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REVISTA ELETRÔNICA DO CURSO DE DIREITO DO CENTRO UNIVERSITÁRIO DE ARARAS- ESTADO DE SÃO PAULO VOLUME 18 – Nº 01 - 2018 Revista Jurídica do Centro Universitário ”Dr. Edmundo Ulson” – UNAR, Araras, v.18, n.01, p.75- 88, nov.2018. DOI: 10.18762/1983-5019.20180004 A MEDIAÇÃO COMO FERRAMENTA MINIMIZADORA DA ALIENAÇÃO PARENTAL IGOR EMANUEL DE SOUZA MARQUES 1 CARLINEIA DE ARAÚJO FIGUEIREDO COSTA 2 APONTAMENTOS SOBRE ALGUNS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS DO DIREITO DE FAMÍLIA Para início da análise do tema, é importante considerar o Direito de Família no contexto das transformações ocorridas nas relações sociais nos últimos tempos sob risco de, se assim não for feito, chegar a conclusões distantes da realidade. Neste cenário, convém observar que o modelo tradicional de família, onde predominava a hierarquia, tem cedido espaço para relações de igualdade, tendo como traço fundamental a lealdade (DIAS, 2015, p. 32). A Constituição da República Federativa do Brasil (BRASIL, 1988), foi muito importante na transformação do Direito de Família, tanto que estabeleceu no artigo 226 que, além de ser “base da sociedade”, a família “tem especial proteção do Estado” 3 . Com um capítulo próprio no texto constitucional, a família ganhou ênfase e proteção especial para os seus membros, em evidência os mais fragilizados nessa relação, os idosos e as crianças. 4 1 Doutorando em Direito na FADISP (Faculdade Autônoma de Direito de São Paulo). Mestre em Ciências da Religião pela Universidade Metodista de São Paulo (UMESP). Especialista em Docência do Ensino Superior pelo Centro Universitário Adventista de São Paulo. Bacharel em Direito e em Teologia pelo Centro Universitário Adventista de São Paulo (UNASP-EC). É advogado e atua como professor do curso de Direito no Centro Universitário Adventista de São Paulo, Campus Engenheiro Coelho (UNASP-EC), com concentração na faculdade de Direito. É também mediador e conciliador judicial credenciado junto ao Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJSP), atuando no Centro Judicial de Solução de Conflitos e Cidadania (CEJUSC) da Comarca de Artur Nogueira/SP. E-mail: [email protected]. 2 Bacharelanda em Direito, no Centro Universitário Adventista de São Paulo, Campus Engenheiro Coelho. E-mail: [email protected]. 3 Na Constituição de 1967, não trazia a qualificação de ser a base da sociedade, nem havia menção à proteção especial, como se depreende: “Art 167 - A família é constituída pelo casamento e terá direito à proteção dos Poderes Públicos”. 4 (BRASIL, 1988) Capítulo VII - Da Família, da Criança, do Adolescente, do Jovem e do Idoso. Art. 226 a 230.

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Revista Jurídica do Centro Universitário ”Dr. Edmundo Ulson” – UNAR, Araras, v.18, n.01, p.75-88, nov.2018. DOI: 10.18762/1983-5019.20180004

A MEDIAÇÃO COMO FERRAMENTA MINIMIZADORA DA ALIENAÇÃO

PARENTAL

IGOR EMANUEL DE SOUZA MARQUES1

CARLINEIA DE ARAÚJO FIGUEIREDO COSTA2

APONTAMENTOS SOBRE ALGUNS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS DO

DIREITO DE FAMÍLIA

Para início da análise do tema, é importante considerar o Direito de Família no contexto das

transformações ocorridas nas relações sociais nos últimos tempos sob risco de, se assim não for

feito, chegar a conclusões distantes da realidade.

Neste cenário, convém observar que o modelo tradicional de família, onde predominava a

hierarquia, tem cedido espaço para relações de igualdade, tendo como traço fundamental a

lealdade (DIAS, 2015, p. 32).

A Constituição da República Federativa do Brasil (BRASIL, 1988), foi muito importante na

transformação do Direito de Família, tanto que estabeleceu no artigo 226 que, além de ser “base

da sociedade”, a família “tem especial proteção do Estado”3.

Com um capítulo próprio no texto constitucional, a família ganhou ênfase e proteção especial

para os seus membros, em evidência os mais fragilizados nessa relação, os idosos e as crianças.4

1 Doutorando em Direito na FADISP (Faculdade Autônoma de Direito de São Paulo). Mestre em Ciências

da Religião pela Universidade Metodista de São Paulo (UMESP). Especialista em Docência do Ensino Superior pelo

Centro Universitário Adventista de São Paulo. Bacharel em Direito e em Teologia pelo Centro Universitário Adventista

de São Paulo (UNASP-EC). É advogado e atua como professor do curso de Direito no Centro Universitário Adventista

de São Paulo, Campus Engenheiro Coelho (UNASP-EC), com concentração na faculdade de Direito. É também

mediador e conciliador judicial credenciado junto ao Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJSP), atuando no

Centro Judicial de Solução de Conflitos e Cidadania (CEJUSC) da Comarca de Artur Nogueira/SP. E-mail:

[email protected]. 2 Bacharelanda em Direito, no Centro Universitário Adventista de São Paulo, Campus Engenheiro

Coelho. E-mail: [email protected]. 3 Na Constituição de 1967, não trazia a qualificação de ser a base da sociedade, nem havia menção à

proteção especial, como se depreende: “Art 167 - A família é constituída pelo casamento e terá direito à

proteção dos Poderes Públicos”.

4 (BRASIL, 1988) Capítulo VII - Da Família, da Criança, do Adolescente, do Jovem e do Idoso. Art. 226

a 230.

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Apesar da família não existir por causa do Direito, este traça linhas gerais e impõe

regramentos que visam assegurar a prometida proteção constitucional (OLIVEIRA, 2012, p.

14). Assim, os regramentos impostos à família, possuem como objetivo a proteção familiar e,

consequentemente, de seus membros também. Sobre isto, Gustavo Tepedino (2004, p. 398)

esclarece:

a família, embora tenha ampliado, com a Carta de 1988, o seu

prestígio constitucional, deixa de ter valor intrínseco, como instituição

capaz de merecer tutela jurídica pelo simples fato de existir, passando

a ser valorada de maneira instrumental, tutelada na medida em que – e

somente na exata medida em que – se constitua em um núcleo

intermediário de desenvolvimento dos filhos e promoção da dignidade

de seus integrantes.

Como demonstração da anunciada proteção, a Constituição promoveu a consagração de

importantes princípios, como da dignidade humana5, pluralidade familiar

6, igualdade entre os

cônjuges7, igualdade dos filhos

8, entre outros, conforme se demonstrará a seguir.

