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SENTIDO E VALOR DA SOCIOLOGIA COMPREENSIVA DE MAX WEBER Maria de Fátima da Costa Gonçalves 1 RESUMO Analisa-se o método da sociologia compreensiva de Max Weber para referenciar o estudo da sociedade e das relações de sociabilidade contemporânea. Esboçam-se algumas das categorias analíticas construídas por Weber, com a preocupação em contribuir para base de sustentação metodológica de conceitos acionados pelas análises das políticas públicas. Indicam-se a relação entre o autor e o seu tempo histórico, seus limites temporais e indicativos culturais e intelectuais. Pontua-se com algumas referências metodológicas da sociologia compreensiva, notadamente o tipo ideal como processo de validação científica da investigação weberiana. Toma-se o critério da racionalidade como fundamento da análise do capitalismo e da sociedade capitalista. Sublinha-se a questão metodológica das noções operacionais para o estudo específico do sistema capitalista por Max Weber. Palavras-chaves: Sociologia Compreensiva. Método Weberiano. Valores. Capitalismo. Racionalidade. Tipos Ideais. 1 INTRODUÇÃO “A função da ciência é, a nosso ver, exatamente contrária: transformar em problema o que é evidente por convenção” (WEBER, 1995, p: 370). O nascimento das ciências sociais é coetâneo ao capitalismo enquanto sistema econômico e modo de vida. São contemporâneos ao reordenamento social da Europa, cujo ponto de partida é a metade do século XIX. Muito antes, as ciências da natureza e as ciências físicas já tinham atributos próprios e legitimidade no campo intelectual, o que lhes conferia posição de reconhecimento e de autoridade legitimas 2 . A sociologia nasceu como uma tentativa de explicar, classificar 3 e reconhecer o mundo social e suas relações a partir dos procedimentos 1 Professora do Departamento de Educação II e aluna do Curso de Doutorado do Programa de Pós-Graduação em Políticas Públicas da Universidade Federal do Maranhão. 2 Utilizaram-se as formulações de Pierre Bourdieu no que diz respeito às categorias de campo intelectual, espaço social e propriedades de posição dos agentes sociais, na tentativa de demarcar uma análise para a questão das ciências sociais que no século XIX buscam firmar sua legitimidade pela apropriação do método e dos procedimentos das ciências naturais e exatas já consagradas enquanto tais.

Sentido e Valor Da Sociologia Compreensiva de Max Weber

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Max Weber, Metologia sociológica

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  • SENTIDO E VALOR DA SOCIOLOGIA COMPREENSIVA DE MAX WEBER

    Maria de Ftima da Costa Gonalves1

    RESUMO

    Analisa-se o mtodo da sociologia compreensiva de Max Weber para

    referenciar o estudo da sociedade e das relaes de sociabilidade

    contempornea. Esboam-se algumas das categorias analticas

    construdas por Weber, com a preocupao em contribuir para base

    de sustentao metodolgica de conceitos acionados pelas anlises

    das polticas pblicas. Indicam-se a relao entre o autor e o seu

    tempo histrico, seus limites temporais e indicativos culturais e

    intelectuais. Pontua-se com algumas referncias metodolgicas da

    sociologia compreensiva, notadamente o tipo ideal como processo de

    validao cientfica da investigao weberiana. Toma-se o critrio da

    racionalidade como fundamento da anlise do capitalismo e da

    sociedade capitalista. Sublinha-se a questo metodolgica das

    noes operacionais para o estudo especfico do sistema capitalista

    por Max Weber.

    Palavras-chaves: Sociologia Compreensiva. Mtodo Weberiano.

    Valores. Capitalismo. Racionalidade. Tipos Ideais.

    1 INTRODUO

    A funo da cincia , a nosso ver, exatamente contrria: transformar em

    problema o que evidente por conveno (WEBER, 1995, p: 370).

    O nascimento das cincias sociais coetneo ao capitalismo

    enquanto sistema econmico e modo de vida. So contemporneos ao

    reordenamento social da Europa, cujo ponto de partida a metade do sculo

    XIX.

    Muito antes, as cincias da natureza e as cincias fsicas j tinham

    atributos prprios e legitimidade no campo intelectual, o que lhes conferia

    posio de reconhecimento e de autoridade legitimas 2.

    A sociologia nasceu como uma tentativa de explicar, classificar3 e

    reconhecer o mundo social e suas relaes a partir dos procedimentos

    1 Professora do Departamento de Educao II e aluna do Curso de Doutorado do Programa de

    Ps-Graduao em Polticas Pblicas da Universidade Federal do Maranho. 2 Utilizaram-se as formulaes de Pierre Bourdieu no que diz respeito s categorias de campo

    intelectual, espao social e propriedades de posio dos agentes sociais, na tentativa de demarcar uma anlise para a questo das cincias sociais que no sculo XIX buscam firmar sua legitimidade pela apropriao do mtodo e dos procedimentos das cincias naturais e exatas j consagradas enquanto tais.

  • daquelas cincias j seculares e historicamente construdas sob o princpio da

    exatido e da objetividade.

    Foi longo o caminho de construo do estudo da sociedade e das

    suas relaes luz da cincia. O estatuto positivista construdo por Auguste

    Comte e refinado, metodologicamente, por mile Durkheim foi referncia

    fundamental, convivendo em grandes embates nos meados finais do sculo

    XIX com o aporte terico- metodolgico do materialismo dialtico de Karl Marx.

    No final do sculo XIX, Max Weber fundou a sociologia compreensiva.

    O presente trabalho tenta contemplar uma anlise, ainda que

    pontual, do mtodo da sociologia compreensiva de Max Weber (1864-1920)

    que uma das referncias para pensar questes pertinentes ao estudo da

    sociedade e das relaes de sociabilidade contempornea. Este ensaio

    dissertativo tenta desenhar algumas das categorias analticas construdas por

    Weber.

    O esboo que apresento tem por objetivo primeiro realar a

    construo das categorias metodolgicas do estatuto weberiano de forma que

    possa contribuir para a reflexo acerca da investigao cientfica, sobremaneira

    quanto se trata muito mais de entender as formas de operacionalizao das

    categorias de um cnon do que propriamente empreg-las furtivamente.

    evidente, certamente no tenho a pretenso de contemplar por inteiro a

    complexa elaborao metodolgica de Max Weber. No entanto, a partir do

    trabalho A tica Protestante e o Esprito do Capitalismo (Die Protestantische

    Ethik und der Geist des Kapitalismus), sublinho que ali os conceitos se

    articulam e articulam um modelo explicativo ao que foi reflexo comum aos

    pais fundadores da sociologia (Durkheim, Max e Weber): o capitalismo

    moderno. Tambm ressalto uma questo que perpassa esta reflexo: de que

    forma - metodologicamente falando - Max Weber construiu parmetros

    analticos to plurais e que concernem ao estudo que discutem tambm

    esferas diversas, tais como, dominao poltica, tica e cincia, capitalismo e

    religio, racionalidade e desencantamento do mundo?

