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SERVIÇO PÚBLICO FEDERAL UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ INSTITUTO DE CIÊNCIAS EXATAS E NATURAIS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS E MEIO AMBIENTE JOSÉ VARGAS SOBRINHO JUNIOR REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA URBANA NO MUNICÍPIO DE REDENÇÃO/PA: Um estudo de caso da Lei Complementar Municipal 66/2013 BELÉM, PA 2015

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SERVIÇO PÚBLICO FEDERAL

UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ

INSTITUTO DE CIÊNCIAS EXATAS E NATURAIS

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS E MEIO AMBIENTE

JOSÉ VARGAS SOBRINHO JUNIOR

REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA URBANA NO MUNICÍPIO DE REDENÇÃO/PA:

Um estudo de caso da Lei Complementar Municipal 66/2013

BELÉM, PA

2015

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ

INSTITUTO DE CIÊNCIAS EXATAS E NATURAIS

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS E MEIO AMBIENTE

JOSÉ VARGAS SOBRINHO JUNIOR

REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA URBANA NO MUNICÍPIO DE REDENÇÃO/PA:

Um estudo de caso da Lei Complementar Municipal 66/2013

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-

Graduação em Ciências e Meio Ambiente da

Universidade Federal do Pará para obtenção

do título de Mestre em Ciências e Meio

Ambiente.

Orientador: Prof. Dr. José Heder Benatti.

BELÉM, PA

2015

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Sobrinho Junior, Jos Vargas, 1982- Regularização fundiária urbana no município deRedenção/Pa: um estudo de caso da lei complementarmunicipal 66/2013 / Jos Vargas Sobrinho Junior. - 2015.

Orientador: Jos Heder Benatti. Dissertação (Mestrado) - UniversidadeFederal do Pará, Instituto de Ciências Exatas eNaturais, Programa de Pós-Graduação em Ciênciase Meio Ambiente, Belém, 2015.

1. Direito agrário. 2. Solo-Uso-Redenção(PA). 3. Leis complementares-Municípios-Redenção(PA). 4. Planejamento urbano-Solos-Redenção(PA). I. Título.

CDD 22. ed. 344.0957

Dados Internacionais de Catalogação-na-Publicação (CIP)Sistema de Bibliotecas da UFPA

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DEDICATÓRIA

Dedico este trabalho à Beatriz, minha filha mais velha, que nasceu alguns meses antes

de iniciar o curso de Mestrado e em razão dele reclamou minha ausência durante muitas

noites e finais de semana, espero que um dia ela compreenda.

Dedico também à Iolanda, minha filha caçula, que respondeu uma pergunta que me

fazia desde muito: É possível amar do mesmo tanto dois ou mais filhos? Descobri que

existem formas de amar, mas amor não tem intensidade, só plenitude.

Dedico especialmente à Fernanda, minha esposa, cujo amor não consigo expressar em

palavras, apenas dizer que, sem quem, nada.

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AGRADECIMENTOS

O primeiro agradecimento destina-se a meu orientador, José Heder Benatti, que me

ensinou o que é uma pesquisa científica e o papel de um orientador. Serei eternamente

grato pelas lições, pois sempre tive ânsia em apreender a pesquisar, li diversos livros de

metodologia da pesquisa e talvez tenha sido o tipo de literatura que menos me acresceu

algo. Iniciada a orientação, em razão da distância, tivemos pouco contato presencial,

mas apreendi que o papel do orientador não é acompanhar o orientando durante toda a

pesquisa e esclarecer dúvidas a todo instante, mas clarear o caminho para que sejamos

capazes de descobrir o que nele estava oculto, tendo ainda mais dúvidas a cada

descoberta e se sentindo motivado a continuar. Enfim, agradeço uma das mais valiosas

lições.

Agradeço ainda, especialmente, a meus pais, José e Marlene, que jamais mediram

esforços para que estudássemos e tanto sacrifício tiveram que fazer. Quando criança,

muitas vezes, entre um sacrifício e outro, meu pai disse que estava nos dando o único

bem que jamais alguém poderia nos furtar. Levei muito tempo para compreender o que

isso significa. Também quando criança, minha mãe perdeu a maior parte dos poucos

momentos de lazer para nos auxiliar com as primeiras letras, graças a ela estudar nunca

foi uma atividade modorrenta. Mas mais do que isso, ambos nos ensinaram com o

exemplo. Espero conseguir ter a mesma dedicação de vocês com minhas filhas.

Tenho uma dívida de gratidão com minha irmã, Shalana, que sempre teve um amor

fraternal tamanho que sempre me deixou a sensação de não retribuir a contento.

Agradeço também:

Aos meus alunos, por me permitirem exercer a atividade profissional que mais me

envaidece; pela amizade de muitos; pelos ensinamentos cotidianos.

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À Marcelo Carmelengo, que me deu a oportunidade de dar aula e também de fazer este

curso de mestrado, dado sua dedicação em realizar o convênio entre a instituição

mantenedora e a UFPA.

À Juliana Oliveira, defensora pública dedicada, inteligente e sensível, amiga de poucas

horas, mas destas que nos fazem acreditar que lutar “é preciso, viver não é preciso”.

À Maysa, por organizar o caos e a Lorena, Beatriz e Marcelo, por suprirem minha

ausência no escritório.

Aos amigos Hugo Loss, Nicolas Liotto e Arthur MacDonald, com quem mais

compartilhei ideias e aflições acerca deste processo de mestrado, e porque me

auxiliaram a “explicar a mim próprio como cheguei aqui”.

Aos amigos Hallan Bruner Farias, Juliano Dóbis, Samuel Duleba, Samir Dias, André

Schilling, porque em algum momento da vida compartilharam comigo o mistério do

mundo e das coisas, significando a vida.

À Ricardo Pinto, que me mostrou que a história de Redenção é a íntima história do

Universo, além de ter me auxiliado sobremaneira nesta pesquisa.

À Paulo Botas e Eduardo Spiller Pena, não sei porque, só sei que é assim.

À Iyagunã.

Dos que nunca lerão sequer os agradecimentos porque deles não tomarão conhecimento,

agradeço:

À Eduardo Galeano, escritor uruguaio que não sabe da minha existência, apesar de tê-la

alterado profunda e invariavelmente.

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À Andrey Poubel, que quando eu acreditava que a liberdade, a igualdade e a

fraternidade passavam pelo fim de todas as instituições e seus orgulhos, especialmente o

Estado, me demonstrou que as instituições não passam de metáforas das pessoas;

À Emerson Gabardo, pela ilusão de que o Direito é algo mais do que alguns livros que

já nascem empoeirados e faz parte das pequenas coisas insignificantes que cultivam os

sonhos que nos libertarão um dia.

À periferia... todas as periferias, de todos os lugares e todas as épocas... que duram

depois de não existir, vivem depois de morrer e gozam em tanto sofrer... À periferia,

resistência da vida, resguardo da humanidade, concentração da ação... A todos os

manos, que não cansam de consertar o que os doutores estão fadados a destruir,

especialmente aqueles que recorreram a mim e não tive forças para ajudar... É nós...

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Muito terá que ocultar a história,

Dama de véu rosado,

Beijadora dos que vencem.

Eduardo Galeano

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RESUMO

A presente dissertação realiza um estudo de caso acerca da Lei Complementar

Municipal 66/2013, que criou o “Plano Municipal de Regularização Fundiária,

Ocupação e Uso da Propriedade Urbana do Município de Redenção”. A irregularidade

fundiária do município resulta de sua ocupação desordenada, especialmente em razão da

falta de planejamento urbano e de políticas públicas que cuidassem do uso e ocupação

sustentável do solo aliado a efetividade do direito à moradia. O problema da

irregularidade fundiária hoje abrange não só famílias em situação de vulnerabilidade

mas também as principais regiões comerciais do município, sendo responsável por

graves problemas sociais ao mesmo tempo em que dificulta o desenvolvimento

econômico do município. Em razão disso, em 2013 aprovou-se a Lei Complementar

Municipal 66/2013, responsável primordialmente pela regularização fundiária no

âmbito municipal. Para compreendermos a dimensão do problema e da Lei que surge

com o intuito de solucioná-lo, estudamos primeiramente a forma como ocorreu a

ocupação do território brasileiro e as leis que regeram esta ocupação. Em um momento

posterior tentamos conceituar o vocábulo regularização fundiária e estudar os

elementos nele contido. Por fim, estudamos como acontecia a regularização fundiária no

município anteriormente à Lei Complementar Municipal 66/2013 para alcançar, então, o

surgimento da referida lei, apresentando o rol de instrumentos nela contidos destinados

à regularização fundiária. Encaminhando para a conclusão, após análise crítica não

apenas da lei objeto de estudo mas também das problemáticas inerentes à regularização

fundiária, a pesquisa apontou sugestões para a alteração da Lei Complementar

Municipal 66/2013 visando torná-la mais efetiva.

Palavras-chave: Regularização Fundiária. Função social da propriedade. Ocupação do

solo. Redenção/PA. Lei Complementar Municipal 66/2013.

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ABSTRACT

This dissertation conducts a case study about the Municipal Law 66/2013, which

created the municipal Plan of Land Regularization , Occupation and Use of Urban

Property of Redenção/PA. The land irregularity of the municipality results from their

disordered occupation, especially given the lack of urban planning and public policy to

take care of the sustainable use and occupation of land, combined with effectiveness of

the right to housing. The land irregularity problem today covers not only families in

vulnerable situations but also the main trade areas of the city, so that is responsible for

serious social problems while blocking economic development of the municipality. In

2013 approved the Municipal Law 66/2013, responsible primarily for land

regularization in the city. To understand the scale of the problem and the law that arises

in order to solve it, first studied the way how was the occupation of the Brazilian

territory and the laws that governed this occupation. At a later time we try to

conceptualize the land regularization term and study the elements contained in there.

Finally, we study how was the land regularization in the municipality before the

Municipal Law 66/2013 to achieve, then the law, with the list of instruments contained

in it for the land regularization . Forwarding to the conclusion, after critical analysis not

only of the object of study law but also of the problems inherent in the land

regularization, the survey indicated suggestions for amending the Municipal Law

66/2013 aimed makes it more effective .

Keywords: Urban Land Regularization. Regularization at the municipal level. Social

function of property. Social function of the city; use and occupation. City of

Redenção/PA. Municipal Law about Land Regularization.

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO .................................................................................................... 14

2 A DIFICULDADE DA DEFINIÇÃO DO CONCEITO DE

“REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA” ........................................................................... 17

2.1 Marcos Históricos da Formação Territorial Brasileira ................................... 18

2.1.1 Terras públicas e o regime das sesmarias .............................................................. 19

2.1.2 Terras públicas e o regime de posse ...................................................................... 24

2.1.3 Terras públicas e o regime da Lei de Terras – Lei 601/1850 ................................ 25

2.1.4 Terras públicas e período republicano ................................................................... 27

2.2 Marcos Legais de Regularização Fundiária Urbana ........................................ 28

2.2.1 Lei Federal 6.766/79 e o Parcelamento de Solo Urbano ....................................... 28

2.2.2 Lei Federal 9.785/99 e a Democratização do Parcelamento do Solo Urbano ....... 30

2.2.3 Lei Federal 10.257/2001 – O Estatuto da Cidade e a função social da cidade. ..... 32

2.2.4 Lei 11.977/2009 – A regularização fundiária e a compatibilização de

direitos. .............................................................................................................................. 35

2.3 Aspectos Relacionais entre Formação Territorial e Regularização

Fundiária .......................................................................................................................... 38

3 DIMENSÕES JURÍDICA, URBANÍSTICA, AMBIENTAL E SOCIAL

DA REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA ........................................................................ 40

3.1 Os Elementos Contidos no Vocábulo Regularização Fundiária ...................... 41

3.2 Dimensão Jurídica e a Nova Disciplina da Regularização Fundiária ............. 42

3.3 Dimensão Urbanística e a Produção do Espaço Urbano .................................. 45

3.4 Dimensão Ambiental – A Conciliação entre o Direito à Moradia e o

Direito ao Meio Ambiente Equilibrado ......................................................................... 48

3.5 Dimensão Social – Do Diagnóstico da Ocupação ao Emponderamento

dos Ocupantes .................................................................................................................. 53

3.6 A União de Saberes em Busca de Cidades Socialmente Justas e

Ambientalmente Sustentáveis ......................................................................................... 56

4 REDENÇÃO: DA OCUPAÇÃO DO ESPAÇO À EMANCIPAÇÃO ............ 58

4.1 Da Ocupação do Espaço ...................................................................................... 58

4.2 Do Surgimento do Povoado ................................................................................. 61

4.3 Da Elevação do Povoado à Categoria de Vila e a Emancipação ..................... 66

5 A REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA URBANA DE REDENÇÃO

SEGUNDO A LEI MUNICIPAL 11/83 ......................................................................... 70

5.1 Instrumentos para Regularização Dominial Segundo a Lei Municipal

11/83 ............................................................................................................................... 71

5.1.1 Doação onerosa...................................................................................................... 71

5.1.2 Venda ..................................................................................................................... 72

5.1.3 Aforamento ............................................................................................................ 72

5.1.4 Permuta .................................................................................................................. 73

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5.1.5 Concessão de Direito Real de Uso ........................................................................ 73

5.1.6 Outras Disposições ................................................................................................ 73

5.1.7 A Lei Municipal 11/83 e a Regularização Fundiária ............................................. 74

5.2 Estudo de Caso da Regularização Fundiária no Município de Redenção

sob a égide da Lei Municipal 11/83 ................................................................................ 75

6 O ADVENTO DA LEI COMPLEMENTAR MUNICIPAL 66/2013 E A

NOVA POLÍTICA MUNICIPAL DE REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA ............... 81

6.1 Principais Disposições da Lei Complementar Municipal 66/2013 .................. 81

6.2 Instrumentos para Regularização Dominial Segundo a Lei

Complementar Municipal 66/2013 ................................................................................. 87

6.2.1 Concessão de Direito Real de Uso ........................................................................ 88

6.2.2 Venda ..................................................................................................................... 89

6.2.3 Doação ................................................................................................................... 90

6.2.4 Superfície ............................................................................................................... 91

6.2.5 Concessão de Uso Especial para Fins de Moradia ................................................ 91

6.3 Análise Crítica da Lei Complementar Municipal 66/2013 que Instituiu a

Nova Política Municipal de Regularização Fundiária ................................................. 92

6.3.1 Frear a Produção Irregular da Cidade: o Urbanizador Social ................................ 94

6.3.2 Gestão Pública Participativa .................................................................................. 95

6.3.3 Qualificação da Gestão .......................................................................................... 96

6.3.4 Usucapião Urbana e Áreas Privadas ...................................................................... 96

6.3.5 Políticas de Compensação Ambiental ................................................................... 97

7 CONCLUSÃO ...................................................................................................... 98

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ............................................................. 102

APÊNDICES ...................................................................................................... 106

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1 INTRODUÇÃO

Segundo estimativas do Ministério das Cidades, dois terços das áreas urbanas do

Brasil encontram-se em um panorama de irregularidade fundiária e ao contrário do que muitos

pressupõem, esse fenômeno não atinge apenas as famílias de baixa renda. Desde luxuosas

mansões em áreas de proteção ambiental, passando por imóveis no centro de São Paulo -

quarta maior metrópole do mundo - até alcançar a periferia de praticamente todas as cidades,

a irregularidade fundiária é um fenômeno multifatorial, fruto da falta de políticas públicas

distintas e de uma legislação que até hoje não conseguiu abranger de maneira satisfatória o

problema (FERRAZ, 2013).

Conforme acompanhamento do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística)

em 1960, 55% da população residia no campo, este panorama alterou-se em menos de uma

década, tendo crescimento acelerado e hoje mais de 80% da população brasileira vive nas

cidades. O Brasil não criou políticas públicas para fixar as famílias na zona rural bem como

não desenvolveu políticas de planejamento urbano para que as cidades comportassem esse

crescimento exponencial, de forma que as ocupações irregulares são uma realidade nas

cidades brasileiras, grande parte em áreas de mananciais, de preservação permanente, áreas

verdes e áreas públicas.

Redenção teve o mesmo problema em escala ainda mais alarmante, ainda de acordo

com dados do IBGE, na década de 70, quando a maior parte da população brasileira residia

nas cidades, 67% da população redencense ainda ocupava a zona rural. Decorridos dez anos,

68% da população tornou-se urbana e dados mais recentes, de 2010, indicam que 93% da

população redencense reside em área urbana. Essa inversão no contingente populacional em

cada zona é acompanhada por uma explosão demográfica incomum: salta-se de 2.344

habitantes na década de 70 para 75.556 habitantes quarenta anos depois. Isso significa dizer

que enquanto o êxodo do campo para a cidade aliado ao crescimento populacional representou

um crescimento médio de quatro vezes o número de habitantes nas cidades brasileiras, em

Redenção estes fatores resultaram em um aumento populacional de trinta e duas vezes, no

mesmo período.

Reconhecendo este problema e as peculiaridades encontradas no município de

Redenção, no ano de 2013 o Poder Executivo encaminhou para a Câmara Municipal um

projeto de lei que criou o “Plano Municipal de Regularização Fundiária, Ocupação e Uso da

Propriedade Urbana do Município de Redenção”, através da Lei Complementar Municipal

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66/2013. Por se tratar de lei recente, ainda não é possível avaliar se os instrumentos são

efetivos no que se propuseram a partir dos resultados colhidos, pelo que é imperioso um

estudo dos antecedentes da lei para que se obtenham condições de realizar uma prospecção

sobre seus resultados.

O objetivo da presente dissertação é realizar um estudo de caso acerca da

regularização fundiária urbana no município de Redenção, um dos municípios mais

desenvolvidos do Araguaia paraense. Pretende-se também avaliar a atuação da Administração

Pública Municipal na tentativa de organizar o espaço urbano ocupado sem planejamento e a

inclusão social das famílias de baixa renda que venham compor estas ocupações irregulares.

Ainda, almeja-se estudar a forma como esta regularização fundiária busca integrar tais

ocupações à cidade previamente planejada, qualificando as áreas de ocupação consolidada

através do investimento em infraestrutura e valorização dos espaços comunitários, priorizando

a ocupação de espaços nestas áreas para conter a segregação sócio espacial.

Para tanto, a primeira resposta que buscou-se, exposta no segundo item, foi o que se

abrigava sobre o termo regularização fundiária, e para delinear o contorno da expressão

mostrou-se imprescindível o estudo da ocupação do solo brasileiro bem como das principais

leis relacionadas a regularização fundiária no país, o que foi feito no segundo item. Nele,

primeiro estudou-se a ocupação do solo brasileiro e a formação territorial sobre o auspício dos

diferentes regimes que tutelaram as terras públicas, origem da formação territorial brasileira.

Em um segundo momento, debruçamo-nos sobre os marcos legislativos federais relacionados

à regularização fundiária.

No terceiro item almejou-se compreender os elementos contidos no vocábulo

regularização fundiária, adotando quatro principais dimensões essenciais à regularização

fundiária urbana, que além de auxiliarem na delimitação conceitual do termo são os aspectos

mais modernos sobre os quais se pauta a regularização fundiária hoje: a dimensão jurídica,

responsável especialmente pela regularização jurídica dominial; a dimensão urbanística, que

cuida da ordenação e uso do espaço, possibilitando o acesso a outros serviços e direitos, como

saneamento ambiental, educação, saúde, etc.; dimensão ambiental, com dever de conciliar os

direitos fundamentais à moradia e ao meio ambiente equilibrado; a dimensão social,

responsável pelo diagnóstico dos assentamentos a partir do perfil socioeconômico dos

ocupantes mas também pelo emponderamento da sociedade garantindo sua participação nos

processos de regularização fundiária.

No quarto item aproxima-se propriamente do objeto de estudo, voltando os olhos para

o processo de ocupação de Redenção, o desenvolvimento urbano, uso e ocupação do solo e a

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emancipação do município, conferindo-lhe autonomia administrativa e financeira. Importante

salientar que em um modelo federativo como o brasileiro a emancipação tem efeito não

apenas na regularização fundiária mas em todos os processos retrocitados.

No quinto item objetivou-se estudar como o Município enfrentava a irregularidade

fundiária antes do advento da Lei Complementar Municipal 66/2013, ao contrário de

significar a ampliação de nosso objeto de estudo, conhecer a forma como o Município

encarava a regularização fundiária antes da Lei que delimita o tema é de extrema relevância

para compreendermos o cenário encontrado por ela e verificar se os instrumentos da Lei

Complementar Municipal 66/2013 contribuem de fato para a regularização fundiária urbana

de Redenção.

Desta maneira, no item cinco descreve-se a Lei Municipal 11/83, principal

instrumento legislativo para a regularização fundiária no âmbito municipal antes do advento

da Lei Complementar Municipal 66/2013. Além disso, apresenta-se as conclusões

encontradas após realizar um estudo de caso de quinze processos de regularização fundiária

protocolados e concluídos sob a tutela da Lei Municipal 11/83, que compõe o Anexo I da

presente dissertação.

No sexto item divide-se a abordagem tratando em um primeiro momento das

características gerais da Lei, na tentativa de identificar seus fundamentos. No segundo

momento, descrevem-se os instrumentos jurídicos de regularização fundiária disponibilizados

pela Lei Municipal 11/83. Finalmente, debate-se como o poder público municipal enfrentou o

tema da regularização fundiária e sua capacidade de gerir os processos de regularização

fundiária.

Por fim, após o diagnóstico realizado da situação fundiária de Redenção, os

antecedentes legislativos e o objeto de estudo propriamente dito, a Lei Complementar

Municipal 66/2013, no sétimo item indica-se possíveis arranjos jurídicos que melhor

viabilizem a regularização fundiária urbana dos assentamentos de Redenção, tentando

contribuir com a solução dos problemas identificados no trabalho, bem como sugerir o

desenvolvimento de medidas específicas para que o plano de regularização fundiária

municipal tenha efetividade.

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2 A DIFICULDADE DA DEFINIÇÃO DO CONCEITO DE “REGULARIZAÇÃO

FUNDIÁRIA”

“Deitou-se remendo de pano novo em vestido velho, vinho novo em

odres velhos, sem que o vestido se rompesse nem o odre rebentasse.”

Raymundo Faoro.

Existe uma dificuldade em conceituar "regularização fundiária", não havendo na

doutrina um conceito consagrado justamente porque a utilização que o poder público faz

desse termo influi no conceito doutrinário e o uso legislativo do termo não é estanque. Este

último tenta continuamente conformar-se aos problemas encontrados nas situações de

irregularidade fundiária, que variam não apenas de época para época, mas de local para local.

Ainda assim, fácil deduzir que ao se utilizar o termo ‘regularização’ depara-se com

uma situação irregular ou ilegal e o termo ‘fundiária’ indica que a regularização em questão

cuida de bem imóvel, pelo que ‘regularização fundiária’ em um primeiro momento denota

tornar regular, segundo parâmetros legais, determinada ocupação, conduzindo então a

conclusão imediata que o beneficiário do evento não é o proprietário do imóvel, mas seu

possuidor.

O conceito regularização fundiária nos parece ter origem nos instrumentos utilizados

pelo Estado para sujeitar o ocupante de área rural a submeter aos órgãos estatais informações

acerca da natureza da posse, das características do bem imóvel e dos ocupantes do mesmo, até

mesmo o vocábulo “fundiária” remete a esta relação. A regularização fundiária surge,

portanto, como busca pela legalização de determinado domínio, titulando a propriedade ou a

posse do ocupante do bem imóvel.

A regularização fundiária urbana, por sua vez, surge associada ao direito à moradia,

mais especificamente à titulação dominial da área, com o intuito de garantir segurança

jurídica ao morador e supostamente solucionar a questão do acesso à moradia.

Em momento ulterior, ultrapassa-se esta relação simplista direito à moradia –

segurança jurídica e a discussão alcança a dimensão do combate à pobreza e promoção do

desenvolvimento econômico. A partir daqui, ato subsequente, expande-se para dimensões que

lhe são correlatas, como urbanização das áreas a serem regularizadas, uso justo e

ambientalmente sustentável do espaço urbano, saneamento ambiental, investimento em

infraestrutura, transporte, e acesso aos serviços públicos.

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Portanto, dado a força expansiva do termo “regularização fundiária” e sua relação com

o aparato legislativo, façamos um breve apanhado histórico da ocupação territorial do Brasil e

dos marcos legislativos para que tentemos delinear o conceito atual de regularização

fundiária.

Claro que como não há rigor conceitual nem mesmo sobre conceitos caros ao direito e

indispensáveis para a regularização fundiária, como posse e propriedade1, a discussão abaixo

proposta tem como intuito maior indicar o percurso para se alcançar o que se abriga hoje

sobre o vocábulo regularização fundiária do que consagrar uma definição precisa do termo.

Ao contrário, espera-se justamente demonstrar o grau de incerteza e o dinamismo do conteúdo

protegido pelo jargão regularização fundiária, afirmando as alterações sofridas ao longo do

tempo na tentativa de aprimorar o instituto para seu uso pelo Estado e pela sociedade.

2.1 Marcos Históricos da Formação Territorial Brasileira

Pensar a regularização fundiária implica em repensar o direito de propriedade imóvel,

e neste momento é imperioso um pequeno resgate da ocupação territorial do Brasil e sua

história. Isso porque o estudo dos institutos jurídicos de regularização fundiária precede uma

reflexão acerca da forma como foi construído o domínio sobre o território brasileiro e este,

por sua vez, exige que voltemos os olhos para as ações colonizatórias de Portugal sobre nosso

país, pois qualquer tentativa de ordenação do poder político leva em consideração os fatos e

fatores históricos que a antecedem.

Além disso, o modelo de titulação denominado “Concessão de Uso”, tratado como

grande inovação jurídica e um dos instrumentos mais modernos em programas de

regularização fundiária, esteve presente durante a maior parte da história fundiária brasileira.

Durante praticamente quatro séculos o modelo de concessão foi forma legítima de acesso à

terra no Brasil.

Discorre-se ainda neste item que o divórcio entre a lei e os costumes, tão bem

delineado por Faoro (2001), é especialmente bem representado na questão fundiária brasileira:

Nossas terras sequer haviam sido ‘descobertas’ e Portugal e Espanha já haviam legislado

acerca da divisão das mesmas. Bastou a suposição de que algo seria encontrado para que se

tratasse de maneira artificial esta descoberta pressuposta.

1 Ver Ihering e Savigny.

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Assinado o tratado divisor, tudo sob as bênçãos da Igreja, Portugal lança-se em sua

maior aventura: o sonho imperialista, “a monarquia portuguesa tomou sobre si uma visão

universal. O centro do mundo desloca-se, na consciência dos atores, para o pequeno palco

lusitano, com o mundo desconhecido aos seus pés” (FAORO, 2001, p. 882). Os portugueses,

desta forma, aca aportaram no século XV, com as naus flamulando o símbolo da Ordem de

Cristo, fundada quase duzentos anos antes e financiadora do empreendimento português,

tomando posse das terras brasilis, por direito de conquista, já que a “terra era domínio de

Deus da qual os reis não passavam de administradores”. (LEITE, 2004, p. 8)

A união entre Igreja e Estado mostrou-se fundamental inclusive para o exercício do

registro de terras, pois o aproveitamento de terras por meio das posses e sesmarias era

legitimado em registros realizados nas paróquias locais, cabendo ao vigário ou pároco o papel

hoje desempenhado pelos registros de imóveis.

A divisão do mundo entre Espanha e Portugal para a descoberta de novas terras é antes

de mais nada subjugar estas terras desde logo a um dos dois reinos, sendo por consequência as

novas terras todas elas públicas, mas agora de propriedade pública da Coroa, não propriedade

do Rei de Portugal (LEITE, 2004, p. 9), todavia, “o rei, como senhor do Reino, dispunha,

instrumento de poder, da terra, num tempo em que as rendas eram predominantemente

derivadas do solo.” (FAORO, 2001, p. 14)

Bem verdade que, como novamente ensina Faoro (2001), a exploração do solo que se

pretendia aqui de início era outra: a mercantilista advinda de metais preciosos. Como tais

metais não foram desde logo encontrados na exploração da costa, de início a coroa portuguesa

não manifestou interesse no desbravamento das terras. Só com o risco representado por outras

coroas é que Portugal começa a se preocupar com a efetiva conquista e ocupação do território.

2.1.1 Terras públicas e o regime das sesmarias

"O nosso jurismo" — escreve Nestor Duarte — "como o amor a

concepções doutrinárias, com que modelamos nossas constituições e

procuramos seguir as formas políticas adotadas, é bem a demonstração

do esforço por construir com a lei, antes dos fatos, uma ordem política

e uma vida pública que os costumes, a tradição e os antecedentes

históricos não formaram, nem tiveram tempo de sedimentar e

cristalizar. (...) Um trabalho de construção ora desproporcionado, ora

artificial, sempre com maior ou menor contraste, sobre o terreno

vazio."

In Raymundo Faoro

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O período entre os séculos VIII e XIII foi marcado pela disputa entre cristãos e árabes

pelo domínio da Península Ibérica, fazendo com que a unificação de Portugal tenha grande

dívida com o modelo de distribuição das terras reconquistadas dos povos árabes pela Coroa

portuguesa. Ao mesmo tempo o modelo de distribuição de terras como forma de premiação

operava uma centralização de poder pois legitimava o Rei como único responsável pelo

arrendamento, concessão e doação de terras, internalizando assim a ideia de que as terras

conquistadas eram incorporadas ao domínio do Reino. (FAORO, 2001)

Visando organizar esta distribuição de terras e exercer algum controle sobre ela é que

o direito público lusitano cria o Instituto da Sesmaria, que tem sua origem em ato do Rei D.

Fernando I. No ano de 1375 o Rei determina que todos aqueles que possuíssem terras fossem

obrigados a lavrá-las, bem como ordena que as terras que permanecessem sem cultivo fossem

entregues a quem desejasse nelas produzir. (LEITE, 2004)

E se as pessoas que assim forem dadas as sesmarias, as não aproveitarem ao

tempo que lhes for assinado, ou no tempo que nesta Ordenação lhes assinamos,

quando expressamente não lhes for assinado, façam logo os sesmeiros executar as

penas que lhes forem postas, e deem as terras que não estiverem aproveitadas, a

outros que as aproveitem, assinando-lhes tempo, e pondo-lhes a dita pena.

(Ordenações Filipinas, Livro IV, Título XLIII)

A lei pretendia assim não apenas assegurar a produção agrícola e o cultivo de terras

ermas, mas também promover a ocupação das terras reconquistadas dos mouros. (NOZOE,

2006)

Posteriormente, em 1446, as ordenações afonsinas preocupadas com o repovoamento

do campo manterão o disposto por D. Fernando I, determinando a concessão de terras em

sesmarias para quem nelas desejasse produzir. Desta feita, para além do domínio, o regime

sesmarial é verdadeira intervenção do Estado na posse das terras por particulares, sendo um

embrião do que hoje chamamos de função social da propriedade. (LEITE, 2004) Como afirma

Treccani (2001, p.30) o sistema de sesmarias “não visava proteger o direito de propriedade

individual sobre a terra, mas sim o interesse público.”

No Brasil, todavia, o Instituto das Sesmarias é utilizado antes como instrumento para

dar início a ocupação do território do que para assegurar a produção agrícola das terras recém

descobertas.

Na colônia, as sesmarias foram regidas de início pelas ordenações manuelinas (1521),

instituindo-se a seguinte dinâmica: cabia a D. João III a doação de terras por intermédio das

cartas donatárias das capitanias hereditárias, os capitães-donatários, por sua vez, poderiam

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reter apenas 20% da capitania para si, tendo a obrigação legal de distribuir os outros 80% das

terras justamente mediante o instituto das sesmarias. (TRECCANI, 2001, p. 33)

Além das sesmarias os capitães possuíam ainda o poder de fundar vilas e nesta dar as

cartas de datas que, tal qual as sesmarias, consistia em processo de transferência de terras

públicas para o domínio privado. Ao passo que as sesmarias tinham como encargo o cultivo

das terras, as datas tinham como encargo a edificação, de maneira que ao cabo ambas eram

privilégios concedidos pela Coroa.

Importa destacar que em tese o instituto das sesmarias era verdadeira concessão de

terras realizada pelo Estado, com uma série de encargos gerais que quando não cumpridos

justificavam a retomada de terras pela Coroa, demonstrando assim que o modelo de concessão

de terras públicas mediante encargos não se trata de inovação jurídica como muitos

pressupõem, todavia, será a falta de fiscalização da lei que não assegurará seu escopo.