Princípio da Dignidade Humana

A dignidade da pessoa humana constitui-se em um dos fundamentos da República

Federativa do Brasil, previsto no artigo 1º, III, da Constituição Federal de 1988 e consiste no

direcionamento para elaboração de todas as normas do ordenamento jurídico.

O Código de Processo Civil9 (Lei 13.105/15), estabelece que o juiz, quando em sua

atividade jurisdicional, deve atender aos fins sociais e às exigências do bem comum, de modo

que resguarde e promova a dignidade da pessoa humana.

5 (BRASIL, 1988) Art. 226, § 7º Fundado nos princípios da dignidade da pessoa humana e da paternidade

responsável, o planejamento familiar é livre decisão do casal, competindo ao Estado propiciar recursos

educacionais e científicos para o exercício desse direito, vedada qualquer forma coercitiva por parte de

instituições oficiais ou privadas.

6 (BRASIL, 1988) Art. 226, § 4º: Entende-se, também, como entidade familiar a comunidade formada por

qualquer dos pais e seus descendentes.

7 (BRASIL, 1988) Art. 226, § 5º Os direitos e deveres referentes à sociedade conjugal são exercidos

igualmente pelo homem e pela mulher

8 (BRASIL, 1988) Art. 226, § 6º Os filhos, havidos ou não da relação do casamento, ou por adoção, terão

os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação.

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Todos os princípios e regras relativos aos direitos fundamentais derivam do princípio da

dignidade humana, e, vale observar, serve de base para a Lei de alienação parental (Lei

12.318/10)10

.

Maria Berenice Dias (2016, p. 45) apresenta a relação entre direito de família e a

dignidade humana:

O direito das famílias está umbilicalmente ligado aos direitos

humanos, que têm por base o princípio da dignidade da pessoa

humana, versão axiológica da natureza humana [...]. A dignidade da

pessoa humana encontra na família solo apropriado para florescer. A

ordem constitucional dá-lhe especial proteção independentemente de

sua origem.

Sendo assim, em qualquer conflito envolvendo relações familiares, deve-se resguardar a

dignidade da pessoa humana, pois este princípio tem centralidade no Direito de Família atual.

Princípio da igualdade entre cônjuges e companheiros

A história humana nos últimos séculos tem como uma de suas marcas a luta por

igualdade. Sendo historicamente discriminadas, as mulheres conseguiram grandes avanços na

proteção legislativa. E a igualdade entre os cônjuges e companheiros é um dos mais relevantes

do Direito de Família,11

extirpando o tradicional caráter patriarcal, que era inerente à estrutura

familiar.

9 CPC, Art. 8º - “Ao aplicar o ordenamento jurídico, o juiz atenderá aos fins sociais e às exigências do

bem comum, resguardando e promovendo a dignidade da pessoa humana e observando a

proporcionalidade, a razoabilidade, a legalidade, a publicidade e a eficiência.”

10 Art. 3º - A prática de ato de alienação parental fere direito fundamental da criança ou do adolescente de

convivência familiar saudável, prejudica a realização de afeto nas relações com genitor e com o grupo

familiar, constitui abuso moral contra a criança ou o adolescente e descumprimento dos deveres inerentes

à autoridade parental ou decorrentes de tutela ou guarda.

11 Segundo Mário Henrique Castanho Prado de Oliveira (2012, p. 15) “após um longo período de

preponderância do ―pai da família‖ (claro resquício romano), a igualdade (ao menos formal) finalmente

se fez entre o homem e a mulher, de forma integral”.

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A Constituição Federal (BRASIL, 1988) estabeleceu a igualdade entre homens e

mulheres, no artigo 5º, quando afirma que “todos são iguais perante a lei, sem distinção de

qualquer natureza”. E, inciso primeiro já ressalta que “homens e mulheres são iguais em direitos

e obrigações”12

.

Ainda em sede constitucional, o artigo 226, §5º estabelece: “os direitos e deveres

referentes à sociedade conjugal são exercidos igualmente pelo homem e pela mulher”.

E o Código Civil reproduz a mesma ideia no artigo 1.511, nos seguintes termos: “o

casamento estabelece comunhão de vida, com base na igualdade de direitos e deveres dos

cônjuges”, compreensão extensiva e aplicável às também às uniões estáveis.13

Sobre os efeitos deste princípio da igualdade no Direito de Família, afirma Maria

Helena Diniz (2008, p. 19):

Com este princípio da igualdade jurídica dos cônjuges e

companheiros, desaparece o poder marital, e a autocracia do chefe de

família é substituída por um sistema em que as decisões devem ser

tomadas de comum acordo entre conviventes ou entre marido e

mulher, pois os tempos atuais requerem que marido e mulher tenham

os mesmos direitos e deveres referentes à sociedade conjugal, o

patriarcalismo não mais se coaduna com a época atual, nem atende aos

anseios do povo brasileiro;

Mais recentemente, a Lei nº 13.257/2016 (lei da primeira infância), alterou o artigo 22

do Estatuto da Criança e do Adolescente, incluindo o parágrafo único com a seguinte redação:

Parágrafo único. A mãe e o pai, ou os responsáveis, têm direitos iguais

e deveres e responsabilidades compartilhados no cuidado e na

educação da criança, devendo ser resguardado o direito de transmissão

familiar de suas crenças e culturas, assegurados os direitos da criança

estabelecidos nesta Lei.

Dessa maneira, nota-se um desenvolvimento legislativo e doutrinário no sentido de

romper com a ideia de primazia de gênero, compreendendo que o princípio da isonomia deve

nortear as relações familiares.

12

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros

e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à

segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

I - homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição;

13 § 3º Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como

entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento.

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PRINCÍPIO DA RESPONSABILIDADE PARENTAL E O PLANEJAMENTO

FAMILIAR

Este princípio está apresentado no artigo 226, §7º da Constituição Federal:

Fundado nos princípios da dignidade da pessoa humana e da

paternidade responsável, o planejamento familiar é livre decisão do

casal, competindo ao Estado propiciar recursos educacionais e

científicos para o exercício desse direito, vedada qualquer forma

coercitiva por parte de instituições oficiais ou privadas.

O mesmo entendimento é encontrado no artigo 1.565 do Código Civil, quando afirma que “pelo

casamento, homem e mulher assumem mutuamente a condição de consortes, companheiros e

responsáveis pelos encargos da família”.14

Portanto, as decisões sobre planejamento familiar cabem de modo isonômico ao casal. O

Estado, por sua vez, assume a responsabilidade de disponibilizar meios para “evitar a formação

de núcleos familiares sem as necessárias condições de sustento e de manutenção”

(ROSENVALD; FARIAS, 2010, p. 47).

