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UNIVERSIDADE DE LISBOA INSTITUTO DE GEOGRAFIA E ORDENAMENTO DO TERRITÓRIO A INDIVIDUALIDADE DE PORTUGAL E AS COMUNICAÇÕES DE TRANSPORTE NO ESPAÇO IBÉRICO Uma Abordagem Geopolítica Mestre Jorge Manuel Dias Sequeira DOUTORAMENTO EM GEOGRAFIA (Especialidade de Geografia Humana) Tese orientada pelo Prof. Doutor Jorge da Silva Macaísta Malheiros e Co- Orientada pelo Prof. Doutor Carlos Manuel Mendes Dias, especialmente elaborada para a obtenção do grau de doutor em Geografia, na especialidade de Geografia Humana. 2013

Sequeira2013 Ind Portugal Com Transp Urbano

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  • UNIVERSIDADE DE LISBOA

    INSTITUTO DE GEOGRAFIA E

    ORDENAMENTO DO TERRITRIO

    A INDIVIDUALIDADE DE PORTUGAL E AS

    COMUNICAES DE TRANSPORTE NO ESPAO

    IBRICO

    Uma Abordagem Geopoltica

    Mestre Jorge Manuel Dias Sequeira

    DOUTORAMENTO EM GEOGRAFIA

    (Especialidade de Geografia Humana)

    Tese orientada pelo Prof. Doutor Jorge da Silva Macasta Malheiros e Co-

    Orientada pelo Prof. Doutor Carlos Manuel Mendes Dias, especialmente

    elaborada para a obteno do grau de doutor em Geografia, na especialidade

    de Geografia Humana.

    2013

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    DEDICATRIA

    minha famlia, particularmente Cristina e Leonor

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  • v

    AGRADECIMENTOS

    Em primeiro lugar, quero agradecer ao professor Jorge Macasta Malheiros ter

    aceitado ser meu orientador e acima de tudo, aquilo que me ensinou, no apenas os

    conhecimentos cientficos, que me transmitiu durante os seminrios ou nas conversas

    que fomos tendo ao longo deste trabalho, mas tambm pela forma sbia como conduziu,

    organizou e levou a bom porto os seus/nossos projectos. Permita-me que transcreva

    parte do e-mail que nos enviou no final do seminrio Cidades de Fronteira 2010, por

    relevar a sua excelncia como docente: Acho que a vontade de aprender, o contributo

    para a construo de inteligncia colectiva, a importncia dada s discusses e ao seu

    contedo e o ptimo ambiente que vivemos fizeram de "Cidades de Fronteira 2010"

    uma ptima experincia. Confesso que gostei muitssimo e que so grupos como o

    vosso que do sentido docncia e que justificam a vontade de continuar, de tentar

    fazer mais e melhor.

    Ao Tenente-Coronel Carlos Mendes Dias quero expressar toda a minha gratido,

    por tudo aquilo que me ensinou, e no foi pouco! A sua sabedoria, capacidade de

    associar e relacionar saberes de vrias reas cientficas, tornam-no num profundo

    conhecedor da temtica escolhida e das reas do saber associadas. Permita-me que

    recorde uma das nossas primeiras conversas, quando procurava escrever e definir o

    Estado, o doutoramento no ler trs ou quatro livros de geopoltica, ir buscar

    conhecimento s cincias que sabem do assunto, interdisciplinar, que me levou a

    mergulhar nos calhamaos do Direito Internacional Pblico. O rigor conceptual e a

    sua permanente exigncia e capacidade de trabalho foram determinantes para nos

    manter no rumo correcto e assim conquistar o objectivo a que nos propusemos.

    Ao camarada do curso Francisco da Silveira e amigo Tenente-Coronel Travanca

    Lopes quero expressar o meu agradecimento por toda a disponibilidade, conhecimentos

  • vi

    e colaborao, nomeadamente na elaborao de uma das figuras sobre as Comunicaes

    de Transporte.

    Um profundo agradecimento professora Rosa Branco que, sem me conhecer e

    apenas atravs de um contacto por e-mail, disponibilizou-me a sua tese de

    doutoramento, o que abriu o caminho para outras perspectivas, at ento desconhecidas.

    A todos os camaradas e amigos, especialmente queles que diariamente partilham

    o espao de trabalho na Academia Militar, o meu obrigado pelo apoio, pela palavra de

    incentivo, por darem sugestes, opinies e discutirem ideias.

    A toda a minha famlia pelo apoio permanente e sem reservas, residindo a a base

    e o sustentculo daquilo que sou. Um muito obrigado Cristina e Leonor pela sua

    presena constante e pelas horas que abdicaram do marido e do pai.

    Desejo tambm agradecer s Instituies que colaboraram na minha formao e

    contriburam para a realizao deste trabalho. Ao comando da Academia Militar pelo

    incentivo e apoio, ao criar as condies que permitiram a execuo e concluso desta

    misso. Ao Instituto de Geografia e Ordenamento do Territrio pelos vastos

    conhecimentos transmitidos nesta rea cientfica, mas sobretudo pela forma diferente

    (dada a experincia do autor) de ensinar, de transmitir valores e de discutir os

    problemas. Uma palavra de agradecimento especial professora Teresa Barata

    Salgueiro, minha tutora, mas que j desde 1996, teve a perspiccia, inteligncia e

    sabedoria de me incutir o gosto pela Geografia.

    Uma palavra de apreo para as empresas: Estradas de Portugal, Navegao Area

    de Portugal, Rede Ferroviria Nacional e Comboios de Portugal que forneceram e

    disponibilizaram informaes e dados sempre que o autor as solicitou.

  • vii

    RESUMO

    As Comunicaes de Transporte, existentes e projectadas na Pennsula Ibrica,

    so infra-estruturas fundamentais para o desenvolvimento dos dois Estados Ibricos.

    Reconhecendo-as enquanto objectivos fundamentais no domnio econmico,

    averigumos se existiram preocupaes quanto sua localizao, na perspectiva de

    poderem contribuir para a manuteno e o reforo da Identidade e Individualidade de

    Portugal. Enfatizando-se assim, parelalamente dimenso econmica, as dimenses

    poltica e geopoltica associadas s Comunicaes de Transporte.

    A capital espanhola localiza-se no centro da Pennsula e exerce uma fora

    centrpeta sobre a sua periferia, incluindo a faixa atlntica portuguesa. A concentrao

    de massa crtica, que combina a rea e a populao, leva a um superior desenvolvimento

    econmico da Comunidad de Madrid. Para competir com esta regio e evitar a absoro

    e a perda da Individualidade de Portugal, propomos a definio e assuno clara do

    corredor urbano de Sines a Viana do Castelo, englobando os distritos de Setbal,

    Lisboa, Coimbra, Aveiro, Porto, Braga, Viana do Castelo, constituindo uma plataforma

    de pessoas e mercadorias com capacidade para competir com o Centro de Poder

    espanhol.

    Os sistemas de transportes terrestres (rodovirio, ferrovirio e por conduta), na

    Pennsula Ibrica, esto organizados em funo da localizao da Capital; os espanhis

    dispem-nos de forma radial, enquanto os portugueses os localizam ao longo da costa,

    com uma prevalncia Sul-Norte ou vice-versa e, tambm, com ligaes perpendiculares

    internacionais para Este.

    Portugal dispe de bons portos naturais, os quais devem ser valorizados atravs de

    sistemas de transporte rodovirio e, principalmente, ferrovirio de qualidade,

    procurando alcanar o mais rpido possvel o centro da Europa. Apenas com base no

  • viii

    fortalecimento do supracitado corredor urbano, que dever estar bem conectado interna

    e externamente, evitando ligaes directas a Madrid e sendo capaz de atrair as empresas

    espanholas para a utilizao das infra-estruturas nacionais, ser possvel aumentar o

    Poder nacional e consequentemente, manter e reforar a nossa Identidade e

    Individualidade. isto que se procura demonstrar nesta dissertao.

    Palavras-chave: Comunicaes de Transporte, Geopoltica, Individualidade, Identidade, Poder

  • ix

    ABSTRACT

    The existing and proposed Transport Communications in the Iberian Peninsula

    are a key infrastructure for the economic development of the two Iberian States. Having

    established them as fundamental objectives in the economic field, we examined the

    concerns that were taken into account regarding its location, and whether they would

    contribute to the maintenance and enhancement of Portugals Identity and Individuality.

    This allowed us to emphasize the economic dimension in parallel with the political and

    geopolitical dimensions associated with Transport Communications.

    The Spanish capital is located in the centre of the peninsula and induces a

    centripetal/centralizing force on its periphery, Portuguese Atlantic coast included. The

    concentration of critical mass, which combines area and population, leads to a higher

    economic development of the Comunidad de Madrid; to compete with this region and

    prevent the assimilation and loss of Portugals Individuality, we propose a definition

    and clear absorption of the urban corridor from Sines to Viana do Castelo,

    encompassing the districts of Setbal, Lisboa, Coimbra, Aveiro, Porto Braga and Viana

    do Castelo, as a platform of people and freight able to compete with the Spanish centre

    of power.

    The land transport systems (road, rail and pipeline) in the Iberian Peninsula are

    organized according to the location of the Capital; in Spain, they are based on a radial

    system, while in Portugal they are located along the coast, predominantly South-North

    or vice-versa, and with international connections to the East.

    Portugal has good natural harbours, which should be maximized through good

    transport systems road and especially rail in order to reach the centre of Europe in

    the fastest way possible. With this dissertation we have tried to demonstrate that the

    strengthening of the aforementioned urban corridor which should be well connected

  • x

    internally and externally, avoid direct links to Madrid and attract Spanish companies for

    the use of national infrastructures is the only possible way to increase the national

    power, thus maintaining and reinforcing our Identity and Individuality.