    No ser possvel (nem desejvel) haver um esgotamento nas

    abordagens, mas quero enfatizar algumas dimenses dos conceitos

    sociolgicos de Max Weber, balizando alguns pontos do seu mtodo de

    pesquisa. Busco registrar um esboo do legado da sociologia compreensiva

    3 Refinada metodologicamente por Durkheim, a sociologia nascida sob a marca de Auguste

    Comte, tinha como um dos pressupostos que a taxionomia e ordenamento do mundo social resultam da classificao instituda pelos homens. Juntamente com Marcel Mauss em Algumas formas primitivas de classificao tentaram estabelecer a generalidade quanto aos tipos de classificao, a partir do estudo de cls e fratrias referidas a um totem de tribos australianas. Esse contributo no domnio das Cincias Sociais tem como fundamento a noo de que a classificao das coisas reproduz a classificao dos homens e so sistemas de noes hierarquizadas, destinadas a ligar as ideias entre si, a unificar o conhecimento (DURKHEIM e MAUSS. 1998).

  • para a atividade de pesquisa. Procuro em Max Weber a lio que marca a

    investigao cientfica como ato prtico4.

    Num primeiro plano, indico a relao entre o autor e o seu tempo

    histrico, seus limites temporais e indicativos culturais e intelectuais, o que

    desemboca numa anlise sucinta da Alemanha bismarckiana do final do

    sculo XIX que tanto falou a Weber. Estruturo uma anlise sobre a demarcao

    que Weber procedeu entre as cincias naturais e as cincias da cultura porque

    um ponto distintivo da sua concepo de cincia. No momento seguinte,

    pontuo com algumas referncias metodolgicos da sociologia compreensiva,

    notadamente o tipo ideal que , por assim dizer, o cone do processo de

    validao cientfica da investigao weberiana. E ainda, tomo o conceito de

    racionalidade, to caro a Weber, como fundamento da anlise do capitalismo e

    da sociedade capitalista, tentando sublinhar a questo metodolgica e de que

    forma esse conceito funcionava como noo para articular as relaes dessa

    sociedade especfica.

    2 O HOMEM E SEU TEMPO: Max Weber na Alemanha novecentista

    O arcabouo metodolgico-conceitual de Max Weber (Alemanha,

    1864-1920) um primado cientfico na rea das Cincias Sociais, que se

    revigora e sustenta parte do debate travado no campo intelectual5. Conceitos6

    tais como racionalidade, tipo ideal, capitalismo, burocracia e dominao

    atinentes sociologia compreensiva so os pontos focais da sua anlise.

    Max Weber foi um homem do seu tempo. Vivendo na Alemanha no

    final do sculo XIX sob um Estado de nuana burocrtica, governada por Otto

    von Bismarck7 e recm-unificada, aps longo perodo de fragmentao poltica

    e territorial.

    Estava a Alemanha regida por um capitalismo de bases industriais,

    ainda que a burguesia alem no houvesse conseguido superar a hegemonia

    4 Refiro-me, sobretudo, ao uso operacional das categoriais de forma consciente, desejvel pelo

    pesquisador e apropriadas quelas questes que constroem o objeto de estudo. 5 Utilizei aqui a noo operacional de campo intelectual (BOURDIEU, 1968) para delimitar mais

    nitidamente a questo do embate travado pela construo dos conceitos e vises de mundo que os agentes sociais estabelecem para explicar e classificar o mundo social. 6 Conforme a instruo do socilogo Gabriel Cohn: Na posio estritamente metodolgica

    assumida por Weber o conceito o instrumento que o pesquisador forja para ordenar um segmento da realidade e construir o seu objeto. Entre o conceito e o real estabelece-se uma enftica separao (COHN, 1979, p. 116). 7 Pertencente a urna famlia tpica de junkern (aristocratas rurais da Alemanha), em 1862 foi

    nomeado primeiro-ministro e ministro dos Negcios Estrangeiros de Guilherme I da Prssia. Liderou o movimento de unificao alem e o estabelecimento do Imprio (II Reich). Entre 1870 e 1890 Bismarck liderou a poltica internacional europeia, aps um perodo de anexaes territoriais e domnio poltico. Na poltica interna, as chamadas aes de cunho protecionista (leis de acidente de trabalho, reconhecimento dos sindicatos, o seguro de doena, invalidez ou acidente. por exemplo) no so totalmente admitidas pelo Reichstag. Entre 1872 e 1880, Bismarck lidera a chamada Kulturkampf (luta pela cultura) com forte oposio da Igreja Catlica.

  • dos grandes senhores rurais e estabelecer um forte movimento operrio. A

    consolidao do Estado nacional na Alemanha era a pedra de toque na

    questo poltico-social de Max Weber, sendo inclusive ele signatrio do Acordo

    de Weimar8.

    A incipiente sociedade industrial testemunhada por Weber, o

    contexto poltico, econmico e tico o Luteranismo forneceram ao

    pensador rico material de anlise. Entretanto, o conjunto da construo terica

    de Weber rompe, por assim dizer, com as noes usuais de interpretao da

    vida alem ao atentar para o papel especfico das cincias da cultura, a qual,

    por ser complexa e tensa em alguns pontos, exige minuciosa anlise, embora

    nunca seja ela mesma em si esgotada.

    Os trabalhos de Weber resultaram da preocupao em elucidar sob

    o ponto de vista conceitual-metodolgico, as questes da sociedade europeia

    em fin-de-sicle9, especialmente a alem. Partindo do ponto de que esses

    trabalhos revelam uma complexa urdidura terico-metodolgica, oportuno

    considerar-se que, no arcabouo cientfico do autor, no h lugar para snteses

    a priori ou doutrinas pr-concebidas.

    No conjunto de anlises sociolgicas e polticas10 de Max Weber

    mais significativas podem ser destacados os trabalhos histricos como o que

    versa sobre a agricultura no mundo antigo11, Cincia como vocao

    (Wessenschaft Als Beruf), Poltica como vocao (Politik Als Beruf),

    trabalhos de sociologia da religio que tem como cone A tica Protestante e o

    Esprito do Capitalismo (Die Protestantische Ethik und der Geist des

    Kapitalismus12) e o tratado de sociologia geral denominado de Economia e

    Sociedade (Wirtschaft und Geseiischaft), considerado a obra-prima do autor.

