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REVISTA DA SOCIEDADE BRASILEIRA DE HIPERTENSÃO REVISTA DA SOCIEDADE BRASILEIRA DE HIPERTENSÃO N o 1 2008 VOLUME 11 http://www.sbh.org.br Aspectos fisiológicos da hipertensão arterial na gravidez Hipertensão e gravidez: fisiopatologia Caso clínico: Hipertensão renovascular causada por aneurismas bilaterais em artérias renais (AAR) Hipertensão associada a gestação e risco cardiovascular Os esfigmomanômetros de coluna de mercúrio devem ser eliminados da prática clínica? Hipertensão arterial na gravidez: avanços no tratamento ambulatorial Aspectos nutricionais relacionados ao controle das dislipidemias ISSN-1809-4260 00 - Capa 01-2008.pm6 03/03/08, 15:34 1

s No 1 s 2008 • Aspectos fisiológicos da hipertensão arterial na

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REVISTA DASOCIEDADE BRASILEIRA DE HIPERTENSÃO

REVISTA DASOCIEDADE BRASILEIRA DE HIPERTENSÃO■ No 1 ■ 2008

■ VOLUME 11

http://www.sbh.org.br

••••• Aspectos fisiológicos dahipertensão arterial na gravidez

••••• Hipertensão e gravidez:fisiopatologia

••••• Caso clínico:Hipertensão renovascularcausada por aneurismas bilateraisem artérias renais (AAR)

••••• Hipertensão associada a gestaçãoe risco cardiovascular

••••• Os esfigmomanômetros decoluna de mercúrio devem sereliminados da prática clínica?

••••• Hipertensão arterial na gravidez:avanços no tratamento ambulatorial

••••• Aspectos nutricionais relacionadosao controle das dislipidemias

ISSN-1809-4260

00 - Capa 01-2008.pm6 03/03/08, 15:341

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1Hipertensão 2008; 11(1): 1

EDITORIALEDITORIAL

Crônica em Homenagem ao Dr. Clóvis Andrade

A saudade é dor da gente, moreno!O adeus foi súbito, inesperado, impactante. A notícia chegava por telefone. Impossívelacreditar. O que teria acontecido?! Não, a verdade não poderia ser tão rigorosa. Enganavam-se todos. As palavras estavam soltas, sem significado, ocas. No entanto, em poucos minutos, asemoções pareciam diferentes, aprisionadas pelo pranto que não desabava de uma única vez. Oamigo, o companheiro de inúmeras jornadas, o incansável militante acenava o último diálogo.Baixo, moreno, porte simples, elegância despojada, Clóvis Andrade, escondia o meninoque nele habitava. Tinha o olhar manso e um jeito muito próprio de somar esforços emtodas as empreitadas que decidiu assumir em vida, como se guardasse a críticaconstrutiva em algum bolso da algibeira, disposto a sacá-la quando necessário. Nãoescondia o homem das artes, amante da música, tendo ensaiado várias paródias em nomeda prevenção das doenças cardiovasculares, escolhendo como mote principal, ahipertensão arterial, vilã temida pelos homo sapiens. Sempre o encontrava com um sorrisonos lábios, entusiasmado com a possibilidade de mudar a realidade brasileira pelas açõesque abraçava. Dotado de uma invejável vontade de mudar a morbidade e mortalidade noBrasil, Clóvis, participava ativamente dos seminários, congressos, simpósios (organizava-os anualmente em Aracaju), colóquios, passeatas com a população, enfim, foi assim que oconheci, há alguns anos. Nunca se recusou a contribuir nas tarefas em que era convocado.Homem simples, assim viveu e assim morreu: sem alardes nem frenéticas aparições.Guardava uma modéstia monástica. O que lhe agradava era mesmo participar ativamentedo mutirão em prol dos mais pobres, os pobres hipertensos brasileiros, sergipanos,nordestinos ou sulistas.A imagem plácida de Clóvis Andrade denunciava uma única inquietação: mudar este paíspara um mundo melhor. Entregava-se de corpo e alma à profissão. O mundo doshipertensólogos está mais pobre sem a figura inesquecível de Clóvis. Mais pobre e maistriste; um vazio se espalha silenciosamente por todos os recantos, do jeito dele, por todosos recantos da reflexão. Ao sentir a dor da saudade, de uma saudade que se alonga emperene lembrança, resta-me repetir o poeta Fernando Pessoa: “Há em mim/Umaimpossibilidade de existir/De que (abdiquei), vivendo”.

Hilton Chaves

Hipertensão e gravidez: conceitos atuaisLevantamentos desenvolvidos pela Organização Mundial da Saúde, em 2005,

apontam que a pré-eclampsia é diretamente relacionada a cerca de sessenta mil óbitos,por ano, em todo o mundo.

Focalizando mais especificamente a situação, em nosso meio, os pesquisadores D.S.Gaio, M.I. Schmidt, B.B. Duncan et al., realizaram um amplo estudo, entre 1991 e 1995,demonstrando que a ocorrência de doença hipertensiva relacionada à gestação situa-seem torno de 7,5%. Nesse trabalho, a pré-eclampsia foi identificada em 2,3% dos casos.

Tais cifras são suficientes para evidenciar a importância do tema, sobretudo naavaliação de fatores que, direta ou indiretamente, são responsabilizados pela mortalidadematerno-fetal.

Em sintonia com esse conjunto de achados, a revista HIPERTENSÃO procurou eobteve a colaboração de diversos e consagrados especialistas nessa área. O resultadoprincipal dessa iniciativa foi a produção da presente edição que, ao lado de outros tópicoscorrelatos, reúne a orientação dos autores no manejo de mulheres grávidas que associama presença de hipertensão arterial sistêmica e risco aumentado de complicaçõescardiovasculares.

Nas abordagens apresentadas são também discutidas as opções terapêuticasindicadas em cada circunstância clínica. Mulheres sob uso de anticoncepcional oral, porexemplo, evoluem com maior possibilidade de aumento da pressão arterial diastólica.Além disso, dificultam o controle pressórico, independentemente da faixa etária, peso euso de fármacos anti-hipertensivos.

A expectativa é de que o presente número em particular, seja de interesse e de grandeutilidade para nossos leitores.

Dra. Maria Helena Catelli de CarvalhoEditora

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ÍNDICEÍNDICE

EXPEDIENTE

Produção Gráfica e Editorial - BestPoint EditoraRua Ministro Nelson Hungria, 239 - Conjunto 5 - 05690-050 - São Paulo - SPTelefax: (11) 3758-1787 / 3758-2197. E-mail: [email protected]édico / Jornalista Responsável: Benemar Guimarães - CRMSP 11243 / MTb 8668.Assessoria Editorial: Marco Barbato.Revisão: Márcio Barbosa.

Aspectos fisiológicos da hipertensão arterial

na gravidez .................................................................................................. 4

Hipertensão e gravidez:

fisiopatologia ............................................................................................... 9

Caso clínico:

Hipertensão renovascular causada por aneurismas

bilaterais em artérias renais (AAR) ........................................................... 14

Hipertensão associada a gestação e

risco cardiovascular ................................................................................... 18

Os esfigmomanômetros de coluna de mercúrio

devem ser eliminados da prática clínica? ................................................... 20

Hipertensão arterial na gravidez:

avanços no tratamento ambulatorial .......................................................... 27

Aspectos nutricionais relacionados ao

controle das dislipidemias ......................................................................... 32

HIPERTENSÃORevista da Sociedade

Brasileira de Hipertensão

EDITORA

DRA. MARIA HELENA C. DE CARVALHO (SP)

CO-EDITOR

DR. DANTE MARCELO A. GIORGI (SP)

CONSELHO EDITORIAL

DR. EDUARDO MOACYR KRIEGER (SP)

DR. ARTUR BELTRAME RIBEIRO (SP)

DR. DANTE MARCELO A. GIORGI (SP)

DR. FLÁVIO D. FUCHS (RS)

DR. PAULO CÉSAR B. VEIGA JARDIM (GO)

DR. ARMÊNIO C. GUIMARÃES (BA)

DR. CARLOS EDUARDO NEGRÃO (SP)

DRA. ANGELA MARIA G. PIERIN (SP)

DR. FERNANDO NOBRE (SP)

DR. WILLE OIGMAN (RJ)

DR. OSVALDO KOHLMANN JR. (SP)

DR. JOSÉ EDUARDO KRIEGER (SP)

DR. AGOSTINHO TAVARES (SP)

DR. ROBSON AUGUSTO SOUZA SANTOS (MG)

DR. HILTON CHAVES (PE)

DR. ELISARDO C. VASQUEZ (ES)

DR. JOSÉ MÁRCIO RIBEIRO (MG)

DR. HENO FERREIRA LOPES (SP)

DRA. FRIDA LIANE PLAVNIK (SP)

PESQUISA BIBLIOGRÁFICA

CARMELINA DE FACIO (SP)As matérias e os conceitos aqui apresentados não expressam necessariamentea opinião da Boehringer Ingelheim do Brasil Química e Farmacêutica Ltda.

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SBHS o c i e d a d eB r a s i l e i r a d eH i p e r t e n s ã o

DIRETORIA

Presidente

Dr. Artur Beltrame Ribeiro

Vice-Presidente

Dr. Fernando Nobre

Tesoureiro

Dra. Maria Claudia Irigoyen

Secretários

Dra. Frida Liane Plavnik

Dr. Hilton Chaves

Presidente Anterior

Dr. Robson A. Souza dos Santos

Conselho Científico

Dra. Andréa Araujo BrandãoDra. Angela Maria G. PierinDr. Armênio Costa GuimarãesDr. Artur Beltrame RibeiroDr. Ayrton Pires BrandãoDr. Carlos Eduardo NegrãoDr. Celso AmodeoDr. Dante Marcelo A. GiorgiDr. Décio Mion Jr.Dra. Dulce Elena CasariniDr. Eduardo Moacyr KriegerDr. Elisardo C. VasquezDr. Fernando AlmeidaDr. Fernando NobreDr. Hilton ChavesDr. José Eduardo KriegerDr. José Márcio RibeiroDra. Luiz Aparecido BortolottoDra. Maria Claudia IrigoyenDra. Maria Helena C. CarvalhoDra. Maria José CampagnoleDr. Osvaldo Kohlmann Jr.Dr. Robson A. S. SantosDr. Wille Oigman

Sociedade Brasileira de HipertensãoTel.: (11) 3284-0215Fax: (11) 3289-3279E-mail: [email protected] Page: http://www.sbh.org.br

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MÓDULO TEMÁTICOAspectos fisiológicos dahipertensão arterial na gravidezPhysiological mechanisms related to pregnancy induced hypertension

Giovani Gadonski*Serviço de Nefrologia do Hospital São Lucas,Laboratório de Nefrologia do Instituto de PesquisasBiomédicas da Pontifícia Universidade Católica doRio Grande do Sul (PUCRS)

Maria Claudia Costa IrigoyenProfessora Livre-Docente – Unidade de HipertensãoDepartamento de Cardiopneumologia, FMUSP

Palavras-chave: hipertensão, gestação, fisiologia.Key words: hypertension, pregnancy, physiology.

Autores:

*Endereço para correspondência:Av. Ipiranga, 6.690 – 3o andar – Hemodiálise90610-000 – Porto Alegre – RSE-mail: [email protected]

Resumo

A doença hipertensiva gestacional, especialmente a pré-eclampsia (PE), está relacionada a aumento da mortalidadematerno-fetal. A elucidação da sua fisiopatologia é crucialpara os avanços terapêuticos.

A PE pode ser dividida em dois estágios: placentário ematerno. Fatores têm sido aventados como responsáveis pelaconexão entre a isquemia placentária e a síndrome materna.

Nesta revisão, abordaremos aspectos atuais dos meca-nismos fisiológicos envolvidos na gênese da hipertensão nagravidez.

Abstract

Pregnancy induced hypertension, especially preeclampsia,is related to increased maternal and fetal mortality. Improvementin understanding its physiology is crucial to develop newtreatments.

Preeclampsia can be divided in two phases: placentaland maternal. Many factors have been indicated as possiblyresponsible for connecting placental phase and maternalsyndrome.

In this review, we describe current physiologicalmechanisms related to pregnancy induced hypertension.

Financiado pelo Serviço de Nefrologia da PUCRS, FAPESP,CAPES, CNPq, Fundação ZerbiniRecebido em 27/11/2007. Aceito em 14/01/2008.

Introdução

De acordo com a Organização Mundial da Saúde, dentreas doenças hipertensivas ligadas à gestação, a pré-eclampsia(PE) afeta de 2% a 3% de todas as gestações no mundo, sendoresponsável por, aproximadamente, 60 mil mortes a cada ano1.Estudo realizado no Rio Grande do Sul demonstrou que, den-tre as causas de mortes obstétricas diretas, a principal é a hi-pertensão arterial sistêmica (HAS), ocorrendo em 18,5% doscasos. Estudo brasileiro realizado entre 1991 e 1995 demons-trou uma incidência de 7,5% de doenças hipertensivas ligadasà gestação. Dentre elas, diagnosticou-se pré-eclampsia em2,3% dos casos. Além disso, 4% das gestantes foram classifi-cadas como hipertensas crônicas2.

A PE é uma síndrome que faz parte de um conjunto depatologias denominadas doenças hipertensivas ligadas à ges-tação. Elas constituem uma das principais causas de morbidade

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e de mortalidade tanto materna quanto fetal, mesmo em paí-ses desenvolvidos. Essa condição está associada à restrição decrescimento intra-uterino em cerca de 30% dos casos, além departo prematuro e baixo peso ao nascer3.

Segundo o grupo de investigação do “National Heart,Lung and Blood Institute”, as doenças hipertensivas gestacio-nais podem ser classificadas em pré-eclampsia, eclampsia,hipertensão gestacional e hipertensão crônica. Define-se pré-eclampsia como surgimento de hipertensão arterial sistêmica(pressão arterial sistólica maior ou igual a 140 mmHg ou pres-são arterial diastólica igual ou acima de 90 mmHg) combina-da com proteinúria diária superior a 300 miligramas (mg)manifestadas após a vigésima semana de gestação. Eclampsiaocorre quando a PE evolui acompanhada de crises convulsi-vas. A hipertensão gestacional surge após a metade da gesta-ção, podendo ser distinguida da PE por não apresentar protei-núria acima de 300 mg. Por outro lado, a hipertensão crônicapode ser caracterizada pela elevação dos níveis tensionais aci-ma dos limites citados, instalada previamente ao período ges-tacional, ou antes da vigésima semana de gestação. Conside-ra-se ainda hipertensão crônica quando a pressão arterial per-manece elevada após doze semanas do parto3.

Aspectos fisiológicos da pré-eclampsia

Devido ao fato de a PE ocorrer espontaneamente apenasem humanos e macacos mais desenvolvidos na escala evoluti-va e das limitações éticas para o estudo da sua fisiopatologia,diversos modelos têm sido descritos e utilizados na sua inves-tigação.

Um modelo que divide a PE em dois estágios tem sidoempregado conceitualmente, permitindo uma melhor aborda-gem no entendimento da fisiopatologia da doença. O fato de aPE ser uma doença específica da gestação, desaparecendo apóso parto, denota a participação crucial da placenta na sua fisio-patogenia. A redução da perfusão útero-placentária tem sidopostulada como o evento inicial, sendo resultado da invasãoanormal do citotrofoblasto sobre as arteríolas espiraladas. Esseestágio, de uma maneira ainda não totalmente elucidada, evo-lui em algumas gestantes para a segunda etapa da doença, quecorresponde à síndrome materna da pré-eclampsia.

Atualmente, evidências demonstram que a placenta exerceuma participação fundamental no desenvolvimento da pré-eclampsia. Esse achado foi inicialmente sugerido em um rela-to de caso de gestação abdominal acompanhada de PE onde,na ocasião do parto, não foi retirado completamente o tecidoplacentário. O quadro de PE persistiu até o momento em quetoda a placenta foi removida4. Ademais, observa-se que nãohá necessidade da presença do feto, uma vez que está descritoPE em casos de mola hidatiforme, onde virtualmente não existetecido fetal.

Na gestação normal, as artérias espiraladas do miomé-trio e da decídua que perfundem a placenta sofrem profundoremodelamento. Esse processo se caracteriza pela desintegra-ção da túnica média e da lâmina elástica interna, além da subs-tituição endotelial por células trofoblásticas extravilosas que

expressam o fenótipo endotelial. Ao final do processo, as ar-térias espiraladas passam a apresentar um diâmetro pelo me-nos quatro vezes maior que aquele encontrado nas artérias não-envolvidas na gestação. Na PE, esses vasos sofrem mínimasmodificações5.

O controle celular da invasão trofoblástica depende dainteração entre a decídua materna e o trofoblasto fetal. A ten-são de oxigênio local e a interação com o sistema imunológi-co são fatores determinantes nesse processo, sendo que o me-canismo final parece estar associado ao aumento da taxa deapoptose dos citotrofoblastos que invadem o útero de gestan-tes com PE. A apoptose leva à liberação de microfragmentosde sinciciotrofoblastos na circulação materna. Os micro-fragmentos se encontram elevados no soro de pacientes comPE, podendo também ter participação no desenvolvimentoda doença6.

Porém, indubitavelmente, é preciso mais que a presençada placenta para o desenvolvimento da PE, visto que apenasuma parcela das gestantes desenvolve a doença. Múltiplos fa-tores maternos, tais como carga genética, ambiente e compor-tamento, devem interagir com a redução da perfusão placen-tária para culminar na síndrome completa. Nas pacientes comesses fatores, a redução da perfusão placentária desencadeiaalterações sistêmicas que constituem o segundo estágio dadoença.

A síndrome materna se caracteriza pela redução da per-fusão de outros órgãos, além da placenta. Esse processo podeestar relacionado à ausência da redução da resistência vascu-lar periférica e da reatividade vascular aos agonistas vasocons-tritores observados na gestação normal, podendo evoluir acom-panhada de hemorragia e necrose7. No fígado, a expressão clí-nica pode ser evidenciada pelo aumento dos níveis séricos dastransaminases. Alteração visual e cefaléia persistente tradu-zem o envolvimento do sistema nervoso central. Nos rins, ocor-re diminuição da taxa de filtração glomerular, o que pode oca-sionar aumento dos níveis plasmáticos de ácido úrico. No te-cido cardíaco, está descrita necrose subendocárdica associadaà doença.

