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RT - O Livo de Rute

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Introdução ao AT - H 10.

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Antigo Testamento II – Históricos e Poéticos  91

O LIVRO DE RUTE

O LIVRO E A SUA POSIÇÃO NO CÂNON 

 Nos LXX, na Vulgata e nas versões luteranas o livro de Rute aparece entre o dosJuízes e os de Samuel, como pertencendo ao mesmo período histórico. Constitui narealidade uma espécie de suplemento àquele e introdução a estes, mas não deixa decontrastar com qualquer deles no seu conteúdo. Em Juízes e Samuel são freqüentes as cenasde desordens e lutas, por vezes de grande envergadura. Põem-se em marcha exércitos. Israelé derrotado e oprimido, mas logo se faz ouvir a voz da liberdade e soam as trombetas davitória em nome de Iahweh. Surgem chefes de excepcional capacidade. Não raro o cenário éde selvajaria e sensualidade.

 No livro de Rute, pelo contrário, deixam de se ouvir o tinido das armas e o tumultoda soldadesca enfurecida. É a vida simples do povo em toda a sua forma. Ergueram-se elogo tombaram grandes nações e grandes homens; venceram-se e perderam-se batalhas;intrigas e rivalidades nos lugares altos. A vida do povo continuava imperturbável, na calmatradicional de séculos. O amanho das terras, os velhos costumes do campo, a simplicidadedos noivados, a educação das crianças, a fé em Deus, tudo seguia o seu curso normal pordetrás dum cenário de crueldade sanguinária, que nos descreve o livro dos Juízes.

Este fato e ainda a narração da história dos antepassados imediatos de Davi deve terlevado o Código hebraico a incluir o livro de Rute entre os chamados hagiógrafos, e oTalmude coloca-o em primeiro lugar, imediatamente antes dos Salmos. No manuscritohebraico encontra-se entre os cinco megilloth ou rolos.

AMBIENTE E DATA 

Os acontecimentos narrados no livro deram-se durante o reinado dos juízes (Rt 1.1),num período que abrange 450 anos (At 13.20). Mas em Rt 4.21-22 diz-se que Boaz era

 bisavô de Davi, o que levaria a enquadrar os acontecimentos na primeira metade do séculoXII A.C., isto é, durante a mocidade de Samuel. Sendo assim, é curioso observar que Josefoé de opinião que Rute viveu no tempo de Eli (Antig. 5,9,1). Por outro lado, Salmom, aquiconsiderado pai de Boaz, era o marido de Raabe (Mt 1.5), o que nos leva a recuar a data dosacontecimentos. Realmente, é difícil conciliar estas duas afirmações, a não ser que se admitauma lacuna na genealogia, tal como a apresentam Mt 1.9 e passos idênticos. Neste caso éimpossível atribuir uma data, por aproximada que seja, a essa lacuna, e por si mesmo o livro

não oferece qualquer argumento interno, que possa trazer mais luz a questão. Por que nãoaceitar a data proposta por Josefo? Não obstante certos erros históricos, é muito possívelserem verídicas as fontes que neste caso o informaram.

DATA DA COMPOSIÇÃO 

Do mesmo modo não é fácil chegar-se a uma conclusão quanto à data em que o livrofoi redigido, mesmo que nos baseemos em argumentos extraídos do próprio livro. Pelomenos deduzimos ter sido escrito depois da era dos juízes (Rt 1.1), e muito tempo após osacontecimentos terem sucedido, já que alguns costumes tinham caído em desuso (Rt 4.6-8).

Além disso, não é fácil admitir uma data anterior ao reinado de Davi, pois vem mencionadona sua genealogia (Rt 4.22). Fora destas deduções, só nos resta o campo das conjecturas,mas é de admitir-se que a composição do livro não vai além do reinado de Davi.

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Antigo Testamento II – Históricos e Poéticos  92

O livro de Rute fala-nos da fortuna da família de Elimeleque, de Belém, que emigrou para Moabe, acossado pela fome, e lá morreu com seus dois filhos. Entretanto, a viúva Noemi volta à terra de seus antepassados, levando consigo sua nora Rute, também viúva,que insistiu em acompanhá-la. Aí encontraram um parente próximo, Boaz, quevoluntariamente assumiu a responsabilidade de Goel, o qual desposou Rute, que foi mãe deObede, avô de Davi.

