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GESTÃO DA MOBILIDADE COMO ESTRATÉGIA DE RESPONSABILIDADE SÓCIO-AMBIENTAL PARA O SETOR DE CONSTRUÇÃO CIVIL Simone Costa Rodrigues da Silva TESE SUBMETIDA AO CORPO DOCENTE DA COORDENAÇÃO DOS PROGRAMAS DE PÓS-GRADUAÇÃO DE ENGENHARIA DA UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO COMO PARTE DOS REQUISITOS NECESSÁRIOS PARA A OBTENÇÃO DO GRAU DE MESTRE EM CIÊNCIAS EM ENGENHARIA DE TRANSPORTES. Aprovada por: ________________________________________________ Prof. Jorge Antônio Martins, D. Sc. ________________________________________________ Profa. Milena Bodmer, D. Sc. ________________________________________________ Profa. Valeria Gonçalves da Vinha, D. Sc. ________________________________________________ Profa. Claudia Ribeiro Pfeiffer, D. Sc. ________________________________________________ Profa. Sueli Corrêa de Faria, Dr. Ing. RIO DE JANEIRO, RJ - BRASIL AGOSTO DE 2005

Silva_mestrado

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GESTÃO DA MOBILIDADE COMO ESTRATÉGIA DE RESPONSABILIDADE

SÓCIO-AMBIENTAL PARA O SETOR DE CONSTRUÇÃO CIVIL

Simone Costa Rodrigues da Silva

TESE SUBMETIDA AO CORPO DOCENTE DA COORDENAÇÃO DOS

PROGRAMAS DE PÓS-GRADUAÇÃO DE ENGENHARIA DA UNIVERSIDADE

FEDERAL DO RIO DE JANEIRO COMO PARTE DOS REQUISITOS

NECESSÁRIOS PARA A OBTENÇÃO DO GRAU DE MESTRE EM CIÊNCIAS EM

ENGENHARIA DE TRANSPORTES.

Aprovada por:

________________________________________________ Prof. Jorge Antônio Martins, D. Sc.

________________________________________________ Profa. Milena Bodmer, D. Sc.

________________________________________________ Profa. Valeria Gonçalves da Vinha, D. Sc.

________________________________________________ Profa. Claudia Ribeiro Pfeiffer, D. Sc.

________________________________________________ Profa. Sueli Corrêa de Faria, Dr. Ing.

RIO DE JANEIRO, RJ - BRASIL

AGOSTO DE 2005

ii

SILVA, SIMONE COSTA RODRIGUES DA

Gestão da mobilidade como estratégia de

responsabilidade sócio-ambiental para o setor de

construção civil [Rio de Janeiro] 2005

IX, 151 p. 29,7 cm (COPPE/UFRJ, M.Sc.,

Engenharia de Transportes, 2005)

Tese - Universidade Federal do Rio de

Janeiro, COPPE

1. Planejamento de Transportes; 2. Planejamento

Urbano; 3. Responsabilidade Social

I. COPPE/UFRJ II. Título ( série )

iii

“…Maria, Mãe que Deus encarregou de

desatar os nós da vida dos seus filhos,

confio hoje a fita da minha vida em tuas

mãos. Ninguém, nem mesmo o Maligno

poderá tirá-la do teu precioso amparo.

Em tuas mãos não há nó que não poderá

ser desfeito…”

(Oração à Maria Desatadora dos Nós)

iv

AGRADECIMENTOS

FE E PACIENCIA. Palavras-chaves desse trabalho que, apesar de estarem ocultas na

redação do texto, permearam todas as relações pessoais envolvidas durante esses três

anos. Só a partir de uma atitude pessoal muito perseverante foi possível manter-me

motivada e confiante no trabalho que realizava, mesmo com todos os percalços

acadêmicos que tive (e não foram poucos). Por isso agradeço a paciência que todas as

pessoas à minha volta tiveram comigo e, principalmente:

- À minha família, principalmente meus pais, que disponibilizaram todo o apoio para

que eu pudesse me dedicar inteiramente a esse trabalho;

- Ao meu orientador, e agora amigo, Jorge Martins, pelo empenho pessoal e

profissionalismo dedicado à minha dissertação de mestrado, mesmo com todos os

obstáculos;

- À professora Milena Bodmer com suas sábias ponderações em todos os momentos

decisivos;

- Às professoras que compuseram a banca de avaliação: Valéria da Vinha, Sueli Faria

e Claudia Pfeiffer. Suas valiosas contribuições na formulação de críticas

construtivas na revisão final do texto ressaltaram a efetiva e original contribuição do

meu trabalho.

- Ao Sinduscon-Rio, na pessoa do ”meu tio” Roberto Lira, que tornou essa pesquisa

possível;

- Às seguintes empresas pela colaboração na pesquisa Amebras, Atlântica

Residencial, Brascan Imobiliária, Br4 Empreendimentos e Participações, Calçada

Empreendimentos Imobiliários, Carvalho Hosken Engenharia e Construções, Chap

Chap Engenharia, CHL - Incorporação e Loteamentos, Construtora Santa Cecília do

RJ, Comasa - Construtora Martins Almeida, Diagrama Engenharia, Erevan

Engenharia, Incasa Construções, JM Construções, João Fortes Engenharia, Kreimer

Engenharia, Machado de Santana, Marbow Empreendimentos e Participações,

Morar Empreendimentos Imobiliários, Patrimóvel Niterói - Administração de

Imóveis, Pinto de Almeida Engenharia, Placon Planejamento Construção e

Incorporação, Plarcon Engenharia, Prêmio Construtora, RG Cortes Engenharia, Rio

Massa Engenharia, Rubi Construções, Santa Bárbara Engenharia, SIG

Empreendimentos Imobiliários, Tecnosolo e Terminal Engenharia;

v

- Às seguintes instituições: Ministério Publico Federal, na pessoa da Procuradora da

República Dra. Maria Cristina Manella Cordeiro, e Defensoria Publica da União, na

pessoa do Dr. João Alberto Pires Franco, que trabalharam para que meus direitos

não fossem violados.

vi

Resumo da Tese apresentada à COPPE/UFRJ como parte dos requisitos necessários

para a obtenção do grau de Mestre em Ciências (M.Sc.)

GESTÃO DA MOBILIDADE COMO ESTRATÉGIA DE RESPONSABILIDADE

SOCIO-AMBIENTAL PARA O SETOR DE CONSTRUÇÃO CIVIL

Simone Costa Rodrigues da Silva

Agosto/2005

Orientadores: Jorge Antônio Martins

Milena Bodmer

Programa: Engenharia de Transportes

Este trabalho investigou a percepção dos empresários do setor de construção

civil do Estado do Rio de Janeiro sobre a adoção do "Conceito Móbile" de produção e

gestão integrada de transporte e uso do solo como estratégia de responsabilidade sócio-

ambiental para grandes empreendimentos urbanos. A consulta ao setor, que incluiu

empresas de construção e incorporação imobiliária, deu-se através de dois questionários.

O primeiro, respondido por trinta e uma empresas com significância estatística de 95% e

erro-padrão de 5%, investigou a prática e as expectativas de investimento social por

parte do setor. O segundo, aplicado a onze empresas constituintes de um grupo de foco,

foi submetida à avaliação empresarial um caso de empreendimento no qual se aplicou o

"Conceito Móbile" como estratégia de gestão da mobilidade com responsabilidade

social e aumento de rentabilidade. As respostas identificaram falta de diálogo entre os

agentes urbanos (Estado, Empresas e Comunidades) e a pouca efetividade dos

investimentos sociais por parte do setor. Porém, destacam o potencial de acréscimo de

investimento social e principalmente a possibilidade de aplicação do "Conceito Móbile"

como uma alternativa de mitigação de problemas à circulação viária com possibilidade

de aumento real de produtividade e de atendimento às comunidades urbanas.

vii

Abstract of Thesis presented to COPPE/UFRJ as a partial fulfillment of the

requirements for the degree of Master of Science (M.Sc.)

MOBILITY MANAGEMENT AS A STRATEGY OF SOCIO-ENVIRONMENTAL

RESPONSABILITY FOR THE BUILDING SECTOR

Simone Costa Rodrigues da Silva

August/2005

Advisors: Jorge Antônio Martins

Milena Bodmer

Department: Engenharia de Transportes

This work investigated the perception of the entrepreneurs of construction sector

of the State of Rio de Janeiro about the adoption of the “Mobile Concept” of integrating

production and transportation management and land-use as strategy of socio-

environmental responsibility for great urban undertakings. The consultation to the

sector, what included construction and real estate companies, was taken through two

questionnaires. The first one, answered by thirty one companies with statistics

significance of 95% and standard error of 5%, investigated the existing actions and the

expectations of social investment. The second one, applied to the eleven constituent

companies of a focus group, a case of undertaking was submitted to the enterprise

evaluation in which the "Mobile Concept" was applied as strategy of mobility

management with social responsibility and increase of yield. The answers identified a

lack of dialogue between the urban agents (Estate, Companies and Communities) and

the little effectiveness of the social investments from their part. However, it mainly

detaches the potential of increase of social investment and the possibility of application

of the “Mobile Concept” as an alternative to the problems to the road circulation with

possibility of real increase of productivity and attendance to the urban communities.

viii

ÍNDICE

CAPÍTULO I. Introdução

I.1 Apresentação..............................................................................................................01

I.2 Da hipótese preliminar e do procedimento metodológico inicial..............................05

I.3 Da hipótese e do objetivo centrais.............................................................................05

I.4 Metodologia ..............................................................................................................06

I.5 Estrutura do Trabalho.................................................................................................07

CAPÍTULO II. A contribuição da produção “automóvel-petróleo” para a

degradação sócio-ambiental urbana brasileira e o "Conceito Móbile" como

abordagem de gestão da mobilidade para tratá-la.

II.1 A problemática ambiental urbana...........................................................................09

II.1.1 A produção urbana no espaço da formalidade e a desarticulação de

políticas de uso do solo e transporte....................................................................09

II.1.2 A produção urbana no espaço da informalidade........................................18

II.2 Os desafios paradigmáticos colocados para o futuro da mobilidade

urbana..............................................................................................................................23

II.3 Uma proposta de gestão da mobilidade a ser investigada: o "Conceito

Móbile"/UFRJ para produção e gestão integradas de transporte/uso do

solo...................................................................................................................................29

CAPÍTULO III. Condições e instrumentos para a reversão da degradação sócio-

ambiental urbana e aplicação do "Conceito Móbile"

III.1 Mudanças no modelo de desenvolvimento capitalista e novas demandas sócio-

ambientais........................................................................................................................35

III.2 Ampliação de paradigmas empresariais: a Responsabilidade Sócio-Ambiental.....39

III.2.1 Abordagens conceituais de Responsabilidade Sócio-Ambiental..............39

III.2.2 O estado da arte de Responsabilidade Sócio-Ambiental..........................42

III.2.2.1 Definição dos envolvidos...........................................................42

III.2.2.2 Tipologias e comportamentos dos grupos envolvidos...............44

III.2.3 A prática de Responsabilidade Sócio-Ambiental.....................................46

III.2.3.1 A experiência internacional.......................................................46

III.2.3.2 A experiência brasileira.............................................................51

III.2.4.A Responsabilidade Social na produção urbana no Brasil.......................56

III.2.5 Os grupos de interesse ou envolvidos na produção urbana......................59

ix

III.3 Os desafios concretos colocados pelo direito ambiental urbanístico no

Brasil................................................................................................................................60

III.3.1 Conflitos entre empreendedores e comunidades referentes à mobilidade

urbana no Rio de Janeiro ....................................................................................67

III.4 Considerações preliminares que justificariam o "Conceito Móbile"......................72

CAPÍTULO IV. Estudo de Caso: Análise de potencial de adoção do "Conceito

Móbile" pelas empresas incorporadoras no Rio de Janeiro

IV.1 Metodologia da Pesquisa.........................................................................................75

IV.1.1 Planejamento da Pesquisa.........................................................................75

IV.1.2 Primeira pesquisa: prática atual e as perspectivas do setor em políticas de

responsabilidade social....................................................................................................75

IV.1.2.1 O perfil das empresas pesquisadas, sua representatividade e o

cálculo da amostra estatística..........................................................................................75

IV.1.2.2 O 1º questionário – Pesquisa sobre marketing de relacionamento

e responsabilidade sócio-ambiental em construção civil.................................................81

IV.1.2.3 A abordagem para a primeira pesquisa......................................85

IV.1.3 Segunda pesquisa: avaliação pelo setor da proposta elaborada por

Móbile/UFRJ/CNPq para responsabilidade social de PGT.............................................86

IV.1.3.1 O 2º questionário – Segunda e última parte da pesquisa do

Grupo Móbile/UFRJ com as empresas do setor imobiliário do Rio de Janeiro..............88

IV.1.3.2 A abordagem para a segunda pesquisa......................................89

IV.1.4 Tratamento dos Dados.............................................................................89

IV.2 Análise dos Resultados das Pesquisas.....................................................................91

IV.2.1 Os resultados da primeira pesquisa..........................................................91

IV.2.1.1 Verificação da amostra..............................................................91

IV.2.1.2 Identificação das empresas........................................................92

IV.2.1.3 Práticas de marketing das empresas..........................................98

IV.2.1.4 Avaliação e expectativas das empresas...................................106

IV.2.2 Os resultados da segunda pesquisa........................................................111

IV.3 Análise de aplicação da proposta..........................................................................114

CAPÍTULO V. Conclusões e Recomendações..........................................................119

Referências Bibliográficas..........................................................................................122

Anexos

1

I. Introdução I.1 Apresentação A presente monografia refere-se à pesquisa realizada pela autora para obtenção do título de "Mestre em Ciências em Engenharia de Transportes" da COPPE/UFRJ e está vinculada ao Sub-projeto 2 (Planejamento de Transporte e Desenvolvimento Urbano) do Projeto Integrado de Pesquisa do Grupo Móbile/UFRJ1 apoiado pelo CNPq sob o título "Desenvolvimento e Mobilidade". A pesquisa pretendeu, objetivamente, submeter à avaliação do setor de construção civil da metrópole do Rio de Janeiro (em especial: incorporadores imobiliários) proposta de gestão da mobilidade urbana2 desenvolvida por Móbile/UFRJ (o "Conceito Móbile") para integrar a produção de transporte e uso do solo de forma sustentável e contribuir para a viabilidade do cumprimento da função social da propriedade, em atendimento à Constituição Federal e a Lei Federal N° 10.257, de julho de 2001 (Estatuto da Cidade). A combinação de aspectos urbanísticos, ambientais, sociais e de engenharia de transporte, que pretende o "Conceito Móbile", por interagir enfoques e abordagens multidisciplinares, parece atender demandas atuais da sociedade e das organizações no que se refere à divisão de competências entre o poder público, empresas e terceiro setor para melhoria da qualidade ambiental.

1 O Grupo de Pesquisa Móbile foi instituído em 1999 na COPPE/UFRJ e desde 2000 vem recebendo

apoio do CNPq para tratar o tema "Desenvolvimento e Mobilidade". Três eixos temáticos orientam a abordagem de Móbile, a saber: 1. Planejamento Integrado de Transporte e Uso do Solo – o planejamento urbano deve induzir

compromissos e responsabilidades de diferentes sujeitos sociais com vistas a integrar políticas de uso e ocupação do solo com políticas de transporte, redefinindo a logística urbana (isto é, a articulação da cadeia de atividades típicas do cidadão: trabalho, consumo e lazer) e diminuindo a necessidade de transporte motorizado de longa distância, com ênfase principal no tratamento de pólos geradores de tráfego, que – tratados em rede e com responsabilidade por administrarem a mobilidade de seus freqüentadores – podem assumir papel estruturador na circulação urbana;

2. Gestão Intersetorial (Transporte-Atividades Urbanas) – a gestão da mobilidade vai muito além da mera gestão do sistema de transporte, mas é sustentada pela competitividade que se consegue imprimir às modalidades coletivas, colocando-se o foco nos atributos de escolha modal associados ao consumo das diversas atividades urbanas (trabalho, estudo, compras, lazer, etc.) com vistas a atender efetivamente a cadeia de atividades de cidadãos de diferentes perfis sócio-econômicos e integrar micro e macro-acessibilidades;

3. Gerenciamento de Transporte e Tráfego – operacionalmente a gestão da mobilidade requer técnicas de desenho urbano, paisagismo e traffic calming combinadas para redefinição do ambiente e da paisagem urbanos, proporcionando deslocamentos não-motorizados (caminhadas e bicicleta) agradáveis nas zonas ambientais, e desestímulo ao uso do automóvel; requer também técnicas de pesquisa operacional para maximizar os indicadores associados aos atributos de escolha modal pela população com o objetivo de tornar atrativas as modalidades coletivas.

\

2 Entenda-se por "gestão da mobilidade urbana" a abordagem que se verifica principalmente na Europa a partir da década de 1990 e que consiste, basicamente e em termos gerais, na ênfase a se alcançar o equilíbrio entre oferta e demanda de transporte coletivo e a auto-sustentabilidade financeiro-ambiental dos sistemas de transportes urbanos e das cidades a partir da redefinição das necessidades de deslocamentos. Para isso, o planejamento de transportes passa a submeter-se a metas de planejamento do uso e ocupação do solo e desenvolvimento urbano, ao contrário da abordagem hegemônica do planejamento de transportes que desde os anos de 1950 (seja pelos modelos "agregados" que vigoraram até início da década de 1970, ou nos modelos "comportamentais" ou desagregados vigentes a partir da segunda metade da década de 1970) considerava o uso do solo como mero input no processo de estimativa de demanda para contínua redefinição da oferta ("acessibilidade").

2

Afinal, o "Conceito Móbile" parte dos seguintes pressupostos ou constatações empíricas da realidade urbana no Brasil: 1) O atual modelo de produção urbana insere-se na cadeia de produção “automóvel-

petróleo”, com comprometimento dos limites de capacidade de suporte ambiental urbana e de sua própria viabilidade financeira;

2) A universidade ainda trata o tema desenvolvimento urbano de forma muito pouco articulada com o planejamento de transportes, colocando no mercado de trabalho planejadores (arquitetos e engenheiros) com pouca e efetiva formação transdisciplinar3;

3) Em conseqüência da constatação anterior, a prática da administração pública separa ainda o que é tema das secretarias de transporte (eficiência das vias de circulação e multimodalidade4 - esta, pelo menos nos discursos oficiais) e das secretarias de urbanismo ou de desenvolvimento urbano (uso e ocupação do solo);

4) A falta de massa crítica dos planejadores da administração pública e de políticas de transporte urbano vinculadas ao cumprimento de metas urbanísticas reforça a "cadeia de produção e consumo automóvel-petróleo"5. Em conseqüência, as políticas de transporte enfatizam o “rodoviarismo6” e as políticas urbanas precisam gerar a obrigação à propriedade urbana de oferecer vaga de garagem para justificar o direito de construir. A simples oferta de espaço para estacionamento garante acessibilidade para um modo de transporte (automóvel) que passa a ter maior valor

3 Tal característica não é exclusiva da realidade brasileira. Em 1997, o filósofo Edgar Morin foi

convidado por Claude Allègre, então Ministro da Educação na França, para pensar o encaminhamento da reforma do ensino médio. Após oito jornadas temáticas transdisciplinares, Morin concluiu que a reforma do ensino deverá trazer consigo uma reforma do pensamento "que afronte e detenha a hiperespecialização galopante que grassa em nossas instituições educacionais" (Apresentação de Edgard de Assis de Carvalho à edição no Brasil em 2001 pela Bertrand Brasil, da obra "A Cabeça Bem-feita", de Edgar Morin). Em que pese a transdisciplinaridade encontrar-se presente em algumas áreas do saber (ecologia, cosmologia e ciências da Terra), o desafio estaria, para Morin, em operacionalizá-la em todas as áreas de conhecimento e em todos os níveis de ensino, para que fosse possível redefinir a figura do especialista, do qual não se pode prescindir na cultura contemporânea. Para Morin, a reforma do pensamento pretende "educar educadores de modo mais sistêmico, isto é, gerar intelectuais polivalentes, abertos, capazes de refletir sobre a cultura em sentido amplo... e que propiciem... e edifiquem uma aprendizagem cidadã capaz de repor a dignidade da condição humana" (Ibid). Em última análise, o que ensina Morin é abandonar o "conforto das excelências disciplinares" para mergulhar no "desafio das incertezas que comandam as posturas transdisciplinares" (Ibid). Ressalte-se, ainda, a influência epistemológica de Edgar Morin sobre a abordagem e a produção do Grupo Móbile/UFRJ.

4 Entenda-se por "multimodalidade" a disponibilidade de diferentes modos de transporte para uma determinada situação territorial, com o objetivo de serem maximizadas ou melhor aproveitadas as condições tecnológicas de cada modo, em separado ou em conjunto, para atendimento das necessidades individuais e sociais.

5 Entenda-se por "cadeia de produção e consumo automóvel-petróleo" ou, também, "cultura do automóvel" o conjunto de hábitos e práticas já consolidados que se baseiam e justificam atividades de produção, de distribuição, de armazenamento e de uso/consumo da mercadoria "automóvel" (e por conseguinte "petróleo"). Compreende, portanto, também o processo de urbanização e a própria produção urbana, por fundamentar-se, respectivamente, em um sistema viário hierarquizado e na obrigatoriedade à propriedade urbana de oferecer estacionamento (estoque de vagas) como lógica ou estratégia que, em última análise, acaba por criar valor de uso para a mercadoria "automóvel".

6 Entenda-se por "rodoviarismo" a ênfase verificada no Brasil, desde a década de 1930, às políticas nacionais de transporte, com a criação do DNER ("Governar é abrir estradas"), e às políticas de transporte urbano que encontraram no transporte sobre pneus (automóvel, ônibus e caminhão) a alternativa mais eficiente e eficaz, do ponto de vista do planejador ou da administração pública, até porque se valia e justificava da/a indústria automobilística/rodoviária que teria estruturado o processo de industrialização no Brasil a partir da década de 1950.

3

de uso nas cidades devido à oferta crescente de estacionamento nas edificações (o que pode ser comprovado pela crescente taxa de motorização nas cidades brasileiras);

5) Por outro lado, desde a aprovação da Lei Federal N° 10.257, de julho de 2001 (Estatuto da Cidade), um desafio é colocado: o de modificar o quadro de degradação sócio-ambiental urbana, dado por forte segregação sócio-espacial, com desigual disponibilidade tanto de infra-estrutura quanto de qualidade ambiental; e em especial, reconsiderar os impactos que o automóvel vem produzindo (congestionamento, poluição atmosférica, ruídos, acidentes, espraiamento urbano, aumento do consumo energético, baixa eficiência das vias, etc.);

6) Como reflexo do que se observa em todo o planeta e no Brasil a partir da década de 1990, o desenvolvimento da legislação ambiental e a organização de um modelo de consumo socialmente consciente e ético vêm pressionando o capital a engajar-se sócio-ambientalmente; políticas ambientais e sociais passaram a ser requeridas e desenvolvidas também por empresas, provocando oportunidades e desafios para trabalhar com o poder público e organizações não governamentais.

Por outro lado, ao estudar a experiência européia de integração de políticas de uso e ocupação do solo com políticas de transporte com o objetivo de viabilizar planos de gestão da mobilidade de forma sustentável, o Grupo Móbile identificou características transferíveis para a realidade brasileira nas experiências internacionais de sucesso, porém, circunscrevendo-as à suas realidades, limitações e contradições. Também desenvolveu, o "Conceito Móbile", que pretende ser paradigma para as cidades brasileiras promoverem, com a adesão de parceiros privados, integração de políticas de transporte e uso do solo com o objetivo de implantação de planos de gestão de mobilidade auto-sustentável. A premissa principal do "Conceito Móbile" parte da atual obrigatoriedade para os empreendedores imobiliários em oferecerem espaço de estacionamento em qualquer edifício construído, de modo geral. Para o caso de grandes empreendimentos urbanos serem potenciais geradores de impactos negativos à cidade no que se refere especificamente à atração/geração de tráfego (e seus impactos indiretos7), o Grupo Móbile propõe que ao invés da construção obrigatória de vagas de garagem, incorporadores imobiliários poderiam optar, no ato de solicitar a licença para obras, por substituírem parte das vagas obrigatórias por área útil (gerando mais empregos e rentabilidade) desde que oferecessem (ou arcassem com os custos de) serviços especiais de transporte em modalidades coletivas para operarem em sua área de influência imediata. Esse serviço especial de transporte destinado à rede de pólos geradores de tráfego de uma zona urbana proporciona uma estratégia para cativar a demanda potencial dos próprios empreendimentos, fixando o potencial de consumo da comunidade de sua área de influência direta, que tende a ser dividido com outras localizações na cidade8, às atividades ou aos empreendimentos de seu próprio território 7 Os impactos indiretos referem-se ao volume de tráfego que é gerado por outros empreendimentos que,

em um segundo momento, procuram localizar-se próximos a um grande empreendimento urbano previamente instalado, em função de obter economias de aglomeração e de localização.

8 O Grupo Móbile, financiado pelo BNDES, estudou os hábitos de transporte associados aos hábitos de "consumo" das atividades urbanas (trabalho, estudo, comércio, serviços e lazer) em dez regiões metropolitanas no Brasil. Constataram-se diferentes padrões de viagens associadas à compra de alimentos/material de higiene, roupas e calçados e a serviços de gastronomia, estética, lazer e estudo. De modo geral, parte significativa da renda potencial de uma comunidade é capturada por outras localizações, já que o consumo de determinados produtos ou serviços não mantém relação com os

4

(isto é: na rede de empreendimentos parceiros interligados pelo serviço de transporte especial)9. Conforme argumentam MARTINS et al. (2002) para estabelecerem nexo entre tradicionais abordagens da economia urbana com abordagens mais recentes do marketing urbano (ou marketing de relacionamento):

"Quando as organizações associam-se em função da cadeia de atividades da comunidade que pretende fidelizar, com facilidades de circulação, passam a ter e oferecer acesso não só aos produtos e serviços de interesse comercial, mas também à educação, à informação e a serviços públicos. No conjunto, essas organizações ajudam, então, a criar, consolidar ou reconstituir a vida comunitária nas cidades. Identifica-se, pois, uma correspondência entre a tradicional abordagem sócio-econômica e a nova, gerencial/mercadológica. O Quadro 1 estabelece a correspondência entre essas duas abordagens."

"Quadro 1 – Correspondência entre as abordagens sócio-econômica e

gerencial/mercadológica" Dimensão sócio-econômica Dimensão gerencial/mercadológica

Economia de localização Cadeia de relacionamento Economia de aglomeração Oferta ampliada de produtos e serviços

Valorização do cidadão Atendimento ao cliente Acesso à educação e à informação Comunicação com cliente

Constituição de comunidade Fidelização dos clientes FONTE: MARTINS et al. (2002)

deslocamentos de base residencial, isto é, ocorrem em função da localização da ocupação principal do cidadão (trabalho ou estudo).

9 Apesar do Grupo Móbile ter apresentado ao BNDES uma modelagem de concessão em que o poder público municipal é o responsável pela oferta desse serviço especial de transporte de micro-acessibilidade (de alcance local ou comunitário) para interligar grandes empreendimentos situados na área de influência imediata de terminais de transporte de macro-acessibilidade (de alcance municipal ou metropolitano), nesta dissertação não se entrará nessa questão, até porque a própria legislação de transporte no Brasil já tem admitido o fretamento direto por iniciativa de interessados, sem que haja concessão ou licitação dos serviços, apenas tendo a autorização do poder concedente, caso sejam cumpridas algumas exigências, tais como: não capturar passageiros em pontos do sistema formal concedido, ter contrato entre os usuários/clientes e os envolvidos (operadora terceirizada para o fretamento ou contratante) e pagamento antecipado. No caso da cidade do Rio de Janeiro, desde 1997, pela Lei nº. 2582/97 qualquer pessoa, corporação ou instituição pode terceirizar um operador para oferecer transporte por fretamento. Além disso, já está previsto na legislação urbana do Rio de Janeiro desde 1992 (Plano Diretor), antes mesmo do Estatuto das Cidades, o instituto da Operação Interligada, que permite a um empreendedor não cumprir todos os parâmetros urbanísticos definidos em lei, desde que ofereça ou justifique alguma vantagem para o município (geralmente com alguma contrapartida financeira). Ressalte-se, portanto, que no que se refere à forma de gestão, o "Conceito Móbile" admite tanto o controle do poder concedente (poder normativo para conceder o serviço e instituir a possibilidade de conversão de vagas, no ato de licenciamento, em serviços de transporte) quanto mera estratégia de marketing de relacionamento de competência de empreendedores urbanos parceiros (amparando-se, para isso, de forma combinada na legislação já existente no Rio de Janeiro: instituto da operação interligada e lei de fretamento de transporte). Por ser admitida a livre iniciativa de empreendedores urbanos, reforça-se a possibilidade ou tendência para que estes, uma vez convencidos da viabilidade da proposta, poderem efetivamente adotá-la. Por isso, antes mesmo de qualquer outro envolvido, o projeto integrado de pesquisa no CNPq parte da abordagem inicial com o agente "incorporador imobiliário", que é o objeto da pesquisa aqui retratada. No entanto, pesquisas posteriores e também vinculadas ao Projeto Integrado de Pesquisa no CNPq, já começam a tratar da avaliação do "Conceito Móbile" por parte dos demais envolvidos (principalmente o poder público, o cliente-cidadão e os técnicos). Na revisão bibliográfica fica também demonstrada a importância do incorporador imobiliário como o principal agente a mobilizar todos os outros envolvidos na cadeia de produção imobiliária, inclusive com estratégias de persuasão do poder público.

5

"Portanto, a abordagem proposta baseia-se no estágio de fidelização de clientes relativamente avançado e que KOTLER (1999) chama de "associado". Porém, quando a rede de atividades cumpre sua função social, ao atender metas de MM10, já não se pode falar apenas de associado, mas de "cidadãos-clientes" (MARTINS et al., 2000). Subentende-se, então, que o marketing de relacionamento, por coerência, deva acompanhar o conceito de rede flexível (as empresas se relacionam através de algum consórcio com objetivos mais amplos ou restritos, a exemplo de consórcios de empresas Italianas)".

I.2 Da hipótese preliminar e do procedimento metodológico inicial Ao assumir, com seus pressupostos, o "Conceito Móbile" como objeto da investigação, uma hipótese, ab initio, fica implícita e, por isso, deve ser apresentada/demonstrada, a saber:

(1) “A propriedade urbana no Brasil não cumpriu sua função social ou assumiu a responsabilidade sócio-ambiental no que se refere à mobilidade urbana, por ter ficado responsabilizada apenas pela obrigação de oferta de vagas de garagem vinculada à construção de área útil, negligenciando-se qualquer compromisso com modalidades coletivas ou públicas”.

Assim, para demonstração dessa hipótese preliminar e implícita, faz-se necessário:

(1) Com base no que já foi desenvolvido para justificar o "Conceito Móbile" no âmbito do projeto integrado de pesquisa apoiado pelo CNPq, apresentar o argumento sobre o tratamento que vem sendo dado à mobilidade urbana no Brasil e no mundo, no plano das idéias e no plano das políticas públicas, e como o conceito de "responsabilidade social" vem também sendo tratado, que relação pode estabelecer com o tema "mobilidade" e que potencial existe a ser explorado em políticas públicas e empresariais11.

1.3 Da hipótese e do objetivo centrais A pesquisa apresentada nesta dissertação parte da hipótese preliminar de que a obrigatoriedade de oferta de vagas de garagem em empreendimentos urbanos, principalmente os grandes, como única forma de acesso a eles e de responsabilidade do empreendedor, desvirtua ou limita o cumprimento da função social da propriedade no que se refere à mobilidade urbana.

10 MM: Mobility Management (Gestão da Mobilidade) 11 Dada a orientação epistemológica da linha de pesquisa do Grupo Móbile ter a influência do pensamento

de Morin, pede-se licença ao leitor mais exigente para, no intuito de contextualizar o tema, tomar-se emprestado um termo ou outro de diferentes disciplinas sem o rigor ou compromisso conceitual com estas. Nesse sentido, por ser uma pesquisa desenvolvida em um centro tecnológico (a COPPE), do qual a sociedade reclama encaminhamento ou propostas de soluções objetivas para problemas concretos, entende o Grupo Móbile que somente sob a influência da transdisciplinaridade assim como é definida por Morin, consegue alcançar sua meta: contribuir para, no que se refere ao tema "mobilidade urbana com qualidade ambiental", implementar ou desenvolver uma "aprendizagem cidadã". Em outras palavras: antes mesmo de qualquer compromisso ou interesse que pudesse ficar restrito à academia, pretende-se contribuir efetivamente para uma demanda social concreta. Até mesmo por isso, o Grupo Móbile entende ser fundamental uma cultura político-empresarial no setor de construção civil, capaz de fazer com que empresas e a administração pública implementem, de fato, o cumprimento da função social da propriedade, que pode ser explorado como importante estratégia de marketing urbano.

6

Neste trabalho pretende-se investigar junto às empresas que atuam na metrópole do Rio de Janeiro, a avaliação que fazem do "Conceito Móbile" como política de responsabilidade social para minimizar os impactos negativos provocados pelo uso do automóvel. Para atenuarem a degradação ambiental urbana decorrente deste, ofereceriam, elas mesmas, formas alternativas e coletivas de transporte para seus clientes e funcionários, porque além de proporcionarem melhoria da qualidade ambiental do entorno de seus empreendimentos ainda imprimiriam maior rentabilidade e possibilitariam novos negócios. Assim, a hipótese central poderia ser formulada como:

“Com a aprovação do 'Conceito Móbile' pelos empreendedores imobiliários e sua aplicação em grandes empreendimentos urbanos, a urbanização poderia ser promovida com responsabilidade social, melhorando a distribuição a todos do acesso às oportunidades urbanas”.

Portanto, para verificar a hipótese central, é objetivo central da pesquisa abordar os empreendedores urbanos da Metrópole do Rio de Janeiro com o intuito de: 1) identificar a prática e os critérios que o setor de construção civil do Rio de Janeiro

baseia-se para implantar políticas de responsabilidade social e 2) submeter-lhes o "Conceito Móbile", apresentado como política de responsabilidade

sócio-ambiental, para avaliação de desempenho e identificação de riscos eventuais, segundo seus próprios critérios e pesos revelados, e que poderiam justificar a tomada de decisão no sentido de assumirem ou adotarem a proposta.

O surgimento de novas estratégias empresariais a partir de procedimentos ecoeficientes e de relacionamento com grupos de interesse apresentam-se como alternativas de investimento social nas áreas urbanas e pode ser estimulado através dos institutos urbanísticos definidos no Estatuto da Cidade. Por isso, para se alcançar o objetivo central, objetivos específicos precisam ser investigados junto aos empreendedores imobiliários, a saber: - como é o investimento em responsabilidade sócio-ambiental?; - como se dá o relacionamento com seus grupos de interesse, sejam os

tradicionalmente identificados (poder público, investidores e clientes), seja o que é ainda pouco reconhecido (comunidade)? e

- quais os critérios que as levam a investimentos em políticas ou estratégias de responsabilidade sócio-ambiental?

I.4 Metodologia Para apresentar ou demonstrar a hipótese preliminar devido aos pressupostos assumidos pelo "Conceito Móbile", pretendeu-se, com base no extrato da revisão bibliográfica e documental que serviu para o próprio desenvolvimento do conceito na UFRJ, abordar:

(1) A degradação ambiental urbana no que se refere à produção de transporte e uso do solo e a gestão da mobilidade como abordagem tecnológica recente para tratá-la ou mitigá-la;

(2) O novo modelo de desenvolvimento capitalista, a responsabilidade sócio-ambiental no ambiente corporativo e o direito ambiental-urbanístico em

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ambiente de conflitos urbanos como condições e instrumentos propícios à reversão da degradação urbana;

(3) O desenvolvimento do "Conceito Móbile" como proposta que incorpora as condições e os instrumentos anteriormente considerados para integrar produção e gestão de transporte e uso do solo e, por isso, contribuir para a reversão da degradação ambiental urbana.

Para investigar a hipótese central, isto é, se os empreendedores imobiliários da Metrópole do Rio de Janeiro fazem boa avaliação do "Conceito Móbile" considerando-se seus próprios critérios e respectivos pesos, a pesquisa dividiu-se em duas partes12. Um primeiro questionário estruturado serviu para verificar o grau de interesse das empresas nas questões de Responsabilidade Social Corporativa e de Produção Urbana e os critérios que justificariam a adoção de alguma política ou estratégia empresarial nesse sentido. Antes da realização de um segundo questionário, foi realizada uma apresentação dos resultados preliminares no sindicato empresarial do setor, de forma a esclarecer dúvidas sobre a segunda rodada de questionário em um grupo de foco. Esta tratou de verificar, a partir da aplicação de um segundo questionário semi-estruturado e baseado em um caso concreto de um grande empreendimento urbano, a possibilidade de adoção do "Conceito Móbile" e a avaliação que fazem dele considerando os próprios critérios definidos pelo setor de construção civil no primeiro questionário. I.5 A Estrutura do Trabalho O Capítulo I refere-se à Introdução, onde são apresentados o tema, as hipóteses norteadoras do trabalho, os objetivos gerais e específicos, a metodologia e a estrutura do trabalho. No Capitulo II ("A contribuição da produção automóvel-petróleo para a degradação sócio-ambiental urbana brasileira e o '"Conceito Móbile"' como abordagem de gestão da mobilidade para tratá-la"), o item II.1 trata da problemática ambiental urbana, o que inclui as funções de cada agente, os processos de ocupação urbana e os seus impactos. As novas estratégias adotadas para a consolidação de cidades sustentáveis estão descritas em II.2 e o "Conceito Móbile" de tratamento da degradação ambiental e de política de investimento social a ser adotada pelas empresas está apresentado em II.3. O Capitulo III trata das condições e instrumentos para a reversão da degradação sócio-ambiental urbana e para aplicação do "Conceito Móbile", por isso, em III.1, pretendeu-

12 Paralelamente à pesquisa desenvolvida pela autora, outra pesquisa ocorreu e está retratada em

LENTINO (2005). Esse trabalho complementar pretende, por análise multicriterial, comparar os desempenhos do "Conceito Móbile" e de “Garagem” como alternativas de acessibilidade a um caso de grande empreendimento urbano do tipo “shopping center”. Faz análises de sensibilidade, substituindo o valor atribuído pelos empresários às duas alternativas nos critérios que poderiam ser tratados por variáveis objetivas observadas em campo, tais como: custo de implantação, custo de manutenção e operação, rentabilidade e geração de empregos. Para isso, além de pesquisa desses custos e de outros indicadores sociais e econômicos junto a empreendedores urbanos e administradores de shopping centers, LENTINO (2005) baseou-se nos principais critérios (e respectivos pesos) identificados neste trabalho e que poderiam justificar, por parte do setor de construção civil, investimento no "Conceito Móbile" como estratégia de responsabilidade social.

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se contextualizar nos ciclos capitalistas as atuais demandas ambientais e sociais, no item III.2 procurou-se tratar resumidamente do tema Responsabilidade Sócio-Ambiental com suas origens, críticas, estratégias, a prática brasileira no item III.2.3.2, e a aplicação prática na produção urbana, item III.2.4. O entendimento do instrumento legal para diminuir a degradação urbana no caso brasileiro está no item III.3, que trata especificamente do direito urbanístico no Brasil, com suas limitações e potencialidades, e a apresentação descritiva de casos tratados nos inquéritos civis no âmbito do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro sobre conflitos de comunidades urbanas e empreendedores quanto aos impactos na qualidade de circulação de grandes empreendimentos (III.3.1). Em III.4 estão as considerações que dão suporte à pesquisa quando todas as questões tratadas nos capítulos II e III subsidiam a necessidade de perceber a opinião dos incorporadores imobiliários sobre o "Conceito Móbile". O Capítulo IV trata de todas as questões metodológicas da pesquisa de campo realizada, incluindo amostra de empresas, desenvolvimento e tipos de questionário e abordagens junto aos empresários. Em VI.4 estão as análises em relação aos resultados dos questionários e uma avaliação do potencial de aplicação do "Conceito Móbile" pelo setor de construção civil. O último capítulo da dissertação (V) apresenta as conclusões e recomendações.

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II. A contribuição da produção “automóvel-petróleo” para a degradação sócio-ambiental urbana brasileira e o "Conceito Móbile" como abordagem de gestão da mobilidade para tratá-la. II. 1 A problemática ambiental urbana

II.1.1 A produção urbana no espaço da formalidade e a desarticulação de políticas de uso do solo e transporte

Segundo VENTURA (1995), a produção do ambiente construído é um processo que se dá no circuito secundário de capital podendo servir como válvula de escape para crises de superacumulação do circuito primário, que é onde se dá o processo de produção capitalista.

“O objetivo do capitalismo é a reprodução ampliada do capital, reprodução esta que se dá na produção de mercadorias, mas que para realizar-se necessita da circulação. O capital não circula somente neste circuito primário, mas também por outros circuitos, chamados por alguns autores de secundário e terciário. É neste processo que se dá a produção do ambiente construído, com a intervenção de diversos agentes, dentro de uma lógica, nem sempre, mas privilegiadamente capitalista” (VENTURA, 1995).

Os diferentes ciclos de produção capitalista identificados por Mandel e a superposição das diferentes tipologias urbanas desenvolvidas até então ficaram retratadas na cidade do Capitalismo Monopolista de Estado, um esquema espacial de difícil visualização, mesclando enormes áreas especializadas e inúmeros subcentros (SOJA, 1983). A organização do espaço no sistema capitalista, ou melhor, a organização do investimento privado no ambiente construído, cabe ao incorporador, tendo ainda a participação do proprietário de terra, do construtor, do financiador e do Estado como os seus principais grupos envolvidos. Os lucros da produção imobiliária dão-se sob as seguintes frações de capital: a fundiária, que se dá pela aquisição do terreno no mercado de terras13; a industrial, que reduz custos na atividade de construção da edificação; a financeira, que mobiliza menos recursos para cada imóvel; a comercial, que promove a venda, incorporando os outros atributos ao imóvel (ABRAMO, 1988, e VENTURA, 1995). Esses atributos são considerados na literatura de diferentes formas. Para RICHARDSON (1978), são chamadas de economias de aglomeração, economias externas ou efeitos de vizinhança. Estas induzem as atividades a se juntarem espacialmente mesmo na ausência de custos de transportes ou altos preços dos terrenos e incluem economias de escala empresarial, economias externas, como acesso a mercados de trabalho comuns, benefícios e ganhos de contatos pessoais e promoção de

13 RICHARDSON (1978) identificava os lucros da produção imobiliária como mecanismos de mercado.

São o resultado da alocação de atividades às áreas em conseqüência da livre negociação entre os ofertantes e os compradores ou locatários dos terrenos urbanos. Esta negociação não é irrestrita: inércia, altos custos de mobilidade e leis de zoneamento urbano restringem a disponibilidade de terrenos.

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serviços, acesso à população e mercado potencial, fatores ambientais e efeitos de vizinhança. MOOMAW (1988) conceitua dois tipos de economias externas, ou de aglomeração, proporcionadas pela forma de organização do espaço urbano: as de urbanização e as de localização. As economias de urbanização são externas às atividades, mas internas à cidade e relacionam a disponibilidade de infra-estrutura, de mão de obra e operações de consumo. As atividades que na cidade localizam-se aprendem com as outras atividades urbanas e a diversidade das atividades locais aumenta o ambiente de informações. As economias de localização são externas às atividades, mas internas à empresa e relacionam a disponibilidade de infra-estrutura, de mão de obra e facilidades específicas a uma atividade em particular. Assim, as atividades que localizam-se na cidade aprendem tanto com as atividades urbanas quanto com as que se relacionam com o seu próprio negócio. É identificada no processo de urbanização uma tensão entre forças centrípetas e centrífugas que tendem a atrair ou a repelir população e produção para os centros das aglomerações urbanas. Para COLBY apud SILVEIRA (1991), as forças centrípetas são classificadas em cinco tipos: atração do terreno, que são as características naturais; conveniência funcional, que faz com que algumas localizações sejam mais convenientes para determinadas atividades; magnetismo funcional, que é a qualidade de atrair funções a partir da concentração de uma função específica; prestígio funcional, que é a combinação de conveniência e magnetismo funcional; igualdade humana, que é o desejo das pessoas por determinada localidade. As forças centrífugas são os movimentos de expansão e migração das áreas centrais pela população e pelas atividades e dão-se sob seis condições: crescentes valores de terrenos e propriedades; externalidades negativas geradas pelo transporte; limitações de espaço dificultando a expansão física; incompatibilidade entre diversos tipos de indústria; exigências quanto a tipos específicos de terrenos; restrições legais e declínio da importância social. KRUGMAN (1996) identifica que as forças centrípetas são as vantagens naturais de áreas em particular (baías, rios, praias e localizações centrais), as economias externas de grandes mercados (acesso a mercados, produtos e mão de obra) e as economias externas puras (transferência de conhecimento) enquanto as forças centrífugas são forças de mercado (custos de transportes e do terreno urbano e atração de recursos dispersos) e forças não-mercadológicas (congestionamento e poluição). HENDERSON et al. (2001) identificam que as externalidades são estáticas ou dinâmicas. Externalidades estáticas são atributos locacionais que não variam como instituições locais, geografia e características de outros recursos imóveis. Externalidades dinâmicas implicam que o ambiente das atividades do passado afeta a produtividade hoje, porque há um estoque de conhecimento específico de localização que se constrói a cada dia. O que pode ser considerado em alguns casos como “acidentes da história”, onde locais com poucos atributos podem atrair grandes concentrações, construir seu ambiente de informações e reduzir a dispersão das atividades. SANJAD (2002) considerou dois tipos de atributos: os intrínsecos, que são internos à edificação, ou seja, são as características do próprio imóvel; e os extrínsecos, que são as características do entorno do imóvel. Os atributos extrínsecos dividem-se em: (1)

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amenidades naturais, variáveis que fazem referência a elementos naturais da região como “paisagem natural”, “vista”, “proximidade da praia”; (2) facilidades de transportes, variáveis que fazem referência a infra-estruturas de transporte no entorno como “proximidade de estações ou terminais”, “distância entre pontos de ônibus”, “capacidade viária”, “acesso facilitado ao centro ou outros locais da cidade”; (3) vizinhança, variáveis relacionadas às características sócio-econômicas-culturais, urbanísticas e históricas do entorno; (4) comércio, que inclui referências ao comércio de rua e (5) proximidade de shopping center, com referência ao objeto de estudo do autor14. SANJAD (2002) investigou como se comportavam esses atributos em anúncios de imóveis no entorno de um shopping center no Rio de Janeiro durante uma série histórica de 30 anos. Como mostra o gráfico 2, os atributos “amenidades naturais”, neste caso, correspondem a quase 2/3 dos anúncios que mencionam algum atributo extrínseco. Vale ressaltar que o estudo refere-se a um bairro de passagem do Rio de Janeiro, às margens da Baía da Guanabara (Botafogo) e próximo ao principal ponto turístico da cidade: o Pão de Açúcar. GRÁFICO 2 – Participação de cada atributo extrínseco para anúncio de todos os tipos de imóveis15

5,64%

65,71%

24,25%

4,41%

0,00%

10,00%

20,00%

30,00%

40,00%

50,00%

60,00%

70,00%

ShoppingCenter

AmenidadesNaturais

Facilidades deTransportes

Comércio

FONTE: SANJAD (2002)

Ainda em referência a esse estudo, foi investigado junto aos empreendedores imobiliários o grau de importância de cada atributo em relação a imóveis do tipo residencial e comercial. A Tabela 2 aponta que tanto para os imóveis residenciais quanto para imóveis comerciais o atributo “vizinhança” é importante. Para os imóveis residenciais “amenidades naturais” também se destaca, enquanto que para os comerciais a “acessibilidade” ou "facilidades de transportes" é o atributo mais citado.

14 SANJAD (2002) destacou o shopping do atributo comércio, porque se tratava do objeto do seu objeto

de estudo. 15 Vale ressaltar que o autor não mencionou o atributo vizinhança nessa comparação.

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TABELA 2 – Grau de importância entre os atributos extrínsecos, por tipo de imóvel, de acordo com empreendedores consultados

IMÓVEL RESIDENCIAL IMÓVEL COMERCIAL Amenidades Naturais 37,6% 8,6% Vizinhança 35,3% 29,5% Acessibilidades (Transporte) 18,3% 37,3% Shopping center 8,8% 24,6%

FONTE: SANJAD (2002) Para o capital incorporador a possibilidade de ganhos excepcionais sobre o empreendimento dá-se sobre as características da mercadoria produzida, sua demanda potencial, estratégias de realização e, principalmente, as vantagens locacionais que incorpora todos os atributos externos identificados anteriormente.

“A busca dos diversos agentes pela obtenção de benefícios econômicos faz com que tanto os atributos naturais de uma área como aqueles criados pelo homem sejam usados simplesmente como mecanismo de produção monetária” (VENTURA, 1995).