Todos esses órgãos têm em comum o envolvimento doendotélio vascular. Através de biópsia renal de gestantes comPE, observou-se endoteliose glomerular, que consiste no au-mento das dimensões dos glomérulos devido à hipertrofia dascélulas endoteliais. Esse achado acabou evidenciando a parti-cipação do endotélio na doença, sendo posteriormente refor-çado pela descrição do aumento dos marcadores de dano en-dotelial, tais como o fator de Von Willibrand, a fibronectina, atrombomodulina e a endotelina8.

EndotélioDentre outras funções, o endotélio é responsável pelo

controle do tônus da musculatura lisa dos vasos por meio daliberação de vasoconstritores e vasodilatadores. Esse balançoé fundamental para determinar a resistência vascular periféri-ca e, conseqüentemente, a pressão arterial.

Uma das propostas para explicar a fisiopatologia da PEfoi descrita por Granger e colaboradores. Ela integra os con-ceitos de baixa perfusão placentária com disfunção endotelial

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e seus mediadores. O modelo mostra um desequilíbrio nosmediadores vasodilatadores e vasoconstritores, assim comoreatividade vascular alterada (figura 1)9.

Dentre os vasodilatadores, destacam-se o óxido nítrico(ON) e as prostaglandinas (PG). O óxido nítrico se difunderapidamente para fora da célula de origem em direção às célu-las vizinhas, onde se liga à guanosina monofosfato cíclica(GMPc) e induz relaxamento da musculatura lisa vascular. Aenzima responsável pela sua produção, a óxido nítrico sintase(ONS), é expressa no sinciciotrofoblasto, bem como no endo-télio vascular umbilical e feto-placentário, onde a produçãode ON contribui para a manutenção da baixa resistência vas-cular placentária.

O aumento da síntese de ON colabora para a manutençãodas adaptações fisiológicas observadas na gestação normal.Em estudos com animais, observou-se que os metabólitos es-táveis do óxido nítrico (nitrito e nitrato) encontram-se eleva-dos em ratas prenhes. O bloqueio não-seletivo da óxido nítri-co sintase resulta em alterações semelhantes àquelas observa-das na PE, como vasoconstrição renal, proteinúria, tromboci-topenia e restrição de crescimento intra-uterino, além de di-minuir a excreção urinária dos produtos do metabolismo doóxido nítrico10.

Em humanos, diversos estudos têm tentado determinar aprodução de ON investigando os níveis dos seus principaismetabólitos no soro e no plasma de pacientes com PE e com-parando-os com gestantes normotensas. Em pré-eclâmpticas,foram descritos níveis diminuídos, similares ou aumentadosem relação às gestantes controles. Esses estudos podem tersofrido interferência de diversos fatores, tais como dieta emedicações em uso. Assim, a produção de ON durante a ges-tação normal e na PE ainda é controversa.

O óxido nítrico é sintetizado a partir do aminoácido L-argi-nina, que entra na célula através de transportadores. Em he-mácias, foi demonstrado aumento da captação de L-argininaem gestantes normais, sendo que esse transporte sofre acrés-cimo ao longo do período gestacional e encontra-se ainda maiorno pós-parto imediato. Em gestantes com PE, está descritoum aumento significativo na capacidade máxima de transpor-te de eritrócitos em comparação com gestantes normais, de-monstrando que a cinética do transporte da L-arginina encon-tra-se alterada nesse grupo de pacientes11.

O GMPc é hidroxilado pela fosfodiesterase, uma enzimapresente na parede uterina de ratas prenhes e virgens. Estádemonstrado que a inibição dessa enzima aumenta a vasodila-tação dependente do endotélio em pequenas artérias do mio-métrio em gestações complicadas por PE. Estudo observouque a atividade da fosfodiesterase em gestantes com PE é sig-nificativamente maior, se comparada a gestantes normais. Es-ses achados sugerem que o aumento da atividade da enzimaleva à degradação do segundo mensageiro GMPc, podendoreduzir a vasodilatação periférica presente na gestação nor-mal e ocasionando aumento da pressão arterial sistêmica12.

Alterações significativas na produção de prostaglandi-nas ocorrem em gestantes com PE, sendo descrita a diminui-ção da síntese de produtos vasodilatadores – como a prostaci-clina – associada ao aumento da produção de vasoconstrito-

res, como o tromboxano A2. Na pré-eclampsia, está demons-trado aumento da sua produção e da excreção urinária deseu metabólito. Porém, estudo investigando a produção deprostaciclina e tromboxano antes da instalação do quadroda PE, observou que mulheres que desenvolveram PE ti-nham níveis de prostaciclina significativamente menoresem comparação com as gestantes que não desenvolveram adoença, o que foi documentado desde o período inicial dagravidez (13 a 16 semanas). Por outro lado, esse estudo re-latou que os níveis de tromboxano em gestantes que desenvol-veram PE não estavam significativamente aumentados em re-lação àquelas que não desenvolveram a doença. Esses estudosmotivaram a investigação da utilização do ácido acetilsalicíli-co na prevenção da instalação da doença em mulheres com esem fatores de risco.

Além do tromboxano, outros vasoconstritores participamdo controle do tônus vascular. Dentre essas substâncias, en-contram-se a endotelina, a renina e os mediadores do sistemanervoso autonômico simpático.

A maior parte dos estudos que investigou os níveis de endo-telina observou um aumento em cerca de duas a três vezes emgestantes com PE quando comparadas aos controles. O aumentodos níveis da endotelina ocorre principalmente na fase final dadoença, podendo isso significar que essa substância não está en-volvida diretamente na gênese, mas na progressão da doença7.

Controle autonômico esistema renina-angiotensina-aldosteronaSugere-se que a PE é um estado de hiperatividade simpá-

tica, que é revertido após o parto. Esse achado leva a crer queo aumento da resistência vascular periférica observado na PEpode ser explicado, pelo menos em parte, pelo aumento daatividade simpática13.

O sistema renina-angiotensina-aldosterona encontra-se es-timulado durante a gestação normal. Em situações de PE gra-ve, está descrita uma redução significativa da concentração sé-rica da aldosterona e da atividade da renina plasmática em com-paração com os controles. Esse fenômeno seria secundário àprofunda vasoconstrição periférica encontrada na doença emvirtude do aumento da sensibilidade aos vasoconstritores14.

Interação materno-fetal

Não está elucidado como a redução da perfusão placen-tária poderia levar a alterações vasculares generalizadas nacirculação materna. Para tanto, haveria a necessidade de ocor-rer liberação de um ou mais fatores vasoativos provenientesda placenta isquêmica para a circulação materna. Muitos fato-res têm sido apontados como possíveis candidatos, fazendocom que a PE seja conhecida como a doença das teorias, sen-do que nenhuma delas tem sido completamente aceita e com-provada com o passar dos anos. As moléculas candidatas in-cluem a forma solúvel do receptor do fator de crescimentovascular endotelial (VEGF), a fração solúvel da endoglina, osfragmentos placentários, além das espécies ativas do oxigênioe os mediadores inflamatórios.

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sFLT1O fator de crescimento vascular endotelial tem um papel

importante na angiogênese que, quando inadequada, pode levarà placentação defeituosa e à PE. A inserção alternativa do RNAmensageiro de um dos receptores do VEGF, o FLT1, produzuma forma solúvel desse receptor: tirosina quinase 1 placen-tária solúvel tipo fms (sFLT1), que se liga e gera efeito anta-gônico tanto ao fator de crescimento vascular quanto ao fa-tor de crescimento placentário (PlGF). A expressão protéicado sFLT1 aparece aumentada na PE. Experimentalmente, aadministração de sFLT1 no período inicial da gestação de ra-tas induz hipertensão, proteinúria e endoteliose glomerular.Além disso, foi demonstrado recentemente que a redução daperfusão uterina em ratas está associada a aumento da con-centração plasmática e placentária de sFLT1, bem como àredução da concentração de VEGF e de PlGF. Esses achadossugerem que o excesso de sFLT1 circulante contribui para apatogênese da PE15.

EndoglinaA endoglina (CD105) é um receptor de superfície celular

dos fatores de crescimento TGF-β1 e TGF-β3, expresso nas cé-lulas endoteliais e no sinciciotrofoblasto, que induz aumento nodiâmetro arterial de maneira dose-dependente. Foi descrita umanova forma solúvel da endoglina derivada da placenta que estápresente no soro de gestantes, aumentada na PE e em níveisainda maiores nas formas severas da doença. A endoglina coo-pera com sFLT1 na indução do dano endotelial in vitro e de PEsevera in vivo. A combinação desses fatores mostrou um efeitoaditivo no fígado, indicando que os mesmos podem agir siner-

gicamente na ruptura da integridade en-dotelial e induzir dano vascular conside-rável16.

Espécies ativas de oxigênioOutra hipótese sugere que a hipóxia

causada pela redução de perfusão placen-tária gera espécies ativas de oxigênio comcapacidade de induzir dano endotelial sis-têmico. Plaquetas, neutrófilos e monóci-tos, quando ativados, podem liberar es-pécies ativas de oxigênio. No entanto,essas substâncias são lábeis, tornandopouco provável a produção placentáriacom atuação em sítios distantes. Estudoclínico inicial demonstrou que a suple-mentação com vitaminas C e E, utiliza-das pelas suas propriedades de remoçãode espécies ativas hidrofílicas e lipofíli-cas, respectivamente, foi benéfica paragestantes com fatores de risco para a PE.Porém, ensaios clínicos randomizadosque administraram as mesmas vitaminaspara pacientes com e sem fatores de riscopara PE demonstraram incidência seme-lhante ao grupo placebo, não havendo,assim, indicação de utilização profiláti-

ca das mesmas durante a gestação. Vale ressaltar que o estu-do que investigou gestantes com fatores de risco para PEregistrou maior número de recém-nascidos com baixo pesono grupo que recebeu o tratamento em comparação com oscontroles17.

Mediadores inflamatóriosSupõe-se que um dos possíveis mecanismos ligados à

gênese da PE ocorra devido à resposta inflamatória intra-vascular excessiva. Vários níveis de evidência corroboram ahipótese que a isquemia placentária contribui para a ativa-ção e disfunção endotelial sistêmica através de mediadoresinflamatórios.

Em nível celular, está relatada a ativação da respostainflamatória. Tanto granulócitos quanto monócitos encon-tram-se ativados na pré-eclampsia. Em humanos, constatou-se que os níveis plasmáticos de interleucina-6 (IL-6) e fa-tor de necrose tumoral alfa (TNF-α) estão aumentadosem pacientes com PE quando comparados aos controles.Observa-se que, em relação aos níveis de TNF-α, ocorreum aumento em torno de duas vezes; enquanto que, refe-rente à interleucina-6, o acréscimo é de três vezes com-parando-se com as gestantes normais. Também está des-crito aumento dos níveis de TNF-α no líquido amnióticode pré-eclâmpticas. Em outro estudo, foi relatado aumentodos níveis plasmáticos de IL-6 associados à molécula de ade-são vascular celular (VCAM), o que pode estar relacionadoao mecanismo de ativação leucocitária presente na doença.Esses achados foram confirmados em estudos mais recentese nas formas mais graves da doença; incluindo a síndrome

FIGURA 1

Potenciais mecanismos envolvidos na redução da perfusão útero-placentária e hipertensão arterial sistêmica.Modificado de Granger et al 9 .

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8 Hipertensão 2008; 11(1): 4–8

1. World Health Organization. World Health Report 2005 - make every mother andchild count. 2005 [capturado 2008 Jan 3] Disponível em: http://www.who.int/whr/2005/en/index.html.

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Referências bibliográficas

HELLP, caracterizada por hemólise, aumento das enzimashepáticas e plaquetopenia.

Em estudos com modelos animais, existem evidênciassugerindo a participação das citocinas pró-inflamatórias comomediadoras do aumento da pressão arterial. A infusão de in-terleucina-6 em ratas prenhes induziu aumento da pressão ar-terial e atenuação das adaptações hemodinâmicas renais. Alémdisso, constatou-se aumento dos níveis de IL-6 em ratas sub-metidas à redução da perfusão uterina quando comparadas aoscontroles18.

Assim, observamos que houve progresso na investigaçãoda fisiopatologia da doença hipertensiva ligada à gestação,especialmente em relação à PE. No entanto, os mecanismos

que levam à doença não estão completamente elucidados, prin-cipalmente no que diz respeito à interação materno-fetal e naconexão entre a síndrome placentária e a síndrome maternasistêmica.

Apesar dos avanços na investigação dessa doença aindanão terem se traduzido em estratégias clínicas mais efetivaspara o seu manejo, a elucidação desses mecanismos deve ofe-recer novas abordagens no futuro. Observando os limites éti-cos, podemos projetar que novas opções envolvendo media-dores endoteliais, fatores de crescimento vascular e placentá-rio, bem como mediadores inflamatórios farão parte do arse-nal terapêutico utilizado naquele que permanece sendo um dosmaiores desafios médicos atuais.

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MÓDULO TEMÁTICOHipertensão e gravidez:fisiopatologiaHypertension and pregnancy: pathophysiology

Maria Rita de Figueiredo Lemos Bortolotto*Médica Assistente da Clínica Obstétrica doHospital das Clínicas da FMUSP

Luiz Aparecido BortolottoMédico Assistente da Unidade de Hipertensão doInCor – Instituto do Coração do Hospital dasClínicas da FMUSP

Marcelo ZugaibProfessor Titular do Departamento de Obstetríciada Faculdade de Medicina da USP

Palavras-chave: hipertensão arterial, pré-eclampsia,gravidez, fisiopatologia, placenta, endotélio.Key words: hypertension, pre-eclampsia, pregnancy,pregnancy complications, placenta, endothelium.

Autores:

*Endereço para correspondência:Av. Dr. Enéas Carvalho de Aguiar, 25505403-900 – São Paulo – SPTel.: (11) 3069-6209E-mail: [email protected]

Resumo

A hipertensão arterial na gravidez é uma das principaiscausas de morbidade e mortalidade materna e perinatal. Estarevisão aborda os principais mecanismos presentes na fisio-patologia da pré-eclampsia, que tem origem no desenvolvi-mento anormal da placenta. Como conseqüência dessa alte-ração ocorre resposta inflamatória, associada a disfunção en-dotelial e vasoconstrição, responsáveis pelas principais re-percussões clínicas maternas.

Abstract

Hypertension is one of the main causes of maternal andfetal morbidity and mortality. This article reviews themechanisms in pathophysiology of pre-eclampsia, amultisystem disorder that arises after abnormal developmentof placenta, leading to vasoconstriction and endothelialdysfunction, responsible for the main clinical presentations ofthis disease.

Recebido em 29/01/2008. Aceito em 21/02/2008.

As síndromes hipertensivas são responsáveis por grandeparte das complicações maiores observadas na assistência àsgestantes e puérperas, sendo responsáveis por altos índices demortalidade materna. Da mesma forma, as síndromes hiper-tensivas são responsáveis por expressivos índices de morbida-de e mortalidade em relação ao produto da concepção, sejapor alterações do fluxo placentário determinadas pela doençaou seu tratamento, seja ainda pela prematuridade terapêuticarelacionada à interrupção precoce da gestação nas formas gra-ves dessas patologias1.

As síndromes hipertensivas compreendem a hipertensãoarterial crônica (HAC) e a doença hipertensiva específica dagravidez (DHEG)1. A hipertensão arterial crônica é definidacomo a hipertensão arterial sistêmica anterior à gravidez, ouainda detectada antes da 20a semana. O termo inclui tambéma hipertensão essencial latente, que pode ser identificada pelaprimeira vez durante a gravidez1.

A DHEG divide-se em pré-eclampsia e eclampsia. A pré-eclampsia (ou ainda toxemia gravídica) é definida como odesenvolvimento de hipertensão arterial, edema e/ou protei-núria (igual ou superior a 300 mg em urina de 24 horas) ocor-rendo após a 20a semana de gestação (excetuando-se os casos

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de moléstia trofoblástica gestacional, única situação em quese admite o aparecimento da pré-eclampsia antes desse perío-do). Algumas classificações utilizadas em outros serviços exi-gem a presença de proteinúria para que seja firmado o diag-nóstico de DHEG3. Muitas vezes, entretanto, o aparecimentodo edema e a elevação dos níveis pressóricos precedem o sur-gimento da proteinúria. Assim, a exigência da presença destedado laboratorial muitas vezes atrasa o diagnóstico e dificultaa tomada de decisões pertinentes.

Estudos norte-americanos relatam que a hipertensão ar-terial crônica afeta de 1% a 5% das gestações2, observandoque a freqüência aumenta com o aumento da idade materna;já a doença hipertensiva específica da gravidez ocorre em 5%a 10% das gestações, com maior prevalência nos extremos daidade reprodutiva3. Dentre os casos atendidos pelo Setor deHipertensão Arterial da Clínica Obstétrica do HC-FMUSP foiobservado que 65% das pacientes do eram portadoras de hi-pertensão arterial crônica, 25% tinham DHEG e 10% dos ca-sos relacionavam-se a hipertensão crônica com DHEGsuperajuntada. As formas graves da DHEG, pré-eclampsiagrave e eclampsia foram observadas em, respectivamente,4% e 2% dos casos atendidos1.

Fisiopatologia

A fisiopatologia depende da entidade analisada, da cha-mada “hipertensão arterial crônica” ou da hipertensão re-lacionada à gravidez. No caso da hipertensão arterial sistê-mica prévia à gestação (ou detectada pela primeira vez naprimeira metade da gravidez), os mecanismos fisiopatoló-gicos são aqueles descritos para essa entidade fora do perí-odo gestacional.

A hipertensão dita primária ou essencial é responsávelpela maioria dos casos (93,2% dos casos na Clínica Obstétri-ca do HC-FMUSP). Dentre as gestantes portadoras de hiper-tensão arterial secundária, o diagnóstico mais comum foi o dedoença renal crônica (5,7%) e apenas 1,1% dos casos apre-sentaram outras causas (feocromocitoma, hipertensão reno-vascular, hiperaldosteronismo primário, coarctação de aorta)1.Nem sempre a paciente chega ao pré-natal com o diagnósticode hipertensão arterial secundária.

