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Departamento de Ciências Sociais Sociologia III Max Weber Sandro Dau

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Departamento de Ciências Sociais

Sociologia III

Max Weber

Sandro Dau

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Max WeberMax Weber

No século XX Max Weber teve grande influência no pensamento norte-americano, pois se procurava criar uma ciência social que tivesse valor universal.

1. Biobibliografia

1864: nasce em Erfurt, Turíngia;1882: estuda Direito, Economia, Filosofia, Teologia e História em Heidelberg;1889: torna docente na Universidade de Berlim;1891: publica A História Agrária Romana e sua Significação para o Direito Público e privado;1894: consegue o título de catedrático em Economia na Universidade de Friburgo;1896: vai para a Universidade de Heidelberg assumir a cátedra de Economia;1897: entra em depressão;1903: cria o Arquivo de Pesquisas Sociais junto com Werner Sombart;1904: lança A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo;1905: funda a Sociedade Alemã de Sociologia;1916-17: publica trabalhos sobre religião;1918: retorna à atividade docente na Universidade de Viena;1919: assume a cátedra de Economia na Universidade de Munique;1920: morre em Munique;1921: publica-se Economia e Sociedade;1923: lança-se História Geral da Economia.

Max Weber é um pensador que tem uma vasta obra. Em termos didáticos é possível dividi-la em quatro grupos:

1. escritos metodológicos, críticos e filosóficos que abordam o objetivo e os métodos da Sociologia, História e Ciências Humanas;

2. trabalhos históricos;3. obras de sociologia da religião;4. tratado de sociologia geral.

2. A Sociologia para Max Weber

Max Weber vê a Sociologia como uma ciência que estuda a conduta humana, a partir do momento em que ela é social. Ele admite ser a Sociologia a ciência que tem como objeto a compreensão da ação social, por esse motivo, sua sociologia chama-se compreensiva. Para ele é preciso compreender o sentido que o autor dá a sua própria ação, a partir dessa compreensibilidade, classificam-se as condutas procurando criar uma estrutura que explique as ações dos indivíduos em sociedade:

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Segundo Max Weber, a sociologia é a ciência da ação social, que ela quer compreender interpretando, e cujo desenvolvimento quer explicar, socialmente. Os três termos fundamentais são, aqui,

compreender (verstehen), interpretar (deuten) e explicar (erklären), respectivamente, apreender a significação, organizar o sentido subjetivo em conceitos e evidenciar as regularidades das condutas.1

Seu pensamento tem como motivo a ordem existencial, para ele a Sociologia, a Religião e a Política referem-se à Sociedade, à metafísica e ao indivíduo.

A sociologia weberiana, de cunho existencialista, não admite (como queria Émile Durkheim) ser possível dizer ao indivíduo como se comportar ou como se organizar a sociedade (como defendia o Karl Marx).

Para Max Weber a sociedade não é harmoniosa, ela é fruto tanto de lutas, como de acordos. A luta recebe dois nomes que dependem da situação em que está circunscrita:

1.concorrência: quando não há emprego de violência física;2.seleção: quando o objetivo é a sobrevivência.

A Sociologia e História apresentam com parcialidade o mundo. Elas não podem prever o futuro, pois ele não é predeterminado:

Uma filosofia do tipo marxista é falsa porque é incompatível com a natureza da ciência e da existência humana. Toda ciência histórica e social re

presenta um ponto de vista parcial; e é incapaz de prever o futuro, pois este não é predeterminado. Na medida em que alguns acontecimentos futuros são predeterminados, o homem terá sempre a liberdade, de recusar a este determinismo parcial, seja de se adaptar a ele de diferentes maneiras.2

De acordo com ele toda e qualquer filosofia que tenha as características básicas do marxismo é falsa, porque, por um lado, não é possível fazer um estudo completo sobre o indivíduo, por outro lado não é da natureza da ciência dizer qual será o futuro da humanidade.

Ele deseja compreender como as crenças são condições para os indivíduos viverem em sociedade.

3. Influências na formação intelectual de Max Weber

O desenvolvimento do pensamento de Max Weber está ligado diretamente ao mundo espiritual alemão:

1.de Emanuel Kant (1724-1804) retoma a idéia de indivíduo livre na ação;2.de Franz Brentano (1838-1917), e outros, utiliza o conceito de História;

1 ARON, Raymond. As Etapas do Pensamento Sociológico, p. 505.2 ARON, Raymond. As etapas do pensamento sociológico, p. 473.

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3.de Wilhelm Windelband (1848-1915) e Heirinch Rickert (1863-1936) recebeu a noção de divisão das ciências; 4.de Wilhelm Dilthey (1833-1911) e Karl Jaspers (1883-1969) teve como herança a subjetividade na comprensão do mundo;5.de Friedrich Nietzsche (1844-1900), que muito o inlfuenciou, aceita o individualismo aristocrático;6.de Georg Simmel (1858-1918) toma o conceito de formas sociais que depois ele transformou no conceito de tipo ideal;7.de Werner Sombart (1863-1941) apossa-se da preocupação com as origens do capitalismo.

É necessário destacar que os movimentos políticos alemães (liberalismo, socialismo e o conservadorismo), também figuram como influências marcantes em seu pensamento.

Nessa época, o pensamento alemão ainda sofria as influências do humanismo e do historicismo, apesar de o socialismo surgir no interior de suas discussões.

A preocupação de Max Weber era enciclopédica, pois lhe interessava tanto o direito, quanto a arte, a política, a religião, a economia. É característico no seu pensamento uma hierarquização desses assuntos. Em ordem de importância pode-se expor sua preocupação na seguinte gradação:

1.poder;2.religião;3.capitalismo;4.metodologia.

4.O poder (pol ít ica)

É a política, ou as formas de dominação, um dos temas de grande importância no pensamento weberiano. Ele tenta colocar a política no interior "de um sistema social global".

Max Weber se preocupou com a política devido à influência de seu pai, que era deputado do Partido Nacional Liberal. É também influenciado pela situação política da Alemanha e da Europa ocidental.

O poder político causou, em Max Weber, um verdadeiro encanto. O poder enquanto dominação foi o motor das suas pesquisas sociológicas. Para ele o poder é força e se materializa na lei, no Estado3 ou num líder4.

3 É apenas uma associação política.4 Geralmente se dividem as teorias sobre o poder em três tipos: 1. Teoria econômica (o poder é possuído ou alienado) que tem como defensores o marxismo e o liberalismo, 2. teoria não econômica do poder cujos representantes são G. W. F. Hegel, S. Freud e W. Reich que admitem ser o poder relações de forças e 3. a teoria que defende ser o poder uma guerra e tem como defensor F. Nietzsche.

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A ação política relaciona-se com a dominação do indivíduo sobre os outros. A dominação diz respeito à probabilidade de uma ordem ser obedecida, portanto não é um conceito pejorativo. Ela pode ser de três tipos, de acordo com o motivo da obediência:

1.racional (baseada na lei e nos títulos daquele que domina);2.tradicional (fundamentada na crença sagrada da tradição e na legitimidade do executor da ação);3.carismática (firmada na extraordinariedade do ator).

No mundo quotidiano, essas dominações não se fazem presentes de maneira pura, mas elas se misturam uma com as outras. Sua noção de poder não se relaciona nem com a ideologia5, nem com o aspecto jurídico6. Para ele, o poder é a força utilizada para que o homem imponha sua vontade sobre os outros. Somente o Estado (associação política) tem o monopólio da força.

Segundo Max Weber o poder está cada vez mais concentrado nas mãos da minoria, bem como há uma crescente separação entre os funcionários do Estado (burocratas) e o poder. O mesmo ocorre entre os cientistas e os meios científicos.

A política resume-se à chefia ou às classes dirigentes. Esse seu pensamento mostra uma característica elitista. Elitista, também, a importância dada à aristocracia dentro da sociedade.

Em termos políticos, Max Weber pode ser considerado como um conservador anti-utópico. Para ser mais preciso, ele é um democrata autoritário, pois admite a democracia por se opor ao autoritarismo do Kaiser:

A aspiração política máxima de Max Weber pode resumir-se na sua frase: "uma liberdade tão grande quanto possível por uma dominação tão grande quanto possível". Este personalismo leva-o, na análise política, a insistir nas qualidades carismáticas pessoais do dirigente político e a desentender-se de qualquer forma de democracia direta ou coletiva.7

5. A religião

O segundo tema abordado por Max Weber é a religião. Ele investigou as religiões hindu, chinesa e judaica. Esse tema tem uma influência direta da religiosidade de sua mãe, Helene Fallenstein.

Sua análise sobre a moral da convicção desemboca em seus estudos de sociologia da religião. O cristão convicto não reage com violência à violência, por isso sua ação é sublime, mas aquele que não reage a essa violência por medo é covarde.

Max Weber, ao estudar a religião, parte do pressuposto que, para se chegar à compreensão sobre a atitude do moralista convicto, é preciso perceber sua "concepção global da existência".

O problema que anima a sociologia da religião weberiana é: como a religião influencia a economia nas diversas sociedades? O modo como indivíduo interpreta a religião faz parte da maneira como ele vê sua existência. Para se entender o comportamento econômico do indivíduo é preciso compreender como ele se relaciona com os dogmas religiosos. É a religião

5 Como quer Karl Marx.6 Como advoga Émile Durkheim.7 Marsal, Juan F. Conhecer Max Weber e a sua obra; p. 68.

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o motor que impulsiona o indivíduo num mundo da economia, por conseguinte, a religião é vista como uma das causas das mudanças econômicas das sociedades.

Em o Espírito do Capitalismo e a Ética Protestante, ele afirma que existem vários tipos de capitalismo e não um só, ou melhor, não há um capitalismo universal, mas capitalismos com características próprias. O capitalismo é o sistema econômico em que existem empresas cujo objetivo é obter lucro. Sua organização, na busca do lucro, se baseia na racionalização do trabalho e da produção. A união da racionalidade com lucratividade é que caracteriza o capitalismo ocidental. Nas sociedades anteriores, encontrava-se indivíduos que desejavam dinheiro, mas o que caracteriza o Ocidente, na busca pelas riquezas, não é a pilhagem, mas a disciplina e a ciência.