Relevante destacar que naquela época não havia ainda a ideia jurídica de domínio, não

se realizando uma distinção clara entre posse e propriedade, mas em linhas gerais a ideia é

que a terra continuava a ser propriedade do Estado, que legitimava a posse do sesmeiro,

podendo este usufruir inclusive economicamente da propriedade.

Segundo Lima (1988, p. 42-43) uma mudança no regime sesmarial, dando-lhe as

feições de concessão, vai se operar em 1695, quando a coroa portuguesa expede ordem

determinando a cobrança de novo tributo, neste instante, a cessão de terras públicas em

sesmaria tornam-se simples concessão administrativa de domínio público.

Ainda no Reino o instituto das sesmarias vai caindo em desuso até o ponto em que

desaparece com o advento das Ordenações Filipinas, trazendo a necessidade de que seja

regulamentado por legislação especial no Brasil. (LIMA, 1988)

A primeira adaptação legal significativa do regime sesmarial no Brasil ocorrerá

quando o governador fica autorizado a conceder por sesmaria terras àqueles que tivessem

posses suficientes para construir engenhos açucareiros, restando o encargo de edificar

igualmente torres ou casas fortes contra os gentios. Passa a vigorar desta feita no instituto das

sesmarias brasileiro o espírito do latifúndio. (LIMA, 1988)

Cumpre destacar também o Alvará de 05 de outubro de 1795, que instituiu ao

sesmeiro a obrigação de demarcar as terras que ocupava no prazo de dois anos, só podendo o

Conselho Ultramarino confirmar cartas de concessão se as mesmas se fizessem acompanhar

da respectiva certidão legal e autêntica de que a demarcação havia sido feita e passado em

julgado sentença sobre eventuais litígios demarcatórios. (NOZOE, 2006, p. 594)

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Legalmente manteve-se no Brasil colônia o sistema consagrado no Reino desde a

reconquista de tomar o cultivo da área como elemento criador do direito à propriedade, ao

ponto de Decreto datado de 03 de janeiro de 1781 ordenar que as medições e demarcações

sesmariais, requisito obrigatório desde 1753, sejam feitas sem prejuízo de possuidores que

cultivem o terreno. (NOZOE, 2006)

Conforme a legislação especializava-se, diferentes categorias de bens públicos

começavam a surgir no ordenamento, especialmente no que concerne àquelas reservadas ao

uso público, ao uso coletivo e as passíveis de transferência de uso para particulares. Porém, ao

cabo podemos afirmar que o regime jurídico das terras caracterizava-se pela inalienabilidade,

já que as concessões das Datas e Sesmarias possuíam cláusulas resolutivas. Entretanto, na

prática a realidade mais uma vez mostrou-se distinta da legislação, pois a terra acabou

incorporada ao patrimônio de seus detentores, não só as passíveis de transferência mas

também aquelas que deveriam ter sido reservadas ao uso comum. (CARDOSO, 2010, p. 31)

Ainda assim é notável que em certa medida a preocupação real para evitar um

processo de especulação imobiliária e concentração de propriedade quando do instituto das

sesmarias nas capitanias hereditárias pareça maior do que em inúmeras legislações que

cuidam de promover a regularização fundiária nos dias de hoje. Por exemplo, o capitão

donatário só poderia reaver terra por ele concedida após decorridos oito anos da concessão

originária. Todavia, tal como ocorre nos dias de hoje, a eficácia da lei foi afetada pela falta de

fiscalização. (TRECCANI, p. 33)

O sistema sesmarial durou no Brasil até as vésperas de sua independência, quando em

julho de 1822 o príncipe regente suspendeu o sistema de sesmarias até convocação de

Assembleia Geral Constituinte. Suspensão advinda após inúmeras decisões reais que reviam

decisões judiciais em razão destas darem prevalência ao instituto da sesmaria em detrimento

da posse, (NOZOE, 2006) mas mais precisamente em decisão real advinda do pedido de um

popular humilde que suplicava poder continuar residindo em terras que ocupava há mais de

vinte anos, sem ser agraciado, todavia, com a concessão da sesmaria por não saber peticionar

nesse sentido. O instituto viria a ser extinto em definitivo e chegaria ao fim o regime de

sesmarias em 1823, com o Brasil já independente. (LEITE, 2004)

Ocorre que a extinção do sistema de sesmarias não foi substituído por um novo regime

jurídico, ficando o Brasil quase 30 anos sem uma legislação que dispusesse sobre o assunto.

Sem um poder concedente das terras públicas estas foram sendo ocupadas e apropriadas por

quem se interessasse, entretanto, ao contrário do que se pressupunha, a pequena posse foi

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suplantada pelo latifúndio, possibilitando que alguns pouco abastados de recursos econômicos

constituíssem grandes fazendas. (LIMA, 1998, p. 58)

Muito possivelmente essa ausência legislativa entre a suspensão (1822) e extinção

(1823) do regime de sesmarias até o advento da Lei de Terras (1850) se deva ao fato de que a

base político-econômica do novo Estado era composta por grandes latifundiários, a maioria

posseiros irregulares e avessos a discussão sobre propriedade territorial. Apesar da série de

conflitos fundiários, destaca Nozoe (2006, p. 603) que a “primeira forma de ordenamento

jurídico da propriedade fundiária” – os institutos das sesmarias (rural) e datas (urbana) – foi

responsável pela garantia da ocupação de menos de 20% do território nacional, mesmo tendo

nascido especialmente para este fim.

Esta breve análise histórica nos traz as seguintes conclusões:

I) A falta de fiscalização levou ao fracasso o intento legislativo quanto ao sistema

de sesmarias, que era aliar a ocupação da nova colônia à distribuição de terras

para quem nelas quisesse produzir, tentando alcançar uma supremacia do

interesse público sobre o privado, de maneira que ao cabo apenas os mais

abastados conseguiam as cartas de sesmarias, seja para cultivo seja para

arrenda-las, dando início ao sistema latifundiário e de concentração de renda

até hoje vigente.

II) A limitação ao direito de posse (o encargo de cultivar a terra sob pena de

perder a concessão) jamais se tornou efetivo, assim, ao final, tal qual as

primeiras leis legislaram situações distintas da realidade os contratos vigeram

situações que não se amoldavam a prática.

III) A Lei e o Contrato tratavam a terra como um bem de produção, as classes

dominantes – burocratas e possuidores – tratavam a terra como um bem

patrimonial.

IV) A lei e o contrato tratavam a terra como um direito-dever, a realidade tratava a

terra como um privilégio.

V) A Lei via na sesmaria um instrumento para possibilitar a ordenação territorial

(o que em certa medida ocorreu em Portugal) a Coroa via na sesmaria um

instrumento de dominação, na medida em que fazia uso da sesmaria como uma

retribuição de serviços prestados à coroa e não como um Direito.

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2.1.2 Terras públicas e o regime de posse

Se concomitantemente ao regime legal - o da concessão de terras públicas por meio

das sesmarias - já havia um processo de ocupação espontânea das terras públicas à revelia do

sistema jurídico, com a extinção do regime das sesmarias e a inércia do legislador em

implantar um novo regime consolidou-se e expandiu a ocupação pura e simples das terras

devolutas – aquelas sem nenhuma espécie de título ou registro.

Paradoxalmente, a Constituição outorgada pelo Imperador em 1824 aderiu ao ideal

burguês de propriedade e passou a tratar a propriedade como um direito absoluto e intocável,

liberando-a de qualquer condição ou cláusula resolutiva. Assim, a nova Constituição veio dar

à propriedade tratamento diverso dos mais de trezentos anos anteriores de história legislativa,

encerrando o controle do Estado sobre as terras e as limitações legais e resolutivas sobre as

mesmas. (TRECCANI, 2001)

Apesar de consagrar o caráter absoluto da propriedade não existia por outro lado

nenhum instrumento que transformasse posse em propriedade. Além disso, ainda que

outorgada, a Constituição de 1824 deve ser considerada como um poder constituinte

originário, de maneira que não é possível afirmar qual o tratamento que os institutos

anteriores à Constituição receberão no novo ordenamento jurídico. Ou seja, garante-se a

propriedade em toda sua plenitude mas a falta de institutos civis que versem sobre a

propriedade levam à prevalência da posse.

Mais uma vez o que poderia representar a ampliação do movimento de acesso à terra e

um enfraquecimento do latifúndio caminhou na verdade em sentido oposto. Como o

apossamento de terras públicas se deu de maneira anárquica, sem nenhuma regulamentação

pelo Poder Público, aqueles grandes latifundiários detentores de escravos tiveram a

possibilidade de ampliar ainda mais seus domínios. (TRECCANI, 2001, p. 72)

A estrutura agrária latifundiária sai assim fortalecida neste período de inexistência de

regulamentação legal e jurídica, minguando ainda mais o pequeno produtor rural, que só

consegue o apossamento de terras entre os limites das grandes propriedades e muito distante

dos núcleos de povoamento. (FAORO, 2001, p. 465)

É bem verdade que o próprio Imperador já havia determinado antes do fim do regime

de sesmarias que estas deveriam ser demarcadas sem prejudicar os possuidores que tenham

cultivado suas posses. (LIMA, 1988, p. 50-51)

Assim, acerca do Regime das Posses podemos chegar as seguintes conclusões:

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I) O reconhecimento da situação fática da ocupação já era costume antes mesmo

do fim do regime das sesmarias e do advento do regime das posses;

II) O critério da afetação das terras públicas e o reconhecimento da posse pelo

cultivo afasta a ficção da propriedade estatal;

III) O regime da legitimação da posse, desde que essa seja mansa, pacífica e com

fins de cultivo, até hoje elementos essenciais do usucapião, começam a ser

delineados nesta época;

IV) A democratização do acesso à terra que poderia ter advindo da prevalência da

posse sobre qualquer outro instituto jurídico foi prejudicada pelo fato de que

aqueles que possuíam escravos e melhores condições econômicas conseguiram

ampliar ainda mais suas posses territoriais.

2.1.3 Terras Públicas e o Regime da Lei de Terras – Lei 601/1850

A lei de terras vem pôr fim ao sistema de posses e determinar que a compra é o único

meio de aquisição de terras devolutas, inviabilizando a democratização do acesso à terra pois

torna-se um fator impeditivo de acesso pelos pobres e garante o acesso apenas aqueles que

detinham o capital necessário para sua compra, expandindo e estruturando, portanto, ainda

mais a estrutura latifundiária. Não é sem razão que a Lei de Terras é promulgada 15 dias após

a Lei Eusébio de Queiroz, que proibiu o tráfico negreiro, escancarando a preocupação em

garantir que os negros não tivessem acesso à terra, o que geraria uma crise nas relações de

trabalho. (TRECCANI, 2001, p. 73-75)

Enquanto a força de trabalho estava sob o regime da escravidão “a terra em si pouco

ou nada valia”, a riqueza residia no número de escravos que se detinha. Somente quando

“irrompe o trabalhador livre, que, pelo regime do assalariamento, deverá ser destinado, em

face da nova organização social, ao mercado de trabalho” é que a terra passa a ter valor.

(FAORO, 2001, p. 159-160) Como afirma Martins (apud TRECCANI, 2001, p. 75) “num país

em que a terra é livre, como era no regime sesmarial, o trabalho tem que ser escravo. Num

país em que o trabalho se torna livre, a terra tem que ser escrava”.

Ao contrário dos sistemas vigentes até então, a posse não só não é mais incentivada

como passa a ser criminalizada, sob pena de prisão e multa (Art. 2º da Lei de Terras). Nesse

estado de coisas, a oligarquia agrária amplia sua reserva de mercado criando uma reserva

econômica, pois confortantemente imprime na Lei de Terras que sem o título as terras ficam

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impedidas de serem hipotecadas ou alienadas (Art. 11), ou seja, a terra torna-se uma

mercadoria, inclusive aceitável em transações de crédito.

É bem verdade que a Lei em certa medida abranda seus efeitos ao legitimar “as posses

mansas e pacíficas” (Art. 5º), beneficiando em grande parte os posseiros que cultivaram e

construíram “nas sesmarias improdutivas e datas abandonadas”, (CARDOSO, 2010, p. 37)

todavia, impede a democratização fundiária ao negar o acesso à terra mediante posse a partir

de sua promulgação e demonstra sua preferência pelo latifúndio ao determinar que os

possuidores que tenham terras produtivas terão preferência na aquisição das contíguas desde

que demonstrem “que tem os meios necessários para aproveitá-las.” (Art. 15)

Ainda, a regularização da posse apresentava outro empecilho: a exigência de registro e

medição, procedimento oneroso que levou a extinção da posse dos minifúndios.

Finalmente, a Lei de Terras marcará a cisão entre propriedade pública e propriedade

privada e determinará que toda terra sem título é de domínio público. Em vista disso, para

neste trabalho pode-se tirar as seguintes conclusões acerca da Lei de Terras:

I) As terras devolutas que outrora foram um privilégio concedido aos “amigos

do rei” agora se tornam privilégio dos “amigos do capital”, pois o preço para

aquisição de terras devolutas era de tal maneira elevado que de início era o

dobro do valor cobrado nos Estados Unidos, conforme relata Trecanni (2001,

p. 79);

II) A privatização de terras garantiu mão de obra barata para a consolidação do

sistema latifundiário brasileiro, reforçando o cultivo da terra como meio para

a concentração de renda e não para a subsistência: primeiro o capital era

necessário para a aquisição de escravos, depois para a aquisição de terras;

III) A Lei de Terras em certa medida pode ser encarada como a primeira Lei

brasileira de “Regularização Fundiária”, pois ao invés de dispor apenas como

se regeriam as relações futuras com a terra buscou regulamentar também as

relações já estabelecidas.

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2.1.4 Terras Públicas e período republicano

A adoção do regime republicano não trouxe alterações significativas na estrutura

agrária já consolidada no Império, mas a primeira Constituição republicana inovou o

tratamento dispensado as terras públicas devolutas ao entregá-las para os Estados, deixando

para a União tão somente as áreas fronteiriças.

A mudança de jurisdição facilitou o acesso à terra pelas oligarquias regionais e causou

inúmeros conflitos intestinais de movimentos populares que se contrapuseram a esta política.

(TRECCANI, 2001, p. 88-89)

O fato é que desde que a Lei de Terras consagrou a compra como única forma de

aquisição das terras públicas pouca coisa se alterou com o advento do regime republicano:

ainda hoje esta é a regra geral, com a Lei de Licitações – 8.666/93 – autorizando a venda de

bens públicos somente mediante prévia licitação.

A bem da verdade, de início a proclamação da República torna o Estado mais liberal e

fortalece a propriedade privada em detrimento da posse, sendo influenciado pelo Direito

francês e alemão e levando a um afastamento do direito português: ou seja, ao desconsiderar

os hábitos do país a lei opta mais uma vez por legislar em desacordo com a realidade.

O que vem sofrendo alterações significativas desde o advento do período republicano

é o tratamento dispensado ao uso da terra e a criação de novos instrumentos para

regularização fundiária, especialmente aquelas irregularidades advindas da inépcia registral,

bem como a forma que reconhece os efeitos da posse.

Neste tema, a posse, a República trará outra alteração significativa: a partir do Código

Civil de 1916 a posse passa a ser modo legítimo para a aquisição da propriedade particular,

mas agora não mais da propriedade pública.

O Código Civil de 1916 proíbe a legitimação de posse e a revalidação das Sesmarias,

mas prevê o usucapião de imóveis particulares, de maneira que “o tratamento dado à

propriedade privada se apresentava mais permeável a aplicação da função social da

propriedade que o da propriedade pública.” (CARDOSO, 2010, p. 52)

Desta maneira, acerca do regime republicano destaca-se:

I) Manteve a compra como única forma de aquisição das terras públicas,

dificultando o acesso à terra pelas populações pobres;

II) Fortaleceu a propriedade em detrimento da posse, demonstrando desde logo

seu viés liberal;

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III) Trouxe restrições ao uso da propriedade, mas especialmente a propriedade

particular.

2.2 Marcos Legais de Regularização Fundiária Urbana

Durante o principal período de urbanização brasileira, quando nosso país perdeu sua

característica de população predominantemente rural para urbana, as cidades expandiram

praticamente sem nenhuma regulação do Poder Público acerca do planejamento e

parcelamento do solo, ficando a cargo dos loteadores a decisão das vertentes de expansão

segundo o melhor retorno imobiliário e a cargo do Poder Público o ônus com a infraestrutura

e urbanização dos espaços. (MASCARENHAS, 2012, p. 13)

O parcelamento do solo urbano é a forma mais comum segundo a qual as cidades são

criadas, nesse contexto, a compreensão dos agentes envolvidos neste processo de

parcelamento torna-se relevante para compreender a própria produção do espaço urbano

contemporâneo, bem como o tratamento dispensado por nossa legislação a essa produção do

espaço.

2.2.1 Lei Federal 6.766/79 e o Parcelamento de Solo Urbano

A Lei Federal 6.766, de 19 de dezembro de 1979, representa um marco regulatório dos

mais relevantes, na verdade, verdadeiro marco divisor, pois agora o parcelamento do solo

urbano é enxergado além da questão imobiliária e passa a considerar as condições ambientais

naturais e urbanas. O parcelamento do solo deixa de ser mero aglomerado de lotes particulares

para se inserir em um espaço urbano, tratado como algo que demanda serviços, equipamentos

e espaços públicos para participar do contexto social. (NASCIMENTO, 2013, p. 30)

Claro que por sua incipiência e falta de submissão da lei à realidade, a Lei 6.766/79

não foi capaz de contemplar a necessidade de ordenamento do espaço urbano de maneira mais

ampla, especialmente em relação ao solo e acesso à moradia, mas inovou ao trazer ao Poder

Público a capacidade de atuar “no controle das forças convergentes e os agentes interessados

na questão da produção do espaço”, inclusive definindo formas de parcelamento regular e

criminalizando o parcelamento clandestino ou irregular. (BENTE, 2010, pp. 94-95)

Ainda, ao tipificar como crime, o parcelamento clandestino buscou findar o processo

vicioso onde o loteador transferia para o poder público a responsabilidade pela infraestrutura e

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urbanização de seu empreendimento, ficando apenas com o bônus econômico e livrando-se do

ônus social.

Aliada a tipificação penal, a lei previu ainda a pena econômica, tomando precauções

cautelares na medida em que possibilitou ao adquirente suspender o pagamento de parcelas ao

loteador e realizá-las junto ao Registro de Imóveis em caso de falta técnica, inclusive

perdendo o loteador o direito de resgatar o montante depositado caso não proceda a

regularização.

Por fim, mesmo pela época em que houve o advento da lei, durante a ditadura civil

militar, seus instrumentos não possuem uma preocupação com a gestão democrática da cidade

e sim uma gestão unilateral do Poder Público regulando o uso e ocupação do solo. (BENTE,

2010, p. 99)

Parte da doutrina atribui à Lei parcela de responsabilidade no aumento das favelas e

ocupações de áreas públicas ou de proteção ambiental, pois as obrigações dela advindas

muitas vezes restringem o acesso da população mais carente aos lotes regulares em razão do

custo a ele incorporado para se atender a legislação. (FUNES, 2005, p. 67)

Este trabalho ateve-se às seguintes conclusões advindas da Lei Federal 6.766/79:

I) Por um lado a Lei trará uma nova concepção urbanística substancialmente

relevante, pois os novos loteamentos deixam de ser agora mero amontoados de

lotes urbanos, devendo se integrar à cidade;

II) Além disso, inicia-se uma interrupção na visão de que ao particular o bônus e

ao Poder Público o ônus, o particular torna-se agora responsável por uma série

de obras de infraestrutura, além da demarcação precisa de vias de circulação,

quadras, lotes, etc.;

III) A responsabilidade do particular é pensada tanto na proteção à cidade, como as

medidas que criminalizam o loteamento clandestino, como na proteção ao

adquirente, como as medidas que permitem a suspensão do pagamento

diretamente ao loteador caso haja vício no registro;

IV) A lei foi pensada em uma gestão unilateral pelo Poder Público, não tendo uma

participação democrática e social, ao mesmo tempo em que trouxe uma série

de requisitos que por vezes tornam difícil ou extremamente seu oneroso seu

cumprimento, tornando-se assim excludente, quem sabe justamente pela falta

de participação democrática na gestão do crescimento urbano.

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2.2.2 Lei Federal 9.785/99 e a Democratização do Parcelamento do Solo Urbano

A primeira alteração à Lei 6.766/79 ocorreu em 1999, vinte anos após sua entrada em

vigência e vem justamente com um caráter regulatório, pois segundo a Secretaria de Política

Urbana (SEPURB) as leis municipais não estavam adequadas para contemplar a produção

habitacional de interesse social, inclusive porque o custo com infraestrutura encarece o lote de

tal forma que ao final inviabiliza a produção habitacional.

Em razão disso a Lei 9.785 de 29 de janeiro de 1999 buscou conferir maior autonomia

aos municípios quanto aos requisitos urbanísticos para a aprovação de loteamentos bem como

permitir a regularização de loteamentos irregulares ou ilegais.

A lei em comento adequa desta forma a Lei Federal 6.766/79 para que esta tenha

características de norma geral, reconhecendo a prerrogativa do ente municipal sobre o

parcelamento do solo urbano, assim como a sua capacidade para, através de norma específica,

adequar a norma geral as especificidades locais e regionais.

Por outro lado a lei 9.785/99 flexibilizou os parâmetros urbanísticos para

parcelamentos de interesse social, sem oferecer, todavia, instrumentos para regularizar

aqueles loteamentos em desacordo com estes parâmetros.

A lei 9.785/99 traz também pela primeira vez uma definição legal de lote (Art. 2º, §4º)

e inclui outros dois parágrafos no Art. 2º da Lei 6.766/79 tratando da infraestrutura básica em

loteamentos, segundo sua inserção (Art. 2º, §6º) ou não (Art. 2º, §5º) em zonas especiais de

interesse social.

Finalmente, realiza significativas alterações quanto ao parcelamento e a titulação de

áreas passíveis de regularização, desapropriadas ou em processo de desapropriação,

especialmente com o escopo de permitir o acesso a terra regular e urbanizada pelas camadas

mais pobres da população.

Para tanto, além da já citada flexibilização da infraestrutura básica em zonas de

interesse social (Art. 2º, §5º), dispensou o título de propriedade em “parcelamento popular,

destinado as classes de menor renda, em imóvel declarado de utilidade pública, com processo

de desapropriação judicial em curso e imissão provisória na posse” (Art. 18, §4º),

flexibilizando a documentação para registro em tais casos (Art. 18, §5º), bem como em planos

ou programas habitacionais de iniciativa dos executivos municipais ou do distrito federal,

especialmente no caso de regularizações de parcelamentos ou assentamentos (Art. 53-A).

Desta forma, o legislador cria uma distinção clara entre as exigências feitas para o ente

público quando este age na condição de loteador ou responsável pela regularização fundiária e

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o loteador privado, considerando que o primeiro não tem fins econômicos, mas social, seja ao

buscar regularizar e urbanizar ocupações já consolidadas, seja ao criar novos loteamentos com

exigências que não desconsideram as normas edilícias e urbanísticas a ponto de ignorar a

qualidade de vida e conforto de seus moradores mas sofre redução nos encargos com

infraestrutura e documentação de maneira que tenham seus custos reduzidos e permitam o

acesso à terra pelas camadas mais pobres da população, buscando a função social da

propriedade urbana e da cidade.

As críticas à Lei 6.766/79 – especialmente a partir da revisão promovida pela Lei

9.785/99 que dentre outros instrumentos veio tratar da regularização de loteamentos

clandestinos – aduzem que a Lei causou muitos problemas que deveriam ter sido por ela

evitados. Estas críticas pautam-se em três pontos principais:

I) ao tentar nortear e aumentar a participação do Poder Público nos processos

de loteamento a Lei criou requisitos fora da nossa realidade, por vezes

mesmo desconsiderando a peculiaridade e a diferença existente entre os

milhares de municípios brasileiros, sendo extremamente específica para uma

norma geral (PASTERNAK, 2010);

II) ante a diversidade dos municípios brasileiros em termos populacionais,

geográficos, territoriais, climático e topográfico, há semelhança em alguns

vícios nos processos de expansão urbana, especialmente, ocupação

descontrolada da área rural com fins urbanos, desobediência aos padrões

legais para a abertura de novos loteamentos, precário atendimento por

infraestrutura e serviços urbanos, ocupações irregulares ou clandestinas de

áreas de proteção ambiental; (IPEA; INFURB, 2001)

III) a criação de uma Lei sem lastro na realidade é sucedida pela falta de

fiscalização desta lei.

Ao cabo, tem-se o seguinte panorama: cria-se uma lei extremamente rígida, com uma

fiscalização frouxa, tolerando loteamentos clandestinos que ao final são anistiados, “sem

cobrar dos loteadores a infraestrutura que devem aos moradores ao município.”

(PASTERNAK, 2010, p. 144)

Portanto, a Lei 6.766/79 e as alterações trazidas pela Lei 9.785/99 demonstram que

essa lei apresenta uma potencialidade, trazendo diretrizes mínimas para o parcelamento do

solo, preocupação com uma infraestrutura que garanta qualidade de vida aos ocupantes e

integração com a cidade, responsabilização dos loteadores com sanções econômicas e penais,

ao mesmo tempo em que esbarra em problemas exteriores a Lei mas que não deveriam ser por

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ela ignorados – acesso à terra pelas camadas mais pobres da população, criação de

loteamentos em desacordo com a própria lei, ocupações de áreas verdes justificadas sob o

pleito do direito à moradia.

As conclusões que a Lei 9.785/99 permite alcançar quanto as alterações que promoveu

na Lei 6.766/79 e que importam para este trabalho são as seguintes:

I) A tentativa de adequar a norma à realidade, aumentando a autonomia

municipal quanto aos requisitos urbanísticos para aprovação de loteamentos;

II) A alteração da infraestrutura básica dos loteamentos, permitindo a criação do

que chama de Zona especial de interesse social, casos em que a infraestrutura

básica seria mais flexível e possibilitaria um acesso maior da população de

baixa renda;

III) Busca imprimir uma ação mais programática à Lei Federal 6.766/79,

caminhando para uma ampliação do acesso à moradia, bem como a promoção

da regularização dos loteamentos urbanos;

IV) Dá à Lei Federal 6.766/79 feições de norma geral, mantendo a prerrogativa do

município de adequá-la à realidade.

2.2.3 Lei Federal 10.257/2001 – O Estatuto da Cidade e a função social da cidade

O Estatuto da Cidade é norma geral que tem como intuito estabelecer as diretrizes

gerais da política urbana regulamentando o disposto no artigo 182, política de

desenvolvimento urbano, e artigo 183, usucapião especial com fim de moradia, ambos da

Constituição Federal.

O Estatuto da Cidade trouxe um conceito mais delimitado do instituto da regularização

fundiária urbana a partir do disposto no Art. 182 da Constituição Federal que afirma que a

política de desenvolvimento urbano “tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das

funções sociais da cidade”. No esteio do interesse constitucional, o Estatuto da Cidade

determina:

Art. 2o A política urbana tem por objetivo ordenar o pleno

desenvolvimento das funções sociais da cidade e da propriedade urbana, mediante as

seguintes diretrizes gerais:

(...)

XIV – regularização fundiária e urbanização de áreas ocupadas por

população de baixa renda mediante o estabelecimento de normas especiais de

urbanização, uso e ocupação do solo e edificação, consideradas a situação

socioeconômica da população e as normas ambientais;

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A regularização fundiária surge, portanto, como forma de instrumentalizar a função

social da cidade, mas aqui, I) regularização fundiária e urbanização ainda que interligadas são

ações políticas distintas, II) a regularização fundiária é excludente e atende apenas a

população de baixa renda, III) permite distinções normativas para urbanização, uso, ocupação

e edificação do solo, IV) não admite incompatibilidade com o que prescreve a legislação

ambiental. (NASCIMENTO, 2013, p. 32)

A regularização fundiária advinda com o Estatuto da Cidade é um instituto jurídico

que aliado a determinados atos políticos busca regularizar aspectos jurídicos de ocupações

irregulares. O urbanismo neste estágio influi para a regularização fundiária meramente como

matriz normativa, ou seja, importa aqui meramente a legislação urbanística que pode ser

flexibilizada para possibilitar a regularização jurídica destas áreas, desde que respeitadas as

normas ambientais.

Ainda assim, o Estatuto da Cidade representou um marco dos mais relevantes para as

normas posteriores de regularização fundiária, urbanismo e propriedade, que é a

preponderância das normas coletivas sobre as de cunho individual, ou seja, a primazia das

normas que buscam a ordenação da cidade e bem estar de seus habitantes sobre as normas que

atendam a interesses particulares.

As normas do Estatuto da Cidade são prevalentes sobre as demais normas

que disciplinam o exercício da propriedade, que buscam apenas atender ao interesse

do particular do direito (proprietários) sem considerar os interesses prioritários dos

habitantes que vivem na cidade, como a satisfação das necessidades da moradia.

Nesse sentido, as normas de ordem pública e de interesse social do Estatuto da

Cidade, que regulam a forma com a qual a propriedade deve cumprir sua função

social, devem prevalecer sobre as normas de direito civil, em especial com relação

às normas do novo Código Civil que disciplinam as formas do exercício de

propriedade nas relações privadas e patrimoniais. (SAULE JUNIOR; 2004; p. 218)

Relevante ressaltar que a regularização fundiária surge para o Estatuto da Cidade

como uma das diretrizes para que a política urbana tivesse condições de “ordenar o pleno

desenvolvimento das funções sociais da cidade e da propriedade urbana” (Art. 2º), aliada a

outros institutos jurídicos – cidades sustentáveis, direitos fundamentais e sociais (inc. I);

serviços públicos (inc. I; V); participação popular e gestão democrática (inc. II, III, XIII);

planejamento e ordenação da cidade e do uso do solo (inc. II, IV,VI); equilíbrio ambiental

(inc. IV, VI, XII); combate a desigualdade e busca da justiça social (inc. I, VII, VIII, IX, X,

XVI) .

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Definida as diretrizes para a política urbana no Art. 2º o Estatuto da Cidade foi

responsável por instrumentalizar a política urbana visando alcançar tais diretrizes e dar

efetividade aos Arts. 182 e 183 da Constituição Federal, trazendo importantes ferramentas

para que Estado, Sociedade e Cidadão possam participar das coisas da cidade e da essência e

do potencial das coisas urbanas, dentre estes instrumentos estará a regularização fundiária.

Todavia, como a regularização fundiária já havia sido citada como diretriz, nota-se que

ela possui duplo viés para a política urbana no Estatuto da Cidade, além de ser uma de suas

diretrizes - de maneira que outros instrumentos podem ser utilizados para alcançá-la - é

também um instrumento de política urbana.

Com efeito, como diretriz geral da política urbana é expressa no art. 2º,

XIV da Lei 10.257/2001; como instrumento urbanístico, classificada entre os

institutos jurídicos e políticos, em seu Art. 4º, V, q, de modo genérico, e, ainda, em

seu art. 4º, V, f, na razão da demarcação urbanística de que cuida a Lei 11.077/2009.

(AMADEI, 2013, p. 274)

A regularização fundiária passa a ter, com o Estatuto da Cidade, papel central na

ocupação do solo e ordenação do espaço urbano, incorporando a função social da propriedade

e uma série de direitos fundamentais e sociais na política urbana, que se torna mais

republicana e democrática, reconhecendo a prevalência de direitos sociais e comunitários

sobre direitos particulares e individuais, pleiteando alcançar a dignidade da pessoa humana, a

erradicação da pobreza e a redução das desigualdades sociais.

Para este trabalho, o Estatuto das Cidades representa então:

I) O tratamento da regularização fundiária como uma das diretrizes na tentativa

de ordenar o “pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade”;

II) A regularização fundiária aqui ainda é um instituto de matriz fortemente

normativa, ou seja, as demais dimensões da regularização fundiária que não a

jurídica, dentre elas a urbana, não são aqui consideradas;

III) Trará uma inversão relevante ao afirmar a preponderância das normas coletivas

sobre as de cunho individual, rompendo com tradição inaugurada pelo Código

Civil de 1916;

IV) Além de diretriz a regularização fundiária ganhará com o Estatuto da Cidade o

cunho de instrumento de política urbana, ou seja, é instituto central na

ordenação e ocupação do espaço urbano.

