Revista Saúde em Debate - nº especial sobre drogas

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Número especial sobre drogas da Revista Saúde em Debate.Artigo: A rede assistencial sobre drogas segundo seus próprios atoresPedro Henrique Antunes da Costa, Tamires Jordão Laport, Daniela Cristina Belchior Mota, Telmo Mota RonzaniP. 110-121

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  • Rio de Janeiro v. 37, n. especial dezembro 2013

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    2013

    CEB

    ES

  • CENTRO BRASILEIRO DE ESTUDOS DE SADE (CEBES)

    DIREO NACIONAL (GESTO 20132015)NATIONAL BOARD OF DIRECTORS (YEARS 20132015)

    Presidente: Ana Maria CostaVicePresidente: Isabela Soares SantosDiretora Administrativa: Ana Tereza da Silva Pereira CamargoEditor de Poltica Editorial: Paulo Duarte de Carvalho AmaranteDiretores Executivos: Liz Duque Magno

    Maria Gabriela Monteiro Maria Lucia Frizon Rizzotto Paulo Henrique de Almeida Rodrigues Tiago Lopes Coelho

    Diretores Adhoc: Grazielle Custdio David Heleno Rodrigues Corra Filho Lucia Regina Fiorentino Souto Pedro Paulo Freire Piani

    CONSELHO FISCAL FISCAL COUNCIL

    Aparecida Isabel Bressan Yuri Zago Sousa Santana de Paula David Soeiro Barbosa

    CONSELHO CONSULTIVO ADVISORY COUNCIL

    Albineiar Plaza PintoAry Carvalho de MirandaCarlos Octvio Ock ReisCornelis Johannes Van StralenEleonor Minho ConillGasto Wagner de Souza CamposIris da ConceioJairnilson Silva PaimJos Carvalho de NoronhaJos Ruben de Alcntara BonfimLenaura de Vasconcelos Costa LobatoLigia GiovanellaMaria Edna Bezerra da SilvaNelson Rodrigues dos SantosPedro Silveira Carneiro

    SECRETARIA SECRETARIES

    Secretria Geral: Cristina Maria Vieira de Almeida SantosPesquisador: Ludmilla Torraca de Castro

    SADE EM DEBATE

    A revista Sade Em Debate uma publicao editada pelo Centro Brasileiro de Estudos de Sade

    EDITOR CIENTFICO SCIENTIFIC EDITOR

    Paulo Duarte de Carvalho Amarante (RJ) Maria Lucia Frizon Rizzoto (SC)

    CONSELHO EDITORIAL PUBLISHING COUNCIL

    Alicia Stolkiner Universidade de Buenos Aires, Buenos Aires, ArgentinaAngel Martinez Hernaez Universidad Rovira i Virgili, Tarragona, EspanhaBreno Augusto Souto Maior Fonte Universidade Federal de Pernambuco,

    Recife (PE), BrasilCarlos Botazzo Universidade de So Paulo, So Paulo (SP), BrasilCatalina Eibenschutz Universidade Autnoma Metropolitana,

    Xochimilco, MxicoCornelis Johannes Van Stralen Unversidade Federal de Minas Gerais,

    Belo Horizonte (MG), BrasilDiana Mauri Universidade de Milo, Milo, ItliaEduardo Luis Menndez Spina Centro de Investigaciones y Estudios Superiores

    en Antropologia Social, Mexico (DF), MxicoEduardo Maia Freese de Carvalho Fundao Oswaldo Cruz, Recife (PE), BrasilGiovanni Berlinguer Universit La Sapienza, Roma, ItliaHugo Spinelli Universidad Nacional de Lans, Lans, ArgentinaJos Carlos Braga Universidade Estadual de Campinas, Campinas (SP), BrasilJos da Rocha Carvalheiro Fundao Oswaldo Cruz, Rio de Janeiro (RJ), BrasilLuiz Augusto Facchini Universidade Federal de Pelotas, Pelotas (RS), BrasilLuiz Odorico Monteiro de Andrade Universidade Federal do Cear,

    Fortaleza (CE), BrasilMaria Salete Bessa Jorge Universidade Estadual do Cear, Fortaleza (CE), BrasilMiguel Mrquez Asociacin Latinoamericana de Medicina Social, Havana, CubaPaulo Marchiori Buss Fundao Oswaldo Cruz, Rio de Janeiro (RJ), BrasilPaulo de Tarso Ribeiro de Oliveira Universidade Federal do Par, Belm (PA), BrasilRubens de Camargo Ferreira Adorno Universidade de So Paulo,

    So Paulo (SP), BrasilSonia Maria Fleury Teixeira Fundao Getlio Vargas, Rio de Janeiro (RJ), BrasilSulamis Dain Universidade Estadual do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro (RJ), BrasilWalter Ferreira de Oliveira Universidade Federal de Santa Catarina,

    Florianpolis (SC), Brasil

    SECRETARIA EDITORIAL EDITORIAL SECRETARY

    Frederico Toms Azevedo

    INDEXAO INDEXATION

    Literatura Latinoamericana e do Caribe em Cincias da Sade LILACSHistria da Sade Pblica na Amrica Latina e Caribe HISASistema Regional de Informacin en Lnea para Revistas Cientficas de Amrica Latina, el Caribe, Espaa y Portugal LATINDEXScientific Electronic Library - SciELOSumrios de Revistas Brasileiras SUMRIOS

    ENDEREO PARA CORRESPONDNCIA

    Avenida Brasil, 4036 sala 802 Manguinhos21040361 Rio de Janeiro RJ BrasilTel.: (21) 38829140 | 38829141

    A Revista Sade em Debate associada Associao Brasileirade Editores Cientficos

    Apoio

    Ministrioda Sade

  • Rio de Janeiro v. 37, n. especial dezembro 2013

    RGO OFICIAL DO CEBES

    Centro Brasileiro de Estudos de Sade

    ISSN 0103-1104

  • 6 EDITORIAL EDITORIAL

    8 APRESENTAO PRESENTATION

    12 Reviso sistemtica sobre crack: aspectos relacionados ao uso e abuso Cracks systematic review: aspects related to the use and abuse Daniele Farina Zanotto, Fatima Bchele

    21 Principais desafios na construo de uma poltica integrada sobre drogas: descrio da experincia na cidade do Recife/PE Main challenges in the construction of an integrated policy on drugs: description of experience in Recife/PE Alda Roberta Campos, Rossana Carla Rameh-de-Albuquerque, Renata Barreto de Almeida, Serginaldo Jos dos Santos

    32 Crack e internao compulsria no Brasil: interveno do estado na autonomia dos usurios Crack Cocaine and involuntary hospitalization in Brazil: state intervention in users autonomy Carla Elo de Oliveira Ferraz, Saulo Sacramento Meira, Karla Ferraz dos Anjos, Edite Lago da Silva Sena, Alba

    Benemrita Alves Vilela, Srgio Donha Yarid

    39 Sade mental, drogas e direitos humanos: por intervenes cidads aos usurios de drogas em contexto de internao compulsria Mental health, drug and human rights: By citizens interventions for drug users in the context of compulsories internments Marco Jos de Oliveira Duarte

    49 Crack, a pedra lanada no SUS: desafios para uma ateno necessria Crack, the stone thrown in the SUS (Unified Health System): challenges for attention required Renata Barreto de Almeida, Marcus Tlio Caldas, Rossana Carla Rameh-de-Albuquerque, Alda Roberta Campos

    61 Ateno Primria e dependncia qumica: contribuies do matriciamento em sade mental Primary Health Care and chemical dependency: contributions of specialist orientation in Mental Health Ana Carolina da Costa Araujo

    70 Escola de Redutores de Danos: experincia de formao na perspectiva da sade coletiva School of Harm Reduction: educational process experience from the perspective of collective health Heloisa Veiga Coelho

    82 Oficinas teraputicas do Centro de Ateno Psicossocial II do municpio de Montes Claros: percepes de usurios e seus familiares Therapeutic workshops of the Centro de Ateno Psicossocial II from Montes Claros municipality: perceptions from users and their families Francielle Batista Veloso, Aparecida Rosngela Silveira, Fabrcia Vieira de Matos, Marielle Alves Silveira, Raquel

    Aparecida Gomes Lopes , Mrcia de F. Ribeiro, Letcia Marques Pinheiro

  • 92 Percepo dos usurios de crack e seus familiares quanto ao acesso e servios oferecidos em hospitais gerais Perception of crack users and their family members regarding the access and services offered at general hospitals Jactiane Anzanello, Miriam Thais Guterres Dias, Bernadete Dalmolin, Jaqueline da Rosa Monteiro, Antonio Bolis

    Oliveira Neto

    103 Concepo dos familiares de usurios de crack acerca das polticas pblicas antidrogas Perception of the families of crack users about anti-drugs public policies Vanessa Vieira Frana, Priscila Santos Alves, Natlia de Carvalho Lefosse Valgueiro, Iracema da Silva Frazo

    110 A rede assistencial sobre drogas segundo seus prprios atores The network care about drugs by its own actors Pedro Henrique Antunes da Costa, Tamires Jordo Laport, Daniela Cristina Belchior Mota, Telmo Mota Ronzani

    122 A internao de usurios de lcool e outras drogas em hospital geral The hospitalization of users of alcohol and other drugs in the general hospital Sirlei Favero Cetolin, Clarete Trzcinski, Ana Cristina Weber Marchi

    130 Fatores que interferem no xito do tratamento de usurios de crack Factors affecting the success of the treatment of users of crack Adrielle Rodrigues dos Santos, Ana Luisa Antunes Gonalves Guerra, Selene Cordeiro Vasconcelos, Iracema da Silva

    Frazo

    137 Recadas na drogadio: uma via para (re)pensar a ateno sade Relapses in drug addiction: a way to (re)think health attention Edna Linhares Garcia

    147 Fatores de risco e proteo para o consumo de drogas: conhecimento de estudantes de uma escola pblica Risk factors and protection against drug use: knowledge of public school students Lorena Silveira Cardoso, Marcos Vinicius Ferreira dos Santos, Cntia Lepaus Thomas, Marluce Miguel de Siqueira

    158 Vicissitudes do trabalho de grupo entre profissionais de sade dos Centros de Ateno Psicossocial lcool e Drogas Vicissitudes in group work among health professionals of the Psychosocial Care Centers - Alcohol and Drugs Elem Guimaraes dos Santos, Marluce Miguel de Siqueira

    171 Tratamento e reabilitao de usurios de CAPS-AD na perspectiva dos profissionais do servio Treatment and rehabilitation of CAPS-ADs users from the perspective of its professionals Olvia Egger de Souza, Ana Paula Dalchiavon Zeni, Marina Mantesso, Thase Federizzi, Alice Hirdes

  • 185 Discursos e representaes sobre o uso/abuso do lcool: um estudo da comunidade indgena Speeches and representations about the use / abuse of alcohol: a study in the indigenous community Juliana Rzia Flix de Melo

    194 Uso de substncias psicoativas ilcitas por estudantes de pedagogia de uma universidade pblica Use of illicit drugs by students of a public university of pedagogy Marcos Vincius Ferreira dos Santos; Rafaely Rebuli Procopio; Flvia Batista Portugal; Marluce Miguel de Siqueira

  • 6 Sade em Debate Rio de Janeiro, v. 37, n. especial, p. 6-7, dezembro 2013

    EDITORIAL EDITORIAL

    Chegamos ao 37 ano da revistaSade em Debate reafirmando a satisfao de nossa participao na Scientific Electronic Library Online (SciELO) e o inquestionvel valor que a revista vem merecendo nos ltimos anos, o que pode ser constatado pelo visvel crescimento do nmero de artigos submetidos nossa pgina eletrnica (www.saudeemdebate.org.br). Este nmero, especialmente dedicado ao debate sobre a poltica nacional e as formas de tratamento e cuidado no mbito da dependncia qumica, resultado de uma proposta conjunta do CEBES e da Fundao Oswaldo Cruz.

