrativo, o Procura-dor-Geral do Município de Cachoei-ra, Dr. Paulo Sérgio Fraga Lobo, ten-tou, de forma contraditória e não tãoclara (audiências realizadas na sededa Procuradoria Regional do Trabalhoaos 3.11.2003, 24.11.2003, 9.12.2003e 8.3.2004, todas as atas em anexo),

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explicar a situação funcional dos tra-balhadores que laboram no referidomunicípio. Depreende-se dos depoi-mentos e dos documentos juntadosque existem as seguintes “categorias”de trabalhadores:

• servidores estatutários regidospela Lei Municipal n. 234/74 — Es-tatuto dos Funcionários do Muni-cípio de Cachoeira. Há cerca de110 (cento e dez) trabalhadores(fls. 36/38 do PP);

• servidores celetistas. Há cercade 320 trabalhadores (fls. 59/46do PP);

• servidores ocupantes de cargosde confiança criados pela Lei Mu-nicipal n. 466/93. Há cerca de 71(fls. 47/48 do PP);

• servidores prestadores de ser-viços por tempo determinado(fl. 35 do PP). Observa-se que,até a audiência realizada no dia8.3.2004, eram 39 trabalhadores,mas já foram, em determinadomomento, cerca de 250 trabalha-dores — Lei Municipal n. 577/01;

• trabalhadores terceirizados queexercem juntamente com servido-res concursados as atividades delimpeza urbana (fl. 34 do PP).

Nas audiências realizadas naPRT da 5ª Região, o Procurador-Geral do Município de Cachoeira re-conheceu que houve mora salarialem relação a 150 (cento e cinqüenta)trabalhadores prestadores de servi-ços temporários (meses de agosto,setembro e outubro de 2003) e emrelação aos ocupantes de cargos co-missionados (meses de setembroe outubro de 2003). Na audiência

realizada no dia 24.11.2003, a Sra.Eliane Barretos Mascarenhas, Pre-sidente do Sindicato dos ServidoresPúblicos Municipais da Cachoeira,asseverou que os servidores cele-tistas em atividade, ressalvando osgaris e os professores (que recebe-ram os salários do mês de outubrono dia 21.11.03), estavam realmen-te em mora salarial, pois o Município“não tem o costume de pagar os sa-lários dos empregados celetistas atéo quinto dia útil do mês subseqüen-te”. Assim, foi novamente propostopelo parquet a assinatura de Termode Compromisso de Ajustamento deConduta para que o Município de Ca-choeira efetuasse o pagamento dossalários dos seus empregados, im-preterivelmente, até o quinto dia útildo mês subseqüente ao vencido,conforme preceitua o art. 459, pará-grafo único, da CLT. O Procurador doMunicípio, por sua vez, disse que “to-dos os municípios têm por hábitonão pagar os salários conforme estepreceito legal em decorrência dequedas dos repasses do FPM”, infor-mando, ainda, que o Prefeito estava“ciente da irregularidade perpetradapelo Município”.

A última audiência realizada naProcuradoria Regional do Trabalhocontou com a presença do Procura-dor-Geral do Município, do Secretá-rio Municipal de Planejamento, Ad-ministração e Finanças, do Secretá-rio Municipal de Assistência Social,da Presidente do Sindicato dos Ser-vidores Municipais de Cachoeira, daSecretária do referido Sindicato e doPrefeito Municipal (no final). Por ser amais esclarecedora, merece ser trans-crita em sua integralidade:

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“Aberta a audiência, foi apresen-tada pelo Procurador do Municí-pio a relação do pessoal terceiri-zado que presta serviços de lim-peza urbana (empresa MárcioGomes Pinto); que todos os ga-ris que passaram no concursopúblico realizado foram chama-dos e que a terceirização se dápara complementar a atividadede limpeza urbana; que a empre-sa Márcio Gomes Pinto foi esco-lhida pela modalidade de licitaçãocarta-convite; que, atualmente,existem apenas 39 (trinta e nove)servidores prestadores de servi-ços (cerca de 15 professores) eque os demais exercem as maisvariadas funções, como jardinei-ros, vigias, auxiliar de mecânicoe 02 (dois) auxiliares de elétrica;que foram celebrados vários con-tratos individuais com os presta-dores de serviços com base naLei n. 577/01. Apresentou tambéma relação dos servidores estatu-tários; que todos os servidoresestatutários foram admitidosantes de 1983 sem submissãoao concurso público. Apresentourelação dos servidores celetistascontendo 320 (trezentos e vinte)nomes; que os servidores cele-tistas foram contratados após oano de 1983 com ou sem concur-so público; que na relação apre-sentada dos servidores celetistasexistem trabalhadores contratadosentre 1983 e 1988 que haviam sidocontratados sem o devido concur-so público; que após a Constitui-ção Federal de 1988 os servido-res celetistas foram admitidos pormeio de concurso realizado noano de 1994 (primeiro concurso

realizado no município) e peloconcurso realizado em 2001 (se-gundo e último concurso realiza-do no município). Apresentou a re-lação contendo os nomes dosservidores ocupantes de cargo deconfiança; que a grande maioriarealmente não tem qualquervínculo com a municipalidade, ouseja, não se submeteram aosdois concursos públicos anteri-ormente realizados; que a cria-ção dos 74 (setenta e quatro) car-gos comissionados está previstano Anexo I da Lei n. 466/93; que omunicípio tem interesse emsubstituir os prestadores de ser-viços por servidores concursa-dos que estão aguardando seremchamados; que deve haver umconcurso público para suprimen-to de vagas especialmente degaris, para regularizar a situaçãodo contrato de terceirização coma empresa Márcio Gomes Pinto;que a Lei n. 234/74 rege os servi-dores estatutários, mas que os re-colhimentos previdenciários sãofeitos ao INSS, já que o municípionão tem condições de arcar comas aposentadorias. (...) Foi ditopelo Procurador do Município,bem como pelo Secretário Muni-cipal de Administração que ossalários dos servidores celetis-tas do mês de janeiro foi pago noúltimo dia 4.3.2004, permanecen-do a inobservância do dispostono art. 459, parágrafo único, daCLT. A Presidente do Sindicato dosServidores Municipais de Cachoei-ra relatou as inseguranças dosservidores celetistas quanto à cor-reta percepção dos salários, poisinvariavelmente os pagamentos

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dos mesmos são atrasados pelomunicípio de Cachoeira, situaçãoesta que não pode permanecer.O procurador oficiante, no objeti-vo de resolver a situação adminis-trativamente, propôs novamente aassinatura de Termo de Compro-misso de Ajustamento de Con-duta com previsão de multa de R$250,00 (duzentos e cinqüenta reais)mensais por trabalhador que forencontrado em situação irregular,proposta esta não aceita pelos re-presentantes do Município. O Pro-curador do Município fez contra-proposta em relação à multa noimporte de R$ 16,00 (dezesseisreais) mensais por trabalhadorque for encontrado em situaçãoirregular. Chegou-se ao consen-so entre todos os presentes quea multa ficaria em R$ 50,00 (cin-qüenta reais) por trabalhador.Neste momento, adentra na salao Exmo. Sr. Prefeito Municipal,Sr. RAIMUNDO BASTOS LEITE,que não concordou em firmar oTermo de Compromisso de Ajus-tamento de Conduta”. (fls. 29/30do PP).

Analisando a documentaçãojuntada pelo Município, constatamosque o mesmo, além de atrasar o pa-gamento dos salários, mantém servi-dores, admitidos após 5.10.1988,sem aprovação em concurso público,exercendo cargos de confiança —sem vinculação às “categorias cele-tistas e estatutários” — dentre eles,motoristas (do gabinete do prefeito eda secretaria de educação), orienta-dora educacional, chefes de setor,coordenadores, supervisores, assis-tentes sociais, diretor de escola, psi-

cólogos, chefe de fiscalização, chefe damerenda escolar, etc. (fls. 47/48 do PP).

Também foram admitidos,após 5.10.1988, sem prévia aprova-ção em concurso jardineiros, vigias,auxiliar de mecânico, auxiliares de elé-trica, professores contratados na for-ma de prestação de serviços por pra-zo determinado (fls. 29/30 e 35 do PP).

Mesmos os servidores deno-minados de “estatutários” foram con-tratados anteriormente à promulga-ção da Constituição Federal de 1988sem a devida submissão ao concur-so público, que não era exigido parao emprego público, mas era impres-cindível para se adquirir a efetivida-de no cargo público.

Pois bem. O parquet tentouvárias vezes adequar a conduta doprimeiro réu pela via administrativa,não logrando êxito.

Dessa forma, restaram esgo-tadas as possibilidades de regulari-zação da situação descrita via pro-cedimento administrativo, emergin-do assim a necessidade do ajuiza-mento da presente ação.

Do primado do concurso público

A Constituição Federal de1988, em seu art. 37, inciso I, asse-gura a todos os brasileiros o direitode acesso aos empregos públicos,estabelecendo no inciso II que o in-gresso se dará, obrigatoriamente,mediante a aprovação prévia em con-curso público.

Por sua vez, o § 2º do mesmoartigo estabelece “a não observân-cia do disposto nos incisos II e III

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implicará a nulidade do ato e a puni-ção da autoridade responsável, nostermos da lei”.

As únicas exceções ao princí-pio estão expressas na própria Cons-tituição da República, que estabele-ce a possibilidade de nomeação paracargo em comissão declarado emlei de livre nomeação e exoneração(art. 37, inciso II, in fine) e prevê acontratação por tempo determina-do para atender a necessidadetemporária de excepcional interes-se público.

Consoante ensinamento deHely Lopes Meirelles: “o concurso éo meio técnico posto à disposiçãoda Administração Pública para ob-ter-se moralidade, eficiência e aper-feiçoamento do serviço público, e, aomesmo tempo, propiciar igual opor-tunidade a todos os interessadosque atendam aos requisitos da lei,consoante determina o art. 37, da CF.Pelo concurso afastam-se, pois, osineptos e os apaniguados, que cos-tumam abarrotar as repartições, numespetáculo degradante de protecio-nismo e falta de escrúpulos de polí-ticos que se alçam e se mantêm nopoder leiloando empregos públicos”(“Direito Administrativo Brasileiro”,Malheiros, 17ª ed., 1990, p. 375).

Dos servidores “estatutários” —Estabilidade e não efetividade.Ausência de concurso públicomesmo na vigência da constituiçãoanterior

É incontroverso que os 110(cento e dez) trabalhadores listadosàs fls. 36/38 nos autos do Procedi-

mento Preparatório foram contrata-dos, antes da vigência da atual Cons-tituição Federal, sem prévia aprova-ção em certame público, sendo “sub-metidos” à “legislação estatutária”(Lei n. 234, de 4 de dezembro de1974 — em anexo) indevidamente,pois até mesmo a referida Lei Muni-cipal, na subseção II, trata do con-curso público (arts. 11 usque 13).

Ora, constitui pressuposto inar-redável, tanto na vigência desta comona da Carta anterior, a prévia apro-vação em concurso público para in-vestidura em cargo público. Sem asubmissão ao certame público, oprovimento de cargo público é nulode pleno direito, não gerando efei-tos. A Carta pretérita excepcionavasim a admissão sem concurso pú-blico para contratação pelo regimeceletista. Vedava, todavia, a investi-dura em cargo público sem a obser-vância desse requisito essencial,salvo para provimento de cargo emcomissão. Essa é a conclusão a quese chega pela leitura do caput e do §1º do art. 97 da Carta de 1969, textual-mente transcritos:

“Art. 97. Os cargos públicos se-rão acessíveis a todos os brasi-leiros que preencham os requisi-tos estabelecidos em lei.

§ 1º A primeira investidura emcargo público dependerá deaprovação prévia, em concursopúblico de provas ou de provas etítulos, salvo os casos indicadosem lei.”

O art. 19 do Ato das Disposi-ções Constitucionais Transitórias(Constituição Federal de 1988) con-feriu estabilidade aos servidores

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públicos civis da União, dos Estados,do Distrito Federal e dos Municípios,da administração direta, autárquicae fundacional que estivessem emexercício na data da promulgação daConstituição e que contassem compelo menos cinco anos continuadosde tempo de serviço.

Desse modo, esses servidoresadquiriram estabilidade no serviçopúblico, de forma excepcional, porémnão foram contemplados com a efe-tividade no cargo, sendo mantidos noregime em que se encontravam an-teriormente (sem concurso: regrageral: celetistas), conforme se depre-ende do disposto no § 1º do mencio-nado dispositivo transitório. O art. 19do ADCT não autorizou, portanto, ainvestidura em cargos de provimentoefetivo pelos servidores estabilizadosextraordinariamente, porquanto pre-viu a realização de concurso para finsde efetivação, na forma da lei.

A doutrina e a jurisprudência,depois de intensa controvérsia, defi-niram o conceito de estabilidade eefetividade, estabelecendo sensíveldiferenciação entre os institutos: aestabilidade é um direito adquiridopelo servidor, que lhe garante a per-manência no serviço público nos ter-mos da lei; a efetividade é um atribu-to do cargo, que confere um caráterde titularidade ao seu ocupante.

Assim, os servidores alcança-dos pelo favor constitucional previs-to no art. 19 do ADCT são estáveis,porém não efetivos, devendo, neces-sariamente, submeterem-se “a con-curso para fins de efetivação”, quan-do o tempo de serviço será contadocomo título.

Os servidores que não forambeneficiados com a regra transitórianão são, obviamente, estáveis nemtampouco efetivos.

Nesse diapasão, por não se-rem servidores concursados, mes-mo tendo ingressado anteriormentea atual Constituição Federal (art. 97,§ 1º, da Carta anterior), os 110 traba-lhadores indicados pelo Municípiocomo estatutários, são, na verdade,empregados públicos não concursa-dos (celetistas).

Esse é o ensinamento do ilus-tre professor Diógenes Gasparini, in“Direito Administrativo”, Saraiva,1993, pp. 163/164, conforme se de-preende do seguinte excerto:

“A Constituição Federal nada as-segurou ao servidor estabilizadonos termos desse dispositivo, noque respeita à efetividade (esta-bilidade no cargo), à integraçãoem uma carreira e ao desfrute dosbenefícios decorrentes dessa in-tegração. Também não promo-veu qualquer alteração no vínculo.A natureza do vínculo pelo qual seligava à Administração Pública di-reta, autárquica ou fundacionalpública continuou a mesma. Ape-nas outorgou-se a esses servido-res estabilidade no serviço públi-co da entidade a que nessa opor-tunidade se ligava. Não fosse as-sim, não se teria como compreen-der o disposto no § 1º desse arti-go (art. 19 do ADCT da CF), quemanda contar o tempo de serviçocomo título quando seus destina-tários se submeterem a concur-so para fins de efetivação. Se nãose submeteram a concurso pú-

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blico, condição para serem havi-dos como estatutários, é naturalque se entenda que não se liga-vam à Administração Pública di-reta autárquica ou fundacionalpor um liame de natureza insti-tucional, o único que admite car-go efetivo. Sendo assim, é óbvioque, ao se prescrever que o tem-po de serviço será contado comotítulo por ocasião da prestação deconcurso público para a aquisiçãode efetividade, não lhes alterou anatureza do vínculo que anterior-mente os prendia a uma dessasentidades” (negrejamos).

Esse entendimento, em rela-ção à investidura em cargo público,foi sedimentado no Supremo Tribu-nal Federal, consoante se infere daleitura do seguinte aresto, textual-mente transcrito:

INVESTIDURA EM CARGO PÚBLI-CO EFETIVO. NECESSIDADE DECONCURSO PÚBLICO. ESTABI-LIDADE EXCEPCIONAL E EFETI-VIDADE. PRECEDENTES. 1. As-censão funcional ou acesso acargos diversos da carreira e pos-sibilidade de transferência ouaproveitamento de serventuáriosem cargos efetivos do quadro per-manente do Tribunal de Justiça.Hipóteses de provimento de car-go público derivado, banidas doordenamento jurídico pela Cartade 1988 (CF, art. 37, II). Preceden-tes: RE 179.530-SC, Ilmar Galvão(DJ de 7.2.1997); ADI 402-DF,Moreira Alves (DJ de 20.4.2001), in-ter plures. 2. A estabilidade excep-cional prevista no art. 19 do ADCT/88 não implica efetividade no car-go, para a qual é imprescindível o

concurso público. Precedentes:RE n. 181.883-CE, Maurício Cor-rêa (DJ de 27.2.1998); ADIs 88-MG, Moreira Alves (DJ de 8.9.2000)e 186-PR, Francisco Rezek (DJ de15.9.1995). 3. Medida cautelar de-ferida para suspender a vigênciados §§ 2º, 3º, 4º e 6º do art. 231 daLei Complementar n. 165, de 28de abril de 1999, com a redaçãodada aos §§ 3º, 4º e 6º, pela LeiComplementar n. 174, de 7 dejunho de 2000, do Estado do RioGrande do Norte, até julgamentofinal da ação. (ADI 2433 MC/RN —Rio Grande do Norte, medida cau-telar na ação direta de inconstitu-cionalidade, Relator Min. MaurícioCorrêa, Julgamento 23.5.2001,Órgão Julgador: Tribunal Pleno,Publicação DJ 24.8.2001).

Dos cargos em comissão e das funçõesde confiança

As funções de “confiança”devem ser exercidas exclusivamentepor servidores ocupantes de cargoefetivo (leia-se submetidos a con-curso público), o que não ocorre noMunicípio.

Já o preenchimento dos car-gos em comissão deve ser marca-do pelo exercício das atribuições dedireção, chefia e assessoramento,valendo ressaltar que mesmo nes-tes casos a lei deve fixar um percen-tual mínimo de cargos a seremocupados por servidores de carreira(leia-se mais uma vez concursados),tudo nos moldes do art. 37, V, daConstituição Federal.

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Ora, não basta que o trabalha-dor receba o nome de “assessor”,“coordenador”, “supervisor”, “chefede setor” ou de “ocupante de cargo deconfiança” (Anexo I da Lei Municipaln. 466/93) para que realmente o seja,pois é necessário que, efetivamen-te, exerça função que justifique a suacontratação nessa modalidade, aqual deve ser exceção e não regra,dentro dos quadros do Município.

Admitir, v.g., “motoristas”, “as-sistentes sociais”, “orientadores edu-cacionais”, “diretores de escola”,“supervisores” e “psicóloga”, que, lo-gicamente, não ocupam chefia, di-reção ou assessoramento, sem aprévia aprovação em certame fere oprincípio do concurso público esta-tuído na Constituição Federal, poistais funções, data máxima vênia, nãose enquadram nas funções típicasde confiança que prevê a Lei Maior.

Emblemático é o Decreto n. 10/2003 (em anexo) em que a Sra. Simo-ne Barreto Marques é nomeada paraexercer o cargo de recepcionista.

Assim, a ocupação de cargoem comissão, por se tratar de hipó-tese excepcional, deve estar restritaaos cargos da administração supe-rior, devendo ainda se caracterizarpor serem ocupações em que ne-cessário o elemento da fidúcia a vin-cular o nomeante e o comissionado.

Neste sentido, podemos men-cionar o ilustre professor José Afon-so da Silva:

“Independem de concurso as no-meações para cargo em comis-são declarado em lei de livre no-meação e exoneração (art. 37, II).

Justifica-se a exceção, portantotais cargos devem ser providos porpessoas de confiança da autori-dade a que são imediatamentesubordinadas. Demais, o titularassume-os e caráter passageiro.São de provimento em comissão,em regra, os cargos dos órgãosda administração superior” (grifa-mos) (“Curso de Direito Constitu-cional Positivo”, Malheiros, 1998,15ª ed., p. 655).

Destarte, luzidia a inexistênciade cargo de confiança para as hipó-teses já declinadas.

Da inconstitucionalidade da Lei n. 466/93 (Anexo I)

O art. 14 da Lei Municipal n.466/93 estabelece que os cargosconstantes no Anexo I não exigemcomo pré-requisito graduação Uni-versitária. Já o art. 13 estatui que oAnexo I é parte integrante da referidanorma municipal. A lei também nãofixa um percentual mínimo de cargosa serem ocupados por servidores decarreira (leia-se mais uma vez con-cursados), nos moldes do art. 37, V,da Constituição Federal.

Logo, o anexo I da Lei n. 466/93, ao admitir como cargo em comis-são diretores de escola (08), coor-denadores (10), supervisores (15),chefes de setor (20), motorista dogabinete do prefeito (01), burla o dis-posto nos incisos II e V do art. 37 daConstituição Federal.

Hely Lopes Meirelles, in “Di-reito Administrativo Brasileiro”, Ma-lheiros, 24ª ed., pp. 390-1, estatuiipsis literis:

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“Observe-se, por fim, que a exi-gência de prévia aprovação emconcurso público é para os car-gos de provimento efetivo [O exer-cício de cargo efetivo, em comis-são, é ilegal e enseja ação de re-petição de indébito (TJSP, RJTJSP135/174)], ou seja, não temporá-rio, não condicionado a uma rela-ção de confiança entre o nomea-do e seus superiores hierárqui-cos. Daí por que é dispensadapara o preenchimento dos cargosdeclarados em lei de provimentoem comissão, cuja principal ca-racterística é a confiabilidade quedevem merecer seus ocupantes,por isso mesmo nomeáveis eexoneráveis livremente (CF, art.37, II), e destinados apenas às atri-buições de direção, chefia e as-sessoramento (CF, art. 37, V) (...).”

“Neste campo, o legislador deveter presente, sempre, advertênciae alerta do STF no sentido de que‘a criação de cargo em comissão,em moldes artificiais e não con-dizentes com as praxes de nos-so ordenamento jurídico e admi-nistrativo, só pode ser encaradacomo inaceitável esvaziamentoda exigência constitucional doconcurso’ (STF, Pleno, Repr.1.282-4-SP) (...)” (grifamos).

Também Celso Ribeiro deBastos, in “Comentários à Constitui-ção do Brasil”, Saraiva, vol. 3, tomo III,com sua autoridade incontrastável,doutrina com eloqüência no mesmosentido:

“De fato, a própria doutrina reco-nhece que para que os agentespolíticos de mais alta hierarquia

possam bem exercer suas fun-ções é necessário que dispo-nham de auxiliares diretos quelhes sejam de uma confiança su-postamente maior que aquelaque poderia ser presumida nodever de lealdade a que todo ser-vidor está sujeito. Esta válvula defuga ao concurso público tem seprestado a abusos manifesta-mente inconstitucionais. Não épossível haver criação de cargosem comissão sem que estejampresentes as razões profundasque justificam tal sorte de regi-me. Transcrevamos o sempre bri-lhante Márcio Cammarosano:

‘Com efeito, verifica-se desde logoque a Constituição, ao admitir queo legislador ordinário crie cargosem comissão, de livre nomeaçãoe exoneração, o faz com a finali-dade de propiciar ao chefe do go-verno o seu real controle, medi-ante o concurso, para o exercíciode certas funções, de pessoas desua absoluta confiança, afinadascom as diretrizes políticas quedevem pautar a atividade gover-namental. Não é, portanto, qual-quer plexo unitário de competên-cias que reclama seja confiado oseu exercício a esta ou aquelapessoa, a dedo escolhida, mere-cedora da absoluta confiança daautoridade superior, mas apenasaquelas que, dada a natureza dasatribuições a serem exercidaspelos seus titulares, justificamexigir-se deles não apenas o de-ver elementar de lealdade às insti-tuições constitucionais e admi-nistrativas a que servirem, co-mum a todos os funcionários,

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como também um comprometi-mento político, uma fidelidade àsdiretrizes estabelecidas pelosagentes públicos, uma lealdadepessoal à autoridade superior’(“Provimento de cargos públicos nodireito brasileiro”, p. 95).

‘Há que se recriminar de formaveemente aquelas hipóteses emque o cargo em comissão é cons-tituído como burla ao preceitoconstitucional de exigência deconcurso público. Esses abusos,ainda que praticados pelo legis-lador, em nosso entender, sãocontroláveis pelo Poder Judiciá-rio. Se a Constituição referiu-se acargos em comissão, da sua na-tureza extrai-se um conteúdo mí-nimo que não pode deixar de serexigido. O legislador que o façaestará agredindo a Lei Maior cos-teando seus limites, agindo, en-fim, sem competência. É matéria,portanto, do controle de constitu-cionalidade das leis e, conse-qüentemente, da alçada do PoderJudiciário’. Sufragamos inteira-mente o entendimento de Dallarisegundo o qual:

‘Nem se cometa o absurdo dedizer que ao Poder Judiciário é ve-dado o exame da ocorrência ounão de situações que justifiquema criação de cargos em comissão.Em caso de impugnação judicial,caberá ao impugnado demons-trar objetivamente a ocorrênciade tais situações, cabendo aojuiz convencer-se ou não. O quenão se admite é a omissão doPoder Judiciário, pois a Consti-tuição e as leis perdem qualquersentido sem o exercício da juris-

dição. (...)’ (“Regime constitucio-nal dos servidores públicos”, cit.,p. 41)” (negrejamos).

A jurisprudência do egrégioSupremo Tribunal Federal não deixadúvida quanto à necessidade de ade-quação das atribuições do cargo emcomissão ou do emprego de confian-ça ao seu conceito legal e doutriná-rio, consoante se depreende dosseguintes julgados:

“CONSTITUCIONAL. CONCUR-SO PÚBLICO. CARGO EM COMIS-SÃO. OFICIAL DE JUSTIÇA. Lei n.12.499, de 12.12.1994, do Estadode Goiás. CF, art. 37, II.

I — Cargos de Oficial de Justiçainstituídos em comissão: incons-titucionalidade. Somente os car-gos que pressuponham o vínculode confiança a autorizar a livrenomeação e exoneração é quepodem ser instituídos em comis-são, o que não ocorre com o car-go de Oficial de Justiça, sujeito àregra constitucional do concursopúblico (CF, art. 37, II).

II — Suspensão cautelar da efi-cácia do art. 2º da Lei n. 12.499,de 12.12.1994, do Estado deGoiás” (STF-ADIMC-1269-GO,Pleno, Min. Carlos Velloso, DJU25.8.1995, p. 26.022).

“Concurso público: plausibilidadeda alegação de ofensa da exigên-cia constitucional por lei que defi-ne cargos de Oficial de Justiçacomo de provimento em comis-são e permite a substituição dotitular mediante livre designaçãode servidor ou credenciamento departiculares: suspensão cautelardeferida.

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1. A exigência constitucional doconcurso público não pode sercontornada pela criação arbitráriade cargos em comissão para oexercício de funções que nãopressuponham o vínculo de con-fiança que explica o regime de li-vre nomeação e exoneração queos caracteriza; precedentes.

2. Também não é de admitir-seque, a título de preenchimento pro-visório de vaga ou substituição dotitular do cargo — que deve ser deprovimento efetivo, medianteconcurso público —, se proce-da, por tempo indeterminado, àlivre designação de servidoresou ao credenciamento de estra-nhos ao serviço público” (STF-ADIMC-1141-GO, Pleno, Min. Se-púlveda Pertence, DJU 4.11.1994,p. 29.829).

“Criação de cargos em comissãode agentes de segurança judiciá-ria. Ofensa ao disposto no art. 97 eseus parágrafos da ConstituiçãoFederal, uma vez que a criação des-ses cargos em comissão não secompatibiliza com a natureza dafunção de seus ocupantes nemcom as características que a leiestadual em causa confere aeles. Representação de incons-titucionalidade que se julga pro-cedente, para declarar-se a in-constitucionalidade da Lei Com-plementar n. 291, de 15 de julhode 1982, do Estado de São Pau-lo” (STF-RP-1368-SP, 1ª Turma,Min. Moreira Alves, DJU 7.8.1987,p. 15.432).

Não se harmonizando o em-prego declarado de livre nomeação

e exoneração com o permissivoconstitucional, configurada está afraude à Carta da República, impor-tando o ato praticado pelo municípioviolação aos princípios constitucio-nais da isonomia, da legalidade eda impessoalidade, na medida emque comete ao exclusivo arbítrio deseus dirigentes a escolha dos em-pregados públicos da entidade, dan-do azo à admissão de apaniguadospolíticos, escolhidos exclusivamen-te pelo critério subjetivo, ou, comose diz popularmente, do “QI” (quemindica).

Ressalte-se que o Municípiocontratou, no regime de comissiona-mento, pessoas para prestar servi-ços burocráticos, que não dependemde maior especialização ou fidúcia.Veja que na relação de fls. 47/48 doPP há, por exemplo, dois motoristas(Srs. Givaldo Pereira dos Santos eManoel Martins G. Filho), ao passoque a lei somente autorizou, mesmode forma inconstitucional, apenas um.

A Constituição Federal de1988, consoante vem reiteradamen-te decidindo o egrégio Supremo Tri-bunal Federal, não comporta “inter-pretação subjetiva” dissociada dosconceitos próprios de cada instituto,nem tampouco a “situação excepcio-nal” do réu permite a derrogação dosdispositivos constitucionais relativosà acessibilidade aos cargos, empre-gos e funções públicas, pautada,principalmente, pelo critério de mé-rito do concurso público, que realiza,concretamente, o princípio da isono-mia e da impessoalidade.

Logo, a Lei Municipal n. 466/93(Anexo I), por óbvio, está em desa-

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cordo com os preceitos constitucio-nais já mencionados, o que lhe reti-rara qualquer eficácia, ante sua fla-grante inconstitucionalidade.

Dos prestadores de serviços. “Tempodeterminado”. Necessidade temporáriade excepcional interesse público

O art. 37, inciso IX da Consti-tuição Federal reza que a lei estabe-lecerá os casos de contratação portempo determinado para atender anecessidade temporária de excep-cional interesse público.

No Município de Cachoeira vi-gora a Lei n. 577/2001 (em anexo),donde se pode extrair os seguintesdispositivos:

“Art. 2º Considera-se necessida-de temporária de excepcional in-teresse público:

I — assistência a situações decalamidade pública;

II — combate a surtos epidêmicos;

III — admissão de professorsubstituto;

IV — admissão de servidorespara suprir carência de pessoalna Administração obedecidos osseguintes requisitos:

a) a contratação somente vigo-rará até o preenchimento de va-gas, através da realização deconcurso público;

b) não poderá ocorrer a contra-tação se for possível suprir a ca-rência através de remanejamen-to de pessoal dentro da própriaAdministração.

(...)

Art. 4º As contratações serão fei-tas por tempo determinado, obe-decidos os seguintes critérios:

a) seis meses, nos casos previs-tos no inciso I do art. 2º;

b) doze meses, no caso dos inci-sos II e III do art. 2º;

c) quatro meses no caso do inci-so IV do art. 2º.

Parágrafo único. Os contratos po-derão ser prorrogados por igualperíodo, através de decisão fun-damentada do Prefeito Municipal,se persistirem as causas da con-tratação.

(...)

Art. 7º Os contratados nos termosdesta Lei, não poderão:

(...)

III — ser novamente contratado,com fundamento nesta Lei, salvonas hipóteses de inciso I e II doart. 2º.

(...)

§ 2º Considera-se nulo o contratorealizado em detrimento do quedispõe o inciso III deste artigo.

§ 3º As autoridades envolvidasem contratação realizada ao ar-repio do disposto neste artigo se-rão responsabilizadas de acordocom a legislação vigente” (grifa-mos e negrejamos).

Logo, a contratação temporá-ria de mão-de-obra, sem concursopúblico, por se tratar de exceção aopreceito constitucional erigido no art.37, II, da Lei Magna, deve ser rigoro-samente apreciada.

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Tal contratação visa ao atendi-mento de “contingências excepcio-nais”, no sentido de atender a even-tualidades, a situações imprevistas,emergenciais, que devem ser socor-ridas de imediato, de modo que, ins-tada pela necessidade temporáriade excepcional interesse público, aAdministração, para acudir a isto,tem que suprir-se de servidores semdelongas, independentemente deconcurso (Celso Antônio Bandeirade Mello, “Regime Constitucionaldos Servidores da AdministraçãoDireta e Indireta”, RT, 2ª ed.).

Portanto, a contratação tempo-rária é cabível apenas quando pre-sente a situação acima referida, quevem a ser extraordinária, cujo aten-dimento exige satisfação imediata etemporária. Além disto, o ente públi-co ainda precisa demonstrar a im-possibilidade de atendimento dasnecessidades com o contingente deservidores que tem a sua disposi-ção, pois, conforme ensina o prof.Celso Antônio Bandeira de Mello, naobra “Regime Constitucional”, cumpreque tal contratação seja indispensá-vel; vale dizer, induvidosamente nãohaja meios de supri-la com remane-jamento de pessoal ou redobrado es-forço dos servidores já existentes.

No mesmo sentido lecionaMaria Sylvia Zanella Di Pietro: “É pre-ciso que a lei, ao disciplinar essetipo de contratação, estabeleça re-gras que assegurem a excepciona-lidade da medida, evitando que setransforme em regra geral, a exem-plo do que ocorreu na vigência daConstituição anterior e determine ashipóteses em que a seleção públi-ca é exigível” (In “Direito Adminis-

trativo”. Atlas, 10ª ed., 1999, p. 363)(negrejamos).

E o que ocorre no Município deCachoeira? A contratação, tanto an-tes como depois da atual Constitui-ção Federal, de servidores para odesempenho de atividades de cará-ter permanente (não se destinandoa atender a necessidade temporáriade excepcional interesse público),sem que fossem submetidos previa-mente a processo seletivo público,em flagrante violação ao disposto noart. 37, II, da Carta Magna. Os ane-xos III, IV e II, da Lei Municipal n. 466/93 (em anexo) considera, o que nãopoderia ser diferente, eletricistas,ajudantes de eletricista, mecâni-cos, ajudantes de mecânico, moto-ristas, jardineiros, garis e professo-res (nível superior e médio) como ati-vidades pertencentes ao quadro depessoal permanente do Município.

Apesar disso, tais cargos (ati-vidades pertencentes ao quadro depessoal permanente do Município)são preenchidos por servidores con-tratados para atender à necessida-de temporária de excepcional inte-resse público, o que, data máximavênia, não pode ser permitido.

Nem mesmo a alínea “c” doart. 4º da Lei Municipal n. 577/01 estásendo observada, como se pode ve-rificar do cotejo da relação de fl. 35do PP n. 362/03 e da “lista dos servi-dores sob regime contrato temporá-rio c/ data vencimento 30.06.2003”(último documento do Anexo III do PP),em que vários contratados figuramindistintamente nas duas relações.

Verifica-se que a opção adota-da pelo Município provoca indigna-

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ção, pois de há muito vem contra-tando, por prazos além dos razoáveis,dentre outros, professores, vigias,auxiliar de mecânico, auxiliares deelétrica, jardineiros, fazendo letramorta o disposto na ConstituiçãoFederal, sobretudo, os Princípios daLegalidade, Impessoalidade, Mora-lidade, Publicidade e Eficiência, alémdo contido no art. 37, II.

Referidas contratações, por-tanto, devem ser freadas, sob penade mácula aos princípios acima es-tampados.

Realmente, é uma espécie deordem na maioria dos municípiosbrasileiros proceder formalmente àcontratação de trabalhadores sob omando de necessidade temporáriade excepcional interesse público por“prazo determinado”, buscando-sena verdade burlar a regra do concur-so público, o que não deixou de ocor-rer no caso em tela, conforme farta-mente comprovado nos autos Pro-cedimento Preparatório de InquéritoCivil Público n. 326/03. As contrata-ções “temporárias” se arrastam notempo sem a realização do devidoconcurso público, sabendo o admi-nistrador que não será punido e quesomente caberá ao Município o pa-gamento dos salários stricto sensu,nos moldes do Enunciado n. 363 doTST. Aqui, vale deixar registrado o quedisse o Procurador-Geral do Municí-pio de Cachoeira em audiência naProcuradoria Regional do Trabalho:“que não trouxe a relação completade todos os empregados que estãoem mora salarial, apesar das notifi-cações de fls. 07 e 13, por entendero Procurador do Município que estesnão se tratam de empregados do

Município, haja vista que não fazemjus a assinatura de carteira profis-sional de trabalho, pagamento deférias, décimo terceiro, FGTS, avisoprévio, seguro-desemprego ou qual-quer outro benefício ou direito doempregado em razão do que esta-belece o art. 37 da Constituição Fe-deral” (fl. 14 do PP).

Em suma, o Município contratasem concurso público, atendendo anão se sabe quais interesses, e aindaargúi a própria torpeza alegando nuli-dade da contratação por ausência deconcurso público.

Veja que tais contratações bur-lam a regra do concurso público, sen-do, por conseguinte, nulas, o que fazcom que os trabalhadores jamaisadquiram os mesmos direitos traba-lhistas que os concursados.

Abordando este tema, interes-sante é a decisão proferida pelo STFna ADI 890-1 do Distrito Federal, emanexo.

Por todo o exposto, entende-mos inexistir justificativa para o pro-vimento em comissão/temporáriodos cargos/funções citados, sendoimperioso o desligamento dos tra-balhadores irregularmente contrata-dos. Na realidade, cuida-se da ocu-pação de emprego público de formaeletiva, não ocorrendo nenhuma dashipóteses de contratação sem con-curso.

Da terceirização irregular — Limpezaurbana

Não há dúvidas de que a ativi-dade de limpeza urbana está entre

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as atribuições finalísticas da munici-palidade, não podendo sua mão-de-obra, data máxima vênia, ser objetode terceirização, não se aplicando,na hipótese, o contido no item III doEnunciado n. 331 do TST. Veja queos elementos caracterizadores darelação são tão evidentes que oMunicípio realizou concurso públi-co para garis, existindo uma situaçãopeculiar: trabalhadores exercendoa mesma função, só que uns nacondição de terceirizados e outrosconcursados.

O Anexo III da Lei Municipal n.466/93 (em anexo) criou 100 (cem)vagas de garis, por considerar a ativi-dade como permanente do Município.

Percuciente, mutatis mutandis,é a lição do consagrado doutrinadorJoão de Lima Teixeira Filho, in “Ins-tituições de Direito do Trabalho”, LTr,18ª ed., vol. 1, p. 288, textualmentereproduzida:

“Ao Direito do Trabalho importaque a empresa desenvolva com em-pregados próprios as atividades queexplicam sua existência e lhe dãoperenidade. A fraude não está em sereste contigente de pessoal enxuto emrelação ao número de empregadosque um dia a empresa já ostentou.A fraude à legislação do trabalhoreside em:

I) seccionar atividades realmenteessenciais da empresa comose fossem acessórias, terceiri-zando-as; e,

II) independentemente da ativi-dade desmembrada, superpor aum contrato civil os traços fáti-cos definidores das partes no

contrato de trabalho (arts. 2º e 3ºda CLT)” (negrejamos).

Nesse sentido, cito decisão doTRT da 4ª Região:

AÇÃO CIVIL PÚBLICA. INTER-MEDIAÇÃO ILEGAL DE MÃO-DE-OBRA. A contratação de Cooperati-va para fornecimento de operáriospara serviços de limpeza urbana ca-racteriza intermediação ilegal demão-de-obra, mormente quando setrata de ente público que só contra-ta servidores celetistas ou estatutá-rios, mediante prévia aprovação emconcurso público (TRT 4ª Região,REO 00770.902/98-7, 2ª Turma, DO5.6.2000, Relatora Juíza Ione SalinGonçalves).

Ante a incompatibilidade do pro-cedimento adotado pelo ente públicocom os arts. 2º, 3º e 9º da CLT e coma Súmula n. 331, item III, do TST, im-põe-se a condenação do Municípiopara que se abstenha de promoverterceirização de mão-de-obra para asfunções de limpeza urbana (garis).

Do atraso salarial

A Constituição Federal garan-te a irredutibilidade do salário, salvoo disposto em convenção ou acordocoletivo, e a sua proteção na formada lei, constituindo crime sua reten-ção dolosa (CF, art. 7º, VI e X).

O parágrafo único do art. 459da CLT prevê a obrigação de o em-pregador pagar os salários, impre-terivelmente, até o quinto dia útil domês subseqüente ao vencido, quan-do a periodicidade do pagamento formensal.

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Essa regra foi e é descumpri-da pelo Município de Cachoeira, que,por várias vezes, atrasou o pagamen-to mensal dos salários, conforme aprova juntada aos autos, devendo,pois, ser condenado na obrigação defazer concernente à observância doaludido preceito legal.

A questão é tão séria que exis-te Projeto de Lei Complementar (PLP126/04) tramitando no CongressoNacional, objetivando punir Municí-pios em que os Prefeitos atrasam opagamento dos salários do funcio-nalismo (notícia em anexo).

Da Responsabilidade do Prefeito

Ao realizar as contrataçõesprecitadas ou até por manter a situa-ção irregular, o Prefeito atentou con-tra os princípios da AdministraçãoPública. Exercendo mandato na ad-ministração do Município admitiu ser-vidores fora das hipóteses regradaspela Constituição Federal. Além dis-so, a utilização de mão-de-obra ter-ceirizada (limpeza urbana) tambémmaculou e macula o princípio doconcurso público.

Agindo assim, referido admi-nistrador causou lesão a interessesdifusos, já que frustrou o acesso aoemprego público a todos os candi-datos em potencial.

Logo, a legitimidade ad cau-sam passiva deste processo nãopertence apenas ao ente FederativoMunicípio, mas também ao PrefeitoMunicipal responsável pela contra-tação e/ou manutenção de trabalha-dores sem concurso público. O Mi-nistério Público do Trabalho susten-

ta tal tese com base em preceitos daConstituição Federal, porque, nocaso, não se aplica o § 6º do art. 37da Constituição do Brasil de 1988,mas sim o § 2º, deste artigo. Veja-mos os incisos:

“II — a investidura em cargo ouemprego público depende deaprovação prévia em concursopúblico de provas ou de provas etítulos, de acordo com a naturezae a complexidade do cargo ouemprego, na forma prevista emlei, ressalvadas as nomeaçõespara cargo em comissão decla-rado em lei de livre nomeação eexoneração;

...........................................................

§ 2º A não observância do dispos-to nos incisos II e III implicará anulidade do ato e a punição daautoridade responsável, nos ter-mos da lei;

............................................................

§ 6º As pessoas jurídicas de di-reito público e as de direito priva-do prestadoras de serviços públi-cos responderão pelos danosque seus agentes, nessa quali-dade, causarem a terceiros, as-segurado o direito de regressocontra o responsável nos casosde dolo ou culpa.”

Por que a Carta Magna de1988 estabeleceu dois tipos diferen-tes de responsabilidades, nos pará-grafos segundo e sexto, neste atra-vés de ação de regresso e naquelecom a responsabilidade direta doagente público, ou “autoridade res-ponsável?” Simplesmente, porquenos casos de violação dos incisos II

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e III do art. 37 da CF de 1988, a faltaé tão grave que as autoridades pú-blicas responsáveis pela contrataçãoilegal deverão arcar, diretamente,com o pagamento não só de todosos direitos trabalhistas (já que oEnunciado n. 363 do TST só limitouo pagamento dos dias trabalhadosquando a condenação é pedida con-tra o ente público), mas também as-sumir as multas decorrentes do ilíci-to ofensivo à Constituição. Nestesentido, segue a doutrina de MacielJúnior no tema, verbis in verbis:

“Essa mudança reside no fato deque o agente, a autoridade respon-sável pela contratação irregular,será punido diretamente, sem a ne-cessidade de que seja acionadaa pessoa jurídica e sem exigênciade ação regressiva desta contra oagente. Essa modificação inseri-da no § 2º afasta a possibilidadede ser invocado o § 6º do art. 37.

O que de fato temos em sede cons-titucional é a adoção dos efeitosda desconsideração da pessoajurídica, onde o § 2º do art. 37 daCF/88 dispensou a exigência deque houvesse ação contra a pes-soa jurídica, permitindo a instau-ração da demanda diretamentecontra a autoridade responsável.

............................................................

Conclusão: Em termos de contra-tação irregular pela pessoa jurí-dica de direito público, concluímosque deve haver a aplicação do § 2ºdo art. 37 da CF/88, e não do § 6ºdesse mesmo artigo.

Entendemos também que deve serinvocada subsidiariamente a lei8.078/90, em seu art. 28, para se

aplicar a teoria da desconsideraçãoda personalidade jurídica ao entepúblico a atingir o patrimônio dasautoridades responsáveis pelascontratações irregulares, visto queesse instituto é perfeitamente com-patível com o § 2º do art. 37 da CF/88” (Maciel Júnior, Vicente dePaula. “A Desconsideração da Per-sonalidade Jurídica e seus Efeitosna Contratação Irregular com a Pes-soa Jurídica de Direito Público”, inRevista da Faculdade Mineira deDireito, vol. 3, ns. 5/6, 1º semestrede 2000, pp. 253-261).

Também neste sentido, a ju-risprudência já deu provimento aopedido de condenação solidária doPrefeito Municipal em caso de apli-cação de multas pecuniárias ao Mu-nicípio, por descumprimentos deobrigação de fazer e não fazer afetasà obrigação de contratar pessoas,através da via do concurso público.Estas ações e pedidos foram julga-das procedentes pela Justiça do Tra-balho, Processo n. 618/99, 19ª Vara— AL, ratificada pelo Acórdão n.1999.58.0618 — 70, TRT — 19ª Re-gião, Relator MM. Juiz João Sampaio.

Ademais, este é meio adequa-do para que sejam definidas dasresponsabilidades por qualquer atoilícito que cause danos a interes-ses difusos ou coletivos. A questãoestá assim definida pelo art. 1º daLei n. 7.347/85:

“Art. 1º Regem-se pelas dispo-sições desta lei, sem prejuízo daação popular, as ações de res-ponsabilidade por danos moraise patrimoniais causados:

IV — a qualquer outro interessedifuso ou coletivo.”

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Busca-se, portanto, também areparação do dano jurídico socialemergente da conduta ilícita do Pre-feito, cuja responsabilidade deve serapurada através desta ação.

Para ilustrar, transcrevemos oseguinte trecho do acórdão proferi-do pelo TRT da 8ª Região, no Pro-cesso n. 01208-2002-106-08-00-9(em anexo):

“A última parte do petitório diz res-peito à condenação do segundoréu, Sr. Orleandro Alves Feitosa,ao pagamento de indenização deR$ 50.000,00 (cinqüenta mil reais),com os acessórios de lei, a rever-ter para o FAT.

De acordo com os contratos car-reados aos autos, não se podenegar a participação ativa do atualalcaide do município nas contra-tações irregulares. No que tangeàs previsões legais, o § 2º do art.37 da Constituição Federal — quepreconiza que a não observânciados requisitos legais expostosnos incisos I e II desse dispositi-vo, que versam sobre as formasde acesso aos cargos, empregose funções públicas — é cristalinoquanto à punição da autoridaderesponsável, nos termos da lei.

Outrossim, não é incorreto gizarque o segundo réu extrapolou daliberdade funcional de que dispu-nha e abusou do mandato que lhefoi delegado. Se é correto asse-verar-se que ‘a situação dos quegovernam e decidem é bem di-versa dos que simplesmente ad-ministram e executam encargostécnicos e profissionais, sem a

responsabilidade de decisão ede opções pólíticas’ (Cf. Meirelles,Hely Lopes. “Direito Administrati-vo Brasileiro”, 27ª ed., São Paulo:Malheiros, 2002, pp. 76-77), nãoé incorreto chegar-se à subsun-ção de que o segundo réu come-teu mais do que um erro técnicoao admitir funcionários de formaprecária e afrontosa aos ditamesconstitucionais.

Examinando-se com o necessá-rio vagar a responsabilizaçãodeste, a sua culpabilidade nãopode ser vista dentro dos padrõescomuns ou uma opção políticaincorreta, senão vejamos. Eviden-temente, houve um pleito paraescolha do dirigente do municí-pio e, para tal, precisou-se depessoal disposto a trabalhar pelacandidatura. Estamos a nos refe-rir aos que vulgarmente denomi-nam-se ‘cabos eleitorais’.

Tais pessoas, de comum, são ar-regimentados membros da famí-lia ou do partido político do candi-dato, por vezes trabalhando em fa-mília, não sendo raro a prestaçãode serviços dessa natureza por to-dos os membros da família do caboeleitoral. Nos autos verifico, parailustrar, as contratadas Jucenildae Jucicléia Nunes e Silva Paixão eJulianete Nunes e Silva (fls. 18e 241/242), que quase com certezatêm parentesco próximo.

Após ultrapassado o certame,impossível dar guarida a todos osenvolvidos na vitoriosa candida-tura. O que se faz então? Sob omanto da irregularidade, efetivam-se as contratações tais como as

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mostradas nos autos. Em verda-de, nem se sabe se há realmentetantos contratados, podendo-semesmo ventilar a hipótese de fun-cionários fantasmas.

Houve opção legitimamente polí-tica ou erro técnico nessas con-tratações? O campo da justifica-ção é amplo, porém não vejocomo afastar a culpa direta doagente, que não se pode escudarno ente público, o Município, por-que na verdade, de alguma formaeste também foi vilipendiado. Nãose deve olvidar que, na respon-sabilização de entidade pública,responderão pelos ônus os mu-nícipes, que de alguma formapagarão a conta do que não cau-saram por meio de impostos oupela falta de serviço específico,uma vez que a dotação orçamen-tária deverá prever pagamento deindenizações por danos a tercei-ros, em detrimento de melhoriasnos serviços destinados aosmembros da comunidade.

Nos termos do § 4º do art. 37 daConstituição Federal, atos de im-probidade do agente público im-portam em ressarcimento ao Erá-rio, e os §§ 4º e 5º prevêem a hipó-tese de prescrição aos ilícitos pra-ticados por agentes, dispondo oúltimo acerca de danos causadosa terceiros.

O que não se pode tolerar e per-mitir é que alguém que deu cau-sa à nulidade se beneficie damorosidade da atuação junto aoPoder Judiciário, pois, no casoconcreto, os contratados, bem oumal, cederam sua força de traba-

lho talvez acreditando na legali-dade da contratação. Tal seguran-ça, de uma hora para outra cai porterra, porque o responsável, nocaso o agente público, admitira-os sem observar as regras bási-cas contidas no art. 37 da Consti-tuição Federal a ele dirigidas.Tanto é assim que, como já sedisse, no § 2º do art. 37 achou porbem o legislador constituinte de-terminar a punição da autoridaderesponsável, mas isto vem sen-do letra morta, uma vez que amaioria dos expedientes destaJustiça, no sentido de que sejadado cumprimento a este dispo-sitivo, via de regra são frustradospelo emperramento da máquinapública, mais especificamente osTribunais de Contas, que muitasdas vezes têm se limitado a ar-quivar seguidas representaçõesoriundas desta Corte, informan-do em ofícios lacônicos que o atodeclarado nulo encontra-se deconformidade com a legislação.

Esta última observação redundaem afirmar-se que, pelo entendi-mento tradicional, apenas o tra-balhador contratado irregular-mente vinha sendo penalizado. Adargumentando tantum, é fato quepara um que ingressa irregular-mente no ‘serviço público’, milha-res ficam de fora, por não lhe tersido facultada a possibilidade desubmeter-se a um certame públi-co, como também é fato que, nofinal das contas, repise-se, é ocontribuinte quem paga o pesa-do encargo pelas contrataçõesefetivadas em afronta aos princí-pios constitucionais e legais.

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Todavia, não se pode descurar deduas acepções óbvias: o trabalha-dor ofertou sua força de trabalhoe quem deu causa à nulidade foio administrador público. Se algu-ma pena deve resultar disso, amesma há de ser atribuída a esteúltimo, e não ao obreiro que, seoportuno tempore, tivesse tidoseu ingresso recusado, poderiater aproveitado o tempo de servi-ço dispendido na iniciativa priva-da, auferindo todos os direitos le-gais dela decorrentes.

No que tange mais propriamenteao ato de improbidade adminis-trativa, a Lei n. 8.429, de 2.6.1992,define este como sendo aqueleque causa lesão ao erário sejapor ação ou omissão, dolosa ouculposa, que enseje perda patri-monial, desvio, apropriação, mal-baratamento ou dilapidação dosbens ou haveres das entidadesda administração direta, indiretaou fundacional de qualquer dosPoderes da União, dos Estados, doDistrito Federal, dos Municípios,dentre outros mencionados no art.1º desse diploma legal.

À saciedade, houve ação dolosapor parte do segundo réu, na me-dida em que contratou, irregular-mente, servidores temporários,malferindo regra amplamente co-nhecida acerca da admissão depessoas para o exercício de car-gos públicos. Contratando de for-ma irregular, permitiu que aufe-rissem os contratados ganhos in-devidos, como também não per-mitiu aos não apaniguados, comaptidão talvez melhor do que oscontratados, competissem em

igual condição para acesso aomercado de trabalho disponibili-zado pelo ente público.

Ao facilitar o acesso de uns emdetrimento de outros, malferindoregra específica para admissão depessoal, permitiu incorporaçãode patrimônio do município porpessoas não autorizadas legal-mente, liberando verba públicasem a estrita observância dasnormas pertinentes ao tema efrustrou acesso dos demais cida-dãos ao cargo disponível — tudode acordo com os incisos do art.10 da Lei n. 8.429/92.

Nos termos do art. 11 desse di-ploma legal, atentou o segundoréu contra os princípios da admi-nistração pública por ação queviolou os deveres de honestidade,imparcialidade, legalidade e leal-dade às instituições. Acarretou,com o ato ilícito, prejuízo não sóà comunidade como um todo,mas também aos cidadãos quese viram impedidos de ocuparcargo público e diretamente à en-tidade pública, que com certezaserá acionada judicialmente parapagamento de eventuais parce-las do contrato de trabalho, queembora irregular, produz efeitos.

Não se pode admitir que numEstado Democrático de Direitonão existam mecanismos ten-dentes a coibir abusos decorren-tes da violação dos ditames le-gais e constitucionais por parte doadministrador público. Incumbeao Poder Judiciário repelir ener-gicamente quaisquer atos emdesvio de finalidade ou abuso depoder. Assim, enquanto não se

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responsabilizar administrativa, ci-vil e penalmente o mau adminis-trador os prejuízos decorrentes detais descalabros continuarão aser rateados entre todos os cida-dãos contribuintes. Não respon-sabilizar o administrador é permi-tir e incentivar a flagrante afrontaaos princípios da moralidade ad-ministrativa e da legalidade.

Maria Sylvia Zanella Di Pietro (“Di-reito administrativo”, p. 69) explicaque a distinção entre moral comume moral administrativa ‘implica sa-ber distinguir não só o bem e o mal,o legal e o ilegal, o justo e o injus-to, o conveniente e o inconveniente,mas também entre o honesto e odesonesto, há uma moral institu-cional, contida na lei, imposta peloPoder Legislativo, é a moral admi-nistrativa, que é imposta de dentroe vigora no próprio ambiente insti-tucional e condiciona a utilização dequalquer poder jurídico, mesmodiscricionário’.

O pior de tudo é que, na prática, oadministrador que viola a moraladministrativa, contratando servi-dores sem concurso público, aca-ba não sendo responsabilizado,tampouco seus atos são comu-mente objeto de fiscalização porórgãos do Estado incumbidosdesta tarefa, o que faz com que asituação perdure e grasse o des-calabro administrativo e jurídico.

A moralidade comum distingue-se da moralidade administrativa.Esta é setorial ou institucional in-cidindo sobre a pessoa do admi-nistrador público. Do homem co-mum exige-se apenas a morali-dade comum.

Quando um trabalhador aceita sercontratado sem concurso públiconão se pode falar sequer em vio-lação da moralidade comum, por-quanto é sabido que ele o faz porestado de necessidade, de sub-sistência econômica. Portanto, apresunção é de que o trabalha-dor está de boa-fé. O senso co-mum não repugna esta atitude,pois se fosse perguntado, empesquisa, quem se recusaria aaceitar posto de trabalho nestascondições, estando desempre-gado e passando necessidade,certamente o percentual de acei-tação seria muito elevado.

Quanto ao princípio da legalida-de, não se poderia utilizar dosmesmos argumentos subdividin-do-o em legalidade comum e le-galidade administrativa. Contudo,as óticas sob as quais o princípioda legalidade atua são diferentesquando o destinatário é o cidadãoe quando é o gestor da coisa pú-blica. É princípio de direito que ocidadão pode fazer tudo que nãolhe seja legalmente vedado, ins-culpido no inciso II, do art. 5º, daConstituição Federal: ‘ninguémserá obrigado a fazer ou a deixarde fazer alguma coisa senão emvirtude de lei’, máxima que se tra-duz no brocardo ‘tudo o que nãoestá juridicamente proibido, estájuridicamente permitido’.

O mesmo já não se pode afirmarem relação à administração pú-blica, jungida e atrelada que estáaos estreitos limites da legalida-de, em seu sentido mais técnico,que significa que o administradornão tem liberdade para agir, sal-

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vo com o permissivo da lei, de for-ma vinculada ou discricionaria-mente, mas nunca fora dos limi-tes traçados. A imposição legal daobservância do concurso públicoé regra dirigida ao administradore não à comunidade. Portanto,sua violação evidencia haver cul-pa do administrador.

Celso Antônio Bandeira de Melo(“Curso de direito administrativo”,p. 239) considera que se o atoadministrativo era inválido, istosignifica que a Administração, aopraticá-lo, feriu a ordem jurídica.Assim, ao invalidar o ato, estará,ipso facto, proclamando que foraautora de uma violação da ordemjurídica. Seria iníquo que o viola-dor do Direito, confessando tal, selivrasse de quaisquer ônus quedecorressem de ato e lançassemsobre as costas alheias todas asconseqüências patrimoniais gra-vosas que daí decorreriam, locu-pletando-se, ainda à custa dequem, não tendo concorrido parao vício, haja procedido de boa-fé.

Esta posição não traduz estímu-lo à contratação irregular, estí-mulo maior é reconhecer a nuli-dade sem conseqüências parao administrador.

Diante do que antes expendeu-se e com espeque nos termosdo art. 927, do Código Civil, defiroa condenação postulada, im-pondo ao segundo réu o paga-mento da indenização no importede R$ 50.000,00 em face do atoilícito praticado, a reverter parao Fundo de Amparo ao Traba-lhador — FAT.”

No tocante ao destinatário daindenização, a mesma deve ser re-vertida em prol de um fundo destina-do à reconstituição dos bens lesa-dos, conforme previsto no art. 13 daLei n. 7.347/85. No caso de interes-ses difusos e coletivos na área tra-balhista, esse fundo é o FAT (Fundode Amparo ao Trabalhador), que, ins-tituído pela Lei n. 7.998/90, custeia opagamento do seguro-desemprego(art. 10) e o financiamento de políti-cas públicas que visem à reduçãodos níveis de desemprego. Enten-demos razoável, considerado o nú-mero de contratações já realizadasirregularmente e o tamanho da le-são, a fixação de indenização no va-lor de R$ 50.000,00 a ser paga peloPrefeito.

Da competência e da legitimidade

A matéria debatida na presen-te ação civil pública está afeta à com-petência da Justiça do Trabalho, umavez que o objetivo da ação, dentreoutros, é resguardar a regularidadedas contratações de mão-de-obrapara desempenhar funções ligadasà atividade do município de Cachoei-ra, resguardando-se a ordem cons-titucional vigente.

O art. 114, segunda parte, daConstituição Federal, expressamen-te prevê a competência desta Justi-ça Especializada para, na forma dalei, julgar outras controvérsias decor-rentes da relação de trabalho, que éo caso nos autos, porquanto no Mu-nicípio não existem servidores es-tatutários, nem mesmo os temporá-rios o são, haja vista que não se sub-meteram a concurso público, nem

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foram contratados de acordo com osditames da Lei Municipal n. 577/2001.

Para ilustrar transcrevemosdecisões de nossos tribunais traba-lhistas quanto aos aspectos invoca-dos nesta ação civil pública:

“AÇÃO CIVIL PÚBLICA. COMPE-TÊNCIA RATIONE MATERIAE DAJUSTIÇA DO TRABALHO. PRES-TADOR DE SERVIÇO IRREGU-LARMENTE CONTRATADO PORPESSOA JURÍDICA DE DIREITOPÚBLICO INTERNO. O art. 114,segunda parte, da ConstituiçãoFederal, expressamente prevê acompetência desta Justiça Espe-cializada para, na forma da lei, jul-gar outras controvérsias decorren-tes da relação de trabalho. Nocaso sub examen, os servidorestemporários do município não sãoestatutários, haja vista que não sesubmeteram a concurso público— o que é incontroverso — comotambém não são ocupantes decargo de confiança e nem foramcontratados de acordo com os di-tames de lei municipal que segue,pari passu, os ditames da Lei n.8.745/93, pelo que não se pode,de forma açodada, afastar a com-petência material desta JustiçaObreira” (TRT 8ª Região, Proc. n.01208-2002-106-08-00-9, Acór-dão publicado em 1.10.2003, Re-latora Juíza Pastora do Socorro Tei-xeira Leal — acórdão em anexo).

“AÇÃO CIVIL PÚBLICA; CONTRA-TAÇÕES IRREGULARES SEMCONCURSO PÚBLICO; COMPE-TÊNCIA DA JUSTIÇA DO TRABA-LHO EM RAZÃO DA MATÉRIA. ‘Todae qualquer causa de pedir decor-rente de matéria tratada em Ação

Civil Pública proposta pelo Ministé-rio Público do Trabalho, ainda queenvolva interesses difusos ou co-letivos da sociedade em detrimen-to de servidores municipais contra-tados irregularmente à luz do inci-so II do art. 37, da Constituição Fe-deral, deve ser apreciada pela Jus-tiça do Trabalho, por força não sódo que diz o art. 114 da Lei Maior,como também da teleologia conti-da no Código de Defesa do Con-sumidor e na Lei n. 7.347/1985.Afinal, toda discussão passaria,necessariamente, pela declaraçãode constitutividade ou não das re-lações de trabalho que, bem oumal, só estão sendo questionadaspelo Ministério Público do Trabalho’”(TRT 15ª Região — Acórdão 4968/02, Processo 01764-1999-010-15-00-1, publicado em 13.6.2002, Re-lator Juiz Gerson Lacerda Pistori —acórdão em anexo).

“AÇÃO CIVIL PÚBLICA. CONTRA-TAÇÃO DE MÃO-DE-OBRA SEMCONCURSO PÚBLICO — COM-PETÊNCIA MATERIAL DA JUSTIÇALABORAL. Tratando-se de presta-ção fato, abstenção de fato, ou tu-tela de bem jurídico que decorrade obrigação constitucional ine-rente a contrato de emprego, ain-da que implícita neste, buscar anulidade de contratações efetiva-das sem concurso público, bemcomo fazer cessá-las, a competên-cia para o deslinde da ação civilpública é da Justiça do Trabalho.Entendimento contrário constituivisão limitada, acanhada e descom-passada com os tempos atuaisquando se via o direito do trabalhoapenas como normatizador de

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uma simples e genuína relaçãoobrigacional e o seu Órgão aplica-dor com competência apenas paradirimir as questiúnculas dela de-correntes, brigas entre patrão eempregado, quando andava a Jus-tiça Laboral a reboque do PoderExecutivo impregnada de fortesranços administrativos e não juris-dicionais. A função hodierna dodireito material e processual do tra-balho não é somente de prenderatenção a minudências dos litígiosindividuais, mas também de en-frentar dimensões maiores, dirimircom exclusividade, direitos e inte-resses difusos, coletivos e indivi-duais homogêneos, questõesadministrativas, penais e previ-denciárias que se originaram dosseus domínios, de suas lides. Emsuma, enxergar, no direito do tra-balho, o seu cunho publicista enão exclusivamente privatístico,vislumbrando-o como um ramo dodireito no qual também se discu-te questões de direito público”(TRT 22ª Região — RO 0209/2002,Acórdão 0960/02, Relator Juiz Ar-naldo Bóson Paes — acórdão emanexo).

“RECURSO DE REVISTA.

1. FATO SUPERVENIENTE: EC N.19/98 E LEI ESTADUAL N. 11.970/97. PERDA DO OBJETO DA AÇÃOPÚBLICA. O advento das normasem epígrafe não teve o condão decaracterizar o Acórdão hostilizado— que determinou a não-renova-ção ou novas contratações deprofessores, por tempo determi-nado, ao fundamento de inexistirinteresse público excepcional quejustificasse tais pactos — como

violador de normas infra ou cons-titucionais, mormente quando amesma EC n. 19/98 alterou o in-ciso V do art. 206 de nossa CartaMagna e deixou claro que o in-gresso no magistério públicodeve ocorrer exclusivamente porconcurso público de provas e títu-los. Revista não conhecida.

2. AÇÃO CIVIL PÚBLICA

a) INADEQUAÇÃO. A cessação decontratos irregulares de profissio-nais de ensino, firmados com aAdministração pública, atendeaos interesses dos contratados,dos servidores legalmente inves-tidos na carreira pública e dos pro-fessores que almejam, de formalegal, tal investidura, ou seja, osinteresses vislumbrados são di-fusos, tornando adequada a ACP.As teses de cabimento de açãopopular e de que a ACP não com-portaria obrigação de não fazernão mereceram análise, por faltade prequestionamento e por osarestos colacionados não preen-cherem os requisitos formais,respectivamente. Apelo não co-nhecido.

b) LEGITIMIDADE DO MINISTÉRIOPÚBLICO DO TRABALHO. Con-soante os arts. 129, III, de nossaNorma Ápice, 6º, inciso VII, alíne-as “a” e “d”, e 83, incisos I e III, daLei Complementar n. 75/93, de-tém legitimidade o parquet Traba-lhista para propor ação civil públi-ca visando à tutela de interessesdifusos que envolvam relação deemprego. Recurso conhecido, pordivergência jurisprudencial, e nãoprovido.

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c) COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DOTRABALHO. ‘Tratando-se de pres-tação de fato, abstenção de fato,ou de bem jurídico que decorra deobrigação constitucional de natu-reza ‘trabalhista’, havendo-se portal a inerente a um contrato deemprego, ainda que implícita nes-te, a competência para o deslin-de da ação civil pública é da Jus-tiça do Trabalho. Evidencia-se,portanto, na espécie, uma estritavinculação e interpretação entrecabimento, legitimidade e compe-tência: o cabimento da ação civilpública, sob a titularidade do Mi-nistério Público do Trabalho, con-diciona a competência material daJustiça do Trabalho. São aspec-tos indissociáveis: cabível a açãoem tela para resguardar bens ju-rídicos ‘trabalhistas’ protegidosconstitucionalmente, ipso factolegitimado o Ministério Público doTrabalho e inarredável a compe-tência da Justiça do Trabalho. Demodo que se não couber ao MPTpropor a ação civil pública, resul-ta automaticamente descartada acompetência do Judiciário Traba-lhista’ (João Oreste Dalazen). Re-vista não conhecida.

3. RESPONSABILIDADE OBJETI-VA. LEGITIMIDADE PASSIVA DOESTADO. RESPONSABILIDADEDIRETA E PESSOAL DO AGENTEPÚBLICO CAUSADOR DOS ATOS.O Colegiado Regional concluiu,em face da responsabilidade ob-jetiva do Estado que os danos aserem reparados advêm de con-duta administrativa necessária aoimplemento de finalidades pú-blicas. Assim, a tese do Réu de

ação pessoal e responsabilida-de direta do agente público con-trária à Administração demanda-ria reexame de matéria fático-pro-batória, o que é defeso nesta es-treita sede. Revista não conheci-da. Ademais, o acórdão está emconsonância com o art. 37, § 6º,da CF, que trata da responsabili-dade objetiva e direta da Adminis-tração Pública.

4. ALTERAÇÃO DO PEDIDO. Oaditamento à inicial, requerendo-se a aplicação diária de multapedida na peça vestibular e su-gerindo-se o respectivo valor, con-figura-se como meros esclareci-mentos visando à otimização daimposição da multa pecuniáriaanteriormente postulada e não dealteração do pedido, em sentidoestrito, o que afasta a possibili-dade de violação dos arts. 264 e294 do CPC. Apelo não conhecido.

5. NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JU-RISDICIONAL. O Tribunal Regionalfundamentara sua decisão demanter os valores da multa impos-ta pelo juízo a quo, atendendo aosditames dos arts. 832 da CLT e 131do CPC. Recurso não conhecido.

6. DA MULTA COMINATÓRIA ES-TABELECIDA. Relativamente àmatéria prequestionada, tem-seque o Regional, ao manter os valo-res retromencionados, interpretoude forma razoável os arts. 2º e 12 daLei n. 7.347/85, 461, § 4º, e 644do CPC. Incidência do Enunciado221/TST.

Revista não conhecida” (TST-RR-512.988/98, 5ª Turma, DJ 22.3.2002,

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Relator Juiz Convocado Guedes deAmorim — acórdão em anexo).

Nessa esteira, o Supremo Tri-bunal Federal também já se manifes-tou sobre a competência da Justiçado Trabalho em caso semelhante,como se verifica em decisão mono-crática exarada em 28.11.2000 peloMinistro Marco Aurélio, nos autos doAgravo de Instrumento AI 298733/AM,publicado no Diário da Justiça de14.2.2001, p. 29, em que era agra-vante o Estado do Amazonas — Se-cretaria de Estado da Educação Cul-tura e Desportos, bem como no CC7149-4, que segue em anexo.

Com efeito, o art. 129, III, daConstituição da República atribuiu aoMinistério Público do Trabalho a pro-moção do inquérito civil e da açãocivil pública no âmbito da Justiça doTrabalho, para a proteção do patri-mônio público e social, do meio am-biente e de outros interesses difu-sos e coletivos.

Logo, na hipótese, competen-te a Justiça do Trabalho e legítimo oMinistério Público do Trabalho.

Do pedido liminar

FUMUS BONI JURIS. O mate-rial probatório acostado aos autos,demonstrando claramente a viola-ção dos arts. 7º, inciso X, 37, caput,incisos II, V e IX da Constituição daRepública, e 459, parágrafo único,da CLT, evidencia que os réus têmadotado posturas que violam o direitoconstitucional de livre acesso aosempregos públicos pela via única doconcurso, privilegiando, contrario

sensu, um grupo de pessoas, pro-movendo, também, de há muito amora salarial aos trabalhadores con-cursados. Além disso, extrai-se dasprovas mencionadas que a utilizaçãode mão-de-obra terceirizada tambémobjetivou burlar a regra do concursopúblico.

PERICULUM IN MORA. A con-duta do Município, subvertendo a le-galidade e a isonomia que devemlastrear a Administração Pública,impõe a adoção de imediata medi-da judicial, para afastar o risco decontinuidade das contratações irre-gulares, porque remanesce o peri-go de utilização do expediente com-batido, o que só será prevenido coma imposição liminar de obrigação denão mais admitir pessoal sem pré-vio certame público ou via terceiriza-ção ilícita e de fazer no sentido depagar os salários até o quinto dia útildo mês subseqüente ao trabalhado.

Permitir a continuidade das con-tratações sem concurso público impli-ca lesão aos diretos de um númerocada vez maior de cidadãos que alme-jam um emprego público, mormentenos tempos de hoje, em que o desem-prego atinge índices alarmantes.

Assim, requer o Ministério Pú-blico do Trabalho, com fundamentono art. 12, da Lei n. 7.347/85, a con-cessão de MEDIDA LIMINAR para,sob pena de crime de desobediên-cia (art. 330 do CP) e/ou prevarica-ção (art. 319 do CP), bem como daspenalidades previstas para o des-cumprimento de ordem judicial, in-clusive interdição:

a) Determinar que o Município deCachoeira, até o trânsito em jul-

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gado desta ação, se abstenha decontratar novos trabalhadoressem prévia aprovação em concur-so público, ressalvadas, median-te autorização judicial, as hipóte-ses expressamente gravadas noart. 2º da Lei Municipal n. 577/01,sendo que as contratações por-ventura efetuadas, após a con-cessão da liminar, deverão obser-var fielmente o prazo determina-do indicado no art. 4º da referidaLei Municipal, sob pena de paga-mento de multa no valor de R$5.000,00 (cinco mil reais), rever-sível ao FAT, por trabalhador en-contrado em situação irregular, ouseja, que tenha sido contratado apartir da concessão da liminar,em descumprimento dos termosda mesma;

b) Determinar que o Município deCachoeira, até o trânsito em jul-gado desta ação, pague os salá-rios de todos os seus trabalha-dores até o quinto dia útil do mêssubseqüente ao trabalhado, nosmoldes do art. 459, parágrafo úni-co, da CLT, sob pena de paga-mento de multa mensal no valorde R$ 500,00 (quinhentos reais),reversível ao FAT, por trabalha-dor encontrado em situação irre-gular, ou seja, que tenha seussalários mensais atrasados, apartir da concessão da liminar,em descumprimento dos termosda mesma;

c) Determinar que o pagamentoda multa aplicada em virtude dedescumprimento da liminar sejaimputada ao Prefeito Municipal deforma solidária com Municípiode Cachoeira;

Requer-se que a intimação daliminar seja feita pessoalmente aoPrefeito Municipal, Sr. RaimundoBastos Leite, e, caso constatado odescumprimento ou recusa da ordemjudicial expedida por esse Juízo, e nãosendo efetuada a prisão em flagran-te do responsável, que seja imedia-tamente comunicado o Ministério Pú-blico Federal, para oferecimento dedenúncia crime cabível.

Do pedido definitivo

Diante dos fatos e argumen-tos expostos, requer o Ministério Pú-blico do Trabalho o acolhimento detodos os pedidos para:

a) Declarar que os trabalhadoresindicados pelo Município de Ca-choeira como estatutários, contra-tados anteriormente à Constitui-ção Federal de 1988 sem a devi-da submissão a concurso públi-co, são, na verdade, empregadospúblicos não concursados (cele-tistas);

b) Declarar a inconstitucionali-dade do Anexo I da Lei Municipaln. 466/93;

c) Declarar a nulidade dos con-tratos de trabalho celebradosapós 5.10.1988, com efeitos extunc, em desacordo com os inci-sos II, V e IX do art. 37 da Constitui-ção Federal, inclusive dos moto-ristas, orientadoras educacionais,chefes de setor, coordenadores,supervisores, assistentes sociais,diretores de escola, psicólogos,chefes de fiscalização e chefes damerenda escolar contratadospara o exercício de cargo em co-

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missão, bem como dos jardinei-ros, vigias, auxiliares de mecâni-ca e auxiliares de elétrica admiti-dos por tempo determinado con-forme relações anexas, conde-nando o Município a promover oimediato afastamento dos traba-lhadores, sob pena de pagamen-to de multa no valor de R$ 5.000,00(cinco mil reais), solidariamentecom o Prefeito Municipal, reversí-vel ao FAT, por trabalhador contra-tado sem concurso público em de-sacordo com os incisos II, V e IX doart. 37 da CF/88 ou em desacordocom os ditames previstos na LeiMunicipal n. 577/01;

d) Condenar o Município de Ca-choeira a abster-se de contratartrabalhadores sem prévia aprova-ção em concurso público, ressal-vadas as hipóteses expressa-mente gravadas no art. 2º da LeiMunicipal n. 577/01, sendo que ascontratações porventura efetua-das deverão observar fielmente odisposto nos arts. 4º e 7º da refe-rida Lei Municipal, bem como osditames previstos no inciso IX doart. 37 da CF/88, sob pena de pa-gamento de multa no valor de R$5.000,00 (cinco mil reais), solida-riamente com o Prefeito Munici-pal, reversível ao FAT, por traba-lhador contratado sem concursopúblico em desacordo com o in-ciso IX do art. 37 da CF/88 ou emdesacordo com os ditames pre-vistos na Lei Municipal n. 577/01;

e) Condenar o Município de Ca-choeira a destinar as funções deconfiança, que serão exercidasexclusivamente por servidoresocupantes de emprego perma-

nente, e os empregos em comis-são ou de confiança, a serem pre-enchidos por servidores de car-reira nos casos, condições e per-centuais mínimos previstos emlei, cujo projeto deverá ser enca-minhado à Câmara Municipal, noprazo de 3 (três) meses, que de-verá ser apenas às atribuições dedireção, chefia e assessoramen-to (CF, art. 37, V);

f) Condenar o Município de Ca-choeira a abster-se de utilizar, emsua atividade-fim, trabalhadoresfornecidos por empresas terceiri-zadas, sob pena de pagamentode multa no valor de R$ 5.000,00(cinco mil reais), solidariamentecom o Prefeito Municipal, reversí-vel ao FAT, por trabalhador encon-trado em situação irregular;

g) Condenar o Município de Ca-choeira a pagar os salários detodos os seus trabalhadores atéo quinto dia útil do mês subse-qüente ao trabalhado, nos mol-des do art. 459, parágrafo único,da CLT, sob pena de pagamen-to de multa mensal no valor deR$ 500,00 (quinhentos reais),solidariamente com o PrefeitoMunicipal, reversível ao FAT, portrabalhador encontrado em si-tuação irregular, ou seja, que te-nha seus salários mensais atra-sados;

h) Condenar o réu Raimundo Bas-tos Leite ao pagamento de indeni-zação no importe de R$ 50.000,00(cinqüenta mil reais), corrigida mo-netariamente até o efetivo recolhi-mento, em favor do FAT (Fundo deAmparo ao Trabalhador).

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Pelo exposto, requer a citaçãodos réus para, querendo, contestarema presente ação ou se sujeitarem aosefeitos da revelia, protestando, ain-da, pela produção de todas as pro-vas admitidas em direito, em espe-cial a juntada de documentos (osautos do Procedimento Preparatóriode Inquérito Civil Público n. 362/03 eseus anexos) que acompanham estapeça, depoimento pessoal do repre-sentante legal do Município de Ca-choeira, o que desde já se requer,e testemunhal.

Protesta-se ainda pela junta-da de novos documentos, inclusivea serem requeridos dos réus nostermos do art. 355 do Código deProcesso Civil, sob as penas do art.359 do mesmo, entre outros, postu-lando-se, desde já, pela apresenta-ção dos seguintes documentos pe-los réus:

1) todos os contratados e suasprorrogações realizados nos últi-mos cinco anos com os presta-

dores de serviços, com apoio naLei Municipal n. 577/01;

2) cópia de todas as sentençasproferidas pela Justiça do Traba-lho em que figurou o Município deCachoeira como reclamado nosúltimos cinco anos.

O Ministério Público do Traba-lho requer, ainda, sua intimação pes-soal de todos os atos do processocom a remessa dos autos, com vis-ta, à Procuradoria Regional do Tra-balho da 5ª Região, de conformida-de com o disposto nos arts. 18, II,“h”, e 84, IV, da Lei Complementarn. 75/93, 41, IV, da Lei n. 8.625/93 eProvimento TST/CGJT n. 4 da Corre-gedoria Geral da Justiça do Trabalho.

Atribui-se à causa o valor deR$ 50.000,00 (cinqüenta mil reais).

Nestes termos, pede deferi-mento.

Salvador, 05 de abril de 2004.

José Heraldo de Sousa, Pro-curador do Trabalho.

DECISÃO

ATA DE JULGAMENTO

Aos trinta dias do mês de se-tembro do ano de dois mil e quatro,às 08:08 horas, na sala de audiênciasda VARA DO TRABALHO DA CIDADEDE CRUZ DAS ALMAS, na presençado Exmº Sr. Juiz do Trabalho, Dr.Humberto Jorge Lima Machado, fo-ram apregoados os litigantes:

Ministério Público do Trabalho —Procuradoria Regional do Trabalho da5ª Região, Acionante. E, Município de

Cachoeira, Primeiro Acionado, ins-crito no CGC sob o n. 13.828.397/0001-56, e, ainda, Raimundo BastosLeite, Segundo Acionado. Ausentesas partes. Aberta a sessão, pelo Dr.Juiz do Trabalho, titular desta Vara, foiproferida a seguinte decisão:

Ministério Público do Traba-lho — Procuradoria Regional doTrabalho da 5ª Região ajuizou açãocivil pública com pedido de liminarcontra Município de Cachoeira eRaimundo Bastos Leite, narrando

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os fatos e formulando os pedidos elen-cados na peça incoativa (fls. 01/29).

Após a concessão da liminar(fls. 162/163), os réus ofereceramresposta, nos termos lançados àsfls. 177/190, sendo carreada para osautos farta documentação, da qualtiveram vista os litigantes. Arbitradoo valor de alçada (fls. 176), requeri-da a aplicação da pena de confissãoao segundo reclamado (fls. 1.258),determinada a formação de autosapartados para o procedimento inci-dental de execução proposto às fls.1.223 (fls. 1.258) e dispensada a pro-dução de outras provas (fls. 1.258),foi encerrada a instrução.

Houve adução de razões finaisreiterativas (fls. 1.258) e as tentativasconciliatórias malograram (fls. 176e 1.258).

É o relatório.

FUNDAMENTOS

1) Da alegada incompetênciaabsoluta — Vínculo estatutário —Sem fundamento a preliminar.

O próprio E. 5º Regional, emmemorável decisão da lavra do JuizWaldomiro Pereira, firmou:

“Os juízos de admissibilidade ede mérito, no direito processualmoderno, têm significativa impor-tância prática. O juízo de admissi-bilidade sobre competência econdições da ação é aferido instatu assertionis, abstratamente.Se o autor se diz empregado, napetição inicial, será a Justiça doTrabalho a competente para so-lucionar o litígio, mesmo que ul-

teriormente se demonstre a ine-xistência do contrato de trabalhoou que seja autônoma a relaçãojurídica material. É a aplicação doprincípio da asserção ou da pros-pettazione. A natureza da relação dedireito material é questão que seinstaura no âmbito a ser enfrentadopelo juízo de mérito” (Ac. 5ª Turma n.17.260/98, DPJ de 29.9.1998, p. 6,RO 631.97.0569-50).

No caso sub judice, o pleitodeduzido na exordial envolve contro-vérsia oriunda de relação de empre-go, sendo competente, portanto, parao julgamento do feito, este órgão doPoder Judiciário, até porque incum-be à Justiça do Trabalho (e somentea esta) decidir acerca da existência,ou não, de vínculo empregatício,havendo, inclusive, cancelamentoda Orientação Jurisprudencial 263, daSDI-1, do C. TST, que atribuía com-petência à Justiça Comum para co-nhecer e julgar as demandas refe-rentes ao exercício de funções tem-porárias ou de natureza técnica, de-corrente de lei especial. Logo, con-siderando o que preceitua o art. 114,da Lei Maior, não merece acolhida apreliminar suscitada no item 1 dadefesa (fls. 178).

Rejeita-se.

2) Preliminar de incompetên-cia absoluta ratione personae — Émanifesta a inconsistência da teseesposada no item 2 da resposta.

Como bem observou o ilustrerepresentante do autor na manifes-tação de fls. 176, o diploma legal in-vocado pelos réus para alicerçar aalegação de incompetência em ra-zão da pessoa disciplina a compe-

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tência funcional dos Tribunais deJustiça exclusivamente nas hipóte-ses de atos de improbidade admi-nistrativa e crimes funcionais perpe-trados por Prefeitos, matéria diversada que está sendo abordada nopresente feito, que aborda questão denatureza eminentemente trabalhista(e não penal), incidindo, pois, a regrado art. 114, da Carta Magna hodierna.

Rejeita-se.

3) Preliminar de inépcia da ini-cial — Todos os requisitos previstosno § 1º do art. 840, da CLT, foramatendidos, pelo que não há falar eminépcia da peça vestibular.

4) Da pena de confissão —Impõe-se o reconhecimento dos efei-tos da ficta confessio (pena comina-da às fls. 176) contra o segundo re-clamado, conforme Enunciado 74, doC. TST, tendo em vista o não compa-recimento à audiência em que seriainterrogado, mormente em face doque consta da ata de fls. 1258.

5) Do regime jurídico dos tra-balhadores indicados pelo Municípiode Cachoeira como estatutários, con-tratados sem a devida submissão aconcurso público em período preté-rito à Constituição Federal de 1988— Como já decidiu o E. STF, “A vi-gente Constituição estipulou duasmodalidades de estabilidade no ser-viço público: a primeira prevista noart. 41, é pressuposto inarredável àefetividade. A nomeação em caráterefetivo constitui-se em condição pri-mordial para a aquisição da estabili-dade, que é conferida ao funcionáriopúblico investido em cargo, para oqual foi nomeado em virtude de con-curso público.

A segunda, prevista no art. 19do ADCT, é um favor constitucionalconferido àquele servidor admitidosem concurso público há pelo me-nos cinco anos antes da promulga-ção da Constituição. Preenchidas ascondições insertas no preceito tran-sitório, o servidor é estável, mas nãoé efetivo, e possui somente o direitode permanência no serviço públicono cargo em que fora admitido, toda-via sem incorporação na carreira,não tendo direito a progressão fun-cional nela, ou a desfrutar os bene-fícios que sejam privativos de seusintegrantes.

O servidor que preenchera ascondições exigidas pelo art. 19 doADCT — CF/88 é estável no cargopara o qual fora contratado pala Ad-ministração Pública, mas não é efe-tivo. Não é titular do cargo que ocu-pa, não integra a carreira e goza ape-nas de uma estabilidade especial noserviço público, que não se confun-de com aquela estabilidade regulardisciplinada pelo art. 41 da Consti-tuição Federal. Não tem direito a efe-tivação, a não ser que se submeta aconcurso público, quando, aprovadoe nomeado, fará jus à contagem dotempo de serviço prestado no perío-do de estabilidade excepcional,como título” (RTJ 165/684).

Por conseguinte, é forçoso oacolhimento da pretensão lançada naalínea “a” da inicial, para se declararque os trabalhadores indicados peloprimeiro réu como estatutários, con-tratados anteriormente à promulga-ção da Constituição Federal de 1988sem a prévia aprovação em concur-so público, são empregados públicosnão concursados (celetistas).

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6) Da declaração de inconsti-tucionalidade do Anexo I da Lei Mu-nicipal n. 466/93 — Como leciona Isisde Almeida “o Ministério Público,quando parte ou quando exare pare-cer em processo a ele submetido,pode denunciar a inconstitucionali-dade e pedir que seja declarada” (ex-certo da obra “Manual de Direito Pro-cessual do Trabalho”, 3ª ed., vol. 2,p. 386). Em relação ao feito subexamine, a argüição de inconstitu-cionalidade do Anexo I da Lei Munici-pal n. 466/93 (fls. 254) decorre damanifesta afronta ao disposto nosincisos II e V do art. 37, da CF/88. Osargumentos doutrinários e jurispru-denciais invocados pelo autor às fls.09/11 são irrefutáveis. A criação in-discriminada de cargos em comis-são sem a observância dos limitesestabelecidos pelo inciso V do art.37 da Lei Maior, e com grande pos-sibilidade de burla à exigência deconcurso público, autoriza o reconhe-cimento da inconstitucionalidade daLei Municipal supracitada.

7) Da nulidade dos contratos detrabalho celebrados após 5.10.1988— A Lei Maior veda, expressamente,a investidura em cargo ou empregopúblico sem a aprovação prévia emconcurso público, ressalvadas asdesignações para cargo em comis-são declarado em lei de livre nomea-ção e exoneração (art. 37, II). A violaçãoa este princípio, como estabelece o§ 2º, do mesmo artigo, resulta a nuli-dade do ato, sem prejuízo da puni-ção da autoridade responsável, nostermos da lei.

O concurso é o meio técnicoposto à disposição do Poder Públicopara obter-se moralidade, eficiência

e aperfeiçoamento do serviço públi-co, e, concomitantemente, assegurarigual oportunidade a todos os inte-ressados que atendam aos requisi-tos da lei, afastando a possibilidadede nepotismo e apadrinhamento.

Em sendo assim, deve ser re-conhecida a nulidade dos contratoscelebrados a partir de 5.10.1988, emdesacordo com os incisos II, V e IX,do art. 37, da Carta Magna hodierna,na forma e com as cominações re-queridas na alínea “c” do pedido de-finitivo (exceto quanto aos efeitos,que serão produzidos ex nunc, ten-do em vista a impossibilidade derestabelecimento do statu quo ante,principalmente diante do entendi-mento consubstanciado na Súmula363, do C. TST), inclusive quanto àresponsabilidade solidária do ges-tor municipal (máxime diante do quepreconiza o § 2º, do mesmo artigo).

8) Da contratação de servido-res sem concurso público — Consi-derando o que foi explicitado no itemanterior, sobretudo no que diz res-peito à regra do inciso II, do art. 37,da Constituição Federal, deve o pri-meiro réu abster-se de contratar tra-balhadores sem prévia aprovaçãoem concurso público, ressalvadasas hipóteses aventadas no art. 2º, daLei n. 577/01, respeitadas as dispo-sições dos arts. 4º e 7º da referidaLei, bem assim os ditames do inci-so IX do art. 37 da Lei Maior, sob penade imposição de multa, no valor plei-teado na alínea “d” do pedido, inclu-sive com a responsabilidade solidá-ria do segundo acionado.

9) Da data para pagamentodos salários dos trabalhadores do

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primeiro acionado — O parágrafoúnico do art. 459, da CLT, prescreveque o pagamento de salário deveráocorrer até o quinto dia útil do mêssubseqüente ao vencido. Assim, tra-tando-se de norma imperativa, deveo primeiro réu observar o prazo pre-visto no supramencionado disposi-tivo, para efeito de pagamento dosestipêndios dos servidores celetis-tas, sob as penas requeridas na alí-nea “g” (fls. 28), extensivas ao se-gundo acionado, sem prejuízo dassanções penais cabíveis.

10) Da destinação das funçõesde confiança e em comissão — Porforça da limitação imposta pelo inci-so V, do art. 37, da Constituição Fe-deral, deve o primeiro reclamadodestinar as funções de confiança,que serão exercidas exclusivamen-te por servidores ocupantes de car-go efetivo, e os cargos em comis-são, a serem preenchidos por servi-dores de carreira nos casos, condi-ções e percentuais mínimos previs-tos em lei, tão-somente para as atri-buições de direção, chefia e asses-soramento, mediante o encaminha-mento de projeto à Câmara Munici-pal, no prazo indicado na alínea “e”do pedido (fls. 28).

11) Da utilização de trabalha-dores fornecidos por empresas ter-ceirizadas, na atividade-fim do pri-meiro réu — A contratação de traba-lhadores, através de empresas in-terpostas, para atividade permanen-te do primeiro acionado caracterizaintermediação ilegal de mão-de-obra, incidindo, pois, a regra do art.9º, da CLT, havendo manifesta in-compatibilidade com a Súmula 331,item III, do C. TST.

Deve o Município de Cachoei-ra, conseqüentemente, abster-se deutilizar, em sua atividade-fim, traba-lhadores fornecidos por empresasterceirizadas, sob pena de pagamen-to da multa requerida na alínea “ f ” dopedido definitivo, reversível ao FAT,solidariamente com o segundo réu.

12) Da indenização pleiteadana alínea “h” — Diante dos gravesprejuízos causados ao erário públi-co, em face das contratações irregu-lares, e visando reprimir a prática deatos manifestamente contrários aprincípios constitucionais, fica o se-gundo réu compelido ao pagamentoda indenização reivindicada na alí-nea “h” do pedido definitivo (em fa-vor do FAT), com espeque no § 2º, doart. 37, da CF/88.

CONCLUSÃO

Isto posto, rejeito as prelimina-res suscitadas e julgo a presente açãoPROCEDENTE, EM PARTE, para:

1) declarar:

a) a inconstitucionalidade doAnexo I da Lei Municipal n. 466/93;

b) que os trabalhadores indica-dos pelo Município de Cachoeiracomo estatutários, contratados ante-riormente à Constituição Federal de1988 sem a devida submissão a con-curso público, são empregados pú-blicos não concursados (celetistas);

c) a nulidade dos contratos detrabalho celebrados após 5.10.1988,em desacordo com os incisos II, V eIX do art. 37, da Lei Maior, com efei-tos ex nunc;

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2) condenar:

a) o primeiro acionado:

a.1) a abster-se de utilizar, ematividade permanente, trabalhadoresfornecidos por empresas terceiriza-das e de contratar trabalhadoressem prévia aprovação em concursopúblico, ressalvadas as hipótesesdiscriminadas na alínea “d” do pedi-do definitivo;

a.2) a destinar as funções deconfiança, que serão exercidas ex-clusivamente por servidores ocu-pantes de cargo efetivo, e os cargosem comissão, a serem preenchidospor servidores de carreira nos casos,condições e percentuais mínimosprevistos em lei, tão-somente paraas atribuições de direção, chefia eassessoramento, mediante o enca-minhamento de projeto à CâmaraMunicipal, no prazo indicado na alí-nea “e” do pedido definitivo;

a.3) a pagar os salários de to-dos os seus trabalhadores até oquinto dia útil do mês subseqüenteao trabalhado, nos moldes do art.459, da CLT;

a.4) ao pagamento das multasrequeridas na exordial e deferidas nafundamentação, a serem revertidasem favor do FAT, em caso de des-cumprimento da presente decisão,sem prejuízo dos valores devidos por

força do não atendimento à determi-nação de fls. 162/163;

b) o segundo réu:

b.1) ao pagamento, solidaria-mente, das multas impostas ao pri-meiro acionado;

b.2) ao pagamento da indeni-zação deferida no item 12 da funda-mentação.

A liquidação far-se-á por cálcu-los. As parcelas que integram a con-denação não estão sujeitas ao des-conto previdenciário.

Custas de R$ 1.000,00, inci-dentes sobre o valor arbitrado de R$50.000,00, pelo segundo acionado,estando o primeiro isento do paga-mento de custas, na forma da lei (art.790-A, inciso I, CLT). Intimem-se aspartes e o INSS, e, decorrido o pra-zo de interposição de recurso volun-tário, remetam-se os autos ao E.TRT, em observância ao privilégioprevisto no inciso V, do art. 1º, doDecreto-lei n. 779/69. Transitada emjulgado, oficie-se a DRT e o Minis-tério Público estadual. E, nada maishavendo para constar, eu, NiltonCloves Costa de Santana — Chefedo Departamento de Audiência —,lavrei a presente ata que, depois delida e achada conforme, vai assina-da, na forma da lei.

Humberto Jorge Lima Macha-do, Juiz do Trabalho, titular

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AÇÃO CIVIL PÚBLICA — AQUAVIÁRIOS — NÚMEROMÍNIMO DE TRABALHADORES BRASILEIROS POR

EMBARCAÇÃO — DIREITOS TRABALHISTAS — MEIOAMBIENTE DE TRABALHO (PRT 6ª REGIÃO)

EXMO SR. DR. JUIZ DA VARA DO TRABALHO DE RECIFE/PE

O Ministério Público do Traba-lho, através da Procuradoria Regio-nal do Trabalho da 6ª Região, comsede à Rua 48, n. 600, Espinheiro,Recife, Pernambuco, onde receberáas intimações, pessoalmente e nosautos, conforme dispõe o art. 39, I, e,236, § 2º, ambos do CPC, c/c o art.18, inciso II, alínea “h”, da Lei Comple-mentar n. 75/93, neste ato represen-tado pelo Procurador do Trabalho abai-xo assinado, vem, com fundamentonos arts. 114, 127 e 129, III, todos daCF/88, no art. 6º, inciso VII, alíneas “a”e “d”, c/c art. 83, incisos I e III, ambosda Lei Complementar n. 75/93 e naLei n. 7.347/85, com as alterações in-troduzidas pela Lei n. 8.078/90, pro-por a presente.

ACÃO CIVIL PÚBLICACOM PEDIDO DE ANTECIPAÇÃO

DE TUTELAE LIMINAR CAUTELAR

em face da empresa OceanStar Pescados Ltda., pessoa jurí-

dica de direito privado com sede naAv. Engenheiro Domingos Ferreira,n. 2.238, Edf. Akka, salas 101/102,Boa Viagem, Recife/PE, CEP 50.000-000, inscrita no CNPJ sob o n.05.384.355/0002-26, pelos seguin-tes motivos de fato e direito adiantedescritos:

I. Dos fatos

O Ministério Público do Traba-lho recebeu denúncia, em 20 de ju-lho de 2004, de lavra do Sindicatodos Pescadores Profissionais e Ar-tesanais nos Estados de Pernam-buco e Paraíba, em face da empre-sa Ocean Star Pescados Ltda., a qualestaria arrendando barcos de pescaestrangeiros, com tripulação em suamaioria chinesa (sem respeitar acota de 2/3 de tripulantes brasilei-ros), para realizar a pesca do atum eafins em águas nacionais, utilizan-do-se de poucos trabalhadores bra-sileiros, os quais não estavam rece-bendo condições mínimas de traba-

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lho, laborando ininterruptamente dedomingo a domingo, sem folgas,dormindo poucas horas por dia e ali-mentando-se de forma inadequada,muitas vezes apenas ingerindo ar-roz branco com pé de galinha, comfornecimento de pouca água potávelaos obreiros, sendo os mesmosobrigados a tomar banho com águasalgada.

A atinente denúncia gerou ainstauração do Procedimento Prepa-ratório n. 437/2004 (doc. em anexo),sendo inclusive realizada audiênciana sede da PRT/6ª Região no dia 16de setembro de 2004, onde o Presi-dente do Sindicato denunciante, Sr.Antônio Bezerra de Araújo, ratificouos termos da denúncia.

Posteriormente, o MinistérioPúblico do Trabalho recebeu ofício(OF/DRT/URITPA n. 23/04) de lavrado Ilmo Coordenador da URITPA/DRT/PE (Unidade Regional de Ins-peção do Trabalho Portuário e Aqua-viário da Delegacia Regional do Tra-balho em Pernambuco), Dr. PauloJosé Mendes de Oliveira, solicitan-do a intervenção deste parquet jun-to à Capitania do Porto de Pernam-buco no sentido de não liberar aembarcação pesqueira Chung Kuo287, arrendada à empresa reclama-da, a fim de possibilitar a fiscaliza-ção das condições de segurança,saúde, contratação de estrangeiros,assim como o cumprimento da con-tratação de 2/3 da tripulação de bra-sileiros, tendo em vista a notícia daretirada da referida embarcaçãopela Polícia Federal do pescador,Nicolas Pires Ferreira, por solicita-ção da empresa Ocean Star.

Atinente ofício gerou a instaura-ção de Representação, de n. 725/2004a qual foi apensado o PP n. 437/2004,onde foram aprofundadas as investi-gações e detectadas inúmeras irregu-laridades cometidas pela ré.

Impende destacar que o gover-no federal, objetivando incrementara pesca do atum no mar territorialbrasileiro, fez editar o Decreto n.4.810, de 19 de agosto de 2003, es-tabelecendo normas para operaçãode embarcações pesqueiras naszonas brasileiras de pesca, alto mare por meio de acordos internacio-nais, permitindo que na plataformacontinental e na zona econômica ex-clusiva, as atividades pesqueirasfossem também exercidas por em-barcações estrangeiras arrendadasa empresas nacionais, pelo períodomáximo de 02 anos.

Com esta concessão, objeti-vou o governo brasileiro, nos termosdo art. 4º do Decreto n. 4.810/2003, oaumento da oferta de pescado nomercado interno e geração de divi-sas, aperfeiçoamento de mão-de-obra e geração de empregos no se-tor pesqueiro nacional, ocupaçãoracional e sustentável da zona eco-nômica exclusiva, estímulo à forma-ção de frota nacional capaz de ope-rar em águas profundas e utilizaçãode equipamentos que incorporemmodernas tecnologias, expansão econsolidação de empreendimentospesqueiros, fornecimento de subsí-dios para aprofundamento de conhe-cimentos dos recursos vivos existen-tes na plataforma continental e nazona econômica exclusiva e aprovei-tamento sustentável de recursos pes-queiros em águas internacionais.

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A Secretaria Especial de Aqüi-cultura e Pesca da Presidência daRepública objetivando regulamentaro Decreto n. 4.810/2003, editou a Ins-trução Normativa n. 4, de 8 de outu-bro de 2003, onde regulamentou,minunciosamente, o arrendamentode embarcações estrangeiras depesca por empresa ou cooperativade pesca brasileira.

Baseada na legislação acimamencionada, a empresa reclamada,Ocean Star Pescados Ltda., arrendoucerca de 19 (dezenove) embarca-ções estrangeiras, com bandeira doPanamá e tripulação, em sua maio-ria, chinesa, passando a utilizar es-sas embarcações em águas territo-riais brasileiras para a pesca do atume afins, optando para as suas ope-rações o Porto/Recife/PE.

Ocorre que, durante a investi-gação foram detectadas diversas ir-regularidades cometidas pela em-presa reclamada, dentre as quais:

• descumprimento da cota de 2/3de tripulação brasileira nas em-barcações arrendadas;

• descumprimento da ConvençãoInternacional n. 126, da OIT, quedispõe sobre o alojamento a bordodos navios de pesca;

• não regularização dos contratosde trabalho dos tripulantes es-trangeiros;

• não fornecimento de alimenta-ção adequada e regular aos tri-pulantes;

• não fornecimento de água potávelsuficiente para consumo e banho;

• excesso de jornada de trabalho(cerca de 18 a 20 horas de traba-lho diários);

• falta de condições de higiene esegurança a bordo das embarca-ções pesqueiras;

• desvirtuamento dos objetivosprevistos no Decreto n. 4.810/2003;

• poluição do mar, em função dascaixas de papelão, garrafas plás-ticas, detritos, etc., que são lança-dos ao mar pelas embarcaçõespesqueiras;

Neste contexto, constatados osdiversos ilícitos praticados pela em-presa reclamada, que serão adianteexaustivamente demonstrados, nãorestou outra alternativa ao MinistérioPúblico do Trabalho a não ser pro-por a presente Ação Civil Pública,objetivando que a demandada ajus-te sua conduta à legislação vigente.

II. Desvirtuamento dos objetivos doarrendamento

O arrendamento de embarca-ções estrangeiras é um instrumentoutilizado pelo Estado frente ao fatodo Brasil não possuir frota pesquei-ra adequada para explorar todo opotencial da sua Zona EconômicaExclusiva (ZEE). Assim, Conformedetermina o Decreto n. 4.810, de 19de agosto de 2003, a Secretaria Es-pecial de Aqüicultura e Pesca daPresidência da República, median-te ato normativo, concedeu autoriza-ção de operação e arrendamento deembarcações estrangeiras à empre-sa Ocean Star Pescados Ltda.

Dessa forma, ao submeter-sea processo de licitação para operarem águas jurisdicionais brasileiras,

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a referida empresa obrigou-se, entreoutros benefícios, a propiciar o au-mento da oferta de pescados; aper-feiçoar a mão-de-obra e geração deemprego no setor pesqueiro nacio-nal e sobretudo a satisfazer as prio-ridades e os critérios definidos paraas atividades de pesca na zona eco-nômica exclusiva e na plataformacontinental.

Para tanto, a empresa seguiuo roteiro de pedido de autorizaçãopara arrendamento de embarcaçõesde pesca estrangeiras constante doanexo I, da IN n. 4, de 8 de outubrode 2003, da SEAP — Secretaria Es-pecial de Aqüicultura e Pesca da Pre-sidência da República, obrigando-sea observar, na composição da tripu-lação, a proporcionalidade de brasi-leiros prevista na Consolidação dasLeis do Trabalho; proporcionar aos tri-pulantes brasileiros tratamento ade-quado para o trabalho dos mesmos,como, alimentação, facilidade decomunicação, estabelecendo tam-bém, treinamento para aperfeiçoa-mento da mão-de-obra nacional.

Contudo, o que se verificou foi odesrespeito à proporcionalidade debrasileiros na composição da tripula-ção integrante da frota pesqueira ar-rendada pela Ocean Star PescadosLtda., com a maioria estrangeira, semvínculo empregatício devidamente for-malizado, e até mesmo, sem qualquerproteção legal, contrariando, princípiode direito do trabalho que preceituaque a contratação deverá observar aproteção da legislação do lugar daexecução do trabalho.

Com efeito, o contrato execu-tado em um país, que passa a ter

seqüência em outro, rege-se pelasleis do Estado onde o trabalho estásendo prestado.

A lei brasileira se aplica aosempregados de empresas estran-geiras no Brasil, estatais ou não, ex-cluindo-se os que trabalhem para osserviços diplomáticos.

A propósito, esse é o entendi-mento consusbstanciado no TST, inverbis:

“A relação jurídica é regida pelasleis vigentes no país da presta-ção de serviço e não por aquelasdo local da contratação” (TST —Súmula 207).

“Lei de proteção que regerá a re-lação jurídica de emprego. A leido lugar onde executado o con-trato de trabalho será aplicada porforça do princípio da lex executio-nis” (TST — E-RR 6.641/83, Men-des Cavaleiro. Ac. TP 1.900/87).

“Princípio da lex loci executionis.A relação jurídica trabalhista é re-gida pelas leis vigentes no paísde prestação de serviço e não poraquelas do local de contratação”(TST, RR 1.318/90.0, FranciscoLeocádio, Ac. 2ª Turma 5.789/92).

É flagrante o descumprimentopela reclamada da legislação de pro-teção ao trabalhador nacional e dasobrigações assumidas, desvirtuan-do, dessa forma, os objetivos da au-torização de arrendamento e opera-ção para pesca em águas jurisdicio-nais brasileiras, principalmente pornão promover o treinamento e capa-citação aos únicos tripulantes brasi-leiros das suas embarcações, mas,ao contrário, apenas subutilizando-

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os nas fainas, como deixa claro osrelatórios dos observadores de bor-do das embarcações pesqueirasarrendadas pela demandada, essescontratados por força do disposto noinciso IV, do art. 9º, do Decreto n.4.810, de 19 de agosto de 2003.

Senão, vejamos:

“O emprego de mão-de-obra nasembarcações arrendadas deveser analisado com maior cautela,uma vez que são sistemas ope-racionais diferentes, ligados dire-tamente à cultura e economia decada país. No que diz respeito aotreinamento dos pescadores, foiobservado que os mesmos sãoutilizados apenas para trabalhosbraçais sem muita participaçãonas operações de lançamento erecolhimento, carregando bóiase sacos, bem como iscas. Seguin-do a discussão sobre o uso damão-de-obra brasileira e dos in-teresses e objetivos, pode-se di-zer que os pescadores brasilei-ros não estão sendo capacitadospara operar em uma frota nacio-nal, ou arrendada, uma vez quenão estão sendo treinados. Tal-vez, diante da dinâmica de traba-lho dos pescadores chineses, ospescadores brasileiros acabamservindo de mão-de-obra secun-dária” (Cezar Augusto Freire Fer-nandes, Engenheiro de pesca,observador de bordo, embarcaçãoChung Kuo 222, período 8.6.2004a 9.7.2004).

“Foi observado que durante o‘treinamento dos pescadores’ osmesmos foram utilizados apenaspara trabalhos braçais, sem mui-

ta participação nas operações delançamento e reconhecimento,resumindo suas atividades ape-nas ao transporte das bóias, sa-cos e iscas de reposição. Destaforma, a mão-de-obra brasileiranão atingiu os interesses e obje-tivos propostos pelo programa,pode-se dizer que, os pescadoresbrasileiros não estão sendo capa-citados para operar em uma frotanacional, ou arrendada, uma vezque não estão sendo treinados.Talvez, diante da dinâmica de tra-balho dos pescadores chineses,os pescadores brasileiros aca-bam servindo de mão-de-obrasecundária. Também foi observa-do que houveram algumas tenta-tivas por parte dos pescadoresbrasileiros em participar de ativi-dades que exigissem mais habi-lidade de manuseio durante afaina, porém as mesmas foramnegadas pela tripulação chinesa”(Caio Aguiar Rodrigues Ramos,Oceanógrafo, observador de bor-do, embarcação Chung Kuo 286,período 2.8.2004 a 31.8.2004).

III. Do descumprimento da Convençãon. 126 da OIT

Não obstante a Convenção In-ternacional n. 126 da OIT — Organi-zação Internacional do Trabalho,aprovada pelo Decreto Legislativo n.10/1994 e promulgada pelo Decreton. 2.420/97, estabelecer normas so-bre alojamento a bordo de embarca-ções de pesca, dentre outras, a obri-gatoriedade de instalações sanitáriassuficientes, incluídas pias de lavaras mãos, bem como banheiras ou

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duchas, que devem ser instaladasa bordo para utilização da tripula-ção das embarcações pesqueiras,a obrigatoriedade das embarcaçõesserem dotadas de alojamento paratripulação, mantido em estado delimpeza e em condições de habita-bilidade com iluminação apropriadae tamanhos pré-definidos, pela lei-tura dos relatórios dos observado-res de bordo (docs. em anexo), dorelatório parcial emitido pela DRT/PE,pelas fotos tiradas de uma das em-barcações arrendadas e verificadasin loco pelo parquet que subscrevea presente, percebe-se o total des-cumprimento pela empresa recla-mada das exigências estabelecidasna mencionada convenção, restan-do os trabalhadores submetidos acondições degradantes de trabalho.

IV. Do relatório de fiscalização daDRT/PE

Passamos a transcrever o re-latório preliminar de fiscalização reali-zado pela DRT/PE na embarcaçãoChung Kuo 287, arrendada pelaempresa reclamada, que bem retra-ta a situação enfrentada nas demaisembarcações pesqueiras:

“Em inspeção realizada na em-barcação ‘Chung Kuo 287’ de pro-priedade da Gilontas Ocean Pa-namá S.A., sediada na APDO,1005-018, Vista Alegre, Arraijan,Panamá, República do Panamá,arrendada a Ocean Star Pesca-dos Ltda., possuidora do CNPJ05.384.355/0001-45, com sedena cidade de Belém, Estado doPará, com filial na Av. Engenheiro

Domingos Ferreira, n. 2.238 — 1ºandar, nesta cidade, inscrita noCNPJ sob o n. 05.384.355/0002-26,constatamos as seguintes irre-gularidades:

1. Descumprimento do art. 352,da CLT, em harmonia com o art.354, também da CLT, com o dis-posto no art. 24, do Decreto n. 221/67, com o parágrafo único, do art.9º, do Decreto n. 64.618/69 e § 2º,do art. 9º, do Decreto n. 4.810/2003,ensejando a lavratura do Auto deInfração n. 009544372;

2. Foram ainda, constatadas pe-las Auditoras Joselaine da Con-ceição Batista de Andrade Vale eSoraya Rego Barros da Silveira,irregularidades das normas desegurança e medicina do traba-lho, ensejando a lavratura dosAutos de Infração abaixo relacio-nados:

AUTO

009549099

009549137

009549064

009549072

009549102

EMENTA

1070452

1230565

1291025

1120174

1230484

1

2

3

4

5

3. A empresa não apresentou adocumentação referente ao vasosob pressão na data marcada,11.10.2004, sendo emitido o LaudoTécnico de Interdição n. 182/2004e a Portaria n. 475/2004, posterior-mente, foi emitida a Portaria n. 497de 15 de outubro de 2004, deter-minando a desinterdição dos va-sos sob pressão.

