Seis Sigma - um estudo preliminar de sua aplicação a um programa de Higiene Industrial

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Centro Universitrio SENAC

Metodologia Seis Sigma: um estudo preliminar de sua aplicao a um programa de Higiene Industrial

So Paulo 2006

MRIO DONIZETI DE SOUSA

Metodologia Seis Sigma: um estudo preliminar de sua aplicao a um programa de Higiene Industrial

Dissertao apresentada ao Centro Universitrio SENAC, como um dos prrequisitos para obteno do grau de Mestre em Gesto Integrada em Sade do Trabalho e Meio Ambiente. Orientador: Prof. Dr. Celso Amorim Salim

So Paulo 2006

Sousa, Mrio Donizeti de Metodologia Seis Sigma: um estudo preliminar de sua aplicao a um programa de Higiene Industrial / Mrio Donizeti de Sousa 2006. 157 f. Dissertao de Mestrado Profissional Centro Universitrio SENAC Campus Santo Amaro Mestrado em Gesto Integrada em Sade do Trabalho e Meio Ambiente. Orientador: Prof. Dr. Celso Amorim Salim 1. Seis Sigma 2. Higiene Industrial 3. Sistemas integrados de gesto

Mrio Donizeti de Sousa

Metodologia Seis Sigma: um estudo preliminar de sua aplicao a um programa de Higiene Industrial

Dissertao

apresentada

ao

Centro

Universitrio

SENAC, como um dos pr-requisitos para obteno do grau de Mestre em Gesto Integrada em Sade do Trabalho e Meio Ambiente.

Orientador: Prof. Dr. Celso Amorim Salim

A banca examinadora da dissertao, em sesso pblica realizada em 19 de Agosto de 2006, considerou o candidato:

1) Examinador: Prof. Dr. Amilton dos Santos Almeida

2) Examinador: Prof. Dr. Dorival Barreiros

3) Presidente: Prof. Celso Amorim Salim

Para Ana Paula, Mrio Augusto e Jlia, a quem simplesmente devo tudo...

AGRADECIMENTOS

Ao meu orientador, Prof. Dr. Celso Amorim Salim, pela gesto positiva e sempre motivadora de meus trabalhos. Aos meus pais, Mrio Pereira de Sousa e Maria Mendes de Sousa, pelos valores fundamentais que nortearam meu planejamento estratgico de vida.

Change before you have to. Jack F. Welch Um diamante um pedao de carvo que se saiu bem sob presso. Annimo

Resumo

Em um ambiente de negcios cada vez mais global e competitivo, a otimizao contnua de processos internos passa a ser uma necessidade bsica e inevitvel em qualquer ramo empresarial. Neste cenrio, os programas de Segurana e Sade no esto imunes s presses externas e internas por alcanar resultados ao menor custo e prazo, ou pela constante tentativa de se extrair cada vez mais dos mesmos recursos. Este estudo avalia se a metodologia Seis Sigma, de significativo sucesso recente em grandes corporaes mundiais como conjunto de tcnicas estatsticas e de gesto voltadas resoluo de problemas, otimizao de processos e melhoria de produtos e servios, teria suficiente sinergismo ou interfaces com um programa de Higiene Industrial para que sua aplicao pudesse ser considerada. Atravs de uma detalhada avaliao histrica, descrio do atual estado da arte, desdobramento de suas principais etapas e de suas potenciais correlaes, um roteiro preliminar para aplicao da metodologia Seis Sigma em um programa de Higiene Industrial apresentado como alternativa para sua melhoria contnua.

Palavras-chave: Seis Sigma; Higiene Industrial; Sistemas Integrados de Gesto.

Abstract

In a global and competitive environment, continued process optimization turns to be a basic and inevitable requirement in any enterprise. In such scenario, Safety and Health programs are by far not immune to the external and internal forces pushing all areas for delivering results in a timely fashion, always at the lowest cost, or striving to take the most out of the available resources. This study assesses the interfaces and synergies of the Six Sigma initiative, a problemsolving methodology recently and successfully implemented by global companies to optimize processes and improve products and services, as a potential alternative for reaching improvements in an Industrial Hygiene program. Through a better understanding of their history, an accurate description of their current state of art, the break down of their key steps and, consequently, the identification of correlations, a preliminary roadmap for applying Six Sigma to an Industrial Hygiene program is presented as an alternative for continuous improvement.

Keywords: Six Sigma; Industrial Hygiene; Integrated Management Systems.

LISTA DE FIGURASFigura 1: Paracelsus Figura 2: De Morbis Artificum Figura 3: Alice Hamilton Figura 4: Avaliao de exposies como papel central na gesto de Higiene Industrial Figura 5: Estratgia para avaliao e gerenciamento de exposies ocupacionais Figura 6: Marcos histricos norte-americanos da Qualidade Figura 7: Marcos histricos de implementao da metodologia Seis Sigma Figura 8: Curva de distribuio normal Figura 9: Centralizao de processos Figura 10: Processo sob a condio 3 sigma de controle estatstico Figura 11: Processo sob a condio 6 sigma de controle estatstico Figura 12: Desvios e probabilidades em uma distribuio normal padronizada Figura 13: Oportunidades de defeitos em todo o espectro de uma distribuio normal padronizada Figura 14: Sigma, DPMO e % Sucesso Figura 15: DMAIC Figura 16: Foco no problema, no no efeito Figura 17: Seis Sigma como mtrica ou estratgia? Figura 18: Etapas que precedem a implementao da metodologia Seis Sigma Figura 19: Elementos de um sistema de gesto de sade e segurana Figura 20: DMAIC e a estratgia de avaliao e gerenciamento de exposies ocupacionais Figura 21: Processo de resoluo de exposies inaceitveis Figura 22: DMAIC e o processo de resoluo de exposies inaceitveis Figura 23: Roteiro de aplicao da metodologia Seis Sigma a um programa de Higiene Industrial

Figura 24: Etapas que precedem o lanamento de um programa de Higiene Industrial Figura 25: Definio de estratgias organizacionais Figura 26: Definio e julgamento de perfis de exposio Figura 27: Estratgia de melhoria gradual aplicada ao controle de exposies ocupacionais Figura 28: Anlise estatstica de dados utilizando a planilha eletrnica IHSTAT Figura 29: Anlise estatstica de dados utilizando o software Minitab Figura 30: A metodologia Seis Sigma aplicada conduo de projetos de reduo de exposies Figura 31: Priorizao de SEGs para aes de controle Figura 32: Scorecard de acompanhamento executivo de projetos Seis Sigma Figura 33: Processo de reavaliao peridica de perfis de exposio

LISTA DE QUADROSQuadro 1: Equivalncias entre DMAIC e PDCA Quadro 2: Normas certificveis reconhecidas Quadro 3: Comparao de conceitos entre gurus da Qualidade norte-americanos Quadro 4: Natureza das normas e guias de gesto Quadro 5: Categorizao de nveis de exposio em base a uma estimativa da mdia aritmtica do perfil de exposio Quadro 6: Categorizao de nveis de exposio em base a uma estimativa do 95 percentil dos resultados obtidos em relao ao OEL

LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURASABB Asea Brown Boveri Company ABIH American Board of Industrial Hygienists ABHO Associao Brasileira de Higienistas Ocupacionais ABNT Associao Brasileira de Normas Tcnicas ACGIH American Conference of Governmental Industrial Hygienists AIHA American Industrial Hygiene Association ALJs Administrative Law Judges ANOVA Analysis of variances ASQ American Society for Quality BB Black Belt BMS Business Management Systems BS British Standard BSI British Standards Institute CAIH Certified Associate Industrial Hygienist CDC Center for Disease Control and Prevention CEO Chief Executive Officer CEP Controle estatstico de processo CI Caracterizao inicial CIH Certified Industrial Hygienist CLT Consolidao das Leis do Trabalho Cp Capabilidade de curto prazo relacionada ao potencial do processo Cpk Capabilidade de curto prazo relacionada performance do processo DFSS Design for Six Sigma DMAIC Define, measure, analyze, improve, control DOE Design of experiments DPMO Defeitos por milho de oportunidades DPO Defeitos por oportunidade ECTQM European Centre for Total Quality Manament EFQM European Foundation for Quality Management EPI Equipamento de proteo individual FIG Further information gathering

FMEA Failure mode and effect analysis FSP Faculdade de Sade Pblica da Universidade de So Paulo Fundacentro Fundao Jorge Duprat Figueiredo de Segurana e Medicina do Trabalho Gage R&R Repeatability and reproducibility GB Green Belt GE General Electric Company GM General Motors Company HSE Health and Safety Executive INMETRO Instituto Nacional de Metrologia ISO International Organization for Standardization KPI Key process indicator LD Limiar de deteco LIC Limite inferior de controle LIE Limite inferior de especificao LSC Limite superior de controle LSE Limite superior de especificao LTA Long term average MBB Master Black Belt NBC National Broadcasting Company NBR Norma Brasileira NHO Norma de Higiene Industrial NIOSH National Institute for Occupational Safety and Health NR Norma Regulamentadora NYSE New York Stock Exchange OEL Occupational exposure limit OHSAS Occupational Health and Safety Management Systems OIT Organizao Internacional do Trabalho OSHA Occupational Safety and Health Administration OSHRC Occupational Safety and Health Review Commission OMS Organizao Mundial de Sade ONG Organizao no governamental OPS Organizao Panamericana de Sade Pp Capabilidade de longo prazo relacionada ao potencial do processo

Ppk Capabilidade de longo prazo relacionada performance do processo ppm partes por milho PDCA Plan, do, check, act QFD Quality function deployment QMS Quality Management Systems QS Quality System QUENSH Quality, Environment, Safety and Health RTY Rolled throughput yield SA Social Accountability SAI Social Accountability International SEG Similar exposure groups SENAC Servio Nacional de Aprendizagem Comercial SFIT Sistema Federal de Inspeo do Trabalho SIPOC Supplier, input, process, output, customer TQM Total Quality Management X causa Y efeito

SUMRIO

1 INTRODUO 1.1 1.2 1.2 1.3 1.4 Antecedentes As questes desta pesquisa Os objetivos A justificativa As limitaes

17 17 21 22 22 23 24 24 24 28 31 33 35 3636 37 38 39

2 CONSIDERAES SOBRE O TEMA 2.1 2.1.1 2.1.2 2.1.3 2.1.4 Breve histrico da Higiene Industrial Antecedentes gerais at o sculo XX A Higiene Industrial nos Estados Unidos A Higiene Industrial na Amrica Latina A Higiene Industrial no Brasil

2.2 Higiene Industrial sob a tica de um programa estruturado 2.2.1 Estratgias de avaliao e gesto de exposies ocupacionais2.2.1.1 2.2.1.2 2.2.1.3 2.2.1.4 Consideraes gerais A avaliao de exposies em um programa de Higiene Industrial O atual conceito de estado da arte em avaliao de exposies A estratgia de avaliao de exposies baseada no conceito de gerenciamento de riscos

2.2.2 Alcance e limitaes de um programa de Higiene Industrial 2.2.3 Tcnicas estatsticas e de gesto 2.2.4 O profissional de Higiene Industrial 2.3 2.3.1 2.3.2 2.3.3 2.3.4 2.3.5 Seis Sigma Uma perspectiva histrica A origem da metodologia Uma viso geral sobre o enfoque, benefcios e as limitaes Os elementos bsicos O desdobramento das metodologia2.3.5.1 2.3.5.2 2.3.5.3 2.3.5.4 2.3.5.5 Definio Medio Anlise Melhoria Controle