    O aumento, ao menos da visibilidade, da utilizao do crack no pas tem produ-zido uma srie de respostas, a maioria delas em condies de pouca reflexo e de pouca base nas experincias acumuladas no pas, tanto nos aspectos da Ateno Psicossocial quanto da Reduo de Danos. A maioria dos municpios passou a clamar por interna-o compulsria dos drogados, fazendo crer que a questo da dependncia qumica de abstinncia forada, de ordem pblica, de polcia e de represso. Na verdade, tais me-didas escondem propostas conservadoras e retrgradas no que diz respeito aos avanos alcanados e construdos pela sociedade brasileira desde a aprovao da Constituio Cidad, de 1988. Por trs dos clamores de sequestro e violao dos direitos humanos existe um projeto de rejeio das liberdades democrticas e dos direitos de cidadania, alm de muitos outros interesses que apareceram com o objetivo de tirar partido da poltica antidrogas (igrejas, imobilirias, construtoras, clnicas privadas e tantos outros).

    Este nmero vem contribuir para o debate, oferecendo uma srie de artigos de pesquisa, reviso e ensaios que demonstram o amadurecimento desse campo, talvez pouco considerado pelos formuladores de polticas, que insistem em lanar mo de estratgias de interveno invasivas e ineficazes, que atendem a interesses de segmen-tos especficos e no aos dos usurios e de suas famlias.

    A chamada para este nmero foi to bem sucedida o que reflete no apenas a importncia que a Sade em Debate merece, conforme anunciamos acima, mas tambm, e certamente, o peso que o tema recebe, atualmente, no pas que centenas de artigos foram submetidos avaliao. Impossibilitados de publicar todos de uma s vez, nos comprometemos a public-los nos nmeros seguintes, na medida em que forem sendo aprovados por nossos revisores do tema.

    Esperamos que os leitores de Sade em Debate faam bom proveito dos artigos aqui publicados, baseando-se neles para instrumentalizarem-se, ainda mais, na cons-truo de novas prticas e argumentos com vistas a um cenrio de solidariedade e respeito pelos direitos humanos no mbito do SUS. Esses so os princpios da Frente Nacional Drogas e Direitos Humanos, da qual o CEBES faz parte.

    Boa leitura!Paulo AmaranteEditor Cientfico

    Editorial

  • 7EDITORIAL EDITORIAL

    Sade em Debate Rio de Janeiro, v. 37, n. especial, p. 6-7, dezembro 2013

    Editorial

    We have reached the 37th year of the Health Debate journal reaffirming the satisfaction of our participation in the Scientific Electronic Libra-ry Online (SciELO) and the unquestionable value that the magazine has been deserving in recent years, which may be evidenced by the visible growth of the number of articles submitted to our webpage (www.saudeemdebate.org.br). This number, especially dedicated to the discussion of national policy and the forms of treatment and care in the field of chemical dependency, is the result of a combined proposal between CEBES and the Oswaldo Cruz Foundation.

    The increase of visibility at least of the use of crack cocaine in the country has produced a number of responses, most of them in little reflection and little basis on gathered experience in the country, both in aspects of Psychosocial Care and Harm Reduction. Most municipalities began to clamor for compulsory admission of junkies, making us believe that the issue of chemical addiction comes from forced abstinence, of public order, police and prosecution. Indeed, such measures conceal conservative and reactionary proposals with regard to the progress made and built by Brazilian society since the adoption of the Citizen Constitution of 1988. Behind the claims of kidnapping and violation of human rights exists a project of rejection of democratic freedoms and citizenship rights, and many other interests that appeared in order to take advantage of drug policy (churches, real estate, construction, private clinics and many others).

    This number comes to contribute to the debate by offering a series of research articles, review and tests that demonstrate the maturation of this field, perhaps disregarded by policymakers who insist on resorting to invasive intervention strategies and ineffective, that meet interests to specific segments and not to users and their families.

    The call to this number was so successful - which reflects not only the importance that Sade em Debate deserves, as announced above, but also, and indeed, the weight that the subject receives currently in the country - that hundreds of articles have been submitted to evaluation. Unable to publish all at once, we commit to publish them in the next numbers, in that they are approved by our revisers of theme.

    We hope that readers of Sade em Debate make good use of the articles posted here, relying on them to have even more instruments for the construction of new practices and arguments with a view to a scenario of solidarity and respect for human rights within the SUS. These are the principles of the National Drugs and Human Rights Front, of which CEBES is a member.

    Good reading!Paulo AmaranteScientific Editor

  • 8APRESENTAO PRESENTATION

    Sade em Debate Rio de Janeiro, v. 37, n. especial, p. 8-11, dezembro 2013

    Crack! Este foi o termo mais utilizado pela mdia nos ltimos tempos. De uma hora para a outra, o crack foi considerado como a causa de todos os males, de todas as formas de violncia e misria social, de todas as preca-riedades e falncias das polticas pblicas.

    As cenas de uso, demonizadas pela mdia como as cracolndias, passaram a ser sistemtica e repetidamente exibidas pelos canais de TV como se fossem reality shows, produzindo a impresso de que toda a sociedade era to somente uma grande rea de consumo da droga.

    No demoraram a aparecer inmeras igrejas ofertando milhares de vagas em instituies para tratamento moral e espiritual de drogados, instituies estas fraudulentamente autodenominadas de comunidades teraputicas. Da mesma forma, passaram a proliferar clnicas e cursos rpidos de formao de terapeutas de dependncia qumica. Os mercados da f e da doena se alinharam em um s propsito.

    Os avanos construdos ao longo de muitos anos e duras batalhas no campo das reformas sanitria e psiquitrica passaram a ser absolutamente ameaados, como em um toque de mgica. O furor intervencionista, clamando por internaes compulsrias plantadas pela mdia e pelos mercados construdos em torno da questo da droga, trouxe baila outro mercado: o da especulao imobiliria sob a justificativa da necessidade de uma poltica antidrogas!

    Na verdade, esta poltica vem mascarando um violento processo de higienizao dos espaos urbanos, fazendo-nos atualizar as reflexes de Michel Foucault sobre o nascimento da medicina social na Alemanha e na Frana.

    Para agravar ainda mais o quadro geral, na Cmara dos Deputados foi apresentado o projeto de lei n 7.663/10, que prope aumentar a criminalizao e a penalizao relacionadas questo das drogas, e que, por incrvel que possa parecer, determina que os estabelecimentos de ensino assumam um papel de delao de crianas e adolescentes suspeitos do uso de drogas. Enfim, o projeto de lei refora a poltica de guerra s drogas, poltica esta absolutamente fracassada e, como tal, rejeitada na maioria dos pases que a adotaram e que, por sua causa, tiveram agravada a situao de violncia social.

    O Centro Brasileiro de Estudos de Sade (Cebes), juntamente com inmeras outras entidades e movimentos sociais, posicionou-se fortemente contrrio a tal projeto de lei, mas a iniciativa segue em frente, inclusive com a deciso do governo de apoi-lo, inserindo-o no regime de votao de urgncia.

    Por outro lado, no que diz respeito ao campo assistencial direcionado para a dependncia qumica, o investimento pblico ainda muito tmido e indefinido. Enquanto a tendncia oficial aponta prioritariamente para a ampliao e o financiamento das instituies religiosas, em resposta aos interesses e presses da

    Apresentao

  • 9Sade em Debate Rio de Janeiro, v. 37, n. especial, p. 8-11, dezembro 2013

    APRESENTAO PRESENTATION

    bancada religiosa predominantemente evanglica , as experincias assistenciais moldadas sob os princpios da Ateno Psicossocial e da Reduo de Danos, centrados no vnculo e na adeso do usurio, embora tenham resultados muito importantes, ainda esto em uma espcie de limbo das polticas pblicas.

    O presente nmero de Sade em Debate tem como propsito trazer tona as ricas experincias e reflexes que vm ocorrendo no Brasil, e que demonstram que possvel construir uma poltica no campo da dependncia qumica que seja fundada em outros princpios cientficos, e que tenham na solidariedade, na escuta, na incluso, na defesa dos direitos humanos e da cidadania as suas bases ticas e polticas.

    Diretoria Nacional do Cebes

  • 10 Sade em Debate Rio de Janeiro, v. 37, n. especial, p. 8-11, dezembro 2013

    APRESENTAO PRESENTATION

    Crack! This has been the most often used word by media in recent times.All of a sudden, the crack cocaine was considered as the cause of all evils, from all forms of violence and social poverty, of all precariousness and bankruptcies of public policy.

    The scenes of use, demonized by media as the cracklands cracolndias in portuguese started being systematic and repeatedly exhibited by TV channels as if they were reality shows, producing the impression that whole society was solely a great consumption area of the drug.

    With no delay, numerous churches offering thousands of places in insti-tutions for moral and spiritual treatment of drug addicts came to appear, these fraudulent institutions self-styled of therapeutic communities. Likewise, clinics and rapid graduation courses of therapists on chemical addiction began to prolif-erate. The markets of faith and disease closely aligned in one purpose.

    The advances built over many years and hard battles in the field of sani-tary and psychiatric reforms became absolutely threatened, as in a magic touch. The interventionist furor claiming for compulsory admissions planted by media and markets built around the drug issue, brought up another market: the specu-lation on the justification of the need for an anti-drug policy!

    In fact, this policy has been masking a violent process of sanitization of urban spaces, making us upgrade Michel Foucaults reflections on the birth of social medicine in Germany and France.

    To further aggravate the overall picture, in the House of Representatives was presented the bill No. 7.663/10, which proposes increasing criminalization and penalization related to the issue of drugs, and, incredible as it may seem, determines that the educational establishments take on a role denouncing of chil-dren and adolescents suspected of drug use. Finally, the bill strengthens the policy of war on drugs totally failed policy and, as such, was rejected in most countries that had adopted it and that, for its sake, had the situation of social violence worsened.

