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Max Weber, Metologia sociológica
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SENTIDO E VALOR DA SOCIOLOGIA COMPREENSIVA DE MAX WEBER
Maria de Ftima da Costa Gonalves1
RESUMO
Analisa-se o mtodo da sociologia compreensiva de Max Weber para
referenciar o estudo da sociedade e das relaes de sociabilidade
contempornea. Esboam-se algumas das categorias analticas
construdas por Weber, com a preocupao em contribuir para base
de sustentao metodolgica de conceitos acionados pelas anlises
das polticas pblicas. Indicam-se a relao entre o autor e o seu
tempo histrico, seus limites temporais e indicativos culturais e
intelectuais. Pontua-se com algumas referncias metodolgicas da
sociologia compreensiva, notadamente o tipo ideal como processo de
validao cientfica da investigao weberiana. Toma-se o critrio da
racionalidade como fundamento da anlise do capitalismo e da
sociedade capitalista. Sublinha-se a questo metodolgica das
noes operacionais para o estudo especfico do sistema capitalista
por Max Weber.
Palavras-chaves: Sociologia Compreensiva. Mtodo Weberiano.
Valores. Capitalismo. Racionalidade. Tipos Ideais.
1 INTRODUO
A funo da cincia , a nosso ver, exatamente contrria: transformar em
problema o que evidente por conveno (WEBER, 1995, p: 370).
O nascimento das cincias sociais coetneo ao capitalismo
enquanto sistema econmico e modo de vida. So contemporneos ao
reordenamento social da Europa, cujo ponto de partida a metade do sculo
XIX.
Muito antes, as cincias da natureza e as cincias fsicas j tinham
atributos prprios e legitimidade no campo intelectual, o que lhes conferia
posio de reconhecimento e de autoridade legitimas 2.
A sociologia nasceu como uma tentativa de explicar, classificar3 e
reconhecer o mundo social e suas relaes a partir dos procedimentos
1 Professora do Departamento de Educao II e aluna do Curso de Doutorado do Programa de
Ps-Graduao em Polticas Pblicas da Universidade Federal do Maranho. 2 Utilizaram-se as formulaes de Pierre Bourdieu no que diz respeito s categorias de campo
intelectual, espao social e propriedades de posio dos agentes sociais, na tentativa de demarcar uma anlise para a questo das cincias sociais que no sculo XIX buscam firmar sua legitimidade pela apropriao do mtodo e dos procedimentos das cincias naturais e exatas j consagradas enquanto tais.
daquelas cincias j seculares e historicamente construdas sob o princpio da
exatido e da objetividade.
Foi longo o caminho de construo do estudo da sociedade e das
suas relaes luz da cincia. O estatuto positivista construdo por Auguste
Comte e refinado, metodologicamente, por mile Durkheim foi referncia
fundamental, convivendo em grandes embates nos meados finais do sculo
XIX com o aporte terico- metodolgico do materialismo dialtico de Karl Marx.
No final do sculo XIX, Max Weber fundou a sociologia compreensiva.
O presente trabalho tenta contemplar uma anlise, ainda que
pontual, do mtodo da sociologia compreensiva de Max Weber (1864-1920)
que uma das referncias para pensar questes pertinentes ao estudo da
sociedade e das relaes de sociabilidade contempornea. Este ensaio
dissertativo tenta desenhar algumas das categorias analticas construdas por
Weber.
O esboo que apresento tem por objetivo primeiro realar a
construo das categorias metodolgicas do estatuto weberiano de forma que
possa contribuir para a reflexo acerca da investigao cientfica, sobremaneira
quanto se trata muito mais de entender as formas de operacionalizao das
categorias de um cnon do que propriamente empreg-las furtivamente.
evidente, certamente no tenho a pretenso de contemplar por inteiro a
complexa elaborao metodolgica de Max Weber. No entanto, a partir do
trabalho A tica Protestante e o Esprito do Capitalismo (Die Protestantische
Ethik und der Geist des Kapitalismus), sublinho que ali os conceitos se
articulam e articulam um modelo explicativo ao que foi reflexo comum aos
pais fundadores da sociologia (Durkheim, Max e Weber): o capitalismo
moderno. Tambm ressalto uma questo que perpassa esta reflexo: de que
forma - metodologicamente falando - Max Weber construiu parmetros
analticos to plurais e que concernem ao estudo que discutem tambm
esferas diversas, tais como, dominao poltica, tica e cincia, capitalismo e
religio, racionalidade e desencantamento do mundo?
No ser possvel (nem desejvel) haver um esgotamento nas
abordagens, mas quero enfatizar algumas dimenses dos conceitos
sociolgicos de Max Weber, balizando alguns pontos do seu mtodo de
pesquisa. Busco registrar um esboo do legado da sociologia compreensiva
3 Refinada metodologicamente por Durkheim, a sociologia nascida sob a marca de Auguste
Comte, tinha como um dos pressupostos que a taxionomia e ordenamento do mundo social resultam da classificao instituda pelos homens. Juntamente com Marcel Mauss em Algumas formas primitivas de classificao tentaram estabelecer a generalidade quanto aos tipos de classificao, a partir do estudo de cls e fratrias referidas a um totem de tribos australianas. Esse contributo no domnio das Cincias Sociais tem como fundamento a noo de que a classificao das coisas reproduz a classificao dos homens e so sistemas de noes hierarquizadas, destinadas a ligar as ideias entre si, a unificar o conhecimento (DURKHEIM e MAUSS. 1998).
para a atividade de pesquisa. Procuro em Max Weber a lio que marca a
investigao cientfica como ato prtico4.
Num primeiro plano, indico a relao entre o autor e o seu tempo
histrico, seus limites temporais e indicativos culturais e intelectuais, o que
desemboca numa anlise sucinta da Alemanha bismarckiana do final do
sculo XIX que tanto falou a Weber. Estruturo uma anlise sobre a demarcao
que Weber procedeu entre as cincias naturais e as cincias da cultura porque
um ponto distintivo da sua concepo de cincia. No momento seguinte,
pontuo com algumas referncias metodolgicos da sociologia compreensiva,
notadamente o tipo ideal que , por assim dizer, o cone do processo de
validao cientfica da investigao weberiana. E ainda, tomo o conceito de
racionalidade, to caro a Weber, como fundamento da anlise do capitalismo e
da sociedade capitalista, tentando sublinhar a questo metodolgica e de que
forma esse conceito funcionava como noo para articular as relaes dessa
sociedade especfica.