Desse modo, pode-se perceber que a responsabilidade parental consiste nos deveres e direitos

dos pais em relação aos filhos com o objetivo de prover a assistência afetiva, moral, intelectual e

material aos filhos.

Esse princípio não se limita aos aspectos reprodutores na escolha de ter filhos, que deve ser uma

decisão compartilhada, mas se entende às necessidades advindas dessa atitude, afinal, um filho

requer atenção material, física, psíquica, emocional e moral (GOMES, 2013, p. 54)

Este princípio sob comento ganha maior relevo em casos de rompimento do vínculo conjugal,

situação que reclama uma postura positiva dos pais, que devem se preocupar em preservar o

ambiente mais saudável possível ao desenvolvimento dos filhos especialmente. Pois, se por um

lado os pais têm a liberdade do exercício do poder familiar, “a legitimidade desse exercício está

condicionada ao respeito dos direitos fundamentais dos filhos” (DELGADO, 2008, p. 43).

14

O Enunciado 99 da I Jornada de Direito Civil assegura que este dispositivo normativo é aplicável

também à união estável, nos seguintes termos: “O art. 1.565, § 2º, do Código Civil não é norma destinada

apenas às pessoas casadas, mas também aos casais que vivem em companheirismo, nos termos do art.

226, caput, §§ 3º e 7º, da Constituição Federal de 1988, e não revogou o disposto na Lei n. 9.263/96.”

Disponível em: https://bit.ly/2tsEglj, acesso em 21 de junho de 2018.

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PRINCÍPIO DA AFETIVIDADE

Este princípio é corolário do princípio dignidade da pessoa humana, que é fundamento

da República Federativa do Brasil.

Apesar de não constar expressamente em textos legislativos15

, uma interpretação

sistemática da Constituição Federal brasileira possibilita vislumbrar que o princípio da

afetividade tem lastro constitucional, que se reconhece a partir do processo evolutivo da família.

Paulo Luiz Netto Lôbo (2001, p. 8-9) identifica os seguintes pressupostos:

a) todos os filhos são iguais, independentemente de sua origem (art.

227, § 6º);

b) a adoção, como escolha afetiva, alçou-se integralmente ao plano da

igualdade de direitos (art. 227, §§ 5º e 6º);

c) a comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes,

incluindo-se os adotivos, e a união estável têm a mesma dignidade de

família constitucionalmente protegida (art. 226, §§ 3º e 4º);

d) o casal é livre para extinguir o casamento ou a união estável,

sempre que a afetividade desapareça (art. 226, §§ 3º e 6º).

Este princípio ajuda a compreender também a noção atual de família, na qual prevalecem os

laços afetivos em relação ao vínculo biológico para definir o conceito de família e se apresenta

como direito fundamental que decorre da dignidade humana.

A jurisprudência brasileira também tem compreendido o valor jurídico das relações de afeto,

com o objetivo de promover a felicidade e o bem-estar dos membros da família. Exemplo desse

entendimento pode ser constatado nos julgamentos dos Tribunais Superiores. No julgamento da

ADI 427716

pelo Supremo Tribunal Federal (2011), ao reconhecer a união homoafetiva como

entidade familiar, e no julgamento pelo Superior Tribunal de Justiça (2012), do REsp

1.159.242-SP17

, ao admitir a responsabilidade civil nos casos de abandono afetivo.

15

No contexto de afetividade, só há uma menção expressa no Código Civil, no § 6º do artigo 1.584:

§ 5o Se o juiz verificar que o filho não deve permanecer sob a guarda do pai ou da mãe, deferirá a guarda

a pessoa que revele compatibilidade com a natureza da medida, considerados, de preferência, o grau de

parentesco e as relações de afinidade e afetividade.

16 STF. ADI 4.277. Disponível em: https://bit.ly/1JBYbBy, acesso em 13 de maio de 2018.

17 STJ. REsp 1.159.242-SP. Disponível https://bit.ly/2KcYvxq, acesso em 15 de maio de 2018.

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De acordo com Paulo Luiz Netto Lôbo (2012, p. 70) o princípio da afetividade,

específico do Direito de Família, entrelaça os princípios constitucionais fundamentais da

dignidade da pessoa humana, da solidariedade, além dos princípios da convivência familiar e da

igualdade entre cônjuges, companheiros e filhos. Portanto, pode-se concluir que hodiernamente

família “é acima de tudo um núcleo sócioafetivo destinado à plena realização da individualidade

e da dignidade de seus membros” (HERKENHOF, 2005, p. 235).

Evidente, assim, que a família que ganhou espaço privilegiado na Constituição é aquela

baseada no afeto.

PRINCÍPIO DO MELHOR INTERESSE DO MENOR E O DIREITO À

CONVIVÊNCIA FAMILIAR

Na mesma esteira de amparar e regulamentar as transformações na estrutura

familiar, encontra-se o princípio do melhor interesse da criança e do adolescente, que no

dizer de Guilherme Calmon Nogueira da Gama (2008, p. 80)

representa importante mudança de eixo nas relações paterno-materno-

filiais, em que o filho deixa de ser considerado objeto para ser alçado

a sujeito de direito, ou seja, a pessoa humana merecedora de tutela do

ordenamento jurídico, mas com absoluta prioridade comparativamente

aos demais integrantes da família de que ele participa. Cuida-se,

assim, de reparar um grave equívoco na história da civilização

humana em que o menor era relegado a plano inferior, ao não

titularizar ou exercer qualquer função na família e na sociedade, ao

menos para o direito.

Assim, o menor passa a ter função primordial na família, precisando do apoio e auxílio

no seu desenvolvimento e por isso a ordem jurídica passou a valorizar a dignidade de todos os

membros da família, especialmente, das crianças e adolescentes.

Este pensamento não é novo. Em 1989, foi aprovada na Assembleia Geral das Nações

Unidas a Convenção Internacional dos Direitos da Criança. Esta convenção foi ratificada pelo

Brasil através do Decreto 99.710/90, ao dispor no item 1 do artigo 3, nos seguintes termos:

Todas as ações relativas às crianças, levadas a efeito por instituições

públicas ou privadas de bem-estar social, tribunais, autoridades

administrativas ou órgãos legislativos, devem considerar,

primordialmente, o interesse maior da criança.

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Estes ideais foram esposados no artigo 227 da Constituição Federal, com redação dada

pela Emenda Constitucional nº 65, como se depreende:

Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à

criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito

à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à

profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à

convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda

forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade

e opressão.

Em nível infraconstitucional a promulgação do Estatuto da Criança e do Adolescente

(Lei nº 8.069/9018

) também representou um importante avanço da legislação ao regulamentar de

forma específica os direitos das crianças e dos adolescentes, reconhecendo-os como titulares de

direitos.