44 45 47 48 48 53 56 58 6567 68 68 68 69

2.3.6 Implementao: programa, iniciativa ou estratgia de negcio?2.3.6.1 O papel da liderana executiva 2.3.6.2 Principais elementos da estratgia de implementao

6971 72

2.3.7 Comentrios sobre Lean Manufacturing 2.3.8 Seis Sigma em pequenas e mdias empresas

76 77

2.4

Buscando possveis interfaces de sistemas entre Higiene Industrial e Seis Sigma: Integrao de sistemas de gesto de Segurana, Sade, Meio Ambiente e Qualidade

79

2.4.1 Algo sobre as principais ondas da Qualidade, mas especialmente sobre TQM 2.4.2 Aplicao de TQM em Sade e Segurana do Trabalho 2.4.3 O idioma ISO dos sistemas de gesto atuais 2.4.4 O futuro das integraes de sistemas de gesto 3 MTODO DE PESQUISA 3.1 3.2 3.3 Abordagem geral da pesquisa Detalhes da pesquisa bibliogrfica Materiais: softwares de aplicao

81 84 86 89 91 91 91 92 94

4 INTERFACES E POSSVEIS SINERGIAS ENTRE SEIS SIGMA E HIGIENE INDUSTRIAL 4.1 4.2 4.2.1 4.2.2 A mais bvia das tentaes Anlise de potenciais sinergias Observaes iniciais Estratgia gerla de aplicao4.2.2.1 4.2.2.2 4.2.2.3 4.2.2.4 4.2.2.5 Incio ou estratgia de implementao Caracterizao bsica ou fase de definio e medio inicial Avaliao e classificao de exposies ou fase de anlise Reavaliao e controle ou fase de melhoria e controle Comentrios sobre DFSS

94 96 96 98100 102 104 107 112

5 UMA PROPOSTA DE ROTEIRO ESTRUTURADO DE APLICAO 5.1 5.1.1 5.1.2 5.1.3 5.1.4 5.1.5 5.1.6 5.1.7 5.1.8 5.2 5.2.1 5.3 5.3.1 5.3.2 5.3.3 5.3.4 5.4 Definindo o tamanho do programa de Higiene Industrial Implementao baseada em um cenrio de negcios Benchmarking como elemento de deciso Deciso pela implementao Expertise em Higiene Industrial Barreiras internas Recursos e treinamento Planejamento de implementao Comunicao Caracterizao bsica ou macro definio Dividindo a operao em processos Avaliao inicial ou macro anlise Dimensionando o monitoramento ambiental Validando o meio de medio Homogeneidade de um SEG Julgamento inicial de exposies Controle de exposies ocupacionais

113 113 116 117 118 119 119 119 120 121 121 121 123 124 125 126 126 132

5.5

Reavaliao peridica

136

6 CONCLUSES 7 PROPOSTAS PARA NOVAS PESQUISAS REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS ANEXOS Anexo A: Capacitao na Metodologia Seis Sigma: contedo programtico para Black Belts Anexo B: Referncias bibliogrficas recomendadas para uma melhor compreenso das tcnicas especficas da Metodologia Seis Sigma

139 143 145 151 155

17

1 INTRODUO

1.1 Antecedentes

Conformidade legal. Esta certamente seria a resposta de alguns empresrios quando perguntados sobre o objetivo principal de um programa de Higiene Industrial. Muitos, no entanto, diriam Higiene Industrial? Algo relacionado com limpeza?. Outros tantos se beneficiariam da dica Higiene Industrial, voc sabe, relacionada ao campo de Sade e Segurana do Trabalho, uso de EPIs, doena do trabalho.... E isto no seria uma surpresa... Mas de fato, Higiene Industrial definida como Cincia e Arte (PLOG, 1988) e objetiva, primariamente, o bem-estar do principal ativo de qualquer companhia: sua gente. Claro que nem todas as companhias consideram as pessoas como seu principal ativo e, portanto, no se trata de uma cincia amplamente difundida, aceita ou glamorizada. Em escala, pode-se dizer que Higiene Industrial um dos componentes menos conhecidos de um bom programa de Sade e Segurana do Trabalho e que um bom programa de Sade e Segurana do Trabalho no to facilmente encontrado. Considerando as estatsticas brasileiras de 2003 de acidentes analisados do SFIT - Sistema Federal de Inspeo do Trabalho (MTE, 2003), 12,96% de todos os acidentes registrados esto relacionados ao fator causal ambiente e 11,97% ao fator causal material. Tambm possvel encontrar elementos de Higiene Industrial em outros fatores causais, mas estes, sem dvida, so aqueles que compreendem os mais comuns (agentes fsicos e qumicos). Assim, pelo menos (um quarto) de todos os acidentes do trabalho registrados em 2003 no Brasil tem caractersticas relacionadas aos elementos estudados pela Higiene Industrial que deveriam justificar, portanto, uma maior nfase na implementao deste programa. A boa notcia que nossa evoluo histrica conspira para um inevitvel progresso nas relaes entre capital e trabalho, incluindo aqui o conceito de condies e formas de trabalho. A mo invisvel, descrita por Adam Smith em

18

1776 em sua obra An Inquiry into the Nature and Causes of the Wealth of Nations (ASI, 2005) que, sob vrios aspectos, busca auto-regular o mercado de forma a alavancar o interesse pblico, pode explicar conceitualmente esta conspirao movida pela crescente conscientizao da sociedade aos temas sociais e ambientais sobre as caractersticas que definem um bom produto, algo que se deseje comprar. Um mvel de mogno (Swietenia macrophylla), um perfume a base de pau-rosa (Aniba roseodora DUCKE), um casaco de pele de arminho (Mustela erminea LINNAEUS), um tnis produzido sob condies de trabalho escravo, materiais que incluem asbestos (amianto) como componente, j no so comercializados sem oposio nos dias atuais, mesmo que esta oposio ocorra em diferentes intensidades. O cliente passa a valorizar no s o produto final, mas o processo necessrio a sua preparao. Aqui se destaca o papel das organizaes de terceiro setor (ONG organizaes no governamentais) que, em geral, tm contribuido de forma significativa no processo de transferncia de informaes sociedade. Neste contexto, terminologias como responsabilidade social empresarial1 e governana corporativa2 passam a ser utilizadas para descrever o compromisso de uma determinada entidade empresarial com o que se acredita ser minimamente aceitvel em termos de prtica e comportamento em um determinado segmento. Se em muitos casos isto pode representar uma iniciativa voluntria, em muitos outros isto passa a ser um requerimento das partes interessadas3 e um diferencial entre empresas competidoras. Ainda, de forma a trazer maior visibilidade e transparncia ao processo, as principais ____________1

Responsabilidade social empresarial a forma de gesto que se define pela relao tica e transparente

da empresa com todos os pblicos com os quais ela se relaciona e pelo estabelecimento de metas empresariais compatveis com o desenvolvimento sustentvel da sociedade, preservando recursos ambientais e culturais para geraes futuras, respeitando a diversidade e promovendo a reduo das desigualdades sociais (INSTITUTO ETHOS, 2005).2

Governana corporativa o sistema pelo qual as sociedades so dirigidas e monitoradas, envolvendo os

relacionamentos entre acionistas/cotistas, conselho de administrao, diretoria, auditoria independente e conselho fiscal. As boas prticas de governana corporativa tm a finalidade de aumentar o valor da sociedade, facilitar seu acesso ao capital e contribuir para a sua perenidade. Fonte: Instituto Brasileiro de Governana Corporativa IBGC www.ibgc.org.br.3

As partes interessadas nesta pesquisa referem-se aos indivduos ou grupos interessados ou que so

potencialmente afetados pelo desempenho de uma organizao, como, por exemplo, clientes, acionistas, sociedade, governo, sindicatos, fornecedores, agentes financiadores e, naturalmente, trabalhadores. Esta definio baseada nas normas ISO 9001:2000, ISO 14001:2004 e OHSAS 18001:1999.

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prticas internas podem ser avaliadas e certificadas externamente, como, entre outros, o sistema de gesto da Qualidade (ISO4 9001:2000), de gesto ambiental (ISO 14001:2004), de responsabilidade social (SAI5:2000) e o de Segurana e Sade Ocupacional (OHSAS6 18001:1999). Ou seja, a empresa passa no s a dizer que faz algo bem, mas tambm o comprova atravs de um atestado externo. Por outro lado, Friedman (1970), em artigo do New York Times, sugeriu que a nica responsabilidade social de uma empresa engajar-se em atividades que aumentem sua lucratividade, sempre e quando as regras do jogo fossem seguidas sem engano ou fraude. Nada mais atual. A questo que as regras do jogo mudam, evoluem. Neste momento, requerimentos mnimos de responsabilidade social so parte deste jogo sugerido por Friedman, onde o objetivo ainda gerar lucros crescentes. Desta forma, as empresas certamente continuaro buscando formas de respoder s demandas sociais relacionadas a seu negcio, mas absolutamente inevitvel que tais formas sejam as de maior efetividade de custo. A eficincia por natureza uma vantagem competitiva e caracterstica intrnseca de um mercado cada vez mais globalizado. Dentre os sistemas de gesto existentes, o da Qualidade aquele que mais se aproxima atualmente deste conceito amplo de busca de eficincia em todas as etapas de um processo produtivo. Seu objetivo, enquanto sistema de gesto, efetivamente a excelncia de toda uma organizao, e no somente seus produtos e servios (WATKINS, 2006), o que o aproxima de uma perspectiva no s de processos, mas de uma viso integradora e orgnica do negcio. Desde a dcada de 1960, a aplicao dos conceitos de gesto da Qualidade vem evoluindo sistematicamente e variantes de metodologias tm sido testadas para implementao em vrios segmentos industriais, com resultados extremamente variveis. Se bem as iniciativas so distintas quanto a sua estratgia de implementao, os elementos tcnicos, em geral, so bastante semelhantes e a razo do fracasso mais comumente atribuda no consistncia tcnica do programa, mas sim estrutura organizacional que deveria liderar sua implementao (BEER, 2003). ____________4 ISO, International Organization for Standardization, uma rede internacional, de 156 pases sendo um membro por pas, de institutos de padronizao com sede em Genebra, Suca. Fonte: www.iso.org . 5 SAI, Social Accountability International, uma organizao sem fins lucrativos dedicada ao tratamento tico dos trabalhadores ao redor do mundo. Fonte: www.sa-intl.org . 6 OHSAS 18001, Occupational Safety and Health Administration System, um guia de implementao apresentado pela BSI British Standard Institute. Fonte: www.bsi-global.com .