    The Brazilian Center for Health Studies (Centro Brasileiro de Estudos em SadeCebes), along with several other organizations and social movements, has positioned itself strongly against such a bill. But the initiative moves forward, including the governments decision to support it by inserting it in the voting system of emergency.

    On the other hand, with regard to the assistance field directed to chemi-cal dependency, public investment is still very shy and vague. As long as the official trend primarily points to the expansion and funding of religious institu-tions in response to the interests and pressures of religious bench - predominantly evangelical - the care experience shaped by the principles of Psychosocial As-

    Presentation

  • 11Sade em Debate Rio de Janeiro, v. 37, n. especial, p. 8-11, dezembro 2013

    APRESENTAO PRESENTATION

    sistance and Harm Reduction, centered in the bond and accession of the user, although with very relevant results, are still in a kind of limbo of public policies.

    The current number of Sade em Debate aims to bring out the rich expe-riences and reflections taking place in Brazil which demonstrate that it is possible to construct a policy in the field of chemical dependency based on other scientific principles, and have in the solidarity, on listening, inclusion, human rights and citizenship its ethical and political bases.

    Board of Directors, Cebes

  • 12

    ARTIGO ORIGINAL ORIGINAL ARTICLE

    RESUMO Trata-se de uma reviso sistemtica de artigos, com o objetivo de analisar os as-pectos relacionados ao uso e abuso do crack. A anlise foi realizada a partir de 126 artigos e seguiu os passos propostos por Minayo (2000): ordenao, classificao dos dados e an-lise final. Os resultados relacionam principalmente as consequncias do uso para a sade (42,8%). Alm destas, foi possvel traar o perfil do usurio (22,2%). Surgiram estudos sobre a abordagem psicolgica e social (13,4%). As ligaes da droga com sexo e prostituio (9,52%), crime e violncia (3,17%) alm das opes de tratamento utilizadas (8,73%). Esta reviso reuniu dados importantes sobre a droga Crack entre 2000- 2010.

    PALAVRAS CHAVE: Cocana Crack, Reviso, Transtornos relacionados ao uso de substn-cias.

    ABSTRACT This is a systematic review of articles with the aim of analyzing the aspects related to the use and abuse of crack. The analysis was performed from 126 articles and followed the steps proposed by Minayo (2000): sorting, sorting the data and final analysis. The results relate primarily to the consequences of using health (42.8%). Besides these, it was possible to trace the users profile (22.2%). Studies appeared on the psychological and social approach (13.4%). The drug leads to sex and prostitution (9.52%), crime and violence (3.17%) in addition to the treat-ment options used (8.73%). This review gathered important data on the drug Crack between 2000-2010.

    KEYWORDS:Crack cocaine, Review, Substance-Related Disorders.

    Doutoranda do Programa de Ps Graduao em Sade Coletiva da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) Florianplis (SC), Brasil. [email protected]

    Doutora em Enfermagem. Professora adjunta do Programa de Ps Graduao em Sade Coletiva da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) Florianplis (SC), Brasil. [email protected] .

    Reviso sistemtica sobre crack: aspectos relacionados ao uso e abuso

    Cracks systematic review: aspects related to the use and abuse

    Daniele Farina Zanotto, Fatima Bchele

    Sade em Debate Rio de Janeiro, v. 37, n. especial, p. 12-20, dezembro 2013

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    Introduo

    No Brasil, o crescimento do consumo e das consequn-cias relacionadas ao uso de crack vem ganhando reper-cusso em meio sociedade, principalmente nos vecu-los de comunicao, devido aos problemas que gera ao usurio e ao meio social em que este inserido.

    Conceitualmente, o crack uma forma distinta de levar a molcula de cocana ao crebro. Os primei-ros registros de seu uso no Brasil datam da dcada de 90. Quando a droga fumada, as molculas de cocana atingem o crebro quase imediatamente, produzindo um efeito explosivo, descrito pelas pessoas que usam como uma sensao de prazer intenso. A droga , en-to, velozmente eliminada do organismo, produzindo uma sbita interrupo da sensao de bem-estar, se-guida, imediatamente, por imenso desprazer e enorme vontade de reutilizar a droga. O crack mais barato que a cocana pura, facilitando a produo e o acesso a ela. (BRASIL, 2011).

    Considerando esse aspecto, os efeitos biolgicos do consumo so rpidos e arrasadores. Suas principais consequncias fsicas incluem doenas pulmonares e cardacas, sintomas digestivos e alteraes na produo e captao de neurotransmissores. Alm disso, existem importantes consequncias sociais, como as alteraes no comportamento, dificuldade de relacionamentos, violncia, abandono dos estudos ou emprego, o sexo sem proteo, entre outras.

    Destacando o II Levantamento Domiciliar sobre o Uso de Drogas Psicotrpicas no Brasil realizado nas 108 maiores cidades do pas, 0,7% da populao adulta relatam j ter feito uso de crack pelo menos uma vez na vida, o que significa um contingente de mais de 380 mil pessoas (BRASIL, 2011).

    Por se tratar de uma droga barata, de fcil acesso e que pode provocar rapidamente dependncia, os danos ao indivduo e ao meio social so ainda mais arrasado-res. Sendo assim, o abuso desta substncia traz consigo gastos ao sistema pblico de sade e ao de segurana pblica, alm de gerar insatisfao da sociedade diante do fenmeno.

    Alm da disseminao do crack, outras drogas derivadas da cocana, com efeitos semelhantes, vm

    atingindo cidades brasileiras, tornando fundamental buscarmos novos estudos enfocando esta questo. Um exemplo disso a droga denominada oxi, uma forma abreviada de oxidao, feito de restos de pasta de co-cana, misturado com quantidades variveis de gasolina ou querosene e cal virgem, que no necessita de um processo de fabricao complexo. Tornou-se popular por seu preo ser ainda menor que o do crack, sendo seu uso inicialmente restrito ao Estado do Acre no Bra-sil, mas no ano de 2011, em outras regies e estados do pas (BASTOS, 2011).

    Diante deste contexto, o estudo foi norteado com o objetivo de identificar na literatura cientfica, quais os aspectos relacionados ao uso e abuso do crack por meio de uma reviso sistemtica de literatura, no per-odo compreendido entre 2000 a 2010 com nfase nas relaes feitas pelas pesquisas com a droga em questo.

    Mtodo

    Esse estudo uma reviso sistemtica, que uma sntese das informaes disponveis, sobre um problema especi-fico, de forma objetiva e reproduzvel, por meio de m-todo cientfico. Tem como princpio geral a exausto na busca dos estudos analisados, a seleo justificada desses estudos com incluso e excluso explcitos, bem como a avaliao da qualidade metodolgica (GALVO, 2004).

    Para tal realizamos as buscas em 2011, nas bases de dados Medline (Medical Literature Analysis and Retrieval System Online), Lilacs (Literatura Latino--Americana e do Caribe em Cincias da Sade) e Scie-lo (Scientific Eletronic Library Online) e realizamos a anlise dos dados no final de 2011 e incio de 2012.

    Procuramos encontrar as relaes feitas pelos artigos em relao droga, por meio de uma abordagem ampla e atual. Considerando o momento atual, onde a imprensa falada, escrita e televisionada reproduz diariamente infor-maes sobre o crack, optamos por fazer essa reviso para discutir os estudos mais atuais e relevantes sobre o tema divulgando assim um conhecimento cientfico sobre essa droga, saindo do senso comum e mostrando como ela realmente se apresenta na literatura cientfica.

    Sade em Debate Rio de Janeiro, v. 37, n. especial, p. 12-20, dezembro 2013

    ZANOTTO, D.F.; BCHELE, F. Reviso sistemtica sobre crack: aspectos relacionados ao uso e abuso

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    ZANNOTO, D. F.; BCHELE, F. Reviso sistemtica sobre crack: aspectos relacionados ao uso e abus

    Sade em Debate Rio de Janeiro, v. 37, n. especial, p.12-20, dezembro 2013

    As buscas seguiram rigorosamente um protocolo previamente estabelecido pelos pesquisadores e atende-ram critrios de seleo, sendo os de incluso: estudos que abordaram a droga crack; publicados nas bases de dados entre o perodo de 2000 a 2010; publicados em lngua inglesa, portuguesa ou espanhola; Os artigos excludos foram os que abordaram outras drogas que no exclusiva-mente o crack; os que trataram apenas dos aspectos qu-micos e farmacolgicos da substncia; os oriundos de re-vises de literatura; os publicados fora da poca proposta.

    Foram utilizados descritores selecionados nos te-sauros das bases e estes termos foram colocados entre aspas com a finalidade de que o retorno dos registros fossem os que possuam o termo exato, procurando re-finar melhor o resultado da busca. As palavras/ descrito-res utilizados foram: crack and crack cocaine.

    Organizao e classificao do material

    Realizamos uma classificao preliminar, por meio da leitura do ttulo e resumo, resultando em uma primeira amostra, tendo como base o tema central encontrado nos artigos. Posteriormente, foi realizada uma leitura apurada sendo selecionados somente os artigos que atenderam os critrios de incluso e excluso. Depois de selecion-los a anlise foi feita segundo Minayo (2000).

    No primeiro momento encontramos 766 artigos. Destes, foram excludos 618 aps leitura do ttulo e re-sumo. Entre eles, 21 estavam em duplicidade nas bases de dados pesquisadas, 578 trataram de outra droga que no exclusivamente o crack; 35 destes no foram publi-cados dentro da data pr-estipulada para a reviso, mas mesmo assim apareceram nas buscas e 6 deles foram estudos de reviso de literatura. Dessa forma foram in-cludos os que atenderam de forma integral aos critrios de incluso, totalizando 126 artigos. (Conforme fluxo-grama 01 - Crack).

    Descrio da anlise

    Uma vez organizados, os 126 artigos selecionados (ta-bela 2) foram submetidos leitura exaustiva e posterior

    anlise. Primeiramente, o material foi separado pelas bases consultadas e em seguida organizado por temas centrais mais frequentes nos textos.

    A anlise de cada artigo foi feita pelas pesquisado-ras separadamente, com o objetivo de minimizar o vis da pesquisa. As divergncias de opinio foram discuti-das posteriormente at chegarmos a um consenso.

    A anlise dos artigos seguiu os passos operacionais propostos por Minayo (2000), adaptados a reviso sis-temtica do estudo que incluiu: ordenao, classificao dos dados e anlise final. Na ordenao selecionamos os artigos includos construindo uma tabela para facilitar a leitura e classificao do material investigado (tabela 1 - classificao temtica). A classificao dos artigos foi estabelecida pela identificao das informaes relevan-tes e pertinentes aos critrios de incluso a partir do contedo identificado, definindo categorias. A primeira parte da anlise foi realizada a partir dessas categorias estabelecidas fazendo a relao entre elas discutindo-as a partir dos artigos.

    A segunda parte da anlise foi quantitativa, tendo em vista o nmero de artigos selecionados em cada base de dados, bem como a frequncia em que as categorias apareceram em cada uma delas (tabela 2 - base/classifi-cao temtica).

