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AUTOS Nº 2509-5/2005 O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SÃO PAULO propôs AÇÃO CIVIL PÚBLICA POR ATO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA contra JOÃO SEBASTIÃO BERTOLETTI, ENEAS SALATI FILHO, e INSTITUTO DE ECOLOGIA APLICADA LTDA.. Alega: a) que a Prefeitura Municipal da Estância Climática de Analândia, nos anos de 1999 e 2000, contratou o réu Instituto de Ecologia Aplicada Ltda. (IEA) para a execução de serviços relacionados à implantação de uma estação de tratamento de águas na cidade; b) que para a realização do contrato a prefeitura deixou de efetuar licitação, e sequer houve a celebração de contrato por escrito; c) que não houve demonstração de inexigibilidade da licitação; d) que a partir de 2001 o IEA não mais prestou serviços à prefeitura; e) que o serviço não era singular, não reclamando notória especialização do contratado, não se cuidando de hipótese de inexigibilidade; f) houve afronta aos princípios da impessoalidade e moralidade, inscritos no caput do artigo 37 da Constituição Federal, bem como à legislação infraconstitucional que rege o caso, qual seja, a Lei nº 8.666/1993; g) houve lesão ao erário municipal em razão da indevida ausência do procedimento licitatório, que obteria propostas melhores e mais vantajosas; h) o ilícito importou em ato de improbidade administrativa previsto no art. 10, VIII, da Lei nº 8.429/92, correspondente a dispensar indevidamente o procedimento licitatório; i) o réu João Bertoletti incorreu no ato de improbidade pois era o prefeito de Analândia na época, enquanto que o IEA e Eneas Salati Filho (este último pelo fato de ser representante legal do IEA) também se sujeitam às sanções previstas na Lei nº 8.429/92 em razão do disposto em seu artigo 3º, segundo o qual "as disposições desta lei são aplicáveis, no que couber, aquele que, mesmo não sendo agente público, induza ou concorra para a prática do ato de improbidade ou dele se beneficie sob qualquer forma direta ou indireta". Pede: a) a declaração da nulidade da contratação do IEA pela Prefeitura de Analândia; b) a condenação solidária dos réus ao ressarcimento dos danos suportados pelo erário público, no valor de R$ 46.000,00, com juros moratórios e atualização monetária; c) a condenação do réu João Bertoletti à suspensão dos direitos políticos de cinco a oito anos, ao pagamento de multa civil de até duas vezes o valor do dano e a proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de cinco anos; d) a condenação do IEA e Eneas Salati Filho à proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica

Sentença de João Sebastião Bertoleti

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AUTOS Nº 2509-5/2005

O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SÃO PAULO propôsAÇÃO CIVIL PÚBLICA POR ATO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVAcontra JOÃO SEBASTIÃO BERTOLETTI, ENEAS SALATI FILHO, eINSTITUTO DE ECOLOGIA APLICADA LTDA.. Alega: a) que a PrefeituraMunicipal da Estância Climática de Analândia, nos anos de 1999 e 2000,contratou o réu Instituto de Ecologia Aplicada Ltda. (IEA) para a execução deserviços relacionados à implantação de uma estação de tratamento de águasna cidade; b) que para a realização do contrato a prefeitura deixou de efetuarlicitação, e sequer houve a celebração de contrato por escrito; c) que nãohouve demonstração de inexigibilidade da licitação; d) que a partir de 2001 oIEA não mais prestou serviços à prefeitura; e) que o serviço não era singular,não reclamando notória especialização do contratado, não se cuidando dehipótese de inexigibilidade; f) houve afronta aos princípios da impessoalidade emoralidade, inscritos no caput do artigo 37 da Constituição Federal, bem comoà legislação infraconstitucional que rege o caso, qual seja, a Lei nº 8.666/1993;g) houve lesão ao erário municipal em razão da indevida ausência doprocedimento licitatório, que obteria propostas melhores e mais vantajosas; h)o ilícito importou em ato de improbidade administrativa previsto no art. 10, VIII,da Lei nº 8.429/92, correspondente a dispensar indevidamente o procedimentolicitatório; i) o réu João Bertoletti incorreu no ato de improbidade pois era oprefeito de Analândia na época, enquanto que o IEA e Eneas Salati Filho (esteúltimo pelo fato de ser representante legal do IEA) também se sujeitam àssanções previstas na Lei nº 8.429/92 em razão do disposto em seu artigo 3º,segundo o qual "as disposições desta lei são aplicáveis, no que couber, aqueleque, mesmo não sendo agente público, induza ou concorra para a prática doato de improbidade ou dele se beneficie sob qualquer forma direta ou indireta".Pede: a) a declaração da nulidade da contratação do IEA pela Prefeitura deAnalândia; b) a condenação solidária dos réus ao ressarcimento dos danossuportados pelo erário público, no valor de R$ 46.000,00, com juros moratóriose atualização monetária; c) a condenação do réu João Bertoletti à suspensãodos direitos políticos de cinco a oito anos, ao pagamento de multa civil de atéduas vezes o valor do dano e a proibição de contratar com o Poder Público oureceber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente,ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, peloprazo de cinco anos; d) a condenação do IEA e Eneas Salati Filho à proibiçãode contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais oucreditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica

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da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de cinco anos.

Após a citação e apresentação de contestação pelos réus (IEA:fls. 28/40; Eneas Salati Filho: fls. 52/64; João Bertoletti: fls. 313/319) e réplicapelo autor (fls. 329/333), o feito veio a ser anulado em razão da inobservânciado rito previsto no art. 17 da Lei nº 8.429/92, introduzido pela MP nº2.088-35/2000 (fls. 341/344). Adotando-se esse rito, os réus foram notificados eapresentaram defesas preliminares (IEA e Eneas Salati: fls. 350/351 e 593/594;João Bertoletti: fls. 358/360 e 387/442).

A inicial foi recebida (fls. 607/614), repelindo-se as preliminaresapresentadas e determinando-se a citação dos réus.

Os réus Eneas Salati Filho e IEA deram-se por citados e, emcontestação (fls. 633), reiteraram em todos os termos as contestações que jáhaviam apresentado, as quais (fls. 28/40 e 52/64), em síntese, trazem osseguintes argumentos: a) o IEA tem por um de seus objetivos odesenvolvimento de projetos e construções de sistemas de tratamento de águaatravés de sistemas de wetlands construídos combinados com processo DHS;b) merce de tal objetivo social, em 1991 firmou convênio com a Prefeitura deAnalândia, sem ônus à Municipalidade, prestando serviços de desenvolvimentode projeto, consultoria e desenvolvimento de pesquisas sobre purificação deágua para abastecimento público; c) em 1995, em função da necessidade decontinuidade dos trabalhos, celebrou-se contrato com a Prefeitura, quando eraprefeito Roberto Perin, ocasião em que não houve licitação diante do fato de oIEA ser detentor, com exclusividade, da wetland construída, nº PI 8503030,conforme consta textualmente do instrumento celebrado, em sua cláusula2.1.3; d) vencido o prazo do contrato, outro não foi celebrado porque osserviços, em 1999 e 2000 (objeto de discussão nestes autos), não passaramde continuação dos primeiros, para preservar o que fora feito; e) esses serviçosde 1999 e 2000 foram prestados pelo preço de R$ 46.000,00, mas Analândiapagou unicamente R$ 26.000,00, ficando a dever R$ 18.000,00, até hoje; f) oIEA prestou serviços em Piracicaba, Cesp, Albras, Barcarena, Tietê, Curitiba,Cubatão, trata-se de empresa séria; g) a estação de água de Analândia, dadaa sua peculiar importância foi objeto de teses de mestrado e doutorado, bemcomo recebeu visitas inúmeros órgãos, inclusive internacionais, provando anotória especialização do co-réu IEA; h) não houve lesão ao erário municipal,pois os serviços foram efetivamente realizados, sem prejuízo algum os cofrespúblicos ou ao povo da cidade, que se delicia com água potável de muito boaqualidade; i) não se faz presente o elemento subjetivo da improbidadeadministrativa, má-fé ou dolo; j) denunciou à lide a Prefeitura de Analândia,bem como os ex-Prefeitos José Roberto Perin e Ney Galvão da Silva.