O puritanismo é um ponto importante em sua análise religiosa, pois a ética protestante concilia o êxito econômico com o êxito no mundo. É por esse motivo que o protestantismo é uma das causas do desenvolvimento do capitalismo. Pode-se citar como exemplo a noção lockiana de propriedade:

Locke está impregnado da idéia puritana de que o homem ganha o céu tendo êxito na terra. Por isso o rico que se enriqueceu por meios legais e corretos suspeita de que vai se salvar. No fundo, mais do que premiar o trabalho, premia-se o mérito. É um prêmio quase religioso. Você foi honesto, trabalhador, ativo, diligente; tem um prêmio nesta terra que antecipa e não anula o prêmio celestial: a propriedade. Os ricos de Locke passam pelo crivo evangélico.8

Max Weber não admitiu ser a ética protestante a causa por excelência do capitalismo, para ele, sempre em consonância com seu pluricausalismo, ao se estudar o capitalismo deve-se levar em conta a ética protestante, porque ela é um dos componentes importantes para se entendê-lo.

Ele não admite ser a religião uma superestrutura econômica ou social9. A religião é uma força poderosa que move a História, mas não é a causa única da História.

Por sua ótica, a teoria da predestinação divina da religião protestante conseguiu fazer a união entre o aspecto místico e o êxito econômico. Isso foi possível, visto que a riqueza era aceita por ela com uma marca da predestinação.

O capitalismo, tanto em Karl Marx como em Max Weber, apresenta os seguintes os traços:

1.busca do lucro; 2.liberdade dos trabalhadores; 3.aumento contínuo do progresso técnico.

Para Max Weber, diferentemente de Karl Marx, a marca fundamental do capitalismo é a racionalização burocrática.

Ele diz que a união do protestantismo com o capitalismo se deve à atitude dessa religião para com êxito econômico. Existe entre eles uma afinidade em relação à visão de mundo. A ética protestante calvinista e pode ser expressa em cinco pontos:

1.existência de Deus; 2.predestinação;

8 GRONDONA, Mariano. Os Pensadores da Liberdade. São Paulo: Mandarim, 2000, p. 22.9 Para ele não existe uma causa única que explique a sociedade, mas existe diversas causas que se interagem e servem como explicação. Assim, ele se opõe ao ponto de vista defendido por Karl Marx que via a religião como uma superestrutura.

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3.criação do mundo; 4.glorificação de Deus por meio do trabalho; 5.salvação pela graça divina.

Essas características existem isoladamente em outras religiões, mas juntas são típicas do protestantismo. Como conseqüência dessa união tem-se:

1.o abandono do misticismo; 2.a falta de comunicação entre o indivíduo e Deus; 3.a inexistência de ritos; 4.o favorecimento da ciência; 5.a oposição à idolatria.

É por meio do trabalho que o homem glorifica a Deus:Convergem assim duas correntes: a atitude do homem angustiado por sua salvação que produz, não gasta e investe, lançando as bases da acumulação necessária para o capitalismo, e, por outro lado, sua inserção numa seita na qual todos controlam uns aos outros para garantir uma dura e leal competição. Dessa forma, produz-se um fato Único na História: o desenvolvimento econômico começa com a força de uma religião. As incomparáveis energias antes enviadas para o transcendente empurram, pela

primeira vez, a locomotiva do progresso.10

Como o calvinista não sabe se será salvo ou não sua vida torna-se angustiada, a fim de sanar essa lacuna existencial, ele procura os sinais de sua salvação. Isso é feito por necessidade psicológica e não lógica. Portanto, o êxito econômico passa a ser aceito como sinal da salvação. Essa passa a ser individual, o que favorece obviamente o individualismo. O dever para com outro deixa de ser uma preocupação e o trabalho racional vira "um mandamento divino".

Em alguns aspectos, o calvinismo irmana-se com o capitalismo. Por exemplo: o mundo da matéria deve ser deixado em segundo plano, por isso o ascetismo deve ser colocado em prática. O calvinista trabalha muito para ver nisso um sinal de sua escolha, mas ele não gasta o que lucra, pois defende o ascetismo:

Salvo-me sendo Útil aos demais numa vida plenamente terrena. A vocação terrena, por mudar o mundo, resultou, assim, bendita pelo impulso religioso. A energia que antes produzia uma catedral ou um místico dirigiu-se aos negócios. O protestantismo converteu a ação na sociedade em algo tão necessário que a prosperidade tornou-se uma garantia de salvação. Era preciso triunfar na vida, porque essa era a única segurança da salvação. Assim se gera no mundano uma energia religiosa, uma atitude ascética do cotidiano. O homem trabalhador e sério que surge daí é o fundador do capitalismo. A tabela das regras metodistas, por exemplo, incluía: "Não regatear; não sonegar impostos; não subir os juros

acima dos costumes e das leis do país; não entesourar; investir; não pedir emprestado sem segurança de devolver; não viver luxuosamente.” Vemos aqui uma ascese do desenvolvimento econômico em ascensão.11

1 0 GRONDONA, Mariano. Pensadores da Liberdade. São Paulo: Mandarim, 2000, pp. 120-1. 1 1 GRONDONA, Mariano. Pensadores da Liberdade. São Paulo: Mandarim, 2000, pp. 119-120.

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Ora, no capitalismo o lucro não deve ser consumido, mas reinvestido na produção. Daí, ser a lógica do calvinista um forte apoio à lógica capitalista.

5.1.Carisma

Ele se interessou por esse tema, devido a seus estudos sobre as grandes religiões mundiais. O carisma recebe sua força da "fé na revelação e nos heróis". O indivíduo carismático transforma o mundo por meio de sua vontade revolucionária.

Esse é um conceito importante utilizado por Max Weber, para estudar a religião primitiva. Ela é a característica daqueles que têm qualidades fora do comum.

Na história da religião, o ponto de origem é colocado no sagrado e o ponto de chegada no "desencantamento do mundo". Isso porque o sagrado não faz mais parte da vida dos indivíduos no capitalismo. Num mundo em que o desencanto (ausência do sagrado) é a regra, a religião não pode mais existir exteriormente, mas na consciência de cada indivíduo, ou ainda na crença na existência de um deus todo poderoso que está além desse mundo.

6.Capitalismo

O terceiro tema de relevância na sociologia weberiana é o capitalismo. Esse tema advém do momento histórico em que vivia, pois a Alemanha está em franco desenvolvimento industrial.

A fim de estudá-lo ele pesquisou sua origem no seio das grandes religiões. Ele estava preocupado com o capitalismo alemão, que se encontrava em atraso se comparado com outras nações européias.

Ao analisar o capitalismo, como foi entendido por Max Weber, é preciso relacioná-lo com a visão de Karl Marx. A primeira diferença, que é necessário destacar é que o pensamento de ambos parte dos mesmos meios, mas chega a fins diferentes.

Na sociologia marxista o capitalismo é algo indesejável e irracional, ao passo que, na perspectiva weberiana, é o capitalismo o ponto mais alto da racionalização do mundo.

Para Max Weber é o empresário um revolucionário, pois ele destrói as características patrimonialistas das sociedades. Ele espera que a racionalidade do capitalismo destrua o tradicionalismo alemão.

7.A metodologia

Sua preocupação metodológica é fruto da luta contra o positivismo em que se encontrava a cultura alemã no século XIX.

A metodologia deve partir do indivíduo e de suas motivações. Ele não aceita uma causa última na explicação dos fenômenos sociais, visto que existe inúmeras causas e nenhuma mantém primazia sobre as outras, na explicação do mundo.

É preciso, diz Max Weber, ter em conta o método do "ponto de vista autor". Com essa característica, ele quer que o indivíduo seja analisado e compreendido a partir da motivação de

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sua ação. Essa foi uma maneira de romper com o pensamento idealista alemão que despersonalizava o indivíduo.

O segundo aspecto da metodologia weberiana diz respeito a neutralidade valorativa do cientista: é possível que a ciência julgue criticamente seus fins e seus ideais. O cientista, quando toma um determinado ponto de vista, pode explicitá-lo ou não em suas pesquisas, mas isso não diz sobre o conhecimento empírico do objeto, e sim sobre sua vontade de consciência.

Uma outra característica de sua metodologia influenciou o funcionalismo: os tipos ideais. O tipo ideal é uma construção feita a partir da acentuação de um determinado aspecto da experiência de sua união a fenômenos isolados. Esses devem ser ordenados a partir de pontos de vista previamente selecionados. O objetivo da tipologia ideal é a criação de um sistema de pensamento único, organizado, homogêneo.

O quarto ponto a ser destacado é a noção de pluricausalismo. De acordo com ele, os sistemas de valores, são visões cósmicas e não podem ser as únicas formas possíveis de explicar o mundo. Ele quer evitar as interpretações dos fenômenos que os reduzem a uma única causa.

8.Racionalização

O mundo moderno tem como marca a racionalização, ou seja, as ações são racionalmente dirigidas a um fim. Daí, surge o seguinte problema: como são possíveis outros tipos de ação nessa sociedade racionalizada?

Sua preocupação é delimitar os campos de ação da ciência e da política: como ser um professor e político sem que haja superposição de ações?

A resposta a essa questão era-lhe muito importante, apesar de não ser político profissional, sua ação política estava ligada ao mundo científico.

9.Ação social

A ação socia l é uma at i tude humana vol tada, para a efet ivação de uma vontade. Uma ação é socia l quando ela está em re lação com o comportamento de out ras pessoas. Nem toda ação em sociedade é socia l , po is é necessár io que e la este ja or ientada a determinados ind iv íduos.

Para Max Weber, existem quatro tipos de ação social: “A ação social, como toda ação, pode ser determinada: 1) de modo racional referente a fins: por expectativas quanto ao comportamento de objetos do mundo exterior e de outras pessoas, utilizando essas expectativas como ‘condições’ ou ‘meios’ para alcançar fins próprios, ponderados e perseguidos racionalmente, como sucesso; 2) de modo racional referente a valores: pela crença consciente no valor - ético, estético, religioso ou qualquer que seja sua interpretação - absoluto e inerente a determinado comportamento como tal, independentemente do resultado; 3) de modo afetivo, especialmente emocional: por afetos ou estados emocionais atuais; 4) de modo tradicional: por costume arraigado.”12

12 WEBER, Max. Conceito de Ação Social. in Economia e Sociedade, Brasília, ed. UNB, 1991, vol.: 01, p. 15.

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1. racional visando a um fim; 2. racional visando a um valor; 3. afetiva ou emocional; 4. tradicional.

