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PELOTÃO ÁGUIA Granadeiros sobre rodas BATALHÃO DE CHOQUE Unidade multitarefa da PMERJ JORNALISTAS EM COMBATE Imprensa na guerra ESPECIAL OPERAÇÃO ARCANJO ENTREVISTA JOSÉ MARIANO BELTRAME + 60 Anos da Fumaça Museu Les Invalides 21ª Bia AAAe Pqdt Ano I - Número 1 - Outubro/Novembro - 2012 - www.revistaoperacional.com.br R$ 12,00

Revista Operacional - Ed 01

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Revista brasileira especializada em Defesa e Segurança Pública.

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Page 1: Revista Operacional - Ed 01

PELOTÃOÁGUIAGranadeiros sobre rodas

BATALHÃODE CHOQUEUnidade multitarefa da PMERJ

JORNALISTASEM COMBATEImprensa na guerra

ESPECIAL

OPERAÇÃO ARCANJO

ENTREVISTAJOSÉ MARIANO BELTRAME

+60 Anos da FumaçaMuseu Les Invalides21ª Bia AAAe Pqdt

Ano I - Número 1 - Outubro/Novembro - 2012 - www.revistaoperacional.com.br

R$ 12,00

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Vivemos hoje um momento inédito. Nunca se investiu e discutiu tanto os temas de Defesa e Segurança Pública como na última dé-cada. As preocupações com a Amazônia e o pré-sal, a participação contundente das Forças Armadas em ações de garantia da lei e da ordem e ações humanitárias, e a proximidade dos grandes eventos esportivos que o país sediará têm, de certa maneira, extrapolado os círculos especializados e alcançado as discussões de uma parte

da população que historicamente não repercutia o tema. Ao mesmo tempo, temos visto grandes, drásticas e abrangentes mudanças no conjunto compreendido pelas relações humanas, a mídia e a tecnologia. Um novo mundo onde a imprensa baseada no suporte em papel, um secular porto seguro, se viu de um dia para o outro sufocada pela revolução da informação provocada pela internet. Ameaçada pela evolução desse universo que se move com rapidez inigualável, essa mesma imprensa foi dada como morta e desacreditada. Porém ela se reinventou, e se rein-venta todo dia, para poder se manter nesse novo mundo. E é nesse contexto que nós apresentamos a Revista Operacional.

Trazemos para nossos leitores um formato inovador, sem precedentes no nosso segmento. Um formato que valoriza a identidade visual moderna, e dá a devida importância às imagens detalhadamente selecionadas e produzidas que nós apresentamos nessa primeira edição, e traremos sempre em todas as outras. Um conjunto que adorna os temas escolhidos cuidadosamente e tratados em lingua-gem leve e com qualidade e profundidade. Que conta com colaboradores do mais alto nível em suas especialidades.

A Revista Operacional surgiu de uma ideia e de uma vontade. Nasceu da vonta-de de querer fazer ainda melhor. De produzir conteúdo atraente para os olhos e para a mente. De ousar, ultrapassar limites. Por isso você irá ver sempre propostas, argumentos e informações originais. Conteúdo exclusivo. Uma nova forma de se fazer jornalismo especializado.

Conjugando o papel com o digital e as redes sociais, você terá à sua disposição as melhores fotos, as melhores informações, os melhores vídeos.

Foi um longo caminho até aqui. Muitos obstáculos, muitos percalços, muita luta e muita determinação. Por isso temos a certeza de que nós demos o nosso melhor para que o melhor pudesse chegar às suas mãos. Nos preocupamos com cada aspecto, cada detalhe, tudo para superar as suas maiores expectativas. Por isso temos orgulho de convidá-los a folhear essas páginas e sentir a alegria e a emoção que nós sentimos ao produzir cada uma das matérias e imagens apresentadas. Venha conosco, leia Operacional, seja Operacional!

EDITORIAL

A Revista Operacional é uma publicação bimestral da MIG20 Editorial. Os artigos contidos nesta revista não expressam necessariamente as opiniões dos editores. É proibida qualquer reprodução de matérias aqui contidas sem a permissão por escrito da Editora. As peças publicitárias veiculadas na Revista Operacional pertencem exclusivamente aos anunciantes que contratam as páginas comerciais que as contém. O seu conteúdo é, portanto, de sua inteira responsábilidade e não desta publicação. Esta se reserva somente o direito de recusar peças publicitárias que atentem contra a moral e os bons costumes. As fotografias produzidas pelos profissionais da Revista Operacional não se encontram à venda e não podem ser reproduzidas em nenhum veículo sem prévia autorização desta Editora, mesmo se adquiridas atráves de terceiros.

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Revista OperacionalAno I - Número 01 - Outubro/Novembro - 2012ISSN 2316-2201

EditoresRafael Sayão e Carlos Filipe Operti

Jornalista ResponsávelRafael Sayão (MTb 31557RJ)

ColaboradoresAlfredo Bottino, André Rosa, Carlos Costa, Fernan-do Montenegro, Leo Melo, Marcos do Val, Sergio Capella, Sérgio Santana

[email protected]+55 21 9356-1047

Atendimento ao [email protected]

Projeto Gráfico & DiagramaçãoMIG20 Editorial

Impressão SmartPrinter

Avenida Pedro II, 158, São CristóvãoRio de Janeiro - RJ - CEP 20941-070www.revistaoperacional.com.brfaleconosco@revistaoperacional.com.br

Capa: Soldado Fuzileiro Naval aguardando início do adestramento no Campo de Instrução de Formosa.

Carlos Filipe Operti

Carlos Filipe Operti e Rafael Sayão

Outubro / Novembro • 2012 3

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JOSÉ MARIANO BELTRAMEEntrevista com o Secretário de Segurança do RJ

NOTÍCIAS PELOTÃO ÁGUIAEscolta de motocicletas com os batedores do 1º BG

21ª BIA AAAE PQDTArtilharia antiaerea protegendo a Brigada Paraquedista

JORNALISTAS EM ÁREA DE CONFLITOEstágio de preparação de jornalistas para a guerra

ÍNDICE

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2355

O TREINAMENTO POLICIAL NO BRASILPor Marcos do Val

O CERRADO VIROU MARFuzileiros Navais no interior do Brasil

COMPLEXO DO ALEMÃO... 20 ANOS ATRÁSPor Fernando Montenegro

60 ANOS DA ESQUADRILHA DA FUMAÇAUm ensaio fotográfico da grande festa do EDA

1644

245862

AÇÕES ANTIPIRATARIA NA MARINHA INDIANACombatendo os piratas do século XXI

OPERAÇÃO ARCANJOUma análise da Força de Pacificação do Exército no Rio

BATALHÃO DE CHOQUE DA PMERJA unidade multitarefa da Polícia Militar fluminense

LES INVALIDESPor dentro do museu do exército francês

VELHO DE GUERRAO Ford GPW 1942 de Marcos Cesar Spinosa

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A pacificação dos Complexos da Penha e do Alemão tornou-se uma importante página

na historia da Força Terrestre brasileira. Carlos Filipe Operti

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Concluído o primeiro protótipo do M113 BR2 do Exército

Teste de transposição de curso d´água. Cabo Moreira/PqRMnt/5

O protótipo durante o processo de recuperação e montagem. Cabo Moreira/PqRMnt/5

O primeiro M113A2Mk1 do Exército Brasileiro concluiu os testes iniciais e aguarda o roll out oficial para começar as avaliações de aceitação. Cabo Moreira/PqRMnt/5

No final do último mês de julho o Parque Regional de

Manutenção da 5ª Região Militar (PqRMnt/5), em Curitiba, fina-lizou os trabalhos no primeiro protótipo da viatura blindada de transporte de pessoal (VBTP) M113B modernizada. O projeto se iniciou em 2010, com a assina-tura do contrato entre o Exército e o Departamento de Defesa dos EUA para a modernização de 150 viaturas através do programa FMS (Foreign Military Sales). Em dezembro de 2011 a empresa BAE Systems, detentora do proje-to do veículo, foi escolhida pelo DoD para cumprir o contrato. A execução dos trabalhos em todas as viaturas caberá ao PqRMnt/5, enquanto a empresa será res-ponsável pelo apoio técnico e suporte. A avaliação para aceita-ção do protótipo e do lote piloto está sendo feita pelo Centro de Avaliações do Exército (CAEx), no Rio de Janeiro.

A modernização visa reduzir o custo e o tempo de manuten-

ção preventiva e corretiva, pelo aperfeiçoamento dos sistemas e componentes, mantendo a disponibilidade elevada e, con-sequentemente, influenciando também no nível de adestramen-to das unidades blindadas que os empregam. Além disso, por operarem em conjunto com os carros de combate, essas viaturas necessitam de melhor desem-penho mecânico para atuarem ao lado dos recém-adquiridos Leopard 1A5.

O projeto contempla a mo-dernização de até 376 viaturas, divididos em um primeiro lote de 150 (objeto do primeiro contrato)

e um segundo lote de 226 unida-des. Este segundo lote dependerá da avaliação comparativa do Exér-cito entre os veículos moderni-zados e os 208 M113B que estão sendo revitalizados pela empresa Brasilia Motors. Os custos da revitalização são de cerca de 60% dos custos da modernização e a experiência operacional com ambos decidirá o destino das 226 viaturas restantes (o EB tem um total de 584 M113B).

O novo M113B, na configura-ção denominada M113A2MK1, além da revitalização estrutural (com troca de pelo menos 20% dos componentes, mais o que for necessário), receberá um novo motor Detroit Diesel de 265hp, transmissão Allison TX100-1A, alternador de 200 Amp, sistema

de suspensão M113A2/A3, lagarta T130, entre outros. Além disso, será instalado, pelo menos no protótipo, para avaliação, um sistema de visão diurna e noturna com duas câmeras de infraver-melho (uma à frente e outra à ré) e um display para o operador, desenvolvido em conjunto pelo PqRMnt/5 e uma empresa priva-da.

Para realizar os trabalhos da modernização do VBTP M113B, o PqRMnt/5 recebeu diversas melhorias, como redimensiona-mento das instalações elétricas e novas cabines de jateamento e pintura. O cronograma dos traba-lhos nos M113B prevê que as três primeiras unidades do lote piloto estejam prontas ainda em 2012.

Contrato inicial prevê a modernização de 150 unidades das viaturas M113B

NOTÍCIAS

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Aviação Naval em festaNa data em que celebrou seu 96º aniversário, a Aviação Naval recebe oficialmente seus primeiros Sikorsky S-70B (MH-16)

No último dia 23 de Agosto a Aviação Naval completou

96 anos e ganhou um precioso presente. Na solenidade alusiva à data, na Base Aérea Naval de São Pedro da Aldeia (RJ), que reuniu novos e antigos aviadores navais e convidados, a Marinha apre-sentou oficialmente os primeiros Sikorsky S-70B (denominado MH-16 no Brasil), incorporando-os ao 1º Esquadrão de Helicópteros Anti Submarino (HS-1). A cerimônia foi conduzida pelo Ministro da De-fesa, Celso Amorim, que assinou, juntamente com o Comandante da Marinha, Almirante-de-Esqua-dra Júlio Soares de Moura Neto, o termo oficial de incorporação dos primeiros helicópteros. Dos seis encomendados, quatro já estão na BAeNSPA (N-3032, 3033, 3034 e 3035). Os dois últimos (N-3036 e N-3037) são esperados nos próxi-mos meses. As aeronaves chega-ram em cargueiros C-17 da USAF (dois por vez, em 30 de Julho e

23 de Agosto) no aeroporto da cidade vizinha de Cabo Frio, e foram montadas no local antes de seguirem em voo para o com-plexo aeronaval da Marinha. Eles irão substituir os últimos SH-3A e SH-3B que estavam em opera-ção no esquadrão, e que agora aguardam uma definição quanto ao futuro. Ao fim da solenida-de a tropa desfilou no pátio da Base, e um desfile aéreo reu-niu alguns dos meios da Força Aeronaval, com o MH-16 N-3035 fazendo seu primeiro voo oficial, lado a lado com o SH-3A N-3012, que fazia o seu último voo pelo esquadrão HS-1.

Recentemente a norueguesa Kongsberg Defence Systems anunciou um contrato de 33 milhões de Euros para o forneci-mento do míssil antinavio Pen-guin e equipamentos associados à Marinha do Brasil, para utiliza-ção nos MH-16.

O dia nublado não tirou o brilho da celebração que marcou o 96º aniversário

da Aviação naval Rafael Sayão

O Esquadrão HS-1 passa a contar com os modernos Sikorsky S-70B . Carlos Filipe Operti

MH-16 N-3034 em exposição estática. Carlos Filipe Operti

Outubro / Novembro • 2012 7

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A empresa francesa THALES apresentou na sede da Omnisys, em São Bernardo do Campo (SP), sua nova estrutura geren-

cial para a América Latina. Com a transferência do escritório da empresa do México para São Paulo, o novo Vice-Presidente para a região da América Latina Cesar Kuberek conduzirá do Brasil a prometida mudança no foco de atuação da empresa no Brasil e na América do Sul. Mudanças também na Thales Brasil. Há sete anos no cargo, Lau-rent Mourre transmitiu o posto a Julian Rousselet, que assume a função apostando em um grande crescimento da Thales no cenário latino americano. Líder mundial em tecnologia nos mer-cados de Defesa, Segurança, Espacial, Transportes e Aeronáutica,

Thales apresenta sua nova diretoria para o Brasil e América Latina

a empresa busca, através da Omnisys, tornar o Brasil sua base industrial na região.Cesar Kuberek destacou o aumento das relações comerciais entre Brasil e França no segmento de defesa, no que chamou de “romance”. Segundo ele, a presença america-na na região sofreu uma retração, abrindo ainda mais espaços para países como a França, a Rússia e a China no mercado.Subsidiária integral da THALES no Brasil, a Omnisys também pro-moveu mudanças em sua direção. Edgard Menezes, um dos confundadores da empresa, assume como novo presidente.

Helibras inaugura nova fábrica dos EC725

Embraer Defesa e Segurança seleciona Aerotron e LH Colus como fornecedoras do programa KC-390

Dassault Aviation conclue entrega do Rafale C137

Rafael Sayão

No último dia dois de Outubro a Helibras inaugurou, em suas

instalações na cidade mineira de Itajubá, o hangar construído para abrigar a linha de montagem dos helicópteros EC-725 e EC-225. Estavam presentes na cerimô-nia o Ministro da Defesa, Celso Amorim, os comandantes das três Forças Armadas, e o presidente da

O Departamento de Armamen-tos do Ministério da Defesa

da França entregou recentemente o primeiro lote do Rafale C137. Trata-se da primeira geração de caças Rafale equipados com o radar RBE2 AESA, construído na fábrica da Dassault Aviation em Mérignac.Com a utilização do RBE2, o Rafale C137 passa a ser o primeiro caça de combate europeu em operação com este equipamen-

Eurocopter, Lutz Bertling. Durante o evento Bertling reafirmou os planos de investir na subsidiária brasileira para o desenvolvimen-to de uma aeronave totalmente concebida no Brasil, que atenda o mercado mundial e faça parte do catálogo de produtos da empre-sa, com previsão para ser lançada em meados da década de 2020.

to que garante maior agilidade para geração de imagens de alta resolução no modo de abertura sintética, aumento de resistência a bloqueios, compatibilidade com mísseis de longo alcance de última geração e capacidade de detectar alvos de menor assina-tura. Além disso, é previsto uma redução dos custos e da exigência de manutenções, prolongando a vida útil da aeronave.

NOTÍCIAS

A Embraer Defesa e Segurança selecionou duas empresas brasileiras para participar do

programa do jato de transporte militar KC-390. A Aerotron, sediada em Itajubá (MG), fornecerá proteção balística e a LH Colus, de São José dos Campos (SP), ficará responsável pelos assentos de tropas e pelas macas. “Estamos muito satisfeitos de poder anunciar mais duas empresas brasileiras como fornecedo-ras do programa KC-390”, disse Eduardo Bonini Santos Pinto, Vice-Presidente de Operações & COO, Embraer Defesa e Segurança. “Ambas apre-sentaram excelentes soluções e estamos certos de que entregarão produtos de alta qualidade e tecnologia avançada”.O KC-390 é o maior avião já construído pela indústria aeronáutica brasileira e estabelecerá um novo padrão para aeronaves de transporte militar de médio porte.

Helibrás

Eric Raz / Thales

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No dia 7 de setembro de 2012, a Marinha

do Brasil realizou sua tradicional parada naval, em celebração a data de Independência do Brasil. Capitaneados pelo Navio-Veleiro “Cisne Branco” (U20), participaram do desfile o Navio de Desembarque de Carros de Combate “Almirante Saboia” (G25), as Fragatas “Niterói” (F40), “Independência” (F44), “União” (F45) e “Bosísio” (F48), a Corveta “Barroso” (V34), o Submarino “Tamoio” (S31), o Navio Hidroceanográfico “Cruzeiro

Desfile naval celebra o dia da pátria no Rio de Janeiro

Sin título-4 1 04/06/2012 14:07:48

do Sul” (H38), os Navios-Patrulha “Guaporé” (P45), “Gurupi” (P47) e “Macaé” (P70), o Rebocador de Alto-Mar Almirante “Guillobel” (R25), além da Corveta ARA “Gomez Roca”, da Armada Argentina, e da Fragata ROU “Uruguay”, da Armada Uruguaia.

O percurso dos navios cruzou boa parte da orla do Rio de Janeiro e terminou na Baía da Guanabara. Além das embarcações, participaram da parada aeronaves Super Lynx (AH-11A), Super Puma (UH-14), Bell Jet Ranger III (IH-6B) e Esquilo HB350/AS355 (UH-12).

Marinha do Brasil realiza parada naval para celebrar a data de Indenpendência do Brasil na orla fluminense

Carlos Filipe Operti

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ENTREVISTA RAFAEL SAYÃOFOTOS CARLOS FILIPE OPERTI

“O Rio de Janeiro, na minha percepção, não tinha um plano

de segurança.”

Operacional – O senhor assumiu a secretaria num cenário de caos e abandono da segurança públi-ca do estado. Como foi esse pri-meiro contato com essa realida-de?Beltrame – A gente já conhecia a realidade do Rio de Janeiro pelo trabalho desenvolvido aqui du-rante aproximadamente três anos na Polícia Federal. É muito difícil. O Rio tem problemas históricos, são problemas antigos, não são problemas recentes. E por eles se-rem antigos estão muito arraiga-dos no seio da sociedade inteira, e principalmente das instituições.

As instituições também são muito antigas, muito arcaicas, chegaram aqui com D. João. Não é algo fácil de se mudar. Mas a nossa preocu-pação primeira era mostrar para a população que a gente tinha um plano, que a gente achava e acha-mos que a gente sabe fazer. E de que é possível. Só que isso preci-sa ser construído como qualquer proposta. Ela tem que ser constru-ída, tem que ser trabalhada, pla-nejada, estudada, escrita. Tem que se localizar as necessi-dades, os a s p e c t o s pos i t ivos, negativos, o que tem, o que falta. E isso le-vou quase dois anos, uns dezoito meses. Tivemos um Pan America-no no meio disso, eu cheguei aqui a cinco meses do Pan Americano, sem saber direitinho o que estava acontecendo. Na primeira ação, que foi mandar aqueles presos para os presídios federais, o tráfico se achou no direito de se insurgir na cidade, metralhou delegacia, queimou ônibus com gente den-tro. Então, o Rio de Janeiro tem um ingrediente que é o dia a dia dele, muitas vezes é muito conturbado. E se a gente se joga no dia a dia

você não faz uma estratégia. Você tem que trabalhar nessas duas frentes. E foi aí que a gente tentou fazer: trabalhar no dia a dia, no va-rejo, enquanto no atacado a gente produzia com calma que eram os dois grandes pilares que hoje vo-cês têm aí, que são as UPPs, para as áreas consideradas conflagra-das, e o sistema integrado de me-tas, que são as metas para redução dos índices de criminalidade no asfalto. Nós começamos as UPPs

em novembro de 2008. E pra-ticamente um ano depois foi que as coisas começaram a andar. O pri-meiro ano (se refere ao pri-meiro ano de governo) foi um ano muito

difícil, porque tinha que se intei-rar efetivamente toda a máquina de segurança pública. Você tinha que prestar segurança, tinha o Pan Americano para fazer, foi um semestre voltado ao Pan Ameri-cano. E aí você tinha aquele pro-blema muito forte, a presença do Comando Vermelho aqui, que qualquer coisa fazia um movimen-to ou outro, e a gente sempre com medidas esporádicas. O Rio de Janeiro, na minha percepção, não tinha um plano de segurança. Ou

seja, não tinha nada a ser seguido, tinha que ser construído. A per-cepção que eu tinha é que a segu-rança pública no Rio de Janeiro era pautada pela mídia negativa. “Deu um problema, bota uma viatura lá! Deu problema não sei onde, toca a polícia pra lá!”. E é aquela política do cachorro querendo morder o rabo porque era casa de políticos e político precisa de mídia positi-va. Ele tem que estar atendendo a demanda da mídia. E nós tivemos que sustentar com muito esforço aquele ano, até começar a mos-trar para a população “Olha, essas pessoas têm um plano, essas pes-soas têm uma ideia, eles pensam que o Rio de Janeiro é sem dúvi-da nenhuma uma cidade partida”. Tem que se reconhecer isso, tem que usar verbos fortes e adjetivos fortes. Não adianta esconder, tem que dizer assim: - “Estas áreas precisam ser OCUPA-DAS” - “Mas ocupação é uma palavra de guerra”- “Mas nesses lugares É guerra”Não é que a cidade esteja em guerra, mas você possui núcleos que têm que ser tratados dessa forma. E aí depois nós fomos ata-cando esses pontos, atacando a cidade. Hoje nós temos uma linha de índice de criminalidade que está se sustentando, efetivamente descendo. As UPPs, eu acho que não sou suspeito para falar. É claro

Nascido em Santa Maria, Rio Grande do Sul, em uma tradicional família de descendentes de italia-nos, o Delegado Federal José Mariano Benincá Beltrame é o responsável por um dos mais audacio-sos projetos de segurança pública implementados no país: a instalação de 40 UPPs em comunida-des do Rio de Janeiro até 2014. Com seu jeito quase informal, numa conversa aberta, o Secretário de Segurança do Rio de Janeiro recebeu a equipe da Revista Operacional em seu gabinete, para uma análise da segurança pública no estado..

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que têm problemas, vai ter proble-mas, porque a violência ela é do fato social, antes de mais nada ela é da sociedade. Mas o que é incon-cebível é a questão do achincalhe, da arma de fogo, da ostentação de poder com base no fuzil, que infelizmente o Rio de Janeiro con-viveu com isso de uma maneira inofensiva durante 30 ou 40 anos.

Operacional – A gestão do se-nhor é marcada pelo desenvol-vimento e pela valorização da atividade de inteligência, isso é bem claro...Beltrame – A inteligência hoje tem que ser, vou dizer pra vocês por que. Estado nenhum no Brasil tem condições hoje de fazer po-lícia assim: carro, homem e arma. Eu preciso carro, homem e arma. Não tem dinheiro para sustentar isso. Então você precisa pensar, você precisa rever seus conceitos. Eu acho que muito no Brasil tem que ser desenvolvido em seguran-ça pública, se sabe muito pouco em gestão de segurança pública. Você não tem gestores de segu-rança pública. Não é simplesmen-te ter pessoas especializadas, e te-óricos em segurança pública. Você tem que pegar essa teoria e trazê--la para a realidade, que aqui no Rio é uma, e ali em São Paulo, que fica a 500 km, é outra. Lá em Porto Alegre nem se fala. E lá no Amazo-nas você não quer carro, você quer barco. O país precisa desenvolver gestores de segurança pública. Porque não é só o dinheiro, não é só o orçamento, não é só carro e gente, carro e gente. Você tem algo que você pode gerenciar. Eu acho que aqui no Rio de Janeiro, de certa forma, a gente mostrou isso.

Operacional – Os moradores das cidades vizinhas mencionam que o processo das UPPs deslocou a

criminalidade, com o surgimen-to de novas práticas de crimes. Como a secretaria vem traba-lhando com isso? Essas manchas estão sendo observadas? Beltrame – Em primeiro lugar existe um pouco de mito nisso. Eu recebo aqui prefeitos, talvez até do menor município do Rio de Janeiro, que chegam aqui, claro que querendo buscar segu-rança para suas cidades, dizendo “Olha secretário, o pessoal do Alemão (complexo de favelas na zona norte da cidade do Rio de Janeiro, ocupado pelo Exército em novembro de 2010) está todo lá na minha cidade!”. Hoje chega uma caminhão de mudança em determinada cidade, e é “o pesso-al do Alemão que migrou para lá”. Aparece uma van suja de lama, “é o pessoal do Alemão que chegou”. Abre a porta da van e sai uma bola, e um monte de gente correndo atrás dela, e são os traficantes. En-tão há um pouco de mito nisso. O que não quer dizer que não exista, e vou te dizer por quê. O cara que vive do tráfico, e você tem aí al-

guns grandes traficantes, é como em qualquer oligarquia. É um gru-po de pessoas que têm condições de fazer isso, de pegar o “reinozi-nho” deles e transferir para a Bai-xada (Baixada Fluminense, região metropolitana do Rio de Janeiro), transferir para a zona norte, trans-ferir para São Paulo ou quem sabe para o Nordeste. A maioria são soldados do tráfico, são pessoas que vivem fazendo segurança de traficantes, cuidando de armaze-namento de drogas, sendo olheiro no radinho por R$10, R$15 por dia. Essa pessoa não tem como conse-guir guarida num outro lugar. Eu faço um exemplo: se eu te convido pra você passar uns dias na minha casa, eu te convido porque eu te conheço. Agora, isso não quer di-zer que você possa levar mais três amigos, aí não vai dar. Eu vou re-ceber você. Então, o cara que está num nível, este cara nem é rece-bido em outro lugar. Quando se fala em migração, parece que vai aquela leva de gente como viram no Alemão. Vocês acham que fora do Alemão tem lugar para todas aquelas pessoas? Então, têm mi-gração? Tem. Mas são algumas li-

deranças. E a gente percebe isso. A gente percebe que você tem na Baixada, por exemplo, você vê que tem. Niterói também tem. E por que você vê que tem? Primeiro, porque nós acompanhamos pela inteligência. Segundo, porque os índices criminais têm que se ma-nifestar. Porque não adianta um bandido sair daqui e ir para outro lugar; se ele lá não pratica crime, os índices criminais desse lugar não vão se alterar. Então para a se-gurança pública ele migrou, mas desistiu de ser traficante. Então, se há migração - “Ah foram pra minha cidade, foram pra tua cidade” – eu pego os índices do ISP (Instituto Estadual de Segurança Pública) e digo “Se foram para a tua cidade, fazem três meses que o roubo de carro oscila na mesma faixa, etc”. E têm lugares (cidades) que vêm aqui e dizem “Olha, os caras foram para lá”, e você vai ver e realmente as coisas aumentaram.