O réu João Bertoletti apresentou contestação (fls. 635/642),alegando: a) preliminarmente, inépcia da inicial, carência da ação e foroprivilegiado; b) que a contratação se deu com fulcro no art. 25, I, da Lei nº8.666/93, pois o IEA detém, com exclusividade, a patente wetland construída,nº PI 8503030; d) a contratação em comento consistiu em continuidade dostrabalhos iniciados em 1991, pela gestão anterior, sendo de notório saber aexclusiva patente quanto ao objeto contratado; e) trata-se de empresa com

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notória especialização; f) as irregularidades indicadas são meramente formais;g) os convênios de 1991 foram integralmente cumpridos e aprovados pelosórgãos vinculados ao plano de trabalho; h) não houve risco para aadministração pública; i) não houve má-fé; j) não houve dano ao erário, atolesivo ao patrimônio público.

Houve réplica (fls. 650/654).

O autor juntou documentos (fls. 669/674), a respeito dos quaisdeu-se vista aos réus (fls. 675), que silenciaram.

É O RELATÓRIO. DECIDO.

Julgo o pedido na forma do art. 330, I do CPC, uma vez que aprova documental carreada aos autos é suficiente para a solução dacontrovérsia, sendo desnecessária a produção de outras provas.

Analiso, inicialmente, as questões processuais pendentes, préviasao exame do mérito.

O réu João Bertoletti, em contestação, apresentou as preliminaresde inépcia da inicial, carência da ação e foro privilegiado, que ficam desde járepelidas uma vez que afastadas na decisão que recebeu a inicial (fls.607/614), a cujos fundamentos me reporto.

O IEA denunciou à lide a Prefeitura de Analândia, bem como osex-Prefeitos José Roberto Perin e Ney Galvão da Silva, todavia, taisdenunciações não se apresentam cabíveis nestes autos, eis que taisdenunciados firmaram convênios e contratações com o IEA anteriores aodiscutido nestes autos, e que não constituem objeto deste processo, não sefazendo presentes quaisquer das hipóteses previstas no art. 70 do CPC.

Passo ao julgamento do mérito.

A ilegalidade da contratação discutida nesta demanda, comindevida dispensa de licitação, com o pagamento de despesas desnecessáriaspois abrangidas por contrato anterior, e com afronta aos princípios que regem aadministração pública, está devidamente comprovada pelos documentos queinstruem o processo, como se vê abaixo.

Aos 25.11.91 (fls. 95/100) a Secretaria do Meio Ambiente daPresidência da República (SEMAM-PR) firmou convênio com a UNESPvisando a ação conjunta para, entre outros objetivos, “prestar serviços àcomunidade” através do projeto “Construção de Estação de Tratamento deÁgua com Solos Filtrantes”, constando da cláusula segunda, item II, “a”, queuma das atribuições da UNESP consistiria exatamente em implementar osprojetos de que trata o convênio, diretamente ou “através de terceiros”. Oaporte financeiro para a consecução do convênio, como nele se lê, constituiuobrigação da SEMAM-PR.

O Fundo Nacional do Meio Ambiente (FNMA) havia aprovado

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esse projeto no dia 28.11.90 (fls. 93) e, no dia 05.02.91, a Prefeitura deAnalândia já havia encaminhado ofício à UNESP manifestando suaconcordância com a implementação de uma estação piloto de tratamento deágua, no Município, pelo método de solos filtrantes (fls. 90).

A singeleza dessa manifestação da Prefeitura de Analândia bemdemonstra que, por parte desta, não houve qualquer motivação a respeito dosfundamentos, ambientais, financeiros e outros, pelos quais deliberou por firmareste “acordo verbal”.

O acordo é mesmo verbal pois não há nos autos qualquerinstrumento escrito com a UNESP para a construção da ETA com solosfiltrantes (sistema DHS).

De fato, o primeiro ponto a se observar – embora não se trate deobjeto específico destes autos - é que, desde o início, não houve apreocupação de se documentar e formalizar, pelos meios legais, este –aparentemente, é disso que se tratava – “convênio” firmado entre a PrefeituraMunicipal de Analândia e a UNESP (e não o IEA, já que este era apenas umterceiro contratado pela UNESP para a execução do projeto) comodesdobramento do convênio existente entre a UNESP e a SEMAM-PR.