9.1.Ação racional visando a um fim

Nessa ação, o indivíduo utiliza a Razão, para conseguir um objetivo. Na ação racional, o objetivo é traçado pelo indivíduo, a partir disso procura-se os instrumentos e os meios necessários para alcançá-lo. É uma ação que ocorre por meio dos conhecimentos de quem a pratica: “Age de maneira racional referente a fins quem orienta sua ação pelos fins, meios e conseqüências secundárias, ponderando racionalmente tanto os meios em relação às conseqüências secundárias, assim como os diferentes fins possíveis entre si: isto é, quem no age nem de modo afetivo (e particularmente não-emocional) nem de modo tradicional.”13

9.2. Ação racional visando a um valor

O indivíduo preocupa-se não como objetivo externo, mas com algo que caso não seja cumprido deixará o indivíduo cheio de vergonha. O importante para o indivíduo não é nada fora dele e sim sua própria honra: “Age de maneira puramente racional referente a valores quem, sem considerar as conseqüências previsíveis, age a serviço de sua convicção sobre o que parecem ordenar-lhe o dever, a dignidade, a beleza, as diretivas religiosas, a piedade ou a importância de uma ‘causa’ de qualquer natureza. Em todos os casos, a ação racional referente a valores é uma ação segundo ‘mandamentos’ ou de acordo com ‘exigências’ que o agente crê dirigidos a ele.”14

9.3.A ação afetiva

No caso da ação emocional, o indivíduo age levado por seu humor. É uma ação que ocorre somente em determinadas circunstâncias: “O comportamento estritamente afetivo está, do mesmo modo, no limite ou além daquilo que é ação conscientemente orientada ‘pelo sentido’; pode ser uma reação desenfreada a um estímulo não-cotidiano.”15

9.4.A ação tradicional

1 3 WEBER, Max. Conceito de Ação Social. in Economia e Sociedade, Brasília, ed. UNB, 1991, vol.: 01, p. 16.14 WEBER, Max. Conceito de Ação Social. in Economia e Sociedade, Brasília, ed. UNB, 1991, vol.: 01, p. 15.15 WEBER, Max. Conceito de Ação Social. in Economia e Sociedade, Brasília, ed. UNB, 1991, vol.: 01, p. 15.

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A ação tradicional é moldada pela segunda natureza do indivíduo, ou seja, é baseada nos costumes, crenças e hábitos. A obediência à ação tradicional é uma pura reprodução das práticas aceita em sociedade: “O comportamento estritamente tradicional - do mesmo modo que a imitação puramente reativa (veja § anterior) - encontra-se por completo no limite e muitas vezes além daquilo que se pode chamar, em geral, ação orientada ‘pelo sentido’. Pois freqüentemente no passa de uma reação surda a estímulos habituais que decorre na direção da atitude arraigada. A grande maioria das ações cotidianas habituais aproxima-se desse tipo [...] porque a vinculação ao habitual [...] pode ser mantida conscientemente [...].”16

10.A ciência como profissão

O cientista, ao agir, usa a Razão com um objetivo definido, melhor dizendo, procura compreender nos fatos suas causas, a fim de que possa propor enunciações cuja a validade seja universal. O objetivo último do cientista é a verdade. E sua racionalidade encontra-se na obediência à lógica e à experimentação empírica.

A ciência, para Max Weber, é característica da racionalização do mundo moderno ocidental. A Sociologia e a História são conhecimentos específicos dessas sociedades, uma vez que não há em nenhuma cultura uma forma de descrever, de modo racional, o funcionamento e o desenvolvimento social.

São duas as características fundamentais da ciência:

1.continuidade processual; 2.objetividade.

Ao admitir a ciência como um processo contínuo ele afasta-se de Émile Durkheim (que acreditava ser a Sociologia no futuro, uma ciência completa com leis sociais sistematizadas) e de Auguste Comte (que esperava que a Sociologia fosse capaz de ter leis fundamentais).

A ciência moderna não se preocupa com o Ser (ciência antiga) e não procura a essência última das coisas, e sim aquilo que pode ser experimentado e comprovado. Nesse aspecto, a ciência moderna é crítica em relação à natureza.

No mundo da ciência, o indivíduo deve saber que todo conhecimento é parcial e não é definitivo. Tanto na Sociologia, como na história, não é possível um conhecimento total da natureza humana, pois para isso acontecer seria necessário que o homem parasse de inovar.

Ao cético, pode parecer que Max Weber está negando que a ciência seja objetiva, entretanto isso é falso. De acordo com ele, a objetividade é possível caso cientista evite apresentar suas opiniões ao se fazer a investigação:

O fato de que a tais preferências se manifestam na orientação da curiosidade do cientista não ex

clui a validade universal das ciências históricas e sociológicas, que devem ser respostas universalmente válidas a questões orientadas legitimamente pelos nossos interesses e valores, pelo menos em teoria.17

16 WEBER, Max. Conceito de Ação Social. in Economia e Sociedade, Brasília, ed. UNB, 1991, vol.: 01, p. 15.1 7 Aron, Raymond. As etapas do pensamento sociológico; p. 467.

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As ciências humanas se diferenciam das ciências naturais em três aspectos:

1.compreensibilidade; 2.historicidade;3.culturalidade.

10.1.Compreensibilidade

O conceito compreensão significa entendimento. Entender um fenômeno é aprendê-lo em suas regularidades através de teorias comprovadas pela experimentação. Toda e qualquer compreensão é mediada por conceitos, e ela não se dá de modo direto.

O mesmo não ocorre com a ação humana, uma vez que sua compreensibilidade se dá de maneira imediata. Isso se deve, ao fato de os homens serem dotados de consciência. Quase toda conduta social é marcada por relações inteligíveis, por isso as ciências humanas podem estudá-la.

A compreensão do sociólogo e do historiador não é intuitiva, mas reconstruída por meio de documentos. Do ponto de vista sociológico o sentido subjetivo da ação é perceptível e equívoco.

A compreensibilidade não é algo exterior ao homem. Sua possibilidade se encontra na investigação prévia das ações humanas. É a investigação, com suas provas, que diz qual interpretação das condutas humanas é ou não é verdadeira.

O conceito compreensibilidade traz consigo a marca da ambigüidade. Nem sempre o ator e o espectador compreendem seus atos, por isso é necessário investigá-los, para se saber quais são verdadeiros ou não.

A compreensão tem como instrumento central a teoria do tipo ideal. Por esse meio procura-se racionalizar as condutas ou fenômenos históricos.

11.Os valores

A filosofia dos valores weberiana tem sua origem na filosofia neo-kantiana. Como é sabido, Emanuel Kant (1724-1804) separava os fatos dos valores.

Todo valor, é uma criação humana. No mundo do valor não se pode, racionalmente, obrigar a aceitar um valor que não queira.

Como é possível criar uma ciência de validade universal se as obras dos homens criam valores? A resposta weberiana parte da distinção entre julgamento de valor e relação de valor.

O julgamento de valor é a manifestação da personalidade do indivíduo ao aceitar, ou não, um comportamento. Ele é sempre subjetivo e moral.

Na relação de valores, o objeto de estudo é relacionado com um determinado valor. Ela é um método de escolha e organização da ciência.

Conforme o pensamento de Max Weber as ciências humanas são de dois tipos:

1.compreensivas;2.causais.

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A causalidade pode ser dividida em:

1.sociológica; 2.histórica.

O papel do historiador é encontrar a causa numa única conjectura. O do sociólogo é estabelecer as possíveis, ou não, relações de sucessão.

Na sociologia weberiana, a antinomia da ação é a moral da responsabilidade e da convicção.

11.1.Moral da responsabilidade

Sua perspectiva é que a "moral da responsabilidade" é superior à moral dos utópicos e revolucionários, que defendem a moral dos fins. A moral da responsabilidade não é uma preocupação sobre o certo ou o errado, mas um meio de minimizar os danos aos participantes.

A moral da responsabilidade é um modo pragmático de ver o mundo, contrário à moral dos fins últimos (dos revolucionários e dos utópicos) que está convencida da vitória final.

A moral da responsabilidade refere-se àquela ação que não pode deixar de ser executada. Ela diz ao indivíduo como:

1. se comportar em determinadas circunstâncias; 2. prever as conseqüências de suas decisões; 3. introduzir na sociedade seus desejos.

A ação, nesse tipo de moral, é vista sob ângulo meio-fim. Qualquer meio é aceitável, desde que o fim seja o bem do Estado. Ao político, não compete agir de acordo com a moral do homem comum, mas deve agir de tal maneira que possa atingir o bem comum:

Weber não elogia o maquiavelismo, e uma ética da responsabilidade não é necessariamente maquiavélica, no sentido comum do termo. A ética da responsabilidade é simplesmente a que se preocupa com a eficácia, e se define pela escolha dos meios ajustados ao fim que se pretende. [...] A moral da ação comporta dois termos extremos, o pecado para salvar a cidade e, nas circunstâncias extremas, a afirmação incondicional de uma vontade, quaisquer que sejam as conseqüências.18

A moral da responsabilidade se define como a utilização de um meio visando a um fim, mas esse fim nunca é determinado. Na visão de Max Weber, não é possível um acordo entre o indivíduo e a sociedade na consecução dos seus fins.

Essa moral admite que são os homens, por meio de suas vontades, que criam os valores. Por esse motivo não há bem mais importante que outro.

11.2.Moral da convicção1 8 Aron, Raymond. As etapas do pensamento sociológico, p. 488.

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A moral da convicção não tem uma preocupação com os objetivos a serem atendidos. O indivíduo, que age por convicção, tem como juiz de sua ação sua própria consciência, assim sendo ele não pode ser refutado.

Essa moral não é a moral do Estado, nem dos políticos, uma vez que a ação política visa a um fim e não a uma obediência à consciência. A ação por convicção não se baseia na Razão.