2 O HOMEM E SEU TEMPO: Max Weber na Alemanha novecentista
O arcabouo metodolgico-conceitual de Max Weber (Alemanha,
1864-1920) um primado cientfico na rea das Cincias Sociais, que se
revigora e sustenta parte do debate travado no campo intelectual5. Conceitos6
tais como racionalidade, tipo ideal, capitalismo, burocracia e dominao
atinentes sociologia compreensiva so os pontos focais da sua anlise.
Max Weber foi um homem do seu tempo. Vivendo na Alemanha no
final do sculo XIX sob um Estado de nuana burocrtica, governada por Otto
von Bismarck7 e recm-unificada, aps longo perodo de fragmentao poltica
e territorial.
Estava a Alemanha regida por um capitalismo de bases industriais,
ainda que a burguesia alem no houvesse conseguido superar a hegemonia
4 Refiro-me, sobretudo, ao uso operacional das categoriais de forma consciente, desejvel pelo
pesquisador e apropriadas quelas questes que constroem o objeto de estudo. 5 Utilizei aqui a noo operacional de campo intelectual (BOURDIEU, 1968) para delimitar mais
nitidamente a questo do embate travado pela construo dos conceitos e vises de mundo que os agentes sociais estabelecem para explicar e classificar o mundo social. 6 Conforme a instruo do socilogo Gabriel Cohn: Na posio estritamente metodolgica
assumida por Weber o conceito o instrumento que o pesquisador forja para ordenar um segmento da realidade e construir o seu objeto. Entre o conceito e o real estabelece-se uma enftica separao (COHN, 1979, p. 116). 7 Pertencente a urna famlia tpica de junkern (aristocratas rurais da Alemanha), em 1862 foi
nomeado primeiro-ministro e ministro dos Negcios Estrangeiros de Guilherme I da Prssia. Liderou o movimento de unificao alem e o estabelecimento do Imprio (II Reich). Entre 1870 e 1890 Bismarck liderou a poltica internacional europeia, aps um perodo de anexaes territoriais e domnio poltico. Na poltica interna, as chamadas aes de cunho protecionista (leis de acidente de trabalho, reconhecimento dos sindicatos, o seguro de doena, invalidez ou acidente. por exemplo) no so totalmente admitidas pelo Reichstag. Entre 1872 e 1880, Bismarck lidera a chamada Kulturkampf (luta pela cultura) com forte oposio da Igreja Catlica.
dos grandes senhores rurais e estabelecer um forte movimento operrio. A
consolidao do Estado nacional na Alemanha era a pedra de toque na
questo poltico-social de Max Weber, sendo inclusive ele signatrio do Acordo
de Weimar8.
A incipiente sociedade industrial testemunhada por Weber, o
contexto poltico, econmico e tico o Luteranismo forneceram ao
pensador rico material de anlise. Entretanto, o conjunto da construo terica
de Weber rompe, por assim dizer, com as noes usuais de interpretao da
vida alem ao atentar para o papel especfico das cincias da cultura, a qual,
por ser complexa e tensa em alguns pontos, exige minuciosa anlise, embora
nunca seja ela mesma em si esgotada.
Os trabalhos de Weber resultaram da preocupao em elucidar sob
o ponto de vista conceitual-metodolgico, as questes da sociedade europeia
em fin-de-sicle9, especialmente a alem. Partindo do ponto de que esses
trabalhos revelam uma complexa urdidura terico-metodolgica, oportuno
considerar-se que, no arcabouo cientfico do autor, no h lugar para snteses
a priori ou doutrinas pr-concebidas.
No conjunto de anlises sociolgicas e polticas10 de Max Weber
mais significativas podem ser destacados os trabalhos histricos como o que
versa sobre a agricultura no mundo antigo11, Cincia como vocao
(Wessenschaft Als Beruf), Poltica como vocao (Politik Als Beruf),
trabalhos de sociologia da religio que tem como cone A tica Protestante e o
Esprito do Capitalismo (Die Protestantische Ethik und der Geist des
Kapitalismus12) e o tratado de sociologia geral denominado de Economia e
Sociedade (Wirtschaft und Geseiischaft), considerado a obra-prima do autor.
8 Weber participou da redao da Constituio da Repblica de Wemiar em 1919, integrando o
corpo de assessores da delegao de paz alem em Versalhes, tambm em 1919 (CONH, 1997, p. 9). 9 No que diz respeito postura poltica de miIe Durkhem, assinalo como fundamental a
preocupao em superar o vazio moral da III Republica Francesa. 10
Dirigiu juntamente com Wemer Sombart e Edgar Jaff o Arquivo para a cincia social e poltica social (Archiv fur Soziaiwissenschaft und Soziaipolitik) que era uma publicao de grande substancia intelectual e referida s principais polemicas no campo intelectual na poca. Para ilustrar, o aclamado artigo A objetividade do conhecimento na cincia social e na cincia poltica de 1904, em que Weber discute o critrio de objetivao nas cincias sociais, como critrio de validade cientfica. 11
A histria agrria de Roma e sua importncia para o Direito Pblico e Privado( 1891) trata dessa questo. 12
Alguns trabalhos e conceitos em Weber vm procedidos pelos respectivos designativos em alemo na tentativa de realar a dificuldade, no momento da traduo, de termos que correspondam fielmente s construes do autor.
3 DAS CINCIAS NATURAIS S CINCIAS DA CULTURA: uma passagem
necessria
A questo que pode ser o indicativo mais significativo do conjunto
dos trabalhos de Max Weber o processo de racionalizao da cultura
ocidental, conforme a prpria argumentao acima, que destaca a
racionalidade referida a fins (Zweckrationale Deutung). Esse processo o seu
objeto de estudo.
