34
1 XIV Congresso Brasileiro de Sociologia 28 a 31 de julho de 2009, Rio de Janeiro (RJ) Grupo de Trabalho: Teoria Sociológica IMAGENS DE WEBER: esboço de uma tipologia das interpretações do pensamento weberiano CARLOS EDUARDO SELL (UFSC – UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA)

Sbs2009 GT29 Carlos Eduardo Sell

Embed Size (px)

DESCRIPTION

Artigo excelente para o que é secularização para tolos que vem com papo de reencantamento e essas outras bobagens.Artigo excelente para explicar o que é secularização para tolos que vem com papo de reencantamento e essas outras bobagens.

Citation preview

Page 1: Sbs2009 GT29 Carlos Eduardo Sell

1

XIV Congresso Brasileiro de Sociologia 28 a 31 de julho de 2009, Rio de Janeiro (RJ) Grupo de Trabalho: Teoria Sociológica

IMAGENS DE WEBER: esboço de uma tipologia

das interpretações do pensamento weberiano

CARLOS EDUARDO SELL (UFSC – UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA)

Page 2: Sbs2009 GT29 Carlos Eduardo Sell

2

RESUMO: Qual o eixo ou o coração da produção intelectual de Max Weber? Esta questão, especialmente atual, tendo em vista o trabalho de re-edição dos escritos weberianos que ainda está em curso, fecunda ainda hoje a rica e diversificada discussão sobre o sentido global do pensamento deste autor. Este trabalho busca situar esta discussão em seu desenvolvimento histórico e apresenta a recepção de Weber no contexto intelectual da Alemanha e dos Estados Unidos. Com base nestes dois contextos são descritas algumas das principais vias de interpretação que se propõem a identificar o núcleo das investigações de Weber, descritas como: sociologia da racionalização, sociologia histórico-comparada e sociologia econômica. Visando fornecer um aperçu do estado da arte em torno deste debate, cada um destes pontos de vista será apresentado para, ao final, identificar e discutir algumas das questões de fundo que subjazem e diferenciam os diferentes modelos hermenêuticos de compreensão do pensamento weberiano. PALAVRAS-CHAVE: Weber, Weberianismo, Recepção, Interpretação.

Em relação ao cânone de autores considerados como “clássicos” do

pensamento sociológico, duas peculiaridades cercam, atualmente, a obra de Max

Weber. Em primeiro lugar, longe de cristalizar-se em um paradigma teórico, com

seu conjunto de autores e premissas compartilhadas, como ocorre no caso do

funcionalismo de Émile Durkheim ou mesmo no marxismo oriundo de Karl Marx, a

teoria weberiana não se tornou um corpo sistemático e auto-referenciado de

conceitos dos quais Weber seria a fonte. Falar em pensamento weberiano não

significa adotar o ponto de vista de uma doutrina ou de um modelo de análise, pois

a expressão remete, em regra, diretamente, ao próprio pensamento do autor

enquanto tal.

A outra peculiaridade reside justamente nas propriedades de sua obra. Neste

campo, enquanto pode-se dizer que o estado da arte da exegese sobre as obras

de Durkheim e Marx encontra-se relativamente pacificado (com nenhuma

novidade ou disputa teórica nova realmente relevante), não é este o caso do

pensamento de Max Weber. Acompanhando o trabalho de re-edição de seus

escritos, iniciado em meados dos anos 70, a interpretação da obra de Weber não

é consensual e a tentativa de localizar as linhas mestras de seu pensamento está

em plena efervescência. Partindo deste dado, o objetivo deste “working paper”1

1 Este texto é parte de uma pesquisa mais ampla (resultado de Bolsa de Produtividade em Pesquisa) cujo tema é o problema da racionalização na obra de Max Weber.

Page 3: Sbs2009 GT29 Carlos Eduardo Sell

3

será apresentar e discutir criticamente algumas das principais interpretações

globais existentes atualmente sobre a obra de Weber, destacando a imagem que

cada uma delas nos fornece de seu pensamento tomado em seu conjunto.

Procuro concentrar-me, de forma ilustrativa, na revisão de autores que buscam

uma visão abrangente do corpus textual weberiano, dispensando a (imensa)

massa de literatura que trata de aspectos particularizados (ainda que relevantes)

de seu pensamento, como é caso de sua epistemologia ou teoria política, por

exemplo.

A consagração de Weber como autor canônico na formação dos cientistas

sociais confere, sem dúvida, uma dimensão transnacional ao seu pensamento e

sua presença e influência repercutem nas mais diversas áreas da pesquisa, como

a sociologia, a economia, a história e a ciência política, entre outras2. Além disso,

Weber foi traduzido e é utilizado nos mais diversos contextos nacionais e

intelectuais em uma miríade de áreas diferentes de aplicação empírica e busca de

compreensão dos fenômenos sociais3. Tudo isto torna imensamente complexo o

empreendimento de caracterização dos padrões de leitura de sua obra. Não

obstante esta imensa diversidade, se isolarmos os contextos em que a reflexão

sobre Weber foi além de sua utilização instrumental no campo da pesquisa

aplicada para converter-se, de forma sistemática e abrangente, no debate sobre o

conteúdo de sua obra, dois países se destacam: a Alemanha e os Estados

2 Para uma visão global do processo de recepção do pensamento weberiano, veja-se: TURNER, Charles. History of Weberian Social Thought. SMELSER, Nei e BALTES, Paul. (eds.). International Encyclopedia of The Soicial and Behaviorral Sciences. Amsterdam: Elsevier, 2001, p.16.407-16.412, Vol.24. 3 Para o caso francês, conferir: HIRSCHHORN, Monique. Max Weber et la sociologie française. Paris: L’Harmattan, 1988; STEINER, Philippe. L´Anné Sociologique et la reception de l’oeuvre de Max Weber L’Archive Européennes de Sociologie, 33, p.329-349, 1992); A recepção japonesa é discutida por: ROTH, Guenter. Max Weber at Home in Japan: On the Troubled Genesis and Sucessfull Reception of His Work. International Journal of Politics, Culture and Sociology, 12, 1999, p.515-525 e SCHWENKER, Wolfgang. Max Weber in Japan: Eine Untersuchung zur Wirkungsgeschichte 1905-1995. Tübingen: J.C.B. Mohr, 1998. Sobre a Itália: DI MARCO, Giuseppe Antonio. Max Weber in Itália: Linee di uma interpretazione. Annali della Facoltá di Lettere e Filosofia dell’Universitá di Napoli, 1983, 23, p.245-370. Para o México: HERNANDEZ, Rafael Farfan. La recepción actual de Weber (1994) e, em se tratando da Espanha: La presencia de Max Weber em el pensamiento espanhol. Ciência, Pensamento e Cultura, 2007, 726, p.545-566. Em relação a Polônia: SZACKI, Jerzy. Max Weber in Polish Sociology. Polish Sociological Buletin, I, 1982, p.25-31.No caso da América Latina, veja-se: ZABLUDOVSKI, Ginal. The reception and utility of Max Weber’s concept of patrimonialism int Latin América. International Sociology, 1989, vol.4 (01), p.51-66.

Page 4: Sbs2009 GT29 Carlos Eduardo Sell

4

Unidos. Não se trata de afirmar que os diferentes processos de recepção nacional

são os fatores determinantes na interpretação da obra de Weber. No entanto, a

adoção desta perspectiva nos fornece um recurso metodológico privilegiado a

partir do qual torna-se possível organizar, de um ponto de vista analítico, as

diferentes perspectivas que guiam, atualmente, a interpretação do pensamento

weberiano. Nesta direção, a primeira e a segunda partes deste trabalho

descrevem a recepção de Weber no ambiente intelectual germânico e americano.

A parte final realiza um balanço geral e aponta para as questões envolvidas no

debate acerca do sentido global da sociologia weberiana.

1. Tradição alemã

Na pátria de Weber, a difusão de sua obra foi bruscamente interrompida pela

Segunda Guerra Mundial, marcando um divisor de águas no fluxo de discussão

sobre o seu pensamento. A emergente discussão filosófica iniciada nos anos 30

foi seguida, no pós-guerra, por uma forte onda de questionamento sobre o caráter

da teoria política weberiana para ressurgir, de forma ampla e sistemática, apenas

no decorrer dos anos 704. A seguir, situo os momentos iniciais desta trajetória,

para, em um segundo momento, caracterizar a principal abordagem da sociologia

weberiana vigente, hoje, na Alemanha: a sociologia da racionalização.

1.1. Antecedentes

Em seus primeiros passos, a propagação do pensamento weberiano contou

com o apoio decisivo de sua esposa, Marianne Weber, que além de organizar e

4 Um dos primeiros esboços de resenha dos trabalhos sobre Weber na Alemanha pode ser encontrado no texto de MITZMAN, Arthur. La jaula de hierro: uma interpretación histórica de Max Weber. Madrid: Alianza Editorial, 1976, p.271-278. Para trabalhos mais recentes, veja-se: SEYFHARTH, C. et al. Max Weber Bibliographie: Eine Dokumentation der Sekundërliteratur. Sttutgart: Enke, 1977 e SEYFARTH, Constans. The West Germany Discussion of Max Webers Sociology of Religion since the 1960s. Social Compass, vol.27, n.1, p.09-25; KAESLER, Dirk. Max Weber, Eine Einfürung in Leben, Werk und Wirkung. Frankurt: Verlag, 1996.