12.Sociologia e História

A Sociologia e a História não só procuram compreender as escolhas subjetivas que norteiam a conduta social, mas também desejam conhecer suas causas. A atividade do sociólogo procura dar compreensibilidade à sociedade por meio da:

1.inteligibilidade das crenças e condutas;2.determinação das causas das condutas;3.relação das crenças com as condutas.

A Sociologia e a História buscam compreender e dar as causas das ações sociais. A causalidade para ele se divide em:

1.histórica;2.sociológica.

12.1. Causalidade histórica

A causalidade histórica quer encontrar as circunstâncias que provocaram uma determinada ação. Enquanto que a causalidade sociológica deseja relacionar dois fenômenos.

A causalidade histórica procura levantar quais são os antecedentes de um acontecimento. Ela tem quatro etapas:

1.é preciso individualizar historicamente o que se vai pesquisar;2.é necessário analisar o complexo fenômeno histórico;3."Aplicada a uma seqüência histórica singular, a análise causal deve passar pela modificação irreal de um dos seus elementos e procurar responder à pergunta: que teria ocorrido se este elemento não tivesse existido ou tivesse sido diferente?".19

4.É premente comparar a hipótese anterior com o fato real, a fim de que se possa concluir que a modificação feita representa uma das causas do fato.

O historiador, ao fazer uma análise causal, tem que pôr a seguinte questão: como seria hoje se o que ocorreu não tivesse ocorrido? Caso ele não aja dessa forma não haverá narrativa histórica, mas uma simples lista de datas. A narrativa histórica necessita dizer que se determinado fato não ocorresse o mundo seria outro.

1 9 Aron, Raymond. As etapas do pensamento sociológico, p. 476.

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De acordo com Max Weber, a História não se desenrola de modo linear. O seu desenvolvimento é regido pela ação dos "grandes homens", quando se aliam às massa.

A conclusão, que se pode tirar desse método histórico, é que, com ele os indivíduos e os fatos ocorridos têm

uma grande relevância, pois mostra que não há um determinismo da História e que os homens de ação podem mudar a direção dos acontecimentos.

12.2. Causalidade Sociológica

Tanto a causalidade histórica, como a sociológica é definida por Max Weber em termos de probabilidades. As causas sociológicas são parciais, por que um fenômeno social torna outro provável ou não.

Com essa teoria da causalidade parcial, quis rebater o materialismo histórico de Karl Marx. Max Weber não admite que uma causa única possa determinar toda a sociedade, bem como não aceita que o futuro seja determinado pelas condições do presente.

Na sociologia weberiana, fica eliminada qualquer possibilidade de se prever a sociedade futura. Nessa sociologia, o que interessa é o indeterminado.

13. Tipos ideais

O ponto central da epistemologia weberiana é o conceito de tipo ideal. Nesse, encontra-se uma profunda ligação entre a Sociologia e a História. É o conceito de tipo ideal, o local onde deságuam vários aspectos da sociologia de Max Weber:

1.compreensibilidade; 2.racionalidade da ciência e da sociedade;

3.inteligibilidade da matéria; 4.causalidade parcial e analítica.

É por meio do tipo ideal que ele irá estudar os indivíduos (os conjuntos) históricos. Ele sempre dá uma visão parcial da sociedade, uma vez que suas definições não partem da Lógica:

Um conceito histórico não retém as características que todos os indivíduos incluídos na extensão do conceito apresenta e, menos ainda as características médias dos indivíduos considerados; visa o típico, o essencial. [...] o conceito não será definido nem pelas características comuns a todos indivíduos nem pelas características médias. Será uma reconstrução de estilizada, no isolamento dos traços típicos.20

O tipo ideal é um esforço, para aclarar no espírito o que aparece confuso na realidade. Ele não é o objetivo da pesquisa científica, mas um instrumento da pesquisa. Ele se refere a três tipos de conceitos:

2 0 Aron, Raymond. As etapas do pensamento sociológico, p. 483.

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1.indivíduos históricos: é uma construção parcial na qual somente alguns elementos são possíveis; 2.elementos abstratos da realidade histórica: são encontrados em diversas circunstâncias e servem para dar compreensão aos "conjuntos históricos reais";

3.reconstrução racional de condutas particulares.

14. Burocracia

A burocracia pode ser definida como sendo uma organização onde indivíduos, visando à cooperação, têm funções especializadas. Na sua velhice ele se vê decepcionado com a burocracia e chega a afirmar que ela é uma "nova servidão". É um aspecto racional do mundo ocidental que cai na "ditadura do funcionário". A burocratização não é um efeito só do capitalismo, mas também do socialismo.

Para Max Weber, a ditadura do futuro não seria a do proletariado, mas a do funcionário público. Seu pensamento, como conseqüência, se torna, na velhice, pessimista, quanto à crescente burocratização e racionalização da vida.

Ela não é especificamente uma característica do mundo ocidental, ela pode ser encontrada em vários lugares. O burocrata é um trabalhador anônimo que exerce uma tarefa, que nada tem a ver com sua vida particular.

Dessa maneira, a burocracia tem como característica que a impessoalidade. Além disso, a remuneração dos funcionários é definida por regras próprias.

15. Max Weber e Karl Marx

Há, no meio acadêmico, um equívoco a respeito de Max Weber, ao apresentá-lo como uma oposição a Karl Marx. É errônea a afirmação de que Max Weber inverteu por completo o materialismo histórico de Karl Marx (a economia explica da origem da religião) ao defender que uma das causas do capitalismo deve ser a religião protestante.

Ele tinha como objetivo mostrar que as duas interpretações são possíveis, ao usar areligião para explicar o capitalismo. Todavia, essas interpretações ao serem usadas como conclusões, e não como meios, prejudicam a verdade histórica.

De acordo com pensamento weberiano, as crenças não seriam conseqüências da "realidade sócio-econômica", ou ainda, essa não seria o ponto de partida para o entendimento daquela.

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16.A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo

Introdução

Em A ética protestante, o autor estudará um aspecto da relação causal “entre o moderno ethos econômico e a ética racional do protestantismo aceite”.

Max Weber afirma que a burocracia ocidental tem uma característica particular: a preocupação racional da ciência colocada em prática por especialistas treinados. Essa peculiaridade não existiu em nenhum outro povo, mas somente no Ocidente. Isso se torna evidente ao se estudar o estado e a economia ocidentais. No Ocidente, a política, a economia e as técnicas dependem diretamente de funcionários racionalmente treinados. Essa preocupação racional tão típica no Ocidente pode ser encontrada no capitalismo:

O “impulso para o ganho”, a “ânsia de lucro”, de lucro monetário, de lucro monetário o mais alto possível, não tem nada a ver em si com o capitalismo. Esse impulso existiu e existe entre garçons, médicos, caixeiros, artistas, prostitutas, funcionários corruptos, soldados, ladrões, cruzados, jogadores e mendigos – ou seja em toda espécie e condições de pessoas, em todas as épocas de todos os países da terra, onde quer que, de alguma forma, se apresentou, como se apresenta, na possibilidade objetiva para isso.21

Acreditar que as características acima são típicas do capitalismo é demonstrar uma visão ingênua da história da cultura. A busca pelo lucro não se identifica nem com o capitalismo, nem com seu espírito. É obvio que a procura da rentabilidade caracteriza o capitalismo e não poderia ser de outro modo, porque, casa a empresa não busque lucro, ela faliria.

Max Weber define o capitalismo como uma ação racional econômica, visando ao lucro, por meio de trocas específicas. No capitalismo, a ação racionalmente calculada visando ao capital é uma ação planejada, em termos de recursos, que, ao final de um ciclo determinado, o capital investido seja superado pelo capital adquirido.

No capitalismo, o que é relevante é a visão racional do lucro estar ligada diretamente ao investimento. Nessa perspectiva, o capitalismo existiu em todas as sociedades conhecidas. Entretanto, a ação destes capitalistas era, na maioria das vezes, irracional e especulativa que em muitos aspectos baseava sua apropriação na força. Essa característica ainda se encontra em uma parte dos capitalistas modernos.

No ocidente, é possível encontrar um capitalismo diverso dos outros capitalismos existentes: o trabalho é racional e livre (formalmente pelo menos). O capitalismo ocidental é uma organização industrial racional que está voltada para o mercado. Seu objetivo não é político, nem especulativo, mas atingir um mercado.

O desenvolvimento desse capitalismo teve dois fatores básicos que o influenciaram:

1.“a separação da empresa da economia doméstica”;

2 1 Weber, Max. A ética protestante e o espírito do capitalismo. p. 04.

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2.“a criação de uma contabilidade racional”.

Em A ética protestante, o que interessa ao autor não é o desenvolvimento do capitalismo em sua forma específica. Seu interesse se volta para as origens do capitalismo com o trabalho organizado racionalmente. Ele quer procurar a origem da classe burguesa ocidental que, necessariamente, não está relacionada com a origem capitalista do trabalho.

O capitalismo ocidental foi influenciado:

1.pelo desenvolvimento das técnicas;2.por fatores técnicos racionais;3.pela independência da ciência;4.pela racionalidade do Direito e da Administração.

O capitalismo ocidental desenvolveu-se da maneira como se encontra hoje, devido a uma característica tipicamente ocidental: a racionalização.

Parte I – O problema

Após essa introdução, o autor tornará claro o problema que está sendo pesquisado. Essa parte do livro divide-se em três capítulos. No primeiro se estudará a filiação religiosa e a estratificação social.

Capítulo I

Esse capítulo começa com a afirmação de que “os líderes do mundo dos negócios e proprietários do capital, assim como dos níveis mais altos de mão-de-obra qualificada, principalmente o pessoal técnica e comercialmente especializado das modernas empresas, serem preponderantemente protestantes”.22

O autor diz que a maior participação dos protestantes na economia tem uma causa histórica, e não uma causa religiosa. No século XVI, as cidades mais ricas aderiram ao protestantismo. Surge, então, uma pergunta: porque essas cidades se insurgiram contra o catolicismo?

Com o desenvolvimento econômico, essas cidades se viram prejudicadas pelo tradicionalismo econômico. Com a emancipação econômica iniciou-se um processo de dúvidas em relação à religião e às autoridades tradicionais.