Para a Escola de Economia Espacial Neoclássica, a infra-estrutura instalada e a acessibilidade intra-urbana proporcionada pelas infra-estruturas de transportes são os elementos que interessam à localização urbana, sendo a última destacada como principal na decisão de escolha locacional e de valor da terra. As infra-estruturas de transportes precisam ser oferecidas pelo Estado. De acordo com a Escola Materialista, isto ocorre não somente em função dos altos custos de implantação e geralmente baixa lucratividade de investimentos, mas também em função da necessidade de assumir seu papel de planejador da estrutura urbana, proporcionando as condições gerais de acumulação capitalista no espaço, porque o capital privado sozinho é incapaz de assegurar sua reprodução. Para isso o Estado utiliza os investimentos, as leis e os planos que norteiam o desenvolvimento urbano (LIPIETZ apud SOJA,1983). Segundo CORREA (2003), os agentes da cidade do Capitalismo Monopolista de Estado têm funções bem definidas. Os promotores imobiliários realizam parcial ou totalmente a incorporação, realização do capital-dinheiro em imóvel; o financiamento, formação de recursos para a compra do terreno ou da construção do imóvel; o estudo técnico, viabilidade técnica do empreendimento segundo o código de obras; a construção, produção física do imóvel; e a comercialização, transformação do capital-mercadoria em capital-dinheiro acrescido dos lucros. Os proprietários dos meios de produção ou grandes industriais são grandes consumidores de espaço que precisam de terrenos amplos e baratos com características de acordo com a sua atividade e, por isso, pressionam o Estado para realizar desapropriações de terra, instalar infra-estrutura como rodovias, portos e ferrovias e criar facilidades de construção habitacional para a força de trabalho. Os proprietários fundiários que estão interessados na renda fundiária, valor de troca, de suas propriedade para que elas tenham maior valor de uso, pressionam o poder municipal para interferir nas leis e no zoneamento urbano e para investimentos em infra-estrutura. O Estado, além de ser alvo de interesses dos outros agentes, atua concomitantemente como grande industrial, proprietário fundiário, promotor imobiliário e agente de regulação do uso do solo, pois é o agente que dispõe dos instrumentos para a produção do espaço urbano: as leis, os impostos, a capacidade de investimento, etc.

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Cabe ao Estado investir em infra-estruturas de transporte, preferencialmente a rodoviária, no caso do Brasil, para garantir acessibilidade para diferentes mercados e definir leis de uso e ocupação do solo; ao capital imobiliário cabe implantar e concentrar atividades, usufruindo dos atributos de localização, através de empreendimentos.

“Esse papel específico do transporte de condicionar a área de mercado do espaço baseado na concentração e especialização, ao ser confrontado com o seu papel-chave permite concluir que o transporte é mais do que infra-estrutura para o desenvolvimento das atividades, mas sim, atividade básica do processo de acumulação de capital” (MARTINS, 1991).

O crescimento das cidades se concretiza de duas formas: a Intensiva e a Extensiva. A intensiva é a compactação das áreas existentes através da verticalização e do adensamento; a extensiva é a incorporação de novas áreas do tecido urbano. (VENTURA, 1995). A utilização contínua destas duas formas de crescimento urbano, ocupação de novas áreas e a sua conseqüente verticalização, gera a saturação das áreas até a ocupação dos espaços vazios deixando de ser objeto da ação do capital.

“Temos que a estrutura da cidade é um conjunto de áreas com estágios diferenciados em seus ciclos de vida, sendo que o capital incorporador, ao buscar a apropriação de ganhos imobiliários fundiários, vai operando mudanças nos padrões de ocupação e conseqüentemente, alterando os estágios dos “ciclos de vida” das áreas” (ABRAMO, 1988).

Esses ciclos de vida das áreas geram espaços diferenciados para os diversos estratos da população consumidora da mercadoria "cidade", que associados a aspectos econômicos, níveis de renda e do crédito disponível para a aquisição de imóveis; aspectos político-institucionais, preservação do valor dos estoques imobiliários em algumas zonas e normas específicas para cada uma; e ideológicos, imóveis são símbolos de modos de consumo, já caracteriza a própria segregação espacial (VENTURA, 1995). SANJAD (2002) verificou que quatro anos é o tempo necessário para o mercado absorver os lançamentos de empreendimentos residenciais. O autor identificou picos em períodos de quatro anos no número de lançamentos de novos empreendimentos. A pouca disponibilidade de infra-estrutura na malha urbana acarreta alto valor dos terrenos contemplados ou que se localizam próximos a ela e assim a ocupação formal é realizada por quem consegue maior mobilização de capital. A própria concentração de empreendimentos formais e população passam a ser atributo de localização para outros empreendimentos, criando um ciclo vicioso. Os investimentos em novos empreendimentos, equipamentos e infra-estrutura prevalecem concentrados em determinadas áreas enquanto que outras continuam carentes de serviços públicos e privados e de infra-estrutura. Vale ressaltar que o excesso de burocracia é também um fator relevante que encarece os imóveis, ver figura 1. Segundo a Câmara Brasileira da Indústria da Construção (CBIC), a burocracia aumenta em 280% a 425% o custo dos imóveis para as construtoras. Isso se deve aos órgãos federais, estaduais, municipais (este responsável pelas leis de uso e

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ocupação do solo), judiciário, cartórios e licenciamentos ambientais. Para tentar antecipar prazos e imprimir maior velocidade ao processo, muitas vezes, se faz uso do pagamento de "propina", ou seja, também inclui-se o custo da corrupção. Como exemplo, um condomínio de 930 moradias de classe média leva até 42 meses para ser construído no Brasil, cinco vezes mais do que os parâmetros internacionais. Um condomínio que custaria R$ 200 mil, os construtores chegam a desembolsar até R$ 1 milhão por causa do custo da burocracia (Jornal O Globo, 2004). FIGURA 1 – Lista de exigências que encarecem as obras

FONTE: Jornal O Globo (2004)

A segregação sócio-espacial é estimulada pelas infra-estruturas de transportes, que são investimentos públicos que beneficiam o capital imobiliário. Ao se garantir acessibilidade aos empreendimentos imobiliários, é beneficiada a população com poder de consumo que se desloca em transporte individual e ocupa muito mais espaço na via. (o automóvel consome per capita 12 vezes mais espaço viário do que modalidades coletivas). Assim, o valor do solo que foi contemplado pelos investimentos aumenta e se diferencia proporcionando uma ocupação desigual, que, por ser setorizada em função do tipo de uso, gera tráfego (MARTINS, 1991).

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Ainda identificam-se dois tipos de impactos da produção do espaço e do transporte: os diretos e os indiretos. Os diretos são os impactos identificados a partir de um empreendimento ou pólo gerador de tráfego (PGT) como poluição atmosférica e sonora, padrões de viagens e veículos atraídos. Os impactos indiretos tratam do volume de tráfego que é gerado em um segundo instante, após a localização de outros PGT próximos ao primeiro, em função de obter economias de aglomeração. Ou seja, um empreendimento além de causar impactos por si próprio, também desencadeia a localização de outras atividades, seus grupos envolvidos, quando se considera a cadeia de atividades do cliente-cidadão, que por sua vez, geram mais tráfego e todos os impactos ambientais conseqüentes (MARTINS, 1991). SANJAD (2002) verificou, a partir de levantamento de “habite-se” e licenças, que a influência da implantação de um empreendimento do tipo shopping center é maior na dinâmica imobiliária de imóveis comerciais do que residenciais. Este tipo de empreendimento, um pólo gerador de tráfego, atrai outros empreendimentos comerciais que também irão atrair maiores quantidades de pessoas e veículos para a sua área de influência. Então, no longo prazo, os efeitos indiretos de sua implantação tendem a prejudicar a qualidade do trânsito e sequer são considerados nos estudos técnicos de EIA/Rima, apesar da legislação ambiental considerar obrigatória a definição desse tipo de impacto. De acordo com a Tabela 2, apresentada na página 12, os empreendedores abordados por SANJAD (2002) apontam que a implantação de empreendimentos residenciais em Botafogo, no Rio de Janeiro, poderia ser justificada em 9% pela proximidade a um shopping center e em 25%, no caso de imóveis comerciais. O autor conclui que este empreendimento, por 15 anos, aproximadamente, continuará sendo atributo de localização de novos empreendimentos (principalmente comerciais), provocando tráfego indireto na mesma proporção e escala do inicialmente previsto no momento da aprovação do projeto. Os impactos diretos e indiretos são verificados em conseqüência do que estabelece a legislação urbanística, que vincula sempre a área útil de qualquer atividade, seja ela residencial ou comercial, a uma quantidade de vagas de garagem. No caso de shopping centers, a área necessária a estocar carros corresponde a quase 50% da área total construída. Além dos impactos diretos e indiretos proporcionados no entorno dos empreendimentos, principalmente os grandes, por causa dessa necessidade de oferecer vagas de garagem, ainda verifica-se a baixa produtividade gerada por este tipo de uso. Cada m2 usado como estacionamento exibe rendimento mensal de R$ 10,64 e taxa de geração de empregos de 0,000833; quando usado como área-útil em lojas, exibe R$ 469,04 de receita mensal e 0,065510 empregos. Ou seja, o m2 utilizado como estacionamento produz 44 vezes menos e gera 78 vezes menos empregos que o uso em espaço comercial (LENTINO, 2005). MARTINS et al. (1999) verificaram que, para um shopping center localizado em área adensada na zona sul do Rio de Janeiro, 56% de seus freqüentadores que se deslocam de automóvel localizam-se a até 2,5km do empreendimento. Esse processo aglutinador de um empreendimento do tipo shopping center em relação a outros empreendimentos comerciais ocorre porque quem define a sua relação com os demais de sua área de entorno é o cidadão, ao procurar interligar suas atividades típicas minimizando os deslocamentos. Isso se dá principalmente em áreas urbanas adensadas e próximas dos núcleos urbanos.

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Nos últimos 20 anos, concomitante à ocupação contínua extensivo-intensivo nos densos núcleos urbanos, ocorreu a expansão urbana de forma extensiva ou pouco compacta no seu entorno. Esse espraiamento é caracterizado por baixas densidades, extensão até os limites metropolitanos, localização dispersa, segregação em uso do solo mono-funcional, ascensão de um tipo de estilo de vida e altamente dependente do carro (CAMAGNI et al., 2002). Esse processo deu-se nas maiores cidades européias e também foi verificado nas maiores cidades brasileiras (como exemplo Alphaville, SP e Barra da Tijuca, RJ) e nas cidades americanas. Essas “metrópoles difusas” surgiram devido ao declínio da qualidade ambiental do denso centro urbano (congestionamento de trânsito, poluição, degradação dos espaços públicos e redução da segurança), mudanças no estilo de vida (aumento da renda, necessidade de maior espaço e localização residencial descentralizada), substituição do uso residencial pelo terciário no centro da cidade, alto custo dos imóveis no centro em relação a novas construções fora da cidade e menor resistência às estratégias para habitação fora dos centros. Para a atividade econômica, as que não precisam de acessibilidade para o centro encontraram menores custos e houve um desenvolvimento de atividades comerciais baseadas no uso do automóvel (CAMAGNI et al., 2002). Este processo é visto segundo duas abordagens diferentes: a otimista “neo-free market” e a pessimista “neo-reformist”. A abordagem otimista não favorece a intervenção no processo de planejamento, no controle do espraiamento, na restrição de mobilidade, nem na localização residencial e de outras atividades econômicas. O argumento é que é impossível planejar segundo as complexidades espaciais permitidas pelo automóvel. As novas tecnologias aumentarão a liberdade da localização. É representada na Europa pelos teóricos da “ville émergente”. Os “free-marketeers” americanos argumentam que os problemas causados pelo espraiamento estão superestimados e reforçam que as novas tecnologias de informação irão acelerar a dispersão de população e emprego até que as proximidades físicas tornem-se irrelevantes (GORDON apud CAMAGNI et al., 2002). A abordagem pessimista determina a intervenção como forma de conter o espraiamento baseado na emergência das questões da sustentabilidade urbana e reforça os riscos, as contradições, os impactos econômicos sociais e ambientais dessas teorias emergentes com estudos de casos e análises empíricas. Essa é a principal corrente de pensamento. Inclui a procura por políticas inovadoras e instrumentos para administrar o fenômeno da dispersão, através do preenchimento e densificação das áreas com infra-estruturas existentes e vazias. É a metáfora da “compact city”. Essa metáfora é criticada por alguns acadêmicos, como JENKS et al. apud CAMAGNI et al. (2002) porque ao se atingir certos níveis de densidade e tamanho também são produzidas deseconomias de escala, uma das causas da suburbanização. O desafio para a sustentabilidade urbana é o tratamento desses dois ciclos viciosos contínuos (de saturação da circulação e do tecido urbanos proporcionada pelas ocupações intensiva e extensiva). MARTINS et al. (2004) estabelecem as seguintes diretrizes na Tabela 3 para esse desafio em resposta às críticas ao paradigma de produção urbana e transporte do modelo vigente até então: TABELA 3 – Diretrizes para a mobilidade e o desenvolvimento sustentável

6 ESTRATÉGIAS OU COMPROMISSOS PARA A MOBILIDADE SUSTENTÁVEL

6 PRINCÍPIOS DE DESENHO OU PROJETO PARA A CIDADE SUSTENTÁVEL

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Multisetorialidade – Buscar a sustentabilidade na triple bottom line, baseada na articulação entre diferentes sujeitos sociais, tanto o Estado, quanto os empreendedores urbanos e os operadores de transporte com o objetivo de instituir a multimodalidade e inserir as atividades urbanas em uma cadeia logística segundo as necessidades de consumo e de deslocamentos de diferentes perfis sócio-econômicos (cadeia de atividades-deslocamentos de diferentes segmentos sociais);

Integração de Macro e Micro-acessibilidades - os limites de adensamento de uma zona ambiental estão vinculados aos limites de capacidade ambiental e de transporte dentro e fora da zona ambiental, isto é, às condições de integração do sistema de circulação interna (micro-acessibilidade) da zona ambiental ao sistema de circulação externa (macro-acessibilidade);

Estruturação de redes (espaço de fluxos) – inserir na cadeia de produção imobiliária a atividade de circulação e transporte para instituir clusters imobiliários, assim o edifício/empreendimento não é mais considerado um elemento isolado na estrutura urbana, mas como nó de uma rede associado a fluxos que o inserem na cadeia de atividades do cidadão;

Zonas Ambientais x Tráfego de Passagem - desde o clássico "Traffic in Towns", de Buchanan, uma zona ambiental pode ser definida como uma unidade territorial cujo acesso ou ponto de conexão com a rede estrutural de transporte da cidade preserva seu interior da necessidade de viagens motorizadas e, principalmente, de qualquer tráfego de passagem;

Desconcentração de atividades geradoras de viagens – imprimir multimodalidade à rede de atividades urbanas acaba redefinindo atributos de localização para atração de investimentos privados em atividades urbanas nos clusters imobiliários que se quer estimular (localidade central);

Localização Estratégica e Adensamento com Uso Misto - definição de localizações estratégicas para atividades combinando adensamento em torno das estações e terminais de transporte coletivo, com vistas a melhor explorar economias de localização e aglomeração. No interior da zona ambiental deve-se estimular o uso misto, com integração de atividades complementares, evitando-se a especialização do solo, mas respeitando-se a localização de atividades em função do impacto que tende a promover sobre a circulação, conforme já tratado nos princípios 1 e 3;

Responsabilidade Sócio-Ambiental - a propriedade urbana deve cumprir sua função social, de modo que Pólos Geradores de Tráfego devem encarregar-se de promover planos de mobilidade para seus próprios freqüentadores, respeitando-se os limites de capacidade de suporte ambiental da área ou da rede onde se situam;

Integração de transporte e uso do solo - cada pólo gerador de tráfego deve promover seu plano de gestão de mobilidade, isto é, deve facilitar em seu interior o embarque e desembarque dos seus freqüentadores, assim como prestar informações a respeito do sistema de transporte que lhe serve e vender bilhetes ou passagens;

Proximidade – instituir planejamento integrado de transporte e uso do solo para preservar / recuperar a escala humana, com valorização da vida comunitária e de seus ambientes.

Promoção do Transporte Não-motorizado - a micro-acessibilidade deve, tanto quanto puder, estar fundamentada na possibilidade de deslocamentos no interior da zona ambiental em modalidades não-motorizadas (caminhada e bicicleta), sendo necessário o uso de técnicas combinadas de desenho urbano, traffic calming e paisagismo com vistas a adaptar a paisagem e o meio ambiente urbanos;

Integração e inclusão social – estimular diferentes nichos de mercado de serviços de transporte coletivo para que se possa promover o exercício da responsabilidade social por parte daqueles empreendimentos urbanos de grande porte.

Integração e inclusão social – a promoção de igual acesso às oportunidades urbanas para diferentes segmentos sociais implica em privilegiar na cidade o que é de uso ou interesse coletivo, porém, ao contrário da orientação pela padronização (de produtos e serviços), deve-se admitir que atributos de conforto possam ser oferecidos para diferenciar espaços e serviços até como forma de captação de receita para investimento cruzado em espaços e serviços de interesse social, com indicadores aceitáveis de qualidade ambiental, de modo que ao invés de poucos terem acesso a uma vida urbana com "qualidade total", a qualidade urbana possa ser usufruída por todos em padrões aceitáveis, sem exclusão.

FONTE: MARTINS et al. (2004)

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Essas diretrizes aproximam-se de CAMAGNI et al. (2002) porque já existe uma concordância sobre a necessidade de estruturação urbana policêntrica, organizadas em tamanhos pequenos e médios, centros compactos, bem conectados em uma eficiente rede de transporte público o chamado “wisely compact” ou estrutura urbana sabiamente compacta.

II.1.2 A produção urbana no espaço da informalidade O processo de ocupação das cidades acelerou-se entre 1950 e 1985, quando a população urbana quase triplicou (UNDP apud WEBER et al., 2003). As cidades industriais dos países desenvolvidos do norte foram mais capazes de lidar com as pressões causadas pelo aumento da migração rural-urbana do que as cidades dos países em desenvolvimento. KOMBE (2005) responsabiliza, em muitos casos, a estagnação econômica dos países em desenvolvimento. A incapacidade da indústria em absorver mão de obra aliada à rápida migração campo-cidade resultou em demanda habitacional urbana não atendida pelo mercado (insolvência), nem pelo sistema financeiro de habitação, enquanto política pública (estado de bem-estar social). Assim, na clandestinidade, seja no acesso à terra, seja na construção de imóveis, seja no subemprego, é que a população de baixa renda vem conseguindo manter-se nas cidades dos países em desenvolvimento. Estas, então, passaram a ser marcadas de uma forma cada vez maior por um território no qual a ação do Estado, por ser mínima, não oferece oportunidades de exercício da cidadania. SIVAM (2002) identifica que esse mercado informal de terra, habitação e trabalho surgiu na maioria dos países em desenvolvimento por causa da incapacidade do mercado formal em atender as demandas da maioria dos residentes urbanos. Os grupos mais pobres e, recentemente, até os de renda média têm sido alijados desse mercado formal. Uma das externalidades do mercado de terra informal é a especulação na área urbana, tanto em países onde a terra é pública quanto privada. Ainda existe o fato que a oferta de terra é inelástica. Assim, algumas cidades desenvolvem diferentes tipos de ocupação, tais como: áreas alagadiças (Dhaka, Bangladesh), encostas íngremes (Rio de Janeiro, Brasil), áreas de preservação de cinturão verde (Seoul, Coréia) que podem estimular a oferta de especulação na terra urbana. Os especuladores mantêm grandes frações de terra urbana, criam escassez artificial e aumentam preços ao ponto de que a terra não seja mais acessível à população de baixa renda. Isso leva à ocupação tanto em diferentes tipos, como os já citados, quanto nos limites urbanos onde os preços dos terrenos são menores, criando um padrão de ocupação altamente disperso e descontínuo (FEKADE, 2000). KOMBE (2005) identifica a crença de que esses assentamentos informais são um fenômeno transitório e uma externalidade econômica que irá terminar uma vez que a economia nacional melhore. Isso tem sido revelado mais como um mito do que uma realidade. Assentamentos informais têm expandido e acelerado a segregação espacial das cidades e dos centros. Para CORREA (2003), esses agentes sociais excluídos produzem favelas como solução também para outro problema: acessibilidade tanto ao local de trabalho quanto a facilidades urbanas. Assim, procurando alternativas espaciais (terrenos públicos e privados) em função de atributos locacionais da cidade formal,

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acabaram tornando-se, de fato, agentes modeladores do espaço urbano no mesmo grupo que os proprietários fundiários, grandes industriais, promotores imobiliários e o Estado (o instituto "usucapião urbano" e políticas de regularização do acesso à terra urbana no Brasil, definidos no Estatuto da Cidade, servem para ilustrar como, realmente, o tratamento da cidade informal passou a ser uma das principais metas das políticas públicas). Para MASON et al. apud WEBER et al. (2003), “esses assentamentos são o resultado de uma urgente necessidade de abrigo para a população urbana menos favorecida e podem ser caracterizados por uma densa proliferação de pequenos abrigos”. Os assentamos informais atingem entre 40% e 50% na maioria das cidades dos países em desenvolvimento e proporcionam acomodação de 32% a 85% dessa população (KOMBE, 2005). Segundo Celso Furtado apud MARTINS (1991) isso acontece porque nos países industrializados do norte ("centrais"), o processo de urbanização acompanhou o processo de industrialização e aumento de produção agrícola, que ao ser modernizada, liberou mão de obra para a indústria sem prejuízo de produtividade. Já nos países de industrialização tardia ("em desenvolvimento"), a miséria do campo expulsou o trabalhador rural para as cidades que desenvolviam um tipo de industrialização que, apesar de incipiente, tardia, de tecnologia atrasada, não absorvia aquela mão-de-obra. Enquanto nos países centrais, o dinamismo econômico, que existe em função da entrada no mercado de novos produtos e serviços, eleva os salários reais e permite a expansão do consumo de massa, nos países periféricos, o capitalismo trata de concentrar renda para criar mercado que possa reproduzir as formas de consumo dos países do centro. Celso Furtado apud MARTINS (1991), adverte:

Em países de grande população, a simples concentração de renda pode permitir a formação de um mercado suficientemente amplo e diversificado. Com efeito: um país com 100 milhões de habitantes e uma renda per capita de 400 dólares (situação aproximada do Brasil em 1970) pode, concentrando 40% do produto em mãos de 10% da população, dotar-se de um mercado de 10 milhões de consumidores com uma renda de 1.600 dólares, o que é suficiente para permitir a instalação de um moderno sistema industrial...”.

Pela lógica de Celso Furtado, a produção econômica no Brasil encontra viabilidade exatamente por acirrar a desigualdade social. Porém, como a produção das cidades (ou do espaço econômico) é a condição concreta para a estruturação da economia da exclusão, a especulação das terras urbanas acaba também por depender, entre outras coisas, de como está a economia nacional, se está expandindo ou diversificando, promovendo alternativas de investimentos ou estagnada e inflacionada. Em outras palavras: se, por um lado, a economia nacional pressupõe a desigualdade sócio-espacial para justificar investimentos na indústria, a segregação sócio-espacial depende também das regras e do estado da economia nacional (a Dialética Sócio-espacial, de SOJA, 1983). Assim, quando a economia está distribuindo desigualmente o desenvolvimento, quando está estagnanda ou inflacionada, a terra urbana torna-se o mais atrativo e estável valor

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como investimento (FEKADE, 2000). E exatamente pelo solo urbano acumular muito valor, retroalimenta-se o processo de segregação sócio-espacial, já que no circuito informal da economia não se produz garantias concretas que possam ser consideradas na economia formal como condição inicial para reproduzir o capital (crescer o patrimônio). Por isso o título de propriedade das terras ocupadas ilegalmente é condição sine qua non para romper o ciclo vicioso pobreza-clandestinidade. Nas cidades brasileiras, essa ocupação informal tem atingido níveis alarmantes. Ao comparar os dados do IBGE nas Tabelas 4 e 5, pode-se perceber que a ocupação informal acompanha o processo de rápida urbanização que ocorre no Brasil, sendo as regiões mais ricas e industrializadas do país (sul e sudeste) onde se concentram esses maiores índices. TABELA 4 – Relação entre habitação informal e percentual de população urbana nas regiões do Brasil

HABITAÇÃO INFORMAL *1 (%) POPULAÇÃO URBANA *2 (%) NORTE 2,40 62,4 NORDESTE 17,10 65,2 SUDESTE 45,60 89,3 SUL 32,30 77,2 CENTRO-OESTE 2,60 84,4

FONTE: IBGE. *1- Pesquisa de Informações Básicas Municipais 1999. O Distrito Federal não foi incluído nos resultados.

*2 – Censo Demográfico 2000. Características da População e dos domicílios 2001. TABELA 5 – Densidade Demográfica (Hab/km2) segundo as Grandes Regiões e unidades da Federação – 1940/2000.

0,0010,0020,0030,0040,0050,0060,0070,0080,0090,00

1940 1950 1960 1970 1980 1991 2000

SUDESTE

SUL

NORDESTE

CENTRO-OESTE

NORTE

FONTE: IBGE. Censo Demográfico 1940-2000.

MARTINS (1991) observa que o transporte, enquanto setor produtivo, também concentra capital porque a política rodoviarista implantada nos países periféricos contribuiu para a concentração de renda. Houve a criação de um restrito, porém, suficiente mercado consumidor que reproduz as formas de consumo e deslocamentos dos países industrializados do Norte, tendo sido decisiva para isso a intervenção estatal forte, criando condições efetivas para imprimir valor de uso ao automóvel, seja investindo em infra-estrutura, seja regulamentando a circulação, seja regulamentando o uso do solo.

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Os impactos do modelo de concentração de renda ficam mais evidentes através dos dados mais recentes do Plano Diretor de Transportes Urbanos do Rio de Janeiro (PDTU). Relacionando o índice de mobilidade dos seus cidadãos com a faixa de renda média verifica-se que os mais ricos usufruem da infra-estrutura de transporte mais do que os pobres, estes últimos, sem possibilidades de se apropriar das oportunidades (de emprego e de consumo) que a cidade oferece. Quem tem renda acima de 20 salários mínimos faz quase 3 vezes mais viagens do que quem tem até 2 SM (Tabela 6). Tabela 6 – Mobilidade na Região Metropolitana do Rio de Janeiro segundo a faixa de renda média familiar mensal

Faixa de renda média (salários mínimos) Índice de mobilidade (viagem/dia/pessoa) Até 2 SM 1,45 De 2 a 5 SM 1,69 De 5 a 10 SM 2,04 De 10 a 20 SM 2,40 Acima de 20 SM 4,08

FONTE: PDTU da Região Metropolitana do Estado do Rio de Janeiro, 2005. Os Estados Unidos desenvolveram um tipo de crescimento urbano baseado na cadeia industrial petrolífero-automobilística (de ocupação espraiada e farta acessibilidade rodoviária). Tal modelo considerava efetivamente a maioria da população norte-americana, isto é, há coincidência entre o ente "cidadão" e o ente "consumidor", prova disso é que 1 em cada 2 habitantes já tinha carro antes de 198016. Já nos países da América Latina, como o Brasil, a “cultura do automóvel” foi também adotada como princípio da lógica da economia da exclusão de Celso Furtado, afinal, a taxa de motorização era muito menor (no Brasil, de 1950 a 1995, a taxa de motorização passa de 1/122 para 1/6, isto é: ao final do século XX apenas 1 em cada 6 brasileiros, tinham carro). Ou seja, assim como se criou potencial de consumo, desencadeador da produção industrial e de serviços a partir da minoria (10% da população), a infra-estrutura de transporte também serve a mesma minoria. TABELA 7 – Mudança na população e no número de veículos no Brasil, 1950–95.

POPULAÇÃO (MILHÕES) ANO VEÍCULOS

(1) TOTAL URBANA % URBANA HAB/VEÍCULO

1950 426.621 51.937 18.782 36 122 1960 987.613 70.991 31.303 44 72 1970 3.111.890 93.139 52.084 56 30 1980 10.731.695 119.099 80.436 68 11 1990 15.932.848 143.395 110.990 77 9 1995 25.336.260 152.374 120.350 79 6

(1) Inclui motocicletas; FONTE: Ministério dos Transportes (1970 e 1990) e IBGE (1996); Segundo MARTINS (1991) o histórico de políticas que viabilizaram a indústria automobilística no Brasil pode ser retratado pelos seguintes fatos: 1937, criação do DNER; 1944, Plano Nacional de Estradas; 1945, criação de fundos para a construção de estradas e autonomia do DNER; 1956, o “Plano de Metas”, que prioriza a desenvolvimento da indústria automobilística; 1967-73, Programa Progresso que resultou no avanço da motorização e da construção de vias rápidas urbanas. 16 MARTINS (1996).

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No Brasil em 2000, segundo o gráfico 3, enquanto 36% da população dependiam de modos que não fossem o automóvel (transporte público e bicicleta) e 44% não pagassem pelo transporte (a pé), verificava-se a falta de investimentos em diversificação modal e um comprometimento, num primeiro momento, em construção de infra-estrutura rodoviária e, num segundo momento, na sua manutenção (MARTINS, 1996), mesmo beneficiando somente 19% (automóveis).

GRÁFICO 3 – Transporte Urbano e Metropolitano no Brasil

FONTE: ANTP, 2000. É preciso, pois, relativizar a lição dada por Celso Furtado para explicar que a desigualdade social agravou-se nos países de industrialização tardia porque quando a indústria chegou já vinha ocorrendo a urbanização (isto é: aumentava a demanda por serviços urbanos devido ao acúmulo exagerado de pessoas nas cidades) e, portanto, não teria existido um modelo ou projeto de urbanização concomitante ao projeto de industrialização. Ao se observar o histórico que faz MARTINS (1991) das políticas públicas no Brasil que justificaram o desenvolvimento da indústria automobilística, constata-se que a segregação sócio-espacial pode ser explicada muito mais pela própria lógica de uma economia nacional baseada em produzir para a classe média do que por ter sido a industrialização tardia, sem um modelo espacial concomitante. Afinal, o modelo metropolitano, com investimentos em infra-estrutura rodoviária co-existiu, sim, com o projeto de desenvolvimento da indústria automobilística. O fato é que, por não ser o automóvel um produto a ser consumido por todos, a cidade ou metrópole que vem sendo construída desde então também é preferencialmente projetada para este. Prova disso é que as leis de uso e ocupação do solo dos municípios estabeleceram a necessidade de empreendedores urbanos construírem vagas de garagem para determinada porção de área útil, conforme o tipo de uso, mas não estabeleceram nenhum compromisso em garantir às suas construções acessibilidade por modalidades públicas e/ou coletivas. Assim é que, por criar valor de uso para o automóvel, nossas cidades acabaram sendo preferencialmente consumidas pelos proprietários de automóveis. Em última análise pode-se afirmar que o modelo urbano da metropolização e industrialização tardia no Brasil tinha como compromisso integrar as atividades da cadeia de atividades diárias do cidadão proprietário de automóvel, através de investimentos maciços em infra-estrutura rodoviária, por parte do poder público, e de estoques de vagas, por parte de investidores privados.

a pé44%

automóveis19%

transportepúblico

29%

motos1%

bicicleta7%

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O investimento público tem servido para viabilizar, predominantemente, uma mobilidade desigual: poucos deslocam-se muito para atender suas necessidades de consumo e muitos deslocam-se pouco porque pouco também consomem. Não há nesse modelo compromisso algum com a função social da propriedade ou a responsabilidade sócio-ambiental no âmbito das empresas. Não é por acaso que somente agora, com tanta perda e comprometimento da qualidade ambiental urbana, com ameaça concreta à auto-sustentabilidade do modelo metropolitano no Brasil, que começa a surgir a busca por alternativas. Não há como garantir a reprodução desse modelo de produção urbana atrelado à tecnologia automobilística, construindo viadutos e vias expressas para aumentar a capacidade de tráfego de automóveis e agregar valor de uso a toda à sua cadeia produtiva, desde o próprio automóvel, o petróleo, até o edifício com garagem. É o modelo de urbanização sem compromisso com a responsabilidade social e que privilegia a mobilidade rodoviária de poucos que precisa terminar até para que a cidade seja menos segregada sócio-espacialmente. II.2 Os desafios paradigmáticos colocados para o futuro da mobilidade urbana A discussão das cidades sustentáveis ganhou impulso a partir da década de 90, com a Conferência das Nações Unidas para o Meio Ambiente e Desenvolvimento no Rio de Janeiro, em 1992 e a Conferência das Nações Unidas para os Assentamentos Humanos (HABITAT II) em Istambul em 1996. Em 1992 foi a aprovada a Agenda 21, um documento desenvolvido com a contribuição de governos e instituições da sociedade civil de 179 países durante a conferência “Cúpula da Terra”, que é baseado no conceito de desenvolvimento sustentável. Já a conferência de 1996 procurou conciliar a agenda de sustentabilidade com a agenda Habitat, priorizando considerar a excessiva concentração de população, os sem moradia, o aumento de pobreza, o desemprego, a exclusão social, a instabilidade familiar, o emprego inadequado de recursos, a carência de infra-estrutura e serviços, a falta de planejamento, o crescimento da insegurança e violência, a degradação ambiental e o aumento da vulnerabilidade a desastres. Para os países centrais da economia mundial, a questão da urbanização vem sendo tratada como uma questão ambiental, para garantia de um meio ambiente equilibrado para todos. Nesses países os direitos que acentuam o princípio da igualdade, ou de segunda geração, já estão assegurados e a propriedade urbana já cumpre sua função social. Para os países em desenvolvimento, principalmente, a questão da urbanização precisa ser tratada para além da questão ambiental e incorporar a social para que as suas cidades também possam crescer de uma forma sustentável, permitindo a produção e o crescimento sem comprometer a base de recursos naturais e contribuindo para a diminuição da segregação sócio-espacial e do conflito social. Segundo a Seção Observatório Urbano Global de 1999, das Nações Unidas, a taxa de crescimento dos assentamentos urbanos nesses países é cinco vezes maior do que os dos países desenvolvidos, além de já confrontarem com graves problemas de habitação, infra-estrutura e serviços e saturado sistema de transporte, oferta de água insuficiente, problemas de saneamento e poluição ambiental. Alguns problemas urbanos vem sendo progressivamente tratados e considerando a problemática ambiental, como é o caso do lixo. O problema do lixo e da coleta seletiva, já é uma realidade no Japão e na Dinamarca que reciclam entre 70 e 100% do lixo

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urbano produzido. Alemanha, França, Espanha e Portugal além de reciclar, geram energia através da sua queima. A União Européia recicla 40 milhões de toneladas de papel e papelão. O Brasil já é líder da reciclagem do alumínio, 80% das latas já são recicladas, seguido de Japão, com 79%. O Japão utiliza essa tecnologia para economizar dinheiro e energia. O caso brasileiro incorporou o tratamento da pobreza através dos catadores de lata (Revista Veja, 2004). A forma como o lixo passou a ser tratado no Brasil, como preservação ambiental e como fonte de renda para os excluídos, já é um exemplo para outros países. A ocupação urbana está sujeita a dois recursos naturais escassos: a terra, para uso residencial, e a energia, para a mobilidade. O consumo da terra depende diretamente da compactividade dos assentamentos e no adensamento residencial. O consumo de energia depende indiretamente das mesmas variáveis através dos padrões de mobilidade como extensão de viagens e escolha entre modos públicos e privados. As relações entre esses padrões de mobilidade e as diferentes intensidades de uso e ocupação do solo (relação transporte/uso do solo) vêm sendo cada vez mais investigadas nos Estados Unidos e na Europa. Políticas de planejamento se aproximam do compromisso com a sustentabilidade urbana e procuram afastar-se de paradigmas urbanos problemáticos como, a ocupação espraiada nos limites urbanos, que além de consumir terra excessivamente, é responsável por altos custos de infra-estrutura e energia, congestionamento das redes de transporte, segregação e especialização do solo e, conseqüentemente, degradação ambiental (CAMAGNI et al., 2002). A mobilidade urbana vinculada à ocupação urbana é uma questão que já vem sendo tratada no exterior através da promoção de circulação sustentável e desestimulo à mobilidade irrestrita do automóvel, e incluem-se nas mais recentes estratégias de planejamento de transportes. Nos EUA é chamada de Gerenciamento da Demanda por Viagens (TDM ou Travel Demand Management), na Europa é conhecida como Gerenciamento da Mobilidade (MM – Mobility Management). O Gerenciamento da Demanda por Viagens (TDM ou Travel Demand Management) é um conceito surgido nos EUA nos anos 70, a partir de regulamentações federais, que procurava gerenciar a crescente demanda de viagens sem a necessidade de construção de mais infra-estrutura. Isso se deu pelo declínio da capacidade de financiamento, pelas conseqüências ambientais de ter o automóvel como transporte pessoal e pela crise do petróleo. Compunha-se de dois principais programas: a redução de congestionamentos através de técnicas de engenharia de tráfego e a combinação de necessidade de mobilidade com qualidade ambiental através de planejamento e regulamentação ambiental, que a partir dos anos 80 convergiram (MEYER,1999). Segundo MEYER (1999), o conceito teve vários focos durante o tempo, como, aumentar a eficiência e a capacidade de tráfego, propor alternativas a investimentos em infra-estrutura de grande escala, diminuir o consumo de combustível por causa da crise do petróleo, melhorar a qualidade do ar e mais recentemente, reforçar a política de uso do solo e de densidade urbana. As estratégias adotadas procuravam influenciar o comportamento individual através de três ações principais: oferecer uma ou mais alternativas de modos de transporte ou serviços que resultem em maior ocupação por veículo, como car-pool e van-pool; promover incentivos ou restrições para reduzir viagens ou incentivar viagens fora das horas de pico; incentivar viagens através de meio de não-transporte, como telecomunicações para trabalho e compras. Após 20 anos de

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implementação, foi verificado que a ação que mais provoca mudanças no comportamento de viagens era o imposto sobre veículos que transportavam apenas uma pessoa. O Gerenciamento da Mobilidade (MM – Mobility Managment) é uma abordagem européia dos anos 80 de orientação de demanda para transporte de passageiros e carga que envolve novas parcerias, entre empresários, empregados e autoridades locais, e uma série de ferramentas, como informação, comunicação, organização e coordenação, para apoiar e encorajar mudança de atitude e comportamento em direção a modos de transporte mais sustentáveis, como caminhada, bicicleta, car-pool e transporte público. Grupos europeus, como o GTZ - Transport and Mobility Group (Deutsche Gesellschaft für Technische Zusammenarbeit) já consideram que MM e TDM são sinônimos. Estes conceitos foram disseminados na Europa por meio de dois projetos: o MOMENTUM, “Mobility Managment for Urban Environment”, de 1996 a 1999, que desenvolveu treze projetos de demonstração, sendo que em Graz, na Áustria, Munster, na Alemanha e Namur, na Bélgica houve continuidade após o fim do projeto; e o MOSAIC, “Mobility Strategy Aplications in Community”, de 1996 a 1999, que atuou no Reino Unido, Alemanha e Holanda com três projetos pilotos. O MOST, “Mobility Managment Strategies for the Next Decades”, de 2000 a 2003, que deu continuidade aos projetos anteriores, acrescentou novos elementos e contava com trinta parceiros em quinze países da Europa. Em 1998, o EPPOM, "European Plataform on Mobility Managment", foi desenvolvido em conseqüência do aumento de interesse da Comissão Européia e reúne desde então toda a informação e a demonstração dos projetos já implantados. (EPOMM, 2000). O Grupo de Pesquisa Móbile/UFRJ chegou a propor, no ECOMM de 2004, a construção na Europa do Eco-Móbile - European Reference on Mobility Management, um parque temático sobre a Mobilidade Sustentável como centro de referência concreta e de treinamento para equipes técnicas da Europa e da América Latina (MARTINS et al., 2004). Ao longo dos anos, algumas estratégias de gestão da mobilidade típicas, como os centros de mobilidade, os serviços de transporte para tipos de viagem e público-alvo específicos e os “green commuter plans” (planos de mobilidade para empresas), disseminaram-se na Europa com pequenas variações em cada localidade. Outras experiências européias já procuram tratar de forma vinculada a questão transporte/uso do solo. Isso foi reconhecido no Transland, estudo realizado em 2000 e financiado pela Comunidade Econômica Européia para identificar políticas inovadoras de planejamento de transporte e uso do solo. A partir de 26 casos estudados, foram selecionados seis, considerados “melhores práticas”, que além de atenderem aos objetivos de sustentabilidade econômica, social e ambiental do Transland, demonstraram serem transferíveis a outras cidades. Os casos considerados “melhores práticas” foram Política de Localização ABC e Groningen na Holanda, Gävle Cyclestad na Suécia, Bologna na Itália, Euralille na França e Manchester Metrolink na Inglaterra (TRANSLAND, 2000). Todas essas iniciativas visam disciplinar o uso do automóvel e estimular modos de transporte mais sustentáveis, mas CAMAGNI et al. (2002) ressaltam que, em muitos casos, a escolha de modos de transporte para o indivíduo é como um “dilema de um prisioneiro”, ou adota um comportamento cooperativo, ajudando a reduzir o

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congestionamento com o uso de transporte público, ou adota um comportamento não-cooperativo, usando o carro na esperança de que os outros não o façam. Para o autor, esse dilema leva a soluções que são individualmente racionais, mas coletivamente ineficientes. O próprio movimento classifica as medidas em “carrots and sticks”, que são a esperança de um prêmio, como os incentivos positivos para transporte coletivo, e a ameaça de punição que são os negativos para desencorajar o uso do automóvel (MEYER,1999. LITMAN,1999). No trabalho de LOUKOPOULOS et al. (2004) em pesquisa de foco com grupo de funcionários usuários de automóveis da Universidade de Göteborg, Gothenburg, Suécia, foi possível identificar que a mobilidade também é percebida com o mesmo dilema. Àquele grupo foram apresentados três cenários de aplicação de medidas de TDM: proibição de tráfego de automóveis no centro da cidade, cobrança de imposto para automóveis em zona restrita da cidade e marketing individualizado, que é um plano de mobilidade atendendo as características individuais de cada motorista. No primeiro cenário, segundo as respostas espontâneas do grupo de foco, as viagens a trabalho seriam resolvidas com a utilização de transporte público ou com trabalho em casa, as de compras teriam outros destinos. As de lazer foram consideradas que seriam as menos afetadas porque os horários da proibição não iriam coincidir com os desta atividade ou porque se consideraria dirigir até o local mais próximo e seguir andando. No segundo cenário, as viagens a trabalho seriam melhor planejadas, mudando de horário ou aderindo ao transporte coletivo, ou esses custos seriam incorporados ao de trabalho. As viagens a compras e ao lazer seriam pouco afetadas porque incluiria esses custos a essas atividades ou se evitaria essas áreas restritas. Somente as viagens a trabalho do terceiro cenário seriam realizadas por serviços do transporte público, porque esses são assumidos como melhores. Consideraram que esta escolha evitaria a combinação com outras atividades como esportes, compras e lazer (LOUKOPOULOS et al., 2004). Os dois primeiros cenários foram descritos como medidas coercitivas. Segundo o estudo, “as medidas mais coercitivas podem ter efeitos negativos como aumentar as expectativas em relação aos custos ou aos sacrifícios que os moradores não aceitarão...” e “as inconveniências surgidas das medidas de TDM tendem a ser resolvidas sempre que possível pela mudança do padrão de viagem (ex. outros destinos ou mudança da hora da viagem) ao invés da redução do uso do carro” (LOUKOPOULOS et al., 2004). O terceiro cenário foi percebido mais como um complemento do que uma medida. A adoção dessas medidas é encarada como “sacrifícios” e “inconveniências” que precisam ser incorporadas na rotina em prol da diminuição da poluição e da melhoria da circulação. É o “dilema do prisioneiro” presente nas respostas do grupo de foco e nas próprias considerações dos autores. Ficou claro no estudo que os indivíduos consultados, todos usuários do automóvel, preferem mudar o destino de suas atividades, trabalhar em casa, incorporar maiores custos ou restringir as suas viagens a ter que se submeter a “sacrifícios” pessoais pela coletividade.

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Mesmo submetendo os cidadãos a inconveniências e sacrifícios, as principais cidades européias já adotaram medidas para restringir o uso do automóvel. Em Paris, diversas medidas simultâneas foram adotadas: prioridade viária a ônibus, bicicleta e caminhada; a interdição de vias, principalmente as que servem de entrada para a periferia; a transformação de ruas em praças e calçadas e a restrição de velocidade limitada a 30km/h. O estacionamento gratuito está em extinção, por causa da implantação de 40km de corredores de ônibus, e o seu preço aumenta à medida que se aproxima das áreas de emprego. Em contrapartida, a administração municipal aumenta a eficiência do transporte público: 16 linhas de metrô e 300 estações, corredores de ônibus e linhas de “tramway”. Paris, em três anos, reduziu o tráfego de carros em 10%. Londres, somente com a adoção do pedágio eletrônico, medida em que os motoristas são monitorados por 800 câmeras que os multam ao circular nos 20km2 da área central, reduziu o tráfego em 16% em 6 meses (Jornal Folha de São Paulo, 2004). Em Paris, essas medidas estão sendo tomadas simultaneamente à formulação do PLU (Plano Local de Urbanismo) em substituição ao plano anterior. O seu desenvolvimento divide-se em diagnóstico em 2002, formulação de um projeto de cidade em 2003 e consulta popular em 2004. Os resultados da consulta nortearão as regras do futuro regulamento que será submetido ao Conselho de Paris em 2005 e a uma nova consulta popular. O novo regulamento, novamente submetido ao Conselho de Paris, entrará em vigor em 2006 e fixará as regras para a cidade para os próximos 20 anos (www.paris.fr/fr/urbanisme/plu, Set/2004). Paris, além de já poder se tornar uma referência em gestão urbana democrática, com a participação popular no processo de planejamento, ainda inclui no plano novos instrumentos que propiciam a circulação e o adensamento urbano sustentável. Eis as novas regras previstas no PLU para estacionamento de veículos (www.paris.fr/fr/urbanisme/plu, Set/2004):

“- para usos diferentes de habitação, supressão das exigências mínimas de construção de vagas (para evitar o estímulo ao uso do automóvel)”; - para habitação, diminuição das exigências (obrigação de construir vagas corresponderá a 15% do terreno, podendo ser uma vaga para 2 apartamentos); o que reduz à metade as exigências anteriores; além disso, uma franquia será aplicada (nenhuma obrigação para um programa de menos de 1000m2, para 10/12 apartamentos); - obrigação de construir um local particular para bicicletas; - interdição de construção de praças de estacionamento em vias estreitas (largura inferior a 8m) ou em áreas restritas a caminhadas ou quando sua realização atingir a preservação do patrimônio; - construção de vagas para motos nos parques de estacionamento.”

No próprio texto do Plano, “ce qui évite tout effet d’incitation”, já fica claro que a prefeitura de Paris entende como se dão os estímulos para a mobilidade do automóvel. A oferta de vagas de garagem e a retração do comércio local (Jornal Folha de São Paulo, 2004, reportagem abaixo) são algumas fontes de estímulo à circulação insustentável.

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“Não existe uma só padaria na área da avenida Champs-Elysées. Aparentemente banal, a ausência de baguetes fresquinhas saídas do forno no bairro mais badalado da cidade é o exemplo extremo de uma questão crucial para a Prefeitura de Paris: a retração do pequeno comércio. Nos últimos dez anos, o número de mercearias diminuiu 25%, o de peixarias e açougues, 35%. Em três anos, 110 açougues baixaram as grades. Sem o açougueiro, o fruteiro ou o florista do bairro, os moradores tem de andar mais ou pegar o carro para comprar o básico. Resultado: mais congestionamentos, mais poluição, tudo o que a prefeitura não quer. Além disso, os bairros se descaracterizam, e os habitantes os abandonam. "Sem comércio, não há vida", resume Pierre-Alain Brossault, consultor da Secretaria de Urbanismo.”

