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1
JONAS MATHEUS SOUSA DA SILVA
SACERDÓCIO DE CRISTO EM
SÃO LOURENÇO DE BRÍNDES
- artigo-
1 Edição Belém / PA
2020
2
Copyring© Jonas Matheus Sousa da Silva, 2020 ®Todos os direitos reservados *Correção gramatical e estilística: Prof .: Maria Conceição de Lima. *Diagramação: Jonas Silva.
*
Catalogação na Publicação (CIP) Ficha Catalográfica feita pelo autor
RESUMO
S586s Silva, Jonas Matheus Sousa da, 1989 – Sacerdócio de Cristo em São Lourenço de Bríndes / Jonas Matheus
Sousa da Silva. – Belém: Edição do autor, 2020. 42p.
ISBN: 978-85-5697-933-9 1.Teologia. 2.Franciscanismo. 3. Espiritualidade.
1.Título.
CDD: 100 CDU: 10
3
RESUMO
Fundamenta a reflexão no contexto do discurso
pastoral e cultural em que se enfatiza a ética da
alteridade em detrimento do discurso ontológico e
se tenta a nivelar o sacerdócio ordenado ao
sacerdócio batismal. Apresenta São Lourenço de
Bríndes (ou Brindisi) em níveis biográfico e
teológico. Ressalta a dogmática católica
defendendo a existência do sacerdócio comum dos
fiéis e do sacerdócio ministerial. Embasa a obra em
textos homiléticos do doutor Apostólico. Apresenta
o Sacerdócio de Cristo à luz dos mistérios da
Encarnação, da Cruz e da Eucaristia, com enfoque
no pensamento lourenciano. Fundamenta na
perspectiva do santo doutor o sacerdócio batismal e
o sacerdócio apostólico.
Palavras-chave: São Lourenço de Brindisi.
Teologia. Sacerdócio de Cristo. Sacerdócio
Batismal. Sacerdócio Apostólico.
4
INTRODUÇÃO
Em nossos tempos em que no espaço
secular se prima pela ética dialógica da alteridade,
seja na esteira de pensadores como Martin Bulber
(1878-1965) ou Emmanuel Levinas (1906-1995) na
esfera da cultura erudita, ou da predileção por
literaturas tais quais “O pequeno príncipe” de
Antoine Saint-Exupéry (1900-1944), na esfera da
cultura mais democratizada e; no âmbito
eclesiástico, e neste o da nossa Ordem Capuchinha,
imperativos como o de sair ao encontro da
alteridade nas periferias, de uma interpretação
democrática da sinodalidade da Igreja (Ex: no
Instrumentum Laboris do Sínodo para a
Amazônia), comunidade de comunidades, primazia
emergencial da comunidade ou fraternidade. Nesse
panorama com a tendência de se dar a importância
suprema à práxis da ética do encontro, pode-se por
a dimensão do fundamento ontológico, dogmático e
da própria identidade como algo amorfo e dado na
hermenêutica da liberdade cunhada pelo
5
existencialismo ateu, seja na opção do indivíduo,
seja na conveniência corporativa dos grupos
sociais.
Nota-se, atualmente, em discursos
teológicos-pastorais e documentos de pastores da
Igreja, uma ênfase bem visível em torno do
sacerdócio batismal e do protagonismo dos fiéis
leigos, quase em detrimento do sacerdócio
ministerial, talvez como uma resposta natural aos
escândalos de clérigos que desordenados em suas
sanidades afetivas, mancharam a fama da Igreja e
do sacerdócio ordenado perante o mundo,
assediando menores e pessoas vulneráveis, para
não enfatizar outros escândalos, como os de ordem
econômico-administrativa. Não é difícil notar,
ainda no âmbito eclesial, grupos de fiéis leigos
(coroinhas e mestres de cerimônia) que se
clericalizam no rubricismo liturgico e grupos de
ministros ordenados que se secularizam.
Nesse ambiente sintomático, o perigo
de querer nivelar tudo ao sacerdócio batismal é
renunciar a própria natureza da Igreja, humana,
6
porém de instituição divina, reafirmando os
mesmos erros eclesiológicos de Martinho Lutero,
do século XVI. Quanto a isso, afirma Bernard
Sesboüe (2005, p.163-164):
“No que diz respeito a Lutero, sua doutrina se apresenta
assim: (1) Todos os batizados são igualmente sacerdotes; (2)
não há mais, portanto, distinção entre sacerdotes e leigos;
(3) a ordem não é um sacramento; a única ordenação
sacramental que existe é a ordenação batismal; (4) aquele
que é encarregado do ministério é um sacerdote tirado
dentre os sacerdotes; cabe à comunidade reconhecer a
autenticidade da vocação do candidato e ordená-lo. Essa
ordenação, necessária é um simples rito, uma instituição
humana”.
A impostação de Lutero foi combatida
e corrigida pela Igreja que afirmou a participação
no único sacerdócio de Cristo como sacerdócio
batismal (interno ou invisível) e como sacerdócio
apostólico (externo ou visível), afirmados
dogmaticamente no Concílio de Trento (1545-
1563), asseverando que:
7
“Se alguém afirma que todos os cristãos indistintamente são
sacerdotes do Novo Testamento, ou que todos estão dotados
de poder espiritual igual entre si, não parece fazer mais que
pôr em desordem a hierarquia eclesiástica [cân. 6], que é
“como um exército em ordem de combate” [cf. Ct 6,4], como
se, contrariamente à doutrina do bem-aventurado Paulo,
todos fossem apóstolos, todos profetas, todos evangelistas,
todos pastores, todos doutores [cf. 1Cor 12,29; Ef 4,11]” (DS 1767).