Max Weber chama a atenção para o fato de que o controle social saiu das mãos da Igreja23 Católica, sendo substituído por um controle moral mais intenso. O controle tênue da Igreja Católica foi sobrepujado, por um maior controle, em todos os neveis sociais, feito de maneira séria. O calvinismo dos séculos XVI e XVII foi um controle eclesiástico rigoroso da vida do indivíduo. Isso se explica devido às reclamações dos reformadores de a Igreja não controlar a vida social.

Além desse aspecto, o autor chama atenção para o outro: a educação protestante preocupa-se com “estudos técnicos e ocupações comerciais e industriais”, enquanto que a educação católica tem uma perspectiva humanista.

Um outro ponto que Max Weber arrola para explicar porque há mais protestantes nas indústrias, pode ser visto no trabalho, pois, enquanto os católicos tendem a trabalhar com 2 2 Ibidem, p. 19.2 3 Para Max Weber uma Igreja é uma hierarquia, na qual há um autoridade que distribui bens espirituais.

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artesanato, os protestantes preferem ir às fábricas onde ocupam os cargos de nível superior e de chefia, os quais necessitam de uma mão-de-obra com mais estudos.

Essa diferença de conduta pode ser explicada pela educação adquirida no meio social onde eles vivem, que influenciam a escolha da profissão. Os protestantes têm uma preocupação com a economia racional, o que não é visto entre os católicos. É por esse motivo que é preciso procurar na religião a causa de suas ações sociais e não somente na história ou na política.

Por esse motivo, surge uma nova questão: como a religião influencia nas condutas acima relatadas? Numa primeira resposta superficial, poder-se-ia dizer que a desvalorização do mundo e o ascetismo católico fazem com que seus sectários fiquem indiferentes à riqueza nesse mundo. Entretanto, essa resposta não explica o fato de os protestantes que são quase, ou mais ainda, alheios ao mundo material como os católicos: os huguenotes franceses podem ser citados como exemplo.

O que Max Weber deseja ressaltar não é a exceção da conduta religiosa e capitalista, mas,

[...] um extraordinário senso comercial e capitalístico se mistura, nas mesmas pessoas e grupos, com as formas mais intensas de uma religiosidade que penetra em todos os setores e domina todas as suas vidas. Tais casos não são isolados, mas sim característicos de muitas das mais importantes igrejas e seitas da história do protestan-

tismo. Essa combinação é especialmente manifesta no calvinismo, qualquer que seja o país em que surgiu.24

A ligação entre o mundo espiritual e material não se encontra em todo o protestantismo, mas é patente nos calvinistas, nos membros da religião reformada (um tipo de calvinismo moderado) e no pietismo.

No primeiro protestantismo (de Lutero, de Calvino, de Knox e de Vöet), não se encontra nada do que se pode ser chamado de progresso. Eles se opunham a setores inteiros da vida contemporânea. Por isso, a relação entre o velho protestantismo e o capitalismo deve ser procurada em seus traços religiosos.

Com essa afirmação, encerra-se o capítulo primeiro: é preciso buscar o maior número de relações possíveis entre o protestantismo e o capitalismo. é preciso apresentar a história do espírito do capitalismo.

Mas, antes de se prosseguir nessa tentativa, Max Weber diz que: “[...] são necessárias algumas observações, primeiro sobre as peculiaridades do fenômeno do qual estamos procurando uma explicação histórica, e depois, com relação ao sentido em que tal explanação é possível, dentro dos limites dessas investigações”.25

2 4 Ibidem, p. 25.2 5 Ibidem, p. 27.

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Capítulo II: O espírito do capitalismo

O capítulo segundo (O espírito do capitalismo) é iniciado com o autor dizendo que o título é pretensioso, que a tentativa de explicar esse espírito “acarreta certas dificuldades”. Esse termo terá compreensibilidade se se referir a “uma individualidade histórica”. Como tal conceituação não será apresentada no inicio da exposição, mas será alcançada no final. Mas é necessário fazer a descrição provisória do que seja o espírito do capitalismo, especificamente nessa análise, visto que pode ser esse conceito, descrito em outros trabalhos, com outros interesses e de forma diferente.

Na concepção dessa descrição provisória, Max Weber toma um texto de Benjamin Franklin, a fim de tentar definir o que é o espírito do capitalismo. Não será demais citar todo o texto:

“Lembra-te de que tempo é dinheiro. Aquele que pode ganhar dez xelins por dia por seu trabalho e vai passear, ou fica vadeando metade do dia, embora não dependa mais do que seis pertences durante seu divertimento ou vadiação, não deve computar apenas essa despesa; gastou, na realidade, ou melhor, jogou fora, cinco xelins a mais”.

“Lembra-te de que crédito é dinheiro. Se um homem permitir que seu dinheiro permaneça em minhas mãos por mais tempo do que é devido, ele me concede juros, ou o quanto eu possa fazer com ele durante este tempo. Isto atinge uma soma considerável, quando um homem tiver um bom e largo crédito, e fizer um bom uso dele”.

“Lembra-te de que o dinheiro é de natureza prolífica, procriativa. O dinheiro pode gerar dinheiro e seu produto

pode gerar mais e assim por diante, até atingir cem libras. Quanto mais houver dele, mais ele produz em cada turno, de modo que o lucro aumenta cada vez mais rapidamente. Aquele que mata uma porca prenhe destrói toda uma prole até a ultima geração. Aquele que desperdiça uma coroa destrói tudo o que ela poderia ter produzido, um grande número de libras”.

“Lembra-te deste refrão: ‘O bom pagador é dono da bolsa alheia’. Aquele que é conhecido por pagar pontual é exatamente na data prometida em qualquer momento leva tanto dinheiro quantos seus amigos possam dispor. Isto é as vezes de grande utilidade. Depois da industriosidade e da frugalidade, nada contribui mais para um jovem subir na vida do que a pontualidade e a justiça em torno dos seus negócios; portanto, nunca conserves dinheiro emprestado uma hora além do tempo prometido, senão um desapontamento fechará a bolsa do teu amigo para sempre”.

“As mais insignificantes ações que afetem o credito de um homem devem ser consideradas. O som de teu martelo às cinco da manhã, ou às oito da noite, ouvido por um credor o fará conceder-te seis meses a mais de crédito; ele procurará, porém, por seu dinheiro no dia seguinte, se te ver em uma mesa de bilhar ou escutar tua voz, em uma taverna, quando deveria estar no trabalho; exige-lo-á de ti antes de que possa dispor dele”.

“Isto mostra, além do mais, que estás consciente do que possuis; fará com que pareça um homem tão cuidadoso quanto honesto e isto ainda aumentará mais o que o teu crédito”.

“Guarda-te de pensar que tens tudo o que possuis e de viver de acordo com isto. Este é um erro em que caem muitos que têm crédito. Para evitá-lo, mantém por muito tempo um balanço exato tanto de suas despesas quanto de sua receita. Se tiveres o cuidado de, inicialmente, mencionar as particularidades isso terá o seguinte efeito salutar: descobrirás

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como as mínimas e insignificantes despesas se amealham em grandes somas, e discernirás o que poderia ter sido e que poderá economizado para o futuro, sem grandes inconvenientes”.

“Por seis libras anuais poderá ter o uso de cem libras, uma vez que sejas um homem de conhecida prudência e honestidade”.

“Aquele que gasta inutilmente um ‘groat’ por dia, desperdiça o privilegio de usar cem libras todos os dias”.

“Aquele que inutilmente perde o valor de cinco xelins, não perde somente esta soma, mas todo o proveito que, investindo-a, dela poderia ser tirado, e que durante o tempo em que um jovem se torna um velho, integraria uma considerável soma de dinheiro.”26

Nesse texto, é possível encontrar o próprio espírito do capitalismo, porém espírito não se reduz a esse texto. O que preconiza Benjamin Franklin, nessa filosofia da avareza, parece ser:

1.o ideal de um homem honesto;2.o homem com crédito reconhecido;3.o aumento do capital é um fim em si mesmo.

A importância desse documento é que nele se encontra uma ação que deve ser cumprida por dever e não por qualquer outro motivo. Max Weber diz que “esta é a essência do problema”: Benjamin Franklin não está interessado no comércio, e sim na conduta ética do indivíduo. E é esta qualidade que interessa a Max Weber. Dessa maneira, ele encontra o caminho da definição do espírito do capitalismo ocidental como sendo uma conduta ética.

O bem supremo, preconizado no texto, citado acima, é a obtenção cada vez maior de dinheiro. A finalidade da vida é a produção. Ganhar dinheiro é “o resultado e a expressão de virtude e de eficiência em uma vocação”.

Para Max Weber, o importante na ética de Benjamin Franklin é a idéia do dever profissional. Essa idéia é o fundamento do capitalismo, uma vez que o indivíduo se sente obrigado “com relação ao conteúdo de sua atividade profissional”. Entretanto, essa idéia não pertence somente ao capitalismo.

O capitalismo escolhe os mais aptos de que precisa em cada setor. Não se trata de uma seleção. O que pretendo o autor é descobrir a origem desse modo de vida, não de um homem, mas de um grupo inteiro que tão bem se adaptou ao capitalismo. O espírito do capitalismo (“no sentido de um estilo de vida normativa baseado e revestido de uma ética”) tal como o exposto por Benjamin Franklin repousa sobre uma ética que não é a do homem sem escrúpulos.

O trabalho no capitalismo deve ser feito como se fosse uma vocação. Essa vocação não é natural, mas construída pela educação.

O capitalismo moderno se desenvolveu mais devido a uma mudança ética, do que um alto investimento de capital. A fortuna obtida não era emprestada a juros, mas reinvestida no negócio: o prazer de desfrutar a riqueza foi substituído por uma vida frugal.

Uma grande desconfiança pairou sobre esse primeiro inovador, histórias sobre a sua vida pregressa foram inventadas. Mas, por ter um autocontrole fora do comum, esse empresário conseguiu superar as adversidades e devido a suas “qualidades ‘éticas’” ganhou a confiança dos fregueses e dos trabalhadores. A princípio, pode-se pensar que essa conduta

2 6 Franklin, Benjamim apud Weber, Max. A ética protestante e o espírito do capitalismo. pp. 29-31.

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moral não se relaciona nem com a ética e nem com religião. A esses homens não interessa o uso da riqueza, e sim a sensação de dever cumprido.