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2.2.4 Lei 11.977/2009 – A regularização fundiária e a compatibilização de direitos

A política pública de regularização fundiária, começa a tomar contornos com as

alterações promovidas na Lei Federal 6.766/79 pela Lei Federal 9785/1999, expande-se com o

Estatuto da Cidade e tem sua consagração com a Lei Federal 11.977/09, oriunda da Medida

Provisória 459/2009 e nominada de "Lei Minha Casa Minha Vida", verdadeiro marco jurídico

dos mais caros acerca da regularização fundiária.

A alteração mais marcante da Lei 11.977 de 07 de julho de 2009, no concernente à

regularização fundiária é a abrangência que o referido instituto passa a ter: regularização

fundiária não é mais mera legalização jurídica da posse ou domínio, consagra-se agora a ideia

de que para além da titulação e das medidas jurídicas de leis anteriores agora também as

medidas urbanísticas, ambientais e sociais compõem o epicentro da regularização fundiária.

Isso fica expresso de maneira muito clara no conceito de regularização fundiária trazido pela

lei, aliás, primeira conceituação legal do termo em nosso ordenamento:

Art. 46. A regularização fundiária consiste no conjunto de medidas

jurídicas, urbanísticas, ambientais e sociais que visam à regularização de

assentamentos irregulares e à titulação de seus ocupantes, de modo a garantir o

direito social à moradia, o pleno desenvolvimento das funções sociais da

propriedade urbana e o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado.

O conceito de regularização fundiária, agora expresso legalmente, reconhece a

procedimentalização de conteúdos distintos – jurídico, urbanístico, ambiental, social – mas

agora encarados como um conjunto intersetorial com um fim em comum: a regularização

fundiária de maneira ampla e garantidora do escopo constitucional, expresso no Art. 3º da

Carta: construir uma sociedade livre, justa e solidária; garantir o desenvolvimento nacional;

erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais;

promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer

outras formas de discriminação.

Esse aumento da abrangência do instituto da regularização fundiária já apareceu

justificado inclusive na exposição de motivos da Medida Provisória que antecedeu a Lei

Federal 11.977/2009:

32. Por sua vez, o Capítulo III da presente proposta de Medida Provisória

é dedicado à regularização fundiária de assentamentos localizados em áreas urbanas.

Desde a criação do Ministério das Cidades, em 2003, o Governo tem buscado apoiar

a regularização fundiária de porções significativas das cidades brasileiras, por meio

do trabalho conjunto com Municípios, Estados e Distrito Federal. A regularização

fundiária urbana é um passo fundamental na garantia do direito constitucional de

moradia, especialmente para as populações de menor renda, as mais afetadas pela

falta de oportunidades de acesso ao mercado habitacional.

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33. Além disso, a regularização fundiária, ao resolver problemas relativos

ao meio ambiente, à ordem urbanística e questões jurídicas atinentes ao direito de

propriedade, significa o resgate da cidadania das populações mais pobres e a sua

integração à cidade legal. Além disso, permite que o Poder Público local realize

investimentos nas áreas precárias, dotando-as de serviços urbanos e infra-estrutura,

de modo a melhorar a qualidade de vida dos seus ocupantes.

34. Apesar dos esforços dos governos federal, estaduais e municipais, os

resultados alcançados ainda estão aquém do necessário, dada a ausência de um

marco regulatório específico para a questão da regularização fundiária urbana, o que

tem causado enormes entraves e dificuldades para que a regularização fundiária seja

efetivada até o fim.

Ainda, em seu Art. 47 a Lei 11.977/2009 vem reconhecer duas modalidades de

regularização fundiária: a de Interesse Social, que é aquela realizada em assentamentos

ocupados predominantemente por famílias de baixa renda (inc. VII) e a de Interesse

Específico, passível de ser realizada nos casos em que não está caracterizado o interesse social

(Inc. VIII).

A regularização fundiária, portanto, trabalhará simultaneamente com dois institutos

sociais relevantes: a função social da propriedade, na medida em que opera na ordem jurídica

para que a propriedade urbana seja destinada a uma função social, inclusive atendendo o

direito à moradia, decorrente desta função; e a função social da cidade, na medida em que as

políticas públicas de regularização fundiária devem ser realizadas imbuídas de seu aspecto

social, ambiental e urbanístico.

A Lei Federal 11.977/2009 no esteio da Constituição Federal e do Estatuto da Cidade,

que estabeleceram a competência municipal para disciplinar as matérias que lhe são afetas,

respeitando as diferenças e particularidades de cada município, firmará posição acerca da

relevância do papel do Município no processo de regularização fundiária, o que também foi

afirmado na Exposição de Motivos da Medida Provisória que antecipou a Lei:

36. As medidas sugeridas estabelecem critérios gerais para a

regularização de assentamentos e garantia da segurança da posse urbana, buscando

compatibilizar direito à moradia e direito ambiental, reconhecendo o papel

preponderante do Município em regulamentar por lei o procedimento de

regularização fundiária em seu território, como parte integrante da política urbana de

inclusão social, definindo regras nacionais e específicas para o registro dos

parcelamentos advindos dos projetos de regularização fundiária e instituindo os

instrumentos de demarcação urbanística e legitimação da posse que aceleram o

reconhecimento dos direitos constituídos na forma do artigo 183 da Constituição

Federal.

A Medida Provisória em comento sofreu grande influência do Projeto de Lei 3.057/00,

possivelmente em razão das críticas sofridas pela proposta inicial considerar apenas a

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construção de novas unidades habitacionais e silenciar acerca da regularização fundiária.

(NASCIMENTO, 2013) Conforme demonstra Mascarenhas (2012, p. 232) há grande

correspondência entre ambos os textos, em alguns artigos há inclusive cópia literal da redação

e em outros pequenas modificações, todavia, a Lei 11.977/2009 simplifica ainda mais o

processo de regularização fundiária do que a proposta do PL 3.057/00, buscando ampliar o

acesso das políticas públicas de regularização fundiária e d ar celeridade ao processo.

Ainda, visando evitar que após a regularização fundiária os lotes viessem compor o

mercado imobiliário, a Lei 11.977/2009 proibia a alienação dos imóveis regularizados por

intermédio da referida Lei. Todavia, tal restrição foi derrubada pela Lei 12.424/2011, o que é

objeto de críticas por parte da doutrina sob a alegação de que haverá o risco de que com a

regularização fundiária as famílias beneficiadas não consigam resistir as atraentes ofertas do

mercado imobiliário e acabem migrando posteriormente para novas áreas irregulares.

Todavia, esta nos parece ser a decisão mais acertada, pois entendemos que um dos objetivos

da regularização fundiária deve ser assegurar aos seus beneficiários direitos reais seguros e

transacionáveis.

Não parece que para evitar a negociação imobiliária o caminho seja a mera vedação

legal, pois, como demonstrado, a falta de fiscalização costuma levar ao fracasso boa parte do

escopo da legislação brasileira, principalmente quando esta vai contra o costume, como é o

caso. As transações imobiliárias mais do que costume são, por vezes, necessárias.

O que a vedação legal de alienação de bens imóveis advindos de regularização

fundiária pode fazer, e faz, é com que estes imóveis sejam alienados por um preço muito

abaixo do praticado no mercado e encaminhe o imóvel novamente para a irregularidade.

Assim, mais uma vez a população de baixa renda tem seus direitos restringidos face parcela

mais abastada da população. Pior, tem seu direito tolhido sob a alegação de que não é capaz

de definir o que seria melhor para ela.

Desta feita, parece mais democrático e correto o emponderamento do beneficiário,

expondo os riscos a que está sujeito em caso de negociação imobiliária mas também

explicitando os benefícios de um direito real seguro e transacionável.

As conclusões que chega-se a partir do estudo da Lei 11.977/09 são:

I) Expande-se o conceito de regularização fundiária, que deixa de ser mera

titularidade da posse ou propriedade para conceber as dimensões sociais,

ambientais e urbanísticas do instituto;

II) Pela primeira vez tem-se um conceito legal do termo regularização fundiária;

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III) A própria lei traz já quando da exposição de motivos da medida provisória que

a antecede a importância da atuação conjunta das três esferas de governo:

federal, estadual e municipal.

IV) Reconhece-se que para além da busca do direito à moradia, a regularização

fundiária é um instrumento relevante também para o acesso a serviços urbanos

e o direito a cidade;

V) A função social da cidade faz com que a regularização fundiária tenha caráter

mais universal, deixando de existir apenas quando presente o interesse social e

passando a existir também nos casos de interesse específico;

VI) Reconhece o papel preponderante do Município em regulamentar a

regularização fundiária em seu território, segundo as peculiaridades da

ocupação existente e as políticas públicas locais.

2.3 Aspectos Relacionais Entre Formação Territorial e Regularização Fundiária

Não foram ignorados os riscos de uma combinação, nem sempre fácil, entre objetos de

estudo tão distintos: a historiografia e a análise legislativa. Todavia, compreende-se que como

a irregularidade fundiária advém deste processo histórico de ocupação do solo e da falta – ou

ineficiência – de uma legislação que fosse capaz de determinar um modo de ordenação que

evitasse este resultado tão nefasto, optou-se por esta abordagem.

Ao cabo, mais do que compreender como a irregularidade fundiária se estrutura,

percebe-se que ela tem uma íntima relação com o espaço e com o tempo. observar estes dois

substratos – a história e a lei –nota-se que mais do que uma construção equivocada da lei, o

papel desta foi, muitas vezes, articular o modelo ocupacional excludente; sob o manto de uma

aparente “inépcia legislativa” esconde-se toda uma racionalidade que garantirá às classes

dominantes o acesso à terra e à lógica de dominação.

As ações colonizatórias portuguesas e a forma como a ocupação territorial do Brasil

sempre foi tratada como instrumento para a ordenação do poder político fez com que a

estrutura fundiária agrária guardasse profundas semelhanças com a estrutura fundiária urbana.

Especialmente, o uso da terra como espaço de produção de interesses econômicos e

reprodução de espaços de poder. A exclusão do acesso à terra agrária tem mais elementos

comuns do que distintos com a posterior marginalização do acesso à terra urbanizada.

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O descolamento entre a lei e a realidade, presente na estrutura fundiária agrária

brasileira foi reproduzida com o mesmo espírito na estrutura fundiária urbana. A lei, por

vezes, pode até aparentar uma observância a interesses sociais, mas a realidade demonstra

que, via de regra, os interesses econômicos prevaleceram.

Igualmente, a Constituição Federal de 1988 ao consagrar a função social da

propriedade, trouxe uma cisão na relação da regulação pública sobre o direito de propriedade

agrário e urbano, este último influenciado ainda pela função social da cidade. Mesmo que

com princípios norteadores distintos, tanto a estrutura fundiária agrária quanto a estrutura

fundiária urbana foram pensadas a partir de 1988 sob o viés da inclusão, da democratização

do território, do acesso de todos a terra.

Também o registro de terras sempre foi realizado de modo sui generis, em instituições

privadas que tiveram uma relação muito própria com o poder público, que não só reconheceu

e legitimou esses registros por particulares como a eles incumbiu esta função eminentemente

pública; sendo realizados tanto os registros de imóveis rurais quanto urbanos, primeiro, nas

paróquias das igrejas locais, posteriormente, nos cartórios de registro de imóveis.

A falta de fiscalização das leis se mostra, geralmente, como responsável pelo fracasso

do escopo, de maneira que a legislação, via de regra, busca remediar situação já constituída ao

invés de garantir a gestão e planejamento de políticas públicas futuras. O aparato legislativo

adota o remédio ao invés da prevenção.

Por fim, em relação a regularização fundiária urbana, a inteligibilidade das leis mais

modernas reside em tentar resolver este paradoxo: garantir um crescimento e uma ocupação

urbana ordenada, planejada e com uma infraestrutura básica mas sem se tornar excludente, a

almejada construção de uma cidade sustentável e cidadã.

Ante as considerações anteriores e delimitações históricas e legais, a presente

dissertação compreende a regularização fundiária como diretriz para a garantia do direito à

moradia aliada à segurança jurídica da posse constituída com este fim, para o planejamento e

urbanização das áreas ocupadas, para a integração social e para o uso e ocupação

ambientalmente sustentável. Ainda, é a regularização fundiária instrumento para a titulação

dominial das áreas ocupadas, para a realização de infraestrutura urbana, para o acesso a bens e

serviços públicos e para uma política territorial que priorize a produção do espaço urbano e

meio ambiente artificial em consonância com o meio ambiente natural.

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3 DIMENSÕES JURÍDICA, URBANÍSTICA, AMBIENTAL E SOCIAL DA

REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA

Um dos desafios das metrópoles é assegurar moradia para todos

os seus habitantes. O fenômeno da urbanização não foi

planejado. Há algumas décadas, a maior parte dos brasileiros

morava no campo. Hoje, quase 90% da população estão na

cidade. E mora mal!

José Renato Nalini.

Mesmo a defesa do direito à moradia torna forçoso reconhecer o ambiente em que este

pode ser exercido. Não é possível falar em direito à moradia urbana sem falar em

planejamento, em cidade, em acesso a serviços públicos, em preservação do meio ambiente

natural, em urbanização. Essa construção, que exposta desta maneira pode aparentar ser mera

decorrência lógica, foi uma engenhosa construção doutrinária e, como vimos, legal, tendo

levado muitos anos para que se alcançasse esta esfera de compreensão.

O estudo da relação entre as diversas dimensões que compõem a regularização

fundiária é extremamente relevante porque mais do que apontar os diversos pontos de vista –

urbanístico, jurídico, social, ambiental – sob os quais a regularização fundiária pode ser

avaliada e promovida, permite conceber e pensar a regularização fundiária da maneira mais

ampla e irrestrita possível, ou seja, sob todos estes prismas.

As diferentes áreas do conhecimento podem conjugar a regularização fundiária

isoladamente e quem sabe até mesmo obter algum êxito, mas somente quando isso é feito

dentro da academia, ou seja, quando as relações são travadas tão somente no campo

conceitual. Todavia, quando estes conceitos são experimentados, são submetidos à prática

cotidiana, quando sua abordagem se dá na tentativa de resolver o problema mais do que

proposto, exposto, a relação entre eles afasta a visão cartesiana e academicista, a cisão de

saberes aqui torna-se naturalmente uma união.

Desta forma, é necessário estudar a relação de sentido existente entre as diversas

dimensões que compõe a regularização fundiária, e a forma como estas dimensões projetam-

se nas diferentes “vidas” que o beneficiário da regularização fundiária possui (urbana, de

acesso a serviço público, lazer, cultural, social, etc).

É isso que foi proposto neste item, avaliar a ficção dos diferentes campos de

pensamento que compõem a regularização fundiária para demonstrar ao final que todos na

verdade fazem parte do mesmo espaço.

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3.1 Os Elementos Contidos no Vocábulo Regularização Fundiária

Perpassado a evolução histórica e legislativa da regularização fundiária é necessário

analisar os elementos reunidos sob este vocábulo, de maneira que ao identificar o conteúdo de

cada um destes elementos percebe-se a abrangência do instituto para só então estudar os

mecanismos que possibilitam o Poder Público instrumentalizar a regularização fundiária para

alcançar o almejado ordenamento territorial e o desenvolvimento das funções sociais da

propriedade e da cidade.

O êxodo do campo para a cidade no Brasil foi fenômeno tardio, enquanto América do

Norte e Europa possuíam população predominantemente urbana e discutiam os problemas

advindos deste crescimento não planejado das cidades, a população brasileira ainda

apresentava traços predominantemente rurais. Em razão disso, o país ficou alheio à discussão

sobre os problemas urbanos por julgar que a matéria não afetava. Quando na década de 70 a

população brasileira se tornou predominantemente urbana, repetiram-se alguns erros que

centros urbanos de outros países haviam cometidos e, pior, alguns ainda mais crassos.

A desigualdade social, característica marcante da sociedade brasileira, foi cabalmente

retratada na ocupação das cidades. A falta de políticas públicas de moradia fez com que quase

todas as cidades brasileiras tenham favelas e não se tem notícia de cidade sem ocupação

irregular. Muitas vezes estas ocupações se deram em áreas de proteção ambiental, mananciais,

mangues, áreas destinadas a abertura de ruas, praças ou áreas institucionais, comprometendo

não só o ordenamento territorial mas o ecossistema urbano.

Ainda que os mais atingidos sejam os ocupantes das referidas áreas, por estarem em

local insalubre, de risco ou sem infraestrutura básica que lhes assegure viver com dignidade,

na maior parte das vezes toda a cidade é afetada, pois perde áreas institucionais relevantes,

não tem um planejamento urbano adequado e é atingida pela degradação ambiental ou falta de

áreas verdes.

A falta de políticas públicas que garantissem o acesso à moradia trouxe basicamente

dois problemas centrais e distintos, ainda que semelhantes no resultado final: I) as famílias

sem acesso à terra urbanizada invadiam áreas públicas (áreas verdes, áreas institucionais, ruas

ou praças); II) loteadores clandestinos realizavam o micro parcelamento do solo e vendiam os

lotes sem qualquer registro do loteamento na prefeitura, no que se chama de loteamento

ilegal, ou realizavam o registro mas não atendiam as determinações legais acerca da

infraestrutura, abertura de ruas, etc., no que se chama de loteamento irregular.

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Desta feita, é notório que o problema da regularização fundiária é multidisciplinar,

especialmente: I) é social, é necessário que se combata a pobreza, que se reduzam as

desigualdades sociais, que se garanta o mínimo necessário para se viver com dignidade,

estando a moradia, direito fundamental elementar, indubitavelmente neste mínimo necessário;

II) é jurídico, é fundamental que o ordenamento jurídico encontre uma solução para este

indeterminismo acerca do domínio da terra, da relação posse-propriedade, que garanta a

função social da propriedade em justa medida com a função social da cidade, que traga

segurança jurídica aos moradores e assegure direitos reais transacionáveis, inclusive como

forma de assegurar o desenvolvimento econômico da cidade e da sociedade; III) é ambiental,

pois é imperioso assegurar um meio ambiente equilibrado não mais apenas para as futuras

gerações, mas para esta; IV) é urbanístico, pois a cidade é característica do que a sociedade

considera como ato civilizatório, as pessoas buscam viver na cidade para conviver com outras,

para terem acesso a uma infraestrutura que lhes permita viver não apenas com mais dignidade

mas especialmente com mais conforto, para terem mais facilmente acesso à cultura, ao lazer,

etc., então cabe ao urbanismo dar conta de um planejamento que assegure tais pretensões.

Tal reconhecimento das diversas dimensões é expresso inclusive na Lei Federal

11.977/2009, além do já citado artigo 46 que afirma consistir a Regularização Fundiária no

“conjunto de medidas jurídicas, urbanísticas, ambientais e sociais que visam à regularização

de assentamentos irregulares e à titulação de seus ocupantes”, aparece expresso também no

Art. 47, inciso IX, que enumera como “etapas da regularização fundiária” as medidas

jurídicas, urbanísticas e ambientais mencionadas no artigo antecedente.

Portanto, quando da elaboração do projeto de regularização fundiária é obrigatório que

o instrumento integre as dimensões jurídica, urbanística, ambiental e social, pelo que serão

descritas a seguir cada uma destas dimensões isoladamente na tentativa de identificar o núcleo

comum que as tornam significantes para a proposta de regularização fundiária.

3.2 Dimensão Jurídica e a Nova Disciplina da Regularização Fundiária

Apesar de originariamente a regularização fundiária ser tida como a regularização

jurídica do domínio, ou a legalização da titulação da área ocupada, a dimensão jurídica é

talvez a mais obsoleta no debate acerca da regularização fundiária ampla e irrestrita. Como

explica Nalini, (2013, p. X) “a mentalidade jurídica persiste afeiçoada a velhos e anacrônicos

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dogmas de intocabilidade do registro predial, como se este fosse mais importante do que

assegurar a propriedade a seu titular.”

A ordem jurídica é uma das principais responsáveis pelo alto número de ilegalidades,

tanto em razão da ausência de leis em um primeiro momento como de uma legislação elitista

e demasiadamente rigorosa posteriormente.

Como constatam Silva e Martins (2003, p. 165-172) a partir dos estudos das ações do

Centro Dom Helder Câmara de Estudos e Ação Social, CENDHEC, ainda que a Constituição

consagre o direito à moradia e a função social da propriedade como princípios basilares do

Estado Democrático de Direito, “o Poder Judiciário, no exercício de sua função hermenêutica

e concretizadora de direitos fundamentais, não aplica, na prática, esses princípios basilares”.

Se hoje há clareza de que a regularização fundiária só é possível através de um

conjunto de ações que buscam regularizar não apenas o domínio mas o uso e todo o entorno

da área ocupada por determinada família, durante um longo período a expressão remetia tão

somente a noção de legalização da titularidade da área. Ou seja, a regularização fundiária era

encarada apenas sob o prisma da dimensão jurídica.

Ainda que um processo de regularização fundiária não deva se ater a mera titularidade

do domínio, esta é das mais relevantes, pois a promoção de melhorias e as intervenções

urbanísticas inevitavelmente levarão a uma valorização da área e a falta de segurança jurídica

pode permitir a ação de especuladores imobiliários ou mesmo a venda da posse muito abaixo

do valor de mercado em razão dessa insegurança jurídica.

Além disso, há o aspecto do desenvolvimento econômico, pois os moradores tendem a

conservar e executar benfeitorias maiores e melhores quando se tem a garantia da titulação, o

que movimenta o mercado da construção civil. (CHAER, 2007, p. 24)

“A irregularidade fundiária impõe ao cidadão a subutilização do imóvel que possui,

uma vez que restringe seu uso à moradia e eventualmente a um pequeno comércio.” Isso

porque ao não ter direitos reais seguros e transacionáveis, oponíveis erga-omnes, além de não

ter a possibilidade de oferecer o imóvel como garantia para a tomada de empréstimos com

juros mais baixos ou mesmo subsidiados por políticas públicas habitacionais, o cidadão não

tem a segurança jurídica que o estimule a investir em melhorias. (FERRAZ, 2013, p. 55 e 56)

A regularização fundiária, portanto, não deve esquecer seu papel primordial de

garantir moradia para os menos favorecidos, mas tal papel deve não apenas ser comportado

pela proteção efetiva ao meio ambiente; pelo desenvolvimento sustentado da cidade, através

de ações de urbanismo; deve também ser encarada como instrumento dos mais relevantes para

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o desenvolvimento econômico, especialmente porque nossa Constituição determina que a

função social da propriedade é um dos princípios da ordem econômica. (Art. 170, III)

Ora, a relevância da regularização fundiária na movimentação da economia é tamanha

que a Medida Provisória 459/2009, posteriormente convertida na Lei Federal 11.977/2009, e

que “Dispõe sobre o Programa Minha Casa, Minha Vida – PMCMV e a regularização

fundiária de assentamentos localizados em áreas urbanas” traz em sua exposição de motivos

que a referida Medida Provisória compõe “parte significativa do mosaico de ações do

Governo para combater o déficit habitacional e a crise econômica-financeira global.”

Por um lado, ao ter a segurança jurídica acerca da situação dominial de seu imóvel o

morador sente-se seguro também para investir na construção, ampliação ou melhoria do

imóvel, por outro, a regularidade dominial viabiliza o acesso ao crédito imobiliário, que

possui financiamentos menos onerosos e, com a Lei 11.977/2009, inclusive subsidiados pelo

Poder Público.

Como alerta Ferraz (2013, p. 56 e 57), há que se ater ainda ao fato de que a

irregularidade fundiária no Brasil pode atingir dois terços dos imóveis urbanos, o que dá uma

dimensão do potencial que a regularização fundiária pode e deve ter no desenvolvimento

econômico, bem destacando que esta é uma das diretrizes do plano diretor na efetivação da

função social da propriedade:

Art. 39. A propriedade urbana cumpre sua função social quando atende às

exigências fundamentais de ordenação da cidade expressas no plano diretor,

assegurando o atendimento das necessidades dos cidadãos quanto à qualidade de

vida, à justiça social e ao desenvolvimento das atividades econômicas, respeitadas

as diretrizes previstas no art. 2o desta Lei.(grifo nosso)

A interpretação conforme do Estatuto da Cidade e da Lei Federal 11.977/2009 tornam

inequívoco o fato de que a regularização fundiária deve associar a função social da

propriedade ao desenvolvimento econômico sustentável.

Ainda, segundo Ferraz (2013), é imprescindível que o Administrador Público tenha

em mente que a regularização fundiária é instrumento indispensável no desenvolvimento

econômico, e isso implica não apenas em assegurar o direito à moradia mas assegurar também

o acesso ao mercado imobiliário formal, o que, por sua vez, garantirá maior arrecadação

tributária e consequentemente maior capacidade de investimento público.

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A partir da identificação das generalidade da dimensão jurídica tem-se que:

I) A dimensão jurídica é a primeira expressão da regularização fundiária, esta

surge como uma tentativa de titulação dominial, de regularização da posse ou

da propriedade;

II) Apesar da consagração dos direitos fundamentais pela Constituição de 1988 e

do princípio da dignidade da pessoa humana como um dos elementos basilares

de nosso Estado, a ordem jurídica mantem-se estruturada em uma relação

jurídico-política que denota o respeito a uma legislação elitista;

III) Ainda que por vezes existam conceitos de alta complexidade, o Poder

Judiciário ignora os múltiplos aspectos da realidade e mantem uma

mentalidade de respeito aos “donos do poder”;

IV) Se a titularidade do domínio não deve ser a única preocupação de um processo

de regularização fundiária, é ainda assim extremamente relevante, pois a

segurança jurídica mais do que um direito universal é essencial para evitar um

novo processo de exclusão que pode advir da valorização da área pela ação das

demais dimensões da regularização fundiária, como a urbanização;

V) A dimensão jurídica é propulsora também do desenvolvimento econômico,

pois combate a subutilização do imóvel.

3.3 Dimensão Urbanística e a Produção do Espaço Urbano

Há para o direito administrativo um conceito de urbanismo, qual seja o “conjunto de

medidas estatais destinadas a organizar os espaços habitáveis, de modo a propiciar melhores

condições de vida ao homem da comunidade.” (MEIRELLES, p. 522)

A dimensão urbanística da regularização fundiária, além de sua função típica, de

garantir a urbanização das áreas passíveis de regularização, no Brasil possui uma função

atípica das mais relevantes: propor a discussão do tema regularização fundiária urbana. A

pesquisa do tema permite afirmar que a maior parte dos trabalhos publicados sobre o tema são

propostos perante faculdades de arquitetura e urbanismo ou por arquitetos urbanistas perante

outras faculdades.

O processo de urbanização na regularização fundiária é ainda mais relevante no caso

brasileiro, em que a população deixou de ser majoritariamente rural para majoritariamente

urbana em poucas décadas, sem que as cidades fossem pensadas e planejadas para essa

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conversão. Desta forma, o crescimento dos núcleos urbanos se deram de maneira

desordenada, sem que o meio ambiente construído fosse pensado para propiciar aos habitantes

das cidades o conforto e bem estar que delas se espera.

Este conforto e bem estar propiciado pelo urbanismo não devem, no entanto, ser

encarados como privilégios, mas sim como direitos fundamentais, já que se tratam de

condições indispensáveis para o acesso ou exercício de tais direitos, quais sejam transporte,

saneamento ambiental, serviços de saúde, educação, cultura, lazer, etc.

É o urbanismo que assegurará a inclusão social, econômica e ambiental. Tal fato pode

ser facilmente constatado pelo fato de que a cidade excludente está justamente nas ocupações

irregulares de encostas de morros, beiras de córregos, áreas de mananciais e áreas de proteção

ambiental.

Caberá ao urbanismo a conciliação do morador em situação de ilegalidade ou

irregularidade com a terra e sua inclusão na cidade. Dentre as diversas variantes da

regularização fundiária, o urbanismo é que propiciará, portanto, ao morador, o acesso aos

serviços públicos e direitos fundamentais.

Além disso, o urbanismo elitista da primeira metade do século XX com seus grandes

planos de urbanização e modernização das cidades pôs fim aos cortiços e ocupações precárias

das áreas centrais, expelindo os pobres para as regiões periféricas. Como exemplo desse

processo de exclusão podemos citar o caso do Rio de Janeiro, que em seu processo de

modernização da região central levou as famílias mais pobres a ocuparem os morros que

circundavam a cidade, sendo os soldados que lutaram em Canudos um dos maiores

prejudicados e responsáveis pela cunhagem do termo “favela” (nome de planta típica do

sertão) para tais ocupações.

Todavia, não se tratará do processo de urbanização responsável pela cidade

excludente, tão somente do processo de urbanização responsável pela inclusão através da

dimensão urbanística da regularização fundiária. Caberá ao urbanismo no processo de

regularização fundiária especialmente a conciliação entre moradia, saneamento ambiental,

arruamento e espaços públicos (praças e áreas institucionais).

Ainda, o urbanismo colocará fim ao discurso improvável – se não impossível – da

remoção e o substituirá pelo discurso da urbanização das ocupações ilegais e irregulares.

Especialmente porque em grande parte das ocupações o problema não é mais a habitação mas

o meio ambiente circundante (arruamentos, coleta de lixo, transporte público, saneamento

ambiental, escolas, unidades de saúde, etc.)

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A forma como a dimensão urbana alia-se ao processo de regularização fundiária é bem

expresso no conceito deste último trazido por Medvedovski (2002, p. 131), que trata a

dimensão urbana sob um duplo viés, o urbanístico propriamente dito e o técnico:

A regularização é o processo de intervenção pública que objetiva legalizar e

viabilizar tecnicamente a permanência de populações moradoras em áreas

urbanas que foram ocupadas em desconformidade com as leis e padrões

técnicos e urbanísticos para fins de habitação. A regularização urbanística

ocupa-se da conformidade das áreas habitacionais em relação a padrões

construtivos e de inserção urbana da unidade habitacional (normas edilícias e

de uso e parcelamento do solo). A regularização jurídica busca preservar a

posse dos moradores no próprio local onde fixaram residência, à exceção dos

casos de risco. A regularização Técnica busca o fornecimento e a

qualificação da infra-estrutura urbana, possibilitando a melhoria das

condições de saneamento ambiental e de saúde das populações residentes.

Desta maneira, a dimensão urbanística é essencial para a regularização fundiária tanto

em razão do impacto individual que gera para a família, ao preocupar-se com as condições de

habitabilidade, como em razão do impacto coletivo, que é o investimento em infraestrutura

urbana que o poder público deve realizar, tanto para assegurar à população local o acesso a

serviços públicos como para integrar a área a ser regularizada à cidade, permitindo que

também aqueles outrora estranhos à área desfrutem dela, através do arruamento, calçadas,

praças, escolas, etc.

As conclusões colocadas a partir da dimensão urbanística da regularização fundiária

são as seguintes:

I) A dimensão urbanística trata-se especialmente de uma medida corretiva: já que

a ocupação do solo não foi ordenada e planejada, é necessário agora organizar

e urbanizar os espaços já habitados;

II) O urbanismo deverá compreender a realidade de maneira a simplificar os

processos de urbanização tardio, tendo em mente que não pensa uma

configuração urbana garantidora de privilégios mas de direitos fundamentais,

sua atuação é que garantirá o acesso a serviços públicos básicos e uma gama de

outros direitos;

III) A dimensão urbanística terá papel essencial na conciliação do meio ambiente

natural com o meio ambiente construído, ela imprimirá condições de

habitabilidade (coleta de lixo, saneamento ambiental, arruamento, etc.) as áreas

de irregularidade fundiária ao mesmo tempo em que propiciará a configuração

necessária para que aquelas áreas cujas condições naturais não permitam a

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ocupação – por implicar risco à população ou ao bioma – possam se recuperar

e se integrar à cidade;

IV) Ao urbanismo cabe o relevante papel de integrar ainda a área de ocupação

irregular à cidade, permitindo que os moradores da área regularizada desfrutem

das demais áreas da cidade no mesmo compasso em que os moradores destas

possam desfrutar da área regularizada.

3.4 Dimensão Ambiental – A Conciliação entre o Direito à Moradia e o Direito ao

Meio Ambiente Equilibrado

Como já adiantado, grande parte das ocupações irregulares encontram-se em áreas de

preservação ambiental, tem-se então como cenário uma ocupação estabelecida, muitas vezes

com as famílias em condições extremamente precárias justamente em razão do desfavor das

condições ambientais, provocando a reflexão sobre o que deve prevalecer “o direito das

pessoas que moram nessas áreas há anos ou o direito de todos ao meio ambiente equilibrado?”