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Em geral, estas iniciativas foram implementadas atravs das reas tcnicas das organizaes, mas sem suficiente eco entre sua liderana executiva. Porm, uma variante destas iniciativas, conhecida como Seis Sigma (Six Sigma), tem mostrado resultados surpreendentemente diferentes em companhias multinacionais renomadas, e j por quase 20 anos. Trata-se de uma metodologia de resoluo de problemas com slida base cientfica, mas com nfase na sustentao do negcio, de impacto no resultado final (bottom line). Por natureza conceitual, o Seis Sigma no , tipicamente, um programa iniciado pelas reas tcnicas, mas sim uma metodologia de trabalho definida pelo primeiro escalo de uma organizao e que o implementa por razes estratgicas. Com a expanso da metodologia Seis Sigma nas organizaes, tem-se verificado como potencial oportunidade sua aplicao em todos os processos internos, incluindo reas consideradas de suporte, como Finanas, Recursos Humanos, Tecnologia da Informao, Administrao, Segurana, Sade e Meio Ambiente, dada a importncia estratgica destes temas em uma perspectiva de responsabilidade social. Sua aplicao especificamente na rea de Higiene Industrial parece ter possibilidades extremamente interessantes em virtude das correlaes tcnico-cientficas e de administrao de gesto. Enquanto a rea de Higiene Industrial prev, reconhece, avalia e controla estresses no ambiente de trabalho (PLOG, 1988), a metodologia Seis Sigma define, mede, analisa, melhora e controla qualquer tipo de varivel, estabelecendo, ainda, as bases de sustentao para sua melhoria contnua (PYZDEK, 2001). A busca pela integrao de Higiene Industrial com a metodologia Seis Sigma pode garantir a satisfao das necessidades legais, da conformidade com os compromissos sociais e institucionais e da necessria busca pela melhoria contnua das condies de trabalho, sempre sob uma tica de contnua busca pela eficincia mxima do negcio, satisfazendo, assim, todas as partes interessadas. Com a aplicao da metodologia Seis Sigma a programas de Segurana, Sade e Meio Ambiente, pode ser que um empresrio responda de forma diferente pergunta inicialmente sugerida.

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1.2 As questes desta pesquisa

A literatura disponvel sobre a aplicao de Seis Sigma ainda extremamente recente. Se bem possvel precisar sua criao ao ano de 1985 na empresa Morotola7, somente a partir de 1995 o assunto se tornou conhecido mundialmente graas deciso de uma das trs maiores companhias do mundo, a General Electric8, de implementar a metodologia em todos os nveis de sua organizao. As principais referncias bibliogrficas so geradas a partir deste perodo, assim como diversos artigos tcnicos com business cases (casos de negcios) em quase todos os ramos industriais. A aplicao da metodologia tem sido centrada, naturalmente, em reas onde o impacto o mais rpido e mais visvel, ou seja, em segmentos de manufatura de produtos. A reduo de defeitos tem sido o principal objetivo inicial de implementao, fortalecendo a absoro dos conceitos e a confiana nos elementos da metodologia j que a reduo de custos internos e a maior satisfao dos clientes podem ser resultados de relativo curto prazo. medida que o programa avana em uma organizao, passa a ser inevitvel a busca por oportunidades de melhoria contnua em todos os segmentos internos, levando a expanso s reas consideradas de suporte, como Segurana, Sade e Meio Ambiente, por exemplo. Porm, como j mencionado anteriormente, a rea de Higiene Industrial um dos componentes menos conhecido de um programa amplo de Segurana do Trabalho. A questo que esta pesquisa busca discutir e oferecer contribuies para estudos futuros de natureza exploratria, almejando entender as possveis interfaces entre um programa slido de Higiene Industrial e a potencial aplicao dos elementos da metodologia Seis Sigma que buscariam sua maior eficincia. A aplicao da metodologia Seis Sigma a um programa de Higiene Industrial pode torn-lo mais eficiente, com maior efetividade de custo, maior visibilidade organizacional e, ainda, sustentvel enquanto parte de um sistema de gesto e replicvel sob a forma de um roteiro de implementao?

____________7 8

Motorola Inc., Estados Unidos da Amrica, NYSE: MOT, www.motorola.com . General Electric Company, Estados Unidos da Amrica, NYSE: GE, www.ge.com .

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1.3 Os objetivos

Em relao questo apresentada, a motivao principal desta pesquisa enfoca-se na anlise das possveis interaes entre a metodologia Seis Sigma e um programa tpico de Higiene Industrial, buscando oportunidades para acrscimo de eficincia em sua gesto. Para que isto possa ser realizado, de fundamental importncia caracterizar as duas disciplinas enquanto a sua histria, evoluo e atual estado da arte. Adicionalmente, por tratar-se da possvel combinao de programas ou iniciativas normalmente independentes entre si e aplicados em campos claramente definidos, a compreenso dos principais componentes de sucessos e insucessos de aplicaes de elementos de gesto da Qualidade em programas de Segurana, Sade e Meio Ambiente j documentados na literatura recente permitir uma anlise mais slida de potenciais sinergias e fatores de sucesso para sua implementao. Desta forma, considerando um consistente embasamento terico de caracterizao, tanto de Higiene Industrial como de Seis Sigma, os objetivos desta pesquisa exploratria so: I- analisar possveis interfaces entre a gesto de um programa de Higiene Industrial e a metodologia Seis Sigma buscando compreender o sinergismo possvel entre ambos; II- propor um roteiro estruturado de aplicao da metodologia Seis Sigma a um programa padro de Higiene Industrial em um contexto empresarial.

1.4 A justificativa

Estima-se, atravs de fontes e dados internacionais, que a produo tcnico-cientfica brasileira represente menos de 1% (um por cento) dos artigos cientficos divulgados anualmente com enfoque s relaes entre trabalho e

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sade (WNSCH FILHO, 2004 apud GOMEZ e LACAZ, 2005). Considerando o potencial enfoque a uma subrea, como Higiene Industrial, possvel inferir-lhe uma frao substancialmente menor deste valor. A metodologia Seis Sigma, por outro lado, vem recebendo importante ateno tcnico-cientfica atualmente, mas ainda recente e limitada enquanto a suas potenciais aplicaes fora do ambiente tpico de manufatura. Salienta-se, no entanto, o crescente interesse e disseminao em diferentes tipos de segmentos empresariais, os resultados significativos obtidos por empresas multinacionais e a multiplicidade de publicaes nos ltimos 10 anos, que lhe atribuem credibilidade enquanto iniciativa de gesto a ser considerada em qualquer tipo de aplicao industrial. A principal justificativa desta pesquisa no , portanto, emprica, mas terica, e relaciona-se com o avano do conceito de busca de sinergias e integraes entre sistemas de gesto industriais. Sob a tica de Higiene Industrial, pode significar utilizar o que h de mais novo em gesto empresarial para elev-la ao status adequado de uma disciplina que busca, incessantemente, a proteo do principal ativo de uma organizao. Ou seja, apesar e depois de tudo, Higiene Industrial pode ser, reconhecidamente, um negcio interessante.

1.5 As limitaes

Os aspectos intrinsecamente tcnicos dos componentes e elementos de gesto de um programa de Higiene Industrial e da metodologia Seis Sigma no sero objetos de discusso nesta pesquisa, mas sim sua aplicao conforme sugerido pela literatura investigada. Especial enfoque ser aplicado estratgia de gesto de um programa de Higiene Industrial, onde as principais sinergias com a metodologia Seis Sigma so esperadas.

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2 CONSIDERAES SOBRE O TEMA

2.1 Breve histrico da Higiene Industrial

During the early 1930s there were probably fewer than 50 people who were industrial hygienists working to protect the health of workers. The public was little interested in industrial hygiene, and some managers thought it was a source of trouble and a waste of money. A few physicians viewed it as an intolerable invasion of the doctors domain and insisted that only medical doctors could express opinions regarding the effects of any material or any stress on the human body. Unions were more interested in getting hazardous pay than in controlling the environment, and the workers were kept in the dark, uninformed about the actual hazards. Gradually and gratifyingly, a light began to shine in the darkness. It has been a slow but positive evolution. Frank A. Patty (HARRIS, 2000, p. 1, Captulo: Industrial Hygiene: Retrospect and Prospect)

2.1.1 Antecedentes gerais at o sculo XX

Anteriormente ao sculo XX, a preocupao com a sade dos trabalhadores no era algo que poderia ser considerado importante ou destacvel. Clayton (NIOSH, 1984), em suas observaes sobre a histria da Higiene Industrial, enfatiza que, no alvorecer da humanidade, o simples trabalho de sobreviver j era, em si, uma doena ocupacional. Com a evoluo da estratificao social, o trabalho comum passou a ser realizado por escravos, o que perdurou at perodos relativamente recentes da histria da humanidade. To abjeto chegou a ser o conceito do trabalho manual que, em determinado perodo da cultura egpcia antiga, os homens livres eram proibidos por lei de realiz-lo. Com esta atitude da sociedade em relao ao trabalhador manual, ficam claras as

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razes pela absoluta falta de interesse e esforos na melhoria de ambientes de trabalho em relao ao conforto dos trabalhadores na poca. No entanto, as prticas atuais de Sade Ocupacional remontam aos conceitos criados a partir do posicionamento cientfico em diversos momentos na histria da humanidade. Clayton (NIOSH, 1984), Goelzer (2001) e Patty (HARRIS, 2000) apresentam uma cronologia consistente quanto aos reconhecidos primeiros estudos histricos de doenas ocupacionais e sua evoluo at o incio do sculo XX, sendo utilizados, desta forma, como referncias bibliogrficas para esta caracterizao. O envenenamento por chumbo o mais antigo registro de doena ocupacional. Hipcrates, no ano IV a.C. , estudou a contaminao de mineiros e metalurgistas por chumbo e seus efeitos adversos (saturnismo), apesar de no demonstrar nenhuma preocupao com a proteo do trabalhador. No sculo I AD, Plnio, o Velho, um intelectual romano, impressionou-se com o estado de sade de mineiros expostos a chumbo, mercrio e poeira de minrios, recomendando uma proteo facial feita com a bexiga de animais para evitar a inalao continuada. No sculo II AD, Galeno, um mdico grego residindo em Roma, descreveu a patologia do saturnismo e reconheceu as graves conseqncias das exposies a neblinas cidas a que estavam expostos os mineiros de cobre, mas, outra vez, sem nenhum mpeto na efetiva soluo dos problemas. Aps um longo perodo sem avanos significativos no campo da Higiene Industrial, Ulrich Ellenbog publicou em 1473 um estudo sobre doenas ocupacionais e noes de precauo. Em 1556, Georgius Agrcola, um pesquisador alemo, publicou sua obra De Re Metallica que inclua sugestes para ventilao de minas e mscaras protetoras aos mineiros, discusses sobre acidentes ocorridos e descries de doenas como trench foot (efeitos nas extremidades devido continuada exposio de guas com baixa temperatura em minas) e silicose (doena pulmonar causada pela inalao de determinados tipos de poeira de slica). Ao final do sculo XVI, o estudo das exposies dos trabalhadores esbarrava no tpico misticismo da poca. Havia a crena que as minas eram habitadas por entidades malvolas causadoras das enfermidades e que sua preveno s se daria atravs de oraes e outras prticas religiosas da poca.