Max Weber, em busca da relação entre a ética protestante e o espírito do capitalismo, faz alguns questionamentos sobre a passagem de uma conduta de simples aceitação do capitalismo para uma atitude de vocação:

Como é que uma atividade, que era, na melhor das hipóteses, eticamente tolerada, transformou-se em uma vocação no sentido de Benjamin Franklin? Como se explica historicamente o fato de nos centros mais altamente capitalista daquela época, em Florença, nos séculos XIV e XV – o mercado de dinheiro e de capital de todos os grandes poderes políticos – fosse considerado eticamente perigoso, ou fosse quando muito tolerado, aquilo que, nas retrógradas circunstâncias pequeno-burguesas da Pensilvânia do século XVIII, onde a economia se via ameaçada, pela simples falta de dinheiro, ao regredir ao primitivo estágio de trocas, onde dificilmente havia um sinal de grande empresa, onde podiam ser encontrados apenas os primórdios do sistema bancário, a mesma coisa fosse considerada moralmente digna de louvor e pudesse mesmo equivaler a uma norma de vida? Falar aqui de um reflexo das condições “materiais” sobre a “superes-

trutura ideal” seria patentemente insensato. De que rol de idéias originava-se a concepção de atividade dirigida para lucros, encarada como vocação para qual indivíduos se sentissem com obrigações? Por que foi esta idéia que determinou o modo de vida do novo empreendedor, sua fundamentação ética e sua jurisdição?27

Um modo fácil de se querer entender o capitalismo é aceitar seu desenvolvimento como um efeito do racionalismo. Nessa perspectiva o protestantismo seria apenas um estágio do capitalismo e não uma de suas causas.

A tarefa a que o autor se propõe agora é encontrar com o “pai intelectual” da idéia de vocação “e a divisão do trabalho na vocação” que é a idéia, por excelência, do capitalismo. É a pesquisa sobre este elemento que constituirá o próximo capítulo.

Capítulo III: A concepção de vocação de Lutero

O capítulo terceiro (A concepção de vocação de Lutero; tarefa da investigação) começa afirmando que a noção de vocação não era conhecida até o advento do protestantismo. A origem dessa palavra não se encontra na bíblia, porém no pensamento de Lutero.

Com a valorização do trabalho secular, a palavra vocação (no sentido de ter que cumprir uma tarefa por dever) passou a ter um significado religioso. É esse conceito o ponto central do Protestantismo, pois abandonava a visão católica que defendia o afastamento do mundo material e aceitava a vida dentro dos mosteiros como o caminho para o céu. Para os protestantes, era necessário cumprir suas tarefas no quotidiano. Essa era sua vocação: viver nesse mundo trabalhando como se fosse um santo.

Essa visão do trabalho, como vocação, aparece no pensamento de Lutero, após a primeira década de sua atividade reformadora, antes desse período, o trabalho era visto como eticamente neutro. Lutero passou a ver a vida isolada dos monges como uma atitude egoísta. Assim, o trabalho passa a ser visto como uma expressão de amor ao próximo.

2 7 Ibidem, p. 49.

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O trabalho é o único caminho até Deus. Essa foi uma das atitudes protestantes, que mais conseqüências viria a ter no futuro. A Reforma valorizou a moral e o trabalho.

Entretanto, a visão luterana da vocação é negativa e não é o que Max Weber procura, por isso ele estudará o Calvinismo, visto que essa religião contribuíra para o desenvolvimento do capitalismo. O êxito da Reforma foi possível graças ao Calvinismo, por esse motivo, ele é visto como o verdadeiro inimigo do catolicismo. Mas, não se pode esquecer que o trabalho, como vocação, foi uma conseqüência imprevista, que não fazia parte do ideário dos reformadores.

O objetivo de Max Weber não é fazer um julgamento de valor da Reforma, e sim estudar os aspectos secundários dela, por outras palavras, ele quer saber como a Reforma religiosa influenciou os outros aspectos da “moderna cultura secular”.

É preciso ressaltar que a reforma não foi uma “conseqüência histórica necessária”, como querem os materialistas dialéticos. Como também não se pode aceitar ser ela a causa do capitalismo, visto que muitas formas importantes do capitalismo existiram antes da Reforma.

O que quer Max Weber é verificar como a Reforma influenciou qualitativa e quantitativamente a construção “desse ‘espírito’ pelo mundo”. Além de verificar quais os aspectos do capitalismo se liga à Reforma.

É necessário fazer uma correlação entre o Calvinismo e a ética da vocação. Se isso for possível, então, coloca-se luz sobre a influência religiosa na vida material. Após conseguir isso, o autor tentará relacionar a origem da cultura contemporânea com a religião. É isso que se verá na segunda parte (A ética vocacional do protestantismo ascético).

II ParteCapítulo IV: Fundamentos religiosos do ascetismo laico.

No quarto capítulo (Fundamentos religiosos do ascetismo laico), da segunda parte, o autor fará um estudo sobre o protestantismo acético. É nesse grupo que ele encontrará a conduta moral voltada a uma vocação para o trabalho. Historicamente o protestantismo ascético é representado por:

1.Calvinismo do século XVII;2.Pietismo;

3.Metodismo; 4.seitas Batistas.

Esses grupos sempre se inter-relacionavam com os demais, bem como não era clara sua diferença para as igrejas não-ascéticas. O Metodismo surge a partir da Igreja Oficial da Inglaterra, e queria reforçar o ascetismo e não fundar uma nova igreja, mas, ao se dirigir a América, a ruptura ocorreu.

O Pietismo surge a partir do Calvinismo inglês e holandês. Sua origem era ortodoxa, mas, no século XVII, separou-se da ortodoxia e foi englobado pelo Luteranismo, apesar de manter-se “como um movimento dentro da Igreja Luterana”.

Os Calvinistas e os Batistas, no início, estavam separados, mas, no século XVII, se encontravam, em contato mais íntimo.

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Ao analisar o protestantismo ascético, o interesse do autor se voltará para as sanções psicológicas religiosas que orientarão os indivíduos em suas condutas diárias. É necessário ressaltar que essas sanções tinham natureza religiosa.

Por conseguinte, o autor fará um breve estudo sobre o dogma a que se refere o protestantismo ascético, para tanto, ele construirá os tipos ideais de cada uma das quatro religiões apresentadas acima.

A. Calvinismo

As lutas políticas e culturais do século XVII na Holanda, França e Inglaterra tiveram como centro o Calvinismo. O principal dogma dessa religião é a predestinação. Para se entender essa teoria, nada como citar o documento da “confissão Westminster”, de 1647. O homem é predestinado por Deus, porque:

1.como pecador, não conseguirá sozinho sua salvação;2.Ele destinou alguns homens à vida eterna e outros à morte eterna;3.alguns foram escolhidos para glorificá-los, por isso as boas ações de nada adianta nessa escolha;4.condenou o restante da humanidade ao pecado eterno;5.na época adequada, chamará os escolhidos;6.a graça divina foi negada aos homens maus.

A Max Weber não interessa julgar se a predestinação é certa ou não, mas ressaltar sua importância para a ética Calvinista. Existem dois caminhos que levam a esse dogma. O primeiro, que segue uma linha desde santo Agostinho, vê a graça como algo objetivo e não como um valor pessoal. A graça tem de ser divina, visto que o homem é pecador.

Enquanto que, em Martinho Lutero e Felipe Melâncton, a doutrina da predestinação foi perdendo seu valor,

devido às lutas que empreendiam, com João Calvino ocorreu o oposto. E, após sua morte, ela se tornou central.

Os homens não podem tentar julgar a predestinação, uma vez que seria um insulto a Deus, pois somente “Ele, e apenas Ele, é livre, não está submetido à lei alguma”. O que cabe aos homens saberem é que apenas alguns serão salvos e não porque Deus os escolheu.

Como a vontade de Deus é imutável, as boas ações dos homens não são capazes de mudar o veredicto divino. A conseqüência da teoria da predestinação foi um enorme sentimento de solidão interna que pairou sobre o indivíduo. E assim, o homem da reforma foi obrigado a seguir sozinho seu destino. Com isso, não se poderia contar com a ajuda de ninguém, muito menos de:

1.sacerdotes, pois era o coração do escolhido que entenderia os desígnios do Senhor;2.de nenhum sacramento, porque ele não é meio de se obter a graça divina;3.de nenhuma igreja, porquanto nela havia também alguns condenados;4.“nenhum Deus. Porque mesmo Cristo morrera apenas para os eleitos, em cujo benefício Deus decretara seu martírio pela eternidade. Isto – a completa eliminação da salvação através da Igreja e dos sacramentos (que no

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luteranismo não foi de modo algum desenvolvido até suas conclusões finais) – é o que constitui a diferença absolutamente decisiva entre o calvinismo e o catolicismo”.28

Com o Calvinismo, a magia é eliminada por completo do mundo. Esse processo, que se iniciou com os profetas hebreus e com o racionalismo grego, tem, no Calvinismo, sua conclusão lógica. Nessa religião, os meios mágicos de se conseguir a salvação são eliminados.

A doutrina calvinista (baseada num Deus transcendente e na impureza da matéria), que vê o indivíduo sozinho internamente, nega tudo o que é sensual e emocional tanto na cultura, quanto no sentido religioso subjetivo, uma vez que de nada adiantam para a salvação eterna. Além disso, essa solidão interna do indivíduo é “uma das razões deste individualismo de inclinação pessimista e despido de ilusões”.

O que vai interessar Max Weber é a total confiança que o calvinista devota a Deus. Nesse aspecto, não se deve confiar em ninguém, a não ser em Deus, como conseqüência, o processo da confissão desaparece. Isso foi um fato de grande importância: “Em primeiro lugar, ele é um sintoma do tipo de influência exercido por essa religião. Além disso, todavia, foi um estímulo psicológico para o desenvolvimento de sua ética. Os meios de uma ‘descarga’ periódica do senso emocional de pecado foram com isso abolidos”.29

O calvinista precisava se relacionar com sua Igreja, para se salvar, e sua relação com Deus se dava na “solidão interna do indivíduo”. Daí, surgiu um aparente paradoxo: ele

tem uma preocupação com o mundo social, mas ele se separa de todos os laços que o liga a esse mundo.