    Apresentao dos resultados

    A grande maioria dos artigos foi publicada por pesquisa-dores de outros pases e poucos deles brasileiros, eviden-ciando a carncia de estudos sobre o tema no Brasil.

    A tabela 1 mostra 6 (seis) temas centrais encontra-dos, a freqncia em que apareceram e a porcentagem de acordo com o total dos artigos. Dessa forma o tema 1 (um) mostra a interface do crack com crime e com a violncia, o 2 (dois) as consequncias biolgicas e o comprometimento da sade por meio do abuso do cra-ck. O tema 3 (trs) apresenta os principais aspectos so-ciais, psicolgicos, ou culturais envolvidos, o 4 (quatro) as relaes com sexo e com a prostituio e o 5 (cinco) traa o perfil do uso e do usurio. Por ltimo o tema 6 (seis) fala das opes de tratamento que existem para

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    ZANOTTO, D.F.; BCHELE, F. Reviso sistemtica sobre crack: aspectos relacionados ao uso e abuso

    esse tipo de problema. A seguir faremos uma descrio mais detalhada dos temas encontrados.

    TEMA 1: Ligao interface do crack com o crime e violncia;

    Os estudos relacionados ao crack apresentados nesse tema abordaram principalmente a venda de pertences dos familiares, assaltos, pequenos furtos, trfico de drogas em geral e sequestros. A questo da violncia aparece em grande parte dos artigos, e tratada pelos usurios como um dos principais riscos do uso de crack. O usurio pode tornar-se agressivo devido aos efeitos psiquicos da droga e tambm pelo medo de ficar sem ela. Alm disso, os traficantes e o crime organizado exercem controle sobre o usurio e as situaes de violncia apare-cem. Os artigos evidenciam que a violncia ocorre principalmente por meio de: agresses verbais, fsi-cas, roubo e trfico de drogas. Um grande nmero de usurios de crack j foi preso por infraes rela-cionadas com a droga (CARVALHO, 2009; BUN-GAY, 2010). Dentre os artigos selecionados pela reviso, o tema 1 representou 3,17% dos estudos.

    TEMA 2: Abordagem das consequncias biol-gicas e comprometimento da sade por meio do abuso do crack;

    Este tema mostrou que a maior parte das publica-es encontradas sobre o crack, tem relao com alteraes nocivas na sade dos usurios, ou seja, 42,8% dos estudos. Nestes artigos, as principais alteraes incluem: HIV/AIDS e demais doenas sexualmente transmissveis, as alteraes pulmo-nares e de todo trato respiratrio, as abdominais, as cardiovasculares, o aumento dos nveis sricos de alumnio no sangue, as alteraes em nvel de sistema nervoso central (SNC) e alteraes cog-nitivas (MANANO, 2008; PECHANSKY, 2007; PECHANSKY, 2007; MADDOX, 2005). Estes mesmos estudos ressaltam a importncia da preveno do uso da droga antes que qual-quer problema de sade ocorra. Porm, apesar de

    grande parte dos usurios apresentarem compli-caes, poucos procuram por assistncia mdica (MANANO, 2008). Entre as principais causas de morte dos usurios de crack os homicdios e o HIV, sendo que menos de 10% deles morrem por overdose, conforme dados de um estudo de 2006 na cidade de So Paulo (RIBEIRO, 2006), alm das demais complicaes j citadas acima (MANANO, 2008; PECHANSKY, 2007; PE-CHANSKY, 2007; MADDOX, 2005).

    TEMA 3: Repercusso do abuso na sociedade englobando aspectos sociais, psicolgicos, ou culturais da droga;

    Os autores nesse tema abordam questes de baixas taxas de escolaridade e de nvel socioeconmico dos usurios (OLIVEIRA, 2008) bem como as questes psicolgicas como as de ansiedade e de-presso (ZULE, 2008). A degradao e excluso social tambm so enfatizadas como consequncia do abuso desta substncia e as questes sociais so abordadas relacionadas violncia e ao desempre-go, pois o crack compromete o desempenho pro-fissional e as relaes interpessoais.

    Em relao aos aspectos familiares, parentes e amigos aparecem como principais influenciado-res do primeiro consumo. Este estudo evidencia a tendncia de uma ligao entre o abuso de crack por mulheres a problemas na dinmica familiar e desta forma, compromete os relacionamentos, pois passam a maior parte do tempo consumin-do a droga, longe das pessoas da famlia (BOYD, 2002). As questes sociais, psicolgicas e culturais podem ser consideradas como fundamentais para preveno do uso de drogas, mas elas tambm tm influencia direta no sucesso do tratamento. Esta forma de abordagem esteve presente em 13,4% dos artigos analisados.

    TEMA 4: Relao com o sexo e prostituio:

    Sexo e prostituio foram abordados em 9,52% das publicaes selecionadas pela reviso. Os

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    artigos relatam principalmente o sexo feminino, enfatizando a dependncia provocada pelo cra-ck, quando elas vendem o prprio corpo em troca de dinheiro ou da prpria droga. Essa uma forma vulnervel de adquirir o vrus HIV e outras doenas sexualmente transmissveis (PE-CHANSKY et al, 2007; RIBEIRO et al, 2006). importante ressaltar que as pesquisas apontam que metade das mulheres usurias referiu j ter se prostitudo em troca de crack (OLIVEIRA e NAPPO, 2008). Alm da prostituio comu-mente conhecida, existe tambm a compulsria, em que homens emprestam suas esposas a tra-ficantes, ou a outros usurios, em troca de crack. Os estudos evidenciam que as trabalhadoras do sexo que utilizam crack apresentam baixa auto percepo de risco frente ao HIV, alm de serem frequentes os relatos de violncia sexual e tam-bm fsica contra elas. Sofrem problemas sociais e de sade com frequncia, principalmente rela-cionados ao HIV (MALTA et al, 2008).

    Em relao ao comportamento sexual dos usurios de crack, boa parte dos estudos mostra que pode ser considerado fator de risco para a con-taminao pelo HIV (CARVALHO e SEIBEL, 2009; PECHANSKY et al, 2007; RIBEIRO et al, 2006; MALTA, et al, 2008). Os usurios tm acesso s informaes sobre HIV/AIDS, porm, no as utilizam para modificar comportamentos de risco que os expem possibilidade de conta-minao e disseminao do HIV (AZEVEDO et al, 2006). Desta maneira, na anlise dos artigos, possvel sugerir que o uso de crack tem influncia no comportamento sexual e est diretamente rela-cionada com o sexo sem proteo.

    TEMA 5: Perfil do uso e do usurio do crack;

    O perfil do uso e do usurio est descrito em 22,2% dos trabalhos encontrados. Uma das prin-cipais caractersticas encontradas nesses artigos so o uso de outras drogas antes do incio do uso do crack ou o uso concomitante. Entre estas, es-tiveram presentes primeiramente as lcitas, como

    o cigarro, o lcool seguidas dos inalantes. Estas foram as drogas mais citadas como as primeiras a serem consumidas, evidenciada pela facilidade de acesso. J em relao s ilcitas, a maconha foi a primeira droga a ser citada, seguida de diversas ou-tras como: medicamentos psicotrpicos, cocana aspirada ou endovenosa, chs alucingenos, opi-ceos, LSD-25 e ecstasy estas sem ordem especfica de consumo e no utilizadas por todos os usurios (SANCHEZ et al, 2002).

    J em relao ao perfil do usurio mais en-contrado nas pesquisas foram homens, jovens, com pouca escolaridade, desempregados ou sem vnculos empregatcios formais (SANCHEZ et al, 2002; OLIVEIRA e NAPPO, 2008).

    Em relao ao uso, alm do padro de uso compulsivo, em que os indivduos fazem uso di-rio e por mltiplas vezes, deixando de lado os compromissos e a vida social, existe tambm o uso controlado (OLIVEIRA e NAPPO, 2008). Esse se manifesta pelo uso no dirio e comumen-te conciliado s atividades sociais pr-existentes como trabalho, escola, famlia, sem compromet--las de maneira geral, porm a maior parte dos usurios faz uso compulsivo da droga. Outro dado relevante citado nos artigos a facilidade de acesso droga, permeado por estratgias de mercado que segundo os autores pode estar diretamente relacio-nada com o aumento do consumo (OLIVEIRA e NAPPO, 2008).

    TEMA 6: Tratamento dos usurios de crack:

    As propostas de tratamento encontradas nesse tema envolvem basicamente frmacos, psicote-rapia e internao em instituies ou hospitais, estando presente essas modalidades teraputicas em 8,73% dos artigos. Estudos mostram que a existncia de uma assistncia humanizada entre os usurios e os profissionais de sade, bem como o apoio da famlia, o aproveitamento produtivo do tempo livre durante a internao so, de fato, teis na recuperao da dependncia qumica (MAGA-LHES et al, 2010). WECHSBERG, et al, 2007,

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    ZANNOTO, D. F.; BCHELE, F. Reviso sistemtica sobre crack: aspectos relacionados ao uso e abus

    ressaltou a importncia dos fatores socioculturais associados a eficcia do tratamento, bem como a aceitao do tratamento, por parte da pessoa com a dependncia qumica. Independente dessa aceitao, o mesmo autor refere que, o sucesso do tratamento depende principalmente da reinsero social. Todos os artigos ressaltam que mesmo aps um tratamento as chances de recada existem, sen-do isso um tipo de abordagem que deve estar in-cluda durante o tratamento.

    Classificao dos artigos por base de dados

    Em relao classificao dos artigos por bases de da-dos (tabela 02), ficou evidente que a maioria dos artigos selecionados foi da base de dados Medline, sendo eles quase 85% do total dos selecionados. Essa quantida-de pode ser evidenciada por se tratar de uma base in-ternacional com grande nmero de artigos indexados. Nesta base foram selecionados artigos de todas as reas temticas, sendo que os que trataram das consequn-cias biolgicas e para a sade foram mais incidentes. Esta situao tambm ocorreu nas bases Lilacs e Scielo, evidenciando que o abuso do crack traz conseqncias graves sade dos usurios.

    Continuando a discusso da tabela 02, as publi-caes selecionadas na base Lilacs foram 7,1% do total. Nessa base, no foram encontrados artigos relaciona-dos ao tema 01 (uso de crack com o crime e/ou vio-lncia). J os demais temas se equivaleram entre si em relao quantidade.

    Na base Scielo, os artigos selecionados totalizaram 7,9% do total, indexados em peridicos brasileiros. Os que trataram sobre os aspectos sociais, psicolgicos, ou culturais envolvidos ao uso de crack bem como os so-bre tratamento da dependncia qumica, provocada por esta droga, no apareceram na seleo. Isso ressalta a importncia de novas pesquisas com destaque em todos esses enfoques no Brasil.