O Plano também estimula o adensamento popular, para que a cidade alcance pelo menos 20% de habitações populares; dificulta a instalação de grandes lojas, a especialização comercial de ruas e restringirá a transformação de lojas em residências com até mesmo subsídio ao comerciante (Jornal Folha de São Paulo, 2004). Outras cidades, ao se aproximarem dos princípios sustentáveis, implementaram em seus órgãos administrativos a ISO 14.001. Essa norma trata do sistema de gerenciamento ambiental e se aplica aos aspectos ambientais que uma organização controla e que influencia. Em Nova York, EUA, as autoridades técnicas do departamento NYCTA (New York City Transit Authority) usaram a norma para planejar segundo os princípios ambientais, organizar esse setor público e gerenciar contratos. O foco é o ciclo de vida de uma edificação e o projeto de construção e procurar atender as regulações obrigatórias de recursos naturais, de problemas na comunidade e de qualidade do ar. Esse novo processo otimiza o trabalho do órgão e é sentido no uso da edificação como redução de custos de energia, melhor qualidade do ar interno, etc (KRUT et al., 2000). A Municipalidade de Hamilton-Wentworth, Canadá, a partir do esforço dos líderes comunitários de uma população de 470.000 habitantes, elaborou um plano que também procurava se adaptar a norma ISO 14001. O foco era o tratamento e a coleta de água, a distribuição desses serviços, o gerenciamento do lixo e o planejamento regional. Órgãos de cidades na Nova Zelândia, Reino Unido e Austrália também já adotaram a norma nos seus procedimentos (BEKKERING, 2000). MAXIME (2004) criticou o fato do gerenciamento da mobilidade de empregados não constar expressamente na norma 14001. “Standard ISO 14001 should be completed by the need to incorporate personal mobility, including that of employees, in actions to control environmental impacts.” (A norma ISO 14001 deveria ser completada pela necessidade de incorporar a mobilidade pessoal, incluindo a dos seus empregados, em ações para controlar impactos ambientais). Infelizmente, hoje, o entendimento do gerenciamento dos impactos ambientais dá-se facultativamente a partir da própria empresa, sem obrigação legal. A crítica é pertinente quando ela incide sobre o entendimento da norma e não sobre a sua redação, que é generalista. Muitas empresas européias já tentaram implantar ou implantaram planos de mobilidade para seus funcionários (green commuter plan ou green transport plan). Exemplos na Espanha e na Escócia apresentam as mesmas características. Suas atividades são

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diversas, de fábricas a hospitais. Localizam-se fora das áreas urbanas, por causa dos preços dos terrenos, e com alta acessibilidade rodoviária, com exceção da área industrial da Região Metropolitana de Barcelona, que dista pelo menos 20 minutos do metrô e do ponto de ônibus (RYE et al., 2000. LOPEZ-LAMBAS, 2004). Suas motivações para implantá-los vão desde a necessidade de minimizar impactos ambientais: economia de energia e congestionamento; a questões de imagem: garantir a continuidade da certificação ISO 14001 e benefícios tanto para o ambiente interno quanto externo. Outra motivação identificada, no caso da Hewlett-Packard, na cidade de Edinburgo, Escócia, foi a expansão de suas plantas industriais e o aumento do número de funcionários que demandaram mais vagas de estacionamento disponíveis (RYE et al., 2000. LOPEZ-LAMBAS, 2004). Nos casos de maior sucesso na Escócia, a Hewlett-Packard, havia a percepção de um problema operacional, principalmente a escassez de vagas, e a existência de uma cultura corporativa na empresa que chegou a disponibilizar um grupo de trabalho para esta função. Esse grupo chegou a articular com outros agentes a implementação de melhorias na acessibilidade o que acarretou em melhorias no nível de serviço dos modos alternativos ao carro e mudou a percepção dos usuários. Também mantinha atualizado as informações sobre serviços de transporte. A gerência responsável esperava reduzir em 10% a quantidade de automóveis em três anos, mas após o programa implementado, já esperava a redução em 15%. Se a cultura corporativa pode ser uma vantagem, a sua ausência é uma barreira, porque não cria essas condições (RYE et al., 2000). Tanto o estudo espanhol, que verificou um alto potencial de desenvolvimento desses planos, quanto o escocês apontaram a necessidade da autoridade municipal em criar as condições para implementá-los por meio da melhoria do transporte público e do planejamento de uso do solo. Já há um entendimento de que as áreas industriais com farta acessibilidade rodoviária e pouca oferta de transporte público estão com o seu futuro comprometido por causa da saturação das vias de acesso e pela impossibilidade de comprar terrenos para alocar os carros dos funcionários, no caso de expansão industrial (RYE et al., 2000. LOPEZ-LAMBAS, 2004). Cada vez são mais sérios os problemas operacionais criados pela dependência do automóvel, o que acarreta em uma necessidade contínua de mais vagas. Isso se aplica a pólos geradores de tráfego, de qualquer natureza, tanto de uso industrial quanto de uso comercial (ver II.3.3.1). Uma cultura corporativa com capacidade de articulação com outros grupos envolvidos e de conscientização através de marketing, para qualquer tipo de atividade, pode propiciar os estímulos e as restrições para uma mudança de atitude em relação à mobilidade. Alternativas atraentes de transporte sustentável podem ser oferecidas aos atuais motoristas de automóvel, sem necessariamente implicar em inconveniências e sacrifícios. Mas é imprescindível a atuação do Estado para que sejam criadas essas condições (parcerias público-privadas) por acordos formais, novos instrumentos, legislação específica, expansão de infra-estrutura e isenção fiscal. II.3 Uma proposta de gestão da mobilidade a ser investigada: o "Conceito Móbile"/UFRJ para Produção e Gestão Integradas de Transporte e Uso do Solo

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O Estado, tanto no que se refere ao estabelecimento de políticas públicas de transporte (com ênfase em investimentos na infra-estrutura rodoviária) quanto no que se refere ao estabelecimento de políticas de urbanização, (com ênfase para a manutenção de valor de uso para o automóvel através da obrigação ao capital imobiliário de oferecer estoque de vagas para automóveis) não assumiu o compromisso público de estimular uma mobilidade que seja efetivamente usufruída por todos e que possa gerar ou disseminar atributos locacionais nas áreas mais necessitadas, distribuindo as oportunidades urbanas no território. No Brasil, o Estado não fez a opção por adaptar o espaço urbano à maioria das pessoas, mas sim, continua privilegiando o acesso às oportunidades urbanas (emprego, estudo, comércio e lazer) às classes econômicas mais favorecidas. Com a recente compreensão das demandas ambientais, recaem também sobre os empreendedores parcela de responsabilidade pela preservação da qualidade ambiental (impossível de ser mantida em um modelo comprovadamente insustentável). Até hoje, a empresa teve ampla liberdade para realizar empreendimentos, atendendo somente aos requerimentos formais/legais, em relação aos quais a qualidade ambiental não esteve incluída. Atualmente, preservar o meio ambiente e promover a livre iniciativa são princípios da ordem econômica (vide Constituição Federal) e, por isso, o tratamento da circulação urbana com qualidade passou a ser, mais uma vez, uma tarefa ou requerimento formal/legal que o estado precisará definir. Ou então, antecipadamente, o próprio capital imobiliário, com perspicácia, poderá incorporar em seus processos e metas o que o novo ciclo de acumulação capitalista define como valor (qualidade ambiental) até como estratégia empresarial. E é com esse enfoque (isto é: como despertar nas empresas de construção civil a oportunidade de novos negócios de transporte coletivo vinculado à produção imobiliária) que se pretende encaminhar, a partir daqui, a resposta à segunda questão definida inicialmente. O grupo de pesquisa Móbile, da UFRJ, com apoio do CNPq, desenvolveu uma proposta de produção e gestão integrada de transporte e uso do solo em atendimento às metas de sustentabilidades econômico-financeira, social e ambiental. Tal conceito foi aplicado em um estudo de viabilidade técnica encomendado pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) para dez metrópoles brasileiras. O conceito foi desenvolvido a partir da prática do grupo na assistência técnica do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro na mediação de conflitos entre empreendedores e comunidades. Insere-se tanto na atual reflexão de estratégia empresarial, quanto nos objetivos estabelecidos pelo Estatuto da Cidade e é baseado em três temas principais: (i) Produção e Gestão Integradas de Transporte e Uso do Solo, (ii) Produto-serviço Ampliado por estratégia de Marketing de Relacionamento e (iii) Empreendimentos com Responsabilidade Sócio-Ambiental. Produção e gestão integradas de transporte e uso do solo, de certo modo, já existiu no Rio de Janeiro na passagem dos séculos XIX e XX. A expansão urbana em direção à Copacabana foi estimulada pela empresa concessionária das linhas de bonde e energia elétrica, que proporcionava economias de localização àquele espaço. As linhas de bonde e de eletricidade expandiam-se e imprimiam valor de uso aos terrenos. O produto-serviço ampliado pode ser entendido como um pacote de benefícios que além

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de ter valor de compra, tem valor de uso e incorpora uma série de serviços mais atrativos e capazes de atender as expectativas dos consumidores (KOTLER e GRÖNROOS apud BODMER, 2004). O marketing de relacionamento constitui-se na aceitação da orientação para o cliente e para o lucro da empresa e no reconhecimento de que se deve buscar novas formas de comunicação para estabelecer um relacionamento profundo e duradouro com os clientes e todos os outros agentes (BREZKE apud BODMER, 2004). Uma das formas mais difundidas dessas práticas são os programas de fidelização, pelos quais as empresas constróem relacionamentos estáveis e duradouros com seus clientes, que passam a ser considerados “associados”, a partir de descontos e ofertas em compras repetidas. As organizações/empreendimentos com responsabilidade social, como já foi descrito anteriormente, além de mitigarem os impactos ambientais que provocam, ainda estendem benefícios aos seus grupos envolvidos. O Grupo Móbile/UFRJ/CNPq propõe que a produção do espaço urbano esteja vinculada à produção de transporte, oferecendo-se ao grande empreendimento urbano a possibilidade de articular-se a outros grupos envolvidos, em redes, por serviços especiais de logística urbana, ao invés da obrigatoriedade de oferecer apenas vagas de estacionamento (MARTINS et al., 2000 e MARTINS et al., 2002a). Essa proposta permite que empreendimentos urbanos aumentem o percentual de uso da área construída ao converter parte da área destinada a vagas de carros em área útil, oferecendo outras formas de acessibilidade ao empreendimento além do automóvel. Para um empreendimento assumir a sua responsabilidade social, deveria oferecer articulação com outras atividades urbanas (imobiliária, comércio, serviços e lazer), proporcionando ao cidadão executar sua cadeia de atividades diárias no âmbito de sua comunidade através de rede de parcerias estratégicas. O transporte passa a ser um facilitador de consumo para as atividades oferecidas nesses clusters imobiliários17, desde que inserido em um pacote compras-benefícios para os clientes associados, tornando-os fiéis ao negócio, e os empreendimentos urbanos passam a ser as portas de entrada da rede. Experiências bem sucedidas de parcerias estratégicas com vistas à fidelização da demanda podem ser observadas no transporte aéreo (programas de milhagem). A importância estratégica do conceito desenvolvido na UFRJ está em que, articulado com seus grupos envolvidos (comunidade e empreendimentos da rede), um empreendimento urbano amplia sua relação com a cidade e potenciais clientes, cumprindo uma função de interesse público: oferta de acessibilidade. Com isso, ao invés da imagem atualmente associada a pólo gerador de tráfego (atividade poluidora), o empreendimento que integra a rede passa a desempenhar o papel de efetiva estação ou terminal, constituindo-se, dado seu porte, em Núcleo Estruturador de Tráfego (NET) e, por isso, passa a ser percebido como empresa socialmente responsável.

17 Clusters - Um aglomerado de empresas pode obter vantagens competitivas quando sua localização

garante-lhes mão-de-obra, fornecedores, infra-estrutura, percepção e informação melhores que a seus competidores (PORTER apud ZADEK et al., 2002). Nesse sentido, o conceito de "cluster imobiliário" remete a um conjunto de atividades urbanas complementares que se aproximam em função das vantagens (economias) locacionais para se beneficiarem delas, contribuindo para disponibilizar no espaço comunitários as atividades cotidianas ou necessárias para cumprimento ou realização da cadeia de atividades típicas de diferentes segmentos sociais.

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Para o associado ou cliente-cidadão18, o serviço de transporte é percebido como gratuito, porque é desenvolvido dentro de um pacote de benefícios do empreendimento associado à rede de atividades. Esse pacote funciona como um “programa de fidelidade”, pelo qual o uso do serviço proporciona maiores facilidades de compra ou de uso das atividades. Ao oferecer aos usuários de automóveis da rede, ou a outros perfis de clientes-cidadãos que considerar relevante, um serviço diferenciado e exclusivo de transporte, todos os impactos oriundos da circulação individual são diminuídos, como poluição sonora e ambiental, preservando-se assim a qualidade ambiental urbana. A logística urbana proporcionada pela integração, no espaço comunitário, das atividades diárias do cidadão vai ao encontro dos interesses de comunidades urbanas, que pretendem ter a qualidade ambiental de seu território preservada, além de investimentos em micro-acessibilidade (circulação no interior do território) que conectam as atividades urbanas entre si. A articulação das atividades urbanas entre si em sua área de influência imediata (micro-acessibilidade) e a uma modalidade estruturadora e de alcance metropolitano (macro-acessibilidade), permite preservar o interior do território comunitário (zona ambiental19) dos impactos da circulação de passagem. Promove-se com isso, a efetiva participação de beneficiários indiretos do transporte (capital imobiliário) no seu financiamento. A captura do valor que consegue o capital imobiliário em função da acessibilidade, que é socialmente disponibilizada pelo estado, com a aplicação do "Conceito Móbile" passa a ser parcialmente devolvida à coletividade quando, a título de cumprir a sua responsabilidade social, um incorporador assume o compromisso de vincular acessibilidade em modalidades coletivas e sustentáveis ao seu empreendimento, atendendo a comunidade de sua área de influência ou de mercado. A identificação dos atores que poderiam trabalhar de forma sinérgica a cadeia logística de transporte-uso do solo estão na Figura 2. Figura 2 – Promoção de sinergia da cadeia logística transporte-uso do solo para revitalização de comunidades urbanas

FONTE: MARTINS et al. (2002)

18 Cliente-cidadão - Consumidor exigente e participante do processo de produção e de consumo dos

serviços urbanos públicos e privados. 19 Zona ambiental - unidades territoriais com identidade funcional (tipologia de uso do solo e

características da circulação), formal (tipologia de edificações e vias, relevo e paisagismo) e estrutural (densidade urbana, perfil sócio-econômico, áreas livres, limites de capacidade de transporte e de suporte ambiental e infra-estrutura de transportes e serviços).

Capital Financeiro

Atividades Urbanas

Capital Fundiário

Capital Construtor (Incorporador)

Fornecedores de Equipamentos e Energia

Fornecedores de Tecnologia

Operadores de Transporte

Produção de Acessibilidade

Produção de Atividades

COMUNIDADE

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Ao administrador público, que deveria estar sendo acionado pela sociedade, cabe promover a obrigatoriedade para os municípios (já que uso do solo é de sua competência) regulamentarem os institutos urbanísticos definidos no Estatuto da Cidade (com destaque o Relatório de Impacto de Vizinhança e a Transferência do Direito de Construir) em seus Planos Diretores e, principalmente, legislação específica para grandes empreendimentos urbanos. Pois o que se defende aqui é que a propriedade urbana no Brasil, especificamente o grande empreendimento urbano, cumpra sua função sócio-ambiental assumindo sua responsabilidade social de financiar infra-estrutura urbana (que lhe agrega valor), em troca, a título de contrapartida, de explorar maior potencial construtivo (adensamento urbano) na área que passaria a ter o uso modificado (de vagas para área útil). O modelo de concessão sugerido por Móbile no estudo financiado pelo BNDES é: o poder público licita um serviço de transporte para atender as atividades urbanas (grandes empreendimentos) em rede, segundo uma quantidade de assentos, horários e freqüência e conforto estabelecidos previamente em função da demanda estimada para os empreendimentos atendidos. Cada empreendimento associado da rede contribui financeiramente com sua parcela, proporcionalmente ao uso estimado que fará da rede (estimativa de demanda). O financiamento privado pode se dar na forma de contribuição por melhoria, já que é um serviço oferecido pela administração pública às atividades urbanas de algumas localidades que se quer intensificar o crescimento, usando-se a infra-estrutura pública20. No ato de aprovação de um grande empreendimento a autoridade pública (ou a concessionária dos serviços especiais para tal rede de atividades) seria consultada para declarar a existência de capacidade instalada que justificasse a aprovação do empreendimento. Caso não existisse, a capacidade do sistema seria redimensionada para justificar o empreendimento, da forma como já ocorre hoje com energias elétrica e saneamento. Assim, estabelecer-se-ia uma parceria interessante para os grupos envolvidos: as empresas de transporte ofereceriam seu serviço; os empreendedores converteriam parte de suas vagas de garagem em área útil e mitigariam seus impactos ambientais acarretando em melhora da sua imagem; o poder público licitaria o serviço, mantendo-se atrelada à expansão do uso do solo a oferta de transporte; e as comunidades urbanas teriam serviços de transporte exclusivos e a qualidade ambiental preservada. Esse modelo mantém a coordenação da rede pelo poder público e garante a redefinição contínua do serviço de transporte à oferta de espaço construído. O tratamento do serviço de transporte como produto-serviço ampliado (uma rede de atividades e serviços urbanos) gera impactos positivos na qualidade ambiental urbana e na imagem de marca dos empreendimentos envolvidos. Ao invés dos “vilões” da qualidade ambiental, tornam-se empreendimentos sócio-ambientalmente responsáveis. Essa proposta procura diminuir as viagens geradas por automóveis nas áreas contempladas pela área de influência da rede. Pode ser aplicada tanto na ocupação extensiva, com o transporte estimulando a atração e a distribuição estratégica de novas atividades em áreas de expansão urbana, como na ocupação intensiva, porque o transporte pode mitigar as externalidades negativas (poluição sonora e atmosférica,

20 No caso da circulação viária, por exemplo, pode-se delimitar uma faixa ou vias exclusivas para os

serviços próprios das redes de atividades.

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tráfego, etc) e definir novos planos de circulação integrados as atividades urbanas já existentes. O "Conceito Móbile"/UFRJ proporciona a identificação de potenciais parceiros na oferta de bens e serviços ao considerá-los complementares ao invés de concorrentes (por exemplo: supermercados, escolas, hospitais, hotéis, sede de empresas, bancos e estações de transporte de alta capacidade que poderiam estar articuladas com um empreendimento do tipo shopping center). A incorporação da gestão da mobilidade em empreendimentos urbanos de grande porte vem atender as necessidades de expansão empresarial, porque não se limita à oferta de serviços de transportes por parte do Estado e também pode estimular novas áreas de seu próprio interesse através da promoção de acessibilidade própria. Isso vincula uma imagem de empresa-cidadã aos empreendimentos da rede e aos agentes envolvidos, evita conflitos (porque identifica e procura tratá-los antes de se tornarem processos judiciais), dividem custos e responsabilidade ao atuar na sociedade de forma mais significativa, melhora a qualidade ambiental ao minimizar os impactos da circulação viária e cria um vínculo com os clientes-cidadãos, entre outras.

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III. Condições e instrumentos para a reversão da degradação sócio-ambiental urbana e a aplicação do "Conceito Móbile" III. 1 Mudanças no modelo de desenvolvimento capitalista e suas demandas sócio-ambientais

“...o capitalismo é um sistema flexível, que sabe se adaptar. Há crises, sem dúvida, pois o capitalismo só caminha com crises, elas são inerentes ao seu funcionamento, mas sua força está em que ele, de certa maneira, aceita sua contestação e, portanto, é capaz de se corrigir” (LIPOVETSKY, 2003) “A crítica não é mais possível no sentido de alguém ter um critério de julgamento e querer exercê-lo sobre a realidade. Apesar de continuarmos fazendo isso, esta crítica é difícil, porque qualquer julgamento negativo é rapidamente absorvido pelo sistema, por suas máquinas tecnológicas e ideológicas que têm uma enorme potência para digerir toda negatividade. Portanto, criticar é funcionar um pouco como álibi do sistema, alimentar o sistema com a crítica... O sistema tem a capacidade de integrar todas as forças contraditórias” (BAUDRILLARD apud MARTINS, 1996).

Essas citações sugerem que o capitalismo é uma estrutura sócio-político-econômica que se perpetua no tempo e no espaço em constantes reformulações que absorvem o que surge como crítica a ele ou sua antítese. Alguns autores, como SOJA (1983) e MARTINS (1996), a partir de MANDEL e KONDRADIEFF compreendem-no em ciclos que alternam períodos de ascensão e declínio de acumulação de capital, que são coincidentes com estas reformulações e críticas. A última fase ou ciclo identificado - o Capitalismo Monopolista de Estado ou Capitalismo Tardio - teve início com o fim da 2º Guerra Mundial, em 1945 (segundo SOJA, 1983, para os EUA o início deu-se em 1940, com o início da guerra). Para compreender o atual momento do capitalismo é preciso retornar a esse último ciclo porque além de trazer consigo todas as contradições não resolvidas dos ciclos anteriores (e que ficaram registradas no espaço físico das cidades), também torna mais compreensível diversas reformulações que o sistema capitalista está atualmente processando. No aspecto urbano, ou seja, na relação entre os homens e o ambiente construído, a cidade do Capitalismo Monopolista de Estado apresenta fortes conflitos sociais e uma superposição/justaposição de tipologias urbanas de todas as fases anteriores. Observa-se no último ciclo capitalista o fenômeno da metropolização e das migrações campo-cidade porque, tal como anunciado por LOUIS WIRTH (1938) em "o urbanismo como um modo de vida" é na cidade que são oferecidos os benefícios de um novo tipo de Estado (o da previdência social ou do "welfare state") que vai atuar no ocidente como a antítese do Estado socialista que surge no início do século XX no Oriente (MARTINS, 1996). O Estado capitalista do bem-estar social oferece o atendimento às necessidades particulares e sociais, como moradia e bens de consumo, que estimulam a própria produção capitalista após a Guerra (SOJA, 1983). E é na cidade que isso ocorre, exatamente porque aí se pode obter economia de escala para a aparente viabilização do "welfare state". Porém dada a incapacidade do Estado de promover os benefícios sociais na velocidade e na escala necessários a acompanhar o crescimento das cidades,

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intensificaram-se as deficiências dos sistemas urbanos e, por isso mesmo, a própria ordem econômica. MARTINS (1996) identifica esse fenômeno como a crise do espaço capitalista. A instituição do Estado do bem estar social teria se tornado, então, ideologicamente necessária à expansão capitalista frente à ameaça concreta do socialismo, no plano das idéias e da política. Os princípios praticados, baseados em KEYNES, determinavam que “as políticas ditas 'sociais' [ficassem] integradas no rol das medidas de combate aos desequilíbrios e à recessão econômica, pondo a questão dos direitos sociais, em regime capitalista, em um novo quadro político” (COGGIOLA, 2003). Esse Estado capitalista e interventor tinha status militarista porque se desenvolvia tecnologicamente baseado na perspectiva de guerra com o bloco socialista. Com o fim do socialismo e o advento da telemática, esse tipo de Estado também passa a ser considerado obsoleto ou inviável. Para a expansão capitalista passa-se a difundir a idéia de que é preciso que se diminua a atuação do Estado interventor na economia (MARTINS, 1996). ADDA apud COGGIOLA (2003) também afirma:

“O triunfo da ortodoxia liberal, a partir dos anos 70, sancionou o caráter irreversível do processo de mundialização econômica. Expostos à mobilidade crescente dos capitais, os Estados não estão somente limitados no manejo de seus instrumentos tradicionais da política econômica. Também estão submetidos à concorrência pela captação da poupança e dos investimentos. Essa concorrência os lança numa corrida para a desregulamentação, as privatizações e as reduções impositivas que compromete os compromissos sociais surgidos durante o período keynesiano”.

Assim, em mais uma atuação conjunta do Estado e do capital, a lógica da guerra fria é substituída pela lógica da “aldeia global”. O capital reclama do Estado o respeito à liberdade individual para que seja viabilizada a globalização da economia e a democracia, porque barreiras político-ideológicas e ditaduras são incompatíveis com a expansão capitalista que tanto se quer. A contradição entre expansão econômica, que é social e espacialmente desigual ou injusta, porque só se preocupa em acumular capital, e as conquistas sociais teriam justificado no cenário político internacional a proposta social-democrata, que segundo FORSYTHE et al. apud THEDE (2002), "são democracias liberais que interpretam direitos humanos fundamentais para incluir direitos econômicos e sociais”. A social-democracia dos anos 1990 seria, então, a alternativa ideológica em um mundo que deixava, cada vez mais rápido, de ser socialista para tornar-se liberal. Com a social-democracia, dava-se o consentimento para que a organização da sociedade continuasse a se dar nos moldes capitalistas, mas, ao mesmo tempo, promovesse oportunidades concretas de melhoria de condições de vida, principalmente emprego e canais efetivos de participação política individual no processo de decisão. O que muitos autores consideraram “crise da ordem mundial ou transformação do capitalismo moderno” mostrou-se, uma década depois, como uma redistribuição de poder em escala mundial, reforçando-se o poder do grande capital (COGGIOLA, 2003). Nos anos 90, foram crescentes o aporte de recursos e o envolvimento de financiadores

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(fundações privadas e públicas, governos multilaterais, organizações não-governamentais, sindicatos, etc) para a promoção da democracia e da participação. CAROTHERS apud THEDE (2002) considera que muitos programas implantados estão longe de serem efetivos, porque são muito específicos, falham em assimilar ações de poder e fatores econômicos. Ao mesmo tempo em que é identificado um aumento da participação de alguns atores sociais, têm-se dificuldades em reconhecer e atender as demandas dos mais excluídos, o que é acentuado pelas restrições de programas econômicos e sociais. “O desafio mais fundamental para a democracia latino-americana é como, entre as fragmentadas pressões da globalização e liberalização econômica, gerar confiança social e alargar e reconstruir redes de capital social” (LAGOS apud THEDE, 2002). Com relação a isso, MARTINS (1996) enfatiza a alienação do indivíduo na sua relação com os outros, isto é, no ambiente da política, como a crise da democracia que também marcaria o fim do último ciclo capitalista que se iniciara com a Segunda Guerra Mundial. Por isso, aquele desafio apontado por LAGOS dá-se principalmente porque a fragmentação social construiu um cidadão que efetivamente não se percebe como elemento influente no processo de tomada de decisões (até porque como a forma tradicional de organização política se pautava no trabalho, já não se podia identificar interesse comum entre os trabalhadores de “colarinho-branco” e os operários). Para se proteger em um ambiente de adversidades, teria restado ao cidadão aproximar-se de outros por afinidades ou identidades de gênero, de etnia e de religião. Por isso o início dos anos 2000 marcar-se-ia pelo aparente fundamentalismo religioso e cultural como resposta à invasão dos modos culturais do Ocidente (sobretudo a cultura norte-americana) com a tal "globalização" da economia. O evento de 11 de setembro de 2001 em Nova Iorque justificou a emergente redefinição de direitos civis e conquistas sociais de liberdade como resposta necessária à ameaça terrorista do fundamentalismo islâmico ou do que se parecesse com ele (THEDE, 2002). Nesse sentido, THEDE (2002) cita VILLALOBOS, para definir o fundamentalismo: “é a negação do diálogo em um mundo que é dependente de paz e continuidade” e ainda considera que o seu extremo, mesmo em democracias ocidentais, se revela como a ameaça principal para a coexistência humana. Assim é que a crise da democracia tem suscitado a redefinição da noção de cidadania e de uma identidade social mais inclusiva, com reconhecimento da diversidade sócio-cultural para que o princípio da igualdade que inaugurou a Era Moderna seja redefinido em novo contrato social. Porém, segundo SERRES (1991), esse contrato social foi estabelecido na vida moderna virtualmente entre os homens para se viver coletivamente. Esse contrato teria reduzido-se à razão e à historia e ignorou o exterior, abandonando o estado natural para formar a sociedade. “Razão humana maior, natureza exterior menor”. Porém dada a ameaça do “parasita” (homem) ao “hospedeiro” (mundo ou natureza), é preciso pensar-se em um novo equilíbrio global e o retorno à natureza, ampliando o contrato social para um contrato natural. Para isso, o contrato social precisa assumir a relação de simbiose do homem com o mundo no qual se insere, porque passa a admitir o direito do hospedeiro e sua reciprocidade (o que a natureza dá ao homem é o que este deve dar a ela) tornando a

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natureza um sujeito de direito (SERRES,1991). Em outras palavras: a discussão de democracia ou de participação em um mundo segregado dá-se, de hoje para o futuro, cada vez mais na apropriação dos recursos naturais, no usufruto do meio ambiente com qualidade, o que implica na adoção de desenvolvimento sustentável. A definição de Desenvolvimento Sustentável mais difundida é: “desenvolvimento que satisfaz as necessidades das gerações presentes, sem comprometer a possibilidade de satisfação das necessidades das gerações futuras” (Relatório BRUNDTLAND, 1987). BANERJEE (2002) reconhece “desenvolvimento sustentável” como um slogan, porque não há consenso de como poderia ser operacionalizado e como a sustentabilidade poderia ser medida. Também ressalta que, ao invés de reformular o mercado e o processo produtivo para se adequarem à "lógica da natureza", o desenvolvimento sustentável usa a lógica do mercado e da acumulação capitalista para determinar o futuro da natureza. KEYNES apud VINHA (2000) alerta que uma “convenção constitui mais uma pressuposição do que experiência historicamente comprovada”. Nesse sentido, a disseminação do “conceito" de “Desenvolvimento Sustentável” em discursos dos mais diversos setores sociais, tanto acadêmicos quanto populares, aproximar-se-ia do significado dado por KEYNES para "convenção" em resposta às crises do último ciclo de produção capitalista formuladas por MARTINS (1996). A "convenção" do “Desenvolvimento Sustentável” já está instalada porque a problemática sócio-ambiental abala as certezas do mercado, questiona a cultura empresarial, desafia a soberania tecnológica e convoca os negócios a produzirem as mudanças necessárias a reverter o meio ambiente global e a degradação social (VINHA, 2000). O “renascimento ético”, nos anos 90, para COGGIOLA (2003), foi uma das respostas às crises do modo capitalista de produção, principalmente ao aumento da criminalidade (tráfico de armas e de drogas), que ganhou significativos pesos econômico e político, ao ponto de permear as atividades políticas e estatais. “Tudo parece anunciar, hoje em dia, um retorno da filosofia ética: desenvolvimento de novas correntes de pensamento, renascimento do debate ético e multiplicação das discussões” (RUSS apud COGGIOLA, 2003). Outra resposta à crise do último ciclo de produção é o desenvolvimento das atividades econômicas “sem fins lucrativos”, o chamado “Terceiro Setor”. Para RIFKIN apud COGGIOLA (2003), “no que diz respeito aqueles para os quais não existe espaço no mercado de trabalho, os Estados se encontram diante de duas alternativas: financiar o reforço das forças policiais e construir novos cárceres para alojar a sempre maior classe dos criminosos, ou financiar formas alternativas de trabalho no terceiro setor”. Em um estudo realizado pelo The Johns Hopkins University Institute for Policy Studies na Europa e nos Estados Unidos no inicio dos anos 90, descobriu-se que o chamado "terceiro setor" utilizava 11,8 milhões de trabalhadores remunerados e o trabalho em tempo integral de 4,7 milhões, com despesas em torno de 602 bilhões de dólares, o que equivale a quatro vezes o faturamento da General Motors, a maior empresa privada do mundo (COGGIOLA, 2003. SALOMON et al., 2004).

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Segundo RIBEIRO (2003), a revisão do conceito de qualidade de vida pode ser identificada como uma resposta às crises da tecnologia e do espaço urbano formuladas por MARTINS (1996). O desenvolvimento medido ou descrito por parâmetros médios como participação no PIB mundial e perfil das atividades econômicas, independentemente da definição de indicadores de níveis de qualidade de vida do cidadão médio já não mais existe. O próprio exemplo brasileiro serve para justificar a contradição de se medir desenvolvimento focando-se meramente variáveis sócio-econômicas: nos anos 80, mesmo com o PIB brasileiro na oitava posição mundial e a expansão das atividades industriais e de serviços, as enormes diferenças sócio-econômicas da população caracterizavam uma desigualdade social absurda, ocultando um quadro de miséria e absoluta falta de qualidade de vida dos segmentos mais pobres da população, que não era compatível com a situação média de outras economias de mesmo porte. Em conseqüência, o desenvolvimento passou a ser identificado a partir do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), criado pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), em variáveis como expectativa de vida, escolaridade e capacidade de compra de uma população em uma região. “Pode-se inferir que a pobreza é definida quando um ser humano é impedido de se expressar livremente pela falta de recursos materiais que permitam a reprodução saudável da vida” (RIBEIRO, 2003). Enfim, o modelo de desenvolvimento auto-sustentável transformou-se em uma poderosa “convenção de mercado”, conforme expressão cunhada por KEYNES, impondo ao próprio sistema capitalista novos desafios em resposta à crise do último de produção das últimas décadas do século XX. Ideologicamente, essa convenção sustenta-se em uma estrutura tripartite – “triple bottom line” – : economia, meio ambiente e sociedade (ELKINGTON apud VINHA, 2000). Espera-se que a força dessa "convenção" seja capaz de “digerir toda a negatividade" do último ciclo (para repetir a expressão de Baudrillard que abriu este capítulo). E mesmo que a história venha revelar um dia que o que se mostra como negativo no sistema produtivo não conseguiu ser digerido no mundo concreto, já o é no plano das idéias. Assim, se para HEIDEGER "o ser é e o não-ser não é", a convenção (ou o mito) da auto-sustentabilidade é hoje o que constitui a essência do ser - jurídico, isto é, o que inspira (e nutre) o Direito e a Política: a referência ética e moral em torno da qual os homens se organizam. Parece que o mito sempre foi o que conferiu a "insustentável leveza do ser"... Talvez por isso mesmo a história revela-se em ciclos... O ciclo do desenvolvimento auto-sustentável do sistema produtivo capitalista (que poderá vir um dia a ser chamado de Eco-capitalismo ou Capitalismo naturalista) é o que já começou para durar o que for necessário: até não mais conseguir digerir o que vier a se configurar como negatividade nos próximos anos. III. 2 Ampliação de paradigmas empresariais: a Responsabilidade Sócio-Ambiental

III.2.1. Abordagens Conceituais de Responsabilidade Sócio-Ambiental

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O engajamento empresarial ambientalista tem origem em 1976 no movimento surgido nos EUA, “the crisis of confidence in American Business”21 (a crise da confiança nos negócios americanos) teve suas concepções básicas construídas na Conferência de Estocolmo, 1972, e como marco histórico a Conferência das Nações Unidas para o Meio Ambiente e Desenvolvimento no Rio de Janeiro, em 1992 (VINHA, 2000). Muitas corporações transnacionais desenvolveram políticas ambientais em resposta às críticas que vinham recebendo. Percepção do público de problemas ambientais e formulação de legislação ambiental foram as duas razões-chaves para que o meio ambiente se tornasse importante tema das corporações, resultando na necessidade das companhias em se adequar às preocupações ambientalistas para serem percebidas como “verdes” (BANERJEE, 2002). Para SCHMIDHEINY (1992) os preços dos produtos devem incorporar os preços dos recursos como forma de minimizar a poluição:

“Na medida em que a poluição representa recursos que se 'evadiram' de um sistema de produção, a preocupação com os custos também estimulará os produtores a minimizarem a poluição, especialmente quando eles pagam para controlá-la ou são responsáveis por seus efeitos nocivos.”

Até recentemente, acreditava-se que tal estratégia levaria as empresas a repassar esses custos ao consumidor uma vez que o custo de produzir “mais limpo” é, ainda, significativamente alto. Atualmente, essa situação começa a ser revertida. Muitas tecnologias ambientais reduzem custos através da racionalização dos processos produtivos, potencializando o uso dos recursos e diminuindo o desperdício (VINHA, 2000). ELKINGTON apud BANERJEE (2002) trata das interações do que chama “triple bottom line” (meio ambiente, sociedade e economia) como zonas de atrito que produzem oportunidades e desafios para as organizações. Muitos avanços em tecnologias mais limpas e redução de emissões surgiram das zonas de atrito economia - meio ambiente. Estes benefícios são considerados mais mensuráveis em relação às zonas mais próximas à sociedade porque, para as corporações, os impactos nas comunidades locais ainda são incertos (BANERJEE, 2002). A insatisfação popular levou grandes corporações a se comprometerem mais seriamente com a sociedade, como foi o emblemático caso Brent Spar que comprometeu a Shell (VINHA, 2000). Para ELKINGTON apud VINHA (2000), neste caso, a percepção pública das prioridades ambientais gerou uma controvérsia maior que os impactos ecológicos e marcou o inicio de uma nova era que requer que os negócios se foquem na “triple bottom line”: economia, meio ambiente e sociedade. Autores como ALTVATER apud VINHA (2000), identificam que a questão ambiental é social principalmente para as corporações que atuam em países em desenvolvimento, onde têm que lidar com as expectativas da comunidade, a pressão do movimento ambientalista e o poder de barganha dos estados. É crescente a conscientização de que 21 Publicação de Silk, & Vogel - Ethics and Profits: the crisis of confidence in American Business. New

York: SIMON and SCHUSTER (1976).

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o custo de conflitos com comunidades pode ser maior do que o de um comportamento responsável porque a percepção pública pode dificultar novos projetos e a renovação dos contratos. O desafio atual, tanto por parte dos negócios quanto pela sociedade, é aceitar o diálogo visando à coordenação conjunta. A crescente conscientização pública em relação a impactos sociais e ambientais do crescimento econômico e desenvolvimento de legislação em áreas de bem-estar social e proteção ambiental levam muitas corporações a tentativas de estimar impactos sociais e ambientais na sua atividade de negócios, ao mesmo tempo em que a relação primária entre negócios e sociedade continua a ser econômica. Incidentes periodicamente focam a atenção do público e da corporação para estes temas e todas as corporações transnacionais hoje têm alguma forma de política ambiental e política de relações com a comunidade (BANERJEE, 2002). Esta nova forma de gestão empresarial atenta às questões ambientais e sociais tem sido denominada "cidadania corporativa" ou "responsabilidade social corporativa", porque relaciona a empresa, com a sociedade civil e o Estado para contribuir para o desenvolvimento da sociedade através de ações destinadas a suprimir ou atenuar as suas principais carências (MCINTOSH et al., 1998. OLIVEIRA, 2001). Esta terminologia também não é unânime e existem alguns desacordos que BANERJEE (2002) identificou: alguns escritores vêem cidadania corporativa e responsabilidade social corporativa como sinônimos (SWANSON and NIEHOFF, 2001; WADDOCK, 2001); outros argumentam que enquanto a cidadania corporativa foca mais os valores da organização interna, a responsabilidade social corporativa foca as externalidades associadas com o comportamento corporativo (BIRCH, 2001; WOOD and LOGSDON, 2001). Outros argumentam que as raízes de ambos os conceitos são distintas: a cidadania corporativa é mais uma abordagem baseada na prática, enquanto que a responsabilidade social corporativa surgiu na comunidade acadêmica (DAVENPORT, 2000). NETO et al. (2001), são autores brasileiros que utilizam o termo "responsabilidade social empresarial" e reuniram diversas definições e visões do conceito, como: - atitude e comportamento empresarial ético e responsável; - um conjunto de valores; - postura estratégica empresarial; - estratégia de relacionamentos; - estratégia de marketing institucional; - estratégia de valorização das ações da empresa (agregação de valor); - estratégia de recursos humanos; - estratégia de valorização de produtos/serviços; - estratégia social de inserção na comunidade; - estratégia social de desenvolvimento da comunidade; - promotora da cidadania individual e coletiva; - exercício da consciência ecológica; - exercício da capacitação profissional; - estratégia de integração social. Verifica-se também que responsabilidade social empresarial ou responsabilidade social corporativa ou, ainda, cidadania corporativa, são terminologias distintas para conceitos

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associados a uma mesma convenção: aquela que representa o engajamento empresarial nas questões sociais e ambientais por quaisquer que forem os motivos (humanitário, estratégico, etc.). A conscientização acerca da pouca eficácia do Estado em assumir o seu papel, quando a sociedade civil organizada (o chamado Terceiro Setor) identifica e reformula graves problemas, tem levado as empresas privadas a estabelecer como importante estratégia de negócios assumir responsabilidades de natureza pública que não fazem parte do seu negócio, implantando ações e programas sociais, que têm prestado um serviço bastante relevante para determinados grupos, e programas ambientais, evitando a degradação ambiental e a extinção de recursos naturais. Praticamente todas as principais corporações mundiais já internalizaram programas com enfoque ambiental, seja como forma de racionalização da produção ou sob pressão do mercado mundial.

III.2.2 O estado da arte da Responsabilidade Sócio-ambiental III.2.2.1 Definição dos envolvidos

O comportamento empresarial têm sido constantemente reformulado para que a empresa possa atender aos objetivos de lucro e permanecer no mercado, recriando maneiras de estender benefícios à sociedade. A administração empresarial sempre foi focada nos acionistas, os shareholders, tendo os stakeholders22 beneficiado-se porque seus interesses eram considerados meio. Desse ponto em diante do trabalho, o termo STAKEHOLDER será traduzido como GRUPO ENVOLVIDO. Apesar de a bibliografia nacional utilizar o termo “grupo de interesse” ou “parte interessada”, será utilizado o termo “envolvido” porque inclui grupos não têm interesse algum de se aproximar das empresas, mas mesmo assim, essas precisam entendê-los e respeitá-los porque influenciam a sua atividade produtiva. Ou seja, todo interessado é envolvido mas nem todo envolvido é interessado. Recentemente, uma nova metodologia de comunicação vem conquistando adeptos no mundo corporativo. Trata-se do chamado "Diálogo com Grupos Envolvidos" ou “Stakeholder Dialogue”, que é um processo em que os interesses dos grupos envolvidos são ouvidos e as informações compartilhadas, a ponto de se construir um relacionamento necessário para evitar futuros conflitos (THE ENVIRONMENT COUNCIL, 2002). O recente engajamento empresarial revê esta relação em prol dos benefícios sociais e da preservação ambiental e tem proporcionado às empresas um valioso suporte e aprovação dos consumidores e trabalhadores (PINTO, 2003). Essa mudança de postura expõe um conflito existente no qual a adoção de um comportamento “engajado” exclui o outro “econômico”, como se orientação para o lucro e a responsabilidade social fossem mutuamente exclusivos (PINTO, 2003). O conceito de responsabilidade social corporativa muitas vezes é interpretado como um estímulo a “fazer o bem” e reconhece os grupos envolvidos com valor moral, ético e

22 "qualquer grupo ou indivíduo que pode afetar ou é afetado pelos objetivos da corporação” (FREEMAN

e REED, 1983).

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responsável e não com valor econômico e competitivo, como foi anteriormente descrito na definição de MCINTOSH et al. (1998) e OLIVEIRA (2001). Por isso, há manifestações contrárias ao conceito, como pode ser visto em PINTO (2003), e OLIVEIRA (2001). Muitos consideram que a missão da empresa é servir à sociedade através dos seus produtos e serviços e o seu objetivo é a maximização dos lucros, não tendo os administradores competência para propor soluções para problemas da sociedade porque, até recentemente, tratavam-se de custos externos a empresa, e eram chamados de externalidades, como explica SCHMIDHEINY (1992):

“...os mercados simplesmente não refletiam eficientemente os custos da degradação ambiental. Eles muitas vezes não conseguiam integrar os custos ambientais com as decisões econômicas – em nível tanto empresarial quanto governamental. Esses custos são chamados de “externalidades”. Tradicionalmente, elas não entram nos cálculos de custo, a não ser através das regulamentações ambientais,...”

Segundo a própria classe empresarial, em PELIANO (2001), o alcance de muitas ações não é suficiente para provocar alterações no estado geral de desigualdade de determinados grupos, mantendo-os eternamente dependentes. Por maiores que sejam as contribuições e os projetos sociais do setor privado, é equivocado criar uma expectativa de que esse possa substituir o poder público na oferta do bem-estar social, como exemplo extremo, tem-se o caso de estado de sítio por causa de uma guerra. Então, em relação às demandas sociais e ambientais, a empresa pode ser mais bem-sucedida perante os seus concorrentes se conseguir internalizar os custos dessas externalidades de forma estratégica. Alguns autores como HALAL apud PINTO (2003), e HILLMAN et al. (2001), interpretam o conceito como uma possibilidade de atender aos dois comportamentos, o de lucro e o de responsabilidade social, através da incorporação da própria cadeia de produção da empresa, que são constituídas pelos seus grupos envolvidos, como acionistas, empregados, clientes, fornecedores, comunidades e meio ambiente. Esta reflexão interpreta a relação entre a empresa e os seus grupos envolvidos, identificados como primários, como uma parceria que pode ser economicamente produtiva porque há criação de valor através da colaboração. Essa parceria pode combinar as capacidades dos diferentes participantes para benefícios mútuos, tendo as ações realizadas, não com o intuito de ser socialmente responsável, mas para assegurar que cada grupo envolvido continue a ser uma parte saudável e valiosa da cadeia produtiva e, em conseqüência, diferenciá-la de seus concorrentes. A coalizão política para unir os interesses dos grupos envolvidos às empresas é necessária para, além do fornecimento de recursos, efetivamente permitir a união para a solução de problemas comuns. Essa coalizão pode aumentar a vitalidade da empresa, a habilidade na criação de valor e a relação dela com fornecedores e consumidores, constituir recursos intangíveis e socialmente complexos, melhorar a reputação, criar uma cultura corporativa e consolidar confiança e atributos de conhecimento. Todos esses aspectos tornam-se vantagens competitivas em relação aos seus concorrentes porque o conhecimento é um recurso da atual era da informação, é fluido, intangível, facilmente transferível tendo o seu valor aumentado a cada vez que é utilizado e

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comporta-se de uma forma diferente dos investimentos financeiros (HALAL apud PINTO, 2003. HILLMAM et al., 2001). As ações de responsabilidade social dos grupos envolvidos primários direcionam-se de forma a incorporar um valor econômico à própria empresa e consolidar laços permanentes. Essas são mais eficazes tanto para o grupo beneficiado quanto para a própria empresa, porque ao invés dela ser identificada como uma empresa que “faz o bem”, ela é identificada como uma empresa que sabe potencializar as capacidades de sua cadeia produtiva, distribuindo benefícios tanto a ela própria quanto aos seus grupos envolvidos. Porém, a própria literatura reconhece que não é uma tarefa fácil estabelecer quem ou o que são os grupos envolvidos (LETTIERI, 2003). A abordagem anterior sugere que a identificação contemple a cadeia de produção, porém não especifica como essa coalizão política se processa na prática.

III.2.2.2 Tipologias e comportamentos dos grupos envolvidos PRESTON et al. apud LETTIERI (2003) determina uma fronteira entre o papel privado e público da empresa, segundo o envolvimento primário e secundário. O envolvimento primário contempla as tarefas essencialmente econômicas da empresa, como instalações, suprimentos, empregados e produtos e também incluem os “requerimentos legais formais”, que são os registros, as licenças de operações e as obrigações tributárias. Esse envolvimento primário é de caráter fundamental para o desenvolvimento da empresa. Para contemplar as interações com o ambiente ao redor, os autores elaboraram o conceito de envolvimento secundário, que interpreta que as decisões tomadas no envolvimento primário terão ou poderão ter impactos no ambiente que interage com a empresa. Mesmo não contemplando as atividades vitais para sobrevivência a curto prazo, a negligência das interações secundárias podem prejudicar e até mesmo impedir o funcionamento da empresa a médio e longo prazos. Segundo LETTIERI (2003), esse modelo de identificação dos grupos envolvidos, apesar de ser um ponto de partida e contemplar diversas situações, é generalista em termos de práticas efetivas da empresa porque não dá conta de perceber a importância ou a coalizão entre grupos. FREEMAN et al. apud LETTIERI (2003) propõe a identificação dos grupos envolvidos em 3 análises: o nível racional, que aponta os grupos com algum grau de relacionamento e que poderiam afetar a existência e o funcionamento da empresa; o processual, que identifica os procedimentos operacionais do relacionamento da empresa com o ambiente ao redor, enfatizando a capacidade gerencial da empresa no planejamento estratégico; e o transacional, que busca compreender a interação entre os gerentes e os grupos envolvidos, reconhecendo a capacidade de negociação como uma característica importante. LETTIERI (2003) reconhece que esse modelo admite uma identificação mais minuciosa dos grupos envolvidos porque permite avaliar os processos internos da empresa e as suas relações com o exterior, apesar de não prever mudanças de status dos grupos em relação a empresa e não oferecer respostas sobre a prioridade dessas demandas. MITCHELL et al. apud LETTIERI (2003) sugeriram uma forma de identificar e atender as necessidades dos grupos envolvidos segundo três critérios: poder, legitimidade e

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urgência. O poder se apóia no uso da força, no controle de bens e serviços, prestígio e estima na sociedade. A legitimidade é a percepção de que as ações de uma entidade são apropriadas dentro de um sistema socialmente construído de valores e crenças. A urgência é a sensibilidade ao tempo para reconhecer que as demandas são imediatas. BANERJEE (2002) contesta a utilização desta classificação porque as empresas tendem a enfocar os grupos envolvidos com alto grau de poder, legitimidade e urgência, sendo extremamente problemático para grupos marginalizados negociarem sua sobrevivência. Ressalta que nos anos 60, as empresas não viam organizações ambientais ou de consumidores ou grupos que se opunham às ações da corporação como grupos envolvidos legítimos. Como eles cresceram em poder, as corporações foram forçadas a levar em conta suas reclamações. Exemplifica através do próprio “movimento verde”, que começou com pessoas simples e em movimento antinegócios: hoje a agenda ambiental é definida pelas empresas e não pelas organizações ambientais. Para LETTIERI (2003), esse modelo permite identificar os critérios em relação aos grupos e prever as suas transições apesar de não tratar das atividades da empresa. Mesmo com essa dificuldade de identificação e de atendimento às necessidades dos grupos envolvidos, essa perspectiva vem sendo enfocada como uma ferramenta pelo The Environment Council (2002), entre outras organizações que prestam consultoria nessa área. Esse conselho identifica o "Diálogo com Grupos de Interesse" ou “Stakeholder Dialogue”, como um processo em que os interesses dos grupos envolvidos são ouvidos e que as informações são compartilhadas, a ponto de se construir um relacionamento necessário para evitar futuros conflitos. Esse processo inclui três premissas: Prevenir, através da identificação de problemas antes que eles surjam e, assim, construir relações de trabalho; Resolver, através da estabilização de comunicação efetiva e resolução de disputas e Gerenciar, para aliviar fontes de disputa. Esse processo é diferenciado para cada caso, porém foi dividido nas seguintes fases: ° Plano. Após a preparação do Plano por parte da equipe da empresa, eles se juntam a

uma instituição ou ONG que possa analisar os temas ao redor do projeto em questão, identificar partes interessadas potenciais e acertar um cronograma para as atividades;

° Preparação. Ao mesmo tempo, o trabalho inicial é preparado como pesquisa, documentação relevante e organização de reuniões;

° Participação. Através de workshops gerenciados e facilitados pela instituição ou ONG, os grupos envolvidos comparecem, podendo ser requeridas mais pesquisas;

° Progresso. O diálogo continua para minimizar incertezas, gerar soluções, concordar com inevitáveis equilíbrios de fatores e chegar a um consenso para progresso;

° Ação. As ações são implementadas baseadas em acordos feitos durante o processo de dialogo e ao mesmo tempo linhas de comunicação são mantidas.

A forma tradicional de consulta aos grupos envolvidos potencialmente geradores de conflitos para a coorporação, leva em consideração a existência de um "vencedor" e de um "perdedor"; focaliza a diferença e polariza posições rivais; produz resultados que refletem as diferenças de poder e recursos; só lida com fatos, ignora a importância de construir relações a partir das diferenças e não oferece aprendizado (VINHA, 2000). Já o Stakeholder Dialogue procura mostrar que é possível estabelecer uma relação de “win-win”, onde ambos os lados ganham, adicionando valor a todas as partes, explorando interesses, valores, necessidades e medos diferentes e comuns; construindo

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uma base comum e tentando resolver disputas específicas. Nessa metodologia, o foco está no processo, mais do que nos temas e nos resultados porque o objetivo é a construção de um compromisso de longo prazo; produzir resultados para serem avaliados por seus méritos e procurar beneficiar da forma justa a maioria dos grupos envolvidos. Além disso, os sentimentos, valores e percepções são elementos vitais no processo, assim como as relações pretéritas e as organizações existentes. Isto é, a história conta, e o importante é investir no aprendizado mútuo como um ponto de partida para processos e projetos futuros (VINHA, 2000). Esse processo deve evitar ao máximo informações incompletas, que são rapidamente substituídas por falsas informações de grupos contrários ao projeto; existência de mobilização na área e de grupos envolvidos ativos; uso político do projeto; abordagem de temas, materiais ou métodos controversos. A aplicação do Stakeholder Dialogue não é recomendado quando não houver sinais de compromisso entre os grupos envolvidos, quando todas as decisões já forem tomadas e nada mais puder ser modificado e quando não há tempo necessário à implantação do processo, que precisa de tempo para ser preparado e desenvolvido (VINHA, 2000). Sugere-se a utilização do Stakeholder Dialogue para: tornar organizações capazes de servir melhor seus grupos envolvidos, entender seus interesses e apreciar suas perspectivas diferentes; antecipar problemas e promover os níveis de relacionamentos necessários a preveni-los; tornar organizações capazes de ficar um passo à frente da opinião publica e os competidores através do envolvimento e escuta dos grupos envolvidos; e reduzir tempo, recursos e risco durante a implementação de decisões (VINHA,2000).