Também o Concílio Vaticano II (1962-
1965), explicitou de modo inequívoco a existência
desses dois modos de participar e exercer o único
sacerdócio de Cristo na Igreja1, dado que
1 “Cristo Nosso Senhor, Pontífice escolhido de entre os
homens (cf. Hebr. 5, 1-5), fez do novo povo um «reino
sacerdotal para seu Deus e Pai» (cf. Apc. 1,6; 5, 9-10). Na
verdade, os batizados, pela regeneração e pela unção do
Espírito Santo, são consagrados para serem casa espiritual,
sacerdócio santo, para que, por meio de todas as obras
próprias do cristão, ofereçam oblações espirituais e anunciem
os louvores daquele que das trevas os chamou à sua admirável
luz (cf. 1 Ped. 2, 4-10). Por isso, todos os discípulos de Cristo,
perseverando na oração e louvando a Deus (cf. At 2, 42-47),
ofereçam-se a si mesmos como hóstias vivas, santas,
agradáveis a Deus (cf. Rm 12,1), deem. testemunho de Cristo
em toda a parte e àqueles que lha pedirem deem razão da
esperança da vida eterna que neles habita (cf. 1 Ped. 3,15) .O
sacerdócio comum dos fiéis e o sacerdócio ministerial ou
hierárquico, embora se diferenciem essencialmente e não
8
“foi Cristo quem comunicou seu sacerdócio à Igreja, Ele
que foi santificado e enviado ao mundo (cf. Jo 10, 36), fez
com que todo o seu Corpo Místico participasse da unção
com a qual ele mesmo foi ungido: nele, todos os fiéis
formam um sacerdócio santo e real (cf. Presbyterorum
Ordinis n.2)” (DANTAS, 2011, p.43).
Nesse contexto o pensamento e a
existência concreta de São Lourenço de Brindisi
(1559-1619), frade capuchinho, presbítero e doutor
da Igreja – nesse ano jubilar dos 400 anos de sua
gloriosa páscoa, pode nos dar luzes para
vivenciarmos a pluriformidade dos carismas e
ministérios ao interno da nossa fraternidade
capuchinha, na Igreja e no mundo, compreendendo-
apenas em grau, ordenam-se mutuamente um ao outro; pois
um e outro participam, a seu modo, do único sacerdócio de
Cristo. Com efeito, o sacerdote ministerial, pelo seu poder
sagrado, forma e conduz o povo sacerdotal, realiza o
sacrifício eucarístico fazendo as vezes de Cristo e oferece-o a
Deus em nome de todo o povo; os fiéis, por sua parte,
concorrem para a oblação da Eucaristia em virtude do seu
sacerdócio real,que eles exercem na recepção dos
sacramentos, na oração e ação de graças, no testemunho da
santidade de vida, na abnegação e na caridade operosa”.
(Lumen Gentium 10).
9
nos com o lume da verdade e justiça que refletem
em nós a beleza do Espírito Criador e da luz pascal
de Cristo que coliga Deus e homem no seu único
sacerdócio ao qual participamos com impressão do
caráter em nosso ser seja pelos sacramentos da
iniciação cristã (Batismo e Crisma), seja pelo
sacramento da Ordem, em torno do Seu e nosso
sacrifício eucarístico que gera a comunhão do novo
povo de Deus.
Conforme o papa teólogo, Bento XVI,
na catequese sobre o Doutor apostólico (2011):
“Até os fiéis mais simples, não dotados de uma grande
cultura, beneficiaram da palavra convincente de São
Lourenço, que se dirigia às pessoas humildes para exortar
todos à coerência da própria vida com a fé professada. Este
foi um grande mérito dos Capuchinhos e de outras Ordens
religiosas que, nos séculos XVI e XVII, contribuíram para a
renovação da vida cristã, penetrando em profundidade na
sociedade com o seu testemunho de vida e o seu
ensinamento. Inclusive hoje, a nova evangelização tem
necessidade de apóstolos bem preparados, zelosos e
intrépidos, para que a luz e a beleza do Evangelho
prevaleçam sobre as orientações culturais do relativismo
ético e da indiferença religiosa, e transformem os vários
modos de pensar e de agir num autêntico humanismo
cristão. É surpreendente que São Lourenço de Bríndisi
tenha podido realizar, ininterruptamente, esta atividade de
10
pregador apreciado e incansável em muitas cidades da Itália
e em diversos países, não obstante desempenhasse também
outros cargos delicados e de grande responsabilidade.
Efetivamente, no interior da Ordem dos Capuchinhos, ele
foi professor de teologia, mestre dos noviços, várias vezes
ministro provincial e definidor-geral e, finalmente, de 1602
a 1605, ministro geral. No meio de tantos trabalhos, São
Lourenço cultivou uma vida espiritual de fervor
extraordinário, dedicando muito tempo à oração e de
maneira especial à celebração da Santa Missa, que
prolongava frequentemente durante horas, arrebatado e
comovido no memorial da Paixão, Morte e Ressurreição do
Senhor”.