Operacional – O combate ao trá-fico de drogas hoje é inédito, isso é visível...Beltrame – Existe um ineditismo também, na minha percepção,

“Nós temos que fazer com que o policial não seja

um guerreiro. Que o PM não

seja um soldado, que o PM seja um

operador de segurança

pública. ”Outubro / Novembro • 2012 11

Page 12: Revista Operacional - Ed 01

no que diz respeito à corrupção. O que vocês estão vendo nas últi-mas semanas em relação à corrup-ção, desvio de conduta...

Operacional – Seria o alvo da Se-cretaria hoje?Beltrame – Não tenha dúvidas. Estruturamos as corregedorias no início de 2011 para combater isso de forma pesada. E agora, graças a Deus, os resultados, a partir de um tempo para cá é toda semana.

Operacional – A questão das For-ças Armadas foi algo que sempre teve, mas que foi muito pontual; e o senhor demonstrou essa par-ceria. Como ela foi costurada?Beltrame – Vocês já devem ter re-conhecido aqui que eu sou muito pragmático para certas coisas. Eu acho que as coisas talvez mais di-fíceis são as mais fáceis de se re-solver, desde que você diga o que você precisa. O Rio de Janeiro não vai sair desse problema sozinho, as polícias não vão resolver isso sozinhas. Elas precisam do apoio da Polícia Rodoviária Federal, pre-cisam do apoio do Ministério Pú-blico, precisam do apoio da Polícia Federal, que me ajuda desde que

assumi, na parte de inteligência. Nós precisamos disso. E o motivo que toda UPP que eu faço eu boto todo mundo naquela mesa, é para dizer que a luta aqui é do bem con-tra o mal. Agora, nós temos talvez uma participação bem maior nis-so, porque a constituição estadual nos diz isso, é função nossa de se fazer. Agora, isso é muito grande para a polícia bater no peito e di-zer: “Não, eu vou resolver tudo isso aqui”. A gente precisa (precisava, acho eu) dizer, naquele momento

que o Rio de Janeiro incendiava, e que chegou nessa sala a infor-mação de que isso vinha de um presídio federal para dentro da Vila Cruzeiro, o que eu tenho que fazer? Eu tenho que entrar na Vila Cruzeiro. Vamos entrar na Vila Cru-zeiro. Conseguimos entrar? Con-seguimos. Mas já que nós vamos entrar, e fazer uma operação trau-mática – porque ela pode ser trau-mática – vamos fazer esse trauma de uma vez só. Não vou entrar lá e sair. Então é o seguinte: “Gente, eu vou entrar, mas eu não posso ficar”. E aí eu digo: “Exército, você não pode me ajudar?”. Porque eu vou entrar, e vou sair, vou debelar esse foco incendiário. Mas daqui a

um ano, 16 meses, vou voltar para cá, vou ter a possibilidade de mais outra operação traumática.

Operacional – Seria uma das grandes mudanças na menta-lidade da secretaria hoje? Você entra e fica?Beltrame – O Exército graças a Deus entendeu, graças a Deus está lá fazendo um excelente tra-balho. Vamos assumir aquilo lá sem pressa, estamos nos prepa-rando para fazê-lo. Acho que o Exército está dando uma lição de brasilidade para todo esse país. Acho que o Exército mostra que não está voltado somente para se-gurança externa, tem aí o conceito de segurança interna. Sei que isso pode gerar em alguns segmentos do Ministério da Defesa de que isso pode virar uma coisa casu-ística. Não acredito nisso, e digo por quê: onde no Brasil você tem uma situação como no Rio de Ja-neiro? Em Recife? Em Curitiba? Em São Paulo? Porto Alegre? Você não tem. Agora, aqui no Rio de Janeiro você tem a topografia; tem facção criminosa; você tem três facções criminosas que se odeiam; você aqui tem uma coisa que só o Exér-cito tem, que é o fuzil, a antiaérea, a traçante. Onde é que tem isso? Em Goiânia? Aquele problema do Distrito Federal, que é um proble-ma sério, talvez pior que o do Rio de Janeiro, ali que é uma área di-fícil à polícia entra. Então eu não vejo como o Exército ter a preocu-pação de “Ah, depois vão querer me chamar pra lá e pra cá”. Não. Eu acho que aqui é o problema que sem dúvida nenhuma a gen-te precisa desse tipo de parceria.

E você não tem nada semelhante, igual, no resto do Brasil, e diria no mundo.

Operacional – Sobre essa ques-tão que o senhor apontou sobre a situação do Rio de Janeiro ser peculiar... A aparência do nos-so policial militar, hoje, é de um combatente, ele não tem aquela aparência do agente de seguran-ça pública...Beltrame – Eu diria que o policial militar e o policial civil do Rio de Janeiro são os policiais mais bem preparados para fazer, como a gente diz na linguagem policial, ações de assalto, no Brasil. Exata-mente porque você não tem essa peculiaridade. Policiais para fazer ações de assalto, como o policial carioca não existe.

Operacional – O senhor vê uma regressão desse quadro?Beltrame – Claro. A UPP está di-zendo isso. O que nós temos que fazer? Nós temos que fazer com que o policial não seja um guer-reiro. Que o PM não seja um sol-dado, que o PM seja um operador de segurança pública. Porque o PM aqui foi jogado à guerra. Vai lá, mata, morre, fere, vê o compa-nheiro ferir. Ele foi preparado pra isso, ele foi jogado a isso, porque antes a política era entra e sai. E se você hoje tirar o fuzil dele, ele se sente nu, como eu já disse. E nós precisamos reverter esse paradig-ma, e a UPP está revertendo. É tirar o policial que está na guerra, pelo policial prestador de serviço. E isso não é bravata, porque hoje nós já temos quase quatro mil policiais que já são assim, que já têm esse perfil. Que estão nas favelas com arma Taser. Isso é que precisa ser mexido, porque durante 40 anos as academias, as escolas fizeram desses policiais, soldados. A farda dele é de soldado, o hino que ele canta na academia é de soldado, é guerra, honra, sangue, o herói. Gente, isso não é segurança públi-ca, não é isso que se quer. O que você quer é um operador de segu-rança, uma pessoa que interage. Como eu fui criado lá na minha terra com o famoso “Pedro e Pau-lo”, que aqui chamavam de “Cos-me e Damião”. É esse cara que traz a notícia: - “Olha, tem uma moto lá naquela esquina que nunca este-

“O policial militar e o policial civil do Rio de Janeiro são os mais bem

preparados para fazer ações de assalto, no Brasil.”

ENTREVISTA OP JOSÉ MARIANO BELTRAME

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ve aqui. Vai lá ver o que é”. É o que hoje acontece nas UPPs. A polícia entra hoje na UPP com outra pos-tura, entra forte mostrando que não está ali para entrar e sair. O Disque Denúncia e o 190 fervem. Por quê? Por duas coisas: porque a população estava realmente aprisionada e porque ele via o policial com outra postura, “Agora eu vou entregar porque eu acho que a coisa vai”. E foi assim que em 40 dias se botou uma pá de cal na maior favela do mundo.

Operacional – O senhor recen-temente apontou, em evento na ADESG, a entrada do fuzil auto-mático como um dos grandes responsáveis pelo elevado ní-vel de violência nos confrontos. O senhor poderia detalhar um pouco essa questão? Beltrame – Se você recuperar, foi lá em 83, o cara lá na Rocinha chamava a metralhadora, naque-la época aquelas metralhadoras INA... Ele chamava ela de Jovelina. “A Jovelina canta, e canta bonito”. Ali começou a arma automática, ali entrou a arma automática para garantir território. Ali ela entrou não para combater a polícia, foi para que ninguém o tirasse de lá. E lógico, eles começaram a fazer dinheiro, e onde tem dinheiro dá briga. Aí o Comando Vermelho, a falange vermelha, se dividiu em Comando Vermelho, TCP e ADA. Aí esses caras saíram pelo Rio de Janeiro procurando território. E aí foram se espalhando, e para não tomar um do outro, veio à arma automática, foi aquela enxurrada. Aí eu ia lá tomar a Rocinha com um 38 e o cara vinha com uma metralhadora; eu vinha com uma metralhadora e o cara descobriu o fuzil 5,56. Aí eu ia com um 5,56, e ele descobriu o 7,62. E aí nós fo-mos parar nas .50, traçantes, an-tiaéreas. Tudo para garantir terri-tório. E não era só para combater a polícia. Era para que o ADA não tomasse o Comando Vermelho, o Comando Vermelho não tomasse o TCP, e assim sucessivamente. E assim que o Rio de Janeiro foi para o mundo mostrando a guerra na Rocinha, no Vidigal. Mostrando a guerra aqui da Tijuca, onde você tinha 14 morros, cada um de uma facção. Nós estávamos conversan-do aqui, e a traçante pegando em

recentes em datas distintas e em comunidades com realidades e situações diferentes. Cada comu-nidade pacificada tem uma rea-lidade muito própria. Na maioria delas, não há ocorrências policiais graves, mas em algumas vemos ações de resistência do tráfico à ocupação, tentando recuperar o domínio perdido. A pacificação está no caminho certo. É preciso, cada vez mais, aproximar a polícia da população, pois são os mora-dores os maiores interessados em ver sua comunidade livre do tráfi-co e recebendo serviços públicos e privados essenciais- o que não acontecia sob a ditadura do fuzil. A população não admite mais re-trocesso no processo de pacifica-ção.

Operacional - Diversas ações, projetos e intercâmbios estão sendo desenvolvidas no campo da segurança pública para pre-parar os policiais para os gran-des eventos que se aproximam. Quais são as principais ações desenvolvidas pela Secretária de Segurança neste sentido.Beltrame - São duas frentes. A Subsecretaria de Educação, Valo-rização Profissional e Prevenção da Secretaria de Segurança realiza ciclos de cursos ministrados por

autoridades estrangeiras e na-cionais para qualificar os policiais para os grandes eventos. estamos investindo no treinamento dos policiais, por meio de convênios com as Embaixadas da Espanha, dos Estados Unidos e da Alema-nha. Os cursos vão desde trei-namento antibombas ou contra atentados com armas químicas, até o aprendizado dos policiais no idioma inglês, para facilitar a comunicação com turistas. Além disso, este ano foi criada a Subse-cretaria de Grandes Eventos, cujo titular é o delegado de Polícia Fe-deral Roberto Alzir. A Subsecreta-ria de Grandes Eventos trabalha com o conceito de “cidade se-gura, evento seguro”. O objetivo não é preparar o Rio apenas para o evento, mas deixar um legado para o cidadão que vive e traba-lha na cidade. A subsecretaria tem 18 projetos com interfaces nas di-versas áreas da Segurança Públi-ca, dentre os quais se destacam o Centro Integrado de Comando e

Controle, que será inaugurado no início de 2013 para reunir as forças de segurança da cidade em um único local com monitoramento 24 horas e um gabinete para ges-tão de crises. A Cidade da Polícia é outro projeto, que reunirá todas as delegacias especializadas em um novo prédio nas proximidades do Complexo do Jacarezinho e vai co-laborar para a pacificação daquela região da Zona Norte da cidade. Temos ainda o Centro de Opera-ções Especiais (COE), que reunirá nas proximidades do Comple-xo da Maré as sedes do Batalhão de Operações Policiais Especiais (Bope) e outras unidades espe-cializadas da Polícia Militar. Muito mais que uma sede, o local será um centro de treinamento e vai colaborar para o processo de paci-ficação da cidade.

Operacional - A Rio+20 foi um teste importante para a seguran-ça do estado. É possível fazer um balanço do aparato de seguran-ça montado para a conferência e seus resultados práticos.Beltrame - Mais importante do que os equipamentos, os recur-sos tecnológicos, treinamentos e a logística montadas durante a Rio + 20, é o aprendizado deixado para os próximos grandes eventos

cima. E o Rio é a cidade partida, porque isso não é o Rio de Janeiro, é um “troço” pequeno ali.

Operacional - Como o senhor analisa o aumento dos casos de agressão as forças nas comuni-dades dos complexos do Alemão e da Penha logo após a saída do Exército Brasileiro. A mídia vem noticiando ataques recentes as Unidades de Polícia Pacificado-ra, o senhor acha que são atos isolados ou fazem parte de ação orquestrada de maior porte para desestabilizar a política de segu-rança do estado?Beltrame - Não termos informa-ções de ataques orquestrados contra as UPPs. Houve ocorrências

“A pacificação está no caminho certo. É preciso, cada vez mais,

aproximar a polícia da

população.”Outubro / Novembro • 2012 13

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que serão realizados na cidade. A Secretaria de Segurança já havia tido duas experiências importan-tes, os Jogos Panamericanos de 2007 e os Jogos Olímpicos Milita-res em 2010, nas quais aprendeu muito e aproveitou esses ensina-mentos no planejamento para a Rio+20. Agora, tivemos uma nova experiência, o maior evento in-ternacional realizado no Rio de Janeiro desde a ECO-92. A PM de outros estados brasileiros (DF, SP e CE) enviou oficiais ao Rio para acompanhar a atuação da PM no evento. Agora, estamos avaliando a experiência da Rio+20, para tirar lições que possam aperfeiçoar o planejamento da Jornada Mun-dial da Juventude Católica e da Copa das Confederações, ambos em 2013. E o conjunto de medidas de segurança, de forma integrada com as Forças federais e a Guarda Municipal, se mostrou eficiente, pois os indicadores estratégicos de criminalidade durante o even-to estriverem muito baixos. A Rio+20 marcou também a primei-ra experiência com o Regime Adi-cional de Serviço (RAS), que prevê o pagamento pelo trabalho dos

policiais em horário de folga. Em termos de equipamentos, a Secre-taria de Segurança investiu R$ 12 milhões de recursos próprios na compra de cavalos, equipamentos de proteção (para soldados e para cavalos) e armas não letais para os Batalhões de Polícia de Choque (BPChoque) e de Polícia Monta-da (BPMont) da PM. A estrutura montada para o evento envolveu duas delegacias móveis da Polí-cia Civil, no Riocentro e no Aterro do Flamengo, e quatro Postos de Comando e Controle da PM, insta-lados no Riocentro, no Aterro do Flamengo, na Quinta da Boa Vis-ta e no Pier da Praça Mauá. A PM

utilizou cerca de 400 viaturas, 89 cavalos, 58 motocicletas, 13 cães farejadores e dois helicópteros. Foram usados também dois heli-cópteros da Polícia Civil, incluindo a aeronave com a câmera Flir, que permite captar imagens de longa distância, mesmo no período no-turno. Além disso, o esquadrão

Antibombas e o Grupo de Inter-venção Tática da Coordenadoria de Recursos Especiais (Core) fica-ram de prontidão para qualquer eventualidade.

Operacional – O Estado Rio de Ja-neiro possui em seu inventário de equipamentos o Bell, o Esquilo blindado e uma série de veículos blindados. Como o senhor avalia hoje o nível de equipamento da Polícia Civil e da Polícia Militar? Existe ainda alguma demanda?Beltrame – Nós estamos muito atrasados, muito mal. Eu inclusi-ve acho que o Rio de Janeiro não pode receber os países do mundo inteiro, que vão vir aqui a partir da

ENTREVISTA OP JOSÉ MARIANO BELTRAME

OP

Rio+20, com o que ele tem. Nós não podemos apresentar um blin-dado, não um blindado para subir morro, mas um blindado para dis-suadir uma turba, nas condições que nós temos. Uma comissão nossa está indo à África do Sul ver blindados mais arrumados. Para te dar um dado, no BOPE, que é a melhor tropa de assalto do mun-do, os snipers não tinham o seu fuzil. Os fuzis que o BOPE tinha eram fuzis que vinham de forças federais, doados, muitas vezes descarregados. Isto é inconcebí-vel, um sniper do BOPE não ter o seu fuzil. Hoje eles têm. Correram o mundo, eu pedi para eles corre-rem o mundo e fazerem um laudo do fuzil que eles entendem que é o melhor. E conseguimos isso, in-clusive com a contribuição, com o entendimento das próprias forças armadas de que o sniper qualifica-do pelo BOPE é de primeira. E hoje cada um tem o seu. Não é aquela de “regula a mira hoje que eu es-tou de plantão, e amanhã vem ou-tro e regula pra você...”. Então nós temos ainda muito que melhorar. Eu acho que, infelizmente para o mercado interno, nós temos que partir para equipamentos inter-nacionais. Você hoje tem pistolas mais leves, tem equipamentos muito mais anatômicos. Você tem coletes à prova de balas muito mais leves. A gente sem dúvida nenhuma tem que evoluir. Não es-tou dizendo na questão da letali-dade, mas nós precisamos dar um material decente para o policial. Se o médico tem o seu bisturi, se o advogado escolhe o seu código para trabalhar, por que o policial não pode ter uma ferramenta ade-quada, leve, anatômica, conside-rando que ele tira 12 horas de ser-viço ininterruptas com esses fuzis. E eu presenciei isso, quando aque-le helicóptero caiu lá (morro dos) nos Macacos, eu fiquei 24 horas num batalhão da Tijuca. E eu via o BOPE, porque os caras são de não parar de trabalhar, com aqueles fuzis 7,62 na bandoleira, molha-dos. Aquilo é, inclusive, além de contraproducente, uma questão da saúde, da relação do trabalho. E você hoje tem fuzis aí com três, quatro quilos. Vai andar com um fuzil de nove quilos, oito quilos?

Operacional – O senhor tem in-

formação sobre essa questão dos blindados? Porque até nisso a fi-losofia é outra...Beltrame – A tendência do blinda-do é diminuir, eu não quero mais usar blindado. Por dois motivos: primeiro porque na medida em que eu diminuo a área conflagra-da, por que eu vou aumentar o nú-mero de blindados? Eu tenho que diminuir o número de blindados. Agora, os blindados que eu tenho não quer dizer que não devam ter qualidade. Vai ver os blindados que nós temos, nós temos que tirar esses daí e comprar poucos, mas equipamentos interessantes e descentes. Eu acho que hoje a nossa frota pode ser cortada pela metade. E em segundo lugar, por que eu vou investir em blindados se a Marinha do Brasil hoje enten-de perfeitamente a nossa situação e me cede, por horas – na Man-gueira eles entraram às 6h da ma-nhã e às 9h recolheram. Por que eu vou comprar 15, 20 blindados? Eu compro outra coisa. Mas eu te-nho que ter, para pequenas ações. E tem que ter um lugar onde eu ponha 10, 12 homens equipados, com ar condicionado, um carro que eu saiba que não vai dar pro-blema.

Operacional – O cuidado com o ser humano ali dentro – a ques-tão do ar condicionado é um pré requisito, nós estivemos conver-sando com algumas empresas que estão oferecendo, como o próprio CTEx –, e seria um veícu-lo de patrulha, mais leve do que os atuais...Beltrame – A gente precisa des-se tipo de equipamento não para agredir, mas para chegar a um lu-gar e dali capilarizar o policiamen-to. Eu preciso chegar no lugar X, largar 12 homens “lá” e 12 homens “aqui” e fazê-los progredir.

Operacional – Em termos de ae-ronaves, ainda há alguma aquisi-ção a ser realizada?Beltrame – Nós temos uma da Po-lícia Civil, uma da Polícia Militar, e uma da SENASP que está para vir já tem um bom tempo. Não te-mos mais aquisições em vista. Nós queremos investir na frota dos Esquilos, quem sabe mudar essa aeronave, mas no sentido de mo-dernizar.

“Por que eu vou investir em

blindados se a Marinha do Brasil hoje

entende perfeitamente a nossa situação e me cede por

horas?”

José Mariano Beltrame compareceu a passagem de comando da Força de

Pacificação. Carlos Filipe Operti

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Poucos problemas sociais mo-bilizam tanto a opinião públi-ca como a criminalidade e a

violência. Não é para menos. Este é um daqueles problemas que afeta toda a população, indepen-dentemente de classe, raça, credo religioso, sexo ou estado civil.E o que fazer para mudar essa re-alidade dura e cruel? É a pergunta que se faz. Portanto, a resposta é óbvia, é necessário que os profis-sionais de segurança pública se-jam melhor capacitados, que haja não apenas mais treinamentos, mas eficientes treinamentos.O policial recém saído dos bancos acadêmicos encontra, com certe-za, sérias dificuldades em seu dia a dia. O auxílio de policiais mais experientes é, sem dúvida, o re-médio mais eficiente no combate a essas situações críticas. Porém, a principal atividade que poderá salvar sua vida nas ruas é o trei-namento constante; treinamento físico, técnico e psicológico, a mo-delos de outros países, como os Estados Unidos, por exemplo. Para se ter uma ideia de como o treinamento policial é tão levado a sério em outros países, faço ques-tão de registrar aqui uma situação. Quando um policial americano pede licença para realizar um cur-so/treinamento, seus superiores são obrigados a liberar, correndo o risco de punição caso não o faça. O treinamento chega a ser mais importante do que as operações policiais. O foco no treinamento nos EUA é para motivar, capacitar a nível de excelência, além de pre-servação da vida do policial e da sociedade, destacando que a car-ga horária média de treinamento do policial estadual de nível inicial é de 1.000 horas/aula. Lembrando que tal como nas polícias locais, a arma básica do policial é a pistola .40 e o colete balístico é obrigató-rio em 100% dos departamentos. A cada 3 meses o policial é obri-gado a fazer testes de habilida-de de tiro e de resistência física e caso não passe nos testes ele fica ocupando um cargo administrati-vo até estar preparado novamen-te para os trabalhos de rua. Essas

COLUNA OP MARCOS DO VAL

Importância do Treinamento Policial no Brasil

avaliações servem também para que em caso de uma operação com vítima fatal os Juízes e os pro-motores façam consultas das atu-ais habilidades técnicas com ar-mas de fogo, isentando, na grande maioria, o policial de uma acusa-ção de imperícia, podendo leva-lo a expulsão ou a prisão.Temos que ter aqui no Brasil o dis-cernimento de um treinamento voltado para as forças armadas e para as unidades policiais. O pri-meiro treinamento sempre foi fo-cado nos objetivos de uma guerra que é matar e destruir, já no se-gundo caso o objetivo é a preser-vação da ordem pública e da vida, ou seja focos totalmente diferen-tes e portanto os treinamentos precisam ser diferentes. Não po-demos achar normal um policial passar por treinamentos no estilo “comandos” para poder cumprir a sua missão no que tange a so-ciedade. Acontece que quando a formação dele foi baseada neste conceito, muitas vezes ele pode tratar a população como um ini-migo, fazendo com que a socieda-de continue tendo medo e até rai-va da polícia. Isso nos leva a uma certeza, precisamos, urgentemen-te, repensar isso para prestarmos um bom serviço para a sociedade e consequentemente fazer com que ela seja a nossa aliada para, até mesmo, brigar junto por bons salários e melhores condições de trabalho. O que se pode perceber com isso? Que nos países de primeiro mun-do há o entendimento de que um policial bem treinado representa segurança para ele próprio e para a sociedade, além de gerar exce-lentes resultados nas operações policiais. Todavia, somos sabedo-res de que existem vários tipos e modelos de polícia conforme a peculiaridade e a história de cada país e talvez seja injusto comparar o Brasil com outros países no que se refere à segurança pública. Te-mos que ter isso como um norte para que nao fiquemos acomoda-dos com as atuais exigências para a formação e aperfeiçoamento do policial.

Marcos do Val, é instrutor da SWAT e Fundador do CATI- In-ternational Police Training, inc. Mestre em Aikido e mem-bro honorário da SWAT, atua como instrutor do D.E.A., U.S. Army e do grupo Anti-terrorismo da equipe de operações especiais da NASA (Marshall Space Flight Center). Já reali-zou treinamentos para a segurança do Papa no Vaticano e para os soldados das forças especiais americanas que embarcaram para o Afeganistão e o Iraque. Primeiro es-trangeiro a fazer parte da seleta TTPOA (Texas Tactical Police Officers Association), atua também como comen-tarista de segurança na Rede Globo.

OP

Outubro / Novembro • 2012 15

Page 16: Revista Operacional - Ed 01

“Alondra Rainbow”, que havia sido desviado do seu curso, agora seguindo rumo ao noroeste. O alerta provocou o acionamento de uma aeronave de patrulha marítima Dornier Do-228 - orgâ-nico do Esquadrão 310 “Cobras”, baseado na Estação Hansa da Marinha da India, em Dabolim

- cuja tripulação determinou a para-da da embarcação, recebendo silêncio rádio como respos-ta. O reforço con-vocado para o local surgiu na forma do barco de patrulha fluvial CGS Tarabal, que logo substituiu o Do-228 e empre-endeu uma perse-guição ao “Alondra Rainbow”, em meio a um tiroteio que acabou quando os piratas aceleraram o cargueiro a 26.8 km/h, além do que o Tarabal podia alcançar.