(CHAER, 2007, p. 31)

Trata-se aqui claramente de colisão de direitos fundamentais, que deve ser solucionado

através da ponderação dos direitos em conflitos, buscando-se a máxima eficácia dos direitos

em colisão, até o ponto em que os mesmos se tornem inconciliáveis e um venha a preponderar

sobre o outro. Conforme ensina Canotilho (2003, p. 1123), os princípios “são normas que

exigem a realização de algo, da melhor forma possível, de acordo com as possibilidades

fáticas e jurídicas.”

Assim, a regularização fundiária em áreas ambientalmente protegidas (áreas verde,

mangues, beiras de córregos, áreas de preservação permanente, etc.) colocam em conflito

mais comumente o direito à moradia e o direito ao meio ambiente equilibrado. Neste caso, por

se tratar de dois direitos fundamentais constitucionalmente tutelados, deve-se buscar a

conciliação dos direitos em conflitos através da técnica da ponderação e da aplicação do

princípio da proporcionalidade, garantindo a máxima proteção aos bens em conflito, até o

momento em que a conciliação seja impossível e um venha a preponderar sobre o outro. Tal

juízo de ponderação deve ser feito tanto pelo legislador quanto pelo juiz no caso concreto.

(MENDES; BRANCO, 2013)

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Nesse sentido, o legislador, especialmente com o advento da Lei Federal 11.977/2009,

veio conformar os direitos fundamentais dispostos na Constituição e busca compatibilizar o

direito à moradia com o direito ao meio ambiente saudável.

Art. 48. Respeitadas as diretrizes gerais da política urbana estabelecidas na

Lei no 10.257, de 10 de julho de 2001, a regularização fundiária observará os

seguintes princípios:

I – ampliação do acesso à terra urbanizada pela população de baixa renda,

com prioridade para sua permanência na área ocupada, assegurados o nível

adequado de habitabilidade e a melhoria das condições de sustentabilidade

urbanística, social e ambiental;

Assim, sempre que possível a população deve permanecer na área ocupada, a tutela ao

meio ambiente urbano considera que este é composto pelo meio ambiente natural e pelo meio

ambiente artificial. Todavia, a sensibilidade do ambiente natural merece especial proteção e a

própria lei vem exigir que um projeto de regularização fundiária plena preocupe-se com um

controle mais rigoroso e acompanhamento caso a ocupação esteja em área ambiental

demasiadamente sensível ou medidas que assegurem a compensação ambiental:

Art. 51. O projeto de regularização fundiária deverá definir, no mínimo, os

seguintes elementos:

(...)

II – as medidas necessárias para a promoção da sustentabilidade

urbanística, social e ambiental da área ocupada, incluindo as compensações

urbanísticas e ambientais previstas em lei;

Por outro lado, a Lei Federal deixa em grande parte ao Município a competência para

assegurar a efetiva proteção ambiental. Afirma a necessidade de submeter o projeto de

regularização fundiária à fiscalização do poder público para que se assegure a sustentabilidade

do mesmo, mas não indica nem de maneira geral alguns pré-requisitos ou medidas que

determinem esta proteção. Assim, fica a cargo do Município a competência para dar

efetividade a esta proteção ambiental, estabelecendo procedimentos, órgãos responsáveis e

documentação necessária, devendo o projeto de regularização fundiária inclusive ser

licenciado:

Art. 53. A regularização fundiária de interesse social depende da análise e

da aprovação pelo Município do projeto de que trata o art. 51.

§ 1º A aprovação municipal prevista no caput corresponde ao licenciamento

urbanístico do projeto de regularização fundiária de interesse social, bem como ao

licenciamento ambiental, se o Município tiver conselho de meio ambiente e órgão

ambiental capacitado. (Incluído pela Lei nº 12.424, de 2011)

§ 2º Para efeito do disposto no § 1º, considera-se órgão ambiental

capacitado o órgão municipal que possua em seus quadros ou à sua disposição

profissionais com atribuição para análise do projeto e decisão sobre o licenciamento

ambiental. (Incluído único pela Lei nº 12.424, de 2011)

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§ 3º No caso de o projeto abranger área de Unidade de Conservação de Uso

Sustentável que, nos termos da Lei nº 9.985, de 18 de julho de 2000, admita a

regularização, será exigida também anuência do órgão gestor da unidade. (Incluído

único pela Lei nº 12.424, de 2011)

Art. 54. O projeto de regularização fundiária de interesse social deverá

considerar as características da ocupação e da área ocupada para definir parâmetros

urbanísticos e ambientais específicos, além de identificar os lotes, as vias de

circulação e as áreas destinadas a uso público.

§ 1o O Município poderá, por decisão motivada, admitir a regularização

fundiária de interesse social em Áreas de Preservação Permanente, ocupadas até 31

de dezembro de 2007 e inseridas em área urbana consolidada, desde que estudo

técnico comprove que esta intervenção implica a melhoria das condições ambientais

em relação à situação de ocupação irregular anterior.

§ 2o O estudo técnico referido no § 1o deverá ser elaborado por

profissional legalmente habilitado, compatibilizar-se com o projeto de regularização

fundiária e conter, no mínimo, os seguintes elementos:

I – caracterização da situação ambiental da área a ser regularizada;

II – especificação dos sistemas de saneamento básico;

III – proposição de intervenções para o controle de riscos geotécnicos e de

inundações;

IV – recuperação de áreas degradadas e daquelas não passíveis de

regularização;

V – comprovação da melhoria das condições de sustentabilidade urbano-

ambiental, considerados o uso adequado dos recursos hídricos e a proteção das

unidades de conservação, quando for o caso;

VI – comprovação da melhoria da habitabilidade dos moradores propiciada

pela regularização proposta; e

VII – garantia de acesso público às praias e aos corpos d´água, quando for o

caso.

§ 3º A regularização fundiária de interesse social em áreas de preservação

permanente poderá ser admitida pelos Estados, na forma estabelecida nos §§ 1o e 2o

deste artigo, na hipótese de o Município não ser competente para o licenciamento

ambiental correspondente, mantida a exigência de licenciamento urbanístico pelo

Município. (Incluído único pela Lei nº 12.424, de 2011)

Percebe-se que essa compatibilização do direito à moradia e do direito ao meio

ambiente equilibrado em tese não admite o prejuízo de um em detrimento do outro, o que

ocorre é o tratamento de ambos como direitos fundamentais, de maneira que busca a

legislação dar máxima eficácia a ambos, até o momento em que isso se torne impossível,

quando deve prevalecer as normas ambientais e a proteção ambiental.

Todavia, para que a legislação seja eficaz, mais uma vez devemos ter cautela para que

não ocorra o costume no direito brasileiro, especialmente nos marcos normativos relacionados

ao nosso trabalho: a falta de fiscalização.

Vale ressaltar que segundo o art. 13 da Lei 6.766/1979 cabe aos Estados disciplinar

projetos habitacionais quando localizados em áreas de interesse especial, como mananciais,

patrimônio histórico, cultural, paisagístico ou arqueológico e quando abranger regiões

metropolitanas ou quando cuidar de área superior a 1.000.000 m². Entende-se que o mesmo

deve ocorrer nos casos de regularização fundiária, pois o poder público municipal por vezes

está mais suscetível à pressão do especulador imobiliário e outros agentes locais. Ressalvado,

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claro, as regras de competência urbanística de uso e ocupação do solo, quando deve

prevalecer a legislação municipal.

O fato da legislação mais recente permitir a regularização fundiária em áreas

ambientalmente sensíveis não implica em afirmar a prevalência do direito à moradia face o

direito ao meio ambiente equilibrado. Ao contrário, a legislação apenas concebe que se a

ocupação e uso do solo forem comportados pelo meio ambiente natural e outra forma de

compensação ambiental for possível, deve se dar efetividade a ambos os direitos, sem

realocação da população.

A gravidade do problema social e a urgência de solução para o problema da efetivação

do direito à moradia não pode autorizar a ocupação predatória do solo. Não havendo

hierarquia entre direitos fundamentais é sabido que um não pode simplesmente ser

subordinado ao outro. Portanto, a regularização fundiária deve buscar reverter ou minimizar o

impacto ambiental das ocupações irregulares existentes e garantir que não continuem se

alastrando ocupações em áreas de proteção ambiental, além de buscar conciliar o uso e

ocupação do solo com um meio ambiente equilibrado.

Da mesma forma o Art. 3º, Parágrafo Único da Lei 6.766/79 veda o parcelamento de

solo em terrenos alagadiços e sujeitos a inundações sem providências que assegurem o

escoamento das águas; em terrenos com material nocivo à saúde pública sem que sejam

saneados; em terrenos com declividade igual ou superior à 30%, salvo se exigidas exigências

das autoridades competentes; terrenos não aconselháveis a edificação em razão das condições

geológicas; em áreas de proteção ecológica ou naquelas em que a poluição impeça condições

sanitárias suportáveis. Igualmente todas estas restrições estendem-se aos programas de

regularização fundiária, só podendo haver a regularização nestes casos se tomadas todas as

medidas saneadoras que assegurem tanto a segurança da população quanto impactos

ambientais toleráveis.

Em caso de necessidade de remoção de famílias residentes em áreas de risco ou áreas

de proteção permanente, as mesmas devem ser relocadas o mais próximo possível de suas

antigas moradias, visando a manutenção de suas relações sociais e guardando respeito com o

caráter fraterno do direito de vizinhança, inclusive devendo a destinação de unidades

habitacionais para famílias removidas ter prioridade em relação às famílias previamente

cadastradas, desde que a ocupação a ser regularizada seja anterior a 31 de dezembro de 2007.

(CASTANHEIRO, 2013, p. 51)

A remoção deve ser, todavia, medida última, dada sua drasticidade. Além disso, a

opção pela remoção é historicamente a grande responsável pelas políticas habitacionais que

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promoveram a exclusão social e a ocupação de áreas ambientalmente sensíveis e protegidas.

Grande parte dos processos urbanizadores no Brasil simplesmente transferiram ocupações

irregulares para áreas afastadas dos centros urbanos, promovendo a remoção em massa em

detrimento do enfrentamento do problema.

A dimensão ambiental é fundamental para falar em regularização fundiária

sustentável, utilizando aqui o conceito de sustentabilidade do Relatório Brundtland, elaborado

em 1987 pela Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento das Nações

Unidas e que precedeu a Conferência das Nações Unidas para o Meio Ambiente e

Desenvolvimento: desenvolvimento sustentável é aquele que satisfaz as necessidades das

gerações atuais, sem comprometer a capacidade das gerações futuras de satisfazer suas

próprias necessidades.

Desta maneira, a regularização fundiária sustentável é aquela capaz de reconhecer o

atual modelo de uso e ocupação do solo estabelecendo um modelo que contribua para a

redução das desigualdades sociais e combate à pobreza sem permitir, todavia, a degradação

ambiental e ocupação predatória de tal forma que o meio ambiente não seja capaz de

recompor ou tolerar o capital natural perdido.

A identificação de uma nova tendência nas relações ambientais com a cidade já

ocupada leva às seguintes constatações e conclusões:

I) Grande parte das ocupações irregulares encontram-se em áreas de preservação

ambiental, especialmente aquelas espontâneas, advindas não de loteamentos

clandestinos (irregulares ou ilegais);

II) O legislador através da Lei Federal 11.977/09 exerceu seu papel de

conformação dos princípios constitucionais e buscou compatibilizar os direitos

fundamentais à moradia e ao meio ambiente saudável;

III) O projeto de regularização fundiária passa agora a ter a necessidade de

licenciamento ambiental, explicitando o legislador que deve se dar máxima

eficácia aos direitos fundamentais em conflito, até o momento em que isso não

se torne mais possível, ocasião em que deve prevalecer as normas que cuidam

da proteção ambiental;

IV) Se por um lado deixar a cargo do munício o licenciamento ambiental pode

representar uma maior adequação as especificidades da realidade de cada

município, por outro incorre-se no risco de que o poder público municipal na

maior parte das vezes está mais suscetível a pressão de especuladores

imobiliários;

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V) A regularização fundiária deve buscar conciliar o uso e ocupação do solo com

um meio ambiente equilibrado, evitando a realocação da população sempre que

possível mas também garantindo que cesse novas ocupações em áreas de

proteção ambiental;

VI) Caso a proteção ambiental exija a remoção de famílias de determinada área, as

mesmas devem ser realocadas o mais próximo possível de suas antigas

moradias, visando o respeito as relações de vizinhança e social;

VII) A dimensão ambiental deve, portanto, aceitar o direito à moradia sem renegar a

proteção ao meio ambiente, cuidando para que não ocorra nem a

vulnerabilidade das pessoas quanto a vulnerabilidade do meio ambiente.

3.5 Dimensão Social – Do Diagnóstico da Ocupação ao Emponderamento dos

Ocupantes

A dimensão social da regularização fundiária tem um triplo viés: primeiro garantir que

se cumpra a função social da propriedade e função social da cidade, como forma de termos

uma sociedade mais justa, fraterna e menos desigual; segundo o reconhecimento de que a

sociedade é o fim do Estado, é para ela que ele existe e as relações sociais devem ser por ele

consideradas como geradoras de fatos sociais que por vezes não são abarcados pela legislação

mas que devem ser tratadas a contento; o terceiro viés está ligado à gestão democrática da

cidade, a sociedade deve participar dos processos decisórios e da busca pela solução dos

problemas urbanos, inclusive o da regularização fundiária.

A atomização dos saberes e as análises parciais de cada um não foram capazes de dar

uma solução para o problema da regularização fundiária, e talvez quem guarde a maior dívida

com os afetados pela irregularidade fundiária e seus efeitos sejam os operadores jurídicos.

Parece que estes sempre estiveram muito afeitos às normas, aos registros públicos, aos

procedimentos mais comezinhos do direito notarial e esqueceram que estas normas deveriam

ter sofrido a interpretação conforme a Constituição. Mas, esqueceram que para além dos

registros públicos e notarias há vida, existem relações sociais que se operam no interior das

cidades e problemas decorrentes dessas interações.

A dimensão social é, portanto, relacionada ao estudo destas interações sociais tanto à

luz do serviço social, buscando mapear os “assentamentos irregulares ocupados,

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predominantemente, por população de baixa” e beneficiários das políticas públicas para a

regularização fundiária de interesse social, como à luz da sociologia política, na tentativa de

um diagnóstico dos problemas da urbanização advindos do próprio processo de integração

social. (LEVY, 2013, p. 12)

Numa visão holística, que congrega também senso comum, é possível

apontar que a cidade é o espaço privilegiado de (re)produção das relações sociais, da

dimensão do trabalho, da cultura, da economia e da política. É o locus de

permanente intercâmbio entre as pessoas, a objetivação de inúmeras subjetividades

marcadas pela diferença. (LEVY, 2013, p. 14)

A cidade, para além do local onde se desenvolve a esfera pública das demandas

específicas de determinada localidade, é o local onde se reproduz as relações sociais, e acerca

do tema esta reprodução é muito bem delineada por Kowarick (apud LEVY, 2013, p. 15): “o

trabalhador explorado é o morador espoliado.” A ineficiência dos serviços públicos, a falta de

áreas institucionais, a ausência de espaços de lazer, a distância da escola, a falta de transporte

público, enfim, a ausência do Estado pode afetar toda a cidade, mas são as classes menos

favorecidas economicamente e que não tiveram acesso à moradia regular que serão as mais

condenadas.

Não é sem razão o estigma que sofre quem mora no subúrbio e a associação realizada

quase que com naturalidade entre quem mora nas áreas marginais da cidade e o uso da palavra

"marginal" para definir o infrator, o descumpridor da lei.

A omissão do poder público aqui também tem duas matrizes, a falta de políticas

públicas que garantam o acesso à moradia e a falta de fiscalização da legislação pertinente,

especialmente, as relacionadas ao micro parcelamento do solo e as construções edilícias, esta

última omissão decorrente da primeira. Ou seja, já que o Estado não realiza seu papel na

efetivação do direito à moradia também não fiscaliza loteamentos clandestinos e a construção

de sub-habitações, contribuindo para reforçar desta feita a consolidação desses últimos.

As cidades como meras aglomerações urbanas e não como um espaço público

planejado, na realidade, são resultantes do êxodo rural, que ocorreu de maneira desorganizada

e não como um movimento espontâneo. As pessoas foram expulsas do campo com a

implantação do latifúndio, pela falta de políticas públicas de fixação dessas pessoas no campo,

e acabaram sendo “desaguadas” na cidade, pois, na visão do Poder Público, não havia o que

se fazer com elas. Portanto, foram para a cidade por conta da falta de opção e não como uma

solução ou escolha. As estruturas de classe, todavia, foram mantidas ou ainda mais

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fortalecidas, aumentando a desigualdade social e os fenômenos dela decorrentes, como a

pauperização, os bolsões de pobreza, a exclusão social, etc. (LEVY, 2013, p. 17)

A primeira definição conhecida e publicada da palavra inglesa slum* surgiu

no Vocabulary of the flash language (Vocabulário da linguagem vulgar), em que é

sinônimo de racket ou “comércio criminoso”. No entanto, nos anos da cólera nas

décadas de 1830 e 1840, os pobres moravam em slums, em vez de praticá-los. Uma

geração depois, identificaram-se slums na América e na Índia, em geral

reconhecidos como fenômeno internacional. O “slum clássico” era um lugar

pitoresco e sabidamente provinciano, mas em geral os reformadores concordavam

com Charles Booth que todos se caracterizavam por um amálgama de habitações

dilapidadas, excesso de população, pobreza e vício. É claro que, para os liberais do

século XIX, a dimensão moral era fundamental, e a favela era considerada, acima de

tudo, um lugar onde o “resíduo” social apodrecia num esplendor imoral e quase

sempre turbulento. Os autores de Slums descartam as calúnias vitorianas, mas fora

isso conservam a definição clássica: excesso de população, habitações pobres ou

informais, acesso inadequado a água potável e esgoto sanitário e insegurança da

posse da terra.(DAVIS, 2004, p. 198)

O recém chegado à cidade traz consigo uma situação de completa vulnerabilidade:

vulnerabilidade social - representando o elo fraco na relação de classes e permanecendo nesta

condição, sem contar com programas assistenciais ou de inclusão por parte do Estado;

vulnerabilidade econômica - não possui condições de prover o seu próprio sustento e o de sua

família garantindo o mínimo necessário para viver com dignidade; vulnerabilidade civil - não

detém conhecimento de seus direitos e do acesso aos meandros da burocracia estatal.

O recém chegado torna-se assim presa fácil do loteador clandestino, cujos loteamentos

ilegais ou irregulares causam danos ao meio ambiente e grande desordem urbanística.

Há, por fim, a necessidade da dimensão social intervir no processo de regularização

fundiária para mais do que diagnosticar o assentamento e sua população, participar do

emponderamento da população afetada. Como assenta Honneth, “só podemos chegar a uma

compreensão de nós mesmos como portadores de direitos quando possuímos, inversamente,

um saber sobre quais obrigações temos que observar em face do respectivo outro”. (apud

LEVY, 2013, p. 28)

Concluindo, a dimensão social deve produzir o diagnóstico do assentamento ao

mesmo tempo em que torna os membros desse assentamento partícipes do processo de

regularização fundiária, mas ainda mais, este processo deve fomentar nos moradores do

assentamento a ser regularizado o desejo por uma cidade mais justa, dando subsídios para que

a comunidade permaneça participando do planejamento urbano e da gestão democrática da

cidade.

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A tradição patrimonialista enraizada na estrutura social brasileira e originária em sua

matriz agrária será mantida na organização social das cidades, permitindo concluir neste

contexto:

I) Mais do que a identificação das ocupações passíveis de serem classificadas

como de “interesse social” em razão das características da ocupação, a

dimensão social terá um caráter eminentemente democrático, de

emponderamento dos habitantes destas ocupações;

II) Ainda que, via de regra, a dimensão social foque no papel da assistente social

de delinear o perfil socioeconômico da ocupação e do morador, a dimensão

social vem despontando com uma ideia mais ampla de perceber e/ou esclarecer

que a cidade é a reprodução das relações sociais, e a exclusão da regularidade

fundiária advém de uma exclusão mais ampla;

III) Esta opção valoriza a possibilidade de uma crítica mais ampla: a dimensão

social representa uma revolução no curso da regularização fundiária, a

exclusão social deu às ocupações o substrato necessário para que se questione

o modelo de desenvolvimento urbano que vínhamos tendo;

IV) A dicotomia existente na dimensão social é que vai lhe permitir uma visão

holística e universalista, a negação da moradia regular é a primeira ou última

instância de uma série de outras negações: do lazer, da educação, da cultura, da

dignidade;

V) O diagnóstico do assentamento deve ser realizado não com uma atuação

precária, com a visão de que aquela comunidade é um ente totalmente externo

à cidade e à sociedade, que vai em breve realizar uma aproximação, é

imperioso que os moradores participem ativamente do processo de

regularização fundiária.

3.6 A União de Saberes em Busca de Cidades Socialmente Justas e Ambientalmente

Sustentáveis

A urbanização acelerada, sob as condições de desenvolvimento calcado no

modelo do período pós-revolução industrial, caracteriza-se pela ocupação

desordenada do solo, gerando índices expressivos de exclusão socioeconômica e de

degradação dos meios naturais, além dos problemas urbanos de toda ordem, como

pobreza, violência, desemprego, déficit habitacional. (CHAER, 2007, p. 11 e 12)

A citação acima expressa muito bem como as diversas dimensões da regularização

fundiária estão intrinsicamente ligadas. O estudo particionado do presente capítulo pretendeu,

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antes de mais nada, destacar o que cada dimensão tem de mais relevante, especialmente

porque os profissionais das diferentes áreas no processo de regularização fundiária muitas

vezes trabalham isolados, agem em momentos distintos.

Todavia, quanto mais coletiva e conjunta for a ação desses profissionais mais rico será

o processo de regularização fundiária, devendo-se evitar o particionamento de suas ações a

todo custo, pois as ocupações do solo a serem regularizadas não delineiam cada uma das

dimensões isoladamente, ao contrário, internalizam todas as dimensões de maneira

simultânea, conforme a ocupação vai se dando.

A união de todos os intervenientes no processo de regularização fundiária é

indispensável pois “garantir apenas a titulação do lote ou da área implica em negligenciar as

condições de ocupação e suas perversas consequências”, o que leva a manutenção da situação

de ilegalidade. (CHAER, 2007, p. 24),

Ainda, interessante a constatação de Rosana Denaldi, diretora de Habitação da

prefeitura de Santo André e trazida no trabalho de Maricato (2003, p. 84), de que o principal

entrave para um processo de regularização fundiária pleno é a “fragmentação das instituições

que participam do processo de regularização: vários setores da prefeitura, ministério público,

cartórios de registro de imóveis e Judiciário.”

Desta forma, o sucesso da regularização fundiária plena depende da atuação conjunta

dos profissionais intervenientes no processo, bem como das instituições protagonistas e

responsáveis por pensar e viabilizar o processo de regularização fundiária.

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4 REDENÇÃO: DA OCUPAÇÃO DO ESPAÇO À EMANCIPAÇÃO

Da mesma maneira que observou-se a ocupação territorial do Brasil para compreender

a acepção do termo e do instituto denominado regularização fundiária, faz-se analisar o

microcosmo de Redenção, ou seja, estudar a ocupação do espaço onde hoje está a cidade de

Redenção, uma vez que, como constantemente afirmado por diversas legislações acerca de

regularização fundiária, o Município deve ser o principal ente da federação na promoção da

regularização fundiária.

A competência do Município para legislar sobre assuntos de interesse local geralmente

tem ligação estreita com a promoção do adequado ordenamento territorial, percebe-se assim

que se a União trouxe as normas gerais relacionadas ao desenvolvimento urbano caberá ao

Município dar concretude a estas normas, inclusive adequando-as a sua realidade quando

necessário. Assim, não poderia ser outro o entendimento se não estudar a ocupação do solo

redencense para ver em que ela se distingue do anteriormente exposto e quais são suas

características e peculiaridades.

4.1 Da Ocupação do Espaço

As terras onde situa-se o município de Redenção eram a princípio habitadas pelos

índios Kayapós, ramificação das tribos de língua Jê, de vida essencialmente nômade e que por

esse motivo evitavam revidar o ataque de povos não indígenas, o que não impediu que um dos

grupos ou subtribos fossem extintos, os Kradaú ou Irã-Amráire, justamente os que viviam nos

campos naturais de Conceição do Araguaia, que se estendiam da orla do Rio Arraia até a Mata

Geral do Xingu, perímetro onde hoje está compreendida a cidade de Redenção. (SILVA,

2007, p. 7.)

Os índios Irã-Amráire Kayapó estavam acostumados com o contato com não-índios

em razão da missão dominicana de Santa Maria Nova, atual cidade de Couto Magalhães (TO),

margem oposta da cidade de Conceição do Araguaia (PA), Rio Araguaia. Os trilhos indígenas

inclusive que propiciaram a incursão nos Campos do Pau D’Arco, servindo de estrada

boiadeira para os maranhenses que migraram nesta região e não se fixaram nas margens do

Araguaia no Núcleo de Conceição do Araguaia, fundado por Frei Gil de Vila Nova em 1897.

(SILVA, 2007, pp. 7-8)

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Desta forma, os Kradaús que viviam no território há muitos séculos, de súbito foram

desaparecendo dos campos do Pau D’Arco, transformando-se as terras indígenas em terras

camponesas e prevalecendo nos campos atualmente a atividade pastoril, sendo a lavoura

meramente para a subsistência dos camponeses. (SILVA, 2007, p. 9)

Estava, portanto, iniciado o processo de povoamento da área, e a frente

pecuária é que, a princípio, ditaria a forma da atividade produtiva que se instalaria

nos campos paraenses do Araguaia. A frente pecuarista que há mais de trezentos

anos partira do litoral baiano palmilhando todo o sertão nordestino atinge sua

expressão máxima ao chegar à Amazônia Oriental, cruzando os dois grandes rios

que poderiam ter obstruído sua marcha – Tocantins e Araguaia – e estabelecendo-se

nos campos paraenses do Arraias e Pau D’Arco. Somente a grande floresta, com sua

hiléia quase instransponível para a tecnologia sertaneja, foi capaz de deter sua

marcha pelo interior brasileiro. (SILVA, 2007, p. 11)

Moreira Neto (1960, pp. 9-13) justifica a razão do território paraense dos campos de

Pau D’Arco terem sido colonizados predominantemente por maranhenses e não por paraenses

ou pelos goianos da margem oposta do Araguaia. No século XIX, conforme esclarece o autor,

“o Tocantins era a fronteira mais ocidental atingida pela onda pastoril nordestina. Três séculos

completos se dilatam entre a introdução das primeiras rêses das ilhas de Cabo Verde na Bahia

e a extensão da pecuária à orla da floresta amazônica”.

Apesar do transcurso de três séculos, a cultura pastoril pouco tinha se alterado e ainda

eram necessárias grandes vastidões de terras, pois o gado era criado solto nos campos ante a

inexistência de cerca, bem como a predominância quase que absoluta do escambo nas

transações comerciais, identidade nas formas de associações, normas, valores, técnicas

produtivas, tudo ainda remetia a onda pastoril nordestina do Século XVI. (MOREIRA NETO,

1960)

Em começos do século XIX, um primeiro núcleo urbano é fundado nas

margens goianas do Tocantins, Bôa Vista, sucedido pela ocupação paulatina de todo

o território delimitado pela junção dêste rio com o Araguaia. Aí se defronta a frente

pioneira com um movimento colonizador orientado do sul, seguindo o curso do

Araguaia, composto por criadores de gado e garimpeiros. A onda expansionista

meridional não tem, entretanto, a importância do movimento nordestino e cedo

funde-se a êle, deixando-lhe a tarefa de definir o estilo cultural das novas ocupações

que se farão agora em território paraense. (MOREIRA NETO, 1960, p. 9)

Ocorre que Boa Vista do Tocantins passa a ser assolada por uma série de conflitos que

no final do século XIX forçam o êxodo de inúmeras famílias que ali habitavam e compunham

aquela frente pioneira pastoril, migrando a grande maioria para as áreas ribeirinhas do

Araguaia. “O que de momento importa salientar é a transferência desses contingentes

pioneiros em densidade dificilmente atingíveis em tempos normais para os campos do

Araguaia paraense.” (MOREIRA NETO, 1960, p. 9)

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O caráter indispensável do momento conturbado de Boa Vista do Tocantins para a

existência das correntes migratórias para as margens do Araguaia pode ser reafirmada ante o

fato de que desde a metade do século XIX tentava-se a fixação de colonizadores na região,

tendo inclusive o governador da então província de Goiás inaugurado por essa época a

navegação do Araguaia com barcos a vapor, sem ainda assim obter sucesso na atração e

fixação da população. Serão os conflitos de Boa Vista os responsáveis pela rápida ocupação

da chapada formada entre a convergências dos Rios Araguaia e Tocantins e o posterior

alcance dos campos do Pau D’Arco, na margem esquerda do Rio Araguaia. “A frente pioneira

que parte dos Pastos Bons e atravessa agora o Tocantins é maranhenses pelos elementos que a

compõem, como há um século atrás foi bahiana.” (MOREIRA NETO, 1960, p. 10)

Se por um lado os campos do Pau D’Arco propiciaram um bom rebanho, por outro o

mercado local não era capaz de suprir a produção, ainda, a travessia de dois grandes rios – o

Araguaia e o Tocantins – tornavam inviável o comércio com a região nordeste e sudeste. A

distância, a floresta e semelhantes dificuldades fluviais também não propiciaram o comércio

com Belém, de maneira que certamente o isolamento inviabilizaria a fixação dos camponeses

no local. (SILVA, 2007, pp. 11 e 12)

Um fato absolutamente novo vem salvar os criadores do Pau D’Arco de um

fracasso que se afigurava inevitável. É o início da exploração da borracha e da

castanha na área, produção que ao contrário da pecuária, voltava-se

fundamentalmente para os mercados internacionais, criando novas oportunidades de

trabalho, mercados e capitais de que fartamente se beneficiaram os criadores locais.

(MOREIRA NETO, 1960, p. 15)

É nesse momento em que há a crescente necessidade da borracha como matéria prima

industrial, aumentando a procura especialmente no mercado internacional, sendo o Brasil

praticamente o único fornecedor da goma dos seringais utilizada como matéria prima para a

fabricação da borracha. Desta maneira, há um fluxo migratório considerável para os campos

do Pau D’Arco, em razão do caucho presente nos campos da mata geral até o Xingu. Surge

assim um mercado local capaz de absorver a produção pecuária dos campos do Pau D’Arco.

(SILVA, 2007, pp. 12 e 13)

Além dos migrantes, o ciclo da borracha trouxe para a região uma intensa atividade

comercial, instalando-se aviadores responsáveis pelo financiamento e transporte dos viveres

para os migrantes e da produção da goma para Belém, ponto de exportação da borracha. O

dinheiro substitui o escambo, o modo de produção pastoril de subsistência é substituído pelo

modo de produção extrativista mercantil, o capital comercial “passa a subordinar o segmento

pecuário de subsistência, como este havia subordinado a cultura tribal.” (SILVA, 2007, p. 13)

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Nos campos onde hoje estão situadas as principais cidades do Sul do Pará –

Redenção, Pau D’Arco, Rio Maria, Xinguara –, como nas matas, onde se localizam

as terras privatizadas pela Companhia de Terras da Mata Geral, no começo do

Século XX, o movimento foi intenso. Tanto em uma área como em outra se

localizaram povoados sertanejos que serviam de ponto de apoio para os comboios

que se dirigiam aos locais de extração da goma. Na pesquisa de campo, detectamos

que, no local onde hoje é o cemitério da cidade de Redenção, outrora existiu uma

corrutela denominada Solta.