    Key-words: Communications Transport, Geopolitics, Individuality, Identity, Power

  • xi

    NDICE GERAL DEDICATRIA ........................................................................................................................................iii AGRADECIMENTOS ............................................................................................................................... v

    RESUMO .................................................................................................................................................. vii

    ABSTRACT ............................................................................................................................................... ix

    NDICE DE FIGURAS ...........................................................................................................................xiii

    NDICE DE QUADROS ........................................................................................................................ xvii

    NDICE DE ANEXOS ............................................................................................................................ xix

    LISTA DE ABREVIATURAS, SIGLAS E ACRNIMOS ................................................................. xxi INTRODUO .......................................................................................................................................... 1

    CAPTULO I ENQUADRAMENTO E CORPORIZAO TERICA ......................................... 13 1. Breve caracterizao histrica da Pennsula Ibrica: Portugal e Espanha .............................. 13 2. A Identidade e Individualidade .................................................................................................... 38 3. A formao da Identidade e da Individualidade portuguesa .................................................... 57 4. A Geopoltica: Estado, Cidades e Conectividade ........................................................................ 84 5. As perspectivas sobre as Relaes Internacionais e o Poder ................................................... 110 6. A Poltica ...................................................................................................................................... 119 7. A Estratgia ................................................................................................................................. 126

    CAPTULO II AS COMUNICAES DE TRANSPORTE ........................................................... 135

    1. Sistema Rodovirio ..................................................................................................................... 149 2. Sistema Ferrovirio ..................................................................................................................... 155 3. Sistema Martimo ........................................................................................................................ 172 4. Sistema Areo .............................................................................................................................. 186 5. Sistema de Condutas ................................................................................................................... 198 6. Documentos enquadrantes da Poltica Nacional no sector de transportes ............................. 203 7. A Rede Transeuropeia de Transportes, na Pennsula Ibrica ................................................. 211 8. Comparao das Comunicaes de Transporte na Pennsula ................................................. 223

    CAPTULO III CONSTITUIO DO CORREDOR URBANO: SINES A VIANA DO CASTELO ................................................................................................................ 233

    1. Enquadramento comparativo .................................................................................................... 233 2. O Potencial de Portugal: conceito de massa crtica e anlise das suas componentes ............ 244 3. Tendncias de evoluo no Sistema de Transportes................................................................. 280 4. Comunicaes de Transporte a implementar ........................................................................... 290 5. Dinmicas a implementar: uma perspectiva das estratgias territoriais, econmicas e de

    formao superior. ...................................................................................................................... 309

    CONCLUSES ...................................................................................................................................... 331

    BIBLIOGRAFIA .................................................................................................................................... 359

    ANEXOS ...................................................................................................................................................... I

  • xii

  • xiii

    NDICE DE FIGURAS Figura 1 Modelo analtico de partida ....................................................................................................... 11

    Figura 2 Elementos Fundamentais da Morfologia Peninsular ................................................................. 14

    Figura 3 Carta Hipsomtrica da Pennsula Ibrica .................................................................................. 15 Figura 4 A unificao de Espanha pelos Reis Catlicos.......................................................................... 27

    Figura 5 Imprio espanhol na Amrica, em 1823 .................................................................................... 31 Figura 6 A Espanha e as 17 comunidades autnomas ......................................................................... 35 Figura 7 Uma teoria de geopoltica crtica como conjunto de representaes prticas ........................... 91 Figura 8 Potenciais Zonas de Integrao na Europa ................................................................................ 95 Figura 9 Estradas da Hispnia, em 285 d.C. .......................................................................................... 100 Figura 10 Modelo territorial do policentrismo europeu (2002) ............................................................. 104 Figura 11 Cenrio de desenvolvimento voluntarista a longo prazo ....................................................... 105 Figura 12 Conectividade, Rede Transeuropeia de Transportes aumentada ........................................... 107

    Figura 13 A Viso da Europa Policntrica ............................................................................................ 108

    Figura 14 Divises da Estratgia quanto s formas de coao .............................................................. 129 Figura 15 Trfego Areo: o mundo contrado ................................................................................... 137 Figura 16 Distncia, seleco do modo e custo do transporte ............................................................... 143 Figura 17 Escalas da organizao espacial dos transportes ................................................................... 143

    Figura 18 Corredores de transporte e a estrutura espacial regional ....................................................... 146 Figura 19 Factores para a localizao dos sistemas de Transportes ...................................................... 146 Figura 20 Iscronas a partir de Lisboa e Porto para ligeiros (1) e pesados (2) ...................................... 151 Figura 21 Iscronas a partir das capitais de distrito para ligeiros (1) e pesados (2) .............................. 151 Figura 22 Plano Rodovirio Nacional 2000 .......................................................................................... 152 Figura 23 Rede de Estradas, de Espanha ............................................................................................... 154 Figura 24 Rede Ferroviria nacional, quanto electrificao ............................................................... 156 Figura 25 Transporte internacional por rodovia com origem em Espanha ............................................ 159 Figura 26 Transporte internacional por ferrovia com origem em Espanha ........................................... 160 Figura 27 Rede Ferroviria espanhola ................................................................................................... 161 Figura 28 Rede ferroviria e principais terminais, em Espanha ............................................................ 162 Figura 29 Corredor Ferrovirio do Mediterrneo .................................................................................. 163 Figura 30 Desenvolvimento do Sistema ERTMS, at 2010, na Pennsula Ibrica ................................ 165 Figura 31 Tempos de viagens Vs distncias para o transporte ferrovirio (Alta Velocidade e linhas

    convencionais) e transporte areo ......................................................................................... 166 Figura 32 Rede Ibrica de Alta Velocidade e Ligaes ......................................................................... 168 Figura 33 Rede Ibrica de Alta Velocidade, planeada (Passageiros e Carga) ....................................... 169 Figura 34 Plano da Rede Transeuropeia de Transportes, em 2020, Portugal ........................................ 170

    Figura 35 TGV na Europa, em 2020 ..................................................................................................... 171 Figura 36 ZEE e limites exteriores da extenso da plataforma continental de Portugal ........................ 173 Figura 37 Principais linhas de trfego martimo (vermelho mais intenso, azul menos intenso) ...... 174 Figura 38 O Espao Martimo Portugus .............................................................................................. 175

  • xiv

    Figura 39 Sistema Porturio comercial do Continente .......................................................................... 176 Figura 40 Principais rotas comerciais que utilizam o Canal do Panam ............................................... 178 Figura 41 Tonelagem movimentada nos Portos Ibricos ....................................................................... 181

    Figura 42 Navios de recolha de petrleo derramado da EMSA em stand-by localizao dos

    equipamentos e das embarcaes ......................................................................................... 183

    Figura 43 Sistema VTS e Limites Geogrficos dos Sectores ................................................................ 184 Figura 44 Infra-estruturas aeroporturias .............................................................................................. 187

    Figura 45 Comparao de custos nos Aeroportos Europeus ................................................................. 192 Figura 46 As Duas Regies de Informao de Voo, sob responsabilidade portuguesa ......................... 193 Figura 47 As Trs Regies de Informao de Voo, sob responsabilidade espanhola ............................ 194 Figura 48 SW Portugal Spain FAB initiative ........................................................................................ 196 Figura 49 Iniciativas da Comisso Europeia para a constituio de FABs............................................ 197 Figura 50 O gasoduto Magreb Europa................................................................................................ 199 Figura 51 Rede Ibrica de Oleodutos .................................................................................................... 201 Figura 52 Rede de gs natural, em Espanha .......................................................................................... 202 Figura 53 Sistema Urbano e acessibilidades em Portugal Continental .................................................. 205 Figura 54 Corredores Estruturantes do Territrio Nacional .................................................................. 208 Figura 55 Rede Transeuropeia de Transportes eixos prioritrios e projectos ..................................... 211 Figura 56 PP3 Linhas Ferrovirias de Alta Velocidade do Sudoeste da Europa ................................... 213 Figura 57 PP8 Ligao Multimodal Portugal/Espanha Resto da Europa ........................................... 214 Figura 58 PP16 Ligao Ferroviria de Transporte de Mercadorias Sines/Algeciras Madrid Paris 216 Figura 59 PP19 Interoperabilidade da Rede Ferroviria de Alta Velocidade da Pennsula Ibrica ....... 217 Figura 60 PP21 Auto-Estradas do Mar .................................................................................................. 219 Figura 61 Situao dos PP ferrovirios na Pennsula Ibricos, em Fevereiro de 2010 .......................... 221 Figura 62 Densidade populacional (hab/km2), 2009 ............................................................................. 233 Figura 63 Indicadores econmicos, 2010 .............................................................................................. 234 Figura 64 PIB per capita a preos correntes (Euros), 2008 ................................................................... 235 Figura 65 PIB: Agregados da despesa, 2010 ......................................................................................... 236 Figura 66 - Balana Comercial entre Portugal e Espanha ........................................................................ 237 Figura 67 Superfcie Cultivada, Negcios na Indstria e Dependncia Energtica .............................. 238 Figura 68 Pirmide da populao espanhola e estrangeira .................................................................... 240 Figura 69 Evoluo da Taxa de Natalidade e Mortalidade de Portugal e Espanha ............................... 240 Figura 70 Crescimento Demogrfico, em Espanha, por decnio ........................................................... 241

    Figura 71 Abandono escolar (populao entre os 18 e 24 anos) ........................................................... 243 Figura 72 Evoluo da populao residente em Portugal, 1981-2011 ................................................... 250 Figura 73 Evoluo da variao populacional e da taxa de crescimento efectivo, 1991 2010 ........... 251 Figura 74 Estrutura da populao residente em Portugal por grupos etrios em 1981, 1991, 2001, 2011 .................................................................................................................................................................. 253 Figura 75 Taxa de Literacia, 2009 ......................................................................................................... 255 Figura 76 Alunos matriculados no ensino superior ............................................................................... 257

  • xv

    Figura 77 Licenciados por reas de especializao, 2009 ..................................................................... 259 Figura 78 Populao segundo o Nvel de Habilitao (25-64 anos) ...................................................... 259 Figura 79 Estrutura do nvel de instruo dos empregados, 2010 ......................................................... 262 Figura 80 Estrutura etria da populao desempregada em Portugal .................................................... 263 Figura 81 Despesas em Investigao & Desenvolvimento .................................................................... 264 Figura 82 Indicadores de Investigao e Desenvolvimento (I&D)........................................................ 265 Figura 83 Gastos Oramentais em I&D, euros por habitante ................................................................ 267 Figura 84 Objectivos prioritrios de inovao, entre 2006-2008 .......................................................... 268 Figura 85 Indicadores sobre a qualidade da populao ......................................................................... 269 Figura 86 Estdio de Desenvolvimento de Portugal e Espanha GCI .................................................. 271 Figura 87 ndice de Desenvolvimento Humano evoluo de 1980 a 2011......................................... 272 Figura 88 Principais tendncias no cenrio integrado na UE27 ........................................................ 281