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4. Atendendo o Termo de Notifi-cação n. 40726717/04, a empre-sa apresentou declaração da mé-dica Tereza Valença, cuja espe-cialidade em dermatologia não foicomprovada, com informações dedoença dermatológica apresenta-da em vários trabalhadores daembarcação ‘Chung Kuo 287’.

5. Em razão do disposto no incisoIV, do art. 9º, do Decreto n. 4.810/2003, a embarcação pesqueiradeve manter a bordo acomoda-ções e alimentação para servir atécnico brasileiro ou observador debordo designado pela SecretariaEspecial de Aqüicultura e Pescada Presidência da República.

6. Assim foram indicados pelaSEAP para a embarcação ‘ChungKuo 287’ os observadores debordo: Elpidio Farias de Azevedo,Danilo de Souza Almeida, JúlioCésar Ramos Júnior e IsmaelRufino dos Santos Filho, que du-rante aproximadamente trinta diasem alto mar, foram obrigados autilizar acomodações inadequa-das e em desacordo com a Con-venção n. 126 da OIT, como podeser observado na foto abaixo:

7. A tripulação estrangeira nãopossui contrato de trabalho e jun-tamente com a tripulação brasi-leira é submetida a condiçõesprecárias de trabalho, porquanto,não dispõem de água potável su-ficiente para beber e para o banho;não são disponibilizados banhei-ros; a alimentação dos brasileirosé inadequada; as acomodaçõesnão estão em consonância com

as exigências da Convenção n. 126da OIT, como demonstrado noregistro fotográfico anexo.

8. A composição da tripulação nãoatende a composição mínima desegurança e o marítimo encarre-gado da seção de máquina é alo-jado dentro dessa seção, subme-tido a intenso ruído durante toda aviagem, conforme as fotos anexas.

9. Pode-se concluir que a tripula-ção da embarcação ‘Chung Kuo287’ é submetida a precárias con-dições de trabalho e alojamento,tornando a vida a bordo insuportá-vel a qualquer ser humano e emrazão das deficiências constata-das pela fiscalização resulta imi-nente o perigo à segurança, à saú-de e à vida dos tripulantes.

10. Assim para que se garantaum trabalho digno aos tripulantesda embarcação ‘Chung Kuo 287’,é necessário que a empresa ar-rendatária elimine os riscos paraproteção da saúde e segurança eassegure o bem-estar da tripula-ção do ‘Chung Kuo 287’, devendoa mesma ser provida de víveresadequados à tripulação brasilei-ra e água potável, levando emconta o número de tripulantes, aduração e natureza da viagem.Devendo, ainda, seu abasteci-mento ser adequado quanto àquantidade, valor nutritivo, quali-dade e variedade.”

IV. Das condições degradantes relatadas

As provas dos autos demons-tram de maneira irrefutável que os

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trabalhadores tripulantes das em-barcações arrendadas pela empre-sa Ocean Star Pescados Ltda. estãosendo submetidos a trabalho emcondições degradantes.

Observe-se, por exemplo, odepoimento prestado pelo trabalha-dor, Sr. Cláudio Ananias de Souza,perante a PRT/6ª Região, no dia22.10.2004:

“... a rotina do depoente era a se-guinte: aproximadamente às 06hacordava e já iniciava o trabalhode colocação do espinhel (anzol)na água, sendo que aproximada-mente às 08h tomava o café damanhã, que consistia em ummacarrão miojo temperado compimenta, óleo e vinagre. Depois,continuava jogando espinhel atéàs 12h, aproximadamente às12:30h almoçava, sendo que mui-tas vezes comeu arroz com pé,pescoço ou cabeça de galinha,raramente consumindo frutas.Das 13h às 16:30h dormia, sen-do que às 17h começava o traba-lho de retirada do espinhel daágua, trabalho este que se esten-dia até ás 05h da manhã do diaseguinte, só parando aproxima-damente 05 minutos para jantar,sendo que muitas vezes dobrouo serviço; recebia 6 litros de águamineral para toda a viagem; parao banho recebia uma caneca pe-quena de água, para lavar todo ocorpo; a cama onde dormia tinhaaproximadamente 50 cm de lar-gura por 1.70 m de comprimento;perdeu 5 kg durante a viagem; eracomum o capitão agredir os tripu-lantes estrangeiros; era comumsacrificar animais, como arraias

e tartarugas, apenas para libe-rar o anzol; no barco não haviaqualquer medicamento; as con-dições a bordo eram péssimas,não pretendendo o depoentemais trabalhar nesta atividade;não há qualquer condição de hi-giene no preparo da alimentação,principalmente pelo fato da cozi-nha ser perto do banheiro e dosalimentos serem preparados nochão; após o retorno teria apenasum dia de folga, devendo retornar,após para novo embarque.”

Os relatórios redigidos pelosobservadores de bordo também re-velam um absurdo tratamento dis-pensado aos trabalhadores.

Senão, vejamos:

“Uma questão importante foi aocorrência de abuso de poder eviolência por parte do capitão paracom os tripulantes estrangeiros,especialmente o cozinheiro queera agredido sem motivo aparen-te ou justificável, por três vezes elefoi alvo deste excesso. Houve ocaso de um dos pescadores teracidentado-se durante a faina derecolhimento do espinhel, cortan-do a cabeça e, ainda assim, nãoparou de trabalhar. O ferimentoexigia cuidados pois sangravamuito, que não foi o suficiente paraque o capitão prestasse um auxí-lio mínimo de deixá-lo descansaraté a próxima atividade” (Emer-son Correia Marques, Observadorde bordo, embarcação ChungKuo 283, período de 25.8.2004 a27.9.2004).

“... Ocorreram alguns problemasa bordo com os pescadores bra-

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sileiros, que segundo eles, esta-vam exaustos e famintos em vis-ta as condições de trabalho ofe-recidas, com elevada carga horá-ria, alimentação inadequada epoucas horas de sono” (CarlosAndré Bezerra Alves — Observa-dor de bordo, embarcação ChungKuo 212, período 10.7.2004 a6.8.2004).

“... Não sabendo o motivo, umavez que a cozinha apresenta umatorneira e uma pia, o cozinheiroda embarcação tornava a lavar aspanelas com uma mangueira queficava dentro do vaso sanitáriopara aumentar a pressão, alter-nando a mesma entre o banheiroe a cozinha.

A água para o banho e escovardos dentes, não era de boa quali-dade, e observou-se que a mes-ma era proveniente do desgelo domotor, e era possível sentir o gostodo óleo na boca durante o esco-var dos dentes. Deixando claroque não havia banho de águadoce, o que é aceitável para umaembarcação de pesca.

... A embarcação não dispõe debarris para acondicionamentodos combustíveis, e todo o combus-tível é colocado nas urnas da em-barcação. Apenas, fazia-se uma re-posição do mesmo com umamangueira e uma bomba hidráu-lica. Em seguida, esvaziada aurna, então se deixava uma man-gueira jorrando água salgada naurna para retirar os resíduos decombustível. Não se lavava a urnaadequadamente, e percebeu-se

que mesmo durante o processode acondicionamento do pesca-do, esta água ainda possuía resí-duos de óleo diesel. Isto sem dú-vidas pode ocasionar problemasà qualidade final do produto, nes-te caso o pescado.

... Outra irregularidade de condutana navegação era durante a ope-ração de recolhimento, que sedava com rumo Sul, onde o capi-tão da embarcação, exausto dafaina de pesca, e com pressa paraum próximo lançamento, coloca-va a embarcação de frente comas ondas a uma velocidade de 6a 7 nós, com mar de força 7 naescala Beulford, onde então aembarcação entrava de proa nasondas, provocando fortes respin-gos que causaram alguns aci-dentes a bordo” (Cezar AugustoFreire Fernandes — Observadorde bordo, embarcação ChungKuo 222, período de 8.6.2004 a9.7.2004).

“... As condições de higiene sãomínimas, a comida é preparadadiretamente sobre o convés daembarcação. Vale ressaltar quenem ao observador e aos pesca-dores brasileiros foram permiti-das as utilizações da cozinhasob a alegação de que o fogão éperigoso devido ao uso de óleodiesel.

No entanto, o grande problemacom relação à alimentação é aquestão do intervalo de horasentre cada refeição, entre 8 e 12horas.

... Todos tomam banho com águasalgada, além de não haver local

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próprio para banho o qual é feitona proa da embarcação, ondesão realizadas pelos pescado-res chineses brincadeiras incon-venientes e de caractere homos-sexual para a cultura brasileira.Além de acidentes como escor-regões e quedas devido o con-vés ser escorregadio e ao balan-ço da embarcação. O capitão e oobservador de bordo, depois dobanho com água salgada se en-xágua com água doce utilizadatambém para escovar os dentes,água esta proveniente do desge-lo do motor” (Celso Ricardo doNascimento — Observador debordo, embarcação Chung Kuo222, período de 15.7.2004 a19.8.2004).

“... Quando o dia era de pesca-ria serviam-se apenas duas re-feições uma de manhã cedo, eoutra no início da noite, segui-da por um lanche de madrugada(em geral macarrão instantâ-neo), não havia almoço devidoao fato de que o cozinheiro tam-bém participa das fainas de pes-ca e após o lançamento do es-pinhel todos repousam até ahora do recolhimento, que se dáno final da tarde.

... A falta de higiene é absoluta portodos os chineses, inclusive pelocozinheiro que não tem o menorcuidado com o alimento, e foi vis-to diversas vezes cozinhando nue manuseando a comida com amão.

... O navio Chung Kuo n. 86 embo-ra maior que os demais, não ofe-

rece condições para que o obser-vador de bordo seja instalado nacabine do comandante, logo o ob-servador tem de se alojar juntoaos pescadores chineses, fatodificultado por não haver ar-condi-cionado que se encontrava que-brado e todas as noites e tardesdormidas tornaram-se enorme-mente quentes, já o convívio comos pescadores chineses não éum dos mais agradáveis e pelofato de estar misturado a eleshouveram momentos conturbadosonde os brasileiros eram impor-tunados pela visualização de ce-nas de homossexualismo entreos chineses.

... No dia 28 de agosto às 02:00horas da manhã ocorreu um de-sentendimento entre dois pesca-dores chineses, um estava evis-cerando um agulhão negro e ooutro estava puxando um atumpara dentro do barco, que deixouque o peixe batesse na pernado que estava com a faca, esteficou zangado e deu uma cuteladacom a faca, acima da cintura dooutro, em seguida os dois quise-ram se confrontar novamente, masforam segurados pelos demais.

Faltava apenas um dia para o tér-mino dos trabalhos de pesca eseria iniciada viagem de volta parao Brasil, o Capitão comunicou-meque estaríamos voltando imedia-tamente, porém quando acordeide manhã e o capitão tiveramandado que se jogasse nova-mente o espinhel. Verifiquei que opescador acidentado estava per-dendo muito sangue e que não es-tava em condições de andar, a bor-

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do não recebeu bons cuidadosmédicos, pois nem ao menoshavia uma vacina anti-tetânica nobarco, o curativo restringiu-se ape-nas a não deixar que o sanguemolhasse a cama em que estavadeitado, pois o corte continuousangrando por mais dois dias,até a chegada no porto de Recife”(Caio Aguiar Rodrigues Ramos,Observador de bordo, embarcaçãoChung Kuo 86, período 2.8.2004a 31.8.2004).

“... Os pescadores brasileirostambém enfrentaram dificulda-des com a alimentação, muitasvezes trabalhavam sem terem sealimentado, caindo desta formao rendimento durante as fainas.

Um fato que também causava umcerto constrangimento aos tripu-lantes brasileiros, fora que mui-tas vezes o cozinheiro preparavaa alimentação próxima do banhei-ro, causando assim um certo re-púdio durante a ingestão” (Dani-lo Almeida, Observador de bordo,embarcação Chung Kuo 287, pe-ríodo 29.5.2004 a 30.7.2004).

Não resta balda de dúvidas deque os trabalhadores estão sendosubmetidos a um tratamento degra-dante, humilhante, que atenta contraa própria dignidade da pessoa hu-mana.

VII. Da obrigatoriedade da contrataçãode 2/3 de tripulação brasileira nas em-barcações de pesca

O art. 354 da CLT estabelece aobrigatoriedade da contratação pro-

porcional de 2/3 de brasileiros paraexercer atividades nas empresas in-dividuais ou coletivas, incluídas asindústrias pesqueiras.

Por sua vez, o art. 24, do De-creto-lei n. 221/1967, que, na com-posição da tripulação das embar-cações de pesca será observada aproporcionalidade de estrangeirosprevista na CLT.

No mesmo sentido, o pará-grafo único, do art. 9º do Decreton. 64.618/69 estabelece que nacomposição da tripulação pesquei-ra das embarcações será obser-vada a proporcionalidade de es-trangeiros prevista nos arts. 352 e358 da CLT.

Igualmente, o § 2º do art. 9º doDecreto n. 4.810/2003 fixa que a tri-pulação da embarcação pesqueiraestrangeira arrendada deverá sercomposta com a proporcionalidadede brasileiros prevista na legislaçãoem vigor.

Por último, o art. 3º, da Reso-lução Normativa n. 59/2004, doConselho Nacional de Imigraçãodo Ministério do Trabalho e Emprego,estabelece que a empresa arren-datária deverá admitir tripulantesbrasileiros para as embarcaçõesarrendadas, na proporção de 2/3 datripulação, nos diversos níveis téc-nicos e de atividade.

Apesar da clareza da legisla-ção acima mencionada, a empresareclamada, ao arrepio da lei, não vemrespeitando a proporcionalidade de2/3 de tripulação brasileira nas ope-rações atinentes às embarcaçõespesqueiras arrendadas.

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VIII. Inexistência de contrato detrabalho da tripulaçãoestrangeira

Conforme já explicitado, aempresa reclamada não só vemdesrespeitando a proporcionalidadede brasileiros na composição datripulação integrante da frota pes-queira arrendada como mantém aseu serviço tripulação estrangeira,sem vínculo empregatício devida-mente formalizado, e até mesmosem qualquer proteção legal, con-trariando o princípio de direito dotrabalho que preceitua que a con-tratação deverá observar a proteçãoda legislação do lugar da execuçãodo trabalho.

Nesse contexto, temos que ademandada contraria, inclusive, a nor-ma consolidada e os termos da Re-solução Normativa n. 59/2004, do Con-selho Nacional de Imigração do Mi-nistério do Trabalho e Emprego, es-pecificamente, o art. 2º, inciso IV, queestabelece a obrigatoriedade de apre-sentação de contrato individual de tra-balho celebrado entre o tripulante es-trangeiro e a empresa arrendatáriapelo prazo máximo de 2 anos paraobtenção de visto temporário a fim deobter autorização para o trabalho emterritório nacional.

IX. Da legitimidade do MPT

A Constituição da RepúblicaFederativa do Brasil em seu art. 127elegeu o Ministério Público comodefensor da ordem jurídica, do regi-me democrático e dos interessessociais e individuais indisponíveis.

Por outro lado, o art. 129, III, daLei fundamental, assim estabelece:

“Art. 129. São funções institucio-nais do Ministério Público:

III — promover o inquérito civil ea ação civil pública para a pro-teção do patrimônio público esocial, do meio ambiente e deoutros interesses difusos e co-letivos.”

Nessa esteira, a Lei Comple-mentar n. 75, de 20 de maio de 1993,que dispõe sobre a organização, asatribuições e o estatuto do Ministé-rio Público da União, em seus arts.6º, VII, “a” e “d”, e 83, III, preconiza:

“Art. 6º Compete ao Ministério Pú-blico da União:

...................... omissis .....................;

VII — promover o inquérito civil e aação civil pública para:

a) a proteção dos direitos consti-tucionais;

...................... omissis .....................;

d) outros interesses individuaisindisponíveis, homogêneos, so-ciais, difusos e coletivos;

Art. 83. Compete ao Ministério Pú-blico do Trabalho o exercício dasseguintes atribuições junto aosórgãos da Justiça do Trabalho

.................... omissis .......................;

III — promover a ação civil públicano âmbito da Justiça do Trabalho,para a defesa de interesses cole-tivos, quando desrespeitados osdireitos sociais constitucional-mente garantidos;”

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Por fim, o art. 5º da Lei n. 7.347/85, que disciplina a Ação Civil Públi-ca, dispõe que:

“Art. 5º A ação principal e a caute-lar poderão ser propostas peloMinistério Público, pela União,pelos Estados e Municípios.”

Desse modo, o Ministério Pú-blico do Trabalho possui legitimi-dade para defender, na hipótese,tanto o interesse individual homo-gêneo dos trabalhadores quanto ointeresse difuso ou coletivo, emface dos dispositivos constitucio-nais e normas previstas no orde-namento jurídico pátrio, os quaisestão sendo violados sistematica-mente pelo réu.

O Mestre Ives Gandra da SilvaMartins, sobre o tema, assim leciona:

“... sempre que determinado pro-cedimento patronal, por seu cará-ter genérico, atente contra direi-tos trabalhistas, haverá campopara utilização da ação civil pú-blica pelo Ministério Público doTrabalho, em vez de se permitir amultiplicação de ações individuais,daqueles que se viram lesadospelos procedimentos menciona-dos, abarrotando a já assoberba-da Justiça do Trabalho.”

A Jurisprudência também vemse firmando nesse sentido, valendotranscrever o pronunciamento doExcelso Supremo Tribunal Federal,in verbis:

“Ementa. Recurso Extraordinário.Constitucional. Legitimidade doMinistério Público para promoverAção Civil Pública em defesa dos

interesses difusos, coletivos ehomogêneos. Mensalidades es-colares, capacidade postulatóriado parquet para discuti-las emjuízo.

......................... omissis ..................;

Quer se afirme na espécie inte-resses coletivos ou particular-mente interesses homogêneos,stricto sensu, ambos estão nitida-mente cingidos a uma mesmarelação jurídica-base e nascidosde uma mesma origem, sendocoletivos, explicitamente dizendo,porque incluem grupos, que con-quanto atinjam as pessoas iso-ladamente, não se classificamcomo direi tos indiv iduais nosentido do alcance da ação civilpública, posto que sua concep-ção finalística destina-se à pro-teção do grupo. Não está, comovisto, defendendo o MinistérioPúblico subjetivamente o indiví-duo como tal, mas sim a pes-soa enquanto integrante dessegrupo. Vejo, dessa forma, queme permita o acórdão impugna-do, gritante equívoco ao recusara legitimidade do postulante,porque estaria a defender inte-resses fora da ação definidorade sua competência. No caso,agiu o parquet em defesa do gru-po, tal como definido no CódigoNacional do Consumidor (art. 81,incisos II e III e pela Lei Orgâni-ca Nacional do Ministério Público(Lei n. 8.625, de 12 de fevereirode 1993), cujo art. 25, inciso IV,letra a, o autoriza como titular daação, dentre muitos, para a pro-teção de outros interesses difu-

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sos, coletivos e individuais in-disponíveis e homogêneos.

........................... omissis ................;

Tem-se que não é o MinistérioPúblico que invade a atuação dareserva da clientela dos advoga-dos, senão a natureza do bemprotegido que o exige, e que sealça ao patamar daqueles impug-náveis por via de ação direta, porcertos entes, e com muito maisrazão o Ministério Público, nestecaso concreto investido de capa-cidade postulatória para a açãocivil pública, quando o bem quevisa a resguardar se insere na ór-bita dos interesses coletivos, emseguimento de extrema delicade-za e de conteúdo social tal que,acima de tudo, recomenda o abri-go estatal.

Assim, conheço do recurso extra-ordinário interposto e lhe dou pro-vimento para, afastada a alegadailegitimidade do Ministério Públi-co, com vista à defesa dos inte-resses de uma coletividade, de-terminar a remessa dos autos aoTribunal de origem, para prosse-guir no julgamento da ação” (Re-curso Extraordinário n. 163.231-3, São Paulo. Recorrente: Minis-tério Público do Estado de SãoPaulo. Recorrida: Associação No-tre Dame de Educação e Cultura.Publicada no DJU n. 43, seção 1,de 5.3.1997, p. 4.930).

No mesmo sentido, o EgrégioTribunal Superior do Trabalho, ma-nifestou-se reconhecendo a legitimi-dade do Ministério Público, in verbis:

“Ação Civil Pública — Legitimida-de Ativa — Recurso Especial. Ação

Civil Pública — Legitimidade ati-va do Ministério Público. Danoscausados aos trabalhadores nasminas de Morro Velho. Interessesocial relevante. Direitos Indivi-duais Homogêneos.

1. O Ministério Público tem legiti-midade ativa para ajuizar ação ci-vil pública em defesa de direitosindividuais homogêneos, desdeque esteja configurado interessesocial relevante.

2. A situação dos trabalhadoressubmetidos a condições insalu-bres, acarretando danos à saú-de, configura direito individual ho-mogêneo revestido de interessesocial relevante a justificar o ajui-zamento da ação civil pública peloMinistério Público.

3. Recurso Especial conhecido eprovido” (Acórdão TST, n. RE/58.682-MG-3ª Turma, Relator Min.Carlos Alberto Menezes, DJ16.12.1996).

Assim sendo, não resta baldade dúvidas que o Ministério Públicodo Trabalho possui legitimidade adcausam para propor a presente AçãoCivil Pública, tendo como objeto adefesa da ordem pública protetorados interesses coletivos de trabalha-dores, vez que estão sendo des-respeitados direitos sociais consti-tucionalmente garantidos aos obrei-ros, revestidos de interesse socialrelevante a justificar o ajuizamentoda presente ação.

X. Do cabimento

A Ação Civil Pública, instituídapela Lei n. 7.347/85, ampliou consi-

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deravelmente seu campo de atuaçãocom a promulgação da Constituiçãoda República de 1988, uma vez queagora pode ser proposta para prote-ger qualquer interesse difuso ou co-letivo. Senão vejamos:

“CRFB/88 — Art. 129 — São fun-ções institucionais do MinistérioPúblico:

.................... omissis .......................;

III — promover o inquérito civil e aação civil pública, para a proteçãodo patrimônio público e social, domeio ambiente e de outros inte-resses difusos e coletivos”.

Nesse novo contexto, assimpreconiza o art. 1º, inciso IV da Lei n.7.347/85:

“Art. 1º Regem-se pelas disposi-ções desta Lei, sem prejuízo daAção Popular, as ações de respon-sabilidade por danos causados:

IV — a qualquer outro interessedifuso ou coletivo; (acrescentadopela Lei n. 8.078/90)”.

Vale ressaltar que a Lei n.8.078/90 (Código de Defesa do Con-sumidor) criou os chamados direi-tos individuais homogêneos (art. 81,III), assim entendidos os decorren-tes de origem comum, sendo tam-bém cabível a Ação Civil Pública ob-jetivando proteger tais direitos.

Com efeito, a Ação Civil Públi-ca visa a instrumentalizar a defesaem juízo dos direitos e interessesdifusos, coletivos e individuais homo-gêneos, competindo ao MinistérioPúblico do Trabalho pugnar pela tu-tela jurisdicional quando o direito

material violado situa-se no âmbitodas relações laborais.

Frise-se que todos os funda-mentos legais e a jurisprudênciamencionados que legitimam a atua-ção deste órgão Ministerial, tambémservem de fundamento para justifi-car o cabimento da presente ação.

A medida ora aforada é im-prescindível, pois houve, como estáhavendo, efetiva violação a preceitosconstitucionais, legais e consolida-dos, e sua tutela contribui, de umlado, para o alívio da sobrecarga ju-diciária trabalhista e de outro paraoutorgar ao jurisdicionado a segu-rança de que situações análogasreceberão tratamento jurídico unifor-me, evitando-se decisões contradi-tórias, assegurando-se plena distri-buição de justiça e otimizando-se,assim, os recursos postos à dispo-sição do aplicador do direito parapromover célere prestação jurisdicio-nal, extirpando-se a lide do seio dacomunhão social.

XI. Da competência hierárquica

A competência da Justiça dotrabalho para conhecer e julgar a pre-sente ação decorre, naturalmente,dos disposto no art. 114 da Consti-tuição da República e de toda a le-gislação supra exposta.

Versa a demanda sobre direi-tos trabalhistas, fundados na Cons-tituição e na legislação infra-consti-tucional, e que decorrem da relaçãotrabalhador/empregador, competin-do, portanto, à Justiça do Trabalhodirimi-la (art. 114 da CRFB/88 c/c art.83, III, da LC n. 75/93).

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No tocante à competência hie-rárquica, trata-se de matéria já su-perada em doutrina e jurisprudência,conferindo à Vara do Trabalho, par-cela de jurisdição suficiente para ins-trução e julgamento do feito, por for-ça do disposto no art. 2º da Lei n.7.347/85, que assim dispõe:

“Art. 2º As ações previstas nestaLei serão propostas no foro dolocal onde ocorrer o dano, cujojuízo terá competência funcionalpara processar e julgar a causa.”

O Egrégio Tribunal Superior doTrabalho também já se pronunciousobre o tema, in verbis:

“A Ação Civil Pública é de nature-za ordinária e individual, pois en-volve a aplicação da legislaçãoexistente, o que implica dizer que,como qualquer Ação Ordinária, oórgão competente para apreciá-la orginariamente é, em virtude docritério da hierarquia, a Junta deConciliação e Julgamento (atualVara do Trabalho)” (TST, SBDI-II,Proc. ACP-154.931/94, julgadounânime em 24.9.1996; Rel. MinRonaldo Leal; in Revista Gene-sesis, n. 47, nov./96, Curitiba, pp.663/669).

Em última análise, no caso emexame, resta cristalina a competên-cia da Vara de Trabalho de Recife/PEpara processar e julgar a presenteação, uma vez que o dano causadoaos trabalhadores vem ocorrendo noRecife/PE, onde a empresa tem sedee opera as embarcações arrenda-das, dano este oriundo de conflitoadvindo da relação de trabalho exis-tente entre as partes, em especial

pelo descumprimento por parte doréu de direitos assegurados pelaConstituição da República e normasinfra-constitucionais.

XII — Do dano moral coletivo

A violação de princípios e nor-mas trabalhistas pela empresa re-clamada produziu, além de danospatrimoniais de natureza individual,dano moral na coletividade de em-pregados da empresa e na socieda-de, que reclama reparação em dimen-são difusa e coletiva, com indeni-zação revertida ao Fundo de Ampa-ro ao Trabalhador.

A possibilidade de condena-ção em danos morais coletivos en-contra-se em consonância com omovimento mais recente do Direito,no sentido de sua coletivização ousocialização. Trata-se de uma novaconcepção do fenômeno jurídico ede seu alcance, oposto à visão indi-vidualista até então prevalecente, fru-to de uma concepção liberal do Es-tado e de suas relações com os in-divíduos. Assim, vemos a Constitui-ção da República consagrando acoletivização dos direitos ao preverinstrumentos como o mandado desegurança coletivo, a ação popular,etc., e o surgimento de diplomascomo o Código de Defesa do Con-sumidor.

É dentro deste contexto quesurge a noção de dano moral coleti-vo. Até então, todas as considera-ções sobre o dano moral referiam-se ao indivíduo. Contudo, é de inda-gar-se: Se o indivíduo pode padecer

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um dano moral, por que a coletivida-de não o pode?

“... o dano moral coletivo é a injus-ta lesão da esfera moral de umadada comunidade, ou seja, é aviolação antijurídica de um deter-minado círculo de valores coleti-vos. Quando se fala em danomoral coletivo, está-se fazendomenção ao fato de que o patri-mônio valorativo de uma certacomunidade (maior ou menor),idealmente considerada, foiagredido de uma maneira abso-lutamente injustificável do pon-to de vista jurídico... Como se dána seara do dano moral indivi-dual, aqui também não há quese cogitar de prova de culpa,devendo-se responsabilizar oagente pelo simples fato da vio-lação...” (Carlos Alberto Bittar Fi-lho, “Do Dano Moral Coletivo noAtual Contexto Jurídico Brasilei-ro”, in Revista Direito do Consu-midor, n. 12, out./dez. 1994).

O autor aponta, ainda, a neces-sidade de fortalecimento, no direitobrasileiro, do espírito coletivo, afir-mando que a ação civil pública, nes-te particular, atua como “poderosoinstrumento de superação do indivi-dualismo (...)”.

O dano moral coletivo, portan-to, desponta como sendo a violaçãoem dimensão transindividual dosdireitos da personalidade. Se o par-ticular sofre uma dor psíquica oupassa por uma situação vexatória, acoletividade, vítima de dano moral,sofre de desapreço, descrença emrelação ao poder público e à ordem

jurídica. Padece a coletividade de in-tranqüilidade, insegurança.

Assim, acompanhando umavisão mais social do direito, a doutri-na e a jurisprudência já se demons-tram sensíveis à questão do danomoral coletivo, como demonstra o tre-cho de acórdão abaixo transcrito:

“EMENTA — DANO MORAL. MI-NISTÉRIO PÚBLICO DO TRABA-LHO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA.

O senso comum indica má-fé eintenção de obter vantagem ilícitaàs custas de quem lhe prestouserviços, quando flagrados empoder da empresa-ré documen-tos assinados em branco, entreeles recibos de salário mensal etermos de rescisão contratual,restando caracterizado o danomoral, difuso ou coletivo, a que serefere a Lei n. 7.346/85.

(...) Os documentos em brancoestão juntados às fls. 25/50. Háentre eles recibos de salário men-sal e termos de rescisão. É ne-cessário ressaltar que as únicasempregadas a propor ação traba-lhista contra a recorrida foram Te-rezinha Aparecida Damaceno (do-cumentos de fl. 78 e seguintes) eClaudete Pires da Silva (documen-tos de fl. 82 e seguintes). Ambasas empregadas tiveram seuscontratos extintos ainda antes daautuação do MTb, que resultou nadescoberta dos documentos as-sinados em branco. Dentre osdocumentos assinados em bran-co não havia nenhum com assi-naturas das empregadas queajuizaram as reclamações traba-lhistas, o que me leva a pensar

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que o assunto não foi ventiladonas referidas ações porque a re-provada prática ainda não haviase desencadeado. Não é difícilchegar à conclusão de que a re-corrida resolveu recolher documen-tos assinados em branco só apóso ajuizamento das ações trabalhis-tas acima referidas, justamentepara evitar futuras contendas, oumelhor, nelas se defender.

Penso, pois, que o ato praticadopela recorrida não decorreu daingenuidade de um administradorde pessoal ou do inocente propó-sito do empregador organizar-semelhor. O senso comum está aindicar má-fé e intenção de obtervantagem ilícita às custas dequem lhe prestou serviços. Seassim não fosse, por que os ter-mos de rescisão de contrato as-sinados em branco?

O dano moral, difuso ou coletivo,a que se refere a Lei n. 7.347/85,está perfeitamente caracterizadonos presentes autos, sendo per-feitamente aplicável a referidanorma, o que impõe o acolhimentodo pedido de aplicação da multasugerida pelo Ministério Públicodo Trabalho.

(...)

Acordam os Juízes da 1ª Turmado Tribunal Regional do Traba-lho da 12ª Região, por unanimi-dade de votos, conhecer do re-curso. No mérito, por maioria devotos, vencidos os Exmos. JuizRevisor e Roberto Luiz Gugliel-metto, dar-lhe provimento paraacrescer à condenação o paga-mento de indenização, reversível

ao Fundo de Amparo ao Trabalha-dor, equivalente a 3.000,00 (trêsmil) UFIRs” (TRT — SC — RO 931/98 — Relator Juiz Gilmar Cava-lheri — julgado em 22.9.1998).

A decisão acima espelha aevolução da teoria do dano moral. Senas ações individuais a indenizaçãopor danos morais atendia a duplafunção: caráter compensatório comrelação à vítima e caráter punitivocom relação ao ofensor; no danomoral coletivo, exsurge mais um as-pecto, qual seja, a função preventi-vo-pedagógica.

Nesse sentido, o dever do réuindenizar o dano moral coletivo terá,além da função reparadora, a funçãoeducadora.

Conforme João Carlos Teixei-ra, em seu trabalho “Dano Moral Co-letivo na Relação de Emprego”, semgrifos no original: “Nota-se, pois, quea doutrina e a jurisprudência vêmevoluindo na aplicação da teoria daresponsabilidade civil em matériade dano moral, especialmente emações coletivas, em que a repara-ção, com caráter preventivo-peda-gógico e punitivo, é devida pelosimples fato da efetiva violação deinteresses metaindividuais social-mente relevantes e juridicamenteprotegidos, como é o caso de servi-ço de transporte coletivo, de granderelevância pública, eis que explora-do por empresa privada, mediantecontrato de concessão, pelo qualestá obrigada a prestar um serviçosatisfatório e com segurança, o quenão foi cumprido pela empresa. Talatitude negligente causou transtor-no e tumulto para o público usuário,

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configurando o dano moral coletivopuro, perceptível pelo senso comum,porque diz respeito à natureza huma-na, dispensando-se a prova (dam-nun in re ipsa). Repara-se o danomoral coletivo puro, independente-mente de caracterização efetiva, emnível individual, de dano material oumoral. O conceito do valor coletivo,da moral coletiva é independente,autônomo, e, portanto, se desatrelada moral individual”.

Da mesma forma ocorreu nahipótese dos autos, em que a recla-mada, solenemente, desprezou alegislação social, descumprindo osmínimos direitos trabalhistas, aten-tando contra a dignidade da pessoahumana, expondo os obreiros a tra-balho em condições degradantes,trazendo desconforto à sociedade emerecendo o repúdio desta pelaafronta aos dispositivos constitucio-nais e legais de cunho social.

Não se alegue a incompetênciada Justiça do Trabalho para apreciarpedido de dano moral, questão jápacificada no Supremo Tribunal Fe-deral, que se manifestou no sentidode que “compete à Justiça do Traba-lho o julgamento de ação por indeni-zação, por danos materiais e morais,movida pelo empregado contra seuempregador, fundado em ato de-corrente da relação de trabalho (CF,art. 114), nada importando que o dis-sídio venha a ser resolvido com basenas normas de Direito Civil” (STF-CJ-6959-6-DF, Min. Sepúlveda Per-tence, RTJ 134/96).

Se a lesão é intentada contra apessoa, o indivíduo, nesta qualida-de, a competência para apreciação

do pedido de dano moral é, inques-tionavelmente, da Justiça Comum.Entretanto, se o dano é praticadocontra a pessoa, enquanto empre-gado, sendo, portanto, decorrente docontrato de trabalho, a competênciaé da Justiça Especializada.

No dizer de Jorge PinheiroCastelo:

“O Direito Civil e a Justiça Comumnão têm condições de apreciar odano moral trabalhista, visto queinadequados a dar conta e com-preender a estrutura da relaçãojurídica trabalhista, bem como umdano moral que é agravado peloestado de subordinação de umadas partes, já que estruturados naconcepção da igualdade das par-tes na relação jurídica. O danomoral trabalhista tem como carac-terística uma situação que o dis-tingue absolutamente do danomoral civil, e que inclusive o agra-va, qual seja, uma das partes en-contra-se em estado de subordi-nação” (“Dano Moral Trabalhista.Competência” in Trabalho & Dou-trina, n. 10, 1996, p. 39).

Revela-se a ação civil públicao meio adequado para buscar-se areparação desses danos causadosà coletividade. Com efeito, estabele-ce o art. 129, inciso III, da Constitui-ção Federal, que dentre as funçõesdo Ministério Público está a de: “pro-mover o inquérito civil e a ação civilpública, para a proteção do patrimô-nio público e social, do meio ambien-te e de outros interesses difusos ecoletivos” (grifamos).

Nesse mister, esclarece HugoNigro Mazzilli que, com a edição do

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Código de Defesa do Consumidor,ampliou-se o campo de abrangên-cia da Lei n. 7.347/85, pois “seusarts. 83, 110 e 117 permitiram, àsexpressas, a defesa de qualqueroutro interesse difuso ou coletivo, pormeio da ação civil pública”.

E acrescenta o autor:

“Atualmente inexiste, portanto,sistema de taxatividade para adefesa de interesses difusos ecoletivos. Além das hipóteses jáexpressamente previstas em leipara tutela judicial desses inte-resses (defesa do meio ambien-te, do consumidor, do patrimôniocultural, das crianças e adoles-centes, das pessoas portadorasde deficiência, dos investidoreslesados no mercado de valoresmobiliários, de interesses liga-dos à defesa da ordem econômi-ca) — qualquer outro interessedifuso ou coletivo pode ser de-fendido em juízo, seja pelo Minis-tério Público, seja pelos demaislegitimados do art. 5º da Lei n.7.347/85 e do art. 82 do Códigodo Consumidor” (grifamos).

Portanto, com a presente aação, busca-se a condenação emobrigação de fazer e de não fazer,bem como o pagamento pela ré deindenização pelo dano genérico, pre-vista no art. 13 da Lei n. 7.347/85.

No caso em tela, como já evi-denciado, verifica-se a ocorrência deum dano moral geral, causado a todacoletividade. Trata-se de um prejuí-zo moral potencial de que foi alvotoda a coletividade de trabalhadoresda ré, assim como a própria socie-dade, na medida em que violada a

ordem social, conforme demonstra-do acima.

Configura-se, portanto, a lesãonão só a interesses coletivos, comotambém a interesses difusos.

Destaque-se, ainda, que essedano, desferido potencialmente a umuniverso de pessoas que é impos-sível de se determinar, tanto a prioricomo a posteriori, deve ser repara-do in continenti, não se confundindo,em absoluto, com as eventuais re-parações individuais que venham aser impostas aos réus.

Saliente-se, assim, que omontante pecuniário relativo à inde-nização genérica aqui mencionadanão será, jamais, deduzido de con-denações judiciais que se venhamimputar, por idênticos fatos, ao réu atítulo de reparação pelo dano indivi-dualmente sofrido.

De igual forma, a indenizaçãogenérica não quita, sequer parcial-mente, prejuízos individuais.

Justifica-se a reparação gené-rica não só pela transgressão aoOrdenamento Jurídico vigente, coma qual a sociedade não se compa-dece, mas também pelo caráter pe-dagógico da sanção indenizatória,além de permitir, ao menos de for-ma indireta, o restabelecimento dalegalidade pela certeza de puniçãodo ato ilícito.

Aliás, a reparação do danogenérico está prevista no art. 13 daLei n. 7.347/85, que possibilita a re-versão da indenização a um fundodestinado a favorecer os bens jurí-dicos lesados. Assim determina ocitado artigo:

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“Art. 13. Havendo condenação emdinheiro, a indenização pelo danocausado reverterá a um fundogerido por um Conselho Federalou por Conselhos Estaduais deque participarão necessariamen-te o Ministério Público e represen-tantes da comunidade, sendoseus recursos destinados à re-constituição dos bens lesados.”

A propósito, calha a lição deAntônio Augusto Melo de Camargo,Edis Milaré e Nelson Nery Júnior, aqual transcrevemos a seguir:

“Uma solução inovadora exigiatambém o problema da destinaçãoda indenização: como o bem lesa-do é coletivo, como os interessesdesrespeitados são difusos, seriatarefa impossível distribuir a inde-nização por todos os prejudicados(muitas vezes toda a coletividade).

Titular do direito à indenizaçãonão pode ser também o Estado-Administração, que muitas vezesé o causador direto do dano e quesempre será indiretamente res-ponsável por ele.

...

A alternativa que nos parece efi-caz é a da criação de um fundo,constituído pela soma das indeni-zações que venham a ser fixadase que deverá ser aplicado para arecomposição dos estragos per-petrados contra os bens de usocoletivo” (“A ação civil pública e atutela jurisdicional dos interessesdifusos”. São Paulo: Saraiva, 1984.pp. 81 e 82, grifamos).

Observe-se que atualmente sevem flexibilizando a idéia de “re-

constituição dos bens lesados”, re-ferida na parte final do art. 13, parase considerar como objetivo da in-denização e do fundo não somentea reparação daquele bem específi-co lesado, mas de bens a ele relacio-nados.

No caso em tela, em que a le-são decorreu da relação de trabalho,a indenização deverá ser revertida aoFAT, de sorte a beneficiar, ainda queindiretamente, a classe operária, aqual fora atingida pela conduta ilícita.Com essa indenização, o referidoFundo terá mais recursos para pro-porcionar benefícios aos obreiros, emcontrapartida pelos danos sofridos.

Nesse sentido se posicionaHugo Nigro Mazzilli ao comentar o ob-jetivo do fundo a que se refere o art. 13da Lei da Ação Civil Pública, a cujalição nos reportamos:

“O objetivo inicial do fundo eragerir recursos para a reconstitui-ção dos bens lesados. Sua desti-nação foi ampliada: pode hoje serusado para a recuperação dosbens, promoção de eventos edu-cativos e científicos, edição dematerial informativo relacionadocom a lesão e modernização ad-ministrativa dos órgãos públicosresponsáveis pela execução dapolítica relacionada com a defe-sa do interesse desenvolvido.

...

A doutrina se refere ao fundo dereparação de interesses difusoscomo fluid recovery, ou seja, alu-de ao fato de que deve ser usadocom certa flexibilidade, para umareconstituição que não precisa ser

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exatamente à da reparação domesmo bem lesado. O que nãose pode é usar o produto do fundoem contrariedade com sua desti-nação legal, como para custearperícias.

Há bens lesados que são irrecu-peráveis, impossíveis de seremreconstituídos: uma obra de artetotalmente destruída; uma mara-vilha da natureza, como Sete Que-das ou Guaíra, para sempre per-dida; os últimos espécimes deuma raça animal em extinção...Casos há em que a reparação dodano é impossível. É comovente oprovérbio chinês que lembra po-der uma criança matar um esca-ravelho, mas não poderem todosos sábios recriá-lo...

Ao criar-se um fundo fluído, en-frentou-se o problema de maneirarazoável. Mesmo nas hipótesesacima exemplificadas, sobrevin-do condenação, o dinheiro obtidoserá usado em finalidade compa-tível com sua causa. Assim, no pri-meiro exemplo, poderá ser utiliza-do para reconstituição, manu-tenção ou conservação de outrasobras de arte, ou para conserva-ção de museus ou lugares ondeelas se encontrem...” (“A defesados interesses difusos em juí-zo”. 9ª ed. ver. e atual. São Pau-lo: Saraiva, 1997, pp. 153 e 154,grifamos).

Pelo exposto, requer-se a con-denação da ré ao pagamento de in-denização pelo dano moral coletivo,cujo valor deverá ser revertido aoFundo de Amparo ao Trabalhador(FAT), no valor de R$ 500.000,00 (qui-nhentos mil reais).

XIII. Da Tutela Cautelar

A Lei n. 10.444/2002, acres-centou ao art. 273 do CPC, o § 7º,autorizando o juiz conceder medidacautelar sem necessidade de instau-ração de um processo cautelar. Se-não, vejamos:

“Art. 273 do CPC ...... omissis .......

§ 7º Se o autor, a título de anteci-pação de tutela, requerer provi-dência de natureza cautelar, po-derá o juiz, quando presentes osrespectivos pressupostos, defe-rir a medida cautelar em caráterincidental do processo ajuizado.”

Comentando o tema, o feste-jado jurista Alexandre Freitas Câmara(“Lições de Direito Processual Civil”,vol. III, 5ª ed., Lúmen Júris, p. 16) le-ciona que:

“Por fim, é preciso dizer que a par-tir da entrada em vigor da Lei n.10.444/2002, não é mais neces-sária a instauração de um proces-so cautelar para que se possaobter tutela cautelar. Com a fungi-bilidade existente entre as medi-das cautelares e as antecipatóri-as de tutela jurisdicional satisfati-va, decorrente do § 7º do art. 273do CPC, aquele que requerer, noprocesso satisfativo, tutela ante-cipada quando adequado seriarequerer uma medida cautelarverá o juiz conceder a medida ade-quada. Isto significa dizer que épossível ao juiz conceder medi-das cautelares sem necessidadede instauração de um processocautelar. A nosso sentir, deve-seconceder a medida cautelar noprocesso satisfativo não só quan-

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do haja um erro de qualificaçãocometido pela parte, mas sempreque ali se verifique a necessidadeda medida de urgência. A instau-ração de um processo cautelarautônomo não é mais, pois, requi-sito necessário para que se pos-sa obter tutela cautelar (emboracontinue a ser possível a obten-ção da tutela cautelar pela via tra-dicional do processo cautelar).”

O mestre Manoel Antônio Tei-xeira Filho, sobre o poder de cautelados Magistrados, assim leciona:

“Estamos convencidos de que seo processo civil encontrou fortesmotivos para conceder ao juiz umpoder geral de cautela, o proces-so do trabalho, a fortiori, reclamapara os juízes especializadosidêntica potestade. A razão é lógi-ca e se encontra estampada noart. 765 da CLT, que atribui aomagistrado do trabalho ‘ampla li-berdade na direção do proces-so...’. Essa amplitude de liberda-de, concedida pela lei, justificanão só o impulso oficial do juiz,em relação a determinados atosdo procedimento (p. ex., a intima-ção de testemunhas: art. 825, pa-rágrafo único; o início da execu-ção: art. 878, caput, etc.), mas aprópria necessidade de outorgar-lhe um genérico poder de acaute-lamento, destinado acima de tudo,a evitar que atos do reú possamcausar aos interesses do autor le-sões graves e de difícil reparação.”

Já o consagrado mestre Hum-berto Theodoro Júnior, assim leciona:

“São condições da ação cautelaro fumus boni iuris e o periculum

in mora, podendo-se definir o pri-meiro como a ‘plausibilidade dodireito substancial invocado porquem pretenda a segurança’; osegundo ‘como um risco que cor-re o processo principal de não serútil ao interesse demonstradopela parte, em razão do periculumin mora, risco esse que deve serobjetivamente apurável’.”

Por último, vale transcrever osensinamentos de Ovídio A. Batistada Silva, “Curso de Processo Civil”,vol. 3, que entende que:

“a tutela cautelar é uma forma deproteção jurisdicional que, em vir-tude da situação de urgência, de-terminada por circunstâncias es-peciais, deve tutelar a simplesaparência do direito posto em es-tado de risco de dano iminente.”

No caso em tela, os trabalha-dores, brasileiros e estrangeiros,estão sendo submetidos a condi-ções de trabalho degradante, humi-lhante, que atentam contra a própriadignidade da pessoa humana.

As provas carreadas demons-tram as lesões irreparáveis sofridaspelos obreiros que permanecem pormais de 30 dias no mar, sem alimen-tação adequada (o depoimento dosobservadores de bordo demonstraque a alimentação é de péssimaqualidade, muitas vezes consistindoem arroz com pé de galinha) e regu-lar (apenas três refeições diárias,com intervalos que variam de 8 a12 horas), jornada de 18 a 20 horasdiárias, sem folga, alojamentos ebanheiro inadequados, total falta dehigiene na preparação de alimentos,limitação de água potável para con-

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sumo, banho diário com água sal-gada, falta de segurança nas embar-cações, pois não há depósitos es-pecíficos de combustível, falta decomunicação dos trabalhadorescom o continente, agressões físicascometidas pelo comandante, etc.

Todos esses fatores têm pro-vocado fadiga, sendo a tripulaçãosubmetida a precárias condições detrabalho e alojamento, tornando avida a bordo insuportável a qualquerser humano e em razão das deficiên-cias constatadas pela DRT/PE eobservadores de bordo, resulta imi-nente o perigo à segurança, à saúdee à vida dos tripulantes.

Nessa esteira, presentes o fu-mus boni iuris e o periculun in mora,urge a necessidade de concessãode liminar cautelar para sustar osdanos irreparáveis a que estão sen-do submetidos os trabalhadores,determinando-se a suspensão dasoperações de pesca em todas asembarcações estrangeiras pesquei-ras arrendadas à empresa reclama-da até que a mesma demonstre ocumprimento das obrigações de fa-zer e não fazer adiante requeridas.

Para efetivação da liminar de-verá ser oficiado à Marinha do Bra-sil, através da Capitania dos Portosde Pernambuco, com endereço naRua São Jorge, n. 25, Recife Antigo,Recife/PE, Cep 50.030-240, na pes-soa do Capitão de Mar e Guerra,Roberto Carvalho de Medeiros, paraque seja determinado o imediato re-torno ao Porto do Recife/PE, das em-barcações estrangeiras pesqueirasde bandeira Panamenha arrendadasà empresa Ocean Star, de nomes

Chung Kuo ns. 81, 85, 86, 91, 95,212, 222, 232, 242, 280, 281, 282,283, 285, 286, 287, 288, 289 e Gilon-tas 168, para que permaneçam atra-cadas até o cumprimento das obri-gações pleiteadas na presente peçainaugural.

Outrossim, para garantia daefetividade da liminar pleiteada, im-põe-se necessário que V. Exa. de-termine, liminarmente, outrossim, asuspensão da autorização para ar-rendamento e operação de pesca emáguas jurisdicionais brasileiras con-cedida pela Secretaria Especial deAqüicultura e Pesca da Presidênciada República, que deverá ser inti-mada no escritório de Pernambuco,na Av. General San Martin, 1.000,Bongi, Recife/PE, Cep 50.630-060.

XIV. Da antecipação dos efeitos datutela

A ação civil pública “poderá terpor objeto a condenação em dinhei-ro ou o cumprimento de obrigaçãode fazer ou não fazer” (Lei n. 7.347/85, art. 3º), possibilitando o art. 4º domesmo Diploma Legal o ajuizamen-to de ação cautelar para os fins des-sa Lei.

Por sua vez, o art. 11 da Lei deAção Civil Pública estabelece quena ação que tenha por objeto o cum-primento de obrigação de fazer ounão fazer, o Juiz determinará o cum-primento da prestação da atividadedevida ou a cessação da atividade no-civa, sob pena de execução especí-fica, ou de cominação de multa diá-ria, se esta for suficiente ou compa-

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tível, independentemente de reque-rimento do autor.

Mais adiante, o art. 12, caput,da Lei autoriza o provimento liminarde antecipação dos efeitos da tutela,in verbis:

“Art. 12. Poderá o Juiz concedermandado liminar, com ou semjustificação prévia, em decisãosujeita a agravo.”

Assim, o legislador, sem pri-mar pela técnica, autorizou a anteci-pação dos efeitos da tutela pretendi-da na ação civil pública, nos moldesde norma processual que foi, poste-riormente, introduzida no Código deProcesso Civil, art. 461.

Esse é o entendimento agasa-lhado pela melhor doutrina:

“O mandado liminar de que falaa Lei n. 7.347/85, art. 12, diversodos seus arts. 4º e 5º, está maispróximo da antecipação da tutelaespecífica de que fala o art. 461do CPC, com a nova redaçãodada pela Lei n. 8.952/94, muitoembora possa confundir-se coma cautelar incidente. O legislador,em sede de ação civil pública,concebeu a cautelar satisfativa,autorizando que fosse adiantadoo próprio meritum causae, totalou parcialmente” (Francisco An-tonio de Oliveira, “Ação Civil Pú-blica — Enfoques Trabalhistas”,in Revista dos Tribunais, p. 198— negrejamos).

No mesmo sentido, CarlosHenrique Bezerra Leite, “MinistérioPúblico do Trabalho”, LTr, p. 140, inverbis:

“Trata-se (o art. 12 da Lei n. 7.347/85), a nosso ver, de liminar denatureza satisfativa, antecipatóriada tutela definitiva.”

Posteriormente, o art. 461 doCPC, modificado pela Lei n. 8.952/94, passou a permitir, genericamen-te, a antecipação dos efeitos da tute-la específica de obrigação de fazerou não fazer, dispondo o seu § 3º:

“Sendo relevante o fundamento dademanda e havendo justificadoreceio de ineficácia do provimentofinal, é lícito ao juiz conceder a tu-tela liminarmente ou mediante jus-tificação prévia, citado o réu.”

Ora, no caso dos autos, a rele-vância do fundamento e a plausibili-dade do direito restam evidentes, ha-vendo, outrossim, o fundado receiode ineficácia do provimento final.

As mais recentes decisões doegrégio Tribunal Superior do Traba-lho evidenciam a conveniência, aoportunidade e a legalidade da con-cessão da tutela antecipada, quan-do o Ministério Público do Trabalhoajuíza ação civil pública calcada emprovas previamente colhidas no pro-cesso administrativo instaurado noâmbito da Procuradoria, consoantese depreende da seguinte ementareproduzida fielmente:

“MANDADO DE SEGURANÇA —LIMINAR EM AÇÃO CIVIL PÚBLI-CA — LEGALIDADE.

1. Não fere direito líquido e certo aconcessão de liminar em ação civilpública sustando a intermediaçãofraudulenta de mão-de-obra porcooperativa, quando conta comsólido respaldo fático e jurídico.

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2. ‘In casu’, a ação civil pública foilastreada em minucioso procedi-mento investigatório levado acabo pelo Ministério Público, comampla dilação probatória, em queos próprios prepostos da empre-sa e cooperativa investigadas re-conheceram que a cooperativa sóprestava serviços para essa em-presa de calçados, com os coope-rados laborando na atividade-fimda empresa, com seu maquinárioe matéria-prima por ela fornecida,submetidos a metas produtivasimpostas pela empresa. Assim,além desse respaldo fático, a limi-nar deferida gozava do suporte jurí-dico da autorização do art. 12 daLei n. 7.347/85 e da existência denorma jurídica malferida pelasReclamadas, qual seja, o art. 4ºda Lei n. 5.764/71, que estabeleceos princípios norteadores dascooperativas, desvirtuados pelacamuflagem da nítida relação deemprego existente entre coopera-dos e a empresa na qual efetiva-mente laboravam.

3. Convém destacar que a disci-plina das liminares e da tutela an-tecipada em sede de ação civilpública proposta pelo MinistérioPúblico do Trabalho em defesade interesses coletivos é distintados processos meramente indi-viduais, pois dispondo o Ministé-rio Público de amplo poder inves-tigatório, instrui a ação civil públi-ca com os autos do inquérito civilpúblico nos quais se oferece am-pla possibilidade de defesa, jus-tificação e composição com os in-quiridos, não havendo que se falarem ausência do contraditório.

4. Ademais, a liminar e a tutelaantecipada são o veículo oportu-no para se dar celeridade à pres-tação jurisdicional nas ações decaráter coletivo, quando patente odescumprimento do ordenamen-to jurídico trabalhista e urgente acorreção da ilegalidade, pelos efei-tos danosos que provoca na so-ciedade. Recurso ordinário provi-do” (TST-ROMS-647470/2000,SDI-2, Min. Ives Gandra MartinsFilho, DJU de 24.8.2001, p. 736.No mesmo sentido: TST-ROMS-746061/2001, SDI-2, Min. IvesGandra Martins Filho, DJU de10.8.2001, p. 444).

As ilegalidades perpetradas efartamente demonstradas exigemuma ação eficaz e imediata, até quetransite em julgado a decisão a serproferida na presente ação civil pú-blica, uma vez que é relevante ofundamento jurídico da demanda,qual seja, o cumprimento à Consti-tuição da República e à legislaçãotrabalhista, com vistas a asseguraros direitos sociais mínimos aos tra-balhadores, vítimas da atuação des-forme e ilegal do réu.

Os poderes constituídos nãopodem assistir inertes a tamanha ile-galidade sem que nenhuma medidase adote para coibir a prática ilegal.

No caso em tela, verificam-sepresentes todos os requisitos queensejam o deferimento de tutela an-tecipada, conforme preconiza o art.273 do Código de Processo Civil aci-ma transcrito.

Os elementos do Procedimen-to Preparatório n. 437/2004 e da Re-presentação n. 725/2004, instruído

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pelo Ministério Público do Trabalhorevelam que há prova inequívoca defraude e desrespeito ao ordenamen-to legal vigente, onde os mínimosdireitos indisponíveis dos trabalha-dores estão sendo violados pelo pro-cedimento ilícito do réu.

Quanto ao requisito da veros-similhança, esta decorre da existên-cia das provas inabaláveis já mencio-nadas e da manifesta violação aosdiversos preceitos constitucionais,celetistas e legais vigentes que vi-sam a proteger os trabalhadores, as-segurando aos mesmos direitossociais mínimos, constitucionalmen-te garantidos, direitos estes irrenun-ciáveis.

De outra parte, há fundado re-ceio de dano irreparável ou de difícilreparação, visto que se não conce-dida a antecipação da tutela, poderáo réu, até decisão final, continuar alesar incontáveis trabalhadores, ex-pondo-os a condições degradantesde trabalho.

A evidente ilegalidade na sub-tração dos direitos sociais adquiri-dos e garantidos pela Carta Magnaaos trabalhadores envolvidos nestacausa resulta manifesto prejuízo ir-reparável e lesão ao bem-estar doslaborantes durante o tempo em queo ato ilegal produz seus efeitos.

Assim, nos termos do art. 12da Lei n. 7.347/85 c/c. arts. 273 e461, ambos do CPC, emerge urgen-te a Concessão de Tutela Anteci-pada, ianudita altera pars, confor-me adiante requerida, como únicamaneira eficaz de sustar, de ime-diato, a conduta ilícita perpetradapela empresa ré.

XV. Do pedido

Por todo o exposto, requer oMinistério Público do Trabalho, inau-dita altera pars:

A) Liminarmente:

A.1. a concessão de liminar caute-lar para sustar os danos irrepará-veis a que estão sendo submeti-dos os trabalhadores, determinan-do-se a suspensão das opera-ções de pesca em todas as em-barcações estrangeiras pesquei-ras arrendadas à empresa recla-mada até que a mesma demons-tre o cumprimento das obrigaçõesde fazer e não fazer adiante reque-ridas;

A.2. a intimação da Marinha doBrasil, através da Capitania dosPortos de Pernambuco, com en-dereço na Rua São Jorge, n. 25,Recife Antigo, Recife/PE, Cep50.030-240, na pessoa do Capi-tão de Mar e Guerra, Roberto Car-valho de Medeiros, para que sejadeterminado o imediato retorno aoPorto do Recife/PE, das embar-cações estrangeiras pesqueirasde bandeira Panamenha arrenda-das à empresa Ocean Star, de no-mes Chung Kuo ns. 81, 85, 86,91, 95, 212, 222, 232, 242, 280,281, 282, 283, 285, 286, 287, 288,289 e Gilontas 168, mantendo-setodas essas embarcações atraca-das até o cumprimento das obri-gações pleiteadas na presentepeça inaugural;

A.3. a intimação da SecretariaEspecial de Aqüicultura e Pescada Presidência da República, quedeverá ser intimada no escritório

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de Pernambuco, na Av. GeneralSan Martin, 1.000, Bongi, Recife/PE,Cep 50.630-060, para que suspen-da a autorização para arrenda-mento e operação de pesca emáguas jurisdicionais brasileirasconcedida à empresa reclamada,Ocean Star Pescados Ltda.;

B) A antecipação da tutela paraque a empresa Ocean Star Pes-cados Ltda. seja condenada naseguintes obrigações de fazer enão fazer:

B.1. contratação proporcional de2/3 de tripulantes brasileiros paraoperar os barcos pesqueiros ar-rendados pela empresa reclama-da, nos diversos níveis técnicose de atividades, nos exatos termosdo art. 354 da CLT, do art. 24 doDecreto n. 221/67, do art. 9º, pará-grafo único, do Decreto n. 64.618/69, do art. 9º, do Decreto n. 4.810/2003 e art. 3º da Resolução Nor-mativa n. 59/2004, do ConselhoNacional de Imigração/MTE;

B.2. regularização dos contratos detrabalho dos tripulantes estrangei-ros, que deverão ser assinadospela empresa arrendatária, orareclamada, nos exatos termos daCLT e Resolução Normativa n. 59,de 5 de outubro de 2004, do Con-selho Nacional de Imigração do Mi-nistério do Trabalho e Emprego,art. 2º, § 1º, inciso IV;

B.3. disponibilizar à tripulação dasembarcações alojamentos nosexatos ditames previstos na Con-venção Coletiva n. 126 da OIT, apro-vada pelo Decreto Legislativo n. 10,de 1994 e promulgada pelo De-creto n. 2.420/1997, e no Decreton. 4.810/2003, art. 9º, inciso VII;

B.4. fornecer aos tripulantes bra-sileiros alimentação adequadaàs atividades exercidas a bordo,com intervalos regulares, aten-dendo-se aos costumes e hábi-tos alimentares praticados emterritório nacional, conforme obri-gação assumida pela reclamadanos contratos de arrendamento,autorizado pela Secretaria Espe-cial de Aqüicultura e Pesca da Pre-sidência da República e previstona Instrução Normativa n. 4, de8.10.2003, anexo I, da SEAP/PR;

B.5. garantir a toda a tripulaçãodas embarcações pesqueiras, osuprimento de água potável e fres-ca em condições higiênicas, emquantidade superior a 250 ml, porhora/homem/trabalho, conside-rando o número de dias de ope-ração da embarcação em altomar, nos termos do art. 9º, incisoVII, do Decreto n. 4.810/2003, daNorma Regulamentadora n. 24,item 24.7.1.1, instituída pela Por-taria n. 3.214/78, combinada como art. 157, inciso I, da CLT;

B.6. prover as embarcações deágua potável e local apropriadopara atender as necessidades deasseio dos tripulantes, nos ter-mos do art. 9º, inciso VII, do n.4.810/2003 e art. 12 da Conven-ção n. 126 da OIT;

B.7. abster-se de jogar lixo no mar(os relatórios dos observadoresde bordo, descrevem tal condu-ta), tais como plásticos, papel, pa-pelão, trapo, embalagem de ma-deira, embalagem de metal, vidro,lata, resíduos sólidos, óleos lu-brificantes usados, etc., implantan-

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do compactadores a bordo paracompactação de todo o lixo pro-duzido, bem como implantandotrituradores para os restos de ali-mentos (matéria orgânica), paraque os mesmos sejam jogadosao mar em um estado que facilitesua rápida decomposição, alémde implantar várias lixeiras, comcores diferenciadas para que o lixopossa ser acondicionado sepa-radamente e seja trazido para ter-ra e levados a depósitos, minimi-zando, assim, os impactos sobreo mar causados pela poluiçãodas embarcações pesqueiras,nos termos do art. 225 da CF/88;

B.8. garantir a elaboração e efetivaimplementação do Programa deControle Médico de Saúde Ocupa-cional — PCMSO, nos termos doart. 9º, inciso VII, do Decreto n.4.810/2003, Norma Regulamenta-dora n. 7, item 7.3.1., alínea “a”,instituída pela Portaria n. 3.214/78e art. 157, inciso I, da CLT;

B.9. conceder intervalo interjorna-da para descanso e repouso de,no mínimo, 11 (onze) horas con-secutivas, nos exatos termos doart. 66 da CLT e intervalo intrajor-nada de no mínimo 1 hora pararepouso e alimentação previstano art. 71 consolidado, respeitan-do-se, outrossim, a jornada diá-ria e semanal prevista no art. 7º,inciso XIII, da CF/88, ou observaras diretrizes relativas ao serviço dequarto em viagem apresentadasà autoridade marítima no ato de vis-toria das embarcações;

B.10. promover treinamento paracapacitação da tripulação brasi-

leira, com transmissão de conhe-cimentos tecnológicos, possibili-tando o desempenho de todas asfainas executadas a bordo dasembarcações de pesca em altomar, nos exatos termos do Decre-to n. 4.810/2003, art. 4º, II, e a Ins-trução Normativa n. 4, da SEAP/PR, anexo I, inciso VI, item 2;

C) A cominação de multa de R$5.000,00 (cinco mil reais), porcada ato praticado em desacordocom a liminar e antecipação detutela deferidos, valor este rever-sível ao FAT — Fundo de Amparoao Trabalhador;

D) A condenação da ré ao paga-mento de indenização pelo danomoral coletivo causado, cujo va-lor deverá ser revertido ao Fundode Amparo ao Trabalhador (FAT),no valor de R$ 500.000,00 (qui-nhentos mil reais);

E) A citação da empresa reclama-da para, querendo, responder àpresente ação;

F) A procedência dos pedidos for-mulados, confirmada a tutela an-tecipada se deferida, ou para quea reclamada seja condenada de-finitivamente nas obrigações jádescritas no item “B”, em idênti-cos termos, inclusive com a co-minação de multa também jámencionada, em caso de des-cumprimento das obrigações plei-teadas.

Protesta pela produção de to-das as provas em direito admitidas,inclusive documental, depoimentopessoal do representante legal darequerida e oitiva de testemunhas;

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Atribui-se à causa o valor de R$500.000,00 (quinhentos mil reais).

Termos em que,

E. Deferimento.

Recife, 8 de novembro de2004.

Jorge Renato Montandon Sa-raiva, Procurador do Trabalho.

DECISÃO

Proc. 01585/04-0

DECISÃO DE ANTECIPAÇÃODE TUTELA

Vistos etc.

Trata-se de Ação Civil Públicacom pedido de liminar cautelar e deantecipação de tutela apresentada peloMINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHODA 6ª REGIÃO em face da empresaOCEAN STAR PESCADOS LTDA.

Pretende o autor seja concedi-da liminar cautelar determinando-sea suspensão das operações de pes-ca em todas as embarcações es-trangeiras pesqueiras arrendadas àempresa reclamada até que a mes-ma demonstre o cumprimento dasobrigações de fazer adiante requeri-das; a intimação da Marinha do Bra-sil, através da Capitania dos Portosde Pernambuco, para que seja de-terminado o imediato retorno ao Por-to do Recife das embarcações es-trangeiras pesqueiras arrendadas àempresa Ocean Star, de nomesCHUNG KUO ns. 81, 85, 86, 91, 95 212,222, 232, 242, 280, 281, 282, 283,285, 286, 287, 288, 289 e GILONTAS168, mantendo-se todas essas em-barcações atracadas até o cumpri-mento das obrigações pleiteadas; e

a intimação da Secretaria Especialde Aqüicultura e Pesca da Presidên-cia da República para que suspen-da a autorização de arrendamento eoperação de pesca em águas juris-dicionais brasileiras concedidas àempresa ré.

Requer o deferimento do pedi-do de antecipação da tutela para quea empresa ré seja condenada nasseguintes obrigações de fazer e nãofazer: contratação proporcional de 2/3de tripulantes brasileiros para ope-rar os barcos pesqueiros arrenda-dos pela empresa reclamada, nosdiversos níveis técnicos de ativida-des, nos termos do art. 354 da CLT,do art. 24 do Decreto n. 221/67, doart. 9º, parágrafo único, do Decreton. 64.618/69, do art. 9º, do Decreto n.4.810/03 e art. 3º da Resolução Nor-mativa n. 59/2004, do Conselho Na-cional de Imigração do Ministério doTrabalho e Emprego; regularizaçãodos contratos de trabalho dos tripu-lantes estrangeiros, que deverão serassinados pela empresa arrendatá-ria, os termos da CLT e ResoluçãoNormativa n. 59, do Conselho Nacio-nal de Imigração do MTE, art. 2º, § 1º,inciso IV; disponibilizar à tripulaçãodas embarcações alojamentos nosexatos ditames previstos na Conven-ção Coletiva n. 126 da OIT e no Decre-to n. 4.810/03, art. 9º, inciso VII; forne-

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cer aos tripulantes brasileiros ali-mentação adequada às atividadesexercidas à bordo, com intervalos re-gulares, atendendo-se aos costu-mes e hábitos praticados em territó-rio nacional, conforme obrigação as-sumida nos contratos de arredamen-to e previsto na Instrução Normativan. 4, anexo I, da Secretaria Especialde Aqüicultura e Pesca; garantir atoda a tripulação das embarcaçõespesqueiras o suprimento de águapotável e fresca em condições higiê-nicas, em quantidade superior a250 ml, por hora/homem/trabalho,considerando o número de dias deoperação da embarcação em altomar, nos termos do art. 9º, inciso VII,do Decreto n. 4.810/03, da Norma Re-gulamentadora n. 24, item 24.7.1.1,instituída pela Portaria n. 3.214/78,combinada com o art. 157, inciso I,da CLT; prover as embarcações deágua potável e local apropriado paraatender às necessidades de asseiodos tripulantes, nos termos do art. 9º,inciso VII, do Decreto n. 4.810/03 eart. 12 da Convenção n. 126 da OIT;abster-se de jogar lixo no mar, im-plantando compactadores a bordopara compactação de todo o lixo pro-duzido, bem como trituradores paraos restos de alimentos, além de im-plantar várias lixeiras, com cores di-ferenciadas para que o lixo possa seracondicionado separadamente, tra-zido para terra e levado a depósitos,minimizando os impactos sobre omar causados pela poluição das em-barcações pesqueiras, nos termosdo art. 225 da CF/88; garantir a ela-boração e efetiva implementação doPrograma de Controle Médico deSaúde Ocupacional — PCMSO, nostermos do art. 9º, inciso VII, do De-creto n. 4.810/03, Norma Regulamen-

tadora n. 7, item 7.3.1, alínea “a”, ins-tituída pela Portaria n. 3.214/78 e art.157, inciso I, da CLT; conceder inter-valo interjornada para descanso e re-pouso de, no mínimo, 11 horas con-secutivas, nos exatos termos do art.66 da CLT e intervalo intrajornada de,no mínimo, 1 hora para repouso ealimentação previsto no art. 71 con-solidado, respeitando-se a jornadadiária e semanal prevista no art. 7º,inciso XIII, da CF, ou observar as di-retrizes relativas ao serviço de quartoem viagem apresentadas à autori-dade marítima no ato de vistoria dasembarcações; promover treinamen-to para capacitação da tripulação bra-sileira, com transmissão de conhe-cimentos tecnológicos, possibilitan-do o desempenho de todas as fai-nas executadas a bordo das embar-cações de pesca em alto mar, nosexatos termos do Decreto n. 4.810/03, art. 4º, inciso II e a Instrução Nor-mativa n. 4, da SEAP/PR, anexo I, in-ciso VI, item 2. Pede, ainda, a conde-nação em multa de R$ 5.000,00 porcada ato praticado em desacordocom a liminar e antecipação de tute-la deferidos e indenização pelo danomoral coletivo causado; valores aserem revertidos ao Fundo de Am-paro ao Trabalhador (FAT).

Inicialmente, indispensáveltecermos algumas consideraçõesacerca da legitimidade do MinistérioPúblico do Trabalho para interpor apresente ação. Estamos diante deuma espécie de legitimidade ativaextraordinária atribuída ao MinistérioPúblico para a defesa da ordem pú-blica protetora dos interesses coleti-vos dos trabalhadores, em respeitoaos direitos sociais constitucional-mente assegurados aos obreiros,

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revestidos de interesse social rele-vante, pelo art. 83, da Lei Comple-mentar n. 75/93, in verbis:

“Art. 83. Compete ao MinistérioPúblico do Trabalho o exercício dasseguintes atribuições junto aos ór-gãos da Justiça do Trabalho:

... omissis...

III — promover a ação civil públicano âmbito da Justiça do Trabalho,para defesa de interesses coleti-vos, quando desrespeitados osdireitos sociais constitucional-mente garantidos.”

Na presente hipótese estamosdiante de um conjunto de interes-ses individuais homogêneos. Noentanto, a referida Lei Comple-mentar em seu art. 84, dispõe oseguinte:

“Art. 84. Incumbe ao Ministério Pú-blico do Trabalho, no âmbito desuas atribuições, exercer as fun-ções institucionais previstas nosCapítulos I, II, III e IV do Título I,especialmente:

... omissis...

V — exercer outras atribuiçõesque lhe forem conferidas por lei,desde que compatíveis com suafinalidade.”

Assegura o art. 6º, da Lei Com-plementar:

“Art. 6º Compete ao Ministério Pú-blico da União:

... omissis...

VII — promover o inquérito civil e aação civil pública para:

... omissis...

a) proteção dos direitos constitu-cionais;

... omissis...

d) outros interesses individuaisindisponíveis, homogêneos, so-ciais, difusos ou coletivos.”

Por outro lado, o art. 5º, da Lein. 7.347/85 que disciplina a Ação CivilPública dispõe, expressamente, acer-ca da legitimidade do Ministério Pú-blico para a propositura da ação. Porfim, a Constituição Federal de 1988,em seu art. 129, inciso III, estabelececomo funções institucionais do Mi-nistério Público, promover o inqué-rito civil e a ação civil pública para aproteção do patrimônio público esocial, do meio ambiente e de ou-tros interesses difusos e coletivos.Entender de outra forma seria con-trariar a própria natureza institucio-nal do Ministério Público, como fielguardião da ordem jurídica, do regi-me democrático, dos interesses so-ciais e dos interesses individuaisindisponíveis. Indubitável, portanto, éa legitimação do Ministério Públicoquanto ao ajuizamento da presenteação civil pública, que inclui a defesade interesses individuais homogê-neos amparados na Constituição Fe-deral que, segundo as alegações ini-ciais, estão sendo desrespeitados.

O Ministério Público do Traba-lho, através da Procuradoria Regio-nal do Trabalho da 6ª Região, ins-taurou, nos termos da Lei n. 7.347/85,o Procedimento Preparatório n. 437/04, objetivando investigar denúnciado Sindicato dos Pescadores Profis-sionais e Artesanais dos Estados dePernambuco e Paraíba, de que aempresa demandada estaria arren-

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dando barcos de pesca estrangei-ros, com tripulação em sua maioriachinesa para realizar a pesca doatum e afins em águas nacionais,utilizando-se de poucos trabalhado-res brasileiros, os quais não esta-vam recebendo condições mínimasde trabalho, laborando ininterrupta-mente de domingo a domingo, semfolgas, dormindo poucas horas pordia e alimentando-se de forma ina-dequada, com fornecimento de pou-ca água potável.

Posteriormente, o Parquet re-cebeu ofício do Coordenador da Uni-dade Regional de Inspeção do Tra-balho Portuário e Aquaviário da De-legacia Regional do Trabalho emPernambuco, solicitando a interven-ção junto à Capitania dos Portos nosentido de não liberar a embarcaçãopesqueira CHUNG KUO 287, arren-dada à empresa reclamada, a fim depossibilitar a fiscalização das condi-ções de segurança, saúde, contra-tação de estrangeiros, assim comoo cumprimento da contratação de 2/3da tripulação de brasileiros. O Referi-do ofício gerou a instauração da Re-presentação n. 725/04, a qual foiapensada ao Procedimento Prepa-ratório n. 437/04, onde foram apro-fundadas as investigações.

A empresa Ocean Star Pesca-dos Ltda. foi autorizada pela Portarian. 13, de 16 de março de 2004, daSubsecretaria de Desenvolvimentode Aqüicultura e Pesca da Secreta-ria Especial de Aqüicultura e Pescada Presidência da República, a ce-lebrar contrato de arrendamento comempresa estrangeira, proprietáriadas embarcações pesqueiras, paraa pesca de atuns e afins, pelo siste-

ma de espinhel pelágico de superfí-cie, na plataforma continental e zonaeconômica exclusiva definidas nosincisos II e III, do art. 1º do Decreton. 4.810/03, pelo prazo de dois anoscontado a partir da data de emis-são do termo de vistoria pela Capi-tania dos Portos.

O Decreto n. 4.810, de 19 deagosto de 2003, estabeleceu as nor-mas para operação de embarcaçõespesqueiras nas zonas brasileiras depesca, alto mar e por meio de acor-dos internacionais, visando incre-mentar a pesca do atum no mar ter-ritorial brasileiro, autorizando o arren-damento de embarcação estrangei-ra de pesca por empresa de pescabrasileira, como instrumento tempo-rário da política de desenvolvimentoda pesca oceânica nacional. Políticaessa, registre-se, implantada peloatual Governo Federal com a criaçãoda Secretaria Especial de Pesca, vin-culada à Presidência da República,para implantar os mecanismos ne-cessários ao desenvolvimento dosetor pesqueiro.

O arrendamento autorizadopelo art. 4º, do referido Decreto, visapropiciar os seguintes objetivos: au-mento da oferta do pescado no mer-cado interno e geração de divisas;aperfeiçoamento de mão-de-obra egeração de empregos no setor pes-queiro nacional; ocupação racionale sustentável da zona econômicaexclusiva; estímulo à formação defrota nacional capaz de operar emáguas profundas e utilização deequipamentos que incorporem mo-dernas tecnologias; expansão econsolidação de empreendimentospesqueiros; fornecimento de sub-

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sídios para aprofundamento de co-nhecimento dos recursos vivos exis-tentes na plataforma continental e nazona econômica exclusiva; aproveita-mento sustentável de recursos pes-queiros em águas internacionais.

O art. 8º do citado diploma le-gal estabelece que a embarcação depesca estrangeira arrendada porempresa nacional equipara-se àembarcação brasileira de pesca, res-salvadas disposições específicasem contrário. De acordo com o art.9º, inciso VII, os arrendatários dasembarcações pesqueiras, no caso,a reclamada, ficam obrigados a man-ter condições adequadas para a aco-modação e o trabalho da tripulação,de acordo com as normas pertinen-tes da Autoridade Marítima e dos ór-gãos públicos competentes, assimcomo manter a bordo da embarca-ção acomodações e alimentaçãopara servir a técnico brasileiro ou ob-servador de bordo, quando designa-do pela Secretaria Especial de Aqüi-cultura e Pesca ou pelo Ministério doMeio Ambiente para proceder à cole-ta de dados e informações de inte-resse do setor pesqueiro nacional edo monitoramento e fiscalizaçãoambiental, na forma do inciso IV.

O § 1º do art. 9º obriga a empre-sa de pesca arrendatária de embar-cação estrangeira a manter em exe-cução, direta ou indiretamente, progra-ma permanente de capacitação demão-de-obra brasileira, vinculada aosetor pesqueiro, comprovando suarealização a fim de atender a apropria-ção de tecnologia.

A Instrução Normativa n. 04 de8 de outubro de 2004, da SEAP/PR,

regulamentou, detalhadamente, oarrendamento de embarcações es-trangeiras de pesca por empresa depesca brasileira. A ré submeteu-sea processo licitatório, conforme Editalde Convocação n. 02, de 30.10.2003,da Secretaria Especial de Aqüicultu-ra e Pesca da Presidência da Repú-blica (fls. 290/296), com o objetivo dehabilitar pedidos de autorização paraarrendamento de embarcação es-trangeira de pesca por empresas oucooperativas de pesca brasileiras, emáguas jurisdicionais brasileiras eem alto mar, na forma disposta noDecreto n. 4.810/03. Ao vencer a lici-tação e conseguir a autorização ne-cessária para a exploração da ativi-dade econômica, a empresa sub-meteu-se às regras que discipliname regulamentam essa atividade, fi-cando obrigada ao cumprimento detodos os seus termos, sob pena dearresto da embarcação até o cum-primento das exigências estabeleci-das, como prevê o § 5º, do art. 9º, doDecreto n. 4.810/03 ou a suspensãoou cancelamento das autorizaçõesde arrendamento de embarcaçãoestrangeira, permissão de pesca eregistro de embarcações brasileirasou estrangeiras arrendadas, na for-ma do art. 18 da referida legislação.

Os fatos narrados na petiçãoinicial, relativos às condições de tra-balho a que vêm sendo submetidosos tripulantes das embarcações ar-rendadas pela reclamada, indepen-dentemente da nacionalidade, comopéssimas acomodações, falta dehigiene, alimentação inadequada,estão evidenciados na prova docu-mental anexada e revelam-se de talmodo graves a merecer a interven-ção judicial.

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É certo que os chineses pos-suem costumes bem diferentes dosnossos, inclusive quanto a condi-ções de higiene e alimentação e aqui-lo que nos choca e parece tão de-gradante, pode ser considerada umaprática normal para eles. Também éfato que a pesca de atum em altomar possui peculiaridades e deman-da situações de trabalho a que, nor-malmente, não se estão acostuma-dos os pescadores brasileiros, comobem relataram os Fiscais do Minis-tério do Trabalho, às fls. 288. Enquan-to os barcos pesqueiros das colôniasde pescas de Pernambuco apenaspassam de dois a três dias no mar,as embarcações destinadas à pescade atum e afins em alto mar ficam cer-ca de trinta dias, o que torna o trabalhoextremamente cansativo e difícil, prin-cipalmente para aqueles pescadoresque não tem preparo ou treinamentopara essa atividade. No entanto, essetrabalho árduo vem se desempenhan-do em águas brasileiras e ainda quecom peculiaridades e situações espe-ciais a ele inerentes, devem ser res-peitadas as normas vigentes emnosso País, com a observância decondições dignas de trabalho, comsegurança e respeito à dignidade dapessoa humana, o que deve, sempre,ser assegurado a qualquer trabalha-dor, sem distinção de qualquer natu-reza, independentemente de sua ori-gem ou nacionalidade, como funda-mento e princípio de um Estado De-mocrático de Direito.

Estabelece o art. 273, do CPC,que o Juiz poderá, a requerimentoda parte interessada, antecipar, to-tal ou parcialmente, os efeitos da tu-tela pretendida no pedido incial, des-de que, existindo prova inequívoca,

se convença da verossimilhança daalegação e haja fundado receio dedano irreparável ou de difícil repara-ção; ou fique caracterizado o abusodo direito de defesa ou o manifestopropósito protelatório do réu.

Dispõe, ainda, o § 7º, do referi-do dispositivo legal que, se o autor,a título de antecipação de tutela, re-querer providência de natureza cau-telar, poderá o juiz, quando presen-tes os respectivos pressupostos,deferir a medida cautelar, em cará-ter incidental ao processo ajuizado.

Dessa forma, por todo o expos-to, passarei à análise dos pedidosde concessão de liminar cautelar eantecipação dos efeitos da tutelapretendida, com base nos elemen-tos constantes dos autos:

A — Da concessão de liminarcautelar

Os documentos constantesdos autos, relatórios de fiscalizaçõesda DRT nas embarcações, depoi-mentos prestados perante o Minis-tério Público e relatórios dos Obser-vadores de Bordo demonstram, deforma contundente, que as condi-ções mínimas de higiene e seguran-ça do trabalho não estão sendo ob-servadas pela reclamada, mormen-te em relação à alimentação inade-quada e irregular, aos alojamentose instalações sanitárias sem qual-quer higiene, o que também se veri-ficou na preparação das refeições,limitação de água potável para con-sumo, entre outras irregularidadesque submetem toda a tripulação, deestrangeiros e brasileiros, a precá-rias condições de trabalho, o que,sem dúvida, resulta em perigo e

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dano à saúde, segurança e integri-dade física dos tripulantes e, tam-bém, do Observador de Bordo.

Defiro, parcialmente, a liminarpretendida.

Entendo que a suspensão deuma atividade econômica, como pre-tendido no item A.3 é medida extre-ma, que apenas deve ser tomadaquando esgotadas todas as possi-bilidades de sanar as irregularida-des encontradas, configurando-seum descumprimento integral dascláusulas contratuais a que se sub-meteu a empresa. As conseqüênciasnão se limitam à esfera patrimonialda empresa ré e têm um vasto al-cance, na medida em que paralisa-rá toda uma cadeia de produção.Muitos trabalhadores, envolvidos di-reta e indiretamente na pesca, be-neficiamento, distribuição, comércio,serão prejudicados, assim comooutros segmentos econômicos quedependem dessa produção. Prema-tura a interdição de toda uma ativi-dade econômica, por meio de limi-nar, com determinação de suspen-são de autorização de arrendamen-to exarada pelo órgão competente(SEAP/PR), formalizada em contratoapós processo licitatório.

Registra-se que o § 5º, do art.9º, do Decreto n. 4.810/03, prevê oarresto da embarcação quandoinobservadas as obrigações previs-tas naquele artigo, até o cumprimentodas exigências estabelecidas. Estaé a situação que se apresenta e asolução imediata mais justa, razoá-vel e que menor transtornos acarre-tará, possibilitando à empresa récumprir as exigências legais e adap-tar as embarcações arrendadas às

regras de segurança e medicina dotrabalho vigentes e aplicáveis, nomenor tempo possível, para que pos-sa continuar com as operações depesca. Até porque a continuidadedessa atividade, desde que respei-tadas as regras que a regulamen-tam e as normas trabalhistas, é inte-resse de toda a sociedade, ao recor-darmos que o arrendamento de em-barcação estrangeira de pesca porcooperativa ou empresa brasileira éconsiderado instrumento temporáriode política de desenvolvimento dapesca oceânica nacional, visando,entre outros benefícios, ao aperfeiçoa-mento da mão-de-obra e geração deempregos no setor pesqueiro nacio-nal e ao aumento da oferta de pesca-do no mercado interno e geração dedivisas.

Determino, portanto, que todasas embarcações estrangeiras pes-queiras arremendadas à empresaOcean Star Pescados Ltda., de no-mes CHUNG KUO ns. 81, 85, 86, 91,95, 212, 222, 232, 242, 280, 281, 282,283, 285, 286, 287, 288, 289 e GILON-TAS 168, fiquem retidas/atracadasno Porto do Recife/PE, à medida emque forem retornando para o Por-to, a partir desta data, ou aquelasque já se encontram atracadasneste momento, até o cumprimen-to das obrigações a seguir deter-minadas por este Juízo.

Ficam assegurados os proce-dimentos regulares no desembar-que para que não haja qualquer pre-juízo em relação aos pescados trazi-dos nas embarcações.

Intime-se a Marinha do Brasil,através da Capitania dos Portos de

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Pernambuco, com endereço à RuaSão Jorge, n. 25, Recife Antigo, Re-cife, Cep. 50.030-240, na pessoa doCapitão de Mar e Guerra, Sr. RobertoCarvalho de Medeiros, para que cum-pra as determinações supra, fican-do ciente que as embarcações ape-nas serão liberadas por ordem judi-cial. A intimação deve ser cumpridaatravés de Oficial de Justiça.

Deixo de determinar o imedia-to retorno das embarcações que es-tão em alto mar, a fim de evitar maio-res prejuízos, que se tornariam irre-versíveis, do ponto de vista econô-mico, ao se interromper um proces-so de operação de pesca específi-ca, com todos os custos a ela ine-rentes, programada e que já está emcurso.

Ressalta-se que o relatório defls. 288/9 afastou qualquer denúnciade maus tratos ou trabalho escravo;caso contrário, sem dúvida, se justi-ficaria a interdição de qualquer ativi-dade, independentemente de perdase prejuízos.

B — Da antecipação de tutela:

B.1) contratação proporcionalde 2/3 de tripulantes brasileiros

O art. 354 da CLT estabelece aproporcionalidade de 2/3 de empre-gados brasileiros, podendo, entre-tanto, ser fixada proporcionalidadeinferior, em atenção às circunstânciasespeciais de cada atividades, median-te ato do Poder Executivo.

O art. 24 do Decreto-lei n. 221/67, determina a observância da pro-porcionalidade de estrangeiros nacomposição da tripulação das em-barcações de pesca prevista na CLT.

O § 2º, do art. 9º, do Decreto n.4.810/03, que estabelece as normaspara operação de embarcações pes-queiras, inclusive as estrangeirasarrendadas por empresas brasilei-ras, como é a hipótese em análise,dispõe que: “A tripulação da embar-cação pesqueira estrangeira arren-dada deverá ser composta com aproporcionalidade de brasileirosprevista na legislação em vigor, po-dendo ser permitido em regulamen-tação específica e mediante autoriza-ção do Ministério do Trabalho e Em-prego proporcionalidade inferior,desde que haja insuficiência de bra-sileiros capacitados para a funçãode que se tratar”.

A regulamentação específicaem vigor quando autorizada as ativi-dades da empresa ré como arren-datária das embarcações de pescaestrangeiras e iniciadas as opera-ções de pesca era a Resolução Nor-mativa n. 46 do Conselho Nacionalde Imigração do Ministério do Traba-lho e Emprego.

O art. 3º da referida Resoluçãoautorizava a admissão de tripulan-tes brasileiros pela empresa arren-datária nas embarcações arrenda-das em vários níveis técnicos e emdiversas atividades, de forma pro-gressiva, para fins de assimilaçãoda tecnologia pesqueira.

A Resolução Normativa n. 46esteve em vigor até 15.10.2004, quan-do publicada a Resolução Normati-va n. 59, que a revogou.

Como dispõe o art. 4º do De-creto 4.810/03, o arrendamento deembarcação estrangeira de pescapor empresa brasileira é instrumen-

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to temporário da política de desen-volvimento da pesca oceânica, visan-do, entre outros objetivos, ao aperfei-çoamento de mão-de-obra e gera-ção de empregos no setor pesquei-ro nacional. Imprescindível que hajauma transferência de tecnologia eque os empregados brasileiros ve-nham a ser treinados e capacitadospara todas as atividades que envol-vem a pesca do atum e afins. Enten-do que a situação é justamente aque-la prevista no art. 354 da CLT, quan-do se refere a circunstâncias espe-ciais de cada atividade e na parte fi-nal do § 2º, do art. 9º, do Decreto n.4.810/03, quando prevê a hipótese deinsuficiência de brasileiros capacita-dos para a função de que se tratar.

Dessa forma, determino que aempresa ré cumpra a legislação per-tinente em relação à proporcionali-dade de empregados brasileiros nasembarcações estrangeiras arrenda-das, de forma progressiva, demons-trando ao Juízo, no prazo de 20 dias,como se dará essa progressivida-de, de modo que no início do segun-do ano do contrato de arrendamentoesteja assegurada a proporcionali-dade de 2/3 de brasileiros em cadaembarcação estrangeira arrendada.

Fica condenada ao pagamen-to de multa de R$ 5.000,00 a ser re-vertida ao Fundo de Amparo ao Tra-balhador, caso descumpra o prazoassinalado para demonstração decomo se dará a progressividade nacontração.

Determino que a DelegaciaRegional do Trabalho em Pernam-buco fiscalize e informe a este Juízoa observância da proporcionalidade

de 2/3 de brasileiros nas embarca-ções estrangeiras arrendadas à ré,que deve ser integralizada até o iníciodo segundo ano do contrato de ar-rendamento.

A não observância à proporcio-nalidade na contratação de brasilei-ros, até a data determinada, implica-rá na condenação da reclamada aopagamento de multa a ser fixadapelo Juízo e revertida ao FAT, semprejuízo das demais sanções cabí-veis pelo descumprimento das cláu-sulas contratuais e legislação perti-nente, inclusive a suspensão ou can-celamento, sem indenização, dasautorizações de arrendamento deembarcação estrangeira, permissãode pesca e registro de embarcações,na forma prevista no art. 18 do De-creto n. 4.810/03.

B.2) regularização dos contra-tos de trabalho dos tripulantes es-trangeiros

As fiscalizações efetuadaspela DRT demonstram que os tripu-lantes estrangeiros que trabalhamnas embarcações arrendadas àempresa ré não são registradoscomo empregados, inexistindo con-trato de trabalho formalizado e ano-tação da CTPS, contrariando o dis-posto no art. 13 da CLT e o previstono art. 2º, inciso IV, da ResoluçãoNormativa n. 59 do Conselho Nacio-nal de Imigração do Ministério doTrabalho e Emprego.

Os trabalhadores estrangeirossão mantidos pelo empresa arrenda-tária sem vinculação empregatícia e,conseqüentemente, sem qualquerproteção legal assegurada pelas nor-mas trabalhistas e previdenciárias.

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Concedo a antecipação de tu-tela pretendida, posto que preenchi-dos os requisitos legais, determinan-do que a empresa ré regularize oscontratos de trabalho dos tripulantesestrangeiros que trabalham nasembarcações arrendadas, no prazode vinte dias, sob pena de pagamen-to de multa fixada em R$ 5.000,00 aser revertida para o FAT.

A regularização dos contratosde trabalho dos tripulantes estran-geiros deve ser certificada pela De-legacia Regional do Trabalho, parafins de comprovação do cumprimen-to da obrigação aqui determinada.

B. 3) alojamentos nas embar-cações

Os relatórios dos Observado-res de Bordo, assim como as vis-torias realizadas pela DRT em algu-mas embarcações, inclusive com asfotografias tiradas da embarcaçãoChung Kuo 287 (fls. 127/131), evi-denciam as péssimas acomoda-ções oferecidas aos tripulantes, quesão obrigados a se alojarem em lo-cais sem ventilação, higiene, ilumi-nação adequada, com leitos muitoestreitos, em todal desrespeito àsexigências previstas na Convençãon. 126 da OIT, promulgada pelo De-creto n. 2.420/97, que estabelecenormas sobre o alojamento a bordode navios de pesca.

Estabelece a Convenção n.126 da OIT, entre outras regras, quetodos os postos de descanso e osrefeitórios serão convenientementeventilados, assim como todos os lo-cais reservados para a tripulaçãoserão convenientemente ilumina-dos. Deve haver instalações sanitá-

rias suficientes, incluindo pias delavar as mãos, bem como banhei-ras ou duchas, instaladas a bordode todo o navio de pesca. O aloja-mento da tripulação deve ser manti-do em estado de limpeza e nas con-dições de habitabilidade convenien-te e não servirá de lugar para arma-zenar mercadorias ou abastecimen-to que não sejam propriedade pes-soal de seus ocupantes. O artigo 10define as dimensões dos alojamen-tos e a área por ocupante do postode descanso.

De acordo com o art. 16, osnavios de pesca serão equipadoscom instalações adequadas para apreparação dos alimentos, coloca-das tanto quanto possível numa co-zinha separada. A cozinha deve terdimensões suficientes, boa ilumina-ção e ventilação.

As condições de alojamento ehigiene constatadas nas embarca-ções estrangeiras arrendadas àempresa ré infrigem o disposto nosincisos IV e VII, do art. 9º, do Decreton. 4.810/03, os quais obrigam a em-presa arrendatária a manter condi-ções adequadas para a acomodaçãoe o trabalho da tripulação, assimcomo acomodações e alimentaçãopara servir ao observador de bordo.

Os problemas relatados coma alimentação, higiene e acomoda-ção são as mais graves irregulari-dades patrocinadas pela ré, em totaldesrespeito aos trabalhadores e aosobservadores de bordo, submeten-do-os a condições degradantes detrabalho.

Defiro a antecipação de tutelarequerida para determinar que a

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empresa ré mantenha condiçõesadequadas de acomodação e higie-ne para toda a tripulação e observa-dor de bordo, adequando as embar-cações às exigências estabelecidasna Convenção n. 126 da OIT. Prazode 20 (vinte) dias. Multa de R$5.000,00, por cada embarcação, aser revertida ao FAT, por descumpri-mento dessa determinação.

As embarcações apenas se-rão liberadas do Porto do Recife paranovas operações de pesca após ve-rificação pela DRT, devidamente in-formada a este Juízo, de que se ade-quaram às normas pertinentes, comcondições de trabalho e acomoda-ções dignas, convenientes e seguras.

B.4) alimentação

Os relatórios dos observado-res de bordo e alguns depoimentosprestados deixam claro que a ali-mentação fornecida aos tripulantes,principalmente ao brasileiros, é ina-dequada, irregular e insuficiente,causando transtornos gástricos, fra-queza, indisposição.

No pedido de autorização paraarrendamento de embarcações es-trangeiras, a empresa ré se compro-meteu a proporcionar aos tripulan-tes brasileiros tratamento adequa-do para o trabalho, alimentação, fa-cilidade de comunicação, assimcomo oportunidades para treina-mento (Instrução Normativa n. 04, de8.10.2003, da SEAP/PR, Anexo I).

Deverá ser garantido um car-dápio balanceado, cujo teor nutritivoatenda às exigências calóricas ne-cessárias às condições de saúde econforto dos trabalhadores, adequa-das ao tipo de atividade e que asse-

gure o bem-estar a bordo, como pre-visto, inclusive, na NR-30, item 30.6.

Como empregadora, a ré temobrigação de cumprir e fazer cumpriras normas de segurança e medici-na do trabalho (art. 157, I, CLT).

As refeições devem ser forne-cidas com intervalos regulares, aten-dendo-se aos costumes e hábitosalimentares praticados no Brasil emrelação aos tripulantes brasileiros eobservador de bordo.

O não atendimento a tais deter-minações sujeitará a empresa ré aopagamento de multa de R$ 5.000,00,por cada embarcação, em favor do FAT.

Deve a reclamada apresentar,no prazo de 20 (vinte) dias, progra-ma de alimentação, elaborado porprofissional habilitado para esse fim,que atenda às necessidades dos tri-pulantes, brasileiros e estrangeiros,considerando-se o tipo de atividadedesenvolvida, a duração da viagem,os costumes e hábitos alimentares.

B.5) suprimento de água po-tável

Estabelece o item 24.7.1 da NR-24, instituída pela Portaria n. 3.214/78,do Ministério do Trabalho, que regula-menta as condições sanitárias e deconforto nos locais de trabalho, queem todos os locais de trabalho deveráser fornecida aos trabalhadores águapotável, em condições higiênicas,sendo proibido o uso de recipientescoletivos.

Os relatos dos observadoresde bordo e fiscalização da DRT aomenos na embarcação Chung Kuo287 demonstram que nem semprehavia água potável suficiente.

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A reclamada obrigou-se a man-ter condições adequadas de traba-lho para a tripulação das embarca-ções arrendadas, na forma do art. 9º,inciso VII, do Decreto n. 4.810/03.Fica, portanto, obrigada a garantir atoda a tripulação das embarcaçõespesqueiras por ela arrendadas o su-primento de água potável e fresca emcondições higiênicas, em quantidadesuperior a 250 ml por hora/homem/trabalho, conforme estabelecido noitem 23.7.1.1 da NR-24.

Fica condenada a reclamadaao pagamento de multa de R$5.000,00, em favor do FAT, por cadaembarcação que não for devidamen-te provida de água potável e frescaem condições higiênicas para todaa tripulação durante toda a viagem.

B.6) água potável e local apro-priado para o asseio dos tripulantes

Denunciaram os observadoresde bordo que em algumas embarca-ções não há local apropriado parabanho, o qual é feito na proa da em-barcação, gerando constrangimentose acidentes, como escorregões equedas. A água utilizada para asseionão é de boa qualidade, posto queproveniente do desgelo do motor.

As condições sanitárias e dehigiene são péssimas a bordo dasembarcações estrangeiras arrenda-das à empresa ré, em total desres-peito às normas básicas de higienee segurança do trabalho.

Dever ser cumprido o estabe-lecido no art. 12 da Convenção n.126 da OIT. As instalações sanitáriasdevem ser suficientes, incluindopias de lavar as mãos, banheirasou duchas, instaladas a bordo de

todo navio de pesca. Água doce,quente e fria ou meios para aque-cer a água devem ser fornecidos emtodos os locais comuns destinadosaos cuidados de higiene. Meios delavagem e secagem de roupa se-rão previstos num local separadodos postos de descanso, refeitóriose sanitários e suficientemente ven-tilados e aquecidos.

A empresa ré tem o prazo de 20(vinte) dias para providenciar locaisapropriados para atender as neces-sidades de asseio e cuidados dehigiene da tripulação, em todas asembarcações arrendadas, bem comoprovê-las de água doce e limpa sufi-ciente para a higiene de acordo comas exigências estabelecidas na Con-venção n. 126 da OIT.

O não cumprimento das deter-minações supra ensejará a aplica-ção de multa de R$ 5.000,00, porcada embarcação, a ser revertida aoFAT.

As embarcações apenas se-rão liberadas do Porto do Recife paranovas operações de pesca após ve-rificação pela DRT, devidamente in-formada a este Juízo, de que se ade-quaram às normas pertinentes emrelação às instalações sanitárias elocais apropriados para o asseioe cuidados de higiene da tripulação.

B.7) lixo no mar

Todos os observadores de bor-do cujos relatórios vieram aos autosafirmam que as embarcações utili-zam o mar como lixeira tão logo seafastam do Porto, em total desres-peito ao meio ambiente, infringindoo art. 225 da Constituição Federal,

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segundo o qual “todos têm direito aomeio ambiente ecologicamente equi-librado, bem de uso comum do povoe essencial à sadia qualidade de vida,impondo-se ao Poder Público e à co-letividade o dever de defendê-lo epreservá-lo para as presentes e futu-ras gerações”.

É necessária a implatação demedidas que minimizem os impac-tos sobre o mar causados pela po-luição das embarcações pesqueiras.Deve a reclamada promover campa-nhas, cursos, treinamentos, visandoconscientizar seus funcionários, daimportância da preservação do meioambiente e do equilíbrio ambiental.Essa conscientização também éobrigação de toda a sociedade, prin-cipalmente dos órgãos oficiais regu-ladores, como a Secretaria Especialde Aqüicultura e Pesca.

Fica obrigada a empresa ré,através de seus tripulantes a bordodas embarcações pesqueiras, aabster-se de jogar lixo no mar, taiscomo plásticos, papel, papelão, tra-po, embalagem de madeira, emba-lagem de metal, vidro, latas, resíduossólidos, óleos lubrificantes usados,entre outros, devendo implantar com-pactadores a bordo para compacta-ção de todo o lixo produzido, bemcom trituradores para os restos dealimento (matéria orgânica), para quesejam jogados ao mar em estadoque facilite sua rápida decomposi-ção, além de implantar várias lixei-ras para o lixo seletivo, com coresdiferenciadas, para que o lixo possaser acondicionado separadamentee seja trazido para terra e transpor-tado a depósitos próprios. Prazo de20 (vinte) dias para as providências

determinadas quanto ao acondicio-namento do lixo.

Fixada a multa de R$ 5.000,00,por cada embarcação, revertida aoFAT, pela inobservância das deter-minações supra.

B.8) implementação do progra-ma de controle médico de saúdeocupacional

A segurança e higiene do tra-balho são imprescindíveis na pre-venção de acidentes e na defesa dasaúde dos empregados, evitandosofrimento, desperdícios ao sistemade saúde, já tão saturado, e econô-mico às empresas.

Compete às empresas cumprire fazer cumprir as normas de segu-rança e medicina do trabalho, nos ter-mos do art. 156, inciso I da CLT.

Deve o empregador garantir aelaboração e efetiva implementaçãodo Programa de Controle Médico deSaúde Ocupacional — PCMSO, bemcomo zelar pela sua eficácia, cus-teando, sem ônus para os emprega-dos, todos os procedimentos relacio-nados ao Programa, na forma esta-belecida pela NR-7. Indispensável arealização dos exames médicos pe-riódicos, por exemplo, principalmen-te ao considerarmos as condiçõesde trabalho a que são submetidosos tripulantes, em razão da naturezada atividade exercida.

Fica condenada a empresa réa elaborar e implementar, de formaefetiva, o PCMSO, nos termos esta-belecidos pela Norma Regulamen-tadora n. 7, instituída pela Portarian. 3.214/78, comprovando ao Juízo,

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no prazo de 20 (vinte) dias a formacomo vem implementando o Progra-ma de Controle Médico de SaúdeOcupacional aos seus empregados.

Ressalta-se que a reclamada,ao obter a autorização para arrenda-mento das embarcações estrangei-ras, obrigou-se a manter condiçõesadequadas de trabalho da tripula-ção, nos termos do inciso VII, art. 9º,do Decreto n. 4.810/03, entre as quaisse insere a promoção e preserva-ção da saúde do conjunto de seustrabalhadores.

Deve a empresa ré manter to-das as embarcações equipadascom material necessário à prestaçãode primeiros socorros, consideran-do-se as características da ativida-de desenvolvida, mantendo o mate-rial guardado em local adequado eaos cuidados de pessoa treinadapara fim (item 7.5.1 da NR-7).

B.9) jornada de trabalho

Requer o Ministério Público aconcessão de antecipação de tutelapara que seja determinada à recla-mada a concessão de intervalo in-terjornada mínimo de 11 horas eintrajornada de 1 hora, respeitando-se a jornada diária e semanal pre-vista no art. 7º, inciso XIII, da Consti-tuição Federal.

Considerando a natureza da ati-vidade prestada, com peculiaridades,inclusive em relação aos horários emque devem ser desenvolvidas as ope-rações e à impossibilidade de sus-pensão dos lançamentos e recolhi-mentos, entendo ser necessária acoleta de mais elementos e dadosde como, efetivamente, se desenvol-

vem as atividades, para que hajauma determinação plausível e razoá-vel acerca dos horários de trabalho,intervalos para repouso e alimenta-ção a serem seguidos pela tripulaçãodas embarcações.

Observe-se o relato do obser-vador de abordo, às fls. 459, no sen-tido de que “os horários de alimen-tação e de descanso ocorrem apósos lançamentos e recolhimentos, oque é perfeitamente compreensível,pois se o capitão da embarcaçãodemorasse para recolher o apare-lho de pesca (espinhel) é bem pro-vável que se o mesmo viesse reco-lher só no dia seguinte ou num inter-valo maior de tempo, muitos dospeixes de maior interesse econômicoestariam roídos ou totalmente devo-rados pelos tubarões que já teriamchegado antes de nós”.

O trabalho em embaracaçõesde pesca pode sujeitar-se a siste-ma específico, como o serviço de quar-to em viagem ou a compensaçãoprevista no art. 250 da CLT, segundoa conveniência do serviço, observan-do-se, ainda, a diretriz traçada peloEnunciado 96 do TST.

Dessa forma, deixo de conce-der a tutela antecipada como requeri-do, por não visualizar os elementosnecessários, para apreciar a ques-tão relativa à jornada de trabalho dostripulantes e intervalos inter e intra-jornada para descanso e refeição,após a instrução processual, na de-cisão definitiva, quando, então, se-rão determinadas as condições detrabalho que deverão ser respeita-das pela empresa ré, sob as penali-dades legais.

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B.10) treinamento e capacita-ção da tripulação brasileira

O arrendamento de embarca-ções estrangeira de pesca por em-presa brasileira é considerado ins-trumento temporário da política dedesenvolvimento da pesca oceâni-ca nacional, visando proporcionar,entre outros, o aperfeiçoamento demão-de-obra e geração de empre-gos no setor pesqueiro (art. 4º, II,Decreto n. 4.810/03).

Os relatórios dos observadoresde bordo demonstram que, em suamaioria, os brasileiros a bordo dasembarcações estão sendo subutili-zados nas fainas, não se vislumbran-do qualquer treinamento ou capaci-tação no sentido de aperfeiçoar amão-de-obra nacional, desvirtuando-se, portanto, dos objetivos a que seobrigou a reclamada ao obter a auto-rização para exploração da atividadeatravés de embarcações arrendadas.

Através do disposto na InstruçãoNormativa n. 04, em seu anexo I, inci-so VI, item 2, a Ocean Star PescadosLtda. se comprometeu a apresentarprograma de treinamento dos tripulan-tes brasileiros, o que, efetivamente,não vem cumprindo, segundo o relatodos observadores de bordo.

Fica obrigada a empresa ré apromover treinamento para capaci-tação da tripulação brasileira, comtransmissão de conhecimentos tec-nológicos, possibilitando o desem-penho de todas as fainas executa-das a bordo das embarcações depesca em alto mar, nos exatos ter-mos do Decreto n. 4.810/03, art. 4º, IIe Instrução Normativa n. 4 da SEAP/PR, anexo I, inciso VI, item 2.

Devem os observadores debordo fiscalizar o efetivo treinamen-to e transferência de conhecimentostecnológicos para fins de capacita-ção dos tripulantes brasileiros, de-nunciando ao órgão controlador(SEAP/PR) a sua inobservância.

A empresa ré deve apresentara este Juízo, no prazo de 20 (vinte)dias o programa de treinamento ofe-recido aos tripulantes brasileiros,para a efetiva fiscalização de suaimplantação, sob pena de multa deR$ 5.000,00, em favor do FAT, inde-pendentemente das sanções cabí-veis pelo descumprimento das dire-trizes previstas na legislação perti-nente a serem aplicadas pelo órgãocompetente.

Por todo o exposto, concedo,parcialmente, a liminar e antecipa-ção de tutela pretendidas, na formae limites estabelecidos na funda-mentação supra.

1. Intime-se a Marinha doBrasil, através da Capitania dosPortos de Pernambuco, com en-dereço à Rua São Jorge, n. 25,Recife Antigo, Recife, Cep: 50.030-240, na pessoa do Capitão de Mare Guerra, Sr. Roberto Carvalho deMedeiros, para que cumpra asdeterminações supra quanto à re-tenção das embarcações, fican-do ciente que as embarcaçõesapenas serão liberadas por or-dem judicial.

2. Intime-se a ré para o cum-primento das obrigações deter-minadas.

3. Dê-se ciência ao MinistérioPúblico do Trabalho e à Secretaria

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Especial de Aqüicultura e Pescada Presidência da República, noescritório de Pernambuco, comendereço à Av. General San Mar-tin, 1.000, Bongi, Recife-PE, Cep:50.630-060, remetendo cópias dapresente decisão.

Todas as intimações devemser realizadas através de Oficial deJustiça.

4. Inclua-se o feito em pautade audiência para instrução, paradepoimento das partes e produção deprova testemunhal, cientificando-seas partes.

Cumpra-se com a máxima ur-gência.

Recife, 29 de novembro de2004.

Juliana Lyra, Juíza do Trabalho.