O princípio do melhor interesse do menor, de difícil conceituação como todo princípio,

mas de observância indispensável para concretização dos direitos fundamentais da criança e do

adolescente, foi plenamente incorporado pelo nosso ordenamento jurídico e deve ser aplicado.

Diretamente relacionado ao melhor interesse da criança e do adolescente,

princípio encontra-se o direito à convivência familiar. Tanto que aparece entre os

direitos de toda criança do artigo 227 da Constituição Federal, quando dispõe que é

dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança o direito à convivência

familiar.

O artigo 19 do Estatuto da Criança e do Adolescente determina também que “é

direito da criança e do adolescente ser criado e educado no seio de sua família e,

excepcionalmente, em família substituta, assegurada a convivência familiar e

comunitária, em ambiente que garanta seu desenvolvimento integral”.

18

ECA, Art. 5º - “nenhuma criança ou adolescente será objeto de qualquer forma de negligência,

discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão, punido na forma da lei qualquer atentado, por

ação ou omissão, aos seus direitos fundamentais”

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O tema é tão importante que o princípio deve ser concretizado mesmo em casos

de privação de liberdade dos pais, onde por meio de visitas periódicas os filhos poderão

buscar ter a idealizada convivência.19

De notar-se que o direito à convivência familiar demonstra ser uma necessidade

vital do menor assim como os direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à

educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito e

à liberdade.

E a concretização de todos estes princípios diretamente orientadores do Direito

de Família buscam conferir proteção integral à família, especialmente aos menores, que

são os mais vulneráveis. E certamente inviabilizariam a ocorrência da alienação

parental, que será vista com detalhamento adiante, mas representa a transgressão destes

princípios fundamentais.

MÉTODOS AUTOCOMPOSITIVOS DE SOLUÇÃO DE CONFLITOS:

CONCILIAÇÃO E MEDIAÇÃO

O direito de acesso à Justiça é um direito fundamental brasileiro, assegurado no artigo

5º, XXXV da Constituição Federal, mas a prática jurídica indica que há um longo caminho para

ser percorrido em busca de sua efetividade.

Com a promulgação do Código de Processo Civil (Lei nº 13.105/15) e a Lei de

Mediação (Lei 13.140/15), renovaram-se as expectativas quanto à previsão legislativa que

mitigasse o espírito de litigiosidade cada vez mais crescente na sociedade brasileira e

favorecesse o encontro de soluções consensuais e menos impositivas, possibilitando um acesso

mais efetivo a uma solução jurídica justa.

Tais iniciativas ganham relevo quando se considera o número elevado de ações

submetidas à apreciação do Poder Judiciário , somados às possibilidades de procedimentos e

manobras legítimas que podem ser utilizados para impedir a marcha do curso processual, e da

frequente insatisfação de uma das partes, ou até de ambas.

19

ECA, Artigo 19. §4º Será garantida a convivência da criança e do adolescente com a mãe ou o pai

privado de liberdade, por meio de visitas periódicas promovidas pelo responsável ou, nas hipóteses de

acolhimento institucional, pela entidade responsável, independentemente de autorização judicial.

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REVISTA ELETRÔNICA DO CURSO DE DIREITO DO CENTRO UNIVERSITÁRIO DE ARARAS- ESTADO DE SÃO PAULO VOLUME 18 – Nº 01 - 2018

Revista Jurídica do Centro Universitário ”Dr. Edmundo Ulson” – UNAR, Araras, v.18, n.01, p.75-88, nov.2018. DOI: 10.18762/1983-5019.20180004

Nesse sentido, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) reconhece a importância de

métodos consensuais de solução de conflitos, quando na Resolução 125 afirmou:

CONSIDERANDO que a conciliação e a mediação são instrumentos

efetivos de pacificação social, solução e prevenção de litígios, e que a

sua apropriada disciplina em programas já implementados no país tem

reduzido a excessiva judicialização dos conflitos de interesses, a

quantidade de recursos e de execução de sentenças;

Desse modo, evidente que estes meios alternativos surgem como uma tentativa de

pacificação social e como resposta à crescente complexidade das sociedades modernas, na qual

se pretende alcançar a solução mais justa para ambas as partes, superando o paradigma que em

uma situação de interesses conflitantes é preciso haver um ganhador e um perdedor. Sendo

assim, torna-se possível que as partes de polos opostos tenham seus interesses satisfeitos

(MAGALHÃES, 2014, p. 11). Por tal razão importa estabelecer algumas diferenciações

conceituais, pois são institutos que se aproximam mas a doutrina não permite serem

confundidos.

CONCILIAÇÃO

A conciliação, que pode ocorrer tanto de maneira judicial quanto extrajudicial, segundo

Fernanda Tartuce (2015, p. 48) pode ser definida como uma técnica autocompositiva em que

um profissional imparcial intervém para, mediante atividades de

escuta e investigação, auxiliar os contendores a celebrar um acordo, se

necessário expondo vantagens e desvantagens em suas posições e

propondo saídas alternativas para a controvérsia, sem, todavia, forçar

a realização do pacto.

Em termos pragmáticos caracteriza-se a conciliação como a resolução do conflito que se dá pela

participação ativa de um terceiro, que intermediará a relação conflituosa, aconselhando,

emitindo opiniões, sugerindo soluções, e até mesmo induzindo as partes para a celebração de

um acordo (FERREIRA, 2009).

Nesta tarefa o conciliador exerce influência direta na solução do conflito, ao contrário da

mediação, onde são as próprias partes responsáveis pela construção da melhor solução para o

caso posto em discussão, refletindo uma verdadeira transformação comportamental

(MOREIRA, 2013, p. 79).

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Para Tatiana Robles (2009, p. 34), durante o procedimento de conciliação, o conciliador tem

uma atuação persuasiva, ao tentar “convencer uma das partes a aceitar a proposta da outra e,

caso isso não ocorra, ele próprio formula soluções, tentando fazer com que as partes aceitem

essas soluções”.

Carlos Eduardo de Vasconcelos (2008, p. 38) aponta que “a conciliação é apropriada para lidar

com relações eventuais de consumo e outras relações casuais em que não prevalece o interesse

comum de manter um relacionamento, mas apenas o objetivo de equacionar interesses

materiais.20

Diversas legislações têm conferido importante papel à conciliação na resolução de conflitos.21

No Novo Código de Processo Civil, as sessões de tentativa de autocomposição receberam

destaque,22

sendo dever do juiz promover, a qualquer tempo a autocomposição,23

o que acontece

geralmente em uma ou duas sessões de conciliação, de acordo com Fernanda Tartuce (2015, p.