    Figura 89 Cenrios econmicos para a Europa ..................................................................................... 284 Figura 90 Movimento de Mercadorias no Porto de Sines...................................................................... 288 Figura 91 Rota do Califrnia Express ............................................................................................... 289 Figura 92 Ligaes ferrovirias sugeridas ............................................................................................. 291 Figura 93 Corredores Ferrovirios espanhis ........................................................................................ 292 Figura 94 Mares onde se localizam os Portos, no TMCD de mercadorias, 2008 .................................. 297 Figura 95 Rota e portos usados na ligao Lisboa Norte da Europa .................................................. 298 Figura 96 Rede da LD Lines ................................................................................................................. 299 Figura 97 Ligaes na Europa do grupo DFDS ..................................................................................... 300 Figura 98 Ligaes da TAP para o Brasil, Cabo Verde e Marrocos ...................................................... 304 Figura 99 Regies de Informaes de Voo nacionais e o FAB Portugal e Espanha.............................. 306 Figura 100 Modos de Transporte propostos para o Eixo Sines a Viana do Castelo .............................. 308

    Figura 101 Quadros de possibilidades da economia portuguesa ........................................................... 311 Figura 102 Economia do Mar na Unio Europeia distribuio do valor criado por grandes segmentos

    (2007) .................................................................................................................................. 313 Figura 103 Componentes para a Economia do Mar, em Portugal ......................................................... 314 Figura 104 Fluxos comerciais intra e entre continentes, em 2006 ......................................................... 316 Figura 105 Hypercluster da Economia do Mar em Portugal. Viso de Conjunto .................................. 320 Figura 106 Estratgia para o Hypercluster da Economia do Mar .......................................................... 323

  • xvi

  • xvii

    NDICE DE QUADROS Quadro 1 Direco da Estratgia Nacional.130 Quadro 2 Valores da rede de Alta Velocidade nacional.168 Quadro 3 Tempos de viagem de Porta-contentores....178 Quadro 4 Movimento geral de Mercadorias (Ton), em 2010.....179 Quadro 5 Evoluo da Carga movimentada (Mt.) nos Portos Ibricos: 2003........180 Quadro 6 Frota Operacional de Bandeira Portuguesa, em 2011.....185 Quadro 7 Movimentos nos Aeroportos Nacionais-2010189 Quadro 8 Comparao dos Sistemas de Transporte Terrestres......223 Quadro 9 Relao entre os Sistemas de Transporte Terrestres e a rea.224 Quadro 10 Comparao do transporte de mercadorias no modo rodovirio e ferrovirio, em 2009 e em

    milhes tkm..225 Quadro 11 Principais parceiros comerciais de Portugal, 2010...239 Quadro 12 Principais parceiros comerciais de Espanha, 2010...239 Quadro 13 Indicadores Demogrficos e Sociais.....242 Quadro 14 Despesas das Famlias em Educao e em Cultura e Lazer..260 Quadro 15 Nmero de Publicaes Cientficas de Portugal e Espanha..261 Quadro 16 Registo de patentes por despesa em Investigao e Desenvolvimento.261 Quadro 17 Registo de Patentes na EPO......261 Quadro 18 Taxa de Desemprego de Longa Durao..262 Quadro 19 Estrutura Sectorial do Emprego (%).....264 Quadro 20 Pessoal a tempo inteiro a trabalhar em I&D, 2010...266 Quadro 21 Emprego em actividades de conhecimento intensivo...266 Quadro 22 ndice de Conhecimento e de Economia do Conhecimento.273 Quadro 23 ndice de Competitividade da Indstria de Tecnologia da Informao274 Quadro 24 ndice de Desempenho Logstico (LPI)....274 Quadro 25 Indicadores do ndice de competitividade das Capitais Ibricas...275 Quadro 26 Quadro sntese de Indicadores entre Portugal e Espanha.277 Quadro 27 Comparao da Comunidade de Madrid com o corredor urbano Sines-

    Viana...........278 Quadro 28 Previso da taxa de crescimento no consumo de energia por modo de transporte,

    entre 2005 e 2030.......................282 Quadro 29 Comparao dos Portos Ibricos...287

  • xviii

  • xix

    NDICE DE ANEXOS ANEXOS ...................................................................................................................................................... I

    Anexo A Produtos mais importantes (em valor) nas trocas comerciais entre Portugal e Espanha, 2009 .................................................................................................................................. I

    Anexo B ndice de Competitividade Global em detalhe Portugal ................................................. II Anexo C ndice de Competitividade Global em detalhe Espanha ................................................ III Anexo D Indicadores de transporte, no cenrio integrado Portugal ......................................... IV Anexo E Indicadores de transporte, no cenrio integrado Espanha ........................................... V

    Anexo F Valores por Categoria do ndice de Competitividade das Cidades ................................... VI Anexo G Descrio dos Quadros de Possibilidades para a Economia Nacional ........................... VII

  • xx

  • xxi

    LISTA DE ABREVIATURAS, SIGLAS E ACRNIMOS AENA Aeropuertos Espaoles y Navegacin, Area

    AICEP Agncia para o Investimento e Comrcio Externo de Portugal AM Academia Militar AML rea Metropolitana de Lisboa ANA Aeroportos de Portugal, SA ANAM Aeroportos da Madeira APDL Administrao dos Portos do Douro e Leixes APTMCD Associao Portuguesa de Transporte Martimo de Curta Distncia ATM Air Traffic Management

    BCE Banco Central Europeu

    BP British Petroleum

    CCE Comisso das Comunidades Europeias CE Comisso Europeia CEDN Conceito Estratgico de Defesa Nacional CEM Conceito Estratgico Militar CLH Companhia Logstica de Hidrocarbonetos CNE Comisin Nacional de Energa CP Comboios de Portugal CPLP Comunidade dos Pases de Lngua Portuguesa CPRM Conference of Peripheral Maritime Regions

    CR Comit das Regies CRP Constituio da Repblica Portuguesa CSDN Conselho Superior de Defesa Nacional CSM Conselho Superior Militar

    CT Comunicaes de Transporte CTA Campo de Tiro de Alcochete DGEG Direco Geral de Energia e Geologia DR Dirio da Repblica EACI Agncia Executiva para a Competitividade e Inovao EIU Economist Intelligence Unit

    EMEPC Estrutura de Misso para a Extenso da Plataforma Continental EMGFA Estado-Maior General das Foras Armadas

  • xxii

    EMSA European Maritime Safety Agency EN Estradas Nacionais ENDS Estratgia Nacional de Desenvolvimento Sustentvel EP Estradas de Portugal ER Estradas Regionais ERTMS European Rail Traffic Management System

    ESDP European Spatial Development Perspective ESPON European Spatial Planning Observation Network ETA Euskadi Ta Askatasuna (Ptria Basca e Liberdade) ETCS European Train Control System

    EUROCONTROL European Organisation for the Safety of Air Navigation FAB Functional Airspace Block

    FDP Partido Democrtico Liberal FIR Flight Information Region

    FMI Fundo Monetrio Internacional GCI Global Competitiveness Index GNL Gs Natural Liquefeito IAEM Instituto de Altos Estudos Militares IC Itinerrios Complementares I&D Investigao e Desenvolvimento

    IDH ndice de Desenvolvimento Humano IESM Instituto de Estudos Superiores Militares INE Instituto Nacional de Estatstica INE-E Instituto Nacional de Estatstica de Espanha INTF Instituto Nacional do Transporte Ferrovirio IP Itinerrios Principais

    IPTM Instituto Porturio e dos Transportes Martimos ISCED International Standard Classification of Education ISCTE Instituto Superior de Cincias do Trabalho e da Empresa ISF ndice Sinttico de Fecundidade IT Information Technology

    ITS Intelligent Transport Systems/Services JUP Janela nica Porturia

  • xxiii

    LBPOTU Lei de Bases da Poltica de Ordenamento do Territrio e de Urbanismo

    LNEC Laboratrio Nacional de Engenharia Civil LPI Logistics Performance Index Maglev Magnetic levitation

    MDN Ministrio da Defesa Nacional MES Ministrio do Equipamento Social METREX Network of European Metropolitan Regions and Areas MF Ministrio de Fomento MITYC Ministrio de Industria, Turismo y Comercio MOPTC Ministrio das Obras Pblicas Transportes e Comunicaes Mt Milhes de toneladas MTSS Ministrio do Trabalho e da Solidariedade Social NAL Novo Aeroporto de Lisboa NAV-EP Empresa Pblica de Navegao Area de Portugal NLNG Nigria Liquefied Natural Gas OCDE Organizao para a Cooperao e Desenvolvimento Econmico ONU Organizao das Naes Unidas OTAN Organizao do Tratado do Atlntico Norte Pax Passageiros

    PEIT Plan Estratgico de Infraestructuras y Transporte PIB Produto Interno Bruto PISA Programme for International Student Assessment PME Pequenas e Mdias Empresas PNB Produto Nacional Bruto PNPOT Programa Nacional da Poltica de Ordenamento do Territrio POAT Programa Operacional de Acessibilidades e Transportes POVT Programa Operacional Temtico Valorizao do Territrio PP Projectos Prioritrios PR Presidente da Repblica PRN Plano Rodovirio Nacional PSA Port Singapore Authority RAVE Rede Ferroviria de Alta Velocidade

  • xxiv

    REFER Rede Ferroviria Nacional REN Redes Energticas Nacionais RENFE Red Nacional de Ferrocarriles Espaoles RESIV Regio Europeia Superior de Informao de Voo RINM-MAR Registo Internacional de Navios da Madeira RIV Regies de Informao de Voo RORO Roll-on Roll-off RRN Rede Rodoviria Nacional RTE-T Rede Transeuropeia de Transportes RVCC Reconhecimento, Validao e Certificao de Competncias

    SA Sociedades Annimas SESAR Single European Sky ATM Research

    SIVICC Sistema Integrado de Vigilncia Comando e Controlo SNGN Sistema Nacional de Gs Natural TAP Transportes Areos Portugueses DWT/TDW Dead Weight Tonnage /Porte Bruto TEN-T Trans-European Transport Network

    TEU Twenty-foot Equivalent Unit

    TGV Transporte de Grande Velocidade TMCD Transporte Martimo de Curta Distncia TTT Terceira Travessia do Tejo UAG Unidades Autnomas de Gs UAV Unmanned Aerial Vehicle ULCS Ultra Large Container Ships UNDP United Nations Development Programme UNFPA United Nations Population Fund VTS Vessel Traffic Survey

    WTO World Trade Organization ZEE Zona Econmica Exclusiva

  • 1

    INTRODUO

    As Comunicaes de Transporte (CT), ao longo da histria da humanidade,

    foram determinantes para ligar povos e civilizaes contribuindo para a sua

    evoluo. O seu desenvolvimento reflecte-se na melhoria da qualidade de vida da

    populao e no desenvolvimento das actividades econmicas, facilitando a

    implementao de um tecido empresarial forte. Alm destes aspectos, podem

    constituir-se como instrumento poltico e serem utilizadas pelo Estado para

    desenvolver determinados territrios ou promover a unio e coeso social e

    territorial, contribuindo, deste modo, para o reforo e consolidao da Identidade e

    Individualidade nacional.