Fisiopatologia da doença hipertensiva específicada gestação

Os mecanismos que induzem ao aparecimento da doençahipertensiva ainda não estão totalmente esclarecidos. A pré-eclampsia é uma doença sistêmica, na qual estão envolvidosvasoconstrição, alterações metabólicas, disfunção endotelial,ativação da cascata da coagulação e resposta inflamatória au-mentada4. Na gênese dessas alterações estão envolvidos as-pectos imunológicos, genéticos, e placentação inadequada.Descreve-se incidência aumentada em primigestas, pacientescom história familiar de pré-eclampsia ou eclampsia, mulhe-res com pré-eclampsia anterior e aumento de massa trofoblásti-ca (gestação molar, triploidia fetal, hidropisia fetal não-imune,

gestação múltipla). Nesta última situação, a DHEG aparecena sua forma mais grave, em idade gestacional mais precoce,e com desfecho pior tanto para a mãe quanto para o concepto1.Há vários fatores predisponentes de pré-eclampsia que devemser reconhecidos para a prevenção e a melhor abordagem des-sas pacientes durante uma gestação. Além disso, a presençadesses fatores predisponentes permite um melhor reconheci-mento dos mecanismos fisiopatológicos envolvidos no desen-volvimento da pré-eclampsia. Na tabela 1 observamos os prin-cipais fatores predisponentes da pré-eclampsia5. Podemos no-tar que muitos dos fatores estão relacionados a alterações imu-nológicas, hematológicas e vasculares, sugerindo a participa-ção desses mecanismos no aparecimento da doença hiperten-siva específica da gestação. Em recente estudo6 prospectivorealizado na Noruega, envolvendo cerca de 3.000 mulheres, omaior risco de desenvolver pré-eclampsia foi associado a mai-ores níveis sangüíneos de triglicérides e colesterol, além de amaiores valores de pressão arterial observados antes do perío-do gestacional. Essas alterações poderiam facilitar a disfun-ção endotelial, reconhecidamente presente em mulheres quedesenvolvem pré-eclampsia.

Dentre esses fatores predisponentes, cabe uma mençãoespecial às trombofilias. Nos últimos anos vários estudos têmassociado a pré-eclampsia e outros eventos obstétricos ad-versos (abortamentos de repetição, perda fetal, descolamen-to prematuro de placenta) às trombofilias hereditárias e ad-quiridas7. No caso da pré-eclampsia, a correlação não foiobservada com a forma leve da doença, mas sim com asformas graves, precoces, em associação com a síndromeHELLP, ou com comprometimento fetal intenso (óbito fe-tal, insuficiência placentária grave). O mecanismo fisiopa-tológico envolvido seria a ocorrência de trombose e infartos

TABELA 1RISCO RELATIVO DE DHEG CONFORME A PRESENÇA

DE FATORES PREDISPONENTES

Fatores predisponentes para a doença RR (IC 95%)hipertensiva específica da gravidez

Idade materna ≥ 40 anos 1,96 (1,34–2,37)

Nuliparidade 2,91 (1,28 – 6,61)

Antecedente de DHEG 7,19 (5,85 – 8,83)

História familiar de DHEG 2,90 (1,70 – 4,93)

Hipertensão arterial preexistentePA diastólica ≥ 100 mmHg (< 20 semanas) 3,2 (1,7 – 7,8)PA sistólica ≥ 130 mmHg (< 18 semanas) 3,6 (2,0 – 6,6)

Doença auto-imune crônica 6,9 (1,1 – 42,3)

Síndrome dos anticorpos antifosfolípides (SAAF) 9,72 (4,34 – 21,75)

Diabetes pré-gestacional 3,56 (2,54 – 4,99)

IMC (índice de massa corpórea) > 30 antes da gravidez 2,47 (1,66 – 3,67)

Gestação múltipla 2,93 (2,04 – 4,21)

(Adaptado de Duckitt & Harrington, 2005)5

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placentários, iniciando o desenvolvimento da doença. Na pre-sença da síndrome dos anticorpos antifosfolípides, haveria ain-da a presença de fenômenos inflamatórios desencadeados pe-los anticorpos, com influência no remodelamento vascular doleito placentário8.

Recentemente, vem sendo proposto um mecanismo fi-siopatológico em dois estágios para a pré-eclampsia4,9:

• primeiro estágio – perfusão placentária reduzida, pro-vável raiz do problema;

• segundo estágio – expressa a síndrome materna dadoença hipertensiva específica da gravidez.

Alterações da perfusão placentária (figura 1)

Durante o desenvolvimento normal da placenta, as célu-las do citotrofoblasto invadem as arteríolas espirais uterinasmaternas provocando remodelamento vascular, com transfor-mação em vasos de grande capacitância e baixa resistência.Essas modificações atingem o endotélio e a camada médiamuscular das arteríolas espirais, com aumento da capacidadeluminal e diminuição à resposta às drogas vasoativas. No pro-cesso normal de invasão trofoblástica, há mudança da expres-são genética de adesão molecular do trofoblasto, de célulasepiteliais para células endoteliais, num processo chamado depseudovasculogênese. Neste processo estão envolvidos pro-dutos de genes relacionados à angiogênese, como o VEGF (vas-cular endothelial growth factor), angiopoietina, PlGF (placentalgrowth factor) e outros, e parece ser desencadeado pelo au-mento da tensão tecidual de oxigênio. Na pré-eclampsia o me-canismo de invasão citotrofoblástica das arteríolas espirais está

FIGURA 1

Alterações das arteríolas espirais uterinas na gravidez normal e na pré-eclampsia

deficiente, levando à perfusão reduzida e insuficiência pla-centária. Estudos in vivo e in vitro mostram que o trofoblastode pacientes com pré-eclampsia é incapaz de apresentar asmodificações das moléculas de adesão e pseudovasculogêne-se4,10.

Esse mecanismo depende da tensão tecidual do oxigê-nio, podendo sofrer influência de fatores imunológicos. A pla-centação normal requer equilíbrio da inibição e ativação dascélulas NK, mediado por fatores maternos e fetais. O pontode convergência dos mecanismos de invasão trofoblástica ina-dequada é a apoptose placentária. Entretanto, nem todas asmulheres com perfusão placentária inadequada desenvolvemDHEG. O remodelamento vascular inadequado também é ob-servado nas gestações com restrição do crescimento fetal eem alguns casos de trabalho de parto prematuro, mesmo semas manifestações maternas de pré-eclampsia. Acredita-se quea perfusão placentária insuficiente deve interagir com fatoresmaternos para resultar em DHEG. Esses fatores são genéti-cos, ambientais ou comportamentais, e sofrem influência dasmodificações fisiológicas da gravidez, em particular a res-posta inflamatória aumentada1,4,9.

Os fatores genéticos ligados à pré-eclampsia vêm atra-indo atenção há décadas. Chesley já havia observado maiorocorrência dessa doença em filhas de mulheres com eclamp-sia; a freqüência de pré-eclampsia é duas a cinco vezes maiorem mães, filhas, irmãs e netas de mulheres afetadas do queem população controle1. Estudos genéticos concluem, mes-mo com limitações das populações analisadas, que há he-rança dominante com penetrância variável ou herança mul-tifatorial11. Entretanto, parece haver importância também

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dos genes paternos. Outros polimorfismos genéticos tambémforam observados em mulheres com pré-eclampsia, como osque regulam as trombofilias, metabolismo lipídico e de ácidofólico, estresse oxidativo e componentes do sistema renina-an-giotensina-aldosterona, embora muitas vezes os resultados dosdiversos estudos a respeito dessas influências sejam inconsis-tentes1,9,11.

Síndrome materna da DHEG

O termo “síndrome” é importante, uma vez que esta doen-ça não se limita à tríade hipertensão-edema-proteinúria. Existeenvolvimento de vários órgãos, com evidência de perfusão di-minuída em supra-renais, fígado, rins, cérebro, endocárdio. Avasoconstrição é a base das manifestações clínicas da pré-eclampsia; existe reatividade vascular aumentada a qualqueragente vasoconstritor1,9.

A pré-eclampsia leva à redução da perfusão renal, acarre-tando diminuição no fluxo plasmático renal efetivo (em até 20%)e na taxa de filtração glomerular (em 32%), redução que podeser ainda maior nos casos de doença grave. Os níveis de uréia ecreatinina podem estar aumentados (embora quase sempre per-maneçam na faixa de normalidade para o período não-gravídico).Observa-se aumento da concentração sérica de ácido úrico, ex-plicado por menor filtração glomerular e maior reabsorção tu-bular. Este aumento da uricemia tem relação proporcional à gra-vidade da doença e está relacionado a pior prognóstico fetal,mesmo na ausência de proteinúria. Em casos mais graves deDHEG a vasoconstrição e a hipovolemia podem provocar le-

sões em túbulos renais, chegando a evoluir para necrose tu-bular aguda. Nos rins o achado patognomônico é a glomeru-lose endotelial (com importante edema das células endoteli-ais glomerulares, suficiente para provocar oclusão capilar).Este achado não é encontrado em nenhuma outra forma dedoença hipertensiva1,9.

No fígado, a vasoconstrição produz, nos casos leves (amaioria dos casos), lesões parenquimatosas leves, com de-posição de fibrina no espaço periportal (subendotelial), ouainda sem lesões histológicas. Nos casos graves, podem ocor-rer infartos, necrose e hemorragia intraparenquimatosa, che-gando a distensão e rotura da cápsula de Glisson, com he-morragia maciça, geralmente fatal9,11.

Além do vasoespasmo, a perfusão também diminui àscustas de microtrombos (formados a partir da ativação dacascata da coagulação) e da perda de fluido para o espaçoextravascular (decorrente da lesão endotelial e redução dapressão coloidosmótica)1.

Na gravidez normal existe predominância das substân-cias vasodilatadoras, devido ao aumento das prostaciclinas(PGI2) e óxido nítrico, produzidos pela parede dos vasos,sobre a ação vasoconstritora e agregadora plaquetária dotromboxano (TXA2), normalmente produzido pelas plaque-tas. Disto decorre a vasodilatação generalizada e o compor-tamento refratário à infusão de substâncias vasoconstritoras(como a angiotensina II). Vasoconstrição, ativação da casca-ta de coagulação e lesão endotelial foram encontradas emmulheres com pré-eclampsia antes das manifestações clíni-cas da doença1,4,9,11.

FIGURA 2

Alterações fisiopatológicas da DHGE

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Referências bibliográficas

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Não existe consenso a respeito da fisiopatologia das con-vulsões da eclampsia. As alterações vasculares decorrentes do

vasoespasmo e lesão endotelial são responsáveis pela encefa-lopatia hipertensiva, microinfartos, hemorragias puntiformese edema cerebral11,12.

A figura 2 descreve as alterações decorrentes do vasoes-pasmo arteriolar nos diversos sistemas afetados pela pré-eclampsia.

Conclusão

Ainda que a etiologia da doença hipertensiva específicada gestação não esteja definida, os principais mecanismos en-volvidos na sua fisiopatologia começam a ser desvendados. Oconhecimento destas alterações é importante não só para o en-tendimento das diversas manifestações clínicas da pré-eclamp-sia, como também para a abordagem adequada dessas pacientes,visando redução das complicações maternas e fetais.

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14 Hipertensão 2008; 11(1): 14–17

C Hipertensão renovascularcausada por aneurismasbilaterais em artériasrenais (AAR)Renovascular hypertension caused by bilateralrenal artery aneurysms (RAA)

CASO

LÍNICO

*Endereço para correspondência:Faculdade de Ciências Médicas deSorocaba – PUC-SPPraça Dr. José Ermírio de Moraes, 29018030-230 – Sorocaba – SPE-mail: [email protected]

Financiado pela Comissão de Pesquisa daPUC-SP.Recebido em 16/11/2007.Aceito em 07/01/2008.

Comentários:

Cibele Isaac Saad Rodrigues*Professora Titular da Disciplinade Nefrologia da Faculdade deCiências Médicas de Sorocaba –PUC-SP, Mestre e Doutora emNefrologia pela UNIFESP, DiretoraGeral do CCMB da PUC-SP

Ronaldo D’AvilaProfessor Assistente-Doutor daDisciplina de Nefrologia daFaculdade de Ciências Médicasde Sorocaba – PUC-SP, Mestre eDoutor pela UNIFESP

Pedro Luis Dutra MegaleMédico Cardiologista do MedcorSorocaba

Enio Márcio Maia GuerraAuxiliar de Ensino da Disciplina deNefrologia da Faculdade de CiênciasMédicas de Sorocaba – PUC-SP

Ricardo A. de Miranda CadavalProfessor Associado da Disciplina deNefrologia da Faculdade de CiênciasMédicas de Sorocaba – PUC-SP,Mestre e Doutor pela UNIFESP

Fernando Antonio AlmeidaProfessor Titular da Disciplina deNefrologia da Faculdade de CiênciasMédicas de Sorocaba – PUC-SP,Doutor em Nefrologia pela UNIFESP

ResumoAneurisma de artéria renal (AAR) é uma rara malformação vascular e a literatura é

pobre sobre essa forma de hipertensão arterial renovascular. Nós apresentamos o caso deuma paciente feminina, branca, de 46 anos de idade, que estava sendo investigada comoportadora de hipertensão resistente. Detectaram-se aneurismas de ambas as artérias renaise considerou-se a realização de tratamento endovascular. Neste artigo discutimos os sinto-mas clínicos, os procedimentos diagnósticos e o seguimento da paciente. Hipertensão reno-vascular (secundária) devida a AAR é resumidamente revisada. Os AARs são entidades po-tencialmente curáveis e dispomos de várias e boas opções para sua correção, como a esco-lhida neste caso.

AbstractRenal artery aneurysm (RAA) is a rare vascular malformation and the literature lacks

satisfactory general information about this form of renovascular hypertension. We present acase of a 46 year old white female patient who was being investigated for resistant hypertension.It was found aneurysms of both renal arteries and endovascular treatment was considered.The clinical symptoms, the diagnostic procedures and the follow up are all discussed in thisarticle. Renovascular (secondary) hypertension caused by RAA is briefly reviewed. RAA is apotentially curable entity and there are many good options for its correction, like the onechosen in this case.

Palavras-chave: artéria renal, aneurisma, hipertensão renovascular, tratamento endovascular.Key words: renal artery, aneurysm, renovascular hypertension, endovascular treatment.

Identificação

M. J. S., 46 anos, sexo feminino,casada, doméstica, católica, natural eprocedente de Taboão da Serra (SP).

Queixa principalEm junho de 2005 veio encaminhada

ao consultório de um dos autores (PDM)para diagnóstico e controle da pressãoarterial (PA). Na época queixava-se de ce-faléia freqüente desde os 26 anos de ida-de, ocasião em que soube ser hipertensa.

Dados da história obtidos doprontuário do consultório

Em 2005 referia saber ser portado-ra de hipertensão arterial sistêmica (HA)

havia 20 anos, descoberta ao procurar aten-dimento médico por cefaléia occipital fre-qüente, de forte intensidade, que pioravaquando a PA aumentava. Além disso, quei-xava-se de dispnéia aos médios esforços.Referia uso de dieta hipossódica e terapêu-tica farmacológica com hidroclorotiazida25 mg/dia, enalapril 40 mg/dia e amlodi-pina 10 mg/dia regularmente e sem suces-so. Atualmente apresenta apenas as quei-xas já relatadas de cefaléia e dispnéia.

Negava o uso de outros fármacosque pudessem interferir no controle pres-sórico.

Antecedentes pessoaisObesidade havia 20 anos. Não tem

filhos.

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Fatores de risco cardiovascular eantecedentes familiares

Não sabia ser diabética, referia se-dentarismo e negava tabagismo ou eti-lismo. História familiar positiva de HA(4 irmãos), a mãe faleceu no parto e opai era hipertenso e havia falecido porinfarto aos 62 anos.

Lesões em órgãos-alvo• Negava outros sintomas cardiovascu-

lares.• Não referia alterações urinárias ma-

croscópicas ou no ritmo da diurese.

Exame físico• Brevilínea; bom estado geral; orien-

tada; mucosas coradas; hidratada;eupnéica; afebril. Tireóide normal àpalpação.

• Aparelho cardiovascular: pulsos pe-riféricos e carotídeos palpáveis e si-métricos bilateralmente. Ictus palpá-vel no 5o EICE, na LHCE, duas pol-pas digitais. Coração rítmico, a doistempos, sem sopros. Ausência de es-tase jugular pulsátil.

• Pressão arterial (aferida com mangui-to apropriado) e freqüência cardíaca:- Posição sentada: PA = 174/112

mmHg (membro superior direito)e 176/112 mmHg (membro supe-rior esquerdo). Freqüência cardía-ca = 92 batimentos por minuto.

- Posição ortostática: PA = 176/110mmHg. Freqüência cardíaca = 96batimentos por minuto.

• Peso = 66 kg; altura = 1,49 m; IMC= 29,7 kg/m2; relação cintura/quadril(C/Q) = 0,92.

• Aparelho respiratório: pulmões lim-pos.

• Abdome: flácido, globoso, indolor àpalpação, sem visceromegalias, semsopros.

• Exame neurológico: normal.• Membros inferiores: sem edemas.• Fundoscopia: KW 2.

Foram solicitados exames e associo-se nadolol 80 mg/dia. No retorno trouxe:Exames Laboratoriais• uréia = 42 mg/dL,• creatinina = 0,9 mg/dL,• potássio = 3,8 mEq/L,• glicemia = 79,0 mg/dL,• Htc = 40%,

• Hb = 13,1 g/dL,• colesterol total = 217 mg/dL,• HDL-colesterol = 63 mg/dL,• LDL-colesterol = 133 mg/dL,• triglicérides = 101 mg/dL.• ácido úrico = 6,0 mg/dL,• depuração de creatinina calculada

(equação de Cockcroft - Gault) = 81,3mL/min,

• exame de urina: normal,• TSH = 0,96 µUI/mL (valor normal =

0,5 a 5,1 µUI/mL),• metanefrinas urinárias (amostra iso-

lada) = 0,77 mg/g de creatinina (va-lor normal até 1,0 mg/g creatinina).

Eletrocardiograma: ritmo sinusal,FC = 62 bpm, alterações da repolariza-ção ventricular.