TÍTULO

O título desse breve livro é o nome de seu personagem principal, uma mulhermoabita chamada Rute. A etimologia desse nome é incerta, embora esteja freqüentementeligado à palavra hebraica reʿûṯ , que significa amizade, companheirismo.

DATA E AUTORIA

A tradição judaica atribui a autoria do livro a Samuel (Talmude,  Baba Bathra,  p. 14b).Embora isso seja possível, pois Samuel e Davi foram parcialmente contemporâneos, não émuito provável, pois exigiria uma data de composição durante os anos em que Davi viveucomo fugitivo. Tal ocasião era extremamente imprópria para incluir uma mulher moabita nagenealogia de um aspirante ao trono. O mais provável é que o autor tenha sido um mestre-narrador, comissionado pela família real, para registrar a soberana intervenção de Deus naconstituição da árvore genealógica real.

Eruditos de linha mais radical defendem uma data bem mais recente para o livro,argumentando que o uso de tradições deuteronômicas aponta para uma data posterior aoreino de Josias (640-609 a.C.). Outros, engajados com o aspecto político da teologia dalibertação, defendem uma data pós-exílica, argumentando que o autor usou a narrativa paracombater o nacionalismo extremado de Esdras e Neemias e a exploração dos ―sem-terra‖

 pelos nobres de Judá (veja especialmente as obras de Carlos Mesters sobre Rute (Ed.Vozes), em que a contextualização do livro é feita de maneira soberba, mas às custas daexatidão histórica e hermenêutica, impondo uma análise contemporânea aos participantes dahistória de Rute). Uns poucos autores têm defendido a data de composição no início damonarquia, (Ronald Hals, The Theology of the Book of Ruth; Edward F. Campbell Jr., Ruth,The Anchor Bible; Arthur Cundall e Leon Morris,  Juízes e Rute: Introdução e Comentário,SCB, que oferece extensa discussão dos argumentos lingüísticos e conclui que nenhum

deles exige uma data pós-exílica) o que é coerente com o conhecimento do período em quea história acontece, como também com a ausência do nome de Salomão na genealogia.Um argumento significativo para uma data mais recuada é a atmosfera amistosa nas

relações entre Israel e Moabe, algo impensável depois da cruel servidão imposta aosmoabitas pelo reino do Norte.

CONTEXTO HISTÓRICO

A narrativa tem como pano de fundo o período dos juízes (1.1), um tempo deapostasia e, conseqüentemente, caos moral e social em Israel. Em consonância com as

maldições da aliança, uma fome assolou a terra, forçando uma família efratita a migrar paraa terra vizinha de Moabe.

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O livro relata os eventos que constituiriam o curso normal de uma família migrante.A segunda geração casa com membros da sociedade receptora e a migração dá lugar aoassentamento e à aculturação.

Soberanamente, porém, Yahweh intervém e usa a tragédia para atingir alvos maiselevados na história, oferecendo um contraste notável de fé, lealdade e graça ao estadolastimável do povo escolhido durante aquela era.

FORMA LITERÁRIA E MENSAGEM

O livro de Rute segue o gênero novela, uma história breve, altamente artística emestilo e estrutura. Nessa história, um enredo desenvolve-se em certo número de episódiosaté atingir um desfecho e assim comunicar uma lição que os leitores devem emular (E. F.Campbell Jr., “The Hebrew Short Story: Its Form, Style and Provenance”, em  A Light unto

 My Path, eds. H. Bream, R. Heim e C. Moore, pp. 83-101).O autor de Rute emprega de maneira notável o recurso da simetria, usando

exatamente o mesmo número de palavras (71) nas cenas inicial e final. Igualmente eficaz éo uso do contraste (plenitude-esvaziamento, agradável-amarga, altruísmo-egoísmo) e dosuspense, já que o desfecho antecipado e desejado pelo leitor permanece indeterminado atéo último ato. Seja quem for, o autor de Rute conseguiu, com rara felicidade, combinarnarrativa, história e  Heilsgeschichte, exaltando as virtudes de lealdade pactual tanto emYahweh quanto nos personagens principais, Rute e Boaz. Como já se disse, ―seus

 personagens vivem, amam e relacionam-se de modo a aparecer como a personificação doconceito hebraico de ṣeḏāq, justiça, ―integridade, ilustrando em termos concretos a vidasob a aliança de Deus (William LaSor, D. A. Hubbard e F. W. Bush, Old Testament Survey:

The Message, Form, and Background of the Old Testament , p. 614. A tradução desta obraem português,  Introdução ao Antigo Testamento, baseada na segunda edição inglesa, nãocontém esta seção do artigo original).

Com arte e sutileza, o autor mantém incógnito o ator principal do drama, o próprioYahweh, que opera em coincidências e planos essencialmente humanos, como os passosincertos de uma moabita em terra estranha e o plano arriscado de uma viúva esperançosa.

A mensagem do livro de Rute, conforme entendido por este autor, leva em conta osfatores mencionados e a inclusão da genealogia de Davi no final do livro, um final que seriainexplicável a não ser que o autor quisesse demonstrar a dimensão maior da intervençãodivina na vida de indivíduos que são leais à aliança. Esta é a mensagem de Rute:

A soberania e a bondade de Yahweh transformam a tragédia individual em bênção

nacional por meio da fé pujante de uma mulher gentia e de um israelita compromissadoscom a aliança.

A TEOLOGIA DE RUTE (A PESSOA E O CARÁTER DE DEUS)

Yahweh é soberano

O princípio teológico subjacente ao livro de Rute é o desenrolar do propósitosoberano de Deus por meio de instrumentos humanos (W. S. Prinsloo, “The Theology of the

Book of Ruth”, Vetus Testamentum 30 (1980):330-41). Isso é feito de modo diferente de

outros livros do Antigo Testamento, em que Yahweh intervém mais abertamente por meiode sonhos, declarações proféticas, aparições ou atos milagrosos. O paralelo mais notável é olivro de Ester, em que o nome de Deus sequer é mencionado.

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Em Rute, a soberania de Yahweh é ressaltada por sua presença nas duas brevesorações contidas no capítulo 2, nas quais Boaz expressa o desfecho do livro em relação aRute, reivindicando-o de Yahweh (2.12), e Noemi o faz em relação a Boaz (2.20). Outrosepisódios que sugerem a soberania de Yahweh são a morte dos filhos de Noemi, quefornecem a Rute a oportunidade de conhecer pessoalmente Yahweh como o seu Deus, amenção da casualidade humana do encontro de Rute e Boaz, um notável artifício literário doautor, destinado a produzir no leitor a sensação inversa, causalidade divina, e a reversão dasorte de Noemi e Rute, da viuvez e esterilidade em Moabe para a vida em família e aconcepção (1.4, 5 e 4.13-15).

Em Rute, Yahweh intervém soberanamente para levar adiante a promessa feita aAbraão, a saber, de lhe constituir uma numerosa descendência (Gn 12.2), promessa que foiampliada na bênção de Jacó a Judá, de cuja família viria o cetro sobre Israel (Gn 49.10). Agenealogia no final do livro sutilmente liga as alianças abraâmica e davídica como a indicarque Yahweh soberanamente interveio aqui como no caso de Judá e Tamar, de cuja uniãosurgiu a mais importante família em Israel.

Yahweh é misericordioso

Constable sugeriu de modo sucinto que o livro de Rute mostra a preferência divina detrabalhar em indivíduos e por meio deles, os quais outras pessoas considerariam materialimprovável (Constable, “Theology of Joshua, Judges and Ruth”, p. 111). Rute é a epítomedessa situação, pois, além de mulher, é viúva, não tem filhos e é moabita! Estava assimexcluída da participação na aliança, segundo a lei de Moisés, e sem quaisquer perspectivashumanas, como a própria Noemi quis fazê-la perceber. A experiência de Rute demonstraque Yahweh sempre esteve disposto a receber quem se achegasse em fé evidenciada porcompromisso, a despeito de sua origem étnica ou religiosa. Quem se aproxima de Yahwehcomo crente, nEle encontrará aceitação e realização.