Weber refutou a razo dedutiva medieval e se conduziu pela via da
razo indutiva moderna. O ponto de partida da sociologia weberiana o
principio de que o conhecimento parcelado, parcial, social e culturalmente
definido e valorativamente orientado. Em outras palavras, a cultura e a
sociedade interferem na percepo e, assim, a cincia no um tratado
taxionmico e acabado. No o porque quem a faz o homem e ele
portador de valores e tem uma finitude, por assim dizer, um limite, enquanto
uma mente que tem a capacidade de apreender o mundo real. O conhecimento
assim parcelar, resultado dos recortes ajuizados pelos valores do individuo.
Como o diz: [...] todo indivduo histrico est arraigado, de modo logicamente
necessrio, em ideias de valor (WEBER, 1999, p. 130).
Weber dialoga com os diversos com autores de distintas
concepes13, no obstante haja influncias mais acentuadas como Friedrich
Nietzsche, Heinrich Rickert e Wilhelm Dilthey.
O trabalho Limites da conceituao cientfico-natural (Grenzen der
Naturwissenschaftichen Begnffsbildung) de Heinrich Rickert o possvel ponto
de partida para a construo metodolgica de Weber, que aproveita a ideia da
relao com os valores (Wertbezienhun) como fundamento das cincias sociais
e histricas14. Em outros termos: os valores15 seriam um critrio de seletividade
na construo do objeto de conhecimento.
Em Wilhelm Dilthey, o ponto fundamental que marca a influncia em
Weber a noo do chamado sentido que amplia o entendimento e possui um
carter essencialmente histrico, no fugindo do complexo conjunto das
cincias culturais to caras aos alemes.
Em Friedrich Nietzsche, h duas injunes pontuais: anlise das
formas de construo dos valores (este um dos vetores da epistemologia
13
Em A tica Protestante e o Esprito do Capitalismo (Die Frorestanfische Ethik und der Geist des Kapitalismus) h um dilogo explicito com W. Sombart, autor de Der Moderne kapitalizinus sobre a gnese do capitalismo e sua relao com as chamadas economia da necessidade e a aquisio, para sublinhar a questo do que Weber denominou de tradicionalismo econmico. 14
Para atingir a chamada objetividade cientifica, Rackert acreditava na existncia de certos valores universais liberdade, verdade, etc posio no compartilhada por Weber. 15
Destaco que: [...] as ideias de valor so subjetiva (WEBER, 1999, p. 133) para acentuar o principio da construo da cultura e dos valores pelo indivduo.
weberiana) e a noo de caos da sociedade moderna, ou seja: a desordem da
sociedade e sua consequente fragmentao face aos valores excessivamente
cristos, conforme apontou o filsofo alemo em A Genealogia da Moral:
Ora, para mim est na palma da mo, primeiramente, que essa teoria procura o foco prprio do surgimento do conceito bom no lugar errado e ali o pe: o juzo bom no provm daqueles a quem foi demonstrada bondade. Foram antes os bons, eles prprios, isto , os nobres, poderosos, mais altamente situados e de altos sentimentos, que sentiram e puseram a si mesmos e a seu prprio fazer como bons, ou seja, de primeira ordem, por oposio a tudo que inferior, de sentimentos inferiores, comum e plebeu. Desse pathos da distncia que tomaram para si o direito de criar valores. de cunhar nomes dos valores: que lhes importava a utilidade! (NIEZTCHE, 1974, p. 306, grifo nosso).
Max Weber faz uma distino radical entre Cincias da Natureza e
Cincias da Cultura, as quais tm requisitos metodolgicos prprios. Enquanto
as primeiras tentam explicar os fatos, comportando leis especficas, as
segundas se orientam pela probabilidade de compreender o sentido da ao e,
portanto, no admitir leis enunciativas. Nas Cincias da Natureza as relaes
so de necessidade, nas Cincias da Cultura16 as relaes so de
probabilidade, uma vez que no h relaes de causa e efeito, como naquelas
manifestamente naturais. Este o cerne da sociologia compreensiva.
Ao indicar sociologia compreensiva como resultado dessa
preocupao em demarcar limites especficos tanto quanto aos conceitos como
instrumentos operacionais das cincias da natureza e das cincias da cultura,
Weber afirmou:
A sociologia compreensiva. entretanto, no se interessa pelos fenmenos fisiolgicos e pelos anteriormente chamados fenmenos psicofsicos [...], tampouco se interessa pelos dados fsicos brutos... Pelo contrrio, estabelece diferenas da ao conforme referncias tpicas. providas de sentido (sobretudo referncias ao exterior)[...] (WEBER, 1995, p. 315, grifo nosso).
Na inquietao de Weber com a compreenso do processo de
racionalizao do Ocidente, como objeto de estudo primeiro, sublinho que os
valores so parte indissociveis dos agentes sociais, dos sujeitos do
16
Importa destacar neste intermdio do debate que reala a noo de cultura (kultuz) e por extenso de civilizao (zivilisation) a tenso e complexidade que encerra. Norbert Elias no trabalho O processo civilizador disse: Franceses ou ingleses podero talvez dizer ao alemo que elementos tornam o conceito de civilizao mais razovel e racional que este conceito lhes parea, mas tambm nasce de um conjunto especifico de situaes histricas, e est cercado tambm por uma atmosfera emocional e tradicional difcil de definir, mas que apesar disso constitui parte integral de seu significado. E a discusso descamba realmente para a inutilidade quando o alemo tenta demonstrar ao francs e ao ingls porque o conceito de Zivilisation de fato representa para ele um valor, embora apenas de segunda classe.(ELIAS, 1994, p. 21).
conhecimento17. Para o autor no haveria lugar na Cincia para a neutralidade
axiolgica promulgada pelos positivistas. Ele enfatizou:
Primeiro, gostaramos de questionar a opinio dos partidrios da neutralidade axiolgica, para os quais a mera instabilidade histrica e individual das tomadas de posio valorativas prevalecentes tem apenas o carter necessariamente subjetivo da tica, por exemplo(WEBER, 1995, p. 370, grifo nosso).