Relembrando de modo sintético a sua
vida, sob o influxo da Reforma Capuchinha (1528)
e da Reforma eclesial no Concílio de Trento (1545-
1563). Júlio César Rossi, após itinerário formativo
com os Franciscanos conventuais é admitido entre
os capuchinhos, tomando o hábito e o nome
religioso de Frei Lourenço de Brindisi. “Homem de
profunda doutrina e poliglota, dedicou-se ao
ministério da pregação na Itália e na Europa.
Desempenhou importantes encargos diplomáticos
a serviço da Igreja e da própria comunidade civil.
Escreveu muitas obras para a difusão e defesa da
fé” (MISSAL ROMANO, 2017, p.618). Foi
11
presbítero capuchinho, poliglota, pregador
apologista, emissário da Santa sé; Ministro Geral
da ordem capuchinha, adorador da Eucaristia,
piedoso filho de Maria Santíssima. Em suma,
“pastor, teólogo e santo” (cf. BALTHASAR apud
PEREIRA). Declarado doutor da Igreja – Doutor
Apostólico, por São João XXIII em 1959.
Para elucidarmos o nosso tema na
esteira do egrégio doutor capuchinho, tomaremos
enfoques de acenos do Marial, de quatro dos seus
sermões publicados em I Frati Cappuccini III/2, a
saber: 1. O Santíssimo sacramento do altar; 2. A
admirável mulher do Apocalipse; 3. Para a vestição
dos noviços; e 4. Para a profissão dos noviços, e do
Sermão Quaresmal, que está no Ofício das Leituras
da sua memória litúrgica.
12
1 SACERDÓCIO DE CRISTO
No único sacerdócio de Cristo feito ato
na união hipostática das suas naturezas humana e
divina na sua única pessoa de Verbo Encarnado, na
sua entrega no mistério pascal e na sua presença
real no sacramento da Eucaristia, mistérios da
humildade do Senhor mais caros ao
franciscanismo, dá-se a divinização da humanidade
que presta ouvidos no Espírito Santo ao Verbo de
Deus Pai, vivenciando o Sacrum Commercium, na
vida em Cristo como novo povo de Deus,
transfigurando a existência pela graça da vida cristã
que o insere na dinâmica do Reinado de Deus pela
participação nos sacerdócio do redentor, nas
modalidades batismal e apostólica.
São Lourenço de Brindisi soube
compreender e se deixar impregnar no pensamento
e na ação do único sacerdócio de Cristo, vivenciado
por ele nas dimensões sacramentais do batismo e
do presbiterado. De fato, o Doutor apostólico
aprendeu a se instruir na contemplação
13
transformadora do Verbo de Deus feito homem e
glorificado, conforme as Constituições
Capuchinhas que observava e ordenava que
“quem não sabe ler a Cristo, livro da vida, não tem a
doutrina suficiente que o habilite para poder pregar, ainda
que estudem. Se proíbe, pois, aos pregadores que levem
consigo muitos livros, dado que em Cristo encontrarão todas
as coisas [...] em suas pregações usem a Sagrada Escritura
e especialmente o Novo Testamento, e sobretudo o sagrado
Evangelho, a fim de que sendo nós pregadores evangélicos
mesmos capazes de gerar a povos evangélicos” (CONSTITUIÇÕES DE ROMA, 1536, p.41).
Afirmando que “as inúmeras
maravilhas feitas por Deus, na criação e na
redenção do gênero humano, todas estão
compreendidas em Cristo”(BRINDISI, 2007, p.
511), São Lourenço, conforme as teologia paulina e
joanina (cf. Cl 1; Jo 1), cara aos padres da Igreja
como Santo Irineu de Lião, São Gregório de Nissa
e ao escritor eclesiástico Orígenes, assegura a fé no
Verbo de Deus, o Cristo, que confere a justiça e
beleza a toda a criação como Sabedoria do Pai, por
14
isso nele está o principio da divinização e redenção
humana que transfigura a história e o universo,
conectando pelo mistério da encarnação, o
temporal ao eterno.
1.1 O mistério da Encarnação
Conforme o escrito aos Hebreus 2, 14-
18, a encarnação do Filho de Deus, é evento
essencial para que ele fosse o Sumo sacerdote da
nossa fé assim,
“uma vez que os filhos têm em comum a carne e o sangue,
por isso também ele participou da mesma condição, a fim de
destruir pela morte o dominador da morte, isto é, o diabo; e
libertar os que passaram toda a vida em estado de servidão,
pelo temor da morte. Pois não veio ele ocupar-se com anjos,
mas, sim, com a descendência de Abraão. Convinha, por
isso, que em tudo se tornasse semelhante aos irmãos, para
ser, em relação a Deus, um sumo sacerdote misericordioso e
fiel, para expiar assim os pecados do povo. Pois, tendo ele
mesmo sofrido pela tentação, é capaz de socorrer os que são
tentados”
15
Para São Lourenço, a Virgem Maria,
eleita e consagrada ao Pai pela obediência à sua
Palavra, é como a tenda da reunião de Deus com a
sua humanidade envolvida pela nuvem do Espírito,
como na peregrinação do povo hebreu no deserto;
porém, a Virgem Cheia de Graça vai mais além que
a simples figura, pois na sua abertura e escuta de fé
ao Verbo de Deus, ela aceita a incumbência de
tecer a túnica indivisível da humanidade de Cristo,
“Aquele que o céus não podiam conter, ela o
fechou em seu seio: ‘O Senhor cria uma coisa
nova na terra: a mulher circundará o homem; Eis
a virgem que concebe e dá a luz um filho’ (Jr
31,22; Is 7, 14): o Emanuel, o homem-Deus,
perfeito Deus e perfeito homem”(BRINDISI,
2007, p. 520).