    8 Weber participou da redao da Constituio da Repblica de Wemiar em 1919, integrando o

    corpo de assessores da delegao de paz alem em Versalhes, tambm em 1919 (CONH, 1997, p. 9). 9 No que diz respeito postura poltica de miIe Durkhem, assinalo como fundamental a

    preocupao em superar o vazio moral da III Republica Francesa. 10

    Dirigiu juntamente com Wemer Sombart e Edgar Jaff o Arquivo para a cincia social e poltica social (Archiv fur Soziaiwissenschaft und Soziaipolitik) que era uma publicao de grande substancia intelectual e referida s principais polemicas no campo intelectual na poca. Para ilustrar, o aclamado artigo A objetividade do conhecimento na cincia social e na cincia poltica de 1904, em que Weber discute o critrio de objetivao nas cincias sociais, como critrio de validade cientfica. 11

    A histria agrria de Roma e sua importncia para o Direito Pblico e Privado( 1891) trata dessa questo. 12

    Alguns trabalhos e conceitos em Weber vm procedidos pelos respectivos designativos em alemo na tentativa de realar a dificuldade, no momento da traduo, de termos que correspondam fielmente s construes do autor.

  • 3 DAS CINCIAS NATURAIS S CINCIAS DA CULTURA: uma passagem

    necessria

    A questo que pode ser o indicativo mais significativo do conjunto

    dos trabalhos de Max Weber o processo de racionalizao da cultura

    ocidental, conforme a prpria argumentao acima, que destaca a

    racionalidade referida a fins (Zweckrationale Deutung). Esse processo o seu

    objeto de estudo.

    Weber refutou a razo dedutiva medieval e se conduziu pela via da

    razo indutiva moderna. O ponto de partida da sociologia weberiana o

    principio de que o conhecimento parcelado, parcial, social e culturalmente

    definido e valorativamente orientado. Em outras palavras, a cultura e a

    sociedade interferem na percepo e, assim, a cincia no um tratado

    taxionmico e acabado. No o porque quem a faz o homem e ele

    portador de valores e tem uma finitude, por assim dizer, um limite, enquanto

    uma mente que tem a capacidade de apreender o mundo real. O conhecimento

    assim parcelar, resultado dos recortes ajuizados pelos valores do individuo.

    Como o diz: [...] todo indivduo histrico est arraigado, de modo logicamente

    necessrio, em ideias de valor (WEBER, 1999, p. 130).

    Weber dialoga com os diversos com autores de distintas

    concepes13, no obstante haja influncias mais acentuadas como Friedrich

    Nietzsche, Heinrich Rickert e Wilhelm Dilthey.

    O trabalho Limites da conceituao cientfico-natural (Grenzen der

    Naturwissenschaftichen Begnffsbildung) de Heinrich Rickert o possvel ponto

    de partida para a construo metodolgica de Weber, que aproveita a ideia da

    relao com os valores (Wertbezienhun) como fundamento das cincias sociais

    e histricas14. Em outros termos: os valores15 seriam um critrio de seletividade

    na construo do objeto de conhecimento.

    Em Wilhelm Dilthey, o ponto fundamental que marca a influncia em

    Weber a noo do chamado sentido que amplia o entendimento e possui um

    carter essencialmente histrico, no fugindo do complexo conjunto das

    cincias culturais to caras aos alemes.

    Em Friedrich Nietzsche, h duas injunes pontuais: anlise das

    formas de construo dos valores (este um dos vetores da epistemologia

    13

    Em A tica Protestante e o Esprito do Capitalismo (Die Frorestanfische Ethik und der Geist des Kapitalismus) h um dilogo explicito com W. Sombart, autor de Der Moderne kapitalizinus sobre a gnese do capitalismo e sua relao com as chamadas economia da necessidade e a aquisio, para sublinhar a questo do que Weber denominou de tradicionalismo econmico. 14

    Para atingir a chamada objetividade cientifica, Rackert acreditava na existncia de certos valores universais liberdade, verdade, etc posio no compartilhada por Weber. 15

    Destaco que: [...] as ideias de valor so subjetiva (WEBER, 1999, p. 133) para acentuar o principio da construo da cultura e dos valores pelo indivduo.

  • weberiana) e a noo de caos da sociedade moderna, ou seja: a desordem da

    sociedade e sua consequente fragmentao face aos valores excessivamente

    cristos, conforme apontou o filsofo alemo em A Genealogia da Moral:

    Ora, para mim est na palma da mo, primeiramente, que essa teoria procura o foco prprio do surgimento do conceito bom no lugar errado e ali o pe: o juzo bom no provm daqueles a quem foi demonstrada bondade. Foram antes os bons, eles prprios, isto , os nobres, poderosos, mais altamente situados e de altos sentimentos, que sentiram e puseram a si mesmos e a seu prprio fazer como bons, ou seja, de primeira ordem, por oposio a tudo que inferior, de sentimentos inferiores, comum e plebeu. Desse pathos da distncia que tomaram para si o direito de criar valores. de cunhar nomes dos valores: que lhes importava a utilidade! (NIEZTCHE, 1974, p. 306, grifo nosso).

    Max Weber faz uma distino radical entre Cincias da Natureza e

    Cincias da Cultura, as quais tm requisitos metodolgicos prprios. Enquanto

    as primeiras tentam explicar os fatos, comportando leis especficas, as

    segundas se orientam pela probabilidade de compreender o sentido da ao e,

    portanto, no admitir leis enunciativas. Nas Cincias da Natureza as relaes

    so de necessidade, nas Cincias da Cultura16 as relaes so de

    probabilidade, uma vez que no h relaes de causa e efeito, como naquelas

    manifestamente naturais. Este o cerne da sociologia compreensiva.

    Ao indicar sociologia compreensiva como resultado dessa

    preocupao em demarcar limites especficos tanto quanto aos conceitos como

    instrumentos operacionais das cincias da natureza e das cincias da cultura,

    Weber afirmou:

    A sociologia compreensiva. entretanto, no se interessa pelos fenmenos fisiolgicos e pelos anteriormente chamados fenmenos psicofsicos [...], tampouco se interessa pelos dados fsicos brutos... Pelo contrrio, estabelece diferenas da ao conforme referncias tpicas. providas de sentido (sobretudo referncias ao exterior)[...] (WEBER, 1995, p. 315, grifo nosso).