Page 5: Sbs2009 GT29 Carlos Eduardo Sell

5

publicar o corpus textual weberiano5, redigiu a principal biografia6 existente sobre

o autor. Após a segunda guerra, este papel institucional caberá a Johannes

Winckelmann que, além de ter participado da edição de Economia e Sociedade7,

também publicou importantes escritos de divulgação8 da teoria de Weber. Nos

anos da década de 30, a obra de Weber já começava a ser apreciada em termos

analíticos globais, emergindo daí trabalhos que destacam sua face política (Carl

Schmidt)9 ou mesmo epistemológica (Alexander Von Schelting10). Neste contexto,

é especialmente o tema da racionalização, em um sentido fortemente filosófico,

que receberá a atenção dos primeiros intérpretes de Weber, como testemunham

os trabalhos de Andreas Walther (1926), Siegfried Landshutt (1929), Hans Frayer

(1930), Christop Steding (1932) e Karl Löwith (1932)11. Nesta fase inicial, a teoria

weberiana também se difunde por outros contextos teóricos e passa a influenciar

trabalhos como o de Georg Lukács (1922)12, ponto de partida do chamado

5 É da autoria de Marianne Weber a organização dos textos weberianos de acordo com a seguinte divisão temática: Gesammelte Aufsätze zur Religionsoziologie (3 vols.), 1920-1921; Gesammelte Politische Schriften, 1921; Wirtschaft und Gesellchaft, 1922; Gesammelte Aufsätze zur Wissenchaftleren, 1922; Gesammelte Aufsätze zur Sozial und Wirtschaftgeschichte, 1924; Gesammelte Aufsätze zur Soziologie und Sozialpolitik, 1924; Jugendbriefe, 1936. 6 O texto foi publicado, pela primeira vez, em 1926: WEBER, Marianne. Max Weber: Eins Lebensbild. Tübingen: Mohr-Siebeck. A comparação entre a biografia de Marianne Weber e os textos biográficos posteriores é realizada por KAESLER, Dirk. Still Waiting for a Intelectual Biography of Max Weber. Max Weber Studies, 2007, vol.7(1), p. 97-118. 7 Estes prefácios estão disponíveis na edição brasileira de Economia e Sociedade: Cohn (1991). Dentre os trabalhos mais recentes do autor, conferir também: Die Herkunft von Max Webers ‘Entzauberungs’-Konzeption. Kölner Zeitschrift für Soziologie und Sozialpsychologie, 32, 1980, p.312-353 e Max Webers hinterlassenes Hauptwerk: Die Wirtschaft und die gesellschaflichen Ordungen und Mächte. Tübingen: J.C.B. Mohrs, 1986. 8WINCKELMANN, Johannes . Lebenslauf. München: BayHStA, Abt. V, NL Winckelmann, Nr.1, 1945; WINCKELMANN, Johannes. Max Webers opus posthumum. Zeitschrift für die Gesamte Staatswissenschaft, Bd. 105, 1949, pp. 368- 387; WINCKELMANN, Johannes. Max Weber: Soziologie, Weltgeschichtliche Analysen, Politik. Stuttgart, 1956. 9 SCHMIDT, Carl. Legalität und Legitimität. München & Lepzig: Duncker & Humboldt, 1932. 10 SCHELTING, Alexander Von. Max Weber Wissenchafslehren. Tübingen: J.C. Mohr, 1934. 11 WALHTER, Andreas. Max Weber als Soziologe. Jahrbuch für Soziologie. Ed. H. Salomon, 2, 1926, p.1-65; FREYER, Hans. Soziologie als Wirklichdeitswissenchaf. Lepzig-Berlin, 1930, p. 157; STEDING, Christop. Politik und Wissenchaft bei Max Weber. Breslau, 1932. LÖWITH, Karl. Max Weber und Karl Marx. Archiv für Sozialwissechenften und Sozialpolitik, 67, 1929. No Brasil, podem-se encontrar dois diferentes conjuntos de excertos destes textos: FORACHI, Marialice M. e, MARTINS, José de Souza. Sociologia e Sociedade: leituras de introdução à sociologia. Rio de Janeiro: LTC, 1977, p.145-162 e GERTZ, René E. Max Weber & Karl Marx. 2. ed. São Paulo: Hucitec, 1997, p.17-31. 12 LUKÁCS, Georg. História e consciência de classe. Porto: Publicações Escorpião, 1974.

Page 6: Sbs2009 GT29 Carlos Eduardo Sell

6

webero-marxismo13, a fenomenologia social de Alfred Schütz (1932)14, ou mesma

a sociologia do conhecimento de Karl Mannheim (1935)15.

Nas décadas do pós-guerra, embora determinados trabalhos continuassem a

aprofundar importantes aspectos da sociologia weberiana, como os estudos de

Dieter Heinrich16 (sobre epistemologia de Weber) e Günter Abramowksi17 (sobre

sua teoria da história), o eixo em torno do qual gravitou a discussão sobre este

autor na Alemanha, em reconstrução, foi de ordem política. Neste contexto, seu

pensamento passou por uma forte onda de críticas. Em uma perspectiva liberal, a

teoria política weberiana foi alvo de uma série de polêmicas que apontavam sua

concepção de democracia plebiscitária como reflexo da dubiedade do liberalismo

alemão, como argumentaram, especialmente, os trabalhos de Jean Paul Mayer18 e

Wolfgang Mommsen19. O marxismo, por sua vez, distanciava-se de Weber,

apontado agora como reflexo do capitalismo na sua fase imperialista, conforme a

acepção de Georg Lukács (195420). Neste sentido, o Congresso Alemão de

Sociologia, que seu reuniu em Heidelberg, em 1964, na ocasião do centenário de

nascimento de Max Weber, foi uma síntese destas tendências. No Congresso,

enquanto o americano Talcott Parsons se dedicava ao aspecto epistemológico de

sua obra, coube ao francês Raymond Aron a tarefa de vincular o pensamento

político de Weber à tradição do realismo maquiaveliano. Enquanto isso, a tradição

alemã da teoria crítica, representada por Herbert Marcuse, re-atualizava a visão

13 Para uma ampla revisão da recepção de Weber na tradição marxista, veja-se: WEISS, Johannes. Weber and the Marxist World. London: Routledge & Kegan Paul, 1981. 14 SCHUTZ, Alfred. The Fenomenology of the Social World. Evanston, IL: Northwertern University Press, [1932]1967. 15 Mensch und Gesellschaft im Zeitalter des Umbaus. A.W. Sijthoff’s uitegeversmaatschappij N.V., Leiden, 1935. Texto inglês em: MANNHEIM, Karl. Man and Society in an Age of Reconstruction. London: Routhlegde & Kegan Paul, 1940, p.39-78. 16 HENRICH, Dieter. Die Einheit der Wissenchaftslehre Max Webers. Tübingen: Mohr, 1952. 17 ABRAMOWSKI, Günter. Das Geschichtsbild Max Weber’s. Stuttgart: Klett Verlag, 1966. 18 MAYER, Jacob Peter. Max Weber and German Politics: a study in political sociology. London: Faber and Faber, 1943. 19 MOMMSEN, Wolfgang. Max Weber und die Deutsche Politik 1890-1920. Tübingen: Mohr Siebeck, 1959 e MOMMSEN, Wolfgang. Max Weber: Gesellschaft, Politik und Geschichte. Frankfurt: Suhrkamp Verlag, 1974. Para uma crítica desta tese em perspectiva liberal: LOEWENSTEIN, Karl. Max Weber als ‘Anherr’ des plebizitären Führestaats. Kölner Zeitschrif für Soziologie und Sozialpsychologie, 13, 1961. 20 LUKÁCS, Georg. Die Zerstörung der Vernunft. Berlin-Est, 1954.

Page 7: Sbs2009 GT29 Carlos Eduardo Sell

7

marxista de que no centro da teoria da racionalização weberiana vicejava, em

verdade, a racionalidade capitalista21.

Em meio a esta forte onda de críticas, no início dos anos 70, uma importante

iniciativa deu um novo impulso a retomada dos estudos globais da obra de Max

Weber. O projeto de publicação integral dos manuscritos weberianos, veio aliado a

um conjunto de estudos que, desde a década de 60, voltaram a chamar a atenção

para a centralidade do tema da racionalização na sociologia weberiana22.

Atualmente, a tese de que o tema da racionalização constitui o eixo dos escritos

de Weber constitui a perspectiva preponderante dos programas de pesquisa sobre

Weber na Alemanha. O tópico a seguir esboça os principais autores e idéias

contidas nesta perspectiva.

1.2. . Sociologia da racionalização

Por um lado, a perspectiva que entende ser a racionalização o tema central

do pensamento weberiano volta às origens da discussão sobre Weber na

Alemanha e, por outro, ela se conecta também com a discussão norte-americana,

na medida em que adota um esquema evolucionista como mecanismo auxiliar na

interpretação do autor. A retomada desta perspectiva foi inaugurada na Alemanha

com o trabalho seminal do sociólogo Friedrich Tenbruck23. O ponto de partida da

tese do autor é a rejeição de Economia e Sociedade como a obra central

(Hauptwerk) do pensamento weberiano, operação que ele credita aos esforços de

Marianne Weber e Johannes Winckelman (editores da obra). No entendimento do

autor, é apenas nos Ensaios Reunidos de Sociologia da Religião que Weber

formula sua principal categoria teórica: o desencantamento do mundo.

21 Os textos de Parsons (Value-freedom and Objectivity), Aron (Max Weber and Power-politics) e Marcuse (Industrialization and Capitalism) estão reunidos em Otto Stammer (org). Max Weber and Sociology Today. New York: Harper Torchback, 1971. 22 ABRAMOWSKI, Günther. Das Geschichtbild Max Webers. Stuttgart: Klett, 1966; NELSON, Benjamin. Max Webers ‘Authors Introduction’ (1920): A Master Clue to His Main Aims. Sociological Inquiry, 44, 4, 1974, p.267-278; SEYFARTH, C. e SPRONDEL, W. Seminar: Religion und gesellchaftliche Entwicklung (eds.). Frankfurt: Suhrkamp, 1973. 23 Das Werks Max Weber. Kölner Zeitschrift für Soziologie und Sozialpsychologie, 1975, vol.27, n.4, p.663-702. Uma versão resumida, em inglês, recebeu o título de: The problem of thematic unity in the works of Max Weber. British Journal of Sociology, 31, 3, 1980, p.316-351.

Page 8: Sbs2009 GT29 Carlos Eduardo Sell

8

Com base neste dado, Tenbruck propõe uma compreensão do conjunto da

obra weberiana com base em três teses interligadas. A primeira situa o trabalho de

Weber no campo teórico do evolucionismo. Rompendo com as narrativas

positivistas e iluministas, que concebem a religião como etapa precursora e até

oposta à razão, Weber procurou mostrar que a religião é o próprio veículo da

progressão da racionalidade. A racionalização é um processo que decorre da

própria lógica interna do campo religioso e não contra ela. Resulta desta premissa

uma segunda tese pela qual Tenbruck postula que a interpretação weberiana é,

fundamentalmente, idealista. Partindo do célebre trecho em que se afirma que as

idéias atuam como manobreiros de uma linha de trem, Tenbruck conclui que

Weber assume a tese de que ocorrem períodos na história em que sua direção é

determinada pela influência das idéias. A hipótese weberiana seria, portanto, a de

que certas idéias, sob a compulsão de sua lógica interna, desenvolvem

conseqüências sociais e, desse modo, explicam o processo e o curso histórico-

universal. Resta, então, para Tenbruck, a tarefa de explicar qual o mecanismo

responsável pela complexificação das idéias religiosas. Conforme o autor, Weber

entendia que as imagens do mundo sucumbem à pressão racionalizadora em um

duplo plano, teórico e prático. É desse ponto que trata a sua terceira tese.

Tenbruck parte da teodicéia da fortuna e do sofrimento, exposta por Weber

em sua Einleintung [A psicologia social das religiões mundiais], para derivar dela

os fatores causais da evolução religiosa. O teorema é que as religiões evoluem na

medida em que proporcionam respostas cada vez mais satisfatórias às exigências

colocadas pelas indagações existenciais. Cada resposta ao problema da

teodicéia, ao se esgotar, demanda um nível de resposta qualitativamente superior.