Em Maria de Nazaré, Deus se faz
presente conosco, assumindo o tempo e a
mortalidade, elevando-os na irrupção da graça e da
eternidade, fazendo brotar na história o hoje
teológico e salvador que é Cristo e a dinâmica do
reinado de Deus. A graça de Deus pela Encarnação
16
do Verbo assume o drama da morte e da
fragmentação do criado, consequência da
desobediência de Adão e Eva, para na cruz do
Servo do Senhor (cf. Is 53) restituir ao que foi
fragmentado, a beleza da glória de Deus. Por isso,
“Hoje se encarnou o Verbo de Deus, o Unigênito
Filho de Deus: O Verbo se fez carne (Jo 1, 14):
assumiu a carne passível e mortal, para poder
padecer e morrer, para satisfazer a Deus por
nossos pecados e merecer para nós a graça e a
glória” (BRINDIS, 2004, p.81).
Nessa trilha São Lourenço propaga o
pensamento soteriológico, legado por Santo
Anselmo de Aosta no “Cur Deus homo”, da
salvação como necessária satisfação a Deus na cruz
do Filho eterno que se fez homem; dado que a
gravidade da ofensa e da injustiça do ser humano,
ao pecar desde Adão, exige justiça e reparação
perante a majestade de Deus, preço inviável a
simples criatura humana. Assim, São Lourenço
apresenta o sacerdócio de Cristo iniciado no
mistério da Encarnação para que execute a
17
satisfação em nome da humanidade que assumiu,
no sacrifício da cruz. No entanto, o Doutor
apostólico acentua mais a graça divina que a
influência do pecado, no mistério da assunção da
nossa humanidade pelo Verbo do Pai e no seu
mistério Pascal. São Lourenço, alia-se ao ilustre co-
irmão franciscano beato Duns Scotus, o Doutor
sutil e, revestido do franciscano estupor perante o
mistério da humildade do nosso Deus, segue a via
da teologia dos padres gregos contemplando a
glória de Deus que quer divinizar o ser humano;
enfatizando na sua teologia a admiração e
solenidade vivenciada pela espiritualidade
franciscana perante o mistério do natal do Senhor.
É no sentido de dar a primazia à graça de Deus que
quer manifestar a sua glória dando a vida eterna à
criatura humana mediante a contemplação da Sua
face, que é o Verbo, Imagem do Deus invisível (cf.
Cl 1; IRINEU, 1995, p.430-438), que transfigura a
humanidade. São Lourenço faz ecoar na sua
teologia o teologúmeno do Doutor sutil: “Se Cristo
não houvesse vindo como redentor na carne
18
passível, haveria vindo como glorificador em um
corpo glorioso, como se manifestou na
Transfiguração: haveria vindo como fonte de
graça e como autor da glória”(BRINDIS, 2004,
p.82).
Na via da teologia paulina contida no
primeiro capítulo da epístola aos Colossenses,
refletida abundantemente na patrística grega e na
de Santo Irineu de Lião, o Doutor Apostólico
anuncia que
“Cristo é o fundamento de toda a criatura, de toda a graça e
de toda a glória, posto que ele é o fim de todas as coisas, por
ele todas foram criadas [...] Deus, nosso criador, colocou
Cristo como fundamento de nossa salvação, já antes do
princípio do mundo, a fim de que, no caso de nossa
prevaricação, pudéssemos ser renovados nele. Por isso
Cristo foi predestinado também como Redentor, por si
chegara a ser necessária a redenção”(BRINDIS, 2004,
p.85).
Por esse fundamento, São Lourenço
apresenta Cristo em relação com o conjunto das
criaturas, como o centro e finalidade de tudo o que
19
foi criado. Pois se tudo foi criado por vontade do
Pai no Filho e para o Filho, só o Filho pode restituir
tudo ao Pai pelo dom do Espírito, sendo o
sacerdócio que lhe é próprio realizado na sua
relação com o criado, sobretudo com o ser humano
que é microcosmo (cf. BASÍLIO, 2015, p.75)2,
marcado pela possibilidade de assumir e conferir à
criação que geme em dores de parto, esperando a
revelação dos filhos de Deus (cf. Rm 8) a beleza da
transfiguração e divinização, posto que no Amor de
Deus manifesto em Cristo, Deus regenera, atraindo
a si todo o ser (cf. Apc 21, 1.5; Jo 6,44; 12, 32).;
assim, “Deus ama a Cristo sobre todas as coisas e
ama a todas as coisas por causa de
Cristo”(BRINDIS, 2004, p.91).