    Discusso

    Este estudo trouxe dados atuais e relevantes sobre o crack, revelando o tamanho dos prejuzos fsicos, so-ciais e psquicos que vm associados com a dependncia da droga. Nossos resultados apontaram para o abuso do crack como um problema complexo que requer tratamento amplo, com a necessidade de uma abor-dagem multiprofissional envolvendo vrios setores da sociedade.

    A opo metodolgica de abordar somente o cra-ck, visando excluir os artigos que tratassem de outra foi intencional considerando o momento atual, em que essa droga ganha um espao de discusso nunca identi-ficado, nas suas mltiplas interfaces.

    Podemos afirmar que existe uma carncia de estu-dos sobre a relao do crack com o crime e a violncia bem como sobre tratamento da dependncia qumica provocada por esta droga, que foram as reas temti-cas menos frequentes. Em contrapartida so ricas as publicaes sobre as consequncias biolgicas e o com-prometimento da sade provocado por esta droga. explcita a abordagem da droga relacionada aos efeitos nocivos sade e as relaes feitas com o adoecimento dos indivduos. Apareceu como principal doena asso-ciada o HIV/AIDS, ressaltando o efeito devastador que a droga traz como consequncia ao organismo. Vale ressaltar que o abuso de drogas tem influncia no com-portamento sexual e est diretamente relacionada com o sexo sem proteo.

    A abordagem psicolgica e social dos sujeitos estu-dados nesses artigos mostrou a excluso, o desemprego e problemas familiares como fatores que favorecem o uso. As categorias analisadas mostraram uma inter-relao entre si, podendo sugerir que o abuso de drogas, mais precisamente de crack uma questo complexa, que en-volve o meio biolgico, social, e psicolgico das pessoas com essa dificuldade o que impem ao meio cientfico a necessidade de estudos mais apurados sobre essa droga.

    Outro destaque deve-se a dificuldade na preven-o e controle do abuso, que pode estar relacionada ao uso de mltiplas drogas, incluindo as lcitas asso-ciadas ao crack. Questes psicossociais como estresse,

  • Sade em Debate Rio de Janeiro, v. 37, n. especial, p. 12-20, dezembro 201318

    ZANNOTO, D. F.; BCHELE, F. Reviso sistemtica sobre crack: aspectos relacionados ao uso e abus

    depresso, desemprego e desigualdade social, geraram um novo cenrio, no qual a questo do abuso de drogas torna-se cada dia um problema mais complexo de ser encarado, principalmente sob a tica da sade.

    importante tambm salientar que so necessrias novas pesquisas sobre o crack no Brasil, com novos enfoques e principalmente relacionadas preveno, tema pouco discutido nas publicaes encontradas.

    Dessa forma, acreditamos que outros estudos possam fornecer subsdios para elaborao de novas e constantes polticas pblicas de preveno junto po-pulao, bem como salientar que este problema deve

    ser enfrentado com o enfoque mais direcionado a sade pblica, desvinculando-o da segurana pblica, que extremamente importante, por si s no atinge o pro-blema na sua integralidade.

    Consideraes finais

    Todos os temas enfocados nesse artigo, foram determi-nantes na construo dessa reviso para a partir daqui se criar um corpus de conhecimento sistematizado sobre a droga crack. Com isso reunimos simultaneamente,

    Tabela 1. Nmero de artigos conforme classificao temtica da abordagem:

    Fonte: Elaborao Prpria

    TEMAS CENTRAIS DOS ARTIGOS NMERO DE ARTIGOS (%)

    TEMA 1 Ligao com crime/violncia; 04 3,17%

    TEMA 2 Conseqncias sade e doena; 54 42,8%

    TEMA 3 Aspectos sociais, psicolgicos, ou culturais; 17 13,4%

    TEMA 4 Sexo e prostituio; 12 9,52%

    TEMA 5 Perfil do uso e do usurio; 28 22,2%

    TEMA 6 Tratamento; 11 8,73%

    TOTAL 126 100%

    Tabela 2. Nmero de artigos conforme base de dados e classificao temtica:

    Fonte: Elaborao Prpria

    TEMAS1

    Ligao crime/

    violncia;

    2Conse-

    qncias sade/ doena

    3Aspectos

    sociais, psicol-gicos, ou culturais;

    4Sexo/

    prosti-tuio

    5 Perfil

    do uso/usurio

    6 Trata-mento

    Total (%)

    BASES DE DADOS

    LILACS 03 02 01 02 01 09 7,14%

    MEDLINE 03 46 15 10 23 10 107 84,9%

    SCIELO 01 05 01 03 10 7,93%

    TOTAL 04 54 17 12 28 11 126 100%

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    ZANNOTO, D. F.; BCHELE, F. Reviso sistemtica sobre crack: aspectos relacionados ao uso e abus

    dados importantes dos ltimos dez anos, poca que coincide com o aumento do uso no Brasil. Nosso obje-tivo no foi o de esgotar todas as informaes existentes mas sim de reunir aspectos determinantes sobre como esto sendo publicados artigos cientficos desta droga.

    A forma de abordagem utilizada foi apenas um recorte do que existe na literatura, portanto ressalta-se a importncia da realizao de novas pesquisas que en-foquem principalmente aspectos referentes a preveno,

    tema que pouco aparece nessa reviso. O conhecimento gerado pode servir de suporte terico, pois contribui para uma reflexo acerca dos temas mais frequentes encontra-dos. Fica evidente na nossa busca que a integralidade, a multiprofissionalizao e a intersetorialidade entre os setores polticos e sociais, pode ampliar de forma signi-ficativa, a ateno dirigida a essas pessoas usurias, que necessitam de uma gama de cuidados e ateno.

    Fonte: Elaborao Prpria

    Fluxograma 1. Crack Fluxograma 01 (Crack)

    Fonte: Elaborao Prpria

    Total de artigos identificados: 766

    Excludos 21 artigos duplos entre as bases de dados. 745 artigos para anlise

    Critrios de EXCLUSO: 619

    Critrios de INCLUSO: Estudos que abordaram a

    droga crack dentro do perodo e idioma proposto:

    126 578 artigos que trataram de outra droga alm do crack;

    35 artigos que no foram publicados dentro da data da reviso;

    6 que foram estudos de reviso de literatura;

    Total de artigos identificados:

    766

    Critrios de INCLUSO:Estudos que abordaram a

    droga crack dentro do perodo e idioma proposto:

    126

    Critrios de EXCLUSO:619

    Excludos 21 artigos duplos entre as bases de

    745 artigos para anlise

    578 artigos que trataram de outra droga alm do crack;

    35 artigos que no foram publicados dentro da data da reviso;

    6 que foram estudos de reviso de literatura;

    6 que foram estudos de reviso de literatura;

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    ZANNOTO, D. F.; BCHELE, F. Reviso sistemtica sobre crack: aspectos relacionados ao uso e abus

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    Recebido para publicao em abril/2013. Verso definitiva em maio/2013. Suporte financeiro: no houve. Conflito de interesse: inexistente.

  • 21Sade em Debate Rio de Janeiro, v. 37, n. especial, p. 21-31, dezembro 2013

    RESUMO: A Prefeitura do Recife, a partir da articulao entre onze distintas Secretarias municipais lanou a Ao Integrada de Ateno ao crack e outras drogas, buscando o fortalecimento de uma rede de cuidado de abordam ampliada, descentralizada e quali-ficada, que considera o vnculo, o acolhimento, as singularidades, as vulnerabilidades e a responsabilizao compartilhada. Este estudo teve como objetivo descrever o processo de implantao dessa poltica e seu desenvolvimento no perodo de agosto de 2010 a abril de 2012, bem como a identificao dos principais desafios, avanos e dificuldades encontradas durante este percurso na preveno e no tratamento de usurios de crack e outras drogas.

    PALAVRAS CHAVE: ao integrada, crack e outras drogas, poltica sobre drogas.

    ABSTRACT: The Municipality of Recife, from the articulation of eleven distinct municipal Secre-tariats launched the Integrated Action Attention to crack and other drugs, seeking to strengthen a network of care to address larger, decentralized and qualified, which considers the bond, the host singularities, vulnerabilities and shared accountability. This study aimed to describe the process of implementation of this policy and its development in the period from August 2010 to April 2012, as well as identifying the main challenges, achievements and difficulties encoun-tered during this route in the prevention and treatment of crack users and other drugs.

    KEYWORDS: integrated action, crack and other drugs, drug policy.

    Principais desafios na construo de uma poltica integrada sobre drogas: descrio da experincia na cidade do Recife/PE

    Main challenges in the construction of an integrated policy on drugs: description of experience in Recife/PE

    Alda Roberta Campos1, Rossana Carla Rameh-de-Albuquerque2, Renata Barreto de Almeida3 Almeida4, Serginaldo Jos dos Santos5

    5

    1 Especialista em Psicologia da Famlia e em Sade Coletiva pela Universidade Catlica Dom Bosco (UCDB) Campo Grande (MS), Brasil. Supervisora da Escola de Sade, Centro de Preveno as Dependncias. Supervisora clnica e institucional da Rede de Ateno a Sade Mental do municpio do Cabo de Santo Agostinho (PE), Brasil. [email protected]

    2 Mestre em sade coletiva pela Fundao Oswaldo Cruz (FIOCRUZ) Recife (PE), Brasil. Psicloga do Instituto Federal do Rio Grande do Norte (IFRN) e membro do Grupo de Estudos em lcool e outras Drogas da Universidade Federal do Pernambuco (GEAD/UFPE) Recife (PE), Brasil. [email protected]

    3 Mestre em psicologia clnica pela Universidade Catlica de Pernambuco (UNICAP) Recife (PE), Brasil. Coordenadora da Ps Graduao Sade Mental, lcool e outras Drogas da UNICAP e membro do Grupo de Estudos em lcool e outras Drogas da Universidade Federal do Pernambuco (GEAD/UFPE) Recife (PE), [email protected]

    4 Mestre em psicologia pela Universidade Catlica Dom Bosco Universidade Catlica Dom Bosco (UCDB) Campo Grande (MS), Brasil. Professor dos cursos de sade e psicologia da UCDB e da Ps Graduao em Sade Coletiva e Sade Mental do Portal da Educao. [email protected]

    ARTIGO ORIGINAL ORIGINAL ARTICLE

  • Sade em Debate Rio de Janeiro, v. 37, n. especial, p. 21-31, dezembro 201322

    CAMPOS, A. R. C.; RAMEH-DE-ALBUQUERQUE, R. C.; ALMEIDA, R. B.; SANTOS, S. J. Principais desafios na construo de uma poltica integrada sobre drogas: descrio da experincia na cidade do Recife/PE

    1. Introduo

    Nas ltimas dcadas, indicadores apontam que o con-sumo e a dependncia de drogas tm tomado dimen-ses preocupantes. So identificadas graves consequn-cias, principalmente para adolescentes e adultos jovens, que se expressam nas vrias interfaces da vida cotidiana, comprometendo vnculos afetivos, trabalho, trnsito, famlia, sade, inclusive, na disseminao do vrus HIV (BRASIL, 1998).