Ou seja, o desenvolvimento da religião é racionalização porque sistematiza

concepções e unifica a ação sob a pressão dos problemas colocados pelas

teodicéias religiosas. As respostas culturais a este problema foram sendo

moldadas no interior das grandes religiões mundiais. No caso do Ocidente, os

interesses materiais foram modelados pelas idéias religiosas, pois a teodicéia

ocidental, começando no judaísmo antigo até chegar ao protestantismo ascético,

eliminou a magia como meio de salvação (desencantamento do mundo),

Page 9: Sbs2009 GT29 Carlos Eduardo Sell

9

conduzindo a disciplinarização das condutas sociais, fator essencial para

compreender, em um segundo passo, a modernização européia, incluindo-se aí

especialmente o capitalismo.

Na mesma direção dos trabalhos de Tenbruck, também Wolfgang Schluchter24 busca reconstruir a sociologia weberiana sob uma ótica neo-

evolucionista, embora busque corrigir a unilateralidade do primeiro destacando

também os aspectos estruturais e históricos da obra de Weber. Sua busca

consiste em reconciliar a teoria evolucionária (anti-histórica) e a abordagem

histórico-comparativa (anti-evolucionária) a partir de um modelo que Schluchter

chama de “história desenvolvimental” (Entwicklungsgeschichte), distinto tanto de

uma teoria universal da evolução quanto de uma descrição meramnte tipológica

da história mundial.

Do ponto de vista sociológico25, Schluchter recorre ao pensamento neo-

evolucionista visando reconstruir, de forma abstrata, o esquema sociológico das

análises weberianas. Este esquema, particularmente complexo, distingue em

Weber, dois níveis de análise: as configurações sociais básicas e suas variantes

históricas. As configurações sociais são formadas por elementos simbólicos,

institucionais e interacionais e as variantes históricas, respondem pela sua

concretude histórica, tornando-se, então, ordens sociais. Do ponto de vista ético,

cada configuração social pode ser avaliada conforme o nível de desenvolvimento

da moralidade: pré-convencional (ética mágica), convencional (ética legal) e pós-

convencional (ética da convicção e da responsabilidade). Concretamente, esta 24 Schluchter realizou diversos estudos sistemáticos sobre a sociologia das religiões de Weber: Max Webers Studie über das antike Judentum: Interpretation und Kritik. Frankfurt am Main: Suhrkamp, 1881; Max Webers Studie über Konfuzionismus und Taoismus: Intepretation und Kritik. Frankfurt am Main: Suhrkamp, 1983; Max Webers Studie über Hinduismus und Budhismus: Interpretation und Kritik. Frankfurt am Main: Suhrkamp, 1984; Max Webers Sicht des antiken Christemtums: Interpretation und Kritik. Frankfurt am Main: Suhrkamp, 1985; Max Webers Sicht des Islams: Interpretation und Kritik. Frankfurt am Main: Suhrkamp, 1987. Os principais textos que apresentam a visão global do autor sobre a sociologia de Weber são: The Rise of Western Rationalism: Max Webers Developmental History. Berkeley: University Press, 1981; Rationalism, Religion and Domination: A Weberian Perspective. Berkeley: University of Press, 1989 e, ROTH, Guenter e SCHLUCHTER, Wolfgang. Max Weber Vision of History: Ethics und Methods. Berkeley: University Press, 1979; Paradoxes of Modernity: Culture and Conduct in the Theory of Max Weber. Stanford: University Press, 1996; Psycophysis and Culture in TURNER, Stephen (org.). Cambridge Companion to Weber. Cambridge: University Press, 2000. 25 SCHLUCHTER, Wolfgang. The Rise of Western Rationalism: Max Weber’s Developmental History. Berkeley: California Press, 1985.

Page 10: Sbs2009 GT29 Carlos Eduardo Sell

10

evolução pode ser percebida colocando-se em relação à sociologia da dominação

e a sociologia do direto de Weber. Temos, então, o seguinte esquema: a

dominação racional corresponde ao direito formal-racional, a dominação

tradicional ao direito substantivo não racional e a dominação carismática às

formais legais do direito formal não racional e substantivo-racional. Por fim, sob o

ponto de vista histórico, identificam-se três variantes históricas fundamentais na

obra de Weber: civilização primitiva, civilização arcaica e civilização moderna. É

justamente a passagem do segundo para o terceiro nível que configura a

preocupação intelectual fundamental de Weber, ou seja, a origem e as

características do racionalismo da dominação do mundo predominante no

Ocidente.

Na perspectiva histórica, Schluchter esquematiza os estudos empíricos de

Weber, oferecendo ao leitor um amplo quadro comparativo de sua sociologia da

religião. Em princípio ele retoma os argumentos da primeira versão da Ética

Protestante (1904) lembrando que neste momento o estudo weberiano: 1) não

analisa as condições econômicas, mas as conseqüências econômicas do

protestantismo ascético, 2) estabelecendo uma relação entre a ética do

protestantismo ascético e importantes aspectos da moderna cultura vocacional, 3)

a partir da idéia da afinidade eletiva entre ambos os fenômenos. Não obstante, na

Ética Econômicas das Religiões Mundiais e nos textos que introduzem seus

Ensaios Reunidos de Sociologia da Religião, a problemática weberiana se amplia,

tendo como foco o papel do protestantismo no processo de transição para a

modernidade, particularmente no seu papel causal na gestação do racionalismo

da dominação do mundo. Este processo implica em uma análise inter-cultural

(para identificar a especificidade do cristianismo ocidental no quadro das religiões

mundiais) e intra-cultural (para identificar a especificidade do protestantismo no

quadro da própria religião cristã).

Em relação ao primeiro aspecto, Schluchter aponta quatro modelos

diferenciados de processos de racionalização sócio-religiosa identificados por

Weber: na esfera ocidental, 1) o racionalismo da superação do mundo (judaísmo

antigo e monasticismo ocidental) e, 2) o racionalismo da dominação do mundo

Page 11: Sbs2009 GT29 Carlos Eduardo Sell

11

(protestantismo ascético) e; na esfera oriental, 3) o racionalismo da acomodação

ao mundo (confucionismo) e, 4) o racionalismo da fuga do mundo (budismo).

Quanto à especificidade do protestantismo ascético no quadro do cristianismo

ocidental, Schluchter nos apresenta uma nova tipologia que compreende a

diferenciação, também, de quatro modelos: o catolicismo institucional, o

catolicismo monástico, o protestantismo luterano e o protestantismo ascético.

Somente o protestantismo ascético foi o movimento religioso que combinou

características singulares no quadro das religiões mundiais e da história do

cristianismo: teocentrismo, ascetismo, direção intramundana, santificação pessoal

e virtuosidade. É o seu absoluto individualismo, acentua Schluchter, que conduz

os impulsos psico-sociais do protestantismo ascético na direção da neutralização

das relações éticas entre os indivíduos, ou seja, produzem uma ética monológica

da convicção com conseqüências não fraternais. Além disso, é a especificidade

desta ética que, como fator cultural, contribuiu para o surgimento do racionalismo

ocidental e de suas instituições e ordens sociais próprias26.

Na mesma direção dos trabalhos de Tenbruck e Schluchter, também para

Jürgen Habermas, a problemática central do pensamento weberiano estaria na

elucidação da índole específica do racionalismo da cultura ocidental. No entanto,

Habermas atribui a Weber apenas um evolucionismo no que tange a superioridade

moral da cultura ocidental, e busca distinguir entre a evolução dos aspectos de

conteúdo da sociologia da religião de seus aspectos sócio-estruturais,

restabelecendo a dialética weberiana entre idéias e interesses. A partir desta

premissa, o autor distingue em Weber duas jornadas de racionalização: de um

lado a racionalização cultural ou das imagens do mundo e, de outro, sua

materialização institucional das estruturas de consciência modernas que se

formaram do processo de racionalização religiosa, ou seja, sua transformação em

racionalização social.

26 Para uma apreciação crítica deste ponto de vista, veja-se: KALBERG, Stephen. The search for Thematic Orientations in a Fragmented Oeuvre: The Discussion of Max Weber in Recent German Sociological Literature. Sociology, 1979, 13, p.127-139.

Page 12: Sbs2009 GT29 Carlos Eduardo Sell

12

Para reconstruir o conteúdo (ou dinâmica evolutiva) da racionalização

cultural, Habermas esquematiza os escritos de sociologia da religião de Weber a

partir dos múltiplos elementos que formam seu conteúdo: imagem de Deus

(teocêntrica ou cosmocêntrica), imagem do mundo (positiva e negativa), vias de

salvação (misticismo e ascetismo) e a valoração do mundo (visão teorética e

acomodação prática). Como resultado, a visão weberiana sobre os diferentes

potenciais de racionalização das religiões universais é assim apresentada: no

Ocidente, o judaísmo e o cristianismo com seu racionalismo da dominação do

mundo (valorizando a dimensão ética), bem como a filosofia grega com sua

contemplação do mundo (valorizando a dimensão cognitiva) apresentam

potenciais positivos de racionalização. Já no Oriente, o hinduísmo com sua fuga

do mundo (sob o ponto de vista cognitivo); e o confucionismo, com sua lógica de

acomodação ao mundo (sob o ponto de vista ético), apontam para um baixo grau

potencial de racionalização cultural.

A racionalização social implica em considerar de que forma a compreensão

moderna do mundo institucionaliza-se enquanto ação social. Ou seja, neste nível

Weber busca explicar a institucionalização da ação social com relação a fins nos

complexos institucionais da economia capitalista e do Estado moderno. Em sua

Ética Protestante, Weber demonstra a importância funcional do calvinismo para

um modo de vida objetivizado. No modo metódico de vida a esfera pós-

convencional fica objetivizada, pois se torna moralmente neutra em relação a

outros atores sociais (ética monológica de intenção com conseqüências

afraternais). Assim, o protestantismo tem o potencial de produzir as condições

necessárias para o surgimento de uma base motivacional da ação racional com

relação a fins na esfera do trabalho social. É neste aspecto que reside seu

potencial evolutivo. No escrito Rejeições Religiosas [Zwischenbetrachtung], por

sua vez, Weber apresenta o conflito entre as ordens sociais intramundanas e as

religiões da fraternidade, demonstrando que, diante da emergência do capitalismo,

o protestantismo também solapa as possibilidades de sua sobrevivência. Desta

forma, a ancoragem dos sistemas de ação social no mundo da vida é transferida

para a esfera do direito, objeto final da análise de Habermas. No esquema da

Page 13: Sbs2009 GT29 Carlos Eduardo Sell

13

sociologia do direito de Weber, o direito ocupa um papel ambíguo pois, se por um

lado permite a institucionalização da ação racional com relação a fins, por outro,

não lhe fornece bases prático-morais. É justamente esta duplicidade que configura

o que Habermas entende ser a tese de uma equívoca racionalização do direito.