II.2.3 A prática da responsabilidade sócio-ambiental

II.2.3.1 A experiência internacional A partir da década de 1990, a pressão do público aumentou em relação a questões de direitos humanos e impactos da globalização. Cada vez mais, ONG e mídia intensificam suas ações e pressões contra governos e empresas, tendo o acesso à informação e a facilidade de comunicação como seus principais instrumentos, o que atribui à imagem e à reputação de uma marca uma prioridade estratégica na atual economia globalizada (MCINTOSH et al., 2001). Para HOLLIDAY et al. (2002), a necessidade de envolvimento empresarial nas questões ambientais e sociais tornou-se mais evidente. Empresas como a Shell e a Nike, na década de 1990, encontravam-se despreparadas para levar a conscientização dos consumidores até as salas dos conselhos de administração. A Shell foi atingida com mais intensidade ao pretender descartar sua plataforma flutuante de exploração de petróleo Brent Spar e por mostrar-se insensível aos direitos das minorias em suas operações na Nigéria. ANDRIOF et al. (2001), identificam outros incidentes além desses, como também instituições e iniciativas que marcaram o processo de engajamento empresarial com as questões sociais e ambientais, como pode ser verificado no Quadro 1.

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QUADRO 1 - Incidentes, instituições e iniciativas pioneiros em todo o mundo no engajamento empresarial nas questões sócio-ambientais

1º Fase (1960 a 1983) O despertar

2º Fase (1984 a 1994) O engajamento

3º Fase (1995 em diante) O trabalho em parceria

Incidentes Críticos

Nestlé, Alimentos Infantis, 1970. Comércio agressivo equiparava o leite em pó ao leite materno. Desastre de Seveso, Itália, 1974. Explosão de uma fábrica de produtos químicos com evacuação de mais de 1000 pessoas. Amoco Cadiz Oil, França, 1978. Derramamento de aprox. 200 mil ton de óleo. Ford Pinto, 1978. Venda consciente de um modelo propenso a incêndios no caso de colisão traseira.

Bhopal, Índia, 1984. Emissão de 42 ton de gás tóxico pela Union Carbide (2000 mortes imediatas) Chernobyl, ex-União Soviética (Ucrânia), 1986. Explosão de uma usina nuclear inutilizou uma área de 140 mil km2 por centenas de anos. Chico Mendes, Brasil, 1988. Assassinato do líder sindical e ambientalista que denunciava a exploração e a devastação criminosa da Floresta Amazônica. Exxon Valdez , Alaska, 1989. Derramamento de 10,8 milhões de galões de petróleo bruto.

Shell, Brent Spar, Escócia, 1995. Disputa entre a Shell e o Greenpeace sobre o destino final de uma plataforma obsoleta de petróleo no Mar do Norte. Execução de Saro-Wiwa, Nigéria, 1995. Este escritor criticava o governo nigeriano e a ação da Shell no país. Sua execução provocou protestos mundiais contra a violação dos direitos humanos. Nike, Ásia, 1996. Denúncias de subcontratação e de trabalho infantil nas linhas de montagem asiáticas. Crise Financeira Asiática, 1997. Foi emblemática pelos desdobramentos globais e, principalmente, porque as economias eram consideradas, um pouco antes, uma referência em termos de crescimento econômico.

Novos Padrões e Iniciativas

US Environmental Protection Act, 1969 Clube de Roma,1972 Brandt Report,1980 Global 2000 Report,1980

Responsible Care,1985 Brundtland Report,1987 UN Summit for Children, 1990 Rio Earth Summit,1992

Apparel Industry Partnership, 1996 ISO 14000, 1996 SA 8000, 1997 Conceito “Triple bottom line”, 1998

Novas Instituições

Council on Economic Priorities, 1969 Greenpeace, 1972 United Nations Environment Programme, 1973 World Resources Institute, 1983

Third World Network,1985 Caux Round Table,1986 SustainAbility,1987 Prince of Wales Business Leaders Forum , 1990 Amnesty Business Group, 1991 World Business Council for Sustainable Development, 1991

European Business Network for Social Cohesion, 1995 Corporate Citizenship Unit, 1996 Ethical Trading Initiative, 1997 Business Partners for Development, 1997 Council on Economic Priorities Accreditation Agency, 1998

FONTE: ANDRIOF et al. (2001)

As principais instituições que iniciaram o processo de denunciar o estado ambiental e social do planeta foram o Greenpeace (organização não-governamental de atuação mundial criada em 1971, que se mantém independente de governos e corporações, expondo crimes ambientais e desafiando-os quando ameaçam o meio ambiente) e o Worldwatch Institute (instituição criada em 1974 que se propõe a aumentar a discussão de temas ambientais e sociais através de uma perspectiva global interdisciplinar). A partir da década de 90, apareceram diversas organizações ambientalistas criadas por empresários, como: ° World Business Council for Sustainable Development (WBCSD), criado em 1991,

que focaliza o desenvolvimento sustentável e o conceito da eco-eficiência (em 1997,

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foi criado no Brasil o CEBDS, o Conselho Empresarial Brasileiro de Desenvolvimento Sustentável, vinculado a rede de conselhos do WBCSD);

° The Prince of Wales International Business Leaders Fórum (PWIBLF), criada em 1993 para promover e apoiar atividades de negócios no campo da responsabilidade social corporativa e apoiar o desenvolvimento sócio-econômico sustentável de comunidades locais;

° The Environment Council, conselho criado em 1997 para agregar pessoas do setor empresarial, organizações não-governamentais, governos e comunidades com o objetivo de desenvolver soluções a longo prazo para temas ambientais, sendo responsável pelos princípios da estratégia Stakeholder Dialogue e

° SustainAbility, consultoria especializada em negócios estratégicos e desenvolvimento sustentável criada em 1997.

ZADEK apud HOLLIDAY et al. (2002) ressalta a importância das ONG como as reguladoras civis das empresas. “Mais do que qualquer outro corpo de instituições, as ONG impulsionaram o processo de educação popular e mobilização política e econômica, em torno de questões sociais e ambientais”. Atualmente, HOLLIDAY et al. (2002) já identifica uma mudança de comportamento em que alguns ambientalistas estão partindo para a ação prática como consultores ao invés de se restringir aos protestos. Quando foi criado em 1991, por ocasião da Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, o WBCSD tinha 50 líderes empresariais, atualmente são 170 empresas internacionais de 35 países e mais de 20 setores industriais, envolvendo 1000 lideres de negócios globalmente (SCHMIDHEINY, 1992. www.wbcd.ch, Nov/2003). MCINTOSH et al. (2001) identificam quatro modelos de responsabilidade social que possuem características estratégicas em relação à atividade empresarial. O negócio pode ser amoral, moral, como uma comunidade ou como uma rede ou parceria. Os negócios amorais são baseados no lucro sem compromisso com qualquer obrigação além da econômica e legal. Os negócios morais também são baseados no lucro e atuam na melhoria social, próximo à filantropia. Os negócios como uma comunidade são baseados na identidade corporativa, visando ou não o lucro e reconhecem o seu papel social e econômico. Os negócios em rede não possuem identidade corporativa, têm organização virtual, podendo ser transitórios, baseiam-se em gestão de projetos e na busca de uma idéia ao invés da recompensa financeira, como exemplo, a parceria entre a Unilever e a World Wide Fund for Nature (Fundo Mundial em prol da Natureza) para preservação da variedade dos peixes. Nos Estados Unidos, o sucesso econômico é visto como um provedor de benefícios sociais e já é tradicional o engajamento empresarial como uma parte da estratégia corporativa (MAIGNAN et al., 2001). Em 1996, o então Presidente Clinton proporcionou um significativo impulso ao movimento ao chamar lideranças empresariais para discutir o tema. A principal recomendação era proporcionar benefícios aos funcionários da mesma forma como eles produziam dinheiro para os acionistas. Foi criado o prêmio “Ron Brown” de cidadania corporativa para celebrar a cada ano os melhores exemplos de apoio aos funcionários (CARROLL, 1998). HILLMAN et al. (2001) a partir de uma base de dados das 500 maiores fortunas americanas, já aponta retornos benéficos à empresa a partir de práticas que têm como

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foco os grupos dos quais a empresa não pode viver sem, como acionistas, funcionários, fornecedores, clientes, comunidade e meio ambiente. Na Europa, principalmente na França, o bem estar social sempre foi de responsabilidade do Estado, sendo o engajamento empresarial visto com ressalvas. Recentemente, os líderes europeus começaram a encorajar esse comportamento. A partir de um estudo empírico, com executivos de marketing de empresas francesas foi percebido um posicionamento pró-ativo em relação à cidadania corporativa, ao observar-se que as boas relações no ambiente de trabalho são associadas à performance empresarial. (MAIGNAN et al., 2001). Além da exigência dos consumidores e da sociedade, o movimento de responsabilidade social empresarial tem proporcionado às empresas engajadas uma valorização no preço de suas ações superior em até 30% no mercado financeiro, em relação às empresas não comprometidas, segundo um levantamento em 2003 pela consultoria italiana Value Partners nas bolsas de valores da Europa e Estados Unidos (www.exame.com.br, Jul/2003). Segundo uma outra pesquisa realizada pela mesma empresa em 2002, com investidores europeus, 64% dos investidores consideraram importante para a empresa ter a imagem vinculada à responsabilidade social e 60% afirmaram que tendem a comprar bens produzidos por empresas responsáveis. Segundo HOLLIDAY et al. (2002), desde 1999, quando a Dow Jones começou a monitorar as principais empresas sustentáveis do mundo em seu Índice de Sustentabilidade (DJSI), 20 foram selecionadas a partir do índice global da Dow Jones (DJGI), e os seus desempenhos mostraram-se superiores, o que posiciona a sustentabilidade como uma corrente dominante em gestão de ativos. Segundo RIGGER, CEO da SAM, co-fundadora da DJSI, os fundos de sustentabilidade ainda representam 1% de todo o mercado e ainda não têm histórico (“um registro de antecedentes de apenas dois ou três anos é muito pouco para atrair ativos significativos para o processo”) (HOLLIDAY et al., 2002). Segundo HOLLIDAY et al. (2002):

“Cada vez mais as empresas estão lutando pela oportunidade de serem incluídas no índice. Elas querem dispor de condições para atrair acionistas que investem a longo prazo, ser vistas como líderes setoriais e melhorar sua reputação perante legisladores, clientes e empregados, além de atrair a lealdade de clientes e empregados.”

Uma das formas de instrumentalmente lidar com essas questões de grupos envolvidos é através da aplicação de padrões e métodos (GOBBELS et al., 2003). Os principais exemplos são: - Global Reporting Initiative’s (GRI) é uma avaliação multi-stakeholder de uso

voluntário que publica a atuação das empresas nas dimensões econômica, ambiental e social de suas atividades produtos e serviços. Também incorpora a ativa participação de representantes de negócios, administração, investimento, meio ambiente, direitos humanos, pesquisa e organizações de trabalho no mundo. É uma instituição independente que atualmente colabora com o programa ambiental das Nações Unidas (UNEP). Algumas empresas bem consideradas por esta avaliação são: ABN AMRO Bank, Bayer, BHP Billiton, Canon, Ford, General Motors, Heineken, Panasonic, McDonald's, Natura, Nike, Philips e Shell.

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- Normas ISO: uma rede de institutos nacionais de 146 países trabalhando em parceria

com representantes de organizações internacionais, governos, indústrias, negócios e consumidores. ° 9001 – sistema de gestão da qualidade – necessidade de demonstrar a habilidade

de promover produtos que atendem às expectativas do consumidor e aos requerimentos regulatórios, incluindo melhora contínua do processo;

° 14001 – sistema de gestão ambienta l – aplica-se a capacidade da organização em controlar os impactos ambientais e identificar os que têm influência.

- Ethical Trading Initiative – é uma aliança britânica de empresas, ONG e sindicatos

para identificar e promover o "ethical trade", que é a implementação de códigos de conduta sobre padrões trabalhistas, principalmente na cadeia de suprimento, com monitoramento e verificação independentes. Não é certificadora.

- Caux Round Table’s Principles for Business – é uma rede internacional de líderes

empresariais para promover o capitalismo moral. Seus princípios são baseados em duas idéias éticas: Kyosei23 e dignidade humana.

- AA 1000 - Desenvolvido pelo Instituto AccountAbility destaca a necessidade das

organizações em integrar o processo de engajamento de grupos envolvidos nas suas atividades diárias, o princípio da inclusividade. É complementar ao Global Reporting Initiative.

- SA 8000 – Desenvolvido pelo CEPAA (Council on Economic Priorities

Accreditation Agency) assegura que os produtos e bens sejam de recursos éticos e satisfatórias condições de trabalho. Baseado nas convenções Organização Internacional do Trabalho, Declaração Universal dos Direitos Humanos e Convenção para os Direitos da Criança nas Nações Unidas.

Existem exemplos no mundo todo do enfoque de incorporação dos grupos envolvidos na cadeia produtiva, como podem ser verificados a seguir. - A Merck, uma das maiores empresas farmacêuticas do mundo, formou uma parceria

com um centro de pesquisas da Costa Rica, a INBio, para preservar e estudar plantas e insetos na floresta tropical porque se sentiu ameaçada com sua destruição. Desde 1991, a Merck fornece fundos e tecnologia ao INBio, este coleta a biodiversidade para maiores explorações científicas e descobertas de novas drogas e ambos contribuem para o apoio à floresta tropical porto-riquenha. É um acordo entre um país tropical, uma universidade e uma corporação multinacional com benefícios evidentes para todos os envolvidos (MCINTOSH et al., 2001).

- A parceria entre a Rio Tinto, empresa de mineração multinacional, e a Earthwatch,

ONG internacional que arrecada fundos para a preservação ambiental, baseia-se no princípio da disponibilidade de dados científicos confiáveis. Os projetos tratam da conservação da biodiversidade e são baseados nas pesquisas de campo da Earthwatch. Desde 1999, 71 empregados da Austrália, Europa, Ásia e América do

23 Kyosei - Conceito japonês que significa viver e trabalhar, promovendo a cooperação e a prosperidade

mútua em uma ambiente de competição saudável e justa (CAUX ROUND TABLE, 2004).

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Sul são incentivados a irem a campo junto com a ONG. Esse programa reforça o comprometimento dos empregados com a gestão ambiental e ajuda a desenvolver novas percepções para buscar soluções sustentáveis para os problemas ambientais em interface com temas culturais e sociais. A British American Tobacco e a KPMG, empresa internacional de consultoria e contabilidade, também desenvolveram este programa (HOLLIDAY et al., 2002).

- Bath, no Reino Unido, é uma cidade reconhecida como Patrimônio Mundial pela

UNESCO. Devido à sua localização na parte mais baixa de uma vale e ao volume de tráfego nas vias de acesso, a qualidade do ar era abaixo das diretrizes da OMS. Os comerciantes da cidade eram contrários ao aumento de viagens para pedestres. A partir de uma parceria entre empreendedores privados, governo local e voluntários, foi fundado o Bath Environment Centre para promover a Agenda 21 Local. Suas iniciativas tornaram-se bastante populares como os dias sem carro e as feiras de produtos orgânicos da região. Essas iniciativas foram possíveis através da reunião de grupos de toda a cidade para encontrar soluções comuns e sustentáveis e levantou o perfil dos parceiros de negócios na comunidade (MCINTOSH et al., 2001).

- A Timberland fabrica sapatos e roupas para 51 países empregando 7 mil pessoas no

mundo. A empresa criou uma parceria com a City Year, um programa urbano do Corpo da Paz, fundado em Boston, que se estende a outras cidades americanas, em que jovens trabalham nas áreas mais pobres das áreas urbanas, alfabetizando, retirando lixo de terrenos baldios e dando assistência a idosos. Os jovens aprendem a trabalhar em equipe, ganham bolsa de estudos para a Universidade e podem ser recrutados pela Timberland. O treinamento dos seus executivos é servir como voluntários para aumentar a habilidade de liderança e o trato com a diversidade. Os funcionários são incentivados a serem voluntários por 32 horas por ano dentro dos horários de trabalho (MCINTOSH et al., 2001).

- Auchan, segundo maior hipermercado francês com lojas em toda a França, na

Espanha, Portugal, Itália, Estados Unidos, Polônia, México e Luxemburgo, teve problemas de lutas de gangues no entorno de suas lojas (Vale do Loire, França) em que um segurança foi morto no tiroteio. A empresa decidiu chamar os líderes das gangues e contratá-los para trabalhar como seguranças e abriu espaço para butiques da comunidade. Os resultados foram considerados excelentes ao tratar pobreza, racismo, desemprego e o crime e os clientes voltaram (MCINTOSH et al., 2001).

A ameaça ou a existência de um conflito é o fator deflagrador do interesse das empresas em se aproximar de seus grupos envolvidos. No entanto, o que estimula a permanência desse tipo de atitude é a necessidade de algum objetivo específico como, o acesso a matérias-primas (Merck), a proximidade com um laboratório ambiental (Rio Tinto) ou comportamental (Timberland), e a resolução de algum tipo de problema (Cidade de Bath e Auchan). Essas experiências mostram-se como bem-sucedidas porque as empresas conseguiram internalizar e desenvolver uma rotina incorporando os focos de conflitos. Ou seja, contemplam, também, os interesses de outros stakeholders.

III.2.3.2 A experiência Brasileira

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No Brasil, alguns autores como NETO et al. (2001) identificam que o processo de engajamento da sociedade começou em 1981 com a criação do Instituto IBASE (Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas). Atribuem a esse instituto a responsabilidade pelo fortalecimento da sociedade civil, desenvolvimento da sociedade cidadã e difusão de valores de democracia e justiça. Sua atuação era centrada na ação voluntária de indivíduos dedicados a causas públicas e na organização da sociedade civil e procurava democratizar a informação sobre economia, política e situação social do Brasil para grupos populares. A partir dos anos 90, mudanças sociais e econômicas deram início ao processo de fortalecimento da participação de ONG e empresas privadas como os novos agentes sociais da era da globalização que seriam os responsáveis por propiciar os equipamentos sociais que o Estado não teve como distribuir de acordo com as demandas da sociedade. Essas mudanças foram a abertura da economia, a privatização das empresas estatais, crises política e econômica, fortalecimento da sociedade civil (Campanha Ação da Cidadania contra a Fome, a Miséria e Pela Vida, 1993-1994, IBASE), envolvimento de ONG, busca de melhoria na qualidade dos processos de gestão de empresas nacionais, mudanças no mercado de trabalho com a terceirização, informatização e aumento do desemprego e a redução da capacidade de atuação do Estado (PELIANO, 2001). Uma medida da preocupação das empresas no Brasil com o tema é o crescimento do número de adesões ao Instituto Ethos de Empresas e Responsabilidade Social, uma das principais ONG que tratam do tema e é mantida por empresários. No ano de sua criação, em 1998, o instituto contava com 11 empresas associadas e em 2003, já eram 792, entre empresas nacionais de diversos portes e multinacionais. A Tabela 1 apresenta as maiores contribuições das empresas no Brasil. Esses dados devem ser relativizados porque parte dessas contribuições se referem às deduções de impostos amparadas por leis que incentivam o investimento em projetos sociais e culturais24. Essas leis permitem que as empresas transfiram parte do pagamento de tributos para as iniciativas de seu interesse25. TABELA 1 - Principais contribuições sociais de empresas no Brasil Empresa Ranking nas

500 maiores Setor Tipo Contribuições

(R$) Petrobrás 001 Química e Petroquímica Estatal 30.376.723Souza Cruz 057 Alimentos, Bebidas e Fumo Privado 3.811.400Brasil Telecom 007 Telecomunicações Privado 2.806.425Cemig 011 Serviços Públicos Estatal 2.343.000Eletropaulo Metropolitana 009 Serviços Públicos Privada 1.776.528Copel 048 Serviços Públicos Estatal 1.379.991Gerdau S.A. 026 Siderurgia e Metalurgia Privado 1.349.437CSN 013 Siderurgia e Metalurgia Privado 1.065.411Grupo Pão de Açúcar 010 Comércio Varejista Privado 958.262Petrobrás Distribuidora 021 Atacado e Com. Ext. Estatal 956.435

FONTE: Conjuntura Econômica (2003)

24 Alguns incentivos culturais: lei Rouanet (lei federal 8.313), 30% ou 40% do Imposto de Renda; lei do

audiovisual (lei federal 8.685 modificada pela MP 1515), 3% para pessoas jurídicas e 5% para pessoas físicas sobre o Imposto de Renda; Lei Marcos de Mendonça (lei da cidade de São Paulo), até 20% do valor do IPTU e ISS; lei da cidade do Rio de Janeiro nº1940/1992, 20% do ISS mensal; lei do Estado do Rio de Janeiro, nº1.954/1992, 4% do ICMS.

25 Não faz parte do escopo desse trabalho quantificar o percentual de dedução fiscal e de investimento efetivo em projeto social por parte das empresas.

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Essa mudança de mentalidade empresarial, segundo BARROSO apud NETO et al., (2001), é um processo considerado dinâmico com necessidade de gerenciamento permanente frente às dificuldades e as demandas sociais e tem sido expresso através de, pelo menos, três estágios de responsabilidade. Esse tipo de iniciativa surge para estimular a reflexão e um bom desempenho das empresas. O 1º estágio do processo de gestão social empresarial, exercício da gestão social interna, objetiva as atividades regulares da empresa, saúde e segurança dos funcionários e qualidade do ambiente de trabalho. A empresa, além de já cumprir as obrigações com seus empregados, também investe no seu desenvolvimento pessoal e profissional, na melhoria das condições de trabalho e a extensão de benéficos aos familiares. O processo se inicia promovendo ações responsáveis no ambiente interno da própria empresa. O 2º estágio, exercício da gestão social externa, compreende a mitigação das externalidades negativas ao meio ambiente (poluição e uso de recursos naturais), à sociedade (demissões e comunidade ao redor da empresa) e aos seus consumidores (segurança e qualidade dos produtos). A empresa amplia o seu escopo de responsabilidade para o ambiente externo, contemplando sociedade, e principalmente a comunidade local no entorno da empresa, incorporando ações de preservação do meio ambiente e de impactos socioeconômicos, culturais e políticos. No 3º estágio, exercício da gestão social cidadã, as ações da empresa já extrapolam o foco da comunidade local e se estendem à sociedade como um todo. A empresa incentiva o desenvolvimento social local e regional, a economia através da geração de empregos e negócios e promove campanhas de conscientização social e cidadania junto a governos. Desta forma, desenvolve e difunde novos valores éticos, sociais, culturais e políticos. A exigência por parte da sociedade para que as empresas atuem com responsabilidade vem se consolidando, o que pode fazer da responsabilidade social uma obrigação sob diferentes formas. Segundo Rosa Fischer, professora da FEA-USP e diretora e pesquisadora do Centro de Empreendedorismo Social e Administração do Terceiro Setor da USP, “ou aderem ou perdem a viabilidade no mercado” (Revista Conjuntura Econômica, 2003). Para Ricardo Young, Presidente do Conselho Deliberativo do Instituto ETHOS, “o empresário [tem percebido]... que sem responsabilidade social tudo é mais difícil. Hoje o governo busca parcerias com empresas idôneas, o consumidor está mais exigente, os colaboradores também.” (Suplemento do Jornal O Globo - Razão Social, 2003). Existe, no Brasil, um projeto de lei em discussão para ser aprovado, o de Nº 1.305/2003, que dispõe sobre a regulamentação da responsabilidade social das sociedades empresariais e estabelece em caráter obrigatório às empresas com mais de 500 funcionários: a publicação do balanço social como mecanismo de controle e transparência da responsabilidade social empresarial; a criação de comissões de ética de responsabilidade social em cada empresa; a elaboração de estudos de impacto social e relatórios de gestão social; e a criação do Conselho Nacional de Responsabilidade Social, órgão gestor e regulador da prática de responsabilidade social empresarial com poder de punir as empresas (www.ethos.com.br, Jul/2003).

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O receio do movimento expresso pelo Instituto Ethos, que convocou empresários para discutir o tema, é a regulamentação de uma atividade que ainda não está disseminada pela sociedade, “acreditamos que o movimento de responsabilidade social empresarial não chegou a esse ponto de maturidade para propor uma regulamentação que seja suficientemente ampla e não funcione como uma limitação ao próprio movimento” (YOUNG apud www.ethos.com.br, Jul/2003). Como ainda estão sendo discutidos mundialmente estágios de desenvolvimento de responsabilidade social, impactos na competitividade e no comércio e parâmetros e certificações, no Brasil, também se faz essa discussão, como pode ser verificado no Gráfico 1 que retrata o resultado da pesquisa sobre “Percepção do Consumidor Brasileiro”, realizada pelo Instituto Ethos e Akatu com os formadores de opinião. Esses institutos avaliaram a efetiva participação do consumidor brasileiro: “Não pensar em prestigiar empresas socialmente responsáveis é uma atitude que se mantém predominante desde o início do monitoramento de responsabilidade social junto aos consumidores. Em 2002, 69% dos entrevistados diziam não ter pensado em fazê-lo, contra 70% em 2004. Também houve aumento de um ponto percentual dos que afirmaram efetivamente ter prestigiado uma organização socialmente responsável, de 16% para 17%, embora essas variações estejam dentro da margem de erro.” (Responsabilidade Social das Empresas – Percepção do Consumidor, Pesquisa 2004). GRÁFICO 1 - Percepção do Consumidor Brasileiro do papel das grandes empresas

FONTE: Instituto ETHOS e AKATU (2004)

Ao comparar esse comportamento com o de outros países, o resultado é o seguinte: “O país que obteve o maior índice foi a Austrália, com 53% dos entrevistados respondendo que pensaram em prestigiar uma empresa socialmente responsável. O menor foi a Grécia, com 4%. O Brasil, com 17%, situa-se numa posição mediana neste ranking” (Responsabilidade Social das Empresas – Percepção do Consumidor, Pesquisa 2004). É importante ressaltar que a mobilização a favor do consumo consciente é um fenômeno recente. A criação do Instituto AKATU, em 2001, é um exemplo de consumo consciente. Segundo o seu diretor-presidente, MATTAR, “não adianta a empresa fazer marketing de suas atividades sociais, caso os valores e práticas não forem consistentes

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em relação às ações socialmente responsáveis”, e acrescenta “nesse caso, se for descoberta, ficará com a marca de enganadora e terá prejuízos de imagem muito difíceis de serem revertidos” (Revista Conjuntura Econômica, 2003). Em 2003, o Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor - IDEC começou a implantar metodologia de avaliação de responsabilidade social das empresas, porque segundo observação dos próprios organizadores, existem empresas que têm projetos sociais, mas não são necessariamente responsáveis socialmente (Jornal O Globo – 25/05/2003) No Brasil, a Bovespa lançou em 2001 o Índice de Governança Corporativa Diferenciada (IGC) que incluiu 30 empresas que baseiam sua gestão no conceito de governança corporativa, que tem com princípios: o respeito ao acionista minoritário, a eqüidade de direitos para investidores, a transparência de informações, a prestação de contas à comunidade, o respeito ao meio ambiente e às ações sociais. O IGC rendeu, desde que foi criado, 19,80%, enquanto que o Ibovespa perdeu 9,04%. Segundo BEDICKS, diretora-executiva do Instituto Brasileiro de Governança Corporativa, “os números mostram que quanto maior for o respeito da empresa e a transparência das informações, mais seguro é investir nessas empresas. Após os escândalos corporativos, cresceu a busca e a valorização de empresas com este perfil” (Jornal O Globo 19/05/2003). A valorização das ações de empresas responsáveis no mercado financeiro é mais uma evidência de que a atual fase capitalista já incorporou os conceitos de ética, respeito e transparência e não considera a responsabilidade social como um movimento empresarial passageiro, sendo esta prática fundamental para a própria sobrevivência delas.

No que se refere especificamente ao enfoque de incorporação dos grupos envolvidos na cadeia produtiva, alguns exemplos no Brasil também merecem destaque. O exemplo mais comum é o problema da escassez de insumos que o próprio ambiente empresarial já dá conta de tratá-lo para evitar que seja extinto e tornar ilimitada a sua utilização, como é o caso da reciclagem de materiais e o reflorestamento. Os empresários, que estão expostos a este risco, já perceberam a necessidade de incorporar as fontes da matéria-prima em sua cadeia de produção ao invés de só extraí-las do ambiente natural. A empresa Latasa implantou e disseminou no Rio de Janeiro, em São Paulo e em Minas Gerais a tecnologia de reciclagem do seu próprio produto, a lata de alumínio. Em 1995, a empresa alcançou a taxa de 63% de reciclagem deste produto, sendo uma das mais altas do mundo. Essa estratégia implicou em diversos benefícios como: fonte de renda e alternativa de trabalho a pessoas de baixa instrução que estão à margem do mercado, economia de energia elétrica para a obtenção do alumínio (para reciclar utiliza-se somente 5% da energia que seria utilizada para produzir o alumínio primário) e redução de agressão ao meio ambiente, poupando a extração do minério bruto, a bauxita, e evitando que as latas se acumulem nos aterros sanitários urbanos (CORREA, 1997). A marca Boticário é um caso interessante porque a sociedade, por associar a marca com a natureza, estimulou a empresa a promover iniciativas ambientais. A empresa mantém uma produção com elevados padrões de controle ambiental. Suas essências, graças às tecnologias de ponta de seus fornecedores multinacionais, passaram há alguns anos, a ser produzidas sinteticamente, o que preserva a integridade das espécies da fauna e da

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flora; seus frascos e embalagens já são produzidos em materiais recicláveis e o resíduo industrial e o lixo orgânico de sua unidade industrial são tratados na sua própria central de tratamento de efluentes. Além disso, criou e contribuiu para a manutenção de uma fundação que promove a proteção e a recuperação da natureza. A iniciativa da fundação foi dos próprios dirigentes porque estes observaram que a marca Boticário era espontaneamente relacionada à natureza e a empresa era procurada para patrocinar iniciativas relacionadas ao tema, apesar dela não ter feito exploração sobre essa relação (ROCHA, 1997). Um órgão governamental, o IBAMA, já tende a considerar o “Stakeholder Dialogue” como uma etapa obrigatória no processo de Licenciamento Ambiental para as atividades de exploração e produção, como citado no item II.8.3. Projeto de Comunicação Social:

“A) Deverá ser realizado um trabalho de divulgação e esclarecimento, previamente ao início das atividades, junto às partes interessadas identificadas no Estudo Ambiental, através de reuniões/palestras, informando em linguagem clara e objetiva, respeitando o nível de escolaridade, cultura e conhecimento, sobre os aspectos gerais da atividade, incluindo os projetos/planos referentes à proteção do meio ambiente e de emergência. B) Identificar e descrever todas as partes interessadas envolvidas e que possam ser afetadas pela execução da atividade (colônias de pesca, indústrias pesqueiras, proprietários de embarcações, empresários de turismo, etc), informando os dados para contato (nome, endereço, telefone, pessoa de contato, etc).” (Termos de Referência dos Estudos de Licenciamento Ambiental para as atividades de Exploração e Produção – E&P, IBAMA, MMA).

Pelos mesmos motivos das empresas internacionais, ameaça ou a existência de conflito, as empresas nacionais se aproximam de seus grupos envolvidos. No caso de exploração e produção de petróleo, essa rotina de aproximação já se tornou parte do processo licitatório. Essas iniciativas se tornam uma medida preventiva de evitar futuros problemas, sejam em conflitos com grupos envolvidos ou escassez de matéria-prima..

III.2.4 A Responsabilidade Social na produção urbana no Brasil O movimento de engajamento empresarial, em temas que estão além do escopo de sua própria produção, vem sendo verificado tanto na escala nacional quanto na escala municipal. PELIANO (2001) identificou a partir de 47 empresas no Brasil, três motivos que levam ao envolvimento social por parte das empresas. O primeiro motivo é a influência pessoal dos dirigentes, que em 59% dos casos envolvem-se pessoalmente. O segundo é a diferenciação da marca, que acarreta em melhor relação com parceiros e em melhora da imagem com consumidores que estão cada vez mais atentos às questões sociais e ambientais. O terceiro é o envolvimento dos empregados, que se sentem mais motivados e satisfeitos no ambiente interno.

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Já Pfeiffer (2001)26 identificou diversas razões para o envolvimento de empresas privadas na resolução de problemas através da prestação de serviços sociais e urbanos da cidade do Rio de Janeiro, a partir da década de 80. De um universo de 63 empresas que se envolveram prestaram esses serviços, foram entrevistadas 22 empresas, que incluíram tanto as que desenvolveram ações autônomas quanto as que desenvolveram parceria com a Administração Pública Municipal. A questão da diferenciação da marca foi identificada tanto no movimento nacional quanto no movimento carioca. No caso carioca, foi citada como “estratégia de marketing institucional ou inovações no âmbito da política social”. Em qualquer escala, a melhora da imagem da empresa é uma forma de demonstrar utilidade social e contribuição ao bem comum, adquirir valores diferenciados perante os concorrentes e pode possibilitar a atuação em mercados restritos ou nichos de mercado. Os outros dois motivos identificados no movimento nacional não foram identificados no movimento carioca. O movimento nacional identificou uma mudança de mentalidade empresarial tendendo a ações assistenciais para minimizar a pobreza e para atender clientes em potencial. Eram ações, sobretudo, de assistência social, alimentação, saúde e educação, que são mais próximas da filantropia empresarial, do associativismo, do voluntariado. Por isso o comportamento individual dos executivos e dos empregados ter-se destacado. O caso carioca apresenta outras especificidades em relação ao movimento nacional, como a atuação empresarial em parceria, que pretendeu resolver problemas localizados que o Estado, por falta de recursos, por burocracia ou por ter outras prioridades, não dava conta de resolver. Por isso, os motivos da atuação empresarial identificados são relacionados à conjuntura sócio-política da cidade: é uma estratégia de sobrevivência frente ao agravamento da violência urbana; são respostas a estímulos do governo municipal para o caso das parcerias, (Governo César Maia, de 1993 a 1996, e Governo Luiz Paulo Conde, de 1997 a 2000); evitar/superar atitudes anti-sociais da comunidade do entorno. Já a atuação empresarial autônoma foi justificada por motivos de caráter mais geral e relacionada a comportamentos empresariais: influenciados pela doutrina da responsabilidade social; baseados em uma nova concepção de filantropia empresarial; voltados para aumentar a competitividade das empresas no mercado nacional e internacional; interessados no surgimento/implantação de “Terceiro Setor” no Brasil; voltados para a contribuição ao desenvolvimento social sustentável e eqüitativo do país. Das empresas identificadas no Rio de Janeiro, como atuando na resolução de problemas na cidade, 17% eram do setor de construção civil, incluindo administradoras de shopping center, incorporadoras e construtoras e corretoras. Das 22 empresas entrevistadas, uma era administradora de shopping center, duas eram incorporadoras e construtoras. As atividades realizadas em parceria com a Prefeitura podem ser resumidas em: reurbanização e/ou manutenção de ruas e praças (incluindo tanto obras de embelezamento, como paisagismo e mobiliário urbano, quanto infra-estrutural, como 26 Esse trabalho, de caráter exploratório, foi o único encontrado que tratou de relacionar responsabilidade social e produção urbana.

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desobstrução de galerias pluviais); obras em viadutos, passagens e ciclovias; obras em terminais rodoviários e abrigos de ônibus; reformas em estabelecimento de serviços públicos, como escola e postos policiais; e atividades de “modernização” do serviço público. Essa colaboração ocorreu através da prestação direta de serviço, da contratação de empresas prestadoras de serviço indicadas pela Prefeitura e da transferência de know-how organizacional. As empresas que atuaram de forma autônoma, sem a participação da Prefeitura, eram de grande porte (holdings, corporações, multinacionais e grandes empresas nacionais) e concentraram suas atuações nas áreas menos valorizadas e nos segmentos menos favorecidos, através de doações para entidades locais; realização de projetos de educação, esporte e capacitação profissional; incentivo ao voluntariado e apoio logístico, material e imaterial para campanhas voluntárias. Suas razões aproximam-se do caráter geral da doutrina de responsabilidade social como envolvimento com a comunidade onde atua, retribuição à sociedade, necessidade do desenvolvimento da sociedade para a empresa desenvolver-se, colaboração para despertar e fortalecer a cidadania e ganhos institucionais em termos de imagem. A continuidade dessas ações é garantida porque está prevista nos princípios da empresa e o custo é baixo em relação ao faturamento, já que utilizam recursos humanos e materiais próprios. Aos empresários de qualquer porte em geral, a Prefeitura ofereceu oportunidades de parceria para contribuição ao meio ambiente urbano e qualidade de vida da população, possibilitando divulgar a marca em áreas públicas, obter deduções fiscais, utilizar bens públicos para fins lucrativos ou apenas o reconhecimento. Essas parcerias deram-se através dos procedimentos de concessão de autorização para veiculação de propaganda em logradouro público; permissão de uso de bem público para fins lucrativos em troca de obras e serviços de conservação de áreas e equipamentos públicos; oferta de benefícios a empresas, associações e cidadãos na adoção de áreas verdes da cidade; e orientações aos subprefeitos na transformação de reclamações em colaborações. Essas parcerias ocorreram principalmente nas áreas mais valorizadas da cidade como Centro, Zona Sul e Barra da Tijuca. Para essas empresas, os motivos da colaboração aproximam-se dos objetivos dos negócios de cada uma: - Empresas de comunicação visual, marketing e publicidade - “veiculação de

propaganda” interessa comercialmente a empresa e “realizar obras e serviços” é uma alternativa de mídia interessante para os propósitos da empresa;

- Empresas distribuidoras de combustíveis e lubrificantes - “permissão de uso de bem público em troca de obras e serviços” interessa comercialmente às empresas;

- Empresas localizadas em logradouros degradados - “realizar obras e serviços no entorno” facilitam o acesso às mesmas e/ou dá segurança para funcionários e clientes;

- Empresas incorporadoras e construtoras - “melhorias no entorno na implantação de empreendimentos imobiliários” minimizam a rejeição social e facilitam a venda ou aluguel;

- Empresas de ônibus - “obras e serviços prestados pela empresa” visam à satisfação do usuário ou a melhoria da relação;

- 3 empresas da amostra – “colaboração com a Administração Pública Municipal” pode favorecer o alcance de objetivos da empresa de curto, médio e longo prazo.

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Quanto à possibilidade de manutenção destes serviços, todos esses empresários manifestaram interesse em manter, porém, com limites, já que é preciso autorização e assistência da Prefeitura para que eles realizem projetos, obras ou serviços em áreas públicas; as empresas podem não obter o retorno esperado e a falta de lisura das ações municipais provoca desconfiança. É interessante observar que a decisão de atuar em parceria deu-se devido à credibilidade e aos estímulos do governo municipal, segundo os empresários.

III.2.5 Os grupos de interesse ou envolvidos na produção urbana PELIANO (2001) confirma que o envolvimento social se dá a partir dos dirigentes das empresas. CORREA (2003) e MARTINS (1991) destacam que os promotores imobiliários, ou incorporadores, organizam-se para efetivamente pressionar e mobilizar o Estado com o objetivo de obter as condições para sua produção. Examinando os modelos descritos por LETTIERI (2003), na produção imobiliária é possível identificar a percepção dos incorporadores em relação aos seus grupos envolvidos. No trabalho de PRESTON, os incorporadores só identificam como grupos envolvidos os assinalados no envolvimento primário, os produtores das instalações, dos suprimentos, os empregados, dos produtos e os “requerimentos legais formais” como registros, licenças e tributos. Isso pode ser comprovado na pesquisa de campo, tanto no estabelecimento de parcerias com poder público e investidores, quanto no relacionamento com fornecedores e consultores e as ações de responsabilidade social no ambiente interno. Esses não percebem ainda quais os impactos no ambiente externo27, que as decisões tomadas internamente geram no envolvimento secundário, apesar de experimentarem na prática que a negligência dessas interações estão prejudicando a produção da empresa, como é o caso dos inquéritos civis assistidos por Móbile/UFRJ, que denunciavam saturação da infra-estrutura viária causada por grandes empreendimentos urbanos. Ainda há a crença de que o cumprimento das questões do envolvimento primário é suficiente e não reconhecem que o tráfego gerado por empreendimentos como impactos de sua responsabilidade. No modelo de FREEMAN para o setor de incorporação imobiliária tem-se que, em nível racional, os órgãos públicos licenciadores são os grupos envolvidos que podem limitar a ação empresarial e já são identificados normalmente. As associações comunitárias poderiam ser identificadas como os grupos envolvidos que podem afetar o funcionamento da empresa, porque seus integrantes são os moradores que residem no entorno dos empreendimentos, estão sujeitas a todos os impactos causados a essas áreas e algumas delas são mobilizadas o suficiente para formular formalmente denúncias ao Ministério Público. No nível processual, seria necessário identificar uma equipe técnica que pudesse auxiliar nos procedimentos mais adequados para realizar o empreendimento ou a sua expansão de forma a identificar e a minimizar os impactos (o próprio Sindicato da Indústria da Construção Civil - Sinduscon-Rio - poderia assumir tal iniciativa criando um núcleo experimental de responsabilidade social para as empresas associadas). No nível transacional, o Ministério Público, o Poder Público ou outra instituição poderiam ser identificados como os grupos envolvidos capazes de intermediar as ambições empresariais e as preocupações dos moradores.

27 Que são os clientes, as comunidades, os provedores de transporte público e infra-estrutura viária.

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A classificação de MITCHELL e o ponto de vista de BANERJEE (2002) esclarecem como é a atual identificação dos stakeholders da incorporação imobiliária. O Poder Público e os órgãos licenciadores são os grupos envolvidos com mais alto grau em todos os critérios, sendo estes quem a empresa sempre aproxima, porque definem e alteram os parâmetros construtivos e disponibilizam todos os documentos necessários à aprovação do empreendimento. As associações de moradores são consideradas de pouco poder e legitimidade, porque as empresas consideram que atender os parâmetros urbanísticos e os órgãos licenciadores é suficiente, podendo abster-se de qualquer relacionamento com a comunidade. Recentemente, esse stakeholder tem sido identificado com alto grau de urgência porque suas reivindicações geram ações civis públicas que comprometem o empreendimento. O mesmo ocorre com o Ministério Público, que pelos mesmos motivos não é considerado legítimo para criticar os procedimentos, mas tem alto grau de poder, que é a responsabilidade de abertura de uma ação civil, e de urgência. Ao estabelecer relações entre os três modelos propostos, percebe-se que na literatura o setor identifica o Poder Público, juntamente com os órgãos licenciadores, como o grupo envolvido que merece especial consideração. Esse tem envolvimento primário com as empresas por causa dos “requerimentos legais formais”. Esses requerimentos também situam esse grupo envolvido no nível racional, porque a sua ausência afeta o funcionamento da empresa, e o atribui com alto grau de poder porque controla a concessão das licenças. As considerações dos grupos de envolvimento secundário ainda estão fora da tomada de decisão interna porque ainda são revestidas de pouco poder e legitimidade, com exceção do Ministério Público, com poder para interromper ou adiar o funcionamento da operação da empresa através de uma ação civil pública. Segundo CLARKSON apud BANERJEE (2002) quando um tema interessa a uma determinada sociedade, o seu governo trata de promover legislação apropriada para proteger os interesses sociais. Quando não há legislação sobre um determinado tema, este vira assunto “de grupo envolvido” que precisa ser tratado pela corporação. O Stakeholder Dialogue para a produção urbana já é um tema de interesse da sociedade brasileira porque foi incluído na lei 10.257 de 2001, o Estatuto da Cidade, como Gestão Democrática da Cidade. Os grupos envolvidos identificados são os três níveis de governo, federal, estadual e municipal, a iniciativa privada, as associações representativas de vários segmentos da comunidade e a população em geral. A dicotomia público-privado de representação de grupos envolvidos não legitima seus interesses, ao contrário, serve para regular o seu comportamento. Quem está buscando contribuição dos grupos envolvidos? Para que propósito? O que se vê na prática é que interesses públicos são representados por agências de governo que buscam os grupos envolvidos com o propósito de obter informação para legitimar o apoio de suas decisões, ao invés da aproximação para uma tomada conjunta de decisão. III.3 Os desafios concretos colocados pelo direito ambiental-urbanístico no Brasil As cidades brasileiras sempre encontraram problemas para oferecer infra-estrutura urbana e postos de trabalho ao contingente de população que migrou do campo para os centros urbanos, num primeiro momento e de pequenos centros urbanos para grandes

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metrópoles, num segundo momento. Essa deficiência, aliada à urbanização espontânea (sem planejamento sistemático e efetivo) e à prática imobiliária, cujo financiamento historicamente privilegiou as classes econômicas de maior poder aquisitivo, gerou problemas de inclusão legal na ocupação urbana para uma grande parcela populacional. Isto é: como o acesso à terra, tratada como mercadoria, dá-se pela compra e pela legislação urbanística, observa-se nas cidades brasileiras, sobretudo nas metrópoles, percentual bastante elevado de ocupação urbana irregular e ilegal, seja em assentamentos ou loteamentos irregulares, seja em favelas (DOURADO, 2003). A dispersão de ocupação irregular em torno dos centros metropolitanos e a mobilidade urbana com ênfase na infra-estrutura rodoviária (ver II.1) espraiaram a cidade com duas formas de ocupação distintas e muito bem delimitadas: a legal ou oficial, constituído das classes de maior poder aquisitivo nas áreas urbanizadas e consideradas nos planos e na legislação urbanística, e a ilegal ou da informalidade, constituído das classes menos favorecidas economicamente nas áreas de encostas ou periféricas, que historicamente não foram objeto de investimento público e, conseqüentemente, não foram consideradas na especulação imobiliária. A partir da definição de território entendida por GOMES (2002) como “parte de uma extensão física do espaço, mobilizada como elemento decisivo no estabelecimento de um poder”, é possível afirmar que estas ocupações tornaram-se dois territórios distintos submetidos a poderes antagônicos: de um lado o Poder Público, legalmente constituído, e do outro a força ou o prestígio de grupos marginais. A disseminação das expressões “moradores do asfalto”, “moradores do morro ou da favela”, sendo a própria pavimentação utilizada como símbolo, e “cidade partida”, criada pelo jornalista Zuenir Ventura, podem ser entendidas como uma forma popular de determinar territórios tão distintos e de caracterizar a própria exclusão social. Esse quadro de degradação social e, por decorrência, ambiental das cidades brasileiras expõe a dificuldade que a sociedade tem para distribuir direitos e garantias adquiridos. Um dos primeiros passos em direção à abordagem desta questão deu-se na Constituição de 1988. A inclusão do capitulo “da política urbana” (art.182 e 183), que contempla o princípio fundamental da Função Social da Propriedade e da Cidade, partiu da articulação da Emenda Popular pela Reforma Urbana. Este movimento, defendido nos anos 60, foi retomado no contexto de participação nacional em torno da Constituição de 1988 e incorporou o acúmulo teórico da questão urbana e o avanço político dos movimentos populares. Esse movimento destacava tanto aspectos democrático-econômicos, como participação e universalização dos serviços urbanos, quanto aspectos ambientais, como direito a um ambiente urbano equilibrado (GRAZIA, 2003). Desde o século XVIII até hoje, conforme ensina LAFER apud MELLO (1995) (STF), o direito passou por três gerações. No ocidente, o século XVIII apresentou os princípios da vida moderna, colocando em foco na Europa e nos Estados Unidos o problema da política, da liberdade e da república. Assim, foram criadas leis que contemplavam os direitos civis e políticos e que realçavam o princípio da liberdade, os chamados direitos de primeira geração, com destaque para o fim do trabalho escravo, a regulamentação do trabalho assalariado e a organização sindical. No século XIX, o foco foi dado aos ideais socialistas e ao movimento operário que surgia e contemplavam os direitos econômicos, sociais e culturais, acentuando o princípio da igualdade, os chamados direitos de segunda geração.