    Deste modo compreender os caminhos traa-dos pela Reforma Psiquitrica at chegar aos servios existentes no Brasil para o cuidado e ateno aos usu-rios de drogas, num prisma que contemple a anlise da integralidade nestes servios fundamental[...]; [...]so pouqussimos os estudos que avaliam tais servios numa tica qualitativa e no apenas na avaliao do avano obtido pela desinstitucionalizao (RAMEH--DE-ALBUQUERQUE, 2008, p. 72).

    Em resposta a essa realidade, a Prefeitura do Reci-fe, a partir da articulao de secretarias de governo, em setembro de 2011, lanou a Ao Integrada de Ateno ao crack e outras drogas, que passaremos a denominar apenas de Ao Integrada. A Ao Integrada tem como objetivo ampliar e potencializar os programas, equipa-mentos e servios voltados para a preveno, o cuidado e a reinsero das pessoas na sociedade, desenvolvidos no seu prprio territrio (RECIFE, 2011)

    Na realidade de Recife vrias aes j foram de-senvolvidas pelas Secretarias Municipais, porm, de for-ma independente e isolada, gerando alguns problemas, principalmente em relao distribuio igualitria de aes, pois enquanto algumas pessoas se beneficiavam de vrias aes, muitas ficavam no lugar do invisvel, sem acessarem, nem serem acessadas por qualquer um desses dispositivos.

    A Ao Integrada surgiu no primeiro semestre de 2010 para reunir e agregar as aes da assistncia, da sade, da cultura, entre outras polticas pblicas. Dessa forma, todas as iniciativas estavam norteadas pela ne-cessidade de se compreender o fenmeno drogas como reflexo de questes multifatoriais que exigiam mltiplas respostas.

    Por se tratar de uma ao ainda em carter experi-mental se fez necessria uma permanente avaliao dos seus processos. A comunicao e a interrelao entre as secretarias nessa construo ainda estava pouco comum e requeria um novo olhar e mudanas nos processos de trabalho.

    Especialistas apontam que o uso e os problemas relacionados ao consumo de crack so semelhantes aos que acontecem com outras drogas em muitos aspectos. Mas h algumas diferenas e para que as aes empre-endidas sejam efetivas, h a necessidade de conhecer de forma mais profunda os problemas relacionados ao uso dessa droga. H a necessidade de ampliao de conheci-mento e de se capacitar os profissionais que lidam com pessoas que usam crack e seus familiares (CRUZ, 2010).

    Com o advento da Aids, no final dos anos oi-tenta, o Ministrio da Sade por meio da Coordena-o Nacional de DST/AIDS (CN-DST/AIDS) iniciou reunies voltadas para a ateno aos usurios de drogas injetveis (UDI) e a relao com as DST/AIDS. Al-guns programas de trocas de seringas (PTS) entre esses usurios foram iniciados, em Santos-SP, porm abor-tados pela promotoria local, que no compreendiam esta ao como um cuidado a sade. Apenas em 1995, foi efetivado o primeiro programa de troca de seringas da Amrica Latina, em Salvador - Bahia, sendo segui-do por vrios estados e municpios brasileiros. Vrias parcerias, acordos internacionais e financiamentos fo-ram sendo estabelecidos, e em muitas partes do mundo como Europa, Estados Unidos e Austrlia comearam a direcionar o olhar das polticas pblicas para as pessoas que usam drogas, por conta da ameaa da epidemia de HIV/AIDS. E entre 1995 e 2003 foram abertos mais de 200 Programas de Reduo de Danos no Brasil, a maioria financiados pela CN-DST/AIDS. Leis muni-cipais autorizando o funcionamento desses Programas, bem como a organizao de associaes de trabalhado-res da rea, como exemplo a Associao Brasileira de Redutores de Danos (ABORDA), a Rede Brasileira de Redutores de Danos (REDUC) seguida de outras redes e associaes estaduais e municipais em todo o pas fo-ram estabelecidas com o intuito de fortalecer o cuidado junto a esses usurios (ANDRADE, 2011).

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    CAMPOS, A. R. C.; RAMEH-DE-ALBUQUERQUE, R. C.; ALMEIDA, R. B.; SANTOS, S. J. Principais desafios na construo de uma poltica integrada sobre drogas: descrio da experincia na cidade do Recife/PE

    De acordo com o II Levantamento Domiciliar so-bre o Uso de Drogas Psicotrpicas no Brasil realizado nas 108 maiores cidades do pas, 0,7% da populao adulta relatava j ter feito uso de crack pelo menos uma vez na vida, o que significa um contingente de mais de 380 mil pessoas. A maior porcentagem de uso de crack na vida foi encontrada entre homens, na faixa etria de 25 a 34 anos, constituindo 3,2% da populao adulta ou cerca de 193 mil pessoas. Comparando-se a outros estudos constata-se um aumento significativo do con-sumo de crack na vida (CEBRID, 2005).

    Diante desse cenrio, o presente artigo buscou descrever o trabalho desenvolvido na Prefeitura do Recife, por meio da Ao Integrada, que reuniu onze secretarias municipais funcionando como gestoras e executoras desse processo. Essa construo poltica con-tribuiu para a reflexo da prtica integrada, podendo ser utilizada por profissionais, gestores e parceiros, bem como pela populao envolvida com esta realidade. Essa experincia pode, ainda, servir como modelo e re-ferncia para outros municpios que queiram elaborar uma poltica integrada sobre o uso e o abuso de drogas mais humana, inclusiva e integral.

    O estudo teve um carter qualitativo, que segun-do Minayo (2003) uma atividade cientfica que visa construo da realidade, com o olhar para o que no pode ser quantificado, utilizando-se da observao de crenas, valores e significados.

    2. Contexto do trabalho desenvolvido: a realidade do Recife

    Em Pernambuco a ateno aos usurios de drogas era de responsabilidade estadual. Faziam parte desse rede dois centros especializados, o Centro de Preveno, Tra-tamento e Reabilitao do Alcoolismo (CPTRA) e o Centro de Recuperao Humana Eulmpio Cordeiro (CRHEC), localizados na capital e ofereciam tratamen-to ambulatorial para toda a regio.

    Outra iniciativa de cuidado pode ser destacada nessa histria com o primeiro PRD desenvolvido em Recife que foi coordenado por uma organizao no governamental - Centro de Preveno as Dependncias

    (CPD), em 1999, com financiamento da CN-DST/AIDS. No ano 2000, tambm protagonizada pelo ter-ceiro setor, foram criadas a Rede Pernambucana de Re-duo de Danos e a primeira associao de usurios de drogas da Amrica Latina SE LIGA.

    Em 2004 a Prefeitura do Recife deu incio de forma mais consistente as aes de reduo de danos e criou o Programa Municipal de Reduo de Danos O Programa Mais Vida, formado at o momento da pesquisa por 06 Centros de Ateno Psicossocial para lcool e outras Drogas (CAPSad), quatro Casas do Meio do Caminho (CMC), sendo uma referncia para mulheres, Unidades de desintoxicao em hospital geral e Consultrio de rua que desenvolvem aes territo-riais. As aes foram sendo ampliadas de acordo com as necessidades da populao.

    Na cidade do Recife, capital de Pernambuco, as aes de enfrentamento a problemtica do uso de dro-gas e a dependncia qumica, at 2010, eram realizadas de forma isolada, por meio de projetos e programas das diferentes Secretarias (Secretarias de Sade, Assistncia Social, Cultura, Mulher, Direitos Humanos e Seguran-a Cidad, Juventude, Educao, Esporte e Lazer) tanto na esfera estadual como municipal. Apesar dos esforos j existentes, as aes traziam em si uma grande dificul-dade, como a falta da viso integral do indivduo e a pouca comunicao entre as referidas secretarias, geran-do duplicidade de aes para muitos cidados e insufi-cincia da cobertura da ateno para a grande maioria da populao.

    A Ao Integrada veio na inteno de alinhavar, buscar sintonia e agregar esses processos, contribuin-do para a construo, implantao e implementao de equipamentos e servios que facilitassem o acesso e favorecessem ampliao de vida com dignidade e auto-nomia para as pessoas que sofrem com problemas de-correntes do consumo de lcool, crack e outras drogas.

    Buscando responder a inquietaes do tipo: Como vencer a repetio, a busca pelo igual, pelo poder, pelo con-trole do saber?

    Na Ao Integrada, como diz Lancetti (2006) tem que haver uma atitude de busca de eficcia, rompen-do-se com as prticas segmentarizadas e burocrticas.

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    CAMPOS, A. R. C.; RAMEH-DE-ALBUQUERQUE, R. C.; ALMEIDA, R. B.; SANTOS, S. J. Principais desafios na construo de uma poltica integrada sobre drogas: descrio da experincia na cidade do Recife/PE

    Reforando a necessidade da ateno integral e interse-torial a pessoa que usa drogas e a sua famlia.

    Dessa forma, todo o processo foi rico em discus-ses e reflexes para encontrar, na medida do possvel, possibilidades de cuidado, bem como encontrar cami-nhos para minimizar entraves, buscando solues sus-tentveis e viveis de acordo com a realidade local e em consonncia com os planos estadual e federal: Crack possvel vencer (BRASIL, 2011).

    3. Mtodos

    Este artigo teve como mtodo a anlise documental e a observao participante, objetivando a compreenso de como a poltica integrada foi elaborada, bem como o seu funcionamento na rotina dos processos de trabalho.

    Entendendo-se a vida como um processo de co-nhecimento, e que este no passivo e sim construdo, e que esta construo se d atravs da interao com o mundo (MARIOTTI, 2005 apud MATURANA, 2005) e ainda,que todo fazer um conhecer e todo conhecer um fazer (MATURANA, 2005), pde--se compreender a Observao Participante (CRUZ--NETO, 1994) como instrumentos que ativamente ajudaram no exerccio de revelar o que aparentemente poderia ser o mais bvio e mais prximo, no entan-to tornam-se por vezes mais difceis de perceber. Com ateno e mincia, estes instrumentos foram aliados imprescindveis na busca de constataes, concluses, consideraes; enfim, da vivncia, dos processos, do particular, do geral, do cotidiano e funcionamento do servio de sade ora estudado.

    Desta forma, atuei como membro integrante do Comit Executivo da Ao Integrada, assim, a obser-vao direta se estendeu durante todo o processo. Foi possvel observar os eventos do dia-a-dia como obser-vadora participante e complementar o material obser-vado atravs de anlises documental posteriormente realizadas.

    Para sistematizar esse modelo de interveno fo-ram consideradas as dimenses poltica e estrutural da ao. (ALVES, 2009). Na dimenso poltica, toma-dos como base, os decretos, portarias e diretrizes do

    Ministrio da Sade e da Assistncia Social e na dimen-so estrutural a anlise das prticas desenvolvidas pelos programas da Prefeitura do Recife das Secretarias de Sade, Assistncia Social, Cultura, Juventude, Educa-o, Esporte e Lazer, Direitos Humanos e Segurana Cidad, Especial da Mulher, Fundao de Cultura, Gi-nsio de Esportes Geraldo e Instituto de Assistncia Social e Cidadania (IASC).