Como resultado, a Marinha india-na foi convocada àquele cenário, por meio da corveta INS Prahar (K98), então a mais nova belonave do seu tipo em operação na BNS, integrante da Classe Veer, cujos navios possuem velocidade máxi-ma de 46 km/h.Visto que os infratores no coman-

do do “Alondra Rainbow” continu-avam ignorando ordens de parar o navio, este passou a receber dis-paros de canhões AK-630 calibre 30mm, logo seguidos por tiros de canhão AK-176 de 76.2 mm, con-centrados na popa do navio. Em consequência, grande parte da casa de máquinas foi inundada, com os sequestradores já tendo se rendido um pouco antes, assim que um grupo de elite dos fuzilei-ros navais, mais conhecido como “MARCOS” (MARitime COmman-doS, ou comandos marítimos, similares aos Comandos Anfibios da Marinha do Brasil), desembar-cou no navio, libertando os 17 tripulantes. Logo, outras embar-cações chegaram ao local: o barco de patrulha oceânica CGS Veera, o CGS Annie Beasant, da mesma categoria que Tarabal - que tam-bém voltara à cena - adicionados do destróier INS Delhi e da fragata INS Ganga. O Alondra Rainbow foi rebocado à Mumbai, com os se-questradores sendo processados judicialmente. Contudo, a ação da pirataria logo se dirigiu para outro local, vital para a própria India: o Golfo de Aden, localizado entre a Somália e o Yemen. Cerca de 85% do comércio india-no utiliza essa via de navegação - uma área de 2.6 milhões de quilômetros quadrados - a bordo de navios de bandeira estrangei-ra, também frequentada por 300 navios mercantis indianos, com tripulantes desta mesma nacio-nalidade totalizando um sexto da tripulação naval mercantil mun-dial. Ademais, um dos fatores que mais

TEXTO SERGIO SANTANAFOTOS INDIAN NAVY, VIA SHIV AROOR E GAUTAM DATT

Embora autorizadas oficial-mente em outubro de 2008, as missões antipirataria

executadas pela Marinha da India (designada Bhāratīya Nau Senā, BNS) foram deflagradas pela primeira vez nove anos antes, por ocasião da “Operação Rainbow”.Em 22 de outubro de 1999, o cargueiro “Alondra Rainbow”, de propriedade nipônica, mas de bandeira japonesa, que saíra da Indonésia para o Japão com 7.000 toneladas em barras de alumínio, subitamente interrompeu os contatos via rádio, após o seu co-mando ter sido tomado por uma gangue de dez indonésios.Três dias depois, o Centro de Relatório de Pirataria, também na Indonésia, retransmitiu a Guarda Costeira indiana o comunicado emitido por outro navio mer-cante, informando a posição do

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influenciaram na intervenção oficial do governo indiano contra a pirataria marítima no Golfo de Aden foi a comoção pública causada pelo sequestro dos 18 tripulantes indianos do cargueiro Stolt Valor, registrado em Hong Kong, em 15 de setembro de 2008, enquanto transportava quase 20.000 toneladas de ácido fosfórico. O sequestro terminaria dois meses depois, com o paga-mento de resgate.Assim, em 23 de outubro daque-le ano, o Alto Comando da BNS anunciou oficialmente que a partir de então passaria a escoltar não apenas as embarcações mer-cantis indianas, mas igualmente as de qualquer outra nação que navegassem pelo IRTC, o “Corre-dor de Trânsito Recomendado Internacionalmente”, uma faixa no Golfo de Aden medindo 890 quilômetros de comprimento e 92 de largura, que seria delimita-da em 2009. A partir daquela data, um vaso de guerra da Marinha indiana patrulharia esta zona durante três meses, quando seria substituído por outro, e a primeira embar-cação a ser empregada em tais missões foi a fragata INS Talbar (F44), da classe Talwar.Procedimentos operacionaisAo tempo da oficialização das operações antipirataria da Mari-nha indiana foi criado no Bahrain o SHADE (sigla para “SHared Awa-reness and DEconfliction”, algo como “conscientização e pacifica-ção compartilhados”), um sistema de informações através do qual forças navais empregadas em tais situações trocam entre si dados não sigilosos a respeito das suas operações contra a pirataria marí-tima, por meio da rede MERCURY,

visando à identifi-cação de detalhes comuns presentes nas abordagens dos piratas.Em termos opera-cionais, o combate à pirataria marítima pela BNS tem início quando um dos seus vasos destacados para a tarefa recebe um chamado de emergência via rádio ou quando a sua tri-pulação avista uma das embarcações tipicamente utiliza-das pelos bandos de sequestradores.A seguir, caso a localização informada esteja a uma distância considerada grande, um helicóp-tero orgânico do navio indiano é enviado, a partir do qual efetivos do MARCOS descerão sobre a embarcação suspeita, após serem disparados tiros de advertência visando à parada da mesma.Foi o que ocorreu em 16 de julho de 2011, quando a fragata INS Godavari (F20), em resposta ao chamado de emergência emitido pelo cargueiro grego MV Elinakos, lançou seu vetor de asas rotati-vas, um Chetak (versão indiana do francês Aérospatiale Alouette III), orgânico do Esquadrão 321 “Angels” (anjos), estacionado na base naval de Garuda. Como resultado, após ter localizado as embarcações que cercavam o cargueiro, homens do MARCOS desceram sobre elas, desarmando oito piratas somalis.Alternativamente, se os piratas encontram-se a uma menor distância, integrantes do MARCOS são lançados em botes infláveis, a

seguir abordando a embarcação suspeita, que também pode ser interceptada pelo próprio navio de guerra indiano.Uma missão nestes moldes ocorreu em 10 de novembro do ano passado, na qual o navio de patrulha INS Sukanya (P50) inter-rompeu a ação de três das cinco embarcações cujos tripulantes tencionavam abordar um grupo de cargueiros então sob escolta do vaso indiano.Por outro lado, a entrada da Ma-rinha indiana no esforço contra a pirataria marítima coincidiu com o emprego de uma nova tática pelos grupos de sequestradores: a transformação dos navios se-questrados em bases móveis para embarcações menores, geralmen-te utilizadas na abordagem aos navios mercantis, desta forma proporcionando ações de inva-são antes limitadas pelo restrito alcance de tais embarcações.Uma dessas “naves-mãe”, o navio pesqueiro tailandês FV Ekawat Nava 5, foi afundada em 19 de

novembro de 2008, após respon-der, com disparos de armas de variado porte, granadas propeli-das por foguete, à ordem vinda do já mencionado INS Tabar para que parasse a fim de passar por fiscalização. Em abril do corrente ano uma reunião de alto nível selecionou os procedimentos operacionais padrão a serem adotados no combate à pirataria marítima. Dentre as normas que devem ser observadas estão não manter sob prisão piratas capturados (eles serão pegos, desarmados e soltos) e a retirada do combustí-vel das “naves-mãe”. É inegável que o fenômeno da pirataria marítima tem afetado igualmente outras nações além da India, resultando no emprego de forças-tarefa especializadas, como a EUNAVFOR, que reúne Marinhas da União Européia, e a Força Tarefa Combinada 150, da Marinha norte-americana, na repressão áquele tipo de delito. E como prova de que o esforço necessário exige a superação de rivalidades, a India juntou--se à China, ao Japão e à Coréia do Sul para atuação conjunta, o que deve começar em julho do presente ano.Até meados de 2011, 1665 navios mercantes haviam sido escolta-dos pela BNS.

A Revista Operacional agradece à colaboração dos jornalistas indianos

Gautam Datt e Shiv Aroor, na elaboração deste artigo.

OP

Outubro / Novembro • 2012 17

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Este cenário desconfortável para a atuação da Brigada Paraquedista e extremamen-

te comprometedor para a estra-tégia de defesa brasilei-

ra se torna cada dia mais fictício graças ao desenvolvimento da atividade de defesa antiaérea rea-lizado no seio de um dos elemen-tos mais importantes da força

de ação rápida estratégica do Exército Brasileiro.

Os olhos da Brigada no céu do Brasil

Em janeiro de 2004, tendo como base o plano básico de reestruturação do Exército Bra-sileiro, a 21ª Bia AAAe deixou de ser subordinada a 2ª Brigada de Infantaria Motorizada e passou a fazer parte do grupo de orga-nizações militares subordinadas

a Brigada de Infantaria Paraquedista, pas-

sando a ser denomi-nada 21ª Bateria de Artilharia Antiaérea Paraquedista.Passar a integrar a

tropa paraquedista sig-nificou à 21ª Bateria muito

mais do que simples-mente uma alteração de denominação. Uma profunda reformulação doutrinária foi realizada a

fim de adequar as caracte-rísticas e peculiaridades da

atividade aeroterrestre à mi-nuciosa e complexa missão de defesa antiaérea.

A partir da introdução do meio aéreo como arma

de guerra, durante a

Primeira Guerra Mundial, esforços vem sendo empregados para garantir algum tipo de defesa an-tiaérea. Desde os balões de barra-gem, passando pela boa e velha metralhadora, vem se observan-do um avanço cada vez maior nos conceitos e tecnologias empre-gados neste tipo de artilharia. Defender pontos sensíveis, forças terrestres ou navais, ou interditar um espaço aéreo condicionado, requer o emprego de um comple-xo sistema que se inicia nos meios de detecção e atinge sua ponta de lança no armamento empre-gado.

Observar os ataques sofridos pelos Estados Unidos em 11 de setembro de 2001, onde pontos sensíveis de seu sistema de de-fesa, político e econômico foram alvos, nos remetem a analisarmos as questões relacionadas a defesa antiaérea não só pela ótica de um possível ataque militar. O objeti-vo fim da atividade terrorista é, principalmente, a divulgação em larga escala através da mídia de seus feitos, de forma a implantar o temor em cada cidadão que se depare com as cenas. Neste con-

É noite na Base Aérea dos Afonsos, zona norte do Rio de Janeiro. Cumprindo seu papel de tropa de pronto-emprego do Exército Brasileiro, homens da Brigada de Infantaria Paraquedista embarcam em duas aeronaves C-130 da FAB que os transportarão até a região norte do Brasil. Recentemente as hostilidades se intensificaram na fronteira com o País Vermelho e o estado de beligerância é latente. Cabe aos paraquedistas o es-tabelecimento de uma cabeça de ponte aérea na região que permita o deslocamento de tropas e suprimentos para a região. O assalto será realizado em uma área de fron-teira totalmente desprovida de defesa antiaérea e facilmente alcançada pelas aerona-ves inimigas, o que eleva a periculosidade da missão a níveis bastante preocupantes. Os paraquedistas das duas forças tarefas envolvidas são alvos fáceis para a força aé-rea inimiga.

TEXTO RAFAEL SAYÃO

Rafae

l Say

ão

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texto, o emprego do meio aéreo nestas ações acaba sendo umas das ferramentas mais impactan-tes nas mãos dos terroristas, por acarretar sempre grande perda de vítimas inocentes e repercussão internacional.

Um olhar mais temeroso sobre este cenário nos faz pensar sobre os grandes eventos internacionais que serão sediados pelo país. Nos próximos quatro anos, recebere-mos milhões de jovens de diver-sas nações para um encontro com o líder da Igreja Católica em 2013, além de centenas de chefes de estado e milhares de cidadãos de diversos países que participarão da Copa do Mundo de 2014 e dos Jogos Olímpicos de 2016, ou seja, muitos acreditam que estamos “pintando um alvo” no meio do mapa do país. Nem mesmo as projeções mais pessimistas vislumbram o ataque de uma aeronave militar a um alvo civil durante estes encontros. Todos os cenários apontam sempre para ações terroristas contra pontos sensíveis e a utilização de meios aéreos nestes atentados não pode ser descartada.

Para os comitês organizado-res, a existência de um eficiente sistema de defesa antiaérea é pré--requisito obrigatório. Na copa do mundo realizada na África do Sul, foram gastos mais de um bilhão de dólares para locar um sistema de defesa antiaérea de Israel e atender as exigências da FIFA. Além desta demanda, assumida quando o país tornou-se candida-to a sede destes grandes eventos, a Estratégia Nacional de Defesa prevê um reaparelhamento total da defesa antiaérea brasileira, defasada há algum tempo.

Este contexto de “não guerra” descrito acima, onde a defesa de pontos sensíveis é peça chave e as regras de engajamento ga-nham características bem pe-culiares, deverá nortear nossas ações em termos de doutrina e aquisições no campo da defesa antiaérea daqui para frente. É num cenário como este, onde o combate da ameaça aeroespa-cial necessita de um tempo de resposta muito curto e demanda uma ação coordenada de to-dos os meios de defesa, que se encaixa a 21ª Bateria de Artilharia

Antiaérea Pára-quedista, com o radar SABER M60, os mísseis IGLA--S, a mobilidade e suas particula-res características operacionais.

A existência da 21ª Bia AAAe Pqdt em sua estrutura garante à Brigada de Infantaria Para-quedista e ao sistema de defesa antiaérea brasileiro o elemento de dissuasão. Os militares da Bateria tem a missão principal de realizar a defesa antiaérea na zona de ação onde a tropa paraquedista estiver sendo empregada, de forma a impedir e dificultar o ataque de vetores aeroespaciais inimigos. Ao contrário do que se pensa, a missão principal de qual-quer sistema de defesa antiaéreo não é abater aeronaves e sim dissuadir e/ou impedir qualquer ataque hostil. O conhecimento da presença de uma defesa antiaérea equipada com MANPADS (Man--Portable Air-Defense Systems – sistemas de defesa antiaérea portáteis) no terreno dificulta severamente o planejamento de um ataque aéreo. Impossível de ser detectado, por utilizar sistema de guiamento passivo por infra-vermelho, o míssil pode estar em qualquer parte do terreno, na

calha de um rio e até mesmo no meio da tropa.

Ajustada e bem treinadaManter a integridade da tropa

e preservar os pontos sensíveis da brigada diante de um ataque aéreo, sem perder as mobilidades estratégica e tática características da tropa paraquedista, requer uma estrutura organizacional bem montada e um plantel de recursos humanos bem treina-do. O organograma da 21ª Bia AAAe Pqdt é composto por uma seção de comando; uma seção de operações, que planeja e controla as missões; uma seção de inte-ligência, onde encontram-se as equipes de radares e as turmas de vigilantes do ar; uma seção logística que faz o ressuprimen-to de munição e de outros itens necessários à remuniciamento da bateria; e duas seções de artilha-ria antiaérea, dotadas de quatro unidades de tiro (UTir) cada uma, que desdobram-se rapidamente no terreno. No caso de uma situa-ção de beligerância, uma terceira Seção de Artilharia Antiaérea é mobiliada, proporcionando à

Com o míssil e o equipamento de comunicações em mãos, o militar tem a possibilidade de obter informações precisas de um ou mais órgãos do escalão superior. Carlos Filipe Operti

O comandante da Bateria atua como consultor do comandante da Brigada quando o assunto é o planejamento da defesa antiaérea da tropa paraquedista. Carlos Filipe Operti

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Brigada de Infantaria Paraquedis-ta a Defesa Antiaérea de mais um ponto sensível ou tropa.

As unidades de tiro são consi-deradas a menor fração de AAAe. São compostas, de forma geral, por um 3° sargento como chefe de peça, um cabo atirador, um soldado remuniciador, e um sol-dado motorista(quando a missão assim exige), e são capazes de detectar, identificar e engajar um vetor hostil, utilizando seu equi-pamento orgânico.

Doutrinariamente, o Brasil uti-

liza somente quatro unidades de tiro em cada seção, o que acaba por encurtar o polígono de tiro, já que é prevista a utilização de uma distância de apoio mútuo de 3km entre os mísseis. Esta independência entre as unidades de tiro permite o engajamento de vários alvos ao mesmo tempo em sentidos opostos, ao contrário de canhões como Oerlikon e o Bofors, que tem a tendência de convergir em um só alvo.

O soldado que serve na Bateria começa sua vida operacional pela

formação de comba-tente básico, idêntica a de todo militar paraquedista. A segunda fase da for-mação, muito mais técnica, prepara ca-bos e solda-do para o cumprimento de atividades específi-cas. É neste momento que se forja o soldado de AAAe: opera-dor de míssil IGLA, opera-dor de radar, operador do centro de operações aé-reas (COAAe), comunica-

da. O radar SABER M60, concebi-do e produzido no Brasil, vem se mostrado muito eficiente e é uma ferramenta importante quando no terreno junto à bateria. Con-tudo, ainda não foi desenvolvida uma versão do radar que possa ser lançada junto à tropa, sendo necessária uma cabeça de ponte aérea já conquistada para reuni-lo à bateria. O fato de um batalhão ou até mesmo uma brigada estar dotada de um míssil IGLA, não os tornam parte de um sistema de artilharia antiaéreo. Os mísseis, neste caso, são usados para auto-defesa em caso de ataque. O que difere a Bateria destes grupos de defesa é sua integração dentro de um sistema de defesa antiaéreo complexo que possibilita o em-prego planejado e coordenado deste armamento contra um alvo

aéreo já designado. Para atuar desta forma no terreno, sem contar com seu radar orgânico, a bateria deman-da da utilização de outros equi-pamentos de comunicação para

integrar as seções de tiro ao restante

do sistema de defesa antiaéreo.

Outros dois fatores limitadores da ação da bateria estão relacio-nados com as características do próprio míssil. A existência de um alcance mínimo de 500m para engajamento do alvo garante a unidade de tiro 5000m de janela para realizar o disparo. Após este período a aeronave realizará o ataque e mesmo que abatida na sua rota de fuga, já teria garanti-do o fracasso da defesa antiaérea em coibir o ataque.

As condições climáticas são um grande fator limitador para a operação de mísseis IGLA, pois exigem contato visual com o alvo, o que torna o engajamento impossível em condições de bai-xa visibilidade. O engajamento noturno também era um proble-ma durante a utilização dos 9k-38. Com a aquisição dos mísseis Igla-S esta limitação de operação noturna foi eliminada, pois esta versão admite a utilização de lu-neta de visão noturna, proporcio-

REPORTAGEM OP 21ª BATERIA DE ARTILHARIA ANTIAÉREA PARAQUEDISTA

ções e logística. Paralelamente a esta formação do efetivo variá-vel, é preciso manter o nível de formação e preparo dos militares do efetivo profissional. Para isso é implementada uma progra-mação de capacitação técnica e tática onde os conhecimentos específicos de cada qualificação são recapitulados com exaus-tão. Através dos simuladores de radar, de COAAe e do IGLA 9k-38, presentes na Escola de Artilharia de Costa e Antiaérea (EsACosA-Ae) e no 1º Grupo de Artilharia Antiaérea (1º GAAAe), os militares da Bateria conseguem realizar um treinamento que se aproxima em detalhes do que será enfrentando no teatro de operações.

Cabe ao Major Leonardo Werdan Torres, comandante da Bateria, a missão de atuar como consultor do coman-dante da Brigada quando o assunto é o planejamento da defesa antiaérea da tropa paraquedista, apresentando a im-portância e a vulne-rabilidade de cada objetivo; indicando os danos que um determinado objetivo pode sofrer, devido a um ataque aéreo; analisan-do as possibilidades do inimigo aéreo e suas probabilidades de realizar um ataque; e discutindo o nível de recuperabilidade de um elemento após um ataque aéreo, de forma a deixar claro ao co-mandante tático todos os tópicos relacionados a AAAe.

Fatores limitadores ao empre-go da Bateria Paraquedista

Algumas limitações fazem parte da rotina operacional da Bateria e precisam ser observadas.

Embora opere um míssil com direcionamento por infraverme-lho, a Bateria acaba tornando--se sensível às ações de guerra eletrônica (Com e Não-Com), pois os equipamentos empregados nas comunicações, no COAAe e o próprio radar são facilmente plo-tados através de suas emissões e tornam-se alvos para as ações de supressão de defesa antiaérea.

A mobilidade do radar orgânico utilizado também deve ser anota-

Os equipamentos empregados nas comunicações e no COAAe tornam a Bateria sensível a ações de guerra eletrônica. Rafael Sayão

Carlos Filipe Operti

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nando ao atirador a correta visada sobre o alvo.

Um outro ponto visto como limitador a ação da bateria é a grande demanda por atividades de suprimento quando a Brigada recebe grande quantidade de ataques aéreos e manutenção quase nenhuma. Contudo esta é situação recorrente a qualquer unidade que opere dentro de um contexto de tropa paraquedista, e vem sendo conduzida com eficiência pelo sistema logístico da Brigada. Não obstante, tais lacunas logísticas podem ser diri-midas com o ressuprimento pelo Ar prestado pela própria Seção Logística da Bateria, por meio do lançamento de fardos com mís-seis, ou pelo Batalhão de Dobra-gem, Manutenção de Paraquedas e Suprimento pelo Ar (Batalhão DOMPSA) da Brigada, apoiados pelas aeronaves da Força Aérea Brasileira.

Olhos abertos durante o assalto aeroterrestre

Meio de infiltração mais rápido e eficiente a ser empregado pela tropa paraquedista, o assalto aeroterrestre possui quatro fases distintas que vão desde a monta-gem da ação até a execução das operações subsequentes. Em boa parte destas, a presença da defesa antiaérea é primordial para o sucesso da operação e segurança da tropa.

O início do assalto é conhe-cido como fase de montagem, momento de reunião das tropas, equipamentos e suprimentos nos pontos de embarque. As grandes

proporções desta movimenta-ção de meios e pessoal deixam a tropa em situação de grande vulnerabilidade, pois o inimigo pode, através de um ataque aé-reo, interditar os aeródromos de partida e impedir o envio daquela tropa ao seu destino final. Nestes casos, como a bateria paraquedis-ta está envolvida diretamente em seu próprio embarque, a defesa antiaérea pode ser realizada por elementos da Força Terrestre do Teatro de Operações (FTTO) ou por outra AAAe que não esteja envolvida no Assalto Aeroterres-tre.

A segunda fase é o movimento aéreo, onde a 21ª Bia AAAe Pqdt encontra-se embarcada e na rota da zona de lançamento. Para que uma seção antiaérea se desloque junto a uma força tarefa paraque-dista a bateria necessita de trinta e três militares e quatro fardos que totalizam oito mísseis IGLA.

Nestas situações a defesa da tro-pa cabe as aeronaves de escolta da Força Aérea Brasileira.

A terceira fase é onde temos o assalto propriamente dito. Neste momento é previsto que nas primeiras vagas do escalão de assalto seja lançada pelo menos uma Seção AAAe com efetivo reduzido, ou seja quatro unida-des de tiro para prover, desde o primeiro momento, a defesa antiaérea da zona de lançamento. O sistema de armas é lançado com seu ressuprimento mínimo, ou seja, uma unidade de tiro com dois mísseis. O militar salta com o equipamento de comunicações e com o fuzil 7,62mm M964 A1, ar-mamento de dotação da Brigada. Já o míssil é lançado através do sistema de fardo.

Com o míssil e o equipamento de comunicações em mãos, o militar tem a possibilidade de obter informações precisas de um

ou mais órgãos do escalão supe-rior, como o órgão de controle das operações aéreas militares (OCOAM), o centro de operações antiaéreas do Exército (COAAe) e até mesmo com o COMDABRA (Comando de Defesa Aeroes-pacial Brasileiro) da Força Aérea Brasileira. O estabelecimento desta linha de comunicação com órgãos de controle estabelecidos em outros pontos, logo após o assalto aeroterrestre, possibili-ta a 21ª Bia AAAe Pqdt obter o alerta antecipado que permite o planejamento e ataque do alvo antes mesmo dele ser avistado na cabeça de ponte aérea recém conquistada.

Um momento crítico da fase do assalto é a reorganização da tropa. Neste momento a proteção do espaço aéreo garantido pela primeira seção de tiro lançada é fundamental. As demais seções de tiro serão lançadas junto com as forças tarefas que seguirão para o cumprimento de sua missão subsequente, entrando na quarta e última fase no assalto aeroterrestre. Neste momento os militares da bateria acompa-nharão as colunas garantindo a defesa antiaérea móvel da tropa. Quando a última força tarefa estiver se retirando da zona de lançamento e se deslocando para seu objetivo subsequente, cabe à primeira seção acompanhá--la e garantir sua defesa durante o restante da operação com a certeza de ter garantido a tropa uma aterragem e reorganização seguros. OP

A Bateria empregou recentemente o radar Saber M60 durante a Operação Saci. 21ª Bia AAAe Pqdt

Rafael Sayão

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Pensados e desenvolvidos ain-da durante o segundo conflito mundial, os MANPDS ganharam força a partir da década de 60. Liderados pelo norte-americano FIM-43 Redeye e seguido pelos SA-7 e HN-5, respectivamente soviético e chinês, estes primei-ros modelos ficaram conheci-dos como “tail-chase weapons”. Eles engajavam somente uma aeronave e se perdiam facil-

mente diante de qualquer fonte térmica, inclusive o Sol. Com o surgimento do Stinger, do FN-6 e do SA-14, uma segunda geração de sistemas portáteis entra em operação, com um significativo aprimoramento na cabeça dos mísseis que permitia a detecção através de raios UV, ignorando o dispa-ro de flares pelas aeronaves engajadas. Comprovado como um eficiente recurso de defesa antiaérea, especialmente contra alvos voando a baixa altitude, o desenvolvimento deste tipo de sistema avançou a passos largos dando origem a equipamentos baseados em guiamento infra-vermelho. O norte-americano FIM-92 Stinger, o russo IGLA--S, e o Mistral francês são hoje os principais elementos desta terceira geração de MANPADS e facilmente encontrados em países que detém um sistema de defesa antiaéreo.Os estudos dos últimos confli-tos apontam a utilização cada vez maior dos sistemas portá-teis e desmistificam as teorias de que são armas eficientes somente contra helicópteros. Durante a operação Tempesta-de no Deserto, um F-16 norte--americano foi derrubado por um 9K34 Strela-3 de produção soviética. Anos depois um MIG-27 e um MIG-21 da Força

Aérea da India foram abatidos pelo disparo de um Anza Mk-II do Exército Paquistanês e cinco anos depois um IGLA 9k-38 foi o responsável pela queda e um Mi-26 russo abatido na Chechê-nia. Recentemente, no ano de 2008, um sistema PZR Grom po-lonês abateu um bombardeiro russo Tu-22M durante o embate entre Rússia e Geórgia.Míssil orgânico da 21ª Bateria de Artilharia Antiaérea Para-quedista, o IGLA-S entrou em operação em 2008. Ele é a evolução direta do IGLA 9k-38 que operou no Exército Brasilei-ro até aproximadamente o fim de 2011.A aquisição dos IGLA-S trou-xeram um aumento significa-tivo de possibilidades para a defesa antiaérea brasileira. Com alcance de 6 quilômetros, esta nova versão supre um grade défict de seu antecessor e permir o engajamento de alvos a noite. Os sensores utilizados no IGLA-S também são supe-riores e permitem a pesquisa de alvos, distinguindo não só a fonte de calor como o perfil do alvo. Estas melhorias garantem uma melhor eficiência contra uma gama considerável de contra-medidas empregadas na atualidade.Sendo considerado o mais letal dos mísseis antiaéreos portáteis produzidos pela Rússia o IGLA-S possui um teto operacional de 11500ft. Embora especialistas questionem este emprego por parte deste armamento, o fabri-cante do míssel assenca com a possibilidade do engajamento de mísseis de cruzeiro qu este-jam operando em velocidades subsônicas.Utilizado por mais de 20 países, o IGLA-S possui o mesmo peso e tamanho de seu antecessor. Seu fácil manuseio e transporte, aliado ao seu elevado nível de letalidade transformaram este MANPAD em uma das maiores ameaças a vários governos. Uti-lizado em ações de terrorismo, poderia facilmente engajar uma aeronave comercial lotada em rota de aproximação. Recente-mente o governo venezuelano comprou 300 mísseis desta versão.

IGLA-S, o MANPAD da 21ª Bia AAAe PqdtO vigilante SABER M60

O SABER M60 é um radar desenvolvido pelo CTEX (Centro Tecnológico do Exército) e totalmente pro-duzido no Brasil. Concebido para integrar o sistema de defesa antiaérea brasileiro, possui capacidade de detecção a baixa altura e permite plotar e acompa-nhar até 40 alvos simultaneamente de forma auto-mática ou manual. Com um raio de ação de 60 km e teto operacional de 16500ft, é capaz de detectar aviões que estejam voando com velocidade supe-rior a 32 km/h e helicópteros em voo pairado. Suas características garantem ao SABER M60 a posição de equipamento ideal para a proteção de pontos e áreas sensíveis, como indústrias, usinas e instalações governamentais. Podendo ser integrado uma rede de 4 diferentes armas como canhões antiaéreos ou mísseis, é um radar extremamente leve e facilmente montado por 3 soldados que não gastam mais de 15 minutos na missão.Facilmente integrado ao SISDABRA (Sistema de Defesa Aeroespacial Brasileiro) e ao COAAe através de um centro de comando e controle instalado em uma viatura leve, condu-zido pelos praquedistas, o radar é muito discre-to e possui baixíssima assinatura. Comple-mentando a busca e vigilância realizada a baixa altura, o M60 realiza também uma varredura mecânica, através de tipo de detecção radar conhecida como pulso-Doppler, que realiza interrogação eletrônica Amigo-Inimigo (IFF), transmitindo em tempo real as informações obtidas e oferecendo a localização e a identificação de cada aeronave plotada classificando-a como amiga ou inimiga. OP

Radar SABER M6) durante a Operação Saci. Rafael Sayão

Rafael Sayão

Rafael Sayão

OP

REPORTAGEM 21ª BATERIA DE ARTILHARIA ANTIAÉREA PARAQUEDISTAOP

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A primeira vez que direcionei minhas atenções ao Comple-

xo do Alemao foi em 1993. Na época era apenas um tenente, integrante do Destacamento de Contra-Terror (DCT) do 1º Bata-lhão de Forças Especiais (1BFEsp).