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A segunda metade do século XX focalizou o problema da integridade do meio ambiente e acentuou o princípio da solidariedade, os chamados direitos de terceira geração. Esses “materializam poderes de titularidade coletiva atribuídos genericamente a todas as formações sociais, consagram o princípio da solidariedade e constituem um momento importante no processo de desenvolvimento, expansão e reconhecimento dos direitos humanos, caracterizados, enquanto valores fundamentais indisponíveis...” (LAFER apud MELLO, 1995 (STF)), ou seja, atribuem ao meio ambiente natural e à qualidade ambiental o status de bens não somente para todas as formações sociais, mas, inclusive, para todas as espécies de vida. Em que pese a lição de LAFER, na história do Brasil não se verifica a aplicação concomitante no contexto internacional desses mesmos princípios ou gerações do Direito (por exemplo: foi o último país latino-americano a abolir a escravidão e a declarar livre o trabalho). Mas no que tange à questão ambiental, a história é outra: o Brasil tem uma legislação ambiental dentre as mais atualizadas e avançadas do mundo, conforme é reconhecido entre os juristas brasileiros. Desde 1981, através da Lei Nº 6.938, há instrumento legal para assegurar os direitos de terceira geração. Essa lei já tinha por objetivo (art.2) “a preservação, melhoria e recuperação da qualidade ambiental propícia à vida” e interpretava de forma a acentuar o princípio da solidariedade para todos os aspectos ambientais. Essa lei entendia por meio ambiente como (art.3 I) “o conjunto de condições, leis e interações de ordem física, química e biológica, que permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas”, o que contemplava tanto o ambiente natural, quanto o construído, e responsabilizava o Poder Público pela sua proteção e melhoria (art.6). A partir dessa lei já era possível incluir atividades do meio ambiente urbano e impor ao poluidor “a pessoa física ou jurídica, de direito público ou privado, responsável, direta ou indiretamente, por atividade causadora de degradação ambiental” (art.3 IV), a “obrigação de recuperar e/ou indenizar os danos causados” (art.3 VII), a partir da interpretação das atividades consideradas poluidoras. Por exemplo: um grande empreendimento imobiliário que atraía grande quantidade de veículos individuais motorizados ao ponto de exceder os limites de capacidade viária e de concentração de poluentes atmosféricos poderia ser interpretado como uma atividade que criava “condições adversas às atividades sociais e econômicas” (art.3 IIIb) ao causar congestionamentos e, assim, comprometer a qualidade de circulação da população do entorno, que prejudicava “a saúde, a segurança e o bem-estar da população” (art.3 IIIa) e que lançava “matérias ou energia em desacordo com os padrões ambientais estabelecidos” (art.3 IIIe) ao provocar indiretamente, por meio dos veículos atraídos, a concentração de gases nocivos. A partir dessa lei de 1981, outros instrumentos jurídicos foram criados de forma a contemplar a problemática ambiental como a Resolução CONAMA 1/86, que considera “a necessidade de se estabelecerem as definições, das responsabilidades, os critérios básicos e as diretrizes gerais para o uso e implementação da Avaliação de Impacto Ambiental com um dos instrumentos da Política Nacional do Meio Ambiente”, porém o meio ambiente urbano foi parcialmente contemplado como pode ser verificado no art.2 XV.

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Finalmente, a Constituição Brasileira de 1988 tratou de conciliar tanto os direitos de segunda quanto os de terceira geração. Criou-se uma oportunidade para que os direitos de segunda geração pudessem ser promovidos efetivamente quando da implantação dos direitos de terceira geração, ao atribuir função ou responsabilidade sócio-ambiental à propriedade. “... a tutela do meio ambiente, quando confrontada com o direito de propriedade, lhe é logicamente antecedente (inexiste direito de propriedade pleno sem salvaguarda ambiental) e historicamente contemporânea (ambos direitos são reconhecidos num mesmo momento legislativo e texto normativo). Repita-se, logicamente antecedente porque, já insinuamos, sem resguardo ao meio ambiente, a ordem implantada pela Constituição Federal de 1988 não reconhece – ou não reconhece na sua plenitude – o direito de propriedade, nos termos do art. 5º, XXIII (função social genérica), 170, XI (a defesa do meio ambiente como princípio da ordem econômica), 182, §2º (função sócio-urbanística da propriedade urbana) e 186, II (função sócio-ambiental da propriedade rural)” (BENJAMIN, 1996). Como observa BENJAMIM apud GOMES (2000): “De fato, direito de propriedade e meio ambiente são institutos interligados, como que faces de uma mesma moeda... Em síntese, a propriedade, embora mantendo suas prerrogativas e elementos básicos, é hoje estruturalmente diferente daquela prevista pelos regimes constitucionais anteriores. Seria, realmente, absurdo pretender, que no mundo jurídico, só o direito de propriedade ficasse imune às extraordinárias transformações trazidas, nos últimos anos, pelo despertar ambiental. Nenhum instituto legal tem o poder – para não dizer a legitimidade – de compor sua inflexibilidade às custas do interesse social que lhe dá a vida”. Na Constituição, estabelece-se que: (art.5 XXII) “é garantido o direito de propriedade” e (art.5 XXIII) “a propriedade atenderá a sua função social”, desta forma só é garantido o direito de propriedade desde que esta atenda a sua função social, que “constitui um princípio ordenador da propriedade privada e fundamento da atribuição desse direito de seu reconhecimento e da sua garantia mesma, incidindo sobre seu próprio conteúdo” (SILVA, 1996). O princípio da função social da propriedade pode introduzir interesses que talvez não coincidam com os do proprietário, ou seja, a função social pode limitar o usufruto da propriedade, qualquer que seja o seu potencial produtivo ou legal. Segundo ALBUQUERQUE (2002), “a função social da propriedade representa uma alteração no próprio conteúdo do direito, constituindo norma principiológica a ser observada pelo julgador em todos os conflitos envolvendo situação proprietária”. Para LANFREDI (1997), a função social da propriedade corresponde à necessidade da solidariedade social e visa disciplinar a atividade, os direitos e os deveres do proprietário. Já para GRAU apud LANFREDI (1997), este conceito é interpretado de uma forma mais severa porque “impõe ao proprietário – ou a quem detém o poder de controle, na empresa – o dever de exercê-la em beneficio de outrem e não, apenas de não a exercer em prejuízo de outrem”. As várias interpretações da função social da propriedade indicam duas tendências: uma de caráter restritivo, ao disciplinar o uso irrestrito da propriedade, e uma de caráter impositivo, ao obrigar a propriedade à solidariedade social.

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No Brasil, o próprio BENJAMIM apud GOMES (2000) afirma que a teoria da função social da propriedade ainda não foi incorporada pela sociedade, na realidade dos operadores de Direito e no funcionamento do mercado no sentido de restringir o seu conteúdo da propriedade em prol dos interesses da sociedade. É observado que a abrangência sócio-ambiental da função da propriedade, descrita em diversos capítulos constitucionais, é menos ainda considerada, tornando-se cada vez mais urgente para a sociedade brasileira tratar de não prejudicar a qualidade da vida humana no ambiente, seja natural ou construído. Os artigos 182 e 183 da Constituição de 1988, que tratam da política urbana, segundo juristas mais progressistas, já seriam auto-aplicáveis. Porém, este não foi o entendimento do Supremo Tribunal Federal e dos setores conservadores. Estes aceitaram o princípio da função social da propriedade e da cidade, mas o atrelaram a uma lei federal complementar e ao plano diretor, art.182 §2º “A propriedade urbana cumpre sua função social quando atende às exigências fundamentais de ordenação da cidade expressas pelo plano diretor”, o que gerou muita controvérsia na data de sua aprovação por parte do Movimento de Reforma Urbana. A partir deste inciso, pode-se afirmar que no Direito Urbanístico Brasileiro só estão sendo contempladas as características restritivas do conceito de função social da propriedade, ao limitar a propriedade às exigências urbanísticas do plano diretor. O que é uma forma polêmica de se tratar a problemática sócio-ambiental urbana, já que atrela o crescimento da cidade a uma lei e não a fatos ou dados ambientais e urbanísticos, que precisam ser revistos e monitorados continuamente, como capacidade viária, infra-estrutura instalada e futura, qualidade do ar e poluição, etc. Os próprios parâmetros urbanísticos definidos nos Planos Diretores podem estar induzindo impactos ambientais, visto que são definidos politicamente. Além disso, por ser tema recente (impactos na qualidade de circulação), a própria Universidade ainda não oferece ao mercado profissionais, engenheiros e arquitetos, a habilitação necessária, ainda restrita aos cursos de pós-graduação e, por isso, muito distante da realidade de nossas cidades. Isto gera a necessidade freqüente de revisões dos Planos Diretores para a compatibilização de interesses dos diversos agentes produtores e consumidores da mercadoria "cidade". Uma lei federal complementar de desenvolvimento urbano tornou-se necessária devido a essa controvérsia criada, se os artigos constitucionais já seriam auto-aplicáveis ou não, e pela necessidade de criação de instrumentos específicos coerentes com o conteúdo constitucional para que os municípios pudessem responder às demandas da população. Após 11 anos de tramitação até a sua aprovação, a lei federal 10.257, denominada Estatuto da Cidade, foi aprovada em 2001 (GRAZIA, 2003). Esta lei contempla a segunda tendência identificada para a função social da propriedade: o caráter impositivo, porque impõe à propriedade a obrigação de solidariedade e de justiça social. O Estatuto da Cidade trata-se da lei complementar aos artigos 182 e 183 da Constituição de 1988. Define os diversos instrumentos possíveis de serem utilizados pelos planos diretores municipais de forma a atender ao princípio constitucional da função social propriedade e da cidade. Suas diretrizes contemplam: o direito à cidade, o que inclui os serviços e infra-estrutura; a gestão democrática por meio da participação da população e de associações; a cooperação entre os diversos agentes sociais, o 1º, o 2º e o 3º setor; o planejamento urbano que ordena o território e corrige distorções; o equilíbrio entre

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oferta e demanda de serviços públicos segundo limites de sustentabilidade ambiental; entre outros. Com o instrumento legal criado, o desafio atual é de ordem prática e técnica. A Constituição de 1988 já estabelecia que (art.182 §1º) “O plano diretor, aprovado pela Câmara Municipal, obrigatório para cidades com mais de vinte mil habitantes, é o instrumento básico da política de desenvolvimento e de expansão urbana.” e o Estatuto da Cidade já propõe prazos para a revisão e principalmente elaboração dos planos diretores, como escrito no seu art.50: “Os Municípios que estejam enquadrados na obrigação prevista nos incisos I e II do art. 41 desta Lei que não tenham plano diretor aprovado na data de entrada em vigor desta Lei, deverão aprová-la no prazo de cinco anos.”. Demonstrando a dificuldade prática da adoção deste instrumento por parte dos municípios, tomam-se os dados do IBGE, 2001 da Tabela 8 abaixo.

TABELA 8 – Existência de Plano Diretor nos Municípios Brasileiros

EXISTÊNCIA DE PLANO DIRETOR TOTAL DE MUNICÍPIOS SIM NAO % Plano

Diretor Classes de tamanho da população dos municípios, Grandes Regiões e Unidades da Federação 5 560 980 4 577 17,63

Até 5 000 hab. 1 371 105 1 266 7,66

De 5 001 a 20 000 hab. 2 688 302 2 383 11,24 * De 20 001 a 100 000 hab. 1 275 395 880 30,98 * De 100 001 a 500 000 hab. 194 146 48 75,26 * Mais de 500 000 hab. 32 32 - 100,00* Municípios Obrigatórios 1501 573 928 38,17

FONTE: IBGE, 2001. Dos 1.501 municípios que obrigatoriamente teriam que ter Planos Diretores, que são acima de 20.000 habitantes, somente 38,17% possuem. Quanto menor o porte do município, menor é o percentual de existência de planos diretores. Dos 1.275 municípios brasileiros entre 20.000 e 100.000 habitantes, somente 31% têm planos diretores. 75% dos municípios entre 100.000 e 500.000 habitantes e 100% dos municípios acima de 500.000 habitantes têm planos diretores. Verifica-se que a obrigatoriedade constitucional, desde 1988, a respeito da discussão e da aprovação de um plano diretor municipal não é garantia do seu cumprimento, mesmo após 15 anos. Caso as Câmaras Municipais dos municípios com mais de vinte mil habitantes iniciem o processo de elaboração dos seus planos diretores, deparar-se-ão com diversas especificidades do Estatuto da Cidade que deverão ser analisadas tecnicamente em cada localidade. No art. 5 § 5º, do parcelamento, edificação ou utilização compulsórios, “em empreendimento de grande porte, em caráter excepcional, a lei municipal específica a que se refere o caput poderá prever a conclusão em etapas, assegurando-se que o projeto aprovado compreenda o empreendimento como um todo” (grifo próprio). Será de responsabilidade da municipalidade caracterizar um empreendimento urbano de grande porte através da sua área construída, do seu uso, da quantidade de veículos que atrai e em relação a outros empreendimentos existentes na cidade. Isto acarretará ao corpo técnico da localidade uma avaliação de indicadores adaptados aos aspectos locais para esta definição.

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No art 37 do estudo de impacto de vizinhança, questões relacionadas pelo instituto encontram-se atualmente sem respaldo metodológico definitivo como, por exemplo: impactos indiretos de pólos geradores de tráfego na qualidade de vida de sua área de influência (adensamento urbano devido às economias de localização e de aglomeração). SANJAD (2003) comprovou a existência de impactos indiretos a longo prazo na estruturação urbana verificados após a implantação de um empreendimento urbano de grande porte, no caso, um shopping center (vide item II.1.1). Infelizmente no Brasil, a existência do instrumento legal não significa necessariamente a sua aplicação, mas, sem dúvida alguma, a regulamentação do Estatuto da Cidade é um importante ponto de partida para a discussão e revisão dos atuais padrões de crescimento e expansão urbana, ou seja, a função social da cidade. A reflexão sobre as especificidades do Estatuto da Cidade para atender o princípio constitucional da função social da propriedade leva às mesmas questões tratadas pelo movimento de responsabilidade social empresarial, quais sejam: sustentabilidades econômica, social e ambiental. Se comparadas, a empresa e a cidade são igualmente unidades produtivas, porém, cada uma com objetivos diferentes de lucro e com escalas de abrangência distintas. Enquanto a empresa atende aos acionistas e cada unidade produtiva se materializa individualmente no espaço urbano, a cidade tem o dever de atender a sociedade e se caracteriza pelo conjunto de unidades produtivas e de reprodução social materializados no espaço. O que se percebe é que as principais estratégias corporativas que agregam valor tanto à empresa quanto aos seus grupos envolvidos assemelham-se a diretrizes do Estatuto da Cidade, que vêm sendo discutidas desde os anos de 1960, como pode ser verificado no Quadro 3 abaixo. Quadro 3 – Convergência entre Responsabilidade Social Corporativa e o Direito Urbanístico Brasileiro Responsabilidade Social Corporativa Direito Urbanístico Brasileiro Convergência Temática Conceito: Responsabilidade Social “Responsabilidade Social é uma forma de conduzir os negócios da empresa de tal maneira que a torna parceira e co-responsável pelo desenvolvimento social.” (ETHOS, 2003)

Conceito: Função Social da Propriedade Constituição Federal 1988 (art.5) XXII “é garantido o direito de propriedade” XXIII “a propriedade atenderá a sua função social”

Incide interesses da coletividade e do meio ambiente sobre a propriedade/empresa.

Método: Diálogo com Grupos de Interesse Processo em que os interesses dos grupos envolvidos são ouvidos e as informações são compartilhadas, a ponto de se construir um relacionamento necessário para evitar futuros conflitos.

Método: Gestão democrática art.2 II – Lei 10.257/01 Gestão democrática por meio da participação da população e de associações representativas dos vários segmentos da comunidade na formulação, execução e acompanhamento de planos, programas e projetos de desenvolvimento urbano.

Oportunidade de participação direta da sociedade e da cooperação entre os diversos agentes envolvidos

Instrumento: Gestão de Responsabilidade Social em 3 Estágios:1º estágio - gestão social interna 2º estágio - gestão social externa 3º estágio - gestão social cidadã

Instrumento: Plano Diretor art.2 IV – Lei 10.257/01 Planejamento do desenvolvimento das cidades, da distribuição espacial da população e das atividades econômicas do Município e do território sob sua

Ordenação que procura atender todos grupos envolvidos/unidades espaciais contemplados pela cadeia de produção/consumo.

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área de influência, de modo a evitar e corrigir as distorções do crescimento urbano e seus efeitos negativos sobre o meio ambiente.

Orientação: Ecoeficiência Produção de bens e serviços que tragam qualidade de vida, respeito a capacidade de sustentação da Terra e redução de impactos ambientais e consumo de recursos.

Orientação: Sustentabilidade Urbana art.2 VIII – Lei 10.257/01 Adoção de padrões de produção, de consumo de bens e serviços e de expansão urbana compatíveis com os limites da sustentabilidade ambiental, social e econômica do Município e do território sob sua área de influência.

Compatibilização entre produção e meio ambiente respeitando os limites de capacidade ambiental

FONTE: SILVA at ali (2004) Essa convergência de conceitos, métodos, compromissos e orientações no ambiente empresarial e no ambiente urbano não é por acaso. A própria Constituição Brasileira de 1988 já posicionava os entes da “triple bottom line”, economia-sociedade-meio ambiente, com o mesmo grau de importância como pode ser verificado no artigo 170 do capítulo “dos princípios da atividade econômica”:

“Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios: (...); II – propriedade privada;III – função social da propriedade;(...); VI – defesa do meio ambiente;...”

Não se pode mais pretender a continuidade da atividade econômica sem o respeito aos recursos ambientais e às questões sociais, principalmente no caso brasileiro. Por isso é que ambas as reflexões, tanto a que ocorre sobre a produção urbana quanto a que ocorre sobre a empresa, inserem-se na tentativa das instituições adaptarem-se aos novos paradigmas do ciclo econômico que já começou.

III.3.1 Conflitos entre empreendedores e comunidades referentes à mobilidade urbana

Ao observar as estratégias corporativas de responsabilidade social das principais empresas mundiais, percebe-se que estas vêm incorporando ao seu próprio negócio os deveres, em relação aos direitos de segunda e terceira geração adquiridos pela sociedade, como uma vantagem competitiva, apesar da obrigatoriedade deste cumprimento ser exigência nas principais economias do mundo. A obrigação legal está sendo revestida de valores como valorização do cliente interno, respeito e preservação ambiental, responsabilidade social, ética nos negócios que são mais interessantes à imagem da empresa e as destacam em um ambiente econômico competitivo. No caso brasileiro, esta conversão de obrigações em valores empresariais já vem sendo adotada pelas maiores empresas do país através de valorização dos funcionários, procedimentos ecoeficientes e assistência a comunidades. Para o caso das empresas que definem o espaço urbano, as incorporadoras imobiliárias, percebe-se que alguns desses valores vêm sendo absorvidos, como valorização do funcionário e ações de caráter assistencial, como educação e cultura. Isso pode ver verificado através da pesquisa de campo e contribuições ao SECONCI (Serviço Social da Indústria da Construção do Rio de Janeiro).

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Entretanto, esses valores ainda não foram incorporados à produção. As etapas do processo de incorporação imobiliária continuam reproduzindo ciclos insustentáveis de qualidade ambiental porque sempre atrela a cada novo empreendimento a geração de novas viagens por automóveis. Isso tem gerado freqüentes conflitos entre as associações de moradores mais conscientes, que querem evitar problemas de circulação, poluição do ar e ruído, e as empresas de incorporação imobiliária, que atualmente concebem empreendimentos que extrapolam a já saturada capacidade viária das áreas mais adensadas da cidade. Em conseqüência da falta de cuidado do setor imobiliário com valores sócio-ambientais, diversas ocorrências de inquéritos civis e ações civis públicas vêm sendo verificadas desde 1997 no Rio de Janeiro. Esses inquéritos e ações civis públicas têm sido utilizadas pelas associações comunitárias como um poderoso instrumento para assegurar a qualidade ambiental, sendo o Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro (MPRJ) a instituição responsável pelo seu zelo (FERREIRA, 2002). Além do MP, desde 1990, a Lei Orgânica do Município do Rio de Janeiro contempla a necessidade de previsão de impactos e responsabiliza os órgãos públicos competentes pela sua fiscalização:

"Art. 445 - Qualquer projeto de edificação multifamiliar ou destinado à empreendimentos industriais ou comerciais, de iniciativa privada ou pública, encaminhado aos órgãos públicos, para apreciação e aprovação, será acompanhado de relatório de impacto de vizinhança, contendo, no mínimo, os seguintes aspectos de interferência da obra sobre: I - o meio ambiente natural e construído; II - a infra-estrutura urbana relativa à rede de água e esgoto, gás, telefonia e energia, elétrica; III - o sistema viário; IV - o nível de ruído, de qualidade do ar e qualidade visual; V - as características sócio-culturais da comunidade. Parágrafo único - Os órgãos públicos afetos a cada item que compõem o relatório de impacto de vizinhança responsabilizar-se-ão pela veracidade das informações contidas nos respectivos pareceres".

Um inquérito civil ou uma ação civil pública são os instrumentos utilizados pelo Ministério Público para proteger direitos constitucionais, patrimônio público e social, meio ambiente, patrimônio cultural e interesses individuais indisponíveis, homogêneos e sociais, difusos28 e coletivos29, (MPU, 2004). Estes procedimentos podem partir de qualquer pessoa, ao informar/noticiar o Ministério Público sobre os fatos que constituam objeto da queixa, sem prejuízo da ação popular (lei 7437/85). A seguir, são apresentados alguns exemplos de projetos de grandes empreendimentos urbanos na metrópole do Rio de Janeiro que não puderam ser aprovados ou cujos empreendedores tiveram que assinar termo de ajustamento de conduta. Tratam-se de

28 Interesses difusos “são os interesses de grupos menos determinados de pessoas, sendo que entre elas

não há vinculo jurídico ou fático muito preciso”. O exemplo mais contundente é os de meio ambiente (VIGLIAR apud FERREIRA, 2002).

29 “São interesses que compreendem uma categoria determinada, ou pelo menos determinável de pessoas, dizendo respeito a um grupo, classe ou categoria de indivíduos”. Destaca-se duas categorias: interesses vinculados a uma relação jurídica básica e interesses indivisíveis, em que atendidos um dos integrantes do grupo, todos são simultaneamente atendidos (VIGLIAR apud FERREIRA, 2002).

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casos analisados pelo Grupo de Pesquisa Móbile/UFRJ, que presta assistência técnica ao Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro desde 1999 em convênio intermediado por fundações universitárias. O Shopping do Flamengo, por exemplo, foi um projeto apresentado em 1997. Tratava-se de um empreendimento imobiliário comercial de grande porte que seria construído em uma área com capacidade viária já saturada. O documento apresentado pelos próprios empreendedores, na ocasião da Audiência Publica, indicava que o empreendimento traria problemas à circulação de veículos sem mencion, no entanto, como foi feito o estudo e os resultados numéricos do impacto na circulação de veículos, apesar de já existir metodologia para tratar pólos geradores de tráfego e níveis de serviço nas vias. Mesmo sem apresentar um estudo sobre a dimensão do impacto no tráfego e, ao mesmo tempo, conscientes dos problemas que poderiam ocorrer, os empreendedores propuseram algumas medidas para minimizá-los como pistas auxiliares para acumulação de veículos e a doação de uma central de tráfego informatizada para oferecer uma “onda verde” nos trechos mais críticos. Essas medidas foram sugeridas sem a definição da magnitude do impacto ou mesmo da capacidade das vias de acumulação e do entorno. A falta de abordagem durante o estudo das questões de circulação viária, como veículos particulares e de carga atraídos, condições de tráfego existente, impacto na circulação, circulação de pedestres e usuários do transporte público, foi determinante para que o empreendimento fosse impedido de ser construído. Como não havia um estudo quantificando o impacto, era impossível avaliar a eficácia de qualquer medida paliativa apresentada (MPE, 1997(1)). O empreendimento não foi construído. No caso do Centro Médico Dr. Leonel Miranda, um complexo hospitalar com 220 leitos para a classe A e B do Rio de Janeiro, o trato com a questão da circulação foi similar. Os empreendedores, também conscientes com a questão da circulação, ofereciam “um amplo estacionamento” com 170 vagas para abrigar os veículos que seriam atraídos para este. A descrição de como essa quantidade de vagas foi atingida ou, se, de fato, seria suficiente para atender ao perfil do cliente esperado e os impactos que este empreendimento traria no entorno também não foram apresentados (MPE, 1998 (1)). O empreendimento também não foi construído. O caso do Complexo Empresarial e Comercial Rio Sul, por tratar-se de um empreendimento existente desde 1980, destacou-se por contemplar outras características e ter resultado em diversos estudos sobre o conflito entre empreendedor imobiliário e a comunidade. A associação comunitária do entorno do shopping levou ao Ministério Público denúncias de aumento do congestionamento, dificuldades para locomover-se a pé e para estacionar seus carros nas áreas próximas. A perícia técnica consultada, a UFRJ, verificou que isso de fato acontecia porque foram realizados sucessivos acréscimos de ocupação comercial sobre as vagas de estacionamento pelo próprio shopping. Foi entendido, através da intermediação, tanto pelo empreendedor, quanto pela comunidade, que era preciso aumentar o número de vagas. Com o auxílio da UFRJ, um Termo de Ajustamento de Conduta foi assinado entre as partes e visava entre outros itens, a implementação de um sistema de transporte coletivo para clientes, funcionários e os moradores das ruas impactadas (MPE, 1998 (2)). Apesar do

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comprometimento entre as partes, como cinco anos depois o sistema de transportes ainda não fora implantado, o MPE acionou o empreendedor para providenciar o imediato cumprimento, devendo estar implantado o serviço proposto em 2006. A partir da percepção dos moradores do entorno desse shopping, é possível compreender que grandes empreendimentos urbanos, ao mesmo tempo em que se tornam para a comunidade uma referência de comércio, serviços e entretenimento, são considerados impactantes na qualidade ambiental, causando problemas de circulação de veículos e barulho (vide gráfico 4 e 5). Gráfico 4 - Pesquisa com população da área de influência do Shopping Rio Sul: vantagens de morar próximo ao empreendimento

FONTE: Móbile – Pesquisa Rio Sul apud FERREIRA (1998)

Gráfico 5 - Pesquisa com população da área de influência do Shopping Rio Sul: desvantagens de morar próximo ao empreendimento

FONTE: Móbile – Pesquisa Rio Sul apud FERREIRA (1998)

O caso do Condomínio Ponta de Jurujuba, em Niterói, é um exemplo da falta de comprometimento social e ambiental por parte de alguns empreendedores e alguns órgãos públicos. Foi aprovado em 1997 um projeto de um condomínio residencial, destinado à classe A, com 176 unidades residenciais, ocupando 21.184m2 de área construída em um terreno de 83.000m2, que incluía 3.825,50m2 de lojas, clube, restaurante, marina com vagas secas e vagas no porto. Esse empreendimento iria localizar-se em ponta litorânea (Jurujuba) em um costão rochoso que compõe com o Pão de Açúcar, a entrada da Baía de Guanabara. Além deste empreendimento ter sido concebido desrespeitando leis municipais, especialmente no que tange a área de interesse de preservação ambiental, de proteção da orla e de interesse turístico, ainda tinha sérios problemas infra-estruturais como

70,25%29,14%

2,45%6,75%

4,60%3,37%

15,95%

comércio e serviços

entretenimentovaloriza o imóvel

melhor segurançaTodas

nenhumaOutras

49,08%15,03%

38,04%13,50%

0,92%6,13%

10,43%

congestionamentobarulho

estacionamento

segurançatodas

nenhuma outras

71

incapacidade de abastecimento de água declarado pelo órgão estadual e projeção de saturação da única via local existente que serviria de acesso. Através da intervenção do Ministério Público, baseado na perícia técnica, o empreendimento também foi impedido de ser construído (MPE, 1997 (2)). Problemas com grandes empreendimentos urbanos não se restringem ao cenário brasileiro. BEAUMONT et al. (2002) apud TDM ENCYCLOPEDIA (2004) também identificam que muitas comunidades dos Estados Unidos preferem proibir estes empreendimentos comerciais de grande porte devido a seus impactos negativos: são atratores de viagens de automóveis, têm grandes áreas de estacionamento, são localizados nas vias arteriais da periferia urbana, são plasticamente genéricos e reduzem a atividade econômica do comercio tradicional. Segundo bem definido por MSMAHON apud BEAUMONT (2002), “People love what’s inside super-stores. They hate what’s on outside.” ("As pessoas amam o que tem dentro das super-lojas30. Elas odeiam o que tem fora"). Novas tendências de planejamento urbano, como o New Urbanism, procuram tratá-lo de forma a tornar mais aceitável, sugerindo as seguintes medidas: localizá-los próximos a áreas comerciais existentes ou áreas industriais, adequar o seu porte à estrutura urbana do entorno, encorajar medidas de TDM (da sigla, em inglês, para Gerenciamento da Demanda de Transporte) como programas para os empregados e gerenciamento do estacionamento e cobrar impostos segundo os impactos gerados. As medidas de TDM para os funcionários não tratam do problema porque o uso do automóvel pelos usuários destes empreendimentos é o responsável pelos impactos viários, já que a sua rotatividade, entradas e saídas, é maior e ainda é acentuada nas horas pico. Gerenciar o estacionamento não minimizaria a atratividade de automóveis ao entorno imediato porque esta medida procura cobrar mais das vagas mais próximas a determinados pontos, porém como já foi visto anteriormente, esse custo tenderia a ser incorporado à viagem ao empreendimento. As outras medidas são pouco condizentes com a natureza do negócio porque esses empreendimentos procuram novas oportunidades comerciais em localidades onde possam ter uma demanda de consumo e potencial construtivo compatíveis. Finalmente, impostos sobre impactos vão desencorajar novos empreendimentos. Segundo estas medidas, a melhor opção ainda é não investir neste negócio. O caso brasileiro não reproduz a diminuição da atividade comercial no entorno de empreendimentos do tipo shopping center. SANJAD (2002) verificou que esse estimula a localização comercial. Porém, os seus impactos negativos são tão alvos de reclamações quanto o caso americano. Vale ressaltar a recente discussão na cidade do Rio de Janeiro sobre as alternativas de transportes para o Panamericano de 2007. Enquanto a Prefeitura anunciava medidas de aumento da capacidade viária como a abertura de novas vias e a duplicação de outras já existentes, com a ratificação de algumas consultorias em transportes, as associações de moradores recusavam essas alternativas e exigiam melhorias do transporte público, no caso o metrô, porque a “preocupação é um aumento do tráfego em vias que não serão

30 Uma super-loja Wal-Mart americana proposta teria 199.000 square-foot, que equivaleria a 18.487m2.

O Shopping center Rio Sul, ocupa uma área de 21.600m2 e apresenta 43.722m2 de lojas.

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duplicadas”, e o Ministério Público alertava sobre os impactos ambientais da obra (Jornal O Globo, 2003). É uma discussão que traz à tona a falta de cultura de planejamento por parte dos órgãos públicos e de conhecimento técnico por parte das consultorias ao sugerirem medidas pontuais de aumento de capacidade, que em pouco tempo estarão novamente congestionadas, enquanto que, os outros agentes da cidade pressionam por medidas que possam funcionar a longo prazo e não prejudicar a qualidade ambiental. O próprio desfecho dos inquéritos civis citados só ocorreu e obteve destaque porque o Ministério Público estabeleceu convênio com a Universidade para auxiliá-lo no entendimento dessas questões. Apesar da Europa, desde a década de 1970 e com mais intensidade a partir de 2000, estar repensando a sua circulação através de medidas de gestão da mobilidade com restrição do uso do automóvel, no Brasil, planejar transporte ainda significa aumentar a infra-estrutura viária para viabilizar o modelo metropolitano insustentável, baseado na segregação sócio-espacial. A capacidade de suporte ambiental das áreas mais adensadas de qualquer centro urbano tem limites e, em muitos casos, encontra-se próximo da saturação. Isto afeta a todos, e principalmente, os empreendedores privados, proprietários de terrenos urbanos legalmente adquiridos, que desejam dispor dos seus bens de forma a aproveitar ao máximo o potencial construtivo. Porém, enquanto se reproduzirem formas de ocupação do uso do solo desconsiderando esta limitação, a insatisfação popular de comunidades com acesso à informação acarretará em ações civis públicas, no caso brasileiro, que trarão ônus para todos. Os empreendedores são surpreendidos com processos judiciais e impedidos de construírem por não tratarem os impactos gerados pelos empreendimentos, ou pior, por desconhecerem a dimensão dos impactos gerados e a sua responsabilidade perante a sociedade para mitigá-los. A comunidade perde um empreendimento que poderia atendê-la de diversas formas (comércio, serviços ou entretenimento). E o Estado perde uma fonte geradora de empregos e impostos. III.4 Considerações preliminares que justificariam o "Conceito Móbile" O novo ciclo capitalista que já começou apresenta o usufruto dos recursos naturais e do meio ambiente como uma questão urgente de tratamento e que tem permeado todas as relações do homem. Essa questão fez surgir a disseminação do conceito “desenvolvimento sustentável”, da ética (tanto na produção quanto no consumo), da atuação do terceiro setor e do aprofundamento da legislação ambiental. Setores produtivos já internalizaram esses conceitos e estão se diferenciando e se perpetuando nessa economia através de procedimentos ecoeficientes e de engajamento social, o que tem revelado uma contradição. Procedimentos ecoeficientes diminuem gastos e degradação ambiental, porém, nem sempre, o engajamento social empresarial proporciona a diminuição de desigualdades e de dependência de assistencialismo. Algumas empresas têm se destacado por criar valor através de parcerias com seus grupos de interesse: poder público, meio ambiente, comunidades, grupos ambientalistas, etc. O diálogo, a construção de laços e a colaboração têm sido, em muitos casos, a alternativa para diminuição da rejeição e para evitar problemas às empresas, o que tem gerado novas formas de se fazer negócios.

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A cidade, materialização/concentração espacial das unidades produtivas, tem-se desenvolvido através de dois processos que se revelam insustentáveis, porque ambos são dependentes do automóvel ao atrelar a construção de área-útil a vagas de estacionamento. A ocupação extensivo-intensiva nos centros urbanos gera impactos como congestionamentos, poluição do ar, segregação e especialização do solo até a saturação. A ocupação espraiada nos limites urbanos em função da baixa qualidade ambiental nos centros, provoca maior necessidade de terra e infra-estrutura. A tendência acadêmica é considerar múltiplos centros em tamanhos pequenos e médios bem conectados por infra-estrutura de transporte porque enquanto a lógica da ocupação urbana estiver baseada em processos dependentes do automóvel, símbolo do ciclo que já acabou, as cidades terão problemas de inclusão social e de usufruto de recursos. Esses processos urbanos insustentáveis se disseminaram pelo mundo, sendo que, recentemente, estão sendo tratados através de medidas de restrição ao automóvel. Muitas delas ainda são reconhecidas como sacrifícios, o que diminui sua eficácia. Distritos industriais com farta acessibilidade rodoviária apenas, o que era atrativo por baratear o preço do terreno, estão com seu futuro comprometido, em caso de expansão, por causa da necessidade de oferecer mais vagas. Já é percebido que a diversidade de uso do solo pode restringir a necessidade de uso do carro, gerando a necessidade de intervenção das autoridades municipais para a sua definição e para aumentar a oferta de transporte público. Nos países desenvolvidos do norte, a urbanização vem sendo tratada como uma questão ambiental porque suas populações já possuem, de fato, direitos sociais adquiridos, os direitos de 2ª geração. Nos países marcados por absoluta segregação sócio-espacial, a questão da urbanização é social porque além do usufruto dos recursos, direitos de 3ª geração, ainda é preciso garantir os de 2ª geração, diminuição da segregação e dos conflitos sociais. No caso brasileiro, a Constituição Federal atrela o direito de propriedade à função sócio-ambiental, apesar disso não se processar na prática. Com o Estatuto das Cidades aprovado, instrumento legal de imposição da solidariedade social, espera-se que isso aconteça já que os seus institutos jurídicos assemelham-se aos principais conceitos de Responsabilidade Social Corporativa. Na prática, apesar dos instrumentos jurídicos criados e do amadurecimento da responsabilidade social corporativa, ainda não é disseminado entre as empresas que operam no espaço urbano. A produção urbana sempre reproduz o ciclo insustentável, levando as empresas, incorporadoras e construtoras, a terem conflitos com comunidades urbanas e, até mesmo, a inquéritos civis com intervenção do Ministério Público. O conceito de ecoeficiência, com respeito a capacidade ambiental, ainda não se processa na produção urbana, o que leva a cada novo empreendimento mais viagens de automóveis. Nessas empresas, o conceito responsável ainda é visto como fazer o bem, restringindo-se as ações aos funcionários e à comunidade, através de programas assistencialistas. Ainda não existe o reconhecimento dos seus valores econômicos. Normalmente, o poder público é o único grupo envolvido identificado. O "Conceito Móbile" de produção urbana insere-se como resposta à crise de insustentabilidade do atual modelo de tratamento de Pólos Geradores de Tráfego (PGT) e o isolamento das empresas urbanas com seus grupos de interesse. É uma forma de

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permitir o desenvolvimento das cidades, respeitando os seus limites de capacidade de suporte ambiental, a triple bottom line e a capacidade de cada agente: investimento e produção privados, coordenação e autoridade públicos e necessidades comunitárias/sociais. O conceito propõe que grandes empreendimentos urbanos do tipo PGT possam optar por sua acessibilidade. Ao invés da construção de vagas de automóveis, que reproduz o ciclo insustentável, o empreendedor poderia optar por substituir parte delas por serviços de transportes, exercendo sua responsabilidade sócio-ambiental. O ineditismo deste trabalho está na abordagem a um setor produtivo que não se destaca no atual movimento de responsabilidade social corporativa. Assim, em todas as etapas deste trabalho (desde a concepção do argumento, freqüência às reuniões de trabalho no Sinduscon-Rio, as abordagens junto aos empresários e a exposição dos resultados gerais e do conceito), procurou-se fomentar no setor de construção civil a necessidade de aproximação com seus grupos de interesse, ação que já se verifica em outros setores produtivos e que também já foi demonstrada no de construção.

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IV. Estudo de Caso: Análise de potencial da adoção do "Conceito Móbile" pelas empresas incorporadoras no Rio de Janeiro IV.1 Metodologia da Pesquisa

IV.1.1 Planejamento da Pesquisa A pesquisa tratou de investigar a percepção que os incorporadores imobiliários da Região Metropolitana do Rio de Janeiro têm da viabilidade de implantação do "Conceito Móbile" como política de responsabilidade social para pólos geradores de tráfego. Como foi verificado na Primeira Parte deste trabalho, o incorporador é o principal agente da produção imobiliária, mobilizando toda a cadeia de produção (grupos envolvidos) da indústria da construção civil como é entendida hoje (capital fundiário, capital financeiro, capital construtor, capital promocional e poder público) e quaisquer políticas de responsabilidade social para serem implantadas precisam do engajamento pessoal dos empreendedores dirigentes. A investigação junto aos incorporadores imobiliários da Região Metropolitana do Rio de Janeiro foi realizadaa em duas fases, a saber: 1. Identificação da prática atual e perspectivas da empresa em responsabilidade social 2. Avaliação pelas empresas da proposta de gestão da mobilidade e responsabilidade

social elaborada por Móbile/UFRJ/CNPq para grandes empreendimentos urbanos. Ressalte-se que foram considerados nas pesquisas os aspectos referentes apenas à problemática de acessibilidade a grandes empreendimentos urbanos. A primeira pesquisa tinha como objetivo conhecer a prática atual das empresas do setor em políticas de responsabilidade social, as perspectivas e os critérios que orientam a decisão sobre investir ou não nesse tipo de política. De posse dos resultados da primeira pesquisa, submeteu-se a proposta de Móbile/UFRJ/CNPq (serviços de transporte coletivo vinculados à produção imobiliária) para que fosse avaliado comparativamente seu desempenho com o da prática atual (oferta de vagas de garagem pelo empreendimento) naqueles principais critérios apontados. IV.1.2 Primeira fase da pesquisa: sobre a prática atual e as perspectivas do

setor de construção civil em relação a políticas de responsabilidade social IV.1.2.1 O perfil das empresas pesquisadas, sua representatividade e

o cálculo da amostra estatística Compôs-se amostra estatística com nível se significância de 95% e erro de 5%, a partir da coleta das informações disponíveis sobre o setor de construção civil no Rio de Janeiro com foco na atividade de "incorporação imobiliária", o que incluiu tanto empresas cuja atividade era exclusivamente essa, quanto as que também atuavam em "construção".

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Segundo o Sindicato da Indústria da Construção Civil do Estado do Rio de Janeiro (Sinduscon-Rio), no seu cadastro de empresas filiadas31 de 2003, existiam 1.210 empresas sem diferenciação entre construtoras e incorporadoras, o que dificultava a pesquisa. Além disso, o dado disponível era o capital (patrimônio) que cada empresa declarava ao Sindicato, com variação de R$ 0,0132 a R$ 781.381.023,86. Esse dado (patrimônio da empresa) não teria, a princípio, vinculação com a produção, que é o que interessava efetivamente à pesquisa (um incorporador pode ter pequeno patrimônio e participar de grandes empreendimentos contando com terceirização de toda a produção). Bem mais coerente com os objetivos da pesquisa, a "receita operacional líquida", sim, mostrava-se o indicador em função do qual se deveria calcular a amostra estatística, já que denota o desempenho operacional ou produtivo da empresa. Esse é o dado que efetivamente mede a produção (mais do que isso, o valor da produção). Anualmente, em publicações de diferentes instituições, tanto nacionais quanto estaduais, são realizados rankings das maiores empresas com base em critérios como ativo total, patrimônio líquido, receita operacional líquida, lucro líquido, etc. A partir do ranking das 200 maiores empresas do Estado do Rio de Janeiro realizado pela FGV-FIRJAN33 de 1998 a 200234 e das relações dos maiores construtores e incorporadores da Gazeta Mercantil de 1998 a 200135, foi feita uma relação das empresas e as suas respectivas médias de receitas operacionais líquidas para um período de 4 anos. Ressalte-se que dos cinco anos pesquisados (de 1998 a 2002), excluíram-se valores em relação aos quais poderiam ser suscitadas dúvidas quanto ao levantamento. Esses valores eram desempenhos anuais máximos ou mínimos no primeiro ou no último ano do ciclo que se mostravam significativamente diferente dos demais valores anuais e que, por isso, poderiam distorcer o comportamento das empresas. Desconsiderando-os, manteve-se o comportamento médio de 4 anos. Ressalte-se que o período de 4 anos é, conforme demonstrado na revisão bibliográfica, o ciclo médio de produção imobiliária, no qual nos primeiros anos verifica-se a descapitalização do agente incorporador com a aquisição de terra e construção do empreendimento para recuperar-se no último ano com a venda de unidades. Para algumas empresas, não havia a disponibilidade da receita operacional líquida para todos os anos do período considerado; nesse caso, tirou-se a média para a quantidade de dados disponíveis nos rankings da Firjan e Gazeta Mercantil, sendo o mínimo de dois desempenhos anuais (duas empresas, contudo, dada a grande dificuldade de levantamento completo dos dados, foram consideradas com único dado de desempenho disponível). A Tabela 9 mostra as empresas consideradas na pesquisa-piloto, pesquisa a partir da coleta de dados da Firjan e Gazeta Mercantil, com seus desempenhos operacionais para o período considerado.

31 Empresas Filiadas - Empresas da Construção Civil, estabelecidas na base territorial do Sinduscon-Rio,

que legalmente as representa perante as autoridades administrativas e judiciárias e ao Sindicato de Trabalhadores (Sinduscon-Rio,2004).

32 Valores simbólicos como R$ 0,01 são utilizados, muitas vezes, por empresas de outras cidades que precisam filiar-se ao sindicato (Sinduscon-Rio) com sede na capital fluminense.

33 Foi verificado que em torno de 10% eram do setor imobiliário, de construção civil e incorporação.

34 Os dados empresariais da Firjan de 1998 foram publicados em março do ano 2000 e assim sucessivamente.

35 Os dados empresariais da Gazeta Mercantil de 1998 foram publicados em junho de 1999, e assim sucessivamente.

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TABELA 9: Perfil das empresas consultadas na pesquisa-piloto

Gazeta Gazeta e Firjan Firjan 1998 1999 2000 2001 2002

Média Casos

Receita (em R$ mil)

Receita (em R$ mil)

Receita (em R$ mil)

Receita (em R$ mil)

Receita (em R$ mil)

Receita (em R$ mil)

Empresa A 86.843 127.061 184.497 134.666 - 133.267 Empresa B - 90.524 102.501 164.675 - 119.233 Empresa C - 50.004 122.102 158.120 - 110.075 Empresa D 80.758 74.444 56.048 45.240 - 64.123Empresa E 19.172 (1) 69.512 56.109 66.020 63.880 Empresa F - 37.552 (1) 52.673 56.124 54.300 54.366 Empresa G 39.647 36.041 54.809 64.253 - 48.688 Empresa H 80.603 46.134 20.466 21.546 - 42.187 Empresa I 23.613 44.729 52.704 39.555 - 40.150 Empresa J 31.935 34.294 35.992 35.766 - 34.497 Empresa K - 29.837 27.302 35.646 40.071 33.214 Empresa L 29.159 28.670 36.367 28.052 21.193 (1) 30.562 Empresa M 17.084 (1) 22.534 29.172 33.827 30.604 29.034 Empresa N 23.853 (1) 23.275 30.736 21.782 29.245 26.260Empresa O - 33.536 33.550 20.578 14.535 25.550 Empresa P 16.450 - - - - 16.450 Empresa Q - 13.771 25.852 10.955 14.406 16.246 Empresa R 14.904 19.235 17.493 9.802 - 15.359 Empresa S 12.876 18.923 12.790 - - 14.863 Empresa T - - 9.675 9.573 16.794 12.014 Empresa U - - 7.399 10.809 - 9.104Empresa V - - - 8.166 - 8.166 Empresa W - - 5.117 5.306 - 5.212

FONTE: FIRJAN, 1998 a 2002 e Gazeta Mercantil, 1998 a 2001 Obs.: (1) Os valores no início ou fim do ciclo de produção significativamente diferente dos demais valores anuais foram desconsiderados no cálculo da média. Com o objetivo de justificar a adoção de amostra estatística mínima (30 casos) que representasse o setor de construção civil (em torno de 1200 empresas filiadas ao Sinduscon-Rio) com 95% de significância estatística e 5% de erro, definiu-se sua composição calculando a amostra estratificada para três segmentos (grandes, médias e pequenas empresas), subdivididos em estratos, a partir dos dados da pesquisa-piloto (variável objetiva considerada: receita operacional líquida média), segundo a equação 1: Equação 1: Dimensionamento da amostra (VASCONCELLOS apud MARTINS, 1996)

( )2

2

dsKN ×

=

onde: N = tamanho da amostra; S = desvio padrão do teste piloto; d = erro admissível em relação à média µ36 (média da população); K = coeficiente representativo (t) tabelado para o nível de confiança considerado

36 O erro admissível é de 5%; desse modo o cálculo de d é dado pela expressão 0,05 . x (média obtida no

teste piloto).

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A Firjan, em sua pesquisa “Iniciativa Privada e Responsabilidade Social”, de 2002, definiu o porte de empresas a partir dos seguintes valores: até R$700.000,00; de R$700.001,00 a R$6.125.000,00; de R$6.125.001,00 a R$35.000.000,00; de R$35.000.001,00 a R$100.000.000,00; e acima de R$100.000.000,00. Com alguns ajustes, esses foram os valores que serviram de parâmetros também para a pesquisa, conforme se pretende mostrar a seguir. O setor apresenta uma descontinuidade de empresas segundo suas receitas operacionais médias. Observa-se, nesse sentido (vide Tabela 5), que as três maiores empresas do setor apresentavam receitas operacionais médias entre R$ 110 milhões e R$ 133 milhões (média de R$ 120,9 milhões), o que significava ser da ordem de quase o dobro da receita da quarta maior empresa (R$ 64 milhões), além disso, eram consideradas outro grupo pela Firjan. Esse grupo das três receitas muito acima da média não foi considerado para a composição da amostra (apesar de ter sido também pesquisado), já que tenderia a não refletir o comportamento médio do setor e, por isso, a distorcer o comportamento típico das empresas (por ocasião da análise dos dados confirmou-se que a praça ou mercado desse pequeno grupo de empresas está muito além do Rio de Janeiro: tem alcance nacional). O limite superior para grandes empresas foi fixado, então, em R$ 70 milhões (aproximadamente 42% da receita operacional média da classe equivalente da base da Firjan). Para o limite inferior do segmento "grandes empresas", manteve-se a proporção de 42% com arredondamento, resultando no valor de R$ 29 milhões, e assim por diante. Portanto, para "médias empresas", o limite inferior foi de R$ 12 milhões e para "pequenas empresas", R$ 5 milhões. Amostra estratificada foi estabelecida para cada um desses segmentos. Dividiu-se a amplitude (diferença entre o maior e o menor valor de cada grupo) em 6 estratos com as seguintes amplitudes por segmento: grandes empresas, R$ 6,833 milhões; médias empresas, R$ 2,831 milhões e pequenas empresas, R$ 1,173 milhões. Para cada estrato ou segmento manteve-se, pois, a mesma relação proporcional (aproximadamente 4,2) entre os seus limites máximos e a amplitude dos 6 estratos. Com tais procedimentos, conseguiu-se estabelecer pequenos desvios-padrão e, conseqüentemente, o número da amostra. Como segurança, para desvio-padrão nulo ou amostra igual a 0 para determinado estrato, considerou-se o mínimo de um caso a ser consultado. Também como medida de segurança, quando não havia caso representativo de um estrato (isto é: na base de dados da Firjan e da Gazeta Mercantil não havia referência à empresa com receita operacional líquida em dois estratos do segmento "médias empresas"), considerou-se a maior amostra calculada para os estratos vizinhos (acima ou abaixo). A composição amostral da pesquisa com "grandes empresas" de construção e incorporação imobiliária pode ser observada na Tabela 10.

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TABELA 10: Composição amostral da pesquisa com grandes empresas de construção e incorporação imobiliária do Rio de Janeiro.

Estratos/Empresas

Receita Operacional

Líquida Média (4 anos) (R$ mil)

Receita Operacional Líquida Média do estrato (R$ mil)

Desvio-Padrão da Receita Oper.

Líq. Média do estrato (R$ mil)

Amostra c/ 95% significância

estatística e 5% erro

Empresa D 64.123 1 Empresa E 63.880

64.001 171 1

2 Empresa F 54.366 54.366 0 1 3 Empresa G 48.688 48.688 0 1

Empresa I 42.187 4 Empresa H 40.150 41.169 1.440 2

Empresa J 34.497 5 Empresa K 33.214 33.855 907 1

Empresa L 30.562 6 Empresa M 29.034 29.798 1.080 2

TOTAL 8 Para o segmento "grandes empresas", 8 seria o número necessário de empresas consultadas para se alcançar o nível de significância estatística e erro-padrão desejados. Apesar de no cálculo da amostra ter-se desconsiderado as três maiores empresas (receitas operacionais médias acima de R$ 70 milhões), sua opinião foi considerada à parte já que sua atuação é influente no setor. Para o segmento "médias empresas", também foram considerados 6 estratos, porém nem todos contavam com representação, isto é: na base de dados da Firjan e da Gazeta Mercantil não havia referência a empresa com receita operacional líquida em alguns estratos do segmento. Como para os demais estratos calculou-se uma entrevista como suficiente para a significância estatística desejada (95%), manteve-se para os estratos sem representação a mesma amostra (o mesmo procedimento foi adotado para aqueles estratos com desvio-padrão igual a zero). Com isso, a composição amostral da pesquisa com o segmento "médias empresas" foi de 6 casos, conforme mostra a Tabela 11.