    A coleta de dados foi realizada por meio de um estudo longitudinal, observando e descrevendo a evo-luo da poltica sobre o uso de drogas na cidade do Recife, no perodo compreendido entre agosto de 2010 e abril de 2012.

    Foi realizada uma reviso literria e a anlise de atas e documentos das reunies dos comits gestor, executivo e regionais da Ao Integrada. A reviso da literatura foi realizada por meio de uma pesquisa acer-ca das polticas pblicas sobre drogas, desenvolvida por alguns dos principais municpios brasileiros, entre eles Salvador, So Paulo e Porto Alegre. Teve como base a poltica adotada pelo Ministrio da Sade, o Plano Emergencial de ampliao do acesso ao tratamento e a preveno em lcool e outras drogas (PEAD) (2009), as aes intersetoriais propostas pela Secretaria Nacional de Polticas sobre drogas (SENAD), rgo responsvel pela articulao das polticas nas reas de preveno ao uso de drogas, tratamento e reinsero social de usu-rios e dependentes, vinculada ao Gabinete de Segurana Institucional da Presidncia da Repblica, em parceria com o Programa Nacional de Segurana Pblica com Cidadania (PRONASCI), do Ministrio da Justia.

    Nessa reviso da literatura no cenrio brasileiro, tambm foi possvel identificar dois principais posicio-namentos polticos para o enfrentamento de questes relacionadas ao consumo de lcool e outras drogas: o proibicionismo e a abordagem de reduo de danos. A primeira concentrando esforos na reduo da oferta e da demanda de drogas, com intervenes de represso e criminalizao da produo, trfico, porte e consumo de drogas ilcitas; e a segunda desenvolvendo polticas e programas de reduo de danos, onde defendem in-tervenes orientadas para a minimizao dos danos sade, sociais e econmicos relacionados ao consumo

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    CAMPOS, A. R. C.; RAMEH-DE-ALBUQUERQUE, R. C.; ALMEIDA, R. B.; SANTOS, S. J. Principais desafios na construo de uma poltica integrada sobre drogas: descrio da experincia na cidade do Recife/PE

    de lcool e outras drogas sem necessariamente por meio da proibio (RIBEIRO, 2006).

    A reduo de danos evoluiu para a concepo atu-al de uma poltica de sade no condicionada a absti-nncia, mas com o objetivo de reduzir os danos e os riscos relacionados ao consumo de drogas. Tendo como princpios bsicos o protagonismo do usurio e o res-peito aos direitos humanos (ANDRADE, 2011).

    Partindo para o cenrio municipal, documentos retratam que o Plano Municipal de Ateno ao crack e outras drogas foi estruturado em eixos, conforme o quadro abaixo, que foi tomado como base para organi-zao do trabalho.

    4. Resultados e discusso: em busca de uma poltica integral para a ateno ao usurio de crack no Recife tecendo a rede

    Aps a definio dos representantes do Comit Execu-tivo da Ao Integrada, foram marcadas reunies sema-nais para discusso, planejamento e monitoramento das aes. A escolha e definio do nome da ao foi o pri-meiro e talvez, mais polmico embate do grupo. A ideia de sair do lugar comum, de ver a droga como algo que deve ser combatido e vencido, dos modelos de enfrenta-mento, de combate, da tica da represso, trouxe inc-modos e mexeu especialmente com os valores e crenas dos prprios representantes. Vrias reunies foram feitas com a Secretaria de Comunicao, com as agncias de publicidade at chegar a proposta de Ao Integrada de

    Figura 1: Plano Municipal de Ateno ao crack e outras drogas de Recife

    GESTO INTEGRADA DO PLANO

    Oficializao do Comit Integrado e do Comit Executivo de Ateno Problemtica do Crack

    Monitoramento das aes do Plano

    PREVENO DO USO, TRTATAMENTO E

    REINSERO SOCIAL

    Implantao de 20 Ncleos de Apoio ao Saude da famlia - NASF Ampliao de 29 Redutored de Danos Contratao de 50 profissionais para compor os CAPSad Implantao de Consultrios de Rua Realizao de atividades da Academia da Cidade articuladas com as necessidades dos usurios do PSF Ampliao de 46 para 500 Asinhas (16 a 19 anos, estudantes de escola pblicas) para desenvolvimento/multiplicao de

    aes educativas nas comunidades Incluso do tema crack no projeto poltico-pedaggico das escolas como tema transversal e realizao de rodas de conver-

    sa com os alunos Incluso do trabalho de preveno do uso do crack nos CRAS Realizao de Oficinas do Multicultural nas associaes de moradores, escolas, igrejas, praas e equipamentos Desenvolvimento de aes de preveno em mercados pblicos, envolvendo trabalhadores e populao de rua. Realizao de oficinas sistemticas esportivas e de lazer junto aos servios do CREAS: abordagem social de rua e medidas

    socieducativas

    EDUCAO PERMANENTE

    Capacitaco na abordagem ao usurio/famlia para os profissionais da Sade; Educao; Direitos Humanos; Assistncia Social; Esporte e Lazer; Juventude; Comunicao; Cultura e Desenvolvimento Econmico

    Institucionalizao do Projeto Escola Redutores de Danos Elaborao de material tcnico comum aos profissionais do CREAS, IASC, Escolas, CAPSad e PSF Realizao de uma pesquisa para diagnstico do crack nas escolas e abordagem dos agentes escolares

    COMUNICAO E MOBILIZAO SOCIAL

    Utilizao do selo da campanha em camisas, folders, cartazes, banners e equipamentos das Secretarias Incluso de mensagens e selo da campanha na sinalizao e nas falas dos locutores dos eventos culturais

    COMUNICAO E MOBILIZAO SOCIAL

    ALIANAS ESTRATGICAS E PROJETOS INTEGRADOS

    Realizar pesquisas em conjunto com as universidades e rgos de fomento a pesquisa

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    CAMPOS, A. R. C.; RAMEH-DE-ALBUQUERQUE, R. C.; ALMEIDA, R. B.; SANTOS, S. J. Principais desafios na construo de uma poltica integrada sobre drogas: descrio da experincia na cidade do Recife/PE

    Ateno ao crack e outras Drogas. A expresso ateno ao usurio surgiu para no se cometer o equvoco de, como diz Antonio Nery em seu blog, a parte humana dos hu-manos ser sistematicamente substituda pela parte no humana das drogas (NERY, 2010). A ideia era cuidar, dar ateno, olhar para o humano, no para a substncia.

    A dificuldade na comunicao apresentou-se como o principal entrave no desenvolvimento das aes propostas. Houve uma ausncia constante de algumas secretarias como pode ser vista nas atas de frequncia das reunies do Comit Executivo. Algumas ausncias eram justificadas pelo excesso de atividades e de agendas que coincidiam, mas mostrou tambm que a Ao In-tegrada no foi, ou no pde ser prioridade em todas as secretarias. A participao nas referidas reunies eram imprescindveis, pois, segundo Antnio Nery seria ne-cessrio que cada um se destitusse do seu lugar/saber para estar no saber/lugar do outro, companheiro de tra-balho, recuperando, depois, nas reunies de equipe, seu prprio saber revisitado (CETAD, 2010, p. 09).

    Outro aspecto a ser destacado foram as interven-es preventivas que ainda no tinham, como ainda no tm tradio no Brasil. Segundo Noto e Moreira (2006), a maioria das aes preventivas no Brasil so isoladas, as pesquisas pouco valorizadas e muitos mo-delos so importados de outros pases, principalmen-te dos Estados Unidos, desconsiderando as diferenas substanciais entre as realidades locais. Nas aes obser-vadas nesse processo de implantao da ateno inte-gral ao usurio de crack poucas foram as intervenes preventivas que puderam ser apontadas como efetivas.

    Outro desafio foi o de aperfeioar os instrumen-tos de acompanhamento e de gerao de informaes que tornassem possveis o monitoramento das aes e os processos avaliativos da gesto. (BRASIL, 2003) Sempre nos deparvamos com a dificuldade de avaliar e monitorar as aes desenvolvidas. Poucos eram os n-meros, poucos eram os instrumentos de avaliao que dificultavam a sistematizao dos dados para o acompa-nhamento e gerao de informaes.

    Se a constituio de uma rede de servios substi-tutivos integrada entre si e com outros equipamentos sociais presentes nas comunidades algo imprescindvel para o avano da reforma, esse foi um dos aspectos que

    apresentou mais fragilidades, pois, de fato, ainda no estava disponvel para o desenvolvimento da ao inte-grada uma rede gil, flexvel, resolutiva, onde o trnsito dos usurios fosse facilitado e o mesmo acolhido em suas diferentes demandas. Identificamos muito mais servios isolados, que no se comunicavam, fechados em suas rotinas (DIMENSTEIN, 2009).

    A necessidade do eixo Educao Permanente se mostrou presente em cada encontro. A pouca infor-mao, e principalmente, as informaes equivocadas sobre drogas, uso, abuso e dependncia, baseadas em estigmas e preconceitos construram barreiras difceis de serem superadas nessa rede. A necessidade de capaci-tao e formao, de forma orientada aos profissionais que atuavam na rea numa perspectiva multiprofissio-nal era clara. (BRASIL, 2003) Uma formao de quali-dade s possvel para quem tem acesso a educao e a sade, por isso o investimento cientfico e tecnolgico se fazem necessrios para a busca de novos conhecimen-tos e ofertas de cuidado.

    No que se refere aos resultados da Ao Integrada podemos destacar as aes desenvolvidas para a reuti-lizao dos espaos pblicos, antes destinados para o consumo de drogas, como por exemplo, praas, terre-nos e quadras, pela prtica de esportes e atividades cul-turais e de lazer para populao. A requalificao desses lugares contou com a participao direta das diversas secretarias. Por exemplo na Virada Cultural, promo-vida pela Secretaria de Cultura, em outubro de 2011, houve a participao ativa da Ao Integrada por meio de abordagem social, distribuio de insumos de pre-veno as DST/AIDS, garrafas plsticas em substitui-o da garrafa de vidro para preveno de acidentes e violncias. Roda de dilogo no Festival de HIP-HOP Uma conversa sobre Drogas, com a participao das secretarias de cultura, juventude e sade. Foi realizada articulao com artistas locais para divulgao da Ao e a construo de um canal de comunicao com a po-pulao geral sobre os riscos e prejuzos do consumo do crack e o abuso de outras substncias.