Ecocardiograma: sinais de hipertro-fia concêntrica ventricular esquerda edisfunção diastólica, com septo IV = 12mm e parede posterior = 12 mm. Fraçãode ejeção = 77%.

Ultra-som renal e de vias urinárias:rins direito e esquerdo de tamanhos nor-mais; espessura do córtex bilateral = 1,5cm, contornos regulares. Doppler de ar-térias renais: sugestivo de estenose bi-lateral em região proximal das artériasrenais, porém com visualização prejudi-cada por artefatos técnicos. Velocimetrianão-realizada.

Evolução

A paciente retornou após repetir UScom doppler, não se obtendo, novamen-te, visualização das artérias renais comnitidez. Com esses resultados e apresen-tando ainda mau controle pressórico,optou-se pela realização de angioresso-nância de artérias renais, que evidenciouartéria renal direita sem estenose e arté-ria renal esquerda mal visualizada porartefato no movimento respiratório.

A paciente concordou em realizaraortografia e arteriografia renal bilate-ral que mostraram, aorta de contornosregulares e calibre preservado; artériasrenais pérvias, com ausência de lesõesestenosantes; nefrograma bilateral e si-métrico. A opacificação das artérias re-nais se faz por artérias únicas (figura 1).Dilatações aneurismáticas das artérias

renais bilateralmente podem ser visuali-zadas nas figuras 2 e 3, sendo a maior àD (2 cm) e menor à E (1,6 cm).

A artéria renal direita foi escolhidapara o primeiro procedimento de embo-lização por apresentar aneurisma sacu-lar de 2,0 cm na porção intraparenqui-matosa, o que se deu com acesso retró-grado pela artéria femoral comum D eutilização de oito molas de liberação con-trolada (figura 4). Dois meses depois, uti-lizando-se microcateter e mesma via deacesso, procedeu-se a embolização daartéria renal esquerda com sete molas,sendo cinco 3 D e duas espiraladas (fi-gura 5). O controle pós-procedimento emambas as ocasiões mostrou-se de bomaspecto, com preservação da perfusãorenal. A paciente não apresentou inter-corrências. A pressão arterial aferida naúltima consulta foi 110/80 mmHg naposição sentada e a freqüência cardíaca,64 bpm.

Discussão

Trata-se de paciente com diagnós-tico inicial de hipertensão arterial grave,estágio 3, resistente à múltipla terapiaanti-hipertensiva, com classificação derisco muito alto, segundo as V Diretri-zes Brasileiras de Hipertensão Arterial1.O diagnóstico etiológico de HA secun-dária foi considerado, a despeito de suahistória familiar e da presença de sobre-peso porque ela iniciou os sintomas aos26 anos, sem uso de medicamentos oudrogas que pudessem interferir no con-trole pressórico, havendo indícios de boaadesão ao tratamento sem obtenção deresposta terapêutica satisfatória. Os exa-mes ultra-sonográficos com doppler deartérias renais não afastaram a suspeitaclínica de HARV, visto que mesmo emduplicata foram inconclusivos tecnica-mente, possivelmente devido à obesida-de e/ou devido ao observador.

O próximo passo, como preconiza-do nas Diretrizes1, consistiria na solici-tação de angiografia por ressonânciamagnética, que se mostrou igualmenteineficaz. Com isso, foi indicada aorto-grafia e arteriografia renal bilateral, op-tando-se pela não-realização de cintilo-grafia renal com captopril. O achado ar-teriográfico evidenciou tratar-se de um

s

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caso raro de aneurisma bilateral de arté-rias renais, embora a paciente em telaexibisse fatores essenciais predisponen-tes à resistência ao tratamento: obesida-de, sedentarismo, além de importantehistória familiar de HA e doença cardio-vascular. A obediência à seqüência corretade investigação etiológica mostrou-se bas-tante compensatória. Deve-se ressaltar, en-tretanto, especialmente em relação aos pa-cientes com peculiaridades semelhantes àsdo caso em questão referenciados a cen-tros especializados, que se deve proce-der à investigação da possibilidade dedoenças causadoras de HA secundária2.

A probabilidade de hipertensão re-nal, principal causa de HA secundária,foi facilmente afastada, pois a funçãorenal e a urina tipo I estavam normais.Outras causas de hipertensão arterial se-cundária foram descartadas pela clínicaassociada aos exames laboratoriais. Asegunda causa mais freqüente de HAsecundária é a hipertensão renovascularpor estenose significativa de artéria re-nal. A angiografia ainda se constitui nopadrão ouro para diagnóstico, mas uma

história clínica cuidadosa e procedimen-tos menos invasivos devem sempreprecedê-la. Finalmente, em posse do re-sultado da arteriografia foi possível de-cidir por procedimento endovascular emconjunto com a equipe de cirurgia.

Concluindo, trata-se de um caso dehipertensão arterial secundária a aneu-rismas de ambas as artérias renais. Aembolização das mesmas resultou emcontrole da PA, já que a paciente estáatualmente em uso de apenas duas dro-gas anti-hipertensivas (diurético tiazídi-co e inibidor da enzima conversora daangiotensina).

O primeiro relato de aneurisma deartéria renal (AAR) foi realizado em17703. Sua incidência na população ge-ral é tema de controvérsia na literatura.Assim, Than et al4, estudando 8.525angiografias, encontraram 83 casos deaneurisma, correspondendo a uma inci-dência aproximada de 1%. Já os estudosde autópsia revelaram uma taxa variávelentre 0,01 % e 0,09%3. Dentre os aneu-rismas viscerais, os aneurismas de arté-rias renais perfazem um total de 22%5.

Podem ser classificados, em ordem defreqüência, em saculares, fusiformes, dis-secantes e intra-renais. O tipo mais co-mum é, sem dúvida, o sacular (60–90%)6.Acometem homens e mulheres na mes-ma proporção, exceto quando se associ-am à displasia fibromuscular, ocasião emque são mais comuns em mulheres bran-cas e jovens, na modalidade fusiforme.Aproximadamente 75% dos aneurismasde artéria renal saculares têm menos de5 cm de diâmetro, sendo a doença ate-rosclerótica o fator etiológico mais co-mum7, podendo neste caso estar asso-ciada também a doença coronariana, ce-rebrovascular, insuficiência renal crôni-ca e claudicação de intensidade e grauvariáveis8.

Em geral, os AAR são localizadosem bifurcações primárias ou secundáriasfora do parênquima renal, sendo a ocor-rência intra-renal inferior a 10%. A dila-tação aneurismática pode originar-se ain-da de arterite, displasia fibromuscular outrauma. Na maioria das vezes são devi-dos à degeneração da camada média comfragmentação da lâmina elástica9.

FIGURAS

Figura 1 Figura 2 Figura 3

Figura 4 Figura 5

Figura 1.Aortografia e arteriografia renal bilateral

Figura 2.Arteriografia seletiva da artéria renal direita

Figura 3.Arteriografia seletiva da artéria renal esquerda

Figura 4.Artéria renal direita pós-embolização

Figura 5.Artéria renal esquerda pós-embolização

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Os AAR são comumente assintomá-ticos, mas podem ocorrer complicações,como expansão, ruptura ou embolia detrombos do aneurisma e infarto renal. Écontroversa a relação entre hipertensãorenovascular e a presença de aneurismade artéria renal, embora a hipertensãoarterial seja considerada um achado re-lativamente comum entre os pacientesacometidos por AAR. Dados de litera-tura demonstram que essa associaçãoocorre em 55% a 91% dos casos9. O au-mento pressórico pode contribuir paraformação e expansão do AAR ou, inver-samente, ser decorrente da presença domesmo. As dilatações aneurismáticas po-derão determinar diminuição do fluxosangüíneo renal e conseqüente hiperten-são renina-dependente por meio de vári-os mecanismos: compressão ou torção doramo arterial contíguo ao aneurisma,trombose ou microembolização distal,alteração na circulação sangüínea devi-do à presença do aneurisma na artériarenal, formação de fístula arteriovenosaou aneurisma seguido de estenose focalno segmento arterial acometido9. Habi-tualmente, a hipertensão é pouco respon-siva à terapia farmacológica10, porém os

pacientes hipertensos freqüentementeapresentam significativa redução dos ní-veis pressóricos após a aneurismecto-mia9.

A indicação de tratamento cirúrgi-co é motivo de debate entre os cirurgiõesvasculares. Aparentemente devemos in-tervir quando os pacientes são sintomá-ticos (dor intensa em flanco e hematú-ria), com suspeita de expansão do aneu-risma. Têm indicação consensual de re-paro cirúrgico11–13 os aneurismas que pro-voquem estenose arterial renal, na pre-sença de trombo, ou quando o aneuris-ma é assintomático com diâmetro igualou maior que dois centímetros, sem cal-cificação da parede. É de indicaçãocirúrgica o aneurisma, mesmo assinto-mático, nas mulheres em período fértil,haja vista que a gravidez aumenta muitoo risco de sua ruptura. O tratamento clás-sico consiste na aneurismectomia e re-construção vascular renal. Em caso deruptura, o risco de nefrectomia parcialou total é maior. A reconstrução arterialrenal pode ser feita in situ utilizando-seveia safena ou artéria ilíaca interna, ouex vivo para lesão mais complexa e noscasos de doador renal. Nos aneurismas

intraparenquimatosos as opções de corre-ção são o uso de stents revestidos, endo-próteses ou mesmo a nefrectomia parcial.

A terapia endovascular tem sidocada vez mais utilizada nos últimos anospor ser menos invasiva, enquanto a ci-rurgia apresenta uma taxa de mortalida-de entre 0% e 4%12,13. As técnicas percu-tâneas incluem o uso de agentes emboli-gênicos, como molas e micromolas (quepodem servir como uma matriz paraagentes coagulantes, como as colas);balões oclusivos para o preenchimentodo aneurisma ou para a oclusão proxi-mal e distal da artéria nutriz; e as endo-próteses recobertas, que ocluem o fluxoao aneurisma preservando a artéria re-nal. O objetivo final é a exclusão aneu-rismática com manutenção máxima deparênquima renal funcional e prevençãode mortalidade14,15,16.

Nota: Os autores informam que os pro-cedimentos endovasculares foram reali-zados no Dr. Ghelfond Diagnóstico Mé-dico pelos médicos Gustavo José PolitzerTelles e Gabriel Santos Novaes, aos quaisagradecemos as imagens.

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Miguel GusFlávio D. Fuchs*Divisão de Cardiologia do Hospital deClínicas de Porto Alegre,Universidade Federal do Rio Grande do Sul

Leila B. MoreiraDivisão de Farmacologia do Hospital deClínicas de Porto Alegre,Universidade Federal do Rio Grande do Sul

Palavras-chave: hipertensão, doença cardiovascular,gravidez.Key words: hypertension, cardiovascular disease,pregnancy.

EPIDEMIOLOGIAHipertensão associada agestação e risco cardiovascularAssociation between hypertensive pregnancy and cardiovascular risk

Autores:

*Endereço para correspondência:Serviço de CardiologiaHospital de Clínicas de Porto AlegreRua Ramiro Barcelos, 2.35090035-903 – Porto Alegre – RSTelefax: (51) 3316-8420E-mail: [email protected]

Financiado pelo CNPq, FAPERGS.Recebido em 16/01/2008. Aceito em 18/02/2008.

Resumo

Evidências epidemiológicas demonstraram que hiperten-são associada a gestação é um novo fator de risco cardiovas-cular especificamente relacionado ao gênero. Os mecanismosque poderiam explicar a influência de eventos remotos, comodoenças hipertensivas da gestação e a ocorrência de eventoscardiovasculares posteriores, são complexos e, provavelmen-te, multifatoriais. Muitos fatores de risco, tais como obesida-de, hipertensão, resistência insulínica, disfunção endotelial,hiperglicemia e dislipidemia são comuns a pré-eclampsia epatologias cardiovasculares. Mulheres que informam um even-to hipertensivo na gestação devem ser monitoradas de formamais intensa quanto à prevenção cardiovascular e, especial-mente, em relação à incidência e severidade de hipertensão.

Abstract

Epidemiological data have shown that hypertension inpregnancy is an emerging sex-specific risk factor for cardio-vascular disease (CVD). Large population-based cohortstudies have shown a significant association betweenhypertensive pregnancy disorders with the incidence of car-diovascular disease. The underlying mechanism for the remoteeffects of preeclampsia or other pregnancy hypertensivedisorders is complex and probably multifactorial. Many riskfactors are shared by CVD and preeclampsia, includingendothelial dysfunction, obesity, hypertension, hyperglycemia,insulin resistance, and dyslipidemia. Women who recall ahypertensive disorder in a remote pregnancy may deserve acloser monitoring for hypertension and cardiovascular diseaseprevention.

A maioria dos fatores de risco para hipertensão, tais comoobesidade, aumento da ingestão de sal ou álcool, são comunsa homens e mulheres. Evidências clínicas indicam que fatoresdiretamente relacionados ao gênero podem ter importantesimplicações clínicas na avaliação de indivíduos hipertensos.Mulheres em uso de anticoncepcional oral têm um risco sig-nificativamente maior de aumento na pressão diastólica e piorcontrole pressórico, independentemente da idade, peso ou usode agentes anti-hipertensivos1,2. As gestantes, igualmente, cons-tituem grupo potencialmente exposto a riscos, tais como a hi-pertensão induzida pela gestação3. Hipertensão associada agestação é uma das complicações mais comuns da gestação e

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é a principal causa de mortalidade materna4. A hipertensãoocorre em 10% das gestações, tendo maior prevalência entreas primíparas4,5. Hipertensão na gestação engloba um espec-tro de diferentes condições clínicas que podem ser classifica-das em pré-eclampsia/eclampsia, hipertensão crônica, pré-eclampsia superimposta em mulher previamente hipertensa ehipertensão ocorrendo durante a gestação5. Em uma coortebrasileira de mulheres no segundo trimestre de gestação, 7,5%apresentaram distúrbios hipertensivos, sendo que em 2,3% foidiagnosticada pré-eclampsia ou eclampsia6.

Independentemente dos riscos do período gestacional, ahipertensão na gestação pode ter conseqüências futuras. Aassociação entre pré-eclampsia ou distúrbios hipertensivos dagestação com eventos cardiovasculares futuros, hipertensão emortalidade total tem sido demonstrada em diferentes estudoslongitudinais3,7. Estudo de coorte retrospectivo no Canadá,incluindo mais de um milhão de mulheres mostrou uma asso-ciação significativa entre síndromes placentárias, pré-eclamp-sia, hipertensão na gestação, descolamento prematuro de pla-centa ou infarto placentário com a incidência de doença car-diovascular (RR de 2,0, 95% IC: 1,7–2,2). O risco foi signifi-cativamente maior nas mulheres que apresentavam os tradici-onais fatores de risco cardiovascular7. Bellamy e colaborado-res, em metanálise de estudos prospectivos e retrospectivoscom mais de tres milhões de mulheres, também demonstra-ram associação positiva entre pré-eclampsia e doença corona-riana ou acidente vascular encefálico, após um seguimento de11,7 e 10,4 anos respectivamente. Em relação à incidência dehipertensão, igualmente foi encontrada uma associação posi-tiva (RR 3,70, IC 95% 2,70–5,05) após 14,1 anos de segui-mento. Análise incluindo apenas a hipertensão induzida pelagestação também mostrou tal associação positiva. Não se iden-tificou associação com o aumento de risco para câncer, mashouve associação com mortalidade total, 17 anos após o epi-sódio de pré-eclampsia (RR 1,49, IC 95% 1,05–2,14). O au-mento de risco para doenças cardiovasculares e da mortalida-de e a falta de associação entre doenças hipertensivas da ges-tação e a ocorrência futura de câncer sugerem uma relaçãoespecífica entre pré-eclampsia e doença cardiovascular3.

Os mecanismos que poderiam explicar a influência deeventos remotos, como doenças hipertensivas da gestação e a

ocorrência de eventos cardiovasculares posteriores, são com-plexos e, provavelmente, multifatoriais. Muitos fatores de ris-co, tais como obesidade, hipertensão, resistência insulínica,disfunção endotelial, hiperglicemia e dislipidemia são identi-ficados tanto na pré-eclampsia como nas patologias cardio-vasculares. Portanto, tem sido proposto que a síndrome meta-bólica seria o mecanismo comum entre pré-eclampsia e doen-ça cardiovascular5,8,9.

Considerando-se tais evidências, podemos concluir quemulheres com história de distúrbios hipertensivos na gestaçãodevem ser aconselhadas não somente quanto ao seu risco au-mentado de problemas recorrentes em gestações futuras, mastambém sobre os cuidados diante dos fatores de risco das doen-ças cardiovasculares5,8.

Infelizmente, a maioria das mulheres que procuram aten-dimento médico para avaliação de sua condição cardiovascu-lar desconhece as conseqüências de complicações hipertensi-vas que ocorreram em uma gestação remota. Os dados de his-tória são pobres e o médico é incapaz de identificar com exa-tidão qual distúrbio hipertensivo ocorreu durante o período degestação. Na maioria das vezes, mulheres questionadas sobrea ocorrência de hipertensão durante uma ou mais gestaçõessabem somente sobre a ocorrência, desconhecendo as condi-ções específicas.

Yawn e colaboradores estudaram o grau de concordânciaentre os dados de gestação contidos em prontuários e as infor-mações clínicas fornecidas por mulheres 10 a 15 anos após agestação10. Para pré-eclampsia/eclampsia foi descrito um graude concordância positiva e negativa de 51,6% e 96,9% respec-tivamente. A estatística kappa foi de 0,49 evidenciando umgrau regular de concordância. Portanto, a informação forneci-da pelas mulheres sobre um evento hipertensivo ocorrido hávários anos durante uma gestação pode ter significado clínicoquanto ao risco cardiovascular.

Em conclusão, a história de hipertensão arterial duranteuma ou mais gestações parece ser um fator de risco indepen-dente para doença cardiovascular e hipertensão. Acompanha-mento mais intenso e intervenção precoce sobre hipertensão eoutros fatores de risco cardiovascular parece justificado emmulheres que informam ter episódio de hipertensão associadaa gestação.

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6. GAIO, D.S.; SCHMIDT, M.I.; DUNCAN, B.B.; NUCCI, L.B.; MATOS, M.C.;BRANCHTEIN, L. Hypertensive disorders in pregnancy: frequency and associated factorsin a cohort of Brazilian women. Hypertens. Pregnancy, v. 20, n. 3, p. 269–281, 2001.