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Era a poca renascentista e uma figura comum era o alquimista. Philippus Paracelsus (figura 1), um qumico suo, mdico e professor de fsica e cirurgia, sem uma formao acadmica e considerado um desafeto da comunidade mdica da poca, trouxe avanos importantes rea toxicolgica. Descreveu vrias doenas relacionadas ao processo de minerao como perturbaes estomacais, pulmonares e intestinais, atribuindo sua ocorrncia aos vapores e emanaes dos metais e alertou que o contato deveria ser evitado j que as complicaes poderiam ser incurveis. Tendo vivido entre 1493 e 1541, Paracelsus foi, provavelmente, o primeiro a definir as bases do que hoje conhecemos como limites de tolerncia quando afirmou que cada substncia um veneno, sendo sua dose a questo.

Figura 1: Paracelsus Cortesia: National Library of Medicine Fonte: http://wwwihm.nlm.nih.gov/cgi-bin/gw_44_3/chameleon?skin=nlm&lng=en

Amplamente reconhecido como o primeiro tratado sobre doenas ocupacionais, De Morbis Artificum (figura 2), de Bernardino Ramazzini, um mdico italiano, foi publicado em 1700. Esta obra descrevia a silicose em termos patolgicos observados atravs das autpsias conduzidas em cadveres de mineiros. Ramazzini sugeriu precaues que poderiam controlar diversos riscos sade e que haviam sido, em sua maior parte, ignorados por sculos. A obra de Ramazzini teve um impacto significativo no futuro da sade ocupacional. Uma das

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questes levantadas por Ramazzini foi, posteriormente, includa em quase toda histria clnica de pacientes mdicos: qual a sua atividade?.

Figura 2: De Morbis Artificum Fonte: http://www.ensp.unl.pt/areas_cientificas.shtm

J no sculo XVIII, raiz das mudanas polticas na Europa, iniciou-se uma maior preocupao com a sade dos trabalhadores e que resultou em publicaes importantes na Inglaterra como as de Percival Pott que descreveu um cncer escrotal resultante de exposio profissional dos limpadores de chamins. George Baker atribuiu corretamente o Devonshire Colic exposio ao chumbo na indstria de cidra e estabeleceu mtodos apropriados para sua remoo. Charles Turner Thackrah, de importante influncia mdica e poltica, alm de um cientista de viso, escreveu um tratado de 200 pginas sobre medicina ocupacional, salientando, adicionalmente, que todo mestre tinha influncia significativa na sade e felicidade de seus trabalhadores e clamava pela benevolncia na preveno das doenas em substituio ao alvio das conseqncias. Thomas Beddoes e Sir Humphry Davy colaboraram na descrio de atividades suscetveis a causar phthisis (tuberculose). Davy tambm trabalhou no desenvolvimento da lmpada de segurana para mineiros. Como conseqncia destes avanos, em 1833 foram promulgados os English Factory Acts, demonstrando, formalmente, o interesse do governo ingls

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pela sade da populao trabalhadora. Estes documentos foram considerados a primeira legislao efetiva no campo industrial quanto questo ocupacional, mas focalizada, especialmente, na compensao dos acidentes e no em sua preveno. Vrios outros pases seguiram o exemplo ingls e estabeleceram leis de compensao a acidentes relacionados ao trabalho. Em geral, estas leis estimularam a adoo de precaues de segurana e a inaugurao dos servios mdicos em plantas industriais. A comunidade passava a interessar-se mais pelo assunto. As revistas e jornais, como hoje, tiveram um papel importante nesta popularizao. Em uma das mais populares publicaes do sculo XIX, o London Illustrated News, atribuiu-se a exploso de uma mina negligncia nos testes de deteco de gs e tambm se comentou sobre o no oferecimento de lmpadas de segurana ao mineiros. Em 1878, o ltimo dos English Factory Acts centralizou as inspees das fbricas criando uma agncia especfica em Londres. O campo da Higiene Industrial evolui significativamente em pases como Inglaterra, URSS e Alemanha durante o sculo XX, mas foi nos Estados Unidos que se observaram os avanos estruturais e cientficos mais representativos (NIOSH, 1984), merecendo, portanto, um especial destaque.

2.1.2 A Higiene Industrial nos Estados Unidos

Sellers (1998), em seu texto Hazards of the Job: from industrial disease to environmental health science, descreve a evoluo da Higiene Industrial nos Estados Unidos ao incio do sculo XX, afirmando que, apesar da ocorrncia significativa de doenas ocupacionais, tais como a silicose na minerao ou o envenenamento por chumbo em indstrias em vrias partes dos Estados Unidos, este assunto no havia sido foco de um debate srio entre o governo e profissionais mdicos at o ano de 1880. Alm da possibilidade da atribuio de causas das doenas a eventos no relacionados ao trabalho, a cincia relacionada identificao e preveno de doenas ocupacionais foi especialmente lenta em desenvolver-se nos Estados Unidos. Isto foi basicamente devido cultura do trabalho duro na poca, falta de confiana na comunidade

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mdica e ignorncia dos empresrios. Estes ltimos se aproveitaram da significativa oferta de trabalhadores, em razo de um contnuo fluxo de imigrao, para dar soluo ento ameaa apresentada pelos debilitantes riscos industriais. Clnicas mdicas enfrentavam um dilema importante nesta poca j que diagnosticar uma doena ocupacional implicava em reduzir os ganhos do paciente e, como potencial conseqncia, a chance da prpria clnica ser paga. Evidncias, portanto, de doenas ocupacionais eram escassas e desproporcionais a sua efetiva ocorrncia. Por volta de 1890, no entanto, organizaes trabalhistas, tais como o Knights of Labor, elaboraram aes que resultaram em mudanas na legislao referente responsabilidade dos empresrios e melhores padres de condies de trabalho. Vrios governos estaduais estabeleceram bureaus de trabalho e de estatsticas, favorecendo o aumento da visibilidade do assunto. Estas aes foram crticas para as futuras reformas. Comeava, ento, ao incio do sculo XX, a causa da responsabilidade social pela sade e bem estar dos trabalhadores. Esta causa foi personificada na figura da Dra. Alice Hamilton (figura 3), que viveu entre 1869 e 1970. Formada em medicina em 1893, atendeu a palestras sobre patologia e bacteriologia na Universidade de Munique e Leipzich, na Alemanha. Como observao interessante, estas universidades alems no haviam, at ento, permitido estudantes do sexo feminino e a Dra. Hamilton foi aceita com a condio de no ser percebida por professores ou alunos. Em sua longa e produtiva carreira, apresentou evidncias substanciais sobre a relao entre doenas e exposio a agentes txicos e foi alm, buscando solues concretas para os problemas identificados (NIOSH, 1984). A conscientizao pblica passou a ser crescente e as legislaes foram discutidas com intensidade. Em 1908, o governo federal norte-americano aprovou uma legislao de compensao para empregados civis e em 1911 as primeiras legislaes estaduais comearam a tambm ser aprovadas. At 1948, todos os estados norte-americanos haviam aprovado legislaes similares.

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Figura 3: Alice Hamilton Cortesia: National Library of Medicine Fonte: http://wwwihm.nlm.nih.gov/cgi-bin/gw_44_3/chameleon?skin=nlm&lng=en

Tais leis de compensao foram importantes fatores na evoluo da Higiene Industrial nos Estados Unidos, j que passava a ser mais lucrativo para as empresas controlar o ambiente de trabalho e prevenir as enfermidades que remedi-las. Com o aumento dos profissionais dedicados Higiene Industrial, foram criadas associaes profissionais com o objetivo de estabelecer uma plataforma para o contnuo avano deste campo. As primeiras associaes significativas, em mbito mundial, foram a American Conference of Governmental Industrial Hygienists (ACGIH) e a American Industrial Hygiene Association (AIHA), fundadas em 1938 e 1939, respectivamente. Vrias legislaes significativas foram aprovadas e introduzidas nos Estados Unidos desde ento. Um destaque especial deve ser dado s seguintes legislaes mencionadas por Clayton (NIOSH, 1984) e Plog (1988): Metal and Nonmetalic Mine Safety Act, de 1966; Federal Coal Mine Health and Safety Act, de 1969 e o Occupational Safety and Health Act, de 1970. Em 1970, com a aprovao do Occupational Safety and Health Act OSHAct, atravs da lei pblica 91-596, implementa-se a seguinte organizao tcnico-administrativa: IOSHA Occupational Safety and Health Administration, subordinada ao US Department of Labor, tem como responsabilidade a definio de

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requisitos mnimos obrigatrios de segurana e sade ocupacional em mbito federal; IINIOSH - National Institute for Occupational Safety and Health, subordinada ao CDC (Center for Disease Control and Prevention) e este ao US Department of Health and Human Services, responsvel por pesquisar os efeitos sade relacionados s exposies no ambiente de trabalho, desenvolver critrios para o seguro manejo de materiais e agentes txicos, treinar profissionais para o adequado cumprimento da legislao trabalho; IIIOSHRC Occupational Safety and Health Review Commission, uma agncia federal independente criada para tratar os assuntos jurdicos relacionados ao no cumprimento das legislaes definidas no OSHAct. Funciona como uma corte administrativa para ouvidoria, apresentao de evidncias e tomada de decises judiciais atravs de seu corpo de ALJs (Administrative Law Judges). Com este arcabouo tcnico, administrativo e jurdico, foram respectiva e, em geral, pesquisar e colaborar no desenvolvimento de alternativas para melhorar as condies de

implementadas as bases para o desenvolvimento contnuo da Higiene Industrial nos Estados Unidos, o que se perpetua at hoje e faz com que esta estrutura seja, reconhecidamente, uma das mais efetivas mundialmente.

2.1.3 A Higiene Industrial na Amrica Latina

As preocupaes relativas aos ambientes insalubres e conseqncias adversas sade tambm foram temas importantes no incio do sculo XX em toda a Amrica Latina, resultando no estabelecimento das primeiras leis sobre sade ocupacional em vrios paises (GOELZER, 2001). Em 1927, os delegados da VIII Conferncia Sanitria Panamericana haviam reconhecido a importncia da sade ocupacional para o desenvolvimento econmico e social da regio.