    Vrias outros programas e aes conjuntas com a Ao Integrada podem ser citadas, entre elas: Rodas de Conversas sobre Drogas nas Escolas Municipais, com alunos do terceiro e quarto ciclos, o Programa

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    CAMPOS, A. R. C.; RAMEH-DE-ALBUQUERQUE, R. C.; ALMEIDA, R. B.; SANTOS, S. J. Principais desafios na construo de uma poltica integrada sobre drogas: descrio da experincia na cidade do Recife/PE

    Multicultural - uma ao estratgica implementada pela Secretaria de Cultura e Fundao de Cultura da Cidade do Recife, que visa democratizar e descentra-lizar aes culturais por meio da participao popular, contribuindo, assim, para criao e o fortalecimento de uma rede de cultura atravs do incentivo a formao de adolescentes, jovens e adultos das comunidades do Recife para atuarem no mercado da cultura.

    O Programa Nacional de Incluso de Jovens (Pro-jovem), coordenado pela Secretaria de Educao, Es-porte e Lazer do Recife. Academia da Cidade poltica de promoo sade, que disponibiliza atividade fsi-ca nas praas das comunidades, enfatizando o lazer e a alimentao saudvel. Os Centros de Referncia da Assistncia Social (CRAS), Repblicas, Centros POP, casas de acolhidas temporrias, abordagem de rua, Pro-grama de Reduo de Danos Programa Mais Vida, Centro de Referncia Clarice Lispector para mulheres vtimas de violncia, Centro de Referncia de Direitos Humanos, Crculos populares de Esporte e Lazer pro-movendo aprendizagens relacionadas a cultura corporal e esportiva e incentivando a autoorganizao comunit-ria a partir do esporte e do lazer, entre outras.

    Seguindo a descrio de alguns resultados posi-tivos da Ao Integrada, outra ao de fundamental importncia foi a discusso de casos clnicos realizados pelos comits regionais para definio de fluxo de aten-dimento e processo de trabalho, valorizando e reconhe-cendo o sujeito de forma integral e inserido num con-texto sciocultural (RECIFE, 2010).

    A promoo da cultura e do lazer como espao de fazer sade. A possibilidade de recuperao de uma pes-soa com problemas decorrentes do consumo de drogas est na vinculao com sua parte saudvel, resgate dos seus vnculos com a vida, assim sendo, as aes de lazer, arte e cultura a aproximavam e destacavam sua sade. O conhecimento e o respeito as crenas e saberes da po-pulao eram considerados um dos principais pilares da preveno (NOTO, 2006). A valorizao da cultura local por meio da msica e da arte, foram desenvolvidas por meio de oficinas culturais nos CAPSad como msica, capoeira, teatro, circo e oficina de beleza, includas na programao teraputica semanal ofertada para os usu-rios. Com a Ao Integrada as oficinas foram ampliadas

    para aes territoriais, nos mercados, praas e em casas de acolhida da assistncia social (RECIFE, 2010).

    Em anlise documental, identificamos exemplos exitosos que corroboraram com a avaliao positiva na relao entre a cultura e o cuidado a jovens em situao de vulnerabilidade social e abuso de substncias psico-ativas. Em So Paulo, o Projeto Quixote em parceria com a Secretaria de Estado da Cultura desenvolveu um projeto com crianas e jovens em situao de rua e usu-rias de drogas na regio da Luz, famosa Cracolndia, que teve como objetivo buscar por meio do Hip Hop, acolher esses meninos e meninas, despertando o poten-cial criativo, tico e esttico do exerccio da cidadania, integrando-os aos servios de assistncia social e sade (LECHER; RIGATO, 2006, p. 335).

    Outro exemplo Nacional que foi usado como refe-rncia pelo Ministrio da Sade e pela SENAD e multi-plicado em vrios municpios brasileiros o Consultrio de Rua de Salvador, desenvolvido pelo CETAD/UFBA, sob a coordenao do prof. Antonio Nery Filho. Iniciado no final da dcada de 80 o Consultrio de Rua revelou a proposta de um novo olhar para os usurios de drogas e pessoas que estavam nas ruas. Primeiro que essa po-pulao pouco ou nunca acessava os servios formais de sade e assistncia. Em segundo lugar era necessrio co-nhecer o espao e observ-lo em outra perspectiva, reco-nhecendo seus signos, hbitos e comunicaes prprias. A aproximao com essa realidade possiblitou a equipe a apropriar-se de um novo olhar para a realidade (GON-ALVES; BRAINTENBACH, 2010, p. 43).

    A problemtica relacionada ao consumo do crack e outras drogas tem tomado uma magnitude que re-quer uma ateno que vai alm da sade. A violncia domstica e urbana, a prtica de pequenos furtos, en-volvimentos com assaltos e com a criminalidade vul-nerabilizam ainda mais o usurio de drogas. Questes sociais como a desigualdade de oportunidades, a pouca oferta de educao de qualidade e de profissionalizao favorecem o estigma relacionado ao usurio de drogas. E por tratar-se de um tema transversal a outras reas da sade, da justia, da educao, social e de desenvolvi-mento, requer uma intensa capilaridade para a execu-o de uma poltica de ateno integral ao usurio de lcool e outras drogas (BRASIL, 2003).

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    CAMPOS, A. R. C.; RAMEH-DE-ALBUQUERQUE, R. C.; ALMEIDA, R. B.; SANTOS, S. J. Principais desafios na construo de uma poltica integrada sobre drogas: descrio da experincia na cidade do Recife/PE

    De acordo com Organizao Mundial de Sade cerca de 10% da populao dos centros urbanos con-somem abusivamente substncias psicoativas, variando de idade, sexo, nvel de escolaridade e poder aquisitivo (OMS, 1997).

    No Brasil essa realidade no diferente, em um estudo realizado pelo Centro Brasileiro de Informaes sobre Drogas Psicoativas (CEBRID) sobre o uso indevi-do de drogas por estudantes (n = 2.730) dos antigos 1 e 2 graus em 10 capitais brasileiras (GALDURZ et al., 1997 apud BRASIL, 2004) revelou que 74,1% de ado-lescentes j haviam feito uso de lcool na vida. Quanto ao uso frequente, definido como o uso de droga seis ou mais vezes nos ltimos 30 dias e para a mesma amostra, chegamos a 14,7%. Constatando ainda, que 19,5% dos estudantes faltaram escola, aps beber, e que 11,5% brigaram, sob o efeito do lcool (BRASIL, 2004).

    A poltica de sade governamental deve ser pau-tada por princpios que garantam mais igualdade na assistncia, que considerem a sade de todos um bem pblico, um patrimnio da sociedade, um bem para as pessoas e, assim, um direito de todos e de cada um a uma vida melhor, mais saudvel, como consequn-cia inclusive da atuao dos governos na rea da sade (BRASIL, 2004).

    Vrias propostas foram apresentadas para a ela-borao de um plano de ateno integral de lcool e outras drogas, o Governo Federal, por meio da Portaria n 1.190/2009 instituiu o Plano Emergencial de Am-pliao do Acesso ao Tratamento e Preveno em lcool e outras Drogas no SUS (PEAD 2009-2011) e com o Decreto n 7.179, maio de 2010, instituiu o Plano In-tegrado de Enfrentamento ao Crack e outras Drogas. A Poltica do Ministrio da Sade para Ateno Integral a Usurios de lcool e outras Drogas, de 2003, aponta para a necessidade de implementar aes intersetoriais, com a assuno da responsabilidade pelo SUS ao cuida-do integral em AD (PEAD-2009-2011).

    Segundo Merhy (1994) trabalhar num mode-lo assistencial centrado no usurio requer uma gesto comprometida com o coletivo, processos de trabalho desenvolvidos no interior das equipes de sade. Envol-vendo uma equipe multiprofissional e interdisciplinar,

    pautada por resultados em termos de benefcios gerados para os usurios.

    Aes centradas nas necessidades dos usurios, singularizadas e integrais, sendo realizadas onde eles esto, trabalho vivo, produzindo compromisso perma-nente com a tarefa de acolher, responsabilizar, resolver e autonomizar. (MERHY, 1998, p. 05).

    Qualquer abordagem assistencial de um traba-lhador de Sade junto a um usurio-paciente produz-se atravs de um trabalho vivo em ato, em um processo de relaes, isto , h um en-contro entre duas pessoas que atuam uma sobre a outra e no qual se opera um jogo de expectati-vas e produes, criando-se intersubjetivamente alguns momentos interessantes, como os seguin-tes: momentos de falas, escutas e interpretaes, nos quais h a produo de uma acolhida ou no das intenes que essas pessoas colocam nes-ses encontros; momentos de cumplicidade, nos quais h a produo de uma responsabilizao em torno do problema que vai ser enfrentado; momentos de confiabilidade e esperana, nos quais se produzem relaes de vnculo e aceita-o. (MERHY, 1998, p. 03).

    As drogas so substncias inertes, nem boas nem ms, o que as far danosas ou no a relao estabele-cida entre a pessoa que as usa, a substncia e o contex-to sociocultural em que ela est inserida. (MELCOP; CAMPOS; FRANCH, 2002). A dependncia de dro-gas por se tratar de um fenmeno heterogneo e que atinge as pessoas de diferentes formas, por diferentes causas e em variados contextos exigem uma ateno tambm heterognea. preciso que se desenvolva um trabalho em rede, criando acessos variados visando aco-lher, encaminhar, acompanhar, prevenir, tratar, cons-truir, reconstruir com compromisso na promoo, pre-veno e tratamento, na perspectiva da integrao social e produo da autonomia das pessoas. Conceituando autonomia como a capacidade de equilibrar o combate doena com a produo de vida (BRASIL, 2007).

    A Secretaria de Sade de Recife, com a implanta-o do Programa Mais Vida - programa de reduo de

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    CAMPOS, A. R. C.; RAMEH-DE-ALBUQUERQUE, R. C.; ALMEIDA, R. B.; SANTOS, S. J. Principais desafios na construo de uma poltica integrada sobre drogas: descrio da experincia na cidade do Recife/PE

    danos, preveno e tratamento ao uso de lcool, fumo e outras drogas e posteriormente com a implantao da Ao Integrada vem buscando um cuidado integral e singular junto aos usurios de crack e outras drogas.

    Durante o perodo definido pelo estudo foram realizadas aproximadamente 60 reunies do Comi-t Executivo, 05 do Comit Gestor, sendo duas com o prefeito em exerccio. Alm de reunies de articula-o dos representantes do Comit Executivo com seus respectivos secretrios municipais. As reunies tinham objetivo de planejamento e de avaliao das aes sen-do discutidos os avanos e dificuldades encontradas em cada processo, conforme descritas nas atas de reunio arquivadas na Secretaria Municipal de Sade.

    Com o decorrer dos encontros do Comit Exe-cutivo foi-se descobrindo uma aproximao entre as aes desenvolvidas pelas secretarias e a definio de que por elas poderiam ser iniciadas as aes integradas. Participao em fruns, debates, rodas de conversa, que envolvessem o tema passaram a contar com a represen-tao integrada das secretarias, principalmente, sade, assistncia social, especial da mulher, direitos humanos e segurana cidad, educao e juventude.