2 “A moldagem feita por Deus não é desta espécie. Ele
plasmou o homem, e sua atividade criadora o organizou em
profundidade, partindo do interior. Se dispusesse de tempo
suficiente para te mostrar a estrutura do homem, aprenderias
pelo conhecimento de ti mesmo a sabedoria de Deus ao te
criar. Na verdade, o homem é uma miniatura do cosmo
(microcosmo), e têm inteira razão os que o honram com tal
designação. Quantos estudos se empregaram nesta questão!”
(BASÍLIO, II Homília Sobre a Origem do homem. n.14).
20
Disso compreendemos que toda a
bondade, beleza e verdade presente na criação,
foram feitas no Filho, para participar da comunhão
trinitária, no Amor do Pai ao Filho unigênito. O
Filho pode colocar tudo na própria atuação do
Espírito de Amor para que em tudo seja glorificado
o Pai, fazendo brilhar na nova humanidade, a
imagem de Deus uno e trino, pela transfiguração
que o Espírito do Senhor realiza, fazendo-nos
semelhantes a Ele, filhos no Filho, pois
“em Cristo homem se dá toda a perfeição da natureza, da
graça e da glória pela graça da união divina: fruto bendito,
não apenas tesouro da divindade, mas também tesouro de
quanta perfeição da natureza, da graça e da glória se pode
encontrar na terra entre a humanidade e no céu entre os
anjos”(BRINDIS, 2004, p.251).
Ao assumir de modo perfeito e total
tudo o que é genuinamente humano no mistério da
Encarnação, Cristo salva o que lhe pertence, pois
tudo foi criado para Ele. A natureza humana
21
assumida se torna o templo e o propiciatório onde o
Filho de Deus exerce o seu sumo sacerdócio, pela
aspersão do seu sangue, obtendo-nos o perdão e a
paz. De fato, “aquele mesmo Deus que assumiu
nossa carne e dela se fez um tabernáculo mais
amplo e perfeito, não criado pela mão humana,
mas por obra divina: ‘E o Verbo se fez carne e
habitou entre nós’(Jo 1, 14)”(BRINDISI, 2007, p.
505).
Na homilética de São Lourenço, em
diálogo com o povo hebreu, todo o Antigo
Testamento aponta para o mistério do sacerdócio
de Cristo que se dá na Encarnação e na cruz.
Afirma o Doutor apostólico:
“E que pensais, meus ouvintes, que fosse aquele divino
tabernáculo senão um enigma incompreensível de Cristo? O
que era aquela arca senão a figura da carne de Cristo
assumida pelo Verbo em unidade pessoal? "Nele habita,
conjunta com a humanidade, a plenitude da divindade” (Col
2,9). Que pensais que fossem aquela vara florida, as tábuas
da lei e o vaso de maná senão os símbolos manifestos do
poder, da sabedoria e bondade divina em Cristo,
comunicadas à natureza humana pela união hipostática das
naturezas, da qual resulta a comunicação dos "idiomas"
22
naturais? E o propiciatório divino sobre o qual estava Deus,
não era a figura da alma santíssima de Cristo, à qual
principalmente se uniu a divindade e da alma à carne? E os
querubins da glória não se assemelhavam ao intelecto e ao
afeto na parte superior da alma de Cristo, que sempre foi
bem-aventurada e gloriosa desde o primeiro instante da
concepção? Eis enigmaticamente descrito, todo o
Cristo.”(BRINDISI, 2007, p. 506-507).
Na esteira de São João Damasceno
(1996, p.190), sem desmerecer o título franciscano
de Maria, esposa do Espírito Santo, São Lourenço,
no seu discurso apologético do mistério da
divindade de Cristo, Filho de Deus, e do realismo
da sua encarnação, não subestima em chamar a
Virgem Maria, não só de Mãe de Deus, mas
também de “Esposa de Deus”, no sentido de esposa
do Pai eterno, pois a partir da Encarnação do Verbo
no seu ventre e da perfeita união das naturezas
divina e humana na única pessoa do Verbo
encarnado, se dá o sacerdócio de Cristo como
sacrum commercium entre Deus e a humanidade,
não apenas na união hipostática em Jesus Cristo,
mas no matrimônio místico e concreto entre a
23
primeira pessoa da Trindade e a Virgem toda santa.
Pois o unigênito de Maria é o mesmo unigênito de
Deus Pai; nesse sentido a atuação do Espírito Santo
na Encarnação é de ser o próprio vínculo de Amor,
o meio divino no qual o Pai desposa a humanidade
re-criada em Maria, entregando ao mundo criado o
seu Filho, pelo Espírito, para atrair todos a si. Pois
“Cristo rei dos reis e Senhor dos governantes, o Unigênito
Filho de Deus e da Virgem Maria. A Virgem Mãe de Deus,
a Mãe de Cristo, a Esposa de Deus... [...] a Virgem é esposa
de Deus e Mãe de Cristo, assim como Eva foi mulher de
Adão e geradora de homens [...] Rainha do céu, Esposa do
Sumo Rei, e que concebeu e gerou Cristo, Filho Unigênito
de Deus e verdadeiro Deus”(BRINDISI, 2007, p. 515 / 517).
1.2 O mistério da Cruz
O drama da Cruz do Verbo encarnado é
visto por São Lourenço com todo o realismo do
amor divino que se faz concreto na história e que
não desdenha entrar no mistério do sofrimento que
é a pedra de toque do amor humano que progride
24
de eros e phília e se faz oblação no ágape de Deus;
assim, “a dor nasce do amor e o amor mesmo é a
medida exata da dor. De um amor grande se
deriva uma grande dor”(BRINDIS, 2004, p.65).