54)

MEDIAÇÃO

A mediação também se apresenta como um meio consensual para resolver

controvérsias, em que um terceiro isento atua com vistas a facilitar a comunicação entre pessoas

envolvidas “para propiciar que elas possam, a partir da restauração do diálogo, encontrar formas

produtivas de lidar com as disputas” (TARTUCE, 2015, p. 51).

No ensino de Rodrigues Júnior (2006, p.75) à semelhança da conciliação, a mediação se

apresenta como um método autocompositivo que tem por objetivo “desarmar as partes

envolvidas no conflito”. Neste sentido, o mediador também se apresenta como um terceiro

imparcial, com a “atribuição de mover as partes da posição em que se encontram, fazendo-as

chegar a uma solução aceitável”, mas que diferentemente do conciliador, não deve influenciar

as decisões por meio de sugestões, opiniões ou conselhos.

20

Art. 165 § 2o: O conciliador, que atuará preferencialmente nos casos em que não houver vínculo

anterior entre as partes, poderá sugerir soluções para o litígio, sendo vedada a utilização de qualquer tipo

de constrangimento ou intimidação para que as partes conciliem.

21 Podem ser citados a título exemplificativo: o art. 21 da Lei nº 9.099/95; art. 1º da Lei nº 10.259/01.

22 CPC, art. 334: “Se a petição inicial preencher os requisitos essenciais e não for o caso de

improcedência liminar do pedido, o juiz designará audiência de conciliação ou de mediação com

antecedência mínima de 30 (trinta) dias, devendo ser citado o réu com pelo menos 20 (vinte) dias de

antecedência.”

23 Art. 139, V.

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A distinção fundamental entre a conciliação e a mediação está na responsabilidade das

partes envolvidas. Nesta última, a forma natural de regular os conflitos de interesse é de

responsabilidade de cada um, que assume as consequências de seus atos ou omissões. Só

recorrem ao Judiciário aqueles que forem incapazes de regular diretamente suas diferenças ou,

mais raramente, por se tratar de questão de alta indagação jurídica a depender de interpretação

do Judiciário (BARBOSA, 2003, p.342).

Sendo assim, a mediação se demonstra adequada para solução de controvérsias que

envolvam vínculos de caráter mais permanente ou ao menos mais prolongados, pois para Daniel

Amorim Assumpção Neves (2017, p.64) a mediação centra-se nas causas, fazendo as partes

enxergarem as raízes da controvérsia, retirando o foco do problema em si. Segundo Águida

Arruda Barbosa (2014, p. 12) a mediação atua no nascedouro do conflito, portanto, não visa

necessariamente ao acordo, mas a compreensão da forma de comunicação reinante entre os

conflitantes.

De acordo com o Código de Processo Civil, o mediador deve atuar preferencialmente

nos casos em que houver vínculo anterior entre as partes, auxiliará aos interessados a

compreender as questões e os interesses em conflitos, de modo que eles possam, pelo

restabelecimento da comunicação, identificar, por si próprios, soluções consensuais que gerem

benefícios mútuos.24

Evidente que esta previsão identifica facilmente com controvérsias

familiares.

Para Maria Berenice Dias (2016, p.87) a mediação busca transformar uma situação

adversarial em um processo colaborativo, estimulando o diálogo e a construção criativa da

solução pelas próprias partes. É uma forma de solução de conflito na qual uma terceira pessoa,

neutra e imparcial, facilita o diálogo para que os mediandos construam, com autonomia e

solidariedade, uma melhor solução.

Fernanda Tartuce (2015, p. 54) esclarece que, geralmente a mediação “conta com

diversas sessões em que o mediador trava contato com os envolvidos e, por meio de perguntas

apropriadas, contribui para o alívio das resistências dos contendores, de modo que estes

protagonizem saídas consensuais para o impasse”.

Deve-se levar em conta o respeito aos sentimentos conflitantes, pois coloca os

envolvidos frente a frente na busca da melhor solução, permitindo que os envolvidos percebam

o que podem fazer para se reorganizarem. Dessa maneira, a decisão é tomada pelas partes e não

pelo mediador, pois a finalidade da mediação é permitir que os interessados resgatem a

responsabilidade por suas próprias escolhas, o que é ideal para conflitos originários das relações

familiares.

24

CPC, Art. 165, § 3º

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IMPORTÂNCIA DA MEDIAÇÃO NO DIREITO DE FAMÍLIA

Como qualquer tipo de relação interpessoal, as famílias também estão suscetíveis a

diversos tipos de conflitos. Todavia, devido à importância já demonstrada da instituição familiar

e seus membros no texto constitucional e legislação complementar, importa que tais conflitos

sejam tratados de uma maneira mais cuidadosa, considerando que os vínculos são anteriores e

precisam ser mantidos.

Todavia, nos tempos atuais, os conflitos familiares, como o divórcio, a dissolução da

união estável, guarda dos filhos e pensão alimentícia, segundo Roberta Brasiliense Marcantonio

(2014, p. 62), em vez de serem solucionados dentro do próprio seio familiar, têm sido

prontamente submetidos ao Poder Judiciário, para que uma sentença judicial decida os rumos

familiares. Tal constatação apresenta perigosa, pois no âmbito do Direito de Família, pela falta

de estrutura aliada à alta demanda, é inviável acreditar que o Poder Judiciário faça uma análise

minuciosa e cuidadosa de questões tão complexas e sensíveis, o que resulta em decisões

judiciais que desagradam aos polos em litígio.

Neste sentido, como já apontado, a mediação familiar se apresenta como meio

complementar ou alternativo ao Poder Judiciário para que as partes alcancem um entendimento

sobre os conflitos oriundos de suas relações familiares de modo mais célere, econômico e

satisfatório a todos os envolvidos.

Lilia Maia de Morais Sales (2010, p. 77) afirma que, ainda que a mediação possa servir

para dirimir controvérsias de diversas esferas, é na esfera familiar que sua aplicação é ainda

mais adequada, posto que há sentimentos envolvidos, relações duradouras. Sob este prisma

torna-se evidente que o exercício da mediação familiar requer maior preparo e sensibilidade do

mediador. Sob este panorama, importante esclarecimento faz Edwirges Elaine Rodrigues (2017,

p. 98):

É fato que, os desentendimentos, em especial, no âmbito familiar, têm

origem na dificuldade de comunicação dos seus membros, que se

inicia pela difícil compreensão dos próprios sentimentos, decorrente

da não identificação das funções que cada um deve exercer no sistema

familiar. O evento separação, especialmente quando acompanhado da

litigiosidade, evidencia ainda mais a comunicação inadequada,

permeada pela linguagem do conflito, refletindo assim, na dificuldade

enfrentada pelos filhos em dialogar com os pais litigantes, fazendo

com que aqueles se sintam em verdadeira situação de abandono.