TABELA 11: Composição amostral da pesquisa com médias empresas de construção e incorporação imobiliária do Rio de Janeiro.

Estratos/Empresas

Receita Operacional

Líquida Média (4 anos) (R$ mil)

Receita Operacional

Líquida Média do estrato (R$ mil)

Desvio-Padrão Receita Oper. Líq. Média do

estrato (R$ mil)

Amostra c/ 95% significância

estatística e 5% erro

Empresa N 26.260 1 Empresa O 25.550

25.905 502 1

2 (Sem representação) - - - 1 3 (Sem representação) - - - 1

Empresa P 16.450 4 Empresa Q 16.246 16.348 144 1

Empresa R 15.359 5 Empresa S 14.863 15.111 350 1

6 Empresa T 12.014 12.014 0 1 TOTAL 6

Para o segmento "pequenas empresas", não seria necessária a determinação de uma amostra, já que não condicionam o comportamento do setor. Como o foco da pesquisa

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são as empresas líderes, o essencial era obter os dados para a composição de uma amostra que explicasse o comportamento destas. E isso foi alcançado no cálculo demonstrado. No entanto, quando da abordagem das empresas para preenchimento do questionário (já que o Sinduscon-Rio apoiou a pesquisa, divulgando-a e convidando os empresários do setor a responder os questionários), não se teria o conhecimento prévio das receitas das empresas que concordariam em responder o questionário. Assim, para não serem desperdiçadas as respostas das empresas que não estariam incluídas no universo da pesquisa, foi determinado um percentual de representatividade. Manteve-se também a divisão desse segmento em 6 estratos com amplitude de R$ 1,173 milhões. Assumindo-se intervalo de 25% da amplitude variando para mais e para menos em relação à média do estrato, ter-se-ia a probabilidade de contar com 50% das empresas existentes nesse estrato. Assim, para a determinação da representatividade desse segmento, foram considerados na Equação 1 para cada estrato suas médias e o desvio-padrão de 25% de R$ 1,173 milhões (ou seja: desvio-padrão de R$ 293 mil), conforme mostra a Tabela 12.

TABELA 12: Representatividade das pequenas empresas de construção e

incorporação imobiliária do Rio de Janeiro.

Estratos (limites superiores em R$ mil)

Receita Operacional Média (R$ mil)

Desvio padrão (R$ mil)

Amostra c/ 95% significância estatística e 5% erro

12.014 11.428 293 1

10.841 10.255 293 1

9.668 9.082 293 2

8.495 7.909 293 2

7.322 6.736 293 3

6.149 5.563 293 4

TOTAL 13

Assim para serem aproveitados todos os questionários também no segmento "pequenas empresas" com representatividade mínima projetada de 50%, seria preciso que 13 empresas com receita operacional líquida média abaixo de R$ 12 milhões e acima de R$ 5 milhões participassem da pesquisa. Como resolveu-se aproveitar também os questionários preenchidos por empresas de pequeno porte, tornou-se necessário verificar se as diferenças identificadas entre as empresas grandes, médias e pequenas eram significativas a ponto de caracterizar um comportamento específico de determinado estrato de empresa em função de seu porte. Para tanto, procuraram-se as variáveis que mais se relacionavam com o mérito de uma proposta abordada no 2º questionário. Essas variáveis foram: na questão nº14 (Melhoria da Qualidade Ambiental), congestionamento de trânsito, falta de estacionamento e

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pouca acessibilidade por transporte público e na questão nº12, o percentual máximo de investimento que as empresas admitiam fazer em políticas de responsabilidade sócio-ambiental. Portanto, considerando-se os dados da pesquisa-piloto, ficou demonstrada uma amostra total de 27 casos, com significância estatística de 95% e erro de 5%. Porém, para se alcançar a amostra mínima de 30 casos, manteve-se a proporcionalidade entre as sub-amostras calculadas para cada segmento (grandes, médias e pequenas empresas) e o que faltava para se alcançar a amostra mínima (3 casos). Assim, restou a necessidade de serem aplicados mais três questionários no total, preferencialmente distribuídos igualmente entre os três segmentos. Para verificar se havia diferença significativa na respostas a essas questões das empresa grandes, médias e pequenas, aplicou-se o tradicional teste T de Student de contraste entre duas médias, vide Equação 2, pelo qual se admite a hipótese de que as médias têm diferenças significativas e quando se verifica que isso não ocorre, conclui-se que a hipótese era nula. Equação 2: Prova T de Student de contraste entre duas médias (BISQUERRA et al, 2004)

=t ( ) ( )

⎟⎟⎠

⎞⎜⎜⎝

⎛+×⎟⎟

⎞⎜⎜⎝

⎛−+−+−

2121

222

211

21

112

11nnnn

SnSn

XX

onde: n = graus de liberdade (do grupo 1 e do grupo 2) S = desvio-padrão (do grupo 1 e do grupo 2) X = média (do grupo 1 e do grupo 2) IV.1.2.2 O 1º questionário - “Pesquisa sobre Marketing de Relacionamento e Responsabilidade Sócio-ambiental em Construção Civil” Concomitante à composição da amostra, o questionário foi elaborado com o objetivo de coletar três tipos de informações: dados gerais da empresa, práticas de marketing social e o potencial de aplicação ou expansão de responsabilidade sócio-ambiental. O questionário “Pesquisa sobre Marketing de Relacionamento e Responsabilidade Sócio-ambiental em Construção Civil” está no anexo 1. Bloco I – Identificação da Corporação / Empresa Devido à carência de dados sobre o setor, foi preciso investigar em todas as empresas que se dispusessem a responder, questões gerais como “ano de fundação” e “local da sede”. As outras questões investigam algumas peculiaridades interessantes, tais como: “Praças em que atua” (se a empresa restringe-se ou não a sua atividade à cidade sede), “Integra algum grupo econômico” (traz à tona a relação da empresa com algum grupo econômico de atuação nacional ou internacional e, ainda, multisetorial), “Receita operacional líquida anual” (a “média aproximada dos últimos 4 anos em R$” é o dado verificador da representatividade da amostra), “Tipos de empreendimentos nos últimos 4 anos" (revela a atuação da empresa em relação à diversidade de empreendimentos

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urbanos segundo critérios de padrão de construção de residências permanentes - social, médio e luxo -, novos estilos de morar ou residências temporárias - flat/apart-hotel, hotel e loft -, a diferenciação de usos comerciais - shopping centers, escritórios e outras atividades comerciais - e atividades de urbanismo - parcelamento e urbanização). O dado “função na empresa” da pessoa que preenchia o questionário serviria como indicador da qualidade das informações prestadas. Afinal, durante a abordagem junto às empresas, foi ressaltado que os questionários deveriam ser preferencialmente preenchidos pelas diretorias. Bloco II – Prática de Marketing da Empresa A identificação das práticas de marketing social procura esclarecer como se dá a relação da empresa com os seus diversos envolvidos, sejam eles os fornecedores e os consultores, que fornecem materiais e prestam serviços; os construtores e os investidores, que são o capital de produção; os clientes, que são consumidores dos produtos (imóveis); os funcionários; o Poder Público e a sociedade em geral. Para isso, era preciso esclarecer os principais elos da cadeia de produção: o que pertence à empresa ou ao grupo, o que é terceirizado ou temporário e os que têm relação de parceria. Essa identificação, primeiramente, restringe-se aos interessados tradicionais da incorporação imobiliária, como fornecedores, construtores, consultoria ambiental e jurídica, investidores, planejamento e projeto, vendas e poder público. Os clientes e os funcionários foram tratados separadamente para identificar a diversidade de práticas. Os clientes foram tratados na forma de política de fidelização. Os funcionários foram inseridos e analisados junto com a sociedade, porque os principais institutos de responsabilidade social (Instituto Ethos e IBASE) identificam que a prática para esses dois agentes devem ser reconhecidas como responsáveis. A partir do questionário do Balanço Social elaborado pelo IBASE, que serve de modelo para outras instituições, foram selecionadas as práticas a serem identificadas e reconhecidas (quadro 4). Quadro 4 – Questionário Balanço Social 2 - Indicadores Sociais Internos 3 - Indicadores Sociais Externos Alimentação Educação Encargos sociais compulsórios Cultura Previdência privada Saúde e saneamento Saúde Esporte Segurança e medicina no trabalho Combate à fome e segurança alimentar Educação 4 - Indicadores Ambientais Cultura Investimentos relacionados com a produção/ operação da empresa Capacitação e desenvolvimento profissional Investimentos em programas e/ou projetos externos

FONTE: IBASE (2003). No questionário, essas práticas responsáveis foram nomeadas como de "Responsabilidade Sócio-Ambiental" para ressaltar o que foi tratado na revisão bibliográfica. Foi tomado o cuidado de não identificar o valor das práticas porque, além de dificultar o preenchimento do questionário, a proposta da pesquisa não inclui comparar valores de contribuições e sim a existência delas.

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Os indicadores ambientais foram apresentados de forma mais detalhada porque além de serem diretamente relacionados à produção imobiliária era preciso conhecer a percepção do setor da importância relativa da problemática ambiental à qual se referia a pesquisa e da necessidade de considerá-la estrategicamente para agregar valor à produção e à imagem da empresa. Por exemplo: o tratamento de ecossistemas pode agradar aos ambientalistas ao mesmo tempo em que gera atributo de paisagem para valorizar o próprio imóvel, a pavimentação de ruas de acesso a um condomínio pode interessar à comunidade vizinha pelo mesmo motivo que interessa ao empreendedor: valorização e facilidade para a venda dos imóveis, etc. Além dessas variáveis, era preciso identificar a forma que os investimentos externos são realizados, se são como doação ou se são através de constituição de fundação, porque revela o grau de comprometimento da empresa com esta prática. Finalmente, era preciso identificar se essas práticas responsáveis já facilitaram o relacionamento da empresa com outros agentes. Bloco II – Avaliação e Expectativas da Empresa Para identificar o potencial de aplicação ou expansão de estratégias ou políticas de responsabilidade sócio-ambiental era preciso questionar sobre o percentual em relação ao faturamento que já investiam ou admitiam investir e as motivações que as levavam (as empresas) ou que as levariam a investir nessa prática. Essas motivações foram divididas em duas partes: a primeira são os critérios gerais e obrigatórios para qualquer empresa, e a segunda são, exclusivamente, os que se relacionam à qualidade ambiental urbana, foco da pesquisa. Para a seleção dos critérios gerais, a coletânea realizada por PINTO (2003) serviu de base. Esse autor identificou três tipos de “recursos gerados pelas empresas ao investirem em projetos sociais”: o econômico, o político e o de conhecimento. Os recursos políticos seriam: construir e melhorar a reputação da firma, adquirir poder político na sociedade, melhorar a relação com a comunidade onde está inserida, desenvolver relacionamentos estratégicos com parceiros interdependentes, criar uma imagem de empresa cidadã, evitar o controle de órgãos governamentais, adquirir a simpatia e a boa vontade política e atuar sobre grupos externos que exercem ameaças. Os recursos de conhecimento seriam: aproximar-se do acesso ao conhecimento, construir relacionamentos com parceiros estratégicos, atrair valores pessoais, unir conhecimento e habilidade na solução de problemas e desenvolver novas técnicas de produção ou novas tecnologias. Os recursos econômicos seriam: satisfação de necessidades sociais, de estima e auto-realização dos funcionários; amadurecimento do trabalho em equipe; envolvimento com a realização de objetivos e estímulo ao comportamento de liderança; reduzir o turn over, o absenteísmo; fortalecer a lealdade e a retenção de pessoal para elevar a produtividade; melhorar a capacitação da mão de obra local e facilitar a contratação de pessoal qualificado; criar uma imagem interna positiva; reduzir a criminalidade e os custos à propriedade; influenciar a cultura da empresa; aprofundar o relacionamento com consumidores; desenvolver a parceria entre os elos da cadeia produtiva; construir a imagem de mercado da empresa; gerar novos negócios; proporcionar um campo de testes para inovações; aumentar a identidade com o público-alvo; melhorar a qualidade do trabalho dos parceiros de quem é dependente; melhorar a imagem junto ao mercado financeiro; evitar multas e processos judiciais; proteger o acesso a mercados e fontes de matérias-primas; desenvolver, educar e

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capacitar mercados; reduzir custos e evitar desperdícios operacionais para gerar ganhos de produtividade. No questionário, foram incorporados os critérios que poderiam justificar a implantação de política de Responsabilidade Sócio-Ambiental, agrupados, a princípio, da forma como propõe PINTO (2003). Os critérios que tratam do ambiente interno não foram incluídos, porque não são o foco da pesquisa, já que o "Conceito Móbile" trata dos agentes do ambiente externo, devendo ser em relação a este os critérios a serem investigados. O Quadro 5 mostra os critérios incluídos no questionário. Quadro 5 – Critérios para investimentos em Responsabilidade Social

Econômicos Políticos Conhecimento 1. Custo de implantação 2. Custo de operação/manutenção 3. Produtividade 4. Desempenho da cadeia produtiva 5. Facilidade de venda ou aluguel 6. Multas e processos judiciais 7. Satisfação do cliente 8. Valor adicional ao cliente 9. Diferenciação do produto 10. Geração de novos negócios 11. Valorização acionaria 12. Crédito financeiro 13. Valorização do produto 14. Liderança no mercado

1. Filantropia 2. Empregos 3. Qualidade de vida 4. Identidade com a comunidade 5. Desenvolvimento urbano 6. Incentivos legais 7. Flexibilização de controle de órgãos governamentais 8. Imagem da empresa 9. Impostos 10. Apresentação do balanço social

1. Formação/educação dos consumidores 2. Inovação tecnológica

Total 14 tens Total 10 itens Total 2 itens Entretanto, além dos critérios ficarem mais concentrados em torno dos recursos (ou fatores) "econômico" e "político", a forma de agregação dos critérios propostas por PINTO (2003), parecia não retratar a relação que uma incorporadora tem com seus grupos envolvidos. Por exemplo: "formação/educação de consumidores" e "inovação tecnológica" tendem a ser tratados na empresa em sua relação com o mercado, confrontando-se características e aspectos de oferta, incluindo análise dos concorrentes, com características e aspectos da demanda. Ou seja: a relação com o mercado é um fator ou recurso que pode combinar recursos de conhecimento e econômicos e deveriam ter também algum destaque na análise (e, no entanto, não aparece na proposta de Pinto). Os próprios interesses da empresa, intrínsecos à produção, tais como "custos" e "produtividade" não deveriam ser tratados da mesma forma que "satisfação do cliente" ou "geração de novos negócios", por exemplo. Assim, preferiu-se não assumir a proposta de PINTO (2003), mas, a partir da identificação dos principais grupos envolvidos de uma empresa incorporadora, definiram-se os recursos ou fatores em relação aos quais combinam-se os critérios identificados na literatura como de interesse em políticas de responsabilidade social. Da revisão da literatura, principalmente a partir do trabalho de Pfeiffer (2001), no que se refere à interface da empresa de incorporação e o espaço urbano (ou entorno de seus empreendimentos) destacam-se como seus principais grupos envolvidos: o Poder Público e a Comunidade/Sociedade.

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Portanto, além dos fatores ou recursos no âmbito da "empresa" – Eficiência Produtiva - e no de "mercado" - Fator "Mercadológico" - (isto é, além dos aspectos diretamente ligados, respectivamente, à produção e ao ambiente competitivo em que se situa a empresa), foram considerados os fatores "Social" (no âmbito da comunidade/sociedade) e "Legal-Burocrático" (no âmbito do poder público). O Quadro 8 exibe os quatro fatores de decisão de políticas de responsabilidade social com seus respectivos critérios que foram apresentados aos empresários no questionário. Quadro 8 – Grupos-alvo do setor de construção civil para investimentos em Responsabilidade Social Eficiência Produtiva Mercadológico Social Legal-burocrático 1. Custo de implantação 2. Custo de operação/manutenção 3. Produtividade 4. Desempenho da cadeia produtiva 5. Facilidade de venda ou aluguel

1. Imagem da empresa 2. Satisfação do Cliente 3. Valor adicional ao cliente 4. Formação/educação de consumidores 5. Inovação tecnológica 6. Diferenciação do produto 7. Geração de novos negócios 8. Valorização acionária 9. Crédito financeiro 10. Valorização do produto 11. Liderança no mercado

1. Filantropia 2. Empregos 3. Qualidade de vida 4. Identidade com a comunidade 5. Desenvolvimento urbano 6. Multas e processos judiciais

1. Incentivos Legais (contrapartida) 2. Flexibilização e controle de órgãos governamentais 3. Impostos 4. Apresentação do Balanço Social

Total 5 itens Total 11 itens Total 6 itens Total 4 itens As motivações relacionadas à qualidade ambiental urbana precisam ser identificadas segundo o grau de interesse de cada empresa em minimizar cada situação adversa apresentada. Essa informação interessa à universidade, já que identifica as pesquisas que poderiam atrair o interesse das empresas. Para essa identificação, cada entrevistado marcou o grau de interesse no tema, adotando uma escala de zero a dez (ou de "pouco importante" a "muito importante"). Finalmente, questionou-se se a empresa já foi afetada por questões sociais e ambientais e como foi essa experiência (questão aberta). Esta informação interessa à identificação dos principais problemas que as empresas vêm enfrentando em relação a tais questões. Foi pedido que a empresa apresentasse o balanço social, caso tivesse. IV.1.2.3 A abordagem para a primeira pesquisa Para abordar as empresas foi essencial contar com o apoio do Sinduscon-Rio, através de: fornecimento de dados das empresas, contatos com os seus responsáveis, distribuição dos questionários durante as reuniões de algumas comissões de trabalho e, principalmente, pelo convite para que os pesquisadores de Móbile/UFRJ/CNPq participassem de reuniões do Sindicato, porque possibilitou maior aproximação entre os pesquisadores e os entrevistados e, com isso, maior confiança e efetiva participação na pesquisa. Durante dois meses, de fevereiro a abril de 2004, 74 empresas foram contatadas de três formas diferentes: o 1º grupo de 32 empresas, que publicavam dados da receita operacional média em alguma instituição e pertenciam aos contatos disponibilizados

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pelo sindicato, foi contatado por telefone e correio eletrônico durante os dois meses da pesquisa; o 2º grupo de 18 empresas, que não publicavam seus dados mas pertenciam aos contatos do sindicato, também foi contatado por telefone e correio eletrônico; e o 3º grupo de 24 empresas que disponibilizavam contato através do cadastro da FIRJAN ou em homepages, somente foi contatado por correio eletrônico. Ressalte-se que os grupos 2 e 3 foram contatados um mês após a pesquisa ter começado com o primeiro grupo, já que apenas 19 empresas (quase 60%) responderam o questionário. Do 2º grupo, 6 empresas responderam, o que eqüivale a 33% de taxa de retorno. Do 3º grupo, somente 2 empresas responderam, 8% de taxa de retorno. Quatro empresas, que tomaram conhecimento da pesquisa através das reuniões no Sinduscon-Rio, responderam o questionário, mesmo sem nenhum contato telefônico ou correio eletrônico. No total, foram 74 empresas consultadas com 31 questionários preenchidos, o que eqüivale a uma taxa de retorno de 42%. IV.1.3 Segunda pesquisa: sobre a avaliação do setor da proposta elaborada

por Móbile/UFRJ/CNPq para responsabilidade social de PGT Inicialmente, considerou-se que para ser avaliado o potencial de aplicação do "Conceito Móbile" pelos empresários da construção civil, deveriam ser utilizadas técnicas de conclave, com a participação de algumas empresas dentre aquelas que participaram da primeira pesquisa. Tais técnicas destinam-se a fazer com que reuniões de grupo possam alcançar os objetivos a que foram propostas, além de servirem também a treinamento ou tomadas de decisão (COSSENZA, 1996). Na bibliografia consultada foram abordadas as técnicas de caráter informativo e a resolução de problemas, que seriam suficientes para atingir os objetivos da segunda pesquisa, isto é: testar um conceito que pode auxiliar a mitigar problemas urbanos. Foi necessário selecionar técnicas que procurassem identificar a percepção do setor em relação a: responsabilidade sócio-ambiental e possíveis formas de incorporá-la na gestão empresarial; questão locacional que atinge a empresa (conflito de interesses: maximização de espaço útil X oferta de estacionamento ou qualidade ambiental); formas possíveis para mediação de interesses e tratamento de conflitos entre comunidade e novos empreendimentos e possíveis impedimentos. A partir do conhecimento das técnicas, verificou-se que uma combinação delas seria a melhor forma para testar a aplicação de um novo conceito, porque somente a apresentação deste poderia gerar dúvidas, dificuldades de compreensão e desinteresse prévio em participar das reuniões que prejudicariam a validade dos resultados. Além disso, foram selecionadas técnicas que evitavam, por parte das empresas, apresentações gráficas mais complexas, de modo a não intimidar ou causar constrangimento entre os participantes porque é necessário que todos se sintam à vontade para poder participar das discussões de forma construtiva com críticas e sugestões. Inicialmente foram selecionadas técnicas que visavam a discussão de um assunto para a solução de problemas como Fórum de Debates, Grupo Nominal, Workshop, Grupos de Enfoque e Estudo de Caso. A técnica "Fórum de Debates" atenderia aos objetivos inicialmente propostos porque procura conhecer e avaliar os pontos de vista dos participantes em relação a um

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determinado assunto, porém para validar a aplicação desta técnica é necessário um conhecimento prévio do conceito (COSSENZA, 1996), o que justificava não se adotá-la. A técnica "Grupo Nominal", que visa contemplar todo o processo de tomada de decisão, foi descartada porque para a sua aplicação seria necessário estarem presentes todos os agentes responsáveis pelas decisões, segundo COSSENZA (1996) (empresários do setor imobiliário, representantes do Poder Público e de Associações de Moradores), o que seria inviável. Além da falta de disponibilidade de tempo, ainda teria a dificuldade de discutir um conceito inteiramente novo e complexo com agentes heterogêneos e até com interesses antagônicos. Além do mais, não fazia parte da pesquisa ampliar a percepção sobre o "Conceito Móbile" para além do segmento empresarial. Portanto, essa técnica também não era a que mais se adequava aos objetivos da pesquisa. A técnica "Workshop", que tem por objetivo a reunião de pessoas para a discussão de um problema enfrentado por todos, também foi descartada por dois motivos: a necessidade de motivação do participante e, principalmente, a busca do consenso (COSSENZA, 1996). O consenso nesta fase inicial de exploração do conceito deve ser evitado porque a diversidade de material e o recolhimento de todas as críticas e opiniões são interessantes para testar a sua aplicação e a sua validade. A técnica "Grupo de Enfoque" foi uma das técnicas escolhidas pois procura saber e compreender o que as pessoas têm a dizer e por quê. São reuniões de 8 a 12 participantes em que esses falam exaustivamente sobre um assunto, já que a resposta de um participante estimula a participação de outro, gerando a interação. A técnica "Estudo de Caso" também foi escolhida porque apresenta alguns aspectos interessantes como a possibilidade de analisar problemas complexos, a necessidade de experiência dos participantes e principalmente a discussão e a proposição de soluções a partir de uma situação real. Esta situação real não precisa necessariamente ser verídica, mas deve ter relação próxima com a realidade vivida pelo grupo (COSSENZA, 1996). A combinação dessas duas últimas técnicas poderia ser adotada até para atrair os agentes, porque permite a discussão de soluções para problemas concretos a partir de um caso (que poderia basear-se em algum inquérito civil no qual não se conseguiu garantir a construção do empreendimento por problemas de acesso de automóveis). Além disso, permitiria que as principais questões que envolvem o conceito pudessem ser alcançadas através de proposições espontâneas o que facilitaria a sua compreensão. Durante a abordagem para o 1º questionário, a opção de realizar reuniões de trabalho foi gradativamente desconsiderada por causa da dificuldade que seria reunir simultaneamente os diretores das principais empresas de incorporação e construção. Então, para atingir aos objetivos de verificar a receptividade do setor em relação ao conceito, optou-se por substituir o "Grupo de Enfoque para um Estudo de Caso" por mais uma rodada de questionário para 11 empresas que participaram da primeira pesquisa, adotando-se os mesmos procedimentos para apresentação de casos a serem estudados em grupo por técnicas de conclave. Vale ressaltar que COSSENZA (1996) determina em torno de 15 participantes para Estudo de caso e no máximo 12 participantes para Grupo de Enfoque.

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IV.1.3.1. O 2º Questionário: Segunda e última parte da pesquisa do Grupo Móbile/UFRJ com as empresas do setor imobiliário do Rio de Janeiro O questionário da segunda pesquisa (vide Anexo 2) contempla a apresentação de um caso com exigência legal de vagas de garagem próximo a uma situação real (até porque baseou-se em caso já tratado pelo Ministério Público) e a alternativa proporcionada pela aplicação do "Conceito Móbile" para minimizar os impactos que este caso poderia causar. O caso apresentado tratou-se de um hipotético projeto de shopping center vinculado a um centro de negócios e complexo de diversões e lazer, de área bruta locável de 45.000m2 e 37.500m2 de área de estacionamento com 1.500 vagas, no bairro Lagoa, área valorizada e bastante adensada na zona sul do Rio de Janeiro. Apresentou-se a possibilidade ao incorporador de converter parte das vagas de garagem obrigatórias em área útil, em troca da oferta de serviço de transporte especial, o que resultaria em 56.100m2 de área útil, 21.875 m2 de área de estacionamento com 875 vagas e 12.000 lugares ofertados em modalidades coletivas (frota de 20 micro-ônibus para atender 4 itinerários de até 40 minutos de viagem redonda, com intervalo de 5 minutos durante 12 horas por dia)37. Para avaliar esse caso foram utilizados os critérios mais citados pelos empresários no primeiro questionário e que justificariam a implantação de política de Responsabilidade Sócio-Ambiental. A avaliação do "Conceito Móbile" em relação à exigência legal de vagas de garagem dar-se-ia por comparação de desempenho em cada critério (cujo peso ou importância fora definido também na primeira pesquisa). O participante deveria dar uma nota a alternativa do "Conceito Móbile", admitindo que a exigência legal de vagas de garagem fora atribuída a nota cinco, que passaria a ser efetiva referência ou parâmetro para comparação. Assim, se considerasse melhor a alternativa à construção de vagas de garagem deveria dar uma nota maior que cinco (e até dez pontos) e se a considerasse pior, uma nota menor que cinco (no mínimo: zero). Procurou-se também avaliar o grau de certeza de cada empresa em relação a cada critério em três níveis: baixo, médio e alto. Para contemplar opiniões que seriam espontâneas em uma reunião de trabalho, algumas perguntas abertas foram elaboradas, como “Que aspectos positivos e negativos destaca na proposta?”, “Que aspectos identifica que poderiam inviabilizar a proposta?”, “O que sugere ser aprofundado em um estudo de viabilidade?” e “Outros comentários que considerar pertinentes”. Também foi questionado o percentual de vagas que cada participante recomendaria converter em serviços especiais de transporte para os seguintes empreendimentos: 37 Ressalte-se que como o objetivo da pesquisa era conhecer a opinião e a percepção do setor empresarial

sobre o "Conceito Móbile", preferiu-se não usar de recurso algum que pudesse induzir uma opinião favorável. Assim, no exemplo dado no segundo questionário a oferta do serviço de transporte especial (seletivo) baseou-se em dados muito próximos da realidade, porém sem preocupação alguma com otimização operacional, isto é, de procura de um máximo desempenho com a menor frota possível. Quando se procura minimizar a frota, consegue-se atender a mesma demanda potencial com frota de 11 veículos apenas, como mostra LENTINO (2005), usando o mesmo caso para analisar a viabilidade do "Conceito Móbile".

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habitação social, habitação classe média, habitação de luxo, shopping center e serviços. Esta questão surgiu da avaliação da questão sobre melhoria da qualidade ambiental da primeira pesquisa, porque para determinados tipos de empreendimentos o critério “falta de estacionamento” recebia notas mais elevadas, expondo o interesse do setor em minimizar esse problema. IV.1.3.2. A abordagem para a segunda pesquisa O 2º questionário foi enviado para as 31 empresas que responderam ao 1º questionário. O primeiro envio de correspondência eletrônica ocorreu concomitantemente ao convite de apresentação dos resultados do 1º questionário que se realizou na sede do Sinduscon-Rio (vide apresentação no anexo 3). É necessário ressaltar que houve maior insistência para que as empresas de grande porte e as que construíam edificações comerciais preenchessem o questionário, porque considerou-se que essas responderiam com maior convicção, dado o volume de construções e a proximidade (ou experiência acumulada) com o caso apresentado. Contatos foram mantidos com os responsáveis pelo preenchimento do questionário durante 1 mês de pesquisa. Das 31 empresas abordadas, 11 empresas responderam proporcionando um retorno de 35%. Das 9 empresas do segmento "grandes empresas", 4 preencheram o 2º questionário e das 12 empresas que constroem edifícios comerciais, 6 preencheram-no. Uma empresa que só constrói uso residencial também retornou a pesquisa. IV.1.4 - Tratamento dos dados A elaboração do questionário gerou dois tipos de variáveis: as dicotômicas; que foram categorizadas com 1 (um) e 0 (zero) quando as questões eram assinaladas ou não no questionário; e as variáveis numéricas, em que atribuíam-se valores. Para o tratamento dos dados, optou-se pelo programa estatístico aplicado às ciências sociais SPSS (Statiscal Package for Social Sciences), porque permite fazer relações entre variáveis de diferentes tipos. O procedimento de análise de dados mais utilizado no 1º questionário foi a distribuição de freqüência a partir de variáveis dicotômicas, porque revelava o número de vezes que se repetia cada item entre as empresas. Também foi utilizada a análise por porcentagem para identificar em um grupo de itens, quanto o que cada um correspondia ao todo. Medidas de tendência central, como a média aritmética, e de variabilidade, como mínimo, máximo e desvio-padrão, foram utilizadas para analisar as variáveis numéricas porque permitia que se percebesse o comportamento do grupo todo das empresas e por cada porte. No 2º questionário, essas medidas foram utilizadas porque as variáveis eram numéricas. O programa também permitia a avaliação da distribuição de freqüência a partir de determinadas características, que no caso serviu para analisar o comportamento por porte de empresa. No Bloco I, o item “ano de fundação”, foi analisado segundo intervalos de 10 anos. O item “receita” atribui os seguintes valores para porte de empresas: até 10 milhões, pequena empresa; entre 10 e 39 milhões, média empresa; e acima de 40 milhões, grande

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empresa. Quanto aos “tipos de empreendimentos” foram analisados tanto por freqüência, ao se identificar a quantidade de empresas que realizam determinado tipo de empreendimento, quanto por medidas de tendência central e variabilidade para identificar quanto corresponde a produção de determinado empreendimento para grupo de empresas e quanto varia. No Bloco II, as respostas citadas para as pergunta abertas “A empresa pratica alguma política de fidelização com seus clientes?” e “A prática de Responsabilidade Sócio-Ambiental de sua empresa, de alguma forma, já facilitou o relacionamento com outros agentes?” foram transformadas em variáveis dicotômicas porque tratavam de itens que se repetiam. Já as respostas abertas de “investimentos externos relacionados com a produção/operação da empresa” e “investimentos em programas ambientais e/ou projetos externos” não foram muito assinaladas e as suas descrições também não foram repetidas, por isso, o seu conteúdo não se tornou variável. No Bloco III, a respostas de “Sua empresa já teve algum empreendimento prejudicado por questões sociais ou ambientais?” também foram transformadas em variáveis dicotômicas. Para a análise dos outros itens utilizou-se de medidas de tendência central e variabilidade para o grupo todo e por porte de empresa. Para os itens de melhoria da qualidade ambiental, cada entrevistado marcou em uma escala de zero, considerado pouco importante, a 10, considerado muito importante. Como cada entrevistado tem um grau de exigência diferente, foi necessário que na análise dos dados se adotasse uma normalização/calibração dessas notas. O método de normalização considerou a maior nota do conjunto de itens analisado por cada empresa como 10 e a menor nota como 1. Caso a empresa não tenha manifestado opinião a respeito de um item, essa nota foi desconsiderado do cálculo da média. Isso só aconteceu nos itens “segregação social”, 3 casos; “pouca acessibilidade por transporte público”, 2 casos; e “poluição sonora”, 1 caso. A normalização seguiu o seguinte exemplo (tabela 13):

TABELA 13 - Exemplo de normalização

Exemplo Item 1 Item 2 Item 3 Item 4 Item 5 Item 6 Item 7 Item 8 nota 3,50 5,00 5,00 5,00 5,00 6,00 5,00 6,50

normalização 1,00 5,50 5,50 5,50 5,50 8,50 5,50 10,00 Essa avaliação foi utilizada tanto para o grupo todo, como por porte de empresa e por tipos de empreendimento. Os critérios de implantação de ações de Responsabilidade Social foram analisados tanto por distribuição de freqüência quanto por porcentagem (o percentual de cada critério no total de respostas determinava o seu peso). O peso de cada critério serviu para a avaliação do "Conceito Móbile" pelas empresas no 2º questionário. Cada empresa deveria atribuir uma nota (de 0 a 10) em cada critério para a proposta referente à aplicação do "Conceito Móbile" como alternativa à proposta tradicional de oferta de vagas, para a qual o questionário atribuía a nota "5". Desse modo, ao aplicar uma nota em cada critério a empresa fazia-o comparativamente entre as duas alternativas.

91

Por análises de medidas de tendência central e de variabilidade, foi possível perceber a receptividade da proposta pelos empresários. A diferença proporcional entre as notas das duas alternativas para cada critério (seja positiva ou negativa) é o que interessa para a verificação da opinião que o setor tem do "Conceito Móbile". Assim, a nota final de cada alternativa é o somatório das suas notas (de 0 a 10) em cada critério, multiplicada pelo peso deste (de 0 a 1). O percentual de vagas que se recomenda converter foi analisado segundo a média, medida de tendência central. As respostas das perguntas abertas não se transformaram em variáveis e tiveram o seu conteúdo analisado na íntegra porque explicava o desempenho das notas. IV.2 Análise dos Resultados das Pesquisas Apresenta-se a seguir os resultados da 1ª e 2ª pesquisas realizadas. IV.2.1. Os Resultados da 1ª Pesquisa IV.2.1.1 Verificação da amostra. Para saber se a amostra de fato obtida atendeu à composição planejada, compararam-se os dados de receita operacional anual declarados pelas empresas com os dados estabelecidos para a pesquisa, já que o cálculo da amostra deu-se por base nessa variável. Na Tabela 14, tem-se que a amostra efetiva de cada segmento (grandes, médias e pequenas empresas) foi igual ou maior do que a amostra planejada.

TABELA 14: Verificação da amostra efetiva

PORTE DA EMPRESA (Em função da Receita Operacional

Líquida Declarada)

AMOSTRA PLANEJADA

AMOSTRA EFETIVA

PEQUENO (até 10 milhões) 13 (+1) 16 MÉDIO (de 10 a 29 milhões) 6 (+1) 6 GRANDE (a partir de 29 milhões) 8 (+1) 9 TOTAL 27 (+3) 31

Como as amostras globais de grandes e médias empresas foram alcançadas, pode-se afirmar que a pesquisa retrata a opinião do universo de empresas do setor de construção civil no Rio de Janeiro com receita operacional líquida média no período 1998-2003 entre R$ 12 milhões e R$ 70 milhões, com 95% de nível de significância estatística e 5% de erro padrão. Para as empresas pequenas, pode-se afirmar que o resultado da pesquisa com esse segmento tem 50% de representatividade das empresas cuja receita operacional líquida média variou entre 1998 e 2003 entre R$ 5 milhões e R$ 12 milhões. Quanto à qualidade das respostas, os questionários foram predominantemente preenchidos pela diretoria das empresas em 68% dos casos. A tabela 15 mostra os resultados para o conjunto das 31 empresas consultadas.

92

TABELA 15: Função dos responsáveis pelo preenchimento do 1º questionário nas 31 empresas consultadas.

TOTAL FUNÇÃO NA EMPRESA N %

DIRETORIA 21 67,7 GERÊNCIA 7 22,6 PRODUÇÃO 3 9,7 TOTAL 31 100,0

Por segmento de empresas, as respostas foram dadas pela diretoria em 63% das empresas pequenas, em 84% das empresas médias e em 67% das empresas grandes, conforme mostra o Gráfico 6. GRÁFICO 6: Função dos responsáveis pelo preenchimento do 1º questionário nas

empresas por segmento (pequenas, médias e grandes).

62,5%

31,3%

6,3%

83,3%

16,7%

66,7%

11,1%

22,2%

PRODUÇÃOGERÊNCIADIRETORIA

IV.2.1.2 Identificação das Empresas. Antes de qualquer análise, procedeu-se à verificação se havia diferença significativa entre as empresa grandes, médias e pequenas em relação às quatro principais variáveis do primeiro questionário. Ao se aplicar o tradicional teste T de Student de contraste entre duas médias, chegou-se ao seguinte resultado (Tabela 16). TABELA 16: Aplicação do Teste T de Student entre as empresas por porte

PORTE Variável T Graus liberd.

Signific. (%) Intervalo Erro

Hip. Nula

GxM % Adm. Inv 0,048 7 95 - 2,36<t<2,52 0,963 Sim GxP % Adm. Inv -1,095 11 95 - 5,57<t<1,87 0,297 Sim MxP % Adm. Inv -0,944 10 95 - 6,38<t<2,58 0,368 Sim GxM Falta estac. -0,545 13 95 - 4,16<t<2,49 0,597 Sim GxP Falta estac. 0,820 20 95 - 1,83<t<4,22 0,420 Sim MxP Falta estac. 1,303 17 95 - 1,25<t<5,31 0,210 Sim GxM Pouco TP 1,016 12 95 - 2,37<t<6,54 0,328 Sim GxP Pouco TP 0,962 19 95 - 1,92<t<5,24 0,345 Sim MxP Pouco TP -0,220 17 95 - 4,53<t<3,67 0,829 Sim GxM Congest. -0,195 13 95 - 4,33<t<3,62 0,850 Sim GxP Congest. 1,501 20 95 - 0,90<t<5,59 0,148 Sim MxP Congest. 1,479 17 95 - 1,15<t<6,55 0,157 Sim

Legenda : % Adm. Inv = % Quanto admite investir em Responsabilidade Sócio-Ambiental; Falta estac. = Falta de estacionamento; Pouco TP = Pouca acessibilidade por Transporte Coletivo; Congest. = Congestionamento de Trânsito Porte: G = Grande empresa; M= Média empresa e P = Pequena empresa.

EMPRESA PEQUENA

EMPRESA MÉDIA

EMPRESA GRANDE

93

Conforme fica demonstrado no quadro acima, não foi verificada diferença de médias nas respostas dadas por empresas de diferentes portes nas questões que se referem, no mérito, às questões apresentadas no 2º questionário. Desse modo, justificou-se agregar o tratamento das respostas para o conjunto de empresas consultadas. Quanto às datas de fundação das empresas, é possível perceber que prevalecem no setor as empresas mais antigas, com somente 16% das empresas com até 10 anos de fundação. As empresas médias têm pelo menos 20 anos de fundação e entre as grandes empresas, somente 11% têm até 10 anos de fundação, conforme mostra a Tabela 17 para o conjunto das 31 empresas consultadas.

TABELA 17: Ano de fundação das 31 empresas consultadas. TOTAL ANO DE FUNDAÇÃO N %

ATÉ 10 ANOS DE FUNDAÇÃO 5 16,13 DE 10 A 20 ANOS 7 22,58 DE 20 A 30 ANOS 10 32,26 MAIS DE 30 9 29,03 TOTAL 31 100

Para cada segmento, aproximadamente 50% das pequenas empresas, 100% das médias empresas e 56% das grandes empresas têm mais de 20 anos de fundação, conforme exibe o Gráfico 7.

GRÁFICO 7: Ano de fundação das empresas por porte.

25,0%

25,0%

43,8%

6,3%

33,3%

66,7%

11,1%

33,3%

11,1%

44,4%

ANO DE FUNDAÇÃO

MAIS DE 30

DE 20 A 30 ANOS

DE 10 A 20 ANOS

ATÉ 10 ANOS DEFUNDAÇÃO

As empresas consultadas possuem como sede a cidade do Rio de Janeiro em 77% dos casos. Niterói (19,4%) e Belo Horizonte (3,2%) também foram citadas.

EMPRESA PEQUENA

EMPRESA MÉDIA

EMPRESA GRANDE

94

GRÁFICO 8: Local da sede das empresas

77,4%

19,4%3,2%

RIO DEJANEIRO

NITERÓI BELOHORIZONTE

Por porte de empresas, o comportamento é semelhante, conforme mostra o Gráfico 9.

GRÁFICO 9: Local da sede das empresas por porte.

81,3%

66,7%

77,8%

18,8%

33,3%

11,1%11,1%

Quanto às praças de atuação das empresas, verifica-se que 90% das empresas têm a cidade do Rio de Janeiro como uma de suas praças de atuação, seguida de São Paulo (32%) e Niterói (22%). É relevante constatar que 48% atuam exclusivamente no Rio de Janeiro e 32% atuam no Rio e em outros estados. Este dado expõe a atratividade da cidade para o setor e a diversificação de praças para parte significativa das empresas filiadas ao Sinduscon-Rio, conforme se pode perceber nas Tabelas 18 e 19.

TABELA 18 – Praças que as empresas atuam: por cidade citada

PRAÇAS N % RIO DE JANEIRO, RJ 28 90,3NITEROI, RJ 7 22,6SAO PAULO, SP 10 32,3CAMPOS, RJ 1 3,2 SAO GONCALO, RJ 2 6,5 MACEIO, AL 1 3,2 JOAO PESSOA, PB 1 3,2 BUZIOS, RJ 1 3,2 MACAE, RJ 1 3,2 SALVADOR, BA 1 3,2 BELO HORIZONTE, MG 1 3,2 CURITIBA, PR 1 3,2 FLORIANOPOLIS, SC 1 3,2 VALPARAÍSO, GO 1 3,2

EMPRESA PEQUENA

EMPRESA MÉDIA

EMPRESA GRANDE RIO DE JANEIRO

BELO HORIZONTE NITERÓI

RIO DE JANEIRO

RIO DE JANEIRO

NITERÓI

NITERÓI

95

TABELA 19 – Praças que as empresas atuam: por grupos de cidades PRAÇAS EM QUE ATUA N % RIO DE JANEIRO, RJ 15 48,4 NITERÓI, RJ 3 9,7 RIO DE JANEIRO, RJ E SÃO PAULO, SP 4 12,9 RIO DE JANEIRO, RJ - NITERÓI, RJ - SÃO PAULO, SP 1 3,2 RIO DE JANEIRO, RJ - CAMPOS, RJ - SAO GONÇALO, RJ 1 3,2 RIO DE JANEIRO, RJ - SÃO PAULO, SP - MACEIÓ, AL - JOÃO PESSOA, PB 1 3,2 RIO DE JANEIRO, RJ - SÃO PAULO, RJ - BÚZIOS, RJ 1 3,2 RIO DE JANEIRO, RJ – NITERÓI, RJ - SÃO GONÇALO, RJ 1 3,2 RIO DE JANEIRO, RJ – NITERÓI, RJ – MACAÉ, RJ 1 3,2 RIO DE JANEIRO, RJ - SÃO PAULO, SP - SALVADOR, BA - BELO HORIZONTE, MG – CURITIBA, PR 1 3,2 RIO DE JANEIRO, RJ - SÃO PAULO, SP - FLORIANÓPOLIS, SC 1 3,2 RIO DE JANEIRO, RJ E VALPARAÍSO, GO 1 3,2 TOTAL 31 100,0

As grandes empresas diversificam principalmente em outras capitais do país e as médias empresas também atuam de forma significativa em São Paulo (vide Gráficos 10, 11 e 12).

93,8% RIO DE JANEIRO 18,8% NITERÓI

6,3% CAMPOS 6,3% SÃO PAULO

12,5% SÃO GONÇALO

6,3% VALPARAÍSO 6,3% MACAÉ

GRÁFICO 10 - Praças em que atua: pequena empresa

16,7% FLORIANÓPOLIS16,7% BÚZIOS

83,3% RIO DE JANEIRO

50,0% NITERÓI66,7% SÃO PAULO

GRÁFICO 11 - Praças em que atua: média empresa

96

Somente 26% das empresas pertencem a um grupo econômico, caracterizando que as decisões do setor são de caráter local/regional (Vide Gráfico 13). As que pertencem a grupo econômico atuam principalmente no Rio de Janeiro (100%), São Paulo (50%), Niterói (25%) e Macaé (12,5%) (Vide Gráfico 14).

GRÁFICO 14 – Praças que as empresas que pertencem a grupo econômico atuam

Todas as empresas desenvolvem algum empreendimento do tipo residencial permanente e 55% desenvolvem algum empreendimento comercial (Vide Gráfico 15)38.

38 Comercial – Outros. A atividade comercial citada como outros trata-se de venda de automóveis.

GRÁFICO 13 - Grupo econômico

NÃO74%

SIM26%

89% RIO DE JANEIRO56% SÃO PAULO

11% NITERÓI 11% CURITIBA 11% BELO HORIZONTE11% SALVADOR 11% JOÃO PESSOA11% MACEIÓ

GRÁFICO 12 - Praças em que atua – empresa grande

12,5% MACAÉ 25% NITERÓI

50% SÃO PAULO100% RIO DE JANEIRO

97

Conforme pode-se observar no Gráfico 16, os empreendimentos residenciais de padrão médio (83%) e luxo (69%) destacam-se como produção das empresas consultadas. Essa relação não se refere ao volume de empreendimentos lançados; faz referência aos diferentes tipos que cada empresa desenvolve.

Por porte de empresa, é possível perceber que as grandes empresas são as principais responsáveis por moradias de padrão luxo e pela criação dos “novos estilos de morar”, como é o caso do flat (57%) e do loft (14,3%), mas também destacam-se na construção de habitação de luxo (86%) e hotel (29%). Empresas médias são os principais construtores de shopping centers (50%) e de obras de urbanização (33%). As pequenas empresas destacam-se na construção de residências de padrão médio (94%) e em obras de parcelamento (13%). Usos do tipo "habitação social" e "escritórios" são construídos de forma bastante equilibrada entre os três segmentos de empresas (Vide Gráfico 17).

GRÁFICO 17 - Tipos de empreendimentos por porte de empresa 94%

63%

13% 13%6%

13% 6%

33%

17%

50% 50%

29%

86%

57%

14%

57% 50%

25%

67%

83%

57%

14%

SOCIAL MEDIO LUXO FLAT HOTEL LOFT SHOP ESCRIT PARCELA URBAN

EMPRESA PEQUENA EMPRESA MÉDIA EMPRESA GRANDE

33%29%

100%

31%

55%

7%17%

RESIDENCIAL PERMANENTE

RESIDENCIALTEMPORÁRIO

COMERCIAL COMERCIAL -OUTROS

URBANISMO

GRÁFICO 15 – Participação de tipos de empreendimentos

GRAFICO 16 - Tipos de empreendimentos desenvolvidos

83%69%

52%28%

24%17%

14%10%

7%7%

3%

LOFT PARCELAMENTO

COMERCIAL_OUTROS URBANIZAÇÃO

HOTEL SHOPPING

FLAT SOCIAL

ESCRITÓRIO LUXO

MÉDIO

98

Quanto à participação de cada tipo de empreendimento na produção das empresas, pode-se perceber que quando se compara o Gráfico 18 (abaixo) com o Gráfico 17 (anterior), hotel corresponde em média a 13% da produção de 29% das grandes empresas, variando entre 8% e 19%.

Conforme mostra o Gráfico 19, as empresas que pertencem a grupo econômico desenvolvem principalmente residencial permanente de padrão luxo (60%) e escritórios (80%), mas também é significativa sua participação na construção de flats e hotéis (40%).

IV.2.1.3 Práticas de Marketing das Empresas

A forma de relacionamento da empresa com seus grupos envolvidos tradicionais caracteriza-se pela terceirização dos serviços de fornecedores (40%), consultoria ambiental (53%) e jurídica (63%) e vendas (63%). Construtores (63%) e parte de

SOCIAL

80%

60%

40%

40%

20%

20%

20%

ESCRIT

LUXO

FLAT

HOTEL

MEDIO

SHOP

URBAN

LOFT

PARCELA

GRÁFICO 18 - Produção de empreendimentos por porte de empresa

50%55%

33%

16% 14%20% 18%

6%11%

43% 44%37%

20%15% 14% 16%

60%

39%45%

15% 13%

2%

25%

10%

SOCIAL MEDIO LUXO FLAT HOTEL LOFT SHOP ESCRIT PARCELA URBAN

EMPRESA PEQUENA EMPRESA MÉDIA EMPRESA GRANDE

DESVIO-PADRÃO

GRÁFICO 19 – Relação dos empreendimentos das empresas que pertencem a grupo econômico

99

planejamento/projeto (50%) são próprios da empresa. Existe relação de parceira com investidores (63%) e com o Poder Público (37%), conforme mostra a Tabela 20.

TABELA 20 – Relacionamento das empresas com grupos envolvidos

PRÓPRIO EMPRESA

(%)

PARTICIP. NO GRUPO

(%)

CONTRAT TEMPOR.