Nesse povoado sertanejo que ficava na boca da mata, isto é, no início da

estradinha que levava, pela floresta, aos cauchais da beira do Xingu, as tropas

carregadas de caucho estacionavam com a finalidade de descanso e reabastecimento

de víveres, para, posteriormente, seguir viagem até Conceição do Araguaia. Nessa

localidade, a borracha era acondicionada em batelões e, por via fluvial, descia o

Araguaia e o Tocantins, até Belém do Pará. Finalmente, as casas exportadoras

encarregavam-se de fazê-la chegar às portas das indústrias europeias. (SILVA, 2007,

p. 13)

Nesta etapa, contudo, o crescimento vertiginoso dos núcleos habitacionais foi

acompanhado por um declínio tão vertiginoso quanto. A falta de investimento em tecnologia

para aumentar a produção dos seringais da Amazônia aliada a alta produção dos seringais

asiáticos advindas do plantio de seringueiras em suas colônias por Inglaterra e Holanda fez

com que a atividade extrativista na região do Araguaia durasse menos de uma década, tempo

insuficiente para garantir a fixação dos habitantes nas corrutelas surgidas no auge do

extrativismo. (SILVA, 2007, pp. 13 e 14)

Há uma estagnação econômica e um novo isolamento regional, uma retomada do

modelo pastoril e do escambo em detrimento do dinheiro em razão do despovoamento da

região com o fim do ciclo da borracha, especialmente a partir de 1912. É verdade que houve

um “breve surto econômico durante a segunda guerra mundial” em razão dos “Acordos de

Washington” assinados entre Brasil e Estados Unidos da América para o incremento da

produção de borracha, mas este segundo ciclo em nada se assemelha ao primeiro, de tal forma

que em 1946, quando encerra-se em definitivo esse segundo ciclo, no local onde futuramente

surgiria a cidade de Redenção não existia ninguém residindo. (SILVA, 2007, pp. 15 e 16)

4.2 Do Surgimento do Povoado

Tal qual a terra se transforma em mercadoria com a abolição da escravatura e o

advento da Lei de Terras, em dado momento, ainda que muito mais tardio, o mesmo irá

ocorrer com a região sul do Pará, local onde se encontra o município de Redenção, objeto de

estudo, destacado por Silva (2008, p. 4) como “o mais desenvolvido da região sul do Pará,

cujo território viria a se constituir na primeira frente pioneira da Amazônia.”

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Ao contrário de Moreira Neto (1960) que com a expressão frente pioneira fazia

referência a ocupação do espaço pela onda pastoril nordestina, Silva (2008) por frente

pioneira refere-se justamente à substituição da economia camponesa advinda dessa onda

pastoril pela economia urbano-industrial, ou seja, a substituição de relações de produção não

capitalistas pelo modelo onde trabalho e terra são transformados em mercadorias. Esta

alteração na forma de organização da produção se dá pela abertura de novas fronteiras em

razão do “esgotamento de terras devolutas” próximas aos locais de aproveitamento agrícola e

empreendimentos capitalistas tradicionais, levando a apropriação de imensas áreas no

Araguaia paraense. (SILVA, 2008, p. 4)

Moreira Neto (1960, p. 81-82) escreve justamente quando este processo de

especulação imobiliária está prestes a explodir no Araguaia paraense, inclusive destacando o

papel desorganizacional que estas companhias imobiliárias tiveram em comunidades pioneiras

em outros estados, como Paraná e Goiás. Em consequência da expulsão dos posseiros

pioneiros de outros estados pelas Companhias Imobiliárias, que em razão do capital financeiro

são agraciadas com títulos definitivos de propriedade concedidos pelos respectivos Estados,

há nos campos do Pau D’Arco referência a um “avultado número de ‘chegantes’, lavradores

despojados de suas terras por estas empresas”.

O autor destaca ainda um fenômeno interessante, os camponeses dos Campos de Pau

D’Arco tinham uma dupla preocupação, por um lado temiam a chegada de novos camponeses,

expulsos de suas terras pelas Companhias Imobiliárias em outros estados, por outro temiam

ainda mais a chegada destas Companhias Imobiliárias também no Araguaia paraense:

Vinculados culturalmente a um sistema tradicional de apropriação do solo

que é velho de algumas centenas de anos, reagem amarga e violentamente à ameaça

de esbulho. Vale salientar que estão hoje pressionados pelos dois extremos da nova

estrutura sócio-econômica que tende a estabelecer-se na região. Por um lado, há a

ameaça dos grupos dominantes da estrutura que se tenta impor, isto é, as

companhias imobiliárias e empreendimentos assemelhados que requerem estas áreas

e as recebem tituladas como propriedades definitivas. E, por outro, há também a

antítese das empresas de especulação, os pequenos lavradores que se vêem

desalojados de suas posses e se deslocam à testa da onda colonizadora, localizando-

se nas zonas de fronteira. (MOREIRA NETO, 1960, pp. 82-83)

Assim, as terras que formaram a Fazenda Santa Tereza, fundamental para a criação da

“Vila Redenção”, não eram desocupadas. Já residiam ali camponeses que tinham uma

economia caracterizada por um modo de produção não capitalista. (SILVA, 2008, p. 4)

Na verdade, muito mais do que a formação da fazenda Santa Tereza, o que

estava em andamento era o início da transformação da fronteira camponesa pastoril

de subsistência, parcialmente mercantil, em fronteira capitalista. A terra ia ser

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titulada, e com ela as relações de produção do lugar sofreriam alterações

significativas. Era a propriedade privada capitalista que pela primeira vez chegava

aos campos do Pau d’ Arco na região onde futuramente surgiria a frente pioneira de

Redenção. (SILVA, 2008, p. 6)

Inicialmente os camponeses que habitavam os campos do Pau D’Arco preservaram

sua posse, pois a preocupação primeira dos integrantes da frente pioneira era incorporar

legalmente grandes quantidades de terra, para em um segundo momento, após a apropriação,

iniciar a especulação e comercialização destas terras. (SILVA, 2008, pp. 5-7)

João Lanari do Val e Nicolau Lunardelli adquiriram grandes parcelas de terras no

Araguaia paraense já na década de 60 com o intuito de abrir grandes fazendas para produção

de café, pois ambos eram descendentes de famílias de migrantes italianos que compunham a

elite cafeicultora paulista, “símbolo do poder econômico republicano até 1930”, o último

inclusive filho de Geremia Lunardelli, maior produtor de café do país e que carregava a

alcunha de Rei do Café. (SILVA, 2008, pp. 8-10)

Em 1962, João Lanari do Val cria então a Companhia de Terras da Mata Geral,

empresa que abrigará os 80 lotes a ele alienados pelo governo paraense, e forma assim o

maior latifúndio brasileiro de capital exclusivamente nacional. Reserva parte das melhores

terras adquiridas para a formação da Fazenda Santa Tereza, sede operacional da Companhia

de Terras Mata Geral. (SILVA, 2008, pp. 8-10)

O intuito de especulação imobiliária fica claro pelo Relatório de Atividades da

Companhia de Terras da Mata Geral, datado de 1983, que demonstrará que os recursos

financeiros para a formação da Fazenda Santa Tereza são oriundos inicialmente da venda de

parcela das terras adquiridas do governo paraense. (SILVA, 2008, p. 10)

Há que se destacar que a forma escolhida pelo Governo Federal e Governo do Estado

para ocupação da Amazônia legal guarda muitas semelhanças com o instituto das sesmarias,

especialmente encargos relacionados ao cultivo das terras e sua demarcação, inclusive

cabendo a retomada das terras caso estes encargos gerais não fossem cumpridos:

Em termos mais precisos, era o seguinte o processo das vendas de terras

devolutas do Estado: inicialmente, no ato da requisição da compra das terras, o

requerente apresentava um plano de aproveitamento fundiário e tinha até dois anos

para cumprir 1/8 (um oitavo) deste plano, bem como demarcar a área pretendida.

Ainda nesta fase inicial, denominada fase instrutória, o requerente tinha também que

efetuar o pagamento para o estado do Pará, de um valor correspondente a 30% do

valor fixado em tabela para cada gleba. Em seguida, o governo paraense solicitava

uma autorização da assembléia legislativa estadual para negociar a área. Se durante a

tramitação do processo, o requerente tivesse cumprido 1/8 do plano e efetuado os

serviços de demarcação da área, bem como se a assembléia aprovasse o pedido, o

requerente recolhia no Banco do Estado do Pará, os restantes 70% do valor dos

lotes, e recebia os títulos definitivos da propriedade (ITERPA, 1981).

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Na verdade, não era difícil se comprar as terras devolutas do Estado neste

período, mas, era necessário ter algum capital. Não pelo preço das terras, que era

insignificante, porém, pelo investimento que teria que se fazer em obras de abertura

de picadas, topografia, demarcação, cartografia, despesas com impostos, taxas

cartorárias, contratação de firmas prestadoras de serviços. (SILVA, 2008, pp. 14-15)

O que se vê é a reprodução de um modelo que já se sabia fracassado, o Estado legisla

ignorando os fatos, associando a ideia de capacidade de produção com existência de capital

para investimento. Não importa para o Estado os camponeses que aqui viviam, em

suplantação a uma cultura anterior que era a indígena. A colonização é sempre marcada pelo

desrespeito aos antecedentes históricos, e a distribuição de terras é realizada garantindo a

centralização do poder político.

É a partir de 1960 que se verifica uma mudança radical na sociedade e na

economia camponesa pastoril dos campos do Pau d’Arco. A vida para a população

local continuava até o começo daquele ano, a mesma de sempre. Todavia, a maioria

das terras por onde costumavam erguer suas roças itinerantes, e, por onde pastava o

gado, criado às soltas por entre os cerrados e as matas, já havia sido requisitada e

estava por ser titulada. Os índios Caiapó-Gorotire que habitavam a mata geral,

também mal desconfiavam que seu território iria virar nome de uma sociedade

anônima que havia comprado quase todas as suas terras. Também suas reservas

estavam ameaçadas. (SILVA, 2008, pp. 15-16)

Como destacado anteriormente, o Araguaia paraense torna-se a nova fronteira do

capital, oportunizando tanto “a valorização do capital empresarial através da expansão de

atividades produtivas” como meramente pela especulação em torno do valor da terra.

(SILVA, 2008, p. 19)

Para conseguir capitalizar com a venda das terras, dentre as estratégias adotadas por

João Lanari do Val, encontra-se a de “mobilizar também agrimensores e corretores de imóveis

experientes em negócios fundiários das regiões onde tinha atuado anteriormente”, dentre os

quais o agrimensor Luiz Vargas Dumont, que detinha grande experiência na negociação de

terras devolutas no Estado de Goiás, local onde João Lanari do Val adquiriu terras antes de

adentrar na Amazônia paraense. (SILVA, 2008, p. 10)

Em 1960, para apoiar a formação da Companhia de Terras da Mata Geral abre-se no

Município de Conceição do Araguaia “um campo de pouso e decolagem para aviões de

pequeno porte nas bordas da mata geral do Xingu”, o que leva o local a ficar conhecido como

Vila Boca da Mata, pista de pouso que dez anos depois se tornará a principal avenida de

Redenção. (SILVA, 2008, pp. 10 e 11)

Na data de 11 de fevereiro de 1963, Luiz Vargas Dumont adquire mediante Título

Definitivo de n.º 87 do Estado do Pará a área contígua a pista de pouso que serve inicialmente

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à Fazenda Santa Tereza - primeira fazenda capitalista do Araguaia paraense - e onde encontra-

se um escritório da Fazenda, denominado “Lugar Escritório”.

Com a criação da Superintendência do Desenvolvimento da Amazônia - SUDAM em

1966 o campo de pouso vai tornando-se também apoio para os demais projetos por ela

aprovados e em razão disso aumenta o fluxo de mercadorias e pessoas na região. Desta feita,

em 1969 o agrimensor Luiz Vargas Dumont decide lotear parte de sua gleba próxima ao

“Lugar Escritório” em terrenos urbanos para revender aos interessados.

O processo que desencadeou a formação da zona urbana do atual município

de Redenção teve início em finais de 1969. Nesta época, Luis Vargas Dumont, o

agrimensor da Fazenda Santa Tereza, retornava da sede da fazenda e iria seguir

viagem para Goiânia. Antes de embarcar por via aérea do campo de pouso

localizado no Lugar Escritório, distante 20 quilômetros da sede de Santa Tereza, e

cuja propriedade lhe pertencia, resolveu pernoitar num canteiro de obras ali

existente. As obras eram da abertura de uma estrada que demandaria a sede da

fazenda Sangapoitã, um dos projetos agropecuários aprovados pela SUDAM, nas

margens do Rio Pau d’Arco.

Nesta noite, conversando com seu colega de profissão que comandava os

trabalhos de abertura da estrada para a fazenda Sangapoitã, com este empreitou para

que o mesmo demarcasse 30 lotes às margens da pista de pouso do Lugar Escritório,

e, se encarregasse dos serviços de corretagem caso houvesse comprador para alguns

dos lotes.

Isto feito, seguiu viagem para Goiânia na manhã seguinte. Passados trinta

dias, ao retornar para a sede da fazenda Santa Tereza, o agrimensor resolveu pousar

no Lugar Escritório para saber se seu colega da Sangapoitã havia conseguido vender

algum lote. Sua surpresa foi geral quando, antes do pequeno avião em que viajava

pousar no Lugar Escritório de sua propriedade, avistou algumas casas construídas

num dos lados da pista. Em suma, em menos de um mês, todos os trinta lotes

haviam sido vendidos e a procura aumentava vertiginosamente, ao ponto de já se

presenciar moradores não localizados à espera de novos lotes. Novos lotes foram

cortados e vendidos simultaneamente. (SILVA, 2008, pp. 20 e 21)

Em 1971 há a conclusão da rodovia que liga a cidade de Conceição do Araguaia ao

povoado de Redenção, aumentando ainda mais o afluxo populacional, oportunidade em que

na data de 21 de setembro de 1971, Luiz Vargas Dumont registra em Conceição do Araguaia

o loteamento denominado Núcleo Urbano de Redenção, conforme descrito na Transcrição

630. No ano seguinte, em 12 de fevereiro de 1972, Carlos Ribeiro torna-se sócio de Luiz

Vargas nesse empreendimento. Acerca desta sociedade, Silva (2007, p. 12) esclarece que

inclusive foi Carlos Ribeiro quem “viabilizou financeiramente a abertura da cidade”

utilizando-se para tanto de maquinas adquiridas mediante incentivos fiscais para a Fazenda

Santa Ernestina, de sua propriedade, “para abrir as primeiras ruas e avenidas de Redenção.”

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4.3 Da Elevação do Povoado à Categoria de Vila e a Emancipação

O povoado de Redenção experimenta um crescimento vertiginoso e é elevado à

categoria de Vila no ano de 1975. A cada ano transcorrido o fluxo migratório aumenta em

razão das novas atividades desenvolvidas na região, especialmente a extração de madeiras

nobres para exportação, a ponto de a população saltar de 2.344 habitantes em 1970 para

18.664 habitantes no ano de 1980, segundo dados do IBGE, um crescimento populacional

médio de 80% ao ano.

Em prefácio intitulado “A urgência da regularização fundiária” Nalini (2013, p. IX)

diagnostica que em poucas décadas o Brasil se converteu em um país essencialmente urbano

em virtude da ausência de políticas de fixação das famílias na zona rural. Tal fenômeno foi

acompanhado pela ausência de políticas públicas de moradia nos centros urbanos, de maneira

que o êxodo rural ocasionou uma ocupação desordenada das cidades, levando as famílias a

ocuparem os espaços vazios das zonas urbanas. Conclui o autor que “toda cidade possui

favelas, quase todas têm ocupação irregular em zonas de proteção ecológica, tais como áreas

de preservação permanente e glebas reservadas a mananciais”.

O diagnóstico reflete também a realidade do município de Redenção que conforme

dados do IBGE tornou-se em poucas décadas um município essencialmente urbano. Quando

da chegada de seus primeiros habitantes o município detinha praticamente 70% de sua

população residindo na zona rural, em menos de meio século esse número reduziu-se

significativamente para 7%:

Tabela 4.1: Evolução populacional de Redenção/PA

ANO

ÁREA 1970 1980 1991 2010

Urbana 767

(33%)

12.680

(68%)

44.944

(80%)

70.065

(93%)

Rural 1.577

(67%)

5.984

(33%)

11.024

(20%)

5.491

(7%)

Total 2.344

(100%)

18.664

(100%)

55.968

(100%)

75.556

(100%)

Fonte: IBGE, 2010.

Entretanto, o caso de Redenção é ainda mais emblemático, pois o problema advindo

da falta de políticas públicas de regularização fundiária urbana é antecedido por uma política

de regularização fundiária rural equivocada, que em pleno final do século XX desconsidera

posse e ocupação consolidada em detrimento da aquisição de títulos de propriedade.

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O problema da regularização fundiária urbana em Redenção é antecedido, portanto,

pela forma como se deu sua ocupação, especialmente o fato do poder público ter ignorado a

situação fundiária da região e ter promovido uma ocupação forçada por novos atores como se

a região fosse completamente despovoada.

Esta desorganização reflete desde logo na desordenação do território. Como destacado

anteriormente, grandes glebas de terra na região já tinham sido requeridas e tituladas, mas as

imediações da pista de pouso que deu origem ao povoado só vieram ser requeridas pelo

agrimensor Luiz Vargas Dumont em 1963.

Com a criação do loteamento denominado Núcleo Urbano e a expansão e crescimento

de Redenção, no ano de 1979 a pista de pouso é transferida e é construído um aeroporto em

local denominado “entroncamento” em razão de ser o ponto de encontro da PA 287 – que liga

Redenção à Conceição do Araguaia – PA 150 – que liga Redenção à Marabá e Belém – e BR

158 – que liga Redenção ao estado do Mato Grosso.

Tal qual ocorreu no caso da primeira pista de pouso, as imediações do aeroporto e do

entroncamento das rodovias que ligam Redenção ao resto do Estado e do país também não

foram requeridas, de tal forma que em 20 de maio de 1981 o Estado do Pará doa ao Município

de Conceição do Araguaia por Título Definitivo de n.º 000949 as áreas ainda não tituladas de

Redenção, totalizando o perímetro de 27.507,17m², com o escopo declarado de que a área se

destine à “Regularização da Vila de Redenção”, conforme consta no Título Definitivo de

Doação.

No ano seguinte, Redenção é emancipada de Conceição do Araguaia, na data de 13 de

maio de 1982, através da Lei nº. 5.028/82, publicada no Diário Oficial do Estado, do dia

26.03.82, assinada pelo então Governador do Estado do Pará, o Coronel Alacid da Silva

Nunes e o Título Definitivo doado ao Município de Conceição do Araguaia no ano anterior

passa então a compor a gleba patrimonial do, agora, Município de Redenção.

A década que se inicia manterá o crescimento acelerado da nova cidade, pois além da

emancipação e das atividades extrativistas de madeira, a descoberta de ouro nas imediações

fará com que o fluxo migratório se mantenha intenso e a população, que era de 18.664

habitantes em 1980 passa a ser de 55.968 em 1991, um crescimento médio de 30% ao ano.

Desta forma, Redenção nasce como cidade tendo um loteamento denominado Núcleo

Urbano e registrado desde 1971, mas também desde o princípio com ocupações espontâneas.

Como destacado, grandes áreas em torno do povoado não foram requeridas por particulares,

de maneira que permaneceram públicas, inclusive parte considerável tendo sido doada ao

Município com fins específicos para que se procedesse a regularização fundiária da área.

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Aliado a isso, o crescimento acelerado da cidade permitiu que as ocupações fossem se

consolidando sem que houvesse grandes disputas.

Ainda assim, a lógica da dinâmica da ocupação excluiu a população mais carente,

especialmente aqueles migrantes que vinham para a região buscando uma oportunidade nas

atividades extrativistas ou de garimpo, sem dispor de capital financeiro para acessar o

mercado formal, que nos anos que antecederam a emancipação do município e nos seguintes

consistia unicamente no loteamento denominado “Núcleo Urbano”.

Além disso, grande parte das regiões que circundavam o denominado “Núcleo

Urbano” e que não eram propriedade do Sr. Luiz Vargas já tinham sido demarcadas pelos

primeiros “chegantes”, no mais das vezes se constituindo de pequenas chácaras que

compreendiam núcleos familiares distintos. Aliás, o próprio “Núcleo Urbano” terá em seu

projeto de loteamento a previsão do que denomina de “chácaras lindeiras”, consistindo em

áreas maiores destinadas a serem desmembradas da matrícula originária do Núcleo Urbano e

costume da época.

A Prefeitura Municipal até hoje não possui um banco de terras, sendo que as poucas

informações existentes encontram-se dispersas na Secretaria Municipal de Obras, Transporte

e Urbanismo (SEMOB), sendo necessário para compreender o processo de ocupação da

cidade, a partir deste ponto, realizar o caminho reverso. Considerando que há I) o registro do

loteamento denominado núcleo urbano, II) a doação de uma área ao Município de Conceição

do Araguaia destinada a “Regularização da Vila Redenção”, o que nos permite afirmar que

antes mesmo da emancipação já havia se identificando um processo de ocupação espontânea

de área pública bem como a necessidade de regularizá-lo.

O que resta evidenciado é que exatamente como a terra se torna mercadoria em 1850,

com o advento da Lei de Terras, passados mais de cem anos, a natureza e a terra serão

mercantilizadas no Araguaia paraense. A intervenção pública ocorrerá nesta região para

organizar os interesses privados de concentração e acumulação de capital.

A esfera de relações sociais preexistentes serão suplantadas por uma nova regulação

do Estado consagrada segundo o ideário burguês da propriedade privada, entretanto, esta

propriedade privada estará sempre a serviço do capital e sua sanha pela dominação fundiária.

O capital consolidado do centro sul do país encontra agora uma nova fronteira para sua

expansão, consolidando rapidamente uma nova relação com a terra: não mais a de produção

de valores de uso mas a de produção do capital.

O poder político institucionalizado na figura do Governo do Estado se caracterizará

pela reprodução do modelo de concentração de terras que acarretará em um segundo momento

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na ocupação desordenada e excludente espaço urbano de Redenção, lembrando que o

Governo do Estado recebeu o requerimento de título provisório – convertido posteriormente

em definitivo – quando o povoado de Redenção já passava por um crescimento exponencial,

contando com inúmeros moradores.

Tal qual o processo de ocupação espontânea de terras públicas rurais – seja no regime

das sesmarias, no regime de posses, no da Lei de Terras ou mais recentemente com as frentes

pioneiras – tradicionalmente é realizada pelos detentores do capital e dificulta o acesso à terra

ao invés de ampliá-lo, também a ocupação das terras públicas de Redenção é realizada por

quem tem grande poderio econômico.

A falta de regulamentação do Poder Público e o apossamento, portanto, via de regra,

produzem espaços segregacionistas, que criam ou reforçam estruturas de poder. Isso é

altamente perceptível na ocupação do espaço urbano de Redenção.

Exatamente da mesma forma que estas estruturas de poder garantem que o pequeno

produtor rural só consiga o apossamento de terras nos limites das áreas ocupadas, como

demonstra Faoro (2001) em relação ao Brasil imperial e Treccani (2001) em relação a

ocupação recente do Estado do Pará, esta população será novamente excluída quando migra

para os núcleos urbanos.

Necessário agora descrever o que ocorreu com a área remanescente e objeto de doação

pelo Governo do Estado ao Município, com fins específicos para que se procedesse a

Regularização Fundiária, conforme consta no Título Definitivo de n.º 000949.

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5 A REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA URBANA DE REDENÇÃO SEGUNDO A

LEI MUNICIPAL 11/83

Ante este cenário, o Poder Público cria um problema com o qual ele mesmo terá que

lidar: a regularização fundiária – inclusive dominial – de terras que outrora foram suas.

Tão logo o município é emancipado cuida-se de organizar a estrutura administrativa da

nova Prefeitura Municipal, o que é feito através da Lei Municipal 06 de 05 de maio de 1983.

Referida lei criará em seu artigo 1º, inciso VI a constituição do Serviço de Obras, Urbanismo

e Terras Patrimoniais. Posteriormente, o artigo 7º, inciso III da mesma lei atribui a esta

Secretaria a responsabilidade pela “administração das terras patrimoniais do Município”.

Sequencialmente surge a Lei Municipal 08/1983 que “estabelece o lote padrão do

Patrimônio Municipal”, indicando aqui não apenas aqueles bens imóveis que compunham o

patrimônio municipal, mas todo e qualquer imóvel situado na circunscrição do Município.

Para tanto, dispõe em seu artigo 1º que “o lote padrão na Zona Urbana do Município” terá

15,00 metros de testada e 30,00 metros de comprimento. No artigo 2º estabelece que “o lote

padrão na zona rural do Município será de 24 (vinte e quatro hectares)” e no artigo 3º

estabelece que a Lei entrará em vigor quando da publicação.

Desta feita, a Lei passa integrar o ordenamento como se viesse a regular situação apta

a planejamento e de área completamente desocupada, sendo, mesmo para tanto, um tanto

quanto sucinta, deixando de dispor sobre questões básicas como o chanfro para lotes de

esquina. Entretanto, o que mais a distancia da realidade é o fato de não dispor absolutamente

nada sobre as situações já consolidadas: os lotes anteriores a ela e com metragem diferente,

serão anistiados? Terão que se adequar? Haverá compensação para tanto? A lei silencia

completamente.

Ainda no ano de 1983, na data de 13 de outubro, vem a luz a Lei Municipal 11/83 que

“Disciplina a alienação das terras patrimoniais do Município de Redenção, dispõe sobre a

cobrança da Receita Imobiliária e dá outras providências”. Será a primeira lei geral capaz de

atender ao objetivo de Regularização da gleba patrimonial objeto do Título Definitivo de n.º

000949. Antes dela, duas outras Leis haviam cuidado de alienações com fins específicos e

determinados. A Lei 09/83 autorizou o Poder Executivo a doar área de terra destinada a

construção de supermercado da Companhia Brasileira de Alimentos – COBAL. Curiosamente

o artigo 2º da Lei 09/83 afirma que “do título de doação deverá constar cláusula de reversão

do imóvel doado, de acordo com o que preceitua a Lei de Terras do Município”, sem,

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contudo, que exista referida Lei. Além dela, a Lei 10/83 autorizou o Poder Executivo a doar

área de terra para a Polícia Militar do Estado do Pará e igualmente faz referência – em seu

artigo 3º - à inexistente Lei de Terras municipal.

Enfim, será a Lei 11/83 a primeira a dispor sobre a alienação de terras de maneira

geral e não com fins para doação específica, será também a lei utilizada pelos próximos 20

anos, até 2013, quando o Município criou sua primeira Lei Municipal voltada especificamente

para a regularização fundiária, como veremos logo adiante.

5.1 Instrumentos para Regularização Dominial Segundo a Lei Municipal 11/83

Logo em seu Titulo I, Capítulo Único, o artigo 1º da Lei Municipal 11/83 dispunha

que “as terras do patrimônio do Município de Redenção, poderão ser alienadas através de

doação onerosa, venda, aforamento, permuta e concessão do direito real de uso.”

O que se percebe logo de início é que a regularização fundiária tratava-se de mera

titulação dominial. Discorre-se a seguir sobre cada um dos instrumentos desta lei bem como

suas peculiaridades.

5.1.1 Doação Onerosa

A doação onerosa, disposta no capítulo I do Título II, determinava que as terras do

patrimônio municipal só poderiam ser doadas a entidades federais, estaduais, municipais ou

particulares, desde que reconhecidas como de utilidade pública. (Art. 3º)

A doação onerosa dependia ainda de autorização legislativa e avaliação (Art. 5º) e os

terrenos ficariam gravados com título de inalienabilidade, salvo se a doadora entendesse que a

alienação não implicava em continuidade de fins e objetivos que justificaram a doação ou se

tratar de entidade pública federal, estadual ou municipal. (Art. 6º)

Deveria constar no título as condições sob as quais foi concedida a doação e a cláusula

de reversão do imóvel ao patrimônio Municipal, caso não se iniciasse a construção de

edificação ou instalação no prazo de 180 e oitenta dias a contar da assinatura do título

definitivo ou em caso de desvirtuamento de seu uso. (Art. 7º c/c Art. 56)

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5.1.2 Venda

A venda, disposta no Capítulo II do Título II, só se dava mediante licitação pública

nos termos de lei federal, autorização legislativa específica e valores estipulados na própria

Lei 11/83. (Art. 8º)

A forma da licitação deveria ser a concorrência pública (Art. 8º, §1º) e ficava

dispensada a licitação em caso de venda de lotes com dimensões menores ou iguais a do lote

padrão, no caso 450m². (Art. 8º, §2º c/c Lei Municipal 08/83)

A alienação se fazia para a maior oferta acima do preço básico determinado pela Lei

Municipal 11/83, a não ser que houvesse justificação escrita pela autoridade competente

motivando a escolha de proposta que não a de maior preço. (Art. 9º)

Havendo empate nas propostas, tinha preferência o proponente que provasse posse

atual mediante benfeitorias realizadas de boa fé e verificadas in loco por servidores

municipais (Art. 10, I), ou ainda, o “casado em relação ao solteiro, ou viúvo que não seja

arrimo de família; o que tiver maior número de dependentes; se tiverem o mesmo número de

dependentes, o mais velho.” (Art. 10, II)

Da mesma forma que na doação onerosa, devia constar no título definitivo as

condições sob as quais foi realizada a venda e cláusula de reversão do imóvel ao patrimônio

Municipal, caso não se iniciasse a construção de edificação ou instalação no prazo de 180 e

oitenta dias a contar da assinatura do título definitivo ou em caso de desvirtuamento de seu

uso. (Art. 14 c/c Art. 56)

5.1.3 Aforamento

Com previsão no capítulo III do Título II, admitia-se a concessão sob regime de

aforamento desde que presente prévia autorização da Câmara Municipal, dispensada esta para

lotes menores ou igual ao lote padrão do município. (Art. 15 c/c Lei Municipal 08/83)

Caso dois ou mais interessados pleiteassem o aforamento de mesmo terreno (Art. 18),

dar-se-ia prioridade ao que: I) provar ocupação atual mediante benfeitorias realizadas de boa

fé, sem qualquer protesto ou contestação e comprovadas in loco por servidores municipais, II)

provar ocupação mais antiga mediante documentos idôneos e/ou prova testemunhal, III)

houver requerido primeiro.

Tal qual no caso de doação onerosa e da venda, também no aforamento o lote aforado

retornaria ao patrimônio municipal caso não se iniciasse a construção de edificação ou

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instalação no prazo de 180 e oitenta dias a contar da assinatura do título definitivo ou em caso

de desvirtuamento de seu uso. (Art. 17 c/c Art. 56)

5.1.4 Permuta

Conforme disposto no Capítulo IV do Título II, o município poderia permutar áreas de

seu patrimônio por áreas particulares (Art. 21), desde que houvesse prévia autorização

legislativa (Art. 22). As áreas deveriam ter valores equivalentes, ainda que medidas desiguais

(Art. 23).

5.1.5 Concessão de Direito Real de Uso

A Concessão de Direito Real de Uso, com previsão no Capítulo V do Título II, só

existia na modalidade remunerada, necessitando de lei autorizando a concorrência (Art. 26).

Além disso, seria concedida com fins específicos de urbanização, industrialização, edificação

ou utilização de interesse social segundo estabelecido em lei federal. (Art. 27)

O lote dado em concessão poderia ser alienado por ato inter-vivos ou mediante

sucessão, legítima ou testamentária (Art. 28), sempre registrada em livro próprio no Cartório

de Registro de Imóveis (Art. 30).

Finalmente, tal qual os institutos anteriores, o terreno reverteria novamente ao

patrimônio público municipal caso não se iniciasse a construção de edificação ou instalação

no prazo de 180 e oitenta dias a contar da assinatura do título definitivo ou em caso de

desvirtuamento de seu uso. (Art. 19, Art. 32 c/c Art. 56)

5.1.6 Outras disposições

A Lei em comento dispunha que a Prefeitura Municipal deveria reservar áreas de

acordo com o Plano Diretor do Município destinadas a construção de edifícios públicos,

praças, parques, bosques, hortos ou casas populares (Art. 33).

Dispunha ainda que a Zona Urbana seria dividida em setores diversos, atribuindo-se

valor aos lotes em função do desenvolvimento habitacional e melhorias em cada setor (Art.

38) para realizar então a divisão da cidade em três setores (Art. 39) e estipular os valores para

cada um deles, segundo o instrumento de alienação, venda (Art. 41), aforamento (Art. 43),

concessão (Art. 47) e permuta (Art. 48).

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Conforme já antecipado pela Lei Municipal 06/83, a Lei 11/83 determina que o órgão

competente para a alienação de terras públicas seria o Serviço de Obras, Urbanismo e Terras

Patrimoniais, a quem cabe a reorganização do Cadastro Imobiliário (Art. 53), verificando a

legalidade dos títulos emitidos anteriormente à Lei (Art. 53, I), a regularização das posses

existentes (Art. 53, II) e o cancelamento de títulos nulos (Art. 53, III).

A Lei 11/83 vai preencher relevante lacuna deixada pela Lei 08/83, determinando que

os lotes com medidas inferiores ao mínimo estabelecido por esta última poderão ser alienados

para convalidar situações de fato ou jurídica anteriores a vigência da Lei Municipal 11/83.

