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REVISTA MARÍTIMA BRASILEIRA (Editada desde 1851) R. Marít. Bras. Rio de Janeiro v. 130 n. 01/03 p. 1-336 jan. / mar. 2010 v. 130 n. 01/03 jan./mar. 2010 DIRETORIA DO PATRIMÔNIO HISTÓRICO E DOCUMENTAÇÃO DA MARINHA FUNDADOR Sabino Elói Pessoa Tenente da Marinha – Conselheiro do Império COLABORADOR BENEMÉRITO Luiz Edmundo Brígido Bittencourt Vice-Almirante

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REVISTAMARÍTIMA

BRASILEIRA(Editada desde 1851)

R. Marít. Bras. Rio de Janeiro v. 130 n. 01/03 p. 1-336 jan. / mar. 2010

v. 130 n. 01/03jan./mar. 2010

DIRETORIA DO PATRIMÔNIO HISTÓRICO E DOCUMENTAÇÃO DA MARINHA

FUNDADOR

Sabino Elói PessoaTenente da Marinha – Conselheiro do Império

COLABORADOR BENEMÉRITO

Luiz Edmundo Brígido BittencourtVice-Almirante

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Revista Marítima Brasileira / Serviço de Documentação Geral da Marinha.–– v. 1, n. 1, 1851 — Rio de Janeiro:Ministério da Marinha, 1851 — v.: il. — Trimestral.

Editada pela Biblioteca da Marinha até 1943.Irregular: 1851-80. –– ISSN 0034-9860.

1. M A R I N H A — Periódico (Brasil). I. Brasil. Serviço de DocumentaçãoGeral da Marinha.

CDD — 359.00981 –– 359 .005

A Revista Marítima Brasileira, a partir do 2o trimes-tre de 2009, passou a adotar o Acordo Ortográfico de 1990,com base no Vocabulário Ortográfico da Língua Portugue-sa, editado pela Academia Brasileira de Letras – Decretos nos

6.583, 6.584 e 6.585, de 29 de setembro de 2008.

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COMANDO DA MARINHAAlmirante de Esquadra Julio Soares de Moura Neto

SECRETARIA-GERAL DA MARINHAAlmirante de Esquadra Marcos Martins Torres

DIRETORIA DO PATRIMÔNIO HISTÓRICO E DOCUMENTAÇÃO DA MARINHAVice-Almirante (EN-Refo) Armando de Senna Bittencourt

REVISTA MARÍTIMA BRASILEIRACorpo Editorial

Capitão de Mar e Guerra (Refo) Milton Sergio Silva Corrêa (Diretor)Capitão de Mar e Guerra (RM1) Carlos Marcello Ramos e Silva

Jornalista Deolinda Oliveira MonteiroJornalista Manuel Carlos Corgo Ferreira

DiagramaçãoCelso França Antunes

Assinatura/DistribuiçãoCB-PD Franklin Marinho de CastroMN-RM2 Fabiano Honório da Silva

Departamento de Publicações e DivulgaçãoCapitão de Fragata (T) Ivone Maria de Lima Camillo

Apoio Administrativo e ExpediçãoSuboficial-CN Maurício Oliveira de RezendeSuboficial-MT João Humberto de Oliveira

Segundo-Sargento-SI José Alexandre da SilvaIlda Lopes Martins

Impressão / TiragemPrelo Artes Gráficas e Fotolito Ltda. / 7.500

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A REVISTA MARÍTIMA BRASILEIRA é uma publicação oficial da MARINHA DO BRASIL desde1851. Entretanto, as opiniões emitidas em artigos são da exclusiva responsabilidade de seus autores. Nãorefletem, assim, o pensamento oficial da MARINHA. É publicada, trimestralmente, pela DIRETORIA DOPATRIMÔNIO HISTÓRICO E DOCUMENTAÇÃO DA MARINHA. As matérias publicadas nestaRevista podem ser reproduzidas, desde que citadas as fontes.

REVISTA MARÍTIMA BRASILEIRARua Dom Manoel no 15 — Praça XV de Novembro — Centro — 20010-090 — Rio de Janeiro — RJ

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SUMÁRIO

9 NOSSA CAPA – HOMENAGEM AO ALMIRANTE ARMANDO AMORIM FERREIRAVIDIGAL

Apresentação do homenageado, agraciado com 5 Prêmios Revista Marítima Brasileira;dados biográficos; principais trabalhos e artigos; funções civis; cartas recebidas homenage-ando o almirante

25 AMAZÔNIA: UMA VISÃO POLÍTICO-ESTRATÉGICAHernani Goulart Fortuna – Almirante de Esquadra (Refo)Inserção brasileira da Amazônia; fronteiras – concepção política – reservas indígenas;

transporte aquaviário; geopolítica; defesa pelas Forças Armadas

37 ABASTECIMENTO DA ILHA DA TRINDADEOscar Moreira da Silva – Contra-Almirante (Refo)O arquipélago: resumo histórico – curiosidades; abastecimentos pela Corveta Imperial

Marinheiro

47 A PIRATARIA NA SOMÁLIAAntônio Ruy de Almeida Silva – Contra-Almirante (RM1)Somália é Estado falido? Ganância? A segurança no país; resoluções da ONU e da IMO;

a lei do mar e a repressão à pirataria

65 NE/NAeH 10.000 – UM NAVIO-ESCOLA MULTIUSO PARA A MARINHA DOBRASIL

Eduardo Italo Pesce – ProfessorRene Vogt – EngenheiroPressuposições e considerações; perfil do navio substituto: missão – características do

navio – modalidades de emprego – desenhos

79 A TECNOLOGIA COMO FETICHE: A ILUSÃO DO COMPLEXO INDUSTRIALMILITAR

Sylvio dos Santos Val – ProfessorParque industrial militar; as origens e o complexo industrial; imagem alternativa: o

complexo de defesa

89 O CONHECIMENTO DE EMBARQUE: UM BREVE ESTUDO SOBRE SUAEVOLUÇÃO HISTÓRICA

Ricardo Viotto – AdvogadoOrigem do conhecimento de embarque: valor probatório – emissão dos primeiros

documentos – natureza, conteúdo e cláusulas de reserva; ordenação da Marinha Mercante de1861 até hoje: breve releitura

104 RELAÇÕES POLÍTICO-ESTRATÉGICAS DA PARCELA SUL-AMERICANA PER-TENCENTE À ORGANIZAÇÃO DO TRATADO DE COOPERAÇÃO AMAZÔ-NICA SOB A PERSPECTIVA NEORREALISTA

Gustavo de Andrade Rocha – Bacharel em Relações InternacionaisParadigma neorrealista; defesa: Brasil – Venezuela – Bolívia e Equador – Colômbia –

corrida armamentista Brasil – Venezuela. Fronteiras: problemas – índios – fins científicos –Raposa Serra do Sol; Pactos e Acordos; crises regionais na Bolívia e no Equador

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137 ALFRED THAYER MAHAN E OS PRINCÍPIOS DA ESTRATÉGIA NAVAL (IV)– Parte 2Francisco Eduardo Alves de Almeida – Capitão de Mar e Guerra (RM1)Continuação da série: Princípios da estratégia: concentração de forças – posição central

– linhas interiores e de comunicação; posições estratégicas e bases; Poder Marítimo e oControle do Mar

155 AS OPERAÇÕES ANFÍBIAS NO SÉCULO XXILuiz Octávio Gavião – Capitão de Fragata (FN)Considerações sobre as operações: problemas – a ideia – força. Tipos de ambientes

encontrados. Conceituação: doutrina – organização por tarefas – treinamento e educação.Equipamentos e sistemas

180 A PREVENÇÃO PARA O USO INDEVIDO OU ABUSIVO DE SUBSTÂNCIASPSICOATIVAS E A DEPENDÊNCIA QUÍMICA

– Uma Visão da Psicologia SocialSandra Helena de Oliveira – Capitão de Fragata (T)Prevenção; uso de drogas e dependência química; atitude social; modelos de prevenção,

sua aplicação e avaliação

189 MONITOR PARNAÍBA – HISTÓRIA E MODERNIZAÇÃOMozart Junqueira Ribeiro – Capitão de CorvetaResumo histórico; o nome Parnaíba; veterano de guerra; modernização; caverna-mestra

194 LANÇAMENTO DE MINAS: QUAL O MELHOR AGENTE LANÇADOR?Andrei Brilhante Silva Costa – Capitão de CorvetaAnalise de agentes lançadores no Brasil e nas marinhas estrangeiras

200 O DIREITO COMUNITÁRIO E A SUPRANACIONALIDADE: INSTRUMENTOSPARA A HARMONIZAÇÃO DAS RELAÇÕES DOS ESTADOS – O MERCOSUL

Nelson Márcio Romaneli de Almeida – Capitão de Corveta (IM)Soberania – evolução do conceito; direito comunitário, supranacionalidade e

intergovernabilidade: países do Mercosul; legislação pertinente

216 ACORDOS DE NÍVEIS DE SERVIÇOS E TERCEIRIZAÇÃO: APLICAÇÃO EIMPLICAÇÕES NO SERVIÇO PÚBLICO E NA MARINHA DO BRASIL

Igor de Assis Sanderson de Queiroz – Capitão-Tenente (IM)Definição dos acordos e histórico; níveis de serviço; no serviço público – possibilidade

de aplicação na Marinha

222 POR QUE FALAR DE DEMOCRACIA?Victor C. Coimbra da Silva – AspiranteResumo histórico; democracia representativa e o Estado Liberal; democracia virtual e

inovações; valores

226 A GUERRA ASSIMÉTRICACassiano Simões da Silva – Aspirante (FN)O que é guerra assimétrica? Quarta geração de guerra? Nova concepção – missão de paz

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230 TIRO ESPORTIVO: EXERCÍCIO DE CONCENTRAÇÃORômulo I. Niederauer de Freitas – AspiranteComo é o esporte. Como ter um bom tiro

234 ARTIGOS AVULSOS234 A IMPORTÂNCIA DA COOPERAÇÃO INTERNACIONAL PARA A

SEGURANÇA DAS ÁREAS MARÍTIMAS SOB JURISDIÇÃO NACIONAL– A QUARTA FROTA AMERICANA E A AMAZÔNIA AZULIvone Maria de Lima Camillo – Capitão de Fragata (T)Cooperação internacional para a segurança das áreas marítimas, considerando a

soberania das nações. Limitações derivadas de interesses econômicos em virtude das riquezasminerais recém-descobertas

235 PRISÃO PREVENTIVA DISCIPLINAR MILITARWalter Santos Peniche – Capitão de Fragata (T)Análise da existência da prisão preventiva disciplinar na Marinha, considerando

hierarquia e disciplina e os fundamentos da Constituição

236 MARINHA DE OUTRORAREMINISCÊNCIA DA ESCOLA NAVAL – do Almirante de Esquadra Eddy Sampaio

Espellet. Duração do curso na Escola em algumas épocas; uniformes; administração

239 CARTAS DOS LEITORESCorrespondência do Capitão de Mar e Guerra Gerson Fleischhauer sobre a Flotilha de

Macaé. Sugestão de avaliação da matéria à vista de artigo sobre Patrulha Naval do Vice-Almirante José Luiz Feio Obino

240 ACONTECEU HÁ CEM ANOS

250 REVISTA DE REVISTASSinopses de matérias selecionadas em mais de meia centena de publicações recebidas e

lidas, do Brasil e do exterior

262 NOTICIÁRIO MARÍTIMOColetânea de notícias mais significativas da Marinha do Brasil, de outras Marinhas,

incluída a Mercante, e assuntos de interesse da comunidade marítima

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AMPLIAÇÃO DOS LIMITES DE EFETIVOS DA MARINHA(Bono Especial no 167 de 17 de março de 2010)

Comunico à Marinha que, em 11 de março de 2010, foi sancionada pelo Presi-dente da República a Lei no 12.216, alterando a Lei de Reestruturação de Corpos eQuadros, destacando-se, dentre as modificações introduzidas, a ampliação dos limi-tes de efetivos em 3.507 oficiais e 18 mil praças, o que representa um incremento aosatuais limites da ordem de 36%.

No decorrer das últimas décadas, houve significativo aumento nas tarefasatribuídas à Marinha do Brasil, tendo seu efetivo variado em apenas 8,6% nosúltimos 40 anos, situação esta que tornava prementes ações no sentido de se buscara recomposição da força de trabalho, sob pena de agravamento das restrições parasua expansão e assunção de mais complexas e abrangentes responsabilidades, comreflexos inclusive para a manutenção da estrutura vigente.

Entre as demandas que balizaram os esforços visando à ampliação dos limi-tes de efetivos de oficiais e praças, destacam-se: o incremento da atividade econô-mica nas águas jurisdicionais brasileiras, que suscita maiores esforços de proteçãoe fiscalização; os desdobramentos decorrentes da Estratégia Nacional de Defesa,apontando para a expansão da presença da Marinha no norte do País e o estabele-cimento de uma força naval no entorno estratégico da foz do Amazonas; as açõesdecorrentes do Programa Nuclear da Marinha e do Programa de Desenvolvimentode Submarinos, trazendo a real possibilidade de projeto e construção no País de umsubmarino de propulsão nuclear; e a aceleração do aparelhamento da Marinha, coma consequente necessidade de aporte de tripulações e estruturas de apoio.

Somando-se àqueles macrofatores, pode-se mencionar, ainda, como indica-dores que pressionam a demanda por pessoal: o aumento da esfera de atuação dosDistritos Navais; os avanços tecnológicos, que exigem da Instituição rápida reaçãopara constante capacitação profissional; o incremento das atividades subsidiáriasrelacionadas, principalmente, aos assuntos marítimos e ambientais; e maior deman-da pelos serviços de manutenção dos meios navais, aeronavais e de fuzileiros na-vais, a fim de conservá-los operacionais, a despeito do elevado tempo médio deutilização dos sistemas neles empregados.

Há que se ressaltar, porém, que o referido aumento ocorrerá paulatinamente,não se constituindo em solução de curto e de médio prazos, para atendimento dasdemandas de pessoal existentes, e cuja projeção para integralização compreende umhorizonte de 20 anos. Cabe ser ressaltado que a Marinha, ao encaminhar a suaproposta, estabeleceu, na Exposição de Motivos, que a implementação da amplia-ção ocorreria no ano seguinte à aprovação do Projeto de Lei.

Menciono, ainda, que esse aumento gradual torna imprescindível, por temposignificativo, a manutenção dos esforços da atual força de trabalho, conforme hojeestabelecida, para a consecução dos objetivos e cumprimento das tarefas afetas àMarinha do Brasil.

JULIO SOARES DE MOURA NETO Almirante de Esquadra Comandante da Marinha

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SUMÁRIO

ApresentaçãoDados biográficosPrêmio Revista Marítima BrasileiraArtigos publicados na RMBPrincipais trabalhos publicadosFunções civisTítulosConferencistaCartas de homenagemCinzas ao mar

APRESENTAÇÃO

Esta edição da Revista Marítima Brasileira (RMB) não poderia deixar de dedicar uma parte deseu espaço ao saudoso Almirante Armando Amorim Ferreira Vidigal, que faleceu recentemente.

O Almirante Vidigal foi um notável colaborador. Ganhou cinco vezes o Prêmio RevistaMarítima Brasileira, com artigos originais, brilhantes, em que transmitia seu entusiasmopelas coisas do mar. A capa mostra uma de suas merecidas premiações. Com os artigos,livros que escreveu ou coordenou e com suas palestras, contribuiu para formar, principal-mente nas pessoas mais jovens da comunidade marítima brasileira, uma forte consciênciada importância do Poder Marítimo e de seu componente militar, o Poder Naval, para o Brasil.

NOSSA CAPA

REVISTA MARÍTIMABRASILEIRAV. 130 n. 01/03 – jan./mar. 2010

Nesta edição:Homenagem aoAlmirante Armando Amorim Ferreira Vidigal

Na capa, o Almirante Armando Vidigal, em 1983, recebe o Prêmio Revista Marítima Brasileira doMinistro Maximiano Eduardo da Silva Fonseca, com a presença do Alto Comando da Marinha.

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10 RMB1oT/2010

HOMENAGEM AO VICE-ALMIRANTE ARMANDO AMORIM FERREIRA VIDIGAL

Falava do presente, conhecendo o passado por meio da História Naval, e previa cenáriosque, no futuro, poderiam logicamente se configurar. Expunha seus pensamentos sem medoda crítica alheia, sabendo que publicar é um ato de humildade, de sujeição a outras formasde pensar, mas que permite divulgar boas ideias, criando novos patamares de conhecimen-to, para o benefício de todos.

Seu pensamento se concretizou em suas obras, e no futuro relacionamento do Brasil como mar, muito provavelmente, haverá contribuições das muitas ideias que deixou.

Almirante Vidigal – prezado amigo e mestre – muito obrigado.

DADOS BIOGRÁFICOS

Nasceu em Manaus – Amazonas, filhode José Barbosa Ferreira Vidigal e de MariaNazareth Ferreira Vidigal. Promoções: a se-gundo-tenente em 07/04/1953, a primeiro-tenente em 13/10/1954, a capitão-tenenteem 26/06/1956, a capitão de corveta em 27/10/1961, a capitão de fragata em 19/08/1966,a capitão de mar e guerra em 09/10/1970, acontra-almirante em 31/07/1977 e a vice-al-mirante em 25/11/1982. Foi transferido paraa reserva em 27/05/1985.

Em sua carreira comandou três vezes:Navio Mercante MT Anchieta (comando mi-litar); Corveta Forte de Coimbra e a Força deApoio Logístico. Exerceu os seguintes co-mandos e direções: Base Naval de Aratu,Centro de Instrução Almirante Graça Aranha,Escola de Guerra Naval e 3o Distrito Naval.

Comissões: Navio-Escola AlmiranteSaldanha; Contratorpedeiro Amazonas;Navio Transporte Custódio de Mello;Contratorpedeiro Ajuricaba; Contratorpe-deiro Paraná; Estado-Maior da Esquadra;Gabinete do Ministro da Marinha; Escritó-rio do Adido Naval na Inglaterra; Escolade Guerra Naval (curso); Comando de Ope-rações Navais (destaque).

Em reconhecimento aos seus serviços,recebeu inúmeras referências elogiosas eas seguintes condecorações: Ordem doMérito da Defesa – Grau Grande Oficial;

Ordem do Mérito Naval – Grau Grande Ofi-cial; Ordem do Mérito Militar – GrauComendador; Ordem do Mérito Aeronáu-tico – Grau Comendador; Ordem de RioBranco – Grau Grande Oficial; MedalhaMilitar e Passador de Ouro – 3o Decênio;Medalha Mérito Tamandaré; Medalha Mé-rito Marinheiro – 3 Âncoras; Medalha doPacificador; Medalha Mérito SantosDumont.

ARMANDO AMORIM FERREIRAVIDIGAL

14/03/1928 † 14/12/2009

Armando de Senna BittencourtVice-Almirante (EN-Refo)

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RMB1oT/2010 11

HOMENAGEM AO VICE-ALMIRANTE ARMANDO AMORIM FERREIRA VIDIGAL

PRÊMIO REVISTA MARÍTIMABRASILEIRA

Deixando de atender às normas que aprópria Revista Marítima Brasileira se im-pôs em relação aos oficiais falecidos, é fei-ta matéria especial sobre o Almirante Vidigal,por várias circunstâncias, entre estas por-que o emérito colaborador recebeu cincovezes o Prêmio Revista Marítima Brasi-leira e, no ano de 2002, foi reconhecidocomo hors-concours. Mesmo assim, em2008, o Chefe do Estado-Maior da Armadaressaltou os seus artigos Inteligências einteresses nacionais (2o trimestre/2005) eAs relações nacionais sob a perspectivada segurança (1o trimestre/2006) como sen-do dignos de especial registro e lhe outor-gou o Diploma de Hors-Concours.

Foram agraciados com o prêmio as se-guintes matérias de sua autoria:

1980 – O emprego político do PoderNaval;

1983 – A indústria naval militar no Brasilatravés do tempo;

1986 – Conflito no Atlântico Sul;1992 – A Guerra do Golfo: uma análise

político-estratégica e militar; e1998 – Uma estratégia naval para o sé-

culo XXI.

ARTIGOS PUBLICADOS NA RMB

Vale lembrar que o almirante publicouna Revista:

Processo decisório (4o trim/1973);Força de Apoio Logístico (1o trim/1980);Emprego político do Poder Naval (2o

trim/1980);Indústria naval militar no Brasil através

do tempo (4o trim/1980 e 4o trim/1981);46o aniversário da Intentona Comunista

(4o trim/1981);Marinha de Guerra e mudanças

tecnológicas da segunda metade do sécu-lo XIX (1o trim/1983);

A evolução do pensamento estratégiconaval brasileiro (3o trim/1983);

Os cursos de altos estudos militares naMarinha: A solução brasileira (1o trim/1984);

Conflito no Atlântico Sul (4o trim/1984;1o trim/1985; 4o trim/1987; e 1o trim/1988);

Dissuasão convencional nos países emdesenvolvimento (3o trim/1988);

A importância da indústria bélica para asegurança nacional (4o trim/1988);

Áreas de cooperação estratégica entreEuropa e Brasil (2o trim/1989);

Uma nova concepção estratégica parao Brasil – um debate necessário (3o trim/1989 e 3o trim/1990);

Guerra do Golfo (1o e 2o trim/1992);Papel das Forças Armadas no novo con-

texto mundial (4o trim/1992);Ministério da Defesa – considerações

(1o trim/1995);Reavaliação do papel das Forças Arma-

das (4o trim/1995);Uma estratégia para a Marinha do Brasil

(1o trim/1996);Europa: uma análise político estratégi-

ca (2o trim/1996);Reflexões sobre mobilização (1o trim/

1997);A logística e as operações militares (2o

trim/1997);Uma estratégia naval para o século XXI

(3o trim/1997);Regime de não proliferação nuclear (4o

trim/1997);Apontamentos de estratégia naval (3o

trim/1998 e 4o trim/1999);Problemas de segurança da Europa (2o

trim/2000);A crise nos Bálcãs (3o trim/2000);Evolução tecnológica no setor naval no

século XIX – consequências para a MB (4o

trim/2000);Estratégia naval para o século XXI (2o

trim/2001);O terrorismo na atualidade (1o trim/2002);

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A internacionalização da Amazônia (2o

trim/2002);Apontamentos sobre geopolítica (3o

trim/2002);A nova estratégia de Segurança Nacional

dos Estados Unidos da América (1o trim/2003);A missão das Forças Armadas para o

século XXI (4o trim/2004);Inteligência e interesses nacionais (2o

trim/2005);As relações internacionais sob a pers-

pectiva da segurança (1o trim/2006);Algumas tendências da política externa

dos Estados Unidos após o fim da GuerraFria (1o trim/2007);

A marinha Mercante brasileira (3o trim/2007);

O Brasil na América do Sul – análise (3o

trim/2008);A poluição do ar por navios (4o trim/2008);Campanha naval na Guerra da Tríplice

Aliança (2o trim/2009); ePalestina, uma terra, dois povos (3o trim/

2009).

PRINCIPAIS TRABALHOSPUBLICADOS

A evolução do pensamento estratégiconaval brasileiro – Biblioteca do Exército;

Marinha Mercante – o que você precisasaber sobre ela – Ed. Clube Naval;

Poder Marítimo (Prêmio AlmiranteJaceguai – 1994);

O Brasil e a nova ordem mundial –SDGM-1991;

O poder marítimo e a política externa(tese para titulação em política e estratégianacionais pela ESG);

Evolução do pensamento estratégiconaval brasileira dos meados da década de70 até os dias atuais – Ed. Clube Naval;

11 de setembro de 2001 – Ed. Femar;História das guerras (autor do capítulo

Guerras da Unificação da Alemanha);

Amazônia Azul: o mar que nos pertence(coordenador);

Logística e transporte no processo deglobalização (autor do capítulo O transpor-te aquaviário: aspectos logísticos) – Ed.Unesp;

Guerra no mar – A história das princi-pais campanhas ou batalhas navais que mu-daram a história (coordenador) Ed. Record;

A Segunda Guerra do Golfo ou a Vitóriade Osama bin Laden (inédito – em fase derevisão); e

Almirante Nelson (inédito – em fase deimpressão) Ed. Contexto .

O Almirante Vidigal, durante o lançamento dolivro “Guerra no mar”, e com o Comandante daMarinha, Almirante de Esquadra Julio Soares de

Moura Neto (abaixo)

HOMENAGEM AO VICE-ALMIRANTE ARMANDO AMORIM FERREIRA VIDIGAL

Pág. 12 – RMB1oT/2010

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FUNÇÕES CIVIS

Após sua transferência para a Reserva,o Almirante Vidigal exerceu os seguintescargos:

Diretor Comercial do Estaleiro Só – 1985a 1988;

Presidente da FI Indústria e Comércio –1988 a 1990;

Assessor do Syndarma – Sindicato Nacio-nal das Empresas de Navegação Marítima; e

Assessor da Abeam – Associação Bra-sileira das Empresas de Apoio Marítimo.

TÍTULOS

Recebeu os seguintes títulos e honrarias:Membro Emérito do Instituto de Histó-

ria e Geografia Militar do Brasil (IHGMB);Membro do Núcleo de Estudos Estraté-

gicos da Unicamp;Membro do Instituto Brasileiro de Estu-

dos Estratégicos (IBAE);Membro do Conselho Técnico da Con-

federação Nacional do Comércio;Mestre em Ciências Navais (EGN);Doutor em Ciências Navais (EGN); eTitulação em Política e Estratégia Naci-

onais (ESG).

CONFERENCISTA

Ao longo de sua existência, realizouconferências nos seguintes países:

– Argentina– Chile

– Colômbia– Equador– Paraguai– Portugal– Suécia e– Uruguai.Foi palestrante em ESG, EGN, ECEME,

EAOAR, ADESG e IHGMB.

CARTAS DE HOMENAGEM

Por ocasião do falecimento do Almiran-te Vidigal, a Revista Marítima recebeu car-tas de homenagem a seguir reproduzidas:

Do Almirante de Esquadra RamonAntonio Arosa, ex-Ministro da Marinhada Argentina:

Despedida para Armando VidigalConheci o Guarda-Marinha Vidigal em

abril de 1952, quando o Navio-Escola Al-mirante Saldanha, da Marinha brasileira,ia começar a viagem de instrução com aturma de 1946 da Escola Naval.

Começava então uma amizade que con-tinuou durante estes anos. Após poucomais de um mês de navegação, em 25 demaio, foi comemorado meu aniversário.Relato o que escrevi no meu diário naquele

HOMENAGEM AO VICE-ALMIRANTE ARMANDO AMORIM FERREIRA VIDIGAL

RMB1oT/2010 – Pág. 13

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14 RMB1oT/2010

HOMENAGEM AO VICE-ALMIRANTE ARMANDO AMORIM FERREIRA VIDIGAL

dia: Por último, reunidos os oficiais e aTurma dos Guardas-Marinha no refeitó-rio, as palavras emotivas de um dos me-lhores camaradas brasileiros, ArmandoVidigal... despertaram minha gratidão.

Aquela amizade foi crescendo e, quandovoltamos ao Rio de Janeiro, tive a honra decruzar espadas no casamento do Armando.

Depois não tivemos oportunidade de nosreencontrar até muitos anos mais tarde, massempre tendo notícias de nossas carreiras.

Em 1999, meu filho mais velho cursou aEscola de Guerra Naval no Rio e começouassistindo a uma palestra do AlmiranteVidigal, que lembrou com muita bondade aminha pessoa.

Finalmente, voltamos a nos reunir nes-se ano, várias vezes, e daí em diante nos-sos encontros foram muito frequentes.

Eu acredito que tudo na vida tem umpreço, e a minha amizade com o Armandotambém teve e foi a sua sugestão de tradu-zir para o espanhol o livro Amazônia Azul,o mar que nos pertence. Ele sabia muitobem que os problemas do Brasil e da Ar-gentina a respeito do mar são muito seme-lhantes e por isso achava que seria ótimoadicionar os pontos de vista da Marinhaargentina àquela tradução. O trabalho foifeito, e agora esperamos completar o dese-jo do Armando.

Nos meses de outubro e novembro, oCentro Naval argentino organizou um se-minário sobre “A extensão da plataformacontinental” e convidou o AlmiranteVidigal para dar uma palestra no último dia.Isso aconteceu em 18 de novembro e foisimplesmente brilhante.

No dia 22 de novembro, Vidigal voltoucom a sua esposa para o Rio e, em 8 dedezembro, falei com ele ao telefone pelaúltima vez.

A mágoa de ter perdido este amigo émuito grande, mas agradeço a Deus o pri-vilégio de ter sido um dos amigos que tive-

ram a honra de ouvir sua última palestra,no Centro Naval, Clube dos Oficiais daMarinha Argentina.

Do Almirante de Esquadra EddySampaio Espellet:

Meu amigo Vidigal,Somente no fim da minha carreira cruzei

com Vidigal. Eu era comandante do Minas.Estávamos numa visita, no porto de Mon-tevidéu. No dia do regresso, o meu chefede Máquinas, na véspera, me disse: “Co-mandante, amanhã vou preparar a máquinabem cedo, embora a hora de suspenderseja 12 horas”.

Às 8h30 desse dia, ele me telefonou dapraça de máquinas e me participou que nãoconseguiu aprontar o eixo de boreste (BE),não conseguiu fazer o vácuo. Eu lhe disseque havia tempo até o meio-dia, para eleresolver o problema.

Como ele não conseguiu, participei aomeu chefe que estava a bordo e sugeri queele fosse para o Tamandaré de helicópteroe, na volta dele, que embarcasse o Vidigal,oficial de Máquinas da Esquadra, que es-tava a bordo do Tamandaré. Fiz este pedi-do porque conhecia a capacidade de tra-balho do Vidigal e o meu pessoal já estavaesgotado com trabalho desde as 5 horas.

Às 16 horas, chegou o Vidigal. O chefede Máquinas levou-o para a praça de má-quinas e depois de uma meia hora ele meprocurou e disse-me que o seu pessoal ti-nha feito tudo de acordo com o figurino doBriships e a solução seria dar uma pressãohidráulica na canalização de baixa para veronde seria a entrada de ar, que estava oca-sionando o problema. Havia um sério in-conveniente. A junta da máquina que tra-balhava de dentro para fora poderia nãoresistir a uma pressão ao contrário, o queacarretaria em ficar sem o eixo. Assumi eautorizei ao chefe executar a manobra.

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HOMENAGEM AO VICE-ALMIRANTE ARMANDO AMORIM FERREIRA VIDIGAL

Às 19h30, veio a hora. O teto docondensador não resistiu e abriu um gran-de rombo. Ali estava o problema. Chamei opessoal do Belmonte, que também estavaatracado, e eles colocaram uma rede e epóxibastante para isolar o condensador e a má-quina ficou pronta.

Eu sempre dizia ao Vidigal que ele tinhasido o meu “salvador da pátria”.

Mais tarde, eu, diretor do Material, quan-do despachava com o ministro AlmiranteHenning, frequentemente lhe expunha umcaso, e ele mandava chamar o Vidigal, queesclarecia o assunto. Daí que ele ficou como apelido de “Ministrinho”.

Depois que ele passou para a reserva,dedicou-se a estudar História e tornou-seum grande historiador, melhor ainda, gran-de conferencista. Ele sabia atrair um audi-tório. Eu assisti a várias palestras e confe-rências pronunciadas por ele, sempre comgrande sucesso.

Infelizmente foi-se o nosso amigo, ain-da tão moço, podendo ainda prestar gran-des serviços à Marinha e à nossa pátria.

Descanse em paz.

Do Almirante de Esquadra HugoStoffel:

Despedida para o Almirante VidigalO querido colega Armando Vidigal nos

deixou mês passado e ficamos, seus ami-gos, com um sentimento de vazio no peito,tal era a dimensão de sua personalidade.

A nós, seus colegas de turma da EscolaNaval de 1946, ele dedicou uma profunda aten-ção desde os bancos escolares. Ainda tenhoa lembrança de quantas vezes o vi com gru-pos de colegas às vésperas de provas, a daruma última explicação sobre algum pontocomplicado não bem entendido. De fácil con-vívio, alegre e conversador nas horas de fol-ga, sempre foi, desde a Escola, muito sério eexigente com as coisas do serviço.

Bom marinheiro. Ainda o lembro ao meulado em entardecer de vento fresco, a ferrara vela do joanete do Navio-Escola Guana-bara. Nessa época não se usava cinto desegurança nem salva-vidas como hoje (oque está certo). Abaixo de nossos pés, apoi-ados no estribo da verga, corria o marencapelado, pois o navio estava adernado...As velas eram de algodão grosso e pesadoe, mesmo depois de entradas as carregadei-ras, a faina de ferrar não era fácil. Havia quese ajudar mutuamente para completar comcorreção a manobra e voltar às enxárcias paradescer ao convés com segurança. Com oruído do vento, nossas vozes não se con-seguiam escutar, mesmo a dois metros dedistância. Era entender os gestos e apoiar ocompanheiro e, mesmo quando não haviavento perceptível durante sua carreira naMarinha, Vidigal sempre olhou pelos cole-gas para estender a mão segura do apoio e avoz inteligente do conselho. Era um bomamigo e interessado.

Grande maquinista, destacou-se comochefe de Máquinas do ContratorpedeiroParaná, no tempo das primeiras OperaçõesUnitas. Ele tinha uma adoração por seunavio, e me recordo que fez uns versos la-tinos sobre o “Atenas”, que era o indicati-vo fonia do contratorpedeiro, que ele con-siderava o melhor Fletcher da Esquadra.Foi instrutor do Curso de Especializaçãode Máquinas para Oficiais, quando teveoportunidade de formar muitos dos nos-sos melhores especialistas. Ao ser nomea-do oficial de Máquinas da Esquadra, pres-tou excelente serviço resolvendo proble-mas difíceis. Entre os quais, como lembra oAlmirante Espellet, “encontrar” rapidamen-te o vácuo do condensador que estava atra-sando a saída do Navio-Aeródromo Ligei-ro Minas Gerais do porto de Montevidéu.

Teve nesse período também que enfren-tar o terrível acidente na instalação de va-por do Cruzador Barroso, que levou a vida

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do nosso colega de turma Didier (chefe deMáquinas) e dos componentes do quartode serviço de Máquinas. Vidigal estava láembarcado com o Estado-Maior da Esqua-dra e coordenou as providências para per-mitir que o navio chegasse ao porto comas próprias máquinas.

Como capitão de mar e guerra e almirante,desempenhou-se com destaque de todas asfunções e cargos que lhe foram confiadas.Destaco o comando da Base Naval de Aratue o comando do 3o Distrito Naval, em Natal.

Mas foi no campo da literatura naval e naprodução intelectual que mais brilhou e dei-xou sua marca. Com vários livros publica-dos sobre assuntos navais, história e estra-tégia, foi vencedor de vários concursos doClube Naval, tendo ganho, repetidas vezes,o Prêmio Jaceguai com seus trabalhos. Paraa nossa Revista Marítima, também foi fre-quente colaborador, com artigos de grandeinteresse para a Marinha. Membro do Cen-tro de Estudos Políticos e Estratégicos daEscola de Guerra Naval, além de suas pales-tras e conferências, contribuiu muitas vezesem grupos de trabalho de alto nível, inclusi-ve no âmbito universitário, levando nossosassuntos a esses novos horizontes. Nessastarefas, não se limitou ao nosso país, eisque sua última conferência foi realizada noCentro Naval em Buenos Aires, a convitedaquela associação naval. Solicitei a cola-boração de nosso mútuo amigo íntimo ecolega de viagem de instrução, AlmiranteRamon Antonio Arosa (ARA), um comen-tário sobre essa sua última atividade, a queteve oportunidade de assistir, assim como oque julgasse justo agregar a este pobre re-sumo de uma vida tão profícua. Não esque-ceremos do Almirante Armando Vidigal!

Do Vice-Almirante Helio LeoncioMartins:

Meu amigo Vidigal,

Nosso primeiro contato, à vista da dife-rença de idade, deu-se já na reserva. Emum evento no qual o Vidigal falava, encan-tou-me o brilhantismo, a segurança, a cla-reza com que expunha seus conhecimen-tos do assunto em pauta e a firme argu-mentação com que apoiava as própriasideias. Essa admiração nos aproximou e,em um crescendo, transformou-se em gran-de e boa amizade.

O valor pessoal de alguém é constatado,em suas manifestações externas, pelo querealiza, pelo que escreve ou pelo que fala. Enem sempre uma pessoa, mesmo de nívelelevado, acumula tais manifestações. Umexcelente escritor pode ser contemplativo,um homem da ação que se destaque é pos-sível que precise de quem escreva sobre oque faz. Mas a característica do Vidigal eraser excelente como realizador, como escritore como conferencista ou professor.

Na Marinha e depois na vida civil, salien-tou-se ele sempre pelo espírito criador, pelaenergia com que se empenhava nas tarefasque lhe eram cometidas, alimentados por seusconhecimentos e sua viva inteligência. Agia,modificava, idealizava, promovia.

Era Vidigal um leitor compulsivo, às ve-zes de dois ou três livros simultaneamente,mas capaz de absorver e analisar as leitu-ras com a mente apurada pela experiência eo firme raciocínio, criando ideias próprias.E estas, transformava-as em profícua pro-dução literária, com estilo simples, fácil deler, mas substancial e profundo.

Quando enfrentava um auditório, fazia-o sem pomposidade ou eloquência teatrale sim com uma conversação agradável, masconquistando os ouvintes e transmitindo-lhes corretamente o que pensava. Tal faci-lidade de comunicação sobressaía especi-almente ao dar aulas, as quais tornavam-seuma demonstração viva de pedagogia, pelaligação que obtinha com os alunos, leva-dos a participar, comentando, arguindo, em

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aparente confusão, mas por ele controla-da, fazendo-a terminar em consenso didá-tico quando desejava.

Um elemento com tais qualidades faráenorme falta à Marinha e ao País. Mas tam-bém é de lamentar, como muito lamento, aperda de um amigo com o companheirismoencantador, o caráter firme e a presençaafável do Vidigal.

Do Vice-Almirante Luiz EdmundoBrígido Bittencourt:

Vidigal, hors-concours!Somos contemporâneos da Escola Na-

val, eu de 44, ele de 46.Mas uma ligação maior só veio aconte-

cer quando éramos capitães de corveta, euimediato do Contratorpedeiro (CT) Pará(Fletcher), ele chefe de máquinas doContratorpedeiro Paraná. Enquanto o meutinha permanentes e enormes problemascom a passagem indevida do vapor princi-pal pelas parcializadoras, tudo nas máqui-nas do CT Paraná funcionava suavemen-te – para mim graças à competência doVidigal.

Mais tarde, tivemos outra aproximação,eu na Escola Naval (ou na Diretoria de En-sino, não me lembro bem), ele diretor daEscola de Guerra Naval, desempenhando-se com uma brilhante presença.

Mas o que nos uniu verdadeiramente foi,quando estávamos na reserva, eu à frente daRevista Marítima Brasileira (onde estive por20 anos) e ele em mil atividades e produzindoinúmeros trabalhos escritos sobre assuntosde Marinha, atuais, importantes e analisadoscom profundidade e inteligência.

Seus artigos eram brilhantes e em nú-mero considerável. Quando aparecia um,logo dizíamos na Revista Marítima Brasi-leira: “Este artigo é do Vidigal!” E a cola-boração não esperava vez, era publicadade imediato, com absoluto sucesso.

E no fim de cada período estipulado, um deseus artigos era o escolhido por uma comis-são do Estado-Maior da Armada como vence-dor do Prêmio Revista Marítima Brasileira.

Assim aconteceu nos anos de 1980,1983, 1986, 1992 e 1998. Tornou-se uma ro-tina, o que, a meu ver, desmotivava outroscolaboradores.

Pensando assim, imaginei uma soluçãoque, não tirando de Vidigal o mérito que bemmerecia, pudesse dar oportunidade a outroscolaboradores: tornar Vidigal hors-concours.Assim foi sugerido, assim foi feito.

Sei que minha sugestão tirou de Vidigaloutros tantos prêmios, mas sei que ele pas-sou a estar no nível que mais lhe era próprio.

Na elevação de seu caráter, Vidigal nãoficou zangado comigo; continuou colabo-rando com frequência com seus artigos epermanecemos amigos, e ambos interessa-dos na Revista Marítima Brasileira.

Assim era Vidigal, hors-concours!

Do Capitão de Mar e Guerra NewtonFerreira Campos Júnior:

Contemporâneos da Escola Naval, eleuma turma mais antiga, somente como te-nentes passamos a ter um convívio maiorde amizade e profissional, pois éramos vizi-nhos no Leme e colegas como maquinistas.

Como vizinhos, fizemos uma viagem aSão Paulo, a fim de vermos o astronautasoviético (primeiro homem a viajar no es-paço, em 1961, a bordo da Vostok-1) quevisitava o Brasil divulgando o programaespacial soviético, o então famoso YuriGagarin, falecido poucos anos depois emacidente aéreo. Foi um passeio agradável,mas que nos decepcionou, pois esperáva-mos ver a Vostok-1 e o que havia noIbirapuera era uma réplica. Foi a primeiravez que viajamos juntos, com esposas.

Como instrutores do Curso de Especia-lização de Máquinas para Oficiais (Cemo),

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ele lecionando Caldeiras e eu MáquinasElétricas, já demonstrava sua paixão e apti-dão pelo ensino e ânsia de desenvolverseus conhecimentos, não apenas ligadosao assunto que lecionava, mas em especiala temas de interesse militar e nacional.

O preparo de suas aulas era feito emmanuscrito com uma letrinha minúscula quemal se podia ler. Aliás, sempre foi uma ca-racterística dos seus escritos, pois jamaisse rendeu à datilografia ou mesmo ao com-putador, e somente suas secretárias con-seguiam transformar aqueles escritos emtextos legíveis.

Quando oficial de Máquinas da Esqua-dra, fez questão de, ao meu lado, numa de-monstração de apoio, participar da provade mergulho do Submarino Rio Grande doSul, que havia sido reparado por nós noDique Flutuante Ceará. Fizemos um repa-ro pioneiro na Marinha, que foi usinar acamisa do eixo propulsor sem levar o eixopara oficina do Arsenal.

O submarino iria participar da OperaçãoUnitas e não havia tempo útil para docá-lono Arsenal e retirar seu eixo para usinagemda camisa na oficina, o que seria o reparonormal. O Almirante Sabóia (Leopoldo), co-mandante do Trem da Esquadra, “bolou”como deveria ser feito o serviço e transferiua execução para o dique. De forma inéditana MB, docamos o submarino no dique flu-tuante e, à guisa de torno, acionamos o eixousando as baterias de bordo para alimentaro campo do motor e uma máquina de solda,emprestada pelo Arsenal, juntamente comum exímio torneiro (Pedro “Cachaça”), paraalimentar o motor fazendo-o girar lentamen-te enquanto um bisel (ferramenta de corte)montado pelo Pedro era movimentadousinando a camisa do eixo.

Nosso amigo acompanhou o reparo e,por fim, fomos à prova de mar. O submari-no submergiu à sua profundidade normalde operação sem qualquer anormalidade.

Ficamos os dois, confinados no interiordo compartimento da bucha, ajustando oengaxetamento a fim de, com nosso exem-plo, transmitir confiança à tripulação, queconsiderava que submarino era diferente deum navio e não comportava um reparo pro-visório em região tão vital à sua segurança.

No correr de 1974, como subchefe deGabinete do Ministério da Marinha, convi-dou-me para substituir o ComandanteHaroldo Lopes na Comissão Naval Brasi-leira na Europa (CNBE), onde permanecipor uns dois anos e onde tivemos bom re-lacionamento profissional, viajando juntosàs comissões de recebimento das fragatas,em Bremeton (Inglaterra); de submarinos,em Barrow (Inglaterra) e de varredores, emBremen (Alemanha).

Ainda servindo no Gabinete do Minis-tro da Marinha, quando regressei de Lon-dres convidou-me para assumir o cargo deencarregado do Grupo de Avaliação dasFragatas (GAF), recém-criado apenas nopapel. Disse-me ele que também não sabiacomo esse grupo iria funcionar, pois haviauma corrente de opinião sobre esse assun-to que achava que as avaliações deveriamser feitas na Inglaterra. Para facilitar minhavida e me dar um pouco mais detranquilidade, deu-me liberdade para esco-lher meus oficiais, o que fiz indicando óti-mos oficiais que conhecia e que estavamterminando curso na Escola de Guerra Na-val (EGN), o que me levou a receber uma“chamada” do diretor-geral do Pessoal,Almirante Henrique Sabóia, dizendo queeu havia passado por cima dele, uma vezque quem designava pessoal era ele e nãoo Gabinete do Ministro. Mas não houvemaiores consequências. O grupo foi cria-do e existe até hoje.

Como sempre muito metódico e siste-mático, frequentava a sauna do Piraquê,chegando sempre cedo para sua massageme abrindo o local onde nos reuníamos em

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um grupo alegre e onde essas passagensde Marinha eram por ele sempre lembradascom detalhes. Diga-se de passagem queele possuía uma memória privilegiada.

Para não fugir a sua pontualidade, saíada sauna rigorosamente às 11 horas.

As poucas lembranças aqui relatadassão uma pequena parte de sua vida de quepartilhei.

Tive a satisfação de estar com ele nasauna no sábado que antecedeu sua pas-sagem para uma nova e desconhecida vida.

Vai fazer muita falta à Marinha, à qual sededicou durante toda sua vida, mesmo de-pois de reformado.

Do Capitão de Mar e Guerra Francis-co Eduardo Alves de Almeida:

Almirante Vidigal: Exemplo de intelectualTive o privilégio de ser parceiro do Almi-

rante Vidigal em seu último livro publicado,Guerra no Mar, pela Editora Record. Já está-vamos discutindo nosso próximo projeto para2010 pela mesma editora. O livro seria intituladoUma nova História Naval Brasileira. O almi-rante queria congregar acadêmicos e oficiaisda Marinha, da mesma maneira que fez naGuerra no Mar, em um projeto que discutissea nossa história naval, assim como caminhosa serem trilhados pelo poder naval brasileiropara o futuro, com a participação da academia.O almirante não entendia a discussão do po-der marítimo sem a opinião de pesquisadoresem assuntos de defesa. Ele gostava do diálo-go, do debate, do contraditório, do desafio.Quanto mais polêmico, mais desafiador o as-sunto, costumava dizer. Gostávamos de vê-loem um púlpito. Sua eloquência era viva e entu-siasmada. Seu conhecimento, vasto e erudito.Seu amor pela Marinha, grande, como sua ex-periência de vida.

Nós, da Escola de Guerra Naval, que tive-mos o privilégio de conviver com ele em seusúltimos anos, contávamos com a sua dispo-

nibilidade para discutir o Brasil e o podermarítimo sempre. Sua morte tem sido um vá-cuo difícil para nós. Para mim, uma perda maisque sentida, uma perda pranteada.

Dois meses antes de ir embora, ele mepediu quatro coisas. A primeira, que eu emeu colega William Moreira revisássemoso livro ainda inédito, escrito por ele, A Vidade Nelson. Atualmente, estamos acaban-do essa revisão e em breve esperamos apublicação póstuma de seu belo relato so-bre Nelson. A segunda, que eu providenci-asse que seus livros fossem doados à suagrande paixão, a Escola de Guerra Naval, oque já foi feito, conforme o seu desejo. Aterceira, que eu propusesse ao AlmiranteBittencourt, diretor do Patrimônio Históri-co e Documentação da Marinha, a aberturade um fundo arquivistico no Arquivo daMarinha com todos os seus escritos, do-cumentos e trabalhos, publicados ou não,que poderiam servir como fonte de pesqui-sa a jovens acadêmicos no futuro. O Almi-rante Bittencourt não só concordou, comodesignou um arquivista para agilizar a com-pilação de toda a sua documentação. E, porfim, que auxiliasse a sua família nos trâmi-tes administrativos na Marinha, caso algoacontecesse a ele. Nem precisei fazer mui-to, pois a Marinha, como sempre protetorade seus filhos, tudo fez e ainda faz paraauxiliar sua viúva e dependentes. Sua tur-ma de Escola Naval, a de 1946, teve umpapel fundamental nesse apoio familiar.Reafirmei o que meu pai dizia, de que so-mos todos pertencentes à família naval.

Acredito ter feito quase tudo. No en-tanto continuo triste. Sentimos falta de suainteligência, de seu humor refinado, de seuconhecimento estratégico, de sua experi-ência de vida, de sua docência entusias-mada, de sua alegria de viver e de seusplanos para o futuro.

Sentimos falta do Almirante Vidigal, nos-so grande mestre.

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HOMENAGEM AO VICE-ALMIRANTE ARMANDO AMORIM FERREIRA VIDIGAL

A Marinha perdeu um dos seus maisimportantes e respeitados intelectuais eganhou uma memória permanente.

Do Capitão de Mar e Guerra (FN)Cícero da Silva Santos:

Apresento em memória do Vice-Almi-rante Armando Amorim Ferreira Vidigal mi-nhas últimas homenagens, reproduzindoalguns dos pensamentos e ensinamentosque nos foram transmitidos por ele e queestão presentes nas mentes e nos coraçõesde todos nós, marinheiros e fuzileiros na-vais de todos os tempos; a saber:

“Podemos recuperar espaço, nunca tem-po. Eu posso perder uma batalha, mas nãodevo perder um só minuto.”

“É claro que nem o Direito (Internacio-nal ) nem a opinião pública mundial podemobrigar nações a agirem contra seus pró-prios interesses, necessidades e aspirações.Obviamente, os acordos não eliminam anecessidade de forças armadas poderosasque sirvam à dissuasão.”

“Desde Riachuelo compreendi, comoagora se compreende entre nós, que navi-os e marinheiros (e fuzileiros) não se im-provisam, e que uma nação como a brasi-leira, com tão vasta extensão de costas etão grandes rios internacionais, precisaestar seriamente aparelhada para a prontadefesa de suas comunicações marítimas efluviais, de seus portos e seu comércio.”

“Conforme a Guerra do Golfo compro-vou, os princípios de autodeterminação eda não intervenção não são mais válidos.”

“Foi por intermédio do Poder Marítimoe da capacidade de transportar por mar umaForça que podia ser projetada em terra,cada vez que desejava ou necessitava, quea Inglaterra ajudou a levantar seus aliadosno continente.”

“O que constitui o verdadeiro PoderMarítimo? Ou antes, o que dá a uma Nação

os atributos de Potência Marítima? É a fa-culdade de sustentar uma guerra marítima,defensiva ou ofensiva, ou com esses doiscaracteres.”

“Governos civilizados devem estar sem-pre prontos para enfrentar uma guerra emcurto prazo e jamais devem ser surpreendi-dos estando despreparados.”

“Aquele que comanda o mar, comandatodas as coisas.”

“É impossível haver progresso e desen-volvimento sustentado sem a percepçãode que o Brasil necessita de um eixo estra-tégico para o desenvolvimento marítimo.”

O Almirante Vidigal tinha todas essasvisões e, certamente por isso, é considera-do entre os estudiosos como um dos princi-pais geopolíticos brasileiros, reconhecido evalidado como sendo um dos mais impor-tantes seguidores de Mahan nos estudosestratégicos marítimos. Nos dias atuais, dis-cute-se nos círculos acadêmicos e militaresqual pensador, geopolítico e estrategistadeste século teria demonstrado com maioreficácia e validade superior esses concei-tos, ideias e a convicção quanto à importân-cia para o Brasil de sua Amazônia Azul e desuas águas interiores. Deixo essa provoca-ção à reflexão e análise dos admiradores eestudiosos do inesquecível e admirável che-fe naval conhecido e chamado por todoscomo Almirante Vidigal. Hoje o pré-sal ofe-rece excelentes argumentos, mais do quesuficientes, para que uma visão prospectivaconsistente, fática e convincente estude ebaseie-se nos estudos do Almirante Vidigal.Mas será apenas o pré-sal que pode nosoferecer os melhores argumentos para asideias, os pensamentos e as visões dos Al-mirantes Mahan e Vidigal?!

Do Capitão de Fragata RenatoFrederico Corrêa Vaz:

Meu amigo sauneiro

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HOMENAGEM AO VICE-ALMIRANTE ARMANDO AMORIM FERREIRA VIDIGAL

O Brasil perdeu o que, na acepção maiselevada e pura, se chama de um intelectual,ou seja, a de um profundo conhecedor deuma vasta gama de ramos do conhecimen-to – o Almirante Vidigal.

Leitor insaciável, possuidor de memóriaprivilegiada e com, o que é mais raro e difí-cil, disposição diuturna para transmitir suavisão das coisas, fosse na forma de escri-tos ou em palestras, aulas ou congressos,foi uma figura singular na sociedade brasi-leira. Nos últimos anos dedicava-se maisprofundamente à história e à estratégia,porém não descuidava de suas obrigaçõespara com o alto cargo que ocupava na ar-mação nacional.

Ele vai fazer falta ao País.Falar em sua contribuição para a Mari-

nha é uma tarefa hercúlea, que certamentevários colegas, com muito mais proprieda-de, já devem estar elaborando. Ao final, ve-rão que sua extrema dedicação e seu amor ànossa casa, apesar da grandeza, tem muitossimilares, porém seu legado tem raríssimoscasos semelhantes em toda nossa história.

Sem falar em seus livros, seus trabalhospublicados na Revista Marítima Brasilei-ra receberam tantos prêmios que os res-ponsáveis pela revista acharam por bemque eles não iriam mais a julgamento e otornaram hors-concours, abrindo assimvaga para que outros autores pudessemser homenageados.

Ele vai fazer muita falta à Marinha.Durante um período de minha infância

moramos na mesma rua. Éramos parentespróximos, e as reuniões familiares não eramraras. Não me lembro de todas, porém umadelas ficou indelével em minha lembrança.Deveria ser um domingo à tarde, havia umafesta na casa de um tio, pai da namoradaque viria a ser sua esposa. Eu brincava nocorredor com outras crianças, quando eleapareceu de jaquetão e espadim. Não pre-cisa dizer que fiquei impressionado. É a

imagem mais antiga que tenho dele e dealgo ligado à Marinha.

Quando fui movimentado para Natal pelaprimeira vez, nem tão rabudo, mas aindaum coati, ainda por cima recém-casado, ele,comandante da Corveta Forte de Coimbra,me hospedou em sua casa até que a Basearranjasse uma para mim.

E assim tivemos essas e muitas outraspassagens em comum em nossa profissãoe em nosso convívio familiar.

Mas não quero falar do primo mais ve-lho ou do Vice-Almirante Armando AmorimFerreira Vidigal; quero falar do grande par-ceiro dos sábados de manhã. Falo do ami-go de sauna do Clube Naval de tantos etantos anos.

Lembro-me bem da antiga instalação daala exclusivamente masculina da sauna,com uma sombria sala com espreguiçadei-ras e a pequena área descoberta, chamadade solário, porém onde o sol mal batia,barrado que era pela frondosa árvore quelhe ficava contígua.

Os massagistas eram só dois, Cabral eAmaro. O Cabral era bastante viril, quasemalvado mesmo, e o Amaro esfregava a gen-te sem muita energia ou muita técnica, e tal-vez por isso diziam as más línguas que elena verdade era um barbeiro que quebrava ogalho. Digo isso sem desmerecê-los, poiseles eram simpáticos e queridos por todos.

Ali, aos sábados pela manhã, quando nos-sas comissões permitiam, nos encontrávamos,colocávamos as notícias da família em dia econfraternizávamos com outros sócios. Nos-so grupo foi crescendo e já era famoso quan-do o clube resolveu construir a nova instala-ção. Foram escolhidos sete sauneiros vicia-dos para palpitar sobre o projeto do escritóriovencedor. Nós dois estávamos entre eles.

E assim passavam os anos, com perdasde amigos e a chegada de reforçoscompensadores. O grupo sempre foi muitodemocrático, aceitando qualquer sócio dis-

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HOMENAGEM AO VICE-ALMIRANTE ARMANDO AMORIM FERREIRA VIDIGAL

posto a falar e a ouvir, e acho que por issoé tão agradável o nosso convívio. Somosgenéricos, resolvemos tudo, desde aescalação do Olaria (sem ofensa) ao quefazer da descoberta de água em Marte, pas-sando, é claro, por soluções na políticamuito melhores que as existentes.

O Armando era sempre o primeiro a che-gar. Mesmo durante um período de racio-namento de energia, ele chegava antes dasluzes da sauna serem acesas e enfrentavaa escuridão da sauna a vapor. Eu era o se-gundo, chegava lá por volta de 9 horas, ebatíamos grandes papos até que chegasseo terceiro, ou que a Raimunda, do shiatsu,o chamasse. Mais tarde ele voltava, feliz,tecendo loas às mãos da massagista.

Sua presença na sauna também era muitoaproveitada por outros colegas, que lá entra-vam apenas para pedir sua opinião sobre pro-jetos literários de diversas naturezas. Ele ti-nha uma paciência ímpar em atender a todoscom a mesma simpatia e interesse.

Aliás, eram suas características marcan-tes manter a calma, não levantar a voz eouvir réplicas, às vezes sem profundidadee feitas de maneira grosseira, sem se alte-rar. Seu comportamento era o de um nobreeuropeu, levando ao extremo o tradicionalcavalheirismo e a lhaneza naval, não guar-dando mágoa ou rancor.

Mas havia, sim, um meio de irritá-lo, eisso virou um item quase obrigatório nasauna. Existia um famoso político de quemele era um ferrenho crítico e a quem se atri-buía um comportamento não muito mascu-lino. Era só citar uma notícia sobre ele quevinha logo o troco:

– Quem, a Shirley?E lá vinham impropérios impublicáveis,

o pessoal atiçava mais o assunto defen-dendo o acusado e a gente se divertia. Éclaro que ele também gostava da chacota.

Romântico inveterado, sempre chegavadas viagens contando os jantares sofisti-

cados com sua esposa, sempre acompa-nhados de bons vinhos.

Professor 24 horas por dia, de vez emquando relatava seus melhores momentosem aulas e palestras, sendo um dos maisrepetidos quando começou uma aula pro-curando acender uma vela pelo meio, nãoconseguindo, apesar da presença da fontede ignição e do comburente. Fez-se entãoo mistério, para suscitar a curiosidade daturma sobre o triângulo de combustão, queera o seu interesse.

Gostava de piadas e participava ativa-mente das sessões, fosse comentando oucontando.

De vez em quando também trazia uma frasenova, de que se jactava por sua criatividade.Uma de suas últimas foi para definir a únicamaneira de se obter determinado objetivo:

– Tem que estar tinindo!Rubro-negro assumido, não escondia a

satisfação pelas vitórias do Flamengo, as-sim como não perdoava os torcedores deoutros clubes nas gozações.

No sábado seguinte à semana em queteve alta de sua última internação, depoisde 15 dias no hospital, alguns no CTI, nãoresistiu à tentação e esteve na sauna. Esta-va bem magro e reclamou do estado desuas pernas. Pedimos a ele que pensasseem reduzir um pouco a carga de trabalho aque se impunha, pois trabalhava todo dia enunca recusava um convite, mesmo queisso implicasse viagens noturnas e fins desemana arruinados. Respondeu que esta-va de acordo e que iria assim proceder. Co-municou com extremo prazer que enfim ter-minara o livro sobre Nelson.

Na segunda-feira não atendeu ao nos-so apelo e foi ao escritório. O sentimentodo dever para com seu trabalho foi maisforte. Perdemos nosso amigo.

Uma de suas filhas, na cerimônia de cre-mação, lembrou seu lado herege, porémmuito bem complementou que àquela hora

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HOMENAGEM AO VICE-ALMIRANTE ARMANDO AMORIM FERREIRA VIDIGAL

o Senhor já o tinha designado para organi-zar uns tantos cursos e palestras necessá-rios no céu. Sem dúvida aquela boa alma,apesar da negação que praticava, está lá.Que Deus o tenha!

Continuo a chegar às 9 horas e procuropreencher o tempo lendo jornais, até quechegue outro companheiro, afinal de con-tas, “sustentar o fogo que a vitória é nos-sa!”, dizia nosso herói. É, mas eu não souherói, e a solidão não é boa companheira, ejá estou pensando em chegar mais tarde.

Fala-se em colocação de placas e home-nagens congêneres para marcar sua pas-

sagem pela sauna, mas conosco, seus ami-gos da sauna de sábado, fica a lembrançamais forte da pergunta jocosa:

– Quem, a Shirley?

CINZAS AO MAR

O Navio-Patrulha Gurupá suspendeu namanhã do dia 25 de janeiro para cumprir ta-refa na Baía de Guanabara, levando familia-res, amigos do Almirante e o capelão-chefe.

Dessa forma a Marinha do Brasil aten-deu ao seu desejo pessoal de ter suas cin-zas lançadas ao mar.

CLASSIFICAÇÃO PARA ÍNDICE REMISSIVO:<NOMES>; Vidigal, Armando Amorim Ferreira; Homenagem; Prêmio Revista MarítimaBrasileira;

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Maior feira de transporte de carga,logística e comércio internacional dasAméricas, a Intermodal versão 2010reunirá 490 expositores (50 deles iné-ditos), entre os quais:

– Dachser (empresa alemã delogística)

– Ministério da Economia, Infraes-trutura e Trans-porte de Tecno-logia da Baviera,Alemanha

– Gross Cargo(empresa brasilei-ra de agentes decarga)

– Racional(empresa brasilei-ra de engenharia e logística)

– Grupo Libra (terminais nosportos de Santos, Rio de Janeiro eCubatão)

– Hamburg Süd (líder no transportemarítimo no Brasil)

– Localfrio (armazéns frigoríficos)– Marimex (instalações portuárias

alfandegárias)– TAM Cargo (transporte aéreo)

EVENTOS

Infra-Porto

– Apresentação do Projeto “PortoSem Papel”, para reduzir o tempo deestadia para as embarcações nos por-tos e melhorar operações portuárias,

pelo ministro da Secretaria Especial dePortos, Pedro Brito, que falará, ainda,sobre as obras previstas pelo PAC, amodernização dos portos e o Plano Na-cional Estratégico dos Portos.

Intermodal Connection

– Palestrassobre as relaçõescomerciais entreo Brasil e seusprincipais parcei-ros comerciais.Presentes a Câ-mara de Comér-cio ArgentinoBrasileira de São

Paulo, a Câmara Brasil-China e a Câ-mara Americana de Comércio.

Intermodal Solutions Forum

– Palestras gratuitas com temascomo o perfil do profissional de logística,soluções para negociar com o Mercosule com o Mercado Comum Europeu,além de sustentabilidade em empreen-dimentos logísticos, entre outros.

Realização:United Business MediaTransamérica Expo Center – Ave-

nida Dr. Mário Vila Boas Rodrigues,387 – Santo Amaro – São Paulo

Outras informações:(11) 3289-2699, r. 106

16a INTERMODAL SOUTH AMERICA6 a 8 de abril, Santo Amaro, SP

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SUMÁRIO

PrólogoA inserção brasileira da Amazônia

Questões de fronteirasConcepção política dos Estados UnidosReservas indígenas

O transporte aquaviárioUma manobra geopolíticaA defesa da Amazônia

O ExércitoA MarinhaA Aeronáutica

Conclusão

AMAZÔNIA: UMA VISÃO POLÍTICO-ESTRATÉGICA*

HERNANI GOULART FORTUNAAlmirante de Esquadra (Refo)

PRÓLOGO

O pensamento das lideranças dos Esta-dos Unidos da América tem influenci-

ado significativamente a formulação de sua

política externa, que pode ser resumida emduas visões características, desde a inde-pendência daquele país:

Uma visão realista – O mundo é, ineren-temente, um lugar de conflitos, com os es-

* N.R.: Palestra proferida no Comando do 9o Distrito Naval em 11 de dezembro de 2009, durante aSemana da Marinha.

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AMAZÔNIA: UMA VISÃO POLÍTICO-ESTRATÉGICA

tados nacionais buscando a consecuçãode seus interesses, empregando todos osmeios ao seu alcance; portanto, a seguran-ça nacional não pode ser apenas garantidapela cooperação internacional (governosde George Washington, John Adams,Theodore Roosevelt, Harry Truman,Ronald Reagan e John Kennedy).

Uma visão liberal – Maximiza o papel dosorganismos internacionais para a soluçãopacífica dos conflitos, utilizando as leis domercado para conciliar antagonismos e in-teresses econômicos, favorecendo a nego-ciação e o convencimento (governos deThomas Jefferson, Woodrow Wilson,Franklin D. Roosevelt e Bill Clinton).

Entretanto, o final do século XX assistiua acontecimentos inimagináveis para umanalista da história que tivesse prospectadoum cenário conservador para a compatibili-dade de interesses e o equilíbrio de pode-res, em um mundo bipolar que parecia cris-talizado no início da década de 1980 e quehoje se materializa na existência dos Brics(sigla criada para designar os quatro princi-pais países emergentes do mundo – Brasiil,Rússia, Índia e China) e na reafirmação dosEstados Unidos da América em sua condi-ção de potência hegemônica num ambientede economia globalizada.

Os conceitos de poder, política, estratégiae objetivos são agora mais amplos e sofistica-dos, num novo ordenamento internacional,estabelecendo mecanismos de proteção queprivilegiam os países desenvolvidos do He-misfério Norte, congregando 85% da riquezade um mundo globalizado, em detrimento da-queles que, no Hemisfério Sul, usufruem ape-nas de 15% da riqueza gerada no planeta.

A INSERÇÃO BRASILEIRA DAAMAZÔNIA

A posição geoestratégica do Brasil nocontinente sul-americano resulta em uma fron-

teira terrestre que interage com dez países eem uma fronteira marítima com mais de 4 milmilhas de extensão. Nesse contexto, visamosa enfocar a Amazônia e seus aspectos maisimportantes no que diz respeito aos interes-ses brasileiros e à soberania nacional.

Assim, discutiremos a Amazônia brasi-leira, com sua área de 4 milhões de km², suaprojeção na plataforma continental, quepode atingir até 350 milhas, em face das pe-culiaridades do cone amazônico, distinguin-do-se de imediato uma área marítima e umaárea fluvial onde influências políticas e es-tratégicas desdobram-se em um cenário úni-co no mundo que interage com a maior flo-resta tropical do planeta, em aspectos debiodiversidade, província mineral privilegi-ada, vocação energética invejável e reser-vas de água doce não comparáveis a quais-quer outras fora das calotas polares.

Dessa forma, não é difícil distinguir osaspectos de natureza político-estratégicaque essa Amazônia possa representar paraseu desenvolvimento, sua segurança e suadefinitiva integração ao restante do terri-tório nacional.

Pretendemos, assim, apresentar algumasconsiderações e subsídios a uma questãoque desafia a nação brasileira, dona de umpatrimônio valioso demais, porque, em suaspeculiaridades, é única no mundo e nãoadmite soluções que não sejam encontra-das dentro das fronteiras nacionais.

No Tratado de Madri e no Tratado de San-to Ildefonso, ambos assinados na segundametade do século XVIII, foram obtidas ascondições que ratificaram interesses, viola-ções e precondições para que o gênio doBarão do Rio Branco emoldurasse a Amazô-nia no contexto do território nacional, desdea questão acreana, na Amazônia Ocidental,até a neutralização de contenciosos com astrês Guianas, na Amazônia Oriental, o quetornou o Brasil eminentemente amazônico,por determinismo geográfico.

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AMAZÔNIA: UMA VISÃO POLÍTICO-ESTRATÉGICA

A esses aspectos seguiram-se períodos deesquecimento do significado verdadeiro daimportância da Amazônia para a grande naçãobrasileira. Essa situação era compreendida poraspectos de significado efêmero, como o cicloda borracha, que, embora tivesse despertadoo interesse europeu e o norte-americano, nãoconseguiu superar o isolamento que o fatordistância determinava nas decisões nacionais,sem informações adequadas e, portanto, semo conhecimento da realidade.

A tentativa de estabelecer polos de in-fluência política e econômica na Amazôniapor países estrangeiros foi fruto da pre-sença norte-americana em Fordlândia, nadécada de 1940, e, posteriormente, do Pro-jeto Jari, na década de 1970. Em ambas assituações, houve reversões de expectativada fixação americana, com o retorno à so-berania brasileira.

Assim, a presença de tropas america-nas em Belém e Manaus, durante a Segun-da Guerra Mundial, pode ser consideradacomo a de um país aliado combatendo ini-migos comuns, o que, de certa forma, trou-xe benefícios que se desdobraram num pro-cesso de desenvolvimento econômico etecnológico para a região.

Projetos importantes tiveram lugar naAmazônia, no período de 1965 a 1975, comoa construção da hidrelétrica de Tucuruí; adescoberta e o desenvolvimento da pro-víncia mineral de Carajás; a construção docomplexo ferro-portuário Carajás-Ponta daMadeira, na Baía de São Marcos; a cons-trução do projeto Alumar, em São Luís doMaranhão; a construção do projeto Albrás-Alunorte, em Barcarena, no Pará; a extra-ção de bauxita na Mineração Rio do Norte,no Rio Trombetas; e a reorientação do Pro-jeto Jari para a produção de caulim e celu-lose branqueada, entre o Pará e o Amapá.

Esses empreendimentos, de forma diretaou indireta, foram resultado do célebre Pro-jeto Radam (Radar da Amazônia), que per-

mitiu o primeiro inventário, em bases cientí-ficas, da superfície e do subsolo da imensaregião amazônica, na década de 1970.

Se os aspectos de desenvolvimento es-tavam sendo atendidos, o mesmo não seaplicava aos requisitos de segurança. Oscontenciosos existentes, todos com des-dobramentos na região, são até hoje moti-vo de preocupação permanente com a se-gurança amazônica e, portanto, com a se-gurança nacional.

Questões de fronteiras

Estamos falando das questões de frontei-ras entre o Suriname e a Guiana; entre a Guianae a Venezuela, pela bacia do Essequibo; entrea Venezuela e a Colômbia, no Golfo daVenezuela; entre o Peru e o Equador, em que oBrasil é mediador; e entre o Chile, o Peru e aBolívia, quando perdas importantes foram so-fridas pelos dois últimos países na Guerra doPacífico, o que custou ao Peru a privação deseus territórios ao norte, em Arica, e à Bolíviaa sua saída para o mar, além de reivindicaçõesimportantes, resultado de questões não resol-vidas após a Guerra do Chaco, com o Paraguai.

A grave situação da Colômbia, que viveuma crise institucional sem precedentes, emque o Estado de direito é contestado pelo Es-tado de fato, que obedece ao narcotráfico e aocontrabando de armas, desdobra esse confli-to em pleno território amazônico brasileiro.

Retornando aos aspectos de seguran-ça, não poderíamos deixar de mencionar apeculiaridade da fronteira com a GuianaFrancesa, no estado do Amapá.

Primeiro, por não se tratar a Guiana deum Estado soberano, mas de uma extensãoda França, onde a Base Aeroespacial deKouru, em Caiena, lança satélites france-ses e brasileiros.

Segundo, porque existe uma articulaçãoestratégica entre Caiena-Fort de France(Martinica) e Pointe-à-Pitre (Guadalupe)

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projetando a influência político-estratégi-ca da França no Atlântico e no Caribe.

Terceiro, porque a presença de um Co-mando Militar Combinado nesse eixo, in-clusive com a presença de uma Brigada deSelva na Guiana, interage com os interes-ses brasileiros na região.

Na verdade, a fronteira do Brasil com aGuiana é maior que qualquer outra do terri-tório metropolitano francês com qualquerpaís da Europa.

Na última década, a Marinha brasileiracontribuiu decisivamente para a demarca-ção definitiva de fronteiras na região doOiapoque, no Amapá.

Por outro lado, a perspectiva de uma sa-ída para o Pacífico en-contra na Amazônia amais concreta possibi-lidade de sua realiza-ção, mais precisamen-te através da AmazôniaOcidental, alcançandoos portos peruanos deCallao, Ilo e Matarani,assegurando ao Brasiluma posição estratégi-ca de maior estatura nocontexto do continen-te sul-americano, concretizando umaformatação bioceânica para os eixos de co-municação nacional, limitados hoje às saí-das tradicionais para o Atlântico.

A Amazônia não está, portanto, imersaem uma atmosfera de tranquilidade, o quevem exigindo uma preocupação constantedo Brasil para manter sua integridade e pro-ver sua segurança.

Esse foi o propósito que levou à cria-ção do projeto Calha Norte, estabelecendoum arco de presença e proteção desdeTabatinga até Macapá. Entretanto, aquiloque seria a presença de órgãos federais,como Ministério da Saúde, Funai, PolíciaFederal, Ibama, dentre outros, limitou-se à

presença de pequenos efetivos do Exérci-to em pelotões de fronteiras, selecionadosem locais onde a logística era provida pe-los quartéis construídos e pelas pistas depouso para receber os aviões da FAB.

O projeto Calha Norte dos anos 80 estásendo substituído pelo Sistema de Proteçãoda Amazônia (Sipam), que abrange o Sistemade Vigilância da Amazônia (Sivam).Retornando ao Sivam, podemos defini-locomo um instrumento de viabilidade de açõesestratégicas, a cargo do governo federal, den-tro de um conceito sistêmico cujos elos sãoos órgãos governamentais que tenham comoobjetivo integrar, avaliar e difundir informa-ções e conhecimentos para a defesa, o de-

senvolvimento e a inte-gração da Amazônia aorestante do territórionacional.

Apesar dos óbicesgerados pela privatiza-ção da Empresa Brasi-leira de Telecomunica-ções (Embratel), espe-ra-se que o Sivam pos-sa realizar aquilo quenão foi possível alcan-çar com o Projeto Ca-

lha Norte, distorcido por incompreensõesideológicas e político-partidárias, acusadode ser um projeto de militarização da região.

Os limites da floresta tropical

Os limites da floresta tropical –Rainforest – ocupam a maior parte da Ba-cia Amazônica que se estende no sentidoNorte-Sudeste (NW-SE). Biologistas egeógrafos normalmente referem-se a estaregião como Amazon Rainforest.

Entretanto, no interior da Floresta Tro-pical há grandes extensões de savanas, en-quanto 10 a 15% da Floresta Tropical temsido deflorestada nas últimas três décadas,

A Amazônia não estáimersa em uma atmosfera

de tranquilidade, o que vemexigindo uma preocupaçãoconstante do Brasil paramanter sua integridade e

prover sua segurança

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situação essa mais sentida no limite sul daárea da Rainforest.

A ideia de que a floresta amazônica pos-sa ser considerada o pulmão do planeta éuma falácia. O oxigênio da terra foi acumu-lado durante centenas de milhões de anosem face do fenômeno da fotossíntese (umprodutor de oxigênio), que é maior que arate de decomposição do material orgâni-co morto (um consumidor de oxigênio).

A decomposição da folhagem daRainforest consome a mesma quantidadede oxigênio que a vegetação viva produz.

O phytoplankton marinho desempenha umpapel mais importante na produção de oxigê-nio que aquele pertinente à floresta tropical.

A conclusão natural é que a contribui-ção das queimadas da floresta tropical émuito menor, quanto à produção de gasesdo efeito estufa, do que o fazem o montan-te da emissão dos combustíveis fósseis.

A projeção marítima da bacia do RioAmazonas

O estuário atlântico influenciado pelo RioAmazonas tem aproximadamente 900 km deextensão, estendendo-se do estado do Paráaté a Guiana Francesa, viajando os sedimen-

tos do Rio Amazonas até odelta do Orenoco. O man-gue é a vegetação domi-nante ao longo do litoral.

Há somente três áreasde reserva protegidas aolongo de toda a costa:Puratuba, na foz doAraguari; Jipioca, na Ihade Maracá; e Cabo Orange,na foz do Oiapoque.

Com uma área de 4.500km², a Baía de Marajó, eco-logicamente, faz parte daBacia Amazônica.

Concepção política dos Estados Unidos

Com o fim da Guerra Fria e do confrontoleste-oeste, os Estados Unidos da Améri-ca emergiram como a única superpotênciado planeta, alterando profundamente o equi-líbrio existente no mundo bipolar.

Aspectos da Concepção Política e doConceito Estratégico dos EUA, emanadosem 1995 e revistos em 2005, pela Casa Bran-ca e pela Chefia do Estado-Maior Conjunto,permitem identificar os seguintes corolários:

– O mundo pós-Guerra Fria continuasendo um lugar perigoso.

– O conflito é, assim, inevitável, e tor-na-se altamente improvável que instituições

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internacionais possam restringir a tendên-cia da humanidade para a violência.

– Nenhuma Força Singular isolada in-corpora todas as capacidades que são ne-cessárias para responder a qualquer situa-ção de crise.

– Rivalidades étnicas, nacionais e religi-osas não estão sob o controle de uma hie-rarquia bipolar.

– A proliferação de armas de destruiçãoem massa é a grande ameaça.

– A existência de refugiados, fruto de con-flitos de guerra civil, pressiona a comunidadeinternacional.

– O combate às drogas e ao terrorismo éuma preocupação da estratégia nacionaldos Estados Unidos.

– A preservaçãodos ecossistemas éfundamental para oequilíbrio das necessi-dades globais da atualpopulação mundial.

Esse prisma de ob-servação, do ponto devista dos países do Pri-meiro Mundo, é maispreocupante quandoenfocado na peculiari-dade amazônica, onde coexistem 19 mil km devias navegáveis, a maior província mineral doplaneta, um potencial energético de mais de100 milhões de kW, um banco de germoplasmae uma biodiversidade incomparável, conviven-do com a maior floresta tropical do mundo ecom reservas de hidrocar-bonetos ainda emfase de delimitações.

Reservas indígenas

Não bastassem essas preocupações, exis-tem desdobramentos nas áreas de reservasindígenas, onde a questão da tribo Ianomâmifoi a mais polêmica de todas, pelo fato de nãorespeitar as peculiaridades de um subsolo

não conhecido, bem como a faixa de frontei-ras, estendendo-se além do território nacio-nal, dificultando a preservação da segurançaem áreas de difícil acesso, porém de grandesvulnerabilidades para ações de violações delimites geográficos, da prática de narcotráficoe de contrabando de minérios.

Assim, quando o governo brasileirodelimitou as reservas Ianomâmis, verificou-se que cerca de 10 mil indígenas ocupariamuma área de mais de 9 milhões de hectares,sem que o inventário do seu subsolo fosseconhecido em sua totalidade.

Estamos falando de mil hectares paracada índio, valor esse que nenhum planode reforma agrária ousaria apresentar à so-ciedade brasileira.

O trabalho poucodivulgado das missõesreligiosas estrangeirasdedicadas à catequeseindígena, com tarefas emissões definidas noexterior, também é mo-tivo de preocupação,em face da possibilida-de de vir a ser, eventu-almente, exigida a auto-nomia de nações tribais

dentro do próprio território nacional.Das 532 reservas catalogadas pela Funda-

ção Nacional do Índio (Funai), 358 estão naAmazônia, sendo que 50% ainda não foramdemarcadas. A tribo mais numerosa é a dosTikunas, no alto Solimões, com 14 mil índios.

As reservas indígenas brasileiras en-volvem, hoje, cerca de 200 mil índios, eaqui estamos tratando de algo que, pelassuas dimensões, abrange 11% do territó-rio nacional.

A zona de fronteira é constitucionalmen-te definida como a faixa de até 150 km delargura “ao longo das fronteiras terrestres,considerada fundamental para defesa doterritório nacional”.

Estamos falando de milhectares para cada índio,

valor esse que nenhumplano de reforma agrária

ousaria apresentar àsociedade brasileira

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O fundamento da criação da faixa defronteira, em nosso direito, é tríplice, resu-mindo-se nos desideratos expressos comtrês vocábulos: segurança nacional, pro-gresso e nacionalização.

Essas são preocupações que, sem dú-vida, afetam a consecução de um objetivonacional permanente, que é a integridadedo patrimônio nacional brasileiro.

O TRANSPORTE AQUAVIÁRIO

Em uma região ondea estrada é, normalmen-te, o rio, os eixos de de-senvolvimento estão in-timamente ligados aotransporte sobre águas.Não é sem motivo que amaioria dos projetos daregião só foramviabilizados pela funçãologística do transporteaquaviário.

A calha principal doSolimões/Amazonas,escoando a produçãodos poços da província de hidrocarbonetos,em Urucu, na confluência dos Rios Tefé e Coari,é responsável pelo abastecimento completoda refinaria de Manaus e pela perspectiva degeração de energia e produção de fertilizan-tes, pelos excelentes níveis do gás natural exis-tente, sem prejuízo de novas descobertas noalto Juruá, a 3.200 milhas de Belém, por viafluvial, distância essa superior àquela que uneRecife a Gibraltar.

Assim, também o Rio Madeira proporci-ona hoje o escoamento anual de mais de 2milhões de toneladas de grãos do PlanaltoCentral para o Atlântico, escoamento essecrescente a cada ano.

Verifica-se, dessa forma, que na área flu-vial e marítima da região amazônica convi-vem a navegação de longo curso, como um

instrumento do comércio exterior, a nave-gação de cabotagem, como uma soluçãopara os problemas de logística nacional, ea navegação interior, aproximando os cen-tros de consumo e de produção, reduzindocustos e contribuindo para a concretizaçãode uma demanda que acelera os aspectosde desenvolvimento da região.

Entretanto, no contexto acima, há de ha-ver uma preocupação com a livre navega-ção na Amazônia se desejarmos preservar odelicado mecanismo de sua ecologia fluvial.

Assim, um cuida-doso exame da compo-sição da Bacia Amazô-nica, por meio dainteração com as baci-as de seus rios tributá-rios, leva-nos a estabe-lecer medidas de con-tenção, visando a ade-quar o transporte flu-vial às característicasdessas bacias, não sópara minimizar agres-sões previsíveis comotambém para preserva-

ção da maior fonte de água doce do planeta.Assim, a Bacia Amazônica deveria ser pre-

servada, minimizando toda e qualquer agres-são que possa ser causada pela existência doseixos de transporte na região, sem que o seudesenvolvimento e integração deixem de aten-der às suas funções econômicas e sociais.

Não há dúvida de que a navegação delongo curso e a de cabotagem, singrando oAmazonas e seus tributários, representamuma ameaça constante à integridade da pre-servação dos ecossistemas e da qualidadedas águas doces das bacias hidrográficas. Odespejo de dejetos e rejeitos ao longo dederrotas de alguns milhares de milhas, semnenhum porto ou terminal que esteja prepa-rado para armazená-los, constitui-se num pro-blema grave que demanda a presença indis-

O Rio Madeiraproporciona hoje o

escoamento anual de maisde 2 milhões de toneladas

de grãos do PlanaltoCentral para o Atlântico,

escoamento esse crescentea cada ano

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AMAZÔNIA: UMA VISÃO POLÍTICO-ESTRATÉGICA

pensável da autoridade governamental, nãopara punir, porém para orientar e decidir.

Há de haver um planejamento em que osistema de transporte fluvial seja simplificadocom a preocupação de apoiá-lo e fiscalizá-lo, oque seria bem mais exequível e aceitável se agrande Bacia Amazônica tivesse suas águassingradas apenas por embarcações classifica-das para a navegação interior, delimitando-seum cinturão de isolamento compatível com asnecessidades da função logística do transportehidroviário e coerente com a circunscriçãodessa mesma Bacia Amazônica.

Pontos-limite para as navegações decabotagem e de longo curso seriam estabele-cidos nas fímbrias da bacia onde Barcarena,Macapá e Belém seriam marcos terminais paraas embarcações de mar aberto, oriundas doAtlântico, marcos esses que estariam prepa-rados para uma perfeita integração com a na-vegação interior, por meio de ações governa-mentais, seja em nível federal, estadual oumunicipal, abrangendo aspectos de apoiologístico que interajam com o embarque, de-sembarque, transbordo e armazenamento decargas transportadas.

Não é somente disciplinando o modal detransporte a ser utilizado na Bacia Amazôni-ca que suas expectativas de preservação es-tarão alcançadas. Urge a deflagração de umaverdadeira revolução no fornecimento deenergia, no saneamento básico, na educaçãoe na saúde das populações ribeirinhas, modi-ficando suas vidas, renovando seus costu-mes, atendendo a suas esperanças e seusanseios, sempre renovados ao ouvir o silvodas chaminés, a turbulência dos hélices e obanzeiro das marolas que as embarcações daMarinha deixam atrás de si, momentaneamen-te, visualizadas em esteiras de esperança.

UMA MANOBRA GEOPOLÍTICA

Uma manobra geopolítica contribuiria, so-bremaneira, para neutralizar os verdadeiros

propósitos de lideranças assumidas ou impos-tas que visassem a consolidar hege-moniaspolíticas, econômicas, militares e tecnológicas,em todo o continente sul-americano, fragmen-tando toda e qualquer liderança emergente,regional, subcontinental ou continental em queo Brasil seria o pivô mais prejudicado, em facede suas reais possibilidades geoestratégicas.

Um escudo protetor que interagisse deforma política e econômica no continentesul-americano, a partir dos blocos regio-nais já existentes, tendo como centrogravitacional estratégico o Brasil, seria defácil implementação caso existisse vonta-de política para a consecução desse pro-pósito. Esse escudo nada mais seria que aconsolidação dinamizada do Mercosul, doPacto Andino e do Pacto Amazônico.

Um capítulo à parte nessa manobra é aatração do Chile para o Mercosul e para oPacto Andino, pois suas projeções geográ-ficas terrestres no continente e marítimasno Pacífico têm imenso valor estratégico.

Estaríamos, assim, revivendo a Doutri-na Monroe, apenas com a assertiva origi-nal modificada, ou seja, a América do Sulpara os sul-americanos.

Mais uma vez, abre-se uma real oportuni-dade para a integração da Amazônia, utilizan-do-se aqui a Declaração da Carta de Belém,de 23 e 24 de outubro de 1980, em que eraobjetivo do Tratado de Cooperação Amazô-nica criar, por meio da união de esforços deBolívia, Brasil, Colômbia, Equador, Guiana,Peru, Suriname e Venezuela, mediante o me-canismo permanente instituído no Tratado,modalidades de cooperação e intercâmbio deinformações, visando a acelerar o desenvol-vimento socioeconômico dos respectivos ter-ritórios amazônicos, conservar seus recur-sos naturais e reforçar as ações previstas nosplanos nacionais correspondentes.

O primeiro artigo da Declaração de Belémanunciava todo um programa de desenvol-vimento para a região amazônica, acenan-

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do para a possibilidade de que os paísesamazônicos viessem, finalmente, a unir-senum projeto regional comum, visando aoprogresso econômico e social e à proteçãoe defesa da soberania desses países sobrea mais vasta bacia hidrográfica do planeta.

Nessa mesma época, instaurou-se nasaltas esferas da elite governamental ameri-cana e europeia a ideia de que se deverialimitar o crescimento das nações, sobretu-do daquelas que haviam recém-iniciado ociclo de industrialização, sob o pretexto deque o planeta Terra constituía-se num úni-co ecossistema e que o processo de de-senvolvimento industrial ameaçava o equi-líbrio desse sistema pelo consumo exces-sivo dos recursos não renováveis, geran-do sua breve exaustão.

Essa visão limitadora do crescimentoeconômico trouxe mudanças radicais àconcepção dos organismos multilateraisdestinados ao financiamento e auxílio àseconomias em desenvolvimento.

A face oculta dessa concepção era queos países desenvolvidos já haviam ultra-passado essas limitações quando a revo-lução industrial do século XIX, feita à basedo ferro, do carvão e da máquina a vapor,permitiu que o Império Britânico, seguidoda Alemanha, do Japão e dos Estados Uni-

dos, estabelecesse as bases de uma eco-nomia industrial em escala, sem nenhumcontrole ou compreensão do que seria umdesenvolvimento sustentado e que, ago-ra, esses países querem impor aos demaispaíses periféricos, tendo a Organização dasNações Unidas (ONU), o Fundo Monetá-rio Internacional (FMI), o Banco Mundial,a Organização Mundial do Comércio e asorganizações não governamentais comopoderosos aliados, com acesso pleno aosmeios financeiros e à mídia internacional.

Assim, o desenvolvimento foi contido eamplas áreas dos países, sobretudo da re-gião amazônica, foram transformadas em re-servas destinadas à conservação da faunae da flora, ditas raras, em que a presença decomunidades indígenas e daqueles que sedizem responsáveis por suas novascatequeses procuram dissimular o verdadeiropotencial das vocações da Amazônia.

Aos países do Novo Tratado de Coo-peração Amazônica caberá rechaçar os as-pectos mais desagradáveis da chamadaglobalização, tais como: contestação de so-berania, perda de identidade nacional, emer-gência de comportamentos desestabili-zadores, eclosão de conflitos étnicos, raci-ais e religiosos e o crescimento do narcotrá-fico e do crime organizado.

AMAZÔNIA: UMA VISÃO POLÍTICO-ESTRATÉGICA

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A DEFESA DA AMAZÔNIA

O EXÉRCITO

Há necessidade de uma mobilização con-tinuada de tropas para ocupar, vigiar e dissu-adir a permeabilidade de toda a regiãofronteiriça que antes era compreendida nogrande arco entre Tabatinga e a foz doOiapoque, previsto no Projeto Calha Norte,sem prejuízo de deslocamento de tropas ondee quando necessário, desde que o transpor-te fluvial pela Marinha e o aéreo pela Aero-náutica apresentem-se como soluçõeslogísticas adequadas, exequíveis e aceitáveis.

A MARINHA

Além de presençanos extremos do arcoocupado pelo Exército,ou seja, em Tabatinga eMacapá, caberá à Mari-nha tamponar apermeabilidade de even-tuais incursões emCucui, Boa Vista, SantoAntônio do Iça, Cruzei-ro do Sul, Boca do Acre,Porto Velho e Guajará-Mirim, no que diz respeito às áreas fluviais.

No que concerne à área marítima, há quehaver uma estação naval em Macapá, tam-ponando o Braço Norte do Amazonas quelimita a entrada de navios a até 44 pés decalado, nas proximidades do banco Sirius.

A presença de uma Esquadra em local aser adrede escolhido, se possível na pré-amazô-nia maranhense, na Bacia de SãoMarcos, em face de condições específicasde calado e apoio logístico integrado aorestante do território nacional, seja por ro-dovia ou ferrovia, sem dúvida, possibilita-rá apoio afastado e, quando necessário,apoio cerrado a eventuais operações na-

vais no delta do Amazonas, preservando aprojeção marítima do cone amazônico.

A AERONÁUTICA

A presença simultânea de unidades do Exér-cito e da Aeronáutica, nos primórdios do Pro-jeto Calha Norte, onde ao lado de um quartelhavia uma pista de pouso desdobrar-se-á noefetivo controle do espaço aéreo amazônico,que, com a Lei do Abate, empresta grande ca-pacidade de dissuasão para eventuais tentati-vas de penetração espúria na Amazônia.

CONCLUSÃO

Os interesses nacionais e os objetivosestratégicos da naçãobrasileira foram identi-ficados e definidos,com rara felicidade, porJosé Bonifácio, logoapós a independência,e explicitavam-se napreservação da novacondição política, nafixação das novas fron-teiras e no desenvolvi-mento econômico, pormeio da participação

no comércio internacional. A lucidez de JoséBonifácio levou à criação imediata dos Mi-nistérios da Justiça e da Marinha, visando àintegridade do patrimônio nacional, em quea Amazônia já preocupava o poder centralpor seu isolamento e distância.

O Tratado de Madri e o Tratado de SantoIldefonso, que ratificaram todas as alteraçõesdo Tratado de Tordesilhas, asseguraram aoBrasil sua forma triangular e amazônica, porexcelência, fruto de um determinismo geo-gráfico que concentra nessa região mais de 4milhões de km² do território nacional.

Apesar dessa peculiaridade, a Amazôniaé uma região praticamente virgem, pois so-

A Amazônia é uma regiãopraticamente virgem, poissomente cerca de 8% desua superfície foi fruto de

ação antrópica, ou seja, dealteração devida à ação do

homem

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mente cerca de 8% de sua superfície foi fru-to de ação antrópica, ou seja, de alteraçãodevida à ação do homem – desmatamentos,invasões, grilagem, ocupação ilegal.

O Brasil não tem um contencioso definidonem problemas de fronteiras, porém, conti-nua a apresentar problemas nas fronteiras. AAmazônia brasileira, com seu imenso arco se-tentrional desde Tabatinga, na fronteira coma Colômbia, até o Amapá, na fronteira com aGuiana, apresenta uma vulnerabilidade apre-ciável às questões do narcotráfico, guerri-lhas ideológicas e contrabando de armas, quese desdobram a partir dos países vizinhospara o território brasileiro.

Outras questões, como a demarcação deterras indígenas, preservação ambiental,biodiversidade, provín-cias minerais extrema-mente nobres, elevadareserva de água doce egrande potencial ener-gético, determinam umapreocupação constantecom o espaço amazôni-co, onde os sistemas deproteção e vigilância,ora em implementação,têm vícios na origem desuas concepções, já que a satelização dessessistemas deixou de ser monopólio nacionalpela privatização da Embratel e os vetores avan-çados de sensoreamento ainda buscam umainteração adequada com as plataformas ondeserão instalados.

As vocações já identificadas, como a mine-ral, a agrícola e a energética, devem ser fruto deinterações entre governo e empresas, em que avisão sistêmica dos projetos permita que eixosde desenvolvimento substituam conceitos ul-trapassados de polos de irradiação.

Dessa forma, será possível que a ener-gia, a logística e a telemática (telecomuni-cações + informática) estejam presentesnesses eixos de desenvolvimento.

Se quisermos preservar o direito da naçãobrasileira de promover o progresso, sem an-gústias e incertezas, livre do arbítrio daquelesque se julgam com o direito de policiar suasatividades, não temos dúvida em afirmar que aregião amazônica constitui-se em uma ques-tão prioritária para a soberania nacional.

Assim, a Estratégia Nacional de Defesanão poderá ignorar que a Amazônia tempeculiaridades que exigem ações especiaispara sua preservação e segurança.

Não bastassem essas preocupações, exis-tem desdobramentos nas áreas de reservasindígenas, em que a questão Ianomâmi e ademarcação da reserva Raposa Serra do Solforam as mais polêmicas, pelo fato de ignora-rem não só as questões das faixas de frontei-

ras, como também oteor do subsolo abaixodas reservas concedi-das, dificultando adetecção de mineraisnobres e a preservaçãoda segurança em áreasde difícil acesso e gran-des vulnerabi-lidades,para ações de violaçãode fronteiras, da práti-ca do narcotráfico e do

contrabando de minérios.Hipóteses de conflitos na Amazônia pre-

cisam ser identificadas e explicitadas à luzde fatores como consolidação e vivificaçãode fronteiras, patrimônio da humanidade,internacionalização, biodiversidade, pulmãodo mundo, fonte inesgotável de água doce,vilã do efeito estufa e outros que possamjustificar tentativas de monitoramento ou li-mitação da plena soberania nacional em so-lucionar a grande questão da Amazônia bra-sileira, que esperamos ver desenvolvida edefinitivamente integrada ao restante do ter-ritório nacional.

Não há dúvida que, dentro desse contex-to, o perigo maior para a região amazônica

Estratégia Nacional deDefesa não poderá ignorar

que a Amazônia tempeculiaridades que exigemações especiais para suapreservação e segurança

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consiste exatamente em permanecer comouma reserva de bens, aguardando uma cres-cente pressão externa sob a forma de um im-pulso à fragmentação do espaço amazônico.

Dessa forma, um Novo Tratado de Coo-peração Amazônico será obrigado a pen-sar em formas de avançar nas tentativas deocupação do espaço amazônico e de im-pulsionar os integrantes do Tratado à coo-peração para o desenvolvimento regional.Esse avanço, se delineado numa bem urdi-da manobra geopolítica, elevará, em curtoe médio prazo, o potencial dos países daregião, transformando-os no polo sul-ame-ricano, parceiro e não simples coadjuvanteda economia mundial.

Assim, quando se observa a conjuntu-ra internacional, com as ameaças e oportu-nidades que encerra, cada vez mais apare-ce claramente que a problemática do de-senvolvimento regional dos países do Tra-tado e dos demais países sul-americanostem em seu cerne a questão amazônica. Sefor obtida a correta identificação e soluçãodesses problemas, sem dúvida crescerãoas implicações de segurança e defesa.

Essas questões de segurança e defesadeverão ser alicerçadas em capacidade dedissuasão, demonstrando a possíveisagressores uma vontade política de lutar,aliada à capacidade de oferecer uma longaresistência, que exigirá do eventual

agressor um preço por demais elevado emvidas humanas e em recursos logísticos.

Dessa forma, a defesa e a segurança daAmazônia revestem-se de um caráter decentralidade no planejamento estratégico dospaíses que integrarão o Novo Tratado de Co-operação Amazônico, exigindo a criação deuma zona de desenvolvimento e prosperida-de que venha a ser suficientemente forte parasubsistir a ações desestabilizadoras impostaspor interesses de blocos ou terceiras potênci-as estimuladas por sensações incontroláveispara a submissão ou a conquista da região.

Afinal, por que persistir no Mercosul eagora na União das Nações Sul-America-nas (Unasul), onde o confronto de ideologi-as em nada contribui para a solução dosgrandes problemas da Amazônia? Por quenão interagir com a Organização dos Esta-dos Americanos naquilo que for do interes-se da Amazônia Brasileira, se é na Organiza-ção dos Estados Americanos (OEA), da qualtodos são membros, onde têm sido tratadose defendidos os interesses sul-americanos?

Afinal, estamos falando de metade do terri-tório brasileiro, da maior província mineral doplaneta, da maior floresta latifoliada do globo,dotada de uma biodiversidade inigualável,dona do maior banco de germoplasma do pla-neta, abrigando uma expressiva parcela damatriz energética nacional e projetando os in-teresses brasileiros no Atlântico e no Caribe.

BIBLIOGRAFIA

1. Caprile, René. “A Guerra das Águas”; Jornal do Brasil; Ideias/Ensaios. 22/3/92; Rio de Janeiro;RJ.

2. Clube Naval. “Simpósio Amazônia Brasileira”. Revista do Clube Naval. Ano 109, no 309. Rio deJaneiro, RJ.

3. Gama e Silva, Roberto. “Os Recursos Naturais do Brasil”. Questões Importantes Referentes aoMar. São Paulo, SP. Sociedade dos Amigos da Marinha, Soamar. Coordenadora: GeorgetteNacarato Nazo, 1996.

4. The Smithsonian Atlas of The Amazon. Smithsonian Books – Washington and London-2003

CLASSIFICAÇÃO PARA ÍNDICE REMISSIVO:<ÁREAS>; Amazônia; Geopolítica; Política externa; Política interna; Estratégia;

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SUMÁRIO

O arquipélagoUm pouco da história da ilhaAlgumas curiosidades sobre a ilhaAbastecimentos pela Corveta Imperial Marinheiro, 1969

Primeiro abastecimentoOutro abastecimento

ABASTECIMENTO DA ILHA DA TRINDADE

OSCAR MOREIRA DA SILVA*Contra-Almirante (Refo)

O ARQUIPÉLAGO

O Brasil começa lá. O arquipélago com-posto pelas Ilhas da Trindade e de

Martin Vaz constitui o ponto mais a lestedo território brasileiro. Fica isolado no meiodo Oceano Atlântico, distanciando da nos-

sa costa, no paralelo da cidade de Vitória,cerca de 600 milhas náuticas (1.180 km).

A Ilha da Trindade, de origem vulcânicae de costões íngremes e rochosos, tem 9km2 de área, onde encontramos uma dúziade praias, quase todas de solo pedregosoe de corais, e uma terra vermelha e vegeta-

* O autor era, na ocasião, o Imediato do navio.

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ção rasteira. Sua vegetação é escassa, masapresenta uma fauna marítima riquíssima.

O clima na área é oceânico tropical, comtemperatura média anual próxima de 25ºC. Operíodo chuvoso se dá entre os meses deabril e outubro, quando o tempo muda cons-tantemente em poucos minutos. O sol forte,diversas vezes, é coberto por aguaceiros,conhecidos como “pirajás”, que, da mesmamaneira que chegam, vão logo embora.

As tartarugas-verdes, em grande quanti-dade, fazem as suas desovas na Ilha da Trin-dade. Além delas, a ilha abriga uma florestade samambaias gigantes, espécie endêmica,que se prolifera no Pico do Desejado, o maisalto da ilha, com 620 metros de altitude.

A Ilha de Martim Vaz fica afastada daTrindade cerca de 49 km. A superfície daMartim Vaz não chega a meio quilômetroquadrado de área. A vegetação é rasteira

Vista da Ilha da Trindade

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As samambaias gigantes

no topo e não há presença humana, ape-nas aves migratórias.

O arquipélago pertence a uma cadeia demontanhas submersas do Oceano Atlântico,numa linha reta que vai desde o estado doEspírito Santo em direção ao continente afri-cano. Nesse caminho encontramos profun-didades abissais que atingem 5 mil metros.

UM POUCO DA HISTÓRIA DA ILHA

Em março de 1501, o navegante espa-nhol Juan da Nova, a serviço de Portugal,partiu de Lisboa para a Índia. Ao se de-frontar com mau tempo e fortes ventos noAtlântico Sul, foi obrigado a mudar o rumopara oeste, o que resultou na descobertadeste novo pedaço de terra, que foi batiza-do de Ilha de Assunção.

Um ano após, o português Estevão daGama, também indo para a Índia, visitou aque-la mesma ilha. Ignorando a descoberta an-terior, ele deu o nome de Ilha da Trindade,mantido até hoje. Em 1539, o rei de Portugal,Dom João III, doou o território a um fidalgoda Casa Real, o qual nunca tomou posse.

Em 1675, um condenado sodomita ho-landês de nome John Mawson foi deixadona Trindade à sua própria sorte. Ele perma-neceu na ilha por cerca de cinco meses,onde escreveu um interessante diário en-contrado junto a seu esqueleto muitos anosdepois. Em suas anotações, ele descreveas explorações que fazia pela ilha em buscade comida e água, ambas escassas. Ele citaa presença de cabras, mas não faz qual-quer referência aos caranguejos, hoje umaverdadeira praga na ilha. Esse tipo de ca-ranguejo só existe no Caribe, o que nosleva a deduzir que os da Ilha da Trindadenão são nativos e provalvelmente vieramde lá. Era comum os portugueses coloca-rem animais nas ilhas, visando aos náufra-gos que pudessem chegar até elas. Daí,talvez, a presença das cabras naquela épo-ca. Ele, o condenado holandês, fala tam-bém das aves marinhas, dos poucos pas-sarinhos e das tartarugas, fontes de suaalimentação.

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Em 1700, o astrônomo inglês EdmondHalley, durante uma expedição no Atlânti-co, desconhecendo a descoberta de Por-tugal, ao passar pela ilha resolveu tomarposse dela em nome de seu governo.

Em 1781, a Inglaterra ocupou a ilha comtropas militares, o que foi contestato imedia-tamente pelos lusos. Dois anos depois, o vice-rei do Brasil, Luiz de Vasconcelos, enviou150 militares a bordo da Nau Nossa Senhorados Prazeres para retomar a ilha dos ingle-ses, mas ao desembarcarem constataram queela fora abandonada recentemente. Portugal,então, resolveu colonizar a ilha, assentandoalguns açorianos na Trindade. Estes, em pou-co tempo, verificaram que o solo era impro-dutivo e não se prestava à lavoura. A ilhapassou a servir como presídio e nela ficaramos militares para a guarda dos prisioneiros.Em 1795, a ilha voltou a ser desocupada eabandonada pelos portugueses.

Exatamente um século mais tarde, já Bra-sil República, a Inglaterra novamente vol-tou a ocupar Trindade, declarando-a terri-

tório britânico. No ano seguinte, em facedas várias tentativas de mediação, os in-gleses resolveram deixar a ilha, inclusiveretirando os sinais de sua posse.

Em 1897, o cruzador brasileiro BenjaminConstant demandou a ilha para a ocupa-ção oficial e definitiva, quando foi fixadoum marco na encosta do Morro do Pão deAçúcar, com duas placas comemorativas.

Durante a Primeira Guerra Mundial, o ter-ritório foi ocupado por tripulações militares eao seu término novamente abandonado. En-tre 1924 e 1926, a ilha foi adaptada para servirde presídio político. A imagem de Nossa Se-nhora de Lourdes, naquele período, foi colo-cada numa gruta que tomou o seu nome.

Com a entrada do Brasil na SegundaGuerra Mundial, a Marinha do Brasil vol-tou a ocupar Trindade, em face da sua lo-calização estratégica no Atlântico Sul. Estaocupação durou até junho de 1945.

Em 1950, a ilha foi visitada por uma ex-pedição científica com a finalidade de seplanejar uma colonização e a construção

O Poit – Posto Oceanográfico da Ilha da Trindade

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de uma base aeronaval, mas somente em1957 a Ilha da Trindade foi definitivamenteocupada por militares da Marinha do Bra-sil, com a criação do Posto Oceanográficoda Ilha da Trindade (Poit), que até hoje pro-tege o território.

Quase 40 homens da Marinha servemno Poit, em sistema de rodízio, por quatromeses. A cada dois meses, metade da tri-pulação é substituída. O Poit tem como prin-cipal tarefa a ocupação da ilha, garantindoa soberania territorial brasileira, além devigiar o tráfego marítimo nas proximidadese coletar dados meteorológicos e oceano-gráficos, que são divulgados para várioslugares do mundo.

ALGUMAS CURIOSIDADES SOBREA ILHA

A Ilha da Trindade sofreu váriasalternâncias entre ocupações e abandonos,sendo que na sua última desocupação fo-

ram deixados alguns animais estranhos àfauna da ilha, uns tantos porcos e galinhas-d’angola, além dos cabritos. Com o tempotodos se tornaram selvagens. Os porcos fi-caram na parte mais baixa da Enseada dosPortugueses e passaram a se alimentar doscaranguejos, as cabras permaneceram nasescarpas rochosas da ilha, e as galinhas-d’angola foram para o Desejado.

Com a ocupação do Poit, os porcos sel-vagens, de carne com gosto de peixe, foramsumariamente dizimados. Consequentemen-te, os caranguejos se proliferaram como for-migas e passaram a ser uma praga na ilha,inclusive atacando as recém-nascidas tarta-rugas nas praias. Esses caranguejos, ma-gros e de coloração amarelo-esverdeada, sealimentam das raízes das plantas rasteirasque a ilha possui. Quando alimentados comrestos de comida caseira, eles pegam corpoe mudam para uma cor grená e adquiremgosto apetitoso, dando origem a váriascaranguejadas entres os ilhéus.

Os caranguejos da Ilha da Trindade

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As cabras, que hoje já não existem maisna ilha, se alimentavam da relva junto àsnascentes, o que provocava uma reduçãono abastecimento de água da ilha. De vezem quando, uma pequena expedição arma-da tinha que subir aos picos para matar ascabras e, com isso, reduzir o rebanho pre-dador. Alguns cabritinhos eram trazidospara o povoado e criados ali até que seudono retornasse ao continente.

Já as galinhas, no topo do Desejado, pornão causarem danos ao meio ambiente, nãoeram caçadas, mesmo porque eram de difícilcaptura, pois, na presença de um ser huma-no, voavam para o tope das samambaiasgigantes, de onde ninguém as tirava. Al-guns ovos eram colhidos nos ninhos rastei-ros e trazidos para baixo, onde melhoravama refeição da tripulação do Poit. Algumasvezes esses ovos eram chocados, e os pin-tinhos criados no povoado também eramlevados quando os homens regressavampara suas casas ao fim da comissão.

Consta, não sei se é lenda, que, numadeterminada época sob a ocupação do Poit,foi trazido para a ilha um burro para ajudarna puxada da “cabrita” (espécie de balsaque faz a transferência de carga e pessoalentre o navio abastecedor e a ilha), mas todavez que um navio se aproximava da ilha e noapito do fundeio o burro fugia do povoadoe ia para o alto do morro, de onde não haviaquem o fizesse descer. O burro, algum tem-po depois, foi devolvido à granja que aMarinha mantinha em Duque de Caxias.

ABASTECIMENTOS DA CORVETAIMPERIAL MARINHEIRO, 1969

– Primeiro abastecimento

Há 40 anos, a Corveta Imperial Mari-nheiro – V15 –, recém-transferida da Forçade Submarinos para o 1o Distrito Naval, comsede no Rio de Janeiro, era comandada peloentão Capitão de Corveta Roberto de

A “Cabrita”

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Queiroz Guimarães. A tripulação, aindaacostumada aos exercícios e ao apoio aossubmarinos, enfrentava agora uma novavida operativa, envolvendo tarefas inédi-tas de socorro e salvamento.

Estava a corveta no porto de Santos,gozando de um fim de semana sem socor-ro, quando recebeu a ordem do Distritopara retornar urgente ao Rio de Janeiro paracompletar o abastecimento da Ilha da Trin-dade, visto que o aviso oceanográfico –AvOc – que foi fazer a faina perdeu os doisferros e teve que regressar, deixando emterra mais 17 homens que iam substituiroutros tantos pelo fim de comissão e maisalguns técnicos da Organização das Na-ções Unidas (ONU), que foram fazer repa-ro na estação meteorológica da ilha.

Além disso, a “cabrita”, que estava, ameio caminho, estaiada no navio e em ter-ra, emborcou e afundou. Depois a balsa foipuxada para a ilha e lá ficou encalhada, masinoperante.

Ao chegar ao Rio, atracamos no cais daDiretoria de Hidrografia e Navegação(DHN), onde recebemos da Base MoraesRego, por determinação do vice-diretor daDHN, o Capitão de Mar e Guerra Roxo deFreitas, uma “cabrita” sobressalente e doissoldadores. Recebemos também mantimen-tos e sobressalentes. Participamos de al-gumas reuniões e palestras para conheceros detalhes da ilha e da nova tarefa impos-ta à corveta.

Esta primeira viagem transcorreu semqualquer tipo de problema, com céu limpoe mar tranquilo todo o tempo. A travessiade ida levou o tempo esperado de três dias,para a velocidade da corveta.

O fundeio a 300 jardas da Praia dos Por-tugueses, onde se situa o Poit, foi feito coma precisão adequada. Os cabos foram pas-sados para terra e a balsa sobressalente ar-riada na água. O comandante tomou comoprimeira ação trazer os militares que termi-

naram o tempo na ilha e os técnicos queforam deixados indevidamente em terra. Porsinal, um deles, usando a mesma roupa hámais de uma semana, fedia tanto que o co-mandante o mandou logo para o chuveiro eemprestou-lhe uma andaina de roupa limpa.

O abastecimento foi feito com muitatranquilidade. A “cabrita” acidentada queestava na ilha foi desencalhada, içada parabordo, reparada pelos soldadores daMoraes Rego e devolvida para a ilha. Abalsa sobressalente da Moraes Rego foirecolocada a bordo para voltar com o na-vio (o Comandante Roxo de Freitas nãopermitiu que ela ficasse na ilha).

Todo navio da Marinha que vai a Trin-dade para abastecimento é obrigado a pas-sar, no mínimo, dois dias fundeado paraapoio psicológico aos ilhéus. Aproveitan-do que a faina também foi rápida, uma boaparte da tripulação baixou a terra. Houveaté uma pelada de futebol contra a tripula-ção do Poit. Somente o pessoal de serviçono horário e o comandante não foram paraterra. Este último não foi seguindo uma dasrecomendações do diretor de Hidrografia,Almirante Melo Baptista. O navio e algunsoficiais ganharam, durante a confraterniza-ção, alguns caixotes repletos de carangue-jos para levarem a bordo.

A volta foi tranquila como a ida, apenaso cantar contínuo das galinhas-d’angola(tôfraco, tôfraco...) e os trinados “méeeees”das cabras que vieram no convés, que in-comodavam bastante.

Os caixotes com os caranguejos foramestivados no paiol de mantimentos. Um de-les caiu pela escotilha e se espatifou lá em-baixo no paiol. Foi caranguejo para tudoquanto é lado. A partir daí não se viu maisnenhum rato no paiol (provavelmente as-sustados pelos ruídos produzidos pelos ca-ranguejos fujões) e três meses depois aindase encontrou um representante dos caran-guejos entocado por trás de uma caverna.

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O imediato também ganhou um caixotecheio de caranguejos. Chegou em casatodo satisfeito com aquela novidade. Co-locou o caixote na cozinha e pediu que todoresto de comida deveria ser colocado nocaixote para alimentar os animais. Depoisde uma semana o caixote estava estufadode robustos caranguejos, prontos para aprimeira caranguejada familiar. Umininterrupto crepitar vinha da caixa de ma-deira, razão da superpopulação no seu in-terior. Parecia que ia, a qualquer instante,explodir. Para aliviar a tensão, à noite foicolocada numa panela com água ferventeuma dúzia dos apetitosos caranguejos paracozinhar. Lá dentro do caixote ainda resta-ram algumas dezenas deles. Foi umacaranguejada festiva em casa.

Na tardinha do dia seguinte, o oficial, amulher, os dois filhos pequeninos e a babáforam a uma festa de aniversário, regres-sando por volta das 9 horas. Ao abrir aporta, depararam com uma verdadeira horda

de caranguejos, espalhados por toda a casa– um verdadeiro pandemônio. Colocaramas crianças, já dormindo, em suas camas efecharam as portas do quarto. A preocupa-ção maior era não permitir que os caran-guejos atacassem as crianças. Iniciaramentão a caça aos crustáceos, colocando-os de volta no caixote. As mordidas eramfrequentes, seguidas de pequenos gritos.Isto durou mais de uma hora. No caixotenão cabia mais nada, mas ainda eram tan-tos os que perambulavam pela casa queresolveram mudar a tática. Colocou-se águapara ferver e a partir daí os caranguejosencontrados eram jogados na caçarola ecozidos. Com a panela já transbordandode caranguejos, partiram para nova etapa:colocar os caranguejos capturados em umsaco reforçado de lixo para, no dia seguin-te, doar para os empregados do prédio oujogá-los fora.

Por volta da meia-noite, quando não seouvia ou via qualquer sinal de caranguejo,

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deram como terminada a faina e foram dor-mir. De madrugada, o imediato ouviu umbarulho dentro da cesta de brinquedos dascrianças, acendeu a luz e, quando abriu atampa da caixa, deparou com mais um ca-ranguejo brigando com um brinquedo deisopor dos meninos. Esse acho que foi ar-remessado pela janela.

Com o tempo, todos os caranguejos fo-ram degustados pela família e por algunsamigos, mas cerca de dois meses após àque-la fuga geral ainda se encontrou um crus-táceo debaixo da cama da empregada.

Outro abastecimento

Em outra oportunidade, também ememergência, a corveta foi designada paracompletar o abastecimento do AvOc co-mandado pelo Capitão de Corveta MucioSimão, que outra vez teve problemas e nãopôde completar a tarefa. A Imperial Mari-nheiro – V15 – atracou novamente no caisda DHN, embarcou os suprimentos, espe-cialmente tambores de óleo diesel, e emdois dias suspendeu rumo a Trindade.

Ao sair a barra, o navio se defrontoucom uma forte ressaca, mar bem encapeladoe, durante os caturros, ondas cobriam todaa proa e se chocavam na antepara do pas-sadiço. Num desses mergulhos da proa, omar penetrou no paiol de proa, provocan-do um curto-circuito no controlador damáquina de suspender e salgando o tan-que de aguada de proa. A partir daí perde-mos um tanque de água potável e só tería-mos uma única chance de fundeio, pois oiçamento do ferro, manualmente, por meiode manivela, demandaria um certo esforçoe seria bem demorado.

Ao contrário do primeiro abastecimen-to, pegamos mar bravo de proa e tempofechado durante toda a ida. A travessia,que normalmente leva três dias na veloci-dade da corveta, levou quatro. O cozinhei-

ro não conseguia cozinhar, pois as panelasdeslizavam e caíam do fogão. Passamos acomer frutas e rancho frio (tipo sanduí-ches). O problema da máquina de suspen-der, acrescido do mau tempo, e o mar degrandes ondas nas proximidades da ilhanão permitiam um fundeio seguro. Ficamosem frente à ilha esperando o mar melhorar.A situação na ilha era bastante crítica ecada dia que passava piorava mais ainda.Fizemos algumas tentativas de passar tam-bores de óleo diesel para a terra aprovei-tando a corrente local, mas não deu certo.Devido ao mau tempo, alguns tambores deóleo, estivados no convés de popa, trinca-ram e vazaram.

Dois dias zanzamos em frente à ilha, ten-do o cuidado de sempre passar em frenteao Poit, comandado na época pelo CC (FN)Azeredo, para que a sua tripulação nãopensasse que a corveta tinha ido embora.O mar melhorou e o comandante resolveufundear o navio a todo custo. Tendo emvista a natureza do fundo, o navio não pôdeunhar o ferro sob pena de perdê-lo, masficaria fundeado pelo peso de amarra lar-gada. Por esta razão, um homem na proaindicava o melhor ponto de fundeio.

Ao sinal do vigia de proa, o ferro foilargado e uma quantidade de amarra emexcesso foi deixada cair para segurar o na-vio naquele ponto, a poucas jardas da praia.Felizmente correu tudo bem no fundeio,tanto em posição quanto na própria segu-rança do navio.

O abastecimento da ilha correu normal-mente durante todo o dia, mas ninguémbaixou a terra, e o navio voltou carregadode caranguejos, umas galinhas-d’angola edois cabritinhos no convés da popa. O ime-diato, desta vez, rejeitou a oferta de umaoutra caixa de caranguejos.

No dia seguinte, por volta das 20 horas,o comandante resolveu deixar a ilha e re-gressar ao Rio de Janeiro. Aí começou uma

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ABASTECIMENTO DA ILHA DA TRINDADE

outra faina pesada: a de suspender. Formou-se uma enorme fila no convés de proa, ecada marujo dava umas 20 maniveladas parasubir um ou dois elos de amarra. No iníciotudo ia bem, mas quando o peso da amarrajá não era suficiente para segurar o navioem posição, ele começou a garrar. O imedia-to, na navegação, tirava posição a cada pou-cos segundos de intervalo e, conforme ocaimento, o comandante ordenava a máqui-na adequada. Para incentivar a guarnição jácansada, resolveu-se dar uma xícara decafezinho com uísque para cada 20maniveladas. A bebida escocesa acabou e

foi substituída por cachaça. Ao menor sinalde embriaguez, o marujo era recolhido à co-berta. Final da história: o navio suspendeucom o ferro pendurado pelos cabelos e ain-da com uns sete metros de amarra na água.Somente já seguramente afastada da ilha éque se recolheu a âncora no escovém, istolá pelas 4 horas da madrugada.

O regresso foi tranquilo, a missão foiplenamente cumprida e o comandante e atripulação da Corveta Imperial Marinhei-ro foram elogiados por meio de uma Ordemdo Dia do diretor de Hidrografia (Almiran-te Bierrenbach), lida em formatura geral.

CLASSIFICAÇÃO PARA ÍNDICE REMISSIVO:<ÁREAS>; Ilha da Trindade; Corveta; Abastecimento;

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SUMÁRIO

IntroduçãoEstado falido ou ganância?A situação da segurança na SomáliaAs resoluções da ONU e da IMOA lei do mar e a repressão à piratariaA repressão à piratariaConclusão

A PIRATARIA NA SOMÁLIA

ANTONIO RUY DE ALMEIDA SILVA*Contra-Almirante (RM1)

INTRODUÇÃO

A globalização tem incrementado a integração econômica entre os paí-

ses, e os mares têm tido um relevante papelnesse processo, já que cerca de 90% docomércio mundial, medido em peso e volu-me, é realizado pela via marítima. No entan-

to, hoje, como no passado, o transportemarítimo sofre ameaças de naturezas diver-sas,1 dentre as quais a pirataria é uma dasmais antigas. A pirataria se inclui no grupode tensões que afetam a globalização, de-nominadas por muitos autores como as“novas ameaças”. Neste trabalho, no en-tanto, elas serão denominadas de

* O autor é almirante da Reserva, ex-diretor da Escola de Guerra Naval, membro do Núcleo de EstudosEstratégicos da Universidade Federal Fluminense (UFF) e doutorando em Relações Internacionaispelo Instituto de Relações Internacionais da Pontifícia Universidade Católica (PUC-Rio).

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A PIRATARIA NA SOMÁLIA

neotradicionais, pois não são “novas”,mas sim ameaças que estão presentes aolongo da História e que agora voltaram ater destaque no cenário marítimo, princi-palmente depois dos atentados de 11 desetembro. Nelas poder-se-ia incluir o trans-porte ilegal de armas, de drogas, a piratariae o terrorismo. Esses tipos de ameaça seadaptaram aos novos tempos e utilizamprodutos da globalização, tais como ainternet, o laptop, o celular e o GlobalPositioning System (GPS). Por outro lado,pela sua natureza transnacional, elas têmgrande potencial para gerar a cooperaçãoentre os Estados.2

A história dos pira-tas se perde no tempo,algumas vezes ligadaaos interesses de al-gum Estado, como foio caso da pirataria nasAméricas, promovida,inicialmente, pelo inte-resse da França deacabar com o monopó-lio da Espanha naque-la parte do mundo.3

Mais recentemente,essa atividade se de-senvolveu principal-mente no Estreito deMálaca, no Mar do Sulda China e na África.A pirataria cresceu nos anos 90, chegandoao auge no período de 2000 a 2004, quandocerca de 400 ataques foram realizados. Apartir daí, os números declinaram, princi-palmente devido à atuação coordenada dospaíses da região do Estreito de Málaca,com a ajuda de organismos internacionais.