    Na inquietao de Weber com a compreenso do processo de

    racionalizao do Ocidente, como objeto de estudo primeiro, sublinho que os

    valores so parte indissociveis dos agentes sociais, dos sujeitos do

    16

    Importa destacar neste intermdio do debate que reala a noo de cultura (kultuz) e por extenso de civilizao (zivilisation) a tenso e complexidade que encerra. Norbert Elias no trabalho O processo civilizador disse: Franceses ou ingleses podero talvez dizer ao alemo que elementos tornam o conceito de civilizao mais razovel e racional que este conceito lhes parea, mas tambm nasce de um conjunto especifico de situaes histricas, e est cercado tambm por uma atmosfera emocional e tradicional difcil de definir, mas que apesar disso constitui parte integral de seu significado. E a discusso descamba realmente para a inutilidade quando o alemo tenta demonstrar ao francs e ao ingls porque o conceito de Zivilisation de fato representa para ele um valor, embora apenas de segunda classe.(ELIAS, 1994, p. 21).

  • conhecimento17. Para o autor no haveria lugar na Cincia para a neutralidade

    axiolgica promulgada pelos positivistas. Ele enfatizou:

    Primeiro, gostaramos de questionar a opinio dos partidrios da neutralidade axiolgica, para os quais a mera instabilidade histrica e individual das tomadas de posio valorativas prevalecentes tem apenas o carter necessariamente subjetivo da tica, por exemplo(WEBER, 1995, p. 370, grifo nosso).

    No estatuto weberiano, os valores cumprem com as seguintes

    funes bsicas nos vrios nveis de investigao cientfica (LOWY, 1994):

    orientam a escolha do objeto de conhecimento; orientao a direo da

    investigao emprica; selecionam o que ou no importante; determinam

    igualmente a formao do aparelho conceitual utilizado e, ainda, fornecem a

    problemtica (Fragestellung) da pesquisa. Os valores, assim, so, com efeito,

    mecanismos de seletividade do objeto a serem construdos.

    Assinalo que os valores (Wertbezienhun) na concepo de Max

    Weber so mecanismos de seletividade do objeto a ser construdo, uma vez

    que no h como abranger o todo simultneo de uma realidade, por assim

    dizer, na sua plena extenso, posto que ela mesma fragmentada,

    fragmentria e catica. Logo, o conhecimento para Max Weber no uma

    reproduo ipsis litteris da realidade social tampouco, o esgotamento do real.

    Sentido e significado conferem vitalidade ao conhecimento. E eles so

    resultados do processo de articulaes conceituais que distintiva na

    sociologia compreensiva.

    Igualmente marcante no arcabouo terico-metodolgico weberiano

    a racionalidade como trao distintivo das sociedades ocidentais em

    contraponto com o Oriente. A racionalidade em Weber pontua o critrio da

    validade cientifico18, um conceito que o permite exercitar o recurso da

    analogia. Ao mesmo tempo, a racionalidade como atributo do mundo ocidental

    representa o desencantamento do mundo (Entzauberung der Welt)

    abordagem clssica feita por Niesztche, Rilke e Heller, ou seja: o fim dos

    aspectos mgicos e mticos do mundo social pelo processo dessa

    racionalidade.

    Em A tica Protestante e o Esprito do Capitalismo (Die

    Protestantische Ethik und der Geist des Kapitalismus , o autor, na parte

    introdutria do trabalho, referindo-se relao entre o capitalismo e as formas

    de organizao administrativa e jurdica no Ocidente, afirmou:

    17

    Chamo ateno para a necessria distino entre sujeito emprico e sujeito do conhecimento (GONALVES, 2004). 18

    A ausncia de racionalidade no Oriente, segundo Weber, importa na ideia de ausncia da cincia nessas civilizaes, conforma trata a lntroduo de A tica Protestante e o Esprito Capitalista: Apenas no Ocidente existe a cincia num estagio de desenvolvimento que atualmente reconhecemos como vlido (WEBER, 1999, s/p]

  • Entre os fatores de importncia incontestvel, encontram-se as estruturas racionais do direito e da administrao. Isto porque o moderno capitalismo racional baseia-se, no s nos meios tcnicos de produo. como num determinado sistema legal e numa administrao orientada por regras formais. (...). Esse tipo de direito e de administrao foram vlidos para a atividade econmica, em grau de relativa perfeio. somente no Ocidente. Deve-se perguntar agora onde que se originou esse Direito. (...) Foras inteiramente diversas tambm atuaram no seu desenvolvimento. Se no, por que no fizeram os mesmos interesses capitalistas na China ou na ndia? Por que l no alcanou o desenvolvimento cientfico, artstico, poltico ou econmico. o mesmo grau de racionalizao que peculiar no Ocidente?

    Porque em todos os casos citados, trata-se do racionalismo

    especfico e peculiar da cultura ocidental(WEBER, 1999,10-11, grifo nosso).

    Weber em uma passagem de Cincia como vocao

    (Wissenschaft Ais Beruf) faz uma espcie de catarse, num pleno momento de

    admisso desse desencantamento (Entzauberun) como a consequncia do

    processo de racionalizao:

    O fim precpuo de nossa era, caracterizada pela racionalizao, pela intelectualizao e, principalmente pelo desencantamento do mundo levou os homens a banir da vida pblica os valores supremos e mais sublimes. Esses valores encontraram refugio na transcendncia mstica ou na fraternidade das relaes diretas e recprocas entre indivduos isolados (WEBER, 2002, p. 59, grifo nosso).

    Diga-se, uma espcie de mea culpa antecedente e antecipada das

    consequncias, que os valores essencialmente racionais imputariam

    complexa sociedade moderna. Uma cumplicidade com o desencantamento

    nietszchiano.

    4 OBJETIVAO NAS CINCIAS SOCIAIS como o tendo de Aquiles da

    pesquisa: a possibilidade de resoluo pelo tipo ideai como operao

    metodolgica

    Tomei por base, num primeiro momento, que Weber partiu da

    temtica dos valores como fundamento das cincias sociais e histricas. A

    relao da cincia com os valores (Wertbezienhung) reala a preocupao do

    autor com a impossibilidade de uma anlise diretamente objetiva da vida

    cultural ou dos fenmenos sociais. Por outro lado, a Cincia sob a tica de Max

    Weber, para ter sua validade assegurada, sem precipitaes de primeira ordem

    (construes a priori, respostas imediatas e simplistas) est referida aos

    critrios de validao instrumentos metodolgicos quais sejam: o tipo

    ideal - que delimita o objeto e a possibilidade objetiva que imputa

    causalidade ou nexos causais ao problema investigado.