Finalmente, o artigo 58 da Lei 11/83 traz uma aparente restrição a alienação de mais

de um lote para pessoas já beneficiadas por terreno do patrimônio municipal, entretanto, deixa

uma grande margem de discricionariedade ao administrador ao permitir a alienação para

beneficiário anterior quando ocorrer “a conveniência habitacional em áreas a serem

urbanizadas”; além disso, fica autorizado também a alienação de mais de um terreno ao

mesmo beneficiário sempre que os imóveis tiverem usos distintos.

5.1.7 A Lei Municipal 11/83 e a Regularização Fundiária

A Lei Municipal 11/83 trouxe um dispositivo especificamente para atender o disposto

no Título Definitivo de n.º 000949 e que motivou a doação da Gleba Patrimonial, qual seja

realizar a regularização fundiária da área. Assim dispõe o artigo 63:

Art. 63 – Fica o Poder Executivo autorizado a proceder a regularização de

lotes nos quais existam ocupações anteriores a vigência desta lei, desde que feita

com base nos preços aqui dispostos.

É de se reconhecer que a regularização fundiária é um processo lento, oneroso, que

exige grande mobilização do poder público e sociedade civil, de tal forma que ainda hoje

trata-se de tema extremamente inovador e que demanda grandes esforços do Governo Federal

para que tenha algum êxito.

Nestas circunstâncias, é possível concluir que para uma cidade com apenas um ano de

emancipação, a lei estudada foi bastante inovadora, reconheceu em partes a dimensão do

problema e buscou solucionar as dificuldades da vila que se transformou em cidade sem

planejamento e um processo de urbanização que incorporasse os migrantes ao rápido processo

de crescimento urbano e econômico.

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Faz-se necessário avaliar como a Administração Pública utilizou os instrumentos

disponibilizados pela Lei 11/83, a eficácia da própria enquanto esteve em vigor e a resposta

da sociedade à burocracia necessária em um processo de regularização fundiária,

principalmente em relação à população de baixa renda, tradicionalmente excluída dos

programas de políticas públicas, pelo que realizou-se um estudo de caso a respeito dos

processos de regularização fundiária sob a égide da Lei Municipal 11/83.

5.2 Estudo de Caso da Regularização Fundiária no Município de Redenção sob a

égide da Lei Municipal 11/83

Apesar da disposição legislativa, não há na Secretaria Municipal de Obras, Transporte

e Urbanismo – antigo Serviço de Obras, Urbanismo e Terras Patrimoniais – nenhuma

organização precisa relacionada ao patrimônio público municipal, especialmente referente à

gleba patrimonial constituída a partir do Título Definitivo de n.º 000949 e doado com o fim

específico de que fosse promovida a regularização fundiária, bem como da previsão legal de

que caberia a este órgão a “reorganização do Cadastro Imobiliário” (Art. 53 da Lei Municipal

11/83).

O que há no local são algumas dezenas de armários onde se encontram milhares de

processos individuais de alienação das terras patrimoniais. Todavia, não existe qualquer

sistematização das informações, relatórios gerais ou mesmo dados informatizados, de maneira

que a informação que a Prefeitura dispõe é meramente o perímetro da área que compõe a

gleba patrimonial. Não há sequer a planta geral do município representando com

fidedignidade a sua real ocupação, com a perfeita compreensão de lotes e quadras,

confrontantes e vias de circulação.

Além disso, a prefeitura possui uma série de livros do tipo “Livro Ata” onde são

inscritos manualmente pelos servidores informações acerca dos títulos emitidos. O

procedimento é o seguinte: abre-se um livro para cada bairro da cidade que está dentro do

perímetro da Gleba Patrimonial; cada página tem em seu cabeçalho o indicativo do número da

quadra a que se refere; cada linha daquela página a inscrição de um lote; a frente do número

do lote, se este já tiver sido alienado consta o nome do beneficiário, a data da emissão do

título, o número do processo e o número do título. Estes livros são o mais próximo que se

chegou ao Cadastro Imobiliário descrito na Lei Municipal 11/83.

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A regularização fundiária na vigência da Lei Municipal 11/83 só era possível em

terrenos compreendidos no perímetro da gleba patrimonial. Mesmo com o advento do

Estatuto da Cidade e da Lei Federal 11.977/09 o Município de Redenção se absteve de

desenvolver qualquer política pública em áreas particulares ou públicas que não

compreendidas na gleba patrimonial municipal. Aliás, mesmo a regularização de terrenos

compreendidos em sua gleba, reitera-se, era realizado de maneira individual, sem um plano ou

política pública de regularização fundiária coletiva.

Sob a égide da Lei Municipal 11/83 a regularização de imóveis compreendidos na

gleba patrimonial se dava em linhas gerais da seguinte forma:

I) O interessado comparecia ao Serviço de Obras, Urbanismo e Terras Patrimoniais –

posteriormente transformada em Secretaria Municipal de Obras, Transporte e Urbanismo – e

preenchia um requerimento onde pleiteava a alienação de determinado imóvel;

II) Um Servidor Público Municipal do órgão realizava uma vistoria ao terreno objeto

do pleito de regularização na tentativa de identificar quadra e lote;

III) Retornando ao órgão, o servidor público municipal realizava uma consulta aos

livros, do tipo ata, onde ficam inscritos a relação de títulos emitidos, caso houvesse a

indicação de emissão anterior de título definitivo, o processo era encerrado; caso ainda não

constasse no livro a emissão de nenhum título, dava-se início aos demais procedimentos, que

sofriam algumas variações segundo cada gestão, das quais trataremos logo adiante;

IV) Concluído os procedimentos, realizava-se a emissão do título e inscrevia-se no

respectivo livro.

Para realizar o estudo de caso, como não há no Órgão Público uma organização

cronológica de processos, em uma busca nos arquivos escolheu-se aleatoriamente quinze

processos de diferentes bairros e diferentes anos, com o intuito de compreender como cada

gestão buscou dar efetividade à Lei Municipal 11/83.

A Lei Municipal 11/83 foi um tanto concisa acerca da regularização fundiária das

ocupações anteriores a sua edição, trazendo como única exigência que se realizasse tomando

por base os preços nela dispostos, além, é claro, de que se tratasse de ocupação anterior a sua

vigência, sem trazer, todavia, prazo mínimo de ocupação.

Além disso, a lei não determina quais seriam os documentos aptos a provar a

ocupação, dando uma grande discricionariedade tanto à Administração Pública de realizar a

avaliação quanto ao ocupante de pleitear seu direito.

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Uma descrição mais detalhada de cada processo, com as informações acerca dos

documentos que o acompanham e peculiaridades encontra-se no Apêndice I, além de uma

tabela com a sistematização dos dados constante no Apêndice II.

Após o estudo de caso realizado, é possível afirmar que nenhum dos processos

analisados buscou demonstrar esta ocupação anterior a vigência da Lei, o que implica em

grave infringência à Lei, já que a alienação de terras públicas necessitaria de autorização

legislativa, estando previamente autorizado o gestor a realizar a alienação apenas nos casos

em que o terreno público já estivesse ocupado quando da edição da Lei Municipal 11/83.

Além disso, grande parte dos processos instruídos não contam com cópia de qualquer

documento pessoal do Requerente, apenas sua assinatura no Requerimento, o que poderia

permitir um alto índice de fraudes. Dos quinze processos analisados, apenas quatro eram

acompanhados de algum documento pessoal do Requerente.

Igualmente, mais da metade dos processos avaliados não possuem um croqui, e os que

possuem ainda assim são levantamentos topográficos bem precários e individuais, não

permitindo um planejamento urbano e uma análise do espaço geográfico. A existência da lei e

sua inobservância neste caso não contribuem em nada para transformar e planejar a produção

do espaço urbano.

Cabe ressaltar ainda que da edição da Lei Municipal 11/83 até a edição da Lei

Complementar Municipal 66/2013 houve alterações extremamente significativas no

ordenamento jurídico, especialmente a nova Assembleia Nacional Constituinte, que deu

origem a uma nova ordem constitucional democrática através da Constituição Federal de

1988; a Lei Orgânica Municipal, verdadeira Constituição do Município; a edição de nova lei

de Licitações, Lei Federal 8.666/93; a edição do Estatuto da Cidade, Lei Federal 10.257/2001,

com previsão da obrigatoriedade da criação do Plano Diretor para municípios do porte de

Redenção, com uma série de exigências específicas além de inovações no que concerne à

regularização fundiária e a própria Lei Federal 11.977/2009, maior inovação legislativa no

tema regularização fundiária. Porém, em Redenção, o processo de regularização fundiária

continuou se dando sob a tutela da Lei Municipal 11/83 como se o ordenamento jurídico não

tivesse sofrido alteração alguma.

Apesar de ficar dispensada a licitação em imóveis com dimensões menores ou iguais

ao lote padrão (Art. 8º), alguns processos que atendiam este requisito possuíam edital de

licitação, ainda que não tenha maiores dados que demonstrem que esta licitação de fato

ocorreu e não se tratou de mera formalidade. Demonstrando que o servidor público estava

muito mais atento ao costume do que a lei.

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A maior parte dos processos analisados (73%) contam com comprovante de

pagamento da alienação nos autos, entretanto, a grande maioria (86%) dos processos não

possuem cópia dos títulos emitidos, o que impossibilita um controle da Administração Pública

sobre o disposto no Art. 56 da Lei Municipal 11/83, que cuida da reversibilidade do terreno ao

patrimônio público caso descumprida cláusulas da alienação.

Finalmente, quase a totalidade dos processos, treze dos quinze processos analisados,

possuem um documento denominado “Autorização” onde um particular autoriza o Poder

Público a titular em nome de terceiro imóvel que é de propriedade do próprio Poder Público.

Não há maiores esclarecimentos acerca do que seria essa autorização, nem a qualificação e

relação do autorizador com o Poder Público. Há apenas um local para o emitente da

autorização assinar, muitas vezes este local possui abaixo a indicação de que o autorizador

seria também “proprietário” da área e por vezes existia apenas uma rubrica, impossibilitando

a identificação do emitente da aludida autorização.

Ante a inexistência de maiores informações, contatou-se a Secretaria Municipal de

Obras, Transporte e Urbanismo (SEMOB) da Prefeitura Municipal de Redenção para que

esclarecesse de que cuida o referido documento. Assim, uma servidora do setor informou que

até o advento da Lei Complementar Municipal 66/2013, e a consequente alteração nos

procedimentos de regularização fundiária, se fazia necessário que fosse emitida autorização

pela pessoa responsável pelo loteamento. Esta pessoa responsável seria uma espécie de

loteador. Com a condição de não ser identificada, a servidora pública prestou o seguinte

depoimento:

Podia ser porque ela chegou aqui no início da fundação de Redenção e tinha

uma chácara e o loteamento foi realizado na chácara dele, ou porque foi ele que

abriu o loteamento, as ruas. Na época a Prefeitura não tinha patrol e máquinas para

fazer isso, então, quem tinha, se candidatava, falava com o Prefeito, com o

Secretário, ele disponibilizava uma área e abria. Quase sempre metade ficava para a

Prefeitura, que doava os lotes, e metade para quem abriu. As vezes a pessoa tinha

uma amizade maior e ficava com um pouco mais, mas era difícil, normalmente era

só metade mesmo, porque o prefeito tinha que fazer a política dele também e quanto

mais lotes para doar melhor.

Questionada acerca dos procedimentos para escolha, respondeu:

Não tinha escolha, nada disso não. A pessoa pedia e ganhava. Lote naquela

época não valia nada, pode olhar aí nos valores dos títulos. Tinha muita terra, a briga

maior era para ficar perto da Araguaia (Avenida Principal). Mas muitas vezes

também nem pedia, quando era época do ouro e chegava muita gente, abria a rua de

noite e de dia já estava tudo cheio, gente cercando, levantando barraco. Capuava,

Santos Dumont, teve vezes do dono do loteamento fazer um planejamento, indicar

quais terrenos que iria ficar e quais que iria dar para a Prefeitura e depois ter que vir

aqui falar com o prefeito que ia ter que ser diferente porque já tinham invadido tudo.

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Procurado um dos responsáveis por esta espécie de loteamento ele deu outra visão:

Tinha que ter uma proximidade com o Prefeito, porque a gente abria as

ruas, passava a patrol, mas dependia da prefeitura para ter algum valor. Você vê o

Jardim Ariane, pertinho da Araguaia e não vale nada até hoje. A prefeitura não fez

nada lá, não abriu escola, não tinha hospital, posto de saúde, comércio, nada. Agora

o Capuava, lá no fundão, o Capuava III, desde aquela época vale mais do que muito

bairro, porque o prefeito foi colocando hospital para lá, escola grande. Não tem

ônibus aqui, como a pessoa vai morar longe de onde o filho estuda?

Eu podia ter aberto em qualquer lugar aí, mas eu escolhi abrir onde abri

porque ficou entre o loteamento do Luiz Vargas (Núcleo Urbano) e a Avenida

Araguaia. Se você olhar no mapa, o meu era para ser um dos mais valorizados. Mas

aí veio isso. O que os prefeitos colocaram ali? Nada! Uma escola, mas perto da

Araguaia também. Lá no fundo até hoje tem terreno vazio. Me enojei da política

também e ficou sem calçamento, sem nada. Aí não valorizou.

O que se percebe assim é uma relação intrínseca entre o loteador clandestino, em áreas

públicas mesmo, e o Poder Público Municipal. Este dependia daquele em razão de, em tese,

não possuir condições financeiras nem equipamentos para arcar com o processo de

urbanização, arruamento, etc., mas aquele dependia do Poder Público para que tivesse sua

área valorizada. A forma aleatória como as pessoas eram agraciadas e se tornavam

“loteadoras” informais, sendo contempladas com áreas públicas, também fere gravemente

princípios basilares do Direito, especialmente legalidade e impessoalidade.

Questionada acerca dessa situação a servidora pública do departamento de obras

respondeu:

Ah, eu não lembro disso não! Também eu comecei a trabalhar aqui no final

da gestão do Arcelide (Arcelide Veronese, primeiro prefeito de Redenção, 1983-

1988), eu era menininha, ficava só atendendo ali na frente, buscando uma

correspondência ou outra. Mas naquela época não tinha disso não. Não tinha nem

delegacia em Redenção, matava alguém tinha que ir lá em Marabá atrás de delegado.

Só ia quando era alguém importante, se não enterrava e ficava por isso mesmo.

Imagina que alguém ia se preocupar com terreno. Outra, ninguém imaginava que

Redenção ia dar isso tudo não. Ninguém pensava vir para cá para morar. Todo

mundo vinha sonhando em ficar rico e ir embora. Então, ninguém ligava para lote,

essas coisas. Se contasse que dali 20 anos ia abrir o Buriti (Loteamento aberto já na

primeira década do Séc. XXI) e lote ia ser vendido a preço de carro iam achar que

você tava delirando.

Tentando identificar a assinatura de uma das autorizações chegou-se a sobrinha de

outro destes loteadores, que relatou:

Foi o meu tio quem abriu esse loteamento. Na época só a empresa dele e do

meu pai que tinha patrola. Me lembro de ir com ele na patrola abrindo o local, as

árvores caindo. Comíamos o palmito in natura, muito bacana, lembranças

maravilhosas de minha infância. Como só a empresa dele e do meu pai tinham

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máquinas, ele abriu as ruas para alguém, não lembro quem, e ganhou essa área como

pagamento. Aí loteou também.

O que se percebe desta forma é que uma grande informalidade marcou o processo

inicial de urbanização de Redenção. A falta de documentos torna extremamente difícil

compreender a produção do espaço urbano e a ocupação do espaço pelas diversas classes

sociais. A partir de alguns depoimentos de agentes que contribuíram para esta organização

espacial notam-se indícios de que as diferenças econômicas foram sendo reproduzidas na

construção do espaço urbano e a relação que o loteador tinha com o poder público foi fator

preponderante para a realização posterior de obras de infraestrutura, tornando a área mais ou

menos densa e mais ou menos valorizada financeiramente.

Todavia, se o baixo valor agregado à terra quando do início da ocupação de Redenção

e sua emancipação, aliado a ausência do Poder Público estadual e federal e suas instituições

na cidade explicam a informalidade inicial da forma como a cidade foi loteada e ocupada,

causa estranheza o fato de como este costume se reproduziu. Chega mesmo a ser inexplicável

como mesmo ante a presença de instituições como o Poder Judiciário e o Ministério Público

Estadual, além das sucessivas alterações na legislação estadual e federal, manteve-se essa

lógica do Poder Público Municipal conceder Título Definitivo apenas mediante estas

autorizações de particulares.

Até o ano de 2012, imediatamente anterior a Lei Municipal 66/2013 que altera o

processo de regularização fundiária urbana no Município de Redenção, os processos de

regularização fundiária foram acompanhados de tais autorizações, ainda que, obviamente,

nenhum dispositivo legal cite e muito menos fundamente tais procedimentos.

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6 O ADVENTO DA LEI COMPLEMENTAR MUNICIPAL 66/2013 E A NOVA

POLÍTICA MUNICIPAL DE REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA

Como se viu, a regularização fundiária em Redenção sob a tutela da Lei Municipal

11/83 era mera regularização dominial, não havendo qualquer perspectiva sobre um processo

que viesse a implementar melhorias urbanísticas, de infraestrutura e serviço público.

Além disso, era realizada isolada e individualmente, segundo o requerimento do

interessado, que deveria saber de antemão da possibilidade de regularização, além de ser

possível apenas em áreas da gleba patrimonial, compreendida pelo Título Definitivo de n.º

000949.

Da mesma forma, os instrumentos por ela disponibilizados estavam extremamente

defasados, ignorando o advento de importantes diplomas legislativos, desde a Constituição

Federal de 1988, que cria uma nova ordem constitucional democrática, até a Lei 11.977/2009

que amplia a dimensão e possibilidades de regularização fundiária.

Com base nisso e sob intensa pressão da sociedade civil, o Poder Executivo encaminha

para a Câmara Municipal o Projeto de Lei que dá origem ao “Plano Municipal de

regularização fundiária, Ocupação e Uso da Propriedade Urbana do Município de Redenção”,

publicado em 28 de junho de 2013, como Lei Complementar Municipal 66/2013.

6.1 Principais Disposições da Lei Complementar Municipal 66/2013

A Lei Complementar Municipal 66/2013 é um grande avanço legislativo desde logo

porque demonstra que o Município concebe seu papel como principal ente federado apto a

promover a regularização fundiária e a importância desta não apenas para assegurar o direito à

moradia da população de baixa renda mas para integrar os diversos parcelamentos de solo

existentes na cidade, criando um planejamento urbano onde os bairros e pessoas possam

coexistir. Diz a ementa da Lei:

Cria o Plano Municipal de Regularização Fundiária, Ocupação e Uso da

Propriedade Urbana do Município de Redenção, para fins de Regularização

Fundiária de Interesse Social ou Regularização Fundiária de Interesse Específico e

uso da propriedade urbana em consonância com sua função social.

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Há que se analisar agora se a Lei 66/2013 foi capaz de dar uma resposta a tradição de

loteamentos informais e no mais das vezes ilegais advindos do processo de urbanização

intensivo e explosivo que foi submetida a cidade de Redenção.

O Plano Municipal de Regularização Fundiária fará uma distinção entre os objetivos

(Art. 2º), princípios (Art. 3º) e diretrizes (Art. 5º). Em uma análise conjunta dos objetivos,

princípios e diretrizes podemos observar que a Lei Complementar Municipal 66/2013, terá

como fundamentos:

I) a já consagrada função social da propriedade, tratada aqui expressamente

tanto nos objetivos (Art. 2º, III), quanto nos princípios (Art. 4º, I), mas além disso,

implicitamente em diversas passagens, como quando por exemplo afirma a

preponderância do direito de moradia sobre o direito de propriedade (Art. 4º, II), ou

quando preocupa-se em “promover a titulação das áreas ocupadas por pessoas de baixa

renda” (Art. 5º, II) e a “fixação de raízes na comunidade e melhor ocupação do espaço

urbano” (Art. 5º, III) ou “inibir a especulação imobiliária em relação às áreas urbanas,

evitando o processo de expulsão dos moradores” (Art. 5º IV);

II) a atribuição de direitos reais seguros e transacionáveis, assim disposto

expressamente nos objetivos (Art. 2º, II e IV), princípios (Art. 4º, VI) e diretrizes (Art.

5º, XI);

III) o desenvolvimento de uma regularização fundiária sustentável, ainda que

não dita expressamente, resta claro quando traz como objetivo, por exemplo, que o

princípio da função social da propriedade seja aliado “ao equilíbrio ambiental, ao

projeto urbanístico municipal, à implantação de políticas públicas de ocupação do

espaço urbano” (Art. 2º, III), ou quando traz como princípios o “controle efetivo da

utilização do solo urbano” (Art. 4º, III) e a “preservação do meio ambiente natural e

construído” (Art. 4º, IV), ou quando coloca como uma de suas diretrizes “articular os

setores de habitação, saneamento ambiental e mobilidade urbana, nos diferentes níveis

de governo” (Art. 5º, V);

IV) o planejamento urbano, expressos nos objetivos quando demonstra

preocupação com o “projeto urbanístico municipal” e “implantação de políticas

públicas de ocupação do espaço urbano” (Art. 2º, III), trazidos também nos princípios,

quando afirma dentre eles “o controle efetivo da utilização do solo urbano” (Art. 4º,

III) e a “a implementação de políticas públicas de ocupação do espaço urbano” (Art.

4º, V), e presente também em algumas diretrizes, como a mobilidade urbana (Art. 5º,

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V), a “fiscalização para evitar novas ocupações irregulares na área urbana” (Art. 5º,

VI);

V) a democratização da cidade, presente especialmente em determinadas

diretrizes, como quando afirma “a titulação das áreas ocupadas de longa data,

incentivando o assentamento da população no município de Redenção, além da

fixação de raízes na comunidade e melhor ocupação do espaço urbano” (Art. 5º, III),

estimular parcerias entre os setores público e privado para o desenvolvimento

socioeconômico, geração de emprego e renda (Art. 5º, IV), “inibir a especulação

imobiliária em relação às áreas urbanas, evitando o processo de expulsão dos

moradores” (Art. 5º, VII), “incentivar a participação comunitária no processo de

urbanização e regularização fundiária” (Art. 5º, VIII) e “respeitar a tipicidade e

características das áreas quando das intervenções tendentes à urbanização e

regularização fundiária” (Art. 5º, IX).

Considerando o exposto, vamos buscar realizar a análise da Lei sob o prisma destes

fundamentos, para ao cabo identificar se de fato foram perseguidos para a implementação do

Plano Municipal de Regularização Fundiária e se foram dadas condições para que eles fossem

alcançados ou se foi mera técnica legislativa.

A partir da Lei Complementar Municipal 66/2013, conforme disposto no Art. 6º, a

responsabilidade pelos processos de regularização fundiária deixa de ser da Secretaria

Municipal de Obras, Transporte e Urbanismos (SEMOB) e passa a ser do Instituto de

Pesquisa, Planejamento Urbano e Desenvolvimento Sustentável do Município de Redenção

(IPPUR), órgão municipal de natureza autárquica, com personalidade jurídica, autonomia

administrativa, financeira e patrimônio próprio, criado pela Lei Complementar 059/2011.

Ainda, os projetos de regularização fundiária poderão ser propostos por (Art. 6º) I –

organizações sociais e organizações da sociedade civil de interesse público, com titulação

cedida pelo Governo Municipal; II – entidades civis constituídas com a finalidade de

promover atividades ligadas ao desenvolvimento urbano ou à regularização fundiária; III – as

cooperativas habitacionais e associações de moradores; IV – os seus beneficiários,

coletivamente; V – o setor privado, no âmbito das estratégias definidas pela legislação

urbanística municipal; VI – o responsável pela implantação do assentamento informal.

Além disso, a ordem de tramitação dos processos dentro do órgão tramitarão com

prioridade segundo o ente proponente em detrimento da data do protocolo, assim, um

processo protocolado por uma OSCIP teria prioridade em um processo protocolado pelo setor

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privado, o que pode ser uma opção interessante, mas deveriam os beneficiários quando

propusessem o projeto coletivamente gozar de melhor status na prioridade de tramitação.

Ficou a cargo do órgão também indicar “as Áreas de Interesse Social (AIS), Áreas de

Interesse Específico (AIE) e Áreas em Processo de Ocupação (APO).” (Art. 6º, Parágrafo

Quarto).

Manteve-se a ideia da Lei Municipal 11/83 de que ficaria o executivo dispensado de

autorização legislativa para realizar a alienação de áreas ocupadas quando da promulgação da

lei, mas ampliou-se o instituto permitindo expressamente inclusive que o mesmo realize a

desafetação, caso a área já tivesse destinação legal certa (Art. 7º).

Inicialmente, seria competência do IPPUR a criação de um Banco Imobiliário do

Município, onde deveria constar, dentre outros dados, I – a localização e a área; II – a

respectiva matrícula no registro de imóveis competente; III – o tipo de uso; IV – a indicação

da pessoa física ou jurídica à qual, por qualquer instrumento, o imóvel tenha sido destinado;

V – o valor atualizado, se disponível; VI – os dados fiscais constantes no banco de dados da

Fazenda Pública (Art. 11).

Este Banco Imobiliário trata-se assim de uma base de dados muito mais ampla e

completa do que o Cadastro Imobiliário de que dispunha a Lei Municipal 11/83, todavia,

quando da remoção do Banco de Dados da SEMOB houve indisposição entre os órgãos e

promoveu-se alteração legislativa indicando a permanência do Banco de Dados na SEMOB, o

que causa uma certa estranheza.

Sobrepesa o fato que desde a edição da Lei até a presente data não houve a

implantação do Banco Imobiliário, não tendo o Poder Público Municipal, como já afirmado,

dados precisos acerca da ocupação da gleba patrimonial e do espaço urbano do Município. O

mais próximo que se chega a isso é o cadastro do Departamento de Tributos que é, entretanto,

auto declaratório, não contendo o registro de dezenas de imóveis.

A declaração da espécie da Área, tendo sua divisão tripartite indicada já no Art. 2º,

inciso I, entre Áreas de Interesse Social (AIS), Áreas em Processo de Ocupação (APO) ou

Áreas de Interesse Específico (AIE), “tem como finalidade principal indicar quais são os

instrumentos preferenciais para a atribuição do título de direitos reais aos seus ocupantes”,

segundo o disposto no Art. 13. Ainda, esta classificação tomaria por base a ocupação

preponderante, “entretanto, não fica impedido que o ocupante de determinada parcela do

território urbano que não atenda os requisitos para enquadrar-se na área declarada pelo poder

público busque a regularização fundiária através de instrumento diverso constante nesta

mesma lei”, ainda segundo o caput do Art. 13.

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Segundo esta divisão “as Áreas de Interesse Social (AIS) terão como principal

instrumento para a atribuição de títulos de direitos reais a Doação” (Art. 13, Parágrafo

Primeiro); “as Áreas de Interesse Específico (AIE) terão como principais instrumentos a

Venda” ou a Concessão de Direito Real de Uso (Art. 13, Parágrafo Segundo) e “as Áreas em

Processo de Ocupação (APO) terão como principal instrumento a Concessão de Uso Especial

para Fins de Moradia” (Art. 13, Parágrafo Terceiro).

O processo de regularização fundiária agora deverá ser instruído de maneira muito

mais completa do que quando da tutela da Lei Municipal 11/83, segundo o Art. 14 da nova

lei, além do auto de demarcação, o levantamento da da área e cadastro dos ocupantes, deverá

ser instruído, no mínimo, com:

I – levantamento topográfico georreferenciado das áreas e lotes

enquadrados, contendo:

a) implantação de marco geodésico em local estratégico;

b) planta geral em modo digital e impresso em escala compatível com a

perfeita compreensão de lotes e quadras do micro parcelamento a ser regularizado;

c) confrontantes;

d) memorial descritivo da área a ser micro parcelada;

e) memorial descritivo de quadras e lotes individualizados;

f) croqui individualizado de quadras e lotes;

II – vias de circulação;

III – medidas para promoção de sustentabilidade urbanística, social e

ambiental;

IV – estudo de impacto ambiental (EIA) elaborado por engenheiro

ambiental regularmente credenciado;

V – segurança da população em situação de risco;

VI – adequação da infraestrutura urbana.

VII – cadastro dos ocupantes, do qual conste a natureza, qualidade e tempo

da posse exercida, acrescida das dos antecessores, se for o caso, contendo perfil

socioeconômico.

VIII – planta de sobreposição do imóvel demarcado com a situação da área

constante do registro de imóveis, quando identificada transcrição ou matrícula do

imóvel objeto de regularização fundiária;

IX – certidão da matrícula ou transcrição relativa à área a ser regularizada,

emitida pelo registro de imóveis competente e das circunscrições imobiliárias

anteriormente competentes, quando houver;

X – certidão passada pelo ente municipal competente de que a área pertence

ao patrimônio do Município, se for o caso;

Se por um lado as medidas são relevantes para atingir o que a lei se propõe, por outro

o detalhamento do projeto torna quase impossível que o projeto de regularização fundiária

seja proposto sem contar com o apoio do Poder Público, especialmente nos assentamentos

ocupados predominantemente por famílias de baixa renda.

A grande inovação, todavia, ficará por conta da nova lei tratar a regularização

fundiária de maneira mais ampla e geral, não mais apenas como fazia a lei anterior, que

cuidava apenas da regularização fundiária na gleba patrimonial. Ainda que nesta ânsia a Lei

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Complementar Municipal possivelmente tenha incorrido em inconstitucionalidade formal,

quando legisla acerca de direito notarial e registrário, nos artigos 15 à 19 da lei, já que o Art.

22, XXV da Constituição Federal determina que é competência privativa da União legislar

sobre registros públicos. Todavia, esta possível inconstitucionalidade formal não traz maiores

prejuízos ao escopo da lei e ao Plano Municipal de Regularização Fundiária, pois a Lei

Municipal 66/2013 se limitou a repetir o disposto na Lei Federal 11.977/2009.

Em relação a regularização urbanística da área, dispõe a Lei Complementar Municipal

66/2013 em seu artigo 20 que a partir do registro do auto de demarcação, o Poder Público

deve elaborar Projeto de regularização fundiária com viés urbanístico. Entretanto, não vai

muito além disso, de maneira que acerca da regularização urbanística propriamente dita a Lei

Municipal praticamente não inovou em relação a Lei Federal, limitando-se a

procedimentalizar o trâmite que o projeto urbanístico terá na esfera municipal.

Quanto a divisão tripartite anteriormente apresentada entre Áreas de Interesse Social

(AIS), Áreas de Interesse Específico (AIE) e Áreas em Processo de Ocupação (APO), a Lei

tratará nos capítulos II, III e IV do Título III.

Segundo as características fundamentais de cada área, para ser considerada Área de

Interesse Social, a ocupação predominantemente deverá: I) ter mais de cinco anos

considerando como termo final para contagem do prazo o dia 01 de julho de 2013; II) os

beneficiários possuírem renda familiar mensal inferior a 5 (cinco) salários mínimos; III) os

beneficiários não devem ser possuidores, concessionários, superficiários ou proprietários de

outro imóvel urbano ou rural, exceto os proprietários de pequena propriedade rural; IV) não

devem colocar em risco a integridade de áreas de uso comum, relacionadas à segurança

pública ou nacional, de preservação ambiental, reservas indígenas, comunidades

remanescentes de quilombos, das vias de comunicação e das áreas reservadas para construção

de hidrelétricas ou congêneres.

As Áreas de Interesse Específico (AIE), prevista no Capítulo IV, são aquelas que

basicamente não se enquadram como Área de Interesse Social (AIS) nem como Área em

Processo de Ocupação (APO), todavia importam ao Poder Público Municipal, com fins

habitacionais, visando “melhora na condição de vida da população” ou com fins empresariais,

no intuito de “gerar emprego e renda, buscando a inserção de todos no sistema

socioeconômico”. Devem para tanto ter: I) planejamento da ocupação de maneira a proteger o

meio ambiente natural e construído; II) Plano de densificação e verticalização das

propriedades urbanas; III – Promover o uso adequado da propriedade urbana; IV – Incentivar

a utilização de imóveis não utilizados ou subutilizados para programas habitacionais; V –

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Incentivar a ocupação e densificação do espaço urbano com o intuito de gerar emprego e

renda; VI – Garantir a função social da cidade e da propriedade imobiliária urbana, visando

diminuir a exclusão territorial e ampliar o acesso a bens e serviços do município.