    As CT representam uma das mais importantes actividades humanas em todo o

    mundo. So uma componente indispensvel na economia e desempenham um papel

    importante nas relaes espaciais entre os locais; criam ligaes entre regies e

    actividades econmicas e entre as pessoas nos diversos lugares do planeta; so uma

    actividade multidimensional cuja importncia histrica, social, poltica,

    econmica e ambiental.

    Cada vez mais, o mundo est interligado e integrado a vrias escalas,

    verificando-se que o presente quadro de relaes geogrficas, muito marcado pelo

    reforo das interaces globais, amplia profundamente o mbito do perodo

    precedente, essencialmente centrado na cidade ou no pas (Salgueiro, 1992). Assim,

    no incio do sculo XXI, a geografia dos transportes redefine-se, no s pela maior

    incorporao das questes globais, mas tambm pela articulao entre estas e as

    questes regionais e locais (Rodrigue et al, 2006).

    Portugal e Espanha partilham a mesma pennsula e a posio relativa dos dois

    Estados faz com que as pessoas e os bens provenientes do nosso pas, para

  • 2

    chegarem ao resto da Europa por via terrestre, tenham de passar pelo territrio do

    pas vizinho; dizemos assim, que a Espanha tem uma posio geobloqueante, em

    relao a Portugal. Este facto torna fundamental que as Comunicaes de

    Transporte sejam planeadas tendo em considerao as mais variadas reas do saber,

    entre elas, a Geografia, a Geopoltica e a Estratgia, assim como as sinergias que se

    podem ganhar com estudos e anlises de ndole interdisciplinar.

    Da mesma forma, para planear as Comunicaes de Transporte fundamental

    conhecer o meio natural e as populaes que vo ser servidas, divididas ou

    afectadas, o que remete, uma vez mais, para a cincia que estuda as organizaes

    espaciais.

    Contudo, do ponto de vista histrico, o desenvolvimento das infra-estruturas

    de transportes permitiu que a populao rural venha cidade e a urbana v ao

    campo, contribuindo para dar maior unidade ao Estado e para que o Governo

    estendesse a sua aco a todo o pas. Reforou-se, assim, no s a ideia de Nao,

    mas a da ligao desta ao seu territrio, emergindo daqui um forte contributo para

    a formao da conscincia nacional, afinal o sustentculo da nossa Individualidade

    (Serro, 1986, p. 196).

    No nosso pas, a construo de grandes obras , geralmente, acompanhada de

    grande polmica; aspectos como a sua necessidade, localizao, sustentabilidade

    econmica, problemas ambientais, entre outros, surgem inevitavelmente na

    comunicao social, com vrias personalidades e organizaes a defender ou a

    contestar os projectos, como aconteceu recentemente com a rede ferroviria de Alta

    Velocidade e com a construo do Novo Aeroporto de Lisboa, para referir apenas

    dois exemplos de impacto meditico.

  • 3

    Considerando que tais obras tm elevados custos e so estruturantes para o

    desenvolvimento do pas, consideramos importante perceber os meandros do

    processo de definio de objectivos e os procedimentos para a sua concretizao em

    Portugal. Alvitramos a necessidade de uma viso para o pas, que incorpore, de

    modo explcito, este tipo de obras no quadro da concretizao de objectivos

    polticos e/ou estratgicos de carcter macro que, uma vez definidos e

    estabelecidos, com o contributo de debates participados e politicamente

    abrangentes, devero ser implementados de forma progressiva e contnua, sem dar

    azo a dvidas ou hesitaes, independentemente do partido poltico no governo,

    mas sempre respeitando os princpios democrticos e constitucionais.

    Vivemos numa sociedade global, em que a porosidade dos diferentes saberes

    e reas cientficas uma caracterstica. Da que a abordagem das Comunicaes de

    Transporte, numa perspectiva geopoltica, tem relevncia acadmica e cientfica,

    uma vez que a viagem que iremos encetar, na tentativa de alcanar o objectivo a

    que nos propomos, integrar reflexes que se prendem com assuntos que, pela sua

    importncia, justificam a preocupao do mundo acadmico; estamos a falar, por

    exemplo, de implicaes na soberania, identidade, desenvolvimento, inovao

    tecnolgica e coeso social e territorial.

    Por outro lado, a Universidade preocupa-se com vrios tipos de saber e, em

    particular, a Geografia com a interaco da sociedade com a natureza e nesta

    ligao o homem acrescenta fisionomia de todos os lugares e prpria

    expresso de conjunto da Terra qualquer coisa de original e novo (Ribeiro, 1989,

    26). As Comunicaes de Transporte alteram a fisionomia das paisagens, mas no

    esta a perspectiva que marcar o nosso estudo, mas sim, como elas podero e

    devero contribuir para o desenvolvimento, coeso, poder, identidade e

  • 4

    Individualidade do pas que as constri. Vicens Vives foi mais longe e afirmou

    mesmo que no existe Estado duradouro sem uma adequada rede de

    comunicaes, pois elas facilitam os intercmbios comerciais, a pertinente

    transmisso das notcias e, em caso necessrio, a movimentao das reservas

    humanas de um pas (1956, p. 152).

    Tambm, o facto de ter sido docente de Geopoltica e, actualmente, de

    Geografia e Teoria Geral da Estratgia, na Academia Militar, acrescido pelo gosto e

    interesse por estas reas do conhecimento cientfico, justificam enveredar por este

    trilho, enquanto processo de valorizao pessoal e profissional.

    Os conhecimentos adquiridos na frequncia do Curso de Promoo a Oficial

    Superior e do Curso de Estado-Maior, ministrados no Instituto de Altos Estudos

    Militares, no Mestrado em Geografia Humana, ministrado na Faculdade de Letras

    da Universidade de Lisboa, tambm se constituram como fontes, a que se deve

    acrescentar a experincia profissional, adquirida nas actividades quotidianas na

    Instituio Militar, relevando a de docncia.

    Uma investigao deve iniciar-se com a colocao de um problema,

    entendido este, como uma questo por resolver e que pode ser objecto de anlise, de

    dvida e de troca de impresses.

    A formulao correcta do problema, enquanto questo cientfica, obedece a

    algumas regras prticas, tais como: a) o problema deve ser formulado como

    pergunta; b) o problema deve ser claro e preciso; c) o problema deve ser emprico;

    d) o problema deve ser susceptvel de soluo; e) o problema deve ser delimitado a

    uma dimenso vivel (Gil, 1991, p. 30).

  • 5

    A pergunta de partida referenciada em a) ter assim que obedecer a

    caractersticas de clareza, de exequibilidade e de pertinncia (Quivy e

    Campenhoudt, 2008). A lgica de formulao de uma pergunta de partida como a

    melhor forma de dar corpo ao problema a que queremos fazer face, decorre da

    experincia em investigao em cincias sociais e constitui-se, tambm, como mais

    uma tentativa do investigador na busca de uma expresso tendencialmente mais

    precisa e clara sobre o conhecimento que pretende descortinar ou compreender.

    Sobre esta matria importa ainda referir que a questo se integra no processo

    mais vasto do mtodo, inserindo-se na sua fase inicial: a da ruptura. esta que nos

    permite afastar do preconceito e da falsa teoria, baseada em aparncias ou

    percepes e assim pouco sustentada e que, portanto, no revelar qualquer

    utilidade para reflexes de ndole cientfica.

    Tendo em considerao os pressupostos enunciados, a questo central deste

    esforo acadmico : Como utilizar as Comunicaes de Transporte na

    preservao e reforo da Individualidade de Portugal, na Pennsula Ibrica,

    tendo em considerao a importncia crescente do pas como plataforma de

    mercadorias e pessoas da Unio Europeia?

    Assim, com este trabalho, temos as finalidades seguintes:

    (1) identificar as Comunicaes de Transporte previstas na Rede Transeuropeia de

    Transportes (RTE-T)1;

    (2) verificar como a Geopoltica e a Estratgia devem contribuir para a

    identificao e localizao das Comunicaes de Transporte;

    (3) verificar da viabilidade de criar uma plataforma de pessoas e mercadorias em

    Portugal;

    1 Trans-European Transport Network (TEN-T), em Ingls.

  • 6

    (4) identificar as Comunicaes de Transporte que devem ser utilizadas para

    preservar e reforar a individualidade Nacional;

    (5) verificar como devem ser organizadas as comunicaes de transporte para

    reforar a individualidade de Portugal.

    Na elaborao da tese consideramos dois pressupostos; em primeiro lugar, e

    de forma basilar na sustentao de todo o raciocnio, a vontade de Portugal querer

    manter e reforar a sua Individualidade no espao ibrico, dada a progressiva

    integrao dos espaos favorecer o aumento das individualidades regionais e

    nacionais, na lgica de que a globalizao permite, por um lado, massificar

    determinados produtos e aspectos culturais mas, tambm, valorizar aquilo que

    especfico e est mais prximo (produtos regionais, turismo rural, patrimnio

    cultural, entre outros); em segundo lugar, considerarmos que Portugal ter uma

    funo crescente como plataforma de mercadorias e pessoas da Unio Europeia,

    resultando da a importncia de um planeamento adequado das Comunicaes de

    Transporte.

    Para sustentar o nosso racional, emergem cinco conceitos-chave essenciais,

    que sero problematizados e discutidos, ao longo da tese: a Geopoltica entendida

    como o estudo das constantes e variveis do espao acessvel ao Homem ou que

    dele sofre efeito intencional que, ao objectivarem-se na construo de modelos de

    dinmica de poder, projecta o conhecimento geogrfico no desenvolvimento e na

    actividade da Cincia Poltica, com influncia na aco externa dos diferentes

    intervenientes na Sociedade Internacional (Dias, 2012d, no prelo); a Estratgia

    considerada como a cincia/arte de gerar, estruturar e utilizar recursos tangveis

    e intangveis a fim de uma organizao atingir objectivos por si estabelecidos, que

    suscitam ou podem suscitar hostilidade de uma outra vontade/estrutura

  • 7

    organizacional, segundo Mendes Dias (2012a, p.278); o Poder, entendido como a

    capacidade de fazer valer a sua vontade relativamente a outros, tendo conscincia

    de que a seleco e eventual aplicao dos instrumentos a utilizar, dependem quer

    do grau de importncia atribudo aos objectivos, quer da conjuntura e das

    circunstncias do momento (Dias, 2011, p. 80); as Comunicaes de Transporte

    so um dos subfactores Geopolticos2, inserido no Factor Circulao, e contempla

    os sistemas rodovirio, ferrovirio, areo, martimo, aqutico interior e de condutas;

    e o conceito de Individualidade, para efeitos deste estudo, se refere em termos

    simplificados e estritos, Independncia e Soberania Nacional.