Apesar da redução, em 2008 cerca de290 ataques foram realizados em todo omundo, sendo que aqueles realizados nasáreas marítimas próximas do Chifre da Áfri-ca tiveram um crescimento expressivo, com

número estimado entre 111 e 184 ataques,dependendo da fonte.4 No ano de 2009, atéabril, cerca de 80 ataques foram realizadose cerca de 300 tripulantes e 18 navios seencontravam nas mãos dos piratas naSomália.

Este trabalho estuda esse fenômenobuscando responder, principalmente, àsseguintes questões: Quais seriam as prin-cipais causas da pirataria na Somália?Como a comunidade internacional está res-pondendo a essa ameaça? Quais os aspec-tos da Lei do Mar que estão envolvidos?Quais as principais medidas de prevençãoe repressão e o papel do Poder Militar?

Quais seriam algumaspossíveis ações parareduzir a pirataria naSomália?

Primeiramente, serádesenvolvida umamoldura teórica paraexplicar as causas dapirataria na Somália.Em seguida, será vistaa situação da seguran-ça naquele país e comoa Organização das Na-ções Unidas (ONU), aOrganização MarítimaInternacional (IMO) eos Estados estão res-pondendo a esse fenô-

meno. Na terceira parte, será analisada su-cintamente a Lei do Mar no que se refere àpirataria e os desdobramentos das Resolu-ções da ONU quanto aos aspectos dessalei. Na quarta parte, serão descritas e, su-cintamente, analisadas as ações que vêmsendo tomadas pela comunidade interna-cional, inclusive no que concerne ao em-prego do Poder Militar. Finalmente, serãoelaboradas conclusões que apontam paraa dificuldade de se acabar com a piratariana Somália.

Cinco fatores sãoconsiderados importantescausas para a existência

dos Estados falidos: fracodesempenho econômico,falta de sinergia social,

autoritarismo, militarismoe a degradação ambiental

provocada pelocrescimento populacional

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ESTADO FALIDO OU GANÂNCIA?

Não existe uma definição universalmen-te aceita sobre o que é um “Estado falido”.Gross analisa os Estados falidos tanto emrelação à clássica definição de Estado deWeber, que enfatiza a capacidade de coer-ção, quanto em relação à capacidade nãocoercitiva de prover serviços públicos. Nes-ta visão, cinco fatores são consideradosimportantes causas para a existência dosEstados falidos: fraco desempenho econô-mico, falta de sinergia social, autoritarismo,militarismo e a degradação ambientalprovocada pelo crescimento populacional.5

Gross estabelece uma taxonomia de cincotipos de “Estados falidos”: Estados anár-quicos, fantasmas, anêmicos, capturados eabortados. Nesse tipo de classificação, aSomália é considerada um Estado falido anár-quico, ou seja, aquele que não possui umgoverno centralizado que exerça a autorida-de, controle os meios de coerção e garanta asegurança interna.6

Rotberg considera que a fraqueza doEstado está relacionada com os níveis deefetividade de entrega dos bens políticosmais cruciais, dentre os quais a garantia dasegurança, especialmente a segurança hu-mana; o estabelecimento de regras; a ga-rantia dos contratos; a existência de umsistema judicial; a garantia da livre partici-pação política; a tolerância às diferenças;o respeito aos direitos civis e humanos; odireito a educação, saúde e infraestrutura.Analisando a Somália, o autor consideraaquele país como um Estado “em ruínas”,uma categoria por ele considerada comopior do que a de Estado falido.7 Carment,no entanto, considera a Somália como exem-plo de “Estado falido” e “em ruínas”, por-que o governo central não funciona e éincapaz de prover o bem-estar da sua po-pulação ou protegê-la contra ameaças in-ternas e externas; e a economia, a infra-

estrutura e os serviços básicos são defici-entes ou inexistentes.8

Rice e Patrick usam critérios semelhan-tes para determinar a fraqueza dos Estados.Essa fraqueza pode ser estabelecida verifi-cando-se a capacidade do governo em as-segurar um crescimento econômico, de man-ter instituições políticas transparentes, demanter o controle do território e a seguran-ça da população e de atender às necessida-des básicas do povo. Nessa visão, a Somálialidera o ranking, como sendo o mais fracode 141 países em desenvolvimento.9

O Índice de Estados Falidos de 2008,publicado pela revista Foreign Policy, ana-lisou 177 países em relação a dez indicado-res: pressões demográficas, refugiados edeslocados, legado de violência entre gru-pos rivais, fuga de cérebros, desenvolvi-mento desigual entre grupos, declínio eco-nômico acentuado, criminalização e perdade legitimidade do Estado, nível dos servi-ços públicos, direitos humanos, aparato desegurança, fraccionalização das elites e in-tervenção de outros Estados. A Somáliatambém foi classificada em primeiro lugarentre os “Estados falidos”.10

Assolado por conflitos internos, o país,desde 1991, não tem um governo centralque funcione satisfatoriamente, exercendoo controle do seu território e de suas áreasmarítimas, nem possui um Poder Judiciárioque permita o julgamento daqueles quecometem crimes. Em recente relatório, aotratar da segurança naquele país, a ONUreconhece que o Governo Federal Transi-tório da Somália (GFT), que é a décima quar-ta tentativa, desde 1991, de se formar umgoverno que funcione, agora comoconsequência do Acordo de Djibuti, nãotem capacidade para defender e controlartodo o Estado.11 Por outro lado, o fracodesenvolvimento econômico gera desem-prego, e a seca que assola a região prejudi-ca a produção de alimentos, agravando as

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condições de vida da população. A debili-dade do governo central, no entanto, nãosignifica que não exista nenhum tipo degovernança. Ela existe, normalmente, ba-seada em clãs, em determinadas regiões. Opaís tem algumas autodesignadas autori-dades regionais e transregionais, das quaisSomaliland e Puntland são os principaisexemplos. Essas sub-regiões têm, muitasvezes, conseguido relativo sucesso emquestões políticas, sociais, econômicas ede segurança. Se por um lado isso se cons-titui em uma vantagem, por assegurar umagovernança que o Estado central ainda nãopode prover, por outro lado, essas estrutu-ras descentralizadas geram um problemapara o fortalecimento do poder central.12

Além desses fatores, existe o problemada pesca ilegal e da poluição marinha. ORelatório da Organização das Nações Uni-das para a Agricultura e Alimentação (FAO)de 2003 destacava a existência de cerca de700 embarcações pesqueiras estrangeiraspescando ilegalmente na Zona EconômicaExclusiva (ZEE) da Somália e ressaltava quehavia forte suspeita de lançamento ilegal deresíduos industriais e lixo nuclear nas águasdaquele país. Relatório de 2005, preparadopara o Departamento de DesenvolvimentoInternacional da Grã-Bretanha, estima que,no período entre 2003 e 2004, a Somália per-deu cerca de cem milhões de dólares com apesca ilegal realizada por embarcações deoutros países e relaciona o problema com afalta de instituições governamentais capa-zes de monitorar e reprimir essa atividade. 13

Essas atividades ilegais comprometem oecossistema marinho, diminuindo a quanti-dade de peixes e prejudicando os pescado-res da região, que ficam sem a sua principalfonte de sobrevivência.

Assim sendo, as debilidades do Estadoe a falta de condições socioeconômicasgeram um ambiente favorável para o de-senvolvimento da pirataria e facilitam o re-

crutamento de pessoal para essa ativida-de. No entanto, embora essas causas con-tribuam, o dinheiro é hoje, como foi no pas-sado, a principal causa da pirataria. PeterLeeson, em recente livro sobre a importân-cia da visão econômica dessa atividade,considera que aos piratas se aplicam ospressupostos econômicos de que eles sãoautointeressados, racionais e respondema incentivos. A ganância é a principal moti-vação da pirataria, e o método de decisãoda escolha racional se aplica a esse tipo deatividade: se o custo aumenta, a tendênciaé de se buscar formas de reduzir os riscosou diminuir a atividade; por outro lado, seas vantagens e o lucro aumentam, a ten-dência é o incremento da pirataria. O su-cesso alcançado pelos piratas do passadopode ser resumido em alguns aspectos:primeiro, eles tratavam a atividade comoum empreendimento comercial e buscavamo lucro; segundo, porque criaram normassociais e práticas que garantiram o bomdesempenho dos envolvidos na atividade;terceiro, porque, normalmente, só usarama violência como um instrumento para ga-rantir o sucesso do empreendimento, pre-servando, inclusive, a vida dos reféns parapedir o resgate.14

A pirataria da Somália tem mostrado ca-racterísticas bem próximas das acima cita-das. Ela se baseia, principalmente, no recru-tamento de componentes de clãs, que pos-suem uma organização que lhes asseguracerta coesão social, e existem indícios deuma preocupação social com os membrosdos grupos envolvidos na atividade. Os pi-ratas que sequestraram o navio francês LePonant em abril de 2008, por exemplo, ti-nham um esquema de seguro que assegura-va o pagamento de US$ 15 mil à família deum pirata que fosse morto.15 A atividade temsido, basicamente, direcionada para o pedi-do de pagamento de resgate das embarca-ções ou da tripulação, o que, até o momen-

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to, tem garantido baixos índices de violên-cia contra as vítimas e contra os meios ma-teriais. Ao mesmo tempo, embora comecemdemandando altos valores, os piratas aca-bam aceitando valores bem menores, facili-tando a negociação e o pagamento do res-gate. O navio ucraniano MV Faina, que car-regava tanques T-72 e armas leves, foi libe-rado após seis meses, mediante o pagamen-to de US$ 3,2 milhões; e o navio supertanqueMV Sirius Star foi liberado, segundo infor-mado, por US$ 3 milhões. Caso os númerostornados públicos sejam verdadeiros, es-ses exemplos mostram que os piratas nãofazem demandas exorbitantes, apesar do altovalor da presa, facilitando a negociação comos proprietários e companhias de seguro,que consideram o pagamento como relati-vamente vantajoso quando comparado como valor do navio, dacarga e da tripulação.

Considerando osvalores máximos estima-dos em 2008, 184 ata-ques piratas foram reali-zados e somente 65 ti-veram êxito. Se foremconsiderados apenasos cerca de 22 mil navi-os que passam anual-mente no Golfo de Aden, isso significaria que0,8% dos navios foram alvos de ataque, masque apenas 0,3% do total de navios foram efe-tivamente apreendidos. Assim sendo, como onúmero de navios realmente sequestrados épequeno, em se considerando a quantidadetotal de navios segurados, e o valor dos bensé muito superior ao pedido de resgate, as com-panhias de seguro preferem pagar a quantiademandada. Para se ter uma ideia dos valoresrelacionados, toda a indústria de seguro nosEUA teve, em 2008, um lucro de US$ 455,6bilhões,16 enquanto foram pagos aos piratasda Somália, no período de janeiro e novembrode 2008, entre 25 e 30 milhões de dólares, se-

gundo relatório da ONU. Esses valores, noentanto, são extremamente elevados para ospadrões da Somália, onde o investimento ex-terno direto, no ano de 2007, foi de cerca deUS$ 2 milhões.17 Assim sendo, os recursosconseguidos com a pirataria ajudam a movi-mentar a economia local, a gerar empregos di-retos e indiretos e a criar uma rede de relacio-namentos e contatos que facilitam a organiza-ção e a execução da atividade.

Em resumo, o problema da pirataria naSomália está intimamente relacionado coma fraqueza do Estado e a falta de condiçõessocioeconômicas, o que possibilita que ospiratas possam atuar contra as linhas decomunicações marítimas a partir de basesde terra e conseguir recrutar pessoal parasua atividade. Atividade essa que, inclusi-ve, vem tentando ser justificada por alguns

piratas como uma ne-cessidade, devido afatores econômicosnão só de caráter in-terno, mas tambémcomo consequênciadas atividades ilegaisrealizadas por outrospaíses nas águassomalis. Nessa visão,a explotação ilegal

indiscriminada dos recursos pesqueiros ea poluição por resíduos industriais e dejetosnucleares realizadas por embarcações deoutras nações teriam deixado a populaçãoda Somália que vivia de pesca sem um meiode sobrevivência. Embora todas essas cau-sas contribuam, é o atrativo financeiro daatividade pirata que é a causa determinante.Além do dinheiro, não se pode descon-siderar o fato de que os piratas ganhamprestígio e status ao terem sucesso finan-ceiro em uma região onde as oportunida-des econômicas são escassas, gerando oefeito propagador da vantagem da pirata-ria. Assim sendo, a ganância e o Estado

Os recursos conseguidoscom a pirataria ajudam amovimentar a economialocal, a gerar empregos

diretos e indiretos

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falido são os motores que impulsionam apirataria na Somália.

A SITUAÇÃO DA SEGURANÇA NASOMÁLIA

A situação da segurança na Somália éextremamente grave. Atualmente, existeuma força de paz de nações africanas na-quele país, a African Union Mission inSomalia (Amisom), com cerca de 4.350 mili-tares de Uganda e Burundi, que garantema segurança do aeroporto, do porto e deum acesso rodoviário da capital,Mogadíscio. Apesar dessa força, a segu-rança na capital é ínstável e, no resto dopaís, é precária, inexistente ou controladapor facções. No mar, o controle estatal épraticamente nulo.

A ONU vem acompanhando a situação,e diversas ações nos campos político, di-plomático e socioeconômico vêm sendoimplementadas, à medida que os recursosfinanceiros assim o permitem. No campoda segurança, a possibilidade de uma for-ça de paz da ONU, que vem sendo estuda-da naquele organismo para substituir aAmisom, parece remota não só porque exis-tem resistências políticas na Somália, comoporque, até o momento, de cerca de 60 pa-íses consultados para contribuir com o efe-tivo dessa força apenas dez responderam,sendo que a maioria negativamente. Emface dessa situação, a estratégia sugeridapelo secretário-geral da ONU e aceita peloConselho de Segurança da ONU (CS-ONU)tem três fases. A primeira é continuar apoi-ando a Amisom para que ela consiga atin-gir o efetivo previsto de 8 mil militares quegarantam um relativo grau de segurança,enquanto, ao mesmo tempo, se ajuda ogoverno no processo político de reconcili-ação, de criação de instituições do Estado,na criação de uma força de segurança naci-onal, no desenvolvimento da força policial

e em outras medidas de caráter socioeco-nômico e humanitário. Todas essas medi-das, no entanto, dependem de recursos aserem disponibilizados pelos Estados-mem-bros da ONU. Caso esse plano de açãodesse resultado, poder-se-ia articular umaoperação de paz de pequeno vulto, quecontribuísse para ajudar a Amisom. Em umaterceira fase, haveria a possibilidade de umaoperação de paz da ONU mais robusta, quesubstituísse a Amisom.18 A questão, noentanto, é saber se a Amisom prosseguirá,devido aos custos políticos, humanos emateriais que a força de paz tem sofrido.Recentemente, essas tropas, embora cir-cunscritas à capital Mogadíscio e arredo-res, têm sido alvo de ataque de gruposislâmicos, inclusive daquele conhecidocomo Al Shabaab.19 Da mesma forma, aoutra questão é saber se o governo provi-sório conseguirá se manter no poder, antea atuação dos grupos que não o apoiam,principalmente os de orientação islâmica.

Assim sendo, a situação da segurançada Somália é extremamente delicada e temsido motivo de diversas resoluções do CS-ONU. Diante dessa situação, a pirataria parao governo somali é um problema menor quenão poderia ter prioridade nem ser securi-tizado. E como será visto no próximo item,na verdade, as resoluções do CS-ONU pas-saram a demonstrar maior preocupação coma pirataria pela pressão da OrganizaçãoMarítima Internacional (IMO) e pelo des-taque que a mídia passou a dar em relaçãoaos ataques piratas na Somália.

AS RESOLUÇÕES DA ONU E DA IMO

No bojo dos atentados terroristas de 11de setembro, a agenda internacional, lide-rada pelos EUA, passou a dar maior impor-tância às ameaças neotradicionais. O go-verno norte-americano, envolvido em con-flitos no Iraque e no Afeganistão, e sem

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condições materiais para atuar em todosos mares contra essas ameaças, passou aliderar um movimento para incrementar acooperação marítima internacional, com opropósito de tornar mais seguros os ocea-nos. Assim sendo, a pressão se estendeu àIMO, onde os EUA conseguiram que o con-ceito de segurança usado fosse ampliadopara abranger a possibilidade de ataquesterroristas, com a adoção do Código Inter-nacional de Proteção de Navios e Instala-ções Portuárias (ISPS Code) e a aprova-ção, em 2005, do Protocolo à Convençãopara a Supressão de Atos Ilícitos contra aSegurança da Navegação (SUA 88).20

Apesar da existência da Convenção doDireito do Mar, da Convenção das NaçõesUnidas contra o Crime Transnacional e daSUA 88, que fornecem as condições legaispara o combate à pirataria, a IMO, desde2005, vinha tentando securitizar o proble-ma da pirataria na Somália, alertando o CS-ONU sobre o incremento dessa atividade esolicitando medidas mais eficientes paracombatê-la, argumentando, inclusive, queos navios usados para o transporte da aju-da humanitária para os países da regiãocorriam o risco de serem atacados pelospiratas.

A partir de 2007, o CS-ONU começou adar alguma atenção ao problema, ao fazerreferência à pirataria nas Resoluções 1.727(2007)21 e 1.814 (2008),22 que tratavam dasituação da Somália como um todo, e aoencorajar os Estados-membros com navi-os ou aeronaves militares na região a pro-teger os navios mercantes, especialmenteaqueles que transportavam ajuda humani-tária para a Somália.

Enquanto isso, a IMO aprovava, em 29de novembro de 2007, a Resolução IMO-A2002 (25) que trata da pirataria e do rouboarmado contra navios na costa da Somália.Nessa Resolução, aquela organização,constatando que os ataques já alcançavam

200 milhas náuticas da costa, considera quemedidas excepcionais devem ser tomadaspara garantir a segurança das linhas de co-municação marítimas. Assim sendo, éestabelecida uma série de medidas de pre-venção e de controle a serem tomadas pelosgovernos. Além do mais, a IMO demandado governo provisório da Somália que tomemedidas que ajudem no combate dessa ati-vidade nas suas águas e que informe aoConselho de Segurança que, atendendo aoseu pedido, permitiria que navios e aerona-ves militares de outras nações pudessementrar nas suas águas territoriais para pro-teger navios mercantes e suas tripulações.23

Finalmente, em 2 de junho de 2008, o CS-ONU adota a Resolução 1.816, específicapara enfrentar o problema, apoiado no Capí-tulo VII da Carta das Nações Unidas. A Re-solução estabelece uma série de medidaspara combater a pirataria e o roubo armadonas costas da Somália. O documento, con-siderando a falta de capacidade do GovernoFederal Transitório (GFT) em impedir essaspráticas criminosas, permite que as forçasnavais dos Estados que cooperassem como GFT pudessem entrar, por um período deseis meses, “nas águas territoriais” e usar“todos os meios necessários” para reprimiros atos de pirataria e roubo armado, de ma-neira “consistente e relevante com o quedetermina o Direito Internacional”. É impor-tante que a Resolução busca realçar o prin-cípio da soberania, afirmando categorica-mente, nos “considerandos” e no parágrafo9o, que essa autorização só se efetivou de-vido ao consentimento do GFT, embora naprática aquele governo não tivesse nenhu-ma condição para resistir às pressões. AResolução se preocupou, ainda, em afirmaro caráter específico da mesma, ressaltandoque ela se aplicava apenas à Somália e quenão devia ser considerada como formadorade jurisprudência no Direito Internacional,e que não afetaria os direitos e obrigações

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dos Estados especificados na Convençãodas Nações Unidas para o Direito do Mar(CNUDM).

As resoluções posteriores do CS-ONU,1.838, 1.844, 1.846 e 1.851, todas de 2008,mostram como o Conselho vai reagindo àsnovas táticas empregadas pelos piratas24 evai securitizando a pirataria, relacionando-acom o problema da segurança e estabilida-de da Somália25 e com a possibilidade de osrecursos financeirosobtidos pelos piratasestarem financiando aviolação do embargode armamento estabe-lecido pela ONU.26

Desse modo, a pirata-ria passa a ter um mai-or destaque nas deli-berações do Conselho,e decisões e recomen-dações vão sendo to-madas no sentido decriar restrições para otrânsito de pessoas eo congelamento de re-cursos financeiros,para coordenar as or-ganizações e Estadosenvolvidos com forçasmilitares, inclusive coma criação de um centrode coordenação e paraenfrentar as questõesjurídicas relacionadascom a prisão e o julgamento dos crimino-sos.27 Ao mesmo tempo, o Conselho reco-nhece que a paz, a estabilidade, o fortaleci-mento das instituições, o respeito aos direi-tos humanos e às regras do Direito, e o de-senvolvimento econômico e social naSomália são elementos necessários para cri-ar as condições para a completa erradicaçãoda pirataria e do roubo armado nas áreasmarítimas daquele país.

Em síntese, verifica-se, pelo encadeamen-to das resoluções acima, que a questão dapirataria da Somália foi motivo de preocupa-ção inicialmente da IMO, que foi tomandomedidas dentro do seu âmbito de atuaçãopara tentar reduzir o problema, enquanto,ao mesmo tempo, tentava securitizar a ques-tão no CS-ONU. Foi a própria Organizaçãoque buscou conseguir o consentimento dogoverno transitório da Somália para que

navios e aeronavespudessem entrar nassuas águas territoriais.O CS-ONU, no entan-to, levou algum tempopara securitizar a pira-taria na Somália, só ofazendo à medida queos ataques piratas ga-nhavam força e desta-que na mídia e a IMOcontinuava pressio-nando por um posi-cionamento mais deci-sivo. Desde o início,esse processo de res-posta do Conselho foipaulatino. Inicialmente,houve apenas referên-cias à pirataria em re-soluções que tratavamda situação da Somáliacomo um todo, referên-cias essas que se pre-ocupavam mais com os

navios que carregavam a ajuda humanitária.A partir de junho de 2008, finalmente, o CS-ONU tomou as medidas que dão o amparolegal para as forças navais entrarem naságuas territoriais da Somália. Nas resolu-ções subse-quentes, o CS-ONU vai reagin-do às inovações das táticas piratas e às difi-culdades para levar os criminosos à Justiçae vai relacionando cada vez mais o proble-ma da pirataria com a questão da Somália

O Conselho de Segurançada ONU reconhece que a

paz, a estabilidade, ofortalecimento das

instituições, o respeito aosdireitos humanos e àsregras do Direito, e o

desenvolvimentoeconômico e social naSomália são elementos

necessários para criar ascondições para a completaerradicação da pirataria e

do roubo armado nas áreasmarítimas daquele país

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A PIRATARIA NA SOMÁLIA

como uma ameaça à segurança internacio-nal. Mesmo assim, as resoluções mostram apreocupação do CS em enaltecer o princípioda soberania de um Estado considerado fa-lido. Assim sendo, as resoluções mostram apreocupação de que a relativização do prin-cípio da soberania nas “águas territoriais”,expressa na autorização para que forças na-vais de outros países pudessem atuar nomar territorial da Somália, seja explicitamen-te afirmada como excepcional, apenas rela-cionada temporariamente com as dificulda-des ocasionais do Estado somali e que elanão seria, de forma alguma, consideradacomo jurisprudência para modificação da Leido Mar.

A LEI DO MAR E A REPRESSÃO ÀPIRATARIA

A CNUDM, ratificada por 158 países,sendo os EUA a grande exceção, estabele-ce vários conceitos de áreas marítimas. Noentanto, este trabalho tratará, basicamen-te, das seguintes áreas: o Mar Territorial, aZona Contígua (ZC), a ZEE e o Alto-Mar.Nas três primeiras, o Estado costeiro temalgum tipo de jurisdição e, portanto, nesteestudo, passarão a ser designadas comoáguas jurisdicionais marítimas. No MarTerritorial, o Estado tem amplos direitos,assegurando aos navios dos demais Esta-dos o direito de passagem inocente; na ZCe na ZEE o Estado costeiro tem alguns di-reitos de jurisdição; e o Alto-Mar é abertoa todos os Estados, que gozam de amplasprerrogativas nessa área.

A CNUDM, no seu artigo 101, estabele-ce a definição de pirataria como sendo, re-sumidamente, “todo ato ilícito de violên-cia... cometido para fins privados, pela tri-pulação ou passageiros de um navio ouaeronave privados, e dirigidos contra umnavio ou uma aeronave em Alto-Mar oupessoas ou bens a bordo dos mesmos” ou

“... em lugar não submetido à jurisdição denenhum Estado”. No artigo 100, é estabe-lecido que todos os Estados devem coo-perar na repressão da pirataria no Alto-Marou em áreas fora da jurisdição dos Esta-dos. O artigo 107 determina que só podemefetuar apresamento por motivo de pirata-ria os navios de guerra ou aeronaves mili-tares ou aqueles outros navios ou aerona-ves que mostrem sinais claros e que sejamidentificáveis como estando “ao serviço deum governo e que estejam para tanto auto-rizados”. No artigo 105, é estabelecido queos envolvidos no crime de pirataria aprisi-onados no “Alto-Mar ou em qualquer ou-tro lugar não submetido à jurisdição dequalquer Estado...” podem ser julgadospelos tribunais desses Estados.28 O rouboarmado contra embarcações é definido pelaIMO como qualquer outro ato criminososcontra navios ou pessoas ou proprieda-des que não sejam atos de pirataria.29

Nota-se, portanto, pelos artigos acimamencionados, que, segundo a CNUDM, apirataria na Somália só poderia ser comba-tida por outros Estados no Alto-Mar, ouseja, fora das águas jurisdicionais. A Reso-lução 1.816 da ONU, no entanto, flexibilizaos artigos da CNUDM e estabelece que asforças navais cooperando com o GFT naluta contra a pirataria e o roubo armado no“mar fora da costa da Somália” estão auto-rizadas a atuar nas “águas territoriais”. Nasresoluções seguintes, os termos alto-mar,“águas fora da costa” e “águas territoriais”são usados enquanto nada é dito sobre aZEE e a ZC.

Nota-se que os termos empregados naResolução não se coadunam com os termosda CNUDM. O que seriam as “águasterritoriais” e o “mar fora da costa” a que serefere a Resolução? Se o Conselho de Segu-rança considerou que as “águas territoriais”abrangem tanto o Mar Territorial, a ZC e aZEE, estaria aumentando os direitos dos

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A PIRATARIA NA SOMÁLIA

Estados previstos na Convenção, ao dar aconotação de “territorial” à ZC e à ZEE. Esseentendimento contradiria o que foi defendi-do pelas potências navais durante as dis-cussões da CNUDM, que buscaram mantera liberdade dos mares e reduzir ao máximoas limitações para as forças navais e defen-deram que os espaços marítimos fora do MarTerritorial fossem considerados “águas in-ternacionais”. Outro bloco de países defen-dia que esses espaços não eram águas in-ternacionais, mas sim águas jurisdicionaisdo Estado costeiro, nas quais os demaispaíses possuíam, apenas, alguns direitos.30

Embora não seja o propósito deste trabalhofazer uma discussão mais aprofundada daLei do Mar quanto à Resolução da ONU,cabe ressaltar que este documento parececonter impropriedades em relação àCNUDM, que podem gerar conflitos no en-tendimento da legalidade da atuação dasforças navais na Zona Contígua e na ZonaEconômica Exclusiva da Somália.

Quanto à questão de que a pirataria se-ria atribuição apenas de guarda costeiras efunção de polícia, verifica-se que aCNUDM, no seu artigo 107, dá às forçasnavais o amparo jurídico para atuar contraa pirataria. Sobre a questão jurídica relaci-onada com o julgamento dos piratas, a Con-venção, no artigo 105, estabelece que ospiratas aprisionados no Alto-Mar podemser julgados pelo país do navio que os apri-sionou. A CNUDM não trata de piratarianas águas jurisdicionais do Estado costei-ro; no entanto, fica subentendido que oscrimes e as infrações cometidos nessaságuas são julgados por este Estado. O pro-blema é que a Somália não tem um sistemajurídico e correcional capaz de realizar essatarefa. Assim sendo, havia dificuldades le-gais que faziam com que os piratas apreen-didos nem sempre fossem a julgamento, emuitos eram soltos após terem suas armasapreendidas. Para amenizar esse problema,

os Estados cujas forças navais estão atu-ando na área têm adotado duas maneirasde tratar os piratas aprisionados. A primei-ra é levá-los para julgamento no país cujasforças efetuaram a prisão, conforme pre-visto na CNUDM. A França adotou esseprocedimento em alguns casos. A segundaé fazendo acordos bilaterais com países daregião, de forma que os prisioneiros sejamjulgados por tribunais desses países. OQuênia, por exemplo, estabeleceu memo-randos de entendimentos bilaterais com osEUA e a Alemanha, e, desde o começo de2009, cerca de 130 suspeitos de piratariaforam entregues às autoridades judiciáriasdo país para serem julgados.31 A tendênciaé que esses acordos venham a ser amplia-dos para outros países africanos, de modoa não sobrecarregar o sistema judicial da-quele país e não categorizá-lo como o úni-co Estado da África que contribui para ojulgamento dos piratas. Para países comoos EUA e a Alemanha, essa opção é práticae evita a possibilidade de que, devido àobrigatoriedade de seguir as regras pro-cessuais mais sofisticadas dos seus paí-ses, os piratas não sejam condenados porfalhas no processo, com a consequente li-beração dos acusados e os problemasadvindos dessa situação. Essa é uma pos-sibilidade bastante provável, pois existemquestões jurídicas que complicam oapresamento e o julgamento dos piratas,tais como a localização dos ataques, o paísde registro do navio, a nacionalidade dostripulantes, as provas suficientes do atoda pirataria e a questão dos piratas meno-res de idade.

A REPRESSÃO À PIRATARIA

A Somália se localiza em uma posiçãoestratégica em relação às rotas marítimasque cruzam o Golfo de Aden para ter aces-so ao Canal de Suez, por onde transitam

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cerca de 22 mil navios por ano, e àquelasrotas que passam pelo Estreito de Ormuzem direção à África e ao Cabo da Boa Es-perança. As principais bases piratas estãolocalizadas na região semiautônoma dePuntland (Eyl) e Mudug (Harardera); noentanto, existem diversos outros pequenosgrupos operando de vários portos espa-lhados na costa.32

Os piratas começaram suas atividadesoperando no Oceano Índico e depois noGolfo de Aden. Com o incremento da pa-trulha naval no Golfo, eles voltaram a atuartambém no Oceano Índico. Eles utilizampequenas e velozes embarcações, normal-mente duas em cada ataque, que se apro-veitam da menor velo-cidade dos navios mer-cantes, atacando aoamanhecer ou ao anoi-tecer, em grupos decinco a 15 piratas emcada embarcação, car-regando armas de pe-queno porte, riflesAK-47 e lançadores degranadas. Nos ataques mais longe da cos-ta, eles têm utilizado navios-mães, que sãotipo de barcos pesqueiros de maior tonela-gem, que partem de portos na Somália e noIêmen, levando as lanchas rápidas a bor-do. Os piratas, normalmente, tentam captu-rar as embarcações, visando ao pedido deresgate da tripulação e do navio. Isso sedeve principalmente à situação da Somália,onde a falta de repressão em terra possibi-lita a existência de santuários. Os piratastêm demonstrado uma boa capacidade deadaptação, alterando os seus métodos àmedida que a repressão avança. Existemindícios de que eles podem ter estabeleci-do uma rede de informações que lhes per-mite saber de antemão o movimento de al-guns navios, facilitando o planejamentopara sua interceptação.

Somente a partir de 2008 a comunidadeinternacional passou a responder de formamais coordenada à ameaça pirata naSomália. Os EUA, naquele ano, determina-ram que a força naval combinada CFT 150,cuja missão é “a guerra contra o terroris-mo”, atuasse na região contra a pirataria,inicialmente operando entre a Somália e oIêmen, com a ajuda de navios do Canadá,da França e da Grã-Bretanha. Em janeiro de2009, os EUA, por meio do United StatesNaval Forces Central Command (Navcent),estabeleceram a CFT 151, que atualmentetem como missão efetuar operaçõesantipirataria no Golfo de Aden, no Mar Ver-melho e no Oceano Índico. Essa força con-

ta com um número emtorno de 12 navios decerca de uma dezenade países. Embora exis-ta o Comando da Áfri-ca, criado em 2007, eoperacional desde ou-tubro de 2008, ele nãotem forças navais per-manentemente adjudi-

cadas. Essas forças são subordinadas aoComando Central, como visto acima. Noano passado, quando os EUA criaram a IVEsquadra subordinada ao Comando Sul, adecisão foi criticada por alguns especialis-tas da área naval, que consideravam queteria sido melhor criar uma esquadra su-bordinada ao Comando da África, permi-tindo que esse Comando tivesse sob suaresponsabilidade as partes terrestre e ma-rítima do continente africano, no qual exis-tem inúmeros focos de instabilidade e in-segurança.33

A Organização do Tratado do AtlânticoNorte (Otan), em março de 2009, estabele-ceu que as forças navais em trânsito para osudeste asiático realizassem operaçõesantipirataria na região. Em dezembro de2008, a União Europeia decidiu realizar a

Somente a partir de 2008 acomunidade internacional

passou a responder deforma mais coordenada àameaça pirata na Somália

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A PIRATARIA NA SOMÁLIA

Operação Atalanta, com duração de umano, com a participação de cerca de 12 na-vios e mais de 1.500 militares, com a missãode contribuir para a proteção de navios doWorld Food Programme e de atuar contraos piratas. Essa operação naval foi inédita,pois, pela primeira vez, forças navais daEuropa atuaram dentro da Política de Se-gurança e Defesa Europeia e, portanto, forada subordinação à Otan.

Navios de outros países, inclusive deRússia, Índia, China e Irã, passaram tambéma operar na região. Os navios desses paísesnão são coordenados com a força-tarefanorte-americana, embora haja comunicaçõesentre eles. A participação dessas forças na-vais ao lado dos EUA e de outros paísesocidentais é uma boaoportunidade paraincrementar a coopera-ção marítima contra asameaças neotradicio-nais entre países que,normalmente, se en-contram em ladosopostos. No caso es-pecífico da China, essaatuação mostra o seuinteresse na África e avontade política departicipar com suas forças em outras regi-ões do mundo. O Japão, além de utilizar na-vios de guerra, está participando tambémcom aviões de patrulha marítima, operandoa partir de Djibuti.

Existe, portanto, uma diversidade de for-ças navais atuando na região, o que gera anecessidade de uma coordenação mais efe-tiva, que não será fácil de ser alcançada.Fruto dessa preocupação com a coordena-ção, foi criado, em janeiro de 2009, o Grupode Contato Multilateral para a Pirataria alémda Costa da Somália (CGPCS), com o pro-pósito de fazer recomendações quanto àsoperações militares e compartilhamento de

informações, às normas de segurança paraos navios mercantes e quanto às informa-ções diplomáticas e públicas relacionadascom a pirataria. Para ajudar nessas tarefas,o Grupo tem como uma das suas metas cri-ar um Centro de Coordenação Contra a Pi-rataria na região.34 O Grupo tem cerca detrês dezenas de países e organizações in-ternacionais. No entanto, o elevado núme-ro de participantes e a diversidade dos pa-íses são complicadores para se conseguirmedidas consensuais.

A IMO, espelhando-se no que foi feitopara atacar a pirataria no Estreito de Málacaem 2006, que resultou na criação do Acordopara Combate da Pirataria e Roubo Armadocontra navios na Ásia (Recaap), também

patrocinou, em Djibuti,em janeiro de 2009, umareunião com 17 paísesdo Oceano Índico, doMar Vermelho e doGolfo de Aden. Nessareunião, foi adotadoum Código de Condu-ta e outras medidas decombate à pirataria,aquele já assinado pornove dos 21 países daregião.35

Ao trabalho desses mecanismos políti-cos e operacionais se somam as operaçõesdas forças navais, atuando em comboiosou patrulhando áreas marítimas. O comboioé uma solução mais eficiente, pois permiteproteger um grupo de navios, mas essa al-ternativa tem o inconveniente de aumentaros custos para as companhias de trans-porte marítimo, porque os navios têm queaguardar a chegada de outros para formaro comboio. Fora do comboio, no entanto, émuito difícil as forças navais poderem so-correr os navios a tempo, a não ser queestejam muito próximas do ataque, devidoao tamanho da área marítima a ser patru-

O elevado número departicipantes e a

diversidade dos países sãocomplicadores para se

conseguir medidasconsensuais sobre a

repressão à pirataria

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lhada, à quantidade do tráfego, ao númeroreduzido de navios de guerra em patrulha eà velocidade das lanchas dos piratas.

A velocidade das lanchas piratas, que,normalmente, não são detectadas pelo ra-dar, permite que, dependendo do estado domar, o intervalo de tempo entre a descobertada ameaça e o momento em que os piratasalcançam o navio seja de 15 a 30 minutos.Assim sendo, a melhor tática para os naviosmercantes é retardar, o máximo possível, queos piratas tomem o navio, de modo aincrementar a possibilidade de socorro pro-veniente de navios deguerra que se encon-trem nas proximidades.A IMO tem enfatizadoa necessidade de osnavios mercantes te-rem medidas de segu-rança contra os ata-ques piratas, e as em-presas de transportemarítimo têm buscadoinformar aos naviosmercantes normaspara prevenir e lidarcom um ataque pira-ta.36 O ISPS Code, aprovado pela IMO nocontexto antiterrorismo, já preconizava pla-nos de segurança, que podem ser adapta-dos para a ameaça da pirataria. Existe tam-bém a possibilidade de seguranças, inclusi-ve armados, nos navios mercantes. O pro-blema é que essa medida aumenta os custospara as companhias de transporte e podegerar uma escalada mais agressiva em umaatividade que até agora tem se mostradocom baixos níveis de violência.

Além das dificuldades apontadas, o nú-mero de navios de guerra na região é peque-no. Ele tem se mantido entre 12 e 20, quan-do, na verdade, estima-se que cerca de 60unidades seriam necessárias para patrulharapenas o Golfo de Aden e muitíssimos mais

para o Oceano Índico. Por outro lado, asoperações são realizadas por navios de guer-ra mais sofisticados e caros, preparados paraa guerra no mar, cujas bases se encontramdistantes da área de operação. Isso implicaaltos custos de manutenção, que tornamdifícil manter forças navais na área por mui-to tempo, especialmente em um momento decrise econômica, quando, normalmente, setende a reduzir os orçamentos voltados paraa Defesa. Por sua vez, os Estados da região,na sua maioria, têm limitada capacidade enão dispõem de forças navais em número

suficiente para neutra-lizar a ameaça pirata.Além da ação no mar,o ataque às bases pi-ratas em terra seria ou-tra opção. No entanto,essa linha de ação temcustos políticos e ris-co de ocasionar perdascivis, o que poderia seraproveitado politica-mente pelos adversári-os do governo somalie afetar o processo dereconciliação política

que vem sendo conduzido pelo GovernoTransitório.

Apesar dessas dificuldades, a presençadas forças navais gera um efeito complicadorpara o planejamento dos piratas, que têm quebuscar áreas menos patrulhadas, e aumenta apossibilidade de eles serem interceptados. Onúmero de piratas aprisionados em 2009 jápassa de uma centena, e novas prisões têmsido realizadas. A França é o país que tem to-mado medidas mais enérgicas em relação àpirataria. Após o pagamento do resgate relati-vo ao Le Ponant, forças especiais francesascapturaram seis piratas e os levaram para se-rem julgados na França. Em outro incidente,as forças francesas mataram um pirata e salva-ram a tripulação de um iate. Os EUA também

A presença das forçasnavais gera um efeitocomplicador para o

planejamento dos piratas,que têm que buscar áreas

menos patrulhadas, eaumenta a possibilidade de

eles serem interceptados

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A PIRATARIA NA SOMÁLIA

adotaram uma linha dura, ao eliminar três pira-tas que mantinham refém o comandante deum navio mercante de bandeira norte-ameri-cana, o MV Maersk Alabama. O problemaquanto ao endurecimento da repressão é, porum lado, o risco que correriam os reféns quan-do da operação de resgate e, por outro, comoesse tipo de repressão afetaria o comporta-mento dos piratas, que até o momento têmatuado sem violência que causasse elevadonúmero de mortes dos tripulantes ou destrui-ção dos navios mercantes atacados.

Como o combate à pirataria no Estreitode Málaca conseguiu reduzir a ação dospiratas, existe uma tendência a se tentarrepetir as mesmas estratégias na Somália.No entanto, a situaçãonaquele estreito, ondeMalásia, Cingapura eIndonésia se juntarampara combater a pira-taria e tiveram, atéagora, bons resulta-dos, é difícil de ser re-petida, devido às dife-renças em relação àsduas regiões, emboraalgumas medidas pos-sam ser adaptadas.Primeiro, porque asáreas marítimas na Somália são muito mai-ores; segundo, porque os Estados do Gol-fo possuem o controle do seu território egovernos e instituições em nível muito su-perior aos que existem na Somália; tercei-ro, porque as condições econômicas da-queles países são muito melhores do queas condições econômicas da Somália; e,finalmente, porque houve a vontade políti-ca dos três Estados para desenvolver umaestratégia conjunta entre os países da área.Na Somália, a pirataria é apenas um proble-ma a mais e não é o mais importante paraum governo que tenta desesperadamentese viabilizar e que possui vizinhos com pro-

blemas políticos e sociais mais graves ecom forças navais com baixa capacidade.Isso não significa que, existindo a vontadepolítica do governo da Somália e o contro-le do território em terra, não se possa redu-zir drasticamente essa atividade, como ocor-reu quando a União das Cortes Islâmicastomou o controle de Harardhere e conside-rou a atividade ilegal, sujeita à aplicaçãoda lei islâmica.37

Embora o prestígio das forças navaisesteja em jogo, esse é um problema quenão será resolvido apenas por essas for-ças. Assim sendo, o que se pode esperarno curto e, talvez, no médio prazo são me-didas que tentem reduzir a pirataria, seja

pelo patrulhamento nomar ou por alguma in-cursão em terra. Noentanto, enquanto asvantagens auferidasforem superiores aoscustos da atividade,os piratas continuarãoa agir. Na verdade,esse é um problemapolítico, que envolvedecisões difíceis dosEstados para seengajarem em umaluta em terra e mar para

garantir a segurança das áreas marítimasameaçadas pelos piratas e, ao mesmo tem-po, criar condições que assegurem o de-senvolvimento econômico e social daSomália. Alcançar essas metas é um objeti-vo de longo prazo e, portanto, dificilmentea pirataria será erradicada tão cedo na área,embora ela possa até ser reduzida, depen-dendo do nível da repressão.

CONCLUSÃO

A pirataria na Somália tem várias cau-sas: ela está ligada à falta de controle do

A pirataria na Somália temvárias causas: ela está

ligada à falta de controledo território, às condiçõeseconômicas e sociais e àsvantagens financeiras da

atividade, que são aprincipal causa

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território, às condições econômicas e soci-ais e às vantagens financeiras da ativida-de, que são a principal causa.

Os números apresentados neste traba-lho mostram que a quantidade de ataquespiratas é muito pequena quando comparadacom a quantidade de navios que cruzam aslinhas de comunicações marítimas da região.Da mesma forma, as quantias pagas pelosresgates são muito pequenas quando com-paradas com os valores dos bens e das vi-das e com o lucro das empresas de seguro.Assim sendo, asecuritização pelo CS-ONU da pirataria naSomália está mais rela-cionada com a pressãopolítica efetuada pelaIMO em defesa dosEstados que possuemmaiores frotas de navi-os mercantes e com odestaque dado pelamídia do que, propria-mente, com a gravida-de da ameaça. Para for-talecer a ideia de levaro tema da pirataria paraum nível mais alto na agenda da segurançainternacional, diversas menções têm sidofeitas na mídia e em relatórios quanto à pos-sibilidade da ligação da pirataria com o ter-rorismo ou com alguma ideologia. No en-tanto, apesar das investigações efetuadasaté mesmo pelo governo norte-americano,autoridades daquele país reconhecem quenada foi comprovado.* O que mais motivaos piratas é o lucro conseguido com a ativi-dade. A ligação com o terrorismo apenasaumentaria os custos e, em face da impor-tância que vem sendo dada ao terrorismo

nos últimos tempos, daria um argumentoextremamente forte para ações mais radicaiscontra a pirataria, o que não seria benéficopara os piratas.

De qualquer maneira, a securitização fezcom que o tema ganhasse destaque nas re-soluções do CS-ONU. A Somália, sem con-dições de resistir às pressões e sem capaci-dade para atuar contra a pirataria, teve queceder e permitir que forças navais atuassemnas suas águas jurisdicionais marítimas. Asresoluções contribuíram para que outros

países participassemcom forças navais, oque veio ao encontroda política norte-ame-ricana de dividir oscustos da segurançarelacionada com asameaças neotradi-cionais, defendida pe-los EUA após os aten-tados de 11 de setem-bro, possibilitando, in-clusive, uma coopera-ção entre forças de pa-íses que normalmenteseriam considerados

potenciais adversários, como é o caso daChina, da Rússia e dos EUA. Além disso, apirataria na Somália tem tido o efeito de mo-bilizar, em prol de um objetivo comum, Esta-dos, organismos internacionais, organiza-ções não governamentais e organizaçõesligadas ao transporte marítimo.

Embora as forças navais de outros paí-ses contribuam para dificultar a ação dospiratas, esse problema é extremamente difí-cil de ser resolvido apenas pelas operaçõesnavais, devido às dificuldades de se prote-ger uma área marítima com tão grande exten-

* No documento Piracy off the Horn of Africa, no rodapé da página 30, é informado que o próprio Vice-Almirante William Gortney, comandante das Forças Navais do Comando Central, em depoimentono Congresso, informou que, apesar das investigações, nada foi encontrado que ligasse a pirataria agrupos terroristas.

A pirataria na Somália temtido o efeito de mobilizar,em prol de um objetivo

comum, Estados,organismos internacionais,

organizações nãogovernamentais e

organizações ligadas aotransporte marítimo

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são, ao altíssimo custo dessas operações,principalmente para os países que não têmbases na região, e às limitações políticas paraataques eficazes contra os santuários pira-tas em terra. Portanto, o problema da pirata-ria da Somália terá que ser enfrentado deforma abrangente, levando em considera-ção, pelo menos, quatro níveis que se inter-relacionam: o nível político, de reconcilia-ção e fortalecimento das instituições do Es-tado; o nível socioeconômico, que possibi-lite o desenvolvimento de atividades eco-nômicas que gerem oportunidades de em-prego e condições sociais para a populaçãoenvolvida na pirataria; o nível da seguran-ça, que possibilite o desenvolvimento doaparato de segurança que garanta ao go-verno somali um controle mais efetivo doseu território e as condições para a prisão ejulgamento dos envolvidos com a atividadepirata; e, finalmente, o nível da cooperaçãointernacional, que contribua para os três ní-veis acima. No campo internacional, alémdas medidas de apoio ao governo daSomália, a comunidade internacional deve-rá continuar os esforços para incrementar acoordenação diplomática e militar entre osdiversos países e organizações envolvidas;continuar apoiando as forças de paz africa-nas que atuam na Somália; aumentar a pro-teção das linhas de comunicações maríti-mas da região, inclusive com a coordenaçãodas forças navais e dos diversos atores queatuam na área; incrementar medidas que

aumentem a capacidade de autoproteção dosnavios mercantes, com a participação ativada empresas de transporte marítimo; e de-senvolver medidas e acordos que possibili-tem a restrição de uso dos recursos arreca-dados na pirataria e a detenção e julgamen-to dos envolvidos nas atividades piratas.

Muitas dessas medidas são de longoprazo, e estão diretamente relacionadascom a evolução da situação da Somáliacomo um todo. Além do mais, como vistono início deste trabalho, a principal causada pirataria é o lucro dessa atividade. As-sim sendo, dificilmente ela será erradicada,a não ser que os piratas considerem que ocusto em mantê-la, relacionado principal-mente com o sucesso da repressão, se tor-ne maior que as vantagens auferidas. Asmedidas de coordenação e de prevençãodevem ajudar na repressão, porém o tempopode ser um fator favorável aos piratas,principalmente se a situação da segurançana Somália não evoluir favoravelmente deforma a acabar com os santuários em terra,pois o custo de manutenção de forças na-vais na área é extremamente caro, o quedeverá dificultar a continuação do esforçomilitar internacional por um período de tem-po muito longo. Finalmente, a forma comose desenvolverá a pirataria na Somália po-derá ter efeitos propagadores para outros“Estados falidos” cujas condições favore-çam o desenvolvimento dessa antiga for-ma de ameaça ao comércio marítimo.

CLASSIFICAÇÃO PARA ÍNDICE REMISSIVO:<PODER MARÍTIMO>; Pirataria; Somália; ONU; IMO;

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A PIRATARIA NA SOMÁLIA

NOTAS

1 LANGEWIESCH, William. The Outlaw Sea. A World of Freedom, Chaos, and Crime. North PointPress, New York, 2004. Pp. 1-34.

2 SILVA, Antonio R.A. A Globalização e a Segurança Marítima. Revista Marítima Brasileira. Rio deJaneiro, Out/Dez. 2007. Pp. 95-108.

3 SALMORAL, Manuel Lucena. Piratas, Bucaneros, Filibusteiros y Corsários em América. Edito-rial Mapfre, Madrid, 1992. Pp. 269-271.

4 Somália Piracy Yearbook for 2008. Mid-East Business Digest Editors. Pp. 14-15.5 GROS, Jean Germain. Towards a taxonomy of failed states in the New World Order: decaying

Somalia, Liberia, Rwanda and Haiti. Third World Quarterly, Vol. 17, no 13, pp. 455-471, 1996.P. 457.

6 Ibidem, p. 466.7 ROTBERG, I Robert, (Ed.) State Failure and State Weakness in a Time of Terror. Brooking

Institution Press/ World Peace Foundation, 2003, p. 1-24.8 CARMENT, David. Assessing state failure: implications for theory and policy. Third World

Quarterly, Vol. 24, No 3 pp. 407-427, 2003.9 RICE, Susan E. and PATRICK, Stewart. Index of State Weakness in the Developing World. Brookings

Institution, Washington, DC, 2008 p. 9.10 Foreign Policy. Failed States Index 2008 . http://www.foreignpolicy.com/story/

cms.php?story_id=4350&page=1. Acesso em 16/4/2009 1410h.11 United Nations. Security Council. Report of the Secretary General on the situation of Somalia. S/

2008/2009. 17 November 2008. p. 6.12 MENKHAUS, Ken. Governance without Government in Somalia: Spoilers, State Building, and

the Politics of Coping. International Security. Vol. 31 No 3 (2006/2007); pp. 93-106.13 Marine Resources Assessment Group Ltd. Review of Impacts of Illegal, Unreported and Unregulated

Fishing on Developing Countries, July 2005.Report prepared to UK’s Department forInternational Development (DFID). London, UK, 2005. P. 6.

14 LEESON, Peter. The Invisible Hook. The Hidden Economics of Pirates. Princeton UniversityPress. United Kingdom, 2009.

15 Ibidem, pp. 199-205.16 Piracy off the Horn of Africa. CRS Report for Congress. Congressional Research Report. USA, 21

April, 2009, p. 26.17 WORLD BANK. Data and Statistics. http://web.world bank.org. Acesso em 29 de maio de 2008.18 UNITED NATIONS. Security Council. Report of the Secretary-General on the Situation on

Somalia. S/2009/210. 16 April 2009. Pp. 12-23.19 Piracy off the Horn of Africa. CRS Report for Congress. Congressional Research Report. USA, 21

April, 2009. Pp. 1-2.20 SILVA. Antonio R. A. A Marinha e as Novas Ameaças. Revista da Escola de Guerra Naval. Rio de

Janeiro, Junho 2006, pp. 32-42.21 UNITED NATIONS. Security Council. Resolution 1772 (2007), 20 August 2007. Pp. 2-5.22 ____. Resolution 1814 (2008), 15 May 2008. P. 5.23 INTERNATIONAL MARITIME ORGANIZATION. Resolution A.1002 (25). Piracy and Armed

Robbery Against Ships in Watters off The Somalia Coast.24 UNITED NATIONS. Security Council. Resolution 1838 (2008), 7 October 2008.25 ____ . Resolution 1844 (2008), 20 November 2008. Pp. 1-3.26 _____. Resolution 1846 (2008), 02 December 2008.27 _____. Resolution 1851 (2008), 16 Dezember 2008.28 _____. United Nations Convention on the Law of the Sea. http://www.un.org/Depts/los/

convention_agreements/texts/unclos/unclos_e.pdf. Acesso em 16/4/2009.

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A PIRATARIA NA SOMÁLIA

29 INTERNATIONAL MARITIME ORGANIZATION. Resolution A.922 (22). Code of Practicefor Investigation of the Crimes of Piracy and Armed Robbery against Ships. London, 29November 2001. P. 4.

30 SILVA. Op.cit, pp. 32-42.31 Piracy off the Horn of Africa. Op.cit. p. 132 Piracy off the Horn of Africa. Op.cit. P. 6.33 SILVA, Antonio R. A. A Volta da “Diplomacia de Canhoneiras”? Monitor Mercantil, 16, 17 e 18 de

agosto de 2008, p. 2 (Opinião).34 UNITED STATES. Africa Command. Policy Statement: Contact Group on Piracy off the Coast of

Somalia. http:/ www. africom.mil/getArticle.asp?art=2466&lang=0. Acesso 18/5/2008.35 INTERNATIONAL MARITIME ORGANIZATION. High Level Meeting in Djibouti adopts a

Code of Conduct to repress acts of piracy and armed robbery against ships. www.imo.gov.Acesso 14/5/2009.

36 OIL COMPANIES INTERNATIONAL MARINE FORUM. Piracy - The East Africa / SomaliaSituation. Practical Measures to Avoid, Deter or Delay Piracy Attacks. London, 2008. P. 9.

37 PATCH, John. The Overstated Threat. Proceedings Magazine. December 2008 Vol. 134/12/1,270.

http://www.usni.org/magazines/proceedings/archive/story.asp?STORY_ID=1694. Acesso em 29 demaio de 2008.

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SUMÁRIO

IntroduçãoPressupostos e consideraçõesPerfil de um substitutoDefinindo a missão principalCaracterísticas geraisCapacidade do navioOutras modalidades de empregoConclusãoTabelaDesenhos

NE/NAeH 10.000 – UM NAVIO-ESCOLA MULTIUSOPARA A MARINHA DO BRASIL(*)

“Uma tarefa sem uma visão é trabalho penoso; uma visão semuma tarefa é um sonho; uma tarefa e uma visão juntas conduzemà vitória.” (frase de autor desconhecido)

EDUARDO ITALO PESCEProfessor(**)

RENÉ VOGTEngenheiro(***)

(*) Trabalho submetido à Revista Marítima Brasileira em fevereiro de 2010.(**) Especialista em Relações Internacionais, professor no Centro de Produção da Universidade do

Estado do Rio de Janeiro (Cepuerj), colaborador permanente do Centro de Estudos Político-Estra-tégicos da Escola de Guerra Naval (Cepe/EGN) e colaborador assíduo da RMB.

(***) Segundo-Tenente (RM2-CA), engenheiro civil, empresário e membro da Sociedade Amigos daMarinha de São Paulo (Soamar-SP).

INTRODUÇÃO

Construído no Arsenal de Marinha doRio de Janeiro (AMRJ), o Navio-Esco-

la (NE) Brasil (U27) foi incorporado à Ma-rinha do Brasil em 1986, tendo realizado

sua 1a Viagem de Instrução de Guardas-Marinha (VIGM) em 1987. Durante o anode 2010, este navio realizará sua 24a VIGM.

A substituição do atual NE só deve ocor-rer quando este atingir a idade de 35 anos.A obtenção de um sucessor, no horizonte

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NE/NAeH 10.000 – UM NAVIO-ESCOLA MULTIUSO PARA A MARINHA DO BRASIL

temporal 2020-25, está incluída na estimati-va de necessidades do Plano de Equipa-mento e Articulação da Marinha do Brasil(PEAMB), que cobre o período 2010-30.1

O presente artigo examina alguns aspec-tos que poderão vir a ser consideradosquando chegar o momento de definir osrequisitos do futuro navio-escola brasilei-ro. Inclui também um esboço de estudoconceitual, contribuição do engenheiroRené Vogt. Os conceitos e as opiniões sãode caráter pessoal.

PRESSUPOSTOS E CONSIDERAÇÕES

Anteriormente (desde 1908), a Marinha doBrasil teve quatro outros navios-escola para oadestramento dos guardas-marinha em via-gens de longa duração ao exterior: BenjaminConstant, Almirante Saldanha, Duque deCaxias e Custódio de Mello. Os dois primei-ros tinham propulsão mista (velas e máqui-nas), enquanto que os dois seguintes eramnavios-transporte de tropas adaptados.

Depois da Segunda Guerra Mundial, nos-sa Marinha recebeu como indenização umveleiro de procedência alemã, o Albert LeoSchlagater, rebatizado como Guanabara.Este navio nunca realizou viagem de instru-ção com guardas-marinha, tendo sido pos-teriormente vendido a Portugal, onde operacomo NE com o nome de Sagres.

O navio-veleiro Cisne Branco (U20),construído na Holanda e incorporado àMarinha do Brasil em 2000, é empregadona instrução de navegação a vela dos as-pirantes da Escola Naval e dos alunos doColégio Naval e das Escolas de Aprendi-zes-Marinheiros, participando anualmente

de diversas regatas internacionais de tallships. Contudo, nunca foi empregado emviagens de instrução com guardas-marinha.

O NE Brasil foi projetado e construídotomando por base o casco de uma fragataclasse Niterói. O armamento original foi re-movido e o espaço interno reaproveitado paraalojar o pessoal adicional e instalar o equipa-mento necessário à instrução. O resultadoobtido foi um navio simples, com um custode operação comparativamente baixo comrelação a unidades estrangeiras similares.

O NE Brasil tem 130,25 m de compri-mento total, 13,52 m de boca e 5,80 m decalado máximo, com deslocamento leve de2.548 t e deslocamento a plena carga de3.729 t. Seu sistema de propulsão é consti-tuído por dois motores diesel SEMT-Pielstick de 3.900 HP cada um, e o sistemade geração de eletricidade por quatro gru-pos geradores MTU de 500 kW cada.2

O navio é capaz de desenvolver uma ve-locidade econômica de 14 nós e uma veloci-dade máxima de 17 a 18 nós. O armamentode bordo é constituído por dois canhõesautomáticos antiaéreos Bofors de 40 mm/L70, além de dois lançadores de foguetes deiluminação Shermully e quatro canhões desalva de 47 mm. É dotado de Centro de In-formações de Combate (CIC) equipado comsistema de informações táticas nacional.3

Os recursos de ensino a bordo incluem:Sistema de Simulação Tática e Treinamen-to SSTT-2; simulador nacionalizado de con-trole de avarias; compartimento de direçãode tiro; compartimento para ensino de na-vegação com diversos equipamentos derepetição; auditório com 206 lugares; duassalas de aula; e circuito fechado de TV.4

1 Cf. Coordenação do PRM / Grupo de Trabalho PEAMB – Programa de Reaparelhamento da Marinha(São Paulo, 5/8/2009) – Apresentação para ABIMAQ/ABIMDE. Cópia da apresentaçãodisponibilizada em http://www.abinee.org.br/informac/arquivos/marin09.pdf. Acesso em 9/1/2010.

2 Cf. Navio-Escola Brasil – XX Viagem de Instrução de Guardas Marinha (Rio de Janeiro, 2006), p. 23.3 Ibidem, pp.20 e 23.4 Ibidem, p.20.

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O NE Brasil partiu do Rio de Janeiro paraa sua 23a VIGM no dia 20 de junho de 2009,retornando no dia 17 de dezembro, após vi-sitar 21 portos (dos quais 19 no exterior) enavegar 27.680,5 milhas marítimas, comple-tando 96 dias de mar.5 Em 2009, a tripulaçãodo navio foi constituída por 410 militares: 32oficiais, 219 praças e 159 guardas-marinha.6

Além da tripulação normal, também em-barcam no navio militares de outras ForçasArmadas nacionais e estrangeiras, bem comoconvidados civis. A lista inclui oficiais re-cém-formados do Exército Brasileiro, da For-ça Aérea Brasileira e da Marinha Mercantenacional, um 3o secretário do Ministério dasRelações Exteriores e professores de uni-versidades públicas, além de novos oficiaisde Marinhas de países amigos.

A missão básica do navio é “Prover instru-ção prática aos guardas-marinha e mostrarbandeira, quando em viagem ao exterior, a fimde contribuir para a formação profissional ecultural dos futuros oficiais e o estreitamentode laços com as nações amigas”.7 O NE passade cinco a seis meses por ano no exterior, ades-trando a turma de guardas-marinha saída daEscola Naval em dezembro do ano anterior.

Uma vez em cada década (a última vez foiem 2008), realiza uma viagem de circunave-gação.8 Entre as viagens, submete-se a umPeríodo de Manutenção Geral (PMG) anualno Arsenal de Marinha do Rio de Janeiro(AMRJ), além de substituir a maior parte desua tripulação. A bordo estão instaladosequipamentos simples e confiáveis, que per-

mitam ao navio ser apoiado facilmente emqualquer porto comercial do mundo.

PERFIL DE UM SUBSTITUTO

O NE Brasil é uma das duas únicas uni-dades de superfície da Marinha do Brasil(a outra é o Navio Veleiro Cisne Branco) amanter um ritmo operativo comparável, emnúmero de dias de mar, ao das unidadesdas Marinhas das principais potências na-vais. A rotina de viagens de instrução aoexterior ocasiona o desgaste do NE e difi-culta sua modernização, a não ser que estapossa ser realizada por etapas, simultanea-mente com a manutenção.

Para a definição de um possível sucessor,no horizonte temporal 2020-25, deverão serlevados em conta o perfil de missão e a relaçãocusto-benefício do navio a ser obtido, tendoem vista o seu custo total de vida útil.9 O futu-ro NE deverá ser uma plataforma de customoderado, plenamente capaz de desempenharas missões para as quais for projetado.10

O atual NE brasileiro é um navio econô-mico e austero (até mesmo espartano), comoera a Marinha do Brasil dos anos 80 do sé-culo passado. Mesmo correndo o risco deserem considerados visionários (pois o qua-dro de penúria ainda não se alterou), os au-tores esperam que, na terceira década doséculo XXI, o Poder Naval brasileiro dispo-nha de recursos e meios mais significativos.

Devemos observar que, além de atuar nainstrução e no adestramento dos guardas-

5 Cf. “Navio-Escola Brasil parte para sua XXIII Viagem de Instrução”, NoMar XLV (806): 14 – Brasília,jun. 2009. Cf. também “NE Brasil regressa após XXIII Viagem de Instrução de Guardas-Marinha(VIGM)” – Notícia disponível no sítio oficial da Marinha do Brasil, em http://www.mar.mil.br/.Acesso em 9/1/2010.

6 Ibidem. NA – Com os convidados (brasileiros e estrangeiros), geralmente há cerca de 430 pessoas abordo.

7 Cf. Navio-Escola Brasil, Op. cit., p. 21.8 NA – As viagens de circunavegação anteriores deste navio foram em 1989 e 1997. Ibidem, p. 19.9 Cf. Coordenação do PRM/Grupo de Trabalho PEAMB, Op. cit.10 Cf. Eduardo Italo Pesce, “Um navio-aeródromo de helicópteros de assalto para a Marinha do Brasil”,

Revista Marítima Brasileira 127 (7/9): 75-79 – Rio de Janeiro, jul./set. 2007.

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marinha e de estreitar os laços entre paísesamigos, funcionando como uma espécie de“embaixada flutuante”, o NE é um meio bas-tante econômico de manter uma presença na-val regular e frequente, demonstrando pres-tígio e promovendo os interesses nacionaisbrasileiros no exterior.

Diversas Marinhas operam navios-es-cola em viagens de instrução dos seusnovos oficiais. A França tem o Jeanne d’Arc(um porta-helicópteros com proa de cruza-dor e convés de vôo a ré), e a Itália empre-ga atualmente o San Giusto (um navio dedesembarque adaptado). Outros países,como os Estados Uni-dos e o Reino Unido,cujas Marinhas ope-ram permanentementeno exterior, não ado-tam tal prática.

O Jeanne d’Arc é umconceito particularmen-te interessante, porcombinar a função denavio-escola com a deporta-helicópteros anti-submarino ou de assal-to. Após 45 anos de serviço, adestrando no-vos oficiais e representando a França no exte-rior, este navio – que visitou o Rio de Janeirono início de 2010 – tem sua baixa prevista parao final de maio. Seu substituto poderá ser umnavio anfíbio adaptado da classe Mistral ouda classe Foudre.

Como vimos, o NE Brasil opera no exte-rior por cinco a seis meses por ano, repre-sentando nossa Marinha e mantendo umavisível (ainda que modesta) presença na-

val do Brasil nos mares do mundo. Se umNE é uma espécie de “cartão de visitas” daMarinha que representa, este deve ser com-patível com o nível de capacitaçãooperativa e tecnológica desta Marinha.

Na terceira década deste século, prova-velmente já deverá estar em serviço o pri-meiro submarino nuclear brasileiro, e de-verá ter sido iniciada a construção de pelomenos um navio-aeródromo no Brasil.11 Amenos que ocorra uma catástrofe econô-mica e social, o Brasil de 2030 terá maiordestaque no mundo e será mais forte e prós-pero do que o de 2010. Pode-se dizer o mes-

mo a respeito de suaMarinha.

O futuro NE brasilei-ro deverá ser capaz deatuar na instrução e noadestramento dos guar-das-marinha recém-saí-dos da Escola Naval(cujo número tende aaumentar no futuro12),contribuindo para o seudesenvolvimento inte-lectual, profissional e

cultural e permitindo ainda o intercâmbio comas Marinhas de países amigos. Entretanto,tal navio poderia desempenhar missão maisampla.

No entender dos autores, o navio quesubstituir o NE Brasil também deverá sercapaz de manter uma presença naval maisativa do Brasil no exterior. No século XXI,o Poder Naval brasileiro deverá estar ple-namente apto a atuar onde for necessário,a fim de defender a soberania e os interes-

11 Cf. Coordenação do PRM/Grupo de Trabalho PEAMB, Op. cit.12 NA – O Projeto de Lei no 5.916/09, em trâmite no Congresso Nacional, prevê um aumento progres-

sivo de 36% no efetivo da Marinha do Brasil, ao longo de 20 anos. Este efetivo, hoje estimado em59,6 mil oficiais e praças, deverá chegar a 80,5 mil até 2030. Ao longo do período, serão necessários3.507 oficiais adicionais. Cf. “Mensagem de fim de ano do comandante da Marinha (2009)“. VídeoDVD encartado na Revista Marítima Brasileira no 129 (10/12) – Rio de Janeiro, out./dez. 2009.Disponível também em http://www.mar.mil.br/.

O NE é um meio bastanteeconômico de manter umapresença naval regular efrequente, demonstrando

prestígio e promovendo osinteresses nacionais

brasileiros no exterior

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ses nacionais, assim como atender aos com-promissos internacionais do Brasil.

DEFININDO A MISSÃO PRINCIPAL

Na Marinha do Brasil, o primeiro passooficial na obtenção de uma nova classe denavio é o Requisito de Estado-Maior (REM),no qual o Estado-Maior da Armada (EMA)define a missão do navio. A seguir, o setoroperativo elabora o Requisito de Alto Nível(RAN), com as características gerais que irãoorientar o processo de obtenção, normal-mente a cargo do setor de material.

O projeto básico do navio, a cargo doescritório de projetos, é realizado em qua-tro fases: (1) estudos conceituais de viabi-lidade técnica e econômica; (2) projeto deconcepção; (3) projeto preliminar; e (4) pro-jeto de contrato. O projeto de construção(ou de detalhamento), por sua vez, é feitopelo próprio estaleiro.

Na Marinha do Brasil, o escritório de pro-jetos é o Centro de Projetos Navais (CPN), eo estaleiro construtor é o Arsenal de Mari-nha do Rio de Janeiro (AMRJ). Estas duasorganizações militares prestadoras de ser-viço do setor de material (OMPS-M) estãolocalizadas na Ilha das Cobras, no Rio deJaneiro, e estão subordinadas à Diretoria-Geral do Material da Marinha (DGMM).

Quando optou por um casco de fragata daclasse Niterói sem armamento para o substi-tuto do antigo NE Custódio de Mello, a Mari-nha conseguiu um navio relativamente bara-to, mas com pouca ou nenhuma utilidade mili-tar (exceto como navio-hospital para evacua-ção de baixas ou não-combatentes). Os auto-

res estão convencidos de que esta lógica nãose aplica ao contexto do século XXI.

Segundo a visão dos autores, a manu-tenção de uma presença naval regular doBrasil no exterior durante cinco a seis me-ses por ano, sem prejuízo da função de ins-trução e adestramento dos guardas-mari-nha, tornaria necessário empregar um NEmultiuso. Tal navio deveria ser capaz deoperar como porta-helicópteros, em apoioa operações anfíbias ou de controle de áreamarítima. Teria grande valor também comocentro de comando em operações de paz.

Adotamos a designação dupla NE/NAeH, uma vez que esta unidade poderiaatuar como navio-escola (NE) ou como umnavio-aeródromo de helicópteros (NAeH)versátil. Este conceito é obviamente inspi-rado no Jeanne d’Arc francês. Todavia, onavio que visualizamos teria convés de voodesobstruído da proa à popa, com supe-restrutura em “ilha” a boreste. Também te-ria perfil stealth (de baixa probabilidade dedetecção pelo radar) moderado.

A configuração adotada seria semelhanteà de um NAeHA (navio-aeródromo de heli-cópteros de assalto). Os navios deste tipo (comou sem doca para embarcações de desembar-que) são capazes de operar com helicópterosde grande porte, para desembarque da tropade fuzileiros navais com o respectivo material.Alguns operam também com aeronavesSTOVL (Short Takeoff/Vertical Landing), dedecolagem curta e pouso vertical.13

Está prevista no PEAMB a construçãode vários NAeHA para nossa Marinha,14

sob a designação ambígua de “navios de

13 Cf. Pesce, “Um navio-aeródromo de helicópteros de assalto para a Marinha do Brasil“, Op. cit. Cf.também Eduardo Italo Pesce & Mário Roberto Vaz Carneiro, “Navios-aeródromo de helicópterosde assalto: nova tendência?”, Segurança & Defesa 24 (91): 36-41 – Rio de Janeiro, 2008.

14 Cf. Coordenação do PRM / Grupo de Trabalho PEAMB, Op. cit. Cf. também Fórum Base Militar WebMagazine, em http://www.basemilitar.com.br/. Acesso em 3/11/2009. Cf. ainda Secretaria de Ciên-cia, Tecnologia e Inovação da Marinha, A Estratégia Nacional de Defesa e a Base Industrial deDefesa (Rio de Janeiro, 30/10/2009) – Apresentação de slides disponibilizada em http://www.egn.mar.mil.br/.

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NE/NAeH 10.000 – UM NAVIO-ESCOLA MULTIUSO PARA A MARINHA DO BRASIL

propósitos múltiplos” (NPM). Esta desig-nação foi um dos neologismos cunhadospela Estratégia Nacional de Defesa (END).15

Tais navios (com deslocamento carregadode 20 mil toneladas ou mais) seriam gran-des demais para serem adaptados e empre-gados com eficiência como NE.

O futuro NE/NAeH, de projeto e constru-ção nacionais, deveria ter uma relação custo-benefício que compensasse o investimentoa ser feito, sendo capaz de desempenhar to-das as missões previstas para o substitutodo NE Brasil, por um custo total de vida útil(que engloba os custos de obtenção, manu-tenção e operação, inclusive o da tripulação)compatível com a realidade orçamentária.

Deveria ser capaz de receber apoio emqualquer porto comercial do mundo, alémde operar sem restrições, em qualquer por-to (inclusive na embocadura de um rio) ca-paz de receber um navio mercante de portemédio. Para isso, seu deslocamento carre-gado deveria ser de aproximadamente 10mil toneladas. Comprimento, boca e caladotambém estariam sujeitos a limitações.

CARACTERÍSTICAS GERAIS

O NE/NAeH teria um comprimento totalde 155 m e um comprimento entre perpendi-culares de 140 m, com boca de 22 m na linhad’água, calado carregado de 6 m, bordo livrede 14 m e pontal de 20 m. A tonelagem máxima(deslocamento carregado) seria de 10.720 t,com coeficiente de bloco de 0,58 e relaçãocomprimento/boca na linha d’água de 6,36.

Este navio não possuiria doca, sendootimizado para operar com meios aéreos,sem prejuízo de sua multifuncionalidade.

Apesar do porte modesto, poderia operarcomo LPH (Landing Platform, Helicopter)em apoio a operações anfíbias, ou comoSCS (Sea Control Ship) em missões decontrole de área marítima, embarcando ae-ronaves de asa rotativa.16

A fim de atender aos “requisitos de sim-plicidade” expressos acima, teria propulsãoCodad (Combined Diesel And Diesel), inte-grada por quatro motores MTU 12V 1163TB93 (ou equivalentes), com potência totalde 17,7 MW, atuando aos pares sobre doiseixos propulsores, com seus respectivosredutores e hélices de passo controlável,para uma velocidade máxima de 24 nós euma velocidade sustentada de 20 nós.

A densidade de potência de 1,66 kW/t(17.760 kW/10.720 t) seria compatível coma velocidade especificada. Seriam instala-dos propulsores de manobra (thrusters) naproa e na popa, para uso nos portos, assimcomo aletas estabilizadoras para o alto-mar.O navio teria autonomia de 18.650 milhasmarítimas a 18 nós, com suprimento de ví-veres de 46 dias para 650 pessoas.

O sistema de geração de energia elétrica donavio incluiria quatro grupos geradores dieselMTU 16V 4000 G81 (ou equivalentes), comcapacidade de geração total de 8,8 MW. Abordo seriam empregados preferencialmenteequipamentos simples, com o máximo de com-ponentes Commercial Off-The-Shelf (COTS).

O armamento antiaéreo de defesa de pon-to incluiria dois canhões Bofors de 40mm/70 Mk.3 e previsão para um lançador múlti-plo de mísseis superfície-ar RAM Block I.Para defesa orgânica, poderia haver quatrocanhões MLG de 27mm.17 O navio seria tam-

15 Cf. Presidência da República, Decreto no 6.703, de 18/12/2008 – Aprova a Estratégia Nacional deDefesa e dá outras providências (Brasília, 18/12/2008), p. 13. Texto completo disponibilizado emhttp://www.defesa.gov.br/.

16 Cf. Pesce, “Um navio-aeródromo de helicópteros de assalto para a Marinha do Brasil“, Op. cit.17 NA – O canhão Bofors de 40 mm/70, em vários modelos, é amplamente difundido na Marinha do

Brasil. Já o míssil antiaéreo RAM e o canhão automático MLG 27 não são de uso corrente no País,e a Marinha poderia optar por outros tipos de armamento.

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NE/NAeH 10.000 – UM NAVIO-ESCOLA MULTIUSO PARA A MARINHA DO BRASIL

bém equipado com um Sistema de Lança-mento de Despistadores de Mísseis (SLDM)para foguetes lançadores de chaff e flare, ecom quatro canhões de salva de 47 mm.

Os equipamentos eletrônicos incluiriamuma diretora-radar com recursosoptrônicos (infravermelho, TV e laser),duas alças ópticas tipo pedestal e um radarmultifunção 3-D, para controle de aerona-ves e para vigilância e rastreamento de al-vos aéreos e de superfície, bem como doisradares de navegação do tipo LPI (LowProbability of Intercept) e sistemas deguerra eletrônica, telecomunicações e co-mando e controle adequados.

O Centro de Operações de Combate(COC) do navio seria dotado de um Siste-ma de Controle Tático (Siconta) nacional.Para uso na instrução, este contaria comum Sistema de Simulação Tática e Treina-mento (SSTT) e equipamentos repetidoresde vários tipos. Parte considerável dos sis-temas e equipamentos instalados a bordoseria desenvolvida no Brasil.18

Devido às limitações de calado, não se-ria instalado sonar de casco, a menos queeste fosse do tipo conformal array ou es-tivesse alojado num bulbo de dimensõesreduzidas. Para certos equipamentos, po-deria ser aplicada a filosofia “fitted for butnot with”, com previsão de espaço parafutura instalação. Tal prática, adotada poroutras Marinhas, contribui para reduzir ocusto de obtenção de novos meios.

Como seu antecessor, este navio seriauma unidade singular de nossa Marinha,destinado a passar toda a sua vida útil (trêsdécadas ou mais) adestrando os novos ofi-ciais e “mostrando a bandeira” no exterior,

em ações típicas de “diplomacia naval”.Seu projeto e sua construção deveriam aten-der às normas de sociedades classificado-ras (Germanischer Lloyd ou similares) paranavios de emprego militar, aplicáveis a uni-dades de apoio. 19

CAPACIDADE DO NAVIO

Em suas viagens de instrução, o NE/NAeHA embarcaria uma dotação de pes-soal de aproximadamente 650 pessoas deambos os sexos, assim distribuída: tripula-ção do navio (250); tripulações de vôo epessoal de manutenção das aeronaves (60);guardas-marinha (240); fuzileiros navais(70); e convidados (30).

Os números acima estariam sujeitos a va-riação, dependendo da missão desempenha-da. O tamanho deste navio permitiria embar-car um destacamento de fuzileiros navais, quedeveria incluir uma banda militar completa eum pelotão de guarda e segurança, para em-prego no cerimonial, em escoltas e guardasde honra ou na defesa orgânica.

Operando como NE, o navio não deveriaviajar escoteiro, mas com uma unidade me-nor (uma corveta ou um navio-patrulha oce-ânico) de conserva. Anualmente, poderia serconstituído um Grupo-Tarefa em Viagem deInstrução de Guardas-Marinha (GT-VIGM),integrado pelos dois navios. Este conceitode emprego é inspirado no Groupe Écoled’Application des Oficiers de Marine(GEAOM), da Marinha francesa.20

O comando do GT-VIGM poderia seracumulado pelo comandante do NE/NAeH,mas isso seria pouco aconselhável. A enor-me sobrecarga de trabalho, que caracteriza

18 NA – Entre outros sistemas e equipamentos, o Instituto de Pesquisas da Marinha (IPqM) desenvolveuo SLDM, o Siconta, o SSTT e os sistemas de guerra eletrônica Mage Defensor, CME-1 e CME-2,todos já em uso.

19 Cf. Pesce, Op. cit.20 Cf. Christian Herrou, Les navires francais d’aujourd’hui en images (Rennes: Marines éditions, 2006),

p. 12.

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o exercício do comando do NE Brasil, indi-ca a conveniência de que o grupo-tarefafosse comandado por um contra-almiran-te, assessorado por um pequeno estado-maior, constituído por oficiais do navio-escola e chefiado por seu comandante.

Embarcado no NE/NAeH (naviocapitânia do GT-VIGM), viajaria um Esqua-drão de Helicópteros de Emprego Geral(EsqdHU) reduzido,21 com três a cinco ae-ronaves dos tipos UH-12/13 Esquilo e UH-14 Super Puma/Cougar (ou equivalentes).Estas aeronaves poderiam ser empregadasem missões de esclarecimento, de busca esalvamento (SAR) e de transporte de pes-soal ou material, em especial durante a rea-lização de exercícios.

Por se tratar de aeronaves simples, deuso difundido, tanto no mercado civil comono militar, o apoio aos helicópteros Esqui-lo e Super Puma, durante comissão pro-longada no exterior, não demandaria infra-estrutura de apoio sofisticada. Os supri-mentos necessários seriam de fácil obten-ção em praticamente qualquer lugar.

O convés de vôo do NE/NAeH, com 145m de comprimento e 28 m de largura, seriadotado de quatro spots para pouso e deco-lagem, compatíveis com helicópteros demédio porte (EC 725 Super Cougar ou S-70B Seahawk), sendo ligado ao hangar porum elevador de 15 m de comprimento por10 m de largura, situado a ré. Este amploconvôo também poderia ser empregadopara formaturas e paradas.

O hangar de 1.040 m2 (com 65 m de com-primento e 16 m de largura) teria capacida-de para cerca de oito aeronaves do portedo EC 725 e do S-70B. Poderia ser empre-gado também como convés para transpor-te de viaturas e material, sendo dotado deuma rampa Roll-On-Roll-Off (RO-RO) aboreste. Opcionalmente, poderia ser insta-

lada uma segunda rampa na popa, a ré doelevador.

A área do hangar poderia ser utilizadapara outros fins, como formaturas, recep-ções diplomáticas ou instrução. Aí poderi-am ser instalados contêineres especializa-dos, nos quais ficariam os compartimentosdo SSTT, além de salas de aula, laboratóri-os e estúdio de TV. Parte da área poderiaser convertida em auditório. Em caso deemergência, o hangar poderia servir comolocal de acomodação para baixas ou não-combatentes.

A bordo seria instalada uma grua de até30 toneladas, para embarque e desembar-que de cargas. Haveria ainda dois reces-sos no costado, para embarcações semi-rígidas infláveis (RHIB), as quais poderiamser empregadas na defesa orgânica ou namovimentação de pessoal e material leve.Uma lancha maior, para transporte de dig-nitários e autoridades, poderia ser trans-portada no hangar.

O NE/NAeH estaria equipado com umaestação de reabastecimento no mar aboreste, para transferência de produtos lí-quidos e sólidos. Nas travessias oceâni-cas de longa duração, seria capaz de trans-ferir combustível para o navio de conser-va. Tal capacidade seria particularmente útildurante as travessias oceânicas de longaduração. Os “requisitos de simplicidade”previstos também se aplicariam ao naviomenor, indicando a conveniência de em-pregar um navio-patrulha oceânico(NPaOc) nessa função.

OUTRAS MODALIDADES DEEMPREGO

O NE/NAeH poderia ser facilmentereconfigurado para modalidades de empre-go diferentes. Em caso de guerra ou grave

21 NA – Na realidade, um Destacamento Aéreo Embarcado (DAE) reforçado.

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crise internacional, poderia atuar comoporta-helicópteros anti-submarino ou deassalto. Tal emprego somente ocorreria nahipótese de serem interrompidas as viagensanuais de instrução. Entretanto, duranteessas viagens, poderiam surgir oportuni-dades de participação em exercícios comas Marinhas dos países visitados.

Tais operações contribuem para aprimoraro aprestamento dos meios operativos dasMarinhas participantes e fortalecer os laçosde cooperação e de amizade mútua. Entre osdias 9 e 10 de janeiro de 2010, um grupo-tarefa(GT) da Marinha do Brasil realizou exercícioscom o Navio-EscolaJeanne d’Arc e a Fraga-ta Courbet, da Marinhafrancesa, na área situa-da entre os estados doRio de Janeiro e do Es-pírito Santo.22

Configurado paraapoiar operações anfí-bias, o NE/NAeHA em-barcaria um EsqdHU,com aproximadamentedez helicópteros de emprego geral EC 725Super Cougar (ou similares). Os 650 oficiaise praças na dotação de pessoal incluiriam:tripulação permanente (250); pessoal das ae-ronaves (120); comando e estado-maior deforça (20); e grupamento operativo de fuzilei-ros navais (260).

Em configuração de apoio a operaçõesde controle de área marítima, embarcariaum Esquadrão de Helicópteros Anti-Sub-marino (EsqdHS), constituído por cerca dedez aeronaves S-70B Seahawk (que tam-bém possuem capacidade de ataqueantinavio). Até 650 oficiais e praças seriamassim distribuídos: tripulação do navio(250); pessoal das aeronaves (150); coman-

do e estado-maior de força (30); e pessoaltemporário especializado (até 220).

Este navio também poderia operar, semrestrições, com Veículos Aéreos Não-Tri-pulados (Vant) de asa rotativa, dos tiposGrumman Fire Scout, Schiebel CamcopterS-200 ou similares, destinados ao empre-go em missões de esclarecimento, vigilân-cia e observação. A operação com Vant deasa fixa, por sua vez, só seria possível coma instalação a bordo de algum tipo de sis-tema de lançamento e recuperação.

As áreas de alojamento a bordo do NE/NAeH totalizariam aproximadamente 3.270

m2. Isto corresponde-ria a 5,03 m2 por pes-soa, com um total de650 pessoas a bordo.Já as áreas destinadasà alimentação e recre-ação do pessoal em-barcado totalizariam1.080 m2. O hospitalde bordo acrescenta-ria outros 400 m2. Ascondições de habita-

bilidade do navio, com a dotação de pes-soal prevista, seriam bastante elevadas.

O projeto teria ainda bom potencial deexportação. Provavelmente, poucos paísesdemonstrariam interesse por um NE tão so-fisticado. Contudo, a versatilidade de em-prego deste navio poderia garantir-lhe umnicho de mercado até aqui pouco explora-do: o de um NAeH econômico e versátil,compatível com as limitações orçamentári-as de Marinhas de porte médio, que dis-põem de recursos modestos.

CONCLUSÃO

Os navios de guerra das principais po-tências navais operam a maior parte do tem-

22 Cf. “Esquadra realiza operação com a Marinha Nacional da França” (Rio de Janeiro, 21/1/2010).Disponibilizado em http://www.defesanet.com.br/. Acesso em 21/1/2010.

Os navios de guerra dasprincipais potências navaisoperam a maior parte do

tempo no exterior,projetando poder e

influência

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po no exterior, projetando poder e influên-cia. Isto é conhecido como “emprego polí-tico” do Poder Naval em tempo de paz.Apesar das limitações orçamentárias e dapequena quantidade de meios com capaci-dade oceânica de que dispõe atualmente, aMarinha do Brasil já vem operando, comcerta frequência, em águas distantes do li-toral brasileiro.

Cada vez mais, o Brasil necessitará deuma Marinha capaz de representar seusinteresses no exterior. Em tempo de paz,uma Marinha de porte médio, com algumacapacidade oceânica, como é atualmente ado Brasil, pode (mediante acréscimo de al-gumas unidades) ser empregada sem gran-de dificuldade na defesa dos interessesnacionais em áreas marítimas relativamen-te distantes. No futuro, porém, tal capaci-dade deverá ser ampliada.23

Os autores acreditam que o GT-VIGMaqui sugerido seria uma maneira relativa-mente barata (com apenas dois navios) demanter uma presença naval regular (cerca

de seis meses por ano) no exterior, a umcusto bastante inferior ao de um GT con-vencional.24 Para justificar plenamente amanutenção de uma Marinha com capaci-dade oceânica, é preciso que suas unida-des efetivamente operem no exterior.

Um NE/NAeH causaria forte impressãopositiva ao entrar num porto estrangeiro.A adoção de uma solução técnica inspira-da na apresentada neste trabalho para afutura substituição do NE Brasil poderiaagregar substancial valor à presença navalbrasileira exercida pelo atual NE, em suasviagens anuais ao exterior, angariando mai-or prestígio para o País.

O custo de aquisição do futuro NEmultiuso poderia ser estimado em US$ 350milhões.25 Este custo seria maior do que o deum navio austero, mais compatível com aslimitações orçamentárias de uma Marinha depaís periférico. Contudo, a opção por um NEmais modesto só se justificaria caso a econo-mia voltasse à estagnação, interrompendo ociclo de crescimento do Brasil.

23 Cf. Eduardo Italo Pesce, “Uma Marinha oceânica para o século XXI”, Revista Marítima Brasileira 123(1/3): 141-163 – Rio de Janeiro, jan./mar. 2003.

24 NA – Outra opção seria enviar um navio de escolta para encontrar o NE/NAeH em determinadostrechos da viagem, a fim de realizar visitas navais ou participar de exercícios com as Marinhas depaíses visitados. Assim, a operacionalidade deste navio de escolta não ficaria comprometida porcerca de seis meses.

25 NA – Valor ilustrativo, obtido por comparação com o de unidades de porte e complexidade semelhante.A determinação do custo de obtenção (ou de vida útil) de uma belonave pressupõe o emprego deferramentas de software apropriadas.

CLASSIFICAÇÃO PARA ÍNDICE REMISSIVO:<FORÇAS ARMADAS>; Navio-Escola; Navio aeródromo; Poder Naval Brasileiro; Viagemde instrução; Construção naval;

BIBLIOGRAFIA

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______. Secretaria de Ciência, Tecnologia e Inovação da Marinha. A Estratégia Nacional de Defesa ea Base Industrial de Defesa. Palestra do Vice-Almirante (EN) Ney Zanella dos Santos noSimpósio “A Estratégia Nacional de Defesa e o Poder Marítimo” – Rio de Janeiro: EGN, 30/10/2009. Slides disponíveis em http://www.egn.mar.mil.br/. Acesso em 01/12/2009.

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Tabela no 1:

BALANÇO DE PESOS(tabela elaborada por René Vogt)

Componente

Peso próprio do navio, inclusive camarotes, divisórias e elevadores, mas excluindo dutos,ventilação, tubulações, eletrônica e instalações elétricas

Peso da propulsão completa, com acionamentos, transmissão, eixos e hélices, incluindogeração, conversores e quadros de distribuição e rede elétrica

Rede de incêndio, CO2

Ventilação

Produção e distribuição de água

Instalações para tratamento de lixo e efluentes

Máquinas auxiliares de todo tipo

Rede integrada CMS, ICMS, CAv, COC, passadiço etc.

Instalações adicionais em geral

Armamento

Eletrônica (sensores)

PESO LEVE

RESERVAS

PESO LEVE COM RESERVAS

Munições, sobressalentes e carga seca (4.000m3)

Aeronaves, viaturas de hangar e sobressalentes

Pessoal embarcado (650 pessoas x 0,185t)

Víveres (650 pessoas x 0,01t x 46 dias / 1.080m3)

Diesel naval (1.650m3)

JP-5 (740m3)

Lubrificantes (35m3)

Água (100m3, com produção contínua)

CARGA MORTA

DESLOCAMENTO A PLENA CARGA

Peso (toneladas)

4.930t

700t

60t

80t

40t

30t

550t

120t

150t

70t

40t

6.770t

410t

7.180t

550t

470t

120t

300t

1.400t

600t

30t

100t

3.540t

10.720t

FONTE: Estimativas baseadas em critérios técnicos citados em Norman Friedman, U.S. Aircraft Carriers:An Illustrated Design History (Annapolis: Naval Institute Press, 1983), passim.

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SUMÁRIO

Parque industrial militarAs origens do complexoO complexo industrial militarA imagem alternativa: o complexo de defesaConclusão

A TECNOLOGIA COMO FETICHE: A ILUSÃO DOCOMPLEXO INDUSTRIAL MILITAR

SYLVIO DOS SANTOS VALProfessor*

Os Estados Unidos da América (EUA)são uma referência para muitas áreas

da atividade humana no moderno mundocapitalista ou capitalizado, porque nenhumpadrão de desenvolvimento consegue es-capar da banalização do modelo econômicocontemporâneo. Particularmente no setormilitar, as forças armadas dos EUA torna-ram-se um paradigma de mensuração de for-ça ou de balizamento de parâmetros para oestabelecimento da capacidade de um esta-

do nacional de promover com eficácia açõesmilitares soberanas. Ainda que estrategis-tas e especialistas existam que demonstremque esse parâmetro é de escala equívoca, omodelo estadunidense serve ao senso co-mum como modelo idealizado de capacida-de independente de uso da força. A últimaintervenção no Iraque à revelia da ONU de-monstrou tacitamente este ponto. Isso é oreflexo claro da desproporção inequívocado peso do aparato militar dos e nos EUA.

* N.R.: Bacharel em História, mestre em Ciências Políticas pela Universidade Federal Fluminense (UFF).

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A TECNOLOGIA COMO FETICHE: A ILUSÃO DO COMPLEXO INDUSTRIAL MILITAR

Segundo o Instituto de Pesquisa da PazInternacional de Estocolmo (ItotkolmInternational Peace Research Institute –Sipri), os gastos mundiais com armas em2008 somaram US$1.468 bilhões, e os EUArepresentaram US$ 603 bilhões – sealocarmos, além do orçamento, as verbassuplementares de reforço em vista das cons-tantes mobilizações das forças americanas– isto é, cerca de 41% do total mundial. Aomesmo tempo, a participação norte-ameri-cana no Produto Interno Bruto (PIB) mun-dial é de 20,04%. Em outras palavras, o pesomilitar dos EUA é bem superior ao seu pesoeconômico e tecnológico no planeta1. Masa pergunta que nãopode calar é qual ocusto efetivo e a van-tagem final do modelonorte-americano? Épossível ou desejávelcopiá-lo?

Para responder aisso devemos colocaro mito em seu devido lugar. O complexomilitar dos EUA é imbatível, porém ele o éem circunstâncias muito determinadas e de-manda tal conjunto de constrangimentosmateriais e situações tais que é muito pro-vável que a razão histórica de sua existên-cia esteja para inviabilizá-lo como modelo;ele mesmo pode ser uma ameaça à humani-dade, quando não ao próprio modelo capi-talista que nele se alavancou.

PARQUE INDUSTRIAL MILITAR

Os Parques Industriais Militares (PIM)são as indústrias voltadas para a produçãoexclusiva de armas. Eles existem desde que

a sociedade padronizou o modelo industri-al como inerente a qualquer sociedade mi-nimamente desenvolvida ou competitivanum cenário internacional. Nesse sentido,o estado da arte dos equipamentos e ar-mas localizava-se no protótipo e nagenialidade do designer, o artesão. O PIMse expandia conforme as demandas dosestados e as situações concretas de guer-ra. Contudo, a sociedade, até uma determi-nada altura da revolução industrial, apre-sentava sérios contrafortes para odeslanche do PIM.

Primeiro, as plantas industriais não subs-tituíram imediatamente os engenhos dos

artesãos que fizeram asglórias dos impériospré-industriais2. Os ri-fles utilizados por am-bos os lados na maiorparte da guerra civilnorte-americana (1861-65) eram carregadospela frente como 90

anos antes. Na Guerra Austro-Prussiana(1966), os soldados do kaiser, portando orifle carregado pela culatra, derrotaram osaustríacos ainda com peças carregadas pelaboca. Ao final do século XIX, os america-nos não tinham uma espingarda que supris-se sua infantaria. Finalmente, antes da Pri-meira Guerra Mundial, após o uso frustradode uma peça sueca, o Exército americanoimplantou o máuser alemão. Tradição, eco-nomia e disputas políticas nos governosditavam muito o ritmo das substituições. Deoutra feita, as oficinas e plantas nunca fo-ram inteiramente substituídas em períodosde paz. Primeiro, porque muito do materialproduzido passou à vida civil e contou com

1 De fato, em 2007 a União Europeia (EU) ultrapassou os EUA como primeiro PIB. Ver Carta Capital,2007, p. 35.

2 Os long rifles do Kentucky, que fizeram a colonização americana dos séculos XVIII e XIX e o BrownBess dos red coats do Império britânico.

O peso militar dos EUA ébem superior ao seu peso

econômico e tecnológico noplaneta

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A TECNOLOGIA COMO FETICHE: A ILUSÃO DO COMPLEXO INDUSTRIAL MILITAR

circunstâncias que alimentavam a sua exis-tência, como a expansão do oeste norte-americano, que consumiu a Winchester, oSmith&Weston e o Colt.

Em segundo lugar, a expansão dos im-périos coloniais sobre a África e a Ásiademandava armas de melhor qualidade doque quantidade. De fato, o tamanho dosexércitos não se alterou muito desdeNapoleão até a Primeira Guerra Mundial.As forças colonialistas eram numericamen-te pequenas, e, não fugindo à tradição, oImpério britânico mantinha-se com umaforça que era uma combinação de força“profissional” e de voluntários, e equipa-da com as melhores armas3 – daí a deman-da pela metralhadora de Maxine (MaxineGun), ainda que um similar predecessor, aamericana Gatling, fosse praticamente ig-norada na Europa.

Em terceiro, nos países não industriali-zados, mesmo que alguns possuíssem ofi-cinas e pequenas unidades metalúrgicas,consumiam armas dos parques industriali-zados para as muitas disputas territoriaiscom vizinhos ou por terem ocorrido confli-tos armados de monta, domésticos ou não.4

Uma séria exceção à lógica anteriormen-te descrita estava no setor da indústrianaval. Países imperialistas e seus concor-rentes diretos necessitavam de Marinhasmercantes desenvolvidas e Marinhas mili-tares fortes para proteger seus interesses– e ameaçar os demais. Essa talvez seja agrande razão pela qual as Marinhas de guer-ra acumularam mais inovação tecnológicadesde a chegada do vapor e do aço às pran-

chetas do que os exércitos. Ali se consu-miam em quantidade e qualidade, sendo aconstrução naval refratária de qualquer ino-vação, nem que pela simples experiência.Os confrontos localizados entre as potên-cias concorrentes contribuíram seriamentepara o disparo da construção náutica5. As-sim, a primeira década do século XX assis-tiu a uma corrida naval que envolveu atépaíses não industrializados.

A passagem da Primeira Guerra Mundi-al acresceu diversidade ao parque indus-trial, pelas tecnologias bélicas que emergi-ram do conflito, como o avião, o submari-no e o carro de combate, porque permitiama possibilidade de uma nova indústria mili-tar: a planta de emprego híbrido.

Aqui não se trata de dualidade, que secaracteriza pela transferência de umatecnologia ou produto ambivalente (empre-go militar e civil), mas de uma indústria ci-vil que pode ser desdobrada para o setormilitar. As indústrias de aviação e automó-veis estimulavam as de motores e peças,cujas plantas podiam desdobrar projetosmilitares. Nessa época, praticamente astecnologias básicas de um armamento po-diam ser colhidas na indústria civil, adap-tando-o com tecnologia exclusivamentemilitar e à engenharia das armas ou materi-al bélico.

As operações militares das indústriasaeronáuticas, automotivas, componentes emetalúrgicas eram apenas uma fração dasplantas até a segunda metade da década de1930, porque os governos, que eram os mai-ores – e por vezes os únicos – clientes, não

3 O fim da monarquia Stuart aprofundou o modelo de uma força militar comandada por uma elite formadana academia de Sandhurst e uma tropa multinacional de escoceses, irlandeses, galeses e batalhõesétnico-coloniais (guptas, gurcas, scouts).

4 Nessa linha podemos citar a Guerra Civil no México (1861-1870); a Guerra do Paraguai, que envolveuArgentina, Brasil, Paraguai e Uruguai (1865-1970); e a Guerra do Pacífico, entre Chile, Bolívia ePeru (1878-1881).

5 Descontando pequenos affairs, a Guerra Sino-Japonesa (1894), a Guerra Hispano-Americana entreEUA e Espanha (1898) e a Guerra Russo-Japonesa (1904-05).

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se encontravam em condições de fazer en-comendas de monta. Na década de 1920, oclima antibelicista e a prosperidade dos pro-dutos internos sugavam a inovação para aeconomia civil. E, na Grande Depressão, osEstados tiveram que intervir antes para equi-librar as ações sociais e econômicas, quenão passaram imediatamente. Apenas o acir-ramento dos conflitos pela ascensão e ex-pansão do nazi-fascismo induziram a ummaior investimento na indústria, nas plan-tas militares e nos projetos de inovação.

AS ORIGENS DO COMPLEXO

A Segunda Guerra Mundial é, comfrequência, apontada como o marco divi-sório da criação do “complexo industrialmilitar” dos EUA. Assertiva correta numaperspectiva global, peca pela óbvia faltade instrução histórica. A iniciativa materialsucede à ideia de gestão de um complexomilitar que começa quando os EUA se lan-çam como país imperialista da última déca-da do século XIX, e até as primeiras déca-das do século XX.

Dois vetores de planejamento geraramos primeiros planos operacionais de umaforça militar hegemônica para os EUA. ONaval War College, idealizado para as ope-rações navais, logo se tornou um fórumentre soldados e marinheiros de como pen-sar operações militares conjuntas e ensai-os de intervenção. Foi lá nas décadas de1920 e 1930 que vários dos futuros chefesmilitares da América – Nimitz, MacCarthur,Marshal, Arnold –, em seus jogos de guer-ra, idealizaram as principais estratégias e

táticas para uma futura guerra6. Assimcomo nos estertores da Primeira GuerraMundial, o comando dos fuzileiros passoua adotar a Landing Base OperationsDoctrine, que preconizava que os EUA de-veriam ter bases de apoio em todos os con-tinentes de onde os fuzileiros poderiam“saltar” em intervenções rápidas7. Uma or-ganização militar mais afeta e preparada aointervencionismo obrigatoriamente deman-dava um parque industrial adequado à “ex-tensão dos negócios” do monopólio dosEUA. Entretanto, foi preciso a História paraque as coisas acontecessem.

A Primeira Guerra Mundial demonstrouque os EUA estavam defasados em estru-tura tecnológica em vários setores e emgestão. O parque industrial militar america-no nunca parou de crescer desde então,mesmo que a Grande Depressão o tenhaimpactado nos primeiros anos.8 A adminis-tração Roosevelt, no seu segundo manda-to, produziu um programa de reequi-pamento nada modesto para a época. Asindústrias de aviação e armamentos rece-beram encomendas de projetos que já es-tavam na linha de produção antes da pri-meira bomba germânica cair sobre Varsó-via9. De 1939 a 1941, o efetivo do Exércitocresceu de 174 mil para 1,4 milhão. Porém oefetivo da Marinha vinha sendo acrescidodesde o reaparelhamento iniciado no co-meço da década de 1930.

Às vésperas da Segunda Guerra Mun-dial, a Força Aérea do Exército dos EUAtinha 7 mil aparelhos, sendo um poucomenos da metade de combate, e a ForçaAérea Naval tinha 5 mil aeroplanos, 3 mil

6 Por exemplo, a hopping island manouvre (pular as posições), implementada por MacCarthur, e aforça-tarefa independente de navios-aeródromos e cruzadores, usadas na Segunda Guerra Mundial.

7 Lembremos: o Emblema dos Marines é uma águia postada entre âncora e remo sobre uma efígie doGlobo.

8 Dois trabalhos são referências históricas inaugurais desse tema. Ver KOISTINEN (1970, 1973).9 Como os bombardeiros quadrimotores B-24, B-17 e o caça interceptor P-41, as novas metralhadoras

.50, rifles semiautomáticos e o fuzil Garat, que se tornaria a arma padrão da infantaria americana.

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de combate, isto é, cerca de 6 mil aparelhosde combate, ainda que a metade da décadaanterior – como acontecia em todas as po-tências militares da época. A Marinha sóperdia em números para a britânica, com300 navios de combate, sendo 17encouraçados (12 da década anterior) esete navios-aeródromos pesados (apenastrês da década de 1920). Protótipos avan-çados de aviação estavam sendo entreguese o material rodante vinha sendo substitu-ído. A indústria bélica tinha problemas dedeslanchar pela falta de ameaças que obri-gassem o poder civil a lançar verbas derenovação mais frequentemente ou pelaexistência de um conflito de fato.

A “plataforma delançamento” do com-plexo militar já se en-contrava pronta quan-do do ataque a PearlHarbor. Em um par demeses a indústria béli-ca, a todo o vapor,despejou 2.900 aero-planos (mais que todaa força aérea japonesa na linha de frente).O crescimento rápido e exponencial da in-dústria militar obrigou ao frenesi de con-versão de indústria civil, a maioria com ca-pacidade ociosa, em linha auxiliar das gran-des plantas industriais militares. O choquefoi tão intenso que a convocação de ope-rários especializados para operar na guerramotomecanizada que os aliados impunhamlogo obrigou que se chamassem mulherespara as linhas de produção. O apurogerencial e a organização dos gestoresamericanos nada seriam se não existisseuma base industrial para trabalhar.

Finda a guerra, a perspectiva para o com-plexo industrial militar criado parecia som-bria. Se um parque industrial reconvertidonão teria problemas de concorrência, vistoque apenas o parque industrial dos EUA

sobrara intacto no Ocidente, não havia de-manda para suprir a indústria de bens decapital, mesmo com o nascimento da guer-ra fria em 1947. Quatro fatores adensaramos argumentos de sobrevivência do com-plexo da guerra: a eclosão de uma Repúbli-ca comunista na China continental, em1949; a explosão da bomba atômica sovié-tica no mesmo ano; o Plano Marshall dereconstrução da Europa; e a Guerra daCoreia, em 1950. O conflito asiático foi semdúvida o fator definitivo, pois retirou aGuerra Fria da retórica geopolítica para arealidade da guerra global iminente.

Quando marines desembarcaram emIchon na retaguarda das forças comunis-

tas para virar a maréestratégica da Guerrana Coreia, a maior par-te de seu material, na-vios de apoio e aviões,provinha da guerraanterior. O decorrer daguerra, a intervençãochinesa e o despejo dematerial soviético no

lado comunista certificaram que uma polí-tica planetária precisa ser ratificada por umaparato militar renovado. Esse ponto nãogerou discussões políticas, e sim a presen-ça no Estado e na sociedade de um com-plexo industrial bastante específico, surgi-do para uma conjuntura determinada deuma guerra cujo tom era a sobrevivênciado mundo civilizado.

Podemos afirmar com certeza que o par-que industrial militar dos EUA retorna ain-da na administração Eisenhower (1956-1961), apesar de seus protestos e alertas,com a criação do Strategical Air Command(SAC) implementado pelo belicoso briga-deiro Curtis Lemain, e com a intervençãono Vietnã, que se inicia pesadamente como governo Lindon Johnson. A demandatecnológica e de recursos por uma força

A “plataforma delançamento” do complexomilitar já se encontrava

pronta quando do ataque aPearl Harbor

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aérea nuclear-estratégica, combinada comuma guerra efetiva e seu consumo desen-freado de material, gerou o mecanismojustificador padrão de sustentação do queviria a ser o complexo industrial militar-tecnológico dos EUA dos dias atuais.

O COMPLEXO INDUSTRIALMILITAR

As características do Complexo Indus-trial Militar (CIM) não são únicas apenashistoricamente. Sua lógica também é únicaem mitificação e alienismo.

Três argumentos sustentam a força e aperenidade do CIM:

1. de que é essencial para a economiados EUA na geração de recursos e empregos;

2. de que ele é dual, portantotecnologicamente interessante;

3. de que é adequado aos objetivosgeoestratégicos dos EUA.

O primeiro argumento poderia ser ver-dade quando o parque industrial estava noseu apogeu, na Segunda Guerra Mundial,e o padrão de desenvolvimento do capitalera de intensivo capital-trabalho. Contu-do, hoje pouco mais de seis conglomera-dos industriais e uma meia dúzia de empre-sas de projetos são responsáveis pela pro-dução militar dos EUA, com pouco mais deum milhão de empregos diretos, e esta éaltamente concentradora de renda. Nãogera tantos empregos indiretos devido àalta densidade tecnológica, à especi-ficidade e à complexidade da maioria doscomponentes dos armamentos, que hojesão mais “plataformas de conhecimento”do que de armas. Imaginar que haveria um

desfalque e uma séria crise social e decompetitividade com a redução dos gastosmilitares é uma falácia. Os recursos fluiriampara outros setores, já que o investidor e ocomprador é sempre o Estado.

Quanto à dualidade, chega ser patética aafirmação. Devemos perceber que existemdois tipos de dualidade: a que converte itenscivis ao setor militar (portanto trata-se desimples aquisição e adaptação do que já estáem uso) e aquela gerada na pesquisa militarem combinação com o setor civil, que trans-fere tecnologia a este último. O primeiro caso,muito comum no início da Segunda GuerraMundial, está superado, mas, mesmo du-rante o conflito, mostrou-se limitativo e ob-soleto10. A dualidade do setor militar para ocivil é puramente residual no caso do com-plexo norte-americano, dado o sigilo e osegredismo que envolvem a maioria dos pro-jetos. Existe dualismo realmente nos pro-gramas tecnológicos e de pesquisa, mas demaneira lenta, e não em produtos e proces-sos tecnológicos que permitam aos ramoscivis das empresas envolvidas em projetosmilitares uma competitividade de mercadodefinitiva. Basta observar os índices decompetitividade de empresas orientais nãoenvolvidas com pesquisa militar e os seusconcorrentes americanos.11

O último termo é de resposta complexa.Mesmo dentro dos EUA existe, desde o dis-curso de despedida de Eisenhower, em 1961,uma controvérsia se o aparato militar indus-trial do país é realmente necessário para osobjetivos nacionais. Com o fim da GuerraFria, essa discussão ganhou corpo, mexen-do com o planejamento de Estado pelo me-nos até o ataque às Torres do World Trade

10 No caso dos EUA, o melhor caça americano do conflito, o Corsair, tinha a mais complexa manufaturada época; e, pelo lado do Eixo, o caça a jato nazista ME-262, que consumia materiais e peçasraríssimos para a tecnologia da época, mesmo problema enfrentado pelo caça a jato japonêsShinden, mais revolucionário que o alemão.

11 Ver Carta Capital, (2007) p. 37.

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Center, em 2001, novamente oferecendo aameaça de fato, o embasamento aos argu-mentos e políticas em favor do reaparelha-mento. Porém a argumentação apresentouum tom de rara sofisticação: a guerra ao ter-ror foi apresentada não como uma guerra auma ameaça difusa, mas uma ameaça de Es-tado terrorista. Em outros termos, o terrorexistia não apenas porque os Estados o apoi-avam, mas porque existiam Estados que ti-nham uma política de terror ao se recusarema aderir às agendas internacionais gestadasa partir do Departamento de Estado dos EUA.Assim, o complexo industrial militar adequa-va-se a prover os meios de neutralizar com omínimo de custos humanos possível as ame-aças eventuais e imi-nentes, ampliando averticalização tecnoló-gica materializada noprojeto de 1.200 YF-22a US$ 122 milhões perunidade, uma novaclasse de CVN GeraldFord, com previsão dedez unidades (custoainda não identificado)12, e uma classe in-teiramente nova de destróieres com 35 uni-dades previstas.

Em suma, o CIM apresenta característi-cas específicas, tais como:

1. A doutrina ou teoria da ameaça, geral-mente presumida, portanto não em informa-ção acurada, mas na simples paranoia. Bastanos reportarmos aos famosos relatórios doPentágono sobre o poder militar soviético. Aedição lançada pelo secretário de EstadoGaspar Weinberg às vésperas da distensãoproposta por Gorbatchev desenhava armasque sequer estavam em produção, com da-dos de uma superestimação chocantes.

2. A meta é a renovação constante, cri-ando modelos mais novos e sofisticadosno menor espaço de tempo. A taxa de reno-vação de armamentos era tão alucinada naGuerra Fria que várias unidades de avia-ção recebiam modelos novos quando ain-da nem tinham equipado todas as unida-des com os modelos designados, enquan-to outras nem mesmo eram renovadas atéque outro armamento fosse entregue.

3. Necessita de conflitos para justifi-car sua existência e a enormidade de seusgastos.

A IMAGEM ALTERNATIVA: OCOMPLEXO DE DEFESA

Propomos aqui ummodelo alternativoque, em parte, está sen-do desenvolvido emalguns Estados nacio-nais de porte e que ser-viria de exemplo paraEstados médios ou aschamadas potências

emergentes. Sem encimar um complexo in-dustrial militar, países como a Alemanha, querecentemente tornou-se o maior exportadorde armas; a França, por meio de seu aparatoestatal, como a Direction des ConstructionsNavales Services (DNCS); a Rússia; a Chi-na ou mesmo a Índia reinventaram sua polí-ticas de defesa, comprometendo-as com apolítica pública de Estado. Esse “complexoindustrial de defesa” a que nos referimos(CID) não é uma integração apenas de bu-rocracias e grupos de interesses localiza-dos no aparelho de Estado, cooperando paraperpetuar um modelo que se retroalimenta –endógeno e orgânico. O CID implica a su-

12 A crise mundial recolocou o debate da necessidade desses armamentos, se não a emergência, pelomenos na quantidade. Pretende-se que o número de YF-22 não passe de 200, a maioria dos destróieresfoi cancelada e a guerra pelos novos CVN está declarada no complexo militar dos EUA.

O CID implica asubordinação e a

integração do parqueindustrial militar à política

geral de Estado

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bordinação e a integração do parque indus-trial militar à política geral de Estado. Suascaracterísticas principais são:

1. Dependência da Estrutura de Informa-ção Estratégica – Não se trata de descobrirsegredos, mas de estar informado dos prin-cipais desenvolvimentos estratégicos, in-dustriais, científicos e tecnológicos em voga,antecipar as atitudes geopolíticas e distin-guir entre uma ameaça real e uma apenashipotética. Ao contrário do CIM, o CID émenos imaginativo e deve apoiar-se numedifício amplo de fontes articuladas e meca-nismos de supervisão crítica. O caso da in-vasão do Iraque foi emblemático: de repen-te toda a culpa dasmentiras que sustenta-ram a decisão da guer-ra caiu nos “equívo-cos” do setor de infor-mação, e o Estado ame-ricano descobriu que acaixa-preta do setor deinteligência é mais des-controlada do que osuposto, e que a estru-tura do Estado liberalnão dá conta real desse setor – se é querealmente o quer supervisionar.

2. Políticas Públicas Eficientes – O CIMopera apenas com critérios de eficácia, por-que a operação militar é baseada na doutri-na da missão: é preciso cumprir a tarefa. Ocusto não é lógico na guerra, a não ser emtermos operacionais, isto é, dispor de mei-os para repetir os resultados. Mas o CIDbaseia-se na eficiência global: a missão ésubsidiária de uma discussão crítica dapolítica estratégica de emprego de força, enão apenas de uma ideia tópica de disporde meios de superar o inimigo em qualquercenário possível. Além de encomendas, oEstado deve avaliar e apoiar a pesquisa ci-entífica e tecnológica, definindo o consu-mo e requisitos a partir do item 1. A inova-

ção sem propósito e produtos semaplicabilidade imediata devem ser manti-dos como “capital de reserva”.

3. Subsidiário e não principal no apoio àpolítica de Estado – Não é verdade que acapacidade do Estado nacional projetar po-der esteja ligada à capacidade de projetarpoder militar em última instância, e muito me-nos verdade que apenas um CIM pode for-necer tal certeza. Os EUA são uma circuns-tância única na História, e sua superioridadenão se mostrou definitiva ou suficiente emtodos os casos. Lembremos a Somália (1992),a Iugoslávia (1999), a incapacidade de forçara Coreia do Norte e o Irã e os episódios re-

centes dos piratas nochifre da África, apenaspara citar os casos maisrecentes. Sem uma redediplomático-estratégi-ca, envolta na posiçãogeoeconômica privile-giada dos EUA, muitacoisa não teria aconte-cido nas últimas duasdécadas.

A meta final do CIDé racionalizar uma indústria militar dentro doorçamento de Estado, sem destiná-la àobsolescência tecnológica. Ao mesmo tem-po, evitar que o Estado caia à mercê de inte-resses difusos que fogem às metas da políti-ca nacional, passando a servir a interessesparticulares e imiscuindo setores do Estadoe da iniciativa privada para além dos interes-ses públicos.

CONCLUSÃO

Este é um mundo difícil. Nossa propostanão é apenas um meio-termo entre o possívele o inevitável, mas o fechamento de uma ideia-chave: de que uma estrutura industrial dedefesa não deve apenas servir aos interes-ses econômicos, mas da efetiva segurança,

A meta final do CID éracionalizar uma indústria

militar dentro doorçamento de Estado, semdestiná-la à obsolescência

tecnológica

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que é prevenir o uso da guerra e o controleda violência. A soberania efetiva pode seralcançada sem que seja preciso construir umparque militar ou uma força militar titânica,desproporcional ao Es-tado nacional. De fato,o exemplo dos EUA épontual.

A agressiva políticamilitar dos EUA, princi-palmente na Era Bush,apenas serviu para am-pliar as políticasarmamentistas pelo glo-bo. É claro que seria in-fantil imaginar que aChina, a Rússia ou mes-mo a Índia ficariam inertes, sem reciclar seusaparatos de força, tendo interesses continen-tais inerciais – queiram ou não são referências

de poder. Porém pensar que se pode construirum aparato militar em escala global sem freiose esperar que nenhuma reação se materializas-se não foi apenas ingênuo, mas maldoso – por

que não dizer, suspeito?A Coreia do Norte

está demonstrandoque não é preciso umsuntuoso aparato mili-tar para exercer sobe-rania. Sua toscatecnologia nuclear e aposse de alguns mís-seis saídos da ciênciada Guerra Fria estãoproduzindo resultadosdissuasórios sérios.

O modelo brasileiro ainda estáengatinhando com a Estratégia Nacionalde Defesa, e é preciso se acautelar.

CLASSIFICAÇÃO PARA ÍNDICE REMISSIVO:<CIÊNCIA E TECNOLOGIA>; Indústria militar; Poder Militar; Política nacional; Ministérioda Defesa;

BIBLIOGRAFIA

GALBRAITH, John K. O Moderno Estado Industrial, SP, Nova Cultural, 1988 (1a. Ed. de 1968).MARK, Rupert Ideology of Globalization, Contending visions of New World Order, Rutledg, New

York, USA, 2000.MONCHÓN, Francisco&TROSTER RL. Introdução à Economia, SP, Makkron Books, 1995.

OUTRA PUBLICAÇÕES

Limites e Desafios da Dominação Hegemônica. CECEÑA, Ana E. & SADER, Emir IR. A GuerraInfinita, SP, Ed vozes, 2002 Parte III., pp. 251.

Política Externa, Vol. 13, n. 3, dez, jan e fev, 2005, SP, IEEI, USP.Carta Capital, RJ, Maio-2004.Carta Capital “O Império com pés de barro”, SP, Confiança, 17/10/2007, pp38-45.KOISTINEN, Paul A. “The Industrial Military Complex in Historical Perspective: The Inter War

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_______________“Mobilizing the World War II: Economy, Labor and the Industrial MillitaryAlliance”. University California Press, Berkley, California, 1973.

LUTTWAK Edward N. Guerra Moderna: A contrainsurgência como prática equivocada, RJ, Re-vista da EGN, 2o sem. de 2007, vol. iv, pp. 7-19.

Forças Armadas em Revista, Ano 4, no 14, 2009, RJ, Faer Cultural.

A soberania efetiva podeser alcançada sem que seja

preciso construir umparque militar ou umaforça militar titânica,

desproporcional ao Estadonacional

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A SEGUNDA REVISTA MAIS ANTIGA DO MUNDO

A Revista Marítima Brasileira completou 159 anos em 1o de março de 2009. Fundada em 1851 pelo

Primeiro Tenente Sabino Elói Pessoa,foi a segunda revista mais antiga do mundo

a tratar de assuntos marítimos e navais.Conforme os registros obtidos, a Rússia foi o primeiro

país a lançar uma revista marítima,a Morskoii Sbornik, (1848).

Depois vieram:Brasil – Revista Marítima Brasileira (1851),

França – Revue Maritime (1866),Itália – Rivista Marittima (1868),

Portugal – Anais do Clube Militar Naval (1870),Estados Unidos – U.S Naval Institute Proceedings (1873)República Argentina – Boletín Del Centro Naval (1882).

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SUMÁRIO

Considerações iniciais: o transporte marítimoA origem do conhecimento de embarqueO valor probatório do conhecimentoA emissão dos primeiros documentosA natureza da circulação dos títulosO conteúdo e as cláusulas de reservaDa Ordenação da Marinha Mercante de 1681 até os dias atuais: uma breve releituraConclusão

O CONHECIMENTO DE EMBARQUE: UM BREVEESTUDO SOBRE SUA EVOLUÇÃO HISTÓRICA

RICARDO VIOTTO1

Advogado

CONSIDERAÇÕES INICIAIS: OTRANSPORTE MARÍTIMO

O comércio e os transportes apresen-tam-se como fatores significativos no

desenvolvimento econômico/social de umpaís e contribuem para a circulação das ri-

quezas, mediante a transferência de pes-soas e/ou coisas de um lugar para outro.

Iniciado com a troca de mercadorias e pos-teriormente com o surgimento da moeda, ocomércio desenvolveu-se principalmentepela pesca, pela agricultura e pelas possibili-dades comerciais com outros povos. É por

1 O autor é advogado desde 1998, foi pesquisador em Direito Marítimo pela Universidade de Gênova eatualmente cursa o último ano de doutorando em Direito Comparado pela Universidade de Milão.

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O CONHECIMENTO DE EMBARQUE: UM BREVE ESTUDO SOBRE SUA EVOLUÇÃO HISTÓRICA

esse fato que a maioria das cidades desen-volvidas encontra-se à margem desses mei-os de navegação (Scialoja, 1946, p. 322).