No estatuto weberiano, os valores cumprem com as seguintes
funes bsicas nos vrios nveis de investigao cientfica (LOWY, 1994):
orientam a escolha do objeto de conhecimento; orientao a direo da
investigao emprica; selecionam o que ou no importante; determinam
igualmente a formao do aparelho conceitual utilizado e, ainda, fornecem a
problemtica (Fragestellung) da pesquisa. Os valores, assim, so, com efeito,
mecanismos de seletividade do objeto a serem construdos.
Assinalo que os valores (Wertbezienhun) na concepo de Max
Weber so mecanismos de seletividade do objeto a ser construdo, uma vez
que no h como abranger o todo simultneo de uma realidade, por assim
dizer, na sua plena extenso, posto que ela mesma fragmentada,
fragmentria e catica. Logo, o conhecimento para Max Weber no uma
reproduo ipsis litteris da realidade social tampouco, o esgotamento do real.
Sentido e significado conferem vitalidade ao conhecimento. E eles so
resultados do processo de articulaes conceituais que distintiva na
sociologia compreensiva.
Igualmente marcante no arcabouo terico-metodolgico weberiano
a racionalidade como trao distintivo das sociedades ocidentais em
contraponto com o Oriente. A racionalidade em Weber pontua o critrio da
validade cientifico18, um conceito que o permite exercitar o recurso da
analogia. Ao mesmo tempo, a racionalidade como atributo do mundo ocidental
representa o desencantamento do mundo (Entzauberung der Welt)
abordagem clssica feita por Niesztche, Rilke e Heller, ou seja: o fim dos
aspectos mgicos e mticos do mundo social pelo processo dessa
racionalidade.
Em A tica Protestante e o Esprito do Capitalismo (Die
Protestantische Ethik und der Geist des Kapitalismus , o autor, na parte
introdutria do trabalho, referindo-se relao entre o capitalismo e as formas
de organizao administrativa e jurdica no Ocidente, afirmou:
17
Chamo ateno para a necessria distino entre sujeito emprico e sujeito do conhecimento (GONALVES, 2004). 18
A ausncia de racionalidade no Oriente, segundo Weber, importa na ideia de ausncia da cincia nessas civilizaes, conforma trata a lntroduo de A tica Protestante e o Esprito Capitalista: Apenas no Ocidente existe a cincia num estagio de desenvolvimento que atualmente reconhecemos como vlido (WEBER, 1999, s/p]
Entre os fatores de importncia incontestvel, encontram-se as estruturas racionais do direito e da administrao. Isto porque o moderno capitalismo racional baseia-se, no s nos meios tcnicos de produo. como num determinado sistema legal e numa administrao orientada por regras formais. (...). Esse tipo de direito e de administrao foram vlidos para a atividade econmica, em grau de relativa perfeio. somente no Ocidente. Deve-se perguntar agora onde que se originou esse Direito. (...) Foras inteiramente diversas tambm atuaram no seu desenvolvimento. Se no, por que no fizeram os mesmos interesses capitalistas na China ou na ndia? Por que l no alcanou o desenvolvimento cientfico, artstico, poltico ou econmico. o mesmo grau de racionalizao que peculiar no Ocidente?
Porque em todos os casos citados, trata-se do racionalismo
especfico e peculiar da cultura ocidental(WEBER, 1999,10-11, grifo nosso).
Weber em uma passagem de Cincia como vocao
(Wissenschaft Ais Beruf) faz uma espcie de catarse, num pleno momento de
admisso desse desencantamento (Entzauberun) como a consequncia do
processo de racionalizao:
O fim precpuo de nossa era, caracterizada pela racionalizao, pela intelectualizao e, principalmente pelo desencantamento do mundo levou os homens a banir da vida pblica os valores supremos e mais sublimes. Esses valores encontraram refugio na transcendncia mstica ou na fraternidade das relaes diretas e recprocas entre indivduos isolados (WEBER, 2002, p. 59, grifo nosso).
Diga-se, uma espcie de mea culpa antecedente e antecipada das
consequncias, que os valores essencialmente racionais imputariam
complexa sociedade moderna. Uma cumplicidade com o desencantamento
nietszchiano.
4 OBJETIVAO NAS CINCIAS SOCIAIS como o tendo de Aquiles da
pesquisa: a possibilidade de resoluo pelo tipo ideai como operao
metodolgica
Tomei por base, num primeiro momento, que Weber partiu da
temtica dos valores como fundamento das cincias sociais e histricas. A
relao da cincia com os valores (Wertbezienhung) reala a preocupao do
autor com a impossibilidade de uma anlise diretamente objetiva da vida
cultural ou dos fenmenos sociais. Por outro lado, a Cincia sob a tica de Max
Weber, para ter sua validade assegurada, sem precipitaes de primeira ordem
(construes a priori, respostas imediatas e simplistas) est referida aos
critrios de validao instrumentos metodolgicos quais sejam: o tipo
ideal - que delimita o objeto e a possibilidade objetiva que imputa
causalidade ou nexos causais ao problema investigado.
Na tentativa de acurar a anlise e marcar a posio metodolgica de
Weber para pensar a relao das dimenses do real, chamo ateno para o
fato de que, para ele, as esferas das aes humanas so autnomas, isto :
Em nenhum domnio dos fenmenos culturais pode a reduo unicamente a
causas econmicas ser exaustiva, mesmo no caso especfico dos fenmenos
econmicos (WEBER, 1979, p. 86).
Weber indicou que a interpretao econmica no parte s da
essencialidade dos fatos econmicos (instituies deliberadamente voltadas
para fins econmicos), mas tambm esses fatos podem ser economicamente
relevantes ou economicamente condicionados.19 Isso implica num contraponto
ideia de determinao econmica em ltima instncia. Na anlise dos
fenmenos sociais, o fator ou esfera econmica nem sempre pode determinar
sua elucidao ou ligar- se irrestritamente a essa esfera.