    As perguntas de investigao ou questes derivadas relacionam-se com a

    questo central, na medida que ser atravs das respostas obtidas s primeiras, que

    materializamos a soluo para o problema colocado atravs da segunda; indicam-

    nos assim caminhos de procura e mantm-nos orientados, evitando a disperso.

    Sendo assim, para o estudo que se prope so:

    (1) qual a relao entre as Comunicaes de Transporte e a Individualidade

    nacional?

    (2) qual a relao entre as Comunicaes de Transporte e o reforo da

    Individualidade portuguesa no espao ibrico?

    (3) qual a importncia da rodovia e da ferrovia, bem como da sua integrao, no

    transporte de mercadorias e de pessoas?

    (4) qual a importncia do Transporte Martimo e Areo (pessoas e mercadorias),

    em Portugal, na Pennsula Ibrica, na Europa e no Mundo?

    (5) quais as Comunicaes de Transporte que devem ser prioritrias para Portugal?

    2 Factor Geopoltico um conjunto de agentes, elementos, condies, ou causas de natureza

    geogrfica, susceptveis de serem operados no levantamento de hipteses para a construo de modelos dinmicos de interpretao da realidade, enquanto perspectivao consistente de apoio Poltica e Estratgia (IAEM, 1993, p. 17).

  • 8

    (6) existe algum rgo de Planeamento ao nvel da Estratgia Total/Integral que

    estude e indique quais as Comunicaes de Transporte mais adequadas?

    (7) quais as condies que Portugal poder potenciar, no domnio das

    Comunicaes de Transporte, para compensar o desequilbrio escala regional,

    no que massa crtica respeita?

    (8) como melhorar a competitividade dos Portos Portugueses e como integr-los

    nas Auto-estradas do Mar?

    A finalidade ltima da tese responder pergunta de partida,

    cumulativamente problema a solucionar. Como objectivos especficos, propomo-

    nos:

    (1) identificar as medidas a implementar de forma a tornar o eixo Sines Lisboa

    Coimbra Aveiro Porto Braga Viana do Castelo competitivo com a

    Comunidade de Madrid;

    (2) verificar as tendncias nas Comunicaes de Transporte na Europa;

    (3) identificar as Comunicaes de Transporte prioritrias para Portugal;

    (4) relacionar as Comunicaes de Transporte com o reforo e a preservao da

    Individualidade nacional;

    (5) relacionar a Individualidade nacional com opes no mbito das Comunicaes

    de Transporte a construir por Portugal;

    (6) verificar como so planeadas as Comunicaes de Transporte em Portugal;

    (7) identificar a importncia do transporte de pessoas e mercadorias, em Portugal,

    em cada modo de Comunicaes de Transporte;

    As hipteses so possveis respostas, provisrias, para a pergunta de partida,

    obedecendo a caractersticas de generalidade podendo ser refutadas e testadas em

    qualquer altura, a partir de dados actualizados, sendo ou no confirmadas pela

  • 9

    observao. Porm, adquirem importncia diferente, se constiturem e forem

    assumidas como matrizes orientadoras da pesquisa e da investigao; deste ponto

    de vista, materializam-se como guias para o trabalho de recolha e de anlise dos

    dados e dos factos. Neste quadro, quem estuda, pesquisa e investiga encontra nas

    hipteses proposies de resposta s suas perguntas e que devero ser objecto de

    teste, de correco, se for o caso, e de aprofundamento (Quivy e Campenhoudt,

    2008).

    As hipteses podem ser formuladas priori, utilizando o mtodo dedutivo

    ou podem ter a sua gnese no pr conhecimento sobre o assunto a tratar e que se

    adquiriu atravs da aplicao de um pr-inqurito, da realizao de pr-entrevistas

    ou da consulta de literatura.

    Assim, e tendo em considerao a nossa questo de partida, apresentmos as

    hipteses seguintes:

    HIP 1 a estratgia3 de Comunicaes de Transporte privilegia a ligao de

    Portugal ao Centro da Europa sem passar directamente por Madrid;

    HIP 2 as Comunicaes de Transporte actuais e previsveis preservam e reforam

    a Individualidade portuguesa no espao ibrico;

    HIP 3 a organizao das Comunicaes de Transporte actuais e previsveis

    contribuem para o aumento do Poder nacional.

    As formas que iro consubstanciar a pesquisa a efectuar so, essencialmente,

    a bibliogrfica e a documental. No que respeita forma bibliogrfica, a recolha de

    informao efectuou-se em fontes, como obras publicadas, livros de leitura

    corrente, revistas, dicionrios, dissertaes e working papers. Relativamente

    forma documental, a recolha de informao efectuou-se junto de material que no

    3 Neste contexto, entendida como a longo prazo e decidida pelas mais altas entidades governativas.

  • 10

    ter sido objecto de uma anlise pormenorizada ou que poder ser tratado de acordo

    com os objectos de pesquisa (Gil, 1991, p.51), como por exemplo, trabalhos

    realizados no mbito de aces de formao em geral, documentos oficiais e

    legislao.

    Assim, para atingir os objectivos a que nos propusemos, organizamos o

    trabalho em trs grandes captulos, alm da Introduo e Concluses. No primeiro

    captulo pretendemos explicitar o quadro terico de referncia por ns utilizado,

    com uma dupla finalidade: permitir a posterior verificao til e vlida e, no mbito

    da articulao da metodologia de investigao em cincias sociais, possibilitar a

    finalizao da ruptura, guarda avanada do procedimento cientfico.

    A conceptualizao exposta representa uma dimenso importante da

    construo do modelo de anlise usado e procura obviar imprecises e

    arbitrariedade (Figura 1). Assim, o espao geogrfico principal de estudo a

    Pennsula Ibrica, sendo que a Estratgia, a Geopoltica e Cincia Poltica auxiliam

    a Poltica a definir os seus Objectivos, alguns dos quais se materializam na

    construo de Comunicaes de Transporte. Todo o processo que leva sua

    concretizao (necessidade, planeamento, localizao, negociao, entre outros

    aspectos) serve-nos para verificar se existiu a preocupao de procurar manter ou

    reforar a Identidade e Individualidade nacionais.

    Desta forma, no 1 captulo, comeamos por caracterizar, de forma breve, a

    evoluo histrica dos pases Ibricos, apresentamos as noes de Identidade e

    Individualidade e como estas se formaram em Portugal. Expomos, tambm,

    algumas ideias sobre o entendimento de Geopoltica e Poder, assim como a relao

    entre a Cincia Poltica e a Poltica; por fim, apresentamos a concepo de

  • 11

    Estratgia e a sua interligao com os objectivos definidos pela poltica,

    nomeadamente os que caem no campo da conflitualidade.

    No 2 captulo caracterizamos as Comunicaes de Transporte,

    nomeadamente os sistemas rodovirio, ferrovirio, martimo, areo e de conduta.

    Alm de alguns conceitos relacionados com a geografia dos transportes,

    apresentamos os documentos que enquadram a poltica nacional deste sector, assim

    como a Rede Transeuropeia de Transportes, nomeadamente os projectos prioritrios

    que passam na Pennsula Ibrica.

    No 3 captulo apresentamos a ideia de constituir um corredor urbano, de

    Sines a Viana do Castelo, que funcione como uma plataforma de pessoas e

    mercadorias e, desta forma, tenha capacidade para competir com a Comunidade de

    Identifica e estabelece

    Objectivo poltico/estratgico

    Geopoltica e Estratgia

    Cincia Poltica

    Deciso Poltica

    Portugal

    Penn

    sula

    Ibrica

    Espao Geogrfico

    Auxilia

    Comunicaes de Transporte

    Plataforma de Pessoas

    e Mercadorias

    Instrumento utilizado

    Condiciona

    UE

    Reforo da Individualidade

    Figura 1 Modelo analtico de partida

  • 12

    Madrid, uma vez que esta possui uma superior massa crtica. Neste racional,

    discutimos esta noo, apresentamos as tendncias de evoluo das Comunicaes

    de Transporte e quais as infra-estruturas (objectivos) a implementar, em cada

    sistema de transporte, de forma a contribuir para a manuteno e o reforo da

    Identidade e Individualidade nacionais.

    Este trabalho, na rea da geopoltica, visa apontar possveis caminhos, tendo

    em conta a situao presente, mas visando pensar e preparar o futuro. Perante isto,

    tem dificuldade em incorporar as velozes e muito recentes alteraes da situao

    interna e internacional, uma vez que, no perodo em que se realizou, manifestou-se

    uma profunda crise econmica e financeira em Portugal e na Europa, originando a

    mudana do Governo portugus e consequentemente de polticas, com reflexo em

    algumas Comunicaes de Transporte projectadas, entretanto modificadas,

    suspensas ou canceladas.

    Trabalhos futuros podero incidir sobre a forma de organizao, constituio

    e dependncia do rgo de Staff, que corroborando pensamento de Loureiro dos

    Santos (2010) tambm propusemos para apoiar a deciso ao nvel da Estratgia

    Total, assim como, a nvel econmico e cultural apontar medidas concretas de

    como dinamizar o corredor urbano proposto (Sines a Viana do Castelo).

  • 13

    CAPTULO I ENQUADRAMENTO E CORPORIZAO TERICA

    1. Breve caracterizao histrica da Pennsula Ibrica: Portugal e Espanha

    Para sabermos o que acontecer num determinado pas ou regio, devemos

    formular hipteses e considerar cenrios, compar-los com outros estados e

    perceber as semelhanas e as diferenas no seu modo de evoluo. Assim, a

    Histria indispensvel para compreender as componentes actuais, o que torna o

    pensamento histrico e o modelo de anlise geopoltica indissociveis (Lacoste,

    2006), at porque este ltimo pode recorrer ao mtodo histrico. Neste sentido,

    iremos caracterizar sucintamente a evoluo histrica e as opes geopolticas

    dos dois pases que partilham a Pennsula Ibrica4, relevando os aspectos que, em

    nosso entender, mais contriburam para a individualidade de ambos.