Ao contrário, tudo foi realizado de forma verbal, sem qualquerpreocupação de justificação jurídica, pela Prefeitura de Analândia, a respeito daconveniência da celebração de tal convênio e das vantagens que traria para amunicipalidade (violando-se, inclusive, o art. 38, parágrafo único, e art. 116,ambos da Lei nº 8.666/93).

Tal descuido teve consequencias, pois o convênio, queaparentemente não geraria despesas para o Município de Analândia, acaboupor gerá-las, pois que, aos 10.07.95 (fls. 104/105), a Prefeitura Municipalcelebrou contrato escrito com o IEA – desta vez, com impacto financeiro paraAnalândia e com a UNESP deixada de fora, e não se conhecem as razões -,contratando o IEA para a realização dos seguintes serviços, mediante opagamento de R$ 16.778,00 além do ressarcimento por despesas de viagem eanálises de água: a) detalhamento final do sistema de captação e distribuiçãode água da estação de tratamento de água para abastecimento urbano; b)supervisão técnica dos serviços de implantação da rede adutora e dedistribuição, bem como finalização das obras da ETA (sistema DHS –despoluição hídrica com solos – patente PI 8503030); c) monitoramento etreinamento de pessoal para operação e manutenção da ETA; d) coletas eanálises preliminares de amostras de água para controle da qualidade deprodução e água de abastecimento; e) relatórios periódicos deacompanhamento da eficiência do sistema de tratamento.

A leitura do objeto do contrato bem demonstra que, após a suaexecução, não se concebe a necessidade de novas contratações de empresas,eis que o projeto estaria inteiramente concluído e os funcionários do Municípiotreinados para a operação e manutenção da ETA.

A obra foi encerrada e inaugurada em 24.03.98 (fls. 133/134, e

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1 Dos quais R$ 27.600,00 foram efetivamente pagos e o restante, R$ 18.400,00, consta como restos apagar.

fls. 143, do apenso do ANEXO I).

Ocorre que, posteriormente, houve nova “contratação” (esta sim,objeto destes autos), sequer formalizada por escrito, sem procedimentolicitatório (cf. apenso do ANEXO I, fls. 14 e fls. 144) pela qual a PrefeituraMunicipal comprometeu-se a pagar ao IEA a quantia exorbitante de R$46.000,001 (cf. apenso do ANEXO I, fls. 06, 09, 10, 20/34) – veja-se que paramuito mais serviços pagou, anteriormente, R$ 16.778,00 - e que, segundoconsta, seria uma continuidade dos serviços anteriores e tinha por objeto –contratado verbalmente - o “monitoramento e treinamento de pessoal paraoperação e manutenção da ETA” (cf. apenso do ANEXO I, fls. 134), que foramprestados até 31.12.00.

Há em tal contratação três nítidas ilegalidades.A primeira, constatável ictu oculi, subsiste no fato de que o “monitoramento etreinamento de pessoal para operação e manutenção da ETA” já era objetodaquele contrato copiado às fls. 104/105 (leia-se o item “c” acima), assim, agiuilegalmente o réu João Bertoletti quando, representando a Prefeitura Municipal,ao invés de simplesmente cobrar a execução do contrato pela IEA, optou por,gerando indevido dano ao erário, e sem motivação alguma, sem sequerformalizar por escrito as razões, comprometer mais R$ 46.000,00 do eráriomunicipal para um fim já abrangido por contrato anterior no montante de R$16.778,00.

Veja-se que o treinamento certamente poderia ter sido concluídodentro do prazo de 120 dias estipulado no contrato de fls. 104/105, semnecessidade de prorrogação, tanto que, como se vê às fls. 670, hoje somenteum funcionário municipal cuida da manutenção, e é certo que um funcionáriopoderia ter sido treinado em 04 meses.

A segunda é inobservância de qualquer procedimentoadministrativo para a verificação da configuração de hipótese de inexigibilidade,comprometendo, inclusive, o próprio controle por parte do Judiciário, e aindadeixando-se de prestar contas à cidadania.