    Na tentativa de acurar a anlise e marcar a posio metodolgica de

    Weber para pensar a relao das dimenses do real, chamo ateno para o

    fato de que, para ele, as esferas das aes humanas so autnomas, isto :

  • Em nenhum domnio dos fenmenos culturais pode a reduo unicamente a

    causas econmicas ser exaustiva, mesmo no caso especfico dos fenmenos

    econmicos (WEBER, 1979, p. 86).

    Weber indicou que a interpretao econmica no parte s da

    essencialidade dos fatos econmicos (instituies deliberadamente voltadas

    para fins econmicos), mas tambm esses fatos podem ser economicamente

    relevantes ou economicamente condicionados.19 Isso implica num contraponto

    ideia de determinao econmica em ltima instncia. Na anlise dos

    fenmenos sociais, o fator ou esfera econmica nem sempre pode determinar

    sua elucidao ou ligar- se irrestritamente a essa esfera.

    Por outro lado, a sociologia compreensiva de Max Weber tem como

    fundamento o indivduo, uma vez que o coletivo no se constitui valor em si ou

    porta valores que do significado ao comportamento. Essa prerrogativa ltima

    do indivduo segundo Max Weber. Sendo assim, os conceitos coletivos s

    podem ser compreendidos sociologicamente a partir das relaes

    estabelecidas pelas condutas individuais. Aqui, grafo o significado do ato de

    compreender (Verstehen)20 como vetor metodolgico e terico em Weber e

    afeto a um conhecimento nomolgico - regularidades - assim como,

    construo de tipos (CONH, 1979, p: 81). Assim, pois:

    Compreender significa, pois, em todos estes casos [compreenso direta emprica do significado de um dado ato, compreenso explicativa]

    21 compreenso interpretativa de: a) casos concretos

    individuais, como por exemplo, na anlise histrica; b) casos mdios, isto , estimativas aproximadas, como na analise sociolgica de massa; c)um tipo de construo cientificamente formulado de ocorrncia frequente (WEBER, 2002, p. 16, grifo nosso).

    H no cnone weberiano uma tenso verificada no nvel da

    chamada objetividade. Alguns analistas dos seus trabalhos questionam se ele

    no convergiu para o positivismo (LWY, 1994), quanto ao postulado da

    neutralidade axiolgica das cincias sociais. Weber trabalha com a objetivao

    (validao da pesquisa pela construo de um instrumento especifico, o tipo

    ideal) e no como a objetividade sendo ela mesma, em Weber, um valor e no

    um critrio ou instrumento de rigor metodolgico. Isto marca sua distncia dos

    procedimentos positivistas.

    O ponto essencial que talvez faa diferena a construo do tipo

    ideal como forma de objetivar, isto , construir cientificamente, os problemas da

    sociedade ocidental, tal como Weber afirmou: [...] podemos representar e

    19

    O aprofundamento desta questo sugere a leitura de A objetividade do conhecimento nas cincias sociais (WEBER, 1995). 20

    Na anlise de Aron (1999, p: 491): Segundo Mar Weber, a sociologia s cincia da ao social, que ele quer compreender interpretando, e cujo desenvolvimento quer explicar socialmente. 21

    Inseriu-se a explicao, como em outras citaes, para melhor compreenso do argumento de Weber.

  • tomar compreensvel pragmaticamente entre a natureza particular dessas

    relaes mediante um tipo ideal (WEBER, 1979, p. 105, grifo nosso).

    O tipo ideal um modelo provisrio, construdo por Weber, com o

    objetivo de promover o rigor conceitual nas Cincias Sociais, posto que as

    variaes do seu contedo significativo alteram de uma poca a outra.

    Para preservar a validade cientfica da pesquisa, evitando-se

    oscilaes pessoais de conceito, ele elaborou o dispositivo, por assim dizer, do

    tipo ideal que pode ser resumido como um conjunto de conceitos que o

    cientista social constri unicamente para fins de pesquisa. Como

    metodologicamente obter esse tipo ideal? Ensinou Weber:

    Obtm-se um tipo ideal mediante a acentuao unilateral de um ou de vrios pontos de vista, e mediante encadeamento de grande quantidade de fenmenos isolados dados, difusos e discretos, que se podem dar em maior ou menor nmero ou mesmo faltar por completo. (...) Torna-se impossvel encontrar empiricamente na realidade esse quadro. na sua pureza conceitual, pois trata-se uma utopia.(WEBER, 1979, p. 106 (grifo nosso).

    A construo do tipo ideal supe a noo de tomar o sentido de um

    conjunto de traos comuns (tipo mdio) ou de estilizar, caricaturar elementos

    caractersticos ou tpicos, a exemplo da figura de B. Franklin, presente em A

    tica Protestante e o Esprito do Capitalismo (Die Protestantische Ethik uad

    der Geist des Kapitalismus), como o tipo ideal do capitalista, j submetido a um

    processo de aumento, exagero e ampliao.

    Como instrumento de medida22 (FREUND, 1987), o tipo ideal

    permite formar julgamentos de imputao causal, ou seja, pelo estabelecimento

    de nexos causais, como acentua o autor em 1913 ao escrever Sobre algumas

    categorias da sociologia compreensiva:

    Mas a sua tarefa especifica [da sociologia compreensiva] teria incio precisamente no momento em que procurasse explicar, de modo interpretativo: 1) mediante a ao, provida de sentido, com referncia a objetos, quer pertenam ao mundo exterior, quer ao interior, procuram os homens dotados com aquelas qualidades herdadas e especficas realizar o contedo da sua aspirao, de tal modo co-determinada e favorecida, e por que e em que medida conseguiu-se aquilo (ou por que se conseguiu 2) que consequncias compreensveis teve esta aspirao (condicionada hereditariamente) no seu comportamento, com referncia ao comportamento de outros homens, os quais tambm era provido de sentido (WEBER, 1995, p. 316, grifo nosso).

    Ainda, tipo ideal para Weber pode destinar-se ao enquadramento

    conceitual de um fenmeno numa determinada realidade, com determinada

    22

    As Cincias Sociais no possuem em si instrumentos de mensurao precisa e pontual. Querer forar a exatido delas pelos instrumentos objetivos das cincias naturais e fsicas, forar uma postura objetivista digamos assim, tal como procederam os positivistas no tocante metodologia das cincias sociais. Weber foi por outro caminho, construiu o tipo ideal.