Apesar de ser carioca da gema, conhecia pouco aquela parte da cidade.

O então Ministro do Exército determinou ao comandante daquela tropa de elite que plane-jasse e executasse a captura do traficante ¨Orlando Jogador¨, que teria um esconderijo num bunker no alto do Morro do Alemão. O Comandante Militar de Área acompanharia os planejamentos e proporcionaria suporte logístico e de inteligência ao 1BFEsp.

Orlando Jogador foi o braço direito de Rogério Lengruber, fundador do Comando Vermelho (CV). Atribui-se a ele inúmeras e violentas invasões de favelas pelo CV, com objetivo de tomar pela força pontos de venda de drogas e entorpecentes.

A missão destoava das ativida-des que a Unidade costumava cumprir e apresentava-se como um grande desafio, apesar do alto nível de adestramento em que nos encontrávamos.

Não havia praticamente ne-nhuma informação sobre o local, cúmplices ou sobre o próprio ¨alvo¨.

Nosso entendimento naquela época era de que esse tipo de atividade era dos policiais. Na-quela fase, o 1BFEsp já mantinha intenso intercâmbio de instruções com o BOPE, que já existia (com outras denominações) desde 1978, embora ainda não tivesse a projeção na mídia que tem hoje.

Era uma fase difícil para os segmentos policiais do Estado do Rio de Janeiro, pela forma como o Governo do Estado conduzia a Se-gurança Pública, principalmente no tocante aos recursos destina-dos ao treinamento e aparelha-mento. Entretanto, as articulações do Comando Vermelho eram muito inferiores às existentes na atualidade.

Para manter o sigilo da opera-ção, não poderiam ser solicitadas informações a nenhum órgão de seguranca pública. Ficamos de-pendendo totalmente dos dados

COLUNA OP FERNANDO MONTENEGRO

Complexo do Alemão... 20 anos atrás

obtidos através dos órgãos de inteligência do Exército e aqueles que nós mesmos produzíssemos.

Foi iniciada imediatamente a coleta de dados disponíveis e for-madas equipes de busca de infor-mações. Um helicóptero civil foi alugado para realização de fotos e filmagens da área de operações e das atividades dos narcotrafican-tes; informantes foram recrutados por elementos especializados.

Ao longo de cerca de dois meses os informes foram proces-sados, e as três equipes opera-cionais de Forças Especiais iam mantendo seu adestramento enquanto o Estado Maior da Unidade detalhava e ajustava o planejamento.

Foi confeccionada uma ma-quete gigantesca, que mostrava vários detalhes da Serra da Mise-ricórdia, com ênfase no Morro do Alemão.

Naquela época nem se ima-ginava que pudessem existir os teleféricos, e a Linha Amarela era apenas um projeto no papel.

O planejamento da operação baseava-se na simplicidade e mul-tiplicação do poder de combate pelo efeito surpresa.

Em linhas gerais, uma equipe precursora sairia da pedreira próxima à localidade conhecida como Vacaria vestindo trajes des-caracterizados, armados de mini UZIs e HK MP5 KA4 e pistolas. O deslocamento seria realizado usando a cobertura vegetal da serra da Misericórdia. Após ocu-parem veladamente duas zonas de pouso de helicóptero, um comboio de viaturas da Polícia Federal, previamente organizado e posicionado dentro das insta-lações do 1º Batalhão de Forças Especiais (então na estrada do Camboatá, no bairro de Guadalu-pe), partiria para realizar o cerco terrestre do Morro do Alemão, ocupando pontos estratégicos na Avenida Itararé e Ruas Joaquim de Queiroz e Paranhos. As aero-naves Pantera, do Exército Bra-sileiro, já estariam no ar com os três destacamentos operacionais de Forças Especiais, sobrevoando

uma área de espera. Havia tam-bém mais duas aeronaves, uma com uma equipe de reforço, ou reserva, e uma aeronave equipa-da para realizar evacuação aero-móvel, no caso de haver feridos.

Depois de estabelecido o cerco, seriam realizados pousos de assal-to nos locais previamente ocupa-dos pela equipe precursora e os Forças Especiais fariam o assalto e a captura do traficante Orlando Jogador e seus comparsas. As equipes operacionais estariam ar-madas com HK MP5 SD e pistolas Beretta como back up, além de granadas diversas.

Foram realizados intensos treinamentos de tiro, ensaios de procedimentos e memorização de itinerários e fotos dos alvos a serem capturados pelas equipes operacionais. Cabia ao meu des-tacamento a missão mais impor-tante, de abordagem da fortaleza e captura do Orlando Jogador. Os dois destacamentos operacionais restantes iriam se dirigir a outros aparelhos e capturar integrantes do Comando Vermelho e alvos de oportunidade.

As ações ocorreriam à noite, como não poderia deixar de ser.

A compartimentação do plane-jamento e das informações foi um dos pontos altos da operação.

Os militares participantes da operação permaneceram em isolamento nos últimos dias, principalmente após passarem a conhecer maiores detalhes sobre os alvos e o lugar. Celulares foram recolhidos, e os policiais federais que iriam realizar o cerco somente souberam qual seria sua atuação algumas horas antes do horário previsto para a execução.

Toda operação foi planejada à revelia e sem nenhum conheci-mento por parte do Governador do Estado e dos órgãos de segu-rança pública do Rio de Janeiro.

Não sei dizer se a ideia era do Presidente da República, mas, acredito que pelo menos era do conhecimento dele.

Após a emissão da ordem de operações pelo Major Chefe da seção de planejamento do

1 BFEsp e exposição de todo o planejamento, o comandante do batalhão ligou-se com o general Comandante Militar de Área para informar que estava tudo pronto e pediu autorização para infiltrar a equipe precursora de Forças Especiais. Escutei depois que o general teria dito que achava que deveria ligar-se antes com o Governador do Estado. Após esse contato, o Governador do Rio teria evidenciado grande irritação e desgosto com a atitude, pois iria caracterizar interferência no seu Governo. Ele teria se ligado diretamente com o Presidente da República e com o Ministro do Exército para tratar o assunto e a participação do Exército foi cancelada em 15 minutos. Apesar da dificuldade da missão, estabe-leceu-se uma certa frustração na tropa, pois havíamos treinado e nos preparado por muito tempo para a operação.

Os policiais federais partiram sozinhos, no alvorecer do dia seguinte no comboio organiza-do. Ocuparam as ruas previstas e abordaram o morro do Alemão de baixo para cima. Foram recebi-dos com faixas de boas vindas e risadas dos moradores.

Em 2012 comandei a Força Tare-fa Sampaio, uma tropa com cerca de 800 militares com a missão de ocupar todo o Complexo do Alemão por três meses durante a pacificação dos Complexos do Alemão e da Penha. Foi para mim uma grande realização ter, como Coronel, controlado intensamen-te aquela zona de ação 19 anos depois.

Caso tivesse sido desencadeada aquela operação em 1993, talvez o crime organizado não tivesse desenvolvido tantas articulações e, consequentemente, teria tido consequências politicas imprevi-síveis.

Fernando Montenegro é Coronel/R1 do Exército Brasileiro. Forças Espe-ciais ,Comandos e Paraquedista, é

especialista em Contraterrorismo. Foi chefe de equipe de instrução no CIGS e comandou o 1º B I Mtz “Regimento

Sampaio”.

OP

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TEXTO RAFAEL SAYÃO

Manter a paz na maior favela da América Latina após a sua reconquista

pelas forças públicas. Substituir o Exército Brasileiro na pacificação daquela que já foi considerada uma das comunidades mais violentas do estado. Manter a ordem em um dos maiores estádios do Brasil e diante das torcidas de quatro clubes de vulto nacional. Conduzir em segurança a produção da Casa da Moeda do Brasil por uma das avenidas

urbanas mais movimentadas do país. Patrulhar as ruas da cidade utilizando da versatilidade que só as motocicletas podem oferecer. Enfrentar e dissipar uma multidão que compromete a segurança da população e a ordem públi-ca. Esta gama de atribuições, de características tão diversas, é a realidade do dia-a-dia de uma das unidades mais polivalentes da Polícia Militar do Estado do Rio de Janeiro, o Batalhão de Policia-mento de Choque – BPCHq.

Oriundo do Pelotão Motoriza-do, criado em 13 de Fevereiro de 1941 e sediado entre os quartéis do 1º Batalhão de Polícia Militar (BPM), no bairro do Estácio, e o 4º BPM (Praça da Harmonia), o BPCHq só foi designado como batalhão a partir da necessidade de execução do Decreto-Lei nº 92, de 06 de maio de 1975, que previa que o Comandante-Geral da recém formada Polícia Militar do Estado do Rio de Janeiro teria como força de reação, no mínimo, um batalhão de polícia dechoque a ser empregado em missões de contraguerrilha urbana, rural e em outras missões de policiamen-to. A partir de 03 de fevereiro de 1977, o então Regimento de Cho-que transformou-se no Batalhão de Policiamento de Choque que conhecemos até hoje.

Atualmente o Batalhão ocupa as históricas dependências do Re-gimento Marechal Caetano de Fa-ria (RMCF), localizado no bairro da Cidade Nova, próximo ao centro do Rio de Janeiro. Construído em 1906 e inaugurado por Hermes da Fonseca em 1913, o complexo arquitetônico que abriga o BPCHq

já foi sede do comando geral da Polícia Militar e utilizado como prisão durante a contra revolução na década de 1970. Tombado pela Assembléia Legislativa do Rio de Janeiro em 2004, o complexo e seu entorno são considerados Patrimônio Histórico e Cultural do Estado.

Detentor de um efetivo de 1298 policiais militares e possuidor de uma polivalência tática única, o Batalhão é hoje uma peça funda-mental para o combate ao crime organizado no estado do Rio de Janeiro. Uma rápida leitura dos jornais e revistas do estado são su-ficientes para perceber a presença dos polícias do BPCHq nos princi-pais teatros de operações estabe-lecidos pela Secretaria de Segu-rança Pública (SSP). Para executar as missões que lhe são delegadas, o batalhão possui quatro com-panhias de patrulhamento tático motorizado, cada uma composta de oito grupos táticos de ações rápidas (GTAR); um grupamento tático de motociclistas (GTM); uma companhia de controle de multi-dões (UCM); e um grupamento de policiamento em estádios (GEPE);

Os GTAR complementam o policiamento ostensivo realizado por outras unidades policiais em áreas

estratégicas. Rafael Sayão

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Grupo Tático de Ações Rápidas

Os GTAR tem como missão principal complementar o poli-ciamento ostensivo já realizado por outras unidades policiais em locais estratégicos para a corporação e onde os índices de criminalidade são mais evidentes, agindo em dias, horários e locais previamente planejados.

Composto por oito militares, cada grupo tático é dividido em duas viaturas do tipo caminhone-te, onde levam consigo munições letais e menos-letais, escudos, coletes balísticos e equipamentos anti-tumulto como tonfa (o po-pularmente conhecido cassetete), gás lacrimogêneo e granadas de luz e som. Os GTAR utilizam-se da doutrina básica de patrulhamen-to tático motorizado agregando a estes os conceitos de “Choque Rápido”, que impõe eficiência, versatilidade e agilidade no cum-primento das missões.

Grupamento Tático de Motociclistas

Responsável pelo motopatru-lhamento tático e pelas missões de escolta, os GTM incorporam os conceitos de grupo tático ao motopatrulhamento tradicional. Em um cenário onde é cada vez mais comum a utilização das mo-tocicletas pelo crime organizado,

o GTM utiliza a versatilidade, ve-locidade e manobrabilidade das motos no combate ao crime nas ruas do estado. Atuando de forma isolada ou em conjunto com os GTAR, as guarnições do GTM são compostas por três motocicletas sendo uma delas equipada com equipamentos com menor poten-cial de letalidade.

Também responsável pelas escoltas de valores e autoridades, o GTM possui uma companhia de escolta que planeja e exe-cuta as missões desta natureza. Seja garantindo a segurança da produção da Casa da Moeda, conduzindo uma autoridade ou transportando um preso, as missões de escolta realizadas pelo BPCHq atingiram um nível eleva-do de proficiência que garante a unidade o status de estar entre os melhores neste tipo de missão no país.

Companhia de Controle de Multidões

As UCM são as responsáveis por uma das principais atividades do batalhão: o controle de multidões e reestabelecimento da ordem pública. Entre as diversas missões que podem ser enquadradas nes-tes dois pilares temos a interdição de uma área urbana ou rural, prevenindo a ação de grupos de manifestantes; restabelecer a ordem pública em situações de

vandalismo; a evacuação de uma área urbana ou rural já ocupada por manifestantes; a desobstru-ção das vias de circulação; e a garantia da integridade do patri-mônio público.

Organizadas por entidades de classe ou até mesmo através de redes sociais, as manifestações de protesto público são cada vez mais frequentes, demandando um maior preparo e aparelha-mento das unidades de choque. Os distúrbios geralmente são formados por um grupo de pessoas em uma situação de desobedi-ência a ordem pública contra autoridades do poder constitu-ído e pode ra-pidamente dar origem a uma violenta turba, uma multidão em completo estado de de-sordem e agita-ção que muitas vezes torna-se agressiva e pre-datória. Contra estas ameaças, para impor uma ação vigorosa, a fim de dis-persar a turba

e realizar as ações de polícia pre-vistas, as tropas utilizam escudos e capacetes anti-tumulto; bastões policiais; munições de impacto controlado, munições explosivas e de emissão lacrimogênea; e via-turas blindadas, de remoção de obstáculos e de canhão d’água.

Grupamento Especial de Policiamento em Estádios

A violência nos estádios já foi um problema grave no Rio de Janeiro e geralmente cada grande clássico carioca era acompanhado da vitimização de algum torce-dor. A situação chegou a níveis preocupantes e levou a Polícia Militar do Rio de Janeiro a criar, em 1991, o Grupamento Especial de Policiamento em Estádios – GEPE, concebido para atuar somente nas dependências do complexo do Maracanã. O bom trabalho realizado parece não ter convencido a então Secretária de Segurança Pública, que extinguiu o grupamento em 1995. Sem a presença do GEPE nos grandes estádios a situação da violência voltou a ganhar proporções alar-mantes e levou a opinião pública a questionar com veemência os motivos que levaram a extinção do grupamento e forçando a rea-tivação da subunidade em 1999.

Com efetivo de 400 homens, o GEPE ocupa provisoriamente as

Os GTM incorporam os conceitos de grupo tático ao motopatrulhamento

tradicional. Carlos Filipe Operti

Militar testa nas ruas da Rocinha, o novo uniforme “azul noite” que será utilizado

pelo BPChoq . Carlos Filipe Operti

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instalações do extinto Batalhão Ferroviário, em Deodoro, e é o responsável pelo policiamento nas áreas internas e externas dos estádios do estado. O clima de tranquilidade que fez com que as famílias retornassem aos campos de futebol no estado do Rio de Janeiro é fruto de um trabalho técnico e altamente qualificado realizado pelo efetivo do GEPE. Ao acompanharmos o trabalho no estádio João Havelange, cons-tatamos que ele é baseado na experiência adquirida e em plane-jamentos precisos que garantem a segurança das delegações e das torcidas em seus deslocamentos, da população ao entrar e sair dos estádios e até mesmo dos árbitros que são “escoltados” ao saírem do gramado. As atividades do grupamento começam muito antes do início da partida e só terminam horas depois. Durante o jogo militares se posicionam em locais estratégicos e nenhuma movimentação passa despercebi-da. Da sala de controle do estádio, um militar do GEPE vasculha com as câmeras cada metro das arqui-bancadas, transmitindo via rádio para os policiais junto à torcida as informações necessárias sobre cada ocorrência. Em um trabalho de parceria com o Juizado Espe-

cial Criminal que funciona no complexo, as ocorrências são rapidamente observadas e processadas, garantindo eficiência na ação.

Um treinamento de cho-que

Para fazer parte das fileiras do Batalhão de Policiamento de Choque, o policial militar precisa passar por um exten-so processo seletivo comum a todos os candidatos, e processos específicos de acordo com o curso que será realizado. De forma geral o candidato precisa ser volun-tário, não estar respondendo a processo administrativo ou judicial, possuir ficha disciplinar sem anotações e ser aprovado em rigorosos testes físico, médico e psico-lógico. Atualmente o BPChq possui quatro cursos de formação para seus militares. O Curso de Ações Táticas em

Motopatrulhamento (CATEM) tem por objetivo formar cabos e sol-dados da PMERJ em técnicas de motopatrulhamento tático. Com duração de 45 dias, são trabalha-das técnicas de pilotagem, técni-cas de abordagem, manutenção básica de motocicletas, entre outras. Também com duração de 45 dias, o Curso de Controle de Distúrbios Civis (CCDC) forma soldados e cabos para atuar no controle de multidões e restabe-lecimento da ordem pública.

Existem também outros dois curso, com o dobro de duração e voltado para oficiais e sargentos. O Curso de Formação de Moto-ciclistas de Escoltas e Segurança (CFOMES) prepara o militar para o planejamento e execução de escoltas de pessoas e materiais. Oferecendo as mesmas discipli-nas do CATEM, tem acrescido em seu currículo planejamento de escoltas, técnicas especiais de pilotagem, retomada e frenagem em alta velocidade e segurança de autoridades. A fim de formar os líderes das tropas e forças de choque, existe o Curso de Opera-ções de Policia de Choque (COPC) que oferece as mesmas discipli-nas do CCDC, porém acrescidas de disciplinas que foquem na atuação do líder como planeja-

REPORTAGEM OP BATALHÃO DE POLICIAMENTO DE CHOQUE DA PMERJmento de operações, explosivos, técnicas de intervenção prisio-nal e operações de choque em ambientes especiais (estações de trens, metrô e barcas).

Com o aumento das solicitações para atuação do batalhão em ações de patrulhamento urbano empregando os GTAR, a unidade está em fase final de criação do Curso Tático de Patrulhamento Urbano (CTPU), que formará soldados, cabos e sargentos em técnicas especiais de patrulha-mento urbano.

A modernização a serviço da tradicão

Recentemente o BPChoq co-meçou a passar por uma grande modernização e reaparelhamen-to. Projetos de aquisição de novas motos e viaturas blindadas estão em curso e novos equipamentos menos-letais e de proteção indi-vidual foram adquiridos recente-mente. Detentor da maior reserva de armamentos da Polícia Militar,

o batalhão possui um inventário variado de armamentos. Além da pistola Taurus PT-100 .40, do fuzil MD97LM 5,56 produzido pela Imbel e da Carabina Colt M4 5,56, equipamentos de dotação da PMERJ, o BPChoq utiliza a pistola Taurus PT-840 .40, o fuzil Imbel MD2 5,56, os tradicionais fuzis 7,62 M964 (FAL) e M964A1 (PARAFAL), a carabina Taurus CT 40, a espingarda PUMP CBC 12, os multilançadores da Condor AM-600 cal. 37/38mm e AM-640 cal. 40mm, a carabina de ar compri-mido FN-303, a pistola de pulso eletromagnético TASER, além de granadas explosivas in e outdoor (efeito moral, luz e som, sinaliza-ção, pimenta e CS), granadas de emissão de agente lacrimogêneo, munições de impacto controlado (borracha e espuma) e espargido-res de agente lacrimogêneo (CS).

Para oferecer mobilidade à tro-pa o Batalhão de Choque conta com uma gama bem variada de viaturas. As motocicletas Yamaha

Policial do GEPE acompanha a movimentação dos torcedores no Centro de Monitoramento do

Estádio Olímpico João Havelange. Rafael Sayão

O Batalhão de Choque foi o responsável pela ocupação da Rocinha antes da

implantação da Unidade de Polícia Pacifi-cadora em setembro de 2012 . Rafael Sayão

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XT660, Yahama XJ6 e Harley Davidson Police Road King de 1200cc dão agilidade e versa-tilidade aos deslocamentos do batalhão. As pick-ups 4X4 Nissam Frontier e Amarok são essenciais nas atividades dos GTAR, assim como as GM Blazer, Renault Logan, Fiat Ducato (transporte de tropa) e caminhões Mercedes Benz garantem a logística das atividades. A viatura blindada do tipo COTAR, conhecida no Rio de Janeiro como “caveirão”, garante o deslocamento da tropa em área sensíveis e deverá ser substituída em breve por um modelo mais moderno e adequado ao terreno onde é empregado.

Diante dos grandes eventos que se aproximam e do novo cenário que se instala na segurança pú-blica do estado do Rio de Janeiro, a demanda por uma polícia cada vez mais atuante e moderna vem aumentando. Dentro desse con-texto o Batalhão de Policiamento de Choque tem recebido aten-ção especial, como demonstra o planejamento para modernização da unidade como um todo, em preparação para 2014 e 2016, e que já se reflete no trabalho realizado na favela da Rocinha e no complexo do Alemão. Os próximos anos com certeza verão o Batalhão de Policiamento de Choque mais capaz e com maior proeminência na segurança pú-blica do estado.

Apontado como responsá-vel por levar a paz para o interior dos estádios do

Rio de Janeiro, o Grupamento Especial de Policiamento em Estádios, comadandado pelo Tenente Coronel João Fioren-tini, vem conseguindo que as partidadas de futebol realizadas no Rio de Janeiro sejam sempre revestidas de tranquilidade.Como futura sede da Copa do Mundo 2014 e das Olimpíadas 2016, cresce a demanda da Po-lícia Militar do Estado do Rio de Janeiro por aprimorar as técnicas de controle de multi-dões e buscar, junto a países igualmente experientes neste tipo de ação, a troca de experi-ências e informações que agre-guem ainda mais capacidade ao planejamento. À frente deste processo está o Escritório de As-suntos Estratégicos para a Copa do Mundo 2014 e Jogos Olím-picos 2016 (ECO), chefiado pelo Tenente Coronel Edison Duarte dos Santos Junior. Foi este es-critório que recentemente idea-lizou e realizou um importante evento envolvendo autoridades policiais brasileiras e argentinas.

Com o apoio do Cônsul Raul Ailan, do Consulado Geral da Argentina no Rio de Janeiro, dois integrantes do Cômite Provincial de Seguran-ça (COPROCEDE) de Buenos Aires estiveram no estado durante a re-alização de dois jogos entre times do Rio de Janeiro e da Argentina pela Copa Libertadores 2012. Além de estreitar os laços profissionais e proporcionarem uma pertinente troca de experiências, o Comissário Maior Ruben Perez e o Comissário Inspetor Alejandro Spinedi, pude-ram conhecer o Estadio Olímpico João Havelagne (Engenhão) e fica-ram positivamente impressionados com o trabalho realizado pelo GEPE. O encontro serviu também para aplicar de forma pioneira no Brasil a estratégia de utilização de Spotters em eventos desportivos, prática muito comum na Europa. Como ob-servadores treinados, os policiais na função de spotter utilizam os uni-formes de suas respectivas polícias e, posicionados em locais de acesso do público, são facilmente identifi-cados pelos torcedores oriundos de seu país. Além de intimidar os mais exaltados, que seriam facilmente re-conhecidos, os spotters simbolizam para os torcedores mais pacíficos a

Spotter em campo

certeza de que ali está um poli-cial que compreende suas dife-renças culturais e linguísticas.A Revista Operacional foi convi-dada para acompanhar a visita da delegação argentina e sua atuação como spotter durante o jogo Fluminense e Boca Juniors, realizado no Engenhão. Os po-liciais portenhos posicionados na entrada dos torcedores do Boca eram rapidamente reco-nhecidos e inclusive tiravam fo-tos com seus compatriotas. Du-rante o jogo os policiais fizeram questão de estar próximos aos torcedores argentinos durante a partida e observar atentamente a conduta do grupo. Policiais do GEPE detiveram um torcedor ar-gentino que fazia uso de entor-pecentes no estádio e imediata-mente os demais torcedores se aproximaram dos policiais ar-gentinos para que estes apoias-sem nas formas da lei o torcedor detido. A atividade diplomática estava sendo exercida pelos operadores de segurança pú-blica no próprio estádio. Além de atuarem como spotters, os policias argentinos conheceram o modus operandi da PMERJ no policiamento de cada ponto e momento do jogo; visitaram o centro de emergências médicas do estádio, onde conversaram com médicos e socorristas; e ficaram muito impressionados com o centro de controle e mo-nitoramento do Engenhão. Um mês após, a PMERJ enviou três oficiais brasileiros para acompanharem clubes cariocas e conhecerem o trabalho do CO-PROCEDE na cidade de Lanus, na Argentina. Com planejamento inteligente e adoção de práticas de sucesso no exterior, o ECO vem trabalhando para preparar com eficiência, em níveis táti-cos, doutrinários e operacionais, a Polícia Militar para receber os grandes eventos esportivos que se aproximam. OP

OP

Tenente Coronel João Fiorentini, do GEPE; Tenente Coronel Edison Duarte dos Santos Junior, do ECO; e integrantes do

Cômite Provincial de Segurança de Buenos Aires. Rafael Sayão

Policiais do Choque treinam entradas táticas nas dependências

do Batalhão. Carlos Filipe Operti

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O Batalhão de Políciamento de Choque, com o objetivo

de melhor atender sua deman-da operacional, adquiriu novos e modernos equipamentos de proteção individual . Batizada pela tropa de “soldado universal” e muito semelhante ao modelo usado na França e na Inglaterra, a nova roupa de controle de distúr-bios urbanos apresenta o que há de mais moderno no mercado.As UCM são as responsáveis por uma das principais atividades do batalhão: o controle de multidões e reestabelecimento da ordem pública. Contra estas ameaças as tropas, além do equipamento de proteção individual, utiliza munições de impacto controlado, munições explosivas e de emissão lacrimogênea; viaturas blindadas, de remoção de obstáculos e de canhão d’água.

SOLDADO UNIVERSALARTE RAFAEL SAYÃO

REPORTAGEM OP BATALHÃO DE POLICIAMENTO DE CHOQUE DA PMERJ

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EscudoComposto de duas peças; a principal, que é formada pelo escudo propriamente dito, composto pela placa frontal, e a secundária, que é composta pela placa interna, que tem por objetivo uma alta absorção e dissipação da energia. Incolor, permite que o militar visualize a área a sua frente.

TonfaO bastão é liso e formado por uma haste com 580 mm de comprimento e 32 mm de diâmetro. Pesa aproximada-mente 600 gramas.

CapaceteO capacete é confeccionado em material de acetato--bute-estireno (ABS) que proporciona proteção integral ao crânio, alta resistência à penetração de ob-jetos pontiagudos e alta capacidade de absorção de energia ao sofrer impactos. Possui uma Resistência à tração de (CC) 520 kg/cm. A viseira confeccionada em chapa de policarbonato permite ao policial utilizar a máscara de gás . A cor azul ajuda a identificar o militar no meio da turba.

Colete anti-trauma para ser usa-da em operações de controle de distúrbios civis. Protege o tron-co e os ombros contra pancadas e objetos arremessados, absor-vendo o impacto, diminuindo os danos à integridade física e possibilitando a permanência do militar em atividade. É leve e resistente e não interfere na mobilidade. É composto de material termoplástico polieti-leno de alta densidade injetado, com capacidade de absorção de energia ao sofrer impactos.