Dentre as civilizações que se dedicaramao comércio realizado por rios e mares, des-tacam-se os povos assírios, os babilônicos,os caldeus, os egípcios, os fenícios e tam-bém os rodes, no Mediterrâneo (Desjardins,1980). O desenvolvimento de um povo fren-te a outro foi sempre motivado pela buscade riquezas, mediante a prática de atos decomércio, mas também as constantes guer-ras. Embora não existam registros que retra-tem com perfeição a história dessas civiliza-ções, é certo que eram sociedades economi-camente organizadas.

Em breve análisesobre as normas jurí-dicas desses povos,Antonini (2004) sali-enta que, embora nãoexista fonte de infor-mação robusta capazde reconstruir a histó-ria da época, é certoque sobre eles incidiaforte influência religi-osa. Justamente porisso, relembra, as re-gras tendiam a desapa-recer com a civilização instituidora ou, nocaso de conquista, como as do ImpérioRomano, muitas delas eram recepcionadase outras adaptadas pelo sistema conquis-tador. Em ambos os casos, nenhum rastroda legislação originária foi deixado: no pri-meiro, porque desapareceu; no segundo,porque as normas incorporadas se confun-diam com o próprio sistema romano.

No tocante ao estudo das legislaçõesfluviais e marítimas da época romana, pou-cas são as informações existentes. Uma dasexceções é representada pelo Código deHamurabi, datado possivelmente do ano2.200 a.C. e composto de 282 artigos. Entre

outras matérias, este código regulamenta-va o transporte de coisas (art. 112), a cons-trução de navio (art. 234, 235), o fretamen-to ou transporte (art. 236 a 239), oabalroamento (art. 240), a construção deembarcações (art. 235), o afretamento (art.236, 237) e o transporte de mercadorias (art.238 e 239) e frequentemente estabelecia apena de morte como caráter sancionatóriopelo descumprimento das imposições neledeterminadas.

Particular contribuição no desenvolvimen-to dos transportes marítimos deve-se ao povofenício. A natureza acidentada do seu territó-rio, localizado entre o Mar Mediterrâneo e asmontanhas do Líbano, que dificultava as vias

de comunicações inter-nas, contribuiu para aconstituição de cida-des/estados indepen-dentes e impulsionou aexploração dos mares.

Embora esse povotenha se tornado umdos maiores navega-dores, comerciantes ecolonizadores da An-tiguidade, os historia-dores divergem a res-peito da regulamenta-

ção das matérias atinentes ao comérciomarítimo. De um lado, Webster (1903) en-tende que, ainda que os fenícios tenhamse destacado na utilização dos mares, nãoexiste qualquer registro documental quecomprove tal fato; do outro, Pardessus(1845) argumenta que a ausência dessesregistros indica que as regras do comérciomarítimo estabelecidas nos textos hebrai-cos eram reprodução das normas fenícias,já que os judeus não se destacaram nasnavegações, mas sim na agricultura e nacriação de animais.

Outros autores foram mais além ao afir-mar que as redações das normas de Mishná

O desenvolvimento de umpovo frente a outro foisempre motivado pela

busca de riquezas,mediante a prática de atosde comércio, mas também

as constantes guerras

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de Jerusalém (140 d.C.) e Gemara daBabilônia (250 d.C.) foram elaboradas combase em legislações ainda mais antigas,como o Talmud de Jerusalém e da Babilônia(Desjardins, 1980), que também disciplina-vam sobre normas marítimas (Querci, 1960;Gaeta, 1958).

O entendimento majoritário é que as re-gras jurídicas sobre o comércio marítimosurgiram com os fenícios, navegadores, eserviram de inspiração para os povos quecentravam suas atividades na agrope-cuária, no artesanato e no comércio, comoforam os hebreus e os babilônicos. Estabe-lecer, portanto, que os fenícios foram pos-sivelmente os primeiros povos a regula-mentar a atividade comercial marítima é“determinar a paternidade” do direito marí-timo ou, particularmente, da avaria comum.

Outra norma que merece destaque é aLex Rhodia de Jactu, ou Lei de Rodes, quesurge por volta do ano 480 a.C. com o obje-tivo de tutelar os direitos dos armadorescontra os perigos do mar, em especial aavaria grossa. Tais normas foram absorvi-das pelo sistema romano e mais tarde ser-viram de inspiração à elaboração doDigesto de Justiniano, no qual consta umcapítulo com mais de cem fragmentos des-tinado à Lei de Rodes.

A ORIGEM DO CONHECIMENTO DEEMBARQUE

Duas correntes buscam determinar aorigem do conhecimento de embarque: umaque defende ter ocorrido no período roma-no; a outra, majoritária, entende ter ele sur-gido no período medieval.

A primeira corrente surge da análise defragmentos do ÷åéñÝìâïëïí, um recibo deentrega emitido pelo magister (responsá-vel pelas operações econômicas e pelasanotações) e entregue ao carregador comoprova do “depósito das mercadorias”

(Ascarelli, 1955; Goldschmidt, 1838). Segun-do historiadores, este seria o documentode transporte utilizado por volta do séculoVIII e considerado como a forma primitivae originária do conhecimento de embarque,como se pode aferir:

Digesto 4.9.1.3 (Ulpiano, 14 adedictum). Et sunt quidam in navibus,qui custodiae gratia navibuspraeponuntur, ut naufulakes etdiaetarii. Si quis igitur ex his receperit,puto in exercitorem dandam actionem,quia is, qui eos huiusmodi offuciopraeponit, committi eis permittit,quamquam ipse navicularius velmagister id faciat, quod xeirembolonappellant. Sed et si hoc non exercet,tamen de recepto naviculariustenebitur.Da leitura desse fragmento se extrai que

o exercitor (armador) tinha a faculdade deautorizar seus prepostos a receberem asmercadorias em depósito, mas se obrigavapessoalmente pelos danos acarretados aocarregador, assim como também respondiaquando as mercadorias eram recebidaspelo magister, que emitia o recibo de em-barque. Devidamente embarcadas as mer-cadorias, o magister, ou na sua falta o ar-mador, emitia um comprovante de que asmercadorias tinham sido embarcadas e de-via encaminhá-lo ao carregador em um de-terminado período de tempo (Waltzing,1896).

Formal ou informal, escrito ou oral(Pardessus, 1845; Scorza, 1936), o contratode transporte era representado pelo docu-mento emitido pelo magister, onde se ates-tava o depósito das mercadorias recebidaspelo carregador. A formalidade do ato sejustificava pelo fato de a emissão do docu-mento ser efetuada por escrito e ainda porpessoa determinada.

Na verdade, a única certeza da doutrinacom relação ao significado do termo

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O CONHECIMENTO DE EMBARQUE: UM BREVE ESTUDO SOBRE SUA EVOLUÇÃO HISTÓRICA

÷åéñÝìâïëïí é a de que ele representa orecebimento das mercadorias. Isso porque,nas inúmeras publicações do Digesto, osignificado etimológico da palavra era tra-duzido como manus immissionem e comomanus iniectio (Scorza, 1936).

Embora Scorza (1936) tenha fundamen-tado sua alegação com base no documen-to mencionado no parágrafo anterior, elemesmo se contradiz: inicialmente conside-ra que se trata somente de uma hipótese deorigem, mas depois de discorrer sobre oassunto afirma que não se pode negar terele o status da forma originária do conheci-mento de embarque. Rosa (1958), ao semanifestar sobre o assunto, afirma que seo procedimento adotado naquele períodofosse exatamente como o estabelecido porScorza – entenda-se com a “emissão pelocarregador de um documento de transpor-te que legitimava a restituição das merca-dorias – seria difícil aceitar as evoluçõesfuturas que viria a sofrer o conhecimento”.

Uma segunda e majoritária corrente (Rosa,1985; Vivante, 1881; Brunetti, 1929) afirma quea origem do conhecimento remonta ao perío-do medieval, quando os mercadores costu-mavam acompanhar, pessoalmente, o trans-porte das suas mercadorias até o local davenda. Por esse motivo, não era comum aemissão de qualquer recibo que servisse comoprova da efetiva entrega das mercadorias edo seu respectivo embarque.

Embora alguns doutrinadores conside-rassem que tais procedimentos tenham seoriginado a partir do século XIII (Ripert,1929), Rosa (1958) defende a tese de que oconhecimento somente surgiu a partir doaparecimento do Consulado do Mar, umareunião das normas consuetudináriasredigidas no século XV. Dentre as suasanotações, se constata que, uma vez firma-do o contrato de transporte, o capitão de-veria fornecer ao mercador um espaço so-bre o navio proporcional ao frete por ele

pago, permitindo-lhe portar consigo umamala, uma cama e seu servo, mas somentequando o pagamento do frete superasseuma cota mínima; caso contrário, o embar-que do mercador ou de outra pessoa so-mente poderia ocorrer mediante o pagamen-to da passagem (Targa, 1787).

A determinação da cota mínima para otransporte era estabelecida conforme o usoe o costume portuário. Em Gênova, porexemplo, era uso transportar o mercador e/ou a pessoa por ele indicada, gratuitamen-te, quando o valor do frete ultrapassasse odobro do valor que ele pagaria para realizarsozinho a viagem.

O Consulado do Mar, contudo, não erao único instrumento que servia para disci-plinar o transporte de mercadorias pelo mar.Na Itália, destacaram-se também o Estatu-to de Ancona (Pardessus, 1845), oOrdinamenta et consueto maris edita perConsules Civitatis Trani (Reddie, 1841;Monti, 1938) e o Ordenamento Marítimode Pietro d’Aragona, dentre outros.

Com o passar do tempo, os mercadorespassam a fundar agências de comércio e,paulatinamente, deixam de acompanhar otransporte das mercadorias, confiando a fun-ção a um sócio, que tinha participação noslucros (Estatuto de Gênova, 1499, livro IV,cap. 13) ou a um representante, que deviacumprir precisamente as determinações quelhe eram passadas. Nesse caso, os merca-dores recebiam do escrivão de bordo umextrato do seu livro, como se verifica abaixo:

Capitulare nautico pro emporioVeneto (1255), cap. 53: et dabo etpresentabo omni mercatori et marinariosi voluerint accipere scriptum omniumsuorum collorum.; Statuto di Ancona(1397), rub. XXIX: De le scripture fattenel Catasto della nave per il scrivanosia egli tenuto di dare lo exemploscripto de sua mano, infra terzo di poichèfu domandato.; Statuto Genua, 1441,

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cap. 103: Statuimus et ordinamus quodquilibet scriba cujuscumque navismercatori requirenti dare perapodixiam scriptam manu propriaomnes et singulas res et merces.A partir do momento em que os merca-

dores passaram a estabelecer relações decomércio no local de destino, o transportedas mercadorias deixou de contar com a pre-sença do proprietário dos bens transporta-dos e passou a ser efetuado unicamente pelocapitão, mediante emissão de recibo aoembarcador. No destino, o capitão era obri-gado a restituir as mercadorias para o repre-sentante do mercador, mediante apresenta-ção da cópia do registro de bordo.

No próprio Consulado do Mar já consta-va a hipótese de o capitão lançar as merca-dorias ao mar para salvar a embarcação, des-de que consultados os mercadores ou, naausência destes, a tripulação (Casaregis,1911). Essa faculdade concedida ao capitãoevidenciava que o transporte das mercado-rias já estava sendo efetuado sem o devidoacompanhamento por parte de seus propri-etários ou por pessoa por eles designada.

Paulatinamente, as mercadorias passa-ram a ser confiadas ao capitão, que emitiaum documento quando do recebimento dascoisas. Surge então a necessidade de seestabelecer uma documentação públicaque registrasse todos os fatos ocorridos abordo do navio (Righetti, 1990).

Essa nova fase foi marcada pela determi-nação de que os navios deveriam ter a bordoum livro e também um escrivão designadopara nele anotar tudo o que ocorresse a bor-do da embarcação; isso incluía o embarque edesembarque das mercadorias, as vendasefetuadas e os passageiros, dentre outrosfatos que pudessem ocorrer durante a via-gem. Nem todos os navios, contudo, tinhama necessidade de manter a bordo o livro e oescrivão, mas somente aqueles cuja capaci-dade superava certa quantidade de carga.

Nos navios de maior porte, eram nomea-dos um ou dois escrivães, conforme podese aferir nos Estatutos de Veneza de 1225,de Marcélia de 1253 e também nosOrdenamentos de Barcelona de 1453, osquais eram responsáveis pela conferênciadas mercadorias depositadas a bordo donavio e também por emitir um recibo de em-barque, nos estritos termos do registro nolivro de bordo. Caso se tratasse de navioscom bitola abaixo daquela estabelecida, osproprietários não eram obrigados a manter abordo o livro e tampouco o escrivão, maspoderiam emitir pessoalmente o recibo.

No tocante à atividade desempenhadapelo escrivão, deveria ele ser nomeado pe-los armadores e/ou pelos afretadores ouser designado pelo magistrado do país(Consulado do Mar, século XI, cap. 75 eCapitulare nauticum pro emporio veneto,1255, cap. 52, ambos in Casaregis, 1911).Caso os três estivessem na mesma soleni-dade, o ônus para a nomeação do escrivãorecaía ao magistrado.

Suas habilidades deveriam serincontestes. Além de saber ler e escrever, oescrivão somente tomava posse depois dejurar submissão, na presença dos marinhei-ros e dos comerciantes, a todo o pessoalde bordo, ao proprietário do navio, aospassageiros, além de seguir com precisãoos preceitos contidos no Estatuto e nasOrdenações Medievais (Consulado do Mar,cap. 55). Uma vez investido na função, de-veria saber a quantidade, a marca, o peso eo valor do frete de todas as mercadoriasembarcadas e desembarcadas (Vivante,1881) e apresentá-los ao magistrado tãologo desembarcasse.

Além da fé pública das anotações feitaspelo escrivão (Casaregis, 1911; Targa, 1787),a credidibilidade do documento era reforça-da pelas severas penas impostas quandoefetuadas escriturações infiéis, ou seja, oescrivão estava sujeito a perder o cargo e a

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mão direita, teria a testa marcada a ferroquente, perderia tudo o que possuía e seriagravemente multado (Casaregis, 1911).

As anotações contidas nos livros nãoficavam restritas ao conhecimento do ma-gistrado, mas poderiam ser utilizadas tam-bém pelos armadores e/ou mercadores me-diante requerimento de extrato dos regis-tros efetuados pelo escrivão como meio deprova a ser utilizada em eventuais confli-tos atinentes ao transporte (Boi, 1995;Targa, 1787).

Com o tempo, os extratos utilizados parasolução de litígios passaram a ser usadostambém para atestar oembarque e as condi-ções do recebimentodas mercadorias. Rosa(1958) chama a atençãopara o fato de queGoldschmidt (1891) eScorza, (1936), diantede alguns documentospublicados por Blan-card, afirmavam que noperíodo medieval eraprática o capitão emitirum recibo independen-temente das anotaçõesefetuadas pelo escri-vão. Um destes docu-mentos consta no títu-lo LXII do CapitulareNauticum pro Emporio Veneto, em que seestabelece “[…] et sicut in patroni custodiaper scriptum merces receperit, ita eas perscriptum mercatori cum integritaterestituere teneatur…”

Relendo essa passagem extraída doCapitulare, Scorza entende que os termosindicam (1) “per scriptum” – aobrigatoriedade da anotação pelo escrivãono livro de embarque e (2) “[…] ita eas perscriptum mercatori cum integritaterestituire teneatur…” – o desembarque

deveria ser feito por ordem do escrivão econforme as anotações inseridas no livro.O mesmo autor reproduz um documentopublicado por Bensa (1925) que indicava aemissão do recibo de embarque indepen-dentemente das anotações lançadas peloescrivão, pois quem o subscrevia não sedeclarava escrivão, mas se responsabiliza-va pelas informações nele contidas.

In Xri nomine, Amen: die primaAugusti MCCCLXXXXVII in Brugis.Noverint universi et singuli inespeturiquod ego Manfredinus che Cherioconfitior et confesso quod recepi de vos

Anthonius Chornellode Mayorlicha petiasDCCXXX ferro inEscraussa. Detto fer-ro debio consignarePetro de Villalonga indicto loco moroliche.Ego Manfredinus deCherio. [...] polizza diferro carico perMalioca (Bensa,1925).

Nessa mesma linha,Boi (1995) afirma queem virtude das altera-ções dos usos que vi-nham ocorrendo, querfosse pelo não acom-panhamento do trans-

porte das mercadorias pelos mercadores,quer fosse pela presença de um escrivão abordo dos navios, parecia natural que osembarcadores recebessem algum compro-vante pelo depósito das mercadorias. Taiscomprovantes não significavam unicamen-te a consignação das mercadorias, mas tam-bém a concretização de um contrato de trans-porte com o armador.

Como se observa, em um determinadomomento histórico da evolução do conhe-cimento de embarque poderiam coexistir

A credidibilidade dodocumento era reforçada

pelas severas penasimpostas quando efetuadas

escriturações infiéis, ouseja, o escrivão estava

sujeito a perder o cargo e amão direita, teria a testamarcada a ferro quente,

perderia tudo o que possuíae seria gravemente multado

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dois recibos paralelos: um originado a par-tir do extrato do livro de bordo e o outroemitido diretamente pelos armadores. Infe-lizmente, a doutrina não explica o tratamen-to jurídico e os efeitos da coexistência des-ses dois documentos, mas Scorza (1936)entende que o “verdadeiro conhecimento”seria aquele emitido após a estipulação docontrato de transporte, quando surge aobrigação de transportar as mercadorias eentregá-las no local de destino. Quanto aoextrato do livro de bordo, não passava demero instrumento comprobatório do depó-sito das mercadorias.

A lenta evolução do conhecimento foimarcada pelo acompanhamento do propri-etário no transporte das suas mercadorias.Sucessivamente e diante dos perigos domar, os mercadores passaram a nomear umpreposto ou entregavam suas mercadoriaspara que os próprios armadores ascomercializassem mediante o pagamento deuma comissão. Com o desenvolvimento docomércio, os navios passaram a contar coma presença de um escrivão, ou o próprioarmador emitia um recibo de embarque.

O VALOR PROBATÓRIO DOCONHECIMENTO

A partir do século XVI e com a intensifi-cação das navegações em nível mundial,os documentos de transporte foram rece-bendo novas modificações, com o objeti-vo de salvaguardar o direito dos mercado-res e armadores para atender às exigênciasdo mercado.

Um dos fatores que contribuíram signi-ficativamente para a evolução do conheci-mento, sua forma de emissão e prova foimarcado pelo início da utilização de segu-ros das mercadorias. Nesse caso, perma-necer com um documento que descreves-se precisamente os bens entregues ao ar-mador significava ter em mãos um instru-

mento hábil para provar o contrato de trans-porte e o estado das mercadorias embar-cadas e, se necessário, ser utilizado paraacionar o seguro em caso de sinistro(Stracca, 1569).

De posse do documento emitido pelocapitão, ou mesmo do extrato dos regis-tros do escrivão, o carregador normalmen-te comunicava ao destinatário do carrega-mento através da utilização de uma sim-ples carta, uma notificação, fazendo cons-tar do instrumento o valor do frete devido.Isso impedia que o capitão recebesse ovalor do frete duas vezes, como normal-mente acontecia.

Os registros até então efetuados pelosescrivães ou a emissão pelo capitão de umcomprovante de embarque, embora consti-tuíssem instrumentos hábeis para prova docarregamento e da consignação das mer-cadorias, não outorgavam direito para seexigir restituição das mercadorias (Rosa,1958). Todos os procedimentos eram sem-pre personalíssimos, e somente o proprie-tário das coisas poderia solicitar a devolu-ção das mesmas.

A assinatura do escrivão, antes pesso-al, passou ser a rogo do capitão e poderiaser comprovada tanto pelo escrivão quan-to por testemunhas. O armador não eraobrigado a emitir o conhecimento, salvo serequerido pelo carregador; contudo, escu-sando-se ele de cumprir sua obrigação, oescrivão poderia emiti-la mesmo contra aordem daquele (Vivante, 1881).

A regulamentação sobre a emissão doreferido documento era efetuada por meiode alguns estatutos e não se limitava uni-camente a acordos e convenções entre ar-madores e carregadores. Entre as partes, ocontrato tinha plena vigência, mas, quan-do estava na posse de terceiros, devia es-tar subscrito por testemunhas.

Dúvidas pairaram quanto à determina-ção do momento da emissão do conheci-

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mento. Alguns estatutos estabeleciam quesua emissão deveria ser feita antes da par-tida do navio; outros determinavam queapós (Capitulare nauticum pro emporioveneto, 1255, Cap. LIII). Neste caso, o co-nhecimento deveria garantir que o capitãoe o escrivão não poderiam modificar os re-gistros constantes do livro de embarque.

Com o tempo, inicia-se a utilização de for-mulários pré-impressos para a emissão doconhecimento, e seu preenchimento era efe-tuado manualmente ou mediante a utilizaçãode meios mecânicos. Se o documento conti-vesse informações dos dois tipos, o manus-crito devia prevalecer quando entre eles hou-vesse qualquer contradição (Scorza, 1985).O entendimento é que a forma escrita (manu-al) espelhava mais a vontade das partes.

Por volta do sécu-lo XVII, o recibo deembarque e o compro-vante de entrega demercadorias emitidospelo escrivão ou pelocapitão fundem-secom a carta de aviso,também chamada decarta de notificação.Este documento passa a legitimar ao seupossuidor o direito de requerer a restitui-ção das mercadorias.

O documento emitido pelo capitão, des-ta forma, determina a obrigação por ele as-sumida do transporte das mercadorias dolocal de origem até o local de destino e arestituí-las somente com a apresentação dodocumento.

Antes da unificação da carta de avisocom o conhecimento de embarque, o docu-mento emitido pelo escrivão ou pelo capi-tão servia unicamente como prova do con-trato de transporte e não legitimava seudetentor a requerer a restituição das mer-cadorias. O escrivão não era consideradoparte no contrato de transporte e, portan-

to, o valor probatório do documento porele emitido era determinado pelos estatu-tos, que geralmente determinavam consti-tuir ele prova jure et de jure, não se admi-tindo prova em contrário.

Um outro aspecto é que, se o documen-to fosse emitido pelas partes, seus efeitosficavam restritos entre elas. Para que tives-se eficácia de prova frente a um terceiro, avalidade do documento deveria ser com-provada por testemunhas ou mesmo poroutras provas.

Em relação aos seguradores, o valorprobatório do conhecimento não era bemdefinido. Nas apólices de seguros ficavadeterminado que a prova do carregamentoe, por consequência, do início da viagem,deveria ser a data da emissão do conheci-

mento de embarque(Scorza, 1936).

Do recibo de em-barque, passando pe-los registros dosescrivães no livro debordo, até haver a uni-ficação com a carta denotificação, o conhe-cimento constitui o

instrumento mais importante do contratode transporte marítimo de coisas.

A EMISSÃO DOS PRIMEIROSDOCUMENTOS

Foi somente a partir do século XVII quehouve o aprimoramento do conhecimentode frete como instrumento constitutivo deuma obrigação autônoma, emitido pelo co-mandante e entregue ao carregador/expedidor, e destinado a circular mediantea negociação do documento. Isso porque,no período medieval, além das anotaçõesefetuadas pelo escrivão no livro de embar-que, existia uma notificação por carta queera enviada pelo remetente ao destinatário

O conhecimento constitui oinstrumento mais

importante do contrato detransporte marítimo de

coisas

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para comunicar a remessa das mercadori-as, documento também utilizado parareclamá-las. Bensa (1925), em sua obra, re-produz a forma como era redigida:

Em nome de Deus. Neste 10 de outu-bro de 1392. Enviamos neste dia pelonavio de Guglielmo Ris... de Maiolica IVfardos de grão especificados (marca).Descarregadas deve ser pago o frete f.II ¼ dos fardos, isto è f. nove para todos:que Deus os proteja; e que seja feita avontade de Antonio di Guccio. Goro diSagio em Valência por ordem deFrancesco di Mar-co e preenchido emPisa: IV fardos (tex-to traduzido para overnáculo).A ausência de mei-

os de transportes efi-cientes contribuíapara que as notifica-ções não fossem en-tregues ou, quandoentregues, chegassemapós o desembarquedas mercadorias nolocal de destino. Jus-tamente por facilitarpráticas fraudulentase danosas (Rosa,1958), a carta de noti-ficação e o documen-to de embarque emiti-do pelo capitão e que estabelecia as merca-dorias depositadas foram reunidos paraformar o que hoje identificamos como o co-nhecimento de embarque marítimo ou, nalíngua inglesa, como bill of lading.

Com a fusão do título emitido pelo escri-vão ou capitão com a carta de aviso (ounotificação), o documento emitido passa aconferir legitimidade ao possuidor para re-querer a restituição das mercadorias. O ca-pitão, então, devia emitir um conhecimento

obrigando-se a efetuar o transporte até olocal de destino e a restituir as mercadoriassomente mediante a apresentação do títulopor ele expedido.

Antes da unificação da carta de aviso como conhecimento de embarque, o documentoemitido pelo escrivão ou pelo capitão serviaunicamente como prova do contrato de trans-porte e não legitimava seu detentor a requerera restituição das mercadorias. Em relação aosseguradores, o valor probatório do conheci-mento não era bem definido. Em todas as apó-lices de seguros estava escrito que a prova do

carregamento e, porconsequência, do inícioda viagem, deveria ser aemissão do conhecimen-to de embarque (Scorza,1936).

No tocante à emis-são do título, Targa(1787) traça cuidadosa-mente os procedimen-tos. Segundo ele, en-quanto as mercadoriasestavam sendo carre-gadas a bordo do na-vio, quem assistia aoembarque – isto é, oassistente do escrivão– efetuava todas asanotações no livro deembarque e passavarecibo ao embarcador.

Embar-cadas todas as mercadorias, os em-barcado-res eram avisados para compare-cerem em local predeterminado para apre-sentarem seus recibos de entrega das mer-cadorias e, uma vez coincidindo com as ano-tações no livro, receberem do escrivão o co-nhecimento de embarque.

A emissão do título era efetuada em trêsvias originais (Scorza, 1936) e poderia serredigida completamente pelo escrivão ousomente subscrita por ele. A assinatura do

Justamente por facilitarpráticas fraudulentas edanosas (Rosa, 1958), acarta de notificação e odocumento de embarque

emitido pelo capitão e queestabelecia as mercadoriasdepositadas foram reunidos

para formar o que hojeidentificamos como o

conhecimento de embarquemarítimo ou, na língua

inglesa, como bill of lading

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escrivão, antes pessoal, passou ser a rogodo capitão e poderia ser comprovada tantopelo escrivão como pelas testemunhas. Ocapitão não era obrigado a emitir o conhe-cimento de embarque, salvo se requeridopelo carregador; contudo, escusando-seele da sua obrigação, poderia o escrivão,em resposta ao requerimento, expedir odocumento mesmo contra a ordem daque-le, conforme dispunha o Estatuto Maríti-mo de Ancona, de 1397.

A regulamentação sobre a emissão dosreferidos documentos era feita por meio dealguns estatutos. Tais documentos não selimitavam unicamente a acordos e conven-ções entre armadores e carregadores. Den-tre eles, alguns permitiam a emissão doconhecimento depois que o navio partis-se, como o Capitulare nauticum pro em-pório veneto, de 1255, e outros condi-cionavam a partida à emissão do documen-to, conforme estabelece o Estatuto deSassari. A emissão do conhecimento apósa partida do navio, contudo, deveria retra-tar precisamente todas as mercadoriasembarcadas, de modo a coibir eventual frau-de nas anotações feitas no livro a bordo. Otexto abaixo dá uma ideia de qual era o pro-cedimento adotado:

Carregou pelo nome de Deus, e debom salvamento neste porto de GênovaM..., por conta e risco de... na embarca-ção denominada... Patron F. de... as mer-cadorias anotadas no final desta... pordeveres dito Patrone F. as mesmas mer-cadorias... na exata conformidade con-duz com sua dita embarcação nesta suaviagem a ... e quando da chegada noporto da referida cidade então entre-gar aos ditos... ou a quem por ele será,quando feita a consignação ser-lhes-ãopagos por seu justo frete... Eu, Patron F.acima afirmo o acima exposto pelaquantidade; no resto, diz possuir. (Tex-to traduzido para vernáculo)

Conforme salientado, as anotações pas-saram a ser efetuadas em formulários pré-impressos, mediante a utilização de meiosmecânicos ou na forma manuscrita. Nocaso do documento ser preenchido com asduas formas e apresentar contradição en-tre elas, a manuscrita prevalecesse sobreaquela (Scorza, 1936). O conhecimento, por-tanto, na visão de Targa (1787), era a fusãodo extrato do livro de embarque com o do-cumento emitido pelo capitão. A ordena-ção da Marinha Mercante de 1681, além dereconhecer a faculdade de o comandantedo navio emitir o conhecimento, tambémestabeleceu que o documento tinha o ca-ráter de título representativo das mercado-rias, vinculando sua emissão em três vias:uma ao carregador, uma ao destinatário euma ao transportador.

A NATUREZA DA CIRCULAÇÃODOS TÍTULOS

À medida que os debates sobre a legiti-mação para requerer a restituição das mer-cadorias ganham importância, surgemna doutrina duas correntes para estudaros efeitos da transferência do título a ter-ceiros: se transfere ou não o direito de pro-priedade das mercadorias ou se a posse serestringe unicamente ao direito de requisi-tar a restituição a seu detentor.

A primeira delas entende que alegitimação para se requerer a restituição dasmercadorias e, consequentemente, a trans-ferência de sua propriedade somente pode-ria ocorrer a partir da fusão do conhecimen-to de embarque com a carta de aviso. Issoporque, como já afirmado, a carta de avisonão se tratava somente de uma comunica-ção, mas também atribuía direito ao possui-dor de exigir a restituição das coisas.

Após a fusão, portanto, a cláusula “àordem” passou a ser incorporada no co-nhecimento para determinar a menção, no

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título, do nome do proprietário das merca-dorias, conferindo a ele a possibilidade detransferir a cártula para outras pessoas.

A segunda, adotada por Scorza (1936),fundamenta-se a partir de três decisões daRota di Genova, um tribunal que à épocaanalisava questões atinentes à matéria co-mercial. Segundo as Decisões LIV, XVI eLXVIII, entende que o conhecimento deembarque atribui o direito a exigir a resti-tuição das mercadorias independentemen-te da prova de propriedade do título, sen-do suficiente a apresentação do documen-to. A substituição da propriedade, contu-do, somente se opera a partir de um negó-cio apto a justificar uma passagem de pro-priedade, e não somente com a transferên-cia do conhecimento (Scorza, 1936).

O CONTEÚDO E AS CLÁUSULASDE RESERVA

Como acima exposto, a partir da fusãodo conhecimento de transporte com a car-ta de aviso para se retirar os bens, o co-nhecimento de embarque passou a ser con-siderado como um título representativo dasmercadorias.

Até o final do século XVIII, o conheci-mento de embarque indicava o local deembarque e de destino, o valor do trans-porte, os nomes do carregador, doexpedidor, do capitão e do destinatário, asmercadorias embarcadas com indicação daquantidade, peso e marca, além do local eda data de emissão do documento. A dife-rença entre as anotações feitas pelo escri-vão no livro de embarque e a emissão doconhecimento era marcada pela inserçãoda cláusula de responsabilidade e de ou-tras condições do transporte, que nos anossucessivos foram aprimoradas.

Devidamente firmado, o conteúdo inse-rido no conhecimento ganhava presunçãode veracidade e obrigava o armador pela

declaração ali contida. Contudo, a inser-ção da cláusula “diz conter” exime o arma-dor da responsabilidade pelas declaraçõesprestadas pelo carregador.

Surgem duas correntes que tentam iden-tificar o valor da cláusula “diz conter”. Aprimeira considera que a cláusula, inseridade maneira geral e sem a identificação pre-cisa de eventual incompatibilidade entre adeclaração e a consignação, tem o condãode excluir toda a responsabilidade do ar-mador sobre as mercadorias recebidas parao embarque, mas, por não ser uma provaabsoluta, o carregador poderia demonstrarque a declaração apresentava as caracte-rísticas indicadas na declaração (Targa,1787).

A segunda entendia que a inserção ge-nérica de uma cláusula não tinha validade,justamente por compreender todas as in-formações descritas no conhecimento deembarque, não reconhecendo nenhuma in-formação prestada pelo carregador (Rosa,1958). Na prática, o capitão costumava re-conhecer algumas informações que pode-ria comprovar, como o número de fardos ede caixas e a quantidade das mercadorias,e negava as demais declarações.

Outras cláusulas foram sendo inseridasno conhecimento de embarque, dentre elasa cláusula à ordem. Foram dois os motivosque justificaram a sua inserção: o primeiro,se a circulação do conhecimento ocorriasem o controle do emissor, não possibilita-va a subordinação da consignação à exibi-ção da carta de notificação; no segundo, acarta de notificação era também um docu-mento de legitimação para o resgate dasmercadorias e não era concebível que exis-tissem dois documentos aptos à circula-ção e para produzir os mesmos direitos.

Observa-se assim que o conhecimentode embarque desenvolvia inicialmente umafunção probatória do contrato de transpor-te e comprovava o carregamento a bordo

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do navio. O título alcança sua evoluçãocomo título representativo das mercadori-as somente a partir do século XVII.

A partir da evolução do tráfico marítimoe com a regulamentação da matéria pelasOrdenações da Marinha Mercante France-sa, em 1681, o conhecimento passa a serconsiderado como um título representati-vo das mercadorias passível de circulação.Além disso, embora não regulamentassecompletamente todas as questõesatinentes ao conhecimento de embarque,as Ordannance são retomadas pelo Códi-go Comercial Francês de 1807, que, alémde disciplinar o direito marítimo privado,também serviu como parâmetro para a re-gulamentação da matéria pelos países doterritório europeu além dos latino-america-nos, asiáticos, africanos e da América doNorte. Anos mais tarde e visando estabe-lecer uma linguagem uniforme sobre a ma-téria, surge a Convenção Internacional deBruxelas de 1924 sobre o Conhecimento deEmbarque.

DA ORDENAÇÃO DA MARINHAMERCANTE DE 1681 ATÉ OS DIASATUAIS: UMA BREVE RELEITURA

Com a promulgação da Ordenação daMarinha Mercante de 1681, a matéria deconhecimento de embarque passa a ser re-gulamentada no livro III, título II e contri-bui para seu “completo desenvolvimento”.Pela singularidade e objetividade com queo assunto foi tratado, a releitura abaixo édesenvolvida com parâmetro na lição deScorza (1936).

Segundo relembra o autor, a emissão dotítulo deveria ser efetuada pelo capitão oupelo escrivão, com a determinação do nomedo carregador, do destinatário, do local deorigem e destino, dos nomes do capitão edo navio. Na época, já não era mais costu-me que o mercador acompanhasse o trans-

porte das mercadorias, e também os navi-os já não costumavam manter a bordo umescrivão e, por isso, o título era emitidopelo capitão e por ele assinado.

Nesse período, o conhecimento passa aservir como um recibo da entrega das mer-cadorias e também como um documento detransporte. Nele deveriam constar as mer-cadorias embarcadas, com indicação daqualidade, da quantidade e as respectivasmarcas, além da indicação dos nomes docarregador, do transportador, do capitão edo navio, além dos lugares de embarque edesembarque.

No tocante às indicações sobre as carac-terísticas das mercadorias, surgem doisposicionamentos a respeito da utilização dacláusula “diz conter”. Alguns doutrinadoresentendiam ser desnecessária a utilização dacláusula “diz conter” quando a descriçãodas mercadorias fossem somente das duascaracterísticas aparentes, porque a indica-ção relativa à carga poderia fazer remissãosomente às qualidades exteriores. Scorza(1936), contudo, afirma que fosse a descri-ção detalhada ou mesmo genérica vincula-va o transportador a responsabilizar o car-regador, e por isso era sempre justificável oemprego da referida cláusula.

Regulamentando o costume até entãodifundido no comércio marítimo, a Ordena-ção estabelecia que o documento deveriaser emitido em três cópias originais, sendouma via para o capitão, uma para o destina-tário e outra para o carregador. O prazo parasua emissão era limitado até 24 horas doembarque das mercadorias.

Uma vez entregues as mercadorias nolocal de destino, o capitão deveria restituiras mercadorias ao destinatário medianterecibo. Estas eram as disposições dos doisúltimos artigos das Ordenações.

A disciplina contida na Ordenação de1681 vem retomada pelo Código de Co-mércio Francês de 1807, no livro II, que

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O CONHECIMENTO DE EMBARQUE: UM BREVE ESTUDO SOBRE SUA EVOLUÇÃO HISTÓRICA

contém a disciplina do direito marítimoprivado. O Código Napoleônico foi am-plamente conhecido nos territórios eu-ropeus e por países latino-americanos,asiáticos e africanos e da América doNorte e, em particular, serviu de influên-cia para a regulamentação da matéria noDireito brasileiro.

Surge em 1850, com o Código ComercialBrasileiro, a primeira lei que regulamentou amatéria de Direito Marítimo. No seu conteú-do, o Código Comercial foi dividido em trêspartes: a primeira e a terceira, destinadas a re-gulamentar o comércio em geral e a falência,foram revogadas expressamente pelo CódigoCivil de 2002 e pela Leide Falências. A segun-da, ainda em vigor, é aque cuida do ComércioMarítimo, e em particu-lar das embarcações,dos afretamentos e doconhecimento, dentreoutros argumentos. To-davia, todas as disposi-ções contidas neste có-digo não esgotam todo o campo e relaçõesprovenientes do Direito Marítimo, o que severifica com a sequência de normas que foramsendo publicadas no intuito de completar alegislação pertinente à matéria.

Com a promulgação da Constituição Fe-deral (Brasil, 1988), estabeleceu-se a com-petência privativa da União legislar sobre oDireito Marítimo, estabelecer as diretrizesda política nacional de transportes e o regi-me dos portos, da navegação lacustre, flu-vial, marítima, aérea e aeroespacial e do trân-sito e transporte (art. 22, I, IX a XI). Posteri-ormente, inúmeros outros diplomas vierama regulamentar a matéria, como as leis queestabeleceram o Tribunal Marítimo e regu-lamentaram o registro da propriedade marí-tima, dos portos e do transporte multimodalde cargas, dentre outras.

Se por um lado a legislação domésticaprocurou estabelecer as regras para a emis-são do conhecimento de embarque inter-no, do outro, com a intensificação do trans-porte, surgiu um movimento voltado paraa codificação internacional das normas re-ferentes ao contrato de fretamento e sobreo conhecimento de transporte, desenvol-vidos quase que paralelamente ao movi-mento da uniformidade internacional dasregras da avaria comum.

Esses movimentos iniciaram-se em 1860,em Glasgow, aos cuidados da NationalAssociation for the Promotion of SocialScience. Em Glasgow se realizou o primeiro

congresso para tratarsobre a Avaria Comum,resultando, anos maistarde, em inúmeras ou-tras conferências inter-nacionais que resulta-ram nas Regras deSheffield e nas Regrasde Liverpool de 1882,entre outras.

No tocante ao co-nhecimento de embarque marítimo, uma dasprimeiras tentativas de uniformização foi alei americana de 1893 denominada HarterAct, que buscava salvaguardar os interes-ses dos carregadores diante dos armado-res que se encontravam em uma situaçãode vantagem.

Foi somente após longo período deestudos e debates que, em 24 de agosto de1924, se estabeleceu a Convenção de Bru-xelas de 1924. Alguns anos mais tarde, estaconvenção sofre duas modificações, pe-los Protocolos de 23 de fevereiro de 1968 ede 21 de dezembro de 1979, e se estabelecetambém o Convênio de Hamburgo de 31 demarço de 1978, também conhecido comoRegras de Hamburgo. Nem todas essas al-terações de convenções foram ratificadaspelo Brasil.

Surge em 1850, com oCódigo Comercial

Brasileiro, a primeira leique regulamentou a matéria

de Direito Marítimo

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CONCLUSÃO

O conhecimento de embarque e os mo-vimentos tendentes à uniformização do tí-tulo surgem somente a partir de uma lentaevolução dos transportes marítimos e dodocumento utilizado para comprovar o con-trato de transporte.

Duas correntes buscaram identificar aorigem do conhecimento na sua forma pri-mitiva: a primeira entendia que o documen-to teria surgido no período romano, e suatese foi defendida a partir de um fragmentoconstante no Digesto de Ulpiano; a segun-da, majoritária, que sua origem remonta aoperíodo medieval.

Inicialmente, os mercadores acompa-nhavam a bordo o transporte das merca-dorias e, com o tempo, passaram a desig-nar um preposto que os representasse. Opreposto era qualquer pessoa digna deconfiança dos mercadores ou mesmo o ca-pitão, que normalmente recebia uma comis-são pelos trabalhos prestados, além do fre-te a que fazia jus.

Com o decurso do tempo, alguns navi-os passaram a ter a bordo um escrivão queanotava todos os dados referentes às mer-cadorias embarcadas e desembarcadas, e afé pública de seus atos contribuiu para odesaparecimento do “acompanhante dasmercadorias”. Nos navios que não tinhama bordo o escrivão, era obrigado o capitãoa emitir um recibo de embarque das merca-dorias ao remetente, quando solicitado.

Os extratos das anotações efetuadaspelos escrivães no livro de embarque, umlivro que ficava a bordo do navio, eram uti-lizados como provas das mercadoriasembarcadas e também costumavam ser en-

viados para o destinatário, quando extraí-das cópias.

Desde sua origem, o conhecimento de-senvolveu a função probatória do conhe-cimento de embarque e também certificavao carregamento das mercadorias a bordodo navio. Sua evolução conferiu-lhe a fun-ção de título representativo da mercadoriae passou a legitimar o possuidor do título arequerer a entrega das mercadorias.

A lentidão com que os transportes eramrealizados fez surgir o costume de se efetu-ar a venda das mercadorias ainda que esti-vessem a bordo do navio mediante a trans-ferência do título. Não havia regulamenta-ção sobre o argumento, e a doutrina, apósdebates, entendeu que o conhecimento deembarque, como título representativo dasmercadorias, poderia circular com a inser-ção da cláusula “à ordem”.

O possuidor do título, portanto, era con-siderado o proprietário das mercadorias epoderia solicitar a restituição das mesmas.Ao capitão ou armador incumbia restituiras mercadorias somente se o título fosseapresentado, sob pena de ser responsabi-lizado pelos danos que viesse a causar.

Embora a Ordenação não tenha conse-guido abranger todos os problemas refe-rentes à emissão do conhecimento de em-barque, foi um importante instrumento queserviu de parâmetro para a origem do Códi-go Comercial francês e este, por sua preci-são, para a regulamentação do Direito demuitos países, inclusive o Brasil.

Somente em 1924, a partir das Conven-ções Internacionais de Bruxelas sobre o co-nhecimento de embarque e de suas sucessi-vas modificações, é que se busca estabele-cer uma linguagem uniforme sobre a matéria.

CLASSIFICAÇÃO PARA ÍNDICE REMISSIVO:<PODER MARÍTIMO>; Marinha Mercante; Documento; Legislação; História marítima;

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O CONHECIMENTO DE EMBARQUE: UM BREVE ESTUDO SOBRE SUA EVOLUÇÃO HISTÓRICA

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SUMÁRIO

IntroduçãoParadigma neorrealista, uma explanação teórica

Visão reducionista e visão sistêmicaO neorrealismo e os estudos estratégicos

DefesaBrasilVenezuelaBolívia e EquadorColômbiaCorrida armamentista Brasil-Venezuela

Fronteiras IFiscalizações das fronteiras físicasDesenvolvimento da integração regionalGrupos terroristas

Problemas de fronteiras com causas indígenas e ribeirinhasVulnerabilidade das populações indígenasExploração para fins científicosAgosto de 2007Raposa Serra do Sol

Região Amazônica versus projeto de integração sul-americanaMercosul, Pacto Andino e OTCAUnasul e OTCACrises regionais

Caso Petrobras na BolíviaCaso Odebrecht no Equador

Considerações finais

RELAÇÕES POLÍTICO-ESTRATÉGICAS DA PARCELASUL-AMERICANA PERTENCENTE À ORGANIZAÇÃODO TRATADO DE COOPERAÇÃO AMAZÔNICA SOBA PERSPECTIVA NEORREALISTA*

“O mundo é um lugar perigoso de se viver, não por causa daqueles quefazem o mal, mas sim por causa daqueles que observam e deixam o malacontecer.”

Albert Einstein

“É triste pensar que a natureza fala e que o gênero humano não a ouve.”Victor Hugo

GUSTAVO DE ANDRADE ROCHABacharel em Relações Internacionais

* N.R.: Monografia apresentada o Curso de Relações Internacionais da Faculdade Integrada do Recife – FIR.

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RELAÇÕES POLÍTICO-ESTRATÉGICAS DA PARCELA SUL-AMERICANA PERTENCENTE À ORGANIZAÇÃO DOTRATADO DE COOPERAÇÃO AMAZÔNICA SOB A PERSPECTIVA NEORREALISTA

INTRODUÇÃO

A Amazônia é um dos três eldoradoscientíficos do mundo contemporâneo1,

juntamente com a Antártica e o fundo dosoceanos2. Apesar da existência do TratadoAntártico, ainda vigente3, entendo que sejaa Amazônia a única das três regiões que éclaramente regulamentada e se encontrasob a soberania de Estados, sendo possí-vel e viável de ser explorada e explotada4

com a atual tecnologia disponível para osEstados da região.

A floresta se estende por cerca de 7 mi-lhões de quilômetros quadrados, em suamaior parte por uma vasta planície que nãoé inundável. Possui um índice pluviométri-co médio anual que varia entre 1.500 e 1.700milímetros5. Trata-se da maior floresta tro-pical do mundo, sendo a segunda maiorfloresta, ficando atrás apenas da TaigaSiberiana6.

Este contexto trás uma série de ameaçasà floresta e aos interesses dos países quedetêm a soberania do território onde aAmazônia se localiza. Os interesses exter-nos, os conflitos regionais e sociais, oscrimes transfronteiriços e o desmatamentosão alguns dos que mais se destacam doconjunto de fatos registrados na região.

Como a floresta é uma interseção entreterritórios soberanos, há uma identidadecomum e uma conexão entre os Estadosdenominados amazônicos. Por outro lado,também provoca a atração dos interessesde países que não detêm território na re-gião. Estes veem a Amazônia como palco

de pesquisa, visando a buscar alternativasde explorar em benefício exclusivo de suanacionalidade. O argumento ambiental éusado como pretexto para uma tentativa,de longo prazo, para internacionalizar a re-gião amazônica, com o propósito de tornarlegal a exploração e a presença internacio-nal, em detrimento da soberania dos Esta-dos legítimos que a ocupam.

Os conflitos regionais enfraquecem a so-berania e, portanto, tornam a Amazônia aindamais vulnerável às ameaças externas, alémde atrasar o desenvolvimento da região, umapeça-chave para fazer essa imensa área eco-nômica e ambientalmente sustentável. Sãosim uma ameaça à Amazônia, apesar da tradi-cional postura pacífica dos Estados que a“defendem” até os dias atuais.

Assim como os conflitos regionais, ossociais enfraquecem o poder legal que osEstados amazônicos ali detêm, além de ser-virem de argumento para os interesses in-ternacionais, alimentados pelo desnívelentre os discursos ambientalista e desen-volvimentista. Ambos são extremados edesfavorecem os interesses nacionais, umpor ser uma ameaça à floresta e o outro porser uma ameaça à sustentabilidade socialda região.

Os crimes transfronteiriços são um en-trave ao desenvolvimento, fortalecido porpolíticas equivocadas por parte dos Esta-dos. Além de causar conflitos sociais e serum entrave ao desenvolvimento econômi-co, esse tipo de crime mostrou que podeser um catalisador para o surgimento decrises regionais.

1 BECKER.2 Solo e subsolo marinho, além das plataformas continentais dos Estados costeiros, cuja denominação é

“Área” (Convenção das Nações Unidas sobre o Direito Marítimo – CNUDM).3 Alterado pelo Tratado de Madri para estar vigente até 2048, quando será rediscutida cada operacionalidade

dos seus artigos, como uso do solo e subsolo, soberania etc. (Dec. 75.963/1975).4 Ato de extrair do solo recursos naturais para comercialização. (Nota do autor – Houaiss)5 WWF Brasil.6 Ibidem.

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RELAÇÕES POLÍTICO-ESTRATÉGICAS DA PARCELA SUL-AMERICANA PERTENCENTE À ORGANIZAÇÃO DOTRATADO DE COOPERAÇÃO AMAZÔNICA SOB A PERSPECTIVA NEORREALISTA

Por fim, há a ameaça do desmatamento,com impacto direto no meio ambiente ama-zônico, especialmente para a floresta ama-zônica. É estratégico para o bioma, para osEstados amazônicos e para o mundo que aAmazônia permaneça de pé. Por isso, torna-se necessário criar mecanismos para torná-la sustentável. Como a ameaça em si é umcrime, no caso o desmatamento não autori-zado, não adianta criar novas leis de repres-são. Torna-se imperioso fiscalizar, mas insu-ficiente quando se trata da Amazônia. A so-lução é criarem-se alternativas que a tornemmais lucrativa em pé do que derrubada7.

Então, como problema, tem-se o papelestratégico da floresta para os países daregião amazônica, demonstrando onde es-tão os principais desafios a serem conside-rados e quais são os principais valores daregião. Por fim, propõem-se soluções paraa utilização desses valores em benefíciodos Estados que a possuem.

PARADIGMA NEORREALISTA, UMAEXPLANAÇÃO TEÓRICA

Como já foi explícitado no título do pre-sente trabalho, o paradigma escolhido foio neorrealismo.

Visão reducionista e visão sistêmica

Segundo Waltz, baseado no livro deSarfati,8 existem duas formas de classificaras teorias das Relações Internacionais:reducionistas e sistêmicas. Segundo ele,as teorias reducionistas são aquelas quese baseiam na ideia de que o contexto macropode ser entendido por meio do estudo dosatributos das partes desse contexto e darelação entre essas partes. “As teorias ex-

plicam os resultados da política internaci-onal por meio dos elementos e das combi-nações dos elementos localizados no nívelnacional ou subnacional; dessa maneira,as forças internas de um país produzem re-sultados externos e, portanto, o sistemainternacional seria apenas o resultado dasoma dessas forças”.9

As sistêmicas, no entanto, compreen-dem as razões expostas pelos reducio-nistas, porém para eles parte do comporta-mento dos atores das relações internacio-nais e o resultado de suas interações de-vem ter suas respostas no ambiente em queestão imersos, ou seja, no sistema interna-cional. É semelhante ao que fazem os cien-tistas naturais, que, além de observarem afunção exclusiva de, por exemplo, umamolécula, observam sua interação com asdemais, tendo, assim, uma visão mais com-pleta sobre o seu comportamento e comoesta visão é influenciada pelo que está aoseu redor.

Tendo em vista que este trabalho sebaseia no modo sistêmico para analisar asrelações estratégicas entre os países daregião amazônica, justifica-se a escolha doparadigma neorrealista, já que este intro-duziu o nível de análise para o sistema in-ternacional como complemento importanteda análise do contexto, no qual as organi-zações internacionais também atuam, e daspropriedades do Estado.

No caso da região amazônica, serão le-vadas em consideração, além da estruturaglobal existente, também as estruturas re-gionais e as diferenças de capacidadeentre os países. Afinal, faz parte da análisesistêmica não o estudo do “poder” abso-luto, mas a comparação entre poderes dediferentes Estados, estabelecendo

7 UNGER.8 SARFATI, Gilberto. Teoria das Relações Internacionais. São Paulo: Saraiva, 2005.9 Ibidem, 2005, p. 144.

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RELAÇÕES POLÍTICO-ESTRATÉGICAS DA PARCELA SUL-AMERICANA PERTENCENTE À ORGANIZAÇÃO DOTRATADO DE COOPERAÇÃO AMAZÔNICA SOB A PERSPECTIVA NEORREALISTA

parâmetros de “poder relativo” entre es-tes. Simplificando, não interessa saber ape-nas quanto poder militar o Brasil tem, masqual a sua vantagem em relação à Venezuelaou a da Colômbia em relação à Bolívia, porexemplo.

O conjunto de “poderes relativos” esta-belece em si uma ordem, uma estrutura, queserá a base para as interações da sociedadede Estados. Também é importante observarcomo as alterações destes atores podem ounão afetar essa “ordem” fora deles. Segun-do Waltz, nem todas as mudanças no interi-or das instituições estatais modificam o sis-tema internacional, o que explica que, mes-mo tendo radicais mudanças no mundo in-teiro, o cenário internacional pouco se alte-rou durante a história mais recente.

A sociedade internacional só reflete asmudanças que acontecem no interior dealgum Estado quando estas modificam aforma com que esse ator se posiciona dian-te dos demais. Com quem esse mesmo paísmantém relações e tensões? A que grupoele se alinha? Mudanças na forma e nasações internas do Estado não causam ne-cessariamente esses efeitos. Neste presen-te trabalho não será realizado um estudopara definir o cenário estratégico da regiãoamazônica, haja vista este objetivo estarmuito além dos limites que um trabalhomonográfico de graduação permite, em de-corrência de ser fruto de um longo eaprofundado processo de estudo, normal-mente desenvolvido em cursos de pós-gra-duação específicos, utilizando ametodologia denominada “Elaboração deCenários Prospectivos”.

Avaliando o ambiente sul-americano nasegunda metade do século XX, vemos pou-cas mudanças. A maioria delas tomou for-ma realmente no final do período, com osmovimentos antiamericanos ou deautoafirmação, em que alguns países ten-deram a buscar novos alinhamentos, como

das regiões em questão, a Venezuela e oBrasil. A Venezuela, por exemplo, apenasdeixou o alinhamento com os EUA no iní-cio do século XXI, após a chegada ao po-der de Hugo Chávez, mas internamente asrelações pouco mudaram entre os paísesamazônicos, já que há uma tradição pacífi-ca nas relações latinas, e também oantiamericanismo comum entre a maioriadesses países contribuiu para esse fato. Ahistória recente da Bolívia reforça estaideia: com Evo Morales, o país abandonoua tradicional postura de país alinhado aosnorte-americanos e posicionou-se ao ladode Miraflores.

A maior mudança de posicionamento,novamente usando como exemplo aVenezuela, foi a saída do país do PactoAndino para candidatar-se, no mesmo mo-mento, a membro efetivo do Mercosul.Pode não parecer uma mudança muito im-portante, porém, numa análise mais próxi-ma, verifica-se que o país era a maior eco-nomia dos Andes e, com sua saída, restouapenas a Colômbia como economia signifi-cativa dentro do bloco. Além disso, dife-rentemente deste último, os dois outrospaíses componentes do bloco são paísesnão alinhados aos EUA, portanto contrári-os a qualquer aproximação maior com a su-perpotência.

O neorrealismo e os estudosestratégicos

Quando se trata de analisar o cenáriointernacional, é necessário observar queos atores serão mais importantes para aanálise. A escolha do paradigma tambémprecisa passar por este crivo, pois, como jáfoi dito antes, cada paradigma funcionacomo uma lente que registrou diferentesníveis das relações internacionais, o queinterfere na observação dos atores. Nocaso deste trabalho monográfico, os Esta-

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dos e as Organizações Intergovernamen-tais (OI) da região.

Como esta monografia faz uma análiseestratégica, cabe então buscar umparadigma que se ajuste a esta visão darealidade internacional. Os estudos estra-tégicos analisam fatores sob a ótica doEstado, necessariamente compreendendoos demais fatores como complementarespara a manutenção deste, tais como o pa-pel de cada OI com jurisdição aceita pelosEstados em estudo. O paradigmaneorrealista se encaixa perfeitamente naquestão, pois tem o Estado e, especialmen-te, a sociedade internacional como focosde sua análise. Parafraseando o texto deSarfati, empresastransnacionais (ETN),apesar de terem capi-tal e influenciar muitasdas vezes tanto oumais ainda que muitosEstados, não entramno nível de análiseneorrealista, ao menosnão como atores prin-cipais. Primeiro, pornão deterem sobera-nia, segundo, e conse-quentemente, por es-tarem submetidas àordem jurídica dos Es-tados e, por fim, não detêm a fidelidade deseus funcionários, como o outro tem deseus cidadãos, pelo menos em tese. O mes-mo vale para os demais atores do cenárioregional ora em estudo que não são esta-tais ou constituídos por eles, as OI de al-cance regional, tais como a Organizaçãodo Tratado de Cooperação Amazônica(OTCA), o Pacto Andino, a União das Na-ções Sul-americanas (Unasul) e o Merca-do Comum do Sul (Mercosul).

Em decorrência, o neorrealismo é hoje oparadigma mais aceitável para a análise

estratégica dentro da disciplina de Rela-ções Internacionais. Mas o que ela signifi-ca para este trabalho propriamente?

Será notado nos próximos capítulos quea análise estará sempre recorrendo ao Es-tado. Quando a análise for a respeito, porexemplo, da crise da empresa Petrobras naBolívia, serão avaliados os efeitos da crisepara o Estado boliviano e o brasileiro. Emse tratando da questão de fronteiras daAmazônia, o foco não será o das tribos in-dígenas, nem das empresas lá instaladas, esim o dos Estados que detêm a soberaniaem partes daquela região. Os outros atoresserão objetos da análise, porém como ato-res que estão presenciando e sendo obje-

to de cuidados dosEstados. Por fim, as OIenvolvidas são chavenessa análise, juntocom a análise compa-rativa entre os Esta-dos, para termos umavisão sistêmica da re-gião amazônica.

DEFESA

Iremos, neste capí-tulo, tratar dos fatorespolítico e estratégico-militares dentro dos

aspectos da região amazônica. A importân-cia dessa análise é tamanha que concorreupara a recente reformulação da forma deabordá-la por parte do governo brasileiro.O resultado obtido foi o da concepção daEstratégia Nacional de Defesa (END), de-corrente da também recente Política Nacio-nal de Defesa (PND).

A END prevê a integração da defesanacional com a política externa brasileira,visando a harmonizar os dois principaisinstrumentos de afirmação nacional no ex-terior: as Forças Armadas e a diplomacia.

A END prevê a integraçãoda defesa nacional com apolítica externa brasileira,visando a harmonizar os

dois principaisinstrumentos de afirmação

nacional no exterior: asForças Armadas e a

diplomacia

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RELAÇÕES POLÍTICO-ESTRATÉGICAS DA PARCELA SUL-AMERICANA PERTENCENTE À ORGANIZAÇÃO DOTRATADO DE COOPERAÇÃO AMAZÔNICA SOB A PERSPECTIVA NEORREALISTA

É praticamente inútil a um trabalho de Re-lações Internacionais tratar apenas da pers-pectiva brasileira neste capítulo. Portanto,serão apresentados dados sobre a Venezuelaprincipalmente, mas também da Bolívia, doPeru e da Colômbia, outros três atores rele-vantes para as interações da região.

Não é pretensão criar nenhum tipo de“teoria da conspiração” sobre uma futuracrise político-estratégica ou algo próximoa esse conceito acadêmico militar. Será abor-dado o cenário da defesa regional que in-fluencia na construção de uma gover-nança regional, além de ser feita uma con-clusão analítica e, quando possível, críticada situação.

Defesa regional não é um tema fácil deabordar dentro da disciplina de RelaçõesInternacionais, haja vista a restrição deacesso às informações específicas e tam-bém pela reduzida e quase nula abordagemdo tema durante o curso de graduação.Talvez por essas razões ainda não existauma produção nacional significativa sobredefesa regional dentro das instituições ci-vis do País. Devido às dificuldades apre-sentadas é que este tema ocupará apenasum capítulo dentro da presente monografia.

Brasil

Os países que formam a região amazôni-ca possuem uma política externa de respei-to à autodeterminação dos povos e à sobe-rania dos Estados. Portanto, podem serconsiderados como de postura pacífica nassuas relações exteriores. Essa imagem ésuportada também pelas poucas guerrasregionais, conflitos esses que ficaram nopassado. Ainda mais o Brasil, que, com fron-teiras com tantos países, não registra ne-

nhum conflito na história recente que ul-trapasse as fronteiras nacionais.

Até mesmo durante os recentes perío-dos de ditaduras militares, não houve umenfrentamento entre os países. Conside-rando a tese de que as democracias sãopor essência pacíficas10, o argumento deque a região está em paz é reduzido devidoà predominância de governos democráti-cos ao longo dos últimos 20 anos. Perce-be-se claramente a influência de outros fa-tores, tais como o sistema internacional nasrelações entre os Estados, explicada porWaltz11, fatores esses externos à gover-nança que garante a paz na região.

A própria dependência bélica desses pa-íses em relação aos Estados Unidos da Amé-rica (EUA) já foi um dos grandes fatores,especialmente durante o período das dita-duras sul-americanas. Os norte-americanossão acusados de planejar, apoiar e financiaros golpes, e a manutenção dos golpistas nopoder. Porém este fator vem diminuindo, prin-cipalmente durante os últimos anos, quan-do, ao encontrar barreiras impostas pelosEUA à negociação de equipamentos e pe-ças de reposição entre Brasil e Venezuela,houve movimentos políticos nos dois paí-ses para mudar o parceiro do comércio paraequipamentos militares. A Venezuela optoupor adquirir equipamentos da Rússia, umadas maiores potências bélicas e com forteperfil comercial para esses tipos de produ-tos. O Brasil optou por elaborar um plano dedesenvolvimento da indústria domésticaneste setor e procurou um parceiro dispos-to a transferir tecnologia12 e que estivesseinteressado em investir após comercializarequipamentos de alta tecnologia com o País.O parceiro que se mostrou mais próximo dosanseios brasileiros foi a França. Em grande

10 WALTZ, Theory of International Politics. p. 70-74.11 Ibidem.12 BRETONHA 2008. p. 4.

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parte, já foram firmados acordos de coope-ração técnico-militar13.

Esta busca por novos parceiros empreen-dida por Brasil e Venezuela tem duasconsequências iniciais. A primeira é que hámaior independência de ambos os países paraconstruir seu arsenal. A segunda, existe umacrescente tensão, pelo impacto causado emambos ao adquirirem material bélico de fon-tes distintas e para diferentes tipos de pro-pósitos. Esta segunda consequência só é ver-dadeira porque o atualgoverno venezuelano,presidido pelo CoronelHugo Chávez, deugrande ênfase às suasForças Armadas, con-correndo para formar omaior efetivo de tropasda América Latina. OBrasil, a maior potênciapolítica e econômica,apesar de ser aliado dopaís vizinho, tem com o que se preocupar,haja vista a imprevisível atuação política dolíder venezuelano e o fato de já haver registrode violação do espaço aéreo, incluindo pou-so clandestino de aeronaves militaresvenezuelanas em território brasileiro14.

Além do fator Venezuela, houve tambéma recriação da IV Frota15 norte-americana,voltada para o Atlântico Sul. Apesar dosargumentos dos EUA, nas palavras doembaixador norte-americano Clifford

Sobel16, de que a frota seria apenas umaunidade formada por 120 pessoas com basena Flórida, com propósito de “construir ereforçar parcerias com nações da região” ede que “não teria navios permanentes”,trouxe à tona preocupações ao Brasil emrelação a dois fatores político-estratégicosdo Estado brasileiro, quais sejam: as reser-vas de petróleo situadas no subsolo marí-timo da plataforma continental brasileira17,especialmente as localizadas na camada

pré-sal, e os planos dedesenvolvimento daDefesa, receando in-terferências externasna região em que seencontram essas re-servas. Estas preocu-pações já existiam, es-pecialmente pelo inte-resse dos países ricosno potencial ambi-ental, hidrográfico, mi-

neral e científico da região.Dentro da Estratégia Nacional de Defesa

constam pontos como dobrar o efetivo dasForças Armadas no território da Amazônia,especialmente em áreas de fronteira e ins-talação de pontos de vigilância dentro dereservas indígenas e criação de pelotõesmóveis, alternativa prevista que possui amelhor relação custo-benefício para expan-são da capacidade de reação, especificamen-te do Exército Brasileiro18. Essas medidas

13 CASTANHEDE. Defesanet. 29 de janeiro de 2009.14 MOREIRA. Defesanet. 6 de setembro de 2007.15 Conjunto de Navios de Guerra ou Mercante; Esquadra. Dicionário Michaelis da Língua Portuguesa.16 BRASIL, Agência. “Embaixador dos EUA esclarece senadores sobre a IV Frota”.

Disponível em: http://www.naval.com.br/blog/?p=413. Acessado em 15 de janeiro de 2009.17 “A Plataforma Continental de um Estado costeiro compreende o leito e o subsolo que se estendem além

do seu mar territorial, em toda a extensão do prolongamento natural do seu território terrestre, atéo bordo exterior da margem continental, ou até uma distância de 200 milhas marítimas das linhas debase a partir das quais se mede a largura do mar territorial, nos casos em que o bordo exterior damargem continental não atinja essa distância.” Convenção das Nações Unidas sobre Direito do Mar.

18 BRETONHA, 2009.

Dentro da EstratégiaNacional de Defesa

constam pontos comodobrar o efetivo das Forças

Armadas no território daAmazônia

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visam a colocar as Forças Armadas numaposição em que realmente possam cumprirseu papel de defender a soberania do Esta-do e proteger os habitantes do País, inde-pendentemente da origem étnica19.

É importante observar que o Brasil, mes-mo com planos de investir em equipamen-tos e efetivos de suas Forças, continua azelar20 pela imagem de país pacífico21,construída ao longo da existência do Esta-do brasileiro e reafirmada no preâmbulo dotexto constitucional de 198822. Contudo, cer-ca de 90 por cento de todo o orçamentoatual é voltado para o pagamento salarial ede benefícios de pessoal (ativos, inativos epensionistas). O que resta é aplicado em in-vestimentos previstos, com o propósito deatualizar e melhorar a capacidade de defesae não para atividades imperialistas, visandoa uma hegemonia ou dominação. A provadisso é o desenvolvimento de cooperaçõescom os vizinhos da região amazônica, com aAmérica do Sul como um todo e com paísesde outras regiões do globo. Essas coopera-ções são um importante instrumento para apreservação da paz por meio da construçãode mecanismos concretos de confiançamútua entre os que a realizam.

Um dos pontos de maior destaque é mo-dernizar as Forças Armadas brasileiras. Po-rém, o que mais torna o ponto destacado éque a modernização não está planejada ape-nas com comercialização de equipamentos.O principal fator para potencializá-la é o pro-pósito de investir em uma tecnologia militarnacional. Para isso, um complexo industrialmilitar está sendo planejado. A cooperação

com a França se ajusta às necessidades polí-ticas brasileiras, pois após a compra de equi-pamentos haverá a transferência datecnologia, tanto para a manutenção quantopara a fabricação de peças e dos própriosprodutos em pauta. Ainda estão previstosinvestimentos diretos da França no País,como, por exemplo, na empresa Helibras, quenegocia com o governo federal a implanta-ção de uma nova fábrica em Itajubá, MinasGerais. Nesta fábrica deverão ser produzidoshelicópteros de médio/grande porte, deno-minados Super Cougar23, com capacidade dedecolagem com peso máximo de 11 tonela-das. Segundo o presidente do Conselho deAdministração da empresa, as negociaçõesestão avançadas e os investimentos previs-tos chegam aos 250 milhões de dólares24.

Ao contrário do que possa parecer, es-ses investimentos em tecnologia e indús-tria militar serão benéficos tanto para a de-fesa brasileira quanto para a economia. Issoporque, além da redução da dependênciaexterna e da diminuição de custos causa-dos pela produção nacional, criam a possi-bilidade de o País exportar equipamentosde alta tecnologia. Por sinal, o mercadomilitar é extremamente lucrativo para o País,assumindo que as compras são feitas emescala por Estados. Além disso, investimen-tos na área da indústria militar geram o de-senvolvimento da tecnologia dual, ou seja,uma tecnologia criada para fins militaresque acaba ganhando uma finalidade civil,o que beneficia de outra forma a economiado País. É possível observar os benefíciosda indústria bélica para as economias de

19 Está explícita na PND a necessidade de defender todos os cidadãos brasileiros.20 Na introdução da END, fica explícito o objetivo de zelar pela manutenção dessa “tradição pacífica”

construída pelo Estado brasileiro. BRASIL. Estratégia Nacional de Defesa. 17 de dezembro de 2008.21 BRETONHA. 27 de fevereiro de 2009.22 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Preâmbulo. 5 de outubro de 1988.23 Helicóptero de grande porte, originalmente militar, utilizado para transporte de tropa, civis, evacuação

aeromédica, para operações de socorro e salvamento etc. Aeronave de fabricação francesa.24 BARBOSA; KATTATH; OTTA. Defesanet. 22 de fevereiro de 2008.

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grandes potências. Nos EUA, possui umpapel importantíssimo; para a Rússia, é umadas principais parcelas do Produto InternoBruto (PIB). Além de diretamente favore-cer a balança comercial, contribui para odesenvolvimento do setor tecnológico doPaís, uma das características que diferen-ciam os países desenvolvidos dos em de-senvolvimento.

Venezuela

Diferentemente do Brasil, a Venezuelaoptou apenas por mudar o parceiro para ocomércio militar, adotando a Rússia comofornecedora de equipamentos militares emsubstituição aos EUA. Além das comprasjá realizadas, estão programados mais con-tratos entre os dois países. Também foramrealizadas manobras militares em águasvenezuelanas em setembro de 2008, comuma frota russa em conjunto com a Mari-nha da Venezuela, o que foi interpretadopor especialistas como uma resposta à apro-ximação da Organização do Tratado doAtlântico Norte (Otan) das fronteiras rus-sas e aos exercícios realizados por Brasil,Argentina e Chile em parceria com os Esta-dos Unidos uma semana antes. Tambémsugere uma forma de demonstração da suaatual capacidade de deslocamento e per-manência em longas distâncias e no âmbi-to global.

A Venezuela é hoje o país que possui osmaiores efetivos absolutos. Isto se deve àpolítica do atual governo de priorizar suasForças Armadas. Também é um dos paísesque mais investem proporcionalmente ao

PIB em suas Forças Armadas e em açõesno campo da defesa.

Segundo Roberto Godoy, editor do jor-nal O Estado de S. Paulo e reconhecidoespecialista em armamentos e estratégiasmilitares, os EUA teriam até alertado o Bra-sil sobre a política militar de Hugo Chávez.Diz que os Estados Unidos enxergam a exis-tência de uma corrida armamentista entreBrasil e Venezuela. Este foi o motivo peloqual os Estados Unidos vetaram a exporta-ção de 36 aviões brasileiros25 para a ForçaAérea venezuelana.

É fato conhecido no meio político e mili-tar internacional que Hugo Chávez vemrealmente colocando em prática um planode modernização da sua tropa. Para a Mari-nha, o plano envolve a compra ou arevitalização de 138 navios militares de di-versos tipos, porém não especificados. Acomissão militar da Venezuela na Rússiatambém admite estar avaliando a comprade três novos submarinos russos da clas-se Amur, versão para exportação do Sub-marino Lada26. Outro fato intrigante recen-te foi a aquisição de 100 mil fuzis russosKalashnikov, mais especificamente da ver-são Ak103, última versão do famoso Ak4727,concretizada em 2006, durante um longoperíodo de preços altos do maior produtode exportação do país, o petróleo. Porém,mesmo com o barril de petróleo em baixa,continua realizando negociações e com-pras, chegando até a tomar um empréstimoestimado em 1 bilhão de dólares da própriaRússia para adquirir equipamento militar28.Essa conduta demonstra, para o governodo país, mesmo em crise, que a necessida-

25 Modelo ALX Super Tucano, Embraer. Reuters. 11 de janeiro de 2006.26 Este submarino possui um motor a diesel e dois geradores elétricos, autonomia de 10.800 quilômetros

a 8 nós de velocidade, porém sua velocidade máxima é de 21 nós, além de poder submergir até 250metros. (Site Área Militar)

27 NOVOSTI. “Rússia vende 100 mil Kalashnikov para a Venezuela“. Inforel, 19 de maio de 2006.28 AFP. “Moscou empresta 1 bilhão de dólares à Venezuela para compra de armas russas”. Moscou, 25 de

setembro de 2008.

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de de aquisição de armamentos é superioràs dificuldades econômicas.

Com base nas pretensões de compra deblindados terrestres russos, os EUA ela-boraram um relatório em que preveem quea Venezuela está pretendendo elevar o nú-mero de soldados para 500 mil militares re-gulares e 1 milhão de milicianos29, em de-corrência da compra de 800 veículos anfí-bios de fabricação russa, que seriam soma-dos aos 400 já existentes.

O discurso de Hugo Chávez sempre res-salta os males do imperialismo norte-ame-ricano e a necessidade de o país manter-se independente. As ações do governono campo da defesa não fogem da lógicado Presidente (que não pretende atacarmilitarmente os EUA), mas demonstramsua preocupação em manter-se livre dasinterferências norte-americanas. Entretan-to, por meio da parceria venezuelana coma Rússia, existe uma nova dependênciaeconômica, no campo da defesa e datecnologia nuclear. Os fatores que leva-ram a esta dependência foram as negocia-ções de compras de equipamento e o efei-to da crise mundial sob o preço do petró-leo30. Em troca de vender equipamentosmilitares para a Venezuela, a Rússia espe-ra que o parceiro seja um aliado para aampliação de sua influência na Américado Sul. Além disso, devido aos efeitos dacrise no preço do petróleo, a Rússia em-prestou cerca de 1 bilhão de dólares paraque o país sul-americano arque com osvalores referentes aos acordos de comprados equipamentos militares31.

Apesar disso, até o momento não há malpara a integração regional, nem uma crisearmamentista entre a Venezuela e seus vizi-

nhos mais poderosos. Porém o temor exis-tente é que, devido às pretensões já declara-das por Chávez, este venha a intervir em vizi-nhos. Dois motivos se destacam: quandoentender que não haverá interferências depaíses mais fortes que ele, seja para auxiliargovernos aliados, seja para facilitar ascen-são de novos partidários em outros países,ou mesmo para criar uma área de influênciana América Latina e no Caribe nos moldessoviéticos, porém em menores proporções.

Nenhuma dessas ideias é avaliada comoimpossível ou mesmo improvável, haja vis-ta ser consenso a ausência de limites comque o governo venezuelano aparentementetrabalha. Porém, neste exato momento, qual-quer ato mais ousado é inviável devido àcrise econômica global vigente e a conse-quente baixa no preço do petróleo (as re-percussões dessa crise na região serãoanalisadas em capítulos posteriores), quereduz ou mesmo anula o anterior superavitfinanciador das políticas chavistas.

Bolívia e Equador

A Bolívia e o Equador são dois paísescom populações reduzidas e, sendo assim,seu potencial militar é também bastante li-mitado. Segundo o The CIA WorldFactbook, a população boliviana é estima-da em 9,2 milhões de habitantes e a do Equa-dor em quase 14 milhões de habitantes. Háaproximadamente 196 milhões de habitan-tes no Brasil, 45 milhões na Colômbia e 26,4milhões na Venezuela. Esses números nãochegam a ser relevantes, porém significamdizer que seu papel é secundário nas rela-ções de força da região. As atitudes dospresidentes e a cobertura da mídia nos

29 “Milícias são tropas auxiliares de segunda linha. A primeira linha são as forças coercitivas formais doEstado”. As milícias e a fata de Estado. OLIVEIRA, Adriano; ZAVERUCHA, Jorge. 26 de fevereirode 2007.

30 STRATFOR. Rússia: Getting ahead of the U.S. Power Shift. 17 de novembro de 200831 STRATFOR. Geopolitical Diary: Russia’s Dalliance with Venezuela. 26 de setembro de 2008.

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mostram que os governos de Evo Morales,na Bolívia, e de Rafael Correa, no Equador,demonstram ser aliados ao atual governovenezuelano, sem nenhuma pretensão dediscrição. Assim, Chávez tem utilizado esta“fidelidade” de seus aliados para promo-ver seu estilo de política também fora deseu âmbito nacional e apregoar uma tãofalada integração bolivariana.

Numericamente, apesar de a Venezuelapossuir o maior efetivo da região, é fácil per-ceber que seu potencial de mobilização não étão maior. Por isso, é de fundamental impor-tância não permanecer em um posicionamentoisolado em caso de algum conflito. E é nesteponto que entra o principal papel atual des-tes dois países. Além de defenderem seuspróprios territórios, servem como um braçopara as ações do governo “bolivariano”.

Colômbia

A Colômbia é um dos países da regiãoamazônica que enfrenta o pior conflito inter-no, a guerra civil contra as Forças ArmadasRevolucionárias da Colômbia (Farc). Porém,graças ao apoio norte-americano, o Exércitocolombiano é um dos mais modernos e bemtreinados de toda a América Latina.

Como já foi dito no tópico anterior, aColômbia tem a segunda maior populaçãoda região amazônica, com aproximadamen-te 45 milhões de habitantes. Isso dá umpotencial de mobilização enorme. Estima-se que 8 milhões de homens e 9 milhões demulheres entre 16 e 49 anos de idade este-jam em condições de ser convocados paraas Forças Armadas em caso de guerra.

No segundo dia do mês de julho, o Exér-cito colombiano deu uma demonstração daefetividade de seu treinamento capturan-

do vários membros das Farc e resgatandoreféns, entre eles a já famosa IngridBittencourt (agora favorita às eleições pre-sidenciais), com a participação direta doExército Brasileiro32. Já em 25 de janeiro de2009, também com o apoio do Exército Bra-sileiro e da Cruz Vermelha, as Forças Arma-das Revolucionárias da Colômbia entrega-ram mais quatro reféns.

Houve também, recentemente, um even-to desconfortável, no qual, durante um ata-que a um acampamento dos guerrilheiros,caças teriam ultrapassado os limites dafronteira com o Equador. O ataque foi bem-sucedido se considerarmos o objetivo.Porém, estrategicamente, causou uma ruganas relações com o vizinho e quase levou aatos de guerra, graças também à influênciado Presidente Chávez, que acabou incitan-do o colega equatoriano.

O Brasil e a OEA tiveram um papel fun-damental para evitar a escalada do conflitona região. Porém foi necessário envolverpaíses externos, entre eles os EUA. Apóseste evento, foi idealizado o Conselho Sul-Americano de Segurança, o que poderianão ter sido necessário se a Organizaçãodo Tratado de Cooperação Amazônica(OTCA) tivesse sido acionada como umfórum para o debate entre nações vizinhasque compartilham interesses e identidadesem comum. Este ponto será tratado em ca-pítulo específico mais à frente.

Corrida armamentista Brasil-Venezuela

Está havendo um aumento no investi-mento bélico nos dois países, que são asmaiores potências político-militares da re-gião33. Também há uma corrida tecnológica,haja vista a percepção da existência de uma

32 O Exército Brasileiro participou das operações por meio da concessão de helicópteros militares com ainsígnia da Cruz Vermelha e de 17 homens que atuaram dando apoio logístico à operação.

33 LESSA.

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clara tendência dos EUA de interferir napolítica militar quando se dependia deles.

Parece que o Brasil ainda não se aper-cebeu do que está ocorrendo ao norte, quan-do, movido pela abundância dospetrodólares, Chávez promove pesadosinvestimentos em armamentos sofistica-dos, gerando uma corrida armamentista euma nova realidade político-militar na Amé-rica do Sul. (LESSA. Perigo Venezuelano.)

Agora seguindo distintos caminhos,com diferentes parceiros, começa a surgiruma disputa entre os dois países.Sequencialmente anunciam cooperações,acordos, compras. E neste ponto é ampla-mente aceito que a Venezuela partiu na fren-te nesta “corrida”, porém o Brasil começa adar passos mais sólidos em direção a umfuturo bélico autossustentável34 e até,quem sabe, lucrativo para o País. Isto devi-do à transferência tecnológica previstacomo prioritária na END35 e que se tornourequisito na escolha do parceiro para o co-mércio de armas36.

Do lado brasileiro, existe uma fraquezaestratégica que começou a ser corrigida, masque ainda permanece nos altos escalões doExecutivo. As nossas fronteiras amazônicassão longas e também desprotegidas, princi-palmente ao longo das reservas indígenas eambientais. Apesar do efetivo das ForçasArmadas na Amazônia ter sido recentementeduplicado, ainda continua existindo um deficitentre o espaço a ser vigiado e o efetivo paraproteger aquela região. As reservas indíge-nas agora vão conter postos de guarda, oque tornará esses espaços menos frágeis, gra-ças a uma nova medida do Poder Executivo

que permite tal ação. Antes a presença militarem reservas indígenas não era regulamenta-da, sendo, portanto, restrita.

Para a Venezuela também existe essa difi-culdade. Porém a extensão das fronteiras dopaís não é tão grande quanto a brasileira. Aprópria extensão daquele país é bem menor.

Enquanto a Venezuela possui fronteirasnuma extensão total de 4.993 km, as do Brasiltêm 46.885 km. Compartilham entre si 2.200km, quase metade do total venezuelano. Acosta da Venezuela resume-se a 2.800 km,enquanto a do Brasil estende-se por cerca de8.500 km37. A extensão territorial também étotalmente díspar. A Venezuela tem aproxima-damente 910 mil km2, enquanto o Brasil pos-sui aproximadamente 8,5 milhões. Basta ob-servar a extensão de cada uma das costaspara ver o tamanho da área para cada umadas duas Marinhas defender. Apenas paracomparação, segundo o Instituto Brasileirode Geografia e Estatística (IBGE), o estadodo Amazonas tem aproximadamente 1,5 mi-lhão de km2, mais do que a própria Venezuela.Isso mostra que o Brasil tem um desafio mui-to maior à sua frente, quando se refere à suapolítica de defesa; porém, apesar de tardarem rever sua Estratégica de Defesa Nacional,ainda é o país mais forte da América do Sul eda Amazônia, e continuará a ser se cumprir oplano aprovado em dezembro de 2008.

Considerando o tamanho das ForçasArmadas venezuelanas em relação ao seuterritório, a conclusão é que suas frontei-ras estão bem mais guardadas.

Segundo o contra-almirante da reservaAntonio Ruy, em entrevista ao jornalistaWilson Tosta38, a recomposição de equi-pamentos feita atualmente pelo Brasil irá

34 BRETONHA. 16 de fevereiro de 2008.35 Ibidem.36 CASTANHEDE. Folha de São Paulo. 29 de janeiro de 2008.37 Explorando o Ensino, Unidade 8. p. 40.38 O Estado de S. Paulo. Wilson Tosta. “Analistas veem maior poderio militar“. 26 de janeiro de 2009.

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Bacia AmazônicaAmazônia Legal

manter a atual capacidade, porém as com-pras que estão programadas a longo pra-zo, destacando-se a do submarino nuclear,elevarão, segundo ele, o Brasil ao nível depotências como Espanha e Itália, equilibran-do a balança entre o já desenvolvido SoftPower39 e o Poder Militar brasileiro.

FRONTEIRAS I

Para compreender como as relações es-tratégicas se dão em qualquer região domundo, é fundamental ter em vista o modocomo elas se desenvolvem nas fronteiras.Dentro deste escopo, é preciso observarse existem conflitos, disputas territoriais,sobreposição de territórios ou até mesmolacunas na demarcação das linhas de fron-teiras e como estes desentendimentos re-percutem nas relações regionais.

Durante a transição para o século XX,ocorreram disputas entre Brasil e Bolíviapela região do atual estado brasileiro doAcre e, mais recentemente, entre Peru eEquador, em meados do século XX, alémde outros tantos conflitos. Porém, no atualcontexto, é interessante ampliar o conceitode fronteiras para compreender melhor osproblemas envolvidos. Não é mais possí-vel apenas estudar as fronteiras físicas dospaíses; estas já estão bem visíveis e co-nhecidas. Como é possível observar na ilus-tração 1, apesar da transnacionalidade daBacia Amazônica e da floresta, as frontei-ras nacionais são bem definidas. É neces-sário que este conceito englobe as frontei-ras virtuais, ou seja, as áreas onde o alcan-ce do Estado é menor, à beira de sua influ-ência. Este conceito é do próprio GeneralEduardo Dias da Costa Villas Bôas40. Osproblemas de fronteira são inúmeros, po-

rém os mais relevantes para as relaçõesestratégicas da região amazônica são osrelativos aos grupos terroristas e ao co-mércio ilegal por eles promovido, que aca-bam influenciando nas relações entre osEstados. Vale observar o aspecto positivodecorrente, qual seja, a necessidade do di-álogo com o objetivo de dificultar suas prá-ticas. Os ilícitos citados são tráfico de dro-gas, contrabando, tráfico de armas, de ani-mais e plantas, além do tráfico de sereshumanos.

Ilustração 1

39 Habilidade de um corpo político para influenciar indiretamente o comportamento ou interesses deoutros corpos políticos por meios culturais ou ideológicos. Nye, 2004.

40 AMORIM. Defesanet. 28 de setembro de 2005.

Atualmente, o tráfico de drogas tem sidoo mais comentado dentre os tipos de co-mércio ilegal. Esta também é a modalidademais forte hoje na região, pois financia gru-pos armados, como as Forças ArmadasRevolucionárias da Colômbia (Farc), umadas grandes produtoras e fornecedorasmundiais de cocaína da atualidade. Porém,

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os mesmos atores que fazem do tráfico dedrogas uma preocupante realidade para aAmazônia também movimentam o tráficode armas, em geral como consumidores41.

A falta de fiscalização do lado brasileiroe o extenso território ocupado pela florestaamazônica, que dificulta a movimentação depessoal e equipamento, facilitam a penetra-ção dos traficantes pelas fronteiras com in-tuito de entrar no Brasil e, por meio deste,distribuir para outras partes do mundo42.

Neste ponto fica mais visível a questãodas fronteiras virtuais. É possível que as For-ças Armadas brasileiras ocupem as frontei-ras físicas que circundam o território amazô-nico nacional, visando a impedir uma inva-são. Porém esperar delas que representem oEstado por toda a vasta Amazônia brasileiratorna-se uma tarefa bem mais difícil43.

O número de estratagemas possíveisvisando a passar pela fiscalização adua-neira é praticamente ilimitado para os trafi-cantes. Os meios de transporte são varia-dos, tais como a utilização de pequenosaviões de um ou dois motores, passandopor pequenas embarcações e até mesmopor estradas, quando disponíveis. Na rea-lidade, empregam vários meios simultane-amente, dividindo o objeto do tráfico empequenas quantidades. Vale destacar queo meio aéreo foi dificultado devido ao novoprocedimento para interceptação de aero-naves no lado brasileiro44 e à maior distri-buição de embarcações da Marinha e da

Polícia Federal45 nos principais pontos fo-cais da Bacia Amazônica com o mesmo pro-pósito. A sensação de que o Estado nãoestá presente facilita aos habitantes seremseduzidos e/ou coagidos por traficantes acooperar46. A mídia tem noticiado nos últi-mos dias que os meios mais usados seriam“mulas”47, que, embarcando em voos co-merciais, atravessam a fronteira seca. Tan-to no primeiro quanto no segundo casosão difíceis de localizar e identificar, devi-do ao número de possibilidades de rota e àpequena quantidade da mercadoria ilegaltransportada48. Porém não é apenas o meiode transporte das drogas realizado que érelevante, mas também as repercussões napolítica regional do fato de haver tráficoilegal e o que ele prejudica diretamente aosEstados.

É preciso que o Estado ocupe a Amazô-nia de outras formas. É fundamental que oMinistério da Educação e Cultura (MEC),o Instituto Nacional de Colonização e Re-forma Agrária (Incra), a Fundação Nacio-nal de Saúde (Funasa) e os órgãos do âm-bito federal estejam de fato atuando emconjunto na região. Tal conduta concorre-rá para que o Estado brasileiro seja de fatorepresentado, desafogando as Forças Ar-madas para atuarem com maior intensida-de nas suas funções primordiais previstasna Constituição e para as quais estão pre-paradas, como é possível observar no mapada Ilustração 2.

41 BBC. “Entenda o que são as Farc.” 19 de dezembro de 2008.42 Ibidem.43 Ibidem.44 Acordo bilateral firmado entre Brasil e Colômbia permite que, em caso de missão de combate ao tráfico

de drogas, as aeronaves militares possam ultrapassar até 50 quilômetros no território vizinho.45 BRASIL, Marinha do. Disponível em: <www.mar.mil.br>. Acessado em 10 de março de 2009.46 Folha de São Paulo. “Polícia brasileira diz que as Farc recrutam índios na Amazônia“. 3 de outubro de

2003.47 Palavra utilizada para definir pessoas contratadas apenas para transporte de mercadoria ilegal mediante

pagamento, chantagem e/ou ameaça. TOURINHO NETO. Jurisprudência TRF. 19 de dezembro de2005.

48 Reuters. “Combate ao tráfico“. 3 de março de 2009.

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RELAÇÕES POLÍTICO-ESTRATÉGICAS DA PARCELA SUL-AMERICANA PERTENCENTE À ORGANIZAÇÃO DOTRATADO DE COOPERAÇÃO AMAZÔNICA SOB A PERSPECTIVA NEORREALISTA

Ilustração 2 sa, qualquer tentativa de tutela sobre assuas decisões a respeito de preser-vação, de desenvolvimento e de de-fesa da Amazônia. Não permitirá queorganizações ou indivíduos sirvam deinstrumentos para interesses estran-geiros – políticos ou econômicos –que queiram enfraquecer a soberaniabrasileira. Quem cuida da Amazôniabrasileira, a serviço da humanidade ede si mesmo, é o Brasil.”(BRASIL. Estratégia de Defesa Na-cional. Ministério da Defesa e Se-cretaria de Assuntos Estratégicos.Brasília, 17 de dezembro de 2008)

Também há a questão da fron-teira do desenvolvimento. A Ama-zônia é a chave para o desenvolvi-

mento regional para a América do Sul comoum todo. Lá, o Brasil faz fronteira com setepaíses50. Os ilícitos e as instabilidades po-líticas e econômicas são sim barreiras, masnão podem impedir que a região amazônicacumpra seu papel de ser um dos centros

dinâmicos do “mundolatino”. É fundamentalque o Brasil, comomaior país em todos ossentidos, dê dinâmicaà sua parcela que estálocalizada na região51.

Fiscalizações dasfronteiras físicas

As fronteiras secasda região amazônica não são fáceis demonitorar devido a sua extensão e sua den-sa cobertura vegetal. Sem a organização deuma estrutura conjunta, o controle se tornaainda mais difícil.

Hoje, além das atividades de defesa, asForças precisam trabalhar para garantir às po-pulações mais isoladas uma melhor qualida-de de vida, principalmente suprindo carênci-as na área da saúde e auxiliando com educa-ção e transporte de suprimentos. Essa au-sência dos órgãos civisdo Estado é um proble-ma de grandes propor-ções apenas do ladobrasileiro, já que os ter-ritórios menores dosvizinhos são mais den-samente habitados49.

Segundo consta nanova Estratégia Naci-onal de Defesa (EDN),apresentada ao Presi-dente Lula em 17 de dezembro de 2008:

“O Brasil será vigilante na reafirmaçãoincondicional de sua soberania sobre aAmazônia brasileira. Repudiará, pela práti-ca de atos de desenvolvimento e de defe-

49 AMORIM. Defesanet. 28 de setembro de 2005.50 UNGER. “Projeto Amazônia: Esboço de uma proposta”. A Defesa Nacional. Número 811, p. 3-5.51 Ibidem, p. 8 e 9.

A Amazônia é a chave parao desenvolvimento regional

para a América do Sulcomo um todo. Lá, o Brasil

faz fronteira com setepaíses

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Em todos os outros países o problemanão é tão complicado quanto no Brasil, quetem a maior extensão de território dentro dafloresta amazônica e também a maior exten-são de fronteira seca dentro da região, so-mando-se todas as fronteiras, da Guiana Fran-cesa até a Bolívia, só não fazendo fronteiracom o Equador. Também existe uma compli-cada e longa fronteira marítima ao longo dacosta amazônica, sendo um dos poucos paí-ses que possui costaem área da floresta, as-sim como Suriname,Guiana e Guiana Fran-cesa. Os demais possu-em seus percentuais deflorestas localizados nointerior de seus territó-rios, afastados da re-gião costeira. Vale sali-entar que a projeção dafoz do Rio Amazonassobre o Atlântico Sulocorre em águasjurisdicionais brasilei-ras. Em decorrência,esse ponto focal de altovalor estratégico é lo-calizado dentro do nos-so mar territorial, ondea soberania é garantidapelo Direito Marítimo52.A presença do Estadocosteiro é representadapela Marinha em todas as parcelas dos espa-ços marítimos adjacentes à costa por meio denavios-patrulha sediados em Belém e de na-vios-patrulha fluviais sediados em Manaus.

Dentro do Plano Amazônia Protegida, jáaprovado pelo Presidente, foram propos-

tas medidas para aumentar a presença e opoder de reação do Exército, entre elas a deduplicar o número de Pelotões Especiaisde Fronteira (PEF) na Amazônia ao longoda próxima década, construindo 28 dessesPEF em áreas indígenas de fronteira.

Desenvolvimento da integraçãoregional

O primeiro elementoque devemos levar emconsideração quandofalamos em desenvolvi-mento e integração estáinserido no campogeoestratégico, qualseja, a região onde estálocalizada a maior flo-resta tropical do mun-do. Isso provoca reper-cussões poderosas, eimediatamente são le-vantadas dúvidas so-bre os reais benefíciosdo desenvolvimento eda integração53.

O que é preciso terem mente, como disseo General Villas Bôas,é que não é possívelcompetir com a agri-cultura se não encon-trarmos meios de tor-

nar a floresta lucrativa e sustentável simul-taneamente54. O extrativismo é sim uma sa-ída econômica, assim como o turismo sus-tentável e o desenvolvimento da indústriade uma forma que a região possa se desen-volver sem agredir a floresta55. Todas es-

52 A Convenção das Nações Unidas para o Direito do Mar normatiza os espaços marítimos de Estadoscosteiros, dentre eles o Mar Territorial. (Nota do autor)

53 Ibidem, p. 3 e 4.54 AMORIM. 28 de dezembro de 2008.55 UNGER. “Projeto Amazônia: Esboço de uma proposta”. A Defesa Nacional. Número 811, p. 4-8.

Dentro do Plano AmazôniaProtegida, já aprovadopelo Presidente, foram

propostas medidas paraaumentar a presença e o

poder de reação doExército, entre elas a de

duplicar o número dePelotões Especiais deFronteira (PEF) na

Amazônia ao longo dapróxima década,

construindo 28 desses PEFem áreas indígenas de

fronteira

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RELAÇÕES POLÍTICO-ESTRATÉGICAS DA PARCELA SUL-AMERICANA PERTENCENTE À ORGANIZAÇÃO DOTRATADO DE COOPERAÇÃO AMAZÔNICA SOB A PERSPECTIVA NEORREALISTA

sas alternativas têm sua aplicação na re-gião, e é importante coordená-las correta-mente para que a floresta se torne mais lu-crativa de pé do que derrubada. Apenasquando isso acontecer ela será economi-camente viável e, ao mesmo tempo,ambientalmente sustentável56.

A integração da região amazônica aoresto do País é o maior argumento para jus-tificar os investimentos necessários. Alémde ser a chave para o crescimento do País,nas palavras do ministro MangabeiraUnger, é “uma segunda chance para a cons-trução de uma nação de vanguarda”57. Essaintegração da região amazônica ao restoda economia passa também pela integraçãoregional da Amazônia internacional. Estasegunda integração tornará a Amazôniamais atrativa aos investimentos privados,visando aos mercados vizinhos.58

Utilizando a lógica da END, é impossí-vel ter uma profunda integração entre ospaíses da região amazônica se não houverdesenvolvimento econômico e científico naregião, o que é totalmente condizente comas ideias defendidas pelo ministroMangabeira Unger.

Como foi dito antes, na introdução des-te capítulo, o Brasil é a chave desse desen-volvimento regional. Como maior país daregião amazônica, tem como papel fomen-tar e incentivar formas de integração durá-veis e de desenvolvimento sustentável, eisso não será feito por meio de açõespaternalistas em relação às suas popula-ções indígenas. É um ato brasileiro de va-lor político-estratégico que serve comoexemplo e estímulo para ser seguido pelosEstados vizinhos amazônicos.

Não que seja difícil encontrar meios sus-tentáveis de desenvolvimento econômicona região, haja vista o interesse internacio-nal pelas riquezas que estão presentes inloco na Amazônia, desde o potencial paraexploração do ecoturismo até o valor mate-rial e imaterial dos recursos naturais quepodem ser aproveitados, de forma susten-tável, sob fiscalização do governo brasilei-ro59. O Brasil, que possui dois de seus mai-ores estados dentro da Amazônia Legal,também composta pelos demais estados daRegião Norte e por uma parcela ao nortedo estado de Mato Grosso, é também opaís que mais tem negligenciado a regiãoamazônica. Porém, o pouco que tem sidofeito por meio da Zona Franca de Manause da mineração no Pará reforçam o potenci-al econômico da região60.

Grupos terroristas

Dentre os grupos que promovem aguerrilha na América, os dois principaisestão na região amazônica. As Farc e oSendero Luminoso (grupo que atua noPeru desde as últimas décadas do séculoXX e que voltou à ativa em 2005) são doisgrandes entraves para o desenvolvimen-to da integração regional e promovem di-versos tipos de ilícitos que aumentam aviolência e a instabilidade da região ama-zônica61. Poderíamos aqui citar outros gru-pos, como, por exemplo, o Tupamaros,porém estes tiveram maior relevância nopassado, não sendo no atual momentouma ameaça latente.

Ambos começaram como grupos revo-lucionários, o primeiro marxista e o segun-

56 Ibidem, p. 5.57 Ibidem, p. 9.58 Ibidem, p. 5.59 Ibidem, p. 4 - 8.60 Ibidem, p. 5 e 6.61 DANTAS. “Sendero volta a ativa”. Defesanet.

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RELAÇÕES POLÍTICO-ESTRATÉGICAS DA PARCELA SUL-AMERICANA PERTENCENTE À ORGANIZAÇÃO DOTRATADO DE COOPERAÇÃO AMAZÔNICA SOB A PERSPECTIVA NEORREALISTA

do maoísta62. Porém logo partiram para es-tratégias de ação que os distanciam da con-dição de grupos revolucionários. Agindopor meio de atentados terroristas63,sequestros, tráfico de drogas e de armas,estes grupos há muito saíram da categoriade guerrilheiros e revolucionários, ou atémesmo de grupo separatistas.

Segundo o “projeto de declaração”, pro-posto na Cúpula Mundial de 2005 e defen-dido pelo ex-secretário das Nações UnidasKofi Annan, os Estados declaram que cons-titui um ato de terrorismo “todo o ato co-metido com intenção de causar a morte ouferimentos graves a civis ou não comba-tentes, quando o objetivo deste ato, pelasua natureza ou contexto, é intimidar umapopulação ou pressionar um governo ouuma organização internacional a fazeremalgo ou a absterem-se de o fazer”64.

Segundo Carlos Ilich SantosAzambuja:

“O terrorismo é uma forma de propa-ganda armada. É definido pela naturezado ato praticado e não pela identidadede seus autores ou pela natureza de suacausa. Suas ações são realizadas de for-ma a alcançar publicidade máxima, poistêm como objetivo produzir efeitos alémdos danos físicos imediatos. Em toda asua existência, a ONU não conseguiuobter um consenso para uma definiçãodo que é terrorismo.”(AZAMBUJA. 8 de julho de 2008.Disponível em <http: / /www.midiaindependente. org / pt / blue / 2008/07 / 424043.shtml>)

Conforme essas duas definições, a atu-ação de ambos os caracteriza como gruposterroristas. Entretanto, devido à falta deconsenso, líderes políticos mundiais os tra-tam de formas diferentes em seus discur-sos, de acordo com seus interesses.

Devido a essa falta de consenso, atémesmo o crime organizado brasileiro já po-deria se encaixar nesses termos, exceto pelafalta de cunho político de suas ações. Opróprio Presidente brasileiro defende a tesede que são terroristas65.

O Sendero Luminoso, recentemente re-nascido, utiliza a tática de ‘catequizar’ jo-vens camponeses para fazer parte da ‘guer-ra popular’. Sua atuação é maior nos de-partamentos cocaleros do Peru, utilizandoa floresta amazônica como meio de camu-flagem e para facilitar sua movimentação.As Farc tiveram um grande papel no res-surgimento daquele grupo, assim como noscasos dos demais grupos guerrilheiros semexpressão nascidos durante o século XXna Venezuela, no Equador, na Bolívia, naGuatemala e no Chile66.

O fracasso das políticas norte-america-nas de substituição das plantações de cocatem dado força aos argumentos doSendero. Utilizam a insatisfação e a situa-ção de pobreza que os camponeses estãovivendo como armas de convencimento67.

Foi exatamente em 2005 que o SenderoLuminoso voltou à ativa, quatro meses antesdas eleições do país, exigindo que o entãoPresidente Alejandro Toledo decretasse umapolítica de ‘tolerância zero’ para tentar esta-bilizar o país. Tal exigência demonstra o peri-

62 Movimento político de cunho socialista inspirado pelo líder da revolução chinesa, Mao Tsé Tung.BOBBIO. Dicionário de Política, p. 734 - 737.

63 Ações violentas de cunho político contra civis. BOBBIO. Dicionário de Política, p. 1.242 e 1.243.64 Ata da Cúpula Mundial de 2005. 7 de agosto de 2005.65 GLOBO, O. “Lula: onda de terrorismo no Rio não é crime comum, é terrorismo”. Luiz Claudio de

Castro. 1o de janeiro de 2007. Disponível em <http://oglobo.globo.com/pais/mat/2007/01/01/287254604.asp>

66 DANTAS. “Sendero volta à ativa”. Defesanet.67 BRETONHA. “Sendero Luminoso, ascensão e queda de um grupo guerrilheiro”. Defesanet.

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go que essas organizações representam àdemocracia e também às relações regionais68.

Uma consequência de tal ameaça é afuga de investimentos do país, tanto pelainstabilidade política e econômica em siquanto pelos prejuízos humanos e finan-ceiros que as ações desses terroristas po-dem causar diretamente por meio desequestros e extorsões.

Com exceção das Farc, nenhum outrogrupo chegou ao ponto de controlar umagrande parcela territorial de seu país. Po-rém, esse grupo da Colômbia chegou a con-trolar um terço do seu território. Mesmo comtodo o apoio financeiro, tecnológico e táti-co dos EUA ao governo colombiano, o su-cesso das Farc é indiscutível e assustador.

Ocupando territórios de floresta próximosàs fronteiras, as Farc são difíceis de seremlocalizadas. Utilizando as limitações das For-ças Armadas nacionais em relação às frontei-ras, penetram em territórios vizinhos comfrequência, normalmente visando ao seu re-fúgio dos ataques a elas empreendidos.

Em novembro de 2007, houve uma açãoofensiva da Força Aérea Colombiana aoacampamento das Farc que estava locali-zado em território equatoriano. Apesar deo ataque ter sido bem-sucedido, houve umsério problema diplomático envolvendo osdois países devido a esse ataque69. Com aviolação do espaço aéreo equatoriano poraviões militares colombianos, seguida peloataque ao solo que resultou na destruiçãodo acampamento, tais atos, em claro des-respeito aos preceitos fundamentais doDireito Internacional, provocaram a insa-tisfação imediata do governo do Equador.Vale registrar o agravamento do incidentepela rivalidade atual entre os governos da

Colômbia, alinhado aos Estados Unidos, edos países identificados com a ideologiapopulista de Hugo Chávez70. Este, por meiode seus já famosos discursos, colocou ain-da mais argumentos à mesa favoráveis àescalada da crise diretamente para um con-flito armado, ao menos em público.

Essa crise, sem sombra de dúvidas, nãofoi a primeira nem será o último caso emque o grupo narcoguerrilheiro ultrapassa-rá fronteiras para fugir dos ataques dasForças Armadas de seu país. Tais fatosdemonstram que será pouco provável aca-bar com essa ameaça se não houver umaprofundamento da integração desses pa-íses em nível político-estratégico, especifi-camente nas pastas da Defesa e da Justiçade cada um desses Estados71.

PROBLEMAS DE FRONTEIRASCOM CAUSAS INDÍGENAS ERIBEIRINHAS

Neste capítulo serão abordados os pro-blemas de fronteiras ligados às políticasnacionais relativas aos indígenas e às po-pulações ribeirinhas, as revoltas e re-percussões das relações socioculturais ecientíficas para com as populações nati-vas da região. Como é possível observarno mapa da ilustração 3, uma grande partedas populações indígenas ocupa espaçosde fronteira, uma área de elevado valor es-tratégico para o País.

Esse é o problema mais peculiar da Ama-zônia entre todos os outros estudados nestetrabalho, porque em nenhuma outra regiãoda América, talvez do mundo, existem tantaspopulações nativas ou um caso tão faraôni-co de migração organizada pelo Estado. A

68 DANTAS. “Sendero volta à ativa”. Defesanet.69 MENEZES. Colômbia e Equador: Sinopse de uma guerra que não existiu.70 Ibidem.71 DOMINGOS. “Para Brasil, atuação das Farc é ‘problema regional’”. O Estado de S. Paulo. 8 de março

de 2008.

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transferência de um grande número de brasi-leiros da Região Nordeste para a Região Nor-te durante o ciclo da borracha e das obraspara integração da Amazônia foi, no meu en-tendimento, excessivamente grande72.

Ilustração 3

Porém não há mais espaço para erroscomo esses, haja vista as várias vidas debrasileiros que foram perdidas pela falta deadaptação ao ambiente e as pessoas queforam obrigadas a retornar para suas terrasde origem ainda mais pobres. Obviamente,hoje os efeitos de atitudes como essas se-riam menores, devido à evolução da medi-cina e das tecnologias empregadas na cons-trução civil. Contudo, continuariam haven-do consequências perversas à cultura e àpopulação dos dois lados, de migrantes enativos, e também contra a própria flores-ta, que seria consumida ainda mais rapida-mente devido ao aumento populacional. Talfato acontece de forma descontrolada e nãosustentável, em decorrência da transferên-cia de mão de obra em si e também pelamigração complementar que ocorre pormeio dos acompanhantes, comerciantes ede pessoas que se dirigem para a regiãosem o conhecimento prévio e básico dascaracterísticas e dos desafios do estadode destino.

Vulnerabilidadesdas populaçõesindígenas

Em quase todos ospaíses da região ama-zônica, a populaçãoindígena foi de algumaforma assimilada pelasociedade civil, deforma semelhante à

dos negros no Brasil. A cultura foi preser-vada, e os índios passaram também a rece-ber benefícios e proteções por parte doEstado, como qualquer outro cidadão doseu país74.

72 Obras como a construção da Rodovia Transamazônica e da Ferrovia Madeira-Mamoré.73 DANTAS apud AMORIM. 28 de setembro de 2008.74 BECKER. Geopolítica da Amazônia, p. 2-5.

A análise sobre os problemas dessa par-cela da população amazônica é fundamen-tal para compreender o contexto estratégi-co da região. Parafraseando Fernando An-tonio de Carvalho Dantas73, professor deDireito Ambiental naUniversidade Estadu-al do Amazonas, “aAmazônia não é deso-cupada”. Essa falsaideia brasileira de quea região amazônica édesabitada gera o mai-or de todos os equívo-cos: a de que seja pre-ciso ocupá-la por po-pulações de outras localidades. Este errojá foi cometido no passado durante o cicloda borracha e na construção da RodoviaTransamazônica, para citar apenas os ca-sos de maior escala.

“A Amazônia não édesocupada”. Essa falsaideia brasileira de que a

região amazônica édesabitada gera o maior de

todos os equívocos

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No Brasil, porém, a situação é mais com-plicada. Durante muito tempo, procuramosevitar preocupações com as populações in-dígenas e pensar em um modo de integrá-las à sociedade brasileira. Manteve-se umapolítica paternalista, semelhante àquelasugerida pelos primórdios da antropolo-gia, isolando o “selvagem” para que estenão entrasse em contato com a sociedade“degeneradora”. Este pensamentorousseauniano, visivelmente ultrapassado,não atinge a realidade social e cultural daRegião Norte75. O mapa da ilustração 4 de-monstra a quantidade de grupos isoladosque existem e, ao mesmo tempo, um núme-ro de grupos recém-contatados.

Ilustração 4

Tendo os erros cometidos do lado brasi-leiro e os cometidos nos países vizinhoscomo aprendizado, seria prudente para o Paísque detém a maior parcela da Amazônia re-pensar seu modo de lidar com os índios.

Está claro que não adianta isolar as po-pulações indígenas, entregar em suas mãosporções da floresta restritas e abandoná-las à própria sorte. Quando suas reservassão próximas a cidades ou vilas, os proble-mas são ainda mais visíveis. As popula-ções indígenas acabam sendo marginaliza-das, vítimas de alcoolismo e do consumode drogas. Organizações Não Governamen-tais (ONG), especialmente as de alcancetransnacional (Ongat), exploram sua ima-gem e suas terras. No final, a cultura acabapor desaparecer em parte ou no todo76.

As populações mais afastadasde centros urbanos tornam-se ví-timas de traficantes de madeira,garimpeiros, grileiros, missioná-rios com propósitos nada religio-sos e ONG/Ongat mal-intencio-nadas. Não sentem a presença doEstado brasileiro, a tal ponto denem saberem que são brasilei-ros77. Neste caso citado, confor-me narra Amorim, os índios pen-savam que eram colombianos,pois, quando necessitavam de al-gum serviço público, alguma aju-da, procuravam um vilarejo co-lombiano que estava a cem qui-lômetros da aldeia, enquanto acidade brasileira mais próximaestava a 450 quilômetros. Nesteexemplo real, felizmente a situa-ção foi revertida graças à presen-ça do Exército, que, devido a umtrabalho de aproximação, tornou-

75 BRUCE. Terras Indígenas, Política Ambiental e Geopolítica Militar no desenvolvimento da Amazônia:A propósito do caso yanomami. Brasília, Março de 1990, p. 2-4.

76 Ibidem. 3-9.77 AMORIM, 28 de setembro de 2005.

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se sinônimo de parceria com o Estado bra-sileiro aos olhos dos índios dessa aldeia.

A problemática que foi demonstrada nãoé uma questão apenas de soberania brasi-leira. Também faz parte do problema a situa-ção de abandono em que ficam as comuni-dades indígenas em território brasileiro:muitas vezes alocadas em reservas que nemsequer são suficientes para garantir a so-brevivência pela caça de forma sustentável,ou o oposto, pequenas populações numterritório maior que alguns países europeus.Nas duas situações se observa um trata-mento inadequado do problema, num con-texto que prejudica o Estado e os brasileirosenvolvidos78. Devido a este abandono, aspopulações indígenas se tornam alvos fá-ceis para que garimpeiros e traficantes demadeira, entre outros, as forcem a cooperarcom algo que, possivelmente, elas nem sa-bem que é ilegal, algumas vezes apenas re-cebendo pequenas quantias pelo uso desuas reservas como base para a execuçãode atividades ilegais, outras servindo atécomo funcionários e capangas dos verda-deiros bandidos. Ainda é preciso citar oscasos das comunidades indígenas que, aosofrerem processo de aculturamento, pas-sam a obter receita ilícita das reservas emque estão assentadas, terceirizando-as porvontade própria para exploração ilegal. Porfim, existem casos em que as Ongat utilizamessas reservas indígenas para realizar pes-quisas científicas e exploração da área parafins comerciais ilegalmente, além de tráficode animais, plantas silvestres etc.

Exploração para fins científicos

Em todo o mundo a Amazônia é famosapela sua biodiversidade, pelas suas rique-

zas e também pela sua grandeza. Sem som-bra de dúvidas, é um orgulho para todosos países que compõem a região amazôni-ca saber a importância que ela tem para omundo em vários aspectos.

Há três grandes eldorados naturais nomundo contemporâneo: a Antártica, que éum espaço dividido entre as grandes po-tências; os fundos marinhos, riquíssimosem minerais e vegetais, que são espaçosnão regulamentados juridicamente; e aAmazônia, região que está sob a soberaniade Estados nacionais, entre eles o Brasil.(BECKER. Geopolítica da Amazônia.Brasília, Estudos Avançados, 2005)

Porém esses mesmos motivos inspiramcuidados. Como a Amazônia está em meio aEstados soberanos, estes que detêm a so-berania precisam garantir que a Amazôniaseja preservada e que seus recursos sejamusados de forma sustentável em prol dosseus respectivos interesses nacionais79.

Este tópico está localizado dentro des-te capítulo, pois é nas reservas indígenas enas áreas ocupadas por ribeirinhos, longedos olhos do Estado, que grupos estran-geiros e Organizações Não Governamen-tais atuam de maneira mais imprópria80.

Todavia, na mesma medida que apermissividade em relação às Ongat torna-va possível que cientistas estrangeiros rea-lizassem pesquisas na Amazônia, protegi-dos pelo descontrole sobre o trabalho des-sas organizações, cientistas brasileiros sãopraticamente impedidos de realizar pesqui-sas por precisarem enfrentar a burocraciaque faltava ser imposta a essas Ongat. Deforma semelhante, organizações puramentecriminosas, disfarçadas sobre a égide deOngat estrangeiras, foram denunciadas du-

78 SANTA ROSA apud AMORIM.79 UNGER. Projeto Amazônia: Esboço de uma proposta, p. 3, 4.80 RECH. “Para General, ONGs se dedicam ao tráfico de drogas“. Inforel. 9 de maio de 2007.

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rante a Comissão Parlamentar de Inquéritosobre as Organizações Não Governamen-tais de alcance e origem transnacional noano de 2005. Soluções foram propostas, taiscomo um cadastro nacional de OrganizaçõesNão Governamentais, com prestação decontas e fiscalização federal. Entretanto, gra-ças a interesses obscuros, os projetos eramesquecidos, e as ditas ONGs continuaram aexplorar os recursos científicos da florestano território brasileiro de forma livre. Ape-nas em 3 de julho de 2008, por meio da Por-taria MJ no 1.272, foi es-tabelecido um recadas-tramento para todas asOrganizações Não Go-vernamentais com ori-gem estrangeira comqualquer tipo de repre-sentação no Brasil,sob pena de perderemo direito de atuar noPaís se não apresentas-sem a documentaçãonecessária para orecadastramento.

Esse tipo de açãocontribui para resolver a situação, permitindoque o governo conheça as ONG estrangeirasque atuam em solo nacional. Isoladamente nãoé a solução para o problema; contudo, acom-panhada de ações fiscalizatórias e de contro-le, essa portaria torna possível que o governotenha o problema sob controle. Essa situaçãonão só prejudica o Estado, mas, sobretudo, opovo brasileiro, brancos ou índios, em decor-rência da retirada de material pertencente aopatrimônio cultural dos índios e de torná-lospatrimônios científicos estrangeiros. Con-sequentemente, é esta mesma parcela de bra-sileiros que deixa de se beneficiar dos recur-sos de seu território.

Um dado preocupante proveniente doMinistério da Defesa é o fato de que, das276 mil ONGs, nacionais e estrangeiras, atu-

antes no Brasil, 100 mil delas estão localiza-das na Amazônia brasileira. Sobram 176 miloutras, divididas entre as demais regiões doPaís, a grande maioria concentrada na Re-gião Sudeste. Enquanto ocorre essa quan-tidade majoritária de “ajuda” na Região Nor-te, onde não existe escassez de água ou ali-mentos, na Região Nordeste acontece o in-verso, região esta que possui uma das mai-ores áreas semiáridas do mundo.

Claramente não está sendo proposta umaexpulsão das ONGs da Amazônia, mas é im-

portante que haja fis-calização e controleefetivos e permanentessobre elas, partindodas informações obti-das com o recadas-tramento exigido pelaportaria do Ministérioda Justiça, a respeitodas atividades empre-endidas por essas or-ganizações. A meujuízo, esse procedimen-to irá contribuir para aconservação do

patrimônio natural brasileiro, aplicação deregras de comportamento, evitar o desper-dício de recursos públicos (haja vista a exis-tência de organizações que operam, tambémou até mesmo exclusivamente, por intermé-dio de recursos do próprio Estado) e, final-mente, promover a proteção da populaçãoda região, especialmente as populações in-dígenas. Na realidade, esse conjunto con-tribui para a garantia da soberania brasileirana região. O primeiro passo já foi dado. Oprazo estabelecido pela portaria foi de 120dias após a publicação, o que significa que,em 4 de outubro de 2008, o governo passoua ter em suas mãos as informações sobretodas as ONGs estrangeiras legalmente atu-antes no Brasil. Em suma, as organizaçõesrestantes passaram à ilegalidade, concor-

Um dado preocupanteproveniente do Ministérioda Defesa é o fato de que,

das 276 mil ONGs,nacionais e estrangeiras,

atuantes no Brasil, 100 mildelas estão localizadas na

Amazônia brasileira

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rendo para que o Estado detenha todas asinformações necessárias para fiscalizar aatuação das ONGs, algo impossível antesda edição da portaria em questão.

Agosto de 2007

Foi denunciado, pela liderançayanomami em Roraima, um caso de viola-ção do espaço aéreo brasileiro por aerona-ves militares venezuelanas, que pousaramem território indígena. A denúncia foi feitapor meio de uma carta81, escrita pelo tesou-reiro da Hutakara Associação Yanomami,Dário Vitório Kopenawa Yanomami. Segun-do diz o documento, havia também “nãoindígenas” testemunhando o evento.

Segundo denúncia dos yanomamis, ogoverno venezuelano estaria apoiando ga-rimpeiros ilegais em solo brasileiro pormeio das suas Forças Armadas. Segundoeles, o Exército Brasileiro teria também tes-temunhado a violação do espaço aéreo enada feito ou relatado.82

Não é o primeiro caso de “visitas”venezuelanas desse tipo em Roraima, hajavista a mídia ter documentado o assuntoem 2003, comprovando a vulnerabilidade aque estão expostas as populações indíge-nas nesse nosso modelo de relação comos índios. No caso específico, o Exércitoestava próximo à pista de pouso utilizadapelo Exército vizinho, porém nada fez paraimpedir o pouso. A meu juízo, este fato jus-tificaria uma ação soberana de intercepçãodaquela “delegação”83.

Raposa Serra do Sol

A reserva Raposa Serra do Sol é uma áreaindígena demarcada pelo Decreto no 1.775/96,

originalmente contínua e que vem sendo mo-tivo de disputas entre os índios e agricultores.

Desde sua origem, o Incra vem indeni-zando e assentando os agricultores emoutras localidades, porém uma parcela denão indígenas se recusa a sair, por discor-dar dos valores propostos pela União e/oualegar que a terra é sua por direito, nãoaceitando qualquer tipo de oferta do go-verno brasileiro.

Os indígenas da região não estão ape-nas no Brasil, o que complica ainda mais adinâmica das relações na área. A popula-ção indígena que ocupa a reserva RaposaSerra do Sol abrange uma parcela do espa-ço físico do Brasil, da Venezuela e daGuiana, simultaneamente. O problema nocaso é de identidade para alguns dos índi-os. Em algumas áreas da região é comumencontrar indígenas que falam espanholem território brasileiro.

Voltando à questão da demarcação dasterras, existia até recentemente um movimen-to por parte dos agricultores de que a reser-va não deveria ser contínua, para permitir aexpansão e manutenção da fronteira agríco-la. Porém essa questão só foi levantada porter havido demora e ausência por parte doEstado brasileiro para resolver a questão.

A questão óbvia não é como deveria sera demarcação, ou quem estaria certo, os in-dígenas ou os “brancos”, mas sim a ausên-cia do Estado brasileiro na região para iden-tificar o problema e prontamente solucionar,e fazer isto de uma forma concreta e comple-ta. Órgãos como a Funai e o Exército Brasi-leiro estão presentes, mas de diversas for-mas o Estado continua ausente, anulandoem parte as ações das partes presentes. Ór-gãos como o Incra, a Funasa e o MEC têmsua presença muito restrita e por isso são

81 MOREIRA, Memélia. “Venezuela faz sobrevoo ilegal na Amazônia”. Agência Amazônica. 5 de maio de 2007.82 Ibdem.83 Ibdem.

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pouco percebidos, já que sua atuação se dápor meio de representações enviadas, o queos faz presentes apenas em parte do tempo,não dando a chance de entender verdadei-ramente a situação, mas apenas um quadroem um determinado momento.

Ao menos na questão de demarcação dasreservas, o Supremo Tribunal Federal jul-gou a questão e determinou que a reservaindígena Raposa Serra do Sol deva perma-necer com sua demarcação original, como épossível observar na ilustração 5, ocupan-do os quase 2 milhões de hectares que abri-gam aproximadamente 200 mil índios de di-versas etnias. A decisão inédita também so-lucionou questões relativas a outros casos

semelhantes na Bahia, no Distrito Federal,no Pará, na Paraíba e no Rio Grande do Sul.Além da decisão principal, os agricultoresnão poderão solicitar indenização pelas ter-ras, já que a ocupação foi considerada ile-gal, mas há a possibilidade de entrarem compedidos de indenização pelas benfeitoriasrealizadas no local.

Ilustração 5

Um problema causado pela ausência doEstado brasileiro foi solucionado na últimainstância da Justiça nacional, porém corrigiros problemas causados pelas falhas de açãonão resolve a questão definitivamente.