Embora situado, em termos globais, na perspectiva da racionalização, a

original interpretação que Wilhelm Hennis nos fornece dos trabalhos de Weber, o

distancia fortemente da forte unidade que, vimos, aproxima os estudos dos

autores anteriores. Para Hennis, a perspectiva que informa os trabalhos de Weber

não é estritamente sociológica, pois incorpora nela um problema de ordem

filosófica27 e; além disso, o que dá sentido a temática da racionalização é uma

questão de caráter antropológico: o “desenvolvimento da humanidade”

(Menchestum)28.

Para fundamentar sua leitura filo-antropológica (ou sociológico existencialista)

do pensamento weberiano, Hennis recorre especialmente aos textos nos quais

Weber rebate aos críticos diretos da obra A ética protestante e o espírito do

capitalismo29. Surpreso com a falta de atenção dada a estes escritos, ele afirma

que neles a preocupação explícita de Weber é esclarecer e elucidar o seu ponto

de vista e, nesta medida, eles revelam o coração de seu projeto. Hennis destaca

ainda que a última das respostas de Weber a seus críticos foi redigida em 1910,

quando ele já tinha começado a redação dos estudos dedicados às religiões

mundiais. Além disso, as referências de Weber à conduta de vida (Lebensfürung)

do homem contemporâneo, contidas no final da versão da Ética Protestante,

redigida em 1905, foram mantidas na sua versão de 1920. Este dado, acredita o

autor, refuta a tese de que haveria uma evolução interna nas preocupações

27 A versão original alemã do texto é: HENNIS, Wilhelm. Max Weber Fragestellung. Tübingen: J.C.M. Mohr, 1987. Em ingles; Max Weber: Essays in Reconstruction. London and Boston; Allen & Unwin, 1987. O presente artigo faz uso da tradução francesa, a saber: HENNIS, Wilhelm. La problématique de Max Weber. Paris: Presses Universitaires de France, 1996. 28 Nas palavras do próprio autor: “Não é de todo inexato ver no processo de racionalização o tema essencial de Weber. Mas, e é o estado atual da pesquisa de Weber que o demonstra, tal tese é apta ao contra-senso quando interpretada ad libitum e, no fundo das coisas, superficial” (idem, p.18). 29 Estes textos podem ser encontrados em: WINCKELMANN, Johannes (ed). Die Protestantische Ethik II: kritiken und antrikritiken. Gütersloh: Gütersloh Verlagshaus Gerd Mohn, 1978.

Page 14: Sbs2009 GT29 Carlos Eduardo Sell

14

intelectuais de Weber na direção da temática da racionalização, como sustentam

Tenbruck, Schluchter e Habermas.

De um ponto sistemático, Hennis elucida o conteúdo da problemática

antropológica (também chamada de caracterológica ou ética) de Weber em dois

níveis principais: 1) o nível ‘estrutural’ que trata de suas pesquisas sobre a relação

entre ‘humanidade’ e organizações e poderes sociais; 2) o nível dos julgamentos

de valor antropológicos e éticos que estariam imbricados nas descobertas

empíricas de Weber.

O nível estrutural refere-se à relação que Weber estabelece entre a

personalidade e as ordens de vida. Nesta perspectiva, busca-se pensar as

tensões entre as diversas esferas sociais e suas legalidades (lógicas de

funcionamento próprias) e a reivindicação interior do desenvolvimento da

personalidade. O segundo nível situa-se no plano normativo. Neste caso trata-se

de identificar o ideal de homem que serve de parâmetro para suas reflexões.

Quais são as qualidades que Weber enxerga no ser humano? Para o estudioso, a

noção central da ética antropológica weberiana é a idéia de personalidade. Nas

condições da sociedade moderna o cultivo da personalidade estaria assentado,

por sua vez, na busca de uma causa ao qual o indivíduo deveria devotar sua

existência. Aliás, é este elemento que perpassa a profissão, que responde, nas

condições modernas, pelo núcleo da conduta de vida orientada moralmente. De

origem protestante, a idéia de profissão permitiu orientar a conduta de vida

segundo critérios que organizam o agir humano. Para Hennis, o desafio do

pensamento weberiano era apontar a contradição entre a idéia de personalidade e

vocação com a ordem racionalizada das diversas esferas sociais. A reflexão

weberiana ganha uma conotação crítica, pois aponta para a impossibilidade de

uma moralização do agir cotidiano diante dos imperativos sistêmicos das ordens

sociais como o problema chave da ordem social moderna.

A perspectiva filosófica que Hennis confere à obra weberiana sustenta-se,

também, no estudo das fontes histórico-intelectuais de seu pensamento. Em

primeiro lugar, Weber é recolocado no quadro intelectual da Escola Histórica

Alemã de Economia, de onde ele teria derivado seu programa de análise. Nesta

Page 15: Sbs2009 GT29 Carlos Eduardo Sell

15

base, o pensamento de Weber é entendido como uma filosofia moral, dado que a

visão de ciência adotada por esta escola não seria similar à compreensão da

economia como ciência especializada na produção de bens e aumento da riqueza,

como passou a ocorrer depois. Outra contribuição fundamental para o

desenvolvimento da temática weberiana é a influência do pensamento de

Nietzsche que Weber foi incorporando ao longo de sua carreira. A tese de Hennis

é que, geralmente ignorada pela sociologia, entre os dois autores, muito mais do

que influência, existiria uma consonância, na medida em que Weber participa do

clima intelectual de seu tempo, do qual Nietzsche fazia parte integrante. A terceira

fonte do pensamento filosófico weberiano seria de ordem política. O valor central

a guiar o liberalismo weberiano, Hennis julga encontrá-lo em sua epistemologia,

resgatando o conceito de “faculdade de julgar”. Seu liberalismo não significa

adesão aos valores substantivos defendidos historicamente por esta ideologia

política, mas significa a busca de olhar com clareza a realidade das situações e

pensá-la a luz de critérios de valor. Aliás, seu valor essencial era à busca da ética

responsável do julgamento. Weber, estaria, assim, na tradição do pensamento

burguês cuja busca é o aperfeiçoamento do homem e o cultivo das virtudes. Em

Weber, tal desiderato responde não pela idéia de conservação de si, mas pela

idéia de devotamento, qual seja, dedicação a uma causa e as pessoas.

Considerada em seu conjunto, a perspectiva dos teóricos que apontam ser a

racionalização a pedra angular do sistema weberiano tem na adoção da ótica

evolucionista como recurso metodológico auxiliar um dos seus principais alvos de

crítica30. Todavia, comprometida com amplos e rigorosos estudos exegéticos e

sistemáticos dos textos de Weber, não seria exagerado dizer que a perspectiva da

racionalização pode ser caracterizada como verdadeira “escola”, cuja

30 Críticas a esta interpretação foram feitas nos seguintes trabalhos: LOVE, John. Developmentalism in Max Weber´s Sociology of Religion: a critique of F.H. Tenbruck. Archives Européenes de Sociologie 34, 2, 1993, p.339-363; e em RIESEBRODT, Martin. Ideen, Interessen, Rationalisiergung: kritische Anmerkungen zu F. H. Tenbrucks Interpretationen des Werkes Max Webers. Kölner Zeitscrifft für Soziologie und Sozialpsychologie, 32, 1980, p.111-129.

Page 16: Sbs2009 GT29 Carlos Eduardo Sell

16

interpretação estende-se, hoje, para muito além do cenário intelectual

germânico31.

2. Tradição americana A leitura de Max Weber como um dos fundadores e inegável clássico da

sociologia deve muito à sua tradução e absorção pela sociologia estaduniense32.

Tal como procedi acima, começarei situando, historicamente, as origens do

processo de discussão deste autor no mundo intelectual norte-americano. Os

tópicos seguintes caracterizam as duas principais linhas de leitura presentes hoje

nos Estados Unidos: a sociologia histórico-comparada e a sociologia econômica.

2.1. Antecedentes O primeiro texto weberiano de fato traduzido em inglês nos Estados Unidos

foi o escrito História Geral da Economia que apareceu em 1927 pelas mãos de

Frank Knights, professor em Chicago. Mas, é com a obra de Talcott Parsons que

Weber realmente se consagra como autor fundamental no pensamento norte-

americano. Tendo estudado na Alemanha, ele foi o responsável pelas primeiras

publicações das mais importantes obras de Max Weber, especialmente a Ética

31 O que não significa que a tese da racionalização seja exclusiva do cenário intelectual alemão. No contexto de língua inglesa, adotam a mesma tese publicações como: BRUBAKER, Roger. The limits of rationality. London: Allen & Unwinn, 1985; WHIMSTER, Sam e LASH, Scott (eds.). Max Weber, Rationality and Modernity. London: Allen & Unwin, 1987; GLASMANN, Ronald e MURVAR, Vatro (eds.). Max Weber’s Political Sociology: a Pessimistic Vision of a Rationalized World. Westpont: Greenwood Press, 1983. 32 Dentre os autores que discutem a trajetória da obra de Weber nos Estados Unidos, pode-se citar: OAKES, Guy. Guenter Roth and weberian studies in América (1997). International Journal of Politics, Culture and Sociology II (I), 1997, p.175-179; OAKES, Guy. Ghert, Mills and Shils: the origin from Max Weber. International Journal of Politics, Culture and Sociology, II, 3, 1999, p.399-433; KALBERG, Stephen. On the Neglect of Webers Protestantic Ethic as a Theoretical Treatise: Demarcating the Parameters of Postwar American Sociological Theory. Sociological Theory 14, 1, 1996, p.49-70.; KOLKO, Gabriel. Max Weber on America. Theory and Evidence. History and Theory, 1961, I, p.243-260; ROTH, Guenter. Marx and Weber on the United States today. Max Weber Dialogue. Lawrence: University Press of Kansas, 1985m p.215-233; WENGER, Morton. The transmutation of Weber´s Stand in American Sociology and Its Social Roots. Current Perspectives in Social Theory, I, 1980, p.357-378.; SCAFF, Lawrence. Max Weber and the Social Sciences in América. European Journal of Political Theory, 2004, 3, p.121-132. ANTONIO, Roberto. Max Weber in the Post-World War II US and after. Ethics & Politics, 2005,2.

Page 17: Sbs2009 GT29 Carlos Eduardo Sell

17

Protestante e o Espírito do Capitalismo (que foi traduzida em 193033) e alguns

capítulos de Economia e Sociedade que apareceu em 194734. Porém, mais do que

isso, Parsons incluiu Weber (ao lado de Durkheim, Marshall e Pareto) na teoria

voluntarista da ação exposta, em 1937, no seu livro A estrutura da ação social35.

Ao fazê-lo, ele não apenas inseriu Weber em seu próprio quadro teórico, como

também realizou uma leitura da obra weberiana que se tornou paradigmática no

contexto norte-americano. Partindo da teoria da ação, Parsons destacou os

aspectos metodológicos da obra weberiana e divorciou-a de suas bases históricas,

empíricas e políticas36. Resultou daí uma leitura fortemente funcionalista da obra

de Weber, concebido enquanto teórico da integração normativa da conduta social.