Por outro lado, a sociologia compreensiva de Max Weber tem como
fundamento o indivduo, uma vez que o coletivo no se constitui valor em si ou
porta valores que do significado ao comportamento. Essa prerrogativa ltima
do indivduo segundo Max Weber. Sendo assim, os conceitos coletivos s
podem ser compreendidos sociologicamente a partir das relaes
estabelecidas pelas condutas individuais. Aqui, grafo o significado do ato de
compreender (Verstehen)20 como vetor metodolgico e terico em Weber e
afeto a um conhecimento nomolgico - regularidades - assim como,
construo de tipos (CONH, 1979, p: 81). Assim, pois:
Compreender significa, pois, em todos estes casos [compreenso direta emprica do significado de um dado ato, compreenso explicativa]
21 compreenso interpretativa de: a) casos concretos
individuais, como por exemplo, na anlise histrica; b) casos mdios, isto , estimativas aproximadas, como na analise sociolgica de massa; c)um tipo de construo cientificamente formulado de ocorrncia frequente (WEBER, 2002, p. 16, grifo nosso).
H no cnone weberiano uma tenso verificada no nvel da
chamada objetividade. Alguns analistas dos seus trabalhos questionam se ele
no convergiu para o positivismo (LWY, 1994), quanto ao postulado da
neutralidade axiolgica das cincias sociais. Weber trabalha com a objetivao
(validao da pesquisa pela construo de um instrumento especifico, o tipo
ideal) e no como a objetividade sendo ela mesma, em Weber, um valor e no
um critrio ou instrumento de rigor metodolgico. Isto marca sua distncia dos
procedimentos positivistas.
O ponto essencial que talvez faa diferena a construo do tipo
ideal como forma de objetivar, isto , construir cientificamente, os problemas da
sociedade ocidental, tal como Weber afirmou: [...] podemos representar e
19
O aprofundamento desta questo sugere a leitura de A objetividade do conhecimento nas cincias sociais (WEBER, 1995). 20
Na anlise de Aron (1999, p: 491): Segundo Mar Weber, a sociologia s cincia da ao social, que ele quer compreender interpretando, e cujo desenvolvimento quer explicar socialmente. 21
Inseriu-se a explicao, como em outras citaes, para melhor compreenso do argumento de Weber.
tomar compreensvel pragmaticamente entre a natureza particular dessas
relaes mediante um tipo ideal (WEBER, 1979, p. 105, grifo nosso).
O tipo ideal um modelo provisrio, construdo por Weber, com o
objetivo de promover o rigor conceitual nas Cincias Sociais, posto que as
variaes do seu contedo significativo alteram de uma poca a outra.
Para preservar a validade cientfica da pesquisa, evitando-se
oscilaes pessoais de conceito, ele elaborou o dispositivo, por assim dizer, do
tipo ideal que pode ser resumido como um conjunto de conceitos que o
cientista social constri unicamente para fins de pesquisa. Como
metodologicamente obter esse tipo ideal? Ensinou Weber:
Obtm-se um tipo ideal mediante a acentuao unilateral de um ou de vrios pontos de vista, e mediante encadeamento de grande quantidade de fenmenos isolados dados, difusos e discretos, que se podem dar em maior ou menor nmero ou mesmo faltar por completo. (...) Torna-se impossvel encontrar empiricamente na realidade esse quadro. na sua pureza conceitual, pois trata-se uma utopia.(WEBER, 1979, p. 106 (grifo nosso).
A construo do tipo ideal supe a noo de tomar o sentido de um
conjunto de traos comuns (tipo mdio) ou de estilizar, caricaturar elementos
caractersticos ou tpicos, a exemplo da figura de B. Franklin, presente em A
tica Protestante e o Esprito do Capitalismo (Die Protestantische Ethik uad
der Geist des Kapitalismus), como o tipo ideal do capitalista, j submetido a um
processo de aumento, exagero e ampliao.
Como instrumento de medida22 (FREUND, 1987), o tipo ideal
permite formar julgamentos de imputao causal, ou seja, pelo estabelecimento
de nexos causais, como acentua o autor em 1913 ao escrever Sobre algumas
categorias da sociologia compreensiva:
Mas a sua tarefa especifica [da sociologia compreensiva] teria incio precisamente no momento em que procurasse explicar, de modo interpretativo: 1) mediante a ao, provida de sentido, com referncia a objetos, quer pertenam ao mundo exterior, quer ao interior, procuram os homens dotados com aquelas qualidades herdadas e especficas realizar o contedo da sua aspirao, de tal modo co-determinada e favorecida, e por que e em que medida conseguiu-se aquilo (ou por que se conseguiu 2) que consequncias compreensveis teve esta aspirao (condicionada hereditariamente) no seu comportamento, com referncia ao comportamento de outros homens, os quais tambm era provido de sentido (WEBER, 1995, p. 316, grifo nosso).
Ainda, tipo ideal para Weber pode destinar-se ao enquadramento
conceitual de um fenmeno numa determinada realidade, com determinada
22
As Cincias Sociais no possuem em si instrumentos de mensurao precisa e pontual. Querer forar a exatido delas pelos instrumentos objetivos das cincias naturais e fsicas, forar uma postura objetivista digamos assim, tal como procederam os positivistas no tocante metodologia das cincias sociais. Weber foi por outro caminho, construiu o tipo ideal.
regularidade, sustentada pelo saber nomolgco (regularidade das leis) que ele
denomina de tipos ideais conceituais - Ao Social, Relao Social23,
Dominao, Burocracia, Estado. Tipos que podem estar destinados a uma
vinculao temporal e determinada quais sejam: os tipos ideais histricos -
Capitalismo, Esprito Capitalista e tica Protestante.
Na sociologia compreensiva, os tipos ideais conceituais so
significativos, notando que os conceitos de Ao Social se referem a fins, a
valores, afetividade e tradio (WEBER, 2002, p. 41): a Dominao que a
probabilidade de algum encontrar obedincia a um mandato e a Burocracia24
como clculo racional aplicado aos procedimentos de domnio, os quais so
atinentes no s s sociedades capitalistas, mas tambm a outras formas de
organizao social.