7. RAY, J.G.; VERMEULEN, M.J.; SCHULL, M.J.; REDELMEIER, D.A. Cardio-vascular health after maternal placental syndromes (CHAMPS): population-basedretrospective cohort study. Lancet, v. 366, p. 1797–1803, 2005.

8. HARSKAMP, R.E.; ZEEMAN, G.G. Preeclampsia: at risk for remote cardiovascu-lar disease. Am. J. Med. Sci., v. 334, p. 291–295, 2007.

9. POUTA, A.; HARTIKAINEN, A.L.; SOVIO, U.; GISSLER, M.; LAITINEN, J.;MCCARTHY, M.I.; RUOKONEN, A.; ELLIOTT, P.; JÄRVELIN, M.R. Manifestationsof metabolic syndrome after hypertensive pregnancy. Hypertension, v. 43, p. 825–831, 2004.

10. YAWN, B.P.; SUMAN, V.J.; JACOBSEN, S.J. Maternal recall of distant pregnancyevents. J. Clin. Epidemiol., v. 51, p. 399–405, 1998.

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Resumo

A medida da pressão arterial é um importante indicadorde avaliação da condição do paciente e tem poder preditivode avaliação de futuros eventos cardiovasculares e da saúdecomo um todo. Em muitas instituições de saúde os esfigmo-manômetros de coluna de mercúrio estão sendo retirados esubstituídos por aparelhos aneróides ou automáticos. As jus-tificativas para a substituição dos manômetros de coluna demercúrio, incluem os perigos do mercúrios e segurança nolocal de trabalho, além de eliminar erro do observador nocaso de uso de aparelhos automáticos. Porém, deve-se ter todaprecaução na seleção dos aparelhos. Será que os esfigmoma-nômetros de mercúrio são realmente perigosos quando em usoem ambiente hospitalar ou outros locais de saúde? Será queos manômetros aneróides e aparelhos automáticos podemsubstituir os de mercúrio?

Abstract

Blood pressure measurement is an important indicatorof the current clinical condition of patients and a powerfulpredictor of future cardiovascular and overall health. Inhealthcare institutions, mercury sphygmomanometers arebeing removed. In recent years, these mercury units have beenreplaced with aneroid instruments in many institutions andmore recently with electronic manometers. Justifications forthe replacement of mercury manometers have includedconcerns about the safety of mercury, concerns aboutregulations regarding the use of mercury in the workplace,and attempts to eliminate human error involved in the readingof measurements. There is a constant need for caution in theselection of blood pressure measuring devices. Are mercurymanometers dangerous to use in hospital and other clinicalsettings? Are aneroid or electronic instruments a reliablesubstitute for mercury manometers?

AVALIAÇÃO DA PRESSÃO ARTERIALOs esfigmomanômetros de colunade mercúrio devem ser eliminadosda prática clínica?Should be eliminated mercury sphygmomanometers in the clinical practice?

Josiane Lima de Gusmão,Luciane Cesira Cavagioni,Flávia C. Colósimo,Stael S. B. E. Silva,Talita Serafim,Gabriela de Andrade Toma,Angela M. G. Pierin*Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo

Palavras-chave: esfigmomanômetros, mercúrio, calibração.Key words: sphygmomanometers, mercury manometers,calibration.

Autores:

*Endereço para correspondência:Escola de Enfermagem da Universidade de São PauloAv. Dr. Enéas Carvalho de Aguiar, 41905403-906 – São Paulo – SPTel.: (11) 3061-7564E-mail: [email protected]

Financiado pelo CNPqRecebido em 31/10/2007. Aceito em 12/01/2008.

Introdução

O movimento para eliminar o uso de mercúrio na área dasaúde, no contexto nacional e internacional, recentemente temse expandido e agregado um número crescente de adeptos. No

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tocante aos esfigmomanômetros de coluna de mercúrio, ob-serva-se que em tal ação não se tem considerado a real impor-tância da utilização desses aparelhos e o que eles representampara a devida acurácia da medida indireta da pressão arterial.Diante dessas colocações o presente artigo tem como finali-dade discutir o assunto à luz das evidências sobre as contro-vérsias de uso dos aparelhos de coluna de mercúrio na medidada pressão arterial.

Esfigmomanômetro de coluna demercúrio

O esfigmomanômetro de coluna de mercúrio é utilizadona prática clínica há mais de 100 anos, desde sua criação porScipione Riva-Rocci em 18961,2. Entretanto, embora seja con-siderado padrão ouro para medida indireta da pressão arterial,3

há um movimento mundial para banir esses equipamentos dasinstituições hospitalares. Essa tendência não é justificada peloavanço tecnológico, que poderia ter tornado o mercúrio obso-leto, mas decorre de questões ambientais inerentes à toxicida-de do mercúrio4. Considerando esse aspecto, em 1995 O’Brien5

previu que a esfigmomanometria sofreria mudanças com a abo-lição do esfigmomanômetro de coluna de mercúrio, o que fa-cilitaria a introdução do kilopascal como unidade de medidapara pressão arterial. Na Europa, a Holanda e a Suécia já nãopermitem o uso de aparelhos de mercúrio em hospitais, recain-do a escolha nos aparelhos aneróides ou automáticos6.

Vale ressaltar, entretanto, que além da coluna de mercú-rio ser um equipamento fácil de ser manuseado, com rara ne-cessidade de reparo e validado em diversas situações clínicas,como na comparação com medida indireta da pressão arterial,7

a verificação de sua calibração é extremamente simples, sen-do efetuada por meio de inspeção visual do nível de mercúrioem relação à escala da coluna de vidro8. Se o menisco de mer-cúrio estiver no ponto de demarcação “zero”, o manômetroestá calibrado.

Nesse sentido, em 2001, a American Heart Associationpublicou uma carta9 defendendo o uso do esfigmomanômetrode coluna de mercúrio com base, principalmente, no fato denão existirem relatos de contaminação em decorrência de ex-posição acidental ao mercúrio desse equipamento. Esse docu-mento discute que o que há de fato são alguns poucos relatosde intoxicação de crianças por esse metal, decorrentes da que-bra de termômetros, geralmente em casa e não em ambientehospitalar. Não obstante, os modelos modernos dos esfigmo-manômetros de coluna de mercúrio impedem o derramamen-to acidental desse metal, o que elimina essencialmente a pre-ocupação com esta ocorrência rara. O artigo destaca tambémos seguintes pontos: em muitos locais de assistência à saúde, amedida da pressão arterial não ocupa lugar de destaque nosprocedimentos de avaliação de saúde; a eliminação dos esfig-momanômetros de coluna de mercúrio está sendo feita semconsiderar a real importância da fidedignidade dos valores dapressão arterial e pode acarretar riscos para a saúde; a substi-tuição por aparelhos aneróides incorre em aumento do erropela falta de calibração adequada que esses aparelhos impõem

e a opção pelos aparelhos eletrônicos recai sobre a validaçãodos mesmos. Acrescente-se ainda que a obtenção de valoresincorretos da medida da pressão arterial, quando superestima-dos, pode acarretar custos na vigência de tratamento desne-cessário, e na falta de identificação da hipertensão arterial,pela subestimação dos valores, privar as pessoas dos benefíciosdo tratamento, expondo-as aos riscos cardiovasculares ineren-tes ao quadro. Em relação aos aparelhos automáticos, deve-sesalientar que eles podem diminuir os erros do observador, taiscomo a preferência por dígitos terminais como “zero” e “cin-co” e determinação incorreta da pressão sistólica e diastólicade acordo com os sons de Korotkoff. Porém, não eliminamerros como inadequação entre a dimensão do manguito e ta-manho do braço do paciente, por erro do observador ou mes-mo porque os fabricantes dos aparelhos automáticos não ofe-recem multiplicidade de tamanhos de manguito, no máximo oque se observa é a disponibilidade de apenas dois manguitosalém do “padrão”. Dessa forma, em adultos com braços muitofinos, crianças e adolescentes, além dos grandes obesos, o usodos aparelhos automáticos pode ser dificultado.

Valler-Jones e Wedgbury10 sustentam que é possível usarsem problemas o esfigmomanômetro de coluna de mercúrio, desdeque haja treinamento dos profissionais que o manipularão.Nesse sentido, todos os cuidados no manuseio do aparelho demercúrio em situações normais e acidentes foram preconiza-dos e levados ao conhecimento de médicos e enfermeiros edemais profissionais no Reino Unido. As autoras discutem,inclusive, que em serviços que utilizam aparelhos automáti-cos, caso ocorra alguma falha desse equipamento, o aparelhode coluna de mercúrio deve ser utilizado para verificação dapressão arterial, uma vez que o método auscultatório da pres-são arterial ainda é considerado “padrão ouro”, desde que osprofissionais que realizam a medida estejam devidamente trei-nados e habilitados para medir corretamente a pressão arterial,com todos os cuidados inerentes à técnica.

Os esfigmomanômetros aneróides podemsubstituir os de coluna de mercúrio?

A tendência mundial de substituição de aparelhos de usomédico-hospitalar contendo mercúrio não pode ser ignorada ediversos aspectos devem ser discutidos, a começar pela indi-cação de substitutos para o esfigmomanômetro de coluna demercúrio. A utilização de outros equipamentos, como o esfig-momanômetro aneróide ou os equipamentos automáticos, émuito discutida em relação, principalmente, à calibração evalidação. Embora tanto o aparelho aneróide quanto o auto-mático tenham algumas vantagens, como fácil manuseio eportabilidade, poucos foram validados e têm sua calibraçãoverificada regularmente.

Parati et al.11 em recente editorial sobre o assunto, afir-mam que o manômetro de mercúrio tem estrutura simples ede fácil manutenção e a descalibração é raramente observada.A oxidação do mercúrio ocorre lentamente e, caso aconteça,sua substituição pode ser facilmente efetuada no reservatóriopor profissional habilitado para isso.

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Devido às crescentes preocupações com o meio ambientee a possibilidade de contaminação de pessoas que manuseiamo mercúrio, os aparelhos de coluna de mercúrio têm sido subs-tituídos pelo manômetro aneróide (cujo nome em grego signi-fica sem fluido). Entretanto, os manômetros aneróides sãofacilmente danificados e podem se descalibrar facilmente de-vido a choques cotidianos e mudanças ambientais relaciona-das ao uso diário, podendo levar à subestimação dos valoresmedidos. Nesse sentido, Turner et al.12 mostraram que esfig-momanômetros mal calibrados podem conduzir a erros signi-ficativos na prática clínica em relação à detecção da hiperten-são arterial. Esses autores realizaram uma simulação mate-mática por computador com uma população de 15 milhões depessoas adultas, mimetizando 17 mil esfigmomanômetros ca-librados e 17 mil descalibrados, considerando a variabilida-de da pressão arterial, com base em medidas reais. Todas asestimativas foram fundamentadas em dados de grandes estu-dos, o que permitiu a sistematização de todas as simulaçõesrealizadas. Foi mostrado que, com o aumento no número devisitas médicas, a proporção de erro no diagnóstico de hiper-tensão atribuída a esfigmomanômetros não-calibrados tam-bém aumentou. Após três consultas os esfigmomanômetrosdescalibrados deixaram de diagnosticar 20% de hipertensãosistólica e 28% de diastólica (PA > 140/90 mmHg). Além dis-so, esses equipamentos foram responsáveis pelo diagnósticoerrôneo de hipertensão em 15% das pressões sistólicas e 31%das pressões diastólicas. O modelo de pesquisa indicou queerros atribuídos a esfigmomanômetros descalibrados compro-metem mais a detecção da hipertensão em adultos jovens (18a 24 anos) e mulheres.

Apesar disso, dada a sua praticidade, os esfigmomanô-metros aneróides são os mais usuais na prática clínica no Bra-sil, sendo utilizados por 67,8% dos médicos entrevistados emestudo de abrangência nacional realizado por Mion et al.13

Nesse estudo, o uso de equipamentos automáticos foi menci-onado por apenas 1,8% dos médicos.

É evidente que a verificação periódica da calibração e amanutenção dos equipamentos de medida da pressão arterialdevem preocupar médicos e enfermeiros, pois eles são direta-mente responsáveis pelo diagnóstico correto de hipertensão eseu tratamento adequado. A calibração dos equipamentos demedida de pressão arterial deve ser verificada a cada seis me-ses, entretanto o estudo citado anteriormente mostrou que 32,3%dos médicos encaminhavam seus aparelhos para calibraçãoapenas quando apresentavam defeito, e 11,8% nunca o calibra-vam13. Nesse sentido, destaca-se que nos aparelhos aneróides adescalibração pode facilmente não ser percebida, pois o fatode o ponteiro do manômetro repousar no ponto “zero” não sig-nifica que o manômetro está calibrado.

Estudo, também realizado em nosso meio, avaliou as con-dições de calibração de 524 esfigmomanômetros e constatou-se que 60% dos aparelhos aneróides e 21% dos de coluna demercúrio estavam descalibrados14. Além da avaliação da cali-bração dos aparelhos, foram verificadas também as condiçõesda bolsa de borracha, extensões, pêra e válvula. Os resultadosmostraram que 51% dos aparelhos aneróides de uso privado e56% dos aparelhos de uso hospitalar estavam descalibrados.

Verificou-se que 70% e 51%, respectivamente, apresentaramdiferenças de 4 a 8 mm Hg. Os problemas nas bolsas e exten-sões de borracha do manguito, pêra e válvulas dos aparelhosde uso particular e hospitalar foram falta de integridade dabolsa, furos e envelhecimento dos tubos. Em suma, do totaldos aparelhos avaliados, 72% apresentaram pelo menos umproblema que interfere na precisão da medida da pressão arte-rial15.

Estudo semelhante realizado no Hospital Universitáriode Brasília avaliou 57 esfigmomanômetros aneróides e verifi-cou que 38,5% deles estavam inadequados à prática clínica,21% devido a defeitos físicos e 17,5% devido à descalibração,considerando os critérios do INMETRO. Quando se adotaramcritérios mais rígidos, como os do National Bureau of Standardse Association for the Advancement of Medical Instrumentation,o número de esfigmomanômetros inadequados para uso subiupara 47%16. Dados mais alarmantes foram encontrados porPalota et al. em estudo realizado em Ribeirão Preto – SP. Es-ses autores verificaram que 87,5% dos manômetros aneróidesde um hospital e 44% no ambulatório estavam descalibrados17.No quadro 1 são apresentados artigos identificados por con-sulta ao site PubMed, considerando os últimos 20 anos, queanalisaram a calibração de aparelhos de medida da pressãoarterial. Os resultados indicam que a magnitude de descali-bração dos aparelhos aneróides foi expressivamente superiorà dos aparelhos de coluna de mercúrio.

Os aparelhos automáticos podemsubstituir os de coluna de mercúrio?

Embora estudos mostrem que os aparelhos mais utiliza-dos na prática clínica sejam os aneróides13, os aparelhos auto-máticos vêm ganhando espaço no mercado em decorrência docrescente interesse do público leigo em adquirir um equipa-mento para realizar automedida da pressão em casa18. Alémdisso, as vantagens dos aparelhos automáticos somadas aomovimento de substituição dos aparelhos de coluna de mercú-rio constituem fatores que aumentam o interesse nesse tipo deequipamento.

Existem diversos modelos de aparelhos eletrônicos digi-tais disponíveis, com importante avanço tecnológico, masembora existam modelos validados para uso na prática clíni-ca, muitos ainda não passaram pelo processo de validação ounão foram aprovados19.

Estudo epidemiológico realizado pela EuropeanProspective Investigation into Cancer and Nutrition compa-rou aparelhos automáticos e aparelhos aneróides quanto aométodo de medida. Esse estudo mostrou que não houve dife-rença significativa entre as pressões sistólicas e pequena dife-rença (não-significativa) na pressão diastólica. Os autores con-cluíram que a magnitude do erro do aparelho automático foipequena comparada à do aneróide20. Por outro lado, Coe eHoughton21 compararam as pressões medidas com aparelhoautomático e com a coluna de mercúrio em 200 pacientes noatendimento de enfermagem pré-cirúrgico. Foi evidenciado queo equipamento automático hiperestimou a pressão sistólica em

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média 8,38 mmHg, enquanto subestimou a pressão diastólicaem 1,68 mmHg, em média. Esses autores verificaram aindaque 6,5% dos pacientes tiveram diagnóstico errôneo de hiper-tensão pelo aparelho automático, o que poderia considerá-losinaptos à realização da cirurgia.

No aparelho automático oscilométrico, a medida se ini-cia com a inflação do manguito a um nível acima da pres-são sistólica, e avaliando-se a sua oscilação é calculada apressão arterial. Os aparelhos oscilométricos automáticospodem ser uma alternativa para a verificação da pressãoarterial, desde que precisos e devidamente validados comas normas de funcionamento editadas pela British Hyperten-sion Society e a Association for the Advancement of MedialInstrumentation20.

Estudo realizado por O’Brien, em 2001, que teve comoobjetivo rever os equipamentos de pressão que foram dire-cionados para a compra, juntamente com a União Européiae organizações internacionais especialistas em hipertensãorecomendam, com unanimidade, que todos os equipamen-tos que realizam a medida da pressão arterial sejam valida-dos de forma independente antes de chegarem ao mercado.Isso iria ajudar a expandir os procedimentos de validação, epermitiria mais centros de validação, que assim estariam maisaptos a ter todo o seu equipamento validado antes de saíremdo mercado18.

Os aparelhos de pulso possuem uma técnica recente quetem sido usada para medir a pressão acima da artéria radial no

pulso, mas esses equipamentos não são exatos se no momentoda medida não estiverem na altura do coração18. Além do que,médicos desencorajam o uso desses equipamentos, emborasejam mais confortáveis aos pacientes e alguns tenham sidovalidados. Geralmente são menos confiáveis que os utiliza-dos no antebraço e não são recomendados pelas DiretrizesBrasileiras de Hipertensão22,23.

Comparando-se o uso dos aparelhos automáticos com osaparelhos manuais, pesquisas demonstram duas vantagens emrelação aos demais3:

• Eliminação de vieses introduzidos pelo observadorcomo, no caso da hipertensão do avental branco, queconsiste em elevação da pressão arterial no ambienteclínico). Logo, com o uso do aparelho automático opaciente poderia realizar sua automedida, verifican-do sua real pressão.