  • regularidade, sustentada pelo saber nomolgco (regularidade das leis) que ele

    denomina de tipos ideais conceituais - Ao Social, Relao Social23,

    Dominao, Burocracia, Estado. Tipos que podem estar destinados a uma

    vinculao temporal e determinada quais sejam: os tipos ideais histricos -

    Capitalismo, Esprito Capitalista e tica Protestante.

    Na sociologia compreensiva, os tipos ideais conceituais so

    significativos, notando que os conceitos de Ao Social se referem a fins, a

    valores, afetividade e tradio (WEBER, 2002, p. 41): a Dominao que a

    probabilidade de algum encontrar obedincia a um mandato e a Burocracia24

    como clculo racional aplicado aos procedimentos de domnio, os quais so

    atinentes no s s sociedades capitalistas, mas tambm a outras formas de

    organizao social.

    No que diz respeito especificadamente dominao, demanda

    sublinhar que, em qualquer nvel, ela ocorre pela possibilidade de aceitao,

    efetivada pela legitimao25. Ademais, na investigao cientfica, interessa para

    Weber os problemas (ao social) que podem ter sentido e significado em

    oposio ao tratamento dos fatos sociais como coisa, ou seja, algo exterior ao

    indivduo e estabelecido pelo poder coercitivo, na perspectiva do positivismo.

    Parece haver aqui uma ntida separao entre o tratamento

    metodolgico positivista (fatos sociais como coisas em Durkheim) e o

    dispositivo metodolgico utilizado por Weber - articulao entre conceitos - que

    se constitui o fundamento da investigao cientfica para a sociologia

    compreensiva.

    Ao largo das noes operacionais e dos instrumentos analticos de

    Weber, h uma questo de fundo que permeia todos os trabalhos do autor e

    refere-se notadamente ao papel da cincia que ao final parece identificar-se

    com o rigor metodolgico. Em Cincia como vocao (Wissenschaft Als

    Beruf), Weber afirmou:

    23

    Disse Weber: O termo relao social ser usado para designar a situao em que duas ou mais pessoas esto empenhadas numa conduta onde cada qual leva em conta o comportamento da outra de maneira significativa, estando, portanto, orientada nestes termos. A relao social consiste, assim, na probabilidade de que os indivduos comportar-se-o de maneira significativamente determinvel. completamente irrelevante o porque de tal probabilidade, mas onde ela existe pode-se encontrar uma relao social (WEBER, 2002. p: 45). 24

    Especificamente a burocracia no mundo ocidental contemporneo objeto de anlise de Max Weber, tendo como caractersticas: a materialidade (corpo de funcionrios civilmente livres), impessoalidade, hierarquia, distribuio por critrio de competncia, profissionalizao, soldo fixo, plano de carreira, separao dos meios de administrao (pblico/privado), disciplina e vigilncia administrativa, conforme exposto em Economia e Sociedade( 2000, p: 142). 25

    Segundo Mas Weber, a legitimao pode ser racional-legal (fundamentada na lei e na racionalidade). Tradicional ou patrimonial (respaldada na tradio e nos costumes) e carismtica (sustentada nos atributos pessoais do mandatrio).

  • [...] a cincia nos fornece algo que o comrcio de legumes no nos pode, certamente, proporcionar: mtodos de pensamento. ou seja. os instrumentos e uma disciplina. Retrucaro os senhores, provavelmente, que no se trata, desta vez de legumes. Que seja. Administramo-lo, por enquanto. No chegamos ainda ao fim da jornada, felizmente. Vislumbramos a possibilidade de apontar para uma terceira vantagem: a cincia contribui para a clareza (WEBER, 2002, p. 57, grifo nosso).

    Nesse ponto, ele irrefutvel. E a clareza a que se refere a

    possibilidade de compreender (atribuir sentido) a complexidade das relaes

    sociais num mundo em pleno desencantar. Compreender no para Weber

    dar um veredito, mas sempre, possibilidades plurais.

    5 MAX WEBER EM ATO PRTICO: uma breve anlise da

    operacionalizao conceitual da tica protestante e do esprito do

    capitalismo

    O magistral estudo do capitalismo ocidental em A tica Protestante e

    o Esprito do Capitalismo (Die Protestantische Ethik und der Geist des

    Kapitalismus) indica passos metodolgicos e instrumentos analticos que

    Weber foi construindo.

    Em primeiro plano, a questo colocada por esse socilogo alemo

    se encaminha para uma possvel relao de causalidade entre o

    desenvolvimento do capitalismo, enquanto modo de racionalizao, modo de

    relao adequada entre meios e fins, no que tange participao dos

    protestantes na propriedade do capital conforme sua expresso prpria

    (WEBER, 1999, p. 19). Em outros termos, questionou: [...] por que razo as

    regies de maior desenvolvimento econmico foram, ao mesmo tempo,

    particularmente favorveis a uma revoluo na igreja? A resposta no to

    simples como se poderia pensar (WEBER, 1999, p. 20).

    Em seguida, pontua pelo critrio da possibilidade objetiva, uma

    tendncia que marca a relao entre protestantes e atividades racionais, ao

    dizer que:

    Por outro lado, impe-se o fato de que os protestantes (especialmente alguns dos seus ramos que sero discutidos mais adiante

    26) tanto como classe dirigentes, como classe dirigida, seja

    como maioria, seja como minoria, terem demonstrado tendncia especifica para o racionalismo econmico, que no pode ser observada entre os catlicos em qualquer uma dessas situaes. A razo dessas diferentes atitudes deve. portanto. ser procurada no carter intrnseco permanente de suas crenas religiosas, e no apenas em suas temporrias situaes externas na histria e na poltica (WEBER, 1999 p. 23, grifo nosso).

    26

    Trata-se do Calvinismo, Pietismo, Metodismo e as antas batistas, discutidas na Parte II do trabalho referido.

  • Registro que no Capitulo II de A tica Protestante e o Esprito do

    Capitalismo (Die Protestantische Ethik und des Geist der Kapitalismus),

    denominado O Esprito do Capitalismo, Max Weber deixa marcada a noo

    de articulao entre conceitos, afirmando:

    Em outras palavras, devemos desenvolver no curso da discusso, como seu resultado mais importante, a melhor formulao conceptual do que entendemos aqui por esprito do capitalismo. isto . a melhor do ponto de vista que aqui nos interessa. Certos pontos de vista estabeleceriam, tambm, para este como para qualquer outro fenmeno histrico, outras caractersticas. Resulta disso, no ser necessrio entender por esprito do capitalismo somente aquilo que vir a significar para ns, para os propsitos da nossa anlise. Isto um resultado da natureza dos conceitos histricos que tentam abarcar para suas finalidades metodolgicas a realidade histrica no em frmulas gerais abstratas, mas em conjunto genticos de relaes. que so inevitavelmente de carter individual e especificamente nico (WEBER, 1999, p. 28, grifo nosso).