O trabalho que inaugura o rompimento com a abstrata visão parsoniana de

Weber é a coletânea de Hans Gerth e Charles Wright Mills (From Max Weber,

de 194637). Na busca por distanciar-se de Parsons, estes autores não apenas

ressaltaram a convergência das teses de Weber com Marx e Nietzsche, como

também apresentaram a sociologia weberiana sob uma nova chave de leitura: a

dicotomia entre burocratização e carisma. Neste prisma, eles trocam a perspectiva

funcionalista e integrativa ressaltada por Parsons, chamando a atenção para a

dimensão do conflito e da coerção contidos no pensamento weberiano. A

continuidade de uma abordagem empírica da obra de Weber foi, após,

amplamente aprofundada mediante o trabalho de Reinhard Bendix38. A pesquisa

33 WEBER, Maxt. The Protestant Ethic and the Spirit of Capitalism. (Trans. Talcott Parsons). New York: Scribners, 1958 (1930). 34 WEBER, Max. The Theory of Social and Economic Organization. (Trans. Talcott Parsons with A.M. Henderson). Glencoe, IL: Free Press, 1947. 35 PARSONS, Talcott. The Structure of Social Action. New York: MacGraw-Hill, 1937. 36 COHEN, Jere, HAZELRIGG, Lawrence e POPE, Whitney Pope. De-Parsonizing Weber: a critique of Parsons Interpretation of Weber’s Sociology. American Sociological Review, 40, 1975,p.220-241. Para o debate que se seguir após, veja-se a resposta de Parsons (On De-Parsonizing Weber: comment on Cohen et al. American Sociological Review, 40, 5, p.666-670) e a réplica dos autores (Cohen et al. Reply to Parsons. American Sociological Review, 40, 5, p.670-674). Outras análises encontram-se ainda em: ZARET, David. From Weber to Parsons and Schutz: The Eclipse of History in Modern Social Theory. The American Journal of Sociology, v. 85, n.05, 1980, p.1180-1201 e ANTONIO, Robert J. Weber vs. Parsons: Domination or Technocratic Models of Social Organization. GLASSMAN, Ronald e MURVAR, Vatro. Max Weber’s Political Sociology: a pessimistic vision of a rationalized word. London: Greenwood, 1984, p.155-174. 37 GERTH, H.H e MILLS, C. Wright. From Max Weber: Essays in Sociology. New York: Oxford University Press, 1946. 38 BENDIX, Reinhard. Max Weber: An Intellectual Portrait. New York: Doubleday, 1960.

Page 18: Sbs2009 GT29 Carlos Eduardo Sell

18

deste autor tinha uma explícita orientação histórica e pode ser situada dentro dos

marcos de uma sociologia histórico-comparada39, como aliás testemunha o

conjunto de seu trabalho que, em boa parte, possui esta temática de fundo40.

Dessa forma, ele rompeu com a orientação a-histórica e evolucionista da visão

parsoniana que concebia a sociedade como sistema e o curso histórico como

processo evolutivo. Contrariando a visão evolucionista da interpretação

parsoniana, Bendix retomou a sociologia da religião e a sociologia política da

dominação de Weber, e apresentou-o como um grande historiador cultural, cujo

foco seria a singularidade e o destino paradoxal de cultura e da sociedade

ocidental41. A interpretação histórica dada por Bendix aos trabalhos de Weber

constitui, ainda hoje, uma das principais abordagens interpretativas deste autor,

como mostrarei a seguir.

2.1. Sociologia histórico-comparada Referencia fundamental no debate intelectual americano, a vertente

historicista, que concebe a obra weberiana essencialmente enquanto esforço de

construção de uma sociologia histórico-comparada42, alimenta-se, ainda hoje, do

seguinte debate: de que forma os elementos teóricos (sociológicos) e empíricos

(históricos) combinam-se em suas análises: trata-se de investigações que tem

como foco a especificidade das civilizações mundiais ou, ao contrário, eles são

39 Raymond CALDWELL, Raymond. Between Cylla and Charybdis: Reinhard Bendix on theory, concepts on comparison in Max Weber’s Historical sociology. History of the Human Sciences, 2002, 15, 25. 40 É o caso de trabalhos como: Nation Building and citizenship: studies in our Changing Social Order. New York: Wiley, 1964. Para um depoimento sobre sua obra, veja-se SMELSER, Neil, 1991, Portrait, International Sociology, 6, 4, p.481-485. 41 BENDIX, Reinhard. Max Weber’s Sociology Today. American Journal of Sociology, 1965, v.30, p.233-245. 42 Leitura predominante, mas não exclusiva, obviamente. Para uma apreciação do estado da arte da leitura de Weber nos Estados Unidos, remeto o leitor à nota de número 26. Um exemplo de postura diferenciada pode ser ilustrado recorrendo-se ao trabalho de Casanova, que endossa enfaticamente a leitura centrada na temática da racionalização: CASANOVA, Jose V. Interpretations and Misinterpretations of Max Weber: The Problem of Rationalization. GLASSMAN, Ronald e MURVAR, Vatro (orgs.). Max Weber’s Political Sociology: a pessimistic vision of a rationalization Word. London: Greenwood Press, 1984, p.141-154.

Page 19: Sbs2009 GT29 Carlos Eduardo Sell

19

material empírico com vista a formular generalizações sociológicas de caráter

amplo e universal?

A tendência para reforçar o caráter empírico da investigação weberiana tem

na figura de Guenther Roth, discípulo de Reinhard Bendix43, um de seus

principais representantes. As premissas anti-parsonianas e a tendência historicista

do autor já ficam evidentes na extensa introdução que publicou para a nova e

integral publicação de Economia e Sociedade, patrocinada por ele em 196844.

Dando continuidade aos esforços de Bendix, Roth tende a subordinar a dimensão

sociológica à dimensão histórica, pois, segundo ele, Weber concebe a sociologia

como etapa preparatória e preliminar para análises históricas. Ainda que

estratégias complementares, argumenta, ambas estão situadas em diferentes

níveis45. O primeiro nível – configuracional - envolve a construção de modelos

sócio-históricos, ou seja, conceitos com específico conteúdo sócio-histórico, em

contraste com categorias sociológicas universais como as propriedades da ação

social, por exemplo (estas, situadas no plano formal da epistemologia). O segundo

nível (desenvolvimental) refere-se à construção de teorias seculares, qual seja, a

descrição e explanação do curso, gênese e conseqüências de eventos históricos

concretos (neste tipo estaria seu estudo sobre o papel da Ética Protestante). A

pesquisa empírica de Weber desenvolve-se tendo como referência a combinação

de modelos sócio-históricos (sociologia) e de teorias seculares (história).

A primeira etapa consiste na construção de tipologias sociológicas ou de

modelos teóricos que sumarizam casos empíricos semelhantes e extraem seus

traços comuns. Trata-se de generalizações que enfatizam o geral e o repetitivo,

mas sem assumir a hipótese de leis causais, ainda que a busca seja por

43 Seus trabalhos conjuntos acham-se reunidos em: BENDIX, Reinhard e ROTH, Guenter. Scholarship and partisanship. Berkeley: University of Califórnia Press, 1971. 44 ROTH, Guenther. Introduction. WEBER, Max. Economy and Society. New York: Bedminster, 1968, 1, p. xxvii - civ. 45 O autor dedicou particular atenção a este problema no início de sua carreira e o apresentou em três textos, com pequenas variações entre eles: ROTH, Guenther. Sociological Typology and Historical Explanation. In BENDIX, Reinhard e ROTH, Guenther. Scholarship and partisanship. Berkeley: University of Califórnia Press, 1971, p. 109-128; ROTH, Guenther. History and Sociology in the Work of Max Weber. The British Journal of Sociology, 27,3, 1976, p.306-318; e, por fim, em quatro capítulos publicados em co-autoria com Wolfgang Schluchter: (Max Weber’s Vision of History: ethics & methods. Berkeley: Califórnia Press, 1979).

Page 20: Sbs2009 GT29 Carlos Eduardo Sell

20

tendências de caráter geral. Exemplos deste tipo seriam seus modelos típico-

ideais de burocracia, patrimonialismo, feudalismo ou carisma, ou ainda igreja,

seita e outros. E nesse plano que Roth localiza os tipos ideais que orientam a

pesquisa weberiana e que, segundo ele, foram desenvolvidos de forma

sistemática em Economia e Sociedade. Após esta etapa preparatória de

construção de tipologias, as teorias seculares realizam o trabalho da análise

empírica propriamente dita. Ou seja, é neste nível que é realizada a descrição e

explanação do curso da gênese e das conseqüências de eventos históricos

particulares. Em outros termos, aqui estamos diante da tarefa de explanações

causais que se referem a processos sociais no curso da história. No entanto, não

se trata de descrever os eventos em sua absoluta singularidade, tarefa estrita do

historiador, pois o objetivo de Weber é identificar padrões de causação e é

exatamente nesta medida que se tratam de “teorias”. Assim, partindo dos

conceitos anteriores, a formação do Estado Moderno, a rotinização do carisma e a

racionalização ocidental seriam alguns dos exemplos deste tipo. No mesmo

patamar podem ser colocados seus estudos comparativos sobre as religiões

mundiais.

Por fim, o terceiro nível (situacional) consiste em analisar uma dada situação

em termos de suas causas e conseqüências, atuais ou potenciais. Ele não

constitui um passo do método sócio-histórico, na medida em que ele se refere, na

verdade, aos escritos conjunturais de Weber que se referem, como sabemos, aos

acontecimentos políticos da Alemanha. De qualquer forma, no nível da análise

situacional, os modelos sócio-históricos e as teorias seculares são retomados

parar permitir a análise de situações específicas, com ênfase para seu conteúdo

político. Ao comparar o pensamento de Weber com os trabalhos de Fernand

Braudel46, por exemplo, Roth não chega a reduzi-lo a condição de mero

historiador, mas é bastante claro que, para este intérprete, é a dimensão histórica

e, portanto, empírica, que responde pela especificidade da sociologia weberiana47.

46 ROTH, Guenter. Duration and Rationalization. In ROTH, Guenther e SCHLUCHTER, Wolfgang. Max Weber’s Vision of History: ethics & methods. Berkeley: Califórnia Press, 1979, p.166-193. 47 Atualmente, o interesse do autor convergiu em outras direções de trabalho, que incluem uma nova versão em inglês da Ética Protestante, bem como ao estudo de elementos biográficos de

Page 21: Sbs2009 GT29 Carlos Eduardo Sell

21

Se Reinhard Bendix tem na figura de Guenther Roth um de seus principais

continuadores, o trabalho de Stephen Kalberg situa-se na perspectiva contrária e

possui naquele autor o contraponto fundamental de sua abordagem48. Nesta

direção, se ele retoma daquele a inspiração para compreender Weber como

sociólogo histórico-comparativo, ele também o reprova por menosprezar os

elementos generalizantes e teóricos da obra weberiana. Para Kalberg, Bendix

tratou Weber muito mais como historiador (atento às particularidades dos

processos sociais) do que como sociólogo (atento às regularidades dos padrões

históricos). O esforço de Kalberg se concentra, assim, na tentativa de determinar a

especificidade dos métodos e procedimentos comparativos de Weber que ele julga

serem cruciais para superar os impasses das análises sócio-históricas

contemporâneas.