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Vrios estudos de avaliao de riscos ocupacionais nas dcadas de 1940 e 1950 demonstraram a existncia de grandes problemas de sade ocupacional na Amrica Latina (BLOOMFIELD, 1962 apud GOELZER, 2001), motivando a criao de institutos nacionais de sade ocupacional em diversos pases como Chile, Peru, Bolvia e Cuba. Com o apoio internacional e colaborao da Organizao Panamericana de Sade, foram conseguidos para este paises equipamentos, infra-estrutura bsica e mnima formao, convertendo-os em centros de referncia (MENDEZ, 1981 apud GOELZER, 2001). O desenvolvimento de sade ocupacional mais significativo da poca ocorreu nestes centros. Como em outras reas, o desenvolvimento da sade ocupacional na Amrica Latina foi significativamente reduzido durante as dcadas de 1960 e 1970 em virtude das perturbaes polticas caractersticas da poca e concomitantes em diversos pases da regio. No entanto, observaram-se pequenos mas progressivos avanos como a obrigatoriedade do estabelecimento de servios de sade ocupacional em empresas que, anteriormente, eram voluntrios e tipicamente presentes em empresas multinacionais. Esta ao forou a introduo de disciplinas de sade ocupacional no currculo de vrios cursos universitrios e a criao de cursos de especializao (GOELZER, 2001). A Higiene Industrial no se desenvolveu na Amrica Latina na mesma velocidade que as reas de Medicina do Trabalho e Segurana do Trabalho, especialmente porque as reas principais de foco foram a vigilncia da sade e a preveno de acidentes e no o controle especfico do ambiente de trabalho. Em 1989, na Amrica Central, havia 1 Higienista Industrial para cada 250 000 trabalhadores, 1 Mdico do Trabalho para cada 100 000 trabalhadores e 1 Engenheiro de Segurana para cada 14 000 trabalhadores (OPS, 1989 apud GOELZER, 2001). De acordo a Goelzer (2001), no h razes para crer que a situao de outros pases latino-americanos era distinta. Os principais aspectos de Higiene Industrial no foram diretamente absorvidos pelas legislaes nacionais e sua aplicao era muito limitada, tanto em empresas privadas como no setor pblico, resultando em uma demanda pouco significativa para profissionais especializados. Com freqncia, o papel do Higienista limitava-se a comparar resultados de poucos monitoramentos com

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limites de exposio normalmente definidos em outros pases, fora do eixo latinoamericano e pouco adaptados realidade do pas (GOELZER, 2001). Em 1989, a Organizao Mundial de Sade (OMS) e a Organizao Panamericana de Sade (OPS) elaboraram um plano para desenvolver recursos humanos no campo da Higiene Industrial. Com uma reunio na Venezuela, no mesmo ano, foram discutidas aes para o fortalecimento das atividades de capacitao e o estabelecimento de uma rede de formao e de recursos humanos. Nos anos seguintes, vrios programas de ps-graduao em Higiene Industrial foram iniciados e os j existentes consolidados. Em 1995, j existiam vinte e dois programas de ps-graduao em Higiene Industrial (OPS, 1995 apud GOELZER, 2001) em toda a Amrica Latina e, em 1999, mais de sessenta (VAN DER HAAS, 1999 apud GOELZER, 2001). A partir da dcada de 1990, vrias associaes de Higiene Industrial foram criadas em diversos pases como Mxico, Colmbia, Costa Rica, Venezuela e Brasil, como resultado direto do aumento de demanda por profissionais deste campo. O desenvolvimento histrico da Higiene Industrial na Amrica Latina foi sempre acompanhado de limitaes financeiras, do uso de tecnologias baratas e da falta de claridade na definio das funes de um Higienista Industrial (GOELZER, 2001), o que tem dificultado significativamente a implementao de programas consistentes e duradouros, exceto em grandes multinacionais normalmente regidas por padres mais avanados praticados em seus pases de origem e considerados para aplicao corporativa.

2.1.4 A Higiene Industrial no Brasil

H de se falar em Sade Ocupacional no Brasil j que o conceito de Higiene Industrial sempre esteve acoplado a este mais amplo e que ainda incorpora os elementos de Medicina do Trabalho e Segurana do Trabalho. Sua adoo e desenvolvimento no Brasil foi tardia e estendeu-se em vrias direes (MENDES e DIAS, 1991).

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A Faculdade de Sade Pblica da Universidade de So Paulo (www.fsp.usp.br) foi um destaque na rea acadmica atravs de seu Departamento de Sade Ambiental e sua subrea de sade ocupacional. Atravs de cursos de especializao e ps-graduao, continua a ser um plo de formao profissional crtico ao desenvolvimento desta rea no pas. As atividades da Faculdade de Sade Pblica remontam ao ano de 1918 com a criao do Laboratrio de Higiene, cadeira da Faculdade de Medicina, que lanou as bases do ensino de Higiene no Brasil. No campo das instituies, a criao da Fundao Jorge Duprat Figueiredo de Segurana e Medicina do Trabalho (FUNDACENTRO: www.fundacentro.gov.br) em 1966, teve importncia destacvel. A Fundacentro foi criada com o objetivo de estudar e pesquisar as condies dos ambientes de trabalho com a participao de todos os agentes sociais envolvidos. Em 1965, aps a visita ao Brasil de especialistas da Organizao Internacional do Trabalho (OIT), o Governo Federal decidiu pela criao do centro e So Paulo foi escolhido para sedi-lo, dado o porte de seu parque industrial. A Fundacentro formou os primeiros engenheiros e tcnicos de segurana do trabalho, mdicos, enfermeiros e auxiliares de enfermagem do trabalho no Brasil. At 1986, mais de cem mil alunos haviam passado por seus cursos de especializao. Atualmente, a Fundacentro dispe de uma rede de laboratrios de segurana, higiene e sade no trabalho e uma das mais completas bibliotecas especializadas no pas. Seu corpo tcnico trabalha na pesquisa de aspectos de segurana e sade do trabalhador, difuso de conhecimento e prestao de servios. As principais normas tcnicas de Higiene Industrial no pas foram desenvolvidas pela Fundacentro (NHOs Normas de Higiene Ocupacional). No campo legislativo, no Captulo V da Consolidao das Leis do Trabalho (CLT), reformada na dcada de 1970, foi expressa a obrigatoriedade das equipes tcnicas multidisciplinares nos locais de trabalho (atual Norma Regulamentadora 4 da Portaria 321 4/78) e da avaliao quantitativa de riscos ambientais e adoo de limites de tolerncia (NRs 7 e 15). Em 1994 foi criada a ABHO Associao Brasileira de Higienistas Ocupacionais (www.abho.com.br) , seo brasileira da AIHA American Industrial Hygiene Association, com os objetivos de representar os interesses dos profissionais da rea, promover a discusso sobre aes relativas ao campo da

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Higiene Industrial, a troca de informaes e experincias, a qualificao e aperfeioamento profissional.

2.2 Higiene Industrial sob a tica de um programa estruturado

Higiene Industrial definida como a cincia e a arte devotadas a antecipao, reconhecimento, avaliao e controle dos estresses e fatores ambientais resultantes das atividades relacionadas ao ambiente de trabalho e que possam causar doenas ou danos sade e ao bem-estar ou causar desconforto significativo entre os trabalhadores ou aos cidados da sociedade local (PLOG, 1988). Sob a tica de um programa estruturado, ou seja, um conjunto de projetos selecionados e conduzidos de forma coordenada a atingir objetivos definidos e alinhados a uma determinada estratgia (PINTO, 1998), a organizao interna e as responsabilidades podem variar em relao natureza e a complexidade das atividades industriais, mas, fundamentalmente, um programa de Higiene Industrial possui cinco componentes bsicos: poltica escrita e aprovada, reconhecimento de perigos e riscos, avaliao de riscos, controle das exposies e treinamento dos trabalhadores (PLOG, 1988). Considerados como o foco principal de estudo de um programa de Higiene Industrial, os fatores ambientais e estresses, tambm conhecidos como agentes, so tipicamente classificados como qumicos, fsicos, biolgicos e ergonmicos (PLOG, 1988): I- agentes qumicos so representados pelas concentraes excessivas de gases, vapores, nvoas e slidos sob a forma de poeira ou fumos. Adicionalmente ao tpico dano respiratrio, muitos destes materiais podem tambm agir como irritantes drmicos ou podem ser txicos pela absoro cutnea; II- agentes fsicos incluem nveis excessivos de radiaes ionizantes e ondas eletromagnticas, vibraes, rudo e extremos de temperatura e presso;

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III- agentes biolgicos incluem vrus, bactrias, fungos, parasitas ou qualquer organismo vivo que possa causar doenas em seres humanos; IV- agentes ergonmicos incluem o inadequado desenho de ferramentas, reas de trabalho ou atividades que possam causar danos sade do trabalhador. Dentro de um conceito de hierarquia de controles, os objetivos da Higiene Industrial, uma vez apropriadamente avaliados os postos e reas de trabalho, so: Ieliminar o potencial agressor do agente atravs de controles de engenharia, seguindo os princpios bsicos de controle de exposies ambientais substituio, isolamento ou ventilao (NIOSH, 1984); II - prevenir a exposio atravs de prticas adequadas de trabalho e procedimentos operacionais; III- recomendar, por ltimo, o uso de equipamentos de proteo individual na inevitabilidade da exposio. Naturalmente, os tipos de controle acima so aplicveis para ambientes de trabalho j definidos e em operao. Valorizam-se, no entanto, e cada vez mais, os trabalhos de reviso de novos projetos que buscam a eliminao do potencial agressor ainda na fase de desenho e projeto das instalaes. Esta dissertao no tratar em detalhes cada um dos agentes agressores, mas sim sua estratgia geral de reconhecimento e avaliao.

2.2.1 Estratgias de avaliao e gesto de exposies ocupacionais

2.2.1.1 Consideraes gerais

Segundo Damiano e Mulhausen (1998), o ambiente de trabalho est cada vez mais complexo. A variedade de riscos associados com a exposio

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ocupacional a agentes qumicos, fsicos, biolgicos e ergonmicos est aumentando. Se bem a proteo sade dos trabalhadores a prioridade principal do profissional de Higiene, aspectos regulatrios e legais so crticos e podem colocar em questo a continuidade das operaes de uma empresa. As partes interessadas so as mais variadas e incluem trabalhadores, empresrios, clientes, sindicatos, poder pblico, acionistas, os meios de comunicao e a comunidade. Quando o Higienista avalia os riscos ocupacionais aos trabalhadores, precisa assegurar-se que as prticas e metodologias representem o estado da arte atual, j que as conseqncias de sua avaliao refletiro no s no curto prazo, mas, especialmente, no futuro. Por outro lado, a simples conformidade com os limites de tolerncia j no mais considerada suficiente. Todos os dias so obtidas novas informaes sobre as propriedades toxicolgicas ou efeitos sade dos agentes agressores e, portanto, o programa de Higiene Industrial deve ser consistente o suficiente para posicionar-se de forma a absorver estas futuras mudanas e minimizar estes potenciais impactos futuros. O caminho, sem dvida, est em definir um programa de gesto eficiente e efetivo com base a conceitos de melhoria contnua e que estabelea objetivos progressivos de melhoria da qualidade de vida do trabalhador e no, simplesmente, a conformidade legal momentnea. A habilidade de entender, priorizar e gerenciar exposies e riscos de forma eficiente requer uma estratgia baseada em sistematizao e maior formalizao do que tipicamente tem sido feito.

2.2.1.2 A avaliao de exposies em um programa de Higiene Industrial

Quanto

melhor

um

Higienista

Industrial

entender

as

exposies

ocupacionais dos trabalhadores, melhor ele orientar e priorizar seu programa de trabalho. Isto correto independentemente do objetivo geral do programa, quer seja ele de checagem de conformidade ou um avanado processo de caracterizao de exposies. A avaliao de exposies uma pea absolutamente chave para um programa de Higiene Industrial.

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A figura 4 apresenta as interfaces mais comuns do processo de avaliao de exposies.

Monitoramento de exposies

Gesto de perigos e riscos

Programa de conservao auditiva Controles de engenharia

Educao e treinamento Avaliao de exposies

Comunicao de riscos

Controles administrativos

Epidemiologia

Prticas de trabalho Equipamentos de proteo individual

Vigilncia mdica

Programa de controle de radiaes

Figura 4 Avaliao de exposies como papel central na gesto de Higiene Industrial Fonte: Damiano e Mulhausen, 1998, p. 3

2.2.1.3 O atual conceito de estado da arte em avaliao de exposies

De acordo a Damiano e Mulhausen (1998) e Hawkins (1991), a caracterizao de exposies dos trabalhadores tem recebido ateno adicional dos profissionais da rea ocupacional e das agncias reguladoras. O estado da arte tem mudado do monitoramento para conformidade, focado em definir se a exposio de um determinado trabalhador, em uma determinada atividade, est acima ou abaixo de um determinado valor de tolerncia, para um modelo de aprofundamento da investigao de sua natureza em todas as atividades, rotineiras ou no. Este maior detalhamento conduz a avaliao de exposies para o campo de gerenciamento de riscos.