    A Pennsula Ibrica uma massa continental pouco articulada, e que se

    estende por 860Km do Norte para Sul (Ribeiro e al, 1987, p. 7); est ligada

    Europa por um istmo de 420 quilmetros de comprimento, e separada da frica

    por um estreito de apenas 14 quilmetros, constituindo uma zona de transio

    entre a Europa e a frica (Giro, 1941, p. 17). Com uma forma quase

    quadrangular apresenta do ponto de vista Geogrfico uma unidade fsica

    incontestvel, uma vez que um conjunto de grandes planaltos, com cordilheiras

    montanhosas de elevada altitude orientadas de leste para oeste e separadas por

    largos vales, que, em baixo, se estendem por vastas plancies (Giro, 1941). Em

    termos polticos, partilhada por dois Estados e pelos protectorados de Andorra e

    Gibraltar.

    4 Os gegrafos do sculo XVIII chamaram Ibrica a esta pennsula, em memria dos povos

    oriundos da pr-histria e que se misturaram com os Celtas, antes de ficarem sobre domnio romano (Lacoste, 2006, p. 70).

  • 14

    Podemos caracterizar a Pennsula atendendo a duas unidades geogrficas

    distintas: a Meseta5 e as reas perifricas (Figura 2). O planalto est limitado por

    uma srie de cadeias montanhosas que lhe garantem um elevado valor defensivo

    (cordilheira Cantbrica, a Norte; sistema Ibrico a Este e cordilheira Btica a Sul).

    Acresce que a Meseta, apesar de estar dividida pelo Sistema Central Divisrio,

    aparece como um todo compacto e slido, o que justifica o seu papel importante ao

    longo da Histria. Nas terras perifricas temos a mencionar a depresso do Ebro, do

    Guadalquivir e do Tejo e Sado, assim como as terras baixas na seco portuguesa

    da foz do Douro para Sul e no litoral espanhol correspondente bacia do

    Guadalquivir (Giro, 1941, p. 18).

    Fonte: Giro, 1941, p. 18

    Figura 2 Elementos Fundamentais da Morfologia Peninsular

    5 Constitui um enorme planalto com 650 metros de altitude mdia e de forma grosseiramente

    triangular, tendo o vrtice apoiado sbre o Mediterrneo e a base voltada para o Atlntico (Giro, 1941, p. 19).

  • 15

    Observando a Carta Hipsomtrica da Pennsula Ibrica (Figura 3) constata-

    se que as grandes linhas da orografia do territrio portugus representam, afinal,

    a continuao das linhas da orografia do Pas vizinho. As unidades morfolgicas

    de Portugal revelam-se qusi todas na dependncia das grandes unidades

    morfolgicas da Pennsula; a feio planltica que caracteriza a regio central e

    setentrional espanhola caracteriza tambm o Norte de Portugal; simplesmente,

    medida que entram no nosso Pas, os planaltos e as montanhas diminuem de

    altitude e descem em degraus sucessivos para o mar, acompanhando os vales dos

    rios, que alargam ao mesmo tempo, construindo por vezes junto costa extensas

    plancies de aluvio (Giro, 1941, p. 68).

    Fonte: Giro, 1941, p. 69

    Figura 3 Carta Hipsomtrica da Pennsula Ibrica

  • 16

    A Pennsula abrange uma rea de 589.000km2, dos quais 500 mil pertencem a

    Espanha6, correspondentes a 84,7% do espao ibrico; Portugal ocupa, somente,

    15,2%. Esta diferena na dimenso do territrio tem sido, segundo Giro (1941) e

    Mendez (1984), um dos factores que impede a existncia de uma estratgia comum,

    dado que os portugueses tm relutncia em aceitar tal situao, uma vez que

    receiam que os seus interesses no sejam convenientemente defendidos, face a tal

    desproporo.

    Outro aspecto importante a mencionar a posse de arquiplagos no

    Mediterrneo e no Oceano Atlntico que valorizam a posio de cada Estado,

    assentes nos eixos seguintes: Baleares Estreito de Gibraltar Canrias e Portugal

    Continental Aores Madeira. Com efeito, a Pennsula encontra-se num local

    excepcional, onde se cruzam as ligaes entre trs continentes e no centro das

    comunicaes no Estreito; contudo no se deve esquecer que boas posies

    geogrficas, sem possuir fora, podem ter mais inconvenientes que vantagens

    (Mendez, 1984, p. 110).

    Para Yves Lacoste (2006), a prpria existncia de Portugal7 merecedora de

    ateno, em virtude da antiguidade, da lngua no ser muito diferente das de

    Espanha8, da fronteira9 no assentar num acidente natural, dos maiores rios que

    atravessam Portugal nascerem nos planaltos de Castela e constiturem corredores

    6 Nome adoptado pela unidade poltica centrada em Madrid, que, para muitos, constitui uma

    autntica usurpao de um nome que tambm pertencia a Portugal com efeitos polticos simblicos subentendidos , porquanto Hispnia tinha sido toda a pennsula e no apenas uma parte dela (Santos, 2004, p. 163). 7 Orlando Ribeiro corrobora esta ideia como se constata da seguinte afirmao no lcito falar

    de uma unidade do territrio portugus fundada nas condies naturais, ou de uma individualidade de conjunto dentro da Pennsula (Ribeiro et al, 1987, p. 27). 8 Todas so originrias do Latim, com excepo do Basco.

    9 Definida pelo tratado de Alcanices: assinado a 12 de Setembro de 1297 entre D. Diniz (Rei de

    Portugal) e D. Fernando IV (Rei de Leo e Castela) na povoao fronteiria espanhola de Alcaices, perto de Miranda do Douro.

  • 17

    para o Atlntico. Da que a justificao para a Identidade e Individualidade nacional

    encontrarem-se, em outros fundamentos e no em razes de geografia fsica.

    A anlise geopoltica de determinado Estado ou outro espao geogrfico,

    efectua-se, normalmente, dissecando um conjunto de factores geopolticos10 de

    forma a poderem identificar-se as potencialidades e vulnerabilidades desse

    territrio, entendido como a poro da superfcie terrestre socialmente apropriada

    e produzida pelas sociedades humanas (Salgueiro, 2009, p. 1).

    Neste racional, e tendo em considerao que a Geopoltica tem o ensejo de

    apontar caminhos, isto , aps chegar sntese da situao poltica existente,

    apresentar possveis devires, necessrio compreender o passado, nomeadamente:

    os objectivos histricos e a sua evoluo, principais guerras e disputas, linhas de

    fora histricas da poltica externa e concluir acerca da integrao e estabilidade

    territorial, das estratgias histricas de conquista, reforo, conservao e

    restaurao da independncia e os procedimentos ofensivos e defensivos

    preferenciais (Couto, 1988).

    Apesar de este trabalho no ter como objectivo efectuar um estudo

    geopoltico completo, uma vez que, se limita a analisar um subfactor

    (Comunicaes de Transporte), consideramos importante apresentar, de forma

    sinttica, os principais marcos histricos dos pases peninsulares, tendo a

    preocupao de salientar aqueles que mais tero contribudo para a formao da sua

    Identidade e Individualidade.

    10 O Instituto de Altos Estudos Militares props os factores seguintes: Factor Fsico (Territrio);

    Factor Humano (Populao); Factor Recursos Naturais; Factor Circulao; Factor Tecnolgico e Factor Estruturas (IAEM, 1993).

  • 18

    a. Breve caracterizao histrica de Portugal

    A data da assinatura do Tratado de Zamora apontada como o dia da

    Independncia de Portugal11 e o incio da dinastia Afonsina. Resultou da

    conferncia de paz entre Afonso Henriques e o rei Afonso VII de Castela e Leo, a

    5 de Outubro de 1143 e surge devido vitria portuguesa na Batalha de Ourique,

    em 1139, em que D. Afonso Henriques consolidou a sua posio para formar um

    novo Reino.

    Portugal, apesar de algumas semelhanas culturais com as regies espanholas

    e de uma luta comum contra o Islo, desde o sculo XII que construiu a sua

    identidade prpria. Segundo Jos Matoso, a guerra contra um inimigo externo

    provoca a formao de foras unificadoras, tendo sido esta que permitiu a criao

    de elementos persuasores ou aglutinadores de identificao de base tnico-

    religiosa, acentuados pela confrontao com o inimigo de raa e f (1985/1986, p.

    71).

    Aps a reconquista crist da Pennsula Ibrica, as relaes feudais que se

    estabeleceram entre os diversos reinos cristos existentes na altura, foram baseadas

    em alianas matrimoniais e a sua independncia no assentava na actual noo

    de soberania, mas sim na definio de um espao que pertence a algum de igual

    estirpe e consequentemente no devia ser apossado (Duarte, 2003, p. 37).

    A partir do Sculo XIII comea a materializar-se a passagem do mundo

    feudal, para o Estado nacional com a constituio de um aparelho burocrtico

    centralizador e a delimitao de um territrio, onde se impe progressivamente uma

    forma poltica, fiscal e militar unitria, bem como uma interligao do Rei com os

    11 Jos Mattoso (2003) associa o incio da nossa nacionalidade Batalha de S. Mamede (1128) na

    qual, os bares portucalenses, onde se integrava D. Afonso Henriques, venceram as foras ao servio do governo do condado Portucalense liderado por Ferno Peres de Trava (irmo de D. Teresa).

  • 19

    habitantes desse territrio, contribuindo para a criao de um sentimento de unidade

    (Guene, 1981).

    No sculo XIV, a costa portuguesa passa a ser atravessada por gals de longo

    curso, dedicadas ao trfego comercial regular efectuado por genoveses, venezianos,

    flamengos, biscainhos, ingleses, aragoneses, bretes e outros, tendo a cidade de

    Lisboa ganho importncia, dada a deciso poltica (D. Afonso III) de melhorar o

    equipamento dos portos12 (cais, reservas de madeira, construo naval, etc.), de

    modo a facilitar a sua utilizao transitria e a fixar comrcio (Macedo, 1987, p.

    21).