Nesse sentido, a postura do mediador deve permitir que os participantes da mediação

tenham ampla liberdade para conversar, sem sentirem-se invadidos pela intervenção do

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mediador, que não pode, de forma alguma, emitir juízo de valor em relação a situação

vivenciada na mediação.

De acordo com Eliana Riberti Nazareth (2008, p. 21), o modelo multidisciplinar

apresentaria os melhores resultados, quando envolvesse mediadores profissionais das áreas de

psicologia, serviço social e da advocacia. Por essa lógica, Euclides de Oliveira (2001, p. 107)

afirma que seria possível alcançar um ponto de equilíbrio de modo que as partes “encontrem

uma solução que lhes garanta condições para projeção de um futuro saudável e feliz”.

Esta percepção faz muito sentido, especialmente ao constatar que os conflitos familiares

antes de questões de ordem jurídica, são primeiramente desordens afetivas e psicológicas

permeadas de sofrimento. É por tal razão que a mediação familiar é tão importante, pois

“referem-se a casais que, mesmo diante da ruptura, necessitam imperativamente manter as

relações de pais, em seu próprio interesse e fundamentalmente em proveito dos filhos”

(RODRIGUES, 2017, p. 99).

Diante do exposto pode-se definir a mediação familiar como:

um acompanhamento das partes na gestão de seus conflitos, para que

tomem uma decisão rápida, ponderada, eficaz, com soluções

satisfatórias no interesse da criança, mas, antes, no interesse do

homem e da mulher que se responsabilizam pelos vários papéis que

lhe são atribuídos, inclusive de pai e mãe (BARBOSA, 2003, p. 342).

ALIENAÇÃO PARENTAL: NOÇÕES CONCEITUAIS DO PROBLEMA

O tema da alienação parental não é recente, certamente existente desde que o ser

humano desenvolve relações interpessoais. Segundo Maria Berenice Dias (2016, p. 462), não

obstante sua origem remota, somente nos tempos atuais é que tem despertado a atenção. Tal

análise adquire importância quando se considera que é no rompimento do vínculo conjugal que

a alienação parental encontra solo fértil para se desenvolver, especialmente na situação de

disputas pela guarda dos filhos.25

Inicialmente cabe observar que a expressão “alienação parental” não é brasileira, sendo

originária do psiquiatra norte-americano Richard Gardner, sendo relacionada ao exercício

25

Maria Berenice Dias (2016, p. 462) justifica sua ideia a partir da mudança de estrutura das

responsabilidades familiares: “como os papeis parentais eram bem divididos, quando da separação, os

filhos ficavam sob a guarda materna e ao pai cabia o encargo de pagar alimentos e visitá-los

quinzenalmente, se tanto. Com a significativa mudança de costumes, o homem descobriu as delícias da

paternidade e começou a ser muito mais participativo no cotidiano dos filhos. Quando da separação, ele

não mais se conforma com o rígido esquema de visitação, muitas vezes boicotado pela mãe, que se sente

‘proprietária’ do filho, exercendo sobre ele um poder absoluto”.

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abusivo do direito de guarda dos filhos (OLIVEIRA, 2014, p. 24). Tal descrição ganha sentido

quando consumada a separação do casal e determinada a guarda dos filhos a um dos genitores,

cabendo ao outro apenas o direito de visitas como uma forma de assegurar a convivência entre o

filho e o genitor não guardião, embora seja frequente a imposição de barreiras à visitação por

parte do genitor guardião.

Fábio Vieira Figueiredo e Georgios Alexandridis (2011, p. 45,46) explicam a ideia por

trás desse conceito tão prejudicial às relações familiares:

a alienação parental consubstancia-se na atuação inquestionável de um

sujeito, denominado alienador, na prática de atos. Que envolvam uma

forma depreciativa de se lidar com um dos genitores. Trata-se,

portanto, de atuação do alienador que busca turbar a formação da

percepção social da criança ou do adolescente. Assim, o alienador

procede de maneira a instalar uma efetiva equivocidade de percepção

no alienado (criança ou menor) quanto aos elementos que compõem a

personalidade do vitimado. Evidente que a criança ou o adolescente

são vítimas da situação de alienação parental, contudo, isto é assim

sob a perspectiva ex parteprincipi (Estado), posto que adentrando à

relação familiarista, por passar a ter uma noção equivocada da

situação, a criança ou o menor serão considerados alienados e aquele

sobre quem se deturpa a realidade será o vitimado.

Portanto, diante dessa situação, o divórcio traz efeitos emocionais sobre os filhos, muitas vezes

afetando seu desenvolvimento, simplesmente por questões que envolvem os genitores e a

dificuldade em perceber a responsabilidade que possuem na formação saudável dos filhos, o que

evidencia que uma mera análise jurídica é insuficiente para compreender.

Como resultado de atos de alienação, Jorge Trindade (2007, p. 102), busca conceituar a

Síndrome de Alienação Parental com sendo um

transtorno psicológico que se caracteriza por um conjunto de sintomas

pelos quais um genitor, denominado cônjuge alienador, transforma a

consciência de seus filhos, mediante diferentes formas e estratégias de

atuação, com o objetivo de impedir, obstaculizar ou destruir seus

vínculos com o outro genitor, denominado cônjuge alienado, sem que

existam motivos reais que justifiquem essa condição. Em outras

palavras, consiste num processo de programar uma criança para que

odeie um de seus genitores sem justificativa, de modo que a própria

criança ingressa na trajetória de desmoralização desse mesmo genitor.

Dessa maneira, podemos dizer que o alienador ― educa os filhos no

ódio contra o outro genitor, seu pai ou sua mãe, até conseguir que eles,

de modo próprio, levem a cabo esse rechaço.

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Devido à condição especial das crianças e adolescentes, eles são alvos de tutela jurídica

pelo fato de serem pessoas em desenvolvimento. Para protegê-los sob o aspecto em comento,

houve a promulgação da Lei nº 12.318/10, que dispõe sobre a alienação parental. E a definição

legal encontra-se no caput do artigo 2º, nos seguintes termos:

Art. 2o – Considera-se ato de alienação parental a interferência na

formação psicológica da criança ou do adolescente promovida ou

induzida por um dos genitores, pelos avós ou pelos que tenham a

criança ou adolescente sob a sua autoridade, guarda ou vigilância para

que repudie genitor ou que cause prejuízo ao estabelecimento ou à

manutenção de vínculos com este.

Assim, embora evidentemente seja mais frequente a alienação parental realizada por um

dos genitores, nada impede que a campanha depreciativa seja promovida até mesmo por avós

que assumem o papel de educar seus netos em função da necessidade do trabalho do genitor que

detém a guarda do menor.