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Para

o

Higienista

Industrial,

a

avaliao

de

exposies

est

intrinsecamente mesclada com o processo de avaliao de riscos. Considerando a definio de risco sade como a probabilidade de ocorrncia de efeitos danosos e, portanto, um produto da relao entre nvel de exposio e toxicidade (DAMIANO e MULHAUSEN, 1998), conclui-se a avaliao da exposio efetivamente metade do processo de avaliao do risco. A outra metade refere-se aos efeitos da exposio ou toxicidade do agente agressor. Assim, qualquer exposio no mbito de um programa de Higiene Industrial somente considerada significativa em sua relao com os potenciais efeitos causados. Neste conceito de gerenciamento de riscos, gerenciar as exposies passa a ser um objetivo de longo prazo e orientado efetivamente minimizao dos efeitos sade. A conformidade legal passa a ser apenas uma etapa, e bem inicial.

2.2.1.4 A estratgia de avaliao de exposies baseada no conceito de gerenciamento de riscos

Para gerir os riscos no ambiente de trabalho de forma efetiva, o processo de avaliao de exposies deve ser cclico quanto a sua natureza e ter sua efetividade conectada aos objetivos de melhoria contnua da organizao. profundamente detalhadas a seguir: I - a etapa inicial refere-se diretamente ao estabelecimento da estratgia geral para avaliao de exposies e deve claramente incluir a definio do papel do profissional de Higiene, os objetivos gerais do programa e sua apropriada documentao; II - a caracterizao bsica realmente a primeira etapa no processo de avaliao e crtica para sua consistncia. Consiste em levantar e organizar a informao bsica para qualificar o ambiente de trabalho, as funes dos trabalhadores e os agentes agressores presentes. Inclui os processos, as tarefas, as matrias-primas, intermedirios, produtos e A figura 5 apresenta as etapas consideradas crticas neste processo e que so mais

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emisses, alm do detalhamento dos controles de engenharia e administrativos implementados. Nesta etapa so tambm levantados, a partir de referncias consideradas como estado da arte, os potenciais efeitos dos agentes agressores sade humana presentes no ambiente de trabalho;

Incio

Caracterizao Bsica

Avaliao da exposio

Exposio Aceitvel

Incerteza

Exposio Inaceitvel

Controle Coleta de Informaes Adicionais Reavaliao Peridica

Figura 5 Estratgia para avaliao e gerenciamento de exposies ocupacionais Fonte: Damiano e Mulhausen, 1998, p. 7

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III - a avaliao da exposio precisa ser divida em trs etapas crticas: definio de grupos similares de exposio (SEG Similar Exposure Groups), definio de perfis de exposio e julgamento da aceitabilidade destes perfis para cada SEG; a- os SEGs so grupos de trabalhadores que possuem o mesmo perfil de exposio para os agentes e ambiente sendo estudados, em razo de equivalncia de funes, da freqncia e similaridade das tarefas executadas em sua natureza e modo de operao. As informaes levantadas sobre os processos, materiais, equipamentos e trabalhadores, alm da observao ativa das tarefas, permite dividir um conjunto de trabalhadores em diferentes SEGs. Um SEG definido em funo do agente estudado, o que permite a existncia de diversos SEGs e a possibilidade de que um trabalhador faa parte de vrios, dependendo das funes que execute e dos agentes agressores a que esteja exposto; b- perfil de exposio uma estimativa da intensidade de exposio de um SEG a um determinado agente. Especialmente ao incio de um programa de monitoramento, espera-se a disponibilidade de poucos dados quantitativos e, portanto, a utilizao de dados histricos, qualitativos ou provenientes de modelos matemticos pode ser considerada apropriada; c- um julgamento da aceitabilidade do perfil de exposio uma etapa requerida para a priorizao de controles e coleta de informaes adicionais. Esta deciso baseia-se no perfil de exposio e nas informaes sobre o potencial do agente agressor, podendo ser considerada: c.1- inaceitvel , indicando uma necessidade iminente de controle. A priorizao entre as exposies inaceitveis deve considerar aquelas mais significativas aos agentes considerados mais agressores, o nmero de trabalhadores expostos e a freqncia de exposio, gerando, assim, uma seqncia eficiente de aes de correo e controle;

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c.2- incerta, indicando a ausncia de informaes suficientes para uma adequada tomada de deciso. Isto pode ocorrer em relao ao perfil, ao SEG ou qualquer caracterstica inerente, como por exemplo, a disponibilidade de informao sobre os efeitos de um determinado agente agressor sade humana ou a inconsistncia em relao aos mtodos de determinao da intensidade de exposio; c.3- aceitvel, indicando no haver necessidade de aes especficas, exceto a reavaliao peridica para confirmao desta condio. Este julgamento no encerra a discusso sobre uma determinada exposio, mas sim a coloca em um patamar de vigilncia. IV - o controle a ao esperada para as exposies consideradas inaceitveis. Como j mencionado anteriormente, espera-se a aplicao de um conceito hierrquico, buscando priorizar aes relativas ao equipamento como opo inicial de trabalho e no promover unicamente o enfoque na utilizao de equipamentos de proteo individual. De qualquer forma, as avaliaes de exposio so uma fonte extremamente valiosa na priorizao de controles necessrios e na verificao de sua contnua efetividade, permitindo um adequado gerenciamento de recursos da organizao e da resoluo efetiva dos principais problemas; V- a reavaliao a garantia da gesto do atual. Em freqncias prdefinidas, novas avaliaes determinaro se o perfil de exposio foi alterado ou se permanece sob controle, requerendo, ou no, aes adicionais. Um perfeito alinhamento a um programa de gesto de mudanas fundamental, permitindo a reavaliao antecipada em caso de alterao do SEG, do perfil ou de qualquer outra caracterstica relevante; VI - A coleta de informaes adicionais (FIG Further Information Gathering) uma etapa crtica e deve ser considerada prioritria no trabalho do Higienista, uma vez que a situao mais inadequada em um programa de Higiene Industrial o desconhecimento sobre o perfil de exposio de um determinado SEG. Este desconhecimento pode

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gerar cenrios variados e inadequados de gesto, como falta de proteo adequada a um trabalhador exposto a agente efetivamente agressor, excesso de proteo a um trabalhador exposto a um agente no agressor e gastos em controles desnecessrios ou inadequados natureza da exposio. Os casos julgados como incertos e, portanto, requerendo a coleta adicional de informaes, devem ser priorizados de acordo natureza desta necessidade, sempre em relao perspectiva de danos sade do trabalhador. Em casos considerados potencialmente crticos, a proteo preventiva do trabalhador atravs de equipamento de proteo individual dever ser garantida. Aes tpicas de coleta adicional de informao so: a- monitoramento de exposies: se um perfil no bem caracterizado, o monitoramento ambiental de exposies dos trabalhadores aos diversos agentes poder ser necessrio; b- modelagem de exposies: especialmente em caso de novos processos ou produtos, uma alternativa com efetividade de custo e tempo a estimativa da potencial exposio atravs de modelos matemticos. A modelagem um tema que merece um estudo mais aprofundado para uma implementao mais abrangente em empresas brasileiras, j que e poderia ser uma soluo para cientificamente adequada economicamente vivel

determinados perfis de exposio; c- monitoramento biolgico: em caso de suspeita de absoro cutnea ou ingesto inadvertida, o Higienista Industrial, sob a gesto de um profissional de Medicina do Trabalho, pode considerar a realizao de exames laboratoriais para a confirmao ou no desta possibilidade; d- pesquisa sobre efeitos sade: se os potenciais danos sade dos trabalhadores no so conhecidos, o julgamento do perfil de exposio incompleto. Desta forma, a pesquisa em referncias bibliogrficas reconhecidas, a consulta aos rgos oficiais de controles e associaes tcnicas, assim como a consulta aos respectivos especialistas (toxicologistas, especialistas mdicos, etc), so aes particularmente importantes e recomendadas;

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e- consulta a estudos epidemiolgicos: programas epidemiolgicos reconhecidos so fontes importantes para a identificao de novas relaes entre exposies e efeitos sade e, portanto, o profissional de Higiene deveria sempre consultar os estudos j existentes relacionados aos agentes agressores em sua organizao. Por ltimo, em todo o processo de avaliao de exposies deve-se manter uma estruturada e disciplinada poltica de documentao e controle de registros gerados em todo o processo. Considerando que o conjunto de informaes reflete a situao de exposio de um grupo de pessoas a um determinado agente, em um determinado processo, organizao, e em uma determinada poca, sua importncia regulatria, institucional, acadmica e cientfica no deveria ser menosprezada. Seguramente saberamos muito mais hoje sobre os agentes agressores caso os estudos epidemiolgicos histricos e atuais fossem baseados ou enriquecidos com informaes documentadas e confiveis sobre as exposies dos trabalhadores.

2.2.2 Alcance e limitaes de um programa de Higiene Industrial

A viso dos profissionais de Higiene Industrial sobre exposies que ocorrem em ambientes de trabalho pode variar substancialmente. Enquanto uns analisam problemas e situaes pontuais, outros conseguem visualizar a diversidade e amplitude de possibilidades e sua respectiva complexidade. Usando o prisma daqueles com viso mais ampla, algumas consideraes (DAMIANO e MULHAUSEN, 1998) deveriam ser levadas em conta por todos os profissionais desta rea: I- as avaliaes de exposies devem ser planejadas para englobar todos os trabalhadores e no somente para aqueles presentes no ambiente de trabalho durante o perodo de avaliao;

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II- as avaliaes de exposies devem ser planejadas para englobar todos os trabalhadores, todos os dias, e no somente no perodo especfico de avaliao; III- as avaliaes de exposies devem ser planejadas para englobar todos os trabalhadores, todos os dias e em relao a todos os agentes ambientais, e no somente para aqueles com limites de tolerncia formalmente definidos. Certamente, esta viso mais ampla traz consigo dificuldades e um incremento substancial de complexidade quando o comparamos com a estratgia tpica das organizaes. No realista esperar que profissionais de Higiene Industrial e organizaes adotem esta viso de uma nica vez e no curto prazo, considerando, especialmente, que uma significativa maioria avalia agentes ambientais com limites de exposio definidos formalmente, em grupos determinados de trabalhadores e em perodos determinados, normalmente organizados de forma a assegurar a conformidade com requisitos legais (DAMIANO e MULHAUSEN, 1998). Por outro lado, e apesar de sua intrnseca complexidade, os programas de Higiene Industrial so diretamente afetados pela conjuntura econmica atual que demanda a contnua busca por processos mais enxutos, com contnua eliminao de atividades de pouco valor agregado ao negcio. Neste sentido, a habilidade de entender, priorizar e gerenciar exposies e riscos de forma eficiente requer um processo sistematizado e melhor documentado que no passado (DAMIANO e MULHAUSEN, 1998). . Como conseqncia, a viso mais ampla descrita acima precisa ser entendida como uma prtica a ser copiada, um objetivo de longo prazo da organizao que, para ser alcanado, depende da estruturao e operacionalizao de um programa sustentvel, evolutivo e calcado nas mais efetivas tcnicas de gesto, sempre em equilbrio entre as variveis qualidade, efetividade e custo-benefcio. Nada disso, no entanto, alcanvel sem o compromisso formal da alta administrao de uma organizao.