• Opção por dígitos terminais, ou seja, o uso do apare-lho automático promove uma maior exatidão no re-sultado da pressão já que mede números de 0 a 10,enquanto a escala dos manômetros aneróide, de mer-cúrio é a cada 2 mmHg. Evita-se o arredondamentodo limiar da pressão24.

• Facilitação do treinamento e padronização dosentrevistadores de campo, além de ser de baixopeso para o trabalho no campo. Todavia é neces-sária a validação do aparelho pelos órgãos res-ponsáveis3.

QUADRO 1ARTIGOS QUE AVALIARAM CALIBRAÇÃO DE APARELHOS DE MEDIDA INDIRETA DA PRESSÃO ARTERIAL

Tipo de % %Autores Revista Ano Local aparelho Quantidade Instituição calibração descalibração

Jones JS et al. J. Emerg. Med. 1987 Aneróide 125 Pré- hospitalar 55,2 44,8

Bailey RH et al. Arch. Intern. Med. 1991 Columbia - EUA Aneróide 230 Hospitalar 85 15

Mion Jr. D et al. J. Hum. Hypertens. 1998 São Paulo - Brasil Aneróide 204 Hospitalar e Consultório 39 58Mercúrio 320 Hospitalar e Consultório 68 21

Mion Jr. D et al. Arq. Bras. Cardiol. 2000 São Paulo - Brasil Aneróide 645 Hospitalar e Consultório 46,5 53,5

Canzanello VJ et al. Arch. Intern. Med. 2000 Rochester - EUA Aneróide 283 Clínica 100 0

Ashworth M et al. J. Hum. Hypertens. 2001 Londres Aneróide 61 Hospitalar 85,2 14,8Mercúrio 130 97,7 2,3

Yarows SA et al. Blood. Press. Monit. 2001 Michigan - EUA Aneróide 136 Não consta 83,8 16,2

Rouse A et al. J. Hum. Hypertens. 2001 Reino Unido Aneróide e 1.462 Ambulatório 91,8 9,2mercúrio

Waugh JJ et al. Blood. Press. Monit. 2002 Reino Unido Aneróide 39 Hospitalar 50 50Mercúrio 36 90 10

Shah NC et al. Aust. Fam. Physician. 2004 Austrália Mercúrio 238 Não consta 99,6 0,4Aneróide 166 90,4 9,6

Coleman AJ et al. Blood. Press. Monit. 2005 Londres Aneróide 62 Ambulatório 46,8 53,2Mercúrio eAutomático 217 92,2 7,8

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Além do mais, fatores que interferem na medida da pres-são arterial podem não torná-la fidedigna, como a inflaçãoexcessiva do manguito, que pode provocar dor, elevação dapressão arterial e alterações da mensuração da pressão final.

Um estudo realizado em 2003 mostrou que os níveis demortalidade eram maiores com a terapia de mensuração ma-nual da pressão, pois esses equipamentos mascaravam a ver-dadeira pressão arterial, que era mais alta. Constatou-se issoapós a introdução do aparelho eletrônico na rotina do cuidadoprimário, comparando-se com os registros realizados antes edepois da introdução desses aparelhos24.

Um ponto que deve ser destacado é que muitos dos equi-pamentos automáticos em uso na prática clínica, na realidade,foram feitos para a medida da pressão arterial pelo pacienteem sua casa. Quanto ao seu uso rotineiro, são necessárias ain-da mais avaliações20 principalmente considerando a possibili-dade de uso em ambiente hospitalar, ambulatorial e unidadesde saúde que exigem dos aparelhos um desempenho muitomaior pela expressividade dos números de medições, quandocomparadas com aquelas individuais em casa. Já existem nomercado internacional aparelhos automáticos para uso na prá-tica clínica, com robustez suficiente para atender as necessi-dades. Porém, salienta-se que o preço de tais equipamentos éexpressivo, tendo em vista as realidades nacionais. Consultaao site da British Hypertension Society identificou 13 apare-lhos destinados para uso clínico e validados pelos protocolosda BHS ou da Sociedade Européia e cujos preços variam de350 a 3.402 libras (quadro 2)25. Acrescenta-se, ainda, que nemtodos os aparelhos automáticos são validados ou apropriadospara grupos particulares como nos pacientes com arritmias,crianças, gestantes e idosos.

Por tudo isso, na impossibilidade do uso de aparelhos decoluna de mercúrio, os eletrônicos poderiam ser usados, porserem superiores aos aparelhos aneróides. Além do que, o ba-nimento do mercúrio na clínica aumenta as chances de nofuturo se utilizar o aparelho automático para medir a pressãocombinado com a leitura auscultatória para detecção dos va-lores da sistólica e diastólica, já que os aparelhos aneróidesdescalibram-se mais facilmente.

Os esfigmomanômetros de coluna demercúrio apresentam riscos à saúde dostrabalhadores?

No ano de 1953 na Baía de Minamata, ao Sul do Japão,uma indústria de acetaldeído lançou ao mar mercúrios inorgâ-nicos, contaminando a biota marinha e águas de sua vizinhan-ça. A partir de 1956, milhares de japoneses, moradores dessaregião, começaram a apresentar sintomas de uma doença des-conhecida até o momento; tais sintomas incluíam tremoressensoriais, distúrbio do equilíbrio, problemas auditivos, de-mência e em alguns casos inconsciência e até mesmo óbito.A causa de tal doença só foi oficialmente descoberta em 1962,passando a ser chamada de “Doença de Minamata”, causadapela ingestão de peixe contaminado pelo mercúrio26. Em nos-so meio, a situação de contaminação de mercúrio mais ex-

pressiva foi em garimpos na região norte, na famosa jazidaconhecida mundialmente como Serra Pelada. Ali o minério deouro era garimpado e depois devia ser purificado. O garim-peiro, então, dotado de um tipo de cadinho para derreter ominério e maçarico misturava o mercúrio ao minério. O mer-cúrio, que reage com o ouro formando um amálgama de ouropode ser facilmente separado do ouro por ter grau de fusãobaixo, deixando o ouro precipitado no fundo do recipiente.Aqui ocorreram três tipos de contaminação por mercúrio, quertanto pela desinformação dos garimpeiros ou por negligênciadas autoridades. O mercúrio era aquecido e passava a ser ina-lado pelo garimpeiro (intoxicação por via respiratória), o mer-cúrio entrava em contato com a pele devido a técnicas precári-as de manuseio do metal (intoxicação por via cutânea) e partedo mercúrio era perdida, ou até mesmo jogada fora causandodanos ambientais a plantas e animais que quando ingeridoscausam doenças às pessoas que os consomem.

A principal fonte de mercúrio estudada nos últimos anosé o metilmercúrio, presente em peixes e mamíferos marinhosconsumidos pelo homem. O metilmercúrio é rapidamente ab-sorvido pelo aparelho gastrintestinal, sendo absorvido quasecompletamente pela corrente sangüínea. Por ser lipossolúvelpenetra nas membranas celulares, sendo distribuído para rins,fígado, medula óssea, cérebro, ossos e pulmões, além de sercapaz de cruzar a barreira placentária, atingindo o feto. A dosetóxica para o surgimento dos sinais e sintomas clínicos é de50 µg/26,27.

O mercúrio é atualmente utilizado principalmente comocatalisador na indústria de cloro-soda, em baterias domésticas,

QUADRO 2APARELHOS DIGITAIS AUTOMÁTICOS DE MEDIDA DA

PRESSÃO ARTERIAL PARA USO CLÍNICO

Aparelhos automáticos Protocolo de av aliação Preço

A&D TM-2564GP BHS A/A £3.402

A&D TM-2655 BHS A/A £2.344

BpTRU BPM 100 BHS A/A £395

BpTRU BPM 200/300 BHS A/A £545

Datascope Accutorr Plus Protocolo Internacional £1.756,65

Dinamap ProCare 100 Protocolo Internacional £1.460

Dinamap Procare 220 Protocolo Internacional £1.704

Dinamap Procare 320 Protocolo Internacional £2.056

Dinamap Procare 420 Protocolo Internacional £2.173

Omron 907 Protocolo Internacional £350,95

Smart signs SL 500 AC BHS A/A £495

Smart signs SL 500 BAT BHS A/A £575

Smart signs SL 510 AC BHS A/A £750

BHS: British Hypertension Society

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em vários tipos de lâmpadas e diversos materiais elétricosentra como elemento em instrumentos de medição e calibra-ção como termômetros, barômetros, manômetros, etc. É mui-to perigoso quando aquecido, visto que emite gases altamentetóxicos; tal característica é de muita importância, não só emtermos de poluição ambiental, mas principalmente em termosde saúde ocupacional26.

Os principais trabalhadores da área da saúde expostos aomercúrio são os profissionais da equipe de saúde bucal porestarem diariamente expostos ao mesmo. A contaminação des-ses profissionais pode ocorrer através da manipulação doamálgama, de gotas do metal derramadas acidentalmente, deamalgamadores com vazamento, de falhas do sistema de suc-ção quando da remoção de restaurações antigas ou ainda dosvapores emanados das “sobras” de amálgama armazenadasinadequadamente nos consultórios28.

Não foram identificados registros na literatura de que omercúrio presente em instrumentos hospitalares seja respon-sável por contaminação de pacientes ou operador. Incidentesque envolvam esses equipamentos estão diretamente relacio-nados a quebras, mas nada é mencionado quanto a contamina-ção por contato29.

A Comissão do Ambiente, da Saúde Pública e da Segu-rança Alimentar do Parlamento Europeu, em documento de19/09/2006 sobre os esfigmomanômetros de mercúrio, escla-rece que os mesmos são os que apresentam a maior quantida-de de mercúrio por instrumento (cerca de 100 g/unidade); en-tretanto no que se refere à possibilidade de proibir totalmenteo uso do mercúrio em todos os instrumentos, convém destacarque os peritos consultados pela Comissão chegaram à conclu-são de que os hospitais necessitam de instrumentos de altaprecisão para tratar afecções potencialmente mortais, como ahipertensão, a arritmia e a pré-eclampsia. Os esfigmomanô-metros de mercúrio oferecem a precisão e a confiabilidadenecessárias para preservar a segurança do doente. Esse nívelde confiabilidade não é ainda atingido por outros aparelhosde medição da pressão arterial. Os esfigmomanômetros quecontêm mercúrio vão continuar ainda, por algum tempo, sen-do necessários para testar e calibrar outros manômetros depressão sanguínea. A situação deverá ser revista quando pu-der ser demonstrado que os esfigmomanômetros que não con-têm mercúrio permitem não só medir a pressão sangüínea, mastambém diagnosticar e tratar a hipertensão e realizar ensaiosclínicos30.

Em nosso meio, a Agência Nacional de Vigilância Sani-tária (ANVISA), no Regulamento Técnico para o Gerencia-mento de Resíduos de Serviços de Saúde RDC no 306/2004, aser observado em todo o território nacional, na área pública eprivada, através da Resolução RE no 16/2004 proíbe a utiliza-ção de aparelhos artesanais para mensuração de pressão arte-rial invasiva com utilização de coluna de mercúrio em siste-mas abertos. Esses aparelhos feitos com baixo custo a partirde um tubo de vidro graduado no formato de um “J” e mercú-rio podem expor pacientes e profissionais de saúde ao mercú-rio e seus gases31.

A Fundação Nacional de Saúde (FUNASA) elaborou aNota Técnica no 11/2001 na qual orienta profissionais de saú-

de sobre o descarte ambientalmente seguro de aparelho “Ten-siômetro de Coluna de Mercúrio” em Unidades Básicas deSaúde, agregando todos os municípios do território nacional,em resposta à solicitação da Secretaria de Políticas de Saúdedo Ministério da Saúde, norma essa elaborada em conjuntocom os técnicos da Gerência Geral de Tecnologia de Serviçosde Saúde, Unidade de Infraestrutura de Serviços – AgênciaNacional de Vigilância Sanitária32.

Instruções – Nota Técnica 11/2001:

A) Aparelhos sem condições operacionais, porém com a co-luna de mercúrio íntegra:

1. Se disponível a embalagem original, prover o seuacondicionamento, com vedação da embalagem, eacondicioná-la em saco plástico branco leitoso, resis-tente a punctura, ruptura e vazamento, impermeável,de acordo com a NBR 9191 da ABNT e substitutivas(norma que estabelece os critérios dos sacos plásti-cos para acondicionamento de lixo), respeitados oslimites de peso de cada saco. Quando não for possí-vel a utilização da embalagem original, deverá seracondicionado em recipiente rígido (caixa de pape-lão, plástico ou outro material que atenda às caracte-rísticas acima citadas).

2. O saco deverá ser identificado com a inscrição “Ma-terial Pérfuro-Cortante: Contém Mercúrio”.

3. O transporte desse material deverá ser realizado emrecipientes de parede rígida.

B) Aparelhos com a coluna de mercúrio rompida ou quebradaB-1. Sem derramamento do metal mercúrio1. Se a coluna de mercúrio ainda contiver algum material,

este deverá ser esvaziado diretamente em recipiente devidro ou de plástico resistente à punctura e vazamento,que em seguida, deve ser lacrado. Esta embalagemdeverá ser identificada com o símbolo de substânciatóxica, conforme norma ABNT NBR 7500 (Normaque estabelece a simbologia do Transporte de CargasPerigosas) com a inscrição “Contém Mercúrio”.

2. O resíduo de vidro deverá ser coletado e acondicio-nado em outro recipiente resistente à punctura e ruptu-ra e identificado com a inscrição “Pérfuro-Cortante”.

B-2. Com derramamento do metal mercúrio1. Recolher os fragmentos de vidro (usar equipamento

de proteção individual: luvas nitrílicas e óculos de pro-teção) e acondicioná-los em outro recipiente resistenteà punctura e ruptura e identificado com a inscrição“Pérfuro-Cortante”.

2. Usar um cartão ou cartolina ou outro material rígidopara reunir as gotas de mercúrio. Aspirar as gotas comuma seringa sem agulha, e em seguida colocar o con-teúdo em recipientes conforme indicado no item B-1.1. (descarte a seringa juntamente com o materialrecolhido).

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26 Hipertensão 2008; 11(1): 20–26

Além dessas normas, o INMETRO (Instituto Nacionalde Metrologia, Normalização e Qualidade Industrial), atravésda Portaria no 153/2005, estabelece as condições mínimas dosmateriais dos esfigmomanômetros mecânicos de medição não-invasiva que se destinem a medir a pressão arterial humana(esfigmomanômetros aneróides e esfigmomanômetros queutilizam líquidos manométricos, portáteis ou não) devendo osmesmos serem capazes de assegurar a confiabilidade metro-lógica33.

Conclusão

A medida da pressão arterial é um dos procedimentos daárea da saúde mais realizados, é simples, fácil de ser executa-do, porém requer a devida atenção para que fontes de errosnão influam na mensuração, e a falta de calibração dos manô-metros tem sido apontada como tal. O esfigmomanômetro demercúrio é considerado ainda o “padrão ouro” para a medidade pressão arterial34. A sua substituição deve ser criteriosa eespecialistas sobre o assunto devem ser ouvidos para se evita-rem ações impróprias que podem comprometer a avaliaçãocorreta da pressão arterial. Os aparelhos aneróides devem serevitados pela sua pouca acurácia e os automáticos podem seruma opção desde que devidamente validados para uso na prá-tica clínica.

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27Hipertensão 2008; 11(1): 27–31

Giovani Gadonski*Ivan Carlos Ferreira AntonelloLetícia Germany PaulaBartira Ercília Pinheiro da CostaCarlos Eduardo Poli de FigueiredoServiço de Nefrologia e Serviço de Obstetrícia doHospital São Lucas, Laboratório de Nefrologia doInstituto de Pesquisas Biomédicas e Faculdade deMedicina da Pontifícia Universidade Católica do RioGrande do Sul (PUCRS)

Palavras-chave: hipertensão, gestação, tratamento.Key words: hypertension, pregnancy, treatment.

TERAPÊUTICAHipertensão arterial nagravidez: avanços notratamento ambulatorialHypertension in pregnancy: advances on ambulatorial treatment

Autores:

*Endereço para correspondência:Av. Ipiranga 6.690, 3o andar – Hemodiálise90610-000 – Porto Alegre – RSE-mail: [email protected]

Financiado por CNPq, CAPES e FAPERGS.Recebido em 27/11/2007. Aceito em 14/01/2008.

Resumo

Devido aos escassos ensaios clínicos limitados pelos pre-ceitos éticos, os avanços na fisiopatologia das doenças hiper-tensivas gestacionais não trouxeram novas abordagens tera-pêuticas mais efetivas. A hipertensão sustentada está relacio-nada a aumento da mortalidade materna e fetal, o que justifi-ca o seu tratamento. Dentre as opções terapêuticas, a metil-dopa permanece sendo a primeira escolha para uso durante agestação. Podem ser utilizados ainda a clonidina, os antago-nistas do canal de cálcio, a hidralazina e os betabloqueado-res. Estão contra-indicados os inibidores da ECA e os anta-gonistas do receptor da angiotensina devido aos seus efeitossobre o feto. Os diuréticos não devem ser utilizados durante alactação. Às pacientes com risco de desenvolver a doença podeser oferecido o uso de ácido acetilsalicílico sem prejuízo aofeto. A utilização de vitaminas C e E, bem como complemen-tação com cálcio, não se traduziu em proteção para o desen-volvimento da doença. O diagnóstico precoce, a constantemonitorização materna e fetal, a instituição da terapia e aescolha adequada da droga, bem como a indicação precisada interrupção da gestação permanecem sendo as medidasmais eficazes disponíveis até o momento.

Abstract

There are no new therapeutic approaches to hypertensionin pregnancy due to few number of clinical studies published,limited by ethical issues. Hypertension in pregnancy is relatedto increased maternal and fetal death, justifying its treatment.Methyldopa remains the first drug option to treat hypertensionduring pregnancy. Clonidine, calcium channel blockers,hydralazine and beta-blockers also can be used. ACE inhibitorsand angiotensin II receptor blockers are contraindicatedbecause of their effects in the fetus. Diuretics are avoidedduring lactation. To patients under risk of developingpregnancy induced hypertension, salicylic acid can be offeredwithout jeopardizing the fetus. Vitamins C and E, as well ascalcium supplement, were not protective against the disease.Early diagnosis, continuous maternal and fetal surveillance,correct drug indication as well as properly pregnancyinterruption remain being the best approaches available.