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REGIÃO AMAZÔNICA VERSUSPROJETO DE INTEGRAÇÃOSUL-AMERICANA

Os países amazônicos consideram aintegração regional uma saída para enfren-tar e minimizar efeitos nocivos do processoda globalização, o que fica explícito no Tra-tado de Cooperação Amazônica84 e implíci-to no número de organizações paraintegração e cooperação regional visando adiferentes propósitos e naturezas. Este ca-pítulo irá demonstrar principalmente a im-portância da integração para os países ama-zônicos e para seus projetos nacionais decooperação e integração, qual o atual nívelde integração e como a região pode se tor-nar a chave para fortalecer e impulsionar oprocesso iniciado separadamente peloMercosul e pelo Pacto Andino. Na ilustra-ção número 6 observa-se a posição estraté-gica que a floresta ocupa na América do Sul,situando-se como uma grande área de co-nexão entre os dois blocos sul-americanos.

Primeiro, nesta introdução, é preciso ex-plicar como se deu o processo deinternacionalização da floresta amazôni-ca. A princípio houve a divisão realizadapelo Tratado de Tordesilhas. Portugal con-seguiu manter sua presença no territórioamazônico que lhe cabia e aos poucos con-seguiu ampliá-la por meio das Missões eBandeiras85. Durante o período da colôniae no período inicial dos Estados do conti-nente, houve um processo de expansão daAmazônia brasileira, culminando com a atualdivisão territorial86. Essa época foi marcadapelo pensamento de que os recursos natu-rais, tais como florestas, terras, recursos

hídricos etc., seriam infinitos. Portanto, aAmazônia era uma fronteira sempre possí-vel de ser prolongada. Esse pensamentodependia de um contexto científico e deum contexto econômico. Cientificamenteainda não havia uma visão completa domundo. Em termos econômicos, estávamosna periferia de um ambiente ainda em ex-ploração. Durante o final do século XX,houve uma mudança no pensamento cien-tífico mundial, em que a sociedade interna-cional passou a se preocupar com o futurodo planeta e com a conservação dos seusrecursos naturais87.

A partir desse momento, começou a ocor-rer uma pressão mundial para a interna-cionalização da Amazônia. Ela se deu deduas formas: no Brasil, por meio da coope-ração internacional para fins científicos, e,nos demais países, predominantemente porintermédio de bases militares, na grandemaioria de origem norte-americana88.

Porém um movimento contrário come-çou a surgir no final da década de 1990, emque a soberania dos países sul-americanos,que detinham em seus territórios a florestaamazônica, foi colocada em pauta. A Ama-zônia deveria ser preservada, mas seus re-cursos deveriam beneficiar primordialmen-te os países soberanos sobre a região. Estepensamento nada mais é do que a continu-ação do processo de transformação daideia abstrata de riquezas naturais em lu-cros reais. É o mesmo princípio empregadona revolução industrial que transformou oconjunto terra e trabalho, até então rique-zas abstratas, em fontes de riqueza tangí-vel. Esse processo de “soberanização” dasriquezas da Amazônia não exclui a coope-

84 Tratado de Cooperação Amazônica. OTCA.85 BECKER. Geopolítica da Amazônia. 2005, p. 1.86 Ibidem, p. 2 e 3.87 Ibidem, p. 2 - 6.88 Ibidem. 4 e 7.

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ração científica internacional iniciada peloBrasil, contudo exige que haja regulamen-tação e fiscalização por parte dos Estados89.

Ilustração 6

complementaridade econômica e a necessi-dade de aumentar o desenvolvimento eco-nômico na região sem prejudicar a floresta.A integração entre os países que compõema Amazônia é fundamental para que esta setorne economicamente viável e ecologica-mente sustentável90. Parafraseando o arti-go do ministro Roberto Mangabeira Unger,se não for colocado em prática um projetoque torne realidade as duas condições, aAmazônia continuará vivendo a dicotomiade um modelo de desenvolvimento perver-so para a floresta e um radicalismo ecológi-co perverso para o desenvolvimento eco-nômico. Nenhum dos dois serve aos inte-resses do País ou da região. É preciso pre-servar a floresta. Para isso é necessário quehaja uma forma de torná-la mais lucrativapreservada do que derrubada91. Por outrolado, urge encontrar alternativas sustentá-veis que não bloqueiem o crescimento eco-nômico, o que é possível a partir de um mo-delo de zoneamento responsável, um proje-to sustentável e necessariamente nacional92.

Mercosul, Pacto Andino e OTCA

Esse novo contex-to gerou a necessida-de de inserir a Amazô-nia no projeto deintegração sul-ameri-cano. A retomada doTratado de Coopera-ção Amazônica (TCA)e a criação, em 1995, daOrganização do Trata-do de CooperaçãoAmazônica vieram

como resposta ao vácuo institucional paraa região. Não pretendendo ser substituta

89 Ibidem. 7 e 8.90 UNGER. 2008, p. 5.91 Ibidem, p. 6 - 8.92 Ibidem, p. 7 - 13.

A integração entre ospaíses que compõem a

Amazônia é fundamentalpara que esta se torne

economicamente viável eecologicamente sustentável

R. Mangabeira Unger

A partir desse novo contexto, aintegração amazônica passou a ser consi-derada fundamentalpara a sobrevivência epara o melhor controlee aproveitamento daregião. Também houvea necessidade de in-cluir a mesma região noprojeto de integraçãosul-americana, comoforma de impulsionaresta e de fortalecer aAmazônia, tendo porbase todos os princí-pios da integração regional, quais sejam, pro-ximidade geográfica e psicológica,

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de nenhum bloco econômico, a OTCA visaa criar políticas comuns de cooperação,dando mais efetividade ao Tratado.

O Mercosul, antes um bloco formado ex-clusivamente pelos países presentes no ex-tremo sul do continente, está se transforman-do na solução para a integração sul-america-na com a Venezuela. A entrada deste últimomembro mostra a importância da integraçãoamazônica para o futuro de um bloco políticoe econômico na América do Sul como umaalternativa viável à Alca e às relações bilate-rais com os EUA e a União Europeia.

O próprio Mercosul não é exclusivamen-te voltado para incentivar o comércio. Aintegração econômica passa também pelanecessidade de compartilhar recursos eevitar futuros conflitos por posse de terri-tórios. Como exemplos concretos, temos oespaço territorial que abriga em seusubsolo o Aquífero Guarani e o espaço lí-quido fluvial da usina hidrelétrica ItaipuBinacional. Os rios compartilhados da Ba-cia Amazônica são recursos que não estãoconcentrados em apenas um país, gerandoa necessidade de entendimento pacíficoentre os Estados partes do TCA.

Portanto, a integração por meio da OTCApoderá ser um passo para que, futuramente,os atuais membros do Pacto Andino se unamaos demais países, constituindo um blocosul-americano único. Mesmo não compon-do um bloco único, servirá como elo entreos atuais blocos, suprindo, assim, parte dasnecessidades de também existir umaintegração econômica simultaneamente coma cooperação em outras áreas.

O Pacto Andino, após a saída da Vene-zuela, não terá um futuro isoladamente, hajavista que Colômbia, Bolívia, Equador e Perunão significam grandes economias a pontode justificar manter o bloco ativo, mas isola-do. Além disso, discordâncias ideológicas

entre os governos alinhados ao atual go-verno venezuelano e a Colômbia indicamque, pelo menos neste período atual, o blo-co não deverá evoluir em nenhum pontosignificativo.

Unasul e OTCA

A União de Nações Sul-Americanas(Unasul), um bloco político sul-americano,assim como o Mercosul, não está emcontraponto à lógica da OTCA. Porém ain-da está sendo definida sua estrutura comoum ente nas relações políticas internacio-nais. Dois órgãos, além do Conselho deChefes de Governo, já foram pensados parao bloco, quais sejam o Conselho Sul-Ame-ricano de Defesa e o Conselho Sul-Ameri-cano de Saúde. Segundo informações da-das à imprensa em 16 de dezembro de 2008pelo ministro Celso Amorim93, ambos teri-am a mesma concepção, porém apenas oprimeiro está em fase de implementação.

A proposta para a criação da Unasul veioapós a crise entre Colômbia e Equador, a quallevou muitos a pensar que evoluiria para umconflito armado em face dos “incentivos” de-correntes dos discursos promovidos pelo Pre-sidente venezuelano. Entendo que não seriapreciso criar um novo organismo para segu-rança regional. Os órgãos já existentes, comoa OTCA, poderiam, a meu ver, ocupar a fun-ção de moderadores na região amazônica, po-rém a ideia de um único organismo que fizesseisso na América do Sul sem a intervenção daOEA ou da ONU, organismos que tambémpossuem competência jurídica para tal, tornou-se imediatamente mais aceita. O que na verda-de acaba por ser mais sensato, já que estaquestão seria facilmente “coberta” pela OTCA,porém num hipotético conflito entre Peru eChile, por exemplo, estaria fora da alçada detodos os organismos já existentes.

93 RIBEIRO. G1. “Unasul aprova criação de Conselho Sul-Americano de Defesa”. 16 de dezembro de 2008.

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CRISES REGIONAIS

Recentemente, duas crises causaramrepercussão em toda a América Latina, emespecial no Brasil, por envolver empresasde origem brasileira em questões polêmi-cas internacionais. Não entrando no méri-to desses problemas, apenas fazendo umaanálise de dados divulgados na mídia, qualserá a repercussão dessas crises para aintegração regional e para a relação dessespaíses em relação aos vizinhos?

Caso Petrobras na Bolívia

Um dos casos mais veiculados na mídiarecentemente foi o da nacionalização doshidrocarbonetos na Bolívia, por meio deplebiscito, com a posterior expulsão dasempresas que exploravam os recursos emsolo boliviano. O caso mais controvertidofoi o da Petrobras-Bolívia, que contou atécom a presença do Exército boliviano naporta da refinaria da empresa mantida na-quele país94.

Independentemente de erros estratégi-cos da administração da empresa de esco-lher aquele momento para investir no paísque, de longe, não era o mais seguro, hajavista o referendo realizado anteriormentedando ao governo o poder de nacionalizar aexploração dos hidrocarbonetos, e de errosdo governo boliviano na forma desse pro-cesso de nacionalização, sem que houves-se diálogos e negociação, o evento foi ruimpara a imagem da Bolívia e péssimo estrate-gicamente perante a situação energética doBrasil, que se viu à mercê do Estado vizinhona questão energética, tendo que evitar umacrise futura no fornecimento de gás, especi-

almente em relação às indústrias que con-verteram sua planta para o gás natural.

O governo boliviano, por outro lado,encontra-se numa situação difícil, pois,apesar de ter cumprido com o determinadopelo referendo nacional, o país não tem re-cursos suficientes para aumentar a explo-ração de petróleo e gás, gerando um im-pacto nocivo para o continente, qual seja,uma insuficiência de gás em relação à de-manda continental. Como a Bolívia já pos-suía contratos firmados com o Brasil, alémde evitar mais danos ao “gigante” vizinho,as necessidades95 estratégicas energéticasda Argentina não puderam ser atendidasnum momento de crise no fornecimento deenergia nacional.

Ações impensadas como esta dificul-tam qualquer tipo de relação entre paísesem qualquer parte do mundo. Na Américado Sul certamente não seria diferente. En-tretanto, aqui, graças à habilidade do cor-po diplomático brasileiro, houve uma inter-venção proativa para reduzir os efeitosmaléficos dessa crise. Também ocorreu umaatuação pessoal do Presidente Lula, con-duta esta denominada de “diplomacia pre-sidencial96”, que foi criticada por mui-tos, mas que conseguiu manter as relaçõesem um estado de cordialidade, em prol dasprioridades estratégicas da região.

Caso Odebrecht no Equador

Vencedora de uma licitação no Equador, aempresa brasileira experiente em negóciosinternacionais deste tipo construiu uma usi-na hidrelétrica subterrânea em territórioequatoriano. O financiamento foi feito peloBanco Nacional para o Desenvolvimento

94 Folha de São Paulo. 1o de maio de 2006.95 FIORI. “Lula, Cristina Kirchner e Hugo Chávez discutem crise energética na Argentina”. Agência

Brasil.96 SOARES. “Órgãos dos estados nas relações internacionais: formas da diplomacia e as imunidades”.

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Econômico e Social (BNDES), em uma de suasprimeiras atuações no exterior à ConstrutoraNorberto Odebrecht S.A. (Odebrecht), emnome do governo daquele país.

Após a conclusão da obra, a hidrelétricaapresentou defeitos sérios, incompatíveiscom os padrões contratados pelo governoequatoriano à empresa brasileira. Após al-gumas trocas de acusações de ambos oslados, o Equador expulsou a Odebrecht doseu país, alegando a má concepção da obrae desvio dos recursos investidos97.

Dizendo não ser responsável pelo pa-gamento da dívida aoBNDES, o PresidenteRafael Correa anun-ciou em discurso quenão iria pagá-la, sen-do esta de responsa-bilidade da Odebrecht,afirmando que a em-presa teria recebido ofinanciamento e reali-zado a obra, sendo re-munerada por isto.

O governo equato-riano manifestou-sepublicamente, pedin-do que a questão daOdebrecht não preju-dicasse as relações di-plomáticas entre os dois países, conside-rando que, segundo Correa, “não houveproblema entre os dois governos. A atitu-de do Equador tinha sido única e exclusi-vamente contra a empresa brasileira”. Estadeclaração do Presidente Rafael Correa foifeita após a suspensão de uma missão bra-sileira ao Equador.

De acordo com Celso Amorim, esse fatofoge da rotina diplomática, ou seja, não éum simples caso rotineiro, mas uma criseque tem que ser acompanhada de perto pelo

governo brasileiro. Nosso chanceler defen-de que “o governo equatoriano necessitademonstrar todo seu interesse de manterboas relações políticas com o Brasil”.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A Amazônia é uma parte fundamentalda América do Sul devido à sua importân-cia ambiental e seu potencial econômico,político, científico e estrutural (especial-mente potencial energético). Isso atrai ine-gável interesse por parte de outros Esta-

dos não pertencentesà região.

Há uma estratégiainternacional tácita, delongo prazo e por meiode ações sucessivas,para impor a soberaniacompartilhada naAmazônia, que se in-tensificou no iníciodos anos 90, por pres-sões em todos os cam-pos do poder. Segueum princípio de SunTzu que diz ser “a gló-ria suprema vencer oinimigo sem lutar”. Al-

guém duvida que, assim como os recur-sos e a posição geoestratégica do Ori-ente Médio, da Ásia Central e dosBálcãs atraem as grandes potências, aAmazônia não esteja sendo alvo da pro-jeção de poder daquelas nações?

A Nação não se pode iludir e crerque, ante essa ameaça, baste o simplesaumento do poder militar. Só a ocupa-ção racional com preservação, o desen-volvimento sustentável, a integração doindígena e a integração da região ao

97 O Estado de S. Paulo. 9 de outubro de 2008.

Alguém duvida que, assimcomo os recursos e a

posição geoestratégica doOriente Médio, da Ásia

Central e dos Bálcãsatraem as grandes

potências, a Amazônia nãoesteja sendo alvo da

projeção de poder daquelasnações?

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País neutralizarão tal ameaça, e issonão depende apenas do poder militar.

(PAIVA. “Política, Estratégia e Coe-rência”. O Estado de S. Paulo. 6 de fe-vereiro de 2009)

Além dessas ameaças externas, existem osvários problemas internos sempre recorren-tes, como atos radicais de terror, os crimestransnacionais e as questões de cunho políti-co-estratégicas e socioeconô-micas relacio-nadas aos povos ribeirinhos e indígenas. Apli-cando o que foi analisado durante estamonografia numa análise SWOT98, os interes-ses externos sobre a região amazônica são con-siderados ameaças, e os problemas internos,fraquezas. Em contrapartida, são considera-dos como fatores de força o potencial econô-mico, a capacidade de integração regional quea Amazônia possui e o valor ambiental da re-gião. A junção dessas forças, fraquezas, opor-tunidades e ameaças demonstram o quantoos países detentores de soberania sobre a re-gião precisam aperfeiçoar seu controle inter-no e aumentar a capacidade de defesa dosseus respectivos territórios na Amazônia.

É primordial para nós, cidadãos de “Es-tados amazônicos”, nos preocuparmos coma manutenção da floresta, contribuindo paraque ela seja ecológica e ambiental-mentepreservada, e, em especial, promover umapolítica sociocultural integrada perante osnativos e/ou imigrantes fixados na Amazô-nia (indígenas ou brancos), para que tenhamas garantias fundamentais igualmente con-cedidas aos demais cidadãos desses mes-mos Estados. Porém, ao mesmo tempo, nãopodemos acreditar no discurso inflamadode militantes ambientalistas radicais, inde-pendentemente dos seus argumentos, haja

vista não proporem nada que seja sustentá-vel e benéfico aos interesses dos Estadosem questão, e muito menos ceder aos inte-resses dos “progressistas” sem nos preo-cupar com o futuro harmônico da floresta.Para sua consecução, é preciso que a flo-resta amazônica se torne mais “lucrativa”em pé, por meio do estabelecimento de ummodelo de desenvolvimento eficaz sob oponto de vista econômico-social e susten-tável ecológica e ambientalmente. Nas pala-vras do ministro Mangabeira Unger, “é achance de corrigirmos os erros do modeloaplicado na industrialização paulista”. E afir-mo que também é a chance de corrigirmos omodelo agrícola de monocultura instaladono restante do País.

É possível existirem atividades industri-ais e de agronegócios na Amazônia sem quehaja derrubada de mais árvores no territóriojá desmatado e na chamada “Amazônia urba-na”99. Na área em que existe floresta ainda empé, torná-la rentável por meio de um estudode vocações regionais é exequível, desde quesejam criados pequenos eixos produtivossustentáveis baseados no extrativismo, naprodução manufatureira e na exploração deecoturismo100, modelo este denominado“zoneamento econômico e ecológico”. Estaproposta só é viável se houver um compro-metimento do Estado e da sociedade civil dospaíses envolvidos. No caso dos cidadãosdas demais regiões não entenderem a impor-tância de investimentos concretos e perma-nentes, dentro de uma política comum de lon-go prazo na Amazônia, será insustentável paraqualquer governo manter as ações e os in-vestimentos necessários101.

No campo da Defesa, qualquer análisepassa pela questão central de proteger a

98 Sigla em inglês para o conjunto Forças, Fraquezas, Oportunidades e Ameaças, muito comum em análiseestratégica na fase de planejamento.

99 UNGER, p. 5, 6.100 Ibidem, p. 6, 7.101 Ibidem, p. 4, 5.

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Amazônia, mas, como já foi exposto, tam-bém é uma ferramenta oportuna para o in-centivo ao desenvolvimento econômico emsintonia com a PND, particularmente noincentivo à indústria bélica militar. Atecnologia desenvolvida irá beneficiar di-retamente a economia brasileira, além decontribuir para otimizar a atuação das For-ças Armadas nos Estados amazônicos,desde que continuem sendo aplicados osplanos de cooperação técnico-científicose que haja avanço significativo no campoda cooperação militar dentro da OTCA.

Os blocos políticos e econômicos docontinente sul-americano, o Mercosul e oPacto Andino, unidos por meio da OTCA,têm papel fundamental para a solução deproblemas de fronteira, tais como acessose compartilhamento urbano, e na integraçãoda região aos eixos nacionais de econo-mia, fortalecendo os próprios laços deintegração entre os Estados da América doSul.

Entretanto, todos esses fatores econô-micos, políticos e sociais são complemen-tares para fazer da Amazônia uma regiãodinâmica e sustentável e, portanto, paraque ela deixe de estar à periferia do alcancedo Estado. Assim, facilitará e viabilizará aatuação das Forças Armadas para a defesados territórios.

Visando a minimizar o problema dos cri-mes transnacionais, deve-se ampliar a ini-ciativa bilateral de Brasil e Colômbia emque flexibilizaram a atuação de aeronavesque estejam em perseguição a criminosostransfronteiriços, por 50 quilômetros. Me-didas como essas dificultam a fuga de or-ganizações criminosas e evitam a repeti-ção de crises entre Estados vizinhos, comono caso Colômbia e Equador, citado ao lon-go do texto.

Especificamente falando da corridaarmamentista entre Brasil e Venezuela, paradiminuir a desconfiança entre ambos é pre-

ciso que haja um esforço bilateral para pro-mover cooperação técnica, científica e mi-litar. Fazendo isso, haverá aperfeiçoamen-to das técnicas e aceleramento científico e,por meio de ações conjuntas, haverá tam-bém um crescimento da confiança mútua.Especialmente porque governos são pas-sageiros, mas as relações entre Estadosvizinhos podem ser comprometidas sequestões passageiras receberem mais im-portância do que realmente deveriam.

Proponho também a aplicação dos Polosde Produção por vocação regional, medidabem-sucedida em outras regiões do Brasil eque na Amazônia irá criar alternativas de ren-da para as populações ribeirinhas e até mes-mo indígenas. Além disso, melhorará a quali-dade de vida dessas populações e, conse-quentemente, evitará que haja a exploraçãoinadequada dos recursos amazônicos.

As áreas já desmatadas da floresta, ondeexistem fazendas de gado, de arroz e, mui-tas vezes, simplesmente clareiras vazias,são interessantes para implantação de pro-jeto de agricultura familiar, voltada parapolicultura de produtos que não estejamem desacordo com a floresta ao redor. Fa-zendas de gado, juntamente com a indús-tria madeireira, são diretamente os maioresinimigos da floresta amazônica, devido aotamanho das áreas desmatadas por estasatividades.

Em relação às Ongat na Amazônia, asolução já foi iniciada no Brasil. Cabe aogoverno brasileiro agora fiscalizar e regu-lar a atuação dessas organizações, quepodem em muito contribuir para a região,desde que atuem estritamente naquilo aque se propuseram quando foram aceitas.Havendo fiscalização, regulação e parceriade fato com o Estado, não há problema.

Por fim, no tocante ao tema, verifica-seque há uma necessidade de retomá-lo nocontexto de graduação de Relações Inter-nacionais, para que os problemas relacio-

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RELAÇÕES POLÍTICO-ESTRATÉGICAS DA PARCELA SUL-AMERICANA PERTENCENTE À ORGANIZAÇÃO DOTRATADO DE COOPERAÇÃO AMAZÔNICA SOB A PERSPECTIVA NEORREALISTA

CLASSIFICAÇÃO PARA ÍNDICE REMISSIVO:<ÁREAS>; Amazônia; Estratégia; Política Internacional; Venezuela; Colômbia; Equador;Peru; Forças Armadas;

nados às relações estratégicas da regiãoamazônica sejam novamente avaliados e,assim, outras soluções sejam propostas ediscutidas.

Não é necessário frisar o quanto os Es-tudos Estratégicos podem ser pertinentes àformação de um internacionalista. Contudo,é importante afirmar sua adequabilidade ao

Curso, devendo ser objeto de mais estudodurante a graduação em Relações Internaci-onais com o objetivo de melhor capacitar osfuturos profissionais da área a analisar con-textos geopolíticos internacionais, uma ca-racterística fundamental para quem irá tra-balhar como analista de Relações Internaci-onais e nas carreiras do primeiro setor.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

Os interessados em conhecer a extensa relação de obras consultadas para a elabora-ção desta monografia poderão se dirigir ao autor na Faculdade Integrada do Recife:

Monografia Gustavo (FIR-2009).doc.

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FRANCISCO EDUARDO ALVES DE ALMEIDA*Capitão de Mar e Guerra (RM1)

SUMÁRIO

Concentração de forçasPosição centralLinhas interioresLinhas de comunicaçãoPosições estratégicas e basesO poder marítimo e a obtenção do controle do mar

ALFRED THAYER MAHAN E OS PRINCÍPIOS DAESTRATÉGIA NAVAL (IV)

– Parte 2

As considerações políticas sobre o po-der marítimo e os princípios da estraté-

gia naval estão apresentados de formaesparsa em toda a obra de Alfred Mahan.Em 1918, isto é, quatro anos após sua morte,Allan Westcott correlacionou a expressão“comando do mar” a um conceito esposadopelo teórico norte-americano. Esta expres-são “comando do mar” não foi uma inova-

ção de Mahan. Francis Bacon, já no séculoXVI, comentando a luta da Inglaterra com aEspanha em seu ensaio On the TrueGreatness of Kingdoms disse o seguinte:

Para ser o senhor dos mares é o propó-sito1 da monarquia. Aquela que ‘coman-dar o mar’ está em grande liberdade epode usufruir muito ou pouco da guerra

* Ex-diretor do Serviço de Documentação da Marinha (2005/07), graduado em História UFRJ (2007);mestre em História Comparada (2009); Aluno do Curso de Doutorado de História da UFRJ, Instrutore Membro do Centro de Estudos de Política e Estratégia da EGN.

1 No original, a palavra usada por Francis Bacon foi abridgement, que, em tradução literal, seria resumo,sumário. Para este autor, a palavra mais apropriada seria objetivo, ou propósito.

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quanto desejar. Certamente, nesse dia,conosco na Europa, a vantagem do po-derio marítimo [que é um dos principaisdotes deste Reinado da GrandeBretanha] será grande.2

Embora tenha preferido a expressão‘controle do mar’ a ‘comando do mar’,Mahan procurou conceituar essa ideia ge-ral3. Para ele, o controle do mar não era atomada de alguns navios ou mesmo a cap-tura de comboios que atingiria a economiada nação inimiga; seria, isso sim, a obten-ção de um ilimitado poderio no mar queexpulsaria o inimigo dos oceanos, apare-cendo ele apenas como fugitivo4.

O controle das grandes linhas de co-mércio, impedindo que o inimigo delas usu-fruísse, era, para ele, fundamental. Diria queas comunicações dominavam a guerra;como um elemento da estratégia, as comu-nicações navais tinham prevalência sobretodos os elementos no conflito. Para queesse exercício de poder naval pudesse serrealizado, a possessão de uma grande Ma-rinha de guerra era primordial. Para Mahan,o problema se concentrava nas medidasnecessárias para a obtenção desse ‘domí-nio do mar’5. Enfatizou que uma das for-mas de se conseguir o ‘domínio do mar’seria por meio do bloqueio naval, mas nãosomente ele. Assim, para que o domínio domar fosse obtido, haveria a necessidade

de se controlar as comunicações marítimase expulsar o inimigo dos mares.

Nesse ponto é importante conceituarcom maior detalhe a diferença existenteentre ‘comando do mar’ e ‘domínio do mar’.Apesar de Mahan ter utilizado a expressão‘domínio do mar’ em poucas ocasiões, exis-tem diferenças marcantes entre os doisconceitos, segundo seu contemporâneoCyprian Bridge.

O ‘comando do mar’, ou ‘controle domar’, preferido por Mahan, refere-se a umacondição estratégica, obtida por uma su-perioridade naval por meio da força ou pormeio da ameaça do uso da força. O ‘domí-nio do mar’, por outro lado, seria uma con-dição político-legal sobre uma faixa maríti-ma, podendo ou não se recorrer à força paraimplementar essa condição6. Como exem-plo, Bridge mencionou o limite marítimo detrês milhas como uma faixa de domínio domar.7 Um exemplo histórico marcante deBridge para diferenciar os dois conceitosrefere-se à exigência da Inglaterra no sécu-lo XVII para que todos os navios estran-geiros que transitassem no Canal da Man-cha saudassem a bandeira inglesa. Os in-gleses estavam exercendo, nesse caso es-pecífico, o ‘domínio do mar’ no canal. Osholandeses se recusaram a arriar o seu pa-vilhão, resultando daí a Primeira GuerraAnglo-Holandesa. Os ingleses tiveram,então, que lutar para obter o ‘controle do

2 KEMP, Peter. History of the Royal Navy. London: Arthur Barker Limited, 1969, p. 25.3 O artigo em que Mahan explicitamente utilizou a expressão “comando do mar” foi “Importance of

Command of the Sea”, escrito em 1911 e publicado no Scientific American de dezembro daqueleano. Nos seus livros, entretanto, Mahan usou a expressão “controle do mar”, embora tenhautilizado algumas vezes “comando do mar”.

4 MAHAN, Alfred. The Influence of Sea Power upon History 1660-1783. New York: Dover Publication,1987, p. 138.

5 Mahan utilizou também a expressão ‘domínio do mar’ em sua obra, no entanto em menor número devezes. Fonte: MAHAN, Alfred. Lessons of War with Spain. Boston: Little Brown, 1899, p. 106.

6 BRIDGE. Ciprian. Sea power and other Studies. London: Smith, Elder, 1910, p. 47.7 Bridge usou também a expressão ‘soberania do mar’ como sinônimo de ‘domínio do mar’ (dominium

or sovereignty of the sea). Fonte: BRIDGE. Ibid, p. 48.

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mar’ no canal, só logrado depois de derro-tarem os batavos na guerra naval. Dessamaneira, Bridge apontou diferenças entreos conceitos, não mencionadas por Mahan,porém por ele certamente conhecidas.

Como afinal conseguir o ‘comando domar’, ou ‘controle do mar’, segundo Mahan?Respondia que somente por meio do queele chamou de ‘batalha decisiva’, isto é, aeliminação total da esquadra adversária. Oobjetivo estratégico das Marinhas de guer-ra era então destruir o adversário, de prefe-rência em um grande combate naval, em que,ao final, apenas uma Marinha sairia vitorio-sa e senhora dos mares.

Para que houvesse a certeza da vitóriaem um combate decisivo, era de suma im-portância a existência de uma força navalsuperior à do inimigo. Se não existisse umasuperioridade naval decisiva por parte deum adversário, a batalha deveria ser perse-guida pelo outro lado e o seu resultadodeterminaria aquilo que seria conquistadoou não8. Com essa afirmativa, Mahan con-firmava que, havendo condições, uma es-quadra de batalha inferior, apoiada por cir-cunstâncias políticas e geográficas, comohavia acontecido com os EUA na Guerrade 1812 contra a Grã-Bretanha, poderia sersuficiente para dissuadir uma esquadramais poderosa.9 Mahan já percebia a im-portância que a dissuasão teria como con-

cepção estratégico-naval. O princípio daofensiva era assim enaltecido.

O objetivo a ser alcançado, para ele, emprincípio, era a destruição da força navaldo adversário e não apenas a tomada deum porto ou de uma base do inimigo, quepassaria a ser apenas um objetivo secun-dário10. Após a destruição da esquadra ini-miga, haveria o pleno exercício do controledo mar. O conceito de batalha decisiva foibaseado na própria definição de ponto de-cisivo em um campo de batalha ou do ata-que decisivo de Jomini.11 O grande exem-plo histórico mencionado por Mahan foi ode Nelson, sempre ávido pelo combate quevarresse a força inimiga dos mares.

Uma das concepções muito discutidaspelos historiadores é a questão daindivisibilidade do mar supostamente apre-goada por Mahan, isto é, o comando do marpleno não admitindo relativização nem divi-são12. Isso se traduzia na concepção que ouse controlava o mar totalmente ou não setinha o seu controle. A interpretação maiscoerente parece ser a que adota arelativização do controle pela simples im-possibilidade de se controlar todas as regi-ões marítimas. Mahan, inclusive, citou que,após a derrota em Trafalgar, a Marinha fran-cesa continuou a realizar operações no Me-diterrâneo13 com sucesso, apesar de batidapor Nelson. Ciprian Bridge corroborou tam-

8 MAHAN, Alfred. Naval Strategy compared and contrasted with the principles and practice ofmilitary operations on land. London: Sampson Low, Marston & Co, 1911, p. 214.

9 SUMIDA, Jon Tetsuro. Inventing Grand Strategy and teaching command: the classics works ofAlfred Thayer Mahan reconsidered. Washington DC: John Hopkins University, 1997, p. 102.

10 Ibidem, p. 191.11 JOMINI, Antoine Henri. The Art of War. Westport: Greenwood Press, [196-], p. 170 e 304.12 Essa interpretação generalizante de indivisibilidade está esposada em PROENÇA, Domício; DINIZ,

Eugênio, RAZA, Salvador Guelfi. Guia de Estudos de Estratégia. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1999,p. 103 e em CAMINHA. João Carlos Gonçalves. Mahan: sua época e suas ideias. Revista MarítimaBrasileira. Rio de Janeiro: Serviço de Documentação da Marinha, jul-set 1986, p. 49. Emborareconheça como válidas essas interpretações, parece-me mais apropriada a interpretação de CyprianBridge sobre a indivisibilidade do mar como imaginada por Mahan.

13 MAHAN, Alfred. The Influence of Sea Power upon History. op. cit. p. 533 e CAMINHA, op.cit. p.49 e PROENÇA, op.cit. p. 103.

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bém a ideia de relatividade no pensamentode Mahan, ao apontar que o autor norte-americano discutiu a impossibilidade de im-pedir que navios independentes francesese pequenos esquadrões suspendessem deseus portos e ameaçassem os portos ingle-ses no Canal da Mancha desprotegidos.Mahan indicou a possibilidade de ataquesfranceses às costas inglesas, apesar damarcada superioridade inglesa.

Ciprian Bridge mencionou, em comple-mento, que, apesar do controle do mar anglo-francês na Guerra da Crimeia, os russos con-tinuaram a manter intactas suas linhas decomunicação no norte e no oeste do Pacífi-co.14 Parece mais apropriado considerar queMahan sabia que a indivisibilidade do marera mais algo a ser alcançado do que umarealidade a ser comprovada historicamente.Tinha consciência de que era impossível ocontrole total do mar e assim a indivisi-bilidade, tanto apregoada por muitos histo-riadores posteriores, não corres-pondia aopensamento original do autor norte-ameri-cano. Mahan imaginava a indivisibilidadelocal e temporal na cena de ação do marcontestado e não a total em todas as regi-ões marítimas, e essa parece ser a interpre-tação mais apropriada.

Reconhecia Mahan, no entanto, a difi-culdade de ocorrer um encontro decisivo,uma vez que a esquadra mais vulnerávelevitaria o combate, como uma medida desobrevivência. Muitos analistas acreditamque a noção de batalha decisiva seja abso-luta, sem relativização. Alguns chegaram aafirmar que para Mahan as “guerras eramganhas em batalhas”15, no entanto ele afir-

mou que, em determinadas ocasiões, a cap-tura de um porto inimigo e não a procurapela batalha para derrotar o adversário foia ação correta tomada16. Acreditava que abatalha naval deveria servir para atingir umobjetivo estratégico determinado e prefe-ria mesmo uma derrota que tivesseconsequências favoráveis para a campa-nha do que “uma glória estéril de procurarbatalhas meramente para vencê-las”17. Suanoção de batalha decisiva devia ser anali-sada em relação à própria guerra que seestava travando; assim, embora afirmassea conveniência da batalha para destruir oinimigo, ela deveria atender um propósitoestratégico determinado e, dessa maneira,devia ser vista com relativização.

Mahan percebeu, no entanto, que a pre-ponderância de um só poder marítimo nahistória, como ocorreu com a Grã-Bretanhano passado, seria difícil na época industri-al. Diria ele que “as circunstâncias da guer-ra naval mudaram muito nos últimos cemanos” e que “seria duvidoso que esses efei-tos, desastrosos por um lado, ou uma gran-de prosperidade por outro lado, como vis-to nas guerras entre Inglaterra e França,ocorressem nos dias atuais”.18

O controle do mar por uma só naçãoseria improvável ocorrer no início do sécu-lo XX, afirmou Mahan, e os sucessos nopassado da Inglaterra foram atribuídos auma forte aristocracia agrária que via namanutenção de uma poderosa Marinha umdos seus atributos de poder e prosperida-de; no entanto, naquele início de século, asituação política interna britânica mudara,alterando as prioridades governamentais.

14 BRIDGE. op.cit. p. 49.15 PROENÇA, op.cit. p. 103.16 SUMIDA, op.cit. p. 44.17 MAHAN, Alfred. The Life of Nelson: the embodiment of the sea power of Great Britain. V. 2. Boston:

Little Brown, 1897, p. 323 e MAHAN, Alfred. From Sail to Steam. Recolections of a naval life.New York: Harper´s Brothers Publishers, 1907, p. 283.

18 MAHAN, Alfred. The Influence of Sea Power upon History. op. cit. p. 84.

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A Marinha britânica, então, tendia a perderterreno para os inimigos que surgiam.19 Di-ria em 1910 que “a Marinha britânica estádeclinante em termos relativos, em virtudeda debilidade de seus governos que assu-miram gastos e encargos em excesso deseu próprio fôlego”.20

As Marinhas existiam, em síntese, paraa proteção do comércio; na guerra elas te-riam não só a tarefa de destruir o comércioinimigo, mas também neutralizar a esqua-dra adversária. Essa destruição compeliriao inimigo a buscar a paz. As guerras foramvencidas pelo estrangulamento do comér-cio marítimo inimigo eforam perdidas pelasfalhas em destruiresse comércio. O con-trole do comércio ma-rítimo, por meio dapreferência de umabatalha decisiva, era,assim, a principal fun-ção das Marinhas de guerra em princípio.

Como sempre, Mahan projetava muitasde suas ideias na situação corrente dos EUA.Apregoava que a Marinha norte-americananecessitava se fortalecer, em virtude, princi-palmente, dos prováveis adversários quepoderiam interferir nos interesses dos EUAno Pacífico e no Atlântico, em especial noCaribe e nas proximidades do canal que es-tava sendo construído no Panamá.

Para que fosse obtido o controle do mar,quatro princípios fundamentais necessitari-am ser atendidos: a concentração de forças,uma posição central em relação às forças ini-migas, pontos de operação a partir de linhasinteriores e, por fim, a posse de boas linhasde comunicação, posições e bases de apoio.

CONCENTRAÇÃO DE FORÇAS

O princípio da concentração, referenciadopor ele como um dos aspectos estratégicos aserem observados, foi derivado do conceitoesposado por Jomini, que apontou a con-centração como um dos principais princípiosa serem seguidos na guerra. Dizia Jomini queo princípio fundamental de todas as opera-ções de guerra era levar o grosso das forçassobre os pontos decisivos do inimigo nomomento oportuno e arranjar os dispositi-vos de modo que essas massas não investis-sem somente sobre esse pontos, mas que

fossem postas em açãocom ampla energia e,tanto quanto possível,sobre as linhas de co-municação inimigas.21

Para Mahan, a con-centração de forças erao principal princípio daguerra no mar. A agre-

gação da concentração com a ofensiva seria oconjunto mais importante no forçamento deuma batalha decisiva contra uma força navalinimiga. Para ele, a verdadeira essência da es-tratégia naval residia na procura da concen-tração de forças no ponto decisivo no dispo-sitivo inimigo. Pode-se entender, então, o prin-cípio de guerra concentração ou massa comoa “aplicação de forças em um ponto decisivo eno tempo devido e a capacidade de sustentaresse esforço, enquanto necessário”22.

Mahan acreditava que a esquadra jamaisdeveria ser dividida e que todos os esforçosdeveriam ser despendidos na procura da es-quadra inimiga e na destruição dessa forçaem um combate decisivo. A razão de ser daesquadra era, em princípio, varrer o inimigo

19 Ibidem, p. 67.20 MAHAN, Alfred. The Interest of América in International Conditions. Boston: Little Brown, 1910,

p. 150.21 JOMINI, Antoine Henri. A Arte da Guerra. Trad: Napoleão Nobre. Rio de Janeiro: Bibliex, p. 68.22 COMANDO DA MARINHA. Doutrina Básica da Marinha. op.cit. p. 2-7.

Para Mahan, aconcentração de forças era

o principal princípio daguerra no mar

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do mar. A esquadra, segundo ele, para ser ofator decisivo no mar, deveria ser compostade, primariamente, navios capitais, que emseu tempo seriam os encouraçados.23 O má-ximo poder ofensivo da esquadra, e não omáximo poder de apenas um navio capital,deveria ser o verdadeiro objeto da constru-ção de encouraçados.24 Sua aplicabilidade de-veria, entretanto, ser avaliada com parcimôniae não em todas as situações. A ideia essenci-al seria concentrar no momento aprazado notempo e no espaço, mesmo que os naviosestivessem posicionados em estações sepa-radas no território.

Ao exemplificar um caso típico da corretaaplicação do princípio da concentração,Mahan recorreu a seu grande herói HoratioLorde* Nelson em Trafalgar, em 1805. Naque-la oportunidade, Nelson procurou concentraro grosso de sua força naval na parte central etraseira da coluna franco-espanhola, pois sa-bia que a dianteira da força inimiga, uma vezcortada ao meio pela sua frota, não poderiaacorrer em auxílio da força atacada, em razãoda direção desfavorável do vento e do exces-sivo tempo a ser despendido para guinar paraum bordo e se aproximar do inimigo já concen-trado na retaguarda de sua força. Embora con-siderasse mais importante a aplicação da con-centração no campo estratégico, Mahan afir-mou que esse exemplo tático ilustrava, sobtodas as circunstâncias, a vantagem da apli-cação da concentração no campo de batalha25.

Mahan, por outro lado, exemplificou o casooposto ocorrido na Primeira Guerra Anglo-Holandesa, quando os ingleses falharam aonão aplicar esse princípio básico. A Batalha deKentish Knock, em 28 de setembro de 1652,cuja vitória pertenceu aos ingleses, fez comque Oliver Cromwell, acreditando que as for-ças navais holandesas estivessem derrotadas,enviasse parte de sua esquadra, cerca de 20navios de linha, para o Mediterrâneo e quealguns navios fossem desviados para outrasregiões, desfalcando a força naval inglesa noCanal da Mancha sob o comando de Blake,que contou ao final com apenas 37 navios delinha. Essa falha grave na concentração estra-tégica de forças navais inglesas no canal teriaresultados desastrosos. Um grande comboioholandês, escoltado por forte aparato de na-vios de guerra, foi visto cruzando o Canal daMancha em direção ao Atlântico sob o co-mando do almirante batavo Tromp. Blake,inferiorizado em números, procurou o comba-te, sendo batido vigorosamente por Tromp naBatalha de Dungeness, em 10 de dezembro de1652. Essa falha gritante de Cromwell em nãoconcentrar provocou a chamada do grossodas forças navais inglesas do Mediterrâneode volta para o canal, restituindo a superiori-dade perdida. Segundo Mahan, a concentra-ção da esquadra inglesa depois de 1653, com-binada com a organização naval superior e asagacidade governamental inglesa, decidiu aguerra a seu favor.26

23 MAHAN, Alfred. Naval Administration & Warfare. Some General Principles. Boston: Little Brown,1918, p. 165; MAHAN, Alfred. Lessons of the War with Spain. op.cit p. 37 e MAHAN, Alfred. TheInterest of America in Sea Power, present and future. Boston: Little Brown, 1906, p. 198.

24 MAHAN, Alfred. Lessons of the War with Spain. op.cit. p. 38.25 MAHAN, Alfred. Naval Strategy. op.cit. p. 48.26 MAHAN, Alfred. Naval Strategy. op.cit. p. 73.* N.A.: Lorde ou lord – Este título deve ser usado, conforme tradição britânica, antes do primeiro nome

se o titulado for o filho mais novo de um duque ou marquês, por exemplo: Lorde RandolphChurchill, que era o filho mais novo do 7o Duque de Marlborough. Nelson não era filho de marquêsou duque, provindo da classe média de Norfolk. Logo, ao receber o peerage (título nobiliárquico),barão e depois visconde, passou a utilizar o lorde no seu sobrenome Nelson, tornando-se Horatio (1o

nome) Lorde Nelson ou Lorde Nelson. Podia ser chamado também Viscount Nelson. Assim, ele deveser chamado Horatio Lorde Nelson ou Horatio Viscount Nelson. Referência: BOWLES, Dra. SuzanneGeissler, em Naval History. Annapolis: USNI, Jun 2004, p. 6.

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Mahan preocupava-se com a situaçãoda Marinha norte-americana no final do sé-culo XIX. Dizia ele que existiam razões es-tratégicas para posicionar a esquadra dosEUA ou no Pacífico ou no Atlântico, contu-do não existiam boas razões para dividi-laentre as duas costas. Acreditava que o go-verno deveria escolher uma costa onde aameaça fosse mais iminente e lá posicionaro grosso da esquadra concentrada, com umapostura ofensiva, enquanto na outra costao restante da força naval enfraquecida per-maneceria com uma postura defensiva.27

Tinha convicção que o importante era con-centrar o grosso das forças navais onde aameaça se apresentasse mais evidente. As-sim, era de fundamental importância o con-trole do Canal do Panamá, de modo a permi-tir a passagem das esquadras de um oceanopara o outro. E foi exatamente nesse pontoque o segundo princípio, juntamente com aconcentração, emergiu em sua concepçãoestratégica: o da posição central.

POSIÇÃO CENTRAL

O princípio da posição central traduziaa vantagem que um país ou força navalpoderia obter de uma posição geográficacentral entre dois antagonistas. Esse paísou força agiria como uma cunha, impedin-do a união de dois inimigos e poderia des-ferir ataques de flanco contra as iniciativasdesses dois adversários ou forças navaisinimigas que quisessem se unir. De possede uma posição central, determinado paíspoderia também fustigar e ameaçar as li-nhas de comércio de um antagonista quepassasse próximo dessa posição. Mahanrepetia Napoleão, que dizia que a guerraera uma questão de posições, e nesse pon-to não deixava de ter razão. Assim, mais

uma vez, Mahan recorria a Jomini para de-finir posição central. Jomini chamava de“pontos estratégicos de manobra” os lo-cais que tivessem valor resultante de suarelação com as posições das massas de tro-pas adversárias e com as ações que prova-velmente seriam desencadeadas sobre elase de “pontos defensivos geográficos”, queseriam aqueles pontos cuja posse daria ocontrole dos nós de diversos vales ou decentros das principais linhas de comunica-ção de uma região28. A conjugação dessesdois pontos constituiria a posição central.

Mahan complementava, no entanto, avantagem da posição central afirmando quenão adiantava ter essa posição vantajosase o inimigo fosse mais forte nos dois ladosda posição central. Em síntese, era o poderofensivo e a posição central que constituí-am uma vantagem em relação somente aopoder ofensivo sem posição central, assima composição ideal de força congregavapoder mais posição e não apenas um fator29.

Recorrendo a exemplos históricos deposição central, Mahan lembrou a posiçãode Porto Arthur na Guerra Russo-Japone-sa. Dessa posição estratégica, a frota rus-sa poderia ameaçar as linhas de comérciojaponesas do Japão para a Manchúria, daía necessidade premente de conquistá-lapor parte dos nipônicos. Do mesmo modo,a posição central de Gibraltar teria o mes-mo efeito contra a França, isto é, impedir aunião das esquadras francesas de Brest noAtlântico e de Toulon no Mediterrâneo. Apossessão inglesa da Ilha de Malta teria omesmo efeito que Gibraltar, ao ameaçar aslinhas de comércio francesas no Mediter-râneo para a Itália.

Em complemento, Mahan citou a posi-ção favorável da França entre 1500 e 1700,em relação à Espanha dos Habsburg e as

27 Ibidem, p. 58.28 JOMINI, Antoine Henri. A Arte da Guerra. op.cit. p. 73.29 MAHAN, Alfred. Naval Strategy. op.cit. p. 53.

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ALFRED THAYER MAHAN E OS PRINCÍPIOS DA ESTRATÉGIA NAVAL (IV) – Parte 2

Províncias Unidas. Ela ocupava uma posi-ção central que muito prejudicou a estraté-gia espanhola, assim como a união entre aEspanha e a Áustria Habsburg.

No Caribe, as posições de Cuba e daJamaica seriam fundamentais para a estra-tégia de defesa norte-americana, assimcomo a posição do Canal do Panamá. Sealgum adversário adquirisse essas impor-tantes posições estratégicas, a segurançados EUA estaria seriamente ameaçada.Esse adversário obteria uma posição cen-tral em relação aos EUA. Pode-se compre-ender, assim, a preocupação dos norte-americanos com essas posições estratégi-cas até os dias atuais. Mahan exercia umpapel relevante na concepção de defesade seu país. Imaginava que, no caso de osEUA se defrontarem contra dois adversári-os, um no Pacífico e outro no Atlântico, ese fosse superior a cada um de per si e nãocontra os dois juntos, o controle da posi-ção central por parte dos EUA poderia per-mitir a derrota de um e depois a de outro,impedindo decididamente a união dessasduas forças inimigas30. Assim o controleda posição estratégica do Canal do Pana-má seria fundamental, pois essa posiçãoseria a própria posição central.

LINHAS INTERIORES

Mahan definia linhas interiores como li-nhas estratégicas com a característica dese prolongar em uma ou mais direções apartir de uma posição central, favorecendouma interposição entre corpos distintos doinimigo, possibilitando a consequente con-centração de poder contra qualquer um doscorpos inimigos, mantendo os demais cor-

pos bloqueados, muitas vezes até por for-ças menos poderosas. Uma linha interiorpoderia ser concebida como uma extensãoda posição central, ou mesmo como umasérie de posições centrais conectadas en-tre si, da mesma forma que uma linha geo-métrica era a união de uma série de pontosgeométricos contínuos31.

Dizia ainda Mahan que a expressão li-nhas interiores provinha de que, a partir deuma posição central, poder-se-ia concen-trar mais rapidamente em qualquer pontoperante o inimigo e assim utilizar a força deataque mais eficientemente. Correlacionavacom a situação de um triângulo no qualqualquer ponto em seu interior ligado a doisângulos internos provocaria linhas de me-nor extensão que os lados que delimitas-sem esses ângulos internos.32

Mahan, mais uma vez, recorria a Jominipara propor a vantagem de linhas interio-res. Jomini definiu “linhas de operaçõesinteriores” como aquelas que eram dota-das por um ou dois exércitos para se opo-rem a diversos corpos adversários. Sua di-reção permitia ao general concentrar asmassas e manobrar com o conjunto da for-ça, antes que o inimigo pudesse ter a pos-sibilidade de opor a elas uma força maior.33

Jomini complementava dizendo que as li-nhas interiores simples habilitavam um ge-neral a pôr em ação, por movimentos estra-tégicos sobre o ponto importante, uma for-ça maior do que a do inimigo34. Os fracas-sos estratégicos na história militar ocorre-ram porque não foram procuradas as linhasinteriores no confronto entre exércitos, di-zia o teórico suíço.

Mahan gostava de mencionar dois exem-plos, para ele clássicos, de pontos estraté-

30 Ibidem, p. 55.31 Ibidem, p. 31.32 Ibidem, p. 32.33 JOMINI, Antoine Henri. A Arte da Guerra. op.cit. p. 78.34 Ibidem, p. 79.

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gicos que possuíam as vantagens de umaposição central e linhas interiores. O primei-ro era o Canal de Kiel, que se apresentavacomo uma linha interior entre o Báltico e oMar do Norte, provocando uma boa vanta-gem para a Marinha alemã. O segundo exem-plo era o caso da França, que, por possuir avantagem de linhas interiores em relação aoReno e aos Pirineus, poderia congregar 20mil soldados no Reno ou nos Pirineus rapi-damente, comparado com a Espanha, quesó poderia congregar esse número de sol-dados nos Pirineus e com maior dificuldadeno Reno, pois necessitava passar pela Fran-ça, considerando que o mar não estivessesob o controle espanhol. Assim, paraMahan, as linhas interiores, intimamente li-gadas à posição central, dependeriam daposição geográfica de um país ou de umaposição estratégica devidamente conquis-tada em uma campanha militar.

Dentro dessa combinação posição cen-tral e linhas interiores, Mahan ressaltava aimportância que teria para os EUA o Arqui-pélago do Havaí dispondo de portos natu-rais favoráveis. A posição desse arquipélagoera fundamental para a prosperidade norte-americana no Pacífico, uma vez que o Havaídistava quase a mesma distância de São Fran-cisco, na Califórnia, cerca de 2.100 milhas, edas Ilhas Marshall, Gilbert, Samoa, Society eMarquesas. Além disso, o controle das ilhashavaianas, que ocupavam uma posição cen-tral na rota entre o Canal do Panamá e o Ja-pão e a China, imporia condições ideais parainterferir nesse comércio. A sua posse pro-porcionaria um controle total das linhas decomunicações marítimas no Pacífico Norte ea agregação das Aleutas, com a consequenteposse e extensão das linhas interiores, indi-cando uma posição estratégica fundamental

para o domínio norte-americano nessa regiãomarítima. Pode-se entender o interesse dosEUA no Havaí e o controle de ilhas estratégi-cas que compunham as linhas interiores, como consequente domínio das linhas de comu-nicação marítimas no Pacífico setentrional ecentral. Como afinal Mahan definia uma linhade comunicação?

LINHAS DE COMUNICAÇÃO

Para Mahan, a economia internacionalera baseada no comércio marítimo, no qualos interesses econômicos dos Estados se-riam disputados por pura competição oupor mútuo benefício35. Dessa maneira, ascomunicações marítimas eram mais eficien-tes que as comunicações terrestres, sendoque os mares e oceanos poderiam ser com-parados a uma grande e ininterrupta planí-cie. Essas comunicações marítimas possi-bilitavam o encontro e a amálgama dos vá-rios componentes do poder de um Estado,sendo que a guerra naval, em grande parte,seria uma luta travada pelo controle des-sas comunicações36. A importância a serdada a cada linha de comunicação deviaser subordinada ao fluxo comercial que porlá transitava. Se uma linha não tivesse rele-vância comercial, a disputa por ela não ocor-reria. Outras linhas poderiam adquirir rele-vância comercial durante determinado pe-ríodo de tempo e, assim, passíveis de dis-puta temporal, enquanto outras linhas teri-am grande importância comercial e, assim,estariam sempre em permanente disputa en-tre Estados. Dessa maneira, as linhas decomunicação marítimas não eram vias físi-cas, somente se materializando quando exis-tissem navios de transporte navegandocom suas cargas.37

35 SUMIDA, op.cit. p. 92.36 CAMINHA, op.cit. p. 50.37 COMANDO DA MARINHA. Noções de Estratégia Naval. EGN 305. Rio de Janeiro: Escola de Guerra

Naval, 2004, p. 26.

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Dizia ele que as linhas de comunicaçãoeram linhas de movimento nas quais esqua-dras e exércitos eram mantidos em condi-ções de máxima prontidão e em conexão per-manente com o poder nacional38. Essas li-nhas dominavam a guerra, e a sua manuten-ção permitiria que os exércitos continuas-sem combatendo em território hostil. Os exér-citos que não fossem abastecidos sofreriammuito mais que as esquadras, pois elas trari-am em seus próprios meios os abastecimen-tos necessários à sua salvaguarda. As li-nhas de comunicação não significavam ne-cessariamente linhasgeográficas, mas simlinhas por onde passa-vam os abastecimen-tos indispensáveis àmanutenção de um Es-tado ou um Exército39.As linhas de comuni-cação seriam tambémpontos essenciais paragarantir a segurança deum Exército ou de umaforça naval.

Para Mahan existi-am dois tipos de Esta-dos. O primeiro tipo, cujas comunicações,na maior parte, eram dependentes de estra-das e caminhos terrestres, e o segundo tipo,que, na maior parte, seria dependente dascomunicações marítimas. As linhas de co-municação marítimas eram em maior núme-ro e mais fáceis de serem estabelecidas.Essas linhas eram os elementos mais im-portantes na estratégia, na política e nocampo militar. O controle sobre essas li-nhas era de fundamental importância. Aenergia vital de um Estado marítimo depen-

dia da segurança de suas linhas de comu-nicação. Para um Estado marítimo, todo ovigor e toda a energia proveriam do mar40.Assim, a interrupção desse fluxo comercialnas linhas de comunicação de um Estadotraria o fracasso e a derrota. Comunicaçõesseguras significavam controle do mar, e asesquadras eram os meios bélicos capazesde garantir esse controle.

Mais uma vez, Mahan se baseou emJomini na definição do que seria uma linha decomunicação. Para o teórico suíço, uma linhade comunicação designava o itinerário prati-

cável entre as diferen-tes porções do Exérci-to que ocupavam dife-rentes posições emtoda a zona de opera-ções41. Para Jomini, as-sim como para Mahan,uma linha de comunica-ção permitia a ligaçãoentre porções de forçasque ocupavam posi-ções distintas na zonade combate.

Mahan gostava demencionar como uma

linha de comunicação relevante e típica alinha de comércio que unia a Espanha esuas possessões nas Províncias Unidasnos séculos XVI e XVII. A manutenção deseus Exércitos em permanente combatecontra os holandeses sempre foi proble-mática, pois suas linhas de comunicaçãopassavam na costa ocidental francesa e aonorte no Canal da Mancha, sofrendo assé-dios constantes, tanto de forças navaisfrancesas como inglesas42. Tanto a Françacomo a Inglaterra possuíam como vanta-

38 MAHAN, Alfred. Naval Strategy. op.cit. p. 32.39 Ibidem, p. 166.40 WESTCOTT, Allan. Mahan on Naval Warfare. Boston: Little Brown & Co, 1918, p. 77.41 JOMINI, Antoine Henri. A Arte da Guerra. op.cit. p. 78.42 MAHAN, Alfred. Naval Strategy. op.cit. p. 33.

As linhas de comunicaçãoeram linhas de movimento

nas quais esquadras eexércitos eram mantidosem condições de máximaprontidão e em conexãopermanente com o poder

nacional

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gem a posição central e as linhas interioresem relação a essas linhas de comunicação.

Dessa maneira, de modo a proteger aslinhas de comunicação de qualquer Esta-do, avultava para Mahan a conquista ouaquisição de bases e pontos estratégicosque margeassem essas linhas. Quais seri-am as características dessas posições emrelação às linhas de comunicação?

POSIÇÕES ESTRATÉGICAS E BASES

Mahan dizia que, na análise de qualquerteatro de operaçõesou zona de combate, oprincipal e mais impor-tante aspecto que de-via ser consideradoera a posição ou ca-deia de posições que,por sua localizaçãogeográfica ou vanta-gens inerentes, pode-riam afetar o controleda maior parte dessaárea. Dizia ele que ocontrole dos mares,em especial ao largodas grandes rotastraçadas pelo interesse e pelo comércionacional, era o principal dos elementospuramente materiais do poder e prosperi-dade das nações. Para que esse controlefosse assegurado, era indispensável apo-derar-se daquelas posições marítimas quecontribuíssem para assegurar o seu domí-nio43. A essas posições vantajosas Mahancunhou de posições estratégicas.

A relevância de uma posição estratégi-ca residia em sua posição geográfica próxi-

ma das principais linhas de comunicaçãoenvolvidas na contenda e da capacidadeque ela teria em apoiar minimamente as for-ças navais, elemento fundamental para aobtenção do controle do mar. O poderionaval envolvia, sem dúvida, a possessãode pontos estratégicos, no entanto a forçanaval era o fator mais importante na guerranaval. Se a posse de um grande número depontos estratégicos significasse a disper-são da força naval, seu efeito seria dano-so. A concentração da frota era o princípioelementar a ser perseguido.

Mahan repetiaJomini ao dizer que, senão fosse possívelcontrolar toda a zonade combate, seria me-lhor e mais vantajosocontrolar os pontosimportantes para pro-porcionar o domíniode parte dessa zona44.A conquista de posi-ções em direção à áreacontrolada pelo inimi-go seria uma grandevantagem, no entantoum cuidado especial

deveria ser dispensado ao estiramento desuas próprias linhas de comunicação, aocolocar em perigo as forças navais em po-sições avançadas45. As linhas de comuni-cação muito extensas provocavam certa-mente uma fragilidade operacional relevan-te ao aumentar o tempo disponível para ossuprimentos chegarem às forças navais ouposições estratégicas avançadas na zonade combate e pela própria extensão evulnerabilidade dessas linhas a ataques

43 COMANDO DA MARINHA. Noções de estratégia naval. op.cit. p. 7.44 Volta aqui a discussão da indivisibilidade do mar, confirmando a interpretação de Bridge, aceita por

este autor, de que se não fosse possível controlar toda a área marítima seria melhor controlarpontos importantes para dominar parte dessa área.

45 MAHAN, Alfred. Naval Strategy. op.cit. p. 127.

O controle dos mares, emespecial ao largo das

grandes rotas traçadaspelo interesse e pelo

comércio nacional, era oprincipal dos elementospuramente materiais do

poder e prosperidade dasnações

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provindos do inimigo em áreas pouco pa-trulhadas por causa de seu comprimento.

O valor estratégico de um ponto ou posi-ção dependia, segundo Mahan, de três condi-ções principais. A primeira e indispensável eraa sua posição geográfica em relação às linhasestratégicas e de comunicação. Se essa posi-ção se localizasse em pontos de cruzamentode comunicações marítimas, essa vantagempoderia duplicar, assim como pontos localiza-dos em mares fechados seriam mais vantajo-sos que em mares abertos, pois nesse segun-do caso poderiam ser descobertas pelo inimi-go rotas mais afastadas dessa posição favo-rável. A segunda porseu poderio militar, tan-to ofensivo como defen-sivo. Uma posição po-deria ser bem localizadae dispor de grandes re-cursos, no entanto pos-suir pequeno valor es-tratégico se fosse pou-co defendida. Nessecaso era urgentefortificá-la. E a terceiracondição, a disponibili-dade de recursos natu-rais e artificiais no próprio ponto ou em seusarredores, o que poderia ser compensado, casoinexistissem, pelo abastecimento contínuo porum poder marítimo prevalente46. Logicamenteque seria preferível que os recursos fossemobtidos na própria região ao invés de trazidosde longe, argumentou Mahan.

Um desses pontos estratégicos mencio-nados por Mahan foi Gibraltar, que se encon-trava admiravelmente localizado, sendo pode-roso tanto defensiva como ofensivamente, noentanto não possuía os recursos necessários.A manutenção dessa posição estratégica de-pendia do poder marítimo britânico e do con-

trole do mar, ao se manter essa posição supri-da de mantimentos essenciais. Acreditava queo controle de uma posição dotada de maiorterritório era melhor que uma posição de me-nor extensão, considerando que ambas pos-suíssem idênticas qualidades geográficas, emrazão da maior disponibilidade de recursos.Recorria ao exemplo do Almirante Rodney noperíodo da Guerra de Independência america-na em relação a Porto Rico e outras ilhas me-nores. Disse Rodney o seguinte:

Porto Rico, nas mãos da Grã-Bretanha,será de grande benefício e de muito maior

valor que todas as ilhasdo Caribe reunidas.Porto Rico poderá serdefendida muito maisfacilmente e com muitomenos custo que aque-las pequenas ilhas. Adispersão provocadapor essa defesa [dasilhas] facilitará o ataquede um inimigo decidido;no entanto [Porto Rico],será um empecilho tan-to para a França como

para a Espanha, uma vez que ameaçarásempre a Ilha de Santo Domingo e, na mãoda Grã-Bretanha, permitirá que todo o trá-fego marítimo provindo da Europa paraSanto Domingo, México, Cuba ou territó-rios espanhóis seja cortado.47

Mahan considerava ser de fundamentalimportância o controle de Cuba como pontoavançado norte-americano no Caribe e noGolfo do México, além de sua natural posi-ção central nessa região. Enquanto ela per-maneceu sob controle espanhol, os EUAdependiam de dois pontos estratégicos con-

46 MAHAN, Alfred. Naval Strategy. op.cit. p. 133.47 Ibidem. p. 133.

Mahan considerava ser defundamental importância o

controle de Cuba comoponto avançado norte-

americano no Caribe e noGolfo do México, além de

sua natural posição centralnessa região

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tinentais importantes, Pensacola e a bocado Mississipi. Com Cuba sob influência dosEUA, nenhuma potência europeia se aven-turaria no Golfo do México ou no Caribe,pois exporia suas linhas de comunicação àintervenção norte-americana a partir deCuba. Por mais essa razão, Cuba deveriapermanecer sob influência norte-americana.

Sua definição de posição estratégicabaseava-se na definição de Jomini, da mes-ma maneira como utilizada em outros con-ceitos apresentados, no entanto o autorsuíço visualizava a “posição estratégicageográfica” como fixa na maior parte dasvezes. Jomini definia como ponto estraté-gico geográfico todo o ponto de um teatroque tivesse importância militar, seja emconsequência de sua posição como centrode comunicações ou resultante da presen-ça de estabelecimentos militares ou fortifi-cações48. Uma posição estratégica paraMahan poderia ter um estabelecimento mi-litar ou não, o que prevaleceria efetivamenteera sua posição estratégica em relação àslinhas de comunicação. Jomini considera-va também outros pontos estratégicosmóveis em relação às tropas inimigas emfunção do resultado da campanha e sobredeterminada operação49.

Uma base seria uma posição fortificadade apoio a uma força naval com facilidadesde reparo, manutenção e de fundeio, provi-das de autodefesa. Nem sempre seria umaposição estratégica. Um exemplo era a basenorte-americana de Norfolk, na Virginia, nacosta atlântica. Ela era uma base sem se cons-tituir numa posição estratégica. Por outrolado, a base naval de Pearl Harbor, no Havaí,era uma base e uma posição estratégica porse localizar próximo às linhas de comunica-ção entre os EUA e o Japão.

Mahan diria que a condição essencialpara a manutenção do poderio nacional nomar era a posse de uma frota naval superi-or à do inimigo na região considerada. Aposse de bases militarmente seguras deapoio a essa frota, apesar de necessária,era secundária em relação à própria frota.50

Quando da seleção e da preparação des-sas bases, alguns princípios deveriam serseguidos. O primeiro, o número de bases aserem mantidas devia ser cuidadosamenteavaliado, de modo a que não fossem dre-nados recursos de áreas vitais e estratégi-cas. Assim, as bases consideradas mais im-portantes poderiam receber maior quanti-dade de recursos. O segundo princípioapontava para a seleção de portos ou ba-ses localizados no próprio território comoprioritários, uma vez que poderia ocorreruma ameaça direta ao território desse Esta-do, havendo a necessidade de proteção asua população e a seus recursos nacionais.A escolha dessas bases nacionais depen-deria do tempo histórico considerado.

As bases afastadas do território nacio-nal, essenciais para a projeção de podermarítimo além-mar, deviam ser considera-das da mesma maneira, compondo com asbases nacionais um sistema de defesa. In-dicava Mahan que, por ocasião das Guer-ras Anglo-Holandesas, a Holanda era a ini-miga e, assim, a base de Chatham tornou-se a mais importante. A partir do início doséculo XVIII, os interesses britânicos fo-ram carreados para o Mediterrâneo, e asbases de Gibraltar, Minorca e Malta passa-ram a ter primazia. No final desse século,os interesses da Grã-Bretanha no Mediter-râneo permaneceram, porém tornaram-sesecundários para as Índias Ocidentais eAmérica do Norte. No início do século XX,

48 JOMINI, Antoine Henri. A Arte da Guerra. op.cit. p. 72.49 Jomini chamava de “pontos estratégicos de manobra e decisivos”. Fonte: Ibidem, p. 73.50 MAHAN, Alfred. Naval Strategy. op.cit. p. 191.

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a Alemanha havia se transformado na gran-de antagonista, e a base mais importantepassara a ser Rosyth51. A função primordi-al de uma base seria manter a frota naval namáxima eficiência no mar.

Em consideração às vantagens de umabase, elas seguiriam os mesmos princípios quegovernavam as posições estratégicas, a suaposição, o seu poderio e os seus recursos. Nocaso específico dos EUA, Mahan propugnavapela manutenção de duas bases navais emcada costa: uma principal e mais poderosa eoutra secundária. Para bases afastadas do ter-ritório norte-americano ele não mencionounúmeros, no entanto afir-mou que poderiam de-pender da política nacio-nal adotada em determi-nado período histórico52.

Com essas defini-ções discutidas, comoMahan imaginava tornarprevalente o poder marítimo de uma Nação?

O PODER MARÍTIMO E A OBTENÇÃODO CONTROLE DO MAR

De acordo com o discutido, Mahan acre-ditava que, para se obter o controle do mar,era de fundamental importância destruir aesquadra inimiga, principal objetivo estra-tégico em uma campanha naval, por meio deuma batalha de aniquilamento ou decisiva.Ele tinha consciência, conforme apresenta-do, da dificuldade de se forçar essa batalhaem um adversário que se recusasse ao con-fronto ou por estar em inferioridade navalou por preferir outro tipo de concepção es-tratégico-naval mais favorável. De qualquer

forma, segundo ele, a batalha era o propósi-to a ser perseguido por uma força que dese-java obter o controle do mar. Consideravatambém que a ofensiva e a defensiva eramcomplementares e não opostas. A melhor ea única forma de defesa era tomar a ofensi-va.53 Isso não significava que não conside-rasse válida, em certos aspectos, a afirmati-va de Clausewitz de que a defensiva era maisvigorosa que a ofensiva54, entretanto acre-ditava que a defensiva só era assegurada sehouvesse uma intenção fundamental de sepassar rapidamente à ofensiva para se obteruma decisão definitiva no mar. Se a força na

defensiva pudesse sefortalecer em razão dainação da força quepresumidamente esti-vesse na ofensiva, a ini-ciativa passaria forço-samente para a forçadefensiva que estaria

mais bem preparada para passar para umapostura ofensiva. Assim, em sua concep-ção, a ofensiva teria sempre primazia.

Mahan gostava de citar duas frases deHoratio Nelson para demonstrar a pertinênciado princípio da batalha decisiva como objeti-vo estratégico de uma força naval que deseja-va a obtenção do controle do mar. Dizia Nel-son: “O que o país [a Grã-Bretanha] necessitaé a aniquilação do inimigo. Somente númerospodem aniquilar”.55 Outra frase de Nelsonmuito citada por Mahan era: “Se dez naviosde onze forem tomados, eu nunca direi que é obastante, se não pudermos tomar o décimoprimeiro”.56 Com esses exemplos (e Mahansempre escolhia exemplos que reafirmassem oseu pensamento) ele demonstrava o valor da

51 Ibidem, p. 193.52 Ibidem, p. 198.53 MAHAN, Alfred. Retrospect and prospect. op.cit. p. 40.54 MAHAN, Alfred. Naval Strategy. op.cit. p. 277.55 Ibidem, p. 267.56 Ibidem, p. 268.

A função primordial deuma base seria manter afrota naval na máxima

eficiência no mar

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ofensiva e da iniciativa para um comandantede força naval. Nelson era o seu paradigma.

Por considerar que a batalha decidiriaquem era o senhor dos mares, Mahan pri-vilegiava a constituição de uma esquadrade batalha potente, concentrada, manobra-da em linha de coluna constituída dos na-vios mais poderosos da Marinha, isto é,dotados de grande poder de fogo, boa pro-teção de couraças e boa velocidade. Paraele as esquadras de batalha eram realmen-te os elementos determinantes na guerranaval.57 A constituição de uma esquadrade batalha potente deveria ser o objetivofundamental de qualquer Estado em tempode paz, de modo a dissuadir qualquer in-tenção hostil de um suposto inimigo.

Para Mahan, o navio capital que deveriacompor a esquadra de batalha, que, no pas-sado, era o navio de linha, a nau, no final doséculo XIX e início do XX deveria ser oencouraçado. A ênfase que Mahan imputouao encouraçado, cada vez mais poderoso,fez com que muitos países reformulassemseus programas de construção naval, optan-do por linhas de batalha compostas por ver-dadeiros gigantes muito bem armados.Margaret Strout afirmou que o próprio AtoNaval de 1890 dos EUA, autorizando a cons-trução de navios mais poderosos, era umaclara demonstração da política esposada pelaanálise do poder marítimo de Mahan.58

As Guerras Sino-Japonesa de 1894 e Rus-so-Japonesa de 1905 demonstraram apertinência da construção de encouraçadoscada vez mais bem armados e dotados decouraças cada vez mais poderosas. Essasconcepções extrapolaram os projetos de cons-

tituição de forças navais dos principais po-deres marítimos do início do século XX. Paí-ses com menos tradição e poderio naval comoo Brasil, a Argentina, o Chile e a Turquia ado-taram os encouraçados como elementos fun-damentais de suas esquadras de batalha. En-tretanto, imputar somente a Mahan todo essemovimento de renovação da força naval pa-rece exagerado. Ele não pode ser responsa-bilizado por uma corrida armamentista, que jávinha se delineando antes mesmo da publi-cação de sua obra magna de 1890, no entan-to seus estudos foram habilmente utilizadoscomo justificativa para a construção de gran-des e poderosos encouraçados. Mahan, in-clusive, tinha consciência de que o aumentodo tamanho e poder dos encouraçados trariaum incremento nos custos que poderia tersérias implicações políticas, podendo até afe-tar o programa de construção naval do Esta-do. Considerava que, na construção de gran-des navios, deveriam ser levados em contatambém os fatores militares e não apenas téc-nicos; assim, acreditava que seria melhor aposse de um grande número de navios mo-deradamente potentes que de um pequenonúmero de encouraçados poderosos.59

No caso de uma esquadra inferior à do ini-migo, Mahan propunha que ela se estabele-cesse em portos ou bases bem defendidos,impondo sobre o mais forte a tarefa de manterestrita vigilância, de modo a impedir que ela sefizesse ao mar para qualquer ação ofensiva,que deveria ser sempre o objetivo de uma for-ça naval, independentemente de seu poderio.A essa concepção estratégico-naval chama-se esquadra em potência60. Ela geralmente foiutilizada na história naval pelo poder naval

57 SUMIDA, op.cit. p. 75.58 SPROUT, Margaret. The Evangelist of Sea Power. Makers of modern strategy: military thought from

Machiavelli to Hitler. Princeton: Princeton University Press, 1973, p. 437.59 SUMIDA, op. cit. p. 63.60 Em inglês “fleet in being”. Termo inicialmente usado por Lorde Torrington em carta para a rainha da

Inglaterra em 1690, justificando-se por não ter enfrentado seu grande adversário, o almirantefrancês De Tourville, comandante de uma esquadra mais poderosa que a dele. Tourville havia ganho

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mais fraco, que assim evitava o combate navale mantinha as forças inimigas em prontidãopara impedir qualquer incursão. AconselhavaMahan a manutenção da mobilidade dessaforça inferior, de modo a incrementar ainda maisa sua efetividade, principalmente como umaameaça às linhas de comunicação61. Essa con-cepção foi utilizada pelos alemães na GrandeGuerra de 1914 e pelos italianos no Mediterrâ-neo, na Segunda Guerra Mundial, contra osingleses. Mahan considerava, no entanto, queexistia uma crença exagerada na eficácia dessaconcepção estratégica. Essa postura limitavaa ação da força mais fraca e, ao final, a forçasuperior prevaleceria62.

O comércio marítimo era um grande fatorde prosperidade para as nações com acessolivre ao mar, daí ser fundamental para o podermarítimo defender esse comércio de inimigos.O ataque contra os navios mercantes do ini-migo poderia atingir seriamente os recursosnacionais. Uma das maneiras de atacar as li-nhas de comércio era pela utilização da guerrade corso, pela interdição de navios mercantesem alto-mar por corsários. A predileção fran-cesa por esse tipo de guerra, realizada contrao tráfego marítimo inglês, em especial no sé-culo XVIII, poderia ser explicada como umaforma mais barata de guerra contra um adver-sário mais poderoso no mar, aliviando os co-fres já combalidos do tesouro real, além dapreocupação com as campanhas terrestres no

continente europeu, relegando o poder maríti-mo a uma posição secundária na estratégianacional. No entanto, essa postura era paraMahan um erro fundamental, pois ele não acre-ditava na eficácia da guerra de corso contra ocomércio inglês. Disse Mahan o seguinte:

Não era o ataque a navios individuais oua comboios, sendo eles poucos ou mui-tos, que sangraria os recursos de umaNação; era a posse daquele poderavassalador63 no mar que afastaria a ban-deira inimiga do mar ou permitiria que elesó aparecesse como fugitivo; e o con-trole dos mares bloquearia as linhas deida e vinda do comércio e das costas ini-migas. Esse poder avassalador só podiaser exercido pelas grandes esquadras.64

Considerava a utilização da guerra decorso como ineficaz, citando, por exemplo,o caso dos navios da Confederação na Guer-ra de Secessão, que utilizaram essa concep-ção estratégica sem obterem os resultadosesperados. Para Mahan, o uso do corso erarealmente o recurso típico de um poder ma-rítimo mais fraco, no caso a Confederação ea França. Essa concepção fazia com que es-sas nações abdicassem de disputar o con-trole do mar com os adversários.

Uma concepção mais apropriada para es-trangular o comércio inimigo era o bloqueiomarítimo65 nas costas e portos controlados

a Batalha de Beachy Head na Guerra da Liga de Augsburg e dominado temporariamente o Canal daMancha. Fonte: BRODIE, Bernard. A guide to naval strategy. Princeton: Princeton UniversityPress, 1944, p. 94. Mahan atribuía sua concepção e disseminação ao Almirante Philip Colomb, daMarinha inglesa. Fonte: MAHAN, Alfred. Naval Strategy. op. cit. p. 428.

61 MAHAN, Alfred. Lessons of the war with Spain. op. cit. p. 77.62 SPROUT, Margaret. Mahan: Evangelist of Sea Power. op. cit. p. 434.63 A palavra utilizada por Mahan foi ‘overbearing’, que traduzi para avassalador. O sinônimo em inglês

seria masterful ou domineering. Avassalador parece ser a acepção desejada por Mahan.64 MAHAN, Alfred. The Influence of Sea Power upon History. op. cit. p. 138.65 O bloqueio naval pode ser definido como o impedimento de saída da força organizada inimiga ou de

navios mercantes de um porto ou espaço determinado. Pode também evitar sua aproximação a umaárea especificada. Será destruída se tentar fazê-lo. Ele terá duas vertentes, o bloqueio aproximado,quando em área próxima à costa, e constitui-se em método indireto de conquista do controle do mare bloqueio afastado, em local distante do porto inimigo. Fonte: COMANDO DA MARINHA.Noções de estratégia naval. op. cit. p.41 e 45.

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ALFRED THAYER MAHAN E OS PRINCÍPIOS DA ESTRATÉGIA NAVAL (IV) – Parte 2

pelo adversário, no entanto as esquadras debatalha serviam exatamente para proteger aslinhas de comunicação e atacar as linhas ini-migas, e a melhor forma de cumprir a segundatarefa era atrair a força naval inimiga para umabatalha decisiva e aniquilá-la. O bloqueio aosportos inimigos permitiria que o tráfego co-mercial fosse interrompido e que a força navaladversária ficasse encurralada, sem possibili-dade de intervir. A única possibilidade dispo-nível ao inimigo era fazer-se ao mar e enfrentara força bloqueadora, pensava Mahan.

Uma interpretação interessante deMahan, pouco compreendida, era a distin-ção que ele fazia entrea guerra de corso e adestruição do comér-cio. As duas concep-ções não eram equiva-lentes como muitospensavam, arguiaMahan. A primeira erauma forma muito bran-da de ação em relaçãoà destruição do comér-cio66. Os ataques decorso ao comércio ma-rítimo seriam esparsos e sem a eficiênciadesejada. O uso do bloqueio servia exata-mente para destruir o comércio e não comouma variante do corso, embora ambas ten-tassem em essência a interrupção do co-mércio marítimo adversário. A batalha deci-siva eliminaria a esquadra adversária e per-mitiria que o tráfego marítimo inimigo fi-casse à mercê do poder marítimo mais in-fluente. Os navios mercantes se tornariamvulneráveis e seriam destruídos pelo maisforte no mar.

O estabelecimento de comboios de na-vios mercantes era avaliado por ele comouma medida eficiente. Dizia que o comboio

era, sem dúvida, um objeto muito maior queum navio somente e que os navios assimconcentrados em espaço e tempo eram maisaptos a passar incólumes de corsários queo mesmo número de navios navegando in-dependentemente e espalhados em umgrande espaço de mar, podendo assim sermuito mais facilmente detectados67. Mahanainda não tinha conhecimento das medi-das de apoio e proteção aos comboios de-senvolvidos durante a Grande Guerra de1914. Além disso, não imaginava como se-riam eficientes os submarinos durante essaguerra como armas de ataque aos navios

mercantes. Assim,Mahan acertou o diag-nóstico, embora os re-médios fossem dife-rentes. O comboio foiefetivamente eficientena Grande Guerra poroutras razões.

Mahan procurou,com sua teoria de em-prego do poder maríti-mo e concepção decontrole do mar,

enfatizar a importância do mar para o de-senvolvimento das nações. A centralidadedo mar no destino desses países atendeuperfeitamente a determinada contingênciapolítica no final do século XIX e início doXX. Apesar de reconhecido e festejado, suateoria passou por provas irrefutáveis. Abatalha decisiva tão esperada na GrandeGuerra acabou não ocorrendo. Os alemãesevitaram-na a todo o custo e mantiveram aesquadra britânica em estado de permanen-te prontidão. A imprensa inglesa inclusive,a partir de 1915, passou a criticar o papelda Armada Real, que, apesar de bem supe-rior à Kriegsmarine, não conseguiu provo-

66 MAHAN, Alfred. Some Neglected Aspects of War. op.cit. p. 174 e SUMIDA, op. cit. p. 72.67 MAHAN, Alfred. The War of 1812 v. 1. op. cit. p. 409.

Mahan procurou, com suateoria de emprego do poder

marítimo e concepção decontrole do mar, enfatizar aimportância do mar para o

desenvolvimento dasnações

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ALFRED THAYER MAHAN E OS PRINCÍPIOS DA ESTRATÉGIA NAVAL (IV) – Parte 2

car o grande encontro naval esperado. Fo-ram gastos muitos recursos nacionais paranada, pensavam os articulistas ingleses.

O avanço tecnológico naval, como, porexemplo, a introdução do avião e do subma-rino, não foi percebido por Mahan, o queparece mais que natural. Sua fixação no na-vio capital, o encouraçado fortemente ar-mado, não o fez perceber que a guerra nomar podia mudar dramaticamente. Anos de-pois, na Segunda Guerra Mundial, algunshistoriadores ainda persistiam em afirmar quea vitória norte-americana sobre o Japão em1945 foi a validação das ideias de Mahan, oque não correspondeu à realidade68. Oencouraçado deixou de ser o navio capital;os desembarques anfíbios, aspecto poucoabordado por ele, foram decisivos para avitória no Pacífico; a guerra de corso, efici-ente, conduzida por submarinos; o predo-mínio da aviação baseada em porta-aviões ea inexistência da batalha decisiva foram pon-

68 CROWL. op. cit. p. 476.69 VIDIGAL, Armando Amorim Ferreira. “Apontamentos de Estratégia Naval”. Revista Marítima

Brasileira. Rio de Janeiro: Serviço de Documentação da Marinha. jul/set, 1998, p. 116.

CLASSIFICAÇÃO PARA ÍNDICE REMISSIVO:<ARTES MILITARES>; Estratégia; Domínio do mar; Comando; Poder Marítimo;

tos que não corroboraram suas ideias. A fra-se do Almirante Armando Vidigal talvezaponte a real contribuição de Mahan para ahistória e a estratégia naval na primeira me-tade do século XX. Disse ele:

É impossível negar que as duas guerrasmundiais comprovaram as ideias básicasde Mahan relativamente à importância dopoder marítimo para determinar a vitóriana guerra, mas, ao mesmo tempo, mostra-ram as limitações de sua concepção relati-vamente à guerra de atrição ou de des-gaste, à relatividade do domínio do mar, àprojeção do poder naval sobre terra69.

Alfred Mahan se preocupava, igualmen-te, com as contingências geopolíticas en-volvendo os EUA e com o papel de seupaís nos destinos mundiais. Suas ideiassobre geopolítica serão discutidas no pró-ximo número.

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SUMÁRIO

IntroduçãoAntecedentesDescrevendo o problemaA ideia-forçaTipos de ambientes: permissivo, incerto e hostilProjetos conceituais

Impacto sobre a Doutrina AnfíbiaImpacto sobre a Organização das Forças por TarefasImpacto sobre o Treinamento e Educação Profissional-Naval

Projetos de equipamentos e sistemasConsiderações finais

AS OPERAÇÕES ANFÍBIAS NO SÉCULO XXI1

LUIZ OCTÁVIO GAVIÃOCapitão de Fragata (FN)

A Estratégia Nacional de Defesa, ao estabelecer que o Corpo de Fuzileiros Navais se consolidará como a forçaexpedicionária por excelência, aponta-nos, à semelhança do Alvará de nossa criação, novamente, o mesmo rumo a navegar[...] Esta será, todavia, uma singradura em que não poderemos navegar sozinhos, pois expedicionário há que ser o conju-gado anfíbio e não unicamente o Fuzileiro Naval. Só assim será possível responder prontamente às demandas futuras que,cada vez mais, na medida em que conflitos e tensões se aproximam das fímbrias dos mares, exigem a presença de podernaval dotado de prontidão operativa e capacidade anfíbia expedicionária; porquanto, somente o poder naval é capaz deprojetar, nos cenários de interesse, tropa pronta para combater, com todos os seus requisitos, sejam de comando, decontrole, de manobra, de apoio de fogo ou, sobretudo, logísticos atendidos e íntegros.2

Álvaro Augusto Dias Monteiro Almirante de Esquadra (FN)

Comandante-Geral do Corpo de Fuzileiros Navais

Mesmo que as crises venham a diminuir significativamente no futuro, as melhores opções para lidar com elas conti-nuarão sendo apoiadas em navios-aeródromos e forças anfíbias com fuzileiros navais embarcados. Alguns até mesmoespeculam que, na medida em que entramos em uma era caracterizada por atividades terroristas, pela violência decorrentedo tráfico de drogas e pelo uso de táticas coercitivas como a tomada de reféns, as forças anfíbias modernas emergirãocomo opção mais lógica ao emprego da força.

Alfred M. GrayGeneral

29o Comandante-Geral do USMC – 1989

INTRODUÇÃO

O artigo “As operações anfíbias no sé-culo XXI” foi publicado pelo United

States Marine Corps – USMC (Corpo deFuzileiros Navais dos Estados Unidos) em

2009 e buscava atingir um propósito ambi-cioso: inspirar o “renascimento intelectu-al” do pensamento anfíbio. A preocupaçãodo USMC decorre da necessidade de recu-perar conceitos importantes da doutrina an-fíbia, que representam a razão de ser dos

1 Tema proposto pelo Departamento de Pesquisa e Doutrina do Comando-Geral do Corpo de FuzileirosNavais.

2 Extrato da Ordem do Dia no 1/2010, referente ao 202o aniversário do Corpo de Fuzileiros Navais.

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AS OPERAÇÕES ANFÍBIAS NO SÉCULO XXI

Fuzileiros Navais, basicamente por doismotivos: primeiro, a ênfase atual no prepa-ro e no emprego de suas frações em con-tra-insurgência tem afastado os Marinesda Força Naval, com prejuízos ao adestra-mento, à doutrina, à inovação intelectual, àrenovação material e à expertise institu-cional nas operações anfíbias; segundo, ocenário de segurança internacional da atu-alidade, que se caracteriza pela inseguran-ça e a incerteza, confirma a utilidade de for-ças anfíbias modernas, capazes de realizarvariados tipos de operações do amplo es-pectro de conflitos, que envolve, dentreoutras operações, a assistência humanitá-ria em ambiente permissivo às operaçõesde “entrada-forçada” em uma costa hostil.

De fato, o artigo em questão faz partede uma tríade de panfletos conceituais pro-duzidos pelo Marine Corps CombatDevelopment Command (MCCDC), o maisalto escalão de desenvolvimento doutriná-rio do USMC. Os três artigos visam apre-sentar os principais desafios ao desenvol-vimento da capacidade de combate doUSMC no século XXI e orientar os rumosdaquela força no atendimento aos interes-ses nacionais. Além do artigo sobre as ope-rações anfíbias, os demais versam sobre odesenvolvimento dos GrupamentosOperativos de Fuzileiros Navais(GptOpFuzNav)3 para atender aos desafi-os do século XXI e sobre a capacidade desustentação das operações em terra a par-tir de meios navais em apoio aos variadostipos de operações que compõem o espec-tro de conflitos, um conceito denominadoseabasing na doutrina norte-americana.

Essa resenha traduz os principais as-pectos do artigo original, publicado na re-vista Marine Corps Gazzette de julho de2009, que identifica vários problemas; noentanto, não pretende oferecer soluções.Tal abordagem do MCCDC tem por propó-sito apresentar ao leitor informações bási-cas sobre a doutrina anfíbia, com ênfasesobre sua aplicação, seus desafios e atu-ais capacidades dos Marines. Dessa for-ma, o leitor poderá formar sua própria opi-nião e gerar inovações conceituais paradebater assuntos organizacionais, dilemasdoutrinários ou mesmo oportunidades dedesenvolvimento profissional, que culmi-nem em propostas de novos projetos denavios, embarcações e equipamentos. Adi-cionalmente, o escopo dos assuntos apre-sentados tem utilidade para as forçasoperativas, para centros de treinamento eformadores de recursos humanos, e para odesenvolvimento de novas capacidades.

Dentre os principais tópicos abordadosno artigo destacam-se: a necessidade deampliar o entendimento comum do que sãoas operações anfíbias e sua utilidade parao século XXI; a utilidade e a oportunidadedecorrentes do emprego dos meios navaisdos EUA, distribuídos normalmente de for-ma isolada ao redor do globo, para realiza-rem operações descentralizadas e opera-ções anfíbias de pequena envergadura,mantendo a capacidade de se reorganiza-rem por tarefas para o cumprimento de ope-rações de larga envergadura; uma falsapercepção de que a tarefa clássica de “pro-jeção de poder” é a única forma de açãoofensiva unilateral, denominada hard

3 No vocabulário doutrinário do USMC, o GptOpFuzNav denomina-se Marine Air-Ground Task Force –MAGTF, sendo organizado por um componente de comando, um de combate terrestre, um decombate aéreo e um logístico, constituídos basicamente com meios orgânicos do USMC. As MAGTFtípicas são as Unidades Anfíbias (Marine Expeditionary Unit – MEU), as Brigadas Anfíbias (MarineExpeditionary Brigade – MEB) e a Força Expedicionária de Fuzileiros Navais (Marine ExpeditionaryForce – MEF), com efetivos máximos de aproximadamente 3 mil, 20 mil e 90 mil Marines,respectivamente.

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power, que orienta o desenvolvimento dacapacidade anfíbia; a falta de interação entreos Marines e os meios navais, que tem com-prometido o conhecimento da cultura na-val, da vida a bordo e o desenvolvimentoprofissional dos Marines.

Atualmente, marinheiros e fuzileiros na-vais se deparam com situações bem maiscomplexas, com múltiplos adversários, emcenários reais e potenciais. O ambiente es-tratégico moderno está permeado de desafi-os de natureza híbrida, normalmente deno-minados de “novas ameaças”. Nesse con-texto, o USMC, em parceria com a U.S. Navy(Marinha dos EUA), revitalizará a capacida-de, o poder e a expertise da Força em opera-ções anfíbias, com a finalidade de melhorlidar com a instabilidade e a incerteza doséculo XXI. A tríade dos artigos publicadoscumpre, então, a finalidade de informar e ini-ciar, conceitualmente, o “renasci-mento in-telectual” do pensamento anfíbio.

O artigo também apresenta tópicos deinteresse para a Marinha do Brasil (MB),embora o contexto de emprego de forçasnorte-americanas, a envergadura daquelasforças e a capacidade de investimento emnovos projetos sejam incomparáveis. Poroutro lado, as forças brasileiras empregammeios similares, como navios anfíbios, em-barcações de desembarque, viaturas anfíbi-as, blindados e armamentos variados, mui-tos dos quais de procedência norte-ameri-cana. Além disso, por uma questão de afini-dade com a maior força anfíbia da atualida-de que cria, experimenta e adapta sua capa-cidade de emprego a partir de conflitos re-ais, pode-se admitir que os Marines “expor-tam” sua doutrina anfíbia e influenciam, decerta forma, os Fuzileiros Navais de todo omundo. Dessa forma, qualquer debate ouevolução conceitual da doutrina anfíbia,implementada pelo USMC, provoca a curio-sidade, a análise e, se for o caso, a incorpo-ração à doutrina das forças anfíbias.

Vale ainda ressaltar que a tradução aseguir merece uma avaliação atenta do lei-tor. Por um lado, o artigo apresenta consi-derações aplicáveis ao contexto naval bra-sileiro, tais como a capacidade de opera-ções anfíbias de pequena envergadura e aintensificação de embarques e atividadesno mar que permitam a permanenteinteração entre meios navais e de fuzileirosnavais; por outro lado, parece evidente oforte viés político e econômico dos argu-mentos apresentados pelo USMC, que jus-tificam os vultosos recursos investidos hádécadas em projetos que movimentam aindústria de defesa dos EUA, com resulta-dos operacionais ainda questionados emdiversos fóruns.

Cabe, por fim, ressaltar que a terminolo-gia original dos principais conceitos apre-sentados em inglês foi mantida, com a fina-lidade de ampliar o conhecimento sobre adoutrina anfíbia, sendo acrescentadas asrespectivas traduções ou mesmo compara-ções com as expressões similares da dou-trina anfíbia brasileira, quando necessário.

ANTECEDENTES

A Estratégia de Defesa Nacional dosEUA, edição de 2008, traz a estimativa deque, nos próximos 20 anos, as pressõesdecorrentes do crescimento populacional,da busca por fontes de recursos, por ou-tras fontes de energia e por problemas cli-máticos e ambientais, associadas à rapidezdas mudanças sociais, culturais,tecnológicas e geopolíticas, trarão instabi-lidade e incertezas. Nesse contexto, faz-senecessário desenvolver nas forças milita-res certas capacidades que garantam suaatuação contra tais ameaças, assim comoagilidade e flexibilidade das Forças paraplanejar e responder efetivamente, atuan-do em conjunto com outros ministérios,agências não governamentais e parceiros

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internacionais. Dentre os diversos desafi-os visualizados, destacam-se aqueles queameaçam o acesso marítimo de forças mili-tares. A publicação Capstone Concept forJoint Operations aprofunda esse tema daseguinte maneira:

A redução das opções de acesso maríti-mo de forças militares representa umdesafio a ser enfrentado no futuro. Asreações à presença norte-americanatêm crescido sensivelmente. Mesmo ali-ados tradicionais dos EUA podem hesi-tar em garantir o acesso de forças mili-tares norte-americanas em seus territó-rios. Tais restrições de acesso poderãocomprometer a presença “avançada”dos EUA, um aspecto historicamentecrítico da estratégia militar norte-ame-ricana, requerendo novas abordagenspara responder prontamente às crisesinternacionais, assim como para explo-rar oportunidades de utilizar o mar, oespaço aéreo e o ciberespaço. Assegu-rar o acesso a portos, aeroportos, espa-ço, águas costeiras e áreas em potenci-al selecionadas por nações anfitriãs re-presenta um desafio a ser tratado pormeio de ativo engajamento em períodode paz. Na guerra, no entanto, tais aces-sos poderão necessitar do uso da forçapara conquistar e manter posições, emface da resistência armada.4

Adicionalmente, diversas populações li-torâneas se multiplicam, provocando aumen-to da fome, doenças, escassez de recursos edesastres naturais. A Estratégia descreve:

A maioria da população mundial vivedentro de uma faixa limitada a 160 km

dos oceanos. A instabilidade socialcrescente em cidades com grande con-centração populacional, muitas dasquais em regiões críticas, é fator poten-cial para fomentar novas crises de cu-nho social. Os efeitos das mudanças cli-máticas podem ainda ampliar o sofri-mento humano por meio de catástrofesambientais, comprometendo terras ará-veis e gerando enchentes, capazes demultiplicar as perdas humanas, provo-car deslocamentos populacionais, queculminam em mais instabilidade e maiscrises regionais. Os meios de comunica-ção de massa reportarão todo esse dra-ma humano, tornando as populaçõescarentes mais informadas e menos tole-rantes às condições adversas em quevivem. Assim, ideologias extremistas setornam cada vez mais atraentes parapessoas necessitadas e desesperadas embusca de qualquer oportunidade de sal-vamento. Criminosos também explora-rão tal instabilidade social.5

Essas considerações ecoaram sobre anova estratégia e visão do United StatesMarine Corps (USMC), estimando que ocrescimento da população mundial, em2025, significará 30 por cento de pessoashabitando regiões litorâneas. Ainda, maisde 60 por cento dessa população viveráem áreas urbanas em 2025. Isso indica ummundo dominado por complexos urbanosnos litorais, onde sobressai a competiçãopor recursos vitais, ao mesmo tempo emque uma população jovem torna-se cadavez mais desassistida.

Simultaneamente, haverá uma espécie desimbiose entre diversas formas de guerra

4 Mullen, Admiral, Michel G., U.S. Navy, Capstone Concept for Joint Operations, Washington, D.C.:Department of Defense, 15 Janeiro 2008, pp. 5-6.

5 Conway, General James T., U.S. Marine Corps, Roughead, Admiral Gary, U.S. Navy, and Allen, AdmiralThad W., U.S. Coast Guard, A Cooperative Strategy for 21st Century Seapower, Washington, D.C.:U.S. Government, Outubro 2007, p. 5 (ver tradução e adaptação publicada na RMB 1o trim/2008).

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ou conflito, que no passado eram mais facil-mente rotuladas, tais como a guerra con-vencional, a guerra irregular, o terrorismo ea criminalidade, sendo atualmente reunidassob o termo “novas ameaças.”6 Tais desafi-os podem ser impostos por estados ou mes-mo grupos armadosque buscam causar ele-vados custos políticos,humanos ou materiaispara desgastar ou re-duzir o comprometi-mento dos seus adver-sários. Dessa forma,são esperadas opera-ções descentralizadas,que empregam diferen-tes abordagens, dis-tintos tipos de arma-mento e tecnologiapara combater nossosesforços.

Todos esses desa-fios ilustram a impor-tância da capacidadedas operações litorâ-neas, que reúnem áre-as marítimas, terres-tres e aéreas. Sob oponto de vista militar,o “litoral” está com-posto por dois seg-mentos. A porção marítima abrange a re-gião oceânica e a costeira, necessárias aocontrole das operações em terra. A porçãoterrestre está limitada pela costa e o terre-no interior, capaz de ser apoiado e defendi-do diretamente por estações no mar. A con-fluência desses segmentos é infinita em va-riações, tornando as operações litorâneasespecialmente desafiadoras.

Conforme descrito na estratégia maríti-ma, a segurança nacional norte-americanaestá intimamente relacionada à manuten-ção da estabilidade nos litorais. A capaci-dade anfíbia será necessária para estabele-cer a ligação entre o mar, a terra e o espaço

aéreo sobrejacente,não somente para rea-lizar desembarques emterra, mas tambémcomo espaço de mano-bra para a conduçãode operações litorâne-as de forma continua-da. Combater adversá-rios dispersos no ter-reno, que empregamtáticas típicas das“novas ameaças”, re-quererá múltiplas e si-multâneas ações porforças anfíbias ao lon-go do litoral. A presen-ça e a constante movi-mentação de forças emestações no mar e emterra tornam o litoralum ambiente operacio-nal único.

Nos últimos 20anos, as forças anfíbi-as dos EUA têm sido

usadas como força de emprego rápido emresposta a 104 situações de crise internaci-onal. Esse indicador representa mais que odobro de eventos similares durante a Guer-ra Fria, validando as estimativas do GeneralGray em 1989. Além disso, durante essesmesmos 20 anos, as forças anfíbias perma-neceram em águas internacionais, coope-rando com a segurança de parceiros estra-

Combater adversáriosdispersos no terreno, queempregam táticas típicas

das “novas ameaças”,requererá múltiplas esimultâneas ações por

forças anfíbias ao longodo litoral

Nos últimos 20 anos, asforças anfíbias dos EUAtêm sido usadas como

força de emprego rápidoem resposta a 104

situações decrise internacional

6 A expressão original usada pelo autor é “hybrid challenges”. Tendo em vista que a expressão “novasameaças” já se encontra consagrada no meio acadêmico brasileiro e a similaridade dos conceitos,deu-se preferência ao termo em português.

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tégicos por meio de operações a partir domar. Mais recentemente, refletindo a filoso-fia exposta na estratégia marítima quanto àimportância de prevenir e não somente ven-cer guerras, forças anfíbias têm sido amplia-das em número e natureza das atividadesdesempenhadas, incluindo novos parceirosem variadas regiões do planeta.

Em uma era em que predominam o declíniono acesso de forças norte-americanas e oaumento da incerteza, pode-se admitir queessas tendências não se reduzirão. Os Co-mandos Conjuntos dosEUA têm apresentadouma crescente deman-da por forças anfíbiasem prontidão, capazesde cooperar com a se-gurança regional, pormeio de dissuasão e rá-pida resposta em situa-ções de crise. Por exem-plo, tais demandas atu-ais equivalem à existên-cia de quatro conjuga-dos anfíbios da United States Navy (USN) edo USMC, denominados ARG/MEU (Amphi-bious Ready Group/Marine ExpeditionaryUnit),7 mais dois gru-pamentos operativosde menor porte, permanentemente ativados.

Esses indicadores refletem a utilidadedo emprego de forças anfíbias ao longo doespectro das operações militares, que seestende desde engajamentos militares, ope-rações de segurança e ações de caráterdissuasório até a resposta a situações decrise que demandem forças de pronto em-

prego ou, se necessário, operações milita-res de grande envergadura. Por sua voca-ção naval e por tratar-se de uma força ex-pedicionária em prontidão, o USMC é par-ticularmente indicado para reagir a crises econtingências limitadas, embora tambémseja apto para atuar em todo o espectrosupracitado.

Essa aplicabilidade de forças anfíbiaspara atender às diversas opções do espec-tro de operações militares não é facilmentecompreendida, na medida em que os auto-

res dos projetos desistemas conjuntosnormalmente assu-mem que a capacida-de de realizar opera-ções de entrada-força-da8 implica aceitaçãode significativos ris-cos por parte dosEUA. Tal hipótese ne-gligencia o fato deque essa mesma capa-cidade também apoia

as necessidades dos Comandos Conjun-tos dos EUA para prevenir e reagir a crises.Essa discussão reforça a necessidade deampliar o entendimento comum do que sãoas operações anfíbias e sua utilidade parao século XXI.

De maneira geral, as operações anfíbiasempregam uma força de desembarque(ForDbq), embarcada em navios e outrosmeios de desembarque para cumprir umavariedade de tarefas. Tais tarefas podemser conduzidas sob ambiente permissivo,

7 Tendo em vista a peculiaridade da expressão que identifica o conjugado anfíbio ARG/MEU, semequivalência na doutrina da MB, esta tradução manterá o acronismo em inglês. Cabe ressaltar que aUnidade Anfíbia apresenta organização por tarefas similar a MEU, porém com menores efetivos emeios não orgânicos ao Corpo de Fuzileiros Navais (CFN).

8 A expressão original na doutrina norte-americana, “forcible entry capabilities”, talvez apresente deforma mais clara o conceito de projeção de poder sobre terra, por abranger diversos tipos deoperações militares para a neutralização de ameaças aeroespaciais, cibernéticas, aéreas, navais eterrestres, o que inclui as Operações Anfíbias, em esforço conjunto para acessar o litoral hostil.

Por sua vocação naval epor tratar-se de uma força

expedicionária emprontidão, o USMC é

particularmente indicadopara reagir a crises e

contingências limitadas

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AS OPERAÇÕES ANFÍBIAS NO SÉCULO XXI

incerto ou hostil, conforme o espectro dasoperações militares. Uma ForDbq é com-posta basicamente por fuzileiros navais,organizada por tarefas para operações an-fíbias, enquanto uma Força-Tarefa Anfíbia(ForTarAnf) é composta por forças navais,também organizadas por tarefas para a mes-ma finalidade. Assim, uma força anfíbia écomposta por uma ForDbq e umaForTarAnf, adestradas, organizadas e equi-padas para realizarem operações anfíbias.

A história militar recente, o contextoestratégico e a estratégia marítima indicamque mesmo os meios navais isolados, dis-tribuídos ao redor do globo, devem estaraptos para realizarem operações descen-tralizadas e operações anfíbias de peque-na envergadura, mantendo a capacidadede se reorganizarem por tarefas para o cum-primento de operações de larga enverga-dura. Tais operações de pequena enverga-dura podem compreender ações de segu-rança, reação a crises e desastres naturais,ações preventivas e punitivas contra ter-roristas ou atores não estatais, até opera-ções em larga escala contra países opo-nentes. Dessa forma, espera-se conduziroperações anfíbias, conforme a seguinteordem de probabilidade:

••••• Engajamento Anfíbio e Reação a Cri-ses – Esse tipo de operação anfíbia contri-bui para prevenir conflitos ou mitigar cri-ses. Dentre as diversas modalidades, in-cluem-se operações de segurança, assis-tência humanitária, evacuação de não com-batentes, operações de paz, operações deretomada ou desastres ambientais.9

••••• Incursão Anfíbia – Tipo de operaçãoanfíbia envolvendo uma rápida penetraçãoou ocupação temporária de um objetivo,seguida de uma retirada planejada.

••••• Assalto Anfíbio – Tipo de operaçãoanfíbia que envolve o estabelecimento deuma ForDbq em costa hostil ou potencial-mente hostil.

••••• Retirada Anfíbia – Tipo de operaçãoanfíbia que envolve a extração de forçaspor mar em navios ou demais meios de de-sembarque de uma costa hostil ou poten-cialmente hostil.

••••• Demonstração Anfíbia – Tipo de ope-ração anfíbia conduzida com o propósito deiludir o inimigo por meio de ação de presen-ça, gerando a expectativa de adoção de umalinha de ação desfavorável às suas forças.

Todos esses tipos de operações anfíbi-as são aplicáveis ao amplo espectro dasoperações militares. Por exemplo, uma reti-rada poderia envolver a evacuação de nãocombatentes, no contexto de uma opera-ção de paz, como ocorreu com a remoçãoda Organização para Libertação da Palesti-na (OLP) do Líbano, em 1982. Ou, então,uma retirada poderia envolver a evacua-ção de forças amigas dentro de um contex-to de uma guerra em larga escala, conformeocorreu em Hungnam, Coreia, em 1950. Umademonstração poderia envolver uma açãode presença em apoio a sanções das Na-ções Unidas, a exemplo da operação“Restore Democracy”, em 1998. Uma de-monstração também poderia integrar umesquema de manobras em larga escala,como ocorreu com a operação “DesertStorm”, em 1991.

Tendo em vista o impacto estratégico ea comprovada utilidade das forças anfíbi-as, a U.S. Navy e o USMC têm identificadoa necessidade de ampliar a capacidade, opoder e a expertise de suas forças anfíbi-as, com a finalidade de prevenir conflitos etriunfar em combate.

9 A doutrina conjunta dos EUA agrega essa nova categoria como “Outras Operações Anfíbias”. Durantea revisão da Joint Publication 3-02, Joint Doctrine for Amphibious Operations, o USMC propôs asubstituição dessa expressão por “Engajamentos Anfíbios e Reação a Crises”.

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DESCREVENDO O PROBLEMA

O papel das forças anfíbias em diversasoperações, desde as operações de seguran-ça mais simples até os combates em largaescala, ainda não está perfeitamente com-preendido. Frequentemente, a expressão“operações anfíbias” é associada puramen-te a operações de projeção de poder. Essemal-entendido tem contribuído para a falsapercepção de que a projeção de poder éúnica forma de ação ofensiva unilateral (hardpower) que orienta o desenvolvimento dacapacidade anfíbia. Em decorrência, as ca-pacidades essenciais e a expertise das for-ças anfíbias norte-americanas entraram emdeclínio desde o fim da Guerra Fria.

Esse raciocínio pode parecer contrain-tuitivo, tendo em vista a frequência das ope-rações anfíbias, conforme exposto na figura1. Um estudo mais aprofundado desseseventos, no entanto, revela que 76 delesforam operações do conjugado anfíbio ARG/MEU, conduzidos por limitada parcela deforças navais e de Marines que se benefici-

am de intensos ciclos de adestramento, debem definidos e refinados planos de embar-que e de elevada quantidade e qualidade deprocedimentos operacionais padronizados.O USMC tem priorizado o emprego de suasforças em outros compromissos internacio-nais, participando de operações terrestresno Iraque e no Afeganistão. A habilidadeem conduzir operações anfíbias com ForDbqque excedam o limite de Unidades Anfíbiasatualmente embarcadas em Grupos de Navi-os Anfíbios (ARG), no tradicional sistemade rodízio, está atrofiada.

Por exemplo, as oportunidades para oadestramento de Companhias de Fuzileiros,que no passado eram um fato rotineiro e cons-tante, atualmente são raras. Outro exemplo éa suspensão do exercício curricular Bascolex(Basic School Landing Exercise), para recém-nomeados segundos-tenentes FuzileirosNavais, realizados entre 2001 e 2008. Tendoem vista que praticamente o tempo disponí-vel para o adestramento é priorizado paraassuntos de contra insurgência, a geraçãoatual de líderes de pequenas frações não tem

Figura 1 – Emprego de forças anfíbias dos EUA durante a Guerra Fria

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tido a oportunidade de conhecer e aprofundarconhecimentos da doutrina anfíbia. Talvezmais importante seja ressaltar que o limitadotempo desses líderes a bordo dos navios im-pede a formação de uma rede de relaciona-mento profissional com seus homólogos daU.S. Navy, especialmente no nível dos co-mandantes de Companhia, Pelotões e Gru-pos de Combate. Essa falta de interação temcomprometido o conhecimento da culturanaval e da vida a bordo, ambos considera-dos aspectos essenciais ao desenvolvimen-to profissional dos Marines.

Além disso, mudanças organizacionaistêm impactado negativamente sobre a capa-cidade de planejar e executar operações anfí-bias. A U.S. Navy e o USMC têm ampliadoos efetivos dos seus componentes subordi-nados ao Comando de Operações Especiaisdos EUA. Esses componentes não estão, noentanto, focados nas atividades de reconhe-cimento anfíbio, uma atividade de operaçõesespeciais típica de uma operação anfíbia. Valetambém acrescentar que os Marines adjudi-cados a esse Comando são oriundos dosbatalhões e companhias de ReconhecimentoAnfíbio do USMC, o que reduz a expertisedessas unidades, gerando a necessidade dereorganizá-las para que mantenham sua ca-pacidade operativa. A experiência nas açõesde comando e estado-maior das operaçõesanfíbias, nos escalões acima do nível ARG/MEU, também diminuiu. Na década de 1990,o USMC extinguiu os comandos permanen-tes de brigadas de Fuzileiros Navais (MEB)para realocar pessoal para os inúmeros pos-tos dos Comandos Conjuntos dos EUA, cri-

ados em decorrência da profunda reorgani-zação do Departamento de Defesa, a LeiGoldwater-Nichols de 1986. Em 2006, a U.S.Navy desativou os comandos permanentesdos Grupos Anfíbios (Phibgru), pararedistribuir pessoal para outras funções, se-guindo uma tendência iniciada em 1975, quan-do as forças anfíbias e de minagem migrarampara as forças de contratorpedeiros, integran-do novas forças de superfície.10 Em decor-rência dessa “economia de meios”, foram per-didos o conhecimento adquirido em opera-ções anfíbias, a rede de relacionamentos en-tre líderes de pequenos escalões e os pro-gramas de desenvolvimento gerados a partirda ligação entre as cadeias de comando maiselevadas dos Grupamentos Operativos deFuzileiros Navais (Marine Air-Ground TaskForce – Magtaf) e da U.S. Navy.

As deficiências dos novos programasde desenvolvimento de material têm con-tribuído para degradar equipamentos e sis-temas essenciais para as operações anfíbi-as, especialmente atuando em ambientehostil. Os avanços nas tecnologias tipo“antiacesso” têm agravado ainda mais esseproblema. A proliferação de mísseis de cru-zeiro antinavio (ASCM), por exemplo, ge-rou a necessidade de desenvolvimento dacapacidade de desembarque anfíbio alémdo horizonte (Over the Horizon – OTH).Outras capacidades decorrentes disso tam-bém envolvem contramedidas de minagem,apoio de fogo naval e uma nova classe denavios, embarcações de desembarque, car-ros-lagarta anfíbios (CLAnf) e conectoresnavio-terra (connectors).11

10 A U.S. Navy está organizada por Comandos-Tipo, responsáveis pelo treinamento específico e pelaprontidão para integrar forças-tarefa. Antes dessa reorganização, a U.S. Navy possuía comandos-tipo de naturezas diferentes: Anfíbio, Minagem e Varredura, Apoio e Contratorpedeiros, tanto nacosta atlântica quanto na costa do Pacífico. Atualmente existem três grandes comandos-tipo noAtlântico e no Pacífico: Força de Superfície, Força de Submarinos e Força Aeronaval.

11 Embora ainda não aprovado como termo doutrinário, “connectors” é normalmente utilizado paradescrever as plataformas utilizadas para transportar pessoal e material entre bases, navios e insta-lações na costa. Os novos projetos de LCAC se enquadram, por exemplo, nessa categoria.

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Adicionalmente, o USMC tem desenvol-vido, por mais de uma década, uma série deequipamentos otimizados para o combateprolongado em terra, sem aparente preocu-pação com as restrições de embarque nosmeios navais, o que agrava ainda mais alista de problemas para recuperar sua capa-cidade anfíbia. Esse aspecto se tornou tãocrítico que os cinco principais fatores a con-siderar em um Plano de Embarque – aloja-mento da tropa, espaço de estiva para asviaturas e carga, spots para aeronaves e spotspara embarcações sobre colchões de ar(LCAC) – foram ultrapassados por um sextoaspecto: excesso de peso. A construção dediversos tipos de viatura, incluindo viatu-ras antiminas, assim como de aeronaves deapoio ao assalto, ampliou exponencialmenteo peso do material a embarcar.

A IDEIA-FORÇA

O USMC, em parceria com a U.S. Navy,revitalizará a capacidade, o poder e aexpertise em operações anfíbias, com a fi-nalidade de melhor lidar com os grandesdesafios do século XXI: a instabilidade e aincerteza.

As ideias expostas e desenvolvidas apartir do documento Manobra Operacionala Partir do Mar (Operational Manouver FromThe Sea – OMFTS) proverão o arcabouçoconceitual para abordar as iniciativas quevisarão expandir o alcance e a flexibilidadede emprego de forças anfíbias para condu-zir variados tipos de operação militar.

O USMC é uma força naval e expedicio-nária em permanente prontidão. Sua cultu-ra organizacional se traduz nas competên-cias essenciais da Força, que articulam oque fazemos. O comandante-geral tem bus-cado restaurar a capacidade anfíbia doUSMC, que permitirá atender de formaproativa os desafios à segurança, a res-posta às crises e o triunfo em combate.

Enquanto esse esforço envolverá iniciati-vas internas para organizar, treinar e equi-par os Marines, vale ressaltar que esse tra-balho deverá ocorrer, preponderantemen-te, de forma integrada com a U.S. Navy e,em alguma instâncias, com a própria comu-nidade conjunta. Esse trabalho deve com-preender assuntos relacionados aos pro-jetos de novos equipamentos e aspectosconceituais, que envolverão estreita revi-são da doutrina, da organização e da formade instruir e adestrar a força.

O conceito Manobra Operacional a Par-tir do Mar (OMFTS), publicado pelo USMCem 1996, apresentou as vantagens devisualizar a projeção da ForDbq diretamentedo mar sobre objetivos em terra. O estudocomparou as operações na Somália, em1992, que demandaram elevados esforçospara o desembarque e estabelecimento deuma infraestrutura em terra capaz de apoiara realização das ações humanitárias, com apossibilidade de aplicação dos conceitosda “guerra de manobra”. O conceitoOMFTS também analisou o assalto anfíbioem Inchon, Coreia do Sul, em 1950, de fatoum envolvimento que resultou na libera-ção de Seul e no isolamento do inimigo aosul da península coreana, um clássico exem-plo da guerra de manobra a partir do mar.

O caso Somália ilustrou tanto aaplicabilidade da Manobra Operacional aPartir do Mar para atender amplamente oespectro de operações militares quanto atese de que o “Seabasing eliminará a ne-cessidade de os Marines estabelecereminfraestrutura logística em terra”. Ao exer-cerem as atividades funcionais de coman-do e controle e fogos, além da logística apartir dos navios, menores efetivos e me-nos material seriam necessários em terra,ampliando, consequentemente, a flexibili-dade, o ritmo das operações e aimprevisibilidade do emprego da ForDbq,permitindo sua manobra diretamente do mar

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aos objetivos em terra, uma ação tática de-nominada manobra navio-objetivo (Ship toObjective Manouver – STOM).

O conceito Manobra Operacional a Par-tir do Mar estabelece que “não está limitadoao emprego no extremo do espectro dosconflitos. De fato, em um mundo onde aguerra pode travar-se de distintas maneiras,a tradicional noção de guerra convencionalpoderá encontrar-se em desuso. Por essarazão, esse conceito aplica-se em uma varie-dade de situações, de uma assistência hu-manitária a até mesmo um conflito de altaintensidade contra uma superpotência.”

Ainda mais importante, o conceito Ma-nobra Operacional a Partir do Mar, que apre-senta uma forma diferente de pensar asoperações anfíbias, tornou-se possível apartir da superioridade de meios da U.S.Navy. Durante a campanha do Pacífico naSegunda Guerra Mundial, a existência deuma poderosa frota naval inimiga foi o prin-cipal aspecto a se considerar por ocasiãoda execução das operações anfíbias. Nes-se contexto, tornava-se fundamental de-sembarcar uma ForDbq autossuficiente emterra, com a máxima rapidez possível, demodo a garantir a liberdade de manobra paraque a U.S. Navy se preparasse a um even-tual contra-ataque dos navios oponentes.Na era pós-Guerra Fria, sem oposição deuma potente esquadra adversária, essadoutrina de “desembarcar a ForDbq e par-tir” já não se fazia necessária. A esquadranorte-americana poderia manobrar livre-mente ou mesmo permanecer na área marí-tima de desembarque para apoiar a ForDbqem terra, se desejasse. Atualmente as ame-aças à esquadra provêm de defesas noslitorais, para negar o acesso da ForDbq. Oconceito Manobra Operacional a Partir doMar tem influenciado inúmeros documen-tos, incluindo o Marine Corps OperatingConcepts for a Changing SecurityEnvironment e a Cooperative Strategy for

21st Century Seapower, a própria estraté-gia marítima.

O conceito estratégico articulado naestratégia marítima, no que se refere ao usodo mar como espaço de manobra para so-brepujar as ações inimigas para negar oacesso da ForDbq aos seus objetivos emterra, reflete a ideia central do conceitoManobra Operacional a Partir do Mar. Em-bora a estratégia marítima não empregue aexpressão seabasing, seu conceito estáclaramente implícito no texto. Seabasing éuma capacidade eminentemente naval, quegarante aos comandantes de forças con-juntas a possibilidade de cumprir suas ta-refas a partir do mar, sem a necessidade deestabelecimento de infraestrutura logísticaem terra. Seabasing é um conceito de em-prego que permite o uso de diversas plata-formas, não um conceito restrito ao uso deum tipo específico de plataforma.

Adicionalmente, a estratégia marítimaamplia os conceitos apresentados na Ma-nobra Operacional a Partir do Mar, no quese refere ao uso do mar como espaço demanobra para a realização de operações quecontribuirão para a prevenção de confli-tos. O emprego de forças navais, a exem-plo dos Grupamentos Operativos de Fuzi-leiros Navais (GptOpFuzNav) em ativida-des de segurança, de forma descentraliza-da e com a técnica de seabasing, exemplificaa teoria.

A U.S Navy está em fase de execução dediversos novos projetos que também visama ampliar as capacidades do USMC, assimcomo aperfeiçoar as possibilidades de em-prego do mar como espaço de manobra emapoio às operações conjuntas, multinacionaise em apoio a parceiros não governamentais.A partir de meios como navios anfíbios, navi-os-aeródromos e demais navios de transpor-te, as principais iniciativas incluem o desen-volvimento do navio de combate litorâneo(LCS), plataformas (connectors) de alta velo-

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cidade para emprego em teatros diversos eaperfeiçoamento das capacidades de pré-posicionamento de forças para facilitar a reu-nião e projeção de forças por meios verticaise de superfície. Tais projetos são concebidospara o apoio mútuo entre as Forças, de formaa reduzir a necessidade de uso de portos eaeroportos na área de operações.

A nova doutrina e os projetossupracitados devem ser abordados confor-me os tipos de cenários de emprego dasforças anfíbias. Durante as décadas de 1920e 1930, a US Navy e o USMC possuíamcenários de emprego bem definidos, comadversários evidentes e ambientesoperacionais conhecidos, que orientavamo esforço intelectual das forças. Atualmen-te, marinheiros e fuzileiros navais se depa-ram com situações bem mais complexas,com múltiplos adversários, com cenáriosreais e potenciais. Em geral, no entanto,deve-se admitir que as operações anfíbiasserão planejadas e executadas em três ti-pos de ambientes operacionais – permissi-vo, incerto e hostil. Cada um deles e tam-bém os contextos estratégicos, estão abai-xo descritos.

TIPOS DE AMBIENTES:PERMISSIVO, INCERTO E HOSTIL

O ambiente permissivo é aquele em queo país anfitrião, por meio de suas forçasmilitares e de segurança pública, mantém ocontrole institucional, assim como a inten-ção e a capacidade de apoiar as operaçõesmilitares desencadeadas em seu território.