(%)

TERCEIR. (%)

PARCERIA (%)

FORNECEDORES 13 3 30 40 27 CONSTRUTORES 63 7 20 33 CONSULTORIA AMBIENTAL 3 33 53 3 CONSULTORIA JURÍDICA 33 27 63 7 INVESTIDORES 30 7 7 3 63 PLANEJAMENTO/PROJETO 50 30 47 7 VENDAS 36 3 17 63 10 PODER PÚBLICO 37

A análise da relação dos grupos envolvidos tradicionais por porte de empresa revela algumas peculiaridades. As pequenas empresas tendem a ter o mesmo comportamento de todo o grupo de empresas consultadas, conforme se pode observar no Tabela 21.

TABELA 21 – Relacionamento das empresas pequenas com grupos envolvidos EMPRESA PEQUENA

PRÓPRIO EMPRESA

(%)

PARTICIP. NO GRUPO

(%)

CONTRAT TEMPOR.

(%)

TERCEIR. (%)

PARCERIA (%)

FORNECEDORES 20 7 33 60 27 CONSTRUTORES 53 13 13 20 CONSULTORIA AMBIENTAL 27 40 CONSULTORIA JURÍDICA 33 40 53 7 INVESTIDORES 40 7 7 7 60 PLANEJAMENTO/PROJETO 60 33 27 VENDAS 13 7 13 67 7 PODER PÚBLICO 33 Nas médias empresas, é interessante observar que a produção imobiliária é atividade própria da empresa (67%), enquanto que 100% das empresas terceirizam "consultoria jurídica" e "planejamento e projeto", sendo também bastante significativa (83%) a terceirização das atividades de "consultoria ambiental" e "vendas". Com os investidores, o relacionamento é do tipo "parceria" (100%), conforme se pode constatar no Tabela 22.

TABELA 22 – Relacionamento das empresas médias com grupos envolvidos EMPRESA MÉDIA

PRÓPRIO EMPRESA

(%)

PARTICIP. NO GRUPO

(%)

CONTRAT TEMPOR.

(%)

TERCEIR. (%)

PARCERIA (%)

FORNECEDORES 17% 17% 50% 17% CONSTRUTORES 67% 17% 17% CONSULTORIA AMBIENTAL 17% 83% 17% CONSULTORIA JURÍDICA 33% 100% INVESTIDORES 17% 100% PLANEJAMENTO/PROJETO 17% 100% VENDAS 33% 17% 83% PODER PÚBLICO 33%

100

Nas grandes empresas, tanto podem haver contratos temporários (33%), terceirizados (33%) ou de parceria (33%) com fornecedores, o que é justificável dado o seu volume de produção. Elas constroem tanto com o seu próprio corpo técnico (78%) como em parceria (67%) com outras construtoras. Vendas é um serviço oferecido pelas próprias empresas (78%). Este é o grupo que tem maior relação com o Poder Público (44%). A Tabela 23 mostra o tipo de relacionamento de grandes empresas com diferentes grupos envolvidos.

TABELA 23 – Relacionamento das empresas grandes com grupos envolvidos

EMPRESA GRANDE

PRÓPRIO EMPRESA

(%)

PARTICIP. NO GRUPO

(%)

CONTRAT TEMPOR.

(%)

TERCEIR. (%)

PARCERIA (%)

FORNECEDORES 33 33 33 CONSTRUTORES 78 33 67 CONSULTORIA AMBIENTAL 11 56 56 CONSULTORIA JURÍDICA 33 22 56 11 INVESTIDORES 22 11 11 44 PLANEJAMENTO/PROJETO 56 44 44 22 VENDAS 78 22 44 22 PODER PÚBLICO 44

Políticas de fidelização de clientes são utilizadas por quase a metade das empresas (48%), sendo principalmente praticado pelas grandes empresas (78%). Os compradores de imóveis (86%) são os clientes mais citados e a assistência técnica, jurídica e de financiamento, é a política mais citada, conforme se pode constatar nos Gráficos 21,22,23,24.

GRAFICO 21 - Política de fidelização

NÃO52%

SIM48% 38% 33%

78%

GRÁFICO 22 - Política de fidelização de clientes por porte de empresa

EMPRESA PEQUENA

EMPRESA MÉDIA

EMPRESA GRANDE

99

83%

8% 17% 17%

GRÁFICO 24 – Políticas com compradores de imóvel mais citadas

A análise da prática de responsabilidade sócio-ambiental, ou marketing social, parte dos investimentos diretos nos funcionários, o Ambiente Interno. Os itens mais assinalados foram os obrigatórios para o setor: segurança e medicina no trabalho (94%) e encargos sociais (77%). Além desses, capacitação profissional (68%), saúde e saneamento (52%) destacam-se. A partir desses itens é possível afirmar que um grupo de empresas já percebe os investimentos nos seus próprios funcionários como uma forma de melhorar a qualidade de sua produção (Vide Gráfico 22).

GRÁFICO 25 – Investimento social em ambiente interno

94%

77%

68%

52%

35%

26%

13%

13%

13%

10%

10%

0%

Segurança e Medicina no Trabalho

Encargos Sociais Compulsórios

Capacitação Profissional

Saúde e Saneamento

Educação

Participação nos lucros

Previdência Privada

Esporte

Combate à Fome

Cultura

Outros

Creches / Auxílio creche

Entre as grandes empresas, os itens obrigatórios não são unanimemente praticados; os outros itens seguem o mesmo comportamento dos investimentos gerais e há um grande percentual de investimentos internos em participação dos lucros (56%) (Vide Gráfico 26).

86%

7% 7%

GRÁFICO 23 - Clientes mais citados

COMPRADOR DE IMÓVEL

OUTRAS EMPRESAS

FORNECEDORES ASSISTËNCIA AJUSTE NO

IMÓVEL CARTA DE CLIENTES

INCENTIVOS DIVERSOS

100

GRÁFICO 26 – Investimento social em ambiente interno: grande empresa

Nas empresas médias, um dos itens obrigatórios, segurança e medicina no trabalho, é praticado por todas as empresas. A capacitação profissional (83%) é praticada por mais empresas do que os encargos sociais compulsórios (67%), conforme pode ser observado no Gráfico 27.

GRÁFICO 27 – Investimento social em ambiente interno: média empresa

Os itens obrigatórios são mais praticados, no geral, pelas empresas pequenas, segurança e medicina do trabalho (94%) e encargos sociais (88%). Os outros itens seguem o mesmo comportamento geral das empresas, conforme mostra o Gráfico 28.

89%

78%

67%

56%

56%

33%

22%

22%

11%

Segurança e Medicina no Trabalho

Capacitação Profissional

Encargos Sociais Compulsórios

Saúde e Saneamento

Participação nos lucros

Educação

Previdência Privada

Esporte

Combate à Fome

Outros

Cultura

Creches / Auxílio creche

100% 83%

67%

50%

33%

17%

17%

17%

Segurança e Medicina no Trabalho

Capacitação Profissional

Encargos Sociais Compulsórios

Saúde e Saneamento

Educação

Participação nos lucros

Combate à Fome

Cultura

Outros

Previdência Privada

Creches / Auxílio creche

Esporte

101

GRÁFICO 28 – Investimento social em ambiente interno: pequena empresa

Entre as empresas, é possível perceber no Gráfico 29 três comportamentos: uma minoria que não cumpre nenhum tipo de obrigação social (3%), os que restringem investimentos a seus funcionários através de pelo menos 1 item obrigatório (36%), e os que praticam marketing social externo cumprindo ou não com todas as suas obrigações legais (61%).

GRÁFICO 29 – Investimentos em Responsabilidade Social

3%

36%

61%

Nenhum

AMBIENTE INTERNO

INVESTIMENTOEXTERNO

Das empresas que investem em marketing social externo, os itens mais assinalados foram educação (59%) e combate à fome (41%). Dos 18% que afirmaram investir em produção/operação da empresa, as formas citadas foram treinamento/capacitação, pavimentação e PBQP-H39. Dos 24% que investem em programas ambientais e/ou projetos externos, foram citados projetos de caráter paisagístico, recuperação e implantação de parques, canalização de córregos, contenção de encostas. A forma que o setor, no geral, pratica marketing social externo é através da filantropia. Todos os investimentos externos foram realizados através de doação. Não há constituição de 39 O Programa Brasileiro da Qualidade e Produtividade do Habitat se propõe a organizar o setor da

construção civil em torno de duas questões principais: a melhoria da qualidade do habitat e a modernização produtiva (http://www.cidades.gov.br/pbqp-h/).

94%88%

56%50%

38%19%

13%13%13%13%13%

0%

Segurança e Medicina no Trabalho

Encargos Sociais Compulsórios

Capacitação Profissional

Saúde e Saneamento

Educação

Outros

Previdência Privada

Esporte

Participação nos lucros

Combate à Fome

Cultura

Creches / Auxílio creche

102

fundação por parte de nenhuma empresa, do que se pode deduzir não haver vínculo com investimentos externos (Vide Gráfico 30).

GRÁFICO 30 – Investimento social em Ambiente externo

59%

47%

24%

24%

24%

18%

18%

Educação

Combate à Fome

Cultura

Esporte

Programas Ambientais e/ou ProjetosExternos

Saúde e Saneamento

Produção / Operação da Empresa

As grandes empresas tendem a seguir o mesmo comportamento do setor (Vide Gráfico 31).

GRÁFICO 31 – Investimento social em Ambiente externo: grande empresa

43%

43%

29%

29%

29%

14%

0%

Educação

Combate à Fome

Cultura

Esporte

Programas Ambientais e/ou ProjetosExternos

Saúde e Saneamento

Produção / Operação da Empresa

O item combate à fome (75%) destaca-se nas empresas médias, seguido de esporte (50%) e educação (50%), conforme se pode observar no Gráfico 32.

103

GRÁFICO 32 – Investimento social em Ambiente externo: média empresa

75%

50%

50%

25%

25%

25%

25%

Combate à Fome

Educação

Esporte

Saúde e Saneamento

Programas Ambientaise/ou Projetos Externos

Produção / Operaçãoda Empresa

Cultura

O item educação (83%) destaca-se nas pequenas empresas, seguido de combate à fome (33%) e investimentos ligados a produção/operação da empresa (33%), conforme exibe o Gráfico 33.

GRÁFICO 33 – Investimento social em Ambiente externo: pequena empresa

83%

33%

33%

17%

17%

17%

Educação

Combate à Fome

Produção / Operação da Empresa

Cultura

Saúde e Saneamento

Programas Ambientais e/ou Projetos Externos

Esporte

Com esses dados e com a classificação sugerida por Barroso, 2001, apud Neto & Froes, 2001, pode-se sugerir alguns estágios de gestão social empresarial do setor de construção civil. O 1º estágio do processo de gestão social empresarial, exercício da gestão social interna, objetiva as atividades regulares da empresa, saúde e segurança dos funcionários e qualidade do ambiente de trabalho. O 2º estágio, exercício da gestão social externa, compreende a mitigação das externalidades negativas ao meio ambiente (poluição e uso de recursos naturais), à sociedade (demissões e comunidade ao redor da empresa) e aos seus consumidores (segurança e qualidade dos produtos). No 3º estágio,

104

exercício da gestão social cidadã, as ações da empresa já extrapolam o foco da comunidade local e se estende à sociedade como um todo. Na pesquisa constatou-se que 10% das empresas cumprem exclusivamente as suas obrigações, que são “segurança e medicina no trabalho” e “encargos sociais”. 23% das empresas alem de suas obrigações já estendem benefícios a seus funcionários, o que pode ser considerado como o 1º estagio. 42% das empresas, além disso, estendem benefícios à comunidade e ao meio ambiente, o que pode ser considerado o 2ºestagio (Vide Tabela 24).

TABELA 24 – Estágios de Responsabilidade Social das empresas

TOTAL

ESTÁGIOS DE RESPONSABILIDADE SÓCIO-AMBIENTAL %

Nenhum 3% Seg. Trabalho E Encargos 10% (Seg. Trabalho OU Encargos) + Inv. Internos 3% 1º ESTÁGIO 23% (Seg. Trabalho OU Encargos) + Inv. Internos + Inv Externos 19% 2º ESTÁGIO 42%

Por porte de empresa, podem ser consideradas como praticantes de gestão social empresarial, 55% das grandes empresas, 67% das médias e 69% das pequenas. Há um grupo, que apesar de não cumprir com todas as suas obrigações legais, estendem outros tipos de benefícios a seus funcionários e praticam marketing social externo, são 44% das grandes empresas e 33% das médias (Vide Tabela 25).

TABELA 25 – Estágios de Responsabilidade Social por porte de empresa

EMPRESA PEQUENA

EMPRESA MÉDIA

EMPRESA GRANDE ESTÁGIOS DE RESPONSABILIDADE

SÓCIO-AMBIENTAL % % %

Nenhum 6% Seg. Trabalho E Encargos 19% (Seg. Trabalho OU Encargos) + Inv. Internos 6% 1º ESTÁGIO 25% 17% 22% (Seg. Trabalho OU Encargos) + Inv. Internos + Inv. Externos 33% 44% 2º ESTÁGIO 44% 50% 33%

Quanto à prática de Responsabilidade Sócio-Ambiental de alguma forma já ter facilitado o relacionamento com outros agentes, as respostas surpreendem. Apesar de 61% das empresas praticarem marketing social externo, somente 35% aproveitam-se dessa prática (Vide Gráfico 34).

105

GRÁFICO 34 – Facilidade de relacionamento com Responsabilidade Social

Esse grupo, dos que souberam investir em marketing social, teve o seu relacionamento facilitado com Poder Público (58%), aprovando projetos, e com clientes (50%) e funcionários (17%), através da melhora da imagem. Também foram citados investidores, outras empresas e comunidade do entorno (Vide Gráfico 35).

GRÁFICO 35 – Agentes com quem as empresas tiveram relacionamento facilitado

Procurou-se relacionar quais seriam os itens que facilitariam a relação com cada agente citado. Apesar da representatividade da amostra, não é possível estabelecer esta relação de itens para cada agente porque não há casos suficientes. Para os agentes “clientes” e “poder público”, que foram os mais citados por várias empresas, os itens mais relevantes são os já ressaltados anteriormente nos dados globais (Vide Tabela 26). TABELA 26 – Relação entre investimentos sociais externos e Agentes com quem as

empresas tiveram relacionamento facilitado

AMBIENTE EXTERNO CLIENTE PODER PÚBLICO

EDUCAÇÃO 67% CULTURA 40% 33% SAÚDE E SANEAMENTO ESPORTE 20% 33% COMBATE À FOME 40% 33% IE_PRODUÇÃO / OPERAÇÃO DA EMPRESA 40% IE_PROGRAMAS AMBIENTAIS E/OU PROJETOS EXTERNOS 33% OUTROS 20%

50%58%

17%

8% 8% 8%

CLIENTE PODER PÚBLICO FUNCIONÁRIOS EMPRESAS INVESTIDOR COMUNIDADE

NÃO65%

SIM35%

106

IV.2.1.4 Avaliação e Expectativas das Empresas

Segundo as empresas, já existe um investimento em práticas sociais da ordem de 1,3% do faturamento admitindo-se chegar a 2,7% (Vide Gráfico 36). GRÁFICO 36 – Percentual de Investimento atual e potencial

1,3%

2,7%

JÁINVESTE

ADMITEINVESTIR

O Gráfico 37 exibe quanto investem e até quanto do faturamento as empresas assumem pretender investir em políticas sociais. O comportamento das empresas médias é similar ao das grandes empresas (1,8%). Já as empresas pequenas assumem valores considerados altos para este tipo de investimento (até 3,7%)40.

GRÁFICO 37 – % de Investimento atual e potencial por porte de empresa

Dos 26 critérios que justificam a implantação de política de Responsabilidade Social, 13 foram citados por pelo menos 1/3 das empresas, conforme mostra o Gráfico 38.

40 Como comparação, o investimento social das 10 maiores empresas do país (Petrobrás, Souza Cruz,

Brasil Telecom, Cemig, Eletropaulo Metropolitana, Copel, Gerdau, CSN, Grupo Pão de Açúcar, Petrobrás Distribuidora) representa na média 0,0238457% do seu faturamento (Exame, 2003 e Conjuntura Econômica, 2003).

0,5%

1,8%

0,6%

1,8% 2,1%

3,7%

GRANDE MÉDIA PEQUENA

JÁ INVESTE ADMITE INVESTIR

107

GRÁFICO 38 – Critérios para implantação de ações de Responsabilidade Social

8 2 ,14

8 2 ,14

71,4 3

67,8 6

6 4 ,2 9

6 4 ,2 9

6 0 ,71

57,14

4 6 ,4 3

4 2 ,8 6

4 2 ,8 6

4 2 ,8 6

3 5,71

2 8 ,57

2 5,00

2 5,0 0

2 1,4 3

2 1,4 3

2 1,4 3

17,8 6

17,8 6

14 ,2 9

14 ,2 9

10 ,71

0 ,0 0

0 ,0 0

Para as pequenas empresas, a maior diferença em relação ao grupo das 31 empresas consultadas está no critério mais citado que é o custo de operação/manutenção. Os outros critérios seguem o mesmo comportamento da classificação geral (Vide Gráfico 39).

FILANTROPIA

APRESENTAÇÃO DO BALANÇO SOCIAL

VALORIZAÇÃO ACIONÁRIA

MULTAS E PROCESSOS JUDICIAIS

IMPOSTOS FORMAÇÃO / EDUCAÇÃO DOS

CONSUMIDORES

LIDERANÇA NO MERCADO

DESENVOLVIMENTO URBANO FLEXIBILIZAÇÃO DE CONTROLE DE

ÓRGÃOS GOVERNAMENTAIS

CRÉDITO FINANCEIRO

EMPREGOS

IDENTIDADE COM A COMUNIDADE

DESEMPENHO DA CADEIA PRODUTIVA

FACILIDADE DE VENDA OU ALUGUEL

PRODUTIVIDADE

INCENTIVOS LEGAIS (CONTRAPARTIDAS)

GERAÇÃO DE NOVOS NEGÓCIOS

INOVAÇÃO TECNOLÓGICA

VALOR ADICIONAL AO CLIENTE

VALORIZAÇÃO DO PRODUTO

CUSTO DE IMPLANTAÇÃO

DIFERENCIAÇÃO DO PRODUTO

QUALIDADE DE VIDA

CUSTO DE OPERAÇÃO/MANUTENÇÃO

IMAGEM DA EMPRESA

SATISFAÇÃO DO CLIENTE

108

GRÁFICO 39 – Critérios para implantação de ações de Responsabilidade Social: pequena empresa

84,62%

76,92%76,92%

69,23%69,23%

61,54%61,54%

46,15%

46,15%

46,15%

46,15%38,46%

30,77%

Para as empresas médias, há uma tendência a considerar mais os critérios que possam diferenciar as empresas perante os concorrentes como o unânime “satisfação do cliente” e outros como “valor adicional ao cliente”, "diferenciação do produto”, “inovação tecnológica” e “geração de novos negócios” (Vide Gráfico 40). GRÁFICO 40 – Critérios para implantação de ações de Responsabilidade Social:

média empresa

100,0%83,3%83,3%

83,3%83,3%

66,7%66,7%

50,0%

50,0%50,0%

50,0%50,0%

Para as grandes empresas, investimentos que possam agregar valor à imagem da empresa é unanimemente a principal motivação. Também são bastante considerados os seus custos e as suas relações com a comunidade (“qualidade de vida” e “identidade com a comunidade”), mas não foram considerados "incentivos legais" e "produtividade", conforme exibe o Gráfico 41.

FORMAÇÃO / EDUCAÇÃO DOS CONSUMIDORES

GERAÇÃO DE NOVOS NEGÓCIOS

INOVAÇÃO TECNOLÓGICA

VALOR ADICIONAL AO CLIENTE

INCENTIVOS LEGAIS (CONTRAPARTIDAS)

PRODUTIVIDADE

VALORIZAÇÃO DO PRODUTO

DIFERENCIAÇÃO DO PRODUTO

IMAGEM DA EMPRESA

CUSTO DE IMPLANTAÇÃO

SATISFAÇÃO DO CLIENTE

QUALIDADE DE VIDA

CUSTO DE OPERAÇÃO/MANUTENÇÃO

VALORIZAÇÃO DO PRODUTO

INCENTIVOS LEGAIS (CONTRAPARTIDAS)

FACILIDADE DE VENDA OU ALUGUEL

PRODUTIVIDADE

CUSTO DE OPERAÇÃO/MANUTENÇÃO

GERAÇÃO DE NOVOS NEGÓCIOS

INOVAÇÃO TECNOLÓGICA

DIFERENCIAÇÃO DO PRODUTO

VALOR ADICIONAL AO CLIENTE

IMAGEM DA EMPRESA

QUALIDADE DE VIDA

SATISFAÇÃO DO CLIENTE

109

GRÁFICO 41 – Critérios para implantação de ações de Responsabilidade Social: grande empresa

100,0%77,8%

77,8%66,7%

66,7%

55,6%

55,6%

44,4%

44,4%

44,4%

Quanto à qualidade ambiental, o setor manifestou o seu interesse em minimizar cada item apresentado pela pesquisa, atribuindo-lhe uma nota. O item mais citado foi "violência urbana" (nota 8,48). Em seguida, seguem "degradação urbanística do entorno" (nota 6,79), "falta de estacionamento" (nota 6,53) e "congestionamento de trânsito" (nota 6,17). Como pode ser observado, as questões relacionadas a transportes já são motivos de preocupação do setor (Vide Gráfico 39).

GRÁFICO 39 – Melhoria da qualidade ambiental

8,48

6,79

6,53

6,17

5,37

5,06

5,03

4,94

As empresas pequenas têm maior interesse em minimizar a "violência urbana" (nota 8,33), a "degradação urbanística do entorno de empreendimentos" (nota 7,55) e a "poluição atmosférica" (nota 6,50). As empresas médias, além de "violência urbana" (nota 8,79), manifestam um forte interesse em minimizar problemas de "falta de estacionamento" (nota 7,74) e de "congestionamento de trânsito" (nota 7,54). Uma empresa deste setor acrescentou no questionário o item "Poluição de Praias e Lagoas" com nota máxima. As empresas grandes, além de "violência urbana" (nota 8,50), também manifestam um forte interesse em minimizar problemas de "congestionamento de trânsito" (nota 7,18), "falta de estacionamento" (nota 6,90) e "degradação urbanística/paisagística do entorno" (nota 6,82). Vale ressaltar que este segmento manifestou maior interesse em melhorar a

IDENTIDADE COM A COMUNIDADE

QUALIDADE DE VIDA

FACILIDADE DE VENDA OU ALUGUEL

DIFERENCIAÇÃO DO PRODUTO

VALOR ADICIONAL AO CLIENTE

VALORIZAÇÃO DO PRODUTO

CUSTO DE OPERAÇÃO/MANUTENÇÃO

SATISFAÇÃO DO CLIENTE

CUSTO DE IMPLANTAÇÃO

IMAGEM DA EMPRESA

POUCA ACESSIBILIDADE POR TRANSPORTE COLETIVO

SEGREGAÇÃO SOCIAL

POLUIÇÃO SONORA

POLUIÇÃO ATMOSFÉRICA

CONGESTIONAMENTO DE TRÂNSITO

FALTA DE ESTACIONAMENTO

DEGRADAÇÃO URBANÍSTICA /

PAISAGÍSTICA DO ENTORNO

INSEGURANÇA/VIOLÊNCIA URBANA

110

"acessibilidade por transporte coletivo" (nota 6,20) e diminuir a "segregação social" (nota 6,17). A Tabela 27 mostra comparativamente o grau de importância (nota) de cada item por segmento de empresa.

TABELA 27 – Melhoria da qualidade ambiental por porte de empresa

Emp. Pequena Emp. Média Emp.Grande QUALIDADE AMBIENTAL MÉDIA DESVIO MÉDIA DESVIO MÉDIA DESVIO SEGREGAÇÃO SOCIAL 4,74 3,63 2,86 1,62 6,17 4,18 CONGESTIONAMENTO DE TRÂNSITO 4,84 3,72 7,54 3,65 7,18 3,40 POLUIÇÃO ATMOSFÉRICA 6,50 3,49 5,71 3,63 3,51 3,84 POLUIÇÃO SONORA 5,80 3,32 5,50 4,50 3,75 4,18 FALTA DE ESTACIONAMENTO 5,71 3,43 7,74 2,38 6,90 3,22 POUCA ACESSIBILIDADE POR TRANSPORTE COLETIVO 4,54 3,92 4,11 4,00 6,20 3,63 DEGRADAÇÃO URBANÍSTICA / PAISAGÍSTICA DO ENTORNO 7,55 2,81 5,11 3,81 6,82 3,78 INSEGURANÇA / VIOLÊNCIA URBANA 8,33 3,01 8,79 1,88 8,50 3,03 Ao se analisar estas questões de melhoria da qualidade ambiental para os principais empreendimentos desenvolvidos pelos empresários da construção civil (residenciais e comerciais), é possível perceber que existem diferenças entre seus itens prioritários. Insegurança/violência urbana, degradação urbanística/paisagística do entorno e falta de estacionamento são itens prioritários para quase todos os tipos de empreendimentos. As maiores diferenças dão-se nos shopping centers, que são responsabilizados por causar graves problemas de congestionamentos de trânsito, e no empreendimento do tipo residencial de caráter social, que se beneficiaria com a diminuição da segregação social urbana. A Tabela 23 apresenta o comportamento de cada item de qualidade ambiental por tipo de empreendimento (residencial e comercial).

TABELA 23 – Melhoria da qualidade ambiental por tipo de empreendimento

RESIDENCIAL COMERCIAL QUALIDADE AMBIENTAL URBANA POR TIPO DE EMPREENDIMENTO SOCIAL MÉDIO LUXO SHOPPING ESCRITÓRIO

SEGREGAÇÃO SOCIAL 6,58 4,84 4,32 5,50 5,26 CONGESTIONAMENTO DE TRÂNSITO 4,80 6,18 5,69 8,88 6,11 POLUIÇÃO ATMOSFÉRICA 2,60 5,76 5,80 6,63 6,49 POLUIÇÃO SONORA 2,81 5,81 5,43 6,63 5,79 FALTA DE ESTACIONAMENTO 5,63 7,01 7,22 9,44 7,45 POUCA ACESSIBILIDADE POR TRANSPORTE COLETIVO 5,18 5,37 5,69 3,25 5,14

DEGRADAÇÃO URBANÍSTICA / PAISAGÍSTICA DO ENTORNO 7,28 6,89 7,55 5,50 7,10

INSEGURANÇA / VIOLÊNCIA URBANA 9,02 8,69 8,66 9,16 8,90 55% das empresas afirmaram que já tiveram empreendimentos prejudicados por questões sociais ou ambientais. E o "embargo de obras" (35%), a "demora na aprovação de projetos" (24%), a "desvalorização do entorno" (24%) e a "falta de regras claras" (24%) são os problemas mais citados (Vide Gráficos 43 e 44). O Gráfico 45 aponta que o Poder Público (52%), as favelas (24%), o Ministério Público (12%) e outros empreendimentos (12%) são os agentes que já prejudicaram as empresas.

111

GRÁFICO 43 – Já tiveram empreendimentos prejudicados por questões sociais ou

ambientais

NÃO45%

SIM55%

GRÁFICO 44 – Prejuízos mais citados

GRÁFICO 45 – Agentes que causaram mais prejuízos

52%

24%

12%

12%PODER PÚBLICO

FAVELIZAÇÃO

MINISTÉRIO PÚBLICO

OUTROSEMPREENDIMENTOS

Nenhuma das empresas consultadas apresentou a publicação de Balanço Social. IV.2.2 Os resultados da Segunda Pesquisa. A avaliação de desempenho do "Conceito Móbile" comparativamente à obrigatoriedade de construir vagas de garagem, feita pelas empresas da construção civil no caso apresentado no segundo questionário, pode ser verificado na Tabela 29, abaixo.

35,3%

23,5%

23,5%

23,5%

5,9%

5,9%

DEMORA NA APROVAÇÃO DE PROJETOS

EMBARGO DE OBRAS

DESVALORIZAÇÃO DO ENTORNO

FALTA DE REGRAS CLARAS

TERMO DE AJUSTAMENTO DE CONDUTA

OUTROS EMPREENDIMENTOS

112

TABELA 29 – Desempenho do "Conceito Móbile" por critério de responsabilidade social

CRITÉRIOS DE RESPONSABILIDADE SOCIAL MÉDIA DESVPAD. MIN MAX IMAGEM DA EMPRESA 6,27 1,19 5 8 SATISFAÇÃO DO CLIENTE 5,55 1,29 4 7 CUSTO DE OPERAÇÃO / MANUTENÇÃO 3,55 2,58 0 8 QUALIDADE DE VIDA 6,18 2,04 3 10 CUSTO DE IMPLANTAÇÃO 3,64 2,20 0 7 DIFERENCIAÇÃO DO PRODUTO 6,36 1,21 5 8 VALORIZAÇÃO DO PRODUTO 5,64 1,50 3 8 VALOR ADICIONAL AO CLIENTE 5,27 2,33 0 8 INOVAÇÃO TECNOLÓGICA 6,82 1,83 4 10 PRODUTIVIDADE 6,45 2,25 3 9 INCENTIVOS LEGAIS (CONTRAPARTIDAS) 6,73 1,95 3 10 GERAÇÃO DE NOVOS NEGÓCIOS 7,50 1,84 5 10 FACILIDADE DE VENDA OU ALUGUEL 5,36 2,16 3 10

A proposta foi mal avaliada nos critérios quantitativos de "custo de operação/manutenção" e "custo de implantação", ao contrário dos outros critérios qualitativos, cujo desempenho foi avaliado mais positivamente do que a construção de estacionamento. A partir da avaliação dos graus de certeza em relação a cada critério é possível o quanto "convencido" ou "em dúvida" as empresas posicionam-se em relação à alternativa proposta por Móbile. Na Tabela 30, pode-se observar que as notas e o alto grau de certeza nos critérios “imagem da empresa”, “qualidade de vida” e "satisfação do cliente" apontam uma convicção positiva em relação à proposta.

TABELA 30 – Grau de certeza sobre o "Conceito Móbile" por critério de responsabilidade social

CRITÉRIOS DE RESPONSABILIDADE SOCIAL BAIXO % MÉDIO % ALTO % IMAGEM DA EMPRESA 10 30 60 SATISFAÇÃO DO CLIENTE 20 10 70 CUSTO DE OPERAÇÃO/MANUTENÇÃO 30 30 40 QUALIDADE DE VIDA 12,5 25 62,5 CUSTO DE IMPLANTAÇÃO 10 50 40 DIFERENCIAÇÃO DO PRODUTO 10 80 10 VALORIZAÇÃO DO PRODUTO 30 60 10 VALOR ADICIONAL AO CLIENTE 30 40 30 INOVAÇÃO TECNOLÓGICA 20 40 40 PRODUTIVIDADE 40 20 40 INCENTIVOS LEGAIS (CONTRAPARTIDAS) 30 40 30 GERAÇÃO DE NOVOS NEGÓCIOS 22,2 44,4 33,3 FACILIDADE DE VENDA OU ALUGUEL 30 40 30

O médio grau de certeza em relação aos critérios “diferenciação do produto" e "valorização do produto" demonstra que as empresas ainda não estão muito convencidas quanto à diferenciação positiva dos empreendimentos que adotarem o "Conceito Móbile". Os custos foram avaliados negativamente, mas com pouca convicção. Ao perguntar aos empresários o quanto admitiriam converter parte das vagas dos empreendimentos por serviços de transportes, o percentual para shopping center foi

113

mais otimista, 54%, do que o previsto na pesquisa 40%. Habitação social, 52%, e edificação de serviços, 44%, também se destacam (vide Tabela 31).

TABELA 31 – Percentual de conversão das vagas de estacionamento por tipo de empreendimento

% DE CONVERSÃO DE VAGAS EM SERVIÇOS DE TRANSPORTE N

MÉDIA %

DESVIO %

HABITAÇÃO SOCIAL 6 55,00 39,37 HABITAÇÃO CLASSE MÉDIA 6 22,50 27,16 HABITAÇÃO DE LUXO 6 5,50 12,06 SHOPPING CENTER 6 47,50 28,94 EDIFICAÇÃO DE SERVIÇOS 6 41,67 33,12

Os resultados das perguntas abertas expressam que o conceito foi entendido pelos empresários. Nos aspectos positivos, essas questões foram citadas três vezes cada uma: o congestionamento, com a resposta “menos impactos no trânsito”; o relacionamento com a comunidade através das respostas “transporte para a comunidade e para os prestadores de serviço envolvidos sejam um grande benefício”, “busca de solução alternativa não visando exclusivamente a rentabilidade do empreendimento e tentado equacionar uma série de problemas na região”, “integração com a comunidade e retorno social”. O aumento da área bruta locável (ABL) foi citado duas vezes. O aspecto negativo mais citado, quatro vezes, diz respeito à possibilidade da proposta inibir o potencial consumidor do empreendimento, com a seguinte variação de respostas “determinada classe social pode não aderir ao sistema proposto”, “Para os usuários, com opções concorrentes mais fáceis, acredito que o sistema seja inibidor”, “Se a proposta não for um sucesso, o empreendimento “nasce morto", “Dependendo do local e do padrão de vida, a população deixará de utilizar o serviço e até mesmo de ir ao local, no momento que perder conforto e segurança”. A questão da manutenção da qualidade foi citada três vezes com “necessidade de manutenção sem queda de padrão”, “a manutenção do serviço especial de transporte com qualidade e assiduidade” e “alto custo de implantação e manutenção”. Questões como alcance limitado do serviço, “Só atende à população local”, e estar fora do escopo do negócio também foram citadas. Quanto aos aspectos que poderiam inviabilizar a proposta, a adesão foi o item mais citado com as seguintes respostas “Falhas de divulgação e marketing não trazendo a conscientização”, “o não sucesso da proposta”, “a classe alta certamente não iria utilizar o transporte coletivo. As lojas seriam voltadas para esse tipo de público, mas com a dificuldade de chegar e poucas vagas, poderia acabar distanciando esses clientes, fazendo-os procurar outras opções e inviabilizando o negócio”, “a identificação do público alvo do empreendimento que não utilizaria os serviços oferecidos de modo a dar retorno ao investimento”. Também foram citadas as questões de localização, concorrência com outros empreendimentos, a falta de apoio do poder público e da imprensa, a menor oferta de vagas, a dificuldade de manutenção do serviço e o custo. A principal questão que os empresários gostariam que fosse aprofundada é o custo nas seguintes formas: “o fator custo que a princípio fica com o incorporador e posteriormente passa para o condomínio (administrador)”, “relação custoxbenefício”,

114

“relação: custo x venda”. Também foi apontada a necessidade de diversos estudos como “determinação das etapas (cronograma físico-financeiro), análise político-econômico-social do local”, “Planejamento estratégico, pesquisas de mercado e de impacto sócio-ambiental.” Apesar das respostas não se caracterizarem por estudos a serem aprofundados, algumas questões foram apontadas como: - a necessidade de ter outros empreendimentos adotando a proposta - “só pode ser adotada em comparação com outros empreendimentos semelhantes dentro de uma mesma região”; - sugestão de aplicação da proposta de modo a evitar riscos ao empreendimento – “a sugestão seria implantar as 1.500 vagas e paralelamente implantar os serviços de transporte coletivo. Caso as vagas ficassem ociosas e o transporte coletivo fosse utilizado, a prefeitura permitiria a ampliação da ABL do shopping se os proprietários desejassem”; - a necessidade de atendimento a clientes que não residam na área – “O transporte tem que atender tanto aos moradores, quanto às pessoas que vêm de fora inclusive as que trabalham no bairro”, “A implantação do serviço especial de transporte e sua área de abrangência. Provavelmente vai existir um fluxo significativo de regiões não servidas pelo serviço especial de transporte”. Os comentários a respeito da proposta tiveram características distintas. Teve o otimista que ressaltou a necessidade de conscientização “Fazer um marketing forte e educar a população para que a proposta possa dar certo, pois com certeza todos colherão frutos”; teve o pessimista que acredita que vão deturpar a proposta “a hipótese de contar com o poder público no apoio a qualquer iniciativa imobiliária, principalmente na zona sul do Rio, é utopia. Mais importante é o apoio da imprensa que freqüentemente deturpa idéias e conceitos da iniciativa privada fazendo cúmplices os maus políticos que só pensam em “lucrar politicamente” formando opiniões erradas e alimentando o ódio da população contra a indústria imobiliária, passando por cima de princípios básicos da democracia”; e teve o prático “muitas questões apresentadas de forma objetiva, dependem em grande parte da qualidade. Por exemplo, na satisfação do cliente, depende de quanto em quanto tempo vão sair os ônibus, a qualidade do transporte, se irá atender às expectativas. Na qualidade de vida, vale a cultura de classe, do ambiente geográfico. São variáveis que os números sozinhos são incapazes de responder”.

IV.3 Análise de aplicação da proposta Com a apresentação da proposta Móbile de substituição de oferta de vagas por serviços de transporte por meio de um questionário foi possível identificar como se deu a receptividade dos entrevistados, grupo de foco de empresários. Eles tiveram que atribuir notas de desempenho para os critérios selecionados por eles mesmos anteriormente. A partir desse desempenho foi possível perceber o consenso, as discordâncias e os pontos diferenciais em relação à proposta tradicional existente para o caso de um shopping center. As análises das respostas abertas ajudam a corroborar a percepção que os entrevistados tiveram. Para esta análise de desempenho dos critérios considerou-se a nota, o grau de certeza e o desvio-padrão. Para a nota e o desvio-padrão, procurou-se verificar a diferença entre o

115

maior e o menor valor identificado, estabelecendo-se três graduações41. Para o grau de certeza, verificou-se em qual se concentrava o maior número de entrevistados no questionário. As escalas de análise adotadas podem ser verificadas na tabela 27. TABELA 27: escalas de análise dos critérios de Responsabilidade Sócio-ambiental

NOTA GRAU DE CERTEZA

DESVIO-PADRÃO

DESEMPENHO PIOR (3,55 ATÉ 4,04) BAIXO MUITA DIVERG. (2,12 ATÉ 2,58) DESEMPENHO SIMILAR (4,05 ATÉ 5,73) MÉDIO POUCA DIVERG. (1,65 ATÉ 2,11) DESEMPENHO MELHOR (5,74 ATÉ 7,50) ALTO CONSENSO (1,19 ATÉ 1,65)

A partir dessa escala, os critérios tiveram um desempenho pior, similar ou melhor do que a opção tradicional de oferta de vagas. Os de baixo desvio-padrão foram percebidos como consenso, já que a pouca variação em torno da média aponta para uma concordância de opiniões sobre a questão tratada. Conseqüentemente, os critérios com alto desvio-padrão foram percebidos como muito divergentes porque apontam uma discordância a respeito do desempenho da proposta. Já os graus de certeza apontam se os entrevistados estão convictos/convencidos ou sem convicção e com dúvidas a respeito da performance no critério. Assim, o desempenho dos critérios podem ser melhor percebidos através da tabela 33.

TABELA 33: Desempenho dos critérios de Responsabilidade Sócio-ambiental CRITÉRIOS DE RESPONSABILIDADE

SOCIAL MEDIA DESVPAD. BAIXO

% MEDIO

% ALTO

% 1. IMAGEM DA EMPRESA 6,27 1,19 10 10 60 2. SATISFAÇÃO DO CLIENTE 5,55 1,29 20 20 70 3. CUSTO DE OPERAÇÃO / MANUTENÇÃO 3,55 2,58 30 30 40 4. QUALIDADE DE VIDA 6,18 2,04 12,5 12,5 62,5 5. CUSTO DE IMPLANTAÇÃO 3,64 2,20 10 10 40 6. DIFERENCIAÇÃO DO PRODUTO 6,36 1,21 10 10 10 7. VALORIZAÇÃO DO PRODUTO 5,64 1,50 30 30 30 8. VALOR ADICIONAL AO CLIENTE 5,27 2,33 30 30 30 9. INOVAÇÃO TECNOLÓGICA 6,82 1,83 20 20 40 10. PRODUTIVIDADE 6,45 2,25 40 40 40 11. INCENTIVOS LEGAIS (CONTRAPARTIDAS) 6,73 1,95 30 30 30 12. GERAÇÃO DE NOVOS NEGÓCIOS 7,50 1,84 22,2 22,2 33,3 13. FACILIDADE DE VENDA OU ALUGUEL 5,36 2,16 30 30 30 Imagem da empresa foi o critério melhor avaliado ao apresentar alta nota, consenso e alto grau de certeza. Os entrevistados reconhecem que a adoção de serviços de transporte será institucionalmente bom, mudará a percepção que se tem do empreendimento, de poluidor e gerador de tráfego a social e ambientalmente responsável e trará benefícios a comunidade. Também pode-se considerar como bem avaliados os critérios que apresentam boa nota, pouca divergência e alta convicção, como "qualidade de vida"; e os critérios avaliados consensualmente e com convicção de média a alta, tais como "diferenciação do produto" e "inovação tecnológica". Eles reconhecem que a oferta deste serviço trará impactos positivos à comunidade e diferenciará positivamente o empreendimento de seus concorrentes. 41 Como a nota do critério de maior valor (7,50) se diferencia muito do segundo de maior valor (6,82),

este primeiro foi desconsiderado ao determinar as três diferentes graduações.

116

O item "satisfação do cliente", baixo desvio padrão e alta certeza, apresenta um desempenho similar para as duas alternativas. Os entrevistados acreditam que para os clientes os serviços de transporte se equivalem à oferta de vagas. Os critérios que começam a apresentar dúvidas, boas notas (apesar de pouco divergentes) com graus de certeza equilibrados entre os três níveis, são "incentivos legais" e "geração de novos negócios". Eles acreditam que os serviços de transporte podem possibilitar parcerias (respectivamente com o poder público e outros empreendimentos, operadores de transporte e fornecedores) que a opção existente não permite, porém, não se tem tanta certeza porque há a necessidade de estabelecimento de diálogo com esses parceiros. Não se tem tanta certeza se "valorização do produto", "valor adicional ao cliente" e "facilidade de venda ou aluguel" será similar ao existente. Como os entrevistados acreditam que, para os clientes, serviços de transporte e vagas de garagem se equivalem, ainda não está claro que esses serviços possam incorporar valor tanto ao cliente quanto ao empreendimento, assim como da aceitação do empreendimento, por parte do lojista, em relação a outros que oferecem maior quantidade de vagas de automóveis. O critério mais polêmico é "produtividade". Suas avaliações divergem entre si, alta nota com alto desvio-padrão, com baixa e alta certeza. É possível que a omissão dos custos42 tenha comprometido a convicção em relação a esse critério, além do aumento de receita em função da ABL e dos custos do serviço de transporte, ainda há a diminuição da receita do estacionamento e o aumento dos impostos. O custo de operação/manutenção e o custo de implantação são os piores avaliados do questionário. Ainda existem muitas duvidas não só em relação ao custo, mas, inclusive, a dificuldade de manter um serviço de qualidade como eles próprios declararam e sugeriram a realização de diversos estudos. A avaliação média da proposta segundo a performance do conjunto dos critérios dá-se com a ponderação após a multiplicação dos pesos determinados no 1º questionário e das notas médias de desempenho do 2º questionário, como pode ser verificado na Tabela 34. TABELA 34 – Avaliação média da proposta

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NOTA 6,27 5,55 3,55 6,18 3,64 6,36 5,64 5,27 6,82 6,45 6,73 7,50 5,36 PESO 8,4 8,4 7,3 6,9 6,6 6,6 6,2 5,8 4,7 4,4 4,4 4,4 3,6

MEDIA 52,7 46,6 25,9 42,6 24,0 42,0 35,0 30,6 32,1 28,4 29,6 33,0 19,3 PESO 11,9 10,6 5,9 9,7 5,4 9,5 7,9 6,9 7,3 6,4 6,7 7,5 4,4

42 Vale ressaltar que não foi apresentado nenhum valor a respeito do serviço de transporte. Isso foi

intencional para que todos os itens fossem avaliados em tese sem comprometimento de custos que são comparados em LENTINO (2005).

117

Os itens “imagem da empresa”, “satisfação do cliente”, “qualidade de vida” são os de melhor desempenho da proposta. “Facilidade de venda ou aluguel” aparece como o pior critério de desempenho da proposta, superando até mesmo os de custos, como custo de implantação e custo de operação. Para uma avaliação da aplicação do "Conceito Móbile" segundo um cenário pessimista (vide Tabela 35) e otimista (vide Tabela 36), considerou-se as notas mais baixas e mais altas em todos os critérios, respectivamente. TABELA 35 – Avaliação pessimista da proposta

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NOTA 5,08 4,26 0,97 4,14 1,44 5,14 4,14 2,94 4,99 4,20 4,78 5,66 3,20 PESO 8,4 8,4 7,3 6,9 6,6 6,6 6,2 5,8 4,7 4,4 4,4 4,4 3,6

MEDIA 42,7 35,8 7,1 28,6 9,5 34,0 25,7 17,1 23,5 18,5 21,0 24,9 11,5 PESO 14,2 11,9 2,4 9,5 3,2 11,3 8,6 5,7 7,8 6,2 7,0 8,3 3,8

"Facilidade de venda ou aluguel", "produtividade" e "custo de implantação" foram as piores avaliações enquanto que "imagem da empresa", "satisfação do cliente" e "diferenciação do produto" foram melhor avaliados nesse cenário pessimista. TABELA 36 – Avaliação otimista da proposta

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NOTA 7,5 6,8 6,1 8,2 5,8 7,6 7,1 7,6 8,7 8,7 8,7 9,3 7,5 PESO 8,4 8,4 7,3 6,9 6,6 6,6 6,2 5,8 4,7 4,4 4,4 4,4 3,6

MEDIA 62,7 57,5 44,7 56,7 38,5 50,0 44,3 44,1 40,7 38,4 38,2 41,1 27,1 PESO 10,7 9,8 7,7 9,7 6,6 8,6 7,6 7,6 7,0 6,6 6,5 7,0 4,6

"Incentivos legais", "produtividade" e "custo de implantação" foram os critérios pior avaliados da aplicação do "Conceito Móbile", enquanto que "imagem da empresa", "satisfação do cliente" e "qualidade de vida" foram os mais bem avaliados segundo esse cenário. Já era esperado que os critérios envolvendo custos e produtividade tivessem mau desempenho por causa da intencional omissão dessa informação aos empresários. Dada a importância destes itens, uma vez apresentado os seus efetivos desempenhos, a dúvida se dissipa. É o que faz LENTINO (2005) que calculou os critérios quantitativos como, "custo de implantação", "custo de manutenção", "produtividade" e "geração de empregos", da aplicação do "Conceito Móbile" ao mesmo caso avaliado pelas empresas cariocas, como pode ser verificado na tabela 32 abaixo:

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TABELA 37 – Valores dos Critérios Quantitativos Critério Obrigatoriedade de Vagas "Conceito Móbile" Custo de Implantação R$ 469,04/m2 R$ 250,00/m2Custo de Operação/Manutenção R$ 1,97/m2 R$ 5,65/m2Produtividade R$ 10,64/m2 R$ 430,51/m2Geração de Empregos 0,000833 empregos 0,065510 empregos Ao comparar à construção de vagas de garagem, através de uma análise multi-criterial usando os critérios quantitativos acima e as notas dos empresários nos critérios qualitativos, o "Conceito Móbile" assume um desempenho 25,7% melhor, assumindo a conversão de 50% das vagas para área útil (LENTINO, 2005). É possível perceber que “facilidade de venda ou aluguel” é o critério que os empresários identificam como o risco à proposta, porque trata da relação com possíveis investidores. É preciso que antes da inauguração do shopping e, conseqüentemente, da operação do serviço de transporte, os incorporadores e/ou administradores convençam outros investidores, principalmente lojistas, a investir em um empreendimento que oferece menor quantidade de vagas que os concorrentes existentes. Esse risco pode ser superado pela relação estabelecida previamente com a comunidade em que ambos percebem os impactos positivos em relação a adoção do serviço de transporte. Apesar da dúvida da identificação e adesão dos potenciais consumidores ao serviço, declarado nas respostas abertas, eles mesmos acreditam que vai ser bom para a imagem da empresa e para a satisfação dos clientes, verificado no alto desempenho destes critérios. A dúvida em relação à adesão pode ser desfeita do estabelecimento de diálogo com a comunidade e a manutenção de um serviço de transporte de qualidade a partir da implementação da operação, o que pode ajudar a minimizar os quatro principais itens de qualidade ambiental urbana que eles gostariam de melhorar que são violência, degradação urbanística, falta de estacionamento e congestionamentos.