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28 Hipertensão 2008; 11(1): 27–31

Introdução

Apesar dos avanços na investigação da fisiopatologia dadoença hipertensiva gestacional, esse conhecimento não setraduziu em novas estratégias clínicas eficazes para o seu tra-tamento1. Ensaios clínicos randomizados utilizando controleversus placebo são escassos, especialmente em situações dehipertensão grave, devido à impossibilidade motivada por va-lores eticamente corretos. Até o presente momento, a terapiamais eficaz no manejo da hipertensão arterial sistêmica (HAS)na gravidez permanece sendo a interrupção da gestação e aremoção da placenta, em especial se associada à pré-eclamp-sia (PE).

O diagnóstico precoce, a constante supervisão médica ea decisão correta para indicar o momento do parto são medi-das essenciais no manejo da doença2.

O diagnóstico é baseado em medidas não-invasivas dapressão arterial (PA) realizada em ambulatório. A monitoriza-ção ambulatorial da pressão arterial (MAPA) foi introduzidacom o intuito de acrescentar novos instrumentos diagnósti-cos. Apesar de não haver estudos clínicos randomizados indi-cando o uso rotineiro de MAPA durante a gestação, existemsugestões de um possível papel do uso desse método comopreditor da progressão da hipertensão gestacional em pré-eclampsia3.

O objetivo principal do tratamento é evitar a morbida-de e mortalidade materna e fetal, além de, quando possí-vel, prolongar a gestação. O tratamento da hipertensão du-rante a gestação é considerado benéfico para prevenção deaumentos abruptos da PA, de hemorragia cerebral e ence-falopatia hipertensiva. Além disso, o controle estrito da PApode reduzir o risco de deterioração da função renal empacientes com perda de função renal prévia à gestação1. Aterapia anti-hipertensiva diminui a incidência de acidentesvasculares encefálicos e complicações cardiovasculares,principalmente em pacientes com PA diastólica acima de110 mmHg2. Coorte americana sugere que PA diastólica de95 mmHg em pacientes sem proteinúria e 85 mmHg empacientes com proteinúria após a vigésima oitava semanade gestação são os pontos de corte para aumento da morta-lidade perinatal4. Assim, observamos a necessidade de ins-tituir medidas para controle da pressão arterial durante agestação.

Em pacientes com HAS crônica leve (PA diastólica até100 mmHg), a terapia anti-hipertensiva não parece acrescen-tar benefício nos desfechos cardiovasculares estudados2.Apesar de o uso de drogas anti-hipertensivas em gestantescom PE e hipertensão grave prevenir doenças cerebrovas-culares, a terapia medicamentosa não previne ou altera ahistória natural da doença quando ocorre PE leve5. Assim,os níveis de pressão acima dos quais se deve instituir a te-rapia medicamentosa permanecem controversos. Existeconsenso quando os mesmos encontram-se acima de 110mmHg de pressão arterial diastólica ou com pressão arterialmédia acima de 125 mmHg2. Por outro lado, de acordo com oconsenso canadense, a terapia medicamentosa deveria ser ini-

ciada quando a pressão sistólica está acima de 140 mmHg oua diastólica acima de 90 mmHg em gestantes hipertensassem proteinúria ou HAS preexistente (antes da vigésimasemana)4. Pelo consenso americano e o “VII Joint”, a tera-pia medicamentosa deve ser instituída com valores susten-tados de pressão arterial sistólica maior ou igual a 160mmHg e diastólica acima de 110 mmHg6,7. As V DiretrizesBrasileiras de Hipertensão Arterial recomendam que mu-lheres gestantes com hipertensão arterial crônica com va-lores superiores a 150/99 mmHg devem receber tratamentomedicamentoso. Para aquelas com pressão arterial abaixode 159/99 mmHg, diabete melito, obesidade, gestaçãogemelar, nulíparas, idade acima de 40 anos ou história pes-soal ou familiar de pré-eclampsia recomenda-se avaliaçãoperiódica para proteinúria e elevação rápida da PA – nestecaso, podem receber tratamento medicamentoso com PA en-tre 120/80 e 159/99 mmHg.

Ainda segundo o “VII Joint”, após instituída a terapiamedicamentosa, a pressão diastólica deve ficar entre 95 e 105mmHg nos casos de PE até o momento de haver indicação oucondições de realizar o parto6. Em pacientes previamente hi-pertensas, o grupo americano sugere manter níveis de pressãoarterial média abaixo de 126 mmHg, mas não menos que 105mmHg, e a diastólica abaixo de 105 mmHg, mas não inferiora 90 mmHg2.

O tratamento da hipertensão na gestação pode ser não-farmacológico ou farmacológico, ambulatorial ou hospitalar.As decisões são baseadas nos níveis de pressão arterial e napresença ou não de pré-eclampsia associada. O controle fre-qüente da gestante em consultório é fundamental para a deci-são sobre o momento adequado de internar a paciente paracontrole ou para interrupção da gestação.

Abordagem não-farmacológica

Pressão diastólica entre 90 e 99 mmHg pode ser maneja-da inicialmente com medidas não-farmacológicas. Porém, elasnão devem ser mantidas isoladamente se a pressão sistólicaestiver acima de 150 mmHg ou a diastólica acima de 100mmHg ou nos casos de risco materno ou fetal8.

O exercício físico não diminui o risco de evolução dahipertensão gestacional ou hipertensão crônica para pré-eclampsia, bem como a proporção de recém-nascidos combaixo peso. Apesar de poder ser útil em mulheres não-grávi-das, a diminuição da ingesta calórica levando à redução depeso não é recomendada, mesmo em gestantes obesas. Nessescasos, há risco de ocorrer redução de peso dos recém-nasci-dos. Ao contrário do que se discute na hipertensão crônica, arestrição de sal na dieta durante a gestação não reduz a fre-qüência de hipertensão, não sendo assim indicada nessa situa-ção2,8.

É recomendação dos consensos que o repouso relativodeve ser observado nas pacientes com hipertensão não-con-trolada e naquelas com manifestações de pré-eclampsia. Re-pouso em decúbito lateral com os menores níveis de pressãoarterial é recomendação habitual.

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29Hipertensão 2008; 11(1): 27–31

Abordagem farmacológica

Para pacientes com diagnóstico anterior à vigésima se-mana de gestação, algumas orientações devem ser observadasquanto à prescrição das drogas anti-hipertensivas. Todos osanti-hipertensivos disponíveis em nosso meio atravessam aplacenta e alcançam a circulação fetal9.

Os diuréticos podem reduzir a pressão de perfusão uteri-na. Inibidores da enzima conversora da angiotensina (iECA)bem como os bloqueadores dos receptores da angiotensina II(ARAII) não devem ser utilizados durante a gestação. Estáindicada a suspensão dessas classes naquelas pacientes quevinham em uso crônico, porém podem ser opção em pacientescom doença renal ou doença cardíaca7.

Os iECA e ARAII, especialmente quando utilizados nosegundo e terceiro trimestres, são considerados tóxicos ao feto,podendo levar a ossificação incompleta do escalpo fetal e de-feitos renais secundários à redução da perfusão renal. Anúriaassociada a oligoidrâmnio, contratura de membros, deforma-ções craniofaciais, hipoplasia pulmonar, restrição de cresci-mento intra-uterino, prematuridade, persistência do ducto ar-terial patente, hipotensão neonatal severa, anúria neonatal emorte neonatal já foram observadas com o uso dessas dro-gas9.

Quanto às possibilidades terapêuticas para controle dahipertensão arterial na gestação, vê-se que algumas classesfarmacológicas têm sido mais utilizadas e serão discutidas aseguir e ilustradas na tabela 1.

Anti-hipertensivos de ação centralA alfametildopa é um anti-hipertensivo de ação central

que atua nos agonistas alfaadrenérgicos bloqueando impulsosvasoconstritores provenientes da medula oblonga. O uso demetildopa por um curto período de tempo, em torno de 24dias, durante o terceiro trimestre não alterou os parâmetroshemodinâmicos da unidade útero-placentária ou fetal10. Alémdisso, não foram verificados efeitos deletérios a curto prazo

sobre o feto ou neonato ou a longo prazo durante a infânciaapós o uso de metildopa na gestação11. Metildopa é a drogamais utilizada tradicionalmente, sendo a primeira escolha naterapia anti-hipertensiva na gestação e a recomendação prefe-rencial nas Diretrizes Brasileiras de Hipertensão Arterial. Umdos efeitos colaterais mais freqüentes desse fármaco é a seda-ção, que pode ser profunda1. Além disso, sensação de xerosto-mia pode levar a baixa aderência a longo prazo. Metildopapode aumentar os níveis das transaminases hepáticas e produ-zir teste de Coombs positivo (apesar de anemia hemolítica nãoser comum). Essa droga deve ser evitada em gestantes comhistória prévia de depressão devido ao risco aumentado dedepressão pós-parto9.

Clonidina pode ser uma opção terapêutica. Foi demons-trado que esse fármaco pode ser tão efetivo quanto metildopana redução de risco de desenvolver HAS grave. O uso combi-nado de clonidina com hidralazina previne o desenvolvimentode HAS grave durante a gestação4.

Antagonistas do cálcioExistem dados sugerindo que nifedipino é uma droga se-

gura para ser usada durante a gestação, apesar de não haverevidências tão consagradas quanto aquelas referentes à metil-dopa. O principal efeito colateral é a cefaléia1,4. O uso denifedipino sublingual deve ser evitado pelo risco de hipoten-são materna e hipoperfusão placentária9. Não houve aumentono número de malformações fetais após exposição aos anta-gonistas do cálcio durante o primeiro trimestre de gestação.No referido estudo, a maioria das pacientes foi exposta anifedipino e verapamil, sendo também avaliados diltiazem,nimodipino e felodipino12.

BetabloqueadoresOs betabloqueadores são alternativas freqüentes ao uso

da metildopa, porém estão associados a efeitos adversos.Foram demonstrados efeitos deletérios sobre os parâme-

tros hemodinâmicos fetal e uteroplacentário, bem como no

TABELA 1MEDICAMENTOS UTILIZADOS NO TRATAMENTO DA DOENÇA HIPERTENSIVA GESTACIONAL

Droga Dose diária Comentários

Metildopa 0,5 a 3,0 g divididas em 1 a 4 doses Primeira escolha

Hidralazina 50 a 300 mg divididos em 2 a 4 doses Contra-indicada em cardiopatia isquêmica, usada como segunda escolha, associadaa outra droga

Nifedipino 10 a 20 mg divididos em 4 a 6 doses Cefaléia

Verapamil 240 a 320 mg dividos em 3 doses Tontura, náuseas e constipação intestinal

Betabloqueadores Conforme a droga utilizada Potencial bradicardia fetal e restrição de crescimento intra-uterino (RCIU)

Diuréticos Conforme a droga utilizada Depleção transitória de volume intravascular, potencial RCIU

iECA e ARAII Conforme a droga utilizada Contra-indicados na gestação

08 - TR Tratamento ambulatorial da HA na gravidez.pm6 03/03/08, 15:3729

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desenvolvimento fetal relacionado ao uso de atenolol4,10. Alémdisso, o atenolol pode estar associado à diminuição da pressãoarterial e da freqüência cardíaca em recém-nascidos, além deatenuar o aumento de ganho de peso intra-uterino, especial-mente se prescrito nas primeiras semanas de gestação4,7. Poroutro lado, está descrita sua efetividade em prevenir HAS gra-ve4.

Está demonstrado que propranolol pode ser tão efetivoquanto metildopa na redução de risco de desenvolver HASgrave4.

Metoprolol combinado com hidralazina previne o desen-volvimento de HAS grave. Por outro lado, pode estar associa-do à diminuição da pressão arterial e da freqüência cardíacaem recém-nascidos4.

Pindolol previne o desenvolvimento de HAS grave. La-betalol é considerada uma droga segura e eficaz para utiliza-ção durante a gestação, mas não se encontra disponível co-mercialmente no Brasil. A mesma situação é observada para ooxprenolol4.

DiuréticosEstão associados à diminuição da expansão de volume

fisiológico da gestação, que pode ser deletério ao desenvolvi-mento fetal.2,4 No tratamento de pacientes com HAS crônicaque já vêm em uso da droga, a mesma pode ser mantida, exce-to nos casos de redução de perfusão uterina comprovada, comopré-eclampsia e restrição de crescimento intra-uterino7.

Vasodilatadores periféricosA hidralazina é considerada uma droga segura para ser

utilizada durante a gestação, apesar de a ocorrência de síndro-me lúpica na mãe ou no recém-nascido já ter sido descrita9.

Terapia medicamentosa – PEUma vez que o enfoque desta revisão é o tratamento am-

bulatorial da hipertensão na gestação, não serão abordadas asemergências hipertensivas na gestação que devem ser tratadasem ambiente hospitalar.

Outras medidas para PEOs estudos clínicos não demonstraram nenhum benefí-

cio em medidas como expansão do volume plasmático, alémde sugerir que pode haver aumento do risco de cesariana, ede-ma cerebral e edema agudo de pulmão. Uso de corticosterói-des e antioxidantes para gestantes com PE grave não demonstra-ram benefício nos estudos clínicos realizados até o momento.13

Prevenção

A investigação do uso de ácido acetilsalicílico (AAS) nahistória da doença hipertensiva gestacional e na prevenção daPE foi realizada em diferentes grupos de gestantes e com re-sultados controversos. O estudo CLASP não demonstrou de-créscimo significativo na incidência de hipertensão gestacio-nal em gestantes saudáveis e nulíparas. Além disso, o uso deAAS não reduziu a incidência ou a gravidade da pré-eclampsia2.

Quando utilizado em baixas doses em gestantes com hi-pertensão crônica, o AAS reduziu de maneira moderada o ris-co de desenvolver PE sobreposta, assim como de restrição decrescimento intra-uterino e morte perinatal1.

Metanálise envolvendo, aproximadamente, 32 mil paci-entes sugere que antiplaquetários durante a gestação em paci-entes com pelo menos um fator de risco (inclusive nuliparida-de) estão associados a reduções moderadas, mas consistentes,do risco relativo de desenvolver PE, de parto prematuro e deter gestação com eventos adversos sérios. Esse mesmo estudodemonstrou que é necessário tratar 51 pacientes para evitarum evento adverso sério. Além disso, foi verificado que a pro-porção de 114 pacientes deve ser tratada para que um caso dePE seja prevenido. Ao final, os autores sugerem que o inícioda terapia deve ser discutido com as pacientes sob risco dedesenvolver PE14. O seguimento das crianças até dois anosapós o nascimento demonstrou que AAS em baixa dose du-rante a gestação pode ser usada com segurança13.

Ensaios clínicos randomizados que administraram vita-minas C e E para pacientes com e sem fatores de risco para PEdemonstraram incidência semelhante ao grupo placebo, nãohavendo, assim, indicação de utilização profilática das mes-mas durante a gestação. Vale ressaltar que na investigação in-cluindo gestantes com risco de PE foi registrado maior nú-mero de recém-nascidos com baixo peso no grupo que rece-beu o tratamento quando comparado aos controles15.

Suplemento de zinco, ferro, folato ou óleo de peixe du-rante a gestação não são efetivos na prevenção da doença hi-pertensiva gestacional8.

Metanálise envolvendo seis ensaios clínicos randomiza-dos, que incluíram 1.700 gestantes, demonstrou que suplemen-to de cálcio durante a gravidez pode reduzir o risco de desen-volver hipertensão, mas com pequeno efeito sobre a incidên-cia de pré-eclampsia16. Estudo envolvendo 4.589 gestantes ran-domizou suplemento com 2 g de cálcio versus placebo emnulíparas saudáveis. Cálcio não reduziu a incidência ou a se-veridade de pré-eclampsia, bem como a prevalência de HASsem proteinúria7. Estudos randomizados com suplemento decálcio em nulíparas consideradas de alto risco para desenvol-ver PE demonstraram redução significativa na incidência dePE7. A ingestão de 1 g de cálcio por dia reduz o risco relativo dePE, mas sem efeito claro sobre o risco de parto prematuro oumorte do recém-nascido antes da alta hospitalar. Os efeitos pare-cem maiores em mulheres com baixa ingestão de cálcio13. Estu-do da Organização Mundial da Saúde demonstrou redução derisco de hipertensão gestacional grave, eclampsia e partos pre-maturos5. O maior estudo já realizado com suplemento de cál-cio não demonstrou impacto sobre a incidência ou a gravida-de da PE.5 Atualmente, recomenda-se a suplementação de cál-cio em gestantes com ingestão inadequada de cálcio na dieta.

Acompanhamento pós-parto

O período de 12 semanas deve ser respeitado para o diag-nóstico de hipertensão crônica persistente. Nesse período, amedicação pode ser descontinuada ou suspensa conforme os

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níveis tensionais apresentados em ambulatório. Os quadrosde hipertensão gestacional sem proteinúria apresentam maiorchance de desaparecer quando comparados com situaçõesacompanhadas de proteinúria.

Em casos de hipertensão leve, deve ser considerada asuspensão da medicação enquanto ocorrer o aleitamento7.

Todos os anti-hipertensivos comumente utilizados sãoexcretados no leite materno, mas em quantidades considera-das não-prejudiciais. Os diuréticos podem suprimir a lactaçãoantes do seu estabelecimento, devendo ser evitado o seu uso1.Não houve efeitos adversos relacionados à utilização de me-tildopa ou hidralazina6. Em caso de necessidade de uso de be-tabloqueador, propranolol e labetalol aparecem em menor con-centração no leite materno7. O uso de inibidores da ECA,como o enalapril, que são contra-indicados durante a ges-tação, é compatível com a amamentação e pode ser feito nopuerpério.

Perspectivas

O tratamento ambulatorial dos distúrbios hipertensivosgestacionais apresentou poucos avanços recentes. A expecta-tiva é de que o entendimento da fisiopatologia dessas doençasresulte em progressos no diagnóstico e manejo dessas pacientes.