O conjugado anfíbio ARG/MEU rotinei-ramente conduz uma série de operaçõesanfíbias nesse tipo de ambiente. As capa-cidades que permitirão uma ForTarAnf apoi-ar o desembarque de uma ForDbq em umacosta hostil serão as mesmas que a capaci-tarão a sobrepujar as limitadas oudanificadas infraestruturas existentes, aomesmo tempo em que garantirão, de formadiplomática e discreta, o apoio alternativoàs forças a partir do mar (seabasing). Esta-ções de C2, conveses de voo, conveses-doca, meios de transporte por superfície eaéreos (connectors), instalações médicase ampliada capacidade de transporte per-mitirão que as forças anfíbias conduzamoperações apoiadas por seabasing, reali-zem assistência humanitária, dentre outrasoperações e, quando necessário, facilitemo emprego de outras forças conjuntas,multinacionais, interagências ou mesmonão governamentais.

Por essas razões, os Comandos Conjun-tos dos EUA estão demandando por novosconjugados anfíbios (ARG/MEU), refletindouma necessidade que excede claramente a ca-pacidade das forças. Essa deficiência podeser minimizada com a descentralização dessesconjugados, para atuar de forma dispersa noterreno, por meio de uma nova doutrina deno-minada Operações Distribuídas (DistributedOperations – DO)12 ou por meio do embarqueesporádico de Forças-Tarefa em Prontidão (Glo-bal Fleet Stations – GFS)13, com GptOpFuzNavembarcados ou outras forças-tarefa do USMC,organizadas para realizar ações de segurançae assistência humanitária.

12 “Distributed Operations” é uma capacidade em desenvolvimento no USMC que implica a atribuiçãode zonas de ação mais amplas, tanto em frentes quanto em profundidades, equivalendo às dimensõesdas zonas de responsabilidade tradicionais dos escalões imediatamente superiores. A lógica dessadoutrina decorre do maior alcance dos modernos sistemas de armas das frações do USMC. Nessecontexto, a nova zona de ação de um PelFuz equivale a de uma CiaFuz, que empregue os sistemas dearmas tradicionais.

13 O conceito operacional Global Fleet Station (GFS) envolve “operações navais de elevado perfil, com francoengajamento e interação com nações aliadas, populações amigas e a comunidade marítima global”.

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Um ambiente incerto é aquele em queas forças governamentais do país anfitrião,independentemente do apoio ou oposiçãoàs atividades a serem desencadeadas, nãopossuem controle efetivo sobre todo seuterritório e população na área de operações.

O conjugado anfíbio ARG/MEU tem fre-quentemente sido empregado em inúmerassituações de crise, como evacuação de nãocombatentes ou reforço aos Destacamentosde Segurança de Embaixadas14, em ambien-tes dessa natureza. Ocasionalmente, essesconjugados também foram empregados parareforçar forças-tarefa de maior envergadura,a exemplo do apoio à retirada das forças dasNações Unidas da Somália, em 1995.

Adicionalmente, no século XXI verifica-se um aumento da instabilidade política emáreas com reduzida ou nenhuma presençado Estado, representando um vazio de po-der ocupado por terroristas, traficantes dearmas, piratas, dentre outras gangues crimi-nosas. As forças anfíbias apresentam po-tencial emprego em ações de contraterroris-mo, não-ploriferação de armas NBQ econtrapirataria. Tais ações provavelmenteexigirão o planejamento de incursões anfí-bias conduzidas para destruir santuáriosterroristas, capturar piratas e criminosos,resgatar reféns e prover a segurança e sal-vaguardar ou remover material, incluindoarmas de destruição em massa. Além disso,as forças anfíbias também poderão ser em-pregadas em operações de maior dura-ção, tais como operações de paz ou reaçõesa crises em larga escala.

As operações desencadeadas em ambi-ente incerto serão provavelmenteconduzidas por diversos tipos de forças:por Brigadas Anfíbias (MEB) embarcadasem navios anfíbios, pelo conjugado anfí-

bio ARG/MEU ou somente por parcela des-sa força-tarefa, por um GptOpFuzNav es-pecial (Special Purpose Marine Air-GroundTask Force – SP MAGTF), embarcado emum ou mais navios anfíbios ou por qual-quer organização por tarefas da U.S. Navy-USMC embarcada em variados tipos denavios, que podem incluir plataformas decombate ou navios de combate litorâneo(LCS) adaptados ao lançamento e recolhi-mento de aeronaves de apoio ao assaltoou embarcações de desembarque.

As operações em ambiente incerto se-rão conduzidas sob a expectativa de rea-ção armada, no entanto estarão provavel-mente sujeitas a regras de engajamento res-tritivas, que ditarão o planejamento e a exe-cução da operação. As forças anfíbias, nes-se contexto, dificilmente serão autorizadasa realizar ataques preventivos contra po-tenciais adversários. Embora um integradoe bem elaborado sistema defensivo não sejaesperado nesse tipo de ambiente, potenci-ais oponentes, incluindo atores não esta-tais, poderão fazer uso de sofisticados ar-mamentos capazes de negar o acesso aolitoral. Durante as operações de evacua-ção no Líbano em 2006, por exemplo, asforças navais internacionais não sofreramameaças submarinas, de minagem, artilha-ria de costa e defesa antiaérea, no entantoestiveram expostas a ataques fortuitos demísseis de superfície (ASCM) e lançadoresantiaéreos portáteis. Assim, as forças anfí-bias deverão explorar técnicas de opera-ções além do horizonte (OTH), aperfeiçoaras defesas aproximadas dos navios, aumen-tar a velocidade de deslocamento e agili-dade dos meios de transporte e possuir ra-zoável capacidade de realizar fogos defen-sivos. Operações de inteligência, incluin-

14 Nos EUA, o guarnecimento de todos os Destacamentos de Segurança de Embaixadas é responsabilida-de do USMC, que prepara e organiza os meios para emprego do Departamento de Estado nasembaixadas norte-americanas.

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do o despistamento, operações psicológi-cas e uso de técnicas não letais para neu-tralizar sistemas de C2 de potenciais ad-versários também poderão ser empregadosnesse tipo de ambiente.

O ambiente hostil se caracteriza pelocontrole local e pela capacidade e inten-ções de forças hostis em reagir de formaefetiva às operações a serem conduzidas.

O tipo de operação mais comum a serdesencadeado por forças anfíbias será opróprio assalto anfíbio, embora as retira-das, demonstrações e incursões anfíbiastambém possam integrar as operações con-juntas do plano de campanha. Independen-temente da envergadura dos meios ou danatureza da missão, a organização, as ca-pacidades e técnicas necessárias para con-duzir assaltos anfíbios em larga escalaproveem a base conceitual para permitir aadaptação da força para conduzir todos ostipos de OpAnf em ambiente hostil. Os as-saltos anfíbios de grande envergadura de-mandarão plenas capacidades das forçasnavais, conjuntas e interagências, para exer-cerem a superioridade naval e projetarempoder sobre terra. Dentre tais capacidadesse incluem navios, aeronaves e embarca-ções para o transporte, desembarque e sus-tentação da Brigada Anfíbia (MEB) ou mes-mo Força Expedicionária de Fuzileiros Na-vais (MEF), sendo normalmente organiza-das em quatro escalões: força avançada,escalão de assalto, escalão de reforço rápi-do e um escalão de sustentação do assalto(assault follow-on echelon).

A Força Avançada é uma organizaçãopor tarefas que precede a chegada do cor-po principal da ForTarAnf na área do obje-

tivo anfíbio (AOA).15 Sua tarefa essencialé realizar atividades preparatórias em pro-veito do assalto principal, conduzindo ope-rações de reconhecimento, conquista deposições de apoio ao assalto, varredura deminas, apoio de fogo naval preliminar, de-molição submarina e apoio aéreo. À luz dasmudanças na doutrina, organização e ca-pacidades das forças para operação con-junta, é possível que a definição da forçaavançada deva ser atualizada como um ele-mento conjunto, não simplesmente comouma organização da força naval. Naviosanfíbios, tropas de desembarque, naviosde combate litorâneo (LCS), submarinos euma variedade de aeronaves e embarca-ções de desembarque podem ser emprega-dos para lançar e recolher elementos daforça avançada, normalmente explorandoo sigilo em suas ações. Por ocasião da che-gada do corpo principal da ForTarAnf naAOA, a força avançada é desarticulada erevertida para a própria ForTarAnf, para aForDbq ou para outro comando funcional.

O escalão de assalto é composto porunidades de tropa e aeronaves aptas parao assalto inicial na área de operações. Nocaso de uma Força Expedicionária de Fuzi-leiros Navais (MEF), os escalões de assal-to de duas Brigadas Anfíbias (MEB) esta-rão embarcados em navios anfíbios paraconduzir a manobra navio-objetivo(STOM). Sem considerar o embarque deviaturas e carga geral no comboio de acom-panhamento, o escalão de assalto de cadaBrigada Anfíbia ocupará 17 navios, dentreos quais se incluem, ao menos, cinco LHA/LHD. Tendo em vista a provável ameaçade mísseis de superfície de primeira gera-

15 A doutrina conjunta é contraditória na definição de Força Avançada. O capítulo XIII da JP 3-02, JointDoctrine for Amphibious Operations, descreve que as operações de força avançada são conduzidaspor “uma organização por tarefas da força anfíbia...” que se segue à definição apresentada nesteartigo. No entanto, a JP 1-02, Department of Defense Dictionary of Military and AssociatedTerms, define força avançada de forma mais detalhada, como “uma organização temporária daForTarAnf”.

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ção (ASCM), a ForTarAnf deverá ocupar,inicialmente, posições além do horizonte(OTH), para mitigar tal ameaça. Assim, asforças anfíbias deverão empregar meioscomplementares que permitam realizar oassalto a partir de considerável distânciada costa, até provocar o colapso das defe-sas inimigas, que permitirão ampliar o po-der de combate em terra. Essas platafor-mas garantem uma variedade de combina-ções para o desembarque por meios aére-os e viaturas anfíbias, capazes de trans-portar os Marines diretamente aos seus ob-jetivos em terra, sem deixar de mencionardiversos navios e embarcações capazes derapidamente se aproximarem da costa edesembarcarem viaturas blindadas e me-canizadas para a manobra em terra.

O escalão de reforço rápido é compostopor uma terceira Brigada Anfíbia (MEB) ouequivalente de forças conjuntas oumultinacionais que podem ser empregadas,sem depender do apoio de portos ou aero-portos, a partir dos navios da força pré-posicionada (Maritime Prepositioning For-ce (Future) – MPF(F)). Os meios de desem-barque desses navios deverão ser compa-tíveis com os equipamentos e sistemas doescalão de assalto das Brigadas Anfíbiasem primeiro escalão, proporcionando flexi-bilidade para a reunião de forças no mar e adescarga seletiva de pessoal e material parareforçá-los nos locais e momentos deseja-dos. Os navios MPF(F) incluirão: navioscom conveses de voo capazes de operarcom aeronaves de rotores giratórios (tilt-rotor); navios auxiliares para o transportede carga geral e munição capazes de reali-zar descarga seletiva; navios roll-on/roll-off capazes de transferir viaturas para ou-tras embarcações de desembarque; e navi-os de desembarque com capacidade float-

on/float-off para viaturas anfíbias e embar-cações de desembarque adicionais.

O escalão de sustentação ao assalto écomposto por tropas de assalto, viaturas,aeronaves, equipamentos e suprimentosque, embora não necessários nos momen-tos iniciais do assalto, serão essenciais parasua sustentação. Para tanto, esse escalãodeverá estar em condições de emprego naAOA por até cinco dias após o início doassalto. Esse escalão será deslocado pormeios de transporte estratégico e por navi-os tipo Joint High Speed Vessels (JHSV),que farão a transferência de carga para na-vios MPF(F) ou instalações roll-on/roll-off como apoio intermediário para o poste-rior carregamento em embarcações de de-sembarque menores, ou para portos artifi-ciais tipo “Mulberries”16 ou mesmo paraportos capturados ao inimigo.

O emprego de operações distribuídas(DO) a partir do mar necessitará de novosmétodos e meios. Alguns questionamentosimediatos surgem: Que capacidades serãonecessárias? Como as forças navais deve-riam ser organizadas? Que relações de co-mando serão adequadas para atender à rá-pida e contínua manobra de tropas nossegmentos marítimo e terrestre da regiãolitorânea? De fato, os aspectos conceituaisdas operações anfíbias do século XXI, aci-ma descritas, proveem o arcabouço inte-lectual para explorar tópicos relacionadosa novos projetos de novos equipamentose outros, de natureza conceitual.

PROJETOS CONCEITUAIS

O Major USMC Earl “Pete” Ellis foi o au-tor de um dos principais artigos conceituaissobre operações anfíbias, Operações de BaseAvançada na Micronésia, em 1921. Nessa

16 Mulberries eram fabricados a partir de portos artificiais desenvolvidos por britânicos e rebocados paraa Normandia, para emprego na Operação Overlord, em 1944.

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época, a U.S. Navy e o USMC não possuíamnavio anfíbio, embarcação de desembarqueou viatura anfíbia. Marinheiros e fuzileirosnavais não possuíam uma doutrina que uni-ficasse o planejamento de uma operação an-fíbia, do embarque de uma força em navios,do ensaio, da travessia dos navios para aAOA ou para executar o assalto.17 Eles nãopossuíam procedimentos padronizados ne-cessários para uma série de tarefas que facili-tam o desembarque, o apoio e a sustentaçãologística de uma ForDbq em terra. Eles se-quer possuíam orienta-ções sobre as relaçõesde comando. O quepossuíam era a curiosi-dade intelectual.

Eles aplicaram essa“curiosidade” ao longode duas décadas. Res-tritos à análise de quaiscapacidades anfíbiasseriam necessárias paracombater um dado ad-versário, analisaram,debateram e expandi-ram as ideias de PeteEllis nas academias militares e nos periódi-cos profissionais. Eles testaram e avaliaramsuas ideias em exercícios e experimentos. Osprimeiros resultados foram traduzidos em li-ções aprendidas e manuais, sendo novamentetestados e refinados, até tornarem-se doutri-na. Quando a guerra imaginada finalmenteocorreu, tais analistas estavam prontos paratransformar as ideias de Pete Ellis em capaci-dades materiais e, talvez mais importante, pos-suíam o conhecimento necessário para utili-zar essas capacidades efetivamente.

As lições dessa era são claras. A recupe-ração da capacidade anfíbia, do poder e daexpertise institucional somente pode ocor-

rer se houver uma espécie de “renascimentointelectual” do pensamento anfíbio. Consi-derando o ambiente estratégico da atualida-de, especialmente a natureza híbrida das“novas ameaças” e a utilidade do seabasingpara prevenção de conflitos e reação a cri-ses, esse “renascimento intelectual” deveexaminar potenciais mudanças na doutrina,organização, treinamento e educação pro-fissional-naval.

Impacto sobre a Doutrina Anfíbia

Dentre os diversostópicos possíveis deabordagem, destacam-se a organização doscomandos, as medidasde coordenação e con-trole e as relações decomando. Num passa-do distante, o exercíciodo princípio da unida-de de comando entreforças navais e de de-sembarque chegou acausar problemas en-

tre comandantes das forças navais e de de-sembarque. Em 1933, a criação da Força deFuzileiros de Esquadra (Fleet Marine Force– FMF), como um comando-tipo sob con-trole operacional do Comando da Esquadra,reduziu o problema para as forças navais.Mais tarde, o desenvolvimento da doutrinaanfíbia incorporou novas relações entre oscomandantes da ForTarAnf e da ForDbq.Isso incluía certos procedimentos entre eles,tais como o paralelismo de suas cadeias decomando durante o planejamento da OpAnfe a abordagem das decisões fundamentaisde forma consentida, assim como a transi-ção do comando em terra.

A recuperação dacapacidade anfíbia, do

poder e da expertiseinstitucional somente pode

ocorrer se houver umaespécie de “renascimento

intelectual” do pensamentoanfíbio

17 Planejamento, Embarque, Ensaio, Travessia e Assalto (PEETA) representam as fases doutrinárias deuma OpAnf.

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A Lei Goldwater-Nichols, de 1986, trouxe,no entanto, mudanças fundamentais para adoutrina das operações conjuntas. Como re-sultado dessas alterações, atualmente todasas forças conjuntas incluem componentes dasForças Singulares, que possuem acesso dire-to e responsabilidades perante os Comandan-tes Conjuntos. Os comandantes dos compo-nentes da U.S. Navy e o USMC estão, dessaforma, separados entre si e paralelos na cadeiade comando. O comandante conjunto possuia autoridade para organizar suas forças portarefas, de forma a atender da melhor forma ocumprimento de sua missão. Ele pode desen-cadear operações de Força Singular, por com-ponentes funcionais ou mesmo pela combi-nação de ambos. O comandante conjunto pos-sui autoridade para organizar comandos su-bordinados, atribuir tarefas, estabelecer rela-ções de comando e detalhar instruções paracoordenação das Forças Singulares ou com-ponentes funcionais. Nesse contexto, a tradi-cional relação entre a FMF e os comandantesnavais se tornou confusa. A doutrina conjun-ta inclusive aboliu os títulos formais e rela-ções de comando entre ComForTarAnf eComForDbq. O conceito de seabasing, queprovavelmente eliminará a necessidade de tran-sição do ComForDbq para terra, complicouainda mais a questão. Além disso, comandan-tes conjuntos normalmente organizam suasforças com componentes funcionais de avia-ção e operações especiais, que possuem mui-tas das capacidades necessárias para o de-sembarque de tropas.

A partir das mudanças legais, da doutrinaconjunta e da própria prática das operações,a U.S. Navy e o USMC iniciaram um examedetalhado da organização dos seus compo-nentes e das relações de comando. Essa aná-lise poderá considerar as responsabilidadesdos comandantes conjuntos e dos vários co-mandantes funcionais, incluindo a viabilida-de de criação de um componente funcionalpara operações litorâneas, sem descartar prin-

cípios históricos, como o paralelismo do pla-nejamento anfíbio e as decisões fundamen-tais. Em estreita relação com a divisão de tra-balho entre os comandantes funcionais, faz-se necessário estabelecer apropriadas medi-das de coordenação e controle. Uma revisãodessas medidas de natureza permissiva erestritiva será importante para assegurar queas forças amigas possam manobrar e empre-gar seus fogos de apoio sob a mínima possi-bilidade de fratricídio.

A aplicação integral das capacidades na-vais em diversos tipos de operações reque-rerá flexibilidade para organizar a força portarefas. A experiência de combate e o tempode maturação da doutrina têm confirmado queo espírito de cooperação entre unidades “apoi-adas-apoiadoras” (supported-supporting) éútil para a efetividade de todos os elementosda força naval. As opções de relações de co-mando incluem o controle operacional, o con-trole tático ou a relação de apoio, conformedescrito na Joint Publication 1 e são selecio-nadas pelo comandante imediatamente su-perior ou autoridade equivalente. O tipode relação de comando escolhido deverá ba-sear-se na missão, nas autoridades envolvi-das, na natureza e duração da operação, noambiente operacional e nas recomendaçõesdos comandantes subordinados.

Impacto sobre a Organização dasForças por Tarefas

A desativação de diversos comandos deGptOpFuzNav e grupos anfíbios permanen-tes resultou em perda de expertise erepresentatividade nos altos escalões anfíbi-os. O relacionamento entre comandantes dasForças Expedicionárias de Fuzileiros Navais(MEF) e diversos comandantes de esqua-dras e dos componentes marítimos dos co-mandos conjuntos é confuso. Esses desafi-os são sintomas de um problema maior, qualseja a perda do paralelismo entre os escalõesnavais e de fuzileiros navais, apoiados por

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estados-maiores com experiência e conheci-mento profissional. Atualmente, existem ca-deias de comando paralelas e permanentessomente nos conjugados anfíbios ARG/MEU, e mesmo nesses existem assimetriasem termos de composição e antiguidade. Re-centemente, a U.S. Navy cancelou o empre-go dos Grupos de Ataque Expedicionários(Expeditionary Strike Groups – ESG) comoestrutura básica para a realização do ciclo deadestramento, caracterizado pelo sistema derodízio de embarque por período aproximadode seis a nove meses, denominadosdeployments. A U.S. Navy, no entanto, man-teve os ESG permanentemente ativados nas2a, 3a e 7a Frotas e visualiza que esses gruposassumirão tarefas similares às anteriormentedesempenhadas pelos Grupos Anfíbios(PHIBGRU). Atualmente, uma parcela do com-ponente de comando das Forças Expedicio-nárias de Fuzileiros Navais (MEF) está sen-do destacada para compor o mesmo compo-nente das Brigadas Anfíbias (MEB), que,nesses casos, facilitaria emprego das MEBcom os ESG. Uma organização por tarefasassim constituída permitiria o restabe-lecimento das cadeias de comando paralelas,promoveria o relacionamento e mútuo enten-dimento entre os estados-maiores e, por meiode exercícios e experimentações, estabelece-ria as condições favoráveis para a inovaçãoe a representatividade da doutrina anfíbia jun-to às Forças. Essas iniciativas em termosorganizacionais devem ser implementadasnos exercícios, com a finalidade de beneficiaro estreitamento de laços profissionais entreos oficiais de estado-maior e, consequente-mente, aperfeiçoar a prontidão e efetividadeoperacional.

Impacto sobre o Treinamento eEducação Profissional-Naval

Conforme descrito anteriormente, nosúltimos anos o treinamento e a educação

profissional-naval no USMC têm enfatizado,por razões justificáveis, a recuperação daexpertise institucional em conflitos de baixaintensidade, denominados small wars. Esseesforço tem sido bem-sucedido; no entan-to, uma abordagem mais equilibrada, quetambém inclua a recuperação do conheci-mento da doutrina anfíbia, deve serimplementada. Interessante acrescentar queas inovações anfíbias de 1920 e 1930 surgi-ram ao mesmo tempo em que os Marinesconduziam operações de contrainsurgênciano Haiti e na Nicarágua e operações de pazna China e produziam o manual de SmallWars em Quântico, Virginia. Reeditar o exer-cício Bascolex, reinserir os treinamentos depequenas frações em operações anfíbiasdos Grupos de Treinamento de Guerra Ex-pedicionária e revisar o programa de instru-ção dos cursos de carreira para incluíremplanejamentos anfíbios e temas para elabo-ração de monografias, por exemplo, devemocorrer sem prejuízo dos programas de guer-ra irregular. Ao contrário, um aspecto es-sencial a considerar nas operações anfíbiasdo século XXI é justamente verificar comopodem contribuir para vencer os desafiosda guerra irregular. Essa e outras iniciativas,que incluem exercícios anfíbios conjuntos emultinacionais de grande envergadura, de-vem ser perseguidas.

PROJETOS DE EQUIPAMENTOS ESISTEMAS

O conceito Manobra Operacional a Par-tir do Mar (OMFTS) contemplava o aper-feiçoamento de determinadas capacidades:

Para realizar o movimento de unida-des além do horizonte, teremos de ad-quirir a capacidade de cruzar grandesdistâncias, reduzir as limitações impos-tas pelo terreno e por condições climá-

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ticas/meteorológicas adversas e, prin-cipalmente, efetuar de forma contínuae eficiente a transição entre a mano-bra do mar para terra e vice-versa.

As operações além do horizonte (OTH)foram criadas com a intenção de ampliar asurpresa tática e operacional, assim comoa segurança das forças contra ameaçascapazes de negar o acesso litorâneo. Amanobra além do horizonte foi elaboradacomo suporte ao conceito de manobra na-vio-objetivo (STOM), que pode ser consi-derada uma consequência tática da Mano-bra Operacional a Partir do Mar, cujo textoapresenta o seguinte alerta:

Não existe umaúnica resposta aosdiversos desafiosque se apresentamno futuro próximo;ao contrário, asforças navais deve-rão manter sua ca-pacidade históri-ca de se adapta-rem às novas cir-cunstâncias. Poressa razão, é im-portante que as forças navais não se-jam restritivas ao definir suas capaci-dades operacionais.

Por vários anos, o USMC tem buscadodesenvolver uma tríade de projetos, comvistas ao aperfeiçoamento da capacidadede conduzir o movimento navio-objetivo,por intermédio de meios que secomplementam para realizar operações alémdo horizonte: a viatura anfíbia expedicioná-ria (EFV), a aeronave de rotores giratórios(tilt-rotor) MV-22 Osprey e a embarcaçãode desembarque sobre colchões de ar(LCAC). O desejo de dotar os Marines com

um mix de meios por superfície e aéreos éjustificável. A experiência operacional temrepetidamente demonstrado que a rapidezna projeção de força em terra é essencialpara o sucesso de uma OpAnf. Em decor-rência disso, uma análise mais aprofundadaindica que essa rapidez é mais bem alcançadapor uma combinação de meios para o deslo-camento vertical e por superfície.

Além disso, a proliferação de armamen-tos para negação do acesso litorâneo, emmãos tanto de atores estatais quanto nãoestatais, tem complicado o planejamento ea execução das OpAnf, mesmo para a reali-zação de missões de caráter benigno. Umexemplo dessa vulnerabilidade foi eviden-

ciado durante a criseno Líbano em 2006,com o emprego demísseis de superfícieC-802 pelo Hezbollahcontra navios israe-lenses, que adicionouuma nova dimensão àsforças dos EUA emoperações de evacua-ção de não combaten-tes. Tais eventos vali-dam a sabedoria deoperar, ao menos ini-

cialmente, além do horizonte para reduzir aefetividade de mísseis de superfície.

A ênfase do USMC nos três projetos EFV,MV-22 e LCAC tem, no entanto, mascarado ofato de que outras capacidades da força na-val também são importantes para o apoio àsOpAnf e ao movimento navio-objetivo(STOM) em particular. Existe uma crescentee errônea percepção de que essa manobranão possa ser efetuada sem o EFV e que am-bos são aplicáveis somente em combates dealta intensidade contra oponentes potentes,refletindo uma situação muito pouco prová-vel. De fato, o movimento navio-objetivo podeser conduzido sem a EFV e também é aplicá-

As operações além dohorizonte (OTH) foram

criadas com a intenção deampliar a surpresa tática eoperacional, assim como a

segurança das forçascontra ameaças capazes de

negar o acesso litorâneo

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vel em todo o espectro de conflitos. A ausên-cia da EFV representa apenas uma reduçãodo ritmo e do alcance operacional ao movi-mento navio-objetivo, em relação ao que sevisualiza com a incorporação desse novo pro-jeto de viatura anfíbia.

Representando uma nova geração deCarros Lagarta Anfíbios (CLAnf), os EFVproporcionam vantagens táticas e técnicas.Taticamente, os ganhos em flexibilidade, al-cance, ritmo operacional e surpresa não sãofrequentemente reconhecidos. Tecnicamen-te, as habilidades de reduzir a efetividade demísseis de superfície por emprego além dohorizonte são mais facilmente compreendi-das. Menos aparente é que sua capacidadede realizar o desembarque além do horizon-te pode ser mais importante em ambienteincerto que em hostil. Em ambiente incerto,as regras de engajamento poderão impediro ataque preventivo às posições de mísseisde superfície na costa inimiga.

Adicionalmente, um reduzido, porémcrescente, número de potenciais adversári-os possui as versões mais modernas de mís-seis de superfície. As melhorias no alcance,velocidade e trajetória dessas munições nãopodem ser evitadas somente peloposicionamento dos meios além do horizon-te, o que significa que o aperfeiçoamento desistemas defensivos de bordo e aneutralização preventiva das bases de lan-çamento e das plataformas serão críticos aocumprimento da missão das forças anfíbias.

A renovada ênfase nas ideias primeiramentedesenvolvidas no conceito da ManobraOperacional a Partir do Mar, reforçadas emrecentes documentos decorrentes desse con-ceito, permanece em vigor. As vantagens doseabasing ao comandante conjunto devemser realçadas. As forças navais devem com-preender que a situação, a missão, o ambienteoperacional, a capacidade de negação do aces-so litorâneo e os resultados alcançados pelocontínuo esforço para derrotar o oponente

serão determinantes na organização da forçapor tarefas e na sequência das OpAnf. Alémdisso e, talvez mais importante, a complexida-de multidimensional dos litorais deve ser re-conhecida, e o papel essencial exercido pelascapacidades conjuntas de C2, a inteligência, oemprego de armas combinadas e da força avan-çada como facilitador para as OpAnf devemser francamente desenvolvidos.

Os esforços da U.S. Navy e do USMCno desenvolvimento das capacidades men-cionadas devem atentar para as observa-ções constantes do conceito ManobraOperacional a Partir do Mar, para “evitar aexclusividade no delineamento dos requisi-tos operacionais dos novos meios”. Nessecontexto, a U.S. Navy deverá dar continui-dade ao desenvolvimento de meios com-plementares, que possam agregar capaci-dades que, por meio de combinação desequência de movimentos e de ações con-correntes, iniciem as operações anfíbias alémdo horizonte, provoquem o colapso das de-fesas litorâneas do inimigo, se necessário, econduzam a aproximação da costa e o de-sembarque dos meios em terra, com a finali-dade de rapidamente edificar o poder decombate sobre os objetivos estabelecidos.

Dentre os principais projetos, destacam-se:

••••• Aeronave de rotores giratórios – OMV-22 OSPREY, que já está em operação,representará um aumento na velocidade eno alcance para a realização do movimentovertical navio-objetivo. O emprego do MV-22 em ambiente hostil poderá requerer aneutralização de defesas antiaéreas, no en-tanto também permitirá evitar as ameaças demísseis de superfície, minas, dentre outrasque possam negar os desembarques porsuperfície. Considerando os dados de pla-nejamento para o embarque, verifica-se queas dimensões e o peso do MV-22, assimcomo as limitações de carregamento interno

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e externo, indicam a inexequibilidade e o in-desejável empenho em desenvolver unica-mente o MV-22 como plataforma para exe-cução do movimento navio-objetivo. Aocontrário, um mix entre o MV-22 e helicóp-teros é necessário para atender de formasatisfatória aos requisitos operacionais, en-quanto mantém aderência às limitações parao embarque nos meios navais.

vio-objetivo além do horizonte reduzirá aefetividade dos mísseis de superfície, tan-to em ambiente hostil quanto em incerto,que provavelmente predominará no futu-ro. Idealizado para aperfeiçoar o assaltoalém do horizonte e o subsequente apoiomecanizado em terra, o EFV permitirá a pro-jeção de considerável poder de combateem terra. Entretanto, essa viatura anfíbia élimitada para operações de estabilização oumanobra em qualquer terreno. O EFV cons-titui apenas um projeto de uma família demeios de transporte táticos destinados aoapoio da ForDbq na condução de variadostipos de operação em ambientes permissi-vo, incerto e hostil.

••••• Helicópteros – O inventário atual dehelicópteros é capaz de realizar o movimen-to navio-objetivo, porém com limitações dealcance. Assim como o MV-22, os helicóp-teros sobrepujam as desvantagens do de-sembarque por superfície, embora estejamsujeitos a ameaças antiaéreas em ambien-tes hostis. Os helicópteros podem, inclusi-ve, ser empregados para desembarcar tro-pas em terra, para neutralizar defesas nacosta e para assegurar zonas de desembar-que necessárias ao emprego da ForDbq.Novas aeronaves, como o CH-53K, amplia-rão o alcance e a capacidade de transportede equipamentos e viaturas da ForDbq.

••••• EFV – Conforme descrito anteriormen-te, o EFV foi projetado para prover a capa-cidade de assalto por superfície e de esta-ções além do horizonte até objetivos emterra, com maior flexibilidade de manobra,alcance, ritmo operacional e surpresa. Ahabilidade em conduzir o movimento na-

••••• Carros-Lagarta Anfíbios (CLAnf) –Os CLAnf também podem realizar o movi-mento navio-objetivo, a partir do embar-que nas embarcações de desembarque so-bre colchões de ar (LCAC) ou a partir dosnavios anfíbios em navegação próxima àcosta. A opção de emprego do EFV para odesembarque da ForDbq garante maior fle-xibilidade de manobra, alcance e surpresa,no entanto a reduzido ritmo operacional econsiderável risco, tendo em vista o eleva-do tempo necessário para a descarga dematerial em terra e pelas atuais limitaçõesem quantidade, capacidade e vulnerabili-dade dos LCAC. A aquisição de númerosuficiente de meios de desembarque e na-

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vios capazes de desembarcar os CLAnfentre três e seis milhas náuticas das praiasampliariam o ritmo operacional desejado. Aopção do desembarque por CLAnf exige aaproximação dos navios anfíbios da costa,envolvendo aceitabilidade de riscos e limi-tada flexibilidade operacional. Paraminimizar tal risco, as operações em ambi-entes incertos poderão requerer regras deengajamento mais agressivas, enquantooperações em ambiente hostil exigirão mai-or esforço para localizar e neutralizar asameaças de mísseis de superfície. Em am-bos os ambientes, serão necessários aper-feiçoamentos nas defesas de bordo contratais mísseis.

••••• Embarcações de Desembarque Rápi-das – Diversos países operam embarcaçõesde desembarque que desenvolvem altasvelocidades e alcance suficientes para asoperações além do horizonte, tais como aembarcação sueca Combat Boat-90 (CB-90). Esse meio pode ser utilizado em diver-sos cenários que envolvam o movimentonavio-objetivo, incluindo operações deforça avançada, operações de apoio para aconquista de posições próximas à praia oumesmo o emprego em regiões ribeirinhas,com penetração em estuários para atingirobjetivos em terra. Esse tipo de meio tam-bém pode ser útil para a sustentabilidadelogística de operações em terra, assim comooperações de interdição marítima. Podemainda ser transportados por ampla varie-

dade de meios navais, proporcionandomaiores opções para o emprego da ForDbq.

••••• LCAC e Conectores Navio-Terra(Ship-to-Shore Connectors – SSC) – OsLCAC atuais são capazes de efetuar a tran-sição de navios anfíbios para a descargade viaturas blindadas, mecanizadas e mo-torizadas nas praias de desembarque, des-de que as defesas na costa sejam efetiva-mente neutralizadas. O inventário atual deLCAC está obsoleto e numericamente in-suficiente para atender às necessidadesanfíbias e das forças marítimas pré-posicionadas (MPF(F)). Com o aperfeiçoa-mento dos sistemas de abertura da rampa eda rápida fixação de viaturas no convés, anova geração de LCAC, os SSC, será ca-paz de conduzir o desembarque próximo àcosta de CLAnf ou mesmo de viaturas blin-dadas de assalto com limitada capacidadeanfíbia (Infantry Fighting Vehicles – IFV).Tal capacidade garantirá a navegação emalta velocidade a partir do horizonte e arápida descarga de material e viaturas paraas operações em terra.

••••• Embarcação de Desembarque de Car-ga Geral (EDCG) – A EDCG possui alcan-ce compatível com as operações com navi-os anfíbios além do horizonte, no entantosob reduzida velocidade de deslocamento.Sua elevada capacidade de transporte decarga a torna útil para diversas tarefas an-fíbias, incluindo o desembarque de viatu-ras blindadas, preferencialmente em ambi-

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ente permissivo ou após as neutralizaçãodas defesas de superfície na costa. À se-melhança dos LCAC, o inventário atual deEDCG é insuficiente para as necessidadesanfíbias dos EUA.

••••• Joint High Speed Vessel – JHSV –Esses meios proveem rapidez no transportede pessoal e material inter e intrateatros deoperação. Atualmente, esses navios sãocapazes de descarregar material sob condi-ções de infraestrutura portuária primitivasou deterioradas. Durante a Segunda GuerraMundial, a U.S. Navy operou centenas denavios de desembarque de carros de com-bate (NDCC). Esses meios interoceânicosutilizavam sistema de rampa na proa para odesembarque de viaturas blindadas sobrelagartas próximos à praia e viaturas sobrerodas diretamente na praia de desembarque.Os JHSV poderiam ser modificados estrutu-ralmente para incluírem a capacidade de de-sembarque de meios diretamente na praia,de modo similar aos NDCC. Se as caracterís-ticas dos antigos NDCC puderem serconjugadas com as dos modernos JHSV, oresultado será um meio de elevada veloci-dade interoceânica, rápida descarga de via-turas blindadas, mecanizadas e motorizadas.Evidentemente que a aproximação da costadependerá da eficaz neutralização das ame-aças de superfície inimigas.

quisa da U.S. Navy está desenvolvendo umprojeto de navio de transporte que exploreo potencial de alta velocidade interoceânicae permita a transição para águas rasas ouregiões pantanosas/alagadas e posteriordescarga de material em área seca, além dalinha de preamar (HWL). Diversos protóti-pos da T-Craft encontram-se em teste, coma principal característica de fundir aspotencialidades de grande alcance e altavelocidade do JHSV com a capacidade anfí-bia além do horizonte dos LCAC e maiorcarga transportável que as EDCG. Emboraexistam consideráveis barreiras tecnológicasassociadas ao projeto de um navio com taiscaracterísticas, o sucesso no desenvolvi-mento do T-Craft representará alteraçõessignificativas na doutrina anfíbia.

••••• Navio de Combate Litorâneo (LCS) –Projetado para privilegiar a velocidade eagilidade de manobra, o LCS pode recebermódulos intercambiáveis que garantam arealização de ampla variedade de tarefas,como a guerra de minas e antissubmarina.O desenvolvimento de módulos adicionais,como para apoio de fogo, C2 e transportede tropa, pode conferir ao LCS considerá-vel utilidade no emprego em apoio àsOpAnf. Utilizado em modo “escoteiro” oumesmo compondo força-tarefa, o LCS po-derá apoiar o desembarque e reembarquede Marines em operações de segurança,

••••• Navios de Transição (TransformableCraft – T-Craft) – O Departamento de Pes-

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assistência humanitária, evacuação de nãocombatentes, reconhecimento e incursões,dentre outras tarefas.

no desenvolvimento da doutrina anfíbia eno estabelecimento das medidas de coor-denação com outras forças, verifica-se queo USMC deve tomar a iniciativa de articularo desenvolvimento de soluções conjuntascontra esse tipo de ameaça.

••••• Projetos de contramedidas deminagem – Os desafios de localizar, evitare, quando necessário, realizar varredura deminas, desde as “águas azuis” até a áreade desembarque, permanecem elevados. AU.S. Navy intenciona substituir o inventá-rio atual dos meios de minagem e varredu-ra por módulos opcionais a serem instala-dos nos LCS. Tanto os meios obsoletosatuais quanto os novos projetos, no en-tanto, não oferecem soluções adequadaspara a guerra de minas em águas rasas, naprofundidade de 40 a 10 pés ou na praiabatida, com profundidade inferior a 10 pés.Atualmente a U.S. Navy tem empregadoanimais e veículos submarinos não tripula-dos para realizar a detonação das minasnessas áreas, por meio do emprego de mu-nição explosiva (Joint Direct AttackMunitions – JDAM) ou sistemas de aber-tura de brechas (Assault Breaching System– JABS), desde que disponíveis em quan-tidade suficiente e que informações ade-quadas sobre o posicionamento de taisminas sejam obtidas. Tais vulnerabilidadesconstituem outro desafio do USMC na bus-ca de soluções conjuntas.

••••• Projetos para ampliar o alcance e aefetividade do fogo naval – Uma análise his-tórica, associada aos modernos sistemasde armas navais, revela que as OpAnfconduzidas em ambientes incertos e hos-tis devem ser apoiadas por fogos aéreos enavais. A capacidade de realizar um efetivoapoio de fogo naval de forma ininterruptae sob quaisquer condições de clima e

••••• Projetos de contramedidas aos mís-seis antinavios – Um estudo independentepublicado em 2005 concluiu que o inventá-rio global de gerações obsoletas de mísseisantinavios representa mínima ameaça aosmeios da U.S. Navy; no entanto, tais meiostêm evoluído e incorporado tecnologiasmais sofisticadas.18 Conforme descrito an-teriormente, as operações além do horizon-te contribuem para negar a efetividade daelevada disponibilidade de mísseisantinavios de primeira geração. No entanto,elas permanecem vulneráveis contra arma-mentos mais sofisticados, sendo dependen-tes de aperfeiçoamento das capacidades delocalizar, neutralizar ou interceptar tais sis-temas. Negar a efetividade desses mísseis éum problema bem mais complexo, que re-quererá o empenho de vários componentesde um comando combinado. Tendo em vis-ta a responsabilidade institucional do USMC

18 Mahnken, Thomas G., The Cruise Missile Challenge, Center for Strategic and Budgetary Assessments:Washington, D.C., Março, 2009, p. 18.

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AS OPERAÇÕES ANFÍBIAS NO SÉCULO XXI

CLASSIFICAÇÃO PARA ÍNDICE REMISSIVO:<FORÇAS ARMADAS>; Operações anfíbias; Fuzileiros Navais; Navios de guerra anfíbia;

meteorologia representa um requisito es-sencial às OpAnf. O curto alcance e o pe-queno calibre do armamento naval atualtornam tal apoio limitado, gerando a de-pendência sobre opções mais caras e su-jeitas às intempéries: a aviação embarcada.Uma conjugação de armamento de maiorcalibre e alcance com outros de menor cali-bre, mísseis, aeronaves e veículos aéreosnão tripulados (VANT) proveriam soluçõesoperacionais mais efetivas para o apoio defogo à tropa em terra. Um estudo de 2007concluiu que a reativação dos grandes na-vios de batalha, com novos e modernossistemas de armas e munições, apresenta-va custo-benefício favorável para resolvero problema da U.S. Navy no que se referiaàs deficiências em navios-aeródromos eaeronaves.19 Recentemente foi iniciado umnovo estudo, o Joint Expeditionary FiresAnalysis of Alternatives, para a busca desoluções adequadas ao problema.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Embora o conjugado anfíbio ARG/MEUtenha apresentado desempenho bastantesatisfatório, a expertise e as principais ca-

pacidades anfíbias do USMC estão emdeclínio nos últimos anos, basicamenteporque a aplicabilidade da doutrina anfíbiapara atender aos desafios atuais não é re-conhecida e a pressão política para empre-gar a força em outras operações tem sido aprioridade da agenda institucional. Por meiode parceria com a U.S. Navy e as demaisForças, o USMC está comprometido emaplicar suas atuais capacidades anfíbias,assim como seus projetos de desenvolvi-mento, em proveito dos desafios estratégi-cos do século XXI.

Com essa finalidade, este documento bus-cou analisar algumas ideias doutrinárias econceituais pertinentes, ambientesoperacionais, o contexto estratégico e as ini-ciativas específicas que brindarão o leitor comuma base referencial de informações sobreas capacidades anfíbias, sua aplicação e de-safios. O propósito de apresentá-lo foi justa-mente inspirar o renascimento intelectual dopensamento e da inovação anfíbia.

“Se não fosse pela constante persua-são do USMC, a arte anfíbia dificilmenteseria desenvolvida”.20

Almirante W.H.P.Blandy, U.S. Navy (R), 1951

19 Welch, Coronel Shawn A., U.S. Army, Joint and Interdependent Requirements: A case study insolving the Naval Surface Fire Support Capabilities Gap, Joint Forces Staff College: Norfolk, VA,17 MAI 2007.

20 Blandy, W.H.P., Command Relations in Amphibious Warfare. Annapolis, MD: U.S. Naval InstituteProceedings, Vol. no 77, no 6, Junho 1951, pp. 569-580. O Almirante Blandy comandou o 1o GrupoAnfíbio nos assaltos em Kwajalein, Saipan, Palau, Iwo Jima e Okinawa, durante a Segunda GuerraMundial.

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SUMÁRIO

IntroduçãoPrevençãoUso, abuso de drogas e dependência químicaAtitudeModelos de prevenção

Aumento do controle socialOferecimento de alternativasEducação

Prevenção aplicadaNa famíliaNo trabalhoNa escola

Avaliação de atividades preventivasConsiderações finais

A PREVENÇÃO PARA O USO INDEVIDO OUABUSIVO DE SUBSTÂNCIAS PSICOATIVAS E ADEPENDÊNCIA QUÍMICA

– Uma Visão da Psicologia Social

SANDRA HELENA DE OLIVEIRA*Capitão de Fragata (T)

INTRODUÇÃO

Na atualidade fala-se muito em preven-ção como uma forma eficaz para a inter-

venção assistencial, podendo ser aplicadaem uma ampla gama de contextos sociais e

de saúde. Escolheu-se o comportamento deuso indevido ou abusivo de substânciaspsicoativas/drogas e a dependência químicacomo o enfoque de situação-problema quese deseja prevenir, o que não invalida aqui,principalmente no que tange à conceituação

* A autora é Chefe do Departamento de Assistência Integrada da Diretoria de Assistência Social daMarinha.

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A PREVENÇÃO PARA O USO INDEVIDO OU ABUSIVO DE SUBSTÂNCIAS PSICOATIVAS E A DEPENDÊNCIAQUÍMICA – Uma Visão da Psicologia Social

e a modelos de prevenção, sua aplicação paraoutros problemas específicos, realizando asdevidas adaptações e adequações de mode-los, métodos e técnicas para a sua utilização.

O problema das drogas está inserido emum contexto amplo nos níveis social, econô-mico, cultural, familiar e pessoal. Todas estasáreas influenciam e são influenciadas mutua-mente quando se procura entender as cau-sas do envolvimento das pessoas, às vezestão destrutivo, com o uso indevido ouabusivo de substâncias psicoativas. Este fatorequer análise e avaliação minuciosa de cadauma dessas dimensões e as suas interações.

O embasamento teórico do problema con-centrou-se no enfoque da Psicologia Social,especificamente no que se refere ao concei-to, à formação e à mudança de atitude social,detalhados, principalmente, por AroldoRodrigues (2003).

Serão apresentadosos procedimentos em-pregados na Marinhado Brasil na prevençãodo uso indevido ouabusivo de substânci-as psicoativas e da de-pendência química,nas dimensões abor-dadas no presente estudo.

PREVENÇÃO

Caracteriza-se por uma intervenção prévia,isto é, uma intervenção que precede algumfenômeno que está por ocorrer. A prevençãoé, ou deve ser, uma atitude manifestamenteproativa, que não só antecipa, mas tambémreconhece, a ocorrência de uma situação es-pecífica e procura, por meio de algumas ações,evitar a verificação da sua existência futura oupresente. Em relação ao conceito de preven-ção vinculado ao uso indevido de drogas, dizrespeito às ações ou intervenções que viseminibir o estabelecimento ou atenuar o prosse-

guimento de uma relação destrutiva, em de-corrência do uso abusivo de drogas, e quan-do é indispensável assegurar o resgatebiopsicossocial do indivíduo que apresentetranstornos pelo uso indevido de drogas.

De acordo com a medicina, as interven-ções preventivas são tradicionalmenteenfocadas como: Prevenção Primária, que con-siste em quaisquer atos destinados a diminuira incidência de uma doença numa população,reduzindo o risco de surgimento de casos no-vos, bem como a intervenção antes que surjaalgum problema, no sentido de instruir, infor-mar e educar com vistas à manutenção da saú-de; Prevenção Secundária, que consiste ematos destinados a diminuir a prevalência deuma doença numa população, reduzindo suaevolução e duração, caracterizando-se comoum prolongamento da prevenção primária,

quando essa não atin-giu os objetivos pro-postos; e a PrevençãoTerciária, que se propõea diminuir a prevalênciadas incapacidades crô-nicas numa população,reduzindo ao mínimo asdeficiências funcionaisconsecutivas à doença,

além de intervenção no contexto da preven-ção de recaídas.

USO, ABUSO DE DROGAS EDEPENDÊNCIA QUÍMICA

É do nosso entendimento que todo pro-fissional das áreas de saúde e educaçãodeve conhecer a realidade do uso indevidoou abusivo e da dependência de substân-cias químicas. Aqui, como sinônimo desubstâncias químicas, usaremos também otermo droga ou, ainda, substânciaspsicoativas, que aparecerá com a sigla SPA.

A Organização Mundial da Saúde (OMS)(1981) define droga como “qualquer enti-

A prevenção é, ou deve ser,uma atitude

manifestamente proativa,que não só antecipa, mas

também reconhece

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dade química ou mistura de entidades quealteram a função biológica e possivelmen-te a sua estrutura”, ou seja, qualquer subs-tância capaz de modificar a função dos or-ganismos vivos, resultando em mudançasfisiológicas ou de comportamento. As dro-gas podem ser lícitas ou ilícitas.

O abuso de substâncias químicas é con-siderado como um transtorno, cuja caracte-rística essencial é um padrão mal-adaptativode uso de substância, manifestado porconsequências adversas recorrentes e signi-ficativas relacionadas ao seu uso repetido.

A característica essencial da dependên-cia química é a presença de um agrupamentode sintomas cognitivos, comportamentais efisiológicos indicando que o indivíduo con-tinua utilizando uma substância, apesar deproblemas significativos relacionados a ela.

Das várias classificações existentes dospsicotrópicos ou drogas psicotrópicas,adota-se a do pesquisador francês Chaloult(1971), que dividiu o que ele denominavade “drogas toxicomanógenas” (indutorasde toxicomanias) em três grandes grupos,os depressores da atividade do sistema ner-voso central (SNC), os estimulantes do SNCe os perturbadores do SNC.

Os depressores do SNC referem-se aogrupo de substâncias que diminuem a ativi-dade do cérebro, ou seja, deprimem o seufuncionamento, fazendo com que a pessoafique “desligada”, “devagar”, desinteressa-da pelas coisas. São exemplos de substân-cias que compõem o grupo de depressoresdo SNC: álcool, inalantes/solventes,ansiolíticos, barbitúricos e opiáceos.

Os estimulantes do SNC referem-se aogrupo de substâncias que aumentam a ati-vidade do cérebro, ou seja, estimulam o seufuncionamento, fazendo com que a pessoafique mais “ligada”, “elétrica”, sem sono.São exemplos de substâncias que compõemo grupo de estimulantes do SNC: cafeína,nicotina, anfetaminas e cocaína.

Os perturbadores do SNC referem-se aogrupo de substâncias que modificam quali-tativamente a atividade do cérebro, ou seja,perturbam, distorcem o seu funcionamento,fazendo com que a pessoa passe a perceberas coisas deformadas, parecidas com as ima-gens dos sonhos. São exemplos de substân-cias que compõem o grupo de perturbadoresdo SNC: anticolinérgicos, maconha, cacto(peiote), daime, LSD-25 e ecstasy.

ATITUDE

Existem muitas definições de atitudes e,sintetizando as definições existentes,Rodriguês (2003) apresenta a seguinte: “Ati-tude social pode ser definida como uma or-ganização duradoura de crenças ecognições, dotada de carga afetiva pró oucontra uns objetos sociais definidos, quepredispõe a uma ação coerente com ascognições e afetos relativos a este objeto”.

Existe uma concordância entre os autoressobre os componentes das atitudes sociais,como sendo um componente cognitivo, umafetivo e um comportamental. Esses compo-nentes são a base para a formação de umadeterminada atitude específica.

O componente cognitivo é relativo àsrepresentações cognitivas que as pessoasjá possuem sobre determinados objetos,as quais podem ser crenças, conhecimen-tos, conceitos e preconceitos. Estes itensirão determinar as atitudes pró ou contradeterminado objeto de uma pessoa especí-fica. O componente afetivo são os senti-mentos que uma pessoa desenvolve a res-peito de algum objeto, que irão influenciardiretamente em sua atitude com relação aele. Este é considerado o componente maisforte das atitudes em geral. Quanto ao com-ponente comportamental, é descrito comoum estado de predisposição à ação, ou seja,atitudes sociais combinadas com uma si-tuação motivadora podem desencadear um

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A PREVENÇÃO PARA O USO INDEVIDO OU ABUSIVO DE SUBSTÂNCIAS PSICOATIVAS E A DEPENDÊNCIAQUÍMICA – Uma Visão da Psicologia Social

comportamento específico e coerente comas cognições e afetos das pessoas.

As atitudes são passíveis de mudança.A quantidade de informações a que as pes-soas estão expostas atualmente, pela televi-são, imprensa, rádio, entre outros, constituiuma fonte importante de possível mudança.

MODELOS DE PREVENÇÃO

Em maio de 1989, foi publicado o artigo“Prevenção do abuso de drogas na escola:uma revisão da literatura internacional re-cente” (Carlini-Cotrim, B. e Pinsky, I.), quesistematiza as posturas teóricas (ideológi-cas e políticas) para orientação dos pro-gramas de prevenção ao uso indevido ouabusivo de drogas no sistema escolar.

No geral, há três propostas diferentes deatuação visando à prevenção ao uso indevidoou abusivo de substâncias psicoativas.

Aumento do controle social

Os princípios teóricos desta linha afirmamque a natureza do problema do aumento douso de drogas entre jovens, nas últimas déca-das, está na recente e rápida diminuição docontrole social exercido pelos adultos sobre ocomportamento dos jovens, ou seja, a mesmanatureza de fenômenos como a intensificaçãoda delinquência juvenil, da gravidez precoce edas doenças venéreas na adolescência.

Oferecimento de alternativas

Este modelo de prevenção defende a no-ção de que o abuso de drogas tem suas raízesem problemas e tensões sociais enfrentadospelos jovens, que procurariam na droga umafuga das pressões e frustrações vividas.

A falta de perspectiva no mercado de tra-balho, um sistema educacional inadequadoe distante da realidade dos jovens, a falta deopções de lazer e de atividades culturais e ofechamento do espaço de participação polí-tica são alguns dos fatos associados, nestateoria, ao abuso de drogas.

Educação

Atualmente, na categoria educação, exis-tem seis modelos de prevenção ao usoindevido ou abusivo de drogas.

O primeiro deles é o modelo do princí-pio moral, cujo enfoque utilizado defendeque o abuso de drogas deve ser condená-vel dos pontos de vista ético e moral e,geralmente, tem como base princípios reli-giosos ou movimentos políticos baseadosem valores como patriotismo e sacrifíciopessoal pelo bem comum.

Outro modelo é do amedrontamento, peloqual, há algumas décadas, acreditou-se quecampanhas de informação expondo somen-te os lados negativos das drogas seriam efi-cientes para persuadir as pessoas a não co-meçar ou a parar de usar drogas.

O modelo do conhecimento científicosurgiu da crítica ao modelo do amedron-tamento e propõe o fornecimento de infor-mações sobre drogas de modo imparcial ecientífico.

O modelo da educação afetiva tem a pro-posta de modificar fatores pessoais que sãovistos como predisponentes ao uso de dro-gas e se constitui em um conjunto de técni-cas que visa melhorar ou desenvolver aautoestima, a capacidade de lidar com a an-siedade, a habilidade de decidir e interagirem grupo, a comunicação verbal e a capaci-dade de resistir às pressões de grupo.

O modelo do estilo de vida saudávelpossui a estratégia de promover estilos devida associados à boa saúde, uma maneirade viver que inclui também alimentação ba-lanceada, controle de peso, das taxas decolesterol e de pressão arterial, exercíciosfísicos regulares, entre outros.

E, por fim, o modelo da pressão de gru-po positiva, ainda pouco desenvolvido. Porser muito recente, tem como tese central autilização da pressão de grupo como umfator de influência para não usar drogas.

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A PREVENÇÃO PARA O USO INDEVIDO OU ABUSIVO DE SUBSTÂNCIAS PSICOATIVAS E A DEPENDÊNCIAQUÍMICA – Uma Visão da Psicologia Social

Na Marinha do Brasil, está a cargo daDiretoria de Assistência Social da Marinha(Dasm) promover ações preventivas sobreo uso indevido ou abusivo de substânciaspsicoativas e a dependência química. Paratal, possui o Programa de Prevenção à De-pendência Química, em que constam osprocedimentos a serem adotados por pro-fissionais da Assistência Integrada, comformação em Serviço Social, Psicologia eDireito. A prevenção é realizada para todosos militares, servidores civis, ativos e ina-tivos, dependentes e pensionistas em todoo Brasil, por meio dos Órgãos de Execuçãoda Assistência Integrada (OES), setorespertencentes às Organizações Militares.

Os modelos adotados pela Dasm são osda categoria Educação, especificamente o Co-nhecimento Científico, aEducação Afetiva e oEstilo de Vida Saudável.Para tal, são emprega-dos diversos equipa-mentos técnicos, taiscomo: palestras infor-mativas sobre drogas;distribuição de materialinformativo, comocartilhas e fôlderes; cur-so de multiplicadores deações preventivas; dinâmicas de grupo, emque são apresentadas reflexões ligadas ao for-talecimento da autoestima e da autoconfiança;campanhas de qualidade de vida; atividadeslúdicas, como peças teatrais, filmes seguidosde debates, música, expressão corporal, entreoutros.

PREVENÇÃO APLICADA

Na família

O ambiente familiar é a base de qual-quer processo educativo. A família consti-tui-se no primeiro local onde a prevençãopode ser aplicada.

O primeiro passo da prevenção primáriana família seria a correta informação sobredrogas de um modo geral, os efeitos dasdrogas lícitas e ilícitas, suas consequênciasnos níveis físico e psicológico, além de in-formações básicas sobre drogas, bem comoo contexto sociopolítico de sua utilização.É de suma importância que se saiba comdetalhes acerca dos chamados fatoresprotetivos e dos fatores de risco associa-dos ao uso de drogas.

Os fatores de risco mais comuns presen-tes nos indivíduos estão relacionados à situ-ação de pais dependentes de drogas, ao iní-cio de atividade sexual precoce, à propensãoà ansiedade e à depressão e a uma experiên-cia precoce com drogas. Os fatores de prote-ção nos indivíduos passam pela presença de

autoconfiança e res-ponsabilidades indivi-duais, pela existência decondições intelectuaispara a tomada de deci-são, pelo interesse pe-los estudos e pela ma-nutenção de relaçãoafetiva de confiançacom os pais, professo-res, parentes ou outrapessoa capaz de dar

conselhos e apoio emocional.Nas famílias existem fatores de risco rela-

cionados, principalmente, a pais que apre-sentam comportamento de abuso ou depen-dência de drogas. Podem ser relacionadostambém à falta de diálogo e afetividade nacomunicação entre pais e filhos, à não exis-tência de critérios na aplicação das regrasdisciplinares, à falta de interesse dos paispelo que os filhos fazem e a pais muito tole-rantes quanto ao consumo de drogas lícitas(álcool, tabaco e medicamentos).

Os fatores protetivos nas famílias sãode grande importância e passam pela exis-tência de laços afetivos significativos en-

O ambiente familiar é abase de qualquer processo

educativo. A famíliaconstitui-se no primeirolocal onde a prevenção

pode ser aplicada

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A PREVENÇÃO PARA O USO INDEVIDO OU ABUSIVO DE SUBSTÂNCIAS PSICOATIVAS E A DEPENDÊNCIAQUÍMICA – Uma Visão da Psicologia Social

tre os membros familiares, e de relação deconfiança entre pais e filhos.

Encontramos nas escolas fatores de ris-co relacionados à indefinição de normas e àfalta de controle sobre a presença de dro-gas, além da tolerância ao uso de drogas lí-citas (tabaco). Como proteção nas escolas,podemos citar a existência de verbalizaçãode expectativas com relação ao aluno, o es-tímulo à continuidade dos estudos e ao exer-cício dos princípios de altruísmo, e a promo-ção de atividades criativas e extracurricu-lares para a criação de vínculos entre alu-nos, pais, escola e comunidade.

A identificação com os pares é um fatorpreponderante nos jovens, podendo serconsiderados como fatores de risco aquelerelacionado ao convívio com os colegas, aexistência de vínculo mais forte com usuári-os de drogas do que com a família ou qual-quer outro grupo (filiação a grupos sociaise suscetibilidade a influências), bem como aexistência de relação de amizade com usuá-rios de drogas lícitas (álcool, tabaco). Ade-mais, o contato frequente com colegas queapresentam comportamento transgressorpode ser um fator de risco considerável.

Além dos aspectos citados acima, existemos fatores relacionados à comunidade em queas pessoas vivem. Podemos citar como fato-res de risco nas comunidades os relacionadosà falta de oportunidades socioeconômicas paraa construção de um projeto de vida e de opor-tunidades de emprego para os jovens; ao fácilacesso ao álcool, ao tabaco e a outras drogas;à permissividade da comunidade em relaçãoao consumo de drogas; e à negligência nocumprimento de normas e leis que regulamen-tam o uso de drogas.

Como proteção nas comunidades, exis-tem aspectos relacionados ao estabeleci-mento de normas de controle social paraprevenir o uso de drogas, além da satisfa-ção das necessidades básicas nas áreasde saúde, educação, emprego e lazer.

No trabalho

Segundo Bleger (1984), as instituiçõessão como cópia da organização psíquicaindividual que regula e controla a socieda-de e equilibra a personalidade. As necessi-dades do homem, de um modo geral, sãosatisfeitas no seu dia a dia de trabalho, e asinstituições têm como função conter osindivíduos para que possam se desenvol-ver em um espaço sadio. Com os avançostecnológicos, as relações de trabalho es-tão ficando menos mecanizadas e mais fle-xíveis, como a preocupação com a qualida-de da produção e o cumprimento de metas.Estas possibilidades estão trazendo novasperspectivas para os indivíduos e maioresrealizações.

Uma instituição militar-naval possui va-lores sociais básicos, podendo ser citados,como exemplo, a honestidade, a disciplinae os preceitos éticos e morais, que inte-gram a formação dos indivíduos em toda acarreira. Estes valores podem se constituirem fatores protetivos para os comporta-mentos relacionados ao uso indevido eabusivo de substância psicoativas. Nasações preventivas realizadas pela Assis-tência Integrada, busca-se realçar estesaspectos, de forma a potencializar a prote-ção naqueles que apresentam vulnerabili-dades ligadas a outros fatores.

Na escola

Assim como na família e no trabalho, aescola é um ambiente importante para odesenvolvimento de atividades preventi-vas relativas ao uso indevido ou abusivo eà dependência de substâncias químicas eé considerada um ambiente de base na for-mação de atitudes.

Nas normas internas da Marinha sobreações preventivas, existem procedimentosespecíficos para atuação nos centros de

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A PREVENÇÃO PARA O USO INDEVIDO OU ABUSIVO DE SUBSTÂNCIAS PSICOATIVAS E A DEPENDÊNCIAQUÍMICA – Uma Visão da Psicologia Social

instrução, no qual são inseridas ativida-des extracurriculares que abordam temasrelacionados à prevenção ao uso indevidoou abusivo de substâncias psicoativas.

AVALIAÇÃO DE ATIVIDADESPREVENTIVAS

Michael Scriven (1867) estabeleceu aprimeira distinção clássica entre avaliaçãosumativa e avaliação formativa. A avalia-ção sumativa visa concluir se um progra-ma social existente surte ou não o efeitodesejado. Para tanto é necessário que oprograma tenha sido implementado de ma-neira satisfatória. A avaliação formativaocorre em um programa em andamento, ten-do o objetivo de melhorá-lo.

Relacionadas a esta classificação existema avaliação interna e aavaliação externa. A in-terna é normalmentedesenvolvida por equi-pes pertencentes aoprograma e é de caráterformativo, ocorrendo,pois, durante todo oandamento do progra-ma. Aqui são analisa-das as principais cau-sas nas mudançasocorridas no andamen-to dos programas ou aausência de mudanças.Já a externa poderá ser realizada por consul-tores externos ou instituições chamadas comesta finalidade, sendo de caráter sumativa,visando à verificação da consecução dos ob-jetivos e metas propostos pelo programa.

De um modo geral, as avaliações inclu-em dois componentes: avaliação de proces-so ou de implementação e avaliação de im-pacto ou de resultados. A primeira visa es-clarecer em que medida o programa foiimplementado conforme o plano original. A

segunda, e a mais importante, procura veri-ficar se os efeitos finais foram atingidos.

Na Marinha busca-se, anualmente, ava-liar tanto o processo como os resultadosalcançados com o trabalho realizado pelosprofissionais da Assistência Integrada. Sãoutilizados, ao final de cada evento, questi-onários para que os participantes avaliemas atividades desenvolvidas, além da rea-lização de acompanhamentos periódicos doquantitativo de participantes que se bene-ficiam do serviço prestado, visando à ava-liação de impacto.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O enfoque geral deste trabalho centradonos modelos de prevenção e sua interpreta-ção dentro de teorias da psicologia social

teve como objetivoprincipal umacontextua-lização teóri-co-metodológica dasatividades de preven-ção ao uso indevido ouabusivo de drogas e àdependência química.

A prevenção traba-lhada com detalhes,desde o processo deplanejamento, consti-tui-se em uma forma deoperacionalização maisespecializada dos ob-

jetivos e resultados que se deseja alcançar.Foram apresentados modelos neste traba-lho que poderão ser incrementados pelosprofissionais e adequados às suas possibi-lidades e limitações.

Para verificar a efetividade das ativida-des planejadas e executadas, é necessáriauma avaliação dos programas a serem rea-lizados, de forma que seus resultados pos-sam legitimar as atividades, aperfeiçoar osmétodos utilizados e comprovar, pelo me-

Temos muito a “navegar”,pois o tema é complexo,

interdisciplinar eintersetorial, o que

demonstra a necessidadede ações conjuntas, tantointernas como em toda a

sociedade

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A PREVENÇÃO PARA O USO INDEVIDO OU ABUSIVO DE SUBSTÂNCIAS PSICOATIVAS E A DEPENDÊNCIAQUÍMICA – Uma Visão da Psicologia Social

nos em graus aceitáveis, o alcance dosobjetivos propostos inicialmente.

Pode-se verificar, a partir do que foi apre-sentado sobre a prevenção na Marinha doBrasil, que estamos caminhando no rumo cer-to, utilizando modelos atuais, e que as pes-

CLASSIFICAÇÃO PARA ÍNDICE REMISSIVO:<SAÚDE>; Doença; Droga;

quisas indicam existir um grau de efetividadenos resultados. Porém ainda temos muito a“navegar”, pois o tema é complexo,interdisciplinar e intersetorial, o que demons-tra a necessidade de ações conjuntas, tantointernas como em toda a sociedade.

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A PREVENÇÃO PARA O USO INDEVIDO OU ABUSIVO DE SUBSTÂNCIAS PSICOATIVAS E A DEPENDÊNCIAQUÍMICA – Uma Visão da Psicologia Social

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SUMÁRIO

Antecedentes históricosO nome ParnaíbaVeterano de guerraModernizaçãoO caverna-mestra hoje

MONITOR PARNAÍBA – HISTÓRIA E MODERNIZAÇÃO

MOZART JUNQUEIRA RIBEIROCapitão de Corveta

Comandante do Monitor Parnaíba

ANTECEDENTES HISTÓRICOS

Diante das crescentes ameaças que re-sultariam na Grande Guerra, dos inte-

resses nacionais de garantir a soberania eintegridade territorial e da campanha do Al-mirante Alexandrino, a Marinha passou porum período de reaparelhamento nas primei-ras décadas do século XX. Entretanto, ape-sar dos encouraçados, monitores e outrosnavios recém-incorporados, ressentia-se

da capacidade de produção industrial pró-pria, pois todos os navios eram encomen-dados a estaleiros estrangeiros.

Tal necessidade somente foi suprida nadécada de 1930, quando o então Presiden-te Getúlio Vargas, executando sua políticade industrialização, ordenou a construçãode um navio pelo Arsenal de Marinha doRio de Janeiro (AMRJ), marcando o inícioda construção naval nacional naquele sé-culo. Começava, então, a construção do

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MONITOR PARNAÍBA – HISTÓRIA E MODERNIZAÇÃO

Monitor Parnaíba, hoje o caverna-mestrada Armada, despontando-se nas lidesoperativas há 72 anos.

O NOME PARNAÍBA

Grande responsabilidade recebeu o na-vio de ostentar seu nome. Sendo a quintaembarcação a ser batizada como Parnaíba,teve exemplo em seus antecessores, navi-os marcados pela participação em combateou palco de feitos heroicos e importantesda história do Brasil.

O primeiro, uma lancha-canhoneira, lu-tou contra os insurgentes na revolta co-nhecida como Balaiada, no Maranhão, en-tre os anos de 1838 e 1841. Foi incorporadaà Força Naval comandada pelo então Capi-tão-Tenente Joaquim Marques de Lisboa,mais tarde Almirante e Marquês deTamandaré, Patrono da Marinha do Brasil.

O segundo Parnaíba, uma canhoneiraa vapor, foi incorporado em 11 de junho de1859, mesma data que alguns anos maistarde seria marcada pela Batalha Naval doRiachuelo, combate do qual tomou parteintegrando a 3a Divisão Naval da Esqua-dra, sob o comando do Almirante Barroso.No seu convés se registraram as cenasheroicas e os atos de bravura do Guarda-Marinha Greenhalgh e do Imperial Mari-nheiro Marcílio Dias.

O terceiro navio a ostentar o nome foi umacorveta mista, incorporada em 1879 e que tevecomo comandante, dentre outros, o entãoCapitão de Fragata Luís Filipe de Saldanhada Gama. A 16 de novembro de 1889, coube àParnaíba transportar, em parte da viagem, afamília imperial brasileira, banida do País pelaimplantação da República.

O quarto navio batizado Parnaíba, umcruzador auxiliar, serviu à Marinha do Brasilentre agosto e novembro de 1917, sendologo desincorporado e transferido à frotada Companhia de Navegação Lloyd Brasi-

leiro. Em maio de 1942, foi torpedeado e afun-dado, vítima da campanha submarina alemãna Segunda Guerra Mundial. O afundamen-to desse navio e de outros foi motivadorcrítico do ingresso do Brasil na SegundaGuerra Mundial, ao lado dos Aliados.

VETERANO DE GUERRA

Em 7 de abril de 1943, como parte doesforço de guerra nacional para a SegundaGuerra Mundial, o Monitor Parnaíba re-cebeu a ordem de “seguir o mais rapida-mente possível para o Rio de Janeiro”, dan-do início a uma série de breves preparati-vos para o que seria a missão de maior rele-vância já atribuída ao Parnaíba.

Por mais que pudesse parecer que omaior desafio seria a própria realização dasescoltas aos comboios ameaçados pelossubmarinos alemães, a travessia em si era aameaça mais próxima. O grupo-tarefa com-posto pelos Monitores Parnaíba eParaguassu partiu de Ladário no dia 20 deabril, com destino a Montevidéu. Nessetrecho, todo fluvial, a navegação foi orien-tada pelos práticos do Comando Naval deMato Grosso. Nem sempre as cartas e pla-nos traduziram a realidade, pois alguns‘passos’ (travessias seguras em trechosonde a navegação é mais difícil, pelas bai-xas profundidades, presença de bancos ouexistência de perigos à navegação) muda-ram de local, boias foram trocadas ou de-sapareceram. A navegação do Rio Paranáse contrastava com a do Rio Paraguai. Noprimeiro, havia um excelente balizamento,enquanto que no segundo o balizamentoera quase inexistente. E no trecho entre afoz do Rio Apa (fronteira Brasil-Paraguai) eAssunção, onde se concentra a maior par-te dos obstáculos, não havia balizamentoalgum. Foram necessárias várias paradasnos passos para se investigar o melhorcanal a ser navegado e para auxiliar no

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MONITOR PARNAÍBA – HISTÓRIA E MODERNIZAÇÃO

desencalhe de navios que transitavam pelorio. Finalmente, o grupo-tarefa atracou emMontevidéu em 3 de maio.

No dia 18 de maio, os navios suspende-ram em direção a Rio Grande, sem maiorespercalços; entretanto, na pernada Rio Gran-de-São Francisco do Sul, o mau tempo obri-gou a uma parada em Florianópolis. Osmonitores, por característica de construção,ideais para emprego fluvial, possuem a bor-da livre muito baixa, o que os torna vulnerá-veis ao estado do mar. Durante essa traves-sia, o Parnaíba enfrentou um vento frescode boreste e mar de vagas, ora pela proa, orapela bochecha. Devido ao seu casco ser dotipo fundo de prato, recebia fortes panca-das do mar e embarcava muita água, que,felizmente, podia ser escoada satisfatoria-mente. As pancadas, além de produziremfortes ruídos, tanto a vante quanto a ré, fazi-am com que, nas imediações do passadiço,a trepidação fosse muito grande. As ante-paras longitudinais que separavam os ca-marotes dos suboficiais e seu refeitório daenfermaria sofriam grande deformação. Talesforço atingiu um ponto que, por compres-são, chegou a partir um globo de vidro deuma lâmpada.

Devido ao embarque do mar pela proa epor boreste, foi necessário condenar a cober-ta da guarnição, o que gerou uma situação degrande desconforto, pois não havia mais ondedormir nem comer. Sendo assim, decidiu-sepela atracação em Florianópolis, a fim de aguar-dar melhores condições para prosseguir.

Dois dias depois, reabastecido e com atripulação descansada, os navios prosse-guiram, realizando apenas uma pequenaparada em Santos, e atracaram no Rio deJaneiro, em 24 de junho. Durante a sua es-tadia no Rio de Janeiro, realizou experiên-cias de máquinas e com armamentos, inclu-sive com bombas de profundidade.

Já avaliado e considerado pronto para ocombate, o navio recebeu nova instrução

para deslocar-se até Salvador, a fim de serincorporado ao Comando Naval do Leste,tendo desatracado juntamente com oMonitor Paraguassu e o Navio-MineiroCananeia, no dia 4 de novembro.

Na altura de São Tomé, encontrou-se,mais uma vez, vento muito fresco de nor-deste e mar de grandes vagas. Reproduzi-ram-se os mesmos fenômenos de trepida-ção observados no Sul, quando as vagaseram pela proa; porém, quando pelo tra-vés, o comportamento do navio era bom,apesar dos fortes balanços. O novo gru-po-tarefa chegou, então, ao seu destino nodia 10 de novembro.

Em Salvador, foi designado para tarefasde escolta de comboios. Durante uma des-sas escoltas, no dia 2 de dezembro, oParnaíba foi palco de demonstrações decoragem e espírito de sacrifício, principal-mente dos Capitão-Tenente NortonDemaria Boiteux (imediato) e SO-MAMaximiano José dos Santos (chefe de Má-quinas), este último, notável personagemda história do navio e ilustre cidadão deLadário (título concedido pela Câmara mu-nicipal). Encontrava-se o Parnaíba escol-tando cinco navios mercantes americanos,a cerca de 75 milhas ao largo de Salvador,quando irrompeu um violento incêndio napraça de caldeiras, provocado por retro-cesso de chamas.

Tal fato assumiu tamanha proporçãoque, não sendo atendidos os pedidos desocorro feitos pelo navio aos que ainda seachavam à vista, foram arriadas as embar-cações para um eventual abandono emcaso de explosão das caldeiras ou dos tan-ques de óleo. Felizmente, tal medida nãofoi necessária, pois, ao fim de 45 minutosde faina, conseguiu-se extinguir o incên-dio, cortando-se o óleo para as caldeiras.

A causa provável foi uma avaria na má-quina de ventilação de boreste, que degra-dou a capacidade de ventilação da praça

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MONITOR PARNAÍBA – HISTÓRIA E MODERNIZAÇÃO

de caldeiras, aliada à pressão baixa das cal-deiras, que trabalhavam para atender à de-manda de velocidade de 10 nós. O retro-cesso coincidiu com a entrada de umfoguista no compartimento. Apesar de ha-ver declarado que fechara bem a porta desegurança, é provável que não o tenha fei-to rigorosamente, provocando, assim, umligeiro desequilíbrio na pressão do setor,que, não possuindo suficiente excesso dear, acarretou o sinistro. O foguista de ser-viço assustou-se e retirou-se precipitada-mente, sem fechar a interrupção de óleo,de modo que o fogo continuou a crescer.

Despidos de qualquer receio, o imediatoe o chefe de máquinas entraram na praça decaldeiras em chamas e fecharam a interrup-ção de óleo, permitindo que o fogo fosseextinto. O ato de bravura desses militaresnão só salvou o navio como permitiu que oParnaíba continuasse disponível para no-vas missões, após pequenos reparos. Comoreconhecimento ao Tenente Maximiano (pro-movido, posteriormente, até o posto de pri-meiro-tenente), a Marinha batizou o naviode assistência hospitalar que hoje opera noPantanal com seu nome. Sem nenhum tipode auxílio externo, as caldeiras foramreacendidas e o navio regressou ao portode Salvador para reparo.

Com as suas condições restabelecidas,continuou a cumprir missões para o Co-

mando Naval do Leste até 17 de dezembrode 1944, quando recebeu ordem de regres-sar a Ladário, para ser reincorporado aoComando Naval de Mato Grosso.

A atuação individual do Parnaíba naguerra pode parecer ter sido discreta; entre-tanto, como sabemos, do mesmo modo queos marinheiros trabalham em equipe e cadaum é tão importante quanto o outro na exe-cução de uma faina, assim também os barcoso são. Além disso, a história e os feitos dessenavio são prova física da vontade, do zelo eda dedicação em prol do serviço e da pátriados homens que nele serviram e servem.

MODERNIZAÇÃO

Após mais de 50 anos de serviço, ape-sar das boas condições estruturais, oParnaíba apresentava grande defasagemtecnológica em relação aos demais naviosque operavam na região. Foi tomada, en-tão, a decisão de iniciar um projeto derevitalização do meio, que resultaria noaumento da sua vida útil.

Em 27 de setembro de 1997, foi celebra-do pela Marinha do Brasil e o ConsócioSCL/PEN o contrato das obras de moder-nização do navio, assinado pelo então co-mandante do 6o Distrito Naval e ex-coman-dante do navio, Contra-Almirante JulioSoares de Moura Neto, hoje comandante

da Marinha.O casco, encouraçado e em condições

muito boas, foi aproveitado; entretanto,a superestrutura foi praticamente todasubstituída, para suportar o peso de umconvoo e dos canhões de 40mm oriun-dos da Fragata Liberal. Toda a planta pro-pulsora e elétrica foi modificada. Os anti-gos motores, máquinas alternativas a va-por, foram trocados por motores a diesel,totalmente comandados e monitoradospor painéis digitais, aumentando sua au-tonomia de cinco para mais de 30 dias.

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MONITOR PARNAÍBA – HISTÓRIA E MODERNIZAÇÃO

Com um canhão de 76,2 mm, dois ca-nhões de 40 mm e seis metralhadoras de 20mm, não há navio na sua área de operaçãoque possa sobrepujar seu poder de fogo.

Com a instalação do convoo, foi possí-vel embarcar uma aeronave orgânica,maximizando a capacidade de emprego dasaeronaves do 4o Esquadrão de Helicópte-ros de Emprego Geral e proporcionando osurgimento da unidade commaior poder de esclarecimentoe ataque, resultado do binômionavio-aeronave. Convém res-saltar que o Parnaíba é o úni-co navio do 6o Distrito Navalcom capacidade de embarcar ae-ronaves, o que representa deci-siva diferença na composiçãodas forças-tarefa ribeirinhas.

Em suma, a modernizaçãotransformou o navio no meiocom maior poder de fogo dosnavios de 3a classe da Marinha

e flexibilidade de emprego na áreade jurisdição do 6o Distrito Naval.

O CAVERNA-MESTRA HOJE

Após dez anos da modernização,o “Jaú do Pantanal”, como é conhe-cido na Flotilha de Mato Grosso,cumpre tarefas de patrulha, opera-ções ribeirinhas, representação e di-versas outras, sendo sempre lem-brado como navio de excelência etido como referência para os demaisnavios.

Tal resultado pode ser explica-do pelo esmero com que a tripula-ção, de hoje e de ontem, cuida com

muito orgulho do Parnaíba.Após 72 anos, observando a embarca-

ção, qualquer um pode afirmar que aindarestam muitos anos de serviço para essecombatente, que é velho na idade, mas jo-vem no espírito e na vontade.

Parnaíba: o poder, a glória e as tradi-ções da Marinha no Pantanal!

CLASSIFICAÇÃO PARA ÍNDICE REMISSIVO:<FORÇAS ARMADAS>; Monitor;

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SUMÁRIO

Análise dos agentes lançadores no BrasilAnálise dos agentes lançadores utilizados por Marinhas estrangeiras

Marinha americana (US Navy)Marinhas europeiasMarinhas da ÁsiaMarinhas da América do Sul

Conclusão

LANÇAMENTO DE MINAS: QUAL O MELHORAGENTE LANÇADOR?

A Marinha do Brasil (MB) possui diver-sos tipos de minas marítimas, sejam

de fundeio, de fundo, de contato, de influ-ência, de origem estrangeira e também defabricação nacional, como, por exemplo, asMinas de Fundeio e Contato (MFC) e asMinas de Fundeio e Influência (MFI), de-senvolvidas pelo Instituto de Pesquisas daMarinha (IPqM) (Figura 1), entre outras.Os grandes esforços empreendidos nestaárea, principalmente no sentido de alcan-

çar independência tecnológica, têm de-monstrado a importância estratégica daGuerra de Minas na defesa de nossos por-tos e áreas marítimas restritas.

A análise de como realizar o lançamentodestas minas, apesar da simplicidade dasmesmas, pode nos conduzir a diversas op-ções e nos fazer avaliar como esta escolhapode influir na amplitude das operaçõesde minagem e na eficácia dos campos aserem plantados.

ANDREI BRILHANTE SILVA COSTA*Capitão de Corveta

* O autor é o Encarregado da Divisão de Minagem do Grupo de Avaliação e Adestramento de Guerra deMinas (GAAGueM) do Comando do 2o Distrito Naval.

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LANÇAMENTO DE MINAS: QUAL O MELHOR AGENTE LANÇADOR?

Figura 2 – Sistema deLançamento Modular (SLM)

Os agentes lançadores das minas po-dem ser divididos em:

a) Embarcações de Superfície – Usadasem águas não controladas pelo inimigo.Podem transportar grande número de mi-nas e lançá-las precisamente.

b) Submarinos – Usados em sigilo agrandes distâncias. Normalmente carregampouca quantidade de minas.

c) Aeronaves – Únicos veículos capa-zes de minar águas interiores do inimigo(lagos e rios). Neste caso, o sigilo dasações é comprometido e os lançamentosnão são precisos.

Ressalta-se que qualquer plataforma im-provisada pode ser utilizada como naviomineiro, até mesmo embarcações de peque-no porte, como pesqueiros, devido à dimi-nuta complexidade envolvidanas minas propriamente ditas eem seu efetivo lançamento.

ANÁLISE DOS AGENTESLANÇADORES NOBRASIL

Atualmente, são utilizadoscomo agentes lançadores desuperfície na MB as seguintes

classes de navios, que possuem sistemasde lançamento planejados (SLP) com tri-lhos que são adaptados ao convés, quan-do da necessidade de realização da tare-fa: rebocadores de alto-mar da classe Tri-unfo, corvetas da classe Imperial Mari-nheiro e navios-patrulha da classeBracuí. Vale ressaltar que os trilhos sãodiferentes para cada classe de navio. Osrebocadores de alto-mar da classe Almi-rante Guilhem já possuem um projeto deconstrução de trilhos, com previsão deinstalação em futuro breve.

Além disso, os submarinos das clas-ses Tupi e Tikuna também possuem a ca-pacidade de minagem. A Marinha do Bra-

sil não possui aeronaves previamente pre-paradas para realizar operações deminagem.

Numa análise mais aprofundada, outrosmeios de superfície da MB, como, por exem-plo, os navios de desembarque, podem serutilizados para a minagem, principalmenteaqueles que possuem espaços amplos emconveses, capazes de armazenar quantida-des consideráveis de minas, além de pode-rem receber sistemas de lançamentos, se-jam eles projetados (com trilhos), confor-me aqueles já existentes, ou, ainda, siste-mas modulares, como o Sistema de Lança-mento Modular (SLM), concebido pelaEmpresa Consub, por solicitação da MB,criado durante a concepção das minasMFC e MFI. (Figura 2)

Figura 1 – Mina MFI

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LANÇAMENTO DE MINAS: QUAL O MELHOR AGENTE LANÇADOR?

A Força Aérea Brasileira (FAB) adquiriurecentemente um lote de aeronaves do tipoP-3C Orion, que possuem capacidade derealizar lançamento de todos os tipos deminas americanas. As aeronaves compo-rão o inventário do 1o/7o Esquadrão de Pa-trulha, sediado em Salvador (BA). Atual-mente, as aeronaves estão em processo demodernização numa empresa da Espanha,e os militares do referido esquadrão sendocapacitados naquele país. (Figura 3)

A chegada de novos navios de desem-barque na Esquadra brasileira, bem comodas aeronaves P-3C Orion na FAB, ensejaestudos para a adequada utilização dessesmeios nas operações de minagem, contri-buindo para aumentar a capacidade de lan-çamento de minas atual do País. Esta análi-se também deverá focar a operação combi-nada desses meios.

ANÁLISE DOS AGENTESLANÇADORES UTILIZADOS PORMARINHAS ESTRANGEIRAS

Marinha americana (US Navy)

As minas utilizadas na US Navy sãoconstruídas de tal forma que possam serlançadas por diversos tipos de agentes. Im-porta ressaltar, porém, que a Marinha america-na não possui navios de superfície previstos

para operações de minagem, que são realiza-das basicamente por aeronaves e submarinos.

Nesta questão, a informação de que osmeios de superfície não são bons agenteslançadores no caso de campos ofensivos(aqueles plantados em águas sob domíniodo inimigo ou em disputa) nos leva a ratifi-car a tendência americana de manter a capa-cidade de projeção de poder. Este não é, emprincípio, o caso brasileiro. Abaixo são apre-sentadas algumas características dos agen-tes lançadores empregados pela US Navy:

a) Submarinos – Tanto submarinos deataque quanto submarinos estratégicos pos-suem capacidade de lançamento de minas.

b) Aeronaves – A principal aeronave utili-zada para o lançamento de minas é o P-3COrion, que é operada de bases em terra, alémdos F-14 A/D Tomcat, F/A-18A/D Hornet efuturamente dos F/A-18E/F Super Hornet (ain-da em teste), todos operados de porta-aviões.

As aeronaves da Força Aérea america-na também são utilizadas em operações deminagem, sendo elas B-1B Lancer, B-2ASpirit e B-52H Stratofortress, esta últimapossuindo a maior capacidade de minas,cerca de três vezes a carga das aeronavesP-3C Orion.

Estudos e projetos futuros têm procu-rado enfocar o desenvolvimento de aero-naves com alta capacidade de carregamen-to de minas e, ainda, sistemas modularesque possam ser adaptáveis em aeronavesde transporte militares e civis hoje existen-tes. Além disso, vislumbra-se a adaptaçãode navios hoje disponíveis que possuamalta capacidade de armazenagem, a fim deserem transportadores das minas.

Marinhas europeias

Verifica-se que algumas delas (em suamaioria as de menor porte) ainda se utilizamde navios preparados para executar opera-ções de minagem, cujas capacidades variam

Figura 3 – Primeira aeronave P-3C Orion brasileira,classificada como P-3AM pela FAB

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LANÇAMENTO DE MINAS: QUAL O MELHOR AGENTE LANÇADOR?

Figura 5 – Concepção Modular

entre pequenas quantidades de mi-nas até números consideráveis,como, por exemplo 12 a 400 minas,de acordo com o espaço disponí-vel e os tipos das minas.

Normalmente, esses naviostambém são utilizados para outrosfins durante sua vida operativa,como, por exemplo: navios de co-mando e controle, navios de apoioàs Contramedidas de Minagem(CMM), navios-escola, navios detransporte e navios de desembar-que. Muitos possuem plataformas de heli-cópteros. Destaca-se o caso da classeFlyvefisken, da Dinamarca, que possui 14unidades em serviço, as quais podem serconfiguradas em poucas horas para exer-cerem funções diversas, como navios depatrulha ou navios caça-minas, além daconfiguração de navios de minagem.

Dentro desta linha de raciocínio, chamaa atenção o projeto Small Waterplane AreaTwin Hull (Swath), do estaleiro alemãoAbeking & Rasmussem, construtor dos na-vios-varredores da figura 4. O projeto con-siste de um navio com casco duplo, cujaflutuação é provida por objetos, de formato

semelhante a um torpedo, que ficamsubmersos, e que são ligados à plataformasuperior por suportes. Estes suportes têmdimensões reduzidas, de tal forma que a se-ção reta, ao nível da superfície do mar éminimizada. Com isto, uma parcela mínimado navio é submetida às forças provenien-tes das ondas, entregando ao navio umaexcelente estabilidade, principalmente quan-do comparado com navios de mesmo porte,monocascos ou mesmo de duplo casco con-vencionais. O material do casco é o aço não-magnético e o mesmo pode ser utilizado comdiversas configurações, incluindo aMinagem e também as CMM, dentro de umaconcepção modular (Figura 5).

Ressalta-se que Marinhas de tradição,como a francesa e a alemã, não possuemmeios de superfície significativos capazesde realizar operações de minagem. Entretan-to, verifica-se a existência, nos inventáriosda maioria das Marinhas europeias, de ae-ronaves como o P-3C Orion, americano; oBreguet Atlantic, de origem francesa; e ou-tras similares, que podem realizar as referi-das missões. Isso pode indicar uma influên-cia da doutrina americana da prevalência deaeronaves na execução deste tipo de tarefa,em vez de navios de superfície.

Cabe frisar as características de mobili-dade e rapidez das aeronaves, no plantio deum campo minado, que sobrepuja bastanteFigura 4 – Projeto Swath

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LANÇAMENTO DE MINAS: QUAL O MELHOR AGENTE LANÇADOR?

os meios de superfície e submarinos, em quepese a quantidade limitada de carga que podeser transportada pelas aeronaves.

Marinhas da Ásia

Nota-se a utilização de navios de médioporte, com capacidade de carregamentorelativamente alta, e que também apresen-tam possibilidade de emprego em outrostipos de operações, como CMM, Opera-ções de Apoio e até de Ataque A/S e desuperfície, como no caso dos navios daclasse Sovremenny (Figura 6), de origemrussa, também utilizados pela China, de-monstrando uma tendência mundial de usode navios com capacidade de minagem emtarefas diversas.

Marinhas da América do Sul

Existem poucas informações sobre navi-os de minagem existentes nas Marinhas daAmérica do Sul. Apesar disso, é sabido queas tarefas de minagem podem ser executa-das com qualquer embarcação, por mais sim-ples que seja, bastando lançar os artefatosao mar, mesmo em pequena quantidade, o

que necessariamentedemandará um tremen-do esforço de CMM.Navios com áreas dearmazenamento, comonavios de desembarquee navios de apoio, dosquais as Marinhas nor-malmente dispõem, porexemplo, são bons can-didatos para este tipo deoperação.

Não devem ser des-prezadas as capacida-des dos submarinosconvencionais, em suamaioria de construção

semelhante à dos submarinos da classe Tupi(IKL), presentes nestas Marinhas, de reali-zar plantio de campos minados ofensivos.

CONCLUSÃO

Percebe-se, diante do exposto, a exis-tência de correntes de doutrina diversasnas Marinhas estudadas, enfatizando orao lançamento de minas por aeronaves, orao lançamento por meios de superfície.

Nessa escolha, deverão ser pesados arapidez necessária para a consecução datarefa, os tipos de campos que serão plan-tados e a capacidade de arcar com os cus-tos para a manutenção dos meios.

Levar-se-á em conta, ainda, a possibili-dade de utilização de meios que possuamcapacidade de minagem em missões diver-sas, enfocando a concepção modular, emvoga tanto em aeronaves, como no casoamericano, como em embarcações de su-perfície, como, por exemplo, no projetoSwath, alemão.

A MB, desde o início do projeto dasminas MFC, na década de 1980, bem antesde outras Marinhas, já vislumbrou esteconceito, que se encontra contemplado na

Figura 6 – Destróier classe Sovremenny, de origem russa

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LANÇAMENTO DE MINAS: QUAL O MELHOR AGENTE LANÇADOR?

utilização do SLM em meios de superfíciede nossa Marinha. Cabe agora ampliar asanálises citadas anteriormente, visandodelinear os próximos passos a seguir no

desenvolvimento, na preparação e na aqui-sição de novos meios capazes de lançarminas, levando-se em conta as tendênciasmundiais na área de Guerra de Minas.

CLASSIFICAÇÃO PARA ÍNDICE REMISSIVO:<GUERRAS>; Guerra de minas; Navio de guerra de minas; Aeronaves;

REFERÊNCIAS

[1] Jane’s Fighting Ships, (http://192.168.13.79/ janes.htm), 2004-2005.[2] Manual de Manuseio da Mina MFC-01/100, 1992.[4] ComOpNav-201 – Manual de Guerra de Minas, 2002.[5] Sítios da internet das diversas Marinhas citadas, 2009.[6] Minelayers (http://en.wikipedia.org/wiki/Minelayer), 2009.[7] Palestra de representante do estaleiro alemão Abeking & Rasmussem, 2009.

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SUMÁRIO

IntroduçãoSoberania – a evolução do conceitoO direito comunitário, a supranacionalidade e a intergovernabilidade

O Direito Comunitário – principais aspectos conceituaisO modelo supranacional e o modelo intergovernamental

A supranacionalidade nos países do MercosulConclusãoReferênciasApêndice A – Legislação

O DIREITO COMUNITÁRIO E ASUPRANACIONALIDADE: INSTRUMENTOS PARA AHARMONIZAÇÃO DAS RELAÇÕES DOS ESTADOS –O MERCOSUL

NELSON MÁRCIO ROMANELI DE ALMEIDACapitão de Corveta (IM)

INTRODUÇÃO

O fenômeno da globalização, cada vezmais presente no contexto mundial, im-

plica uma remodelação dos modelos políti-cos, econômicos e sociais vigentes. De fato,essas mudanças não são uma forma mila-grosa para a solução de todos os proble-mas e, devido ao cenário dinâmico em queestão inseridas, trazem à tona discussõesno campo das relações internacionais, mais

especificamente aquelas concernentes aopapel que os Estados devem desempenharem face das novas tarefas a eles atribuí-das. Nessa esteira de entendimento, há quese reconhecer que diversas característicasdo Estado estão sendo revistas, como, porexemplo, as limitações impostas ao concei-to clássico de soberania.

Atualmente, observa-se que os Estados,por meio da assinatura de tratados, agru-pam-se em blocos econômicos – o chama-

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O DIREITO COMUNITÁRIO E A SUPRANACIONALIDADE: INSTRUMENTOS PARA A HARMONIZAÇÃO DASRELAÇÕES DOS ESTADOS – O MERCOSUL

do regionalismo –, buscando, pelaintegração política, jurídica, econômica esocial, obter condições favoráveis decompetitividade, além de minimizar as con-trovérsias e propiciar a adoção de solu-ções pacíficas, em conjunto, para os pro-blemas sociais em expansão no mundo.

Os Estados, ao buscarem elevar o pata-mar integracionista em que se encontram,se deparam com um dilema no que diz res-peito às suas soberanias: permanecer se-guindo o conceito tradicional de unidade,inalienabilidade e indivisibilidade ou revere flexibilizar este conceito, delegando par-celas de soberania a organismossupranacionais em prol da integração ple-na e da convivência harmoniosa.

Inspirado por essa realidade, o presentetrabalho tem o propósito de analisar a pos-sibilidade da flexibilização do tradicionalconceito de soberania com a consequenteadoção de um modelo jurídico comunitárioe de organismos supranacionais no âmbitodo Mercosul, como forma de assegurar aconvivência pacífica dos Estados.

Assim sendo, na primeira seção serãoapresentados os aspectos relacionados àevolução do conceito de soberania. Emseguida, pretende-se definir e caracterizaro Direito Comunitário, seus fundamentos,origens e fontes, abordando-se os mode-los supranacionais e intergovernamentaisde administração. Finalizando, serão con-sideradas as questões relacionadas à so-berania nos textos constitucionais dos pa-íses que compõem o Mercosul, incluindo aVenezuela, mais novo integrante deste blo-co, verificando-se os possíveis óbices aserem superados para a adoção de um mo-delo supranacional de administração.

SOBERANIA – A EVOLUÇÃO DOCONCEITO

As definições de soberania comumenteaceitas no passado vêm apresentando pro-fundas alterações no decorrer dos tempos.“A origem pode ser fixada no período me-dieval, quando tiveram início as lutas entreos senhores feudais e a realeza, os reis e oimperador, e este com o Papado” (CelsoMello, 1997, p. 338). A evolução desse con-ceito permitiu a construção do Estado mo-derno e a capitulação das relações feudais,consentindo, assim, com o desenvolvimen-to da burguesia.

Na doutrina moderna, foi Jean Bodinquem teceu as primeiras linhas acerca dotema, em sua obra Os seis livros da Repú-blica. Segundo Pereira (2002, p. 22):

A soberania é una e indivisível, nãose delega soberania, a soberania éirrevogável, a soberania é perpétua, asoberania é um poder supremo, eis osprincipais pontos de sua caracterizaçãono século XVII, através da obra deBodin, em sua concepção, um elementoessencial do Estado.

Neste sentido, a soberania pode ser en-tendida como sendo um dos elementos es-senciais do Estado.1 A partir daí, a sobera-nia passa a ser estudada quanto aos as-pectos internos e externos. No âmbito in-terno, os soberanos, ao exercerem todosos seus poderes sobre o povo sem a ne-cessidade de interlocutores, tendiam paraa completa supremacia; externamente, ainexistência de um poder superior aos Es-tados fazia com que os detentores do po-

1 Segundo a FI-328 da Escola de Guerra Naval (EGN), os elementos essenciais do Estado são: população,território e governo. A referida publicação afirma que alguns autores identificam como quartoelemento a soberania, que é o “poder de se autodirigir sem limitações de fora; compreendendo aautonomia, que é a capacidade de dirigir seus negócios internos e a independência, que é a capaci-dade de dirigir seus negócios externos”. (FI-328, p. 2-3)

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der se considerassem iguais entre si e ca-pazes de deliberar sobre a paz e a guerra.

Segundo Barnabé (2003), a primeira vi-são global do conceito de soberania sur-giu após a Guerra dos Trinta Anos, por meiode um acordo firmado entre os países daEuropa – a Paz de Westfália –, o qual reco-nhecia a igualdade e soberania dos gover-nos, marcando o declínio do absolutismo eo surgimento do Estado-Nação. O equilí-brio mundial foi mantido até o início doséculo XX.

Com o fim da Segunda Guerra Mundial,instaurou-se a Pax Americana, quando,então, foram criados organismos internaci-onais no intuito de possibilitar a estrutura-ção, o bom funcionamento e a coordenaçãodas relações entre os Estados. O conceitoremoto de soberania (poder supremo) aindapersistia, exceto quando os Estados cele-bravam tratados2 entre si.

O desenvolvimento histórico, político,econômico e social levou ao questionamen-to quanto à interpretação conceitual desoberania, uma vez que o surgimento dosmais variados fenômenos no âmbito inter-nacional (tribunais, comunidades e orga-nismos supranacionais, por exemplo) repre-sentava, por si só, uma evolução do pen-samento. Dentro deste novo contexto, foiconstatada a necessidade de redefiniçãodas concepções até então vigentes de so-berania por parte dos Estados. Cabe lem-brar, nesta esteira, as lições do professorCelso R. Bastos3 (apud Finkelstein, 2003):

O princípio da soberania é fortemen-te corroído pelo avanço da ordem jurídi-ca internacional. A todo instante repro-duzem-se tratados, conferências, con-venções, que procuram traçar as

diretivas para uma convivência pacíficae para uma colaboração permanente en-tre os Estados... Está caduco o conceitose por ele entendermos uma quantidadecerta de poder que não possa sofrercontraste ou restrição [...]

A ideia tradicional relacionada ao con-ceito clássico parecia não mais se adequarao mundo atual. “O conceito de soberaniapassa, nos dias atuais, por uma completatransformação” (Pereira, 2004, p. 64). A vi-são de um poder uno, incontestável, ina-lienável e indivisível está se descaracteri-zando, devido à necessidade de adoção denormas de caráter internacional, de cunhointegracionista, que trouxessem benefíciosaos Estados. De acordo com Pereira (2004),a globalização veio acentuar a evidência deque o Estado, como ator internacional, per-dera parte da antiga importância que lhe foraconferida historicamente a partir da Paz deWestfália, e, hoje, se vê ameaçado em seupoder e limitado em sua ação. A evoluçãodo relacionamento entre os Estados tam-bém contribui para que o conceito de sobe-rania seja arguido, na medida em que estespercebem que podem exercer suas sobera-nias de forma coletiva e não unitária.

Para Filkensten (2003, p. 81), a nova or-dem global induz os Estados a um movi-mento de integração regional, realidade in-contestável, não predominando as defini-ções clássicas de soberania no Estado deDireito, e, ainda, levando-os a se adapta-rem, no intuito de permitir alcançar êxitoem suas alianças.Cabe destacar que, nosdias de hoje, a soberania não é mais perce-bida no seu sentido irrestrito; em vez dis-so, ela é interpretada de acordo com a or-dem jurídica internacional vigente.

2 Os tratados abrangem todos os acordos formais celebrados entre os Estados (acordos, ajustes, cartas,compromissos, convenções, protocolos).

3 BASTOS Celso Ribeiro. Curso de Teoria do Estado e Ciência Política. 2. ed. São Paulo. Saraiva, 1989. p. 27.

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Assim sendo, a soberania nos dias atu-ais não pode e nem deve ser entendidacomo uma situação de dependência jurídi-ca ou política entre Estados. Os Estadosdevem buscar uma relação de independên-cia no plano interno e interdependência noplano externo. Os fenômenos da globali-zação e da integração regional moldam opensamento no sentido de uma nova con-cepção de soberania nacional. A necessi-dade de coexistência e harmonização dosinteresses dos Estados obriga os mesmosa quebrar os paradigmas existentes, dele-gando parcelas de soberania em prol daintegração. De acordo com Stelzer4 (apudPereira, 2004), em decorrência da globaliza-ção, o conceito de soberania diluiu-se, oque torna possível mencionar a transferên-cia de parcelas soberanas sem comprome-ter a imagem do Estado no cenário mundi-al; ou seja, antes una e absoluta, a sobera-nia passa a demonstrar-se divisível. E ain-da, como lembra Barnabé (2003), diversosautores diferenciam o status jurídico daideia política de soberania: o primeiro pres-supõe a unidade e a indivisibilidade e osegundo pode ser entendido como relati-vo, com a transferência de algumas fun-ções a outros órgãos sem, no entanto, oEstado perder sua soberania.

O DIREITO COMUNITÁRIO, ASUPRANACIONALIDADE E AINTERGOVERNABILIDADE

Com o surgimento da ideia de flexibiliza-ção do conceito de soberania, em que osEstados buscam integração, podendo es-tender suas influências a outros, nasce oconceito de compartilhamento de sobera-nias, por meio do qual não há a renúnciatotal, mas tão somente a cessão de parce-

las a instituições supranacionais. Este é ofundamento do Direito Comunitário (DC).

No presente capítulo serão apresenta-dos os principais aspectos conceituais doDireito Comunitário, abordando-se suas ca-racterísticas, sua origem e suas fontes. Emseguida, será tratada a questão do nível deintegração que um bloco almeja alcançar,traçando-se um breve paralelo entre o mo-delo de administração supranacional e ointergovernamental.

O Direito Comunitário – principaisaspectos conceituais

De acordo com Moi (2004), o DC tevesuas origens na Comunidade EconômicaEuropeia e consiste em uma evolução doDireito Internacional Público (DIP), cujoobjetivo fundamental é “regular as relaçõesentre os Estados soberanos e propiciar osinstrumentos necessários para a manuten-ção da paz na comunidade internacionalou, ao menos, limitar, quando possível, aviolência” (Filkenstein, 2003, p. 33). Con-forme explica Kobe [1994], o DIP possuiduas derivações: O DIP clássico (Direitode Integração) e o DIP moderno (DireitoComunitário). Entende-se como Direito deIntegração a ordem jurídica internacionalclássica decorrente da celebração de trata-dos, em que as decisões são obtidas porconsenso entre os Estados. Já o DireitoComunitário surgiu na Europa diante danecessidade de reerguer um continentedevastado por duas guerras. O conceitode soberania foi reavaliado, e parcelas fo-ram cedidas a instituições supranacionais.

Em se tratando do DC, há que se referirà União Europeia (UE), bloco que melhorrepresenta o regionalismo contemporâneo,“marco inicial no processo de estruturação

4 STELZER, Joana. União Europeia e Supranacionalidade – Desafio ou realidade? Curitiba. EditoraJuruá, 2000, p. 111/116.

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política efetiva e de consolidação da uniãodos Estados-Membros” (Filkenstein, 2003,p. 14), como o modelo que extrapolou oconceito de soberania, caracterizado pelaunidade, indivisibilidade e inalienabilidade.Trata-se de um exemplo bem-sucedido deadoção deste ramo do Direito, fundamen-tado na soberania integrada dos Estados.Tais Estados estabeleceram um quadro ju-rídico único e inovador, abandonando oconceito clássico de soberania. O DC sur-ge à medida que as comunidades perce-bem a necessidade de regulamentar suasrelações, criando um conjunto de regrascoletivas, adequadas e aceitas diretamen-te, ou seja, independentemente de consen-timento dos Estados.

Ainda nas palavras de Almeida (1996),o DC pode ser entendido como sendo umaparcela do Direito que estuda os tratadoscomunitários, sua evolução jurídica e a in-terpretação jurisprudencial das cláusulasestabelecidas nos referidos pactos.

A intenção dos Estados, ao adotaremuma ordem jurídica comunitária, é garantira estabilização e a integridade nas suas re-lações. Os organismos supranacionais nãose propõem a representar os interesses deuma ou mais nações separadamente, massim os da coletividade como um todo, con-ferindo legitimidade ao que foi pactuado.

Segundo Moi (2004), as característicasessenciais do DC são: autonomia da or-dem jurídica comunitária, a aplicabilidadedireta, o efeito jurídico imediato e a aplica-ção das sanções aos Estados que não cum-prirem as normas.

Segundo Sabatto (1998), o ordenamentojurídico comunitário tem como fontes o Di-reito Originário (fontes primárias), o DireitoDerivado (fontes secundárias), a jurispru-dência e os princípios gerais do Direito.

Quando se trata de fontes primárias, háque se mencionar os tratados originários,incluindo anexos, protocolos, ou seja,aqueles documentos que criaram o bloco.Na terminologia jurídica, é também deno-minado Direito Comunitário Primário.

O Direito Derivado, segundo Boulouis5

(apud Sabatto, 1998), trata das fontes for-mais oriundas de atos unilaterais dos orga-nismos supranacionais criados pelos tra-tados. As normas advindas desses acor-dos somente substituem as normas inter-nas dos Estados quando houver a neces-sidade de se estabelecerem regras comuni-tárias, comuns a todos os integrantes dacomunidade. São elas: regulamentos,diretivas, decisões, recomendações e pa-receres. Sua normatização pode ser encon-trada no art. 189 do Tratado de Roma.6

Os regulamentos, como ensina Sabatto(1998), são atos de caráter geral que confe-rem direitos e impõem obrigações de formaampla. São as leis na comunidade abran-gendo a subordinação dos Estados, doscidadãos e das autoridades.

As diretivas configuram, de acordo comSoares7 (apud Moi, 2004), as “expressõesdo poder hierárquico contendo instruçõesdas instituições comunitárias endereçadasaos Estados-Membros”. Estes atos nãotêm como objetivo criar uma regra comuni-tária, mas sim indicar aos destinatários o

5 BOULOUIS, Jean. Doit Institutionnel de L Union Européenne.Paris. Montchrestein, 1995. 392 p.6 Tratado que instituiu a Comunidade Europeia TCE. Artigo 189: “Para desempenho das suas atribuições

e nos termos do presente Tratado, o Parlamento europeu, em conjunto com o Conselho e aComissão, adotam regulamentos e diretivas, tomam decisões e formulam recomendações e pare-ceres [...]” (grifo nosso).

7 SOARES, Mario Lucio Quintão. Direitos Humanos, Globalização e Soberania. Belo Horizonte: Ed.Inédita, 1997.

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que devem fazer para alcançar os objeti-vos traçados pela comunidade em uma de-terminada moldura temporal.

As decisões, assim como os regulamen-tos, são atos por meio dos quais os orga-nismos supranacionais podem interferirdiretamente nos ordenamentos jurídicosinternos dos Estados. São obrigatórias e,caso se dirijam a cidadãos, poderão resul-tar em direitos ou obrigações para estes.Estas modalidades de Direito Derivadopossuem duas características “não habi-tuais no Direito Internacional: o seu cará-ter comunitário, que consiste na particu-laridade de criar um direito igual para todaa comunidade, [...] e a sua aplicabilidadedireta, o que significa que não é necessá-ria sua transposição para o DireitoNacional[...]”(Borchardt, 1991, p. 26, grifodo autor).

As recomendações e pareceres são for-mas com as quais instituições do blocopodem se pronunciar sem, no entanto, cri-arem obrigações de caráter jurídico para osEstados-Membros ou até mesmo para oscidadãos. Possuem um componente morale político na medida em que os Estados osrespeitam, uma vez que os organismossupranacionais têm uma visão global dasituação em tela.

Os atos convencionais – acordos ratifi-cados entre os Estados-Membros e os acor-dos concluídos entre a comunidade e ou-tros países – podem ser entendidos comoo Direito Complementar do DC e, segundoSabatto (1998), são fundamentados nasdecisões das representações governamen-tais dos Estados-Membros, podendo terduas origens: convencional e nas leis na-cionais de conteúdo supranacional.

Todas as fontes citadas acima se cons-tituem em fontes escritas do Direito Comu-nitário. Não se pode esquecer que, como

no Direito comum, existem fontes não es-critas – os princípios gerais do Direito –que, por meio da interpretação, permitem adiminuição das lacunas existentes noordenamento jurídico. Sobre o assunto,cabe lembrar que tais princípios jurídicossão usados como pontos de referência re-lativamente aos princípios gerais do Direi-to. Para Borchardt (1991), são eles: legali-dade, proporcionalidade, segurança jurídi-ca, boa-fé, proibição da discriminação,igualdade e modalidade da responsabili-dade extracontratual da comunidade pordanos causados por suas instituições oupor seus agentes.

Desta forma, depreende-se que o DC,com seus respectivos instrumentos de apli-cação, pode ser considerado como sendouma importante ferramenta, não só parafortalecer o relacionamento entre os Esta-dos como também para equilibrar e atribuirjustiça a tais relações. A ordem jurídica co-munitária exerce grande influência no dia adia da comunidade, atribuindo direitos eestabelecendo obrigações não só aos ci-dadãos, mas também aos Estados. A suaaplicabilidade direta e a primazia sobre oDireito Nacional afiançam que os acordosfirmados serão cumpridos, o que faz comque este ramo do Direito possa ser consi-derado, latu sensu,8 um dos sustentáculosda convivência pacífica entre os Estados.

Sobre este ponto específico, Borchardt(1991, p. 44) explica que:

Uma outra característica hoje já his-tórica da ordem jurídica comunitária é asua influência na manutenção da paz.Tendo como objetivo a manutenção dapaz e da liberdade, substitui a força pelasolução jurídica dos conflitos, unindotanto os Estados-Membros como os ci-dadãos numa comunidade solidária. A

8 Termo em latim que significa “em sentido geral, amplo e irrestrito”.

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referida ordem jurídica é, assim, um ins-trumento importante para o estabeleci-mento e manutenção da paz.

Percebe-se, então, que a existência detal ordenamento jurídico é um importanteinstrumento mantenedor da paz no interiordo bloco, uma vez que as possíveis con-trovérsias podem ser resolvidas na esferajurídica, sendo mediadas por um organis-mo supranacional com competência paratal, sem que seja necessário apelar para autilização da força.

O Modelo Supranacional e o ModeloIntergovernamental

Quando se trata da questão da suprana-cionalidade e a da intergovernabilidade, háque se mencionar “o grau de integração queo bloco deve almejar” (Barnabé, 2003, p. 73).A UE, estágio bastante avançado deintegração, é o único exemplo prático desupranacionalidade nos dias de hoje, em queos Estados exercem suas soberanias de for-ma compartilhada. Já a intergovernabilidade,princípio adotado pelo Mercosul, pressu-põe um consenso entre os Estados-Mem-bros, necessitando-se internalizar9 as nor-mas emanadas do bloco.

Neste contexto, cabe citar o diplomataGuido Soares10 (apud Borja, 1996), que afir-ma que o grau de supranacionalidade dosEstados pode ser avaliado pela configura-ção das competências de seus órgãosdecisórios e pelo alcance dos podereslegislativos relativos a atos com vigênciaimediata, que os Estados que compõem o

bloco a eles delegaram de acordo com asnormas primárias compreendidas nos ins-trumentos constitutivos da organização.

Conforme asseveram Lupatelli e Martins(2004), a administração intergovernamentalé baseada na ordem jurídica internacionalclássica advinda de tratados internacio-nais, em que inexiste prevalência das nor-mas comunitárias em relação às normas in-ternas dos Estados. Pode ser resumida emuma cooperação de Estados soberanos, naqual é observada uma relação de coorde-nação horizontal de soberanias, ou seja,não existe um poder superior aos Estados.

Barnabé (2003) explica que as decisõesintergovernamentais são provenientes deanuência dos Estados, e não há distinçãoentre adotar, nos ordenamentos jurídicosnacionais, as normas provenientes da comu-nidade ou aquelas produzidas nas relaçõescom outros países. A lentidão, muitas vezespresente na recepção de tais normas,11 repre-senta um entrave ao desenvolvimento do blo-co, que necessita de rapidez na aplicabilidadede suas decisões. Observa-se, neste caso,uma relação de dependência entre o proces-so de integração e a vontade política dosEstados. Na verdade, este modelo é adotadopor blocos onde existem Estados que aindanão atingiram a maturidade jurídica suficien-te para rever, flexibilizar e adequar o clássicoconceito de soberania à realidade atual.

A supranacionalidade surgiu inicialmen-te na UE e, segundo Reis (2001), emborahaja controvérsias, consiste basicamente:

Na existência de instâncias indepen-dentes de poder estatal, as quais não

9 Internalizar ou recepcionar uma norma significa incorporá-la ao ordenamento jurídico interno doEstado. Na UE, que adota a supranacionalidade, as normas emanadas pelas instituições supranacionaissão recebidas e acatadas automaticamente pelos ordenamentos jurídicos internos.

10 Soares, Guido F.S. A compatibilização da Aladi e do Mercosul com o Gatti. Boletim de IntegraçãoLatino-americano no 16 – 04.1995 – Ministério das Relações Exteriores.

11 Cabe citar o próprio Protocolo de Ouro Preto, que, mesmo tendo sido assinado em 1994, somente foiincorporado ao ordenamento jurídico brasileiro em 1996.

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estão submetidas a seu controle; nasuperação da regra da unanimidade edo mecanismo do consenso, já que asdecisões no âmbito das competênciasestabelecidas pelo tratado instituidorpodem ser tomadas por maioria (ponde-rada ou não); e no primado do direitocomunitário: as normas originadas dasinstituições supranacionais têm aplica-bilidade imediata nos ordenamentos ju-rídicos internos e não necessitam de ne-nhuma medida de recepção dos esta-dos. (Reis, 2001 p. 65).

Desta forma, salienta-se que órgãos compoderes independentes dos Estados sãocapazes de ditar normas obrigatórias, deaplicabilidade direta e de efeito jurídicoimediato a todos os membros. Os Estadossão obrigados a acatar as decisões prove-nientes destes órgãos, ou seja, sob esteenfoque observa-se sua superioridade hi-erárquica em relação aos Estados.

Para a adoção da supranacionalidade,há que se conferir uma nova interpretaçãoao princípio clássico da soberania absolu-ta, em face da necessidade de adequaçãodos Estados ao contexto mundial vigente.

No que diz respeito ao aspecto da suprana-cionalidade inerente aos processos integra-cionistas, Filkenstein (2003) também asseveraque, a despeito do sucesso da supranacio-nalidade como forma de administrar, poucossão os blocos econômicos que já evoluíramcriando instituições supranacionais. Muitosadotam a intergovernabilidade com muito su-cesso e, a exemplo do Nafta, não pretendemcriar órgãos supranacionais corroborando aideia de que esta modalidade de administra-ção não é a razão para a ruína de qualquerbloco econômico.

Analisando a questão, depreende-seque a adoção por si só de instituiçõessupranacionais não pode ser consideradacomo uma solução salvadora para que sejaalcançado o desenvolvimento pleno. Asupranacionalidade implica o reconheci-mento por parte dos Estados de objetivoscomuns e a sujeição às decisões emana-das pelos organismos comunitários. Háque estar presente, desta forma, a vontadepolítica de se adotar tais instituições ou deimplementar as decisões comunitárias emnível local. Não basta simplesmente redigiras normas, tratados ou acordos. Há que secumpri-los. O que se busca ao suprana-cionalizar não é a criação de um Estadoúnico, mas de Estados soberanos, próspe-ros e integrados.

Criniti Alves12 (apud Barnabé, 2003) de-fende a criação de organismos supranacio-nais como medida para o sucesso dos blo-cos econômicos e afirma que uma estrutu-ra organizacional una e supraestatal é im-perativa para que as relações entre os Es-tados-Membros se fortaleçam e para a con-solidação de um Mercado Comum.

Sendo assim, pode-se afirmar que aintergovernabilidade, em que os Estados-Membros continuam “absolutamente so-beranos”, representa um modelo interme-diário de administração entre o conceitoclássico de soberania e a evolução para aadoção da supranacionalidade. A necessi-dade de internalizar as decisões emanadaspelo bloco acarreta uma morosidade na efe-tiva aplicação desses atos.

O caráter supranacional nos processosintegracionistas adotado pela UE está atre-lado à ideia de que a soberania não é incon-testavelmente intocável e absoluta. A aferi-ção de um caráter supranacional a um bloco

12 CRINITI ALVES, R. J. O processo de institucionalização do Mercosul – a consolidação de uma novaarquitetura institucional para o Cone Sul. Tese de Doutorado (Faculdade de Filosofia, Letras eCiências Humanas) – USP. São Paulo, 2002.

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regional possibilita sua participação maisefetiva no cenário mundial. As instituiçõessupranacionais criadas garantem a imparci-alidade no bloco, uma vez que as normasemanadas não devem estar vinculadas anenhum Estado isoladamente, proporcio-nando a segurança jurídica e a estabilidadeaos Estados, devido à uniformidade na in-terpretação e aplicação destas normas.

A SUPRANACIONALIDADE NOSPAÍSES DO MERCOSUL

O Protocolo de Ouro Preto, em seu arti-go 38,13 apresenta uma dicotomia ao afir-mar a necessidade de que as normasadvindas dos órgãos do bloco sejam efeti-vamente cumpridas, a despeito de sua na-tureza intergovernamental de administra-ção. Torna-se uma tarefa difícil exigir o cum-primento tempestivo das normas de Esta-dos que decidem a conveniência da aplica-ção destas normas ou não e que podemincorporar a seus ordenamentos internostão somente aquelas que lhes interessa-rem. Na medida em que é intenção evoluirpara um Mercado Comum, é imperioso bus-car avaliar e harmonizar as legislações dosEstados, o que permitirá a concretizaçãode um processo de integração plena doCone Sul.

O texto constitucional uruguaio, emseus artigos 2o e 6o, demonstra a finalidadedo legislador em deixar expressa a inten-ção de liberdade e independência em rela-ção a todo poder estrangeiro, além de reali-zar a tão almejada integração social e eco-nômica dos Estados sul-americanos, prin-cipalmente no que concerne à defesa deseus produtos e matérias-primas, mas ain-da tomando o conceito de soberania na suaforma clássica, inflexível às mudanças

diuturnas que vêm acontecendo no cená-rio mundial. Nota-se que a soberania éenxergada como sendo uma “capa proteto-ra” do Estado em relação a interferênciasexternas, ou seja, o Uruguai, na sua Cons-tituição, apenas menciona que busca aintegração, sem, no entanto, aludir expres-samente à criação de órgãos superiores.

Em se tratando do Paraguai, o artigo 145de sua Constituição admite expressamentea adoção de uma ordem jurídica suprana-cional que garanta a vigência dos direitoshumanos, da paz, da justiça, da coopera-ção e do desenvolvimento político, econô-mico, social e cultural, fazendo, desta for-ma, com que este Estado esteja pronto parauma possível adesão ao ordenamento jurí-dico comunitário. Pode-se afirmar que suaConstituição, promulgada em 1992, “ratifi-ca por um lado, através do preâmbulo, asoberania e a independência nacionais, nãose opõe à integração, ao contrário, a vêcom bons olhos, admitindo, para inveja deseus parceiros do Mercosul, a criação deum ordenamento jurídico supranacional[...]” (Pereira, 2002, p. 87).

Em 1994, houve uma revisão no textoconstitucional argentino, em que foram con-sideradas modificações profundas no sen-tido de serem delegadas competências a ins-titutos supranacionais, em condições de re-ciprocidade e igualdade e que fossem res-peitados a ordem democrática e os direitoshumanos (artigo 75). Tal revisão “dotou-ado mais moderno e eficaz ordenamento cons-titucional dentre aqueles que integram ecompreendem o Mercosul, servindo comoreferencial àqueles que intentem modificarseu ordenamento jurídico a propósito daintegração” (Pereira, 2002, p. 88). A Argenti-na, portanto, já possui os mecanismos cons-titucionais que a habilitam ao ingresso no

13 O APÊNDICE A contém a legislação mencionada no presente capítulo, com suas respectivas tradu-ções (quando for o caso).