    Tambm no sculo XIV, o isolamento peninsular de Portugal e a guerra

    contra Castela so acontecimentos que contriburam para a formao da noo de

    comunho do ente portugus, assim como a existncia em permanncia de um

    inimigo, factos que, no nosso entendimento, tiveram impacto determinante para a

    formao de uma conscincia nacional (Duarte, 2003, p. 55). Foi neste perodo

    que ficou consumada a aliana13 com a Inglaterra (tratado de Windsor, em 1386),

    que se revelou decisiva na luta contra Castela. Como salienta Jorge Borges de

    Macedo, Portugal com a guerra contra Castela e a aliana inglesa, garantiu a

    independncia como estado e conservou a sua funo europeia de garantir uma

    rea essencial de trfego internacional, livre das hegemonias peninsulares (1987,

    p. 30).

    O tratado de Windsor foi bastante importante para Portugal, uma vez que nos

    permitiu manter o poder relativo face a Castela, conseguido pelo apoio britnico,

    marcando, assim, decisivamente o nosso curso histrico. Este acordo manteve-se ao

    12 Lisboa era servida por um verdadeiro rosrio de Portos, desde Santos, Ribeira, Conceio

    Velha, Tojo, Enxobregas, etc. (Macedo, 1987, p. 21). 13

    Segundo Rodrigues e Devezas (2007, p. 194), a aliana anglo-portuguesa iniciou-se em 1373 e foi renovada em 1386, 1655, 1661 e 1703.

  • 20

    longo dos sculos, apesar de vrias vicissitudes; se no vejamos; no sculo XVI, a

    Inglaterra adoptou o protestantismo, mas o nosso pas, por influncia dos jesutas,

    foi um dos defensores da Contra-Reforma; em 1640 conseguimos a independncia

    de Espanha com o apoio de alguns nobres franceses, mas principalmente dos

    ingleses; em 1793, em virtude da nossa aliana e consequente recusa de aderir ao

    bloqueio continental imposto por Napoleo, fomos trs vezes invadidos, tendo

    recebido, mais uma vez, a colaborao das tropas inglesas, comandadas por

    Wellington, que foram fundamentais para a expulso dos franceses e foi o

    embaixador ingls quem dirigiu o pas durante anos, uma vez que o rei se refugiara

    no Brasil (Lacoste, 2006; Rodrigues e Devezas, 2007), garantindo a liberdade de

    aco dos rgos de soberania. Note-se que aps o regresso do Rei Metrpole, os

    brasileiros alcanam a independncia14.

    Em perodo mais recente, foi tambm devido nossa aliana que Portugal

    participa na primeira Guerra Mundial, enviando tropas para combater contra a

    Alemanha na frente francesa e na segunda Guerra Mundial, embora no participe

    com tropas, cede a utilizao dos Aores aos Aliados (Lacoste, 2006 e Ferreira,

    2011). A importncia deste arquiplago, associado posio continental, est na

    base do convite efectuado pelos aliados para que Portugal15 integrasse, desde o seu

    incio, a Organizao do Tratado do Atlntico Norte (OTAN), em 1949.

    Mas a aliana com os ingleses tambm teve grandes custos, pois aquando da

    conferncia de Berlim, em 1884, organizada para definir os critrios para o

    14 D. Joo VI saiu do Brasil em 1821 e nomeou seu filho, Dom Pedro I, como prncipe regente, que

    viria a declarar a independncia do Brasil no dia 7 de Setembro de 1822. Segundo Rodrigues e Devezas (2007, p. 181), o monarca portugus ter aconselhado o filho a se o sentimento de Independncia for forte, e no o puderes travar, no te juntes s a ele, lidera-o. 15

    Portugal tem um territrio de dimenso reduzida quando comparado com a vizinha Espanha (cerca de um quinto da rea), no entanto possui a maior Zona Econmica Exclusiva (ZEE) da Unio Europeia com cerca de 1.700.000 km2, ...dos quais 437.000 km2 se ligam Madeira e 938.000 km2 aos Aores (Medeiros, 2005, p. 20). A dimenso da nossa ZEE cerca de dezoito vezes superior da extenso terrestre, conferindo a Portugal uma importncia muito maior do que seria de prever para um pas da sua dimenso.

  • 21

    reconhecimento das colnias foi acordado o princpio da ocupao efectiva em

    desfavor do princpio dos direitos histricos. Este critrio levou explorao do

    interior africano por vrias potncias europeias, o que provocou vrios conflitos,

    entre eles o de Portugal com a Inglaterra, em virtude da inteno portuguesa de unir

    Angola e Moambique16, o que colidia com interesses britnicos, de tal forma que

    nos foi apresentado um ultimatum17 (Telo, 1994; Rodrigues e Devezas, 2007).

    Tambm como consequncia das invases francesas, a famlia real

    portuguesa instalou-se no Brasil, evitando a tutela poltica de Frana. Mas a

    presena da corte no pas sul-americano, induziu o seu desenvolvimento, criando as

    condies para, que em 1822, D. Pedro I declarasse a independncia (Serro, 1984,

    p. 7).

    As guerras liberais como ficaram conhecidas tm aqui a sua gnese; de

    facto, o confronto entre as correntes da Revoluo e da Contra-Revoluo,

    simbolizadas respectivamente nos conceitos de liberalismo e do tradicionalismo

    d origem a uma guerra-civil entre os partidrios de D. Miguel I e D. Maria da

    Glria. Tal situao levou a que o monarca D. Pedro I tenha abdicado do trono

    brasileiro para fazer valer os direitos da filha, organizando a resistncia a partir dos

    Aores e levando, no final, coroao da sua herdeira, em 1834, com o nome de D.

    Maria II (Serro, 1984, p. 8). O seu filho D. Pedro V sucedeu-lhe, em 1855, quando

    completou os 18 anos de idade (Silva, 1993).

    Segue-se o perodo designado como Regenerao; o pas alcana alguma

    estabilidade, com a aplicao prtica de regras de aco poltica e que no

    16 Em 1887, o ministro dos Negcios Estrangeiros Barros Gomes, que havia colorido de rosa o

    espao de ligao entre Angola e Moambique, denominando-o de frica Meridional Portuguesa, esta rea ficou conhecida como o Mapa Cor-de-Rosa (Rodrigues e Devezas, 2007, p. 187). 17

    Note-se que, em 1655, Cromwell imps a Portugal o tratado de Westminster o que permitiu estabelecer no Porto uma feitoria inglesa que controlava a exportao do Vinho do Porto, que alguns autores consideram como o primeiro ultimatum ingls (Rodrigues e Devezas, 2007, p. 170).

  • 22

    discurso liberal classificado como renascer, o mudar o rumo que se prolonga

    at por volta do ano de 1890. Apesar do referido foi um perodo difcil, vivido por

    um pas que se vai ressentindo de uma crise grave de identidade nacional18, que

    se vai agravando, progressivamente (Ribeiro, 1993, p. 121 e 129). Como resultado

    do Acto Geral da Conferncia de Berlim, que impunha que a legitimidade de

    soberania deveria firmar-se na existncia de uma ocupao palpvel, agravava-se

    a crise do pas a nvel poltico, social e econmico (Homem, 1993, p. 143).

    Contudo, o Ultimatum ingls, em 1890, alm das consequncias polticas,

    sociais e econmicas, teve o condo de provocar e renovar o sentimento nacional.

    Houve, tambm, o aproveitamento poltico dos republicanos que, ao procurarem

    captar o apoio popular, ao denunciarem a monarquia e a tutela inglesa e ao

    prometerem a redeno do imprio e a grandeza nacional perdida (Catroga,

    1993, p. 567), contriburam para o incremento da Identidade nacional e da

    permanncia da nossa Individualidade, a que se associa ainda, a reduo do ardor

    iberista das elites nacionais.

    O fim da Monarquia e a instaurao da Repblica, em 1910, no acabou com

    a instabilidade poltica: existiram 40 governos em 18 anos, 16 dos quais atravs de

    Golpes de Estado at se chegar a uma ditadura. De facto, em 1926, Oliveira Salazar

    chega ao poder e consegue resolver a situao financeira catastrfica em que o pas

    se encontrava, o que lhe permitiu, em 1933, fundar o Estado Novo19 (Governo,

    2011).

    18 Neste perodo e, essencialmente, aps a revoluo espanhola de 1868, houve imensas obras publicadas sobre a questo ibrica (de 1852 a 1867: 45 e de 1867 a 1871: 58), uns defendendo o iberismo e outros o nacionalismo (Catroga, 1993, p. 566). A ideia de vrios autores iberistas (Antero de Quental foi um dos expoentes ilustres deste federalismo) era acabar com a dependncia de Inglaterra (Rodrigues e Devezas, 2007, p. 185). 19

    Salazar, na altura ministro das Finanas, utilizou esta expresso num discurso proferido em 1930 (Rodrigues e Devezas, 2007, p. 193).

  • 23

    Salazar enquanto permaneceu no poder, imps um regime autoritrio e

    manteve sempre um rigoroso controlo financeiro, buscando a auto-suficincia

    econmica (autarcia), o nacionalismo econmico, ou seja a proteco do mercado

    nacional e colonial para a produo nacional e o intervencionismo econmico,

    isto uma poltica interventora na economia (Mattoso, 1994, p. 251). Contudo,

    aps a II Guerra Mundial houve alteraes significativas na poltica econmica

    nacional, como foram exemplo, o incentivo industrializao, a anuncia de

    investimento estrangeiro e o movimento de capitais20 (Nunes e Brito, 1992).

    Contudo, para alm do contexto poltico e econmico metropolitano, a

    poltica colonial acabou por ser determinante no derrube do regime de Salazar.

    Este, tal como o seu sucessor Marcelo Caetano, recusaram-se sempre, apesar da

    conjuntura desfavorvel e das presses internacionais, a proceder descolonizao,

    envolvendo-se num longo e dispendioso conflito armado em Angola, Moambique

    e Guin-Bissau, chegando a empenhar mais de 160.000 militares em permanncia e

    apoiando a instalao de portugueses nas provncias ultramarinas (Castelo, 2007).

    Esta situao levou ao aumento do tempo de servio militar obrigatrio e

    imigrao de jovens para fugir Guerra, o que, para alm de agravar a situao do

    recrutamento na Metrpole, especialmente na categoria de Oficiais, contribuiu para

    dfices sectoriais de emprego no final dos anos 60 do sculo XX. A situao

    desembocou na Revolta Militar de 25 de Abril de 1974. Na sequncia desta, o

    General Antnio de Spnola tornou-se Presidente da Repblica, sendo substitudo,

    ainda no mesmo ano, pelo General Costa Gomes (1974-1976). Em 1974 e 1975, o

    pas concedeu a independncia aos territrios ultramarinos em frica tendo esta

    situao provocado o regresso Metrpole de cerca de meio milho de

    20 Em 1973, o PIB nacional era 294.062 contos (Nunes e Brito, 1992, p. 348), sendo um tero

    inferior ao espanhol, que por sua vez, era um quarto do francs (Lacoste, 2006).