Protetor de cotovelo e antebraçoComposto de uma peça de material termoplástico, almofadado com espu-ma de borracha e pesando aproxima-damente 500gramas. É forrado inter-namente com tecido antitranspirante, bactericida e antimicrobial, sendo capaz de absorver a transpiração e proporcionar a refrigeração do corpo.

Protetor pélvico, de cintura e coxas

Composto de placa frontal em polietileno de alta densidade in-

jetado. Todo o conjun-to pesa aproximada-mente 1000 gramas.

Proteção do tronco e ombros

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TEXTO CARLOS FILIPE OPERTI

Quem mora nas grandes metrópoles brasileiras já deve ter se deparado

com a cena: um grupo de motos Harley-Davidson, com o som característico de seus motores, abrindo caminho pelo trânsito, bloqueando vias por alguns ins-tantes e fazendo muito barulho com suas sirenes; normalmente acompanhados de um comboio, seja de veículos militares ou de autoridades. Imediatamente, ao presenciar a ação, vêm à cabeça o pensamento: é a PE (Polícia do Exército). Porém, muitos desco-nhecem que essas motos podem ter diversas origens entre a Mari-nha, o Exército e a Aeronáutica.

No Exército a função de escolta com motocicletas (batedores) é dividida entre a PE, com seus diversos batalhões espalhados pelo país, e o 1º Batalhão de Guardas, localizado na cidade do Rio de Janeiro. Situado no bairro de São Cristóvão, o 1º BG é tropa de pronto emprego do Comando Militar do Leste e, atualmente, é referência na atividade de escolta militar sobre duas rodas.

As pioneiras e o desenvolvimento

Nos termos militares, batedor é aquele que bate o terreno, que

se desloca à frente para reconhecer e fornecer segurança. Até então realizada a pé ou com o empre-go de cavalos, foi somente em meados da metade do século XX, principalmente a partir da Segunda Guerra Mundial, que essa missão passou a ser executada por motocicletas. Desde então o termo também é utilizado para o motociclista que realiza a escolta de comboios e autoridades.

As primeiras motocicletas do Exército chegaram ao país em 1945, depois de terem sido usadas pela Força Expedicioná-ria Brasileira na campanha da Itália durante a Segunda Guerra Mundial. Com utilização ainda incipiente e sem uma doutrina formada para a operação das mesmas, as duas Harley-Davidson modelo WLA 42 eram da dotação da recém-criada Polícia do Exérci-to e assim permaneceram após o retorno da tropa ao Brasil. Elas se mantiveram as únicas até o final da década de 40, quando o Exér-cito Brasileiro efetuou a compra de novas motocicletas Harley-Da-vidson, equipadas com “sidecar” e metralhadoras, entregando-as ao

então denominado Batalhão de Guardas. A essa época o BG tinha entre suas atribuições a função de patrulhamento urbano, e para tal passou a empregar as motocicle-tas artilhadas.

A partir dessa época as motos passaram também a ser utilizadas para missões de escolta de com-boios militares e de autoridades (civis e militares), porém sem uma definição clara de necessidades, atribuições e organização da atividade. No próprio Exército ainda não havia uma mentalidade para a operação de motocicletas em escoltas de maneira regular. O emprego delas era esporádico e passava pela disponibilidade dos meios. Não havia planejamento prioritário para a manutenção das motos que, por serem importa-das, sofriam com todos os óbices que esse status representava

até o final do século passado, e dependia-se muitas vezes de ações individuais para que hou-vesse motocicletas em condições de cumprir as atividades. Toda-via, ainda que lentamente, esse quadro foi aos poucos se modi-ficando. Ao longo das décadas novas motocicletas foram sendo adquiridas (sempre da marca Harley-Davidson, eventualmen-te testando-se outras marcas, porém sem que elas demons-trassem condições de substituir as “Harleys”) e a atividade foi naturalmente se desenvolvendo. Entretanto, foi apenas no início da década de 90 que houve o primeiro salto no reconhecimento da motocicleta como ferramenta de grande valia.

Em 1992 o Rio de Janeiro sediou a ECO92, evento internacional para a discussão sobre o meio

O Pelotão Águia do 1º BG e a função de escolta com motocicletas.

O Pelotão Águia conta com 20 Harley Davidson Road King de 1690 cilindradas. Carlos Filipe Operti

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ambiente. Como peça chave do esquema que garantiria a segu-rança de mais de uma centena de chefes de Estado, além de auto-ridades nacionais e internacio-nais diversas, o Exército viu que precisaria incrementar a atividade de escolta para permitir o trânsito rápido e seguro pela cidade dos signatários sob sua responsabi-lidade. Em função disso foram adquiridas mais motocicletas da marca americana e mais atenção foi dada à operação delas dentro do dispositivo montado para o evento. O já então denominado 1º Batalhão de Guardas recebeu parte dessas novas motos e teve atuação proeminente no desem-penho das funções de escolta durante a ECO92.

O Pelotão ÁguiaEntretanto, foi apenas com o

início do planejamento para os Jogos Mundiais Militares, ocorri-dos em Julho de 2011, que houve uma mudança de paradigma na percepção do Exército Brasileiro sobre a importância das moto-

cicletas na atividade de escolta. Novamente a necessidade de prover a segurança do desloca-mento de grande número de autoridades foi a mola condutora dessa renovação de pensamento. Com o dinheiro dos Jogos foram adquiridas novas motocicletas, distribuídas entre o 1º Batalhão de Polícia do Exército (RJ), a Com-panhia de Polícia da 4ª Região Militar (Belo Horizonte) e o 1º BG. Dentro desse contexto o pelotão de motocicletas do 1º Batalhão de Guardas foi remodelado, em 2010, passando a ser denominado Pelotão Águia, com estrutura para dar suporte dedicado às motoci-cletas e motociclistas da unidade.

Atualmente o Pelotão Águia conta com 20 motocicletas Harley-Davidson do modelo FLHP Road King Police ano 2010 com motor de 1690 cilindradas, dois cilindros em V, refrigerado a ar e com injeção eletrônica. No prédio destinado ao pelotão, além de uma sala administrativa e uma sala de instrução, existe uma garagem com capacidade

para até 25 motos, uma oficina com dois elevadores e um box de lavagem. Essa estrutura de manutenção, existente desde 2010, foi montada pela própria Harley-Davidson de acordo com os padrões de qualidade que a

marca estipula para suas instalações. Além disso, o pelotão possui mecânicos treinados pela universida-de da Harley-Davidson em Milwaulkee, nos EUA, e na escola da fabricante em São Paulo. O que não pode ser resolvido no próprio 1º BG é enviado para a assis-tência técnica da empresa no Brasil, de maneira que o índice de disponibilidade das motos hoje em dia é satisfatório.

A responsabilidade de comandar o Pelotão Águia é de um 1º Tenente, e o restante do seu quadro de pessoal é formado por um 2º Tenente (subcoman-dante), um 1º Sargento,

um 3º Sargento, dois Cabos e 12 soldados. Todos são motociclistas e, além destes, os militares do Batalhão habilitados na função de batedor, mas que estejam desem-penhando outras funções dentro da unidade, também tomam parte das missões de escolta com motocicleta, garantindo que haja uma massa crítica de homens em condições operacionais para atuar caso seja necessário.

O Pelotão possui ainda 10 motos Honda XRE-300 que são utilizadas no curso de motoci-clista militar e no de motociclista militar de combate.

Escolta com batedor A missão do batedor é, em

síntese, uma só: o comboio não pode parar. Ao contrário do que pode parecer para muitos, não é dele a responsabilidade pela segurança aproximada e osten-siva dos “escoltados”. Em último caso, em uma emergência, o batedor pode fazer a abordagem inicial da ameaça utilizando a

O cerra-fila é responsável por evitar infiltrações pela retaguarda do comboio. Carlos Filipe Operti

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arma individual, que no 1º BG é a pistola 9 mm, Beretta ou IMBEL, contribuindo para a evasão do comboio. Em situações normais, é responsabilidade da escolta manter o eixo de deslocamento livre para a passagem do com-boio, permitindo velocidade constante (o que é considerado aspecto obrigatório). Isso se dá com o controle e a desobstrução do trânsito à frente e ao redor da comitiva, bloqueando vias e cruzamentos, de maneira que nenhum automóvel ou pedestre cruze na frente do grupo, e recha-çando a aproximação excessiva dos demais veículos.

Para que isso seja cumprido a contento, é necessário um pla-nejamento prévio apurado. A segurança é o principal fator a ser considerado, e influencia todos os outros aspectos. A rota traça-da deve levar em conta os locais por onde se vai passar, com cuidado especial para iden-tificar pontos críticos (como regiões violentas, com trânsi-to conhecidamente perigoso, etc); se há rotas alternativas para o caso de engarrafamen-tos ou emergências, e se essas alternativas são seguras. Um ponto importante na escolha do itinerário é o cuidado com as características do caminho: deve-se evitar ao máximo passar por túneis e por vias que não possuam opções de saída. Por isso nem sempre o menor caminho é o mais

indicado. Há ainda os aspectos logísticos: o uniforme da equipe, que varia de acordo com a impor-tância e o tipo da escolta; pontos de reabastecimento, dependendo da missão; pontos de reunião em caso de emergência; quantidade de motocicletas necessárias (o Pelotão Águia emprega normal-mente oito ou nove motos em missões consideradas normais). Há também o estudo da velo-cidade mais adequada para o comboio nos principais pontos do trajeto. Por fim, é extrema-mente importante a definição dos procedimentos de coordenação e controle e a distribuição das funções dentro da equipe.

A descrição das funções de cada elemento da célula de escolta nos permite compreender com mais precisão a dinâmica dos movimentos realizados, que não são aleatórios. O comandante

da escolta é o responsável por planejar, realizar o reconhecimen-to do trajeto, executar e fiscalizar todas as fases da escolta, cabendo também a ele tomar as decisões que sejam necessárias durante o andamento da missão e ficar em contato com o comandante do comboio. Ele ocupa uma posição de ala, e deve estar apto a assu-mir qualquer função; o regulador trafega sempre à frente do com-boio, e dita o ritmo de desloca-mento do mesmo, mantendo as velocidades pré-determinadas no planejamento. Ele também controla o tempo de deslocamen-to, precisa dominar os detalhes do trajeto e verifica a fluência do trânsito; os pontas são aqueles que vão à frente do comboio para proporcionar trânsito livre, bloqueando ruas, cruzamentos e agulhas e controlando o tráfego. Essa função requer muita atenção

do batedor, pois ele precisa agir de modo a não colocar em risco a segurança do comboio e dos carros e pedestres que estejam no caminho. A liberação do tráfego só é feita após a passagem do último veículo do comboio, quan-do então o batedor utiliza toda a capacidade de aceleração da moto para ultrapassar o comboio e novamente bloquear outra via (manobra chamada de recupe-ração). Para dar conta de fazer os bloqueios no tempo correto há um revezamento entre os pontas, sempre que uma parte deles está bloqueando uma via, a outra par-te está recuperando para fazer o bloqueio à frente; os alas deslo-cam-se pelas laterais do comboio para evitar que outros veículos cruzem, se aproximem ou se infil-trem no mesmo, além de atentar para a distância entre as viaturas; e o cerra-fila permanece sempre à

retaguarda do comboio, para marcar o seu final e também manter a integridade dele, evitando infiltrações. Nessa função o batedor fica cons-tantemente trocando de fai-xa, e geralmente é um mecâ-nico encarregado de prestar socorro a alguma moto que tenha problemas.

Para comunicar-se entre si a equipe utiliza gestos pré--determinados com as mãos e braços, que podem significar comandos para manobras ou mesmo aviso de obstáculos e trânsito à frente. São cerca

REPORTAGEM OP GRANADEIROS SOBRE RODAS

Uma WLA 42 lidera o Pelotão Águia no desfile de Sete de Setembro. Carlos Filipe Operti

Carlos Filipe Operti Carlos Filipe Operti

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de 10 gestos padroni-zados. Em alguns casos é possível também utilizar o auto falante da própria moto.

Mas nem tudo são flores nas atividades dos batedores. Prin-cipalmente no Rio de Janeiro, é preciso lidar com o desrespeito às leis de trânsito e aos co-mandos e solicitações do motociclista, sem contar com a desaten-ção crônica de muitos motoristas. Na Cidade Maravilhosa o cuidado precisa ser redobrado, e às vezes é preciso insistir muito para conseguir blo-quear uma via, um acesso ou um cruzamento. Além disso, buracos, obstáculos (como tachões que dividem faixas e bueiros desnive-lados) e pistas molhadas tornam a condução um desafio, levando--se em conta o perfil de direção que eles precisam empreender. E mesmo assim acidentes ocor-rem. Não raro é necessário lidar também com desacatos e xinga-mentos proferidos por cidadãos insatisfeitos. É uma tarefa des-gastante, principalmente para os pontas. Porém, há os momentos de compensação em que, por exemplo, o destino de uma ou mais pessoas pode estar na mão deles, quando uma ambulância ou carro dos Bombeiros cruza o caminho dos batedores voltando de uma missão, e estes não se fur-tam em abrir espaço para auxiliar na emergência.

Formando motociclistas mili-tares e motociclistas militares de combate

Para suprir o seu quadro de ba-tedores o 1º Batalhão de Guardas realiza anualmente o Estágio de Adaptação a Motociclista Militar para oficiais e praças, inclusive para militares da Polícia Militar do Rio de Janeiro e representantes da Polícia Rodoviária Federal e da Guarda Municipal do Rio de Janei-ro. O curso tem 10 semanas de duração, e começa com instrução teórica e prática de mecânica e técnicas de pilotagem, com as motos Honda XRE-300 e Harley--Davidson Road King. A parte inicial é realizada dentro do quar-tel do 1º BG, que possui amplo espaço para o aprendizado, onde os alunos aperfeiçoam o controle e a condução da moto antes de irem para a rua. Somente após a adaptação completa eles seguem para a prática no trânsito, com

diferentes níveis de dificuldade, culminando na realização das chamadas escol-tas-escola para adquirir experiên-cia e avaliação do que foi apreendi-do. Durante esse período também são ensinadas lições básicas de primeiros socor-ros para aciden-tes com motos, direção defensiva, técnicas de escol-

ta, perseguição e abordagem com motos.

A instrução inteira se funda-menta na segurança, pessoal e do grupo, nos princípios da pilota-gem segura e no trabalho em equipe. Um aspecto importante, indispensável para o alcance dos objetivos anteriores, é o apren-dizado da legislação de trânsito. Pelas características das missões de escolta, onde o batedor às vezes precisa adotar um perfil arrojado de direção e está sempre bloqueando vias e bloqueando/redirecionando o tráfego local, é fundamental o conhecimento das leis e regras, pois ele acaba atuan-do como um agente de trânsito, com todas as responsabilidades que vêm a reboque.

Além do curso de batedor, no Pelotão Águia também são for-mados os motociclistas militares de combate da Força Terrestre. A necessidade surgiu quando o Exército iniciou a ocupação dos complexos de favelas da Penha e do Alemão, no Rio de Janeiro, onde as características do terreno impunham muitas dificuldades (em alguns casos inviabilizavam) à utilização de viaturas de qua-tro rodas. Na ocasião o 1º BG era a unidade que apresentava as melhores condições técnicas e de material para preparar, em curto espaço de tempo, um curso para formar militares especializados nessa missão. Um ponto a favor foi o fato de possuir homens com o curso de motopatrulhamento do Batalhão de Choque da PMERJ.

A doutrina para esse tipo de

operação exige a utiliza-ção da moto sempre com dois homens, e o curso permite que os alunos sejam capazes de realizar motopatrulhamento em áreas de difícil acesso, tiro embarcado e durante deslocamento, abordagem policial, pilotagem on-road e off-road, além de técni-cas básicas de pilotagem e manutenção, primeiros socorros e regras de trân-sito. A doutrina também preconiza a atuação em duplas de motos, totali-zando quatro homens por fração, com os garupas sempre armados de fuzil

ou escopeta. O curso é ministrado nas instalações do 1º BG, na favela Tavares Bastos, na Zona Sul do Rio de Janeiro (onde está localizada a sede do BOPE, Batalhão de Ope-rações Especiais da PMERJ), na favela-escola montada no campo de instrução de Gericinó, (na Zona Oeste) e nas próprias favelas então ocupadas.

Apesar de ministrar o curso, o 1º BG não atua operacionalmente nesse tipo de missão, que é cum-prida por unidades de cavalaria, de infantaria paraquedista e de infantaria leve. As 10 motos Hon-da modelo XRE-300, tipo trail, são iguais às utilizadas no combate, e foram escolhidas pela facilidade de pilotagem e transporte, mane-abilidade, peso, cilindrada e baixo custo, com a manutenção sendo feita no próprio batalhão. Elas possuem motor de 291 cilindra-das tipo DOHC, monocilíndrico, quatro tempos, arrefecido a ar e com injeção eletrônica.

Para os próximos anos há a certeza de que a atividade vai crescer, principalmente com a aproximação dos grandes even-tos que marcarão essa década no país e, principalmente, no Rio de Janeiro. A Copa do Mundo de 2014 e as Olimpíadas de 2016 já estão demandando planejamen-to (e investimento) por parte do governo no que diz respeito à escolta de autoridades, e o 1º Ba-talhão de Guardas, como unidade de vanguarda, será ainda mais exigido em suas capacidades, que foram testadas (e aprovadas) recentemente na Rio+20. OP

Rafael Sayão

Rafael Sayão

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Exatamente 188.455 quilô-metros! Este número que im-pressiona por sua grandeza representa a soma do desloca-mento total das motocicletas empregadas no elemento mais sensível de todo o esquema de segurança da Conferência das Nações Unidas sobre Desenvol-vimento Sustentável: a escolta de autoridades.

A missão de conduzir em segurança e com rapidez os principais players do encontro demandou uma coordenação complexa e precisa atribuída ao 1º Batalhão de Guardas, uni-dade de referência do Exército Brasileiro no emprego de mo-tocicletas para fins militares.

No comando das 458 motos empregadas na operação esta-va um vibrante batedor, o Cel Alfredo de Andrade Bottino, comandante do 1º BG. Há exa-tos vinte anos atrás, o então tenente, atuou como batedor durante a Eco 92 e agora tem a oportunidade de reviver esta experiência.

- Me sinto orgulho por ter participado da Eco 92 como te-nente e, agora, comandar uma ação tão importante como essa. Na Eco 92 circulavam menos veículos pela cidade, o trabalho era menor, mas agora podemos ter as mudanças no roteiro das autoridades para visitarem os morros cariocas,

que são muitos mais do que na época. Quando nem se pensa-va em UPPs, tive um trabalho danado para convencer uma autoridade a não visitar a Roci-nha para garantir sua seguran-ça e a da população que vive lá.

Na fase de planejamento da operação houve uma grande troca de experiências entre os órgãos envolvidos, principal-mente junto a Polícia Rodoviá-ria Federal e a Polícia Militar do Estado do Rio de Janeiro. Antes mesmo da definição do modus operandi, os itinerários já ha-viam sido definidos e a coor-denação junto a CET/RIO viabi-lizou um estudo aprofundado para minimizar os transtornos ao trânsito da cidade.

As escoltas realizadas pelos batedores durante a Rio+20 eram classificadas como de alto, médio e baixo riscos. Contudo, independente de

classificações, cada equipe era monitorada metro a metro pelo Centro de Coordenação de Motocicletas, instalado nas dependências do 1º BG. Du-rante todos os dias da Rio+20 o CCM era um dos locais mais agitados dentro de todo o con-texto de segurança. Cada uma das organizações envolvidas possuía um elemento de liga-ção no centro, o que facilitava a comunicação do comando com cada equipe. Além de um funcional sistema de rádios que informava cada movimentação das equipes ou dos chefes de estado, sistemas de rastrea-mento foram instalados nas motocicletas oferecendo infor-mações importantes como a localização das equipes de ba-tedores na missão e até mesmo a velocidade desenvolvida pelo comboio. O rádio operador do CCM era informado, por uma

As motocicletas na Rio+20TEXTO RAFAEL SAYÃO

Imagem aérea da maior concentração de motociclistas militares da história do país. Rafael Sayão

REPORTAGEM OP GRANADEIROS SOBRE RODAS

Batedores da PRF aguardam seu comboio no Riocentro. Rafael Sayão

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unidade avançada localizada no Aeroporto Internacional Antônio Carlos Jobim, sobre a chegada de cada autoridade na cidade. Complementando a coordenação de motocicletas, mais dois centros de coordena-ção móvel foram instalados na área externa do Forte do Leme e no Riocentro. A proximida-de do Leme com os principais hotéis da Zona Sul da cida-de garantiam que as equipes permanecessem de prontidão mesmo quando o escoltado não estivesse em deslocamen-to. No Riocentro, um ônibus comando da Polícia Rodoviá-ria Federal fazia sua estreia em uma operação real e mantinha contato rádio constante com o Centro de Coordenação de Mo-tocicletas. O ônibus modelo W9 Fly chamou a atenção de quem conseguiu avistá-lo estaciona-

do discretamente debaixo de algumas árvores. Dotado de sala de reuniões e monitora-mento, avançados recursos tec-nológicos, uma câmera de vigi-lância de 360º instalada em um mastro de 9 metros de altura e até mesmo cama e banheiro, o equipamento mostrou toda efi-ciência operacional esperada pela PRF durante a conferência.

O esforço para garantir a reali-zação de todas as escoltas sem o registro de nenhuma ocorrên-cia contou com a participação de 11 instituições. O Exército Brasileiro se fez presente com o 1º Batalhão de Guardas (27*), o 1º Batalhão de Polícia do Exérci-to (24), o 2º Batalhão de Polícia do Exército (8), o Batalhão de Polícia do Exército de Brasília (9), a 1ª Companhia de Polícia do Exército (2) e a 4ª Compa-nhia de Polícia do Exército (5);

além destes, participaram bate-dores da Marinha do Brasil (24); da Força Aérea Brasileira (18); da Polícia Militar do Estado do Rio de Janeiro (48); da Guarda Municipal da Cidade do Rio de Janeiro (30) e da Polícia Rodovi-ária Federal (263). Maior efetivo dentre as equipes, a PRF contou com a participação de agentes de quase todos os estados do Brasil, sendo Roraima o único estado a não enviar policiais fe-derais para a missão.

Segurança além das duas rodas

Enquanto as autoridades eram conduzidas pelos bate-dores, um complexo esquema de segurança era coordenado pelo Centro de Coordenação de Operações de Segurança (CCOpSeg) da Rio+20. Instala-do no Comando Militar do Les-

te e guarnecido por elementos de todos os órgãos envolvidos no esquema de segurança, o CCOpSeg detinha controle so-bre o Centro de Coordenação de Motocicletas e vários outros valiosos recursos operacionais.

A Força Aérea Brasileira além de garantir a segurança de suas instalações envolvidas no rece-bimento das delegações, man-tinha seus principais vetores aéreos a disposição da missão. Já a Marinha do Brasil, manteve navios patrulhando e guarne-cendo toda a extensão da orla carioca, garantindo segurança contra as ameaças que pudes-

O ônibus comando da Polícia Rodoviária Federal operou como posto avançado do CCM. Rafael Sayão

sem se aproximar por vias ma-rítimas.

Para que a segurança da conferência fosse garantida, 26 organizações públicas e 13 ministérios foram envol-vidos. O investimento de R$ 132,8 milhões foi o maior já empregado até hoje pelo país na salvaguarda de um evento. Tamanho investimento parece ter surtido efeito garantindo que o encontro fosse realizado sem a anotação de nenhuma ocorrência relevante. O insu-cesso que parece ter tomado o cenário diplomático durante a Rio+20, não se fez presente durante a execução do plano de segurança e mostrou que o Brasil, de certo modo, vem fa-zendo o “dever de casa” visan-do os próximos eventos que se aproximam.

Com a segurança de quem

contribuiu, mais uma vez, para o sucesso de um encontro mundial no país, o coordena-dor geral Centro de Coordena-ção de Motocicletas, resumiu em poucas palavras a mensa-gem deixada pelo Brasil ao final da conferência.

“Além de demonstrar para todos os chefes de estado que nós temos a capacidade de rea-lizar a segurança de todos eles, nós estamos mostrando para o mundo nossa capacidade de organizar grandes eventos” – declarou o Cel Alfredo de An-drade Bottino.

* Número de motos cedidas a operação.

O CCOpSeg coordenou todo o esquema de segurança da Conferência. Rafael Sayão

Do CCM instalado no 1º BG, foram coordenadas todas as escoltas da

Rio+20. Rafael Sayão

OP

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O CERRADO VIROU

MAR TEXTO E FOTOS CARLOS FILIPE OPERTTI

Como a Marinha treina sua tropa em situações reais de emprego de armamento, simulando uma operação anfíbia a 1200km do oceano.

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Para isso o CFN conta com a Força de Emprego Rápido (FER), composta por aproxi-

madamente 2200 homens, que é a parcela da Força de Fuzileiros da Esquadra (FFE) que precisa estar pronta em no máximo 48h após ser acionada. Em qualquer crise que ocorra e que demande a pre-sença dos Fuzileiros, é a FER que será acionada imediatamente.

Quando a crise política no Haiti evoluiu para um quadro de completa desordem, em 2004, os Fuzileiros Navais foram acionados para fazer a evacuação de civis brasileiros e reforçar a segurança da embaixada brasileira no país. Entre a diretiva que acionou a tro-pa da Marinha, à decolagem da aeronave da Força Aérea Brasileira rumo a Porto Príncipe, capital da nação caribenha, se passaram 16h. Foram as primeiras forças a chegarem ao local, junto com equipes dos Estados Unidos.

Às 17h do dia 24 de Novem-bro de 2010 a cúpula da (FFE) retornava de um exercício com tropas e blindados no litoral do Espírito Santo quando, no meio do caminho, chegou por telefone uma solicitação para a Secretaria de Segurança Pública do Rio de Janeiro. Sem nenhum contato ou planejamento prévio, era o pedi-do de cessão de alguns blindados

e homens para o que viria a ser a invasão da Vila Cru-zeiro e do complexo de favelas do Alemão, e pou-co mais de 12h depois os meios já estavam prontos para serem utilizados.

Em Janeiro de 2011 a Marinha montou, em me-nos de 24h, um hospital de campanha completo na cidade de Nova Fribur-go, no estado do Rio de Janeiro, praticamente iso-lada e fortemente afetada pela catástrofe ambiental que acometeu a região serrana fluminense. Na-quela ocasião o hospital permaneceu funcionando por 14 dias.

Manter essa capacidade de prontidão operativa, com flexi-bilidade, tem sido uma das princi-pais metas do Corpo de Fuzileiros Navais. Alguns fatores podem ser elencados para explicar o nível de resposta do CFN às situações, considerado satisfatório para os padrões que a Marinha projeta. Um deles é a profissionalização: a tropa dos Fuzileiros é100% com-posta por militares profissionais, selecionados por concurso. Outro ponto é o seu tamanho; se com-parado com o Exército, o Corpo de Fuzileiros Navais é uma força

compacta, reflexo da sua doutrina de utilização, que é o emprego imediato em situações de cri-se, não sendo uma tropa para atuar longos períodos avançando dentro do teatro de operações. O seu porte permite que a tropa seja dotada de equipamentos e armamentos mais modernos, demandando menor manuten-ção, apresentando menor taxa de falhas, e permitindo a implemen-tação de doutrinas mais atuais.