A investigação de genes capazes de desencadear PE napratica ambulatorial ainda não é uma realidade. Vários genestêm sido investigados e até associados à síndrome, mas aindanão está claro se genes maternos ou fetais, ou mesmo suasinterações com o meio ambiente, predispõem à PE. Um doscandidatos é o gene STOX1 – localizado na região 22 do bra-ço longo do cromossomo 10 –, o qual, através de uma deleção

controlaria a poliploidização do trofoblasto, fenótipo consta-tado na placentação de pré-eclâmpticas. O referido genótipo écomum entre irmãs que também desenvolveram a síndrome.Outro aspecto estudado é o polimorfismo do fator de necrosetumoral alfa (TNFα). Tem sido constatado um aumento da ex-pressão de seu mRNA em leucócitos de mulheres com PE.Esse achado parece embasar a disfunção endotelial caracte-rística da PE. Apesar de a literatura ser vasta em investigaçõesgenéticas, as evidências não se apresentam conclusivas17. Comoa pré-eclampsia é uma doença multifatorial, é possível quevários genes estejam envolvidos18.

Além da perspectiva genética no tratamento da PE, umalinha que está se fortalecendo e desvendando um novo subs-trato para tratamento é o uso de doadores de óxido nítrico.Seus níveis ainda não estão bem estabelecidos na PE, mas sabe-se que o uso de inibidores da enzima ON sintase, tais como oL-NAME, em gestantes normais reduz a vasodilatação medi-ada por fluxo, tornando-a semelhante ao desempenho de ges-tantes com hipertensão. Doadores de óxido nítrico e L-argini-na têm efeito na redução da pressão arterial de gestantes comhipertensão. Também foi constatado que a atividade fosfodies-terásica é maior na pré-eclampsia, o que poderia estar associ-ado com a degradação do GMP-cíclico reduzindo a ação doóxido nítrico; e, por conseguinte, com a hipertensão arterial19.Neste sentido, o uso de sildenafil em mulheres com pré-eclampsia é uma alternativa a ser investigada.

Outros avanços nos estudos das doenças hipertensivastambém ocorreram; porém, a descoberta de um desequilíbrioangiogênico na pré-eclampsia, com a presença de fatores anti-angiogênicos circulantes (sFLT1 e endoglina), trouxe a espe-rança de que estas vias possam servir de alvos para novas in-tervenções no tratamento e no diagnóstico dessas pacientes.

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Alessandra MacedoMestre em Ciências pelo Departamento deFisiopatologia Experimental da Faculdade de Medicinada Universidade de São Paulo

Palavras-chave: dieta, gordura saturada, colesterol, ácidosgraxos trans.Key words: diet, saturated fat, cholesterol, trans fat acids.

NUTRIÇÃOAspectos nutricionaisrelacionados ao controle dasdislipidemiasImportance of diets in cardiovascular disease prevention

Autora:

Endereço para correspondência:Av. Dr. Enéas de Carvalho Aguiar, 44 – Cerqueira Cesar05403-000 – São Paulo – SPTel: (11) 3069-5323Fax: (11) 3069-5428E-mail: [email protected]

Recebido em 18/12/2007. Aceito em 14/01/2008.

Resumo

Considera-se a elevação das concentrações de LDL-Cuma das principais causas de doenças coronarianas; no en-tanto a dieta pode, de maneira independente, reduzir o riscocardiovascular. Os principais aspectos nutricionais relacio-nados ao controle das dislipidemias referem-se ao consumoexcessivo de colesterol e ao tipo de gordura. As gorduras sa-turadas elevam as concentrações de LDL-C por reduzir o nú-mero de receptores dessa lipoproteína. O colesterol alimentarpossui menor efeito sobre a colesterolemia quando compara-do às gorduras saturadas. Os ácidos graxos trans são respon-sáveis por elevar as concentrações de colesterol e reduzir asde HDL-C. As gorduras insaturadas exercem papel diferenteno organismo em relação às saturadas. As poliinsaturadas(ácidos graxos ômega 6), são responsáveis por reduzir as con-centrações de LDL-C e de HDL-C, e os ácidos graxos poliin-saturados ômega 3, por reduzir as concentrações de triglicé-rides, estando associados a menor agregação plaquetária eredução da pressão arterial. As gorduras monoinsaturadas têmsido relacionadas por alguns autores com melhora no padrãolipídico por meio de possível aumento no HDL-C. Além dosaspectos abordados, o nutricionista pode utilizar outras op-ções terapêuticas para o tratamento das dislipidemias, comoa inclusão de alimentos funcionais na sua orientação dietote-rápica. Portanto, para a melhora do controle do perfil lipídi-co, é necessário a implementação de medidas não-farmaco-lógicas, dentre as quais a dieta adequada ocupa papel funda-mental.

Abstract

High concentrations of LDL-C are considered a majorcause of coronary diseases, but diet may, in a independentmanner, reduce cardiovascular risk. The main nutritionalaspects related to the control of dyslipidemias refer to excessiveconsumption of cholesterol and type of fat. Saturated fat raisesthe concentrations of LDL-C by reducing the number ofreceptors of this lipoprotein. Dietetic cholesterol has less effecton blood cholesterol when compared to saturated fats. Transfatty acids are responsible for increasing concentrations ofcholesterol and reduce HDL-C. Unsaturated fats carry differentrole in the body in relation to saturated. Omega 6 polyunsaturated

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fatty acids are responsible for reducing LDL-C and HDL-C,and omega 3 polyunsaturated fatty acids, for reducingtriglycerides and are associated with lower platelet aggregationand reducing blood pressure. Monounsaturated fatty acids havebeen linked by some authors with improvement in the standardlipid through possible increase in HDL-C. In addition to thepoints raised, the nutritionist can use other treatment optionsfor the treatment of dyslipidemia, and the inclusion offunctional foods in its guidance dietoterapic. Therefore, toimprove control of the lipid prof ile, it is necessaryimplementation of non-pharmacological measures, includingdiet holds key role.

Considera-se a elevação das concentrações de LDL-co-lesterol uma das principais causas de doenças coronarianas,representando um forte fator de risco. Esse aumento pode terinfluência genética, bem como de condições ambientais des-favoráveis. Dentre essas condições, a alimentação inadequadaé fator importante15.

A dieta reduz o risco cardiovascular independentementedos outros fatores de risco clássicos, além de poder aumentaros efeitos dos medicamentos hipolipemiantes na redução doLDL-C. Os principais aspectos dietéticos relacionam-se coma quantidade de colesterol e o tipo de gordura consumidos1.

As gorduras saturadas não contêm dupla ligação e geral-mente têm de 12 a 18 carbonos em sua cadeia. O ácido graxosaturado mais encontrado na alimentação é o palmítico (16:0),a seguir o esteárico (18:0), o mirístico (14:0) e o láurico (12:0).No entanto, os ácidos graxos não influenciam as concentra-ções de colesterol plasmático da mesma maneira. O ácido es-teárico tem menor efeito em aumentar as concentrações plas-máticas de colesterol, se comparado ao mirístico e ao palmíti-co, devido à rápida conversão do ácido esteárico em ácido oléi-co, que é do tipo monoinsaturado2.

A figura 1 demonstra os efeitos dos ácidos graxos satura-dos nas concentrações de colesterol total, LDL-C e HDL-C3.

As gorduras saturadas elevam as concentrações de LDL-Cpor reduzir o número de receptores desta lipoproteína. Esteefeito pode ser mediado por redução da expressão doRNA mensageiro do receptor da LDL e por diminui-ção da fluidez da membrana2.

As principais fontes alimentares incluem os la-ticínios integrais e as gorduras de carnes de boi ouvaca, frango e/ou de porco2,4.

O colesterol alimentar possui menor efeito so-bre a colesterolemia quando comparado às gordurassaturadas, sendo estas consideradas mais aterogêni-cas, pois favorecem maior entrada de colesterol naspartículas da LDL, além de dificultarem a retiradadesta partícula do sangue. São responsáveis por au-mentar a colesterolemia até três vezes mais do que opróprio colesterol dietético3.

As principais fontes alimentares de colesterol in-cluem a gema de ovo, os miúdos e os frutos do mar2,4.

Se a alimentação com baixos teores de coleste-rol e gordura saturada for planejada e realizada ade-quadamente, poderá contribuir com reduções de apro-

ximadamente 10% no colesterol sangüíneo para a populaçãogeral. Somente a redução no consumo de gordura saturadacontribui com queda nas concentrações de LDL-C de 5% a 10%,e o consumo de até 200 mg de colesterol por dia contribui comdiminuição de 1% a 3% nas concentrações dessa partícula4,5.

Os estudos DART e MRC low-fat demonstraram que, ao sereduzir a quantidade de gordura total da dieta, pode haver redu-ção de 3,5% a 5% na colesterolemia respectivamente. No entan-to, outros estudos, como o Los Angeles Veteran Hospital e oFinnish Mental Hospital, demonstraram maior resposta à redu-ção da colesterolemia, pois houve substituição do tipo de gordurautilizada (saturada por poliinsaturada). Estes estudos demonstra-ram reduções na ordem de 13% a 15% respectivamente3.

No entanto, a resposta às reduções alimentares de coles-terol e ácidos graxos pode ser influenciada por fatores genéti-cos2, caracterizando indivíduos responsivos ou não-responsi-vos à dieta6. A apoproteína E apresenta várias formas alélicas,das quais a E3 é a mais comum, e acredita-se que as outrasformas (E2 e E4) tenham se originado por mutações ocorridasem E37. Em populações brancas adultas, as freqüências esti-madas de ocorrência de E2, E3 e E4 são, respectivamente, 8%,78% e 14%8. Os indivíduos com genótipo E4E4 têm níveismais altos de LDL-C e colesterol total do que os E3E3, e sãoparticularmente suscetíveis ao desenvolvimento precoce dedoença coronária7, uma vez que apresentam maior absorçãointestinal de colesterol e maior afinidade com os receptoresda LDL6. O genótipo E2E2 determina níveis mais baixos deLDL-C do que os observados para os dois outros fenótipos7.

Os ácidos graxos trans são gorduras insaturadas com pelomenos uma dupla ligação na configuração trans9. São forma-dos durante o processo de hidrogenação parcial para a produ-ção de margarinas, em que átomos de hidrogênio são incorpo-rados às duplas ligações dos ácidos graxos insaturados dosóleos vegetais líquidos, formando estruturas retilíneas seme-lhantes aos ácidos graxos saturados10,11.

Na hidrogenação parcial, não há hidrogênios suficientes parapromover a saturação de todas as duplas ligações. No final do pro-cesso, as ligações que não receberam um átomo de hidrogênio

FIGURA 1EFEITO DOS ÁCIDOS GRAXOS SATURADOS NAS

CONCENTRAÇÕES DE COLESTEROL TOTAL, LDL-C E HDL-C

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voltam a se ligar ao carbono subseqüente. Porém, enquanto aligação está aberta, a cadeia pode sofrer rotação e, ao restabele-cer a dupla ligação, a molécula pode estar na posição original cisou formar um isômero trans. Na hidrogenação total, as insatu-rações presentes no óleo vegetal são totalmente saturadas12.

As indústrias têm se utilizado do processo de interesteri-ficação para minimizar a formação de ácidos graxos trans.Nesse processo, a gordura totalmente hidrogenada (sólida) émisturada a óleos vegetais líquidos, e ocorre um rearranjo dosácidos graxos nas moléculas de glicerol. Dessa forma, obtém-se a consistência ideal, mas sem a formação dos trans13,14.

Comparando-se dietas enriquecidas com ácidos graxosinsaturados (α-linolênico ou oléico) com dietas enriquecidascom ácidos graxos trans, sendo o ácido elaídico seu principalrepresentante, observa-se que os do tipo trans elevam as con-centrações de colesterol e reduzem as de HDL-C (figura 1)3,além de provocar o aumento da lipoproteína(a) e das concen-trações de triglicérides.

QUADRO 1Nutriente Recomendação

Gorduras totais 25% – 35% do total calóricoGorduras saturadas < 7% do total calóricoGorduras poliinsaturadas Até 10% do total calóricoGorduras monoinsaturadas Até 20% do total calóricoGorduras trans† < 1% do total calórico

Carboidratos 50% – 60% do total calórico

Fibras 20 – 30 g por dia

Proteínas 15% do total calórico

Colesterol < 200 mg por dia

Calorias totais Para manter o peso corporaladequado

Fonte: ATP III, 200115.† Report of a Joint WHO/FAO Expert Consultation, 2003 / Guia Alimentar para aPopulação Brasileira – Promovendo a Alimentação Saudável, 2005.

QUADRO 2Evidência Reduz Risco Sem relação Aumenta risco

Convincente - Atividade física regular - Suplementação de vitamina E - Ácidos graxos: mirístico,- Ácido linoléico (ω-6), peixe e óleo de peixe (EPA e DHA) palmítico e trans- Frutas e hortaliças - Alto consumo de sódio- Potássio - Obesidade- Consumo baixo a moderado de álcool - Consumo excessivo de álcool

Provável - Ácido oléico (ω-9) - Fibras alimentares - Ácido esteárico - Colesterol dietético- Cereais integrais - Oleaginosas - Café fervido não-filtrado- Fitosteróis - Folato

Possível - Flavonóides - Ácido láurico- Produtos de soja - Suplementação de β-caroteno

Insuficiente - Cálcio - Magnésio - Vitamina C - Carboidratos - Ferro

Os principais alimentos que contêm essas gorduras sãoos produtos assados, processados e margarinas, todos ricosem gorduras hidrogenadas2,4.

O plano alimentar também deve contemplar gorduras in-saturadas, que exercem papel diferente no organismo em rela-ção às saturadas15. As do tipo poliinsaturadas são classificadasem ácidos graxos do tipo ômega 6 (n-6) e ômega 3 (n-3)2.

O principal ácido graxo n-6 é o linoléico, o qual serve deprecursor do ácido araquidônico e não é sintetizado pelo orga-nismo, sendo considerado, portanto, um ácido graxo essencial.Fontes alimentares ricas nesse ácido graxo incluem os óleosvegetais, como de milho, soja e girassol2.

O n-3 é representado pelo ácido graxo α-linolênico, sen-do que este pode ser rapidamente convertido no organismoem ácido eicosapentaenóico (EPA), o qual pode ser alongado,dessaturado e oxidado em ácido docosaexaenóico (DHA). Suasprincipais fontes alimentares são os peixes, semente de linha-ça, óleos de peixes e de soja2.

O ácido linoléico tem efeito hipocolesterolêmico quandosubstituído por ácidos graxos saturados, reduzindo as concen-trações de LDL-C e de HDL-C. Os ácidos n-3 reduzem asconcentrações de triglicérides e estão associados a menor agre-gação plaquetária e redução da pressão arterial2.

A maior parte das evidências epidemiológicas relaciona-das com o ácido linolênico resultam de estudos de consumo depeixe entre as populações ou baseiam-se em intervenções en-volvendo óleo de peixe, como no GISSI – Prevenzione (GruppoItaliano per lo Studio della Sopravvivenza nell InfartoMiocardico)16, envolvendo indivíduos pós-infarto agudo domiocárdio. Após três anos e meio de seguimento, o grupo querecebeu óleo de peixe obteve 20% de redução na mortalidadetotal, 30% de redução por morte por doenças cardiovascularese 45% para morte súbita.

As gorduras monoinsaturadas (n-9), cujo principal ácidograxo é o oléico, são encontradas principalmente no azeite deoliva, óleo de canola, sementes oleaginosas, gergelim, abacatee azeitonas e têm sido relacionadas com melhora no padrãolipídico. Tem sido proposto que essas gorduras não estão rela-cionadas com a redução do LDL-C, porém não provocariam

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redução nas concentrações de HDL-C2. Segundo a Organiza-ção Mundial da Saúde, essas gorduras provavelmente reduzemos riscos para doenças cardiovasculares17, pois é uma evidên-cia baseada em estudos que demonstram associações razoavel-mente consistentes entre exposição e doença, mas existem li-mitações perceptíveis na avaliação da evidência, ou mesmo al-guma evidência em contrário, que impedem um julgamentomais definitivo18.

Um dos principais estudos que sustentam esta afirmaçãoé o Lyon Diet Heart Study, desenvolvido em uma populaçãocom baixo índice de mortalidade por doença coronária comdestaque característico da alimentação habitual do uso de azeitede oliva como fonte de gordura e o de carnes vermelhas comocomplementos. O consumo de verduras, legumes, grãos, cere-ais, sementes e frutas é abundante19.

A composição da dieta para o tratamento das dislipidemiassegue as recomendações do National Cholesterol EducationProgram (NCEP)15, descritas no quadro 1.

Tratamento coadjuvante

Além dos cuidados já citados, o nutricionista pode utilizaroutras opções terapêuticas para o tratamento das dislipidemias, comoa inclusão de alimentos funcionais na sua orientação dietoterápica.

A Organização Mundial da Saúde (OMS) publicou em2003 um relatório sobre “Dieta, Nutrição e Prevenção deDoenças Crônicas”, no qual podemos nos basear para a reco-mendação de determinados alimentos. O quadro 2 mostra umresumo das evidências que relacionam estilo de vida/ dieta aosfatores de risco para doenças cardiovasculares.

Além disso, estudos clínicos e epidemiológicos foram re-alizados com outros alimentos que também colaboram para aredução do risco de doenças crônicas, descritos pela AmericanDietetic Association (ADA)20. Quadro 3.

Portanto, para a melhora do controle do perfil lipídico, énecessário a implementação de medidas não-farmacológicas,dentre as quais a dieta adequada ocupa papel fundamental.

QUADRO 3Alimento Funcional Componente Ativo Benefício à Saúde Recomendação de Ingestão

Alho Compostos organossulfurados Reduz colesterol total e LDL 600-900 mg/dia (suplementação)ou 1 dente de alho/dia

Pó de cebola Prebióticos e frutooligossacárides Controla pressão arterial 3 – 10 g/diaReduz colesterol total

Chá verde Catequinas Reduz risco de certos tipos de câncer 4 – 6 xícaras/dia

Chá preto Polifenóis Reduz risco de doença coronária —-

Tomate e produtos Licopeno Reduz risco de câncer de próstata ½ xícara/diacom tomate (30 mg ou 10 porções/semana)processado

Nozes Ácidos graxos monoinsaturados e vitamina E Reduz risco de doença coronária 28 a 56 g/dia

09 - NUT Controle das dislipidemias.pm6 03/03/08, 15:3735