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rol das nações que têm a possibilidade deadotar institutos e normas comunitárias.

A Constituição Brasileira de 1988 possuium verdadeiro emaranhado de regras quecerceiam a utilização de um ordenamento co-munitário. Inicialmente, o parágrafo único doartigo 4o preconiza, de maneira ampla, a su-posta integração latino-americana. Já o arti-go 5o, inciso XXXV, não permite que lesõesou ameaças aos direitos dos cidadãos, aí in-cluídas também aquelas advindas de orga-nismos comunitários, não sejam apreciadaspelo Judiciário. Ao redigir os artigos 22, 23 e24, que atribuem competências à União, Es-tados, Municípios e ao Distrito Federal, olegislador, aparentemente, não se preocupoucom a evolução constante em que se encon-tra o panorama mundial, não prevendo a pos-sibilidade de cessão de poderes a institui-ções supranacionais. Por sua vez, o parágra-fo 4o do artigo 60 assevera que quaisquerdeliberações que tendam a abolir direitos egarantias fundamentais não poderão ser ob-jeto de emendas à Constituição. Em uma pri-meira análise desses artigos, percebe-se umcontrassenso do legislador em ensejar aintegração política e formar uma comunidadeeconômica sem mencionar a permissão emadotar regras comunitárias, bem como de ór-gãos supranacionais de decisão. Ao não ci-tar expressamente a possibilidade de que oEstado se submetesse a decisões proveni-entes de órgãos externos, o legislador mani-festou-se tendendo a uma corrente naciona-lista como forma de resguardar o Brasil depossíveis intervenções externas dos paísesque detêm o poder no concerto das nações,sem que houvesse a preocupação para asconstantes alterações que os rumos do ce-nário mundial vêm sofrendo no decorrer dahistória.

Lupatelli e Martins (2004) lembram queem 1995 foi proposto um Projeto de Emen-da Constitucional (PEC) que viabilizaria avalidade imediata de diretivas e decisões

advindas de instituições internacionais,uma vez que o Brasil tivesse ratificado ostratados e que fosse previsto que organis-mos supranacionais pudessem tomar taisdecisões. Esta foi uma tentativa dos cha-mados internacionalistas que buscavam aimplementação de um conceito de sobera-nia mais flexível e, sobretudo, adequado àsaspirações do Brasil no cenário mundial.Caso tal PEC tivesse sido aprovado, seriaobservada a vigência imediata dessas de-cisões sem haver a necessidade de recep-ção interna (internalização).

A Venezuela, a mais nova nação inte-grante do Mercosul, já está pronta para arecepção de normas comunitárias, na me-dida em que prevê expressamente, em seutexto constitucional (artigo 153), a integra-ção latino-americana, com a criação de umacomunidade de nações para a defesa dosinteresses econômicos, sociais, culturais,políticos e ambientais. Para tal poderão serassinados tratados internacionais para acoordenação de esforços para promover odesenvolvimento comum, além da criaçãode organizações supranacionais de formaa contribuir para efetivar esta integraçãodas nações latino-americanas.

A experiência bem-sucedida da UE, emque pesem as diferenças culturais e histó-ricas, demonstra que a delegação de pode-res por meio da cessão parcial de sobera-nia é o meio mais eficiente que proporcio-na não só o bem geral do bloco, que sesobrepõe ao bem individual de cada Esta-do, mas também a segurança jurídica e aconvivência harmoniosa entre os Estados.

Para corroborar esta ideia, cabe citarFilkensten (2003, p. 23), que afirma: “In-concebível é imaginar que a integração iráse aprofundar a níveis extremos sem a cria-ção de órgãos supranacionais, entendidoscomo sendo órgãos com poder último demando dentro do contexto comunitário emque se inserem”. Nesta esteira, conforme

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expõe Kobe [1994], nenhum bloco econô-mico que tenha a ambição de se tornar umMercado Comum dispondo de livre circu-lação de pessoas, mercadorias, capitais eserviços pode progredir sem que seusmembros tenham um poder supranacionalque defina as regras a serem seguidas portodos eles; que exija o cumprimento dasmesmas e que possibilite aos cidadãos quea ele pertencem a segurança de seus direi-tos e deveres neste novo espaço econômi-co político e social.

A adoção da supranacionalidade sinali-za como sendo uma janela de oportunidadeque se abre no sentido de se reduzirem asbarreiras “intrabloco”, na medida em que asdecisões terão como foco os interesses dacomunidade. Tais decisões serão obrigató-rias e atenderão às demandas de melhoriade condições do bloco como um todo e nãoàs especificidades dos seus integrantes.

O Paraguai, a Argentina e a Venezuela jápreveem em seus textos constitucionais aadoção de organismos comunitários esupranacionais. O Uruguai apenas menci-ona a integração, sem, no entanto, aludir àflexibilização do conceito de soberania e àcriação de mecanismos supranacionais. OBrasil, em 1995, propôs um alinhamentocom o conceito de supranacionalidade, masainda se encontra seguindo o conceito tra-dicional de soberania.

Enfim, implementar uma administraçãosupranacional no Mercosul, bloco quebusca ser, em um futuro próximo, um Mer-cado Comum, não pode ser um sonho, massim uma realidade sem volta. Isto realmen-te é possível, desde que o Uruguai e o Bra-sil, por meio de uma reflexão política, reve-jam seus textos constitucionais buscandoa harmonização legislativa, o que possibi-litará atingir a maturidade, além de permitiruma nova interpretação ao conceito desoberania, adequando-o à dinâmica do con-texto mundial.

CONCLUSÃO

Atualmente o regionalismo está inseri-do no contexto de globalização e represen-ta uma solução adotada pelos Estados vi-sando à obtenção de condições comerci-ais mais favoráveis, além de reduzir as pos-síveis controvérsias entre seus membros.Para evoluir em direção à integração plena,os Estados necessitam rever e flexibilizar otradicional conceito de soberania, aludin-do à possibilidade de delegação de parce-las em face de instituições supranacionais.Este é o caso do Mercosul, bloco econô-mico “jovem” que tenciona atingir o statusde um Mercado Comum.

O clássico conceito de soberania una,indivisível e absoluta é arguido à medidaque os Estados, ao assinarem tratados, seagrupam em blocos econômicos para ga-rantir maior competitividade no cenáriomundial, além de buscarem a convivênciapacífica. A necessidade de harmonizaçãodos interesses dos Estados os leva a dele-gar parcelas de soberania em prol daintegração. O conceito de soberania estádiluído, sendo possível transferir partessem que a imagem do Estado seja compro-metida no concerto das nações. Essa so-berania compartilhada é o fundamento doDireito Comunitário, em que são observa-das cessões de parcelas de soberania aorganismos supranacionais que possuemo poder de emitir normas de caráter obriga-tório e efeito jurídico imediato.

A existência de um ordenamento jurídicocomunitário e seus instrumentos atribui le-gitimidade ao relacionamento dos Estados,reduz as injustiças e equilibra suas relações,assegurando a certeza jurídica de que serácumprido devido à sua primazia sobre o Di-reito Nacional. Cabe ressaltar também que,devido à substituição da utilização da forçapela esfera jurídica na solução de contro-vérsias, o DC, por meio dos organismos

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supranacionais competentes, contribui paraa convivência harmoniosa e para a manu-tenção da paz no interior do bloco.

O modelo de administração intergoverna-mental adotado pelo Mercosul representa umestágio intermediário entre o conceito clássi-co de soberania (una e indivisível) e a evolu-ção para a adoção da supranacionalidade.

Já o sistema supranacional, seguido pelaUE, que é o grande exemplo do regionalis-mo contemporâneo, assevera que a sobe-rania não é absoluta. As instituiçõessupranacionais conferem imparcialidadenas decisões tomadas pelos organismos,pois estas não estão vinculadas a nenhumEstado isoladamente, além de proporcio-nar segurança jurídica e estabilidade aosEstados, já que a interpretação e aplicaçãodessas normas se dão em caráter uniforme.

Dos textos constitucionais dos paísesque compõem o Mercosul, percebe-se queo Paraguai, a Argentina e a Venezuela jápreveem expressamente a possibilidade deadoção de um ordenamento jurídico comu-nitário. O Uruguai apenas menciona aintegração, sem, no entanto, aludir à cria-ção de mecanismos supranacionais. O Bra-sil, que em 1995 propôs, sem sucesso, umalinhamento com o conceito de supranacio-

nalidade, ainda se encontra atrelado aoconceito tradicional de soberania.

A adoção da supranacionalidade podeser uma saída para minimizar as dificulda-des “intrabloco”, uma vez que as decisõesterão como foco os interesses comunitári-os, além de serem imediatamente aplicadase atenderem às demandas de melhoria decondições do bloco e não às especifici-dades dos seus integrantes.

Destarte, da análise das questões abor-dadas no presente trabalho (a evolução doconceito de soberania, os principais aspec-tos conceituais do Direito Comunitário e aapreciação dos textos constitucionais dospaíses “mercosulinos”), conclui-se que“supranacionalizar” o Mercosul não podeser uma utopia, mas uma realidadeirreversível. A flexibilização do conceito desoberania é possível de ser alcançada, des-de que o Uruguai e o Brasil, países aindade natureza intergovernamental, promovama necessária harmonização constitucional,possibilitando, juntamente com os outrosEstados do bloco, a adoção de um orde-namento jurídico comunitário e de organis-mos supranacionais, que podem ser consi-derados sustentáculos para a convivênciapacífica dos Estados.

CLASSIFICAÇÃO PARA ÍNDICE REMISSIVO:<RELAÇÕES INTERNACIONAIS>; Direito; Mercosul; Integração Sul-Americana; Políticainternacional;

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APÊNDICE ALEGISLAÇÃO

Protocolo de Ouro Preto

Artigo 38 – Os Estados Partes comprometem-se a adotar todas as medidas necessárias para assegurar,em seus respectivos territórios, o cumprimento das normas emanadas dos órgãos do Mercosul previstosno artigo 2o deste Protocolo.Artigo 2o – São órgãos com capacidade decisória, de naturezaintergovernamental, o Conselho do Mercado Comum, o Grupo Mercado Comum e a Comissão deComércio do Mercosul. (grifo nosso)

Constituição Uruguaia

“Artículo 2o – Ella es y será para siempre libre e independiente de todo poder extranjero.”Artigo 2o – Ela é e será para sempre livre e independente de todo poder estrangeiro (tradução nossa).“Artículo 6o – En los tratados internacionales que celebre la República propondrá la cláusula de que todas

las diferencias que surjan entre las partes contratantes, serán decididas por el arbitraje u otros mediospacíficos. La República procurará la integración social y económica de los Estados Latinoamericanos,especialmente en lo que se refiere a la defensa común de sus productos y materias primas.”

Artigo 6o – Nos contratos internacionais celebrados, a República proporá cláusulas de que todas asdiferenças que surjam entre as partes contratantes sejam decididas por arbitragem ou outros meiospacíficos. A República procurará a integração social e econômica dos Estados latino-americanos, especi-almente no que se refere à defesa comum de seus produtos e matérias-primas (tradução nossa).

Constituição Paraguaia

“Artículo 145 – La República del Paraguay, en condiciones de igualdad con otros Estados, admite unorden jurídico supranacional que garantice la vigencia de los derechos humanos, de la paz, de la justicia,de la cooperación y del desarrollo, en lo político, económico, social y cultural.”

Artigo 145 – A República do Paraguai, em condições de igualdade com outros Estados, admite umordenamento jurídico supranacional que garanta a vigência dos direitos humanos, da paz, da justiça, dacooperação e do desenvolvimento no campo político, econômico, social e cultural (tradução e grifo nossos).

Constituição Argentina

“Artículo 75 – Corresponde al Congreso: 24. Aprobar tratados de integración que deleguen competenciay jurisdicción a organizaciones supraestatales en condiciones de reciprocidad e igualdad, y que respeten elorden democrático y los derechos humanos. Las normas dictadas en su consecuencia tienen jerarquíasuperior a las leyes.”

Artigo 75 – Compete ao Congresso: 24. Aprovar tratados de integração que deleguem competência ejurisdição a organizações supraestatais em condições de reciprocidade e igualdade, e que respeitem aordem democrática e os direitos humanos. As normas advindas desses tratados serão hierarquicamentesuperiores às leis (tradução e grifo nossos).

Constituição Venezuelana

“Artículo 153 – La República promoverá y favorecerá la integración latinoamericana y caribeña, enaras de avanzar hacia la creación de una comunidad de naciones, defendiendo los intereses económicos,sociales, culturales, políticos y ambientales de la región. La República podrá suscribir tratadosinternacionales que conjuguen y coordinen esfuerzos para promover el desarrollo común de nuestrasnaciones, y que aseguren el bienestar de los pueblos y la seguridad colectiva de sus habitantes. Para estosfines, la República podrá atribuir a organizaciones supranacionales, mediante tratados, el ejercicio de lascompetencias necesarias para llevar a cabo estos procesos de integración[...] Las normas que se adoptenen el marco de los acuerdos de integración serán consideradas parte integrante del ordenamiento legalvigente y de aplicación directa y preferente a la legislación interna.”

Artigo 153 – A República promoverá e favorecerá a integração latino-americana e caribenha deforma a criar uma comunidade de nações, defendendo os interesses econômicos, sociais, culturais, polí-

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ticos e ambientais da região. A República poderá assinar tratados internacionais que conjuguem e coorde-nem esforços para promover o desenvolvimento comum de nossas nações e que assegurem o bem-estardos povos e a segurança coletiva de seus habitantes. Para estes fins, a República poderá atribuir aorganizações supranacionais, mediante tratados, o exercício das competências necessárias paraconsolidar esses processos de integração [...] As normas que forem adotadas nesses acordos serão consi-deradas parte integrante do ordenamento legal vigente, de aplicação direta e com primazia emrelação à legislação interna (tradução e grifo nossos).

Constituição Brasileira

Art. 4o, Parágrafo único. A República Federativa do Brasil buscará a integração econômica, política,social e cultural dos povos da América Latina, visando à formação de uma comunidade latino-americanade nações.

Art. 5o Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileirose aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, àsegurança e à propriedade, nos termos seguintes:

XXXV – A lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito.Art. 22. Compete privativamente à União legislar sobre:I – direito civil, comercial, penal, processual, eleitoral, agrário, marítimo, aeronáutico, espacial e do

trabalho;II – desapropriação;III – requisições civis e militares, em caso de iminente perigo e em tempo de guerra;IV – águas, energia, informática, telecomunicações e radiodifusão;V – serviço postal;VI – sistema monetário e de medidas, títulos e garantias dos metais;VII – política de crédito, câmbio, seguros e transferência de valores;VIII – comércio exterior e interestadual;IX – diretrizes da política nacional de transportes;X – regime dos portos, navegação lacustre, fluvial, marítima, aérea e aeroespacial;XI – trânsito e transporte;XII – jazidas, minas, outros recursos minerais e metalurgia;XIII – nacionalidade, cidadania e naturalização;XIV – populações indígenas;XV – emigração e imigração, entrada, extradição e expulsão de estrangeiros;XVI – organização do sistema nacional de emprego e condições para o exercício de profissões;XVII – organização judiciária, do Ministério Público e da Defensoria Pública do Distrito Federal e dos

Territórios, bem como organização administrativa destes;XVIII – sistema estatístico, sistema cartográfico e de geologia nacionais;XIX – sistemas de poupança, captação e garantia da poupança popular;XX – sistemas de consórcios e sorteios;XXI – normas gerais de organização, efetivos, material bélico, garantias, convocação e mobilização

das polícias militares e corpos de bombeiros militares;XXII – competência da polícia federal e das polícias rodoviária e ferroviária federais;XXIII – seguridade social;XXIV – diretrizes e bases da educação nacional;XXV – registros públicos;XXVI – atividades nucleares de qualquer natureza;XXVII – normas gerais de licitação e contratação, em todas as modalidades, para as administrações

públicas diretas, autárquicas e fundacionais da União, Estados, Distrito Federal e Municípios, obedecido odisposto no art. 37, XXI, e para as empresas públicas e sociedades de economia mista, nos termos do art.173, § 1o, III;

XXVIII – defesa territorial, defesa aeroespacial, defesa marítima, defesa civil e mobilização nacional;XXIX – propaganda comercial.Parágrafo único. Lei complementar poderá autorizar os Estados a legislar sobre questões específicas

das matérias relacionadas neste artigo.Art. 23. É competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios:

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O DIREITO COMUNITÁRIO E A SUPRANACIONALIDADE: INSTRUMENTOS PARA A HARMONIZAÇÃO DASRELAÇÕES DOS ESTADOS – O MERCOSUL

I – zelar pela guarda da Constituição, das leis e das instituições democráticas e conservar o patrimôniopúblico;

II – cuidar da saúde e assistência pública, da proteção e garantia das pessoas portadoras de deficiência;III – proteger os documentos, as obras e outros bens de valor histórico, artístico e cultural, os

monumentos, as paisagens naturais notáveis e os sítios arqueológicos;IV – impedir a evasão, a destruição e a descaracterização de obras de arte e de outros bens de valor

histórico, artístico ou cultural;V – proporcionar os meios de acesso à cultura, à educação e à ciência;VI – proteger o meio ambiente e combater a poluição em qualquer de suas formas;VII – preservar as florestas, a fauna e a flora;VIII – fomentar a produção agropecuária e organizar o abastecimento alimentar;IX – promover programas de construção de moradias e a melhoria das condições habitacionais e de

saneamento básico;X – combater as causas da pobreza e os fatores de marginalização, promovendo a integração social

dos setores desfavorecidos;XI – registrar, acompanhar e fiscalizar as concessões de direitos de pesquisa e exploração de recursos

hídricos e minerais em seus territórios;XII – estabelecer e implantar política de educação para a segurança do trânsito.Parágrafo único. Lei complementar fixará normas para a cooperação entre a União e os Estados, o

Distrito Federal e os Municípios, tendo em vista o equilíbrio do desenvolvimento e do bem-estar emâmbito nacional.

Art. 24. Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre:I – direito tributário, financeiro, penitenciário, econômico e urbanístico;II – orçamento;III – juntas comerciais;IV – custas dos serviços forenses;V – produção e consumo;VI – florestas, caça, pesca, fauna, conservação da natureza, defesa do solo e dos recursos naturais,

proteção do meio ambiente e controle da poluição;VII – proteção ao patrimônio histórico, cultural, artístico, turístico e paisagístico;VIII – responsabilidade por dano ao meio ambiente, ao consumidor, a bens e direitos de valor

artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico;IX – educação, cultura, ensino e desporto;X – criação, funcionamento e processo do juizado de pequenas causas;XI – procedimentos em matéria processual;XII – previdência social, proteção e defesa da saúde;XIII – assistência jurídica e defensoria pública;XIV – proteção e integração social das pessoas portadoras de deficiência;XV – proteção à infância e à juventude;XVI – organização, garantias, direitos e deveres das polícias civis.§ 1o – No âmbito da legislação concorrente, a competência da União limitar-se-á a estabelecer normas

gerais.§ 2o – A competência da União para legislar sobre normas gerais não exclui a competência suplemen-

tar dos Estados.§ 3o – Inexistindo lei federal sobre normas gerais, os Estados exercerão a competência legislativa

plena, para atender a suas peculiaridades.§ 4o – A superveniência de lei federal sobre normas gerais suspende a eficácia da lei estadual, no que lhe

for contrário.

Art. 60. A Constituição poderá ser emendada mediante proposta:§ 4o – Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir:IV – os direitos e garantias individuais.

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SUMÁRIO

Definição de ANS e históricoEstabelecimento dos níveis de serviçoOutsourcing no serviço públicoExemplos de possibilidades de aplicação prática na MBConsiderações finais

ACORDOS DE NÍVEIS DE SERVIÇOS ETERCEIRIZAÇÃO: APLICAÇÃO E IMPLICAÇÕES NOSERVIÇO PÚBLICO E NA MARINHA DO BRASIL

IGOR DE ASSIS SANDERSON DE QUEIROZ Capitão-Tenente (IM)

DEFINIÇÃO DE ANS E HISTÓRICO

Um Acordo de Nível de Serviço (ANS) 1é a definição formal em um contrato

entre entidades do nível da prestação daobrigação acordada, o qual será mensuradopela fiscalização por meio de indicadoresde desempenho.

A inclusão deste tipo de acordo em con-tratos teve início nos primeiros anos da dé-cada de 1980, nas concessões a empresasoperadoras de telefonia nos Estados Unidos.

Na época, as necessidades no campo dastelecomunicações, especialmente no setorempresarial, cresciam de tal forma que exigi-am das operadoras investimentos cuja or-dem de grandeza nem sempre possibilitava opleno atendimento dos anseios dos clientes,provocando um aumento substancial de de-mandas judiciais de corporações que se sen-tiam prejudicadas, por avaliarem a prestaçãodos serviços como abaixo do aceitável.

O mérito deste tipo de ação judicial eracertamente muito difícil de julgar, uma vez

1 Expressão derivada do idioma inglês Service Level Agreement (SLA).

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ACORDOS DE NÍVEIS DE SERVIÇOS E TERCEIRIZAÇÃO: APLICAÇÃO E IMPLICAÇÕES NO SERVIÇO PÚBLICO ENA MARINHA DO BRASIL

que não havia uma definição legal que es-tabelecesse qual seria o nível mínimo acei-tável da prestação dos serviços, de formaque a falta de critérios previamente fixadospossibilitava a argumentação plausível deambas as partes, acalorando os litígios.

Surgiu então a ideia de formalizar, por oca-sião da contratação, os padrões que deveri-am ser atendidos, a fim de definir uma estru-tura mensurável para a gestão da qualidade eda quantidade dos serviços a serem presta-dos, atendendo às expectativas dos clientesa partir de um entendimento claro dos com-promissos assumidos e garantindo que con-tratante e contratadoutilizariam os mesmoscritérios para a avalia-ção dos serviços.

Embora seja com-provadamente um efici-ente método para faci-litar a avaliação da ges-tão de empresas, a utili-zação de acordos deníveis de serviço aindanão é muito utilizadanos órgãos públicos. Para ilustrar o caso bra-sileiro, em 2008 o Tribunal de Contas da União,no Acórdão no 1.603/2008, divulgou que 74%da Administração Pública Federal não fazia agestão de níveis de serviços.

De acordo com o Ministro BenjamimZymler, do Tribunal de Contas da União, “aprestação de um bom serviço para os cida-dãos é, em última instância, o negócio de todainstituição pública. A definição do que é um‘bom serviço’, sintonizado às expectativasdos clientes com a oferta, é exatamente o queconstitui um acordo de nível de serviço.”2

ESTABELECIMENTO DOS NÍVEIS DESERVIÇO

A determinação dos níveis de serviço aserem incluídos no acordo deve seguir critéri-os objetivos, que possibilitem a fiscalizaçãocorrente de seu cumprimento. A auditoria deveser feita por meio da medição de indicadoresde desempenho, que podem considerar, porexemplo, tempo de disponibilidade de siste-mas, incidência de erros em processos eperformance. Também podem estes indicado-res variar conforme a prioridade das solicita-ções, que podem ter diferentes classificações.

Sugere-se a utilizaçãode indicadores Smart(Specific, Measurable,Achievable, Realistic eTimetable)3, de formaque os anseios da con-tratante possam ser atin-gidos, considerando-sea real capacidade dacontratada.

Esta premissa nãopermite que os acor-

dos de nível de serviços sejam utilizadospara quaisquer tipos de obrigações, massomente para aquelas cujos resultadospossam ser medidos, não necessitando deavaliações subjetivas. Ainda, a existênciade um ANS não exime o contratante da res-ponsabilidade de definir minuciosamenteo objeto por ocasião da contratação.

A aplicação de ANS vem se mostrandoespecialmente útil nas crescentes relaçõesde outsourcing4. Para tal, devem estar des-critas no acordo as penalidades para de-sempenhos abaixo das metas, bem como

2 ZYMLER, Benjamim. Levantamento acerca da Governança de Tecnologia da Informação na Adminis-tração Pública Federal/Tribunal de Contas da União. Brasília: TCU, Secretaria da Fiscalização deTecnologia da Informação, 2008, p. 23.

3 Específicos, mensuráveis, atingíveis, realistas e com datas/cronogramas definidos.4 Terceirização de serviços, cujo principal objetivo nas empresas é a redução de custos não operacionais.

A definição do que é um‘bom serviço’, sintonizadoàs expectativas dos clientescom a oferta, é exatamenteo que constitui um acordo

de nível de serviço

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ACORDOS DE NÍVEIS DE SERVIÇOS E TERCEIRIZAÇÃO: APLICAÇÃO E IMPLICAÇÕES NO SERVIÇO PÚBLICO ENA MARINHA DO BRASIL

devem-se possibilitar recompensas pararesultados acima do esperado.

A utilização de acordos de nível de servi-ço na terceirização está prevista no §1o art.3o do Decreto no 2.271/97, norma legal quedispõe sobre a contratação de serviços naAdministração Pública Federal, in verbis5:

“Sempre que a prestação do serviço obje-to da contratação puder ser avaliada por de-terminada unidade quantitativa de serviço pres-tado, esta deverá estar prevista no edital e norespectivo contrato, e será utilizada como umdos parâmetros de aferição de resultados.”

Corroborando o decreto supracitado, te-mos a Instrução Normativa 02/2008, de 30de abril de 2008, expedida pelo secretário deLogística e Tecnologia da Informação doMinistério do Planejamento, Orçamento eGestão, a qual, em seu artigo 17, fixa as dire-trizes para a elaboração dos acordos de ní-veis de serviços nos órgãos públicos inte-grantes do Sistema de Serviços Gerais (Sisg).

Grifamos a orientação contida no incisoIV do artigo supramencionado, quando es-pecialmente menciona a necessidade de pre-visão de fatores externos, alheios ao con-trole do prestador de serviço, que possaminterferir no atendimento das metas previa-mente estabelecidas. Exemplificando, não sepode exigir de uma empresa de suporte àsatividades de telecomunicações que man-tenha a mesma performance durante todo oano, em determinada localidade cujas ca-racterísticas climáticas apontem para perío-dos de instabilidade severa em certas esta-ções. Este tipo de variação nos padrões aserem alcançados tem que ser determinadoquando da elaboração dos indicadores.

Cabe ainda ressaltar que as adequaçõesdos pagamentos em virtude de não atendi-

mento dos requisitos acordados deverãoestar limitadas a uma faixa de tolerância. Onão cumprimento dos índices mínimos su-jeitará o prestador não só a prejuízos finan-ceiros, mas também às sanções legais pre-vistas no capítulo IV da lei no 8.666/1993.

OUTSOURCING NO SERVIÇOPÚBLICO

O outsourcing, ou terceirização de servi-ços, já muito comum em empresas, tendocomo objetivo principal a redução de custosnão operacionais, ou seja, não ligados à ati-vidade fim da corporação, vem sendo cadavez mais utilizado também em órgãos públi-cos. No âmbito da Administração PúblicaFederal direta, autárquica e fundacional, estetipo de contratação está restrito às ativida-des materiais acessórias, instrumentais oucomplementares, estando vedada, ex vilegis6, a contratação de serviços diretamenterelacionados à atividade principal do órgão,bem como daqueles inerentes às categoriasfuncionais abrangidas pelos planos de car-reira da entidade contratante.

O administrador público deve atenderpor meio de seus atos, dentre outros, aosprincípios elencados no artigo 37 da Cons-tituição Federal. Passemos à análise dosprincípios da legalidade e da eficiência.

É ponto pacífico entre os doutrinadoresdo Direito Administrativo que o adminis-trador público só pode atuar nos termosestabelecidos pela lei, ou seja, só pode fa-zer o que a lei autoriza. Em se tratando doassunto terceirização, sobre o qual dispõeo Decreto no 2.271/97, cabe esclarecer alicitude da contratação, o que fazemos pormeio do estudo do Enunciado no 331, de 17de dezembro de 1993, do Tribunal Superiordo Trabalho (TST):

5 Expressão latina significando “nestas palavras”.6 Expressão latina significando “em virtude da lei”.

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“I – A contratação de trabalhadorespor empresa interposta é ilegal, forman-do-se vínculo diretamente com o tomadordos serviços, salvo no caso de trabalhotemporário (Lei no 6.019, de 3.1.74).

II – A contratação de trabalhador, atra-vés de empresa interposta, não gera vínculode emprego com os órgãos da Administra-ção Pública Direta, Indireta ou Fundacional(art. 37, II da Constituição da República).

III – Não forma vínculo de empregocom o tomador a contratação de serviçosde vigilância (Lei no 7.102, de 20.6.83),de conservação e limpeza, bem como a deserviços especializados ligados à ativida-de-meio do tomador, desde que inexistentea pessoalidade e a subordinação direta.

IV – O inadimplemento das obrigaçõestrabalhistas, por parte do empregador, im-plica a responsabilidade subsidiária dotomador dos serviços quanto àquelas obri-gações, inclusive quanto aos órgãos da ad-ministração direta, das autarquias, das fun-dações públicas, das empresas públicas edas sociedades de economia mista, desdeque hajam participado da relação proces-sual e constem também do título executivojudicial (artigo 71 da Lei no 8.666/93).”

De forma resumida, nos diz o TST quenão haverá vínculo empregatício gerado porcontratação de trabalhador que não tenhasido precedida de concurso público especí-fico. Em decorrência disso, não haverá su-bordinação funcional dos empregados daprestadora de serviço a qualquer funcioná-rio do órgão público. Este é um fatormandatório importante, cujo descumprimentopode ensejar pleitos na esfera judicial.

Por outro lado, ainda que não se reco-nheça o vínculo empregatício, não poderá

o administrador celebrar contratações irre-gulares, sob pena de estar sujeito à disci-plina da Lei no 8.429/92 (Lei de ImprobidadeAdministrativa). Acrescenta-se que a au-sência do vínculo também não exime a ad-ministração pública de respondersubsidiariamente pelas obrigações traba-lhistas inadimplidas pelo prestador de ser-viço para com seus empregados, sendosustentada por aqueles que defendem estatese a culpa in eligendo7.

EXEMPLOS DE POSSIBILIDADESDE APLICAÇÃO PRÁTICA NA MB

Conforme visto anteriormente, a legis-lação vigente não permite a terceirizaçãode serviços diretamente relacionados àmissão da organização militar. Dentre osserviços terceirizados cuja contratação éfacultada aos dirigentes, os maiscomumente encontrados na Marinha doBrasil são os de conservação e limpeza eos relacionados a serviços de suporte asistemas de tecnologia de informação,como manutenção de softwares e de equi-pamentos de telecomunicação.

Entretanto, pode-se vislumbrar novasaplicações da terceirização sob a gestãode acordos de níveis de serviços. Um exem-plo pesquisado ocorreu recentemente naPolícia Militar do Estado de Minas Gerais,que contratou serviço de gestão eterceirização da frota. Desta forma, umaquantidade previamente especificada deviaturas deveria estar disponível para usodaquela força auxiliar em cada tipo de situ-ação. Caberiam à contratada os custos demanutenção das viaturas, incluindoautopeças e serviços, bem como a adequa-ção das mesmas às necessidades ineren-

7 A culpa in eligendo configura-se pela má eleição do preposto. Caracteriza-se pela negligência docontratante, ao delegar serviço ou negócio da sua competência, sem a necessária investigaçãoacerca da idoneidade e solvabilidade do contratado.

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tes à atividade policial, conforme aespecificação em contrato. O detalhe é queas viaturas não seriam patrimônio do Esta-do, mas sim bens da empresa, a serviço doEstado, como ocorre em outros órgãos eempresas públicas.

O ponto polêmico deste tipo decontratação é o fato de ele estar ou não dire-tamente relacionado à missão da instituição.Os favoráveis alegam que o objeto contra-tado é a manutenção de viaturas, e que aredução de custos permite o investimentoem outras áreas, favorecendo o cumprimen-to da missão do órgão. Por outro lado, oscríticos afirmam que o não cumprimento doacordo, embora venha a gerar sanções àcontratada, comprometeria diretamente amissão da Polícia. Infelizmente, a licitaçãoque precedeu a contratação no caso emquestão foi alvo de denúncia do MinistérioPúblico Estadual em virtude de indícios defraudes na execução do certame. No entan-to, cabe ressaltar que o objeto da denúncianão diz respeito ao tipo de contratação, massim à condução do certame.

No âmbito da Marinha do Brasil, avalioque a viabilidade econômica da terceirizaçãonestes moldes poderia ser estudada no casoexclusivo de viaturas administrativas, nãocontemplando as viaturas operativas, deforma que não se corra o risco de compro-meter a missão institucional. Fundamentoesta possibilidade nas Normas para Execu-ção do Abastecimento SGM-201 6a revisão(2009), que, em seu capítulo 12 subitem 12.13,estabelece:

“Cada Comare8 deve avaliar criterio-samente o grau de centralização da ma-nutenção das viaturas existentes e a ne-cessidade de oficinas ante a disponibili-dade local de serviços de terceiros.

As despesas de manutenção das viatu-ras podem constituir parcela ponderáveldo custo da atividade de cada OM, o querecomenda rigoroso registro e controledessas despesas.”

Se reconhecidamente os custos decorren-tes da gestão de viaturas podem vir a torná-las antieconômicas, pode-se considerar plau-sível a hipótese de ao menos se discutir a pos-sibilidade da terceirização da frota; relembrando:somente no caso de viaturas administrativas.

Outro exemplo de aplicação deterceirização com acordos de níveis de ser-viços seria nas unidades de saúde e hospi-talares da MB. Entre os indicadores quepodem ser utilizados para atender às exi-gências de qualidade de infraestrutura noshospitais e ambulatórios, podemos desta-car a disponibilidade de energia e de forne-cimento e qualidade de água potável, aqualidade do ar, o tempo médio de respos-ta ao cliente, níveis de limpeza por tipo deambiente, temperatura de ambiente, con-trole de pragas e disponibilidade de eleva-dores, entre outros.

A atual utilização dos acordos de níveisde serviços na terceirização em hospitaisvem sendo um meio para a conquista daacreditação. A acreditação é um processoético e que visa à garantia do atendimentoe implantação de melhorias contínuas paratodos os prestadores de serviços de saú-de. Além disso, o Sistema Brasileiro deAcreditação é a única ferramenta de avali-ação da qualidade reconhecida pelo Mi-nistério da Saúde.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Decerto, existem muitas outras possibili-dades de uso da terceirização e da gestão de

8 Comando Redistribuidor, responsável pelo abastecimento das organizações militares em sua área dejurisdição.

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qualidade por meio dos acordos de níveis deserviços na Marinha do Brasil, que podemser vislumbradas e aplicadas pelos gestoresque vivenciam diariamente as dificuldades,sempre pautadas nas normas legais e nasnormas princípios. A busca pela eficiênciadeve ser cada vez maior e mais valorizada. Aadministração pública passa por um momen-

to em que a avaliação das instituições nãomais se baseia apenas na conformidade dosatos e prestações de contas, mas sim naefetividade, ou seja, os órgãos públicos têma obrigação de corresponder aos anseios dasociedade que os criou, e, sem dúvida, a ado-ção de ferramentas de gestão como os ANSpoderá ajudá-los.

CLASSIFICAÇÃO PARA ÍNDICE REMISSIVO:<ADMINISTRAÇÃO>; Contrato; Organização administrativa; Programa; Abastecimento;

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

WIKIPEDIA – A enciclopédia livre. Disponível em http://pt.wikipedia.org. Acesso em 16 nov. 2009.ZYMLER, Benjamim. Levantamento acerca da Governança de Tecnologia da Informação na Admi-

nistração Pública Federal/Tribunal de Contas da União. Brasília: TCU, Secretaria da Fiscaliza-ção de Tecnologia da Informação, 2008, p. 23.

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2008. Disponível em http://www.patriciapeck.com.br. Acesso em 17 nov. 2009.Enunciado no 331, de 17 de dezembro de 1993, do Tribunal Superior do Trabalho. Disponível em

http://www.jusbrasil.com.br. Acesso em 10 nov. 2009.Constituição da República Federativa do Brasil. Disponível em http://www.presidencia.gov.br. Acesso

em 10 nov. 2009.Decreto no 2.271/97. Disponível em http://www.presidencia.gov.br. Acesso em 10 nov. 2009.

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SUMÁRIO

A democracia dos antigos e suas problemáticasA democracia representativa e o Estado LiberalA democracia virtual e as inovações tecnológicasValores – uma visão de esperança para o desafio da democracia

POR QUE FALAR DE DEMOCRACIA?

VICTOR C. COIMBRA DA SILVAAspirante

“O ideal democrático ensina como o povolivre pode tornar-se forte e um povo forte per-manecer justo.”

(François Mauriac)

Falar sobre democracia neste artigo tema finalidade de despertar o interesse dos

aspirantes ou outros leitores eventuais parao assunto em pauta. Enquanto cidadãosque somos, só poderemos exercer a cida-dania de maneira plena ao deixarmos de terum posicionamento passivo diante dasquestões políticas e passarmos a assumiruma postura crítica diante do assunto. Paraisso devemos conhecê-lo.

A DEMOCRACIA DOS ANTIGOS ESUAS PROBLEMÁTICAS

“Vivemos sob a forma de governo quenão se baseia nas instituições de nossosvizinhos; ao contrário, servimos de mode-lo a alguns ao invés de imitar os outros.Seu nome, como tudo o que depende não

de poucos, mas da maioria, é democracia.”(Péricles, Oração Fúnebre, in Tucidides: AGuerra do Peloponeso, Livro II, 37)

Poderíamos dizer que a democracia é o prin-cípio segundo o qual o poder e a responsabi-lidade cívicos são exercidos por todos os ci-dadãos, ou seja, por governantes e governa-dos, indistintamente. Etimologicamente, a pa-lavra vem do grego e combina demos (signifi-cando o povo) e kratos (significando poder),designando, assim, o governo do povo.

Apesar de ser difícil uma conceituaçãoprecisa do que seria a democracia, o enten-dimento do surgimento da mesma na Gréciaantiga, enquanto uma forma de reivindicaro poder que se concentrava na mão de tira-nos, é essencial para que possamos discu-tir a problemática atual.

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POR QUE FALAR DE DEMOCRACIA?

As pólis gregas, especialmente Atenas,constituíam um laboratório ideal para o expe-rimento da democracia pura e direta ao apre-sentarem algumas condições consideradaspor Giovanni Sartori irreproduzíveis: “A co-munidade compacta unificada por um ethos[palavra de origem grega que significa valo-res, ética, hábitos e harmonia] religioso, mo-ral e político convergente que era a Pólis”.

Nessa linha de raciocínio, para se alcançarum autogoverno real ou democracia direta,como o proposto pelos gregos antigos, preci-saríamos de cidadãos dedicados exclusivamen-te ao serviço público. Assim, para governar asi mesmos, ter-se-ia que passar a vida gover-nando, e essa via criaria um desequilíbrio comquaisquer outras funções que o cidadão de-vesse desenvolver naquela sociedade.

Assim também temos Jean-JacquesRousseau estabelecendo que há condiçõesessenciais e difíceis de serem reunidas para oestabelecimento de uma verdadeira democra-cia: um Estado pequeno, “no qual o povo sejafácil de reunir-se e cada cidadão possa facil-mente conhecer todos os demais”, “uma gran-de simplicidade de costumes que impeça amultiplicação de problemas e as discussõesespinhosas”, “uma grande igualdade de con-dições e fortunas” e “pouco ou nada de luxo”,e conclui, desacreditado, que “se existisse umpovo de deuses, governar-se-ia democratica-mente. Mas um governo assim perfeito não éfeito para os homens” e que “uma verdadeirademocracia jamais existiu e nem existirá”.

É evidente que a realidade que nos cir-cunda se afasta progressivamente das con-dições necessárias à democracia sugeridapor Rousseau, que acreditava ser impossí-vel uma democracia que não fosse a direta,criticando veementemente a representati-va: “O povo inglês acredita ser livre, masse engana redondamente; só o é durante aeleição dos membros do Parlamento; umavez eleitos estes, ele volta a ser escravo,não é mais nada”.

Todavia, deve-se também considerar que,justamente por não ser praticável alcançar to-das as metas supracitadas, não se podem su-bestimar as vantagens de governos represen-tativos modernos. Estes surgem juntamentecom mecanismos de participação direta dapopulação como uma solução para esses pro-blemas. Ao passo que nossos representantestêm o exercício direto do poder político, o povomantém o controle e a limitação desse poder.

A DEMOCRACIA REPRESENTATIVAE O ESTADO LIBERAL

“É claro que todas as condições de li-berdade mudaram; a própria palavra ‘li-berdade’ não tem, no nosso tempo, o mes-mo significado dos tempos antigos... Ésempre útil estudar a Antiguidade, mas épueril e perigoso imitá-la.”

“Uma Declaração de Direitos é um pri-vilégio do povo contra qualquer governona terra, geral ou particular, e nenhumgoverno justo deve recusá-lo.”

(Thomas Jefferson)

Vimos que a democracia representativasurge como uma solução de compromissopara as sociedades de larga escala, por as-sim dizer, que trazem os problemas da ex-tensão territorial, do tamanho populacional,dentre outros problemas que impedem queindivíduos soberanos formem um Estadosem corpos intermediários, ou seja, sem anecessidade de representantes.

Todavia, não se pode deixar de consideraralgumas características básicas e indispensá-veis para que possamos contrapor a demo-cracia a qualquer forma de governo autocráti-co. A primeira delas seria que é necessário umconjunto de regras que estabeleçam quem estáautorizado a tomar decisões coletivas e quaisos procedimentos para que isso ocorra, deforma que as decisões passem a servinculatórias para todos os indivíduos do gru-po que abrem mão de suas individualidades

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em prol do bem coletivo. Deve-se entendertambém que as decisões do grupo são feitaspor parcela do grupo e não por ele como umtodo (o que já consideramos ser inviável hoje),de modo que as decisões devem ser tomadascom base em regras (indiferentemente se es-critas ou consuetudinárias), e sempre funda-mentadas no princípio da maioria.

Outrossim, é primordial e imprescindívelque aqueles eleitos para decidir e os que ele-gem os que decidirão “sejam colocados di-ante de alternativas reais e postos em condi-ção de poder escolher entre uma e outra”.Essa proposição somente se torna verdadei-ra a partir do estabelecimento do Estado Li-beral e dos direitos individuais: de igualda-de, “direitos de liberdade, de opinião, de ex-pressão das próprias opiniões, de reunião,de associação etc.” É sobre esse alicerce quese apoia o Estado Democrático de Direito esobre os quais se edificou o Estado Liberal.Assim, nesse Estado, o poder é exercido sublege (entenda-se como a vinculação e sub-missão dos poderes públicos ao direito), mas“o exerce dentro de limites derivados do re-conhecimento constitucional dos direitos‘invioláveis’ do indivíduo” (Norberto Bobbio,O Futuro da Democracia). No caso do Bra-sil, são esses princípios, dentre outros, co-nhecidos como Cláusulas Pétreas, ampara-dos constitucionalmente e protegidos de al-terações por Emenda Constitucional dada asua importância para os redatores de nossaCarta, o que não significa que essas premis-sas sejam cumpridas a partir do momento queadotamos uma postura realista e vislumbra-mos o abismo que separa o real do ideal.

Como expressado por uma personalidadeintelectual e eminente figura política, o ex-Pre-sidente Fernando Henrique Cardoso: “Cons-truímos uma arquitetura institucional demo-crática, com partidos, eleições etc. Conquista-mos liberdade política no sentido mais amplo,desde a de pensamento até a de organização.Mas tudo isso é insuficiente para criar uma

sociedade democrática. Dizendo de forma di-reta, falta o essencial: o sentimento de que a leivale e é igual para todos. Na falta dessa dimen-são em nossa cultura política, a impunidadedos poderosos e o consequente fosso entreos que mandam e os que obedecem se tornaenorme. Daí decorre a apatia, a indiferença dapopulação com relação à política.”

A DEMOCRACIA VIRTUAL E ASINOVAÇÕES TECNOLÓGICAS

“A representação apenas pode ocor-rer na esfera da publicidade. Não existenenhuma representação que se desenvol-va em segredo ou a portas fechadas (...)Um Parlamento tem um caráter represen-tativo apenas enquanto se acredita quesua atividade seja pública. Sessões secre-tas, acordos e decisões secretas de qual-quer comitê podem ser muito significati-vos e importantes, mas não podem jamaister um caráter representativo.” (CarlSchmitt, Verfassungslehre, Dunker &Humblot, München-Leipzig, 1928, p. 208)

“...todas as ações relativas ao direitode outros homens cuja máxima não é sus-cetível de se tornar pública são injustas.”

(Kant, À Paz Perpétua)

A inovação tecnológica abre novas por-tas para que se cumpram as promessas dademocracia. Entre elas, a possibilidade demaior transparência nos gastos públicos enas ações dos nossos governantes pormeio da internet, seja pela veiculação dasinformações em sites do Governo ou pelaimprensa brasileira. Qual a lógica de o Con-gresso aprovar Atos Secretos que privem opovo de conhecer as decisões daqueles queforam eleitos para garantir o bem-estar naci-onal, principalmente quando esses atos cla-ramente só garantem o bem-estar destesmesmos políticos em detrimento da popula-ção? Seria o fim do chamado Poder Invisívelpor meio de uma Democracia Virtual.

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POR QUE FALAR DE DEMOCRACIA?

Nessa mesma linha de raciocínio, NorbertoBobbio coloca como um dos eixos do regimedemocrático o fato de que todas as decisõesdos governantes devem ser conhecidas peloPovo Soberano. Consideraríamos, assim, oregime democrático aquele do governo dire-to do povo ou controlado pelo mesmo, ecomo se poderia considerar controlado algoque foi escondido, que se desconhece. As-sim, um princípio fundamental do EstadoConstitucional e que o distingue dos Esta-dos Absolutos é que o caráter público (nosentido que antagoniza com secreto) é a re-gra; o segredo é a exceção que se justificaapenas quando limitado no tempo.

E é essa porta de esperança que abremas sucessivas revoluções tecnológicas e decomunicações que vivenciamos. O trâmitedas informações tornou-se instantâneo nomundo planificado de Thomas Friedman.Assim também ficou muito mais fácil de seexercer um governo com transparência, noqual o povo pode exercer o seu poder co-brando de seus representantes. Não umgoverno que vislumbrasse um mandato im-perativo para os governantes, que acabari-am sujeitos a representar interesse de gru-pos particulares e não os da nação, mas umgoverno em que os governantes tenham res-ponsabilidade política e sejam devidamentefiscalizados pela população.

VALORES – UMA VISÃO DEESPERANÇA PARA O DESAFIO DADEMOCRACIA

Enfim, a discussão sobre as nuances,dificuldades e benefícios do sistema é po-lêmica e tem atravessado séculos sem quese atinja um consenso. Portanto, seria mui-ta pretensão deste artigo propor uma solu-ção pronta e que viesse a elucidar definiti-vamente a questão. Entretanto, não possodeixar de pensar que talvez a resposta paraum amanhã melhor para a nossa democra-cia e Nação esteja junto aos ideais. Talvezseja uma visão pueril ou romantizada daspotencialidades humanas, mas acreditoque, respeitados os valores defendidos portantos filósofos e os mesmos redigidos emtantas Cartas Constitucionais de todo omundo, podemos alcançar sociedades eEstados mais justos e mais democráticos.

“É pouco para a construção de umaNação. É preciso revitalizar valores queaumentem a coesão social e sustenteminstituições baseadas na igualdade jurí-dica de todos os cidadãos. Instituiçõesque substituam a velha noção de que ajustiça social é uma dádiva dosgovernantes e a tornem conquista de umdireito.” (Fernando Henrique Cardoso,ex-Presidente do Brasil).

CLASSIFICAÇÃO PARA ÍNDICE REMISSIVO:<POLÍTICAS>; Democracia; Análise política;

BIBLIOGRAFIA

BOBBIO, Norberto. O futuro da democracia. São Paulo: Paz e Terra, 2000.FRIEDMAN, Thomas L. Mundo é plano: uma breve história do século XXI. Rio de Janeiro: Obje-

tiva, 2007.KANT, Immanuel. À paz perpétua. Porto Alegre: L&PM, 2008.REVISTA ÉPOCA. São Paulo: Globo, ed. 575, 25 de maio de 2009.SARTORI, Giovanni. A teoria da democracia revisitada: o debate contemporâneo. Vol. I. São Paulo:

Ática, 1994.SARTORI, Giovanni. A teoria da democracia revisitada: as questões clássicas. Vol. 2. São Paulo:

Ática, 1994.SCHMITT, Carl. Verfassungslehre. München-Leipzig: Duncker & Humblot, 1928.

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Para que possamos entender o conceitode Guerra Assimétrica, precisamos vol-

tar um pouco no tempo e tomar conheci-mento dos quatro tipos de guerra moder-na. Em 1648, com o fim da Guerra dos Trin-ta Anos, foi elaborada a Paz de Westphalia.Com esse tratado, o Estado passou a mo-nopolizar as guerras, ou seja, organizaçõesindependentes (como famílias, empresas,religiosos, tribos, entre outras) não repre-sentariam mais o papel de Forças Armadasregulares. Depois de mais de 350 anos, al-guns meios de guerra antigos estão ocor-rendo novamente, como extorsão e terro-rismo. Devido à peculiaridade dos treina-mentos, a grande preocupação de um exér-cito regular é enfrentar oponentes que nãose assemelhem a ele próprio, pois em com-bate não haveria a menor noção do queeles seriam capazes de realizar.

A GUERRA ASSIMÉTRICA

CASSIANO SIMÕES DA SILVAAspirante (FN)

A seguir, serão comentadas, apenas su-perficialmente, as três primeiras geraçõesda Guerra Moderna, pois o foco principaldo artigo é a Guerra Assimétrica (QuartaGeração). Esta pequena síntese é apenaspara que o leitor possa entender com maisclareza o que será tratado posteriormente.

O General de Exército Carlos AlbertoPinto Silva, em um de seus artigos para osite do Comando de Operações Terrestres,define as três primeiras Gerações da Guer-ra da seguinte forma:

“A Primeira Geração da Guerra mo-derna foi a guerra de linha e coluna, ondeas batalhas eram formais e o campo debatalha era ordenado, tendo ocorridoentre 1648 e 1860, aproximadamente. AGuerra de Segunda Geração foi uma res-posta ao desalinhamento observado nocampo militar nas últimas décadas do sé-

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A GUERRA ASSIMÉTRICA

culo XIX. Este modelo foi basicamentedesenvolvido pelo Exército francês, du-rante e depois da Primeira Guerra Mun-dial; a Guerra de Segunda Geração pro-curou uma solução no fogo concentrado,a maior parte dele de artilharia. O objeti-vo era o atrito e a doutrina resumida pe-los franceses como sendo “a artilhariaconquista, a infantaria ocupa”. A Tercei-ra Geração da Guerra foi também um pro-duto da Primeira Guerra Mundial; foi de-senvolvida pelo Exército alemão e ficouconhecida como blitzkrieh ou guerra demanobra. A Guerra de Terceira Geraçãofoi baseada não no poder de fogo e noatrito, mas na velocidade, na iniciativa,na descentralização, na surpresa e nodeslocamento mental e físico.”

A Quarta Geração é marcada pelo gran-de antagonismo existente entre as forçasem combate, que em geral ocorre entre For-ças Armadas regulares subordinadas aoEstado contra guerrilheiros, terroristas, fa-náticos religiosos, entre outras forças ad-versas não convencionais. Existem diver-sos conflitos desse tipo ocorrendo no mun-do contemporâneo. Um exemplo é a guerri-

lha do narcotráfico existente na Colômbia,onde as Forças Armadas Revolucionáriasda Colômbia (Farc) pregam o caos na re-gião de fronteira, por meio de sequestros,para persuadir o governo daquele país.Outro exemplo é a atuação do grupo para-militar Hezbollah, que se constitui em umdos principais movimentos de combate àpresença israelense no Oriente Médio, uti-lizando-se de ataques terroristas, pressio-nando a comunidade mundial para a cria-ção de um Estado palestino. A Al-Qaeda eo Hamas são outros exemplos de forçasnão regulares que estão em conflito com oEstado. É importante notar que, na maioriados lugares em que ocorrem conflitos en-tre essas forças não convencionais contratropas regulares, o Estado mostra-se emdesvantagem. A definição de GuerraAssimétrica, fornecida pela Marinha doBrasil, pode comprovar tudo o que foi ditoanteriormente.

“A Guerra Assimétrica é empregada,genericamente, por aquele que se encon-tra muito inferiorizado em meios de com-bate, em relação ao seu oponente. Aassimetria se refere ao desbalanceamento

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A GUERRA ASSIMÉTRICA

extremo de forças. Para o mais forte, aGuerra Assimétrica é traduzida como for-ma ilegítima de violência, especialmentequando voltada a danos civis. Para omais fraco, é uma forma de combate. Osatos terroristas, os ataques aos sistemasinformatizados e a sabotagem são algu-mas formas de Guerra Assimétrica.” (BRA-SIL, Estado-Maior da Armada, EMA305:Doutrina Básica da Marinha. Brasília. 2004)

Como já citado, essa nova modalidadede guerra é marcada pela grande diferençade poderes, tais como tecnológico elogístico. Portanto, a tática das forças emdesvantagens é negar a vitória; não se tratamais de vencer a guerra, e sim de não perder.A tropa inferior se empenha em destruir pon-tos de importância logística, política e soci-al; a perda acaba sendo não somente militar,mas também política. Essa nova tática é exau-rir o inimigo mais forte, causando-lhe per-das até que a guerra se torne tãodispendiosa política e moralmente que nãomais convenha continuar a batalha. Umasolução das forças regulares é adotar umatropa de infantaria realmente leve, que pos-sa se mover mais rapidamente e para maislonge do inimigo, que consiga se mantercom seu próprio armamento sem necessida-de de apoio de fogo, e com o mínimo deapoio logístico para se manter em combatepelo máximo de tempo possível.

A Quarta Geração também introduz umanova concepção na parte de material béli-co e equipagem individual. Na guerra con-vencional, o tamanho do armamentonão era um fator limitante para o combate,pois se dava em campo ou região nãourbanizada; porém, em combate urbano, énecessária flexibilidade com o uso do ar-mamento, pois os compartimentos são aper-tados. Uma adequação que foi feita duran-te os primeiros contingentes de tropas deFuzileiros Navais do Brasil no Haiti foi a dofuzil M16 A2 para o M4, juntamente com ouso da pistola 9 mm. Quanto à novaequipagem individual, pode-se notar o usode joelheiras e cotoveleiras, pois o comba-tente entra muito em choque com chão ci-mentado; o uso da mochila de água(camelback) em vez do cantil no cinto, quepode ficar agarrado em portas e cercas; e ouso de vestimentas apropriadas para cadaambiente (as tropas americanas já utilizamcamuflados digitalizados que se confun-dem melhor com o meio, e o CFN tem umprojeto para aquisição desse tipo de camu-flado em um futuro próximo).

A condução de tropas nessa nova con-cepção de guerra tem tomado novos ru-mos. A manutenção de uma tropa coesanão depende mais da incitação do comba-tente contra uma nação ou a manutençãoda liberdade. Agora estão em xeque atritosculturais e religiosos. Muitas vezes a lutase dá com tropas fanáticas, as quais não

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A GUERRA ASSIMÉTRICA

possuem uma liderança concreta, e sim in-divíduos convencidos por uma crença abs-trata, como os islâmicos fundamentalistas.Em forças regulares engajadas em GuerraAssimétrica, tem se tornado importante aliderança de pequenos grupos, pois o com-bate acaba se ramificando até equipes deaproximadamente cinco militares. Nessesgrupos é importante que o líder se mante-nha por meio do exemplo e gere uma firmeunião, pois um necessita do outro nestacélula do combate.

A Guerra Assimétrica é a guerra do pre-sente, com certeza será a guerra do futuro

CLASSIFICAÇÃO PARA ÍNDICE REMISSIVO:<GUERRAS>; Assimétrica; Missão de Paz;

e, na maioria das vezes, será travada pormeio de combates urbanos. Portanto, énecessário que os nossos combatentesanfíbios estejam treinados e preparadospara tal. Com consciência disso, o alto es-calão vem adquirindo novos materiais eaprimorando o treinamento dos nossosmilitares. A aquisição do Simulador Táti-co de Infantaria Laser (Stil) é um bomexemplo de como realmente existe a preo-cupação com o desenvolvimento. Alémdisso, treinamentos em regiões que simu-lam o combate urbano (como favelas si-muladas) contribuem para a melhor for-mação do militar. Como prova cabal de quenossos combatentes estão sendo bem trei-nados, podemos observar o exemplo daMissão de Paz Haiti, onde ocorre um com-bate urbano caracterizado pela GuerraAssimétrica. Todos os contingentes quepara lá foram cumpriram sua missão commestria e perfeição. Além disso, tiveram aoportunidade de estar em combate real eadquiriram experiências únicas, que sãopassadas aos outros militares que aindanão tiveram a chance de estar em missõesreais. Por fim, temos a certeza de que nos-sos fuzileiros estão muito bem prepara-dos para toda e qualquer missão e, inde-pendentemente do tipo de guerra que ofuturo nos reserva, os Fuzileiros Navaisestarão prontos para defender nossa so-berania. Adsumus!

BIBLIOGRAFIA

BRASIL. Estado-Maior da Armada. EMA305: Doutrina Básica da Marinha. Brasília. 2004.COSTA, Darc. Visualizações da Guerra Assimétrica. Rio de Janeiro: Escola Superior de Guerra

(ESG), 2003.www.coisasinternacionais.comwww.coter.eb.mil.brwww.egn.mar.mil.brwww.forte.jor.br

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SUMÁRIO

IntroduçãoComo é o esporteComo ter um bom tiroConclusão

TIRO ESPORTIVO: EXERCÍCIO DE CONCENTRAÇÃO

RÔMULO I. NIEDERAUER DE FREITASAspirante

INTRODUÇÃO

O tiro esportivo é um esporte diferentede qualquer outro, simplesmente por

não se limitar a sexo, idade e nem mesmo aproblemas físicos. O que mais exige do atle-ta é a concentração. A condição física nãopode ser deixada de lado, devido à longaduração da prova. O presente texto tem oobjetivo de mostrar como é este esporte ealguns métodos para aprimorar o atirador.

Surgiu no Brasil por volta do séculoXIX, trazido por imigrantes, principalmen-te alemães e italianos que se fixaram na

Região Sul do País. O costume da práticade caça e pesca por eles trazido teve aconsequente fundação de clubes. Assim,teve início o tiro esportivo em nosso país,com a competição do Tiro ao Rei nas colô-nias alemãs.

Hoje, já existem diversas modalidades;dentre elas podemos citar algumas, como ade pistola e carabina de ar comprimido, tirorápido, fogo central e de fuzil standard. AEscola Naval possui um local para a práti-ca. Além de ter sido palco de importantescompetições, como a Navamaer, é onde seformam atiradores de excelência.

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TIRO ESPORTIVO: EXERCÍCIO DE CONCENTRAÇÃO

Em especial, iremos destacar o tiro depistola de ar comprimido, mas ametodologia não se limita somente a essamodalidade, podendo ser também aplicadaàs demais.

COMO É O ESPORTE

A prova consiste em executar 60 tiroscom uma munição de chumbinho em, nomáximo, 85 minutos para homens, enquan-to para as mulheres são 40 disparos em 75minutos, havendo antes um tempo de pre-paração para ambos. Após o término, acon-tece a final, com dez tiros para os que obti-veram os cinco melhores resultados. O alvofica a 10 metros de distância.

Para que o atleta possa competir, é ne-cessário ser aprovado pelos juízes na me-dição de pesos da arma e do gatilho e dasmedidas das extensões da arma. Por isso éimportante que, durante os treinos, o atira-dor faça as regulagens necessárias paraque o gatilho não esteja “leve” demais nahora da medição. Precisa acusar uma resis-tência de no mínimo 500 gramas.

Todos os atiradores devem ter cuida-dos com a segurança, mantendo sempre amira apontada para a direção do alvo e res-peitando sempre os avisos caso aconteçaum incidente ou acidente de tiro. Durante acompetição, é permitido sair do posto pararecarregar o cilindro de ar com a permissãodo juiz.

Vence o atirador que obtiver o melhorsomatório de pontos. A capacidade de con-centração e a condição física são os itensmais exigidos pelo esporte.

COMO TER UM BOM TIRO

É necessário fazer o alongamento do cor-po antes de se posicionar. Assim, evitam-sefadigas e que o braço comece a tremer. Arespiração é também de extrema importância

para a redução do ritmo do batimento cardí-aco e para facilitar a concentração.

A empunhadura da arma é o fator es-sencial para executar o tiro, não devendo“estrangular” o punho, mas também nãodeixando frouxo demais. A arma deve serencaixada de modo que a mão fique exata-mente nos contornos do punho. O dedoindicador deve ficar de modo que o gatilhofique no meio da falangeta. Se o dedo esti-ver um pouco “para fora ou para dentro”, otiro pode ser desviado para um dos lados.Pode-se dizer que o segredo de um bomtiro está nessa parte, pois não basta en-quadrar perfeitamente o alvo, mas na horado gatilho o tiro ser desviado. O atiradordeve fazer esse movimento devagar paraevitar a famosa “gatilhada”. O tiro deveocorrer sem ser percebido. Com isso, evi-ta-se que, por medo do tranco da arma, oatirador abaixe um pouco o cano e ocorra osobressalto. Ter que contrair o dedo indi-cador no gatilho sem fazer com que o res-tante da mão se mexa requer bastante trei-no. Para isso, é costume praticar o tiro seco,que é atirar sem munição e a carga de ar docilindro.

Um outro detalhe a ser mencionado é amira. Ela deve ser feita alinhando-se alça,massa e alvo. Porém um detalhe bastanteimportante é como fazer isso. A alça temformato em U, e a massa aparece como umpequeno bastão preto vertical. A mira cor-reta é quando esse bastão encontra-se nointerior do vão do U, fazendo com que aextremidade superior de cada um esteja ali-nhada, de forma a fazer uma reta horizon-tal, enquanto os espaços que aparecementre cada um devem ser iguais. E essa retadeve se posicionar de tal forma que ela es-teja tangenciando na parte de baixo do cír-culo preto do alvo. Com isso, o tiro não édesviado para os lados e nem verticalmen-te. É importante que o atirador esteja foca-lizando o conjunto alça e massa e não o

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TIRO ESPORTIVO: EXERCÍCIO DE CONCENTRAÇÃO

alvo. Isso acontece simplesmente porqueo olho não consegue focalizar dois objetosna mesma linha de visada ao mesmo tem-po. Portanto, o alvo aparecerá desfocado,como um círculo borrado. O importante éobservar o movimento do conjunto alça emassa, pois o alvo estará sempre estático.

O momento de atirar precisa obedecer auma sequência de procedimentos.Posicionar as pernas a uma distância igualà dos ombros para que o corpo não fiqueoscilando quando o braço for levantado.Verificar se, quando a arma for levantada, obraço estará para a direita ou para a es-querda do alvo. Para isso basta compen-sar, movimentando a perna de trás para olado no qual o braço se encontrava errada-mente. Os olhos devem estar ambos aber-tos. Quando se fecha o que não faz a mira,a contração “força” a visão do outro. Écomum usar óculos ou proteção opaca nooutro olho, mantendo-o aberto. Em segui-da, a respiração deve ser controlada, ex-pirando e inspirando três vezes antes deexecutar o tiro. Assim, a musculatura esta-rá oxigenada, evitando que o braço “can-se” muito rápido. O início do tiro acontececom o enquadramento do alvo, ainda res-pirando e enquanto estiver diminuindo aamplitude do movimento do braço. Quan-do a mira estiver enquadrada, o atiradordeve realizar a apneia para evitar que o mo-vimento da respiração faça com que a mira

fique oscilando verticalmente. Este momen-to é o mais propício para que o tiro ocorra.Após isso, a musculatura começa a se can-sar e o braço a tremer, desfazendo oenquadramento. Não se pode demorar mui-to para realizar o disparo, durando de 5 aténo máximo 10 segundos.

Muitos dos detalhes devem ser aperfei-çoados por exercícios complementares. Amusculatura precisa ser fortalecida paraque o braço não oscile nos 60 tiros da pro-va. Para isso, basta pegar um peso de 2quilos e praticar a isometria do tiro, man-tendo o braço esticado durante 15 segun-dos e descansando oito. Para puxar o gati-lho corretamente, faça o que já foi dito: pra-tique tiro em seco, concentrando-se paranão notar quando o disparo ocorreu.

A regulação do equipamento tambéminfluencia bastante no resultado. Cada in-divíduo possui uma característica de ati-rar. Para regular a arma, é preciso realizaralguns disparos e verificar onde ficou aconcentração de tiros em relação ao cen-tro do alvo. No próprio armamento, exis-tem mecanismos para compensar os des-vios do tiro tanto na horizontal quanto navertical. Utilizar munição de boa qualida-de não é pouco importante, pois ochumbinho de má qualidade pode atritarcom as raias na alma do cano, se desvian-do ao sair da boca. Além disso, a veloci-dade com que sai o projétil precisa ser alta,

Posicionamento incorreto do indicador, o gatilhoprecisa estar no meio da falangeta do dedo

A mão deve encaixar perfeitamente para umaempunhadura firme

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TIRO ESPORTIVO: EXERCÍCIO DE CONCENTRAÇÃO

para que o tiro não “caia” por causa daação da gravidade. Normalmente é utiliza-da a marca Finale Match para armas 4,5mm – .177. Armas das marcas Feinwekbau,Anschütz e Gamo são as mais conhecidase de ótimo desempenho.

Por último, talvez o principal, a concen-tração do atirador. Recordar todos os fun-damentos é essencial na hora do disparo.Lembrar da respiração e do enquadramentodo alvo, puxar o gatilho devagar,posicionamento do indicador, da mão e daspernas, tudo isso deve acontecer de manei-ra involuntária. Por isso o treino intenso é omeio para aperfeiçoar a técnica do tiro.

CONCLUSÃO

Essa modalidade desportiva talvez te-nha como principal característica que a di-ferencia das demais exigir bastante da con-centração do indivíduo. Não só fisicamen-te, pois é uma prática muito eficiente parauma pessoa exercitar o poder de se con-centrar. Infelizmente, o acesso é muito res-trito devido ao valor do equipamento e aoreduzido número de locais para treino.

O tiro esportivo é um exemplo de comoo homem pode usar a arma não só paramatar. A prática desse esporte é uma ma-neira saudável de competir, ter prazer e lazer.

CLASSIFICAÇÃO PARA ÍNDICE REMISSIVO:<EDUCAÇÃO>; Esporte;

BIBLIOGRAFIA

FERREIRA, Eduardo Fernandes. Manual de Organização de Provas de Tiro. Rio de Janeiro.www.cbc.com.brwww.cbte.org.br

Participação dosAspirantes da EscolaNaval em competiçãono Centro Nacional deTiro Esportivo

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ARTIGOS AVULSOS

Esta seção divulga os artigos que não puderam ser publicados– na íntegra – na RMB e que passarão a fazer parte do acervo daBiblioteca da Marinha.

Aqui são apresentados o título, o autor, posto ou título, númerode páginas do trabalho completo, classificação para índice remissi-vo e o resumo do artigo.

A IMPORTÂNCIA DA COOPERAÇÃOINTERNACIONAL PARA A SEGURANÇA DAS ÁREAS

MARÍTIMAS SOB JURISDIÇÃO NACIONAL – AQUARTA FROTA AMERICANA E A AMAZÔNIA AZUL*

IVONE MARIA DE LIMA CAMILLOCapitão de Fragata (T)

Número de páginas: 29Identificação: AV 031/10 – # 1803 – RMB 1o/10CIR: <RELAÇÕES INTERNACIONAIS>; Acordo; Segurança; Política; Mar Territorial; Soberania; Marinha dos Estados Unidos; Marinha do Brasil;

A monografia aborda o tema da cooperação internacional para a segurança das áreasmarítimas, considerando o conceito de soberania e sua relação com o mundo globalizado.Analisa a defesa das águas sob jurisdição nacional e a limitação das possibilidades decooperação devida aos interesses econômicos crescentes em virtude das riquezas mineraisrecém-descobertas.

* Monografia apresentada na Escola de Guerra Naval – Curso Superior de Guerra Naval em 2008.

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ARTIGOS AVULSOS

A autora entrevistou o diplomata Paulo Roberto de Almeida, que acrescentou análi-se sobre as relações internacionais, especificando a concepção política e militar dos Esta-dos Unidos e do Brasil.

A política de Defesa Nacional é citada como forma de contribuir para a redução dapossibilidade de conflitos e de fortalecer processos de integração sul-americana, tais comoo Mercado Comum do Sul (Mercosul), a Comunidade Andina de Nações e a ComunidadeSul-Americana de Nações, entre outros.

Continua a autora mostrando a importância estratégica da Amazônia Azul vis-à-viscom a necessidade do reaparelhamento da Marinha. Comenta, por fim, a sua preocupaçãocom a reativação da Quarta Frota da Marinha americana.

PRISÃO PREVENTIVA DISCIPLINAR MILITAR

WALTER SANTOS PENICHECapitão de Corveta (T)

Número de páginas: 19Identificação: AV 032/10 – # 1800 – RMB 1o/10CIR: <PESSOAL>; Prisão; Justiça; Disciplina;

O presente estudo tem o propósito de analisar a existência da prisão preventivadisciplinar na Marinha e confirmá-la como instituto de salvaguarda da hierarquia e dadisciplina, elencando a legislação aplicável e os pressupostos práticos, sob os fundamen-tos de validade expressos no inciso LXI do art. 5o da Constituição da República Federativado Brasil, nos arts. 42 e 47 do Estatuto dos Militares, nos arts. 40 e 41 do RegulamentoDisciplinar para a Marinha e no art. 4-1-17 da Ordenança Geral para o Serviço da Armada.

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A MARINHA DE OUTRORA

AS LIÇÕES DE ONTEM PARA A MARINHADE HOJE E DE AMANHÃ

– Reminiscências da Escola Naval

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A MARINHA DE OUTRORA

REMINISCÊNCIAS DA ESCOLA NAVAL

Tradicionalmente, a duração do curso daEscola Naval foi de quatro anos; no entan-to, houve épocas em que tal não aconteceu.

Em 1930, a Administração Naval, comoo número de reprovações no exame de ad-missão era muito elevado, resolveu criarum curso, denominado de Curso Prévio,com a duração de dois anos, que funciona-ria na própria Escola, onde se daria ênfaseàs matérias mais necessárias ao curso daEscola Naval. A turma do Aspirante HelioLeoncio Martins inaugurou esse curso.

Em 1934, o dia 24 de outubro era feriadonacional, em comemoração ao Dia da Vitó-ria da Revolução de 30. Nesse dia, chegouà Guanabara o Navio-Escola (NE) Almiran-te Saldanha em sua viagem inaugural. Lem-bro-me bem desse dia porque a minha tur-ma, que era do 1o ano prévio, foi distribuí-da pelos contratorpedeiros, em formaturade postos de continência, os quais foramfora da barra recepcionar o novo NE. Note-se que o último NE – Benjamim Constant –dera baixa na década de 20; portanto, haviacerca de dez anos que a Marinha não tinhaNE. Aproveitando-se dessa circunstância,a turma do Aspirante Primo Nunes deAndrade, que cursava o 4o ano, conseguiuantecipar a sua formatura para esse dia.

Como o NE tinha alojamento para 60guardas-marinha e a turma de Primo Nunesera pequena, foi decidido que a turma quese seguia, que era a turma do AspiranteLeoncio, estudaria nas férias, receberia aespada em março do ano vindouro e, as-sim, faria a viagem de instrução junto coma turma do Aspirante Primo.

Então, a duração do curso da Escola foireduzida de quatro para três anos, e a turmaseguinte, do Aspirante José Leite SoaresJúnior, receberia a espada em fins de 1935.

Em 1936, a turma do AspiranteLeopoldino Amorim se seguiria, mas a di-

reção da Escola decidiu voltar atrás, aosquatro anos. Entretanto, como o ano letivojá tinha começado, eles receberiam a espa-da no fim do ano e cursariam o 4o ano comoguardas-marinha, em 1937.

Nesse ano de 1937, houve nova altera-ção. A duração do curso prévio foi reduzi-da para um ano. Assim, no ano de 1936,não houve admissão para o curso prévio, eesse ano foi o último em que a Escola fun-cionou na Ilha das Enxadas. No ano de 1938,iniciou-se o curso em Villegagnon, na Es-cola Nova, sendo a turma do Aspirante Fa-ria Lima a primeira a receber a espada lá.

A minha turma, do Aspirante PauloEspiridião Correa de Andrade, seguiu-se àturma do Aspirante Faria Lima.

A mudança para nós foi sensacional.Passamos a nos alojar em camarotes de trêsem vez do alojamento tradicional. Havia umcinema, uma piscina com água clorada emsubstituição à outra, que era de água sal-gada e enchia e esvaziava de acordo com amaré, e, por fim, mudamos de uniforme.

Na Ilha das Enxadas, usávamos o uni-forme de dólman branco e também ocheviot, que era de dólman azul com osbotões ocultos, e dólman mescla. Todoscom boné. Era muito incômodo. Na EscolaNova foi criado o blusão branco, com man-gas raglã, azul e mescla, todos com botinaspretas e gorro de marinheiro. O jaquetãocontinuou somente para licenciamento.Também foi criada a jaqueta para paradas euniforme de gala.

E assim estabilizou-se a duração do cur-so até 1943, época da guerra, quando ocurso foi comprimido, por necessidade doconflito. Depois da guerra, voltou ao nor-mal até 1960, quando foi reduzido para trêsanos e meio. A formatura era em julho.

Em 1964, fui designado superintendentede Ensino. Os professores se queixavam

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A MARINHA DE OUTRORA

muito do 4o ano ser em seis meses. A turmado Guarda-Marinha Mendes, que se formouem julho, ficou aguardando a prontificaçãodo NE Custódio de Mello, o qual só ficariapronto no ano seguinte. Com dificuldadeforam conseguidos estágios em várias Or-ganizações Militares (OM) para aproveitaro tempo. Assim, foi decidido que o cursovoltaria a quatro anos, o que aconteceu noano seguinte e permanece até hoje. Outraprovidência tomada nesse ano foi a permis-são para que os aspirantes do Corpo da Ar-mada pudessem usar óculos, pois naquelaépoca somente os intendentes podiam usá-los. Eu, desde segundo-tenente, usava ócu-los, que nunca me criaram problema, por issome empenhei para que as Instruções Regu-ladoras para as Inspeções de Saúde na Ma-rinha (Irisma) fossem alteradas, o que foiconseguido.

Curiosamente, há pouco tempo, num al-moço, um almirante de esquadra da ativa,que fazia parte da turma de guardas-mari-nha de 1965, contou-me que eu havia sidoexecrado pela sua turma por essa provi-

dência, que atrasou a sua formatura porseis meses. Para mim não foi surpresa, poisjá tinha imaginado isso havia muito tempo.

Em 1968, voltei à Escola, como vice-di-retor. Um belo dia o secretário me procuroue declarou-me que o livro de anotações dasnotas das provas estava se esgotando.Telefonei para a Imprensa Naval e pedi aconfecção de um novo, mas eles me infor-maram que não seria possível. Teria então,que comprar fora, o que seria difícil, de vezque aquele livro tinha centenas de pági-nas. O Capitão-Tenente Júlio Pessoa, queestava cursando informática, me informouque o computador da Diretoria de Inten-dência poderia resolver o problema. Ele foiàquela OM e voltou dizendo que estavatudo arranjado, bastava a Escola mandar arelação dos aspirantes e os graus das pro-vas, e no fim do ano ele daria a classifica-ção dos aspirantes sem erro, o que foi feitocom o maior sucesso.

Eddy Sampaio EspelletAlmirante de Esquadra

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CARTAS DOS LEITORES

Esta seção destina-se a incentivar debates, abrindo espaço ao leitor paracomentários, adendos esclarecedores e observações sobre artigos publicados. Ascartas deverão ser enviadas à Revista Marítima Brasileira, que, a seu critério,poderá publicá-las parcial ou integralmente. Contamos com sua colaboraçãopara realizarmos nosso objetivo, que é o de dinamizar a RMB, tornando-a umeficiente veículo para ideias, pensamentos e novas soluções, sempre em benefí-cio da Marinha, mais forte e atuante. Sua participação é importante.

A DIREÇÃO

Quando o presente é fraco, vou buscarforças no passado. A impressão de ter sidoútil conforta-me na velhice do corpo.

Como patriota e militar, e até mesmo quan-do ainda era civil, sempre me preocupei comos problemas e as possibilidades nacionais.Desde que li O escândalo do petróleo, dogrande Monteiro Lobato, nunca mais medesliguei do “ouro negro”, menos impor-tante apenas do que a água ainda hoje.

Lendo o excelente artigo “Patrulha Na-val e as áreas sensíveis da Plataforma Con-tinental”, do Vice-Almirante José Luiz FeioObino, publicado na RMB, v. 129, no 10/12,outubro/dezembro 2009, me senti atualiza-do e certo quando o assunto já me preocu-pava, muitos anos atrás.

A FLOTILHA DE MACAÉ

Empolgado com o referido artigo e que-rendo mostrar minha solidariedade com ospropósitos nele contidos e, ainda, atenden-do ao apelo da RMB contido no preâmbulode sua seção “Cartas dos Leitores”, resol-vi lembrar meu artigo “A Flotilha de Macaé”,publicado nessa revista, v. 117, no 7/9, ju-lho/setembro 1997.

Quando ora se cogita a obtenção dosubmarino nuclear, talvez não fosse aindainoportuna a minha ideia.

Macaé, que só veio aparecer com a nossaquerida Petrobras e que já é nome de navio,poderia também ser nome de uma flotilha.

GERSON FLEISCHHAUERCapitão de Mar e Guerra (Refo)

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ACONTECEU HÁ 100 ANOS

Esta seção tem o propósito de trazer aos leitores lembranças enotícias do que sucedia em nossa Marinha, no País e noutras partesdo mundo há um século. Serão sempre fatos devidamente reporta-dos pela nossa sesquicentenária Revista Marítima Brasileira.

Com vistas à preservação da originalidade dos artigos, observa-remos a grafia então utilizada.

O PROBLEMA OPERÁRIO NOS ARSENAES DE MARINHAO PROBLEMA OPERÁRIO NOS ARSENAES DE MARINHAO PROBLEMA OPERÁRIO NOS ARSENAES DE MARINHAO PROBLEMA OPERÁRIO NOS ARSENAES DE MARINHAO PROBLEMA OPERÁRIO NOS ARSENAES DE MARINHA(RMB, jan./1910, p. 1.035-1.058)

Armando Burlamaqui

METHODOS DE TRABALHO(...)

SUBMERSIVEIS AMERICANOS DO TYPO “HOLLAND”,SUBMERSIVEIS AMERICANOS DO TYPO “HOLLAND”,SUBMERSIVEIS AMERICANOS DO TYPO “HOLLAND”,SUBMERSIVEIS AMERICANOS DO TYPO “HOLLAND”,SUBMERSIVEIS AMERICANOS DO TYPO “HOLLAND”,CLASSE “NARWHAL” (EXTRACTO DE RELATORIO)CLASSE “NARWHAL” (EXTRACTO DE RELATORIO)CLASSE “NARWHAL” (EXTRACTO DE RELATORIO)CLASSE “NARWHAL” (EXTRACTO DE RELATORIO)CLASSE “NARWHAL” (EXTRACTO DE RELATORIO)

(RMB, jan./1910, p. 1.059 -1.075)Capitão-Tenente Frederico Villar

O extraordinario successo ultimamenteobtido nas provas officiaes dos submarinos(submersiveis) americanos do typo Narwhal(“Holland”), que em numero de oito foramconstruidos para a Marinha dos EstadosUnidos, induzio-me a empregar todos osesforços possíveis para obter os dados e ou-tras informações dessas experiencias, quepudessem mais interessar á nossa marinha.

Os submersiveis a que me refiro foram cons-truidos pela “Eletric Boat Company”(Holland torpedo-boats Company) de Quincy,

Mass., que foi a primeira empreza industrialorganizada no mundo para a construcção eexploração commercial do submarino comoarma de guerra. Ha doze annos construio ellao primeiro navio submarino torpedeiro que éo “Holland”, actualmente figurante nos qua-dros da Armada Americana. Desde essa oca-sião os Almirantados Americano, Inglez,Japonez, Austriaco, Russo e Hollandez or-denaram a construcção de navios deste typodirectamente á referida companhia america-na, ou fizeram-os construir em seus proprios

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ACONTECEU HÁ CEM ANOS

arsenaes e na industria particular de seusrespectivos paizes, com a devida venia dessaempreza, proprietaria exclusiva do privile-gio dos planos originaes. Mais de cem naviosdeste typo teem sido lançados. Todos os sub-marinos inglezes, americanos e japonezes sãodo typo “Holland” e construidos pela “EletricBoat Company”, ou com sua licença. A cres-cente e natural perfeição da mão de obra e osmelhoramentos successivos introduzidos nes-ses navios permittiram que em todas asexperiencias nos Estados Unidos, como noJapão, na Inglaterra, na Russia, na Austria ena Hollanda, os navios deste typo excedes-sem continuamente os dados previstos eoccupassem rapidamente um logar distinctoentre os melhores typos conhecidos e em usonas Potencias.

Devido ao grande numero de navios“Holland” construidos, numero considera-

velmente maior do que qualquer outro typo,á competencia, ás provas perigosas a queteem elles sido sujeitos e ao largo periodode serviço pratico no mar, os meritos des-tes navios não são problematicos e teemsido brilhantemente evidenciados nasexperiencias actuaes.

Experiencias constantes e laboriosas,intelligentemente dirigidas e realisadas du-rante tantos annos e com submarinos de tãovariadas dimensões e projectos tãodifferentes, collocaram os constructores des-tes navios nas circumstancias de conhece-rem o justo equilibrio de suas qualidades eos principaes caracteristicos que satisfaçamás condições praticas do serviço.

Estes caracteristicos constituem os da-dos classicos dos modernos navios do typo“Holland”.

(...)

A TELEGRAPHIA E A TELEPHONIA SEM FIOA TELEGRAPHIA E A TELEPHONIA SEM FIOA TELEGRAPHIA E A TELEPHONIA SEM FIOA TELEGRAPHIA E A TELEPHONIA SEM FIOA TELEGRAPHIA E A TELEPHONIA SEM FIO– SEU ESTADO ACTUAL– SEU ESTADO ACTUAL– SEU ESTADO ACTUAL– SEU ESTADO ACTUAL– SEU ESTADO ACTUAL(RMB jan./1910, p. 1.133-1.163)

M.C. Gouvêa Coutinho

A revista hespanhola Memorial de Ar-tilharia publicou em seu numero de agostode 1909 um bom resumo sobre o estadoactual da telegraphia e telephonia sem fio,com figuras muito claras a respeito. Julga-

mos de utilidade traduzil-o, presumindoque será de bom auxilio para os camaradasque se dedicam a essa especialidade, já bas-tante introduzida em nossa marinha.

(...)

MARINHA DE GUERRA NO BRAZILMARINHA DE GUERRA NO BRAZILMARINHA DE GUERRA NO BRAZILMARINHA DE GUERRA NO BRAZILMARINHA DE GUERRA NO BRAZIL(RMB, jan./1910, p. 1.165-1.1173)Primeiro-Tenente Lucas A. Boiteux

CORPO DA ARMADA – ADHESÕES – CONSIDERAÇÕES A RESPEITO – CON-TRATO DE OFFICIAES ESTRANGEIROS – LORD COCHRANE – A

MARINHAGEM – PLANO DE REFORMA DA MARINHA – OUTRAS NOTÍCIAS

Tinhamos já um forte nucleo de forçaspatriotas bem capaz de medir-se, mesmo

com vantagem, contra o exercito inimigo,que occupava varias posições de nossa cos-

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ACONTECEU HÁ CEM ANOS

ta. Mas, por mais numerosas que fossemestas tropas, tornavam-se impotentes paravencer longas distancias por invios cami-nhos, lutar com o deserto impenetravel ealcançar o campo inimigo em condições defacil victoria. O resultado, pois, da campa-nha dependia do dominio do mar.

Os destinos do nosso Brazil, emancipa-do e indivisivel, estavam racionalmentedependentes das operações navaes.Tinhamos necessidade de uma esquadra

forte e disciplinada para enfrentar comgalhardia o poder naval da antigametropole.

Os egregios patriotas que auxiliavam D.Pedro na obra gloriosa da nossa emancipa-ção bem conheceram que o novo imperio sópoderia alcançar a sua integridade apoian-do-se em uma efficiente marinha, e todosos seus esforços se uniram para a realisaçãodeste supremo desideratum.

(...)

ASSUMPTOS NAVAESASSUMPTOS NAVAESASSUMPTOS NAVAESASSUMPTOS NAVAESASSUMPTOS NAVAES(RMB, fev./1910, p. 1.295-1.312)

Sob este titulo publicaram os jornaesdesta capital uma longa carta aberta,dirigida ao nosso talentoso e illustrado ca-marada sr. capitão-tenente AugustoCarlos de Souza e Silva e ao nosso eminen-te patricio e preclaro estadista sr. senadorJoaquim Murtinho.

Sendo essa carta mais uma brilhante con-firmação do grande valor desse nosso illustrecamarada, quer como official dos mais notaveise esperançosos da nossa marinha de guerra,quer como cidadão de extremado patriotismoe invejavel clarividencia, quer como escriptornaval de primeira ordem, aliás já de longadata conhecido pela sua extraordinariacompetencia no assumpto, não nos poderiamosfurtar ao grato dever e, ao contrario, é comsumma satisfação que a vamos registrar emnossas columnas, tanto mais que nada de me-lhor nem de mais completo se poderia dizersobre a actual reorganisação da nossa mari-nha, tão feliz e acertadamente posta em jáadeantada execução.

Depois de justificar-se plenamente dofacto de dirigir essa sua carta de preferenciaa um civil, apenas apparentemente estra-

nho ao assumpto ou delle inteiramente des-preocupado, pela natureza de suasoccupações habituaes, e de fazer outras con-siderações, que com desprazer deixamos dereproduzir aqui por deficiencia de espaço epara pôr quanto antes sob os olhos do leitoros conceitos que mais nos impressionaram,assim prossegue o talentoso collega, ferindocom mão de mestre e derrubando uma a umaas objecções que porventura ainda se pudes-sem levantar contra a adopção e execução donosso actual programa naval:

“No programa remodelado pela inicia-tiva do Senado e delineado pelo almiranteAlexandrino, já então ministro da marinha,a massa fôra de um só golpe empolgada,irresistivelmente, pela justeza dacorrecção, pela virilidade da aspiração, pelaclareza do objectivo, pela harmonia do con-junto, pela solidez do systema, pela niti-dez dos aspectos, pela esthetica da fórma,pela simplicidade das linhas, pelaexcellencia dos navios, pelo acerto na pre-visão, pela grandeza do resultado, pelomethodo na execução, pela propria bruta-lidade do facto, pela logica.

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ACONTECEU HÁ CEM ANOS

Queremos, devemos ser fortes? Pois te-nhamos navios tão bons e tão poderososcomo os melhores que nos puderam atacar.Eis toda a psychologia do successo genui-namente nacional do programmaAlexandrino; eis todo o segredo doprestigio desse Minas Geraes, que vai has-tear a nossa bandeira do enthusiasmo poressa formosa e forte esquadra que vai ga-rantir a nossa soberania; eis o clarão quelevou a todas as consciencias varonis e atodos os entendimentos lucidos acomprehensão do que deviamos fazer e oapplaudo do que estavamos fazendo. Foiessa harmonia, essa proporção, essa juste-za, essa verdade, emfim, que, revelando-sena eloquencia incontrastavel dos factospositivos á poderosa mentalidade de V.Ex., abriram á passagem da marinha o ca-minho da justiça. Nesse dia a marinha ga-nhara uma grande batalha, mais cheia defrutos, talvez, que o mais glorioso dosrecontros. O equivoco, de ephemera dura-ção se desfizera.

(...)Só esta prolongação da luta, o immenso

esforço imposto ao adversario, a liberdaderelativa deixada ao resto do paiz e a de-monstração da inutilidade dos esforçospara nos levarem de vencida constituiriamelementos de facil utilisação pela nossadiplomacia para por si só ou com auxilio deterceiros pôr um termo á guerra, semprejuizo, nem vexame para nós.

Guerra? Mas não haveria guerra. Só esseimmenso esforço necessario para nosacommeter e o que elle representa em dinhei-ro; esse risco, essa probabilidade de insucessodevida á existencia da nossa esquadra forte,essa perspectiva de fracasso em face da ener-gia da defesa; esse perigo de uma intervençãoalliada, occorrendo no momento em que, em-penhada em uma luta de tanta gravidade, anação não poderia defender interesses quetivesse em outros pontos, bastariam para im-pedir que o mais mediocre homem de governoatirasse seu paiz a semelhante aventura.

Presentemente, e nestes annos maisproximos, nenhuma nação, excepto a In-glaterra, dispõe de recursos militares eeconomicos para tantal-a. Mas essa mesma,forçada pelas contingencias da politicaeuropéa a conservar nas suas aguas a quasitotalidade dos seus navios de combate, nãopoderia, sem immenso risco, abalançar-se atal empresa.

(...)É dessa capacidade defensiva, idéal dos

grandes patriotas e objectivo das raças vigo-rosas, que ora vae sendo assegurada, alliadaá capacidade financeira que V. Ex. já deuma feita assegurou, que resultarão osfactores da inexpugnabilidade do paiz. Umadupla armadura, duas vezes temperada, ácuja égide elle crescerá tranquillamente,numa existencia de paz, de labor e de pros-peridade. Que sacrificios custará? Muitomenos que as derrotas humilhantes.”

O MARINHEIRO MODERNOO MARINHEIRO MODERNOO MARINHEIRO MODERNOO MARINHEIRO MODERNOO MARINHEIRO MODERNO(RMB, fev./1910, p. 1.313-1.316)

Em nenhuma profissão talvez se tenhamtransformado e evoluido tanto os misteres

e deveres profissionaes como na do mari-nheiro de guerra.

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ACONTECEU HÁ CEM ANOS

Antigamente exigia-se do marinheiro, comoqualidades essenciaes e talvez unicas, robustezphysica e aptidão organica para a vida do mar.

O marinheiro era uma especie demachina animada, cujo dever principal con-sistia em pôr os seus musculos ao serviço doapparelho de bordo. Tirando disso umanoção vaga sobre artilharia, certa praticade signaes e governo de navio.

Dahi, a facilidade em se conseguir bonsmarinheiros. A escola, ou melhor – aquilloque se tornava necessario para se fazer deum leigo um marinheiro – encontrava-seno proprio navio: algumas viagens, algu-mas noções praticas adquiridas pela obser-vação – e obtinha-se um bom marinheiro.

Hoje, com a evolução prodigiosa que seoperou na marinha de guerra, com asdifferentes applicações da sciencia, com osprogressos gigantescos da artilharia, comos torpedos, as minas, a telegraphia semfio, o marinheiro deixou de ser um simplesagente mecanico para se transformar numoperario intelligente e illustrado.

Essa necessidade de musculos que seexigia no marinheiro antigo desappareceucom os navios a vela.

E o marinheiro de hoje surge mais edu-cado, com as noções de eletricidade,familiarisado com o mecanismo complicadodo torpedo, senhor do funccionamento datorre de um couraçado e passando e rece-bendo telegrammas.

Essa relativa illustração do marinheiroactual é absolutamente necessaria para ofunccionamento regular dos navios de hoje.

A infinita serie de pequenas questõesprofissionaes, que precisam de soluçãoimmediata em um navio em acção, nãopermitte, não dá tempo á consulta aoofficial. E nem se póde comprehender um

grande couraçado com um numero tal deofficiaes que todas as minucias technicasde momento sejam resolvidas por elles.

Ha cinco annos já que o Brazilcomprehendeu a necessidade de instruir osseus marinheiros, creando as escolas profis-sionais e reformando as escolas de aprendi-zes. E os resultados obtidos são os mais li-sonjeiros possiveis. Ainda ha pouco, causa-ram verdadeiro enthusiasmo os exames detorpedos effectuados em Mocanguê. Vio-sealli marinheiros absolutamente senhores dotorpedo, sabendo tudo o que é preciso fazer,quer theorica quer praticamente.

Facto identico se verificou nos examesde artilharia. O nosso artilheiro não é maisum simples transportador de projectis ecarregador de canhão: é um profissionalque carrega a sua arma, mede a distancia aoalvo, aponta, dispara e acerta!

Ainda ha bem pouco tempo a telegraphiasem fio era quasi um segredo, um problemamysterioso, que exigia os cuidados e aexperiencia scientifica de privilegiadosfamiliarisados com os phenomenos daelectricidade. E hoje, ahi temos turmas demarinheiros senhores absolutos do segre-do, trabalhando nas nossas estaçõesradiotelegraphicas com perfeita certeza erapidez.

E ha tambem em grande numero, pelosnossos navios, signaleiros procedentes da es-cola de timoneiros e telegraphistas. E essessignaleiros não são mais, como dantes, merosdecoradores das bandeiras do codigo: sãooperarios que lidam com signaes electricos,que transmittem e recebem ordens pelos rai-os do holophote e que auxiliam grandementeo encarregado da navegação.

O nosso marinheiro, talvez mais do quequalquer outro, presta-se ao completo de-

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senvolvimento profissional; tem qualida-des moraes, intellectuaes e physicas de pri-meira ordem; é de magnifica indole e adap-ta-se sem difficuldade á disciplina a maisrigorosa, ao regimen o mais apertado.

É abnegado e capaz dos maioressacrificios sem vista em recompensas e lou-vores. E neste desinteresse, nesta abnega-ção, reside uma formosa qualidade militar.

A sua intelligencia é prompta e clara edesde que tenha quem lhe dirija a intuição,quem lhe eduque o raciocinio, quem lhecanalise os conhecimentos para um alvo cer-to e determinado, começa a progredir rapi-damente e no fim do prazo relativamentecurto admira pelo progresso que realizou.

Sem ser dotado da robustez athleticapropria de outras raças, é bem constituidoe resistente á fadiga, como poucos.

Os longos cruzeiros em navios á vela, ostrabalhos extenuantes das viagens emdestroyers, as grandes caminhadas em

exercicios de desembarque, tudo elle supportaem admiraveis condições de saúde.

É facil de se enthusiasmar e, sem tertalvez a noção dos altos deveres de defen-sor da Patria bem definida, ama a terra emque nasceo e sente, por instincto, as gloriase triumphos do seu paiz.

Affectuoso e bom, elle convive a bordocom os companheiros, em perfeita harmo-nia. E, si o tratam com justiça e lhe acodemás necessidades, é exemplarissimo.

Ha entre o marinheiro brazileiro e ojaponez frisante analogia physica eintellectual: ambos são franzinos, ambos as-similam com extrema rapidez. Façamos queessa analogia seja moral tambem; incutamosno espirito do nosso marinheiro a noção exactado cumprimento do dever, imphiltremo-lhena alma o amor sagrado da Patria, regulemosa sua vida pela mais extremada justiça e tere-mos a nossa esquadra guarnecida por outrosvencedores de Tsushima.

MARINHA DE GUERRA DO BRAZIL – XIVMARINHA DE GUERRA DO BRAZIL – XIVMARINHA DE GUERRA DO BRAZIL – XIVMARINHA DE GUERRA DO BRAZIL – XIVMARINHA DE GUERRA DO BRAZIL – XIV(RMB, fev./1910, p. 1.327-1.339)

Primeiro-Tenente Lucas A. Boiteux

O BLOQUEIO DA BAHIA – A PARTIDA DA ESQUADRA – A ESQUADRAINIMIGA – O ENCONTRO DE 4 DE MAIO – PREPARATIVOS DECOCHRANE – COMBATE EM CARAVELLAS – OUTRO COMBATE

A 29 de março mandou o governo publicaro seguinte decreto: “Sendo um dos meus maisgratos deveres com o Imperador Perpetuo des-te Imperio lançar mão de todas as medidasautorisadas pelo direito das gentes, para afi-ançar a tranquilidade do Estado e repellir aforça com a força e sendo notorio que as tro-pas portuguezas que hostilizam este Imperiose perpetuam na Bahia, por terem aberto efranco o porto daquella cidade: Hei por bem

declarar, como declaro, em estado de rigorosobloqueio o dito porto, ficando desde jáprohibida a entrada de todas e quaesquerembarcações nacionaes ou estrangeiras, deguerra ou mercantes, emquanto ali existiremtropas portuguezas; e todas aquellas embar-cações que contravierem por qualquer manei-ra a este meu imperial decreto ficarão incursasnas penas estabelecidas em casos identicospelas leis das nações.”

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No dia seguinte recebia lord Cochrane or-dem para que no dia 20 se fizesse de vela com osnavios que desejasse, puzesse o porto da Bahia

em rigoroso bloqueio e destruisse, tomasse e fi-zesse todo o damno possivel ao inimigo.

(...)

MARINHA DE GUERRA DO BRAZILMARINHA DE GUERRA DO BRAZILMARINHA DE GUERRA DO BRAZILMARINHA DE GUERRA DO BRAZILMARINHA DE GUERRA DO BRAZIL(RMB, mar./1910, p. 1.519-1.529)

Primeiro-Tenente Lucas A. Boiteux

PREPARATIVOS DE LORD COCHRANE – TENTATIVA DE ABORDAGEM– DESANIMO DO GENERAL MADEIRA – ABANDONO DA CIDADE –

ATAQUE AO COMBOIO PORTUGUEZ – AS PREZAS – O GALHARDOCRUZEIRO DA “NICTHEROY”

A 2 de junho, o Almirante teve noti-cia de que a esquadra inimiga entrarano porto. Satisfeito com isto, mandouapressar o preparo dos brulotes, que,segundo correspondencia dos patriotas,causava séria preoccupação ao inimigo,pois conheciam o successo de Cochraneem Aix.

Resolveu elle empregal-os no dia 8, masrecebendo aviso de que o inimigo ia tentardestruil-os no Morro de S. Paulo, tendopara isso embarcado na esquadra uma divi-são do exercito, deliberou esperal-os.

A nossa esquadra poz-se de promptidão,mas o inimigo não veio.

(...)

RADIOTELEPHONIARADIOTELEPHONIARADIOTELEPHONIARADIOTELEPHONIARADIOTELEPHONIA(RMB, mar./1910, p.1.531-1.541)

M.C.G. Coutinho

SEU ESTADO ACTUAL E SEUS PROGRESSOS

A Revista de Marina, de junho ultimo,trouxe um interessante artigo sobre esteassumpto, que vamos reproduzir, não sóporque não temos ainda nenhum apparelhode telephonia sem fio como tambem por jul-garmos util o seu conhecimento pelas van-tagens praticas da telephonia, tanto emtempo de paz, por occasião das manobrasnavaes, como tambem em tempo de guerra,visto como o almirante em chefe poderá, de

sua torre de commando, dar ordens directasa todos os seus commandados, advertil-ospromptamente em caso de má execução e,de accordo com as manobras do inimigo,mudar de planos, etc.

Julgamos, pois, prestar aos nossos ca-maradas um bom serviço reeditando aquiesse artigo, que vem firmado por DanielValenzuela e é o seguinte:

(...)

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ACONTECEU HÁ CEM ANOS

REVISTA DE REVISTASREVISTA DE REVISTASREVISTA DE REVISTASREVISTA DE REVISTASREVISTA DE REVISTAS

MARÇO – 1910

RIQUEZAS ABANDONADAS – Sobesta epigraphe, encontramos na revista demarinha Lloyd Argentino, de 15 de janei-ro, o seguinte artigo:

“Todos os governos que resolvem comintelligencia os problemas da renda nacio-nal jámais descuidaram da industria dapesca, que tem sido sempre consideradapelas nações progressistas como uma dasprincipaes fontes de riqueza.

É sabido que dos productos do mar vi-vem importantes cidades do continenteeuropeu que a não contar com suas pescari-as, que são os elementos principaes de seucommercio, teriam de permanecer estacio-narias e succumbir por falta de recursos.

Tudo isto, que é tão sabido, tem sido com-pletamente esquecido em nosso paiz, aqui,em uma nação que tem um immenso littoralmaritimo em que se encontram os mais ricose variados exemplares da fauna aquatica!

Chegou o momento do Ministerio daAgricultura, que só tem feito evidenciarsua acção neste assumpto ordenando o es-tabelecimento de alguns criadeiros de os-tras e trutas, dedique toda sua actividadeao fomento desta abandonada industria econceda a emprezas responsaveis licençapara formarem colonias de pescadores quepossam explorar com grandes capitaes apesca em nossos mares e rios, sem prejudi-car os interesses da livre navegação.

(...)

DESPEZAS NAVAES – Os orçamen-tos da marinha das principaes naçõesaugmentaram, de 1889 a 1908, nas seguin-tes proporções:

Japão ................................ 950 %Allemanha ...................... 740 %Estados Unidos ............. 500 %Inglaterra ...................... 145 %França ............................ 82 %

NOTICIARIO MARITIMONOTICIARIO MARITIMONOTICIARIO MARITIMONOTICIARIO MARITIMONOTICIARIO MARITIMO

JANEIRO – 1910

MARINHA NACIONALMARINHA NACIONALMARINHA NACIONALMARINHA NACIONALMARINHA NACIONAL

ENTREGA DO “MINAS GERAES” –No dia 5 de janeiro realisou-se a entregasolemne e official deste poderoso navio aoGoverno Brazileiro, representado peloVice-Almirante J. Cordovil Maurity, Pre-sidente da Commissão Naval na Europa.Todos os brazileiros devem estar satisfei-tos com a noticia desse acontecimento que

assignala uma nova éra de rejuvenescimen-to e grandeza para a nossa Marinha. Com adevida venia publicamos aqui o minuciosotelegramma que o correspondente do Jor-nal do Commercio enviou, sobre a cerimoniada entrega do navio:

(...)

MOLESTIAS QUE ISENTAM E IN-VALIDAM PARA O SERVIÇO DA AR-MADA – A comissão medica nomeada peloSr. Almirante Ministro da Marinha para

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ACONTECEU HÁ CEM ANOS

estudar esse assumpto, composta dos Srs.Drs. Euclides Rocha sub-inspetor do cor-po de saude da armada, Antonio J. de Ara-ujo, Antonio C. Palhares, L. Marques deFaria e José Raulino de Oliveira, apresen-tou o trabalho que publicamos adiante, pre-cedido da seguinte exposição:

(...)

ESTADOS UNIDOSESTADOS UNIDOSESTADOS UNIDOSESTADOS UNIDOSESTADOS UNIDOS

ORÇAMENTO PARA 1910 – O orça-mento da marinha para o proximo anno éde 732.223.075 dollars, havendo uma di-minuição de 103.370.303 dollars em com-paração com o orçamento do anno passado.

FEVEREIRO – 1910

ESTADOS UNIDOSESTADOS UNIDOSESTADOS UNIDOSESTADOS UNIDOSESTADOS UNIDOS

EMBARQUE DE CARVÃO – O cruza-dor Saint-Louis embarcou 1500 toneladas decarvão em 4 horas e 30 minutos no caes doarsenal de Bremester, no Pacifico, empregan-do nesse serviço sómente 177 homens.

A rapidez de embarque dá 0,78 tonela-da por homem e por hora.

O Milwoke da mesma classe embarcou amesma quantidade de carvão em 9 horas e30 minutos, com 218 homens, ou sejam 158toneladas por hora.

JAPÃOJAPÃOJAPÃOJAPÃOJAPÃO

COMBUSTIVEL LIQUIDO – A’ vistados resultados satisfatorios obtidos com ocombustivel liquido nas experienciasrealisadas em 1908 no pequeno cruzadorIoyama, o ministro da marinha resolveuadoptar esse combustivel e mandou construir

grandes depositos nos portos militares e trans-formar o velho couraçado Fuji para transpor-tar petroleo. D’ora avante todos os naviosterão installações ao uso desse combustivel.

ALMIRANTE TOGO – O heroe deTsushima, o valoroso almirante Togo, reti-rou-se do serviço activo, indo occupar umlogar no conselho imperial.

Para substituil-o no elevado posto da es-quadra, para a qual elle conquistou tantasvictorias, foi nomeado o almirante Yjuin.

MARÇO – 1910

MARINHA NACIONALMARINHA NACIONALMARINHA NACIONALMARINHA NACIONALMARINHA NACIONAL

NOVAS ESTAÇÕES RADIOTELE-GRAPHICAS – Prosseguem comactividade os trabalhos da montagem dasestações radiotelegraphicas nos Estados deS. Paulo, Bahia e Pernambuco.

A estação de Amaralina, na Bahia, estámuito adiantada, devendo ser inauguradabrevemente.

A estação de Olinda, em Penambuco, játem construidas as casas e as duas torres,tendo cada uma destas 50 metros de altura.

As installações de Fernando deNoronha, de grande importancia pela si-tuação desta ilha no seio do Atlantico, afas-tada da costa, na róta habitual dostransatlanticos, vão ser atacadas com vigore actividade para que dentro de curto pra-zo estejam construidas as duas casas e asquatro torres projectadas.

As torres devem ter 75 metros de alturacada uma.

A estação de Fernando de Noronha secommunicará com a de Dakar, na costaoccidental da Africa, e dahi com a Europa.

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ACONTECEU HÁ CEM ANOS

A NOVA ESQUADRA – Um estudocompleto sobre a nossa nova esquadra é oque se nos depara em uma correspondenciaultimamente enviada de Londres ao Jor-nal do Commercio, pelo distincto e operosocapitão-tenente Souza e Silva, actualmenteem commissão na Inglaterra.

Tão interessantes e opportunas são asinformações fornecidas nesse bem elabora-do arquivo pelo nosso illustre camarada,que julgamos de utilidade reproduzil-o in-tegralmente nas páginas desta Revista:

(...)

ESTADOS UNIDOSESTADOS UNIDOSESTADOS UNIDOSESTADOS UNIDOSESTADOS UNIDOS

ESTATISTICA INTERESSANTE –Informações publicadas pelo Navy Yearbookdeste anno e reproduzidas no Moniteur dela Flotte são para total dos creditos conce-didos á marinha americana, em um periodode 26 annos, de 3 de março de 1883 a 3 demarço de 1909, a fabulosa quantia de7.889.386.666 francos, o que corresponde a292.199.506 francos por anno.

Os 201 navios cuja construcção foiautorisada durante esse longo periodo re-presentam em conjunto um deslocamentode 948.961 toneladas.

Desses navios, 26 couraçados, com equi-pamento e armamento, custaram792.600.706 francos; 12 cruzadores cou-raçados, 333.988.070 francos; 18 cruza-dores protegidos, 219.143.416 francos; 3cruzadores não protegidos, 18.956.561francos; tres scouts, 28.630.529 francos;10 monitores, 111.091.545 francos; qua-tro navios de instrucção, 8.569.031 fran-cos; torpedeiros e submarinos, 70.301.735francos; o navio ariete Kalhadúr 7.999.299francos, e os navios que se perderam Mainee Charleston, 31.388.232 francos.

INGLATERRAINGLATERRAINGLATERRAINGLATERRAINGLATERRA

EMBARQUE DE CARVÃO – No ar-senal de Portsmouth o couraçado Britanniaembarcou 1.530 toneladas de carvão em 4horas e 10 minutos ou seja, em média, 367toneladas por hora.

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REVISTA DE REVISTAS

Esta seção tem por propósito levar ao conhecimento dosleitores matérias que tratam de assuntos de interesse maríti-mo, contidas em publicações recebidas pela Revista MarítimaBrasileira e pela Biblioteca da Marinha.

As publicações, do Brasil e do exterior, são incorporadasao acervo da Biblioteca, situada na Rua Mayrink Veiga, 28 –Centro – RJ, para eventuais consultas.

SUMÁRIO(Matérias relacionadas conforme classificação para o Índice Remissivo)

APOIOCONSTRUÇÃO NAVAL

Programa de Reaparelhamento da Marinha já é realidade (251)

ARTES MILITARESESTRATÉGIA

O fantasma renitente de Mahan (252)

CIÊNCIA E TECNOLOGIATECNOLOGIA

Abram alas para a esquadra cibernética (254)

FORÇAS ARMADASNAVIO-AERÓDROMO

Fortaleza no mar? O mito da invulnerabilidade do navio-aeródromo (255)SERVIÇO MILITAR

O futuro do serviço militar obrigatório na Alemanha: mudança à vista? (256)SUBMARINO NUCLEAR

Lançado o submarino nuclear ATV INS Arihant – A Índia se junta ao clubedo submarino nuclear Big Five (258)

GUERRASGUERRA ANFÍBIA

Destreza anfíbia, ainda uma necessidade básica (259)GUERRA DE MINAS

O que funciona... O que não – Contrapondo-se às “armas que esperam” assimétricas (260)

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REVISTA DE REVISTAS

PROGRAMA DE REAPARELHAMENTO DA MARINHAJÁ É REALIDADE

(Portos e Navios, dezembro/2009, p. 34-35)

Inace entrega primeiro navio-patrulha danova safra de encomendas da Marinha doBrasil e Eisa bate quilha do primeiro naviodo segundo lote. Ao todo serão 27.

Em menos de um mês dois eventos com-provaram que o Programa de Reapare-lhamento da Marinha deslanchou com todaa sua força. Em dezembro foi batizado eincorporado à Armada o Navio-PatrulhaMacaé. Ele é o primeiro de um lote de doisde 500 toneladas de deslocamento e foiencomendado ao estaleiro cearence Inace.Três semanas antes o estaleiro Ilha haviarealizado solenidade de batimento de qui-lha do Navio-Patrulha Maracanã, primeironavio da série de quatro da mesma capaci-dade encomendada em setembro.

A cerimônia do Inace contou com a pre-sença do ministro da Defesa, Nelson Jobim,do governador do estado do Ceará, Cid Go-mes, e do Comandante da Marinha, Almiran-te de Esquadra Julio Soares de Moura Neto.

O Macaé teve seu batimento de quilharealizado em novembro de 2006 e seu nomeé uma homenagem à cidade do litoralfluminense, importante polo de apoio à ex-ploração marítima de petróleo no Brasil. Eleé o primeiro de uma nova classe de navios-patrulha em construção. Foi utilizado o pro-jeto do navio-patrulha francês Classe Vigi-lante 400 CL54 da empresa francesaConstructions Mécaniques de Normandie(CMN), que foi alterado e aperfeiçoado, in-corporando desenvolvimentos tecnoló-gicos e melhorias no desempenho do navio.Com as mudanças a Marinha também visa-va customizar o projeto de modo a facilitar anacionalização dos equipamentos, confor-me a política governamental de incentivar autilização de bens produzidos no país. O

índice de conteúdo nacional chegou a 60%.Dentre os modernos sistemas nacionaliza-dos, cujo elevado grau de complexidadeagrega tecnologia de ponta ao setor indus-trial associado, destacam-se o Sistema deControle e Monitoramento de Máquinas(SCM) e o Terminal Tático Inteligente (TTI).

O navio conta ainda com dois radares debusca de superfície (um de banda X e um debanda S), Vision Master FT250, ambos for-necidos pela Sperry Marine, um canhão 40mm 1,70 (AOS) e duas metralhadoras 20 mmGAM B01-2. O sistema de propulsão contacom dois MCP MTU 16V 4000 M90 e trêsgrupos diesel-geradores MTU. A velocida-de máxima é de 21 nós e a tripulação é forma-da por quatro oficiais e 30 praças. Entre ascaracterísticas do navio-patrulha estão ain-da o comprimento total de 55,6 metros, bocamáxima de 9,3 metros, calado máximo de 2,5metros. A embarcação tem capacidade deoperar com aeronaves em fainas de recebi-mento de cargas e de pessoal.

Com uma autonomia de 10 dias e raio deação de mais de 4,5 mil quilômetros, o Macaé

O Macaé é o primeiro do lote de dois navios-patrulha

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auxiliará na fiscalização e patrulhamento daságuas jurisdicionais brasileiras. O segundoda série ficará pronto no próximo ano.

MARACANÃ

Na cerimônia de batimento de quilha noestaleiro Eisa, o diretor-geral do Material daMarinha, Almirante de Esquadra MarcusVinícius Oliveira dos Santos, lembrou que oPrograma de Reaparelhamento da Marinhaprevê a construção de um total de 27 unida-des dessa classe. O objetivo é reforçar a vigi-lância das águas territoriais do país, visandoprincipalmente garantir a defesa da FlorestaAmazônica e das reservas petrolíferas maríti-mas. Ainda não há previsão de quando opróximo lote de navios-patrulha será enco-mendado. O Maracanã deve ser incorpora-do à Armada em meados de 2012 e ficará sob

a jurisdição do Comando do 4o Distrito Na-val, em Belém (PA). Contratados por R$ 174milhões, os quatro navios deverão estar emplena operação no início de 2014.

O presidente do estaleiro Eisa, ManuelRibeiro, afirmou que o contrato é o primeiropasso para que o grupo Sinergy –controlador do Eisa – tenha um estaleiro to-talmente dedicado à construção de embar-cações militares. O estaleiro pretende parti-cipar das licitações da Marinha para as pró-ximas encomendas previstas em seu Pro-grama de Reaparelhamento e planeja conti-nuar investindo para que seu corpo técnicoesteja cada vez mais qualificado para cons-truir embarcações militares, cujo alto níveltecnológico sempre foi um desafio a ser su-perado pelos estaleiros brasileiros. Ribeirotambém defendeu a importância de aumen-tar o conteúdo nacional das embarcaçõesconstruídas no Brasil e garantiu que o esta-leiro também quer contribuir para a naciona-lização dos equipamentos.

O diretor do DGMM ressaltou que coma obra “o Eisa passa a integrar o seletogrupo com capacidade tecnológica paraconstruir navios militares, o que, sem dú-vida, é importante marco estratégico em suahistória e na história da construção navalbrasileira, estabelecendo fundamentos ecriando condições favoráveis para o futu-ro engajamento em empreendimentos demaior complexidade”.

Diretores do Eisa e de Material da Marinhabatem quilha do Maracanã

Para os autores deste artigo, AlfredThayer Mahan continua tão relevante hojeem sua lógica e gramática operacional quan-

O FANTASMA RENITENTE DE MAHAN(Proceedings, EUA, dezembro/2009, p. 40-45)

James R. Holmes e Toshi Yoshibara*

* Os doutores Holmes e Yoshibara são professores assistentes de estratégia no Naval War College dosEstados Unidos da América. São coautores do livro Estratégia Naval Chinesa no Século 21: aguinada em direção a Mahan (Routledge, 2007).

to era no século XIX, com suas doutrinasde navio capital e de ações da esquadraprincipal.

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Nesta análise, em que buscam demons-trar essa assertiva, eles consideram o Plan(Exército Marinha de Libertação do Povo)chinês como o antagonista mais provávelda Marinha dos Estados Unidos da Améri-ca (EUA). Para eles, essas duas institui-ções vêm trilhando caminhos opostos. Paraa Marinha dos EUA, há tempo, os custostêm aumentado e os orçamentos encon-tram-se estacionados no mesmo patamar,enquanto o Plan vem se armando com no-vos navios, submarinos e aeronaves. Evi-dentemente, eles estão longe de afirmar queessas forças são comparáveis na base deum por um; entretanto, asseveram que aChina pode se dar ao luxo de enfocar ape-nas na Ásia, enquanto os EUA possuemcompromissos em todo o planeta.

Para Holmes e Yoshibara, a existênciade ASBM (mísseis balísticos antinavio) naChina poderá mudar todo o equilíbrio depoder regional por meio da dissuasão deincursões de grupos expedicionários ame-ricanos ou mesmo causando-lhes sériasavarias. Dessa forma, o Plan terá negado aum adversário militarmente superior o usode vastidões marítimas como o Mar Ama-relo (Yellow Sea), o da China Oriental (EastChina Sea) e o da China Meridional (SouthChina Sea), posicionando-se para exercero controle do mar. Uma estratégiaantiacesso é a forma mais direta pela qual aChina poderá manter os EUA fora de seuambiente marítimo, afirmam os autores.

No que diz respeito a Taiwan e à sua in-vasão pela China, haverá pouco que os EUApoderão fazer, tendo que aceitar a nova si-tuação no Estreito. Por outro lado, afirmamos autores, a Ásia, nessa conjuntura, rever-teria para um certo equilíbrio entre o maiorpoder terrestre, a China, e os EUA, o podernaval dominante. Nesse cenário, nenhumdos dois poderia se contrapor às vantagensgeopolíticas do outro – e nem teria motivopara tentar. A coexistência pacífica reinaria,

e o sistema de navegação livre duraria portempos imprevisíveis, beneficiando os EUAe a região. Perderiam apenas os defensoresda independência de Taiwan.

Esse final feliz, entretanto, não é certo,garantem os articulistas. Como exemplodessa imprevisibilidade, citam que a eco-nomia chinesa depende da importação derecursos naturais oriundos do OrienteMédio e da África. Garantir a passagemsegura dos mercantes que transportam osrecursos energéticos pelo Oceano Índicose tornou uma obsessão para Pequim. Ouseja, concluem Holmes e Yoshibara, há maiscoisas na estratégia chinesa além de recu-perar Taiwan. Aparentemente, a estratégiade acesso se tornou tão importante para aChina como para os EUA.

Mahan e Clausewitz

Segundo os autores, Alfred Mahan con-tribui para o entendimento do processoevolutivo da estratégia chinesa. ParaMahan, o mar representa um “grande es-paço comum, onde o homem pode passarem todas as direções”, e a comunicaçãomarítima ou a passagem segura por essesespaços aquáticos comuns é “o elementoestratégico, político ou militar mais impor-tante”. E ainda segundo Mahan: interrom-per as linhas de comunicação marítimas deuma nação por meio de ação naval é atacara própria raiz de seu vigor nacional.

Mas, segundo os autores do artigo, hámais em Mahan do que batalha naval. Suateoria possui dois níveis distintos, e CarlVon Clausewitz contribui para esclareceresse caráter dual da teoria de poder navalde Mahan ao postular que “a guerra é ape-nas um ramo da atividade política; e ela nãoé de forma alguma autônoma”. ParaClausewitz, a guerra é a continuação da po-lítica nacional com acréscimo de meios mili-tares, e o intercâmbio político entre belige-

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rantes não cessa com o disparar de canhões.Esses conceitos se aplicam ao poder navalconforme enunciado por Mahan, afirmamYoshibara e Holmes. Mahan, segundo eles,pressionava para que os comandantes to-massem a ofensiva caso a guerra sobrevies-se, mas, garantem, nunca “esposou a rivali-dade naval por si só”. Para os autores, alógica e a gramática de Mahan iam muitoalém do teatro de operações, chegando aocampo da diplomacia em tempos de paz.

A prontidão naval é a ponta afiada da es-tratégia marítima, mas ela é tão somente ummeio. Segundo os autores, para Mahan ocomércio é o verdadeiro caminho para a gran-deza nacional. Para eles, a prosperidade temprecedência e citam Mahan: “O ponto de par-tida e fundação” para a compreensão do po-der naval está “na necessidade de proversegurança para o comércio por meios políti-

cos apoiados no poder militar ou pela forçanaval. Esta é a ordem verdadeira da impor-tância relativa para a nação dos três elemen-tos – comercial, político e militar”. Assim,concluem, a lógica mahaniana impele os go-vernos a buscarem acesso por razões comer-ciais, e a sua gramática implica se garantir oacesso pela força das armas – o “Comandodo Mar”, defendido por Mahan.

Dessa forma, os autores finalizam con-cluindo que as doutrinas de Mahan são tãoválidas para a China do século XXI comoeram para a América do século XIX e incen-tivam analistas a usarem os ensinamentosdaquele historiador e estrategista para deci-frar os movimentos chineses e para desen-volver estratégias de acordo com a novarealidade. Para Holmes e Yoshibara, “o fan-tasma de Mahan deve estar sorrindo satis-feito pela longevidade de seus trabalhos”.

“A Marinha precisa fazer escolhas difí-ceis agora para se preparar para operaçõesno espaço cibernético”. Esta é a sentençainicial deste artigo, em que o autor analisa adependência das nações do espaçocibernético. Além disso, sentencia que “aposição de liderança dos Estados Unidos daAmérica (EUA) depende não somente de suahabilidade em operar com sucesso no mar, are espaço, mas também no ciberespaço”.

Segundo ele, o ciberespaço é compostopelo tecido eletrônico criado pela internet –infraestrutura de telecomunicações mundi-al, comunicações em radiofrequência – e,

ABRAM ALAS PARA A ESQUADRA CIBERNÉTICACapitão de Fragata (EUA) James H. Mills*

(Proceedings, janeiro/2010, p. 64-69)

* Serve atualmente como oficial de sistemas de combate do USS Ronald Reagan (CVN-76). É oficial desuperfície e foi membro chave no estabelecimento da Comunidade de Informações Profissionais,iniciativas da Tecnologia da Informação para o Século XXI e Forcenet, do Comando da Rede Navalde Combate, das séries de experimentos Guerreiro Trident e do portfolio de Comando e ControleCombinados.

como o alto-mar, o espaço aéreo internacio-nal e o espaço sideral, é área comum da hu-manidade. E, agora, com a criação, em junhode 2009, do U.S. Cyber Command (Coman-do Cibernético dos EUA), tornou-se umaárea crítica de combate, reconhecidamente.