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AÇÃO CIVIL PÚBLICA — MUNICÍPIO —CONTRATAÇÃO SEM CONCURSO PÚBLICO —

CONDENAÇÃO DO PREFEITO AO PAGAMENTO DEINDENIZAÇÃO POR DANO COLETIVO E

RESSARCIMENTO AO ERÁRIO (PRT 8ª REGIÃO)

EXMA. SRA. DRA. JUÍZA TITULAR DA VARA TRABALHISTA DE CAPANEMA

O MINISTÉRIO PÚBLICO DOTRABALHO, neste ato representa-do pela Procuradora do Trabalho aofim assinado, que pode ser notifi-cado à Rua dos Mundurucus, n.1.794, CEP 66.025-660, Belém-PA,vem, perante V.Exa., com funda-mento no art. 129, III, da Constitui-ção Federal, art. 6º, VII, “a”, “d” e in-ciso XIV, e art. 83, III, estes da LeiComplementar n. 75/93, e, final-mente, nos termos da Lei n. 7.347/85, propor a presente.

AÇÃO CIVIL PÚBLICA

Em face de MUNICÍPIO DE CA-PANEMA, pessoa jurídica de direitopúblico interno, e Jorge Netto daCosta, brasileiro, Prefeito Municipalde Capanema, que deverão ser notifi-cados na Rua João Pessoa, 148,Capanema, CEP 68.700-000, pelosfatos e fundamentos jurídicos queexpõe a seguir:

Dos Fatos

Em 9 de outubro de 2003, aProcuradoria Regional do Trabalhoda 8ª Região, por sua Procuradora-Chefe Dra. Célia Rosário Lage Me-dina Cavalcante, considerando a ati-vidade de custus legis do MinistérioPúblico do Trabalho, constatou queo Município de Capanema, atravésda sua prefeitura, implantou a Secre-taria de Trânsito na qual os seusagentes atuam aplicando multas eapreensões em veículos que trafe-gam na cidade e estão irregulares.Todavia, estes agentes de trânsitoforam contratados sem concursopúblico, não cumprindo, portanto, odisposto no art. 37, II, da Constitui-ção Federal, pelo que solicitou aabertura de Representação visandoa apurar a prática retronoticiada.

A Representação foi autuada(Procedimento Preparatório n. 794/2003), sendo que os autos foramdistribuídos à Procuradora do Traba-

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lho Dra. RITA MOITTA PINTO DACOSTA, ora subscritante.

Iniciando a investigação, estaProcuradora remeteu ao Prefeito doMunicípio de Capanema/PA notifica-ção requisitando que encaminhas-se, no prazo de 15 (quinze) diasúteis, ao MPT, a seguinte documen-tação: a) completa relação dos ser-vidores públicos municipais, indi-cando o nome, cargo, data de admis-são, e especificando o regime de ad-missão; e b) cópia do regime Jurídi-co Único ou legislação referente acontratação temporária no âmbito domunicípio.

Este pedido foi atendido, ten-do o prefeito encaminhado todos do-cumentos que lhe foram solicitados,conforme acima descritos.

Posteriormente, foram feitasdiversas notificações ao prefeito domunicípio a fim de que este compa-recesse à sede do Ministério Públi-co do Trabalho/8ª Região para tratarda questão envolvendo a regulariza-ção dos servidores públicos munici-pais, entretanto nenhuma delas foiatendida.

Dessa forma, a conclusão aque se pode chegar com base nainformação de que 820 servidores doMunicípio de Capanema são tempo-rários e tão-somente 588 são efeti-vos, é a de que aqueles são, na ver-dade, servidores efetivos, cujos con-tratos temporários são renovados e,o mais grave, ingressaram no servi-ço público sem a aprovação préviaem concurso público.

Logo, em face da constataçãoda admissão de empregados sem

a realização de concurso público peloMunicípio de Capanema, propõe oMinistério Público do Trabalho a pre-sente Ação Civil Pública.

DA LEGITIMIDADE DO MINISTÉ-RIO PÚBLICO

Prevê o art. 129, da Constitui-ção Federal, incumbir ao MinistérioPúblico “a defesa da ordem jurídica,do regime democrático e dos inte-resses sociais indisponíveis”. O art.129, III, também da mesma Consti-tuição, dispõe ser função institucio-nal do Parquet “promover o inquéri-to civil e a ação civil pública, para aproteção do patrimônio público e so-cial, do meio ambiente e de outrosinteresses difusos e coletivos”. Porsua vez, o inciso II do mesmo artigoretrocitado também fixa como funçãoinstitucional “zelar pelo efetivo res-peito dos Poderes Públicos e dosserviços de relevância pública aosdireitos assegurados nesta Constitui-ção, promovendo as medidas neces-sárias a sua garantia”.

A Lei Complementar n. 75, de20 de maio de 1993, em seu art. 6º,inciso VII, dispõe que compete aoMinistério Público da União, promo-ver o inquérito civil e a ação civil pú-blica para a) a proteção dos direitosconstitucionais; b) a proteção do pa-trimônio público e social; c) a prote-ção de outros interesses individuaisindisponíveis, homogêneos, sociais,difusos e coletivos. Logo em segui-da, no mesmo dispositivo, inciso XIV,está posto que poderá “promoveroutras ações necessárias ao exer-cício de suas funções institucionais,em defesa da ordem jurídica, do

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regime democrático e dos interessessociais e individuais indisponíveis,especialmente quanto: a) ao Estadode Direito e às instituições democrá-ticas; b)...; c) à ordem social”.

Especificamente quanto aoMinistério Público do Trabalho, toda-via sem excluir as disposições ante-riores — obviamente, posto que par-te do Ministério Público da União —assim dispõe o art. 83 da Lei Com-plementar n. 75/93 que “Compete aoMinistério Público do Trabalho o exer-cício das seguintes atribuições juntoaos órgãos da Justiça do Trabalho:I — promover as ações que lhes se-jam atribuídas pela Constituição Fe-deral e pelas leis trabalhistas; II —...; III — promover a ação civil públi-ca no âmbito da Justiça do Trabalho,para defesa de interesses coletivos,quando desrespeitados os direitos so-ciais constitucionalmente garantidos”.

O art. 84 da mesma Lei Com-plementar, que trata da Lei Orgânicado Ministério Público, expressamen-te reza que “incumbe ao MinistérioPúblico do Trabalho, no âmbito desuas atribuições, exercer as funçõesinstitucionais previstas nos CapítulosI, II, III, IV do Título I ”.

A Constituição Federal, em seuart. 37, II, fixa como condição para acontratação de empregado públicoa sua aprovação em concurso público.

Sem a realização do certameprévio, resta presumido o clientelis-mo que deveria ter sido exterminadode nossa cultura. Como o modo ile-gal e inconstitucional como contra-tou mão-de-obra, o Réu causou da-nos ao patrimônio público, vez quese utilizou de recursos públicos para

o pagamento dos salários de pes-soas contratadas sem qualquer cri-tério técnico, ou seja, ao talante doadministrador, como se fora proprie-tário de uma empresa privada.

Violou, pois, os direitos difusosde todos os trabalhadores que são,potencialmente, candidatos a possí-vel concurso público que deveria tersido realizado pelo Réu. Ou seja, todotrabalhador tem, nos termos que dis-põe o art. 37, I, da Carta Política, direi-to subjetivo a assumir as vagas queforam preenchidas pelos atuais ser-vidores municipais, isto é, estariamem condições de prestarem concur-so público, se assim lhes fosse per-mitido, razão pela qual justifica-se aintervenção do Ministério Público.

Em artigo doutrinário acerca dotema, leciona o ex-Subprocurador-Geral do Trabalho e atualmente Mi-nistro do Col. TST, Ives Gandra daSilva Martins Filho:

“No que concerne a interesses di-fusos no âmbito das relações detrabalho, teríamos como exemploo de empresa pública que contra-tasse diretamente empregados(acrescentamos também os queprestam serviços por terceiriza-ção ilícita) sem concurso público.O STF já decidiu pela exigibilida-de do concurso público tambémpara a admissão de empregados(regidos pela CLT) nas empresaspúblicas e sociedades de econo-mia mista (MS 21.322-1/DF), Rel.Min. Paulo Brossard, DJU de23.4.1993). Num caos desses, di-ante da denúncia do SindicatoProfissional a respeito da irregu-laridade, e uma vez constatada

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essa, o Ministério Público do Tra-balho poderia ajuizar ação civilpública para a defesa do interes-se difuso relativo aos possíveiscandidatos a um concurso públi-co. A hipótese seria nitidamentede defesa de interesse difuso pelaimpossibilidade de especificar oconjunto dos postulantes ao em-prego público, já que, potencial-mente, todas as pessoas que pre-enchessem os requisitos exigidospelo mesmo, poderiam ser consi-deradas candidatas sem poten-cial” (in “A Defesa dos InteressesColetivos pelo Ministério Públicodo Trabalho”, Ltr 57-12/1.431).

A Lei n. 7.347/85, que discipli-na a ação civil pública, teve acresci-do o inciso IV, em seu art. 1º, pelaLei n. 8.078/90, pelo qual se permi-tiu ao Ministério Público a defesa deoutros interesses difusos e coletivos,norma já constante do ordenamentoconstitucional de 1988.

Interesses ou direitos difusossão aqueles transindividuais ou su-pra-individuais, de natureza indivisí-vel, de que sejam titulares pessoasindeterminadas e ligadas por cir-cunstâncias de fato. A titularidade in-definida está relacionada com agrande massa trabalhadora, aptaa ingressar no serviço público, que,para tanto, preenche os requisitosestabelecidos em lei. E a circunstân-cia de fato é, justamente, a impossi-bilidade desses mesmos trabalha-dores, ávidos por uma ocupação dig-na, de terem acesso aos cargos ouempregos públicos, mas que estãosendo ocupados por critérios que jáse imaginava afastados da mentali-dade do administrador público, diante

da expressa vedação constitucional,configurando-se violação do direitoà igualdade de todos perante a lei(art. 5º, da CF).

Os atos praticados e aquelesque ainda serão (como, por exem-plo, a prorrogação dos “contratos porprazo determinado” por novos perío-dos), inegavelmente, são lesivos àordem jurídico-laboral.

Pela conjugação de todos es-ses fatores não resta dúvida sobre ailicitude dos atos que autorizaram ouprovavelmente venham a permitir autilização irregular de pessoas noserviço público, justificando a atua-ção ministerial.

DA COMPETÊNCIA MATERIAL

Versa a demanda sobre direi-tos trabalhistas, fundados na Cons-tituição Federal e na legislação re-gulamentadora, e que decorrem darelação trabalhador/empregador,competindo, portanto, à Justiça doTrabalho, dirimi-la (art. 114 da Cons-tituição, combinado com o art. 83, III,da Lei Orgânica do Ministério Públi-co da União).

Assim, inegavelmente é dacompetência desta Justiça Espe-cializada, em sua primeira instância,a análise e julgamento da presenteação, pois a questão ora apresenta-da decorre de interesses envolven-do relações de trabalho; relaçõesque, embora ostentando o nomenomem juris de “contratações tem-porárias”, indiciariamente não tempassado de uma das facetas de ver-dadeira macrolesão trabalhista, mar-cadamente em face do desrespeito

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a normas e princípios (legalidade,moralidade) alcandorados ao predi-camento constitucional.

É discutido neste a irregulari-dade na contratação de mão-de-obraconflitando com os interesses damassa empregada que sonha comuma ocupação digna no mercado detrabalho, numa disputa legítima (con-curso público) em que seria testadaa capacidade de cada candidato.

Como imperativo de Direito eJustiça, a responsabilidade do mauadministrador que promove tais con-tratações irregulares não pode ficarà margem do Judiciário Trabalhista,que não é parte inerte no mundo jurí-dico-processual, mas cujos órgãossão antes agentes políticos do Esta-do, tomando parte ativa na repres-são ao descumprimento da Lei e nãomeramente assistindo o desrespei-to à ordem jurídica vigente.

Neste sentido, como decorrên-cia ainda do art. 114 da Constituição,que afeta à Justiça do Trabalho ou-tras controvérsias decorrentes darelação de trabalho, é crucial desta-car que a atuação do MPT e do Judi-ciário Trabalhista é indissociável dosprincípios da legalidade, moralida-de, impessoalidade, publicidade eeficiência administrativas, não po-dendo ficar ambos inertes quando vis-lumbrado o seu descumprimento.

Assim, a Lei Complementar n.75/93, indiscutivelmente elasteceu acompetência material da Justiça doTrabalho, pois trouxe a esta espe-cializada o processo e julgamento daação civil pública, que foge, à regra,stricto sensu, de julgamento de dis-sídios entre empregados e empre-

gadores, e, consoante a dicção doart. 84, caput, c/c o art. 6º, XIV, f, daLOMPU, cabe ao Ministério Públicoda União (do qual um de seus ra-mos é o MPT), o exercício da ação deimprobidade administrativa. A cumu-lação de pedidos é perfeitamentefactível, na forma do art. 292 do CPC,considerando o rito ordinário consig-nado para a presente actio.

A jurisprudência do E. TRT da8ª Região é no mesmo sentido, sen-do válido mencionar o Acórdão01208-2002 — 106-08-00-9, 3ª T/RO3151/2003, da lavra da Juíza Pasto-ra Leal, em anexo.

Assim, dúvida não resta quan-to à competência material da Justiçado Trabalho e funcional dessa MMªVara para conhecer, processar e jul-gar o presente feito.

DO DIREITO

Dos atos de responsabilidade do pre-feito municipal

A apuração dos fatos, acimarelatados e devidamente comprova-dos com a documentação em ane-xo, evidencia, de forma cabal e in-discutível, a ilegalidade perpetradapelos Réus.

As regras mais básicas de Di-reito Administrativo não toleram estetipo de comportamento, absoluta-mente repudiado pelo ordenamentojurídico pátrio.

Também não é justo que a so-ciedade tenha que pagar a conta decontratações feitas ao arrepio daConstituição e da legislação vigen-te, com base em critérios desconhe-

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cidos e afrontadores dos princípiosda legalidade, moralidade, impes-soalidade, publicidade e eficiênciaadministrativas.

Assim, as contratações proce-didas em desacordo com a regra doart. 37, caput, II e IX, e § 2º, da Cons-tituição, foram procedidas spontesua dos referidos administradores.

Os contratos dos servidorestemporários, pactuados em desres-peito a norma constitucional, sãonulos de pleno direito.

E, como é sabido, o ato nulonão gera efeitos, a não ser o contrá-rio do desejado pelo responsávelpela sua prática.

Em sendo assim, obviamente,a vontade do administrador réu, oefeito desejado pelos mesmos comas contratações, era o reconheci-mento de vínculo com o ente públi-co, todavia este não pode se dar,considerando a proibição constitu-cional e a nulidade do ato.

O efeito contrário disto só podeser o reconhecimento de vínculoempregatício dos contratados emdesacordo com a regra do art. 37,caput, II e IX, e § 2º, da Constituição,com a pessoa dos próprios adminis-tradores, solução esta que, aliás,encontra consonância com o dispos-to no art. 37, IV, da Lex Fundamen-tallis, c/c art. 12, II, da Lei n. 8.429/92.

Ora, se não é justo que os pro-fissionais contratados fiquem à mar-gem da legislação trabalhista por ir-responsabilidade do administrador,e se não é justo que o cidadão paga-dor de impostos tenha que arcar como prejuízo que será suportado pelo

erário com as admissões, é absolu-tamente injusto deixar o mau admi-nistrador impune por suas ações.

A Constituição de há muito pre-vê a responsabilização do mau ad-ministrador pela contratação irregu-lar, como se vê:

“Art. 37..............................................

§ 2º A não observância do dispos-to nos incisos II e III implicará anulidade do ato e a punição daautoridade responsável, nos ter-mos da lei.

§ 4º Os atos de improbidade ad-ministrativa importarão a suspen-são dos direitos políticos, a perdada função pública, a indisponibi-lidade dos bens e o ressarcimen-to ao erário, na forma e gradaçãoprevistas em lei, sem prejuízo daação penal cabível.”

E, nos termos da Lei, o fatoencontra enquadramento em pelomenos dois dispositivos legais, emtese, a saber (Lei n. 8.429/92):

“Art. 10. Constitui ato de improbi-dade administrativa que causalesão ao erário qualquer ação ouomissão, dolosa ou culposa, queenseje perda patrimonial, desvio,apropriação, malbaratamento oudilapidação dos bens ou haveresdas entidades referidas no art. 1ºdesta lei, e notadamente:

I — facilitar ou concorrer por qual-quer forma para a incorporação aopatrimônio particular, de pessoafísica ou jurídica, de bens, rendas,verbas ou valores integrantes doacervo patrimonial das entidadesmencionadas no art. 1º desta lei;

............................................................

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XI — liberar verba pública sem aestrita observância das normaspertinentes ou influir de qualquerforma para sua aplicação irregular.

Art. 11. Constitui ato de improbi-dade administrativa que atentacontra os princípios da adminis-tração pública qualquer ação ouomissão que viole os deveres dehonestidade, imparcialidade, le-galidade, e lealdade às institui-ções, e notadamente:

I — praticar ato visando fim proi-bido em lei ou regulamento ou di-verso daquele previsto na regrade competência;

..............................................................

V — frustrar a licitude de concursopúblico.”

Ainda, a moralizadora Lei deResponsabilidade Fiscal, em seuart. 21, preconiza:

“Art. 21. É nulo de pleno direito oato que provoque aumento da des-pesa com pessoal e não atenda:

I — às exigências dos arts. 16 e 17desta lei complementar, e ao dis-posto no inciso XIII do art. 37 e no§ 1º do art. 169 da Constituição.”

E o art. 169 da Constituição,por sua vez, estatui:

“Art. 169. A despesa com pessoalativo e inativo da União, dos Esta-dos, do Distrito Federal e dos Mu-nicípios não poderá exceder oslimites estabelecidos em lei com-plementar.

§ 1º A concessão de qualquer van-tagem ou aumento de remunera-ção, a criação de cargos, empre-

gos e funções ou alteração de es-trutura de carreiras, bem como aadmissão ou contratação de pes-soal, a qualquer título, pelos ór-gão e entidades da administraçãodireta ou indireta, inclusive funda-ções instituídas e mantidas peloPoder Público, só poderão ser fei-tas:

I — se houver prévia dotação or-çamentária suficiente para aten-der às projeções de despesa depessoal e aos acréscimos deladecorrentes;

II — se houver autorização espe-cífica na lei de diretrizes orça-mentárias, ressalvadas as empre-sas públicas e as sociedades deeconomia mista.”

A dicção do original art. 9º da CLT,já diz que:

“Art. 9º Serão nulos de pleno direi-to os atos praticados com o objeti-vo de desvirtuar, impedir ou frau-dar a aplicação dos preceitos con-tidos na presente consolidação.”

Ora, a partir das contrataçõesde pessoal sem concurso público, oente público passa a pagar os pro-fissionais assim arregimentados, ouseja, há liberação de verba públicasem a observância das normas per-tinentes (art. 37, II e IX, e § 2º, daConstituição). É nítida a concorrên-cia destes administradores na incor-poração ao patrimônio particular dosirregularmente contratados, das ver-bas pertencentes ao ente público.

É evidente, também, a frustra-ção da licitude do concurso público,por tudo o quanto já foi alegado e,bem assim, a prática de ato visando

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ao fim proibido em lei (contrataçãosem concurso público).

Em última análise, a conjuga-ção de todos estes dispositivos le-gais (art. 37, caput, II, IV e IX, § 2º, c/cart. 169, § 1º, I e II, da Constituição,c/c o art. 10, I e XI, da Lei n. 8.429/92,o art. 21 da Lei Complementar n.101/00 e o art. 9º da CLT) resulta naresponsabilidade direta do mau ad-ministrador, que deverá responderpelo vínculo empregatício do pesso-al contratado em desacordo com osditames legais e todos os consectá-rios trabalhistas daí decorrentes,sem prejuízo do ressarcimento aoerário pelo dano causado, na formado art. 12, II, da Lei n. 8.429/92.

Evidenciada, pois, também aimprobidade administrativa em tesedos referidos administradores.

Eis o breve escorço históricoda quaestio.

Dispositivos Constitucionais Violados

São princípios que norteiam aAdministração Pública brasileira(Constituição Federal):

“Art. 37. A administração públicadireta, indireta ou fundacional, dequalquer dos Poderes da União,dos Estados, do Distrito Federale dos Municípios obedecerá aosprincípios de legalidade, impes-soalidade, moralidade, publicida-de e, também, ao seguinte:

I — os cargos, empregos e fun-ções públicas são acessíveis aosbrasileiros que preencham os re-quisitos estabelecidos em lei;

II — a investidura em cargo ouemprego público depende deaprovação prévia em concursopúblico de provas ou de provas etítulos, ressalvadas as nomea-ções para cargo em comissãodeclarado em lei de livre nomea-ção e exoneração;

............................................................

§ 2º A não-observância do dispos-to nos incisos II e III implicará anulidade do ato e a punição daautoridade responsável, nos ter-mos da lei” (Grifamos).

O comportamento do ente pú-blico, no trato com seus trabalhado-res, afronta abertamente estes prin-cípios consagrados pela Lei Maior.Os ditames constitucionais são diri-gidos a todos, que devem agir inspi-rados nestes preceitos. Nesse senti-do, ensina CELSO ANTÔNIO BAN-DEIRA DE MELLO que:

“... violar um princípio é muito maisgrave que transgredir uma norma.A desatenção ao princípio impli-ca não apenas a um específicomandamento obrigatório, mas atodo o sistema de comandos. É amais grave forma de ilegalidadeou inconstitucionalidade, confor-me o escalão do princípio viola-do, porque representa insurgên-cia contra todo o sistema, subver-são de seus valores fundamen-tais, contumélia irremissível aseu arcabouço lógico e corrosãode sua estrutura mestra.”(1)

Normas de proteção ao traba-lhador rural:

(1) Rdp 15/283.

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Destaque-se ainda o ferimen-to, pelos Requeridos, de direitos egarantias fundamentais constitucio-nalmente garantidos:

“Art. 5º Todos são iguais perantea lei, sem distinção de qualquernatureza, garantindo-se aos bra-sileiros e aos estrangeiros resi-dentes no País a inviolabilidadedo direito à vida, à liberdade, àigualdade, à segurança e à pro-priedade, nos termos seguintes:

............................................................

XLI — a lei punirá qualquer discri-minação atentatória dos direitose liberdades fundamentais.”

Os direitos sociais mínimosdos trabalhadores estão garantidosnos arts. 6º usque 11 da Constitui-ção Federal de 1988.

Os fatos supranarrados, con-sistentes de ilícitos trabalhistas noente público, ferindo princípios cons-titucionais e direitos sociais, repre-sentam desrespeito ao Direito doTrabalho.

O art. 37, inciso II, da Constitui-ção da República exige que a inves-tidura em cargo ou emprego públicoseja condicionada à aprovação pré-via em concurso público de provasou de provas e títulos, ressalvadas,tão-somente, as nomeações paracargo em comissão declarado emlei, de livre nomeação e exoneração.

A exigência inserida na Cons-tituição da República atinge a todasas entidades da Administração Pú-blica Direta, Indireta ou Fundacionale em todos os Poderes da União,dos Estados, do Distrito Federal e dosMunicípios, como se infere da nor-

ma contida no caput do referido dis-positivo.

A seu turno, o art. 37, inciso IX,da Carta Política de 1988 estatui que“a lei estabelecerá os casos de con-tratação por tempo determinado paraatender a necessidade temporáriade excepcional interesse público”.

Ora, as contratações por tem-po determinado somente podemocorrer quando presentes ambos osrequisitos exigidos pela ConstituiçãoFederal: necessidade temporária ede excepcional interesse público. Poróbvio, a necessidade permanente doserviço público não pode ser atendi-da por esta modalidade de contrata-ção e o interesse público não podeser o ordinário, que deve sempreorientar os atos administrativos, masaquele excepcional, que se apresen-ta em situações de urgência e altarelevância, exigindo uma imediataação do administrador no atendimen-to da população.

Necessidade temporária, poróbvio, atrai a idéia de uma atividadeque não possa ser permanente ehabitual. Por sua vez, entende-se porexcepcional interesse público aqui-lo que ultrapassa o interesse públi-co comum. A Constituição, ao se re-ferir a “excepcional” (e por não con-ter palavras inúteis), quis contemplaratos extraordinários que exigem in-tervenção urgente do Poder Públicopara proteção da sociedade, como,por exemplo, a existência de greve,calamidade, epidemia, ou até mes-mo serviço específico que não pos-sa ser realizado pelos meios nor-mais da administração.

Não se pode admitir como si-tuação excepcional, de urgência e

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alta relevância, aquela criada pelaprópria administração, devido a inér-cia de realização de concurso públi-co, levando a uma carência de pes-soal, pois, como regra de direito, nãose pode alegar em benefício a pró-pria torpeza.

A propósito, em comentáriosao art. 37, inciso IX, da Constituição,adverte Adilson Abreu Dallari:

“Está absolutamente claro quenão mais se pode admitir pes-soal por tempo determinado, paraexercer funções permanentes,pois o trabalho a ser executadoprecisa ser, também, eventual outemporário, além do que a con-tratação somente se justifica paraatender a um interesse públicoqualificado como excepcional, ouseja, uma situação extremamen-te importante, que não possa seratendida de outra forma. Em re-sumo, é preciso atender ao espí-rito da Constituição Federal, evi-tando um novo arrombamentodessa abertura, impedindo que acontratação temporária sirva(mais uma vez) para contornar aexigência de concurso público,levando à admissão indiscrimi-nada de pessoal, em detrimentodo funcionalismo público, do con-trole que deve ser exercido peloPoder Legislativo, da qualidadedos serviços prestados à popula-ção e, por último, arruinando asfinanças públicas e o planejamen-to orçamentário” (“Regime Cons-titucional dos Servidores Públi-cos”, Ed. RT, 1992, p. 124).

Desta forma, desconhecem-seos critérios utilizados para arregi-

mentação dos servidores temporá-rios. Uma coisa é certa, porém, o cri-tério utilizado não atende aos bási-cos princípios da legalidade, morali-dade, publicidade, impessoalidadee eficiência administrativa e feremmortalmente, ainda, o princípio daigualdade.

Vislumbra-se, pois, uma irre-gularidade administrativa que deveser ceifada pelo Judiciário Traba-lhista (via, inclusive, a concessão deliminar).

Ao enfrentar a questão o Su-premo Tribunal Federal decidiuque a acessibilidade aos cargose empregos públicos da Adminis-tração Pública Direta e Indireta su-jeita-se à prestação de concursopúblico, salvo os casos expressa-mente mencionados no texto cons-titucional, conforme julgado abai-xo transcrito:

“A acessibilidade aos cargos pú-blicos a todos os brasileiros, nostermos da Lei mediante concursopúblico, é princípio constitucionalexplícito, desde 1934, art. 168.”

Embora cronicamente sofis-mado, mercê de expedientes desti-nados a iludir a regra, não só foi rea-firmado pela Constituição, como am-pliado, para alcançar os empregospúblicos, art. 37, I e II.

Pela vigente ordem constitucio-nal, em regra, o acesso aos empregospúblicos opera-se mediante concursopúblico, que pode não ser de igual con-teúdo, mas há de ser público.

As autarquias, empresas pú-blicas ou sociedades de economiamista estão sujeitas à regra, que

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envolve a administração direta, indi-reta ou fundacional, de qualquer dospoderes da União, dos Estados doDistrito Federal e dos Municípios.

Sociedade de economia mistadestinada a explorar atividade eco-nômica está igualmente sujeita aesse princípio, que não colide com oexpresso no art. 173, § 1º.

Exceções ao princípio, se exis-tem, estão na própria Constituição.“(STF MS 21322 — DF — Ac. TP,3.12.92 — Rel. Min. Paulo BrossardRevista LTr, n. 57-09/1092).”

E em seu § 2º, o art. 37 estabe-lece a nulidade do ato de contrata-ção e a punição da autoridade res-ponsável, portanto, a norma inseri-da em tal dispositivo, visa a protegerao interesse público em seu sentidomais amplo, na medida em que pormeio do certame público garante-seobediência aos princípios da legali-dade, publicidade, moralidade, im-pessoalidade e eficiência que devemnortear toda atuação administrativa,inclusive a da Administração Indireta.

Em relação ao Princípio daLegalidade leciona Diógenes Gas-parini:

“O princípio da legalidade, resu-mido na proposição suporta a leique fizeste, significa estar a Ad-ministração Pública, em toda asua atividade, presa aos manda-mentos da lei, deles não se po-dendo afastar, sob pena de inva-lidade do ato e responsabilidadedo seu autor. Qualquer ação es-tatal sem o correspondente calçolegal, ou que exceda ao âmbitodemarcado pela lei, é injurídica e

expõe-se à anulação. Seu campode ação, como se vê, é bem me-nor que o particular. De fato, estepode fazer tudo que a lei permitee tudo que a lei não proíbe; aque-la só pode fazer o que a lei autori-za e, ainda assim, quando ecomo autoriza” (In: “Direto Admi-nistrativo”, Saraiva, 4ª ed).

O respeito ao princípio do con-curso público é direito asseguradodesde a Declaração dos Direitos doHomem e do Cidadão, em 1789, cujoart. 6º dispõe:

“TODOS OS CIDADÃOS SÃOIGUALMENTE ADMISSÍVEIS A TO-DOS OS CARGOS PÚBLICOS, SEMOUTRA DISTINÇÃO QUE NÃO SEJACAPACIDADE OU O TALENTO.”

Concluindo, inarredavelmenteo ente público está adstrito aos prin-cípios norteadores da AdministraçãoPública Direta, elencados no art. 37da Lex Legum, inclusive no tocanteà prévia realização de concurso pú-blico, visando assim a propiciar a to-dos os interessados igual oportuni-dade no emprego público.

Impõe-se, portanto, a atuaçãorepressiva do Ministério Público doTrabalho, através da presente AçãoCivil Pública, no sentido de obter atutela jurisdicional objetivando coibira violação a preceitos constitucio-nais, visando, sobretudo, a assegurara ordem jurídica.

DA LESÃO À COLETIVIDADE E DAREPARAÇÃO DO DANOCOLETIVO

As práticas aqui repudiadas le-vam à completa frustração de garan-

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tias dos trabalhadores e prejuízo aoerário.

Perpetrada a ilegalidade, devea autoridade responsável ser puni-da como impõem o art. 37, II e §§ 2ºe 4º da Constituição Federal combi-nados com os arts. 1º, 2º, 4º, 11 einciso I, e art. 12, inciso III, da Lei n.8.429, de 2.6.1992. Isto porque, ascontratações procedidas, em contra-riedade ao disposto no art. 37, II, daLex Fundamentalis constituem crimede responsabilidade e prática deato de improbidade administrativa,ensejando também reparação dedanos causados ao erário medianteação regressiva e suspensão de di-reitos políticos, nas esferas cível eeleitoral, valendo destacar que aoagente público cabe zelar pelos prin-cípios inseridos no caput do referidoart. 37, da Constituição, em especialo da legalidade.

Além disso, o ato inquinadolesa interesses difusos de brasilei-ros que se submetem a concursospúblicos, atentando ainda contra aordem jurídica, pela qual cabe aoMinistério Público zelar (art. 127 daCF e art. 1º, da LC n. 75/93), pois setoleradas as admissões ilegais res-taria frustrado o desejo de toda asociedade, de inibir abusos, demodo a contribuir para a formaçãode uma competente e proba Admi-nistração Pública.

Portanto, a questão não cinge-se aos estreitos limites de mera con-tratação irregular de empregado,mas amplia-se na desobediência àCarta Maior e à legislação infracons-ticucional vigente, em flagrante pre-juízo ao interesse público, interesse

maior da sociedade, impondo-se,dessa forma, combater reprováveispráticas, com a responsabilizaçãoda autoridade pública.

Ao realizar as contratações re-tromencionadas, a Prefeita atentoucontra os princípios da Administra-ção Pública, admitindo servidorespor prazo determinado fora das hi-póteses regradas pela ConstituiçãoFederal, ferindo o princípio do con-curso público.

Agindo assim, a referida admi-nistradora causou lesão a interes-ses difusos, já que frustrou o aces-so ao emprego público a todos oscandidatos em potencial.

O art. 129, III da Constituiçãoda República atribuiu ao MinistérioPúblico do Trabalho a promoção doinquérito civil e da ação civil pública,para a proteção do patrimônio públi-co e social, do meio ambiente e deoutros interesses difusos e coletivos.

Dessa forma, este é meio ade-quado para que sejam definidas dasresponsabilidades por qualquer atoilícito que cause danos a interessesdifusos ou coletivos. A questão estáassim definida pelo art. 1º da Lei n.7.347/85:

“Art. 1º Regem-se pelas disposi-ções desta lei, sem prejuízo daação popular, as ações de res-ponsabilidade por danos moraise patrimoniais causados:

IV — a qualquer outro interessedifuso ou coletivo.”

Busca-se, aqui, a reparação dodano jurídico social emergente daconduta ilícita da Prefeita, cuja res-

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ponsabilidade deve ser apurada atra-vés desta ação.

Como tais lesões amoldam-se na definição do art. 81, incisos I eII, da Lei n. 8.078/90, cabe ao Minis-tério Público, com espeque nos arts.1º, caput, e inciso IV e 3º da Lei n.7.347/85, propor a medida judicialnecessária à reparação do dano e àsustação da prática.

Nesse passo, afigura-se cabí-vel a reparação à coletividade dos tra-balhadores, não só pelos danos cau-sados, mas, igualmente, para de-sestimular tais atos.

No tocante ao destinatário daindenização, a mesma deve ser re-vertida em prol de um fundo destina-do à reconstituição dos bens lesa-dos, conforme previsto no art. 13 daLei n. 7.347/85. No caso de interes-ses difusos e coletivos na área tra-balhista, esse fundo é o FAT (Fundode Amparo ao Trabalhador), que, ins-tituído pela Lei n. 7.998/90, custeia opagamento do seguro-desemprego(art.10) e o financiamento de políti-cas públicas que visem à reduçãodos níveis de desemprego.

Entendemos razoável, consi-derado o número de contratações eo tamanho da lesão, a fixação de in-denização no valor de R$ 50.000,00a ser paga pelo Prefeito Municipal,Sr. Jorge Netto da Costa.

A jurisprudência do E. TRT da8ª Região é no mesmo sentido, sen-do válido mencionar o Acórdão 01208-2002—106-08-00-9, 3ª Turma/RO3151/2003, da lavra da Juíza Pasto-ra Leal, em anexo.

São estas, preclaro Julgador,as graves lesões ao ordenamento

jurídico pátrio que fundamentam apropositura da presente AÇÃO CIVILPÚBLICA.

DA LIMINAR

Do Fumus Boni Iuris e do Periculum inMora

O fumus boni iuris está clara-mente evidenciado no relato dos fa-tos e de toda a legislação já invoca-da, não cabendo aqui repetição deargumentos, em nome da economiae celeridade processual.

Até que transite em julgado adecisão que será proferida na açãocivil pública, a exploração de mão-de-obra temporária em serviços decaráter permanente tornará a ocor-rer, como evidenciam as notícias emanexo, se nenhuma medida for ado-tada para coibir tal funesta conduta.

Como se vê, o Poder Judiciá-rio não pode permanecer inerte as-sistindo o descaso com a norma in-serta no art. 37, II, da Constituição, enem com os direitos dos trabalha-dores em ter um vínculo em caráterefetivo e não temporário, com admis-são em igualdade de condiçõesmediante concurso público, e nãopela “porta dos fundos”, através dofamigerado “processo seletivo sim-plificado”.

A contratação emergencial pormeio de processo seletivo simplifi-cado quando inexistente a hipótesede necessidade temporária de ex-cepcional interesse público além deser lesiva aos cofres públicos por vio-lar a Constituição, deixa os trabalha-dores à míngua dos direitos traba-

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lhistas a que fariam jus, no contextode um contrato de trabalho válido eregular firmado com o Estado, ouseja, através de concurso público,por manchar de nulidade indelévelos pactos firmados com infringênciaao art. 37, II, da Constituição da Re-pública.

Diante deste quadro, é que apronta tutela jurisdicional se mostraimprescindível, para atender aosanseios da sociedade, que não maissuporta o desrespeito aos direitosbásicos do cidadão.

A liminar ora requerida é pre-vista no art. 12 da Lei da Ação CivilPública, embasada ainda pelo po-der geral de cautela afeto ao Magis-trado e contido nos arts. 798 e 799do Codex Instrumental, que pode serusado sempre que houver fundadoreceio de ameaça a direito e possi-bilidade de lesão irreparável.

Destarte, resta inarredável quea cautela requerida é medida que seimpõe para debelar um problemasocial premente e obrigar o Reque-rido ao cumprimento da legislaçãodita vilipendiada, tratando-se a es-pécie dos autos de caso excepcio-nal que justifica a concessão de li-minar inaudita altera pars para pre-servar a eficácia do pedido, eliminan-do-se o mal pela raiz.

Da liminar propriamente dita

Assim, liminarmente e de for-ma inaudita altera pars, requer o Par-quet seja determinado, sob pena decrime de desobediência (art. 330 doCP) e/ou prevaricação (art. 319 do CP)

e, em especial, das penas previstaspara o descumprimento de ordemjudicial, inclusive interdição:

I — que o Sr. Prefeito Municipal seabstenha de proceder à contrata-ção de servidores sem a préviarealização de concurso público,até o julgamento final da presen-te ação;

II — que, num prazo máximo de30 (trinta) dias, a contar do deferi-mento liminar, o Prefeito Munici-pal dê início aos procedimentospara a deflagração de concursopúblico para o preenchimento doscargos ocupados por servidorestemporários.

DO PEDIDO

A título de esclarecimento, valelembrar que a Ação Civil Pública podeter por objeto “a condenação em di-nheiro ou o cumprimento de obriga-ção de fazer ou não fazer” (Lei n.7.347/85, art. 3º).

Concedida a liminar e anteci-pação de tutela supra, requer-se oprosseguimento do feito até final jul-gamento, confirmando-se a liminar,a antecipação de tutela e todas astutelas adicionais postuladas, coma edição de provimento jurisdicionalde cunho:

a. requer-se a declaração de nuli-dade de todos os contratos de tra-balho firmados pelo Municípiosem a observância do dispostono art. 37, II, da Constituição Fe-deral de 1988;

b. pede-se o reconhecimento aoefeito constitutivo e para todos os

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fins, do vínculo empregatício doscontratados em regime “temporá-rio”, com a pessoa do PrefeitoMunicipal, de todo o período labo-rado irregular para prestação deserviços ao Município;

c. que sejam extintas as relaçõesde trabalho mantidas com todo equalquer servidor do Municípiocontratado em ofensa ao art. 37, IIe § 2º, não importando a denomi-nação da forma;

A ordem de concurso públicodeverá ser mantida até o completopreenchimento do quadro efetivo deservidores municipais.

d. que o Réu Jorge Netto da Cos-ta seja condenado pela prática deato de improbidade administrati-va, capitulado no art. 10, caput, I eXI, e 11, I e V, da Lei n. 8.429/92,conforme a fundamentação retro-expendida, determinando-se, naforma do art. 12, II e III, o ressarci-mento integral do dano causadoà Administração, qual seja, a res-tituição do pagamento efetuadopelo Estado da remuneração dosprofissionais contratados em de-sacordo com o art. 37, caput, II eIX, e § 2º da Constituição e emdescumprimento da liminar pro-ferida nos autos da ACI n. 01.0187/2001. Ainda: seja pronunciada asuspensão dos direitos políticosde 3 a 5 anos, a perda da funçãopública e o indispensável decretode indisponibilidade dos bensdos mesmos;

e. que o Réu Jorge Netto da Cos-ta seja condenado no pagamen-to de indenização no importe deR$ 50.000,00 (cinqüenta mil reais),

corrigida monetariamente até oefetivo recolhimento, em favor doFAT — Fundo de Amparo ao Tra-balhador.

DA MULTA

Para o descumprimento dasobrigações de fazer e não fazer reque-ridas (itens a, b e c), pede-se a comi-nação de multa ao réu inadimplente,no equivalente a R$ 10.000,00 (dez milreais), por trabalhador e por obriga-ção descumprida; e mais R$ 1.000,00(um mil reais), por dia de atraso/reni-tência quanto ao efetivo cumprimentodo determinado, tudo reversível ao FAT— Fundo de Amparo ao Trabalhador,nos termos dos arts. 5º, § 6º, e 13,ambos da Lei n. 7.347/85.(2)

DO REQUERIMENTO FINAL

Isto posto, requer-se:

— o recebimento e acolhimentoda presente em todos os seustermos;

(2) Novamente, J. E. Carreira Alvim: “seja posi-tiva ou negativa, fungível ou infungível, emqualquer caso, a multa cumpre a mesma finali-dade, atuando como desestímulo à recalcitrân-cia do devedor, buscando vencer a sua restis-tência. Tal conclusão se impõe porque a multanão tem natureza reparatória do direito (materi-al) do credor — função que vem cumprida pelasperdas e danos (art. 461, § 1º) —, embora cola-bore para sua satisfação, mas natureza sancio-natória, por desrespeito à decisão judicial. Poroutro lado, a multa não é uma sanção pelo fatode o devedor não haver cumprido a obrigação— tanto que não prejudica o direito do credor aocumprimento da obrigação específica ou equi-valente —, mas sanção a ele imposta enquantonão atende a ordem judicial”. In “Tutela Especí-fica das Obrigações de Fazer e Não Fazer”,Belo Horizonte: Del Rey, 1997, pp. 176-7.

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— a intimação dos réus da limi-nar, bem como a expedição dosseus competentes mandados decitação, por Oficial de Justiça, para,querendo, responderem à presen-te ação, sob pena de revelia e con-fissão quanto à matéria fática;

— a designação de audiênciapara oitiva dos réus sob pena deconfesso;

— o acolhimento de todos ospedidos da presente actio, emsentença;

— a condenação dos demanda-dos a satisfazerem as custas pro-cessuais e demais cominaçõesde estilo;

— a intimação pessoal e nosautos do Ministério Público do

Trabalho de todos os atos pro-cessuais, na forma do art. 18, II,h, combinado com o art. 84, IV,da Lei Complementar n. 75/93,bem como o disciplinado peloart. 236, § 2º, do Código de Pro-cesso Civil e art. 41, IV da LeiNacional do Ministério Público(Lei n. 8.625/93).

Para comprovar o exposto, re-quer a produção de prova por todosos meios em Direito admitidos, in-clusive perícias e inspeção judicial,se necessário.

Dá à presente o valor de R$-50.000,00, para efeitos meramentefiscais.

Belém, 16 de agosto de 2004.

Rita Moita Pinto da Costa, Pro-curadora do Trabalho.

DECISÃO

Sentença

Julgamento: 25.11.2004, às 13h00

Processo: 00917-2004-105-08-00-6

Natureza: AÇÃO CIVIL PÚBLICA

Rito: ORDINÁRIO

Autor: MINISTÉRIO PÚBLICO DOTRABALHO

Procuradora: Dra. Rita Moita Pinto daCosta

Réu (1º): MUNICÍPIO DE CAPANEMAPARÁ

Advogado: Dr. Carlos Guilherme daSilva Azevedo — OAB 7665/PA

Réu (2º): JORGE NETTO DA COSTA

Advogado: Dr. Carlos Guilherme daSilva Azevedo — OAB 7665/PA

1. RELATÓRIO

O MINISTÉRIO PÚBLICO DOTRABALHO ajuizou a presente AçãoCivil Pública em face do MUNICÍPIODE CAPANEMA PARÁ e de seu Pre-feito, o Sr. Jorge Netto Costa, adu-zindo que após promover procedi-mento investigatório sobre o quadrofuncional do ente público demanda-do constatou que a maioria absolutados trabalhadores à disposição doMunicípio está sob a égide de frau-dulentos contratos temporários, cujo

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uso indiscriminado estaria em dis-sonância com as exigências da CF,art. 37, Inciso II, e destoando do per-missivo do Inciso IX. Argumenta, ain-da, que não lograram êxito as tenta-tivas de ajustamento de conduta dosréus, não restando outra medida atomar senão o ajuizamento da pre-sente ação a fim de: a. compelir osréus a cessarem a contratação irre-gular de trabalhadores, mediante oreconhecimento da nulidade dospactos atuais não precedidos de con-curso públicos; b. obrigação de fazerconsistente na realização de certa-me público para sanear a situaçãofuncional do ente federado; c. apli-cação de multa pelo eventual des-cumprimento das obrigações de fa-zer e de não fazer; d. condenaçãopessoal do segundo réu por impro-bidade administrativa, seja na repa-ração dos danos causados à coleti-vidade (R$ 50.000,00), seja no reco-nhecimento do vínculo de empregodos trabalhadores diretamente coma pessoa do administrador, seja pelareposição aos cofres públicos dosvalores utilizados para pagamentoirregular de salários, seja para im-por a perda do cargo público e a ine-legibilidade do réu em questão. Pos-tula, ainda, a concessão de liminar.

Inicial instruída pelos docu-mentos de fls. 20/144.

Alçada mantida conforme valoratribuído à causa na peça de ingres-so (R$ 50.000,00).

Recusada a primeira propos-ta de conciliação, os réus oferece-ram defesa escrita e conjunta nasfolhas 166/172 dos autos, argüindo:a. “conflito positivo de competência”

(sic); b. incompetência absoluta porprerrogativa de foro do segundo réu;c. incompetência material da Justiçado Trabalho; d. ilegitimidade ativa doMinistério Público do Trabalho; e. nomérito: e.1) que não há inconstitu-cionalidade nas contrações tempo-rárias do Município réu; e.2) que éincabível a anulação judicial dascontratações pois, se fosse o caso,a competência seria da Câmara deVereadores local, sob pena de im-plicar em “usurpação de poder” (sic),prática repugnada pelo Estado De-mocrático de Direito; e.3) que é in-subsistente o pedido de reconheci-mento de vínculo empregatício e depagamento de multa, pois os con-tratos temporários terão termo ape-nas nas datas neles previstas; e.4)que a determinação de realização deconcurso público “implica interferên-cia de um poder em outro” (sic), fe-rindo o pacto federativo; e.5) que acontratação temporária representa“mérito administrativo, matéria in-suscetível de ser apreciada pelo Po-der Judiciário”. Requerem, enfim, atotal improcedência dos pedidos.

Contestação instruída pelosdocumentos de fls. 173/200, acercados quais manifestou-se o autor emaudiência (fl. 201).

Liminar concedida em audiên-cia, após audiência da parte contrá-ria (fls. 202/203) para impor obriga-ção de não fazer (vedação de admis-são de trabalhador sem prévia apro-vação em concurso público) e de fa-zer (abertura de concurso para provi-mento dos cargos efetivos, no prazode 120 dias).

O exame das questões preli-minares foi remetido para a presen-

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te sentença. Em tais circunstânciasresultou encerrada a instrução.

Razões finais pelo autor, quepostulou a aplicação do CPC, art.319, por ausência de contestaçãoespecífica do réu Jorge Netto da Cos-ta; os réus postularam a improcedên-cia da pretensão (fl. 203).

Recusada a segunda propos-ta de conciliação.

É o relatório. DECIDO.

2. FUNDAMENTAÇÃO

2.1. PRELIMINARES

Por questão de ordem lógico-processual, impõe-se o exame dasquestões preliminares segundo aextensão dos efeitos de eventualacolhimento, vale dizer, observando-seo grau de comprometimento do de-senvolvimento válido e regular doprocesso na hipótese de eventualacolhimento.

2.1.1. PRELIMINAR DE INCOMPE-TÊNCIA ABSOLUTA EM RA-ZÃO DA MATÉRIA

Os réus argüiram preliminar deincompetência absoluta da Justiça doTrabalho em razão da matéria quenorteia a causa de pedir. Sustentamque o vínculo jurídico que se estabe-lece entre o ingresso no serviço pú-blico e a Administração não pode seroutro senão o “estatutário e como todaa matéria jurídica a ser debatida for-çosamente terá como e por parâme-tro direitos, deveres, obrigações, res-ponsabilidades e sanções predefini-das, exsurge, conseguintemente, aincompetência material da Justiça do

Trabalho” (fl. 167). Adverte, ainda, quehá precedente do Excelso STF nessesentido.

Como tenho decidido nos fre-qüentes litígios entre trabalhadorese os Municípios sujeitos à Jurisdiçãoterritorial dessa Vara Especializada,na esteira do entendimento do C.Superior Tribunal de Justiça, “em setratando de relação de emprego de-corrente de contratação irregular,ou seja, sem prévia aprovação emconcurso público, não obstante te-nha o Município adotado o RegimeJurídico Estatutário, a competênciapara processar e julgar o pleito é daJustiça Trabalhista” (STJ-AGRCC n.33.709. 3ª Seção. Relator Ministro FelixFischer. DJ de 1.9.2003). Citado en-tendimento é resultado de inúmerosjulgados em Conflitos de Competên-cia aforados perante o Colendo Su-perior Tribunal de Justiça. Preceden-tes: CC n. 39785-PA; CC 29.574-CE;CC 40.390-PA.

As admissões no serviço pú-blico municipal que o autor reputainconstitucionais e ilegais se referemem grande parte a trabalhadorescontratados sob o manto da tempo-rariedade preconizada na CR, art. 37,inciso IX, de modo que à Justiça doTrabalho compete apreciar e julgara licitude de tais admissões, exata-mente porque sendo as mesmasrechaçadas pelos supostos víciosindicados na exordial, surgirá, aocontrário do que defendem os réus,não um liame “estatutário”, mas simuma realidade jurídica trabalhista,cujos efeitos já estão pacificados najurisprudência pátria (Enunciado n. 363do c. TST). Exegese sistemática daCR, art. 114, caput.

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É que a compulsoriedade darealização de concurso público, an-tes da vigência do art. 37, inciso II,da Constituição da República 1988,só era imposta à Administração Pú-blica Direta para a primeira investi-dura em cargo público, conforme odisposto no art. 97, § 1º, da EmendaConstitucional n. 1/69, não se subor-dinando a tal requisito a admissãoem emprego público.

Ressalte-se que apenas noperíodo compreendido entre5.10.1988 e 5.6.1998 vigorou por for-ça da nova ordem constitucional odenominado regime jurídico únicoobrigatório do funcionalismo públi-co, de sorte que todos estavam su-jeitos ao crivo do respectivo estatutodos entes federados, abolindo-se afigura do emprego público na Admi-nistração Direta. A Emenda à Cons-tituição n. 19, de 4.6.1998, contudo,extinguiu a referida sistemática, vol-tando a prever a possibilidade dosempregos públicos (atual arts. 37,Incisos I e II, e 39, caput).

Daí dizer-se, com razão insofis-mável, que os contratos de trabalhocom o Poder Público (ou vínculos fun-cionais, lato sensu), maculados porvício de origem, são atraídos pelo or-denamento trabalhista pátrio que, porderrogações de ordem pública (CR,art. 37, § 2º), protege apenas em par-te ao trabalhador irregularmente ad-mitido, nos moldes da exegese soli-dificada no TST (En. 363). Tudo por-que, como é notório, a par da possi-bilidade de criação de empregos pú-blicos pela Administração, através delei, permaneceu a exigência de pré-via aprovação em concurso públicopara as contratações.

Tanto se nota a evolução dajurisprudência para a atração de taiscausas à apreciação e julgamentodessa Especializada que recente-mente a Corte Superior Trabalhistacancelou o verbete da OrientaçãoJurisprudencial n. 263 / SDI — 1, queveiculava entendimento diverso.

Nesse passo, não se amoldaao caso em tela o precedente do Ex-celso Supremo Tribunal Federal in-vocado na defesa, proveniente daADI 492/DF, cujo objeto é diverso,pois cuida de competência para apre-ciar litígio entre servidores legalmen-te investidos e o respectivo ente pú-blico. Aqui, é importante frisar que aAção Civil combate exatamente o des-virtuamento de comandos constitu-cionais e legais acerca do provimen-to de cargos públicos, em afronta àcoletividade dos trabalhadores (aptosa se habilitarem em democráticosconcursos público — CR, art. 37, I),cujos efeitos são dirimidos à luz daproteção ao primado do trabalho, afetoa esse ramo do Judiciário nacional.

Frise-se que as circunstânciasnarradas na petição inicial subsu-mem-se na verdade ao decidido re-centemente no Conflito de Compe-tência 40.005-PA pelo Colendo STJ,cuja ementa é a seguinte:

“Conflito negativo de competên-cia. Juízos Estadual e Trabalhis-ta. Servidor municipal contratadoapós a CF/88 sem aprovação emconcurso público. Competênciada Justiça Trabalhista. Preceden-tes. Conflito conhecido para de-clarar competente o Juízo da Varado Trabalho de Capanema/PA”(CC 40.005-PA; 2003/0155268-3

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— j. em 8.9.2004 — Relator Minis-tro Hélio Quaglia Barbosa).

No bojo do decisum, o eminen-te Ministro Relator destacou que o“representante da SubprocuradoriaGeral da República entende ser com-petente a Justiça do Trabalho, sob ofundamento de que a relação de tra-balho decorrente do descumpri-mento do requisito de ingresso me-diante aprovação em concurso pú-blico pressupõe contratação irregu-lar, competindo ao referido juízo di-rimir demandas desse gênero”, econclui: “A Terceira Seção tem fir-mado entendimento incontroversode que compete à Justiça do Traba-lho processar e julgar causas refe-rentes a relações de emprego de-correntes de contratação irregular,sem prévia aprovação em concursopúblico (conforme determina o art.37, inciso II da Carta da República),não obstante a adoção do regime es-tatutário pelo Município” (CC citado;decisão proferida pelo Ministro HélioQuaglia Barbosa em 8.9.2004).

Naturalmente, firmada a pre-missa consoante o STJ — guardiãoque é do direito federal comum, é dese concluir que os desdobramentosdas contratações irregulares no Se-tor Público permanecem no âmbitode competência da Justiça do Traba-lho, a quem cumpre dirimir o litígioacerca não apenas da nulidade dospactos celebrados com o ente fede-rado mas também, e acima de tudo— pena de ineficácia do provimentojurisdicional — exercer com plenitu-de a jurisdição para, em sendo o caso,ajustar a realidade ao ordenamentoconstitucional-trabalhista posto e, senecessário, reprimir o(s) agente(s)

responsável(eis) por meio das san-ções legalmente capituladas.

Se para tanto o Juiz do Traba-lho tiver de se valer de disciplinasjurídicas outras, estranhas ao Direi-to do Trabalho, longe de estar usur-pando competência, estará simples-mente dando vazão às regras inte-grativas da CLT, art. 8º, da Lei de In-trodução ao Código Civil, arts. 5º e6º, e do CPC, arts. 126 e 335 c/c CLT,art. 769. O Direito-Ciência é sistemae assim ramifica-se sem intersec-ções drásticas e estanques, justa-mente para evitar o engessamentoda proteção dos bens da vida discu-tidos na seara jurídica (extra ou judi-cialmente).

E mais: a valia que se extrai dasistematicidade do Direito não é pri-vilégio do magistrado trabalhista, auma porque a LICC é norma de su-per direito, aplicável a todos os ra-mos da citada ciência, e a duas por-que qualquer Juiz, independente-mente da esfera de atuação, se ne-cessário, poderá buscar refúgio emnormas especiais e/ou gerais, comono Código de Defesa do Consumi-dor (definição legal de direitos e in-teresses difusos, coletivos e indivi-duais homogêneos; art. 81), no Có-digo Civil (regulamento da respon-sabilidade aquiliana; art. 186), noCódigo Tributário Nacional (concei-to de poder de polícia administrati-va; art. 78), e assim sucessivamen-te, tudo com vistas à boa, justa e se-gura solução dos conflitos intersub-jetivos de interesses (lides).

Cumpre, a propósito, invocartrecho da brilhante decisão do emi-nente Juiz do Trabalho Substituto da

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Oitava Região, JÔNATAS DOS SAN-TOS ANDRADE, proferida quandoem auxílio à 14ª Região, nos autosdo Processo 00333.2001.001.14.00-0, em trâmite na 1ª Vara do Trabalhode Porto Velho, in verbis:

“A condenação por frustração dalicitude de concurso público éinegavelmente matéria da com-petência desta Justiça do Traba-lho, pelo caráter ontológico tra-balhista da norma. A ausência decompetência material só se daráquando a discussão se der so-bre os demais tipos de atos deimprobidade administrativa, des-pidos de qualquer alusão à con-tratação de trabalhadores, ma-téria essa sempre de competên-cia do Judiciário Trabalhista emface de sua inerente continêncianos termos e limites de uma con-tratação de trabalho subordinado.

Juiz natural é aquele a quem alei confere competência. Conformeexposto, a contratação de trabalhosubordinado é competência mate-rial insculpida no interior do art. 114da Constituição Federal, razão pelaqual não se pode falar em violaçãode tal princípio basilar do direito. Ade-mais, toda a controvérsia surgida ori-ginalmente de contratos de trabalhodeve ser solucionada em um únicoforo, aqui sim, em absoluta homena-gem ao princípio da segurança jurí-dica e à coerência das decisões”

O que fixa a competência ma-terial é a origem fática, a causa re-mota da pretensão aforada, não im-portando que para dirimir a contro-vérsia o Juiz do Trabalho tenha dese valer do ordenamento extralabo-

ral, conforme precedente do ExcelsoSUPREMO TRIBUNAL FEDERAL: RE238.737-4 SÃO PAULO, Relator Mi-nistro SEPÚLVEDA PERTENCE DJ5.2.99.

No mesmo sentido: ACÓR-DÃO 01208-2002-106-08-00-9, DA3ª TURMA DO EGRÉGIO TRIBUNALREGIONAL DO TRABALHO — 8ª RE-GIÃO — RO 3151/2003 — RELATORAJUÍZA PASTORA DO SOCORRO TEI-XEIRA LEAL.

Na espécie, como a raiz aocaule, a nascente da lide está vincu-lada à seara trabalhista (seja no as-pecto da contratação irregular de tra-balhadores, seja naquilo em que éatinente aos supostos atos de im-probidade trabalhista que geraramo distúrbio jurídico-social denuncia-do na exordial) e, como tal, é estaEspecializada materialmente compe-tente para apreciar e julgar todos ospedidos formulados na petição inicial.

Rejeito, por conseguinte, a pre-liminar de incompetência material.

2.1.2. CONFLITO POSITIVO DECOMPETÊNCIA

Argumentam os réus que “oaqui demandado teve em seu desfa-vor aforada Ação Civil Pública movi-da por cidadãos capanemensesonde a causa de pedir implicava ile-galidade da admissão de servidoresnão concursados e donde o objetivose compreendia na suspensão dasatividades dos sobreditos servidores”(folha 166), em razão do que argúem“conflito positivo de competência”entre esse Juízo e o da 1ª Vara Cíveldessa Comarca. Juntaram, para tan-to, o r. decisum de folhas 173/178 e

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as petições (por cópias) de folhas179/200.

Em audiência o autor rechaçoua pretensão em foco, asseverandoque as causas são diversas: a daJustiça Comum é uma Ação Populare a desta uma Ação Civil Pública,ambas com distintos objetos, atéporque a primeira se refere a servi-dores irregularmente investidos ape-nas em um Departamento do Muni-cípio (DEMTRAN).

Dois são os motivos que acar-retam o não conhecimento do confli-to em causa. Um de ordem procedi-mental e outro de ordem teórico-pro-cessual.

Vejamos:

Embora os réus argumentempela inaplicabilidade do CPC, art.118, inciso II, quanto ao processa-mento do conflito, no âmbito da Jus-tiça do Trabalho tal incidente não éresolvido de modo diverso daquiloque prevê o Código de Processo Ci-vil. Se é certo que à parte interessa-da é permitido suscitar o conflito dejurisdição (linguagem da CLT, art.805, alínea “c”), não é menos certoque a mesma deverá a um só tempo“produzir a prova da existência dele”(CLT, art. 807) e fazê-lo na forma re-gimental, a saber:

Art. 202. O conflito será suscita-do ao Presidente do Tribunal:

b) pela parte e pelo Ministério Pú-blico, por petição.

Parágrafo Único. O ofício e a pe-tição serão instruídos com os do-cumentos necessários à provado conflito” (Regimento Internodo Eg. TRT 8ª Região (grifei).

Art. 204. O Juiz a quem for distri-buído o feito poderá determinarque as autoridades em conflito,caso seja este positivo, façamsobrestar o andamento dos res-pectivos processos. Nesse caso,o relator designará um dos Juí-zes para resolver, em caráterprovisório, as medidas urgen-tes” (Regimento Interno do Eg.TRT 8ª Região).

À evidência, portanto, a aplica-ção da CLT, art. 811, não escapa aocorreto endereçamento e processa-mento do conflito, haja vista que aoJuiz não cumpre o encargo de fazerchegar ao Tribunal competente o inci-dente suscitado no interesse da parte(qualquer delas), mas apenas aque-les em que o próprio magistrado fi-gure como suscitante, ocasião em quenão poderá se valer, por exemplo, dedespacho nos autos, mas sim deOfício instruído com a prova do conflito.

Não é outra a conclusão a quese chega da exegese do art. 208 doRegimento Interno desta Corte Re-gional:

“Art. 208. Nos conflitos susci-tados na Justiça do Trabalhoda Oitava Região entre o Tri-bunal e Tribunais de outraJustiça, entre o Tribunal e Juizde Primeira Instância a elenão subordinado, e entre Juizsubordinado ao Tribunal daOitava Região e Juiz subordi-nado a Tribunal de outra Justi-ça, o processo será remetidoao Presidente do Superior Tri-bunal de Justiça, após haversido instruído com as provas ea informação da autoridade queo encaminhar” (grifei).

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Essa é também a inteligênciado CPC, art. 118, inciso II, com vis-tas a manter a higidez do texto cons-titucional quanto à competência paraapreciar e julgar os conflitos entreJuiz do Trabalho e Juiz da JustiçaComum, quando este é firmado po-sitiva ou negativamente, consoantea previsão da CF, art. 105, inciso I,alínea “d”.

Assim, é insusceptível de co-nhecimento o conflito suscitado nobojo da peça de defesa. Será que osréus desejam a remessa dos autos,tal como se encontram, ao TRT, aoSTJ “Ou desejam que o próprio Juí-zo que recebeu a contestação deci-da acerca do incidente”? Quaisquerdas hipóteses, data venia, vilipen-diam o ordenamento processualposto, seja sob o prisma exclusiva-mente processual trabalhista, sejasob a óptica do CPC (CLT, art. 769).

Se não bastasse, e esse é o se-gundo motivo que mencionei alhures,não existem sequer os elementos mí-nimos para o alegado conflito. A doutri-na processual não hesita em afirmarque uma ação se distigue da outra emfunção de seus elementos, sendo queestes são três: as partes, a causa depedir e o pedido (CPC, art. 301, § 2º).Identificando-se os elementos, estar-se-á diante de ação idêntica.

Na situação invocada pelosréus as partes são distintas (cida-dãos na Ação Popular e MinistérioPúblico na Ação Civil Pública); as cau-sas de pedir não são idênticas (a APestá fundada em contrações irregu-lares em um órgão, enquanto a ACPtrata da coletividade dos trabalhado-res irregularmente investidos em car-

gos públicos); os pedidos são diver-sos (a AP visa à desconstituição de24 contratos temporários; a ACP visaà anulação dos contratos celebradosdiretamente pelo Município, por suaAdministração Direta, indistintamen-te, além da responsabilização pes-soal do Chefe do Executivo local porato de improbidade).

Dito isto, e considerando asdistintas competências dessa Espe-cializada e da Justiça Estadual, nãohá na hipótese sequer causa paralitispendência, conexão ou continên-cia (CPC, arts. 267, V, 301, § 3º, 103e 105), quanto menos choque com-petencial positivo.

Por tais fundamentos, não co-nheço do conflito.

2.1.3. INCOMPETÊNCIA DA JUSTIÇADO TRABALHO POR PRER-ROGATIVA DE FORO DO SE-GUNDO RÉU. LITISCONSÓR-CIO PASSIVO. CUMULAÇÃOOBJETIVA

O segundo réu averbera que “oórgão jurisdicional especializado nãocomporta competência para apre-ciar os pedidos cumulados porquea competência que aqui se requer é aabsoluta onde então o Prefeito Muni-cipal, em face do foro privilegiadopela prerrogativa de função, deva seroriginariamente processado e julgadopelo Tribunal de Justiça do Estadodo Pará (art. 161, I, a, da Constitui-ção Estadual)” (folha 167).

Com efeito, dispõe o art. 161,inciso I, alínea “a”, da Constituiçãodo Estado do Pará:

“Art. 161. Além das outras atribui-ções previstas nesta Constituição,compete ao Tribunal de Justiça:

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I — processar e julgar, origi-nariamente:

a) o Vice-Governador, os Secre-tários de Estado, ressalvados odisposto no art. 142, os Prefei-tos, os Juízes Estaduais e osmembros do Ministério Público,observado o art. 92, XXXIV, noscrimes comuns e de responsa-bilidade;” (grifei).

A Ação Civil Pública em exame,contudo, não tem por objeto o pro-cesso e final condenação do réu pes-soa física por nenhum dos tipos pe-nais previstos na norma constitucio-nal desse Estado-Membro; não setrata de imputação nem de crimecomum e muito menos de respon-sabilidade.

Ainda que se alinhe o pedidopara as hipóteses de improbidadecapituladas na Lei n. 8.429, de 1992,como de fato o faz o autor, é imperio-so que se observe que a citada nor-ma nada mais é do que a regula-mentação do disposto na CR, art. 37,§ 4º, cuja dicção deixa evidente anatureza civil das penas previstaspara os atos de improbidade admi-nistrativa capitulados nos arts. 9º, 10e 11, da lei anticorrupção, pois, apósarrolar as sanções cabíveis, disparaque tudo se dará “sem prejuízo daação penal cabível”.

Situação diversa se dará ape-nas no caso em que o ato de impro-bidade corresponder a um tipo pe-nal previsto no ordenamento, cir-cunstância em que a independênciadas instâncias civil e penal (e tam-bém administrativa) possibilitará ocurso de uma ação civil por improbi-dade perante o Juízo de primeiro

grau, no caso o trabalhista por forçada competência em razão da maté-ria debatida, e outra perante o ÓrgãoJudiciário com competência fixadapor prerrogativa de função.

A propósito do tema:

“Prefeito municipal — Ação de-claratória de improbidade admi-nistrativa movida pelo MinistérioPúblico — Pretensão condenató-ria de natureza cível — Repara-ção de danos — Rito ordinário —Retorno dos autos à origem paraprosseguimento do feito.

1. Em se tratando de causacuja natureza se configura em pre-tensão declaratória de improbidadeadministrativa, cumulada com per-tinente condenação em face de ilíci-to civil, não se confere competênciaao Tribunal de Justiça para o julga-mento de prefeitos, por não se cons-tituírem em cometimento de crimecomum ou de responsabilidade”(TJES — Processo 00970011043 —j. 10.03.1998 — Relator Des. Antô-nio José Feu Rosa — v. unânime).

Nesse sentido, MARCELO FI-GUEIREDO, abalizado estudioso damatéria, acentua em sua já clássicaobra sobre o tema que “Se no trans-correr da ação ficar caracterizada aocorrência do delito ou crime, nadaimpede — ao contrário, tudo determi-na — o ajuizamento de ação penal; aí,sim, na hipótese de Wald-Mendes, es-taríamos diante do foro constitucio-nal indicado” (In: “Probidade Adminis-trativa — Comentários à Lei n. 8.429/92 e legislação complementar”, SãoPaulo: Malheiros, 2004, 5ª ed., p. 214).

É de se notar que a competên-cia do Supremo Tribunal Federal,

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dos Tribunais Superiores e Regio-nais foi estabelecida, taxativa e res-tritivamente, pela Constituição daRepública. Não há como, sem vul-nerar a CR, arts. 102, 105, 108 e 114,admitir qualquer alteração ou acrés-cimo de competência para aquelasCortes além dos limites claramentedelineados pela Assembléia Cons-tituinte.

O mesmo se diga quanto aosTribunais de Justiça, que emboratenham sua competência discrimi-nada na Carta da Unidade da Fede-ração sujeitam-se ao princípio da si-metria, não podendo a norma cons-titucional estadual conceder mais doque a própria Constituição Federal.Inteligência da CR, arts. 25, caput, e125, caput.

Quero assentar com isto queas normas constitucionais que as-seguram foro especial por prerroga-tiva (ou por privilégio) de função o sãoem enumeração clausurada e, noque interessa, apenas para crimescomuns ou de responsabilidade,ressalvando-se, quanto ao último, afigura do Presidente da República,julgado pelo Senado Federal sob apresidência do presidente do Supre-mo Tribunal Federal (CR, art. 52, in-ciso I, parágrafo único, e 86, caput).

Não dispõem os agentes pú-blicos privilegiados (latu sensu) denenhuma prerrogativa em causasde natureza civil, como o é a açãopor improbidade. Nesse passo, aLei ordinária federal n. 10.628/2002,ao estabelecer uma nova competên-cia fixada na prerrogativa de funçãopara os Tribunais arrolados no atualcaput do art. 84 do Código de Proces-

so Penal — e digo nova competên-cia porque arrolou uma nova ação aser originariamente julgada — inci-de em flagrante inconstitucionalidadeformal, na medida em que a matériaofende a dicção da CR, arts. 102,105, 108 e 125, caput (por elasteci-mento indevido de suas hipóteses).Confira-se nesse diapasão despa-cho proferido pelo então Ministro doSTF, ILMAR GALVÃO, relator, na Re-clamação 1082, de Minas Gerais, de1-6-1999, assim ementado na obracitada de MARCELO FIGUEIREDO (p.221):

“Prefeito municipal — Ação civilpública por improbidade adminis-trativa contra ele proposta — Foroprivilegiado — Inadmissibilidade— Feito que não se insere no elen-co do art. 106, inciso I, “b”, daConstituição do Estado de MinasGerais (crimes comuns e de res-ponsabilidade), havendo, inclusi-ve, lei específica a discipliná-lo.

(...) A ação proposta — civil públi-ca por improbidade administrati-va — não se encontra inserida nodispositivo supra, havendo, inclu-sive, lei específica disciplinando-a (Lei n. 7.347/85), pela qual seconstata, também, ser da com-petência do Juízo de primeirograu o exame e julgamento da de-manda, a teor do art. 2º da citadalei, o qual dispõe que ‘as açõesprevistas nesta Lei serão propos-tas no foro do local onde ocorrero dano, cujo juízo terá competên-cia funcional para processar ejulgar a causa’”.

Remarque-se que embora otema esteja aguardando decisão

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definitiva do SUPREMO TRIBUNALFEDERAL (ADI 2797), alguns tribu-nais pátrios já se posicionaram pelainconstitucionalidade da norma inse-rida no art. 84, § 2º, do CPP, como osde São Paulo (decisão unânime doÓrgão Especial na APP 102.930.0/8-00, de 13.8.2003) e de Santa Catari-na (ACP 2003.002338-0, rel. Des.César Abreu). No mesmo sentidoposiciona-se MARCELO FIGUEIRE-DO: “Não vemos razões jurídicas ra-cionais que determinem a instituiçãode foro privilegiado para os Prefei-tos. É preciso sempre repetir: a leide improbidade não é lei penal. Nãotipifica crimes” (ob. cit., p. 144).

Nesse passo, no exercício docontrole difuso de constitucionalida-de reconheço, incidenter tantum, ainconstitucionalidade da Lei n. 10.628/02, naquilo em que acrescentou o §2º ao art. 84 do CPP e, por conse-guinte, afasto sua aplicação para,nos limites da Constituição do Estadodo Pará, art. 161, I, “a”, rejeitar a pre-liminar de incompetência funcionaldesse Juízo.

Em arremate, a cumulação deobjeto constante da peça de ingres-so atende às exigências legais, sejapela compatibilidade ritual (ordinário),seja pela competência comum des-sa Especializada para processar ejulgar ambos os réus. Os efeitos deeventual decisão de mérito e de cará-ter condenatório não ensejaria, poroutro lado, nenhuma incompatibilida-de, na medida em que a responsabi-lidade do Administrador processado,quando muito, beneficiará o ente fe-derado demandado, que de resto devemesmo assumir seu espaço na açãocivil por improbidade, eis que quase

sempre, como é o caso, há interessedo erário envolvido. Exegese da Lein. 8.429/92, art. 17, § 3º.

2.1.4. ILEGITIMIDADE ATIVA DOMINISTÉRIO PÚBLICO DOTRABALHO

Asseguram os réus que o au-tor não dispõe de legitimidade ativapara promover a presente ação, o quefazem por corolário da suposta in-competência material da Justiça doTrabalho.

Como visto em linhas volvidas,a competência desse ramo do Judi-ciário Federal foi firmada a partir dademonstração da pertinência onto-lógica e material entre a JurisdiçãoEspecializada e a matéria versadanos autos, cujo âmbito de incidênciacompreende a coletividade de cida-dãos em idade de trabalho no Muni-cípio demandado.

A legitimatio ad causam do Mi-nistério Público do Trabalho, por suavez, é patente, consubstanciada queestá na Constituição da República(arts. 127 e 129, incisos II e III) e nalegislação infraconstitucional (LeiComplementar n. 75/1993, arts. 6º,incisos VII e XIV, e 83, incisos I e III c/c 84; Lei n. 7.347/85, art. 1º, inciso IV;Lei n. 8.429, art. 17, caput).

Além do combate a supostosatos de improbidade na sua área delegitimação o autor visa a recomporlesão a direitos difusos consubstan-ciados, na dicção da Lei n. 8.078/90,art. 81, parágrafo único, inciso I, naprerrogativa de grande massa traba-lhadora apta a ingressar no serviçopúblico municipal e atualmente im-pedida e vilipendiada nesse direito

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de acesso, tudo em função das prá-ticas ilegais perpetradas pelo admi-nistrador também acionado. Prece-dentes:

“Ação civil pública — Ato impug-nado — Improbidade administra-tiva de prefeito municipal — Le-são do patrimônio público — Inte-resse difuso caracterizado — Le-gitimidade ativa do Ministério Pú-blico de tipo concorrente-disjun-tivo e adequação da via eleita —Art. 17 da Lei federal n. 8.429, de1992 — Carência afastada —Prosseguimento determinado —Recurso provido” (TJ-SP Câm. DeDireito Público — Ap. 24.292-5 —j. 23.9.1998 — Relator Des. JoséSantana — v.u. — JTJ-Lex 217/9).

“Ação civil pública — Atos de im-probidade administrativa — De-fesa do patrimônio público — Le-gitimação ativa do Ministério Pú-blico — CF, arts. 127 e 129, III —Lei n. 7.347/85 (arts. 1º, IV, 3º, II, e13) — Lei n. 8.429/92 (art. 17) —Lei n. 8.625/93 (arts. 25 e 26).

1. Dano ao erário municipalafeta o interesse coletivo, legitiman-do o Ministério Público para promo-ver o inquérito civil e ação civil pú-blica objetivando a defesa do patri-mônio público. A Constituição Fede-ral (art. 129, III) ampliou a legitima-ção ativa do Ministério Público parapropor ação civil pública na defe-sa dos interesses coletivos” (STJ— 1ª T. — REsp 154.128-SC — j.11.5.1998 — Relator Min. MiltonLuiz Pereira — RSTJ 115/124).

Assim, está o Ministério Públi-co do Trabalho legitimado a promo-ver a ação civil no cumprimento das

atribuições que lhe são impostaspela ordem constitucional e ordiná-ria, eis que atua, no caso em refe-rência, na defesa de interesses difu-sos inerentes ao campo juslaboral.

Rejeito a preliminar.

2.1.5. QUESTÃO DE ORDEM. RE-VELIA DO PREFEITO MUNI-CIPAL

Pugnou o autor em razões finaispela aplicação da pena de revelia aosegundo réu — Sr. Jorge Netto daCosta — ao argumento de que o mes-mo não contestou objetivamente aação naquilo que lhe diz respeito.

Não há, contudo, revelia a pro-nunciar. A defesa ofertada é conjun-ta e os argumentos genéricos apro-veitam aos dois réus, elidindo-se,pelo menos em tese, os efeitos pre-conizados no CPC, art. 319, a teordo que dispõe o art. 320, Inciso II, domesmo Diploma Legal.

Rejeito, pois, a alegação, semprejuízo de eventual identificação defalta de impugnação específica doréu sobre os fatos alegados na peti-ção inicial pelo autor, cujos efeitosestão fixados no CPC, art. 302, ca-put, e decorrem do ônus de o deman-dado se pronunciar precisamentesobre as condutas que lhe são impu-tadas, pena de presumir-se a vera-cidade. Tal exame, no entanto, serárealizado na apreciação de cada ca-pítulo do mérito da lide.

2.2. MÉRITO

2.2.1. DA AÇÃO CIVIL PÚBLICA

Assevera o autor que após ostrâmites regulamentares do Proce-

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dimento Preparatório 794/2003 oMPT pôde chegar à conclusão deque:

“820 servidores do Município deCapanema são temporários e tão-somente 588 são efetivos, e a deque aqueles são, na verdade,servidores efetivos, cujos contra-tos temporários são renovados e,o mais grave, ingressaram noserviço público sem aprovaçãoprévia em concurso público” (fo-lha 03). Nesse passo, argumen-ta que o ingresso de tais traba-lhadores no quadro funcional doprimeiro réu, sem prévia aprova-ção em concurso público, ofendea regra da CF, art. 37, I e II, poisnão são legítimas as causas decontratação de tantas pessoassob a égide temporária, importan-do, também, em vulneração daCF, art. 37, IX.

Aponta vilipêndio do direito dacoletividade de trabalhadores quesão tolhidos de concorrerem em péde igualdade a uma vaga no funcio-nalismo municipal. Faz arrazoadodoutrinário e jurisprudencial e plei-teia: a) anulação de todos os contra-tos celebrados pelo primeiro réu semprévia aprovação em concurso; b)extinção das relações de trabalhomantidas em ofensa à regra do cer-tame público, independentemente danomenclatura adotada; c) confirma-ção das liminares quanto às obriga-ções: c.1) de não fazer, consistentena abstenção de contratação de no-vos servidores sem observar a regrada CF, art. 37, II; c.2) de fazer, me-diante a realização de concursopúblico para preenchimento dasvagas atualmente ocupadas pelos

ditos temporários; c.3) multa pecu-niária para o caso de descumpri-mento das citadas obrigações.

Em defesa os réus resistem àpretensão ministerial aduzindo, emsíntese: que não há inconstituciona-lidade nas contrações temporáriasdo Município réu; que é incabível aanulação judicial das contrataçõespois, se fosse o caso, a competên-cia seria da Câmara de Vereadoreslocal, sob pena de implicar em “usur-pação de poder” (sic), prática repug-nada pelo Estado Democrático deDireito; que é insubsistente o pe-dido de reconhecimento de vínculoempregatício e de pagamento demulta, pois os contratos temporáriosterão termo apenas nas datas nelesprevistas; que a determinação derealização de concurso público “im-plica interferência de um poder emoutro” (sic), ferindo o pacto federati-vo; que a contratação temporária re-presenta “mérito administrativo,matéria insuscetível de ser aprecia-da pelo Poder Judiciário”, pugnandoao final pela improcedência dos pe-didos.

A prova dos autos é documen-tal, representada pelo Procedimen-to Preparatório 794/2003, juntadopelo autor às folhas 20 usque 126.

Às folhas 30/42 consta lista-gem encaminhada ao autor pelo pri-meiro réu, contendo: nome, cargo edata de admissão dos trabalhado-res supostamente efetivos; os rela-tórios de folhas 43/59 informam osreferidos dados no que se refere aostrabalhadores contratados sob aégide de vínculos temporários. Àsfolhas 93/95 foi juntada cópia da Lei

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Municipal n. 6.001, de 26.2.2002,com eficácia retroativa a 1º.1.2002,que dispõe sobre a admissão depessoal por tempo determinado paraatender a necessidade temporáriade excepcional interesse público.

À vista de tais elementos, asconstatações do autor, narradas napeça de ingresso, subsistem.

A listagem de folhas 43 a 59demonstra um assustador númerode trabalhadores admitidos sob opálio da temporariedade, sendo amaioria esmagadora contratada a par-tir do ano de 2001. A tipificação dasfunções que ocupam não é menosimpressionante: auxiliares de servi-ços gerais (em várias Secretarias,como saúde, educação, etc.); moni-tor; motorista; vigia; assistente social;agente de administração e agenteadministrativo; psicólogo; auxiliarde serviços urbanos; chefe de depar-tamento; assessor; secretário; pro-fessor de educação básica; técnicopedagogo; fonoaudiologista; secre-tário de escola; agente de trânsito;apropriador; pedreiro; agente de fis-calização; operador de máquinas;apontador; auxiliar técnico de com-putação; fiscal de obras; técnico agrí-cola; eletricista; ajudante; desenhis-ta; maestro; inspetor; encarregado;engenheiro; pintor; carpinteiro; covei-ro; prefeito; vice-prefeito; secretáriosmunicipais; etc.

Chama a atenção o fato de atéo PREFEITO (folha 33), o VICE-PRE-FEITO (folha 34), e alguns secretáriosmunicipais estarem na folha de pa-gamento como temporários, o quesem maiores comentários demons-tra o descaso e o vilipêndio com que

o instituto criado na CF, art. 37, IX,tem sido tratado pela administraçãodo primeiro réu.

Há também fatos que, não fos-sem trágicos, seriam pitorescos eaté mesmo cômicos, ou melhor,sinfô(côm)nicos, como a existênciade dois MAESTROS admitidos comotemporários (folhas 32 e 34), ambosadmitidos em 6.4.2001. Qual será anecessidade temporária de excep-cional interesse público

Não ouso responder!

O que também é fato incontro-verso é a ausência de prévia aprova-ção em concurso público dos maisde 830 (oitocentos e trinta) trabalha-dores arrolados na lista oferecidapelo próprio réu, e que todas as ad-missões são posteriores à vigênciada Constituição da República de1988, ou melhor, praticamente todasas contratações temporárias cons-tatadas ocorreram a partir de 2001,ou seja, no curso do mandato dosegundo réu (Prefeito).

Nesse passo, a relação de tra-balhadores qualificados como tem-porários pelos réus, documento esteconfeccionado a partir da folha depagamento do Município, como senota do rodapé das mencionadas lis-tas, demonstra cabalmente a malver-sação do permissivo constitucional(CR, 37, IX) e a ofensa e a burla aoregime do concurso público (CR, 37,I e II), inquinando de nulidade abso-luta todos os atos de contratação.

A própria Lei Municipal n. 6.001/02, que regulamentou o tema no entefederado em causa, ao prever nos in-cisos I a VI do seu art. 2º as hipótesesde contratação temporária segue em

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linhas gerais o paradigma da Lei Fe-deral n. 8.745, de 9.12.1993, mas osréus não fizeram qualquer esforço emsua defesa para demonstrar o enqua-dramento das contratações questio-nadas com os casos albergadospela referida norma municipal.

E nesse sentido, a outra con-clusão não se pode chegar senão ade que os cargos e/ou funções apon-tados na lista de folhas 43/59 não seenquadram nas hipóteses de con-tratação temporária, repita-se, nemmesmo se tomada por parâmetroapenas a Lei Municipal n. 6.001/02,crivo bem menos rígido do que oslimites extraídos da CF, art. 37, IX.

Ora, pelo que há nos autos,quase dois terços (2/3) do pessoalinvestido no serviço público do Muni-cípio foram contratados sem respei-to à regra constitucional. É curiosoobservar, a propósito, que os cargosdescritos na lista de “efetivos” (folhas30/41) são exatamente os mesmosindicados na listagem dos “tempo-rários” (folhas 42/59), ou seja, pro-fessores, vigias, motoristas, auxilia-res de serviços urbanos e gerais,etc., desmascarando o manto ilegalda temporariedade, pois mesmo nahipótese do inciso III, do art. 2º, da LeiMunicipal n. 6.001/02, é preciso quese resguarde o caráter transitório dascircunstâncias, sob pena de se sub-verter a ordem natural das coisas e, apretexto de suprir necessidade tem-porária, o administrador burlar a obri-gatoriedade do concurso.

E é exatamente este o quadroque se nota nestes autos. Verdadei-ros cargos públicos estão ocupados

por trabalhadores supostamentetemporários, em sua grande partedesde o início do mandato do segun-do réu (2001), vilipendiando o direitoda coletividade de concorrer com iso-nomia a uma vaga no serviço públi-co (CF, art. 37, I).

E não se diga, como fez a de-fesa dos réus, que é incabível a de-claração de nulidade “já que esta nãoestá explícita e nem implícita no or-denamento jurídico brasileiro” (folha171), e que o controle dos atos daadministração municipal compete à“Câmara dos Vereadores que é oórgão constitucionalmente compe-tente para exercer a fiscalização so-bre o Poder Executivo” (folha 171), eque o contrário ensejaria “usurpaçãode Poder, e isto repugna o Estado deDemocrático de Direito” (sic), sendovedado “em função do princípio fede-rativo” (folha 171). Também sem ra-zão os demandados ao aduziremque a contratação temporária “encer-ra mérito administrativo, matéria in-suscetível de ser apreciada pelo Po-der Judiciário” (folha 171).

Data venia, equivoca-se a de-fesa na exegese do Estado Demo-crático de Direito, da Federação, doControle Parlamentar, e do MéritoAdministrativo, o que passo a exa-minar.

O Estado Democrático (e Social)de Direito ao contrário de impedir aintervenção de um Poder em outro oprevê de modo sistemático a partirdo ápice normativo pátrio, ou seja,desde a Constituição (arts. 70 e 71,v.g.). A República Democrática bra-sileira, a propósito, está fundamen-tada, dentre outros, na dignidade da

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pessoa humana e nos valores sociaisdo trabalho (art. 1º, III e IV), e objeti-va, também dentre outros, promovero bem de todos sem qualquer formade discriminação (art. 3º, IV), e paraassegurar tais postulados, assimcomo os direitos de qualquer natu-reza, estabeleceu no texto originárioda Carta de 1988 o princípio da ina-fastabilidade da jurisdição, ou seja:

“Art. 5º ...............................................

XXXV — a lei não excluirá daapreciação do Poder Judiciáriolesão ou ameaça a direito”.

E como é de conhecimento tri-vial no Direito Público (mormente oConstitucional), os direitos e garan-tias fundamentais são mandamen-tos que vinculam a todos, Estado eparticulares, e aquele com razõeshistóricas muito mais acentuadas,posto que os chamados direitos deprimeira geração ou dimensão foramconquistados em primeiro plano exa-tamente em face da tirania do PoderPúblico.

Não está o ente federado, por-tanto, alheio ao controle judicial dosseus atos, sendo desnecessáriasmaiores evidências.

O mesmo se diga com respei-to ao pacto federativo, que não tempor fundamento e muito menos porobjetivo amparar ilegalidades pratica-das pelas administrações de plantão;visa na verdade manter a unidade ecoesão da nação naquilo em queescolheram, por meio da Constituin-te, como forma de Estado. E essaunidade não se mantém com o alhea-mento de um Poder e nem está dire-tamente ligada ao exercício das fun-

ções precípuas de cada um deles. OMunicípio, assim como as demaisUnidades Federadas, devem respei-to à Constituição da República, cujaviolação, isso sim, é que enfraqueceos laços democráticos e federativosnacionais. Não há no caso em apre-ço sequer indício de quebra das re-gras de competência discriminadasna Constituição da República.

Quanto ao mérito administrati-vo que estaria imune ao controle ju-dicial, é forçoso reconhecer o acertoda defesa ao assegurar que nas con-tratações temporárias “a decisão to-mada não se conforma, a rigor, coma definição de ato discricionário se-não que verdadeiro ato vinculado”(folha 170). Em sendo vinculado oato de contratação de pessoal, como que concordo na medida em queas hipóteses têm previsão em lei eexigem observância estrita do admi-nistrador, não há falar em mérito in-suscetível de controle judicial.

Mas ainda que o próprio réuestivesse errado e se se conside-rasse o ato questionado discricioná-rio, “o Judiciário pode apreciar osaspectos da legalidade e verificar sea Administração não ultrapassou oslimites da discricionariedade; nes-se caso, pode o Judiciário invalidaro ato, porque a autoridade ultrapas-sou o espaço livre deixado pela lei einvadiu o campo da legalidade” (Ma-ria Sylvia Z. Di Pietro, ob. cit., p. 209).Em outras palavras: mesmo no atodiscricionário o agente deve obser-var, segundo o comando limitado dalei, o objeto (efeito jurídico imediatoque o ato produz) e a finalidade, demodo que em havendo desvio a anu-lação se impõe.

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E no caso analisado a imposi-ção de nulidade decorre exatamentede norma constitucional: CF, art. 37,§ 2º. Desviando-se a Administraçãodos requisitos já examinados (con-curso público), não há “mérito admi-nistrativo” que resista à intervençãoJudicial.

Quanto ao controle parlamen-tar, pela Câmara de Vereadores,nada a impede, aliás recomenda, quechegando ao conhecimento dos seusmembros as irregularidades cometi-das pelo Chefe do Executivo localdeverá promover as investigaçõesadministrativas e políticas na formada Lei Orgânica Municipal, em obe-diência à simetria decorrente do con-trole do Executivo Federal pelo Con-gresso Nacional, previsto na CF, art.49, inciso X; nunca, repita-se, afas-tando a Jurisdição (CF, art. 5º, XXXV).

Se não bastasse, disciplina oart. 21, da Lei de Improbidade:

“Art. 21. A aplicação das sançõesprevistas nesta Lei independe:

I — da efetiva ocorrência de danoao patrimônio público;

II — da aprovação ou rejeição dedas contas pelo órgão de contro-le interno ou pelo Tribunal ou Con-selho de Contas”. (grifei).

Insta revelar, ademais, que aLei Municipal que dispôs sobre con-tratação temporária é de fev./2002,porém centenas de trabalhadoresforam contratados sob esse pseudoregime ainda no ano de 2001, ense-jando vergonhosa afronta ao dispo-sitivo constitucional (art. 37, IX) e de-monstrando o descaso com a coisapública por parte do então Prefeito.

Em arremate do tema, ao Ju-diciário cumpre, quando acionadodentro do regime da jurisdição únicavigente na República Brasileira, con-substanciado na inafastabilidade dajurisdição, o papel de fomentar atra-vés de suas decisões não somentecondutas probas dentro dos órgãosda Administração, direta ou indireta,mas também a repressão das situa-ções ímprobas já ocorridas.

Declaro, portanto, a nulidadedos contratos de trabalho firmadosentre o primeiro réu (Município deCapanema-PA) e os trabalhadorescontratados após 5 de outubro de1988 sem prévia aprovação em con-curso público de provas ou de pro-vas e títulos, independentemente danomenclatura adotada pelo entefederado ao regime de admissão,conforme listagem de folhas 43/59.

De igual forma, pronuncio aextinção dos contratos de trabalhofirmados com desrespeito à regraconstitucional do concurso, inde-pendentemente da nomenclaturaadotada pelo ente federado ao regi-me de admissão, ressalvando-se oscasos eventualmente comprovadosde provimentos de cargos de livrenomeação previstos na CF, art. 37,II, parte final.

Indefiro, porém, o pedido decominação de multa pecuniáriaquanto aos pedidos acima acolhidos,posto que não consubstanciam obri-gações de fazer ou de não fazer. Tra-ta-se, nesse particular, de provimen-to declaratório-constitutivo cujos efei-tos são naturais (declaração de nuli-dade) e mandamental puro (extinção/encerramento dos contratos nulos),

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prescindindo de execução nos mol-des convencionais. Com o trânsitoem julgado da presente sentença,ademais, e surgindo embaraços nocumprimento do mandamento deencerramento dos contratos (execu-ção específica), medidas própriaspoderão ser adotadas pelo Juízopara propiciar a efetividade do provi-mento. Inteligência da Lei n. 7.347/85, art. 11 c/c CPC, art. 461, caput,parte final.

No que tange aos pedidos con-sistentes em obrigações de fazer(realização de concurso público) e denão fazer (abstenção de contrata-ções sem prévia aprovação em cer-tame), é importante frisar que a re-gra constitucional a respeito do temanão é um mero indicativo para o ad-ministrador, mas sim um manda-mento inarredável para que supra asnecessidades laborais públicasmediante a seleção democrática,impessoal e moral dos interessa-dos, nos estritos termos da CF, art.37, incisos I e II.

Como revelado em linhas vol-vidas, o Município de Capanema temquase 2/3 dos seus agentes sob omanto da temporariedade, porémocupando cargos (que também po-deriam ser empregos, conf. EC 19/98 e mediante lei específica) típicosdas atividades naturais do Estado.

Ao que é corrente no Municí-pio, o último concurso foi realizadoainda em 1996, ou seja, há quasedez (10) anos. Tais circunstâncias,portanto, bastariam para legitimar apretensão do autor nesse particular.

Mas não é só. A continuidadedos serviços públicos invocada na

defesa, menos do que absolver oadministrador que ilegalmente con-tratou centenas de trabalhadorestemporários, implica em confissãoda necessidade premente de regu-larização da situação, com o retornodo status quo da legalidade.

Como asseverou a Exma. Juí-za Pastora do Socorro Leal, no mag-nífico voto proferido no v. Acórdão01208-2002, 3ª Turma TRT 8ª (RO3151/2003), “a ação civil pública pre-sentemente ajuizada, tem por esco-po a tutela dos direitos metaindivi-duais, quais sejam, os interessesdifusos dos munícipes ou cidadãoshabilitados para tal, interessados noacesso ao emprego ou função pú-blica oferecido pelo recorrente”.

Ademais, a Lei n. 7.347/85 dis-põe em seu art. 3º, que dentre outrosobjetivos a ação civil pública poderáter por objeto o cumprimento de obri-gação de fazer ou não fazer, deven-do o Juiz, caso acolha o pedido, or-denar o cumprimento da prestaçãoda atividade devida ou a cessação dasituação nociva, com possibilidadeexpressa de cominação de multapecuniária. Dicção do art. 11 da Lein. 7.347/85, na esteira do dispostono CPC, art. 461, aplicado pelo per-missivo da CLT, arts. 652, “d” e 769.

Isto posto, e por seus própriosfundamentos, mantenho a LIMINARdeferida nas folhas 202/203 dos au-tos, para CONDENAR os réus àsseguintes obrigações:

De não fazer, abstendo-se decontratarem qualquer trabalhadorsem prévia aprovação em concursopúblico, excetuados os cargos de li-vre nomeação (CF, art. 37, II), sob

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pena de multa de R$ 3.000,00 (trêsmil reais) para cada pessoa admiti-da em fraude à presente decisão; defazer, consistente na realização deconcurso público para preenchimen-to dos cargos efetivos vagos, compublicação do edital pertinente no pra-zo máximo de 120 (cento e vinte) dias,contados do deferimento da liminarem 21.10.2004, sob pena de multadiária de R$ 1.000,00 (hum mil re-ais) pelo tempo que extrapolar o pra-zo fixado.

2.2.2. DA AÇÃO CIVIL POR IMPRO-BIDADE ADMINISTRATIVADO PREFEITO

O autor argumenta que o Sr.JORGE NETTO DA COSTA, atual pre-feito municipal de Capanema —Pará, violou em sua gestão todos osprincípios da Administração Públicaalinhados na CF, art. 37, caput, namedida em que contratou, mantevee mantém trabalhadores em regimeilegal e inconstitucional a serviço doMunicípio, ingressos no serviço pú-blico sem prévia aprovação em con-curso público. Adverte que a condutado segundo réu viola vários disposi-tivos constitucionais, como os arts.5º, caput (isonomia) e XLI (não dis-criminação), 37, I, II, IX, § 2º, 169, §1º, I e II, estando subsumida nos ti-pos civis de improbidade adminis-trativa capitulados na Lei n. 8.429/92,arts. 10, I e XI, e 11, I e V, e na Lei deResponsabilidade Fiscal, art. 21, I.

Nesse passo, requer em facedo segundo réu:

a) indenização na ordem de R$50.000,00 para reparar lesão aosdireitos difusos de natureza só-

cio-trabalhista, a reverter para oFAT — Fundo de Amparo ao Tra-balhador; b) o ressarcimento in-tegral do dano causado ao entefederado, correspondente à resti-tuição ao erário de todos os valo-res gastos com o pagamento dostrabalhadores contratados ilegal-mente; c) o reconhecimento dosvínculos empregatícios dos traba-lhadores em situação irregular,diretamente com o Chefe do Exe-cutivo; d) a suspensão dos direi-tos políticos pelo prazo de três (3)a cinco (5) anos; e) a perda dafunção pública; f) a indisponibili-dade dos bens para assegurar oressarcimento dos danos.

Em princípio cumpre sedimen-tar a idoneidade do meio proces-sual eleito pelo parquet trabalhistapara atingir a punição do agente pú-blico por ato de improbidade, assimcomo a natureza extracriminal/penaldas condutas imputadas ao segun-do réu e das sanções respectivas.

Nessa esteira de esclareci-mentos, a CF, art. 37, § 4º dispõeque “Os atos de improbidade admi-nistrativa importarão a suspensãodos direitos políticos, a perda dafunção pública, a indisponibilidadedos bens e o ressarcimento ao erá-rio, na forma e gradação previstasem lei, sem prejuízo da ação penalcabível” (grifei).

A eficácia limitada da normaconstitucional supra se desfez como advento da Lei Federal (nacional;impende assim esclarecer para fir-mar sua aplicação a todas as esfe-ras de governo da Federação) n. 8.429,de 2.6.1992; chamada Lei de Impro-bidade Administrativa, que dá con-

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creção à dicção constitucional. Na li-ção de Maria Sylvia Zanella di Pietro,in verbis:

“(a) o ato de improbidade, emsi, não constitui crime, maspode corresponder também aum crime definido em lei; (b)as sanções indicadas no art.37, § 4º, da Constituição nãotêm natureza de sanções pe-nais, porque, se tivessem, nãose justificaria a ressalva conti-da na parte final do dispositi-vo, quando admite a aplicaçãodas medidas sancionatóriasnele indicadas “sem prejuízoda ação penal cabível”; (c) se oato de improbidade correspon-der também a um crime, a apu-ração da improbidade pela açãocabível será concomitante como processo criminal” (In: “DireitoAdministrativo”, São Paulo: Atlas,2002, 14ª ed., p. 677).

E arremata a publicista: “nadaimpede a instauração de processosnas três instâncias, administrativa,civil e criminal. A primeira vai apurar oilícito administrativo segundo as nor-mas estabelecidas no Estatuto fun-cional; a segunda vai apurar a impro-bidade administrativa e aplicar assanções previstas na Lei n. 8.429/92;e a terceira vai apurar o ilícito penalsegundo as normas do Código deProcesso Penal” (Obra citada, p. 680).

Como se nota, não se confun-dem (no sentido excludente) os atosde improbidade com os crimes co-muns ou de responsabilidade, refor-çando a legitimidade ativa do Minis-tério Público do Trabalho e a compe-tência dessa Especializada, na me-

dida em que tais atos, na situaçãoem causa, ofendem seara jurídicaconexa ao ordenamento justraba-lhista, consubstanciado em interes-ses de uma coletividade de trabalha-dores, ligados por uma situação defato comum, que a todos atinge in-distintamente (ausência de aberturade iguais oportunidades àquelesque preenchem os requisitos da CF,art. 37, inciso I).

A Ação Civil Pública por Ato deImprobidade Administrativa, por seuturno, é uma realidade no contextojudiciário pátrio, aceita que é pelaesmagadora doutrina e sedimenta-da jurisprudência, sendo em verda-de uma espécie do gênero Ação Ci-vil Pública.

Observe-se, ainda, que a Lei deImprobidade Administrativa prevêuma série de comportamentos quemerecem repressão, nos quais ascondutas dos agentes públicos (e aíse incluem os políticos) podem sersubsumidas por atos ou se caracte-rizada uma inércia imotivada, inescu-sável, ou animada por fatores menosnobres, tais como favorecimentos,pessoais e de terceiros, preferênci-as, etc.

Pois bem, sob a óptica dessaspremissas passo ao exame in con-creto da pretensão ministerial.

Do exame dos tipos arroladosna Lei n. 8.429/92 pode-se concluirque os elementos que integram o(s)ato(s) de improbidade administrati-va são: a) um ato antijurídico, isto é,um ato que: a.1) importe enriqueci-mento ilícito; a.2) provoque dano aoerário; a.3) viole os princípios da Ad-ministração Pública; b) praticado

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com dolo ou culpa, conforme o caso;c) nexo de causalidade entre o ato eo enriquecimento ilícito, ou entre oato e o dano ao erário (ou entre o atoe a vulneração dos princípios consti-tucionais); d) autoria do ato de impro-bidade. (V. a propósito, Antônio Aral-do Ferraz Dal Pozzo, in ImprobidadeAdministrativa questões polêmicas eatuais, São Paulo: Malheiros, 2003,2ª ed., ver., atual. e ampl., p. 94).

Da contestação nada se extraisobre o mérito da pretensão do autorveiculada em face do Prefeito, ora réu.

O CPC, art. 302, caput, atraídono caso pela CLT, art. 769, atribui aoréu o ônus de “manifestar-se preci-samente sobre os fatos narrados napetição inicial”, e em seguida dispõeque “presumem-se verdadeiros osfatos não impugnados”. Em seustrês incisos o dispositivo processualressalva hipóteses que não coinci-dem com o caso em exame, ou seja:o réu pessoa física esta sujeito àconfissão (inciso I); a inicial estásuficientemente instruída (inciso II);e as condutas ímprobas imputadasao segundo réu não estão em con-tradição com o conjunto da defesa(inciso III).

Presumo, pois, verídicos osfatos narrados pelo autor em rela-ção ao segundo réu.

Nada obstante, dada a gravi-dade dos pedidos formulados emface do réu, passo ao exame porme-norizado das circunstâncias paraaferir a existência ou não dos supos-tos atos de improbidade trabalhistado demandado, para somente de-pois, se constatados, aplicar as san-ções pertinentes.

Ao réu foram atribuídas as con-dutas ilícitas tipificadas nos arts. 10,I e XI, e 11, incisos I e V, da Lei n.8.429, de 2.6.2002:

“Art. 10. Constitui ato de improbi-dade administrativa que causalesão ao erário qualquer ação ouomissão, dolosa ou culposa, queenseje perda patrimonial, desvio,apropriação, malbaratamento oudilapidação dos bens ou haveresdas entidades referidas no art. 1ºdesta lei, e notadamente:

I — facilitar ou concorrer por qual-quer forma para a incorporaçãoao patrimônio particular, de pes-soa física ou jurídica, de bens,rendas, verbas ou valores inte-grantes do acervo patrimonial dasentidades mencionadas no art. 1ºdesta lei;

XI — liberar verba pública sem aestrita observância das normaspertinentes ou influir de qualquerforma para a sua aplicação irre-gular.

“Art. 11. Constitui ato de improbi-dade administrativa que atentacontra os princípios da adminis-tração pública qualquer ação ouomissão que viole os deveres dehonestidade, imparcialidade, le-galidade, e lealdade às institui-ções, e notadamente:

I — praticar ato visando fim proibi-do em lei ou regulamento ou di-verso daquele previsto, na regrade competência;

V — frustrar a licitude de concur-so público”.

Embora não se tenha em miraa aplicação de sanção criminal ao

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segundo réu, como já assentado emlinhas passadas, não estando as-sim o Juiz, em tese, vinculado à ca-pitulação apontada pelo MPT, aocontrário do que ocorre no ProcessoPenal (CPP, Art. 41), reputo que aspenas previstas na Lei de Improbi-dade merecem análise a partir dosfatos objetivamente imputados aoagente supostamente ímprobo, se-gundo as condutas individualizadaspelo autor, a fim de permitir a sub-sunção (comparativa) da ação ouomissão do réu com a lei.

Como se nota da relação depessoal “temporário” acostada àsfolhas 43/59 referidos trabalhadoresforam contratados sem sujeitarem-se a prévio concurso público na ges-tão do segundo réu, isto é, a partirde 2001; boa parte, por sinal, admiti-da ainda nos primeiros dias e me-ses do mandato. Verifica-se, tam-bém, que tais contrações se deramantes mesmo do advento da Lei Mu-nicipal que dispôs sobre contrataçãotemporária (publicada em fevereiro/2002). Em outras palavras, centenasde trabalhadores foram admitidossem concurso público e sem previ-são em lei de trabalho temporáriono ano de 2001, itere-se, no primeiroano de mandato do Prefeito ora de-mandado.

Mesmo os trabalhadores con-tratados após o advento da citada lei,o foram em descompasso com aprópria norma municipal e, principal-mente, em afronta à CF, art. 37, inci-sos I e II, como já decidido no capítu-lo precedente.

No rol de trabalhadores supos-tamente temporários o segundo réu

está presente, conforme comprovaa lista de folha 33; de igual forma oVICE-PREFEITO (folha 34), e algunsSecretários Municipais. Ora, taisagentes, os dois primeiros de natu-reza política, recebem vencimentosprevistos em lei em sentido estrito ejamais poderiam qualificar-se como“temporários”, já que percebem re-muneração (latu sensu) institucional.

A figuração de tais agentes, eno que interessa mais objetivamen-te, do Prefeito ora réu na folha depagamento de temporários eviden-cia fraude aos cofres públicos e serevelada a duplicidade de pagamen-to, crime comum e de responsabili-dade. É preciso apontar que não sepode alegar desconhecimento dascontratações pelo segundo réu, poisa Lei Municipal n. 6.001/2002 dispõeno art. 5º que as contratações somen-te poderão ser feitas “mediante pré-via autorização do Prefeito Municipal,no caso do Executivo”, constituindoprova indene quanto à participaçãodireta, voluntária e consciente do Pre-feito nas contratações irregulares e,por conseguinte, na sua própria ma-nutenção no rol dos “temporários”.

Portanto, à vista desse fato ea teor do CPP, art. 40, determino aremessa de OFÍCIO ao Ministério Pú-blico Estadual, por seu Órgão nes-sa Comarca e ao Procurador-Geralde Justiça, enviando-lhes cópia dapresente sentença e das listas defls. 43/59, para as providências cri-minais cabíveis.

Nada obstante a figura crimi-nal, em tese, acima identificada, ofato repercute na presente ação porimprobidade laboral. Nesse sentir,

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a dignidade da pessoal humana e daproteção aos valores sociais do tra-balho (CF, art. 1º, III e IV), investem oJudiciário Trabalhista na missão de,quando invocado, reprimir as ofensasaos princípios e patrimônio da coleti-vidade ou do erário, e pedagogica-mente enaltecer o combate à impro-bidade administrativa, razão maior daCF, art. 37, § 4º e da Lei n. 8.429/92,criando nos administradores presen-tes e futuros uma postura voltada parao combate das situações imorais,que a todos prejudicam.

Agindo como agiu e persisteagindo o segundo réu, posto que seumandato expirará apenas em31.12.2004, não tendo sido reeleito,encontra-se subsumido nas condutasdescritas no art. 10, incisos I e XI, dalei anticorrupção, uma vez que concor-reu decisivamente para a incorpora-ção de valores do ente federado (folhade salários) ao patrimônio particular,seu e de terceiros, de forma ilegal einconstitucional, assim como liberouas respectivas verbas sem observân-cia da correta contratação de pessoal,aplicando-as, por conseguinte, irregu-larmente. E a esta conclusão se che-ga tanto pelo prisma da omissão comopelo ângulo da ação, conforme a ca-beça do citado dispositivo.

De igual modo subsume-se aconduta do segundo demandado nadicção do art. 11, incisos I e V, da Leide Improbidade, posto que praticouatos (centenas deles) visando ao fimproibido na Constituição (admissãosem concurso), e frustrou a licitudede certame público.

Quanto a esta última conduta(art. 11, V), cumpre esclarecer que

mais grave do que frustrar eventualconcurso em trâmite, é simplesmen-te olvidá-lo, não realizá-lo ao longode quatro (4) anos de mandato, nosquais o serviço público prestado peloMunicípio permaneceu em grandeparcela a cargo de trabalhadores ile-galmente investidos.

É notório, ainda, na forma docaput do art. 11 da Lei n. 8.429/92, ovilipêndio aos princípios da legalida-de, da impessoalidade, da eficiên-cia, da publicidade, e da moralida-de, para ficar naqueles expressa-mente capitulados no art. 37, caput.

Confira-se:

A legalidade foi relegada pelosegundo réu ao optar pelo caminhoda temporariedade das contratações,sem observância dos ditames cons-titucionais e legais, como se o Muni-cípio necessitasse de pessoal porapenas quatro anos; agiu dolosa-mente. A impessoalidade é quebra-da na medida em que as contraçõessem prévia habilitação em concursopúblico permitem os favorecimentospolíticos e pessoais e transforma oserviço público em inegável cabidede empregos, exatamente o que aregra da CF, art. 37, I e II, visou elimi-nar; a publicidade foi amesquinhadapela ausência sequer de processoseletivo simplificado com ampla di-vulgação; a eficiência inexiste namesma proporção da ausência deprofissionalismo dos trabalhadorescontratados, sem qualquer expectati-va de futuro funcional; podendo sersurpreendidos com a nulidade dopacto a qualquer momento, certa-mente não se habilitam e se aperfei-çoam para bem servir a comunidade.