Jesus Cristo, genuíno membro do seu
povo, “nascido sob a Lei” (Gl 4,4) conheceu e
vivenciou as escrituras vetero-testamentárias,
compreendendo sempre mais claramente o seu
modo singular e próprio de ser filho de Deus Pai, à
luz das profecias e do testemunho de João Batista;
compreendeu com sua inteligência humana a sua
missão de ser o Cordeiro/servo do Senhor,
profetizado por Isaias (cf. Jo 1,29 / Is 53). Para o
Doutor Apostólico este conhecimento está presente
no Senhor desde a sua concepção. Desse modo,
afirma que
“Cristo, no primeiro instante da sua concepção não só
conheceu o beneficio a ele conferido, senão também a
vontade de Deus de sobre a redenção e salvação do gênero
humano por meio da paixão e morte de cruz. Pois ele se
ofereceu desde então ao Pai para sofrer a Paixão e morte de
cruz para a salvação do mundo. Essa disposição foi já um
verdadeiro sacrifício de infinito mérito e valor, até o ponto
25
que não foi de maior mérito o sacrifício real da Cruz. Com
efeito, o mérito não surge do ato externo, mas do amor e da
graça.”(BRINDIS, 2004, p.155).
Sobre o sacrifício redentor do Verbo
encarnado, São Lourenço, enfatiza os frutos da
Cruz do Senhor, expressando:
“foi dádiva muito grande, ó almas estimadas, que Cristo se
deu a nós como preço, morrendo [...] como preço nos deu
medicina contra os vícios [...] conseguiu que não
pecássemos, [...] reconciliou-nos com Deus, [...] resgatou-
nos da escravidão do demônio e do pecado, [...] libertou-nos
da morte, [...] justificou-nos”(BRINDISI, 2007, p. 512).
Nessa trilha, o tomo aos Hebreus 9, 24-
263, evidencia a excelência do único e eficaz
3 Sobre a Cristologia sacerdotal em Hebreus, afirma Vanhoye
(1983, p65): “O autor de Hebreus releu os textos antigos à luz
da Paixão de Cristo [...] desse modo completou sua
demonstração. Para reconhecer Cristo como Sumo Sacerdote,
como já vimos, ele havia partido da situação atual de Cristo e
dos Cristãos. Agora, Cristo está junto de Deus e nos coloca
em relação com Ele, integrando-nos em seu próprio corpo.
Assim, ele é o nosso mediador e, mais do que ninguém, tem
direito ao título de sumo sacerdote”.
26
sacerdócio de Cristo, que se ofereceu na Cruz e está
glorificado com a nossa humanidade assumida à
direita do Pai:
“Cristo não entrou num santuário feito por mão humana,
réplica do verdadeiro, e sim no próprio céu, a fim de
comparecer, agora, diante da face de Deus a nosso favor. E
não foi para oferecer-se a si mesmo muitas vezes, como o
sumo sacerdote que entra no Santuário cada ano com
sangue de outrem. Pois, se assim fosse, deveria ter sofrido
muitas vezes desde a fundação do mundo. Mas foi uma vez
por todas, agora, no fim dos tempos, que ele se manifestou
para abolir o pecado através do próprio sacrifício”
Compreendendo os frutos da Paixão do
Senhor, também presentes na Eucaristia, e na vida
do cristão nutrido pelo Pão Celeste; seguindo São
Paulo e São Gregório Magno, São Lourenço afirma
o prolongamento da cruz redentora na vida cristã
dizendo que:
27
“embora a Paixão de Cristo tenha sido suficiente e a
Redenção copiosa, e para nós satisfez ao Pai Eterno de
maneira exuberante, é também verdadeiro o que diz São
Gregório ‘Cristo não completou todas as coisas’”[...] Deixou
alguma coisa também para nós [...] a fé ajude ao cristão a
obter a herança eterna que o Filho de Deus, feito homem,
adquiriu com sua Paixão e derramamento de sangue e
morte aceita por seu amor” (BRINDISI, 2007, p. 527).
A Paixão gloriosa do Verbo encarnado
e glorificado se faz presente no sacramento do seu
Corpo e Sangue, no coração da Igreja, como sua
fonte e ápice (cf. Sacrosanctum Concilium;
Lumen Gentium). Por isso a Eucaristia é ao centro
do novo povo de Deus o memorial realizador do
único sacrifício de Cristo, Deus e homem,
verdadeiro Sumo sacerdote.
1.3 O mistério da Eucaristia
O Doutor Apostólico vivencia, defende
e propaga a adoração ao Sacramento da Eucaristia,
anunciando a presença real do Filho de Deus,
28
encarnado e glorificado, no Sacramento do Altar,
pois:
“Cristo é o diviníssimo sacramento da Eucaristia. Este é o
sacramento da graça, da caridade e do amor entre todos os
sacramentos. Não é, porém, tão superior aos demais
sacramentos, como o sol aos demais planetas e estrelas, o
fogo aos outros elementos, o firmamento aos outros céus, o
homem aos demais animais e o serafim aos demais anjos,
mas quanto Deus é superior às outras criaturas, porque o
que contém neste sacramento é Jesus Cristo, Filho de Deus
e da Virgem Maria, Deus e homem”(BRINDISI, 2007, p.