Alegam os réus que o IEA era a única entidade, em razão de sertitular da patente relativa à tecnologia aplicada, com condições de prestar osserviços para os quais foi contratatado. E este seria o motivo de a contrataçãoser direta.

Ocorre que o art. 26 da Lei nº 8.666/93 preceitua que ainexigibilidade deve ser comunicada, dentro de três dias, à autoridade superior,para ratificação e publicação na imprensa oficial, como condição para a eficáciados atos. O parágrafo único do mesmo dispositivo prevê expressamente umprocesso de inexigibilidade que deve ser instruído com elementos justificadoresque, na situação fática, não há viabilidade de competição.

No caso em comento, não houve qualquer procedimento

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administrativo a demonstrar a inviabilidade de competição. Não se deuqualquer publicidade à íntima decisão tomada pelo Administrador Público.Simplesmente preferiu o co-réu João Sebastiao Bartoleti seguir a sua visãopessoal e considerar o certame inexigível, agindo sem qualquer publicidade e,com isso, ferindo de morte também o princípio da impessoalidade.

A terceira corresponde precisamente à inexistência de mínimoindício nos autos que, realmente, a situação concreta fosse de inexigibilidadeda licitação.

Ao contrário do sustentado pelos réus, o fato de a ré IEA sertitular da patente para a “construção de sistemas de wetlands construídas” nãoconduz à conclusão de que, para o monitoramento e treinamento dosfuncionários da prefeitura no sentido de realizarem a manutenção, somente aIEA tivesse conhecimentos e capacitação.

Verifica-se que os serviços em questão não são de "naturezasingular" e também não exigem "notória especialização" (art. 25, II, da Lei nº8.666/93).

Nenhuma das hipóteses de dispensa, previstas no art. 24 da Leinº 8.666/93, está presente, e também não houve justificativa qualquer de queestivessem.

À guisa de conclusão, nota-se que o contrato discutido nos autosé manifestamente nulo, o que deve ser declarado por sentença, com aconsequente obrigação da ré IEA de restituir à Municipalidade o valorindevidamente recebido de R$ 27.600,00 e de declarar-se inexistente a dívidapendente de R$ 18.400,00 – mero consectário lógico da declaração denulidade.

É bom frisar que o dano ao erário, no caso dos autos, existe eresta comprovado, independentemente de os serviços terem efetivamente sidoprestados.

Isto porque os serviços pelos quais a municipalidadecomprometeu-se a pagar R$ 46.000,00 já estavam abrangidos na contrataçãoanterior pela qual o IEA recebeu R$ 16.778,00 (fls. 104/105) e não houvemínima justificativa para a prorrogação e assunção de mais despesas pelaMunicipalidade.

Quanto ao ato de improbidade administrativa, conclui-se que éenquadrado naquele previsto no art. 10, VIII, da Lei nº 8.429/93, pois que foidispensado indevidamente processo licitatório.

Frise-se que o ato também se enquadraria em improbidade peloart. 11, pois houve agressão aos princípios da impessoalidade (a contrataçãofoi direta, sem licitação, por conta do entendimento pessoal e íntimo doprefeito, não baseado em qualquer critério objetivo) e à publicidade (não se deuqualquer publicidade à decisão de contratação direta). Todavia, a incidência noart. 11 é absorvida pela subsunção ao art. 10, daí porque não será formalmente

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reconhecida.

No que tange ao elemento subjetivo dos atos de improbidade,evidentemente que agiu o co-réu João Sebastião Bartoleti com culpa nacontratação direta, pois que feriu normas comezinhas da legislação pertinenteàs licitações, bem como agiu em desconformidade com os padrões decomportamento que se espera do administrador público, justamente por ter emsuas mãos a difícil e nobre missão de administrar o dinheiro público.