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E nessa linha de constata-ções, não é demais repisar a qualifi-cação dos atos de improbidade aquiverificados. Embora reflexamente te-nham atingido ao erário, no decorrerdo decisum é possível notar que obem jurídico mais vilipendiado pe-las condutas até aqui examinadasfoi exatamente os interesses difusosda coletividade de cidadãos traba-lhadores (principalmente os muníci-pes), não só aqueles que estão impe-didos de disputarem uma vaga pe-los vias regulares, que são vulnera-dos no seu direito de igualdade e deacessibilidade, mas também os pró-prios obreiros admitidos na plenitu-de de sua boa-fé e que ao final dopacto (com a anulação da contrata-ção) farão jus apenas a eventuaissalários em atraso e ao FGTS, naesteira do Enunciado 363 do TST eart. 19-A, da Lei n. 8.036/90.

A Constituição brasileira já de-butou e é hora de ser aplicada emsua plenitude. Não pode o operadordo Direito simplesmente burocrati-zar a nulidade dos contratos celebra-dos sem prévia aprovação em certa-me e fazer letra morta da parte finaldo § 2º do art. 37, da CF (“...puniçãoda autoridade responsável, nos ter-mos da lei”) e do § 4º do mesmo dis-positivo.

A continuar a impunidade, aocontrário de reprimir a nefasta práti-ca revelada nestes autos, estar-se-á oficializando incentivo irrecusável,vale dizer: qualquer administrador(público ou privado) em sã consciên-cia econômica (e apenas econômi-ca) não teria dúvidas em preferir acontratação nula àquela regular, poisda primeira não surgem direitos re-

levantes para o trabalhador e da se-gunda, como deve ser e a Carta Mag-na garante (arts. 7º e 39), extrai-seum arcabouço mínimo de garantias.

No que tange à moralidade,bastam as sempre abalizadas pala-vras de FÁBIO MEDINA OSÓRIO, ci-tado por ADILSON ABREU DALLARI(ob. cit., “Improbidade Administrativaquestões polêmicas e atuais”, pp. 28/29), adverte:

“A moralidade administrativa, den-tro de uma concepção mais obje-tiva, é um princípio constitucionalque guarda autonomia em relaçãoà legalidade stricto sensu, com ca-ráter plenamente vinculante, quedireciona os agentes públicos aosdeveres, dentre outros, de probi-dade, honestidade, lealdade àsinstituições, preparo funcional mí-nimo no trato da coisa pública,prestação de contas, eficiênciafuncional, economicidade.

De outro lado, a imoralidade ad-ministrativa resulta configurada apartir da agressão a outros prin-cípios que regem a AdministraçãoPública, tais como razoabilidade,proporcionalidade, supremaciado interesse público, impessoa-lidade, economicidade (em grauelevado), publicidade (gravidadeintensa), conjugando-se todosesses tópicos na formação damoralidade constitucional — queé a base da ação popular, daação civil pública por ato de im-probidade administrativa e causade nulidade do ato administrativo— que se exige do setor público.”

Com isto, longe de mero erroadministrativo, vislumbro no caso emapreço verdadeiro desapego à lega-

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lidade, à Constituição, e aos princí-pios comezinhos de Administraçãoe conduta públicas.

À toda evidência, portanto, res-taram evidenciados centenas de atosantijurídicos, que importaram emdano ao erário e violação aos princí-pios da Administração Pública, atosestes praticados com tamanha ne-gligência administrativa que raia oconceito de dolo, com notória rela-ção de causa e efeito (nexo) entre asações e omissões do segundo réue o dano ao patrimônio público ma-terial (e imaterial, aos interessesmetaindividuais já identificados an-teriormente), e a vulneração dos prin-cípios básicos da AdministraçãoPública, não sobrando um resquíciode dúvida quanto à autoria das con-dutas que exigem repreensão.

Quanto às sanções aplicáveis,dispõe a Lei de Improbidade:

“Art. 12. Independentemente dassanções penais, civis e adminis-trativas, previstas na legislaçãoespecífica, está o responsávelpelo ato de improbidade sujeitoàs seguintes cominações:

II — na hipótese do art. 10, ressar-cimento integral do dano, perdados bens ou valores acrescidosilicitamente ao patrimônio, se con-correr esta circunstância, perda dafunção pública, suspensão dosdireitos políticos de cinco a oitoanos, pagamento de multa civil deaté duas vezes o valor do dano eproibição de contratar com o Po-der Público ou receber benefíciosou incentivos fiscais ou creditícios,direta ou indiretamente, ainda quepor intermédio de pessoa jurídica

da qual seja sócio majoritário, peloprazo de cinco anos;

III — na hipótese do art. 11, res-sarcimento integral do dano, sehouver, perda da função pública,suspensão dos direitos políticosde três a cinco anos, pagamentode multa civil de até cem vezes ovalor da remuneração percebidapelo agente e proibição de con-tratar com o Poder Público ou re-ceber benefícios ou incentivos fis-cais ou creditícios, direta ou indi-retamente, ainda que por intermé-dio de pessoa jurídica da qualseja sócio majoritário, pelo prazode três anos”.

Observados os limites do quefora postulado pelo autor e o dispos-to no artigo retrocitado, estão em cau-sa as penas consistentes em res-sarcimento do dano e indenizaçãoreversível ao FAT, reconhecimento devínculo de emprego com o segundoréu, perda da função pública, sus-pensão dos direitos políticos, e in-disponibilidade de bens.

É inequívoca a ofensa aos in-teresses difusos já identificados aonorte, provocando dano jurídico so-cial emergente da conduta ilícita dosegundo réu. Impõe-se, pois, a re-paração à coletividade dos trabalha-dores, não só para estabelecer aconseqüência natural da responsa-bilidade do agente, como para de-sestimular a continuidade das con-dutas lesivas (CC, art. 927). Merece,pois, acolhimento o pleito indeniza-tório formulado na exordial. No quese refere ao valor postulado, reputo-o compatível com a magnitude dalesão.

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O destinatário do quantum in-denizatório, embora a Lei de Impro-bidade estabeleça como sendo apessoa jurídica prejudicada pelo ilí-cito (art. 18), na espécie incide a re-gra da Lei n. 7.347/85, art. 13, dada apertinência entre o bem jurídico pro-tegido e lesado (direitos difusos tra-balhistas) e o FAT — Fundo de Am-paro ao Trabalhador, instituído pelaLei n. 7.998/90, que inclusive custeiao seguro desemprego (art. 10) e ou-tras políticas públicas na seara doemprego.

Acolho, portanto, o pedido con-denatório em causa para impor aosegundo réu a obrigação de pagarindenização no importe de R$50.000,00 (cinqüenta mil reais), areverter em favor do FAT — Fundo deAmparo ao Trabalhador.

No que tange à dosimetria daspenas aplicáveis aos agentes ímpro-bos é importante citar a lição de MAR-CELO FIGUEIREDO sobre o tema:

“Grave problema que a lei encer-ra é o seguinte: sendo proceden-te a ação, as penas previstas seaplicam em bloco, ou o juiz pode‘discricionariamente’ aplicá-las,uma delas, ou todas em conjun-to” De fato, é de se afastar a pos-sibilidade de aplicação conjuntade penas em bloco, obrigatoria-mente. É dizer, há margem demanobra para o juiz, de acordocom o caso concreto, aplicar aspenas, dentre as cominadas, iso-lada ou cumulativamente. Tudodependerá da análise da condu-ta do agente público que praticouato de improbidade em suas varia-das formas” (ob. cit., p. 136).

No mesmo sentido, CARLOSARI SUNDFELD, “Direito Adminis-trativo Ordenador”, São Paulo: Ma-lheiros Editores, 1997, 2. tir., con-forme remissão feita pelo autor aci-ma citado.

E esse reputo seja o melhorcaminho, e mais justo, a ser trilhadopelo julgador, até porque encontraagasalho no parágrafo único, do art.12, da Lei n. 8.429/92:

“Parágrafo único. Na fixação daspenas previstas nesta lei o juiz le-vará em conta a extensão do danocausado, assim como o proveitopatrimonial obtido pelo agente”.

A expressão extensão do danocontida no citado dispositivo, contu-do, “tem que ser entendida em sen-tido amplo, de modo que abranja nãosó o dano ao erário, ao patrimôniopúblico em sentido econômico, mastambém ao patrimônio moral doEstado e da sociedade” (Di Pietro,ob. cit., p. 692).

Nesse passo, pugna tambémo autor o ressarcimento integral dodano causado ao ente federado, cor-respondente à restituição ao erá-rio de todos os valores gastos com opagamento dos trabalhadores con-tratados ilegalmente.

O ressarcimento postuladoestá previsto nos incisos II e III doart. 12 da Lei de Improbidade, com-preendendo sanção reparatória dosprejuízos causados aos cofres pú-blicos através do malbaratamentodos recursos confiados à gestão doagente ímprobo. Na espécie, confi-gurada a irregularidade das contra-tações de trabalhadores, como de

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fato está, não se pode chegar a ou-tra conclusão senão a de que o di-nheiro despendido para remunerá-los enseja aplicação ilegal de recur-sos, devendo ser restituído aos co-fres públicos por quem autorizou arealização das despesas, no caso,o segundo réu. Inteligência da CF,arts. 37, § 2º e 169, § 1º c/c Lei deResponsabilidade Fiscal, art. 21, I.

A propósito, a Lei n. 8.745/93,que cuida da contratação de traba-lhadores para suprir necessidadetransitória de excepcional interessepúblico prevê em seu art. 6º, § 2º,além da nulidade do ato de admis-são irregular, a responsabilidade doagente quanto à devolução dos valo-res pagos ao contratado. Referida nor-ma, em louvável acerto legislativo, ex-plicita o comando mediato e auto-apli-cável da CF, art. 37, § 2º e § 4º.

A Lei n. 8.429/92, art. 5º, asse-gura que “Ocorrendo lesão ao patri-mônio público por ação ou omissão,dolosa ou culposa, do agente ou deterceiro, dar-se-á o integral ressar-cimento do dano”.

O dispositivo citado é harmô-nico ao pedido em análise e taxati-vamente incontroverso quanto à suaaplicabilidade como fonte legal daobrigação específica de restituiçãodo estado originário das finançaspúblicas abaladas pela utilização ir-regular.

Portanto, acolho o pedido emreferência para condenar o segundoréu à obrigação de ressarcir aos co-fres públicos do Município de Capa-nema — PA, nos termos do art. 18,da Lei n. 8.429/92, os valores utiliza-dos para pagamento dos trabalha-

dores contratados irregularmente navigência do seu mandato (janeiro/2001 a dezembro/2004), conformelistagem de folhas 43/59, exclusiveos comprovados casos de nomea-ções para cargos de livre provimen-to, conforme restar apurado em liqui-dação de sentença, por cálculo, ob-servando-se, quanto à sucessãopatrimonial, o disposto no art. 8º, daLei n. 8.429/92.

Para viabilizar a liquidação, de-verá o primeiro réu juntar aos autos afolha de pagamento do período.

Quanto ao pretenso reconhe-cimento de vínculo de emprego dostrabalhadores irregulares direta-mente com o segundo réu, não veri-fico nenhum enquadramento nassanções previstas na Lei n. 8.429/92, não havendo abertura para aimposição de tal conseqüência pu-nitiva aos atos de improbidade tra-balhista já identificados. De outraparte, no plano fático seria impres-cindível aquilatar a existência dosrequisitos da CLT, art. 3º, o que éimpraticável na espécie dada a enor-me quantidade de trabalhadores emsituação ilegítima. Indefiro, destar-te, o referido pedido. Ademais, arestituição dos valores pagos aostrabalhadores pelo segundo réu e àindenização dos danos sociais co-letivos é, no aspecto pecuniário,suficiente para atender ao princípioda razoabilidade na aplicação dapena por improbidade.

No plano pessoal, tanto o inci-so II, quanto o inciso III, do citado art.12 da LI, prevêem a suspensão dosdireitos políticos e a perda da fun-ção pública ocupada pelo agente.

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Observe-se que a moralidadeadministrativa exige a repressão dascondutas ímprobas para restabele-cer a credibilidade na gestão públi-ca, sendo imprescindível que se re-tire do cenário político o agente queno exercício de mandato eletivo cau-sou dano ao erário mediante o orde-namento irregular dos recursos mu-nicipais e violou os mais básicos (econhecidos) princípios da Adminis-tração Pública.

No entanto, perfilhando os cri-térios de dosagem da pena já men-cionados (art. 12, parágrafo único) econsiderando a realidade segundoa qual o segundo réu está no final deseu mandato, que expirará ao térmi-no do presente ano civil, melhor seadequa ao caso em apreço a sus-pensão de direitos, invés da perdado cargo.

No atual estágio a decretaçãode perda da função pública ao se-gundo réu seria de nenhum efeito,ou melhor, não teria o efeito práticodesejado, a uma porque o mandatoestá em vias de extinção natural, aduas porque até o trânsito em jul-gado da presente sentença (o quenesse caso é imposição legal: art. 20,caput, da LI) a gestão já estaria exau-rida, e a três porque a cumulação daperda com a suspensão extrapola-ria o limite do razoável, se considera-das as demais sanções já impostas.

Indefiro, pois, o pedido de con-denação do segundo réu quanto àperda da função pública.

A suspensão, no entanto, seimpõe. O prazo suspensivo consig-nado no multicitado art. 12 da LI, va-ria de 3 a 8 anos, se conjugados os

incisos II e III. O segundo réu admi-tiu para o Município trabalhadores emafronta à lei e à Constituição durantetoda a vigência de seu mandato, eisque até o momento persiste o qua-dro. As afrontas aos princípios daAdministração Pública previstos naCF, art. 37, caput, são patentes. Oprejuízo sociolaboral se estendeupara a coletividade de cidadãos tra-balhadores. Assim, e considerandoa agravante de o próprio demanda-do figurar na lista e folha de paga-mento dos “temporários”, fixo o pra-zo de suspensão por quatro (4) anos,lapso temporal equivalente ao man-dato de prefeito.

Isto posto, acolho o pedidopara decretar a suspensão dos di-reitos políticos do segundo réu peloprazo de quatro (4) anos, determinan-do, após o trânsito em julgado des-se decisum, a expedição de OFÍCIOinformativo ao Eg. Tribunal RegionalEleitoral no Pará, ao Exmo. Juiz Elei-toral dessa Comarca, à Câmara deVereadores de Capanema, e ao Mi-nistério Público Estadual.

Finalmente, indefiro o pedidode indisponibilidade dos bens dosegundo réu, eis que a medida re-presenta providência acauteladoranão postulada oportunamente peloautor. A Lei n. 8.429/92 cuida do temana seara indiciária da ação de im-probidade (art. 7º), sendo “de cunhoemergencial e transitório” (MarceloFigueiredo, ob. cit., p. 67).

Nesse contexto, “não constituium fim em si mesmo, apresentandocaráter meramente instrumental epreparatório” mostrando-se “indis-pensável que a decretação liminar

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da medida seja precedida de criterio-sa avaliação das condições geraisde admissibilidade da ação em queé pleiteada, bem como da presençado fumus boni iuris e do periculum inmora, evitando-se qualquer automa-tismo no provimento judicial” (EnriqueRicardo Lewandowski, “ ImprobidadeAdministrativa — Questões polêmi-cas e atuais”, ob. cit., pp. 184 e 185).

Não é outra a conclusão a quechega Carlos Mario Velloso Filho, nacitada obra, p. 127: “A indisponibili-dade só se legitima enquanto medi-da cautelar, destinada a asseguraro resultado útil do processo princi-pal, pois do contrário atentaria con-tra os princípios do devido processolegal, do contraditório e da ampladefesa (arts. 5º, LIV e LV, da CF)”.

3. DISPOSITIVO

ISTO POSTO, NOS AUTOS DAAÇÃO CIVIL PÚBLICA AJUIZADA PELOMINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHOEM FACE DO MUNICÍPIO DE CAPA-NEMA – PARÁ E DE JORGE NETTODA COSTA:

A. REJEITO AS PRELIMINARESDE INCOMPETÊNCIA MATERIAL DAJUSTIÇA DO TRABALHO, DE INCOM-PETÊNCIA FUNCIONAL POR PRER-ROGATIVA DE FORO, declarandopara tanto a inconstitucionalidadeincidenter tantum da Lei n. 10.628/02(§ 2º do art. 84 do CPP), e de ilegitimi-dade ativa do autor;

B. NÃO CONHEÇO DO “CON-FLITO DE COMPETÊNCIA”;

C. REJEITO A ARGÜIÇÃO DEREVELIA DO SEGUNDO RÉU;

D. NO MÉRITO, julgo proce-dentes, em parte, os pedidos formu-lados pelo autor para:

d.1) Declarar a nulidade doscontratos de trabalho firmados entreo primeiro réu (Município de Capa-nema — PA) e os trabalhadores con-tratados após 5 de outubro de 1988sem prévia aprovação em concursopúblico de provas ou de provas e tí-tulos, independentemente da no-menclatura adotada pelo ente fede-rado ao regime de admissão, con-forme listagem de folhas 43/59;

d.2) Decretar a extinção doscontratos de trabalho firmados comdesrespeito à regra constitucional doconcurso, independentemente danomenclatura adotada pelo ente fe-derado ao regime de admissão, res-salvando-se os casos eventualmen-te comprovados de provimentos decargos de livre nomeação previstosna CF, art. 37, II, parte final;

d.3) CONFIRMAR A LIMINAR DEFOLHAS 202/203 dos autos e conde-nar os réus às seguintes obrigações:De não fazer, abstendo-se de contra-tarem qualquer trabalhador sem pré-via aprovação em concurso público,excetuados os cargos de livre no-meação (CF, art. 37, II), sob pena demulta de R$ 3.000,00 (três mil reais)por cada pessoa admitida em fraudeà presente decisão; de fazer, consis-tente na realização de concurso pú-blico para preenchimento dos cargosefetivos vagos, com publicação doedital pertinente no prazo máximo de120 (cento e vinte) dias, contadosdo deferimento da liminar em21.10.2004, sob pena de multa diá-ria de R$ 1.000,00 (hum mil reais)

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pelo tempo que extrapolar o prazofixado;

d.4) Condenar o segundo réuao pagamento de indenização pordano social coletivo no importe deR$ 50.000,00 (cinqüenta mil reais),a reverter em favor do FAT — Fundode Amparo ao Trabalhador;

d.5) Condenar o segundo réuà obrigação de ressarcir aos cofrespúblicos do Município de Capanema— PA, nos termos do art. 18, da Lein. 8.429/92, os valores utilizadospara pagamento dos trabalhadorescontratados irregularmente na vigên-cia do seu mandato (janeiro/2001 adezembro/2004), conforme listagemde folhas 43/59, exclusive os com-provados casos de nomeações paracargos de livre provimento, confor-me restar apurado em liquidação desentença, por cálculo, observando-se, quanto à sucessão patrimonial,o disposto no art. 8º, da Lei n. 8.429/92. Para viabilizar a liquidação, de-verá o primeiro réu juntar aos autosa folha de pagamento do período;

d.6) Decretar a suspensãodos direitos políticos do segundoréu pelo prazo de quatro (4) anos,determinando, após o trânsito emjulgado desse decisum, a expedi-ção de OFÍCIO informativo ao Eg.Tribunal Regional Eleitoral no Pará,ao Exmo. Juiz Eleitoral dessa Co-marca, à Câmara de Vereadores deCapanema, e ao Ministério PúblicoEstadual;

E) determinar a remessa deOFÍCIO ao Ministério Público Esta-dual, por seu Órgão nessa Comarcae ao Procurador Geral de Justiça, en-viando-lhes cópia da presente sen-tença e das relações de folhas 43/59, para adoção das providênciascriminais cabíveis;

F) ABSOLVER OS RÉUS QUAN-TO AOS DEMAIS PEDIDOS, TUDOCONFORME OS TERMOS, LIMITES EPARÂMETROS FIXADOS NA FUNDA-MENTAÇÃO SUPRA.

À vista das condenações deordem pecuniária impostas ao se-gundo réu, o mesmo deverá recolhercustas no importe de R$ 10.000,00,calculadas sobre o valor de R$500.000,00 ora arbitrado à condena-ção, por força da CLT, art. 789, IV.

O primeiro réu goza de isen-ção legal (CLT, art. 790-A, I).

À vista da natureza da conde-nação imposta à pessoa jurídica dedireito público, não se aplica a exce-ção do CPC, art. 475, § 2º, devendoquanto à mesma ser observada aremessa dos autos ao egrégio TRT— 8ª região, para reexame.

Intimem-se as partes.

Cleber Martins Sales, Juiz doTrabalho Substituto, na Titularidade.

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL DO

TRABALHO DA 8ª REGIÃO

VARA DO TRABALHO DECAPANEMA

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TERMO DE COMPROMISSO DE AJUSTAMENTO DECONDUTA — INFORMAÇÕES DESABONADORAS

(PRT 8ª REGIÃO)

TERMO DE COMPROMISSO DE AJUSTAMENTO DE CONDUTA N. 229/2004(Representação n. 802/2004 — PRT/8ª Região)

A C LIRA TRANSPORTESLTDA., CNPJ 10.873.438/0001-38,com sede à avenida Jornalista Ed-son Regis, 809, Ibura, Recife-PE,neste ato representada por JOÃOANTÔNIO VIEIRA BELO, preposto,CPF 686.151.404-72, e pelo Dr. LuizGonzaga de Melo Valença, OAB/PA3668-A, firma o presente TERMO DECOMPROMISSO DE AJUSTAMENTODE CONDUTA perante o MinistérioPúblico do Trabalho, neste ato peloProcurador Regional do TrabalhoJosé Cláudio Monteiro de Brito Filho,com fundamento no art. 5º, § 6º, daLei n. 7.347/85, sob as seguintescondições:

Considerando que a dignidadeda pessoa humana é um dos funda-mentos da República Federativa doBrasil (art. 1º, III, CF/88) e deve sergarantida, em qualquer circunstân-cia, a todos;

Considerando a inviolabilidadeda intimidade e da honra de todos(art. 5º, X, CF/88),

Compromete-se ao seguinte:

1. Abster-se de prestar, em qual-quer circunstância e sob qualquer pre-texto, informações desabonadoras e/ou violadoras da intimidade e/ou dahonra, relativamente a empregados eex-empregados, salvo nas hipótesesem que assim estiver obrigada por lei.

2. Dar ciência a todos os em-pregados do presente Termo de Com-promisso de Ajustamento de Condu-ta, mesmo àqueles que forem admiti-dos posteriormente, afixando ainda oTermo, por 60 (sessenta) dias a con-tar da assinatura deste, no local desti-nado à troca de roupa e descanso dosempregados;

3. A pagar, no caso de des-cumprimento de qualquer dos itensdo presente Termo, por infração epor empregado, a importância deR$ 25.000,00 (vinte e cinco mil reais),reversível ao FAT — Fundo de Am-paro ao Trabalhador, nos termosdos arts. 5º, § 6º e 13, da Lei n.7.347/85.

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4. A cobrança da multa, somen-te incidente por descumprimento apartir da assinatura deste, não subs-titui as obrigações contidas no pre-sente Termo;

5. As obrigações contidas nopresente Termo alcançam todas as

filiais e/ou estabelecimentos da em-presa.

Belém-PA, 1º de dezembro de2004.

José Cláudio Monteiro de BritoFilho, Procurador Regional do Tra-balho.

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TERMO DE COMPROMISSO DE AJUSTAMENTO DECONDUTA — GREVE DOS BANCÁRIOS — ATO

ANTI-SINDICAL — PROIBIÇÃO (PRT 10ª REGIÃO)

TERMO DE COMPROMISSO DE AJUSTAMENTO DE CONDUTA n. 82/2004

O BANCO DO BRASIL S.A,CNPJ n. 00.000.000/0001-91, comsede no Setor Bancário Sul, Quadra4, Bloco C, Lote 32, Edifício Sede III,Brasília/DF, representado pela Sra.Izabela Campos Alcântara Lemos,RG n. 777.449, SSP-DF e assistidopelo Dr. Antônio Pedro da Silva Ma-chado, OAB/DF n. 1.739-A e o SINDI-CATO DOS EMPREGADOS EM ES-TABELECIMENTOS BANCÁRIOS DEBRASÍLIA, CNPJ n. 00.720.771/0001-53, com sede na EQS 314/315, Pro-jeção 1, Brasília/DF, representadopelo Sr. Jacy Afonso de Melo, RG n.425.051, SSP-DF, e assistido peloDr. Marthius Sávio Cavalcante Loba-to, OAB/DF n. 1.681-A celebram, nosautos dos Procedimentos Investiga-tórios n. 0451/2004 e 0452/2004, opresente TERMO DE COMPROMIS-SO DE AJUSTAMENTO DE CONDU-TA, na forma do art. 5º, § 6º, da Lei n.7.347/85, perante o MINISTÉRIOPÚBLICO DO TRABALHO (Procura-doria Regional do Trabalho da 10ªRegião/DF), representado neste atopelo Procurador do Trabalho Dr.

CRISTIANO PAIXÃO, nos seguintestermos:

1) O Banco do Brasil S.A rea-firma o compromisso de não efetuarpunições a seus empregados co-missionados, incluindo-se a perdada função de confiança, em razão doposicionamento desses mesmosempregados em relação à greve, ain-da que esse posicionamento sejaaparentemente divergente de orien-tação do Conselho Diretor do Ban-co, sendo mantida, na forma da lei, adivulgação, pelos meios institucio-nais de que dispõe o Banco, da orien-tação da empresa quanto à negoci-ação coletiva, para fins de informa-ção e esclarecimento dos seus em-pregados, comissionados ou não.

2) O Sindicato dos Emprega-dos em Estabelecimentos Bancá-rios de Brasília reafirma o compro-misso de não violar ou constrangeros direitos e garantias fundamentaisde bancários quanto ao não-exercíciodo direito de greve, sendo mantido,na forma da lei, o direito ao emprego

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de meios pacíficos tendentes a per-suadir ou aliciar os trabalhadores aaderirem à greve.

3) Pelo descumprimento doCompromisso assumido perante oMinistério Público do Trabalho o Ban-co do Brasil S.A. e o Sindicato dosEmpregados em EstabelecimentosBancários de Brasília ficam sujeitosao pagamento de multa no valor deR$ 15.000,00 (quinze mil reais), porinfração, reversível ao FAT, Fundo deAmparo ao Trabalhador, instituídopela Lei n. 7.998/90, nos termos doart. 5º, §§ 6º e 13 da Lei n. 7.347/85ou obrigação alternativa equivalente,conforme deliberação pelo Procura-dor Oficiante no procedimento.

4) O cumprimento é passívelde fiscalização pela Delegacia Regio-nal do Trabalho e Emprego, na for-ma do § 5º do art. 36 do Decreto n.3.298/99 e pelo Ministério Público doTrabalho.

5) O presente Termo de Com-promisso de Ajustamento de Con-duta vigorará até a conclusão da ne-gociação coletiva referente ao perío-do 2004/2005, com vigência imedia-ta a partir de sua assinatura, ficandoassegurado o direito de revisão dascláusulas e condições, em qualquertempo, mediante requerimento aoMinistério Público do Trabalho.

Brasília, 30 de setembro de2004

BANCO DO BRASIL S.A.

Dr. Antônio Pedro da Silva MachadoOAB/DF 1.739-A

SINDICATO DOS EMPREGADOS EMESTABELECIMENTOS BANCÁRIOS

DE BRASÍLIA

Dr. Marthius Sávio Cavalcante LobatoOAB/DF 1.681-A

CRISTIANO PAIXÃOProcurador do Trabalho

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AÇÃO CAUTELAR — EMPRESA PRESTADORA DESERVIÇOS — ATRASO NO PAGAMENTO DOS SALÁRIOS

DOS EMPREGADOS — BLOQUEIO DE CRÉDITOS —INDISPONIBILIDADE DE BENS DA EMPRESA

(PRT 16ª REGIÃO)

EXCELENTÍSSIMO (A) SENHOR (A) DOUTOR (A) JUIZ (A) DA VARA DOTRABALHO DE SÃO LUÍS/MA

O MINISTÉRIO PÚBLICO DOTRABALHO, com sede na AvenidaMal. Castelo Branco n. 657, bairroSão Francisco, São Luís/MA, CEP:65.000-000, pela Procuradora doTrabalho que abaixo subscreve, nostermos do art. 127 da CF, da Lei n.7.347/85, da Lei n. 8078/90, da LeiComplementar n. 75/93, do art. 769da CLT c/c art. 798 do CPC, vem, res-peitosamente, propor a presente

AÇÃO CAUTELAR INOMINADADE BLOQUEIO DE NUMERÁRIOE DE INALIENABILIDADE DE

BENS COM PEDIDO DE ORDEMLIMINAR INAUDITA ALTERA

PARS

em face da RAPOSO SERVI-ÇOS DE VIGILÂNCIA LTDA., CNPJ n.07.007.453/0001-99, sito à Estradada Maioba, 107, Paço do Lumiar, MA,Cep 65130-000 como MEDIDA PRE-PARATÓRIA DA AÇÃO PRINCIPAL

(AÇÃO CIVIL COLETIVA), pelas ques-tões de fato e de direito que a seguiraduz:

I. DOS FATOS

Tramitam nesta PRT a Media-ção Coletiva n. 135/2004 e a repre-sentação n. 134/2004, fruto de de-núncia efetivada pelo Sindicato dosVigilantes e da Junta Governativa doSindicato, que noticiam que a recla-mada — Raposo Serviços de Vigi-lância Ltda. encontra-se há, aproxi-madamente, cinco meses sem efe-tivar o pagamento de salários, sob ajustificativa de que o Estado do Ma-ranhão há mais de dez meses nãoefetua o pagamento integral das fa-turas decorrentes de serviço presta-do junto à Secretaria de Educação.

Diante de tais fatos, determi-nou-se a notificação da empresa, doSecretário de Educação, da Procu-radoria Geral do Estado, do Sindica-

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to, da Junta Governativa do Estado eda DRT, a fim de que se tentasseuma solução extrajudicial para talfato.

Após três audiências de media-ção, a despeito do êxito alcançado,eis que o Secretário Municipal deEducação se comprometeu a envidaresforços para disponibilizar o mon-tante de R$ 1.635.730,00 (hum mi-lhão, seiscentos e trinta e cinco mil esetecentos e trinta reais), em trêsparcelas, sendo a primeira delas deR$ 635.730,00 (seiscentos e trinta ecinco mil, setecentos e trinta reais)até o dia 30.11.2004 e as outras duasde R$ 500.000,00 (quinhentos milreais) cada, até o dia 30.12.2004, con-forme consta da Ata de Audiências dodia 19.11.2004, certo é que há fundadoreceio de que este montante não sejadisponibilizado para pagamento dossalários dos empregados da empre-sa, que já não recebem salários inte-grais desde abril de 2004, como com-provam os documentos em anexo.

Há de se salientar que, segun-do a negociação entabulada pelo Sin-dicato dos Vigilantes e a empresa, fi-cou estipulado que a primeira parce-la se destinava ao pagamento do dé-cimo terceiro salário e do mês deoutubro e a segunda parcela se des-tinava ao pagamento de novembro eo restante à amortização dos salá-rios atrasados a partir de abril de 2004.

Ficou, ainda, estipulado que aSegunda parcela de R$ 500.000,00(quinhentos mil reais) é destinadaao pagamento dos salários dosempregados da primeira requeridaque vencerão nos meses de janeiroe fevereiro de 2005.

Cabe ressaltar que a DRT/MArealizou ação fiscal junto à Requeri-da em razão de outro ProcedimentoInvestigatório que tramita nesta Pro-curadoria Regional do Trabalho, cujoobjeto também se refere ao atrasode salários, tendo sido comprovado,mais uma vez, o atraso no pagamen-to de salários desde abril de 2004;inadimplência no recolhimento doFGTS desde fevereiro de 2003;inadimplência no recolhimento dacontribuição social; não concessãodo Vale-Transporte desde janeiro de2004; não concessão do tíquete-re-feição; tendo sido efetuado o levan-tamento do débito do FGTS, à época.

A DRT apresentou o montan-te do débito trabalhista, de acordocom os documentos apresentadospela Requerida à DRT. Este débitocomo se observa dos documentosacostados, aos autos, alcança omontante de, aproximadamente,R$ 2.082.122,47 (dois milhões, oi-tenta e dois mil, cento e vinte e doisreais e quarenta e sete centavos),incluídos, tão-somente, salários eticket-alimentação, fora, portanto,os haveres referentes às contribui-ções previdenciárias e fiscais, eisque, segundo a própria empresa,conforme consta da Ata de Audiên-cia realizada no dia 10.11.2004, odébito referente ao FGTS, naqueladata, alcançava o montante aproxi-mado de R$ 400.000,00 (quatrocen-tos mil reais).

Foi deliberado, na Ata de Au-diências do dia 19.11.2004, que naAudiência do dia 25.11.2004, estipu-lar-se-ia a forma de liberação daquantia a ser repassada pelo Estado

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do Maranhão. Contudo, diante dasevidências de que a quantia repas-sada poderia não ser destinada aopagamento de salários, outra alter-nativa não restou ao Ministério Pú-blico do Trabalho que não fosse oajuizamento da presente Ação.

II. DA AÇÃO COLETIVA CAUTE-LAR

Trata-se de ação coletiva cau-telar para a defesa de Interesses in-dividuais homogêneos de emprega-dos lesados, promovida pelo Minis-tério Público do Trabalho. A compe-tência para apreciá-la é da Justiçado Trabalho, já que trata de questãoa qual reclama imperativamente auma atuação urgente do Parquetpara o resguardo dos direitos indivi-duais homogêneos destes empre-gados, visando à reparação dosseus haveres trabalhistas.

O Código de Defesa do Con-sumidor previu a possibilidade dedefesa coletiva de direitos subjetivosindividuais (arts. 91 a 100), atribuin-do aos entes legitimados do art. 82o ajuizamento das ações civis coleti-vas, entre eles o Ministério Público.

III. DA LEGITIMIDADE DO MINIS-TÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO

O Ministério Público é institui-ção permanente, essencial à funçãojurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, doregime democrático e dos interes-ses sociais e individuais indisponí-veis (art. 127 da Constituição Fede-ral). Para o cumprimento dessa mis-são constitucional, ao Ministério Pú-

blico é conferida a legitimidade parapromover a ação civil coletiva (art. 21da Lei n. 7.347/85 e art. 91 da Lei n.8.078/90), cujo instrumento proces-sual é destinado à tutela dos inte-resses individuais homogêneos.

A Lei Complementar n. 75/93,Lei Orgânica do Ministério Público daUnião, em seu art. 6º, VII, “d” c/c caputdo art. 84, expressamente atribui odever de promover a ação civil públicapara a proteção dos interesses indivi-duais indisponíveis, homogêneos,sociais, difusos e coletivos ao Minis-tério Público da União, ao qual perten-ce o Ministério Público do Trabalho.

Sobre o tema colhem-se osensinamentos do mestre ManoelAntonio Teixeira Filho, in verbis:

“Entendemos, portanto, que o Mi-nistério Público do Trabalho de-tém legitimidade para exercer aação civil pública devotada à de-fesa de interesses e direitos: a)difusos; b) coletivos; c) individuaishomogêneos. Devemos reiterarnossa advertência quanto à pos-sibilidade de estes últimos, a des-peito de serem individuais, assu-mirem, no seu conjunto, feiçãocoletiva, cuja violação poderáacarretar graves perturbações àordem jurídica estabelecida(Constituição Federal, art.127). Dequalquer forma, o precitado dis-positivo constitucional atribui aoMinistério Público, também, a in-cumbência de empreender a de-fesa dos interesses individuais.”(1)

(1) In “Curso de Processo do Trabalho: pergun-tas e respostas sobre assuntos polêmicos emopúsculos específicos”, n.23: Ação Civil Pública.— SP: LTr, p.19.

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Hugo Nigro Mazzilli, dissertan-do sobre o objeto de atenção do Mi-nistério Público, resume numa tría-de: “a) ou zela para que não haja dis-posição alguma de interesse que alei considere indisponível; b) ou, noscasos em que a indisponibilidade éapenas relativa, zela para que a dis-posição daquele interesse seja feitaconformemente com as exigênciasda lei; c) ou zela pela prevalência dobem comum, nos casos em que nãohaja indisponibilidade do interesse,nem absoluta nem relativa, mas es-teja presente o interesse da coletivi-dade como um todo na solução doproblema. Dessa forma, as funçõesinstitucionais do Ministério Públicodevem ser iluminadas pelo zelo deum interesse social ou individual in-disponível, ou então, pelo zelo de uminteresse difuso ou coletivo. Sua atu-ação processual dependerá ora danatureza do objeto jurídico da deman-da, ora se ligará à qualidade de umadas partes, porque: a) de seus inte-resses não possam estas dispor, deforma absoluta ou limitada; b) os ti-tulares dos interesses em litígio pa-deçam de alguma forma de acentu-ada deficiência, que justifique e pro-voque a intervenção protetiva minis-terial. Em suma, desde que haja al-guma característica de indisponibili-dade parcial ou absoluta de um inte-resse, ou desde que a defesa dequalquer interesse, disponível ounão, convenha a coletividade comoum todo, será exigível a iniciativa doMinistério Público junto ao Poder Ju-diciário. (...) em todas as suas ativi-dades o Ministério Público sempreatua na defesa do interesse públicoprimário, em busca de relevantes va-lores democráticos, em especial as-

segurando o acesso do cidadão àprestação jurisdicional e à Justiça.” (2)

Busca-se a tutela de direitosindividuais homogêneos decorren-tes de origem comum, conformeconceituação do inciso III do art. 81,parágrafo único, do Código do Con-sumidor — Lei n. 8.078/90, que, emrazão da repercussão social causa-da pelo flagrante desrespeito à le-gislação do trabalho, merece ser tu-telado pela atuação do MinistérioPúblico do Trabalho, segundo auto-rização contida no art. 6º, inciso XII,da Lei n. 75/93, in verbis: “Art. 6º —Compete ao Ministério Público daUnião: (...) XII — propor ação civilcoletiva para a defesa de interessesindividuais homogêneos.”

As características principaisdos direitos individuais homogêne-os são: a) possibilidade de tratamen-to coletivo, não obstante a naturezaindividual, em virtude de se origina-rem de uma situação comum, comfeição homogênea; b) englobamuma série de indivíduos perfeita-mente identificados ou identificáveis;c) os interesses são divisíveis entreos sujeitos; d) a ligação entre os in-divíduos decorre da origem comumem razão da qual os interesses de-correm(3) e d) natureza reparatória.Colacionam-se sobre o tema asmagistrais lições de Ada P. Grino-ver: “(...) o interesse social surge dofato de a controvérsia não ser tratada,

(2) In: “O Acesso à Justiça e o Ministério Público”.3ª ed., São Paulo: Saraiva, 1998, pp. 16 e 29.(3) “Os Interesses Jurídicos Transindividuais:Coletivos e Difusos”, Xisto Tiago de Medeiros,Revista do Ministério Público do Trabalho doRN, n. 02, agosto de 1999, Natal, RN, p. 21.

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de acordo com as categorias proces-suais clássicas, mas ser vista, noâmbito coletivo, não mais pela somade interesses individuais homogê-neos, mas frente a um feixe de interes-ses de massa. É certo que cada inte-resse individual pode ter solução noplano do processo clássico, por in-termédio de ações ou reclamaçõestrabalhistas. Não há dúvida. Nessecaso, tratar-se-á inquestionavelmen-te de um direito, mais ou menos dis-ponível, individual. Mas na medidaque enfeixamos estes interesses in-dividuais como um todo conduzin-do-os conjuntamente à solução pro-cessual, estamos conferindo dimen-são política ao tratamento coletivodos interesses, que deixam, portan-to, de pertencer ao plano meramen-te individual, para serem transporta-dos ao plano social.

Essa é uma visão pela qual sejustificaria, “de per si”, a legitimidadedo Ministério Público para a condu-ção em juízo dos interesses indivi-duais homogêneos, coletivamentetratados.” (4)

A jurisprudência do SupremoTribunal Federal pacificou a cizâniaa respeito da legitimidade do Minis-tério Público para a defesa dos in-teresses individuais homogêneos,definindo-os como subespécie dosinteresses coletivos, transcreve-se,in verbis, ementa de v. Acórdão pro-ferido:

“Recurso extraordinário. Cons-titucional. Legitimidade do Ministé-

rio Público para promover ação civilpública em defesa dos interessesdifusos, coletivos e homogêneos.Mensalidades escolares: capacida-de postulatória do parquet para dis-cuti-las em juízo.

a) A Constituição Federal con-fere relevo ao Ministério Públicocomo instituição permanente, es-sencial à função jurisdicional do Es-tado, incumbindo-lhe a defesa daordem jurídica, do regime democrá-tico e dos interesses sociais e indi-viduais indisponíveis (CF, art.127). 2.Por isso detém o Ministério Públicocapacidade postulatória, não só paraabertura do inquérito civil, da açãopenal pública e da ação civil públicapara a proteção do patrimônio públi-co e social, do meio ambiente, mastambém de outros interesses difu-sos e coletivos (CF, art.129, I e III). 3.Interesses difusos são aqueles queabrangem número indeterminado depessoas unidas pelas mesmas cir-cunstâncias de fato e coletivos aque-les que pertencem a grupos, cate-gorias ou classes de pessoas de-termináveis, ligadas entre si ou coma parte contrária por uma relação ju-rídica base. 3.1. A indeterminidade éa característica fundamental dos in-teresses difusos e a determinidadea daqueles interesses que envolvemos coletivos. 4. Direitos ou interes-ses homogêneos são os que têm amesma origem comum (art. 81, III,da Lei n. 8.078, de 11 de setembrode 1990) constituindo-se em subes-pécie de direitos coletivos. 4.1. Querse afirme interesses coletivos ouparticularmente interesses homogê-neos, “stricto sensu, ambos estãocingidos a uma mesma base jurídica,

(4) “A ação civil pública no âmbito da Justiça doTrabalho: pedido, efeitos da sentença e coisajulgada”, Revista do Ministério Público do traba-lho, SP, n. 2, 1998, p. 50.

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sendo coletivos explicitamente dizen-do, porque são relativos a grupos,categorias ou classes de pessoas,que conquanto digam respeito àspessoas isoladamente, não se clas-sificam como direitos individuais parao fim de ser vedada em ação civil pú-blica, porque sua concepção finalísti-ca destina-se à proteção desses gru-pos, categorias ou classes de pes-soas. 5. As chamadas mensalidadesescolares, quando abusivas ou ile-gais, podem ser impugnadas por viade ação civil pública a requerimentodo Ministério Público, pois ainda quesejam interesses homogêneos deorigem comum, são subespécies deinteresses coletivos, tutelados peloEstado por esse meio processualcomo dispõe o art. 129, inciso III, daConstituição Federal. 5.1. Cuidando-se de tema ligado à educação, am-parada constitucionalmente comodever do Estado e obrigação de to-dos (CF, art. 205), está o MinistérioPúblico investido da capacidade pos-tulatória, patente a legitimidade adcausam, quando o bem que se bus-ca resguardar-se insere na órbita dosinteresses coletivos, em segmento deextrema delicadeza e de conteúdosocial tal que , acima de tudo, reco-menda se o abrigo estatal.” Recursoextraordinário conhecido e providopara, afastada a alegada ilegitimida-de do Ministério Público, com vista àdefesa dos interesses de uma coleti-vidade, determinar a remessa dosautos ao Tribunal de origem, para pros-seguir no julgamento da ação (STF-RE 163231-3-SP — Pleno — RelatorMin. MAURÍCIO CORREA).(5)

Assim, não resta dúvida quan-to à legitimação do Ministério Públi-co para propor a ação cautelar pre-paratória da ação civil coletiva. A Lein. 8.078/90, que instituiu o Códigode Defesa do Consumidor, distinguetrês hipóteses de tutela coletiva es-tabelecidas no parágrafo único doseu art. 81, conceituando-as indivi-dualmente em cada um de seus in-cisos: “A defesa coletiva será exerci-da quando se tratar de: (....) III — in-teresses ou direitos individuais ho-mogêneos, assim entendidos os de-correntes de origem comum”, cujoconceito se amolda à espécie. Ro-dolfo de Camargo Mancuso,(6) assimse manifesta sobre a matéria: “Umcampo onde recentemente se vêmdetectando interesses metaindividuaisde natureza coletiva é o das relaçõesde trabalho. José Eduardo de SouzaMaia assinala: ‘quando se fala em in-teresse coletivo, não podemos deixarde considerar a área extensa dos inte-resses superindividuais nas relaçõeslaborais’. Traz à colação artigo de IvesGandra da Silva Martins Filho, ondesão dados estes exemplos: a) (...) ; b)(...); c) (...); d) (...); f) ‘utilização de tra-balho escravo, no meio rural, sem pa-gamento de salários e com proibiçãode saída do local’.”

Diante do exposto, torna-se in-questionável a legitimidade do Minis-tério Público para promover, perantea Justiça do Trabalho, a defesa dosinteresses individuais homogêneosdos empregados da Requerida vio-lados em face do não-pagamento deseus direitos trabalhistas.

(5) GENESIS, Curitiba, 11(66): 889-931 — ju-nho 1998.

(6) “Interesses Difusos — conceito e legitima-ção para agir”, São Paulo, 4ª ed., RT, p. 52.

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IV. DO CABIMENTO DA MEDIDACAUTELAR E DA LIMINAR

O Ministério Público do Traba-lho ajuíza a presente medida caute-lar, com pedido de ordem liminarinaudita altera pars, cujo cabimentose justifica diante da necessidade deum provimento jurisdicional célereque evite situação de comoção so-cial, eis que o não-pagamento dossalários atinge mais de 400 (quatro-centos) trabalhadores que não aufe-rem seus direitos trabalhistas hámais de cinco meses.

Há, ainda, notícia como se de-preende da denúncia constante naRepresentação n. 134/2004, que nomeado do mês de novembro, a em-presa RAPOSO deveria deixar o Es-tado do Maranhão.

O autor fundamenta sua pre-tensão no poder geral de cautelaconferido aos Magistrados, a respei-to leciona o mestre Manoel AntonioTeixeira Filho, in verbis:(7)

“Estamos convencidos de que seo processo civil encontrou fortesmotivos para conceder ao juiz umpoder geral de cautela, o proces-so do trabalho, a fortiori, reclamapara os juízes especializadosidêntica potestade. A razão é lógi-ca e se encontra estampada noart. 765 da CLT, que atribui aomagistrado do trabalho “ampla li-berdade na direção do proces-so...”. Essa amplitude de liberda-de, concedida pela lei, justificanão só o impulso oficial do juiz,

em relação a determinados atosdo procedimento (p. ex., a intima-ção de testemunhas: art.825, pa-rágrafo único; o início da execu-ção: art. 878, caput etc.), mas aprópria necessidade de outorgar-lhe um genérico poder de acaute-lamento, destinado acima de tudo,a evitar que atos do réu possamcausar aos interesses do autor le-sões graves e de difícil reparação.

Esse poder geral de cautela, pre-visto no art.798 do CPC, penetrao processo do trabalho pelo per-missivo do art.769 da CLT e seajusta, com absoluta harmonia, àdeclaração contida no art.765 dotexto trabalhista.

Como exemplos de algumas si-tuações em que será possível pe-dir-se ao juiz do trabalho uma pro-vidência acautelatória inominada,relacionamos os seguintes: a)(...); b) impedir que o réu se des-faça de todos os seus bens, como objetivo de frustrar a futura exe-cução de sentença; c) (...); d)(...);e)(...); f) determinar a indisponibili-dade, até certo valor, de dinheiroexistente em conta bancária, cader-neta de poupança etc., pertencenteao réu, a fim de possibilitar sejasatisfeita a execução vindoura.”

Caso não ajuizada a presentemedida cautelar, o trâmite normal daação civil coletiva poderia tornar inó-cua a prestação jurisdicional. Alémdisso a situação dos trabalhadoresé gravíssima eis que não contamcom qualquer outra fonte de subsis-tência que não seja a contrapresta-ção de seu labor. Em reunião na PRTos trabalhadores nitidamente cons-

(7) “As ações Cautelares no Processo do Traba-lho”, 4ª ed., São Paulo: LTr, 1996, p.166.

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trangidos admitiram estar atraves-sando sérias dificuldades.

A concessão da liminar inau-dita altera pars torna-se, diante doquadro atual, indispensável e inadiá-vel, sob pena de os trabalhadoressofrerem prejuízo irremediável, poiso processo principal se tornará inó-cuo em face da ausência de benssuficientes para pagar o valor da con-denação.

São condições da ação caute-lar o fumus boni iuris e o periculumin mora, podendo-se definir o primei-ro como “a plausibilidade do direitosubstancial invocado por quempretenda a segurança”; o segundo“como um risco que corre o proces-so principal de não ser útil ao inte-resse demonstrado pela parte, emrazão do periculum in mora, riscoesse que deve ser objetivamenteapurável.”(8)

O Julgador deve ter em menteque o “conceito de tutela cautelar é aexigência de que o direito acautela-do seja tratado, no juízo da ação as-segurativa, não como um direito efe-tivamente existente, e sim como umasimples probabilidade de que elerealmente existe. A urgência que é overdadeiro “pano de fundo” a legiti-mar a jurisdição cautelar impõe queo julgador proveja baseado em cog-nição sumária e superficial que adoutrina costuma indicar como fu-mus boni iuris, impedindo a segu-rança que um julgamento fundadoem prova plena, capaz de conduzir aum juízo de certeza. A exigência de

cognição sumária, imposta pela na-tureza da tutela cautelar, insere-a de-finitivamente na classe dos proces-sos sumários, sob dois aspectos: ademanda cautelar é sumária não sósob o ponto de vista material, comoalém disso exige uma forma sumá-ria de procedimento, por via do qualela se haverá de realizar. (...)

O juízo de simples verossimi-lhança desempenha, na verdade,uma função de relevância mais pro-funda, relativamente à tutela caute-lar e, de um modo geral, com rela-ção a todo o fenômeno jurisdicional.Pode-se dizer que o juízo de proba-bilidade do direito para cuja prote-ção se invoca a tutela assegurativa(cautelar) é não apenas pressupos-to, mas igualmente exigência destaespécie de atividade jurisdicional.Com efeito, a proteção não apenaspressupõe a simples aparência dodireito a ser protegido, mas exige queele não se mostre ao julgador comouma realidade evidente e indiscutí-vel. Quer dizer, a tutela cautelar justi-fica-se porque o juiz não tem meiosde averiguar, na premência de tem-po determinada pela urgência, se odireito realmente existe.” (9)

V. DO PERICULUM IN MORA

O perigo da demora exsurgejustamente da possibilidade de orequerido ter seus créditos penho-rados em razão de outras ações quetramitam na Justiça do Trabalho,impedindo desta forma que seusempregados recebam a contrapres-

(8) TEODORO JÚNIOR, Humberto. “ProcessoCautelar”, 4ª ed., Rio de Janeiro: Forense, p. 73. (9) Ob. cit. nota 13, p. 58/9.

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tação de seu labor, cujo atraso já al-cança mais de cinco meses, condu-ta que requer rápida, enérgica e co-rajosa ação da Justiça do Trabalho,a fim de não se permitir tal manobra.

Já é tempo da Justiça do Tra-balho tornar-se mais lépida. Anteci-par-se às reclamações trabalhistas,não servindo apenas de mero ante-paro aos queixosos empregadosdemitidos e esbulhados em seusdireitos rescisórios. A atuação con-junta e preventiva do Ministério Pú-blico e da Justiça do Trabalho, nocampo coletivo, trará nova feição àprestação jurisdicional trabalhista,tornando-a mais eficaz, célere, e me-nos onerosa para ambas as partes.

Não é mais aceitável atribuir-se o ônus da demora na prestaçãojurisdicional somente ao trabalhador.Com a constrição preventiva de bensdo empregador ambos sofrerão coma demora processual, surgindo as-sim interesse comum em resolverrapidamente a pendência. A persistira atual sistemática, só o empregadosofre com a morosidade processual,o que por vezes lhe força a aceitaracordos altamente desvantajosos.

Em relação ao periculum inmora, corre-se o risco de ser frustra-da a satisfação dos direitos sociaisdestes trabalhadores, caso aguarde-se o final da demanda, causando-lhesgrave lesão e de difícil reparação.

VI. DO FUMUS BONI JURIS

As audiências realizadas nes-ta Procuradoria Regional do Traba-lho não deixam dúvidas acerca da

existência de uma coletividade deempregados em vias de sofrer sé-rios prejuízos, já que sem qualquercautela, permanecem sem recebersua remuneração, sendo que al-guns trabalhadores, diante da situa-ção apresentada já ingressaram naJustiça do Trabalho, com Reclama-ções Trabalhistas pleiteando a res-cisão indireta de seus contratos detrabalho.

Segundo as atas de mediação,em anexo, a empresa reclamada re-conhece a situação fática já descri-ta, ou seja, que deve mais de cincomeses de salário, além do ticket-re-feição, vale-transporte e recolhimen-to do FGTS.

Comprovada está a relação deemprego e a iminência dos trabalha-dores verem seus créditos penho-rados para quitação de outros débi-tos da requerida. Neste caso, a cha-mada “fumaça do bom direito” con-siste na existência líquida e certa dodireito dos empregados receberem osvalores referentes aos seus contra-tos de trabalho, mormente se consi-derarmos que a reclamada receberádo Estado do Maranhão, quantia sufi-ciente para quitar parte de sua dívidatrabalhista.

Destarte, é elementar que oônus da comprovação do pagamen-to dos direitos trabalhistas pertenceao empregador, do qual não se de-sincumbiu, pelo contrário, confessaser devedor dos referidos salários,das ajudas de custo, dos vales-trans-portes e contribuições sociais e pre-videnciárias.

No caso concreto, o fumus boniiuris restou sobejamente demons-

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trado e caracterizado, decorrendo dasprovas produzidas das atas de au-diência realizadas na Mediação Co-letiva n. 135/2004, que seguem juntoà esta inicial e a ação fiscal realizadana Requerida, fruto do ProcedimentoPreparatório de Inquérito Civil Pú-blico que tramita nesta PRT, cujo rela-tório também segue, em anexo.

Portanto, é urgente e necessá-ria a ordem liminar inaudita alterapars, requerida na presente açãocautelar, visando à garantia dos cré-ditos trabalhistas.

Registre-se, ainda, que a con-cessão de cautelar ou tutela anteci-pada, determinando a quebra do si-gilo bancário e o conseqüente blo-queio de valores suficientes paragarantir a efetividade da ação princi-pal já tem vários precedentes dosquais destacamos, verbis:

Processo n. 00541/2003-110-08-00-0

Referência: 110-00541/2003-3

MEDIDA LIMINARANTECIPAÇÃO DE TUTELA

Com fundamento no art. 273 doCPC, o Ministério Público do Trabalhoda 8ª Região requer a concessão deliminar inaudita altera pars, para queseja: decretada a quebra de sigilo ban-cário do requerido Roberto Castanhei-ra de Oliveira Silva (Fazenda RibeirãoBonito), determinado o bloqueio dedinheiro nas contas bancárias domesmo, para assegurar o integralpagamento de dano moral coletivo noimporte de R$ 160.000,00 (cento esessenta mil reais); decretada a que-bra do sigilo fiscal do requerido, ofi-

ciando-se à Receita Federal para queinforme todos os bens móveis e imó-veis em nome do mesmo; determi-nada a indisponibilidade dos referidosbens; e condenado o requerido a cum-prir as obrigações de fazer e não fazerlistadas às fls. 24, de “a” a “q”.

Sustenta o requerente que hános autos prova inequívoca da exis-tência de trabalho forçado na FazendaRibeirão Bonito, quando se analisamos trechos de depoimentos transcri-tos na inicial e se verificam os docu-mentos juntados; está presente o re-quisito da verossimilhança de suasalegações, o que decorre das provasmencionadas e da notória ocorrênciade trabalho forçado mediante empre-go de aliciamento de trabalhadores,do sistema de barracão/cantina, e pelabanalização das normas trabalhistas,inclusive de medicina e segurança dotrabalho. Por fim, ressalta que há fun-dado receio de dano irreparável ou dedifícil reparação, pois durante o trâmi-te normal desta ação o patrimônio dodevedor poderá ser dilapidado, frus-trando futura execução.

De fato há nos autos prova ine-quívoca e verossimilhança da situ-ação de trabalho forçado, análoga àde escravo, e em condições degra-dantes, nas dependências da Fa-zenda Ribeirão Bonito, de proprie-dade do Sr. Roberto Castanheira deOliveira Silva, o que depreende dodepoimento prestado pelos traba-lhadores ao Grupo Especial de Fis-calização Móvel, de onde destaco asseguintes declarações:

..........................................................

De fato, pela natureza dos pe-didos formulados na petição inicial

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e pela gravidade dos fatos narrados,que atingem não só a dignidade eliberdade dos trabalhadores, mas aprópria saúde e a vida dos mesmos,já que estão expostos a riscos detoda ordem, é justo o receio do re-querente quanto à ocorrência dedano irreparável ou de difícil repara-ção, bem como de que seja dilapi-dado o patrimônio do devedor, dian-te da demora decorrente do trâmitenormal desta ação, em prejuízo deuma futura execução.

Diante do exposto, concedoem parte a medida liminar inauditaaltera pars pleiteada, para:

1 — decretar a quebra do sigi-lo bancário e fiscal do requerido, de-terminando que se proceda ao ime-diato bloqueio em suas contas ban-cárias, via SISBACEN, do valor de R$160.000,00 (cento e sessenta milreais), e a imediata expedição deofício à Receita Federal, para que in-forme todos os bens móveis e imó-veis existentes em nome do requeri-do, visando a assegurar o integralpagamento do dano moral coletivo;

2 — ................................................

O Sr. Diretor de Secretaria de-verá providenciar o bloqueio de cré-dito bancário e a expedição de ofícioà Receita Federal, como determina-do no item 1.

Expeça-se Mandado de Cum-primento.

Notifique-se e cumpra-se.

Tucuruí-PA, 23 de abril de2003.

Vanilza Malcher de França, Juí-za do Trabalho.

VII. DA MEDIDA LIMINAR

Diante do exposto, e com basenos arts. 804 e 273 do Código deProcesso Civil, requer a Vossa Ex-celência a concessão de ordem li-minar inaudita altera pars, para:

1 — que seja oficiado, com ur-gência, via meio eletrônico (SISBA-CEN), ao Banco Central do Brasil,para que informe todas as modali-dades de contas-bancárias (conta-corrente, conta-aplicação-financeira,conta-poupança etc.) em nome daempresa RAPOSO;

2 — determinar, neste mesmoato, o bloqueio dos créditos a seremefetivados pela Secretaria de Educa-ção e que alcançam o montante deR$ 1.635.700,00, (hum milhão, seis-centos e trinta e cinco mil e setecen-tos reais) referentes aos haveres tra-balhistas a que fazem jus os traba-lhadores, a fim de ser asseguradoparte do pagamento dos saláriosdos seus empregados, cujo depósi-to deverá ficar à disposição desseMM. Juízo, para liberação da quantia,tão-somente para o pagamento dossalários destes; notificando o Estadodo Maranhão da conta judicial naqual deverá efetuar os créditos aci-ma narrados;

3 — seja determinado o blo-queio dos créditos porventura exis-tentes em favor da RAPOSO junto aoEstado do Maranhão;

4 — determinar a indisponibi-lidade dos bens móveis e imóveis,necessários para a integral satisfa-ção dos créditos trabalhistas dosempregados da RAPOSO, efetuan-do-se, respectivamente, o compe-tente depósito judicial com a intima-

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ção do depositário nos termos doart.148 e seguintes do CPC, e a aver-bação de cláusula de inalienabilidadeno registro competente (art.167, II, 11 eart. 247, ambos da Lei n. 6.015/73).

VIII. DOS PEDIDOS

Requer, ainda, o autor:

a) a citação do réu, após efeti-vado o bloqueio dos créditos, decre-tado bloqueio e a indisponibilidadede bens necessários para a integralsatisfação dos créditos trabalhistasdos seus empregados, para, que-rendo, contestar a presente ação,sob as penas da lei;

b) a confirmação, em definiti-vo, da decisão liminar, no caso dodeferimento do mandado e;

c) independentemente da con-cessão ou não do mandado liminar,ao final, a procedência dos pedidosconstantes na presente ação, ou seja:

1 — que seja oficiado, com ur-gência, via meio eletrônico (SISBA-CEN), ao Banco Central do Brasil,para que informe todas as modalida-des de contas-bancárias (conta-cor-rente, conta-aplicação-financeira, con-ta-poupança etc.) em nome do réu;

2 — determinar, neste mesmoato, o bloqueio dos créditos quemontam o valor de R$ 1.635.700,00(hum milhão, seiscentos e trinta ecinco mil e setecentos reais), refe-rentes à parte dos débitos trabalhis-tas estimados, a fim de ser assegu-rada parte do pagamento dos have-res trabalhistas dos empregados daRAPOSO, cujo depósito deverá ficarà disposição desse MM. Juízo; no-tificando o Estado do Maranhão da

conta judicial na qual deverá efetuaros créditos acima narrados;

3 — seja determinado, ainda,o bloqueio dos créditos porventuraexistentes em favor da RAPOSO juntoao Estado do Maranhão;

4 — determinar a indisponibi-lidade dos bens móveis e imóveis,necessários para a integral satisfa-ção dos créditos trabalhistas dosempregados da empresa e que con-tinuam prestando serviços, a des-peito de não receberem salários hámais de cinco meses, efetuando-se,respectivamente, o competente de-pósito judicial com a intimação dodepositário nos termos do art.148 eseguintes do CPC, e a averbação decláusula de inalienabilidade no re-gistro competente (art.167, II, 11 eart. 247, ambos da Lei n. 6.015/73).

d) a intimação pessoal do Re-querente com a remessa dos autosnos termos do art.18, II, ‘h’ da Lein. 75/93.

Não obstante a farta documen-tação já juntada, o autor requer a pro-dução de todos os meios de provaem direito admitidos, especialmen-te, o depoimento pessoal da Reque-rida, sob pena de confissão, juntadade novos documentos e oitiva de tes-temunhas.

Dá-se à causa o valor de R$1.635.700,00 (hum milhão, seiscen-tos e trinta e cinco mil e setecentosreais) para os efeitos legais.

Pede deferimento.

São Luís, 24 de novembro de2004.

Cláudia Carvalho do Nasci-mento, Procuradora do Trabalho.

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DECISÃO

Ação cautelar n. 2514-2004-004-16-00-0

Requerente(s): Ministério Público doTrabalho

Requerido(s): Raposo Serviços deVigilância LTDA.

PEDIDO DE LIMINAR

Visto etc.

Decisão

Trata-se de ação cautelar ino-minada de bloqueio de numerário einalienabilidade de bens, como pe-dido de liminar inaudita altera pars,proposta pelo Ministério Público doTrabalho em face da empresa RA-POSO SERVIÇOS De VIGILÂNCIALTDA., tendo como objetivo a defesados interesses individuais homogê-neos dos empregados da requerida.

O Ministério Público alega, emsíntese, que a empresa demanda-da encontra-se, há aproximadamen-te cinco meses, sem efetivar o paga-mento de salários aos seus empre-gados, sob a justificativa de que oEstado do Maranhão há mais de dezmeses não efetua o pagamento in-tegral das faturas decorrentes deserviço prestado junto à Secretariade Educação.

Tais fatos encontram-se noti-ciados na Mediação Coletiva n. 135/2004 e na Representação 134/2004,que tramitam junto à Procuradoria Re-gional do Trabalho (cópia às fls. 16/181 e fls. 182/230, respectivamente),

onde a própria empresa admite queestá passando por enormes dificul-dades financeiras (fl. 65).

Ocorre que em audiência reali-zada na sede do Ministério Públicodo Trabalho, foi informado que o Se-cretário de Educação havia se com-prometido a enviar esforços para queo Estado disponibilizasse o montan-te de R$ 1.635.730,00, a ser pago àempresa demandada em três parce-las: primeira delas de R$ 635.730,00,até o dia 30 de novembro de 2004, eas outras duas de R$ 500.000,00 cada,até o dia 30 de dezembro de 2004.(fl. 103)

A forma de utilização dessasverbas também foi ajustada extraju-dicialmente, através de acordo firma-do entre os representantes do sindi-cato da categoria profissional e a em-presa RAPOSO SERVIÇO DE VIGI-LÂNCIA LTDA., devendo a primeiraparcela ser utilizada para o paga-mento do 13º salário e do salário domês de outubro de 2004, a segundaparcela para o pagamento dos salá-rios de novembro e para a amortiza-ção dos salários atrasados a partirde abril de 2004, e a terceira parapagar os salários de janeiro e feve-reiro de 2005 (fl. 103).

Contudo, o MPT alega que hágrande risco de que esses valoresnão sejam utilizados para o paga-mento dos salários de seus empre-gados, haja vista que tal empresa jáacumula inúmeros débitos, tanto denatureza trabalhista como fiscal.

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O Parquet informa que apenasem relação ao não-pagamento desalários e ticket-alimentação, a dívidada requerida já seria de mais de doismilhões de reais. Em relação aoFGTS a própria empresa teria admi-tido que o valor do débito é de R$400.000,00. Além disso, há notíciade que, em meados de novembro des-te ano, a empresa RAPOSO iriadeixar o Maranhão.

Considerando que os valoresa serem liberados pelo Estado doMaranhão podem ser único meio dequitar, se não totalmente, mas pelomenos parte dos créditos dos maisde 400 funcionários da requerida(em especial os salários atrasadose o 13º salários), o Ministério Públi-co ajuizou a presente ação cautelartendo como objeto principal o blo-queio dos créditos supracitados, demodo que os mesmos sejam utili-zados para o pagamento das verbasjá enumeradas.

Como maneira de atingir tal de-siderato, o MPT requer que seja deter-minada a quebra do sigilo bancário darequerida e, posteriormente, o bloqueiodo valor de R$ 1.635.700,00, devendotais valores ficar à disposição desteJuízo quando, então, deverão ser re-passados aos trabalhadores.

Além disso, solicita que sejadeterminado o bloqueio dos crédi-tos porventura existentes, em favorda empresa Raposo junto ao Estadodo Maranhão. Por fim, solicita a in-disponibilidade dos bens móveis eimóveis, necessários para a integralsatisfação dos créditos trabalhistasdos empregados da empresa de-mandada com o conseqüente depó-sito judicial.

O Parquet requer, ainda, a con-cessão, via liminar inaudita alterapars, de todos os pleitos acima indi-cados (fls. 02/15).

Eis relato da questão a serapreciada.

FUNDAMENTAÇÃO

Nos termos do art. 798 do CPC“poderá o juiz determinar as medidasprovisórias que julgar adequadas,quando houver fundado receio deque uma parte, antes do julgamentoda lide, cause ao direito da outra le-são grave e de difícil reparação.”

Da mesma forma, o art. 799 doCPC diz que o juiz poderá “para evi-tar o dano, autorizar ou vedar a práti-ca de determinados atos, ordenar aguarda judicial de pessoas e depó-sito de bens e impor a prestação decaução”

Por fim, o art. 804 do CPC afir-ma que “é lícito ao juiz concederliminarmente ou após justificaçãoprévia a medida cautelar, sem ou-vir o réu, quando verificar que este,sendo citado, poderá torna-lá ine-ficaz; caso em que determinaráque o requerente preste cauçãoreal ou fidejussória de ressarcir osdanos que o requerido possa vir asofrer”.

Como é cediço na doutrina ejurisprudência pátrias, ação cautelartem como finalidade assegurar o re-sultado útil do processo principal.Não se trata de antecipação da pre-tensão meritória (como é a tutela an-tecipada), mas apenas de um meiode garantir que prestação jurisdicio-

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nal principal terá eficácia, na hipóte-se de ser deferida.

Tendo como fundamento aaparência do bom direito (fumusboni iuris) e o risco de lesão irrepa-rável ou de difícil reparação em de-corrência do atraso na prestação ju-risdicional (periculum in mora), amedida cautelar visa a assegurar aplena satisfação do direito a uma ade-quada e eficiente tutela jurisdicional(corolário do princípio do acesso à jus-tiça — art. 5º, XXXV, da CF/88).

Ora, considerando os fatosnarrados pelo Ministério Público emsua inicial, verifico que há elemen-tos justificadores para a concessãoda liminar pretendida.

Com efeito, diante da situaçãovivenciada pela empresa requerida,que há mais de quatro meses nãovem pagando os salários de seusfuncionários, e tendo em vista que suasdívidas já atingiram um montantesuperior a dois milhões de reais, con-clui-se que há risco de que os valo-res a serem liberados pelo Estadodo Maranhão tenham finalidade di-versa daquela que foi acordada en-tre o Sindicato da categoria profis-sional e a empresa, na audiênciarealizada na Procuradoria Regionaldo Trabalho (fl. 103).

Convém esclarecer que no su-pracitado acordo extrajudicial foiacertado que os valores a serempagos pelo Estado seriam utilizadospara a quitação das seguintes ver-bas: 1ª parcela, 13º salário e mês deoutubro de 2004; 2ª parcela mês denovembro e amortização dos salá-rios atrasados desde abril de 2004,e 3ª parcela, pagamento dos saláriosde janeiro e fevereiro de 2005.

Apesar de estarem sendo libe-rados pelo Estado com o intuito dehonrar o contrato deste com a em-presa demandada, os valores quevierem a ser depositados já pos-suem uma finalidade específica, vi-sando não apenas a quitar as ver-bas trabalhistas vencidas, como ga-rantir os salários dos empregadosaté, pelo menos, fevereiro de 2005.

Ora, uma vez firmado o com-promisso, a empresa tem a obriga-ção de utilizar os depósitos da formacomo foi pactuado. Além disso en-tendo que a forma ajustada é a maisrazoável, na medida que prioriza opagamento dos salários atrasadosdos trabalhadores e o 13º salário.

Por outro lado, não se pode es-quecer que uma vez bloqueados ju-dicialmente, tais depósitos talvez nãopossam ser disponibilizados com arapidez necessária para que cum-pram sua finalidade, especialmenteem relação à primeira parcela, quedeverá ser usada justamente para opagamento do 13º salário e dos sa-lários do mês de outubro/2004.

É importante lembrar que aação cautelar preparatória tem comoobjetivo apenas garantir o resultadoútil de um processo que ainda seráajuizado. Isso significa que os valo-res bloqueados, seja por meio de li-minar, seja por meio de sentençaproferida em sede cautelar, não po-derão ser imediatamente liberados,o que também poderá causar umgrave prejuízo aos trabalhadores.

Entretanto, o poder geral decautela do juiz (art. 798 do CPC c/cart. 769 da CLT) autoriza-o, inclusi-ve, a fazer algumas adaptações nopedido do requerente, desde que

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isso permita uma maior efetividadeà medida pleiteada.

Dessa forma, o pedido do Mi-nistério Público deve ser apreciadode forma a conferir-lhe a maior efi-cácia possível, assegurando que osvalores serão utilizados naquilo quefoi ajustado entre as partes interes-sadas, sempre tendo em vista o in-teresse dos trabalhadores.

Isto posto, entendo que sedeve buscar um meio termo, ondeos interesses dos obreiros sejamprotegidos, mas que não se corra orisco de que esses mesmos traba-lhadores acabem sendo desneces-sariamente prejudicados.

É importante frisar, ainda, queno Processo do Trabalho sempre épossível (e aconselhável) a concilia-ção entre as partes. No caso subexamine, considerando a situaçãopor vezes desesperadora por quevêm passando os empregados darequerida, um acordo em que ficas-se estabelecido a forma de liberaçãodos valores supracitados seria a for-ma mais rápida e eficaz de por fim àlide, antecipando, inclusive, o resul-tado de uma posterior ação principal.

Tal conciliação poderá ser rea-lizada em audiência extraordinária,a ser marcada especialmente paraesse fim, onde deverão estar pre-sentes representantes dos trabalha-dores, da empresa, do Estado doMaranhão e do MPT.

CONCLUSÃO

Considerando o poder geral decautela do juiz e o disposto no art.

813, § 2º, da CLT, determino que sejadesignada uma audiência visando àconciliação das partes interessadas,onde deverão estar presentes o Mi-nistério Público do Trabalho; a em-presa Raposo Serviços de Vigilân-cia Ltda. por meio de seu represen-tante legal; o Estado do Maranhãopor meio de seus representanteslegais; a Secretaria de Educação doMaranhão — SEEDUC, por meio deseu Secretário; o Sindicato dos Vigi-lantes e Empregados em Empresasde Vigilância, Segurança e Transpor-te de Valores do Estado do Mara-nhão e a Junta Governativa do Sindi-cato dos Vigilantes e Empregadosem Empresas de Vigilância, Segu-rança e Transporte de Valores doEstado do Maranhão, estes dois úl-timos representando os interessesdos empregados da requerida.

A audiência em questão deve-rá ser realizada em caráter de urgên-cia, no dia 1º de dezembro de 2004,às 14:30 horas.

Com efeito, parece-me seresta a maneira de resolver a ques-tão de forma mais rápida, eficiente esem criar embaraços para o paga-mento dos salários devidos.

Tendo em vista a urgência dasituação, deverá a Secretaria destaVara promover a imediata notificaçãodas partes por mandado judicial, viaOficial de Justiça. No mandado de-verá constar que o objetivo da audiên-cia é a tentativa de conciliação daspartes.

Por fim, considerando que o pri-meiro depósito deverá ser efetuadopelo Estado do Maranhão até o dia 30de novembro, em conta à disposição

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da empresa, e que não haverá tempohábil para a realização da audiênciaantes dessa data, resolvo concederem partes a liminar pleiteada (eis que,como visto, estão presentes o fumusboni iuris e o periculum in mora) paradeterminar que o referido ente públicotambém seja intimado para não efe-tuar qualquer depósito em favor da em-presa requerida, até a realização daaudiência acima mencionada.

Caso já o tenha feito, deverá oEstado do Maranhão informar a estejuízo, com a máxima brevidade, obanco, a agência e a conta em queo dinheiro foi depositado para que omesmo possa ser colocado à dis-posição deste Juízo.

Deixo para apreciar os demaispedidos da liminar na audiência su-pracitada.

Intime-se as partes e demaisinteressados desta decisão, junta-mente com a notificação para a au-diência acima determinada.

Intimem-se o Estado do Mara-nhão da liminar concedida, impedi-do-o de efetuar qualquer depósito emfavor da empresa requerida, até arealização da audiência de concilia-ção supracitada.

Cumpra-se com urgência.

São Luís-MA, 29 de novembrode 2004.

Dr. Bruno de Carvalho Moteju-nas, Juíz do Trabalho.

ATA DE AUDIÊNCIA DOPROCESSO N. 2514/04

Ao 1º dia do mês de dezembrodo ano de 2004, às 14:30 horas, na

Sala de Audiência da 4ª Vara do Tra-balho de São Luís, Estado do Mara-nhão, localizada na Av. Sen. VitorinoFreire, 2001 — Anexo C — Areinha,com a presença do Sr. Juiz do Traba-lho, Dr. Bruno de Carvalho Motejunas,foram, por ordem do Sr. Presidente,apregoados os litigantes:

MINISTÉRIO PÚBLICO DOTRABALHO, REQUERENTE:

RAPOSO SERVIÇOS DE VIGI-LÂNCIA LTDA., REQUERIDA;

Presente o MINISTÉRIO PÚBLI-CO DO TRABALHO, representadopela procuradora, Dra. Claudia Car-valho do Nascimento.

Presente a reclamada, repre-sentada pelo preposto, Sr. RicardoPereira Raposo, acompanhado daDra. Darci Costa Frazão.

Presente O ESTADO DO MARA-NHÃO, representado pela preposta,Sra. Dinamara Martins Marques,acompanhada do Dr. Antonio Augus-to Acosta Martins.

Presente a SECRETARIA DEEDUCAÇÃO DO ESTADO DO MARA-NHÃO — SEEDUC, representadapela preposta, Sra. Dinamara Mar-tins Marques, acompanhada do Dr.Antonio Augusto Acosta Martins.

Presente o SINDICATO DOSVIGIAS E EMPREGADOS EM EMPRE-SAS DE VIGILÂNCIA, SEGURANÇAE TRANSPORTES DE VALORES DOESTADO DO MARANHÃO, represen-tado pelo diretor-presidente, Sr. Ail-son Vieira da Silva.

Presente a JUNTA GOVERNA-TIVA DO SINDICATO DOS VIGILAN-TES E EMPREGADOS EM EMPRE-

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SAS DE VIGILÂNCIA, SEGURANÇAE TRANSPORTES DE VALORES DOESTADO DO MARANHÃO, represen-tada pelo Sr. Luís Gonzaga Sá.

Presentes os representantesdos vigilantes, senhores RaimundoNonato Dias e Francisco Freitas.

Instalada a audiência.

Deferido o prazo de 48 horaspara o representante da reclamadajuntar carta de proposição aos autos.

Tendo em vista o ajuizamentoda Ação Civil Coletiva (processo n.2550/04), a que se refere a presenteAção Cautelar este magistrado deter-minou o apensamento das referidasações, devendo a cópia da presenteata ser juntada à ação principal.

Nesta oportunidade, a empresaRAPOSO SERVIÇOS DE VIGILÂNCIAdá-se por notificada do ajuizamentoda referida Ação Civil Coletiva, nadatendo a opor ao procedimento oraadotado.

Inicialmente questionada pelomagistrado, a empresa reclamadaconfirmou que desde o mês de abril/04 não vem pagando os salários dosseus empregados; que há quatorzemeses não vem pagando vale-trans-porte e nem vale-alimentação; que areclamada ainda declarou que taissituações financeiras decorreram denão pagamento por parte do Estadodo Maranhão dos contratos firmadoscom a empresa; que no caso espe-cífico da GDH, desde fevereiro/04não vêm sendo pagos os contratos.

Questionada pelo magistrado,a preposta da Secretaria de Educa-ção do Maranhão informou que o

Estado do Maranhão em decorrên-cia dos contratos firmados com areclamada, tem previsão de dispo-nibilizar, até o final do ano, a quantiade R$ 1.635.730,00 sendo que a pri-meira parcela de R$ 635,730,00 já estádisponível para transferência, sendoque o restante do valor será pago emduas parcelas de R$ 500.000,00 até odia 31.12.2004.

Em face das informações aci-ma, as partes conciliaram nos se-guintes termos:

1. A reclamada compromete-se,a título de obrigação de fazer, a utili-zar o valor a ser repassado pelo Es-tado do Maranhão para o pagamentodos salários atrasados dos seus fun-cionários da seguintes forma: a pri-meira parcela de R$ 635.730,00 seráutilizada para o pagamento do 13ºsalário e aproximadamente 60% dosalário de outubro; a segunda parce-la de R$ 500.000,00 será utilizadapara o pagamento dos salários refe-rentes ao restante de outubro/04, mêsde novembro/04 e parte do mês deabril/04, caso haja algum saldo rema-nescente.

2. Em relação à terceira parce-la e tendo em vista o acordado entrea empresa e o sindicato dos traba-lhadores nas audiências realizadasna mediação coletiva realizada nasede da Procuradoria do trabalho, aspartes manifestaram-se no sentidode que seria conveniente a sua utili-zação para o pagamento dos saláriosde janeiro e fevereiro/05 dos em-pregados da reclamada, de modo apermitir a continuidade da prestaçãode serviços perante o Estado do Ma-ranhão. Em razão disso, designo o

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dia 14.1.2005 às 15 h para realiza-ção de nova audiência afim de queas partes possam ajustar qual será afinalidade da referida verba:

3. As partes, bem como o sin-dicato da categoria e demais repre-sentantes dos trabalhadores presen-tes a esta audiência, de forma a as-segurar o pagamento dos saláriosatrasados dos funcionários da recla-mada, requerem que os valores aserem repassados pelo Estado o se-jam para uma conta judicial e queeste juízo determine a liberação dosvalores correspondentes discrimi-nando o montante devido a cada tra-balhador. Tendo em vista o requeri-mento das partes, defiro o pedido edetermino que o Estado do Mara-nhão seja intimado para transferir osvalores acima indicados para umaconta à disposição deste juízo, naCaixa Econômica Federal, agêncian. 1.405, Areinha;

4. Nesta oportunidade, este juí-zo esclarece que o presente acordorefere-se unicamente à obrigação defazer firmada pela empresa junto aoMinistério Público, sindicato dos tra-balhadores e demais partes interes-sadas, sendo que a determinação detransferência dos valores para umaconta judicial é apenas um meiopara a operacionalização desse ajus-te, requerido pelas partes e adotadopor este juízo por parecer mais efi-caz neste momento. Em conseqüên-cia, o referido bloqueio poderá serposteriormente revogado por deter-minação judicial, caso se apresenteoutra alternativa mais eficiente paraa satisfação dos interesses dos tra-balhadores representados pelo Mi-nistério Público do Trabalho:

5. Em decorrência da liminarconcedida na Ação Cautelar n. 2.514/04, que determinou que o Estado nãotransferisse nenhum valor à empre-sa reclamada até a presente audiên-cia, determino a expedição de novomandado ao Estado do Maranhão,intimando o mesmo para que trans-fira os valores a serem pagos à em-presa reclamada para uma conta àdisposição desta Vara, devendo in-formar a este juízo do repasse decada uma das parcelas, no prazo de24 horas;

6. Uma vez transferidos taisvalores pelo Estado do Maranhão, osmesmos serão liberados através dealvará judicial a ser expedido por estejuízo, onde constará a lista de todosos empregados da reclamada, osvalores devidos a cada um deles,bem como a discriminação das ver-bas e dos períodos correspondentes,devendo a Caixa Econômica com-provar em cinco dias úteis após o pa-gamento os valores pagos a cada umdos trabalhadores.

7. Nesta oportunidade o Estadodo Maranhão esclarece que antes derealizar o depósito judicial, já efe-tuará as retenções legais obrigató-rias de INSS, ISS e imposto de rendadecorrentes do contrato entre o Esta-do e a reclamada;

8. Em relação à primeira par-cela de R$ 635.730,00 que será utili-zada para pagamento de 13º salárioe parte do salário de outubro conce-do o prazo de 48 horas para a em-presa apresentar uma lista atualiza-da, em ordem alfabética, onde cons-te a relação de todos os emprega-dos, e valores a serem recebidos a

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título de 13º salário e 60% do saláriode outubro/04, bem como a discri-minação dos encargos a serem re-colhidos e documentados necessá-rios para efetuar tal procedimento(GPS) que serão encaminhados àcaixa Econômica Federal.

9. Tal relação de empregados,valores e descontos previdenciáriosdeverá ser ratificada pelo sindicatoda categoria, pela comissão de em-pregados, pela junta governativa dosindicato, sob a supervisão do Minis-tério Público do Trabalho (tendo emvista que o Ministerio Público não temcomo realizar diretamente esta afe-rição), declarando a correção das in-formações e valores ali apontados.

10. Após a apresentação dareferida lista e havendo comprova-ção do depósito judicial por parte doEstado do Maranhão, deverá a Se-cretaria desta Vara expedir alvarájudicial em favor dos empregados,nos termos acima indicados;

11. Em relação à segunda par-cela, no valor de R$ 500.000,00 a serpaga até o dia 30.12.2004, deveráser adotado o mesmo procedimentosupracitado, devendo a empresaapresentar a respectiva relação(onde conste a lista dos funcionáriose valores devidos referentes ao res-tante do mês de outubro/04, novem-bro/04 e parte de abril/04, bem comorecolhimentos previdenciários), em 48horas, após a notícia da transferênciado valor por parte do Maranhão.

12. Em relação a terceira par-cela de R$ 500.000,00, as partes re-quereram que a destinação da mes-ma seja definida apenas em audiên-

cia a ser realizada em janeiro/05,conforme já determinado no item 01(um) do presente acordo, haja vista ointeresse de que tais valores sejamutilizados na manutenção dos servi-dores da reclamada junto ao Estadodo Maranhão. Pelos motivos acimaexpostos, defiro, por ora, o pedido;

13. Esclareça-se ainda que opresente acordo só quitará os valoresque efetivamente forem pagos a cadaum dos trabalhadores a título de sa-lários atrasados e 13º salário, nãoquitando as demais verbas trabalhis-tas devidas pela empresa e que po-derão vir ser cobradas, seja por meiode ação coletiva, ou, individualmentepor cada um dos trabalhadores;

14. Expeça-se, com urgência,mandado, intimando o Estado doMaranhão da decisão que consta noitem 03 do presente acordo;

15. Deixo para apreciar poste-riormente os demais pedidos cons-tantes da Ação Cautelar e da AçãoCivil coletiva ora apensadas.

HOMOLOGO o acordo celebra-do para que surta seus jurídicos elegais efeitos.

Aguardem-se as informaçõesrequeridas

Cientes os presentes, que jáestão notificados da audiência a serrealizada em 14.1.2005 às 15 h.

E, para constar, lavrei a pre-sente ata que vai assinada pelo MM.Juiz e por mim subscrita.

Dr. Bruno de Carvalho Monte-junas, Juiz do Trabalho.

Ana Eudes da Silva, Chefe deServiço de Audiências.

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AÇÃO CIVIL PÚBLICA — MUNICÍPIO — COOPERATIVA— TERCEIRIZAÇÃO DE ATIVIDADES DE SAÚDE

PÚBLICA (PRT 16ª REGIÃO)

EXMO SR. JUIZ PRESIDENTE DE UMA DAS VARAS DO TRABALHO DE SÃOLUÍS — MA

com sede à Av. Jerônimo de Albu-querque, 545, Sl. 2-A, Bequimão,nesta cidade, doravante denomina-da 2º RECLAMADO, devendo ser ci-tado no endereço mencionado, pe-los motivos fáticos e jurídicos quepassa a expor e ao final pedir:

DOS FATOS

Em razão de denúncia efetua-da contra o 1º RECLAMADO restouinstaurado, no âmbito do MPT, o Pro-cedimento Preparatório n. 26/2004,conforme portaria anexa (doc. 01). Dadenúncia, surgiram fortes indícios decontratação irregular de servidorespúblicos, sem a prévia aprovação emconcurso público. (doc. 02)

O Sr. José Mariano do Valeassim relatou na denúncia:

“... que não prestou concurso pú-blico; que há cerca de 15.000 tra-balhadores nesta mesma condi-ção, ou seja, não são nomeadose também não possuem CTPSanotada ...”

O MINISTÉRIO PÚBLICO DOTRABALHO — MPT, por intermédioda Procuradora que ao final assina,com endereço para as intimaçõesque se fizerem necessárias à Av.Marechal Castelo Branco, 657, SãoFrancisco, CEP 65.076-090, SãoLuís -MA, vem, com base nos arts.127, caput, e 129, IX da Constitui-ção Federal; 5º, I, 6º, XII e 83, I, daLei Complementar n. 75/93; 81 eseguintes da Lei n. 8.078/90 por for-ça do disposto no art. 21 da Lei n.7.347/85, promover a presente

AÇÃO CIVIL PÚBLICA COMPEDIDO DE LIMINAR

em face do MUNICÍPIO DE SÃOLUÍS, pessoa jurídica de direito pú-blico interno, estabelecido no Pa-lácio La Ravardiere, situado na Av.Pedro II, s/n, nesta Cidade, doravan-te denominado 1º RECLAMADO eCOOTIMA — COOPERATIVA DE TE-RAPIA INTENSIVA DO MARANHÃO,pessoa jurídica de direito privado,inscrita no CNPJ n. 03665472/0001-51,

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Em instrução do procedimen-to, o 1º RECLAMADO confessou acontratação de servidores públicosatravés de cooperativa, esclarecen-do que o último concurso realizado naárea de saúde foi em 1992 (docs. 03).

Ainda em instrução, foram re-quisitados diversos documentos ao1º RECLAMADO através dos quaisse constatou que o último concursoque realizou na área da saúde foi em1990. (doc. 04) Também se verificouque vários médicos foram contrata-dos diretamente (doc. 05/07) ou atra-vés de terceiro após outubro de 1988(doc. 08/33).

Conforme se observa nos do-cumentos juntados, o objeto doscontratos firmados pelo 1º RECLA-MADO é efetivamente o mero forne-cimento de mão-de-obra, como sepode ver:

“CLÁUSULA PRIMEIRA — O pre-sente CONTRATO tem por objetoa Prestação de serviços Médicospelo CONTRATADO, especializa-dos em ENDOSCOPIA DIGESTI-VA em caráter de Urgência/Emer-gência nas 24 (vinte e quatro) ho-ras do dia, em regime de plantãopermanente, disponibil izandopessoal necessário para atenderà demanda de serviços indicadapela CONTRATANTE, com execu-ção de boa qualidade.

CLÁUSULA SEGUNDA — O CON-TRATADO se compromete a fazero atendimento dos pacientes noserviço de Urgência/Emergênciaque necessitam de EndoscopiaDigestiva, caracterizadas por He-morragia Digestiva e Corpo Es-tranho, impactada no Esôfago e

os casos da UTI; A ALCAMED seresponsabilizará pelo FIBROEN-DOSCÓPIO utilizado nos procedi-mentos, assim como sua manu-tenção” (doc. 09).

“CLÁUSULA PRIMEIRA — O pre-sente CONTRATO tem por objetoa prestação de Serviços Médicospelo(a) CONTRATADO(a), espe-cializados em Ortopedia em ca-ráter de urgência/emergência nas24 (vinte e quatro) horas do dia,em regime de plantão permanen-te, disponibilizando 02 (dois) Mé-dicos e 01 (um) Técnico de Ges-so das 07:00 às 19:00 horas e 01(um) Médico e 01 (um) Técnico deGesso das 19:00 às 7:00 horas,para atender à demanda de ser-viços indicada pelo CONTRATAN-TE, com execução de boa quali-dade e sem atrasos nos horáriosestabelecidos.

...

CLÁUSULA SEGUNDA — O Con-tratado se compromete a fazeratendimento dos pacientes doServiço de Urgência/Emergência,Sala de Cirurgia e o acompanha-mento dos pacientes internadose/ou em observação na especia-lidade de Ortopedia.” (doc.13)

TERMO ADITIVO (DOC. 17):

“CLÁUSULA PRIMEIRA — Ficaalterada a Cláusula Primeira doContrato Originário, que passará aser integralizada de profissionais,com acréscimo de 07 (sete) plan-tonistas (diurno) e 07 (sete) téc-nicos de gesso.”

“CLÁUSULA PRIMEIRA — O pre-sente CONTRATO tem por objeto

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a Prestação de serviços Médicospela CONTRATADA, especializa-dos em NEFROLOGIA (Hemodiá-lise e Diálise Peritoneal) em ca-ráter de Urgência/Emergêncianas 24 (vinte e quatro) horas do dia,em regime de plantão permanen-te, disponibilizando pessoal neces-sário para atender à demanda deserviços indicada pela CONTRA-TANTE, com execução de boaqualidade.

CLÁUSULA SEGUNDA — A CON-TRATADA se compromete a fazeratendimento médico de NEFRO-LOGIA dos pacientes internadosna UTI do Hospital ClementinoMoura (SOCORRÃO II).” (doc. 27)

Também pela leitura dos refe-ridos contratos, se observa que o 1ºRECLAMADO detém os poderes di-retivo, fiscalizador e disciplinar comrelação ao pessoal contratado, ine-rentes à figura do empregador, comose verá:

“CLÁUSULA SEXTA — O CON-TRATADO se compromete a en-tregar ao CONTRATANTE escalade plantão mensal dos Endosco-pistas, com antecedência de 07(sete) dias.” (doc. 09)

“CLÁUSULA SEXTA — ...

PARÁGRAFO ÚNICO. O Contra-tado (a) se obriga a substituir, me-diante solicitação formal e a crité-rio do Contratante qualquer deseus profissionais designadospara executar as atividades quenão correspondam aos padrõesestabelecidos pelo Contratante.”(doc. 13)

“CLÁUSULA QUINTA — ...

PARÁGRAFO ÚNICO. O Contra-tado (a) se obriga a substituir, me-diante solicitação formal e a crité-rio do Contratante qualquer deseus profissionais designadospara executar as atividades quenão correspondam aos padrõesestabelecidos pelo Contratante.”

“CLÁUSULA SEXTA — O CON-TRATADO se compromete a en-tregar ao CONTRATANTE escalade plantão mensal dos Ortopedis-tas, com antecedência de 07(sete) dias.” (doc. 18)

“CLÁUSULA QUINTA — ...

PARÁGRAFO ÚNICO. O Contra-tado (a) se obriga a substituir, me-diante solicitação formal e a crité-rio do Contratante qualquer deseus profissionais designadospara executar as atividades quenão correspondam aos padrõesestabelecidos pelo Contratante.”

“CLÁUSULA SEXTA — O CON-TRATADO se compromete a en-tregar ao CONTRATANTE escalade plantão mensal dos anestesis-tas, com antecedência de 07(sete) dias.” (doc. 23)

“CLÁUSULA TERCEIRA — A equi-pe desses profissionais ficará su-bordinada à direção do Hospital Dr.Clementino Moura (Socorrão II).”

...

“CLÁUSULA SEXTA — A Contra-tada se obriga a substituir, medi-ante solicitação formal e a critérioda Contratante qualquer de seusprofissionais designados paraexecutar as atividades que nãocorrespondam aos padrões es-

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tabelecidos pela Contratante.”(doc. 26)

“CLÁUSULA TERCEIRA — A equi-pe desses profissionais ficará su-bordinada à direção do HospitalDr. Clementino Moura (SocorrãoII). (doc. 31)

É necessário esclarecer que oHospital Clementino Moura é umórgão público do 1º RECLAMADO,conforme demonstra o seuCNPJ.” (doc. N. 34).

As cláusulas, a seguir transcritasa título de exemplo, mostram quecabe ao 1º RECLAMADO fornecero material necessário para a rea-lização dos serviços:

“CLÁUSULA TERCEIRA — O Con-tratante se compromete a fornecerao Contratado, todo material téc-nico necessário para a realizaçãodos procedimentos” (doc. 11).

“CLÁUSULA TERCEIRA — O Con-tratante se compromete a fornecerao Contratado, todo material téc-nico necessário para a realizaçãodos procedimentos” (doc. 18).

Na investigação, também seapurou a contratação de servidorpúblico na área da saúde, através do2º RECLAMADO, tendo sido solicita-da à Delegacia Regional do Traba-lho ação fiscal nos hospitais munici-pais.

Segundo o relatório da açãofiscal, (doc. 35) restou demonstradoque os serviços de assistência mé-dica, enfermagem e fisioterapia daUnidade Mista Itaqui-Bacanga e Hos-pital Clementino Moura (Socorrão II)estão sendo também terceirizados

irregularmente através do 2º RECLA-MADO tendo sido constatado que:

“1...Existe vínculo empregatícioentre os cooperados e o Municí-pio, devido à pessoalidade, nãoeventualidade e subordinação daatividade desenvolvida;

2. A terceirização ocorre nos ser-viços ligados à área fim dos Hos-pitais, portanto, ligados à neces-sidade permanente do Município;

3. Caracterizada a intermediaçãofraudulenta de cooperativa paracontratação de mão-de-obra des-tinada à atividade fim. Os coope-rados se subordinam ao Hospi-tal/Município embora haja super-visão da Cooperativa a qual sãovinculados;

4. A documentação fornecida estáanexa e comprova que os coope-rados não têm vantagens comoGratificação Natalina, Férias,FGTS, nem seguro-desemprego,como aconteceria se a terceiriza-ção ocorresse com a caracterizaçãodo vínculo empregatício.”

Conforme se verifica no doc.35, nas folhas de pagamento, há sa-lários diferenciados para aquelesque exercem as mesmas atividades.Ainda, há a relação dos profissionaisque devem trabalhar nas referidasunidades do 1º RECLAMADO, carac-terizando a não-eventualidade e apessoalidade da prestação de ser-viço.

Convém transcrever as cláusu-las constantes no contrato firmado en-tre o 1º RECLAMADO e o 2º RECLAMA-DO, que demonstram a existência dosrequisitos configuradores da relação de

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emprego, possuindo o 1º RECLAMA-DO poder de direção, fiscalização e dedisciplina sobre os trabalhadores,sendo o 2º RECLAMADO um mero for-necedor de mão-de-obra, como sepode ver:

“CLÁUSULA PRIMEIRA — DOOBJETO

1.1. O presente contrato, tem porobjeto a prestação, pela CONTRA-TADA, de Serviços Especializadosem ASSISTÊNCIA MÉDICA, DEENFERMAGEM E DE FISIOTERA-PIA nos pacientes internados naUTI do Hospital Municipal de Ur-gência/Emergência Dr. “Clemen-tino Moura”, integrante da redemunicipal de São Luís

1.2 — Os serviços serão presta-dos por profissionais capacitadospara a prestação dos serviços naforma da legislação vigente, nas24 (vinte e quatro) horas, inclusi-ve Sábado, Domingo e feriado.

.............................................................”

“CLÁUSULA SEGUNDA — DOREGIME DE EXECUÇÃO

2.2 — Os serviços serão conferi-dos pela direção do Hospital Mu-nicipal Dr. Clementino Moura dosetor interessado da CONTRA-TANTE, procedendo-se a aceita-ção observada a legislação perti-nente e os termos deste contrato.

..............................................................

2.5 Os serviços ora contratadosserão prestados diretamente porprofissionais médicos integran-tes do (a) Contratado (a), espe-cializado em Assistência Médica,de Enfermagem e de Fisioterapia.

PARÁGRAFO ÚNICO — A Contra-tada se obriga a substituir, median-te solicitação formal e a critério daContratante, qualquer de seus pro-fissionais designados paraexecutar atividades que não cor-respondam aos padrões estabe-lecidos pelo Contratante”. (doc. 35)

Conclui-se assim que, em suaspróprias instalações e com seus pró-prios recursos materiais, o 1º RECLA-MADO vem contratando mão-de-obrasubordinada através de terceiros paraexercer as atividades fins de seushospitais públicos. O 1º RECLAMA-DO terceiriza irregularmente, porexemplo, toda a prestação de serviçomédico, de enfermagem e de fisiote-rapia na UTI de seus hospitais, servi-ços esses ligados às suas ativida-des essenciais, executados dentrodos seus hospitais.

Na realidade, ao terceirizar aprestação de serviços ligados à saú-de pública, o 1º RECLAMADO não ofaz de maneira complementar, adi-cional aos serviços por ele presta-dos, mas o faz de maneira substitu-tiva, ou seja, transfere a terceiros aexecução das atividades de saúdeprestadas em seus hospitais públi-cos, que deveriam ser executadospor ele diretamente.

Por outro lado, está clara a in-gerência do 1º RECLAMADO nosserviços desenvolvidos também pe-los terceiros contratados, através doestabelecimento das normas paraexecução dos serviços, podendo, in-clusive, requerer o desligamento aqualquer tempo de trabalhador.

No caso em tela, não se tratade contratação de serviço e sim, de

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contratação visando ao mero forne-cimento de mão-de-obra subordina-da. Na primeira hipótese, os médi-cos, a título de exemplo, trabalhari-am em seus consultórios, sem su-bordinação ou sujeição a controle dehorário nem do poder disciplinar, téc-nico ou hierárquico do 1º RECLAMA-DO. Na presente hipótese, os médi-cos, enfermeiros e outros profissio-nais, a serviço do 1º RECLAMADO, tra-balham em caráter não-eventual, comestrita dependência e sob ordens desuperiores, utilizando o material e asinstalações do 1º RECLAMADO.

Pode-se, finalmente, concluirque as hipóteses presentes seconfiguram terceirização irregular doserviço público, ligado a atividade-fim do 1º RECLAMADO, através defalsa cooperativa e de outras empre-sas, com o intuito de mascarar a re-lação de emprego existente entre o1º RECLAMADO e os trabalhadores.

Desse modo, observa-se queo 1º RECLAMADO lançou mão deexpediente claramente fraudulento,admitindo trabalhadores como inte-grantes de cooperativa e de empre-sas, a título de contrato civil de “pres-tação de serviços”, a fim de evitar aobservância do inciso II, do referidoart. 37, que exige a realização de con-curso público para ingresso de ser-vidores públicos na administraçãopública.

Todas as provas juntadas aosautos demonstram a intermediaçãode mão-de-obra, através de coope-rativa e de empresas, para fraudar oart. 37, II da Constituição Federal namedida em que os profissionaiscontratados exercem atividades ine-

rentes a cargos, empregos e fun-ções públicas.

Ressalta-se, ainda, que di-versos trabalhadores foram admi-tidos a título de contratação por pra-zo determinado para atender ne-cessidade excepcional de interes-se público há vários anos, desde2002, o que descaracteriza porcompleto a sua excepcionalidade.(doc. 05).

Enfim, todos os fatos narra-dos comprovam claramente a burlaao art. 37, II da CF pelo 1º RECLA-MADO ao contratar servidores públi-cos sem prévia aprovação em con-curso público.

Por fim, é importante mencio-nar que foram designadas audiên-cias com o 1º RECLAMADO a fim deque fosse efetivado termo de ajusta-mento de conduta, na forma da Lein. 7.347/85, não tendo comparecido(doc. 36), não havendo outra alterna-tiva senão o ajuizamento da presen-te ação.

DO DIREITO

Como facilmente pode-se ex-trair dos fatos noticiados acima, tem-se que a hipótese trata de defesa dopatrimônio público e de direitos co-letivos, manejados sob a ótica dacoletividade atingida.

No caso dos autos, os interes-ses que se visa proteger são o patri-mônio público e os coletivos, isto é,comuns a determinada coletividade,impondo soluções homogêneaspara a composição dos conflitos,senão vejamos.

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DA NULIDADE DOS CONTRATOS

Em seu art. 37, a Carta Magnaestabeleceu princípios de observân-cia obrigatória pela AdministraçãoPública. O primeiro deles é o princí-pio da acessibilidade a cargos eempregos públicos somente àque-les que preencham os requisitosestabelecidos em lei (art. 37, II),mediante aprovação de concursopúblico de provas e títulos, ressalva-das as nomeações para cargo emcomissão declarado em lei de livrenomeação e exoneração.

Na verdade, o preceito referen-te à acessibilidade e ao concursopúblico constitui importante instru-mento de aplicação concreta dosprincípios da igualdade e da impes-soalidade, princípios basilares daadministração pública.

A Constituição Federal de1988, utilizando a expressão “inves-tidura” para designar o ato de provi-mento de cargo ou emprego públi-co, afastou por completo do cenáriojurídico brasileiro qualquer outra for-ma de ingresso no serviço públicosenão àquela do concurso público,exceto para os cargos em comissão.

Frise-se que a nulidade abso-luta dos contratos celebrados ao ar-repio do art. 37, inciso II, da Consti-tuição Federal, pode e deve ser de-clarada de ofício, vez que se trata denulidade absoluta.

Por outro lado, o § 2º, daquelemesmo dispositivo constitucional,dispõe textualmente:

“A não observância do dispostonos incisos II e III implicará a nuli-

dade do ato e a punição da autori-dade responsável, nos termos dalei”.

Com efeito, esse é um requi-sito essencial à validade do ato e aCarta Magna taxativamente declaranula a contratação que não for pre-cedida de concurso público (§ 2º doart. 37).

No caso em tela, o 1º RECLAMA-DO acabou por violar direta e frontal-mente o art. 37, caput, inciso II e § 2º, daConstituição Federal, vez que a contra-tação efetivada entre os servidores pú-blicos e o ente público não atende aosrequisitos ali determinados.

Portanto, é indubitável que, deacordo com o mandamento legal, seestá diante de flagrante violação àordem jurídica social, eis que, emdesrespeito absoluto ao art. 37, II daConstituição, inúmeros servidoresforam todos contratados sem con-curso público.

Ademais, a jurisprudência já sepacificou quanto à nulidade de taiscontratos, por inobservância do prin-cípio do concurso público. Tais con-tratos de trabalho são absolutamen-te nulos, resultando daí enormesprejuízos para esses trabalhadoreshumildes.

É óbvio que a correção destedesvio implicará, a primeira vista, emmedidas duras, impopulares. Entre-tanto, não se pode deixar perpetuaras práticas até então adotadas pelaAdministração Pública que desres-peita a Constituição e as leis.

No entanto, a abstenção decontratar irregularmente não implica-rá em desemprego geral, vez que as

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vagas anteriormente ocupadas pe-los servidores referidos terão que serprovidas através de concurso públi-co, de forma legítima e transparente,obedecendo ao princípio da impes-soalidade e eficiência previstos noart. 37 da CF..

Não se diga, por outro lado, queo 1º RECLAMADO não dispõe de ver-ba necessária para proceder a con-tratação regular de servidores públi-cos uma vez que os valores previstosnos contratos para pagamento men-sal pelos serviços profissionais con-tratados irregularmente são mais doque suficientes para o pagamentodo pessoal a ser regularmente admi-tido pelo 1º RECLAMADO.

No caso em tela, o 1º RECLA-MADO também acabou por violar di-reta e frontalmente o art. 37, caput, IXda Constituição Federal, vez queas contratações efetivadas a título decontratação por tempo determinadopara atender à necessidade tempo-rária de excepcional interesse públi-co não atendem aos requisitos alideterminados uma vez que os con-tratos vêm sendo renovados conti-nuamente desde 2002, o que des-caracteriza a excepcionalidade dascontratações.

Advirta-se que, mesmo noscasos de contratação temporária,prevista no inciso IX do aludido arti-go, não se dispensa a observânciade certos requisitos legais, especial-mente no que se refere à duração dovínculo, que deixa de ser por prazoindeterminado para possuir determi-nação de lapso temporal.

Convém transcrever parte dovoto do Exmo. Ministro Carlos Vello-

so, Relator da ADIn n. 1.219-3, emdecisão de pedido de liminar, publi-cada em 16.2.1995:

“A Constituição Federal estabele-ce, no art. 37, II, que a administra-ção pública direta, indireta ou fun-dacional, federal, estadual e mu-nicipal, somente poderá admitirservidores mediante a realizaçãode concurso público de provas,ou de provas e títulos, ressalva-das as nomeações para cargoem comissão declarado em lei delivre nomeação e exoneração.

... A outra exceção à regra do con-curso público está inscrita no inci-so IX do mesmo art. 37: “a lei esta-belecerá os casos de contrataçãopor tempo determinado para aten-der à necessidade temporária deexcepcional interesse público.”

Com prioridade, escreveu o emi-nente Ministro Paulo Brossard, novoto que proferiu na ADIn 890-DF,que “a regra é o concurso públi-co, e as duas exceções são paraos cargos em comissão referidose as contratações de pessoal,mas estas estão subordinadassimultaneamente às seguintescondições: a) deve existir previ-são em lei dos casos possíveis;b) devem ter tempo determina-do; c) devem atender à necessi-dade temporária; d) a necessida-de temporária deve ser de inte-resse público; e) o interesse pú-blico deve ser excepcional”.

Celso Antônio Bandeira de Melloversou o tema. Examinando a cláu-sula “excepcional interesse pú-blico” e os demais requisitos da

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contratação, escreveu que, “des-de logo, não se coadunaria comsua índole, contratar pessoal se-não para evitar o declínio do ser-viço ou para restaurar-lhe o pa-drão indispensável mínimo seria-mente deteriorado para falta deservidores. (...) Em segundo lugar,cumpre que tal contratação sejaindispensável; vale dizer, induvi-dosamente não haja meios de su-pri-la com remanejamento depessoal ou redobrado esforço dosservidores já existentes. Em ter-ceiro lugar, sempre na mesma li-nha de raciocínio, não pode serefetuada para a instalação ou rea-lização de serviços novos, salvo,é óbvio, quando a irrupção de si-tuações emergentes os exigiria ejá agora por motivos indecliná-veis, como os de evitar a periclita-ção da ordem, da segurança ousaúde. Em quarto lugar, desca-beria contratar por esta via paracargo, função ou emprego de con-fiança, que isto seria a porta abertapara os desmandos de toda es-pécie.” (“Regime Constitucionaldos Servidores da AdministraçãoDireta e Indireta”, RT, 2ª ed, 1991,pp. 82-83)” (grifou-se).

Por todo o exposto, é indubitá-vel que se está diante de flagranteviolação à ordem jurídica social, eisque, em desrespeito absoluto ao art.37, II da Constituição Federal, traba-lhadores foram contratados semconcurso público para exercerem ati-vidades inerentes a cargos, funçõese empregos públicos para presta-ção de serviços públicos ligados àárea de saúde a serem executadosnos órgãos do 1º RECLAMADO.

DA TERCEIRIZAÇÃO IRREGULARPELA ADMINISTRAÇÃO PÚ-BLICA

O processo de terceirização,sinteticamente, significa a transfe-rência de determinadas atividadesacessórias do empreendimento eco-nômico de uma empresa para em-presas especializadas, que poderãodesempenhá-las com mais eficiên-cia e a um custo menor, para que aempresa contratante possa se dedi-car exclusivamente à sua atividadeprincipal.

No ordenamento jurídico pá-trio, a regra é a contratação diretapelo tomador de serviços, conformeprevê o art. 3º da CLT, sendo a ter-ceirização permitida excepcionalmen-te. Vedada, pois, a mera intermedia-ção, a mera locação de mão-de-obra,artificiosamente utilizada para res-paldar a prática ilegal de marchan-dage, reconhecendo-se o vínculoempregatício diretamente com a to-madora de serviços.

Entretanto, a legislação brasi-leira consagrou a possibilidade deterceirização de serviços de vigilân-cia (Lei n. 7.102/83). A contrataçãode trabalhador temporário, por em-presa interposta, também é tolera-da, na forma e nos limites da Lei n.6.019/74.

A jurisprudência trabalhista,ao editar a Súmula 331 do colendoTribunal Superior do Trabalho, mos-tra-se muito restritiva a respeito damatéria, liberando a contratação deserviços de terceiros apenas a cer-ta atividade ou serviço não incluídosnos fins sociais da empresa toma-dora de serviço.