Esse paradoxo é a conseqüência imediata da solidão do indivíduo e sua relação com a fraternidade cristã. O mundo somente existe para a glorificação de Deus e, ao escolhido, compete aumentar a glória divina. Entretanto, o cristão deve fazer obras sociais, pois o mundo deve ser organizado de tal forma que glorifique a Deus.

Por isso, o calvinista trabalha como se fosse uma vocação, o trabalho tem como finalidade o amor ao próximo. Essa é a marca primordial de sua ética. Amor, ao próximo, é cumprir as tarefas cotidianas, conforme a lei natural. É preciso cumprir as tarefas, de modo objetivo e impessoal, a fim de organizar racionalmente a sociedade, sendo útil aos homens, pois foi destinado por Deus que assim seja: “Isso faz com que o labor a serviço dessa utilidade social impessoal surja como promotor da glória de Deus e, portanto, como desejada por Ele”.

O que interessa a Max Weber, a essa altura, é saber como surgiu a teoria da predestinação numa época em que a preocupação com o outro reino era mais importante. À pergunta se era um escolhido tinha como resposta: tenha fé em Deus. Não se pode dizer pelas condutas dos outros se eles são ou não escolhidos. Não há diferenças externas, nesse mundo, entre os escolhidos e os condenados. Essa atitude tornou-se insuportável para os fiéis.

Assim, surgiram dois tipos de recomendações pastorais, quanto à teoria da predestinação. A primeira dizia que cada um devia se considerar o escolhido por meio da fé na salvação: “A exortação ao apóstolo de fortalecimento da própria vocação é aqui interpretada como um dever de obter certeza da própria dedicação e justificação na luta diária pela vida”.

Essa primeira recomendação não se dirigia aos humildes pecadores, mas a “estes santos autoconfiantes” que podem ser identificados com os capitalistas puritanos.

A segunda recomendação, para se saber se tinha graça ou não, aconselhava o trabalho intenso, pois ele afastaria a dúvida sobre a salvação.

2 8 Ibidem, p. 72.2 9 Ibidem, pp. 73-4.

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Essas recomendações remetem a outra pergunta: porque o calvinista julgava ser “capaz de identificar a verdadeira fé?” A resposta era: devido à sua conduta que servia “para aumentar a glória de Deus”.

Somente tem fé quem fora eleito, por isso ele glorifica mais a Deus com suas obras.as boas obras não serviam para salvar o indivíduo (Deus já havia escolhido os seus), servem apenas como sinal da salvação. As boas obras não compravam a salvação, mas livrava do medo da condenação.

Com essa conduta ética, o calvinista se convencia de que era escolhido por Deus. Assim, ele criava um sistemático autocontrole que era testado perante a pergunta: “escolhido ou condenado?” Para Max Weber, esse é o ponto central da discussão empreendida até agora.

O “católico leigo medieval norma” agia com consciência de suas obrigações, mas elas não formavam um “sistema de vida integrado”, pelo contrário, eram noções isoladas. Elas eram usadas, com o intuito de aumentar a chance de salvação, ou como um seguro para a salvação. O importante, para esse católico, era a intenção do ato isolado. Cada ato determinava a salvação ou não.

A Igreja Católica reconhecia não ser o homem uma unidade bem definida, para ser julgado como um todo. Para ela, a vida moral do homem submetia-se a diversos conflitos e a ação do homem era contraditória. O que queria a Igreja Católica era “uma mudança de vida em princípio”. Entretanto, com o sacramento30 da absolvição ela abrandou esse requisito.

Os católicos não racionalizaram o mundo, como os puritanos e os judeus, pois ainda recorriam à mágica para obter a salvação. A transubstanciação era uma mágica do sacerdote. Era ele o portador da salvação eterna, da absolvição dos pecados e, por conseqüência, diminuía a pressão sobre o indivíduo, perante a questão: escolhido ou condenado? O católico anda tranqüilo pelo mundo.

O mesmo não acontece com o calvinista que constantemente se via pressionado por essa questão. Não havia conforto para ele, só porque, em outros momentos, agiu de boa vontade, tal como ocorria com o católico e o luterano.

O Deus calvinista era exigente e queria dos escolhidos “uma santificação pelas obras, coordenada em um sistema unificado”. Bem diferente dos católicos que se apoiavam em ações isoladas: “Não havia lugar para o ciclo essencialmente humano dos católicos de: pecado, arrependimento, reparação, relaxamento, seguido de novo pecado; nem havia a balança de mérito algum para a vida como um todo, que pudesse ser ajustada por punições temporais ou pelos meios de graça da igreja”.31

Com o Calvinismo, o indivíduo passa a ter uma vida sistemática, isso porque, somente com método, é que esse “poderia obter vitória sobre estado de natureza”. Esse ascetismo puritano tentava fazer com que os sentimentos fossem submetidos à Razão. Como objetivo, ele procurava fazer o homem ter uma “vida alerta e inteligente”.

A ética calvinista apregoa que todo homem deve ser um “monge por toda a sua vida”. No desenvolvimento do calvinismo, surgem “a idéia da necessidade de se provar de cada um a fé, na atividade secular”. Esse fato aumentou o número de pessoas com interesses ascéticos: “Baseando sua ética na doutrina da predestinação, substitui aristocracia espiritual dos monges, alheia e superior ao mundo, pela aristocracia espiritual dos predestinados santos de Deus, integrados no mundo”.

3 0 “Cada um dos sinais sagrados (batismo, crisma, eucaristia, penitência, ordem, matrimônio e a extrema-unção) instituídos por Jesus Cristo para a salvação divina dos fiéis”. Ferreira, Aurélio. B. H. Mini dicionário da língua portuguesa. 3. ed. Rio de janeiro: Nova Fronteira, p. 93.3 1 Weber, Max. A ética protestante e o espírito do capitalismo. p. 82.

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Os calvinistas não abandonaram o Velho Testamento, pelo menos aquelas leis que não se referiam ao momento histórico judaico e aquelas que não foram negadas por Cristo. Eles selecionaram os elementos que melhor se adaptavam a sua realidade. Os puritanos aceitavam: “a influencia da sabedoria, temente de Deus, mas perfeitamente desprovida de emoção, dos hebreus...”. Eles, ao abandonarem a emoção religiosa e ao substituírem pela racionalidade, o fizeram influenciados pelo Velho Testamento.

A sistematização, à ética do Velho Testamento, achou terreno fértil no Calvinismo. A contabilidade que registra as virtudes e vícios seria sua marca característica. Na tentativa de santificar a vida, a racionalidade contábil se

aproxima muito de uma “empresa comercial”. Com isso, o calvinismo cristianizava todos os momentos da vida e foi essa racionalidade que influenciou por completo sua vida.

B. O Pietismo

Não só o Calvinismo aceita a teoria da predestinação, mas também o Pietismo a tem como ponto de partida. Ele está ligado intimamente ao puritanismo.

O Pietismo, na Holanda, não procurava o conhecimento teológico para sim saber se o fiel foi eleito ou não. O caminho para seus seguidores, a fim de se saber sobre a eleição, era a fé.

Eles não chegaram a formar uma seita32 separada, mas seus membros viviam longe das tentações mundanas e procuram sinais de que haviam sido escolhidos. Uma característica marcante do Pietismo era a emoção contida em sua religião, como conseqüência a prática religiosa, direcionada na busca da salvação e não a preocupação com um mundo futuro.

Quanto aos Pietismo, na Alemanha, de base luterana, houve um afastamento da doutrina da predestinação, mas o que interessava a Max Weber é ver no Pietismo uma moral “metodicamente controlada e supervisionada”.

Suas principais idéias são:

1.a conduta metódica é um sinal de graça divina;2.o sinal divino da graça aparecerá àqueles que se conduzirem metódica e pacientemente.

Para os Pietistas, existia uma aristocracia dos eleitos que estava “apoiada na especial graça de Deus”. Para eles, era importante a doutrina do Terminismo que admite ser a graça dada para todos os homens, “mas sempre pela última vez”. Além dessa doutrina, é possível encontrar entre eles a idéia de que a graça tornar-se-ia efetiva após o arrependimento. Pó isso, eles criaram um método racional, a fim de se conseguir a graça divina.

Os grupos sociais que mais seguiam o Pietismo eram os:

1.“fervorosos” funcionários;2.caixeiros;3.operários;4.empregados domésticos;5.empreendedores patriarcais.

3 2 Na concepção de Max Weber seita é uma associação voluntária e democrática de fiéis. Elas aguçam a competição, enquanto que as corporações medievais a aboliam.

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Metodismo

O metodismo é um movimento Pietista anglo-americano ascético e emocional. O nome desse grupo religioso provém do caráter sistemático que eles tinham na obtenção da salvação. Era por meio do método que se alcançava a emoção importante na conservação:

A obtenção do arrependimento envolvia, em certas circunstâncias, uma luta emocional de tal intensidade que levava aos mais terríveis êxtases, que, na América, muitas vezes ocorriam em reuniões públicas. Isso formou a base de uma crença na imerecida posse da graça divina e, ao mesmo tempo, de uma imediata consciência de justificação e perdão. 33

Para os metodistas, a base para a salvação era a certeza do perdão, “derivado imediatamente do testemunho do espírito”. Outra doutrina, relevante para eles, era a santificação, por meio da graça divina, que dá a consciência da “libertação do pecado”. Essa consciência é conseguida por meio de uma profunda confiança e, por esse motivo, o metodismo se afasta do pessimismo calvinista.

Para eles, as obras não são a causa da graça, mas os meios de se reconhecer alguém, em estado de graça, “e, mesmo isto, apenas quando elas são realizadas exclusivamente para a glória de Deus”.

As seitas Batistas

O Pietismo, da Europa continental, e o Metodismo anglo-saxão “são considerados movimentos secundários” no ascetismo protestante. Os Batistas, Menonistas e os Quakers colocam-se, quanto ao ascetismo, ao lado dos calvinistas, mas se diferem dos calvinistas em alguns pontos. Para as seitas Batistas, a igreja visível (a comunidade religiosa) era composta somente pelos crentes e os redimidos do pecado.

Para eles, o batismo era a “posse espiritual de seu dom da salvação”. Essa era individual e conseguida por meio da “ação do espírito divino no indivíduo”. A salvação era para todos e, para consegui-la, bastava se afastar do mundo.