119

V. Conclusões e recomendações A finalidade da pesquisa realizada foi identificar as práticas de responsabilidade sócio-ambiental das empresas de construção e incorporação, setor responsável pela modelação do espaço urbano, e a sua percepção em relação à proposta desenvolvida por Móbile/UFRJ através da análise das respostas de dois questionários. A partir das práticas de Responsabilidade Social do setor de construção civil, verifica-se que o seu comportamento não se diferencia do que foi identificado por ETHOS e por PELIANO (2001). Há a percepção por parte dos empresários do setor de que é preciso investir socialmente, por isso a hegemonia de itens assistenciais. Foi identificado que 42% das empresas estão no 2º estágio de gestão social, ou seja, além de suas obrigações trabalhistas e extensão de benefícios aos empregados, ainda realizam investimentos sociais externos. Ao desconsiderar as obrigações trabalhistas, 61% das empresas investem externamente. Os itens preferenciais são "educação" (59%) e "combate à fome" (47%), que infelizmente pouco contribuem para mudança do quadro de desigualdade social ou para proporcionar valor a empresa. O que se verifica são escassas práticas que incorporem os grupos envolvidos do setor, como ações de caráter paisagístico/ambiental, que, provavelmente, melhoraram o aspecto do entorno de alguns empreendimentos. Somente 35% deste grupo que investe externamente afirmaram já terem beneficiado-se dessa prática para melhoria do relacionamento com grupos de interesse, sendo citados o poder público, 58%, e clientes, 50%. Entre as 48% das empresas que praticam política de fidelização de clientes, uma prática de empresas de grande porte (78%), é possível perceber que esse relacionamento, principalmente com compradores de imóvel (86%), dá-se através de assistência, jurídica, técnica e de financiamento. Somente 17% das empresas utilizam incentivos em parceria com outras empresas, como descontos e programas de cultura e lazer, o que proporciona aos seus clientes, além de um imóvel, facilidades de consumo. O setor de construção civil admite que pode dobrar o investimento sócio-ambiental que já faz e é da ordem de 1,3% do faturamento. Os critérios para investimento social externo são classificados em 4 grupos-alvos que atendem especificamente as exigências do setor: Eficiência Produtiva, Mercadológico, Social e Legal-Burocrático, enquanto que para as empresas em geral são adotados 3 grupos-alvo. Os principais critérios, com os respectivos pesos, que justificariam investimentos são "imagem da empresa" (8,4), "satisfação do cliente" (8,4), "custo de operação/manutenção" (7,3), "qualidade de vida" (6,9), "custo de implantação" (6,6), "diferenciação do produto" (6,6), "valorização do produto" (6,2), "valor adicional ao cliente" (5,8), "inovação tecnológica" (4,7), "produtividade" (4,4), "incentivos legais/contrapartidas" (4,4), "geração de novos negócios" (4,4) e "facilidade de venda ou aluguel" (3,6). Os critérios mais considerados enquadram-se nos recursos econômicos e de relacionamento com o mercado. Como muitas empresas atualmente têm parcerias consolidadas com investidores (63%), nenhum critério exclusivo deste grupo foi escolhido. Os critérios relacionados a clientes, ao contrário, foram bastante escolhidos, o que indica uma tendência a cativá-los. Somente 35% aproveitam a prática de marketing social para melhoria do relacionamento com parceiros, sendo o poder público, 58%, o agente mais citado. Problemas sociais e ambientais têm afetado a segurança da produção imobiliária, ao

120

adiar prazos até o lançamento do empreendimento, seja através da dificuldade de se relacionar com o poder público (52%), agente mais criticado ao atribuir a ele a insegurança na aprovação de projetos, ou da intervenção do Ministério Público (12%). A favelização (24%) tem desvalorizado e reprimido a atuação de empresas em algumas áreas. Desses grupos envolvidos, o Poder Público é o único que recebe atenção do setor apesar de já existirem outros que estão influindo no processo. O setor manifesta interesse em minimizar itens de qualidade ambiental urbana e atribuiu as seguintes notas: "insegurança/violência urbana", 8,48; "degradação urbanística/paisagística do entorno", 6,79; "falta de estacionamento", 6,53; e "congestionamento de trânsito", 6,17. Ao relacionar essas questões com determinados empreendimentos, destacam-se "segregação social" para habitação social e a supremacia do problema da "falta de estacionamento" para shopping centers. Ao apresentar o conceito, verificou-se que foi reconhecido como inovador e bem recebido pelos empresários, assim como a avaliação dos impactos positivos da proposta: uma alternativa de mitigação de problemas à circulação viária com possibilidade de aumento real de área bruta locável e a oferta de serviços de transporte ao público que se quer cativar. Há consenso que o "Conceito Móbile" demonstra ter melhor desempenho do que a proposta tradicional de vagas quanto à imagem da empresa, qualidade de vida, diferenciação do produto e inovação tecnológica. Porém o setor percebe que devido aos hábitos já consolidados em relação ao uso do automóvel, os consumidores de seus empreendimentos poderão não reconhecer os serviços de transporte de forma diferenciada e vantajosa em relação à oferta de vagas, por isso avaliam que, em relação à "satisfação do cliente", é similar o desempenho de ambas as alternativas, já que consideram que seria opcional para o cliente ir de carro ou de serviço de transporte coletivo especial ao seu empreendimento. Ainda percebem alguns riscos em relação à proposta como a adesão e a identificação deste novo tipo de empreendimento por parte dos parceiros envolvidos, lojistas, público-alvo (comunidade) e poder público, por isso o baixo desempenho e as dúvidas quanto aos critérios "valorização do produto", "valor adicional ao cliente" e "facilidade de venda ou aluguel". Esses riscos podem ser minimizados através da aproximação dos empreendedores urbanos com a comunidade. Empreendimentos que tendem a impactar o seu entorno ao serem contemplados com a aplicação do "Conceito Móbile" tenderão a se considerados positivos pela comunidade. Quanto aos critérios "custos de implantação" e de "operação/manutenção", o "Conceito Móbile" teve uma nota bem inferior à proposta tradicional. O critério "produtividade" foi o mais polêmico, porque a proposta avaliada trata-se de um negócio que não faz parte do escopo original das empresas de construção civil. Ressalte-se que já se imaginava que o setor pudesse ter uma avaliação pessimista em relação ao desempenho desses critérios quantitativos, por isso preferiu-se, mesmo assim, conhecer sua expectativa/opinião43. 43 Quando são consideradas as conclusões de LENTINO (2005), que calculou os custos de implantação e

de manutenção, o rendimento e os empregos gerados para as duas alternativas (construção de garagem e aplicação do "Conceito Móbile"), tem-se que o desempenho do "Conceito Móbile" é superior em 25% na análise global.

121

O setor sugere a oferta progressiva do serviço de transporte tanto para aumento de ABL, quanto pela necessidade de diminuição dos riscos no que se refere ao efetivo uso por parte do consumidor. O setor também sugeriu o seguinte percentual para o caso da adoção do "Conceito Móbile" na conversão de vagas de estacionamento em serviços de transporte para tipos variados de empreendimentos: em habitação, 55% para social; 22,5% para classe média; 5,5% para luxo; em edificações comerciais, 47,5% para shopping centres e 41,6% para serviços. Enfim, conclui-se que, apesar do setor de construção civil ainda não se aproveitar da geração de valor proporcionada pelas ações responsáveis, há potencial para tal através da aplicação da proposta de Móbile/UFRJ, desde que minimizadas as incertezas quanto a:

- viabilidade econômico-financeira44 do "Conceito Móbile", - iniciativa do poder público e - mudança de comportamento dos usuários/consumidores dos empreendimentos

(efetiva transferência modal)45. Por isso, verifica-se a necessidade da pesquisa aprofundar-se nos seguintes temas: - Percepção dos usuários de automóvel de diferentes empreendimentos quanto ao

potencial uso dos serviços coletivos comunitários, de forma a diminuir as incertezas quanto à propensão de transferência modal;

- Percepção do administrador público quanto à institucionalização do "Conceito Móbile";

- Identificação dos potenciais parceiros em relação a diferentes PGT; - Indicadores de gestão social específico para o setor de construção civil.

44 Conforme demonstrado no Thredebo 9th., em Lisboa, Portugal (MARTINS et al., 2005), substituindo-se

50% das vagas de estacionamento de um shopping center por serviços de transporte coletivo comunitário e ocupando esse espaço com lojas, aumenta-se o custo de acessibilidade de 2,1% para 2,4% do custo mensal total do empreendimento e a receita potencial mensal em 29%. Por isso, observa-se melhor desempenho em todos os critérios de viabilidade, a saber: valor presente líquido 81% superior; razão benefício/custo 28% maior, taxa interna de retorno 4% maior e prazo de retorno do investimento 25% menor.

45 Ao estudar a transferência modal potencial de usuários de automóvel do Shopping Center Rio Sul, o Grupo Móbile constatou, por análise de preferência revelada, que de 25% a 38% daqueles que residiam até 2,5 km estariam propensos a substituir o automóvel pelo serviço coletivo comunitário, o que eqüivaleria, em relação ao total de freqüentadores, de 8% a 13%.

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ANEXOS

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Anexo 1 – Carta de Apresentação do 1º Questionário

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Anexo 2 – 1º Questionário

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Anexo 2 – Ata da reunião de 22/07/04 no Sinduscon-Rio quando foram apresentados os resultados do 1º Questioário

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Anexo 3 – Slides dos resultados do 1º Questionário no Sinduscon-Rio

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Anexo 4 – 2º Questionário

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Anexo 5 – Slides que subsidiaram o entendimento do caso no 2º Questionário

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Anexo 6 – Notícias em jornais e periódicos sobre o tema Mobilidade Urbana

JORNAL FOLHA DE SÃO PAULO

SÃO PAULO, DOMINGO, 01 DE AGOSTO DE 2004 França O socialista Bertrand Delanoë quer cidade mais tranqüila, sem poluição e com mais moradias para a população de baixa renda Prefeito socialista muda a cara de Paris A obra pela qual o governo do atual prefeito de Paris é mais conhecido é efêmera. Paris Plage, a transformação da margem do rio Sena em praia turística, dura só um mês por ano. Mas Bertrand Delanoë, socialista com ambições presidenciais, pretende deixar uma outra obra bem mais radical e duradoura. Ele quer que Paris se torne uma cidade tranqüila, sem congestionamentos, sem poluição, sem barulho, com muito verde e mais moradias para a população de baixa renda. O projeto de Delanoë está resumido no Plano Local de Urbanismo, cujo esboço foi apresentado há dois meses para que os parisienses dessem suas opiniões por meio de um questionário. Quando finalizado, no final de 2005, o PLU fixará as regras para a cidade nos próximos 20 anos. O prefeito não está esperando a aprovação do plano para colocar suas prioridades em prática. O carro é um inimigo e já está sendo imobilizado. Ruas foram reformadas criando espaços exclusivos e maiores para ônibus, bicicletas e pedestres. Vários bairros, especialmente os que servem de entrada da periferia para Paris, tiveram ruas interditadas, vias transformadas em praças ou calçadas e a velocidade limitada a 30 km/h. O estacionamento gratuito na rua está sumindo. O preço para parar o carro perto de casa é bem mais barato do que o perto do emprego, por exemplo. No PLU, está previsto o fim da obrigatoriedade de fazer estacionamentos em novos prédios comerciais. Em contrapartida, a prefeitura aumenta a eficiência do transporte público -que conta com um metrô com 16 linhas e 300 estações e ainda ônibus e trens urbanos- por meio da criação de corredores de ônibus e de uma linha de "tramway", o bonde sem fios. Delanoë quer uma cidade mais agradável e com mais empregos. O plano de urbanismo prevê a criação de novos bairros e o reordenamento de outros com áreas para escritórios e comércio. Nos últimos anos, além de perder empregos, Paris expulsou os moradores mais pobres com seus preços imobiliários muito elevados. O prefeito quer atraí-los para esses novos bairros e reintroduzi-los nas regiões mais ricas, para que a cidade tenha pelo menos 20% de habitações populares. A prefeitura comprou e reformou um prédio no "seizième", bairro sofisticado, e ofereceu os apartamentos a famílias de baixa renda por aluguéis pelo menos um quinto mais baixos que os de mercado. Na TV, um dos vizinhos disse: "Acho boa a idéia, mas eles precisam saber que um quilo de tomate custa aqui 8 (R$ 30)". No questionário sobre o PLU, há uma pergunta sobre a construção de prédios altos, com a ressalva de que seriam casos específicos, não uma liberação de altura que descaracterizaria a cidade. O assunto é explosivo, e Delanoë afirma que só quer abrir o debate. "Jamais eu faria vandalismo contra o patrimônio que temos, mas não quero que a cidade seja imutável", disse. Ao mesmo tempo em que propõe dobrar o número de imóveis protegidos de demolição e alteração, o plano de Delanoë quer incentivar a "criação arquitetural contemporânea". Outras cidades Para vencer os engarrafamentos e reduzir a poluição, Londres optou por uma só medida, mas bem mais radical que as muitas adotadas por Paris. Para circular numa área central de 20 km2, é preciso pagar um taxa diária de cerca de R$ 26. Os infratores correm o risco de serem flagrados por 800 câmeras fotográficas. O pedágio eletrônico reduziu o tráfico em 16% logo nos seis primeiros meses. Na capital norueguesa, Oslo, o tráfico é desestimulado no centro com taxas e fechamento de ruas. Em Cingapura, o pedágio urbano existe desde 1975 e é variável de acordo com os horários. Em Roma, desde 1997, é preciso pagar uma taxa anual para andar de carro no centro histórico. A Alemanha aumentou as taxas cobradas dos carros que poluem mais. Mudar é questão de saúde pública, afirma secretário "O carro não é adequado a Paris." O secretário dos Transportes, Denis Baupin, não teme se indispor com os eleitores motorizados, metade das famílias parisienses. "É uma questão de saúde pública, a poluição adoece, mata. Os eleitores sabem que estamos melhorando a qualidade da vida deles", diz. Diferentemente de sua amiga Marta Suplicy, que retirou R$ 40 milhões do orçamento dos corredores de ônibus para financiar os túneis Rebouças e Cidade Jardim, Bertrand Delanoë, prefeito de Paris, usa todos os recursos para dificultar a vida dos motoristas. Em três anos, fez mais de 40 quilômetros de corredores de ônibus e inviabilizou o estacionamento gratuito nas ruas. Conseguiu reduzir o tráfego de carros em

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10%. Outra arma da Prefeitura é a criação de "Bairros Verdes" e "Espaços Civilizados". No primeiro, o tráfego é desestimulado com a interdição de ruas e a redução da velocidade a 30 km/h. O segundo caso reduz o tamanho de avenidas de tráfego pesado que funcionam como eixos de ligação. A avenida Magenta, por exemplo, por onde passam 2.000 carros por dia, será "civilizada". Dos 20 metros de pistas a que os carros têm direito atualmente, restarão sete metros. Prefeitura quer ajudar pequenos comerciantes Não existe uma só padaria na área da Avenida Champs-Elysées. Aparentemente banal, a ausência de baguetes fresquinhas saídas do forno no bairro mais badalado da cidade é o exemplo extremo de uma questão crucial para a Prefeitura de Paris: a retração do pequeno comércio. Nos últimos dez anos, o número de mercearias diminuiu 25%, o de peixarias e açougues, 35%. Em três anos, 110 açougues baixaram as grades. Sem o açougueiro, o fruteiro ou o florista do bairro, os moradores tem de andar mais ou pegar o carro para comprar o básico. Resultado: mais congestionamentos, mais poluição, tudo o que a prefeitura não quer. Além disso, os bairros se descaracterizam, e os habitantes os abandonam. "Sem comércio, não há vida", resume Pierre-Alain Brossault, consultor da Secretaria de Urbanismo. Para reverter a situação, a prefeitura reduzirá as taxas para criação de negócios, impedirá que lojas sejam transformadas em residências (os "lofts" da moda) e criou uma empresa para comprar estabelecimentos ameaçados de trocar de ramo e alugá-los, deixando tempo ao novo comerciante de fazer uma clientela até ele poder comprar o imóvel. Já há orçamento para a compra de 200 lojas por ano. Sete foram adquiridas. A prefeitura começou a agir pelas ruas que se especializaram numa só atividade, como a venda de roupas por atacado. Perto da praça da Bastilha, há uma área em que 95% do comércio pertence a atacadistas. "Agora, para comprar qualquer coisinha, tenho de andar meia hora", diz a moradora Camille Badoit. Outra forma de defender o pequeno comerciante é dificultar a instalação de lojas muito grandes. Recentemente, o projeto de um grande supermercado no norte da cidade só foi aprovado com sua área de alimentos reduzida a um quarto do pretendido. A Fnac teve seu plano de abrir uma terceira loja no bulevar Saint-Germain recusado. SÃO PAULO, DOMINGO, 12 DE SETEMBRO DE 2004 Sem Fôlego Antioxidantes, como as vitaminas C e E, são aplicados em pesquisas como paliativos a substâncias tóxicas do ar Medicina quer reduzir efeitos da poluição Já está mais do que provado que a poluição do ar pode causar danos à saúde -do aumento de problemas respiratórios ao nascimento de bebês de baixo peso. Enquanto discute-se a melhor forma de combater os poluentes, a medicina persegue medidas práticas para aliviar seus efeitos. O uso de antioxidantes, como as vitaminas C e E, em pessoas que vivem em áreas poluídas já está em estudo. Aplicam-se porque poluentes levam a reações inflamatórias que desencadeiam processo de oxidação no organismo. "Como médicos, temos de lutar pela diminuição da poluição. Mas também buscar um paliativo até que se faça um controle maior", afirma Chin An Lin, pesquisador do Laboratório de Poluição Atmosférica Experimental da Faculdade de Medicina da USP. As pesquisas com antioxidantes ocorrem no México, explica Lin, e os resultados podem não ter resultados iguais na capital, onde a dispersão dos poluentes difere. Os estudos mais recentes relatam que a poluição pode ter relação com a queda da fertilidade e, indiretamente, com o aumento da violência urbana -provocaria irritabilidade nas pessoas. Já está bem estabelecida, no entanto, em linhas experimentais, sua relação com o aumento da incidência de câncer. E há estudos bem fundamentados sobre arritmia cardíaca, relata Lin. A Universidade de São Paulo está entre as 20 principais universidade do mundo produtoras de estudos sobre poluição. O laboratório do pesquisador foi o primeiro no país a demonstrar, no início da década de 80, os efeitos nocivos dos poluentes do ar sobre animais -diminuição da expectativa de vida, inflamação das vias aéreas, alteração de vasos. Ainda em laboratório, mostrou maior facilidade para o desenvolvimento de câncer em ambientes poluídos. Com a organização do banco de dados de mortalidade do município, o laboratório começou, no início dos anos 90, a verificar os efeitos sobre os óbitos e internações. Estima que dez pessoas por dia, em média, morrem em decorrência da poluição. Atualmente, o laboratório investe na produção de instrumentos de baixo custo para a medição de poluição, como plantas. Servirão para educação ambiental e auxiliarão comunidades a tomar medidas locais -por exemplo, agir sobre área em que se queima pneus, diz Paulo Saldiva, também pesquisador do laboratório. Foram desenvolvidos pés de tabaco com deficiência de antioxidantes -ao entrar em contato com poluentes que causam oxidação, como o ozônio, adquirem manchas brancas.

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Ações buscam reduzir poluentes Inspeção ambiental veicular, controle das emissões por evaporação em postos de combustíveis e alterações na formulação da gasolina. São essas as medidas que devem ser adotadas num curto, médio e longo prazo, respectivamente, para reduzir a poluição por ozônio na Grande São Paulo. Embora as ações sejam aprovadas por especialistas, que as consideram básicas e fundamentais na melhoria da qualidade do ar, não deverão resolver a questão por completo. Maior investimento em transporte coletivo, campanhas e medidas que desestimulem o uso do carro e informem os motoristas sobre a necessidade de manter os veículos bem regulados e com os catalisadores em ordem são outras recomendações. A inspeção é obrigatória segundo duas resoluções do Conama (Conselho Nacional do Meio Ambiente) e já deveria ter começado em todo o país desde meados de 2002, mas apenas parte do Rio de Janeiro realiza a verificação. Ela fiscaliza se as emissões de gases e ruídos dos carros estão em conformidade com a legislação e é pré-requisito para o licenciamento. Pelo tamanho da frota, a cidade de São Paulo será a única a fazê-la isoladamente a partir de 2005. A estimativa da prefeitura é que a inspeção consiga reduzir a poluição em entre 30% e 40%. O controle das emissões por evaporação nas bombas dos postos e no abastecimento de caminhões que transportam combustíveis são medidas "básicas". Elas já vêm sendo adotadas com sucesso nos EUA, onde estão algumas das cidades que mais sofrem com o ozônio, como Los Angeles, diz Flavio Cotrim Pinheiro, pesquisador e consultor ambiental. É uma medida mais simples que mudar a formulação da gasolina. Cetesb e ANP (Agência Nacional do Petróleo) assinaram um acordo de cooperação técnica que prevê, entre outros, estudos para redução do teor de olefinas no combustível de 30% para entre 10% e 5%, mas isso esbarra em custo. As olefinas são hidrocarbonetos que ajudam a formar o ozônio. Elas reagem com muita facilidade, por isso, se estiverem em menor quantidade, o esperado é que menos ozônio se forme. Não é certo que a agência consiga o que quer, mas, em menos de dez anos, não haverá muito mais o que fazer para combater a poluição do ar, diz Homero Carvalho, gerente da Divisão de Engenharia e Fiscalização da Cetesb. Dano é comparado ao fumo passivo Estudo publicado na edição dessa semana do "New England Journal of Medicine", um dos mais prestigiosos periódicos médicos do mundo, compara os efeitos da poluição ao do fumo passivo e comprova que pessoas expostas a altos níveis de poluentes no período de crescimento têm capacidade pulmonar menor que as criadas em áreas "limpas". Segundo pesquisadores da Universidade da Califórnia do Sul, autores de "Os efeitos da poluição do ar no desenvolvimento do pulmão" e que monitoraram 1.759 pessoas dos 10 aos 18 anos, em 12 cidades, a incidência de jovens com capacidade pulmonar abaixo do normal entre as que cresceram em ambiente poluído é cinco vezes maior. "Déficits ligados à poluição", diz o texto, são "grande fator de risco para complicações e mortes na vida adulta". "Esse estudo é relevante também para o Brasil. Tenho certeza que os resultados são aplicáveis a São Paulo", diz Rob McConnell, um dos autores, que trabalhou na OMS (Organização Mundial da Saúde) e conhece a cidade. Sem ter dados específicos, ele diz crer que São Paulo provavelmente tem índices de poluição piores do que algumas das comunidades mais "sujas" analisadas. Entre as mais limpas, 1,6% dos adolescentes acompanhados entre 1993 e 2001 apresentaram capacidade pulmonar abaixo do esperado. Entre as poluídas, 7,9%. A diferença foi causada por um aumento menor da capacidade pulmonar entre os moradores das comunidades "sujas". Afirmam isso porque, aos dez anos, eles dizem, as capacidades pulmonares de todas as crianças, nas diferentes comunidades, eram semelhantes, e os incrementos proporcionais foram diferentes. "O nível de efeito que constatamos é semelhante ao do fumo passivo. É como se tivessem um fumante em casa", afirma. Com diferentes níveis de poluição nas 12 comunidades, os pesquisadores descobriram que há relação linear entre aumento dos poluentes no ambiente e queda da capacidade pulmonar. Entre as mais "sujas", parte da poluição vinha da vizinha Los Angeles. Mais um fator a aproximar a experiência da Califórnia à realidade brasileira. "São Paulo é um dos piores lugares da América Latina quando se trata de poluição, com Santiago, no Chile, e Cidade do México", declarou o autor. Parada Obrigatória Lançamentos oferecem 3 espaços, em média, contra 2, em 1993, revela estudo; oferta chega a até 7 Prédios ganham mais vagas na garagem Sobram carros nas ruas, falta lugar para eles nos prédios. Para resolver o problema, novos projetos ganham mais espaço na garagem. O número médio de vagas nos lançamentos aumentou 54%: de 2,01, em 1993, para 3,1, em 2004, segundo a Amaral d'Avila Engenharia de Avaliações. "Em regiões sofisticadas, são comuns condomínios que têm seis ou sete vagas por apartamento",

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completa João Freire d'Avila Neto, sócio da consultoria. Mas não é apenas o mercado de alto padrão que dá importância para as vagas. "Esse item tem valor em todos os níveis de preço", afirma Ely Wertheim, 44, vice-presidente de incorporação do Sinduscon-SP (sindicato de incorporadoras e construtoras). Por outro lado, os prédios mais antigos geralmente dispõem de pouco espaço para estacionamento. "Eles ficam prejudicados, com valor de venda menor", resume José Roberto Graiche Júnior, 33, diretor de condomínios da Aabic (associação de administradoras). "E é difícil alugar." "Em Higienópolis, há apartamentos grandes, que medem 300 m2, mas têm no máximo duas ou três vagas. Se fossem feitos hoje, não seria vendida uma só unidade", afirma Wertheim. Na compra de um apartamento novo, é possível adquirir espaço extra na garagem com a própria incorporadora. Quanto vale a vaga? "A vaga é vendida como unidade autônoma, e seu preço costuma variar de R$ 20 mil a R$ 35 mil", calcula Marcella Carvalhal, 32, gerente de marketing da Klabin Segall. No caso dos apartamentos usados, o espaço custa, em média, R$ 10 mil. O condômino também pode alugar a vaga de alguém que tenha uma "de sobra". Essa locação custa em torno de R$ 150 mensais, estima Maurício Calderon, 45, diretor da Convicta Assessoria e Administração de Imóveis. Outros prédios contratam manobristas. Nesse caso, o gasto é de cerca de R$ 1.500 com cada profissional. Para saber se a compra da vaga é vantajosa, vale recorrer à calculadora. Considerando um gasto mensal de R$ 150 com estacionamento dentro do edifício, compensa comprar o espaço se a intenção for morar no imóvel por, no mínimo, 18 anos, segundo cálculo do economista José Dutra Vieira Sobrinho, 65. A aquisição também valoriza o bem, já que, na hora da venda, o preço da vaga é somado ao valor do apartamento. Soluções Outra saída que valoriza o prédio é agregar um terreno ao lado para servir de estacionamento, segundo Elbio Fernández Mera, 60, vice-presidente de comercialização e marketing do Secovi-SP (sindicato da habitação). Nos estacionamentos pagos, há opções de mensalista integral, noturno ou semi-integral (o carro fica o dia todo e só é retirado depois das 21h) -confira nesta página os valores em diferentes regiões. Para aliviar o bolso, o síndico Maurício Botter Alfredo, 44, usou a criatividade e aproveitou espaços da área de circulação para desenhar 20 novas vagas nos dois subsolos do seu prédio, no Alto de Pinheiros (zona oeste da cidade), "uma para cada apartamento". Será a quarta vaga de cada morador. A mudança foi aprovada unanimemente pela assembléia do condomínio e precisará ser documentada no registro do imóvel -só então as vagas, hoje demarcadas com fita crepe, serão definitivamente pintadas. SÃO PAULO, TERÇA-FEIRA, 21 DE DEZEMBRO DE 2004 Consumo Vagas são insuficientes para atender a demanda dos que deixam as compras para última hora Estacionar em shoppings, tortura de Natal "Garagem lotada. Por favor, aguarde." O aviso da cancela automática na entrada de um dos 40 shoppings da capital paulista prenuncia uma tortura que é velha conhecida de seus freqüentadores -especialmente daqueles que, apesar das manobras, acabam deixando as compras de Natal para a última hora: a procura de uma vaga no estacionamento a R$ 4 por cada três ou quatro horas. Às vésperas da troca de presentes das comemorações de Natal, o fluxo de visitantes dos shoppings da cidade aumenta, em média, 20%. A cada dia da segunda quinzena de dezembro, complexos de lojas como o Center Norte (zona norte) contam mais de 150 mil visitantes e tem 12 mil vagas no estacionamento. O Metrô Santa Cruz (zona sul) atrai 85 mil visitantes por dia, mas tem 1.200 vagas -descontadas pela vizinhança do metrô. O West Plaza (zona oeste), 55 mil visitantes por dia para 1.890 vagas para carro. E o badalado Iguatemi, o shopping das lojas mais cobiçadas da cidade, 48 mil consumidores a cada dia da contagem regressiva pré-Natal para 1.824 vagas. Se em São Paulo há, em média, um veículo para cada dois habitantes, basta uma matemática simples para ver que a encrenca, nos estacionamentos desses shoppings, é grande. "Eu já venho de táxi porque detesto esses estacionamentos lotados", dá a dica a stylist Lara Gerin, 33. O estacionamento VIP, com serviço de manobrista, apesar de ser mais caro, tem sido cotado como alternativa ao pesadelo da busca por vagas. Erguida a cancela que dá acesso aos estacionamentos dos shoppings, o motorista tem 15 minutos para achar sua vaga ou sair sem pagar. Para contornar essa angústia, quem compra presentes em cima da hora acaba desenvolvendo técnicas anti-estresse no estacionamento, como parar perto do elevador e seguir as pessoas até o carro. Para o empresário Brasílio Alcântara Machado, 47, se os inconvenientes de Natal fossem só os estacionamentos lotados, estava bom: "O pior é a angústia de saber que ainda faltam muitos presentes, a loucura dos estacionamentos e o consumo desenfreado."

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SÃO PAULO, SEXTA-FEIRA, 28 DE JANEIRO DE 2005 Administração Proposta deve estar pronta em 30 dias e deve afetar ruas do centro, como a Barão de Itapetininga Serra estuda abrir calçadões para carros A Prefeitura de São Paulo deve concluir nos próximos 30 dias um estudo sobre a abertura de alguns calçadões do centro da cidade para o trânsito de veículos. Há 27 calçadões nas regiões da Sé e da República. A prefeitura ainda não definiu quantos serão alterados, mas a Folha apurou que o da Barão de Itapetininga, que liga a praça da República ao viaduto do Chá, pode ser um deles. Segundo o subprefeito da Sé, Andrea Matarazzo, há três propostas para os calçadões. Uma prevê a criação de vias de serviço: trechos asfaltados por onde possam trafegar veículos como carros-fortes e caminhões de limpeza. Outro plano é estipular horários específicos para o trânsito de veículos -assim, um trecho poderia ser destinado exclusivamente a pedestres durante o dia, por exemplo, e aberto para os carros à noite. Uma terceira idéia é a transformação total de alguns calçadões em ruas normais. O estudo irá verificar, entre outros aspectos, o impacto dessas mudanças no trânsito da região. A medida decorre de um pedido de comerciantes, que se queixam da dificuldade de acesso dos carros ao centro da cidade, afirma Matarazzo. Outro aspecto que tem influenciado a decisão é a segurança, já que os calçadões tendem a ficar ermos quando o comércio não abre. "A enormidade do calçadão da Sé à República matou o comércio, [o público que circula na região] é gente de passagem, que não vai lá para comprar. Temos que dar alternativas para quem quer usar veículos." Para Roberto Mateus Ordini, superintendente da distrital centro da Associação Comercial de São Paulo (ACSP), o movimento de pedestres nos calçadões estimulou a vinda de camelôs. "O calçadão ajudou a deteriorar a região nos anos 70. Com acesso complicado para carros, prédios ficaram desocupados e o comércio sofisticado acabou", diz. Com a abertura dessas áreas para veículos, a expectativa dos comerciantes é atrair um consumidor mais abastado. "Sabemos que o centro não vai voltar a ser o que era, mas podemos ter lojas de departamento, empresas grandes, para os turistas e a classe média." Ordini faz uma distinção, porém, entre o centro velho, onde ficam a igreja da Sé e a Bovespa, e o centro novo, localizado do lado oposto do vale do Anhangabaú. Segundo ele o comércio do centro velho não foi prejudicado pelos calçadões, que devem permanecer como estão. Além disso, as vias daquele local são muito estreitas para receber veículos. Já o centro novo foi "violentamente prejudicado", na avaliação de Ordini. Segundo ele, uma das ruas que precisam ser totalmente abertas a veículos é a 24 de Maio, onde funciona a Galeria do Rock. "A 24 de Maio parece uma feira, de tanta barraca. Desse jeito, a classe média acaba fugindo para os shoppings", afirma Ordini. A associação Viva o Centro também apresentou à prefeitura um projeto em que pede a abertura dos calçadões. Pela proposta, todas essas vias terão uma parte asfaltada. Segundo o presidente da ONG, Marco Antonio Ramos de Almeida, isso pouparia o piso, de pedra portuguesa e granito, e organizaria a passagem de veículos, que, na prática, já ocorre. "O calçadão é visto como uma área só para pedestres, mas por ele passam carros de polícia, de limpeza. E como não foi previsto nenhum tipo de limitação, eles trafegam por ali como querem", afirma Almeida. Usuários temem aglomeração e camelô na calçada A possibilidade de os calçadões do centro da cidade serem abertos a veículos não agradou aos usuários da região. "Prefiro que continue como está. Assim a gente tem mais comodidade para se locomover", disse a bancária Elaine Silva, 29. A mudança, proposta por comerciantes, prejudicaria o comércio, na avaliação da vendedora Manuela Meller de Sousa, 25, que trabalha em uma loja na Barão de Itapetininga. "Acho que no calçadão as lojas vendem mais, porque as pessoas têm mais espaço, circulam mais, olham as vitrines sem aquela preocupação com carro, com barulho de buzina." O casal Antonio Oliveira, 37, e Christiane Siqueira de Oliveira, 34, costuma ir ao centro de carro e não acha que o trânsito da região melhoraria com a abertura dos calçadões. "O problema daqui não é o ir-e-vir, e sim o estacionamento", diz Christiane. "Com o calçadão é melhor porque já são poucas as vias para pedestres", afirma Antonio Oliveira. "Aqui nos calçadões já passa um número grande de pessoas. Dependendo do horário, fica tudo aglomerado, as pessoas se atropelam. Se juntar todo mundo só numa calçada vai piorar", afirma a estudante Monique Cesnik, 18, que mora perto da praça da República. Para o administrador financeiro Fábio Paulo Silva Santos, 30, que mora no centro, a transformação de calçadões em ruas agravaria a relação entre os pedestres e os camelôs. "Eles não vão deixar de montar a barraca, então vai diminuir o espaço para quem quer caminhar." A vendedora ambulante Walkíria Santos, 41, que trabalha há mais de dez anos da rua 24 de Maio, comprova a tese do administrador. Para ela, a medida prejudicaria os pedestres. "Para mim não vai mudar nada, vou continuar trabalhando aqui do mesmo jeito. Mas, na minha opinião, a rua ia ficar brega."

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Objetivo era fazer pedestre curtir o caminho, afirma criador Acusados hoje de terem contribuído para a deterioração do centro de São Paulo, os calçadões surgiram na década de 70 para melhorar a região e dar mais qualidade de vida aos pedestres. O arquiteto Haron Cohen, que na época trabalhava na Emurb (Empresa Municipal de Urbanização), foi um dos responsáveis pelo projeto. A novidade vinha de cidades européias, como a alemã Munique, que, na mesma época, adotavam calçadões. "Falava-se nas ruas de pedestres como uma forma de as pessoas curtirem mais seus caminhos. O trânsito no centro era pesado, formava uma muralha de ônibus. Os pedestres estavam sendo jogados de lado." O arquiteto contesta que os calçadões tenham prejudicado o comércio ou tornado a região insegura. "No começo, quando não havia ambulantes, o comércio gostou muito." Para ele, o problema não está no modelo das vias, mas na falta de controle público sobre os camelôs e a violência. Na avaliação de Cohen, nenhum dos atuais calçadões pode ser totalmente aberto para o trânsito. "Isso seria uma loucura. Não tem como controlar o tráfego nem há necessidade de abri-los", diz o arquiteto, para quem o centro deveria ter mais calçadões. Equilíbrio Para especialistas ouvidos pela Folha, o ideal é o equilíbrio entre pedestre e automóvel. "Se houver um meio termo, apóio a abertura. Várias cidades que adotaram calçadões voltaram a permitir a passagem de carros, mas de forma domesticada, com horários específicos e em vias estreitas, onde um carro passa, mas não tem a primazia", diz o urbanista Celso Pirondi, diretor da faculdade de arquitetura Escola da Cidade. "Não vamos cair na ilusão de que a retomada de automóveis vai recuperar o centro. Assim como também não é interessante ter um bolsão onde não entra carro nenhum", afirma Nabil Bonduki, ex-vereador do PT e professor de planejamento urbano na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP. Ele ressalta que o objetivo deve ser estimular cada vez mais o uso do transporte coletivo na região. "Se houver um pólo forte de veículos no centro, será um caos." Para Renato Cymbalista, do Instituto Pólis, não adianta discutir a presença dos calçadões sem resolver a falta de moradores no centro. "O principal foco deve ser a habitação. Depois disso, analisar qual a melhor solução para o calçadão. Em alguns lugares, para facilitar a moradia, seria bom ter vias para carros. Tem soluções diferenciadas, como só dar acesso aos carros dos moradores." SÃO PAULO, DOMINGO, 13 DE FEVEREIRO DE 2005 MERCADO Vendas de veículos crescem mais que PIB, exportação aumenta 1037% Na China, bicicleta começa a ser substituida por carro Com um sexto da população mundial, uma economia que cresce 9,4% ao ano há mais de duas décadas e uma das mais baixas relações de carros por habitante, a China é um dos mercados mais promissores para as montadoras, que despejam bilhões de dólares em investimentos. Apesar da explosão nas vendas, o país continua a ser movido pelas bicicletas: há 0,45 carro para cada 100 habitantes. No Brasil, esse índice sobe para 28. No ano passado, 5 milhões de automóveis entraram no mercado chinês, e a expectativa é que o número fique na casa dos 6 milhões. Assim, o país deverá superar a Alemanha como o terceiro maior mercado de automóveis, atrás dos EUA e do Japão. Há sete anos, a China ocupava o 12º lugar. A vontade dos chineses de trocar a bicicleta por um carro ajuda a diminuir a capacidade ociosa das fábricas instaladas no Brasil. Segundo a Camex (Câmara de Comércio Exterior), em quatro anos, as exportações de carros para a China cresceram 1.037%, passando de US$ 24 milhões, em 1999, para US$ 273 milhões no ano passado. Ainda assim, eles compram só 2% dos carros exportados pelo Brasil. A GM embarca 10 mil kits de CKD (carros completamente desmontados) do Corsa, do Blazer e da S10. Já a Volks firmou um contrato de US$ 500 milhões para exportar o Gol desmontado.

REVISTA 4 RODAS NOVEMBRO/04 A cidade sem carro No Pará, há uma pequena cidade onde os automóveis não têm vez. Mas nem por isso o pessoal deixa de passear sobre quatro rodas. Em Afuá, ninguém tem carro e ninguém pisa no chão. Seus moradores vivem em palafitas e caminham sobre pontes de madeira que ligam as casas. O solo, permanentemente alagado pelo rio que banha a cidade, fica cerca de 1 metro abaixo de tudo. Por isso, a cidade paraense apelidou-se Veneza Marajoara. E por isso, também, a ausência total de carros – pelo menos de carros

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convencionais. Por lá, surgiu uma espécie automobilística que faz tanto sucesso e provoca tantos desejos quanto os carros nas sociedades motorizadas. Batizada de bicitáxi, a invenção saiu da cabeça do afuaense Raimundo do Socorro Gonçalves, o Sarito. Por décadas, Afuá, fundada em 1871, viveu a pé ou de bicicleta. Mas o crescimento da cidade despertou em Sarito a necessidade de criar um meio de locomoção para que as pessoas pudessem sair acompanhadas. "Eu queria passear com a minha família e não tinha como", explica Sarito, casado e pai de quatro crianças. Em sua oficina nos fundos de casa, ele construiu o protótipo de madeira em agosto de 1995. "Quando saí pra passear, o pessoal cresceu o olho e começou a copiar", afirma. Inicialmente, a máquina tinha três rodas. Logo, modernizada, ganhou a quarta. Segundo a prefeitura, pelas passarelas de madeira de Afuá rodam quase 100 bicitáxis – todos produzidos sobre o corpo de duas bicicletas colocadas lado a lado. Para agüentar o peso extra, o conjunto recebe rodas mais resistentes e pneus do tipo cargueiro. As pedaladas ficam mais leves com a instalação de uma coroa traseira maior na corrente dos pedais. Mas tem quem prefira a coroa menor para ganhar velocidade. Sim, o afuaense também dá suas aceleradas ao volante (volante mesmo, não é guidão). E, como não há sinal de trânsito e as vias não são largas, ocorrem acidentes. "É coisa leve", afirma o balconista Doranildo Almeida, de 23 anos. Ele transformou duas bicicletas em uma Ferrari. A carenagem vermelha recebeu aerofólio e o logotipo da escuderia italiana. A coroa escolhida foi a pequena, "pra ganhar torque". E o volante é acionado por uma corrente. "Fica molinho, igual a direção hidráulica", compara. Sua Ferrari tem ainda faróis dianteiros, pisca, CD player e duas caixas de som emprestadas de um aparelho 3-em-1 – os motoristas de lá também têm a estranha mania de ouvir som no último volume: no porta-malas de muitos bicitáxis são colocados subwoofers com até 12 polegadas. Ao todo, Doranildo, fã do piloto Rubens Barrichello, calcula ter investido 2500 reais no carro. Nas noites de sexta e sábado, a maioria dos bicitáxis sai das garagens. Jovens se reúnem na praça, casais namoram pedalando e senhores vão visitar os amigos. Durante a semana, os carrinhos levam o afuaense às compras e ao trabalho. "Para chegar ao meu emprego, levo quase 15 minutos a pé. De carro, demoro menos de 10", diz Ciça Cardoso, de 29 anos, que mandou instalar o sistema de som e a capota. O comerciante Maurélio Pacheco de Oliveira, de 33 anos, é outro apaixonado pelas quatro rodas. "Já que não podemos ter um carro de verdade, o jeito é caprichar no bicitáxi." O dele tem capota, bancos estofados, luz de freio, subwoofer, porta-CDs e volante Cougar com buzina. "É como na cidade. Todo mundo quer ter o melhor." Motor é proibido por lei - Augusto Moreira, fã do Fiesta, que até escreveu o nome do modelo da Ford, investiu 2750 reais em seu bicitáxi. Apesar da cobiça de vários pretendentes, não vende seu veículo. O mercado de bicitáxis usados em Afuá é relativamente movimentado. Por ser difícil encontrar bicicletas pequenas em Macapá (AP), a capital mais próxima, o interessado acaba olhando com atenção e generosidade financeira para os modelos existentes. O turista também pode optar por passear de bicitáxi por Afuá. A locação por hora custa de 5 reais (sem som) a 8 reais (com som). Não é necessária habilitação mas, devido ao trânsito que às vezes se forma nas ruas estreitas, um pouco de prática cai bem. "Não é qualquer um que sai pedalando por aí", diz Sarito. Os próximos lampejos do inventor, também chamado de Professor Pardal e até de Santos-Dumont, é colocar amortecedores e bolar um jeito de fazer a estrutura ser dobrável. "Tem muita gente de fora que quer comprar. Afuá pode começar a exportar bicitáxis", afirma ele. Pelo menos Inajá, o município vizinho, já comprou duas unidades. Motor? Nem pensar. É proibido por lei municipal. No momento, Afuá vive dividida entre os que querem ver as ruas de madeira preservadas e os que preferem as vias de concreto, que já tomam 10% da cidade. A vantagem da substituição é a durabilidade: as ruas de madeira requerem manutenção constante. Por outro lado, o concreto vem tornando a cidade mais quente e tirando boa parte do charme da cidade sem carros, que no ano que vem se prepara para comemorar dez anos de bicitáxi.

JORNAL O GLOBO 02/05/2005 Shopping Centers Mudam De Opinião E Alguns Não Cobram Estacionamento Justiça decide até quarta-feira mérito da ação contra a lei da gratuidade A polêmica sobre a cobrança do estacionamento nos shoppings da cidade deu um nó na cabeça de quem foi às compras no fim de semana. Enquanto muitos consumidores reclamaram no sábado por serem obrigados a pagar pelo estacionamento, outros foram surpreendidos com a decisão de não fazer a cobrança, tomada ontem por parte dos shoppings. Segundo os administradores de shoppings como o NorteShopping, o BarraShopping e o Shopping Tijuca, a gratuidade será mantida até que o mandado de segurança impetrado pela Associação Brasileira de Shoppings Centers (Abrasce) contra a Lei estadual 4.541, que isenta os clientes do pagamento, seja julgado. Segundo o Tribunal de Justiça (TJ), o julgamento acontece até quarta-feira. Jurista diz que liminar tem efeito imediato. Depois que o desembargador Jorge Uchoa de Mendonça, do Órgão Especial do TJ, acolheu o mandado de segurança e concedeu liminar suspendendo os efeitos da lei, na quinta-feira

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passada, a Abrasce emitiu um comunicado aos shoppings afiliados garantindo que a cobrança do estacionamento no fim de semana estava autorizada. Apesar disso, o deputado Gilberto Palmares (PT), autor da lei, e o promotor Rodrigo Terra, da 2ª Promotoria de Defesa do Consumidor, garantiram que a medida só teria efeito depois de sua publicação no Diário Oficial. Palmares chegou a distribuir panfletos condenando a liminar na porta de shoppings da Zona Norte e terminou o dia de ontem na 20ª DP (Vila Isabel) registrando queixa contra o Shopping Iguatemi. No entanto, segundo o jurista Célio Borges, a liminar tem caráter imediato. Por conta disso, nenhum dos shoppings que cobraram pelo estacionamento estaria sujeito a qualquer punição. — A liminar subsiste enquanto o mérito da questão não é julgado e não precisa ser publicada em Diário Oficial para entrar em vigor — explica o jurista, que foi relator da ação que derrubou a lei estadual 2.050, de 1992, que também proibia a cobrança em estacionamentos de shoppings. Ainda assim, o promotor Rodrigo Terra afirmou ontem que o Ministério Público estadual deve ajuizar uma ação coletiva exigindo que os shoppings devolvam em dobro o valor cobrado pelo estacionamento neste fim de semana. Em meio às divergências, os consumidores que aproveitaram o último fim de semana antes do Dia das Mães para fazer compras reclamaram da confusão. Shoppings como o RioSul e o Nova América decidiram cobrar pelo estacionamento mas acabaram concedendo a gratuidade para os clientes mais exaltados. Ontem, no NorteShopping, a designer Patrícia Silveira conseguiu a gratuidade, mas também reclamou da confusão. — A lei não está mais valendo? Está? Bom, ao menos não vou ter que pagar pelo estacionamento hoje — disse. No Downtown, que esta semana declarou não estar sujeito aos efeitos da lei da gratuidade por ser um condomínio, cartazes afixados na entrada do estacionamento avisavam aos clientes que a liminar expedida pelo TJ garantia a cobrança. Mesmo assim, Alexandre Armiliato, um cliente que no sábado gastou cerca de R$80, afirmou ter sido humilhado depois de se recusar a pagar o estacionamento. Ele teve de discutir por mais de duas horas antes de ser liberado. 30/04/2005 Vagas: Shoppings E Justiça Não Se Entendem Abrasce manda estabelecimentos cobrarem estacionamento e TJ diz que liminar só vale após a publicação A uma semana do Dia das Mães, a segunda data mais importante para o comércio do Rio, a polêmica sobre a cobrança de estacionamento nos shoppings continua. Ontem, às 16h, a Associação Brasileira dos Shopping Centers (Abrasce) emitiu um comunicado autorizando seus afiliados a cobrar o estacionamento normalmente neste fim de semana. Mas a assessoria de imprensa do Tribunal de Justiça do Rio informou que a liminar que suspendeu a lei da gratuidade só vale a partir da publicação no Diário Oficial do Judiciário, na terça-feira. O promotor Rodrigo Terra, da Defesa do Consumidor, diz que o pagamento só será obrigatório após a publicação da decisão liminar no DO. Segundo ele, se os shoppings exigirem o pagamento, é melhor o consumidor pagar e depois registrar queixa de constrangimento ilegal na delegacia: — O consumidor registra a queixa e depois poderá receber o valor pago em dobro — orientou Terra. No meio do fogo cruzado de informações, ocorreu de tudo ontem nos shoppings centers da cidade. Houve quem pagou no início da tarde sem saber que ainda podia apresentar as notas fiscais; quem tentou trocar as notas e não conseguiu; e quem saiu satisfeito sem ter que botar a mão no bolso. Pela Lei 4.541, alvo do mandado de segurança, tem direito à gratuidade quem gastar nos estabelecimentos dez vezes mais do que o valor cobrado pelo estacionamento. Ontem, os deputados Paulo Melo (PMDB) e Gilberto Palmares (PT) apresentaram um projeto de lei para estender a gratuidade — suspensa temporariamente — para os centros comerciais, acreditando que assim incluirão o Downtown, que alega ser um condomínio. Industrial gastou R$400 mas teve que pagar por vaga O Nova América Outlet Shopping foi um exemplo de como não estava fácil saber o que fazer. Apesar de a assessoria de imprensa do estabelecimento ter garantido que até as 16h estava valendo a gratuidade, os guichês não traziam qualquer informação e faziam a cobrança normal. Cheio de sacolas, o industrial Luiz Fernando Reis apresentou mais de R$400 em notas para deixar o shopping sem pagar, mas foi logo avisado por uma funcionária sobre o mandado de segurança. — Mal a lei começou a valer e já foi derrubada? Acho um absurdo a volta da cobrança — reclamou Luiz Fernando Reis. Com os guichês anunciando a gratuidade até o fim da tarde de ontem, o BarraShopping, segundo sua assessoria, retomaria a cobrança a partir das 19h. Às 13h, a professora Renata Costa conseguiu trocar as notas fiscais para não pagar. Mas, cinco minutos depois, a gerente de vendas Rosana Portugal se distraiu, pagou e, quando quis o dinheiro de volta, não teve: — No NorteShopping, onde fui mais cedo, a própria funcionária me disse que a gratuidade estava valendo. Aqui, ninguém me disse nada e acabei pagando. Depois, não consegui o dinheiro de volta. Como fiquei sabendo da liminar que suspendeu o efeito da lei, não insisti. No Downtown, os guichês também tinham um aviso confirmando a gratuidade à tarde. Mas nem sempre os clientes saíam sem pagar o estacionamento. A propagandista Rita de Cássia gastou R$140 e teve que pagar R$3,50: — É uma pena, mas me informaram que a lei não está valendo mais. Procuradoria pede

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cassação de liminar Já o empresário Omar Dias precisou insistir muito. Primeiramente, ouviu do atendente no guichê que a liminar havia sido divulgada na imprensa. Mas suas notas fiscais foram aceitas: — Está tudo muito confuso. Não ia apresentar as notas porque sabia da liminar, mas resolvi arriscar e deu certo. No início da noite, entretanto, o Downtown garantiu que não voltaria a cobrar até um parecer final de seus advogados. Ontem, a Procuradoria Geral do Estado entrou com um agravo e um mandado de segurança no Órgão Especial do TJ para tentar cassar a liminar concedida à Abrasce e restabelecer a gratuidade nos estacionamentos dos shoppings. NOTAS FISCAIS GARANTEM GRATUIDADE EM ESTACIONAMENTOS DE SHOPPINGS 08/04/2005 Lei sancionada ontem pela governadora começa a valer hoje no estado A gratuidade dos estacionamentos nos shoppings começa a valer hoje. O benefício será concedido aos consumidores que provarem, com notas fiscais, que gastaram pelo menos dez vezes o valor cobrado pela vaga. Os gastos poderão incluir despesas com alimentação e entretenimento, como cinema, e terão que ser feitos num período ..