Para realizar este intento, Kalberg se distancia da literatura especializada na

obra de Weber, reprovando-a pela sua tentativa de determinar seu sentido global

a partir de uma temática primordial, como é o caso da obra de Schluchter,

centrada na questão do desencantamento e da racionalização ou mesmo das

tentativas de ler a obra weberiana enquanto fundamentada na dicotomia

burocracia e carisma. O caminho escolhido por Kalberg consiste em privilegiar os

aspectos formais da sociologia de Weber. Sob este prisma, ele identifica em

Weber cinco diferentes procedimentos de pesquisa e estratégias de investigação.

A primeira tem a ver com a articulação entre a dimensão micro e macro da

análise, conciliando assim o papel dos atores com o papel das estruturas. Embora

seu ponto de partida seja o individualismo metodológico (com seus tipos de ação e

metodologia compreensiva), Kalberg identifica no autor três modos de

configuração da ação, ou seja, três modos diferentes de pensar os

microfundamentos das instituições sociais, articulando agência e estrutura: os

conceitos de ordem social, legitimidade e os contextos (locii) sociológicos da ação.

A segunda estratégia descreve a concepção radicalmente multi-causal de Weber,

Weber, com especial ênfase para suas raízes familiares: ROTH, Guenther. Max Webers deutsch-englische Familengeschichte (1800-1950). Tübingen: J.C.B. Mohr, 2001. 48 KALBERG, Stephen. Max Weber’s Comparative Historical Sociology. Chicago: University Press, 1994.

Page 22: Sbs2009 GT29 Carlos Eduardo Sell

22

em que nenhum fator exerce, necessariamente, papel preponderante. Toda forma

de imputação causal unilateral é vigorosamente rejeitada. Segue, em terceiro

lugar, a exposição de como Weber também teria sido capaz de determinar com

precisão os níveis da análise, articulando de forma adequada o plano geral com o

plano particular. Papel crucial cabe aqui aos tipos ideais, concebidos como

instrumentos de determinação dos casos empíricos. Neste ponto, portanto,

Kalberg rejeita a dissociação entre sociologia e história no pensamento de Weber

e insiste sobre a tese de que, neste autor, a preocupação teórica e o estudo de

problemas ou casos delimitados articulam-se igualmente. Para Kalberg, é

especialmente em Economia e Sociedade que os principais tipos ideais de caráter

sociológico são desenvolvidos por Weber.

Em quarto lugar, descreve-se a metodologia weberiana de construção de

modelos geradores de hipóteses. Os modelos oferecem generalizações analíticas

limitadas através da formulação de hipóteses causais circunscritas, verificáveis

empiricamente. Cada modelo é concebido para permitir ao estudioso

comparativista um vai e vem constante entre o caso concreto, a relação ou

desenvolvimento estudado e o quadro conceitual adotado. Partindo novamente de

Economia e Sociedade, ele descreve cinco diferentes modelos empregados por

Weber nos seus estudos históricos: dinâmico (burocracia, patrimonialismo, etc.),

contextual (impacto das leis, prestígio social, etc.), afinidade eletiva (moral

protestante e espírito do capitalismo, etc.), antagonismo (ética burocrática e

patrimonialismo, liderança carismática e economia racional, etc.) e, finalmente o

modelo desenvolvimental. Entre os exemplos citados por Kalberg em relação a

este último modelo está o caso do conflito entre burocracia e carisma e, por outro

lado, a análise weberiana dos processos de racionalização teórica e formal.

Portanto, para Kalberg, temáticas como a rotinização do carisma e a

racionalização são apenas alguns dos exemplos dos modelos analíticos

empregados por Weber. Eles não podem ser tomados como o centro temático de

sua obra, mas apenas como estratégias diferenciadas de suas pesquisas

histórico-comparativas. Por fim, e como quinta preocupação, Weber também

reconheceu a necessidade da análise causal. Coerente com o pressuposto da

Page 23: Sbs2009 GT29 Carlos Eduardo Sell

23

multicausalidade, seu método leva em conta a multiplicidade de forças em

interação, de ordem sincrônica e diacrônica, e aponta para o caráter conjuntural e

contingente da interação entre ambos os fatores.

Embora o ponto de partida da perspectiva histórico-comparativa de

interpretação da sociologia weberiana seja o mesmo da perspectiva da

racionalização (os amplos estudos de Weber sobre as religiões universais), ela

difere da primeira na medida em que não aponta para um tema que informa e

articula as investigações de Weber, preferindo concebê-la, em geral, como um

amplo esforço de compreensão do curso histórico das civilizações, com especial

ênfase para o mundo moderno ocidental.

2.2. Sociologia econômica

Ao lado da interpretação histórica, uma abordagem econômica da teoria

weberiana tem sido, atualmente, outra tendência importante da leitura de Weber

nos Estados Unidos. Esta interpretação apresenta duas variantes. A primeira, de

ordem epistemológica, vê em Max Weber o início de uma abordagem específica

de entendimento das relações sociais e políticas: a teoria da escolha racional. A

segunda, de caráter substantivo, caracteriza-se por deslocar a tradicional ênfase

em seus textos metodológicos e histórico-religiosos para os seus estudos

econômicos. Ambas as leituras possuem suas raízes na teoria social norte-

americana, mas, em comparação com as demais, possuem um caráter fortemente

transnacional.

A perspectiva da escolha racional caracteriza-se muito mais como um amplo

paradigma de análise social do que por ser um programa específico e voltado

exclusivamente para a interpretação da obra weberiana49. Resulta daí que a leitura

que esta perspectiva realiza de Weber está preocupada, de forma geral, em

encontrar neste autor as mesmas premissas que guiam a teoria, sem a pretensão

de afirmar, necessariamente, que o pensamento weberiano explica-se, por inteiro,

49 Para maiores esclarecimentos sobre o status desta vertente na sociologia em geral remeto o leitor ao texto de COLEMAN, James. S. Foundations of Social Theory. Cambridge: University Press, 1990.

Page 24: Sbs2009 GT29 Carlos Eduardo Sell

24

a partir desta análise. Weber é convertido, assim, em uma espécie de precursor (e

legitimador) de um paradigma que virá a configurar-se posteriormente50. Há uma

ampla margem de autores que propõe esta grade de leitura, mas, em termos de

apresentação sistemática, cabe especial destaque ao trabalho de Zenona Norkus51. Na visão do autor, as influências que Weber recebeu de sua formação

econômica (particularmente da escola marginalista), refletem-se particularmente

em sua teoria da ação social e, principalmente, na distinção entre a racionalidade

objetiva e subjetiva. Para o intérprete, é justamente na forma objetiva de

racionalidade (entendida como uma forma de racionalidade procedural, oposta a

uma racionalidade substantiva) que esta influência é mais presente. Particular

atenção também é dada à tipologia da ação de Weber, em relação a qual, de

forma inovadora, ele distingue não apenas os 4 tipos puros, mas também mais 10

tipos intermediários ou mistos. Neste ponto, o autor acompanha a maioria dos

estudos que apontam a teoria da ação social weberiana (e particularmente a ação

racional com relação a fins) como o elemento específico que o liga às modernas

abordagens da rational choice52. No entanto, Norkus dá um passo além, e nos

fornece uma leitura que inclui também as análises sócio-históricas de Weber.

Neste ponto, ele enxerga a dupla herança da formação econômica de Weber, na

medida em que sua análise comparada combina o aspecto histórico (oriundo da

Escola Histórica Alemã) com o problema da racionalidade (fruto da Escola

Marginalista). Em síntese, os estudos histórico-comparativos de Weber podem ser 50 O que não impede que determinados autores designassem esta abordagem como “weberianismo analítico”: KISER, E. e HECHTER, M. The Debate on Historical Sociology: Rational Choice and its Critics. American Journal of Sociology, 104, 1998, p.785-816. 51 NORKUS, Zenona. Max Weber and Rational Choice. Vilnius: Institute of Social Research, 2002. Para uma versão anterior, confira-se: NORKUS, Zenona. Max Weber’s Interpretative Sociology and Rational Choice Approach. Rationality and Society, 2000, 12(3), p.259-282. 52 Esta é, por exemplo, a posição de ELSTER, John. Rationality, economy and society. TURNER, Stephen (org.). The Cambridge Companion to Weber. Cambridge: University Press, 2000. Veja-se também: BOUDON, Raymond. Limitations of Rational Choice Theory. American Journal of Sociology, 104, 1998, p.817-828; BOUDON, Raymond. Beyond Rational ChoiceTheory. Annual Rewiew of Sociology, vol.29, 2003, p.01-21; BOUDON, Raymond. La rationalité du religieux selon Max Weber. L’Anné Sociologique, 2001/I, vol.51, p.09-50; BOUDON, Raymond. Weber’s Notion of Rationality and the Theory of Rationality int the Contemporary Social Sciences.HELLE, H. J. (ed.). Verstehen and Pragmatism. Essays in Interpretative Sociology.Frankfurt: Peter Lang, 1991, p.31-46 e SEGRE, Sandro. Weber’s Foundations of the Social Sciences and Rational Choice Theory. In ADLOFF, Frank e BORUTTA, Manuel (eds). Max Weber in the 21st Century: transdisciplinarity with Social Sciences. San Domenica de Fisole: European University Institute, 2008, p.31-43.

Page 25: Sbs2009 GT29 Carlos Eduardo Sell

25

entendidos como uma tentativa de compreender as condições históricas de

aplicação de sua teoria econômica abstrata. Seu fio condutor passa pela tentativa

de explicar a institucionalização histórica da ação racional referente a fins

(racionalidade instrumental) no curso histórico da civilização Ocidental. Desta

forma, o modelo de análise e as pesquisas histórico-empíricas weberianas formam

um todo coerente cuja luz nos é dada exatamente pela abordagem do indivíduo

social entendido enquanto homo oeconomicus.

Perspectiva semelhante também nos é oferecida pelas pesquisas oriundas

da “nova sociologia econômica” e que se caracterizam pela tentativa de localizar a

sociologia econômica de Weber e, apresentá-la, se não como o elemento

integrador de seus estudos, pelo menos como seu elemento mais importante.