No que diz respeito especificadamente dominao, demanda
sublinhar que, em qualquer nvel, ela ocorre pela possibilidade de aceitao,
efetivada pela legitimao25. Ademais, na investigao cientfica, interessa para
Weber os problemas (ao social) que podem ter sentido e significado em
oposio ao tratamento dos fatos sociais como coisa, ou seja, algo exterior ao
indivduo e estabelecido pelo poder coercitivo, na perspectiva do positivismo.
Parece haver aqui uma ntida separao entre o tratamento
metodolgico positivista (fatos sociais como coisas em Durkheim) e o
dispositivo metodolgico utilizado por Weber - articulao entre conceitos - que
se constitui o fundamento da investigao cientfica para a sociologia
compreensiva.
Ao largo das noes operacionais e dos instrumentos analticos de
Weber, h uma questo de fundo que permeia todos os trabalhos do autor e
refere-se notadamente ao papel da cincia que ao final parece identificar-se
com o rigor metodolgico. Em Cincia como vocao (Wissenschaft Als
Beruf), Weber afirmou:
23
Disse Weber: O termo relao social ser usado para designar a situao em que duas ou mais pessoas esto empenhadas numa conduta onde cada qual leva em conta o comportamento da outra de maneira significativa, estando, portanto, orientada nestes termos. A relao social consiste, assim, na probabilidade de que os indivduos comportar-se-o de maneira significativamente determinvel. completamente irrelevante o porque de tal probabilidade, mas onde ela existe pode-se encontrar uma relao social (WEBER, 2002. p: 45). 24
Especificamente a burocracia no mundo ocidental contemporneo objeto de anlise de Max Weber, tendo como caractersticas: a materialidade (corpo de funcionrios civilmente livres), impessoalidade, hierarquia, distribuio por critrio de competncia, profissionalizao, soldo fixo, plano de carreira, separao dos meios de administrao (pblico/privado), disciplina e vigilncia administrativa, conforme exposto em Economia e Sociedade( 2000, p: 142). 25
Segundo Mas Weber, a legitimao pode ser racional-legal (fundamentada na lei e na racionalidade). Tradicional ou patrimonial (respaldada na tradio e nos costumes) e carismtica (sustentada nos atributos pessoais do mandatrio).
[...] a cincia nos fornece algo que o comrcio de legumes no nos pode, certamente, proporcionar: mtodos de pensamento. ou seja. os instrumentos e uma disciplina. Retrucaro os senhores, provavelmente, que no se trata, desta vez de legumes. Que seja. Administramo-lo, por enquanto. No chegamos ainda ao fim da jornada, felizmente. Vislumbramos a possibilidade de apontar para uma terceira vantagem: a cincia contribui para a clareza (WEBER, 2002, p. 57, grifo nosso).
Nesse ponto, ele irrefutvel. E a clareza a que se refere a
possibilidade de compreender (atribuir sentido) a complexidade das relaes
sociais num mundo em pleno desencantar. Compreender no para Weber
dar um veredito, mas sempre, possibilidades plurais.
5 MAX WEBER EM ATO PRTICO: uma breve anlise da
operacionalizao conceitual da tica protestante e do esprito do
capitalismo
O magistral estudo do capitalismo ocidental em A tica Protestante e
o Esprito do Capitalismo (Die Protestantische Ethik und der Geist des
Kapitalismus) indica passos metodolgicos e instrumentos analticos que
Weber foi construindo.
Em primeiro plano, a questo colocada por esse socilogo alemo
se encaminha para uma possvel relao de causalidade entre o
desenvolvimento do capitalismo, enquanto modo de racionalizao, modo de
relao adequada entre meios e fins, no que tange participao dos
protestantes na propriedade do capital conforme sua expresso prpria
(WEBER, 1999, p. 19). Em outros termos, questionou: [...] por que razo as
regies de maior desenvolvimento econmico foram, ao mesmo tempo,
particularmente favorveis a uma revoluo na igreja? A resposta no to
simples como se poderia pensar (WEBER, 1999, p. 20).
Em seguida, pontua pelo critrio da possibilidade objetiva, uma
tendncia que marca a relao entre protestantes e atividades racionais, ao
dizer que:
Por outro lado, impe-se o fato de que os protestantes (especialmente alguns dos seus ramos que sero discutidos mais adiante
26) tanto como classe dirigentes, como classe dirigida, seja
como maioria, seja como minoria, terem demonstrado tendncia especifica para o racionalismo econmico, que no pode ser observada entre os catlicos em qualquer uma dessas situaes. A razo dessas diferentes atitudes deve. portanto. ser procurada no carter intrnseco permanente de suas crenas religiosas, e no apenas em suas temporrias situaes externas na histria e na poltica (WEBER, 1999 p. 23, grifo nosso).
26
Trata-se do Calvinismo, Pietismo, Metodismo e as antas batistas, discutidas na Parte II do trabalho referido.
Registro que no Capitulo II de A tica Protestante e o Esprito do
Capitalismo (Die Protestantische Ethik und des Geist der Kapitalismus),
denominado O Esprito do Capitalismo, Max Weber deixa marcada a noo
de articulao entre conceitos, afirmando:
Em outras palavras, devemos desenvolver no curso da discusso, como seu resultado mais importante, a melhor formulao conceptual do que entendemos aqui por esprito do capitalismo. isto . a melhor do ponto de vista que aqui nos interessa. Certos pontos de vista estabeleceriam, tambm, para este como para qualquer outro fenmeno histrico, outras caractersticas. Resulta disso, no ser necessrio entender por esprito do capitalismo somente aquilo que vir a significar para ns, para os propsitos da nossa anlise. Isto um resultado da natureza dos conceitos histricos que tentam abarcar para suas finalidades metodolgicas a realidade histrica no em frmulas gerais abstratas, mas em conjunto genticos de relaes. que so inevitavelmente de carter individual e especificamente nico (WEBER, 1999, p. 28, grifo nosso).