504).
Na trilha de São Francisco de Assis na
Carta a toda a Ordem (cf. FRANCESCO, 1978,
p.90), São Lourenço ver no sacramento da
Eucaristia, um novo modo de descida de Deus da
Glória do Pai para junto da humanidade redimida
no mundo assim como no mistério da Encarnação.
Afirma o santo que
“não somente quis este Deus estar conosco pelo admirável
mistério da encarnação, Deus feito homem para fazer dos
29
homens participantes da natureza divina (cf. 2 Pd1,4), mas
também, outrossim, incompreensível e inefável através do
diviníssimo sacramento do altar, no qual verdadeiramente
Deus está no meio de nós. Cristo Jesus, Filho de Deus e da
Virgem Maria, verdadeiro Deus e perfeito homem, vive
neste Santíssimo Sacramento: "Deus está no meio de nós. E
eis que estou convosco todos os dias até o fim do mundo"
(Mt 28,20).”(BRINDISI, 2007, p. 506).
Afirmando a presença real do Senhor
sob as espécies sacramentais, São Lourenço ver que
o Redentor ao se fazer alimento de vida eterna para
os cristãos, ao mesmo tempo os diviniza (cf 2 Pd);
assim,
“este diviníssimo sacramento da Eucaristia deifica-nos,
une-nos com Deus, transforma-nos em Deus, faz-nos outros
deuses.Os outros sacramentos são vasos da graça de Cristo.
Este contém o próprio Cristo, com toda sua plenitude fontal
da graça, dos méritos, da glória e da divindade de Cristo:
Deus está conosco.”(BRINDISI, 2007, p. 508).
Pela presença real do Filho de Deus, no
sacramento do altar, excedendo a graça de todos os
demais sacramentos é justo e necessário prestar à
30
Eucaristia o mesmo culto de adoração e esmero
litúrgico que se presta ao Deus uno e trino.
“A mesma honra devida a Deus deve ser dada a este
sacramento, o louvor que convém a Deus deve ser prestado
a este sacramento. A adoração e o culto que se concedem a
Deus devem ser dados a este sacramento diviníssimo,
porque é o mesmo Deus: Deus está conosco” (BRINDISI,
2007, p. 511).
Participando da comunhão da Igreja ao
seu divino esposo presente na Eucaristia, os
cristãos, em virtude do Batismo, exercem na
história a sua participação no sacerdócio de Cristo,
oferecendo-se unidos a Ele, pelo Espírito de amor
ao Pai.
31
2 O SACERDÓCIO BATISMAL E A
CONVERSÃO CRISTÃ
Fortificados pelo Sacramento da
Eucaristia, os batizados e crismados, libertos do
domínio do demônio e do pecado se tornam
membros da família dos redimidos e combatentes
em nome de Cristo para viver na liberdade dos
filhos de Deus. Assim, o Doutor Apostólico
exclama sobre os dois primeiros sacramentos da
vida cristã:
“Que excelência a do batismo, que de trevas nos faz luz, de
réus de morte a sermos dignos da glória do paraíso, de
escravos do demônio, filhos de Deus! O crisma faz-nos
soldados de Cristo, heróis e semideuses de valor invencível
para combater contra todos os inimigos do vivo espírito de
Cristo” (BRINDISI, 2007, p. 508).
Vivenciando a vida cristã, na busca de
estar sempre conservando em si o mistério da
salvação, o cristão deve fazer seguir à fé as boas
obras, pois “toda boa obra merece perante Deus
32
não apenas o aumento da recompensa e do
premio futuro, mas também o incremento da
graça e da caridade no tempo presente, na
Igreja”(BRINDIS, 2004, p.578).
Dessa forma, a participação do batizado
no sacerdócio de Cristo é vida de oblação de si
mesmo, unindo a própria existência e o sacrifício
cotidiano, ao sacrifício sacerdotal do Senhor. De tal
modo, “ ao cristão [...] é preciso agir bem, fugir
dos pecados, viver na graça de Deus e suportar,
com paciência, a cruz de Cristo, renegando a
própria vontade, mortificando a si mesmo e
conformando-se em tudo com a vontade de Deus”
(BRINDISI, 2007, p. 527). Como exortam os
santos apóstolos Pedro e Paulo: “Chegai-vos a ele,
a pedra viva, rejeitada, é verdade, pelos homens,
mas diante de Deus eleita e preciosa. Do mesmo
modo, também vós, como pedras vivas, constituí-
vos em um edifício espiritual, dedicai-vos a um
sacerdócio santo, a fim de oferecerdes sacrifícios
espirituais agradáveis a Deus por Jesus Cristo (1
Pd 2, 4-5)”; e “pela misericórdia de Deus,
33
ofereçais vossos corpos como hóstia viva, santa e
agradável a Deus: este é o vosso culto espiritual
(Rm 12,1)”
Vinculando a eclesiologia e a
mariologia, o Doutor apostólico ver a Imaculada
Mãe de Deus como modelo do sacerdócio batismal
dos membros da Igreja, pois nela se reflete
perfeitamente a imagem de Deus que é Cristo
salvador, e na sua virgindade no corpo e na alma, o
exemplo de fidelidade a Deus que deve ser
vivenciado pelos cristãos, na sua união ao
sacerdócio de Cristo, como verdadeira via de
sabedoria.