Quanto aos réus IEA e Eneas Salati Filho, constata-se a presençado elemento subjetivo no fato de não questionarem a circunstância de estaremsendo contratados sem a formalização de instrumento por escrito para arealização de serviços já abrangidos pelo contrato anteriormente celebrado,mediante o pagamento, inclusive, de quantia muito superior a anteriormenteconvencionada para serviços inclusive mais amplos do que apenas esse“monitoramento e treinamento”. A culpa destes, porém, é de menor grau doque aquela do co-réu João Sebastião Bartoleti, mormente porque o particularpossui menor obrigação do que o administrador público no que diz respeito aoscuidados com a legalidade do procedimento administrativo, somente sendocensurável a imprudência ou negligência do particular no caso, quando éfacilmente constatável que está se beneficiando indevidamente, como é o caso,com o recebimento de mais recursos financeiros para a prestação de serviçosjá abrangidos em contratação anterior.

Em decorrência do menor grau de culpa da IEA e de Eneas SalatiFilho, a estes somente serão impostas as consequencias da declaração denulidade do contrato e do dano ao erário, isto é: a) a obrigação de reembolsodos R$ 27.600,00 indevidamente recebidos; b) a inexistência da dívidapendente de R$ 18.400,00.

Ingresso no exame das sanções de improbidade administrativaaplicáveis ao réu João Bertoletti. As sanções do art. 12 da Lei nº 8.429/92devem ser adequadas ao caso. Nessa linha, a situação dos autos não autorizaas penas de suspensão dos direitos políticos e perda da função pública, asquais seriam excessivas haja vista a restrição drástica que impõem a direitosfundamentais, inclusive à soberania popular, merecendo aplicação em casomais graves.

A pena de ressarcimento ao erário é devida e corresponderáexatamente aos R$ 27.600,00 que foram indevidamente desembolsados pelaPrefeitura Municipal.

A perda de bens e valores acrescidos ilicitamente ao patrimônio éincompatível com a natureza da improbidade ora reconhecida, uma vez quenão se trata de ato de improbidade que importe em enriquecimento ilícito.

Aplicáveis e adequadas, porém, as sanções de multa e proibiçãode contratar com o poder público ou receber benefícios fiscais ou creditícios,esta última pelo prazo de 02 anos, como mecanismos destinados a reprimir aconduta ímproba e prevenir a sua reiteração.

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No que tange à multa, com o intuito de prevenir a reiteração decondutas ímprobas, considerando a gravidade do fato, entendo que a mesmadeve corresponder a 1/2 vez o valor do dano, ou seja, R$ 13.800,00.

Ante o exposto, julgo parcialmente procedente a ação e:

a) declaro a nulidade da contratação verbal por meio da qual aPrefeitura Municipal de Analândia, para os anos de 1999 e 2000,comprometeu-se a pagar ao IEA a quantia de R$ 46.000,00, e pela qualefetivamente pagou R$ 27.600,00 restando R$ 18.400,00 como restos a pagar;

b) CONDENO os réus João Sebastião Bertoletti, Eneas SalatiFilho, e Instituto de Ecologia Aplicada Ltda, como incursos em ato deimprobidade administrativa subsumido no art. 10, VIII da Lei nº 8.429/93,aplicando: b1) aos três réus, solidariamente, a sanção de ressarcimento aoerário, em caráter solidário, correspondente às quantias descritas às fls. 09 doapenso do ANEXO I (que somam R$ 27.600,00), com atualização monetáriadesde cada desembolso e juros moratórios de 1% ao mês desde a últimacitação efetuada nos autos; b2) somente ao réu João Sebastião Bartoleti, alémdo ressarcimento, as sanções de (i) multa no valor de R$ 18.400,00, comatualização monetária desde a propositura da ação e juros moratórios de 1%ao mês desde a citação (ii) proibição de contratar com o poder público oureceber benefícios fiscais ou creditícios, pelo prazo de 02 anos.

No mais, ainda em consequencia da declaração de nulidade,declaro a inexistência da dívida pendente no valor de R$ 18.400,00,deliberando, em caráter cautelar, que a serventia deverá, de imediato, oficiar,instruindo o ofício com cópia desta sentença e de fls. 10 do apenso ANEXO I, àPrefeitura de Analândia para que não pague os restos a pagar em nome doInstituto de Ecologia Aplicada, no valor total de R$ 18.400,00.

Condeno os réus, ainda, no pagamento das custas.

P.R.I.

Itirapina, 5 de janeiro de 2010.

Daniel Felipe Scherer Borborema

Juiz de Direito