Pioneiro desta direção, o trabalho de Randall Collins53 sustenta que o texto

chave para se entender o conjunto de esforços teóricos de Weber sobre o

capitalismo não é o livro A ética protestante e o espírito do capitalismo (escrito em

1904), mas o conjunto de suas aulas proferidas em Munique, entre 1918 e 1919

(publicadas postumamente por seus alunos) e que recebem o nome de História

econômica geral. Os demais trabalhos de Weber seriam apenas estudos parciais

e somente neste último podemos localizar sua visão final e definitiva sobre o

fenômeno capitalista.

Na percepção de Collins, a tese final de Weber é essencialmente institucional

e o seu núcleo é o entendimento da empresa (entendida como organização

privada de racionalização da produção, que visa o lucro, supondo a calculabilidade

e previsibilidade, fazendo da produção uma rotina burocrático-metódica). A partir

desta definição, a busca de Weber (na História Econômica) consiste em detectar

os dados sócio-estruturais que favoreceram ou criaram obstáculos para o

desenvolvimento destes fatores. Os elementos históricos que produziram a

emergência do capitalismo industrial moderno constituem uma cadeia causal e

formam um complexo interligado, envolvendo fatores econômicos, jurídicos,

políticos e religiosos.

53 COLLINS, Randall. Weber´s Last theory of capitalism: a systematization. American Sociological Review, 1980, Vol. 45 (December):925-942, reproduzido em COLLINS, Randal. Weberian sociological theory. Cambridge: University Press, 1986, p.19-44.

Page 26: Sbs2009 GT29 Carlos Eduardo Sell

26

Em primeiro lugar são destacados os elementos especificamente

econômicos. Os mercados de bens, trabalho e capital formam uma malha ao redor

da propriedade e da produção industrial (que faz uso da tecnologia e da produção

em massa). Estes fatores, por sua vez, atuam como elementos que racionalizam a

tecnologia e ampliam o mercado. O segundo fator é o sistema legal, pois serve

como um suporte de todo este processo, garantindo-lhe a permanência e

confiabilidade. Já a motivação religiosa para o trabalho e a riqueza funciona em

um terceiro nível, como elemento intermediário, propiciando as condições culturais

necessárias para o comportamento institucionalizado da busca do lucro. O

elemento da variável religiosa aparece em Weber como uma reflexão sobre como

foi possível superar as barreiras éticas que funcionavam como obstáculo para o

comportamento motivado para o lucro e a produção. Por fim, o Estado também

possui um papel central, na medida em que funciona como garantia da ordem

legal e inclui os indivíduos (enquanto cidadãos) em todo o sistema.

Mas, apesar da virtual semelhança com a tese contida na Ética Protestante,

Collins destaca que Weber reformula sua tese da influência da religião em um

sentido apenas negativo. O protestantismo é só a intensificação de uma cadeia de

fatores que conduzem para o capitalismo racional. Ele atuou especialmente como

um fator de remoção dos mosteiros, levando a racionalização do trabalho para

além de círculos restritos. As seitas protestantes, não por causa da doutrina da

predestinação, mas ao exigirem do indivíduo a honra moral, derivada da

honestidade no trabalho, atuaram no sentido do fortalecimento da ética do

trabalho na vida cotidiana. Na interpretação de Collins, portanto, dois elementos

das interpretações tradicionais de Weber são particularmente deslocados. Em

primeiro lugar, os fatores econômicos e sociais, e não mais a ética religiosa

(particularmente o protestantismo), tornam-se o fatores epistemológicos centrais

da análise weberiana. E, em segundo lugar, o centro de gravidade da análise

sócio-histórica de Weber passa do início da era moderna para o período da Idade

Média54.

54 Uma crítica desta tese pode ser encontrada em SCHLUCHTER, Wolfgang. A origem do modo de vida burguês. SOUZA, Jessé de (org.). O malandro e o protestante: a tese weberiana e a singularidade cultural brasileira. Brasília: UnB, 1999, p.121-136.

Page 27: Sbs2009 GT29 Carlos Eduardo Sell

27

Se o trabalho de Collins resumia-se apenas a descrever, de forma

conscientemente parcial, a visão institucionalista do capitalismo no “último” Weber;

a produção de Richard Swedberg amplia estes limites e busca reconstruir todo o

tecido da teoria weberiana enquanto sociologia econômica55. Aliás, é o próprio

Swedberg que diz surpreender-se com o fato de que a posteridade classifique

Weber como sociólogo, pois “as principais credenciais acadêmicas de Weber

eram todas na área da teoria econômica; a maior parte dos cursos que deu foram

sobre economia; e, durante toda sua vida, ele se apresentou profissionalmente

como um economista” (idem, p.311).

De fato, em seu notável trabalho, Swedberg examina exaustivamente a visão

weberiana da sociologia econômica, entendida enquanto estudo da ação social

econômica, ou seja, aquela que, na sua dimensão social, é movida pelos

interesses e cujos temas principais de análise seriam os diferentes tipos de ação

econômica, o papel da racionalidade na vida econômica, as principais instituições

econômicas bem como os diferentes sistemas econômicos existentes

historicamente. Swedberg parte especialmente de Economia e Sociedade

(concebido, de forma geral, como um texto de sociologia econômica), para mostrar

a influência e relações da esfera econômica com a política, o direito e a religião.

Embora em nenhum momento afirme-se enfaticamente que a temática econômica

seja o centro da análise weberiana, a intenção de reunir o conjunto do corpus

weberiano a partir do esquema econômico/social deixa latente a tese da

centralidade da via econômica como eixo de articulação do pensamento

weberiano.

Esta idéia, por sinal, também se acha implícita na parte exegética do texto,

dedicada a descrição da visão weberiana sobre a sociologia econômica de seu

tempo, bem como sua formação econômica. Aqui Swedberg destaca a filiação de

Weber a tradição alemã de pesquisa econômica que concebia esta ciência

enquanto articulada com a esfera social (Escola Histórica de Economia). Nesta

mesma direção, Swedberg sustenta que a tentativa de Weber seria produzir uma

55 SWEDBERG, Richard. Max Weber e a idéia de sociologia econômica. Rio de Janeiro: Editora da UFRJ, 2005.

Page 28: Sbs2009 GT29 Carlos Eduardo Sell

28

abordagem integrada dos estudos sócio-econômicos (Sozialökonomik), incluindo a

teoria econômica, a história e as ciências práticas ou mesmo da própria sociologia

econômica (Wirschaftsoziologie). Para Swedberg, esta é a linha que perpassa as

diferentes fases e as principais obras de Weber, principalmente o texto Economia

e Sociedade que fazia parte de uma ampla coleção coordenada por Weber

(Grudriss der Sozialökonomik) e que tinha como finalidade substituir outros

manuais existentes na época. É neste sentido que o conjunto da obra de Weber

pode ser classificada enquanto uma “sociologia econômica”.

No entanto, se no texto Max Weber e a idéia de sociologia econômica a idéia

de que os estudos sócio-econômicos são a linha mestra da obra de Max Weber

era apenas sugerida; em seus trabalhos mais recentes56, Swedberg busca dar

maior viabilidade para esta hipótese. Para o autor, dois elementos particularmente

novos poderiam apontar nesta direção: recentes informações biográficas a

respeito de Weber e a maior clareza quanto aos influxos e influências dos modelos

econômicos na sociologia weberiana. Diante destas pistas, ele busca formar um

novo quadro do pensamento de Weber.

Além das informações biográficas (em que se remete, basicamente, às

pesquisas de Guenther Roth), Swedberg sustenta que tantos os elementos

sociológicos quanto econômicos da obra de Weber apontam em novas direções.

Na direção sociológica, ele descreve a compreensão weberiana dos conceitos de

“interesse” (na qual, diferentemente da abordagem econômica, estaria presente a

dimensão social), “instituição” (constelação estável de interesses na qual as

relações sociais se tornam relativamente independentes dos atores sociais) e

“orientação para os outros”. Estes elementos sociológicos são conectados com a

análise do aspecto econômico da obra weberiana. Partindo da premissa de que a

principal obra de Weber sobre o assunto (Economia e Sociedade), menos do que

um tratado sistemático de sociologia é, antes de tudo, um estudo sobre as

relações entre a economia e as demais esferas sociais, Swedberg procura

elucidar, também, neste caso, três conceitos. Os dois primeiros (organização e

56 SWEDBERG, Richard. The Changing Picture of Max Weber Sociology. Annual Review of Sociology, 2003, n. 29, p.283-306.

Page 29: Sbs2009 GT29 Carlos Eduardo Sell

29

firma) inserem-se no quadro geral de sua teoria da burocracia. O terceiro deles é o

conceito de capitalismo e seus diferentes tipos (capitalismo racional, político e

tradicional).

Ao integrar este complexo e amplo quadro de conceitos, Swedberg acredita

que se possa obter uma nova imagem do pensamento weberiano, que contrasta

com os modelos dominantes. No primeiro, derivado de Parsons, o ator é regido

por normas e valores e os elementos empíricos privilegiados são a dimensão

religiosa e política da obra de Weber. Na segunda imagem, derivada da

perspectiva da escolha racional, o ponto de partida é a sociologia econômica de

Weber e a ação social é pensada dentro dos moldes do ator auto-interessado.

Swedberg nos aponta, então, para um terceiro modelo que, tendo Bourdieu como

referência paradigmática, distancia-se da noção parsoniana do ator regido por

normas para adotar a visão analítica do ator regido por interesses; e, por outro

lado, reconhece a dimensão social do comportamento do indivíduo. A posição do

autor, neste caso, tende fortemente para um terceiro modelo, na medida em que

entende que a abordagem parsoniana não é condizente com as mais recentes

descobertas bio-biliográficas de Weber, enquanto a segunda tende a interpretar

Weber no contexto de uma teoria elaborada a posteriori. Resta perguntar se o

resultado da empreitada de Swedberg, ao final, não significa apenas uma correção

ou adição à perspectiva da escolha racional, já que, em suma, o que ele faz é

acrescentar uma dimensão “social” (ou relacional) àquela perspectiva, deixando a

idéia de que o “interesse”, enfim, é o móvel último de sua teoria57.

Nos termos aqui expostos, seria perfeitamente possível questionar a

abordagem da escolha racional e da nova sociologia econômica enquanto,

rigorosamente falando, programas de pesquisa do pensamento weberiano. A

objeção, neste caso, reside no fato de que, mais do que modelos hermenêuticos

de interpretação do sentido de seus textos, estamos diante de uma certa “leitura”

de Weber, qual seja, uma forma determinada de apropriação do seu pensamento

57 Outros trabalhos que discutem a sociologia econômica de Weber são: PARSONS, S. Money, Time and Rationality in Max Weber: Austrian Connections. London: Routledge, 2003; PEUKERT, H. Max Weber: precursor of Economic Sociology and Heteredox Economics? American Journal of Economic and Sociology, 63(5), 2004, p.987-1020.

Page 30: Sbs2009 GT29 Carlos Eduardo Sell

30

a partir de esquemas concebidos em termos exógenos à sua própria obra. No

entanto, não se pode menosprezar a influência (e mesmo importância) desta

leitura, razão pela qual ela constitui-se, hoje, como um padrão que guia, em larga

escala, um modo de apropriação do pensar weberiano.