Nessa passagem h uma espcie de resumo dos principais pontos
da metodologia referida sociologia compreensiva, especificadamente no que
diz respeito construo do conceito27, marca da individualidade da ao
social, para usar a terminologia dele e mais que isso, na incisiva pontuao
quanto ao carter nico de cada conceito. Weber enfatizou que a determinao
do objeto de anlise carece inicialmente de uma descrio provisria para
ento pelo recurso da construo do tipo ideal chegar o conceito ao que chama
de urna pureza quase clssica, livre igualmente dos preconceitos28. Disse:
Assim, a tentativa de determinao do objeto, cuja anlise e explanao histrica estamos tentando, no pode ser feita na forma de uma definio conceptual, mas pelo menos inicialmente, deve ser apenas uma descrio provisria do que aqui se entende por esprito do capitalismo. Tal descrio , todavia, indispensvel clara compreenso do objeto de investigao. Com esta finalidade, voltamo-nos para um documento desse esprito, que contm aquilo que procuramos numa pureza quase clssica e que, ao mesmo tempo, apresenta a vantagem de ser livre de qualquer relao direta com a religio, estando assim, para os nossos objetivos, livre de preconceitos (WEBER, 1999, p. 29, grifo nosso).
Em A tica Protestante e o Esprito do Capitalismo (Die
Protestantische Ethik und der Geist des Kapitalismus), Max Weber, em
princpio distinguiu a singularidade da racionalizao no Ocidente (que se deu
27
Ou da uma noo operacional para dar sentido e significado s demandas dos dados de pesquisa, por exemplo. 28
Note-se que os preconceitos aqui so referidos aos conceitos iniciais e provisrios, sem a devida depurao, por assim dizer, metodolgica, o que nesse caso especifico se d com a construo do tipo ideal que produz a objetivao necessria ao conceito trabalhado.
de forma completamente distinta do Oriente)29 como elemento fundamental n
entendimento do sistema capitalista ocidental.
A racionalizao no Ocidente no se limita a um setor determinado,
mas penetra no conjunto e nos interstcios da vida, exercendo uma ao
permanente (FREUND, 1979). Este o seu trao mais distintivo se proceder a
uma analogia com as demais sociedades. Quanto mais a racionalidade foi
penetrando nos meandros do mundo ocidental, mais estreita se tornou a
relao entre meios e fins em todas as instncias sociais, no s como lugar-
comum30 pensar, na esfera econmica.
Ora, essa postura rompimento das antigas formas de produo
(estritamente feudais) representou a ruptura com o tradicionalismo (formas
arbitrrias de poder) e a absoro de paradigmas racionalistas, a exemplo do
Estado racional Legal que permitiu a relao coerente entre meios e fins
(processo de racionalizao)31 em todos os setores da sociedade ocidental
moderna.
Ao lado dessas primeiras questes, ratifico que Max Weber
trabalhou metodologicamente o capitalismo segundo a construo de tipos
ideais histricos na perspectiva da categoria chamada afinidade eletiva
(Wahlverwandtschaft), que desemboca no recorte da realidade para construo
do objeto de estudo orientada pelos valores e sentido atribudos pelo indivduo.
H no capitalismo moderno (diferente dos demais capitalismos que
Weber admitiu existir) dois pontos para considerao: a racionalidade e o
fundamento tico. Nesse sentido, Weber observou em A tica Protestante e o
Esprito do Capitalismo (Die Protestantische Ethik und der Geist des
Kapitalismus) que os proprietrios do capital, pessoal tcnico comercialmente
mais especializado so preponderamente protestantes; regies de maior
desenvolvimento econmico foram particularmente favorveis a uma revoluo
na Igreja, conforme assinalado anteriormente; os catlicos denotavam maior
tendncia para permanecer no artesanato e os protestantes seriam atrados
pelas atividades fabris. Haveria uma tendncia especfica dos protestantes
para o racionalismo econmico, sendo que os catlicos no demonstravam
isso.
29
Weber em A tica Protestante e o Esprito do Capitalismo (Die Protestantische Ethik und der Geist der Kapitalismus) precisamente na parte introdutria, traa um paralelo entre as atividades no Ocidente e no Oriente, trabalhando de incio como conceito de racionalizao, que em ambas as regies assumem formas e funes particularmente distintas. 30
Lugar-comum aqui utilizado no sentido aristotlico do termo: conjunto de argumentos que se utiliza para fundamentar algo, mas que ele mesmo no argumentado. 31
Convm lembrar o raciocnio weberiano da relao entre racionalidade e clculo, ou seja: Na medida em que todas as operaes so racionais, toda ao L2dividual das partes baseada em clculo (WEBER, 1999. p: 5).
Aqui se encontra, talvez, o escopo da anlise do capitalismo em
Weber: que relao existe entre racionalidadeprotestantismo capitalismo,
enquanto elementos presentes na sociedade ocidental moderna, de tal forma
intrinsecamente ligados, que perderia todo o conjunto de argumentaes,
separ-los?
Para explicar as conexes entre o protestantismo e o capitalismo,
Max Weber destacou, de incio, o prottipo do capitalista, B. Franklin
(apresentado nas modificaes necessrias para funcionar, por assim dizer,
como um tipo ideal) e suas sentenas que redundam no esprito do
capitalismo, a saber, a maneira de pensar e agir do capitalista, que calcula
gastos e lucros de forma inteiramente racional. Por exemplo:
Lembra-te que tempo dinheiro. Aquele que pode ganhar dez xelins por dia de seu trabalho vai passear (...) embora no despenda mais que seis pences durante seu divertimento (...), no deve computar apenas essa despesa: gastou, na realidade, ou melhor, jogou fora, cinco xelins a mais (WEBER, 1999, p.29, grifo nosso).
Nessa passagem, est o elemento fundamental do capitalismo, a
racionalidade, que em caso contrrio, implicaria em prejuzo (jogou fora cinco
xelins). Max Weber entendeu a tica protestante (comportamento dirigido
pelos princpios do calvinismo) como elemento fundamental no
desenvolvimento capitalista e suas organizaes institucionais.
A concepo de vida estabelecida a partir do trabalho forma
fundamental de salvao do homem o chamado esprito do capitalismo.
Weber utilizando-se da categoria da possibilidade objetiva, aps estudar as
seitas metodista, calvinista e batista, entendeu que o calvinismo foi quem
revelou de forma mais acentuada o esprito do capitalismo, justamente por
conter maiores afinidades no que diz respeito organizao racional do
capitalismo, principalmente na questo vinculada ao trabalho organizado e
produtivo.