“A concepção imaculada manifesta a ‘sabedoria’, porque
na alma da Virgem pintou em um só instante a mais perfeita
imagem de Cristo em cores vivas, inteiramente sem mancha;
porque muito melhor é a virgindade intacta e perpétua do
espírito que a da carne. Desse modo Deus fez que, assim
como não conheceu homem, permanecendo intacta no
corpo, também não fosse violada no espírito pelo
diabo”(BRINDIS, 2004, p.477).
34
Para a vivência da vocação cristã, como
fiel união ao Cristo, faz-se necessária a presença do
Espírito Santo, para conformar sempre mais o
batizado ao Senhor em estreita união ao seu
Sacerdócio que restitui a humanidade ao Pai. Por
isso São Lourenço exorta que “invoquemos o
Espírito Santo para que vos assista com a sua
graça divina e encha vosso coração com o divino
amor, a fim de que a oferta seja melhor aceita e,
em contrapartida, vos dê a perseverança para agir
bem e cumule vossa almas de méritos nesta vida e
de glória na outra” (BRINDISI, 2007, p. 531).
Em correspondência aos cristãos que
ofertam com Cristo as oblações de suas próprias
existências assinalada pela cruz do Senhor, como
sacerdócio interno e invisível, Cristo instituiu nos
seus apóstolos e seus sucessores o sacerdócio
visível e externo que perpetua, no anúncio da
Palavra e na efetivação da vida sacramental, o
sacerdócio do Filho de Deus que, mediante suas
encarnação, cruz e ressurreição, trouxe aos que
aderem ao seu chamado para participar do seu
35
corpo místico, a Igreja, os dons da graça, da
redenção e da glorificação.
36
3 O SACERDÓCIO APOSTÓLICO
O Sacerdócio apostólico é apresentado
por São Lourenço como um excelso e
transcendente mistério, ilustrado pelo sacerdócio de
Melquisedec, tipo do próprio sacerdócio de Cristo,
de modo que “como fez com o grande sacerdote de
Deus, Melquisedec, rei de Salém [...] desta
maneira e com certa majestade divina foi
apresentado o sacerdócio, como algo celeste e
divino, não humano nem nascido da terra”
(BRINDISI, 2007, p. 516). Essa transcendência do
ofício sacerdotal confere ao ministro ordenado, o
representar o próprio Deus salvador, posto que “a
ordem sagrada faz-nos quase outros deuses na
terra pela dignidade, honra e poder” (BRINDISI,
2007, p. 508).
Ainda o ofício do sacerdócio apostólico
implica em pregar a Palavra de Deus para suscitar a
fé e a salvação, cooperando para que os Cristãos
cresçam nas virtudes. Afirma São Lourenço:
37
“veio Cristo, Deus e homem, para pregar a palavra de Deus.
E para esse mesmo fim enviou os Apóstolos, como antes
enviara os Profetas. Por conseguinte, a pregação é um dever
apostólico, angélico, cristão, divino. Assim se manifesta por
meio da palavra de Deus a multiforme riqueza da sua
bondade, porque ela é um tesouro onde se encerram todos
os bens. Dela procedem a fé, a esperança e a caridade, todas
as virtudes, todos os dons do Espírito Santo, todas as bem-
aventuranças do Evangelho, todas as boas obras, todos os
méritos da vida, toda a glória do paraíso: Recebei a palavra
que em vós foi semeada e que pode salvar as vossas almas.”
Porém, esse ofício sagrado, que
imprime um caráter a mais, que o batismo e a
Crisma, devem impulsionar os que receberam o
múnus do sacerdócio apostólico a viverem mais
estreitamente unidos a Cristo, seguindo o exemplo
do apóstolo São João que
“amava a Cristo acima de tudo, com todo o afeto, com
sinceridade de coração” [...] João, que com amor especial
reclinou-se sobre o peito do Senhor e que tinha escolhido a
melhor parte de Maria e que não lhe será tirada, dedicou-se
à contemplação divina após a ascensão de Cristo ao céu. No
entanto, mais intensamente, consagrou-se aos problemas de
Deus durante a perseguição, sendo este sempre o costume
dos santos” (BRINDISI, 2007, p. 514. 513).
38
CONCLUSÃO
Por tudo isso, é genuíno se fiar no
Doutor Apostólico para embasar a realidade
cristológica do sacerdócio do Senhor nos mistérios
da Encarnação, da Cruz e da Eucaristia –caros à
espiritualidade seráfica - e, ao mesmo tempo, haurir
da doutrina lourenciana, para compreender de
modo eclesiológico a participação dos membros do
novo povo de Deus, em dois modos, do único
sacerdócio de Cristo, através do sacerdócio comum
que se recebe no Batismo e do sacerdócio
apostólico que se recebe no sacramento da Ordem,
de modo que se compreenda esse mistério como
reflexo das perfeitas naturezas divina e humana na
única pessoa do Verbo encarnado que incide essa
realidade na própria natureza da Igreja, conforme a
fé proclamada nos Concílios da Igreja de Cristo,
para que se respeite a pluriformidade na única
sinfonia da Igreja, que revela a verdade de Deus e
da humanidade, no mistério de Cristo.
39
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