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Atualmente, se passou a ad-mitir a contratação de serviços es-pecializados (qualquer um) ligadosà atividade-meio do tomador, desdeque inexistente a pessoalidade e asubordinação direta do empregadoda empresa prestadora de serviço àempresa tomadora (item III do E. 331do TST).

No âmbito da AdministraçãoPública, a terceirização trabalhista épermitida também como exceção,somente quando envolver atividadesmeramente instrumentais, que nãose relacionem às atividades estataisessenciais.

É importante registrar que oDecreto-lei n. 200/67 não se prestaa legitimar a terceirização ora com-batida, já que não autoriza, em ne-nhum instante, a execução indiretade serviços ligados à atividade-fimda Administração Pública.

Nesse sentido, o Decreto n.2.271/1997 autoriza a AdministraçãoPública Federal a proceder a contra-tações para a execução indireta decertos serviços, verbis:

Art. 1º No âmbito da Administra-ção Pública Federal direta, autár-quica e fundacional poderão serobjeto de execução indireta as ati-vidades materiais acessórias,instrumentais ou complementa-res aos assuntos que constituemárea de competência legal do ór-gão ou entidade.

§ 1º As atividades de conserva-ção, limpeza, segurança, vigilân-cia, transportes, informática, co-peiragem, recepção, reprografia,telecomunicações e manutenção

de prédios, equipamentos e ins-talações serão, de preferência,objeto de execução indireta.

A espécie normativa em co-mento, portanto, abre possibilidadepara que a Administração celebrecontrato com particulares, terceiri-zando atividades acessórias do Po-der Público, cuja execução diretaseja capaz de acarretar sobrecargaao Estado. A mens legis demonstra,claramente, a preocupação de pro-porcionar à Administração Públicacondição favorável à gestão da coi-sa pública, com vistas ao bem co-mum, ou seja, tenta deslocar da es-fera do Estado certas atividades ins-trumentais, meramente executivas,para que o Estado passe a direcio-nar suas forças para as suas ativi-dades principais.

Por essa razão, o art. 4º do de-creto acima mencionado dispõe oseguinte:

Art. 4º É vedada a inclusão dedisposições nos instrumentos con-tratuais que permitam:

I — indexação de preços por índi-ces gerais, setoriais ou que refli-tam a variação de custos;

II — caracterização exclusiva doobjeto como fornecimento demão-de-obra;

III — previsão de reembolso desalários pela contratante;

IV — subordinação dos emprega-dos da contratada à administra-ção da contratante; (grifou-se)

Em resumo, na esfera pública,é vedada a contratação que vise ao

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mero fornecimento de mão-de-obra,permitindo-se apenas a terceirizaçãode serviços acessórios, desde queos empregados da empresa contra-tada não estejam subordinados àadministração do Poder Público.

LUIZ CARLOS BRESSER PE-REIRA, ex-ministro da Administraçãoe mentor intelectual da reforma ad-ministrativa, assim esclarece:

“Uma política central da ReformaGerencial é terceirizar as ativi-dades de apoio, de forma queestas sejam realizadas de formacompetitiva por empresas priva-das. Dessa forma, está sendo am-pliada a relação de serviços quepodem ser facilmente providos porprestadores especializados dosetor privado. O objetivo é permitirque a administração direcione cla-ramente as suas áreas de atuação,executando com competênciaapenas as atividades que sãopróprias ou exclusivas do Estado.Aquilo que representar atividadecom similaridade no setor priva-do deve ser objeto de execuçãoindireta, mediante contratação deprestadores de serviços nas con-dições que permitam a maior eco-nomia de custos.

Esta política foi iniciada pelo De-creto-lei n. 200/67, ainda em vigor.O Decreto n. 2.271, de 7 de julhode 1997, regulamenta a execuçãoindireta de atividades na adminis-tração pública, abrangendo emespecial aquelas que correspon-dem a cargos que foram extintosou que o serão por ocasião daaposentadoria de seus ocupan-tes. A terceirização está direcio-

nada para as atividades de natu-reza acessória, instrumental oucomplementar em relação à áreade competência do órgão ou enti-dade; sendo que as atividades deconservação, limpeza, segurança,vigilância, transportes, informáti-ca, copeiragem, recepção, repro-dução de documentos, telecomu-nicações e manutenção de pré-dios, equipamentos e instalaçõesdeverão ser preferencialmentecontratadas.

Além de permitir a terceirização deum conjunto de atividades queanteriormente eram atribuição decargos permanentes da adminis-tração pública, a nova regulamen-tação corrige distorções que des-caracterizavam o instituto da exe-cução indireta, especialmente aprática da utilização dos contra-tos de prestação de serviços parasuprir necessidades de pessoalque deveriam ser providas com aadmissão ou o remanejamentode servidores públicos. (...) As-sim, o decreto estabelece regrasvigorosas, visando evitar o desvir-tuamento da terceirização: não po-derá ser contratada a prestação deserviços que permita a subordina-ção direta dos empregados dacontratada ao órgão ou entidadecontratante” (BRESSER PEREIRA,ibidem, p. 300). (grifou-se)

DA TERCEIRIZAÇÃO NA ÁREA DASAÚDE

O art. 175 da Constituição Fe-deral estabelece que “incumbe aoPoder Público, na forma da lei, dire-tamente ou sob regime de conces-

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são ou permissão, sempre atravésde licitação, a prestação de serviçospúblicos”.

Portanto, a prestação de servi-ços públicos deve ser efetuada peloEstado, direta ou indiretamente, atra-vés da concessão ou permissão.

É sabido que nem todos osserviços públicos podem ser objetode concessão e permissão tão-so-mente aqueles serviços que permi-tam exploração comercial que ga-rantam a remuneração pelo usuárioao concessionário ou permissionário.São chamados serviços própriosaqueles que devem ser exploradosdiretamente pelo Estado.

Segundo Hely Lopes Meirelles:

“Serviços próprios do Estado sãoaqueles que se relacionam inti-mamente com as atribuições doPoder Público (segurança, polícia,higiene e saúde pública etc.) epara a execução dos quais a Ad-ministração usa da sua suprema-cia sobre os administrados. Poresta razão, só devem ser presta-dos por órgãos ou entidades pú-blicas, sem delegação a particu-lares. Tais serviços, por sua es-sencialidade, geralmente sãogratuitos...” (em “Direito Adminis-trativo”, Ed. RT, 16ª ed., pp. 291/292). (grifou-se)

Dessa maneira, os chamadosserviços públicos próprios, serviçossociais necessariamente gratuitos,dentre os quais se pode citar os ser-viços de saúde e educação, devemser executados diretamente peloEstado, não se prestando à conces-são ou permissão de serviços, onde

existe a remuneração do serviço pelousuário.

Assim, os serviços públicossociais devem ser prestados direta-mente pela Administração Direta ouIndireta (autarquia, fundações, etc.),através de seus agentes e servido-res públicos. Essa é a regra, haven-do a possibilidade de terceirizaçãoapenas das atividades acessóriasdo Estado, como já mencionado.

Com relação a saúde pública,a Constituição Brasileira estabele-ceu que saúde é direito de todos eDEVER DO ESTADO (art. 196).

Para garantir o serviço de as-sistência pública à saúde de todos, aConstituição Federal previu a existên-cia de um Sistema Público de Atendi-mento à Saúde da População, intitu-lado Sistema Único de Saúde — SUS,de responsabilidade do Estado, tendofacultado a prestação de serviços desaúde também à iniciativa privada.Essa faculdade se refere apenas aárea de saúde, excepcionalmente.

De acordo com o permissivoconstitucional, o serviço de saúdeserá constituído de um sistema úni-co descentralizado, como se pode ver:

“Art. 198. As ações e serviços pú-blicos de saúde integram umarede regionalizada e hierarquiza-da e constituem um sistema úni-co, organizado de acordo com asseguintes diretrizes:

I — descentralização, com direçãoúnica em cada esfera de governo;

...”

E mais adiante a ConstituiçãoFederal permite que os serviços pú-

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blicos de saúde sejam prestadospor terceiros, de forma complemen-tar, como se vê

“Art 199. A assistência à saúde élivre à iniciativa privada.

§ 1º As instituições privadas po-derão participar de forma comple-mentar do sistema único de saú-de, segundo diretrizes deste, me-diante contrato de direito pú-blico ou convênio, tendo preferên-cia as entidades filantrópicas e assem fins lucrativos.

Dessa maneira, a ConstituiçãoFederal prevê que a assistência àsaúde é livre à iniciativa privada, per-mitindo a essa que, sem participardo Sistema Único de Saúde — SUS,possa prestar serviços de assistên-cia à saúde. Tais serviços são tam-bém de relevância pública, comodefinido no art. 197 da Constituição.

No entanto, quando a entida-de privada, com ou sem fins lucrati-vos, participa do Sistema Único deSaúde, mediante contrato ou convê-nio, ela deve fazê-lo de forma COM-PLEMENTAR.

A Constituição Federal, portan-to, permite a terceirização dos servi-ços públicos de saúde de forma com-plementar e prioriza as entidadessem fins lucrativos.

Isso significa dizer que a exe-cução dos serviços de saúde públi-ca deve ser efetuada diretamentepelo Poder Público e apenas quan-do a sua capacidade instalada forinsuficiente, tais serviços podem serprestados por terceiros, através desuas próprias capacidades instala-das, ou seja, com seus médicos, ins-

talações, prédios, equipamentos,know-how, etc., tendo preferência en-tidades filantrópicas e as sem finslucrativos (§ 1º, art. 199 CF).

Nesse sentido, o art. 24 da Lein. 8.080/90 estabelece que:

“quando as suas disponibilida-des forem insuficientes para ga-rantir a cobertura assistencial àpopulação de uma determinadaárea, o Sistema Único de Saúde— SUS poderá recorrer aos servi-ços ofertados pela iniciativa pri-vada.”

Portanto, a iniciativa privada sópoderá ser chamada para participardo Sistema Único de Saúde, quandoo setor público for insuficiente paraatender à demanda dos serviços,devendo significar aumento da ca-pacidade instalada. Só excepcional-mente, quando evidenciada a insufi-ciência das disponibilidades esta-tais, é permitida a participação deentidades privadas na prestaçãode serviços de saúde no âmbito doSUS, para que, com sua capacidadeinstalada, complemente e amplie aatividade estatal.

Desse modo, a participaçãodas empresas privadas nunca serápara substituir a participação do Po-der Público, como no caso em tela,mas para complementá-la, ampliá-la.

Analisando o tema, convém ci-tar Maria Sylvia Zanella Di Pietro naobra já citada:

“É importante realçar que a Cons-tituição, no dispositivo citado, per-mite a participação de instituiçõesprivadas “de forma complemen-tar”, o que afasta a possibilidade

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de que o contrato tenha por obje-to o próprio serviço de saúde,como um todo, de tal modo que oparticular assuma a gestão dedeterminado serviço. Não pode,por exemplo, o Poder Públicotransferir a uma instituição priva-da toda a administração e execu-ção das atividades de saúde pres-tadas por um hospital público ouum centro de saúde; o que podeo Poder Público é contratar insti-tuições privadas para prestar ati-vidades-meio, como limpeza, vi-gilância, contabilidade, ou mes-mo determinados serviços técni-co-especializados, como os ine-rentes ao hemocentros, realiza-ção de exames médicos, consul-tas, etc.; nesses casos, estarátransferindo apenas a execuçãomaterial de determinadas ativida-des ligadas ao serviço de saúde,mas não sua gestão operacional.

...

Isto não significa dizer que o Po-der Público vai abrir mão da pres-tação do serviço que lhe incum-be para transferi-la a terceiros;ou que estes venham a adminis-trar uma entidade prestadora doserviço de saúde; significa que ainstituição privada, em suas pró-prias instalações e com seus pró-prios recursos humanos e mate-riais, vai complementar as açõese serviços de saúde, medianteconvênio ou contrato.” (grifou-se)(4ª ed. São Paulo; Atlas, p. 186).

No caso em tela, as terceiriza-ções ocorridas têm as seguintescaracterísticas:

1º — todas cedem a capacidadeinstalada em saúde do 1º RECLA-

MADO (na totalidade ou em parte)para que um terceiro, em nome dopróprio 1º RECLAMADO, executeos serviços de saúde pública;

2º — há cessão de prédios, mó-veis e equipamentos públicos;

3º — são repassados recursospúblicos próprios do Estado e/oudo Sistema Único de Saúde;

4º — não há ampliação do servi-ço público e sim, substituição doprestador de serviços;

5º — o objeto das terceirizações éo mero fornecimento de trabalha-dores para prestação de serviçosnas áreas, com carga horária defi-nida na avença, havendo contrata-ção de pessoal para exercer ativi-dades dentro dos próprios hospi-tais do 1º RECLAMADO, subordi-nados ao 1º RECLAMADO, burlan-do a regra do concurso público.

De fato, na presente hipótese,as pessoas estão trabalhando no 1ºRECLAMADO, por meio de contratosde fornecimento de mão-de-obra,sem qualquer vínculo formal com aentidade onde prestam serviços,assumindo informalmente cargos,empregos ou funções, sem se sub-meterem às normas constitucionaisdos servidores públicos.

Por tudo isso, no caso em tela,a terceirização serve para mascarara relação de emprego existente, nãoprotegendo o interesse público, fa-vorecendo o apadrinhamento políti-co e burlando a exigência constitucio-nal do concurso público.

Dessa forma, conclui-se que oque vem ocorrendo no 1º RECLAMA-

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DO, simplesmente, é a terceirizaçãode cargos, empregos e funções pú-blicas de atividades essenciais daadministração na área de saúde.

Portanto, sob qualquer ânguloque se aborde a matéria, não hácomo se afastar a inconstitucionali-dade e ilegalidade dos contratos ce-lebrados, quer através de empresaprivada ou cooperativa, pelo 1º RE-CLAMADO eis que ferem frontalmen-te o art. 37, II da Constituição Federal.

DA TERCEIRIZAÇÃO PARA CON-TRATAÇÃO DE MÃO-DE-OBRAVIA COOPERATIVA

De início, convém aduzir quenão existe no ordenamento jurídicobrasileiro qualquer autorização paraque as cooperativas exerçam a ativi-dade empresarial de fornecimentode mão-de-obra. A Instrução Norma-tiva n. 07/90, do Ministério do Traba-lho, que criou normas para a fiscali-zação do trabalho junto às empre-sas de prestação de serviço a tercei-ros, assim dispôs: “considera-seempresa de prestação de serviços aterceiros a pessoa jurídica de direitoprivado, de natureza comercial, legal-mente constituída, que se destina arealizar determinado e específico ser-viço a outra empresa fora do âmbitodas atividades essenciais e normaispara que se constituiu esta última”.

A esse propósito, cabe trazer àcolação a lição de Maria Julieta Men-donça Viana:

“...repudia a intermediação demão-de-obra, não passa esta aser lícita, apenas porque pratica-da por entidade denominada

cooperativa. (...) Se a empresaprestadora não tem atividade pró-pria; se seu objetivo se limita aofornecimento de mão-de-obra paraa tomadora, não há terceirização,e sim autêntica merchandage.Fica óbvio o propósito de criar umafalsa relação jurídica para masca-rar a verdadeira relação...” (“Coo-perativas de Trabalho: Terceriza-ção de Empregados ou Terceiri-zação de Serviços”, Revista LTr, 11/97, pp. 1.473/1.478)

Cabe destacar, inicialmente, aimpropriedade de contratação decooperativa para prestação de servi-ços através da Lei n. 8.666/93, umavez que “serviços”, na acepção do art.6º, inciso II, seria, quando muito, “tra-balhos técnicos-profissionais”, ne-cessariamente autônomos, o quenão ocorre na espécie.

Assim, uma cooperativa (cujoobjetivo é a promoção do interessecorporativo de seus associados) ja-mais poderia ser contratada paraprestação de serviços a que se refe-re o caso em tela.

Por outro lado, observa-se queo 1º RECLAMADO lançou mão des-se expediente claramente fraudulen-to, admitindo trabalhadores comointegrantes de cooperativa, a título decontrato civil de “prestação de servi-ços”, a fim de evitar a observânciado inciso II, do referido art. 37, queexige a realização de concurso pú-blico para ingresso de servidorespúblicos na administração pública.

Na presente hipótese, onde re-side a autonomia dos “cooperados”?

Na verdade, o relatório da DRT/MA demonstra a intermediação de

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mão-de-obra, através do 2º RECLA-MADO, com subordinação e pessoa-lidade na prestação dos serviços.

De fato, a cooperativa de traba-lho só pode ser de trabalho autônomo(relação jurídica de direito civil, damodalidade locação de serviços),nunca de trabalho subordinado (rela-ção jurídica de emprego), como efe-tuam os supostos “cooperados”.

Sobre o mesmo tema, JORGELUIZ SOUTO MAIOR ensina:

“(...) as cooperativas são siste-mas de ajuda mútua em que pes-soas que possuem necessida-des comuns, se associam, volun-tariamente, para, mediante o exer-cício de um esforço concentradoe eliminando o intermediário, sa-tisfazerem essas necessidades.As cooperativas têm um fim eco-nômico, porque visam à melhoriada situação econômica de seusmembros, mediante a satisfaçãode suas necessidades, mas nãopossuem um escopo puramentemercantil, o que as distingue dasdemais atividades empresariais.

A simples atividade de prestarserviços a terceiros não se constituinecessidade cuja satisfação se pos-sa fazer por intermédio de cooperati-vas, conceitualmente falando. (“Co-operativas de Trabalho”, in RevistaLTr, vol. 60, n. 08, agosto/96, p. 1.060)

Assim prevê o art. 3º da CLT, asaber, in verbis:

“Considera-se empregado todapessoa física que prestar serviçosde natureza não eventual a empre-gador, sob a dependência deste emediante salário”. (grifamos).

Na verdade, no caso em tela, aprestação de serviços apresenta to-das as características (caráter não-eventual, subordinação, pessoalida-de, entre outros), que são pertinen-tes à mão de obra regida pela CLT.

Destarte, à luz da determinaçãoemanada do art. 9º, da CLT, os con-tratos de trabalho com os falsos coo-perados são nulos de pleno direitopois são “os atos praticados com oobjetivo de desvirtuar, impedir ou frau-dar aplicação dos preceitos contidosna mencionada Consolidação”.

Desse modo, demonstrado estáque a prestação de serviços não podeser exercida por intermédio de coope-rativas de mão-de-obra, uma vez que évedada a essas sociedades a existên-cia do vínculo trabalhista de seus coo-perados, que deverão ser todos sóci-os de uma mesma sociedade.

Na verdade, o que há na hipó-tese presente são contratos celebra-dos com o 1º RECLAMADO com ver-dadeira empresa de fachada, enco-berta com o manto de cooperativade mão-de-obra, por meio do qualambos pretendem se util izar damesma mão-de-obra que as empre-sas mercantis, sem, no entanto,conceder-lhe todos os direitos tra-balhistas, sob a justificativa de quenão são empregados, mas sim, co-operados.

A Secretaria de Fiscalização doTrabalho do Ministério do Trabalhoexpediu a Portaria n. 925, de 28.9.1995(DOU de 29.9.1995), que em seuart 1º, determina combate a essasconstantes fraudes praticadas por co-operativas de mão-de-obra, a saber,in verbis:

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“Art. 1º O agente da Inspeção dotrabalho, quando da fiscalizaçãona empresa tomadora de serviçode sociedade cooperativa, nomeio urbano ou rural, procederáa levantamento físico, objetivan-do detectar a existência de re-quisitos da relação de empregoentre a empresa tomadora e oscooperados nos termos ao art.3º da CLT e no § 1º — ‘Presentesos requisitos do art. 3º da CLT,ensejará a lavratura do auto deinfração’”. (grifou-se).

Convém transcrever o ilustreMozart Victor Russomano, “Comen-tários à CLT”, vol. I, Ed. Forense, p. 15,in verbis:

“O aspecto de subordinação estávinculado à dependência econô-mica e a técnica do empregado,podendo resultar da dependênciaeconômica dois aspectos: a) obri-gação de o empregado cumpriras ordens do empregador; b) aimpossibilidade material de oempregado trabalhar de acordocom sua vontade e com seu mé-todo próprio. Além disso, a subor-dinação impede que o trabalha-dor seja tido como sócio do em-preendimento (cooperativado)porque a estrutura societária daigualdade técnica e social jamaisserá alcançada”. (grifou-se).

É importante transcrever a de-cisão da Comissão Permanente deLicitações do Tribunal de Contas doEstado de São Paulo, sobre a tenta-tiva de participação de uma coope-rativa de mão-de-obra na execuçãode serviços de limpeza, a saber, inverbis:

“(...) Assim sendo, entende a Co-missão Permanente de Licitaçõesque cabe razão à recorrente, poishá incongruências entre a condi-ção de cooperado e a de empre-gado à medida que se explora aquestão de ‘subordinação’. A Co-missão, a partir desse enfoque,constatou existirem inegáveis ris-cos a serem assumidos pela Ad-ministração caso a Cotradasp, aofinal do certame, venha a ser aprimeira classificada pelo menorpreço. Afinal, a se configurar a si-tuação retratada nesta manifes-tação, o fator ‘menor preço’ nãoestaria prevalecendo, pois os pre-juízos seriam significativos. A Ad-ministração, ao promover o certa-me licitatório, objetiva obter o re-sultado mais conveniente ao in-teresse público e, com fundamen-to nos fatos enunciados neste re-latório, a continuidade da partici-pação da Cooperativa Cotradaspreúne condições em potencialpara inviabilizar o alcance de taisobjetivos. Mesmo porque estaComissão entende que para afiel execução do objeto licitado,impõem-se regras que certa-mente conduzirão à formação desituação de fato, inerente a rela-ção de trabalho empregado/em-pregador, gerando vínculos tra-balhistas, remetendo este Tribu-nal ao pólo passivo de eventuaisdemandas.(...)”.

Recentemente, esse temachegou a tutela do Colendo TribunalSuperior do Trabalho que, por sua1ª Turma, pelo Relator Ministro con-vidado Vieira de Mello Filho, nos au-tos do Processo RR 6151175, em

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13 de Dezembro de 2000, assimdecidiu, in verbis:

EMENTA “VÍNCULO EMPRE-GATÍCIO. CARACTERIZAÇÃO. COO-PERADO. Somente com a alteraçãoda moldura fática delineada nos au-tos é que se poderia pretender modifi-car a decisão regional. O fato de seter provado a existência de labor su-bordinado, com a utilização de coo-perativa simulada, impede obter-seconclusão diversa da esposada pelojulgado a quo. Incidência do Enuncia-do n. 126 do TST. Recurso de Revistanão conhecido”. (grifamos).

Em outra decisão, o ColendoTribunal adotou esse mesmo enten-dimento, desta vez de lavra da Se-gunda Turma, pelo Relator MinistroVantuil Abdala, no Processo RR594640, em 29 de Novembro de2000, in verbis:

EMENTA — “EMPREGADOSDE COOPERATIVA. VÍNCULO COMA TOMADORA DE SERVIÇOS.

Dispõe o art. 442 § único, daCLT que não existe vínculo empre-gatício entre a cooperativa e seusassociados nem entre estes e ostomadores de serviços daquela.Este dispositivo, entretanto, não temaplicação quando restar provadoque os requisitos da relação deemprego, sobretudo a subordina-ção, estavam presentes direta-mente com a tomadora dos servi-ços e ainda tendo em vista que, napresente hipótese, a prestação dosserviços do reclamante ao tomadorse iniciou antes mesmo da formali-zação legal da cooperativa. Recur-so não conhecido”. (grifamos).

Ainda, vale transcrever o Ac.96. 014377-7 REO/RO — Julg.13.11. 1997 — Publ.: 12.1.98 — 5ªTurma TRT/RS: Relator FernandoKrieg da Fonseca:

“(...) Tratam os autos de reclama-tória trabalhista ajuizada contra aautarquia municipal — DMLU —e sociedade cooperativa — Coo-travipa — em que a autora, porentender atendidos os requisitosdo art. 3º da CLT, postulou o reco-nhecimento de vínculo emprega-tício com o Departamento Munici-pal de Limpeza Urbana e/ou con-denação solidária deste órgãocom a cooperativa reclamada.Relação de emprego. Associadode cooperativa. Hipótese em quea reclamada, embora formalmen-te constituída como cooperativa,nada mais é do que uma empre-sa prestadora de serviços, moti-vo pelo qual não lhe são aplicá-veis as disposições da Lei n. 5.764/71. Decisão de primeiro grau quese mantém, porquanto presentes,na relação havida entre a autora ea primeira demandada, os pressu-postos dos arts. 2º e 3º da Consoli-dação. Provimento negado”.

Merece transcrever-se, ainda,um breve trecho da decisão acima,que desmascara a cooperativa demão-de-obra Cootravipa, que pres-ta serviços, dentre outros, presta-ção de serviços na área hospitalar,a saber, in verbis:

“No caso em tela, salta aos olhosa mescla de atividades objetiva-das pela ré, as quais se encon-tram referidas no art. 5º do Esta-tuto Social, à fl. 74, que diz: “exe-

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cutar trabalhos compatíveis aosseus associados, tais como:Prestação de serviços de limpe-za e conservação de prédios, ser-viços de limpeza, reflorestamen-to, jardinagem e conservação depraças e jardins, serviços de vigi-lância, locação de veículos, loca-ção de mão-de-obra (construçãocivil), serviços de manutenção emgeral, serviços de mecânica emgeral, serralheria, carga e descar-ga, prestação de serviços na áreahospitalar. Obviamente, não hácomo se visualizar a ocorrência deum esforço conjunto, entre pesso-as ligadas em razão da prestaçãode serviços similares, para a con-secução de objetivos comuns. Oque se percebe é que a ré desem-penha função de uma típica pres-tadora de serviços, arregimen-tando trabalhadores das mais di-ferentes áreas e sem qualquervínculo de interesses — senão ode prestar serviços de forma re-munerada — para colocar suasforças de trabalho à disposiçãodos mais diversos tipos de toma-dores de serviços. Tal situação,sem sombra de dúvidas, equipa-ra a demandada às empresas in-termediadoras de mão-de-obra,restando inaplicável, por conse-guinte, à sua pessoa, o estabele-cido pela Lei n. 5.764/71. (...)

Assim, entende-se atendidos, ple-namente, os requisitos legais darelação de emprego com a Cootra-vipa, quais sejam a subordinaçãojurídica da autora, a prestação dosserviços em caráter não-eventual,a pessoalidade na prestação do tra-balho e a remuneração contrapres-

tada pela execução do labor. Portodas essas razões, impõe-se amanutenção da decisão de primei-ro grau, no particular”. (grifamos).

Portanto, existindo na presen-te hipótese a subordinação, onero-sidade e habitualidade, configuradaestá a relação empregatícia, deten-tora de proteção constitucional devi-da aos trabalhadores urbanos e ru-rais (art. 7º, caput da CF). O caso emtela colide com os princípios consti-tucionais da dignidade da pessoahumana e dos valores sociais do tra-balho (art. 1º, III e IV da CF), da rela-ção empregatícia (art. 7º, I da CF) eda busca do pleno emprego (art. 170,VIII da CF).

Sobre a matéria, convém citar abrilhante Maria Sylvia Zanella Di Pie-tro em “Parcerias na AdministraçãoPública: concessão, permissão, fran-quia, terceirização e outras formas”:

“Mas o ajuste tem uma caracte-rística própria dos contratos deprestação de serviços (empreita-da), porque os interesses sãoopostos: o Município quer a pres-tação do serviço e a Cooperativaquer a remuneração.

Vale dizer que se criou um institu-to misto de convênio, prestação deserviços (empreitada) e a conces-são de serviço público, que não seenquadra de forma adequada emnenhum dos institutos disciplina-dos pelo direito positivo brasileiro.

Na realidade, referidas Cooperati-vas estão desempenhando, emrelação aos serviços municipais desaúde, o mesmo papel que desem-penham as fundações de apoio re-

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feridas no item 11.1: elas vivem ex-clusivamente em função do vínculocom o Município; não tem patrimô-nio próprio; utilizam as instalaçõespúblicas com todos os equipamen-tos públicos; grande parte dos co-operados são servidores públicosafastados ou exonerados, que ape-nas mudam o título sob o qual pres-tam o serviço e deixam de se sub-meter às normas constitucionaise infraconstitucionais sobre ser-vidores públicos; seus saláriostambém não sofrem mais as limi-tações constitucionais própriasdos servidores; já não estão su-jeitos à proibição de acumular car-gos, empregos e funções; nãomais oneram a folha de pagamen-to de servidores do Município; noentanto, continuam a receber sa-lários provenientes dos cofres pú-blicos; deixa-se de aplicar-se a leide licitações e contratos.

Enfim, tais cooperativas, à seme-lhança das fundações de apoio edas organizações sociais, sãonada mais nada menos do que umaroupagem de que se reveste umórgão público para permitir atua-ção sob os moldes de empresaprivada e para permitir ao Municí-pio aliviar a folha de pagamentodos servidores públicos. (p. 237)(grifou-se)

Ainda, é importante transcrevertrecho extraído de recente decisão doc. STJ sobre a matéria, que reafirmaa necessidade da AdministraçãoPública Federal (indireta inclusive)observar o termo de conciliação fir-mado com Ministério Público do Tra-balho que veda a contratação de coo-perativas para fornecimento de mão-de-obra subordinada:

“Uma cooperativa de mão-de-obra não fornece empregados,mas sim autônomos. Não há re-lação empregatícia entre a coo-perativa e os seus associados, oque viabiliza o oferecimento depreço bem mais baixo dos quesão apresentados por empresasem procedimento licitatório.

Daí a grande probabilidade doente público vir a ser obrigado acontratar a referida cooperativa,caso seja assegurada a sua par-ticipação no certame.

Conforme revelam inúmeros jul-gados proferidos pela Justiça doTrabalho, após a execução docontrato, cooperados ajuizamações buscando o reconheci-mento de relação de empregocom a tomadora do serviço que,em virtude do reconhecimento daresponsabilidade subsidiária,acaba sendo obrigada a assumiros encargos trabalhistas.

O risco de prejuízo aos cofres pú-blicos é manifesto, diante da pos-sibilidade do requerente, em casode contratação com a cooperati-va, vir a ser onerado em duplopagamento.

Tanto é assim que o Ministério Pú-blico do Trabalho e a União, emacordo homologado pela Justiça doTrabalho no Processo 20ª BTB/DFN. 1.082/02, definiram que a segun-da deve abster-se de contratar tra-balhadores através de cooperativasde mão-de-obra, quando o labor de-mandar execução em estado desubordinação, quer em relação aotomador ou ao fornecedor de servi-ços (fls. 82/83). Impende observar,

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ainda, que o Tribunal de Contas daUnião, no Acórdão 1815/2003 —Processo 016.860/2002-0, já sepronunciou quanto à necessidadede todas as entidades da Adminis-tração Federal observarem a refe-rida conciliação judicial.

O potencial lesivo à ordem ad-ministrativa também se mostra pre-sente, eis que os serviços buscadoscom o contrato implicam subordina-ção e pessoalidade, atributos que osautônomos não detêm, e o edital exi-ge qualificação técnica e econômi-ca, bem como regularidade fiscal,que não são passíveis de demons-tração por cooperativa.

Assim, devidamente demons-trado o potencial lesivo da decisão oraatacada a bens públicos tuteladospela norma de regência (Lei n. 4.348/64, art. 4º), defiro o pedido para sus-pender a liminar proferida no Agravode Instrumento n. 2004.04.01.006482-0/RS, em trâmite no Tribunal RegionalFederal da 4ª Região.” (STJ, SUSPEN-SÃO DE SEGURANÇA N. 1.352 — RS(2004/0063555-1), Relator Ministro Ed-son Vidigal, DJ DATA: 8.6.2004)

DA REPARAÇÃO DO DANO

De todos os documentos trazi-dos aos autos observa-se que a par-ticipação do 1º RECLAMADO foi fun-damental para a utilização de mão-de-obra irregular (falsos coopera-dos). Tal constatação ganha relevoe gravidade ao se constatar que talPessoa Jurídica de Direito PúblicoInterno fomentou a inobservância àlegislação trabalhista, através do

artifício das cooperativas fraudulen-tas, pelo que configurada a respon-sabilidade decorrente da prática deato ilícito na forma do art. 927 doCódigo Civil.

Todo o empreendimento foiinstitucionalizado sob a guarida do1º RECLAMADO, que juntamentecom o 2º RECLAMADO, utilizou-se damão-de-obra irregular. Desta forma,a responsabilidade do 1º RECLAMA-DO advém da culpa in eligendo, vezque a escolha da empresa-âncorafoi de sua total responsabilidade.

Da mesma forma concorreupara o dano genérico a COOTIMA,quando, fraudando a legislação tra-balhista, forneceu mão-de-obra ao 1ºRECLAMADO, fugindo assim do quevem a ser uma cooperativa por natu-reza. Ao contrário de favorecer os tra-balhadores cooperados como beminformam os princípios que regemesse tipo de associação, serviu aosinteresses dos empregadores, quebuscam, ainda que mediante fraude,reduzir seus encargos trabalhistas.

Ademais, os Reclamados vio-laram frontalmente à ordem jurídicasocial eis que desrespeitaram porcompleto o art. 37, II da ConstituiçãoFederal.

O presente caso se torna avil-tante diante da nulidade da contrata-ção, não possuindo o trabalhadordireito a nenhuma vantagem traba-lhista senão ao recebimento de ver-bas salariais em sentido estrito.

A contratação irregular de tra-balhadores sem a observância dosrequisitos mínimos constitucional-mente previstos, caracterizou ofen-

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sa à ordem jurídica trabalhista, ten-do resultado em grave lesão à or-dem pública, pois a prática da ad-missão de funcionários públicospelo 1º RECLAMADO, sem submis-são a prévio concurso público, fereos princípios que lhe são norteado-res, legalidade, impessoalidade,moralidade, publicidade e da eficiên-cia, bem como os da igualdade e doacesso aos cargos públicos, atingin-do o direito de toda a coletividade,especialmente dos potenciais can-didatos aos cargos públicos, a par deimplicar sérios danos ao Erário.

Sem a realização do certamepúblico, resta presumido o cliente-lismo que deve ser exterminado denossa cultura. Com o modo “infor-mal”, ilegal e inconstitucional comovem contratando mão-de-obra, cau-sados danos ao patrimônio público,eis que foram utilizados recursos daAdministração — recursos públicos— para o pagamento dos saláriosde servidores, contratados sem qual-quer critério senão o livre arbítrio dosadministradores.

É inegável que a conduta ado-tada pelos Reclamados causou ecausa lesão aos interesses difusosde toda a coletividade de trabalha-dores, uma vez que propiciam tam-bém a negação dos direitos traba-lhistas aos antigos e atuais traba-lhadores da “cooperativa”, bem comoa toda a categoria de trabalhadoresque, no futuro, possa vir a integrar a“cooperativa”.

E, do mesmo modo, em fun-ção dessa lesão deitar efeitos nacomunidade de trabalhadores de-sempregados — empregados em

potencial —, que vêem frustradaqualquer expectativa, porque não di-zer esperança, de obtenção de umemprego que lhes assegure umavida digna, na medida em que os pos-tos de trabalho formais são fechadose substituídos pela arregimentaçãoda chamada “mão-de-obra coopera-da”, não sujeitando os empregado-res ao pagamento dos encargos típi-cos da relação de emprego.

Afora isso, há de se levar emconta a afronta ao próprio ordena-mento jurídico, que, erigido pelo le-gislador como caminho seguro parase atingir o bem comum, é flagrante-mente aviltado pelos intermediado-res de mão-de-obra, que visando àobtenção de lucro, favorecem a ino-bservância dos ditames constitucio-nais atinentes às normas mínimasde proteção ao trabalhador.

Como tais lesões amoldam-se na definição do art. 81, incisos I eII, da Lei n. 8.078/90, cabe ao Minis-tério Público, com espeque nos arts.1º, caput, e inciso IV e 3º da Lei n.7.347/85, propor a medida judicialnecessária à reparação do dano e àsustação da prática.

Em se tratando de danos a in-teresses difusos e coletivos, a res-ponsabilidade deve ser objetiva, por-que é a única capaz de asseguraruma proteção eficaz a esses interes-ses. Cuida-se, na hipótese, do “danoem potencial”, sobre o qual já semanifestou o Eg. TRT da 12ª Região,ao apreciar o Proc. TRT/SC/RO-V7158/97. Transcreve-se parte do votodo Exmo. Sr. Juiz Relator:

“O prejuízo em potencial já é sufi-ciente a justificar a actio. Exata-

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mente porque o prejuízo em po-tencial já é suficiente a justificar apropositura da presente ação ci-vil pública, cujo objeto, como seinfere dos balizamentos atribuí-dos pela peça exordial ao petitum,é em sua essência preventivo (amaior sanção) e apenas superfi-cialmente punitivo, é que entendodesnecessária a prova de prejuí-zos aos empregados. De se re-cordar que nosso ordenamentonão tutela apenas os casos dedano in concreto, como tambémos casos de exposição ao dano,seja ele físico, patrimonial ou jurí-dico, como se infere do CódigoPenal, do Código Civil, da CLT ede outros instrumentos jurídicos.Tanto assim é que a CLT, em seuart. 9º, taxa de nulos os atos prati-cados com o objetivo de fraudar,o que impende reconhecer que amera tentativa de desvirtuar a leitrabalhista já é punível.” (g.n.).

Nesse passo, afigura-se cabí-vel a reparação da coletividade, nãosó pelos danos causados, mas, igual-mente, para desestimular tais atos.

Destarte, através do exercícioda Ação Civil Pública, pretende o Mi-nistério Público do Trabalho a defi-nição das responsabilidades por atoilícito que causou danos morais oupatrimoniais a interesses difusos oucoletivos. A questão está assim defi-nida pelo art. 1º da Lei n. 7.347/85:

“Art. 1º Regem-se pelas disposi-ções desta lei, sem prejuízo daação popular, as ações de res-ponsabilidade por danos moraise patrimoniais causados:

(...)

V — a qualquer outro interessedifuso ou coletivo.”

Busca-se, aqui, a reparação dodano jurídico social emergente daconduta ilícita dos réus, cuja respon-sabilidade pode e deve ser apuradaatravés de ação civil pública (Lei n.7.347/85, art. 1º, IV), bem como — eespecialmente — a imediata cessa-ção do ato lesivo (art. 3º), através daimposição de obrigação de fazer enão fazer.

Ressalte-se, por oportuno,que, no presente caso, o MinistérioPúblico do Trabalho visa não só afazer cumprir o ordenamento jurídi-co, mas, também, a restaurá-lo, vezque já foi violado. Tem por escopo,ainda, coibir a repercussão negativana sociedade que essa situaçãogera. Segundo Luiz Souto Maior, “Amotivação da ação civil pública, por-tanto, não é o descumprimento dalei trabalhista, mas a repercussãonegativa na sociedade que essa si-tuação gera” (“Ação Civil Pública eExecução de Termo de Ajuste deConduta: competência da Justiça doTrabalho”. LTr 62-10/1332).

Assim, o restabelecimento daordem jurídica envolve, além da sus-pensão da continuidade da lesão, aadoção de outras duas medidas:a primeira, tendente a impedir queos réus voltem a fornecer e a usufru-írem ilicitamente de mão-de-obra,evitando que continuem a transgre-dir impunemente a lei; e a segundaque propicie a reparação do danosocial emergente da conduta dosRéus de burlar todo o arcabouço deprincípios e normas, constitucionaise infraconstitucionais.

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Entende o Ministério Públicoser bastante razoável a fixação daindenização pela lesão a direitos di-fusos no valor de R$ 500.000,00 (QUI-NHENTOS MIL REAIS), a ser supor-tada na razão de 1/2 pelo 1º RECLA-MADO e 1/2 pela COOTIMA, resultan-do em R$ 250.000,00 para cada réu,ou outro valor a ser fixado pelo juízodesta Vara, inclusive a maior, propor-cional a gravidade do dano causado,observada a capacidade socioeconô-mica dos réus.

Todos esse valores deverãoser revertidos em prol de um fundodestinado à reconstituição dos benslesados, conforme previsto no art. 13da Lei n. 7.347/85.

No caso de interesses difusose coletivos na área trabalhista, essefundo é o FAT — Fundo de Amparoao Trabalhador —, que, instituídopela Lei n. 7.998/90, custeia o paga-mento do seguro-desemprego(art.10) e o financiamento de políticaspúblicas que visem à redução dosníveis de desemprego.

DA LIMINAR

É cediço que a ação civil públi-ca possui natureza jurídica de açãocominatória, ou seja, visa à conde-nação de uma obrigação de fazer oude não fazer, convertendo-se em con-denação pecuniária na hipótese deinviabilidade do retorno ao status quoante. Tal concepção se justifica anteo caráter preventivo de tal ação. Comefeito, o constituinte apercebendo-seda coletivização do direito, houve porbem em elencar, dentre as atribui-ções do Ministério Público, o ajuiza-

mento da ação civil pública (art. 129,III). Trata-se de eficaz meio preventi-vo de lesões aos interesses sociaise à ordem jurídica.

Hodiernamente a Lei n. 8.078/90 incluiu o inciso IV, no art. 1º da Lein. 7.347/85, ampliando o campo deutilização deste instrumento jurídico,incluindo ali a hipótese de lesão aquaisquer interesses difusos ou co-letivos. Com seu alcance estabele-cido, esta espécie de ação possui,também, o condão de prevenir inú-meras lides trabalhistas, proporcio-nando provimento jurisdicional uni-forme acerca de matéria que poderávir a ser manancial de reclamaçõestrabalhistas.

Tal natureza cominatória tam-bém foi observada quando da novelredação do art. 461 do CPC (tutelaespecífica), que possui naturezaeminentemente cautelar, diferindoassim da tutela antecipada previstano art. 273 do CPC (natureza satisfa-tiva). Com efeito, a concessão decautelar com efeito satisfativo, na for-ma do art. 461 do CPC, já existia,excepcionalmente, em nosso orde-namento jurídico, a exemplo das li-minares de reintegração de possenas ações possessórias e a liminarprevista no art. 12 da Lei de Ação Ci-vil Pública (Lei n. 7.347/85). Comobem assevera a doutrina, tal liminar,por visar à proteção de interessesdifusos e coletivos, deve ater-se àprestação específica, em homena-gem ao caráter preventivo deste tipode ação, que só em caso de irrever-sibilidade do dano, buscará a repa-ração pecuniária.

As provas carreadas aos au-tos demonstram à saciedade o di-

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reito lesado, ou seja, que o 1º RE-CLAMADO vem se utilizando de inú-meras pessoas sem a necessáriarealização de concurso público, su-prindo o seu quadro de pessoal semquaisquer garantias dos direitos so-ciais insculpidos no art. 7º da Cartada República.

Ademais, é sabido e consabi-do que a lesão dos direitos traba-lhistas vem ocorrendo de forma con-tinuada há vários anos, renovando-se a cada dia de trabalho. Além dis-so, a prestação jurisdicional final,com certeza, irá demorar algunsanos, período em que a fraude esta-rá beneficiando ilicitamente os Re-clamados.

De outra feita, não se podenegar que a continuação do trabalhoexpõe os trabalhadores a prejuízosirrecuperáveis, tais como acidentesdo trabalho, doenças ocupacionais,falta de proteção previdenciária ade-quada, inexistência de normas desegurança, higiene e saúde no tra-balho, ausência das garantias pre-vistas no art. 7º da Constituição Fe-deral, bem como pela impossibilida-de de reconhecimento do vínculoempregatício com a Ré, em razão doobstáculo do art. 37, II, da Carta Mag-na e ainda do entendimento con-substanciado no En. 85 do Col. TST.

Em sendo assim, está de-monstrada a presença do fumusbonis iuris e do periculum in mora,razão por que torna-se necessáriaa concessão de medida liminar,com fulcro no art. 12 da Lei n. 7.347/85, deferindo, de pronto, quer emsede de LIMINAR (art. 12 da Lei n.7.347/85 c/c art. 461 do CPC), quer

em sede de ANTECIPAÇÃO DA TU-TELA (art. 273 do CPC), para, impo-sição imediata das obrigações a se-guir mencionadas:

A) — o 1º RECLAMADO sejacondenado a:

A.1) — OBRIGAÇÕES DE NÃOFAZER

I — abster-se de utilizar mão-de-obra terceirizada para exercer ati-vidades ligadas à saúde pública, emespecial, médicos, enfermeiros, au-xiliares de enfermagem e fisiotera-peutas, quando tais serviços foremexecutados em seus próprios órgãose unidades, conferindo-lhe prazo de10 (dez) meses para regularizaçãodos serviços, em respeito ao princí-pio da continuidade;

II — abster-se de nomear, ad-mitir, contratar servidor público naárea da saúde, a qualquer título, semprévia aprovação em prévio concur-so público, ressalvadas as nomea-ções para os cargos em comissão eas contratações por tempo determi-nado para atender necessidade tem-porária de excepcional interesse pú-blico, nos termos em que determinao art. 37, II da Constituição Federal;

A.2 — OBRIGAÇÃO DE FAZER

III — extinguir todos os contra-tos de trabalho celebrados na áreada saúde após 5.10.1988 em desres-peito à regra da obrigatoriedade deprévia aprovação em concurso públi-co, ressalvadas as nomeações paraos cargos em comissão e as contra-tações por tempo determinado paraatender necessidade temporária deexcepcional interesse público, nostermos em que determina o art. 37, II

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da Constituição Federal, conferindo-lhe prazo de 10 (dez) meses para re-gularização dos serviços, em respei-to ao princípio da continuidade;

IV — APENAS contratar servi-dores públicos na área da saúde, portempo determinado, para atender ànecessidade temporária de excep-cional interesse público, conformeestabelecido em lei municipal pre-viamente aprovada e sancionada,consoante estabelece o inciso IX doart. 37 da Carta Magna;

B) — o 2º RECLAMADO sejacondenado a se abster de fornecermão-de-obra subordinada a terceiros;

MULTA

C) em caso de descumprimen-to, seja aplicada pena de multa deR$ 1.000,00 (um mil) reais por dia,em relação a cada empregado man-tido em situação irregular, reversívelao FAT, na forma do art. 84, § 4º daLei n. 8.078/90 e art. 461, § 4º do CPC.

DO PEDIDO FINAL

Ao final, requer a procedênciatotal da ação para que:

A) — o 1º RECLAMADO sejacondenado, em caráter definitivo, a:

A.1) — OBRIGAÇÕES DE NÃOFAZER

I — abster-se de utilizar mão-de-obra terceirizada para exercer ati-vidades ligadas à saúde pública, emespecial, médicos, enfermeiros, au-xiliares de enfermagem e fisiotera-peutas, quando tais serviços forem

executados em seus próprios órgãose unidades;

II — abster-se de nomear, ad-mitir, contratar servidor público naárea da saúde, a qualquer título, semprévia aprovação em prévio concur-so público, ressalvadas as nomea-ções para os cargos em comissão eas contratações por tempo determi-nado para atender necessidade tem-porária de excepcional interesse pú-blico, nos termos em que determinao art. 37, II da Constituição Federal;

A.2 — OBRIGAÇÃO DE FAZER

III — extinguir todos os contra-tos de trabalho celebrados na áreada saúde após 5.10.1988 em des-respeito à regra da obrigatoriedadede prévia aprovação em concursopúblico, ressalvadas as nomeaçõespara os cargos em comissão e ascontratações por tempo determina-do para atender necessidade tem-porária de excepcional interesse pú-blico, nos termos em que determinao art. 37, II da Constituição Federal;

IV — APENAS contratar servido-res públicos na área da saúde, portempo determinado, para atender ànecessidade temporária de excepcio-nal interesse público, conforme esta-belecido em lei municipal previamen-te aprovada e sancionada, consoanteestabelece o inciso IX do art. 37 daCarta Magna;

B) — o 2º RECLAMADO sejacondenado, em caráter definitivo, ase abster de fornecer mão-de-obrasubordinada a terceiros;

MULTA

C) em caso de descumprimen-to, seja aplicada pena de multa de

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R$ 1.000,00 (um mil) reais por dia,em relação a cada empregado man-tido em situação irregular, reversívelao FAT, na forma do art. 84, § 4º daLei n. 8.078/90 e art. 461, § 4º do CPC.

D) — os RECLAMADOS sejamcondenados ao pagamento de inde-nização no valor de R$ 250.000,00(duzentos e cinqüenta mil reais) cadaum, referente ao dano genérico jácausado à ordem jurídica ora vigen-te, ou outro valor a ser fixado pelojuízo desta Vara, inclusive a maior,proporcional à gravidade do danocausado, observada a capacidadesócio-econômica dos réus, tudo re-versível ao FAT.

Requer, ainda, seja o 1º RE-CLAMADO intimado a apresentar emaudiência cópia de todos os contra-tos de prestação de serviço em vigorque tenha celebrado para obter mão-de-obra na área da saúde, bemcomo relação completa de todos ostrabalhadores admitidos sem con-curso público após 5 de outubro de1988 na área da saúde bem comoseja o 2º RECLAMADO intimado aapresentar em audiência a relaçãode todos os contratos de prestação deserviço em vigor que tenha celebra-

do, tudo nos termos do art. 355 e se-guintes do CPC.

Requer-se a citação dos Re-clamados para, querendo, respon-der à presente ação.

Protesta pela produção de to-das as provas em direito admitidas,inclusive depoimento pessoal do re-presentante legal dos réus, que des-de já requer.

Finalmente, pede-se sejamjulgados procedentes todos os pe-didos, atribuindo-se à causa, parafins de alçada, o valor de R$ 500.000,00(quinhentos mil reais).

Termos em que pede deferi-mento.

São Luís, 23 de julho de 2004

Virgínia de Azevedo Neves Sal-danha, Procuradora do Trabalho.

Rol de testemunhas:

* Intimações necessárias naforma do § 2º do art. 412 do CPC.

ANA MARIA SOUSA LIMA. Au-ditora Fiscal do Trabalho, — Dele-gacia Regional do Trabalho do Ma-ranhão — Av. Marechal Castelo Bran-co, 789, São Francisco.

DECISÃO

Proc. n. 1653-2004-003-16-00-0

Vistos, etc.

O Ministério Público do Traba-lho propôs Ação Civil Pública contraMunicípio de São Luís, ora denomi-nado 1º reclamado, e COOTIMA —

Cooperativa de Terapia Intensiva doMaranhão, com arrimo nos substra-tos fáticos e jurídicos materializadosàs fls. 02/39, requerido liminarmen-te: seja obrigado o Município deman-dado a abster-se de utilizar mão-de-obra terceirizada para o exercício de

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atividades ligadas à saúde, quan-do tais serviços forem executadosem seus próprios órgãos e unida-des, bem ainda, nomear, admitir oucontratar serviço público na área dasaúde, sem prévia aprovação emconcurso público, ressalvados ospermissivos legais, na forma doart. 37 da CR; extinguir todos oscontratos celebrados na área dasaúde após o advento da Consti-tuição Federal, à exceção das res-salvas legais; e de apenas contra-tar servidores públicos na área dasaúde por tempo determinado paraatender à necessidade temporáriade excepcional interesse público.Quanto ao segundo reclamado,abster-se de fornecer mão-de-obrasubordinada a terceiros.

Regularmente instado, o Mu-nicípio de São Luís refutou o pleitoliminar de provimento judicial emface do caráter satisfativo da medi-da, em face da sua incompatibilida-de e por ausente os pressupostosautorizadores, fumus bonis juris e pe-riculum in mora.

Da mesma forma, o segundoreclamado rechaça o pedido autoral,argüindo, preliminarmente, a incom-petência deste juízo em razão damatéria e ilegitimidade da parte au-tora. Juntou documentos.

Em síntese apertada, era o quecumpria relatar.

Passo a decidir:

Destaco, de início, a compe-tência deste juízo para conhecer damatéria. Cinge-se a questão ao exer-cício de terceirização ilícita, fraude àsleis trabalhistas, investidura de ser-

vidor público sem a realização decertame (art. 37, II da CR), tudo gra-vitando em torno da relação de tra-balho — matéria afeta a competên-cia desta Especializada, nos moldesprevistos na CR, art. 114, parte final.Rejeito a preliminar.

O mesmo fim tem a prelimi-nar de ilegitimidade ativa do par-quet. In casu, a controvérsia abordaaplicação de norma relativa aosprincípios que regem a administra-ção pública, matéria de interessepúblico justificador da legitimaçãodo Ministério Público para intervir atra-vés do presente remédio — art. 129,III da CR.

Denuncia o Ministério Públi-co do Trabalho a contratação irre-gular de servidores públicos, dire-tamente ou por intermédio de ter-ceiros (Cooperativa e outras em-presas), sem a prévia aprovaçãoem concurso público, em flagranteafronta à determinação inserta noart. 37, II da CR. O autor mostra-seconsciente das implicações advin-das do presente pleito.

Há permissivo legal para tercei-rização de serviços, sempre em ca-ráter de exceção: situações empre-sariais de serviço temporário, ativi-dade de vigilância, de conservação elimpeza, e serviços especializados li-gados à atividade/meio do tomador,todas, é claro, sem os elementos ca-racterizadores da relação de empre-go. É de sabença geral, também, quena atividade da sociedade cooperati-va não existe vínculo empregatícioentre ela e seus associados, nem en-tre estes e os tomadores de serviço,desde que devidamente caracteri-

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zada a cooperativa e ausentes os ele-mentos da relação de emprego.

Data do ano de 1990 o últimoconcurso realizado na área da saú-de (fl. 45). A ingerência do municípioreclamado sobre os serviços reali-zados atestam o poder de direção,fiscalização e de disciplina sobre ostrabalhadores, tudo extraído dos con-tratos de prestação de serviços co-lacionados e não impugnados. Emprocedimento preparatório (fls. 43/44), o preposto do município reco-nhece a necessidade de realizaçãode concurso público, em face da ca-rência de servidores. A cessão deinstalações e recursos do municípioréu, somado à atribuição a terceirospara a realização de “... serviço mé-dico de enfermagem e de fisiotera-pia na UTI de seus hospitais...” —compreendem, à toda evidência, àatividade-fim do município, em fla-grante, inobservância do art. 199, § 1ºda CR que vislumbra a participação dainiciativa privada, na área de assis-tência da saúde, apenas, em carátercomplementar.

Do que dos autos consta infe-re-se a existência de vínculo empre-gatício entre os cooperados/emprega-dos das empresas contratadas e omunicípio reclamado; a terceirizaçãoocorre nos serviços ligados à áreafim dos hospitais; e as cooperativase empresas envolvidas funcionamapenas como mero fornecedores demão-de-obra.

O confronto entre as disposi-ções legais e a realidade fática apon-tam para uma conclusão: houve acontratação de servidores, sob a capasimulatória de contrato civil de “pres-

tação de serviços” e à margem daexistência constitucional de realizaçãode concurso para ingresso no servi-ço público — art. 37, inc. II da CR.

A norma insculpida no art. 37,II da CR, além de regra de ordempública, obriga todo administradorpúblico, pois somente através deconcurso público, em tese, todos osbrasileiros concorrerão em igualdadede condições. O legislador consti-tuinte quando quis instituir algumaexceção à regra geral, o fez expres-samente, ou seja, deu tratamento di-ferenciado às funções de confiança,aos cargos em comissão e à contra-tação por tempo determinado, a fimde atender à necessidade temporá-ria de excepcional interesse público,hipóteses eqüidistantes da realida-de dos presentes autos. Se o réu en-contra-se proibido de contratar pes-soal sem concurso, não pode fazê-lopor vias transversas, com clara afron-ta a princípios constitucionais.

Em face do exposto, com baseno art. 12, da Lei n. 7.347/85 e vezque presentes os pressupostos au-torizados ao provimento da medidaliminar requerida pelo Ministério Pú-blico do Trabalho, em sede de AçãoCivil Pública, concedo-a para deter-minar ao Município de São Luís:

a) de abster-se de uti l izarmão-de-obra terceirizada para oexercício de atividade-fim ligadas àsaúde, quando tais serviços foremexecutados em seus próprios ór-gãos e unidades;

b) abster-se de nomear, admi-tir ou contratar serviço público naárea da saúde, sem prévia aprova-ção em concurso público, ressalva-

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dos os permissivos legais, na formado art. 37 da CR;

c) extinguir todos os contratoscelebrados na área da saúde apóso advento da Constituição Federalem desrespeito à regra cogente deprévia aprovação em concurso públi-co, à exceção das ressalvadas legais;

d) e de apenas contratar servi-dores públicos na área da saúde portempo determinado para atender à ne-cessidade temporária de excepcionalinteresse público nos moldes legais.

No mesmo rumo, determino àCOOTIMA — Cooperativa de TerapiaIntensiva do Maranhão de:

• abster-se de fornecer mão-de-obra subordinada a terceiros.

Mesmo reconhecendo a nuli-dade dos contratos existentes, masa fim de salvaguardar o princípio dacontinuidade do serviço público, que

ganha relevo quando se trata de ser-viços ligados à saúde, concedo aoMunicípio de São Luís o prazo de 12(doze) meses para regularização dosserviços — obrigações, cominando-lhes multa diária de R$ 1.000,00 (ummil reais), em relação a cada em-pregado mantido irregularmente, re-versível ao FAT — Fundo de Amparoao Trabalhador.

Intimem-se necessárias.

Expeça-se o competente man-dado para cumprimento das presen-tes determinações.

Após, inclua-se o feito em pau-ta para instrução do feito, medianteciência às partes e seus procurado-res.

São Luís, 14 de outubro de2004.

Luiz Cosmo da Silva Júnior, Juizdo Trabalho.

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AÇÃO RESCISÓRIA — COLUSÃO — INÍCIO DO PRAZO DECADENCIAL — CONHECIMENTO DOS

FATOS PELO MPT (PRT 18ª REGIÃO)

EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR JUIZ PRESIDENTE DO EGRÉGIOTRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO DA DÉCIMA OITAVA REGIÃO

O MINISTÉRIO PÚBLICO DOTRABALHO — PROCURADORIA RE-GIONAL DO TRABALHO EM GOIÁS,com sede na Avenida D, 354, SetorOeste, Goiânia/GO, via do Procura-dor subscritor da presente, com ful-cro no art. 127, caput, da Constitui-ção da República; no inciso I do art.83 da Lei Complementar n. 75, de20.5.1975, e no art. 836 da Consoli-dação das Leis do Trabalho c/c o in-ciso III do art. 485 do Código de Pro-cesso Civil, vem, perante Vossa Ex-celência, propor AÇÃO RESCISÓRIAem face de PAULO HENRIQUE DECARVALHO FUSSI, brasileiro, casa-do, comerciário, portador da C.I. n.7.489.664 — SSP/GO, CPF n.932.497.308-82, residente na Rua C-258, n. 79, Ed. Vivar, Apto. 702, NovaSuíça, Goiânia/GO (telefone 259-4712); de GERAIS & SILVEIRA LTDA.,pessoa jurídica de direito privado,declarada falida por decisão judicialpassada em julgado, outrora inscri-ta no CNPJ/MF sob o n. 01.060.839/0001-88, representanda pelo seusíndico, o doutor FREDERICO DE

CARVALHO LOPES, advogado comescritório na Rua 4, n. 515, Sala 902,Edifício Parthenon Center, Setor Cen-tral, Goiânia/GO; de EDIR SIMÕES DECARVALHO FUSSI, brasileira, viúva,C.I. n. 2.004.940 — SSP/GO, residen-te na Rua C-258, n. 79, Ed. Vivar,Apto. 702, Nova Suíça, Goiânia/GO(telefone 259-4712), e de HEITORDIAS DE CARVALHO, brasileiro, ca-sado, comerciante, C. I. n. 6.267.472— SSP/GO, residente na Av. B, n. 574,Apto. 1003, Ed. Golden, Setor Oeste,Goiânia/GO, objetivando desfazer assentenças de mérito e homologató-ria de acordo proferidas nos autos doProcesso n. 1.951/93 — 8ª VT de Goiâ-nia, pelos fatos e fundamentos dedireito que adiante passa a expor:

I. DOS FATOS

Em novembro/93, o réu PAU-LO HENRIQUE DE CARVALHO FUS-SI e sua mãe, EDIR SIMÕES DE CAR-VALHO FUSSI, sócia-majoritária dasegunda-ré, DISTRIBUIDORA GE-RAIS & SILVEIRA LTDA. — rectius:

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GERAIS & SILVEIRA LTDA. —, engen-draram um litígio trabalhista com aempresa e, em seguida, o primeiroajuizou a competente ação trabalhistacom vistas a reivindicar o recebi-mento de supostas verbas poster-gadas durante o recém-criado vínculode emprego.

Alegou o suposto empregadoque trabalhou para a segunda-ré noperíodo de 1º.1.1985 a 15.10.1993, jun-to a qual se ativava como seu geren-te geral, mas sem CTPS anotada, demodo tal que não recebia correta-mente as verbas decorrentes de umpacto laboral normal, por isso, pos-tulou o recebimento, por durante todaa relação de emprego, da remune-ração por diversos períodos de fé-rias, integrais e proporcional, inclusivealgumas com a respectiva dobra; pordiversas gratificações natalinas; avisoprévio; DSR; FGTS e multa de 40% so-bre este, dentre várias outras verbas,pretensão que à época totalizou a im-portância de CR$ 33.256.759,59, emReal, igual a R$ 12.093,37 (jul/94).

Todavia o suposto empregado,para provar seus frágeis argumen-tos e ainda demonstrar seu direito,não produziu prova alguma, aliás, sófez acompanhar a peça de ingressoa procuração outorgada a seu advo-gado e uma cópia da ConvençãoColetiva de Trabalho de 1991, firma-da por sindicatos da categoria comer-ciária deste Estado.

Obviamente que para concre-tizar a maquinação era preciso mais,seria necessário que a segunda-réfosse revel e também confessaquanto aos fatos desconexos entãoalegados, o que não tardou a acon-

tecer porquanto a mesma, citadapara a audiência com a advertênciacostumeira, não compareceu a Juízo,razão pela qual a causa foi decididapraticamente em sua totalidade afavor do suposto reclamante.

Alcançado o segundo intentoda velhacaria, pois o primeiro acon-teceu com a produção do dissídio,“empregado” e “empregador” preci-savam delimitar o alcance da trama,que se concretizou, primeiro, com asentença passando em julgado nodia 14.4.94, claro, com total assen-timento da empresa, que mesmociente do ato judicial só se manifes-tou para apresentar seu advogadonos autos, Dr. EDGAR ANTÔNIOGARCIA NEVES — a procuração foisubscrita pela mãe do reclamante —,e depois, para juntar sem qualquerresistência documentos para elabo-ração da conta de liquidação e, porfim, para firmar o acordo judicial.

É forçoso deixar assente queo suposto reclamante — obviamen-te que também a reclamada, porqueaté juntou cópia de seu Livro de Saí-da de Mercadorias na maior espon-taneidade que se podia imaginar —quase entrou em desespero paraobter a conta de liquidação da sen-tença, a ponto de descuidar-se aodizer na petição do acordo que “oscálculos de atualização dos direitosconfirmados em sentença” eram deR$ 338.105,12. Ora, compulsandoos autos não se depara com referi-dos cálculos. A verdade é que elesnão chegaram a acontecer.

Presentes esses argumentos,mãe e filho, aquela por via da em-presa, acordaram que, para terminar

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o litígio e dar quitação às verbas pos-tuladas, o suposto empregador pa-garia ao falso empregado a vultosaimportância de R$ 300.000,00, divi-da em duas parcelas de iguais valo-res. E o acordo foi homologado pelo d.Juízo, sem ressalvas, em 15.12.1994.

Além disso os acordantes esta-beleceram uma pena pelo inadimple-mento do acordo, de obrigação únicapor parte da empresa, que consistiana incidência, sobre o principal aven-çado, de um percentual na ordem de100%. Óbvio que o acordo não iria seradimplido, como de fato aconteceu eo crédito exeqüendo duplicou, pas-sando para R$ 600.000,00.

Essa importância foi atualiza-da para R$ 642.091,96, assim o d.Juízo determinou a execução do acor-do em 10.12.1995. Imediatamente ofalso empregado indicou indireta-mente bens da executada para ga-rantir a execução, consistentes em“06 (seis) chácaras para recreio ...”,avaliadas em R$ 720.000,00, queforam penhoradas em 18.3.1995.

Em vista da disparidade entreo quantum debeatur e o valor fixadopara os bens penhorados, este maiorque aquele, o exeqüente teve proble-ma na adjudicação dos mesmos,primeiro não obteve êxito, mas apósvárias tentativas, depois de diversoscontratempos — requerimentos epraças infrutíferas — conseguiu al-cançar seu intento.

Esse intento, a última parte datramóia, foi alcançado porque a atua-lização dos cálculos de 25.8.1995delimitou o crédito exeqüendo emR$ 808.535,46, enquanto que os

bens permaneceram nos mesmosR$ 720.000,00 outrora avaliados.

Então como o valor do créditoexeqüendo era superior ao valor dosbens, o exeqüente estava livre pararequerer pleitear a adjudicação, queo fez em 13.10.1995 e foi atendido,pois a ordem para expedição da car-ta adjudicatória efetivou-se em25.10.1995, porém, os mesmos so-mente foram averbados em nome dofalso empregado, junto ao Cartóriode Registro de Imóveis da 1ª Cir-cunscrição de Goiânia, sob o títulon. 282.012, na data de 24.1.2001.

Com efeito, porque os cálculossofreram nova atualização em 29.2.1996e passou para R$ 940.303,50, sobe-jou ao adjudicatário, após abatido o valorde R$ 720.000,00 do crédito exeqüen-do, a importância de R$ 212.144,67.

Após alcançar o objetivo damaquinação, o exeqüente, diante davultosa quantia que ainda se encon-trava a seu favor nos autos, somentefingiu interesse pela execução, atéporque a suposta empregadora es-tava em estado falimentar, totalmen-te descapitalizada e desprovida deoutros bens para garantir a dívida, eessa condição era notória para omesmo.

É imperioso frisar que, utilizan-do-se do processo de execução comoribalta, o exeqüente, com ampla par-ticipação de sua mãe-empresária,subjugou, por via indireta, nos inte-resses de empregados, de outroscredores e da Fazenda Pública, umavez que foi noticiado pela d. Procura-doria Geral do Estado que a empre-sa GERAIS & SILVEIRA LTDA. foi de-

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clarada judicialmente falida em21.10.1997, com efeitos retroativosa 5.9.1990, data em que pediu con-cordata preventiva, conforme o Pro-cesso n. 900309425, ainda tramitan-do pela d. 11ª Vara Civil da Comarcade Goiânia. E declarada a falênciada mesma, foi nomeado como sín-dico da massa o i. advogado FRE-DERICO DE CARVALHO LOPES.

Esse fato não foi conduzido aosautos pelos litigantes, de modo querestou evidente terem os mesmos,na acepção técnica do comporta-mento, praticado, nada mais, nadamenos, que uma evidente fraudecontra credores, porque no ato dapropositura da ação trabalhista osuposto empregador já se encontra-va em estado pré-falimentar, ou seja,estava sob concordata.

Igual se posicionou nos autosdo processo sobredito para informaras práticas sub-reptícias levadas aefeito por supostos empregado eempregador, a d. Procuradoria Ge-ral do Estado representou-os aindaao MPT, que, por sua vez, após obtervista dos autos e extrair as cópiasnecessárias, deparou realmentecom os fatos irregulares noticiados.

Descobriu então o Parquet queas decisões de mérito e homologa-tória do acordo realmente foram oresultado da colusão entre recla-mante e reclamado para fraudar aFazenda Pública, bem assim outroscredores, em especial, o que é bemprovável, os ex-empregados da em-presa.

Finalmente, tendo em vista quesomente naquela oportunidade fica-ra sabendo o MPT da existência da

sentença proferida nos autos, comoainda da decisão que homologou oacordo, não lhe restou outra alterna-tiva senão agora propor a competen-te ação rescisória.

Visa então o MPT, com a pre-sente medida, o restabelecimento daordem jurídica vulnerada, mormenteque objetiva o desfazimento das indi-gitadas decisões e, ao mesmo tem-po, obter outro decisum, desta feitapara obstar os interesses escusosdos réus, a teor do art. 129 do CPC.

II. DOS FUNDAMENTOSDE DIREITO

1. DO DIES A QUO DO PRAZODECADENCIAL PREVISTO NO ART.495, DO CPC, PARA O MINISTÉRIOPÚBLICO

As práticas sub-reptícias noti-ciadas nos autos somente vieram aoconhecimento do MPT por via de re-presentação formulada pela d. Pro-curadoria Geral do Estado. E diantedos fatos representados é que o par-quet solicitou vista dos autos, dando-se em 19.7.2002, numa sexta-feira,começando então a fluir o prazo de-cadencial, previsto no art. 495, do CPC,no dia 22.7.2002, segunda-feira.

É certo que parece anormal adiferença temporal entre o trânsitoem julgado das sentenças rescin-dendas e a ação rescisória agoraajuizada pelo parquet, mas a ano-malia é só aparente, porque os atosque decorreram do indigitado pro-cesso trabalhista não se assentaramante as práticas dissimuladas leva-das a efeito pelos litigantes, de modo

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que ao perpetrarem a fraude contraos credores da empresa, dentre es-tes trabalhadores e Fazenda Públi-ca, obviamente que não se firmaramno tempo, porquanto foram, de for-ma evidente, o resultado dos efeitosdas práticas ilegais.

Evidente que teriam até se as-sentado caso o MPT fosse chamadoa intervir no feito como custus legis,o que aconteceria normalmente sequaisquer dos litigantes tivesseminterposto recursos nos autos, sejapela reforma da sentença de mérito,seja para agravar decisões proferi-das no Processo de Execução, o quenão ocorreu e somente agora, passa-dos quase 8 (oitos) anos da prola-ção dos atos rescindendos, é que veioa ter ciência de suas existências.

“A decisão que é o efeito decolusão das partes, a fim de fraudara lei” (CPC, art. 487, III, “b”), tambémpassa em julgado como uma outradecisão meritória qualquer, maspara o Ministério Público ativar a açãorescisória com fundamento no alu-dido Dispositivo, haja vista a sua con-dição de defensor do ordenamentojurídico (Constituição Federal, art.127, caput), o prazo bienal previstono art. 495, do CPC, somente come-ça a fluir quando ele passa a ter ciên-cia do ato judicial — evidentementenos processos em que não interveio—, pois é o guardião das leis.

A partir dessas ilações, nãoé razoável confundir os dois insti-tutos em questão, uma coisa é otrânsito em julgado da sentença eoutra é o início da fluência do prazopara o Ministério Público buscar arescisão da sentença que é o efei-to de práticas ilegais.

Neste diapasão, trazemos àcolação aresto que demonstra o en-tendimento da Colenda SBDI-II/TSTsobre o assunto, verbis:

AÇÃO RESCISÓRIA. MINISTÉRIOPÚBLICO. 1. AÇÃO RESCISÓRIAMINISTÉRIO PÚBLICO — DECA-DÊNCIA DIES A QUO DO PRAZOCONTAGEM A PARTIR DA CIÊNCIADA DECISÃO RESCINDENDA,QUANDO NÃO ATUOU NO PRO-CESSO. Na lição de Coqueijo Cos-ta, uma coisa é o momento do trân-sito em julgado e outra, bem diver-sa, o dies a quo da contagem doprazo, que só flui quando é possí-vel à parte a sua utilização (“AçãoRescisória”, São Paulo: LTr, 1993,6ª ed., p. 166). Tratando-se de açãorescisória proposta pelo MinistérioPúblico com lastro em colusão(CPC, art. 487, III, b), o prazo deca-dencial do art. 495 do CPC só podecomeçar a fluir a partir do momen-to em que o órgão ministerial écientificado da decisão rescinden-da, quando se trata de processono qual não interveio. Isto porque,na colusão, o delineamento de suaocorrência não é imediato, uma vezque a simulação no processo ape-nas fica clara quando verificada aintencionalidade dos litigantes. Esó o processamento da execuçãofornece elementos de convenci-mento para a notificação do Minis-tério Público, para coibir a consu-mação da fraude. 2. Omissis.(PROC. N. TST-ROAR-624374/00.8— SBDI-2 — Relator Min. Ives Gan-dra Martins Filho — Recorrente Are-olino Soares Batista — RecorridosMPT-PRT 8ª Região e AMETAL —Amazônia Metalúrgica S/A).

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Resta salientar, por final, quea sentença de mérito transitou emjulgado no dia 14.4.1994, conformecertificado pela Secretaria da d. Oi-tava VT de Goiânia, como ainda a sen-tença homologatória, pois foi profe-rida em 15.12.1994.

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Além dos pressupostos co-muns a toda e qualquer ação, a res-cisória tem por base outros dois re-quisitos básicos: uma decisão demérito passada em julgado e a invo-cação de um dos motivos de rescin-dibilidade do julgado previstos na lei.

Tais exigências estão expres-samente previstas no caput do art.485 do CPC, ou seja, estabelece que“a sentença de mérito, transitadaem julgado, pode ser rescindidaquando: (...)”. (O destaque é nosso).

Nestes autos, as sentençasque o Parquet pretende desfazer porvia da presente ação são aquelasproferidas nos autos do processo n.1.951/93 — 8ª VT de Goiânia, umaque apreciou os pedidos formuladosna peça de ingresso da ação traba-lhista, portanto, absolutamente denatureza meritória, e outra que ho-mologou o acordo apresentado nosautos, também rescindível a teor doEnunciado n. 259 do Colendo TST.

Já os motivos de rescindibili-dade da indigitada decisão, invoca-dos pelo MPT, são aqueles dispos-tos no inciso III do art. 485 do CPC,isto é, o conluio havido entre empre-gado e empregador com objetivo defraudar a lei.

Frente a tais circunstâncias, oart. 487 do CPC legitima o MinistérioPúblico para manejar a ação resci-sória quando “a sentença rescinden-da é o efeito da colusão das partes,a fim de fraudar a lei” (alínea “b”, in-ciso III), estritamente como aconte-ceu no situação em tela.

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Inicialmente é relevante expli-car os motivos que levaram o MPT aintegrar no pólo passivo da ação osex-sócios da Empresa-ré: EDIR SI-MÕES DE CARVALHO FUSSI e HEI-TOR DIAS DE CARVALHO.

O primeiro motivo foi pelo sim-ples dever constitucional de obser-var o direito do contraditório e daampla defesa (Constituição Federal,art. 5°, LV), pois o MPT delatou aempresa como mentora das práticassub-reptícias, mas os atos ilegaisque dela exteriorizavam-se erammaterializados por via de seu corposocietário, então lhes devem propor-cionar esses direitos.

O segundo motivo é que essesmesmos sócios devem agora se de-fender, porque, juntamente com o fal-so empregado e os advogados envol-vidos na trama, tão-logo transite emjulgado a decisão que acolher os pe-didos rescisórios, serão denunciadospor cada crime que cometeram.

É relevante ainda explicar que aescolha dos indigitados sócios não sedeu ao acaso, mas por indicação dosestatutos da empresa, que, a bem daverdade, tinha por razão social GERAIS& SILVEIRA LTDA. e não DISTRIBUI-

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DORA GERAIS & SILVEIRA LTDA. comoqueriam, ou ainda querem, o falso re-clamante, seu advogado e o advogadopatronal, e, pelo que se infere dos au-tos, estava inscrita no CNPJ/MF sob on. 01.060.839/0001-88.

Da análise de seu ContratoSocial, chega-se à ilação de queoutrora havia a filial da empresa GE-RAIS & SILVEIRA LTDA. inscrita noCNPJ/MF sob o n. 01.060.839/0002-69 e domiciliada na Av. Pio XII, n. 666,Cidade Jardim, Goiânia/GO, comoainda uma outra, inclusive foi a pri-meira quem figurou como reclama-da na ação trabalhista, conforme aexordial obreira, mas impossível, vezque, à época, não mais existia.

Indigitada filial foi extinta, jun-tamente com outra filial, por via daalteração contratual de 16.1.1992, demodo que quem de fato e de direitofigurou no pólo passivo da demandafoi a própria “matriz”, inscrita noCNPJ/MF n. 01.060.839/0001-88.

Na verdade, a empresa tinhainicialmente em sua constituiçãosocietária os senhores WELLING-TON GOMES GERAIS e DIVINO ARAÚ-JO DA SILVEIRA, mas posteriormen-te, com a alteração contratual de5.3.1991, foi admitida a sócia EDIRSIMÕES DE CARVALHO FUSSI e, coma alteração contratual de 15.2.1993,os primeiros deixaram a sociedade eainda foi admitido um novo sócio,HEITOR DIAS DE CARVALHO.

Portanto, a constituição socie-tária da empresa ficou composta, apartir de 15.2.1993, por EDIR SIMÕESDE CARVALHO FUSSI, que detinha90% do capital, e por HEITOR DIASDE CARVALHO, este com participaçãode 10% do capital social.

E foi com esta constituição so-cietária que as fraudes se perpetra-ram, pois os sócios originários reti-ram-se da sociedade no início de1993 e a ação foi proposta no finaldaquele mesmo ano.

De outro lado, ressaltamosque a empresa GERAIS & SILVEIRALTDA. foi declarada judicialmentefalida nos autos do Processo n.900309425 — 11ª Vara Cível de Goiâ-nia em 21.10.1997, na verdade estefoi o resultado da conversão do pe-dido de concordata feito em 5.9.1990,com efeitos retroativos ao pedido, ouseja, está falida desde 1990.

Por fim, necessária então apresença dos sócios do empreendi-mento nestes autos, porquanto sãoco-participantes da fraude objeto dapresente ação.

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Realçamos, logo de início, queo propósito maior da presente açãoé a defesa da “dignidade da justiça”,pois as provas carreadas com a ini-cial demonstram que os réus se uti-lizaram do Poder Judiciário, por viade uma ação trabalhista desvirtua-da, para obterem um título judicial eassim garantirem vantagens indevi-das em detrimento da lei e de tercei-ros, conforme a ementa que ora tra-zemos à colação verbis:

AÇÃO RESCISÓRIA. COLUSÃOENTRE AS PARTES. ATENTADOÀ DIGNIDADE DA JUSTIÇA. AÇÃOPROCEDENTE. Julgada proce-dente a ação rescisória e rescin-

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de-se a sentença proferida emprocesso, que as partes, em con-luio, fizeram instaurar e movimen-tar com o objetivo de prejudicarterceiro. A colusão atenta contra adignidade da Justiça. (TST, AR n.004/90, Ac. N. 1279/91, RelatoraMin. Rosa Maria do NascimentoSilva, julgado em 10.12.1991)

Pois bem. Como já deixou cla-ro o Parquet neste petitório, as sen-tenças rescindendas foram o resul-tado da colusão havida entre os réuscom escopo de fraudar a lei, con-substanciada por práticas simula-das levadas a efeito unicamentepara alcançar o provimento judiciale, desse modo, legalizar um ato cri-minoso, certamente em prejuízo deterceiros nos autos (ex-empregados,credores quirografários, FazendaPública, etc.).

Os elementos e atos proces-suais produzidos nos autos da açãoque as projetou no mundo jurídicodemonstram bem qual era o intentodos litigantes: alcançar um provi-mento judicial a partir de um conflitode interesses inexistente, tendo porbase uma relação de emprego queefetivamente também não aconte-ceu, objetivando assim prejudicarterceiros, resultando naquilo que adoutrina denomina de negócio simu-lado, obviamente fraudulento.

Segundo as lições de SÍLVIORODRIGUES, negócio simulado “éaquele que oferece uma aparênciadiversa do efetivo querer das partes.Estas fingem um negócio que na re-alidade não desejam” (“Direito Civil/Parte Geral” — São Paulo: Saraiva,1999, p. 220).

Ainda, esse festejado jurista(obra já citada, p. 225) doutrina que“se as partes, todavia, foram condu-zidas à simulação com o propósitode prejudicar terceiros, ou burlar ofisco, ou ilidir a incidência de lei co-gente, surge a figura da simulaçãomaliciosa ou culpada, também cha-mada fraudulenta” (o destaque é dooriginal).

Segundo os ensinamentos dePontes de Miranda esse instituto é“o acordo, ou concordância, entre aspartes, para que, com o processo,se consiga o que a lei não permiti-ria, ou não permitia, o que tem porbase a simulação, ou outro ato quefraude a lei” (“Tratado de Ação Res-cisória”, 1976, Forense: Rio de Ja-neiro, pp. 237/238).

Dito isto, seja pela análise dadocumentação que acompanha aexordial rescisória, seja ainda pelosatos omissivos e comissivos apura-dos nos autos, que culminaram nasdecisões rescindendas, fácil inferirque realmente os réus simularam odissídio trabalhista, cuja finalidadeera a obtenção de vantagens ilícitasem detrimento de terceiros alheiosao conflito, porquanto o supostoempregado apropriou-se indevida-mente, porém por via legal, de bensdo suposto empregador, que servi-riam para garantir suas obrigaçõesfrente àqueles.

A propósito, enumeramos al-gumas evidências extraídas dos au-tos do Processo n. 1.951/93 — 8ª VTde Goiânia que não podem passardespercebidas, e que nos credenciama afirmar que os réus efetivamente

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simularam o dissídio trabalhista,com fito unicamente de alcançaremvantagens indevidas, quais sejam:

a) ação inconsistente — a açãoera desprovida de elementos fáticos,como também estava totalmente ca-rente de provas, inclusive, de docu-mento pessoal do reclamante, paranão mostrar o nome de sua mãe;

b) a razão social da reclamada— inexplicável o erro na exordialquanto a razão social e o domicílioda reclamada, pois o reclamanteaduziu na peça de ingresso que eraseu gerente geral. Menos explicávelainda foi o fato de ter indicado umaempresa extinta no pólo passivo daação, vez que para ele esse era umfato notório, já que a extinção da filialaconteceu em 16.1.1992 e ele, comobem aduziu, era seu GERENTE;

c) revelia e confissão — a em-presa, mesmo citada, omitiu-se pro-positadamente quanto à proteçãoseu patrimônio, ocasionado a reve-lia e a confissão ficta. Também dei-xou que a sentença transitasse emjulgado sem qualquer reação, poisefetivamente intimada do ato, conti-nuou inerte e só se ativou para jun-tar, de forma pacífica, documentosnecessários à elaboração da contade liquidação, que lhe era favorável,evidentemente;

d) a alta margem de negocia-ção — as partes conciliaram-se empatamar altíssimo, de pronto R$600.000,00 (incluindo a multa de100%), tudo em confronto com apostulação do reclamante, nitida-mente inferior; também totalmenteoposto à precária situação finan-

ceira então vivida pela empresa, poisestava sob concordata desde 1990.Quanto à multa de 100% no acordo,usualmente os Juízos estabelecem,em média, um percentual de 50%para cumprimento de acordo, masin casu como se tratava de fraude,as parte instaram a incidência dopercentual máximo;

e) os subscritores do acordo— estranha-nos o fato de o acordoter sido subscrito somente por advo-gados, pois, além de benevolente,estabelecia sobre importância assazconsiderável. Demais disso, nosautos não se depara com qualquerdocumentação pessoal do recla-mante ou mesmo os atos constituti-vos da empresa reclamada, demodo que o patrono desta não de-tinha poderes para o mister;

f) a conta de liquidação — oslitigantes ansiavam em demasia pelaconta de liquidação da sentença, tan-to que, desatentos, disseram na pe-tição de acordo que os cálculos apre-sentados pela contadoria judicialdefinia o crédito da execução em R$338.105,12, mas compulsando osautos do Processo não se deparacom os mesmos;

g) os bens penhorados e aadjudicação — era visível o conheci-mento do exeqüente dos bens pe-nhorados, como também foi clarasua insistência em adjudicá-los;

h) a concordata e a falência —o reclamante não mencionou a con-cordata da empresa, como ainda asua falência, esta em 21.10.1997,igualmente o reclamado, que pode-ria utilizar-se da primeira na defesa;

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i) mãe e filho — documentonos autos (Auto de Penhora —Proc. 178/94 — 4ª VT de Goiânia)demonstra que o réu PAULO HEN-RIQUE DE CARVALHO FUSSI, autorda ação trabalhista, é filho de EDIRSIMÕES DE CARVALHO FUSSI, só-cia majoritária da empresa GERAIS& SILVEIRA, a reclamada na indigi-tada ação.

Assim sendo, da ilação dasevidências agora apresentadaspelo MPT, fácil perceber que a Em-presa-ré, vendo-se em situação fi-nanceira bastante precária, daí opedido de concordata efetivado em5.9.1990, intentou todos os meiospossíveis para salvar seu patrimô-nio, o que, no todo, teria sido atésalutar não fosse a utilização de ummeio anômalo e, pois, impossível:o ato simulado para fraudar a lei eos interesses de terceiros alheiosaos autos.

Consistiu então esse ato nacolusão entre mãe e filho, aquelasócia majoritária da empresa, parabuscar judicialmente um direito doprimeiro que nunca existiu. Tiverama idéia de simular um litígio traba-lhista, prevendo que os créditos ad-vindos destes são privilegiados(CTN, art. 186), e o submeteu à apre-ciação da Justiça do Trabalho, via doqual questionou o suposto trabalha-dor a existência de um vínculo deemprego que efetivamente não acon-teceu, e postulou, evidentemente, asverbas postergadas durante o indi-gitado pacto.

Postulou assim o reclamantetodas as verbas possíveis de uma

normal relação de emprego, mor-mente que era necessário obter umtítulo judicial que, além de substan-cioso, deveria carrear uma importân-cia vultosa, para poder garantir emigual condição o patrimônio de suamãe, portanto, após alcançar o cré-dito judicial, só teve o trabalho deadjudicar os bens que garantiam aexecução, de modo que foram sal-vos a tempo e modo.

Mas esse salvamento deu-sepor via ilegal. Ele foi alcançado apartir de quando foi ofertado ao su-posto empregado uma quantia exor-bitante no acordo, inclusive, ocorren-do a sua dobra de forma iminente einoportuna, mesmo que a situaçãoda empregadora não permitissedispor de importância tão vultosa àépoca, também infinitamente supe-rior à postulação exercida na peçade ingresso da reclamatória traba-lhista.

Ressaltamos ademais que apretensão obreira foi totalmente des-propositada, pois foi postulado o re-cebimento de remuneração de fériaspor 8 (oito) períodos consecutivos,como ainda, dentre outros, de diver-sas gratificações natalinas, ora, qual-quer empregado normal não passa-ria tanto tempo desprovido destesdireitos.

Neste sentido, como até foideclarada a falência da Empresa-ré,resultando na conversão de seu pe-dido de concordata efetivado em9.5.1990, evidente que à época datrama (o ajuizamento da ação, o acor-do vultoso e adjudicação dos bens)já existiam outras ações judiciaiscontra a reclamada, capazes, inclu-

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sive, de apoderarem-se de seu pa-trimônio e que a levaria à bancarrota,como de fato aconteceu.

E já existindo demanda capazde levar a Empresa-ré à insolvência,justificável é o entendimento de querealmente aconteceu a simulaçãoprocessual, concretizada pela colu-são entre os réus, visando a fraudara lei e prejudicar terceiros, o que fazensejar a rescisão das indigitadassentenças, com a extinção da açãosimulada, tendo por base o art. 129do CPC.

Trazemos aos autos agora asegunda parte do aresto da Colen-da SBDI-II/TST, anteriormente ci-tado no tópico 1 deste Título, quebem esclarece esse entendimento,verbis:

AÇÃO RESCISÓRIA. MINISTÉ-RIO PÚBLICO. 1. OMISSIS. 2. COLU-SÃO RECLAMATÓRIA SIMULADAFRAUDE À LEI. A prodigalidade daReclamada, em situação financeiraprecária, oferecendo, no acordo ho-mologado, o triplo do postulado, ali-ada à carência de plausibilidade daassertiva obreira, de se trabalhar por3 anos sem percepção de qualquerremuneração, e a existência de mo-tivação que justificaria a simulaçãoprocessual, referente ao abanda-mento, postulado e obtido, de depó-sito judicial feito no Juízo Cível emexecução que a Reclamada sofre,deixam clara a colusão entre as par-tes, visando a fraudar a lei e prejudi-car terceiros, o que enseja a resci-são da sentença, para julgar extintaa reclamatória simulada. Recursoordinário desprovido. (PROC. N.TST-ROAR-624374/00.8 — SBDI-2

— Relator Min. Ives Gandra MartinsFilho — Recorrente Areolino SoaresBatista — Recorridos MPT-PRT 8ªRegião e AMETAL — Amazônia Me-talúrgica S/a.).

É imperioso ainda deixar fri-sado que fraudes, da magnitudedas que agora demonstra o MPTnos autos, vêm normalmente sen-do praticadas na Justiça do Traba-lho, onde empresas em estado defalência, em conluio com certosempregados, engendram açõestrabalhistas falsas para obteremvantagens ilícitas em desproveitode credores de fato.

Práticas desta natureza, inclu-sive, foram até motivo de reportagemno telejornal “Bom Dia Brasil”, da TVGlobo, e que motivou o i. MinistroRONALDO LOPES LEAL, em exer-cício na Presidência do Colendo TST,a dizer que, verbis: “estão usando aJustiça do trabalho para desviar recur-sos que são devidos aos verdadeirosempregados das empresas, ao Fiscoe a outros credores” (www.tst.gov.br/notícias). Disse ainda o i. Ministro quecabe ao MPT propor as ações resci-sórias nestes casos, porquanto a Jus-tiça do Trabalho não tem como detec-tar esse tipo de fraude, a não ser quehaja denúncia do parquet.

Pois bem, transcrito estes ve-ementes fatos, que nos indicam aevidência da fraude levada a efeitopelo trabalhador e seu suposto ex-empregador, natural que as senten-ças fustigadas fossem agora res-cindidas e, por corolário, com am-paro no art. 129 do CPC, fosse aação extinta.

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De mais a mais, esse resulta-do também pode ser obtido até quan-do a questão é vista pelo prisma domero indício de fraude, porquantoeste já é motivo suficientemente pararescindir os julgados, pois em taissituações a procedência do pedidorescisório não está condicionado àprova do próprio ato da colusão,bastando somente o vestígio con-vincente da ocorrência da práticasub-reptícia.

É esse o entendimento do Co-lendo Tribunal Superior do Trabalho,exteriorizado na seguinte ementa,verbis:

AÇÃO RESCISÓRIA — COLUSÃO.A prova da colusão é caracteristi-camente indiciária. Assim sendo ehavendo quadro indiciário convin-cente, a procedência da ação édesfecho processual lógico. Recur-so ordinário desprovido (Ac. 3889(unânime), TST (ROAR 232480/95),Rel. Min. Manoel Mendes de Frei-tas, DJ 07/11/97, p. 57425).

Além do mais, o art. 129 doCPC estabelece que diante de indí-cios veementes de que os litigantestentam se valer de artifícios malicio-sos para alcançar fins ilícitos no pro-cesso, deve o juiz coibir de imediatotais práticas, de modo a obstar seusobjetivos ilícitos.

No escólio abalizado do feste-jado jurista MANOEL ANTÔNIO TEI-XEIRA, a sentença obstativa destina-se não só a preservar o conteúdoético do processo, como a salva-guardar a incolumidade da lei, postaem risco pela atitude reprochável doscontendores (“Ação Rescisória no

Processo do Trabalho”. São Paulo:LTr, 1998, 3ª ed., p. 234).

No caso do Processo n. 1.951/93 — 8ª VT de Goiânia, que produ-ziu as sentenças rescindendas, nãopode mais o Juízo que as prolatoumodificá-las, porque já publicadase passadas em julgado há anos, sócabe agora ao Egrégio TRT — 18ªRegião restabelecer a ordem legaldesobedecida, substituindo-as poroutra, mas de natureza obstativa(CPC, arts. 129 e 488, I).

Neste entendimento, deve en-tão a d. Corte, após rescindidas asdecisões fustigadas, extinguir a açãotrabalhista com escopo no inciso VIdo art. 267 do CPC, pois evidente afalta do interesse de agir dos indigi-tados litigantes.

É por essa razão que o Minis-tério Público propõe a presente açãorescisória, objetivando desfazer assentenças de mérito e homologató-ria de acordo, ambas proferidas nosautos sobreditos, conforme o per-missível delineado pelo inciso III doart. 485 do CPC.

Por final, registre-se que o MPTdiligenciou junto ao Cartório de Re-gistro de Imóveis da 1ª Circunscri-ção de Goiânia e descobriu que oPrimeiro-réu alienou em fevereiro/02os bens que adjudicou junto aosautos do Processo supradito (Certi-dão em anexo). Ofício expedido poreste Cartório, também em anexo,revela que não existe nenhum imó-vel registrado em nome de PAULOHENRIQUE DE CARVALHO FUSSI.

Assim sendo, como a execuçãonos autos do Processo n. 1.951/93

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— 8ª VT de Goiânia, por ora, está semefetividade ante a falta de patrimô-nio da executada para garanti-la.Como ainda os bens arrogados peloexeqüente já foram desviados, e apersecução destes é de naturezaprivada, pois de credores detentoresde títulos privilegiados e quirografá-rios, também da Fazenda Pública,deixa o MPT de ajuizar ação cautelarpara obstar o prosseguimento daexecução. Mesmo assim, torna-senecessário que se proceda a aver-bação do resultado da ação rescisó-ria junto ao citado Cartório, para aten-te terceiros de boa-fé quando da ali-enação dos indigitados bens.

III. DOS PEDIDOS

Ante ao exposto, requer o MI-NISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHOo julgamento procedente dos pedi-dos rescisórios, de modo que:

1. Em sede de iudicium rescin-dens, sejam rescindidas as senten-ças de mérito e homologatória doacordo entabulado pelos réus, am-bas proferidas nos autos do Proces-so n. 1.951/93 — 8ª VT de Goiânia,por se tratarem do efeito da colusãode falsos empregados e empregado-res, com objetivo de fraudar a lei einteresses de terceiros.

2. E caso de procedência da-quele, em sede de iudicium rescis-sorium, que seja proferido novo jul-gamento da demanda, contudo, nosentido de obstar os objetivos ilíci-tos de falsos empregados e empre-gadores, extinguindo a lide conformedisciplina o inciso VI do art. 267 do

CPC, pois os litigantes não têm inte-resse de agir.

3. Requer a expedição de man-dado de averbação, junto ao Cartó-rio de Registro de Imóveis da 1ª Cir-cunscrição de Goiânia, das decisõesrescisória e extintiva, para que surtaos efeitos necessários perante ter-ceiros de boa-fé, em especial aque-les prejudicados diretamente pelosfraudadores.

4. Requer ainda a notificaçãodos réus, nos endereços indicadosno preâmbulo desta peça, para quecompareçam à Juízo, e se assim en-tenderem, para defenderem-se, sobas penas da lei.

Finalmente, protesta pela produ-ção de todas as provas admitidas emDireito, em especial, testemunhas,documentos e depoimento pessoaldos Réus, sob pena de confissão.

Dá-se à causa o mesmo valorfixado na execução levada a efeito nosautos que produziu as sentenças res-cindendas, R$ 991.333,03 (novecen-tos e nove e um mil, trezentos e trintae três reais e três centavos).

Termos em que pede deferi-mento.

Goiânia, 29 de julho de 2002.

Januário Justino Ferreira, Pro-curador do Trabalho.

Em tempo: acompanham a ini-cial cópias de parte dos autos do Pro-cesso n. 1.951/93 — 8ª VT de Goiâ-nia, igualmente acompanham outrosdocumentos, como cópias de con-trato social, certidões cartorárias eoutros.

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Relator: Juiz Octávio José de Maga-lhães Drummond Maldonado

Revisor: Juiz Platon Teixeira de Aze-vedo Filho

Autor: Ministério Público do Trabalho

Procurador: Januário Justino Ferreira

Réus: 1. Paulo Henrique de Carva-lho Fussi e outra

Advogados: Marcus Vinícius Luz Fran-ca Lima e outros

Réu: 2. Gerais e Silveira Ltda.

Réu: 3. Heitor Dias de Carvalho

Ementa

AÇÃO RESCISÓRIA. COLUSÃO DASPARTES COM O FIM DE FRAUDAR ALEI. Demonstrando a prova dos autosque as partes simularam a ação tra-balhista, visando a obtenção de sen-tença favorável ao reclamante para,diante da situação pré-falimentar daempresa, opor aos demais credoresdesta o crédito privilegiado resultanteda decisão, maculadas encontram-se as sentenças de mérito e a ho-mologatória do acordo, prolatadasnos autos da referida ação, ensejan-do a sua desconstituição, via açãorescisória, com fulcro no inciso III doart. 485 do CPC.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidosos presentes autos, ACORDAM osJuízes do Egrégio Tribunal Regional

do Trabalho da 18ª Região, em Ses-são Ordinária, por unanimidade, ad-mitir ambas as ações para, no méri-to, JULGAR PROCEDENTES OS PE-DIDOS NELAS VEICULADOS, nostermos do voto do Juiz-Relator.

Ausência ocasional e justifica-da das Juízas KATHIA MARIA BOMTEM-PO DE ALBUQUERQUE (Presidente)e ANTÔNIA HELENA GOMES BORGESTAVEIRA (convocada — RA 42/2003).

Goiânia, 1º de julho de 2003.(data do julgamento)

Juiz Octávio José de MagalhãesDrummond Maldonado, Relator.

RELATÓRIO

Vistos os autos.

MINISTÉRIO PÚBLICO DOTRABALHO ajuizou a presente açãorescisória em face de PAULO HEN-RIQUE DE CARVALHO FUSSI, GE-RAIS & SILVEIRA LTDA., EDIR SI-MÕES DE CARVALHO FUSSI e HEI-TOR DIAS DE CARVALHO, visandoa rescindir, com fulcro no inciso IIIdo art. 485 do CPC, as r. sentençasde mérito e homologatória de acor-do proferidas nos autos da RT-1.951/93 — 8ª Vara do Trabalho deGoiânia.

Aduz o autor que as r. senten-ças rescindendas resultaram de co-lusão entre as partes, que, com o fimde fraudar a lei, simularam a propo-situra da ação trabalhista, visando aobter decisão favorável ao reclaman-

DECISÃO

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te e, diante da situação pré-falimen-tar da empresa (que estava sob con-cordata, posteriormente convertidaem falência),opor aos demais cre-dores o crédito privilegiado decorren-te da decisão.

Citados, os réus PAULO HEN-RIQUE DE CARVALHO FUSSI eEDIR SIMÕES DE CARVALHO FUS-SI apresentaram defesa às fls. 384/397, argüindo a decadência do di-reito de propor a ação rescisória. Nomérito, pugnam pela improcedênciado pedido.

Os réus HEITOR DIAS DECARVALHO e GERAIS & SILVEIRALTDA., regularmente citados (fls. 434e 370-v), não se manifestaram.

O autor manifestou-se sobre adefesa apresentada, às fls. 403/417.

Foram apresentadas razõesfinais pelo autor (fls. 450/456) e pe-los réus PAULO HENRIQUE DECARVALHO FUSSI e EDIR SIMÕESDE CARVALHO FUSSI (fls. 461/465).

Com apoio no inciso IV do art.25 do Regimento Interno desta E. Cor-te, os autos não foram remetidos aod. Ministério Público do Trabalho paramanifestação acerca da rescisória.

Incidentalmente à presenteação rescisória o autor propôs açãocautelar inominada (MCI-00351-2002-000-18-00-2), apensada a es-tes autos principais, requerendo quefosse determinada ao Cartório deRegistro de Imóveis da 1ª Circuns-crição de Goiânia a averbação daexistência desta ação rescisória nasmatrículas ns. 12.886, 12.887, 12.888e 12.889, com o fim de prevenir ter-ceiros de boa-fé sobre os riscos de

aquisição dos imóveis registradossob aqueles números, cuja adjudi-cação teria sido fruto da colusão en-tre as partes. A liminar foi concedidaàs fls. 165/167.

Apenas os réus EDIR SIMÕESDE CARVALHO FUSSI e PAULOHENRIQUE DE CARVALHO FUSSIapresentaram defesa (fls. 180/182).

Foram os autos da MCI remeti-dos ao d. Ministério Público do Tra-balho, que, às fls. 197/198, manifes-tou-se pela desnecessidade de suaatuação no feito, como custos legis,tendo em vista que já atua no proces-so como órgão agente, e consideran-do os princípios da unidade e indivi-sibilidade que regem a instituição.

É, em síntese, o relatório.

FUNDAMENTOS

1. DA AÇÃO RESCISÓRIA

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Aduzem os réus PAULO HEN-RIQUE DE CARVALHO FUSSI e EDIRSIMÕES DE CARVALHO FUSSI (fls.385/386) que a pretensão do parquet,de ver rescindidas as sentenças demérito e homologatória do acordocelebrado entre as partes, nos autosdo processo originário, encontra-sealcançada pelo instituto da decadên-cia, uma vez que referidas sentençastransitaram em julgado em 14.4.1994e 15.12.1994, respectivamente, en-quanto a ação rescisória foi ajuizadaapenas em 29.7.2002.

Sustentam que, “no caso ver-tente fica claro que o prazo para o

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ajuizamento da Ação Rescisória, qualseja dois (02) anos, não foi respeita-do, pelo contrário, foi violentamenteextrapolado, visto que entre o trânsitoem julgado da sentença rescinden-da e a propositura da rescisória trans-correram o absurdo de quase oito (08)anos, o que é inadmissível” (fls. 386).

Argumentam que “existiu emum passado remoto um prazo diferen-ciado para o Ministério Público e asPessoas Jurídicas de Direito Público,criado pela MP n° 1.703-18 de27.10.1998 e reeditada através da MP1.798 de 9.4.1999, que estipulava o pra-zo em dobro para propositura de AçãoRescisória o que foi de pronto recha-çado pelo Supremo Tribunal Federal,por afrontar o Princípio da Isonomia daspartes, onde segundo as MPs em epí-grafe o Estado teria vantagem em de-trimento ao particular” (fls. 383).

Pugnam pela extinção do feito,com exame do mérito, com fulcro noart. 495 c/c art. 269, IV, todos do CPC.

O autor, ao manifestar-se so-bre a defesa (fls. 403/412), repele atese dos réus, sob os seguintes fun-damentos:

“Entretanto, como patenteado napeça vestibular, e endossado peloprecedente específico do Colen-do TST junto ao Processo ROAR-624.374/00 (fls. 25/27), a conta-gem do prazo para o MPT propora presente rescisória só veio ainiciar em 12.6.02, data em quefoi protocolada junto a sua Procu-radoria representação dando con-ta das práticas sub-reptícias le-vadas a efeitos pelos citadosRéus, conforme se depreende dodocumento que segue em anexo.

Ainda a esse respeito, data maxi-ma venia, não se confunde o inícioda contagem do prazo decadencialcom este em espécie, como tam-bém não se mistura a duplicidadedo mesmo conforme apresentadona Medida Provisória n. 1.798/99,pois são situações absolutamentedíspares.

A primeira particularidade, o inícioda contagem decadencial, acon-tece por razões bastante óbvias,pois sendo o Ministério Público oguardião da ordem jurídica (Cons-tituição Federal, art. 127, caput), oprazo previsto ‘... no art. 495 doCPC só pode começar a fluir apartir do momento em que o ór-gão ministerial é cientificado dadecisão rescindenda, quando setrata de processo no qual não in-terveio. Isto porque, na colusão, odelineamento de sua ocorrêncianão é imediato, uma vez que a si-mulação no processo apenas ficaclara quando verificada a intencio-nalidade dos litigantes.’ (decisãocitada à fl. 25).

A intenção dos litigantes, exaus-tivamente demonstrada nos au-tos, foi de encobrir, por via deuma reclamação trabalhista ilu-sória, o desvio de patrimônio daempresa GERAIS & SILVEIRALTDA., de sorte a garanti-lo con-tra a patente ofensiva de seuscredores, como ex-empregados,fisco e outros.

Já o prazo decadencial, em si pró-prio, estanca com o decorrer dedois anos (CPC, art. 495), indepen-dendo de quem seja o interessa-do, enquanto que aquele previsto

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na MP n. 1.798/99, mesmo que fos-se possível, já derrearia o direitode propor a ação, mormente queescoados mais de quatro anos dotrânsito em julgado das decisõesrescindendas” (fls. 404).

Com efeito, dispõe o art. 495do CPC, verbis:

“O direito de propor ação rescisó-ria se extingue em dois (2) anoscontados do trânsito em julgadoda decisão.”

Já o art. 487, inciso III, letra “b”,do mesmo diploma legal confere le-gitimidade ao Ministério Público parapromover a ação rescisória quandoa sentença é fruto de colusão entreas partes com a finalidade de frau-dar a lei.

O C. Tribunal Superior do Tra-balho tem entendido que, em taiscasos, o prazo decadencial somen-te começa a fluir, para o MinistérioPúblico, a partir do momento em queeste tem ciência da decisão rescin-denda, em se tratando de processono qual não interveio.

Veja-se, nesse sentido, o se-guinte aresto:

“RECURSO ORDINÁRIO EM AÇÃORESCISÓRIA — INÍCIO DO PRA-ZO DECADENCIAL — MINISTÉRIOPÚBLICO — DATA DA CIÊNCIA DADECISÃO IMPUGNADA QUANDONÃO INTERVEIO NO PROCESSOPRINCIPAL. O prazo decadencialestabelecido no art. 495 do CPCsomente começa a fluir, nasações em que o Ministério Públi-co não interveio no processo prin-cipal, quando este tiver ciência dasentença impugnada. Registre-

se, por oportuno, que a presenteAção Rescisória foi proposta peloMinistério Público, com funda-mento na existência de colusão,estando a legitimidade ativa as-segurada pelo art. 487, III, ‘b’, doCPC. Recurso ordinário provido.”(TST — ROAR 774398, SBDI-2,Relatora Ministra Maria CristinaIrigoyen Peduzzi, in DJU de16.11.2001).

In casu, o d. Ministério Públicodo Trabalho não integrou a relaçãoprocessual, na reclamatória traba-lhista originária, tendo tomado co-nhecimento das sentenças rescin-dendas em 12.6.2002, por meio derepresentação da Procuradoria Ge-ral do Estado de Goiás (fls. 413/417),noticiando a existência de indícios decolusão entre as partes na referidareclamatória.

Ajuizada a presente ação res-cisória em 29.7.2002 (fls. 02), nãohá que se falar em decadência.

Rejeito a argüição.

Atendidos os pressupostosprocessuais e as condições daação, admito-a.

MÉRITO

Busca o autor a desconstitui-ção das r. sentenças de mérito e ho-mologatória de acordo, proferidas nosautos da RT-1.951/93, que se proces-sou perante a Eg. 8ª Vara do Traba-lho de Goiânia, sob o fundamento deque houve manifesta colusão daspartes, a fim de fraudar a lei.

Para melhor compreensão dacontrovérsia, mister se faz um breve

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retrospecto dos fatos noticiados napresente demanda.

Em 18.11.1993, o réu PAULOHENRIQUE DE CARVALHO FUSSI ajui-zou reclamatória trabalhista em face deDISTRIBUIDORA GERAIS & SILVEI-RA LTDA., postulando diversos direi-tos decorrentes do contrato de tra-balho que alegou ter mantido com areclamada, no período de 1º.1.1985a 15.10.1993. Sustentou que foracontratado como Gerente-geral, rece-bendo, como remuneração, comis-sões de 4% sobre a produção totalda loja. Aduziu que a reclamada nãoanotou a sua CTPS, deixando, ainda,de cadastrá-lo no PIS e de pagar-lhe13os salários, férias, RSR e salárioin natura, durante todo o pacto, alémde não quitar as verbas rescisórias.Deu à causa o valor de CR$ 100.000,00(cem mil cruzeiros reais) (petição ini-cial às fls. 30/37).

Acompanharam a petição ini-cial apenas o instrumento de procu-ração e cópia da Convenção Coleti-va de Trabalho (fls. 38/42).

Conforme as atas de fls. 45 e46, a reclamada não compareceu àsaudiências, razão pela qual foi de-clarada revel e confessa quanto àmatéria de fato, pela r. sentença defls. 47/50, que julgou procedente, emparte, o pedido inicial. Dessa deci-são não recorreu a reclamada, ape-sar de notificada via Oficial de Justi-ça (fls. 64), tendo comparecido aosautos apenas para informar a altera-ção do seu endereço (fls. 58) e jun-tar procuração (fls. 59).

Iniciada a liquidação do crédito,o exeqüente requereu vista dos au-tos, com o fim de “providenciar a ela-

boração dos cálculos de liquidaçãode sentença para maior celeridadeno feito” (fls. 65), o que foi indeferidopelo d. Juízo da execução, que deter-minou a remessa dos autos à Con-tadoria (fls. 66).

Considerando que os docu-mentos acostados aos autos nãoeram suficientes para a elaboraçãodos cálculos, conforme promoção daContadoria (fls. 67), foram as partesintimadas a se manifestar sobre aquestão (fls. 67-v). A executada que-dou-se inerte e o exeqüente insistiuem elaborar, ele mesmo, os cálcu-los, ou, então, que estes fossem efe-tuados com base nos valores apon-tados na exordial (fls. 70/71).

Foi, então, determinada a liqui-dação por artigos (fls. 71-v). Contu-do, em seguida, a executada, aten-dendo ao pleito do exeqüente (fls. 73/74), juntou aos autos os documen-tos necessários à elaboração doscálculos (fls. 76/114).

Porém, antes que os cálculosfossem elaborados, as partes cele-braram acordo (fls. 117/118), novalor de R$ 300.000,00 (trezentos milreais), a serem pagos em duas par-celas, onde constou a estipulação demulta de 100% sobre o total acorda-do, em caso de descumprimento daavença.