    Nessa passagem h uma espcie de resumo dos principais pontos

    da metodologia referida sociologia compreensiva, especificadamente no que

    diz respeito construo do conceito27, marca da individualidade da ao

    social, para usar a terminologia dele e mais que isso, na incisiva pontuao

    quanto ao carter nico de cada conceito. Weber enfatizou que a determinao

    do objeto de anlise carece inicialmente de uma descrio provisria para

    ento pelo recurso da construo do tipo ideal chegar o conceito ao que chama

    de urna pureza quase clssica, livre igualmente dos preconceitos28. Disse:

    Assim, a tentativa de determinao do objeto, cuja anlise e explanao histrica estamos tentando, no pode ser feita na forma de uma definio conceptual, mas pelo menos inicialmente, deve ser apenas uma descrio provisria do que aqui se entende por esprito do capitalismo. Tal descrio , todavia, indispensvel clara compreenso do objeto de investigao. Com esta finalidade, voltamo-nos para um documento desse esprito, que contm aquilo que procuramos numa pureza quase clssica e que, ao mesmo tempo, apresenta a vantagem de ser livre de qualquer relao direta com a religio, estando assim, para os nossos objetivos, livre de preconceitos (WEBER, 1999, p. 29, grifo nosso).

    Em A tica Protestante e o Esprito do Capitalismo (Die

    Protestantische Ethik und der Geist des Kapitalismus), Max Weber, em

    princpio distinguiu a singularidade da racionalizao no Ocidente (que se deu

    27

    Ou da uma noo operacional para dar sentido e significado s demandas dos dados de pesquisa, por exemplo. 28

    Note-se que os preconceitos aqui so referidos aos conceitos iniciais e provisrios, sem a devida depurao, por assim dizer, metodolgica, o que nesse caso especifico se d com a construo do tipo ideal que produz a objetivao necessria ao conceito trabalhado.

  • de forma completamente distinta do Oriente)29 como elemento fundamental n

    entendimento do sistema capitalista ocidental.

    A racionalizao no Ocidente no se limita a um setor determinado,

    mas penetra no conjunto e nos interstcios da vida, exercendo uma ao

    permanente (FREUND, 1979). Este o seu trao mais distintivo se proceder a

    uma analogia com as demais sociedades. Quanto mais a racionalidade foi

    penetrando nos meandros do mundo ocidental, mais estreita se tornou a

    relao entre meios e fins em todas as instncias sociais, no s como lugar-

    comum30 pensar, na esfera econmica.

    Ora, essa postura rompimento das antigas formas de produo

    (estritamente feudais) representou a ruptura com o tradicionalismo (formas

    arbitrrias de poder) e a absoro de paradigmas racionalistas, a exemplo do

    Estado racional Legal que permitiu a relao coerente entre meios e fins

    (processo de racionalizao)31 em todos os setores da sociedade ocidental

    moderna.

    Ao lado dessas primeiras questes, ratifico que Max Weber

    trabalhou metodologicamente o capitalismo segundo a construo de tipos

    ideais histricos na perspectiva da categoria chamada afinidade eletiva

    (Wahlverwandtschaft), que desemboca no recorte da realidade para construo

    do objeto de estudo orientada pelos valores e sentido atribudos pelo indivduo.

    H no capitalismo moderno (diferente dos demais capitalismos que

    Weber admitiu existir) dois pontos para considerao: a racionalidade e o

    fundamento tico. Nesse sentido, Weber observou em A tica Protestante e o

    Esprito do Capitalismo (Die Protestantische Ethik und der Geist des

    Kapitalismus) que os proprietrios do capital, pessoal tcnico comercialmente

    mais especializado so preponderamente protestantes; regies de maior

    desenvolvimento econmico foram particularmente favorveis a uma revoluo

    na Igreja, conforme assinalado anteriormente; os catlicos denotavam maior

    tendncia para permanecer no artesanato e os protestantes seriam atrados

    pelas atividades fabris. Haveria uma tendncia especfica dos protestantes

    para o racionalismo econmico, sendo que os catlicos no demonstravam

    isso.

    29

    Weber em A tica Protestante e o Esprito do Capitalismo (Die Protestantische Ethik und der Geist der Kapitalismus) precisamente na parte introdutria, traa um paralelo entre as atividades no Ocidente e no Oriente, trabalhando de incio como conceito de racionalizao, que em ambas as regies assumem formas e funes particularmente distintas. 30

    Lugar-comum aqui utilizado no sentido aristotlico do termo: conjunto de argumentos que se utiliza para fundamentar algo, mas que ele mesmo no argumentado. 31

    Convm lembrar o raciocnio weberiano da relao entre racionalidade e clculo, ou seja: Na medida em que todas as operaes so racionais, toda ao L2dividual das partes baseada em clculo (WEBER, 1999. p: 5).

  • Aqui se encontra, talvez, o escopo da anlise do capitalismo em

    Weber: que relao existe entre racionalidadeprotestantismo capitalismo,

    enquanto elementos presentes na sociedade ocidental moderna, de tal forma

    intrinsecamente ligados, que perderia todo o conjunto de argumentaes,

    separ-los?

    Para explicar as conexes entre o protestantismo e o capitalismo,

    Max Weber destacou, de incio, o prottipo do capitalista, B. Franklin

    (apresentado nas modificaes necessrias para funcionar, por assim dizer,

    como um tipo ideal) e suas sentenas que redundam no esprito do

    capitalismo, a saber, a maneira de pensar e agir do capitalista, que calcula

    gastos e lucros de forma inteiramente racional. Por exemplo:

    Lembra-te que tempo dinheiro. Aquele que pode ganhar dez xelins por dia de seu trabalho vai passear (...) embora no despenda mais que seis pences durante seu divertimento (...), no deve computar apenas essa despesa: gastou, na realidade, ou melhor, jogou fora, cinco xelins a mais (WEBER, 1999, p.29, grifo nosso).

    Nessa passagem, est o elemento fundamental do capitalismo, a

    racionalidade, que em caso contrrio, implicaria em prejuzo (jogou fora cinco

    xelins). Max Weber entendeu a tica protestante (comportamento dirigido

    pelos princpios do calvinismo) como elemento fundamental no

    desenvolvimento capitalista e suas organizaes institucionais.

    A concepo de vida estabelecida a partir do trabalho forma

    fundamental de salvao do homem o chamado esprito do capitalismo.