Fábio Vieira Figueiredo e Georgios Alexandridis (2011, p. 49) mostram ser possível a

alienação promovida por tutor do menor ou curador do incapaz, quanto a outros parentes do

menor, o que deixa claro que a figura do alienador não é exclusivo da pessoa de um dos

genitores, mas pode direcionar o repúdio contra qualquer parente próximo desse menor (irmãos,

avós, tios etc.).

Mas quais condutas são tidas como alienadoras? De maneira exemplificativa, o

parágrafo único do mesmo dispositivo apresenta situações que podem ser caracterizadas como

alienação parental:

I - realizar campanha de desqualificação da conduta do genitor no

exercício da paternidade ou maternidade;

II - dificultar o exercício da autoridade parental;

III - dificultar contato de criança ou adolescente com genitor;

IV - dificultar o exercício do direito regulamentado de convivência

familiar;

V - omitir deliberadamente a genitor informações pessoais relevantes

sobre a criança ou adolescente, inclusive escolares, médicas e

alterações de endereço;

VI - apresentar falsa denúncia contra genitor, contra familiares deste

ou contra avós, para obstar ou dificultar a convivência deles com a

criança ou adolescente;

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VII - mudar o domicílio para local distante, sem justificativa, visando

a dificultar a convivência da criança ou adolescente com o outro

genitor, com familiares deste ou com avós.

Vale notar que a norma não traz critérios excludentes para a verificação da

conduta do alienador: a prática de atos com o intuito de que o menor repudie genitor

(portanto necessitando demonstrar a finalidade específica da conduta, ainda que de

maneira indireta) é caracterizadora de alienação parental; também o é a simples conduta

que cause prejuízo ao estabelecimento ou à manutenção de vínculos entre o filho e o

genitor. O legislador conferiu, portanto, juízo de desvalor tanto à conduta de visar a

obstrução da convivência familiar, como ao resultado de alcançar tal obstrução, ainda

que não tenha havido a intenção específica de se perpetrá-la.

A razão para que a legislação reprima tais condutas é apresentada no artigo 3º da

Lei 12.318/10, pois a alienação parental “fere direito fundamental da criança ou do

adolescente de convivência familiar saudável, prejudica a realização de afeto nas

relações com genitor e com o grupo familiar, constitui abuso moral contra a criança ou o

adolescente e descumprimento dos deveres inerentes à autoridade parental ou

decorrentes de tutela ou guarda”.

Asseverando o texto legal que a prática alienadora consiste em abuso moral,

Mario Henrique Castanho Prado de Oliveira (2012, p. 148) afirma que caberia a

determinação de indenização por dano moral em favor do genitor alienado.

Ainda mais relevante que a previsão expressa da configuração de abuso moral

contra o menor, a parte final do mencionado dispositivo caracteriza a prática de atos de

alienação parental também como descumprimento dos deveres inerentes à autoridade

parental ou decorrentes de tutela ou guarda (OLIVEIRA, 2012, p. 148), ferindo

princípio de esteio constitucional, como já apresentado neste trabalho.

Convém observar que o Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº 8.069/1990),

já estabelecia as consequências para o descumprimento paterno dos deveres legais, como se

depreende

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Art. 22. Aos pais incumbe o dever de sustento, guarda e educação dos

filhos menores, cabendo-lhes ainda, no interesse destes, a obrigação

de cumprir e fazer cumprir as determinações judiciais.

Art. 24. A perda e a suspensão do poder familiar serão decretadas

judicialmente, em procedimento contraditório, nos casos previstos na

legislação civil, bem como na hipótese de descumprimento

injustificado dos deveres e obrigações a que alude o art. 22.

O texto do artigo 6º da Lei 12.318/10 estabelece que a primeira medida após a

confirmação da alienação seria advertir o alienador. Com a insistência na conduta alienadora

configura claro descumprimento de determinação judicial (art. 22 do ECA), o que, por sua vez,

enquadra-se nas hipóteses de perda e suspensão do poder familiar previstas no artigo 24 acima

transcrito.

Cumpre indicar, ainda, que a declaração da existência de indícios de alienação parental,

conforme determina o caput deste art. 4.º, pode se dar em ação autônoma visando

especificamente tal declaração, ou mesmo incidentalmente a ações em que esteja se discutindo a

guarda e/ou a regulamentação do regime de visitas.

Todavia, Mario Henrique Castanho Prado de Oliveira (2012, p. 148) assegura que

geralmente alienação parental tem início após o estabelecimento da guarda e do regime de

visitas, quando o alienador, então, passará criar dificuldades à convivência dos filhos com o

genitor alienado. (OLIVEIRA, 2012, p. 149)

A MEDIAÇÃO FAMILIAR PARA EVITAR A ALIENAÇÃO PARENTAL

Diante da análise apresentada é possível ter uma noção clara sobre a complexidade da

questão. Avanços foram realizados no sentido de coibir práticas alienadoras com o texto da Lei

12.318/10. Mas o texto legal também é passível de críticas, especialmente no que diz respeito ao

objeto deste trabalho, pois certamente a mediação familiar é ferramenta fundamental para

alcançar a almejada pacificação familiar.

O texto apresenta dois vetos presidenciais, onde o veto ao artigo 9º merece ser analisado

pela estreita relação com a ideia deste trabalho. O texto proposto declarava o seguinte:

Art. 9º As partes, por iniciativa própria ou sugestão do juiz, do

Ministério Público ou do Conselho Tutelar, poderão utilizar-se do

procedimento da mediação para a solução do litígio, antes ou no curso

do processo judicial.

§ 1o O acordo que estabelecer a mediação indicará o prazo de

eventual suspensão do processo e o correspondente regime provisório

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para regular as questões controvertidas, o qual não vinculará eventual

decisão judicial superveniente.

§ 2o O mediador será livremente escolhido pelas partes, mas o juízo

competente, o Ministério Público e o Conselho Tutelar formarão

cadastros de mediadores habilitados a examinar questões relacionadas

à alienação parental.

§ 3o O termo que ajustar o procedimento de mediação ou o que dele

resultar deverá ser submetido ao exame do Ministério Público e à

homologação judicial.”

Importante observar que, segundo o texto proposto, seria possível fazer uso da mediação

tanto na fase pré-processual quanto judicial, onde um acordo não vincularia uma decisão

judicial futura (§1º), mesmo depois de homologado pelo Poder Judiciário (§3º). Ou seja, o

Estado não perderia o controle, mas estaria favorecendo os métodos de pacificação, o que

potencializaria a chance de as partes envolvidas encontrarem uma solução satisfatória a ambos.