Descumprido o acordo, o exe-qüente postulou o prosseguimento daexecução, requerendo, na mesma peti-ção, “que as notificações processuaispara fins de execução de sentença se-jam feitas na pessoa do DR. EDGAR A.G. NEVES, procurador da Reclamadadevidamente habilitado nos autos, naAVENIDA RIO GRANDE DO SUL, N.

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777, PRAÇA DA MATRIZ, CAMPINAS,GOIÂNIA/GOIÁS, CEP: 74.000.000, TE-LEFONE 233.08.65, para maior celeri-dade do feito, conforme dispõe o pará-grafo único do artigo 602 do Código deProcesso Civil” (fls. 125).

Em 24.2.1995, os cálculos foramatualizados, atingindo o crédito exe-qüendo o valor de R$ 642.091,60 (fls.126). Para a garantia do Juízo, forampenhorados os imóveis descritos àsfls. 129, avaliados em R$ 720.000,00,que foram levados à praça, sem quehouvesse licitantes.

O exeqüente, então, requereua adjudicação daqueles imóveis“pelo valor total do seu crédito apu-rado em cálculo e extinção do con-trato de trabalho” (sic - fls. 139). A d.Juíza da execução (fls. 138) deferiua adjudicação “pelo valor da avalia-ção do bem”.

Atualizados os cálculos (fls.140), o crédito do exeqüente atingiuo importe de R$ 696.817,79, em31.4.95.

Já os referidos imóveis foramreavaliados, em 17.5.95 (fls. 141), ten-do sido mantido o valor da primeiraavaliação (R$ 720.000,00).

Como o credor não depositoua diferença entre o valor do seu crédi-to e o dos imóveis que pretendia ad-judicar, foi designada nova praça (fls.146), tendo o exeqüente arrematadoos referidos bens, pelo valor do cré-dito exeqüendo (fls. 158). Todavia, aarrematação não foi homologada pelad. Juíza a quo, que entendeu que “aorecte./exeqüente cabe a figura jurídi-ca da adjudicação” (fls. 162-v), deter-minando a realização de nova praça.

Em 25.08.95, o crédito exe-qüendo foi novamente atualizado,atingindo o total de R$ 808.535,46(fls. 167), enquanto o valor dos imó-veis não sofreu alteração (laudo dereavaliação às fls. 168). Foi, então,deferida a adjudicação daquelesbens, pelo valor de R$ 720.000,00(fls. 175), restando ao reclamante umcrédito de R$ 212.144,67, conformecálculos atualizados em 22.04.96(fls. 180).

Como não foram encontradosoutros bens da executada, o exeqüen-te pediu “o arquivamento provisóriodos autos, pelo prazo de 30 (trinta)dias” (fls. 223). Em outubro/96,reque-reu a suspensão da execução “portempo indeterminado” (fls. 235), atéque fossem localizados bens da exe-cutada passíveis de penhora.

Em março/2001 (fls. 277), oreclamante buscou o prosseguimen-to da execução do seu crédito, que jáalcançava o valor de R$ 271.333,03(fls. 279), indicando à penhora o imó-vel descrito às fls. 282, que, todavia,não foi localizado pelo Oficial de Jus-tiça (fls. 287). Em face do silêncio doexeqüente, os autos foram remetidosao arquivo provisório, em 22.8.2001(fls. 288).

A d. Procuradoria Geral do Es-tado de Goiás, por meio da Repre-sentação de fls. 413/417, levou aoconhecimento do d. Ministério Públi-co do Trabalho a existência de in-dícios de que teria havido colusãoentre as partes, no processo em tela,com o fim de fraudar a lei e lesaroutros credores. Asseverou que aempresa Gerais e Silveira Ltda. temcontra si diversas execuções fiscais

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em curso, onde foram opostos em-bargos de terceiro pelo sr. PauloHenrique de Carvalho Fussi, como fim de desconstituir as penhorasque recaíram sobre imóveis por eleadjudicados em reclamatória traba-lhista.

Acrescentou a d. ProcuradoriaGeral do Estado que, ao analisar osautos da ação trabalhista em queocorrera a adjudicação, constatoucontundentes indícios de colusão,elencados às fls. 414/415, que moti-varam a representação dos fatos aoParquet trabalhista, tendo em vistaque este não havia se manifestadonos autos da referida reclamatória.

Diante dos fatos narrados, o d.Ministério Público do Trabalho, comfundamento no inciso III do art. 485do CPC, que trata da hipótese decolusão das partes, com o fim de frau-dar a lei, ajuizou a presente açãorescisória, visando desconstituir asr. sentenças de mérito e homologa-tória do acordo referido.

Manoel Antonio Teixeira Filho,com apoio nas lições de Carnelluti,define a colusão como sendo “o atode um dos litigantes, em conluio como adversário, consistente em simu-lar uma ação em face do outro, como propósito de obter uma sentençaque, mais tarde, possa ser oposta aterceiro, cujo direito foi afetado porela”. E exemplifica:

“Citemos, como exemplo de atocolusivo que poderia ser coloca-do em prática no processo do tra-balho, o simularem autor e réu aexistência de um contrato de tra-balho (pedem, exatamente, que oprovimento jurisdicional a reco-

nheça), com a velada finalidadede se beneficiarem, digamos,perante o órgão da previdênciasocial (aposentadoria do autor) oude acarretarem prejuízos aos in-teresses legítimos de terceiro,como se daria, v.g., na hipótesede o réu ser massa falida e oscréditos do autor, oriundos de umsuposto contrato de trabalho, ab-sorverem todas as forças da mas-sa, em virtude do superprivilégiolegal que ostentam, em face doscréditos de outra natureza” (in“Ação Rescisória no Processo doTrabalho”, LTr, 3ª ed., pp. 233/234e 236 — grifei).

O mesmo autor ensina quesão três os elementos que, estandopresentes, configuram a colusão deque trata o inc. III do art. 485 da Leiadjetiva: a) que a colusão decorra deatos das partes litigantes; b) que opronunciamento jurisdicional reflitaa influência nele exercida pela colu-são; c) que esta tenha sido posta emprática com o objetivo de fraudar alei.

Na presente hipótese, do exa-me da prova ressaltam alguns as-pectos que conduzem à ilação de quea colusão das partes, com o intuitode fraudar a lei, restou, claramente,caracterizada. Vejamos:

Primeiramente, tem-se que oreclamante, sr. Paulo Henrique deCarvalho Fussi, é filho da sra. EdirSimões de Carvalho Fussi, que, aotempo do ajuizamento da ação tra-balhista, era sócia majoritária daempresa reclamada, da qual detinha90% das ações (contrato social àsfls. 322/325).

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Referido parentesco foi adre-de ocultado do d. Juízo de primeirograu, posto que não foi juntado aosautos do processo originário ne-nhum documento que indicasse afiliação do reclamante e nem o con-trato social da ré.

Cotejando-se, porém, a cópiado auto de penhora referente à RT-178/94, onde o sr. Paulo Henriquefoi nomeado depositário (fls. 240-v)e a procuração de fls. 38, onde cons-ta a qualificação deste, confirma-seque ele, de fato, é filho da sra. Edir, oque, inclusive, foi admitido na defe-sa apresentada nesta ação (fls. 395).

Também restou assente nosautos que, na data em que foi ajuiza-da a reclamatória trabalhista(18.11.1993 — fls.30), a então recla-mada passava por sérias dificulda-des econômicas, tendo sido decre-tada a sua concordata preventivaem 6.7.1990, convertida em falên-cia em 21.10.1997, com termo legalfixado em 5.9.1990 (fls. 295), fatosque, em momento algum, foram comu-nicados ao Juízo de origem.

Causa, pois, espécie o fato dea reclamada, apesar de sua notóriasituação econômica debilitada eapós deixar de comparecer em juízopara se defender, celebrar um acor-do com o reclamante, em valor, res-salto, um tanto exorbitante para a suarealidade (R$ 300.000,00), com aestipulação de multa de 100% pelodescumprimento da avença, o queera previsível.

Assim, o valor a que chegou ocrédito exeqüendo (R$ 642.091,60,em 24.6.1995 — fls. 126) discrepa,claramente, do pedido inicial.

Não há como crer também queo reclamante, desde o início da con-tratualidade, tenha se conformadoem não receber, além de outros di-reitos, 13os salários e férias duranteoito períodos consecutivos, além dever-se privado de ter a sua CTPSanotada e depositados os valores doFGTS.

Outro fato que chama bastan-te a atenção deste Relator é que,após obter a adjudicação dos úni-cos bens imóveis que restavam àreclamada, o reclamante praticamen-te desistiu de receber o crédito quelhe sobejou, cujo montante, em mar-ço/2001, era de R$ 271.333,03 (fls.279), tendo, inclusive, por duas ve-zes, requerido o arquivamento provi-sório dos autos (fls. 223 e 235).

Impende mencionar, ainda, aexistência de várias ações de execu-ção fiscal (fls. 301/308), bem comode outras reclamatórias trabalhistas(fls. 429) movidas em face da empre-sa Gerais & Silveira Ltda., que pos-sui, também, no Fisco Federal dívidaconsolidada de R$ 248.011,72, con-forme certidão expedida pela d. Pro-curadoria da Fazenda Nacional emGoiás às fls. 421.

Frise-se que, em sua defesa(fls. 348/397), bem como em razõesfinais (fls. 461/465), os réus PauloHenrique de Carvalho Fussi e EdirSimões de Carvalho Fussi não trou-xeram nenhum elemento capaz deelidir a conclusão no sentido de terhavido conluio entre eles, com o fimde fraudar execuções em trânsitocontra a empresa da família.

Nesse passo, entendo querestou evidenciado que as partes li-

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tigantes na reclamatória trabalhistautilizaram-se do processo para, emcolusão, obter vantagem ilícita, emclara fraude à lei e ao direito dosdemais credores da empresa recla-mada.

Da colusão das partes resul-taram as r. sentenças de mérito (fls.47/50) e homologatória do acordo(fls. 118-v), nos termos em que pro-latadas.

Assim sendo, restam presen-tes os elementos necessários à res-cisão da sentença, com espeque noinciso III do art. 485 do CPC.

Julgo, portanto, procedente opedido rescisório.

DO JUDICIUM RESCISSORIUM

Dispõe a Orientação Jurispru-dencial n. 94 da E. SDI-2 do C. TST,verbis:

“Ação rescisória. Colusão. Fraudeà lei. Reclamatória simulada extin-ta. A decisão ou acordo judicialsubjacente à reclamação trabalhis-ta, cuja tramitação deixa nítida a si-mulação do litígio para fraudar a leie prejudicar terceiros, enseja açãorescisória, com lastro em colusão.No juízo rescisório, o processo si-mulado deve ser extinto.” (grifei).

Destarte, com apoio nos arts.129, 494 e 267, IV e VI, todos do CPC,e na OJ n. 94 do C. TST, em sede dejudicium rescissorium, julgo extinto,sem julgamento do mérito, o proces-so referente à RT-1.951/93, que seprocessou perante a Eg. 8ª Vara doTrabalho de Goiânia.

2. DA AÇÃO CAUTELAR

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Presentes os requisitos le-gais, admito a ação cautelar.

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Tendo em vista a procedênciado pedido rescisório, julgo proce-dente o pedido cautelar, para, confir-mando a liminar concedida às fls.165/167 dos autos relativos à MCI,determinar ao Cartório de Registrode Imóveis da 1ª Circunscrição deGoiânia que mantenha a averbaçãoda existência da AR-102/2002 nasmatrículas dos imóveis adjudicados,até final julgamento do processoprincipal.

DISPOSITIVO

Isso posto, admito a ação res-cisória, e, no exercício do judiciumrescindens, julgo procedente o pedi-do, para rescindir as sentenças demérito e homologatória do acordo,proferidas pela Eg. 8ª Vara do Traba-lho de Goiânia, nos autos da RT-1.951-93, e, no exercício do judiciumrescissorium, julgo extinto, sem jul-gamento do mérito, o processo per-tinente à referida ação trabalhista,com apoio nos arts. 129, 494 e 267,IV e VI, todos do CPC, bem como naOJ n. 94 da SDI-2 do C. TST.

Admito a ação cautelar e julgoprocedente o pedido dela constante,determinando seja mantida a aver-bação da existência da AR-102/2002nas matrículas dos imóveis adjudi-

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cados, até o trânsito em julgado destadecisão.

Transitado em julgado o presen-te acórdão, dê-se ciência ao Cartóriode Registro de Imóveis da 1ª Circuns-crição de Goiânia, determinando aaverbação da ineficácia da adjudica-ção dos imóveis matriculados sob osnúmeros 12.886, 12.887, 12.888,

12.889 e R1-67.813/14, descritos noauto de adjudicação de fls. 265.

Custas pelos réus, no importede R$ 19.826,66, calculadas sobreR$ 991.333,03, valor dado à causa.

É o meu voto.

Juiz Octávio José de MagalhãesDrummond Maldonado, Relator.

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TERMO DE COMPROMISSO DE AJUSTAMENTO DECONDUTA — MUNICÍPIO — AGENTES COMUNITÁRIOS

DE SAÚDE — MEIO AMBIENTE DOTRABALHO (PRT 21ª REGIÃO)

TERMO DE AJUSTE DE CONDUTA N. 0004/2005

O MUNICÍPIO DE NATAL (SE-CRETARIA MUNICIPAL DE SAÚDE),representado pelo seu Procurador,o Dr. LAURO MOLINA, e pela Secre-tária de Saúde, Dra. MARIA APARE-CIDA DE FRANÇA GOMES firma, poreste instrumento.

TERMO DE COMPROMISSODE AJUSTAMENTO DE CONDUTA,no moldes do art. 5º, § 6º, da Lei n.7347/95, perante o Ministério Públicodo Trabalho/Procuradoria Regional doTrabalho da 21ª Região, represen-tado pelo Dr. XISTO TIAGO DE MEDEI-ROS NETO, Procurador Regional doTrabalho, nos seguintes termos:

I. DAS OBRIGAÇÕES

1 — Não determinar ou permitiro desvio de função ou de atividadesdos Agentes de Saúde, vedando ex-pressamente a utilização dos serviçosde tais trabalhadores em áreas admi-nistrativas (limpeza, atendimento aopúblico, etc.), ou em postos de saúde(fármacia, preparação de pacientes,asistência em enfermaria, etc.).

1.1 — Expedir ordem, no prazode 30 (trinta) dias, a todas as unida-des e seções da Secretaria da Saúde,com vistas à cessação imediata nes-sa prática irregular (desvio de atri-buições dos Agentes de Saúde), in-clusive para efeito de responsabili-zação pessoal dos respectivos ad-ministradores.

2 — Fornecer, no prazo de 15(quinze) dias, os equipamentos deproteção individual (EPIs) aos Agen-tes de Saúde cuja atividade enseja asua utilização, de acordo com a des-crição constante de laudo pericialanexo a este instrumento, elabora-do pela Delegacia Regional do Tra-balho (DRT-RN), proporcionando,ainda, o devido treinamento para oseu uso adequado.

2.1 — Definir, no prazo de 60(sessenta) dias, após avaliação téc-nica, a utilização de cinto de seguran-ça (tipo pára-quedista) pelos Agen-tes de Saúde que se submetem a ris-co de queda em locais com mais dedois metros de altura do piso.

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2.2 — Assegurar aos Agentesde Saúde que participem de campa-nhas de vacinação anti-rábica, dedesratização ou de quaisquer outras,a utilização dos equipamentos deproteção individual necessários à pro-teção da sua saúde e segurança.

3 — Realizar exames médicoscom periodicidade semestral paraos Agentes de Saúde que lidam cominseticidas em suas atividades princi-palmente aqueles que utilizam asper-sores manuais ou desempenhamsuas funções em veículos denomina-dos “fumacê”.

4 — Pagar a partir do dia 1º dejaneiro de 2005, o edicional de insa-lubridade em grau médio, conside-rendo a caracterização de atividadesde risco à saúde em relação aos se-guintes trabalhadores: (a) os AgentesComunitários de Saúde integradosao Programa de Saúde da Famíliae ao Programa de Agentes Comuni-tários de Saúde, diante do risco bio-lógico presente em sua atuação; (b)os Agentes de Saúde em Endemiasque utilizam inseticidas, a exemplodos que fazem uso de aspersormanual, carros “fumacê” ou quais-quer outros equipamentos.

4.1 — A obrigação assumidapelo município nesta cláusula seráexigida a contar da necessária auto-rização orçamentária, fixado o prazomáximo até o dia 30 de março de2005, onforme providências admi-nistrativas a serem adotadas.

II. DA MULTA

5 — O desumprimento do pre-sente Termo de Compromisso de

Ajustamento de Conduta sujeitará oórgão signatario ao pagamento demulta no valor de R$ 100.000,00(cem mil reais), corrigidos monetaria-mente, reversiveis ao FAT (Fundo deAmparo ao Trabalhador), nos termosdos arts. 5º, § 6º e 13, da Lei n. 7.347/85, combinados com o art. 585 inci-so II, do Código do Processo Civil(redação dada pela Lei n. 8.953/94),sem prejuízo da execução das obri-gações de fazer e não-fazer.

III. DA FISCALIZAÇÃO

5 — O Ministério Público doTrabalho, diretamente ou por meioda Delegacia Regional do Trabalho,velará pela lei de observância do pre-sente compromisso, notificando oórgão compromitente diante de even-tual inadimplimento e conseqüenteimposição da multa fixada.

6 — A multa estipulada não ésubstitutiva das obrigações contraí-das neste Termo, nem impede aaplicação de outras multas pelo Mi-nistério do Trabalho e Emprego.

7 — Na hipótese de não paga-mento voluntário da referida multa,proceder-se-à à sua execução, naforma da lei.

Natal, 13 de janeiro de 2005.

Xisto Tiago de Medeiros Neto,Procurador Regional do Trabalho.

Lauro Molina, Procurador doMunicípio de Natal.

Maria Aparecida de FrançaGomes, Secretária de Saúde do Mu-nicípio de Natal.

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TERMO DE COMPROMISSO DE AJUSTAMENTO DECONDUTA — PAGAMENTO DE VERBAS RESCISÓRIAS

— SINDICATO COMO FIEL DEPOSITÁRIO(PRT 21ª REGIÃO)

PROCEDIMENTO PREPARATÓRIO N. 0201/2004

DENUNCIANTE: SINDICATO DOS VIGILANTES DO ESTADO DO RN

INVESTIGADA: MEGA VIGILÂNCIA LTDA.

TERMO DE COMPROMISSO DE AJUSTAMENTO DE CONDUTA N. 0048/2004

Pelo presente instrumento, naforma do art. 5º, § 6º, da Lei n. 7.347,de 24 de julho de 1985, combinadocom o art. 876, da CLT, na redaçãoque lhe deu a Lei n. 9.958/2000,tendo em vista as apurações pro-cedidas nos autos do procedimen-to em epígrafe, de um lado: 1) aempresa MEGA VIGILÂNCIA LTDA.,pessoa jurídica de direito privado,com sede à Av. Governador Tarcí-sio de Vasconcelos Maia, n. 2.079,Candelária, Natal/RN, inscrita noCNPJ/MF sob o n. 01.401.885/0002-84, neste ato representadapor seu Preposto, o Sr. PEDRO XA-VIER, RG N. 555.177 SSP/RN, 2) oSindicato dos Vigilantes no Estadodo RN, pessoa jurídica de direitoprivado, com sede à rua Mermoz, n.167, Cidade Alta, Natal/RN, inscri-ta no CNPJ/MF sob o n. 08.533.549/0001-53, neste ato representadopor seu Presidente, o Sr. JOSÉ

RAIMUNDO RIBEIRO, RG N. 363.562SSP/RN, e 3) Petrobras Distribui-dora S/A, sociedade de economiamista, com sede à Av General Ca-nabarro, n. 500, Maracanã, Rio deJaneiro/RJ, inscrita no CNPJ/MFsob o n. 34.274.233/0001-02, nes-te ato representado por sua Advo-gada, a Dra. ADÉLIDE PEREIRA DASILVA, Advogada da Petrobras Dis-tribuidora S/A, OAB/PE N. 14.348-D, ora denominados compromiten-tes — e de outro lado o MINISTÉ-RIO PÚBLICO DO TRABALHO —PROCURADORIA REGIONAL DOTRABALHO DA 21ª REGIÃO, nesteato representado pelo Procuradordo Trabalho, FRANCISCO MARCE-LO ALMEIDA ANDRADE, infra-assi-nado, ora denominado compromis-sário, celebram este TERMO DECOMPROMISSO DE AJUSTAMEN-TO DE CONDUTA, nos seguintestermos:

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I. A EMPRESA PETROBRAS DIS-TRIBUIDORA S/A COMPROME-TE-SE A:

Liberar no dia 28.10.2004, às17:00h (dezessete horas), em favorda empresa Mega Vigilância Ltda.,através de cheque nominal ao Sindi-cato Obreiro, na sede desta Procu-radoria e na presença deste Procura-dor, da servidora Rita Aparecida deAraújo e do Presidente do SindicatoObreiro, a importância líquida de R$27.987,56 (vinte e sete mil, novecen-tos e oitenta e sete reais e cinqüentae seis centavos) — conforme plani-lha anexa, que passa a fazer parteintegrante deste Termo —, valor estereferente às 02 (duas) últimas fatu-ras devidas à empresa Mega Vigi-lância Ltda. pelo Contrato de Presta-ção de Serviços entre si firmados, eque servirá para quitar as verbasrescisórias, exceto FGTS, tambémdetalhadas na planilha supra, a quetêm direito os ex-empregados daempresa supra que prestaram ser-viços na Petrobras Distribuidora S/A;

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1) Comparecer na sede destaProcuradoria Regional, na data e ho-rário previstos no presente Termo deCompromisso (28.10.2004), para re-ceber da Empresa Mega VigilânciaLtda. o referido valor e repassá-lo aosex-empregados da mesma, confor-me detalhado na planilha anexa; e

2) Assumir, neste momento, oencargo de depositário fiel da quantia

acima, nos termos da relação civilem vigor;

III. A EMPRESA MEGA VIGILÂNCIALTDA. COMPROMETE-SE A:

Receber, na data e horário aci-ma, da Petrobras Distribuidora S/A,o valor de R$ 27.987,56 (vinte e setemil, novecentos e oitenta e sete reaise cinqüenta e seis centavos), darquitação do mesmo e repassá-lo, deimediato, ao representante legal doSindicato Obreiro, o Sr. José Rai-mundo Ribeiro, para que este pos-sa pagar as verbas rescisórias dosex-empregados da empresa.

II. DA MULTA:

O inadimplemento das obriga-ções assumidas neste TERMO DECOMPROMISSO DE AJUSTAMENTODE CONDUTA sujeitará os compro-mitentes — PETROBRAS DISTRI-BUIDORA S/A, SINDICATO DOS VI-GILANTES NO ESTADO DO RN eMEGA VIGILÂNCIA LTDA. —, à multade R$ 5.000,00 (cinco mil reais) pordia, no caso de inobservância deuma das cláusulas acima, reversí-vel ao FAT — Fundo de Amparo aoTrabalhador, nos termos do art. 5º, §6º, e do art. 13, ambos da Lei n. 7.347/85, estando, desde logo, cientes ossignatários que este instrumentotem eficácia de título executivo extra-judicial (na forma dos arts. 5º, § 6º,da Lei n. 7.347/85, 585, VII, do CPC e876, da CLT) executável (tanto asobrigações quanto a multa apuradapelo seu descumprimento) em umadas Varas do Trabalho de Natal/RN.

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As multas aplicadas pelo des-cumprimento das cláusulas acimaajustadas não substituem as obriga-ções pactuadas no presente TERMODE AJUSTE DE CONDUTA, que re-manescem à aplicação das mesmas.

III. DA FISCALIZAÇÃO DO CUM-PRIMENTO DA OBRIGAÇÃOAJUSTADA:

O Ministério Público do Traba-lho velará pela fiel observância dopresente compromisso mediantedenúncia ou representação a ele di-rigida, ou por intermédio da Delega-cia Regional do Trabalho, ou mes-mo através de sua atuação de Ofício.Em qualquer situação, os Signatá-rios serão notificados sobre eventualinadimplemento e conseqüenteimposição da multa pelo seu des-cumprimento.

E por estarem de acordo, firmamo presente TERMO DE COMPROMIS-

SO DE AJUSTAMENTO DE CONDU-TA, que vai assinado pelos presentesem 2 (duas) vias de igual teor.

Natal, 6 de outubro de 2004.

Francisco Marcelo Almeida AndradeProcurador do Trabalho.

Pedro XavierPreposto da Mega Vigilância Ltda.

RG N. 555.177 SSP/RN

Adélide Pereira da SilvaAdvogada da Petrobras S/A

OAB/PE N. 14.348-D

José Raimundo RibeiroPresidente do SINDVIGILANTES/RN

RG N. 363.562 SSP/RN

TESTEMUNHAS:

__________________________

Ana Lúcia da Silva DantasCPF 416.856.521-15

__________________________

Romilson Sampaio AlmeidaCPF 399.199.785-15

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O MINISTÉRIO PÚBLICO DOTRABALHO — Procuradoria Regio-nal do Trabalho da 22ª Região, comendereço na Av. Miguel Rosa, 2.862— Norte/Centro, Teresina-PI, CEP64000-480, nesta petição designa-do também de autor, por seu Procu-rador adiante assinado, vem peran-te V. Exª, com amparo nos arts. 127e 129, inciso III, da Constituição daRepública, arts. 127 e 129, inciso III,da Constituição da República, arts. 6º,VII, “d”, e 83, III, da Lei Complementarn. 75, de 20.5.1993; e 2º, 3º e 5º daLei n. 7.347, de 24.7.1985, ajuizar.

AÇÃO CIVIL PÚBLICA

com pedido de liminar, emface da EMPRESA DE TURISMO DOPIAUÍ-PIEMTUR, empresa públicaestadual, criada pela Lei Estadual n.3.782, de 3.12.1980, com sede naRua Acre, S/N, Centro de Conven-ções Av. Miguel Rosa, 2.885/Norte,Teresina-PI, CEP n. 64.001-650, ins-crita no CNPJ sob o n. 6.855.084/0001-21, ora designada, abreviada-

AÇÃO CIVIL PÚBLICA — EMPRESA PÚBLICA —CARGOS EM COMISSÃO — CRIAÇÃO POR ATO DA

DIRETORIA — NECESSIDADE DE CONCURSOPÚBLICO (PRT 22ª REGIÃO)

EXMO. SR JUIZ DO TRABALHO DA __ VARA DO TRABALHO DE TERESINA-PI

mente, como ré ou, simplesmente,PIEMTUR, a qual deverá ser citadana pessoa do seu Diretor-Presidente,pelos seguintes fundamentos de fatoe de direito:

I. DOS FATOS E DO DIREITO

1) Como é do conhecimentopúblico, desde 1997 o Ministério Pú-blico do Trabalho tem adotado me-didas administrativas ou judiciais emface dos Municípios do Estado doPiauí, com vistas a exigir que sejarespeitado princípio da acessibilida-de aos cargos e empregos públicosmediante prévia aprovação em con-curso público, constante do inciso II,do art. 37, da Constituição Federal.Idênticas medidas vêm sendo ado-tadas, mais recentemente, em facedo Estado do Piauí, tanto com rela-ção à sua Administração Diretaquanto Indireta.

2) Com relação à PIEMTUR, oMinistério Público do Trabalho ins-taurou o Inquérito Civil Público n. 888/

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2002, cujos autos seguem em ane-xo. No referido inquérito, após a pres-tação de informação acerca da formae da data de admissão de todos osempregados da ré, ficou evidencia-do o total descumpimento, pela ré, dopreceito constitucional que impõe aprévia aprovação em concurso pú-blico como condição de acessibili-dade a cargos e empregos públicos.Conforme as informações obtidasdurante a instrução do Inquérito (fls.13/17) e sintetizadas no relatório deencerramento da investigação (fls.56/63 dos autos em anexo), consta-tou-se que na PIEMTUR existem:

a) 06 (seis) diretores, não sen-do nenhum deles pertencente aoquadro efetivo da empresa;

b) 62 (sessenta e dois) servi-dores efetivos, sendo 60 (sessenta)admitidos sem prévia aprovação emconcurso, antes de 5.10.1988 e 2(dois) admitidos após prévia apro-vação em concurso público, depoisde 5.10.1988;

c) 02 (dois) empregados efeti-vos admitidos após 5.10.1988, soba designação de “serviços presta-dos”, sem prévia aprovação em con-curso público;

d) 24 (vinte e quatro) emprega-dos admitidos após 5.10.1988, soba designação de “função comissio-nada”, sem prévia aprovação em con-curso público;

e) 01 (um) pensionista por for-ça de decisão judicial; 01 (uma) ser-vidora aposentada (sem a devidaexplicação, posto que os emprega-dos são vinculados ao Regime Ge-ral da Previdência Social e, por isso,

não devem receber proventos deaposentadoria pela PIEMTUR; e 02(dois) mirins (de acordo com convê-nio com o SERSE, conforme explica-ções prestadas pelo Presidente).

3) Examinando-se os casosacima, à luz da Constituição e legis-lação que regem a admissão de ser-vidores pela Administração Pública,tanto a direta como a indireta e a fun-dacional, chega-se à conclusão deque, pelo menos, 26 (vinte e seis)servidores ingressaram ilegalmen-te na PIEMTUR, especificamente osindicados nas letras “c” e “d”, do item“2”, supra.

3.1) Com efeito, além dos 06(seis) cargos da Diretoria (incluído oDiretor Presidente) e dos 03 (três)cargos do Conselho Fiscal, mais os03 (três) suplentes destes, não po-deria a PIEMTUR admitir, contratarou nomear nenhum outro servidorsenão aqueles admitidos em prévioconcurso público. Isto, porque a vi-gente Constituição Federal, no art.37, II, exige que:

“a investidura em cargo ou empre-go público depende de aprovaçãoprévia em concurso público de pro-vas ou de provas e títulos, de acor-do com a complexidade do cargoou emprego, na forma prevista emlei, ressalvadas as nomeaçõespara cargo em comissão declara-do em lei de livre nomeação e exo-neração” (Os destaques no textotranscrito são de autoria do Minis-tério Público).

3.2) Destarte, para o acessotanto ao cargo quanto ao empregopúblico é indispensável a préviaaprovação em concurso público. Por

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isso, mesmo as empresas públicase sociedades de economia que por-ventura explorem atividade econômi-ca, nos termos do art. 173, da LeiMaior, não podem admitir pessoalsem essa formalidade essencial,conforme já decidiu o Supremo Tri-bunal Federal (MS 21.322-I-DF, Rel.Min. Paulo Brossard, DJU em23.4.93).

3.3) Como se percebe, somen-te se dispensa a aprovacão em con-curso para o ingresso em cargo de-clarado em lei de livre nomeação eexoneração. Outrossim, está claro-que as empresas públicas não dis-põem de cargos, mas sim de em-pregos públicos, sendo que estespodem ser criados pelos órgãosadministrativos da própria empresa,mas para eles não podem, nunca,ser contratados empregados quenão tenham sido aprovados em pré-vio e específico concurso público.

3.4) Deve-se ressaltar que, nocaso da PIEMTUR, o problema é ain-da mais grave, pois, a lei que a insti-tuiu não cuidou de prever nem se-quer os cargos de Diretoria e do Con-selho Fiscal, de maneira que atémesmo quanto aos referidos cargosa PIEMTUR se encontra irregular.Admite-se, no entanto, porque implí-cito nas suas próprias finalidades,que os cargos de Diretoria e do Con-selho Fiscal (incluídos os suplentes)da PIEMTUR, mesmo a despeito denão terem sido previstos na lei queinstitui essa empresa, sejam preen-chidos mediante designação do Go-vernador (os cargos da Diretoria) epor eleição (os cargos do ConselhoFiscal). Ademais, os integrantes daDiretoria e do Conselho personifi-

cam o próprio empregador e a estesse equiparam. Tanto é assim que ocontrato de trabalho de um empre-gado de empresa pública ou de so-ciedade de economia mista é consi-derado suspenso, quando ele é de-signado para ocupar um cargo dediretoria da empresa.

3.5) O regime jurídico de tra-balho dos servidores públicos comas empresas públicas, tal como nassociedades de economia mista, serásempre o regime próprio das empre-sas privadas, ou seja, o regime doemprego, conforme o art. 173, § 1º,II, da CF/88, in verbis:

“Art. 173. Ressalvados os casosprevistos nesta Constituição, aexploração direta de atividade eco-nômica pelo Estado só será per-mitida quando necessária aos im-perativos da segurança nacionalou a relevante interesse coletivo,conforme definidos em lei.

§ 1º A lei estabelecerá o estatutojurídico da empresa pública, da so-ciedade de economia mista e desuas subsdiárias que explorematividade econômica de produçãoou comercialização de bens ou deprestação de serviços, dispondosobre:

I — omissis;

II — a sujeição ao regime jurídicopróprio das empresas privadas;inclusive quanto aos direitos eobrigações civis, comerciais, tra-balhistas e tributários.

III a V — omissis”.

3.6) Conclui-se, assim, que asempresas públicas e as sociedadesde economia mista, por se sujeita-

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rem ao regime próprio das empre-sas privadas quanto aos direitos eobrigações trabalhistas, ressalvadosos cargos de diretoria e dos Conse-lhos de Administração e Fiscal, dis-põem somente de empregos, ouseja, não há que se falar, quanto aessas empresas integrantes da Ad-ministração Pública, na existência decargos em comissão declarados emlei de livre nomeação e exoneração.

3.7) No plano conceitual, car-go público, seja efetivo ou em comis-são, é um complexo de atribuiçõessujeito a regime jurídico de direitopúblico (estatuário), criado por lei, aqual lhe confere também denomina-ção própria e número certo, além defixar o padrão remuneratório. CelsoAntônio Bandeira de Mello corroboraessa noção e acrescenta ser o car-go público concernente à “organiza-ção central do Estado, suas autar-quias e fundações públicas”, nosseguintes termos:

“Cargo é a denominação dada àmais simples unidade de poderese deveres estatais a serem expres-sos por um agente. É, pois, umcomplexo (ou um ponto, ou um ter-mo), unitário e inidivisível de com-petências, criado por lei, com nú-mero certo e designação própria,concernentes a funções da organi-zação central do Estado, suas au-tarquias e fundações públicas” (in“Regime dos servidores da admi-nistração direta e indireta: direitose deveres”. 3. ed. São Paulo: Ma-lheiros Editores, 1995, pp. 27-28).

3.8) Percebe-se que a figura do“cargo” público é incompatível com oregime de trabalho nas empresas

públicas e sociedades de economiamista, eis que estas são obrigadasa seguir o regime jurídico próprio dasempresas privadas, inclusive quan-to aos direitos e obrigações civis, co-merciais, trabalhistas e tributários,por expressa determinação do art.173, § 1º, II, da CF. Por isso, fica cla-ra a impossibilidade constitucionalde se criar “cargo em comissão” nes-sas duas espécies de empresa.Caso contrário, por que então o le-gislador constitucional não fez men-ção no mesmo art. 37, II, à figura ju-rídica do “emprego em comissão”?

3.9) Depois, a norma contidano art. 37, II, in fine, da CF, só excep-ciona da regra geral do concursopúblico as nomeações para cargoem comissão, declarado em lei delivre nomeação e exoneração. Ouseja, somente através de lei em sen-tido estrito é possível a criação decargo em comissão e, por conse-guinte, o seu provimento sem con-curso público. Por óbvio, não farianenhum sentido se o Poder Executi-vo ou os órgãos diretivos de umaempresa pública ou sociedade deeconomia mista pudessem criar taiscargos (ou simplesmente designarocupantes, se nem mesmo os criarpreviamente, como se dá no caso daora ré), cuja natureza é excepcional,pois aí estaria aberta uma larga por-ta para o desrespeito ainda maior aopostulado do concurso público.

3.10) Não se discute, por outrolado, que os empregos públicos (efe-tivos) nas empresas públicas e so-ciedades de economia mista nãoprecisam ser criados através de lei,cabendo, nesses casos, aos própriosórgãos diretivos das entidades tal

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prerrogativa, nos termos da legisla-ção de regência (no caso das Econo-mias Mistas, a Lei n. 6.404/1976 equanto às Empresas Públicas, asrespectivas leis instituidoras), por-quanto submetidas ao regime jurídi-co próprio das empresas privadas.Mesmo assim, não podem essas em-presas preencher seus postos deemprego com candidatos que nãotenham sido aprovados em concur-so público específico.

3.11) Já quando se fala emcargo em comissão, a situação écomplemente diversa, pois, comodito, a própria Constituição exige leiem sentido estrito, para a criação.

3.12) Por isso, no âmbito dasempresas públicas e das sociedadesde economia mista, só os ocupan-tes dos postos para cujo ingresso alei determina a mera designação oueleição (membros do conselho fis-cal, conselho de administração e di-retoria) estão fora da exigência deprestação de concurso público, atéprque, nesses casos, tais ocupan-tes não são empregados, nos ter-mos do art. 3º da CLT, mas sim re-presentates designados ou eleitospelos controladores/acionistas paradireção e execução dos fins da soci-edade, figurando como verdadeirosempregadores.

3.13) Enfim, por se tratar deimposição constitucional, até mesmose houvesse na lei de regência dasempresas públicas e sociedadesde economia mista a prerrogativa decriar cargo em comissão, isso nãomais seria possível desde a promul-gação da Carta Constitucional de1988. E a propósito disso, convém

enfatizar que a Lei Estadual n. 3.782/1980, o Decreto n. 3.718/1998 (Esta-tuto) ou mesmo o Regimento Inter-no da PIEMTUR não aurorizam a con-tratação, designação ou nomeaçãode servidores sem obediência à le-gislação que rege a máteria — nocaso, especialmente, o art. 37, II, daConstituição Federal.

3.14) Desse modo, conclui-seque, além dos 02 (dois) emprega-dos contratados após 5.10.1988 sobo rótulo de “serviços prestados”, semterem sido aprovados em prévio con-curso público, são também irregula-res os 24 (vinte e quatro) contrata-dos após 5.10.1988, a título de “'fun-ções comissionadas”, posto que nãose tratam de servidores efetivos daPIEMTUR aprovados em prévio con-curso público.

4) Na tentativa de sanar tão gra-ve irregularidade ainda em sede ex-trajudicial, o MPT formulou ao Dire-tor-Presidente da ré proposta da ce-lebração de Termo de Ajuste de Con-duta, nos termos do art. 5º, § 6º, daLei n. 7.347/85. Tal proposta, contu-do, mesmo após a concessão deprazo para análise, não foi aceita,conforme se vê às fls. 22 e seguin-tes do Inquérito Civil.

5) Com a mudança de Gover-no no Estado do Piauí, acreditava-se que fosse possível chegar-se auma solução extrajudicial, haja vis-ta que o novo Governador do Esta-do, enquanto Deputado Federal, foi,talvez, a pessoa que mais assidua-mente formulou denúncias ao Mi-nistério Público do Trabalho, acer-ca de irregularidades trabalhistasno âmbito dos diversos Municípios

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do Estado do Piauí. Esperava-se,pois, que os novos administrado-res das empresas públicas e com-panhias do Estado, designadospelo atual Governador, viessem aadotar uma postura administrativacoerente com a do citado adminis-trador, cujos votos recebidos, tal-vez se devam, em sua maioria, aofato de ter se mostrado, enquantosindicalista e Deputado Federal,um grande combatente da imorali-dade na Administração Pública.Entretanto, infelizmente, tambémnão conseguiu, nem mesmo dosnovos administradores, que viessea ser solucionado o problema des-crito pela via extrajudicial.

6) Assim, tendo em vista que nocorrente ano de 2003 houve a reno-vação da Diretoria da empresa-ré,depois da posse do novo Governa-dor do Estado do Piauí, o Procuradordo Trabalho que presidiu a investi-gação decidiu realizar novas tenta-tivas de solucionar pela via extraju-dicial o problema descrito. Foram re-alizadas três audiências, tendo oatual Diretor-Presidente da ré falta-do a duas delas, não designandosequer algum preposto. Na únicaaudiência para a qual compareceu,o referido Presidente não aceitou fir-mar Termo de Ajuste de Conduta,demonstrando sua intenção de pros-seguir praticando os atos de im-probidade já mencionados. Dessemodo, não resta alternativa ao Mi-nistério Público do Trabalho, senãopromover a presente Ação Públicaperante esse órgão do Judiciário Fe-deral, bem assim notificar o fato aoMinistério Público Estadual e ao Tri-bunal de Contas do Estado do Piauí,

cobrando no sentido de que cum-pram as obrigações que lhe cabem,contra os atuais e os anteriores Di-retores da ré.

7) Como visto, a ré possui, deacordo com a documentação por elaprópria fornecida, 02 (dois) empre-gados contratados após 5.10.1988sob o rótulo de “serviços prestados”,sem prévia aprovação em concursopúblico. Também possui a ré 24 (vin-te e quatro) empregados efetivosdesignados indevidamente comoocupantes de “cargos comissiona-dos”, na medida emque não se tra-tam de cargos declarados em lei(em sentido estrito) como de livre no-meação e exoneração. Tais cargosforam criados por mera deliberaçãode órgãos diretivos da PIEMTUR(conforme atas às fls. 103/106 dosautos do IC). Logo, mesmo em setratando de sociedade de empresapública, cujos empregos públicosnão são criados por lei (CF, art. 61,§ 1º, “a”), somente ao legisladorcompete declarar se determinadocargo ou emprego é de livre nome-ação e exoneração, de modo a dis-pensar a exigência do concurso pú-blico (ver o relatório de encerramen-to do ICP, nas fls. 56 a 63 dos autosem anexo).

8) Sendo assim, com exceçãodos cargos da Diretoria (incluído o dePresidente) e do Conselho Fiscal (in-cluídos os suplentes), todos os de-mais empregados da ré, admitidosapós 5 de outubro de 1988, sem pré-via aprovação em concurso público,estão em situação irregular, porquan-to firmaram contratos de trabalho nu-los (art. 37, II e § 2º, da Constituição).

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II. DA COMPETÊNCIA

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1) A ré, uma empresa públicaestadual, contrata seu pessoal sobo regime da Consolidação das Leisdo Trabalho — CLT, conforme pre-visto no art. 173, § 1º, II, da CartaMagna de 1988, estando, portanto,nas causas decorrentes da relaçãode trabalho em que ela for parte, sub-metida à jurisdição da Justiça do Tra-balho (art. 114, da CF/88). O conflito,na hipótese, decorre da celebraçãode contratos de trabalho.

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1) Nesta ação civil pública nãoé postulada a criação ou interpreta-ção de normas coletivas relaciona-das a uma determinada categoria detrabalhadores, mas sim a aplicaçãodo direito material preexistente e cri-ado na via legislativa, não se con-fundindo, em hipótese alguma, como dissídio de natureza coletiva. Des-tarte, não tem cabimento se fazer ne-nhum paralelo com o dissídio coleti-vo, para o fim de concluir pela com-petência dos Tribunais Regionais doTrabalho para apreciar a ação civilpública. Ressalte-se que o art. 652,IV, do Texto Consolidado, preceituacompetir ao primeiro grau de jurisdi-ção a conciliação e julgamento dosdissídios de natureza individual. So-mando-se a isso, vale registrar quea competência dos Tribunais decor-re de expressa previsão legal (arts.678 a 680, da CLT), onde não foi es-tabelecida a competência origináriapara apreciação de ações civis pú-blicas. Assim, seguindo-se a regra

de que a competência originária,salvo previsão legal em contrário, édos órgãos de primeiro grau, na Jus-tiça do Trabalho a competência fun-cional para apreciar esta ação é dasVaras do Trabalho (art. 111, III, reda-ção da EC n. 24). Por sua vez, a Lein. 7.347/85, que regula a ação civilpública, expressamente prevê que“as ações previstas nesta lei serãopropostas no foro local onde ocorrero dano, cujo juízo terá competênciafuncional para processar e julgar acausa”.

2) No âmbito da Justiça do Tra-balho, portanto, a competência funci-onal para apreciar as ações civis pú-blicas é das Juntas de Conciliação eJulgamento, hoje Varas do Trabalho,como têm entendido o órgãos da Jus-tiça do Trabalho na 22ª Região, e as-sim pacificou o TST nos autos daACP-154.931/94.8, rel. Min RonaldoLeal (DJU de 29.11.1996, p. 47.434):

“Ação Civil Pública. Estagiários.Desvio de finalidade. A Ação CivilPública é de natureza ordinária eindividual, pois envolve a aplica-ção da legislação existente, o queimplica dizer que, como qualquerAção Ordinária, o órgão compe-tente para apreciá-la originaria-mente é, em virtude do critério dahierarquia, a Junta de Conciliaçãoe Julgamento”.

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1) Quanto à competência terri-torial, a administração da ré se dána sua sede, a qual fica nesta Capi-tal, local emque são formulados to-dos os contratos de trabalho de seupessoal. É, portanto, competente ter-

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ritorialmente uma das Varas do Tra-balho de Teresina.

III. DO CABIMENTO DA AÇÃO CIVILPÚBLICA E DA LEGITIMIDADEDO MINISTÉRIO PÚBLICO DOTRABALHO

1) A ação civil pública, instituí-da pela Lei n. 7.347/85, representouuma profunda mudança na concep-ção de processo, anteriormente vol-tado apenas para as relações indivi-duais. A Constituição de 1988, emseu art. 129, inciso III, ampliou as hi-póteses de seu cabimento, para quefossem tutelados, também, outrosinteresses difusos e coletivos, alémdos expressamente relacionados nalei de sua criação, bem como o patri-mônio público. Por sua vez, o Códi-go de defesa do Consumidor (Lei n.8.078/90) tornou explícito o seu ca-bimento na defesa de qualquer ou-tro interesse difuso ou coletivo.

2) A Lei Complementar n. 75/93(Lei Orgânica do Ministério Público daUnião) previu, expressamente, no art.83, III, a legitimidade do Ministério Pú-blico do Trabalho para promover aação civil pública no âmbito da Justiçado Trabalho, para defesa de interes-ses coletivos, quando desrespeitadosos direitos sociais constitucionalmen-te garantidos. O art. 6º dessa mesmalei estabelece que compete ao Minis-tério Público da União promover o in-quérito civil e a ação civil pública paraa proteção do patrimônio público e deoutros interesses individuais indispo-níveis, homogêneos, sociais, difusose coletivos (inciso VII, alíneas “b” e “d”).

3) No caso presente, o Minis-tério Público do Trabalho age em

defesa da ordem jurídica, do patri-mônio público e de interesses difu-sos, em razão do previsto nos arts.127, caput e 129, III, da Carta Magnade 1988. As contratações de traba-lhadores sem a prévia aprovação emconcurso público, além de ofender aLei Maior (art. 37, II), provoca gastospúblicos nem sempre necessáriose com pessoas contratadas semnenhum critério técnico e impedeque o cidadão “comum”, isto é, aque-le que nào é partidário do adminis-trador público ou “apadrinhado”, quepoderia se submeter a concurso pú-blico, caso existente a necessidadede pessoal, o que há no caso, poisdiversas vagas estão ocupadas porpessoas contratadas sem concursopúblico, obtenha um emprego públi-co. O interesse difuso reside exata-mente na impossibilidade de se de-terminar o número de cidadãos im-possibilitados de acessar a um em-prego público pela via correta, ouseja, através de prévia aprovação emconcurso público. Não se pode olvi-dar, ainda, que há um desrespeito adois fundamentos da República Fe-derativa do Brasil (dignidade da pes-soa humana e os valores sociais dotrabalho — art. 1º, III e IV), já que oscontratos irregularmente ficam sem-pre na “obrigação” de atender bemao seu chefe, e não ao público desti-natário dos serviços. Por outro lado,o trabalhador tem direito de manterum contrato de emprego regular, desorte a não ser privado de nenhumdireito social assegurado constitu-cionalmente, o que não ocorre comaqueles cujos contratados são nu-los por estarem em desacordo como ordenamento legal.

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4) Outrossim, há que se im-primir o procedimento trabalhista re-gido pela CLT, inclusive prazos, for-ma dos atos, vias e competênciarecursais.

IV. Da nulidade dos contratos detrabalho

1) O contrato e trabalho, parasua validade, deve observar o preco-nizado no art. 82, do Código Civil bra-sileiro, aplicável subsidiariamenteao direito do trabalho (parágrafo únicodo art. 8º, da CLT). Entre os requisi-tos lá disposto, tem-se o de que osatos jurídicos deverão obedecer àforma prescrita em lei, o que não foiobservado pela ré, já que, mesmoapós à promulgação da Constituiçãoda República Federativa do Brasil,ocorrida em 5.10.1988, contratou tra-balhadores (empregados públicos)sem a prévia aprovação em concur-so público como impõe a art. 37, II,da Magna Carta. Vale destacar queas contratações impugnadas nãoocorreram para cargos em comissãodeclarados em lei de livre nomea-ção e exoneração, única ressalva fei-ta no Texto Constitucional. A ré é umasociedade de economia mista esta-dual, devendo, portanto, obediênciaaos princípios gerais da admissãopública (legalidade, impessoalida-de, moralidade, publicidade e eficiên-cia), insculpidos no artigo supramen-cionado da Constituição da Repúbli-ca, e, também, particularmente aodisposto no inciso segundo desseartigo: “A investidura em cargo ouemprego público depende de apro-vação prévia em concurso público deprovas ou de provas e títulos, de acor-

do com a natureza e complexidade docargo ou emprego, na forma previs-ta em lei, ressalvadas as nomeaçõespara cargo em comissão declaradoem lei de livre nomeação e exonera-ção” (Redação da Emenda Consti-tucional n. 19). Registre-se que an-tes dessa Emenda Constitucionalas empresas públicas e sociedadesde economia mista já estavam obri-gadas a realizar o certame público.

2) Pelo fato de as empresaspúblicas e sociedades de economiamista estarem sujeitas ao regimejurídico próprio das empresas priva-das, inclusive quantos aos direitos eobrigações trabalhistas (art. 173, §1º, II — Emenda Constitucional n. 19),surgiu uma controvérsia acerca danecessidade de contratarem seupessoal somente mediante préviaaprovação em concurso público. Aquizila, sem muito fundamento, hajavista a necessidade de dar-se umainterpretação conciliatória e integra-tiva do Texto Constitucional, que nãocontém preceitos inúteis, já foi resol-vida pela Corte Constitucional do Bra-sil, que deu a seguinte interpretação:

“Cargos e empregos públicos.Administração pública direta, in-direta e fundacional. Acessibilida-de. Concurso público.

A acessibilidade aos cargos pú-blicos a todos os brasileiros, nostermos da lei e mediante concur-so público é princípio constitucio-nal explícito, desde 1934, art. 168.

Embora cronicamente sofismado,mercê de expedientes destinadosa iludira regra, não só foi reafir-mado pela Constituição, como

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ampliado, para alcançar os em-pregos públicos, art. 37, I e II.

Pela vigente ordem constitucional,em regra, o acesso aos empregospúblicos opera-se mediante concur-so público, que pode não ser de igualconteúdo, mas há de ser público.

As autarquias, empresas públicase sociedades de economia mistaestão sujeitas à regra, que envol-ve a administração direta, indiretaou fundacional, de qualquer dospoderes da União, dos Estados, doDistrito Federal e dos Municípios.

Sociedade de economia mistadestinada a explorar atividadeeconômica está igualmente sujei-ta a esse princípio, que não colidecom o expresso no art. 173, § 1º.Exceções ao princípio, se existem,estão na própria Constituição” (MS21.322-1-DF — Rel.Min. PauloBrossard — DJU de 23.4.1993 —destaques acrecidos)

3) Os contratos de trabalho devários empregados da ré foram ce-lebrados em flagrante desrespeito àordem jurídica (art. 37, II, da CF/88),pois não houve a necessária apro-vação prévia em concurso público enão podem ser inseridos na ressal-va constitucional. A ré, apesar de ci-ente disso, sendo confessa, insisteem não regularizar a situação. É cer-to que há necessidade de apuraçãode responsabilidade do administra-dor público, pois, uma vez praticadaa ilegalidade, a autoridade respon-sável deve ser punida, como impõemo art. 37, II e §§ 2º e 4º da Constitui-ção da República, combinado comos arts. 1º, 2º, 4º, 11, inciso I, e art.12, inciso III, da Lei n. 8.429, de

2.6.1992. As contratações efetivasem desconformidade com o art. 37,II, da Carta Magna, constituem crimede responsabilidade e prática deato de improbidade administrativa,ensejando, por conseqüência, tam-bém a reparação de danos causa-dos ao erário. Todavia, as referidasprovidências deverão ser adotadasperante em outras esferas adminis-trativa e judicial, e, para tanto, já fo-ram provocados o Ministério Públi-co Estadual e o Tribunal de Contas doEstado, para que adotem as provi-dências cabíveis (fls. 65/67, do ICP).

4) Vale registrar, finalmente, queos interesses particulares, isto é, da-queles que foram contratados irregu-larmente, não podem prevalecer so-bre o interesse público (art. 8º, caput,in fine, da CLT) — o da abertura deconcurso público para que os interes-sados possam se habilitar e, sendoaprovados, serem contratados.

V. Da concessão da liminar

1) Os requisitos indispensá-veis para a concessão da liminar es-tão presentes. No tópico IV ficou de-monstrado o fumus boni iuris. No quediz respeito ao periculum in mora,cumpre observar que, a cada dia quepassa sem a realização de concur-so público, diversos possíveis preten-dentes de vagas na ré estão sendolesados, pois não têm o acesso aoemprego público pela democráticae impessoal via do concurso públi-co, além de estarem sendo feitosgastos pela administração públicacom pessoas admitidas sem análi-se prévia de sua qualidade técnica.

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VI. Dos pedidos

1) Liminarmente, estando preen-chidos os requisitos, conforme de-monstrado no item anterior, o autor re-quer a esse d. Juízo do Trabalho, combase no art. 12 da Lei n. 7.347/85, aconcessão de liminar inaudita alterapars, para determinar à ré que AFAS-TE todos os servidores admitidos após5.10.1988 sem prévia aprovação emconcurso público, incluídos os preten-sos COMISSIONADOS que não este-jam inseridos em cargos criados por leiem sentido estrito (dos quais, ressal-vam-se apenas os membros da Dire-toria e os do Conselho Fiscal) e “PRES-TADORES DE SERVIÇOS”; bem as-sim, para determinar que SE ABSTE-NHA de voltar a inserir nos seus qua-dros novos empregados que não te-nham sido aprovados em prévio con-curso público, não importando a deno-minação que se lhes venha a atribuir,ou seja, “comissionados”, “serviçosprestados” etc.; tudo isso, sob pena deincidir na obrigação de pagar multa diá-ria no valor equivalente a R$ 5.000 (cin-co mil reais) por cada trabalhador quevenha a ser mantido ou contratado irre-gularmente, multa essa reversível aoFAT (Fundo de Amparo ao Trabalha-dor), instituído pelo art. 10 da Lei n.7.998, de 11.1.1990, em sintonia como art. 11, II e VI, combinado com art. 25,da mesma Lei, sem prejuízo da confi-guração de crime de desobediência(art. 330 do Código Penal);

2) Concedida a liminar, requera notificação da empresa ré no en-dereço indicado no preâmbulo, ado-tando-se o que dispõe a respeito oart. 841 da CLT, para que compare-ça à audiência de conciliação, ins-trução e julgamento que for desig-

nada, através do seu representantelegal ou preposto, e, querendo, con-teste o pedido e produza as provasque tiver, sob pena de confissão erevelia (art. 844, “caput”, da CLT),prosseguindo-se com o feito até fi-nal sentença, onde pede a V. EXª que:

a) seja confirmada a medida li-minar requerida no antecedente (item“1”), em todos os seus termos, de-clarando-se nulos os contratos de tra-balho celebrados sem prévia realiza-ção de concurso público e condenan-do-se a ré, de forma definitiva, sobpena de incorrer na referida multadiária, no valor equivalente a R$ 5.000(cinco mil reais) por cada trabalhadorirregular que for mantido, reversívelao FAT, conforme o art. 11 da Lei n.7.347/1985, sem prejuízo da configu-ração do crime de desobediência (art.330 do Código Penal) e da aplicaçãodos arts. 633 e seguintes, do CPC(satisfação da obrigação por terceiro,à custa da devedora), nas seguintesobrigações de fazer e não fazer:

a.1) afastar todos os servidoresadmitidos após 5.10.1988 sem pré-via aprovação em concurso público,aí incluídos os ocupantes de preten-sos cargos ou funções comissionadosnão criados por lei em sentido estrito(ressalvados apenas os membros daDiretoria e os do Conselho Fiscal) eos apelidados de “serviços prestados”e os apelidados de quaisquer outrasdenominações destinadas a dar à re-lação de emprego outra roupagem;

a.2) abster-se de manter con-tratado e de voltar a contratar empre-gados que não tenham sido aprova-dos em concurso público prévio eespecífico para as funções a seremexercidas na empresa ré, aí incluídos,

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expressamente, os “comissionados”designados para cargos de livre no-meação e exoneração que não te-nham sido criado por lei stricto sen-su (ressalvados apenas os membrosda Diretoria e os do Conselho Fis-cal), os empregados apelidados de“serviços prestados” e os apelidadosde quaisquer outras denominaçõesdestinadas a dar à relação de em-prego outra roupagem; e

b) seja a ré condenada a arcarcom as custas e demais despesasprocessuais.

VII. Das provas

1) Para comprovar o alegado,o Ministério Público do Trabalho,além dos autos do Inquérito Civil queanexa à presente ação, protesta, delogo, pela juntada de outros docu-mentos, produção de prova testemu-nhal, depoimento pessoal do repre-sentante da ré (sob pena de confis-são), pericial, inspeção judicial e exi-bição de documentos ou coisas, etc.

VIII. Das notificações ao autor

1) Pede, ainda, a notificaçãopessoal, nos autos, através de um deseus Procuradores (endereço indica-

do no preâmbulo), nos termos dosarts. 18, II, “h” e 84, IV, da Lei Comple-mentar n. 75/93; e 236, § 2º, do CPC.A questão mereceu, aliás, atençãoespecial da Presidência do Eg. TRTda 22ª Região, que baixou o Provi-mento Correicional n. 01/2000, deter-minado a observância da prerrogati-va processual dos membros do Mi-nistério Público do Trabalho, perti-nente às intimações e notificações,no âmbito da 22ª Região.

IX. Prerrogativas do autor

1) No tocante ao pagamento decustas e despesas processuais, en-fatiza a isenção assegurada ao Minis-tério Público, invocando, outrossim, asdisposições do art. 18 da Lei n. 7.347/85, e arts. 19, § 2º, e 27, do CPC.

X. Do valor da causa

1) Atribui-se à causa o valor deR$ 100.000,00 (cem mil reais).

N. termos,

Pede deferimento.

Teresina (PI), 23 abril de 2003.

Marco Aurélio Lustosa Cami-nha, Procurador do Trabalho.

DECISÃO

ATA DE AUDIÊNCIA DOSEMBARGOS DECLARATÓRIOS

DA AÇÃO CIVIL PÚBLICA N.00558-2003-002-22-00-9

Aos 23 (vinte e três) dias domês de janeiro do ano de dois mil e

quatro, às 10:10 h, estando aberta asessão da 2ª Vara do Trabalho deTeresina (PI), em sua respectivasala, na Av. Miguel Rosa, 3728-Sul,com a presença do Sr. Juiz do Tra-balho Substituto Dr. GÊNISON CIRI-LO CABRAL, formam, por ordem do

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Exmo. Sr. Juiz, apregoados os liti-gantes:

Embargante: MINISTÉRIO PÚ-BLICO DO TRABALHO — Procura-doria Regional do Trabalho da 22ª.Região.

Embargada: EMPRESA DETURISMO DO PIAUÍ — PIEMTUR

Ausentes as partes.

Instalada a audiência e relata-do o processo, observando-se o pro-cedimento legal, o Juízo passou aproferir a seguinte

SENTENÇA

Vistos etc.,

I. RELATÓRIO

O autor MINISTÉRIO PÚBLICODO TRABALHO — Procuradoria Re-gional do Trabalho da 22ª Regiãoapós EMBARGOS DE DECLARAÇÃOcontra a sentença de fls. 120/134,prolatada nos autos da AÇÃO CIVILPÚBLICO que move em face da EM-PRESA DE TURISMO DO PIAUÍ —PIEMTUR. Expõe, em síntese, dizen-do que a sentença ora embargada écontraditória em razão de determinar(no seu dispositivo) o afastamentode apenas 26 empregados, enquan-to que na sua fundamentação dire-ciona argumentos apontando ilega-lidade de todos os contratados, de-pois da Constituição de 1988, sem aprévia aprovação em concurso pú-blico (e não apenas os referidosempregados listados, em relaçãomeramente exemplificativa). Ao final

requer a correção do decisum em-bargado.

Juizo de admissibilidade posi-tivo.

Eis o breve relato. Tudo bemvisto e analisado. Passo a DECIDIR.

II. FUNDAMENTOS

Julgo o processo no estadoem que se encontra, conhecendo di-retamente do pedido, uma vez que aquestão de mérito, sendo unicamen-te de direito, prescinde da produçãode provas.

Pois bem.

Realmente, presta-se a AçãoCivil Pública à defesa dos interessesou direitos difusos, assim entendidosos transindividuais, de natureza indivi-sível, de que sejam titulares pessoasindeterminadas e ligadas por circuns-tâncias de fato (art. 81, parágrafo úni-co, inciso I, da Lei n. 8.078/90), comodefinido no item 3 (fls. 123/124) dasentença embargada.

E individualizar pessoas, naespécie, é emprestar à presente de-manda feições de Ação Civil Coleti-va, o que definitivamente não é ocaso, como bem frisou o embargante(fl. 160).

E bem por isso, razão assisteao Parquet Trabalhista.

Mais outra.

Se os pedidos do autor foramtodos julgados PROCEDENTES(item 4, parte dispositiva, fl. 132) e,no que diz respeito à obrigação FA-ZER, o seu pedido foi no sentido de

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afastar todos os “servidores” admiti-dos após 5.10.1988, sem a préviaaprovação em concurso público (fl.11), razoável concluir que restringira obrigação apenas aos emprega-dos listados em relação meramenteexemplificativa, revela-se contraditório.

Tem mais.

Se é verdade que todos aque-les que se encontram em situaçãosemelhante (e naquela situação) sãoiguais perante a lei (art. 5º, inciso I,da CF/88) e ainda, se é verdade queo ordenamento juridico pátrio é paratodos dirigido e de observância obri-gatória —, razoável concluir que to-dos os empregados da embargadaque foram admitidos sem a préviaaprovação em concurso público es-tão em situação irregular e sua con-tratação é nula de pleno direito (art.37, § 2º, da CF/88).

E neste sentido foi articuladatoda a fundamentação da sentençaembargada.

Ocorre, porém, que no momen-to da concessão da liminar requeridae na parte dispositiva da referida sen-tença embargada, contraditoriamente,este juízo sentenciante restringiu odeferimento do pleito do autor, deter-minando apenas o afastamento dosmulticitados vinte e seis empregadosnominalmente indicados.

Portanto, diante do exposto,ACOLHE-SE o pedido do embargan-te para, reparando a contradição ve-rificada, DESCONSTITUIR PARCIAL-MENTE a sentença embargada ape-nas no que diz respeito à obrigaçãode FAZER, determinando que a em-presa ré AFASTE TODOS os seusempregados, contratados após a data

de 5.10.1988, sem a prévia aprova-ção em concurso público, especial-mente aqueles já identificados e aseguir discriminados: 1) Gonçalo deSousa B. Filho; 2) Teresa CristinaCarvalho C. da Silveira; 3) Maria deJesus Lima dos Santos; 4) CristianeMarques Barbosa; 5) Lidiane de Cas-tro Lustosa: 6) Fabrício de MouraSérvulo; 7) Yara Maria Gomes Frota;8) Josípio Lages Fortes Lustosa; 9)José de Almeida Gonçalves Neto; 10)Luciana Rocha da Silva; 11) PetroRibeiro Gonçalves Rehen; 12) Sér-gio Alexandre Ramos Tinoco; 13)Ana Rosa Caminha Raulino; 14) Már-cia Maria Gonçalves da RochaLima; 15) Natacha Karissa M. Mara-nhão; 16) Ana Maria Rodrigues de Mo-rais; 17) Rosalbina Formiga de Car-valho; 18) Melissa Araújo Napoleãodo Rego; 19) Marlon Fábil Alves dePaula; 20) André de Gayoso Ribeiro;21) Philipe Mota Melão; 22) Patríciade Alencar Medeiros; 23) MarcelloAtta Farias; 24) Paulo Castelo Bran-co de Carvalho; 25) Sebastião Nu-nes de Oliveira; e 26) José Eduar-do Gomes.

Mantem-se todos os demaistermos da sentença embargada, in-clusive no que diz respeito à conces-são do pedido liminar, e o prazo neleindicado para cumprimento, sobpena de astreintes, nas condições es-tabelecidas no decisum embargado.

Expeça-se, pois, novo manda-do liminar (de cumprimento, para aobrigação de FAZER), e nas mes-mas condições anteriormente esta-belecidas (fl. 136), independente-mente do trânsito em julgado da pre-sente sentença.

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E, por via de conseqüência, tor-no sem efeito o referido mandado defl. 136.

É o entendimento deste Juízo.

III. DISPOSITIVO

Ante ao exposto, e consideran-do o mais que dos autos consta,decide o Juízo da 2ª Vara do Traba-lho de Teresina conhecer dos Em-bargos Declaratórios, dando-lhesprovimento, para desconstituir par-cialmente a sentença embargadaapenas no que diz respeito à obriga-ção de FAZER, determinando que aempresa ré AFASTE todos os seusempregados, contratados após adata de 5.10.1998, sem a prévia apro-vação em concurso público, especi-almente aqueles já identificados e aseguir discriminados: 1) Gonçalo deSousa B. Filho; 2) Teresa CristinaCarvalho C. da Silveira; 3) Maria deJesus Lima dos Santos; 4) CristianeMarques Barbosa; 5) Lidiane de Cas-tro Lustosa; 6) Fabrício de MouraSérvulo; 7) Yara Maria Gomes Frota;8) Josípio Lages Fortes Lustosa; 9)José de Almeida Gonçalves Neto; 10)Luciana Rocha da Silva; 11) PetroRibeiro Gonçalves Rehen; 12) Sér-gio Alexandre Ramos Tinoco; 13)Ana Rosa Caminha Raulino; 14)Márcia Gonçalves da Rocha Lima;15) Natacha Karissa M. Maranhão;16) Ana Maria Rodrigues de Morais;17) Rosalbina Formiga de Carvalho;18) Melissa Araújo Napoleão doRego; 19) Marlon Fábio Alves dePaula; 20) André de Gayoso Ribeiro;21) Philipe Mota Melão; 22) Patríciade Alencar Medeiros; 23) Marcello AttaFarias; 24) Paulo Eduardo Gomes.

Expeça-se, pois, novo manda-do liminar (de cumprimento, para aobrigação de FAZER).

Consigne-se no aludido man-dado que referida obrigação deveráser cumprida dentro do prazo de 90(noventa) dias, a contar da intimação.

Consigne-se repisando, queem caso de eventual descumprimen-to por parte da empresa ré (quanto àpresente obrigação de FAZER), incidi-rá a multa anteriormente arbitrada nasentença embargada (item 3.2, fl. 132).

E, por via de conseqüência, tor-no sem efeito o referido mandado defl. 136.

Declaro, pois, extinto este pro-cesso incidente, com julgamento domérito, nos termos do art. 269, inci-so I, do CPC.

Para ciência do embargado,PUBLIQUE-SE o dispositivo da presen-te sentença, na forma da recomenda-ção de 23.9.2003 (item 9), da E. Cor-regedoria Regional desta 22ª Região.

O Parquet embargante deveráser cientificado da presente senten-ça, pessoalmente e nos própriosautos (art. 236, § 2º, do CPC).

Recebo recurso ordinário defls. 139/147, no seu efeito devoluti-vo, tão somente (art. 899, do DecretoLei n. 5.452/43).

Cumpridas as diligências aci-ma, subam os autos ao E. TRT des-ta 22ª Região.

E, para constar, foi lavrada apresente ata que vai devidamenteassinada na forma da lei.

Juiz do Trabalho,

Diretor de Secretaria

Chefe do Serviço de Audiência

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ATA DE AUDIÊNCIA DAAÇÃO CIVIL PÚBLICAN. 00558-2003-002-22-00-9

Aos 19 (dezenove) dias do mêsde agosto do ano de dois mil e três,às 11:00 h, estando aberta a sessãoda 2ª Vara do Trabalho de Teresina(PI) em sua respectiva sala, na Av.Miguel Rosa, 3728-Sul, com a pre-sença do Sr. Juiz do Trabalho Subs-tituto Dr. GÊNISON CIRILO CABRAL,foram, por ordem do Exmo Sr. Juiz,apregoados os litigantes:

AUTOR: MINISTÉRIO PÚBLICODO TRABALHO — Procuradoria Re-gional do Trabalho da 22ª Região

Réus: Empresa de turismo doPiauí — PIEMTUR

Ausentes as partes.

Instalada a audiência e relata-do o processo, o Juízo passou a pro-ferir a seguinte

SENTENÇA

Vistos etc.

I. Relatório

Minsitério Público do Trabalho(Procuradoria Regional do Trabalho da22ª Região), ajuizou AÇÃO CIVILPÚBLICA no dia 29.4.2003, em faceda Empresa de Turismo do PIAUÍ —PIEMTUR, igualmente qualificadanos autos, sustentando a existênciade, pelo menos, 26 (vinte e seis)empregados contratados ilegalmen-te pela empresa ré, sendo 02 (dois)sob a designação de “serviços pres-tados” e 24 (vinte e quatro) contrata-

dos sob a designação “função co-missionada”, todos, admitidos após5.10.1988 e sem a prévia aprovaçãoem concurso público; que sustentaa nulidade das aludidas contrata-ções; e que pelo fato, requer, limi-narmente (inaudita altera pars), queseja determinado o afastamento detodos os aludidos empregados e ain-da, que seja determinado também,que a ré se abstenha de voltar a in-serir em seus quadros, novos em-pregados sem a prévia aprovaçãoem concurso público, sob pena demulta diária de R$ 5.000,00 por cadatrabalhador que venha ser mantidoou contratado irregularmente. Ao fi-nal requer que sejam declaradosnulos os contratos celebrados sema prévia realização de concurso pú-blico, bem como a manutenção daliminar requerida.

Regularmente notificada, aempresa pública demandada com-pareceu à sessão inaugural, queapós recusada a primeira tentativaconciliatória e dispensada a leiturada exordial, apresentou defesa con-testatória, suscitando em sede depreliminar, incompetência materialda Justiça do trabalho para proces-sar e julgar a matéria; e no mérito,sustentou que aludidas contrata-ções foram efetivadas dentro da pre-visão legal; que ainda na parte re-servada ao mérito, impugnou o valoratribuído à causa. E no final, optoupor não requerer a improcedênciados pedidos do autor.

Ainda na aludida sessão foiapreciado e deferido pedido liminarno que diz respeito à obrigação deNÃO FAZER, na qual foi determina-do que a empresa ré se abstenha

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de voltar a inserir nos seus quadros,novos empregados que não tenhamsido aprovados em prévio concursopúblico, sob pena de multa diária deR$ 1.000,00 (um mil reais), reversí-vel a favor do FAT, por cada trabalha-dor que porventura venha ser contra-tado irregularmente. Na mesma oca-sião, as partes ficam cientes da li-minar concedida (fl. 114).

Valor atribuído à causa em R$100.000,00.

Juntaram-se documentos.

Não foram produzidas provasorais pela partes.

Sem mais provas, encerrou-se a instrução.

Razões finais remissivas.

Impossível a conciliação.

Eis o breve relato. Tudo bemvisto e analisando, passo a DECIDIR.

II. FUNDAMENTOS

Antes, porém, de ingressar naapreciação da preliminar (de incom-petência material) e no mérito, cum-pre esclarecer e aqui registrar queos presentes autos não foram naoportunidade conclusos ao Juiz, paradecisão sobre o pedido liminar re-manescente (obrigação de FAZER).

Lamentavelmente, apenas ago-ra, com o processo pronto para jul-gamento é que tenho oportunidadede manifestar-me sobre o pedido li-minar remanescente.

Por outro lado, nada impede,entretanto, que se possa deferir (ounão) a providência requerida nesta

fase processual. Mas, por ser méri-to, aguardemos, pois, o momentoadequado.

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A competência deve ser anali-sada em função da causa de pedir edo pedido. Se a parte alega uma re-lação jurídica de natureza trabalhis-ta (causa de pedir), e se a pretensãodiz respeito à existência de um ale-gado contrato de emprego, compe-tente será esta Justiça Especializadado Trabalho para processar e julgara matéria.

Realmente, na ótica da reela-borada teoria do direito abstrato deagir, não só as condições da ação,mas também a competência, deve seranalisada em face do alegado na ini-cial. Se for necessária a análise con-creta de fatos, com apreciação de pro-vas, já estaremos adentrando na se-ara do mérito, não recomendável aquiem sede de preliminar.

Ainda que deixando de lado adoutrina abstracionista, não haveriacomo afastar a competência da Jus-tiça do Trabalho no caso vertente, ten-do em vista o que bem enfatizou aempresa ré na sua peça contestató-ria, ao afirmar que o caso vertente setrata da própria relação de trabalho”subordinado (fl. 103), e bem por isso,o caso vertente revela-se perfeitamen-te ajustado dentro da competênciaprópria desta Justiça do Trabalho.

Esclareço, porque oportuno eo momento recomenda, que aindaque se tratasse aqui de uma contro-vérsia decorrente de uma relação deemprego (e não da própria relaçãode um trabalho subordinado), ainda

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assim, a matéria estaria albergadadentro da competência material des-ta Justiça Especializada do trabalho,também estabelecida no art. 114 daCF/88.

E bem por isso, REJEITA-SE apreliminar.

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Apenas ao final de sua peçacontestatória (na parte reservada aomérito), empresa ré impugnou o va-lor atribuído à causa.

Ocorre, porém, que no proces-so trabalhista, à luz do art. 2º, § 1º, daLei n. 5.584/70, o momento própriopara a impugnação ao valor da causaé por ocasião das alegações finais.

E como optou a empresa ré,no particular, nada alegar no mo-mento oportuno, determinado por lei,INDEFIRO o pleito.

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Noticiam os autos, buscando-se em prova documental do Inquéri-to Civil Público n. 888/202 (fls. 13/99),que a empresa ré mantém em seusquadros, pelo menos, 26 (vinte seis)empregados públicos que ingressa-ram ilegalmente, sem a prévia apro-vação em concurso público (art. 37,inciso II, da CF/88).

Portanto, empresa pública queassim procede causa lesão aos di-reitos da coletividade dos trabalha-dores subordinados, tanto os atuaisquanto aos seus futuros emprega-dos, que contratados sem a préviaaprovação no impessoal e democrá-

tico concurso público, não poderãogranjear direitos constitucionais tra-balhistas, dado a nulidade absolutado ato (art. 37, § 2º, da CF/88).

Além do mais, por outro lado,digo que o administrador Público quenão se curva ao princípio constitucio-nal do concurso público, à evidên-cia, também provoca inegáveis pre-juízos a todos os trabalhadores quecompõem o infindável exército dereserva do mercado de trabalho, umavez que seus integrantes, sem opor-tunidade de participar do democráti-co concurso público, jamais terãochances de ocupar um tão sonhadoe concorrido emprego público.

E como a Ação Civil Públicapresta-se à defesa dos interesses oudireitos difusos, assim entendidos ostransindividuais, de natureza indivisí-vel, de que sejam titulares pessoasindeterminadas e ligadas por circuns-tâncias de fato (art. 81, parágrafo úni-co, inciso I, da Lei n. 8.078/90), cabí-vel é, portanto, a presente demanda.

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Pois bem: noticiam as fls. 26/29 que, além de outros, no quadrode pessoal da empresa ré existem26 (vinte e seis) empregados efeti-vos, admitidos após 5.10.1988; sen-do dois com a designação de “servi-ços prestados” e vinte e quatro coma designação de “funções comissi-onadas”.

Em sua defesa à fl. 104 a réinforma dizendo que os 02 (dois) fun-cionários designados de “serviçosprestados” não mais estão na em-presa e que os empregados que

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exercem “função comissionada”,admitidos após 5.10.1988, são ape-nas 13 (treze) — e não vinte e qua-tro —, acrescentando ainda, que atu-almente a empresa demandada jánão tem mais o mesmo quadro fun-cional apurado no referido InquéritoCivil Público.

Entretanto, por força do que fi-cou determinado na ata da sessãode 18.7.2003 (fl. 114), a empresa récolaciona aos autos “relação dosservidores da reclamada, conside-rados cargos comissionados e ser-viços prestados” (fl. 116), nos termosdos documentos de fls. 117/118, pre-sumindo-se, por ser razoável, quealudida relação de fls. 117/118 re-presenta a situação atual do quadro depessoal da empresa ré, no que dizrespeito ao pessoal designadosde “cargos comissionados” e de “ser-viços prestados”.

Ocorre, porém, que diferente-mente do alegado pela empresa ré,em sua defesa (fl. 104) (de que “nãotemos, portanto, na empresa recla-mada, a mesma situação apresen-tada pelo reclamante”), na realida-de, a relação de empregados apre-sentada pela então empresa inves-tigada em Inquérito Público às fls. 26/29 (em 12.4.2002), é exatamente amesma por ela própria tambémapresentada no recente 24.7.2003,às fls. 117/118.

E bem por isso, razoável con-cluir, que diferentemente do alega-do pela empresa ré, no particular, ea bem da verdade, nada mudou, ouseja, continuam a fazer parte inte-grante do quadro de pessoal daempresa demandada os mesmos 02

(dois) empregados admitidos coma designação “serviços prestados”e os mesmos 24 (vinte e quatro)empregados admitidos com a desig-nação “cargos comissionados”.

Como desde 5.10.1988 (dataanterior à contratação dos aludidosempregados) prevalecem as regrasconstitucionais da obrigatoriedadedo concurso público (art. 37, incisoII, da CF/88), ressalvado apenas oscargos em comissão declarado emlei de livre nomeação e exoneraçãorazoável concluir que as contrataçõesque não se amoldem às aludidasregras constitucionais estão à mar-gem da lei, e por óbvio, são nulas depleno direito (art. 37, § 2º, da CF/88).

Pois bem: como na estruturaAdministrativa da empresa ré indicaapenas que são admissíveis e de-missíveis ad nutum, pelo Governa-dor do Estado, os ocupantes doscargos de presidente e de diretores(art. 12, do Decreto Estadual n. 7.318/88), razoável concluir que o preen-chimento dos demais cargos naempresa, para ser válido necessá-rio se faz que o respectivo ocupantetenha logrado aprovação prévia emconcurso público de provas ou deprovas e títulos, de acordo com a com-plexidade do cargo.

Digo ainda mais, que em ho-menagem ao princípio da primazia darealidade, não importa a denomina-ção dada ao cargo (seja de “serviçosprestados”, de “cargos comissiona-dos” ou de “funções comissionadas”),o que importa é que somente cargosem comissão, declarados em lei es-pecifica de livre nomeação e exone-ração, seu preenchimento não se su-jeita ao prévio concurso público.

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E como para a empresa ré alei especifica apenas ressalva aoseu Presidente e os seus cinco Di-retores, os demais integrantes doquadro de pessoal da empresa de-mandada se sujeitam às regras doconcurso público, sob pena de nuli-dade do ato de sua contratação.

Esclarecendo, repiso afirman-do, que somente lei específica tem ocondão de, validamente, declarardeterminado cargo em comissão delivre nomeação e exoneração. E bemisso, revela-se inaplicável à espécie,lei genérica que dispõe sobre a Ad-ministração Pública do Estado doPiauí (LC Estadual n. 028/2003), quealém de não declarar, por exemplo,quais os cargos que serão preen-chidos ao talante do AdministradorPúblico, também não trata, de formaespecífica, do quadro de pessoal daempresa ré.

Como em nenhum momentoa empresa ré provou que os 24 (vin-te e quatro) integrantes da relaçãodos empregados que ocupam “car-gos comissionados” e nem os 02(dois) integrantes dos “serviços pres-tados”, prestaram concurso público,razoável concluir que as respectivascontratações se revelam irregulares.

Tudo, agravado pelo fato de teroptado a demandada em não reque-rer oportunamente, em sua peçacontestatória (art. 300 do CPC), aimprocedência dos pedidos do au-tor, e com aludido comportamentoprocessual concordou, ainda quetacitamente, com as alegações doautor.

Mas, filigranas à parte, a reali-dade é que, volto a repisar, a con-

tratação dos empregados da empre-sa ré, designados de “cargos co-missionados” (24) e “serviços pres-tados” (02), após a Constituição de1988 (fls. 26/29 e 117/118), sem aprévia aprovação em concurso pú-blico, é irregular e, portanto, nula depleno direito (art. 37, § 2º, da CF/88),o que desde já, incidentalmente, sedeclara.

E, por via de conseqüência,ACOLHE-SE o pedido do autor paradeterminar que a empresa ré AFAS-TE (obrigação de FAZER) os seus26 (vinte e seis) empregados a se-guir discriminados: 1) Gonçalo deSousa B. Filho; 2) Teresa CristinaCarvalho C. da Silveira; 3) Maria deJesus Lima dos Santos; 4) CristianeMarques Barbosa; 5) Lidiane de Cas-tro Lustosa; 6) Fabrício de MouraSérvulo; 7) Yara Maria Gomes Frota;8) Josípio Lages Fortes Lustosa; 9)José de Almeida Gonçalves Neto; 10)Luciana Rocha da Silva; 11) PetroRibeiro Gonçalves Rehen; 12) Sér-gio Alexandre Ramos Tinoco; 13)Ana Rosa Caminha Raulino; 14)Márcia Maria Gonçalves da RochaLima; 15) Natacha Karissa M. Ma-ranhão; 16) Ana Maria Rodriguesde Morais; 17) Rosalbina Formigade Carvalho; 18) Melissa Araújo Na-poleão do Rego; 19) Marlon Fábio Al-ves de Paula; 20) André de GayosoRibeiro; 21) Philipe Mota Melão; 22)Patrícia de Alencar Medeiros; 23)Marcello Atta Farias; 24) Paulo Cas-telo Branco de Carvalho; 25) Sebas-tião Nunes de Oliveira; e 26) JoséEduardo Gomes.

E pelos mesmos fundamentosaté aqui exaustivamente utilizados,

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ACOLHE-SE o pedido do autor paradeterminar que a empresa ré SEABSTENHA (obrigação de NÃO FA-ZER) de contratar empregados (res-salvados os casos previstos no art.12, do Decreto Estadual n. 7.318/88),sem a prévia aprovação em concur-so público de prova ou de provas etítulos, independentemente da no-meação/designação dada ao cargo.

Em caso de eventual descum-primento por parte da empresa ré,de quaisquer das obrigações a elaimposta (tanto a de FAZER, quanto ade NÃO FAZER), ARBITRAR-SE, des-de já, multa diária, no valor de R$3.000,00 (três mil reais) por cada tra-balhador que porventura venha a sermantido ou contratado irregularmen-te; multa essa reversível a favor doFundo de Amparo ao Trabalhador.

Ante aos termos da última par-te do § 2º, do art. 37, da CF/88, apóso trânsito em julgado da presentesentença, OFICIE-SE ao MinistérioPúblico do Estado do Piauí e ao Tri-bunal de Contas do Estado do Piauí,informando-lhes do teor do presen-te decisum, para as providências aseu cargo.

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Objetiva o Parquet Trabalhistamedida antecipatória dos efeitosfuturos do provimento final e definiti-vo, inaudita altera pars, ao pleito daobrigação (remanescente) de FAZERpor parte da empresa ré.

Empresa ré optou em restrin-gir-se a alegar, em síntese, que nãoestão satisfeitos os pressupostos

necessários para concessão damedida antecipatória, alegando ain-da que a medida (caso concedida)trará danos irreparáveis ao turismo(fl. 106).

Quanto aos pressupostospara atendimento do pedido liminar,digo que os documentos anexadosaos autos revelam que a empresaré mantém em seu quadro de pes-soal 26 (vinte e seis) empregadoscontratados irregularmente, após adata de 5.10.1988, sem a prévia apro-vação em concurso público, em de-trimento do art. 37, inciso II, da CF/88; estando, pois, plenamente con-substanciado o fumus boni iuris.

É obvio que aludidas contrata-ções irregulares acarretam prejuízosirreparáveis para a universidade dosempregados da empresa ré (porquenão têm seus direitos constitucio-nais trabalhistas garantidos, em ra-zão do contido no art. 37, § 2º, da CFc/c En. 363 do C. TST).

E ainda, lesão irreparável àuniversidade dos trabalhadores quecompõem o infindável exército dereserva do mercado de trabalho, umavez que seus integrantes, sem opor-tunidade de participar do democráticoconcurso público, jamais terão chan-ces de ocupar um tão sonhado econcorrido emprego público.

Daí, então, satisfeitos os pres-supostos de admissibil idade damedida pleiteada.

Pois bem: ainda que satisfei-tos os pressupostos (repiso, quan-to à obrigação de FAZER), cumpreaqui não olvidar, entretanto, que aempresa ré é o único instrumento

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que possui o Estado do Piauí paraincentivar e coordenar as suas açõesno setor da promissora indústria doturismo, objetivando trazer as divisase provocar a geração de novos pos-tos de trabalho (ligados ao setor deprestação de serviços), que tanto oEstado precisa.

E bem por isso, determinar oimediato cumprimento da ordemque adiante será concedida emsede de liminar (obrigação de FA-ZER), nesta hipótese (para cumpri-mento imediato), seria ignorar a rea-lidade, agravado pelo fato de que talmedida (se concedida fosse paracumprimento, repiso, imediato) muitoprovavelmente, iria causar prejuízosde conseqüências imprevisíveispara o turismo no Estado.

Assentadas essas premissas,entendo ser necessário um prazo ra-zoável para o início da medida coer-citiva, possibilitando uma adequa-ção da empresa ré à lei, sem correro risco da medida causar uma outraconseqüência (como por exemplo,retrocesso de eventuais ações doGoverno, já encaminhadas, no setorde turismo no Estado), de gravidadetambém indesejável.

Posto isto, CONCEDO a limi-nar requerida (obrigação de FAZER),para que a empresa ré, no prazo de90 (noventa) dias, a contar da inti-mação para cumprimento da presen-te obrigação, adote as seguintes pro-vidências, sob pena das cominaçõestambém a seguir arbitradas:

1º) AFASTE todos os 26 (vintee seis) empregados, a seguir nomi-nados, contratados após a data de5.10.1988, sem a prévia aprovação

em concurso público, a saber: 1)Gonçalo de Sousa B. Filho; 2) Tere-sa Cristina Carvalho C. da Silveira;3) Maria de Jesus Lima dos Santos;4) Cristiane Marques Barbosa; 5) Li-diane de Castro Lustosa; 6) Fabríciode Moura Sérvulo; 7) Yara Maria Go-mes Frota; 8) Josípio Lages FortesLustosa; 9) José de Almeida Gon-çalves Neto; 10) Luciana Rocha daSilva; 11) Petro Ribeiro GonçalvesRehen; 12) Sérgio Alexandre RamosTinoco; 13) Ana Rosa Caminha Rau-lino; 14) Márcia Maria Gonçalves daRocha Lima; 15) Natacha Karissa M.Maranhão; 16) Ana Maria Rodriguesde Morais; 17) Rosalbina Formiga deCarvalho; 18) Melissa Araújo Napo-leão do Rego; 19) Marlon Fábio Al-ves de Paula; 20) André de GayosoRibeiro; 21) Philipe Mota Melão; 22)Patrícia de Alencar Medeiros; 23)Marcello Atta Farias; 24) Paulo Cas-telo Branco de Carvalho; 25) Sebas-tião Nunes de Oliveira; e 26) JoséEduardo Gomes.

2º) Consignando-se desde jáque em caso de eventual descum-primento por parte da empresa ré(quanto à presente obrigação de FA-ZER), ARBITRA-SE, desde já, multadiária, no valor de R$ 3.000,00 (trêsmil reais) por cada trabalhador queporventura venha a ser mantido irre-gularmente nos quadros da em-presa ré; e

3º) O montante, em caso deeventual apuração da multa que tra-ta o item anterior, após sua cobran-ça e execução, será revertido em fa-vor do Fundo de Amparo ao Traba-lhador (instituído pelo art. 10, da Lein. 7.998/90).

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Expeça-se, pois mandadocumprimento (da obrigação de FA-ZER), independentemente do trânsi-to em julgado da presente sentença.

Quanto à obrigação de NÃOFAZER (de SE ABSTER a empresaré de contratar empregados, sem aprévia aprovação em concurso pú-blico de provas ou de provas e títu-los, independentemente da designa-ção dada ao cargo, ressalvados oscasos previstos no art. 12, do Decre-to Estadual n. 7.318/88), CONFIRMOa medida liminar concedida na ses-são de 18.7.2003 (fl. 114), pelosseus próprios fundamentos; paracumprimento imediato, sob pena demulta diária no valor de R$ 3.000,00(três mil reais) por cada trabalhadorque porventura venha a ser contrata-do irregularmente nos quadros daempresa ré.

É o entendimento deste Juízo.

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Ante ao exposto, e consideran-do o mais que dos autos consta,decide o Juízo da 2ª Vara do Traba-lho de Teresina o seguinte:

1. REJEITAR a preliminar deincompetência material suscitadapela empresa ré, nos termos da fun-damentação itens 1.

2. DECLARAR, incidentalmen-te, a nulidade absoluta dos contra-tos de trabalho subordinado havidoentre a empresa ré e os seus em-pregados, admitidos após a data de5.10.1988, sem a prévia aprovaçãoem concurso público, nos termos dafundamentação item 4.

3. CONCEDER a liminar (re-manescente) requerida (obrigaçãoda FAZER), para que a empresa ré,no prazo de 90 (noventa) dias, a con-tar da intimação para cumprimentoda presente obrigação, nas seguin-tes condições.

3.1. AFASTE todos os 26 (vintee seis) empregados, a seguir nomi-nados, contratados após a data de5.10.1988, sem a prévia aprovaçãoem concurso público, a saber; 1)Gonçalo de Sousa B. Filho; 2) Tere-sa Cristina Carvalho C. da Silveira;3) Maria de Jesus Lima dos Santos;4) Cristiane Marques Barbosa; 5) Li-diane de Castro Lustosa; 6) Fabríciode Moura Sérvulo; 7) Yara Maria Go-mes Frota; 8) Josípio Lages FortesLustosa; 9) José de Almeida Gon-çalves Neto; 10) Luciana Rocha daSilva; 11) Petro Ribeiro GonçalvesRehen; 12) Sérgio Alexandre RamosTinoco; 13) Ana Rosa Caminha Rau-lino; 14) Márcia Maria Gonçalves daRocha Lima; 15) Natacha Karissa M.Maranhão; 16) Ana Maria Rodriguesde Morais; 17) Rosalbina Formiga deCarvalho; 18) Melissa Araújo Napo-leão do Rego; 19) Marlon Fábio Al-ves de Paula; 20) André de GayosoRibeiro; 21) Philipe Mota Melão; 22)Patrícia de Alencar Medeiros; 23)Marcello Atta Farias; 24) Paulo Cas-telo Branco de Carvalho; 25) Sebas-tião Nunes de Oliveira; e 26) JoséEduardo Gomes.

3.2. Consignando-se desde jáque em caso de eventual descumpri-mento por parte da empresa ré (quan-to à presente obrigação de FAZER),ARBITRAR-SE, desde já, multa diária,no valor de R$ 3.000,00 (três mil reais)por cada trabalhador que porventura

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venha a ser mantido irregularmentenos quadros da empresa ré; e

3.3. O montante, em caso deeventual apuração da multa que tra-ta o item anterior, após sua cobran-ça e execução, será revertido em fa-vor do Fundo de Amparo ao Traba-lhador (instituído pelo art. 10, da Lein. 7.998/90).

4. Julgar PROCEDENTES ospedidos do autor MINISTÉRIO PÚ-BLICO DO TRABALHO (Procurado-ria Regional do Trabalho da 22ª Re-gião) formulados em face da EM-PRESA DE TURISMO DO PIAUÍ —PIEMTUR, confirmado as liminaresconcedidas, para condenar a empre-sa ré na seguintes obrigações:

4.1. Obrigação de FAZER, exi-gível a partir de 90º (nonagésimo) dia,a contar da intimação para cumpri-mento da obrigação:

4.1.1. AFASTAR todos os 26(vinte e seis) empregados, a seguirnominados, contratados após a datade 5.10.1988, sem a prévia aprova-ção em concurso público, a saber:1) Gonçalo de Sousa B. Filho; 2) Te-resa Cristina Carvalho C. da Silvei-ra; 3) Maria de Jesus Lima dos San-tos; 4) Cristiane Marques Barbosa;5) Lidiane de Castro Lustosa; 6) Fa-brício de Moura Sérvulo; 7) Yara Ma-ria Gomes Frota; 8) Josípio LagesFortes Lustosa; 9) José de AlmeidaGonçalves Neto; 10) Luciana Rochada Silva; 11) Petro Ribeiro Gonçal-ves Rehen; 12) Sérgio AlexandreRamos Tinoco; 13) Ana Rosa Cami-nha Raulino; 14) Márcia Maria Gon-çalves da Rocha Lima; 15) NatachaKarissa M. Maranhão; 16) Ana Maria

Rodrigues de Morais; 17) RosalbinaFormiga de Carvalho; 18) MelissaAraújo Napoleão do Rego; 19) Mar-lon Fábio Alves de Paula; 20) Andréde Gayoso Ribeiro; 21) Philipe MotaMelão; 22) Patrícia de Alencar Medei-ros; 23) Marcello Atta Farias; 24) PauloCastelo Branco de Carvalho; 25) Se-bastião Nunes de Oliveira; e 26) JoséEduardo Gomes;

4.1.2. Consignando-se desdejá que em caso de eventual descum-primento por parte da empresa ré(quanto à presente obrigação de FA-ZER), ARBITRA-SE, desde já, multadiária, no valor de R$ 3.000,00 (trêsmil reais) por cada trabalhador queporventura venha a ser mantido irre-gularmente nos quadros da empre-sa ré; e

4.1.3. O montante, em caso deeventual apuração da multa que tra-ta o item anterior, após sua cobran-ça e execução, será revertido em fa-vor do Fundo de Amparo ao Traba-lhador (instituído pelo art. 10, da Lein. 7.988/90).

4.2. Obrigação de NÃO FAZER,para cumprimento imediato, a contarda intimação, ocorrida na sessão de18.7.2003, nas seguintes condições:

4.2.1. ABSTER-SE a empresaré de contratar empregados, sem aprévia aprovação em concurso pú-blico de provas ou de provas e títu-los, independentemente da designa-ção dada ao cargo, ressalvado ape-nas os casos previstos no art. 12, doDecreto Estadual n. 7.318/88;

4.2.2. Consignando-se desdejá que em caso de eventual descum-primento por parte da empresa ré

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(quanto à presente obrigação de NÃOFAZER), ARBITRAR-SE, desde já,multa diária, no valor de R$ 3.000,00(três mil reais) por cada trabalhadorque porventura venha a ser contrata-do irregularmente nos quadros daempresa ré; e

4.1.3. O montante, em caso deeventual apuração da multa que tratao item anterior, após sua cobrança eexecução, será revertido em favor doFundo de Amparo ao Trabalhador (ins-tituído pelo art. 10, da Lei n. 7.998/90).

Tudo em fiel observância à fun-damentação retro, a qual passa a fa-zer parte integrante da presente con-clusão, como se nela estivessetranscrita.

Custas processuais no valorde R$ 2.000,00, calculadas sobre aimportância atribuída à causa de R$100.000,00, a cargo da empresa ré.

Expeça-se, pois, mandado li-minar (de cumprimento, para a obri-gação de FAZER), independente-mente do trânsito em julgado do pre-sente decisum, nos termos da fun-damentação item 5.

Após o trânsito em julgado, ofi-cie-se ao Ministério Público do Estadodo Piauí e ao Tribunal de Contas doEstado do Piauí, informando-lhesdo teor do presente decisum, paraas providências a seu cargo.

Intimem-se as partes. Sendoque o autor deverá ser intimado pes-soalmente, e nos próprios autos (art.236, parágrafo 2º, do CPC).

E, para constar, foi lavrada apresente ata que vai devidamenteassinada na forma da lei.

Juiz do Trabalho

Diretor de Secretaria

Chefe do Serviço de Audiência

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TERMO DE COMPROMISSO DE AJUSTAMENTO DECONDUTA — SINDICATO — OBRIGAÇÃO DE NÃO

RECUSAR HOMOLOGAÇÃO DE RESCISÕESCONTRATUAIS (PRT 22ª REGIÃO)

TERMO DE AJUSTE DE CONDUTA N. 1405/2004

O SINDICATO DOS PROFESSO-RES E AUXILIARES DA ADMINISTRA-ÇÃO ESCOLAR DO ESTADO DO PIAUÍ— SINPRO/PI, associação com sedena Rua Clodoaldo Freitas, 1742, emTeresina-PI, através de seu Presi-dente, Sr. Joaquim Gutemberg Tei-xeira Caldas, brasileiro, casado, por-tador do RG n. 468.788 SSP/PI, CPFn. 240.607.713-68, residente na Q-14, C-02, Setor B, Mocambinho I, emTeresina-PI, pelo presente instru-mento, nos termos do art. 5º, § 6º, daLei n. 7.347/85, perante o MinistérioPúblico do Trabalho, por intermédioda Procuradoria Regional do Traba-lho 22ª Região, representado peloProcurador Regional do TrabalhoMarco Aurélio Lustosa Caminha, nosautos do Procedimento Preparatórion. 572/2003, assume o COMPRO-MISSO que se regerá pelas seguin-tes cláusulas:

1ª) O Compromissário não serecusará a cumprir sua obrigaçãolegal prevista no art. 477, § 1º, daConsolidação das Leis do Traba-lho, de prestar assistência a em-

pregado com mais de um ano deserviço, pertencente à categoriaprofissional representada, por oca-sião do pedido de demissão ou re-cibo de quitação de rescisão docontrato de trabalho.

Parágrafo único. A assistênciade que trata o “caput” desta cláusulaserá prestada mediante a homolo-gação do Termo de Rescisão doContrato de Trabalho — TRCT.

2ª) Quando o compromissáriodetectar o não-cumprimento de obri-gações trabalhistas por ocasião daprestação da assistência de que tra-ta o “caput” desta cláusula, não dei-xará de homologar o TRCT, limitan-do-se a efetuar as correspondentesressalvas e podendo, a seu critério,adotar também outras providênciaslegítimas, como o ajuizamento deação trabalhista e a comunicaçãodo fato ao Ministério do Trabalho ouao Ministério Público do Trabalho.

Parágrafo único. O compro-missário comunicará à autoridadedo Ministério do Trabalho as homo-

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logações que não tiverem sido efe-tuadas por motivo de resistência doempregador ou do empregado, oude ambos, à aposição das ressal-vas de que trata o “caput” desta cláu-sula, informando também os itensde direitos trabalhistas objeto da res-salva recusada.

3ª) O descumprimento do pre-sente compromisso, dotado de efi-cácia de título executivo extrajudici-al, sujeitará o compromissário àmulta de R$ 2.000,00 (dois mil re-ais) por cada infração constatada,multa esta reversível ao FAT (Fundode Amparo ao Trabalhador), nos ter-mos do art. 5º, § 6º, e art. 13, da Lein. 7.347/85;

Parágrafo Único. A multa oraestipulada não é substitutiva da obri-gação assumida.

Teresina-PI, 28 de setembrode 2004.

Marco Aurélio Lustosa Caminha,Procurador Regional do Trabalho.

Joaquim Gutemberg TeixeiraCaldas, Representante do Sindicatodos Professores e Auxiliares da Ad-ministração Escolar do Estado doPiauí — SINPRO/PI

Testemunhas:

Aldo Barbosa CostaPedro Paulo Lima Pereira

CPF: 453.660.633-53CPF: 128.454.774-49

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AÇÃO CIVIL PÚBLICA — ESTADO DO PIAUÍ(INSTITUTO DE MEDICINA LEGAL) — MEIOAMBIENTE DO TRABALHO (PRT 22ª REGIÃO)

EXMO. SR. DR. JUIZ DA ___ VARA DO TRABALHO DE TERESINA/PI,

O MINISTÉRIO PÚBLICO DOTRABALHO — PROCURADORIA RE-GIONAL DO TRABALHO DA 22ª RE-GIÃO, por seu procurador adiante as-sinado, com endereço na Avenida Mi-guel Rosa, 2862-Norte, Centro, em Te-resina/PI, CEP 64000-480, vem, pe-rante V. Exª, com supedâneo nos arts.127 e 129, inciso III, da ConstituiçãoFederal/1988, arts. 6º, inciso VII, alí-nea “d”, 83, inciso III, da Lei Comple-mentar n. 75/1993, e arts. 2º, 3º e 5º daLei n. 7.347/1985, ajuizar a presente

AÇÃO CIVIL PÚBLICA(COM PEDIDO DE LIMINAR)

em face do ESTADO DO PIAUÍ,pessoa jurídica de direito público, re-presentado pelo seu Procurador-Ge-ral do Estado (art. 12, I, do CPC), comendereço na Av. Senador Arêa Leão,1650, Jóquei Clube, em Teresina/PI,pelos motivos de fato e de direito aseguir aduzidos:

I. DOS FATOS

1 — O Ministério Público do Tra-balho — PRT 22ª Região, ora autor,

instaurou o IC — Inquérito Civil n.1054/2002, cujos autos instruem apresente ação, tendo em vista notíciasjornalísticas dando conta de que asnormas de saúde, higiene e segu-rança do trabalho não estariam sen-do observadas pelo réu no IML — Ins-tituto de Medicina Legal (ente desper-sonalizado, sendo mero órgão da Se-cretaria de Segurança do Estado doPiauí, conforme resposta colocadapelo seu então Diretor no ofício de fl.106 do IC), pois os seus emprega-dos, devido à falta de condições ade-quadas das geladeiras, estão sendoobrigados a conviver com o mau chei-ro exalado dos cadáveres; há escas-sez de água, até mesmo para lavaras mãos e, quando chove, há inúme-ras goteiras (fls. 07/08, do IC).

2 — A Diretoria de Vigilância Sa-nitária, da Secretaria Estadual da Saú-de, realizou, em 23.9.2003, Inspeçãono IML (fls. 31/33, do IC), tendo consta-tado as seguintes irregularidades:

2.1 — Na Área Administrativa:

• Infiltração nas paredes;

• Falta de mesas e cadeiras paraos empregados;

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• Lixeiras sem tampa e pedal;

• As salas destinadas ao repou-so médico servem de depósitos.

2.2 — Na sala de exame de le-são corporal:

• Paredes inadequadas, com tin-ta não lavável;

• Não possui pia para lavagemdas mãos com sabão líquido epapel toalha;

• Na parte da elétrica, as tomadasencontram-se abertas e sem pro-teção;

• Iluminação artificial e natural pre-cárias;

• Não existem lixeiras disponíveiscom tampa e pedal;

• Equipamentos de proteção indi-vidual incompletos;

• Não há rotina de limpeza e de-sinfecção.

2.3 — Na sala de necrópsia:

• Área externa sem cobertura e opiso não é impermeável e lavável;

• As bandejas para cadáver sãoexpostas na área externa e sãolavadas com água e sabão, cujadrenagem vai para o piso comum;

• Paredes não laváveis (havendopontos de sangue);

• Janelas abertas e sem telas, pos-sibilitando a entrada de vetores;

• Presença de mau cheiro, poisnão há exaustão e corpos sãoacondicionados incorretamente;

• Os dejetos são destinados dire-tamente da mesa de análise parao sistema de esgoto.

2.4 — Na sala de gerencia-mento de resíduos:

• Ausência de lixeiras apropria-das e dispondo de sacos ade-quados (branco-leitoso) para acoleta de resíduos;

• Os resíduos são expostos na ruae coletados pelo sistema de co-leta de lixo urbano;

• Os resíduos potencialmente in-fectantes e os perfurocortantessão descartados e coletados jun-tamente com os resíduos comuns;

• Inexistência de rotinas e procedi-mentos descritos para a coleta deresíduos e para limpeza e desin-fecção.

3 — Vale destacar que todasessas irregularidades foram detec-tadas por órgão do próprio Estadodo Piauí, que na ocasião recomen-dou o cumprimento da legislaçãosanitária (fl. 33, do IC).

4 — O IML passou por Fiscali-zação, também, da Gerência de Vi-gilância Sanitária, da Fundação Mu-nicipal de Saúde (fls. 35/37), tendosido verificadas as seguintes irre-gularidades:

4.1 — Na área externa:

• Instalações elétricas inadequa-das (risco de vida por descargaelétrica);

• Área de lavagem das bandejasdos cadáveres inadequada;

• Ausência de depósito de lixo;

• Caixa d’água suja.

4.2 — Na área interna:

• Presença de insetos;

• Paredes sujas;

• Instalações elétricas irregulares.

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4.3 — No necrotério:

• Condições de higiene precárias;

• Instalações elétricas precárias;

• Ausência de sabão líquido e decesto de lixo;

• Falta de EPI’S.

4.4 — Na área de acondicio-namento de cadáver:

• Condições de higiene precárias;

• Materiais fisiológicos para exa-mes acondicionados incorreta-mente e em local inapropriado.

5 — De acordo com a Gerên-cia de Vigilância Sanitária, o prédiodo IML não se encontra dentro denormas higiênicas e sanitárias ade-quadas para a permanência huma-na, conforme conclusão lançada noRelatório (fl. 37, do IC).

6 — Apesar de ciente das irre-gularidades acima destacadas, o réurecusou-se a celebrar Termo de Ajus-te de Conduta que lhe foi proposto(fls. 86/89, do IC). O Exmo. Secretá-rio de Segurança do Estado, pastaresponsável direta pela administra-ção do IML, alegou não ter recursospara manutenção do prédio ou mes-mo para assegurar um meio ambi-ente de trabalho mais seguro e maissaudável (fl. 87, do IC). O Estado doPiauí deve ser responsabilizado porisso, pois é um serviço essencialprestado pelo Estado e ele tem aobrigação de dotar o IML das condi-ções necessárias para o seu perfei-to funcionamento, assegurando aosque ali laboram um meio ambientede trabalho saudável e seguro, poisnão basta criar órgãos e não lhesdar condições de funcionamento.

7 — Tal posicionamento evi-dencia que o réu não está preocupa-do com as condições de higiene,saúde e segurança dos seus em-pregados, razão pela qual o Ministé-rio Público do Trabalho vem buscarguarida no Poder Judiciário, a fim deque sejam respeitados os dispositi-vos legais arranhados, de molde aprevenir futuras lesões aos direitosdos trabalhadores em massa con-siderados, tanto dos atuais empre-gados que trabalham no IML comode futuros contratados, particularmen-te ao bem da vida. São prejudicados,também, os empregados da empre-sa responsável pela coleta de lixo emTeresina, pois, como apontado pelaVigilância Sanitária da SecretariaEstadual da Saúde, os resíduos sãoexpostos na rua e coletados pelo sis-tema de coleta de lixo urbano, inclu-sive os potencialmente infectantes eperfurocortantes, que são descarta-dos juntamente com os resíduoscomuns (tópico 2.4 acima).

8 — Destarte, imperiosa a pro-moção da presente Ação Civil Públi-ca, cujo objeto consiste em se reco-nhecer judicialmente a ilegalidade daconduta do réu, que insiste em des-respeitar as normas asseguradorasde um meio ambiente de trabalhosaudável e seguro, colocando em ris-co a vida dos empregados que alitrabalham.

9 — Consiste, por ilação, naobtenção da medida judicial coerci-tiva que obrigue o réu a sanar as ir-regularidades demonstradas acima,adequando-se à lei e reduzindo con-sideravelmente o risco de prejuízosà vida e à saúde de toda essa gamade trabalhadores.

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II. DO DIREITO AO MEIO AMBIEN-TE DO TRABALHO SAUDÁVELE SEGURO

10 — A presente demanda tra-ta do meio ambiente do trabalho, bemsocial tutelado pelo Estado, protegi-do por uma série de normas consti-tucionais e legais destinadas a ga-rantir condições de salubridade esegurança aos trabalhadores.

11 — O Ministro RONALDOLOPES LEAL, em ótimo trabalhodoutrinário (“Competência do Minis-tério Público do Trabalho” — Açõescivis públicas, Revista do TST, Bra-sília, vol. 65, n. 1, Síntese, out/dez.1999, p. 60 — doc. 01), esclarece que:

“o meio ambiente do trabalhonão se limita apenas a condi-ções que respeitem o meio am-biente geral, mas que estabele-çam a higidez do habitat laboral,que deve estar livre de ameaçasà saúde e à segurança dos tra-balhadores, incluindo, na exigên-cia relativa à saúde, a física e amental”. (os destaques não cons-tam do original)

12 — O Ministro (op. cit., p. 60),citando comentário do jurista RO-DOLFO DE CAMARGO MANCUSO,relatou ainda que:

“A nível doutrinário parece já es-tar assegurada a autonomia con-ceitual do ‘meio ambiente do tra-balho’, uma subespécie do meioambiente artificial ou construído,ou seja, o habitat laboral, onde ohomem deve encontrar os meioscom que haverá de provar sua‘existência digna’, projetada pornosso constituinte”.