A regularização fundiária no que a Lei Municipal chama de Áreas em Processo de

Ocupação (APO) é que se trata da grande inovação legislativa municipal e se refere na

verdade “aquelas ocupações consolidadas há mais de 01 (um) ano e menos de 05 (cinco)

anos”. Nota-se assim que a Legislação Municipal de fato buscou dar preponderância ao

direito à moradia em detrimento ao direito de propriedade, como referenciou dentre os seus

objetivos, de tal forma, que a princípio só será possível esta regularização em áreas da gleba

patrimonial, todavia, se cuidar de área particular, é possível ainda que o Poder Público desde

logo grave o imóvel para posterior desapropriação. Além disso, permite ao Poder Público

Municipal uma interferência de maneira a ordenar e urbanizar a ocupação já em seu início,

inclusive tornando menos traumática eventual remoção que se mostre necessária.

6.2 Instrumentos para Regularização Dominial Segundo a Lei Complementar

Municipal 66/2013

Ante as considerações apresentadas acerca da Lei Complementar Municipal 66/2013,

nos debrucemos agora sobre os instrumentos jurídicos destinados a regularizar a situação

dominial da posse das áreas ocupadas irregularmente.

Não serão analisados exaustivamente os instrumentos, nem almeja-se uma análise

hermenêutica ou conceitual sobre os mesmos. O intuito é, antes de mais nada, apresentá-los e

contrapor aos trazidos pela lei anterior, a Lei Municipal 11/83, buscando a compreensão

destes instrumentos no processo de regularização fundiária urbano de Redenção, tentando

avaliar a possibilidade ou dificuldade de sua utilização.

Ao contrário da Lei Municipal 11/83, a Lei Complementar Municipal 66/2013 não

trará disposto em um único artigo a forma de transferência de domínio dos bens objeto de

regularização fundiária, entretanto, segundo o Título IV da referida lei, a regularização

jurídica dominial pode se dar pelos seguintes instrumentos: Concessão de Direito Real de Uso

(Capítulo II); Venda (Capítulo III); Doação (Capítulo IV); Superfície (Capítulo V); Concessão

de Uso Especial para Fins de Moradia (Capítulo VI).

Observa-se assim que tem-se como inovação em relação à lei anterior a Concessão de

Uso Especial Para Fins de Moradia e a Superfície, extinguindo-se a permuta e o aforamento –

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destacando que este último já havia se tornado incabível com o advento do Código Civil de

2002. Além disso, a doação perde agora seu status de doação onerosa.

Em uma análise preliminar já percebemos que os instrumentos presentes na Lei

Complementar Municipal 66/2013 podem se destinar a formalizar o exercício da posse ou a

transferência da propriedade do bem.

A Lei Federal 11.977/2009 e grande parte da doutrina tem uma preferência pela

formalização da posse, com o reconhecimento e atribuição de direitos reais, mas sem a

transferência de propriedade do bem, especialmente quando se trata de áreas públicas. Na Lei

Municipal, todavia, parece preponderar o intuito de transferir a propriedade do bem, conforme

vamos notar na leitura conjunta da lei com os instrumentos de regularização jurídica dominial

por ela estabelecidos.

6.2.1 Concessão de Direito Real de Uso

A Concessão de Direito Real de Uso (CDRU), disposta no Art. 30 da Lei

Complementar Municipal, é o primeiro dos instrumentos trazidos e ao contrário da Lei

anterior, agora a CDRU não é mais necessariamente onerosa.

A CDRU guarda aqui algumas semelhanças com o instituto originário criado pelo

Decreto-Lei 271/1967, especialmente o fato de ser reconhecida como direito real resolúvel e

poder ser por tempo certo ou indeterminado. Por outro lado, se o Decreto-Lei 271/1967

determina que a CDRU pode ser “remunerada ou gratuita”, a Lei Municipal vai afirmar que a

mesma pode ser gratuita ou ter “condições especiais”, o que nos parece melhor técnica

legislativa, já que permite assim ao Poder Público gravar o imóvel com determinadas

condições, sem que isso implique necessariamente em uma remuneração mas sim a imposição

de determinadas condições de uso.

O fato é que ao cabo a CDRU é verdadeiro contrato entre o Poder Público e

particulares, como reconhece o Art. 31 da Lei Municipal e o Art. 7º, § 1º da Lei Federal,

ambos dispondo que a CDRU poderá ser contratada “por instrumento público ou particular. A

Lei Federal, todavia, permite ainda que a CDRU seja contratada “por simples termo

administrativo”, previsão não encontrada na Lei Municipal, que determina ainda que a CDRU

seja “registrada e cancelada no Registro de Imóveis”, diferentemente da Lei Federal que

afirma apenas que a mesma será “inscrita e cancelada em livro especial”, de maneira que

pressupõe-se que este livro especial possa mesmo ficar em poder apenas da Administração

Pública e não necessariamente do Registro de Imóveis.

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O parágrafo primeiro do Art. 31 da Lei Municipal, que trata da fruição do bem e dos

encargos que venham a incidir sobre os imóveis, tem redação idêntica ao parágrafo segundo

do Art. 7º da Lei Federal, assim como o parágrafo terceiro desta, que cuida da resolução do

contrato em caso de destinação diversa pelo particular da que lhe foi dada pelo poder público,

possui redação idêntica ao parágrafo segundo do Art. 31 da Lei Municipal. Da mesma, é

idêntica a redação da possibilidade de transferência do bem por ato inter vivos ou por

sucessão, Art. 31, parágrafo terceiro da Lei Municipal e Art. 7º, parágrafo quarto da Lei

Federal.

Finalmente, parágrafo quarto do Art. 31 determinará que a CDRU terá “caráter de

escritura pública” e será “título de aceitação obrigatória para financiamentos habitacionais”, o

que nos parece indicar mais uma vez que o legislador municipal legislou além de sua

competência, pois ambos os temas são de competência privativa da União. Todavia, mais uma

vez, tal inconstitucionalidade não impediria o intento do legislador, que estaria respaldado

pelo Art. 48 do Estatuto da Cidade que, ainda que com redação diversa, garante o mesmo

escopo.

6.2.2 Venda

A venda vem exposta no Capítulo III do Título IV e diferentemente da CDRU

caracteriza-se por realizar a transferência da propriedade. Diz o Artigo 32 da referida lei:

Art. 32 - Os imóveis dos entes públicos municipais poderão ser alienados

aos próprios ocupantes, mediante autorização expressa do Prefeito, após ação de

identificação, demarcação, cadastramento, registro e fiscalização pelo IPPUR.

Todavia, o referido artigo traz em seus parágrafos uma distinção inconcebível. Afirma

o Parágrafo Primeiro que “habitualmente a venda do domínio pleno ou útil observará” dentre

uma série de requisitos o pagamento do valor de mercado do imóvel, após “avaliação prévia

do imóvel, com três cotações de corretores de imóveis devidamente registrados no órgão

competente”, não podendo o valor das cotações ser inferior ao valor venal do imóvel. Já o

Parágrafo Segundo afirma que caso o imóvel esteja localizado em Área de Interesse Social

(AIS) ou Área de Interesse Específico (AIE) a “venda do domínio pleno ou útil observará” o

valor venal do imóvel e não seu valor de mercado, além do ocupante pagar o valor

correspondente a 30% do valor venal do imóvel para ocupações entre cinco e dez anos e 10%

para ocupações consolidas há mais de dez anos.

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Questiona-se: a que se destina o parágrafo primeiro? Não sendo a área de interesse

social (AIS) ou específico (AIE) resta unicamente as em processo de ocupação (APO), que

são aquelas que contam com uma ocupação superior a um ano e inferior a cinco quando da

publicação da Lei. Assim, a venda seria instrumento de regularização do domínio também

para áreas recém ocupadas? Não nos parece aqui que o legislador tenha utilizado a melhor

técnica legislativa.

Além disso, há que se lembrar que a Lei de Licitações 8.666/93 autoriza a alienação

onerosa sem o procedimento de concorrência apenas de bens imóveis “destinados ou

efetivamente utilizados no âmbito de programas habitacionais ou de regularização fundiária

de interesse social” (Art. 17, I, f) ou de uso comercial no âmbito local com área de até 250m²

igualmente “inseridos no âmbito de programas de regularização fundiária” (Art. 17, I, h).

6.2.3 Doação

A doação vem disposta no Capítulo IV é voltada eminentemente para a Regularização

Fundiária de Interesse Social. Dispõe o Art. 34 da Lei Complementar Municipal 66/2013:

Art. 34 – Para os fins perseguidos por esta lei, os bens imóveis dos entes

públicos municipais poderão ser doados a:

I – União, Distrito Federal, Estados, fundações públicas, organizações

sociais, organizações da sociedade civil de interesse público e autarquias públicas

federais, estaduais ou municipais;

II – empresas públicas federais, distritais e municipais;

III – fundos públicos nas transferências destinadas à realização de

programas de provisão habitacional ou de regularização fundiária de interesse social;

IV – sociedades de economia mista voltadas à execução de programas de

provisão habitacional ou de regularização fundiária de interesse social; ou

V – beneficiários, pessoas físicas ou jurídicas sem finalidade lucrativa, de

programas de provisão habitacional ou de regularização fundiária de interesse social

desenvolvidos por órgãos ou entidades da Administração Pública, para cuja

execução seja efetivada a doação.

O parágrafo primeiro do Art. 34 autoriza que a doação tenha encargos, inclusive com

prazo para sua realização e desde logo lhe atribui efeito resolutivo, revertendo o imóvel desde

logo para Administração Pública em caso de descumprimento, conforme exposto no parágrafo

segundo do mesmo artigo.

No caso da doação ter sido realizada para o Poder Público, fundações, autarquias,

empresas públicas, fundos públicos e sociedades de economia mista voltadas à execução de

programas de provisão habitacional ou de regularização fundiária de interesse social, fica

vedado “ao beneficiário a possibilidade de alienar o imóvel recebido em doação” salvo se o

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intuito for projeto de assentamento de famílias carentes ou de baixa renda, além disso, caso a

alienação seja onerosa, os valores obtidos com a alienação devem ser revertidos “à instalação

de infraestrutura, equipamentos básicos ou de outras melhorias necessárias ao

desenvolvimento do projeto.”

Finalmente, a doação não é admitida para imóveis com caráter não residencial.

6.2.4 Superfície

O direito de superfície encontra previsão no capítulo V e segundo o Art. 35 poderá ser

instituído de maneira “gratuita ou em condições especiais” e poderá ter “prazo determinado

ou indeterminado”, em flagrante inconstitucionalidade já que ao instituir o direito de

superfície o Código Civil afirma em seu Art. 1.369 que ele terá prazo determinado.

O direito de superfície só é admitido caso haja edificação no imóvel e deverá ser

instituído mediante escritura pública devidamente registrada no Registro de Imóveis,

permitindo a “execução de obras no subsolo, e a ocupação do respectivo espaço aéreo, na

medida necessária à construção das edificações”.

Caso seja instituído de maneira gratuita, deve-se observar o disposto em relação à

doação, respondendo o superficiário pelos encargos e tributos que incidirem sobre o imóvel.

Além disso pode ser transferido por ato inter vivos e sucessório.

Ante os demais institutos e os objetivos traçados pelo legislador o direito de superfície

nos parece um instrumento de uso muito remoto.

6.2.5 Concessão de Uso Especial para Fins de Moradia

A concessão de uso especial para fins de moradia (CUEM) está prevista no Capítulo

VI e trata-se de instituto muito semelhante à CDRU, já que ambas tratam-se de contratos que

formalizam a posse, reconhecendo-a como direito real resolúvel. Assim dispõe a Lei

Complementar Municipal 66/2013:

Art. 41 – A concessão de uso especial para fins de moradia aplica-se aos

terrenos dominicais não-edificados dos entes públicos municipais, e poderá ser

conferida aos possuidores ou ocupantes que, até o dia 01 de julho de 2013, estejam

possuindo como seu, por 12 meses, ininterruptamente e sem oposição, até duzentos

e cinquenta metros quadrados de terreno em área urbana, utilizando-o para sua

moradia, subsistência ou de sua família, desde que não seja proprietário,

superficiário, ou concessionário, a qualquer título, de outro imóvel urbano ou rural.

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A primeira coisa que causa estranheza é a afirmação de que a CUEM aplicar-se-á a

terrenos “não edificados” desde que estejam ocupados há mais de um ano ininterruptamente.

Ora, como é possível se pensar uma ocupação sem edificação? Provavelmente, o que o

legislador quis fazer referência foi a ocupação de terrenos não edificados pelo poder público e

sim pelo próprio ocupante, pois outra interpretação não é possível.

Além disso, a CUEM traz como metragem máxima para concessão a do usucapião

especial, de 250m² e não será reconhecido ao mesmo concessionário mais de uma vez. O

direito é transferido por ato inter vivos ou sucessório, mas caso o herdeiro já resida no imóvel

continuará na posse de seu antecessor.

O título será passível de registro em cartório e extingue-se caso o concessionário dê ao

imóvel destinação diversa da moradia (Art. 44, I) ou adquira a propriedade, superfície ou

concessão de uso de outro imóvel urbano ou rural. (Art. 44, II)

O fato é que a CUEM está de tal forma desfigurada na Lei Municipal que seu uso é

praticamente inconcebível perante os demais institutos por ela disponibilizados. Pode ser

lançada ante as ocupações recentes, tratadas como Áreas em processo de ocupação, mas por

mera discricionariedade do Administrador Público, pois nada o impede que faça uso de outro

instituto, como a própria CDRU.

6.3 Análise Crítica da Lei Complementar Municipal 66/2013 que Instituiu a Nova

Política Municipal de Regularização Fundiária

A regularização fundiária em Redenção antes do advento da Lei Complementar

Municipal 66/2013 era mera regularização jurídica dominial, de maneira que as demais

dimensões da regularização fundiária eram não só ignoradas mas mesmo desconhecidas, além

do fato do processo ser realizado individualmente e não coletivamente.

Sob este prisma, o advento da Lei 66/2013 representou um grande avanço, pois além

de aparentemente conceber a regularização fundiária em todas as suas dimensões, tratará a

regularização como um processo coletivo. Ainda, mesmo acerca da regularização jurídica

dominial a nova lei trará inovações, pois a Lei Municipal 11/83 cuidava da regularização

dominial estritamente dos imóveis do ente público municipal, diversamente a Lei

Complementar Municipal 66/2013 trará modelos normativos compartilhados que permitirão a

regularização jurídica dominial plena, inclusive em áreas particulares.

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Aquele que poderia ser um dos maiores avanços legislativos da Lei Complementar

Municipal 66/2013, a criação da demarcação de áreas denominadas “Área em Processo de

Ocupação - APO”, em contraposição a “Área de Interesse Social – AIS” e “Área de Interesse

Específico -AIE”, acabou se tornando instrumento um tanto estéril, pois a possibilidade de

demarcação de área em processo de ocupação, que seriam aquelas com ocupação recente –

inferior a cinco anos e superior a um ano – acabou limitando-se a um apanhado de

possibilidades que a lei federal já previu para as áreas de interesse social. Parece-nos que a

preocupação maior do legislador municipal aqui foi a regularização jurídica dominial das

ocupações anteriores a ela que ainda não tenham alcançado determinado tempo de ocupação,

o que era um óbice a legislações mais antigas.

É fato que as legislações anteriores, inclusive o Estatuto da Cidade, ao se ater ao

tempo de ocupação trazido pelo usucapião especial urbano, cinco anos, para que a área fosse

passível de regularização, silenciava sobre o que ocorreria com as ocupações que tinham

menos tempo quando da entrada em vigor da lei, criando assim uma dicotomia típica da

realidade legislativa brasileira: em pouco tempo haveriam novas áreas de irregularidade

fundiária que não estariam passível de regularização pela lei em vigor. Todavia, tal questão

começou a ser solucionada já com a Lei Federal 11.952/2009, que trata da regularização

fundiária em áreas compreendidas na Amazônia Legal, contemplando assim o município, e

que permite a regularização fundiária de imóveis com área de até 1.000m² e com um ano de

ocupação. Além disso a Lei Federal 11.977/2009 trouxe a figura da Legitimação da Posse,

que permite a regularização jurídica dominial de imóveis com até 250m² e qualquer tempo de

ocupação, convertendo-se em registro de propriedade após decorridos cinco anos de seu

registro.

A nova lei municipal tem cinco pilares de sustentação que permeiam todo o texto: I) a

função social da propriedade; II) a atribuição de direitos reais seguros e transacionáveis; III) a

regularização fundiária urbana sustentável; IV) o planejamento urbano; V) a democratização

da cidade. Todavia, faltou a lei dialogar com o ordenamento jurídico municipal, não se faz

referência, por exemplo, ao plano diretor municipal, importante instrumento para o

planejamento urbano.

Ao cabo, podemos concluir que a Lei Municipal é importante porque

procedimentalizou a regularização fundiária no âmbito municipal, indicando os órgãos sob os

quais tramitarão os processos e a forma de participação da sociedade civil. Todavia, perdeu

grande oportunidade de adequar o plano de regularização fundiária com o desenvolvimento e

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planejamento da cidade, pouco tratando das especificidades municipais nas dimensões

urbanísticas e ambiental.

Concluímos com o encaminhamento das seguintes sugestões ao Poder Público

Municipal na adequação da Lei Complementar Municipal 66/2013 para buscar uma

regularização fundiária plena e sustentável.

6.3.1 Frear a Produção Irregular da Cidade: o Urbanizador Social

É preciso frear a produção irregular da cidade. A regularização fundiária não deve ser

pensada em se perpetuar como um remédio às irregularidades advindas da ocupação do

espaço urbano. Voltar os olhos ao passado e buscar regularizar esta ocupação desordenada é

tão relevante quanto voltar os olhos para o futuro e garantir que as irregularidades não

continuem se reproduzindo.

Alfonsin (2006, p. 85-86) destaca o risco que a regularização fundiária pode

representar para a propagação das irregularidades fundiárias, na medida em que “no

imaginário da população de baixa renda, a ideia de que ‘sempre haverá a regularização, por

isso não há problema em ocupar irregularmente.'”

Interessante instrumento para tanto é a figura do urbanizador social, presente no Plano

Diretor do Município de Porto Alegre. Segundo Alfonsin (2003, p. 252), a ideia é simplificar

a legislação, “flexibilizando padrões e agilizando a tramitação dos projetos” para que os

loteadores que costumam atuar de forma clandestina sejam tratados como este ator, o

urbanizador social, produzindo seus empreendimentos legalmente, como contrapartida,

“ofereceria lotes a preços compatíveis com a produção de Habitação de Interesse Social ou

doaria parte dos lotes ao Governo.”

Além do loteador clandestino em áreas públicas do início da Ocupação de Redenção,

as ocupações ilegais continuam existindo. Em consulta ao IPPUR, obtivemos a informação

que após o advento da Lei Complementar Municipal 66/2013 um loteador clandestino foi

notificado tão logo começaram atividades de supressão vegetal que indicavam abertura de

loteamento ilegal.

Ainda assim, grande parcela da área foi ocupada após a notificação supostamente por

pessoas que haviam comprado os lotes antes mesmo da abertura do loteamento. Segundo o

órgão estima-se que em torno de noventa famílias residam no loteamento ilegal, tendo as

próprias famílias terminado de abrir as ruas, de maneira extremamente precária. O grande

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estímulo parece ser o baixo valor cobrado pelo lote em comparação aos loteamentos

regulares.

Assim, a figura do urbanizador social poderia ser uma forma do município estabelecer

uma relação com estes empreendedores privados que hoje agem na irregularidade e só obtêm

êxito em razão do preço acessível que oferecem, especialmente, à população de baixa renda.

Extremamente relevante que o processo de loteamento neste caso conte com uma

ampla participação da sociedade civil, pois do contrário incorre-se no risco de flexibilizar

normas meramente para aumentar o lucro e os interesses do mercado.

6.3.2 Gestão Pública Participativa

Buscar a participação conjunta dos poderes públicos e da sociedade civil organizada.

Mais do que admitir a participação da sociedade civil é preciso que o poder público municipal

pense instrumentos para que isso ocorra, bem como formas de se articular para atuar

conjuntamente com o Poder Público Estadual e Federal.

Neste momento fica claro que, ao longo da década de 90, pelo menos duas

lições foram aprendidas: 1) A política de regularização fundiária não tem impacto

sobre a produção irregular da cidade se descolada da política urbana: é tempo de sair

do gueto e associar as políticas de regularização fundiária a políticas urbanas mais

compreensivas. 2) É preciso um bom processo de governança urbana - democrático,

transparente, amplo e pluralista para coroar de êxito as intervenções de regularização

fundiária. (ALFONSIN, 2003, p. 253)

Para destacar a importância desta atuação conjunta rememoremos aqui que quando do

fenômeno descrito por Silva (2008, p.6) como “transformação da fronteira camponesa pastoril

de subsistência, parcialmente mercantil, em fronteira capitalista” e expulsão dos posseiros dos

Campos do Pau D’Arco pelos fazendeiros da frente pioneira, agraciados pelo Estado do Pará

com títulos definitivos de propriedade, houve uma tentativa de reivindicar os direitos dos

camponeses posseiros e dos ‘chegantes’, expulsos por fenômeno idêntico de outros Estados

da Federação.

Os vereadores de Conceição aprovaram, por unanimidade, dois

requerimentos que solicitavam o envio de ofícios ao Governador do Estado

propondo medidas acauteladoras dos interêsses dos habitantes. Note-se, no primeiro

dos requerimentos, a solicitação de proibição terminante de venda definitiva de

terras dentro da légua patrimonial do município, área que, aliás, pretendem ampliar.

Na segunda proposição as reivindicações são de maior monta. Vão desde a tentativa

de estabelecer um regime de prioridade para aquisição de terras para os ‘nativos

deste município’, à solicitação de reconhecimento das posses dos ‘locatários

antigos’. Os termos pelos quais são designados os agentes das companhias

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imobiliárias revelam até certo ponto o grau de exacerbação da luta. (MOREIRA

NETO, 1960, p. 84)

Desta forma, ainda que o Poder Público Municipal seja o principal responsável pela

produção do espaço urbano, a Cidade é o local onde se acessa uma infinidade de serviços

públicos e se exerce uma série de direitos, pelo que a Municipalidade deve buscar a

participação dos demais atores.

6.3.3 Qualificação da Gestão

A procedimentalização da regularização fundiária em âmbito municipal é um dos

maiores avanços da Lei Complementar Municipal 66/2013, mas é indispensável que a gestão

municipal e seus servidores estejam qualificados para atuar no âmbito desta nova realidade

fática, mesmo porque a adequação a uma nova lei, a um “dever ser”, esbarra sempre no “ser”,

no deixar guiar-se pelos costumes.

Vale ressaltar que em Redenção os costumes foram preponderantes não apenas para

que loteamentos ilegais fossem realizados em áreas públicas mas o respeito a esta ilegalidade

durou até o ano de 2012.

6.3.4 Usucapião Urbana e Áreas Privadas

Existem na cidade de Redenção diversas invasões em áreas privadas. Duas delas com

mais de dez anos de ocupação, abrigando centenas de famílias, e com processos de

reintegração de posse intentados em âmbito judicial.

Ainda que, obviamente, o Poder Público Municipal não possa simplesmente criar

instrumentos para resolver a questão dominial em áreas particulares, perdeu a oportunidade de

prever e procedimentalizar o apoio a processos de usucapião urbana, especialmente a

modalidade coletiva do Usucapião Especial Urbano.

Trata-se de instrumento que encontra previsão legal bem trabalhada já no Estatuto da

Cidade, Lei Federal 10.251/2001, e o legislador municipal silenciou completamente sobre

referido instituto, inexistindo em âmbito municipal mecanismos para que o Poder Público

empreenda e reforce o caráter social da propriedade nestes casos.

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6.3.5 Políticas de Compensação Ambiental

Além de prever a necessidade de licença ambiental para o projeto de regularização

fundiária, exigência já da legislação federal, a lei municipal praticamente nada tratou acerca

da questão ambiental.

Perdeu a oportunidade de mitigar as consequências negativas da ocupação e uso do

solo quando da apresentação do projeto de regularização fundiária, para tanto, poderia tratar:

I) saneamento ambiental, adequando a questão da coleta de esgoto e indicando possíveis

melhorias no sistema existente; II) adequação e controle ambiental do sistema de lixo; III)

recuperação ambiental com uma política de repovoamento das margens de rios e faixas de

domínio público, arborização urbana e áreas institucionais para implantação de parques como

forma de compensar o impacto do meio ambiente artificial, sempre maior quando realizado de

maneira desordenada, caso das ocupações irregulares.

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7 CONCLUSÃO

Feita a escolha do tema, mais do que a ineficácia normativa ou a ineficiência de

políticas públicas, deparou-se com um intrincado problema que possui três vértices, de

maneira que a figura geométrica do triângulo é a que melhor permite ilustrar estes pontos: a

regularização fundiária traz como premissa a complexa relação entre Estado – Sociedade –

Indivíduo.

Os anseios destes atores onipresentes na regularização fundiária serão responsáveis

historicamente pela inefetividade das políticas públicas de regularização fundiária, pois em

grande parte das vezes estes anseios são antagônicos e não comuns como se espera.

O indivíduo quer que o Estado assegure, antes de mais nada, o direito à moradia, o seu

direito à moradia, pessoal. A sociedade pode ter um sentimento mais altruísta e desejar um

meio ambiente protegido ao invés da efetividade do direito à moradia, ou mesmo um

sentimento mais despretensioso e desejar investimentos em outras políticas públicas, dado os

altos custos de um processo de regularização fundiária. O Estado, por sua vez, deve ser capaz

de alinhar estes anseios em conflito, dando a máxima proteção aos direitos fundamentais

envolvidos, bem como ser capaz de criar políticas públicas de estado, e não de gestão, que se

consolide em diferentes governos.

A relação com a lei parece ser o primeiro problema para que o cenário de

irregularidade fundiária seja mais comum no Brasil do que o de regularidade, já que segundo

estimativas do próprio Ministério das Cidades dois terços dos imóveis urbanos estão em

situação de irregularidade contra um terço que se encontram regulares.

Tal constatação poderia ser explicitada da seguinte forma: ou criam-se leis que não

possuem nenhum amparo na realidade, desconsiderando por completo os fatos sociais, ou

elaboram-se leis que dependem de uma fiscalização rigorosa que não é realizada, ou as duas

coisas.

Apesar da irregularidade fundiária ser uma constante na história brasileira, somente

em 2009, com a Lei Federal 11.977/2009 é que obteve-se uma norma geral com o escopo de

permitir a regularização fundiária urbana se atendo à função social da propriedade, função

social da cidade, direito à moradia e direito ao meio ambiente equilibrado, e não meramente a

titularidade do domínio da área, alçando assim o instituto da regularização fundiária ao status

de instrumento essencial para efetivar uma série de direitos constitucionais.

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Esta compreensão trazida pela Lei Federal 11.977/2009 é essencial para contemporizar

os demais problemas advindos da irregularidade fundiária. A inefetividade de políticas

públicas relacionadas ao planejamento do espaço urbano, ocupação e uso do solo reproduzem

as relações sociais excludentes.

Quem está em uma situação de irregularidade fundiária em uma mansão em Angra dos

Reis em nada se assemelha àquele que está em uma situação de irregularidade fundiária em

uma favela em área de manancial na mesma Angra dos Reis. Todas as representações sociais

serão reproduzidas na ocupação do espaço urbano, de forma que para além de uma

regularização jurídica, a regularização fundiária em sua maior amplitude (dimensões social,

urbanística, ambiental, social e jurídica) trata-se de uma concretização da democracia real,

que pleiteia a igualdade e a dignidade da pessoa humana.

“Todas as famílias felizes são iguais. As infelizes o são cada uma à sua maneira” uma

das mais célebres passagens da literatura universal, o início do romance Anna Karenina, de

Tolstói, possui um espectro do processo político atinente à regularização fundiária. Os

loteamentos regulares são todos eles muito semelhantes, até em razão da regulação minuciosa

– indevida e maléfica – da Lei 6.766/79, as ocupações irregulares, todavia, possuem

especificidades não apenas nos diferentes municípios, mas no espaço urbano de um mesmo

município. Ora, uma ocupação em área de mangue é muito distinta de uma ocupação em um

morro que por sua vez é muito distante de uma ocupação em área institucional.

Não se olvide que Redenção reproduziu todos signos macros da ocupação desordenada

das cidades brasileiras: exclusão social, reprodução de formas de poder, acesso restrito a

serviços públicos, articulação de uma elite dominante, estratégias populistas de um poder

público preocupando em manter o status quo; porém, fez tudo isso a sua maneira.

Redenção não apenas cresce em pouco tempo, ela nasce em pouco tempo, de tal modo

que se a mão de obra era recém chegada à cidade, a elite dominante também o era e precisou

se articular rapidamente para transformar a terra em um instrumento de dominação

patrimonial, e fez isso de maneira sui generis, o poder público se articulou com o poder

econômico privatizando de maneira caótica a ocupação do espaço urbano.

Tal fato se deu tanto através do Governo do Estado, que titulou grandes glebas com

ocupação já consolidada ou expansão urbana latente para um único particular, seja através do

governo municipal, que permitiu que particulares realizassem loteamentos em áreas públicas e

depois realizava a transferência dominial de suas próprias áreas somente mediante autorização

expressa do particular, documentos que inclusive compõe os processos de regularização

fundiária.

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A Lei Complementar Municipal 66/2013, por fim, representa um avanço mais por

romper com essa visão deturpada e reconhecer o domínio das áreas públicas do que pelos

instrumentos ou pela regulação das especificidades municipais. Quase tudo já estava

compreendido na legislação federal que cuida de regularização fundiária.

É bem verdade que há uma ou outra adaptação a realidade municipal e,

principalmente, a procedimentalização da regularização fundiária em âmbito municipal: quais

órgãos que participam e qual a forma que se dará a regularização fundiária. Todavia, perdeu a

Lei Municipal a oportunidade de pensar de forma profunda a constituição do espaço público a

partir do processo de regularização fundiária.

Não há uma referência sequer ao Plano Diretor, importante instrumento de ordenação

territorial e produção do espaço urbano. A lei municipal poderia ter ampliado as

possibilidades sociais e urbanísticas, além de ter conformado a dimensão ambiental segundo o

meio ambiente local. A decisão de regularização fundiária parece basear-se em si própria,

acontece sem programação, sem estudo prévio e sem um maior diálogo com a sociedade.

Reconhece-se as dificuldades para a implantação de um programa de regularização

fundiária que tenha o maior alcance e plenitude possível. Se essa dificuldade é enfrentada por

municípios maiores, que contam com corpo técnico qualificado e dispõe de maiores recursos

financeiros, será ainda mais drástica em municípios menores e recentes, como Redenção.2

O fato é que ainda que seja louvável o intuito do Poder Público Municipal de

promover a regularização fundiária urbana, há que se ter cuidado com as implicações que esta

política significa, além do respeito a todas as dimensões que compõe a regularização fundiária

plena e sustentável, pois como destaca Chaer (2007, p. 24) acerca da dimensão urbanística, “a

distribuição de títulos, desarticulada das intervenções físicas na área, contribui para a

perpetuação da condição de precariedade dos assentamentos informais”.

Da mesma maneira, ignorar a dimensão ambiental pode comprometer de maneira

irreversível o meio ambiente, em prejuízo não só dos ocupantes da área mas de toda a cidade,

enquanto concluía-se este trabalho acompanhou-se o efeito devastador que a ocupação

2 Os obstáculos (jurídicos, técnicos, registrários) enfrentados pelo Programa de Regularização Fundiária

de Porto Alegre fizeram com que embora tivesse muita vontade política, a Prefeitura só obtivesse resultados

medíocres na implementação do Programa. Em 1996 a Prefeitura de Porto Alegre atuava há seis anos com

regularização fundiária. 65 assentamentos tinham sido indicados pelo Orçamento Participativo (e assumidos)

para serem regularizados. No entanto, de 20.500 lotes em processo de regularização apenas 605 tinham sido

regularizados... Neste cenário, algumas Constatações mostraram-se evidentes: era preciso melhorar a

performance da regularização fundiária e, mais do que isso, não adiantava atuar apenas na ponta da

regularização: era preciso frear a produção da irregularidade! (ALFONSIN, 2003, p. 251)

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desordenada e a destruição das matas ciliares trazem a cidade de São Paulo, colocando em

risco o abastecimento de água na cidade em uma crise sem precedentes.