    Weber utilizando-se da categoria da possibilidade objetiva, aps estudar as

    seitas metodista, calvinista e batista, entendeu que o calvinismo foi quem

    revelou de forma mais acentuada o esprito do capitalismo, justamente por

    conter maiores afinidades no que diz respeito organizao racional do

    capitalismo, principalmente na questo vinculada ao trabalho organizado e

    produtivo.

    Max Weber considerou a classe capitalista como portadora do

    esprito aquisitivo e racionalidade necessrias para compor o sistema

    capitalista. No entendeu, diferente de Marx, a dmarche capitalista como

    prolongamento direto do progresso32 das foras produtivas do medievo, mas a

    partir de valores e impulsos psicolgicos33 presentes na modernidade,

    32

    Weber no aceitava a noo de direo progressiva da Histria, ou como um conjunto de causas sequenciadas ou modos de produo: a histria para Weber no possua um sentido imanente, sendo ela mesma diferente da natureza. 33

    Os princpios do Calvimismo, por exemplo, tiveram excelentes argumentos que, pela sua coerncia, funcionaram corno uma ideologia de grande penetrao psicolgica, intervindo, inclusive, no modo de ao social E ainda, em nota n 10 do Capitulo II de A tica Protestante e o Esprito do Capitalismo (Die Protestantische Ethik und der Geist des Kapitalismus, Weber afirmou que: O principal ponto de diferena (antecipando-nos na discusso) est no fato de uma tica baseada na religio prev certas sanes psicolgicas (no de carter econmico) referentes manuteno da atitude prescrita por ela, sanes que, enquanto permanecer viva

  • conforme anlise da tica protestante e sua estreita relao com o esprito do

    capitalismo.

    O corte epistemolgico nos valores individuais, na conduta racional

    do Ocidente e nos nexos causais entre atividade capitalista e protestantismo,

    permitiu a construo de tipos ideais especficos para a questo o

    Capitalismo e tica Protestante - que, conforme se presta tal procedimento,

    confere aos conceitos provisrios iniciais um conceito histrico resultante da

    investigao proposta de acordo com o protocolo da sociologia compreensiva.

    6 CONCLUSO

    Max Weber (1864-1920) um autor clssico, assim, atual. Atual

    porque a sociedade, ainda que no mais a mesma do fim do sculo XIX, tem

    com ela uma relao de ambiguidades, contradies, continuidades e

    descontinuidades, mantendo, em algumas questes, o fundamento das

    perguntas que j estavam sendo gestadas ali.

    O arcabouo metodolgico construdo por Max Weber tem muito a

    ensinar. Seu legado comea na possibilidade de pensar a Cincia como um ato

    prtico, como o afirmou ao despoj-la de qualquer contedo a priori ou de

    contingncias, quaisquer que seja. Ela resultado do empreendimento prtico

    do cientista, no de especulaes aleatrias.

    A tica Protestante e o Esprito do Capitalismo (De

    Protestantische Ethik und der Geist des Kapitalismus) remete a duas questes:

    primeiro: faz parte da composio metodolgica weberiana o exaustivo trabalho

    de pesquisa documental, a exemplo da numerosa quantidade de notas do

    autor34, exatamente 398 no total, indicando a preocupao com a importncia

    das fontes de pesquisa e dilogos diretos e implcitos com autores diversos.

    Em segundo lugar a prpria diviso do trabalho sugere uma postura

    metodolgica significante: a utilizao inicial do termo problema que indica a

    relevncia da construo hipottica e a expresso tarefa da investigao

    sinaliza para a atividade prtica que a pesquisa. Ainda, h de se aprender

    com Max Weber a utilizao de um rico conjunto de tcnicas de pesquisa, a

    exemplo da observao e da compreenso (enquanto a ao social provida

    de sentido e valores) e da adoo de metodologias tanto quantitativa quanto

    histrica. No entanto, a anlise empreendida por Max Weber ao tipo ideal

    construdo para dar conta das relaes sociais modernas o Capitalismo

    perdeu, por assim dizer, conexes importantes, inclusive com a realidade

    a crena religiosa, so altamente eficientes, e que simples sabedorias cotidianas como a de Alberti no tem a seu dispor. (WEBER, 1999, p. 143) 34

    Penso que as notas de rodap so uma espcie de testamento do pesquisador, uma burla tradio escolstica do enclausuramento das etapas de raciocnio e do dever de socializar as reflexes.

  • histrica, ao utilizar o mtodo individualizante que recorta a realidade de modo

    limitado, sem atentar para o que Nobert Elias (2001) chamou de rede de

    interdependncias como um dos atributos das relaes entre indivduos.

    Nesse sentido, Max Weber, ao encontrar uma justificativa moral a

    tica protestante, notadamente - para o capitalismo, com base nos seus

    prprios valores e qui, seus demnios35 , como o diz, caiu na armadilha que

    tanto alertou com certa insistncia: os valores polticos acabaram por se

    confundir com os valores do cientista. Separao que Weber defendia

    peremptoriamente. Na prtica da investigao, das reflexes, se tornou um

    hiato como ele mesmo demonstrou, em alguns momentos.

    Contudo, a Cincia feita de incongruncias e dela so

    aproveitadas todas as lies. O sentido da pesquisa valer-se dos acertos,

    mas acima de tudo das inconfidncias de cada um dos tericos.

    MEANINO AND VALUE OF THE COMPREHENSIVE SOCIOLOGY

    OF MAX WEBER

    ABSTRACT

    It analyses the method of comprehensive sociology of Max

    Weber to refer to the study of the society and the relation

    of current sociability. It draws some analytics categories

    built by Weber, with the worry al contributing to the

    methodological support basis of concepts activated by the

    public policy analysis. lt points the relation between the

    author and his historical time, his timing limits and

    intellectual and cultural indications. It underlines with

    some methodological references of comprehensive sociology,

    specially the one called ideal as the process of scientific

    validation on Weber investigation. It takes the criteria of

    rationality as the basis of the analysis of capitalism and

    the capitalist society. It underlines the methodological

    question of operational notions for the specific study of

    the capitalism system by Max Weber.

    Key words: Comprehensive sociology. Weber Method.

    Values. Capitalism. Rationality. Ideal types.

    35

    Refere-se passagem de Weber: Carece agir de outra forma, entregar-se ao trabalho e responderas exigncias de cada dia - tanto no campo da vida comum, quanto no campo da vocao. Se cada um encontrar e obedecer ao demnio que tece as teias de sua vida, esse trabalho ser simples e fcil (WEBER, 2002, p: 58) (grifos meus).

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