3. Considerações finais

Se determinar o eixo da obra weberiana constitui motivo de dificuldades e

discussões, o mesmo poderia ser dito também da tentativa de estabelecer as

linhas deste debate. Neste sentido, não pretendo que esta apresentação seja uma

descrição de supostas correntes ou escolas existentes, porém, mais

modestamente, um esforço de identificação e apreensão de padrões e tendências

que podem nos auxiliar a retratar o estado da arte sobre a interpretação da obra

de Weber. Nesta direção, por sinal, penso que se adotarmos uma postura

rigorosamente epistemológica e hermenêutica, ou seja, compreendendo a

tipologia aqui esboçada enquanto “programas de pesquisa”, os modelos que

buscam compreender os escritos weberianos como sociologia da racionalização,

sociologia histórico-comparada ou sociologia econômica, possuem pesos

desiguais, na medida em que, esta última (pelo menos como determinação do

sentido último da obra weberiana) reconhece seu caráter ainda parcial e tentativo.

Restam, com maior força, o programa da sociologia histórico-comparativa e da

sociologia da racionalização. As diferenças entre elas, por sinal, ainda que

significativas, não são abissais, elemento que, aliás, só torna o debate ainda mais

complexo. Dado este quadro, minha tarefa final não consiste em buscar discutir a

viabilidade de cada um destes modelos interpretativos, posto que sua

verificabilidade depende, em última instância, da continuidade do debate e da

pesquisa em torno dos textos de Weber. Visando fornecer um balanço final do

debate, buscarei apontar algumas linhas de força, ou, posto de outra forma,

identificar algumas das questões de fundo que permeiam e subjazem os diferentes

modelos de compreensão do pensamento de Weber.

Page 31: Sbs2009 GT29 Carlos Eduardo Sell

31

A primeira destas questões é de ordem externa e diz respeito à influência

que as tradições nacionais de pesquisa exercem em relação a este debate.

Adotando este fator como fio condutor da exposição, revela-se, com nitidez que,

em relação aos Estados Unidos, por exemplo, é possível localizar uma clara

tensão entre uma leitura teorético/metodológica da obra weberiana em contraste

com uma versão histórico-empírica. Além disso, recentemente, a tradição

pragmática norte-americana também exerce seus influxos na direção de uma

leitura fortemente economicista e utilitarista da sociologia de Weber. No caso da

Alemanha é a dimensão filosófica que ganha relevo, seja em torno da retomada

da ótica da racionalização e do desencantamento como o centro da empreitada

weberiana; seja em torno de uma versão antropológico/existencialista da mesma.

Estas tradições nacionais, contudo, não estão completamente isoladas e nem são

rigidamente estanques, com claros pontos de contato e de mútua influência. Ao

mesmo tempo, não se pode menosprezar a tendência cada vez mais

transnacionalizada e difusa da produção sobre Weber. De qualquer forma, como

se evidencia, o curso histórico da difusão e recepção da obra de Weber é fator

importante para se entender o andamento dos debates e ajuda a explicar as

diferenças em torno da interpretação sobre o eixo dos escritos deste pensador.

Um segundo plano de análise nos remete às questões histórico-

exegéticas, ou seja, que dizem respeito à compreensão imanente da evolução e

da relação entre os textos escritos por Weber. Boa parte das discussões

intelectuais em torno do coração do projeto weberiano está relacionada

diretamente com o estado atual de seus escritos, particularmente com as

dificuldades em determinar as diferenças entre a seqüência cronológica de sua

produção e sua edição atual. Deste estado de coisas, duas questões, em especial,

emergem. A primeira tem a ver com a evolução das preocupações intelectuais que

informam estes escritos. Mais do que determinar uma periodização dos seus

textos em fases, o que está em jogo é se o constante acréscimo de temas que

Weber foi agregando a sua análise implica também uma “evolução” em seu

pensamento. Nesta direção, há quem entenda que o tema da racionalização e do

desencantamento, que emerge apenas no Weber tardio, absorve e redefine (sem

Page 32: Sbs2009 GT29 Carlos Eduardo Sell

32

implicar em ruptura) as investigações iniciais de Weber, dedicadas a relação

protestantismo e ethos econômico. Mas, a tese é contestada entre aqueles que

apontam para a tese da continuidade em um conjunto reflexivo que apenas se

desdobra em extensão e intensidade em torno de marcos que já estavam dados

desde o início. Se este debate já nos deixa com o problema de determinar a

relação entre os escritos iniciais e finais de Weber, o mesmo se diga desta última

fase de sua produção. Em relação a este ponto, as interpretações

contemporâneas de Weber tendem a diferenciar-se, especialmente, em torno da

importância sobre os principais projetos de investigação científica que mobilizaram

o autor a partir da década de 1910 até a sua morte: o escrito póstumo intitulado

Economia e Sociedade e o conjunto de manuscritos que compõem sua Ética

Econômica das Religiões Mundiais58. Portanto, é possível perceber que os

programas de pesquisa e interpretação sobre Weber tendem a dividir-se entre

aqueles que privilegiam o primeiro escrito (e seus outros textos de economia),

como é o caso da “nova sociologia econômica”; ou deslocam a importância desta

obra em nome de seus escritos sócio-históricos (Tenbruck). Mesmo os estudiosos

que sustentam a complementaridade destes textos não deixam de conferir certa

prioridade a um deles, como é o caso dos componentes da abordagem sócio-

histórica e da racionalização que, em última instância, gravitam em torno das

análises weberianas sobre as religiões mundiais.

Finalmente, em um terceiro plano de análise, desta vez estritamente

teórico, outro complexo de questões também emerge. Dentre eles, novo quesito

de discordância entre os analistas diz respeito à complexa relação que Weber

estabeleceu os fatores ideais e materiais dos processos sociais. Embora não se

possa mais afirmar, como já o fez Albert Salomon59, que a intenção de Weber era

refutar a análise marxista, de caráter materialista, com uma explicação idealista

58 A composição das obras e a relação entre estes dois textos é discutida em: SCHLUCHTER, Wolfgang. The End of a Myth. Rationalism, Religion and Domination: a weberian perspective. Berkeley: University of Press, 1989, p.433-464 e MOMMSEN, Wolfgang. Max Weber “Grand Sociology”: the origins and compositon of Wirtschaft und Gesellschaft Soziologie. History and Theory, 39, 2000, p.364-383. 59 SALOMON, Albert. Max Weber´s Methodology. Social Research 1, (2), 1934, p.147-168; Max Weber´s Sociology. Social Research, 2(3), 1935a, p.60-73. Max Weber´s Political Ideas. Social Research, 1935b, 2(3), p. 368-384.

Page 33: Sbs2009 GT29 Carlos Eduardo Sell

33

sobre o mundo social (o Marx da burguesia), é fato que o próprio Weber chegou a

caracterizar seu estudo sobre o protestantismo como “espiritualista60”. É somente

nos seus estudos posteriores que ele recoloca os fatores materiais no mesmo

plano da análise. Registre-se, em relação a este ponto, a explicação do próprio

autor, feita no Prólogo [Vorbermkung] ao estudo das religiões mundiais, de que,

enquanto seu estudo sobre o protestantismo só estuda um lado da relação causal

(entre o moderno ethos econômico e a ética racional do protestantismo ascético,

“os trabalhos subseqüentes, sobre a Ética Econômica das Religiões Mundiais,

tentam, através de uma observação geral das relações entre as mais importantes

religiões culturais com a economia e a estrutura social de seu contexto, destacar

as duas relações causais, até onde for necessário para achar pontos de

comparação com o subseqüente desenvolvimento ocidental”61. Mas, embora

alguns intérpretes busquem acompanhar a preocupação dialética de Weber,

pesquisadores como Tenbruck não hesitam em classificá-lo, enfaticamente, no

campo do idealismo, enquanto para a sociologia econômica o que temos, de fato,

é um Weber preocupado com a dimensão do interesse.

Uma segunda discordância teórica, próxima, mas não idêntica a anterior,

diz respeito ao equilíbrio entre a dimensão ontológica e a dimensão

epistemológica dos trabalhos de Weber. Mesmo pressupondo-se a coerência do

pensamento weberiano, resta que permanece em aberto como se articulam a

dimensão da teoria e da empiria no processo de intelecção da obra deste

pensador. Colocando em outros termos: Weber quis estabelecer uma metodologia

de análise para a qual seus estudos empíricos servem como material de apoio ou,

ao contrário, são suas investigações sociológico-empíricas que recebem

proeminência, restando seu quadro teórico-metodológico na condição de

instrumento auxiliar de pesquisa? Para ilustrar a complexidade do debate, basta

voltar às teses das tendências aqui esboçadas. A questão, como vimos, atravessa 60 Conforme relata Marianne Weber, em 02 de abril de 1905, Weber escreveu uma carta a Heinrich Rickhert, na qual declarava: “Em junho ou julho você vai receber um ensaio sobre história cultural com particular interesse para você: o protestantismo ascético como o fundamento da moderna civilização ética – uma espécie de construção ‘espiritualista’ da economia moderna” (apud Schluchter, 1985, p.140) 61 WEBER, Max. Introdução. In A ética protestante e espírito do capitalismo. 11. ed. São Paulo: Pioneira, 1996, p.12 (itálico meu).

Page 34: Sbs2009 GT29 Carlos Eduardo Sell

34

por dentro todo o debate interno do modelo histórico-comparativo, dividido na

ênfase maior ao aspecto empírico (Bendix e Roth) ou teórico-formal (Kalberg) dos

seus extensos trabalhos sobre as religiões mundiais. A sociologia da

racionalização utiliza enfoques evolucionistas (ou desenvolvimentais) para clarear

o enfoque weberiano, mas, é o tema substantivo da racionalização e do

desencantamento que é apontado como o eixo de sua produção. No caso das

abordagens econômicas, a teoria da escolha racional, não resta dúvida, tende a

enfatizar o aspecto epistemológico, enquanto os partidários da nova sociologia

econômica tendem a reforçar os estudos empírico-econômicos de sua obra.

Ainda que cada uma destas questões mereça ser retomada e

aprofundada, por hora, contudo, penso que a identificação dos problemas já

constitui passo importante nesta direção. Por sinal, aqui também vale a

observação já feita antes: a resolução de cada um dos temas em debate depende

do andamento da pesquisa e da discussão, e do que ele nos possa ensinar. Tudo

somado, se a querela a respeito do sentido global da obra weberiana ainda se

acha em aberto, ao mesmo tempo, ele revela a força e a fecundidade de um autor

que continua a nos desafiar, não apenas pelas múltiplas contribuições que deixou

para o entendimento do mundo contemporâneo, mas também porque nos provoca

para um renovado esforço de reflexão e compreensão para o significado de sua

obra.