O U.S. Cyber Command, de acordo comMills, integra as operações no ciberespaço,sincroniza os efeitos dos combates global-mente e apoia parceiros civis e internacio-nais, buscando prover liberdade de açãono ciberespaço. A Marinha dos EUA, emsua reação inicial à criação desse Coman-do, estabeleceu um novo cargo para almi-

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operações no ciberespaço: o ataquecibernético, a defesa cibernética e o contro-le cibernético, e aborda, com algum detalhe,as medidas adotadas pela Marinha dos EUA,além de verificar que o futuro desse campoda guerra ainda é nebuloso.

Concluindo seu trabalho, o ComandanteMills traça um paralelo entre o desafio dodomínio dos mares de mais de cem anos atrás,que culminou com a viagem de circunavega-ção da “Esquadra Branca”, demonstrando aliberdade de ação da Marinha dos EUA e asua capacidade de proteger os interessesnacionais por todo o mundo, e o desafio atu-al de como “navegar” o espaço cibernéticocomum, mantendo alcance global e usando-o para influenciar outras nações.

Na sua opinião, as seguintes ações sãonecessárias:

– definir uma visão clara, com capacida-des objetivas;

– descobrir um campeão cibernético(como foram o Almirante Moffet para a avi-ação e o Almirante Rickover para a esqua-dra nuclear);

– organizar, com regras claras dehierarquia;

– procurar alguns guerreiroscibernéticos;

– definir o que deve ser protegido;– propiciar a inovação; e– fortalecer a infraestrutura do

ciberespaço.

rante de três estrelas – o Fleet CyberCommand (Comando Cibernético da Esqua-dra, FLTCybercom).

Para Mills, as nações ocidentais são al-tamente dependentes da tecnologia da in-formação e do ciberespaço para seu co-mércio, troca livre de informações na vidadiária de seus cidadãos e para a manuten-ção da dianteira de inteligência que podedeterminar a longevidade de uma socieda-de. As infraestruturas de transportes, detelecomunicações, de energia nuclear, dedistribuição de água e outras infraestru-turas críticas são alvos prioritários paraataques cibernéticos.

O autor prossegue exemplificando (Chi-na, Al Qaeda, Israel, Rússia, Coreia do Nor-te e Irã) com fatos do passado recente queo conflito cibernético entre estados nações,organizações internacionais e não estadosvem crescendo e que, por isso, a China ele-vou a guerra cibernética em sua estratégiaformando um corpo de cerca de 6 milhackers. Segundo o autor, a necessidadede um tratado para o ciberespaço já foi dis-cutida entre os EUA e a Rússia.

Mills identifica que, há algum tempo, ogoverno de seu país reconheceu a necessi-dade de que o discurso político e a estraté-gia militar englobassem as capacidades nociberespaço, e aborda as medidas adotadase planejadas. Cita e analisa, individualmen-te, também as três dimensões primárias das

Para o autor deste artigo, as vulnerabilida-des inerentes aos navios-aeródromos nucle-ares (CVN) são frequentemente subestima-

FORTALEZA NO MAR?O MITO DA INVULNERABILIDADE DO NAVIO-AERÓDROMO

Capitão de Fragata (Reserva – EUA) John Patch*(Proceedings, janeiro/2010, p. 17-20)

* É oficial de superfície e de inteligência da reserva da Marinha dos EUA. Serviu no USS TheodoreRoosevelt (CVN-71) de 2000 a 2002, durante a Operação Enduring Freedom. É integrante do corpodocente do U.S. Army War College e membro do U.S. Naval Institute Editorial Board.

das pelos analistas. Para ele, até mesmo nes-te momento em que se debatem os requisitosdeste tipo de navio nos Estados Unidos da

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ameaças assimétricas vislumbradas, apre-sentando exemplos baseados em hipóte-ses por ele formuladas.

John Patch conclui seu artigo indican-do que se deve:

– em primeiro lugar, admitir a possibili-dade de ataques aos CVN;

– em seguida, fazer avaliação dasvulnerabilidades desses navios utilizando-se os possíveis cenários e criar planos deprevenção a ataques;

– fazer a apresentação por arquitetosde jogos de guerra e de doutrinas dessescenários aos combatentes e líderes de de-fesa, forçando-os a questionarem concei-tos tradicionais sobre a invulnerabilidadedos navios-aeródromos nucleares; e

– fazer a avaliação por líderes e estra-tegistas dos planos militares existentes edas capacidades das forças à luz do fatoque ataques assimétricos poderão seroriundos de oponentes convencionais ounão tradicionais.

América (EUA), consideram-se apenas osfatores de custo/benefício, descartando-sedo foco principal o fato de eles serem navios-capitais e símbolos do prestígio e poder nor-te-americano, além de alvos potenciais paraadversários, convencionais ou não. Segun-do o Comandante Patch, parece haver umconsenso, baseado apenas na fé, de que apremissa da invulnerabilidade do navio-aeródromo nuclear é verdadeira.

Para John Patch, a perda repentina einesperada de um CVN, especialmente pormeio de ataque assimétrico, chocaria tantoo estabelecimento militar como o públicoamericano, em um equivalente militar aodesastre de 11 de setembro, no qual foramderrubadas as Torres Gêmeas, em NovaIorque. Em sua opinião, o Departamentode Defesa de seu país deveria se prepararpara contingências desse tipo.

Ao longo de seu texto, o autor buscaindicar aquelas vulnerabilidades que iden-tifica na operação dos CVN e também as

O FUTURO DO SERVIÇO MILITAR OBRIGATÓRIONA ALEMANHA: MUDANÇA À VISTA?

(Tecnologia Militar, ano 31, no 4/2009, p. 2-3)Franz H. Thiele

O autor deste editorial analisa a evolu-ção do serviço militar obrigatório (SMO)na Alemanha desde as guerras de libera-ção contra Napoleão (de 1813 a 1815) atéos dias atuais. Essa evolução, segundo ele,sempre se baseou, com breve exceção deuma década e meia após a Primeira GuerraMundial, no princípio filosófico de que ocidadão, independentemente de sua clas-se social, é o defensor nato da pátria. Essasituação, na Europa, encontra semelhançaapenas com Áustria, Dinamarca e Suíça.

Franz Thiele verifica as tendências polí-ticas atuais relativas ao tempo de duraçãodo serviço militar obrigatório no país e apre-

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senta detalhes desse serviço na Alemanha.Em sua análise, conclui que o tempo deduração do SMO tem variado ao longo dasúltimas cinco décadas em função da avali-ação feita de situações políticas e de ame-aças existentes. Ele cita como exemplos acrise de Berlim, de 1961; a dos mísseis deCuba, de 1962; e a repressão da Primaverade Praga, em 1966. Acrescenta que, na dé-cada de 1990, as influências vieram princi-palmente da unificação do país e da retira-da de tropas russas da Alemanha Oriental.Apresenta, então, os seguintes dados re-lativos à duração do SMO na Alemanha:

– 1957-1962: 12 meses– 1962: 15 meses– 1962-1972: 18 meses– 1973-1990: 15 meses– 1990-1995: 12 meses– 1996-2002: 10 meses– a partir de 2002: 9 meses– a partir de 2010: (?) 6 mesesPara Thiele, a filosofia do serviço militar

obrigatório alemão é um elemento impor-tante para manter a integração das forçasarmadas na sociedade. Para ele, forças ar-madas profissionais tendem a se converterem órgãos desacoplados e marginais, quese comandam segundo suas própriasidiossincrasias, nem sempre desejáveis noconjunto do Estado. Além disso, os políti-cos, especialmente os membros do Parla-mento, parecem prestar mais atenção àsforças armadas e ao seu emprego se sabemque em suas fileiras há pessoal oriundo doserviço obrigatório e não somente volun-tários. Cita também como importante parao nível político a existência do Serviço Ci-vil Substituto, para aqueles com objeçõesde consciência ao SMO. Esse serviço temcaráter social, representa um grande alíviopara instituições com esta finalidade, e aremuneração desses jovens é a mesma doSMO. Segundo Franz Thiele, a manuten-ção desse serviço, muitas vezes, parece ter

mais impacto nas discussões do que o pró-prio SMO.

Ele indica, ainda, as duas vertentes prá-ticas do SMO:

1) estabelece e mantém uma importantebase mobilizável de pessoal adequadamen-te formado e instruído; e

2) representa o acesso às forças armadasde um fluxo constante de jovens provenien-tes de todas as camadas sociais de onde seobtém o pessoal voluntário adequado.

Para o autor, as controvérsias existen-tes sobre a manutenção do SMO na Ale-manha ocorrem nos campos da ética, dapolítica nacional, internacional e social, daeconomia etc. Elas se revestem de grandecomplexidade, mas, com frequência, sãoabordadas a partir de discursos e posiçõespopulistas, mais do que daqueles com ar-gumentos com significados reais.

Em conclusão, Franz H. Thiele afirmaque a Alemanha, por ora, seguirá com oserviço militar obrigatório, mesmo que maiscurto, mas dentro das margens oferecidaspelos demais países europeus. E finalizaafirmando: “Não me atreveria a prognosti-car que persista além das próximas eleiçõesfederais, em 2013”.

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O autor busca desvendar detalhes do lan-çamento e da construção do submarino nu-clear construído pela Índia e que foi lançadoem cerimônia restrita, realizada em 26 de ju-nho de 2009, em Vishakapatnam, na Índia.

O INS Arihant (o destruidor de inimi-gos) desloca 6.000 toneladas, possui 104m de comprimento e 11 m de diâmetro. Suaexistência foi mantida em segredo por duasdécadas, período durante o qual o projetovinha sendo denominado ATV (advancedtechnology vessel – embarcação detecnologia avançada) em tentativa dedespistamento. Segundo Ranjit Rai, o

LANÇADO O SUBMARINO NUCLEAR ATV INS ARIHANT –A ÍNDIA SE JUNTA AO CLUBE DO SUBMARINO NUCLEAR

BIG FIVE(Naval Forces, No V/2009, Vol. XXX, p. 22-25)

Ranjit B. Rai*

* Comodoro da reserva da Marinha da Índia, com experiência de comando. Trabalhou no reator nuclearde treinamento e na planta nuclear indiana de Tarapore.

Paquistão, país nuclear vizinho, reagiu ime-diatamente, acusando a Índia de escalar acorrida armamentista na região.

Ao longo de seu texto, o autor aborda ahistória dessa construção, iniciada nosanos 1970, quando engenheiros navais fo-ram comissionados para o Centro de Pes-quisas Atômicas de Bharat (Barc), emMumbai, juntando-se a cientistas nuclea-res para projetar um minirreator nuclear parapropulsão naval.

Cita também a cooperação russa por meiodo fornecimento de aço, de tecnologia e detreinamento para soldadores e montadores.

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Indica, ainda, que a profundidade de colap-so do novo submarino é de 500 m e que po-derá operar por até 80 dias contínuos comtripulação composta por 20 oficiais e 70 pra-ças. O suprimento de combustível (urânio en-riquecido) e armamento será feito pela Rússia.

Enquanto o submarino permanece atraca-do em Vishakapatnam em seu já avançado es-tado de construção, recebendo acabamentosinternos, alinhamento de eixos propulsores etestes de aceitação atracado, o autor vislum-

bra o início de uma nova era para seu país emum novo patamar de dissuasão e de coopera-ção para a segurança das vias marítimas.

Em conclusão, afirma Ranjit, quando ossubprodutos do projeto se tornarem públi-cos, a indústria do país poderá florescer ain-da mais e deverão também ser feitas auditori-as nos custos do projeto, já que os gastoscom defesa na Índia sempre estiveram envol-vidos em segredos e corrupção, sem que fos-sem apuradas responsabilidades.

DESTREZA ANFÍBIA, AINDA UMA NECESSIDADE BÁSICA(Proceedings, novembro/2009, p.40-44)

Coronel (FN/EUA – Reserva) Douglas KingTenente-Coronel (FN/EUA – Reserva) John Berry*

* O Coronel King serve no Comando de Desenvolvimento de Combate do Corpo de Fuzileiros Navais dosEUA. O Tenente-Coronel Berry é editor-chefe e desenvolvedor de conceitos no mesmo comando.Ambos trabalharam na produção do Conceito de Operações Navais de 2006 e na Estratégia Coope-rativa para o Poder Naval do Século XXI.

Os autores deste artigo buscam demons-trar que a necessidade de operações anfíbi-as (Opanf) continua sendo uma realidadenos dias de hoje. Em sua análise, abordamsituações históricas nas quais o desenvol-vimento da capacidade anfíbia foi negligen-ciado em função dos riscos envolvidos di-ante dos armamentos antiacesso e da relati-vamente baixa probabilidade de sua neces-sidade. Ressaltam o alto preço cobrado poresse descaso e citam exemplos da Primeira eda Segunda Guerras Mundiais.

Ao longo de seu trabalho, os autoresidentificam mudanças de postura das for-ças armadas dos Estados Unidos da Amé-rica (EUA) e afirmam que elas vêm se trans-formando cada vez mais em forças expedi-cionárias, em vez de manterem posiçõesglobalmente fixas, como antes.

Segundo eles, nos últimos 20 anos asforças anfíbias americanas atenderam amais do que o dobro de crises da época daGuerra Fria, tendo saltado de uma média de

2,27 eventos ao ano para 5,2. Nesses ca-sos, ocorreram os cinco tipos doutrináriosde operações anfíbias: quatro assaltos;uma retirada; três demonstrações; doisraids; e 75 outras Opanf, tais como evacu-ação de não combatentes, ajuda humanitá-ria e ajuda em desastres naturais. Seguemcitando que, além dessas, ocorreram 19aplicações não doutrinárias de capacidadeanfíbia, como em operações deinterceptação marítima, imposição de áreade proibição de sobrevoo, apoio a opera-ções de contraminagem etc.

Para os autores, a depreciação das Opanfque verificaram no Ministério de Defesa dosEUA se deve, primordialmente, ao conceitoerrôneo de que elas se traduzem em opera-ções de larga escala. Eles defendem que exis-te a necessidade de se refazer essa avaliaçãoa fim de se vencer a batalha pelo acesso.

King e Berry citam quatro implicaçõesadvindas da proliferação da tecnologia dearmas antiacesso: 1) tornou a projeção de

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poder no século XXI um empreendimentoextremamente complexo; 2) deve-se esperarque essa tecnologia evolua rapidamente apartir do início do conflito; 3) alertam, comolembrete, que como as Opanf são essencial-mente operações conjuntas, mas que são fre-quentemente assumidas pelos fuzileiros na-vais, podendo haver consequências diver-sas para o desenvolvimento de equipamen-tos e até a diminuição da prioridade da opera-ção; e 4) mesmo as Opanf conduzidas porrazões humanitárias podem sofrer interven-ções de atores não estatais ou de estadosfalidos possuidores de capacidade letal e dis-postos ao emprego de táticas irregulares.

Para os autores, esses problemas e suasimplicações devem ser considerados em umaanálise global pelas forças armadas dos EUA,segundo basicamente três questões genéri-cas: 1) Como a força conjunta ganhará e man-terá o acesso operacional? 2) Como as forçasnavais conseguirão liberdade de manobra nolitoral? e 3) O que permitirá a chegada dasforças conjuntas subsequentes?

King e Berry analisam essas questõesde per si e apresentam suas conclusões in-dicando que segue existindo o requisito decapacidade de operações anfíbias para asforças armadas dos EUA e que elas preci-sam se adaptar aos desafios desta nova era.

Neste detalhado artigo, o autor buscaexplicitar a ameaça, representada por mi-nas navais e outros dispositivos improvi-sados de explosão submarina, à segurançade países costeiros ou mesmo aos que, nãoo sendo, possuem vias navegáveis em seusinteriores.

Ao longo de seu texto, Scott Truverdefine os tipos de minas existentes, o ma-terial usado em sua fabricação e os diver-sos métodos empregados para sua explo-são. Afirma que essa ameaça é real e podesurgir em qualquer parte do planeta, tantoem águas rasas como nas profundas. Eleidentifica as vantagens desse tipo de arma:

– baixo custo e facilidade de aquisiçãoou de fabricação;

– instalação por diversos tipos de mei-os (navio de superfície, submarino, naviomercante, embarcação de recreio, aerona-

O QUE FUNCIONA... O QUE NÃO – CONTRAPONDO-SE ÀS“ARMAS QUE ESPERAM” ASSIMÉTRICAS

(Naval Forces, No VI/2009, Vol. XXX, p. 70-75)Scott C. Truver*

* Conselheiro executivo dos Programas de Segurança Nacional na Gryphon Technologies LC, firma deengenharia e tecnologia baseada em Washington, DC, EUA.

ve, mergulhador, veículo não tripulado, ca-minhão etc.);

– variedade de capacidade de explosão/destruição;

– variedade de mecanismos de disparo (re-moto, contato, magnético, acústico, sísmico,pressão ou a combinação desses todos); e

– difícil detecção, identificação econtraposição, depois de instalada.

Scott utiliza exemplos de ocorrências naMarinha dos Estados Unidos da América(EUA) desde a Segunda Guerra Mundial parailustrar a natureza destruidora desse tipo dearma. Assim, demonstra que, desde 1945, asminas avariaram ou afundaram quatro vezesmais navios daquela Marinha do que todosos outros tipos de ataques combinados:

– minas – 15 navios;– míssil – 1;– torpedos/aeronaves – 2; e

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– ataque terrorista por embarcação miú-da – 1 (USS Cole).

Além disso, o autor identifica crescen-tes preocupações de diversos departamen-tos e agências de governo norte-america-nos em relação ao potencial terrorista des-se tipo de arma. Exemplifica por meio dosdiversos boletins de alerta divulgados nopassado recente (2002, 2003 [2], 2004 e 2008)

em relação a mergulhadores terroristas ar-mados com dispositivos explosivos.

Scott Truver finaliza seu trabalho indican-do sua visão do futuro em relação ao tema eafirmando que há muito que fazer para secontrapor a esse tipo de ameaça, e a maiorparte das ações diz respeito aos serviços e àsagências do governo, mais até do que nodesenvolvimento de novas tecnologias.

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NOTICIÁRIO MARÍTIMO

Esta seção destina-se a registrar e divulgar eventos importan-tes da Marinha do Brasil e de outras Marinhas, incluída aMercante, dar aos leitores informações sobre a atualidade e per-mitir a pesquisadores visualizarem peculiaridades da Marinha.

Colaborações serão bem-vindas, se possível ilustradas comfotografias.

SUMÁRIO(Matérias relacionadas conforme classificação para o Índice Remissivo)

ADMINISTRAÇÃOATIVAÇÃO

Ativação do Núcleo de Implantação da Umem (265)Ativação do Núcleo do Centro de Guerra Eletrônica da Marinha (265)

CERTIFICADO DE QUALIDADECentro de Projetos de Navios conquista certificação ISO 9001:2008 (266)

COMEMORAÇÃO20o aniversário de incorporação à Armada da Corveta Inhaúma (266)240o aniversário do Corpo de Intendentes da Marinha (267)Dia da Marinha Mercante brasileira (269)Secirm comemora 30 anos (270)Trinta anos da mulher militar na Marinha (272)

HOMENAGEMMinistro da Defesa envia carta ao Comandante da Marinha sobre o Haiti (273)

INAUGURAÇÃOInauguração da nova sede da Capitania dos Portos do Ceará (273)

INCORPORAÇÃOAviso de Pesquisa Aspirante Moura é incorporado à Marinha (275)

PASSAGEMAssume o novo Comemch (276)Assume o novo Diretor da DGMM (280)

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NOTICIÁRIO MARÍTIMO

Novo Comandante de Operações Navais e Diretor-Geral de Navegação (284)Passagem de cargo de Diretor-Geral do Pessoal da Marinha (290)Transmissão de cargo de Chefe do Estado-Maior da Armada (295)

POSSEAssunção de cargos por almirantes (300)

PRÊMIOEntrega dos prêmios Criatividade e Almirante Octacílio Cunha de 2009 (301)

SOLENIDADEEncerramento das atividades culturais de 2009 da DPHDM (302)

TRANSFERÊNCIA DE SETORTransferência de subordinação da CDM e do Cefan (308)

APOIOARSENAL

Load out do Submarino Tapajó (308)CONSTRUÇÃO NAVAL

BNVC prontifica mais duas lanchas (308)LOGÍSTICA

Nalim estuda processo de Apoio Logístico Integrado para a MB (309)

ÁREASAMAZÔNIA

Marinha se prepara para Mobex Amazônia 2010 (311)AMAZÔNIA AZUL

Entrevista sobre a Amazônia Azul em site de ONG americana (311)Marinha recebe certificado da marca Amazônia Azul (314)

ATIVIDADES MARINHEIRASREGATA

Velas Sudamérica 2010 (315)

CIÊNCIA E TECNOLOGIAPESQUISA

Ilha da Trindade fará uso de fontes renováveis de energia (318)

CONGRESSOSSEMINÁRIO

1o Seminário de Gestão Ambiental do Com6oDN (318)

EDUCAÇÃOCONCURSO DE REDAÇÃO

Vencedora nacional da Operação Cisne Branco recebe premiação no 6oDN (319)ESCOLA DE GUERRA NAVAL

Aula Magna do Ministro da Defesa no C-PEM (320)ESPORTE

Corrida da Paz (320)Resultados esportivos (322)

FORMAÇÃOMB forma primeira turma de soldados Fuzileiros Navais da Namíbia (323)

VIAGEM DE INSTRUÇÃONE Brasil encerra a XXIII Viagem de Instrução de Guardas-Marinha (324)

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264 RMB1oT/2010

NOTICIÁRIO MARÍTIMO

FORÇAS ARMADASCAPITANIA DO PORTO

Projeto da Capitania Fluvial de Porto Velho (325)

INFORMÁTICASOFTWARE

Plano de Implantação de Software Livre da Marinha (326)

PSICOSSOCIALAJUDA HUMANITÁRIA

Marinha envia hospital de campanha ao Chile (326)ASSISTÊNCIA SOCIAL

Navio de Assistência Hospitalar realiza atendimento médico em Mato Grosso (327)Seccional São Paulo das Voluntárias Cisne Branco promove primeira reunião de 2010 (328)Voluntárias Cisne Branco inauguram Centro de Convivência para Idosos (329)

HABITAÇÃOPrograma de qualidade Rio da CCCPM (329)

LANÇAMENTO DE LIVROAntaq lança livro sobre hidrovias do Brasil (330)Brasil: 60 anos de operações de paz (330)Fundação Alexandre de Gusmão lança novos livros (331)O Brasil, a França e o Mar (333)

TEATRO“Tamandaré” – o herói que veio do mar (334)

VALORESPATRONO

Patronos instituídos pela Marinha do Brasil (335)

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NOTICIÁRIO MARÍTIMO

Foi ativado, em 14 de janeiro último, noComplexo Naval da Ilha das Flores(Niterói-RJ), o Núcleo de Implantação daUnidade Médica Expedicionária da Mari-nha (Umem).

Conforme a Portaria no 331/MB, de 28de setembro de 2009, do comandante daMarinha, Almirante de Esquadra Julio Soa-res de Moura Neto, que cria a nova unida-de, a organização militar terá “semiauto-nomia administrativa, com sede na cidadede Niterói, Estado do Rio de Janeiro, su-bordinada ao Comando da Tropa de Refor-ço, com o propósito de prestar apoio desaúde às operações dos GrupamentosOperativos de Fuzileiros Navais e operaruma Unidade Médica Nível Dois (UMND),no contexto das operações de paz e huma-

ATIVAÇÃO DO NÚCLEO DE IMPLANTAÇÃO DA UMEM

nitárias e em outras operações, a critérioda Administração Naval, sob a direção deum capitão de fragata do Corpo de Saúdeda Marinha”. Ainda segundo o documen-to, “a implantação da Umem será efetivadade modo progressivo, conforme as dispo-nibilidades orçamentárias, de acordo comas normas do Sistema do Plano Diretor econsoante os atos baixados pelo coman-dante de Operações Navais”.

A Portaria no 370, de 22 de outubro de2009, também do comandante da Marinha,nomeia para exercer o cargo de diretor daUmem o Capitão de Fragata (Md) CarlosEduardo Ferreira de Mesquita, sendo a elaatribuído o indicativo naval “NUMEXM”.O telefone da unidade é (21) 3707-9538.

(Fonte: Bono no 29, de 15/1/2010)

Foi ativado, em 28 de janeiro último, oNúcleo do Centro de Guerra Eletrônica daMarinha (NCGEM), subordinado ao Co-mando de Operações Navais (ComOpNav),apoiado pelo Centro de Apoio a SistemasOperativos (Casop) e com sede nas insta-lações da Divisão de Análise de Campodaquele Centro. Foi atribuído ao NCGEMo Indicativo Naval “NUCGEM”. O NCGEMtem o propósito de contribuir para a ativa-ção do Centro de Guerra Eletrônica daMarinha (CGEM), criado pela Portaria no

372, de 23 de outubro de 2009, do Coman-dante da Marinha.

O CGEM será subordinado ao Coman-do de Operações Navais, sob a direção deum capitão de mar e guerra do Corpo daArmada, e terá o propósito de contribuirpara elevar a capacidade de Guerra Eletrô-nica da Marinha do Brasil, por meio de ações

ATIVAÇÃO DO NÚCLEO DO CENTRO DEGUERRA ELETRÔNICA DA MARINHA

diretas e indiretas a serem definidas noRegulamento, em fase de elaboração. Nosegundo caso, atuará no acompanhamen-to e na assessoria dos processos.

A localização das futuras instalações doCentro encontra-se em fase de estudos,devendo sua ativação ocorrer no segundosemestre de 2010.

Permanece em vigor, até a ativação doCentro, a estrutura de serviços de GuerraEletrônica prestados pelo CASOP por meiode sua página na intranet. Seu conteúdo,no entanto, será gerenciado pelo NCGEMaté que os dados sejam migrados para afutura página do CGEM.

O Casop permanece como OrganizaçãoMilitar Orientadora (Omot) de Guerra Ele-trônica, conforme previsto no Anexo D daDGPM-305 (Rev.3/MOD.7), até a assunçãopelo CGEM.

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NOTICIÁRIO MARÍTIMO

O NCGEM deverá ser informado dosassuntos que envolvam direta ou indireta-mente a capacidade de Guerra Eletrônicada MB, tais como pesquisa, desenvolvi-mento, aquisição, operação e manutençãodos equipamentos e sistemas de GuerraEletrônica dos meios navais, aeronavais ede fuzileiros navais, além de exercícios,adestramentos e ensino. Destaca-se que oCGEM atuará no acompanhamento e as-

sessoria da manutenção dos sistemas eequipamentos de Guerra Eletrônica. A rea-lização da atividade de manutenção, por-tanto, continuará de responsabilidade daestrutura já existente na MB.

Outras informações poderão ser obti-das nos telefones (21) 2189-1239/1472,Retelma 8116-1239/1472.

(Fonte: Bono Especial no 124, de 26/2/2010)

Coroando um esforço de vários anos, oCentro de Projetos de Navios (CPN) con-quistou, em fevereiro passado, a certificaçãoISO 9001:2008. A certificação foi outorgadapela sociedade civil Det Norske Veritas, paraos processos associados à medição e análi-se de vibração e ruído em equipamentosnavais, processos esses desenvolvidos emproveito da Manutenção PreventivaPreditiva dos meios navais da Esquadra, da

CENTRO DE PROJETOS DE NAVIOS CONQUISTACERTIFICAÇÃO ISO 9001:2008

Diretoria de Hidrografia e Navegação (DHN)e das Forças Distritais.

Tal certificação é motivo de orgulhopara a tripulação do CPN por envolver nãoapenas as análises de vibração e ruído pro-priamente ditas, mas também todas as ati-vidades a ela relacionadas, tais comoorçamentação, documentação e qualifica-ção de pessoal, entre outras.

(Fonte: Bono no 140, de 4/4/2010)

A Corveta Inhaúma, carinhosamentechamada de “Cão Danado”, completou, em12 de dezembro último, 20 anos deincorporação à Armada. Esta foi aprimeira unidade das corvetasclasse Inhaúma (CCI), compostapor quatro navios, doisconstruídos no Arsenal de Mari-nha do Rio de Janeiro (AMRJ) eos demais no Estaleiro Verolme. Acerimônia militar alusiva ao even-to foi realizada a bordo do navio,em 17 de dezembro.

O projeto original previa a construçãode 16 corvetas, mas apenas quatro foram

20o ANIVERSÁRIO DE INCORPORAÇÃO À ARMADA DACORVETA INHAÚMA

construídas, sendo autorizado seu iníciopelo governo brasileiro em 1981. As

corvetas foram incorporadas àMarinha do Brasil entre 1989 e1994. As CCI são empregadas emdiversas missões ligadas à defe-sa aproximada ou afastada do li-toral brasileiro, proteção do trá-fego marítimo de cabotagem, pro-vendo escolta às Unidades deMaior Valor e negação do uso domar em áreas restritas. Realizamexercícios de Apoio de Fogo Na-

val, Patrulha Naval de áreas limitadas deimportância estratégica e ações de presen-

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RMB1oT/2010 267

NOTICIÁRIO MARÍTIMO

ça no território nacional e no exterior. Re-centemente executaram busca e salvamen-to das vidas humanas no mar, prestando,eventualmente, socorro a outros navios,inclusive fazendo reboque de pequenasembarcações.

Essas corvetas representam hoje umcapítulo especial da história da constru-ção naval na Marinha. Resultado de umaaudaciosa decisão tomada na década de70 do século XX, procuraram retratar osnavios-escoltas previstos no Programa deReaparelhamento da Marinha à época.

Fruto da quarta homenagem da Mari-nha brasileira ao Almirante Joaquim JoséInácio, Visconde de Inhaúma, o nome“Inhaúma” foi atribuído à primeira unidadeda classe. O chefe naval Visconde deInhaúma participou com todos os méritosna campanha do Paraguai, inclusive comocomandante em chefe da Esquadra, tendoexercido forte e positiva influência sobreos destinos da Marinha numa época con-turbada pelo conflito platino.

(Fonte: Corveta Inhaúma)

Foi comemorado, em 3 de março último,o 240o aniversário do Corpo de Intendentesda Marinha (CIM).

Por ocasião da cerimônia, realizada noRio de Janeiro, o comandante da Marinha,Almirante de Esquadra Julio Soares deMoura Neto, homenageou com uma placade agradecimento e um brasão do Corpode Intendentes o Vice-Almirante (Refo -IM)Estanislau Façanha Sobrinho, diretor deIntendência da Marinha no período de 30de abril de 1973 a 29 de abril 1977.

Servindo em Organizações Militares(OM) dos diversos setores da Marinha, nasituação de embarcados ou nas unidadesde terra, os oficiais do CIM desenvolvemseu trabalho plenamente integrados ao ser-viço das OM, agregando valor em todas asatividades nas quais são engajados.

Como pontos marcantes da trajetória doCorpo de Intendentes da Marinha, podem-

240o ANIVERSÁRIO DO CORPO DEINTENDENTES DA MARINHA

Comandante da Marinha entrega placa deagradecimento ao Almirante Estanislau

Façanha Sobrinho

se destacar: a criação da Contadoria daMarinha em 1808; a regulamentação doServiço de Intendência em 1840; a criaçãoda Diretoria Geral de Contabilidade daMarinha em 1907, que foi transformada emDiretoria de Fazenda em 1924; e a criaçãoda Diretoria de Intendência da Marinha, em1952. Decorrente da Reforma Administrati-

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268 RMB1oT/2010

NOTICIÁRIO MARÍTIMO

va da Marinha, em 1969, foi criada a Direto-ria de Administração da Marinha; em 1974,foi criado o Serviço de Auditoria da Mari-nha, atual Diretoria de Contas; e, em 1977,foram criadas as atuais Diretorias de Fi-nanças e de Abastecimento, sucedendo àDiretoria de Intendência da Marinha.

O diretor de Administração da Marinha,Vice-Almirante Indalecio Castilho VillaAlvarez, emitiu a seguinte Ordem do Diaalusiva à data:

“Passados 240 anos da data de criaçãodo cargo de intendente da Marinha e Ar-mazéns Reais no Arsenal da Bahia, o Cor-po de Intendentes da Marinha celebra otranscurso de mais um ano dedicado aocumprimento das complexas e importantestarefas que nos são confiadas.

Como pontos marcantes da trajetória doCorpo de Intendentes da Marinha, podemosdestacar: a criação da Contadoria da Marinha,em 1808; a regulamentação do Serviço de In-tendência, em 1840; a criação da Diretoria Ge-ral de Contabilidade da Marinha, em 1907, quefoi transformada em Diretoria de Fazenda em1924; e a criação da Diretoria de Intendênciada Marinha, em 1952. Decorrente da ReformaAdministrativa da Marinha, em 1969, foi cria-da a Diretoria de Administração da Marinha;em 1974, foi criado o Serviço de Auditoria daMarinha, atual Diretoria de Contas, e, em 1977,foram criadas as atuais Diretorias de Finançase de Abastecimento, sucedendo à Diretoria deIntendência da Marinha.

Muitos e significativos foram os incre-mentos e ajustes implementados em nossaestrutura organizacional, com a criação e oaperfeiçoamento das Organizações Milita-res que compõem a base dos serviços eatividades típicas de intendência, não ape-nas para atender a determinações legais,mas principalmente objetivando a eficiên-cia operativa da Marinha.

Coerente com as evoluções do processode gestão de pessoal, o Corpo de

Intendentes da Marinha atualmente é com-posto por homens e mulheres formados naEscola Naval e no Centro de Instrução Almi-rante Wandenkolk. Visando à melhoria contí-nua do seu desempenho profissional, cadavez mais os oficiais do Corpo de Intendentestêm sido objeto de especial atenção dos pro-gramas de capacitação da Marinha, que osqualificam para desenvolver e conduzir sis-temas e processos no ‘estado da arte’.

Servindo em organizações dos diversossetores da Marinha, na situação de embar-cados ou nas unidades de terra, os oficiaisdo Corpo de Intendentes desenvolvemsuas atividades profissionais plenamenteintegrados ao serviço das OrganizaçõesMilitares (OM), agregando valor em todasas atividades nas quais são engajados.

No presente cenário internacional, a des-peito das limitações e dos desafios vividos,a nossa Marinha se destaca como uma For-ça Naval profissional e respeitada. Se porum lado esta condição exige e estimula adedicação dos oficiais do Corpo deIntendentes, responsáveis que são por gran-de parcela do aprovisionamento, por outrotem nos trazido reconhecimento pelos re-sultados positivos acumulados e pelas cres-centes oportunidades profissionais.

A visão de futuro da Marinha apontapara uma Força moderna, equilibrada e ba-lanceada, coerente com as diretrizes pre-vistas na Estratégia Nacional de Defesa ecom os anseios da sociedade brasileira,demandando a quebra de paradigmas, comopor exemplo a obtenção do submarino depropulsão nuclear. A efetividade no cum-primento desta e de outras metas e asustentabilidade operacional da Força, comeconomicidade, exigem profissionais doCorpo de Intendentes proativos na con-dução dos assuntos técnicos e perseve-rantes para vencer os naturais óbices daatual conjuntura, contribuindo para a pron-tidão da Marinha.

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NOTICIÁRIO MARÍTIMO

Portanto, é nosso dever celebrar estadata, o que fazemos com satisfação e orgu-lho, em reconhecimento a todos os que nosantecederam e cooperaram nesta longa evitoriosa jornada, com trabalho correto, si-lencioso e, acima de tudo, com desprendi-da dedicação à nossa Marinha, destacan-do nosso Patrono, o Almirante GastãoMotta, pelo legado organizacional,complementado por seus sucessores.

Consciente de que o processo de mu-dança e de evolução, caracterizado por in-crementos exponenciais, é inexorável, nesta

data tão significativa para o Corpo deIntendentes exorto a todos os seus inte-grantes a permanecerem engajados em suasatividades, a despeito de eventuais dificul-dades a enfrentar, honrando, assim, a ‘folhade acanto’, símbolo da Intendência, além defortalecerem o compromisso pessoal assu-mido com a Pátria e com a nossa Marinha.

Corpo de Intendentes da Marinha, para-béns pelo transcurso do seu 240o aniversário!

Viva a Marinha!”.(Fonte: Bono Especial no 138, de 3/3/

2010)

Foi comemorado, em 28 de dezembro, oDia da Marinha Mercante brasileira. O di-retor de Portos e Costas, Vice-AlmirantePaulo José Rodrigues de Carvalho, emitiua seguinte Ordem do Dia alusiva à data:

“A celebração do Dia da Marinha Mer-cante homenageia um brasileiro de ideiasousadas que, tendo sido um jovem entusi-asta e obstinado, transformou-se em umadministrador exemplar, persistente e pio-neiro em importantes empreendimentos.Nesta data, há 196 anos, nascia em Arroio,então distrito de Jaguarão, no estado doRio Grande do Sul, Irineu Evangelista deSouza, Visconde de Mauá.

Desde os primórdios dos tempos colo-niais, a importância de uma Marinha Mer-cante pujante para a então colônia portu-guesa já era compreendida pelos portugue-ses. Logo após a nossa independência,esta importância foi ressaltada, não só pe-los aspectos de segurança e soberania, mastambém por razões econômicas, no intuitode garantir o apoio logístico às longínquasregiões e, consequentemente, a integrida-de do território nacional.

Diante desse cenário, Mauá, que já des-pontava como um próspero comerciante,percebendo a necessidade de desenvolvi-

DIA DA MARINHA MERCANTE BRASILEIRA

mento de uma indústria genuinamente bra-sileira, protagonizou um fato marcante denossa construção naval quando adquiriu,em 1845, o Estabelecimento de Fundição eEstaleiro Ponta da Areia. A partir de então,impulsionando o setor de construção na-val, esteve à frente de várias empresas li-gadas aos transportes no País: fundou ascompanhias de navegação a vapor do RioGrande do Sul e do Amazonas, a primeiraferrovia, a Estrada de Ferro Petrópolis e aprimeira rodovia pavimentada do Brasil, aPetrópolis-Juiz de Fora.

O crescimento de nossa Marinha Mer-cante começava a produzir os efeitos de-sejados, por meio da iniciativa privada des-se visionário.

A história registra, ao longo de quasedois séculos de independência, diversasfases de nossas atividades marítimas, qua-se sempre associadas ao momento políticoe às influências do comércio internacional.Tivemos momentos de crescimento, reco-nhecimento e prestígio. Vivenciamos outrosde decadência e crises. E, ao longo desseperíodo, o exemplo de Mauá sempre serviucomo marco para orientar a nossa singradura.

Nos últimos anos, após quase duas dé-cadas de incertezas, nossa Marinha Mer-

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270 RMB1oT/2010

NOTICIÁRIO MARÍTIMO

cante retomou o caminho da prosperidade,acompanhando o crescimento do País, sejano comércio marítimo internacional, na na-vegação de cabotagem e de apoio marítimoou nas atividades de pesca e nas de turis-mo. Também nossas hidrovias interiores ex-perimentaram crescimento semelhante.

Para atender a essa nova demanda detransporte e de serviços, um ousado pro-grama de construção naval encontra-se empleno desenvolvimento, tornando a nossaindústria naval uma das maiores do mundo.

Paralelamente ao crescimento de nossafrota, a Autoridade Marítima vemreformulando os Centros de Instrução deOficiais da Marinha Mercante, por meio deamplas reformas, visando à sua moderni-zação e à ampliação de sua capacidade deformação, atual e futura, para atender à cres-cente demanda de profissionais.

Também os portos estão sendo aperfei-çoados pela dragagem de seus canais, mui-tos dos quais vêm sendo aprofundados,pela dotação e acréscimo de modernos equi-pamentos de manobra de carga e, até mes-mo, pela implantação de novos terminaisprivativos especializados.

A Autoridade Marítima, como parte impor-tante na formulação e condução de políticasnacionais que dizem respeito ao mar, procuraajustar-se a esta realidade, ampliando sua ca-pacidade em atender plenamente às ativida-des voltadas para a segurança da navegação,

ao ensino profissional marítimo e à prevençãoda poluição do meio ambiente hídrico.

Assim, é com grande satisfação que tes-temunhamos esta nova etapa de rápidodesenvolvimento de nossa Marinha Mer-cante, justo orgulho de homens e mulhe-res que a elegeram como profissão e con-tribuem, na solidão do mar e de nossos rios,com um trabalho discreto e eficiente, trans-portando as riquezas que movimentam aeconomia nacional, gerando trabalho eemprego para milhões de brasileiros.

Por tudo isso, nossa comunidade maríti-ma vive auspicioso momento. Apesar da re-cente crise econômica internacional, após umcurto período de instabilidade, começamos arecuperar a nossa trajetória de crescimento.

O futuro da Marinha Mercante dependede nós marítimos, fluviários, portuários,empresários, governos e de todos os envol-vidos nas complexas operações da logísticade transporte de cargas e passageiros. Apoi-ados no lema de Irineu Evangelista de Sou-za, patrono da nossa Marinha Mercante,conforme registrado em seu brasão, ‘LaborImprobus Omnia Vincit’ (‘O trabalho hon-rado sempre vence’, desejo expressar osmeus votos de paz, saúde e continuado êxi-to a toda a Comunidade Marítima, certo deque o ano que se inicia nos trará muito tra-balho, alegria e prosperidade.”

(Fonte: Bono Especial no 931, de 22/12/2009)

A Secretaria da Comissão Interminis-terial para os Recursos do Mar (Secirm)comemorou, em 19 de dezembro último, seu30o aniversário. O secretário do órgão, Con-tra-Almirante Marcos José de CarvalhoFerreira, assinou a seguinte Ordem do Diaalusiva à data:

“Ao atingirmos a data histórica de 30anos da criação da Secretaria da Comissão

SECIRM COMEMORA 30 ANOSInterministerial para os Recursos do Mar(Secirm), em 19 de dezembro de 2009, deve-mos, em primeiro lugar, relembrar o impor-tante legado deixado por aqueles que poraqui passaram, pois as conquistas da atu-alidade são os frutos que colhemos dassementes plantadas no passado.

O trabalho iniciado nas décadas anteri-ores se reflete em avanços contínuos de

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NOTICIÁRIO MARÍTIMO

todos os programas a cargo da ComissãoInterministerial para os Recursos do Mar(Cirm). Ao festejarmos mais um aniversárioda Secirm, é nosso dever destacar os re-sultados obtidos nas diversas áreas de atu-ação desta Secretaria, ao longo dessas trêsdécadas.

A Estação Antártica Comandante Ferraz,que este ano comemorou seus 25 anos deexistência, vem, com mestria, contribuindopara o desenvolvimento da Ciência e, des-sa forma, assegurando a participação doBrasil no processo decisório relativo aofuturo do Continente Gelado. Da instala-ção pioneira, com oito módulos, emcontêineres que somavam modestos 120m2 de área útil, passou ao impressionantecomplexo de 2.300 m2. Isto só foi possívelgraças ao esforço logístico, ao espíritoempreendedor e à determinação de brasi-leiros, homens e mulheres, envolvidos emtão grandioso trabalho.

Também há 25 anos, em 3 de janeiro de1984, o Navio de Apoio OceanográficoBarão de Teffé, juntamente com o NavioOceanográfico Professor Besnard, da Uni-versidade de São Paulo, marcaram efetiva-mente a presença brasileira em terras an-tárticas. Este ano, a Marinha do Brasil in-corporou o Navio Polar AlmiranteMaximiano, já tendo iniciado, em 22 deoutubro, a Operantar XXVIII, sua primeiraOperação Antártica, juntamente com o Na-vio de Apoio Oceanográfico Ary Rongel.Os dois navios se encontraram pela pri-meira vez na Antártica, em 15 de novem-bro. Ao término da operação, em abril dopróximo ano, terão auxiliado 14 projetos depesquisa de diferentes áreas e instituições.

No que se refere aos meios navais dis-poníveis para pesquisas no mar, estamosprogredindo com intensidade. Em março de2009, o Navio Hidroceanográfico Cruzeirodo Sul foi apresentado à comunidade cien-tífica brasileira. O navio, que faz parte do

projeto Laboratório Nacional Embarcado,apoiou pesquisas no primeiro semestredeste ano e realiza atualmente, até 22 dedezembro, a Comissão Oceanográfica Tran-satlântico I, primeira comissãotransoceânica brasileira. Comissões dessanatureza propiciam conhecimento privile-giado do ambiente marinho oceânico e in-cluem o Brasil no seleto grupo de paísesque realizam pesquisas oceanográficas decaráter global.

No âmbito da Amazônia Azul, foramalcançadas diversas conquistas. Dandoprosseguimento à elaboração da revisão deproposta do limite exterior da PlataformaContinental brasileira, que seráreencaminhada em momento oportuno àComissão de Limites da Plataforma Conti-nental (CLPC) da Organização das NaçõesUnidas, foi contratado o navio Sea Surveyor,que começou, em maio de 2009, uma novafase de aquisição de dados geofísicos damargem continental brasileira.

Outras novidades ocorridas no corren-te ano foram o início da construção da Es-tação Científica da Ilha da Trindade e a cri-ação do Programa de Prospecção e Explo-ração de Recursos Minerais da Área Inter-nacional do Atlântico Sul e Equatorial, oProarea.

As atividades na Ilha da Trindade tive-ram início em 1957, com a criação do PostoOceanográfico da Ilha da Trindade (Poit).Há alguns anos, a Marinha vem recebendouma quantidade crescente de solicitaçõespara a realização de pesquisas nessa re-gião. Com este objetivo, o Programa dePesquisas Científicas na Ilha da Trindade(Protrindade), iniciou, em julho, a constru-ção da base da futura Ecit. A nova Estaçãoserá erguida em PVC, no ano de 2010, e terácapacidade para acomodar até oito pesqui-sadores e apoiar as pesquisas com doislaboratórios. Seu projeto buscou minimizaros impactos ambientais e incorporará so-

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272 RMB1oT/2010

NOTICIÁRIO MARÍTIMO

luções inovadoras, como a geração de ener-gia elétrica a partir de fontes renováveis:eólica e fotovoltaica. Esta iniciativa deveráproporcionar economia de 90% do óleo di-esel utilizado na Ilha, evitando assim a des-carga do correspondente a 220 toneladasanuais de CO2 na atmosfera.

O Proarea, que teve sua origem em umgrupo de trabalho, o GT AdHoc Area, inici-ado em 1999, tornou-se o mais novo pro-grama da Cirm, em setembro de 2009. Elebusca identificar e avaliar a potencialidademineral de áreas com importância econô-mica e político-estratégica para o Brasil, lo-calizadas no Atlântico Sul e Equatorial, alémdo limite de nossas águas jurisdicionais.Com esta finalidade, o Navio HidrográficoSirius iniciou, em novembro, a comissãode reconhecimento geológico para o levan-tamento da potencialidade mineral dos de-pósitos de crosta cobaltífera na região daElevação do Rio Grande, que é a primeira

desse gênero efetuada pelo Brasil, e queterá o propósito específico de, futuramen-te, se requerer uma área para prospecção eexploração mineral junto à Autoridade In-ternacional dos Fundos Marinhos (ISBA),conforme estabelece a Convenção das Na-ções Unidas sobre o Direito do Mar.

Pelas conquistas recentes, temos muitodo que nos orgulhar nestes 30 anos de exis-tência. Afinal, sabemos que o sucesso emnossos programas resultará em inequívo-cos benefícios para o futuro do nosso paíse da humanidade.

Agradeço a todos aqueles que contribu-íram direta ou indiretamente para aconcretização de nossas metas ao longodestes anos, em especial no ano de 2009:nossa tripulação, nossos parceiros e cola-boradores. Sem eles, nossas realizações nãoseriam possíveis. Muito obrigado a todos!”

(Fonte: Bono Especial no 916, de 18/12/2009)

No ano em que se comemoram os 30anos do ingresso da mulher militar na Ma-rinha do Brasil (MB), o Espaço Cultural daMarinha (ECM), no Rio de Janeiro, apre-sentará a exposição com o tema “Trintaanos da mulher militar na Marinha”, deagosto de 2010 a janeiro de 2011. A exposi-ção realça alguns dos excelentes resulta-dos obtidos com o ingresso feminino naForça e outros aspectos importantes emrelação ao assunto, que permitem ver o fu-turo com muito otimismo.

Com a importância crescente e atual de-pendência do uso de tecnologia da guerra,criou-se espaço para a mulher na Marinha.Nas Forças Armadas, cada vez mais a inte-ligência e a habilidade das pessoas se tor-nam mais importantes do que a força bruta.Essas são qualidades que não faltam ao

TRINTA ANOS DA MULHER MILITAR NA MARINHA

sexo feminino e que fizeram com que asmulheres fossem bem-vindas na MB.

Tudo começou com a criação, em 1980,do Corpo Auxiliar Feminino da Reserva daMarinha. Era um Corpo separado, uma ex-periência pioneira, até com alguns unifor-mes diferentes dos tradicionais na Mari-nha. Ao longo destes 30 anos, as mulheresalcançaram resultados notáveis, que pre-encheram lacunas. Nos dias de hoje, o Cor-po Auxiliar Feminino já não existe, e elasforam integradas aos diversos corpos jáexistentes, em igualdade de condições ede oportunidades com os homens.

Os uniformes, antes diferentes, tambémmudaram para modelos bem semelhantesaos tradicionais – o azul-marinho, o bran-co e o cinza –, mas ligeiramente diferentes,para preservar nelas a feminilidade.

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As mulheres se integraram e hoje parti-cipam ativamente das diversas tarefas daMarinha, contribuindo para a eficáciaalcançada. Algumas foram pioneiras: rece-beram medalhas importantes, viajaram, co-mandaram Organizações Militares, partici-

param de projetos de navios de guerra queforam construídos, gerenciaram obras difí-ceis e, assim, mostraram competência, lide-rança, coragem e capacidade administrati-va. É possível que, em breve, alguma delasseja promovida a contra-almirante.

O ministro de Estado da Defesa, NelsonJobim, enviou carta, em 18 de janeiro últi-mo, ao comandante da Marinha, Almirantede Esquadra Julio Soares de Moura Neto,após visita ao Haiti realizada nos dias 13 e14 do mesmo mês, depois do terremoto quevitimou aquele país.

Transcrevemos abaixo a referida carta.“Senhor Comandante,É com muito orgulho que me dirijo a Vos-

sa Excelência para dizer o quanto me en-vaidece o exercício do cargo de ministro daDefesa, pelos momentos de intensa emo-ção que juntos vivemos nessa memorávelviagem ao Haiti.

Apesar do quadro desolador que tive-mos oportunidade de verificar, da dor deconfirmar a perda de militares do Exército,digo que senti, como cidadão, um incomum

MINISTRO DA DEFESA ENVIA CARTA AO COMANDANTEDA MARINHA SOBRE O HAITI

momento de orgulho por ser brasileiro eestar ao lado de fuzileiros navais, sob seucomando, destemidos, competentes e pron-tos para superar dificuldades sem se deixarabater pelas emoções e sem se importarcom a magnitude dos desafios.

Almirante Moura Neto, em meio à dorpelas perdas de tantos brasileiros, externo,mais uma vez, meu testemunho pelo de-sempenho profissional impecável dos fu-zileiros navais brasileiros, verdadeiros he-róis, que integram a Minustah conscientesde que representam o nosso Brasil.

Estou convencido de que o Haiti preci-sará muito de nossos fuzileiros navais paraminimizar a dor daquele povo tão carente ereconstruir o país.”

(Fonte: Bono Especial no 46, de 22/1/2010)

Foi inaugurada, em 14 de janeiro último,a nova sede da Capitania dos Portos doCeará. O comandante do 3o Distrito Naval(Natal-RN), Vice-Almirante EdisonLawrence Mariath Dantas, emitiu a seguin-te Ordem do Dia sobre a inauguração:

“A Capitania dos Portos do Ceará(CPCE), uma das mais antigas Organiza-ções da Marinha do Brasil, foi criada peloDecreto no 1.944, de 11 de julho de 1857, deSua Majestade o Imperador Dom Pedro II,

INAUGURAÇÃO DA NOVA SEDE DACAPITANIA DOS PORTOS DO CEARÁ

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tendo iniciado suas atividades no prédiolocalizado entre as Avenidas Pessoa Antae Alberto Nepomuceno.

Em 1900 mudou de endereço, fato quese repetiu mais quatro vezes até a conclu-são da obra da atual sede, situada à RuaDragão do Mar, 160, na Praia de Iracema, ecuja construção foi iniciada em 9 de janeirode 1956; a inauguração ocorreu em 29 deoutubro de 1958. Nessa última sede perma-neceu até os dias atuais.

Subordinada ao Comando do 3o Distri-to Naval, a CPCE é uma Capitania de 1a

classe e é responsável, no estado do Cea-rá, pela segurança dotráfego aquaviário, pelasalvaguarda da vidahumana no mar e pelaprevenção da poluiçãohídrica. Contribui paraa orientação, coorde-nação e controle dasatividades concernentes à Marinha Mer-cante e organizações correlatas. Com rela-ção ao preparo e qualificação de pessoalaquaviário e portuário, responde pelo pla-nejamento, coordenação e aplicação doscursos do Ensino Profissional Marítimo.Para o adequado cumprimento de suas fun-ções, conta com uma Agência subordina-da, no município de Camocim.

O Ceará, estado com uma grande voca-ção marítima e posição geográfica privile-giada, recebe, no Porto de Mucuripe e noTerminal Portuário de Pecém, uma consi-derável parcela dos navios responsáveispelo comércio marítimo brasileiro. Essaposição estratégica e essa vocação maríti-ma fazem com que a demanda pelos servi-ços prestados pela Capitania aumente cadavez mais. Foi sob esse enfoque que a Ma-rinha, visando atender com melhor quali-dade e mais presteza a Comunidade Maríti-ma, parcela tão importante de nossa socie-dade, começou a buscar alternativas de

locais que lhe permitissem espaço para aCPCE melhor gerir sua administração.

Dessa forma, no dia 28 de março de 2006é assinado um Contrato de Permuta com oGoverno do Estado do Ceará que permiti-ria a construção das novas instalações daCPCE, em terreno de propriedade da União,sob responsabilidade daquela Capitania.Após serem vencidos diversos entravesadministrativos; terem sido realizadas duaslicitações, devido à desistência das empre-sas vencedoras dos certames; terem sido,com o apoio da Diretoria de Obras Civis daMarinha, efetuadas alterações nas

planilhas dos quantita-tivos das obras; e tersido assinado um Ter-mo Aditivo ao Contra-to de Permuta, prorro-gando por mais doisanos o prazo para aconclusão dos servi-

ços, finalmente, em junho de 2008, é inicia-da a construção da nova sede. Durante asobras foram realizadas diversas alteraçõesao projeto inicial, visando a que as novasinstalações possuíssem um material demelhor acabamento, durabilidade e funcio-nalidade e, assim, pudessem atender me-lhor aos seus usuários.

A nova sede da CPCE, que hoje é inau-gurada com muito orgulho, possui amplasinstalações com circuito interno de TV emobiliário novo e dispõe de espaços fun-cionais que lhe permitem atender a todasas necessidades do público externo, bemcomo de seus militares e servidores civis.

Essa vitória que hoje alcançamos é o re-sultado do esforço coletivo de vários seto-res de nossa Marinha que possibilitaram oapoio e os recursos necessários à consecu-ção desse magnífico projeto. Assim sendo,agradeço: ao comandante da Marinha, Almi-rante de Esquadra Júlio Soares de MouraNeto, pelo apoio incondicional a este Distri-

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to Naval, tendo por diversas vezes se envol-vido pessoalmente na solução de problemasque surgiram ao longo de todo o processo;ao chefe do Estado-Maior da Armada, Almi-rante de Esquadra Alvaro Luiz Pinto, que,durante o período em que exerceu o cargo decomandante de Operações Navais, semprenos privilegiou com seu auxílio, principalmen-te no remanejamento e na alocação de recur-sos complementares que se fizeram necessá-rios; ao comandante de Operações Navais,Almirante de Esquadra Marcus Vinícius Oli-veira dos Santos, que acompanhou de pertoo término das obras e que nos prestigia coma sua presença nesta cerimônia; ao diretor dePortos e Costas, Vice-Almirante Paulo JoséRodrigues de Carvalho, que sempre nos brin-dou com sua prestimosa colaboração; ao ca-pitão dos Portos do Ceará, Capitão de Mar eGuerra Gerson Luiz Rodrigues Silva, pelo seudinamismo e pela sua apurada sensibilidade,conseguindo soluções fáceis para questõescomplexas na condução dessa árdua missão;e a todos os integrantes da tripulação desta

Capitania, que com muita dedicação conse-guiram concluir com êxito suas tarefas, per-mitindo que hoje a CPCE pudesse estar emsua nova sede.

Não poderia deixar de agradecer tambémao Governo do Estado do Ceará, na pessoado governador Cid Gomes; ao secretário deInfraestrutura do Estado, Sr. AdailFontenele; ao procurador-geral do Estado,Dr. Fernando Oliveira, por toda a fidalguiadispensada nas diversas tratativas que sefizeram necessárias para a conclusão destaobra; à Diretoria de Obras Civis da Marinha,pela elaboração do projeto da sede; à AMPEngenharia Ltda, pela condução e execuçãodas obras; e a todos os presentes porabrilhantarem esta cerimônia. Cerimônia estaque, apesar de ser singela, é revestida doorgulho tão comum aos marinheiros queconseguem, com muita abnegação, trans-formar sonhos em realidade.

CPCE, parabéns, a missão foi cumprida.Bravo Zulu!”

(Fonte: Bono Especial no 27, de 14/1/2010)

O Aviso de Pesquisa (AvPq) AspiranteMoura foi incorporado à Marinha do Bra-sil em 25 de janeiro último, em Sandefjord,Noruega. A cerimônia foi presidida pelo

AVISO DE PESQUISA ASPIRANTE MOURA É INCORPORADOÀ MARINHA

adido de Defesa e Naval na Inglaterra, naSuécia e na Noruega, Capitão de Mar eGuerra Fuad Gatti Kouri. Assumiu o coman-do do navio o Capitão-Tenente ClaudioLuis Estrella Pereira.

Cerimonial à Bandeira realizado a bordodo AvPq Aspirante Moura

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Adquirido em parceria com o Ministérioda Ciência e Tecnologia, o navio, que fica-rá futuramente subordinado ao Instituto deEstudos do Mar Almirante Paulo Moreira– IEAPM, funcionará como LaboratórioNacional Embarcado II, contribuindo comas pesquisas de interesse da Marinha e dacomunidade científica nacional realizadaspor aquele Instituto.

O AvPq Aspirante Moura incorpora emsua estrutura uma inovação na Marinha doBrasil, pois será o primeiro dos navios daForça a navegar sem o uso de leme, substi-tuído por duas hélices azimutais, integra-das a um sistema de piloto automático ecartas náuticas eletrônicas.

(Fonte: Bono no 049, de 25/1/2010 ewww.mar.mil.br)

Foi realizada, em 18 de dezembro último, acerimônia de passagem do cargo de coman-dante em chefe da Esquadra do Almirante deEsquadra Fernando Eduardo Studart Wiemerpara o Vice-Almirante Eduardo MonteiroLopes. A cerimônia, presidida pelo coman-dante de Operações Navais, Almirante de Es-quadra Marcus Vinicius Oliveira dos Santos,aconteceu a bordo do Navio-Aeródromo SãoPaulo e contou com a presença de diversasautoridades civis e militares, como ex-minis-tros da Marinha e ex-comandantes da Mari-nha, além do governador em exercício do Es-tado do Pará, Odair Santos Correa.

Em 2009, a Esquadra celebrou 187 anos.Em 10 de novembro de 1822, o pavilhãonacional foi içado pela primeira vez em umnavio de guerra brasileiro, a Nau Martimde Freitas, depois rebatizada de Nau D.Pedro I, nosso primeiro capitânia. Nascia,assim, a Esquadra brasileira, criada paracombater as forças navais portuguesas quese opunham à Independência. Atuando deforma decisiva na consolidação da nossasoberania, participou também das campa-nhas do Império e das duas Guerras Mun-diais, trabalhando sempre pela manuten-ção da integridade do território nacional.

AGRADECIMENTOS E DESPEDIDASDO AE FERNANDO EDUARDOSTUDART WIEMER

“Há um ano e quatro meses, em igualcerimônia, ao agradecer ao Excelentíssimo

ASSUME O NOVO COMEMCHSenhor Comandante da Marinha, Almiran-te de Esquadra Julio Soares de Moura Neto,pela confiança com que me distinguiu aoindicar-me para o honroso cargo de coman-dante em chefe, tive a oportunidade de di-rigir-me a todos os meus subordinados afir-mando caber à nossa Esquadra a respon-sabilidade maior na defesa da soberania edos interesses nacionais na imensidão darica Amazônia Azul, ou onde se fizer ne-cessária. Disse estar seguro, por conhecerbem a têmpera que forja o caráter de todosos marinheiros, suas qualificações moraise profissionais, e confiar em suas determi-nação, lealdade e disciplina. Acrescentei,naquela ocasião, que, se existia grande de-safio, havia também a certeza inabalávelem sua superação, e que, com dedicaçãoao serviço, entusiasmo e amor à Marinha,saberíamos cumprir com o nosso dever.

Hoje me despeço com a inegável satis-fação da missão cumprida e, a cada um demeus comandados, cerca de 12 mil homense mulheres, civis e militares, que compõema Esquadra, quero manifestar de públicomeu reconhecimento e compartilhar todasas realizações profissionais e pessoaisalcançadas, bem como as lindas emoçõesvividas. Foi realmente um privilégio, e mo-tivo de muito orgulho, ter sido comandan-te em chefe da Esquadra. Foram momentosinesquecíveis em que, juntos, realizamos odesejo permanente de todo marinheiro, qualseja, operar no mar.

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Em breve, perderei o contato diretocom os navios de superfície, submarinose aeronaves de nossa Esquadra. Aos co-mandantes e às tripulações dos meiosque participaram do Desfile Naval em mi-nha homenagem, no último dia 9, disse-mino o Bravo Zulu pela perfeita execu-ção da manobra e registro minha emoçãoe gratidão pelo bater mais forte do cora-ção deste marinheiro.

É chegada a hora de manifestar os maissinceros agradecimentos. Perdoem-me pe-las possíveis omissões.

Aos Almirantes de Esquadra AurélioRibeiro da Silva Filho e Alvaro Luiz Pinto,ex-comandantes de Operações Navais, pe-las orientações seguras, apoio irrestrito econfiança com que sempre fui distinguido.

Ao Almirante de Esquadra MarcusVinicius Oliveira dos Santos, até bem pou-co diretor-geral do Material da Marinha eatual comandante de Operações Navais,que preside esta cerimônia de transmissãode cargo, desejo externar o meu reconheci-mento, não apenas pelo empenho diuturnodas OM subordinadas ao Setor do Materi-al na prontificação dos meios da Esquadra,fundamental para o cumprimento de nos-sas tarefas, mas, em particular, por todasas demonstrações de estima e amizade.

A divisão dos êxitos com determinadosparceiros é dever de justiça, pois suas atu-ações foram sempre condições fundamen-tais para a realização de nossos exercíciose operações. Deste modo, manifesto meusagradecimentos:

– aos demais órgãos de apoio da Mari-nha, pela assistência técnica e logística,indispensáveis às nossas operações;

– à Força de Fuzileiros da Esquadra,pelas inúmeras oportunidades de atuarmosconjuntamente, de forma eficiente e eficaz.Ad Sumus!; e

– ao Exército Brasileiro e à Força AéreaBrasileira, pelos apoios irrestritos em dife-

rentes missões, sempre de maneira profissi-onal e num clima de especial camaradagem.

Registro o reconhecimento especial aosmeus chefes de Estado-Maior, Contra-Al-mirantes Dilermando Ribeiro Lima e PauloMauricio Farias Alves, bem como a todosos dedicados oficiais deste Comando emChefe, pela incansável busca da qualidadenos trabalhos e estudos conduzidos, pelaassessoria leal e franca que sempre obtive,e que possibilitou superarmos eventuaisdesafios.

Ao meu Gabinete, manifesto o muitoobrigado pela atenção e pelo cuidado queme foram dispensados, além da paciênciapara com o chefe.

À minha família, especialmente à minhamulher, Helena, sou grato pelo carinho, es-tímulo sempre presente e permanente par-ticipação nas intensas e diversificadas ati-vidades assistenciais e sociais que meucargo impunha.

Finalmente, dobrada a amarração, é tem-po de desembarcar. E o faço com muita ale-gria e felicidade, por haver sempre conta-do com a camaradagem, o profissionalismo,a assessoria correta e a extrema dedicaçãodos meus comandantes das Forças-Tipo,das Divisões da Esquadra e das demaisOrganizações Militares diretamente subor-dinadas. Às suas tripulações manifestominha gratidão e meu reconhecimento porperseguirem a excelência no cumprimentodas tarefas que lhes foram confiadas.

No momento em que for arriado meu pa-vilhão do mastro principal do capitânia daEsquadra, que em breve retornará às lidesoperativas, e, com muita satisfação, passaro timão às competentes mãos do Vice-Almi-rante Eduardo Monteiro Lopes, fico com acerteza que este Comando em Chefe nãopoderia ter melhor timoneiro. Cabe, então,desejar-lhe sorte e felicidade na comissãoque hoje se inicia, votos que faço extensi-vos à sua estimada esposa, Neilda, e filhos.

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Que o Senhor dos Navegantes conduzasempre a nossa Esquadra em rumos seguros.”

PALAVRAS DO AE MARCUSVINICIUS OLIVEIRA DOS SANTOS

“No momento em que se despede doComando em Chefe da Esquadra, após umperíodo de aproximadamente um ano e qua-tro meses, por ter sido promovido ao maisalto posto da carreira, o Almirante de Es-quadra Fernando Eduardo Studart Wiemero faz com o pleno sentimento do devermuito bem cumprido.

Durante este período, o AlmiranteWiemer exerceu com brilhantismo, entusi-asmo, competência, total dedicação, obje-tividade e dinamismo esse importante Co-mando, tendo sob sua responsabilidadedireta os principais meios navais de nossaMarinha.

Oficial possuidor de uma irretocável car-reira militar-naval, com sua destacada ca-pacidade profissional, soube muito bemorientar as forças subordinadas, levando abom termo todas as tarefas que lhe foramatribuídas.

Dentre as inúmeras realizações do seuComando, destaco:

– a homologação do Navio de Desem-barque de Carros de Combate GarciaD’Ávila para operar com aeronaves do por-te dos UH-14, o que aumentou significati-vamente nossa capacidade anfíbia;

– os três exercícios Sarsub conduzidosdurante este ano, que atingiram um pata-mar inédito em mar aberto, com operaçõesenvolvendo mergulho saturado, o que le-vou o Navio de Salvamento SubmarinoFelinto Perry a ser incluído, formalmente,na relação dos sistemas de socorro sub-marino disponíveis no mundo pelo Ismerlo;

– as participações em missõesmultinacionais, como a Unitas-Gold, na costaleste norte-americana; a Team Work South,

no Chile; a JTFex, integrando Força de Ata-que capitaneada pelo Navio-AeródromoHarry S. Truman; a Joint Warrior, nas águasda Otan; e nas comemorações do aniversá-rio da Marinha do Exército Popular de Liber-tação da China, as quais possibilitaram aoperação de novos sistemas de comando econtrole, os acessos a importantes procedi-mentos operacionais e, sem dúvida, atesta-ram a nossa capacidade de operar em regi-ões distantes do nosso porto sede;

– o terceiro Deployment-Sub, que vali-dou os conhecimentos obtidos nas duasprimeiras operações e consolidou a presen-ça de um meio da Marinha do Brasil nessetipo de operação, o que trará para as opera-ções futuras níveis crescentes de complexi-dade, integração e troca de experiências;

– o lançamento com sucesso, pelos mei-os navais e aeronavais, de armamento or-gânico, como Torpedos Mk-46, Mísseis Ar-Ar SideWinder, Mísseis Superfície-ArAspide, e de Bombas Mk-81 de fabricaçãonacional, visando manter em elevado grauo aprestamento de nossas Forças;

– a conclusão das obras de ampliação erecuperação da pista de pouso e aprontificação do Centro de Controle e deAproximação Radar da Base Aérea Navalde São Pedro da Aldeia, com o objetivo deproporcionar maior segurança na operaçãodas aeronaves;

– o término da construção da nova sededo Comando da Força de Superfície, bemcomo o início das fundações para o prédiode alojamentos e as reformas necessárias àcriação de um pequeno museu, que contri-buirá para resgatar a rica memória das ex-tintas Forças de Contratorpedeiros, de Fra-gatas e de Apoio; e, por último,

– o Evento SAR SNE-003 de 2009, ocor-rido na área do acidente do voo 447, da AirFrance, afastada cerca de 600 milhas de Na-tal, ocasião em que foi transferido o contro-le operativo para o Comando do 3o Distrito

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Naval de cinco navios e seis aeronaves daEsquadra, que, somados a outros meios na-vais e aéreos, escreveram páginas memorá-veis de dedicação, profissionalismo e supe-ração, amplamente reconhecidas nacional einternacionalmente.

Caro Almirante Wiemer, no momento emque se despede da Esquadra, muitas emo-ções certamente estão presentes em seucoração. E são muito merecidas. A recentepromoção ao último posto da carreira bemdemonstra o reconhecimento da instituiçãopor tudo que Vossa Excelência realizou.

Finalmente, ao novo membro do Almiran-tado externo meus sinceros votos de muitasfelicidades no também desafiador cargo dediretor-geral do Pessoal da Marinha, dese-jando-lhe o mesmo sucesso obtido comocomandante em chefe da Esquadra.

Bravo Zulu! Boas águas!Ao Vice-Almirante Eduardo Monteiro

Lopes apresento as boas-vindas no seu re-torno à Esquadra, formulando votos de feli-cidades no cargo que ora assume, na certezaque será desempenhado com a eficiência e oprofissionalismo que lhes são peculiares.”

PALAVRAS INICIAIS DO VAEDUARDO MONTEIRO LOPES

“Sabendo ser o Comando da Esquadrao cargo mais desejado por um oficial doCorpo da Armada, realizo hoje um sonholongamente acalentado, desde os tempospassados, no solo sagrado de Villegagnon.Assim, agradeço ao Exmo. Sr. Almirante deEsquadra Julio Soares de Moura Neto, co-mandante da Marinha, a indicação para tãohonroso e desejado cargo. Agradeço ain-da ao Exmo. Sr. Almirante de EsquadraMarcus Vinicius Oliveira dos Santos, co-mandante de Operações Navais, a honraque me concede ao presidir esta cerimônia.Reafirmo a V. Exa. meus compromissos delealdade e de respeitosa amizade.

Embora extremamente satisfeito por as-sumir o Comando da Esquadra, estou per-feitamente consciente das dificuldades queme esperam. Entretanto, creio que, ao con-tar com a ajuda dos meus comandados ecom o apoio dos meus chefes, será possí-vel manter o padrão de qualidade desseimportante setor da Marinha. Conto aindacom a régua e o compasso, legados pelosmeus antigos chefes e por oficiais maisantigos nos quais sempre me espelhei. Al-guns desses mestres e amigos estão aquipresentes, apoiando-me mais uma vez. Aossenhores sou extremamente grato. Osensinamentos recebidos e as lições trans-mitidas continuarão a ser de extrema valia.

Mantendo a gratidão como sentimentoque dá rumo às minhas palavras iniciais, di-rijo-me aos amigos da Região Norte do País,que, aqui comparecendo, deixaram tempo-rariamente seus importantes afazeres ape-nas para repartir comigo este momento má-gico. A presença dos senhores reafirma aamizade que nos une, desenvolvida no con-vívio diário na nossa imensa Amazônia, sobas bênçãos de Nossa Senhora de Nazaré.Apresento meus especiais agradecimentosao Exmo. Sr. Governador em exercício doEstado do Pará, Dr. Odair Santos Correa, cujapresença me enche de grande júbilo. Quan-do estiver navegando pela Amazônia Azul,nunca esquecerei dos amigos que tenho lána Amazônia Verde.

(...)Agora, falando pela primeira vez em nome

de todas as tripulações dos navios e órgãosde terra da Esquadra, apresento ao Exmo. Sr.Almirante de Esquadra Fernando EduardoStudart Wiemer votos de felicidades e decontinuado sucesso pessoal e profissional.Esteja certo de que V. Exa. deixa em Mocanguêamigos que lhe admiram e subordinados quelhe respeitam. Permita-me ainda, senhor Al-mirante, estender essa despedida e esses sin-ceros votos à sua família, especialmente à D.

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Helena, sua digníssima esposa. Por outrolado, pessoalmente, agradeço a maneira cui-dadosa com que me transmitiu o cargo e aforma elegante e amiga como me recebeu.

Assim, estou pronto para suspender.Estou certo que contarei, mais uma vez, como inestimável apoio da minha querida es-

posa, Neilda, parceira e amiga de todas asminhas travessias. Sem sua ajuda eu nãoteria chegado a este porto e seria impossí-vel prosseguir a jornada. Inicio esta novasingradura, como comandante em chefe daEsquadra, invocando a proteção de NossaSenhora de Nazaré.”

O Almirante de Esquadra Luiz Umbertode Mendonça assumiu, em 16 de dezembrode 2009, o cargo de diretor-geral do Mate-rial da Marinha, substituindo o Almirantede Esquadra Marcus Vinícius Oliveira dosSantos. A cerimônia foi presidida pelo co-mandante da Marinha, Almirante de Esqua-dra Julio Soares de Moura Neto.

DESPEDIDAS E AGRADECIMENTOSDO ALMIRANTE MARCUS VINÍCIUSOLIVEIRA DOS SANTOS

“Há dois anos, quatro meses e doisdias, ao assumir o cargo de diretor-geraldo Material da Marinha, dizia na minhaOrdem de Serviço que compreendia bem acomplexidade e a grandeza dos desafios aenfrentar. Hoje, posso assegurar o meuequívoco e afirmar que elas, a complexi-dade e a grandeza, foram muito superio-res a minha expectativa. Entretanto, commuita satisfação, posso também afirmarque foram todas, de longe, superadas pelarealização de inúmeros projetos ao longodesse período.

Nesta ocasião de partida, julgo impres-cindível destacar que a superação dessesobjetivos só foi possível pela dedicação, alealdade e a competência daqueles que com-põem as lotações das Diretorias Especiali-zadas, Organizações Militares subordina-das e das minhas quatro coordenadorias(Coordenadoria-Geral do Programa de De-senvolvimento de Submarino com Propul-

ASSUME O NOVO DIRETOR DA DGMM

são Nuclear, Coordenadoria do Programade Reaparelhamento da Marinha, Coorde-nadoria da Manutenção de Meios eCoordenadoria de Submarinos). É justo,portanto, que, em nome das vitóriasalcançadas por homens e mulheres, civis emilitares do Setor do Material, possa euhoje destacar um pouco daquilo que jun-tos conseguimos realizar nesse período:

– na área de obtenção de meios, conclu-ímos os processos de inspeção, adapta-ção e incorporação do Navio HidrográficoCruzeiro do Sul, do Navio Polar Almiran-te Maximiano, do Navio de AssistênciaHospitalar Tenente Maximiano e dos Na-vios de Desembarque de Carros de Com-bate Garcia D’Ávila e Almirante Saboia;

– na área da construção naval, realiza-mos, na Indústria Naval do Ceará (Inace), asincorporações dos Avisos de PatrulhaBarracuda e Dourado e do Navio-PatrulhaMacaé; ali mesmo, estão em construção oNavio-Patrulha Macau e os Avisos de Pa-trulha Albacora, Anequim e Pargo, todoscom previsão de entrega para o primeiro se-mestre de 2010. No último dia 25 de novem-bro, realizamos o batimento de quilha doNavio-Patrulha Maracanã, no Estaleiro IlhaS.A., aqui no Rio de Janeiro, primeiro naviode um segundo lote de mais quatro navios-patrulha de 500 toneladas. Posso, ainda,destacar, a construção, pelo Arsenal deMarinha do Rio de Janeiro, de uma chata deóleo de 600 toneladas para a Diretoria deAbastecimento e de cinco embarcações de

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desembarque de viaturas e material e trêsembarcações de desembarque de carga ge-ral, com previsão de entrega até 2011, mar-cando, assim, a retomada da construçãonaval naquele Arsenal de Marinha;

– na área de manutenção, concluímosou estamos conduzindo os Períodos deManutenção Geral das Fragatas Liberal,União e Rademaker; da Corveta Julio deNoronha; do Navio-Tanque Marajó; doNavio de Desembarque-Doca Ceará e doSubmarino Tapajó;

– na área de assinatura de novos con-tratos, destaco os de modernização de 12aeronaves AF-1, a aquisição de quatro he-licópteros Multiemprego SH 70B SeaHawk, a aquisição de 16 aeronaves EC-725 Super-Cougar e a aquisição dos Sis-temas de Combate e Torpedos MK 48 dossubmarinos classe Tupi e Tikuna; em re-lação a este último assunto, destaco osucesso do primeiro lançamento do tor-pedo MK 48 pelo Submarino Tikuna, noúltimo dia 12 de novembro;

– na área nuclear, foi extremamente im-portante a retomada do Programa Nuclearda Marinha, agora com previsão de con-clusão da Usina Piloto para Produção deHexafluoreto de Urânio para junho do pró-ximo ano e a conclusão do Laboratório deGeração Nucleoelétrica para 2014;

– na área de modernizações, estamosconduzindo os serviços da Corveta Juliode Noronha, da Fragata Rademaker, dosbalizadores classe Comandante Varella, doNavio-Patrulha Pedro Teixeira, do Navio-Aeródromo São Paulo, dos submarinosclasse Tupi e Tikuna, das fragatas classeNiterói e da Corveta Caboclo, que se mos-trou fundamental para a Marinha do Brasilno triste evento SAR (busca e salvamen-to) da aeronave da Air France;

– na área de obras civis, destaco a exe-cução do Plano Plurianual de Aquisição deResidências, que recentemente teve sua

moldura financeira aumentada em mais de30% para reduzir o atual deficit residencialda Marinha do Brasil e a conclusão dasobras do Edifício Barão de Ladário; e

– por último, friso a enorme mudançaem execução com a nova estrutura de co-municações e tecnologia da informação naMarinha.

Esses foram alguns dos empreendimen-tos levados a cabo dentro do Setor do Ma-terial, conduzidos com o envolvimento pra-ticamente de todas as Organizações Milita-res subordinadas, que refletem, portanto, otrabalho em equipe realizado e que justifi-cam, hoje, o meu mais sincero agradecimen-to a todos, dos meus diretores aos maismodernos militares ou civis, pelo entusias-mo, a garra e a competência demonstrados.

Neste ponto, gostaria de destacar tam-bém a minha crença, alicerçada pela experiên-cia destes dois anos à frente da Diretoria-Geral do Material da Marinha (DGMM), nacapacidade da indústria nacional, que, atu-ando em diversas áreas, lado a lado com aMarinha, tem procurado trazer novas solu-ções tecnológicas, permitindo que, passo apasso, possamos obter índices de nacionali-zação cada vez maiores em nossos meios.

No momento em que me expresso pelaúltima vez como diretor-geral do Materialda Marinha, gostaria de registrar, ainda,alguns agradecimentos finais:

– inicialmente, ao comandante da Mari-nha, Almirante de Esquadra Julio Soaresde Moura Neto, pelo apoio constante querecebi durante a minha direção. O diálogofácil e a amizade mais uma vez demonstra-da foram sempre fatores de estímulo para onosso trabalho;

– aos membros do Almirantado, pelacompreensão e colaboração oferecidas notrato dos assuntos da área do material;

– à tripulação da DGMM pela dedica-ção, capacidade profissional e, acima detudo, pela demonstração de que tudo é

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possível realizar em um clima de camarada-gem e amizade;

– aos meus coordenadores Almirante deEsquadra (reformado) Fragelli, Contra-Al-mirante Frade, Contra-Almirante Ferreira deLima e Contra-Almirante (RM1) Wellingtonpelo profissionalismo e pela lealdadeirrestrita e amizade com que me brindaram.Serei sempre grato aos senhores; e

– finalmente, à minha família, em especi-al à minha esposa Tania, agradeço mais umavez pela compreensão, paciência e peloapoio em todas as ocasiões.

Ao prezado amigo Almirante de Esqua-dra Mendonça, meu sucessor, apresentoos meus melhores votos de muito sucessono cargo. Vossa Excelência poderá compro-var que o cargo que ora assume édesafiante e extremamente gratificante. Sejamuito feliz!

AGRADECIMENTO E BOAS-VINDASDO COMANDANTE DA MARINHA

“Após pouco mais de dois anos e quatromeses de intensas e profícuas atividades,passa o cargo de diretor-geral do Material,que exercia cumulativamente com os de co-mandante de Operações Navais e diretor-ge-ral de Navegação, o Almirante de EsquadraMarcus Vinicius Oliveira dos Santos.

Possuidor de indiscutíveis qualidades,entre as quais gostaria de acentuar atranquilidade, a seriedade, o dinamismo, arapidez de raciocínio, a aptidão para nego-ciar e a perspicaz objetividade, o AlmiranteVinicius soube conduzir-se de modo exem-plar, logrando êxito na consecução da tare-fa recebida, num momento em que nossainstituição inicia relevantes transformaçõesno que tange à recuperação do Poder Na-val. A superação desse desafio, cujas di-mensão, complexidade e responsabilidadesão indiscutíveis, apenas corroboram o seucorreto gerenciamento e a sua sagacidade.

Apesar das adversas restrições orça-mentárias, que têm sido minimizadas nosúltimos tempos, mas que ainda persistem,e dos inúmeros desafios tecnológicos, oAlmirante Vinicius foi capaz de amealharincontáveis realizações, dentre as quaisdestaco a assinatura dos contratos comer-ciais com a DCNS e a Odebretch, referen-tes ao Programa de Desenvolvimento deSubmarinos, os quais contemplam: a cons-trução de quatro submarinos convencio-nais e de um com propulsão nuclear, alémde um estaleiro e de uma base naval; a com-pra de torpedos e despistadores; a trans-ferência de tecnologia; e Off-Set.

Também ressalto a aquisição de diver-sas unidades navais e aeronavais, e a in-corporação da Corveta Barroso e do Na-vio-Patrulha Macaé, que contribuirão paramaior proteção ao tráfego marítimo nacio-nal e aos nossos campos petrolíferos.

Almirante Vinicius! No momento em queVossa Excelência transmite a honrosa co-missão, registro o reconhecimento peloesforço empreendido e pelos resultadosalcançados, que foram de extrema impor-tância para incrementar uma das metasprioritárias da Força, que é, sabidamente, aelevação do nível de prontidão dos meios.

Agradeço-lhe a valiosa assessoria, quefacilitou, em muito, as minhas tomadas dedecisão. Reitero a minha confiança e mani-festo o meu agrado em continuar contan-do com a sua inestimável colaboração nabusca de soluções, sempre oportunas, ecom o acerto de suas decisões como co-mandante de Operações Navais e diretor-geral de Navegação.

Desejo-lhe permanentes alegrias e felicida-des, extensivas à digníssima família, e que Deuspermaneça iluminando a sua singradura!

Apresento os meus agradecimentos aoAlmirante de Esquadra Luiz Umberto deMendonça pelos seus dez meses à frenteda Inspetoria Geral da Marinha.

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Por ter sido o primeiro titular daquelaOrganização Militar, teve os encargos ine-rentes à criação de qualquer estabelecimen-to, qual seja o desenvolvimento da estru-tura necessária para o cumprimento de suamissão, demandando dedicação, empenhoe espírito de sacrifício de sua tripulação,cabendo-me destacar, dentre suas realiza-ções, a análise sobre a Estratégia Nacionalde Defesa e sobre o local de instalação deuma 2a Esquadra e de uma 2a Divisão Anfí-bia; e o parecer sobre a AvaliaçãoOperacional da Base Naval de Aratu.

Assim, dou as boas-vindas ao Almiran-te Mendonça, na certeza de que seus sóli-dos conhecimentos e sua experiência, alia-dos aos seus meritórios atributos, garanti-rão a continuidade dos trabalhos desen-volvidos pela DGMM, ao mesmo tempo queformulo votos de pleno sucesso na comis-são que lhe está sendo confiada.”

PALAVRAS INICIAIS DOALMIRANTE DE ESQUADRA LUIZUMBERTO DE MENDONÇA

“Honrado pela distinção, é com gratasatisfação que assumo a Diretoria-Geral doMaterial da Marinha, Órgão de DireçãoSetorial responsável pela condução dasatividades relacionadas com o material e atecnologia da informação na Marinha. Soumuito grato ao Almirante de Esquadra Ju-lio Soares de Moura Neto, comandante daMarinha, pela confiança demonstrada aome indicar para o cargo.

Tenho a absoluta convicção que dirigir aDGMM é um privilégio, sobretudo no mo-mento atual, no qual a Marinha é contem-plada com o maior orçamento dos últimosanos voltado a conferir ao Poder Naval Bra-sileiro dimensão coerente com a estaturapolítica que o Brasil alcança no concertodas nações. Esse privilégio, contudo, atri-bui elevada responsabilidade ao diretor-ge-

ral, por exigir dele uma acurada execução deparcela ponderável desse orçamento.

Estou consciente de que este será meudesafio, o que pretendo fazer dando pros-seguimento ao trabalho de meu antecessor,buscando imprimir continuidade aos pro-jetos em andamento, bem como iniciandonovos processos determinados pela altaadministração naval.

Nesse mister, considero indispensáveisdedicação e profissionalismo extremos, que,tenho certeza, associados a um elevado amorà Marinha e ao espírito de equipe, nos permi-tirão cumprir nossas metas com proficiência.

Entendo que priorizar os interesses daMarinha, executar nossas tarefas com per-feição e no tempo adequado será a únicaforma de cumprirmos nossa missão à fren-te da DGMM. Quanto a esses aspectos,que serão parte das preocupações do meudia a dia, externo desde já a certeza de quepoderei contar com a lealdade, acriatividade, a dedicação e a cooperaçãode meus subordinados.

Pelo prestígio que suas presenças em-prestam e esta cerimônia, agradeço:

– ao comandante da Marinha;– aos ex-ministros de Estado e ex-co-

mandantes da Marinha;– ao chefe do Estado-Maior da Armada;– aos membros do Almirantado;– aos ex-diretores-gerais do Material da

Marinha;– aos senhores almirantes, generais e

brigadeiros;– às autoridades civis e militares;– aos representantes das empresas da

área de defesa;– aos amigos;– aos colegas da Turma Grenfell;– às senhoras e senhores; e– à minha esposa Albertina e família,

sempre presentes.Ao Almirante de Esquadra Marcus

Vinicius Oliveira dos Santos, agradeço to-

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das as gentilezas e a forma precisa, profis-sional e amiga com que me recebeu e trans-mitiu informações sobre a DGMM e o car-go que ora assumo.

Almirante Vinicius, suceder-lhe mais umavez é um privilégio. Desejo que Vossa Exce-

lência seja muito feliz nos cargos de coman-dante de Operações Navais e diretor-geralde Navegação, que já exerce desde o dia 26de novembro próximo passado, votos estesextensivos a sua esposa Tania e família.

Muito obrigado.”

O Almirante de Esquadra MarcusVinicius Oliveira dos Santos assumiu, em26 de novembro de 2009, os cargos de co-mandante de Operações Navais e diretor-geral de Navegação, em substituição aoAlmirante de Esquadra Alvaro Luiz Pinto.A cerimônia de Transmissão de Cargo foipresidida pelo comandante da Marinha,Almirante de Esquadra Julio Soares deMoura Neto.

AGRADECIMENTOS E DESPEDIDADO ALMIRANTE ALVARO LUIZPINTO

“Após quase 20 anos da minha vidadedicada ao setor operativo da Marinha,passo o cargo de comandante de Opera-ções Navais e diretor-geral de Navegaçãoao Almirante de Esquadra Marcus ViniciusOliveira dos Santos.

A minha formação passou por váriasfases distintas:

– da ansiedade do segundo-tenente;– do precavido capitão-tenente no exer-

cício do comando do Navio-Patrulha Poti;– do operativo capitão de fragata no

comando do saudoso ContratorpedeiroAlagoas;

– do inesquecível e vibrante período nocomando do Porta-Aviões Minas Gerais; e

– da honra de ser o comandante em che-fe da Esquadra.

A construção desse mosaico me permi-tiu, com orgulho e imensa satisfação, viver

NOVO COMANDANTE DE OPERAÇÕES NAVAIS EDIRETOR-GERAL DE NAVEGAÇÃO

intensamente o dia a dia deste Comando edesta Diretoria-Geral.

O Comando de Operações Navais e aDiretoria-Geral de Navegação têm sob assuas responsabilidades 278 das 386 Organi-zações Militares da Marinha. São aproxima-damente 38 mil militares e civis, homens emulheres que trabalham diuturnamente, con-tribuindo para a manutenção da soberaniadeste país nas águas da Amazônia Azul ounas nossas bacias hidrográficas, de norte-sul ou leste-oeste. São a esses marinheiros,fuzileiros, pilotos ou submarinistas, médi-cos ou dentistas, intendentes, mergulhado-res ou não, engenheiros, profissionais deapoio à saúde, comandantes, oficiais ou pra-ças, servidores civis, enfim a todos, sem ex-ceção, a quem, neste momento, rendo asminhas homenagens.

Em especial, os meus agradecimentos aoscomandante em chefe da Esquadra, coman-dantes dos Distritos Navais, diretor deHidrografia e Navegação, diretor de Portose Costas, comandante da Força de Fuzilei-ros da Esquadra e comandante do ControleNaval do Tráfego Marítimo, que souberam,com proficiência, conduzir os seus coman-dados com profissionalismo e dedicação,com tenacidade e entusiasmo, levando abom termo as suas inúmeras tarefas.

Ao meu chefe do Estado-Maior, Vice-Almirante Francisco Antonio de Maga-lhães Laranjeira, agradeço a lealdade e oextremo cuidado com que coordenou to-dos os setores ligados ao Comando de

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Operações Navais/Diretoria-Geral de Na-vegação, em particular as Subchefias deOrganização, Inteligência Operacional,Operações e Logística. Sua brilhante atua-ção profissional, sua experiência, seu espí-rito alegre e empreendedor, cuidadoso edetalhista em muito facilitaram a conduçãode nossas atividades.

Ao meu gabinete expresso o meu pro-fundo reconhecimento pelo apoioinconteste durante os últimos 447 dias deuma feliz e inigualável comissão. Dedicaçãoe lealdade foram os pilares deste trabalho.

À tripulação do Comando de OperaçõesNavais/Diretoria-Geral de Navegação, o meumuito obrigado pela determinação, esmeroe pronta resposta às demandas exigidas parao cumprimento da nossa missão.

Nas minhas visitas às OrganizaçõesMilitares localizadas em todo o territórionacional, tive a oportunidade de melhorconhecê-las e compreender as suas difi-culdades. No regresso, procurei apoiá-las.Trabalhamos em equipe na busca de solu-ções que contribuíram para a consecuçãodos nossos objetivos.

Ao vencermos os desafios, a Marinhase engrandece e se mostra vitoriosa perantea nossa sociedade. Por sua vez, esta mesmasociedade lhe agradece e lhe dá o braço.

A Marinha vem se transformando, diaapós dia, em uma Força capaz e respeitada,determinada e exemplar, dentro e fora doPaís. Se faz orgulhosa e digna no Haiti e semostra presente em Cucuí, na nascente doRio Negro, nos confins do Amazonas.

Permito-me, neste momento, citar algunsresultados alcançados pela Marinha doBrasil nestes últimos meses:

– a criação da Policlínica Naval deManaus, contribuindo para um melhor aten-dimento da família naval na área do Co-mando do 9o Distrito Naval;

– a criação da Unidade Médica Expedi-cionária da Marinha, que permitirá o apoio

do Sistema de Saúde às operações dosGrupamentos de Fuzileiros Navais no con-texto das operações de paz e humanitárias,projetando a Marinha do Brasil no cenáriointernacional;

– o início das ações de Inspeções Na-vais na área de fronteira da BaciaHidrográfica do Rio Amazonas, nas locali-dades de São Gabriel da Cachoeira,Ipiranga, Vila Bittencourt e Estirão do Equa-dor, com a consequente criação de novosdestacamentos, além da ação de presençanecessária naquela região do País;

– a realização de 163.634 atendimentosem 528 municípios, cumprindo 687 dias demar em missão de assistência hospitalar eações sociais;

– foram criados grupos de trabalho econduzidos seminários com a finalidade de:

– diagnosticar a situação de Guerra deMinas na Marinha, com as sugestões eações decorrentes;

– discutir as bases para o Sistema deGerenciamento da Amazônia Azul (Sisgaz),já incluído no Plano de Articulação e Equi-pamento da Marinha;

– atualizar a Carta de Instrução sobrePatrulha Naval, onde consta a participa-ção da Marinha no combate aos ilícitostransnacionais e à pirataria; e

– elaborar o relatório final da Operaçãode Busca e Salvamento do acidente do vooAir France 447, com os resultados obtidos,ensinamentos colhidos e ações a empre-ender. Ressalto que esta operação se trans-formou no maior evento de Socorro e Sal-vamento em que Marinha do Brasil teveparticipação, com grande repercussão nasmídias nacional e internacional. Foram des-locados para a cena de ação 11 navios eseis aeronaves, no período de 26 dias deoperação. Foram exemplos memoráveis da-dos por nossas tripulações de dedicação,profissionalismo e superação, amplamentereconhecidos por nossa sociedade.

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– o Setor Operativo deve encerrar o anorealizando cerca de 6 mil dias de mar comseus navios, os submarinos registrandocerca de 7.800 horas de imersão e as aero-naves totalizando mais de 9 mil horas devoo. Os meios da Esquadra, dos DistritosNavais e do Grupamento de NaviosHidrográficos operaram ou visitaram cercade 30 países, aí incluindo Marinhas ami-gas, já tradicionais, como parcerias maisrecentes, como China, Índia e Cuba;

– participações em missões multina-cionais, em especial nos exercícios Unidas-Gold, na Team Work South, no Chile, naJTFex, nas comemorações do aniversárioda Marinha da China e na Joint Warrior, naEscócia; e

– a realização, na costa leste dos Esta-dos Unidos, do terceiro Deployment – Sub,com participação do Submarino Tikuna,validou os conhecimentos obtidos nasduas primeiras operações realizadas emanos anteriores e consolidou a presençade um meio da Marinha do Brasil nessetipo de operação, em níveis crescentes decomplexidade, além de integração e da tro-ca de experiência.

– as Operações Combinadas coordena-das pelo Estado-Maior de Defesa:

• Atlântico-I (2008) – sob o comando docomandante de Operações Navais, contoucom cerca de 7.500 militares. Realizou a pri-meira junção interforças do Exército Brasi-leiro e da Marinha do Brasil e oguarnecimento do Centro de Crise daPetrobras. Pela primeira vez, contou-se coma participação de membros da Cruz Verme-lha Brasileira e de oficiais da Defesa Civildo Corpo de Bombeiros – RJ no Estado-Maior Combinado. Foi empregado, a títulode experiência, o conceito de OperaçãoBaseada em Efeitos, com uso de medidas eindicadores de efetividade;

• Laguna-2009, na área do Comando do6o Distrito Naval;

• Laçador (To Sul/2009), envolvendo 2mil militares da Marinha do Brasil na áreado Comando do 5o Distrito Naval;

• Safira (To Atlântico Sul/2009) – plane-jamento operacional a cargo do Comandode Operações Navais;

– a retomada do lançamento de arma-mento orgânico pelos meios navais eaeronavais, além dos exercícios rotineirosde apoio de fogo naval. Foram efetuadosos lançamentos de torpedo MK-46,antissubmarino, de foguetes Sbat-70, utili-zando as facilidades da Força Aérea Brasi-leira no Complexo de Lançamento da Bar-reira do Inferno; as aeronaves AF-1 efeti-varam o lançamento de bombas de fabrica-ção nacional MK-81, bem como disparosde quatro mísseis ar-ar Sidewinder. A Fra-gata Constituição efetuou o lançamentode dois mísseis superfície-ar Aspide, e oSubmarino Tikuna lançou dois dos novostorpedos MK-48;

– o Navio de Desembarque de Carrosde Combate Garcia D’Ávila obteve a ho-mologação para operar com aeronave doporte dos UH-14 e, durante a Uanfex/2009,realizou a sua primeira abicagem em Itaoca;

– a Força de Fuzileiros da Esquadra, quepossui um efetivo de quase 7 mil homens emulheres, acabou de cumprir o seu ciclo deadestramento, realizando um grande exercí-cio em Formosa (GO). Com a participação de1.700 fuzileiros navais, utilizou parte do seucontingente de Infantaria e do seu poder defogo real (artilharia, carros de combate, via-turas blindadas M-113, Clanf e Piranha) du-rante 12 dias de exercício em campo aberto;

– a realização do apoio humanitário aoHaiti/Cuba/Jamaica, atingidos por furacõese tempestades em outubro e novembro de2008;

– o Navio Hidrográfico Sirius realizou,entre os dias 3 e 20 de novembro, a primei-ra fase da expedição geológica e geofísicaem águas internacionais. É uma comissão

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de reconhecimento geológico para o levan-tamento da potencialidade mineral dos de-pósitos da crosta cobaltífera na região daelevação do Rio Grande;

– encontra-se em andamento a OperantarXXVIII, em que, pela primeira vez, dois na-vios da Marinha do Brasil, o Navio de ApoioOceanográfico Ary Rongel e o Navio PolarAlmirante Maximiano, estão apoiando aspesquisas cientificas na Antártica; e

– o capitânia da Esquadra, o Navio-Aeródromo São Paulo, muito em breve far-se-á ao mar, para alegria de todos nós.

Por estes fatos, creio que o rumo traça-do na carta por nossos antecessores con-tinuará sendo muito bem navegado.

Finalmente, gostaria de agradecer aoExcelentíssimo Senhor Nelson Jobim, mi-nistro de Estado da Defesa, cuja presençanesta cerimônia demonstra o prestígio comque mais uma vez distingue a nossa queri-da Marinha.

Ao Excelentíssimo Senhor Almirante deEsquadra Julio Soares de Moura Neto, coman-dante da Marinha, pela orientação, confiança,fidalguia e amizade manifestadas durante omeu período de comandante de OperaçõesNavais e de diretor-geral de Navegação.

Felizes são as instituições que podemser dirigidas tendo como princípio o apoioinconteste do seu comandante e como baseo apreço, a consideração, o respeito e odiscernimento do seu Almirantado.

À minha esposa Sonia e aos meus fi-lhos Sergio Luiz e Andreia, o meu eternoagradecimento pelo incansável apoio ecompreensão. Que o nosso Senhor doBonfim nos acompanhe.

Ao Almirante Vinicius, além de agrade-cer o constante apoio prestado pelo Setordo Material ao Setor Operativo, quero ma-nifestar os meus votos de muitas felicida-des, sorte e realizações pessoais e profis-sionais no decorrer desta nova singradura.

Nosso barco, nossa alma!”

AGRADECIMENTO E BOAS-VINDASDO COMANDANTE DA MARINHA

A despedida de uma Organização Militaré sempre um momento singular, carregado degrande emoção e que caracteriza o términode mais uma etapa em nossas vidas, da quallevamos recordações e saudades. Esses sen-timentos, com toda certeza, envolvem hoje oAlmirante de Esquadra Alvaro Luiz Pinto, que,por ter sido nomeado chefe do Estado-Maiorda Armada, deixa os cargos de comandantede Operações Navais e de diretor-geral deNavegação, após aproximadamente um anoe três meses de notável brilhantismo.

Durante o período em que esteve à fren-te do Comando de Operações Navais e daDiretoria-Geral de Navegação, o AlmiranteAlvaro pôde, mais uma vez, demonstrarsuas incontestáveis qualidades, dentre asquais destaco lealdade, objetividade, di-namismo, seriedade, criatividade, dedica-ção e profissionalismo. Com sua persona-lidade afável e cortês, soube conduzir efi-cazmente sua tripulação no cumprimentoda missão que lhe foi confiada, vencendoos obstáculos que se apresentaram e de-senvolvendo diversos projetos essenciais,a despeito dos óbices existentes.

O seu vasto cabedal de conhecimentos,adquirido nos diversos conveses pelosquais passou, foi essencial para fazê-lo lo-grar êxito nas diversas decisões tomadas àfrente desses dois importantes Órgãos deDireção Setorial, cabendo-me destacar, aseguir, algumas dessas numerosas e fun-damentais realizações:

– a criação da Missão de AssessoriaNaval na Namíbia, em substituição aos Gru-pos de Apoio Técnico, com a qual vislum-bra-se, a médio prazo, alcançar significati-vo ganho nas áreas de operações elogística da Marinha daquele país;

– a condução de um seminário sobre oSistema de Alarme de Segurança para Na-

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vios (Ship Security Alarm System – SSAS),que identificou os novos procedimentos aserem adotados pelos meios envolvidos,bem como as ações decorrentes para a ade-quação dos materiais existentes e o prepa-ro dos oficiais e praças para enfrentaremas ameaças assimétricas e a pirataria nasÁguas Juridiscionais Brasileiras;

– as ações de apoio humanitário ao Haiti,a Cuba e a Jamaica, em função das tempes-tades e furacões que os atingiram;

– a criação do Centro de Guerra Eletrô-nica da Marinha;

– a realização da Operação Verão 2008/2009, em todo o território nacional, na qualhouve um aumento de embarcações abor-dadas e inspecionadas, resultando em umaredução do número de vítimas fatais naordem de 60%;

– dentro da reestruturação das Organi-zações Militares do Sistema de Segurançado Tráfego Aquaviário, em atendimento àcrescente demanda de serviços decorren-tes do aumento das atividades marítima efluvial, foram elevadas de categoria as Dele-gacias de Santana (Capitania de 2a Classe) ede Macaé (Delegacia de 1a Classe) e a Agên-cia de Cuiabá (Delegacia de 2a Classe);

– a realização de três exercícios Sarsub,envolvendo mergulho saturado em maraberto, o que levou o Navio de SalvamentoSubmarino Felinto Perry a ser incluído for-malmente na relação dos sistemas de so-corro submarino disponíveis no mundo;

– a homologação, pela OrganizaçãoMarítima Internacional (IMO), do Centrode Dados Nacional do Long RangeInformation and Tracking of Ships (LRIT),desenvolvido e operado pela Marinha doBrasil, passando o Brasil a ser um dos cin-co países no mundo a prontificar o seuCentro dentro do prazo estabelecido pelaIMO;

– a incorporação dos seguintes meiosao Setor Operativo: o Navio de Desembar-

que de Carros de Combate AlmiranteSabóia, o Navio Polar AlmiranteMaximiano, o Navio de Asssistência Hos-pitalar Tenente Maximiano e a CorvetaBarroso;

– a criação da Unidade Médica Expedi-cionária da Marinha (Umem), que permitiráo apoio de saúde aos GrupamentosOperativos de Fuzileiros Navais, principal-mente no contexto das operações de paz ehumanitárias;

– a comissão do Navio HidrográficoSirius, cujo propósito é realizar o reconhe-cimento geológico para o levantamento dapotencialidade mineral dos depósitos decrosta cobaltífera na região da Elevaçãodo Rio Grande, visando contribuir com oPrograma de Prospecção e Exploração deRecursos Minerais da Área Internacionaldo Atlântico Sul e Equatorial (Proarea);

– a Comissão África, sendo conduzidapelo Navio Hidroceanográfico Cruzeiro doSul, efetuando perfis transoceânicos decoleta de dados oceanográficos visando àidentificação e ao monitoramento das prin-cipais feições oceânicas e à obtenção dedados de valor estratégico atinentes à cir-culação e às massas de água do AtlânticoSul;

– a coleta dos dados necessários queirão permitir ao País apresentar uma pro-posta revisada do Limite Exterior da Plata-forma Continental Brasileira, nas áreas emque foi levantado algum tipo de controvér-sia por parte da Organização das NaçõesUnidas;

– a modernização dos Centros de Ins-trução Almirante Graça Aranha e AlmiranteBraz de Aguiar; e

– a realização de uma auditoria voluntá-ria da Organização Marítima Internacional(IMO) na Autoridade Marítima Brasileira;a nossa meticulosa preparação permitiuque, ao final dos trabalhos, a equipe deauditores concluísse que o Brasil cumpre

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de forma expressiva as obrigações cons-tantes dos instrumentos mandatórios daIMO.

Prezado Almirante Alvaro! Vossa Exce-lência conquistou o respeito e a admiraçãodaqueles com quem conviveu na comissãoque hoje se encerra. Tenho certeza de quetodos guardarão com muita alegria e satis-fação os bons momentos sob seu coman-do. Leve consigo a certeza da tarefa bemcumprida e a reconhecida expressividadede seu dedicado trabalho.

Desejo-lhe novas conquistas e realiza-ções como chefe do Estado-Maior da Ar-mada, cargo em que tomará posse breve-mente. Que o sucesso obtido como coman-dante de Operações Navais e diretor-geralde Navegação se repita na sua próximaempreitada. Sei que seu assessoramento esuas decisões, oportunas e corretas, serãopara o comandante da Marinha motivos demuita tranquilidade.

Muito boa sorte, e que Deus o abençoecom ventos e mares tranquilos!

Ao Almirante de Esquadra MarcusVinicius Oliveira dos Santos, apresento asboas-vindas no seu retorno aos SetoresOperativo e da Diretoria-Geral de Navega-ção, formulando os meus mais sinceros vo-tos de muitas felicidades e realizações nosrelevantes cargos que ora assume, na con-vicção de que, com os seus sólidos conhe-cimentos e as suas qualidades pessoais,amplamente conhecidas, terá pleno suces-so na missão que lhe está sendo confiada.”

PALAVRAS INICIAIS DOALMIRANTE MARCUS VINICIUSOLIVEIRA DOS SANTOS

“É com extremo e justificado orgulho queretorno hoje, como titular, aos SetoresOperativo e da Diretoria-Geral de Navegação.

E esse sentimento é facilmente explicá-vel pela dimensão e importância, especial-

mente nos dias atuais, dos cargos que agoraassumo. A necessidade imperiosa de umcompleto conhecimento e de uma rigorosavigilância sobre a nossa Amazônia Azul,bem como o controle eficaz das calhas emargens dos nossos rios e demais águasinteriores oferecem-me a real grandeza dosdesafios que estão por vir. Por outro lado,a exigência permanente do aprestamentodas nossas forças navais, aeronavais e deFuzileiros Navais, a quem confiamos a ga-rantia da nossa soberania no mar e a pre-servação dos nossos interesses marítimos,assim como a necessidade da manutençãoda capacidade de atender aos compromis-sos internacionais assumidos pelo País,oferecem-me a verdadeira noção do traba-lho e responsabilidades em que estarei en-volvido a partir desta data.

Estou certo de que as minhas três expe-riências anteriores, como chefe do Estado-Maior do Comando de Operações Navais,comandante em chefe da Esquadra e dire-tor-geral do Material da Marinha poderãome ajudar a entender os problemas a seremenfrentados e, contando com a coopera-ção dos meus comandantes diretamentesubordinados e de todos, oficiais, praças efuncionários civis, encontrar as melhoressoluções.

Nos últimos anos, a Alta AdministraçãoNaval vem buscando, com muito esforço,conduzir um Programa de Reaparelhamentoda Marinha que, se não é ainda tudo aquiloque a grandeza e a projeção do País exigem,é, por outro lado, um Programa que tem ofe-recido aos Setores Operativos e da Direto-ria-Geral de Navegação diversas aquisiçõesde meios navais, aeronavais e de FuzileirosNavais que, certamente, nos permitem me-lhores condições de cumprimento de nos-sas tarefas no presente e no futuro. É nossaobrigação mantê-los adequadamente e es-tarmos em condição de obtermos dessasunidades o máximo do rendimento. Da mes-

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ma forma, é fundamental que estejamos pro-fissionalmente prontos para receber os no-vos meios, já contratados, e que, com certe-za, mudarão os patamares de eficiência etecnologia da nossa Marinha.

Extremamente feliz ao retornar a esteconvés de voo, onde, em 22 de dezembrode 2006, assumi o cargo de comandante emchefe da Esquadra, julgo oportuno desta-car alguns necessários agradecimentos.

Inicialmente, ao Excelentíssimo SenhorMinistro de Estado da Defesa, NelsonJobim, pela honra e prestígio que nos con-cede com a sua presença nesta cerimônia.

Igualmente, ao Excelentíssimo SenhorComandante da Marinha, Almirante de Es-quadra Julio Soares de Moura Neto, pela con-fiança mais uma vez demonstrada ao desig-nar-me para o cargo. Conte sempre com aminha lealdade e dedicação ao serviço nabusca das melhores alternativas para o setor.

Aos ex-ministros e ex-comandantes daMarinha, aos membros do Almirantado,aos ex-comandantes de Operações Navais,aos companheiros do Exército Brasileiro e

da Força Aérea Brasileira, às autoridadespresentes, aos prezados colegas da TurmaAlmirante Cox e aos amigos e convidados,o meu profundo reconhecimento por teremvindo compartilhar comigo a alegria e emo-ção desta cerimônia.

Ao Almirante de Esquadra Alvaro LuizPinto, de quem uma vez mais recebo as fun-ções, apresento a minha gratidão pela formaprofissional, detalhada e, acima de tudo,amiga como os cargos me foram transmiti-dos. A Vossa Excelência e à querida Sonia,sua esposa, formulo os votos de muitas fe-licidades em Brasília, agora à frente do Esta-do-Maior da Armada. Sejam muito felizes.

Com minha família, em particular comminha esposa Tania e meus filhos, Guilher-me, Sabrina e Maurício, quero dividir, maisuma vez, este momento especial de minhavida. Suas presenças e seu apoio constan-tes, somados às lembranças e aosensinamentos dos meus pais, têm sido fun-damentais nessa minha caminhada.

Finalmente, peço a Deus que me ilumine eque Nossa Senhora de Nazaré nos abençoe.”

Foi realizada, em 12 de janeiro último, acerimônia de Transmissão de Cargo de di-retor-geral do Pessoal da Marinha. Assu-miu o Almirante de Esquadra FernandoEduardo Studart Wiemer, em substituiçãoao Almirante de Esquadra José Antônio deCastro Leal. A cerimônia, realizada na Es-cola Naval (RJ), foi presidida pelo coman-dante da Marinha, Almirante de EsquadraJulio Soares de Moura Neto.

DESPEDIDA DO ALMIRANTE JOSÉANTÔNIO DE CASTRO LEAL

“Ao passar o cargo para o amigo e alta-mente qualificado Almirante de Esquadra

PASSAGEM DE CARGO DE DIRETOR-GERALDO PESSOAL DA MARINHA

Wiemer e deixar o serviço ativo, volto mi-nha atenção para o horizonte avante, nacerteza de que as águas navegadas já per-tencem a outros momentos.

Descortino, então, em ambiente de ele-vado profissionalismo, uma Marinha con-tinuando a se preparar com afinco para ocumprimento das responsabilidades cons-titucionais e se fazendo presente, com in-tenso vigor, nas águas jurisdicionais. Asociedade brasileira começa a evidenciaradequada compreensão quanto à sua im-portância, em um Brasil soberano epartícipe no caminhar da humanidade.

Avisto um Poder Naval fortalecido, comequilibrada presença de navios, unidades

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aéreas e de fuzileiros navais, evoluindo demaneira firme na preservação do domíniodas aptidões inerentes às tarefas de negaro uso do mar, controlar áreas marítimas eprojetar poder. Os programas de obtençãoe renovação de meios encontram agora odevido amparo no vigente pensamento es-tratégico de defesa, tornado-se, assim, pro-jetos nacionais.

Vislumbro uma crescente capacidade depatrulha e inspeção naval, com pleno exer-cício da autoridade marítima, na proteçãoaos legítimos interesses brasileiros, de or-dem tecnológica, econômica e social. Acontinuada atuação dos meios navais nomar territorial, na zona econômica exclusi-va e nas águas interiores deixa de ser ape-nas uma escolha operativa, para se tornaruma necessidade inconteste e recorrenteentre os gestores, públicos ou privados,das atividades ligadas ao Poder Marítimo.

Percebo continuidade na subordinaçãoconsciente das atividades meio, de toda equalquer ordem, ao atendimento das impo-sições das atividades fim, essas sempre ori-entadas por um profissionalismo realista,estruturado tão-somente em torno de deve-res e responsabilidades. O aperfeiçoamentodos processos de obtenção, formação e dis-tribuição dos militares e civis que servem àMarinha, em cenário de forte elevação dedemanda, já se encontra em curso. Contem-pla, de forma prioritária, tanto a aquisiçãode competências individuais como ogerenciamento de carreiras de modo a con-ceder amplas oportunidades de progressãofuncional e satisfação pessoal. Cuida, demaneira muita humanizada, em prover aten-dimento médico-hospitalar e social efetiva-mente resolutivo a qualquer dos integran-tes da imensa e unida família naval – ativos,inativos, pensionistas e dependentes.

Vejo uma instituição que dispõe de umcomandante audaz, de muita tenacidade ecarisma, amparado por um Almirantado que

trabalha em ambiente de camaradagem,honestidade de propósitos e dedicação,tudo a apontar os melhores rumos e a im-primir elevada velocidade de avanço, demodo a atingir bem demarcados notáveispontos futuros. Para tal, a Alta Administra-ção Naval conta com dedicada força de tra-balho – homens e mulheres iguais, bem dis-tribuída entre militares de carreira,prestadores de tarefa por tempo certo, con-vocados para serviço militar e servidorescivis, e prestes a ser aumentada após dé-cadas de restrições nos limites autoriza-dos de efetivos.

Testemunho ainda, acima de tudo, aconsciência ampla de que o pessoal sem-pre será o maior patrimônio da Marinha.As qualidades intrínsecas da vidamarinheira, na qual as responsabilidadesestão devidamente repartidas entre todos,as angústias são compartilhadas igualmen-te por todos e o êxito é sempre e exclusiva-mente do todo, transbordam do ambientede bordo dos navios e, para o bem da insti-tuição, se difundem e permeiam as organi-zações navais. Nessas, ao longo dos anosde serviço, se constroem então vidas pro-fissionais plenas de realizações pessoais,com justo reconhecimento das qualidadesindividuais, com motivantes trabalhos emequipe, com múltiplas oportunidades de li-derança e com intensos momentos de efi-caz atendimento às missões recebidas.

Afirmo, enfim, por essa visão forjada aolongo da minha vida e por uma sincera cren-ça no futuro da Marinha, que juraria denovo à Bandeira Nacional, como o fiz aquina Escola Naval, há quase 46 anos!

Viva à Marinha!”

AGRADECIMENTO E BOAS-VINDASDO COMANDANTE DA MARINHA

“As despedidas são sempre ocasiõesde forte emoção, onde cabem inúmeras re-

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flexões sobre as experiências vividas. Nor-malmente, somos levados a reconstruir namemória os bons momentos de camarada-gem e de convívio, a satisfação pelas tare-fas corretamente executadas, o reconheci-mento dos superiores e o respeito dos pa-res e subordinados.

Provavelmente envolvido por essassensações é que o Almirante de EsquadraJosé Antonio de Castro Leal passa hoje ocargo de diretor-geral do Pessoal, apóscerca de dois anos e um mês de intensas eprofícuas atividades. Considerando, adici-onalmente, o fato de estar deixando o ser-viço ativo, arrisco a afirmar que seus pen-samentos devem estar envoltos por um cli-ma de nostalgia, ao lembrar os muitos anosde dedicação a uma carreira vibrante, inici-ada no Colégio Naval, no já bem distanteano de 1962.

Após o longo período de bancos esco-lares, complementado em Villegagnon e naViagem de Instrução no Navio-Escola Cus-tódio de Mello, iniciou sua singradura ser-vindo nos Contratorpedeiros Mariz e Bar-ros, Pernambuco, Mato Grosso e Pará, nosquais solidificou seus conhecimentos eembasou suas qualidades marinheiras.

À frente do Navio-Patrulha FluvialRondônia, do Contratorpedeiro Pará e do2o Esquadrão de Contratorpedeiros, exer-ceu o comando no mar, onde aplicou ple-namente a sua liderança.

Em 31 de março de 1998, fruto de suacompetência e capacidade, compartilhou,com todos aqueles com quem convivia, amerecida satisfação de ser promovido aalmirante.

Seu pavilhão tremulou em diversas Or-ganizações Militares. Em todas elas, tevedestacadas passagens, cabendo citar achefia do Gabinete do Ministro da Mari-nha; os comandos da Escola Naval e do 1o

e do 4o Distrito Naval; a Diretoria de Ensi-no; e a Escola Superior de Guerra.

Como diretor-geral do Pessoal da Mari-nha, seu êxito não foi menos expressivo.Fruto de sua notória qualificação profissi-onal e amplo domínio dos assuntos da nos-sa Força, soube conduzir, com destacadobrilhantismo, todas as atribuições que lhecabiam. Seu assessoramento seguro e suasdecisões, oportunas e corretas, trouxeram-me a necessária tranquilidade, merecendodestaque algumas de suas realizações:

– criação do Portal de Liderança e reali-zação do 1o Simpósio sobre o tema;

– incremento na capacitação de milita-res e civis, com a realização de cursos eestágios no Brasil e no exterior;

– elaboração de propostas de criaçãodo Plano Especial de Cargos do Ministérioda Defesa; de 1.409 e 370 cargos, respecti-vamente nas carreiras de Ciência eTecnologia e do Magistério;

– reestruturação da gestão de inativose pensionistas;

– revitalização e modernização das prin-cipais Organizações Militares dos setoresde Ensino e Saúde, e do Serviço e Inativose Pensionistas da Marinha;

– ampliação em 25% do número de lei-tos do Hospital Marcílio Dias e aquisiçãode equipamentos de alta tecnologia;

– realização do primeiro recenseamentode dependentes dos beneficiários do Sis-tema de Saúde, com o objetivo de manter aqualidade do atendimento aos usuários le-galmente instituídos;

– implantação do Serviço Integrado deAssistência Social (Siad), responsável pelaprestação da assistência domiciliar na áreado 1o Distrito Naval;

– credenciamento de Instituições deLonga Permanência para Idosos;

– implantação do Programa de Apoio aoPaciente Internado e Convalescente(Papic), por meio de ações sociais;

– criação do Centro de MedicinaOperativa, voltado para o eficaz apoio às

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Missões de Paz e às situações de desas-tres e de apoio humanitário;

– aquisição de um novo hospital de cam-panha;

– melhoria das instalações da Policlíni-ca Nossa Senhora da Glória e do Ambula-tório da Penha e construção de novas ins-talações em Niterói;

– providências para obtenção, qualifica-ção e gestão da carreira do pessoal neces-sário para atender às novas demandas, es-pecialmente aquelas afetas à futura opera-ção de submarinos de propulsão nuclear; e

– criação do Departamento do Abrigodo Marinheiro Voluntárias Cisne Branco,que vem realizando um importante conjun-to de atividades em prol da Família Naval.

Almirante Castro Leal! Ao vermos o seupavilhão ser arriado pela última vez, sei queas rápidas menções a alguns de seus nu-merosos passos não serão suficientes paratraçar um panorama completo das boas re-cordações amealhadas durante todos es-ses anos de serviços à Força. No entanto,por sua expressividade, eles nos levam agarantir-lhe a certeza do dever bem cum-prido, além de asseverar tê-lo como umexemplo de marinheiro.

Dessa forma, gostaria de desejar ao pre-zado amigo, o que estendo à D. MariaAugusta e aos demais familiares, que onovo tempo que se inicia seja sempre co-roado de muito sucesso, assim como foi afase que ora se encerra, em especial na fun-ção que assumirá, em breve, de conselhei-ro militar junto à Representação Permanentedo Brasil na Organização das Nações Uni-das, em Genebra. Desejo-lhe marestranquilos e ventos favoráveis e que Deuso proteja. Seja muito feliz!

Ao Almirante Fernando Eduardo StudartWiemer, apresento as boas-vindas ao as-sumir o seu primeiro cargo como almirantede esquadra, na certeza de que seus sóli-dos conhecimentos e vivência, aliados aos

seus meritórios atributos, garantirão a con-tinuidade das atividades desenvolvidaspela Diretoria-Geral do Pessoal da Mari-nha, ao mesmo tempo que formulo votosde pleno êxito na comissão que lhe estásendo confiada.”

PALAVRAS INICIAIS DOALMIRANTE FERNANDO EDUARDOSTUDART WIEMER

“Decorridos 43 anos, de quando um jo-vem aspirante transpunha, pela primeiravez, o pórtico da Fortaleza de Nossa Se-nhora da Conceição de Villegagnon, voltoa pisar em nosso ‘campo santo’, logo de-pois de promovido ao posto de almirantede esquadra, para assumir a Direção-Geraldo Pessoal da Marinha.