A misericórdia de Yahweh demonstra-se no conceito de redenção, pelo qual oscarentes e desprotegidos vinham a desfrutar os recursos e a proteção de um parente, alguémque tivesse amor ao próximo e lealdade à aliança suficientes para motivá-lo a uma açãoresgatadora. A esse parente dava-se o nome de gôʾēl, resgatador, e a atividade de Boaz, nolivro de Rute, ilustra a extensão da divina redenção (ou resgate) àqueles que, como Rute,que outrora não [eram] povo, e agora [são] povo de Deus (1 Pe 2.10).

A ADMINISTRAÇÃO DOS PROPÓSITOS DE DEUS

A permissão do mal

A fome, enviada por Yahweh como disciplina contra Seu povo, é o elemento detragédia que Ele utiliza para abrir as comportas de Sua graça. Igualmente, as mortes domarido e filhos são instrumentos para que Noemi venha a conhecer o verdadeiro significadoda plenitude (cf. 1.20, 21). Em escala menor, a falta de compromisso do resgatador mais

 próximo é um mal que culmina com a perfeita solução para os problemas de Noemi e Rute,o descanso verdadeiro na provisão de Yahweh.

A promessa/ação de julgar o mal.Esta linha de ação não se apresenta no livro de Rute, exceto talvez na disciplinanacional mencionada em 1.1. Alguns expositores preferem estender essa disciplina às

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mortes de Elimeleque e seus filhos, mas o texto não oferece sustento a essa tese. É fato quea tradição judaica considera a morte dos rapazes uma punição por ter deixado Judá, mas talrazão não encontra eco na teologia mosaica. Uma ligeira possibilidade de significado

 judicial na morte de Malom e Quiliom acha-se em Deuteronômio 4.27.

A libertação do mal por meio de uma semente escolhida

Boaz é o instrumento usado para esse resgate, seguindo o padrão milenar do levirato(do latim levir , ―cunhado), em que a família era preservada pela união matrimonial de umirmão do morto com a cunhada. Esse costume, já conhecido na era patriarcal (cf. Gn 38), foiampliado em Israel para incluir a posse da terra (Dt 25; Lv 25).

O livro de Rute apresenta um aspecto mais pessoal e feminista da questão, trazendo alume o resgate de uma existência de futilidade e frustração pessoal e social na vida de

 Noemi e Rute para uma vida de descanso (esta deveria ser a tradução da palavra tanto em1.9 [heb. menûḥ], em que a ERA traz ―sejais felizes, quanto em 3.1 [heb. mānôaḥ], emque a ERA traz lar). Embora o paralelo não seja absoluto, há uma semelhança intrigantecom a observação de Paulo em relação às mulheres cristãs serem ―salvas‖ pela geração de

filhos que venham a ser bons cristãos (1 Tm 2.15).

O decreto de abençoar os eleitos

A soberana (e incógnita) atuação de Yahweh transforma a vida de uma mulherdesiludida e desamparada em canal de bênção para toda a nação pactual (evidente nagenealogia davídica, ao fim do livro). Rute edifica sobre as promessas abraâmicas de umagrande nação e de que reis viriam da semente de Sara. Boaz e Rute, especialmentefocalizados em relação à bênção de Yahweh, são os canais pelos quais Noemi foraabençoada com o descanso e a plenitude personificados em Obede (4.15).

ESBOÇO

I. UMA FAMILIA ISRAELITA EM MOABE (1.1-5)II. RETORNO A JUDÁ (1.6-22)

a) Firmeza de Rute (1.6-18) b) Chegada a Belém (1.19-22)

III. RUTE, A RESPIGADORA (2.1-23)

a) O campo de Boaz (2.1-3) b) Provisão de Boaz para Rute (2.4-17)c) Reação de Noemi (2.18-23)

IV. O CASAMENTO (3.1 — 4.22)a) O plano de Noemi (3.1-5)

 b) Rute na eira (3.6-13)c) Retorno de Rute para casa (3.14-18)d) Boaz redime Rute, a moabita (4.1-12)e) Casamento e nascimento de um filho (4.13-17)f) Genealogia de Davi (4.18-22)