A seita de Menno Simons, no século XVI, se auto conhecia como “a verdadeira igreja irrepreensível de Cristo”. Somente são irmãos de Cristo aqueles que se redimiram dos pecados.

Uma característica de relevância, para as seitas Batistas, é “o repúdio necessário de toda ‘deificação da carne’, como uma detração da revivência, devida apenas a Deus”.

Com as seitas Batistas, os sacramentos são desvalorizados e a religião é desmistificada. Para eles, era a “luz interior” que os facultava entender as coisas de Deus.

Com a não aceitação da predestinação calvinista, os Batistas apoiaram-se “na idéia da ‘espera’ pela ação do Espírito”. O indivíduo, para ouvir a palavra de Deus, deve-se calar. A conseqüência imediata foi uma educação ponderada dos negócios e “a orientação destes [para a] justificação da consciência individual”.

Nas seitas batistas, a vocação era econômica, pois eles recusavam:

3 3 Ibidem, pp. 98-9.

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1.funções públicas;2.pegar em armas;3.prestar juramentos.

Eles eram contra qualquer “estilo de vida aristocrático”, bem como eram apolíticos, assim como os calvinistas. A “ascese secular dos Batistas” exigia ser a honestidade a melhor política. Isso já foi dito mais acima, no documento de Benjamin Franklin, e é um princípio ético importante no capitalismo.

Após expor a fundamentação religiosa da “idéia puritana de vocação”, Max Weber estudará essa idéia, “em sua atuação na vida profissional”. O importante, para o autor, é o ponto em que todas essas religiões se convergem: o estado de graça.

Esses religiosos chegavam a esse estágio, por meio do método, que pudesse sistematizar esse estado de graça, por isso eles abraçavam o ascetismo religioso racional. Todo aquele que “estivesse certo da salvação” podia querer esse ascetismo: “A vida religiosa dos santos, desligando-se da vida ‘natural, não era muito vivida – este é o ponto mais importante – fora do mundo, em comunidades monásticas, mas dentro do mundo e de suas instituições. Esta racionalização da conduta dentro deste mundo, mas para o bem do mundo do além, foi a conseqüência do conceito de vocação do protestantismo ascético”.34

Esse ascetismo puritano abandona o mosteiro e coloca-se na vida, de modo metódico, tentando moldar a rotina diária à racionalidade, mas não visando a esse mundo. e o resultado dessa conduta ética será o tema do próximo capítulo.

Capítulo V: Ascese e o espírito do capitalismo

No capítulo cinco (Ascese e o espírito do capitalismo), Max Weber tomará o protestantismo ascético como um todo, mas como é, no puritanismo, cuja idéia de vocação está mais fundamentada, o autor analisará um de seus teóricos mais importantes: Richard Baxter. Ele se afastou dos dogmas do calvinismo ortodoxo e não admitia o governo de Cromwell. Ele aceitava a opinião alheia e era objetivo com seus adversários. Seu trabalho dirigia-se para a promoção “da vida moral eclesiástica”.

Richard Baxter discute a riqueza e sua aquisição. Para ele, a riqueza é um perigo, pois suas tentações são grandes, sua procura sem sentido e moralmente suspeita. Sua ascese parece voltar contra a busca de bens materiais. A riqueza é condenada porque ele faz com que o indivíduo fique relaxado, frente à vida santificada:

E apenas é condenável porque a riqueza traz consigo este perigo de relaxamento. Pois o “eterno descanso da santidade” encontra-se no outro mundo; na Terra, o Homem deve, para estar seguro de seu estado de graça, “trabalhar o dia todo em favor do que lhe foi destinado”. Não é, pois, o ócio e o prazer, mas apenas a atividade que serve para aumentar a glória de Deus, de acordo com a inequívoca a manifestação da Sua vontade.35

Para Richard Baxter, “a perda de tempo, portanto, é o primeiro e principal de todos pecados”. A perda de tempo é a perda do trabalho e perder trabalho é não glorificar a Deus. É

3 4 Ibidem, p. 109.3 5 Ibidem, p. 112.

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por esse motivo que a contemplação é condenada. Ele defende um trabalho mais duro e constante. E isso devido a dois fatores:

1.o trabalho previne as tentações;2.o trabalho é a própria finalidade da vida.

O trabalho é tão importante parra ele que até os mais ricos devem trabalhar, pois os mandamentos de Deus servem para todos. A vocação, dada por Deus, exige que todos trabalhem para a sua glória.

A divisão do trabalho existe, a fim de que as habilidades do trabalhador aumentem a produção, em termos de qualidade e quantidade. Como conseqüência desse aumento, há uma melhoria do “bem comum”, que é idêntico ao bem do maior número. É impossível não ver como essa teoria influenciou Adam Smith.

Nesse aspecto, é uma motivação utilitária. E o puritanismo de Richard Baxter surge, quando ele afirma que as realizações do homem são bem sucedidas a partir do momento que seguem sua vocação:

Mas o elemento caracteristicamente puritano logo aparece quando Baxter coloca à frente discussão a seguinte proposição: “Fora de uma vocação bem-sucedida, a realizações do homem são apenas casuais e irregulares, e ele gasta mais tempo na vadiagem do que no trabalho”, e também quando conclui dizendo que “ele (o trabalhador especializado) efetuará seu trabalho ordenadamente, enquanto um grupo permanecerá

numa contínua confusão, não conhecendo sua atividade, nem lugar... razão pela qual ter um ofício certo é o melhor para tantos. O trabalho irregular, que muitas vezes o operário comum é obrigado a aceitar, é, muitas vezes, um mal inevitável, mas, sempre indesejável estado de transição. Assim, falta à vida do homem sem ofício aquele caráter sistemático e metódico requerido, como vimos, pelo ascetismo secular”. 36

A utilidade de uma vocação e sua aprovação por Deus é orientada:

1.por critérios morais;2.pela “importância dos bens produzidos para a ‘coletividade’”;3.pelo lucro individual conseguido no empreendimento.

A riqueza deve ser buscada para a glorificação de Deus, caso ela sirva para a ociosidade, ela torna-se moralmente condenável. A busca da riqueza, quando é feita como um dever vocacional, é eticamente aceitável. Querer ser pobre é querer ser doente. A mendicância, para aqueles que têm condições de trabalhar, é “uma violação do dever de amar ao próximo”.

A importância que foi dada à ascese “de uma vocação fixa” foi a base para se justificar “a moderna divisão do trabalho”. A partir desse momento, Max Weber mostrará como as teorias puritanas da vocação e do ascetismo com

tribuíram no desenvolvimento do capitalismo. A Ascese é contra o desfrute natural da vida.

3 6 Ibidem, p. 115.

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O homem apenas guarda os bens que pertencem a Deus. Cada centavo pertence a Deus e, por isso, seu gasto deve ser na glorificação divina. Quanto maior a riqueza maior a responsabilidade para com Deus.

O “ascetismo secular do protestantismo”, por um lado era contrário ao consumo. Por outro lado, deixava indivíduo livre psicologicamente para adquirir bens, pois eram desejados por Deus. A luta desse ascetismo não era contra a riqueza, contudo contra o seu uso irracional: “A idéia de comfort limita de maneira sintomática a margem de despesas eticamente perecíveis, e, naturalmente, não constitui coincidência que o desenvolvimento do estilo de vida, que se prende a essa idéia, tem sido observada primeiro, e de maneira mais clara, justamente entre os representantes mais conseqüentes de toda essa concepção de vida: os quakers”.37

Esse ascetismo também condenava a desonestidade e a ganância. Seu mais alto instrumento era o trabalho sistemático vocacional. Esse trabalho é um meio de preservar a redenção da fé e do homem, foi uma alavanca poderosa do “espírito” do capitalismo.

O ascetismo puritano tem como conseqüência, da restrição do consumo com a busca da riqueza, a acumulação capitalista. Como o capital poupado não podia ser utilizado para aumentar o luxo e nem o consumo, ele devia, então, ser empregado na produção. Com o desenvolvimento da ética puritana, houve um favorecimento da “vida econômica racional e burguesa”:

Uma ética profissional especificamente burguesa surgiu em seu lugar. Consciente de estar na plena graça de Deus, e sob a sua visível benção, o empreendedor burguês, enquanto permanecesse dentro dos limites da correção formal, enquanto sua conduta moral fosse sem manchas e não fosse objetável o uso de sua riqueza, podia agir segundo os seus interesses pecuniários, e assim devia proceder. O poder da ascese religiosa, além disso, punha à sua disposição trabalhadores sóbrios, conscientes e incomparavelmente industriosos, que se aferraram ao trabalho como uma finalidade de vida desejada por Deus. Dava-lhe, além disso, a tranqüilizadora garantia de que a desigual distribuição da riqueza deste mundo era obra especial da Divina Providência, que, com essas diferenças, e com a graça particular, perseguia seus fins secretos, desconhecido dos homens.38

No puritanismo ascético, o trabalho consciente é agradável a Deus, mesmo se o trabalho for de baixa remuneração. Nessas religiões, isso tornou-se uma norma, pois o trabalho deveria ser feito por vocação, a fim de se atingir a graça divina. O trabalho torna-se um ‘dever para com Deus”. Um dos elementos principais do capitalismo moderno, o trabalho racional como vocação, teve sua origem no “espírito da ascese cristã”:

O puritano queria tornar-se um profissional, e todos tiveram de segui-lo. Pois quando o ascetismo foi levado para fora dos mosteiros e transferidos para a vida profissional, passando a influenciar a moralidade secular, fê-lo contribuindo poderosa

mente para a formação da moderna ordem econômica e técnica ligada à produção m série através da máquina, que atualmente determina de maneira violenta o estilo de vida de todo indivíduo nascido sob esse sistema, e não apenas daqueles diretamente atingidos pela aquisição econômica, e, quem sabe, o determinará até que a última tonelada de combustível tiver sido gasta. De acordo com a opinião de Baxter, preocupações pelos bens materiais somente poderiam vestir os ombros do santo “como um tênue manto, do qual a toda hora se pudesse despir”. O destino iria fazer com que o manto se transformasse numa prisão de ferro. 39

3 7 Ibidem, p. 123.3 8 Ibidem, p. 127.3 9 Ibidem, pp. 130-1.

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