Hoje, no momento em que alcanço metatão almejada na carreira, vale registrar quetenho a nítida noção da responsabilidadeque me é atribuída e renovo, mais do quenunca, a chama do entusiasmo e a dedica-ção, sempre presentes na alma do marinhei-ro, com as quais pretendo conduzir a mi-nha direção.

Desejo, de pronto, expressar meu agra-decimento ao comandante da Marinha, Al-mirante de Esquadra Julio Soares de MouraNeto, que preside esta cerimônia, pela de-ferência na minha indicação para o cargo,o que muito me honra e envaidece. A VossaExcelência reafirmo a irrestrita confiançanos caminhos traçados para a nossa Mari-nha, meu respeito e a minha lealdade e ami-zade, certo de que as melhores soluçõespara vencer os desafios do presente serãosempre alcançadas.

A supervisão das atividades do Setor doPessoal é encargo de grande responsabili-dade, por envolver o nosso maiorpatrimônio, os homens e as mulheres quecompõem nossa instituição. O preparo denosso pessoal é um desafio revestido de

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rara complexidade, sendo primordial para aconstrução de um Poder Naval que goze decredibilidade. Para isso, é fundamental: ori-entar acurados processos de recrutamento,seleção, formação e aperfeiçoamento; pla-nejar o desenvolvimento equilibrado esatisfatório das carreiras; prover a melhordistribuição dos recursos humanos pelasorganizações militares, de maneira a priorizaro recompletamento de nossos meios navaise aeronavais; preservar a higidez de nossoscombatentes; e zelar para que hajatranquilidade e segurança individual no exer-cício dos cargos e funções, em particularquando embarcado, mediante a oferta con-tinuada de medidas de apoio à saúde e àassistência social, jurídica e psicológica, comenfoque voltado também para as carênciasdos dependentes. Por fim, há que atentarpara uma atuação sempre proativa por oca-sião e mesmo após a transferência para ainatividade, posto que a Família Naval devaestar sempre bem amparada.

Fruto desse grande desafio, gostaria,inicialmente, de me dirigir a todos os meussubordinados para falar da plena confian-ça que tenho em poder contar com a ajudae a participação ativa dos titulares das nos-sas Organizações Militares, bem como detodos os militares e servidores civis dosetor, pois sei como é forjado o caráter dosmarinheiros e conheço sua determinação,seu profissionalismo e sua disciplina. Es-ses atributos constituem elementos cha-ves para o sucesso de todos, na procurade bem cumprir as tarefas que a Marinhado Brasil nos atribui.

Por outro lado, posso assegurar quenosso trabalho será extremamente facilita-do por diversas razões. Em primeiro lugar,pelo notável legado de experiências e ori-entações, traduzido em normas e instru-ções, fruto de profícuo trabalho desenvol-vido pelos insignes chefes navais que nosantecederam, muitos dos quais nos hon-

ram com suas presenças, e que deixaramexpressivas marcas em nossa Diretoria-Geral. Também pelo conjunto de ações emcurso, muito bem detalhadas por meuantecessor, Almirante de Esquadra JoséAntonio de Castro Leal, ao longo do perío-do de transmissão do cargo, cobrindo des-de os aprimoramentos dos planos de car-reiras e procedimentos de gestão, bemcomo as modernizações e revitalizações deinstalações patrimoniais, além das iniciati-vas voltadas ao aumento do efetivo daMarinha, que empolgam e motivam. Ade-mais, pela garantia antecipada de perfeitoentendimento com o comandante-geral doCorpo de Fuzileiros Navais, na busca depropósitos comuns e na coordenação deprovidências relacionadas ao pessoal.

Ainda, de modo todo especial, registrominha alegria e agradeço, sensibilizado,pela presença dos membros do Almiranta-do, dos almirantes, generais e brigadeiros,demais autoridades, de tantos e prezadosex-comandantes, dos oficiais, de inúmerosamigos, particularmente os da Bahia, doscolegas da Turma Ricardo de Moraes econvidados, que fazem bastante evidentea certeza de apoio e incentivo e que dãobrilho a esta cerimônia.

Aos meus queridos familiares, especial-mente à minha mulher Helena, amiga e com-panheira de sempre, minha gratidão peloapoio, amor e compreensão em todas assingraduras da carreira deste marinheiro.

Finalmente, ao fraterno amigo de mui-tos anos, Almirante de Esquadra CastroLeal, a quem tenho a honra e a grande res-ponsabilidade de, mais uma vez, sucederem um cargo, desta feita em sua última co-missão no Serviço Ativo da Marinha, ma-nifesto meu mais profundo reconhecimen-to pela fidalga acolhida e maneira objetivae profissional como me transmitiu a Direto-ria-Geral do Pessoal. Em nome de todos osintegrantes do Setor do Pessoal, desejo a

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Vossa Excelência saúde e felicidade na novaetapa da vida que inicia, votos esses quefaço extensivos à sua digníssima esposaMaria Augusta, na certeza do pleno suces-so em mais uma missão que a Marinha vosconfia, agora como conselheiro militar jun-

O Almirante de Esquadra Alvaro Luiz Pin-to assumiu, em 3 de dezembro de 2009, ocargo de chefe do Estado-Maior da Arma-da, em substituição ao Almirante de Esqua-dra Aurélio Ribeiro da Silva Filho. A cerimô-nia de Transmissão de cargo foi presididapelo comandante da Marinha, Almirante deEsquadra Julio Soares de Moura Neto.

AGRADECIMENTOS E DESPEDIDADO ALMIRANTE AURÉLIO RIBEIRODA SILVA FILHO

“Após quase 50 anos de serviço, eisque é chegada a hora de me afastar do con-vívio diário com todos os que tripulam nos-sa embarcação. Vivi momentos extremamen-te felizes na Marinha, instituição que meacolheu de braços abertos desde 18 demarço de 1960, quando transpus os portõesdo Colégio Naval.

Não pretendo fazer aqui uma recordaçãode toda a minha vida naval; entretanto, nãohá como deixar de registrar algumas etapasde uma carreira iniciada ainda muito jovem,a qual abracei profundamente.

Parece que foi ontem que, ultrapassan-do um concurso difícil, tanto que só logreiaprovação na segunda tentativa, ingresseiadolescente no Colégio Naval.

Parece que foi ontem, mas faz quasemeio século que recebi o meu espadim, tor-nando-me aspirante da Escola Naval.

Parece que foi ontem que deixei o portodo Rio de Janeiro, para uma viagem de ins-

TRANSMISSÃO DE CARGO DE CHEFE DOESTADO-MAIOR DA ARMADA

to à Representação Permanente do Brasilna Organização das Nações Unidas, emGenebra.

Que o Senhor dos Navegantes ilumineo nosso caminho!

Muito obrigado!”

trução no Navio-Escola Custódio de Mello,em que pude travar conhecimento com ou-tros povos e culturas.

Parece que foi ontem, porém faz quase 40anos que efetuei meu primeiro serviço comooficial no passadiço de um contratorpedeiro.

Parece que foi ontem que comandei meuprimeiro navio, o ContratorpedeiroMarcílio Dias.

Parece que foi ontem que assumi meu pri-meiro comando como almirante, o da 2a Divi-são da Esquadra (‘Segundo para ninguém!’).

Com o passar do tempo, exerci quasetodas as funções e cargos a que um oficialpode aspirar.

Como almirante de esquadra, vivi a ex-periência ímpar de ocupar assento no Al-mirantado, órgão colegiado cujo pensa-mento enobrece a Marinha do Brasil e tor-na as suas decisões aderentes às aspira-ções de seu pessoal militar e civil.

Sem dúvida, o exercício do cargo de che-fe do Estado-Maior da Armada constitui-se motivo de orgulho para qualquer um denós que escolhemos a Marinha como ra-zão de ser. Mas a renovação é necessária,pois traz mudanças que beneficiam o futu-ro, pela oportunidade de novas ideias po-derem germinar, para o bem do ServiçoNaval. É assim que encaro a minha saídada ativa e enfrento tal instante com a ale-gria de encerrar uma carreira que, sem falsamodéstia, entendo ter sido completa peladedicação e pelo amor envolvidos numaíntima relação profissional.

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Somente aqueles que já passaram poreste momento poderão avaliar a imensasaudade que sinto ao afastar-me desta glo-riosa instituição que é a Marinha do Brasil.

Percorrido todo esse caminho, iço a mi-nha flâmula de fim de comissão e confes-so, com uma ponta de tristeza, porém feliz erealizado por ter chegado ao mais alto pos-to da carreira, prestigiado pelo apoio domeu chefe, pela amizade dos meus pares epelo respeito dos meus subordinados, quevaleria a pena começar tudo de novo.

Só me resta, portanto, agradecer.Primeiramente, elevo meu pensamento a

Deus para agradecer tudo aquilo que Ele metem proporcionado, por ter estado sempreao meu lado nesta longa jornada, dando-meforças e ânimo para suportar os momentosdifíceis e sabedoria para as complexas deci-sões a tomar, e também pedir, mais uma vez,a sua ajuda nesta nova etapa.

Aos meus pais, que, com a graça deDeus, os tenho até hoje ao meu lado, lúci-dos, saudáveis e solícitos, a eterna grati-dão pelo zelo em transmitir-me os valoresfundamentais que forjaram minha persona-lidade, influenciada pelo afeto extremado epelos exemplos de caráter.

À minha esposa Sylvia expresso meureconhecimento pelo desvelo, amor, com-preensão e participação solidária, constan-temente presentes na longa caminhada queempreendi, quando teve que sacrificar erenunciar a seus desejos e aspirações paraatender às exigências da minha carreira.

Aos meus filhos e netos, a quem prome-to dedicar mais tempo de convivência diá-ria, agradeço pelo apoio, estímulo, amor,paciência e compreensão ao longo de to-dos esses anos. Rogo a Deus que conti-nue iluminando o nosso caminho.

Ao ministro de Estado da Defesa, Dr.Nelson Jobim, pelo privilégio de ter traba-lhado sob sua precisa orientação e pelofranco relacionamento.

Ao ministro de Estado Chefe da Secre-taria de Assuntos Estratégicos da Presi-dência da República, Embaixador SamuelPinheiro Guimarães, agradeço pela atençãodispensada aos assuntos do Estado-Mai-or da Armada, desde o tempo em que exer-ceu o cargo de secretário-geral das Rela-ções Exteriores.

Agradeço ao meu comandante, Almirantede Esquadra Julio Soares de Moura Neto,pela consideração que sempre me dispensoue pela amizade construída ao longo de todosesses anos, começando no Cais Norte e pros-seguindo nas inúmeras vezes em que foi meuchefe direto, e pela confiança e prestígio aoindicar-me para o cargo de representante per-manente do Brasil junto à Organização Marí-tima Internacional – IMO. A Vossa Excelên-cia, reitero minha amizade e expresso a certe-za de que os destinos da Marinha não pode-riam estar em melhores mãos.

Aos senhores comandantes do Exército,General Enzo Martins Peri, e da Aeronáuti-ca, Brigadeiro Juniti Saito, pelo apreço ecordialidade nas vezes em que exerci o co-mando interino da Marinha e nas diversasoutras ocasiões em que estivemos juntos.

Aos secretários executivos dos ministé-rios que interagiram com o Estado-Maior daArmada, parceiros em diversas empreitadas,pelo tratamento cortês e profissional.

Agradeço a forma atenciosa e amiga comque fui tratado pelos chefes do Estado-Mai-or do Exército e da Aeronáutica, General Darkee Brigadeiros Britto, Dieguez, Vilarinho e Pin-to, que, em ambiente de fraterna camarada-gem, encaminharam em suas Forças todosos assuntos de interesse da Marinha.

Aos eminentes chefes navais, agrade-ço a orientação firme e segura, osensinamentos e exemplos e, acima de tudo,o apoio, a compreensão e a amizade queme dispensaram, esperando continuarcorrespondendo aos rígidos requisitos quenortearam suas carreiras na Marinha.

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Aos meus pares do Almirantado, agra-deço as contínuas demonstrações de apre-ço e cordial convivência.

Aos almirantes do Corpo da Armada,do Corpo de Fuzileiros Navais, do Corpode Intendentes da Marinha, do Corpo deSaúde da Marinha e do Corpo de Enge-nheiros Navais, agradeço o trato fidalgoque me dispensaram, característica peculi-ar de nossa instituição.

Aos almirantes, oficiais, praças e servi-dores civis do Estado-Maior da Armada,agradeço a forma amiga, dedicada e efici-ente com que desenvolveram seus traba-lhos, permitindo que o comandante daMarinha pudesse ser assessorado a tempoe a hora. Na impossibilidade de citar um aum todos os integrantes do Estado-Maiorda Armada, menciono a relação de amizadecom o meu vice-chefe, Vice-AlmiranteRodrigo, a quem desejo ‘Bons Ventos’ noComando do 4o Distrito Naval, e quepermeou todos os estudos e decisões quetramitaram no Estado-Maior, conduzindocom brilhantismo a atuação dos subchefese respectivas subchefias. Comandá-los foiuma honra, merecer-lhes a amizade será umprêmio que guardarei com orgulho.

Aos almirantes das Organizações Milita-res subordinadas – Representação Permanen-te do Brasil junto à Organização Marítima In-ternacional; Secretaria de Ciência, Tecnologiae Inovação da Marinha; Escola de Guerra Na-val; Centro de Análises de Sistemas Navais;Instituto de Pesquisas da Marinha e Institutode Estudos do Mar Almirante Paulo Moreira –e às suas tripulações, pela competênciainvulgar no desempenho de suas atribuições,permitindo-me levar a bom termo minha derra-deira etapa profissional.

Agradeço também ao meu Gabinete,chefiado pelos Capitães de Mar e GuerraPenha e Zoccolaro, todo o apoio e atençãoque dispensaram a mim e à minha família.Tenho a certeza de que apenas um muito

obrigado é extremamente lacônico para ex-pressar tudo que eu gostaria de dizer.

Aos oficiais e praças que têm me acom-panhado, alguns por mais de dez anos, meureconhecimento pela lealdade, profissiona-lismo e perfeito relacionamento.

Aos meus companheiros da Turma Aspi-rante Moura, que comigo iniciaram a jornadaque hoje concluo, agradeço o incentivo esobretudo a amizade, nascida quando, aindamuito jovens, nos tornamos uma irmandadeàs margens da enseada Batista das Neves.

Nada somos enquanto não confiarmosnossos planos a Deus para que sejam modela-dos e sublimados antes de tomarem forma;nada seremos se nos curvarmos às adversida-des; e não podemos querer ser nada além da-quilo que, honestamente, nos propomos a ser.

É com esta certeza que estou transmitindoo cargo de chefe do Estado-Maior da Armadaao Almirante de Esquadra Alvaro Luiz Pinto,sabedor que seus atributos pessoais e profis-sionais o qualificam para conduzir, com a pro-ficiência que todos desejamos, os rumos des-te Estado-Maior, tarefa da qual desincumbir-se-á com a excelência e o brilhantismo quecaracterizam sua carreira naval. Seja muito fe-liz, votos que estendo à sua querida família.

Para aqueles que permanecem na ativa,reforço a importância do otimismo no futu-ro, desejando que todos ainda a bordo con-tinuem a honrar e a bem conduzir a nossainstituição para a grandeza do País, man-tendo sempre vivo o nobre sentimento deamar a Marinha.

Termino citando Mário Quintana: ‘O bomda vida é saber que tudo continua, mas omelhor é saber que tudo pode recomeçar’.”

AGRADECIMENTO E BOAS-VINDASDO COMANDANTE DA MARINHA

“Hoje é dia de nos despedirmos do Al-mirante de Esquadra Aurélio Ribeiro da Sil-va Filho, que passa a Chefia do Estado-

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Maior da Armada, após exercer esse rele-vante e prestigioso cargo por um períodoaproximado de um ano e três meses.

Possuidor de reconhecidos atributosmorais, profissionais e pessoais, dentre osquais ressalto a seriedade, o dinamismo, otirocínio, a lealdade e a objetividade, o Al-mirante Aurélio soube conduzir-se de modoimpecável e exemplar, logrando total êxitona consecução da tarefa que lhe foi confi-ada. A superação dos desafios inerentesao cargo, cujas dimensão e complexidadesão indiscutíveis, serviram para corrobo-rar a sua capacidade gerencial e sua saga-cidade. Seus assessoramentos seguros eplenamente consubstanciados foram, paramim, motivos de muita tranquilidade.

Dentre as inúmeras realizações à frentedo Estado-Maior da Armada ressalto:

– a atuante participação nos trabalhos queresultaram na Estratégia Nacional de Defesae a elaboração do Plano de Equipamento eArticulação da Marinha do Brasil (PEAMB);

– a revisão da Doutrina Básica da Mari-nha e de vários documentos doutrináriosdo Ministério da Defesa;

– a celebração do acordo Brasil-Françana área de submarinos e para a aquisiçãode 16 helicópteros de médio porte, de em-prego geral, EC-725 Super Cougar;

– os estudos para a implantação do Es-critório Técnico do Programa de Desenvol-vimento de Submarinos na França;

– a assinatura do Termo de Cooperaçãoentre a Marinha e o Instituto Nacional do Se-guro Social (INSS), tendo como objeto a pres-tação de serviços previdenciários às popula-ções ribeirinhas na Região Amazônica;

– a assinatura de dois Termos de Coopera-ção com a Força Aérea Brasileira (FAB) visan-do qualificar os nossos pilotos de asa fixa;

– a proposta de aumento de efetivos, demodo a atender às necessidades correntesde pessoal e preparar a Força para os pró-ximos 20 anos;

– a incorporação do Navio Polar Almi-rante Maximiano, Navio de Desembarquede Carros de Combate Almirante Saboia eNavio de Asssitência Hospitalar TenenteMaximiano;

– o incremento gradativo da interoperabili-dade com a FAB, com a decisão de dotarnossas aeronaves com o Link BR-2;

– a adoção oficial da Banda KU como recur-so alternativo de comunicação do Sistema Bra-sileiro de Comunicação Militar por Satélite;

– a criação do Núcleo de InovaçãoTecnológica da Marinha; e

– a reeleição do Brasil para o Conselhoda Organização Marítima Internacional(IMO), Categoria B, por aclamação, semnecessidade de se submeter à votação.

Entretanto, a ocasião não se resume a estaimportante transmissão de cargo; seguramen-te, é um momento de grande emoção, umavez que o Almirante Aurélio está deixando oServiço Ativo e se transferindo para a Reser-va, após uma belíssima singradura de quase50 anos. Nesse período, prestou inúmerascontribuições à Marinha, na qual conquis-tou, por suas incontestes qualidades, a ad-miração e o respeito de seus subordinados,pares e superiores.

No decorrer de sua brilhante carreira, oAlmirante Aurélio soube conduzir com ex-trema dedicação e correção de atitude to-das as funções que lhe foram atribuídas,suplantando os diversos óbices que seapresentaram. Cabe-me, então, a nobre ta-refa dos agradecimentos, mas também adifícil incumbência das despedidas.

Após um período de aprendizado, inicia-do, em 1960, no Colégio Naval ecomplementado em Villegagnon e na Via-gem de Instrução do Navio-Escola Custó-dio de Mello, principiou sua vida como ofi-cial no Contratorpedeiro Paraíba, tendo seaprimorado no Contratorpedeiro Mariz eBarros, no Navio-Aeródromo Ligeiro Mi-nas Gerais e na Fragata Constituição.

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NOTICIÁRIO MARÍTIMO

À frente do Contratorpedeiro MarcílioDias e do Navio-Escola Brasil, exerceu ocomando no mar, consolidando, em sua ple-nitude, a sua liderança.

Em 31 de março de 1998, compartilhou,com todos aqueles com quem convivia, asatisfação e a alegria da merecida promo-ção a contra-almirante, fruto da sua com-petência e capacidade.

Seu pavilhão tremulou em diversas Or-ganizações Militares. Em todas teve desta-cadas passagens, cabendo rememorar, noâmbito da Esquadra, primeiramente o Co-mando da Segunda Divisão e, algum tem-po mais tarde, o Comando em Chefe; emoutras oportunidades, deu sua contribui-ção no Comando do 7o Distrito Naval, noMinistério da Defesa, na Diretoria de Tele-comunicações da Marinha e na Diretoriade Portos e Costas. Já como Almirante deEsquadra, foi diretor-geral do Pessoal daMarinha e comandante de Operações Na-vais e diretor-geral de Navegação.

Seus conhecimentos, entusiasmo e ho-nestidade facultaram soluções adequadase oportunas aos problemas, logrando êxi-tos expressivos na condução de relevan-tes atividades.

Almirante Aurélio! No ato simples, po-rém carregado de simbolismo, do arriar desua bandeira-insígnia, somos partícipes da“atracação ao cais”, após sua jornada abordo da nau ‘Marinha do Brasil’. Contu-do, o que estamos presenciando contem-pla uma oportunidade inigualável de ga-rantir-lhe o reconhecimento pelo devermuito bem cumprido, a exemplo de um há-bil comandante que sempre soube condu-zir sua embarcação a um porto seguro.

Nos tempos que se seguirão, sabemosque emergirão em sua mente as lembran-ças maravilhosas desse quase meio séculode dedicação integral à nossa instituição.Que elas sirvam de motivação em suas fu-turas empreitadas.

Apresento assim, ao prezado amigo, osmais sinceros votos de alegrias e de continu-ado sucesso na função que assumirá em bre-ve, como representante permanente do Bra-sil junto à Organização Marítima Internacio-nal, extensivos à sua esposa, Dona Sylvia, edemais familiares, ao mesmo tempo em queexpresso minha gratidão pelo significativotrabalho desenvolvido em prol da Marinhado Brasil, que continuará sendo a sua casa.

Bons ventos, Almirante de EsquadraAurélio Ribeiro da Silva Filho, e que Deuso acompanhe! Seja muito feliz!

Ao Almirante de Esquadra Alvaro LuizPinto, dou as boas-vindas ao Estado-Maiorda Armada, formulando votos de êxito e fe-licidades no cargo que ora assume, na con-vicção de que seu elevado profissionalismo,sua habilidade e seu reconhecido tirocíniosão a garantia de que terá pleno sucesso namissão que lhe está sendo confiada.”

PALAVRAS INICIAIS DOALMIRANTE ALVARO LUIZ PINTO

“Após quase meio século de uma já sau-dosa e inesquecível carreira, em que assu-mi cargos em diversos setores da Marinha,seja em terra ou no mar, é com imensa ale-gria que assumo a Chefia do Estado-Maiorda Armada. Estou consciente da granderesponsabilidade de assessorar o coman-dante da Marinha na direção do Comandoda Marinha e no desempenho de suas atri-buições no Conselho Militar de Defesa eConselho de Defesa Nacional.

Neste momento tão especial da minhavida, não poderia deixar de agradecer àque-les que me fizeram trilhar esta feliz trajetó-ria até o presente momento.

Inicialmente, ao Excelentíssimo SenhorComandante da Marinha, Almirante de Es-quadra Julio Soares de Moura Neto, agra-deço a confiança na indicação para o car-go, apresentando-me para o serviço com

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total dedicação, reafirmando a minha leal-dade, respeito e entusiasmo pela oportuni-dade de, mais uma vez, poder contribuirpara o cumprimento da missão da Marinha,qual seja ‘a Defesa da Pátria e a garantiados poderes constitucionais e, por iniciati-va destes, da lei e da ordem’.

Aos ilustres chefes navais que me dis-tinguem com as suas presenças, particu-larmente o ex-ministro da Marinha Almiran-te de Esquadra Alfredo Karam e os ex-che-fes do Estado-Maior da Armada, pelosexemplos que aprendi a cultivar e admirar,a minha eterna gratidão.

Aos Excelentíssimos Senhores ministroda Advocacia-Geral da União, Dr. Luis InácioAdams; ministro do Supremo Tribunal Fede-ral, Dr. Marco Aurélio de Mello; senador daRepública Cesar Borges, representado pelodeputado estadual da Bahia Carlos RicardoGaban; chefe do Estado-Maior da Aeronáu-tica, Tenente-Brigadeiro do Ar Antonio Pin-to Macedo; ministros do Superior TribunalMilitar; ministros do Tribunal de Contas daUnião; aos membros do Almirantado; almi-rantes; generais; brigadeiros; às autoridadespresentes e que se fizeram representar; aosoficiais; senhoras e senhores, o meu muitoobrigado por suas presenças.

Aos amigos da Turma Aspirante Moura;aos soamarinos; ao prefeito de Corumbá,Sr. Ruiter Cunha de Oliveira; ao prefeito deLadário, Sr. José Antonio Assad e Faria;aos estimados amigos de Campo Grande,Manaus, Recife, Rio de Janeiro, São Pauloe Salvador, o meu profundo agradecimen-to por terem vindo de tão longe, trazendo oincentivo, o carinho e o abraço para o ami-go de sempre. O prestígio e o brilho que

todos vocês emprestam a esta cerimôniaficarão indeléveis na minha memória e prin-cipalmente nos nossos corações.

Aos meus pais, já não mais presentes,agradeço a vida, a educação e todo o amor.

Aos meus filhos, netos e, em especial,minha esposa Sonia, agradeço pelo incan-sável apoio e carinho.

Aos militares e civis, homens e mulhe-res que dignificam o Estado-Maior da Ar-mada e as Organizações Militares sob a suaresponsabilidade, manifesto a certeza doorgulho que sentem pelos sucessos alcan-çados. Ao mesmo tempo, acredito que, coma mesma fé, unidos em torno de um mesmopropósito, profissionalismo, humildade,tenacidade, entusiasmo e amor ao que fa-zem, mais vitórias surgirão no amanhã, poissempre restará muito o que fazer. Esse é ogrande desejo de nossas vidas. Esse é ogrande desejo da nossa Marinha.

Finalmente Almirante Aurélio, queridoamigo de turma e companheiro desta longajornada. Não vou somente lhe agradecerpor mais esta fraterna e primorosa trans-missão de cargo, mais que isto, quero di-zer-lhe que foi um privilégio e uma honradesfrutar do seu convívio nestes 48 anos,oito meses e 16 dias, desde quando o co-nheci no saudoso Colégio Naval. É umexemplo para todos nós. A você, seus pais,sua esposa Sylvia, filhos e netos, muitasfelicidades e realizações como representan-te permanente do Brasil junto à Organiza-ção Marítima Internacional, em Londres.Obrigado Almirante de Esquadra AurélioRibeiro da Silva Filho.

Que Nosso Senhor do Bonfim nos acom-panhe. Nosso barco, nossa alma.”

– Contra-Almirante Afrânio de PaivaMoreira Junior, coordenador do Programa deReaparelhamento da Marinha, em 17/12/09;

ASSUNÇÃO DE CARGOS POR ALMIRANTES

– Vice-Almirante Eduardo MonteiroLopes, comandante em chefe da Esquadra,em 18/12/09;

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– Almirante de Esquadra FernandoEduardo Studart Wiemer, diretor-geral doPessoal da Marinha, em 12/1/2010;

– Contra-Almirante (FN) FernandoCesar da Silva Motta, presidente da Co-missão de Desportos da Marinha e diretordo Centro de Educação Física AlmiranteAdalberto Nunes, em 2/2/2010;

– Contra-Almirante (FN) Nilton MoreiraSalgado, chefe do Estado-Maior da Forçade Fuzileiros da Esquadra, em 4/2/2010;

– Contra-Almirante Carlos Augusto deMoura Resende, assistente da Marinhana Escola Superior de Guerra, em 26/2/2010;

– Almirante de Esquadra (RM1) AurélioRibeiro da Silva Filho, representante per-manente do Brasil junto à OrganizaçãoMarítima Internacional, em 1/3/2010; e

– Almirante de Esquadra MarcosMartins Torres, chefe do Estado-Maior daArmada, em 18/3/2010.

O Centro de Armas da Marinha (CAM)agraciou, em cerimônia militar, os profissio-nais vencedores dos prêmios Criatividade eAlmirante Octacílio Cunha do ano de 2009.A premiação tem como propósito reconhe-cer a iniciativa e a criatividade dos militarese servidores civis que apresentarem solu-ções que aperfeiçoem equipamentos, ferra-mentas, peças ou pro-cedimentos produtivos,contribuindo em espe-cial para a melhoria daqualidade dos serviçosdas Organizações Mili-tares Prestadoras deServiço (OMPS).

O Prêmio Criativida-de é concedido anual-mente aos três melho-res trabalhos. Os ven-cedores de 2009 foram:

– 1o lugar: Servido-res Civis Paulo Henrique Ferreira de SáCabral e Ocimar da Silva Abreu e Desenhis-ta Raul Fernando Rodrigues Lima, “Dispo-sitivo para verificação do alinhamento dotrilho da catapulta do Navio-Aeródromo(NAe) São Paulo”. Este trabalho permitiudesenvolver um dispositivo para medir o

ENTREGA DOS PRÊMIOS CRIATIVIDADE E ALMIRANTEOCTACÍLIO CUNHA DE 2009

alinhamento do trilho da catapulta do NAeSão Paulo, dentro das especificações téc-nicas do fabricante.

– 2o lugar: Servidor Civil Paulo RamosNascimento, “Adaptação de pressostatosdo canhão de 40mm/70 das fragatas clas-se Niterói”. Essa solução permitiu que ocanhão da Fragata Niterói voltasse a ope-

rar dentro dos parâme-tros de projeto e criouuma alternativa paraque a Marinha não de-penda somente do fa-bricante para fornecero sobressalente dessearmamento.

– 3o lugar: Engenhei-ro Luis Gustavo Santosde Oliveira, TécnicoAlexandre José Silva eDesenhista RaulFernando Rodrigues

Lima, “Dispositivo para alinhamento e le-vantamento do diagrama fotométrico de ilu-minação do convoo das corvetas classeInhaúma”. Esse trabalho projetou e testoucom sucesso um dispositivo a laser, elimi-nando a necessidade de apoio do Arsenalde Marinha do Rio de Janeiro (AMRJ) e re-

Servidores Civis agraciados com o prêmioAlmirante Octacílio Cunha de 2009

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duziu a tarefa de trabalho de dois dias, coma utilização de oito pessoas, para quatrohoras de execução, empregando apenasquatro profissionais, o que representa umaconsiderável eco-nomia de recur-sos humanos eredução do tempodo serviço.

O Prêmio Almi-rante OctacílioCunha é um reco-nhecimento espe-cial, concedido aoautor do melhortrabalho dentre ostrês anteriores,quando há granderelevância técnicano projeto, e queresulte em consi-derável aperfeiçoamento no processo pro-dutivo da OMPS. O trabalho desenvolvidona medição do alinhamento da catapulta doNAe São Paulo foi o merecedor deste prê-

mio em 2009, por representar um elevado graude criatividade, sensível melhora no proces-so produtivo, e permitir uma considerável eco-nomia de recursos para a Marinha.

Os agraciadosreceberam do di-retor do CAM osdiplomas alusi-vos aos fatos, eserão contempla-dos com a partici-pação em feirastécnicas promo-vidas por entida-des civis, comoforma de reco-nhecer seus rele-vantes trabalhose incentivar a par-ticipação de ou-tros profissionais

nessa premiação, que visa aprimorar os pro-cedimentos técnicos vigentes e reduzir oscustos e o prazo de execução dos serviços.

(Fonte: www.mar.mil.br)

Servidores agraciados com os prêmiosCriatividade e Almirante Octacílio Cunha de

2009

Foi realizada, em 14 de dezembro último, aSessão de Encerramento das Atividades Cul-turais de 2009 da Diretoria do Patrimônio His-tórico e Documentação da Marinha (DPHDM).A cerimônia aconteceu no auditório do Mu-seu Naval, no Rio de Janeiro, presidida pelodiretor da DPHDM, Vice-Almirante (EN-RM1)Armando de Senna Bittencourt.

Na ocasião, houve também entrega daMedalha de Colaborador Emérito e da Meda-lha da Liga dos Amigos do Museu Naval aosprofissionais contemplados e, em seguida, olançamento da Revista Navigator alusiva aoBicentenário do Visconde de Inhaúma.

A sessão teve início com o diretor daDPHDM agradecendo a presença de todos

ENCERRAMENTO DAS ATIVIDADES CULTURAISDE 2009 DA DPHDM

e convidando as autoridades para compor amesa de honra. Após, foi cantado o HinoNacional e o Almirante Bittencourt se pro-nunciou realçando os feitos de 2009 e divul-gando metas da Diretoria. Na sequência,

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foram entregues as medalhas de Colabora-dor Emérito. Esta medalha, criada em 1982 eregulamentada por portaria, em 1990, do en-tão Serviço de Documentação da Marinha,tem a finalidade de agraciar as pessoas eentidades que, tendo prestado serviços àDPHDM, mereçam recebê-la em testemunho,gratidão e lembrança.

Foram os seguintes os agraciados: Capi-tão de Fragata Tomé Albertino de SouzaMachado, Capitão de Fragata (RM1-T) Joséde Cruz Gouvêa Neto, Capitão de CorvetaCarla Cristina Daniel Bastos de Pointis, Ca-pitão-Tenente Marcio André Moreirão daCruz, Capitão-Tenente Vinícius da GuardaVieira, Suboficial João Adroaldo OliveiraProfeta Ribeiro, Suboficial José Jaime Le-mos de Freire, Sargento Irapuan Carvalhode Souza, Funcionária Civil Sandra Correiada Silva, Funcionária Civil Edna da SilvaCosta, Senhor Gerson Antônio da Silva eSenhoras Paula Cristina da Costa PerezTavares Dias e Sophie Desumeur.

em 15 de setembro 1998 pela diretoria daLiga dos Amigos do Museu Naval em agra-decimento aos que prestam valiosa cola-boração àquela instituição. Foi agraciadaem 2009 a Senhora Patrícia Neves Ferreira.

EFEMÉRIDES DE 2009

A cerimônia prosseguiu homenagean-do vultos navais por meio da leitura formaldas efemérides relativas a 2009, que repro-duzimos a seguir:

“Atualmente a História Militar vem gal-gando um impulso cada vez maior na acade-mia. Isso é um reflexo da historiografia mo-derna, caracterizada pelas múltiplas aborda-gens e domínios que os historiadores po-dem explorar ao realizar sua pesquisa.

Para o historiador naval, a abordagem bi-ográfica é um importante caminho para o es-tudo da História Marítima e Naval brasileira.O uso da biografia por muito tempo esteveno ostracismo por estar esta estritamente re-lacionada a uma história considerada poucoproblematizada. Porém, nos dias atuais, o re-curso da biografia conquista espaço, tornan-do-se uma fonte valiosa para os historiado-res que se dedicam à micro-história.

Assim, estamos hoje aqui reunidos para,além de destacar a atuação de nossos anti-gos chefes enquanto atores de nossa His-tória Naval, prestar uma pequena homena-gem no ano em que completam sesquicen-tenário e centenário de nascimento.Relembraremos um pouco de suas carrei-ras, entendendo que suas histórias fazemparte da história da Marinha do Brasil.

SESQUICENTENÁRIOS DENASCIMENTO

Almirante de Esquadra EstevãoAdelino Martins

O Almirante Estevão Adelino Martinsassentou praça como aspirante a guarda-marinha em setembro de 1875. Dedicou mui-

Também foi entregue a Medalha MéritoLiga dos Amigos do Museu Naval, criada

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tos anos de sua carreira à antiga Repartiçãoda Carta Marítima, estabelecimento navalresponsável pela direção geral do serviçohidrográfico e balizamento da costa e doserviço de meteorologia. Em 1914, fez parteda Comissão Naval do Brasil na Europa queincorporou à Esquadra brasileira o TênderCeará e os primeiros submarinos F1, F3 eF5. Como oficial-general, assumiu a funçãode chefe do Estado-Maior da Armada entreos anos de 1917 e 1919. Nesse cargo, asses-sorou o ministro da Marinha acerca do pro-grama de aparelhamento material, principal-mente sobre a instalação de bases de abas-tecimento para a Esquadra em vários pon-tos da nossa costa. É autor do trabalhointitulado ‘O que deve ser a Marinha Mer-cante do Brasil?’, obra que abordou temascomo organização, regras, funcionamentoe, principalmente, a relevância da manuten-ção dos laços entre a Marinha Mercante e aMarinha de Guerra.

O Almirante de Esquadra EstevãoAdelino Martins teve sua última comissãocomo ministro do Superior Tribunal Militar.

CENTENÁRIOS DE NASCIMENTO

Almirante de Esquadra (Intendente)Oscar de Luiz Silva

O Almirante Oscar de Luiz Silva ingres-sou como aspirante no Corpo de Comissá-rios da Armada em janeiro de 1930. Comoprimeiro-tenente, assumiu a função de chefeda Primeira Divisão Naval do Arsenal deMarinha. No ano de 1952, no posto de ca-pitão de fragata foi instrutor de GeografiaEconômica do Departamento de Ensino deIntendência da Escola Naval.

Galgou o almirantado em 1962 e, no postode contra-almirante, assumiu a função de di-retor-geral do Serviço de Alienação e Bensdo Ministério da Marinha. O Almirante deEsquadra (IM) Oscar de Luiz Silva foi trans-ferido para a reserva em 1966. Este oficial ser-viu por mais de 36 anos à Marinha brasileira,sendo esta singela homenagem um justo tri-buto ao nosso grande oficial do passado.

Almirante de Esquadra Milton MendesCoutinho Marques

O Almirante Milton Mendes CoutinhoMarques assentou praça de aspirante aguarda-marinha em 24 de março de 1927.Seu primeiro comando foi o do Navio Mi-neiro Itacurussá, entre 1939 e 1941. Duran-te o período da Segunda Guerra Mundial,foi imediato da Corveta Carioca, que to-

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mou parte na proteção de 69 comboios. Em1942, no posto de capitão-tenente, foi oimediato da Corveta Camaquã, navio queintegrou a Força Naval do Nordeste, e com-pletou 130 dias de mar. Em 1959, como capi-tão de mar e guerra, exerceu o comando doNavio-Transporte de Tropas Ary Parrei-ras, um dos navios que transportou o con-tingente do Batalhão de Suez a fim deintegrá-lo à Força de Paz no Oriente Mé-dio. Promovido a contra-almirante em 1962,assumiu o Comando do 4o Distrito Naval.

Em agosto de 1966, após 38 anos de ser-viços dedicados à Marinha, o Almirante deEsquadra Milton Mendes Coutinho Mar-ques foi transferido para reserva remune-rada. Sua memória está entre nós, como umexemplo de inteligência, cultura e dedica-ção que foram usadas para dignificar e exal-tar a Marinha do Brasil.

Almirante de Esquadra Gastão BrasilCarmo Junior

O Almirante Gastão Brasil Carmo Junioriniciou sua carreira na Marinha em marçode 1927. Seu primeiro comando foi o doRebocador Heitor Perdigão, em 1937, noposto de capitão-tenente. No período daSegunda Guerra Mundial, esteve embarca-do no Contratorpedeiro Piauí e noContratorpedeiro Marcílio Dias.

Foi promovido a Contra-Almirante em1962, assumindo a função de chefe do Ga-binete do Ministro da Marinha. No mesmoano, tornou-se adido naval em Paris, emperíodo marcado pela crise diplomáticaentre o Brasil e a França que ficou conheci-da como Guerra da Lagosta. Em 1965, foipromovido ao posto de vice-almirante eassumiu a função de comandante do 6o Dis-trito Naval. Sua última comissão foi no car-go de diretor de Portos e Costas.

O Almirante de Esquadra Gastão BrasilCarmo Junior dedicou-se à Marinha do Bra-sil por mais de 39 anos, possuindo semprecomo característica principal um elevadosenso de profissionalismo.

Almirante de Esquadra FranciscoAugusto Simas de Alcântara

O Almirante Francisco Augusto Simasde Alcântara nasceu em 22 de fevereiro de1909. Durante a Segunda Guerra Mundial,embarcou no Cruzador Bahia, na funçãode encarregado geral de Armamento. Porsua atuação no esforço em assegurar ascomunicações marítimas, foi condecoradopelo Conselho de Mérito da Guerra.

Promovido ao posto de vice-almiranteem 1965, assumiu o comando da Escola deGuerra Naval e, em 1967, foi diretor de Por-tos e Costas. Promovido ao posto de almi-

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rante de esquadra em novembro de 1969,exerceu os cargos de diretor do PessoalMilitar da Marinha, diretor-geral do Mate-rial da Marinha, diretor-geral do Pessoalda Marinha, chefe do Estado-Maior da Ar-mada e comandante de Operações Navais.

O Almirante de Esquadra FranciscoAugusto Simas de Alcântara, quando as-sentou praça de aspirante a guarda-mari-nha, em abril de 1927, talvez não vislum-brasse tão profícua carreira, no qual desti-nou 46 anos de sua vida.

Vice-Almirante Arthur Oscar Saldanhada Gama

O Almirante Arthur Oscar Saldanha daGama iniciou sua carreira na Marinha emmarço de 1927, quando assentou praça deaspirante a guarda-marinha.

Realizou diversas comissões, tendoembarcado no Encouraçado São Paulo,Tênder Belmonte, Navio-Auxiliar Itajubá,Cruzador Rio Grande do Sul, Navio-Auxi-liar Rio Branco e Contratorpedeiro Piauí.Seu primeiro comando foi o do Navio Faro-leiro Tenente Mário Alves.

Estudioso de temas relacionados ao mar, oAlmirante Arthur Oscar Saldanha da Gama

publicou seis importantes obras: Brasileirosno sinistro Triângulo das Bermudas; Cons-trução naval no Brasil: seus problemas e suasperspectivas; A Marinha do Brasil na Pri-meira Guerra Mundial; A Marinha do Brasilna Segunda Guerra Mundial; A reconcilia-ção do Brasil com o mar; e Trinômio do mar.

O Vice-Almirante Arthur OscarSaldanha da Gama dedicou-se por 36 anosà Marinha do Brasil.

Vice-Almirante Mauro Balloussier

O Almirante Mauro Balloussier assen-tou praça de aspirante a guarda-marinha

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em abril de 1929. No início de sua carreiranaval, foi designado para diversas comis-sões nos navios da Armada, entre eles oCruzador Rio Grande do Sul, Navio-Esco-la Almirante Saldanha, Navio FaroleiroVital de Oliveira, ContratorpedeiroParaíba, Rebocador Heitor Perdigão eEncouraçado São Paulo. Seu primeiro co-mando foi o do Rebocador Aníbal de Men-donça. Durante a Segunda Guerra Mundi-al, comandou o Caça-Submarino Gurupi,do qual foi o primeiro comandante, e maistarde assumiu a função de imediato doContratorpedeiro de Escolta Bertioga. Emoperações de guerra, realizou 239 dias demar e navegou 65.867 milhas.

Em março de 1964, foi promovido aoposto de contra-almirante; no ano seguin-te assumiu o Comando do 1o Distrito Na-val. Durante essa comissão, destacou-sepela sua atuação ao prestar apoio aosdesabrigados da enchente que assolou acidade do Rio de Janeiro em 1966. Em 1968,foi comandante do 2o Distrito Naval, cargoque ocupou até 1969, quando foi transferi-do para a reserva.

O Vice-Almirante Mauro Balloussierdesligou-se da Marinha após consagrarmais de 37 anos de sua história aos servi-ços da Pátria.

Vice-Almirante (Intendente) HélcioAuler

O Almirante Hélcio Auler assentou pra-ça de aspirante do Corpo de Comissáriosda Armada em 1932. Durante a SegundaGuerra Mundial, realizou cursos na área deeletrônica nos Estados Unidos, entre eleso de Reparos de Aparelhos de Som, na FleetSound Schooll. A proficiência em reparosde aparelhos radioelétricos de precisão foimotivo de diversos elogios nominais rece-bidos por este oficial. Ao ser promovidoao posto de capitão de mar e guerra, em

1958, assumiu a função de chefe da Inten-dência do Arsenal de Marinha do Rio deJaneiro.

Galgou o Almirantado em 1965. No pos-to de contra-almirante, assumiu a funçãode diretor do Centro de Controle de Esto-que de Material da Marinha. Retratou suacarreira em obra biográfica intitulada Epi-sódios de minha vida. Contabilizando maisde 40 anos de serviço prestados, o Vice-Almirante Hélcio Auler, em 1969, foi trans-ferido para a reserva remunerada.

As poucas palavras ditas aqui não ex-pressam todas as virtudes dos homenage-ados nem conseguem retratar todo o lega-do que esses chefes navais deixaram paraa Marinha do Brasil. A homenagem presta-da é a tentativa de reconhecer o que esteschefes realizaram com ideias inovadoras,ações relevantes e exemplos de condutapara a formação de nossos homens do mar.No legado que deixaram, assenta-se hoje aMarinha do Brasil.”

Após a leitura das efemérides, o diretordo Patrimônio Histórico e Documentaçãoda Marinha convidou os presentes para olançamento da Revista Navigator volume5, no 9, comemorativa do bicentenário doVisconde de Inhaúma, ocorrido no pátiod’armas do Museu Naval.

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NOTICIÁRIO MARÍTIMO

A Comissão de Desportos da Marinha(CDM) e o Centro de Educação Física Al-mirante Adalberto Nunes (Cefan) passaramà subordinação do Comando-Geral do Cor-po de Fuzileiros Navais (CGCFN).

As Portarias nos 64 e 65/MB/2010 forma-lizaram esta transferência.

(Fonte: Bono no 137, de 3/3/2010)

TRANSFERÊNCIA DE SUBORDINAÇÃO DA CDM E DOCEFAN

Foi realizada, no Arsenal de Marinha doRio de Janeiro, de 25 a 28 de janeiro último,a operação de load out do SubmarinoTapajó. A operação foi feita após afinalização das obras previstas no seu Pe-ríodo de Manutenção Geral (PMG), realiza-do no interior da Oficina de Construção deSubmarinos.

A manobra consistiu da colocação doSubmarino Tapajó sobre duas carretas queforam assentadas dentro de uma balsa per-feitamente alinhada ao cais, tendo este ali-nhamento sido mantido por meio de mano-bras de retirada e transferência de água dostanques de lastro da balsa. O conjunto car-retas, berços e submarino totalizou um pesode cerca de 2.000 toneladas.

Em seguida, o conjunto balsa/berços/submarino foi movimentado para o interiordo Dique Almirante Régis, onde a balsa foidocada e mantida submersa, permitindo a

LOAD OUT DO SUBMARINO TAPAJÓ

desdocagem do submarino e sua atracaçãono cais sul do AMRJ para continuação dasprovas de cais e início das provas de mar.

Essa manobra, a quarta deste tipo reali-zada no AMRJ, permitiu que as atividadesdo PMG, incluindo algumas das provas decais, fossem executadas no interior da ofi-cina, com significativo aumento da eficá-cia e dos índices de produtividade.

(Fonte: Bono no 78, de 3/2/2010)

Foram prontificadas, em 11 de janeiroúltimo, mais duas lanchas produzidas pelaBase Naval de Val-de-Cães (BNVC), emBelém (PA). As novas embarcações são:uma lancha de ação rápida para o Centrode Munição da Marinha e uma lancha para

BNVC PRONTIFICA MAIS DUAS LANCHAS

controle ambiental (projeto desenvolvidoa partir da lancha de ação rápida) para oDepósito de Combustíveis da Marinha noRio de Janeiro.

Além destas, foram também construídas,em 2009, duas lanchas para levantamento

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NOTICIÁRIO MARÍTIMO

hidrográfico e uma lancha de apoio à sina-lização náutica, para o Serviço de Sinaliza-ção Náutica do Norte (SSN-4) e uma lan-cha de apoio médico para o governo deRoraima.

Essas atividades consolidaram acapacitação técnica da BNVC para cons-trução de embarcações em alumínio, impor-tante para o cumprimento de compromis-so, assumido recentemente, de construçãoem série de 300 lanchas-escola, a partir demarço deste ano, como parte do ProgramaCaminho da Escola, do Ministério da Edu-cação, que é uma ação do Governo Federalpara financiar a renovação da frota de trans-porte escolar nas zonas rurais. Com a pro-dução das lanchas, o programa passará abeneficiar também os alunos das comuni-dades ribeirinhas.

Em 8 de março último, foram entreguesao Fundo Nacional de Desenvolvimentoda Educação (FNDE) as duas primeiras lan-chas escolares, projetadas e produzidaspela Base Naval de Val-de-Cães (BNVC),em atendimento ao referido Programa.

O Programa visa, ainda, garantir segu-rança e qualidade ao transporte dos estu-dantes e contribuir para a redução da eva-são escolar, ampliando, por meio do trans-porte diário, o acesso e a permanência naescola dos estudantes matriculados naeducação básica da zona ribeirinha das re-des estaduais e municipais.

Está prevista a construção de 600 lan-chas pelas BNVC, Base Naval de Aratu(BNA) e Base Naval de Natal (BNN), comoresultado de convênio celebrado entre aMarinha do Brasil e o FNDE. Somando àsembarcações que deverão ser construídaspela iniciativa privada, o Programa contarácom um total de 1.500 lanchas para atendera diversas localidades da Região Norte.

As lanchas, construídas em alumínionaval, medindo 7,30m de comprimento,possuem capacidade de transportar até 20alunos, incluído, nesse total, um lugar paraaluno portador de necessidades especiais.

(Fonte: Bonos no 137, de 3/3/2010 e 146,de 8/3/2010)

O Núcleo de Apoio Logístico Integradoda Marinha (Nalim) vem estudando o pro-cesso de Apoio Logístico Integrado (ALI)desenvolvido dentro da ciência denomina-da Engenharia de Manutenção, onde os

NALIM ESTUDA PROCESSO DE APOIO LOGÍSTICOINTEGRADO PARA A MB

modelos matemáticos aplicados, hoje já em-pregados em muitas empresas, dependemda implementação de um banco de dadospara arquivamento dos principais parâmetrosligados à Função Logística Manutenção,

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NOTICIÁRIO MARÍTIMO

tais como custo da mão de obra, custo dossobressalentes, tempo médio de reparo/re-visão, obsolescência, dentre outros.

Criado pela Portaria no 51, de 20 de abrilde 2007, da Diretoria-Geral do Material daMarinha (DGMM), o Nalim tem como pro-pósito “capacitar a Marinha do Brasil (MB)na efetiva aplicação do processo de ApoioLogístico Integrado na obtenção de novosequipamentos e sistemas”.

A implementação deste banco de dadosimplica a uniformização dos processos desubmissão dos Pedidos de Serviço, decor-rentes das necessidades de manutenção cor-retiva ou preventiva, e seus respectivos aten-dimentos pelas Organizações MilitaresPrestadoras de Serviços Industriais (OMPS-I), além de pressupor sua adequadaintegração com os demais SistemasCorporativos em uso na MB, em especial como Sistema de Informações Gerenciais do Abas-tecimento (Singra) e seus subsistemas.

Dentre as tarefas atribuídas ao Nalim estáo desenvolvimento do Sistema de Informa-ções para o Apoio Logístico Integrado (Sisali),cujo banco de dados permitirá que os dadosgerados durante os processos de manuten-ção possam ser extraídos para um formato pa-drão, que possibilitará sua análise em softwarede Análise de Apoio Logístico (AAL), cujopropósito é tornar possível a emissão de rela-tórios gerenciais. Uma vez analisados, essesrelatórios buscarão compatibilizar o máximode disponibilidade dos sistemas e equipamen-tos existentes com o mínimo de custos de ope-ração e manutenção, bem como auxiliar o de-senvolvimento de novos projetos de constru-ção e obtenção de meios.

São vários os conceitos envolvidos noestudo do ALI, cuja difusão, principalmentenos Setores Operativo, do Material e doAbastecimento, com a consequente criaçãoda cultura e de uma estrutura de ALI na MB,será colocada em prática pelo Nalim com apublicação do Manual de Apoio Logístico

Integrado, ora em preparação, detalhando ecomentando aqueles conceitos.

Como etapa preparatória para as ações quedecorrerão do processo de implementação doSisali, estimula-se às Organizações Militares(OM) envolvidas com a operação e manuten-ção dos meios navais e de fuzileiros navais aprocurarem verificar e atualizar os dados refe-rentes aos seus equipamentos e sistemas, suasrotinas de manutenção e itens em paióis depool e de sobressalentes, existentes nos ban-cos de dados dos Sistemas Corporativos emuso, como o Singra, o Sisbordo e o SisSMP. Oprimeiro módulo do Sisali, destinado à coletade dados, entrou em testes e homologação emmarço deste ano, tendo como usuários o Cen-tro de Armas da Marinha (CAM), o Centro deEletrônica da Marinha (CETM), o Comandodo 2o Esquadrão de Escolta (ComEsqdE-2) e aCorveta Inhaúma. Inconsistências porventuradetectadas nos bancos de dados poderão re-tardar a validação do Sistema e demandarações específicas de correção. Quanto maisconsistentes forem os dados existentes, maisrápida a validação e homologação do Sisali,permitindo que se consiga atingir todo o uni-verso de usuários em menor tempo, obtendo-se um ganho real no acompanhamento dasavarias e manutenções, bem como o melhoremprego dos recursos existentes em suas cor-reções e execuções.

As atividades do Apoio Logístico e ALIse encontram definidas nas publicaçõesEMA-400 e EMA-420 e na Materialmarinstno 19-01A. Na página da DGMM na intranet,no link Nalim, podem ser encontradas in-formações sobre o desenvolvimento e do-cumentação do Sisali. Comentários e suges-tões que facilitem a implantação do Sistemapodem ser encaminhadas ao Nalim pela cai-xa postal 338@DRGMAT, pelo endereçoeletrônico [email protected] e pormeio dos telefones (21) 2178-6515/6568 ouRetelma 8126-6515 e 8126-6568.

(Fonte: Bono Especial no 125, de 26/1/2010)

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NOTICIÁRIO MARÍTIMO

Foi assinado na sede do Comando do 9o

Distrito Naval (Manaus-AM), em 28 de ja-neiro último, um Memorando de Entendi-mento para a realização do exercício demobilização Mobex Amazônia 2010. Assi-naram o memorando a Marinha do Brasil, aPolícia Federal (PF), a Receita Federal (RF),o Ibama, a Petrobras e a Clean Caribbean &Americas (CCA). A atividade contará comapoio internacional para a contenção devazamento de óleo, em grandes propor-ções, na região amazônica.

O Mobex Amazônia 2010 aconteceráentre os dias 24 e 27 de agosto deste ano,tendo como objetivos:

– aprimorar a coordenação dos órgãos daregião (Marinha, PF, RF, Ibama e Petrobras);

– treinar as equipes das instituições comresponsabilidade na contenção;

– aumentar as ações de resposta comos recursos internacionais de prevenção econtenção; e

MARINHA SE PREPARA PARA MOBEX AMAZÔNIA 2010

– divulgar novos procedimentos etecnologias disponíveis para grandes emer-gências ambientais.

(Fonte: www.mar.mil.br)

Comandante do 9o DN, Vice-Almirante JoséGeraldo Fernandes Nunes, com

representantes da Petrobras, CCA, Ibama,Polícia Federal e Receita Federal

Os limites marítimos doBrasil entraram na ordem dodia desde que foi descober-to petróleo no pré-sal. Masmesmo antes disso o go-verno brasileiro já estavapreocupado em demarcarsuas fronteiras no mar coma chamada Amazônia Azul,que abarcaria suas águasterritoriais (12 milhas a par-tir da costa) a Zona Econô-mica Exclusiva (ZEE), de 200milhas a partir da costa, eainda 960 mil km2 da plata-forma continental.

ENTREVISTA SOBRE A AMAZÔNIA AZUL EMSITE DE ONG AMERICANA

O presidente da Co-missão de Limites da Pla-taforma Continental(CLPC) e assessor da Di-retoria de Hidrografia eNavegação para o Planode Levantamento da Pla-taforma Continental Bra-sileira (Leplac), Capitãode Fragata (Refo) Alexan-dre Tagore Medeiros deAlbuquerque, concedeuentrevista ao site da Or-ganização Não Governa-mental (ONG) americanaThe Center of Regulatory

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Effectiveness. (www.thecre.com), em 27 deoutubro de 2009, discorrendo sobre o as-sunto. A CLPC é um organismo criado porforça das disposições da Convenção dasNações Unidas sobre o Direito do Mar.

Assessor do Diretor de Hidrografia eNavegação da Marinha do Brasil, o Capi-tão de Fragata (Refo) Alexandre TagoreMedeiros de Albuquerque é também presi-dente da Comissão de Limites da Platafor-ma Continental (CLPC). Na primeira partedesta entrevista, o Comandante Tagore afir-ma que, apesar de ainda não haver um con-senso sobre a proposta de limite exteriorda plataforma continental apresentada pelogoverno brasileiro à CLPC, “a AmazôniaAzul já é uma realidade”.

Publicamos abaixo a íntegra da entrevista:– Há cinco anos o governo brasileiro

requereu à Organização das Nações Uni-das (ONU) direitos sobre 960 mil km2 daplataforma continental. Unindo isso à ZonaEconômica Exclusiva, formaria a Amazô-nia Azul. Há uma perspectiva de resposta?Qual é a expectativa?

Em 2004, o Brasil encaminhou à Comis-são de Limites da Plataforma Continental(CLPC) – organismo criado por força dasdisposições da Convenção das NaçõesUnidas sobre o Direito do Mar (CNUDM)– sua proposta de limite exterior da plata-forma continental além das 200 milhas. Apóscerca de três anos de exame, em 2007 aCLPC encaminhou ao Governo brasileirosuas recomendações relativas à nossa pro-posta. Tais recomendações, embora tenhamsido favoráveis a cerca de 85% da nossaproposta, não satisfizeram integralmente oGoverno brasileiro. Assim sendo, o PoderExecutivo decidiu que outra proposta fos-se elaborada e encaminhada à CLPC opor-tunamente. Nessa proposta, o Brasil deve-rá insistir nos limites exteriores inicialmen-te propostos. Em 2009, o Brasil deu início àcoleta de novos dados oceanográficos ao

longo de toda a margem continental brasi-leira. Esses dados, após coletados, proces-sados e interpretados, subsidiarão aprontificação da nossa proposta, a qualestá prevista para 2011. Uma vez concluí-da, ela será encaminhada à CLPC. Devido àsignificativa carga de trabalho à qual nomomento está submetida a CLPC, não sepode precisar, no momento, quando seráconcluído o exame da nossa proposta.

– A Amazônia Azul já pode ser conside-rada uma realidade, só contando com a ZEE?

Sem dúvida, a Amazônia Azul é uma reali-dade. Na verdade, a sua área total se estendeda nossa linha de costa até o limite exteriorda plataforma continental, além das 200 mi-lhas. Até o limite exterior do nosso MarTerritorial (12 milhas), o Brasil exerce sobera-nia. À exceção do direito de passagem ino-cente, no nosso Mar Territorial todos os ou-tros Estados são obrigados a observar asnormas e regulamentos estabelecidos peloGoverno brasileiro. O espaço marítimo situa-do entre as 12 milhas de Mar Territorial e olimite exterior da Zona Econômica Exclusiva(200 milhas) podem ser considerados sob ju-risdição brasileira. Nesse espaço, o Brasilpode estabelecer normas e regulamentos aserem cumpridos por outros Estados, desdeque tais normas e regulamentos sejam esta-belecidos em conformidade com o que pre-ceitua a CNUDM. O espaço marítimo alémdas 200 milhas é conhecido como Alto-Mar,a ser utilizado para fins pacíficos. O Alto-Marestá aberto a todos os Estados, quer costei-ros quer sem litoral. Acrescente-se um deta-lhe importante, o qual diz respeito ao solo esubsolo marinhos além das 200 milhas: é bemverdade que o Alto-Mar está aberto a todosos Estados; não obstante, além das 200 mi-lhas até o limite exterior da plataforma conti-nental, os Estados exercem direitos de sobe-rania para efeitos de exploração e aproveita-mento dos recursos naturais situados no soloe no subsolo marinhos. Nesse contexto, por-

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tanto, reveste-se de importância o fato de umEstado estabelecer os limites exteriores dasua plataforma continental além das 200 mi-lhas, tendo em vista os direitos de soberaniaexercidos em relação à exploração e ao apro-veitamento dos recursos naturais dos fun-dos marinhos.

– Qual seria a importância da confir-mação, pela ONU, da Amazônia Azul? Oque mudaria?

Já houve época em que os Estados, uni-lateralmente, estabeleciam seus próprioslimites marítimos. Nesse caso, e muitos selembram, enquadra-se a decisão unilateraldo Brasil, tomada em 1970, no sentido dearbitrar a largura de 200 milhas para seuMar Territorial. Contudo, tal decisão, alémde unilateral, não desfrutava de consensoem âmbito internacional. Com o adventoda CNUDM, assinada e ratificada pela mai-oria esmagadora dos Estados, os limitesmarítimos, uma vez adotados pelos Esta-dos costeiros, passaram a contar com orespaldo da comunidade internacional. Nãocaberá à ONU “confirmar” a Amazônia Azul.O que deve ser bem explicado é que a CLPC,após examinar a nossa proposta, fará reco-mendações ao Governo brasileiro. Caso oBrasil concorde com tais recomendações,poderá, de maneira soberana, adotar os li-mites exteriores por nós propostos e reco-mendados pela CLPC. A ONU apenas re-gistrará, de maneira apropriada, esses limi-tes exteriores adotados pelo Brasil combase nas recomendações da CLPC. Poroutro lado, vale acrescentar que o concei-to de Amazônia Azul, como um todo, emmuito ultrapassa o conceito de plataformacontinental além das 200 milhas.

– O que falta, hoje, para garantir a so-berania brasileira no pré-sal?

Conforme explicitado anteriormente, oBrasil já recebeu da CLPC, em 2007, as reco-mendações relativas à nossa proposta en-caminhada em 2004. Em linhas muito gerais,

a área do pré-sal, pelo menos até agora, seencontra num espaço marítimo que envolveo platô de São Paulo e áreas oceânicas adja-centes. Pois justamente nessa área a CLPCnão colocou qualquer dificuldade para acei-tar os limites exteriores propostos pelo Bra-sil. Em nível maior de detalhamento, pode-mos dizer que os reservatórios de óleo e gásda área do pré-sal estão todos eles localiza-dos dentro do limite das nossas 200 milhas.Contudo, mesmo que esses reservatóriosse estendam para além das 200 milhas, aindaassim parece-nos lícito intuir que estariamresguardados nossos direitos, posto que,nessa área considerada, a plataforma conti-nental brasileira se estende até o limite das350 milhas. Em outras áreas que não envol-vem a região do pré-sal – por exemplo, aregião da cadeia Vitória-Trindade –, o limiteexterior da nossa plataforma continental po-derá ultrapassar o limite das 350 milhas (atéo limite das 100 milhas a partir da isóbata de2.500 metros, que é uma linha que une pon-tos da mesma profundidade, no caso 2.500metros).

– Os Estados Unidos e a Venezuela, porexemplo, não são signatários da Conven-ção das Nações Unidas sobre o Direito doMar. Isso significa que, em princípio, elesnão reconhecem a Zona Econômica Exclu-siva, onde está a maior parte do pré-sal – emuito menos a parte que fica fora, na pla-taforma continental. Esses países – e ou-tros não signatários – são motivo de preo-cupação para o Brasil?

Entre outros aspectos menos relevan-tes, a Venezuela não assinou a CNUDM emvirtude de disputas marítimas na região doCaribe (exercício de soberania sobre a Ilhade Aves). Portanto, trata-se de problemaregional, sem maiores reflexos no contextogeopolítico da América do Sul. No caso dosEstados Unidos da América, vale dizer queos americanos, ainda que não tenham assi-nado a CNUDM, adotaram um Mar

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Territorial de 12 milhas e uma ZEE de 200milhas, limites marítimos aceitos pela co-munidade internacional. De modo geral, osEstados Unidos têm respeitado os espa-ços marítimos dos demais Estados e en-contram-se trabalhando para estabelecer olimite exterior da plataforma continental.

Portanto, e no que se refere ao Direito doMar, enquanto o estado de direito prevale-cer e as convenções internacionais nãoforem rasgadas, é pouco provável que se-jam tomadas ações tendentes a ensejar odesequilíbrio das relações internacionais.

(Fonte: www.mar.mil.br)

A Marinha do Brasil recebeu do InstitutoNacional da Propriedade Industrial (INPI) ocertificado de registro da marca “AmazôniaAzul”. A cerimônia de entrega ocorreu no dia29 de janeiro último, no Rio de Janeiro.

O Brasil possui uma vasta faixa litorâ-nea, com cerca de 8.500 km de extensão, euma rede fluvial com aproximadamente 40mil km de rios navegáveis. Cresce no Brasilo interesse pelo mar e a importância da“Amazônia Azul” – região assim chamadaem razão de seus incomensuráveis recur-sos naturais, dimensões e potencial eco-nômico, representando, metaforicamente,outra Amazônia em pleno mar –, e de nos-sas águas interiores, tanto para o cresci-mento da nossa economia, como em rela-ção à manutenção da soberania e à garan-tia dos interesses nacionais.

A Convenção das Nações Unidas so-bre o Direito do Mar, da qual o Brasil ésignatário desde 1994, norteia, no planointernacional, a demarcação das jurisdiçõesmarítimas nacionais. Dispõe, dentre outrosparâmetros, que o país ribeirinho possuidireitos exclusivos de exploração sobre osrecursos vivos e não vivos do leito do mare do subsolo marinho – área definida comoa Plataforma Continental, a qual pode, emalguns casos, tecnicamente comprovados,projetar-se além da Zona Econômica Exclu-siva (ZEE), fixada em 200 milhas náuticas.Presentemente, o Brasil apresentou, juntoà Comissão de Limites da Plataforma Con-

MARINHA RECEBE CERTIFICADO DA MARCAAMAZÔNIA AZUL

Comandante da Marinha discursa durante evento de entregade certificado de registro da marca “Amazônia Azul”

tinental da Organização das Nações Uni-das (ONU), uma proposta para agregar 950mil km2 dessa Plataforma Continental à suaárea de jurisdição e dependerá dos resulta-dos do Levantamento da Plataforma Con-tinental (LEPLAC), ora em curso, visandoa sustentar o pleito brasileiro, que, sendoaceito, permitirá a incorporação de, no mí-nimo, 700 mil km² e, no máximo, 950 mil km²,em valores aproximados. Essa será umanova fronteira a ser traçada.

Em função dessa proposta referente àPlataforma Continental, a nossa “Amazô-nia Azul” poderá abranger até cerca de 4,5milhões km2, área equivalente à AmazôniaLegal ou metade do território nacional.

Por ocasião do recebimento do certifi-cado de registro da marca “AmazôniaAzul”, o comandante da Marinha, Almiran-te de Esquadra Julio Soares de Moura Neto,assim se pronunciou:

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NOTICIÁRIO MARÍTIMO

“É com imenso orgulho que a Marinhado Brasil recebe, na data de hoje, o Certifi-cado do Registro no Instituto Nacional daPropriedade Industrial da marca AmazôniaAzul.

Plena de significados, a ideia de “Ama-zônia Azul” nos remete à Convenção dasNações Unidas sobre o Direito do Mar(CNUDM), em vigor desde 1994, assinadae ratificada pela maioria esmagadora dosEstados, inclusive pelo Brasil. A Conven-ção estabelece que, no Mar Territorial, to-dos os bens econômicos existentes no seioda massa líquida, sobre o leito do mar e nosubsolo marinho, constituem propriedadeexclusiva do Estado costeiro. Da mesmaforma, preconiza que, ao longo de uma fai-xa litorânea de 200 milhas náuticas de lar-gura, conhecida como Zona EconômicaExclusiva (ZEE), esses bens podem ser ex-plorados com a mesma exclusividade.

Além disso, quando o prolongamentonatural da massa terrestre do Estado cos-teiro, a chamada Plataforma Continental(PC), ultrapassar a ZEE, é possível esten-der a propriedade econômica do Estado,observados critérios técnicos específicos,até 350 milhas náuticas. Todas essas áreasmarítimas somadas, no caso brasileiro, atin-gem aproximadamente 4,5 milhões de qui-lômetros quadrados, o que equivale à me-tade do nosso território terrestre.

A Marinha, buscando encontrar umaanalogia que permitisse ao brasileiro detodos os rincões compreender o que re-presenta essa imensidão de mar, compa-

rou-a à Amazônia verde, não por sua loca-lização, mas por suas dimensões e rique-zas. Assim, surgiu a expressão “AmazôniaAzul”, já bem aceita pela sociedade brasi-leira e fundamental para fortalecer a menta-lidade marítima em nosso país.

Desse modo, em face do patrimônio con-tido na “Amazônia Azul”, não poderia dei-xar de ressaltar o papel e as enormes res-ponsabilidades que cabem à Marinha doBrasil em defesa desse patrimônio que é detodos os brasileiros.

Para isso, necessitamos de meios na-vais capazes de vigiá-la e protegê-la,desencorajando eventuais agressões à suaintegridade, e ajudando a garantir os inte-resses do Brasil no mar.

Senhoras e Senhores, neste momentoem que a Marinha do Brasil recebe o Certi-ficado de Registro de marca “AmazôniaAzul” das mãos do Sr. Jorge de Paula Cos-ta Ávila, desejo agradecer-lhe o empenhopessoal de todo o pessoal do INPI no pro-cesso que permitiu à Marinha adquirir odireito de uso exclusivo, em todo o territó-rio nacional, dessa importante marca. Te-nho plena convicção de que a marca “Ama-zônia Azul”, que nos tem trazido visibilida-de e despertado o interesse de muitos, tan-to interna quanto externamente, servirá paramotivar, cada vez mais, a sociedade brasi-leira a aprofundar-se no conhecimento domar que nos pertence e a convencer-se desua relevância estratégica e econômicapara o desenvolvimento do País.

Muito obrigado!”

O Navio-Veleiro Cisne Branco recebeu,em 25 de fevereiro último, na Argentina, a“Fita Azul”, por ter sido o primeiro navio acompletar a pernada Rio de Janeiro-Mar delPlata, como participante da Regata Velas

VELAS SUDAMÉRICA 2010

Sudamérica 2010. O navio cruzou a linhade chegada no dia 15 do mesmo mês. As-sim como ocorreu no Rio de Janeiro, quan-do os navios-veleiros ficaram abertos àvisitação e participaram do evento “Gran-

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NOTICIÁRIO MARÍTIMO

des Veleiros Rio-2010”, em Mar del Platafoi programada uma série de atividades, quese iniciaram no dia 21 de fevereiro.

A regata e o evento “Grandes Veleiros Rio-2010” fazem parte do projeto “VelasSudamérica 2010”, organizado pelas marinhasdo Chile e da Argentina e que integram, comocomponente marítimo, as celebrações queseus respectivos países realizarão durante oano de 2010, com o motivo do bicentenário

dos acontecimentos patrióticos ocorridos em1810. A celebração também ocorrerá na Co-lômbia, Venezuela e México.

Prefeito do Rio de Janeiro visita eventoGrandes Veleiros

Evento “Grandes Veleiros” inicia-se comdesfile naval pela orla do Rio de Janeiro

Navio-Veleiro CisneBranco é “Fita

Azul” na primeiraetapa da Regata

Velas Sudamérica2010

O “Velas Sudamérica 2010” teve inícioem 31 de janeiro último, na cidade do Rio deJaneiro. Um desfile naval pela orla, inician-do-se na Barra da Tijuca e terminando noLeme, marcou o início do evento “GrandesVeleiros Rio 2010 – Velas Sudamérica”, reali-zado no Píer Mauá até 7 de fevereiro. A pro-gramação de eventos do dia 31 se encerroucom a apresentação da Banda Marcial doCorpo de Fuzileiros Navais e da bateria daEscola de Samba Unidos da Tijuca.

De 1o a 6 do mesmo mês, os veleirosparticipantes da competição internacionalficaram abertos à visitação pública. Alémdos veleiros, o público pôde visitar

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NOTICIÁRIO MARÍTIMO

Comandante do NVe Cisne Branco recebepremiação em Mar del Plata Atracação do NVe Cisne Branco em

Mar del Plata

Visitação pública em Mar del Plata

estandes de exposições temáticas sobre aAmazônia Azul, a Indústria Naval e materi-al do Corpo de Fuzileiros Navais. O espaçocontou, ainda, com praça de alimentação eloja com produtos náuticos.

O encontro “Grandes Veleiros Rio 2010– Velas Sudamérica” contou com a partici-pação de nove navios: Cisne Branco (Bra-sil), Libertad (Argentina), Esmeralda (Chi-le), Gloria (Colômbia), Guayas (Equador),Elcano (Espanha), Cuauhtemoc (México),Capitan Miranda (Uruguai) e SimonBolívar (Venezuela). Eventos desse tipoocorrem em diversas cidades das Améri-cas e da Europa. O Rio de Janeiro sediou oevento pela primeira vez.

O prefeito da cidade do Rio de Janeirovisitou, em 2 de fevereiro, o Píer Mauá. Acom-panhado pelo secretário de Turismo, Antô-nio Pedro Figueira de Mello, Eduardo Paesfoi convidado pelo comandante do 1o Distri-to Naval (1o DN), Vice-Almirante Gilberto MaxRoffé Hirshfeld, a visitar o Navio Veleiro Cis-ne Branco. Pela manhã, os comandantes dosnavios veleiros realizaram uma visita proto-colar ao comandante do 1o DN.

No dia 7 ocorreu a largada da competi-ção “Velas Sudamérica”, com previsão depassagem por diversas cidades da Améri-ca do Sul.

Para dar forma ao projeto “VelasSudamérica 2010”, foram estabelecidas as

respectivas comissões da Argentina e doChile, que assumiram o compromisso delevar adiante, de forma bilateral, o desafiode organizar o encontro.

Simultaneamente, na busca de dar aoacontecimento um forte valor regional, fo-ram realizadas reuniões com Brasil, Uru-guai, Peru, Equador, Colômbia, RepúblicaDominicana, Venezuela e México, conse-guindo que estes países se somassem àorganização do projeto, oferecendo umporto de seu respectivo litoral marítimo.

O evento “Velas Sudamérica 2010” estáprevisto para terminar em Veracruz, noMéxico, em 28 junho deste ano.

(Fonte: no www.mar.mil.br)

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O Programa de Pesquisas Científicas naIlha da Trindade (Protrindade) tem comopropósito promover e gerenciar o desen-volvimento de pesquisas científicas na ilha,no Arquipélago Martin Vaz e na área marí-tima adjacente.

A fim de dar cumprimento a seus objeti-vos, foi iniciada, em julho de 2009, a cons-trução de uma estação científica, dotadade laboratórios e capacidade de alojar atéoito pesquisadores. Seu projeto buscouminimizar os impactos ambientais, privile-giando ventilação e iluminação naturais eincorporando soluções inovadoras, comoo sistema construtivo em PVC.

Sob esse enfoque ambiental, a Secretariada Comissão Interministerial para os Recur-sos do Mar (Secirm) retomou a negociação,junto ao Ministério de Minas e Energia, deum Termo de Cooperação destinado aimplementar, na Ilha da Trindade, projeto doCentro de Pesquisas de Energia Elétrica degeração de energia elétrica a partir de fontesrenováveis: eólica e fotovoltaica.

Atualmente, toda a energia elétrica uti-lizada na ilha é produzida por grupos mo-tor-gerador a diesel. A rede de distribuiçãoé aérea, sustentada por postes de concre-to e madeira, ora bastante desgastada pela

ILHA DA TRINDADE FARÁ USO DE FONTES RENOVÁVEISDE ENERGIA

corrosão e sujeita a perdas significativas.A ideia é que todo o sistema seja revisto enova rede de distribuição implantada emdutos subterrâneos.

Estima-se que a implantação do novomodelo de geração, empregando fontesrenováveis, traga resultados substantivos,possibilitando a redução do consumo decombustível em mais de dez vezes, e aconcomitante diminuição da emissão deCO2, da ordem de 220 t/ano.

A Marinha do Brasil preocupa-se com apreservação do meio ambiente e, nos últi-mos anos, vem promovendo diversas açõesvoltadas à recuperação da ilha. Erradicouos últimos caprinos selvagens (não autóc-tones) e pôs em prática um vasto plano dereplantio de árvores e outras espécies devegetação nativa.

Em julho passado, foi constatado que,menos de uma década após a extinção doscaprinos, é notável a recuperação da co-bertura vegetal e, como consequência des-sa, o reviver de nascentes e de cachoeirasno alto dos morros. Com isso, espera-seque uma menor quantidade de sedimentosseja carreada para o mar em torno, contri-buindo, assim, para a preservação dosmuitos corais existentes.

O Comando do 6o Distrito Naval(Com6oDN) realizou, nos dias 25 e 26 defevereiro último, nas dependências do Ho-tel de Trânsito da Marinha em Ladário(MS), o 1o Seminário de Gestão Ambientalda Região do Pantanal. O evento teve comoprincipais objetivos: divulgar à sociedadelocal os procedimentos que a Marinha do

1o SEMINÁRIO DE GESTÃO AMBIENTAL DO COM6oDNBrasil vem adotando em relação à preven-ção e proteção do meio ambiente em todasas suas áreas de atuação; difundir as prin-cipais técnicas e práticas de gestão atual-mente empregadas em suas OrganizaçõesMilitares; e promover o intercâmbio de ex-periências com as empresas possuidorasde certificação ISO 14.000 (Normas sobre

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NOTICIÁRIO MARÍTIMO

Sistema de Gestão Ambiental) localizadasna região, especialmente convidadas parao evento.

Participaram membros do poder públicoe de órgãos ambientais locais, empresas,professores, acadêmicos universitários, ti-tulares e imediatos das Organizações Mili-tares da área do 6o DN e militares direta-mente envolvidos nas atividades do Siste-ma de Gestão Ambiental (SGA).

As palestras foram ministradas por re-presentantes da Universidade Federal de

Mato Grosso do Sul (UFMS), Promotoriade Justiça do Meio Ambiente, Diretoria dePortos e Costas (DPC), Arsenal de Mari-nha do Rio de Janeiro (AMRJ), Base Fluvi-al de Ladário, Polícia Militar Ambiental,MMX, Instituto Brasileiro do Meio Ambi-ente e dos Recursos Naturais Renováveis(Ibama), Secretaria Municipal de MeioAmbiente em Corumbá, Vale, Alpina Briggse Hospital Naval de Ladário.

O prefeito de Ladário, José AntônioAssad e Faria, o prefeito de Corumbá, RuiterCunha de Oliveira, e diversas autoridadescivis e militares estiveram presentes à aber-tura do evento. Na ocasião, o comandantedo 6o DN, Contra-Almirante Edlander San-tos, fez questão de salientar que eventosdessa natureza são de grande importânciaporque constituem-se em excelente opor-tunidade para discutir os processos degestão que efetivamente possibilitarão odesenvolvimento sustentável doecossistema pantaneiro.

O Comando do 6o Distrito Naval(Com6oDN), com sede em Ladário (MS), re-alizou, em dezembro último, a cerimônia de

VENCEDORA NACIONAL DA OPERAÇÃO CISNE BRANCORECEBE PREMIAÇÃO NO 6o DN

entrega da premiação da Operação CisneBranco (OCB) – nível médio – para a alunaBruna Gabrielly Ferreira Soares, do ColégioFranciscano São Miguel, de Ladário.

Bruna sagrou-se vencedora da Opera-ção em nível regional e nacional. Pelo feito,ela recebeu das mãos do chefe do Posto deAtendimento da Fundação Habitacional doExército em Corumbá (MS), Capitão AldoHernandes, um Lap-Top; e do Com6oDN,um relógio, um troféu oficial do concurso euma camisa.

O segundo colocado em nível regionalfoi Luiz Henrique Correia de Pádua Pereira,aluno do ensino médio do Colégio Militarde Campo Grande.

(Fonte: www.mar.mil.br)

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NOTICIÁRIO MARÍTIMO

O ministro da Defesa, Nelson Jobim, pro-feriu, em 5 de março último, Aula Magnaaos oficiais-alunos do Curso de Política eEstratégia Marítima (C-PEM). Estiverampresentes também os oficiais-alunos doCurso de Altos Estudos de Política eEstratégia(C-AEPE), da Escola Superior deGuerra, do Curso de Política, Estratégia e

AULA MAGNA DO MINISTRO DA DEFESA NO C-PEM

Alta Administração do Exército (C-PEAEx)e do Curso de Política e EstratégiaAeroespaciais (C-PEA).

A aula foi ministrada no auditório daEscola de Guerra Naval (EGN), no Rio deJaneiro, abordando o tema “O Ministérioda Defesa”.

(Fonte: Bono no 137, de 3/3/2010)

Brasília, Rio de Janeiro, São Paulo, BeloHorizonte, Salvador, Manaus, Fortaleza,Recife, Curitiba e Porto Alegre foram pal-cos para a Corrida da Paz, ocorrida em 21de fevereiro último, com a participação demais de 9 mil militares, além do público ci-vil. O evento também foi realizado em di-versos países do mundo, com mais de 500mil participantes.

A corrida teve como objetivo comemoraro aniversário do Conselho Internacional doEsporte Militar (Cism), celebrar a paz e pro-mover os V Jogos Mundiais Militares (osJogos da Paz), que serão disputados na ci-dade do Rio de Janeiro, em julho de 2011. OCism criou o evento há cinco anos e, a cadaedição, ganha mais força e destaque.

Os Jogos Mundiais Militares do Rio deJaneiro (Rio 2011), sob a égide do Cism,contarão com 20 modalidades de esporte.Além das tradicionais, como natação, vô-lei, atletismo e futebol, os jogos apresenta-rão ao público modalidades diferenciadas,que são os esportes militares, como oparaquedismo, orientação e os pentatlosmilitares.

SALVADOR/BA

O evento foi organizado peloGrupamento de Fuzileiros Navais de Sal-

CORRIDA DA PAZ

vador, com percurso de 3 km, largando echegando no Comando do 2o Distrito Na-val (Com2oDN).

Participaram da corrida pelotões represen-tativos das Organizações Militares subordi-nadas ao Com2oDN sediadas em Salvador.

NATAL/RN

Em Natal, o percurso foi de 3,2 km, con-tando com a participação de aproximada-mente 200 militares da Marinha, lotados nasorganizações militares subordinadas aoComando do 3o Distrito Naval, além de mi-litares do Exército e da Aeronáutica, for-mando um grupo de aproximadamente 500corredores.

A largada foi às 8h30, do Centro de Tu-rismo de Natal, passando por pontos turís-ticos da capital potiguar, como a Ladeira

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NOTICIÁRIO MARÍTIMO

do Sol, a Praia do Meio e a estátua deIemanjá, sendo encerrada na Fortaleza dosReis Magos.

BELÉM/PA

A Corrida pela Paz reuniu, no âmbito doComando do 4o Distrito Naval (Com4oDN),cerca de 700 militares da Marinha, do Exér-cito e da Força Aérea. A Marinha do Brasilapresentou o maior contingente entre asForças, com um total de 300 participantes.

A corrida teve o percurso de 3 km, comlargada às 9 horas, da Avenida BoulevardCastilhos França, passando em frente aoVer-o-Peso, Praça do Relógio, ComplexoFeliz Lusitânia, seguindo pela Rua Dr. As-sis e finalizando na Praça Carneiro da Ro-cha, em frente à sede do Com4oDN.

RIO GRANDE/RS

Em Rio Grande, a Marinha do Brasil par-ticipou por meio do Comando do 5o Distri-to Naval (Com5oDN). Realizada no Balne-ário do Cassino na cidade do Rio Grande,juntamente com a XVII Supermaratona –50 km, promovida pela Associação de Cor-redores de Rua de Rio Grande, a corridacontou com cerca de cem participantes,entre militares do Com5oDN, Grupo de Ar-tilharia de Campanha (6o GAC), Polícia Ci-vil, Brigada Militar e civis, que percorre-ram um trajeto de 10 km, partindo e che-gando na Sociedade Amigos do Cassino(SAC) e percorrendo 7 km de praia e 3 kmde asfalto.

BRASÍLIA/DF

Promovida pelo Conselho Internacio-nal do Esporte Militar (Cism) e pelo Mi-nistério da Defesa, a Corrida da Paz reu-niu entre seus participantes mil militares,200 crianças do Projeto Forças no Espor-te e dois dos mais importantes atletasolímpicos brasileiros, os corredoresClodoaldo Gomes da Silva e Hudson San-tos de Souza.

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SÃO PAULO/SP

Em São Paulo, o local escolhido foi oParque Villa-Lobos, localizado na zona oes-te da capital paulista, que recebeu cerca de50 mil pessoas.

Aproximadamente 200 militares da Mari-nha, do Exército e da Aeronáutica participa-ram da corrida, com percurso de 3 km. O Co-mando do 8o Distrito Naval, o Centro de Co-ordenação de Estudos da Marinha em SãoPaulo e o Centro Tecnológico da Marinha emSão Paulo representaram a Marinha do Bra-

sil. Os familiares dos militares também parti-ciparam do evento, além de pessoas que es-tavam no parque no horário da corrida.

Durante todo o dia, estandes das três For-ças Armadas mostraram aos frequentadoresdo parque materiais usados pelas Forças Ar-madas. No estande da Marinha do Brasil fi-caram expostos banners sobre a AmazôniaAzul e maquetes de navios e submarinos, eforam apresentados vídeos institucionais.

MANAUS/AM

A Corrida da Paz, em Manaus, teve a par-ticipação de aproximadamente 2 mil milita-res e esteve aberta para toda população, comgrande cobertura pela imprensa local.

Participaram militares da Marinha, Exér-cito, Força Aérea, Polícia Militar e Bombei-ro Militar do Estado do Amazonas e Guar-da Municipal de Manaus. A largada foi noComando Militar da Amazônia e a chegadano Hotel Tropical, na Ponta Negra, em umpercurso de 4,5 km.

(Fonte: www.mar.mil.br)

IV COPA LEÃO DE KARATÊRealizada no Ginásio de Esportes do

Centro Esportivo Miécimo da Silva, na ci-dade do Rio de Janeiro (RJ), em 22 de no-vembro passado. A competição contou coma participação de aproximadamente 470 atle-

RESULTADOS ESPORTIVOS

tas de 42 associações, representando osestados do Rio de Janeiro, Paraná e SãoPaulo. A equipe representativa da Marinha,além de ter alcançado o 5o lugar geral nacompetição, conquistou os seguintes re-sultados individuais, por categoria:

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NOTICIÁRIO MARÍTIMO

– Branca a Laranja Feminino Absoluto:1o lugar Kata (Luta Imaginária) Individual– 3oSG Rejane (Arsenal de Marinha do Riode Janeiro – AMRJ);

– Branca a Laranja Absoluto: 1o lugarKumitê (Lutas) Individual e 1o lugar KataIndividual – 3oSG (FN) Gois (2o Batalhãode Infantaria de Fuzileiros Navais);

– Branca a Marron Máster: 1o lugarKumitê Individual e 1o lugar Kata Individu-al – CB (FN) Alexander (Batalhão de Arti-lharia de Fuzileiros Navais);

– Faixa Preta – 70kg: 1o lugar Kata Indi-vidual e 3o lugar Kumitê Individual – CB(FN) Victor Hugo (Batalhão de ControleAerotático e Defesa Antiaérea);

– Faixa Preta +70kg – 3o lugar KumitêIndividual – CB Jone Max (Serviço de Ina-tivos e Pensionistas da Marinha); e

– Faixa Preta Máster: 3o lugar Kata Indi-vidual – CB Luis Claudio (Diretoria de Abas-tecimento da Marinha).

GRAND SLAM DE JUDÔ DE TÓ-QUIO 2009

As militares MN (RM2-EP) SarahMenezes e Erika Miranda, lotadas no Cen-tro de Educação Física Almirante AdalbertoNunes, atletas de judô integrantes da equi-pe da Marinha, conquistaram, em 15 dedezembro último, nas categorias “até 48kg”e “até 52kg”, respectivamente, as medalhasde bronze no Grand Slam de Tóquio 2009,no Japão, evento integrante do calendárioda Federação Internacional de Judô. Essesresultados ajudaram a Seleção Brasileira deJudô na conquista do terceiro lugar geralda competição, que contou com a presen-ça de 13 países. No ano passado, SarahMenezes se consagrou a primeira bicampeãmundial júnior do judô brasileiro, além devencer as copas do mundo de Lisboa eMadri. Além disso, recebeu o Prêmio BrasilOlímpico na categoria melhor atleta femini-na de 2009.

Um esforço conjunto, de caráter pionei-ro, levou as Marinhas do Brasil e daNamíbia a realizarem o Primeiro Curso deFormação de Soldados Fuzileiros NavaisNamibianos. A cerimônia de formatura foipresidida pelo chefe das Forças de Defesadaquele país, Major General PeterNambundunga, acompanhado pelo coman-dante da Marinha da Namíbia, em 19 defevereiro último, na Namíbia. Autoridadesmilitares e civis prestigiaram o evento, alémde parentes dos recrutas e instrutores doCorpo de Alunos.

Conduzido por fuzileiros navais dosdois países, o treinamento começou no dia5 de outubro do ano passado. Após umasemana de adaptação e mais 17 semanascurriculares, o curso foi encerrado em 5 de

MB FORMA PRIMEIRA TURMA DE SOLDADOS FUZILEIROSNAVAIS DA NAMÍBIA

Chefe das Forças de Defesa da Namíbia, MajorGeneral Peter Nambundunga, cumprimenta

representante da Marinha do Brasil

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Novos fuzileiros prestam juramento àBandeira da Namíbia

fevereiro. Dos 168 recrutas fuzileiros na-vais participantes, 164 se formaram, tendohavido uma desistência, duas reprovaçõese um trancamento de matrícula por motivode saúde.

O objetivo geral do curso foi prepararrecrutas para exercer as funções peculia-res aos soldados fuzileiros navais. Após aformatura, os agora soldados fuzileirosnavais ficaram prontos para assumir suasfunções no Marine Corps Battalion, nú-cleo do futuro Batalhão de Infantaria deFuzileiros Navais da Namíbia.

A cerimônia foi coordenada pelo Grupode Apoio Técnico de Fuzileiros Navais(GATFN) e se realizou de forma similar àdo Centro de Instrução AlmiranteMilcíades Portela Alves (Ciampa), no Riode Janeiro. O comandante das Forças deDefesa e o comandante da Marinha daque-le país ressaltaram, em seus pronunciamen-

tos, o irrestrito apoio da Marinha brasilei-ra, como também o sucesso na formaçãode soldados fuzileiros navais altamentequalificados. Comprovou-se, assim, a in-tensa cooperação entre o Governo da Re-pública Federativa do Brasil e o Governoda República da Namíbia.

(Fonte: www.mar.mil.br)

Depois de deixar o último porto no exte-rior, Casablanca (Marrocos), e cruzar oOceano Atlântico, o Navio-Escola (NE)Brasil chegou ao litoral brasileiro, em meioàs comemorações do Dia do Marinheiro,celebrando o cumprimento de sua missão:os guardas-marinha da Turma AlmiranteMarques de Leão concluíram sua forma-ção e receberam suas platinas de segun-dos-tenentes no dia 8 de dezembro.

Após 182 dias de viagem, em 9 de de-zembro, o NE Brasil atracou no porto doRecife, onde recebeu a visita do coman-dante do 3o Distrito Naval (Natal-RN), Vice-Almirante Edison Lawrence MariathDantas, e do chefe do Escritório de Repre-sentação do Ministério das Relações Exte-riores na Região Nordeste, embaixadorIsnard Penha Brasil Júnior.

NE BRASIL ENCERRA A XXIII VIAGEM DE INSTRUÇÃO DEGUARDAS-MARINHA

O navio suspendeu no dia 12 de dezem-bro e navegou no rumo sul. Na última tra-vessia da viagem, foram realizadas opera-ções aéreas com uma aeronave IH-6B nasproximidades de Cabo Frio, no Estado doRio de Janeiro, mantendo a qualificação desua Equipe de Manobra e “Crash”.

Durante a XXIII Viagem de Instrução deGuardas-Marinha (VIGM), para cumprir a ta-refa de complementar os ensinamentos teóri-cos dos guardas-marinha, adquiridos na Es-cola Naval, o NE Brasil conduziu uma série deatividades práticas nas áreas de NavegaçãoAstronômica e Costeira, Operações Navais ede Fuzileiros Navais, Gestão Financeira e deMaterial, Controle de Avarias e Operações Aé-reas, as quais contribuíram para a formaçãodos oficiais dos Corpos da Armada,Intendentes da Marinha e Fuzileiros Navais.

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O navio cumpriu, ainda, a tarefa de mos-trar a Bandeira do Brasil no exterior e es-

treitar os laços de amizade com as naçõesamigas, por meio de visitas às autoridadescivis e militares, recepções a membros dasociedade local e de intercâmbio promovi-do pelo embarque de oficiais e guardas-marinha estrangeiros.

Finalmente, após cinco meses e 27 diasde viagem, tendo navegado 27.680,5 mi-lhas náuticas, em 96 dias de mar, e visita-do 21 portos, dos quais sendo 19 no exte-rior e dois no território brasileiro, o Na-vio-Escola Brasil atracou, em 17 de de-zembro, na Base Almirante Castro e Silva,no Rio de Janeiro, sendo recebido pelocomandante da Força de Superfície, Con-tra-Almirante Sinval Reis, e por centenasde familiares.

A Delegacia de Porto Velho (RO) seráelevada à categoria de Capitania Fluvial eganhará uma nova sede. O comandante do9o Distrito Naval (Manaus-AM), Vice-Al-mirante José Geraldo Fernandes Nunes,visitou, em 25 e 26 de janeiro último, a áreaonde será instalada a futura sede da nova

PROJETO DA CAPITANIA FLUVIAL DE PORTO VELHO

Projeto da área daCapitania Fluvialem Porto Velho

Rio Madeira

Capitania. O projeto de implantação fazparte do Plano de Reestruturação do Siste-ma de Segurança do Tráfego Aquaviáriona Amazônia Ocidental.

A elevação da atual Delegacia Fluvialde Porto Velho à categoria de Capitania de3a classe aumentará o número de pessoas

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dedicadas à segurança da navegação, àsalvaguarda da vida humana nos rios e aocontrole da poluição hídrica, tendo comofato motivador o crescimento do tráfegoaquaviário na Hidrovia Madeira-Mamoré.Representa, ainda, a melhoria nos serviçosprestados pela Marinha a armadores, aaquaviários e à população.

(Fonte: www.mar.mil.br) Área de instalação da futura CapitaniaFluvial em Porto Velho, no Rio Madeira

O chefe do Estado-Maior da Armada,Almirante de Esquadra Alvaro Luiz Pinto,aprovou, pela Portaria no 29/EMA/2010, oPlano de Implantação de Software Livreda Marinha (PISL-MB).

A utilização de software livre pela Mari-nha do Brasil (MB) traz consigo três prin-cipais vantagens: a otimização dos recur-sos de Tecnologia da Informação (TI), oincremento da segurança na Rede de Co-municações Integradas da Marinha (Recim)e a independência tecnológica. O PISL-MBfoi concebido de modo a atender os diver-sos setores da MB, após estudos detalha-dos, levando uma visão focada no usuário,de tal maneira que sua implementação sejagradual e planejada. O PISL-MB abrangerá

PLANO DE IMPLANTAÇÃO DESOFTWARE LIVRE DA MARINHA

os aplicativos de uso generalizado na MB,voltados para as tarefas rotineiras das Or-ganizações Militares (OM).

Nesse contexto, a MB passará a utilizaro formato aberto de arquivos (ODF), umconjunto aberto e padronizado de forma-tos de arquivos editáveis utilizados paraaplicações de escritório (edição de texto,planilhas, apresentações de slides, bancode dados etc.). Para tal, cabe mencionarque a MB aderiu, em agosto de 2009, aoProtocolo Brasília, inserindo-se no rol dosórgãos públicos comprometidos a adotaro formato ODF, possibilitando, em futuropróximo, estar capacitada a tramitar docu-mentos eletrônicos editáveis entre si.

(Fonte: Bono no 149, de 9/3/2010)

A Marinha do Brasil enviou para o Chi-le, em 3 de março, um Hospital de Campa-nha (HCamp) para auxiliar nos trabalhosde ajuda humanitária às vítimas do terre-moto ocorrido naquele país em 27 de feve-reiro último. O HCamp, enviado por aero-nave da Força Aérea Brasileira (FAB), temcapacidade de realizar até 400 atendimen-tos por dia, contando com um efetivo de 47militares da área de saúde.

MARINHA ENVIA HOSPITAL DE CAMPANHA AO CHILE

O Hospital de Campanha tem capacida-de para:

– atendimento de primeiros socorros e tra-tamento de doenças comuns e infecciosas;

– realização de três a quatro cirurgias pordia (com anestesia), do tipo laparotomia,apendicectomia, toracocentese, debridamentode feridas, fixação de fraturas e amputações;

– procedimentos de ressuscitaçõesemergenciais, tais como manutenção das

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NOTICIÁRIO MARÍTIMO

vias aéreas, respiração e circulação, tera-pia intensiva (dois leitos), controle de he-morragias, tratamento de choque e outrostratamentos emergenciais para o salvamen-to de vidas;

– estabilização e evacuação, casonecessário, para o próximo nível deatendimento;

– internação de até 18 pacientes por umperíodo máximo de 48 horas paramonitorização e tratamento;

– realização de até 40 exames radiológi-cos básicos e de ultrassom por dia;

– manutenção do nível de estoque ade-quado de suprimentos médicos, de forma aser autossuficiente por até 60 dias; e

– manutenção de equipe médica avan-çada, composta por um médico e dois en-fermeiros capacitados em atendimento pré-hospitalar.

A Marinha do Brasil iniciou, em 15 dejaneiro último, a quinta viagem do Navio deAssistência Hospitalar (NAsH) TenenteMaximiano – a primeira do ano. A viagemse encerrou em 29 de janeiro e teve comoprincipal objetivo a realização de atendimen-tos médico-odontológicos às populaçõesribeirinhas que vivem em comunidades iso-ladas. A Ação Cívico-Social (Aciso) iniciouos trabalhos pela região de Paraguai-Mirimem 16 de janeiro. Em Cáceres, os atendimen-tos foram realizados de 21 a 25 de janeiro e,em Barra de São Lourenço, em 28 de janeiro.

O NAsH realiza aulas de primeiros so-corros e higiene, além de diversos procedi-

NAVIO DE ASSISTÊNCIA HOSPITALAR REALIZAATENDIMENTO MÉDICO EM MATO GROSSO

mentos ambulatoriais e emergenciais, taiscomo: curativos; aplicação de vacinas;consultas médicas; tratamentos dentários;extrações e aplicação de flúor; e distribui-ção de medicamentos essenciais ao trata-mento de diversas doenças.

As viagens em que os NAsH da Mari-nha do Brasil atendem à população caren-te são chamadas de Operações de Assis-tência Hospitalar à População Ribeirinha,ou simplesmente Asshop. Em cadaAsshop um navio atende a uma determi-nada região escolhida antecipadamente,de acordo com uma programação. A ante-cedência é necessária para se prever to-

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NOTICIÁRIO MARÍTIMO

dos os recursos logísticos necessários emuma empreitada dessa envergadura, emque as experiências obtidas nas passa-gens anteriores dos navios também sãoutilizadas no planejamento.

As regiões a serem visitadas são deno-minadas de Polos de Saúde. As Asshopsão realizadas nas localidades ribeirinhasmais carentes de atendimento de saúde dospolos visitados. Essa carência é resultanteda distância dos centros urbanos da re-gião; da inexistência de serviços de saúde,públicos ou privados; da falta de culturade higiene nas populações; da falta de ati-vidades econômicas estáveis e lucrativas;e da falta de infraestrutura de saneamentobásico (água potável e esgoto tratado).

Os NasH são mais conhecidos pelaspopulações ribeirinhas como “navios daesperança”.

(Fonte: www.mar.mil.br)

A diretora seccional das VoluntáriasCisne Branco – São Paulo, SôniaBittencourt, promoveu, em 19 de janeiroúltimo, na sede do Comando do 8o Distri-to Naval (São Paulo), a primeira reuniãodo ano da entidade. O objetivo foi apre-sentar as ações reali-zadas em 2009 e pla-nejar as ações a se-rem implementadasem 2010.

Entre as ações reali-zadas no ano passadodestacam-se: Chá doBebê Naval; Apoio aDependente de Militarno Pós-Operatório;Apoio a Paciente Espe-cial; e a realização de Noite Dançante para ar-recadar fundos, em Santos.

Para 2010, destacam-se as seguintes pro-postas: realização do 2o Chá do Bebê Naval;promoção da Noite Italiana, para arrecada-ção de fundos; organização da Campanha

SECCIONAL SÃO PAULO DAS VOLUNTÁRIAS CISNEBRANCO PROMOVE A PRIMEIRA REUNIÃO DE 2010

do Agasalho; oferta do curso Preparaçãopara o Mercado de Trabalho para os depen-dentes dos militares; e organização de gru-pos de voluntárias para visitas a militares edependentes em internação hospitalar.

Na ocasião, a diretora distribuiu cami-setas com o logotipodas voluntárias, alémde exemplares da Re-vista Âncora Social.

Voluntárias CisneBranco é a associaçãode esposas de oficiaisde Marinha, lançadaem dezembro de 2008,que tem como propó-sito complementar asações de assistência

social, em apoio à estrutura já existente doAbrigo do Marinheiro, organização civilsem fins lucrativos, com certificado de uti-lidade pública, vinculada à Diretoria deAssistência Social da Marinha (Dasm).

(Fonte: www.mar.mil.br)

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NOTICIÁRIO MARÍTIMO

A Diretoria Seccional das VoluntáriasCisne Branco em Salvador inaugurou, em 9de dezembro último, o Centro de Convi-vência para Idosos, nas dependências doHospital Naval de Salvador. A cerimôniacontou com a presença do comandante do

VOLUNTÁRIAS CISNE BRANCO INAUGURAM CENTRO DECONVIVÊNCIA PARA IDOSOS

Senhora Ana discursa durante inauguração doCentro de Convivência

2o Distrito Naval, Vice-Almirante ArnonLima Barbosa.

A diretora da Seccional, Ana Maria TelesBarbosa, proferiu palavras de agradecimen-to ao Comando do 2o Distrito Naval, à BaseNaval de Aratu e ao Hospital Naval de Sal-vador pela contribuição para a construção,em tempo recorde, daquele espaço dedica-do ao entretenimento dos idosos.

O Vice-Almirante Arnon apresentou osagradecimentos à equipe que participouda elaboração do projeto e da construçãoda sala de convivência, liderada pelo Se-gundo-Tenente Bruno Sena. Em seguida,o comandante do 2o Distrito Naval des-cerrou uma placa de inauguração, acom-panhado da diretora Seccional das Volun-tárias Cisne Branco e dos representantesda Associação de Veteranos do Corpo deFuzileiros Navais e da Associação de Ex-Combatentes.

A Caixa de Construções de Casas parao Pessoal da Marinha (CCCPM), dandocontinuidade à busca pelo aprimoramentoda Gestão e pelo aumento da sua visibili-dade, de forma similar ao ano de 2008,candidatou-se ao Prêmio Qualidade Rio –PQRio-Ciclo 2009, tendo, nesta oportuni-dade, obtido reconhecimento correspon-dente ao diploma PQRio - Ciclo 2009 – Ca-tegoria Ouro.

A premiação do PQRio visa à induçãoda melhoria do desempenho organizacionaldas instituições públicas e privadassediadas no estado do Rio de Janeiro me-

PROGRAMA DE QUALIDADE RIODA CCCPM

diante a elaboração de um Relatório deGestão (RG) e a visita de avaliadores for-mados pelo Programa Qualidade Rio(PQRio), sob a coordenação da Secretariade Estado de Desenvolvimento Econômi-co, Energia, Indústria e Serviços (Sedeis-RJ), em moldes semelhantes à sistemáticado Programa Netuno.

Esse feito denota a importância da cons-tante motivação da tripulação da CCCPMno desenvolvimento da melhoria contínua,buscando tornar a instituição referência dagestão pública na Administração Federal.

(Fonte: Bono no 91, de 9/2/10)

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O livro Estradas D’Água – As hidroviasdo Brasil, produzido pela Agência Nacio-nal de Transporte Aquaviário (Antaq), foilançado em 3 de fevereiro último, na sededo Clube Naval de Brasília. O evento reu-niu autoridades militares e civis, dentre asquais se destacaram o ministro-chefe doGabinete de Segurança Institucional, Ge-neral de Exército Jorge Armando Felix; ocomandante da Marinha, Almirante de Es-quadra Julio Soares de Moura Neto; e odiretor-geral da Antaq, Fernando AntônioBrito Fialho.

A obra ressalta a importância do empre-go das vias hidroviárias como modais detransporte de baixo custo e baixo impactoambiental. O Brasil tem a maior reserva deágua doce e algumas das maiores baciashidrográficas do mundo, estimando-se em60 mil quilômetros de rios, dos quais 42 milsão navegáveis.

O livro divide-se em seis capítulos: “Osrios brasileiros – Estradas d’água”, “Na-vegando Brasil adentro – O desbravamentodo Brasil através de seus rios”, “De rio ahidrovia – O rio a serviço do homem”, “Ocaminho das águas – Escoando riquezasnas águas dos rios”, “Navegar sem deixarde preservar – A preocupação com o meioambiente”, e “As hidrovias do amanhã – Abusca por um modelo”.

“A Marinha do Brasil se vê muito à von-tade para falar sobre a obra porque sempreviu a importância das hidrovias e sempre

ANTAQ LANÇA LIVRO SOBRE HIDROVIAS DO BRASIL

as defendeu. Nos dias de hoje as hidroviascontinuam a representar uma forma detransporte importante, barata e de menorpoluição ao meio ambiente”, ressaltou oAlmirante Moura Neto, completando: “Ashidrovias trouxeram progresso, é importan-te o Brasil ter isso em mente, e nós vamoscontinuar contribuindo para a segurançada navegação nas hidrovias”.

O diretor-geral da Antaq acrescentou que“precisamos investir numa matriz de trans-porte no Brasil que seja barata, não poluamuito e seja socialmente mais viável” e cha-mou atenção para a importância dos servi-dores se dedicarem ao trabalho: “É o com-prometimento de cada servidor que vai me-lhorar a qualidade do serviço público noBrasil”. E concluiu: “Rodovias, ferrovias ehidrovias precisam trabalhar em conjunto”.

A Diretoria do Patrimônio Histórico eDocumentação da Marinha (DPHDM)lançou, em 21 de dezembro último, o livro

LANÇAMENTO DO LIVROBRASIL: 60 ANOS DE OPERAÇÕES DE PAZ

Brasil: 60 Anos de Operações de Paz, deautoria do embaixador Paulo RobertoCampos Tarrisse da Fontoura. O lança-

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mento aconteceu na Ilha Fiscal, na cida-de do Rio de Janeiro (RJ), com a presen-ça do autor.

O livro é uma homenagem aos brasi-leiros e brasileiras que serviram em ope-rações de manutenção da paz das NaçõesUnidas e retrata, numa coletânea foto-gráfica, a participação brasileira desde ofim da Segunda Guerra Mundial. As his-tórias resumidas das operações de pazoferecem aos leitores o contexto políticoem que se deu a intervenção das NaçõesUnidas e o papel desempenhado pelosbrasileiros nos eventos que moldaram omundo recente.

(Fonte: Bono no 899, de 10/12/09)

De interesse histórico, foram lançadaspela Fundação Alexandre de Gusmão, doMinistério das Relações Exteriores, três no-vas publicações:

– Cadernos do CHDD (Centro de His-tória e Documentação Diplomática), ano 8,primeiro semestre de 2009, no 14, e segun-do semestre de 2009, no 15;

– Brasil-Estados Unidos 1824 – 1829,volumes 1 e 2;

– Miguel Ozório de Almeida: umdepoimento;

– O Conselho de Estado e a políticaexterna do Império – Consultas da Seçãode Negócios Estrangeiros (1875-1889); e

– O Brasil no mundo que vem aí – IIIConferência Nacional de Política Exter-na e Política Internacional.

Esta edição dos Cadernos do CHDD dásequência à correspondência de MiguelMaria Lisboa na Grã-Colômbia, cobrindoagora a missão que, de 1852 a 1855, exer-ceu na Venezuela, na Colômbia e no Equa-dor, difundindo, dessa forma, os documen-tos relativos às relações brasileiras com os

FUNDAÇÃO ALEXANDRE DE GUSMÃOLANÇA NOVOS LIVROS

países andinos e a Venezuela. Essas rela-ções, menos estudadas do que as com aregião platina, se revestem de particular im-portância para pesquisadores interessadosna Bacia Amazônica.

Ensejado pelo transcurso do centená-rio do acordo relativo à fronteira no RioJaguarão e na Lagoa Mirim, os Cadernosdo CHDD publicam também artigo sobreas negociações que levaram àquele ato in-ternacional e sobre seu significado para asrelações bilaterais brasileiro-uruguaias epara a política de Rio Branco no continen-te sul-americano.

Há, ainda, artigo sobre a política do reiLeopoldo II da Bélgica com respeito aoBrasil, especialmente à questão do Acre,valendo-se de fontes dos arquivos belgase norte-americanos, revelando aspectospouco conhecidos no Brasil. Finalmente,fruto de constante pesquisa sobre as obrasdo Barão do Rio Branco, é retomada a sériede seus artigos anônimos e pseudônimos,com a publicação de “Limites das GuianasFrancesa e Holandesa”, do Jornal do Bra-

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sil de 24 de junho de 1891, sobre o laudoarbitral do imperador Nicolau III da Rússia.

Já a publicação Brasil – Estados Unidos1824 – 1829, volumes 1 e 2, transcreve acorrespondência (ofícios e despachos) deJosé Silvestre Rebello, primeiro diplomata aapresentar credenciais em nome do gover-no brasileiro. Ele foi designado encarrega-do de negócios em Washington (EUA), em21 de janeiro de 1824, chegou ao seu futuroposto em 3 de abril, obtendo o reconheci-mento da independência do Brasil pelosEstados Unidos. Foi, assim, o primeiro agen-te a assumir formalmente as funções diplo-máticas, enquanto os enviados às corteseuropeias eram obrigados a aguardar o re-conhecimento do Império pelos Estadosjunto aos quais deveriam ser acreditados.

Miguel Ozório de Almeida: um depoimen-to traz à superfície longa entrevista gravadaem meados dos anos 80, na qual o embaixadordiscorre sobre sua experiência na diplomacia ereconstrói um painel dos anos em que foi ob-servador privilegiado da política nacional e

internacional. Miguel Ozorio de Almeida foium dos fundadores da diplomacia econômicabrasileira e, em momento em que a economianacional apresenta desempenho sólido, mes-mo em contexto internacional de adversidade,é justo relembrar um daqueles que deram sig-nificativa contribuição à profissionalização dagestão econômica do País.

O Conselho de Estado e a política ex-terna do Império reúne as consultas, doperíodo indicado, da Seção dos NegóciosEstrangeiros do Conselho de Estado, con-servadas nos arquivos do Ministério dasRelações Exteriores. As consultas consti-tuem importante fonte para o estudo dapolítica exterior brasileira, na qual o Con-selho de Estado atuou como instância téc-nico-administrativa e também dedicado àreflexão sobre as principais questões dorelacionamento internacional do País.

Em O Brasil no mundo que vem aí – IIIConferência Nacional de Política Exter-na e Política Internacional, são aborda-dos os seguintes temas:

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Foi lançada recentemente, sob coorde-nação da Diretoria do Patrimônio Históricoe Documentação da Marinha (DPHDM), apublicação O Brasil, a França e o Mar (LeBrésil, la France et la Mer). A obra é umcatálogo que mostra detalhadamente todoo acervo da exposição de mesmo nome, umdos eventos que marcaram o Ano da Françano Brasil, comemorado em 2009. A exposi-ção aconteceu no Espaço Cultural da Mari-nha (Rio de Janeiro), de setembro de 2009 a

O BRASIL, A FRANÇA E O MAR

janeiro de 2010, com o apoio do MuséeNational de la Marine (França), e divulgouos laços históricos mantidos entre os doispaíses no campo marítimo.

Ilustrado com fotos das peças expostas(quadros, instrumentos náuticos, modelosde navios de guerra e cartas náuticas, en-tre outras), o catálogo, de 80 páginas, édividido em oito partes, cada uma delascontendo também um texto sobre as peçasmostradas, a saber:

– Estados Unidos: O Brasil e a Política Ex-terna dos EUA no Governo Obama; e A Confi-guração Mundial do Poder, a Nova HegemoniaNorte-Americana e Novo Governo Obama.

– América Latina e Caribe: A AméricaLatina e o Caribe; e o Brasil; América Lati-na no presente Sistema Internacional; Amé-rica Latina e Caribe: Nova Fronteira da Po-lítica Externa Brasileira.

– Europa: Uma Europa mais Transpa-rente; Brasil – União Europeia: Uma Parce-ria Estratégica.

– África e Oriente Médio: InstabilidadePolítica Moderna nos Países queCorrespondem aos Últimos Impérios Colo-niais Europeus. Exemplos do Oriente Médioe Comparação com a África; A África entreo Atraso e o Desenvolvimento no PeríodoPós-Crise Global; Cooperação Sul-Sul: a Ex-periência de Cooperação Internacional emSaúde do Brasil com Países da África.

– Rússia: A Nova Rússia sob Medvedeve Putin; Considerações sobre a SituaçãoAtual da Rússia: Desafios, Perspectivas.

– China, Índia e Japão: China, Índia eJapão no mundo que vem aí; Brics, theChinese Engine, and the Humbling ofMarket Fundamentalism.

– Amazônia: Amazônia: os Desafios deuma Região Complexa e Dinâmica; Amazô-nia: Políticas e Estratégias; A Ocupação daAmazônia; Manaus, Cidade Mundial paraPrestação de Serviços Ambientais: Uma Pro-posta; Amazônia: Desafios e Soluções; Re-flexões sobre Cultura, Soberania e PatrimônioGenético na Amazônia; Amazônia; Objetivosde uma Política Externa do Brasil em Relaçãoà Amazônia: Proposta para Discussão; Ama-zônia: Reflexões sobre sua Problemática.

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– O Brasil visto pelos marinheirosfranceses;

Levar ao público, de forma objetivanão só a informação histórica sobre o Al-mirante Tamandaré, como também seuexemplo de militar e cidadão. Este é oobjetivo de “Tamandaré – o herói queveio do mar”, peça teatral em cartaz noEspaço Cultural da Marinha, no Rio deJaneiro, como parte do projeto educativoConhecendo e Brincando no Espaço Cul-tural da Marinha.

A peça sobre o Patrono da Marinha doBrasil é encenada em três atos, por meio dapersonagem Shakesperina e da manipula-ção de bonecos. Misturando música, ver-sos e prosa, Shakesperina realiza uma bre-ve introdução de cada ato, explicando operíodo histórico e apresentando os per-sonagens-bonecos que dele participam.

O primeiro ato enfoca a “Guerra da In-dependência e a Unidade Nacional” e fala

“TAMANDARÉ – O HERÓI QUE VEIO DO MAR”

– Os príncipes de Joinville (por D. Eudesde Orleans e Bragança, vice-presidente daLiga dos Amigos do Museu Naval)

– O Rio de Janeiro visto por uma grandedama francesa (pelo Vice-Almirante Arman-do de Senna Bittencourt, diretor do PatrimônioHistórico e Documentação da Marinha);

– Levantamento hidrográfico (pelo Vice-Almirante Helio Leoncio Martins);

– Instrumentos e equipamentos, produ-tos da tecnologia francesa;

– A comunicação marítima entre o Brasile a França;

– Navios da Marinha do Brasilconstruídos na França; e

– A transferência contemporânea detecnologia para a Marinha do Brasil.

O catálogo foi editado pela EMC Edi-ções, sob o patrocínio de Luiz FernandoDannemann e com o apoio cultural da Ligados Amigos do Museu Naval, Dom QuixoteGaleria de Arte e Banco Modal S.A.

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do início da carreira de Joaquim MarquesLisboa (Tamandaré) na Marinha, como vo-luntário a bordo da Fragata Niterói na guer-ra pela independência do Brasil, e de suaatuação nas ações contrarrevolucionáriaspara a manutenção da integridade territorial.

No segundo ato, “O reaparelhamentoda Marinha e a Guerra do Paraguai”, é mos-trada a importância de Tamandaré no pro-cesso de atualização do poderio naval (des-taque para o comando da Fragata DomAfonso – o primeiro navio de guerra a va-por da Marinha Imperial) e sua atuação naguerra contra o Paraguai, com sua posteri-or promoção a almirante.

A peça se encerra com “O exemplo domilitar e do homem”, em que são enfocadosseus feitos humanitários, como o salvamen-to de vidas humanas (navio Ocean Monarche Nau Vasco da Gama), as virtudes de umbom caráter, o cavalheirismo e a gentileza(que mereceu até o reconhecimento do ini-migo) e sua inteira dedicação e lealdade àPátria. Também são mencionados seus títu-los nobiliárquicos e o justo merecimento da

honraria de Patrono da Marinha do Brasil,bem como a homenagem do Dia do Mari-nheiro à sua data de nascimento.

A peça tem texto, direção e letras deAlessandra Cervieri e músicas de MurilloFranco. A produção e a coordenação demontagem são de Raquel Brum. Os bone-cos são de Tom do Tuiuti, e no elenco es-tão Alessandra Cervieri e Rita J. Bogado.

O projeto Conhecendo e Brincando noEspaço Cultural da Marinha, que consta depeças teatrais com narração da história daMarinha do Brasil, seus personagens e fei-tos, é da Diretoria do Patrimônio Histórico eDocumentação da Marinha (DPHDM) emparceria com a Liga dos Amigos do MuseuNaval e com patrocínio da Companhia deNavegação Norsul. A elaboração e coorde-nação são da museóloga Vera Lucia Finkel.

“Tamandaré – o herói que veio do mar” éapresentada aos sábados e domingos, às 15horas e às 15h50, e o Espaço Cultural daMarinha fica na Av. Alfred Agache, s/n, Cen-tro, próximo à Praça XV. A entrada é franca.

(Fonte: DPHDM)

A Diretoria do Patrimônio Histórico eDocumentação da Marinha (DPHDM), emcumprimento à alínea c do item 3 das nor-mas aprovadas pela Portaria no 355, de 26de agosto de 1999, do Estado-Maior da Ar-mada (EMA), divulgou, durante a “Sema-na da Marinha”, em dezembro de 2009, arelação dos Patronos Instituídos na Mari-nha do Brasil, transcrita a seguir.

1) Patrono da Marinha do Brasil: Almi-rante Joaquim Marques Lisboa (Marquêsde Tamandaré). Aviso do Ministro da Ma-rinha no 3.322, de 4 de setembro de 1925.

2) Demais Patronos:– Patrono das Bandas de Música e Marcial

da Marinha: Maestro Antônio Francisco Braga,Decreto no 62.683, de 10 de maio de 1968;

PATRONOS INSTITUÍDOS NA MARINHA DO BRASIL

– Patrono do Corpo de Saúde da Mari-nha: Cirurgião-Mor Joaquim Cândido Soa-res de Meirelles, Decreto no 63.684, de 25de novembro de 1968;

– Patrono da Hidrografia da Marinha:Capitão de Fragata Manoel Antônio Vitalde Oliveira, Decreto no 77.070, de 21 de ja-neiro de 1976;

– Patrono do Servidor Civil da Marinha:Mestre Antônio da Silva, Portaria Ministe-rial no 131, de 18 de janeiro de 1980;

– Patrono dos Artilheiros da Marinha:Capitão de Mar e Guerra Henrique Antô-nio Baptista, Portaria Ministerial no 1.139,de 31 de dezembro de 1985;

– Patrono dos Quadros de Oficiais Au-xiliares da Marinha: Vice-Almirante João do

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Prado Maia, Portaria Ministerial no 1.037,de 19 de novembro de 1986;

– Patrono dos Maquinistas da Marinha:Vice-Almirante Ary Parreiras, Portaria Mi-nisterial no 1.037, de 19 de novembro de1986;

– Patrono do Quadro de Capelães daMarinha: Capitão de Corveta (CN) RodomarkFernandes de Souza – Dom Carlos O. S. B.,Portaria no 653, de 27 de julho de 1988;

– Patrono das Mulheres Militares da Mari-nha: Almirante de Esquadra Maximiano Eduar-do da Silva Fonseca, Portaria do Estado-Mai-or da Armada no 284, 06 de julho de 1999;

– Patrono do Corpo de Intendentes daMarinha: Vice-Almirante (IM) Gastão

Motta, Portaria do Estado-Maior da Arma-da no 43, de 13 de março de 2003;

– Patrono do Corpo de EngenheirosNavais: Contra-Almirante (EN) João Cân-dido Brazil, Portaria do Estado-Maior daArmada no 134, de 8 de julho de 2003;

– Patrono das Comunicações Navais:Vice-Almirante Tácito Reis de MoraesRego, Portaria do Estado-Maior da Arma-da no 178, de 1o de setembro de 2008;

– Patrono do Corpo de Fuzileiros Na-vais: Almirante (FN) Sylvio de Camargo,Portaria do Estado-Maior da Armada no 38,de 26 de fevereiro de 2009.

(Fonte: Bonos nos 902, de 9/12/2009 e904, de 14/12/2009)