Não agir com o devido respeito à dimensão social pode transformar o plano de

regularização fundiária em mera política clientelista ou causar disparidades na forma de

garantia dos direitos, ferindo a busca da democracia real, igualitária.

As críticas à Lei Complementar Municipal 66/2013, antes de um esvaziamento da lei,

reconhecem o relevante passo que esta deu rumo a uma política satisfatória de regularização

fundiária. Todavia, ainda que ciente das dificuldades práticas impostas a quem deseja

concretizar um plano de regularização fundiária sustentável e pleno, tem-se que quem se

ocupa da Administração Pública deve ter em mente que suas ações devem estar submetidas a

uma contínua redefinição de padrões.

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APÊNDICES

APÊNDICE I

Estudo de caso de processos de regularização fundiária realizados em Redenção/PA

sob a égide da Lei Municipal 11/83

1 Processo 358/83 – Jardim Cumaru

Trata-se de requerimento realizado por pessoa física. O processo é composto por: a)

capa; b) edital de concorrência pública datado de 26 de dezembro de 1983; c) requerimento

datado de 25 de novembro de 1983; d) ordem de demarcação de terreno datada de 28 de

novembro de 1983; e) folha de vistoria da mesma data; f) aprovação e homologação de

demarcação datada de 29 de novembro de 1983; g) folha de cálculo em papel timbrado do

poder público; h) folha de pagamento do cálculo apurado; i) folha de remessa dos autos pelo

Chefe do órgão para o Chefe do Executivo para assinatura do Título Definitivo de n. 258/83,

com ordem de posterior arquivamento; j) folha de vistoria do lote objeto do requerimento; l)

Autorização datada de 02 de setembro de 1983; m) Decreto de adjudicação de venda assinado

pelo Prefeito Municipal em prol do Requerente. As páginas não são numeradas e não há cópia

do título.

O requerimento indica o endereço do lote a ser titulado, bem como numero de quadra

e lote, além da finalidade de moradia, sendo datado de 25 de novembro de 1983. O edital

curiosamente convoca os interessados para concorrência pública na mesma data, 25 de

novembro de 1983, apesar de ser ele com data posterior, 26 de dezembro de 1983.

O documento denominado “Autorização”, trata-se de documento onde consta digitado

“Autorizo o Setor de Obras, Urbanismo e Terras Patrimoniais (SOUTEP), da Prefeitura

Municipal de Redenção, a titular em nome do Sr. _______” e mais adiante “O lote urbano de

n. _____ Quadra n. _____ Zona ______ No loteamento denominado _______”. De maneira

que todas as informações são preenchidas a mão, sendo a autorização datada de 02 de

setembro de 1983. Todavia, a autorização não possui nenhuma informação acerca de quem a

emitiu, apenas uma rubrica onde não é possível identificar sequer o nome do emitente.

O Decreto 257-D, de 27 de dezembro de 1983, adjudica em favor do Requerente “a

venda de lote do Patrimônio Municipal objeto da Concorrência n.º 358/83” (Art. 1º), com a

descrição do terreno no parágrafo único do mesmo artigo.

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Finalmente, se consultarmos o livro onde são cadastradas as emissões de títulos, o lote

pleiteado consta em nome do Requerente, com o n.º do processo de origem estudado e

número do título indicado no processo.

2 Processo 2018/85 – Vila Gravataí

Trata-se de requerimento realizado por Pessoa Jurídica. O processo é composto por a)

capa; b) requerimento; c) cópia dos atos constitutivos da Requerente; d) autorização e e) folha

de andamento do processo. As páginas não são numeradas e não há cópia do título.

O requerimento não indica o endereço do lote a ser titulado, bem como qualquer

numero de quadra e lote. O que só será feito no documento denominado “Autorização”. Esta,

trata-se de documento assinado por Alexandre Markowski onde consta digitado “Autorizo o

Setor de Obras, Urbanismo e Terras Patrimoniais (SOUTEP), da Prefeitura Municipal de

Redenção, a titular em nome do Sr. _______” e mais adiante “O lote urbano de n. _____

Quadra n. _____ Zona ______ No loteamento denominado _______”. De maneira que todas

as informações são preenchidas a mão, sendo a autorização datada de 12 de setembro de 1984,

estando o “4” do ano sobrescrito a mão em cima do ano digitado como 1983. Todavia, a

autorização não possui nenhuma informação acerca de quem a emitiu, apenas o local de

assinatura do emitente onde se lê Alexandre Markowski.

Ainda, a autorização não está em nome do Requerente, mas em nome de terceiro que

de forma manuscrita escreve ao rodapé “Transfiro todos os direitos deste lote” e indica a

Requerente. Não há, todavia, qualquer documento do terceiro em cujo nome está preenchida a

autorização.

Finalmente, se consultarmos o livro onde são cadastradas as emissões de títulos, o lote

pleiteado consta como já titulado sob o n.º 1.388/83, anteriormente, portanto, à autorização

(1984), bem como ao processo em comento (1985). Todavia, não há no livro o indicativo do

processo que teria dado origem ao título 1.388/83.

3 Processo 705/87 – Ademar Guimarães

Trata-se de requerimento realizado por pessoa física. O processo é composto por: a)

capa; b) edital de concorrência pública datado de 06 de agosto de 1987; c) requerimento

datado de 06 de agosto de 1987; d) ordem de demarcação de terreno datada de 07 de agosto

de 1987; e) folha de vistoria datada de 07 de agosto de 1987; f) aprovação e homologação de

demarcação; g) folha de cálculo em papel timbrado do poder público; h) folha de pagamento

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do cálculo apurado; i) folha de remessa dos autos pelo Chefe do órgão para o Chefe do

Executivo para assinatura do Título Definitivo, com ordem de posterior arquivamento; j)

croqui do imóvel; l) Decreto Municipal 3.974/87 de adjudicação de venda assinado pelo

Prefeito Municipal em prol da Requerente; m) Autorização datada de 24 de dezembro de

1984; n) folha de andamento processual. As páginas não são numeradas e não há cópia do

título.

O requerimento indica o endereço do lote a ser titulado, bem como numero de quadra

e lote, além da finalidade de moradia, sendo datado de 06 de agosto de 1987. O edital de

mesma data convoca os interessados para concorrência pública a ocorrer na data de 06 de

setembro de 1987.

A ordem demarcação também é de 07 de agosto de 1987, com demarcação aprovada

em 15 de agosto de 1987.

O Decreto Municipal 3.974/87, de 11 de setembro de 1987, adjudica em favor do

Requerente “a venda de lote do Patrimônio Municipal objeto da Concorrência n.º 705/87”

(Art. 1º), com a descrição do terreno no parágrafo único do mesmo artigo.

O documento denominado “Autorização”, trata-se de documento onde consta digitado

“Autorizo ao Setor de Obras, Urbanismo e Terras Patrimoniais (SOUTEP), da Prefeitura

Municipal de Redenção, a titular em nome do Sr. _______” e mais adiante “O lote urbano de

n. _____ Quadra n. _____ Zona ______ No loteamento denominado _______”. De maneira

que todas as informações são preenchidas a mão, sendo a autorização datada de 24 de

setembro de 1984, estando o “4” do ano sobrescrito a mão em cima do ano digitado como

1983. Todavia, a autorização não possui nenhuma informação acerca de quem a emitiu,

apenas o local de assinatura do emitente onde se lê Ademar Guimarães, indicado como

proprietário.

Finalmente, se consultarmos o livro onde são cadastradas as emissões de títulos, o lote

pleiteado consta como titulado em nome do Requerente na data de 11 de setembro de 1987,

com o título de número 2982/87.

4 Processo 319/88 – Jardim Ariane

Trata-se de requerimento realizado por pessoa física. O processo é composto por: a)

capa; b) edital de concorrência pública datado de 17 de maio de 1988; c) requerimento datado

de 17 de junho de 1988; d) ordem de demarcação de terreno datada de 18 de junho de 1988; e)

aprovação e homologação de demarcação datada de 17 de junho de 1988; f) folha de vistoria

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datada de 17 de junho de 1988; g) folha de cálculo em papel timbrado do poder público; h)

folha de pagamento do cálculo apurado; i) folha de remessa dos autos pelo Chefe do órgão

para o Chefe do Executivo para assinatura do Título Definitivo, com ordem de posterior

arquivamento; j) croqui do imóvel; l) Decreto Municipal 4.412/88 de adjudicação de venda

assinado pelo Prefeito Municipal em prol da Requerente; m) Autorização datada de 21 de

dezembro de 1984; n) folha de andamento processual. As páginas não são numeradas e não há

cópia do título.

O requerimento indica o endereço do lote a ser titulado, bem como numero de quadra

e lote, além da finalidade de moradia, sendo datado de 17 de junho de 1988. O edital datado

de 17 de maio de 1988 convoca os interessados para concorrência pública a ocorrer na data de

17 de junho de 1988.

A ordem demarcação também é de 18 de junho de 1988, apesar da aprovação

demarcação constar como sendo 17 de junho de 1988, um dia antes, portanto da ordem para

que fosse realizada.

O Decreto Municipal 4.412/88, de 21 de junho de 1988, adjudica em favor do

Requerente “a venda de lote do Patrimônio Municipal objeto da Concorrência n.º 319/88”

(Art. 1º), com a descrição do terreno no parágrafo único do mesmo artigo.

O documento denominado “Autorização”, trata-se de documento onde consta digitado

“Autorizo ao Setor de Obras, Urbanismo e Terras Patrimoniais (SOUTEP), da Prefeitura

Municipal de Redenção, a titular em nome do Sr. _______” e mais adiante “O lote urbano de

n. _____ Quadra n. _____ Zona ______ No loteamento denominado _______”. De maneira

que todas as informações são preenchidas a mão, sendo a autorização datada de 21 de

dezembro de 1984. Todavia, a autorização não possui nenhuma informação acerca de quem a

emitiu, apenas uma rubrica em linha onde se lê “Proprietário”.

Ainda, a autorização não está em nome do Requerente, mas em nome de terceiro que

de forma manuscrita escreve ao rodapé “Transfiro esta autorização para o Sr.” e indica o

Requerente, assinando em 06 de outubro de 1987. Não há, todavia, qualquer documento do

terceiro em cujo nome está preenchida a autorização.

Finalmente, se consultarmos o livro onde são cadastradas as emissões de títulos, o lote

pleiteado consta como titulado em nome do Requerente na data de 21 de junho de 1988, com

o título de número 3406/88.

5 Processo 140/90 – Jardim Cumaru

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Trata-se de requerimento realizado por pessoa física. O processo é composto por: a)

capa; b) comprovante de pagamento de taxa; c) edital de concorrência pública datado de 24 de

janeiro de 1990; d) certidão de inexistência de débitos com o fisco municipal; e) requerimento

datado de 26 de novembro de 1990; f) ordem de demarcação de terreno datada de 26 de

novembro de 1990; g) folha de vistoria datada de 14 de janeiro de 1991; h) aprovação e

homologação de demarcação datada de 26 de novembro de 1990; i) folha de cálculo em papel

timbrado do poder público; j) folha de pagamento do cálculo apurado; l) folha de remessa dos

autos pelo Chefe do órgão para o Chefe do Executivo para assinatura do Título Definitivo,

com ordem de posterior arquivamento; m) folha de vistoria do lote objeto do requerimento,

com croqui a mão; n) Autorização datada de 22 de novembro de 1990, o) folha de andamento

processual. As páginas não são numeradas e não há cópia do título.

O requerimento indica o endereço do lote a ser titulado, bem como numero de quadra

e lote, além da finalidade de moradia, sendo datado de 26 de novembro de 1990. O edital

datado de 24 de janeiro de 1990 convoca os interessados para concorrência pública a ocorrer

na data de 26 de novembro de 1990.

O documento denominado “Autorização”, trata-se de documento onde consta digitado

“Autorizo ao Setor de Obras, Urbanismo e Terras Patrimoniais (SOUTEP), da Prefeitura

Municipal de Redenção, a titular em nome do Sr. _______” e mais adiante “O lote urbano de

n. _____ Quadra n. _____ Zona ______ No loteamento denominado _______”. De maneira

que todas as informações são preenchidas a mão, sendo a autorização datada de 22 de

novembro de 1990. Todavia, a autorização não possui nenhuma informação acerca de quem a

emitiu, apenas o local próprio para assinatura do emitente onde se lê Mariosval Dueti Resende

Silva; indicado como proprietário.

Finalmente, se consultarmos o livro onde são cadastradas as emissões de títulos, o lote

pleiteado consta como titulado em nome da Requerente na data de 16 de janeiro de 1990,

indicando o respectivo número do processo e título como sendo o 132/1990.

6 Processo 090/90 – Santos Dumont II

Trata-se de requerimento realizado por pessoa física. O processo é composto por: a)

capa; b) comprovante de pagamento de taxa; c) edital de concorrência pública datado de 01 de

setembro de 1990; d) requerimento datado de 29 de agosto de 1990; e) ordem de demarcação

de terreno datada de 03 de setembro de 1990; f) folha de vistoria datada de 17 de outubro de

1990; g) aprovação e homologação de demarcação datada de 03 de setembro de 1990; h) folha

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de cálculo em papel timbrado do poder público; i) folha de pagamento do cálculo apurado; j)

folha de remessa dos autos pelo Chefe do órgão para o Chefe do Executivo para assinatura do

Título Definitivo, com ordem de posterior arquivamento; l) folha de vistoria do lote objeto do

requerimento; m) declaração de terceiro informando o poder público municipal que vendeu e

transferiu todos os direitos sobre o terreno objeto do requerimento ao Requerente, datada de

29 de agosto de 1990; n) Autorização datada de 29 de agosto de 1990 em nome da declarante

do item anterior; o) folha de andamento processual. As páginas não são numeradas e não há

cópia do título.

O requerimento indica o endereço do lote a ser titulado, bem como numero de quadra

e lote, além da finalidade de moradia, sendo datado de 29 de agosto de 1990. O edital datado

de 01 de setembro de 1990 convoca os interessados para concorrência pública a ocorrer na

data de 03 de setembro de 1990.

A aprovação da demarcação também é de 03 de setembro de 1990, apesar da

demarcação constar com data de 17 de outubro de 1990, ou seja, posterior.

O documento denominado “Autorização”, trata-se de documento onde consta digitado

“Autorizamos ao Serviço de Obras, Urbanismo e Terras Patrimoniais (SOUTEP), Prefeitura

Municipal de Redenção, a titular em nome do Sr. _______” e mais adiante “O lote urbano de

n. _____ Quadra n. _____ Zona ______ No loteamento denominado _______”. De maneira

que todas as informações são preenchidas a mão, sendo a autorização datada de 29 de agosto

de 1990. Todavia, a autorização não possui nenhuma informação acerca de quem a emitiu,

apenas o local de assinatura do emitente onde se lê João Tomé de Souza.

Finalmente, se consultarmos o livro onde são cadastradas as emissões de títulos, o lote

pleiteado consta como já titulado sob o processo de n.º 3161/89, anteriormente, portanto, à

autorização (1990), bem como ao processo em comento (1990). Todavia, não há no livro o

indicativo do número do título. Ainda, percebe-se que o terreno está titulado em nome da

declarante que afirma ter vendido e transferido todos os direitos do terreno ao ora Requerente.

Assim, há o indicativo de que um novo título foi emitido em nome do Requerente, mas não se

faz menção nenhuma a anulação do título anterior.

7 Processo 130/93 – Jardim Ariane

Trata-se de requerimento realizado por pessoa física. O processo é composto por: a)

capa; b) comprovante de pagamento de taxa; c) comprovante de pagamento de tributos; d)

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croqui com quadra e lote; e) requerimento de título definitivo datado de 25 de maio de 1993.

As páginas não são numeradas e não há cópia do título.

O requerimento indica o numero de quadra e lote bem como a finalidade de moradia.

Não há qualquer espécie de “Autorização”.

Finalmente, se consultarmos o livro onde são cadastradas as emissões de títulos, o lote

pleiteado consta em nome do Requerente, não constando número de processo nem número de

título, apenas a data de 25 de maio de 1993.

8 Processo 30/96 – Planalto II

Trata-se de requerimento realizado por pessoa física. O processo é composto por: a)

capa; b) comprovante de pagamento de taxa; c) requerimento datado de 16 de abril de 1996;

d) autorização datada de 15 de abril de 1996; e) edital de concorrência pública datado de 16

de abril de 1996; f) ordem de demarcação de terreno datada de 16 de abril de 1996; g) folha

de remessa dos autos pelo Chefe do órgão para o Chefe do Executivo para assinatura do

Título Definitivo, com ordem de posterior arquivamento; h) aprovação e homologação de

demarcação datada de 16 de abril de 1996; i) folha de pagamento de cálculo apurado; j) folha

de cálculo em papel timbrado do poder público; l) folha de vistoria do lote objeto do

requerimento. As páginas não são numeradas e não há cópia do título.

O requerimento indica o endereço do lote a ser titulado, bem como numero de quadra

e lote, além da finalidade de moradia, sendo datado de 16 de abril de 1996. O edital de mesma

data convoca os interessados para concorrência pública sem especificar, todavia data e hora

da mesma.

O documento denominado “Autorização”, trata-se de documento onde consta digitado

“Autorizo ao Serviço de Obras, Urbanismo e Terras Patrimoniais (SOUTEP), desta Prefeitura

Municipal de Redenção, a titular em nome do Sr.”, de maneira que o documento e todas as

informações que o compõe são datilografadas, sendo a autorização datada de 15 de abril de

1996. Todavia, a autorização não possui nenhuma informação acerca de quem a emitiu,

apenas o local próprio para assinatura do emitente onde se lê Proprietário e assina José

Tenório de Lima.

Finalmente, se consultarmos o livro onde são cadastradas as emissões de títulos, o lote

pleiteado consta como titulado em nome do Requerente na data de 16 de abril de 1996,

indicando o respectivo número do processo e título como sendo o 221/96.

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9 Processo 124/98 – Santos Dumont II

Trata-se de requerimento realizado por pessoa física. O processo é composto por: a)

capa; b) comprovante de pagamento de taxa; c) folha de vistoria datada de 24 de agosto de

1998; d) requerimento datado de 24 de agosto de 1998; e) autorização datada de 24 de agosto

de 1998. As páginas não são numeradas e não há cópia do título.

O requerimento indica o endereço do lote a ser titulado, bem como numero de quadra

e lote, sendo datado de 24 de agosto de 1998.

O documento denominado “Autorização”, trata-se de documento onde consta digitado

“Autorizo ao Setor de Terras Patrimoniais documentar (Titular) em nome de...” preenchendo

todas as informações digitadas, inclusive quadra e lote, sendo datada de 24 de agosto de 1998.

Todavia, a autorização não possui nenhuma informação acerca de quem a emitiu, apenas o

local de assinatura do emitente onde se lê João Tomé de Souza.

Finalmente, se consultarmos o livro onde são cadastradas as emissões de títulos, o lote

pleiteado consta em nome do Requerente, com o n.º do processo de origem estudado, porém a

data no livro é anterior ao Requerimento, constando 11/08/98.

10 Processo 270/2003 – Jardim Cumaru

Trata-se de requerimento realizado por particular. O processo é composto por: a) capa;

b) Título Definitivo n.º 233/2003 tendo como beneficiário o Requerente; c) contrato de

compra e venda onde consta como outorgante vendedor o Poder Público Municipal e como

outorgado comprador o Requerente, datado de 08 de outubro de 2003; d) aprovação e

homologação de demarcação datada de 08 de setembro de 2013; e) contrato de cessão de

direitos do imóvel requerido, assinado entre terceiro e o requerente; f) requerimento de

anulação de título emitido anteriormente pelo poder público, datado de 21 de agosto de 2003;

g) termo de ratificação de mesma data pleiteando pela anulação de título anterior; h)

comprovante de pagamento de taxas. As páginas não são numeradas.

O requerimento indica o numero de quadra e lote do imóvel a ser titulado, não sendo

datado.

Não há nenhum documento denominado “Autorização”, todavia os seguintes

documentos: contrato de cessão de direitos; requerimento de anulação de título e termo de

ratificação indicam que houve a emissão de um título anterior pelo Poder Público Municipal,

inclusive citado nos dois últimos documentos como sendo o Título Definitivo de n.º 1044

emitido pelo Poder Público Municipal em 25 de fevereiro de 1985. Ocorre que a beneficiária

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daquele título requer ao Poder Público municipal que o mesmo seja revertido ao Poder

Público Municipal e o titulo definitivo tornado sem efeito.

Há posteriormente a ratificação do disposto no requerimento por servidor público

municipal, devidamente lavrado em papel timbrado e assinado. Tendo ao cabo a emissão do

título em favor do requerente, conforme cópia do título constante no processo.

Finalmente, se consultarmos o livro onde são cadastradas as emissões de títulos, o lote

pleiteado consta ainda em nome de terceiro, que vendeu os direitos do mesmo através de

contrato de cessão, apesar do Requerimento para sua anulação e termo de ratificação lavrado

pelo Poder Público, constando que o título originário foi lavrado em 25 de fevereiro de 1985.

11 Processo 78/2004 – Santos Dumont II

Trata-se de requerimento realizado por entidade religiosa. O processo é composto por:

a) capa; b) folha de cálculo em papel timbrado do poder público; c) edital de concorrência

pública datado de 07 de setembro de 2004; d) ordem de demarcação de terreno datada de 07

de setembro de 2004; e) Decreto Municipal 6360/2004 de adjudicação de venda assinado pelo

Prefeito Municipal em prol da Requerente; f) folha de remessa dos autos pelo Chefe do órgão

para o Chefe do Executivo para assinatura do Título Definitivo de n. 183, com ordem de

posterior arquivamento; g) contrato de compra e venda onde consta como outorgante

vendedor o Poder Público Municipal e como outorgado comprador o Requerente, datado de

07 de outubro de 2004; h) folha de pagamento do cálculo apurado; i) requerimento datado de

24 de março de 2004; j) autorização datada de 04 de dezembro de 2003; l) Título Definitivo

n.º 3205/88 tendo como beneficiário a Requerente; m) Decreto Municipal 4.208/88 de

adjudicação de venda assinado pelo Prefeito Municipal em prol da Requerente; n)

comprovante de pagamento de taxas no exercício de 2004. As páginas não são numeradas.

O requerimento indica o numero de quadra e lote do imóvel a ser titulado, sendo

datado de 24 de março de 2004. O edital convoca os interessados para concorrência pública

na mesma data de sua publicação, 07 de setembro de 2004.

O documento denominado “Autorização”, trata-se de documento onde consta digitado

“Autorizamos aos Serviços de Obras e Urbanismo e Terras Patrimoniais (SOUTEP) Prefeitura

Municipal de Redenção, a titular em nome...” preenchendo todas as informações digitadas,

inclusive quadra e lote, sendo datada de 04 de dezembro de 2003. Todavia, a autorização não

possui nenhuma informação acerca de quem a emitiu, apenas o local de assinatura do emitente

onde se lê João Tomé de Souza.

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O Decreto 6360/2004, de 07 de outubro de 2004, adjudica em favor da Requerente “a

venda de lote do Patrimônio Municipal, conforme Lei Municipal 11/83”, (Art. 1º), com a

descrição do terreno no parágrafo único do mesmo artigo.

O Título Definitivo 3205/88 concede a Requerente dois lotes idênticos ao Requerido,

apenas com nome do Bairro, Lote e Quadra distintos. Da mesma maneira o Decreto 4208/88,

que dá origem ao título retro.

Finalmente, se consultarmos o livro onde são cadastradas as emissões de títulos, o lote

pleiteado consta em nome da Requerente, com o n.º do processo de origem estudado e número

do título indicado no processo. O fato de haverem dois títulos parece indicar apenas que o

anterior encontrava-se no Planalto III, ou 3º Setor, que posteriormente divide-se em diversos

bairros e dentre eles dá origem ao Santos Dumont II, onde encontram-se os terrenos do

segundo título.

12 Processo 033/2007 – Planalto II

Trata-se de requerimento realizado por pessoa física. O processo é composto por: a)

capa; b) comprovante de pagamento de taxa; c) comprovante de pagamento de tributos; d)

requerimento de vistoria técnica datado de 23 de abril de 2007; e) requerimento de título

definitivo datado de 23 de abril de 2007; f) laudo de vistoria técnica datado de 23 de fevereiro

de 2007; g) autorização datada de 09 de julho de 1998; h) documentos pessoais do requerente;

i) requerimento de título definitivo datado de 23 de março de 2007. As páginas não são

numeradas e não há cópia do título.

Os requerimentos indicam o endereço do lote a ser titulado, bem como numero de

quadra e lote. A vistoria técnica tem data anterior ao requerimento, inclusive o que requer

vistoria técnica.

O documento denominado “Autorização”, trata-se de documento onde consta digitado

“Autorizo ao Serviço de Obras, Urbanismo e Terras Patrimoniais (SOUTEP), desta Prefeitura

Municipal de Redenção – PA, a titular em nome de...” preenchendo todas as informações

digitadas, inclusive quadra e lote, sendo datada de 09 de julho de 1998. Todavia, a autorização

não possui nenhuma informação acerca de quem a emitiu, apenas o local de assinatura do

emitente onde se lê José Tenório de Lima.

Finalmente, se consultarmos o livro onde são cadastradas as emissões de títulos, o lote

pleiteado consta em nome do Requerente, com o número do processo estudado como

indicando ser o número do título.

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13 Processo 060/2008 – Jardim Cumaru

Trata-se de requerimento realizado por pessoa física. O processo é composto por: a)

capa; b) certidão negativa da dívida ativa com fisco municipal; c) ficha do cadastro fiscal do

imóvel; d) requerimento de vistoria técnica datado de 07 de agosto de 2008; e) requerimento

de título definitivo de mesma data; f) laudo de vistoria técnica datado de 03 de julho de 2008;

g) documentos pessoais do requerente; h) croqui do lote; i) contrato do Requerente de compra

e venda do lote requerido com “Loteamento Jardim Cumaru”. j) autorização datada de 25 de

fevereiro de 2008; l) comprovante de pagamento de taxa. As páginas não são numeradas e não

há cópia do título.

Os requerimentos indicam o endereço do lote a ser titulado, bem como numero de

quadra e lote. A vistoria técnica tem data anterior ao requerimento, inclusive o que requer

vistoria técnica.

O documento denominado “Autorização”, trata-se de documento onde consta digitado

“Autorizo ao Setor de Obras, Urbanismo e Terras Patrimoniais (SOUTEP), da Prefeitura

Municipal de Redenção, a titular em nome do Sr. _______” e mais adiante “O lote urbano de

n. _____ Quadra n. _____ Zona ______ No loteamento denominado _______”. De maneira

que todas as informações são preenchidas a mão, sendo a autorização datada de 25 de

fevereiro de 2008. Todavia, a autorização não possui nenhuma informação acerca de quem a

emitiu, apenas o local próprio para assinatura do emitente onde se lê Mariosval Dueti Resende

Silva; indicado como proprietário.

Finalmente, se consultarmos o livro onde são cadastradas as emissões de títulos, o lote

pleiteado consta como titulado em nome do Requerente na data de 07 de agosto de 2008, com

o título de número 063/2008, número idêntico ao do processo.

14 Processo 469/2012 – Jardim Ariane

Trata-se de requerimento realizado por pessoa física. O processo é composto por: a)

capa; b) comprovante de pagamento de taxa; c) requerimento datado de 16 de maio de 2012;

d) declaração de residência com prova testemunhal; e) levantamento topográfico realizado

pelo poder público descrevendo o lote 21, quadra 05, setor Jardim Ariane; f) vistoria do

imóvel realizada pelo Poder Público Municipal; g) memorial de cálculo em papel timbrado do

poder público para “cobrança de taxas públicas de processos diversos”; h) certidão negativa

de registro do imóvel objeto do Requerimento no Cartório de Conceição do Araguaia e

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Cartório de Redenção; i) autorização datada de 08 de janeiro de 1988; j) documentos pessoais

do requerente. As páginas não são numeradas e não há cópia do título.

O requerimento não indica o endereço do lote a ser titulado, bem como qualquer

numero de quadra e lote. O que só será feito em documento denominado “Declaração”, onde

o requerente alega que adquiriu o imóvel objeto do processo desde 2005, bem como no

documento denominado “Autorização”, que está, todavia, em nome de terceiro.

O documento denominado “Autorização”, trata-se de documento onde consta digitado

“Autorizo ao Setor de Obras, Urbanismo e Terras Patrimoniais (SOUTEP), da Prefeitura

Municipal de Redenção, a titular em nome do Sr. _______” e mais adiante “O lote urbano de

n. _____ Quadra n. _____ Zona ______ No loteamento denominado _______”. De maneira

que todas as informações são preenchidas a mão, sendo a autorização datada de 08 de janeiro

de 1988. Todavia, a autorização não possui nenhuma informação acerca de quem a emitiu,

apenas o local de assinatura do emitente, que consta uma rubrica, indicado como proprietário.

Finalmente, se consultarmos o livro onde são cadastradas as emissões de títulos, o lote

pleiteado consta como titulado em nome do Requerente na data de 16 de maio de 2012,

indicando o respectivo número do processo e título como sendo o 307/2012.

15 Processo 925/2012 – Alto Paraná

Trata-se de requerimento realizado por duas pessoas físicas. O processo é composto

por: a) capa; b) comprovante de pagamento de taxa; c) requerimento datado de 21 de agosto

de 2012; d) levantamento topográfico realizado pelo poder público descrevendo o lote 04,

quadra 44, setor Alto Paraná; e) autorização datada de 08 de agosto de 2012; f) contrato de

compromisso de compra e venda datado de 03 de novembro de 1982; g) memorial de cálculo

em papel timbrado do poder público para “cobrança de taxas públicas de processos diversos”;

h) croqui realizado a mão aparentando ser o esboço do levantamento topográfico realizado

pelo poder público; i) croqui aparentando acompanhar o contrato de compra e venda datado

de 1982; j) cópia da página do livro onde são cadastradas as emissões de títulos da quadra

requerida; l) cópia dos documentos pessoais dos Requerentes. As páginas não são numeradas

e não há cópia do título.

O requerimento não indica o endereço do lote a ser titulado, bem como qualquer

numero de quadra e lote. O que só será feito no documento denominado “Autorização”. Esta,

trata-se de documento assinado por Arcelide Veronese (primeiro prefeito de Redenção e autor

da Lei Municipal 11/83, sob estudo) e Ezides Capelesso Veronese, onde constam todos os

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dados digitados e direciona-se da seguinte forma “Autorizamos o Serviço Notarial do Único

Ofício de Redenção/PA, a lavrar escritura definitiva de venda e compra com Cessão de

Direito...” e segue com dados do terreno, constando ainda como cedente terceiro e como

cessionários os Requerentes da Regularização ante o Poder Público Municipal.

Há ainda um contrato de compra e venda impresso em gráfica em nome de

“Loteamento Alto Paraná”, preenchido por datilografia e datado de 03 de novembro de 1982,

onde o promissário comprador é o terceiro que aparece como cedente na descrição retro.

Na cópia do livro onde são cadastradas as emissões de títulos e anexada ao próprio

processo consta que o lote ora pleiteado na data de 09/04/84, oriundo do processo 384/84, não

constando todavia o número do título. Requisitado o processo de n.º 384/84 o servidor público

municipal informou não ser possível localizá-lo tendo em conta o número de processos e a

inexistência de uma organização cronológica.

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119

APÊNDICE II

Compilação dos dados coletados a partir do estudo de caso.

PR

OC

ES

SO

RE

QU

ER

IME

NT

O

DO

CU

ME

NT

OS

PE

SS

OA

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O

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E

PA

GA

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O

AU

TO

RIZ

ÃO

PA

RT

ICU

LA

R

PIA

DO

TÍT

UL

O

358/83 x - - - x x x -

2018/85 x - - - - - x -

705/87 x - - x x X x -

319/88 x - - x x X x -

140/90 x - - x x X x -

090/90 x - - x x X x -

130/93 x - - x - - - -

30/96 x - - - x X x -

124/98 x - - - - - x -

270/2003 x - - - - - - x

78/2004 x - - - x X x x

33/2007 x x - - - X x -

60/2008 x x - - - X x -

469/2012 x x - x - X x -

925/2012 x x - x - X x -

TOTAL

SIM

O

SIM

O

SIM

O

SIM

O

SIM

O

SIM

O

SIM

O

SIM

O

15 0 4 11 0 15 7 8 6 9 11 4 13 2 2 13