Por fim, talvez o principal fator contribuinte para manter a capa-

cidade de reação rápi-da seja o treinamento constante da tropa e seus meios. Anualmen-te o Corpo de Fuzileiros Navais empreende uma programação de instrução que tem como principal objeti-vo colocar seus ho-mens o mais próximo possível das condições do campo de batalha, pois para manter a capacidade de rea-ção rápida, de pronto emprego, ser flexível para todas as crises, é necessário promover atividades realistas.

Adestrar, adestrar, adestrarO planejamento de todas as

atividades de instrução da FFE começa sempre no final do ano anterior. São definidas inúmeras atividades que envolvem não só o combate em si, mas também exercícios de logística, comando e controle e planejamento. Nesse âmbito destaca-se o apoio do Centro de Jogos do Centro de Instrução Almirante Sylvio de Camargo, com simulações que privilegiam a capacidade de pla-nejamento, onde são empregadas todas as possibilidades que o Poder Naval permite nos casos de crise ou até mesmo na evolução para um conflito armado.

A instrução de combate começa geralmente em março, no Centro de Avaliação da Ilha da Maram-baia (CADIM), no Rio de Janeiro. Ali, ao longo de praticamente dois meses, são trabalhadas as condutas individuais e de peque-nas frações de tropa, que realizam fogos com as armas portáteis e de porte e outras de menores calibres. Quase todo o efetivo da FFE passa pela ilha nesse período, separadamente.

Fazem parte também do calendário exercícios em Itaóca, no litoral do Espírito Santo, e em

O Corpo de Fuzileiros Navais é uma força expedicionária por natureza. Sua função primordial é atuar em situações de crise, internamente e externamente, que demandem o emprego imediato de tropas, de maneira flexível e em qualquer lugar. Sempre que houver necessidade, a Marinha tem que estar pronta para responder imediatamente.

Fuzileiros ensaiam para a demonstração operacional. Carlos Filipe Operti

A interação homem/blindado é crucial para o sucesso das operações. Carlos Filipe Operti

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Carro Lagarta Anfíbio CLAnf AAV7A1 em ação. Carlos Filipe Operti

Três Corações, em Minas Gerais. Na praia capixaba, num gigan-tesco terreno de propriedade da Marinha, os Fuzileiros realizam o desembarque da força a par-tir dos navios de transporte da Esquadra, mas com o porém de o local não comportar a penetração

de grandes efetivos em gran-des distâncias terreno adentro, além de não permitir o tiro real. Lá é possível simular uma típica operação anfíbia com tomada de uma cabeça de praia. Em Três Corações, no campo de instrução do Exército, se executa o desdo-

bramento da tropa no terreno, com emprego de munição real. Pelas características e o tamanho do campo, esse exercício conta com a participação de um efetivo equivalente ao de um batalhão de infantaria de Fuzileiros Navais, e tem restrições na utilização de artilharia de longo alcance. Além destes e outros, ao longo do ano também são executados os ades-tramentos regulares e de forma-ção de efetivo de cada unidade individualmente.

O ato final do calendário de treinamento da FFE é a Operação Formosa, realizada na cidade de mesmo nome, no estado de Goiás. Ali está localizado o Campo de Instrução de Formosa (CIF), “casa” do 6º Grupo de Lançadores Múltiplos de Foguetes do Exér-cito, unidade equipada com os lançadores de foguete ASTROS II, da AVIBRAS. Com 30 km de largu-ra e 52 km de comprimento, uma área equivalente à do município do Rio de Janeiro, ele permite, sem restrições, desdobrar efetivos

maiores, do porte de brigada anfí-bia, com dois batalhões à frente e mais um batalhão se deslocando, com todo o movimento, toda logística e empregando todas as armas do inventário do CFN, com total segurança.

Todas as principais atividades do calendário são desenvolvidas e executadas com o objetivo de serem praticadas em Formosa em um único movimento conjunto, e com o maior nível de realidade possível. É a coroação do ano de adestramento da FFE; o maior e mais completo evento de prepa-ração da tropa da Marinha.

PlanejamentoA Operação Formosa começa

um ano antes, quando o coman-do da FFE emite as diretrizes e objetivos para o ano de adestra-mento seguinte. Ali também são estabelecidas as datas previstas de todas as atividades de instru-ção. Para Formosa, escolhe-se um período preferido, que é informa-do ao Exército quando este inicia

OP FUZILEIROS NO CERRADOREPORTAGEM

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a definição do seu calendário para o CIF e recebe das unidades interessadas (tanto do próprio Exército quanto das outras Forças) as solicitações de uso do campo. Após a negociação do período com o EB, a FFE determina a data definitiva.

Com as premissas básicas determinadas, no início do ano é divulgado o cenário geral que será desenvolvido nos exercícios principais. Essa situação é con-cebida no ano anterior, dentro de uma realidade e atualidade puramente brasileira. É projetada partindo da observação de fatos que podem desencadear uma cri-se no nível político, que interfere nos interesses do Estado. Dentro dessa hipotética ocorrência de crise, que evoluiu para uma ne-cessidade de uso da força militar, é criado um tema tático baseado nas capacidades, necessidades e possibilidades de emprego do Corpo de Fuzileiros Navais. Com o objetivo de manter a capacidade de realizar esse tipo de ação, o

tema tático é sempre baseado numa operação de desem-barque anfíbio, um dos tipos mais complexos de operações militares, o que também man-tém o nível de capacidade de planejamento sempre alto. Ela pode ser de qualquer nature-za, como, por exemplo, uma incursão anfíbia para evacua-ção de não combatentes.

Cabe ressaltar que uma cri-se, longe das nossas fronteiras secas, requer uma Marinha capacitada a dissuadir, proje-tar poder sobre terra, negar o uso do mar e controlar áreas marítimas. As crises sempre virão de formas multifa-cetadas e o estudo delas, associado à possibilidade de emprego da força, contri-buirá para se encontrar uma solução para as controvérsias ainda na fase prematura do problema. Ter um poder naval crível é ter a possibilidade de se interromper uma crise que poderia chegar a um conflito armado. E assim nasce o tema que permeará a mente dos planejadores militares da FFE ao longo do ano. Uma opera-ção anfíbia pode ser a solução deste problema que agora se tornou militar.

Esse tema tático é desen-volvido separadamente nos exercícios da Força. Cada exercí-cio é feito de maneira a adestrar diferentes ações de maneira sepa-rada. Eventualmente emprega-se uma situação particular dentro da situação geral definida no início do ano.

Com a proximidade do exercício em Formosa, o comandante da FFE emite uma diretiva preliminar em que são definidas as expec-tativas para o exercício daquele ano, dando início aos planeja-mentos do pessoal envolvido. Esse planejamento é realizado por um estado maior, que vai produ-zir uma solução para o problema militar informado, de acordo com o cenário definido inicialmente. Além desse, também são tocados em paralelo o planejamento geral do exercício, que envolve ainda as questões não pertinentes à execução do tema tático, e um plano específico para a ida do contingente até o Centro-Oeste,

com todo o material envolvido.Se deslocando entre o Rio e Formosa

Tudo o que será utilizado no exercício, tanto o material quanto a tropa, é levado por rodovia até o Campo de Formosa. Essa ope-ração é um evento à parte. São aproximadamente 30 dias para levar todo o material e pessoal necessário para a condução das atividades no campo (blindados, armamentos, munição, combus-tível, equipamentos, gêneros de uso regular), e outros 30 para recolher tudo de volta ao Rio de Janeiro no final. Cada fase exige pelo menos três viagens de ida e volta, cada pernada durando em média três dias, com um dia de intervalo entre a chegada e a nova saída. Todos os blindados são transportados de carreta, sendo utilizada uma média de 10 a 12 desses veículos. Todos os ve-ículos envolvidos são equipados com GPS para monitoramento em tempo real dos comboios, exe-cutado pelo Centro de Operação de Logística, na Tropa de Reforço, em Niterói (RJ). Cada comboio é dividido em unidades de marcha, cada uma com seis veículos, para facilitar o controle e evitar trans-tornos ao tráfego das rodovias. Os preparativos finais começam três dias antes da partida, quando cada viatura ganha um núme-ro indicando a sua unidade de marcha e a posição dentro da mesma. É realizado um briefing de segurança com todos os mo-toristas para enfatizar o trajeto,

os locais de parada, as principais preocupações e as condições me-teorológicas do caminho. A saída da primeira unidade de marcha do Rio de Janeiro costuma ser às 05:30h, com intervalos regulares entre elas. Ao todo, em 2011, par-ticiparam 207 veículos de todos os tipos, entre blindados, cami-nhões e viaturas leves, e em torno de 2200 combatentes.

Os comboios se deslocam a no máximo 80 km/h, restritos ao desempenho dos veículos mais lentos, e não trafegam à noite. O pernoite é feito normalmente em postos de gasolina pré-definidos no planejamento e que tenham estrutura para absorver a quan-tidade de veículos do comboio, com os militares envolvidos dor-mindo em suas próprias barracas. Esses locais são previamente reconhecidos para avaliação das condições de estrutura e seguran-ça. Uma equipe de apoio logístico móvel emprega um caminhão cisterna de 30 mil litros, respon-sável por reabastecer o comboio, e outra é formada por médicos, ambulância, viatura-socorro e mecânicos para garantir o supor-te em qualquer eventualidade no caminho. Para o transporte da munição existe um incremento grande na segurança, com a parti-cipação da Companhia de Polícia e atenção ao sigilo de rotas e ho-rários. Os pernoites são realizados preferencialmente em quartéis do Exército situados pelo caminho. Na edição de 2011 foram duas carretas inteiras e mais cinco ca-

Viatura Blindada de Transporte de Pessoal (VBTP) M113 . Carlos Filipe Operti

Canhão L70 BOFI-R de 40mm dispara contra um drone rádio controlado. Carlos Filipe Operti

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minhões de munição, totalmente gastos no exercício.

A maior parte das viaturas leves Land Rover segue em caminhões--cegonha, enquanto as Toyota Bandeirante e os caminhões Mercedez UNIMOG vão rodando. A tropa se desloca por último, e é transportada em ônibus comer-ciais fretados, para proporcionar mais conforto e evitar o desgaste do longo deslocamento, que dura aproximadamente um dia.

Fuzileiros no cerradoAs unidades visitantes do

Centro de Instrução de Formosa geralmente ocupam a localidade conhecida como Fazenda Bonsu-cesso, que fica a aproximadamen-te nove quilômetros da entrada do campo. Ali há amplo espaço para montagem de barracas de campanha, que são utilizadas para as funções administrativas, operacionais e também para abri-gar parte dos oficiais. O restante dos homens se acomoda em barracas individuais tipo iglu. Há também espaço para o estaciona-mento de todas as viaturas, que possibilita a montagem de um local para manutenção. Por fim, existe uma estrutura de alvenaria que abriga cozinha, banheiros, e

espaço coberto para a montagem de refeitório e local de convivên-cia. Toda a preparação do local para suportar o exercício é realiza-da por equipes que seguem pre-viamente. A chegada do efetivo no terreno e sua acomodação nas instalações do campo é a última ocorrência na cadeia de eventos que precede o início do adestra-mento.

A alimentação quente da tropa é fornecida por empresa con-tratada, que entrega os gêneros alimentícios diretamente no local. Do Rio de Janeiro são levados apenas os utensílios e os respon-sáveis pela preparação. A estru-tura para os refeitórios (mesas e cadeiras) também é contratada. Isso facilita a logística e evita o desgaste da tropa, que não precisa se alimentar da ração de combate fora dos momentos de adestramento.

A parte operacional do exercício é dividida em três etapas: ades-tramento individual das unidades envolvidas; adestramento conjun-to da tropa; e uma demonstração operativa para autoridades e imprensa. Tudo é conduzido pelo comando da Divisão Anfíbia.

Durante aproximadamente cin-co dias as unidades de infantaria,

Os blindados 8x8 Piranha IIIC, apesar de so-frerem com a poeira fina e as altas temperaturas, costumam manter boa disponibilidade durante o exercício. Carlos Filipe Operti

artilharia, blindados, logística e aviação fazem seu próprio ades-tramento específico, em ativida-des que achem necessárias, que sejam do seu maior interesse. Para isso é feita uma grande grade de adestramento, de modo que cada uma proponha o que vai fazer. O local é então dividido e elas atuam sozinhas, simultaneamente, apenas com uma coordenação para evitar que uma unidade não interfira no treinamento da outra, pois todos estão utilizando munição real. Entre as áreas disponíveis no CIF, o posto de observação de Pedra de Fogo é muito disputado, pois é uma área nobre, que comporta a utilização do armamento pelos blindados e pela infantaria, per-mitindo inclusive o adestramento de fogo em movimento com munição real com frações que vão desde pelotão até batalhão, com interação entre a tropa e os blindados, tanto de dia quanto de noite. Incluindo também o tiro antiaéreo com canhão Bofors L70 BOFI-R 40mm, míssil antiaé-reo Mistral, míssil anticarro RBS 56 Bill, morteiros e obuseiros de 105mm. Um oficial de segurança é encarregado de fazer o contro-le e a coordenação de todas as

unidades que estão empregando o armamento ao mesmo tempo, responsável pelo posicionamento de cada unidade no campo, e por liberá-las ou não para atirar.

A coordenação do apoio de fogo é um dos itens mais exerci-tados durante a operação. É de suma importância a precisão no apoio de fogo, pois com todos os elementos desdobrados no terreno as distâncias encurtam muito entre a tropa e onde se está atirando, tanto com artilharia quanto com os mísseis e helicóp-teros.

Nessa fase inicial, as unidades de infantaria procuram adestrar seus militares já dentro de seus pelotões, os pelotões dentro das companhias, e as companhias dentro de um comando de bata-lhão. A premissa é a de uma ope-ração anfíbia onde a tropa, em frações, desembarca dos navios como equipes de embarcação, e em terra têm que se reorgani-zar - muitas vezes com oposição severa do inimigo - como uma unidade de Fuzileiros Navais para projetar o poder sobre o terreno. Em todos os escalões, da esqua-dra de tiro, do grupo de combate, do pelotão, da companhia, do ba-talhão, há uma preocupação com

REPORTAGEM OP FUZILEIROS NO CERRADO

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a organização desse desembar-que. Procura-se também interagir os blindados com a tropa, para execução de manobras de embar-que e desembarque das viaturas de transporte, promovendo o entrosamento do binômio carro de combate/infantaria.

No caso da artilharia, ela faz os fogos separadamente da tropa. São duas grandes áreas de alvo, uma mais ao norte (Área de Im-pacto Santo Inácio) e outra mais ao sul (Área de Impacto AVIBRAS - onde se costuma utilizar os ca-nhões e morteiros em seu alcance máximo, e também os foguetes Astros por parte do Exército). Ao longo desses dias eles fazem diversos exercícios de tiro, tiro noturno, tiro diurno, com diversos tipos de granadas (fumígenas, de alto impacto, iluminativas, de grande alcance – até 20km).

O combate noturno é bem diferente do combate diurno, e a artilharia se adestra para iluminar o campo de combate com gra-nadas iluminativas, para moldar o campo de batalha a seu favor, tirando do inimigo a capacidade de ter iniciativa.

Tema TáticoAo final do adestramento

individual, segue-se um dia de intervalo para se reorganizar os elementos e iniciar a composição para o tema tático. Somente nes-se dia os planejadores recebem as informações sobre a situação particular a ser enfrentada, dentro do cenário geral divulgado no início do ano. É como se a tropa estivesse embarcada na esquadra,

rumando para o teatro de opera-ções, e ali tivesse que planejar o assalto ao território inimigo, con-tando somente com as informa-ções recém-recebidas e os meios disponíveis naquele momento.

A operação envolve o efetivo de uma brigada anfíbia, organizado em um Grupamento Operativo de Fuzileiros Navais. O GptOpFuzNav é um modelo de organização dos meios que permite ao comando flexibilidade para empregar dis-tintas configurações de efetivo de acordo com as características da ameaça/evento a ser enfrentado, e é como atualmente a Marinha organiza todas as suas ações reais de combate, auxílio em catástrofes, etc. Nele as divisões administrativas (batalhões) são desfeitas, seus militares e recur-sos podendo ser mesclados de maneira a suprir a necessidade da situação. Os elementos são agru-pados por especialidade, e não por unidades (como os batalhões, por exemplo). Ele é dividido em: Componente de Combate Ter-restre, que engloba a infantaria e todo o apoio ao combate (blin-dados, artilharia); Componente de Apoio de Serviço ao Combate (que o norte americano chama de Combate Logístico), que engloba a parte de apoio logístico, saúde e abastecimento; e um Compo-nente de Combate Aéreo, onde se encaixa a parte de aviação, defesa antiaérea, operação de VANTS, tudo que está ligado ao espaço aéreo. Todos eles subordinados a um único comando. Esse conceito foi trazido dos EUA e adaptado à nossa realidade, e permite que se

dê maior ou menor ênfase a qual-quer um dos componentes de acordo com as particularidades da ação, empregando somente os meios necessários, mesclando o efetivo das diversas unidades do CFN em prol da efetividade no combate.

A tropa fica desdobrada no terreno de três a quatro dias sem interrupção, se alimentando de ração de combate e acomodan-do-se como possível com o equi-pamento pessoal. Uma porção do terreno é designada como sendo o oceano e, a partir dali, é iniciado o “desembarque”. Ao longo desse período o comando do exercício cria uma série de eventos que obrigam a tropa a realizar mo-vimentos, ataques a uma força inimiga, exigindo o planejamento das ações em pleno campo, nos diversos níveis da cadeia de co-mando. Simula-se a maior gama possível de situações para exerci-tar as manobras mais importantes e manter a tropa adestrada na maior quantidade de cenários possível. O tema tático provoca a interação do movimento dessas tropas com a capacidade de fogo real de todos esses elementos. Tudo o que foi treinado ao longo do ano e também durante os pri-meiros dias em Formosa, é nesse momento executado em conjun-to, coordenadamente, aproximan-do-se ao máximo da realidade. A premissa é partir de um poder de combate nulo para projetar poder sobre terra com o máximo que for possível, no menor espaço de tempo.

No campo a tropa progride co-ordenadamente, a pé, nos blinda-dos e nas viaturas (leves e cami-nhões) utilizando munição real com todas as armas disponíveis. A artilharia também atua simulando o apoio de fogo naval. Carcaças de ônibus e outros veículos, es-palhadas pelo terreno, fornecem os alvos para os mísseis anticarro, e drones rádio controlados são utilizados para treinar a artilharia antiaérea com míssil e canhão. No exercício de 2011, a força deveria tomar pontos chaves na região da cabeça de praia após o desem-barque, conquistando o terreno para permitir que ele seja usado por uma força amiga, e simular a junção com essa força, uma brigada de infantaria paraquedis-ta do Exército que estaria em um ponto situado 40 km ao sul da área de desembarque, e que iria dar prosseguimento às operações de combate.

Dadas as condições do terreno (distâncias, areia fina com tempo seco, muita lama com chuva), é também uma grande oportunida-de para testar o funcionamento do apoio de serviço ao combate em condições reais de um campo de batalha. É dada muita ênfase a esse aspecto, já que é necessário fazer chegar à tropa toda classe de suprimentos necessários, des-de munição a peças para todos os tipos de veículos, passando pela ração dos combatentes. Além disso, o desgaste dos equipa-mentos em condições rústicas de operação exige pronto emprego das equipes móveis de manuten-

Fuzileiro checa seu equipamento antes do início do adestramento. Carlos Filipe Operti

O carros de combate SK-105 Kürassier descansam após um dia de operação. Carlos Filipe Operti

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ção, para garantir a capacidade de sobrevivência dos conjuntos de viaturas no combate e evitan-do as baixas por pane que podem tirar a mobilidade da tropa após alguns dias aprofundada no terreno.

SegurançaUma das questões mais impor-

tantes envolvendo o exercício é a segurança. É dada ênfase especial a esse aspecto, pois estão atirando, simultaneamente, num mesmo espaço físico, soldados, viaturas blindadas, carros de com-bate, peças de artilharia e aerona-ves. Uma equipe fica responsável por coordenar o fogo de todas as frações desdobradas no terreno, além dos blindados, aeronaves e artilharia. Em um momento você pode ter soldados numa porção do terreno atirando, enquanto outra fração da tropa evolui numa área próxima. Em outro momen-to, um helicóptero precisa aden-trar espaço aéreo por onde estão passando os obuses da artilharia. Cessa-se o tiro dos canhões, o helicóptero realiza sua ação, e a artilharia volta a atirar. Atua-se, quase sempre, num espaço único em três dimensões, e é necessário que a coordenação esteja fun-cionando para se evitar aciden-tes. Chega-se muito próximo da realidade, porém algumas con-

cessões são feitas para que sejam observados os parâmetros de segurança da tropa e do próprio campo e garantir que não sejam aceitos riscos des-necessários. É preciso ter certeza que todo mundo está atirando na hora e da maneira corretas.

Prontidão OperativaO formato básico do

exercício é fixo (adestra-mento individual + tema tático), e foi a solução ótima encontrada para ocupar o período de adestramento e o terreno do campo. Entretanto, de ano para ano são efetuadas mudanças no tema tático. Quan-do você usa o terreno de forma diferente, invertendo a direção de um movimento, você passa a ter um terreno com outra “confi-guração”, obrigando a raciocinar de maneira diferente. Some-se a isso o desenvolvimento de novas doutrinas, técnicas e táticas a partir de experiências próprias ou de outras forças, a aquisição de novos meios que te obriga a pen-sar de maneira diferente. Todos esses são aspectos que envolvem a realização de um treinamento de tão grande vulto.

Adestra-se o homem individual-

O constante adestramento gera confiança e mantém alto o nível de prontidão operativa. Carlos Filipe Operti

mente e inserido na composição da tropa. E se faz isso de maneira abrangente, aproveitando as condições fornecidas pelo campo de Formosa, abrindo ao máximo o leque de atividades realizadas, otimizando o tempo da melhor maneira possível. Com isso ga-nha-se a confiança da tropa, que se vê bem adestrada. Individual-mente, com o homem confiando que é capaz de suportar as intem-péries, o longo período desdobra-do em combate, alimentado com ração, as dificuldades do terreno. E coletivamente, acreditando no funcionamento eficiente do conjunto. Isso tudo reflete no grande objetivo desse exercício

final, que é garantir a prontidão operativa da tropa em qualquer situação de emprego, no menor espaço de tempo. Na avaliação da própria Marinha, os resultados analisados em Formosa apontam para uma sensível melhora a cada edição, avaliação respaldada pe-los eventos dos últimos anos em que o Corpo de Fuzileiros Navais foi solicitado e respondeu à altura das necessidades.

A Revista Operacional agradece ao CMG Yerson e ao CMG Carlos Chagas

pelas informações prestadas.

Lançamento de míssil Mistral contra um drone rádio controlado. Carlos Filipe Operti

OP

REPORTAGEM OP FUZILEIROS NO CERRADO

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Esta complexidade atinge índices elevados quando estamos nos referindo a uma

comunidade com a proporção de uma cidade e que funcionava como quartel-general da maior instituição criminosa do Brasil. Durante mais de 30 anos o poder público se manteve distante deste cenário e a ação policial limitava-se às “fronteiras” da re-gião. Implementar o programa de pacificação em um cenário como este fazia parte dos planos do estado, mas não figurava como uma meta de curto prazo.

Insatisfeitos com a perda de territórios em comunidades já contempladas pelo projeto das Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs), os traficantes sofreram um esvaziamento ainda maior de seu poder quando, em 2010, o gover-no anunciou a transferência dos líderes do tráfico para penitenciá-rias federais de segurança máxi-ma em outros estados. A reação dos criminosos foi lançar sobre o estado um ataque covarde e desordenado, que amedrontou a população fluminense, mas, se mostrou um tiro no próprio pé.

Durante os ataques, que to-talizaram 51 mortos, aproxima-damente 105 veículos e ônibus foram queimados, cabines da PM foram atacadas, e até mesmo uma viatura do Comando da Aero-náutica foi alvo dos bandidos. O terrorismo e a onda de boatos que insistia em aumentar a cada ocorrência tinham remetentes co-nhecido das autoridades: os Com-plexos do Alemão e da Penha.

Os planos de pacificação destas comunidades teriam então que ser antecipados em caráter de emergência. Mais do que uma resposta à amedrontada popula-ção fluminense, era uma oportu-nidade a ser aproveitada.

Voltemos então à complexida-de de um processo de pacifica-ção: conquistar este território e

adentrar neste espaço totalmente hostil era uma missão de guerra. O que fazer? Já que em situações como esta o uso de efetivo pro-fissional e equipamentos ade-quados é fundamental, é preciso buscar uma tropa devidamente preparada para a guerra: Acionem o Exército!

No dia 25 de novembro, capi-taneados pelo BOPE (Batalhão de Operações Especiais) e com o fundamental apoio dos CLAnf (Carros sobre Lagarta Anfíbios) AAV7A1 e VBTP (Viatura Blindada de Transporte de Pessoal) M113 A1 do Corpo de Fuzileiros Navais, 350 policiais civis, militares e federais marcharam sobre a Vila Cruzeiro. Diante do ineditismo da ação os bandidos lograram uma fuga desesperada e transmitida

Pacificar é a palavra de ordem, hoje, na Secretaria de Segurança Pública do Rio de Janeiro. Diante dos grandes eventos que o estado irá sediar nos próximos anos, a implantação de uma política de segurança que pelo menos mantenha controlados os índices de criminalidade é o alvo dos governantes. Justiça seja feita, o estado, de certa forma, caminha para esta realidade. Contudo a popularização do termo pacificação acabou por banalizar uma ação que se mostra extremamente complexa quando retirada dos projetos e levada ao terreno.

TEXTO RAFAEL SAYÃO

Estima-se que aproxidamente 400 mil pessoas habitem os Complexos da Penha e do Alemão. Rafael Sayão

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ao vivo para milhões de pesso-as por emissoras do Brasil e do exterior. O destino dos criminosos era o Complexo do Alemão, e o destino das forças públicas não seria diferente.

A região, batizada pelo Secretá-rio de Segurança Pública José Ma-riano Beltrame, como “Coração do Mal”, ocupa uma área de 12 km², abrangendo 23 comunidades onde residem aproximadamente 400 mil moradores, uma popu-lação maior do que a de muitos municípios fluminenses como Macaé, Nova Friburgo, Nilópolis e Volta redonda.

Distante cerca de 30km do local dos conflitos, o Comando Militar do Leste ficou agitado. Na ma-drugada do dia 26, o General-de--Brigada Fernando José Lavaquial Sardenberg, então comandante da Brigada de Infantaria Paraque-dista, recebeu a missão de colocar 800 de seus homens ao lado das forças de segurança para apoiar no cerco ao Complexo do Alemão. Esta participação do Exército era o diferencial entre o sucesso e o fracasso da operação e o coman-do da Brigada sabia que possuía

uma tropa pronta para a missão. Formada por militares de cada um dos três batalhões de infanta-ria paraquedista e por pequenos grupos de outras unidades da Brigada, a Força Tarefa (FT) Chi-vunk havia sido criada, treinada e equipada recentemente para cumprir exatamente missões de garantia da lei e da ordem (GLO). Em 12 horas a tropa paraquedista já se encontrava desdobrada no terreno e em ação sob fogo cerra-do, vindo da favela da Grota e do Morro do Adeus. Após 36 horas, no dia 28 de novembro, data que entrou para a história do Rio de Janeiro, os inimigos sucumbiram.