Max Weber considerou a classe capitalista como portadora do
esprito aquisitivo e racionalidade necessrias para compor o sistema
capitalista. No entendeu, diferente de Marx, a dmarche capitalista como
prolongamento direto do progresso32 das foras produtivas do medievo, mas a
partir de valores e impulsos psicolgicos33 presentes na modernidade,
32
Weber no aceitava a noo de direo progressiva da Histria, ou como um conjunto de causas sequenciadas ou modos de produo: a histria para Weber no possua um sentido imanente, sendo ela mesma diferente da natureza. 33
Os princpios do Calvimismo, por exemplo, tiveram excelentes argumentos que, pela sua coerncia, funcionaram corno uma ideologia de grande penetrao psicolgica, intervindo, inclusive, no modo de ao social E ainda, em nota n 10 do Capitulo II de A tica Protestante e o Esprito do Capitalismo (Die Protestantische Ethik und der Geist des Kapitalismus, Weber afirmou que: O principal ponto de diferena (antecipando-nos na discusso) est no fato de uma tica baseada na religio prev certas sanes psicolgicas (no de carter econmico) referentes manuteno da atitude prescrita por ela, sanes que, enquanto permanecer viva
conforme anlise da tica protestante e sua estreita relao com o esprito do
capitalismo.
O corte epistemolgico nos valores individuais, na conduta racional
do Ocidente e nos nexos causais entre atividade capitalista e protestantismo,
permitiu a construo de tipos ideais especficos para a questo o
Capitalismo e tica Protestante - que, conforme se presta tal procedimento,
confere aos conceitos provisrios iniciais um conceito histrico resultante da
investigao proposta de acordo com o protocolo da sociologia compreensiva.
6 CONCLUSO
Max Weber (1864-1920) um autor clssico, assim, atual. Atual
porque a sociedade, ainda que no mais a mesma do fim do sculo XIX, tem
com ela uma relao de ambiguidades, contradies, continuidades e
descontinuidades, mantendo, em algumas questes, o fundamento das
perguntas que j estavam sendo gestadas ali.
O arcabouo metodolgico construdo por Max Weber tem muito a
ensinar. Seu legado comea na possibilidade de pensar a Cincia como um ato
prtico, como o afirmou ao despoj-la de qualquer contedo a priori ou de
contingncias, quaisquer que seja. Ela resultado do empreendimento prtico
do cientista, no de especulaes aleatrias.
A tica Protestante e o Esprito do Capitalismo (De
Protestantische Ethik und der Geist des Kapitalismus) remete a duas questes:
primeiro: faz parte da composio metodolgica weberiana o exaustivo trabalho
de pesquisa documental, a exemplo da numerosa quantidade de notas do
autor34, exatamente 398 no total, indicando a preocupao com a importncia
das fontes de pesquisa e dilogos diretos e implcitos com autores diversos.
Em segundo lugar a prpria diviso do trabalho sugere uma postura
metodolgica significante: a utilizao inicial do termo problema que indica a
relevncia da construo hipottica e a expresso tarefa da investigao
sinaliza para a atividade prtica que a pesquisa. Ainda, h de se aprender
com Max Weber a utilizao de um rico conjunto de tcnicas de pesquisa, a
exemplo da observao e da compreenso (enquanto a ao social provida
de sentido e valores) e da adoo de metodologias tanto quantitativa quanto
histrica. No entanto, a anlise empreendida por Max Weber ao tipo ideal
construdo para dar conta das relaes sociais modernas o Capitalismo
perdeu, por assim dizer, conexes importantes, inclusive com a realidade
a crena religiosa, so altamente eficientes, e que simples sabedorias cotidianas como a de Alberti no tem a seu dispor. (WEBER, 1999, p. 143) 34
Penso que as notas de rodap so uma espcie de testamento do pesquisador, uma burla tradio escolstica do enclausuramento das etapas de raciocnio e do dever de socializar as reflexes.
histrica, ao utilizar o mtodo individualizante que recorta a realidade de modo
limitado, sem atentar para o que Nobert Elias (2001) chamou de rede de
interdependncias como um dos atributos das relaes entre indivduos.
Nesse sentido, Max Weber, ao encontrar uma justificativa moral a
tica protestante, notadamente - para o capitalismo, com base nos seus
prprios valores e qui, seus demnios35 , como o diz, caiu na armadilha que
tanto alertou com certa insistncia: os valores polticos acabaram por se
confundir com os valores do cientista. Separao que Weber defendia
peremptoriamente. Na prtica da investigao, das reflexes, se tornou um
hiato como ele mesmo demonstrou, em alguns momentos.
Contudo, a Cincia feita de incongruncias e dela so
aproveitadas todas as lies. O sentido da pesquisa valer-se dos acertos,
mas acima de tudo das inconfidncias de cada um dos tericos.
MEANINO AND VALUE OF THE COMPREHENSIVE SOCIOLOGY
OF MAX WEBER
ABSTRACT
It analyses the method of comprehensive sociology of Max
Weber to refer to the study of the society and the relation
of current sociability. It draws some analytics categories
built by Weber, with the worry al contributing to the
methodological support basis of concepts activated by the
public policy analysis. lt points the relation between the
author and his historical time, his timing limits and
intellectual and cultural indications. It underlines with
some methodological references of comprehensive sociology,
specially the one called ideal as the process of scientific
validation on Weber investigation. It takes the criteria of
rationality as the basis of the analysis of capitalism and
the capitalist society. It underlines the methodological
question of operational notions for the specific study of
the capitalism system by Max Weber.
Key words: Comprehensive sociology. Weber Method.
Values. Capitalism. Rationality. Ideal types.
35
Refere-se passagem de Weber: Carece agir de outra forma, entregar-se ao trabalho e responderas exigncias de cada dia - tanto no campo da vida comum, quanto no campo da vocao. Se cada um encontrar e obedecer ao demnio que tece as teias de sua vida, esse trabalho ser simples e fcil (WEBER, 2002, p: 58) (grifos meus).
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