2.2.3 Tcnicas estatsticas e de gesto

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No existe um roteiro nico sobre como estruturar um programa de Higiene Industrial, mas sim um consenso geral sobre os principais elementos e sua forma de conduo, desconsiderando, naturalmente, os aspectos legais que, normalmente, so objetivos quanto aos requerimentos, mas variveis em contedo entre pases e, algumas vezes, entre regies ou Estados de um mesmo pas. Referncias bibliogrficas clssicas, como A strategy for assessing and managing occupational exposures (DAMIANO e MULHAUSEN, 1998) e o seu Users guide (ARMSTRONG e SILVERSTEIN, 2000), so resultados do consenso entre participantes de comits tcnicos responsveis por analisar boas prticas e consolid-las como sugestes de uma determinada organizao, neste caso a AIHA (American Industrial Hygiene Association). Do ponto de vista de tcnicas de gesto, o que tipicamente encontramos so check lists ou formatos sugeridos para atender aos principais requerimentos de um programa de Higiene Industrial. O Users guide to A strategy for assessing and managing occupational exposures, preparado pela AIHA, um exemplo tpico. A aplicao de tcnicas estatsticas especialmente enfatizada para o tratamento dos dados obtidos em monitoramentos de campo, mas podem tambm ser empregadas no desenvolvimento da estratgia de avaliao e na determinao da freqncia de monitoramentos. De forma geral, tcnicas estatsticas so entendidas como um instrumento de auxlio ao julgamento tcnico de um profissional de Higiene e no para substitu-lo no processo de tomada de deciso (DAMIANO e MULHAUSEN, 1998). Praticamente, no entanto, a relao do Higienista Industrial com tcnicas estatsticas no a mais amigvel e isto ocorre em razo de treinamentos inadequados e a tpica escassez de dados de monitoramentos ocupacionais, o que acaba diminuindo a confiana em sua aplicao rotineira. Um bom exemplo de aplicao de tcnicas estatsticas em programas de Higiene Industrial pode ser visto praticamente na planilha eletrnica IHSTAT (DAMIANO e MULHAUSEN, 1998) recomendada para anlise de resultados de monitoramentos de agentes qumicos. Partindo do limite de exposio de um agente qumico de interesse e informando os resultados de cada mensurao, esta planilha automaticamente calcular e apresentar:

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I- resultados de estatstica descritiva: valores mximos, mnimos, amplitude, % acima do limite de tolerncia, mdia, mediana, desvio padro, mdia dos dados com transformao lognormal, mdia geomtrica e desvio padro geomtrico; IIcategorizao da distribuio: categorizao como distribuio lognormal ou normal, ou ambas; III- anlise estatstica para distribuio lognormal: 95 percentil, limite de tolerncia superior, % de valores esperados acima do limite de exposio em um determinado intervalo de confiana; IV anlise estatstica para distribuio normal: 95 percentil Z, limite de tolerncia superior e valores esperados acima do limite de exposio. No h, no entanto, limitaes para a aplicao de outras tcnicas estatsticas mais avanadas e estas devem ser consideradas de acordo s necessidades. Uma exemplo comum a aplicao da anlise de varincias (ANOVA) em resultados de exposio para verificao da homogeneidade entre SEGs. Atravs desta anlise possvel concluir, por exemplo, que um ou mais trabalhadores dentro de um determinado grupo, inicialmente entendido como homogneo, podem ter nveis mdios de exposio diferentes, indicando que poderiam estar impropriamente agrupados naquele SEG especfico (DAMIANO e MULHAUSEN, 1998).

2.2.4 O profissional de Higiene Industrial

O profissional de Higiene Industrial treinado para reconhecer, avaliar e controlar riscos sade no ambiente industrial relacionados aos agentes agressores qumicos, fsicos, biolgicos e ergonmicos. Estes objetivos so alcanados atravs de competncias presentes em uma variedade de campos cientficos, como Qumica, Fsica, Engenharia, Biologia e Medicina. A maioria dos profissionais de Higiene Industrial formada inicialmente em uma destas reas e, atravs da experincia, treinamento especfico e formao acadmica continuada (ps-graduao), adquire o conhecimento bsico necessrio para a conduo de programas de Higiene Industrial (PLOG , 1988).

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Certificaes profissionais em Higiene Industrial so disponveis em diversos pases e com diferentes configuraes. Como exemplo, a ABIH, American Board of Industrial Hygiene, nos Estados Unidos, certifica os praticantes de Higiene Industrial, mediante exame de qualificao, histrico profissional e comprovao de educao, em CAIH - Certified Associate Industrial Hygienist e CIH - Certified Industrial Hygienist, sendo esta ltima a certificao mais exigente em relao experincia profissional e formao acadmica.

2.3 Seis Sigma

2.3.1 Uma perspectiva histrica

Those who cannot remember the past are condemned to repeat it. George Santayana

As razes da onda Seis Sigma so especialmente visveis no final da dcada de 70 e, principalmente, no incio da dcada de 80. Criado como um processo disciplinado de resoluo de problemas atravs do uso de tcnicas estatsticas e mtodos consagrados para sua identificao, soluo e controle em todos os nveis de uma organizao, o Seis Sigma foi adotado em um nmero importante e ainda crescente de instituies privadas e pblicas em todo o mundo, com aplicao em praticamente todas as reas de atuao e produzindo ganhos de qualidade, produtividade e de satisfao de clientes. Alguns dos exemplos de organizaes que adotam o Seis Sigma, entre precursores e usurios recentes, so ABB, Alied Signal (Honeywell), American Express, Bombardier, Citibank, DuPont, Dow Chemical, Ericsson, Ford Motor, General Electric, Motorola, Raytheon e Sony (BRASSARD e RITTER, 2001). Mas o Seis Sigma no uma forma revolucionria de pensar e nem oferece um novo conjunto de elementos ou tcnicas de gesto. Trata-se, sem dvida, de um estgio evolucionrio das cincias relacionadas aos processos de

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melhoria contnua e que combina elementos de diversos programas, experincias e iniciativas anteriores, algumas com mais de 50 anos (FOLARON, 2003). A figura 6 apresenta os marcos histricos, na perspectiva norte-americana, que contriburam para o desenvolvimento da atual metodologia Seis Sigma. Outros eventos de espectro mundial so ricamente reconhecidos na literatura cientifica e indiscutivelmente relevantes, mas este trabalho de pesquisa se limitar anlise da experincia norte-americana, dada sua contribuio ao processo de desenvolvimento da metodologia Seis Sigma. Folaron (2003), em seu artigo The evolution of Six Sigma fornece uma viso histrica bastante objetiva sobre os marcos tericos norte-americanos apresentados a seguir, tendo sido a principal fonte consultada.

Figura 6 Marcos histricos norte-americanos da Qualidade Fonte: Folaron, 2003, p. 39

Em 1798, Eli Whitney, mais conhecido pela inveno do gim de algodo em 1787, causou significativo impacto na manufatura moderna pela introduo de um revolucionrio sistema de uniformidade fabril. Eli provou que era possvel produzir partes intercambiveis similares o suficiente para que pudessem ser montadas de forma aleatria e no em conjuntos nicos. Este processo foi testado em um contrato de produo de 10.000 mosquetes que Eli conquistou para fornecimento ao governo norte-americano. O conceito de medio objetiva para asseguramento de consistncia dimensional evoluiu no sculo XIX com o uso de no go gages, equipamentos de controle conhecidos no ambiente industrial como passa-no-passa. Definia-se

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neste momento, em escala industrial, o conceito de limites mnimos e mximos de tolerncia para a produo de peas intercambiveis. Em 1913, Henry Ford introduziu o conceito de linha de montagem para seus automveis e a necessidade de consistncia pr-determinada entre peas tornou-se absolutamente crtica ao fluxo de produo. Com o aumento da produo, no entanto, os testes pea-a-pea passaram a no mais ser viveis em relao a custo e tempo. Assim, a implementao do conceito de amostragem foi de fundamental importncia na sustentao da crescente demanda industrial. Em 1924, Walter Shewhart, funcionrio da unidade de Hawthorne da Western Electric (famosa por ter em seus quadros importantes lderes da rea da Qualidade, como Joseph M. Juran e W. Edwards Deming), introduziu um formulrio para coleta e anlise de dados. Foi o primeiro exemplo conhecido de grfico de controle de processo e apontava o incio da era do controle estatstico da qualidade. Conceitualmente, o uso de controle estatstico alterou a funo dos inspetores da qualidade que passaram de detetives de defeitos em peas para controladores do processo produtivo. A partir da dcada de 1930, dado o sucesso das iniciativas de controle da qualidade, uma estrutura departamental complexa j era possvel de ser detectada em vrias companhias, incluindo inspetores, chefes de inspetores, supervisores, engenheiros e gerentes. Em 1950, com a adoo do padro militar MIL-STD-105A, o governo norte-americano passou a requerer nveis estatisticamente aceitos da qualidade de seus fornecedores, o que contribuiu para a rpida disseminao do conceito. Em 1945, iniciou-se o movimento da Qualidade no Japo. Aps as conseqncias incomensurveis da segunda guerra, o General MacArthur e as foras de ocupao necessitavam reconstruir a infra-estrutura de comunicaes para informar o povo japons sobre o fim da guerra e sobre a nova situao frente aos Estados Unidos, um pas j no mais considerado como inimigo. Iniciou-se, ento, um processo de cooperao que traria mudanas crticas ao modo de produo japons. Walter Shewhart encontrava-se adoentado em 1950 e seu amigo, Deming, viajou ao Japo para ensinar Estatstica e mtodos de controle da qualidade para a comunidade industrial local. Deming promoveu o uso de um ciclo de melhoria contnua desenvolvido por ele e conhecido como PDCA (plan-docheck-act ou planejar-fazer-checar-agir). Em continuidade a este processo e buscando sustentar a revoluo da Qualidade que estava em risco em virtude do