Uma operação de ocupação e pacificação é, doutrinariamente, composta de três fases muito importantes: planejamento; cerco, ataque e vasculhamento; e implantação da polícia local. No caso do Complexo do Alemão, a fase de planejamento e prepara-ção, onde ações de inteligência buscam o maior número possível de informações sobre o inimigo e o terreno, não existiu, dificultan-do ainda mais a ação das forças do estado. Dando continuidade

à operação e impedindo a entrada e a saída de ilíci-tos, a tropa paraquedista manteve o cerco enquanto policiais de diversas esferas vasculhavam o terreno em busca de foragidos, armas e entorpecentes. Entretan-to, o terceiro momento de uma operação de ocupa-ção e pacificação é o mais importante e o estado não possuía efetivo, material e capacidade logísitica para, naquele momento, implan-tar uma polícia comunitá-ria naquela região.

Ciente da oportunida-de que tinha nas mãos, o

Governador Sérgio Cabral alegou insuficiência de meios e solicitou em 30 de Novembro, ao então ministro da Defesa Nelson Jobim, a manutenção da presença da tropa paraquedista na missão, que passaria a assumir um caráter de manutenção da paz e garantia da lei e da ordem pública. Com a implementação da Diretriz Mi-nisterial nº 15, de 2010, coube ao Comandante do Exército, Gene-ral-de-Exército Enzo Martins Peri, a organização de uma Força de Pacificação, com estrutura seme-lhante à de uma Brigada com dois batalhoes, um para cada comple-

xo acrescidos de um destacamen-to logístico, e subordinada ao Co-mando Militar do Leste (CML). Em 23 de dezembro de 2010, a Força de Pacificação (FPac), conceito até então inédito no Brasil, entrou em operação, sob o codinome de Operação Arcanjo.

11900 militares e 583 dias de missão

Assumir uma empreitada desta envergadura e sem o planejamen-to prévio necessário demandou do Exército muito comprometi-mento com o sucesso da missão. As características jurídicas que a regiam e a forma não convencio-nal de emprego da tropa exigiram algumas modificações doutriná-rias da força. Contudo, o emprego de forças-tarefa aplicando moder-nas técnicas e táticas de com-bate urbano, deixou claro que a intenção da tropa não era atuar dentro de um modus operandi de força policial convencional.

Durante os 583 dias que atuou nas comunidades, a Força Terres-tre buscou sempre tomar mão do eficiente princípio da dissuasão. Com uma média de 1700 homens envolvidos na missão, operações de demonstração de força foram muito utilizadas. Era comum

Militares da Companhia de Precursores planejam uma incursão rápida no topo da Serra da Misericórdia. Rafael Sayão

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visualizar, nas principais vias dos complexos, blindados acompa-nhando a grande movimentação de militares, equipados com cães de guerra e equipamentos de operações contra distúrbio. Além de atemorizar as forças adversas, ainda infiltradas entre cidadãos de bem, a demonstração de força era uma grande aliada para con-quistar a confiança e o apoio da população.

A formação do militar que iria atuar durante a Operação Arcanjo recebeu uma atenção especial do comando da missão. Diante de tantas circunstâncias e carac-terísticas incomuns às operações militares convencionais, o treina-mento precisou ser aprimorado. Além das instruções típicas da formação militar, temas como crimes militares em tempos de paz, lavratura de auto de prisão em flagrante, busca domiciliar, regras de engajamento e direitos humanos foram apresentados ao efetivo. Muito se questionou sobre o tempo de preparo da tropa envolvida na operação. De certa forma, esquecendo todas as questões referentes à emergência com que a ela foi empregada, o período médio de três semanas de formação é pouco se compa-rado aos seis meses utilizados na formação do militar que atuará no Haiti em situação semelhante. En-tretanto, a utilização preferencial de efetivo profissional e a atuação comprometida dos oficiais e co-mandantes das pequenas frações presentes no terreno, garantiram que o treinamento oferecido fos-se suficiente para gerar números mínimos de problemas envolven-do a tropa.

Porém o cuidado com o militar não estava limitado à formação. O rodízio proporcionado à tropa en-volvida garantiu o arejamento tão necessário a um efetivo colocado sob constante tensão. Nas bases era possível encontrar acade-mias de musculação, assistência religiosa e acesso à internet, muito úteis principalmente para os militares que encontravam-se distantes da família. E a alimenta-ção, precária no início da opera-ção, também recebeu melhorias consideráveis graças ao trabalho oferecido pela Base de Apoio Logístico do Exército. Contudo o

caminho percorrido para atingir este nível de conforto e infraes-trutura foi árduo.

Durante a Arcanjo I, na insa-lubre fábrica de refrigerantes abandonada, os paraquedistas pernoitavam acantonados em barracas, sem direito a água enca-nada e responsáveis pelo preparo da própria comida. Um banho “formal” só era possível após um deslocamento até seus quartéis de origem. Somente após o final da Arcanjo II é que as bases da Coca-Cola (Alemão) e Ari Barroso (Penha) ficaram prontas. Muitos itens adquiridos pelo Governo do Estado não apresentavam a quali-dade mínima necessária, e coube ao Exército adquirir novos mate-riais e resolver gradativamente os problemas de acomodação da tropa.

Os arcanjos da Pacificação

Já presente no terreno e com-posta quase que em sua totalida-de por militares com experiência na Missão de Es-tabilização das Nações Unidas no Haiti, coube à Brigada de Infantaria Para-quedista assu-mir a Arcanjo I. Com a chegada da FT Afonsos (25º Batalhão de Infantaria Paraquedista) assumindo a

posição ocupada pela FT Chivunk no cerco, as FT Santos Dumont (26º BI Pqdt) e FT Velame (27º BI Pqdt) foram liberadas para ocupar suas zonas de ação, respectiva-mente no Alemão e na Penha. Ocupando pontos estratégicos antes nas mãos de marginais, os militares comandados pelo Gen Bda Sardenberg enfrentaram, neste primeiro momento, um dos problemas mais críticos de toda a operação: o relacionamento com a população local.

Isolados do restante da cidade por mais de 30 anos e habituados aos costumes e práticas incen-tivadas pela marginalidade, os moradores dos dois complexos apresentavam muita dificuldade em lidar com as forças oficiais constituídas, o que gerou um número grande de ocorrências resultantes de agressões físicas e

verbais à tropa. A grande maioria era arredia à presença do Exército e, orientados pelo tráfico, organi-zavam protestos e tumultos a fim de desgastar a imagem da tropa junto à opinião pública. Os que esboçavam um apoio à pacifi-cação utilizavam o anonimato provido pelo serviço do Disque--Denúncia. Além do medo de serem rotulados como apoiadores da pacificação pelos bandidos que ali ainda se encontravam, os moradores permaneciam muito dependentes de práticas que as forças estavam coibindo, como o uso de ligações clandestinas de luz, água e televisão a cabo. Con-quistar o apoio popular era uma missão tão árdua quanto espulsar os traficantes.

Além da falta desse apoio, os dispositivos jurídicos, principal-mente nesta fase da operação, não podiam ser considerados aliados dos soldados e por vezes foram os responsáveis por negar aos militares a utilização do prin-cípio da oportunidade para reali-zar prisões e evitar fugas. Mesmo sufocado, o tráfico tentava ser atuante utilizando elementos que não haviam sido oficialmente identificados pela polícia. Em uma região onde o estado esteve au-sente por tanto tempo, podemos dizer que muitos se valeram desta prática delituosa, dificultando a ação dos militares da Brigada.

Outro problema era o terreno naturalmente acidentado da região, que apresentava ainda

Militares da FT Sampaio na Igreja de Nsa. da Penha. Rafael Sayão

Militares da FT Velame ocupam um ponto forte no topo do Morro do Caracol. Notar as “seteiras” instaladas no muro pelos traficantes. Rafael Sayão

REPORTAGEM OP OPERAÇÃO ARCANJO

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mais dificuldade para a tropa quando observados o obstáculos artificiais ali encontrados. Além de animais e lixo pelas ruas, um número elevado de veículos completamente abandonados compunham a paisagem das duas comunidades. Associados ao trá-fego desordenado de motocicle-tas, em sua maioria oficialmente inexistentes, a simples locomoção dentro da comunidade se tornava uma atividade complexa. Em par-ceria com a Delegacia de Roubos e Furtos de Autos da Polícia Civil do Rio de Janeiro, foram realiza-das várias operações de apreen-são e reboque de carros e motos, arejando as vias e permitindo um melhor deslocamento dos mili-tares, blindados e do transporte público que atende a população local.

A 9ª Brigada de Infantaria Motorizada chegou ao teatro de operações em 21 de fevereio de 2011 para compor a Operação Arcanjo II, comandada então pelo Gen Bda Cesar Leme Justo, tendo como cabeça de FT o 57º Bata-lhão de Infantaria Motorizado, “Regimento Escola de Infantaria”, o REI, e o 2º Batalhão de Infantaria Motorizado, “Regimento AVAÍ”, reforçados pelo 1º Batalhão de In-fantaria Motorizado, “Regimento Sampaio”, 11º Batalhão de Infan-taria de Montanha, “Regimento Tiradentes”, e demais unidades do Grupamento de Unidades Escola. Pela primeira vez o efetivo presente na operação era 100%

profissional, o que minimizou a ocorrência de pro-blemas por falta de experiência do militar. Ciente da persistente presença de mar-ginais na região, a tática adotada foi a saturação da área através de patrulhas e a intensificação da presença de sol-dados na região. Com a migração dos pontos fixos de venda de dro-gas para pontos itinerantes, a uti-lização de postos de balizamento e controle de vias urbanas (PBCVU) passou a ser fre-quente. E como as vielas caracte-rísticas do sistema viário local não permitiam o acesso de viaturas convencionais, comprometendo a eficiência das patrulhas, buscou--se na utilização de motocicletas a solução para cobrir a maior área de vigilância possível. Para isso o 1º Batalhão de Guardas, uma das unidades mais experien-tes do Exército no emprego de motocicletas, foi incumbido de criar a doutrina para esse tipo de utilização do meio, implemen-tando o estágio de motociclista militar de combate. Coube ao 1º BG formar os militares que iriam adentrar nas motos as espremidas

vielas da zona de ação da força de pacificação.

A 11ª Brigada de Infantaria Leve, especializada em GLO e sediada em Campinas (SP), foi a primeira unidade de fora do estado do Rio a atuar nos complexos de favelas. Ao assumir a Operação Arcanjo III, em 16 de maio de 2011, o Gen Bda Carlos Maurício Barroso Sarmento tinha à sua disposição duas forças tarefas: a FT Anhan-guera, ocupando a Penha; e a FT Heróis da Lapa, composta por mi-litares do Comando Militar do Sul, ocupando o Alemão. As diferen-ças culturais não foram impecilho para que os integrantes da Ar-canjo III buscassem se aproximar da população, elevando conside-

ravelmente a participação da força em ações cívico-sociais, além da presen-ça nas escolas e em competi-ções esportivas. A aproximação com as crianças, a despeito do cunho social, pode também ter sido salutar-mente estraté-gica. Nesta fase da operação foi observado um elevado aumen-to da participa-ção de menores de idade em

ações ilícitas. Talvez buscando amparo no Estatudo da Criança e do Adolescente, os traficantes viram nos menores uma excelen-te ferramenta de transporte de drogas e armamentos de peque-no porte para os diversos pontos da região.

Exatos 90 dias após ter deixado os complexos, em 15 de agosto de 2011 a 9ª Brigada de Infan-taria Motorizada retornou para compôr a Operação Arcanjo IV. Tropas do Regimento Sampaio ocuparam o Complexo do Ale-mão. O Complexo da Penha foi ocupado por uma força-tarefa composta por militares do 57º BI Mtz e do 2º BI Mtz, que revezaram o comando da FT. Com o avançar da operação os militares, coman-dandados pelo Gen Bda Cesar Leme Justo, puderam ter tido por instantes a falsa impressão de que a missão transcorreria com mais tranquilidade. Ledo engano! Com a solicitação de permanência das tropas por mais tempo feita pelo Governo do Estado do Rio de Janeiro, os bandidos sentiram--se ainda mais ameaçados e uma série de ações foi orquestrada pelos marginais. A utilização de mulheres e crianças como ferra-mentas dos meliantes ficou ainda mais evidente, na medida em que eram frequentemente usadas como agitadoras, provocando a tropa e atrapalhando as ações. Ao realizarem prisões, os militares eram frequentemente vítimas de agressões verbais e até mesmo

Militar em posto de balizamento e controle de vias urbanas instalado em um dos acessos da

Vila Cruzeiro. Carlos Filipe Operti

A presença diuturna da tropa e o princípio da massa transmitiam segurança e força a população. Carlos Filipe Operti

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físicas por parte destas pessoas. No dia 6 de setembro, momento mais delicado da Operação Arcan-jo IV, foram registrados disparos de armas de fogo oriundos dos morros da Baiana e do Adeus. Por falha de planejamento, decisão política ou estratégica, estas duas comunidades, que se encontram a menos de 50 metros do Com-plexo do Alemão, foram mantidas fora da zona de ação da Força de Pacificação e tornaram-se um valioso reduto para os marginais basearem suas ações contra a força pacificadora. Após o dia 6, um pelotão do 1ºBG passou a reforcar com tropas, motos e cães de guerra a FT Sampaio nas noites dos feriados e finais de semana. O 1º Batlhão de Polícia do Exército fez o mesmo em relação à FT REI. No final de outubro, após realizar intensa atividade de inteligência, a FT Sampaio desencadeou uma grande operacao na Região da Pedra do Sapo, onde foi apreendi-da grande quantidade de drogas e armas, incluindo fuzis, que não eram apreendidos desde novem-bro de 2010.

Dando sequência ao arejamen-to previsto no decorrer da ope-ração, a 4ª Brigada de Infantaria Motorizada, sediada em Juíz de Fora e reforçada por militares da Artilharia Divisionária/AD1 che-gou ao Rio de Janeiro para assu-mir a Operação Arcanjo V. Dentro da proposta de atuação com duas forças tarefas, o comandante da operação, Gen Bda Otávio Santa-na do Rêgo Barros, contou com a

FT Tiradentes, com-posta por militares do “Regimento Tiraden-tes”, de São João Del Rey, ocupando a área da Penha, e a FT Dom Pedro, composta por militares do 32º Batalhão de Infan-taria Motorizado, de Petrópolis, ocupando a área do Alemão. Durante o período da Operação Arcanjo V, as regiões da serra da Misericórdia e da pedreira, conhecidas após a transmissão ao vivo da fuga dos traficantes para o Alemão, passaram a atrair maior atenção por parte do coman-do. O número de ocorrência de confrontos entre a tropa e os mar-ginais aumentou naquela locali-dade e uma linha de pontos de ligação foi montada sobre a serra. O objetivo era que as patrulhas da FT Dom Pedro tivessem contato com as patrulhas da FT Tiraden-tes. Com a proximidade das festas de final de ano, houve a ocupa-ção da serra da Misericórdia por militares da Brigada de Infantaria Paraquedista, que durante 10 dias reforçaram a região e elevaram o efetivo da tropa envolvida na Ar-canjo V para 2300 homens neste período.

A adoção desta linha sobre a serra da Misericórdia, propos-ta pelo comando da Operação

Arcanjo V, tinha como meta massificar a presença da tropa na região, dissuadindo os criminosos e dando uma nova dinâmica no emprego do efetivo. Esta nova tática que passou a ser adotada tinha o objetivo de impedir que o marginal percebesse a utilização de um modus operandi padrão pré-estabelecido por parte das tropas. Reduzindo os pontos de visibilidade e de ligação e intensi-ficando a realização de patrulhas a pé em becos e vias secundárias, uma nova rotina operacional foi implantada e o efeito surpresa passou a ser mais privilegiado.

Passadas as festas e iniciando o ano de 2012, o cenário começou a mudar na operação de pacifica-ção. Com o retorno da 11º Brigada

de Infantaria Leve, comandan-da pelo Gen Bda Tomás Miguel Mine Ribeiro Paiva, em 27 de janeiro de 2012, deu-se início à Operação Arcan-jo VI. Esta opera-ção foi marcada pelo processo de transferên-cia de algumas localidades para a instalação de UPPs da Policia Militar do Rio de Janeiro. Com as prisões dos traficantes FB

e Mica, antigos líderes do tráfi-co na região, novas lideranças despontaram e a estratégia de sufocar os marginais com opera-ções surpresa, realizadas através de patrulhas, gerou confrontos e tumultos. Durante a visita do príncipe Harry ao complexo, uma série de ações dos criminosos foi colocada em prática de forma simultânea na Vila Cruzeiro. Sem dúvida os marginais queriam, em mais uma ação desesperada, se aproveitar da presença do prín-cipe inglês para demonstrar uma força e organização irreais naque-le momento.

Retornando pela terceira vez à operação, a 9ª Brigada assumiu a Operação Arcanjo VII. Novamente sob o comando do Gen Bda Car-los Maurício Barroso Sarmento, coube aos “Leões” do 1º Bata-lhão de Infantaria Motorizado, ”Regimento Sampaio”, encerrar a participação do Exército Brasi-leiro no processo de pacificação dos Complexos do Alemão e da Penha. No momento em que a FT Sampaio assumiu a posição, em 09 de Abril de 2012, o Exército Brasileiro já havia transmitido toda a responsabilidade da segu-rança do Complexo do Alemão para a Polícia Militar.

Embora a tática de reprimir as ações com patrulhas a pé nos locais mais ermos das comunida-des estivesse sendo mantida, o número de apreensões diminuía cada vez mais. A leitura deste dado nos leva a ponderar se ocor-

Cães de guerra do 1º Batalão de Guardas eram eficientes ferramentas de dissuasão

e demonstração de força. Carlos Filipe Operti

Os Blindados garantiram as patrulhas um elevado poder de dissuasão. Rafael Sayão

REPORTAGEM OP OPERAÇÃO ARCANJO

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reu o aumento do tráfico realiza-do através de “bocas” itinerantes e que trabalham com pouca quantidade de intorpecente, ou o enfraquecimento da atividade criminosa, fruto do trabalho da Força de Pacificação, podendo in-clusive ser um conjunto das duas teorias. Nesse ínterim, militares da FT Sampaio realizaram uma grande apreensão de drogas, em um local que funcionava como posto de abastecimento de trafi-cantes que atuam em movimento e com uma estrutura enxuta: uma mochila, uma moto e um armamento leve. Observando não somente o tráfico, mas uma gama mais ampla de delitos, os índices de criminalidade despencaram na região e a maioria das ocorrências registradas pelos militares conti-nou sendo o desacato às tropas. Médicos do hospital estadual Getúlio Vargas, maior emergência da região, e localizado a poucos metros do complexo da Penha, apresentaram números baixís-simos de atendimento a feridos por armas de fogo, em contraste com a situação existente antes da ocupação.

Ao receber a solicitação para prorrogar o período de atuação do Exército na pacificação, o Ministro da Defesa Celso Amorim deixou claro que o prazo de saída das tropas seria impreterivelmen-te 30 de junho de 2012. Durante o período da Operação Arcanjo VII foi possível assistir, gradativa-

mente, a instalação das seguintes UPPs: Fazendinha e Nova Brasília (18/04), Adeus e Baiana (11/05), Alemão (30/05), Chatuba e Fé/Sereno (27/06). Havia chegado a terceira fase da operação de ocupação e pacificação mencio-nada no início desta matéria. No dia nove de Julho foi realizada na base da Força de Pacificação, uma antiga fábrica de refrigerantes ocupada ainda em ruínas pelos militares durante a Arcanjo I, a transmissão oficial do comando das operações nos complexos para a Polícia Militar do Estado do Rio de Janeiro. O Cel Fernando Montenegro, comandante da FT Sampaio, repassou a responsabi-lidade ao Cel PM Carlos Eduardo Ribeiro e Souza, comandante do Batalhão de Campanha da PMERJ.

Operação Arcanjo, combatendo e aprendendo

A inédita operação de pacifica-ção repercutiu não só no seio das comunidades atendidas como também no próprio Exército e no cenário internacional. Durante a ocupação, Cheryl Mills, chefe de gabinete da Secretária de Esta-do dos Estados Unidos, Hillary Clinton, esteve no Rio de Janeiro para conhecer a operação. Além dela, o adido militar dos Estados Unidos; autoridades militares da Austrália e da Índia; alunos do War College dos EUA; e membros da imprensa internacional fizeram questão de conhecer a rotina das

tropas nas comuni-dades.

O emprego do Exército no proces-so de pacificação dos complexos do Alemão e da Penha colocou a tropa diante de confron-tos assimétricos, característicos de conflitos do século XXI. Atuando den-tro de um contexto de guerra de quar-ta geração, onde o inimigo encontra--se encravado no meio da população e utilizando-se dela em benefício próprio, os milita-res aprenderam in loco a compreen-der os problemas sociais da região e perceber que até mesmo um líder religioso poderia ser um manipula-dor das massas em prol do tráfico.

Observando fatos recentes de nossa história, percebemos que estabelecer e garantir a lei e a ordem vem sendo cada vez mais uma missão do Exército. Seja em greves policiais ou atuando contra o quase invisível tráfico de drogas, as ações de GLO estão vi-rando rotina para a Força Terrestre e a operação de pacificação trou-

xe para os manuais de instrução da força informações valiosas e inéditas.

Além de um grande avanço no desenvolvimento de uma doutrina de GLO, a operação de pacificação possibilitou à tropa o contato com realidades nunca experimentadas. O debate sobre

Militares da FT Sampaio realizam bloqueio de via durante a Operação Arcanjo VII. As operações de demonstração de força foram muito utilizadas. Carlos Filipe Operti

Por duas vezes a frente da FT Sampaio, o Cel Fernando Montenegro foi o militar que mais tempo atuou na Operação.Ele permane-ceu 180 dias no terreno durante as Arcanjos IV e VII. Rafael Sayão

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questões referentes ao aparato ju-rídico e às regras de engajamento utilizadas na missão saiu da esfera do oficialato e atingiu todos os elementos da tropa, garantindo um aumento do nível técnico das operações.

O uso de munições menos letais durante toda a operação levou a um avanço na forma de empre-go deste tipo de equipamento. Utilizá-los em situação real foi uma das grandes oportunidades proporcionadas. Soluções pude-ram ser testadas em operações reais. Nas vielas da Penha e do Alemão vimos equipamentos ganharem adeptos e outros se apresentarem como desnecessá-rios. Os cartuchos de borracha e o spray de pimenta foram muito eficientes na dispersão de turbas frequentemente encontradas pela tropa. Outras soluções, como o spray colante, ainda precisam de aprimoramento, pois não foram capazes de impedir o avanço do agressor contra o militar. A avalia-ção geral por parte dos responsá-veis foi de que os equipamentos, em sua maioria, atenderam as

expectativas.As regras de engajamento que

norteavam a operação também observavam a utilização da mu-nição menos letal e orientavam claramanente os militares sobre as áreas do corpo a serem atin-gidas de forma a não provocar danos físicos às vítimas. E, mesmo assim, apesar de todo o cuidado, um morador perdeu a visão após ser atingido por um projétil de borracha.

Os meios rodantes empregados na operação merecem destaque especial. A utilização das mo-tocicletas e o desenvolvimento de uma doutrina baseada no binômio moto/fuzileiro será uma das mais valiosas lições a serem tiradas neste quesito operacional. Atuando em missões de escolta, reconhecimento, transporte e pa-trulhas, as motocicletas Yamaha Lander 250cc e Honda Tornado 300cc foram fundamentais para chegar onde as outras viaturas não conseguiam chegar, garan-tindo o acesso da tropa a toda a comunidade.

Mesmo em uso pela Argentina

na missão de paz do Haiti, a via-tura Marruá ainda não havia sido empregada efetivamente pelo Exército Brasileiro em operações reais. Durante a Operação Arcan-jo, a utilização de 48 unidades do modelo demonstrou a desenvol-tura e a resistência necessárias e esperadas de uma VTNE (Viatura de transporte não especializada), desde que se respeitando o pre-visto na manutenção.

Veteranos da década de 70, os Urutus foram empregados na operação pelas unidades de cavalaria mecanizada. Com capa-cidade para transportar aproxi-madamente 12 militares, foram ferramentas fundamentais na garantia de um poderoso efeito de dissuasão e proporcionando o deslocamento seguro da tropa pelos pontos mais críticos do teatro de operações. As vielas e

inclinações exageradas encontra-das nos dois complexos tambem foram o pano de fundo ideal para o emprego do M-Gator A1 6X4. O veículo, que vem sendo empregado em larga escala pelos Estados Unidos no Iraque e no Afeganistão, foi peça chave no sistema logístico da operação, transportando suprimentos para os pontos mais avançados.

Apoiando a Força de Pacifi-cação, a Aviação do Exército realizou inúmeras surtidas sobre as comunidades pacificadas cumprindo sua missão primaz de proporcionar aeromobilidade à tropa. Presente na estrutura da Força de Pacificação, o elemento da Aviação do Exército mantinha de prontidão uma aeronave HM-1 “Pantera” e uma HA-1 “Fennec”,

Urutu patrulha as ruas da região conhecida como Fazendinha. Rafael Sayão

Militares da FT Santos Dumont trans-portam suprimentos em um M-Gator A1. Rafael Sayão

Reconhecimento e o apoio a com-boios eram as principais missões dos HM-1 “Pantera” durante a operação. Rafael Sayão

prontas para decolar do Centro de Preparação de Oficiais da Re-serva, localizado a menos de dois minutos de voo das comunida-des. As aeronaves, artilhadas com uma metralhadora MAG 7,62mm, foram utilizadas em missões de fotografia aérea, reconhecimento e apoio a comboios. Incursões rápidas da tropa através da técni-ca de fast-rope foram realizadas com o objetivo de demonstrar força. A emissão de um NOTAM (notificação aos aviadores sobre restrições/exceções impostas ao espaço aéreo, emitida pela auto-ridade aeronáutica) que restrin-gia o espaço aéreo sobre a zona de ação da Força de Pacificação permitiu rapidez no emprego das aeronaves sem a necessidade de coordenação com os órgãos de controle de tráfego. Esta versati-lidade ganha com o emprego da

aeronave se limitava às opera-ções diurnas, pois a falta de uma aeronave dotada de recursos para o voo noturno impedia as opera-ções nestas condições. Outra ação prejudicada foi a de comando e controle, que não funcionou como o preconizado devido à ausência de comunicação entre a aeronave e a tropa no solo.