Pode-se afirmar, com certa segurança, que o veto a esse artigo 9º, da Lei nº 12.318/10,

significou um grande retrocesso26

na solução de conflitos familiares decorrentes de práticas

alienadoras. Segundo Silva (2011) a expectativa era no sentido oposto: “esperava-se que

houvesse a obrigatoriedade da co-mediação em casos de família, com a presença de psiquiatra,

psicólogo ou assistente social nos conflitos judiciais”. Qual seria o prejuízo em se possibilitar

que os próprios pais de filhos menores discutam autonomamente, facilitados por um mediador,

as questões relevantes a seus filhos? A mesma autora conclui: “inconstitucional é a interferência

excessiva do Estado, através do Judiciário, que já extrapola os limites do tolerável se pensarmos

somente nos litígios judiciais, que se dirá em relação à exclusividade da mediação judicial como

única forma de dirimir os conflitos”.

Como já demonstrado, os procedimentos de conciliação e mediação são métodos

alternativos ao Poder Judiciário para solução de conflitos, pois processos judiciais são morosos,

custosos financeiramente e emocionalmente, favorecendo o distanciamento da necessária paz

entre as partes envolvidas de modo a minimizar os efeitos deletérios aos menores, vítimas dessa

situação. Ademais, importa destacar que os juízes, diante da alta demanda, não dispõem de

tempo para o diálogo, nem mesmo formação para solução de conflitos, que se repisa, estão além

da esfera estritamente jurídica (OLIVEIRA, 2012, p. 163).

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A opinião de Oliveira (2012, p. 163) difere, ao concordar com o veto ao dispositivo legal, e afirmar que

a mediação familiar, envolvendo profissionais com experiência em ajudar a solucionar as disputas

decorrentes de perturbações no seio da família, devem ser utilizados, de forma complementar ao Poder

Judiciário, e não alternativa à atuação do Estado-juiz.

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REVISTA ELETRÔNICA DO CURSO DE DIREITO DO CENTRO UNIVERSITÁRIO DE ARARAS- ESTADO DE SÃO PAULO VOLUME 18 – Nº 01 - 2018

Revista Jurídica do Centro Universitário ”Dr. Edmundo Ulson” – UNAR, Araras, v.18, n.01, p.75-88, nov.2018. DOI: 10.18762/1983-5019.20180004

O procedimento de mediação previsto no artigo 9º, da lei de alienação parental seria

uma maneira de imprimir maior celeridade aos processos cujo objeto seja a alienação parental e

de “humanização” das relações conflituosas no cenário familiar.

José Renato Nalini (2012), ao ser questionado sobre o que seria necessário ser mudado

no sistema judicial brasileiro, afirmou:

Teria que reservar a Justiça para coisas realmente sérias e criar na

população uma cultura de diálogo. Os advogados precisariam ter outra

formação, não a formação adversarial, mas um advogado para

aconselhar o cliente antes dele fazer bobagem — antes de fazer

contrato, casar, separar, antes de adotar, antes de entrar no emprego,

sair do emprego. É necessário um profissional do aconselhamento, da

orientação, da prevenção.

O que se torna perceptível com o veto presidencial do artigo 9º da Lei sobre Alienação

Parental, é que foi desperdiçada uma grande oportunidade para fomentar a mudança de

mentalidade carregada de litigiosidade. Por mais que consideremos os avanços conquistados,

pouco ainda se fala em conciliação, em movimentos por conciliação, em cultura do diálogo.

Segundo Kazuo Watanabe (2002, p. 46), em conflitos familiares, à semelhança da

alienação parental, o objetivo principal é a paz, pois a mediação visa não só resolver o passado,

mas também pavimentar o caminho para a relação futura pacífica e para isto a mediação é a

melhor ferramenta:

Se as partes não forem pacificadas, se não se convencerem de que elas

devem encontrar uma solução de convivência, isto é, se a técnica não

for a de pacificação dos conflitantes, e sim a da solução dos conflitos,

as mesmas partes retornarão ao tribunal outras vezes. Então, existe

diferença no tratamento de conflitos entre duas pessoas em contato

permanente e entre aquelas que não se conhecem. Numa batida de

carro numa esquina qualquer, por exemplo, o problema, muitas vezes,

resolve-se no pagamento de uma indenização; nessa hipótese, a

solução do conflito resolve o problema, mas em outras, nas quais as

partes necessitem de uma convivência futura, continuada, há

necessidade muito mais de pacificação do que de solução de conflito.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Transformações significativas ocorreram nas últimas décadas na sociedade, afetando o modo

como o Direito regula as relações sociais, especialmente, as relações familiares. A Constituição

Federal de 1988 exerceu importante papel conferindo a proteção não somente à entidade

familiar, mas também protegendo seus membros individualmente.

A Carta Magna passou a contemplar e priorizar os aspectos existenciais do ser humano, ao

escolher a dignidade da pessoa humana como valor fundamental da sociedade. A Constituição

Federal também proporcionou a igualdade entre homens e mulheres, a proibição de qualquer

forma de discriminação contra os filhos, além de priorizar o melhor interesse da criança. Desse

modo, o foco consiste em proteger a criança e propiciar meios que beneficiem seu

desenvolvimento sadio. E naturalmente, isto inclui o direito à convivência familiar.

A nova postura constitucional e legislativa demonstra preocupação na postura dos cônjuges

após a dissolução do vínculo conjugal, ao enfatizar que mesmo assim ambos devem manter um

papel ativo e presente na vida dos filhos, dando continuidade ao seu papel parental, cumprindo

suas obrigações e direitos.

Mas a realidade cotidiana demonstra a falta de maturidade e responsabilidade dos genitores com

o desenvolvimento saudável dos filhos, pois aquele cônjuge que fica com a guarda,

costumeiramente, começa a criar obstáculos ao convívio dos filhos com o outro cônjuge,

fazendo uma espécie de “lavagem cerebral”, atitude que influencia diretamente no

desenvolvimento dos menores.

Daí a razão do legislador tratar na Lei 12.318/2010 sobre a alienação parental, que apresentou

medidas com vistas a definir a alienação, exemplificando condutas e estabelecendo medidas

inibidoras.

Todavia, a mais adequada ferramenta para pacificação desses conflitos familiares, a mediação,

que consiste num método autocompositivo para solucionar litígios, em que proporciona uma

mudança na relação dos ex-cônjuges, com o objetivo de buscarem uma visão comum na

educação dos filhos, foi vetada no texto desta lei.

Como já mencionado ao longo de todo o trabalho, a principal ressalva a ser feita à Lei nº

12.318/10 é no que tange ao veto ao artigo 9º, que previa a possiblidade de aplicação das

técnicas de mediação para solução dos litígios de alienação parental. Contudo, a despeito desse

veto, pode-se afirmar que as técnicas de mediação devem ser utilizadas em alguns casos que

envolvam alienação parental, pois o Poder Judiciário não apresenta estrutura e nem preparo para

dar a atenção que tais casos requerem.

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