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pouco envolvimento dos executivos japoneses e do receio dos funcionrios pelo contnuo monitoramento do processo e, virtualmente, de sua prpria performance, um outro norte-americano, Juran, visitou o Japo e levou consigo os princpios de gesto da Qualidade em todos os nveis da organizao. Seu conceito de integrao ficou conhecido como Big Q. Por volta de 1973, notava-se que os japoneses melhoravam a qualidade de seus produtos e processos constantemente, em uma escala mais agressiva e eficiente que os prprios norte-americanos. Os principais focos dos japoneses eram a eliminao de defeitos e a reduo do tempo de ciclo dos processos. Nesta mesma dcada de 1970, o mundo foi abalado pela crise do petrleo. Com a escassez da matria-prima, os lderes industriais dos Estados Unidos finalmente reconheceram o valor da qualidade e da produtividade, mas, naquele momento, os custos industriais subiam vertiginosamente. Os japoneses desenvolveram e passaram a comercializar automveis com consumo mais eficientes e, portanto, em total alinhamento ao desejo dos consumidores. O mercado automobilstico alterou-se dramaticamente e as empresas norteamericanas perderam fatias significativas. Em 1980, um documentrio da NBC, de 24 de junho, lanava uma pergunta diretamente aos lderes industriais dos Estados Unidos If Japan can... Why cant we?, ou seja, Se eles podem, por que ns no podemos?. Deu-se, ento, um marco histrico com a visita de diversos executivos, incluindo os da Ford Motor Company, empresa norte-americana Nashua Corporation que, atravs da consultoria de Deming, provava que era possvel ir alm dos nveis de excelncia em qualidade alcanados pelos japoneses. Deming, aos 79 anos de idade, iniciava uma nova carreira ensinando os industriais de seu prprio pas a entender os conceitos de variao e controle estatstico. Em 1979, Juran introduziu uma sria de videotapes sobre a trilogia da Qualidade (planejamento, melhoria e controle) e o conceito de melhoria projeto-a-projeto. Nesta mesma poca, outras personalidades da rea da Qualidade tiveram influncia tambm relevante, como Armand Feigenbaum, Kaoru Ishkawa, Yoji Akao, Genichi Tagushi, Dorian Shainin, Shigeo Shingo, entre outros. Em 1980, a indstria dos Estados Unidos enfrentava uma recesso e competio feroz com produtos importados quando o livro Quality is free (A qualidade de graa) de Phillip Crosby foi editado. Crosby apresentava uma

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estratgia de 14 passos para a melhoria da Qualidade e introduzia o conceito de defeito-zero, que foi inserido no programa espacial norte-americano. O livro foi considerado como uma receita para o sucesso por vrios executivos, mas medida que o objetivo de defeito-zero comeava a parecer utpico, vrios seguidores acabaram abandonando o conceito geral. De qualquer forma, esta iniciativa mobilizou um significativo contingente de profissionais em todos os nveis organizacionais e ajudou na disseminao de tcnicas de gesto da Qualidade. Em 1987, a organizao internacional para padronizao, conhecida como ISO e sediada em Genebra, introduziu uma srie de especificaes e normas que foram adotadas pela maior parte do mundo industrializado com o objetivo de servir como uma referncia nica e global. A srie de normas ISO 9000, baseada na norma britnica BS-5750, detalhava os elementos de um sistema de gesto para a Qualidade e foi maciamente adotada em pases europeus. Tambm em 1987, o governo norte-americano lana o Malcom Baldridge National Quality Award, um reconhecimento anual oferecido pela presidncia do pas s empresas destacadas em aspectos de excelncia operativa e de negcios. A primeira companhia a ser laureada com este prmio foi a Motorola Company e justamente com um programa de gesto da Qualidade que daria os fundamentos bsicos metodologia Seis Sigma como conhecida atualmente. De 1960 a 1995, vrias outras iniciativas foram implantadas em diversos seguimentos e com resultados variveis e que, em geral, no perduraram no cenrio industrial. Crculos da Qualidade, just-in-time, kanban, j-cans, so exemplos destas iniciativas. As trs maiores empresas automobilsticas norteamericanas, Ford, GM e Chrysler, introduziram em 1994 sua QS-9000 (Quality System), com base nas normas da srie ISO 9000. Mas a iniciativa mais popular foi, sem dvida, o Total Quality Management (TQM Gesto da Qualidade Total). Introduzido pela Harvard Business Review, em artigo de Armand Feigenbaum na dcada de 1950, o TQM foi tambm implementado no Japo por Ishkawa. Caracterizou-se como a primeira tentativa sistemtica de gerir Qualidade e ainda utilizada conceitualmente pelos japoneses. Nos Estados Unidos, desenvolveu-se, principalmente, entre as dcadas de 1950 e 1980, mas teve insucessos importantes devido, primariamente, a sua nfase em melhorar a Qualidade enquanto filosofia em maior escala do que em alavancar os resultados

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das companhias e por buscar melhorias dentro dos departamentos e setores industriais, e no entre eles. O TQM apresentou s organizaes as melhores tcnicas de gesto da Qualidade e a viso de melhoria contnua, mas falhou em no trazer benefcios financeiros de curto prazo. Em geral, muitas iniciativas, metodologias, filosofias e outras tentativas relacionadas rea da Qualidade foram vivenciadas a nvel industrial e mesmo que no tenham encontrado a frmula de sustentao, uma significativa parte de seus elementos foi aproveitada pela metodologia Seis Sigma, que tambm se beneficiou do aprendizado relacionado aos sucessos e insucessos especficos.

2.3.2 A origem da metodologia

In God we trust... all others bring data. A company cannot buy its way into quality it must be led into quality by top management. W. Edwards Deming

Ao final da dcada de 70, a Motorola teve seu aprendizado sobre Qualidade da forma mais dura: sendo consistentemente superada por seus concorrentes (PYZDEK, 2001). Depois de buscar por proteo poltica sob a justificativa de competio injusta com empresas japonesas emergentes, os prprios executivos da empresa acabaram admitindo a baixa qualidade de seus produtos e servios. O CEO (Chief Executive Officer chefe executivo, a pessoa com maior responsabilidade executiva em uma organizao) naquele momento, Bob Galvin, iniciou, ento, uma gesto orientada Qualidade e, no futuro, acabou transformando-se num cone dos negcios pelos resultados que obteve. A Motorola buscou, inicialmente, garantir que seus funcionrios, ao redor de 105.000 naquele momento, tivessem as habilidades necessrias e alinhadas consecuo dos objetivos de longo prazo. Para isto, mais de US$ 170 milhes foram investidos em treinamentos entre 1983 e 1987, sendo que ao redor de 40%

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deste valor foi destinado a treinamentos relacionados Qualidade, incluindo temas bsicos e avanados. Muitos dos executivos e engenheiros da Motorola iniciaram uma busca pela contnua reduo de desperdcios e melhoria de produtividade. Bill Smith, engenheiro da Diviso de Comunicaes, estudou a correlao entre a vida til dos produtos em uso e a quantidade de retrabalhos ocorridos durante sua produo. Em 1985, Smith apresentou os resultados de seu estudo e concluiu que se um produto era encontrado defeituoso e era reparado durante o processo de produo, outros produtos com defeitos similares podiam estar passando despercebidos, sendo encontrados posteriormente durante o uso pelo cliente. Passava a ser requerido, ento, um nvel mais significativo de controles internos da qualidade (RATH e STRONG, 2003). Bill Smith reconheceu a importncia de medir as variaes nos vrios processos internos da Motorola e, com outros engenheiros, buscou atuar sobre aqueles que demonstravam maior variao. Aplicaram diversas tcnicas de gesto extradas de programas tradicionais da Qualidade e confiabilidade para reduzir e controlar as variaes e melhorar a eficincia dos processos (RATH e STRONG, 2003), concluindo que aqueles que funcionavam consistentemente geravam produtos tambm de qualidade consistente e que isto podia ser inserido em novos processos ainda na fase de desenho. Como resultado, Motorola iniciou uma busca incessante pela melhoria da qualidade de seus processos aliada reduo de tempos e custos. Esta foi a principal conexo para o desenvolvimento do conceito Seis sigma: alta qualidade e baixos custos. Em 1986, Bill Smith e Mikel Harry, batizaram a ento iniciativa estruturada para Qualidade da Motorola como Seis Sigma e definiram seu contedo e conceitos de aplicao (HARRY e SCHROEDER, 2000; BARNEY, 2002). A inspirao do Seis Sigma est no livro Quality is Free, escrito por Philip Crosby e editado em 1979. O Seis Sigma foi popularizado com o lanamento do programa de melhoria da Qualidade Six Sigma Quality Program em 1987, e que levou a Motorola a ser laureada com o Malcolm Baldrige National Quality Award, gerando, ao mesmo tempo, reconhecimento Motorola, publicidade para a metodologia e interesse em sua replicao por outras organizaes, como apresentado na figura 7.

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Bob Galvin manteve uma srie de reunies com diversos CEOs de outras companhias sobre o poder do programa Seis Sigma e, entre eles, estava o CEO da Allied Signal, Lawrence Bossidy. Larry havia deixado a General Electric em 1991 para ocupar a posio de CEO do grupo Allied Signal aps muitos anos de trabalho reportando-se diretamente ao CEO Jack Welch, com quem mantinha uma relao estreita de amizade. Larry implementou o Seis Sigma em sua companhia e obteve resultados significativos em reduo de gastos e melhoria da reputao da empresa junto a seus clientes (RATH e STRONG, 2003).

Figura 7 Marcos histricos de implementao da metodologia Seis Sigma Fonte: Treinamento Six Sigma, Monsanto Company, 2003

Em junho de 1995, Jack Welch, CEO da General Electric - GE, convida Larry Bossidy para uma reunio do Conselho Executivo da Corporao da GE para que compartilhasse a experincia da Allied Signal com a implementao do Seis Sigma (WELCH, 2001). Apesar de no haver comparecido em razo de um problema de sade, Jack Welch recebeu comentrios muito positivos de seu staff sobre a apresentao e, em virtude da preocupao da empresa com a qualidade de seus produtos e processos, decidiram implement-lo na GE.

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Apesar de ter sido desenvolvido na Motorola, a GE teve importncia definitiva na popularizao do Seis Sigma ao utiliz-lo como principal metodologia da Qualidade e em total alinhamento a sua estratgia de negcios. Tratava-se da maior empresa mundial elegendo um programa, fazendo-o funcionar a nveis at ento no vistos e sendo patrocinado diretamente pelo CEO da empresa. Desde o lanamento em janeiro de 1996, estima-se que a empresa tenha economizado algo ao redor de US$ 5 bilhes e treinado maciamente sua fora de trabalho em todas as reas de atuao (BRASSARD e RITTER, 2001).

2.3.3 Uma viso geral sobre o enfoque, benefcios e limitaes

Seis Sigma uma metodologia que permite melhorar drasticamente os resultados de uma organizao atravs do melhor desenho e acompanhamento das atividades dirias do negcio, minimizando os desperdcios enquanto busca a incremental satisfao do cliente (HARRY, 2000). De acordo a Brassard e Ritter (2001), experientes executivos definem Seis Sigma de trs maneiras: Iuma obsesso a focalizar e dedicar toda uma organizao a produzir produtos prximos perfeio que satisfaam clientes e resultem em maiores lucros; IIIIuma metodologia padronizada de soluo de problemas que pode ser aplicada para eliminar a causa-raiz de defeitos e custos associados; uma mtrica (6) que representa uma performance global de 3,4 defeitos por milho de oportunidades para cada produto ou servio prestado, equivalente a 99,9997% de eficincia. Nota: Sigma () um smbolo grego tipicamente utilizado em Estatstica e que significa desvio padro, uma mensurao da variao ou disperso em relao a um valor mdio. Os esforos de um tpico programa de Seis Sigma focalizam-se em: IIImelhorar a satisfao do cliente; reduzir os tempos de ciclos;

III- reduzir os defeitos; IV- resolver problemas.

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As melhorias alcanadas podem representar economias para os negcios, assim como oportunidades para a reteno de clientes, captura de novos mercados e