  • 24

    portugueses. Tal facto fez que o pas regressasse territorialidade europeia (com

    excepo de Macau), ou seja ao Portugal original (Pires et al, 1984).

    Aps a eleio do General Ramalho Eanes para Presidente da Republica

    (1976-1986), a vida poltica portuguesa normalizou-se e as alternncias de poder

    que se tm verificado entre o centro-esquerda e o centro-direita so

    semelhantes ao que se verifica nas restantes democracias europeias. Em 1986, ao

    mesmo tempo que Espanha, Portugal entrou na Comunidade Econmica Europeia,

    o que veio permitir um grande desenvolvimento dos equipamentos pblicos, com

    grande destaque para as Comunicaes de Transporte. Tal facto contribuiu para

    uma maior aproximao portuguesa ao continente, descurando assim parte do seu

    passado histrico ligado ao Atlntico.

    Apesar de Portugal e Espanha j terem realizado 25 cimeiras ibricas (at

    2012), onde debateram e acertaram posies sobre temas com interesse comum e

    integrarem as mesmas organizaes internacionais21, no significa que tenham

    acabado os diferendos entre os dois. O principal relaciona-se com a gua22. Estes

    partilham os principais rios da Pennsula Ibrica e, em consequncia, praticamente

    dois teros do territrio portugus est localizado em bacias hidrogrficas

    internacionais23.

    Considerando que para reconhecer os aspectos de homogeneidade ou

    heterogeneidade das populaes que habitam determinado espao, ou seja,

    identificar as razes agregadoras ou desagregadoras ou que possam constituir-se

    como focos de tenso que, no extremo, podem levar ruptura social e

    21 A Espanha aderiu OTAN em 1982.

    22 Portugal tende a ficar refm de qualquer iniciativa espanhola no domnio da gesto dos recursos

    hdricos, pois a sua localizao a jusante da Espanha constitui uma vulnerabilidade nacional que justifica a adopo de um processo negocial contnuo, baseado nos Direitos Internacional e Comunitrio, numa atitude de cooperao efectiva e, principalmente, na implementao de medidas concretas que minimizem essa vulnerabilidade (Leal, 2007). 23

    As bacias hidrogrficas transfronteirias so cinco: Minho, Lima, Douro, Tejo e Guadiana (Ramos, 2005, p. 394).

  • 25

    desagregao da prpria organizao social, necessrio analisar, do ponto de vista

    qualitativo, a populao. Esta anlise passa por reconhecer, identificar e distinguir a

    estrutura social, as etnias, religies, lnguas e outros elementos que possam

    consubstanciar-se como plos de unio ou de fragmentao, podendo associar-se,

    tambm, questes como a autodeterminao, a existncia de minorias ou os

    movimentos migratrios (Dias, 2005).

    Desta forma, podemos caracterizar a populao portuguesa como tendo uma

    grande homogeneidade, dado que cerca de 85% da populao catlica (segundo o

    INE, 2002), a lngua24 portuguesa falada por toda a populao e a existncia de

    grupos tnicos minoritrios25 no tem sido factor de instabilidade, dada a sua

    razovel integrao na sociedade. A nica excepo diz respeito populao

    cigana, um problema histrico no resolvido de integrao na sociedade

    portuguesa.

    Em resumo, como afirmou Hernni Lopes (2010), foi nos momentos

    decisivos, de crise e de afirmao da existncia de Portugal, que os portugueses

    mostraram o peso concreto (poltico, econmico e cultural) da utilizao da

    dinmica geopoltica da contraposio entre o martimo (Portugal) e o continental

    (Espanha) em que, do ponto de vista racional, encontramos a chave da compreenso

    do fenmeno portugus: a nica estrutura poltica, sada da Reconquista Crist na

    Pennsula Ibrica, que mantm a sua independncia poltica face ao poder

    aglutinador de Castela.

    Ou nas palavras do espanhol Eduardo Gomez, pode-se afirmar que o nosso

    pas realizou um processo histrico de lenta maturao, o que proporcionou uma

    24 Mirands tambm uma lngua oficial.

    25 Os principais grupos tnicos de origem no nacional so constitudos por cidados oriundos dos

    Pases Africanos de Lngua Oficial Portuguesa, por Brasileiros e por cidados dos pases da Europa de Leste, designadamente a Ucrnia, a Moldvia e a Romnia (INE, 2012a).

  • 26

    considervel estabilidade a Portugal. No duvidamos que este pas, com os seus

    sete sculos de existncia como Estado, territorialmente o pas mais estvel da

    Europa. Essa estabilidade chegou aos nossos dias, de tal forma que, foi Portugal o

    primeiro a conquistar novas terras, e foi tambm o ltimo a perder as suas

    colnias (1984, p. 99) ou, ainda, nas palavras de Orlando Ribeiro a existncia

    independente de Portugal, firmada no meado do sculo XII, a fixao definitiva da

    sua fronteira, cem anos depois, a unidade de lngua e a perfeita coincidncia dos

    seus limites com os da nao, fazem do Estado portugus a formao mais antiga e

    mais estvel do mapa poltico da Europa (Ribeiro et al, 1987, p. 28).

    b. Breve caracterizao histrica de Espanha

    No comeo do sculo VIII, em 711, berberes islamizados essencialmente da

    Mauritnia invadiram a Pennsula e em pouco tempo conquistaram todo o territrio,

    com excepo do seu extremo Norte. Os pequenos reinos cristos e de lnguas

    neolatinas empreenderam, progressivamente a reconquista26, sendo que no final

    do sculo XII a pennsula era quase na totalidade27 controlada pelos reis catlicos

    (Lacoste, 2006, p. 93). Na realidade no existiu uma continuidade na formao dos

    reinos cristos, pois ao longo dos sculos, foram-se fazendo e refazendo, com muito

    trabalho e problemas, at se criarem, definitivamente, as nacionalidades, que

    voltaram a ganhar maior visibilidade com o desenvolvimento das autonomias

    regionais espanholas nos anos 70 do sculo XX (Gomez, 1984).

    A unio de Castela com Arago, em 1479, e a reconquista de Granada em

    1492 marcam a unificao espanhola. Na altura, era comum nestas unies a

    incluso de clusulas que impunham a manuteno da identidade de cada um dos

    26 Yves Lacoste (2006) salienta que os Bascos no participaram nesta reconquista.

    27 O reino de Granada s foi conquistado em 1492 por Isabel de Castela e pelo seu marido Fernando

    de Arago (Atlas da Histria de Espaa, 2010) e o Algarve em 1249 por Sancho II.

  • 27

    reinos e o respeito pelas tradies polticas (Lacoste, 2006, p. 94). As tradies e

    os privilgios, designados por fueros foram reconhecidos pelas Cortes e so, ainda

    hoje, evocados pelos defensores das autonomias e constituem-se como uma das

    especificidades polticas de Espanha, Figura 4.

    Fonte: Atlas da Histria de Espaa, 2010

    Figura 4 A unificao de Espanha pelos Reis Catlicos

    Em Espanha permaneceram as identidades dos diversos reinos, de tal forma

    que, sobretudo, os nacionalistas bascos e catales vem na tradio das cortes e no

    respeito pelas diferenas entre as 17 comunidades autnomas uma espcie de

    pacto histrico fundamental de no-centralizao da Espanha. Segundo a

    perspectiva basca e catal, o pacto j no est a ser respeitado, o que justifica as

    reivindicaes de independncia (Lacoste, 2006, p. 97). No entanto, a Espanha no

    um Estado federal e a constituio, de 197828, reconhece as trs nacionalidades

    basca, catal e galega, mas proclama, tambm, a unidade indissolvel da nao

    espanhola (Constitucin Espaola, 2012, p. 1).

    28 Foi aprovada pelo povo espanhol atravs de referendo de 6 de Dezembro de 1978 e entrou em

    vigor em 29 de Dezembro do mesmo ano (Constitucin Espaola, 2012).

  • 28

    O crescimento recente das reivindicaes das comunidades da Catalunha, do

    Pas Basco29 e da Galiza ameaa criar problemas unidade do Estado espanhol. Os

    Partidos destas comunidades levam ao extremo as exigncias de autonomia das

    suas nacionalidades, procurando reduzir as suas relaes com Madrid e jogando

    com as novas estruturas da Unio Europeia (Comit das Regies, por exemplo),

    com a moeda nica e com a intensa crise por que passa o pas, para assim

    alcanarem a sua independncia.

    A histria espanhola marcada por inmeras guerras, essencialmente a partir

    do sculo XVIII, devido aliana entre a Espanha e a Frana, materializada na paz

    dos Pirenus, em 1659, que fixou as fronteiras actuais dos dois pases. Quando a

    dinastia dos Habsburgos de Espanha se extinguiu sem herdeiros, foi anunciado um

    Bourbon, neto de Lus XIV, para ocupar o trono, o que veio a acontecer, tendo sido

    coroado como Felipe V (1700-1746), devido ao apoio militar francs (Fernndez,

    2010).

    Os rivais30 dos franceses, inquietos com esta aliana, apoiaram o arquiduque

    Carlos de ustria, dando origem designada guerra de sucesso de Espanha

    (1703-1713). Apesar de os adversrios dos franceses no terem logrado os seus

    intentos, esta guerra resultou na perda de Gibraltar, conquistada pelos ingleses, e na

    supresso dos fueros de Arago e Catalunha que se tinham oposto a um francs no

    trono de Espanha (Fernndez, 2010).

    29 Desde h 25 anos que os terroristas da ETA levam a cabo uma poltica de destabilizao

    sistemtica, com atentados em toda a Espanha e principalmente em Madrid, para tentarem provocar uma crise poltica e, a prazo, a dissoluo do Estado espanhol (Lacoste, 2006, p. 85). Em Setembro de 2010, membros da ETA anunciaram em declaraes exclusivas BBC (atravs de registo vdeo) que esta no levaria a cabo mais aces armadas na sua campanha pela independncia para pr em marcha um processo democrtico (Pblico, 2010). At data (Fevereiro de 2013), no h registos conhecidos de novas aces ilegais desta organizao. 30

    Inglaterra, Provncias Unidas (actuais pases baixos), imprio austraco e Portugal (Lacoste, 2006, p. 98).

  • 29

    Aps a guerra, ocorre um grande desenvolvimento econmico,

    essencialmente na Cata