13 — De fato, a ConstituiçãoFederal de 1988 elegeu o meio am-biente do trabalho como um bem aser protegido por todas as esferasjurídicas (arts. 6º, 7º, XXII e 200, VIII).Especificamente sobre saúde e se-gurança no trabalho, vejam-se osseguintes dispositivos:

Art. 6º São direitos sociais a edu-cação, a saúde, o trabalho, a mo-radia, o lazer, a segurança, a pre-vidência social, a proteção à ma-ternidade e à infância, a assistên-cia aos desamparados, na formadesta Constituição.

Art. 7º São direitos dos trabalhado-res urbanos e rurais, além de ou-tros que visem à melhoria de suacondição social:

.............................................................

XXII — redução dos riscos ineren-tes ao trabalho, por meio de normasde saúde, higiene e segurança;

14 — JOSÉ AFONSO DA SILVAlembra que a Convenção de Viena(1981) já determinava a implementa-ção, pelos países signatários, de “umapolítica nacional de saúde, seguran-ça e meio ambiente do trabalho, in-cluindo local de trabalho, ferramen-tas, máquinas, agentes químicos,biológicos e físicos, operações e pro-cessos”, bem como “exigências àsempresas voltadas para a adoção detécnicas de garantia de segurançanos locais de trabalho” (apud RONAL-DO LOPES LEAL, cit., p. 59).

15 — Asseverando, ainda, aresponsabilidade do empregadorquanto à oferta do meio ambiente detrabalho seguro, o art. 19, § 1º, daLei n. 8.213/1991, dispõe:

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Art. 19. (...)

§ 1º A empresa é responsávelpela adoção e uso das medidascoletivas e individuais de prote-ção e segurança da saúde do tra-balhador.

III. DOS DISPOSITIVOS LEGAISARRANHADOS

16 — De acordo com o art. 200da Consolidação das Leis do Traba-lho, cabe ao Ministério do Trabalhoestabelecer disposições comple-mentares às normas de que trata oCapítulo V, tendo em vista as peculia-ridades de cada atividade ou setorde trabalho, especialmente sobre:

VII — higiene nos locais detrabalho, com discriminação dasexigências, instalações sanitáriascom separação de sexos, chuvei-ros, lavatórios, vestiários e armári-os individuais, refeitórios ou condi-ções de conforto por ocasião dasrefeições, fornecimento de águapotável, condições de limpeza doslocais de trabalho e modo de suaexecução, tratamento de resíduosindustriais.

17 — Exatamente para darcumprimento ao disposto acima éque o Ministério do Trabalho baixoua Norma Regulamentadora 24 (NR-24), que dispõe sobre condiçõessanitárias e de conforto nos locaisde trabalho, na qual podem ser des-tacadas as seguintes condições:

24.7.1 — Em todos os locais detrabalho deverá ser fornecida aos tra-balhadores água potável, em condi-ções higiênicas, sendo proibido o usode recipientes coletivos;

24.7.5 — Os locais de trabalhoserão mantidos em estado de higie-ne compatível com o gênero de ativi-dade.

18 — Somando-se a isso, o art.154 da CLT dispõe que: “A obser-vância, em todos os locais de traba-lho, do disposto neste Capítulo, nãodesobriga as empresas do cumpri-mento de outras disposições que,com relação à matéria, sejam incluí-das em códigos de obras ou regula-mentos sanitários dos Estados ouMunicípios em que se situem os res-pectivos estabelecimentos, bemcomo daquelas oriundas de conven-ções coletivas de trabalho.” (negritonosso). Vale salientar que tal arti-go está inserido no Capítulo V (DASEGURANÇA E MEDICINA DOTRABALHO).

19 — De acordo com o Relató-rio da Secretaria Estadual de Saúde(fls. 31/33 do IC), foi recomendado ocumprimento da seguinte Legisla-ção: RDC n. 50/2002, Lei n. 9.431/1992,Portaria n. 2.616/1998MS e RDC n. 33/2003. Assim, por força do artigo aci-ma transcrito (154 da CLT), as insta-lações do IML deverão observar to-das essas normas.

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20 — A situação exposta en-contra-se tutelada na regra contidano art. 129, III, da CF/1988, especifi-camente no que tange à proteção dosinteresses difusos e coletivos, con-forme o art. 81, parágrafo único, doCódigo de Defesa do Consumidor(Lei n. 8.078/1990). A conduta do réuatinge todos os que se encontram

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no ambiente de trabalho do IML, afe-tando não somente a categoria dosseus atuais empregados (direitoscoletivos), mas também aqueles quevenham futuramente a laborar noestabelecimento, além de outrascategorias de trabalhadores que, porforça de contratos de terceirização,prestam serviços ao réu (vigilantes,copeiros, zeladores e outros) e osempregados da empresa responsá-vel pela coleta de lixo em Teresina— direitos difusos.

V. DO CABIMENTO DA AÇÃO CIVILPÚBLICA, DA LEGITIMIDADEDO MINISTÉRIO PÚBLICO DOTRABALHO PARA PROMOVÊ-LA E DA COMPETÊNCIA DAJUSTIÇA DO TRABALHO

21 — A ação civil pública, insti-tuída pela Lei n. 7.347/1985, repre-sentou profunda mudança na con-cepção de processo, anteriormentevoltado apenas para as relações in-dividuais. A Constituição Federal de1988, em seu art. 129, III, ampliouas hipóteses de seu cabimento, paraque também fossem tutelados “ou-tros interesses difusos e coletivos”,além dos expressamente relaciona-dos em lei.

22 — Por sua vez, o Código deDefesa do Consumidor (Lei n. 8.078/1990) acrescentou à Lei da Ação CivilPública o art. 1º, IV, tornando explícito oseu cabimento na defesa de “qualqueroutro interesse difuso ou coletivo”.

23 — O art. 5º da Lei n. 7.347/1985 já atribuía legitimidade ao Mi-nistério Público para propor ação ci-vil pública. A Lei Complementar n. 75/

1993 (Lei Orgânica do Ministério Pú-blico da União) explicitou a legitimi-dade do Ministério Público da Uniãopara promover o inquérito civil e aação civil pública para proteção de“outros interesses individuais indis-poníveis, homogêneos, sociais, difu-sos e coletivos” (art. 6º, VII, “d”).

24 — O mesmo diploma legal,no art. 83, III, além de conferir legiti-midade ao Ministério Público do Tra-balho para o ajuizamento de ação civilpública de natureza trabalhista, fixoua competência material da Justiça doTrabalho para seu processamentoe julgamento:

Art. 83. Compete ao Ministério Pú-blico do Trabalho o exercício dasseguintes atribuições junto aos ór-gãos da Justiça do Trabalho:

............................................................

III — promover a ação civil públicano âmbito da Justiça do Trabalho,para defesa de interesses coleti-vos, quando desrespeitados osdireitos sociais constitucional-mente garantidos.

25 — Acerca da competênciada Justiça do Trabalho para proces-sar e julgar as ações civis públicastrabalhistas envolvendo questõesrelativas ao meio ambiente de traba-lho, vejamos a lição do Ministro JOÃOORESTE DALAZEN, do TST, cujo ex-certo a seguir, constante de obra desua lavra, foi transcrito em acórdãosdaquela Corte (Processos TST-RR-359.351/97.5, 2ª Turma, j. 28.6.2000;TST-RR-328.755/96.4, 4ª Turma, j.20.10.1999, DJ 3.3.2000):

“Irrecusável a competência daJustiça do Trabalho para instruir

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e julgar a ação civil pública ‘traba-lhista’, ajuizada pelo MinistérioPúblico do Trabalho, objetivandoresguardar interesses difusos einteresses coletivos, se e quan-do vulnerados os respectivos di-reitos sociais de matriz constitu-cional. O fomento constitucionale o balizamento para a acenadacompetência repousam no pre-ceito que permite à lei atribuir àJustiça Especializada ‘outras con-trovérsias oriundas da relação detrabalho’ (art. 114, segunda par-te). Sobrevindo a Lei Complemen-tar n. 75, de 20.5.93, esta eluci-dou o ramo do Poder Judiciário aquem cumpre submeter a açãocivil pública ‘trabalhista’; dispôsque deve ser proposta junto aosórgãos da Justiça do Trabalho(art. 83, caput e inciso III).

.............................................................

Evidencia-se, portanto, na espé-cie uma estrita vinculação e inter-penetração entre cabimento, legi-timidade e competência: o cabi-mento da ação civil pública, sob atitularidade do Ministério Públicodo Trabalho, condiciona a com-petência material da Justiça doTrabalho. São aspectos indisso-ciáveis: cabível a ação em telapara resguardar bens jurídicos‘trabalhistas’ protegidos constitu-cionalmente, ipso facto legitima-do o Ministério Público do Traba-lho e inarredável a competênciada Justiça do Trabalho.”

(In: “Competência material traba-lhista”, São Paulo, LTr, 1994, pp.229-232. Destaques ausentes nooriginal)

26 — Por sua vez, no já referi-do acórdão do TST (Processo TST-RR n. 316.001/96, DJU 30.6.2000)encontramos a seguinte posição:

Excerto da ementa:

“3. COMPETÊNCIA MATERIAL DAJUSTIÇA DO TRABALHO — MEIOAMBIENTE DE TRABALHO. Açãocivil pública proposta em defesados interesses coletivos dos tra-balhadores bancários, ligados àsegurança e medicina do traba-lho, deve ser apreciada pela Jus-tiça do Trabalho, uma vez que acontrovérsia é de natureza traba-lhista, visando o respeito às nor-mas legais atinentes ao meioambiente de trabalho (STF-RE206.220-1-MG, Rel. Min. MarcoAurélio, in LTr 63-05/628-630).”

Excerto do voto do Min. IVESGANDRA FILHO:

“Ora, o Sindicato ajuizou a açãona defesa dos direitos coletivosdos trabalhadores bancários re-ferentes às normas de seguran-ça do trabalho, o que deixa clara anatureza trabalhista da controvér-sia, que deve ser deslindada pelaJustiça do Trabalho.

Em recente decisão, solvendoconflito de competência entre aJustiça do Trabalho e a JustiçaComum, o STF reconheceu acompetência desta Justiça Espe-cializada para apreciar e julgar asações civis públicas que tivessempor objetivo a prevenção de aci-dentes de trabalho, uma vez queas normas de segurança e medi-cina do trabalho constam da CLTe têm caráter trabalhista (STF —

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RE 206.2210-1-MG, Relator Min.MARCO AURÉLIO, in LTr 63-05/628-630).

O precedente desta Corte sobrematéria idêntica — colocação deportas de segurança em Banco —,oriundo da 5ª Turma, é no sentidoda competência da Justiça do Tra-balho para a apreciação da açãocivil pública (TST — RR 402.469/97.1, Relator Desig. Min. THAUMA-TURGO CORTIZO, comentado noartigo “Ação civil pública. Meio am-biente de trabalho. Competência daJustiça do Trabalho”, de CRISTIA-NO PAIXÃO ARAÚJO PINTO, in“Revista do Ministério Público doTrabalho”, n. 17, março/1999, LTr— São Paulo, pp. 25-30).

Com efeito, em se tratando da de-fesa de interesses coletivos denatureza trabalhista, ligados àproteção do meio ambiente do tra-balho, está-se diante de compe-tência estritamente trabalhista,no sentido de se fazer cumprir oordenamento jurídico laboral pro-tetivo do trabalhador.”

27 — Pondo fim à discussão, oSupremo Tribunal Federal, no final de2003, editou a Súmula n. 736, na qualfica evidenciado o posicionamento damais alta Corte do Judiciário brasilei-ro, no sentido de ser da Justiça doTrabalho a competência para apreci-ar e julgar causas como esta, cujaredação tem o seguinte teor:

“COMPETE À JUSTIÇA DO TRA-BALHO JULGAR AS AÇÕES QUETENHAM COMO CAUSA DE PEDIRO DESCUMPRIMENTO DE NOR-MAS TRABALHISTAS RELATIVASÀ SEGURANÇA, HIGIENE E SAÚDE

DOS TRABALHADORES.” (Publi-cada no DJ de 10.12.2003).

28 — Vale salientar, por fim, quetodos os trabalhadores do IML — Ins-tituto de Medicina Legal do Piauí sãocontratados a título de “serviços pres-tados”, sem que tenham sido previa-mente aprovados em concurso públi-co, embora contratados a partir de5.10.1988, como evidenciam os do-cumentos de fls. 106/108 do InquéritoCivil em anexo. Assim, não tem qual-quer cabimento invocar a competên-cia da Justiça Estadual, sob o argu-mento de que os trabalhadores do IMLsão regidos por Estatuto. Aliás, a esserespeito o Eg. TRT da 22ª Região járefutou igual tese, quando fixou a com-petência da Justiça do Trabalho paraprocessar e julgar a Ação Civil Públicaajuizada em face do Estado do Piauípleiteando a regularização do seu qua-dro de pessoal (Acórdão TRT n. 0960/2002 — Proc. TRT RO n. 0209/2002 —Rel. Juiz Arnaldo Boson Paes).

VI. DA CONCESSÃO DE MEDIDALIMINAR

29 — O art. 12, da Lei n. 7.347/1985, que instituiu a Ação Civil Públi-ca, autoriza a expedição de mandadoliminar, evidentemente estando pre-sentes o periculum in mora e o fu-mus boni iuris, este já bem destaca-do nos tópicos I, II e III desta peça.

30 — No caso em tela, oselementos do Inquérito Civil Públicoinstruído pelo Ministério Público re-velam que há inclusive prova inequí-voca de desrespeito à lei. A maiordelas, sem dúvida, é a própria Fis-calização realizada pela Diretoria de

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Vigilância Sanitária (fls. 31/33 do IC),ou seja, não havia ninguém mais isen-to do que um órgão do próprio Estadodo Piauí para apontar as inúmerasirregularidades existentes no IML deTeresina/PI no que se refere ao des-respeito às normas de Segurança eMedicina do Trabalho. O citado Relató-rio de Inspeção, juntamente com o Re-latório de Fiscalização feita pela Fun-dação Municipal de Saúde (fls. 35/37do IC), evidenciam um meio ambientede trabalho inseguro e altamente in-salubre para todos os obreiros do IML.Merece destaque a conclusão desteúltimo Relatório: “DE ACORDO COMAS VERIFICAÇÕES ACIMA RELACIO-NADAS, O PRÉDIO NÃO SE ENCONTRADENTRO DAS NORMAS HIGIÊNICAS ESANITÁRIAS ADEQUADAS PARA APERMANÊNCIA HUMANA. SUGERI-MOS, PORTANTO, TOMAR AS PRO-VIDÊNCIAS RELACIONADAS NESTERELATÓRIO.” (fl. 37 do IC). Enfim,está demonstrada a notória neces-sidade do réu cumprir as normas deSegurança e Medicina do Trabalho,acintosamente descumpridas até omomento.

31 — Por outro lado, a cadainstante que passa, os trabalhado-res que prestam serviços ao réu es-tão sendo mais prejudicados, comsérios prejuízos para a saúde decada um, com inegável ofensa aosprincípios do respeito aos valoressociais do trabalho (art. 1º, V) e à dig-nidade humana (art. 1º, III).

32 — É evidente que essesobreiros só voltarão a fruir do bemde vida com necessária segurançae salubridade quando for expedidaordem judicial para que o demanda-do respeite a lei. É óbvia, pois, a pre-

sença do periculum in mora, ou seja,o perigo de demora na prestação ju-risdicional.

33 — Assim, nos termos do art.12, a Lei n. 7.347/1985, REQUER-SE,inicialmente, a concessão de MANDA-DO LIMINAR, após a abertura do pra-zo de 72 (setenta e duas) horas paramanifestação do réu (art. 2º da Lei n.8.437/92), a fim de que o réu cumpraas obrigações abaixo, em prazo ra-zoável a ser fixado judicialmente —o qual se pede não supere 90 (no-venta) dias —, de sorte a fazer comque o IML funcione obedecendo asnormas de Segurança e Medicina doTrabalho, com cominação de multadiária de R$ 5.000,00 (cinco mil reais)pelo eventual descumprimento:

33.1) Cumprir fielmente a legis-lação atinente a medicina e segurançado trabalho, por meio da mais amplaobservância das normas que visem àmanutenção de um meio ambiente detrabalho adequado e seguro, inclusivea RDC n. 50/2002, Lei n. 9.431/92, Porta-ria n. 2.616/MS/1998 e RCD n. 33/2003 (por força do art. 154 da CLT),fornecendo aos seus trabalhadores,gratuitamente, e mantendo em perfei-tas condições de uso, os equipamen-tos de proteção individual e coletiva (EPIe EPC), aprovados pelo Ministério doTrabalho, adequados à atividade labo-ral, substituindo-os, imediatamente,quando danificados ou extraviados,responsabilizando-se por sua higieni-zação e manutenção periódica, tudoconforme legislação pertinente (inteli-gência do art. 7º, XXII da CF/88 e art. 19,§ 1º da Lei n. 8.213/1991);

33.2) Providenciar condiçõesde limpeza dos locais de trabalho, demodo a possibilitar sua execução sob

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condições higiênicas e saudáveis (in-teligência do art. 7º, XXII da CF/88 e art.19, §1º da Lei n. 8.213/1991), inclusi-ve realizando dedetização periódicasdas suas instalações, em consonân-cia com as recomendações oriundasdos órgãos da Vigilância Sanitária;

33.3) Fornecer água potável e emquantidade suficiente para consumohumano e higienização, bem como osdemais equipamentos e produtos ne-cessários à limpeza e conservação doslocais de trabalho, realizando ainda alavagem periódica das caixas d´águae a manutenção regular das fossassépticas, caso não seja interligada àrede pública de coleta de esgoto (in-teligência do art. 7º, XXII da CF/88 eart. 19, §1º da Lei n. 8.213/1991);

33.4) Adotar as providênciasnecessárias no sentido de manteras instalações elétricas, hidráulicase sanitárias em perfeito estado defuncionamento, sem oferecer riscosà saúde e segurança dos usuários(inteligência do art. 7º, XXII da CF/88e art. 19, §1º da Lei n. 8.213/1991);

34 — A multa postulada, tem afinalidade de persuadir o réu no sen-tido de cessar a inércia ou omissãoilegal, pois, não sendo cominadas“astreintes”, a medida liminar nãoterá a esperada eficácia.

VII. DO PEDIDO

35 — A Ação Civil Pública, nadicção do art. 3º, da Lei n. 7.347/1985, pode ter por objeto a condena-ção em dinheiro ou o cumprimentoda obrigação de fazer ou não fazer.

36 — Destarte, ao tempo emque REQUER a notificação (citação)do réu no endereço indicado no pre-

âmbulo desta peça, adotando-se oque dispõe a respeito o art. 841, daCLT, para que compareça à audi-ência de conciliação, instrução e jul-gamento que for designada por V.Exa., produzindo defesa e prova,querendo, sob pena de confissão erevelia (art. 844, “caput”, da CLT),prosseguindo-se com o feito até sen-tença, REQUERENDO-SE finalmente:

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37 — A confirmação da liminaracima requerida e a condenaçãodefinitiva do réu a:

37.1) Cumprir fielmente a legis-lação atinente a medicina e segurançado trabalho, por meio da mais amplaobservância das normas que visem àmanutenção de um meio ambiente detrabalho adequado e seguro, inclusivea RDC n. 50/2002, Lei n. 9.431/92, Por-taria n. 2.616/MS/1998 e RCD n. 33/2003(por força do art. 154 da CLT), forne-cendo aos seus trabalhadores, gratui-tamente, e mantendo em perfeitas con-dições de uso, os equipamentos deproteção individual e coletiva (EPI eEPC), aprovados pelo Ministério do Tra-balho, adequados à atividade laboral,substituindo-os, imediatamente, quan-do danificados ou extraviados, respon-sabilizando-se por sua higienização emanutenção periódica, tudo conformelegislação pertinente (inteligência doart. 7º, XXII da CF/88 e art. 19, § 1º da Lein. 8.213/1991);

37.2) Providenciar condiçõesde limpeza dos locais de trabalho, demodo a possibilitar sua execuçãosob condições higiênicas e saudá-veis (inteligência do art. 7º, XXII da

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CF/88 e art. 19, §1º da Lei n. 8.213/1991), inclusive realizando dedetiza-ção periódicas das suas instala-ções, em consonância com as reco-mendações oriundas dos órgãos daVigilância Sanitária;

37.3) Fornecer água potável e emquantidade suficiente para consumohumano e higienização, bem como osdemais equipamentos e produtos ne-cessários à limpeza e conservação doslocais de trabalho, realizando aindaa lavagem periódica das caixas d´águae a manutenção regular das fossassépticas, caso não seja interligada àrede pública de coleta de esgoto (in-teligência do art. 7º, XXII da CF/88 eart. 19, §1º da Lei n. 8.213/1991);

37.4) Adotar as providênciasnecessárias no sentido de manteras instalações elétricas, hidráulicase sanitárias em perfeito estado defuncionamento, sem oferecer riscosà saúde e segurança dos usuários(inteligência do art. 7º, XXII da CF/88e art. 19, §1º da Lei n. 8.213/1991);

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37.5) Cominação de multa deR$ 20.000,00 (vinte mil reais) peloeventual descumprimento de cadaobrigação e por cada vez que for ve-rificado, nos termos do art. 11, da Lein. 7.347/1985, multa esta que deve-rá se reverter ao Fundo de Amparoao Trabalhador (FAT) instituído peloart. 10 da Lei n. 7.998, de 11.1.1990,em sintonia com o art. 11, II e IV, com-binado com art. 25, da mesma Lei.

VIII. DAS PROVAS

38 — Para comprovar o alega-do, o Ministério Público do Trabalho,

além dos autos do Inquérito Civil queanexa à presente ação, protesta, delogo, pela juntada de outros docu-mentos, produção de prova testemu-nhal, depoimento pessoal do repre-sentante do réu (sob pena de confis-são), exame pericial, inspeção judi-cial e exibição de documentos oucoisas, sem prejuízo da designaçãode provas adicionais, a critério doMM. Juiz, na forma da lei.

IX. DAS NOTIFICAÇÕES DO AUTOR

39 — Requer, ainda, que asnotificações do autor sejam pessoaisnos autos, por um de seus Procura-dores, nos termos do arts. 18, II, “h”,e 84, IV, da Lei Complementar n. 75/1993; 236, § 2º, do CPC.

X. PRERROGATIVAS DO AUTOR

40 — No que pertine ao paga-mento de custas e despesas proces-suais, enfatiza a isenção que assis-te ao Ministério Público, invocando,outrossim, as disposições do art. 18da Lei n. 7.347/1985, e arts. 790-A, II,da CLT e 27, do CPC.

XI. VALOR DA CAUSA

Dá-se à causa o valor de R$10.000,00 (dez mil reais).

Nestes Termos,

Pede Deferimento.

Teresina/PI, 25 de agosto de2004.

João Batista Machado Júnior,Procurador do Trabalho.

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DECISÃO

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DECISÃO DO PEDIDO LIMINARFORMULADO NA PRESENTE AÇÃOOUTRO AUTOR: MINISTÉRIO PÚ-BLICO DO TRABALHO — PRT 22ªREGIÃORÉU: ESTADO DO PIAUÍ

Trata-se de Ação Civil Públi-ca ajuizada pelo MINISTÉRIO PÚ-BLICO DO TRABALHO — PROCURA-DORIA REGIONAL DO TRABALHO DA22ª REGIÃO, devidamente qualifica-do, com fundamento nos arts. 127 e129, inciso III, da Constituição Fe-deral, arts. 6, inciso VII, alínea “d”,83, inciso III, da Lei Complementarn. 75/93, além de outros dispositi-vos legais, com pedido de limitar, emface do ESTADO DO PIAUÍ, tambémqualificado, sustentando, em resumo,que as normas de saúde, higiene esegurança do trabalho, conforme ga-rantia constitucional prevista no art. 7º,inciso XXII da Carta Magna, não vêmsendo cumpridas no Instituto MédicoLegal — IML desta capital.

Aduz o douto Ministério Públi-co do Trabalho que foi instaurado In-quérito Civil sob o n. 1054/2002 porconta de notícias veiculadas em jor-nais de circulação local de que asnormas de saúde, higiene e segu-rança do trabalho vinham sendo vili-pendiadas. Sustenta que tais cons-tatações foram feitas, inclusive, atra-vés de vistorias da Vigilância Sanitá-ria da Secretaria Estadual de Saúde

e da Vigilância Sanitária da Funda-ção Municipal de Saúde, conformelaudos juntados aos autos.

Argumenta o autor, então, queforam encontradas várias irregulari-dades, as quais se encontram dis-criminadas na peça inicial, tais comona área administrativa, na sala deexame de lesão corporal, na salade necropsia, na sala de gerencia-mento de resíduos, na área deacondicionamento de cadáveres,bem como nas áreas internas e ex-ternas como um todo.

Em razão disso, citando fartalegislação, doutrina e jurisprudênciapertinentes à matéria, solicitou a con-cessão de medida liminar porquan-to presentes os requisitos autoriza-dores do periculum in mora e do fu-mus boni iuris, após manifestaçãodo réu, para que o mesmo cumprisseos itens 33.1, 33.2, 33.3 e 33.4 dainicial, tais como, em síntese: a)manutenção de um meio ambientede trabalho adequado e seguro, in-clusive cumprimento dos normativosRDC n. 50/2002, Lei n. 9.431/02, Por-taria n. 2.616/1998/MS e RDC n. 33/2003; b) limpeza os locais de traba-lho, mantendo-se condições higiê-nicas saudáveis, inclusive com rea-lizações dedetizações periódicasnas instalações do IML; c) fornecerágua potável e em quantidade sufi-ciente para consumo humano e hi-gienização, bem como equipamen-tos necessários à limpeza e conser-vação dos locais e trabalho, limpezada caixa d’ água e a manutenção re-gular de fossas sépticas, caso não

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interligada à rede pública de coletade esgoto; d) adotar providências ne-cessárias quanto às instalaçõeselétricas, hidráulicas e sanitáriaspara que não ofereçam riscos à saú-de e segurança dos usuários; e) apli-cação de multa em caso de descum-primento.

Devidamente notificada paramanifestação acerca do pedido limi-nar, nos termos da Lei n. 8.437/92, oréu — ESTADO DO PIAUÍ — susci-tou, logo de plano, preliminar de ile-gitimidade ativa ad causam do dou-to Ministério Público do Trabalho,especialmente sob o argumento deque os servidores públicos do Es-tado do Piauí, da administração pú-blica direta, encontram-se regidospor Estatuto próprio, conforme LeiComplementar n. 13/1994, daí porque não existir qualquer relação deemprego. Postula, então, a extinçãodo processo sem julgamento do mé-rito, a teor do art. 267, inciso VI, doCódigo de Processo Civil. O réu le-vantou, também, preliminar de in-competência absoluta da Justiça doTrabalho, eis que a hipótese discuti-da nos autos não se encontra pre-vista no art. 114 da Constituição Fe-deral, porquanto a relação jurídicaentre os servidores do IML e o Es-tado do Piauí não ter natureza em-pregatícia. Assim, requer a remessado feito à Justiça Comum, precisa-mente a uma das Varas da FazendaPública. No mérito, especificamen-te, impugnou o pedido liminar argu-mentando que não estão presentesos requisitos autorizadores para con-cessão da medida, bem como quenão dispõe de precisão orçamentá-ria para suportar possível determi-

nação judicial quanto aos pleitos for-mulados em sede liminar.

Após manifestação do réu, rea-lizada Inspeção Judicial no InstitutoMédico Legal — IML, com a presen-ça do Ministério Público do Trabalhoe ausência do Estado do Piauí, ape-sar de devidamente notificado, con-forme auto de inspeção de fls. 399 esegs., seguido de várias fotografias.

Vieram os autos conclusospara apreciação do pedido liminar.

É o quanto basta relatar. DE-CIDO.

DA PROVIDÊNDIA IN LIMINELITIS — POSSIBILIDADE — Há pre-visão legal para concessão de me-dida liminar em Ação Civil Pública,conforme se depreende do art. 12 daLei n. 7.347, de 24 de julho de 1985,que deve ser cumprida através demandado, expressão crivada naque-le dispositivo. Caso presentes osrequisitos autorizadores da conces-são, quais sejam, o fumus boni iurise o periculum in mora, deve o juizdeterminar a expedição do compe-tente mandado, se for o caso. Nãohá, pois, nenhuma impropriedade nopedido formulado.

DAS QUESTÕES PRELIMINARESLEVANTADAS PELO RÉU

ILEGIMIDADE ATIVA AD CAU-SAM DO MINISTÉRIO PÚBLICO DOTRABALHO — O Estado do Piauí le-vanta preliminar de ilegitimidade ati-va ad causam do douto MinistérioPúblico do Trabalho, especialmentesobre o argumento de que os servi-

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dores públicos do Estado do Piauí,da administração pública direta en-contram-se regidos por Estatuto pró-prio, conforme Lei Complementar n.13/1994, daí por que não existir qual-quer relação de emprego. Nessa di-reção, requer o trancamento do pro-cesso logo no seu nascedouro, a teordo contido no art. 267, inciso VI, doCódigo de Processo Civil.

Na verdade, como se sabe,são funções institucionais do Minis-tério Público, dentre outras resguar-dadas pela Carta Magna, promovera Ação Civil Pública para proteção dopatrimônio público e social, do meioambiente e de outros interesses di-fusos e coletivos (CF, art. 129, 111).Como se não bastasse, em sede in-fraconstitucional, a Lei Orgânica doMinistério Público da União, tratan-do sobre a competência do Ministé-rio Público do Trabalho, garantiu oajuizamento de Ação Civil Públicajunto aos órgãos da Justiça do Tra-balho, para defesa de interessescoletivos. Quando desrespeitados osdireitos sociais constitucionalmenteprotegidos.

O que se discute nos autos éjustamente um direito social consti-tucionalmente protegido. O trabalhocomo bem juridicamente protegidosó veio a atingir sua real importân-cia com a Revolução Francesa de1789 e a ascensão dos burgos. OCódigo de Napoleão de 1804, comose sabe, foi uma das primeiras le-gislações que trataram do chamadocontrato de prestação de serviços, jáum anúncio de que o trabalho nãoseria mais considerado como era naépoca da Idade das Trevas. As le-gislações evoluíram, além disso,

após a Revolução Industrial, cujoberço foi a Inglaterra dos séculos XVIIe XVIII, considerando que todo traba-lhador não seria mais explorado deforma ilegítima, pelo que lhe seriamgarantidos direitos mínimos, comouma jornada de trabalho adequada,combate à exploração de trabalhoinfantil, além de condições dignas desaúde, higiene e segurança do tra-balho, em que pese o regime escra-vocrata haver perdurado em algu-mas civilizações mais atrasadas.

Assim, o trabalho restou intro-duzido como direito social em váriasCartas de países ditos civilizados.No Brasil, o art. 6º da ConstituiçãoFederal discrimina vários direitossociais, dentre eles o trabalho. Con-siderando o rol estampado no art. 7ºda mesma Carta, que também pos-sui feição de direitos sociais, há tam-bém previsão de redução dos riscosinerentes ao trabalho, por meio denormas de saúde, higiene e segu-rança do trabalho. Seguindo esseraciocínio, sabe-se hoje que os di-reitos sociais são considerados direi-tos fundamentais de segunda gera-ção e, no dizer do Professor PauloBonavides, os direitos fundamentais,em rigor, não se interpretam; concre-tizam-se.(1)

Há que se ressaltar, então, trêsaspectos de vital relevância nos di-reitos fundamentais: primeiro, a suafunção protetora, capacidade de im-por limites e deveres, tanto à autori-dade legislativa como administrati-va; segundo, o caráter unitário de

(1) BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Cons-titucional, São Paulo: Malheiros Editores Ltda.,2003, p. 592.

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que são dotadas as normas de di-reitos fundamentais; terceiro, o prin-cípio da efetividade desses direitos,pelo que em dúvida na esfera inter-pretativa, cabe a preferência àquelanorma mais apta a desdobrar commaior intensidade a eficácia jurídicado direito fundamental.(2)

Considerando principalmenteo terceiro aspecto, por questão her-menêutica, são justamente os direi-tos fundamentais de natureza socialque sofrem com maior falta de efeti-vidade, muitas vezes porque depen-dem de políticas públicas do PoderExecutivo para fazer cumpri-los.Quando tais políticas públicas nãosão efetivamente imprimidas, pelosmais variados motivos, inclusive ale-gada ausência de previsão orçamen-tária, cabe ao Poder Judiciário exer-cer seu papel social — não legislati-vo, diga-se — para que seja respei-tado o princípio da efetividade emrelação a tais direitos.

Então, se desrespeitados osdireitos sociais constitucionalmenteprotegidos, cabe ao Ministério Pú-blico do Trabalho o manejo da açãocompetente para que os mesmossejam, realmente, efetivados. Porconta disso, a natureza pura e sim-ples das contratações dos trabalha-dores em questão, se jungidos ounão a Regime Jurídico próprio, restasuperada.

Mas mesmo ultrapassando talbarreira, vê-se que os trabalhadoresnão estão enquadrados no RegimeJurídico Único do Estado do Piauí,conforme informações solicitadas eprestadas no Inquérito Civil Público

juntado aos autos. E, se assim nãose acham, a competência, reforça-se,é da Justiça do Trabalho, onde oficiao Ministério Público do Trabalho.

Na esteira desse raciocínio,além do caso sob holofote versar so-bre típico direito fundamental — meioambiente de trabalho — percebe-seque o ponto nevrálgico da tutela pre-tendida diz respeito a direitos meta-individuais, ou seja, que superam ainteresses previstos em conflitos in-dividuais e são decorrentes dastransformações sociais ocorridasnos últimos tempos, das quais oPoder Judiciário não pode se afas-tar. Por conta disso, é que a próprialegislação ordinária, através do Có-digo de Defesa do Consumidor, jáconceitua interesses difusos e cole-tivos, os quais possuem naturezaindivisível e que são resguardadosvia Ação Civil Pública (Lei n. 7.347/85, art. 1º, IV).

Logo, não há dúvidas de que oMinistério Público do Trabalho encon-tra-se legitimado para manejo dapresente ação.

DA INCOMPETÊNCIA ABSO-LUTA EM RAZÃO DA MATÉRIA DAJUSTIÇA DO TRABALHO — Quantoao tema, alega o réu que a hipótesediscutida nos atos não se encontraprevista no art. 114 da ConstituiçãoFederal, porquanto a relação jurídicaentre os servidores do IML e o Estadodo Piauí não ter natureza empregatí-cia. Assim, requer a remessa do feitoà Justiça Comum, precisamente auma das Varas da Fazenda Pública.

Os argumentos do Estado doPiauí devem ser afastados por contade duas premissas.(2) Op. cit., pp. 594 e 595.

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Trabalhadores contratados emprévia habilitação em concurso públi-co — não cumprimento da ordemconstitucional — inaplicabilidade deRegime Jurídico Único — Em primei-ro lugar constata-se, como dito emlinhas pretéritas, que os trabalhado-res do IML não estão enquadradosno Regime Jurídico Único do Estadodo Piauí, conforme informações soli-citadas e prestadas no Inquérito CivilPúblico juntado aos autos, ou seja,prestam serviços ao ente público,mas não se submeteram a concursopúblico, como exige o Texto Ápice.

De certo, tratando-se de incom-petência absoluta a questão podeser ventilada através de preliminar epode ser alegada em qualquer tem-po ou grau de jurisdição, indepen-dentemente de exceção, conforme in-teligência do art. 113 do Código deProcesso Civil, aplicado subsidiaria-mente à espécie.

Por força da Emenda Consti-tucional n. 19/98 o Regime JurídicoÚnico restou limitado, deixando deser obrigatório, uma vez que os en-tes da Administração Direta, bemcomo as autarquias, podem optarpelo Regime Jurídico próprio ou não.É a lei, pois, que deve definir a natu-reza a e complexidade dos cargosou empregos (CF, art. 37, II).

Em sendo assim, todos os cri-térios para compatibilização de qua-dro de pessoal com o Texto Ápice(CF, art. 39), tais como responsabili-dade, peculiaridade e complexidadedo cargo ou requisitos para investi-dura, deverão ser feitos tambémsomente através de lei (CF, art. 29do ADCT).

Evidente, portanto, que se oente da Administração Direta não en-quadrou tais trabalhadores nos re-quisitos mencionados, tem-se queo regime aplicado não pode ser oestatutário, mas sim o contratual enos moldes previstos pela Consoli-dação das Leis do Trabalho.

Meio ambiente de trabalho —competência da Justiça do Trabalhoreconhecimento pelo Supremo Tri-bunal Federal — Além disso, cuidan-do a matéria em debate sobre meioambiente de trabalho, como exausti-vamente fundamentado, o SupremoTribunal Federal já decidiu que com-petente a Justiça do Trabalho paradirimir a quizila, tudo através da Sú-mula n. 736, senão vejamos:

Compete à Justiça do Traba-lho julgar as ações que tenhamcomo causa de pedir o descumpri-mento de normas trabalhistas rela-tivas à segurança, higiene e saúdedos trabalhadores. Negrito nosso.

Por tais argumentos, a Justiçado Trabalho mostra-se competentepara conciliar, instruir e julgar o pre-sente feito.

MÉRITO

Presença dos requisitos paraconcessão da liminar requerida fu-mus boni iuris e periculum in mora— Conforme as provas carreadasaos autos, até o presente momento,os requisitos autorizadores para con-cessão da liminar requerida encon-tram-se presentes.

O fumus boni iuris decorre dofato de que as vistorias da Vigilância

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Sanitária demonstraram total deso-bediência às normas de saúde, hi-giene e segurança do trabalho. Alémdisso, a inspeção judicial levada aefeito constatou, por completo, taldescumprimento com ofensa diretaao meio ambiente de trabalho daque-les trabalhadores que prestam servi-ços no Instituto Médico Legal — IMLda capital, direta ou indiretamente.

O periculum in mora reflete nofato de que, rotineiramente, tais nor-mas vêm sendo descumpridas peloréu, pois os trabalhadores do IMLestão sendo prejudicados, com da-nos patentes à saúde de cada um,inclusive com arranhaduras ao prin-cípio da dignidade da pessoa huma-na (CF, art. 1º, III).

Previsão orçamentária — Nãocabe ao Poder Judiciário determinarao Poder Executivo a maneira de efe-tivar o cumprimento da decisão judi-cial emanada. Entretanto, sabe-seque há possibilidade de créditosadicionais especiais, destinados adespesas para as quais não hajadotação orçamentária específica,conforme arts. 41 e 42 da Lei n.4.320/64. Nesse caso, os créditosespeciais serão autorizados por leie abertos por decreto executivo,como manda o dispositivo legal emcomento.

Assim, os argumentos do réuem tal questão devem ser rejeitados.

CONCLUSÃO

Ante o exposto e do mais quedos autos consta, rejeito as prelimi-nares levantadas e, verificando quepresentes os requisitos autorizado-

res, concedo a medida liminar reque-rida na presente Ação Civil Pública,determinando que o réu adote as se-guintes providências — obrigação defazer:

1) Cumpra a Resolução da Di-retoria Colegiada da Agência Nacio-nal de Vigilância Sanitária, RDC n.33, de 25 de fevereiro de 1998, quedispõe sobre o regulamento técnicopara o gerenciamento de Resíduosde Serviços de Saúde (RSS).

2) Cumpra a Resolução da Di-retoria Colegiada da Agência Nacio-nal de Vigilância Sanitária, RDC n.50, de 21 de fevereiro de 2002, quedispõe sobre o Regulamento Técni-co para planejamento, programação,elaboração e avaliação de projetosfísicos de estabelecimentos assis-tenciais de saúde.

3) Cumpra a Portaria n. 2.616,de 12 de maio de 1998 do Ministérioda Saúde e respectivos anexos, noque diz respeito a diretrizes e nor-mas para a prevenção e o controledas infecções hospitalares.

4) Cumpra as solicitações con-tidas, ora deferidas, nos itens 33.1,33.2, 33.3 e 33.4 da inicial, relativa-mente à observância das normasque visem à manutenção de ummeio ambiente de trabalho e segu-ro, principalmente, ofertando Equi-pamento de Proteção Individual aostrabalhadores que necessitarem emface da atividade laboral: providen-ciando condições de limpeza dos lo-cais de trabalho, inclusive com de-detização periódica das instalações,conforme recomendação da Vigilân-cia Sanitária; fornecendo água potá-vel e em quantidade suficiente para

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consumo humano e higienização,como requerido; adotando providên-cia necessária no sentido de manteras instalações elétricas, hidráulicase sanitárias em perfeito estado defuncionamento, sem oferecer riscosà saúde e segurança dos usuários.

Determino o cumprimento dasprestações, na forma exposta, o quedeve ser feito no prazo de 90 (noven-ta) dias a contar da ciência do entepúblico, sob pena de cominação de

multa diária no importe de R$2.000,00 (dois mil reais) por dia dedescumprimento, a ser convertidaem prol do Fundo de Amparo do Tra-balhador (Lei n. 7.347/85, art. 11).

Expeça-se o competente man-dado.

Mantenha-se a pauta desig-nada.

Carlos Wagner Araújo Nery DaCruz, Juiz do Trabalho — 2ª Vara doTrabalho de Teresina-PI

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TERMO DE COMPROMISSO DEAJUSTAMENTO DE CONDUTA N. 048/2004

Pelo presente instrumento, naforma do art. 5º, § 6º, da Lei n. 7.347,de 24 de julho de 1985, combinadocom o art. 876, da CLT, na redaçãoque lhe deu a Lei n. 9.958/2000, tendoem vista as apurações procedidasnos autos da representação em epí-grafe, o Município de Bela Vista, pes-soa jurídica de direito público, cujaprefeitura está localizada na Av. Se-nador Pinheiro s/n — Baixada Flu-minense, neste ato representadopelo Sr. Luiz Carlos Cunha Tebiche-rane, Prefeito Municipal, portador doRG n. 17.221 SSP/MS, firma peranteo MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABA-LHO, neste ato representado peloProcurador do Trabalho, neste ato re-presentado pelo Procurador do Tra-balho infra-assinado este TERMODE COMPROMISSO DE AJUSTA-MENTO DE CONDUTA.

I — JUSTIFICATIVA

1.1. Considerado que “a inves-tidura em cargo ou emprego públicodepende de aprovação prévia emconcurso de provas ou de provas etítulos, de acordo com a natureza e acomplexidade do cargo ou empre-go, na forma prevista em lei, ressal-vadas as nomeações para cargo emcomissão declarado em lei de livre

nomeação e exoneração” (art. 37, II,da Constituição Federal);

1.2. Considerando que os ca-sos de contratação por tempo deter-minado devem ocorrer apenas paraatendimento de necessidade tempo-rária de excepcional interesse públi-co (inciso IX, do art. 37, da Carta daRepública);

1.3. Considerando que o Su-premo Tribunal Federal, no julga-mento da ADIn n. 1500, interpretouos requisitos de validade da contra-tação fundada no inciso IX, do mes-mo art. 37, da CF, quais sejam: “a)previsão em lei dos casos; b) tempodeterminado; c) necessidade tempo-rária de interesse público; d) interes-se público excepcional ” e no julga-mento da ADIn n. 860/DF entendeuque: o contrato temporário só pode-ria ser prorrogado uma vez e as ativi-dades permanentes ou previsíveissó poderão ser exercidas por servi-dores públicos admitidos pela via doconcurso público;

1.4. Considerando que no pro-cesso n. 459/2002-031-24-00-0, daVara do Trabalho de Aquidauana —MS, foi apurada a admissão de tra-balhador pelo compromissário, semconcurso público prévio (Anexos I aIII da Representação em epígrafe);

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1.5. Considerando que no cur-so da investigação foi constatada aexistência de 96 cargos efetivos deprofessor, segundo o anexo II, da LeiMunicipal n. 1.171/2001 (embora aLei Municipal n. 1.101/99 tenha pre-visão de 273 cargos), tendo o com-promissário aproximadamente 150professores concursados e efetivos(anexo V da Rep. 28/2003) e ainda, aocorrência da contratação temporá-ria de mais de 100 professores em2003, repetida em 2004, para fun-ções que deveriam estar sendo de-sempenhadas por professores efe-tivos (fls. 20 e 27);

1.6. Considerando que o Mu-nicípio vem contratando trabalhado-res para funções permanentes e pre-visíveis, indicando o inciso IX, do art.37, da CF como fundamento, princi-palmente professores (anexo V, daRep. 28/2003), monitores e instruto-res do PETI (anexo V), mas tambémagentes comunitários de saúde, au-xiliares de enfermagem, agentes deprograma de saúde pública, enfer-meiros, médicos, nutricionistas, fo-noaudiólogos, odontólogos, assis-tentes sociais, bioquímicos, enge-nheiro agrônomo, zeladores, meren-deiras, guardas e pedreiros (decla-rações contidas às fls. 27 e 99);

1.7. Considerando que há di-versos agentes comunitários de saú-de, auxiliares e técnicos de enferma-gem, auxiliares de saúde e técnicode contabilidade, ocupando supos-tos cargos em comissão (anexo V),sem haver lei amparando a sua exis-tência no âmbito municipal (Leis Mu-nicipais ns. 962/93 e 1.083/99 —anexo VII), até porque as funções ci-tadas não se destinam às “atribui-

ções de direção, chefia e assessora-mento” (inciso V, do art. 37, da CF);

1.8. Considerando a necessi-dade do compromissário de adequara contratação de seu pessoal aosditames Constitucionais;

1.9. Considerando o dispostona Lei n. 9.504/97, art. 73, inciso V, oqual veda aos agentes públicos anomeação, contratação ou qualquerforma de admissão de trabalhadoresnos três meses que antecedem o plei-to eleitoral e até a posse dos eleitos;

1.10. Considerando que a Lein. 8.429/92 enquadra como atos deimprobidade administrativa aquelesque atentam contra os princípios da ad-ministração pública, entre os quais aregra do concurso público, além de pre-ver a responsabilização daquele quecausa lesão ao erário público;

1.11. Considerando que o § 2º,do art. 37, da Carta Magna determi-na a punição da autoridade respon-sável, no caso de admissão semconcurso público;

O Município de Bela Vista — MS,assume as seguintes obrigações:

II — OBRIGAÇÕES DE NÃO FAZER

2.1. Abster-se de admitir servi-dores sem prévio concurso público,ressalvadas as nomeações paracargo em comissão criado e decla-rado em lei de livre nomeação e exo-neração, sendo estes destinadosapenas às atribuições de direção,chefia e assessoramento;

2.2. Abster-se de realizar no-meações ou contratações por tem-

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po determinado para funções per-manentes e previsíveis; que não te-nham previsão em lei; que não de-corram de necessidade temporária deinteresse público; e, desprovidasde interesse público excepcional (in-clusive aquelas constantes das jus-tificativas 1.6);

2.3. Abster-se de contratar pro-fessores sem prévio concurso públi-co. A contratação temporária seráadmitida exclusivamente para suprira falta de docente da carreira decor-rente de exoneração ou demissão,falecimento, aposentadoria, afasta-mento para capacitação e afasta-mento ou licença de concessão obri-gatória. Se o afastamento for perma-nente, o período de substituição serátão-somente aquele necessário ànomeação e posse de outro profes-sor aprovado em concurso público;

2.4. Abster-se de contratar ounomear quaisquer pessoas ou pro-fissionais para atuarem no Programade Agentes Comunitários de Saúde ouno Programa de Saúde da Famíliaou do PETI — Programa de Erradica-ção do Trabalho Infantil, sem con-curso público;

2.5. Para as funções descritasna obrigação anterior também nãopoderão ocorrer contratações por in-terposta pessoa;

III — OBRIGAÇÕES DE FAZER

3.1. O compromissário deve-rá tornar todas as atitudes neces-sárias ao saneamento das irregu-laridades atualmente existentes noseu quadro de servidores e contra-tados, aplicando, para tanto, as obri-

gações anteriores e os princípios edispositivos da Constituição Federal,realizando concurso e dispensandoos trabalhadores admitidos irregular-mente.

IV — DO CUMPRIMENTO DO COM-PROMISSO

4.1. O presente compromissovigorará por prazo indeterminado,gerando totais efeitos a partir de 180(cento e oitenta) dias, contados do tér-mino das vedações contidas no inci-so V, do art. 73, da Lei n. 9.504/97;

4.2. Em caso de descumpri-mento de qualquer das obrigaçõesdo presente Termo de Compromis-so, incidirá multa de R$ 1.000,00(um mil reais) por trabalhador en-contrado em situação irregular e porcláusula violada. As multas ora es-tipuladas serão reversíveis ao Fun-do de Direitos Difusos ou a outrofundo indicado pelo Ministério Pú-blico do Trabalho, nos termos do art.5º, § 6º e art. 13, ambos da Lei n.7.347/85;

4.3. A inobservância das obri-gações assumidas importará emresponsabilização do agente públi-co (Prefeito Municipal), o qual respon-derá solidariamente pelas multasprevistas no item anterior. Nestecaso, também serão tomadas todasas medidas para a sua punição, naforma do § 2º, do art. 37, da CF, e daLei n. 8.429/92;

4.4. As multas aplicadas nãosubstituem as obrigações ora ajus-tadas;

4.5. Em caso de descumpri-mento, tanto as obrigações como as

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multas decorrentes serão executa-das na Justiça do Trabalho;

4.6. Os valores das multas se-rão atualizados pelo mesmo indexa-dor utilizado pela União Federal paraa cobrança de débitos fiscais, o qualincidirá sobre o valor da multa apu-rado a partir da data de assinaturado presente Termo.

4.7 Este termo de compromis-so, passado em duas vias, produzi-rá efeitos legais a partir de sua cele-bração e terá eficácia de título exe-cutivo extrajudicial, na forma dos arts.5º, § 6º, da Lei n. 7.347/85, 585, VII,do CPC e 876, da CLT.

V — FISCALIZAÇÃO DO CUMPRI-MENTO DO AJUSTE

5.1. A fiscalização do cumpri-mento do presente compromissoserá procedida pelo Ministério Públi-co do Trabalho e pelo Ministério doTrabalho e Emprego.

E por estarem de acordo, fir-mam o presente.

Campo Grande — MS, 08 deoutubro de 2004.

Dr. Keilor Heverton Mignoni,Procurador do Trabalho.

Luiz Carlos Cunha Tebicherane,Prefeito do Município de Bela Vista.

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JURISPRUDÊNCIA

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AÇÃO CIVIL PÚBLICA — LEGITIMIDADE ATIVA DOMPT — INTERESSES INDIVIDUAIS HOMOGÊNEOS

(STF — 2ª TURMA)

Relatora: Min. Ellen Gracie

Agravante(s) : Banco do Brasil S/A

Advogado(A/S) : Antônio Luiz Barbosa Vieira e outro(A/S)

Agravado(A/S): Ministério Público do Trabalho

RECURSO EXTRAORDINÁRIO. AGRAVO REGIMENTAL. AÇÃO CIVIL PÚ-BLICA. LEGITIMIDADE ATIVA. MINISTÉRIO PÚBLICO. DEFESA DE DIREI-TOS INDIVIDUAIS HOMEGÊNEOS NA ESFERA TRABALHISTAS.1. Assentada a premissa de que a lide em apreço versa sobre direitosindividuais homogêneos, para dela divergir é necessário o reexame dascircunstâncias fáticas que envolvem o ato impugnado por meio da pre-sente ação civil pública, providência vedada em sede de recurso extraor-dinário pela Súmula STF n. 279.2. Os precedentes mencionados na decisão agravada (RREE 213.015 e163.231) revelam-se perfeitamente aplicáveis ao caso, pois neles, inde-pendentemente da questão de fato apreciada, fixou-se tese jurídica nosentido da legitimidade do Ministério Público ajuizar ação civil pública nadefesa de interesses individuais homogêneos na esfera trabalhista con-trária à orientação adotada pelo TST acerca da matéria em debate.3. Agravo regimental improvido.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidosestes autos, acordam os Ministrosdo Supremo Tribunal Federal, em Se-gunda Turma, sob a Presidência doSenhor Ministro Carlos Velloso, na

conformidade da ata de julgamentoe das notas taquigráficas, por unani-midade de votos, negar provimento.

Brasília, 23 de novemrbo de2004.

Ellen Gracie, relatora.

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RELATÓRIO

A Senhora Ministra Ellen Gra-cie: A decisão agravada possui oseguinte teor:

“1. Trata-se de recurso extraordi-nário interposto com fundamentono art. 102, III, “a”, da ConstituiçãoFederal, contra acórdão proferidopela Subseção I Especializada emDissídios Individuais do TribunalSuperior do Trabalho que, por una-nimidade, não conheceu os em-bargos opostos pelo MinistérioPúblico do Trabalho, mantendo adecisão do acórdão proferido norecurso de revista, segundo o qualo Parquet trabalhista não possuilegitimidade para ajuizar ação ci-vil pública na defesa de interessesindividuais homogêneos.

2. Sustenta o ora recorrente, que oacórdão recorrido violou o dispostonos arts. 127, caput e 129, III e IX, daConstituição Federal, assentado quea ação visou à defesa do interessede origem comum da categoria, namedida em que postulava um co-mando sentencial que vedasse aexigência de transferência compul-sória realizadas pelo Banco do Bra-sil no Estado do Ceará.

3. Contra-razões apresentadas àsfls. 637/642.

4. O despacho proferido pelo pre-sidente do Tribunal Superior do Tra-balho de fls. 644/645, admitiu o re-curso, ao fundamento que “É cabí-vel o recurso extraordinário, tendoem vista o preenchimento dospressupostos à sua admissibilida-de, uma vez que o tema constitu-cional foi objeto de enfrentamento

direto na decisão recorrida. (...) fi-cou prequestionada a matéria tra-zida a juízo, não havendo dúvidaquanto à sua discussão. (...) Exis-te, em tese, a recorrido cuja avalia-ção é de competência do egrégioSupremo Tribunal Federal”.

5. A Procuradoria-Geral da Re-pública, em parecer de fls. 654/655,opinou pelo provimento do recurso.

6. Com relação à legitimidadedo Ministério Público do Trabalho paraajuizar ação civil pública de naturezanão coletiva, o Tribunal a quo divergiuda orientação fixada pelo SupremoTribunal Federal sobre o tema, con-forme se verifica do seguinte julgado:

‘Recurso Extraordinário. Traba-lhista. Ação Civil Pública. 2. Acór-dão que rejeitou embargos infrin-gentes, assentando que ação ci-vil pública trabalhista não é omeio adequado para a defesa deinteresses que não possuem na-tureza coletiva. 3. Alegação deofensa ao disposto no art. 129, III,da Carta Magna. Postulação decomando sentencial que vedas-se a exigência de jornada de tra-balho superior a 6 horas diárias.4. A Lei Complementar n. 75/93conferiu ao Ministério Público doTrabalho legitimidade ativa, nocampo da defesa dos interessesdifusos e coletivos, no âmbito tra-balhista. 5. Independentementede a própria lei fixar o conceito deinteresse coletivo, é conceito de Di-reito Constitucional, na medidaem qua a Carta Política dele fazuso para especificar as espéciesde interesses que compete aoMinistério Público defender (CF,

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art. 129, III). 6. Recurso conhecidoe provido para afastar a ilegitimida-de ativa do Ministério Público do Tra-balho’. RE n. 213.015-0, Rel. Min.Néri da Silveira, DJ 24/05/2002).

8. Outrossim, no mesmo sen-tido, aponto o RE 163.231-3, Rel. Min.Maurício Corrêa, Plenário, unânime,DJ de 29.6.01.

9. Diante do exposto, com fun-damento no art. 557, § 1º-A do CPC,dou provimento ao recurso extraor-dinário para assentar a legitimidadedo Ministério Público do Trabalho, de-vendo a Corte de origem prosseguirno julgamento da presente ação civilpública como entender de direito.”

O agravante sustenta que nãoestá em jogo interesse individual.

Argumenta, de outra parte, queos julgados citados no despacho nãose amoldam à situação dos autos.

É o relatório.

VOTO

A Senhora Ministra Ellen Gra-cie — (Relatora): O Tribunal Supe-rior do Trabalho deixou expressa-mente consignado dos funcionáriosdo Banco do Brasil S/A. Confira-se:

“Conquanto irrefutável o cabimen-to de ação civil pública no direitoprocessual do trabalho, o mesmonão se diga em relação à legitimi-dade, ou não, de o órgão do Mi-nistério Público do Trabalho ajui-zá-la em defesa dos chamadosinteresses individuais homogê-neos, questão que ainda suscitacontrovérsia.

Comungando do entendimentoabraçado pela Eg. Terceira Tur-ma do TST, entendo que o Minis-tério Público do Trabalho carecelegitimidade para o ajuizamentode ação civil pública versando in-teresses individuais homogêneos.”

Assentada essa premissa, paradela divergir é necessário o reexa-me das circunstâncias fáticas que en-volvem o ato impugnado por meio dapresente ação civil pública, providênciavedada em sede de recurso extraordi-nário pela Súmula STF n. 279.

Por outro lado, os precedentesmencionados na decisão agravadarevelam-se perfeitamente aplicáveisao caso, pois neles, independente-mente da questão de fato apreciada,fixou-se tese jurídica no sentido dalegitimidade do Ministério Públicoajuizar ação civil pública na defesade interesses individuais homogê-neos na esfera trabalhista, contráriaà orientação adotada pela Corte aquo acerca da matéria em debate.

Com essas considerações, negoprovimento ao agravo regimental.

EXTRATO DE ATA

Ag. Reg. no Recurso Extraordinário394.180-1

Proced.: Ceará

Relatora: Min. Ellen Gracie

AGTE. (S): Banco do Brasil S/A

ADV. (A/S): Antônio Luiz Barbosa Vieirae Outro (A/S)

AGDO. (A/S): Ministério Público doTrabalho

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Decisão: Negou-se provimen-to, decisão unânime. Ausentes, jus-tificadamente, neste julgamento, osSenhores Ministros Celso de Melloe Gilmar Mendes. Presidiu, este jul-gamento, o Senhor Ministro CarlosVelloso. 2ª Turma, 23.11.2004.

Presidência do Senhor Minis-tro Carlos Velloso. Presentes à Ses-

são a Senhora Ministra Ellen Graciee os Senhores Ministros Gilmar Men-des e Joaquim Barbosa. Ausente,justificadamente, O Senhor MinistroCelso de Mello.

Subprocuradora-Geral da Repú-blica, Dra. Sandra Verônica Cureau.

Carlos Alberto Cantanhede,Coordenador.

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RECURSO DO MPT — INTERPOSIÇÃO EM DATAANTERIOR À PUBLICAÇÃO DA DECISÃO RECORRIDA

— TEMPESTIVIDADE (TST — SBDI-1)

EMBARGOS. RECURSO DE REVISTA DO MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRA-BALHO INTERPOSTO ANTES DA PUBLICAÇÃO DOS EMBARGOS DE-CLARATÓRIOS. CIÊNCIA NA PRÓPRIA DECISÃO RECORRIDA. TEMPES-TIVIDADE. A jurisprudência da SBDI-1 da Corte tem-se orientado no sen-tido que inexistente o recurso interposto antes do início do prazo recursal.No caso dos autos, entretanto, a situação é diversa daquela debatida noprecedente da Corte, porque o recorrente é o Ministério Público do Traba-lho, que não está adstrito à data de publicação da decisão recorrida, masà data de intimação pessoal dos membros da Procuradoria da Justiça doTrabalho, já que estes gozam da prerrogativa processual da intimaçãopessoal, ou seja, são sempre intimados pessoalmente das decisõesproferidas nos processos que intervêm, conforme Lei Complementar n.75/93, art. 18, inciso II, alínea “h”, c/c o art. 84, inciso IV. Embargos nãoconhecidos.

Vistos, relatados e discutidosestes autos de Embargos em Recur-so de Revista n. TST-E-RR-627.184/2000.0, em que é Embargante LEO-NARDO GASTÃO DE SEIXAS CONDU-RU e são Embargados FUNDAÇÃOESTADUAL DE ENGENHARIA DOMEIO AMBIENTE — FEEMA E MINIS-TÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO DA1ª REGIÃO.

A 1ª Turma da Corte, em pro-cesso oriundo do 1º Regional, porintermédio do Acórdão de fls.191-195, conheceu do Recurso de Re-vista interposto pelo Ministério Públi-co do Trabalho, por divergência ju-risprudencial e violação constitucio-

nal para, no mérito, dar-lhe provi-mento, excluindo da condenação asdiferenças salariais relativas ao Pla-no Verão, na forma da jurisprudên-cia assente nesta Corte. Julgou pre-judicado o Recurso de Revista daReclamada quanto ao Plano Verãoe dele não conheceu quanto ao temarestante.

Embargos Declaratórios opos-tos pelo Reclamante (fls. 200-204),que foram desprovidos (fls. 207-209).

O Reclamante interpõe Embar-gos à Seção Especializada em Dis-sídios Individuais (fls. 213-221), pos-tulando a reforma do julgado.

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Impugnação às fls. 226-229(Fundação Estadual de Engenhariado Meio Ambiente — FEEMA) e 232-236 (Ministério Público do Trabalho).

O processo não foi enviado àProcuradoria-Geral para emissão deparecer, porque na impugnação defls. 232/236 consta a opinião do Mi-nistério Público do Trabalho, sendodesnecessária a remessa.

É o relatório.

VOTO

1. CONHECIMENTO

Satisfeitos os pressupostoscomuns de admissibilidade, exami-no os específicos dos Embargos.

1.1. PRELIMINAR DE NULIDADE DOACÓRDÃO RECORRIDO, PORAUSÊNCIA DE PRESTAÇÃOJURISDICIONAL

O Embargante alega que a Tur-ma, mesmo instada por intermédiode Embargos Declaratórios, negou-se a examinar o aspecto pelo qual ainterposição do recurso deu-se emmomento anterior à própria publica-ção do acórdão recorrido, incorren-do em nulidade por negativa de pres-tação jurisdicional.

Aponta violação dos arts. 458do CPC, 832 da CLT, 5º, incisosXXXV, LIV, LV, e 93, inciso IX, da CF/88, além de transcrever aresto parao confronto de teses.

Não lhe assiste razão, entre-tanto.

O Embargante postulou escla-recimentos sobre uma possível in-

tempestividade do Recurso de Re-vista do Ministério Público do Traba-lho, porque apresentado antes dapublicação do Acórdão recorrido.

Em resposta, a Turma escla-receu que não se verificava nenhu-ma irregularidade, porque da sessãode julgamento na qual ocorreu aapreciação dos recursos apresenta-dos em instância ordinária, houve aparticipação do representante do Mi-nistério Público, o qual teve conheci-mento imediato do inteiro teor do jul-gado ali proferido.

Houve, portanto, enfrentamen-to do aspecto suscitado nos Embar-gos Declaratórios, tendo a Turma,não obstante entendesse que a oca-sião não era própria para enfrentaraquela questão, combatido a alega-ção de intempestividade do Recur-so de Revista interposto pelo Minis-tério Público do Trabalho.

Incólumes, pois, os preceitoslegais e constitucionais referidos, enão configurada a divergência espe-cífica.

Não conheço dos Embargos,pela preliminar.

1.2. RECURSO DE REVISTA DO MI-NISTÉRIO PÚBLICO DO TRABA-LHO INTERPOSTO ANTES DAPUBLICAÇÃO DOS EMBARGOSDECLARATÓRIOS. CONHECI-MENTO. PROVIMENTO. INTEM-PESTIVIDADE

A Turma conheceu do Recur-so de Revista interposto pelo Minis-tério Público do Trabalho, por diver-gência jurisprudencial e violaçãoconstitucional para, no mérito, dar-lhe provimento, excluindo da conde-

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nação as diferenças salariais relati-vas ao Plano Verão, na forma da ju-risprudência assente nesta Corte.Julgou prejudicado o Recurso deRevista da Reclamada quanto aoPlano Verão e dele não conheceuquanto ao tema restante.

Instada por intermédio de Em-bargos Declaratórios a se manifes-tar sobre uma possível intempestivi-dade do Recurso de Revista do Mi-nistério Público do Trabalho, porqueapresentado antes da publicação doAcórdão recorrido, a Turma esclare-ceu que não se verificava nenhumairregularidade, porque, da sessão dejulgamento na qual ocorrera a apre-ciação dos recursos apresentadosem instância ordinária, houve a par-ticipação do representante do Minis-tério Público, o qual teve conheci-mento imediato do inteiro teor do jul-gado ali proferido.

Sustenta o Embargante que oAcórdão embargado incorreu emmanifesta violação do art. 896 daCLT, à medida que conheceu e deuprovimento a recurso de revista ma-nifestamente intempestivo.

Aduz que o prazo para a inter-posição de recurso somente tem seuinício após a publicação do acórdãoimpugnado, e, no caso dos autos, ainterposição deu-se em momentoanterior à própria publicação do acór-dão recorrido, já que o Acórdão quejulgou o Recurso Ordinário foi publi-cado no DJ de 1.6.1999, e o Recursode Revista do Ministério Público doTrabalho teve sua interposição qua-se um mês antes, ou seja, em6.5.2003.

A jurisprudência da SBDI-1 daCorte tem-se orientado no sentidoque inexistente o recurso interpostoantes do início do prazo recursal,notadamente se a parte opõe Em-bargos Declaratórios, com pedido deefeito modificativo, cujo prazo fica in-terrompido (E-RR-70162/2002, D1,Relatora Ministra Maria Cristina Iri-goyen Peduzzi, DJ de 12.3.2004).

No caso dos autos, entretanto,a situação é diversa daquela debati-da no precedente da Corte, porque oRecorrente é o Ministério Público doTrabalho, que não está adstrito àdata de publicação da decisão recor-rida, mas à data de intimação pes-soal dos membros da Procuradoriada Justiça do Trabalho, já que estesgozam da prerrogativa processual daintimação pessoal, ou seja, sãosempre intimados pessoalmentedas decisões proferidas nos pro-cessos que intervêm, conforme LeiComplementar n. 75/93, art. 18, inci-so II, alínea “h”, c/c o art. 84, inciso IV.

No caso, a ciência pessoal doMinistério Público do Trabalho se deuna própria data em que a decisão foiproferida, conforme se constata à fl.156, pela assinatura nela aposta em4.5.99, da Procuradora-Chefe, peloque a interposição do Recurso deRevista em 6.5.99 se deu de formatempestiva, considerado o princípioda celeridade e economia processu-al, da instrumentalidade das formase da falta de prejuízo para as partes.

Acrescente-se o fato pelo qualos Embargos Declaratórios não fo-ram opostos pelo Ministério Públicodo Trabalho e não continham pedidode efeito modificativo ao julgado.

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Incólume, pois, o art. 896 daCLT, não conheço dos Embargos.

Isto posto,

Acordam os Min is t ros daSubseção I Especializada em Dis-sídios Individuais do Tribunal Su-

perior do Trabalho, por unanimidade,não conhecer integralmente dosEmbargos.

Brasília, 6 de setembro de 2004.

Carlos Alberto Reis de Paula,Relator.

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AÇÃO RESCISÓRIA — DECISÃO PROFERIDA EM AÇÃOCIVIL PÚBLICA — AUSÊNCIA DE CITAÇÃO DOS TRABA-

LHADORES AFETADOS PELA DECISÃO —INEXISTÊNCIA DE NULIDADE (TST — SBDI-2)

RECURSO ORDINÁRIO EM AÇÃO RESCISÓRIA. AÇÃO CIVIL PÚBLICA.AUSÊNCIA DE CITAÇÃO. ALEGAÇÃO DE NULIDADE PROCESSUAL. Tra-tando-se de direitos difusos, transindividuais, de natureza indivisível, deque são titulares pessoas indeterminadas, inexiste campo propício àaplicação de normas processuais eminentemente concebidas para acitação em demandas de natureza individual, sob pena mesmo de seinviabilizarem as ações coletivas. Não se há de falar, no caso dos autos,em obrigatoriedade de citação dos eventualmente atingidos pelos efei-tos da decisão proferida na referida ação coletiva, visto que o legitimadopara figurar no pólo passivo da ação civil pública é aquele ou aquelesque praticaram o ato causador do dano, ou aquele que tinha ou tem odever jurídico de evitar a ocorrência do dano. Recurso ordinário a que senega provimento.

Vistos, relatados e discutidosestes autos de Recurso Ordinárioem Ação Rescisória n. TST-ROAR-814.964/2001.2, em que são Recor-rentes LUCIMAR RIBEIRO LINS E OU-TROS e Recorridos MINISTÉRIO PÚ-BLICO DO TRABALHO DA 10ª RE-GIÃO E COMPANHIA URBANIZADO-RA DA NOVA CAPITAL DO BRASIL— NOVACAP.

O egrégio Tribunal Regional doTrabalho da 10ª Região, por intermé-dio do acórdão de fls. 1008/1013, porunanimidade, julgou improcedente aação rescisória, sob o fundamentode que o acórdão rescindendo não

violara os arts. 47,213 e 215 do Có-digo de Processo Civil, e 5º, LV, daConstituição Federal, porquanto a leique rege ação civil pública estabele-ce regime consorcial meramente fa-cultativo, não se exigindo, portanto,a citação do terceiro interessado.

Inconformados, os autores re-correm ordinariamente, pelas razõesde fls. 1015/1022, tentando infirmaros fundamentos da decisão recorri-da alegando que a decisão rescin-denda é nula de pleno direito, pois adecisão atingiu diretamente os au-tores sem que fossem citados regu-larmente para apresentar defesa nos

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autos da Ação Civil Pública. Renovaa alegação de que restaram viola-dos os arts. 47, 213 e 215 do Códigode Processo Civil, e 5º, LV, da Cons-tituição Federal.

O recurso foi admitido às fls.1.041, tendo merecido contra-razõespelo Ministério Público às fls. 1.034/1.039.

A douta Procuradoria-Geral doTrabalho, às fls. 1.052, decidiu nãoemitir parecer, visto que o MinistérioPúblico já havia se manifestado so-bre o recurso quando ofereceu con-tra-razões, na qualidade de um dosréus da presente ação.

É o relatório.

VOTO

I. CONHECIMENTO

O recurso é tempestivo, vistoque o acórdão regional foi publicadoem 13.7.01, sexta-feira (certidão defls. 1.014), e o recurso foi interpostoem 23.7.01 (protocolo de fls. 1.015).Quanto à regularidade de represen-tação, o subscritor está regularmen-te legitimado nos autos (procuraçõesde fls. 34/833) e as custas foramdevidamente recolhidas (fls. 1.028).

Portanto, conheço.

II. MÉRITO

A ação rescisória em curso estáfundamentada no art. 485, V e VII, doCódigo de Processo Civil, tendo osautores apontado a existência de vio-lação dos arts. 47, 213, 215, 462, 472

e do Código de Processo Civil, e 5º,LV, da Constituição Federal.

Os autores, ora recorrentes,pretendem rescindir o acórdão regi-onal proferido em recurso ordinário,que, manteve a sentença proferidaem Ação Civil Pública proposta peloMinistério Público, e que culminoucom a declaração de nulidade doscontratos celebrados sem concursopúblico após 5.10.88 pela Novacap.A discussão gira em torno da obri-gatoriedade do litisconsórcio passi-vo abrangendo todos os que seriamatingidos pela declaração de nuli-dade do vínculo empregatício, e a ne-cessidade de citação de cada umdos contratados irregularmente paragarantir-lhes o direito ao contraditó-rio e à ampla defesa.

Os recorrentes alegam que oacórdão rescindendo “é nulo de ple-no direito, pois a decisão atinge di-retamente os autores, que não foramregularmente citados para apresen-tar defesa nos autos da Ação CivilPública” (fls. 1.017). Acrescenta quenão se admite na hipótese a citaçãopor edital, eis que todos os empre-gados da Novacap têm seu registrofuncional contendo endereço, po-dendo ser citados individualmente.

A respeito do tema, assim semanifestou o órgão julgador no acór-dão recorrido:

“(...) A Lei n. 7.347, de 1985, noentanto, estabelece regime litis-consorcial meramente facultativo,por isso que não se exige, sobpena de nulidade do processo —aliás não expressamente comi-nada —, a citação do terceiro inte-ressado.

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Não há surpresa nisso. A açãocivil pública visa à salvaguarda dosinteresses que envolvam tutela de di-reitos difusos, onde temos uma pul-verização dos interesses dos lesados.Como neste caso, há certos direitos einteresses individuais homogêneosque, quando visualizados em seu con-junto, de forma coletiva e impessoal,passam a representar mais que asoma de interesses dos respectivostitulares, verdadeiros interesses so-ciais, sendo que cabível sua proteçãopela ação civil pública, por isso que olitisconsorte passivo é meramentevoluntário, pois este há de sempre re-presentar interesse individual.

Emerge daí a inexistência dequalquer violação literal e direta aoart. 5º, caput e seu inciso LV, da Cons-tituição da República, bem como osarts. 47, 213, 215 e 231 do Códigode Processo Civil.

Em conseqüência, prejudica-do o novo julgamento da causa.” (fls.1.012/1.013)

Preambularmente, cabe escla-recer que, a rigor, não é possível se-quer aferir a ocorrência de violaçãoliteral aos dispositivos invocados pe-los autores, visto que a decisão res-cindenda não emitiu tese a respeitoda regularidade da citação ou da hi-pótese de litisconsórcio, voluntárioou necessário, a teor do Enunciadon. 298/TST.

Todavia, tratando-se de alega-ção de nulidade de todo o processoque gerou o acórdão rescindendopor ausência de citação válida, econsiderando os termos do art. 246do Código de Processo Civil, bemcomo o fato de, ao menos em tese,

não ser possível o prequestiona-mento de tal matéria, porquanto osautores sequer integraram a relaçãoprocessual que deu origem à deci-são rescindenda, passo à análisedas apontadas violações a disposi-tivo de lei.

Nesse sentido há decisõesdesta Corte:

“NULIDADE DE CITAÇÃO. DES-NECESSIDADE DE PREQUES-TIONAMENTO. O VÍCIO DE CITA-ÇÃO POR SE CONSTITUIR ‘ER-ROR IN PROCEDENDO’ NÃOCOMPORTA PREQUESTIONA-MENTO.” (ROAR — 83356/93, Rel.Min. Vantuil Abdala, D.J. 15.03.96)

“AÇÃO RESCISÓRIA — CITAÇÃOINICIAL — VÍCIO NULIDADEPROCESSUAL. DEMONSTRADOO VÍCIO NA CITAÇÃO, DECOR-RENTE DE ENDEREÇO INCOR-RETO, DEVE SER DECLARADONULO O PROCESSO, DESDEAQUELE ATO, PORQUE SEQUERFORMOU-SE O VÍNCULO PRO-CESSUAL. TRATA-SE DE NULIDA-DE ABSOLUTA, DECLARÁVEL DEOFÍCIO, INDEPENDENTE DE PRE-QUESTIONAMENTO. A CITAÇÃODEVERÁ OBSERVAR AS FORMA-LIDADES LEGAIS, SOB PENA DEVIOLAR O ARTIGO OITOCENTOSE QUARENTA E UM, DA CLT ETORNAR NULO O PROCESSO,COMO DETERMINA O ARTIGODUZENTOS E QUATORZE, DOCPC. CORRETA A DECISÃO QUEJULGOU PROCEDENTE A RES-CISÓRIA. RECURSO ORDINÁRIOCONHECIDO, MAS NÃO PROVI-DO.” (ROAR-17406/90, Rel. Min.Ney Doyle, DJ. 22.11.91)

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Discute-se a necessidade decitação de todos os obreiros a se-rem diretamente afetados pela deci-são proferida em Ação Civil Públicaque veio a declarar a nulidade de to-dos os contratos de trabalho cele-brados pela Novacap sem concursopúblico após a promulgação daConstituição Federal de 1988.

O art. 472 do Código de Pro-cesso Civil preceitua que: “A senten-ça faz coisa julgada às partes entreas quais é dada, não beneficiando,nem prejudicando terceiros”. Tal nor-ma estabelece, em linhas gerais, oslimites subjetivos da coisa julgada,no sentido de que a sentença somen-te obriga àquelas pessoas que par-ticiparam da lide, não prejudicandonem beneficiando terceiros. Esta re-gra geral, porém, comporta exceção.

É notória a existência de hipó-teses em que o terceiro, embora nãotenha participado do processo sofreas conseqüências da coisa julgada.Não há como se negar que as re-gras que disciplinam as lides quediscutem direitos individuais não semostram suficientes para atenderemàs peculiaridades dos litígios tran-sindividuais, como é o caso da açãocivil pública.

Dispõe a Lei n. 7.347/85, emseu art. 16, que “a sentença civil farácoisa julgada erga omnes, nos limi-tes da competência territorial...”. Talnorma faz projetar os efeitos da coi-sa julgada, inter partes no campo in-dividual, para toda uma coletividade.O resultado é que a coisa julgadaoriginária de um dissídio transindi-vidual assegurará a definitividade dacoisa julgada impedindo a repetição

da mesma ação, quer em sede indi-vidual, quer em sede coletiva. Comesse fenômeno não só a eficácia dasentença se projeta para fora do pro-cesso, como também a própria coi-sa julgada.

A coisa julgada erga omnesnas ações coletivas foi concebidaem favor da sociedade, motivo peloqual a sua aplicação deve ser feitasempre tendo em vista o interessepúblico, e não para resguardar situa-ções iníquas. Segundo ensina MauroCappelletti, impor uma estreita obser-vância literal da garantia do contradi-tório significaria tornar praticamenteimpossível a tutela jurídica dos inte-resses metaindividuais, dada a im-possibilidade material de identificartodas as partes ausentes, de notificarde todos os atos do juiz, de oferecer atodos uma efetiva possibilidade deintervenção no processo.

Assim, é possível admitir emação civil pública a assistência sim-ples ou litisconsorcial no pólo pas-sivo, todavia a assistência, por suaprópria natureza, é voluntária, facul-tativa. Não se há de falar, no casodos autos, em obrigatoriedade decitação dos eventualmente atingidospelos efeitos da decisão proferida nareferida ação coletiva, visto que o le-gitimado para figurar no pólo passi-vo da ação civil pública é aquele ouaqueles que praticaram o ato cau-sador do dano, ou aquele que tinhaou tem o dever jurídico de evitar a ocor-rência do dano. Na hipótese a açãocivil pública fundamentada no art. 37,inciso II, da Constituição Federaldirigiu-se unicamente contra o entepúblico que contratou sem obser-var a exigência constitucional a ele

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dirigida, porquanto os entes quecompõem a Administração Públicaé que têm o dever de obedecer aocomando constitucional de realizarconcurso público para o provimen-to de seus cargos. Portanto, não fo-ram os contratados que violaram alei e nem tinham o dever de fiscali-zar a observância de tal norma cons-titucional, o que, efetivamente, cons-tituía óbice a que integrassem a lidena qualidade de litisconsortes pas-sivos.

Acrescente-se ainda que paraassegurar aos possíveis interessa-dos na solução daquela demanda adefesa de seus direitos, o julgadordeterminou o seguinte:

“Considerando, no mais, a reper-cussão social da presente medi-da e a possível lesão de direitosindividuais de terceiros, e, sobre-tudo, visando dar atendimento aosprincípios do devido processo le-gal e da ampla defesa, assegura-dos pelo art. 5º da Carta da Repú-blica, publique-se edital dandonotícia a possíveis interessadosda propositura da presente AçãoCivil Pública — art. 94 da Lei n.8.078/90, que disciplina as açõesde natureza coletiva que tenhampor objeto a defesa de interessesdifusos, devendo a referida publi-cação conter, igualmente, informa-ção acerca dos termos da medidaliminar ora deferida” (fls. 864) —Tal publicação ocorreu em 28 deagosto de 1997 (fls. 865).

Conforme se observa dos ter-mos acima transcritos, os obreiros,ora recorrentes, tiveram a oportuni-dade de requerer a sua inclusão na

lide como assistentes, sendo-lhesplenamente assegurado, naqueleprocesso, o direito ao contraditório eà ampla defesa, não havendo quese falar em nulidade.

Aclaradora, neste sentido, é aafirmação do Ministério Público deque “tratando-se de direitos difusos,transindividuais, de natureza indivi-sível, de que são titulares pessoasindeterminadas, inexiste campo pro-pício à aplicação de normas proces-suais eminentemente concebidaspara a citação em demandas de na-tureza individual, sob pena mesmode se inviabilizarem as ações coleti-vas” (fls. 1.037).

Não se vislumbra, portanto, asapontadas violações dos arts. 47,213, 215, 462, 472 e do Código deProcesso Civil, e tampouco do 5º, LV,da Constituição Federal.

Outrossim, não há documentosnovos trazidos aos autos pelos au-tores que seja suficiente a lhes as-segurar pronunciamento favorável,nos moldes do art. 485, inciso VII, doCódigo de Processo Civil.

Assim, não se constatando aalegada violação a dispositivo de leiou a preceito constitucional, aponta-dos como fundamentos da ação res-cisória, mostra-se incensurável a r.decisão recorrida de fls. 1.008/1.013,que bem espelha e sintetiza as ca-racterísticas da presente situação, de-marcando, com apoio em prepon-derantes entendimentos jurispruden-ciais e doutrinários, a inviabilidade dopedido rescisório.

Ante o exposto, nego provimen-to ao recurso ordinário.

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Isto posto,

ACORDAM, os Ministros daSubseção II Especializada em Dissí-dios Individuais do Tribunal Superiordo Trabalho, por unanimidade, negarprovimento ao recurso ordinário.

Brasília, 3 de agosto de 2004.

Renato de Lacerda Paiva, Mi-nistro Relator.

Representante do MinistérioPúblico do Trabalho.

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AÇÃO RESCISÓRIA — LEGITIMIDADE DO MPT —AMPLIAÇÃO DAS HIPÓTESES DE AJUIZAMENTO

(TST — SBDI-2)

RECURSO ORDINÁRIO. AÇÃO RESCISÓRIA. ACORDO JUDICIAL.ART. 485, INCISOS III E VIII, DO CPC. LEGITIMIDADE DO MINISTÉRIOPÚBLICO. As hipóteses das alíneas “a” e “b”do art. 487 do CPC — relati-vas à não-intervenção do Ministério Público em processo em que eraobrigatória e a ocorrência de colusão entre as partes para defraudar a lei— remetem na realidade à violação de dispositivo legal, vale dizer, dosarts. 83, 84 e 129 do CPC. Disso se pode inferir que enumeração conti-da nas duas alíneas do art. 487 do CPC não é exaustiva, mas exem-plificativa, em virtude da qual se impõe a ilação de o Ministério Públicoestar igualmente legitimado a propor ação rescisória com respaldo emqualquer dos motivos de rescindibilidade do art. 485 do CPC, mesmonão tendo sido parte no processo original. Nesse sentido, a propósito,firmou-se a jurisprudência desta Corte, mediante a Orientação Juris-prudencial n. 83 da SBDI-2. SENTENÇA HOMOLOGATÓRIA DE ACOR-DO JUDICIAL. COLUSÃO CONFIGURADA. I — Em sede de colusão nãose exige provas diretas da sua ocorrência, bastando haja indícios epresunções para a sua configuração. II — Os autos são indicativos daexistência de colusão, consusbstanciada nas circunstâncias de que aspartes rescindiram o contrato de trabalho, tendo a reclamante movidoreclamação trabalhista de expressivo valor, na qual, diferentemente deoutros processos envolvendo a mesma reclamada, não foi apresenta-da defesa, findando a demanda em acordo homologado judicialmente,cujo não-cumprimento levou à penhora de bem imóvel da empresa,gravado com ônus real e avaliado em R$ 2.800.000,00. Não obstante oembate judicial travado entre as partes, a reclamante continuou pres-tando serviços à reclamada, exercendo cargo da mais alta fidúcia —gerente financeira, além de atuar como preposta da empresa em recla-mação trabalhista movida por outro empregado e representá-la peranteautoridade responsável pela fiscalização do trabalho. Recurso a que senega provimento.

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Vistos, relatados e discutidosestes autos de Recurso Ordinárioem Ação Recisória, n. TST-ROAR-131/2002-000-24-00.6, em que é Re-corrente ISLANE RAMOS CABRAL esão Recorridos MINISTÉRIO PÚBLI-CO DO TRABALHO DA 24ª REGIÃO eMARA VEÍCULOS S.A.

Trata-se de recurso ordináriointerposto pelos autores à decisãodo TST da 24ª Região (fls. 1.398/1.410), que julgou procedente a res-cisória fundamentada nos incs. III eVIII do art. 485 do CPC.

Contra-razões às fls. 1.448/1.455.

Dispensado o parecer da Pro-curadoria Geral do Trabalho.

É o relatório.

VOTO

O Ministério Público do Traba-lho da 24ª Região argúi, em contra-razões, preliminar de deserção do re-curso ordinário, ao argumento deque a recorrente, embora condena-da por litigância de má-fé, não efe-tuou o depósito recursal.

Contudo, não há falar em de-serção. Com efeito, nos termos daOrientação Jurisprudencial n. 117da SBDI-2/TST, havendo recurso or-dinário em sede de rescisória, o de-pósito recursal prévio só é exigívelquando for julgado procedente o pedi-do e imposta condenação em pecú-nia, hipótese que não alcança a pu-nição da recorrente à guisa de im-probus litigator.

Por outro lado, insiste a recor-rente na ilegitimidade ativa do Minis-

tério Público na defesa de direitosprivados.

Consoante assinalado peloRegional, o art. 487, inc. III, letras “a”e “b”,do CPC atribui expressamentelegitimidade ativa ao Ministério Públi-co, em defesa do ordenamento jurí-dico, quando a sentença é efeito decolusão entre partes, a fim de fraudara lei. As hipóteses ali enumeradasremetem, na realidade, à violação dedispositivo legal, vale dizer, dos arts.83, 84 e 129 do CPC.

Disso se pode inferir que aenumeração contida nas duas alí-neas do art. 487 do CPC não éexaustiva, mas exemplificativa, emvirtude da qual se impõem a ilaçãode o Ministério Público estar igual-mente legitimado a propor ação res-cisória com respaldo em qualquerdos motivos de rescindibilidade doart. 485 do CPC, mesmo não tendosido parte no processo original.

É preciso, também, interpretaro art. 487, inc. II, que trata da legiti-mação do terceiro juridicamente in-teressado, no cotejo com o art. 127da Constituição, pelo qual fora atri-buído ao Ministério Público a defesada ordem jurídica.

Equivale a dizer ser possívelingressar com ação rescisória nacondição de terceiro interessado sea sentença que julgou a lide do pro-cesso rescindendo tiver envolvidopreceito de lei, cuja violação importeem violação da própria ordem jurídica,pois o seu interesse o será jurídico enão simplesmente econômico.

Nesse sentido, a propósito, fir-mou-se a jurisprudência desta Corte,

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mediante a Orientação Jurispruden-cial n. 83 da SBDI-2.

Também não se sustenta adecadência renovada pela recorren-te. Isso porque na hipótese de colu-são das partes, o prazo decadencialda ação rescisória somente come-ça a fluir para o Ministério Público,que não interveio no processo prin-cipal, a partir do momento em quetem ciência da fraude. Esse o enten-dimento consubstanciado na Orien-tação Jurisprudencial n. 122 da SBDI-2/TST. No caso, conforme consigna-do no acórdão recorrido, o parquettomou ciência do acordo sob exameem 1.8.2000 (fls. 1.076), tendo a açãorescisória sido ajuizada em 1.8.2002,dentro, portanto, do biênio a que alu-de o art. 495 do CPC.

No mérito, o Tribunal Pleno doTRT da 24ª Região houve por bemjulgar procedente a ação rescisóriaajuizada pelo Minstério Público doTrabalho, com base nos incs. III eVIII do art. 485 do CPC, para des-constituir a decisão homologatóriade acordo, proferida pela 3ª Vara doTrabalho de Campo Grande-MS, nosautos da Reclamação Trabalhista n.297.3/98, por entender configuradaa hipótese de lide simulada. Em juí-zo rescisório, extinguiu o processo,sem julgamento de mérito, nos ter-mos do art. 129, c/c o art. 267, inc. VI,ambos do CPC.

Irresignada, a autora interpõerecurso ordinário, insistindo na hi-gidez da transação manejada.Sustenta a inconstitucionalidade dadecisão recorrida e requer a exclu-são da condenação à multa por liti-gância de má-fé.

Reportando aos próprios fun-damentos do acórdão recorrido, ve-rifica-se ter o Regional concluído,com base nas provas dos autos,pela caracterização de colusão en-tre as partes, mediante processo si-mulado, consignando:

“No caso presente, vários são osindícios que, acumulados, denun-ciam a lide simulada com o obje-to de prejudicar terceiros.

O primeiro dos indícios diz res-peito ao relacionamento profissio-nal existente entre as partes dalide impugnada e à sobrevivênciada ligação empregatícia mesmoapós a instauração daquele lití-gio, que, diga-se de passagem,não era de pequena monta, tantoque o acordo judicial homologa-do atingiu a cifra de R$ 72.000,00(fls. 112-114 — volume I).Atente-se que a primeira ré eraencarregada financeira do grupoMATRA e que embora tenha sus-tentado na petição inicial da açãotrabalhista que o contrato de tra-balho tenha sido rompido em23.5.1996 (fl. 37), vieram aos au-tos provas irrefutáveis no sentidode que a empregada acionantecontinuou e ainda continua pres-tando serviços subordinados paraa mesma empregadora, exercen-do cargo da mais alta confiança.Nesse sentido, temos confissãoexpressa da segunda ré, in verbis:5. A Sra. Islane, atualmente é ge-rente administrativo-financeiro detodo o grupo Matra, sendo quenunca deixou de trabalhar desdeque foi contratada inicialmente; aSra. Islane assumiu tal cargo em1994/95, pelo que se recorda,

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sendo antes disso, ela desempe-nhava outras funções; a Sra. Isla-ne trabalhou em Dourados e de-pois veio para Campo Grande, oque aconteceu por volta de 1994/1995, pelo que se lembra o depo-ente (fl. 1.364 — volume VII).Tem-se ainda o relatório de fiscali-zação elaborado por fiscais da Dele-gacia Regional do Trabalho (fl. 496-502 — volume III), relatando que:Em verificação física realizada emabril/01, a fiscalização encontrouduas trabalhadoras sem registro: ASra. Elza Maria dos Santos, exercen-do as funções de departamento depessoal, dizendo-se coorperada, eIslane Ramos Cabral (gerente finan-ceira), que nos atendeu durantetodo o período, prestando informa-ções e apresentando os documen-tos solicitados (...)Por outro lado, apesar de estar mo-vendo ação trabalhista contra suaempregadora desde 19.3.1998(...), Islane (a primeira ré) compare-ceu em juízo como proposta da se-gunda ré em audiência realizada naação trabalhista n. 0599/1998, mo-vida por Enesio Custódio da Silva (...)Ora, é absolutamente inacreditá-vel que a trabalhadora, ao mesmotempo que move ação trabalhistade grande monta — em que con-segue penhorar imóvel da suaempregadora, avaliado em R$2.800.000,00 (...) continue a exer-cer cargo da mais alta confiançana empresa ré (gerente adminis-trativa-financeira), representando-a perante autoridade responsávelpela fiscalização do trabalho e atémesmo comparecendo em juízocomo sua preposta em ação tra-balhista movida por outro empre-gado.” (fls. 1.405/1.407).

Acentuou também o fato de alinha telefônica instalada no endere-ço residencial fornecido pela recor-rente estar em nome da segunda ré,Matra Veículos S.A., bem como a di-ferença comportamental apresenta-da pela empregadora nas diversasreclamações trabalhistas em que fi-gurou como demandada, relativa-mente à defesa apresentada. En-quanto no processo da recorrentenão ofereceu nenhuma resistência,nas demais, a exemplo das açõesmovidas por Reinaldo Alves Santa-na e Eduardo Mansur Urbieta, apre-sentou defesa com 19 e 22 laudas,respectivamente.

Ao julgar os embargos decla-ratórios de fls. 1.425/1.427, o Cole-giado a quo limitou-se a acolhê-lostão-somente para dispensar a recor-rente do pagamento das custas pro-cessuais, porque preenchidos os re-quisitos para a concessão da justi-ça gratuita.

Malgrado não se exija, emsede de colusão, provas diretas dasua ocorrência, bastando haja indí-cios e presunções, percebe-se facil-mente que esses elementos foramcomprovados nos autos.

Pois bem, extrai-se do autosque, embora o Regional tenha trilha-do o entendimento de ocorrência delide simulada, o caso revela a exis-tência de processo fraudulento, me-diante acordo para liberar bem gra-vado com ônus real em favor do Ban-co do Brasil e da Fazenda Nacional,tendo em vista a natureza preferen-cial do crédito trabalhista. Significadizer que o ajuizamento da reclama-ção trabalhista e posterior transação

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realizada nos autos do processorescindendo tinham o intuito delibe-rado de fraudar a lei e o direito deterceiros.

Com efeito, as partes rescin-diram o contrato de trabalho, tendo areclamante movido reclamação tra-balhista que atingiu o montante deR$ 72.000,00, na qual, diferentemen-te de outros processos envolvendoa mesma reclamada, não foi apre-sentada defesa, findando a deman-da em acordo homologado judicial-mente, cujo não-cumprimento levouà penhora de bem imóvel da empre-sa, gravado com ônus real e avalia-do em R$ 2.800.000,00.

Acresça-se que, não obstanteo embate judicial travado entre aspartes, a reclamante continuou pres-tando serviços à reclamada, exer-cendo cargo da mais alta fidúcia —gerente financeira, além de atuarcomo preposta da empresa em re-clamação trabalhista movida por ou-tro empregado e representá-la pe-rante autoridade responsável pelafiscalização do trabalho.

Aliás, o Ministério Público bemapreendeu a hipótese de colusãoentre as partes, valendo destacar osseguintes trechos das contra-razõesapresentadas:

“Ora, as provas produzidas nosautos da ação rescisória não dei-xam margem de dúvidas quantoà ocorrência da colusão, corpori-ficada na reclamação trabalhistafraudulenta na qual foi entabula-do acordo em valor elevado. Logoapós, foi noticiado o descumpri-mento do pactuado, fazendo inci-

dir a multa, o que elevou aindamais o crédito exeqüendo.

Para ‘garantia’ desse crédito, a re-corrente Matra Veículos Ltda. deuem garantia imóvel de sua proprie-dade sobre o qual pendia garantiareal em favor do Banco do Brasil epenhora em ações fiscais ajuiza-das pela Fazenda Nacional em trâ-mite perante a Justiça Federal.

O objetivo era evidente, dada aprevalência do crédito trabalhis-ta, a garantia real do Banco doBrasil e a execução fiscal movidapela Fazenda Nacional e outrasações em face da recorrente Ma-tra Veículos Ltda. ficariam semqualquer solvabilidade, uma vezque, prosseguindo a execução tra-balhista, o bem fatalmente seriaarrematado ou adjudicado pelaexeqüente.” (fls. 1.454).

Ao mesmo tempo, não há falarem inconstitucionalidade do acórdãorecorrido, lastreada no princípio dainocência, uma vez que não foi so-negado à recorrente o devido proces-so legal, tendo em vista as oportuni-dades que lhes foram asseguradasde se manifestar nos autos.

E, quanto à multa, litigância demá-fé, aplicada pelo acórdão recor-rido, cumpre alertar para o fato deque a recorrente não a impugnouespecificamente em suas razõesrecursais, mas apenas a atrelou àpossibilidade de provimento do seurecurso e à conseqüente improce-dência da rescisória, cujo insuces-so na pretensão inabilita a questãoà apreciação do Tribunal.

De todo esse contexto, conclui-se que ficou demonstrado o motivo

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do inc. III do art. 485 do CPC, a ense-jar a manutenção do acórdão recor-rido, no particular.

Do exposto, nego provimentoao recurso ordinário.

Isto posto,

Acordam os Ministros da Sub-seção II Especializada em DissídiosIndividuais do Tribunal Superior do

Trabalho, I — por unanimidade rejei-tar as preliminares argüidas pela re-corrente e pelo Ministério Público doTrabalho da 24ª Região; II — por una-nimidade, negar provimento ao re-curso ordinário.

Brasília, 13 de outubro de2004.

Ministro Barros Levenhagen,Relator

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AÇÃO CIVIL PÚBLICA — PROIBIÇÃO DEFORNECIMENTO DE MÃO-DE-OBRA POR

COOPERATIVA (TRT — 2ª REGIÃO)

ACÓRDÃO N.: 20040484470N.: de Pauta:126PROCESSO TRT/SP N.: 01011200105502003RECURSO EX-OFFICIO E ORDINÁRIO — 55 VT de São PauloRECORRENTE: MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHORECORRIDO: 1. TRANSPORTES DELLA VOLPE SA COM E IND 2.COOPERCARGA COOP TB CARREG ENSAC EST SP

Acordam os Juízes da 1ª TUR-MA do Tribunal Regional do Traba-lho da Segunda Região em: por maio-ria de votos, vencido o Juiz BeneditoValentini, que negava provimento, darprovimento ao recurso, condenandoas Rés a se absterem de fornecer econtratar trabalho em manifesta bur-la à legislação social, tanto quantoem desvirtuamento dos princípiosinerentes ao cooperativismo, penade pagamento de multa diária de1.000 (mil) UFIRs por trabalhadorcontratado irregularmente; multa deR$ 41.496,00, atualizáveis à épocado pagamento, revertendo em favor doFundo de Amparo ao Trabalhador— FAT. São Paulo, 19 de Agostode 2004.

Maria Ines Moura Santos Alvesda Cunha, Presidenta

Plinio Bolivar de Almeida, Re-lator Designado

Almara Nogueira Mendes, Pro-curadora (Ciente)

RELATÓRIO

Adoto o relatório do Ilustre JuizRelator originário:

“Inconformado com a r. sentençade fls. 188/191, cujo relatório ado-to, que julgou Improcedente aAção Civil Pública, recorre ordi-nariamente o Ministério Públicodo Trabalho com as razões de fls.198/203, alegando, em síntese,que presentes os requisitos do art.3º da CLT, demonstrando desvir-tuamento da lei trabalhista. Pedee espera a reforma da r. sentençade primeiro grau.

Recurso tempestivo.

Contra-razões (fls. 198/203 e207/217).

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Manifestação da D. Procuradoriaà fl. 218/219.

É o relatório.

VOTO

1. DO CONHECIMENTO

Conheço do recurso, eis quepresentes os pressupostos de admis-sibilidade”.

MÉRITO

Divirjo do entendimento do Ilus-tre Juiz Relator originário no que dizrespeito ao mérito do pedido deduzi-do nestes autos.

Avaliando a prova dos autos,assim ponderou o Juízo, verbis:

Fls. 190/191: “Contudo, no casodos autos, a despeito da louvávelatuação das dignas representan-tes do Ministério Público do Tra-balho, não dispõe o Juízo, em facedas provas produzidas nestesautos, de elementos suficientesao acolhimento dos pedidos elen-cados na presente ação. Todas astrês testemunhas trazidas peloparquet, cujos depoimentos foramcolhidos a fls. 98/101, relataramque, ao ingressarem na coopera-tiva, teria-lhes sido explicado doque se tratava uma cooperativa ede que prestariam serviços de for-ma autônoma. Esclareceram quecomparecem, diariamente, na to-madora de serviços, mas, nemsempre há serviço a ser executa-do. Não têm horário determinado

para chegar ou deixar o local detrabalho. Quando trabalham, re-cebem pela produção realizada.A distribuição dos serviços é feitapelo Sr. Ferdinandi, encarregadoda cooperativa. Portanto, não háindícios de que são subordinadosà cooperativa ou à tomadoraTransportadora Della Volpi. Poroutro lado, informaram terem to-mado conhecimento e participadode assembléias realizadas pelacooperativa, bem como que, rece-beram parcelas de distribuição delucros e sobras. A cooperativaconcede-lhes benefícios para acompra de medicamentos e reco-lhe os carnês do INSS, descontan-do dos valores recebidos junto àtomadora dos serviços”.

A cooperativa de que trata a Lein. 5.764/71, pressupõe que o asso-ciado é simultaneamente sócio eusuário da organização, além de: a)adesão voluntária; b) autonomia; c)objetivo comum ligado pela solidarie-dade; d) autogestão (a organizaçãoé de responsabilidade dos própriosassociados); e) continuidade e inte-gralidade da cooperativa e de seucapital social (Lei n. 5.764/71, art. 4º,II e IV); f) viabilidade — a área de ad-missão de associados fica limitadaàs possibilidades de reunião, con-trole, operações e prestações deserviços.

Na hipótese, trata-se de coo-perativa de mão-de-obra e quemcontrata os serviços de cooperativas— em especial a sub-espécie: a demão-de-obra — obtém normalmen-te uma diminuição notável nos seuscustos.

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A preocupação com tais coo-perativas, as de mão-de-obra, não érecente, sendo que, no Brasil, CAM-POS BATALHA, desde o início dadécada de 80, vem denunciandoessa prática em suas alentadasobras, salientando que verdadeirosempregados assumem vestes decooperados em ‘sociedades’ ondeé ínfima sua participação no capitale amplíssimo o número de integran-tes. (“Tratado de Direito Judiciário doTrabalho”, p. 219, 2ª edição, LTr, e “De-feitos dos Negócios Jurídicos”, p. 209)

Quase sempre há um descum-primento claro aos princípios do co-perativismo, que é o caso em testilha.

Embora não tenha o Juízo,como restou consignado em suasrazões de decidir, encontrado ele-mentos suficientes ao acolhimentodos pedidos elencados na presenteação, entendo que muitos elemen-tos estão arrolados no excerto aci-ma transcrito, o que vem corrobora-do pela prova oral produzida, comosegue.

Fls. 96 — Depoimento pessoalda 1ª Reclamada (Della Volpi): “tempor objeto social o transporte de car-gas rodoviárias, há empregados re-gistrados que executam estas tare-fas, em número de 7 ou 8, atualmen-te ... quando, para o trabalho a serexecutado junto ao cliente, há neces-sidade de um número maior de car-regadores ... utiliza-se o serviço decooperados ... antes da criação dascooperativas, a reclamada utilizava-se de ‘chapas’”;

Fls. 97 — Depoimento pessoalda 2ª Reclamada (Cooperativa): “oobjeto social da cooperativa é carga

e descarga; a cooperativa foi criadaem 95 ...; o montante recebido pelatomadora, cerca de 30% é retidopela cooperativa para fazer face àsdespesas de aluguel, água, luz, paga-mento de funcionários, sendo o res-tante repassado aos cooperados...desde a criação da cooperativa acooperativa tem contrato com a 1ªreclamada; quando a cooperativanecessita de mão-de-obra, vai aoslocais apropriados, no Brás, porexemplo, onde há estivadores, e osconvidam a fazer parte da cooperativa;estes preenchem a ficha de cooperadoe aguardam serem chamados”;

Fls. 98 — 1ª Testemunha doReclamante: “é cooperado desde1995 ... comparece diariamente na1ª Reclamada, permanecendo nopátio, aguardando serviço; o interes-se em trabalhar é do depoente, pois,se não trabalhar, não recebe; a DellaVolpi tem 2 funcionários registradosque fazem carregamento e descarre-gamento, fazendo exatamente osmesmo serviços que os cooperados”;

Fls. 99 — 2ª Testemunha doReclamante: “é sócio cooperado des-de 95; prestou serviços continuamen-te à 1ª Reclamada ... o depoente com-parece diariamente na 1ª reclama-da, às 7 horas, e aguarda serviços; aDella Volpi tem 2 carregadores re-gistrados, fazendo serviços diversosdos carregadores cooperados ...”;

Fls. 100 — 3ª Testemunha doReclamante: “depoente é coopera-do há uns 8 ou 9 anos, prestandoserviços na Della Volpi; é cooperadoda 2ª reclamada há uns 6 ou 7 anos;comparece diariamente à 1ª Recla-mada; não sabe quantos carregado-

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res e descarregadores registradostem a primeira reclamada, podendoinformar que estes não fazem osmesmos serviços que o depoente ...”.

É certo que sempre que nosdeparamos com uma situação ense-jadora de dúvidas quanto a legalida-de no emprego de mão-de-obra atra-vés de cooperativas de trabalho de-vemos questionar quanto as reaiscondições de trabalho dos obreiros.

Com amparo nos depoimen-tos acima transcritos, as seguintesconclusões podem ser extraídas:

a) o objeto social da 1ª Ré é otransporte de cargas rodoviárias; o da2ª Ré é a carga e descarga, de modoque, à evidência, o serviço prestadopela cooperativa insere-se na ativida-de preponderante da tomadora, tantoque a tomadora possui empregados(de 7 a 8) que executam as mesmastarefas dos cooperados, revelando,assim, tratar-se de terceirização ilíci-ta, em evidente afronta ao princípioconstitucional que persegue o plenoemprego (CF/88, art. 170);

b) os serviços dos coopera-dos não podem, consoante o de-poimento da 1ª Ré, serem consi-derados como sendo eventual,pois, como dito há pouco, os servi-ços dos cooperados integram a ati-vidade preponderante da tomado-ra, que, permanentemente, ne-cessita daquele trabalho para aconsecução dos fins sociais a quese lançou. Havendo acréscimo tran-sitório e extraordinário dos servi-ços, a lei prevê a contratação porprazo determinado (Lei n. 6.019/74);

c) a adesão à cooperativa nãoé voluntária, como deveria ser, pois

nas palavras da 2ª Ré: quando a co-operativa necessita de mão-de-obra,vai aos locais apropriados e os con-vidam a fazer parte da cooperativa,preenchendo ficha de cooperado eaguardando serem chamados, emmanifesto desvirtuamento do coope-rativismo;

d) a receita obtida com a pres-tação de serviços, contrariamente aosustentado pela 2ª Ré, não é distri-buída aos ‘cooperados’, na medidaem que, nas palavras da 1ª testemu-nha do Autor: “o interesse em traba-lhar é do depoente, pois, se não tra-balhar, não recebe”, depoimentoesse que se enquadra perfeitamen-te à realidade vivida pelos ‘coopera-dos’, sendo certo que, a despeito dasvisíveis contradições entre os depoi-mentos colhidos, a prova é uníssonano que diz respeito ao compareci-mento dos ‘cooperados’, diariamen-te, no estabelecimento da 1ª Recla-mada. Há, portanto, uma contrapres-tação pelos serviços prestados, enão a distribuição, que é típica dacooperativa.

A questão que se nos apre-senta é a utilização da 1ª Ré de fazeruso de cooperativas de trabalho (2ªRé) para substituir a contratação di-reta de funcionários, ou seja, a ter-ceirização através das cooperativas.

Com essas considerações,reformo a r. sentença de fls. 188/191.

DISPOSITIVO

Diante do exposto, conheço dorecurso ministerial, para, no mérito,dar-lhe provimento, condenando asRés a se absterem de fornecer e con-

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tratar trabalho em manifesta burla àlegislação social, tanto quanto emdesvirtuamento dos princípios ineren-tes ao cooperativismo, pena de paga-mento de multa diária de 1.000 (mil)UFIRs por trabalhador contratado irre-gularmente; multa de R$ 41.496,00,

atualizáveis à época do pagamento,revertendo em favor do Fundo de Am-paro ao Trabalhador — FAT.

É o meu voto.

P. Bolívar de Almeida, Juiz Re-lator Designado.

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RELATÓRIO

Ao de fl. 150/151, acrescentoque a sentença profer ida pelaExma. Juíza Dra. Simone MirandaParreiras que extinguiu sem julga-mento do mérito, nos termos do art.267, VI do CPC, o processo, inter-pôs o Ministério Público do Traba-lho recurso ordinário, tendo estaEg. Turma dado provimento ao re-curso para, declarando a legitimi-dade ativa ad causam do Ministé-rio Público do Trabalho para pro-

por a presente ação civil pública,afastar a carência de ação decreta-da em 1º grau e determinar o retor-no dos autos à origem para que oMM. Juízo a quo decida o pedido li-minar formulado às f. 8/9 e o res-tante da controvérsia, como enten-der de direito (fl. 196/205).

Interposto recurso de revistapelo reclamado, foi denegado segui-mento através da decisão de fl. 221,tendo sido interposto agravo de ins-trumento, o qual não foi conhecido.

AÇÃO CIVIL PÚBLICA — EXTENSÃO TERRITORIALDOS EFEITOS DA DECISÃO — NÃO-APLICAÇÃO DO

ART. 16 DA LEI N. 7.347/85 (TRT — 3ª REGIÃO)

RECORRENTE — BANCO SANTANDER BRASIL S/A

RECORRIDO — MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO DA 3ª REGIÃO

EMENTA — AÇÃO CIVIL PÚBLICA — OBRIGAÇÃO DE FAZER — Cláusu-la Penal — A multa pecuniária visando o cumprimento de obrigação defazer ou de não fazer constitui mecanismo processual destinado a ga-rantir a ordem emitida pelo órgão jurisdicional, objetivando dar efetivi-dade e utilidade ao processo. A imposição de astreintes, previsto espe-cificamente no art. 11 da Lei da Ação Civil Pública, art. 84 do Código deDefesa do Consumidor e art. 461, caput e § 4º do CPC, mostra-se comomeio para o alcance da satisfação da obrigação pela ré, sob pena deinexeqüibilidade da decisão proferida. Trata-se, portanto, de multa co-minatória que se destina punir pelo eventual descumprimento da obri-gação, não tendo por finalidade promover o enriquecimento da partenem o ressarcimento por eventuais prejuízos sofridos, mas tão-somenteinduzir o cumprimento da obrigação.