Porém, não só de experiências e aprendizados se beneficiou o Exército em sua participação na operação. Calcula-se que R$333 milhões foram investidos pelo go-verno federal durante a Operação Arcanjo. Boa parte deste montan-te veio através de verbas extraor-dinárias que o Exército não teria recebido caso não estivesse à frente da operação. Além dos cus-tos ordinários de pagamento de

REPORTAGEM OP OPERAÇÃO ARCANJO

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serviços, combustível e alimen-tação, o Exército teve a oportu-nidade de investir em aquisição de viaturas, equipamentos de comando e controle, armamen-to menos letal e outros mate-riais que somaram ao esforço da tropa, proporcionando também maior segurança ao combaten-te. Durante a operação, todos os militares utilizavam capa-cete e colete balístico classe III, além de óculos de proteção semelhante aos utilizados pelos norte-americanos no Iraque. No decorrer da operação, todos os fuzis foram substituídos pelo modelo Para-Fal 7,62mm, ideal para o emprego nas comunida-des por permitir maior mobili-dade do militar em ambientes restritos de espaço.

OP

OP

Os arcanjos que vi...

Sem dúvida a ocupação dos Complexos do Alemão e da Penha nos transmite uma mensagem muito mais abrangente que apenas a pacificação de uma comuni-dade. No período que acompa-nhei, pelas vielas das comu-nidades, este processo de pacificação, me deparei com uma tropa de moral elevado e comprometida com a mis-são; recebi, por pura sorte, o carinho dispensado às tro-pas pelas crianças e o reco-nhecimento do trabalho pe-los moradores mais velhos. Tive a alegria de retornar a Igreja de Nossa Senhora da Penha que durante longo período foi área proíbida aos fiéis e vi o tradicional parque de diversões da re-gião voltar a movimentar os brinquedos que encanta-ram gerações. Vi também o Exército Brasileiro aprender muito com a lição Operação Arcanjo e oficiais recém saí-dos da Academia ganharem

exeperiênca de liderança e combate nas mal iluminadas vielas do Alemão e da Penha. Cabos e Sargentos deemosn-traram que são fundamentais em ações como está e que, em muitas ocasiões, são a voz e o rosto do Exército no contato com a população e na solução de questões inesperadas sur-gidas durante uma patrulha.Com particular entusiasmo, vi logística do Exército demons-trar força e profissionalismo durante a Operação. Salvas as devidas proporções, vi al-gumas das dificuldades en-trentadas em Canudos pelo Marechal Carlos Machado Bitencourt, patrono da In-tendência, serem reeditadas e igualmente vencidas nesta operação. Quem teve a opor-tunidade de ver a antiga fá-brica de refrigerantes, base utilizada durante a Arcanjo 1, completamente em rui-nas e abandona ir se trans-formando, gradativamente, nas confortáveis instalações existentes na Arcanjo VII, se impressiona com facilidade.

Durante as Arcanjos III, V e VI, vi a logística vencer o desáfio de garantir o planejamen-to logistico necessário para transportar meios e pessoal das tropas oriundas de outros estados da federeação.Vencer uma força adversa que se encontra infiltrada e qua-se imperceptivel no meio da população poderia ter tazido vários problemas referentes ao uso excessivo da força por parte da tropa. O que assisti, pelo contrário, foi uma per-feita assimilação das regras de engajamento, previamen-te estipuladas, por parte de todas as camadas da tropa. A manutenção da autoridade sem perder o respeito a popu-lação, tão elogiado na missão no Haití e apontado por mui-tos como a chave do sucesso brasileiro, também foi utiliza-da com sabdoria no Alemão. Hoje, sem medo de parecer entusiasmado em demasia, vejo o Brasil como umas das nações mais preparadas para este tipo de missão no mun-do. Mais um valioso aprendi-

zado realizado nas “salas de aula” estreitas e mal ilumina-dos dos Complexos do Ale-mão e da Penha.Acompanhar durante estes 583 dias o trabalho realiza-do pelo Exército Brasileiro durante a Operação Arcanjo me faz recordar uma frase de Dag Hammarskjöld, ex-Se-cretário-Geral da ONU, que disse: “Manutenção da Paz não é um trabalho para sol-dados, mas apenas soldados podem fazê-lo”. Longe da euforia provocada pela im-prensa no momento da in-vasão, das incertezas iniciais presentes no pensamento de cada um dos moradores, nos anseios dos que temiam o desconhecido ou mais uma falácia do poder públi-co, foi realizado um trabalho sério que devolveu a milha-res de homens e mulheres o direito de serem cidadãos brasileiros, e às crianças o di-reito de sonhar não só com um futuro melhor e pacífico, mas quem sabe com anjos ... e arcanjos!

POR RAFAEL SAYÃO

As motocicletas garantiram o acesso das patrulhas as estreitas vielas dos Complexos. Rafael Sayão

Missão dada, missão cumprida

Mais do que a oportunidade de atuar de forma operacional em um cenário inédito, a pacificação dos complexos do Alemão e da Penha trouxe ao Exército a opor-tunidade de estar lado a lado com a população.

De forma geral, o ambiente não era dos melhores. A mídia estava em todo o terreno com recur-sos que tornam as informações, verídicas ou não, rápidas como um disparo de fuzil. Ao seu lado organizações não governamen-tais e entidades religiosas defen-dendo as mais variadas bandeiras, motivadas por ideais e interesses diversos.

Sem olhar para nenhum fator adverso, a missão foi aceita e cumprida. E, com profissiona-lismo, os moradores que não

estavam comprometidos foram sendo conquistados a cada dia. A inédita interoperabilidade alcan-çada pelas diversas esferas gover-namentais em prol de uma ação levou a população a recuperar a confiança nas forças do Estado. Em pesquisa realizada por espe-cialistas independentes, 94% dos moradores afirmaram serem favo-ráveis ou muito favoráveis à pre-sença das Forças de Pacificação no conjunto de favelas. Portanto, cabe agora ao poder público, na figura das forças de segurança estaduais e nas diversas esferas da administração municipal e estadual, trabalhar para trazer não só a segurança, mas também o conjunto de serviços essenciais necessários àquela população, de modo que o esforço realizado para a pacificação da cidade dê frutos futuros.

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Fogo cerrado sobre as tropas da ONU. Os rebeldes flan-queiam a patrulha que tenta

manter a posição com seu restrito poder de fogo. O zumbido dos tiros ecoa fundo nos ouvidos do homem que se protege por detrás do blindado das Nações Unidas. Mesmo diante do perigo eminente ele tenta se levantar e cumprir sua missão protegido somente por um colete balístico e um capacete que passam longe do adequado.A descrição fictícia não é a de um militar que atua sob a égide da ONU em algum rincão conflituoso do planeta. O homem que se es-quivava dos tiros atrás do veículo era um correspondente cobrindo um conflito armado, uma das mais desafiadoras vertentes do trabalho jornalístico.

Desde Tucídides, que relatou os detalhes da Guerra do Pelopone-so, o mundo passou a observar as batalhas pelas lentes e relatos dos correspondentes de guerra. Esta atribuição, cada vez mais perigo-sa, vem ceifando a vida de muitos profissionais da imprensa ao longo da história, principalmente nas últimas duas décadas, com o aumento dos conflitos internos e da instabilidade política e social em vários países.

Segundo o “International News Safety Institute”, 124 jornalistas perderam a vida no ano de 2011, número que supera o de jornalis-tas vitimados durante a Segunda Guerra Mundial e a Guerra do Vie-tnã. O Brasil, país aparentemente estável, mas que ainda sofre com questões relacionadas à segu-rança pública, é apontado pelo

instituto como o terceiro país mais perigoso para jornalistas na América Latina, atrás somente de México e Honduras.

Na busca por um melhor prepa-ro, cada vez mais jornalistas estão buscando formação para atua-rem com segurança em áreas de conflito. No Brasil esta formação é oferecida pelo Exército Brasilei-ro, através do Centro Conjunto de Operações de Paz – CCOPAB, responsável pelo Estágio de Pre-paração de Jornalistas em Áreas de Conflito.

De forma geral as turmas costu-mam ter por volta de 30 jornalis-tas, dos mais importantes veí-culos de imprensa do Brasil, que são submetidos a uma semana de instruções teóricas e práticas que tem por objetivo prepara-los para exercerem suas funções em ambientes hostis, e principalmen-te fazer com que não virem à notí-cia. Criado em 2008, o estágio já se tornou respeitado entre os profissionais de imprensa que

batalham por uma vaga cada vez mais disputada.

O estágio empolga pelas ex-periências registradas. O relato da jornalista Daniella Jinkings da Agência Brasil, é bem direto: “O curso foi muito bom. Na verdade, foi completamente diferente do que estava imaginando. Tudo foi muito real, muito forte. Foi uma superação para mim, tanto física quanto mental, principalmente nas atividades de incursão. Acho que é um curso pelo qual todo jornalista deveria passar, mesmo que não seja para cobrir conflitos, pois te ensina muitas coisas úteis. Além da experiência, creio que a partir de agora ficarei muito mais atenta a uma série de questões, principalmente de segurança durante as pautas”.

Nos dias que permaneceram no CCOPAB, os profissionais de imprensa deixaram de lado o con-forto das redações e foram imer-sos em um ambiente de doutrina militar com instruções durante

quase todo o dia, pouco descanso e muita ralação. Até mesmo para quem já esta acostumada com a rotina nas fileiras do Exército, o estágio surpreendeu.

“Ter a oportunidade de parti-cipar do Curso de Jornalista em área de conflitos foi de extrema importância para minha carreira, uma vez que já fiz e continuo fazendo a cobertura de diversas atividades da Força Terrestre. Já tive a chance de acompanhar uma patrulha noturna no Com-plexo do Alemão, enquanto estava ocupado pelo Exército Brasileiro, participei de Operações reais, como a da Bahia, e de ades-tramento de tropas do Exército, como a Guarani e a Oásis. E saber posicionar-se ou proteger a sua pessoa e a equipe durante uma progressão é fundamental para o sucesso da missão. Além disso, como militar temporária, quando sair da Força, estarei mais prepa-rada para encarar o mercado de trabalho” – declarou a 2º Ten Ales-sandra Hirtenkauf do Centro de Comunicação Social do Exército.

Os dois primeiros dias do estágio são dedicados a instru-ções teóricas, como a partici-pação brasileira em missões de paz; comunicação e negociação com sequestradores; terrorismo e contraterrorismo; regras de engajamento; artefatos explosi-vos; direitos humanos e direito internacional humanitário, entre outros.

Na instrução sobre regras de engajamento os jornalistas foram levados ao moderno simulador de tiro do Centro. O equipamento utilizado na instrução dos mili-

TEXTO RAFAEL SAYÃO FOTOS JONATHAN BRAMUSSI

A fadiga e o cansaço são companheiros constantes dos jornalistas durante todo o estágio. Sd Jonathan Bramussi/EB

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tares que atuarão nas diversas missões de paz em que o Brasil é empregado, não é destinado à instrução de tiro e sim à aplicação das regras de engajamento emiti-das pela ONU. Equipado com três carabinas M4A1 e duas pistolas Beretta 9mm, o simulador permi-te confrontar a tropa com muitas situações reais encontradas no terreno, levando o combatente a tomar as decisões certas sem se precipitar no gatilho. Acostuma-dos a serem os principais algozes quando existe excesso no uso da força, os jornalistas tiveram a

oportunidade de descobrir que a situação de conflito não é tão simples assim. Mesmo em um ambiente simulado, longe do estresse real e com todo o confor-to oferecido pelo equipamento, muitos alvejaram civis, colegas de farda e até mesmo outros jorna-listas.

O terceiro dia é marcado pelo início das instruções práticas. Durante visita à Escola de Instru-ção Especializada do Exército os alunos aprenderam a identificar diversos tipos de minas terrestres, a como se deslocar em um terre-

no minado e até mesmo como lo-calizar um artefato enterrado. Na Companhia de Defesa Química, Biológica e Nuclear viveram um dos momentos mais incômodos do estágio ao serem confinados em um ambiente com gás lacri-mogênio.

“Não lava o rosto e não esfrega os olhos. Se molhar é pior!” – bradava o Cap Alexandre Shoji, coordenador do estágio.

Ambientes confinados e colap-sados também foram visitados durante a instrução realizada na Academia de Bombeiros Militares D. Pedro II, onde os jornalistas aprenderam combate a incêndio, primeiros socorros e novamente foram colocados à prova em uma

casa de fumaça. Com o rosto colado ao chão encharcado e a poucos centímetros do fogo os jornalistas aprenderam que com calma e sangue frio é possível manter a consciência, escapar da fumaça e ainda conseguir escre-ver a reportagem.

No quinto dia todos os es-tagiários receberam colete e capacete balístico, além de ração de combate R2, cantil e bornal. Foram mais 13 quilos para os alunos transportarem durante o dia ensolarado na cidade do Rio de Janeiro. Na parte da manhã policiais militares dos Batalhões de Operações Especiais do Rio de Janeiro e de Santa Catarina foram os responsáveis por ensinar as

O combate a incêndio é uma dos momentos mais tensos do Estágio de Jornalista em Área de Conflito. Sd Jonathan Bramussi/EB

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táticas de progressão a pé dentro de uma comunidade, onde os espaços são restritos e os perigos eminentes.

Como se não bastasse conhe-cer os perigos, é preciso saber identifica-los com precisão. Na instrução de balística os esta-giários conheceram as diversas munições encontradas em uso no mundo e tiveram a oportunida-de de assistir a disparos de fuzil 5.56mm e 7.62mm e de pistola 9mm, observando o som emi-tido por cada disparo e o efeito de seus impactos em diversos tipos de materiais como madeira, tijolo, concreto, vidro blindado e coletes balísticos classe III.

Já na parte da tarde o desafio foi maior e o preparo físico dos jornalistas foi desafiado. Equipa-dos com o dispositivo de simula-ção de engajamento tático (DSET) instalado pelo Centro de Avalia-ção do Adestramento do Exército, os eles deveriam encarar uma su-bida de 200 metros no Morro do Capim acompanhando um grupo de combate do 27º Batalhão de Infantaria Pára-quedista. Corren-do, esquivando-se e rolando no chão, os jornalistas enfrentavam o “fogo” que vinha dos militares do CAADEX, que faziam o papel de força oponente. O DSET simula o combate com muito realismo e caso o jornalista fosse atingido uma gravação se encarregava de informar o nível de gravidade do ferimento ou transmitir a infor-mação que ninguém queria ouvir: morto! Somente um jornalista foi “morto” neste exercício final do curso, uma prova de que a instru-ção foi assimilada e que o CCO-PAB cumpriu sua missão: preparar os jornalistas para serem enviados com segurança e treinamento para o campo de batalha. OP

Criado no dia 15 de junho de 2010, através da portaria nº 952-MD, o Centro Conjun-

to de Operações de Paz do Brasil tem suas origens no Centro de Preparação e Avaliação para Mis-sões de Paz do Exército Brasileiro (CEPAEB), que tinha como missão a orientação e preparo cos contin-gentes brasileiros que iriam inte-grar as Missões de Paz.

Subordinado à 1ª Divisão do Exército e vinculado ao Comando de Operações Terrestres, à Direto-ria de Ensino e Cultura do Exército e ao Comando Militar do Leste, o CCOPAB está localizado na Vila Mi-litar, no bairro de Deodoro, no Rio de Janeiro. Atualmente suas insta-lações passam por obras extensas que buscam tornar o centro um grande complexo estruturado e equipado para a formação dos pe-acekeapers.

Com o objetivo de apoiar na pre-paração de militares, policiais e ci-vis engajados em missões de paz, o Centro possui hoje oito cursos: estágio de preparação de jornalis-tas em áreas de conflito, estágio de negociação em operações de paz, estágio de desminagem humani-tária, estágio de cooperação civil--militar, estágio preparatório para

comandantes de organizações militares e Estado Maior, estágio preparatório para comandantes de subunidade e pelotão, estágio de preparação para missões de paz e estágio de tradutores e in-térpretes militares. Além destes, o Centro é responsável pela realiza-ção do exercício avançado de ope-rações de paz (EAOP). Ao final do período de instrução, é realizado o exercício onde os participantes devem desenvolver uma série de atividades e missões que simulam o ambiente operacional em que a tropa será inserida.

Tendo como patrono o Alto Comissário de Direitos Humanos da ONU, Sérgio Vieira de Mello, o CCOPAB figura hoje como referên-cia internacional na formação e

aperfeiçoamento dos recursos hu-manos empregados em missões de paz das Nações Unidas, com-partilhando o sucesso e respeito que os “boinas azuis” brasileiros vem alcançando nas missões em que são empregados.

Espaço Cultural Sérgio Vieira de Mello

Av Duque de Caxias, 492, Vila Militar, Rio de Janeiro, RJ

Tel: (21) 2457-0515 [email protected]

O Centro Cultural pode ser visitado de segunda a sexta,

das 10 às 17h..

REPORTAGEM OP JORNALISTAS NO CAMPO DE BATALHA

Uma escola para soldados da paz

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Carlos Filipe Operti

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ENSAIO OP 60 ANOS DA ESQUADRILHA DA FUMAÇAENSAIO OP 60 ANOS DA ESQUADRILHA DA FUMAÇA

Carlos Filipe Operti

Carlos Filipe Operti

Carlos Filipe Operti

André Rosa

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Carlos Filipe Operti

Carlos Filipe Operti

Carlos Filipe Operti

Carlos Filipe Operti

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Um museu espetacular

TEXTO E FOTOS LEO MELO

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P aris. Qualquer adjetivo sobre Paris é pouco. Lindas praças, ruas, monumentos e museus. Muitos museus.

Entre os museus que se destacam na cidade, há o Les Invalides, um complexo museológico com coleções espetaculares que o tornam uma atração imperdível para qualquer visitante a capital da França.

O hospital dos Inválidos foi criado em 1670 por Luís XIV, para receber os soldados gravemente feridos em combate. Segundo o rei, era preciso “cuidar daqueles que derramaram sangue pela monarquia”.

A conclusão da obra foi em 1677, mas os primeiros hóspedes chegaram a partir de 1674.

Logo depois se iniciou a cons-trução da igreja que receberia o nome de Saint Louis de Les Invalides.

O cuidado com a memória dos que lutaram pela França pode ser observado desde muito cedo,

pois em 1872 foi inaugurado o museu de artilharia e em 1896 o museu histórico do exército para finalmente em 1905 ser criado o museu do exército.

O museu pode ser dividido em quatro museus por assim dizer. O Departamento Antigo, o Departa-mento Moderno, o Departamento das Duas Guerras Mundiais e a Tumba do Imperador.

Departamento antigoNeste departamento está

preservada uma das maiores coleções de militaria do mundo antigo. Uma informação colhida no museu, diz que é a terceira maior coleção de armaduras da Europa, cobrindo três séculos de trabalho e arte, pois algumas das peças em exposição são ricamen-te ornamentadas.

O departamento pode ser divi-do em dois setores. Um de modo a ser visto de modo cronológico e outro de modo temático. Há

inclusive uma seção com arma-duras japonesas usadas pelos samurais.

Primitivos canhões também podem ser vistos nesta parte do museu, em sua maioria, decora-dos.

Também podem ser vistas, coleções de mosquetes, punhais, espadas, bestas e projéteis.

Departamento ModernoEste departamento cobre o

período de 1650 a 1870, com ênfase nas Guerras Napoleônicas. A coleção de uniformes deste é simplesmente belíssima. Um dos pontos altos do museu sem dúvida.

Outras peças são impressionan-tes, tais como uma sela mameluca provavelmente usada na Batalha das Pirâmides, o bicórnio usado por Napoleão na Batalha de Eylau em 1807, além do seu famoso, sobretudo cinza, sem mencionar peças relativas a um dos maiores

Fachada norte do Museu, lado oposto da igreja. Observar o fosso. Leo Melo

feitos da história militar. A vitória de Napoleão Bonaparte em 1805 em Austerlitz.

Outra peça que chama bastan-te interessante e sem dúvida pa-vorosa, é o peitoril do Carabineiro François Antoine Faveau, morto na Batalha de Waterloo em 1815 por um disparo de canhão.

A parte final desta seção do mu-seu termina com a Guerra Franco Prussiana em 1870 e o cerco de Paris.

Departamento das Guerras Mundiais

Sendo um dos principais protagonistas das Duas Guerras Mundiais é natural que o mu-seu tenha uma seção dedicada aos dois conflitos. Nela podem ser vistos alguns objetos muito interessantes e alguns nos deixam um alerta. Dentre as peças há inclusive bastões de marechais de França. Mas as peças que cha-mam a atenção e nos alertam são

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as máscaras mortuárias de dois veteranos franceses da I Guerra. Seus rostos estão terrivelmente mutilados.

Na ala da II Guerra Mundial, há um objeto interessante. Um dos “pára-quedistas” falsos lançados pelos aliados no Dia D, sobre a Normandia. Em nada se parece com o que é mostrado no filme “O Mais Longo dos Dias”. Peças de artilharia de ambos os lados, também estão expostas.

Recentemente foi inaugurada ao fim desta ala, uma sala em ho-menagem ao Presidente Charles de Gaulle.

Tumba do ImperadorO ponto de maior destaque

deste belo museu é sem dúvida a Tumba do Imperador Napoleão Bonaparte.

Os adjetivos sobre Napoleão são muitos, mas sejam lá quais forem não há como negar que foi um dos poucos homens que mudou a História. Depois dele o mundo nunca mais foi o mesmo. Conseguiu inclusive mudar a História brasileira.

A tumba fica dentro da igreja. Nela, além de Napoleão, estão sepultados outros nomes ilustres das armas de França, como por exemplo, Sebastién Vauban, o grande arquiteto militar. De fato,

o que está sepultado na igreja é somente o coração de Vauban. Seu corpo descansa Bazoches-du--Morvan a 280 km de Paris.

Outro nome destacado é a sepultura do marechal Foch, num grupo escultórico de grande beleza.

Numa dos enormes corredo-res externos, há uma placa em homenagem aos legionários mortos em Camerone, México. Em 1863 numa fazenda chamada Camerone, 62 Legionários e 3 oficiais resistiram durante apro-ximadamente 10 horas, numa proporção de um contra quaren-ta! Foi tempo suficiente para uma coluna com centenas de franceses

poderem fugir. Ao fim do cerco, apenas doze legionários estavam vivos e um gravemente ferido. Os mexicanos ofereceram a rendição que só foi aceita com a condição de poderem levar o corpo do comandante e a bandeira.

Um detalhe curioso sobre o museu, é que na entrada oposta à igreja, estão alinhados uma série de canhões antigos que apon-tam diretamente para o Palácio do Champs Elysees. O objetivo é lembrar aos ocupantes do palácio que o poder emana do povo e que pode ser tomado.

Se tiver oportunidade de visitar Paris, visite Les Invalides. É uma aula de História! E tem Paris...

Bon Voyage!

Metralhadoras usadas na I Guerra Mundial. Leo Melo

Armaduras na Reserva Técnica. Uma das melhores coleções da Europa. Leo Melo

Vitrine destaca o desembarque na

Normandia. Leo Melo

Baldaquino na Eglise du Dome. O acesso à tumba do Imperador se dá atrás dele. Leo Melo

CULTURA OP MUSEU LES INVALIDES

OP

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Escultura de Napoleão em bronze, medindo 3,74m e concebida por Charles Emille-Seurre. Leo Melo

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CULTURA OP VEÍCULOS MILITARES ANTIGOS

Circulando pelas ruas mo-vimentadas de São Paulo está um nostálgico jeep

Ford GPW 1942 ostentando cor e marcações de um veículo militar, conduzido por um jovem senhor trajando uniforme da época da Segunda Guerra Mundial e os óculos estilo aviador. Muitos po-dem acreditar que alguém criou uma máquina do tempo e aquele cidadão há via sido o primeiro a atravessá-la com sua viatura. Entretanto, estão diante de Mar-cos Cesar Spinosa, um advogado paulistano que elegeu na paixão por veículos militares antigos a sua forma de contribuir com a preservação de uma importante fatia da história brasileira.

Um dos fundadores do Jeep Clube do Brasil e fundador da Associação Paulista de Veículos Militares Antigos, Spinosa iniciou sua história junto ao GPW 1942

ainda na década de 80. “Comprei o veículo de um arqui-

teto em 1988 e este adquiriu em um leilão do Exército em 1952. Ele serviu na instrução de soldado do curso de material bélico da Aca-demia Militar de Realengo. Está cerca de 90% origina,” comenta o empolgado proprietário.

O maior valor pago na aquisição da viatura não foi financeiro. Spi-nosa assumiu com o antigo pro-prietário a “missão” de restaurar o carro e manter suas características originais. O veículo foi totalmente desmontado e teve motor, cam-bio, caixa de transferência, caixa de direção e diferenciais refeitos, uma coisa comum para quem se aventura na tarefa de restaurar uma viatura deste tipo. Percebeu que a missão havia sido cumprida com louvor quando teve a opor-

tunidade de apresentar o carro e emocionar o antigo dono.

Na hora de pintar seu GPW, o colecionador optou por home-nagear o 1º Grupo de Caça e seus heróis que lutaram nos céus da Itália. Buscando a maior fideli-dade possível, Spinosa realizou uma minuciosa pesquisa que contou com a ilustre participação do comandante Alberto Martins Torres, um dos veteranos mais voados do 1º GAvCa na guerra. O experiente aviador acompanhou cada momento do restauro do veículo, sendo uma das principais fontes de informação para trazer à vida a viatura utilizada por ele em terras italianas. Coroando esta relação histórica com o “Grupo de Caça”, o carro recém-restaurado foi utilizado para transportar o Brigadeiro Nero Moura em uma celebração do Dia da Aviação de Caça na Base Aérea de Santa Cruz.

Valentes como os jeeps que cruzaram os campos de batalha transportando toda ordem de suprimentos e pessoal, os preser-vadores de viaturas militares são verdadeiros mecenas da história militar brasileira. Reunidos na As-sociação Brasileira dos Preserva-dores de Viaturas Militares, man-tém junto ao Exército Brasileiro o projeto do Museu Vivo de Viaturas Militares Antigas de Valor Históri-co do Rio de Janeiro, que realiza exposições frequentes no estado e assessora as Forças Armadas quando surge o interesse pela

restauração de alguma viatura. O trabalho vem sendo responsável por aproximar cada vez mais a população da força terrestre e da história militar brasileira.

No ano de 2009, Marcos Cesar Spinosa teve o prazer de parti-cipar do projeto “Caminho dos Heróis”. Liderados pelo músico e preservador João Barone, 22 brasileiros foram à Itália para percorrer as localidades por onde a Força Expedicionária Brasileira passou em sua saga durante a Se-gunda Guerra Mundial. Montese, Pistoia, Monte Castelo, Fornovo Di Taro, Collecchio... todas as cidades foram percorridas. O carinho e gratidão que a “tropa brasileira” recebeu dos italianos foi registra-do em vídeo dando origem a um documentário.

Um dos incentivadores da presença dos vículos militares no antigomobilismo, Marcos Cesar Spinosa diz que o cuidado e a preservação das viaturas pro-porciona um bem estar maior ao proprietário que ao próprio carro.

“Para aqueles que se interessam por história militar e antigomobi-lismo, a preservação de veículos militares pode ser um lazer que trará grande satisfação, seja pelas amizades que vier a fazer, pela participação nas atividades dos grupos ou pelo próprio lazer em si.”

TEXTO RAFAEL SAYÃO

OP

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