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Com o retorno dos autos àorigem proferiu-se a decisão de fls.246/251, pela Exma. Juíza Dra. Ma-ristela Íris da Silva Malheiros, rejei-tando a argüição de inconstitucio-nalidade da Lei Estadual n. 12.971/98, julgando procedentes os pedi-dos para condenar o Banco a cum-prir as obrigações de dotar as agên-cias bancárias ou postos de servi-ços situados no Estado de MinasGerais de vidros laminados e re-sistentes no impacto de projéteisde armas de fogo de grosso cali-bre, nas portas de entrada, nas ja-nelas e nas fachadas frontais; for-necer aos trabalhadores vigilantescoletes à prova de bala nível 3, bemcomo exigir e fiscalizar o seu uso,num prazo de 90 dias a contar dotrânsito em julgado da decisão,importando o descumprimento dequaisquer das obrigações na co-minação de multa diária arbitradaem valor equivalente a R$ 2.500,00,por obrigação descumprida, queserá revertida ao FAT, nos termosda Lei n. 7.998/90.

Opostos Embargos de Decla-ração pelo Banco às fls. 261/262, fo-ram julgados improcedentes atravésda decisão de fls. 263/264 .

O reclamado recorre às fls.265/275, renovando a argüição deinconstitucionalidade da Lei Es-tadual n. 12.791/98 e pretenden-do a improcedência da ação. Nahipótese de manutenção da con-denação, pleiteia a redução dapena pecuniária.

Contra-razões pelo autor às fls.285/296.

FUNDAMENTOS

Admissibilidade

Conheço do recurso, por pre-enchidos os pressupostos legais deadmissibilidade.

Mérito

Inconstitucionalidade Lei Estadualn. 12.971/98

O Ministério Público do Traba-lho ajuíza a presente Ação Civil Pú-blica sustentando o descumprimentoda Lei Estadual n. 12.971/98 e plei-teando sejam as agências bancáriasde Minas Gerais dotadas de vidroslaminados e resistentes ao impactode projéteis de armas de fogo degrosso calibre e sejam fornecidoscoletes a prova de bala nível 3.

Contrapondo-se à pretensãoda inicial, sustenta o recorrente ainconstitucionalidade da citada LeiEstadual, por tratar de matéria in-serida na competência privativa daUnião — atividade das instituiçõesfinanceiras, nos termos dos arts. 21,VIII, 22, VI, VII e XVI e 48, XIII da CF.

Sustenta que a ConstituiçãoFederal, em seu art. 192, ao disporsobre o sistema financeiro nacional,menciona que ele será regulado pormeio de lei complementar, qual sejaLei n. 4.595/64, que atribui apenas aoConselho Monetário Nacional a com-petência para regular o funciona-mento das atividades bancárias,sendo que a Lei n. 7.102/83, que regu-la a matéria relativa aos equipamen-tos de segurança em estabeleci-

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mentos bancários, determina que afiscalização incumbe ao Ministério daJustiça, que a exerce através do De-partamento de Polícia Federal, nostermos do art. 16 da Lei n. 9.017/95.

Afirma que as instituições fi-nanceiras devem observar, no quediz respeito ao seu sistema de se-gurança, apenas as exigências con-tidas na legislação federal, sendoabsolutamente inconstitucional a LeiEstadual n. 12.971/98 ao estabele-cer novas regras de segurança ban-cária para o funcionamento das ins-tituições.

Data vênia, razão não lhe as-siste.

Os dispositivos constitucio-nais citados pelo reclamado não têmqualquer relação com a matéria ob-jeto da presente ação, que versa so-bre questões de segurança relativasao funcionamento do estabeleci-mento bancário, conferindo os arts.23, II e VI e 24, XII da CF competên-cia comum e concorrente da União,Estados e Municípios para legislarsobre a proteção do meio ambientee da saúde.

Nesse sentido a jurisprudên-cia do STJ citada pela r. decisão re-corrida:

“ROMS — CONSTITUCIONAL —CONFRONTO ENTRE LEI MUNI-CIPAL E FEDERAL — LEGISLA-ÇÃO CONCORRENTE — AU-SÊNCIA DE VIOLAÇÃO DE DIREI-TO LÍQUIDO E CERTO — PRECE-DENTES DO STJ — I — A LeiMunicipal n. 4.759/93, da capitalbaiana, não destoa dos preceitosfederais, uma vez que reguloumatéria afeta à sua competência,

e de estrito interesse local. II — Aexigência do Município de condi-cionar o funcionamento de agên-cia bancária à instalação de dis-positivos de segurança não inter-fere com as leis federais que re-gulam o funcionamento das insti-tuições financeiras. III — Prece-dentes do STJ . IV — Recurso im-provido. (ROMS n. 12309/BA(2000/0075888-4), 2ª T, Rel. Min.Laurita Vaz; pub. DJ 5.11.2001,pág. 00098).

Ademais, constitui direito cons-titucional dos trabalhadores urba-nos e rurais, além de outros que vi-sem a melhoria de sua condiçãosocial, “a redução dos riscos ine-rentes ao trabalho por meio de nor-mas de saúde, higiene e segurança”(art. 7º, XXII).

Em se tratando a presente de-manda de cumprimento de normasde segurança no ambiente de traba-lho, a teor do disposto nos arts. 7º,inciso XXII e 196 da CF, compete aosEstados legislar supletivamente, in-clusive por se tratar, em última aná-lise, da vida do trabalhador, não es-tando o empregador adstrito ao cum-primento apenas das normas desegurança previstas na CLT, comotambém a toda a legislação a res-peito do tema nas esferas estaduale municipal, bem como oriundas defontes autônomas, como acordos econvenções coletivas do trabalho(CLT, art. 154).

Assim, o Estado ao promulgara Lei Estadual n. 12.971/98, nadamais fez do que, em cumprimento àautorização constitucional, de esta-belecer normas e medidas de segu-

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rança nas instituições bancárias,não conflitando os dispositivos da le-gislação estadual com a legislaçãofederal a respeito do mesmo tema.

Também não há que se falarem infringência ao disposto na Lein. 4.595/64, por não versar a Lei Es-tadual sobre constituição funciona-mento e fiscalização das entidadesbancárias e, assim, descabe qual-quer alegação de vulneração na com-petência estabelecida pela legisla-ção federal.

A estes fundamentos acresça-se, ainda, que a obrigação de fazerimposta pela r. decisão recorrida temfulcro também no art. 19 da Lei n. 8.213/91 declarando a responsabilidadeda empresa pela adoção e uso demedidas de proteção, segurança esaúde do trabalhador, enquanto o art.154 da CLT determina a observân-cia, pelo empregador, das disposi-ções contidas em códigos de obrasou regulamentos sanitários dos es-tados ou municípios onde se situemseus estabelecimentos e o art. 157a obrigação de cumprir e fazer cum-prir as normas de segurança e me-dicina do trabalho.

Nego provimento.

Obrigação de fazer

Pretende o reclamado a refor-ma da r. decisão, sustentando quetodas as exigências contidas na le-gislação federal pertinente à segu-rança em estabelecimento bancáriovem sendo cumprida e respeitada,inexistindo descumprimento dequaisquer normas relativas a direi-tos sociais.

Sustenta que o ambiente dotrabalho encontra-se plenamentesaudável e garantido, inexistindoquaisquer motivos para se imputaràs empresas a instalação de outrosequipamentos além dos já previstosna legislação federal, que já garan-tem o ambiente do trabalho de ma-neira a não prejudicar a saúde e se-gurança dos trabalhadores, bemcomo do público em geral.

Sem razão.

Incontroverso nos autos que oreclamado não cumpre a Lei Esta-dual n. 12.971/98 e, como correta-mente sentenciado, a obrigação doreclamado em cumprir a legislaçãoestadual tem fundamento no dispos-to nos arts. 154 e 157, I da CLT, eitem 1.2 da NR 1 da Portaria Ministe-rial n. 3.214/78.

Além disso e, como já funda-mentado, a Constituição Federal emseu art. 7º, inciso XXII, reconhece serdireito social de todos os trabalha-dores urbanos e rurais “a reduçãodos riscos inerentes ao trabalho, pormeio de normas de saúde, higienee segurança”.

Assim, incensurável a r. decisãoao julgar procedente o pedido inicial edeterminar o cumprimento das obri-gações de dotar as agências bancá-rias ou postos de serviços de vidroslaminados e resistentes ao impactode projéteis de armas de fogo de gros-so calibre nas portas de entrada, nasjanelas e nas fachadas frontais e for-necer aos trabalhadores vigilantes co-letes à prova de bala, nível 3, bemcomo exigir e fiscalizar o seu uso.

Nego provimento.

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Limitação territorial da condenação

Com fulcro no disposto no art.16 da Lei n. 7.347/85, alterado pelaLei n. 9.494/97, pretende o reclama-do a limitação dos efeitos da tutelajurisdicional do órgão prolator e nãoa todas as agências e postos de aten-dimentos localizados no Estado deMinas Gerais.

Sem razão, contudo.

A respeito do tema, peço vêniapara transcrever, adotando como fun-damentos de decidir, acórdão da bri-lhante lavra do Exmo. Juiz MarcusMoura Ferreira:

“EMENTA — AÇÃO CIVIL PÚBLI-CA — COMPETÊNCIA FUNCIO-NAL — EFEITOS DA COISA JUL-GADA — A sentença proferida emação civil pública faz coisa julga-da erga omnes e ultra partes limi-tadamente ao grupo categoria ouclasse atingida, independente-mente de esta localizar-se fora dacompetência territorial do órgãoprolator, nos termos do art. 103, Ie II do CDC, aplicável à espéciepor força do que dispõe o art. 21da Lei de Ação Civil Pública.

(...)

Entretanto, quando estão emdiscussão direitos coletivos, de ca-ráter indivisível, portanto, os efeitosda coisa julgada hão de ser ergaomnes e ultra partes, limitadamenteao grupo, categoria ou classe, maspouco importando que os danosocorridos sejam locais, regionais ounacionais. Isso por disposição ex-pressa do art. 103, I e II da Lei n. 8.078/90 — o Código de Defesa do Consu-midor — cujas regras constantes do

Título III são aplicáveis à espécie, porforça do que prescreve o art. 21 daLei de Ação Civil Pública.

O art. 16 da Lei n. 7.347/85 (cujaredação atual foi dada pela Lei n.9.494/97), que estabelece que asentença civil fará coisa julgada ergaomnes, nos limites da competênciaterritorial do órgão prolator, é antinô-mico em relação às normas que re-gem os efeitos da coisa julgada nasações civis públicas, contidas noCDC, e que estão em pleno vigor,visto não terem sofrido qualquer al-teração no aspecto, nos termos doart. 21 da própria Lei n. 7.347/85. Umatal antinomia só pode ser resolvidaatravés de uma ponderação dos prin-cípios envolvidos no caso concreto.É que uma regra não admite grada-ção na sua aplicação: ela aplica-seou não se aplica ao caso. Um confli-to entre duas regras somente podeser solucionado com a exclusão deuma delas, exclusão que pode serdeterminada pela acurada análisedos princípios de direito que estãoem jogo.

Muito bem. Ao Ministério Públi-co cabe a defesa da ordem jurídica,do regime democrático e dos inte-resses sociais e individuais indispo-níveis (art. 127, caput da CF/88), sen-do certo que dentre as suas funçõesinstitucionais está a de promover aação civil pública para a proteção deinteresses coletivos (art. 129, III, CF/88). A Lei Complementar n. 75/93,em seu art. 83, estabelece a compe-tência do Ministério Público do Tra-balho para promover a ação civil pú-blica no âmbito desta Justiça, objeti-vando a proteção de interesses co-letivos vinculados aos direitos sociais

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dos trabalhadores garantidos pelaConstituição.

Sem fazer ampla prospecçãona doutrina em busca do conceito deinteresse, é imprescindível ter emmente que se cuida, in casu, de uminteresse geral e institucional degrande relevância: a efetivação dosdireitos sociais dos trabalhadores,garantidos constitucionalmente. Ointeresse coletivo surge, assim, daconjugação entre a sua utilidade so-cial e a necessidade de sua prote-ção jurisdicional, através de determi-nada via processual.

Ora, o interesse ou o direitocoletivo relaciona-se, por definição,a uma categoria ou classe de pes-soas, decorrendo daí a sua indivisi-bilidade. Assim porque os efeitos dasentença proferida em uma ação ci-vil pública, citada como via proces-sual adequada para salvaguardaresse interesse ou direito, não podem,sob pena de contrariar mandamen-tos constitucionais, ou mesmo oprincípio fundamental dos valoressociais do trabalho e da isonomia,se quiser lembrar algumas das pe-dras angulares do Estado Democrá-tico de Direito, que se busca fazervaler no país, restringir-se a certa cir-cunscrição territorial, a despeito deoutros trabalhadores, que possuema mesma relação de trabalho com oréu, se situarem em localidades di-ferentes.

É incorrer em perigoso risco —atitude inadmissível, de resto, quan-do se trata de zelar pela ordem jurí-dica — pretender que o parquet ajuí-ze, em cada uma das comarcas emque porventura constate violação a

direito coletivo, uma idêntica ação,envolvendo as mesmas partes, amesma causa de pedir e o mesmoobjeto, permitindo que trabalhadoresque se encontram em idênticas con-dições fiquem à mercê das mais va-riadas decisões.

Não é assim que deve ser. Emnome dos princípios maiores retro-mencionados, inseridos no ordena-mento brasileiro, impõe-se afastar avalidade do art. 16 da Lei n. 7.347/85para aplicar ao caso, no que toca aosefeitos da coisa julgada da r. sen-tença proferida, as regras contidasno CDC, que se harmonizam inques-tionavelmente melhor com aquelesprincípios.

Logo, os efeitos da sentençaproferida pela MM. 28ª Vara de BeloHorizonte alcançam toda a categoriade trabalhadores — atuais ou futu-ros — do recorrido que estejam nasmesmas condições, independente-mente da localidade em que pres-tem serviço”. (TRT/RO 1314/01 , DJ5.4.02)

Nego provimento.

Pena pecuniária

Pretende a reclamada a refor-ma da r. decisão que determinou aaplicação de multa diária na hipóte-se de descumprimento das obriga-ções de fazer no valor de R$ 2.500,00,a ser revertida em favor do Fundo deAmparo ao Trabalhador — FAT.

Sustenta a impossibilidade de sepostular condenação em sede de açãocivil pública, afirmando não concordarcom o valor atribuído às multas.

Sem razão.

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A multa pecuniária visando ocumprimento de obrigação de fazerou de não fazer constitui mecanis-mo processual destinado a garantira ordem emitida pelo órgão jurisdi-cional, objetivando dar efetividade eutilidade ao processo.

A imposição de astreintes, pre-visto especificamente no art. 11 da Leida Ação Civil Pública, art. 84 do Códi-go de Defesa do Consumidor e art.461, caput e § 4º do CPC, mostra-secomo meio para o alcance da satisfa-ção da obrigação pela ré, sob pena deinexeqüibilidade da decisão proferida.

Trata-se, portanto, de multacominatória que se destina a punireventual descumprimento da obriga-ção, não tendo por finalidade promo-ver o enriquecimento da parte nem oressarcimento por eventuais prejuí-zos sofridos, mas tão somente indu-zir o cumprimento da obrigação.

Por outro lado, não há que sefalar em sua redução, já que a pena

pecuniária fixada tem por escopo ga-rantir a efetividade da ordem emitidapelo órgão jurisdicional, dando efetivi-dade e utilidade ao processo, somen-te sendo aplicadas se descumpridasas obrigações de fazer e não fazer.

De mais disso, seu valor semostra razoável à vista do porte dorecorrente, um dos maiores bancosdo mundo.

Nego provimento.

CONCLUSÃO

O TRIBUNAL REGIONAL DOTRABALHO, por sua Terceira Turma,à unanimidade, conheceu do recur-so ordinário; no mérito, sem diver-gência negou-lhe provimento.

Belo Horizonte, 14 de abril de2004.

Maria Cristina Diniz Caixeta,Juíza Relatora.

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AÇÃO CIVIL PÚBLICA — DANO MORAL COLETIVO —CONDENAÇÃO DE ESTADO-MEMBRO DA FEDERAÇÃO

(TRT 10ª — REGIÃO)

Relator: Juiz Brasilino Santos Ramos

Revisora: Juíza Flávia Simões Falcão

Recorrente: Pró-saúde Associação Beneficente de Assistência Social eHospitalar

Advogado: Josenir Teixeira

Recorrente: Ministério Público do Trabalho (Recurso Adesivo)

Procurador: Antônio Carlos Cavalcante Rodrigues

Recorrido: Estado do Tocantins

Procurador: Marco Paiva Oliveira

Origem: 01ª Vara do Trabalho de Palmas/TO

(Platon Teixeira de Azevedo Neto)

EMENTA: 1. MINISTÉRIO PÚBLICO. LEGITIMIDADE. DIREITOS COLETI-VOS LATO SENSU. Ao buscar o resguardo do princípio constitucional doconcurso público, age o parquet trabalhista em defesa de direito clara-mente difuso, garantido a todos os membros da sociedade que tenhaminteresse na vinculação à Administração Pública por cargo ou empregoobtido por meio da devida seleção pública.

Já na pretensão de cessação e punição pela utilização de expedientefraudulento destinado a fraudar direitos trabalhistas, age o MPT tanto nadefesa de interesse individual homogêneo — no qual se patenteia alegitimidade ativa do órgão ministerial, já que a alegada violação, seconfirmada, ultrapassará a esfera meramente individual para alcançar opróprio interesse social — quanto na proteção de interesse difuso, con-sistente na garantia de cumprimento dos ditames da ordem jurídica tra-balhista. Não vinga, portanto, sob nenhum aspecto, a alegação de ilegiti-midade ativa do Ministério Público do Trabalho nesta ação.

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2. DANO MORAL COLETIVO. FRAUDE A PRECEITO CONSTITUCIONAL E ÀLEGISLAÇÃO TRABALHISTA. CONFIGURAÇÃO. A concepção segundo aqual o dano moral somente se produz pela conjugação do binômio for-mado pela afetação psicossocial do indivíduo aliada ao prejuízo materialque daí decorre, hodiernamente, encontra respeitáveis adversários tra-duzidos na jurisprudência e na doutrina.

Não é apenas nas situações de violação a direitos exclusivamente liga-dos à dignidade da pessoa humana que se caracteriza o dano moralcoletivo. Também resta configurada tal lesão — ouso dizer que mesmocom maior intensidade — nos casos de completo desrespeito e inobser-vância dos ditames do ordenamento jurídico, solene e reiteradamenteignorado, no caso em análise, pela ofensa a dispositivos constitucionaise infraconstitucionais de natureza cogente, perpetrada pela fraude naqual participou a própria Administração Pública, à qual incumbe, commaior vinculação, a defesa da ordem constitucional e legal — impondo-se a punição rigorosa da conduta, inclusive com efeito de coibir suarepetição.

Recursos conhecidos para, rejeitando-se as preliminares, negar provimen-to ao apelo da segunda reclamada e à remessa oficial e dar provimentoao recurso adesivo do autor.

RELATÓRIO

O Exmo. Juiz da 1.ª Vara doTrabalho de Palmas/TO, Dr. PlatonTeixeira de Azevedo Neto, após re-jeitar as preliminares de incompe-tência, ilegitimidade ativa, falta deinteresse de agir, afastou a confis-são da segunda reclamada e jul-gou procedentes em parte os pedi-dos formulados pelo autor, conde-nando as reclamadas, nos termosda fundamentação expendida àsfls. 733/759.

Inconformada, recorreu a se-gunda reclamada, insistindo na ar-güição das preliminares de ilegitimi-dade ativa e falta de interesse de agirdo Ministério Público do Trabalho; nomérito, pretende a reforma da sen-tença quanto à declaração de ilega-

lidade da terceirização, conforme asrazões de fls. 764/773.

Recorreu também o autor, deforma adesiva, almejando a reformada sentença no que respeita à regu-laridade de representação da segun-da reclamada, bem como quanto aoindeferimento do pedido de ressar-cimento por dano moral coletivo, nostermos dos argumentos que aduziuàs fls. 814/835.

Contra-razões do MinistérioPúblico às fls. 779/813 e da segun-da reclamada às fls. 836/844.

Remessa necessária determi-nada à fl. 864.

O Ministério Público do Traba-lho, na pessoa da Ilustre Procurado-ra Dra. Ludmila Reis Brito Lopes,manifestou-se à fl. 870, reiterando os

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termos das contra-razões e do recur-so adesivo já apresentados peloparquet.

Em síntese, é o relatório.

VOTO

1. ADMISSIBILIDADE — PRELIMI-NAR DE NÃO-CONHECIMEN-TO DO RECURSO ADESIVO,POR AUSÊNCIA DE INTERES-SE RECURSAL

Argúi a segunda reclamada,em contra-razões, preliminar de não-conhecimento do recurso adesivointerposto pelo Ministério Público, noque respeita à pretensão de decla-ração de confissão, ao argumento deque inexiste interesse recursal doautor, na medida em que a prevalên-cia das alegações fáticas do parquet,decorrente da confissão, não terianenhum efeito quanto à decisão doúnico pedido no qual foi sucumben-te o órgão ministerial — condenaçãopor dano moral coletivo — alegada-mente indeferido por não caracteri-zados os respectivos requisitos jurí-dicos — matéria de direito, infensaaos efeitos da confissão.

Primeiramente, é preciso frisarà reclamada que, ao contrário do queafirmado nas contra-razões, a sen-tença originária indeferiu o pedido deindenização por dano moral coletivoao fundamento de que não restaramprovados fatos que ensejassem “(...)ferimento de uma moral coletiva, etampouco no âmbito individual (...)”(fl. 757, trecho inclusive transcrito napeça de contrariedade). Aliás, ao fun-dar-se na ausência de prova, indis-cutivelmente estava a origem referin-

do-se a matéria fática, eis que o di-reito positivo federal não é passívelde atividade probatória.

Nesse contexto, já se eviden-cia o interesse recursal do Ministé-rio Público na prevalência da confis-são da segunda reclamada, cujaconseqüência legal é tornar incon-troversos os fatos alegados peloautor, que prevalecerão no feito comoverdade processual.

De outro norte, e ainda queassim não fosse, o interesse recur-sal, no particular, atinge também asdemais matérias, na medida emque, pretendido no recurso ordinárioda segunda ré o reexame da maté-ria fática relativa à terceirização cen-surada pela origem (no que respei-ta, por exemplo, à alegada inexistên-cia de prejuízo aos trabalhadores),evidencia-se, para o Ministério Pu-blico do Trabalho, a necessidade ea utilidade de provimento jurisdicio-nal que declare a confissão da se-gunda reclamada, o que ensejaria ajá mencionada conseqüência legalde tornar incontroversos os fatos ale-gados pelo autor.

Rejeito a preliminar, no parti-cular e, quanto ao mais, por presen-tes os requisitos objetivos e subjeti-vos de admissibilidade, conheçodo recurso da segunda reclamadae do recurso adesivo do MinistérioPublico, bem como das respectivasrazões de contrariedade.

Admito, ainda, a remessa ofici-al (DL n. 779/69, art. 1º, V e CPC, art.475), que será analisada, na parteem que sucumbente o Estado doTocantins — primeiro reclamado — ,juntamente com o recurso ordinário

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da segunda reclamada, dada a iden-tidade de matéria.

2. PRELIMINAR E INCOMPETÊNCIA

Afirma a segunda reclamada aincompetência da Justiça do Traba-lho para apreciar a possibilidade deterceirização na Administração Públi-ca, entendendo que a questão reves-te-se de natureza puramente admi-nistrativa, vinculada à conveniênciae oportunidade do Poder Executivo.

Ainda que a tais alegações arecorrente tenha atribuído carátermeritório, trata-se de matéria cujanatureza é evidentemente preliminar,devendo ser assim analisada.

Nos termos do art. 114 daConstituição Federal, cabe à Justiçado Trabalho o exame das controvér-sias relacionadas ao contrato deemprego. No caso dos autos, buscao Ministério Público do Trabalho de-monstrar fraude na contratação deempregados sob o manto de pres-tadores de serviço, os quais forampostos a serviço da AdministraçãoPública por meio de terceirização,cujo objetivo apontado pelo autor é aviolação da exigência constitucionalde seleção de trabalhadores por con-curso público (CF/88, art. 37, § 2º).

Tais controvérsias — a existên-cia ou não de contrato de emprego ea ofensa ou não a ditame constitucio-nal que orienta as relações de traba-lho da Administração Pública — ine-gavelmente inscrevem-se no âmbitocompetencial definido constitucional-mente para esta Especializada, eisque a questão de fundo reside jus-

tamente em supostas relações em-pregatícias.

Rejeito a preliminar.

3. PRELIMINAR DE ILEGITIMIDADEATIVA

Sob a alegação de inexistênciade interesse difuso ou coletivo autori-zador da atuação do Ministério Públi-co do Trabalho, a segunda reclama-da sustenta a ilegitimidade ativa doórgão ministerial, afirmando que apretensão de reconhecimento de vín-culo empregatício com relação a qua-tro pessoas não configura direito co-letivo. Aduz que não se busca a tutelade interesse da população — que afir-ma também não ser de competênciado MPT — e nem a defesa de direitossociais inscritos no art. 7º da Consti-tuição Federal, configurando-se tão-somente o intento de defender direitopuramente individual, consistente nadeclaração de existência de contratode emprego de determinadas pessoas— direito que, por “divisível”, não se-ria dotado da natureza de coletivo.

Como supra frisado, são duasas pretensões manifestadas peloMinistério Público do Trabalho: o re-conhecimento de expediente fraudu-lento para encobertar a existência derelação de emprego e a declaraçãode irregularidade da terceirização re-tratada nos autos, por ofensa aoart. 37, § 2º da CF/88.

Sendo o Ministério Público doTrabalho o tutor dos interesses me-taindividuais, a ele incumbe a suadefesa.

Sobre esse tema, aliás, eluci-dativa é a decisão proferida pelo E.

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STF nos autos do RE 163231, cujaementa proclama, in verbis:

“RECURSO EXTRAORDINÁRIO.CONSTITUCIONAL. LEGITIMI-DADE DO MINISTÉRIO PÚBLICOPARA PROMOVER AÇÃO CIVILPÚBLICA EM DEFESA DOS INTE-RESSES DIFUSOS, COLETIVOSE HOMOGÊNEOS. MENSALIDA-DES ESCOLARES: CAPACIDADEPOSTULATÓRIA DO PARQUETPARA DISCUTI-LAS EM JUÍZO. 1.A Constituição Federal confere re-levo ao Ministério Público comoinstituição permanente, essenci-al à função jurisdicional do Esta-do, incumbindo-lhe a defesa daordem jurídica, do regime demo-crático e dos interesses sociais eindividuais indisponíveis (CF, art.127). 2. Por isso mesmo detém oMinistério Público capacidadepostulatória, não só para a aber-tura do inquérito civil, da ação pe-nal pública e da ação civil públi-ca para a proteção do patrimôniopúblico e social, do meio ambien-te, mas também de outros inte-resses difusos e coletivos (CF,art. 129, I e III). 3. Interesses difu-sos são aqueles que abrangemnúmero indeterminado de pesso-as unidas pelas mesmas circuns-tâncias de fato e coletivos aque-les pertencentes a grupos, cate-gorias ou classes de pessoas de-termináveis, ligadas entre si oucom a parte contrária por umarelação jurídica base. 3.1. A in-determinidade é a característicafundamental dos interesses difu-sos e a determinidade a daque-les interesses que envolvem oscoletivos. 4. Direitos ou interes-

ses homogêneos são os que têma mesma origem comum (art. 81,III, da Lei n 8.078, de 11 de se-tembro de 1990), constituindo-seem subespécie de direitos cole-tivos. 4.1. Quer se afirme interes-ses coletivos ou particularmenteinteresses homogêneos, strictosensu, ambos estão cingidos auma mesma base jurídica, sendocoletivos, explicitamente dizendo,porque são relativos a grupos, ca-tegorias ou classes de pessoas,que conquanto digam respeito àspessoas isoladamente, não seclassificam como direitos individu-ais para o fim de ser vedada a suadefesa em ação civil pública, por-que sua concepção finalísticadestina-se à proteção desses gru-pos, categorias ou classe de pes-soas. 5. As chamadas mensalida-des escolares, quando abusivasou ilegais, podem ser impugnadaspor via de ação civil pública, a re-querimento do Órgão do Ministé-rio Público, pois ainda que sejaminteresses homogêneos de origemcomum, são subespécies de inte-resses coletivos, tutelados peloEstado por esse meio processualcomo dispõe o art. 129, inciso III,da Constituição Federal. 5.1.Cuidando-se de tema ligado àeducação, amparada constitucio-nalmente como dever do Estadoe obrigação de todos (CF, art.205), está o Ministério Público in-vestido da capacidade postulató-ria, patente a legitimidade ad cau-sam, quando o bem que se bus-ca resguardar se insere na órbitados interesses coletivos, em seg-mento de extrema delicadeza ede conteúdo social tal que, acima

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de tudo, recomenda-se o abrigoestatal. Recurso extraordinário co-nhecido e provido para, afastada aalegada ilegitimidade do MinistérioPúblico, com vistas à defesa dosinteresses de uma coletividade, de-terminar a remessa dos autos aoTribunal de origem, para prosseguirno julgamento da ação. (RE 163231— Rel. Min. MAURÍCIO CORRÊA —Julgamento: 26.2.1997 — TRIBU-NAL PLENO — DJ 29.6.2001).

Definiu, assim, a SupremaCorte as características que permi-tem identificar, com clareza, as su-bespécies dos direitos coletivos (latosensu) prevista na Carta Magna (CF,art. 129, III) e discriminadas no Có-digo de Defesa do Consumidor: di-reitos ou interesses difusos, coleti-vos (stricto sensu) e individuais ho-mogêneos e, na oportunidade, tam-bém proclamou a legitimidade doMinistério Público para buscar judi-cialmente a restauração do ordena-mento jurídico com fundamento emtodos eles, inclusive nos individuaishomogêneos, “pois ainda que se-jam interesses homogêneos de ori-gem comum, são subespécies deinteresses coletivos, tutelados peloEstado por esse meio processualcomo dispõe o art. 129, inciso III, daConstituição Federal”. (grifamos)

Dito isso, cabe frisar que, nasegunda hipótese de tutela preten-dida nesta ação — o resguardo doprincípio constitucional do concursopúblico —, age o parquet em defesade direito claramente difuso, garan-tido a todos os membros da socie-dade que tenham interesse na vin-culação à Administração Pública por

cargo ou emprego obtido através dadevida seleção pública. Trata-se, in-dubitavelmente, de interesse indivi-sível, pertinente a um grupo de pes-soas indeterminado e indeterminá-vel, ligadas entre si por circunstânci-as fáticas — em inegável configura-ção de todos os requisitos dessaespécie de interesse indicados noinciso I do parágrafo único do art. 81da Lei n. 8.078/90.

Quanto à alegação de fraudedestinada à desnaturação de rela-ção de emprego, duas ordens de in-teresses coletivos, no sentido lato dotermo, podem ser identificadas,como bem pontua o MPT na inicial:tanto há a defesa de interesse indi-vidual homogêneo, quanto de inte-resse difuso.

De fato, não se trata da defesaapenas do direito de quatro trabalha-dores apontados como exemplo nainicial verem reconhecidas como taisas relações empregatícias havidascom a prestadora de serviços. Aocontrário, resta claro da narraçãoempreendida na peça de ingressoque a comunidade dos trabalhado-res em saúde do Estado do Tocan-tins está sujeita, como condição paraa manutenção do trabalho e percep-ção de salários, ao expediente frau-dulento de prestarem serviços atra-vés de sociedades constituídas pordeterminação da prestadora — exi-gência que atingiria inclusive servi-dores estatutários, conforme alega-ções da peça de ingresso.

O direito individual homogê-neo, ao contrário do difuso e do co-letivo, caracteriza-se pela possibili-dade imediata de identificação de

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seus titulares, e sua defesa coletivaé expressamente admitida pela lei(CDC, art. 81, III), já estando pacifi-cada a legitimidade do MinistérioPúblico do Trabalho quando a viola-ção extravasar a esfera meramenteindividual para alcançar o próprio in-teresse social — tal como se verifi-cará in casu, na hipótese de manu-tenção da sentença que reconheceua existência das violações aponta-das pelo MPT.

De outro lado, a configuraçãodessas violações reveste-se tam-bém do caráter de interesse difuso,na medida em que importa inobser-vância reiterada da própria ordemjurídica trabalhista, cuja preservaçãointeressa à sociedade como umtodo, elevado que é o valor trabalhoa fundamento da República Brasilei-ra (CF/88, art. 1, IV).

Desse modo, por perfeitamen-te caracterizada a legitimidade ativaquestionada pela segunda reclama-da, rejeito a preliminar.

4. PRELIMINAR DE AUSÊNCIA DEINTERESSE DE AGIR

Alega a segunda reclamada ainexistência de interesse processu-al do autor, sob o fundamento de quea ação civil pública não é instrumen-to adequado para a defesa de inte-resse individual. Afirma também quea pretensão do parquet é de interfe-rência do Judiciário em decisão doPoder Executivo acerca da terceiriza-ção da administração de seus hos-pitais, o que, segundo alega, foi pro-cedido com observância da Lei deLicitações, restando, também nes-

se ponto, indemonstrado o interesseprocessual do autor.

Como já pontuado, não buscaa presente ação tutela de interesseindividual puro, mas sim daquelequalificado como individual homogê-neo, com expressa autorização legalpara defesa por via de ação coletiva.

De outro lado, nenhum ato ad-ministrativo está isento do controlede legalidade, o que envolve a verifi-cação de atendimento a todos os di-tames normativos pertinentes, quenão se limitam, no caso, àquelesemanados da Lei de Licitações.

Essa verificação da legalidadeconstitui o mérito da controvérsia.Por isso, no plano das condições daação, basta a afirmação de inobser-vância das normas legais, abstrata-mente considerada, para que se pa-tenteie o interesse de agir.

Rejeito.

5. MÉRITO

5.1. Confissão da segunda reclamada

Como já mencionado na aná-lise da preliminar de não-conheci-mento do recurso adesivo, pretendeo Ministério Público do Trabalho areforma da sentença no que respei-ta à rejeição, pela origem, da confis-são ficta que o recorrente afirma serimputável à ré, já que o preposto pre-sente em audiência não era seuempregado. Cita precedentes juris-prudenciais no mesmo sentido.

Embora lançada em recursoadesivamente interposto, a questãoserá analisada em primeiro lugar, eis

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que, se efetivamente verificada aconfissão da reclamada, presu-mir-se-ão verdadeiros os fatos ale-gados pelo autor — o que interferirána apreciação das demais matériasrecursais.

Feito tal esclarecimento, pas-sa-se ao exame da questão. Consta-ta-se, pelos registros lançados à fl.690 da ata da audiência de instrução,que o preposto apresentado pela se-gunda ré efetivamente não detém acondição de empregado, apresentan-do-se, antes, como “um prestador deserviços da segunda demandada”.

Sendo assim, e na esteira dereiterada jurisprudência, consolida-da inclusive na Orientação Jurispru-dencial n. 99 da SBDI-1 do C. TST,verifica-se que referida pessoa nãopoderia funcionar como preposto dareclamada, já que não atende o pres-suposto mínimo de representaçãoda ré em Juízo, qual seja, ser em-pregado da demandada.

Tal exigência não é infundadae nem configura excesso de forma-lismo. Ao contrário, decorre de sim-ples interpretação do quanto dispos-to no § 1º do art. 843 da CLT, o qualexige que a representação do em-pregador se faça por gerente — oupor outro preposto que, por óbvio,também seja, como o gerente, em-pregado da reclamada, e que tenhaconhecimento dos fatos.

Nos termos da lei, portanto, afaculdade legalmente conferida aoempregador de fazer-se representarpor preposto somente pode abran-ger outro empregado que, como ogerente, tenha conhecimento dosfatos.

Tanto assim é, aliás, que a pró-pria reclamada tentou proceder à“substituição” da pessoa escolhidacomo preposto por outra que, segun-do declara, estava revestida da ne-cessária condição de empregado,legalmente exigida (fl. 690).

Não sendo esse o caso dapessoa que indevidamente funcio-nou como preposto da segunda rénas duas audiências realizadas nofeito, inevitável a incidência legal dacominação de revelia, dada a fla-grante irregularidade de representa-ção da reclamada em audiência,equivalente à sua ausência ao ato.

Desse modo, dou provimentoao recurso adesivo, no particular,para declarar a revelia da segundareclamada e a sua conseqüente con-fissão sobre a matéria fática, nos ter-mos do art. 844 da CLT.

5.2. Terceirização de Serviços Hospi-talares. Possibilidade

Primeiramente, cumpre frisarque, sendo o Estado sucumbentecom relação à ilegalidade da tercei-rização, decretada pela origem, nes-te tópico será também analisada aremessa oficial, em conjunto com asalegações recursais da segunda re-clamada.

Afirma a segunda reclamadaque a “irresignação quanto à possi-bilidade de terceirização da adminis-tração hospitalar” é infundada, por-quanto expressamente admitidapelo art. 197 da Constituição Fede-ral. Alega que somente a adminis-tração hospitalar, e não o serviço desaúde em si, foi objeto da terceiriza-ção, procedimento que não afetou o

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atendimento médico gratuito à popu-lação do Estado, havendo, ao con-trário, melhora da qualidade desseatendimento.

Alega também a segunda réque restou claro dos depoimentosprestados que não há ilegalidadealguma na contratação de pessoasjurídicas para a prestação de servi-ços, sendo certo que, nos termos dosdepoimentos colhidos em processoinvestigatório, tal circunstância apre-senta-se mais favorável para os tra-balhadores, conforme expressa-mente declararam — razão pela qualentende que o Ministério Público nãose poderia imiscuir nas relaçõesentre pessoas jurídicas, sob pena deofensa ao princípio constitucional dalivre iniciativa, por privar indevidamen-te determinadas pessoas da consti-tuição de seus próprios negócios.

Sustenta a licitude da terceiri-zação no contexto que descreve, pre-tendendo, por isso, a reforma dasentença, no particular.

Na exordial, o Ministério Públi-co do Trabalho afirma que a supostaterceirização dos serviços de saúdedo Estado do Tocantins revestiu-se,na verdade, das características demera locação de mão-de-obra. Valedizer, não houve contratação de umserviço específico, a ser realizado porempresa especializada, mas a meradisponibilização de trabalhadorespara laborar, mediante pessoalida-de e subordinação, na prestação deserviços públicos de saúde à popu-lação, atividade-fim do Estado.

Afirma também que, no própriocontrato de terceirização entre o Es-tado do Tocantins e a Pró-Saúde,

estaria vedada a subcontratação —regra que foi frontalmente violadaquando a segunda reclamada pas-sou a contratar, para prestar os ser-viços devidos por força daquele con-trato, não pessoas físicas, mas so-ciedades comerciais, criadas, aliás,por exigência sua, pelos mesmosprofissionais que antes eram seusempregados.

Declarada a revelia e a conse-qüente confissão ficta da segundareclamada, tais fatos se tornam, emrelação a ela, verdade processual(CLT, art. 844).

De todo modo, e como as ale-gações foram contestadas pelo pri-meiro reclamado, o que deve serconsiderado por força do reexamenecessário e tendo-se em vista, ain-da, que a ele não se estendem osefeitos da confissão da segunda ré(CPC, arts. 48 e 350), cumpre frisarque as afirmações constantes dapeça de ingresso restaram efetiva-mente demonstradas nos autos

De fato, antes de mais nadacumpre ressaltar que, ao contráriodo que entende a recorrente, a ter-ceirização da atividade de adminis-tração de hospitais públicos não élegitimada pelo mencionado art. 197da Constituição Federal.

Referido dispositivo autorizacoisa diversa: a participação de ter-ceiros na prestação de serviços desaúde, dependente de autorizaçãolegal expressa, como bem pontuoua origem.

Vale dizer, nos termos da pre-visão constitucional, pessoa física oujurídica de direito privado pode atuar

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na execução das ações e serviçosde saúde, mediante instrumentoslegalmente regulados, e utilizando,por óbvio, estrutura própria para tan-to — mas não pode “assumir” a ad-ministração e a prestação do próprioserviço público de saúde, atuandonos hospitais que são da Adminis-tração, apropriando-se indiretamen-te das instalações públicas tão-so-mente para fornecer mão-de-obrapara a realização de atividade queinegavelmente se inscreve dentre osfins do Estado.

Impecável, nesse contexto, aanálise da diferenciação entre tercei-rização e mera locação de mão-de-obra levada a efeito pelo MinistérioPúblico, na petição inicial.

De efeito, pertinente relembrartais conceitos, e suas conseqüências,no que me louvo na doutrina a se-guir transcrita, da lavra de Rodrigode Lacerda Carelli, que perfeitamen-te analisa tais questões, como a se-guir se transcreve, verbis:

“Terceirização, então, conformea Ciência da Administração, ‘atransferência de atividades parafornecedores especializados, de-tentores de tecnologia própria emoderna, que tenham esta ativi-dade terceirizada como sua ati-vidade-fim, liberando a tomadorapara concentrar seus esforços ge-renciais em seu negócio princi-pal, preservando e evoluindo emqualidade e produtividade, redu-zindo custos e gerando competi-tividade.’ Assim, é a entrega aoutra empresa de atividade naqual esta é especializada, reali-zando esta última inteiramente a

atividade de forma autônoma,com sua própria tecnologia(know-how) e equipamento. Ve-mos portanto, que nada tem a vercom o fornecimento de trabalha-dores, ou ‘terceirização de mão-de-obra’.

(...)

O que este ramo do Direito [doTrabalho] não admite, mudial-mente e desde os tempos do iní-cio deste sistema protetivo, tendorecebido inclusive o pejorativonome de ‘marchandage’, é a in-termediação de mão-de-obra, omero fornecimento de trabalhado-res por uma determinada empre-sa a outra, eximindo-se esta dasobrigações derivadas da relaçãojurídica com eles. Isso, porque,lembrando-se de nossa estradado Direito do Trabalho e voltandoaté o seu princípio, verificamosque o trabalho teria virado merca-doria, alugando uma empresa tra-balhadores para exercerem suasatividades laborais em outra em-presa.” (in “Terceirização e inter-mediação de mão-de-obra na Ad-ministração Pública” — RevistaLTr, junho/2003, pp. 686/687).

Especificamente quanto à “ter-ceirização” na Administração PúblicaFederal Direta, nos lembra o doutri-nador que o Decreto n. 2.271/97 vedaexpressamente a pactuação de con-trato com objeto exclusivo de forneci-mento de mão-de-obra e a subordi-nação dos empregados da contrata-da à administração da contratante (art.4º, incisos II e IV), para concluir que

“(...) resta patente que na admi-nistração pública não há previsão

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de intermediação de mão-de-obra, havendo mesmo proibição,sendo seu desvirtuamento fraudeao princípio constitucional do con-curso público, indispensável paraadmissão no serviço público.

(...)

O entendimento do Tribunal Su-perior do Trabalho de que nãogera vínculo com a AdministraçãoPública a contratação por inter-posta empresa não é uma portaaberta para a Administração con-tratar pessoal por via de empre-sas. Não é uma liberdade. Somen-te é assim, pois a ConstituiçãoFederal impõe, para a geração devínculo com a Administração Pú-blica, o devido concurso público,a mais democrática das formaspara inserção no Estado.

No caso da utilização fraudulentade terceirização para provimento decargos públicos, a própria Consti-tuição Federal prevê a punição,que veio a se confirmar no art. 11da Lei n. 8.429/92, constituindocomo improbidade administrativao ato que atenta contra os princí-pios da administração pública,com penas de ressarcimento in-tegral do dano, se houver, perdada função pública, suspensãodos direitos políticos de três acinco anos, pagamento de multacivil de até cem vezes o valor daremuneração percebida peloagente. (inciso II do art. 12 damesma lei).” (op. cit., p. 688).

Não bastasse já a impossibi-lidade de “terceirização” da adminis-tração hospitalar, verifica-se que, aocontrário do que alega a recorrente,

a prestação de serviços não se res-tringiu a esse único aspecto. De fato,são unânimes as declarações cons-tantes dos autos no sentido de quemédicos atendiam pacientes pormeio de sociedades contratadaspela segunda demandada para pres-tar serviços à primeira, e que o servi-ço de radiologia dos hospitais públi-cos funcionava praticamente de for-ma integral no mesmo sistema (v.g.depoimentos prestados ao Juízo àsfls. 690/691).

Nesse contexto, verifica-se aabsoluta irregularidade da terceiriza-ção perpetrada entre os reclamados,como bem decidiu a sentença.

De outro lado, verifica-se igual-mente demonstrada a ocorrência defraudes dos direitos trabalhistasoriunda dessa ilegal intermediaçãode mão-de-obra, nos termos da per-cuciente análise da prova empreen-dida pela origem, cujos fundamen-tos peço vênia para adotar como ra-zões de decidir, in verbis:

“Observe-se através dos contra-tos de prestação de serviços jun-tados que os ‘ex-empregados’permaneceram fornecendo suamão-de-obra, no entanto, passa-ram a atuar sob o simulacro desociedades comerciais.

Foi colacionado aos autos às fls.322/325 o contrato de prestação deserviços entre a segunda deman-dada e a empresa Sá & Cézar Ltda.,composta pelos ex-empregadosdo Pró-Saúde, senhora Alba Lú-cia de Menezes Sá e Josania Car-valho Cézar.

O afastamento da senhora AlbaLúcia de Menezes Sá deu-se em

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2.10.2001, conforme TRCT de fl.296. Em relação à senhora Josa-nia de Carvalho Cézar, constata-se que também ocorreu sua dis-pensa, tendo havido acordo entreas parte homologado em17.10.2001, havendo a quitaçãodas parcelas da inicial e do extin-to contrato de trabalho.

O contrato de prestação de servi-ços foi assinado em 1º de setem-bro de 2001, ocorrendo nítida vio-lação da legislação trabalhista.Àquela época, inclusive, a senho-ra Alba Lúcia ainda era empregadada segunda demandada. Idubita-velmente, houve fraude na con-tratação dos serviços, com o ní-tido intuito de fraudar a aplicaçãoda legislação trabalhista (infrin-gindo o art. 9º da CLT) e aindacom a intenção revelada de evitaro recolhimento devido de encar-gos previdenciários e fiscais.

Vale enfatizar que a DRT consta-tou que as empregadas permane-ciam com vínculo de subordina-ção jurídica, hierárquica, obser-vam horário e registram habituali-dade no serviço (fl. 63 dos autos).

Note-se que o contrato [entre oEstado e a prestadora] prevê aprestação de serviços de adminis-tração hospitalar, enfermagem,docência e consultoria, assessoriaem administração e enfermagem.

Resta hialina a configuração dafraude, diante do disposto no item4 do referido contrato (fls. 322/325dos autos), ao dispor: ‘Os servi-ços aqui contratados serão pres-tados através de profissionais per-tencentes ao próprio quadro de

pessoal ou prepostos designadospela CONTRATADA, que desde jádeclara assumir inteira responsa-bilidade pelos mesmos, em todosos seus aspectos’.(...)

A fraude é cabalmente demons-trada através do depoimento dasenhora Alba Lúcia ao Membro doMPT (termo de audiência acosta-do às fls. 352/353), onde afirma tex-tualmente: ‘QUE a empresa SÁ &CÉZAR LTDA não possui empre-gados’ (grifos nossos). O mesmo édito pela senhora Josania no de-poimento juntado à fl. 354 dos au-tos. Ou seja, obviamente, a rela-ção trabalhista estava mascaradapela sociedade comercial e nãoestava a Pró-Saúde verdadeira-mente preocupada com eventualresponsabilidade, pois o vínculotrabalhista estava encoberto e ain-da a Pró-Saúde, como dito no mes-mo depoimento, ‘disponibilizouum assistente contratado pela en-tidade, pela CLT’ (fl. 353).

As disposições contratuais sãobasicamente as mesmas entre aPró-Saúde e as firmas já citadase ainda as seguintes: ADAMAS-TER (composta pelos ex-empre-gados Washington Patrocínio —TRCT de fl. 314 — Esilene AlvesPatrocínio — TRCT de fl. 310 — eJosé Vanderlein Clain Ibing —TRCT de fl. 312); QUALIS (dos ex-empregados Clodimar Colla —TRCT de fl. 298 — , Sandro Jair— TRCT de fl. 300 e José Carlos —TRCT de fl. 302); GNS (Consti-tuída por Regina Celi Fazzio, dis-pensada em 30.8.01, conformeTRCT de fl. 292 e Reginaldo Cos-ta Biffe, dispensado na mesma

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data, o que pode ser observadoatravés do TRCT juntado à fl. 294).

Há alguma dúvida que todas es-sas empresas foram ‘montadas’para fraudar a legislação trabalhis-ta e lesar os cofres públicos? É evi-dente que não há dúvida acercadessa lamentável verdade.

(...)

Ficou claramente demonstradoque os ‘ex-empregados’ continua-ram a exercer as mesma funçõesde antes. Observe-se que a se-nhora Alba Lúcia, em depoimen-to prestado perante o representan-te do MPT, asseverou que ‘atual-mente ocupa o cargo de Diretora-Administrativa do hospital DONAREGINA SIQUEIRA CAMPOS;que no início do mês de outubrode 2001, a depoente foi demitidasem justa causa da entidadePRÓ-SAÚDE, sendo que fora ad-mitida pela mencionada entidadeem dezembro de 1999, na funçãode Diretora-Administrativa do refe-rido hospital; que após a constitui-ção da empresa houve a celebra-ção de contrato de prestação deserviços com a PRÓ-SAÚDE’.

(...)

Merece destaque no depoimentodo senhor Gilmar Bandeira a afir-mação de que a empresa consti-tuída a fim de atender os interessesda Pró-Saúde somente prestavaserviços a esta, deixando clara atroca de favores e evidenciandoque as empresas foram montadaspara corresponder aos anseios dasegunda damandada de lesar oerário.” (fls. 748/751).

Diversamente do que afirma arecorrente, não está na esfera de dis-ponibilidade privada a configuraçãoou não do vínculo empregatício en-tre as pessoas contratadas por meiode sociedades e a prestadora de ser-viços. Ao contrário, a relação de em-prego constitui-se, independente-mente mesmo da vontade das partes,desde que configurados os elemen-tos imperativamente fixados no art.2º da CLT. Aqui novamente se recor-re à lição de Rodrigo de LacerdaCarelli, in verbis:

“Os arts. 2º e 3º da Consolidaçãodas Leis do Trabalho dizem quemsão os trabalhadores e quem sãoseus empregados, sendo estasnormas cogentes, não podendoser derrogadas por pactos priva-dos, sob pena de serem tidoscomo nulos de pleno direito, con-forme a regra do art. 9º do mesmodecreto-lei.

Destarte, se a ‘terceirização’ naverdade tentar encobrir uma rela-ção jurídica trabalhista existente,será tido como nulo de pleno direi-to o pactuado, gerando todos osefeitos jurídicos da relação empre-gatícia. O contrato de trabalho écontrato-realidade e a nulidade,em caso de fraude, não precisanem mesmo ser declarada porjuiz, podendo ser regularizada pelaautoridade administrativa do Minis-tério do Trabalho, o Auditor-Fiscaldo Trabalho.” (op. cit., p. 687).

Nenhuma ofensa, portanto, aoprincípio da livre iniciativa constitucio-nalmente consagrado, em face doreconhecimento judicial da fraude econseqüente declaração de vínculo

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empregatício. Como todas as nor-mas do ordenamento jurídico, o prin-cípio da livre iniciativa não é absolu-to — tanto que consagrado juntamen-te com o da valorização do trabalho,absolutamente relegado in casu pe-los reclamados.

Por todo o exposto, nego provi-mento ao recurso do segundo recla-mado e à remessa necessária, man-tendo intacta, no particular, a bemlançada sentença originária.

5.3. Dano Moral Coletivo

Pretende o Ministério Públicodo Trabalho a reforma da sentençaque rejeitou a pretensão de indeni-zação por dano moral coletivo alega-damente perpetrado pelos réus, aofundamento de que, reconhecido ointuito fraudulento da terceirizaçãoempreendida no serviço de saúdepública do Estado do Tocantins, im-põe-se o deferimento da reparaçãoda moral coletiva violada pelas práti-cas lesivas detectadas neste feito.

Aduz que a intenção manifestade fraudar a exigência de concursopúblico e os direitos trabalhistas ga-rantidos aos empregados importalesão não só dos bens patrimoniaisda comunidade, mas principalmen-te os de natureza extrapatrimonial,em decorrência da desvalorização dotrabalhador e do descaso com a or-dem jurídica trabalhista.

Firma o posicionamento deque a lesão moral apontada residena ofensa à Constituição Federal e àlegislação do trabalho, o que culminana descrença em relação ao pró-prio poder público e ao ordenamen-to jurídico, restando plenamente ca-

racterizados os requisitos autoriza-dores do deferimento do pleito: aconduta lesiva e ilegal, o dano e o nexode causalidade entre este e a açãodos réus.

Como dantes ressaltado, a tu-tela dos interesses coletivos moder-namente almejada pelo ordenamen-to jurídico repousa justamente nanecessidade de resguardar o pró-prio ordenamento, como um todo,das repetidas violações verificadasem nível metaindividual, com a dis-ponibilização de instrumentos há-beis para que tal defesa se torne efe-tiva e apta a coibir novas violações.

Nesse cenário é que surge omoderno conceito de tutela dos inte-resses coletivos (lato sensu) por in-termédio da atuação do MinistérioPúblico, fruto da evolução dos Esta-dos Democráticos de Direito. A essaevolução os instrumentos legais,doutrinários e jurisdicionais mos-tram-se sensíveis.

Na esfera do Direito Comum,a regra sediada no art. 52 do novoCódigo Civil brasileiro exemplifica oalcance das normas de proteção aosdireitos da personalidade quandodispõe que “Aplica-se às pessoasjurídicas, no que couber, a proteçãodos direitos da personalidade”.

Esse primado foi absorvidopela jurisprudência do C. STJ, expres-so no Enunciado da Súmula n. 227que contempla proteção contra odano moral à mais comezinha dasabstrações jurídicas, in verbis: “A pes-soa jurídica pode sofrer dano moral”.

Ora, se até mesmo a pessoajurídica é passível de sofrer dano

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moral, não se harmoniza com o ar-cabouço legal do Estado o entendi-mento de que lesões perpetradasem detrimento de uma coletividadeindeterminada (direitos e interessesdifusos) ou determinável (direitos einteresses coletivos stricto sensu)não podem ser passíveis de repara-ção mediante indenização por danomoral coletivo.

Com efeito, a concepção se-gundo a qual o dano moral somentese produz pela conjugação do binô-mio formado pela afetação psicos-social do indivíduo aliada ao prejuí-zo material que daí decorre, hodier-namente, encontra respeitáveis ad-versários traduzidos na jurisprudên-cia e na doutrina.

No presente caso, defrontamo-nos com uma conduta altamente le-siva aos interesses de um segmen-to social, perfeitamente identificável,que reclama reparação enérgica. Aslesões também são de natureza di-fusa pois, não só outros trabalhado-res não passíveis de identificaçãotambém poderiam ser vítimas do pro-cedimento reprovável das recorridas,como tal procedimento, por si só,representa reiterada e injustificávelofensa ao próprio delineamentoconstitucionalmente objetivado paraa Administração Pública, bem comoàs normas protetivas cogentes queintegram o ordenamento juslaboral.

Em meio à polêmica que cer-ca o assunto, a ilustre Procuradorado Trabalho Theresa Cristina Gos-dal em artigo publicado no livro inti-tulado “Temas da Ação Civil PúblicaTrabalhista”, ed. Gênesis, discorre demodo abrangente e elucidativo acer-

ca dos aspectos legais, conceituais,e objetivos que autorizam a conde-nação por dano moral coletivo, sen-do relevante destacar os trechos emque aborda a caracterização do danomoral coletivo e sua reparação inverbis:

“Caracterização do Dano MoralColetivo.

Marco Antônio Marcondes Perei-ra elenca os elementos caracteri-zadores do dano moral coletivo:uma agressão de conteúdo signi-ficante, ou seja, o fato que agridea coletividade deve ser de tal ex-tensão que produza a repulsa co-letiva; este fato deve ser repelidopela coletividade, gerando senti-mento de indignação; o fato deveser irreversível, ou de difícil repa-ração; as conseqüências do fatodevem atingir a coletividade, cons-tituindo fator de instabilidade erompimento do equilíbrio sociale afetando sua qualidade de vida.

Alexandre Agra Belmonte acres-ce que além destes requisitos,para a responsabilização é preci-so que não tenha ocorrido causaexcludente de responsabilidade,idéia que o autor atribui a MariaHelena Diniz, em seu “Curso deDireito Civil Brasileiro”. O autorelenca causas excludentes deimputabilidade, que seriam a de-mência; a anuência da vítima; oexercício regular de direito; a legí-tima defesa e o estado de neces-sidade. Do ponto de vista traba-lhista não seria tão fácil afastar aresponsabilização em razão des-tas excludentes. Por exemplo, nocaso de demência, normalmente

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é a empresa e não a pessoa físicaquem responde. A empresa tem aobrigação legal de manter um meioambiente psicologicamente sau-dável. Ainda a título de exemplo, aanuência da vítima, em virtude dosprincípios e normas que regemeste ramo especializado, mormen-te a irrenunciabilidade da maioriados direitos, pode não afastar a res-ponsabilização.

Também elenca causas excluden-tes de causalidade, como a culpaexclusiva da vítima; a culpa de ter-ceiros; a força maior e o caso for-tuito; o factum principis. A aplica-bilidade destas excludentes noDireito do Trabalho também podeser discutida. Por exemplo, no quetange à culpa de terceiros,imaginando-se a hipótese de as-sédio sexual praticado contra em-pregado dentro da empresa porcliente, pode a empresa ser res-ponsabilizada pelo dano moral, jáque tem o dever de manutençãode meio ambiente do trabalhosaudável e isento de assédio.

Reparação do Dano.

A responsabilização na hipótesede dano moral coletivo não temapenas função compensatória pormeio da reparação do dano cau-sado (de compensar a lesão so-frida, ante à impossibilidade de seressarcir algo que não tem equi-valência econômica), mas tam-bém tem função sancionatória, oupunitiva, exercendo um papeleducativo do ponto de vista soci-al, fazendo com que o lesante sin-ta “a reação do Direito diante daantijuridicidade de atos de tal

jaez”. Neste sentido pondera Mar-co Antônio Marcondes Pereira:

‘A composição do dano moralcoletivo tem por escopo não ape-nas ressarcir a coletividade, mastambém, servir de instrumento dedesestímulo aos agressores dopatrimônio coletivo, no caso emespecial, dosa infratores da or-dem urbanística.

A dificuldade que se pode vislum-brar na fixação da indenizaçãomoral por ato praticado contra ahonra de uma pessoa é igual àdificuldade que há na quantifica-ção da ofensa moral contra a co-letividade. (...)

(...) A valoração do dano e a inde-nização devem ficar ao alvedriodo magistrado no curso da açãocivil pública, ou coletiva, que, nomomento oportuno, deverá levarem consideração a espécie de atolesivo praticado, a repercussão eas conseqüências sociais da le-são para a coletividade e as con-dições econômicas do infrator.’

Enoque Ribeiro dos Santos tam-bém admite dupla finalidade paraa reparação do dano moral: acompensação do ofendido; puniro causador do dano, “inibindonovos casos lesivos indesejáveise nefastos ao convívio em socie-dade.” A condenação à reparaçãodo dano causado à coletividadepode contribuir para a formaçãode uma mentalidade mais éticano empresariado, ainda que portemor da eficácia de uma tutelacoletiva, ao invés de conscienti-zação acerca da função social daempresa.

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Para a reparação do dano moralcoletivo pode o autor da lesão sercondenado em outras formas dereparação, que não unicamentepecuniária. Alexandre Agra Bel-monte assevera que:

‘Em sede de reparação pecuniá-ria de danos morais, dois são ossistemas existentes: o tarifário, ouobjetivo, em que o valor da inde-nização é predeterminado e o juizo fixa conforme a gravidade dodano, grau de culpa e outras cir-cunstâncias atinentes e o abertoou subjetivo, em que o juiz subje-tivamente fixa a quantia que con-sidera adequada à reparação dalesão, todas levando em conta,essencialmente, “as circunstânci-as do caso, a gravidade do dano, asituação do lesante, a condição dolesado” e a idéia de sancionamen-to do lesado (punitive damages)’

O autor em comento destaca queo sistema de reparação do danomoral trabalhista é o aberto, po-dendo ser pecuniária, ou de obri-gação de fazer e não fazer (a quechama reparação in natura), ouambas (art. 3º da Lei n. 7.347/85).Em matéria de reparação do danoé preciso que se observe o ‘prin-cípio da reparação integral’, con-templado pelo texto constitucio-nal, art. 5º, incisos V e X. O danodeve ser integralmente reparado.No mesmo sentido posiciona-seCarlos Alberto Bittar Filho:

‘Admitem-se novas formas de re-paração, não pecuniárias, ga-nhando relevo, atualmente, osancionamento através de pres-tação de serviços à coletividade,

que, nascido na área penal, vemestendendo-se a questões decunho civil. Na reparação pecu-niária, prospera, ademais, a teseda exacerbação da indenizaçãodevida, em razão do vulto do di-reito atingido, assumindo aquelaforça inibidora de que necessita(punitive damages), para permitirque se alcance efetivo sanciona-mento do lesante e desestímulo àsociedade para novas investidasdo gênero.’

Como exemplo de reparação atra-vés de obrigação de fazer e/ounão fazer, temos a Ação do Minis-tério Público do Trabalho do Pa-raná, que tramitou perante a Varado Trabalho de Pinhão, em face deempresários que organizavam,divulgavam e utilizavam listagem detrabalhadores que haviam ajuiza-do reclamatória trabalhistas emface de ex-empregadores, impe-dindo-os de obter novo acesso aemprego. Ajuizada a ação civil pú-blica, com pedido de condenaçãoem obrigação de não-fazer, cumu-lado com pedido de indenizaçãopelo dano moral coletivo resultanteda prática antijurídica de tais empre-gadores, foi realizada a conciliação,por meio da qual obrigou-se a partepassiva a oferecer preferencialmen-te emprego aos trabalhadores cons-tantes da listagem por um períododeterminado. A obrigação de fazersubstituiu a prestação em pecúniapostulada, reparando-se mais dire-tamente a lesão levada a efeito.

Também perante a Vara do Tra-balho de Tatuí - SP, em demandaem que se buscava a cessão daprática pela empresa de induzir

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seus ex-empregados ao ajuiza-mento de lides simuladas, bemcomo a reparação pelo dano mo-ral coletivo, na Ação Civil Públican. 815/02, foi realizada concilia-ção em audiência, pela qual o réuse obrigou a pagar diferençasdevidas aos ex-empregados emface do acordo fraudulento reali-zado nas reclamatórias individuais,além de valor correspondente aodano à coletividade, destinadoao Fundo de Amparo ao Traba-lhador. Tais ex-empregados fo-ram admitidos ao litígio como as-sistentes do Ministério Público,tendo concordado expressamen-te com os termos da conciliação.

Outras formas de reparação dodano moral coletivo não-pecuniáriassão a publicação de desagravo emjornal pelo ofensor, a divulgaçãoatravés da imprensa ou afixação emedital de sentença condenatória; etc.Esta forma de reparação pode sercumulada a uma indenização pe-cuniária reduzida, como ocorreria,por exemplo, se em conciliação ju-dicial a empresa acordasse o paga-mento de indenização em valor in-ferior ao postulado, mas associadaà obrigação de contratar em deter-minado prazo e manter em seusquadros um número determinadode mulheres, ou portadores de defi-ciência, ou negros, ou evangélicos,ou não-evangélicos, ou emprega-dos com idade superior a 45 (qua-renta e cinco) anos de idade, ou qual-quer outro grupo ou segmento quetenha sido alvo de prática discrimi-natória.

No caso da indenização pecuniá-ria, a fixação do valor devido a títu-

lo de indenização por dano moralcoletivo deve atender o princípioda razoabilidade, considerando-sea extensão do dano, a gravidadeda lesão, a situação financeirado sujeito ativo e as circunstânciasdo fato. Xisto Tiago de MedeirosNeto acrescenta a estes aspectosa eqüidade e a prudência do jul-gador. São elementos considera-dos na fixação do valor da indeni-zação no dano moral individual eque são perfeitamente aplicáveisao dano moral coletivo. A indeni-zação deve ser suficientementeelevada para cumprir com seu pa-pel punitivo e de desestímulo; mastambém não pode ser tão elevadaque inviabilize a continuidade daatividade econômica, pensan-do-se aqui no empregador, quenormalmente ocupa o pólo passi-vo da ação civil pública trabalhista.

Na ação civil pública trabalhista aindenização em pecúnia revertepara o Fundo de Amparo ao Tra-balhador (FAT), ao invés do Fundode Defesa dos Direitos Difusos,como ocorre com as ações doMinistério Público Federal e Esta-dual. Ocorre que a destinação doFundo é a recuperação de bens epromoção de medidas relaciona-das à natureza do dano causado.Em seara trabalhista foi instituídoo FAT, que é especializado e maiscompatível com o interesse traba-lhista que se tutela por meio daação civil pública trabalhista.

Marco Antônio Marcondes Perei-ra defende a possibilidade de oMinistério Público, ao obter doautor da conduta lesiva no cursodo inquérito civil público o Termo

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de Compromisso de Ajustamen-to de Conduta, fixar o montante daindenização devida a título de danomoral coletivo.

No âmbito desta egrégia Tur-ma, o tema do Dano Moral Coletivogerou importantes e favoráveis pre-cedentes, dentre os quais tornou-seconhecido o voto proferido pelo in-signe Juiz José Ribamar O. LimaJúnior, do qual destaco o seguintefragmento, verbis:

“...(omissis) pelo exame e reexa-me da prova carreada aos autos,inclusive das peças do inquéritocivil procedido pelo diligente Mi-nistério Público, resulta por de-mais comprovados todos os cri-mes alegados na petição inicial,na seguinte ordem de importân-cia — cronológica e lógica — ‘ali-ciamento de trabalhadores’ (Art.207 do CP); redução dos mesmos‘a condição análoga à de escra-vo’ (Art. 149 do CP); “constrangi-mento dos trabalhadores medianteviolência ou grave ameaça” (Art.197 do CP); e ‘frustração de direi-tos assegurados pela legislaçãodo trabalho’, mediante a fraude eviolência contra os trabalhadoresem regime de trabalho análogoao de escravo; donde–ressaltan-do que bastaria apenas a confi-guração de qualquer um dessescrimes para justificar a inteira pro-cedência da ação. Dentro de todoeste contexto, voto pela procedên-cia do pedido de reparação dodano moral coletivo ou difuso, cau-sados por violação em dimensãometaindividual dos interesses edireitos de personalidade, aco-lhendo-se a multa sugerida pelo

Autor, de R$ 5.000,00 (cinco milreais), por trabalhador, mas a serreversível ao Fundo de Amparo aoTrabalhador — (FAT), conformeapuração em processo declarató-rio de liquidação de sentença.(RO— 00073-2002-811-10-00-6 , D.J.de 30.5.2003).

No mesmo sentido, as decisõesconstantes dos RO’s 00726-2001-016-10-00-2 (Rel. Juiz José RibamarO. Lima Júnior, 2ª Turma, DJ. de30.5.2003), 01382-2001-005-10-00-5(Rel. Juiz Paulo Henrique Blair de Oli-veira, 3ª Turma, DJ. de 22.9.2003) e01385-2001-009-10-00-4 (Rel. JuizMário Macedo Fernandes Caron, 2ªTurma, julgado em 17.12.2003).

Nas demais regiões do país ajurisprudência tem dado idêntico tra-tamento à questão do dano moralcoletivo, consoante retratam os se-guintes arestos, in verbis:

“DANO MORAL. MINISTÉRIO PÚ-BLICO DO TRABALHO. AÇÃO CI-VIL PÚBLICA. O senso comum in-dica má-fé e intenção de obter van-tagem ilícita às custas de quemlhe prestou serviços, quando fla-grados em poder da empresa-rédocumentos assinados em bran-co, entre eles recibos de saláriomensal e termos de rescisão con-tratual, restando caracterizado odano moral, difuso ou coletivo, aque se refere a Lei n. 7.347/85.”(TRT-SC-RO-931/1998, 1ª Turma,Juiz Gilmar Cavalheri, Ac. 09563/1998, DJ de 5.10.98).

“DANO MORAL COLETIVO. A ocor-rência de violação ao direito deintimidade dos empregados confi-

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gura dano moral coletivo e impõesua correspondente reparação.Ademais, a filmagem dos traba-lhadores durante o período de tra-balho, efetivou-se de forma sigi-losa, sem ciência dos emprega-dos, configurando agressão aogrupo, prática que afeta negativa-mente o sentimento coletivo, le-são imaterial que atinge parte dacategoria. Inteligência do art. 5º,X, da Carta Magna.” (TRT-BA-RO-01.16.00.2105-50, 5ª Turma, Juí-za Maria Nunes da Silva Lisboa,DOE de 26.4.2002).

Como visto, não é apenas nassituações de violação a direitos ex-clusivamente ligados à dignidade dapessoa humana que se caracterizao dano moral coletivo. Também res-ta configurada tal lesão — ouso di-zer que mesmo com maior intensi-dade — nos casos de completo des-respeito e inobservância dos dita-mes do ordenamento jurídico, sole-nemente e reiteradamente ignorado,no caso em análise, pela ofensa adispositivos constitucionais e infra-constitucionais de natureza cogen-te, perpetrada pela fraude na qualparticipou a própria AdministraçãoPública, à qual incumbe, com maiorvinculação, a defesa da ordem cons-titucional e legal.

Permito-me transcrever, tam-bém adotando como razões de deci-dir, os fundamentos expendidos peloExmo. Juiz Mário Caron, no julga-mento do RO 01385-2001-009-10-00-4, supracitado, por inteiramentepertinentes à espécie, in verbis:

“A violação ao ordenamento jurí-dico, consubstanciada pelo rei-

terado descumprimento de suasprescrições e a conseqüente des-valorização progressiva de suasemanações como vinculadorasdas condutas — que acaba poracarretar verdadeira anomia — émais grave do que a violação aointeresse individual. Esta pode sercoibida pela simples incidênciada sanção prevista na própria nor-ma. Aquela deve ser repudiadapelos novos instrumentos que oordenamento jurídico disponibili-za para sua própria defesa.”

Por tudo quanto foi exposto,dou provimento ao recurso adesivo,neste ponto, para condenar solida-riamente as reclamadas ao paga-mento de indenização por dano moralcoletivo, no importe de R$ 300.000,00(trezentos mil reais), a reverter parao Fundo de Amparo ao Trabalhador,com fulcro no art. 1º, V, da Lei n.7.347/85.

De outro lado, à vista dos indí-cios de prática de atos que configu-ram improbidade administrativa, de-termino que se oficie ao MinistérioPúblico do Estado do Tocantins, en-viando-lhe cópias da inicial, da deci-são originária e desta decisão, paraadoção das providências que aque-le órgão entender cabíveis.

Por fim, diante da ilicitude daterceirização de trabalho praticadapelo Estado do Tocantins e pela Pró-Saúde, com evidente impossibilidadede formação de vínculo empregatíciocom a Administração Pública, em vir-tude da vedação inscrita no inciso IIdo art. 37 da CF/88, o que configuraindício de prática do ilícito penal tipifi-cado no art. 203 do Código Penal,

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determino também que se oficie aoMinistério Público Federal, enviandoàquele parquet cópias das mesmaspeças a serem remetidas ao MPE.

CONCLUSÃO

Pelo exposto, conheço do re-curso da segunda reclamada e daremessa oficial, rejeitando a prelimi-nar de não-conhecimento parcial dorecurso adesivo do Ministério Públi-co, do qual também conheço; rejeitoas preliminares de incompetência,ilegitimidade ativa e ausência de in-teresse de agir, argúidas pela segun-da reclamada; e, no mérito, nego pro-vimento ao recurso da segunda re-clamada e dou provimento ao recur-so adesivo do Ministério Público doTrabalho, para declarar a revelia econfissão da segunda reclamadae para condenar as rés, de forma soli-dária, ao pagamento de indenizaçãopor dano moral coletivo, no importede R$ 300.000,00, reversível ao Fun-do de Amparo ao Trabalhador, na for-ma do art. 1º, V, da Lei n. 7.347/85,tudo nos termos da fundamentação.

Acrescida a condenação, são de-vidas custas, no importe de R$ 6.000,00,calculadas sobre R$ 300.000,00, valorora acrescentado, a cargo dos reclama-dos, sendo o primeiro réu isento do pa-gamento, na forma do art. 790-A da CLT.

Oficie-se ao Ministério Públicodo Estado do Tocantins e ao Minis-tério Público Federal, tal como de-terminado no item 5.3 supra.

É o voto.

Por tais fundamentos, Acor-dam os Juízes da Segunda Turmado Tribunal Regional do Trabalho da10ª Região, conforme certidão de jul-gamento a fl. retro, aprovar o relató-rio; conhecer do recurso da segun-da reclamada e da remessa oficial,rejeitando a preliminar de não-co-nhecimento parcial do recurso ade-sivo do Ministério Público, do qualtambém conhece-se; rejeitar as pre-liminares de incompetência, ilegiti-midade ativa e ausência de interes-se de agir, argúidas pela segundareclamada; e, no mérito, negar provi-mento ao recurso da segunda recla-mada e dar provimento ao recursoadesivo do Ministério Público do Tra-balho, para declarar a revelia e con-fissão da segunda reclamada e paracondenar as rés, de forma solidária,ao pagamento de indenização pordano moral coletivo, no importe deR$ 300.000,00, reversível ao Fundode Amparo ao Trabalhador, na for-ma do art. 1º, V, da Lei n. 7.347/85,fixando ainda custas relativas aoacréscimo condenatório, no importede R$ 6.000,00, devidas pelos recla-mados, isento o primeiro réu (CLT,art. 790-A). Determina-se, ainda, aexpedição de ofícios ao MinistérioPúblico do Estado do Tocantins e aoMinistério Público Federal, tudo naforma do voto do Juiz Relator.

Brasília(DF), 2 de junho de2004 (data do julgamento)

Brasilino Santos Ramos, JuizRelator.

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AÇÃO CIVIL PÚBLICA — COAÇÃO PARA DEVOLUÇÃODA MULTA DO FGTS NA RESCISÃO CONTRATUAL —

ILEGALIDADE (TRT — 22ª REGIÃO)

COAÇÃO — CONFIGURAÇÃO: Restando sobejamente provado que a re-clamada efetivamente coagiu seus empregados a devolverem a multade 40% sobre o FGTS, por ocasião das rescisões contratuais, correta acondenação imposta pelo juízo primário.

Vistos, relatados e discutidosestes autos de RECURSO ORDINÁ-RIO oriundos da 1ª Vara do Trabalhode Teresina, onde figuram como par-tes: SERVIS — SEGURANÇA LTDA,Recorrente; e MINISTÉRIO PÚBLICODO TRABALHO DA 22ª REGIÃO, Re-corrido.

Em virtude de decisão prolata-da pelo Colendo TST, em sede de Re-curso de Revista (fls. 618/628), queafastou a ilegitimidade ativa ad cau-sam do Ministério Público do Traba-lho, retornam os presentes autos aeste Regional a fim de que prossigano julgamento do Recurso Ordinário.

Para melhor compreensão damatéria, passaremos à feitura de umnovo relatório.

RELATÓRIO

A sentença de fls. 423/432 dosautos, julgou procedente a Ação Ci-vil Pública proposta pelo Ministério

Público do Trabalho, condenando aempresa ré a satisfazer os pedidosconstantes das letras “a”, “b”, “c” e“d”, item V, da inicial (fl.06).

Inconformada, recorre ordina-riamente a empresa Reclamada,com as razões de fls. 439/458. Sus-tenta, em resumo, a insuficiência deprovas para a sua condenação. Diz,ainda, que as quitações das resci-sões foram devidamente homologa-das pelo sindicato da categoria. In-surge-se, também, contra o valor fi-xado como multa pecuniária pelodescumprimento das obrigações defazer e de não fazer, eis que aleató-rio. Pede ao final, o recebimento eprovimento do apelo, nos termose limites objetivados.

Contra-razões às fls. 462/477.

A d. Procuradoria Regional doTrabalho, em seu parecer de fls. 497/504, opina pelo conhecimento, rejei-ção das preliminares e, no mérito,pelo improvimento do apelo.

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Como consta do acórdão de fls.513/517, este Regional, por unani-midade, conheceu do Recurso Ordi-nário, rejeitou a preliminar de incom-petência da Justiça do Trabalho e,por maioria, deu-lhe provimentopara, proclamando a inadmissibili-dade da interpretação ampliativa le-vada a efeito, acolher a preliminar deilegitimidade ad causam ativa e ex-tinguir o processo sem julgamentodo mérito.

Inconformado, o Autor, Minis-tério Público do Trabalho, recorreude Revista ao Colendo TST (fls.521/534).

Em decisão, em sede de Em-bargos Declaratórios com efeito mo-dificativo (fls. 618/628), a InstânciaSuperior acolheu os argumentos doRecorrente, afastando sua ilegitimi-dade ativa ad causam, determinan-do também o retorno dos autos aoTribunal Regional de origem, a fimde que se prossiga no julgamentodo Recurso Ordinário.

É o relatório.

VOTO

Do Conhecimento

Presentes os pressupostos le-gais, conheço do recurso ordinário.

Do Mérito

No mérito, a recorrente alegaa insuficiência de provas para a suacondenação a satisfazer os pedidos

constantes das letras “a”, “b”, “c” e “d”,item V, da inicial (fl.06), quais sejam:

a) restituir a multa de 40% so-bre o FGTS, com os acréscimos le-gais, a todos os empregados que,sob coação da ré, foram obrigados adevolver a referida multa à mesmaempresa, por ocasião das rescisõescontratuais;

b) não praticar nenhuma formade coação, por ocasião da demis-são de seus empregados, para queos mesmos devolvam a multa de40% sobre o FGTS, nem solicitar ouexigir tal devolução.

c) Para o descumprimento dasobrigações de fazer e não fazer men-cionadas, a cominação de multa noequivalente a R$ 5.000,00 (cinco milreais), corrigida monetariamente, porcada obrigação descumprida e comrelação a cada trabalhador lesado, aqual deverá se reverter ao Fundo deAmparo ao Trabalhador.

d) Seja a reclamada condena-da a pagar as custas e demais des-pesas processuais.

Pela análise dos autos, emespecial os depoimentos das teste-munhas de fls. 380/381 e 384/388bem assim o inquérito civil públicoem apenso, não resta dúvida que areclamada efetivamente cometeu asirregularidades apontadas, consis-tentes na prática de coação contraseus empregados para que renun-ciassem à multa de 40% do FGTSquando de suas demissões, para,em contrapartida, serem admitidospela empresa SECOPI.

Nesse sentido, transcrevemosos seguintes depoimentos: “a ré pro-

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pôs ao depoente que fosse admiti-do na SECOP mas em troca dissoteria que sacar o seu FGTS e devol-ver à ré 40% (quarenta por cento)desse valor (fl. 380); “tomou conhe-cimento de um acordo para que ostrabalhadores da SERVIS passas-sem a prestar serviços a SECOPI. Odepoente participou desse acordo...sendo que cada trabalhador era cha-mado individualmente, quando eraminstados a fazer um acordo atravésdo qual devolveriam 40% (quarentapor cento) dos valores do FGTS àSERVIS” (fl.384); “a proposta de acor-do feito pela ré era no sentido de queo trabalhador ia devolver os 40% doart. 22 e passariam a prestar servi-ços na SECOPI” (fl. 386).

Corroborando ainda mais aprática de tais irregularidades pelareclamada, tem-se o mapa compa-rativo de fl. 318, elaborado em con-formidade com as relações de em-pregados demitidos pela SERVIS eadmitidos pela SECOPI, bem comoo depoimento do gerente procuradorda recorrente, no autos do InquéritoCivil Público (fl. 340), quando inda-gado sobre possibilidade de firmarajuste de conduta pronunciou-se “nosentido de firmar-se o competentetermo de compromisso perante oMinistério Público do Trabalho, eli-minando-se, na Indiciada, a irregu-

laridade detectada, porém, requerque lhe seja concedido 8(oito) diasde prazo para proceder levantamen-to dos vigilantes que “restituíram aaludida multa”, inexistindo nos au-tos, como bem observou o d. juízoprimário, qualquer evidência de quetal declaração tenha sido afirmadasob coação, constrangimento ouqualquer outro vício.

No tocante ao valor da multa,qual seja, equivalente a R$ 5.000,00(cinco mil reais), corrigida moneta-riamente, por cada obrigação des-cumprida e com relação a cada tra-balhador lesado, embora elevada,visa exatamente a forçar o adimple-mento do decisum. Veja-se que so-mente em caso de descumprimentoé que será aplicada a multa. Semrazão, portanto, o recorrente.

CONCLUSÃO

Isso posto,

Acordam os Juízes do TribunalRegional do Trabalho da 22ª Região,por unanimidade, conhecer do recur-so ordinário e, no mérito, negar-lheprovimento.

Teresina, 5 de novembro de2004.

Laercio Domiciano, Juiz Relator.

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MEMBROS DO MINISTÉRIO

PÚBLICO DO TRABALHO

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MEMBROS DO MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO

Procuradora-Geral do Trabalho: Sandra Lia SimónPresidente da ANPT: Sebastião Vieira Caixeta

Posição em 11.11.2004

PROCURADORIA-GERAL DO TRABALHO

Subprocuradores-Gerais doTrabalho

Luiz da Silva Flores

José Alves Pereira Filho

Jeferson Luiz Pereira Coelho

Cesar Zacharias Martyres

Heloísa Maria Moraes Rego Pires

Otávio Brito Lopes

Guiomar Rechia Gomes

Ronaldo Tolentino da Silva

Guilherme Mastrichi Basso

Maria Guiomar Sanches de Mendonça

Maria Aparecida Gugel

José Carlos Ferreira do Monte

Maria de Fátima Rosa Lourenço

Lucinea Alves Ocampos

Dan Caraí da Costa e Paes

Antônio Carlos Roboredo

Terezinha Matilde Licks

Ivana Auxiliadora Mendonça Santos

Edson Braz da Silva

Vera Regina Della Pozza Reis

José Neto da Silva

Rogério Rodriguez Fernandez Filho

Luis Antônio Camargo de Melo

Lélia Guimarães Carvalho Ribeiro

Procuradores Regionais de outrasPRTs em exercício na PGT

Adriane Reis de Araújo

Ana Luíza Alves Gomes

Antônio Luiz Teixeira Mendes

Cristina Soares de Oliveira E. A. No-bre

Eliane Araque dos Santos

Evany de Oliveira Selva

Gustavo Ernani Cavalcanti Dantas

Márcia Raphanelli de Brito

Maurício Correia de Mello

Ricardo José Macedo de Britto Pe-reira

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PROCURADORIA REGIONAL DO TRABALHO DA 1ª REGIÃO

SEDE: Rio de Janeiro/RJ

Procurador-Chefe: Márcio Vieira Alves Faria

Procuradores Regionais do Trabalho

Carlos Alberto Dantas da FonsecaCosta Couto

Lício José de Oliveira

Robinson Crusoé Loures de M.Moura Júnior

Regina Fátima Bello Butrus

Márcio Vieira Alves Faria

Márcio Octávio Vianna Marques

Reginaldo Campos da Motta

Maria Vitória Süssekind Rocha

Inês Pedrosa de Andrade Figueira

Heleny Ferreira de Araújo Schittine

Aída Glanz

João Hilário Valentim

Mônica Silva Vieira de Castro

Procuradores do Trabalho

Ana Lúcia Riani de LunaLuiz Eduardo Aguiar do ValeJúnia Bonfante RaymundoCynthia Maria Simões LopesDeborah da Silva FelixMaria Lúcia Abrantes FerreiraLisyane Chaves MottaTeresa Cristina D’almeida BasteiroDanielle CramerSafira Cristina F. A. Carone GomesJoão Carlos TeixeiraLucia de Fátima dos Santos GomesDaniela Ribeiro MendesAdriano de Alencar SaboyaSérgio Favilla de MendonçaJosé Claudio Codeço MarquesJosé Antonio Vieira de F. FilhoEduardo Galvão de Andrea FerreiraHeloise Ingersoll SáMarcelo de Oliveira RamosValéria Sa Carvalho da Silva CorrêaEliane LucinaMarcelo José Fernandes da SilvaMaria Julieta Tepedino de BragançaCristiane Maria Sbalqueiro LopesRodrigo de Lacerda CarelliAlessandro Santos de MirandaJuliane MombelliJoão Batista Berthier Leite SoaresValdenice Amália FurtadoValesca de Morais do MonteGuadalupe Louro Turos CoutoFernando Pinaud de Oliveira JuniorWilson Roberto PrudenteFábio Luiz Vianna MendesAna Cláudia Rodrigues Bandeira

MonteiroLuciana Totes de Guadalupe e SilvaIsabella Gameiro da Silva Terzi

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PROCURADORIA REGIONAL DO TRABALHO DA 2ª REGIÃO

SEDE: São Paulo/SP

Procuradora-Chefe: Almara Nogueira Mendes

Procuradores Regionais do Trabalho

Erick Wellington Lagana LamarcaVera Lígia Lagana LamarcaDanton de Almeida SeguradoLaura Martins Maia de AndradeMaria José Sawaya de Castro P. do

ValeMarisa Marcondes MonteiroOksana Maria Dziúra BoldoCristina Aparecida R. BrasilianoRuth Maria Fortes AndalafetSandra Lia SimónMônica FuregattiMaria Helena Leão GrisiGraciene Ferreira PintoEgle ResekAndréa Isa RípoliMarisa Regina Murad LegaspeIvani Contini BramanteWilian Sebastião BedoneSidnei Alves TeixeiraSandra Borges de MedeirosSuzana Leonel FarahMarta Casadei MomezzoLuíza Yukiko Kinoshita AmaralMaria Isabel Cueva MoaresAlmara Nogueira Mendes

Procuradores do Trabalho

José Valdir MachadoPaulo César de Moraes GomesAndrea Ehlke MucerinoLuiz Felipe SpeziLídia Mendes GonçalvesNelson Esteves SampaioAna Francisca Moreira de Souza

SandenDébora Monteiro LopesSilvana Márcia Montechi V. de OliveiraVera Lúcia CarlosCélia Regina Camachi StanderElisa Maria Brant de Carvalho MaltaDébora ScattoliniDenise Lapolla de Paula Aguiar An-

dradeRoberto Rangel MarcondesAntônio de Souza NetoMariza Mazotti de MoraesFábio de Assis Ferreira FernandesDirce Trevisi Prado NovaesRosemary Fernandes MoreiraMaria Beatriz Almeida BrandtAna Elisa Alves Brito SegattiAdélia Augusto DominguesViviann Rodriguez MattosRonaldo Lima dos SantosValdirene Silva de AssisAndréa Tertuliano de OliveiraÉricka Rodrigues DuartePatrícia Blanc GaidexDaniel Augusto GaiottoCláudia Regina Lovato Branco

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Procuradores Regionais do Trabalho

Eduardo Maia BotelhoMaria Magdá Maurício SantosMaria Christina Dutra FernandezJúnia Soares NáderJúnia Castelar SavagetElson Vilela NogueiraMarcia Campos Duarte

Procuradores do Trabalho

Yamara Viana de Figueiredo AzzeMaria Amélia Bracks DuarteJosé Diamir da CostaArlelio de Carvalho LageMaria Helena da Silva GuthierAnemar Pereira AmaralLutiana Nacur LorentzSilvana Ranieri de Albuquerque

QueirozDennis Borges SantanaGenderson Silveira LisboaAntônio Carlos Oliveira PereiraMarilza Geralda do NascimentoMaria Beatriz Chaves XavierElaine Noronha NassifMaria do Carmo de AraújoAntônio Augusto RochaJanuário Justino FerreiraJoaquim Rodrigues NascimentoGeraldo Emediato de SouzaAdriana Augusta de Moura SouzaLuciana Marques CoutinhoAntônio Carlos Cavalcante RodriguesAdvane de Souza MoreiraAndréa Ferreira BastosSônia toledo GonçalvesJuliana Vignoli CordeiroAndrea Nice da Silveira

PROCURADORIA REGIONAL DO TRABALHO DA 3ª REGIÃO

SEDE: Belo Horizonte/MG

Procuradora-Chefe: Marilza Geralda do Nascimento

PROCURADORIA REGIONAL DO TRABALHO DA 3ª REGIÃO

SEDE: Belo Horizonte/MG

Ofício de UBERLÂNDIA

Procuradores do Trabalho

Luís Paulo Villafañe Gomes SantosFábio Lopes Fernandes

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PROCURADORIA REGIONAL DO TRABALHO DA 4ª REGIÃO

SEDE: Porto Alegre/RS

Procurador-Chefe: Paulo Borges da Fonseca Seger

Procuradores Regionais do Trabalho

Marília Hofmeister Caldas

Jaime Antônio Cimenti

Paulo Borges da Fonseca Seger

Eduardo Antunes Parmeggiani

Luiz Fernando Mathias Vilar

Victor Hugo Laitano

André Luis Spies

Beatriz de Holleben Junqueira Fialho

Paulo Eduardo Pinto de Queiroz

Ana Luiza Alves Gomes

Procuradores do Trabalho

Lourenço Agostini de Andrade

Leandro Araújo

Silvana Ribeiro Martins

Zulma Hertzog Fernandes Veloz

Maria Crist ina Sanchez GomesFerreira

Márcia Medeiros de Farias

Alexandre Correa da Cruz

Aline Maria Homrich Schneider Conzatti

Adriane Arnt Herbst

Denise Maria Schellenberger

Ivo Eugênio Marques

Viktor Byruchko Júnior

Paulo Joares Vieira

Veloir Dirceu Furst

Marlise Souza Fontoura

Cristiano Bocorny Corrêa

Dulce Martini Torzecki

Ivan Sérgio Camargo dos Santos

Jean Carlo Voltolini

Marcelo Martins Dalpom

Philippe Gomes Jardim

Evandro Paulo Brizzi

Eduardo Trajano Cesar dos Santos

Paula Roussef Araújo

Rúbia Vanessa Canabarro

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PROCURADORIA REGIONAL DO TRABALHO DA 5ª REGIÃO

SEDE: Salvador/BA

Procuradora-Chefe: Carla Geovanna Cunha Rossi

Procuradores Regionais do Trabalho

Jorgina Ribeiro TachardVirgínia Maria Veiga de SenaAntônio Messias Matta de Aragão

BulcãoManoel Jorge e Silva NetoClaudia Maria Rego P. Rodrigues da

CostaAdélia Maria Bittencourt MarelimMaria da Glória Martins dos SantosCícero Virgulino da Silva FilhoCarla Geovanna Cunha RossiEdelamare Barbosa MeloAdalberto de Castro EstrelaJairo Lins de Albuquerque Sento-SéMaria Lúcia de Sá Vieira

Procuradores do Trabalho

Jeferson Alves Silva MuricyLuiz Alberto Teles LimaAna Emília Andrade Albuquerque da

SilvaLuiz Antônio Nascimento FernandesSandra Marlicy de Souza FaustinoHelder Santos AmorimMarcelo Brandão de Morais CunhaSéfora Graciana Cerqueira CharDaniela Landim Paes LemeLuis Antonio Barbosa da SilvaAlline Pedrosa OishiCleonice Maria Rodrigues Moreira

PROCURADORIA REGIONAL DO TRABALHO DA 6ª REGIÃO

SEDE: Recife/PE

Procurador-Chefe: Manoel Orlando de M. Goulart

Procuradores Regionais do Trabalho

Manoel Orlando de Melo Goulart

Waldir de Andrade Bitu Filho

Aluízio Aldo da Silva Júnior

José Janguiê Bezerra Diniz

Rafael Gazzaneo Júnior

Pedro Luiz Gonçalves Serafim da Silva

Ines Oliveira de Souza

Maria Angela Lobo Gomes

Procuradores do Trabalho

Morse Sarmento Pereira de Lyra Neto

Elizabeth Veiga Chaves

Maria Auxiliadora de Souza e Sá

Fábio André de Farias

Artur de Azambuja Rodrigues

Jorge Renato Montandon Saraiva

João Eduardo de Amorim

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469

Procuradores Regionais do Trabalho

Raimundo Valdizar de Oliveira Leite

Fernanda Maria Uchôa de Albuquerque

Hilda Leopoldina Pinheiro Barreto

Francisco Gerson Marques de Lima

Procuradores do Trabalho

Nicodemos Fabrício Maia

Claudio Alcântara Meireles

Francisca Helena Duarte Camelo

PROCURADORIA REGIONAL DO TRABALHO DA 8ª REGIÃO

SEDE: Belém/PA

Procuradora-Chefe: Célia Rosário L. Medina Cavalcante

Procuradores Regionais do Trabalho

Célia Rosário Lage Medina Caval-cante

José Cláudio Monteiro de Brito Filho

Loris Rocha Pereira Junior

Loana Lia Gentil Uliana

Procuradores do Trabalho

Ana Maria Gomes Rodrigues

Rita Moitta Pinto da Costa

Gisele Santos Fernandes Goes

Hideraldo Luiz de Sousa Machado

Marici Coelho de Barros Pereira

Nei Messias Vieira

Paulo Germano Costa de Arruda

Sheila Ferreira Delpino

PROCURADORIA REGIONAL DO TRABALHO DA 7ª REGIÃO

SEDE: Fortaleza/CE

Procuradora-Chefe: Hilda Leopoldina Pinheiro Barreta

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470

PROCURADORIA REGIONAL DO TRABALHO DA 9ª REGIÃO

SEDE: Curitiba/PR

Procuradora-Chefe: Lair Carmen Silveira da Rocha Guimarães

Procuradores Regionais do Trabalho

André Lacerda

Lair Carmen Silveira da Rocha Gui-marães

José Cardoso Teixeira Júnior

Ricardo Tadeu Marques da Fonseca

Itacir Luchtemberg

Maria Guilhermina dos Santos V.Camargo

Leonardo Abagge Filho

Alvacir Corrêa dos Santos

Neli Andonini

Aluízo Divonzir Miranda

Jaime José Bilek Iantas

Luiz Renato Camargo Bigarelli

Procuradores do Trabalho

Rosana Santos Moreira

Mariane Josviak

Luis Carlos Cordova Burigo

Luercy Lino Lopes

Margaret Matos de Carvalho

Renee Araújo Machado

Cássio Luis Casagrande

Nelson Colauto

Luís Antônio Vieira

Inajá Vanderlei S. dos Santos

Gláucio Araújo de Oliveira

Viviane Dockhorn Weffort

Ricardo Bruel da Silveira

Marília Massignam Coppla

Thereza Cristina Gosdal

Iros Reichmann Losso

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471

PROCURADORIA REGIONAL DO TRABALHO DA 10ª REGIÃO

SEDE: Brasília/DF

Procurador-Chefe: Ronaldo Curado Fleury

Procuradores Regionais do Trabalho

Gustavo Ernani Cavalcanti Dantas

Evany de Oliveira Selva

Márcia Raphanelli de Brito

Enéas Bazzo Tôrres

Eliane Araque dos Santos

Antonio Luiz Teixeira Mendes

Adriane Reis de Araújo

Cristina Soares de Oliveira e A. Nobre

Ronaldo Curado Fleury

Maurício Correia de Mello

Ricardo José Macedo de Britto Pereira

Procuradores do Trabalho

Cristiano Otávio Paixão Araújo Pinto

Soraya Tabet Souto Maior

Aroldo Lenza

Adélio Justino Lucas

Adriana Silveira Machado

Valdir Pereira da Silva

Mônica de Macedo Guedes LemosFerreira

Daniela de Morais do Monte Varandas

Fábio Leal Cardoso

Ana Cristina Desirée B. F. T. Ribeiro

PROCURADORIA REGIONAL DO TRABALHO DA 11ª REGIÃO

SEDE: Manaus/AM

Procurador-Chefe: Audaliphal Hildebrando da Silva

Procuradores do Trabalho

Faustino Bartolomeu Alves Pimenta

Audaliphal Hildebrando da Silva

Patrick Meia Merisio

Daniela Costa Marques

Carlos Eduardo Carvalho Brisolla

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472

PROCURADORIA REGIONAL DO TRABALHO DA 13ª REGIÃOSEDE: João Pessoa/PB

Procurador-Chefe: Rildo Albuquerque M. de Brito

Procuradores do Trabalho

Márcio Roberto de Freitas EvangelistaJosé Caetano dos Santos FilhoRildo Albuquerque M. de BritoMaria Edlene Costa LinsRamon Bezerra dos SantosEduardo Varandas Araruna

PROCURADORIA REGIONAL DO TRABALHO DA 12ª REGIÃOSEDE: Florianópolis/SC

Procuradora-Chefe: Marilda Rizzatti

Procuradores Regionais do Trabalho

Paulo Roberto PereiraMarilda RizzattiViviane ColucciEgon Koerner JúniorAngela Cristina Santos Pincelli Cintra

Procuradores do Trabalho

Alexandre Medeiros da FontouraFreitas

Cristiane Kraemer Gehlen CaravieriDarlene Borges DornelesSilvia Maria ZimmermannTereza Cristina Dunka R. dos SantosMarcelo GoulartDulce Maris GalleJaime Roque PerottoniLuiz Carlos Rodrigues FerreiraAndré Luiz Riedlinger TeixeiraAnestor MezzomoAlice Nair Feiber Sônego BornerAcir Alfredo HackMarcelo José Felin D’ Ambroso

PROCURADORIA REGIONAL DO TRABALHO DA 14ª REGIÃO

SEDE: Porto Velho/RO

Procurador-Chefe: Alberto Emiliano de Oliveira Neto

Procuradores do Trabalho

José Heraldo de SousaSuse Lane do Prado e Silva AzevedoAlberto Emiliano de Oliveira NetoGilson Luiz Laidner de AzevedoClaudia Carvalho do Nascimento

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473

PROCURADORIA REGIONAL DO TRABALHO DA 15ª REGIÃOSEDE: Campinas/SP

Procurador-Chefe: Abiael Franco Santos

Procuradores Regionais do Trabalho

Raimundo Simão de Melo

Adriana Bizarro

Eduardo Garcia de Queiroz

Renata Cristina Piaia Petrocino

João Noberto Vargas Valério

Procuradores do Trabalho

Claude Henri AppyMaria Stela Guimarães de MartinAbiael Franco SantosRicardo Wagner GarciaFábio Messias VieiraLiliana Maria Del NeryAna Lúcia Ribas SaccaniAderson Ferreira SobrinhoDimas Moreira da SilvaAlex Duboc GarbelliniEleonora Bordini CocaVanessa Kasecker BozzaRonaldo José de LiraJoão Batista Martins CésarBernardo Leôncio Moura CoelhoAndréa AlbertinaseEliana Nascimento MinicucciIara Teixeira RiosQuézia Araújo Duarte de AguiarMárcia Cristina Kamei L. AliagaAna Lúcia Barranco LicheskiRenata CoelhoAparicio Quirino SalomãoMario Antonio GomesHumberto Luiz M. de AlbuquerqueAlvamari Cassillo TebetCássio Calvilani Dalla-DéaMarcus Vinícius GonçalvesIvana Paula CardosoClaudia Marques de Oliveira

PROCURADORIA REGIONAL DO TRABALHO DA 15ª REGIÃO

SEDE: Campinas/SP

Ofício de BAURU

Procuradores do Trabalho

Luiz Henrique RafaelJosé Fernando Ruiz MaturanaRogério Rodrigues de Freitas

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474

PROCURADORIA REGIONAL DO TRABALHO DA 16ª REGIÃO

SEDE: São Luís/MA

Procurador-Chefe: Maurício Pessoa Lima

Procurador Regional do Trabalho

Roberto Magno Peixoto Moreira

Procuradores do Trabalho

Maurício Pessoa Lima

Virgínia de Azevedo Neves Saldanha

Celso Henrique Rodrigues Fortes

PROCURADORIA REGIONAL DO TRABALHO DA 17ª REGIÃO

SEDE: Vitória/ES

Procuradora-Chefe: Maria de Lourdes Hora Rocha

Procuradores Regionais do Trabalho

Levi Scatolin

Carlos Henrique Bezerra Leite

Procuradores do Trabalho

Anita Cardoso da SilvaMaria de Lourdes Hora RochaEstanislau Tallon BóziKeley Kristiane Vago CristoValério Soares HeringerDaniele Correa Santa Catarina

FagundesJosé Reis Santos CarvalhoAntonio Carlos Lopes Soares

PROCURADORIA REGIONAL DO TRABALHO DA 18ª REGIÃO

SEDE: Goiânia/GO

Procurador-Chefe: Luiz Eduardo Guimarães Bojart

Procuradores Regionais do Trabalho

Jane Araújo dos Santos Vilani

Luiz Eduardo Guimarães Bojart

Procuradores do Trabalho

Cláudia Telho Corrêa AbreuJosé Marcos da Cunha AbreuJanilda Guimarães de Lima ColloAlpiniano do Prado LopesMaria das Graças Prado FreuryCirêni Batista RibeiroMarcello Ribeiro Silva

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475

PROCURADORIA REGIONAL DO TRABALHO DA 19ª REGIÃO

SEDE: Maceió/AL

Procurador-Chefe: Antonio de Oliveira Lima

Procuradores do Trabalho

Vanda Maria Ferreira Lustosa

Cássio de Araújo Silva

Virginia de Araújo Gonçalves

Cláudio Cordeiro Queiroga Gadelha

Antonio de Oliveira Lima

Adir de Abreu

Rodrigo Raphael Rodrigues deAlencar

PROCURADORIA REGIONAL DO TRABALHO DA 20ª REGIÃO

SEDE: Aracaju/SE

Procurador-Chefe: Ricardo José das Mercês Carneiro

Procuradores do Trabalho

Vilma Leite Machado AmorimRicardo José das Mercês CarneiroSebastião Vieira CaixetaMário Luiz Vieira CruzFabio Goulart VillelaAna Luiza Fabero

PROCURADORIA REGIONAL DO TRABALHO DA 21ª REGIÃO

SEDE: Natal/RN

Procurador-Chefe: José de Lima Ramos Pereira

Procuradores Regionais do Trabalho

Xisto Tiago de Medeiros Neto

José de Lima Ramos Pereira

Cinara Graeff Terebinto

Procuradores do Trabalho

José Diniz de MoraesEder SiversIzabel Christina Baptista Queiroz

RamosRosivaldo da Cunha OliveiraFrancisco Marcelo Almeida Andrade

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476

PROCURADORIA REGIONAL DO TRABALHO DA 22ª REGIÃO

SEDE: Teresina/PI

Procuradora-Chefe: Evanna Soares

Procurador Regional do Trabalho

Evanna Soares

Marco Aurélio Lustosa Caminha

Procuradores do Trabalho

João Baptista Luzardo Soares FilhoJoão Baptista Machado JuniorIleana Neiva MousinhoJosé Wellington de Carvalho SoaresCarlos Leonardo Holanda Silva

PROCURADORIA REGIONAL DO TRABALHO DA 23ª REGIÃO

SEDE: Cuiabá/MT

Procuradora-Chefe: Eliney Bezerra Veloso

Procuradores do Trabalho

Eliney Bezerra VelosoLudmila Reis Brito LopesRenata Aparecida Crema Botasso

TobiasSueli Teixeira BessaErich Vinicius SchrammMilena Cristina CostaGuilherme Duarte da Conceição

Procuradores do Trabalho

Emerson Marim ChavesJonas Ratier MorenoCícero Rufino PereiraSimone Beatriz Assis de RezendeErlan José Peixoto do PradoKeilor Heverton MignoniRosimara Delmoura Caldeira

PROCURADORIA REGIONAL DO TRABALHO DA 24ª REGIÃO

SEDE: Campo Grande/MS

Procurador-Chefe: Jonas Ratier Moreno

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477

APOSENTADOS

posição em 11.11.2004

SUBPROCURADOR-GERAL DO TRABALHO

Afonso Henrique L. de MedeirosAntônio Henrique de Carvalho ElleryDarcy da Silva CamaraDiana Isis Penna da CostaEdson Correa KhairEduardo Antonio de A. CoelhoEliana Traverso CalegariFernando Ernesto de Andrade CouraHegler José Horta BarbosaHélio Araújo de AssumpçãoJacques do Prado BrandãoJoão Pedro Ferraz dos PassosJoão Pinheiro da Silva NetoJonhson Meira SantosJorge Eduardo de Sousa Maia

Júlio Roberto ZuanyLindalva Maria F. de CarvalhoLúcia Barroso de Brito FreireMarcelo Angelo Botelho BastosMaria de Lourdes S. de AndradeModesto Justino de O JuniorMuryllo de Britto Santos FilhoNorma Augusto PintoRaymundo Emanoel Bastos do E.

SilvaRoque Vicente FerrerSamira Prates de MacedoSue Nogueira de Lima VerdeTerezinha Vianna GonçalvesValter Otaviano da Costa Ferreira

PROCURADOR REGIONAL DO TRABALHO

Adelmo Monteiro de BarrosAdemar Ginefra MoreiraAlice Cavalcante de SousaAmérico Deodato da Silva JúniorAnamaria Trindade BarbosaAngela Maria Gama e Mello de M. PintoAntonio Carlos Penzin FilhoAntonio Xavier da CostaAparecida Maria O de Arruda BarrosAurea Satica KariyaCarlos Alfredo Cruz GuimarãesCarlos Eduardo BarrosoCarlos Eduardo de Araújo GóesCarlos Jose Principe de OliveiraCarlos Renato Genro GoldschmidtCesar Macedo EscobarCliceu Luis BassettiDaisy Lemos DuarteDanilo Octavio Monteiro da CostaDanilo Pio Borges de CastroDjalma Nunez Fernandes JuniorEclair Dias Mendes Martins

José Francisco T. da Silva RamosJosé Sebastião de A. RabeloJuarez Nascimento F. de TavoraJúlia Antonieta de M. CoelhoLeonardo BaierleLeonardo Palarea CopiaManoel Luiz RomeroMara Cristina LanzoniMarcia de Castro GuimarãesMarcia Flavia Santini PicarelliMaria Aparecida PasqualãoMaria Beatriz C. Cezar da FonsecaMaria Cecilía L. Orientes SeguradoMaria Manzano MaldonadoMaria Thereza de M. TinocoMarilia RomanoMarisa TiemannMariza da Carvalheira BaurMoyses Simão SzniferMunir HageMurillo Estevam Allevato

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478

Edmilson Rodrigues SchibelbeinEdson Cardoso de OliveiraEliane Souto CarvalhoElizabeth Escobar PirroElizabeth Leite VaccaroElizabeth Starling de MoraesEvaristo de Moraes FilhoEveraldo Gaspar Lopes de AndradeFabrício Correa de SouzaFernando de Araújo ViannaFrancisco Adelmir PereiraHelion VerriIlna Carvalho VasconcelosIvan José Prates Bento PereiraJoão Antero de CarvalhoJoão Carlos de Castro NunesJoão Carlos Guimarães FalcãoJorge Luiz Soares AndradeJosé André DominguesJosé Carlos Pizarro Barata SilvaJosé Eduardo Duarte Saad

Nelson Lopes da SilvaNeyde MeiraNilza Aparecida MiglioratoOlavo Augusto Sousa C. S. FerreiraPaulo Rogério Amoretty SouzaPerola StermanRegina Pacis Falcão do NascimentoReinaldo José Peruzzo JuniorRicardo KatharRuy Mendes Pimentel SobrinhoSandra Maria Bazan de FreitasSebastião Lemes BorgesSérgio Teófilo CamposSilvia Saboya LopesSonia Pitta de CastroSueli Aparecida ErbanoThomaz Francisco D. F. da CunhaVirgílio Antônio de Senna PaimVitório MorimotoWanda Souza RagoZelia Maria Cardoso Montal

PROCURADOR DO TRABALHO

Adilson Flores dos Santos

Amadeu Barreto Amorim

André Olimpio Grassi

Antonia Seiunas Checanovski

Antônio Maurino Ramos

Atahualpa José Lobato F. Neto

Cantidio Salvador Filardi

Carlina Eleonora Nazareth de Castro

Carlos Omar Goulart Villela

Carmo Domingos Janete

Delmiro dos Santos

Edson Affonso Guimarães

Evandro Ramos Lourenço

Idalina Duarte Guerra

Jackson Chaves de Azevedo

Jane Evanir Sousa Borges

Janete Matias

João Alfredo Reverbel Bento Pereira

João Henrique Gomes Salgado Martins

José Hosken

Joselita Nepomuceno Borba

Katya Teresinha Monteiro Saldanha

Lúcia Leão Jacobina Mesquita

Marcia Flávia Santini Picarelli

Marco Antônio Prates de Macedo

Maria Auxiliadora Alves Brokerhoff

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479

Maria Celeida Lima Ribeiro

Maria de Nazareth Zuany

Maria Helena Galvão Ferreira Garcia

Maria Regina do Amaral Virmond

Maria Zelia Abreu Fonseca

Marilena Marzagão

Matilde de Fátima Gomes Ramos

Myriam Magda Leal Godinho

Nilza Varella de Oliveira

Norma Profeta Marques

Orlando de Melo

Roberto das Graças Alves

Roberto Herbster Gusmão

Roland Cavalcante de A. Corbisier

Sônia Costa Mota de Toledo Pinto

Valeria Abras Ribeiro do Valle

Vera Regina Loureiro Winter

Walmir Santana Bandeira de Souza